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REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE
CONSELHO TÉCNICO DE GESTÃO DE CALAMIDADES
Estratégia para a Redução da Vulnerabilidade e o Desenvolvimento Sustentável
nas Zonas Propensas às Cheias em Moçambique
(Versão Preliminar para Discussão e Comentários)
‐ Fevereiro 2009 ‐
Com o apoio de
Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos
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1. INTRODUÇÃO Nestas últimas decadas Moçambique tem registado um sensível aumento da incidência das calamidades naturais tais como cheias, ciclones, secas e sismos. É cada vez mais evidente que o impacto destas calamidades influi negativamente no processo de desenvolvimento do País. Por outro lado, uma situação de crise gerada por uma calamidade pode constituir uma oportunidade única para se pensar e pôr em práctica novos mecanismos de desenvolvimento que permitam reduzir o risco das populações vulneráveis e conferir maior sustentabilidade às intervenções levadas a cabo no terreno.
Em Moçambique tentou‐se desde a independência de desenhar e implementar operações massivas de reassentamento seja de populações dispersas, num esforço de concentrá‐las num local onde pudessem ter um melhor acesso às infraestruturas e aos serviços básicos e sociais1, seja de populações vulneráveis às calamidades naturais, em particular às cheias. Porém, a partir da leitura de alguns estudos ‐tais como Yachan (2002), Calengo e Moreno (2002) e UEM (2009)‐ pode‐se deduzir que estas operações ainda não produziram os resultados desejados em termos de sustentabilidade e de aceptação por parte das famílias reassentadas, sobretudo tendo em conta o grande esforço empreendido pelo Governo para levá‐las a cabo.
Um estudo recentemente concluído pelo Departamento de Arqueologia e Antropologia, na Faculdade de Letras, Universidade Eduardo Mondlane (UEM), intitulado: Estudo Sócio‐Antropológico sobre Reassentamento Pós‐Cheias no Vale do Zambeze ‐ 2008: Tete, Manica, Sofala e Zambézia ‐a seguir referido por UEM (2009)‐ demonstra claramente como as famílias camponesas reassentadas são ainda fortemente dependentes das machambas localizadas nas zonas baixas propensas às cheias para se sustentarem. O estudo salienta que “... entre os reassentados existem três tendências diferenciadas: os que retornam definitivamente para as zonas de origem; os que diariamente fazem as suas vidas nos dois lados (bairro de reassentamento e zonas de origem) e, os que sazonalmente intercalam a sua estadia entre os bairros de reassentamento e as zonas de origem.” Ou seja, não existe nenhuma categoria de pessoas que consegue se sustentar unicamente a partir dos recursos localizados dentro ou a volta dos bairros de reassentamento. O mesmo estudo observa que “no que tange aos que retornaram definitivamente às zonas de origem, constatou‐se que embora conscientes do perigo de viver nas zonas baixas, estes alegam os seguintes factores: que estas zonas são propícias para prática da agricultura, que é a sua principal actividade de subsistência; que são as suas terras; que as machambas e a água ficam próximas das residências; e é lá onde estão enterrados os seus antepassados e onde realizam os seus rituais”. Ou seja as famílias voltam para as zonas de risco e retomam os seus sistemas de sobrevivência precários, porém conhecidos, onde conseguem encontram os recursos e estabelecer as condições para responder às suas necessidades fundamentais.
Com vista a definir um quadro mais completo das dinámicas migratórias em Moçambique, assim como noutros países Africanos, é preciso reconhecer a existência dum exodo rural crescente para as zonas urbanas. As estadísticas oficiais ao nível internacional (UNDESA, 2007) mostram um fenómeno irreversível de crescimento urbano em Moçambique, o qual vai ultrapassar a média projectada para os países da África Sub‐Sahariana na próxima década. Os factores de atracção da população para as zonas urbanas são: (i) a existência de infraestruturas e de serviços, (ii) o acesso ao mercado, (iii) a possibilidade de emprego, entre outros. É preciso salientar que na percepção das pessoas originárias das zonas rurais,
1 Este era o objectivo principal do Programa das Aldeias Comunais levado a cabo durante vários anos após independência.
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estes factores oferecem a possibilidade de dar um salto qualitativo nas condições de vida. Por isso, estão dispostas até a viver em zonas peri‐urbanas degradadas. Esta observação constitui uma base importante para sustentar a estratégia proposta neste documento. 2. QUADRO ESTRATÉGICO E DE PLANIFICAÇÃO EXISTENTE O Plano Director para a Prevenção e Mitigação das Calamidades Naturais aprovado em 2006 define o quadro das intervenções a serem implementadas neste âmbito num horizonte temporal de 10 anos. É preciso realçar que este Plano baseia a sua estratégia de implementação na atitude de auto‐confiança e a participação comunitária, e propõe entre outros instrumentos a criação de Centros de Recursos e de Uso Múltiplo (CERUM) para o processamento de informação, o desenvolvimento de tecnologias apropriadas, a gestão colectivizada de risco e a troca de experiências.
O Conselho Técnico de Gestão de Calamidades (CTGC) elaborou em 2008 uma estratégia para a Organização do reassentamento como forma de redução de vulnerabilidade às calamidades naturais e combate a pobreza. Este documento fundamenta a criação do Gabinete de Coordenação de Reassentamento e Reconstrução (GACOR) e revisita o conceito de reassentamento. Em particular salienta que “na estratégia de redução do risco às calamidades, o reassentamento deverá ser considerado a opção final depois de esgotadas as possibilidades de reduzir a vulnerabilidade das pessoas nos locais onde vivem. Várias formas podem ser consideradas para evitar a movimentação das pessoas... Por outro lado, quando a deslocação e a única solução possivel, esta deve se revestir de motivos atraentes para as populações”. Para o efeito, foi introduzido o conceito reordenamento rural como processo permanente, com dois vectores complementares: (i) o vector 1 que prevê o melhoramento das condições de residência da população vulnerável de modo a reduzir ou a eliminar o risco de desastres; (ii) o vector 2 que se refere à opção de movimentar as pessoas quando o vector 1 não é funcional ou viável.
O Plano de Reassentamento e Reconstrução Pós‐Calamidades 2007 e 2008 aprovado pelo Conselho Coordenador de Gestão de Calamidades (CCGC) e em curso de implementação fixa os seguintes objectivos a serem alcançados nos bairros de reassentamento:
• edificar casas melhoradas;
• providenciar o acesso a água e ao saneamento básico, bem como aos serviços de saúde e educação;
• assegurar a produção e produtividade agricola;
• assegurar a assistência alimentar e nutricional;
• criar as condições para a ampliação das escolhas de geração de renda, em particular através do estabelecimento de centros comunitários de recursos para a aquisição e divulgação de tecnologias, comercio, cursos de formação e diversificação de actividades professionais, etc.
• Criar condições para a redução do risco às calamidades naturais em particular através do estabelecimento de Comités Locais de Gestão de Risco (CLGR’s).
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3. PRINCÍPIOS A CONSIDERAR PARA A PROPOSTA DE ESTRATÉGIA
Tendo em conta as observações formuladas na introdução, podem ser extraidos alguns princípios fundamentais a partir do quadro estratégico e de planificação existente, os quais irão constituir a base para a formulação duma Proposta de Estratégia para a Redução da Vulnerabilidade e o Desenvolvimento Sustentável nas Zonas Propensas às Cheias em Moçambique (ver o capítulo seguinte).
1º Princípio: É preciso focalizar nas necessidades básicas e na auto‐confiança das comunidades
vulneráveis
Como foi salientado anteriormente, as comunidades afectadas pelas calamidades naturais são geralmente reticentes em fixar‐se em novos locais de reassentamento. À primeira oportunidade retornam aos seus locais de procedência, mesmo que estes sejam zonas de risco. Analisando os motivos deste fenómeno, alguns dos quais foram confirmados pelo estudo socio‐antropológico levado a cabo pela UEM (2009), pode se depreender que nos locais de reassentamento a população deslocada tem as seguintes dificuldades:
• acesso a terras suficientes, próximas e produtivas, incluindo para pousio (de modo a garantir uma produção agrícola sustentável) e para pastagem do gado (onde houver);
• acesso a água, um recurso muitas vezes escasso ou distante;
• acesso a lenha, a qual geralmente fica distante e a sua provisão torna‐se cada vez mais dificil;
• o processo de integração no novo local é complexo, já que o tecido social, composto por líderes locais e regido através de um sistema bem definido de gestão da comunidade e dos recursos, bem como de resolução de conflictos, fica desarticulado.
Mesmo se as perspectivas de desenvolvimento nos bairros de reassentamento são boas e apreciadas, o tempo necessário para a sua efectivação é longo. Consequentemente, os reassentados deverão produzir os seus alimentos e encontrar mecanismos de sobrevivência até que a situação no novo local se estabilize. Nesta fase difícil de adaptação, muitos são obrigados a voltar para os seus locais de origem.
A partir destas observações destacam‐se dois aspectos muito importantes no processo de definição da proposta de estratégia:
(i) as comunidades centram as suas prioridades nas suas necessidades básicas;
(ii) as comunidades têm um nível elevado de auto‐confiança nas suas capacidades.
Estes dois aspectos representam factores fundamentais numa perspectiva de redução da vulnerabilidade, já que podem permitir desencadear um processo de desenvolvimento contínuo logo após uma calamidade e durante o período intermédio de reconstrução, quer nos locais de reassentamento, quer nos locais de origem ou de permanência habitual.
2º Princípio: A comunidade tem uma capacidade de organização que deve ser apropriadamente
considerada
O sistema organizacional das populações rurais interliga a família com a comunidade circunvizinha, a qual por sua vez está está inserida numa comunidade mais alargada. Esta última compartilha as zonas de produção agrícola e é regida por regras de gestão interna e de resolução de conflictos, seja para questões sociais, seja para o uso dos recursos naturais (em particular da terra). Internamente, uma comunidade
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afectada por uma calamidade reconhece este sistema organizacional e as suas estruturas. Porém, uma vez reassentada, as famílias desta mesma comunidade ficam com poderes muito limitados fora do seu território de origem. Pior ainda se forem reassentadas num território gerido por outra comunidade com regras diferentes.
As comunidades rurais são:
(i) fortes nos aspectos de organização social e na gestão do uso da terra e de outros recursos naturais;
(ii) menos fortes nos aspectos que concernem a produção agricola;
(iii) muito fracas para coordenar e articular propostas técnicas e económicas de desenvolvimento.
Estas mais valias e carências dão indicações claras sobre as áreas que podem ser aproveitadas ao nível das comunidades, e outras onde é preciso intervir através de um processo de capacitação, de maneira a permitir um salto qualitativo na redução da vulnerabilidade e no processo de desenvolvimento em geral.
3º Princípio: O território da comunidade rural precisa de requisitos básicos
De acordo com o estudo socio‐antropológico da UEM (2009), a “unidade sócio‐espacial de habitação destas famílias rurais [é] o espaço onde se desenvolvem actividades de produção e de colecta, de caça, de pastagem. Todas estas actividades realizam‐se num espaço circundante ao núcleo habitacional, composto de terras cultivo, fontes de água e pastagens, que garantem a sobrevivência do agregado familiar, constituindo as bases da sua autonomia nos aspectos económicos e sociais”.
Portanto, as comunidades rurais têm um vasto conhecimento sobre o uso da terra, as áreas necessárias para a produção familiar usando os meios disponíveis, a capacidade de carga dos solos, as distâncias possíveis de percorrer para produzir e transportar a colheita, os tempos necessários e os recursos disponíveis para o transporte da lenha e da água. Estes e outros conhecimentos e práticas lhes permitem determinar a concentração de agregados famíliares num mesmo local, optando por pequenos aglomerados distanciados pelas áreas de trabalho agrícola. As famílias encomtram a água nas proximidades das suas casas, e num raio de 2 ou 3 quilómetros abrem as machambas, têm terras em pousio e obtem a lenha. As terras reservadas para pastagem variam dependendo do número de cabeças de gado. Dentro duma área mais alargada, estes aglomerados podem contar com terras para absorver o crescimento populacional. Contudo, quando a capacidade de carga na área de produção atinge o seu limite, parte ou todo o aglomerado desloca‐se para um novo local, procurando melhores colheitas. O novo local geralmente tem a mesma estrutura de gestão (Yachan, 2002).
Este tipo de assentamento e uso dos recursos naturais é funcional pois, responde às características técnicas de produção agrária e ajuda a preservar o meio ambiente. Por outro lado, dificulta o processo de desenvolvimento do País e torna as comunidades rurais mais vulneráveis às calamidades naturais. Outra característica desses pequenos assentamentos é de manter uma estreita ligação com as unidades vizinhas. Porém falta‐lhes desenvolver um intercâmbio económico, social e tecnológico ao nível do Distrito e da Província que lhes permita sair do estado de quase subsistência em que a população se encontra, com vista a passar para um estágio mais avançado de desenvolvimento.
Até que as melhorias técnicas e de aproveitamento dos recursos não estejam assumidas e em uso pela população, cada família continuará precisando de área para machamba (1 a 1.5 ha), área para pousio (durante um período de 3, 4 ou mais anos), área de floresta para lenha e outros usos (2 a 3 ha), área para pastagem (3 a 5 ha por cabeça de gado), etc. De notar que a medida que se procede ao
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reflorestamento ou se utilizem energias alternativas, pode‐se diminuir as áreas reservadas para floresta. A medida que se introduzem sistemas de irrigação, melhores sementes, adubos, técnicas de conservação da colheita, outras fontes de rendimento, etc., pode‐se reduzir as áreas de produção e pousio. O mesmo para o gado, quando se introduzem sistemas diferentes de alimentação, pode‐se reduzir as áreas para pastagem.
Percebe‐se que o sistema de sobrevivência da comunidade rural é bastante frágil, já que se baseia sobre um equilíbrio precário e complexo de uso dos recursos. Assim sendo, só pode ser modificado através de um processo gradual e bem planificado. Para uma família reassentada que ainda depende das machambas localizadas nas zonas baixas, o aumento da distancia para cultivá‐las pode afectar o seu nível alimentar. Alternativamente, um processo de densificação das machambas perto do bairro de reassentamento pode acelerar a erosão. Portanto antes de se distanciar as áreas para agricultura do núcleo familiar, deveriam existir meios de transporte e um sistema rodoviário adequado. Assim como para se evitar um processo de densificação que degrada o solo perto dos bairros de reassentamento, é preciso fornecer melhores meios de produção ou devem existir alternativas de emprego.
Nesta perspectiva, é imprescidível que nos bairros de reassentamento se crie uma assistência técnica para melhorar os sistemas de produção e aumentar a produtividade, diversificar a produção, melhorar os sistemas de comercialização, a ligação rural‐urbana, os sistemas de irrigação, o acesso a água potável, os meios de comunicação, etc., com vista a reduzir a carga sobre a terra e obter aglomerados com uma maior densidade populacional. Esta condição justificaria os investimentos em serviços e infraestruturas, tornando o processo de desenvolvimento cada vez mais sustentável.
Concluíndo, na proposta de estratégia tentar‐se‐á balancear a necessidade de desenvolvimento com os requisitos imediatos de cada família para continuar a produzir e poder satisfazer às suas necessidades básicas.
4º Princípio: É imprescindível iniciar‐se um processo de “urbanização” do sector rural
É sabido que as comunidades rurais vulneráveis às calamidades naturais, na sua maioria, salvo excepções, não contam com água canalizada, electricidade, vias de acesso transitáveis todo o ano, nem com serviços de saúde e de educação. Mais importante ainda, faltam‐lhes infraestruturas para o seu desenvolvimento económico e uma rede de apoio técnico para poder melhorar a produtividade agrícola, comercializar os productos e diversificar as actividades económicas. Em outras palavras, é preciso “urbanizar” o sector rural para poder reduzir a vulnerabilidade da sua população.
Actualmente as comunidades rurais e os seus líderes locais carecem de meios, experiência e conhecimentos para financiar, manter ou apoiar este processo de “urbanização”. Também carecem da possibilidade de realizar parcerias com entidades públicas, privadas e outras (tais como ONG’s, grupos religiosos, associações, etc). Não têm acesso a crédito nem podem pagar por este tipo de serviços. Por outro lado, o Estado conta com recursos limitados e não pode assumir‐se a responsabilidade de financiar este processo no longo prazo. Para além do apoio do Estado, é preciso estabelecer acordos de parceria com entidades privadas e outras, bem como introduzir mudanças graduais nos sistemas de produção ao nível local com vista em torná‐los mais eficientes.
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5º Princípio: É preciso assegurar um processo continuo de capacitação e reforço institucional
Como foi visto nos quatro princípios anteriores, as comunidades rurais afectadas pelas calamidades naturais têm conhecimentos e experiências em algumas áreas e carecem de outros conhecimentos e meios que lhes permitam passar do estado de desenvolvimento em que se encontram para outros mais elevados. Também é sabido que o aparelho do Estado tem recursos humanos, técnicos e financeiros limitados. Com um maior desenvolvimento ao nível rural, a pressão sobre a administração e gestão distrital e provincial será maior, apresentando dessa forma novos desafios ao desempenho institucional, para o qual também requererá de capacitação adicional.
A necessidade duma capacitação contínua e dum reforço institucional liga‐se com os quatro princípios acima enumerados porém, para destacar a sua importância, é apresentado como princípio independente. A capacitação e o reforço institucional deve inicialmente concentrar‐se nas funções onde os diferentes intervenientes têm maiores dificuldades e onde possa marcar uma diferença qualitativa, possibilitando outros aspectos do desenvolvimento duma forma sustentável. Assim pode‐se melhorar o desempenho da comunidade rural, das instituições do Estado e dos parceiros locais. 4. PROPOSTA DE ESTRATÉGIA PARA A REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE E O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL NAS ZONAS PROPENSAS ÀS CHEIAS EM MOÇAMBIQUE
Com base no quadro estratégico e de planificação apresentado na Secção 2 e nos princípios enumerados na Secção 3, propõem‐se três linhas estratégicas de intervenção com vista a reduzir a vulnerabilidade das comunidades que moram em zonas propensas as cheias e a estimular mecanismos de desenvolvimento sustentável. Trata‐se basicamente de uma proposta de intervenção simultánea de reordenamento rural e de capacitação institucional a ser desenvolvida na forma seguinte:
1ª linha estratégica de intervenção: Estabelecimento de bairros de reassentamento em zonas seguras e adequadas
Esta linha de intervenção prevê o estabelecimento de bairros de reassentamento em zonas seguras (fora do alcance das águas de cheias) e adequadas (a uma distancia razoável das zonas produtivas) com um mínimo de infraestruturas. Estes bairros devem poder funcionar como centros de atração de recursos, investimentos e população, de difusão de técnicas, de prestação de serviços e de comercialização. Os bairros poderão servir uma população dentro dum raio de 10 a 20 kms incluíndo as zonas productívas/de risco.
2ª linha estratégica de intervenção: Instalação de plataformas de apoio em zonas fértieis propensas à cheias moderadas
Propõe‐se a instalação de plataformas de apoio nas zonas fertiéis das planícies fluviais propensas à cheias moderadas, que possam servir como serviços sociais e/ou centros de recursos de uso múltiplo em tempos normais e como refúgios em caso de cheias. Estas plataformas deverão ser bem conectadas com acessos aos bairros de reassentamento, de modo que a combinação das intervenções propostas nas primeiras duas linhas estratégicas constituam um quadro espacial organizado e interligado.
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3ª linha estratégica de intervenção: Estabelecimento de um processo continuo de capacitação institucional e local
É preciso instaurar um processo gradual e permanente de reforço da capacidade aos vários níveis de intervenção (sobretudo distrital e local) nas áreas de governação, de gestão local e de prestação de serviços, em particular com vista a reduzir a vulnerabilidade e a aumentar a produtividade agrária.
Para começar o exercício de reordenamento rural e com vista a assegurar que os investimentos realizados para a redução de risco sejam sustentáveis, é preciso levar a cabo um estudo abrangente da vulnerabilidade territorial às cheias nos vários distritos do País, de maneira a localizar adequadamente os bairros de reassentamento bem como as plataformas de apoio. O estudo deverá incluir a analise das muitas variáveis que intervêm no ordenamento territorial no que concerne as zonas propensas às cheias e a inter‐conexão entre o distrito e a província.
Importa notar que os grandes investimentos previstos para construção de barragens (Moamba Major, Bué Maria e Licungo) e de diques (nas bacías de Incomati, Limpopo, Save e outros) são válidos e necessários, porém não vão ser tratados neste documento. O que se propõe aqui poderá perfeitamente ser complementado por grandes investimentos quando estes forem efectuados.
Para implementar a proposta de acção, pelo menos três condições preliminares são necessárias:
a) o Governo deve articular as políticas nacionais com as necessidades da comunidade local;
b) a comunidade local deve estar motivada e engajada para melhorar as suas condições de vida, em particular a sua produtividade agrícola; e
c) deve existir um sistema de governação e gestão local capaz, reconhecido pelas comunidades e com autoridade delegada pelo Governo.
4.1. 1ª linha estratégica de intervenção: Estabelecimento de bairros de reassentamento
Como já foi indicado, os bairros de reassentamento devem ser localizados em zonas seguras e adequadas. Para o efeito o bairro deve reunir as seguintes condições mínimas:
• ser conectado com acessos às zonas de risco e à sede do distrito;
• ter capacidade de armazenamento de bens e de alojamento;
• dispor de serviços de saneamento e de água potável em quantidade suficiente para a sua população habitual e para os momentos de alta concentração devido às famílias deslocadas durante uma emergência;
• dispor de serviços de escola e de saúde, bem como apresentar outras infra‐estruturas e serviços para desempenhar funções próprias antes, durante e após a ocorrência desta situação;
• as machambas devem ser localizadas a uma distância não superior aos 4 ou 5 km da zona residencial, e devem apresentar uma área suficiente para produzir comida, e eventualmente também para produzir o excedente com vista a comercialização, para pousio e para pastagem do gado; o bairro deve estar localizado em proximidade de uma área suficiente de floresta para ter acesso a lenha.
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Para além dos incentivos (importantes) a serem aplicados neste momento para atrair as famílias que vivem nas áreas vulneráveis para os bairros de reassentamento, tais como os subsídios para a construção de casas melhoradas, o melhoramento do acesso aos serviços básicos e sociais (como escola e posto de saúde) e a instalação de infraestruturas, esta proposta de estratégia sugere insistir nos seguintes aspectos com vista em satisfazer as necessidades básicas da comunidade rural, os quais podem estar interligados:
É importante que a alocação de terra para produção, pousio, pastagem e floresta seja formalizada junto a comunidade que mora no bairro de reassentamento. A obtenção do título de Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) é imprescindível para evitar futuros conflitos. O estudo socio‐antropológico da UEM (2009) adverte que é preciso “prevenir conflitos principalmente em termos de acesso à terra bem como culturais entre os “hospedeiros2” e os recém-chegados”.
O mesmo documento indica que “no geral, as pessoas nos bairros de reassentamento possuem uma renda muito baixa, o estudo recomenda a criação de oportunidade de emprego a partir dos recursos locais, particularmente para as camadas jovens”. Trata‐se de um factor fundamental para atrair a população que mora em zonas vulneráveis. Quanto maior fôr o número de postos de trabalho, maior será a densidade populacional do bairro de reassentamento e menor será a área necessária para produção agrária e pousio. Além disso, diversificam‐se as actividades de rendimento.
Por outro lado, as oportunidades de emprego podem ser encentivadas através da prestação de serviços, tais como educação, saúde, abastecimento de água, transporte, comercialização da produção agricola, entre outros. Para garantir maior sustentabilidade, estes serviços devem atingir a população do próprio bairro bem como as famílias que vive aos arredores.
É preciso estimular a difusão de técnicas com vista, em particular, a melhorar os sistemas de produção nos bairros de reassentamento e nos arredores, contribuindo para a reducção da vulnerabilidade da população. Em funções afins, o bairro poderá também incentivar a comercialização e a conservação de produtos, o transporte, a introdução de sistemas de irrigação, a plantação de florestas, a difusão de culturas de rendimento, a dessiminação de técnicas de construção de casas melhoradas, entre outras.
Para o efeito, devem‐se desenvolver mecanismos de micro‐crédito e atrair investimentos quer do sector público que privado. Claramente, o nível de investimento irá variar em função da localização dos bairros em relação ao núcleo de cada distrito: se o bairro fica perto de uma sede de distrito, o investimento inicial será maior; se fica longe, será menor.
Finalmente, o bairro de reassentamento deverá contar com uma administração capacitada para lidar com as suas múltiples funções, em particular relacionadas com: (i) o uso da terra e dos recursos; (ii) os aspectos sociais gerados pela junção de diferentes comunidades no mesmo local; (iii) a gestão do apoio técnico a emergência; (iv) o envolvimento de parceiros privados; (v) a difusão de técnicas e a motivação da comunidade no engajamento para o aumento da produtividade; (vi) a ligação com a administração distrital e provincial, entre outros aspectos. Especial atenção deverá ser dada aos mecanismos de participação de maneira a abrangir todos os sectores populacionais vindouros de diferentes comunidades rurais. A capacidade das autoridades ao nível das sedes
2 Por “hospedeiros” entendem‐se os moradores do bairro de reassentamento desde as cheias anteriores.
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distritais deverá também ser reforçada para responder às necessidades dos bairros de reassentamento.
Contudo,com vista a assegurar a auto‐sustentabilidade do bairro de reassentamento no longo prazo funcionando como centro de atracção de recursos, de prestação de serviços e de difusão de técnicas, é preciso determinar as dimensões optimais bem como o raio de influência caso a caso. A título de exemplo, o bairro pode chegar a ter uma população residente de aproximadamente 10,000 a 20,000 pessoas, os quais prestam serviços a uma população de 40,000 ‐ 50,000 pessoas numa área de influência dentro dum raio que varia entre 10 a 20 km (veja Figura 1). Os investimentos em serviços, infraestruturas, mecanismos de capacitação e de assistência técnica para melhorar a produção agrária e diminuir a vulnerabilidade não seriam rentáveis para uma população inferior.
Figura 1: Raio de influencia do centro de reassentamento para garantir a sua auto‐sustentabilidade
4.2. 2ª linha estratégica de intervenção: Instalação de plataformas de apoio
As zonas de planícies fluviais apresentam uma dualidade contraditória: (ii) por um lado, são as mais produtivas e, portanto, é ali onde a população prefere viver; mas (ii) por outro lado, são também as mais vulneráveis em caso de inundações. As cheias passadas em Moçambique bem como no resto do mundo tem demonstrado que não constituem um factor que impede às populações de voltar para as zonas baixas uma vez que a situação de perigo passou, já que a fertilidade dos solos que se encontra alí permite‐lhe de se sustentar. No entanto importa salientar que esta proposta de estratégia recomenda
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a instalação de plataformas de apoio só nas zonas propensas às cheias moderadas onde o reassentamento não é uma opção viável.
Portanto, propõe‐se por um lado, de criar as condições para a auto‐sustentabilidade dos bairros de reassentamento nas zonas seguras (através a implementação das acções apresentadas na 1ª linha estratégica de intervenção) e por outro lado, através desta 2ª linha estratégica de intervenção, de criar simultanemante as condições para diminuir a vulnerabilidade das populações cuja subsistência depende dos solos produtivos das zonas baixas instalando plataformas de apoio, onde julgado oportuno.
Assim sendo, os bairros de reassentamento e as plataformas de apoio cumprem funções diferentes, porém complementares no âmbito desta proposta de estratégia. Trata‐se de intervenções interconectadas e que permitem se apoiar mutuamente (veja Figura 2). A localização das plataformas de apoio poderá variar caso a caso, podendo estar localizadas numa aldeia ou num aglomerado existente; o importante é que estejam perto da população vulnerável e sejam facilmente identificáveis pela população residente e pelas brigadas de apoio em caso de emergência.
Figura 2: Interligação entre as plataformas de apoio e os bairros de reassentamento
As zonas susceptíveis a cheias moderadas não apresentam perigo durante a maior parte do ano. Geralmente passam vários anos até que uma calamidade se repita no mesmo local. Portanto, é imperativo que as plataformas de apoio cumpram duas funções:
(i) Nos tempos normais podem servir como escolas, mercados ou centros de recursos com serviços de socorro, armazéns, sala de reuniões e de formação.
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(ii) Nos tempos de emergência são centros de apoio e de acolhimento transitório, de distribuição de insumos e, nos casos mais críticos, poderão funcionar como pontos de concentração antes da evacuação. Desta maneira as plataformas irão beneficiar seja as famílias afectadas, as quais podem contar com um local de refúgio perto do seu local de residência, seja as brigadas de salvação as quais conhecem a localização das plataformas, facilitando assim o exercício de assistência em caso de cheia.
Estas plataformas de apoio que cumprem com a dúplice função de refúgio e de serviço social, devem reunir as seguintes condições mínimas:
são construídas acima do nível mais elevado atingido pelas águas nas cheias anteriores, de acordo com os dados históricos disponíveis e com os resultados de modelos hidrológicos de simulação de cheias;
contam com sistemas de armazenamento de água através de furos ou da captação de água de chuva; para o efeito, a água será armazenada em tanques elevados de maneira a ser protegida das águas contaminadas das inundações;
dispõem de latrinas ou sanitários elevados, construídos acima do nível atingidos pelas inundações anteriores, e com sistemas que permitem evitar a contaminação das águas;
têm uma estrutura resistente e dispõem de uma superfície protegida de aproximadamente 300 m² ou mais, com vista a permitir de albergar a população afectada;
dispõem de locais de armazenamento de comida e bens essenciais;
apresentam um accesso facilitado para os grupos vulneráveis (doentes, idosos, crianças e mulheres) e para a evacuação.
Um exemplo de uma plataforma elevada com estas características é apresentado em anexo.
4.3. 3ª linha estratégica de intervenção: Estabelecimento de um processo continuo de capacitação institucional e local
Cientes da falta de quadros, propõe‐se o reforço da capacidade de governação e de gestão a nível distrital, de acordo com as orientações do Governo de Moçambique. De facto, é partir do distrito principalmente que os bairros de reassentamento e as comunidades vulneráveis serão apoiadas em caso de calamidade. Nesta perspectiva, a administração distrital vai cumpre um papel extremamente importante e deve ser reforçada nas suas capacidades administrativas, políticas, técnicas e sociais, com vista a reduzir a vulnerabilidade e implantar as bases para o desenvolvimento ao nível local. A administração distrital deve, por um lado, identificar e tentar resolver as necessidades da comunidade rural e, por outro lado, fazer a ligação entre as necessidades locais e as orientações do governo provincial e/ou central, mantendo uma comunicação periódica do fluxo de informação nos dois sentidos.
Isto implica que o distrito deve ter conhecimentos adequados, um corpo técnico capacitado, um sistema de gestão reforçado, e deve delegar responsabilidades e entregar recursos económicos básicos duma forma constante e por um período de tempo suficiente ao nível local, até consolidar experiências e processos de apoio técnico e administrativos nos bairros de reassentamento bem como ao nível das plataformas de apoio. Para que istoocurra, os níveis centrais e provinciais devem estar preparados a delegar autoridade à administração distrital, apoiar quando for necessário e monitorar os processos.
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Por outro lado, como já foi mencionado na 1ª linha estratégica de intervenção, os próprios bairros de reassentamento deverão contar com uma capacidade técnica especializada, principalmente no que concerne a redução da vulnerabilidade e o aumento da produtividade.
As funções do corpo técnico ao nível da administração distrital e dos bairros de reassentamento serão diferentes e complementares, variando de caso a caso. Algumas das funções mais comuns serão:
• Facilitar a introdução de novas tecnologias, especialmente dirigidas a aumentar a produtividade e ao desenvolvimento de actividades económicas viáveis em áreas vulneráveis;
• Promover os créditos agrários, uso de sementes melhoradas, adubos, vacinas;
• Promover técnicas para a melhor utilização dos recursos florestais e aquíferos;
• Diversificar a produção, melhorar as técnicas de conservação do produto e promover as actividades secundarias de transformação;
• Promover e facilitar a comercialização;
• Identificar melhorias e promover soluções na prestação de serviços e construção de infra‐estruturas (saúde, educação, comercialização, electrificação, comunicação, estradas, etc.);
• Promover parcerias para o desenvolvimento económico e social com o sector privado, organizações não governamentais e outros; facilitar alianças entre as comunidades e os parceiros;
• Estudar as necessidades das comunidades rurais, capacitá‐las e aconselhá‐las em alternativas para a redução da vulnerabilidade.
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Referências Bibliográficas
Calengo A.J., Moreno E.L. (2002). A Segurança de Posse da Terra das Famílias Vítimas das Cheias em Moçambique, MICOA/UN‐HABITAT, Maputo, Moçambique.
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