repÚblica de moÇambique - - armando emilio guebuza · eficÁcia da ajuda ao desenvolvimento e o...

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E R D E P A Ú C BLI Ç O M Q E A I U B M 2008-2009

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COMUNICAÇÕES APRESENTADAS NOS SEMINÁRIOS DO GABINETE DE ESTUDOS DA PRESIDÊNCIA DA

REPÚBLICA

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Ficha Técnica

Título: Comunicações dos Seminários da Presidência da RepúblicaCoordenação: Arlete Matola

Organização: Arlete Matola, Johane Zonjo, Paulo CoveleEditor: Gabinete de Estudos da Presidência da República

Revisão: Arlete Matola, Johane ZonjoFotos e Imagens: Elídio Tembe, Ezidório Armando Ribeiro,

Edição de som e imagem: Jerónimo NhamunzeGravação: Gabinete de Imprensa da Presidência da República

Design Gráfico: Luís JussaProdução: PACTO Imagem, Lda.

Número de Registo:Tiragem: 2.500 exemplares

Local e data da publicação: Maputo, Agosto de 2009

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O Gabinete de Estudos agradece:

Aos participantes dos debates

Ao Gabinete de Imprensa da Presidência da República

À Direcção de Administração e Finanças da Presidência da República

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ÍNDICE

SOBRE OS AUTORES DAS COMUNICAÇÕES DA COLECTÂNEA............................8

NOTA DO EDITOR..............................................................................................................13

OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO

SOCIO-ECONÓMICO DE MOÇAMBIQUE...........................................................................18

ANTECEDENTES.....................................................................................................18

O DISTRITO COMO UNIDADE TERRITORIAL DE BASE PARA A PLANIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL...............................................28

OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTOSOCIO-ECONÓMICO DE MOÇAMBIQUE:.............................................................38

OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO

SOCIO-ECONÓMICO DE MOÇAMBIQUE: NOTAS PARA DISCUSSÃO.......................52

PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO AGRÍCOLA: RESPOSTA Á CRISE MUNDIAL..................................................................................59

PRODUÇÃO AGRÍCOLA E SEGURANÇA ALIMENTAR:.................................................87

BREVE REFLEXÃO SOBRE MOÇAMBIQUE......................................................................87

IMPACTO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO EM TURISMO: CONTINGÊNCIAS E ESTRATÉGIAS.............................................115

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................115

PRESIDÊNCIA ABERTA E INCLUSIVA: O ESPAÇO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO...........................................................................167

CONTRIBUIÇÃO PARA UMA ANÁLISE SOBRE OS DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO CRESCIMENTO ECONÓMICO...................................................170

A ERA DA CIÊNCIA E TÉCNICA OU A ERA DO CONHECIMENTO?..........................195

EFICÁCIA DA AJUDA AO DESENVOLVIMENTO E O CONTEXTO DE MOÇAMBIQUE: DESAFIOS E OPORTUNIDADES...............202EFICÁCIA DA AJUDA AO DESENVOLVIMENTO E O CONTEXTO DE MOÇAMBIQUE: DESAFIOS E OPORTUNIDADES................................................225

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CONTRIBUIÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO: REFLEXÃO SOBRE ALGUMAS QUESTÕES CRÍTICAS..............................................................................................231

NOTA PRÉVIA.........................................................................................................................231

DISTRITO PÓLO DE DESENVOLVIMENTO: .....................................................275

CONSTATAÇÕES E DESAFIOS – UMA LEITURA BASEADA NASEXPERIÊNCIAS DO PROJECTO FÉRIAS DESENVOLVENDO O DISTRITO...............................................................................................................275

DISTRITO PÓLO DE DESENVOLVIMENTO:

CONSTATAÇÕES E DESAFIOS – UMA LEITURA BASEADA

NAS EXPERIÊNCIAS DO PROJECTO FÉRIAS DESENVOLVENDO

O DISTRITO..........................................................................................................................304

O DIÁLOGO E O DEBATE: UMA DAS FORMAS DE CONTRIBUIR NA INCLUSÃO E NA LUTA CONTRA A POBREZA.................................................309

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SOBRE OS AUTORES DAS COMUNICAÇÕES DA COLECTÂNEA

José Manuel Guambe: É Secretário Permanente no Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental e docente de Economia na Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Licenciado em Economia pela UEM, fez a Especialização em Administração Pública pelo Instituto de Administração Pública de Paris (França); e a Especialização em Gestão de Políticas Macro-Económicas, Estados e Governos Municipais, Descentralização Administrativa e Fiscal, e Finanças Descentralizadas pela Universidade de Harvard dos Estados Unidos da América.

José Jaime Macuane: É Doutorado em Ciências Humanas – área de Ciência Política – pelo Instituto Universitário de Pesquisa de Rio de Janeiro da Universidade Cândido Mendes (Brasil). De 2004 a 2006 foi Coordenador de Programas da Unidade Técnica da Reforma do Sector Público (UTRESP). É Professor Auxiliar na área de Ciência Política e Administração na Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e actualmente exerce as funções de Director do Curso de Mestrado em Governação e Administração Pública da UEM.

Rafael Uaene: É Licenciado em Agronomia pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Mestre em Agronomia e Melhoramento de Plantas pela Universidade de Queensland (Austrália) e Mestre e Doutorado em Economia Agrária pela Universidade dos Estados Unidos. Foi Professor e Director Pedagógico do Instituto Agrário de Chimoio (1985-1993); Investigador de algodão e Chefe do Centro de Investigação de Namialo - Nampula (1993-1997); Investigador e Director do Instituto de Investigação Agronómica de Moçambique (1997-2005).

Jaime Nicol’s: É Licenciado em Linguística pela Universidade Eduardo Mondlane, Economista-Técnico pelo Instituto Superior

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e Politécnico de Marketing e Gestão (ex-República Democrática Alemã). Desempenha actualmente as funções de Director Nacional do Comércio no Ministério da Indústria e Comércio.

Hélder Gemo: É agrónomo de profissão. É Licenciado em Engenharia Rural pela Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal da Universidade Eduardo Mondlane e Mestrado em Extensão Agrária pela Universidade de Pretória. É funcionário do Ministério da Agricultura (MINAG) desde 1990 onde desempenhou várias tarefas de entre elas a director adjunto (1998-2000) e director nacional de extensão agrária (2000-2006).

Ana Comoane: É Licenciada em Direito e Mestrada em Ciências Jurídico-Económicas pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e Doutoranda na menção de Ciências Jurídico-Económicas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. É advogada, agente oficial da propriedade intelectual, docente universitária na Faculdade de Direito da UEM, Membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial, desempenha actualmente as funções de Directora Nacional do Turismo.

Jorge Ferrão: É Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo Instituto Superior de Relações Internacionais (Moçambique), Mestrado em Políticas Públicas e Regionais pela Universidade de Zimbabwe e Doutorado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Brasil). É Pesquisador Sócio-Ambiental e actualmente desempenha as funções de Reitor da Universidade de Lúrio (Moçambique).

Marcelino Lucas: É Licenciado em Biologia pela Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique), Mestrado em Saúde Ambiental pela Queensland University da Austrália e Doutorado em Politicas de Ciência, Tecnologia e Inovação pela Lund University da Suécia. Já assumiu várias funções de chefia e direcção, sendo de destacar a de

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Presidente da Sub-Comissão da SADC no sector da saúde, no âmbito das emergências; a de

Coordenador dos Projectos de Investigação da Vacina de Cólera, HIV e Malária na Beira; e a do Director do Laboratório Regional de Alimentos e Água. Actualmente desempenha as funções de Director Nacional de Plano, Estatística e Cooperação no Ministério da Ciência e Tecnologia, onde é igualmente Coordenador da Estratégia de Ciência, Tecnologia e Inovação em Moçambique e Coordenador do Estudo sobre infecções da Cólera e HIV/SIDA na cidade da Beira, em coordenação com a International Vaccine Institute.

Américo Muchanga: É Licenciado em Engenharia Electrotécnica, Ramo de Correntes Fracas, pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e Doutorado pelo Instituto de Tecnologia (KTH) da Suécia na área de Engenharia de Tráfego nas redes de telecomunicações baseados em Fibras Ópticas. É docente da UEM há vários anos, onde lecciona as cadeiras de Redes de Dados e de Telecomunicações, de Sistemas Operativos, Sistemas de Segurança, Arquitectura de Computadores. Foi Director do Centro de Informática da UEM (CIUEM) e actualmente desempenha as funções de Director de Planificação da mesma universidade.

Sérgio Mathe: É Licenciado em Relações iternacionanais e Diplomacia pelo Instituto Superior de Relações Internacionais (Moçambique); Pós-Graduado Em Política Externa da União Europeia pela Universidade de Michigan e Universidade Livre de Bruxelas; Mestrado em Diplomacia pelo Instituto Superior Rio Branco do Brasil; Mestrado em Política Internacional, na vertente de Gestão da Cooperação pela Universidade Livre de Bruxelas (Bélgica) e Doutorado em Estudos de Paz e Desenvolvimento pela Universidade de Gotemburg (Suécia). É Diplomata de carreira desde 1998 e actualmente está afecto à Embaixada de Moçambique junto da Bélgica, Holanda Luxemburgue e Comunidades Europeias

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em Bruxelas. É Docente/pesquisador visitante na Universidade de Gotembörg e Växjö (Suécia), Instituto de Relações Internacionais “Clingendael” (Holanda) e Oxford College University (Reino Unido).

Belmiro Rodolfo: É Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo Instituto Superior de Relações Internacionais - ISRI (Moçambique) e Mestrado em Estudos de Desenvolvimento, na vertente económica, pela Universidade de Sussex (Reino Unido). Foi docente da cadeira de Economia e Desenvolvimento no ISRI; Chefe do Departamento de Economia, Estudos e Desenvolvimento do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CEEI) do Instituto Superior de Relações Internacionais. e pesquisador visitante do Centro de Estudos da África Austral da University of Western Cape (África do Sul). Desempenhou ainda as funções de Chefe do Núcleo Coordenador da Agenda 2025: Visão e Estratégia da Nação e actualmente é o Director do CEEI.

Narciso Matos: É Licenciado em Química pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM) (1975) e Doutorado pela Universidade de Humboldt na Alemanha (1985). Foi Director da Faculdade de Ciências (na década de 1980) e Reitor da UEM (1990 a 1995). Foi Secretário Geral da Associação das Universidades Africanas, sediada no Gana (1995 a 2000). No mesmo período foi membro da Comissão de Consulta sobre Ensino Superior do Secretário Geral da UNESCO. De 2000 a 2007, exerceu a função de Director do Programa de Desenvolvimento Internacional da Fundação Carnegie Corporation de New York, Estados Unidos da América. É actualmente o Director Executivo da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC).

João Assale: É Licenciado em Ensino de Geografia pela Universidade Pedagógica (Moçambique) e Mestrado em História das Populações pela Universidade do Minho (Portugal). Exerceu as funções de Director da

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Faculdade de Agricultura da Universidade Católica de Moçambique e de Director Provincial de Educação, na província de Niassa. A partir do ano de 2006 vem trabalhando nos órgãos centrais do Ministério da Educação e Cultura tendo exercido o cargo de Director Nacional Adjunto de Educação Geral (para área do ensino primário) e exerce actualmente o cargo de Secretário Executivo do Plano Estratégico da Educação e Cultura. Henrique Cau: É Licenciado em História pela Universidade Eduardo Mondlane e Mestrando em Sociologia Rural e Gestão de Desenvolvimento pela mesma Universidade.

É Fundador e Coordenador da Associação dos Estudantes Finalistas Universitários de Moçambique e Coordenador Geral do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito, uma iniciativa desta Associação. Desde finais de 2008 é Coordenador da Comissão para a Criação do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Rural (CADER), uma organização da Sociedade Civil que visa a promoção e apoio aos projectos e programas de Desenvolvimento Rural. Em 2006 é nomeado Embaixador de Boa Vontade pelo Sistema das Nações Unidas em Nova York para os Objectivos de Desenvolvimento de Milénio na área da Juventude em Moçambique. É Membro do Conselho Nacional do Ensino Superior (órgão de consulta e aconselhamento do Conselho de Ministros para área do Ensino Superior em Moçambique) desde 2007. É funcionário do Ministério da Ciência e Tecnologia afecto à Direcção Nacional de Investigação, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico, onde coordena o Programa Expedições Científicas desde 2007.

Augusta Maita Pechisso: É Licenciada em História pela Universidade Eduardo Mondlane e Mestranda em Sociologia Rural e Gestão de Desenvolvimento pela mesma Universidade. É docente no Departamento de História da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Univeridade Eduardo Mondlane.

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NOTA DO EDITOR

A 22 de Outubro de 2008, na Presidência da República de Moçambique teve lugar o último seminário do Gabinete de Estudos da Presidência da República referente ao ciclo do ano de 2008. Tal como os outros seminários, este foi obsequiado com a presença de Sua Excelência o Presidente da República Armando Emílio Guebuza e contou com a participação de cerca de 150 convidados, entre eles o Ministro na Presidência para os Assuntos da Casa Civil, Dr. António Sumbana; o Ministro dos Transportes e Comunicações, Eng.º Paulo Zucula; o Vice-Ministro do Turismo, Dr. Rosário Mualeia; Membros do Conselho Consultivo da Presidência da República, jornalistas, editores de jornais, académicos, membros de partidos políticos da oposição, representantes do sector privado, estudantes, entre outros.

Neste seminário, foi lançada a segunda colectânea Comunicações dos Seminários da Presidência da República, uma brochura que congrega as várias apresentações feitas durante o ciclo de seminários de 2007 na Presidência da República. Intervindo na ocasião e em nome dos autores das comunicações, o Professor universitário Lourenço do Rosário, Reitor da Universidade A Politécnica e Presidente do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa, traçou o espírito e as linhas que orientam os seminários da Presidência da República. Nesta terceira colectânea, que integra as comunicações feitas nos anos de 2008 e 2009, quisemos recuperar as palavras então proferidas pelo Professor Lourenço do Rosário, que em nosso entender ainda se afiguram tão actuais para caracterizar o debate que a presente edição pretende dar continuidade. Eis a alocução do Professor Lourenço do Rosário:

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Sua Excelência Presidente da República,

Caros convidados,

Pediram-me para em poucos minutos apresentar o meu testemunho relativamente, não só a esta colectânea que agora está a ser apresentada e vai ser difundida, mas essencialmente apresentar também o sentimento que nós autores de alguns desses artigos temos em relação a estes momentos que estamos a viver aqui na Presidência da República. Moçambique é um país multiétnico, multi-linguístico, com diversidade cultural e, naturalmente, traz consigo linhas que exigem uma convergência para quem quer dirigir esse mesmo País. Presidente Guebuza inaugurou na governação deste país, um estilo que nos merece muita atenção do ponto de vista do futuro deste país. O conceito de Governação [Aberta e] Inclusiva é um conceito que traz consigo múltiplas definições. As Presidências Abertas, que têm sido uma das marcas de Governação do Presidente Guebuza, têm muitas faces. Aquela que é a mais conhecida são as viagens que o Presidente faz pelo país fora e contacta directamente com aquele segmento da população moçambicana que não está tão perto do poder e que traz, talvez, também maior impacto do ponto de vista da comunicação social, dos media e da opinião pública em geral. Contudo, parece-me a mim que o facto de o Presidente da República ter aberto as portas da Presidência de modo a que aqui neste lugar pudéssemos apresentar também as nossas ideias sobre o estilo, a forma e os conteúdos de governação e da nossa vida nacional é uma das faces da Presidência Aberta se calhar com grande impacto no pensamento e no estilo de governação do próprio Presidente. Este espaço aqui não é o clube do Presidente. É o espaço dos cidadãos que o Presidente quer ouvir – e isto é um aspecto importante dos dirigentes que sabem e querem ouvir! Porque, efectivamente, muitos dos problemas que foram discutidos neste espaço poderão ter sido digeridos e introduzidos na governação sem que nós próprios tenhamos que saber quando é que o Presidente – e o seu Governo – decidiu adoptar as questões que foram produzidas

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aqui. Por outro lado, eu sinto-me honrado por pertencer ao grupo de cidadãos que vieram aqui apresentar as suas ideias. Um aspecto importante que me parece que existe, pelo menos na vontade daquilo que eu sinto quando sou chamado a intervir em alguns espaços, é a liberdade de expressão. A liberdade de expressão que não permite que no nosso comportamento privilegiemos apenas aquilo que chamamos de politicamente correcto. Porque o politicamente correcto traz sempre o vírus da hipocrisia. E este espaço aqui não é um espaço da hipocrisia, é um espaço em que os cidadãos, tal como lá no campo, em que quando o Presidente interage com as populações eles se abrem e dizem dos seus problemas de uma forma frontal.... Parece-me a mim que o convite que o Presidente da República nos faz aqui é exactamente esse: tenhamos o à-vontade de utilizar este instrumento da democracia que é a liberdade de expressão e de pensamento.

Eu quero agradecer, mais uma vez, o convite que me foi feito e muito obrigado!

As palavras do Professor Lourenço do Rosário realçam a importância e a necessidade de cada vez mais continuar-se a alargar o espaço de debate de ideias, usando a liberdade de expressão. Esta será sem dúvida uma das formas de contribuir para a melhoria do processo de formulação e implementação das políticas públicas no País. Esta colectânea visa exactamente dar continuidade a este debate que teve o seu início na Presidência da República, mas que ainda não está esgotado.

A edição que possui em suas mãos começa por apresentar o tema Os Desafios da Descentralização no Desenvolvimento Socio-Económico de Moçambique, da autoria de José Manuel Guambe. Este tema que marca a governação actual de Moçambique, mereceu o comentário do Professor Universitário José Jaime Macuane, intitulado Os Desafios da Descentralização no Desenvolvimento Socio-Económico de Moçambique: Notas para discussão.

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

Rafael Uaene e Jaime Nicol’s apresentam uma reflexão interessante sobre a Produção e Comercialização Agrícola: Resposta à Crise Mundial. Este conjunto de ideias foi objecto de comentários por parte do Eng.º Hélder Gemo.

Com o título Impacto da Política de Desenvolvimento em Turismo: Contingências e Estratégias, a Dra. Ana Comoane convida-nos a uma reflexão sobre o sector do turismo em Moçambique, uma viagem que é complementada pelo excelente comentário feito pelo Professor Universitário Jorge Ferrão, Reitor da Universidade de Lúrio.

O quarto artigo da colectânea, da autoria de Marcelino Sales Lucas, trata-se de uma Contribuição para a Análise dos Desafios e Oportunidades da Ciência, Tecnologia e Inovação no Crescimento Económico, no contexto de combate a pobreza como é o caso de Moçambique. Essa discussão é comentada pelo Professor Universitário Américo Muchanga através da comunicação A Era da Ciência e Técnica ou a Era do Conhecimento?

A Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento e o Contexto de Moçambique: Desafios e Oportunidades, é a proposta de Sérgio Mathe e que visa, entre outros objectivos, trazer uma contribuição empírica à discussão sobre eficácia da ajuda em Moçambique analisando a racionalidade dos vários sistemas, o modus operandi e dos vários intervenientes na cadeia da ajuda e as dinâmicas entre os agentes e os intermediários da concessão da ajuda. Essa análise mereceu os comentários de Belmiro Rodolfo.

O Professor universitário Narciso Matos discute no seu artigo A Contribuição do Sistema Nacional de Educação para o Desenvolvimento: Reflexão sobre Algumas Questões Críticas, aspectos como impacto da educação sobre o desenvolvimento e o bem estar, sobre a expansão do acesso a educação bem como sobre os grandes desafios do sistema nacional de educação em

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

Moçambique. Essa reflexão mereceu o comentário de João Assale, trazendo a visão do sector da educação e cultura em Moçambique sobre os pontos levantados no texto do Professor Narciso Matos.

A colectânea encerra com o artigo Distrito Pólo de Desenvolvimento: Constatações e Desafios – Uma Leitura baseada nas experiências do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito da autoria de Henrique Cau e que traz reflexões baseadas na experiência das actividades desenvolvidas em 117 Distritos do País, no período 2006-2009, por estudantes finalistas e recém-graduados, no âmbito do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito. Esta análise é acompanhada pelos comentários de XXXXXXXXXX.

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OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO SOCIO-ECONÓMICO DE MOÇAMBIQUE

José Manuel Guambe

ANTECEDENTES

A Administração Pública entendida como o aparelho administrativo em que assenta a acção governativa, é um sistema complexo, que evolui ao longo do tempo, tendo em cada momento características que reflectem as condições socio-económicas, culturais, políticas e administrativas, impostas pela dinâmica da sociedade. Os fins a que se propõe as forças dominantes do Estado, a postura e os interesses dos gestores e funcionários públicos, as aspirações, exigências e pressões da sociedade civil, os hábitos e tradições da própria Administração Pública condicionam o seu relacionamento com a sociedade.

No caso específico dos Órgãos Locais do Estado, o aparelho administrativo é também responsável pela prestação de serviços de utilidade pública à população decorrente do exercício das suas funções tradicionais, daí a importância da sua análise.

As reformas políticas, económicas e sociais em curso no País iniciaram em 1987, com o lançamento do Programa de Reabilitação Económica (PRE), traduzido por uma viragem na organização política, económica, social e cultural da sociedade orientada para uma economia de planificação centralizada para uma economia de mercado.

Este processo de reformas, tem exigido uma redefinição do papel do Estado, sobretudo porque se optou por um modelo económico em que a participação do sector privado passa a ser dominante. Isto implica que um Estado que foi concebido, para

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um modelo de organização em que havia uma forte intervenção do Estado na economia, terá que se estruturar para se adequar aos desafios e as exigências impostas pelo ritmo e dinâmica dos agentes económicos, e a emergência do sector privado intervindo nos sectores chave da economia.

A administração pública herdada do sistema colonial caracterizava-se por uma estrutura administrativa essencialmente baseada no princípio da centralização, isto é, na centralização da decisão administrativa aos órgãos superiores da administração central colonial. Com a Independência, a natureza do regime modificou-se substancialmente, do qual resultou a reforma de 1977, que “escangalhou” o aparelho do Estado Colonial, e criou um aparelho de Estado que se adequasse com as opções políticas e económicas para a construção de uma sociedade socialista e de democracia popular. A necessidade de reforçar a Unidade Nacional e o imperativo de atingir certas metas sociais, económicas, políticas e a falta de quadros, continuaram a aconselhar o centralismo da decisão administrativa, embora a Lei não deixasse de criar fóruns onde a voz popular poderia fazer sentir as suas aspirações.

No processo de implementação das reformas operadas depois da independência, verificou-se uma divergência entre a centralização da decisão administrativa e as vontades e realidades locais manifestadas pelos fóruns então criados para a participação da população nos diversos escalões territoriais, provocando deste modo frustrações. Esta realidade foi constatada e discutida em 1982 no IV Congresso do Partido Frelimo.

“...A atribuição de competências e meios aos órgãos locais comporta a sua responsabilização pela solução de um número considerável de questões locais.

Intervenção de José Manuel Guambe

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

Os órgãos locais não estão a assumir as suas responsabilidades na mobilização de forças e meios para a satisfação das necessidades populares, aguardando muitas vezes ordens e directivas vindas das estruturas centrais…”1

Por outro lado, a Constituição da República no seu Artigo 263 refere que:

“...A organização e o funcionamento dos Órgãos Locais do Estado ao nível local obedecem aos princípios de descentralização e desconcentração, sem prejuízo da unidade de acção e do poder de direcção do Governo.No seu funcionamento, os Órgãos Locais do Estado, promovendo a utilização dos recursos disponíveis, garantem aparticipação activa dos cidadãos e incentivam a iniciativa local na solução dos problemas das comunidades.Na sua actuação, os Órgãos Locais do Estado respeitam as atribuições, competências e autonomia das autarquias locais.”2

Participantes do Seminário

1 Relatório do Comité Central ao IV Congresso – pp. 1182 Artigo 263 da Constituição da República de Moçambique.

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

A retrospectiva da evolução na organização e funcionamento dos órgãos locais do Estado, ao longo destes 30 anos da sua criação permite, identificar os problemas que se colocam para adequar a administração pública moçambicana à realidade actual e responder os desafios do desenvolvimento.

A administração pública na sua dimensão territorial prossegue múltiplos objectivos, nomeadamente: manifestar a soberania nacional, representar o Estado, organizar a participação dos cidadãos na solução dos problemas das respectivas comunidades, prover serviços básicos às populações, promover o desenvolvimento económico local, garantir a tranquilidade e ordem pública, etc.. Será que a forma de organização e a actual estrutura orgânica dos órgãos locais do Estado nos diversos escalões, responde a estes múltiplos objectivos? A organização administrativa de um território caracteriza-se em primeiro lugar, por uma estrutura formada pelas entidades e pelos órgãos que dentro dos seus limites prosseguem a acção de administrar, e em segundo lugar, por uma repartição considerada como a ponte de passagem do puramente estrutural para o funcional, isto é, a repartição entre tais entidades e órgãos, das atribuições e competências correspondentes. Esta repartição de atribuições e competências é dominada pelas finalidades da acção administrativa, as quais de igual modo se repercutem na estrutura e permitem individualizar nela sectores e níveis diferenciados de Administração. Assim, temos no país, a Administração Central e a Administração Local, consoante os interesses a realizar se estendem a todo o território ou se restringem a fracções ou áreas determinadas.

A Administração Pública erguida após a independência, estava orientada para um programa político de desenvolvimento influenciado pelo modelo socialista e tinha como princípios

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

básicos do exercício do poder e portanto da constituição, organização e funcionamento dos órgãos do Estado e da Administração Pública: a “unidade do poder”, “o papel dirigente do partido” e a “dupla subordinação”.

Nos seus aspectos mais gerais, o “papel dirigente do partido” consistia na subordinação do Estado ao Partido, na prevalência dos princípios ideológicos do partido sobre os comandos normativos do Estado, na integração dos quadros e militantes do partido nos órgãos do Estado e admissão de funcionários com base em critérios de ordem político-ideológica. As manifestações deste princípio tanto nos órgãos centrais, como nos provinciais, era o mesmo. Os governadores provinciais eram (numa primeira fase) primeiros secretários do partido, os governos e os conselhos provinciais eram compostos por dirigentes ou quadros do partido ou da confiança do partido; a nível central o Comité Central do Partido tomava as decisões governamentais de fundo e ao governo cabia a função de as executar. Na Província, a capacidade técnica estava concentrada no governo composto por representantes dos respectivos órgãos centrais e além de mais não se punha propriamente o problema de tomada de decisão, mas da adaptação e harmonização das decisões centralmente tomadas, com a realidade local.

O outro princípio era o da dupla subordinação. Segundo este princípio, os órgãos sectoriais das províncias como emanação dos respectivos órgãos sectoriais ao nível central, subordinavam-se aos respectivos órgãos sectoriais, mas como órgãos executivos das províncias, eles subordinavam-se territorialmente aos governos provinciais. A dupla subordinação era definida como a subordinação simultânea do mesmo órgão provincial aos níveis central, sobre matérias de natureza normativa e ao nível local, sobre matérias de naturezas territorial. Acontece porém que neste modelo de governo provincial, as competências exclusivas do

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território não eram nítidas, pois como se fez referência o governo provincial era um órgão composto de representantes dos órgãos centrais, dirigidos pelo representante do Presidente da República para deliberarem sobre matéria que lhes foi delegada ou para adaptar às condições locais, as decisões centralmente tomadas. Na prática, não havia de facto uma dupla subordinação. Havia, sim, duas vias pelas quais os órgãos centrais fazem cumprir as suas normas, seus planos e seus programas adaptados as províncias.

Princípio da unidade do poder. A manifestação principal deste princípio no funcionamento dos governos provinciais, consistia na reprodução da organização e funcionamento dos órgãos centrais, a nível local em todo território nacional, independentemente da necessidade, pertinência ou do grau da sua utilidade lá onde eram criados. O outro aspecto desse princípio é o de onde quer que fossem criados os órgãos do Estado deviam constituir-se e funcionar da mesma maneira. Não era permitida a existência de outras formas de organização e de funcionamento dos órgãos do Estado.

No quadro mais vasto de reformas, políticas, económicas sociais, administrativas e sociais, em curso no país, decorreram estudos que permitiram fazer uma análise profunda sobre o papel dos Órgão Locais do Estado na administração territorial, de forma que se tornem em instrumentos dinamizadores e promotores do desenvolvimento do País. Esta análise, mostrou ter chegado o momento de se fazer opções profundas do ponto de vista político e jurídico, sobre a organização e funcionamento dos órgãos locais do Estado, de modo a que os distritos se tornem a base de planificação do desenvolvimento, bem como um espaço de participação das comunidades na solução dos seus próprios problemas.

No período que antecedeu a Independência vigorava no País um sistema estatal colonial centralizador e autoritário. Estas

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características, assentavam em pressupostos típicos de regimes coloniais, nomeadamente, a dominação política, a exploração económica de recursos naturais e o controlo administrativo do território. No período pós Independência implantou-se um sistema estatal que nada tinha a ver com a natureza, concepção, organização e funcionamento do sistema colonial, mas que mantinha no essencial a organização e a divisão territorial e o carácter centralizador do Estado por razões que se prendiam com:

• A preocupação de se atingirem metas políticas, económicas, e sociais que o próprio Estado se tinha proposto com vista a criar bases ideológicas, económica e social, para a edificação do socialismo;

• O interesse no reforço da Unidade Nacional;• A necessidade de gestão nacional dos escassos recursos

existentes;• O administrar do território.

A partir de 1987, iniciou um processo de reformas políticas, económicas e sociais. Neste contexto foi lançado o Programa de Reabilitação Económica (PRE), que marcou a mudança substancial de orientação até então seguida na Direcção do Estado. Os contornos precisos das reformas e das mudanças que se operavam no País, apontavam claramente para o início do processo de abandono do modelo socialista de organização do Estado em vigor desde a Constituição de 1975, e cujos traços característicos eram os seguintes:

• A definição do Estado moçambicano como Estado de Democracia Popular;

• A opção por uma forma de Governo assente no sistema monopartidário;

• A adopção de uma economia centralmente planificada, baseada na propriedade estatal da terra, dos recursos naturais,

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dos meios de produção e de sectores estratégicos;• A introdução de grandes mudanças na organização do sistema

político administrativo através da criação das Assembleias do Povo a todos os níveis;

• Atribuição exclusiva ao Estado das funções sociais de educação, saúde e assistência jurídica; e etc.

REFORMA DOS ÓRGÃOS LOCAIS DO ESTADO

Este processo de reformas, atingiu o seu auge com a aprovação, promulgação e entrada em vigor da Constituição de 1990, que não só acolheu as medidas até aqui então tomadas, como é o caso da adopção da economia de mercado, como até aprofundou-as introduzindo o sistema de Estado de Direito e um sistema político multipartidário.

No quadro destas grandes transformações, novos actores emergem como é o caso do sector privado que passou a desempenhar um papel relevante na economia, da sociedade civil, das organizações não governamentais, das organizações comunitárias, etc.. Assim, o Estado teve que redefinir o seu papel, na vida política, sócio-económica, cultural e administrativa do País. Este novo papel assumido pelo Estado implicou a sua reestruturação e a adequação das suas funções e do seu aparelho, de forma a adequá-lo à nova realidade decorrente das reformas em curso.

No âmbito da administração pública, as premissas de Descentralização cuja expressão mais significativa era até então a desconcentração de competências para os Governadores provinciais, essencialmente no âmbito da gestão de recursos humanos, se aprofundam e deram corpo ao Sistema Nacional de Gestão de Recursos Humanos. Neste mesmo período, outras iniciativas isoladas de desconcentração foram sendo implementadas nos diversos sectores. Destas iniciativas resultou um salto qualitativo do processo de Descentralização, na

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perspectiva de materialização do princípio de participação das comunidades no processo de governação ao nível local.

Em 1996 foi aprovada, através da Lei 6/96, uma revisão pontual da Constituição, introduzindo na Lei fundamental a existência de Autarquias Locais e Órgãos Locais do Estado nos territórios não abrangidos pelas autarquias. Nesta emenda pontual da Constituição da República ficou explícito o princípio da Descentralização e Desconcentração, através da consagração de um Título específico do Poder Local (Título XIV), para tratar das autarquias locais e um Capítulo sobre os Órgãos Locais do Estado (Capítulo IV do Título XII), para tratar dos Órgãos Locais do Estado.

Em 1997, foi aprovada a Lei das Autarquias Locais, a Lei 2/97 e a respectiva legislação complementar, o que viabilizou a realização das primeiras Eleições Autárquicas no País. Em 1998, realizaram-se as primeiras eleições autárquicas em 33 Autarquias constituídas por 23 cidades e 10 vilas, dando um marco na história da Administração Pública no País, com o início do funcionamento das autarquias locais.

A partir de 1998, iniciaram-se estudos tendentes à definição de um novo quadro legal sobre a organização, competências e funcionamento dos Órgãos Locais do Estado. Em 2003 foi aprovada pela Assembleia da República a Lei 8/2003, Lei dos Órgãos Locais do Estado. Em 2004, foi aprovada a nova Constituição da República. Em Abril de 2005, foi aprovado pelo Conselho de Ministros o Regulamento da Lei dos Órgãos Locais do Estado, que incorpora aspectos decorrentes da Constituição de 2004.

O processo de descentralização no seu sentido lato, assegura a participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios

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da sua comunidade e promove o desenvolvimento local, por se tratar de um poder mais próximo do cidadão. Assim sendo, ela exige uma modernização da Administração Pública e a adopção de um sistema de governação mais participativo. Este processo exige que a administração local (Órgãos Locais do Estado e as Autarquias Locais) seja dotada de: autoridade, responsabilidade e recursos para a resolução de um conjunto de problemas que afectam ou que concorram para a melhoria das condições de vida e do desenvolvimento das comunidades. No caso específico do nosso País, a descentralização é um processo que decorre em duas vertentes e simultaneamente:

• A descentralização no sentido restrito do termo, que significa a existência de autarquias locais como entidades públicas com personalidade jurídica própria distinta da do Estado, dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial;

• A desconcentração que abrange os Órgãos Locais do Estado nos níveis Provincial, Distrital, Posto Administrativo e Localidade, dotando-os de competências próprias na tomada de decisões de natureza local e abrindo espaço de participação das comunidades no desenvolvimento local através dos conselhos consultivos e do envolvimento dos seus líderes na tomada de decisões.

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O DISTRITO COMO UNIDADE TERRITORIAL DE BASE PARA A PLANIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

O papel da Província

Os Governos Provinciais constituem um escalão territorial de governação fundamental no arranjo institucional de administração pública. Eles têm ocupado o espaço que as estruturas centrais não podem cobrir tendo em vista a dimensão geográfica do País e as características específicas socio-económicas existentes ao nível Provincial, Distrital, do Posto Administrativo e da Localidade.

O escalão territorial de Província tem um perfil que o caracteriza como maior unidade territorial, o nível de execução de planos e programas nacionais e locais, promoção do desenvolvimento económico local, coordenação, monitoria e controle da execução dos planos executados nos escalões inferiores.

Para que os governos provinciais cumpram cabalmente a sua missão, a Lei conferiu-lhes atribuições e competências e dispõem de recursos, para a realização das actividades de governação e de prestação de serviços básicos às populações e ainda a coordenação e articulação integrada dos planos e programas distritais, tutela administrativa nas autarquias locais, dentre outras.

O processo de implementação da Lei 8/2003 exige uma reestruturação dos Órgãos Locais do Estado nos escalões de Província, Distrito, Posto Administrativo e Localidade, para que estes possam cumprir cabalmente as suas responsabilidades. As indicações mais aproximadas da estruturação dos governos provinciais à luz da Lei nº 8/2003, de 19 de Maio, assentam nos seguintes critérios: necessidades de cada unidade territorial para o exercício de funções mínimas; capacidades para executar as

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tarefas de cumprimento mínimo obrigatório; e potencialidades, que é a visão futura na base dos perfis e planos de desenvolvimento da província. Estes três critérios mostram que a realidade de cada Província é distinta em termos económicos, sociais, culturais, infra-estrutura, recursos naturais, o que quer dizer que elas têm potencialidades diferentes. Esta situação mostra que pode haver uma estrutura orgânica diferente entre as províncias em função da realidade, vantagens comparativas e outros factores que determinam as perspectivas de desenvolvimento de cada Província. Assim, o escalão territorial de Província tem um papel crucial no processo de implementação da Reforma dos Órgãos Locais, preconizada na Lei nº 8/2003, na medida em que é a ela que cabe dar orientações metodológicas e capacitar os distritos para a implementação da reforma e ainda, fazer a monitoria e avaliação da acção governativa a nível distrital, para além de outras funções estratégicas de: implementar os planos e programas definidos centralmente, assegurar o desenvolvimento harmonioso da província.

O papel do Distrito como eixo central da Reforma dos Órgãos Locais

A Reforma dos Órgãos Locais preconizada na Lei nº 8/2003, assenta no princípio de que o Distrito é a unidade territorial de base para a planificação e desenvolvimento ao nível local. A experiência de planificação descentralizada a nível distrital tem o mérito de ter conseguido buscar a intersecção e conciliação dos programas de nível central e provincial, com aqueles que emergiam a partir da base, quer induzidos, quer espontâneos e conduzi-los de forma harmoniosa num exercício de planificação participativa, assegurando a sua endogeneidade.

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O distrito como base de planificação e desenvolvimento local, constitui o nível de governo mais adequado para a prestação dos serviços básicos à população, por este estar mais próximo do cidadão, sendo necessário adequar a sua estrutura orgânica para que se torne um verdadeiro instrumento virado para uma administração participada e virada para o desenvolvimento, uma vez que estão estabelecidos os mecanismos de participação, sistema de informação e ser possível encontrar uma massa crítica que assegure o funcionamento dos mecanismos de prestação de contas. Assim, a questão que se coloca é: como deve ser a estrutura orgânica de cada um dos 128 distritos, sabendo que eles têm características socio-económicas, culturais, administrativas, de recursos naturais e humanos diferenciados, de forma a que cada um deles responda aos desafios de prestação de serviços essenciais a população do respectivo distrito e assegurar a participação efectiva da população na solução dos problemas quotidianos das populações do distrito?

A outra questão é quais as actividades a serem realizadas pelo governo distrital, para que ele seja uma verdadeira alavanca dinamizadora do desenvolvimento local? Será que as competências atribuídas ao distrito permitem realizar tais actividades? Que recursos estarão disponíveis para que o distrito possa incorporar tais actividades no seu plano de desenvolvimento e seus planos anuais?

A estrutura orgânica do governo Distrital deve ter em conta as especificidades de cada distrito, e ainda responder a estratégia de combate à pobreza no respectivo território. Isto equivale dizer que deve ter capacidade necessária em termos de recursos humanos qualificados, materiais e financeiros, para responder as exigências decorrentes do exercício das suas

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atribuições e competências no âmbito do combate à pobreza e do desenvolvimento local.

À luz da Lei dos Órgãos Locais do Estado, a estrutura orgânica dos governos distritais deve assentar no modelo integrado de organização institucional e o critério de Necessidades, Capacidades e Potencialidades, o que significa que deverá ter em conta as especificidades de cada distrito, e ainda responder a estratégia de desenvolvimento no respectivo território. Por outro lado, a organização do aparelho administrativo nos escalões de Posto Administrativo, Localidade e Povoação deverão ser ajustados para responder a estes desafios.

Cada governo distrital poderá ter uma composição de serviços distritais de conformidade com a sua dimensão territorial, tipo de actividades socio-económicas e culturais, infraestruturais, população, etc.. Assim, os distritos com menor grau de complexidade poderiam ser estruturados, por exemplo, em uma secretaria distrital e três serviços distritais (serviços de actividades económicas e infra-estruturas; serviços de saúde e acção social; serviços de educação, cultura e recreação).

A reestruturação dos Órgãos Locais do Estado, deve ser acompanhado por um processo de capacitação institucional que passa pelo apetrechamento em infra-estruturas, sistema de comunicações (via rádio), equipamento, e recursos financeiros que possibilitem que sejam realizadas acções concretas de manutenção de vias de acesso, abertura e manutenção de fontes de água, extensão rural que tenham campos de experimentação que contribuam para aumentar o rendimento por hectar dos produtores familiares, etc..

Ainda neste âmbito, um aspecto importante a considerar para fortalecer as instituições a nível local é a formação e capacitação

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de todos os actores que interagem no desenvolvimento local. Esta capacitação passa por um diagnóstico das necessidades de formação de cada um dos grupos alvo, sendo necessário dar uma atenção especial aos funcionários públicos ao nível do distrito, incluindo professores, agentes de saúde e extensionistas.

A extensão do aparelho administrativo até ao nível de localidade deve ser explorado como instrumento de enquadramento das Autoridades Comunitárias e de aproximação dos serviços de utilidade pública às populações. As potencialidades dos líderes comunitários para o envolvimento das comunidades em tarefas de desenvolvimento comunitário são incomensuráveis, sendo apenas necessário um melhor enquadramento nas actividades de governação a nível local e a sua valorização.

Participação Comunitária e o Papel da Sociedade Civil

Para que o Distrito seja em termos efectivos a base de planificação e de desenvolvimento local, requer que os cidadãos assumam as suas responsabilidades e mudem de atitude perante o meio ambiente que os rodeia. As comunidades na sua auto-organização devem desenvolver as suas capacidades em áreas tais como:• O associativismo, cooperação e solidariedade;• Na valorização do conhecimento resultante da experiência

da vida dos mais velhos e sua disseminação pelos jovens;• No aperfeiçoamento das técnicas de produção para o

incremento da produtividade;• Na troca de experiências com outras comunidades para

buscar, usar e disseminar novas experiências;• No aperfeiçoamento da gestão de recursos naturais e os

localmente disponíveis para a maximização das necessidades das respectivas comunidades.

As capacidades dos cidadãos permitem melhorar as formas de organização das comunidades e suas lideranças. Por isso, a

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institucionalização dos Conselhos Consultivos, à luz da Lei dos Órgãos Locais do Estado, tem em vista um adequado enquadramento dos cidadãos para que contribuam com o seu conhecimento e sabedoria para o aproveitamento de recursos locais no desenvolvimento do distrito.

A organização comunitária é a base de suporte de iniciativas que visem buscar alternativas sustentáveis para resolver os problemas quotidianos das populações, do que deriva uma dinâmica de desenvolvimento comunitário endógeno com participação activa de todos os actores. Assim, os diferentes agentes de desenvolvimento no quadro da promoção da participação comunitária no processo de planificação distrital, devem reconhecer que as comunidades é que geram as dinâmicas no processo de desenvolvimento económico local.

Uma das práticas para melhorar a interacção da sociedade civil, sobretudo, a nível distrital ou de posto administrativo, é o estabelecimento e funcionamento dos Conselhos Consultivos com a regularidade prevista na Lei. Estes, são constituídos na sua maioria por personalidades influentes residentes no local, que de uma forma directa podem contribuir através das suas ideias e acções nos planos e nas actividades que visam melhorar as condições de vida da população. Parte-se do princípio de que a promoção do desenvolvimento local e o combate à pobreza é uma acção que deve envolver todos os cidadãos residentes na aldeia, bairro ou localidade, para que possam dar a sua contribuição, e participar na tomada de decisões e na implementação das actividades que visem melhorar as condições de vida da respectiva comunidade. Assim, todos devem sentir-se valorizados pelo seu envolvimento nas actividades de desenvolvimento local da sua aldeia ou bairro.

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Os Conselhos Consultivos devem ser constituídos por representantes de diferentes segmentos e grupos sociais. Se constituídos de forma efectivamente plural e representativa incluirão políticos, empresários, trabalhadores, donas de casa, jovens, associações religiosas, desportivas, instituições académicas e outros tipos de lideranças locais. Na sua composição os Conselhos Consultivos devem observar o princípio estabelecido na alínea c) do Artigo 118 do Decreto No. 11/2005, que estabelece que pelo menos 30% dos membros do Conselho Consultivo devem ser mulheres.

CONCLUSÃO

A Lei dos Órgãos Locais do Estado estabelece que o Distrito é a unidade territorial de base para a planificação e desenvolvimento ao nível local. A experiência de planificação e finanças descentralizadas a nível distrital tem o mérito de ter conseguido buscar a intersecção e conciliação dos programas de nível central e provincial, com aqueles que emergiam a partir da base, quer induzidos quer espontâneos e conduzi-los de forma harmoniosa num exercício de planificação participativa, assegurando a sua endogeneidade.

O distrito como base de planificação e desenvolvimento local, constitui o escalão territorial de governação mais adequado para a concretização da dimensão territorial do desenvolvimento, sendo necessário adequar a sua estrutura orgânica para que se torne um verdadeiro instrumento dinamizador de uma administração participada e virada para o desenvolvimento local, uma vez que estão estabelecidos os mecanismos de participação, sistema de informação e ser possível encontrar uma massa crítica que assegure o funcionamento dos mecanismos de prestação de contas.

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A lei ao definir as atribuições e competências para os Órgãos Locais do Estado, dotou o distrito de autoridade, responsabilidade e recursos, para que este administre o território, dinamize e promova o desenvolvimento local participativo, envolvem não só as comunidades como também os vários actores do desenvolvimento local actividades tais como:• a reabilitação e manutenção de estradas não classificadas,

pontes e outros equipamentos de travessia;• a utilização de material local para melhorar as condições de

habitação da população local;• a construção de pequenos sistemas de irrigação com uso de

materiais locais e tecnologias apropriadas e de baixo custo;• a construção de fontes de abastecimento de água incluindo

o aproveitamento da água das chuvas, e gerir ou promover a gestão de pequenos sistemas de abastecimento de água e energia;

• o planeamento e ordenamento do território e a elaboração e execução do plano de desenvolvimento distrital;

• a criação de feiras rurais e a comercialização agrária; e etc.

Com a implementação da Lei dos Órgão Locais do Estado, novas perspectivas se definiram para o processo de planeamento distrital na componente físico espacial, principalmente, no que concerne ao processo de planificação descentralizada e à participação da população no processo de elaboração e implementação dos planos distritais de ordenamento territorial, cuja competência de elaboração, aprovação e implementação é do Governo Distrital.

A obrigatoriedade de adopção de métodos participativos no processo de elaboração de planos vai ao encontro dos interesses das comunidades locais, o que facilita a responsabilização de todos os intervenientes no processo de implementação, assim como estimula o uso de material local e de técnicas simples no processo de ordenamento territorial.

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Há no País valiosas experiências sobre a participação comunitária no ordenamento territorial, sendo que o exemplo referido habitualmente é o processo de reassentamento das populações afectadas pelas cheias nos anos 2000 e 2001, que com técnicas simples, sem planos de estrutura e com a participação da população foi feito um ordenamento em que a experiência foi assimilada e, hoje, o crescimento destes aglomerados populacionais continua de acordo com o plano elaborado com a comunidade.

Para melhorar os serviços prestados à população, e consequentemente a sua qualidade de vida, o Distrito deve em primeiro lugar, garantir a planificação do seu território. Na base de um diagnóstico podem-se ver as potencialidades, a localização de infra-estruturas económicas e sociais e, nesta base, fazer um plano físico-espacial de localização de aglomerados populacionais, das actividades, dos projectos e infra-estruturas, assim como perspectivar o seu desenvolvimento do ponto de vista espacial.

O ordenamento dos aglomerados populacionais facilita a gestão sustentável dos espaços e dos recursos naturais e passa pela sensibilização das comunidades para o cumprimento de normas obrigatórias. Estimula ainda os comportamentos que produzam efeitos positivos na gestão sustentável dos recursos naturais.

As capacidades, potencialidades e oportunidades de desenvolvimento do Distrito devem ser a base para a reestruturação dos governos distritais à luz da Lei dos Órgãos Locais do Estado, isto é, o comando para a nova arquitectura da estrutura orgânica do governo distrital.

As transformações pretendidas na estrutura, organização e funcionamento dos Órgãos Locais do Estrado, devem permitir que o distrito sendo a unidade territorial de base para a planificação e desenvolvimento local, seja dotado de Autoridade,

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Responsabilidade e Recursos, que o permitam induzir e promover iniciativas locais de produção de bens e serviços para o mercado, utilizando recursos e tecnologia localmente disponíveis, e ainda o conhecimento que existe no seio das comunidades para resolver os problemas quotidianos da população do distrito.

É nesta perspectiva que a Lei define o regime financeiro dos Órgãos Locais do Estado, dotando-os de um orçamento constituído por receitas provenientes de certos impostos e taxas, e de despesas que permitam a realização das actividades que concorram para o cumprimento da sua missão.

O estabelecimento do distrito como unidade orçamental, faz com que o distrito tenha um orçamento, e pode consolidar o exercício de planificação distrital, utilizando a metodologia participativa em todas as fases de preparação, implementação e monitoria, do plano de desenvolvimento distrital.

Aliado à existência de um orçamento distrital é importante que seja desenvolvida uma capacidade técnica que permita ao distrito induzir e promover iniciativas locais visando o desenvolvimento local através de acções tais como: a abertura e manutenção de vias de acesso, a criação e manutenção de fontes de água, pequenas represas, sistemas de irrigação, conservação sustentável de recursos naturais; contribuindo para geração de emprego, formação técnico profissional das populações locais, etc..

Isto quer dizer que o investimento de iniciativa local no orçamento do distrito (os sete milhões), deveria ser orientado para acções desta natureza, ou seja, para o investimento público que permita geração de emprego a nível local, orientado para infra-estruturas que contribuam para o desenvolvimento de outras actividades de produção de bens serviços para o mercado.

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OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO SOCIO-ECONÓMICO DE MOÇAMBIQUE:

(Apresentação oral feita por José Manuel Guambe)

Com a permissão de Sua Excelência o Presidente da República, passo a apresentar o tema “Os Desafios da Descentralização no Desenvolvimento Socio-Económico de Moçambique”. Para tratar deste tema de descentralização que frequentes vezes é visto como apenas um problema administrativo… ele têm influências sobre todos os processos políticos, económicos, sociais e culturais no nosso país. O processo de descentralização que toma forma daquilo que podemos chamar de Reforma dos Órgãos Locais, significa termos um aparelho ou uma máquina administrativa que tem responsabilidade de prestar serviços ou de responder às demandas da sociedade em geral e sobre a qual assenta toda a acção governativa. Neste sentido, este processo de descentralização – que é uma expressão no seu sentido lato – implica a descentralização no seu sentido restrito e a desconcentração.

A descentralização no caso específico do nosso país, significa a existência de autarquias locais. Significa, no texto constitucional, o título sobre o poder local como pessoas colectivas públicas de território e população, com personalidade jurídica própria distinta da do Estado, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, enquanto que a desconcentração significa a existência de Órgãos Locais do Estado nos escalões territoriais de província, distrito, posto administrativo, localidade e povoação dotados de atribuições e competências próprias na tomada de decisões para a solução de inúmeros problemas da própria comunidade, para além de funções delegadas pelos órgãos centrais.

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A Reforma dos Órgãos Locais do Estado assenta sobre o pacote autárquico que lhes legisla e tornou viável, portanto, o funcionamento das 33 autarquias no nosso país, enquanto que o processo de descentralização assenta na Lei dos Órgãos Locais do Estado, que é a Lei nº 8/2003 que, portanto, prevê a desconcentração de competências que vai implicar a reestruturação dos Órgãos Locais do Estado. A Administração Pública, que é a máquina – pode haver outras definições do ponto de vista doutrinário ou mesmo do ponto de vista prático – mas entendida como a máquina burocrática na qual assenta toda a acção governativa, portanto responde à preocupações centrais e territoriais. Portanto, a nível central são todos os órgãos: Presidência da República, Conselho de Ministros, Ministérios, Institutos Públicos, e etc. – portanto de natureza central. Enquanto que ao nível territorial, que é pelas características do país e a operacionalidade de toda a acção governativa, temos os chamados Órgãos Locais do Estado, Órgãos Autárquicos e Órgãos Comunitários, embora seja discutível dizer órgãos comunitários, mas é a expressão que encontrei para caracterizar as formas de organização próprias das comunidades que têm influência sobre o processo de administração do território em última instância.

Participantes do Seminário

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A Lei dos Órgãos Locais do Estado abrange o nível, ou os escalões territoriais de governação provincial, distrital, posto administrativo, localidade e povoação. Neste processo de administração pública em geral que tem a administração central e territorial, há atribuições exclusivas dos órgãos centrais. Aquelas funções próprias que só podem exercidas pelos órgãos centrais. São aquelas relativas ao exercício da soberania e normação em matérias de definição de políticas nacionais, tais como a representação do Estado, segurança nacional, organização do território, soberania financeira, entre outras. Portanto, a Lei dos Órgãos Locais do Estado, assim como a própria Constituição referem-se a outras várias, e isto é apenas exemplificativo.

Os Órgãos Locais do Estado: a primeira função/missão que têm é a representação do Estado. Porquê? Porque os órgãos centrais do Estado não podem estar simultaneamente em toda a extensão do território e tem a missão de realizar tarefas e programas políticos, económicos e sociais de interesse nacional e também de interesse local, porque há um conjunto de iniciativas ou acções que são específicas em cada um daqueles escalões territoriais que caracterizamos lá atrás como Órgãos Locais do Estado.

As Autarquias são pessoas colectivas de população e território – de forma mais explícita vimos quando vimos o conceito de descentralização – que têm o princípio de auto-organização, portanto na autonomia administrativa e financeira que têm – e fundamentalmente o princípio de participação. Portanto, a questão de participação é que é o móbil do processo de descentralização.

Comunidades locais é o conjunto de população e pessoas que numa determinada unidade territorial se organizam nas suas formas próprias que pode ser ao nível de povoação, localidade, posto administrativo ou distrito. Os órgãos comunitários podem ser autoridades comunitárias definidos pelo Decreto 15/2000 e assim

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como os conselhos locais que estão previstos no Decreto 11/2005, que é o Regulamento da Lei dos Órgãos Locais do Estado. Portanto estamos a dizer que nos órgãos comunitários temos as chamadas autoridades comunitárias que são os chefes tradicionais que têm várias características – como todos nós sabemos: secretário de bairro ou chefe de aldeia e outros líderes que desempenham uma determinada influência numa determinada comunidade ou grupo de pessoas.

O conselho local é uma forma de institucionalização à questão de participação que veremos mais lá a frente. Quer os Órgãos Locais do Estado, quer os Órgãos Autárquicos assentam basicamente sobre a participação das próprias comunidades. Então, foram instituídos os conselhos consultivos nos vários escalões: nos escalões de distrito, posto administrativo e localidade. Agora, qual é o perfil de cada um dos órgãos que integra os Órgãos Locais do Estado?

A província é a maior unidade territorial – portanto, depois do país no seu todo – e é o nível de execução de planos e programas nacionais e locais, enquanto o distrito é a unidade territorial principal. É a base de planificação e de desenvolvimento. É o nível de prestação de serviços de utilidade pública à população. É a base de participação comunitária através dos conselhos consultivos distritais.

O posto administrativo aproxima os serviços às populações. Amplia a participação dos cidadãos na realização dos interesses locais, enquanto que a localidade também aproxima os serviços às populações. É o nível de contacto permanente entre as comunidades e as respectivas autoridades comunitárias. E o escalão de povoação é a unidade territorial de base onde se estabelece também o contacto permanente entre as comunidades e as respectivas autoridades comunitárias e é o espaço de interacção com as autoridades comunitárias.

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Esta Reforma dos Órgãos Locais do Estado ou esta descentralização e desconcentração de que falamos, faz com que, ou exige que a esses Órgãos Locais do Estado a Lei lhes atribua atribuições e competências – que é o poder que eles têm para realizar as múltiplas tarefas na solução dos problemas das suas comunidades. Estas competências podem ser delegadas – significa que são competências próprias dos órgãos centrais mas que são delegadas aos Órgãos Locais do Estado. Ou podem ser próprias – significa aquelas que eles podem tomar a decisão e executar sem precisar de prévia consulta ou orientações de nível superior, embora estejam sujeitos a fiscalização, monitoria e inspecção dos órgãos centrais. Não significa que se elas são próprias, elas podem ser realizadas fora dos parâmetros definidos por lei. A título exemplificativo, a nível provincial as competências delegadas podem ser: representação da autoridade central; algumas responsabilidades que têm no que diz respeito à ordem pública e administração do território; implementação e fiscalização dos programas e decisões do governo; e também no âmbito de emergência; enquanto que as competências próprias são no âmbito de gestão de recursos; na elaboração do plano e orçamento da província e o respectivo balanço; assim como criar unidades de prestação de serviços de saúde primários bem como escolas primárias e de ensino geral.

Ao nível distrital também tem competências próprias e delegadas. As delegadas podem ser a representação da autoridade central, a ordem pública, a administração do território, o plano económico e social assim como informações ao governo provincial e aos órgãos centrais do Estado que têm também competências próprias...

Quais são as relações que se devem estabelecer entre as autoridades centrais e locais? Significa que esta desconcentração que é feita... ao estabelecer as competências para os Órgãos Locais do Estado estamos a dizer que as relações entre as estruturas centrais e locais

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serão feitas através do governador e do governo provincial, em que o governador e o governo provincial representam o governo central e cada um dos ministros e ministérios. Portanto, de forma esquemática seria este esquema aqui em que temos a administração central, que tem o processo de desconcentração que é esta seta que vai nesta figura oval e que diz governo provincial. Então, todas as actividades que se realizam aqui são desconcentradas. E temos do lado esquerdo, as actividades centrais directas: portanto, há um conjunto de funções como registos e notariado, estatística, migração que são de nível central e que não estão desconcentradas para o nível provincial. Portanto, estas recebem as orientações de segurança e ordem pública directamente de nível central mas há coordenação, cooperação e troca de informação naquilo que é necessário entre o governo provincial e estas entidades.

E do lado direito temos as autarquias locais, que tem autonomia administrativa, financeira e patrimonial mas que estão sujeitas a tutela administrativa do Estado e que na Constituição de 2005 esta responsabilidade passou também para os governos provinciais. É por isso que esta seta que vai da administração central para as autarquias toca o oval do governo provincial. Significa que esta tutela pode ser exercida pela administração central assim como pelo nível provincial.

Significa que a máquina administrativa para a qual estamos a falar da sua reforma tem que ter uma articulação e uma inter-relação coerente do ponto de vista da sua forma de organização. Portanto, se um determinado sector está mais avançado no processo de reformas do que os outros ou não está feito de forma harmónica, então há disfunções no funcionamento desta. Então, este é que é o grande desafio, porque as reformas estão a ser levadas a cabo de forma simultânea mas todos os órgãos não estão a andar ao mesmo passo ou ao mesmo ritmo.

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O governo provincial é composto pelos directores provinciais que já não representam os ministérios. Eles são nomeados centralmente pelo ministro da respectiva área ou através de um deles naqueles casos em que a direcção provincial representa vários ministérios. Há coordenação com os ministros sectoriais na selecção ou sua designação e o director subordina-se ao governador provincial e presta contas ao governo provincial. Agora, como é que se faz a articulação com o nível central? Os directores provinciais obedecem a orientações técnicas e metodológicas dos órgãos que superintendem a actividade, que pode ser um ou vários ministérios. E informam sobre os aspectos fundamentais da sua actividade aos ministros que superintendem os respectivos sectores ou ramos de actividade. Significa que do ponto de vista técnico-metodológico, as normas, as orientações e os procedimentos metodológicos vem de nível central. E é aí onde o nível central faz a fiscalização, monitoria, capacitação e inspecção para verificar se esta desconcentração para os níveis locais está sendo exercida dentro dos parâmetros estabelecidos e se segue as normas e orientações metodológicas emanadas pelo nível central.

Delegados provinciais: qual é a diferença dos delegados provinciais com os directores provinciais? Naquele quadro que eu apresentei atrás do lado esquerdo, havia instituições que dependem directamente como os serviços de notariado, migração, segurança pública, e etc. A diferença com os directores é que os delegados provinciais subordinam-se centralmente. Delegados provinciais não é a designação que eles têm. Provavelmente têm várias designações: comandante provincial, director de migração... Aqui o delegado é um termo genérico para significar que são aquelas entidades ou são aquelas áreas de actividade na província ou no distrito que dependem centralmente. Portanto, subordinam-se centralmente. Articulam e cooperam com o

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governador e o governo provincial. Significa que estes não se subordinam ao governador. As actividades que eles realizam não estão desconcentradas. Continuam centralizadas. Portanto, a área de desconcentração é aquela que nós vimos anteriormente.

Finanças dos Órgãos Locais do Estado: bom, este é o calcanhar de Aquiles de funcionamento de qualquer instituição, porque o exercício de qualquer competência para alcançar um determinado objectivo ou para realizar a missão para a qual a instituição ou órgão é criado, ele tem que ter autoridade, responsabilidade e recursos. Se faltar um destes três, esta entidade pode tomar decisão mas não vai acontecer nada, porque se ele não tem autoridade e responsabilidade significa que não pode tomar a decisão nem executá-la. Então se não pode é ilegal e é nulo de nenhum efeito. Mas, se tem autoridade e responsabilidade, mas não tem recursos para fazer cumprir essa decisão também não acontece nada. Decide mas não acontece nada porque não há recursos para fazer acontecer aquela decisão. Então é um elemento importante. Portanto, são esses três elementos que fazem com que de facto esta descentralização e desconcentração para que se torne uma realidade é necessário que tenha esses três pés.

É nesse sentido que a própria lei define como é que funcionam as finanças dos Órgãos Locais do Estado. Significa que a província e o distrito têm orçamentos próprios, composto por despesas correntes e de capital, e têm as receitas, que são as transferências do Estado – aquilo que chamamos de orçamento, que são as transferências de nível central para os Órgãos Locais do Estado; e receitas próprias que a lei pode definir e que resultam de taxas, licenças ou impostos como sendo colectados e que façam parte do orçamento dos Órgãos Locais do Estado. Portanto, estas receitas próprias têm que ser definidas pelo Conselho de Ministros e a fixação e revisão podem ser delegáveis aos Órgãos Locais do Estado, dentro dos parâmetros definidos.

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O posto administrativo e localidade: Era desejável que também tivessem um orçamento próprio, mas pelas características territoriais destes escalões de governação que carecem quer de infra-estruturas, quer de pessoal qualificado, então as suas dotações deverão ser parte integrante dos orçamentos distritais. Devo dizer que em algumas localidades nem sequer a administração está estendida até esse nível, então não se pode falar de orçamento próprio de um nível onde a própria administração ainda não se estendeu para esse nível. Mas, seria desejável que à medida que isso vai acontecendo, esta lógica de desconcentração de finanças para os Órgãos Locais do Estado caminhasse para esse nível.

Devo dizer que a província já era unidade orçamental. A grande novidade é o distrito como unidade orçamental, que é a condição legal sine qua non nos termos da Lei da Administração Financeira do Estado. É a condição sine qua non para podermos dizer que o distrito tem um orçamento. Para podermos dizer que o orçamento do distrito para o Investimento de Iniciativa Local é tanto, era preciso que houvesse um enquadramento legal nesse sentido. O Investimento de Iniciativa Local para o distrito cuja decisão à participação do conselho do distrito.

Significa que toda esta engenharia de reforma de desconcentração de competências para os Órgãos Locais do Estado e de tomar o distrito como base de planificação e de desenvolvimento pressupõe que há recursos sobretudo para o Investimento de Iniciativa Local. Significa que as iniciativas que surgem ao nível do distrito têm o tal tripé: o distrito tem a autoridade, a responsabilidade e tem recursos lá para fazer. Não depende de recursos consignados ou já pela sua natureza do seu funcionamento normal da actividade. Então este é o investimento de iniciativa local. Mas como o princípio da descentralização e desconcentração é a participação, então como é que as comunidades e os cidadãos participam em iniciativas criadoras, em ideias para promover o desenvolvimento

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local que resolva os problemas de pobreza em cada um desses pontos?

É preciso também que eles tenham uma palavra a dizer sobre os tais recursos que vão fazer acontecer as coisas, porque de outra poderia ser entendido como um investimento que existe para resolver os problemas internos do funcionamento da máquina administrativa – não sei se me faço entender: as instituições têm necessidades internas do seu funcionamento – portanto, todos os meios, os consumíveis, os computadores, os edifícios para poderem funcionar de forma adequada. Mas tendo isso tudo é preciso que haja uma prestação de serviços que respondam as preocupações da sociedade, que tem outro tipo de problemas; que demandam infra-estruturas como água, estrada, lares e outras necessidades que todos nós sabemos do dia-a-dia. Então, para que não haja o entendimento de que este investimento é para o funcionamento burocrático ou investimento da máquina, então aí é que há o espaço para a participação. Significa que ainda que o investimento seja público – este investimento de iniciativa local seja para o investimento público – não sejam apenas aquelas viradas para o funcionamento da máquina em si própria, mas sejam também aquelas que vão provocar a solução de algumas iniciativas.

E por outro lado, os Órgãos Locais do Estado – como me referi atrás – podem fixar taxas e tarifas conforme as competências atribuídas por lei. Portanto, esta possibilidade de cobrar taxas ou tarifas pelos serviços prestados como o imposto de Reconstrução Nacional, tem que ser nos parâmetros definidos por lei. Não podem inventar coisas, senão é um excesso de carga para o cidadão. Portanto, dentro dos parâmetros que são definidos é que eles podem efectuar essas fixações e essas cobranças.

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Quais são as inovações desta Reforma dos Órgãos Locais do Estado – desta grande desconcentração? A primeira grande inovação é a definição do distrito como unidade principal de organização e promoção do desenvolvimento. Devo dizer que isto é novo. Esse assunto não é novo. Já foi considerado há muitos anos atrás o distrito como base de desenvolvimento, mas pelas circunstâncias do processo nunca se tornou efectivo.

O princípio da estrutura integrada; a participação e consulta às populações e o encorajamento das suas iniciativas e os orçamentos próprios ao nível provincial e distrital. Portanto, essas são as grandes inovações que esperamos que – já há alguns sinais visíveis – isto pode permitir que o distrito se transforme numa verdadeira base de planificação e de desenvolvimento.

Isto é um processo de mudança. É uma janela de oportunidade. Significa que o facto de estar definido assim, não implica necessariamente que as coisas vão acontecer automaticamente. E aí vamos encontrar problemas de resistência. E estes problemas de resistência são próprios da natureza deste aparelho administrativo sob o qual assenta a acção governativa, como me referi no início – porque a administração pública pela sua natureza ela é muito resistente a mudança. É por isso que, eventualmente, há alguns dispositivos legais – alguns são de 1933, outros de 1901, sobretudo na área financeira – só agora 30 anos depois é que conseguimos removê-los. Significa que a administração pública pela sua natureza ela é conservadora pela forma do seu funcionamento. E funciona como uma espécie de febre, que é contagiante: então, mesmo que sejamos jovens dinâmicos, quando depois entramos lá para começar a operar acabamos exactamente a operar na lógica dessa resistência. E não é por má-fé, não é por maldade. É a natureza desta máquina chamada administração pública que tem essas características. Então os problemas de resistência têm que ser compreendidos também

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dessa maneira e não exclusivamente porque é falta de vontade deste ou daquele. Não estou a dizer que não há outras razões de resistência. Também há esses assuntos.

E possivelmente a primeira Reforma de 77 que foi apelidado, no Seminário de Nacala, de escangalhamento do aparelho de Estado, provavelmente tentou romper com esta característica. Mas é tradição da administração pública no geral. Agora porque é que se elegeu o distrito, que é outra grande questão que se coloca, ou pelo menos nos debates.

Primeiro porque o distrito foi definido como unidade de base de planificação e de desenvolvimento já em 78 – como eu dizia, esse assunto não é novo. E alguns de nós dizemos que foi mau a reforma de 77 que trouxe esta... e tudo o que foi decidido neste seminário está tudo errado. Mas 30 anos depois estamos a dizer que o distrito deve ser a base de planificação e de desenvolvimento. Significa que afinal aquilo não foi mau de todo. Pode ter tido aspectos negativos mas teve bastantes aspectos positivos. Isto para dizer que percepções desta natureza é legítimo que haja, porque qualquer processo de reforma tem aspectos positivos e negativos. Hoje, voltamos a reconhecer que o distrito de facto é a unidade de base de planificação e desenvolvimento. A experiência de planificação e finanças descentralizadas foi testado com êxito sobretudo na província de Nampula. Portanto, confirma-nos que de facto o distrito pode ser a base de planificação e desenvolvimento. Não é um problema de análise teórica ou de direito comparado. Portanto, há algumas experiências positivas que nos mostram nesta direcção. Está suficientemente mais próxima das populações. Ainda não está muito próxima, mas está um pouco mais próximo que o nível central e provincial. Então, este também é um elemento.

Possui uma dimensão e massa crítica. Nós no distrito podemos encontrar várias sensibilidades. Porque num determinado distrito

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os melhores comerciantes do distrito estão ali, são sensibilizados; os chefes tradicionais das comunidades que estão no distrito, alguns deles estão ali próximos; os professores ou os directores das escolas estão ali; os extensionistas estão ali. Portanto, há um conjunto de diversidade de indivíduos que têm ideias, têm conhecimentos, têm iniciativas que juntos podem contribuir para este objectivo. Agora é necessário capacitá-los. Significa que os distritos têm ainda fragilidades e precisam de pessoas com conhecimentos suficientes para valorizar aquele outro conhecimento que já existe lá – quer técnico, quer até de solução dos vários problemas... Eu quero acreditar que ao nível do distrito podem não saber conservar certas coisas, mas têm conhecimento que as comunidades têm as plantas medicinais; sobre como fazer tijolos; sobre como fazer pequenos diques e pequenas barragens... que foram fazendo ao longo do tempo. Então, esse conhecimento tem que ser explorado e transformado. Significa que é preciso de facto esse esforço de mandar os quadros que existem para os distritos, o que é um aspecto muito importante. Uma das coisas importantes é explorar de facto aquele conhecimento – bom, não gosto dessa expressão, mas noutros países dizem que é conhecimento indígena. Há um conhecimento sobre o saber fazer e que permite a sobrevivência das comunidades lá no campo. Esse conhecimento tem que ser explorado e utilizado primeiro naquele local, que é a forma da sua valorização.

A questão da participação e consulta: é um aspecto extremamente importante, porque essa participação e consulta tem que ser efectiva e há vezes que não é. Então, qual é o seu enquadramento legal? A própria Constituição da República nos seus Artigos 263 e 271 fala dessa questão de participação. A Lei 8/2003, mesmo a Lei de terras, Florestas e outra legislação que existe das actividades económicas sempre dizem que é preciso que haja uma consulta e um envolvimento dos cidadãos – incluindo o próprio Decreto 15/2000 e o Regulamento da Lei dos Órgãos Locais. Porquê esta questão de participação e consulta? Porque o espírito desta

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desconcentração – desta Reforma desses Órgãos Locais do Estado – pretende uma virada para o desenvolvimento. Significa que a noção de desenvolvimento local participativo é importante. Pode haver desenvolvimento local que não seja participativo. O papel dos conselhos consultivos e a promoção de associativismo e outras formas de envolvimento e participação das próprias comunidades e suas lideranças. Esta administração participada, quais são os mecanismos que foram instituídos?

É através dos conselhos consultivos que estão instituídos mas que têm que funcionar de forma regular e efectiva; Que haja um sistema de informação não só do distrito para a província ou central, mas do próprio distrito para as tais comunidades;Mecanismos de controle através das próprias comunidades e prestação de contas;

Os critérios para a reestruturação dos órgãos locais devem assentar nos critérios de necessidade. Significa que cada unidade territorial deve estar estruturada para o exercício de funções mínimas: capacidades para executar as tarefas de cumprimento mínimo obrigatório e potencialidades. Significa que a forma como tem que ser organizadas as estruturas em cada um dos Órgãos Locais do Estado não pode olhar apenas para as preocupações de hoje. Tem que ter uma visão futurista. E é preciso criar condições como, já me referi, e muito obrigado, Excelência.

Painelistas

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OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO SOCIO-ECONÓMICO DE MOÇAMBIQUE: NOTAS PARA DISCUSSÃO

(Comentário do texto de José Manuel Guambe)

José Jaime Macuane

Com a licença de Sua Excelência o Presidente da República, queria agradecer este convite que me foi feito para fazer estes comentários, e desejar um bom dia aos estimados participantes. Talvez iria começar por parabenizar o Dr. Guambe, porque notei que a apresentação tem a qualidade de complementar o texto, porque desenvolve alguns aspectos que nele não estavam contemplados e que julgo serem, talvez, pertinentes para nós discutirmos esta relação entre a descentralização e o desenvolvimento. Então, a minha reflexão é essencialmente para aprofundar alguns dos pontos que estão no texto e eventualmente levantar alguns que possam não ter sido abordados. É claro que sendo um exercício de reflexão não vai necessariamente abarcar todos os pontos, também tendo em conta o tempo que nós temos. E exactamente tendo em conta o tempo que nós temos, acho que vou ler para ser muito mais prático geri-lo.

Eu diria que quando nós olhamos para este tema, há duas palavras-chave que o constituem, portanto, descentralização e desenvolvimento.

Ambas encerram em si tensões internas, que são provocadas por forças centrípetas e centrífugas, que são o motor da sua dinâmica, que, no meu entender, bem compreendida a sua natureza vai nos dar os subsídios necessários para enquadrar a relação que existe entre a descentralização e o

Intervenção de José Jaime Macuane

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desenvolvimento socio-económico (e talvez, vice-versa) do País.

A ideia de desenvolvimento já em si encerra a ideia de transformação, mudança e é essencialmente uma ideia de movimento de dinâmica e de negação do status quo.

Por sua vez, a descentralização, como o seu nome sugere, é uma espécie de “desfiguração” da centralização, e se assume do início que é esse o ponto de onde ela parte. Então, essa desfiguração surge de alguma necessidade, da mudança de algo, seja da forma de pensar e estar da sociedade, seja do contexto em que a centralização reside e, a partir de um certo momento, ela em si torna-se inadequada.

Desta forma, ambos os processos – portanto, o desenvolvimento e a descentralização – são inerentemente tensos e conflituosos e residem aí os seus desafios.

Isso leva no meu entender a uma questão que me parece crucial para a discussão do tema aqui proposto:

• Seria a descentralização que favorece ou promove o desenvolvimento socio-económico ou ela em si, portanto a descentralização, é fruto desse mesmo desenvolvimento socio-económico, que cria nos actores sociais, económicos e até políticos locais novas necessidades e desafios?

Eu diria que ambos processos se alimentam mutuamente e quando analisamos os desafios da descentralização no desenvolvimento socio-económico devemos olhar a questão em duas perspectivas: na perspectiva do ponto de vista da oferta (ou à montante, como preferirem) ou sob o ponto de vista da demanda (ou à jusante). Ou por outras palavras, sob o ponto de vista do Estado e dos actores a nível central e das estruturas estatais e actores a nível local.

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Sob o ponto de vista do Estado e actores a nível central, dentre os vários que podem ser enumerados, destaco os seguintes desafios:

Primeiro, como Estado unitário que somos, a organização política sempre teve um pendor à centralização, que evidentemente teve repercussões numa cultura de Estado, política e administrativa centralizadora. O centralismo democrático, é uma parte da nossa História que devemos reconhecer o seu papel na construção do Estado, como aliás o texto do Dr. Guambe reconhece. No entanto, não devemos assumir que a História age em saltos. A cultura centralista estará presente ainda por muito tempo entre nós, velhos, jovens, titulares de órgãos do Estado a nível central e a nível local. Por essa razão, o actual processo de descentralização que começa nos anos 90 e culmina com a municipalização e a desconcentração teve e ainda terá evidentemente alguns entraves dessa cultura centralista, e isso constitui um grande desafio, aliás como foi aqui referido. Nesta perspectiva, ouso especular que os sete milhões, que hoje já são um conceito consagrado e não a indicação de uma mera quantia monetária, antes de estarem enraizados no nosso imaginário devem ter, concerteza, enfrentado muitas resistências para serem canalizados aos distritos, na desculpa de falta de experiência e capacidade.

Essa cultura centralizadora não se refere apenas à relação entre o Estado Central e os órgãos locais, mas também refere-se à relação destes com os órgãos dos níveis subsequentes. Ou seja, à relação entre o distrito e o posto administrativo; entre este e a localidade e mesmo na relação entre o distrito e o município, que como sabemos, nem sempre tem sido pacífica.

Aqui temos claramente um problema da cultura organizacional e política a se sobrepor às normas, contribuindo mesmo para entravar o processo. Isto é, apesar do quadro legal definir a descentralização, ela ainda pode enfrentar entraves para a sua efectivação, ficando a mercê deste viés centralizador.

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O segundo aspecto é que embora o significado e o comando político da descentralização estejam claros, a compreensão das suas implicações operacionais ainda precisa ser aprimorada. Aqui o desafio é descentralizar mas lembrar que a governação local está a serviço de um projecto nacional comum e isso requer uma ligação clara e forte entre as estratégias locais e as estratégias nacionais. Até aqui, só a nível político, através do Chefe do Estado, nas suas presidências abertas, é que se consegue agregar o sentido de descentralização, combinando o pensamento do Estado unitário que somos às ideias da governação local. A nível técnico e operacional esta ligação ainda constitui um grande desafio. A ideia de Governo integrado, prevista na Lei 8/2003 de 19 de Maio, tenta colmatar esta lacuna, mas a sua operacionalização ainda demanda muito esforço e sobretudo a ligação constante entre as políticas nacionais e as actividades e atitudes a nível local e estas entre si, ainda precisa de melhorias substanciais.

O terceiro aspecto que eu iria indicar ao nível central é o pensamento centralista de que o país e as oportunidades se concentram em Maputo. A alusão à Maputo como a nação, muitas vezes ouvida nas províncias é muito mais do que uma mera gíria, é sim o reflexo de um pensamento profundamente enraizado nos moçambicanos sobre a centralidade da capital do país nas suas vidas. Reverter essa tendência, é um desafio para a descentralização como um elemento que potencia o desenvolvimento.

A nível local, eu destacaria os seguintes aspectos:

Primeiro, há que levar em conta que a descentralização e outros processos normativos de organização do Estado vêm encontrar processos sociais já em curso a nível das comunidades, estimulados por processos a nível económico e social, como as problemáticas da posse de terra, tanto dos indivíduos como das comunidades, da exploração dos recursos naturais (florestais, faunísticos e minerais), falta de crédito, etc. Estes problemas inspiraram em grande parte a elaboração de

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legislação relevante, como a Lei de Terras, a Lei de Florestas e Fauna Bravia e a legislação que regulamenta a formação de associações agro-pecuárias, de gestão comunitária de recursos naturais, etc.

Estas dinâmicas estimularam o crescimento do movimento associativo a nível local, e a necessidade de sua inclusão nos processos de governação, tendo inspirado a elaboração de legislação relevante como a Lei 8/2003 de 19 de Maio e o respectivo regulamento. Este exemplo é, no meu entender, um desafio constante na relação entre descentralização e desenvolvimento, que passa pela identificação e incorporação constante dessas dinâmicas locais na organização do Estado.

As dinâmicas de desenvolvimento descobrem-se no terreno e não é a descentralização que leva o desenvolvimento, mas sim que o potencia. Um exemplo disso é a criação da ideia dos sete milhões, que no início tinha uma abordagem, mas depois mudou-se, quando nos processos de presidência aberta novas preocupações surgiram e novos desafios a nível local foram identificados. Essa função de revisitar constantemente o processo e descobrir as dinâmicas de desenvolvimento que devem ser estimuladas e não deve acontecer apenas quando o Chefe de Estado vai ao terreno, deve sim ser um processo contínuo, tanto político como técnico, em que os representantes do Estado a nível local (falo dos governadores e administradores dos distritos), complementados pelos seus quadros técnicos, nas suas visitas de trabalho devem constantemente identificá-las e colher preocupações e experiências que possam informar constantemente o processo de descentralização. Porque afinal, a descentralização é um processo contínuo.

Em segundo lugar, temos a questão fiscal, nas suas vertentes de receita e despesa (nesta última incluindo a prestação de contas). Na História Universal, o fortalecimento do Estado foi em muitas partes estimulado pela necessidade de extrair receitas para financiar os seus gastos, primeiro as guerras do interesse do soberano e depois outros interesses que com o desenvolvimento da própria sociedade e a exigência de prestação de

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contas desta ao soberano foram incluindo cada vez mais as preocupações dos cidadãos comuns. Estruturas estatais que não têm a capacidade extractiva tendem a entrar num ciclo vicioso sem fim, em que o Estado não tem a capacidade suficiente para cumprir o seu papel, porque não tem receitas para tal, e não tem receitas porque não tem capacidade para extrai-las. Mesmo que se resolva o problema de criação de capacidade num contexto de estado unitário como o nosso coloca-se o problema de distribuição do bolo fiscal. Promover o desenvolvimento, num contexto de assimetrias regionais como o do nosso país, passa por abordar a justiça fiscal de forma lúcida e equilibrada. A distribuição dos sete milhões em moldes menos igualitaristas (ou seja, a ideia de que nem todos agora passam a ter os sete milhões; podem ter mais ou menos), já é um passo nesse sentido, mas este princípio deve abarcar outros elementos para que as receitas geradas localmente possam também contribuir de forma efectiva para as dinâmicas de desenvolvimento local.

Sob o ponto de vista da despesa e sobretudo na sua prestação de contas, há que assinalar avanços significativos, advindos do fortalecimento do Tribunal Administrativo e da Inspecção Geral das Finanças, que passaram a realizar auditorias até ao nível do distrito, algo impensável há alguns anos. Paralelamente a isso, a criação de Conselhos Consultivos que permitem a participação das comunidades locais na governação, é um espaço por excelência de prestação de contas. No entanto, estes actores locais, apesar de participarem na definição de estratégias de desenvolvimento local, ainda têm fraco acesso e limitada capacidade de processar parte da informação técnica relevante. Por exemplo, imaginemos um Conselho Consultivo a analisar um relatório de auditoria do Tribunal Administrativo sobre como é que os sete milhões de meticais foram usados. Então, capacitá-los neste sentido é um desafio a enfrentar para a melhoria efectiva da sua participação na governação local.

Em terceiro lugar, há também o desafio político. A nossa descentralização compreende uma componente de desconcentração através dos órgãos

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locais do Estado e a descentralização política ou devolução, através dos municípios. Embora as competências de cada tipo de órgão sejam claras, formalmente há sempre espaço para um potencial conflito na interpretação das estratégias de desenvolvimento a nível local, principalmente num contexto de pluralismo político. Como alguns exemplos concretos mostram, nem sempre onde coabitam no mesmo espaço físico os dois tipos de governos locais – os órgãos locais do Estado e as autarquias – as estratégias nacionais de desenvolvimento são interpretadas de igual modo. Com o aumento do número de municípios este conflito pode se acirrar; e encontrar formas de evitar que isto prejudique o desenvolvimento económico local é um desafio político considerável.

Em suma, o grande desafio quando nós olhamos para a descentralização e a sua relação com o desenvolvimento socio-económico é combinar processos estratégicos gerados a nível central, que definem as linhas mestre do desenvolvimento do País, com processos que surgem das dinâmicas locais, de forma a se potenciar o desenvolvimento de forma endógena e consequente, tendo em conta as potencialidades e necessidades dos actores socio-económicos. Nesta perspectiva, a descentralização deve funcionar como a capacitação que contribui para a criação das condições necessárias para promover o desenvolvimento socio-económico do País, cujas bases, muitas vezes, já existem a nível local.Obrigado!

Presidium do Seminário

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PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO AGRÍCOLA: RESPOSTA Á CRISE MUNDIAL

Rafael Uaene e Jaime Nicols

1.ACELERAR A PRODUÇÃO AGRÁRIA EM MOÇAMBIQUE

1.1. Introdução

O preço de alimentos tem estado a subir em resposta a uma combinação de factores, incluindo: pobre colheita de cereais nos principais exportadores em 2005 e 2006; uma rápida subida do preço de petróleo, resultando em aumentos do custo de transporte de factores de produção, um aumento da procura e uso de cereais para a produção de bio-combustíveis (Estados Unidos da América) e para responder à maior procura de alimentos na China, Brasil e Índia. Esta maior procura é agravada pela urbanização, o que resulta em mudanças de hábitos dietéticos, especialmente a maior procura de produtos animais (carne de frango) que consomem elevadas quantidades de ração essencialmente composta de milho, soja entre outros; medidas de políticas que distorcem o comércio livre tais como subsídios e proibição de exportação por parte de alguns países produtores. De Fevereiro de 2007 a Fevereiro de 2008 estima-se que o índice de preços de mercadorias tenha subido cerca de 42%. Os produtos que tem registado maiores subidas são os cereais e os vegetais.

A combinação de alta de preços de cereais e vegetais e os altos preços de petróleo aumentará a incidência e a profundidade da insegurança alimentar no nosso país, se uma resposta adequada não for encontrada a curto, médio e longo prazos. Moçambique

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importa todas as suas necessidades em trigo, aproximadamente 400,000 toneladas e cerca de 350,000 toneladas de arroz anualmente. A produção local satisfaz apenas 25% das necessidades internas. Embora o País produza suficiente milho, os elevados custos de transporte dos centros de produção para os de consumo fazem com que o País tenha de importar cerca de 100,000 toneladas de milho, particularmente para o consumo da região sul.

Dados do Trabalho de Inquérito Agrícola (TIA) indicam que mesmo no meio rural onde a produção agrária é a actividade principal da maioria dos agregados familiares, os pequenos camponeses são compradores líquidos de milho na região centro e sul. O aumento de preços terá efeito particularmente negativo nos agregados familiares urbanos mais pobres compradores líquidos de alimentos e nos agregados rurais que sejam compradores líquidos. Os agregados familiares mais pobres quer urbanos quer rurais gastam mais de 70% do seu rendimento em alimentos.

O aumento de preços de alimentos só pode ser tomado como uma oportunidade se os pequenos produtores deixarem de ser marginalizados pelo mercado, como tem sido até agora. A sua marginalização deve-se fundamentalmente aos elevados custos de transporte e transacção. Apenas uma fracção (menos de 20%- de acordo com dados do TIA) dos produtores comercializam os seus excedentes. Para que os altos preços de mercadorias agrícolas possam efectivamente ser uma oportunidade para os produtores moçambicanos, terá de haver uma revolução na comercialização agrícola e isso só acontecerá quando investimentos em infra-estruturas viária diminuirem significativamente os custos de transporte.

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1.2 Disponibilidade e acesso de alimentos

A oferta de alimentos é a quantidade de alimentos produzidos localmente, incluindo os alimentos armazenados dos anos anteriores e os importados, e que estejam disponíveis para o consumo das pessoas a qualquer momento. Ter acesso a alimentos é uma preocupação de toda a Nação. Em Moçambique a falta de alimentos é a manifestação mais desumana da pobreza, um problema sério que merece reflexão e acção de todos nós. As pessoas sem acesso a alimentos sofrem de malnutrição, uma condição de deficiência nutricional que causa fraqueza e fadiga geral, afecta o crescimento e desenvolvimento mental e físico das crianças (hipotecado o futuro de futuras gerações) e torna as pessoas susceptíveis a doenças fatais como a disenteria, tuberculose.

A produção local de alimentos tem vindo a aumentar como é ilustrado pela Figura 1. O aumento da produção é resultado da expansão da área, uma vez que os rendimentos por unidade de área continuam extremamente baixos, quiçá os mais baixos da região da SADC.

Figura 1. Área cultivada das principais culturas alimentares

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Os rendimentos das principais culturas alimentares (Figura 2) mantém-se estacionários, representando um desafio e uma oportunidade para os serviços agrários, particularmente para a investigação e extensão agrária.

Figura 2. Evolução do rendimento das principais culturas alimentares, 2000-2007

Ter suficiente disponibilidade de alimentos coloca-nos dois desafios. O primeiro é fornecer suficiente alimento para as necessidades duma população crescente e cada vez mais exigente, sem destruir os recursos naturais necessários para continuar a produzir os alimentos. O segundo desafio é garantir a segurança alimentar, isto é, garantir que todas as pessoas tenham acesso a comida de modo a ter uma vida activa e saudável. Produzir comida suficiente não garante que as pessoas que precisam dela, tenham acesso a ela. Se as pessoas não tiverem rendimentos suficientes para adquirir os alimentos, ou para comprar sementes, utensílios para produzir alimentos, ou se desastres naturais tais como secas e cheias/inundações de que o nosso país é ciclicamente vítima, haverá sempre riscos de malnutrição mesmo quando haja comida

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suficiente.

Em Moçambique, as causas da insegurança alimentar incluem a pobreza e o baixo rendimentos das culturas, e constrangimentos em infra-estruturas e instituições públicas.

1.3 Factores que afectam a produção agrária

Moçambique é um país rural. Cerca de 75% da sua população vive em zonas rurais e a maior parte vive da agricultura. Mais de 70% da renda da população rural provém da agricultura, particularmente da produção agrícola onde os cereais (milho, mapira, mexoeira e arroz) jogam um papel importante. A produção de trigo é insignificante. Outras culturas importantes são a mandioca, o cajú, o algodão, o tabaco, as leguminosas (amendoim, feijões) e as oleaginosas (gergelim, girassol), o coqueiro, a cana-de-açúcar.

A produção agrícola requer igualmente água, terra arável, energia (combustível, tracção animal e ou humana) para amanhar a terra. A produção de alimentos para o consumo doméstico depende do acesso a um misto de factores que incluem: a terra; o crédito e os insumos agrícolas; o capital humano (saúde, educação, e treinamento do produtor); paz social e política, entre outros. Quando qualquer um deles está bloqueado, então as pessoas são forçadas a viver de programas de assistência social ou a viver na pobreza.

• A procura de alimentos aumentará cerca de 30-50% nos próximos 15-25 anos. Como resultado do crescimento populacional e desenvolvimento económico, mais pessoas quererão e poderão comprar mais alimentos.

• A disponibilidade de alimentos deverá aumentar em resposta a esta demanda.

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• A expansão da produção não será automática. A produção agrícola no futuro, dependerá de políticas adoptadas e investimentos na agricultura, particularmente na investigação e extensão agrária e na área de infra-estruturas (estradas, armazenamento, irrigação - particularmente a de pequena escala). O baixo preço ao produtor da maior parte dos produtos comercializados e a deterioração dos termos de troca com os elevados preços de insumos podem servir de desestímulo à produção.

Devemos produzir mais comida. Mas não haja ilusão, isso apenas não eliminará a fome no País. A existência de alimentos no País quer produzidos localmente quer importados é apenas uma face da moeda. A outra parte tem a ver com a capacidade das pessoas de terem acesso a alimentos que os permitam viver uma vida sã e activa. A segurança alimentar requer o acesso a alimentos bem como a sua disponibilidade.

A grande maioria das pessoas passam fome porque não podem ter suficiente acesso a alimentos, mesmo quando ela pode ou é disponível. Maior produção por si só não ajudará este grupo de pessoas, mas a produção é parte importante da solução e é sobre ela que nos debruçamos. Não haverá soluções a longo termo sem soluções a curto prazo. Atacar o problema da fraca disponibilidade de alimentos é parte de um futuro melhor para todos. Enquanto se espera por benefícios económicos a longo prazo, da investigação, dos investimentos em produtividade, o ciclo vicioso da fome que passa de geração em geração continua.

A fome marginaliza as pessoas. Deve haver oportunidades — formação, clínicas, educação, novas tecnologias — mas os pobres e os que passam fome não tiram delas vantagens. A fome crónica é parte de um ciclo vicioso de baixa produtividade, saúde debilitada, entre outros. Para os que passam fome, a luta pela próxima refeição, os problemas de hoje, tornam impossível o

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investimento para uma vida melhor amanhã de tal modo que a fome de hoje gera um amanhã sem alimentos. Devemos então reexaminar o pressuposto de que as soluções de longo termo são sempre melhores que as soluções de curto prazo? Será que podemos construir soluções de longo prazo sem quebrar o ciclo vicioso da fome?

Precisamos de investir em pessoas bem como no aumento da produção.

Uma fonte segura de renda contribui para a segurança alimentar. Assim, a criação de emprego é um elemento chave da luta contra a fome. Para muitos moçambicanos esse emprego é e será na agricultura e pescas. Para outros, a segurança alimentar será garantida pelo emprego na fábrica, ou pela reparação de bicicletas e ou ainda através de capital para pequenos negócios.

O investimento em pessoas significará muitas vezes investimentos em áreas marginais assim como em áreas de alto potencial agrário. A fome está concentrada onde os retornos para a agricultura são baixos, onde os custos de transacção são elevados devido a deficiente infra-estrutura e mercados ineficientes. Este é particularmente o caso de áreas de pouca pluviosidade e de baixa fertilidade de solos. Os princípios económicos dizem que os investimentos devem ser feitos em áreas promissoras, onde as taxas de retornos são mais elevadas. Os investimentos feitos seguindo esse princípio podem certamente aumentar a produção de alimentos, mas não garantirão o acesso automático aos alimentos para os mais pobres.

Investir em pessoas significa ajudá-las a criar bens, bens que beneficiem os pobres e as comunidades mais desfavorecidas. Algumas vezes, isso significa uma estrada que ligue uma aldeia a um mercado. Ou um dique de defesa para proteger a comunidade de cheias e inundações periódicas. Bens significam a educação,

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a saúde e novas habilidades. Um dos melhores investimentos é a educação. A educação não só contribui para o aumento da produtividade, mas também tem um efeito positivo na nutrição, na saúde da família e nas decisões individuais e da família.

1.4. Estratégias para o Desenvolvimento Agrário

Para aumentar a produção agrária em áreas de boa precipitação, é importante a difusão de novas tecnologias para a agricultura familiar. Nestas áreas, as oportunidades técnicas para o aumento da produção e produtividade são conhecidas e há normalmente boa resposta ao uso de sementes melhoradas e fertilizantes em termos de rendimento por unidade de área. A oportunidade para a melhoria da vida das populações nessas regiões virá do aumento da rentabilidade do uso das sementes melhoradas e dos insumos acompanhantes. Isto só será possível com o melhoramento da comercialização (melhores estradas e preços de produtos ao produtor mais altos, preços de insumos mais baixos).

Nas áreas de alta pluviosidade, programas de pacotes (sementes, fertilizantes) subsidiados devem ser promovidos. A outra alternativa é a aplicação de iniciativas como as que o Malawi adoptou, começando por “Starter pack”, TIP e mais recentemente o uso de senhas. Estas medidas devem ser encorajados, desde que o Estado garanta a compra de excedentes, como comprador de último recurso. Esta medida deve envolver as estruturas distritais e os operadores económicos locais sempre que possível em vez de ser feito a nível central.

As empresas de fomento agrícola têm um papel importante a jogar. Usando a sua experiência de gestão e as suas redes de extensão, estas empresas podem ser pivot no relançamento da produção agrária em Moçambique. A experiência da União Geral das Cooperativas (UGC) é de aproveitar.

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Nas áreas com deficit de humidade, a solução para o aumento da disponibilidade de alimentos passa por práticas de conservação de humidade. O uso de cultivares tolerantes a seca, culturas de alto valor económico e a pecuária, particularmente caprinos, ovinos e bovinos devem ser dados a devida atenção. Na área de pecuária, a comercialização pecuária é uma estratégia importante para a segurança alimentar.

As estratégias devem igualmente ocupar-se de diferentes grupos, tais como camponeses de diferentes grupos, agricultores comerciais, agro-processadores através de programas de extensão rural.

1.2.Constrangimentos e lacunas

O fraco desempenho da agricultura Moçambicana é a principal razão da insegurança alimentar e pobreza. Os factores principais responsáveis pelo fraco desempenho são:

1.2.1.Constrangimentos ambientais

A degradação de solos é um problema grave em Moçambique. A erosão de solos é um problema particularmente em áreas que sofrem de insegurança alimentar. A erosão é exacerbada pela imprevisibilidade da chuva e pelas queimadas descontroladas que afectam a produção alimentar.

1.5.2. Constrangimentos tecnológicos

Os constrangimentos tecnológicos estão ligados à utilização de instrumentos rudimentares, baixo uso de insumos modernos, sementes melhoradas e fertilizantes, uso de animais de raças inferiores, etc.. Soluções tecnológicas para as necessidades das comunidades rurais e das várias zonas agro-ecológicas que compõem o País não são facilmente disponíveis.

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1.5.3. Constrangimentos institucionais

O rápido crescimento da produção agrária exige um rápido crescimento da comercialização. Alta produtividade dos recursos depende da expansão do uso de insumos melhorados. Elevados rendimentos agrícolas provenientes do aumento da produtividade só são significativos se bens e serviços estão disponíveis. O aumento da segurança alimentar requer grandes volumes comercializados na maior parte dos anos e a demanda nos anos menos bons compensada pelos stocks ou importações. Tudo isto depende de custos baixos de transporte. Mas em Moçambique, as infra-estruturas de transporte são rudimentares e caras, as infra-estruturas de comunicação e energia eléctrica inadequadas. O papel da infra-estrutura é fundamental para melhorar os preços ao produtor. Sem um bom preço ao produtor, os camponeses não encontrarão incentivos para adoptar novas tecnologias ou mesmo novas culturas.

A provisão de serviços de investigação e extensão está, ainda, aquém do desejado. Os serviços de investigação não têm um quadro de pessoal (em quantidade e qualidade) que possa satisfazer a demanda de soluções tecnológicas. Os recursos materiais e financeiros postos à disposição dos investigadores são extremamente limitados. Para agravar o quadro, os recursos financeiros, quando disponibilizados, não são feitos atempadamente.

A extensão não cobre todo o País e encontra-se mal equipada e treinada. As dificuldades da investigação estendem-se para a extensão. A falta de uma ligação efectiva entre a investigação e a extensão tem sido repetidamente apontada como uma das causas do subdesenvolvimento do sistema de investigação e extensão em Moçambique.

1.5.4. Dependência de agricultura de sequeiro

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A agricultura em Moçambique depende da precipitação pluviométrica e dela vai continuar a depender grande parte dos camponeses. Para a maior parte dos produtores, a chuva é a fonte primária da água para as suas culturas e animais. A produção agrária é limitada por vários factores entre os quais a água que é apenas um desses factores, quiçá o mais importante. A tradição de recolha de água de chuva e outras fontes é limitada. A prática do uso de irrigação é igualmente muito limitada.

A agricultura é definida na Lei-mãe Moçambicana como a base para o desenvolvimento económico. O esforço para melhorar a investigação e a extensão agrária é enorme. A seguir descrevemos as possíveis áreas de intervenção que possam trazer mudanças no desenvolvimento agrário.

1.6. Áreas de Intervenção

1.6.1. Gestão Integrada de Terra

Um programa de gestão do recurso terra com o objectivo de melhorar a fertilidade do solo é parte integrante do melhoramento da terra, água, criação de animais domésticos, culturas e a lenha é crucial para o contexto moçambicano onde os pequenos produtores dependem para a sua sobrevivência, tanto da produção vegetal quanto da animal.

1.6.2. Desenvolvimento de Recursos Humanos

Os recursos humanos são determinantes no desenvolvimento agrário. O avanço na ciência e tecnologia, especialmente a tecnologia agrária, necessita de pessoal qualificado e com competências técnicas que possam trazer as necessárias mudanças

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no sistema agrário. Assim, os programas de desenvolvimento dos recursos humanos devem abranger todos os profissionais da agricultura a todos os níveis.

1.6.3. Desenvolvimento de Pacotes Tecnológicos e sua Disseminação

Na transformação da agricultura de subsistência para uma agricultura baseada no mercado, o governo deve fazer tudo ao seu alcance para desenvolver pacotes tecnológicos baseados nas regiões agro-ecológicas. No desenvolvimento desses pacotes, consideração deve ser dada a aptidão técnica, disponibilidade de insumos, rendabilidade e a capacidade de comercializar.

Áreas de intervenção

Entre as várias intervenções necessárias para aumentar a eficiência de comercialização, destacam-se as seguintes:

• Aumentar a disponibilidade de semente melhorada. A intervenção do governo na produção de semente, especialmente das culturas e cultivares de pouco valor comercial é essencial. Variedades de polinização aberta, culturas autógamas e de multiplicação vegetativa não são atractivas para o sector privado e devem ser da responsabilidade do Governo.

• Melhorar o sistema de produção local de sementes. melhorar a produção de sementes pelos pequenos produtores locais é indispensável. Assistência técnica deve ser dada para que os padrões de semente não sejam sacrificados.

• Desenvolvimento do sector privado. O sector privado, especialmente na área de sementes, está ainda na sua infância. O sector vai precisar do apoio do Governo para que tenha uma contribuição relevante.

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• Desenvolvimento institucional. Apoio a retalhistas locais de semente, cooperativas, e melhorar a eficiência da comercialização de semente pode ser uma estratégia para aumentar a procura. Assim, será necessário um programa de capacitação institucional.

1.7. Conclusão

A actual crise mundial sobre a segurança alimentar é originada pela necessidade de alimentar uma população mundial cada vez maior e mais exigente, ao mesmo tempo que se protege o ambiente. Uma forma consensual de resolver a acrescida demanda e consequente subida de preços é produzir os alimentos localmente, melhorando a produtividade agrária. Embora a produtividade varie entre culturas e regiões, condições agro-ecológicas, o desenvolvimento a longo prazo da produtividade agrária depende primariamente da mudança tecnológica, do uso eficiente de insumos agrários e o uso sustentável dos recursos naturais (água e solos). Tudo isso, depende por sua vez de investimentos na investigação, extensão e no capital humano.

Participantes do Seminário

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O aumento da produção agrícola não será sustentável se não for acompanhado de melhorias significativas na comercialização dos produtos, dos insumos agrícolas, um maior uso de insumos agrários, instituições, e ligações infraestruturais com o mundo exterior ao produtor. A longo prazo, um número cada vez maior de pessoas treinadas facilitará o trabalho de alocação dos recursos humanos.

Sem minimizar os constrangimentos biológicos (variedades, pragas e doenças) e físicos (salinidade, fertilidade e água) , o crescimento da produção agrária é limitado por muitos constrangimentos no sistema de comercialização de produtos e insumos. A experiência com o programa de difusão do pacote de milho pela extensão pública e a SG2000 em Moçambique é disso demonstrativo.

Alguns princípios básicos:

• Aumentos substanciais de produção de alimentos são possíveis em Moçambique.

• O maior aumento poderá ocorrer no sector familiar.• Os recursos necessários para que haja um crescimento na

produção de alimentos são enormes.• Progresso nos sectores não alimentares precisam de menos

recursos públicos que no passado.• O rápido crescimento do sector agrícola vai estimular o

crescimento de outros sectores.

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Anexos

2. ARMAZENAGEM E DISTRIBUIÇÃO

1.1. Razões da abordagem

A acentuada diferenciação geográfica dos preços de produtos alimentares pode ser tomada como um indicador de elevados custos logísticos que, além de reflectirem o custo crescente

Tabela 1. Evolução da Área cultivada com principais culturas alimentares 2000-2007Produto 1999-00 2000-01 2001-02 2002-03 2003-04 2004-05 2005-06 2006-07Milho 1084153 1302601 1270714 1185598 1303605 1293957 1437983 1441490Mandioca 925902 1012736 1019667 1032684 1067105 1105443 1122455 1139319Mapira 434413 499673 501622 507673 522940 485765 535190 518988Feijoes 356096 415149 416554 396127 430520 416887 451201 442536Amendoim 248402 283504 279787 276734 293641 279736 312705 301846Arroz 154226 164002 172640 178236 177643 179081 192394 196806Mexoeira 83325 102756 105907 102079 106928 85085 93188 89904TOTAL 3286517 3780421 3766891 3679131 3902382 3845954 4145116 4130889Fonte: DECAP

Tabela 2. Evolução da produção das principais culturas alimentares 2000-2007Produto 1999-00 2000-01 2001-02 2002-03 2003-04 2004-05 2005-06 2006-07Milho 1019033 1158444 1235657 1247897 1434746 1331670 1533520 1579434Mandioca 5361974 6061789 5924551 6149896 6412769 5232554 7551727 8160656Mapira 254461 320705 314136 34590 330917 314979 338693 347581Feijões 146437 155921 177355 179552 192797 195641 219096 224596Amendoim 146437 155921 177355 179552 192797 195641 219096 224596Arroz 9815 6181 167925 200437 187051 114612 182573 195967Mexoeira 48854 62001 49500 48021 51272 34906 42856 44568Fonte: DECAP

Tabela 3. Evolução de rendimentos (ton/ha) das principais culturas alimentares 2000-2007Produto 1999-00 2000-01 2001-02 2002-03 2003-04 2004-05 2005-06 2006-07Milho 0,94 0,89 0,97 1,05 1,10 1,03 1,07 1,10Mandioca 5,79 5,99 5,81 5,96 6,01 4,73 6,73 7,16Mapira 0,59 0,64 0,63 0,07 0,63 0,65 0,63 0,67Feijões 0,41 0,38 0,43 0,45 0,45 0,47 0,49 0,51Amendoim 0,59 0,55 0,63 0,65 0,66 0,70 0,70 0,74Arroz 0,06 0,04 0,97 1,12 1,05 0,64 0,95 1,00Mexoeira 0,59 0,60 0,47 0,47 0,48 0,41 0,46 0,50Fonte: DECAP

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dos combustíveis, estão associados ao mau estado das vias de comunicação e à fraca oferta de transporte.

A limitada expansão da rede de comercialização faz, sim, que a distribuição territorial dos produtos não seja conforme a demanda, contribuindo também para a diferenciação geográfica de preços. A rede grossista não está estruturada, os agentes económicos intervêm quase ad-hoc, o que não garante fluxos regulares de bens. Este problema transmite-se em cadeia, afectando até a rede retalhista.

Os preços do mercado doméstico têm também uma variação sazonal e apresentam significativa correlação com os preços do mercado internacional. Estes fenómenos são sintomas da inexistência (ou fraqueza) de reservas internas. Portanto, o abastecimento do mercado nacional é influenciado pelas épocas de colheita e pelas conjunturas nacionais e internacionais.

A produção nacional dos alimentos é fundamentalmente feita pelo sector familiar em micro unidades dispersas e com sistemas de conservação precários. Nas actuais condições de tratamento pós-colheita dos produtos, o sistema produtivo nacional perde próximo de 30% das colheitas devido a deficiências nos sistemas de conservação.

Os camponeses individualmente não possuem recursos suficientes para suportar os custos de utilização de armazéns. Algumas ONGs promoveram o uso de celeiros melhorados e técnicas de conservação pós-colheita que se calcula que o projecto tenha contemplado 13% dos camponeses, mas estes tiveram dificuldades de continuar com o uso destes sistemas quando as organizações se retiraram. Algumas associações criaram com a ajuda de ONGs e PAMA alguns armazéns comunitários, mas os camponeses são relutantes a usá-los. Comerciantes de pequena e média dimensão

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não mostram interesse em investir em armazéns, dado que compram o produto para revenda imediata. As grandes empresas comerciais servem-se dos armazéns do ICM e do INGC na base de contratos de arrendamento. Entretanto, algumas empresas estão a construir seus próprios armazéns movidos pela necessidade de se adaptarem às novas exigências do mercado em termos de qualidade do produto, volume e regularidade da oferta.

O Estado retirou-se da função de interveniente na comercialização, disponibilizando a sua capacidade de armazenagem sob gestão do ICM e INGC ao sector privado. Contudo, esta capacidade é insuficiente e está distribuída de forma desajustada às necessidades do sector produtivo, além de que, em parte, se encontra em condições inadequadas para o uso.

A capacidade total de armazenagem no país é estimada em 561,000 toneladas e a participação do sector público é de 44%. Como acima referido, esta capacidade não está totalmente disponível devido ao estado de degradação de alguns armazéns e silos. Mesmo que se considere que a capacidade de armazenagem instalada esteja totalmente disponível, esta não é suficiente para os volumes actuais de produção, apresentando um défice de 24%. De realçar que, nas províncias de Maputo, Gaza e Sofala a capacidade existente supera a produção local.

As necessidades de armazenagem não se limitam apenas para a comercialização agrícola. De referir que nas cidades de Maputo, Beira e Nacala alguns armazéns são usados para mercadorias em trânsito de e para outras partes do país e países vizinhos, o que acresce as necessidades de armazenagem, de modo que nas três regiões do país regista-se em termos globais um défice de capacidade que varia de 75 a 93%.

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É também importante considerar que, tratando-se de armazéns maioritariamente de grandes dimensões, não podem ser explorados em pleno quando a rede grossista não funciona com eficácia numa situação em que a produção é dispersa. É este fenómeno que cria a ilusão de capacidade de armazenagem excedentária, visto que em algumas zonas há armazéns ociosos.

As tabelas seguintes ilustram a capacidade instalada e as necessidades de armazenagem actuais e futuras.

C — representa capacidade de armazenagem em toneladasS — silosA — armazéns

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2.3.Construção de novos armazéns e silos

Estão em curso alguns projectos de construção de armazéns e silos da parte do sector privado que incrementarão a capacidade de armazenagem em 103,400 toneladas até 2010. Foram também apresentados planos de construção com uma capacidade total de 91,000 toneladas, cuja implementação ainda não teve início.

Tabela 4: Projectos em curso e planos de construção de armazéns e silos pelo sector privado

Por sua vez, o sector público tem em vista a reabilitação dos armazéns e silos sob gestão do ICM, ora em condições deploráveis, além da construção de novos silos com capacidade total de 31,000 toneladas.

Tabela 5: projectos públicos de construção de silos

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2.4. Novas necessidades de armazenagem

Foi acima avaliada a capacidade actual de armazenagem no país, assim como os projectos para o seu incremento. Constatouseque acapacidade existente é insuficiente para as necessidades correntes. Os projectos em lista são também incapazes de colmatar o défice de capacidade de armazenagem mesmo que se considere apenas as necessidades actuais.

A Revolução Verde (RV) coloca necessidades adicionais de armazenagem. A tabela 4 mostra as metas programadas para alguns produtos no Cenário I, isto é, no cenário concebido na RV sem a crise do mercado mundial de alimentos. A redefinição das metas na perspectiva de eliminar dentro de três anos os défices da produção nacional de alimentos levará a um novo cenário (Cenário II) com necessidades de armazenagem ainda maiores.

Tabela 6: Metas de produção no âmbito da Revolução Verde nos próximos 5 anos em toneladas

Estas constatações revelam a necessidade de uma nova abordagem da questão de armazenagem.

2.5. Rede Comercial

A rede comercial do País é de 10.224 estabelecimentos comerciais grossistas e 19.461 retalhistas. Estes dados incluem os registos

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do primeiro trimestre de 2008. Os estabelecimentos de venda a grosso estão mais concentrados em relação aos estabelecimentos retalhistas. A província e cidade de Maputo têm 74% da rede grossista e 54% da retalhista. Ao nível de regiões, o sul tem 77% da rede a grosso e 64% a retalho. As províncias com a mais baixa densidade da rede são Niassa e Tete com 1% da rede grossista e 2% da retalhista, cada uma.

Tabela 7: Distribuição da rede grossista por província e o respectivo peso

Tabela 8: Distribuição da rede retalhista por província e o respectivo peso

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Tabela 9: Distribuição da rede comercial por região e o respectivo peso

Note-se que as províncias com grande potencial de produção agrícola apresentam fraca densidade da rede comercial, principalmente a rede grossista, que contribuiria para a comercialização de produtos e insumos agrícolas. Das 19.461 lojas existentes no país 5.368 encontram-se nas zonas rurais e destas, 1.388 estão paralisadas. O Estado ainda tem a propriedade de 960 lojas rurais que podiam ser alienadas para estimular a sua manutenção e exploração, porque assim fazendo seriam usadas para aumentar a bancabilidade dos operadores.

A promoção da auto suficiência alimentar no país deve ser feita simultaneamente com o incremento da capacidade de armazenagem e da rede comercial. É ainda necessário estabelecer mecanismos de coordenação ao longo da cadeia de valor para que a rede comercial rural participe de modo eficaz no circuito de comercialização.

1.CONSUMO

O mercado nacional é actualmente dependente das importações de produtos alimentares básicos, pelo que não existem riscos de sobreprodução que possa levar a uma frustração do sector produtivo por insuficiência da demanda. Existem também oportunidades de mercado na região.

A tabela seguinte apresenta a situação do mercado nacional em 2008.

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Tabela 10: Estimativas da produção e consumo nacionais em 2008 (tons)

A SADC é em geral dependente das importações mesmo nos períodos em que o mercado internacional é estável em termos de oferta e procura de bens de consumo. Actualmente as trocas regionais dos produtos indicados abaixo representam apenas 25% das trocas totais dos países da SADC com o mundo. Moçambique fornece à região somente 2% da demanda regional destes produtos.

Tabela 11: Importações da SADC a partir do mundo

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Tabela 12: Comércio intra regional

Moçambique beneficia de acesso preferencial a vários mercados, dentre eles a União Europeia, EUA e China, além de que hoje todos os países facilitam a importação de alimentos.

Medidas a tomar pelo Governo

I.Área de Armazenagem

Para colmatar o défice de capacidade de armazenagem que actualmente se estima em 3,6 milhões de toneladas e providenciar capacidade adicional para responder aos desafios da Revolução Verde, afiguram-se oportunas as seguintes medidas:

• Realizar o plano de construção de silos com a capacidade total de 83 mil toneladas já identificados nos principais corredores desenvolvimento, assim como nas zonas de maior produção agrícola (mapa em anexo).

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• Mapear as zonas de maior produção dos bens alvo para a actualização das necessidades de armazenagem e vias de acesso na base anual.

• Mobilizar recursos adicionais para a construção de mais silos, armazéns, tanques e terminais de frio, além dos já identificados nas zonas de incidência das medidas de promoção da produção no âmbito da Revolução Verde, incluindo pequenos silos rurais com capacidade de 50 a 250 toneladas.

• Acelerar onde se justifique a mobilização das comunidades para a construção e uso de celeiros melhorados.

• Estabelecer parcerias com empresas especializadas na armazenagem de cereais para a construção e gestão de silos e armazéns de grande capacidade onde os volumes de produção o justifiquem.

II. Distribuição

• Reforçar a participação do FARE na reabilitação de cantinas e lojas rurais, bem como no financiamento do comércio rural.

• Interessar parceiros de cooperação para contribuir na redução dos custos de instalação de lojas rurais de modo a incentivar investidores em zonas específicas com elevado potencial de produção.

• Concluir a venda das lojas rurais para assegurar a sua intervenção na comercialização agrícola e venda de insumos no meio rural.

• Mobilizar recursos para linhas de crédito especiais de

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campanha (condições de acesso simples e taxas de juro bonificadas).

• Acelerar a implementação da política de transporte fluvial e marítimo.

• A longo prazo, avaliar as possibilidades de ligação das três regiões do país por via férrea como forma de minimizar custos logísticos.

• Acelerar a reabilitação de estradas vicinais que ligam as zonas de produção aos mercados.

• Construir mercados abastecedores nas três regiões do país.

• Promover feiras de insumos e produtos agro-pecuários.

• Aperfeiçoar o sistema de informação de mercados.

• Participação do Estado na gestão/co-gestão de empresas que possam ser compradoras de último recurso.

III.Consumo

Por forma a garantir o abastecimento do mercado interno e colocação da produção nacional nos mercados interno, regional e internacional recomendam-se as seguintes medidas:

Medidas de curto prazo para o abastecimento do mercado

• Contrair créditos em espécie (alimentos básicos) com os países exportadores como forma de garantir a estabilidade da

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oferta e dos preços.

• Negociar o acesso a fundos internacionais para a segurança alimentar, à semelhança do donativo do Reino Unido.

• Restringir a exportação de cereais por via dum compromisso do Estado perante os intervenientes na comercialização e assegurar a sua colocação em momentos oportunos.

• Interagir com o sector privado para facilitar as importações de alimentos e colocação no mercado interno a preços mais acessíveis (veja-se o Cenário I).

• Em coordenação com o sector privado, organizar o aprovisionamento interno em bens sucedâneos do arroz como prevenção dos efeitos do agravamento da crise do mercado mundial deste cereal, que se afigura iminente.

• Manter a população informada sobre a situação real do mercado de alimentos, para não ser colhida de surpresa pelas mudanças que poderão ocorrer na oferta interna.

Medidas de médio e longo prazos para o abastecimento do mercado

• Promover o agro processamento através da Industrialização Rural.

• Constituir reservas alimentares para pelo menos seis meses de consumo nacional.

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Medidas para a colocação dos produtos nacionais no mercado externo

A promoção das exportações nacionais não deverá ser interrompida, não obstante os défices de oferta registados no mercado interno, dado que as medidas tendentes a promover a produção poderão levar à criação de excedentes que justifiquem fluxos para os mercados regional e internacional. Neste contexto, serão prosseguidas todas as acções de promoção das exportações que o Governo tem levado a cabo.

Participantes do Seminário

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PRODUÇÃO AGRÍCOLA E SEGURANÇA ALIMENTAR:

BREVE REFLEXÃO SOBRE MOÇAMBIQUE

(Comentário do texto de Rafael Uaene e Jaime Nicol ’s)Hélder Gêmo

Palavras chave: disponibilidade, acesso, agricultura, alimentos, distribuição, fome, insegurança, produção, preços, renda e utilização.

ntrodução

Devido a razões micro e macro-económicas, nenhum país ousou sustentar processos de rápido crescimento económico, por períodos longos, sem que antes tenha resolvido a problemática da segurança alimentar. A nível micro, o acesso inadequado e irregular a alimentos limita a produtividade da mão de obra e reduz investimentos em capital humano (Bliss and Stern, 1978; Strauss, 1986; Fogel, 1994; Williamson, 1993 citados por Timmer, 1998). A nível macro, crises alimentares periódicas põem em causa a estabilidade económica e política, afectando simultâneamente a magnitude e a eficiência dos investimentos (Timmer, 1989, 1996ª; Dawe, 1996 citados por Timmer, 1998).

Moçambique não é excepção nesta matéria. Provavelmente atiçado pela seca severa ocorrida na África Austral em 2004-2005 – com forte impacto negativo no desempenho

Intervenção de Hélder Gêmo

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agrário e disponibilidade de alimentos – e actualmente enfrentando a alta de preços internacionais de combustíveis fósseis e de alimentos, o Governo vem particularmente desde 2005-2006 enfatizando, de forma insistente, a necessidade do aumento da produção de alimentos como prioridade do sector agrário, no combate a insegurança alimentar.

Numa agricultura quase apenas de sequeiro, extensiva, de baixa produtividade e renda, como ainda é a de Moçambique, é indubitável que o aumento da produção nas famílias camponesas traria como uma das consequências imediatas, maior disponibilidade e acesso a alimentos no seio das mesmas. Pelo menos em relação às principais culturas produzidas e que sejam a base da dieta das famílias camponesas, nos diversos ambientes agro-ecológicos e socio-culturais. Mas será a ênfase no aumento da produção de alimentos, por si só, uma eficaz estratégia de combate a fome e reforço da segurança alimentar? O presente trabalho, de forma breve, mas compreensiva, discute este tema. Tal tema é discutido com base num documento apresentado ao Gabinete de Estudos da Presidência da República em Junho de 2008 e que versa sobre a produção, comercialização agrícola e segurança alimentar em Moçambique.

O problema

• Será a abordagem do combate a fome e reforço da segurança alimentar, assente no aumento da produção, a mais adequada nas circunstâncias actuais de Moçambique?

Objectivos

É objectivo geral contribuir para um entendimento mais holístico das formas e causas da fome e da insegurança alimentar como

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base para uma reflexão mais realista sobre o combate a fome e reforço da segurança alimentar. Especificamente o trabalho visa:• Enfatizar os três pilares da segurança alimentar relacionando-

os à realidade do País;• Discutir, de forma breve, as principais formas e causas da

fome e da insegurança alimentar;• Sugerir opções de investimento público susceptíveis de

contribuir, de forma mais eficaz, no combate a fome e insegurança alimentar.

Sobre a Fome, Segurança e Insegurança Alimentar: breves conceitos

Têm sido várias as definições de segurança alimentar, evoluindo no tempo, e mesmo no contexto em que o conceito é aplicado. Neste trabalho, assume-se a segurança alimentar como a tradução material do direito humano à alimentação o que, a nível dos agregados, consiste no acesso equilibrado a alimentos por todos os membros, ao longo do tempo, de forma a que possam responder, de maneira estável, a uma vida activa e sã.

A insegurança alimentar é a situação em que os indivíduos são incapazes de adquirir alimentos suficientes para a satisfação das necessidades alimentares diárias, normalmente traduzidas em calorias. Existe a insegurança alimentar crónica, relacionada à persistente insuficiência de alimentos – muitas vezes designada de fome silenciosa – a qual deriva de causas várias, frequentemente associadas à pobreza. Em crianças, e em casos extremos, é susceptível de causar Kwashikor e marasmo. Há também a insegurança alimentar transitória, relacionada à falta temporária de alimentos para suprir adequadamente as necessidades alimentares.

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Já a fome, diz respeito a ocorrências em que uma expressiva ou grande parte da população de uma zona, país ou região, enfrenta uma tal escassez de alimentos que resulta na desnutrição aguda, podendo, e muitas vezes provocando, o incremento na taxa da mortalidade da população afectada. Nestes casos, a magnitude do acréscimo da taxa de mortalidade derivada da fome, reflecte a gravidade do fenómeno.

Os Três Pilares Básicos da Segurança Alimentar

Os três pilares da segurança alimentar, nomeadamente a disponibilidade, acesso e utilização, são bastante conhecidos não obrigando, por isso, a detalhes sobre o seu contributo individual na segurança alimentar. Interessa porém destacar que, de uma abordagem a nível macro (nacional) e internacional, baseada nos níveis e segurança da oferta agregada de alimentos – anos 70 – a segurança alimentar passou, nos anos 80, a ser enfatizada a nível dos indivíduos e agregados familiares com ênfase no:

• acesso• vulnerabilidade• e reconhecimento do direito à alimentação

A vulnerabilidade à insegurança alimentar expressa os potenciais riscos que os indíviduos, famílias, comunidades, ou mesmo países, estão expostos podendo daí resultar restrições na disponibilidade e acesso a alimentos. Por exemplo, Moçambique detém vastas zonas semi-áridas, no sul e centro do País. Os distritos e as províncias que abarcam tais zonas, normalmente enfrentam maiores ameaças ou ocorrências de redução de disponibilidade de alimentos, em campanhas agrícolas em que os factores climáticos se comportam de forma adversa, atrasando e ou escasseando as chuvas. No extremo oposto, quando as chuvas abundam, incluindo à montante do País, em países vizinhos como a África do Sul, Swazilândia e Zimbabwe, os vales de grandes

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rios tornam-se propensos à cheias ou a inundações, expondo milhares de famílias a colheitas pobres, ou nenhumas.

Como Abordar o Combate a Fome e a Insegurança Alimentar?

Compreender profundamente as causas mais relevantes da fome e da insegurança alimentar, é crucial no seu combate, através de abordagens mais pragmáticas e sustentáveis. Ou seja, que visem, por um lado, aliviar os problemas imediatos de disponibilidade, acesso e utilização3 e, por outro, que se concentrem em intervenções para o aumento da oferta e acesso a alimentos, a médio e longo prazos. Esta segunda abordagem implica investimentos na investigação e extensão agrária, infra-estruturas e redes de transporte de apoio à agricultura bem como a promoção do emprego, em particular em actividades económicas não agrárias, em particular as relacionadas. Neste contexto, a promoção de oportunidades geradoras de renda, em especial para a população de baixa renda e pobre, é importante (Gittinger et al, 1988).

À escala nacional, a segurança alimentar é complexa e interage de forma dinâmica com todos os outros sectores socio-económicos. Portanto, há muito que o combate a fome e o reforço da segurança alimentar deixaram de ser vistos como problemas do sector agrário. É pois crucial a inclusão de políticas alimentares na planificação macro, embora as especificidades político-económicas de cada nação, influenciem a sua implementação. Por exemplo, muitos decisores de alto nível enfatizam o aumento da produção com vista a auto-suficiência alimentar. Todavia, do ponto de vista económico – mas não necessariamente político – a segurança alimentar pode ser mais sólida através da combinação da produção local e importações (Gittinger et al, 1998). Em países relativamente extensos, com acentuada variação do potencial e desempenho agrário, nas infra-estruturas, na rede de transporte

3 Esta exige muitas vezes intervenções direccionadas e continuadas e, de certa forma, especializadas (por exemplo, programas nutricionais em zonas ou extractos populacionais de maiores carências ou défices nutri-

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e no acesso a mercados – como ocorre em Moçambique – a variabilidade da produção, da oferta nacional e do nível dos preços de alimentos são geralmente maiores do que a variação da oferta internacional e seus preços. Naturalmente, podem, e muitas vezes constituem excepção, os períodos de crise alimentar internacional, momentos em que os preços são potencialmente mais voláteis.

Relacionando, primeiro, a inter-conectividade dos vários sectores socio-económicos nacionais e, segundo, do mercado internacional de alimentos – nos sistemas alimentares e de segurança alimentar de cada país – vale a pena recordar algumas mudanças de abordagem, ou de circunstâncias, em relação à segurança alimentar, a nível das nações.

No passado, a ênfase era sobre disponibilidade de alimentos e auto-suficiência. Actualmente, é na maximização da renda e na competitividade da produção alimentar, ou da agricultura no geral. No passado, em muitos países em desenvolvimento (PVDs), em particular na África Subsahariana, prevaleciam relativamente baixos índices de urbanização e um campesinato bastante absorvido na agricultura, mesmo que de baixa renda. Actualmente, por vários motivos, a migração campo-cidade acelerou, gerando elevados índices de urbanização, sub-emprego e desemprego, contribuindo estes fenómenos no crescimento do sector informal (sub)urbano. Neste contexto, a geração de emprego não agrário torna-se cada vez crucial para os Governos4.

No passado, perspectivas viradas a soluções nacionais podiam e eram, em muitos casos, adequadas. Hoje, nas políticas agrárias e alimentares a nível nacional, é fundamental ter em conta as grandes mudanças internacionais, em relação a vantagens comparativas

4 Mais de 54% da população moçambicana vive abaixo da linha da pobreza absoluta, de acordo com a última avaliação em 2003.

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na oferta e transações dos principais alimentos5. A alimentação é hoje um dos maiores negócios internacionais, em que quase todos os países estão envolvidos, como importadores ou exportadores. No passado, o valor da moeda nacional era muitas vezes pouco relacionada às questões da alimentação doméstica e política agrária. Actualmente, este é um factor bastante importante, em particular quando a interacção com o mercado internacional é elevada (Schuh, 1988). Aliás, em Moçambique, determinados produtos alimentares importados em particular da África do Sul (por exemplo, batata reno) e de outros países (trigo e arroz) têm tido influência no comportamento da inflação.

Ter em conta os factores acima descritos, e outros, como a edificação de um capital humano competente, um sistema actuante de inovação tecnológica e instituições eficazes na agricultura e garantia da segurança alimentar – torna as abordagens de combate a fome e reforço da segurança alimentar potencialmente mais pragmáticas. Em suma, a nível nacional, e nos países com base económica agrária, a ênfase num maior desempenho da agricultura afigura-se crucial na disponibilidade e acesso de alimentos. Aumentos na oferta de alimentos localmente produzidos, contribuem directamente no acréscimo da média de ingestão de calorias per capita. Mas não se deve perder de vista as mudanças de renda per capita, a distribuição da renda e os preços de alimentos (Timmer, 1998). Tomar em consideração os vários factores chave que influenciam o sistema de segurança alimentar, a par do aumento da produção agrária, é fundamental.

5 Por exemplo, por várias razões, de notável produtor de arroz e de hortícolas quase à níveis de autosuficiência , até pouco antes da independência, em 1975, o País importa hoje parte significativa das suas necessidades da Ásia e da África do Sul, respectivamente.

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Quando a Ênfase é no Aumento de Produção e a Pobreza é um Facto

Em países como Moçambique, onde a pobreza absoluta ainda prevalece (54% em 2003), e a agricultura absorve a maior parte da população rural, atenção especial deve ser prestada as famílias camponesas mais pobres. De Ravignan (2004) destaca a tripla exclusão dos camponeses mais pobres, nomeadamente:

• a das terras: são conhecidos os problemas prevalecentes em países como o Brasil, na América Latina, onde 1,6% da grandes explorações (com mais de 1000 ha cada) ocupam 53,2 % das terras, enquanto 30,4% dos camponeses contentam-se com 1,5% da terra”. Na região Austral, a distribuição de terras é delicada em países como a África do Sul (60.000 a 70.000 agricultores comerciais produzem pelo menos 80% do output agrário anual), Namíbia e Zimbabwe tendo, este último, desembocado numa controversa reforma agrária, praticamente a partir do ano 2000. Em Moçambique, a distribuição de terra parece não ser ainda problemática em termos de exclusão de famílias camponesas ou de agricultores comerciais emergentes. Isto apesar de, nos últimos 10 anos, o País ter avançado na cedência de coutadas e concessões florestais a privados e na concessão de outros milhares de hectares para a indústria açucareira6, por via do investimento directo estrangeiro (IDE). Num futuro breve, no âmbito da atracção do IDE, em particular para culturas destinadas a bio-combustíveis, o Governo poderá conceder milhares de hectares a investidores estrangeiros. Estimava-se em cerca de 6 milhões de ha solicitados para o efeito, até finais de 2007 (MINAG, Setembro 2007). A magnitude e as modalidades de concessão de terra para o IDE poderão, ou não, ditar

6 Maioritariamente em zonas tradicionalmente usadas no cultivo de cana sacarina, portanto, desde os primórdios da indústria açucareira nos anos 1930-1940

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outra realidade na distribuição desta no País, a médio e longo prazos.

• a do trabalho: gera-se com a mecanização da agricultura ou pela automatização da indústria. São duas opções defendidas por uns, na perspectiva do progresso tecnológico, e criticadas por outros, devido a perda de postos de trabalho. Em especial porque, a exclusão no trabalho agrário e industrial, afecta muitas vezes a mão-de-obra pouco qualificada e população pobre.

• a do mercado: a fraca rede de infra-estruturas e de transportes em muitos paises em desenvolvimento, em particular na África Subsahariana, constrange o acesso a mercados7. Isto veda ou limita a integração no mercado doméstico e internacional a milhares de famílias camponesas. Ademais, os produtos importados são muitas vezes mais competitivos, frequentemente mercê de subsídios à produção ou à exportação, na origem. Moçambique não é excepção, sendo exemplo a importação em crescendo, nos últimos 10 anos, do arroz Ásiatico, da Tailândia, algum do Paquistão e futuramente do Vietname (prevista a importação de 400,000 tons num futuro imediato8), na ordem de dezenas de milhões de dólares, anualmente9. Aliás, o arroz é uma das culturas eleitas como prioritária, na promoção do aumento da produção de alimentos.

Metodologia

O trabalho compreendeu uma metodologia simples, nomeadamente, a revisão bibliográfica de base com a finalidade

7 Na África Austral, os custos de escoamento de produtos agrários, dependendo das circunstâncias e do percurso, dos locais de produção aos de exportação, são citados como tendo uma proporção de 15 a 40% no preço unitário de exportação, o qual obedece aos preços internacionais.8 Publicado no Jornal Savana, Semanário Independente, Maputo, Junho, 13 2008. 9 Embora os dados sejam muitas vezes controversos, num estudo sobre a indústria do arroz efectuado pelo MINAG (2006), estimou-se em USD 70 milhões as importações actuais em Moçambique.

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de buscar os fundamentos teóricos para melhor sustentar a discussão e a formulação das conclusões; a consulta a documentos oficiais seleccionados, com vista a obter dados e informações para comentários mais sustentados do documento acima referido e que constitui a referência deste trabalho. Também compreendeu entrevistas informais a técnicos e gestores do Secretariado Técnico para Segurança Alimentar (SETSAN), investigação e extensão públicas, a fim de recolher e confirmar dados e buscar informações adicionais. O trabalho foi realizado em Junho de 2008.

O Caso de Moçambique

As formas e a face da fome em Moçambique

A fome e a insegurança alimentar em Moçambique assumem as duas formas comuns. A resultante de choques, normalmente naturais (mas também económicos) e que assume com frequência proporções de emergência, traduzida em ajuda alimentar imediata, durante certo período de tempo. E a silenciosa, derivada de défices nutricionais, menos ruidosa, mas tão danosa como a outra. A tabela 1 mostra o número de indivíduos que beneficiaram de ajuda alimentar, em determinado período do ano, principalmente em consequência do mau desempenho agrícola, entre 2002 a 2006.

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Em 2007 e 2008, os números foram de 520,000 e 302,000, respectivamente. Parte substancial destes indivíduos situam-se em distritos de baixo potencial, propensos a seca ou escassez de chuvas, portanto, marginais para a produção agrícola de sequeiro. Estes são os números da fome visível, directamente observáveis através de colheitas pobres no campo e celeiros vazios. As autoridades locais são normalmente expeditas em divulgar estes Fonte: SAN/ STSAN, 2008Legenda:* inclui o Município da Matola

fenómenos, os quais facilmente encontram eco nos meios de comunicação social. O PMA tem sido um dos principais parceiros do Governo na ajuda alimentar, e várias ONGs, em anos de substancial insegurança alimentar, como em 2003 e 2005. Estima-se que em 2005, 38% do total de famílias camponesas tenham passado por um período de fome, 37% em 2006 e 27% em 2007, uma campanha agrícola relativamente bem sucedida (TIA, 2007). Isto sugere que a ajuda alimentar imediata tem sido bastante selectiva (tabela 1), em relação à dimensão das famílias camponesas que enfrentam a insegurança alimentar devido ao fraco desempenho agrícola. Mencione-se que a tendência de muitas famílias camponesas venderem os seus excedentes logo após as colheitas, tem resultado em insegurança alimentar nos agregados, a posterior, ou seja, no intervalo entre duas colheitas sucessivas. Em parte isto deve-se à grande sazonalidade dos preços (bastante baixos quando das colheitas) e aos baixos volumes de produção nas famílias camponesas o que conduz a que a renda gerada seja modesta e insuficiente para adquirir alimentos suficientes.

Mas existem também os números da fome menos visível, a silenciosa. Por exemplo, embora a pobreza absoluta no País tenha reduzido de forma substancial de 1997 (70%) a 2003 (54%), em igual período a taxa de prevalência da desnutrição crónica (baixa altura para a idade), em média nacional, agravou de 36 para para

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41%, situando-se na ordem dos 46.2% em 2006 (IDS, 2003; SETSAN, 2006). A média nacional da desnutrição aguda (baixo peso para a altura), também cresceu ligeiramente de 4.0 para 4.5% no período 2003 a 2006 (SETSAN, 2006). Nas crianças, em geral, a mortalidade com idade inferior a 5 anos baixou de 219/1000 em 1997 para 178/1000 em 2003 (IDS, 2003). Todavia, cerca de metade dos óbitos nesta faixa etária está associada à desnutrição. A mortalidade infanto-juvenil tem sido mais grave nas zonas rurais do que nas urbanas, com cifras respectivas de 46 e 29% (PASAN, 2007). A tabela 2 ilustra alguns dados sobre óbitos anuais relacionados a problemas de desnutrição.

As intervenções na área nutricional requerem muitas vezes recursos por períodos relativamente longos, em campanhas de prevenção e tratamento da desnutrição na população ou extractos populacionais selecionados.Fonte: MISAU- Área de Nutrição, 2004, citado noPASAN, 2007

Os custos sociais e económicos da fome silenciosa são enormes. Algumas análises disponíveis mostram que a desnutrição crónica reduz a capacidade produtiva em 2-3% do BIP (Shrimpton, 2002 citado no PASAN, 2007). Estima-se também que a deficiência no iodo na vida intra-uterina, a desnutrição crónica nos primeiros anos de vida e a anemia nas mulheres adultas, afecta a produtividade no trabalho em cerca de UDS 132 milhões (MISAU, 2004 citado no PASAN).

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O rationale da ênfase no aumento da Produção

A distribuição da população pelos diferentes sectores económicos mostra o predomínio da agricultura na absorção da mesma: 78.5% à escala nacional, cerca de 40% nas zonas (peri-)urbanas – incluindo actividades relacionadas – e 93% nas zonas rurais (PASAN, 2007). As despesas com alimentos da população rural são estimadas em 64% da sua renda, estimando-se 33% nas zonas urbanas. Significa que, numa agricultura dominada por famílias camponesas, se garantida a absorção dos acréscimos do output agrícola anual, o aumento da produção pode ter impacto positivo, numa base ampla, numa maior disponibilidade e acesso à alimentos e na geração de renda pelas famílias camponesas.

É necessário porém ter em conta que as 3.6 milhões de famílias (TIA, 2007) são heterogéneas no acesso e utilização da terra, ao capital, mão de obra, tecnologias e mercados de excedentes. Num País com 10 regiões agro-ecológicas, desde ambientes de alto e moderado potencial aos marginais, as reais possibilidades de aumentar a produtividade e produção são diferenciadas. Significa que o nível de participação e de sucesso dos milhões de famílias, será variado e selectivo nas zonas rurais.

Avaliando o Sector Agrário no Contexto da Ênfase no Aumento da Produção

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No geral, a figura 1 mostra os principais factores que influenciam os três pilares base da segurança alimentar. Todavia, a breve análise que se segue, cinge-se aos factores relacionados a produção nacional e não à importação. Na razão disto, está o tema em análise. Figura 1: Os 3 pilares da segurança alimentar e principais factores que os influenciam, adaptado asituação do País

Disponibilidade: é analisada apenas na perspectiva da produção. Isto porque, apesar do papel das importações ser inquestionável no complemento à segurança alimentar, a abordagem político-governamental do combate a fome e reforço da segurança alimentar, enfatiza a produção local, incluindo para aliviar ou mesmo substituir as importações de certos alimentos.

Produção: Numa agricultura de predominância familiar (99% das explorações agrícolas nos 5,67 milhões de hectares cultivados no total (TIA, 2007)), o acesso a terra não parece ser uma limitante na actividade produtiva das famílias camponesas, pese embora alguns conflitos localizados, ou potencial para conflitos de interesse – entre famílias camponesas e agricultores comerciais – em terras de alta densidade ou em perímetros irrigados. Em particular, após o relançamento da agricultura, em 1992, o fraco acesso ao capital tem sido mencionado como um dos grandes constrangimentos na agricultura. Embora sejam raros os estudos que mostrem em que magnitude a actual oferta de crédito constrange a agricultura, a falta ou escassez de crédito é quase sempre referida nas análises sobre o sector agrário. A banca concentra pelo menos 70% dos seus balcões na cidade e província do Maputo, a agricultura é marginal na sua actividade e estima-se em 5% as famílias camponesas e médias explorações que tiveram acesso a crédito em 2005 (TIA, 2006). A mão de obra tem sido citada como limitante em muitas famílias camponesas, em particular no pico das actividades de campo. Num diagnóstico

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de campo, realizado pela extensão pública em áreas seleccionadas de 47 dos 51 distritos em que operava em 2000-2001, concluiu-se que o atraso nas sachas, ou realização de sachas parciais, eram um sério problema para o bom desempenho das explorações das famílias camponesas, em particular nas regiões centro e norte (Gemo (ed), 2001). As doenças e pragas são outros factores negativos, pese embora os seus efeitos económicos – nas várias culturas e espécies pecuárias de valor económico – careçam de mais regulares e aprofundados estudos. Longe (mas não isento) das devastadoras pragas migratórias de gafanhotos dos anos 1980 e 1990; da cochonilha da mandioca e dos grandes focos do pardal de bico vermelho no arroz no mesmo período; o País regista focos ocasionais de pestes (por exemplo, suína), doenças de alta ocorrência em bovinos, o vírus da podridão radicular da mandioca e o down mildium no milho (nas zonas de baixa altitude), entre outras ocorrências. As perdas pós-colheita continuam sendo referidas na ordem de 30%, embora, mais uma vez, mais estudos e medidas sejam necessários nesta área específica. A fome também se combate agindo-se de forma mais efectiva contra as perdas de produção.

Os (des)incentivos à produção ocorrem, conforme se se estimula ou se se retrai os principais actores. O comércio trans-fronteiriço do milho tem sido um incentivo, apesar das questões que se possam levantar na distribuição da renda pelos vários intervenientes na cadeia de valor (famílias camponesas, compradores de campo, intermediários de média escala e exportadores informais).

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Tratando-se de uma agricultura quase exclusivamente de sequeiro, o comportamento dos factores climáticos determina em grande medida o desempenho da agricultura. As grandes secas de 1983-1984, de 2004-2005, e as cheias de 2000-2001, são ocorrências recentes que mostraram esta realidade, fora o registo de outras campanhas agrícolas de fraco desempenho, devido sobretudo à escassez das chuvas. A figura 2 mostra a distribuição do potencial agrícola no País, no qual a precipitação Figura 2: Distribuição do potencial agrícola no País.Fonte: MINAG (Chamberlin e Sousa, 2008)

tem particular destaque. Finalmente, o acesso a tecnologias é baixo: apenas 13% das famílias camponesas e médias explorações usam rega, apenas 12% usam tracção animal (predomina a enxada de cabo curto) e entre 5 a 10 % utilizam sementes melhoradas (TIA, 2007).

No contexto das tecnologias, vale a pena fazer referência à contribuição da investigação e extensão. O sistema público de investigação (entenda-se MINAG)10 limita-se a cerca de 150 investigadores, com aproximadamente 25% de doutorados e pouco menos 50% de mestrados. A maior parte deste capital humano encontra-se em início de carreira. O Instituto Nacional de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM) carece ainda de expertise em áreas essenciais como cereais, fruticultura, horticultura, pós-colheita no geral, mecanização agrícola, ciência e fertilidade de solos, etc.. Pese o trabalho que tem sido desenvolvido, falta massa crítica traduzida em equipes temáticas estáveis e dinâmicas de investigação que possam responder de forma pragmática aos desafios da produção e da segurança alimentar. A extensão agrária pública (DNEA) é das mais recentes (1987) e pequenas da África Subsahariana e Austral (cerca de 600 técnicos de campo)11. Portanto, ainda em processo

10 É o principal sistema público, dado que, por razões várias, o papel da educação agrária superior na investigação, de apoio ao sector produtivo, tem sido bastante limitado ao longo dos anos.11 No âmbito do Programa Nacional de Extensão Agrária (PRONEA) prevê-se a expansão do efectivos para pouco mais de 1000 extensionistas até 2009-2010.

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de edificação, incluindo o seu capital humano, caracterizado por alto êxodo ao longo do tempo. A contribuição da DNEA no sistema de extensão agrária tem sido valiosa, mas modesta se comparada à cobertura e investimentos (logística operacional) da assistência técnica privada (commodity oriented extension) e da extensão de ONGs. O total de extensionistas – públicos, privados e de ONGs não deve alcançar os 2.500 (Gemo, 2005 e 2006; Couglin, 2006)12 contra pouco mais de 3,000 no Malawi, cerca de 4.000 na Tanzania e mesmo no Zimbabwe, apesar da actual crise económica.

Distribuição: inicia nas explorações agrárias, as quais, em contextos altamente integrados no mercado, obedecem a planos de produção orientados à demandas específicas e standards estabelecidos, e termina no fornecimento de produtos frescos ou processados aos consumidores. Ou às agro-indústrias, em caso de matérias primas (Abbott, 1987).

A rede comercial de apoio ao sector agrário tem evoluído pouco. É bastante fraca, ou mesmo inexistente a oferta de insumos agrícolas nas zonas rurais e, quando ocorre, é a preços altos. A comercialização agrícola continua um dilema em vários distritos, em particular nos de elevado a moderado potencial produtivo e baixo acesso ao mercado. A para-estatal de comercialização agrícola, o Instituto de Cereais de Moçambique (ICM), vibrante nos anos 1980 e 1990, está praticamente desactivada. Dados actuais sobre o comércio retalhista rural formal, apontam a existência de 5,368 lojas, das quais 1388 inoperacionais (MIC, 2008). Na altura da independência, em 1975, foi estimado que a maior parte dos cerca 6.500 comerciantes rurais tinham abandonado o País (Caballero, 1990). Uns anos antes, estimava-se em 1,6 milhão as machambas familiares, cultivando 2,49 milhões de hectares (MIA, 1972). Isto sugere que o comércio retalhista rural formal estagnou ao longo do tempo, em parte 12 Dados a serem reconfirmados no campo, ainda em 2008.

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devido ao interregno da actividade, nos anos 1980 a meados dos anos 1990, em consequência do conflito armado terminado em 1992. Há necessidade de maior presença do comércio retalhista rural formal nas zonas rurais. Actualmente, o comércio informal assume um papel preponderante em muitas zonas rurais, incluindo no comércio trans-fronteiriço.

Em 2006-2007, Moçambique contribuiu com 78% do milho exportado informalmente na SADC, em especial para o Malawi (FEWSNET, PMA, 2007). Contudo, o comércio retalhista rural formal, pelas suas características de implantação local e desenvolvimento de relações de mútua vantagem com as comunidades locais, é mais relevante no comércio agrário. À montante, no fluxo de factores de produção e outros bens e, à jusante da produção, no escoamento do output agrícola. O comércio retalhista rural formal pode contribuir mais

eficazmente não apenas na distribuição de excedentes13, mas na oferta regular de insumos, de bens duradoiros como implementos agrícolas, motorizadas e bicicletas, rádios14 e na participação no agro-processamento de pequena escala. É um facto que a maior parte dos bens mencionados são importados. Mas a médio-longo prazos, a dinâmica do comércio retalhista rural formal

13 Contribuindo para acrescer o acesso, em especial nas zonas urbanas, alimentando a força de trabalho na indústria e outros serviços.14 Importantes na mobilidade, comunicação e bem estar das famílias camponesas.

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(e do informal) pode contribuir no estímulo à indústria local15, podendo desenvolver-se uma maior interacção entre actividades não agrárias e agrárias, rumo à transformação da agricultura e cadência entre o crescimento agrário e industrial. A partir de 2009, o Estado prevê financiar quatro sistemas de silos de grande capacidade16, em quatro províncias. Isto poderá dar um impulso à comercialização, desde que factores como as implicações na produção de tais zonas, à montante e à jusante da produção bem como a gestão sustentável destas unidades, estejam devidamente equacionadas. Enquanto isso, operadores privados, incluindo estrangeiros, vão fazendo a comercialização de cereais nalgumas zonz rurais. O aparecimento de novas moageiras, de escala industrial, emprestam alguma dinâmica na comercialização de milho17.

Figura 3: Distribuição da rede de mercados no País. Fonte: MINAG (Chamberlin e Sousa, 2008)

Em suma, impõe-se muito mais operadores formais na comercialização. A figura 3 mostra a distribuição da rede de mercados no País. As zonas de baixo potencial agrícola da região sul apresentam, em geral, maior densidade do que as zonas de maior potencial das regiões centro e norte. Isto ilustra o quão as directivas políticas e estratégias de aumento de produção de alimentos, deverão priorizar o escoamento de excedentes, como parte fundamental do processo. Como sabido, um maior, estável e menos oneroso fluxo de alimentos das zonas de produção às de consumo, tem efeito potencial na redução dos preços ao consumidor.

15 Na expectativa de que a produtividade e renda agrária aumentem no futuro, no quadro da vontade política actualmente enfatizada pelo Governo para maior investimento no sector. 16 Perspectiva-se construção na Zambézia, Nampula, Manica e Sofala17 Província de Manica, funcionando desde 2007 e Sofala (Gorongosa)

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Utilização: questões sócio-culturais, as quais incluem tabus, influenciam opções de consumo e devida utilização de uma série de alimentos. Moçambique é rico em diversidade sócio-cultural rural, incluindo valores que diferenciam comportamentos a nível das famílias camponesas.

O nível de escolaridade das mães influencia e tem mostrado uma forte correlação com o estado nutricional das crianças. Crianças cujas progenitoras detêm parca ou nenhuma escolaridade são bastante susceptíveis à nutrição inadequada. Revelam uma probabilidade 3 vezes maior de serem cronicamente desnutridas, comparadas às crianças cujas mães possuem o nível secundário concluido (PASAN, 2008). As causas tanto podem relacionar-se a problemas de acesso (pobreza ou baixa renda) ou a conhecimentos fracos sobre práticas salutares de nutrição das crianças. É um dado importante tendo em conta que os inquéritos anuais nas zonas rurais, à escala nacional, mostram que as famílias camponesas chefiadas por mulheres variam entre 23 a 26% (2000-2007), (tabela 3).

Tabela 3: Escolaridade de chefes de famílias camponesas (FC) e de Famílias camponesas chefiadas por mulheres

Nas zonas rurais, em geral, a mulher enfrenta maiores constrangimentos no acesso ou a permanência prolongada na educação formal18. Isto sugere a importância de programas de 18 Historicamente, a educação nas zonas rurais é mais um investimento masculino, apesar de esta situa-ção estar em reversão, muito em parte mercê de políticas promocionais da educação da rapariga rural.

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educação de adultos nas zonas rurais, com ênfase nas mulheres em idade reprodutiva, como parte dos esforços susceptíveis de melhorar os seus Legenda: constituem 99% das exploraçõesNo País (TIA, 2007)

conhecimentos e práticas nutricionais mais salutares para com as crianças.

O papel da investigação e extensão públicas na área nutricional tem sido bastante modesto. A extensão iniciou algumas actividades apenas em 2000-2001, como parte das acções de campo na mitigação dos efeitos HIV/SIDA na famílias afectadas nas zonas rurais. Tais acções têm sido bastante limitadas no espaço e resumem-se à participação na divulgação da batata doce de polpa alaranjada, rica em vitamina A – em colaboração com o IIAM e o Instituto Internacional de Agricultura Tropical (IITA) –; na distribuição de materiais de propagação de fruteiras, como parte da diversificação orientada para melhoria da dieta e renda nas famílias camponesas; nas demonstrações de conservação de certas frutas; e no processamento mecanizado de mandioca19 e de batata doce.

O limitado acesso a água potável20 e ao saneamento básico21, a fraca distribuição da rede de saúde nas zonas rurais e a forte ocorrência de doenças como a malária, problemas de diarreia em certas zonas rurais e a incidência do HIV/ SIDA, agravam os problemas nutricionais.

19 A redução do cianeto a níveis mínimos na mandioca amarga tem sido um dos objectivos do processamento melhorado, um trabalho iniciado em colaboração com a ONG Sasakawa Global 2000 e IITA. 20 Embora tenha muito provavelmente progredido, em 2003 situava-se em 58% nas zonas urbanas e 26% nas zonas rurais (IAF, 2002-2003).21 Há 3 anos estimava-se em 73% nas zonas urbanas e apenas 34% nas zonas rurais (DNA, 2005).

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

Conclusões

A ênfase no aumento da produção com vista ao combate a fome e melhoria da segurança alimentar não é desprovida de mérito. Uma razão importante do investimento nos sectores agrários de cada País reside no potencial da estabilização da economia alimentar doméstica, reforçando-se deste modo a segurança alimentar (Timmer, 1998). Moçambique, País de forte base agrária, não é excepção. Mas o que é vital neste crucial desafio é garantir uma efectiva e estável ligação entre os outupts acrescidos – como resultado dos esforços para o aumento da produção – e o mercado de consumo (produtos frescos ou processados), ou de exportação.

A promoção arrojada do comércio retalhista rural formal pelo Estado é de extrema importância. O comércio retalhista rural formal tem o potencial de agir como comprador e vendedor estável de primeira linha, junto às comunidades. É um ponto intermédio fundamental no estímulo à produção e à dinamização da economia rural, em geral. Dadas as assimetrias regionais no potencial agrícola e capacidade produtiva (incluindo a disponibilidade de mão-de-obra), o Estado deve priorizar o apoio a comércio retalhista rural formal nas zonas rurais do

Participantes do Seminário

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norte e centro, em geral maiores produtoras de excedentes, mas com fraco a moderado acesso a mercados. Note-se que cerca de 43% das pequenas (famílias camponesas) e médias explorações estão em apenas 2 (Nampula e da Zambézia) das 10 províncias do País, no norte e centro (TIA, 2007).

O agro-processamento é bastante relevante na absorção, adição de qualidade e valor à produção, contribuindo no desenvolvimento das cadeias de valor. O investimento privado, em particular o IDE, opta pelas indústrias convencionais de grande escala, com sistemas de marketing e circuitos comerciais mais complexos. O Estado deveria apoiar o agro-processamento de pequena e média escalas nas zonas rurais. Embora às vezes sem a qualidade do produto em relação às grandes agro-processadores (por exemplo, controle de humidade e secadores), as de pequena e média escalas contribuem na geração do emprego rural, desenvolvem estímulos locais na produção e aliviam o trabalho doméstico das mulheres, e estima-se contribuirem em 60% na mão de obra da agricultura familiar. O Uganda tem uma experiência interessante no uso de maquinetas de descaque de arroz nas zonas rurais que contribuiram de forma notável na expansão, aumento da produção e comercialização de variedades Nerica (New Rice for Africa) de arroz. Em Moçambique, a extensão pública já divulgou maquinetas de descaque de arroz (Província de Gaza)22 e de processamento melhorado da mandioca (Províncias de Nampula e de Inhambane), sobretudo nos anos 2000-2004, em parceria com o SG 2000, IIAM e o IITA23.

A ruralização da banca é crucial no desafio do aumento da produção e reforço da segurança alimentar. Falhas ou falta generalizada de mercados financeiros rurais contribuem para

22 Algumas ONGs, privados e o Gabinete do Plano da Zambézia dispõem de algumas destas maquinetas nas províncias da Zambézia, Cabo Delgado, Inhambane e Gaza, Maputo; mas não devem ultrapassar 20 operacionais. 23 Sediado em Ibadan, Nigéria, mas actualmente com uma pequena representação no IIAM

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uma sistemática sub-utilização de recursos rurais. Preços altos e estáveis dos alimentos comercializados pelas famílias camponesas e médias explorações – se associados a aumentos de produção a esse níveis – podem contribuir para colmatar (mas apenas parcialmente e a curto prazo)24, o problema da escassez de mercados financeiros. Mas nestas condições, o problema do dilema de preços de alimentos (food price dilemma) pode emergir. Em particular tendo em conta que, mesmo nas zonas rurais, existem compradores net de alimentos e só poderão fazê-lo a preços acamodáveis (Timmer, 1998).

O Governo deve, por um lado, priorizar os programas de mercados agrícolas25 e de finanças rurais26 sob sua alçada às zonas rurais de maior demanda. Ou de maior potencial de produção. E, por outro, encorajar a banca privada a expandir-se pelo menos para os distritos de maior demanda de mercados financeiros. A expansão das redes de fontes energéticas27, de comunicações, estradas e comércio retalhista rural formal, são potenciais incentivos do Estado à ruralização dos mercados financeiros.

Finalmente, o Governo deve priorizar os recursos públicos disponíveis para investimentos públicos na:• investigação e extensão: é fundamental investir no

desenvolvimento de uma massa crítica, competente e

24 A médio e longo prazos, numa perspectiva de rápido crescimento agrário, torna-se imprescindível bancarizar a economia rural. 25 O primeiro PAMA iniciou em 2001 devendo encerrar em Junho 2008. Dispôs de cerca de USD 26 milhões (IFAD e Governo de Moçambique) em 9 distritos em 3 províncias (Niassa, Cabo-Delgado, Maputo) e o próximo poderá iniciar em 2009, provavelmente com um orçamento na ordem de USD 32 milhões (IFAD e Governo de Moçambique) para cerca de 14 distritos.26 Por exemplo, está em curso (2005-2013) um programa financiado pelo IFAD, AfDB e Governo de Moçambique, orçado em cerca de USD 34.2 milhões e que contempla a agricultura como área prioritá-ria. 27 Distribuição rural de combustíveis, electrificação rural e sistemas efectivos de comunicações.

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dinâmica, com o devido apoio logístico e institucional. Apesar do sistema de extensão ser pluralístico – público, privado e de ONGs – a cobertura destes serviços, nos últimos três anos, à escala nacional, variou entre 12 (2006) a 15% (2005). Mas em 2007 reduziu para 10%. São necessárias formas mais audazes de aumentar a cobertura e de tornar o papel da investigação28 e extensão públicas mais efectivo, incluindo através de investimentos mais adequados29.

• Infra-estruturas e redes de transporte de apoio à agricultura. Sob coordenação sistemática das instituições governamentais e serviços públicos vitais, a nível central e local, é fundamental priorizar investimentos em estradas rurais, rega e drenagem e infra-estruturas de conservação. Estas medidas são determinantes, se se pretende realmente transformar a economia rural – de uma situação de risco e ameaças elevados e baixas oportunidades de investimento lucrativo – para outra, menos instável, atractiva, que estimule a renda e acumulação, a nível das famílias camponesas, comércio retalhista rural e outros operadores económicos. São condições necessárias para o potencial (re)investimento em actividades produtivas. O Estado tem um papel fundamental neste processo. Porém, a natureza e a complexidade do processo, impõe complementaridades e parcerias público-privadas.

• sistemas de informação e comunicação e de educação de adultos. A percentagem de famílias camponesas e médias explorações que beneficiou de informação sobre preços e mercados nas zonas rurais, por via da rádio, entre 2003 a 2007, variou entre 21 (ano 2007) a 32 (em 2003) (TIA, 2007). A divulgação de informação sobre previsão agro-climática tem sido escassa e

28 Por exemplo, co-financiamento do sector privado na investigação de culturas de rendimento por ora, em geral, quase dormente. 29 O financiamento à investigação tem estado muito aquém do 1% do PIB agrário e ambos os serviços (investigação e extensão) foram sub-financiados nos últimos 10 anos, incluindo durante o PROAGRI I (1999-2006).

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ocasional. Mesmo com uso de línguas locais na radiodifusão provincial e nacional, e com um número encorajador de rádios comunitárias30, a circulação de informação relevante no sector agrário tem sido limitada. O financiamento à educação de adultos, funcional ou por objectivos, é importante para a capacitação de famílias camponesas de forma a lidarem com planos de negócio e maior integração no mercado, e mesmo no melhoramento de conhecimentos nutricionais, em especial para mulheres.

Bibliografia

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Caballero, Lorenzo. 1990. The Mozambican Agricultural Sector – A Background Information. ISBN 91.576-4289-3. Swedish University of Agricultural Sciences. International Rural Development Centre. Upsala.

Censo Agro-Pecuário (CAP). 2000. Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural. Instituto Nacional de Estatística. Maputo

Chamberlin, Jordan and Ragendra de Sousa. 2008. Domínios de Desenvolvimento Agrário. Direcção Economia. Ministério da Agricultura.

Coughlin, Peter E. 2006. Agricultural Intensification in Mozambique. Infrastructure, Policy and Institutional Framework – When Do Problems Signal Opportunities? African Food Crisis Study (Afrint). Department of Sociology. Lund University.

30 Pelo menos 30 distribuídas nas zonas rurais.

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

De Ravignan, François. 2004. Porquê a Fome? Um desafio semre actual (1ª Edição Portuguesa). ISBN 972-53-0245-1. Editorial Bizâncio. Coletânea Sinteses. Lisboa

Food Security at Household Level: Concepts, Indicators and Measurements. A Technical Review. By Simon Maxwell and Timothy R. Frankenberger

Gemo, H; Carl Eicher and Solomon Teclemarian. 2005. MOZAMBIQUE’S EXPERIENCE IN BUILDING A NATIONAL EXTENSION SYSTEM. ISBN 0-87013-763-8. Michigan State University Press. Michigan.

Gemo, H. R. 2006. Recursos Humanos na Extensão Pública em Moçambique. Estudos Sobre Investigação e Extensão Agrária. Instituto de Investigação Agrária de Moçambique. Direcção Nacional de Extensão Agrária. Ministério da Agricultura.

Gittinger, J. Price; Leslie, Joanne and Hoisington, Caroline (eds). 1988. Integrating Supply, Distribution and Consumption. ISBN 0-8018-3500-3. The John Hopkins University Press. Maryland

Inquérito aos Agregados Familiares. 2002-2003. Instituto Nacional de Estatística (INE). República de Moçambique Inquérito Demográfico e Social. 2003. Ministério da Saúde. INE. República de Moçambique

SETSAN. Setembro, 2007. Estratégia e Plano de Acção de Segurança Alimentar e Nutricional. 2008.2015. Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional. Moçambique Schuh, G. Edwards. The Changing Context of Food and Agricultural Development Policy. In Integrating Supply,

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

Distribution and Consumption. 1988. By Gittinger, J. Price; Leslie, Joanne and Hoisington, Caroline (eds). 1988ISBN 0-8018-3500-3. The John Hopkins University Press. Maryland

Trabalho de Inquérito Agrícola (TIA). (2002 a 2007). Direcção de Economia. Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural. Instituto Nacional e Estatística. Maputo

Timmer, C. Peter. The Macroeconomics of Food and Agriculture. In International Agricultural Development. 1998. Third Edition. By Carl K. Eicher and John M. Staatz (eds). ISBN 0-8018-5879-8. The Johns Hopkins University Press. Maryland

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IMPACTO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO EM TURISMO: CONTINGÊNCIAS E ESTRATÉGIAS31

Ana Comoane

INTRODUÇÃO

1.Contextualização

O presente trabalho constitui um resumo actualizado da dissertação subordinada ao tema “IMPACTO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO EM TURISMO - O Caso dos PMAS, em especial Moçambique: Contingências e Estratégias” – feita no âmbito do primeiro Curso de Mestrado na menção de Ciências Jurídico-económicas, organizado pela Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, em parceria com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no período 2003/2005, cuja obra foi publicada em 200732.

No conjunto dos temas ministrados no âmbito do referido curso, mereceu especial atenção a problemática de Desenvolvimento, inserida na cadeira de Relações Económicas Internacionais II, ao permitir um debate em torno das principais causas das profundas e persistentes desigualdades económicas entre os Países Desenvolvidos (PDS) e os Países em Desenvolvimento (PEDS). No âmbito desses debates particular destaque foi dado a alguns instrumentos versando sobre a temática do desenvolvimento nomeadamente:

31 Nota Prévia: Aceitei o convite que me foi formulado pelo Gabinete de Estudos da Presidência da República, para apresentar uma comunicação subordinada ao tema: “Impacto da política de desen-volvimento em Turismo: Contingências e Estratégias, ” ciente das minhas limitações mas, animada pela certeza de receber críticas construtivas e de grande benefício pessoal. Não será por falta de apoio sobretudo ao nível do Sector que a presente comunicação possa apresentar insuficiências, lacunas e imprecisões. À gentileza do convite fica uma dívida de gratidão. 32 COMOANE, Ana, “Impacto da política de desenvolvimento em Turismo – O Caso dos PMAs, emespe-cial Moçambique: Contingências e Estratégias”, Coimbra, Edições Almedina, SA, 2007

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A célebre Agenda de Desenvolvimento de Doha, adoptada na IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, em 2001, cujo mérito se deve, fundamentalmente, aos compromissos alcançados, quanto à necessidade de privilegiar programas de ajuda ao desenvolvimento dos países pobres, entre outras matérias de capital importância como a defesa do ambiente, o aumento do fluxo de investimentos e da transferência de tecnologia para os PEDS;

- O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2004 retratando, de forma confessadamente preocupante, o panorama sócio-económico dos chamados Países Menos Avançados (PMAS), particularmente os da África Sub-sahariana, vaticinando já grandes dificuldades que estes países irão enfrentar para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM).33

Ora, se a Agenda de Doha produziu um efeito positivo ao dar a ideia de um salto qualitativo na abordagem de temas candentes como os que acima se mencionam e na busca de compromissos para a ajuda ao desenvolvimento, o mesmo não se pode dizer do Relatório sobre o Desenvolvimento de 2004 que, no geral, apresenta um quadro sombrio para o Continente africano.

Tornou-se então difícil afastar a imagem de uma África dilacerada pela pobreza extrema, como também tornou-se inevitável transpor esse cenário para o plano nacional, buscando reflectir sobre as perspectivas de desenvolvimento preconizadas nos principais instrumentos de orientação política entre os quais avultam as políticas públicas (PP) que na visão de Luíz Pedone definem “o que os governos fazem, por que o fazem e que diferença faz

33 Banco Mundial, “ Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2004”, p 142

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a ação governamental para a sociedade e seus problemas”34 podendo, desde já, compreender se a importância da acção governativa na orientação política do processo de desenvolvimento para o bem-estar social.

Tal importância é assumida nomeadamente, pela Comunidade Internacional, no âmbito da Declaração sobre o Progresso e o Desenvolvimento no Domínio Social, da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, de 11 de Dezembro de 1969, apelando aos Estados no sentido de preocuparem-se e agirem de modo a assegurar os níveis de vida, o pleno emprego e as condições de progresso e desenvolvimento nos domínios económico e social dos seus povos35.

Sem prejuízo do carácter polissémico do termo “desenvolvimento,”36 e da diversidade do contexto real em que num dado momento o mesmo pode ser aferido, tornando penoso o esforço de encontrar uma ideia comummente aceite, pois, como assevera François Perroux “não poderá nunca ser objecto de uma definição satisfatória para todos, i.e., para todos os países, todas as experiências, todas as exigências,”37 parece dever aceitar-se que numa perspectiva jurídica, o desenvolvimento afigura-se um direito – dever, ou dever-função, do Estado. Aliás, para Amartya Sen, mais do que um direito-dever, o desenvolvimento constitui uma expressão de liberdade,38 enquanto para Renato Cardoso o desenvolvimento é o “principal anseio dos povos africanos e também uma forma de legitimação das suas independências”39. 34 PEDONE, Luíz, “ Formulação, Implementação e Avaliação de Políticas Públicas”, FUNCEP, Brasília, 1986, p 735 Cfr preâmbulo e artigo 7.36 Desenvolvimento pode ser entendido em sentido económico, sendo certo que mesmo quando circun-scrito a este domínio a sua conceptualização não é linear, ou em sentido ecléctico, de sustentabilidade, conjugando as dimensões económica, social e ambiental.37 PERROUX, François, “ Ensaio sobre a Filosofia do novo Direito”, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1981, p 13.38 SEN, Amartya, “ Development as a Freedom”, New York, 199939 Apud, FERREIRA, Eduardo, Paz, “ Desenvolvimento e Direitos Humanos”, Revista da Faculdade de direito da Universidade de Lisboa, Coimbra, Editora, 2000, p. 25

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

Seja qual for o ângulo e a perspectiva de análise, a temática de desenvolvimento tem uma dimensão internacional e deste prisma constitui o maior desiderato de todos os Estados que pugnam pelo bem-estar mundial. Mas, acima de tudo, o substrato dos PEDS e, em larga medida, dos PMAS face ao espectro da pobreza cujo combate constitui um desígnio nacional.

Neste combate, o grande desafio que se coloca principalmente aos PMAS consiste em seleccionar as melhores opções de desenvolvimento e depois adoptar políticas estratégicas claras, realistas e participativas, susceptíveis de materialização e de provocar um rápido crescimento sem, contudo, comprometer o desenvolvimento económico.

Quer dizer, o primeiro desafio consiste em determinar a forma como deve ser exercido o direito ao desenvolvimento que assiste a todo e qualquer Estado e que tem como corolário a liberdade de escolha dos modelos e dos meios mais adequados para o alcançar, sem dúvida, privilegiando os domínios de actividade económica que se revelem mais aptos a desencadear um rápido crescimento económico e um desenvolvimento acelerado e equilibrado equacionando, entre outros, as necessidades, as oportunidades e os recursos disponíveis.

Nos últimos tempos cresce a confiança no turismo quer por parte dos PDS como dos PMAS que se traduz na sua eleição como um dos sectores vitais para o desenvolvimento económico. Convictos da sua aptidão, muitos governos e organizações

já vieram a terreiro reconhecer o potencial turístico em gerar receitas e postos de emprego, contribuindo para o combate à pobreza. Neste sentido e apenas para citar alguns exemplos, o

Intervenção da Dra. Ana Comoane

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Governo de Moçambique, a União Africana, a União Europeia e a Organização Mundial do Turismo.40

2.Delimitação do problema e objectivos

A aposta numa política de desenvolvimento em turismo é sempre rodeada de acesos e, quiçá, de legítimos debates quanto aos efeitos deste importante segmento de actividade económica. Em geral as diferentes sensibilidades buscam compreender até que ponto os resultados deste sector, são susceptíveis de promover não apenas o crescimento mas também o desenvolvimento económico.

Foi pensando neste debate que se identificou como problema de investigação, o de saber se “Turismo - vale a pena ou não? Dito de outro modo, pretende-se saber: Qual o real impacto das políticas de turismo no desenvolvimento dos países, em geral e de Moçambique, em especial.

Claramente, a hipótese subjacente é de um país pobre que para fazer face ao flagelo da pobreza elege como um dos sectores vitais do desenvolvimento económico, o turismo. Por isso, impõe-se uma incursão que atente aos seguintes objectivos:

Geral:

- Determinar em que medida o turismo no mundo responde aos objectivos de desenvolvimento;

Específicos

- Determinar quais os impactos económicos, sócio-culturais e ambientais positivos que justificam que PMAS como

40 Cfr Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Turismo em Moçambique (2004-2013), Plano de Acção do Turismo, contido no documento sobre a Nova Iniciativa para o Desenvolvimento de África (NEPAD), Declaração da Comissão Europeia de 1999 e Declaração da Organização Mundial do Tur-ismo, in SNV and Sustainable Tourism: Background Paper, respectivamente.

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Moçambique acreditem na capacidade de o turismo contribuir para o crescimento económico;

- Avaliar os impactos negativos que devem ser tidos em conta no âmbito das políticas públicas e, consequentemente, equacionar os factores estratégicos para o desenvolvimento de um turismo sustentável;

- Por último avaliar as perspectivas de evolução do turismo e a sua contribuição na economia mundial, dos PMAS e em especial de Moçambique.

3.Perspectiva de abordagem e estrutura

A abordagem do tema em apreço desenvolve-se numa perspectiva comparada, de modo a retirar as lições que se mostrem adequadas e tendo em conta o carácter eminentemente internacional do turismo ressalvando, contudo, a perspectiva interna, de modo a avaliar o contributo deste ramo de actividade na economia nacional. Em qualquer dos casos, procura-se acautelar uma abordagem multidisciplinar, privilegiando a conjugação de aspectos de natureza económica, social e ambiental que constituem a matriz de um modelo de desenvolvimento sustentável, e ainda aspectos de natureza jurídica que sustentam, em maior ou menor medida, esse mesmo modelo.

Tendo, pois, em conta o que acima se expõe, a presente comunicação, depois de uma breve introdução sobre o contexto, objectivos e perspectiva da abordagem, distribui-se em três capítulos:

- O primeiro (I), versa sobre a relação entre o turismo e o desenvolvimento, destacando a sua dimensão sócio-económica, importância, em especial para os PMAS, os seus impactos e estratégias a adoptar, chamando a atenção sobre a necessidade de uma correcta gestão ambiental;

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- O segundo (II), aborda os factores estratégicos para um turismo sustentável e, neste caso, analisa o regime jurídico moçambicano em matéria de ordenamento territorial, por se considerar que o seu impacto no desenvolvimento da actividade turística é particularmente relevante e ainda porque, tratando-se de matéria nova, a sua abordagem pode, eventualmente, despertar interesse em futuros trabalhos de reflexão sobre a problemática da gestão territorial no País;

- O terceiro e último (III), debruça-se sobre as perspectivas de evolução do turismo nos PMAs e em Moçambique, destacando os principais desafios, o impacto do modelo de desenvolvimento adoptado pelo Governo no sector do turismo e as oportunidades de combate à pobreza.

Para terminar e em jeito de resposta à pergunta de investigação, apresentam-se algumas conclusões e recomendações na esperança de as mesmas servirem, ainda que modestamente, como um contributo para reflexões mais profundas e conclusivas em torno do tema ora em apreço.

I.RELAÇÃO ENTRE TURISMO E DESENVOLVIMENTO

1.O turismo internacional

Se tivermos em conta a origem etimológica da expressão turismo que deriva do hebraico antigo Tur que significa “viagem de descoberta, de exploração, de reconhecimento,”41 podemos assumir que o turismo é um fenómeno tão antigo quanto a existência do próprio Homem, enquanto um ser gregário, cuja condição implica o estabelecimento de relações inter-pessoais e pressupõe a movimentação de um lado para outro, com vista à satisfação

41 OLIVEIRA, António Pereira, “ Turismo e Desenvolvimento: planejamento e organização”, 3ª Edição Revista e Ampliada, São Paulo, Editora Atlas, S.A, 2001, p 17

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das mais variadas necessidades42.

No entanto, a afirmação do turismo como indústria ganha maior relevância sobretudo com a Revolução Industrial que determinou grandes movimentações turísticas, transformando-se num fenómeno de massas vindo a assumir, por via disso, uma dimensão social que, por sua vez, deu origem a processos económicos envolvendo milhares e milhares de pessoas entre turistas, fornecedores ou simples consumidores de produtos ou serviços turísticos. Neste sentido, o turismo assume uma dimensão social e económica. Na década de sessenta, o turismo consolida-se como um sector importante na economia mundial e na década de oitenta assume papel de relevo no processo de desenvolvimento global, evidenciando um forte entrosamento entre as dimensões social e económica e registando um crescimento médio de 4% e contribuindo com 7% do comércio de bens e serviços e 5,5% do PNB mundial. Desde então, o fluxo turístico não mais parou, tornando-se, a indústria turística, uma referência inquestionável na formulação e implementação de políticas e estratégias de desenvolvimento. De um fenómeno tradicionalmente individual, em termos de procura e consumo, ganha uma projecção internacional, movimentando milhões de pessoas, passando a ter dimensões sócio -económicas de importância transcendental quer promovendo sinergias, comércio de serviços e, nesta medida, fonte de riqueza, quer estimulando intercâmbios sócio-culturais e relações de hospitalidade entre as nações. Deste modo, o turismo afigura-se um factor de desenvolvimento

42 Na prática, são várias as motivações das viagens dos turistas: investigação, lazer, aproximação à natureza, relações pessoais, aventura, saúde, etnologia, cultura, repouso, negócios, alteração da rotina e diminuição de responsabilidade. Aliás, deste ponto de vista, o turismo mais do que uma necessidade individual assume-se uma necessidade socialmente induzida, à semelhança do que sucede com as férias que através duma norma social devem ser gozadas independentemente da vontade do trabalhador. Nesta perspectiva, o turismo afigura-se um mecanismo de que a sociedade se serve para repor o equilíbrio físico, social e psicológico.

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económico, de intercâmbio sócio-cultural e de gestão ambiental, podendo assumir diferentes formas, nomeadamente: Turismo de lazer, de eventos, de águas termais, desportivo, religioso, de juventude, social, cultural, gastronómico, ecológico, de aventura, de cruzeiros marítimos, de negócios, de compras, de terceira idade, rural, técnico, e de intercâmbio. Independentemente da forma em concreto, do ponto de vista económico, o turismo contribui no processo de desenvolvimento, nomeadamente:

- Estimulando a implantação de novas infra-estruturas, oferta de novos equipamentos e alimentos, ou seja, induzindo a procura em outras actividades industriais e comerciais (construções, transporte, agricultura, entre outros mercados);

- Criando novos postos de emprego directo e indirecto na indústria de hotelaria, de restauração e bebidas, indústrias agro-alimentares, de mobiliário, agências de viagem, feiras de artesanato, serviços de recreação, entre outros;

- Aumentando o saldo e, consequentemente, reduzindo o deficit da balança comercial, através da captação de divisas.Do ponto de vista sócio-cultural, o turismo tem repercussões ao nível da cultura. Geralmente, o turista é portador de uma cultura diversa da comunidade visitada. Por isso, estabelece-se entre as partes o intercâmbio e o diálogo, tornando-se o turismo uma ponte de solidariedade entre diferentes povos e suas culturas e servindo como um veículo de:

- Transmissão do conhecimento, de experiências e de informação;

- Desenvolvimento do sentido de auto-estima, de orgulho nacional e de história de um povo, sempre que a cultura local é

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apreciada. Do ponto de vista ambiental, não se pode ignorar o facto de que o turismo desenvolve-se num meio determinado, produzindo impactos ecológicos e ambientais sobre a paisagem natural. Esta situação, aliada à tendência massiva que caracteriza o momento inicial do processo de desenvolvimento e a fase de grande escala económica, nos países destinatários estimula acções de sensibilização e apelo à consciência sobre as actividades relacionadas com a valorização do património cultural, arqueológico e das actividades ecológicas.

2.A contribuição do Turismo nos PEDS e nos PMAS

Nos PEDS e nos PMAS o reconhecimento, nomeadamente pelas Nações Unidas da contribuição do turismo como factor de crescimento económico remonta ao ano de 1963.43 Desde então e contrariamente àquilo que foi a percepção dominante, ao longo dos tempos, de acordo com a qual a actividade turística seria exclusiva dos PDS, passou a compreender-se o seu papel decisivo como agente indutor do processo de desenvolvimento.44

Hoje é inegável a influência do turismo no domínio económico, social e ambiental, bem como a sua capacidade de estimular actividades de outros sectores de economia nacional, nomeadamente:- No domínio de urbanização através da instalação, expansão, ampliação, reabilitação e modernização de empreendimentos e instalações turísticas, incluindo em zonas mais remotas, contribuindo para um maior equilíbrio; - No domínio financeiro, através da captação de divisas, na 43 United Nations, “ Recommendations on International Travel and Tourism”, United Nations Confer-ence, Rome, 1963 44 Os casos de sucesso do turismo tunisino, marroquino e mexicano, entre outros países, nomeadamente caribenhos, levaram a que, sobretudo, numa perspectiva internacional, o turismo fosse considerado um factor vital e necessário para a captação de divisas nos PMAS, mesmo circunscrevendo os seus recursos ao triângulo terra sol e mar.

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medida em que o turismo internacional, sobretudo, implica viagens programadas, geralmente a partir de poupanças de turistas provenientes de países ricos, embora em menor escala também provenham de países em desenvolvimento; - No domínio socio-económico, através de investimentos turísticos, o turismo é a indústria que oferece emprego em grande escala e impostos. Neste sentido, o turismo é uma fonte de redistribuição de renda.

2.1.A importância do turismo doméstico

Contrariamente ao que poderia pensar-se, o turismo doméstico, sobretudo nos PMAs não é menos importante que o turismo internacional. Com efeito, as infra-estruturas turísticas podem desenvolver-se com muito maior rapidez a partir da procura interna do que com a procura externa, devido ao carácter sazonal e irregular do turismo externo que não raras vezes aumenta a dependência dos PMAS e provoca a inflação que ocorre nos períodos de pico, em virtude da alta de preços registados em períodos relativamente curtos que provoca a subida de preços de outros produtos. Portanto, os dois segmentos não se excluem, antes complementam-se e traduzem se em benefícios tanto para os operadores como para os nacionais e para o Estado.

Fomentando o turismo doméstico, os operadores turísticos contribuem para a cultura do turismo dos nacionais e, consequentemente, previnem os inconvenientes da sazonalidade e da dependência externa; os nacionais além de usufruir do melhor dos recursos que o seu país oferece, ganham consciência sobre a necessidade da sua valorização e preservação; o Estado pode assegurar a previsibilidade e regularidade da arrecadação de receitas e, finalmente, os trabalhadores podem contar com a segurança laboral.

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Deste modo, existe a necessidade de combinar os dois segmentos (doméstico e internacional) para garantir o equilíbrio e assegurando vantagens mútuas para todos os intervenientes. Tanto na perspectiva internacional como na perspectiva doméstica, o turismo gera um efeito multiplicador, estimulando e dinamizando o desenvolvimento de outras actividades de âmbito económico, social, cultural ou ambiental.

2.2.A Experiência cubana: Turismo e Saúde

Cuba é um dos países classificados pelas Nações Unidas como PMA que enfrenta, há várias décadas, um embargo económico imposto pelos EUA e consequentemente uma situação de marginalização.45 Apesar disso, tornou-se um destino de referência internacional sobretudo pelo sucesso da sua indústria turística, baseada na combinação entre o turismo e a saúde. Esta aposta foi decisiva para Cuba mitigar os efeitos da baixa de preços, no mercado internacional, dos seus principais produtos de exportação nomeadamente, o açúcar, o tabaco e o níquel e a consequente queda dos níveis de crescimento económico, por volta de 1980, agravada pela dependência, relativamente aos produtos estratégicos como a energia e o petróleo.

A aposta na indústria turística, a partir de 1987, uma alternativa e fonte de rendimento, foi a reacção cubana depois que a sua estrutura económica ficou seriamente afectada. Nesta aposta, Cuba desenvolveu a área de saúde que reconhecida pelos turistas, muito contribui para a economia e para o sistema nacional de saúde do povo cubano, levando a que muitos dos turistas que poderiam recorrer aos EUA, por exemplo, se sintam atraídos a visitar Cuba. 45 Por exemplo, Cuba não faz parte dos 35 países da América Latina que integram a ALCA – Associação do Livre Comércio para as Américas, uma iniciativa regional liderada pelos Estados Unidos da América e considerada como o mais ambicioso projecto de integração regional, não só pelo número de países como pela tendência de alargamento das matérias previstas no respectivo protocolo, relativamente ao previsto nos acordos da organização Mundial do Comércio e ainda pela influência dos EUA no seio do grupo.

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3.Estratégia de desenvolvimento de turismo

O sucesso do turismo requer, entretanto, uma estratégia adequada entendida de acordo com Mário Murteira como “o enunciado das orientações prioritárias e dos correspondentes meios ou instrumentos de política económica que o poder político pretende seguir e utilizar na condução do desenvolvimento do País”46, susceptível de:

- Favorecer um ambiente de negócios são, capaz de atrair mais investimentos privados, sobretudo estrangeiros47 e o desenvolvimento de um turismo sustentável, isto é, que privilegie abordagens de equilíbrio entre a economia, o ambiente e a sociedade (que compatibilizem a necessidade de gerar receitas para as comunidades locais, a preservação do ambiente e o imperativo ético da equidade e responsabilidade social);

- Fazer do turismo um sector de ponta;

- Estimular a participação de um sector privado forte e dinâmico;

- Valorizar as zonas de elevado potencial turístico conjugando três factores estratégicos: o planeamento territorial, o urbanismo e a gestão ambiental.

Para que essas estratégias tenham a coerência e o sucesso desejados, é necessário:

46 MURTEIRA, Mário, “Lições de Economia Política do Desenvolvimento”, Edição revista e actual-izada, Lisboa, Editorial Presença, 1990, p. 13.47 Com efeito, investimentos realizados por empresas multinacionais, no âmbito da expansão das suas próprias cadeias produtivas, são uma fonte de apoio à integração numa economia global, porquanto buscam e, consequentemente, promovem condições previsíveis, estabilidade política e ambientes mais favoráveis para os seus próprios negócios e para os investimentos públicos em infra-estruturas funcio-nais; estimulam o aumento da capacitação e da competitividade do sector empresarial e contribuem para o aumento do poder de compra dos cidadãos, em suma e como diz DOMINICK, são “ um importante veículo para o fluxo internacional de capital, mão-de-obra e tecnologia”. Cfr DOMINICK, SALVATO -RE, “ Economia Internacional”, Rio de Janeiro, LTC Editora, Sexta Edição, 1998, p. 213

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- Promover iniciativas conjuntas entre o sector público e privado;

- Identificar claramente o papel e as responsabilidades de cada um dos intervenientes;

- Assegurar uma planificação estratégica que promova uma gestão integrada (uma perspectiva de longo prazo, um processo flexível e adequado a mudanças, a formação e desenvolvimento de recursos humanos), estimule o sentido de propriedade para os diferentes intervenientes; possibilite a avaliação do desempenho e produza um conjunto de indicadores;

- Inserir o turismo no plano de desenvolvimento local, baseado nos vértices da viabilidade económica, equidade social e prudência ecológica;

- Assegurar a harmonização das políticas sectoriais de modo a convergirem para a promoção do turismo.

4.Impactos do Turismo

O alinhamento estratégico das acções acima mencionadas e outras conexas, pode ajudar a potenciar os impactos positivos e a mitigar os negativos e assim assegurar aos PMAS que o sector de serviços contribua com mais de 40%, na formação Produto Interno Bruto.48

Efectivamente, para a maioria dos PMAS comummente caracterizados por uma economia debilitada, parque industrial obsoleto, elevado grau de endividamento, fraca capacidade tecnológica e ausência do know-how e, consequentemente, sem grandes hipóteses de apostar em outras áreas de actividade

48 COOPER, Chris e tal, “Turismo: princípios e prática”, 2ª Edição, Brasil, São Paulo, Bookman/Artmed Editora S.A. ISBN 0-582-31273-6, 2002, p. 159

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como indústria, comércio transportes, entre outras, exigindo capacidade de modernização e implicando elevados custos de produção para que os seus bens e ou serviços possam competir num mercado cada vez mais globalizado o turismo, devido, à relativa abundância dos recursos que constituem o capital básico e também às suas características que além da internacionalização, transversalidade, entre outras, incluem a capacidade de uma rápida reacção em momentos de recessão, constitui uma alternativa viável, para a geração de receitas e postos de emprego e para a correcção dos défices da balança comercial.

A generalidade dos PMAS tem os três principais recursos - terra, água e atmosfera,49 para a produção de uma variedade gama de bens e serviços, incluindo o turismo considerado um elemento vital de desenvolvimento e uma alternativa económica ideal relativamente a muitos dos sectores primários e secundários.50 Alguns, como Moçambique, são também detentores de um elevado potencial turístico constituído por praias extensas e de águas cristalinas, fauna, florestas, cultura, tradições e histórias diversificadas que potenciam a atracção aos turistas e ainda um clima tropical com sol abundante.

A exploração destes recursos gera essencialmente impactos directos e indirectos positivos na economia nacional, na sociedade e na esfera ambiental. Porém, sem uma correcta gestão podem ocorrer impactos negativos destacando-se entre os mais relevantes os que se relacionam com o ambiente.

49 SAMUELSON, Paul A e Nordhaus, William, D. “ Economia”, Décima Sexta Edição, Lisboa, Mc-Graw-Hill, ISBN: 972-8298-83-8, 1999, p. 32550 OPPERMANN, Martin & Chon, Kye-Sung, “ Tourism in Developing Countries”, London, Interna-tional Thomson Business Press, ISBN 0-4151-3939-2,1997, p. 1

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4.1.Prevenção dos impactos sobre o ambiente

A generalidade dos impactos assinalados como negativos pode ser prevenida com estratégias e medidas de prevenção e de gestão não só ao nível das PP como das próprias empresas que exploram determinadas actividades.

No caso do turismo tais impactos estão, muitas vezes, associados ao chamado turismo de massas, implicando uma utilização excessiva dos recursos existentes, com particular incidência sobre as zonas costeiras e sobre as áreas de conservação.

Os impactos negativos podem verificar-se nomeadamente, nas zonas costeiras, em virtude da pressão tanto dos investidores como dos turistas, se e na medida em que a exploração de recursos ocorrer de forma descontrolada e abusiva o que pode resultar na destruição de corais, dos recifes, dunas que protegem a costa, provocando graves problemas de erosão.

Ao nível dos parques e reservas onde se pratica o ecoturismo e as actividades de safari os impactos podem ocorrer, se não for respeitada a capacidade de carga existente, ou se se verificar a exploração desenfreada dos recursos florestais e faunísticos, colocando em perigo a sobrevivência dos ecossistemas e destruindo os habitats.

4.2.Impactos na zona costeira

A exploração de actividades na zona costeira impõe cuidados especiais de gestão assente no princípio de sustentabilidade. Com efeito, a apetência por estas zonas não é exclusiva da actividade turística, concorrendo esta com outras actividades nomeadamente, a aquacultura, a pesca e a agricultura.

Efectivamente, pela sua localização e natureza, as praias normalmente levam a que a generalidade das pessoas tenha

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a ideia de que a costa marítima pertence a todos e, deste pressuposto resulta muitas vezes uma utilização desregrada tanto da terra como dos recursos que aí se localizam registando-se por vezes construções ilegais tanto de casas de habitação como de outros empreendimentos, incluindo em locais impróprios nomeadamente por cima das dunas que desempenham uma função protectora contra a erosão.

4.3. Estudos de Caso

4.3.1. O Caso da Índia

O caso refere-se à situação da região indiana de Goa situada no litoral que depois de ter sido considerada uma das mais lindas zonas costeiras, com praias de águas cristalinas e com uma cobertura vegetal bastante densa, tornando-se um grande pólo de atracção turística, mas também de outras actividades, incluindo habitação e agricultura, a dada altura ficou afectada em virtude da utilização intensiva das praias e zonas verdes adjacentes o que obrigou a tomada de medidas reactivas, incluindo a arborização, restrições à realização de práticas desportivas, limpeza e, muito mais que isso, a adopção de um regulamento que estabeleça regras de gestão da zona costeira. 51

Com estas medidas ficou assegurada a reposição do potencial paisagístico e todos os intervenientes aprenderam que o local só tem valor se os recursos que serviram de atractivo no momento inicial forem geridos de forma racional e sustentável.

4.3.2. O caso das Ilhas Fiji

Fiji integra mais de 300 Ilhas que ocupam uma extensão de mais de 700.000 Km2, de oceano. Por isso, o turismo representa

51 JAGTAP, T. G. et a, “Coastal tourism environment and Sustainable local development”, Nova Deli, Edições TERI, ISBN 81 – 7993-017-3, p. 149

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para as Ilhas Fiji um factor de desenvolvimento susceptível de proporcionar ao Governo um aumento das taxas de receita e às famílias benefícios directos superiores à média de F$65, por semana.52

Um estudo sobre o desenvolvimento do turismo, elaborado para o período 1998-2005, indica que Fiji podia tornar-se mais competitivo no meio de outros destinos concorrentes como Balí, Bahamas, Maurícias, Tailândia e Malásia apostando, sobretudo, no ordenamento territorial, urbanismo e ambiente, além de outros factores como incentivos e rede das infra-estruturas, considerando que “Planning, done properly works to avoid excesses of over-building, poor design in the wrong place and inadequate infraestructure that has be-devilled tourism in só many destinations including some with which Fiji competes.”53

A problemática da gestão costeira nos casos da Índia e das Ilhas Fiji ilustra a importância da prevenção e de uma correcta gestão ambiental, por se tratar de zonas de alta sensibilidade, contudo de maior pressão. E esta pressão não é exclusiva desta ou daquela actividade, mas resultante da apetência que todos têm por esses locais tornando-se necessário o cometimento de todos para que os benefícios sejam duradoiros.

5. O imperativo de um turismo sustentável

5.1. A consciência e os desafios sobre o carácter inesgotável dos recursos

52 FIJI, “ Tourism Development Plan 1998 – 2005”, p. 553 FIGUEIRA, Luís Mota, “ Reflexão sobre uma possível proposta de inter-venção turístico-cultural ”, in Actas do IV Congresso Internacional sobre Turismo Cultural, Lusofonia e Desenvolvimento, Maputo, Edições ISPU, pp. 184 e 185

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No caso específico do turismo, a consciência mundial sobre a necessidade de adoptar práticas de desenvolvimento sustentável funda-se, evidentemente, na percepção dos impactos negativos que as actividades envolvidas podem produzir sobre o ambiente.

A ideia de que os recursos naturais são inesgotáveis, pelo menos alguns deles, simplesmente porque são naturais, parece merecer algum reparo (em muitas partes do mundo, já se fala da carência de água potável e a atmosfera está ameaçada). Parece, pois, crescer a percepção de que o carácter inesgotável dos recursos naturais nomeadamente, os ecossistemas depende muito do seu uso racional e da forma como os mesmos forem geridos de modo a que os benefícios deles resultantes sirvam não só as gerações presentes mas também as gerações futuras. No entanto, a mesma percepção é extensiva ao património cultural, histórico e arqueológico onde a conservação e preservação são aspectos de extrema relevância para o desenvolvimento do turismo cultural, um segmento importante no desenvolvimento sócio-económico de qualquer país e da Humanidade, em geral.

O grande desafio coloca-se, sobretudo, ao nível da sensibilização das populações sobre a importância do turismo sustentável. Porém, o mesmo conceito terá naturalmente impactos diferentes consoante o grau de desenvolvimento num determinado país.

Nos países ricos, provavelmente será fácil desenvolver e até pôr em prática fórmulas de desenvolvimento sustentável. Porém, nos PMAs onde a grande emergência é, antes de mais, a sobrevivência dos milhares de pessoas em situação de miséria extrema, a exigência de práticas sustentáveis terá de ser combinada com alternativas de sobrevivência.

Não basta dizer às populações que devem abster-se de fazer queimadas descontroladas, de praticar a caça ilegal, de fazer o abate

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de árvores, etc. É preciso, em primeiro lugar, dizer às populações como é que elas devem conservar e preservar os recursos sem ter que adiar a satisfação das suas necessidades primárias, pois como refere José Negrão “ Podemos observar a dificuldade de fazer passar a mensagem no meio de uma comunidade que não tem resolvidas as suas necessidades básicas. De acordo com a teoria clássica sobre a satisfação das necessidades do ser humano, é necessário incutir um esforço acrescido para que este desiderato de protecção e utilização vantajosa dos recursos patrimoniais locais não fique apenas pelas boas intenções. Por isso mesmo, as estratégias a gizar em campo passam, inevitavelmente, pela satisfação das necessidades básicas, antes de qualquer programação específica”54

O que se pretende é que o conceito de desenvolvimento sustentável não seja um mero slogan que por estar em voga todos repetem-na sem que, no campo das realizações, sejam tidos em conta os seus pressupostos e a realidade em que os seus destinatários vivem e ainda as prioridades de cada Estado e das respectivas estratégias de desenvolvimento, donde que o conceito de sustentabilidade deve ser aplicado não só com relação aos recursos em si, mas também à própria existência humana. Pois, é justo que a Humanidade se preocupe com a floresta, com a fauna e outros recursos mas, sem pôr em causa a própria existência do Homem.

I. PRINCIPAIS FACTORES ESTRATÉGICOS DO TURISMO SUSTENTÁVEL

1.Generalidades

Como ficou ilustrado nos casos da Índia e das Ilhas Fiji, medidas de prevenção associadas a uma planificação atempada não só evitam a degradação do ambiente como contribuem para a competitividade do destino turístico considerado. Neste sentido, a adopção de um plano geral de desenvolvimento integrado, 54 Apud SILVA; Guilherme Amorim Campos da, “ Direito ao Desenvolvimento”, são Paulo, Editora: Método, 2004, ISBN 85-86456-67, p. 93 “

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como parte do modelo de decisão, é de vital importância.

Com esta percepção, Celso Furtado (2000), assevera que “os modelos de decisão são instrumentos úteis no próprio processo de definição dos objectivos de uma política económica, porquanto podem indicar de forma previsora as consequências prováveis de decisões alternativas. Em outras palavras, eles introduzem um certo grau de racionalidade formal no arbítrio político.”55

No caso específico do turismo, a respectiva política, segundo Hall e Jankis, determina o que o governo decide fazer ou não fazer com respeito ao turismo. E, para Mill e Morrison a política do turismo fornece um conjunto de directrizes sobre quais os objectivos específicos e as acções que devem ser prosseguidas para a satisfação das necessidades particulares das áreas de desenvolvimento turístico em causa, ou seja que o turismo estabelece os objectivos específicos que o local destinatário pretende levar a cabo e os programas e estratégias a usar para alcançar tais objectivos.56

55 PEARCE, Philip L., MORRISON, Alaistair M. e Rutledge, Joy L., ob citada, pp. 311 e 31256 Cfr nº 1, do artigo 8, da Lei de Ordenamento do Território

Presidium do Seminário

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Dito de outro modo, a política de desenvolvimento do turismo deve fornecer pistas claras sobre o diagnóstico e o prognóstico desta actividade, particularmente no que respeita à afectação do principal recurso – a terra – à projecção arquitectónica e à gestão ambiental, ou seja, incorporando aspectos relacionados com o Ordenamento Territorial, Urbanismo e Ambiente, factores estratégicos para o desenvolvimento de um turismo sustentável.

No entanto, não se deve pensar que a necessidade de uma política ou plano de desenvolvimento turístico se dirige apenas a prevenir os impactos negativos ou efeitos indesejáveis. A verdade, porém, é que em matéria de previsibilidade a planificação é útil também com relação aos efeitos ou resultados positivos. Por exemplo, a política empresarial incluindo no ramo hoteleiro deve permitir a avaliação prévia do espaço de implantação, as suas exigências, os efeitos prováveis, o mercado em vista e as possibilidades de acesso a esse mercado, evitando prejuízos económicos que podem resultar de uma produção excessiva.

2.O regime jurídico moçambicano sobre o Ordenamento Territorial

A dinâmica do desenvolvimento socio-económico no nosso País, tornou evidente a necessidade de avançar para um sistema de gestão territorial mais ambicioso quer em termos de diversidade de instrumentos de gestão territorial previstos, em termos macro e micro, quer em termos de desconcentração e descentralização de competências.

Além dos instrumentos de política, o novo sistema inclui importantes instrumentos jurídicos que no seu conjunto estabelecem um regime jurídico claro, coerente e abrangente sobre o ordenamento territorial.

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Trata-se de um grande contributo no sistema de planeamento territorial, com visível impacto no desenvolvimento integrado e, no desenvolvimento do turismo, em particular. A Política de Ordenamento Territorial, aprovada pelo Governo, através da Resolução nº 18/2007, de 30 de Maio, constitui uma base de orientação na definição dos objectivos gerais, sobre o ordenamento territorial, visando assegurar a afectação racional do espaço físico e sua utilização sustentável. Neste âmbito, deu impulso à aprovação de outros importantes instrumentos designadamente:

- A Lei de Ordenamento do Território, Lei nº 19/2007, de 18 de Julho que, entre outros, cria nos termos da al a), do artigo 2, um quadro jurídico-legal do ordenamento do território, materializando, deste modo, não só a Política de Ordenamento Territorial, conforme referido na alínea b) do mesmo dispositivo legal mas também o dever do Estado de promover o quadro normativo sobre a urbanização que emana do nº1, do artigo 91 da Constituição da República. Aliás, para a concretização deste dever, o nº1, do artigo 6, da Lei em apreço, fixa a competência ao Estado e às Autarquias Locais para “ promover, orientar, coordenar e monitorizar de forma articulada o ordenamento do território, no âmbito das suas atribuições e das competências dos respectivos órgãos…”

- O Regulamento da Lei de Ordenamento do Território que, em concreto, estabelece “ o regime jurídico dos instrumentos de ordenamento territorial”, aplicável em “ todo o território nacional e regula as relações entre os diversos níveis de Administração Pública e destas com os demais sujeitos públicos e privados …”, conforme artigos 2 e 3, respectivamente.

Esta lei fixa as bases do sistema de gestão territorial a que se refere o artigo 1, um sistema que, entre outros, assenta sobre o princípio da sustentabilidade e valorização do espaço físico, da

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participação e consciencialização dos cidadãos, da precaução e prevenção de actos que possam perturbar o ambiente, da responsabilidade sobre aqueles que praticarem actos lesivos ao ambiente e da publicidade dos instrumentos de gestão territorial, conforme as alíneas a), b), d), c) e g), respectivamente.

Efectivamente, estes princípios que são materializados no âmbito do regulamento respectivo, constituem uma base de intervenção ex-ante e ex-post das entidades competentes na delimitação e afectação harmonizada sobre o espaço físico e protecção do ambiente, portanto, de orientações macros para a solução de problemas que possam ocorrer num determinado espaço físico.

No entanto, o mérito destes instrumentos não se restringe à orientação genérica e à fixação de procedimentos sobre como executar o ordenamento territorial, mas também à consagração de um sistema que além de aspectos gerais relativos ao âmbito, objectivos e conteúdos, fixa competências para cada nível de intervenção (nacional, provincial, distrital e autárquico),57 privilegiando a desconcentração, descentralização, preconiza participação pública e exprime a coerência entre os princípios orientadores da reforma pública e o sistema de gestão territorial, contribuindo para a formação de um modelo de desenvolvimento integrado.

O sistema ora consagrado, em matéria de ordenamento territorial, põe em relevo a salvaguardada de uma relação vertical e horizontal interactiva e de colaboração,58 havendo clareza quanto ao tipo de instrumentos a serem adoptados em cada um dos níveis, os procedimentos e os órgãos competentes para a sua aprovação, usando a técnica de zoneamento, uma das técnicas consideradas mais modernas no processo de planeamento territorial e obedecendo sempre aos instrumentos de nível superior, ou seja, projectando

57 Cfr nºs 2 e 3, do artigo 8 da Lei de Ordenamento do Território58 Cfr art 20, da Lei de Ordenamento Territorial

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uma pirâmide apta a garantir a coesão, a harmonia e a prevenção de conflitos.

De salientar que o sistema inclui a qualificação dos solos, as vicissitudes dos planos como a revisão, a alteração e a suspensão bem como as condições em que, excepcionalmente, poderá ocorrer a expropriação,59 assegurando um sistema de gestão territorial dinâmico e flexível.

3.Impacto da Legislação de ordenamento do Território sobre a actividade turística

Como ficou ressalvado, a entrada em vigor de legislação que estabelece o quadro jurídico sobre o ordenamento do Território constitui um dos mais ambiciosos projectos na história de planeamento territorial do nosso País e o seu impacto é imensurável não só ao nível da actividade turística como em todas as demais. Em alguns casos, a lacuna então existente acarretava algumas dificuldades ao nível da operacionalização da Política do Turismo e Estratégia da sua Implementação (PTEIM) porquanto mesmo prevendo esta a existência de um órgão de coordenação intersectorial colocava-se o problema de saber com que normas deveria operar, quem devia aprovar o quê e depois de ouvir a quem, etc.

A existência deste problema seria sempre uma ameaça ao sucesso da PTEIM e ao desenvolvimento sustentável do turismo. Com efeito, mesmo que a PTEIM identifique claramente os pólos de desenvolvimento (Áreas Prioritárias para o Investimento em Turismo – APTI´s), enquanto faltassem os instrumentos de regulação das questões de ordenamento territorial, haveria

59 Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal e Boavista que constituem o grupo do Bar-lavento e as de Ilhas de Maio, Santiago, Fogo e Bravia, integram o grupo de Sotavento, com uma zona económica exclusiva de 700 mil Km2

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dificuldade na configuração urbanística, de arquitectura e estética, das acessibilidades, infra-estruturas e equipamentos, e na definição da capacidade de carga dos locais de particular apetência para o desenvolvimento das diferentes actividades económicas. Em suma, implicaria estudos e soluções eventualmente sectoriais, contrariando a visão de uma planificação integrada. Contudo, não se pode ignorar o facto de muitos desses estudos terem exercido um papel importante, por exemplo, na consciencialização pública e na avaliação das necessidades gerais.

A título de exemplo, um trabalho realizado pelo Governo e que envolveu diferentes instituições do Estado, operadores turísticos e as comunidades locais, sobre o macro-zoneamento das praias da Barra, Tofo e Tofinho, em Inhambane, que culminou com o desenvolvimento do conceito de co-gestão proporcionou algumas lições que certamente contribuíram para uma melhor compreensão por parte de todos os intervenientes sobre as suas próprias responsabilidades. Assim:Em primeiro lugar, o processo permitiu entender que a preservação do ambiente interessa a todas as partes envolvidas – Estado, operadores turísticos e comunidades locais. Preservando o ambiente, assegura-se a protecção dos recursos naturais que constituem um dos mais preciosos capitais que a costa oferece. No entanto, dois problemas se levantam: (i) por um lado, a preservação do ambiente colide com o interesse das comunidades que dependem desses recursos (ii) por outro, a não observância das normas sobre o ambiente pode danificar afectar os recursos naturais de que o turismo se serve.

Em segundo lugar, o trabalho permitiu avaliar as necessidades ao nível das infra-estruturas como: sistema de esgotos ou de tratamento das águas residuais e de recolha de resíduos sólidos de modo a evitar que cada operador turístico tenha para o seu empreendimento um sistema independente e o depósito de

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resíduos em locais inadequados; capacidade de água subterrânea que previnam a insuficiência de água potável necessária para o abastecimento das estâncias turísticas, sobretudo as novas estâncias; sistema de comunicação (telefone fixo e móvel), transporte público, serviços bancários (por exemplo ATMs), entre outros.

Neste sentido, o processo de macro-zonamento na cidade de Inhambane permitiu o desenvolvimento e a assimilação do conceito de co-gestão das zonas costeiras reunindo várias sensibilidades bem como a promoção de pequenos projectos de desenvolvimento e actividades de sensibilização de todos os intervenientes.

4.Estudos de caso

Numa perspectiva comparada, verifica-se que a questão de ordenamento territorial é sempre um processo dinâmico e implica a participação de todos, não havendo entre os principais intervenientes quem deva eximir-se da responsabilidade.

Além disso, fica claro que o processo oferece vantagens na projecção das ligações, na inventariação dos recursos e das necessidades, projecção de ligações entre os diferentes sectores de actividade e na prevenção ou correcção de situações indesejáveis.

4.1. O caso Tróia: Requalificação de uma zona turística urbana

O caso refere-se a um projecto de urbanização com o objectivo de proceder à requalificação de uma zona turística, considerada estratégica para o desenvolvimento do turismo de qualidade, assente num modelo de gestão territorial integrada, denominado “Projecto de Urbanização do Núcleo Urbano da Península de Tróia.”

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A necessidade de elaboração de um novo Plano de Urbanização resultou da constatação da perda de atractividade e de competitividade da zona, associada à presença, no terreno, de (infra) estruturas inacabadas, degradadas ou mesmo abandonadas. O novo Plano de Urbanização destina-se a transformar o projecto inicial ajustando-o à actual realidade e conferindo à península um novo panorama, adequado à sua principal vocação – desenvolvimento de turismo – com a perspectiva de um turismo internacional alta qualidade.

O Plano de Urbanização baseou se num trabalho que envolveu não só a contratação de um investidor estratégico, mas também uma equipe técnica responsável pelos cuidados técnicos (urbanísticos e arquitectónicos) composto por vários especialistas entre projectistas, arquitectos, geógrafos, topógrafos, biólogos, juristas, economistas e engenheiros, tendo como objectivo principal a requalificação e reorientação do plano de desenvolvimento do turismo, de forma integrada.

4.1.O caso de Cabo Verde: Estratégia de Desenvolvimento do turismo

Cabo Verde é um arquipélago composto por várias Ilhas, 60 e com um clima tropical seco, pouca precipitação, escassez de energia, de recursos minerais, à excepção do basalto, um minério que usado na construção civil. Para reduzir a dependência do exterior, o Governo de Cabo Verde equacionou vários factores como a situação geográfica, o ambiente, o potencial humano e definiu o turismo como um dos sectores de eleição para o desenvolvimento económico, adoptando um plano que preconiza o desenvolvimento de Zonas de Desenvolvimento Turístico Integrado (ZDTIs) através de

60 Cfr. SERRÃO, José Manuel, “O Papel do Turismo no Desenvolvimento de Moçambique, in Actas do IV Congresso Internacional sobre Turismo Cultural, Lusofonia e Desenvolvimento”, Maputo, Edições ISPU, 2004, p. 96

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contratos de concessão que incluem estudos sobre o planeamento e desenvolvimento de infra-estruturas das referidas zonas e a promoção de investimento.

Comentário

Os dois casos de estudo demonstram a importância dos instrumentos de ordenamento territorial não só no momento inicial de planeamento como em qualquer altura, quando se mostre necessário e ainda que o seu papel não se limita a aspectos geofísicos, mas também de estratégia na definição do modelo de desenvolvimento de turismo e seu alinhamento com outras actividades, projecção da configuração arquitectónica e estética, das estruturas dos futuros empreendimentos, de modo a tornar o local num destino mais moderno, atractivo e competitivo.

III. AS PERSPECTIVAS DE CRESCIMENTO DO TURISMO NOS PMAS

1.As projecções de acordo com a OMT

Estudos da Organização Mundial do Turismo (OMT) projectam para até 2010, um futuro promissor para o Continente africano, embora a um nível aquém das suas reais potencialidades pelo que uma aposta neste sector pode trazer os mesmos resultados alcançados por países como Itália, França, Reino Unido, Espanha, Suíça e Portugal, para apenas citar alguns exemplos, os quais devem muito do seu desenvolvimento recente ao peso crescente que o turismo atingiu nestes países e onde actualmente o número anual de visitantes excede o número total de habitantes.61 Por isso, na perspectiva da OMT e não só, o turismo é um dos sectores de actividade económica que muito contribui para a formação do PIB mundial.

61 Cfr Organização Mundial do Turismo, “ Projecções 2020”.

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2.Obstáculos, desafios e estratégias

Actualmente o turismo lidera as exportações de serviços em pelo menos 24 dos 49 PMAS e, em pelo menos 7 daqueles, constitui a principal fonte de divisas. 62 Isto quer dizer que se as PP de turismo forem convenientemente concebidas e equacionadas nas estratégias globais de desenvolvimento pode-se atingir os objectivos de erradicação da pobreza e de integração desses países na economia mundial. No entanto, vários obstáculos se colocam podendo-se nomear os seguintes:

Em primeiro lugar: São as dificuldades conjunturais, próprias do grau de subdesenvolvimento destes países e que no âmbito do turismo se traduzem em (i) fraca capacidade de promover os produtos turísticos, sem a qual os turistas não poderão ter conhecimento das potencialidades que esses países possuem. Aliás, foi oportunamente apontada a importância do emprego de tecnologias que, entretanto, para os PMAs continua a ser um bem de luxo; (ii) Falta de capacidade para financiar a instalação de infra-estruturas básicas e equipamentos, com todas as implicações que daí resultam.

Relacionado com este último aspecto é, por exemplo, sintomática a informação estatística sobre a África Austral, região onde se situa Moçambique, indicando que o número de turistas que anualmente escalam a região é de 500.000 mas que a maioria tem como destino a África do Sul, em virtude das facilidades que a partir de Johannesburg este País oferece nomeadamente em termos de infra-estruturas, de transportes, comunicações e de alojamento. 63

62Cfr.SERRÃO, José Manuel, ob. citada, p. 9963 Ministério do Turismo, “Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Turismo 2004-2013”, pp.iii e v.

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Estudos da OMT denunciam o facto de o transporte aéreo que desempenha um papel preponderante no desenvolvimento do turismo, estar concentrado em muito poucos PMAs dos quais só o Bangladesh representa 25%.

Em segundo lugar: coloca-se o problema da dificuldade em desenvolver um turismo sustentável. Isto porque, muitos PMAs ou são pequenas ilhas ou têm como principal produto o turismo de praia. Em ambos os casos exige-se uma política ambiental e de ordenamento suficientemente eficaz e capaz de prevenir todos os males que podem resultar da má gestão das ilhas, além disso, para os PMAs situados em pequenas ilhas, não existe muitas alternativas de diversificação do produto e, consequentemente, torna-se difícil a expansão do turismo.

Em terceiro lugar: Releva a dificuldade que estes países têm de gerir a matéria dos chamados leankages e leakages implicando, respectivamente, a capacidade de estabelecer as ligações com outras indústrias e ou serviços de modo a impulsionar e influenciar a sua produção e, por via disso, criar capacidade interna de abastecimento à própria indústria turística e a capacidade de reduzir as importações e a dependência económica.

Actualmente os dez principais destinos turísticos em África são liderados pela África do Sul que, aliás, de acordo com a classificação internacional, não faz parte dos PMAs. Isto deve-se não só ao produto e serviços turísticos que este país pode oferecer mas à grande capacidade que tem de fazer leankages e de reduzir os leakages.

3.As perspectivas de desenvolvimento do turismo em Moçambique

Na sua condição de PMA Moçambique tem os mesmos obstáculos e pela frente os mesmos desafios que os restantes países

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do grupo. Contudo, o facto de a perspectiva mundial indicar que a taxa de crescimento do turismo internacional para a África Sub-sahariana ronda os 8.5%, portanto, superior a 4.1%, da taxa mundial é revelador de que o grupo vai registar crescimento, ainda que relativamente pequeno quando comparado com o de outros continentes.

No caso de Moçambique e não obstante a concorrência de vários países, por exemplo, com relação ao mercado português “como o Egipto, Marrocos, o Nordeste brasileiro, Cabo Verde, as Maldivas, as Maurícias, a Tanzânia e Cuba ”64, o turismo pode ser considerado um mercado emergente se tivermos em conta que o País conheceu, durante a guerra civil dos 16 anos, um acentuado declínio, vindo a ressurgir após a assinatura do Acordo Geral de Paz, assinalando uma tendência crescente e um contributo significativo na economia do País, em termos de investimentos, receitas, chegada de turistas e postos de emprego.

Evolução do turismo moçambicano65

Fonte: MITUR

64 Que nas projecções da OMT vai situar-se entre os primeiros 10 principais destinos turísticos, no ranking mundial, com uma taxa de crescimento situada, entre 2010 e 2020, em 9%.65 LEITÃO, João et all, “Dimensões Competitivas…”, Centro Atlântico Lda, Lisboa, 2008, p 33 e seguintes

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4. Os desafios da concorrência regional

Não obstante os dados acima, não se pode ignorar o facto de Moçambique enfrentar vários concorrentes em termos de mercado de chegadas internacionais, ou seja, dos destinos preferidos pelos turistas internacionais. Como consequência disso, o País situa-se, por enquanto, numa posição desvantajosa, não figurando sequer entre os oito países situados na região austral que liderados pela África do Sul, seguido do Botswana, Namíbia, Tanzânia, Zâmbia, Swazilândia, Zimbabwe e Lesotho representam os principais destinos turísticos da região. Moçambique sofre a concorrência directa de um grupo de países vizinhos que além da potência e vizinha África do Sul inclui Botswana, Zimbabwe e Tanzânia, a maioria dos quais fazem fronteira com o País e, além destes, Maurícias, Seychelles Thailândia e Maldivas que tendo mais ou menos produtos similares aos que Moçambique pode oferecer, encontram-se melhor posicionados. Com o nível de concorrência que enfrenta não restam dúvidas que o País deverá continuar com os esforços de promoção, sem descurar alguns factores determinantes nomeadamente: o planeamento territorial, a especialização em alguns produtos estratégicos que possam oferecer vantagens competitivas, a formação profissional, a gestão dos leankages e dos leakages e o investimento em infra-estruturas básicas e equipamentos.

5. A dependência relativamente a África do Sul

Moçambique é economicamente dependente da África do Sul. Uma parte considerável de importações moçambicanas é originária daquele país vizinho que, entre outras vantagens, beneficia de uma moeda relativamente forte. O Rand.

No âmbito do turismo, verifica-se também uma relativa dependência, pois, a maioria dos turistas que visitam Moçambique

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são provenientes da África do Sul e, por isso, geralmente usam como meio de transporte viatura própria e, consequentemente, podem transportar, à vontade, vários produtos que precisam consumir pelo tempo que durar a sua estadia no País. Por conseguinte, além de ser um dos principais países destinatários para os visitantes moçambicanos, é também o principal país emissor.

Neste âmbito, além do turismo em si que não poderá oferecer o número de emprego que em outras circunstâncias, eventualmente, poderia oferecer, nem o volume de receitas que se poderia esperar, os outros sectores como transportes, indústria ou comércio de produtos alimentares e mesmo o de hotelaria, dada a possibilidade de os turistas sul-africanos transportarem as suas próprias tendas e toda uma gama de mercadorias, não partilham das vantagens que no âmbito das leankages, normalmente se esperam do turismo.

6. Oportunidades para a redução da dependência

Apesar dos constrangimentos acima apontados, o turismo em Moçambique afigura-se uma alternativa viável de desenvolvimento e as perspectivas de crescimento são promissoras, conforme ficou ilustrado nos pontos anteriores.

A abundância e diversidade de recursos oferecem um conjunto de oportunidades de investimento em turismo, quer em termos de modelo de desenvolvimento adoptado quer em termos de instrumentos de política e de regulação vigentes, todavia, nem sempre convenientemente aproveitadas.

Isso mostra que a citada dependência não constitui nenhuma fatalidade e nem uma situação que perdure no tempo, quer porque as estratégias adoptadas para o sector identificam outros mercados e acções de marketing susceptíveis de conquistar e ou a consolidar esses mercados quer porque as estratégias adoptadas

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para os outros sectores como a indústria e o comércio, por exemplo, prevêem medidas que gizam o apoio à competitividade empresarial, o mesmo podendo dizer-se do sector agrícola cujas estratégias apontam para o mesmo fim.

Quer dizer, o alinhamento das políticas e estratégias sectoriais, concorrendo para o mesmo fim vai permitir uma maior ligação intra e intersectorial e uma maior competitividade das empresas e dos próprios sectores, incluindo o turismo.

6.1. Oportunidades no âmbito do modelo baseado no Distrito como Pólo de Desenvolvimento

Como se disse na primeira parte da presente comunicação ao Estado e, por via disso, ao Governo assiste o Direito ao desenvolvimento de que decorre o dever ou a responsabilidade de adoptar o modelo mais expedito para resolver os problemas da sociedade e suas preocupações.

Evidentemente que a escolha de um determinado modelo não é aleatório. Toma em consideração os objectivos, os fins e todo um conjunto de factores oportunamente referidos.Para o caso de Moçambique o Governo optou pelo modelo polarizado, tendo como epicentro o Distrito que, contrariamente ao modelo dos pólos de crescimento oferece a vantagem não só de “transmitir impulsos de crescimento”, conforme Perroux, citado por Aydalot (1986), mas também de “reduzir as disparidades regionais,” conforme Boudeville citado por Santos (1992)66.

Ora, o modelo de desenvolvimento baseado no Distrito como pólo de desenvolvimento tem, naturalmente, influência sobre o turismo. Com efeito, ao promover o distrito como centro de planificação e ponto de partida o Governo cria condições para que a mobilidade de factores como capital e mão-de-obra seja

66 Cfr artigo 17 do Código Comercial

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atraído para esse nível, dando oportunidade para investimentos turísticos com a consequente geração de receitas e emprego para as comunidades locais, assegurando igualmente a dinamização das áreas envolventes e das actividades conexas. Além disso, a perspectiva de investimento em infra-estruturas básicas como água, energia e estradas, entre outros, constitui um atractivo para novos investimentos, propiciando o desvio para o Distrito de investimentos que de outro modo ficariam concentrados nas grandes cidades.

Outrossim, a alocação do Orçamento de Investimento de Iniciativa Local, assegura formas de participação das comunidades em projectos turísticos qualquer que seja o domínio. Aliás, este fundo é reforçado, onde tal for aplicável, pela parte dos rendimentos obtidos na gestão das áreas de conservação, destinada às comunidades.

7. Turismo no desenvolvimento local e no combate à pobreza

Em Moçambique o turismo não está mais concentrado nas grandes cidades e nem apenas na zona litoral, como outrora, expandindo-se para a zona continental e ao longo do País. Neste sentido, a expansão do turismo responde ao modelo de desenvolvimento adoptado, oferecendo largas oportunidades e benefícios às comunidades locais, podendo citar-se, entre outros, os seguintes:

- Emprego em empreendimentos turísticos;

- Fornecimento de bens (hortícolas, fruta, mariscos, material de construção local, etc.) e serviços (serração e carpintaria, transporte, guias turísticos, entre outros), por via de:• Sector informal

• Projectos comunitários

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• Pequenas empresas

- Exploração de empreendimentos turísticos através de parcerias com investidores; - Receitas;- Venda directa aos turistas (produtos de artesanato, caju, amendoim, etc.);- Desenvolvimento de infra-estruturas e serviços locais;- Conservação e preservação dos recursos naturais;- Formação;- Mudança de atitude;- Participação na tomada de decisões.

7.1. Alinhamento com a reforma legislativa

7.1.1. No âmbito do Código Comercial

O Código Comercial constitui, entre vários, um dos mais ambiciosos projectos adoptados pelo Governo com impacto na actividade turística como, aliás, em qualquer outro sector de actividade económica. Ao introduzir, entre outros, a figura de pequeno empresário, em condições relativamente mais favoráveis67 e ao reconhecer o direito ao menor e a qualquer dos cônjuges de exercer a actividade empresarial68, coloca à disposição de todo e qualquer cidadão mecanismos de participação na actividade económica.

Neste contexto, o Governo pode apoiar este grupo nomeadamente, no fomento do turismo rural e instalação de pequenas unidades hoteleiras, através de programas, incentivos fiscais e formação específicos que a par do incentivo financeiro disponibilizado às comunidades, no quadro do orçamento para a iniciativa

67 Cfr artigos 11 e 12, do Código Comercial 68Draft do Relatório de Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação 2007

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de desenvolvimento local, possa impulsionar ainda mais as actividades dos pequenos empresários, dos menores ou das mulheres, nas áreas rurais. Refira-se que mesmo os jovens recém formados têm oportunidade de participar na formação de empresas, no âmbito das sociedades de capital e indústria, mesmo sem capital inicial, contando apenas com o seu conhecimento, pelo que podem no domínio da actividade turística participar em parceria com as comunidades e com os investidores.

2.2.2.No âmbito da legislação específica do turismo

- No domínio da hotelaria e restauração, a introdução de figuras como hotéis resorts, conjuntos turísticos, aldeamentos turísticos, quintas para fins turísticos, além de um sistema de classificação de estabelecimentos turísticos compatível com o sistema regional e internacional representa uma oportunidade para a diversificação de investimentos não só ao nível das categorias mais altas como em categorias acessíveis para o pequeno empresário e um mecanismo para estimular a competitividade empresarial;

- No âmbito de Exercício do Direito de Habitação Periódica que além dos operadores turísticos proprietários dos empreendimentos, os quais passam a dispor de mais um produto para oferecer, cria oportunidades nas actividades de construção civil, intermediação imobiliária, transportes, entre outros - Decreto nº 39/2007, de 24 de Agosto;

- No tocante à Animação Turística, o Governo introduziu um regulamento que assegura a profissionalização dos grupos musicais, de dança ou outros afins que podem resultar em benefícios reais para os empresários e para as comunidades locais – conforme Decreto nº 40/2007, de 24 de Agosto; - Em relação ao Transporte Turístico: Ao consagrar o acesso

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a um ramo de serviço especificamente virado para o apoio ao Turismo em todas as áreas de transporte, incluindo o uso de meios não convencionais, o Governo assegura o acesso a este ramo de actividade a todos os níveis, i-.e. incluindo o pequeno empresário, dando largas à sua imaginação pode, por exemplo, explorar os veículos fora do convencional para locais onde não seja possível o acesso por transporte comum – Decreto nº 41/2007, de 24 de Agosto.

Deve ressalvar-se que as oportunidades de investimento quer em razão do elevado potencial que o País detém quer em razão das políticas, estratégias e instrumentos jurídicos não são exclusivos do pequeno empresariado mas aproveitam também aos grandes investidores.

A acrescer a isso, o processo de reforma do sector público em marcha assente nos princípios de desconcentração e descentralização de competências, as iniciativas de remoção de barreiras administrativas, entre outros, são medidas de maior valência na mobilização de investimentos privados.

CONCLUSÕES

No início do presente estudo identifiquei como problema nuclear o de saber se vale a pena ou não apostar no Turismo como factor de desenvolvimento e, paralelamente, o de saber qual o impacto desta actividade no processo de desenvolvimento, em particular dos PMAs e, entre estes Moçambique. O estudo feito em torno destas questões permitiu chegar a várias conclusões, de que se destacam as seguintes: 1. O desenvolvimento constitui um direito -dever do Estado e o processo respectivo deve ser conduzido em ordem a alcançar o bem -estar social.

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2. Para os PMAS que sofrem o flagelo da pobreza ao mesmo tempo que enfrentam problemas estruturais que inviabilizam a opção de desenvolver actividades em sectores tradicionais, o turismo constitui uma alternativa viável face à sua capacidade de provocar um rápido crescimento económico, desde que observado o princípio de sustentabilidade sem, contudo, pôr em causa a sobrevivência das comunidades.

3. Moçambique tem largas oportunidades de desenvolvimento em turismo quer em virtude do enorme potencial em recursos naturais, cultura e história rica e diversificada, quer pelas oportunidades e facilidades de acesso à actividade económica em geral, associado ao modelo de desenvolvimento adoptado pelo Governo. Porém, o princípio de sustentabilidade deve nortear todos os processos para que a exploração dos recursos seja de forma racional e ambientalmente sã.

4. O actual regime jurídico sobre o ordenamento do território é de vital importância no processo não só para o sector do turismo como para as demais actividades e vai reforçar as medidas de desenvolvimento sustentável e integrado.

5. Na prática quer parecer que o processo de ordenamento territorial e designadamente a elaboração dos planos pode ser: - Directo, implicando que a entidade responsável proceda ao trabalho respectivo sem recurso a outras entidades. Esta modalidade implicaria que a entidade em causa tivesse ao seu serviço técnicos especializados em diferentes áreas, além de outros meios necessários (materiais e financeiros); - Indirecto, implicando que a entidade responsável: a) Contrate serviços de terceiros, ficando apenas com a responsabilidade de pagar o respectivo preço;

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b) Conceda o DUAT concedido a um investidor estratégico e com capacidade para proceder ao ordenamento, responsabilizando-se por todos os custos do processo inerentes. Esta modalidade tem a vantagem de não representar custos para o órgão competente, responsável pelo processo e de estimular o interesse do investidor assegurando que ele realize o trabalho com maior diligência. Porém, e apesar da proibição constitucional parece existir a possibilidade de o concessionário encontrar mecanismos de “alienação” do direito de uso e aproveitamento do espaço concedido.

c) Crie sociedades de desenvolvimento integrado com o capital integralmente subscrito pelo Estado através de empresas estatais, públicas ou outras entidades equiparadas mas, figurando como único sócio (Cfr nº 2, do artigo 332, do Código Comercial); d) Participe em Sociedades de desenvolvimento integrado constituídas pelos principais investidores estratégicos nomeadamente operadores turísticos, empresas imobiliárias, instituições financeiras, gabinetes especializados de estudos.

RECOMENDAÇÕES

De tudo quanto antecede e salvo melhor opinião, parece recomendável:

- Que o Governo continue a divulgar os instrumentos intensamente os instrumentos de política e de regulação do ordenamento territorial, incluindo através de parcerias nomeadamente, com as instituições de ensino superior relevantes e as associações económicas, entre outros:

- Que sejam revisitados as políticas e planos sectoriais, entre outros instrumentos, de modo a verificar a pertinência ou não de se proceder à sua revisão para melhor harmonização com os novos instrumentos;

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- O fomento do turismo rural e de pequenas unidades hoteleiras, através de programas, incentivos fiscais e formação específicos que a par do incentivo financeiro disponibilizado às comunidades, no quadro do Orçamento de Investimento de Iniciativa Local, possa impulsionar ainda mais as actividades dos pequenos empresários, dos menores ou das mulheres, nas áreas rurais; - Para assegurar maior contribuição do sector, na melhoria das condições de vida das populações, a institucionalização e regulação dos princípios de equidade e responsabilidade social em projectos de investimento, como sucede em outras legislações nomeadamente, ao nível do Código Comercial e, entre nós, no domínio do Regulamento sobre o Exercício do Direito de Habitação Periódica que prevêem aquele princípio, em sede dos projectos de investimento;

- O estreitamento da ligação entre o turismo e a base produtiva;

- A formação específica de quadros que a diferentes níveis (nacional, provincial, distrital, autárquico) lidam com aspectos relativos à gestão territorial);

- A (re) qualificação de áreas específicas usando o modelo que entre os vários possíveis se revele mais expedito, pouco complexo, menos oneroso e que sirva melhor o interesse público e assegure o princípio da propriedade do Estado sobre os bens de domínio público e sobre a terra (cfr nºs 1 e 2 do artigo 98 e nº 1, do artigo 109, ambos da CRM), salvaguardando a reserva de espaços nas zonas potencialmente turísticas, a projecção arquitectónica e estética dos empreendimentos a implantar nessas áreas e a harmonização das diferentes actividades, susceptíveis de tornar um destino turístico mais atractivo.

- Relativamente ao turismo costeiro, tal como sucede com o ecoturismo mostra-se recomendável legislação específica, dada a

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sensibilidade dos recursos aí existentes. Por tudo isto, à pergunta “Turismo”: vale a pena ou não? A minha resposta é afirmativa desde que observado o princípio da sustentabilidade, sem contudo, pôr em causa a sobrevivência humana.

PRINCIPAL BIBLIOGRAFIA

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Coimbra Editora, 2000 - FIGUEIRA, Luís Mota, “Reflexão sobre uma possível proposta de intervenção turístico-cultural”, in “Actas do IV Congresso Internacional sobre o Turismo Cultural, Lusofonia e Desenvolvimento”, Maputo, Edições ISPU, 2004 - FURTADO, CELSO, “Introdução ao Desenvolvimento: Enfoque Histórico-Estrutural, 3ª Edição revista pelo autor, Rio de Janeiro, Paz Terra, 2000 - HARRISON, David, “Tourism & Less Developed Countries”, England Chichester, John Wiley & Sons - HUMBOLDT, Universitãt Zu Berlin, SLE, “Gestão das Zonas Costeiras e Turismo: Contribuições para Redução da Pobreza, Transformação de Conflitos e Protecção de Meio Ambiente em Inhambane/Moçambique, Berlim, SLE, 2002, - MINISTÉRIO DO PLANO E FINANÇAS E UNIVERSIDADE DE PURDUE, “Relatório sobre a Segunda Avaliação Nacional de Pobreza, Bem-estar em Moçambique”, 2004 - MIRANDA, João, “A Dinâmica Jurídica do Planeamento Territorial (A alteração, a revisão e a suspensão dos planos), Coimbra, Editora, 2002, ISBN – 972 – 32 – 1124-6- NETHERLANDS, Development Organisation “SNV and Sustainable Tourism: Background Paper” - OLIVEIRA, Antônio Pereira, “Turismo e Desenvolvimento: Planejamento e

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Organização”, 3ª Edição revista e ampliada, São Paulo, Editora Atlas S.A., 2001 - PEARCE, Philip L., MORRISON, Alaistair M. e RUTLEDGE, Joy L. “Tourism Bridges Across Continents”, Irwin MacGraw-Hill, Australia, - PERROUX, François, “Ensaio sobre a Filosofia do Novo Desenvolvimento”, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001 - SALVATORE, Dominick, “Economia Internacional”, Rio de Janeiro, LTC Editora, Sexta Edição, 1998, - SANTOS, António Almeida, in “ Actas do IV Congresso internacional sobre o Turismo cultural, Lusofonia e Desenvolvimento”, Maputo, Edições ISPU, 2004 - SERRÃO, José Manuel, “O papel do turismo no desenvolvimento de Moçambique” in Actas do IV Congresso Internacional sobre o Turismo Cultural, Lusofonia e Desenvolvimento”, Maputo, Edições ISPU, 2004

Participantes do Seminário

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IMPACTO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO EM TURISMO: CONTINGÊNCIAS E ESTRATÉGIAS

(Comentário ao texto de Ana Comoana)Jorge Ferrão

Sua Excelência Senhor Presidente, muito obrigado pela oportunidade!

Senhores convidados,

Eu começaria por dar os meus parabéns a Doutora Ana Comoane pela apresentação e pela forma como ela aborda o tema turismo e pela forma igualmente como ela equaciona alguns elementos para análise que se ajustam a aquilo que são as realidades das actuais políticas vigentes. É verdade que o turismo é um elemento transversal, é um elemento sazonal e que desse modo habilita a qualquer um de nós emita juízos de valor sobre o desenvolvimento desse turismo. Portanto, nós partimos muitas vezes de uma análise de senso comum para chegar até a um campo de cientificidade quando pretendemos fazer as análises sobre o turismo.

Grosso modo, eu diria que três elementos principais nos são apresentados pela autora e que merecem alguma reflexão um pouco mais aprofundada. Em primeiro lugar, a autora defende a consideração de um paradigma de desenvolvimento que teria o turismo como um dos elementos chave sobretudo quando trata e aborda a questão dos serviços: que há exemplos no mundo de vários países que têm um PIB que se baseia em turismo. Mas ela aprofunda um pouco mais o conceito. Ela tenta transportar este turismo que nós temos no país também para o distrito. Associar aquilo que já é uma tendência internacional, sobretudo uma tendência nos países em desenvolvimento, e dizer: vamos quebrar este ciclo que temos de que o turismo só pode acontecer na cidade e acho que ele pode acontecer também nos distritos! Talvez repensar aqui aquele conceito

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dos distritos turísticos que em algum momento deslanchou, mas que depois, e por algumas razões, nós não demos continuidade.

Em segundo lugar, a autora também nos conduz a uma reflexão sobre o ordenamento territorial. E esta questão de ordenamento territorial é alguma coisa que por vezes com maior ou menor propriedade nós ouvimos em encontros, em reuniões pela imprensa etc., mas realmente nunca fomos a fundo para saber o que é que se pretende com esse reordenamento territorial. Porque ordenar significa olhar para as condições que estão criadas e determinar os objectivos que vão acontecer depois do ordenamento. Mas a forma como nós abordamos o ordenamento me parece um pouco conflituosa, porque não definimos os objectivos e, pior ainda, nós fazemos isso de uma forma muito segmentada: o turismo quer ordenar o território; o meio ambiente também quer; a indústria também deve querer; a agricultura também deve querer e cada um de nós quer ordenar este território.

Em terceiro lugar, acho que foi pertinente esta abordagem que fez em relação as precauções que devem ser tomadas em relação ao turismo, porque o turismo não é e não vai ser nunca apenas esta indústria de grandes benefícios. Nós precisamos de ser muito cautelosos com o turismo. Aliás temos exemplos no nosso país: falava-se nalguns momentos da Ponta d’Ouro: o caos que se instalou na Ponta d’Ouro em função das opções turísticas que foram feitas; temos também os exemplos do racismo nas praias – e agora começa a ter mais controlo; e etc.... os exemplos são vários.

A mestre Ana coloca aqui em evidência alguns exemplos do turismo insular e da forma como esse turismo insular por vezes é problemática. Eu achava até que a Mestre Ana iria abordar um pouco a questão do impacto do turismo vis a vis a estabilidade de determinados países como sejam o Quénia e o Zimbabwe mais recentemente, por conduzir-nos a pensar no Fidji, que a gente só conhece por nome e nunca terá oportunidade de ir, ou até Goa... é deveras complicado...

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Em último lugar, creio que ela coloca também um outro elemento que se calhar a gente não tem tanta sensibilidade para pensar nisso, mas é a questão de um turismo que é o chamado do turismo do spa – o turismo de saúde. E esse turismo de saúde durante muito tempo não foi um segmento de saúde como tal, mas hoje começa a ser um segmento significativo. E um dos exemplos mais peculiar desse exemplo de segmento de turismo de saúde é Cuba. É Cuba porque a gente chega a Cuba encontra milhares de americanos que aparentemente vão visitar Cuba e não vão visitar Cuba. Vão tratar dos dentes. Encontra milhares de canadianos que aparentemente vão visitar Cuba mas não vão visitar Cuba como tal e apenas Cuba. Vão tratar da sua vista, porque os planos de saúde são muito mais baratos em Cuba do que são nos seus próprios países. Portanto, é um segmento importante que de alguma forma precisa de ser repensada. E depois fala um pouco também desta contribuição do turismo doméstico para a divulgação da História e da Cultura do Povo; a valorização dessa cultura e como nós poderíamos resolver a questão da empregabilidade no campo usando o turismo.

Ao analisarmos esta questão do turismo, nós imediatamente assumimos que existe um substrato que é semelhante para todos os países em vias de desenvolvimento, ou países de baixo e médio rendimento – preferia usar essa designação. Porque os modelos que nós temos, as condições que nós temos são muitas vezes semelhantes e as contingências também nos são muito próprias. E naturalmente que isso exige políticas sociais e políticas públicas também muito peculiares e muito próprias. Não teremos como copiar modelos, importar fórmulas acabadas e assumir a funcionabilidade do turismo sem olhar para essas condições que são as condições reais.

Convenhamos que existem quatro elementos que são fundamentais – a Mestre Ana explora isso no seu trabalho e eu tive a oportunidade de ler com detalhe – e que tipificam o turismo e garantem a sua sustentabilidade nos nossos países.

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Em primeiro lugar os vários tipos de alojamento: os conjuntos turísticos e os meios complementares de alojamento. O que é que os nossos países oferecem para que a gente possa ser competitivo em termos de turismo.

Em segundo lugar, um sistema de transportes: os transportes aéreos, os transportes marítimos, fluviais, rodoviários, etc... Por vezes nem importa o meio, importa sim é que o transporte tem que ser cómodo, tem que ser seguro e tem que ser rápido.

Em terceiro lugar, o conjunto de atracções e a linha de produtos que o destino turístico proporciona: entre paisagens, entre praias, entre águas termais, montanhas, etc. e muitas vezes até a própria indústria, a própria fábrica. O Japão é perito nisso: cada uma das fábricas tem um lugar onde a gente pode caminhar e ver o trabalho que é realizado sem nunca entrar em contacto os profissionais que estão ali dentro e que acaba sendo uma forma de gerar receita para o país.

E finalmente, os serviços de apoio: talvez aquilo que é o problema mais complicado nos dias que correm no nosso turismo nacional. Portanto, esses serviços de apoio englobam todos os centros de informação, todo o turismo, convenhamos que a jusante.

E olhando para esses elementos, nós teríamos que olhar para o turismo como conjunto de responsabilidade partilhada. Não é possível ter o turismo que é apenas responsabilidade do sector A ou sector B ou sector C. Nós temos que partilhar responsabilidades quando falamos em turismo. Portanto, ao sector público cabe sempre essa responsabilidade de definir as políticas, regulamentar, propiciar atracção de investimentos e criar incentivos para investimentos, enquanto ao sector privado cabe então a responsabilidade por operacionalizar todos os outros elementos que fazem parte do turismo

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Mas eu gostaria também – eu acho que a mestre Ana Comoane talvez não tenha feito referência com profundidade a isso – mas retomar um pouco a cronologia do turismo em Moçambique. Então, nós antes de 75 iríamos olhar que o turismo nunca foi um sector de importância vital, de importância estratégica. Sempre foi um pequeno gabinete ligado a qualquer um outro órgão. No pós-75, uma vez mais o turismo não se constitui em si como um ponto fulcral, como um ponto estratégico, mas o turismo está clonado a determinadas instituições. Primeiro, a informação, e depois ao comércio, a indústria e só a oito, nove anos – mais ou menos – é que o turismo se torna autónomo. E o Ministério teve – o Governo de Moçambique teve – a sensatez e a visão de relançar a questão do turismo em Moçambique criando as facilidades para que esse turismo pudesse deslanchar e pudesse responder aquilo que são as demandas de todo um sector internacional. Então, eu queria poder levantar aqui uma questão básica: será que esta cronologia terá contribuído para influenciar em maior ou menor proporção, a propensão e a predisposição para se colocar o turismo como um sector vital na economia do país? Naturalmente teríamos que pensar nisso. Igualmente, diante desses cenários e de toda a evolução que se verificou ao nível do turismo no país, gostaria também de voltar a reequacionar a questão da discussão teórica sobre a validade e vitalidade do nosso sector do turismo: quais seriam as vertentes para as quais o sector poderia responder dentro da responsabilidade partilhada, aquilo que são as lacunas de carácter essencial que o nosso turismo oferece. E depois gostaria também de questionar e saber – não neste momento naturalmente, mas são questões para reflexão a posteriori – como é que as pessoas deste país realmente se beneficiam desse turismo. Uma coisa é teorizar sobre o turismo e ver as vantagens que o turismo oferece a nível de todos os outros países, até dos nossos vizinhos e saber aquilo que acontece connosco.

Recentemente foi lançado um estudo, um inquérito feito sobre o turismo em Moçambique, sobretudo as sobretudo as visitas internacionais. E se constatou que cada um dos turistas que vem a Moçambique gasta em média 52 dólares e passa 5 dias no máximo no país. Nós estaremos a

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falar em 258 dólares e temos em média cerca de 700 mil turistas por ano – são as estatísticas combinadas do Ministério do Turismo e do Instituto Nacional de Estatísticas. A Tanzânia e o Quénia por vezes têm um número relativamente inferior a esse, mas conseguem arrecadar para cima de um bilião de dólares derivado do turismo. Então, onde é que nós perdemos a competitividade na nossa oferta do produto turístico?

Eu gostaria de poder terminar e falar em investimentos. E quando se fala em investimento, fico sempre com sensação de que a forma como nós tratamos e cuidamos dos investidores – a forma institucional – é deveras problemática. Em 2006 visitou Moçambique um proeminente magnata britânico cujo nome é Richard Branson – certamente que muitos já deverão ter ouvido falar – proprietário da companhia de aviação Virgin Atlantic. Ele visitou a parte sul, o nosso litoral, a costa e no final ele teve um pequeno encontro connosco e dizia assim: “eu não vi produto turístico acabado ainda. Mas eu vi algo que eu posso vender a partir deste momento. São as vossas estrelas”. E eu dizia: “Não Richard Branson, não estou a entender: estrelas? O que é que está a dizer?” E ele disse: “Indo para qualquer uma das praias no sul de Moçambique, o senhor olha para o céu e vê todo o tipo de constelações, todo aquele o espaço celestial que tem todo o tipo de estrelas e isso por vezes não conseguimos em todos os locais. Portanto eu venderia este produto”. Bom em resposta eu disse: “eu não sei se o senhor teria sucesso nisso. Mas aquilo que eu gostaria de lhe propor é um modelo diferente daquele que o senhor conhece. Eu lhe queria propor que as nossas comunidades fossem os principais ou as principais accionistas do seu empreendimento, porque elas vão ter oportunidade de explicar qual é o significado de cada uma das estrelas que está no céu”. Bom, nós rimos e achamos que a conversa ficava. Mas dois, três meses depois ele mandou a sua equipa principal de assessores aqui para Moçambique e fizeram as primeiras propostas para montar um lodge de altíssimo nível – cinco, seis estrelas – na Ponta Bangalala e que iria fazer uma ligação aérea com os outros pontos resorts que ele possui no mundo. A verdade porém é que apesar de todos os esforços nós não conseguimos ainda convencer ao Richard Branson

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a vir para Moçambique. E esta presença teria efeitos multiplicadores importantes. Primeiro iria dar muita confiança a todos. Segundo iria trazer grandes cadeias de hotéis e também grandes agências de viagens porque é em resumo algo que nós ainda carecemos e padecemos e que faz com o nosso nível de receitas se situa apenas em 160, 135, 120, 115 milhões de dólares por ano e que a gente não consiga ultrapassar a fasquia dos 500 milhões.

Eu terminaria aqui talvez fazendo só uma última referência a um estudo que foi desenvolvido aqui no país, e que a mestre Ana participou, foi cúmplice desse estudo – e tem sido cúmplice de todas as políticas de turismo no país, ou temos sido, é isso que pretendo dizer doutora. Mas o FIA e o IFC fizeram um estudo em Moçambique em 2006 também e colocaram 5 elementos principais como sendo aqueles que impediam que a cadeia de valor do turismo atingisse a sua plenitude:

Então, a primeira questão que eles colocavam era a questão dos vistos e do acesso: porque a questão de ter um visto e precisar de... por vezes mesmo com a facilidade que existe em ter o visto no aeroporto, o tempo que se demora no aeroporto é deveras longo; E depois também colocaram a questão da abertura do espaço aéreo – e eu recentemente tive a oportunidade de ler que essa discussão voltou ao mainstreaming; Falaram também nas questões das Alfândegas; Um pouco na questão da terra e na questão dos processos da tramitação no país; O estudo nalgum lugar dizia olhamos um turista de 100 milhões da mesma forma como olhamos um turista de 10 mil dólares; E questionava o porquê de o país ter vizinhos como a África do Sul, como os outros membros da SADC e ter apenas um rácio de 2 turistas a cada 100 habitantes enquanto que em média os outros países estavam com um rácio de oito, nove, dez turistas a cada 100 habitantes...

Bom, eu gostaria de parabenizar uma vez mais a Mestre Ana pelo trabalho e agradecer também a vossa paciência para escutar esse pequeno debate e muito obrigado.

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PRESIDÊNCIA ABERTA E INCLUSIVA: O ESPAÇO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO

Comunicação apresentada por Sua Excelência, Armando Emílio Guebuza, Presidente da República de Moçambique, por ocasião do encerramento dos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República para o ano de 2008

Senhores Membros do Conselho de Ministros,

Distintos Convidados,

Minhas Senhoras e Meus Senhores.

É com muita satisfação e alegria que nos dirigimos a todos os presentes nesta sala, no culminar de mais um ciclo de seminários que o nosso Gabinete de Estudos na Presidência da República tem vindo a organizar. Tem sido estes seminários que permitem a nossa Governação recolher diferentes sensibilidades de peritos nacionais em diferentes matérias que as nossas políticas públicas têm vindo a lidar com elas.

Desde o início desta prática de seminários na Presidência da República, convergem neste espaço que pertence a todos e a cada um de nós, peritos nacionais que consubstanciam, a um outro nível, o acento tónico ao nosso princípio de privilegiar a Governação Aberta e Inclusiva, onde todos os moçambicanos têm espaço para exercerem o seu direito de participação sentindo-se, deste modo, agentes no processo do desenvolvimento deste País.

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

Tem sido estes nossos peritos que contribuem grandemente sobre a nossa percepção do percurso que estamos a trilhar na concepção e implementação das nossas políticas públicas, com um objectivo fundamental de servir cada vez melhor o nosso Povo. Neste seminário, assistimos ao lançamento da colectânea das comunicações apresentadas em 2007. Acreditamos que constituem instrumentos de análise e consulta disponíveis à comunidade académica, aos políticos e outros interessados sobre diferentes temáticas relacionadas com o processo da nossa governação.

Coincide este acto de lançamento, com o seminário sobre o Impacto das Políticas de Desenvolvimento em Turismo: Contingências e Estratégias. O turismo tem sido em muitos países, e queremos que no nosso também o seja, uma indústria de auto-rendimento, empregando milhares de cidadãos especializados em bem servir e tratar a pessoa humana. Para que isso seja possível, a formação de profissionais desta indústria, afigura-se indispensável para o seu sucesso. É uma indústria que pela sua natureza sobrevive quando devida e prudentemente ligada a outros sectores como sejam as esferas de produção, infra-estruturas, transporte, meio ambiente e segurança pública.

Queremos pois, manifestar o nosso profundo apreço ao Gabinete de Estudos, que tem sabido persistentemente organizar estes seminários, aos nossos peritos que tem tido o profissionalismo de, de forma criteriosa, trazer os pontos de vista da sua compreensão genuína sobre as matérias a que se lhes requer opinião. São estas contribuições que têm ajudado grandemente a enformar o nosso modelo de governação.

A terminar, gostaríamos de agradecer a todos os nossos concidadãos que com o seu saber trouxeram para o debate as suas comunicações durante o ano em curso, nomeadamente,

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• José Manuel Guambe• José Jaime Macuane• Jamisse Taimo• Rafael Waiene• Jaime Nicols• Hélder Gemo• Emílio Tostão• Ana Comoana• Jorge Ferrão• Mário Jessen

Aos painelistas, participantes e todos que de forma directa e indirecta têm contribuído para o sucesso destes seminários o nosso profundo agradecimento.

Muito obrigado pela vossa atenção!

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CONTRIBUIÇÃO PARA UMA ANÁLISE SOBRE OS DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO CRESCIMENTO ECONÓMICO

Marcelino Sales Lucas

I.INTRODUÇÃO

Relevância da Nota para Discussão

Como é do domínio geral, o conhecimento sempre teve um papel muito importante no desenvolvimento da sociedade, não obstante o facto de a sua valorização nos sistemas económicos ser relativamente recente. Com efeito, uma análise geral do Desenvolvimento Económico e Social da humanidade dá indicações de que uma das mais importantes diferenças da época actual em relação às precedentes assenta na geração organizada de conhecimento e nas formas de apropriação e utilização do mesmo, ganhando-se uma característica de “Economia apoiada no conhecimento”.

Uma análise do interessante tema “Desafios e Oportunidades da Ciência, Tecnologia e Inovação no Crescimento Económico”, não pode ser feita fora do contexto global que caracteriza a época em que vivemos, no qual o esforço do Governo de Moçambique se orienta para o Combate à Pobreza e se reconhece cada vez mais

a necessidade de interligar a acções das diferentes áreas e sectores, neste processo. Qualquer tentativa de acções isoladas definem por si resultados isolados e com reduzido impacto.

Intervenção de Marcelino Sales Lucas

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Ora, o presente tema remete-nos a distinguir particularmente dois momentos, por um lado os “Desafios e Oportunidades no Crescimento Económico” e por outro lado o “Papel da Ciência, Tecnologia e Inovação nesse Processo”. Entretanto, os dois momentos podem ser captados na medida em que uma discussão sobre o Papel da Ciência, Tecnologia e Inovação no Crescimento Económico só pode ser feita mediante uma identificação das barreiras e/ou oportunidades no processo.

No contexto em que se pretende a discussão é preciso notar que a questão relativamente aos desafios e oportunidades de Crescimento Económico, não tem como fim e objectivo último uma discussão teórica ou prática relativamente às formas de engendrar melhores níveis ou ritmos de Crescimento na sua generalidade. Pretende-se como fim último, a discussão do Crescimento Económico como uma base para o almejado Desenvolvimento Económico e Social, reconhecendo-o como uma condição necessária mas não suficiente. Assim, vai se dar o enfoque no Crescimento Económico sem perder de vista que o mesmo actua como um ponto de partida.

Estrutura das Notas

As notas que se apresentam não pretendem constituir uma discussão acabada do papel da Ciência, Tecnologia e Inovação no Crescimento Económico, mas sim estabelecer uma base de discussão sobre os horizontes, as perspectivas e as abordagens na política de estímulo ao crescimento e ao desenvolvimento da economia moçambicana explorando os desafios e oportunidades do Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação em Moçambique. Assim, apresenta-se a seguinte estrutura:

• Panorama Geral e Quadro Macro-económico;• Criação de Linhas Orientadoras: Estratégia de Ciência,

Tecnologia e Inovação de Moçambique (ECTIM);

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• Áreas Estratégicas;• Programas e Linhas de Projectos.• Criação de um Sistema Interligado de Coordenação;• Desafios, Perspectivas e Enfoque;• Bases de Operacionalização.

II. Panorama Geral e Quadro Macro-económico

Nos dias que se seguem tem sido frequente o desenvolvimento de debates relativamente ao papel da Ciência, Tecnologia e Inovação no Crescimento Económico das Nações. Vários estudos efectuados mostram a existência de uma correlação positiva entre os níveis de Crescimento Económico e os Investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação, não obstante reconhecer-se o papel de outras variáveis e a complexidade com que se determinam as suas relações.

Estes estudos na sua maioria argumentam que a criação de um Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação que suporte o desenvolvimento de Recursos Humanos orientado para as competências demandadas pela indústria bem como o estímulo à Pesquisa e ao Desenvolvimento podem melhorar o desempenho e a competitividade da indústria, e por consequência engendrar o Crescimento Económico, factor chave no combate à pobreza. Suporta-se este raciocínio na ideia de que o Crescimento Económico em cada fase depende da capacidade e das dinâmicas associadas a produção.

Entretanto, a capacidade produtiva – de entre vários factores – pode ser resultante (e basicamente determinado) pela combinação de competências dos Recursos Humanos (R.H) em responder às necessidades específicas, à técnica e base tecnológica utilizada em processos produtivos, à forma de organização e ligação dos sistemas produtivos, etc. Este conjunto de factores na sua generalidade (senão todos),

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são resultantes de investimentos e estímulos ao longo do tempo.

Se por um lado nota-se que o grupo das Nações com uma relativa estabilidade no que concerne aos níveis e ritmos de desenvolvimento apresentam como média de dotação de recursos (Produto interno Bruto – PIB) para Despesa Nacional Bruta de Investigação Científica (GERD) 2%, como é o caso da Suécia, do Canada, da Finlândia, dos Estados Unidos da América (EUA), da Dinamarca, da Alemanha, do Japão, entre outros, nota-se também que o grupo de países que regista um assinalável ritmo de crescimento como o Brasil, a China e a Índia mostram indícios de uma correlação positiva entre tais crescimentos e a despesa em Pesquisa e Desenvolvimento.

O movimento das Nações em desenvolvimento, em particular as localizadas na África Subsahariana, embarcam no mesmo diapasão mostrando sinais de um maior cometimento relativamente a alocação de parte da Produção Interna Bruta (PIB) para investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação. Em média, os níveis de GERD gravitam em torno de 0.51%, com uma tendência de crescimento para 1%, destacando-se Moçambique e África de Sul com 0.63% e 0.87%, respectivamente69.

Duas questões chaves se devem considerar: por um lado, temos os resultados dos estudos que tem sido divulgados (que mostram a correlação positiva entre o investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação e ritmos de crescimento económico) e, por outro, temos a tendência das Nações e Subsistemas a que Moçambique é parte integrante (caso da África Subsahariana, NEPAD, etc.).

69 Ver Carlos Nuno Castel Branco: metodologia de análise da agro-indústria;

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No actual cenário económico, aos dois pontos anteriores se acrescem os grandes desafios que o país enfrenta do ponto de vista dos estrangulamentos ainda existentes na base produtiva e a conjuntura macroeconómica internacional que aponta para um abrandamento do ritmo de crescimento da economia mundial, com dados previsionais a indicarem para 2008 e 2009, crescimentos em torno de 3.7%, sendo 1.25 pontos percentuais abaixo dos níveis de crescimento registados em 2007 (Cenário Fiscal de Médio Prazo 2009 – 2011). Este panorama mantém-se em economias emergentes e em desenvolvimento, indicando-se uma tendência de desaceleração no seu ritmo de crescimento em 0.2 pontos percentuais (Ibidem). Neste contexto, há uma necessidade de se fortificar as ligações entre a indústria e os resultados da Pesquisa e Desenvolvimento, no quadro da operacionalização da Estratégia de Ciência, Tecnologia e Inovação de Moçambique.A manter-se esta tendência de aspiral de recessão como resultado das perturbações no mercado imobiliário e financeiro (entretanto, com elevação dos níveis de exportações pelo efeito da redução da taxa de câmbio) e ainda as pressões da crise alimentar, a intervenção a todos os níveis e de forma interligada mostra-se cada vez mais

Participantes do Seminário

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necessária, para aumentar os níveis de eficiência alocativa dos recursos, chamando-se também à responsabilidade da Ciência, Tecnologia e Inovação. Assim, qualquer priorização do vector de acções da área da Ciência, Tecnologia e Inovação que tenha em vista o estímulo do Crescimento Económico, (re)definição de horizontes, perspectivas e abordagens na política do seu estímulo, por um lado, deve ter em conta este enquadramento macro-económico de médio prazo e os instrumentos de orientação de médio prazo para o desenvolvimento do sector, a Estratégia de Ciência, Tecnologia e Inovação de Moçambique e, por outro lado, deve sempre ter como foco o estabelecimento de ligações Inter e Intraindustriais. Portanto, os desafios e oportunidades da Ciência, Tecnologia e Inovação centram-se basicamente na criação de uma plataforma de coordenação de acções de forma a criar sinergias e evitar desperdícios no uso de recursos, potenciando as áreas estratégicas e prioritárias de desenvolvimento do país.

III.Criação de Linhas Orientadoras: Estratégia de Ciência Tecnologia e Inovação de Moçambique (ECTIM).

Um grande desafio que se enfrenta na sistematização de acções prende-se com o estabelecimento de uma plataforma comum de processos de Planificação, Monitoria e Avaliação das tendências do sector. No caso da Ciência, Tecnologia e Inovação, a priorização das acções do Sector com vista ao estímulo à produção e produtividade encontram-se alinhadas na Estratégia da Ciência, Tecnologia e Inovação de Moçambique (ECTIM), um instrumento de médio prazo, com horizonte de 10 anos, flexível bienalmente.

A ECTIM tem por objectivo o estabelecimento de um quadro conducente à realização dos objectivos estratégicos e programas

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que promovam o desenvolvimento de um sistema articulado de Ciência, Tecnologia e Inovação com ligações e impacto perceptível ao nível da Indústria Nacional. Assim, com a ECTIM se estabelece uma visão sobre o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação no Crescimento Económico e a melhoria de vida dos moçambicanos.

É preciso considerar que a escassez dos recursos disponíveis requer que as actividades de Ciência, Tecnologia e Inovação sejam orientadas para as áreas e os sectores onde o potencial do impacto directo e indirecto seja maior e com maior interligação entre a Pesquisa e Desenvolvimento e a Indústria.

As análises disponíveis sobre os sucessos e fraquezas da economia, sociedade moçambicana e da sua relação com a Ciência, Tecnologia e Inovação permitem conhecermos as ameaças, os desafios e as oportunidades existentes e, assim, identificar as Áreas Estratégicas para o desenvolvimento do país no seu todo, destacando-se:

• Desenvolvimento dos Recursos Humanos; Agricultura, Educação, Saúde, Energia, Ciências Marinhas e Pescas; Construção; Água; e Recursos Minerais;

No contexto, de uma visão harmoniosa e sustentável de desenvolvimento, foram identificados os Assuntos Estratégicos Transversais que, pela sua natureza, podem ter um impacto directo ou indirecto na dinâmica das áreas estratégicas, funcionando como alavancas facilitadoras e promotoras da competitividade, a ter em conta no âmbito de uma Estratégia de Ciência, Tecnologia e Inovação. Portanto, o desenvolvimento sustentado das áreas estratégicas só terá lugar se simultaneamente se der atenção aos seguintes Assuntos Estratégicos Transversais:• Ciências Sociais e Humanas, Culturais; Sustentabilidade

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Ambiental; Etnobotânica; Equidade de Género e HIV/SIDA.

Destaca-se ainda a necessidade de se potenciar e impulsionar a produtividade das áreas estratégicas através do desenvolvimento de áreas facilitadoras de importância estratégica como o caso do Desenvolvimento do Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e Biotecnologia.

IV.Criação de um Sistema Interligado de Coordenação.

A criação de um Sistema interligado de Coordenação para o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação e a sua contribuição para o desenvolvimento sócio-económico do país, requerem a existência de um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação adequado às necessidades e características do país compatível, articulado, funcional e orientado para a harmonização de objectivos, abordagens e procedimentos, adoptados pelos intervenientes.

Um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação forte e efectivo requer determinação, apoio e cometimento do Governo no que respeita à formulação e gestão de políticas apropriadas, promovendo-se sinergias nas acções dos diferentes actores. Assim, é necessário que se tomem em conta os seguintes aspectos:

(1) A formulação de objectivos e prioridades coerentes e que perspectivam soluções que definem o desenvolvimento socio-económico de curto, médio e longo prazo;

(2) Uma correcta identificação dos principais actores do Sistema e o estabelecimento de laços baseados no princípio de ganhos mútuos, com um envolvimento de todas as partes nos processos de priorização, planificação, monitoria e avaliação efectiva;

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(3) A criação de competências no capital humano, compatíveis com os objectivos e as prioridades;

(4) O desenvolvimento de infra-estrutura base e capaz de suportar as necessidades de desenvolvimento e interligações do sistema;

(5) A fortificação da plataforma de gestão do sistema de financiamento a Pesquisa e Desenvolvimento, tendo em vista a redução dos desperdícios dos recursos; e

(6) Desenvolvimento do espírito de partilha de resultados da Pesquisa e Desenvolvimento e transferência do conhecimento às comunidades.

O funcionamento do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação deve ser orientado numa expressão sectorial, territorial e institucional. É necessário que em cada nível existam todos os actores do processo interligados, trabalhando numa base comum de dinamização de processos produtivos. O desenvolvimento da Pesquisa e Desenvolvimento não pode se centrar nem focalizar apenas em um estágio ou etapa, seja ela da produção ou da transformação industrial. É necessário captar a cadeia de processos, produtos, serviços e relações laborais (cadeia PPSL) de toda a base produtiva. Por exemplo, do ponto de vista da gestão da estratégia e políticas para a agro-indústria, sejam elas públicas ou empresariais, é irrelevante classificar as actividades como agrícolas, industriais, financeiras, transportes, comércio, etc. e procurar focalizar a Pesquisa e Desenvolvimento em cada uma das actividades, pois, esta classificação segmentada e tradicional, fornece uma visão menos absorvedora de sinergias na produção do conhecimento.70

A questão central seria focalizar-se na Pesquisa e Desenvolvimento interligada em toda cadeia de produtos (da matéria-prima ao produto final); de processos (de produção, 70 Coerência paradigmática, congruência teórica e operacionalidade política.

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comércio, transporte, financiamento, controle de qualidade, standardização; de competição e colaboração entre produtores, fornecedores e consumidores em cada etapa do processo; etc.); de serviços (extensão agrícola, extensão industrial, armazenagem e marketing, etc.); e de relações laborais de modo a absorver e usar conhecimentos afins produzidos, mediante a partilha de resultados intermédios de uso comuns.

A simples existência de dispositivos legais, estímulos ou indutores sem garantia de acompanhamento em outros processos não garante por si o surgimento de ligações com os restantes produtos, processos e serviços da cadeia, sendo portanto necessário pensar-se e redefinir-se a integração e interligação dos mesmos. Ora, esta posição não significa necessariamente que as acções se possam desenvolver de forma imediata e ao mesmo ritmo em toda a cadeia. É necessário, sim, que haja consciência sobre as interligações que devem ocorrer a cada passo que é dado. Portanto, na criação de instrumentos facilitadores do desenvolvimento da Pesquisa e Desenvolvimento como o Fundo Nacional de Investigação, Academia de Ciências, etc., o sistema de administração e priorização de acções deve ser inclusivo e consciente de que os seus benefícios só são plausíveis mediante a existência de consciência da necessidade de interligação das cadeias e processos por parte dos seus gestores, beneficiários, entre outros.

Portanto, o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação deve ser um conjunto de interligações de organizações, pesquisadores, investigadores, indutores, gestores e utilizadores com uma perspectiva sistémica bem estabelecida e ligações de actividades com vista a criar sinergias geradoras de maior eficiência, eficácia e efectividade produtiva, e as políticas e instrumentos legais e metodológicos que o habilitam e regulam. São parte do sistema as instituições e organizações do Sector Público e Privado (desde Centros, Institutos, Laboratórios, Estações) que

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desenvolvem actividades de Pesquisa e Desenvolvimento até Empresas, Indústrias, Organizações Não Governamentais e de Base Comunitária ligadas a actividades produtivas, de estímulo à inovação ou transferência de conhecimento. Assim, pode encontrar-se a seguinte composição:• Organizações que criam novo conhecimento através de

Pesquisa e Desenvolvimento (Unidades universitárias de pesquisa, Institutos de pesquisa, centros, estações e laboratórios, companhias do sector privado que fazem Pesquisa e Desenvolvimento, frequentemente relacionada a um produto ou processo),

• Instituições que desenvolvem recursos humanos com perícias em Ciência, Tecnologia e Inovação (Universidades públicas e privadas);

• Instituições de financiamento (fundos de pesquisa e expansão de produtos e serviços e ainda fundos de capital de risco de iniciação de actividades);

• Instituições que facilitam a criação e o crescimento de companhias baseadas em inovação (Parques de ciência, Incubadoras);

• Ministérios (MCT, MEC, etc.), Conselhos Científicos Temáticos, Academia de Ciência, Organizações Não Governamentais (ONGs), Organizações de Base Comunitária (OBCs), Sistema Nativo de Conhecimento (SNC), entre outros.

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Figura 9-1: Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia de Moçambique

Pode verificar-se que a figura por um lado apresenta apenas três blocos em cada conjunto como simplificação da realidade (na realidade podem estar constituídos por uma infinidade dos mesmos ) e por outro, somente alguns tipos de instituições do sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação são representados, podendo fazer-se a extensão em função das dinâmicas e mutações do mercado.As linhas entre os blocos representam as relações entre as diferentes instituições. A natureza destas relações pode variar, dependendo do tipo de instituições nelas envolvidas. Assim, o que as linhas representam inclui informação, coordenação, relações reguladoras e de cooperação que podem ser expressas através de regulamentos do governo, memorandos de entendimento formal, participação em reuniões conjuntas e comités, ou relações informais entre indivíduos. O sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação deveria também ser entendido como, incluindo políticas e estruturas administrativas que o habilitam e regulam.

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V.Desafios, Perspectivas e Enfoque

Os pilares de um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação assentam nas funções de pesquisa que produzem novo conhecimento, tanto para resolver problemas concretos que requeiram soluções inerentes à pesquisa local, como para a aquisição de tecnologias existentes e a sua adaptação para uso local. No caso de Moçambique, a Pesquisa e Desenvolvimento na sua generalidade está relacionada com as universidades. No entanto, na sua maioria as Universidades tendem a realizar pesquisas básicas, enquanto que as instituições de investigação concentram o seu esforço na pesquisa aplicada que tenha potenciais benefícios para um ou mais sectores.

A Ciência, Tecnologia e Inovação na perspectiva da presente discussão apresentam-se como um vector a partir do qual se pode engendrar um crescimento económico assinalável, com papel inter-relacionado entre as instituições, havendo um investimento real que vise o alinhamento do seu desenvolvimento com uma clara e directa correlação com as demandas da indústria. Assim, é necessário o desenvolvimento de um modelo de desenvolvimento da Pesquisa e Desenvolvimento que envolva três frentes de acção estratégica, como se pode ver na figura que se segue:

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Figura 3.1: A Relação entre a Ciência e a TecnologiaHá necessidade de se garantir uma relação recíproca entre a Ciência e a Tecnologia, a partir de uma busca e geração de conhecimento em parte tendo em vista ou sendo induzida por problemas práticos do desenvolvimento da sociedade. Neste processo gera-se conhecimento e formas da sua aplicação real, portanto, a tecnologia apropriada como se destaca com a seta marcada com 1.

A relação entre a Ciência e Tecnologia também se estabelece com a indução da formação do conhecimento a partir da visualização da aplicabilidade das tecnologias em uso (seja por tornar-se obsoleta ao longo do tempo ou por outra razão). Este movimento complementar da tecnologia para a ciência é destacado pela seta marcada com 2. Em geral, haverá um ciclo contínuo envolvendo a renovação das intervenções baseadas na tecnologia através da produção de novos conhecimentos através da pesquisa.

Uma questão que se mostra relevante é a definição das frentes de acção estratégica também visualizadas no figura apresentada, destacando-se a interligação existente entre as três secções de cada triângulo, como se segue:

• A base do triângulo representa a geração de pesquisa e tecnologia aplicada e adaptável, que leva ao melhoramento da produção e do bem-estar da população. O uso da base para representar esta frente indica que uma grande proporção dos recursos e das soluções tecnológicas do governo e dos seus parceiros dirigir-se-ão aos pobres e aos grupos mais vulneráveis tais como agricultores de subsistência, mulheres, velhos e jovens que constituem a maioria da população. Os agentes a este nível são as instituições de pesquisa, as instituições de ensino superior e outros agentes envolvidos

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em actividades de desenvolvimento. Espera-se que a pesquisa nesta frente, seja de natureza multidisciplinar e que faça a máxima utilização do conhecimento e tecnologias pré-fabricadas adaptando-as às condições locais. A maioria das áreas sectoriais estratégicas devêm-se encontrar nesta parte do triângulo.

• A secção média do triângulo representa a pesquisa relevante para a educação incluindo a melhoria da sua qualidade, bem como para a criação da capacidade de inovação através, por exemplo, da criação de ligações entre o pessoal académico de pesquisa, a indústria e as incubadoras de negócios tecnológicos. O objectivo é criar a capacidade de criação da prosperidade nacional através da criação de novas e apropriadas tecnologias pelos empresários e através do encorajamento da transferência de tecnologia. As instituições de ensino superior desempenharão um papel importante nesta frente, assim como as instituições dirigidas para a inovação e criação de micro, pequenas e médias empresas comercialmente viáveis. As áreas das questões estratégicas transversais podem ser encontradas nesta parte do triângulo.

Há duas setas verticais, uma apontando a partir da secção média até à secção do topo e outra apontando para baixo a partir da secção média para a secção inferior. Estas duas setas mostram que a pesquisa e a educação realizadas ao nível da secção média são essenciais para a secção superior (Frontier research – pesquisa de ponta) e para a secção inferior (áreas de actuação de base, grass roots).

• O topo do triângulo representa a pesquisa de ponta. Participando activamente nesta área, Moçambique estabelecerá um lugar por si só na arena da ciência global e da tecnologia. Esta frente promoverá os interesses nacionais

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numa perspectiva do melhoramento competitivo, uma soberania nacional e uma segurança nacional.

O sucesso das duas primeiras frentes de acção requer que a capacidade institucional do MCT seja fortalecida a vários níveis da gestão e administração da ciência e tecnologia para assegurar a sustentabilidade dos processos em termos de planificação, implementação, monitoria e avaliação. Além disso, o MCT vai promover o estabelecimento de centros de excelência de ciência e tecnologia em todo o país, em parceria com os ministérios responsáveis relevantes. Isto servirá para identificar problemas de desenvolvimento, para disseminar resultados relevantes de pesquisa e para implementar soluções apropriadas baseadas na tecnologia para benefício dos utilizadores finais.

A terceira frente de acção diz respeito à promoção da pesquisa de ponta. Em geral, o retorno financeiro deste tipo de pesquisa pode não ser visível a curto prazo, pelo que a avaliação dessa pesquisa deve basear-se numa perspectiva a longo prazo. A frente de pesquisa, na maior parte dos casos requer um grande investimento em comparação com a pesquisa aplicada direccionada para a resolução de problemas imediatos da maioria da população. O MCT está consciente disso e só promoverá essa actividade quando for possível. No entanto, é importante avaliar as opções numa perspectiva estratégica, com base na:

• Visão de Moçambique no que respeita à sua posição na ciência e tecnologia na região e no mundo;

• Capacidade de Moçambique em investir mais no desenvolvimento dos recursos humanos em áreas altamente especializadas, que nas outras estratégicas para o desenvolvimento.

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Face ao cenário e organização anteriormente apresentado, ao MCT cabe a responsabilidade de exercer três papéis primários: (1) formular políticas para o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia, (2) monitorar o desempenho de toda a investigação científica realizada pelo sector público, e (3) coordenar as actividades relacionadas com a Ciência e Tecnologia desenvolvidas pelo sector público. Portanto, ao nível programático o MCT deve assumir a sua função de gestão, coordenando os processos de planificação, acompanhamento, monitoria e avaliação de programas como forma de garantir a criação de sinergias, entretanto, só se pode colher bons resultados com o envolvimento e cometimento de todas as partes constituintes. Assim, deve encorajar-se a parceria com todos os sectores sejam público ou privado, estabelecendo-se programas ou projectos de colaboração conjuntamente apoiados por ambos os sectores.Nos países desenvolvidos, as instituições públicas incluindo as Universidades e os Institutos de Pesquisa recebem da Indústria e de outras fontes privadas uma parte significativa (até mais de metade) dos seus investimentos para a pesquisa de projectos conjuntos. De forma complementar, as agências de financiamento encorajam muitas vezes a colaboração entre a indústria e as universidades ou os institutos de pesquisa através de mecanismos de financiamento especialmente concebidos através de doações e créditos de alto risco.As parcerias entre as instituições públicas e privadas podem melhorar muito o benefício social e económico da pesquisa universitária. Os projectos de pesquisa aplicada precisam de parceiros internacionais que possam beneficiar dos resultados da pesquisa. As universidades beneficiam não só do aumento de financiamento, mas também de mais projectos direccionados, com objectivos, orçamentos e prazos claramente definidos. Os estudantes beneficiam ganhando familiaridade com as necessidades da indústria e o seu envolvimento em tais projectos oferece-lhes bons canais de recrutamento para o emprego nas

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empresas participantes e desenvolvimento de competências em função das demandas do mercado. Neste processo, as pequenas e médias empresas que não podem ter o pessoal e instalações próprias para pesquisa têm possibilidades de acesso às instalações de Pesquisa e Desenvolvimento permitindo-lhes continuar competitivas. Através de iniciativas publicamente financiadas, as empresas são encorajadas a realizar Pesquisa e Desenvolvimento que sem esse financiamento seria considerado muito arriscado. Para o sector privado, a parceria com as universidades e as instituições públicas de pesquisa dá acesso às últimas tecnologias, ao pool de conhecimento e ao recrutamento de pessoal qualificado. Por isso, é necessário introduzir medidas que estimulem o sector privado a realizar pesquisa em parceria com as instituições académicas.A simples disponibilização das infra-estruturas de pesquisa nas universidades e PMEs não é suficiente para lhe suportar o desenvolvimento, mostra-se necessário estimular e apoiar a criação de instalações que interliguem as suas actividades nas diversas regiões do país, e, para sectores prioritários acessíveis às PMEs. Essas instalações precisam ser dotadas quer de infra-estruturas para a Pesquisa e Desenvolvimento, quer de pessoal especializado.

VI.Bases de Operacionalização

Num contexto de melhoria dos níveis de eficiência e eficácia produtiva a Ciência e Tecnologia assumem-se cada vez mais como o veículo, impulso e catalizador da produção, crescimento e desenvolvimento sustentável, combatendo a dispersão, duplicação e multiplicação de acções com menor impacto sócio económico e orientando-se para a melhoria do desempenho do sector produtivo através da criação de uma plataforma de maximização da exploração dos efeitos sinergéticos e multiplicadores.

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A contenção dos efeitos estruturais da actual crise económica pressupõe a criação de uma base produtiva com fortes ligações económicas, capazes de gerar uma plena utilização dos recursos ao longo das diferentes cadeias produtivas, maximizando deste modo a base de alavancagem social. Define-se assim, como prioridade, o desenvolvimento de um Sistema e Infra-estrutura de Ciência, Tecnologia e Inovação que facilite as ligações entre actividades económicas, produtivas e científicas e a penetração da Ciência, Tecnologia e Inovação nas áreas prioritárias da economia.

É neste diapasão que o Governo Moçambicano desenvolve um conjunto de programas que visam essencialmente a integração do papel da Ciência, Tecnologia e Inovação nas dinâmicas económicas e sociais, aproximando cada vez a actividade de produção e geração do conhecimento, transferência de tecnologias. De entre vários programas que têm em vista o estímulo de processos geradores de actividades com impacto no sector produtivo, ao longo das diferentes cadeias de valor, destacam-se:• Programa de Promoção de Inovações em Moçambique;• Desenvolvimento do Sistema de Indicadores de Ciência,

Tecnologia e Inovação;• Programa de Divulgação de Resultados de Pesquisa e

Desenvolvimento;• Programa para disseminação de Técnicas de Construção

usando Material Local;• Programa Nacional de Protecção e valorização do

conhecimento indígena;• Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos no

Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (PDRH);• Programa de Desenvolvimento de Incubadoras;• Programa Moçambique Tecnológico;• Programa de Identificação e Desenvolvimento do Cientista

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Moçambicano do Amanhã;• Programa de Desenvolvimento de Centros de Pesquisa e

Desenvolvimento;• Programa Nacional de Biotecnologia;• Promoção do uso das TICs.

A combinação destes programas, no cômputo geral, tem em vista a formação de uma base inicial capaz de responder aos desafios que o país enfrenta actualmente e engendrar processos geradores de efeitos multiplicadores na economia. Actualmente o desenvolvimento das nações encontra-se muito ligado a inovações no sector produtivo o que faz com que os esforços do sector se direccionem no estímulo à inovação.

O estímulo à inovação apresenta a larga vantagem de criar novas dinâmicas e reorientar as dinâmicas às necessidades e capacidades reais. Assim, o Governo Moçambicano através do “Programa Inovador Moçambicano”, assegura a identificação e acompanhamento das inovações e inovadores de Moçambique, promovendo ainda a transferência do conhecimento a outros sistemas produtivos. Este programa é interligado e orientado pelos resultados da monitoria dos indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação produzidos a partir do Programa do “Desenvolvimento do Sistema de Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação”.

De referir ainda que o programa referido anteriormente constitui também a principal plataforma de monitoria dos avanços no Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, reorientando assim, os esforços de desenvolvimento técnico científico e por consequência, o produtivo.

Os resultados das pesquisas realizadas bem como dos processos inovadores, possuem grandes efeitos nas dinâmicas sociais a medida que o conhecimento resultante é partilhado e

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transferido para as comunidades. Neste contexto, o “Programa de Divulgação de Resultados de Pesquisa e Desenvolvimento” cria a base de partilha do conhecimento gerado, alargando a base de beneficiários do mesmo e ainda criando maior estímulo a Investigação e Inovação.

Os processos de divulgação de técnicas e resultados da investigação pode ser ilustrado também a partir de desenvolvimento de programas específicos, como o caso do “Programa para disseminação de Técnicas de Construção usando Material Local”. A chave para a redução da pobreza é a aplicação do conhecimento, não só pelos que detém recursos e influência sobre os processos produtivos, mas também pelas comunidades reféns na aspiral da pobreza. É do reconhecimento do governo moçambicano, que o estímulo a geração do conhecimento produtivo pressupõe de entre várias questões a sua valorização e protecção, tendo para o efeito se desenvolvido o “Programa Nacional de Protecção e Valorização do conhecimento indígena”.

A criação de dinâmicas e ligações económicas estimuladas pela geração do conhecimento, inovação e transferência de tecnologias pressupõe a existência de capacidade humana tanto para a sua criação, bem como para a absorção da mesma. Sendo assim, a criação de um ambiente propício para a criação de capacidade e absorção de conhecimento pressupõe o desenvolvimento de um movimento nacional de formação e capacitação dos quadros ligados ao sector produtivo.Ora, as prioridades nacionais estão crucialmente dependentes da formação e retenção da massa científica e engenheiros. Embora tenha havido um rápido crescimento no número de estudantes nos últimos anos, de modo geral e dentro das disciplinas da ciências e engenharias, para uma população do tamanho da de Moçambique, o número total de estudantes no ensino superior é ainda muito exíguo.

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Os estudantes universitários são atraídos para a área de ciências sociais e humanas em detrimento das engenharias e ciências naturais, em parte devido à fraca qualidade da educação nessa área nos níveis primário e secundário, mas também por causa da falta de demanda de engenheiros e cientistas. Portanto, a estratégia para aumentar o número de estudantes na ciências naturais e engenharias deve encontrar um equilíbrio correcto entre a oferta e a demanda. Para tal, o Governo desenvolve o “Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (PDRH)” e ainda o “Programa de Identificação e Desenvolvimento do Cientista Moçambicano do Amanhã”.

O “Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (PDRH)”, combinado com o mapeamento e monitoria dos Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação orienta a formação dos Recursos Humanos no sistema para as reais necessidades e prioridades do país. Esta formação é ainda desenvolvida no sector real a partir de estabelecimento de programas específicos como o caso do “Programa de Desenvolvimento de Incubadoras Tecnológicas”, assegurando a aprendizagem no campo real e de forma interactiva.

A compreensão e utilização das abordagens científicas básicas e a replicação das soluções comprovadas e funcionais podem melhorar muito a solução dos problemas e a tomada de decisões. O desafio do Governo Moçambicano neste domínio centra-se na identificação de catalizadores de produção de conhecimento produtivo para e pelas comunidades e a criação dos Centros de Pesquisa no âmbito do “Programa de Desenvolvimento de Centros de Pesquisa e Desenvolvimento”.

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A retenção de docentes universitários e investigadores pode ser difícil devido a pacotes de compensação atractivos oferecidos fora do ramo educacional. Aqueles que são conferidos o grau de Doutoramento (PhD) tende entrar para postos de governação e carreiras mais atractivas. Uma carreira na educação pode ser atractiva através de programas de colaboração a longo termo com universidades internacionais e instituições de investigação que oferecem oportunidades para estudos e investigação mais avançados.

A qualidade da educação em ciências, matemáticas e TICs nas escolas secundárias requer uma melhoria drástica. Os laboratórios apresentam ainda uma qualidade longe das necessidades para que estes possam prosseguir com cursos de ciências naturais e engenharias no nível superior de educação. O acesso a computadores e a Internet é inadequado. Existe défice de professores para as ciências e matemáticas e muitos dos professores actuais não estão adequadamente qualificados. Assim, torna-se necessário:• promover a educação a nível dos jovens em áreas de ciências

, tecnologia e TICs.• Aumentar (duplicar, triplicar??) o número de graduados com

grau em C&T.• Estabelecer programas de educação para mulheres em áreas

das ciências, engenharias e tecnologia. [aumentar a proporção de mulheres graduadas em C&T para um 1/3??]

• Estabelecer programas de colaboração entre Universidades Moçambicanas e instituições de educação e investigação internacionais.

Fora das iniciativas anteriormente apresentadas pode referir-se ainda a fortificação das seguintes iniciativas chaves:

• A reorganização das actuais instituições da Ciência, Tecnologia e Inovação num Sistema Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação que irá racionalizar e sistematizar as instituições de

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investigação, fazedoras de políticas e sistemas de incentivos, preparando-os para que estes avaliem a natureza e a dimensão que a ECTIM exige para redução da pobreza, avaliar a actual oferta (recursos humanos, capacidade de investigação, mecanismos de difusão, diagnóstico de estrangulamentos institucionais e físicos, estabelecer objectivos e prioridades claros, planificar e implementar programas e acções, e monitorar e avaliar os objectivos e programas).

• A agenda nacional de investigação providenciará uma planta de programas sistemático e transparente, legítimo e consensual, resultante de um debate entre os parceiros da ECTI, o público, o sector privado e a sociedade civil.

• Rede integrada de investigação, incluindo a estrutura nacional de investigação dos vários ministérios e agencias, as instituições de ensino superior, e as estruturas de suporte e coordenação no MCT e suas agências e fundos.

• Cooperação regional e outra em ciência e tecnologia com potencial benefício para o país e a região.

• Empresariado e iniciativas incubadoras a todos os níveis e áreas da sociedade – tecnológico, cultural, social e agrícola – irão providenciar uma nova mobilização que levará Moçambique adiante a uma estratégia de redução da pobreza mais sustentável e a um próximo nível de crescimento económico;

• Estabelecer programas de bolsas em Ciência, Tecnologia e Inovação - Estes programas irão ter como alvo o aumento do número de graduados em Ciência, Tecnologia e Inovação, com particular ênfases para mulheres. Programas de bolsas, especificamente para os graus avançados, serão também estabelecidos;

• Criar centros de excelência de Ciência, Tecnologia e Inovação em universidades seleccionadas - Financiamento será providenciado para a criação de poucos centros de excelência que irão atrair os melhores investigadores e graduados. Os

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centros de excelência irão focalizar suas actividades em ciências e tecnologias que sejam relevantes para a promoção das prioridades de desenvolvimento nacional;

• Reforçar a capacidade e infra-estruturas da Ciência, Tecnologia e Inovação no sistema de educação K-12 - Programas serão estabelecidos para melhorar os laboratórios de ciências e providenciar acesso a computadores e Internet nas escolas secundárias. Mais ainda, serviços de formação de professores a nível interno serão estabelecidos de modo a elevar as qualificações de professores de matemática e ciências;

• Estabelecer relações de colaboração com instituições de educação e investigação internacionais - Estes programas irão ajudar a reter professores de Ciência, Tecnologia e Inovação e investigadores através da oferta de oportunidades para que estes possam avançar com os seus estudos e actividades de investigação.

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A ERA DA CIÊNCIA E TÉCNICA OU A ERA DO CONHECIMENTO?

(Comentário ao texto de Marcelino Sales Lucas)Américo Muchanga

Muito obrigado. Com a permissão de Sua Excelência o Presidente da República passo a ler os meus comentários sobre a apresentação feita pelo Dr. Marcelino Lucas, com o tema “Papel da Ciência, Tecnologia e Inovação no Desenvolvimento Socio-económico Local”. Mas antes de abordar as questões do mérito ou não desta apresentação permitam-me que partilhem convosco as minhas cogitações sobre este tema de ciência e tecnologia. Para isso, começo por colocar algumas perguntas.

Porquê uma aparente corrida para a ciência e tecnologia para o desenvolvimento?

Porquê é que o mundo está quase que convencido que apenas a ciência e a tecnologia pode aumentar a competitividade das pessoas e dos países e daí aumentar os rendimentos?

E porquê é que dizemos que estamos agora numa fase de economia de conhecimento?

Porquê é que vários países africanos, apesar de possuírem enormes recursos naturais não conseguem acelerar os seus processos de desenvolvimento económico e social?

Estas são algumas das perguntas Intervenção de Américo Muchanga

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que me fui fazendo, quando tentei raciocinar sobre o tema que nos é apresentado pelo nosso orador.

Ao tentar buscar as respostas as questões que me coloquei comecei por tentar entender o que era de facto a ciência e para isso socorri me do livro do Alan Chalmers com o título “What is this thing called Science?” Onde ele diz que a “ciência é uma estrutura que é construída na base de factos”. Uma definição muito simples para um assunto complexo. Mas não vou alongar-me na análise desta definição e das suas implicações, porque o tema que o orador nos traz refere-se mais a aplicação da Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento.

Para ilustrar o facto de que estamos numa economia de conhecimento basta vermos que em 2001 das 50 maiores empresas em termos de valor de mercado, apenas a Exxon Mobil e Chevron eram empresas que comercializavam produtos que podemos designar de riquezas natural o petróleo. As restantes empresas são empresas na área de tecnologias de informação e comunicação, farmacêutica, biotecnologia, comunicações, que vendem produtos que estão bastante em cima na cadeia de valor, i.e, produtos com um teor de conhecimento bastante alto. Destas 10 empresas eram empresas de informática como a Microsoft, IBM, Intel, Cisco, Oracle, Dell, Texas Instruments, HP e Sun Microsystems. Mesmo com a recente crise económica, nenhuma destas empresas está a mostrar indícios de fragilidade que indiquem a necessidade de intervenção do estado em termos de apoio financeiro.

Para responder a terceira questão socorri-me do Livro do Harry Stephan et al com o título “The Scramble for África in the 21st Century”. Este livro ilustra o facto de que riquezas naturais pertencem aquilo que ele classifica de primeira dinastia e argumenta que se elas forem exploradas sem nenhum acréscimo de valor, que só a ciência e tecnologia permite, eles não produzem valor suficiente para alavancar o crescimento económico e aumentar a competitividade dos países. Os produtos naturais, com poucas excepções, na sua forma bruta tem

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muito pouco valor, mas quando são processado podem aumentar o seu valor.

Que papel pode ter então a ciência e tecnologia?

A ciência e tecnologia pode aumentar a produtividade fazendo com que um hectare em vez de render 100 Kg de castanha de cajú possa render 3 toneladas.

A ciência e tecnologia pode fazer com que uma país que tem cheias, no verão e seca no inverno, possa ter água para irrigação e produzir todo o ano.

A ciência e tecnologia pode fazer com que países com climas rigorosos como invernos bastante frios possam produzir, por exemplo tomate, durante todo o ano em estufas.

A ciência e tecnologia pode fazer com que as árvores de fruta em vez de levarem 4 anos para darem fruta o façam em apenas 1 ano.

A ciência e a técnica pode permitir que cereais não sejam atacados por pragas.

A ciência pode aumentar o aproveitamento de produtos, por exemplo, o cajueiro facilmente e sem muita ciência nos dá o sumo, aguardente e amêndoa. Através da ciência podemos expandir o leque de produtos derivados do caju extraindo deste óleos, produtos químicos, aumentando desta maneira o valor da cajú.

Porquê então a corrida para a ciência, tecnologia e inovação?

É porque a ciência transforma e aumenta o valor dos recursos, naturais

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ou artificiais, fazendo com que do pouco se possa criar muito. É como se do nada pudéssemos criar muito, como se tentássemos desafiar a Lei de conservação de massa, vulgarmente conhecida por Lei de Lavoisier que diz “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo transforma-se”.

A ciência pode transformar nações sem muitos recursos naturais em potências económicas, e por outro lado, o fraco domínio ou exploração da ciência e tecnologia explica porquê países com enormes recursos naturais não tenham um ritmo acelerado de desenvolvimento económico.

É daqui que surge a relevância do tema apresentado pelo Orador. Este tema tem muita relevância, especialmente neste momento em que se acredita que o conhecimento é o recurso mais importante que o mundo tem, o conhecimento, não sendo natural, pode ser criado por qualquer nação. Não há indicações de que ele seja genético ou dependa do clima, localização geográfica, raça, cor, etnia. Depende apenas do cérebro e do esforço de transformação e adaptação que este for sujeito.

Sem pretender ser filosófico, cada um de nós quando nasce, é uma mina potencial de conhecimento, basta sabermos investir nela para extrairmos vários produtos preciosos. Talvez aumente a nossa auto-estima saber que temos nas nossas cabeças ouro, diamante, petróleo.

O tema apresentado reveste-se ainda de maior importância sobretudo se tivermos em conta o facto de que o Governo reconhecendo o valor estratégico da ciência e tecnologia desenvolveu uma estratégia nacional de ciência, tecnologia e inovação e vários instrumentos para fomentar e valorizar a ciência e a tecnologia.

O orador aborda de forma adequada os avanços alcançados a nível nacional em termos de criação de bases para o desenvolvimento de Ciência, Tecnologia e Inovação, as instituições que participam no processo de desenvolvimento e extensão tais como universidades,

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centros de investigação e a necessidade de fomentar o gosto pela ciência e tecnologia e finalmente refere-se a áreas prioritárias na estratégia nacional de ciência e tecnologia que coincidem com as áreas prioritárias do PARPA, nomeadamente, a saúde, agricultura, energia, águas, pescas, recursos minerais e os assuntos transversais como tecnologias de informação e comunicação, biotecnologia, etno-botânica, ambiente e HIV/SIDA.

Há dois elementos muito importantes do tema apresentado que gostaria de ressalvar:

1.Que a ciência e tecnologia é algo transversal e que todas as áreas económicas e sociais podem ter o beneficio da ciência, tecnologia e inovação.

2.Que a ciência e tecnologia para o seu desenvolvimento requer uma acção deliberada e o envolvimento do Governo.

Reflexões para o debate

As áreas apresentadas como sendo prioritárias apesar de serem várias são importantes e todas tem o potencial de poderem beneficiar da ciência, tecnologia e inovação, eu gostaria contudo de convidar o orador a aprofundar a sua reflexão no que diz respeito aquilo que devemos fazer nalgumas destas áreas em termos de utilização da Ciência, Tecnologia e Inovação para acelerar o desenvolvimento.

Gostaria também de referir que aplicação da Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento, sobretudo pelo carácter transversal da ciência e Tecnologia requer a participação de muitas áreas no processo, por exemplo eu posso desenvolver com recurso a informática um portal que permita vender um produto turístico, por exemplo férias em Vilanculos.

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Posso permitir que o potencial turista possa ver a beleza natural do local e fazer a reserva do hotel, mas para ele poder visitar o local, precisa ainda de fazer a aplicação para o visto, reserva do transporte aéreo e de superfície; o que pressupõe que a migração e as empresas do transporte aéreo devem ser envolvidas.

Se eu não criar facilidades de ele poder completar o processo com muita facilidade posso reduzir o valor da facilidade de reserva do hotel, que o portal permite. Portanto, a aplicação da ciência e tecnologia para trazer uma vantagem competitiva para o país pressupõe que todas as áreas necessárias estejam envolvidas e avancem em bloco para alcançar-se os resultados desejados.

Devíamos reflectir, se como país, queremos competir na produção do conhecimento, ou queremos implementar o conhecimento já existente para o rápido desenvolvimento dos sectores, inovando sempre que possível e necessário.

Devemos privilegiar o desenvolvimento da ciência e tecnologia que ajuda a resolver os nossos problemas, ou queremos desenvolver ciência e tecnologia para exportar e sermos competitivos a nível global?

Queremos desenvolver a ciência e técnica apenas nas áreas em que Moçambique pelo seu posicionamento geográfico, ou pelas suas riquezas naturais tem uma vantagem competitiva? São algumas áreas de reflexão necessárias pelo facto de que como pais não temos muitos recursos para nos envolvermos em todas as áreas científicas e tecnológicas.

Finalmente, gostaria de acrescentar que os países que alcançaram avanços significativos no desenvolvimento da ciência são aqueles que investiram fortemente na educação e investigação, que desenvolveram estratégias para ciência, tecnologia e inovação, mas fundamentalmente

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aplicaram-se de uma maneira rigorosa na implementação da estratégia.

A ciência e a tecnologia não podem ser entendidas apenas como uma coisa de investigadores nas Universidades ou centros de investigação, pelo que termino por congratular a Presidência da República por incluir um tema destes para o debate e reflexão porque o desenvolvimento é um caminho longo e complexo e todos somos responsáveis pelo nosso futuro.

Muito Obrigado!

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EFICÁCIA DA AJUDA AO DESENVOLVIMENTO E O CONTEXTO DE MOÇAMBIQUE: DESAFIOS E OPORTUNIDADES

Sérgio Mathe

“O que aconteceria se os governos dos países africanos, um por um, recebessem cada um uma chamada telefónica informando que em cinco anos as torneiras da ajuda se fechariam permanentemente?” Dambisa Moyo em “Dead Aid: Why aid is not working in Africa and how there is another way for Africa”, 2009

“A riqueza do mundo desenvolvido, o vasto manancial de conhecimento científico torna o fim da pobreza até 2025 uma possibilidade real” Jeffrey Sachs em “The end of poverty: how can we make it happen in our life time”, 2005

Introdução e contextualização

Estes dois autores, um zambiano e outro norte-americano, são personalidades incontornáveis nas suas áreas de investigação e com larga experiência teórica e prática em gestão de desenvolvimento, divergem na sua consideração sobre utilidade da ajuda ao desenvolvimento. A autora da Zâmbia considera que a ajuda é perniciosa e que o mal da contínua pobreza reside na má governação dos Governos africanos e que, portanto a ajuda deve cessar por ser parte do problema e não da solução. Por seu turno, Sachs considerado pelo jornal The New York Times como “provavelmente o mais importante economista do mundo” e o “pai dos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM/MDGs)”, vê a solução do fim da pobreza no compromisso reiterado do mundo rico em multiplicar os fluxos de ajuda ao mundo em desenvolvimento daí pregando pela expressão da vontade política dos países desenvolvidos para que a pobreza acabe até 2025.

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Ainda que interessantes do ponto de vista de debate ideológico militante, as visões expressas não nos conduzem a uma abordagem pragmática e necessária sobre o que se passa concretamente na “indústria da ajuda” nos países desenvolvidos e na governação dos fluxos de ajuda nos países em desenvolvimento. Ou seja, interessa-nos neste debate, do ponto de vista teleológico, abordar a questão da eficácia da ajuda presentemente recebida e como tornar os sistemas mais condutivos à sustentabilidade da ajuda, em particular em Moçambique.

Ou por outra, consideramos mais útil desenvolver uma abordagem normativa que preste a necessária atenção à operacionalidade política da nossa pesquisa (e não mero exercício académico) ou seja atribuir um carácter sistémico à sua força normativa71.

E consideramos fértil o momento para embarcarmos para essa discussão no caso de Moçambique por quatro razões nos contextos nacional e internacional: (i) Inequívoco compromisso da comunidade internacional expresso na Declaração de Paris sobre Eficácia da Ajuda (2005) e do subsequente Plano de Acção de Accra (2008) no sentido de melhorar a qualidade da ajuda e a torná-la mais relevante para os países parceiros; (ii) Irreversível aumento da qualidade da interlocução entre os parceiros de cooperação nos dois lados do espectro revelando uma maior abertura e franqueza na abordagem dos problemas e busca de soluções mutuamente vinculativas; (iii) compromisso de Moçambique pela reforma e reforço das instituições públicas envolvidas na gestão da ajuda e na boa governação de forma geral; e (iv) forte cometimento do Governo para liderar a agenda do desenvolvimento como parte integrante da promoção da auto-estima.

71Coerência paradigmática, congruência teórica e operacionalidade política

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Neste contexto, animam-nos três objectivos: o primeiro é trazer uma contribuição empírica à discussão sobre eficácia da ajuda em Moçambique analisando a racionalidade dos vários sistemas, o modus operandi e dos vários intervenientes na cadeia da ajuda e as dinâmicas entre os agentes e os intermediários da concessão da ajuda; o segundo é oferecer uma contribuição teórica tentando integrar questões de motivações da ajuda ao desenvolvimento, sua gestão por diferentes actores e avaliar como a ajuda pode atingir o telos de ser um elemento complementar na erradicação da pobreza; o terceiro tem um manto meta-teórico uma vez que busca iniciar uma discussão preliminar sobre como compreender as condições que permitam que os estudos sobre eficácia da ajuda tenham um papel mais relevante nos processos políticos e diplomáticos ligados ao debate e praxis sobre a erradicação da pobreza.

Em termos de considerações metodológicas, pretende-se adoptar uma análise crítica e interpretativa que assenta numa medida de normatividade, a força dinâmica que subjaz nesta peça analítica que nos propomos desenvolver nos próximos capítulos.

I.DEFINIÇÃO, EVOLUÇÃO DA AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO E O CONTEXTO MOÇAMBICANO

1.Definição da Ajuda Pública ao Desenvolvimento

De acordo com a definição do Comité de Assistência ao Desenvolvimento (CAD), organismo da Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento (OCDE), formada em 1960 por governos dos países doadores para coordenar e promover a sua ajuda, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD

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ou Official Development Assistance – ODA - na terminologia inglesa) consiste de fluxos providenciadas por agências oficiais (incluindo o Estado e governos locais) ou pelas suas agências executivas para os países em desenvolvimento e instituições multilaterais. As transacções devem respeitar os critérios seguintes: (i) serem administradas com o objectivo principal de promoção do desenvolvimento económico e bem-estar dos países em desenvolvimento, e (ii) terem um carácter concessional e conter um elemento de donativo de no mínimo 25%.

Entretanto, a definição sofreu várias evoluções interpretativas de forma a incluir novas realidades que se foram impondo. Por exemplo, para tomar em conta os custos da gestão da ajuda, a elegibilidade de mais países como beneficiários de ajuda (em particular da Europa do Leste) após a queda do muro de Berlim em 1989, a conversão da China, Brasil e Índia em países considerados “doadores emergentes”; em alguns casos, não sem controvérsia, o perdão da dívida passou a ser incluído na Ajuda Pública ao Desenvolvimento72.

Outra questão que permanece não resolvida é a definição da ajuda concedida pelas Organizações Não (Neo)-Governamentais (ONGs) numa altura em que cresce a sua importância e cada vez mais usam fundos da ajuda para financiar actividades ligadas à publicitação das suas actividades nos seus próprios países ou por exemplo em empréstimos em projectos de micro crédito.

Permanecem, assim, várias zonas de penumbra em relação à definição da Ajuda Pública ao Desenvolvimento. De uma simples pesquisa na internet constatamos que o termo “ajuda externa” é usado grandemente como sinónimo de “ajuda ao desenvolvimento” e “assistência ao desenvolvimento” enquanto

72 De 2004 para 2005, a OCDE registou um aumento da Ajuda Pública ao Desenvolvimento de cerca de 27 biliões de Dólares) dos quais 23 biliões de Dólares (85%) constituíam perdão da dívida e não nova ajuda.

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em outros casos “ajuda externa” é definida simultaneamente como desenvolvimento e ajuda de emergência. Outras tentativas de definições mais oportunistas assimilam as receitas dos emigrantes à categoria de ajuda externa. Ora, desde 1997, as remessas de emigrantes para os países em desenvolvimento têm excedido os fluxos da Ajuda Pública ao Desenvolvimento chegando a atingir o dobro em 2004/2005.

Para efeitos da nossa peça, adoptaremos uma definição tal como adoptada pelo OCDE, nomeadamente ajuda ao desenvolvimento e para emergência providenciada por doadores oficiais/públicos.

2.Evolução da Ajuda Pública ao Desenvolvimento

Pode parecer surpreendente que até aos primórdios dos anos 70, o tema da pobreza (sua erradicação ou alívio) não é mencionado nos debates sobre ajuda e desenvolvimento. Pearson, uma figura de proa na matéria, no primeiro grande Relatório sobre ajuda e desenvolvimento, em que formula a questão “porque a ajuda?” segue nesse diapasão73. Porque? Uma das razões tem a ver com o facto de que, embora o conhecimento sobre pobreza em termos gerais existisse, poucas análises haviam sido feitas para aferir a incidência, localização, causas da persistente pobreza ou sua superação.

Entretanto, a partir do primeiro quinquénio da década 70, por influência de instituições como o Banco Mundial e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), os governos dos países desenvolvidos operam um salto paradigmático na forma como concebem a ajuda o desenvolvimento. Por exemplo, o Governo dos Estados Unidos da América (EUA) muda a finalidade da sua ajuda de promoção do crescimento para a satisfação de “necessidades humanas básicas”; e em 1975,

73 Pearson, L. (1969), Partners in Development: Report of the Comission on International Development (New York: Praeger Publishers)

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o Governo do Reino Unido produz uma Política de Ajuda denominado “A Mudança de Ênfase das Políticas de Ajuda: Mais Ajuda para os mais Pobres”74.

É a partir da adopção deste tipo de abordagem que os Governos passam a focalizar a sua ajuda em sectores específicos em particular na área social (educação, saúde e água) com a finalidade de obter um impacto mais efectivo sobre as populações.

À medida que a ajuda passa a concentrar-se sobre sectores específicos que demandam um manancial de conhecimentos técnicos para conceber, implementar e monitorar os respectivos projectos começamos a assistir o despontar da “indústria da ajuda”, em particular a proeminência da assistência técnica e do complexo sistema de gestão da ajuda.

A euforia em relação à superioridade moral e política deste paradigma é coroado pela adopção oficial pela Assembleia Geral das Nações Unidas da meta de Ajuda Pública ao Desenvolvimento em 0.7% do Rendimento Nacional Bruto a alcançar até 197575. Entretanto, os anos 80 trazem a dura realidade do início da tendência da diminuição da Ajuda Pública ao Desenvolvimento em termos reais num contexto de crise económica (estagflação = alta inflação e recessão) nos países industrializados e ascensão do credo neoliberal (diminuição da presença do Estado na economia, redução dos impostos directos para promover a rápida expansão do sector privado). Isto teria como consequências, inter alia, a entrada no léxico da ajuda e do desenvolvimento da expressão “ajustamento estrutural” prenunciando a ascensão do credo das condicionalidades da ajuda. Assim, os países em desenvolvimento passam a ser “encorajados” a abrirem os seus mercados, privatizarem os bens estatais, adoptarem um regime

74 Ministry of Overseas Development, 197575 APD quadruplicou de 6.8 biliões de Dólares em 1970 para 27 biliões em 1980.

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comercial liberal como um quid pro quo para a recepção da ajuda.

É neste contexto que se elabora o segundo grande Relatório sobre ajuda e desenvolvimento publicado em 1980 pela Comissão Independente sobre Assuntos de Desenvolvimento Internacional (Norte-Sul: Um Programa para Sobrevivência), mais conhecido por Relatório Brandt (seu Presidente e ex-Chanceler Alemão). O Relatório difunde a ideia de que ajudar os pobres nos países em desenvolvimento responde ao auto-interesse do mundo desenvolvido. Mantendo coerência do brado de Pearson no primeiro Relatório, Brandt apela à duplicação da Ajuda Pública ao Desenvolvimento até 0.7% em 1985 e 1% em 1990. Nada disto se veio a verificar e, ao contrário, a ajuda contraiu!

Perante este sinal de alarme, ressurge a partir dos anos 9076 o debate sobre o papel da ajuda no mundo pós-Guerra Fria e o discurso da pobreza (seu alívio) é ressuscitado. Neste contexto, os países doadores mobilizam-se para reiterar compromissos de aumentar os fluxos de ajuda.

O Banco Mundial, por seu turno, e respondendo ao contexto produz em 2000, um Relatório intitulado “Atacando a Pobreza” no qual reitera que a ajuda é necessária como contributo a uma estratégia integrada de desenvolvimento baseada na criação de capacidades, reforço institucional e melhoria da governação77. E, helas, 20 anos depois, o Estado é visto como o novo credo como elemento instrumental para o alcance destes desideratos!

76 O PNUD inicia em 1990 a produção de documento anual denominado Relatório de Desenvolvimento Humano medindo desempenhos em matéria de desenvolvimento através de um Índice de Desenvolvi-mento Humano consistindo na esperança de vida, conhecimento e padrões de vida e chamando atenção para a dimensão e complexidade da pobreza no mundo.77World Development Report, Washington DC, World Bank, 2000. Em 2002, avança com um Relatório mais específico sobre ajuda intitulado A Case for Aid: Building Consensus for Development Assistance.

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Sem dúvida que a Cimeira das Nações Unidas realizada em Setembro de 2000 e que adoptou a Declaração do Milénio contendo oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM ou MDGs78 na terminologia inglesa) representa um marco indelével para o futuro da ajuda. Os países signatários comprometeram-se a eliminar a espectro da pobreza e em particular reduzi-la pela metade até 2015 nos países onde as populações vivem com menos de um dólar por dia. De forma particular, a Declaração apela aos países desenvolvidos no sentido de aumentarem os níveis da ajuda em particular nos países da África Sub-Sahariana79.

A partir deste quadro político global uma série de iniciativas foram sucessivamente sendo tomadas pelos países desenvolvidos no sentido de materializar o compromisso de aumentar os fluxos da ajuda. Destacam-se a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Financiamento ao Desenvolvimento, realizada em Março de 2002 em Monterrey, México a qual adoptou o “Consenso de Monterrey”80. Neste, os países desenvolvidos comprometem-se, uma vez mais, a alcançarem 0.7% da Rendimento Nacional Bruto (RNB) para Ajuda Pública ao Desenvolvimento.

Na verdade, a Declaração foi muito modesta uma vez que apelava meramente “aos países desenvolvidos que ainda não o tenham feito a empreender acções concretas para atingir 0.7% do RNB para os países em desenvolvimento”.

Já em 2005, sob iniciativa do então Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, Tony Blair, é publicado um Relatório intitulado “Nosso

78 (i) erradicação da extrema pobreza e fome; (ii) universalização da educação primária; (iii) promoção de igualdade de género e apoderamento da mulher; (iv) redução da mortalidade infantil; (v)melhoria da saúde materna; (vi) combate ao HIV e SIDA, malária e outras doenças; (vii) sustentabilidade ambiental e (viii) parceria global para o desenvolvimento.79 Documento integral no endereço www.un.or/documents/ga/docs/56/a56326.pdf80 Documento integral no endereço www.un.org/esa/ffd/0302-finalMonterreyConsensus.pdf

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Futuro Comum” retomando os compromissos anteriormente formulados e apelando especificamente para a duplicação da Ajuda Pública ao Desenvolvimento para África de 25 para 50 biliões de Dólares por ano até 2010, e para 75 biliões por ano até 2015.Importante, igualmente, realçar que o Relatório refocaliza a atenção na necessidade de aumento da qualidade da ajuda, incluindo a responsabilização dos países recipientes. Este facto deu o mote para a adopção da Declaração de Paris sobre Eficácia da Ajuda, sobre a qual dedicaremos uma especial atenção no próximo capítulo.

3.Evolução da Ajuda Pública ao Desenvolvimento no contexto moçambicano

De acordo com a Comissão para a Ajuda ao Desenvolvimento (DAC) da OCDE, os fluxos da Ajuda Pública ao Desenvolvimento para Moçambique em 2004, atingiram 1.2 biliões de Dólares (23% da riqueza nacional e do 48% do Orçamento de Estado) perfazendo um total de 10.9 biliões de Dólares entre 1995 a 200481. Deste valor cerca de 80% é constituído por donativos, quase 50% é sob forma de alívio a dívida, ajuda à emergência e assistência técnica. A fonte indica, igualmente, que os maiores doadores têm sido o Banco Mundial, a Comissão Europeia e os Estados Unidos da América com mais de 100 milhões por ano, seguidos da Dinamarca, Reino Unido, Suécia, Noruega, Holanda e Banco Africano de Desenvolvimento, que providenciam entre 50 a 70 milhões de Dólares por ano.

A história da ajuda ao desenvolvimento em Moçambique remonta ao período da independência podendo-se identificar quatro períodos, a saber:

81OCDE database, FMI (2006)

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Período de desenvolvimento socialista (1975 a 1982):

Devido à sua orientação ideológica o país recebia maioritariamente ajuda do bloco do Leste pró soviético (empréstimos de longo prazo) e de países nórdicos (donativos) e Itália direccionados particularmente para apoio à importações, desenvolvimento de projectos intensivos em capital e expansão de infra-estrutura física e social.

Período de reavaliação das prioridades e início da aproximação com o Ocidente (1983-1987):

Neste período assiste-se a uma redefinição das prioridades e abordagem de desenvolvimento de grandes projectos (intensivos em capital e exigentes em pessoal tecnicamente especializado) para projectos de pequena e média escala nas áreas rurais e na reabilitação do parque industrial existente bem como o incentivo ao investimento directo estrangeiro (aprovação de uma Lei de Investimento Estrangeiro em 1985). Igualmente, grande porção da ajuda foi canalizada para mitigação dos efeitos das calamidades naturais e ajuda alimentar.

Presidium do Seminário

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A adesão de Moçambique às instituições de Bretton Woods (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional) viabiliza a entrada dos EUA como importante doador em Moçambique.

Período de implementação do Programa de Reabilitação Económica e Social, PRES (1987-1992):

Neste período o rumo da ajuda ao desenvolvimento sofre uma decisiva mudança a qual foi marcada por três dinâmicas a saber o início da implementação do PRES, a realização da primeira Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Calamidades em Genebra e a queda do muro de Berlim e o desmembramento da União Soviética.

A Ajuda Pública ao Desenvolvimento neste período passa a ter como foco o apoio às importações e à balança de pagamentos bem como alívio às calamidades. Definitivamente os projectos de grande escala são “abandonados” ou passados ao capital comercial internacional (400 mil hectares do projecto agrícola em Cabo Delgado adjudicado à multinacional inglesa Lonrho).Dramaticamente o apoio provindo do Leste cessa82, o fornecimento de petróleo subsidiado da União Soviética é interrompido e os emigrantes moçambicanos na República Democrática Alemã (RDA) são forçados pelas circunstâncias a regressarem.

Período de repriorização das agendas dos doadores e de reapropriação da agenda nacional de desenvolvimento (1995-2005):

As instituições de Bretton Woods fazem dolorosos ajustamentos à sua “agenda ideológica fundamentalista neo-liberal”, abrindo

82Não há dados precisos sobre o valor global da ajuda (empréstimos de longo prazo e donativos) proveniente do Bloco do Leste mas a confrontação de dados de diferentes fontes estima em cerca de 150 milhões de Dólares por ano.

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oportunidade de proeminência do Estado83 na criação de condições para o arranque económico e o foco na agenda da luta contra a pobreza, centrada no instrumento operacional da acção governativa, o Programa de Acção para a Redução da Pobreza cognominado PARPA.

Este período assiste como aludido acima a uma estabilização e diversificação das fontes dos fluxos de Ajuda Pública ao Desenvolvimento centradas em particular no financiamento de infra-estrutura física e social (saúde, educação, água e saneamento), modernização do Estado como agente de desenvolvimento, capacitação institucional.

Estas prioridades têm sido consolidadas no período subsequente ainda decorrente no momento em que esta peça está sendo lavrada que assiste, outrossim, a uma ênfase na descentralização das iniciativas de desenvolvimento local centrada no distrito, importante passo para a passagem de um ciclo vicioso de dependência da ajuda para um ciclo virtuoso de criação de riqueza. O desafio situa-se, pois, na capacidade sustentada de mobilização interna de recursos.

II.DEFINIÇÃO DA EFICÁCIA DA AJUDA E O CONTEXTO MOÇAMBICANO

1.Definição e abordagens da Eficácia da Ajuda

Não há consenso sobre a definição do conceito de eficácia da ajuda nem entre os teóricos nem entre os envolvidos no quotidiano da gestão da ajuda.

83O Governo resiste com sucesso à pressão de privatizar a terra por considerar que a sua pertença ao Estado é um factor decisivo e instrumento político para viabilizar o combate à pobreza através do seu uso e aproveitamento pelas populações em particular as mais pobres. In Paolo de Renzio e Joseph Hanlon, Contested Sovereignty in Mozambique: The Dilemmas of Aid Dependence, Oxford university College, 2007

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Três motivos estão por detrás desta situação: Primo, diferentes agências e governos têm objectivos díspares e inclusivamente contraditórios desde o apoio ao crescimento económico, promoção dos OMDs/MDGs, passando pela reforma de políticas e instituições, promoção de comércio até à promoção dos direitos humanos e boa governação.

Secundo: Existem vários factores que influenciam os resultados e indicadores de desenvolvimento e vão para além da ajuda o que torna complexo o processo de avaliação da eficácia de cada agência envolvida na gestão da ajuda.

Tertio: Diferentes pesquisadores propuseram uma tipologia da eficácia da ajuda em países que apresentam alguns dos seguintes perfis: sólidas políticas económicas84, boas políticas de transição pós-guerra civil, em países vulneráveis a choques externos ou em países que sofrem das consequências de baixa de preços dos seus produtos de exportação85. Contudo, esta abordagem não oferece grande fiabilidade uma vez que os factores propostos podem facilmente variar e, por outro lado, a proposta tende a sobre-responsabilizar os países receptores da ajuda e não toma em conta as dinâmicas de gestão da ajuda nos países doadores.

Qual é a saída? Propomos uma definição que combine três abordagens, a saber: (a) a da Declaração de Paris sobre Eficácia da Ajuda (DPEA) ou seja avaliação do cometimento dos doadores; (b) a da Debt Finance International (DFI) ou seja a avaliação das percepções dos governos sobre o desempenho dos doadores; e (c) a do modelo do Doing Business Report do Banco Mundial ou seja a avaliação dos passos requeridos para o acesso à ajuda.

84 Burnside, G e Dollar, D (2000), Aid, Policies and Growth, American Policy Review, Setembro 2000, 90 (4)85 Roodman, D (2004) The Anarchy of Numbers: Aid, Development, the Cross-country Empirics, Wash-ington DC, Center for Global Development (CGD)

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A primeira abordagem que iremos privilegiar é da DPEA, subscrita por 61 doadores bilaterais e multilaterais e por representa 56 países receptores de ajuda, representa um salto paradigmático sem precedentes de gestão da ajuda alicerçada no conceito de uma parceria e co-responsabilidade dos doadores e países receptores com o objectivo último de tornar a ajuda mais eficaz.

Mais especificamente, os signatários assumem o compromisso de alterar a forma como tem sido alocada a assistência ao desenvolvimento em três vectores: (i) a apropriação da agenda de desenvolvimento pelo país receptor86; (ii) o alinhamento dos doadores com as prioridades e objectivos nacionais e sectoriais estabelecidos pelos países parceiros e crescente utilização de sistemas (instituições e procedimentos) nacionais de gestão e evitando a proliferação de sistemas paralelos de gestão e implementação87; (iii) maior coordenação e harmonização das acções entre os doadores evitando os altos custos de transacção para os países parceiros, que têm de lidar com uma panóplia de doadores de uma só vez, cada um com as suas prioridades e exigências88. Finalmente, e actuando de forma horizontal, a DPEA traz dois elementos: (i) a mútua prestação de contas na base do qual os doadores e os governos parceiros deverão

86 A expectativa é a de que as estratégias de desenvolvimento nacional sejam a referência e o quadro es-tratégico baseado na apropriação pelo país e orientado por um elenco de resultados que podem merecer o apoio dos doadores. Isto assume, igualmente, que as instituições nacionais sejam suficientemente fortes e eficazes e que estejam em condições de adoptar uma abordagem comum e coordenada.87 O alinhamento dos doadores com as prioridades e procedimentos também depende da capacidade dos países parceiros desenvolverem uma sólida e coerente estratégia de desenvolvimento alicerçada por uma visão de longo prazo e um plano de implementação realista.88 Um conceito muito recentemente trazido ao debate e não sem polémica é o da divisão de trabalho entre os doadores consistindo na redução do número de doadores envolvidos no mesmo tipo de activi-dades no mesmo país e, assim, racionalizar o sistema de ajuda. Neste quesito a Comissão Europeia tem estado na dianteira ao ter aprovado para os membros da União Europeia um Código de Conduta para a orientação nesse sentido, ainda que haja alguma resistência por parte dos doadores mais importantes como Alemanha, França, Itália. A Bélgica, por sua parte, decidiu em 2008 canalizar a sua contribuição orçamental a Moçambique via Comissão Europeia. Os países parceiros também têm a sua quota-parte uma vez que cabe-lhes identificar as vantagens comparativas de cada doador.

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prestar contas pelos seus respectivos actos e deverão embarcar num exercício periódico e sistemático de avaliação e monitoria dos compromissos mutuamente assumidos, e (ii) a gestão por resultados consistindo num exercício conjunto de gestão de recursos para o alcance de resultados de desenvolvimento e usando a informação disponível para melhorar o processo de tomada de decisões89.

Em complemento, a Agenda de Acção de Accra de 2008 representa um compromisso político com acções concretas destinadas a acelerar a implementação da DPEA como foco no reforço da apropriação incluindo o reforço dos sistemas nacionais e seu uso como primeira opção; parceria inclusiva incluindo a cooperação Sul-Sul; alcance de resultados concretos incluindo o aumento da previsibilidade e transparência da ajuda a médio prazo permitindo aos parceiros a melhoria do orçamento, planificação e implementação das suas estratégias de desenvolvimento e determinar as condições que os doadores aplicam à ajuda juntamente com os países parceiros com base nos planos de desenvolvimento destes últimos. Não menos importante é o compromisso acordado de contratar a assistência técnica de acordo com a demanda dos países parceiros tendo como objectivo o aumento da apropriação.

A segunda abordagem que consideraremos foi desenvolvida pela Debt Finance International (DFI) que, trabalhando com os países beneficiários da Iniciativa dos Países Pobres Altamente Endividados (HIPC no acrónimo inglês), elaboraram um quadro para analisar as políticas e procedimentos dos doadores. Esta ferramenta destina-se a ser usada por governos para desenvolverem uma classificação interna de doadores individuais de acordo

89 Aos parceiros é exigida a elaboração de relatórios orientados por resultados e quadros e de avaliação de desempenho, enquanto os doadores é exigida a utilização destes instrumentos e não outros paralelos.

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com o seu desempenho segundo uma série de indicadores para políticas90 e para procedimentos91.

A terceira abordagem da qual colheremos subsídios foi iniciada pelo economista Hernando Soto92 e serviu de inspiração para o Banco Mundial desenvolver o relatório anual Doing Business Report, que se debruça sobre o ambiente regulatório favorável à realização de negócios e os obstáculos existentes e, desta forma, estabelece uma classificação entre os países. Transposto para a plataforma doadores-receptores da ajuda, podemos avaliar os passos, etapas procedimentais que os países parceiros percorrem até acederem à assistência financeira, ou o que rotularemos de “custo-ajuda”.

Neste contexto e para efeitos de análise e avaliação da eficácia da ajuda no contexto de Moçambique no próximo subcapítulo tomaremos como referências os seguintes indicadores: Apropriação, Alinhamento, Harmonização, Previsibilidade, Desvinculação e Qualidade das políticas e instituições.

2.Indicadores de eficácia da ajuda em Moçambique

2.1.Harmonização

Há que constatar que registam-se progressos na área da harmonização da assistência entre os doadores remontando ao ano de 2001 quando um grupo de seis doadores (G-6) decide

90 Tipos, canais, previsibilidade e flexibilidade da assistência, grau de condicionalidade política e predis-posição para o diálogo sobre políticas.91 Métodos e procedimentos de desembolsos e de procurement, coordenação entre governos e doadores.92 De Soto, H., Silva, E. e Ghibellini, M. (1986) The Other Path: The economic answer to terrorism, New York, Basic Books. World , World Bank.

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enveredar pela via da canalização de fundos da ajuda directamente ao Orçamento Geral do Estado93.

Seis anos depois o número de doadores que envereda por esta modalidade de assistência aumenta para 19 naquilo que constitui o Grupo de Parceiros de Apoio Programático (PAP) ou G-1994. Por outro lado, o financiamento concedido passa de 127 milhões de Dólares em 2001, para 435 milhões de Dólares em 2007 e atinge 600 milhões de Dólares em 2009, alocado substancialmente para as áreas de educação, saúde95 e agricultura.

Não obstante os significativos progressos, algumas tendências e dados são motivo de preocupação ou devem constituir razão para reflexão e tomada de medidas para a sua minimização. A título de ilustração, constatamos que em 2008, 60% da Ajuda Pública ao Desenvolvimento foi canalizada através de projectos contra 44% em 2006, o que agrava a fragmentação da ajuda. Em 2006, somente 36% da assistência técnica realizada pelos doadores foi coordenada com o Governo; prevalece uma multiplicidade de doadores actuando sem qualquer tipo de coordenação (a feliz excepção do G-19 confirma a regra)96; Em 2005 realizaram-se em Moçambique 845 novos projectos implementados e financiados por uma plêiade de modalidades e doadores o que coloca sérias questões em relação aos altos custos de transacção

93 Apoio Directo ao Orçamento é uma modalidade de ajuda programática na qual os fundos são providenciados para apoiar um programa do governo que foca aspectos específicos como crescimento, redução da pobreza, ajustamento fiscal, reforço das instituições. Estes fundos são também canalizados directamente ao departamento governamental encarregue de gestão orçamental/tesouraria para serem utilizados de acordo com os seus próprios sistemas de gestão financeira, procurement e prestação de contas. O Apoio Directo ao Orçamento pode tomar a forma de contribuição geral ao orçamento Geral do Estado ou pode ser alocado a um sector específico.94 Alemanha, Áustria, Banco Africano de Desenvolvimento, Banco Mundial, Bélgica, Canadá, Comissão Europeia, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Noruega, Portugal, Reino Unido, Suécia e Suíça.95 Nestes sectores, os fundos são utilizados para apoiar a provisão de educação básica e cuidados de saúde primária ligados à implementação dos ODMs/MDGs.96 A estimativa indica 295 ONGs internacionais, 12 doadores multilaterais, 19 PAPs, Estados Unidos, Japão, Índia, Brasil, Líbia, etc..

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incorridos pelo Governo, a pressão sobre a capacidade institucional instalada nas instituições governamentais97, a fuga de cérebros para actividades com carácter de projecto, e a questão de fundo sobre a mais-valia de cada projecto no esforço de erradicação da pobreza.

São compreensíveis os argumentos de certas correntes que argúem sobre a necessidade do Governo manter abertas várias modalidades e canais de assistência para minimizarem os efeitos negativos de uma eventual disrupção ou interrupção dos fluxos da ajuda numa certa modalidade98 e, por outro lado, os sectores preferem ter um controlo autónomo na gestão dos recursos atribuídos. Outrossim, e em defesa dos doadores, argumenta-se que diferentes tipos de intervenção exigem igualmente uma diversidade de modalidade de alocação de ajuda. Obviamente que isto oculta as legítimas preocupações de cada doador em manter visível a sua “bandeira” e responder ao seu eleitorado nacional.

Contudo, consideramos que a manter-se esta tendência estará longe de ser atingido o compromisso selado em Paris e reiterado em Accra de reforçar a coordenação e harmonização da ajuda. O desafio para os doadores e os governos parceiros é pois de, nas consultas políticas com os PAP e não só, reforçar a ênfase na discussão das políticas, estratégias de longo prazo e não somente nos procedimentos. E quiçá, à semelhança do que dispõe a Tanzania, avançar para um arranjo de programação conjunta das estratégias de desenvolvimento e formas de seu financiamento de forma a racionalizar e optimizar os recursos.

97 Dados de 2005 indicam que 10.453 missões de avaliação/monitoria/informação foram realizadas pelos doadores em 34 países receptores de ajuda, incluindo Moçambique. As instituições relevantes em relação à gestão dos mecanismos com os doadores são os Ministérios da Planificação e Desenvolvimento, o das Finanças e o dos Negócios Estrangeiros e Cooperação.98O apoio directo ao orçamento é particularmente vulnerável no caso de registar-se uma deterioração nas relações políticas entre os parceiros, o que põe em risco o apoio orçamental como um instrumento de longo prazo. Exemplos mais recentes em outras latitudes aconteceram no Uganda e Etiópia.

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1.2. Previsibilidade

Na consideração da questão da previsibilidade da alocação de fundos enfatizaremos três dimensões que se reforçam mutuamente para o alcance do desejado resultado eficaz da ajuda: necessidade de compromissos multianuais; compromissos atempados e desembolsos atempados.

Em relação ao anúncio de compromissos multianuais assumidos pelos doadores nota-se que somente 28% destes dão uma indicação temporal de três anos. A Comissão Europeia, ao adoptar a modalidade de apoio directo ao Orçamento via o chamado “Contrato OMDs/MDGs”99 estabelece um compromisso indicativo num horizonte temporal de seis anos.Urge, pois, a necessidade de aumento de doadores dentro e fora do G-19 que se disponham a trabalhar na base de compromissos indicativos multianuais se se pretende incrementar a previsibilidade da ajuda.

No que tange aos compromissos realizados atempadamente, o grande problema é a discrepância de datas entre o momento em que o Governo leva o Orçamento à aprovação pela Assembleia da República e o momento em que os doadores confirmam os compromissos em relação à tranche variável do apoio directo ao Orçamento que depende de certos indicadores que só são aferidos no momento ou após o Governo submeter o Orçamento à aprovação parlamentar.

Eventualmente o Governo deverá refinar os mecanismos de “alerta prévio” que permitam avaliar a eventualidade dos doadores

99 O Governo de Moçambique acordou com a Comissão Europeia em 2009 a introdução desta mo-dalidade na base da qual, em contrapartida ao compromisso do governo em estabelecer indicadores de realizações nas áreas sociais em particular educação e saúde consentâneos com os ODMs/MDGs, bem como contínua melhoria na gestão das finanças públicas e estabilidade macroeconómica, a Comissão acorda em indicar a alocação de 313 milhões de Euros para os próximos seis anos.

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não anunciarem os compromissos de forma atempada e, assim, agir com vista a lidar com esse facto adverso na formulação e apresentação do Orçamento Geral do Estado.

No que diz respeito aos desembolsos atempados100 regista-se com preocupação a persistência de morosidade porquanto tal provoca ruídos no clima de confiança existente entre o Governo e os doadores, enfraquece o orçamento como instrumento eficaz de formulação de políticas nacionais e representa um potencial impacto negativo na implementação dos programas e projectos e, no momento actual de crise financeira, a viabilidade e sustentabilidade do Estado obter empréstimos domésticos é questionável.

É instrutivo que aqui os doadores reconhecem que o Governo tem dado mostras de que ao esforçar-se por cumprir a sua parte da questão da apropriação, espera que os doadores igualmente ajam em conformidade. Por outro lado, há que reconhecer que os doadores confrontam-se com complexos sistemas de gestão da ajuda e nem sempre a vontade política suplanta a barreira burocrático-administrativa ou outras considerações de índole política ao nível das suas respectivas capitais em particular junto aos parlamentos.

100 Destacam-se como doadores que antecipam os desembolsos a Finlândia, França, Irlanda, Itália, Noruega, Portugal, Suécia, Suíça, Reino Unido. Outros mais manifestaram intenção em integrarem este grupo.

Participantes do Seminário

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Não se exclui a pressão de forças menos favoráveis ao ajuda ao desenvolvimento nos países doadores que face à crise financeira e à considerações de alegada má governação nos países receptores de ajuda têm ensaiado acções de reavaliação ou questionamento da mais valia da ajuda.

A Moçambique caberá persistir na melhoria crescente da fidelidade e transparência da formulação, execução e monitorização do orçamento e redobrar os esforços no sentido cumprir os compromissos assumidos.

3.Desvinculação101

O progresso no compromisso da desvinculação é francamente insatisfatório e registam-se ainda resistências por parte de alguns doadores. Basta referirmos os seguintes dados: A ajuda vinculada persiste e tem aumentado o custo operacional em cerca de 30%, segundo a OCDE; em 2006 Moçambique despendeu em média cerca de 350 milhões de Dólares em assistência técnica102, o equivalente a cinco vezes mais o salário anual de 100 mil funcionários públicos, segundo a OXFAM; somente um terço dos projectos de assistência técnica da União Europeia atingiu ou têm o potencial de atingir os objectivos pretendidos, segundo um Relatório do Tribunal de Auditores da União Europeia.

Aqui, o progresso depende da medida em que os doadores assumirão que somente através de um apoio sustentável na criação de capacidades, na transferência de tecnologias é que os países receptores sairão da armadilha da pobreza e assumirão uma parceria mais inclusiva e mutuamente vantajosa.

101 Vinculação da ajuda ocorre quando os países doadores estabelecem como condição para a ajuda a compra pelos receptores da ajuda de bens e serviços dos países doadores. A título de exemplo, a per-centagem de ajuda vinculada é de 69% para a Itália e 57% para os EUA (Roodman, David, (2007) “An Index of Donor Performance”, Center for Global Development.102 A assistência técnica a Moçambique representa em média 15% do total da ajuda e diz respeito ao uso do dinheiro da ajuda para o pagamento de consultores, acções de formação ou pesquisa no país.

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Uma última palavra sobre a questão da transparência, elemento importante da harmonização e da mútua prestação de contas é o exemplo positivo da existência de base de dados online sobre os fluxos de ajuda a Moçambique103. Este instrumento, financiado pela Comissão Europeia, Holanda e Nações Unidas, permite determinar o ponto de situação das intervenções dos doadores em sectores, montantes e localização geográfica.

É, igualmente, positiva a criação em 2006 do Comité de Gestão da Base de Dados juntando doadores e ministérios e o facto da Comissão Europeia financiar acções de capacitação técnica para a gestão da base de dados.

Entretanto, ainda se impõe desafios como seja a questão da apropriação (depende da informação fidedigna transmitida pelos doadores), ainda é limitativa em termos de doadores envolvidos (exclui a China e o Brasil, por exemplo) e há o risco de dupla contabilização quando os doadores optam pela implementação de projectos através das Nações Unidas bem como a contabilização da ajuda fora do orçamento (como a assistência técnica).

À GUISA DE CONCLUSÃO: Consolidando uma Política de Cooperação para o Desenvolvimento e de apropriação da ajuda

Embora seja reconhecido que, em termos gerais, a qualidade da ajuda em Moçambique tem melhorado, uma das questões mais críticas com que a agenda da eficácia da ajuda se confronta em Moçambique, e que se encontra no espírito desta peça que chega à sua derradeira conclusão, é como transformar o conceito de apropriação numa realidade concreta.

103 Website:www.odamoz.org.mz,

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Assim, é imperativo o redobrar de esforços no sentido da liderança e apropriação do Governo em particular na questão da harmonização e alinhamento da ajuda evitando que sejam orientados pelos doadores daí a urgência de uma sólida e implementável política de cooperação.Em termos gerais recomendamos os seguintes eixos de acção:

• Assegurar que a política de cooperação esteja horizontalizada no Governo evitando-se uma compartimentalização e buscando-se promover sinergias, maior coordenação e harmonização nas dimensões política e técnico-institucionais;

• Avaliar o grau alinhamento da Política de Cooperação com o PARPA e as estratégias sectoriais (Planos Estratégicos);

• Buscar continuamente Incentivar os doadores relutantes ou incapazes de assumir a necessidade de adaptação ao novo paradigma da ajuda ao desenvolvimento através de sinais e acções exemplares do Governo;

• Assegurar uma mais forte liderança do Governo na capacitação institucional para gestão da ajuda.

Mais especificamente e no contexto da formulação e implementação da Política de Cooperação, recomenda-se:

• Estabelecer objectivos claros a alcançar no capítulo da eficácia da ajuda em linha com a Declaração Paris/Plano de Acção de Accra que incluam, inter alia, (i) abordagem holística com a inclusão de todas as formas de assistência; (ii) estabelecimento das preferências do Governo em termos de modalidades (Apoio Orçamental, Apoio sectorial, Projectos); (iv) contabilização de todo a ajuda no Orçamento e no Plano; (v) crescente uso sistemas do Governo no encaminhamento da ajuda; (vi) encorajamento criação de fundos comuns e cooperação delegada;

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

• Clara definição da divisão de responsabilidades e horizontalidades ao nível do Governo entre os Ministérios da Planificação e Desenvolvimento; dos Negócios Estrangeiros e Cooperação; das Finanças, bem como a coordenação a nível provincial ;

• Maior reforço dos sistemas de planificação, orçamentação e de gestão da ajuda;

• Detalhado o plano de acção, implementação e monitoria de resultados.

EFICÁCIA DA AJUDA AO DESENVOLVIMENTO E O CONTEXTO DE MOÇAMBIQUE: DESAFIOS E OPORTUNIDADES

(Comentário ao texto de Sérgio Mathe)Belmiro Rodolfo

Muito obrigado senhor moderador. Com a permissão de Sua Excelência o Presidente da República gostaria de felicitar o Gabinete de Estudos pela escolha do tema, dada a sua importância e actualidade no quadro das reflexões que se impõe na abordagem das políticas e estratégias de desenvolvimento de Moçambique. As minhas felicitações são extensivas ao Dr. Sérgio Mathe que, de forma didáctica soube apresentar as questões e os aspectos mais relevantes do debate actual em torno das questões de ajuda ao desenvolvimento em geral – e Moçambique em particular – no âmbito da prossecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, por um lado, e do Plano de Acção da Redução da Pobreza Absoluta em Moçambique, por outro.

Tenho consciência da pressão da questão do tempo, e vou tentar ser o mais sucinto possível. É verdade que muito já foi dito e muito ficará

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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República

ainda por dizer durante o debate geral, mas ocorre-me aqui fazer algumas observações pontuais:

A primeira tem a ver com o facto de na apresentação, o Sérgio falava da existência de condições favoráveis . E nesse aspecto ele sublinhou a existência de um legado de interacção aberta e franca. Eu tenho aqui as minhas dúvidas. Digo isso porquê? É preciso nós fazermos um enquadramento no tempo. É preciso ver aqui o relacionamento entre os parceiros de cooperação e Moçambique, antes do ano 2000 – com Monterrey, a Declaração de Roma – e depois em 2003 com a Declaração de Paris, etc. havia algum cepticismo, algumas dúvidas em relação aquilo que eram os verdadeiros objectivos da ajuda de parte a parte. Eu explico-me porquê. Vamos tomar como exemplo a questão da ajuda vinculada. A ajuda vinculada levantava o questionamento se o objectivo era de facto promover o desenvolvimento do país receptor ou simultaneamente promover a manutenção do desenvolvimento dos países desenvolvidos. Porquê? Porque se nós quisermos analisar isto numa perspectiva de eficácia, devia ser dado ao país receptor a possibilidade de, por exemplo, adquirir por exemplo bens de capital no âmbito da implementação de projectos e programas no mercado onde fosse mais competitivo. Mas a vinculação da ajuda, ou o gasto de uma determinada percentagem no país doador não lhe permitia fazer isso. E mais do que isso, é que esta vinculação estendia-se para uma fase posterior, mesmo quando não havia disponibilidade de financiamento em condições concessionais pelo doador. Porquê? Há necessidade de manutenção, por exemplo, dos equipamentos, dos sobressalentes, etc. e eles deviam ser adquiridos obviamente no mercado que forneceu esse equipamento. Este é um exemplo.

O outro aspecto que era importante realçar ainda ligado a esta questão da vinculação da ajuda é que, por essa via os países doadores conseguiam criar mercado para alguns produtos seus não competitivos. Então, a questão que se levanta é: o interesse primário

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era efectivamente o desenvolvimento do receptor ou então aquilo que era o interesse primário de criação de mercado do país doador?

Falou também, o Dr. Sérgio, da confiança – a existência da confiança e respeito mútuo. Mais uma vez eu gostaria de questionar esta constatação, porque a existência dos off budget’s, isto é, o financiamento externo principalmente a projectos e programas fora do sistema orçamental do Estado, para mim é indiciador da existência de alguma desconfiança por parte do doador, pela forma como os fundos eram geridos. Então, havendo essa desconfiança, nós colocamos o questionamento se efectivamente podemos dar como um facto a constatação de que existia confiança e respeito mútuos e isto abre campo para a eficácia da ajuda externa nos nossos respectivos países.

A eficácia da ajuda é medida no contexto da correlação entre a ajuda e o crescimento económico. É verdade que conhecendo que o Dr. Sérgio não é economista e a sua abordagem não se podia esperar nessa perspectiva, mas é verdade que quando a gente fala de eficácia podemos falar deste tipo de correlação: ajuda canalizada, o crescimento económico que podemos ver – porque uma das motivações da ajuda - bom se olharmos para aquele argumento do tog up model??, a gente fala de suprir o défice de poupança interna e por outro lado, resolver o problema da escassez de divisas e essas divisas são adquiridas pela via do incremento das nossas exportações. Uma das análises que melhor podia nos elucidar isso seria esta correlação: até que ponto a ajuda ao desempenho da economia permitiu níveis de exportação cada vez mais crescentes? Não havendo isso, alguns elementos, para todos os efeitos, podem ser trazidos aqui para consideração nessa análise. Por exemplo, tendo como referência os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio – para se contornar eventuais controvérsias na definição do conceito desenvolvimento – os progressos ou a falta de progresso alcançados em direcção ao alcance das metas dos ODM’s revelam-se, de algum modo, indicadores e elementos de avaliação da eficácia da ajuda a Moçambique. Neste contexto, a monitoria e avaliação do PARPA

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– porque harmonizados com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio – constituem a base deste exercício.

Sendo assim, se olharmos para as constatações de alguns estudos realizados – como por exemplo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2005 sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio – e os relatórios de progresso em direcção às metas do Milénio, nós constatamos que uma das grandes deficiências que nós temos é na componente estatística. E aqui, quando nós pegamos em quatro elementos como a recolha de dados, acompanhamento estatístico, análise estatística e acima de tudo, a integração das estatísticas na política de desenvolvimento constatamos que há um grande défice. Com base nesse pressuposto, uma das conclusões óbvias é que há alguma dificuldade por aqui em nós também podermos avaliar efectivamente aquilo que é a eficácia da ajuda ao desenvolvimento em Moçambique.

Uma outra componente que o Dr. Sérgio falou de leve e que é importante referir, é a questão da escolha de tecnologias – portanto, transferência de tecnologias vis a vis escolha de tecnologias – porque é importante, e eu volto a tocar nesta questão da desvinculação a que já fiz referência, é que se nós queremos tornar a ajuda eficaz, nós temos que recorrer a investimentos em tecnologias eventualmente menos dependentes, ou o que a gente chamaria de autonomia sistémica. O que é que isso quer dizer? É que quando a ajuda é vinculada, nós não temos essa opção de escolha. Eu vou dar um exemplo. Bom, não sou técnico de construção, tenho algumas dificuldades mas vamos imaginar um investimento numa indústria em Moçambique, que existe também na Europa, existe nos Estados Unidos e existe também na Ásia. E em alguns casos, a nossa realidade aproxima-se mais a alguns casos da realidade asiática, mas nós somos obrigados a adquirir na Europa. Então, o que é que isto resulta? É que muitas vezes a curto prazo pode ter os seus efeitos positivos, mas a médio e longo prazo tem os seus efeitos negativos, precisamente porque é uma tecnologia que se revela desajustada à nossa realidade. E por conseguinte, os outputs daí

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resultantes a médio e a longo prazo são reduzidos dada a paralisação.

Um outro aspecto importante – vou ser bastante rápido – tem a ver com esta questão do Consenso de Washington e a eficácia da ajuda. Mas, talvez antes disso farei referência apenas à capacidade de absorção da ajuda em Moçambique. O que se constata é que muitas vezes há dificuldade de absorver toda a ajuda que é canalizada ao país. Bom, há uma série de argumentos que são usados: uns é falta de capacidade de gestão; outros, até o moderador fez referência deles aqui quando dizia excesso de burocracia, e outros ainda tem a ver em alguns casos com o facto de os técnicos envolvidos na gestão dos fundos disponibilizados pela via da ajuda, não se terem identificado com a agenda para a qual a ajuda é canalizada. Então, existe um certo desinteresse por parte dos técnicos porque eles assumem que realmente a agenda, não é agenda nacional e é sim imposição do doador. Isso acaba se reflectindo naquilo que é a capacidade de absorção da ajuda.

Consenso de Washington versus Eficácia da Ajuda. É preciso nesta discussão – e eu retive nesta discussão a intervenção do Dr. Sérgio quando ele dizia que mais que discutir procedimentos, é preciso discutir as políticas e as estratégias. Aqui, eu talvez faça uma provocação aos economistas aqui presentes que é a questão do quadro macroeconómico. É que se a gente olha para o Consenso de Washington ressalta-nos à primeira vista a inflação de um dígito, défice fiscal reduzido – o ideal na casa dos dois porcento, etc., etc.. Isto tem implicações naquilo que são os gastos públicos que são feitos e limita de alguma forma os níveis de investimento necessários para se atingir certas metas de desenvolvimento, neste caso concreto definidas nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, porque requer níveis de investimento – por exemplo no sector da saúde – bastante elevados mas não tanto quanto os países doadores estão dispostos a financiar. Mas é esta a limitação do quadro macroeconómico. A grande questão que se coloca é: será que a curto prazo não é muito mais salutar pensar numa inflação, vamos lá dizer, moderada na casa dos 12% por aí, o défice

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fiscal relativamente alto, mas não muito alto a curto prazo, por forma a que a gente possa fazer os investimentos necessários para atingir essas metas de desenvolvimento e a médio e longo prazo podermos beneficiar do retorno do investimento que nós fazemos tanto nos sectores da educação e da saúde, particularmente, na formação do capital humano.

E, para finalizar, gostaria de dizer que esta questão da apropriação é uma questão bonita quando a já é um processo em curso a apropriação das políticas nacionais, os doadores acima de tudo respondem a aquilo que é a nossa agenda nacional, mas há vezes que quando a gente avalia os documentos da revisão conjunta dos encontros entre o governo e os doadores, constata-se que alguns indicadores provavelmente estão lá colocados por pressão do doador, e muitas vezes somos forçados a aceitá-los. Por exemplo, no sector da justiça, fala-se de não sei quantos casos julgados anualmente e nós somos forçados desde a formação do número de juízes anualmente, etc. etc. poder responder, mas esquece-se que não é somente o investimento na formação dos juízes mas também o investimento infraestrutural. Podemos ter muitos juízes formados e não termos a nível distrital ou da localidade uma sala decente para fazer julgamento, ou que permita fazer tantos julgamentos quando nós tivermos que colocar lá um número bastante significativo. O que acontece é que somos forçados a aceitar alguns indicadores que quando é feita a revisão conjunta é nos apontado o facto de – enquanto governo – não ter alcançado. As interpretações são variáveis, principalmente quando nós tocamos neste sector bastante sensível e bastante controverso que é o da justiça que é: é uma questão de corrupção; são questões de compromisso e falta de vontade política para fazer a justiça andar no país. Mas, se tivermos o cuidado de, no quadro daquilo que deve ser a apropriação da nossa agenda nacional, definir metas realistas; fazer uma projecção a médio e longo prazo, provavelmente estas questões possam ser evitáveis. Muito obrigado.

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CONTRIBUIÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO: REFLEXÃO SOBRE ALGUMAS QUESTÕES CRÍTICAS

Narciso Matos

NOTA PRÉVIA

As notas que resultaram neste artigo foram preparadas para uma apresentação no Gabinete de Estudos da Presidência da República, como introdução para um debate envolvendo os mais altos dirigentes da Nação, do Ministério de Educação e Cultura e de escolas dos níveis primário ao superior, professores, estudantes e numerosos estudiosos, envolvidos e interessados na problemática da educação em Moçambique. Para o autor, foi uma grande honra e um privilégio singular ser convidado a apresentar o tema a tão selecta assembleia, pelo que expressa aqui os mais sinceros agradecimentos à Directora do Gabinete de Estudos, a Dr.ª Arlete Matola, e seus colaboradores. Ficam também aqui expressos os mais sinceros agradecimentos a S. Excia o Ministro da Educação e Cultura, Dr. Aires B. Aly, bem como a outros directores e dirigentes a outros níveis do MEC que, tal como os directores de escolas, professores e académicos consultados, responderam prontamente aos pedidos de informação e partilharam sem reservas as suas opiniões sobre o sistema de educação. Embora estejam reflectidas neste artigo os pontos de vista de numerosas pessoas identificadas no anexo, as ideias formuladas e apresentadas aqui são da inteira responsabilidade do autor. Por isso mesmo, essas ideias e informações,

Intervenção de Narciso Matos

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embora identificadas no texto em itálico, não são explicitamente atribuídas a quem as exprimiu. O artigo poderá conter alguns números e alguns factos incorrectos, cuja responsabilidade é também exclusivamente do autor. O autor está convicto de que, tais possíveis imprecisões, de modo nenhum afectam as conclusões e recomendações que apresenta. Quisera o autor dispôr de tempo para verificar todos os dados e todos os factos que usou, mas os prazos para apresentação pública e publicação em livro, infelizmente, não permitem pesquisa mais rigorosa. A todos os que ajudaram neste trabalho, muito obrigado.

O IMPACTO DA EDUCAÇÃO SOBRE O DESENVOLVIMENTO E BEM-ESTAR104

O impacto da educação sobre a redução da pobreza absoluta

Hoje, poucas pessoas ou instituições questionam abertamente a importância fundamental da educação como factor de desenvolvimento das sociedades e do bem-estar das famílias e de pessoas singulares. E, após períodos em que se negligenciaram alguns subsistemas constituintes dum sistema completo e integrado de educação, aceita-se hoje e está firmemente estabelecido e demonstrado que todos os subsistemas e todas as formas de educação são imprescindíveis. Num estudo realizado na Serra Leoa, em 2003, verificou-se por exemplo que, a medida que aumenta o nível de escolaridade da chefe de família, já que no caso estudado as famílias eram chefiadas por mulheres, diminuía a percentagem de famílias vivendo abaixo do nível de pobreza absoluta, calculado como menos de 1 dólar por dia. Assim, registou-se um índice de 72% de famílias absolutamente pobres, quando a chefe de família era analfabeta. O índice baixou para

104 Os dados usados nesta secção provem dum relatório sobre financiamento da educação em vários países incluindo Moçambique, Gana, Serra Leoa, publicado pela Action Aid, em 2008

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57% para famílias cuja chefe havia concluído o ensino primário, e para 28% quando ela havia concluído o ensino secundário.

O impacto da educação na produtividade agrícola e noutros sectores

No Gana, no mesmo ano, estudou-se o impacto do acréscimo de 1 ano de escolaridade sobre a produtividade do trabalho, concluindo-se que, na agricultura, se observava um incremento de produtividade variando entre 1% a 3%, enquanto que, noutros sectores de actividade, o incremento era maior e variava entre 6% e 11%.

Impacto do investimento na educação sobre o Produto Interno Bruto

O Fundo Monetário Internacional revela que, estudos realizados em vários países, indicam que um aumento de 1% do Produto Interno Bruto investido na educação resulta, em média, num aumento do acesso à educação correspondente a 3 anos mais de escolarização, o que, por sua vez, promove um aumento do PIB da ordem de 1,4%.

Impacto da educação da mulher sobre o bem-estar da família

Em boa verdade, estes resultados não são surpreendentes, são até intuitivos. É sabido que a educação, sobretudo da mulher, promove o acesso à escola e o sucesso escolar dos filhos. Que quanto maior for o seu nível educacional, melhor se tornam o planeamento familiar e o recurso aos cuidados pré-natais, reduz-se o número de filhos por família, aumentam as taxas de vacinação dos filhos, diminuem a mortalidade materna e infantil, reduzem-se os casos de doenças diarreicas e outras doenças resultantes da utilização de água imprópria para consumo ou da falta de

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saneamento do meio e, de um modo geral, reduz-se o sofrimento provocado por doenças endémicas e evitáveis. Com a educação, sobretudo da mãe, aumenta a produtividade agrícola, melhora a dieta alimentar, melhora o bem-estar geral da família.

A EXPANSÃO DO ACESSO A EDUCAÇÃO105

A educação avançou em passos muito largos desde 1975, particularmente na última década, sobretudo o EP1 e o EP2

O acesso à educação, especialmente o acesso ao ensino primário do primeiro grau (EP1), e em menor grau, ao ensino primário de segundo grau (EP2), melhorou significativamente. Por exemplo, nos últimos cinco anos, o EP1 passou de cerca de 3.5 milhões de crianças em 2005 (46% de raparigas), para uma previsão de cerca de 4.4 milhões em 2010. O EP2 passou, no mesmo período, de cerca de 554 mil crianças (41% de raparigas), para 1.1 milhões. O número de escolas de EP1 e EP2 passou de 6.500 em 1999, para 9.500 em 2005. No ensino primário, atingiu-se quase paridade no acesso de rapazes e raparigas, embora persistam diferenças na taxas de conclusão.

A taxa de escolarização, que era de 82% para EP1 e EP2 em 2005, deverá melhorar para 97% em 2010. A taxa de conclusão de ciclo, que era de 33%, deverá melhorar para 69%. A meta seguinte é fazer com que todas as escolas de EP1 possam dar o ciclo completo da 1ª a 5ª classes. Ao mesmo tempo, constroem-se salas de aulas e formam-se professores em ritmo acelerado para se eliminarem as multiclasses e o 3º turno, este último era de 7% em 2005, e reduzir o número de alunos por turma que era de 90:1

105 Os dados usados nesta secção provém do Plano Estratégico de Educação e Cultura 2006 – 2010/11, aprovado pelo Conselho de Ministros, em 13 de Junho de 2006.

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em 2005, passando para 78:1 em 2010. A norma recomendada para um ensino primário eficiente é de um máximo de 40:1.

O ensino secundário está em processo de revisão para dar mais habilidades de saber fazer aos estudantes

No ensino secundário testemunha-se igualmente uma expansão rápida, acompanhada por uma reforma curricular para tornar o ensino mais profissionalizante e conferir aos estudantes habilidades de “saber fazer”. O Ensino Secundário de Primeiro Grau, ESG1, vai passar de cerca de 358 mil estudantes em 2005 (42% raparigas), para cerca de 987 mil estudantes (44% raparigas) em 2010. O ESG2 vai passar, no mesmo período, de cerca de 54 mil estudantes (39% raparigas), para 228 mil estudantes (42% raparigas) em 2010. Como no ensino primário, vão construir-se cerca de 5300 novas salas de aula para o ESG1, e 1600 para o ESG2. Debate-se a construção de escolas mais pequenas e mais próximas das comunidades, por forma a eliminar-se uma das barreiras ao acesso e factor de desistências, especialmente de raparigas.

O ensino técnico profissional e o ensino superior estão em expansão e reestruturação

O ensino técnico e profissional, com 77 escolas, está desde 2005 a ser reformado para responder às necessidades do mercado de trabalho. O ensino superior passou de 3 instituições situadas nas principais cidades e cerca de 10 mil estudantes em 1995, para abranger todas as províncias, com cerca de 36 instituições, e mais de 74 mil estudantes (cerca de 30% mulheres). No dizer de um dirigente escolar “o país é uma escola gigante, com gente a estudar de dia e de noite”. Outro dirigente dizia, “hoje as províncias exigem ensino superior, os distritos exigem escolas secundárias, ensino até a 12ª classe e até escolas técnicas e profissionais”.

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OS GRANDES DESAFIOS

Questões Críticas ao Nível do Sistema de Nacional de Educação

O Nível Macro

Dar à educação uma referência explícita a um modelo de desenvolvimento do País

A referência implícita, articulada e repetida acerca do desenvolvimento do país é “combater a pobreza absoluta”. Com esta formulação, torna-se claro o que há que eliminar, mas não é tão claro o que se quer edificar, nem mesmo os recursos humanos e outros que tal projecto vai requerer. Mesmo assim, cada sector de actividade, como seja a educação, é compelido a traduzir essa visão geral sobre o desenvolvimento do país no que esse sector deve fazer. Actualmente, não há uma visão completa e integrada da educação infantil até ao ensino superior e pós-universitário, uma visão que defina o que se quer e o que se planeia edificar como sistema nacional de educação, contando com os meios disponíveis ou os meios que é realisticamente possível mobilizar.

Repensar a estrutura actual que junta todo o sistema de educação com a cultura, e separa a gestão do ensino superior da gestão da ciência e tecnologia

Os ensinos primário e secundário constituem um sistema tão vasto, complexo e ainda em crescimento, com mais de 12 mil escolas, 6 milhões de estudantes e 12 mil professores, que talvez mereçam a atenção completa e não dividida de uma instituição com a autonomia e os poderes equiparáveis a um ministério. Mesmo a construção ou renovação de salas de aula e a formação ou reciclagem de professores, directores de escolas e outros

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dirigentes escolares, são por si só tarefas gigantescas. Ao mesmo tempo, o ensino técnico e profissional, o ensino superior e a investigação estão igualmente em expansão e reformulação. Na estrutura actual, é natural que estes subsistemas sejam preteridos a favor das exigências e da pressão contínua, especialmente do EP1 e EP2.

Repensar a possibilidade de reunificar a direcção do ensino superior com a da ciência e tecnologia

Por outro lado, a separação do ensino superior sob a direcção do Ministério da Educação e Cultura (MEC) por um lado, da ciência e tecnologia, sob direcção do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) por outro, é prejudicial, dado que grande parte dos investigadores e dos seus meios para investigação trabalham nas instituições de ensino superior. Quer dizer, o MEC é responsável pelo funcionamento das instituições de ensino superior, e o MCT é responsável pela actividade científica que decorre nestas instituições. Sabidamente, ensino e investigação devem ser inseparáveis para se assegurar uma educação ajustada às necessidades e realidade do país.

Cultura é uma área tão diversa e tão presente em todas as esferas da vida que não cabe no MEC e merece outro espaço institucional

Finalmente, coloca-se a questão da gestão, pelo Estado, da Cultura. Filosoficamente, compreende-se e não se pode argumentar contra a junção de educação e cultura sob um mesmo ministério. Veja-se por exemplo a questão da língua de ensino, uma questão eminentemente política e cultural. Ou a questão do conteúdo local do currículo escolar, cuja dimensão cultural é também inolvidável. No entanto, a combinação de educação

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e cultura sob um ministério já com uma missão tão vasta, com responsabilidades sobre todo o sistema de educação, merece ser repensada. Na actual concepção, alguma coisa está a ficar prejudicada. No dizer de um dirigente “este foi o quinquénio da cultura”.Num possível cenário, embora não o único pensável, os ensinos primário e secundário e a cultura poderiam ser melhor dirigidos, atendidos e servidos por um ministério que se dedicasse só a eles. E os ensinos técnico e profissional, ensino superior e ciência e tecnologia, poderiam ser dirigidos, atendidos e servidos por um outro ministério.

Balançar melhor a direcção política com as exigências do dia a dia da gestão prática

Há enormes benefícios decorrentes da “Presidência aberta” e do seu corolário de governação inclusiva. Os dirigentes ficam a conhecer quase em pormenor a situação, o progresso e os desafios de cada “canto” do seu “ministério”. Não são dirigentes de gabinete, interagem com as populações e vêem e sentem com elas as suas aspirações. Para o MEC, isso significa conhecer cada província, distrito, localidade e até quase cada escola do país. Daí que o tempo e a energia humana requeridos sejam enormes, não somente para visitar, conhecer e dirigir no local, mas também para conceber e visualizar o caminho e as soluções futuras. Não surpreende pois, que um número não negligenciável de dirigentes escolares expressem o sentimento de que, “no actual paradigma de governação, o ministro e os directores provinciais dedicam muito tempo e energias á governação política, sobrando-lhes pouco tempo para a governação técnica e prática”. Como em muitas circunstâncias da vida, a boa solução, ou “a virtude” encontra-se sempre no meio, no equilíbrio, e raramente se encontra nos extremos.

“O acesso a um sistema de educação sem qualidade é praticamente equivalente à completa falta de acesso a educação”

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O segundo Objectivo de Desenvolvimento do Milénio106, que é “atingir acesso universal ao ensino primário” e o terceiro que é “assegurar igual participação de homens e mulheres em todos os níveis de ensino”, ambos até ao ano 2015, conjugados com os objectivos da “Educação Para Todos107”, ao serem adoptados pelos Estados, incluindo Moçambique, representam um desafio honrável e visionário, mas ao mesmo tempo enorme. Estes compromissos decorrem do reconhecimento do valor da educação, e traduzem, afinal, o já preconizado desde 1948 na Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“ Todos os cidadãos tem direito a educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos o ensino primário e básico. O ensino básico deve ser obrigatório”108.

A expansão do ensino no país, honra assim os compromissos assumidos, e mais importante ainda, responde à necessidades reais, diariamente sentidas e totalmente legítimas das populações. Todos os cidadãos têm iguais direitos, todos têm direito ao acesso ao ensino e à educação. O acesso universal torna o país melhor, mais rico, mais humano e mais justo. Mas há enormes e insofismáveis desafios e constrangimentos ao alargamento do acesso com equidade do género. Eles resultam da limitação dos recursos humanos – quer em número, quer em capacidade e experiência das pessoas habilitadas para fazer o que há a fazer – acrescida da exiguidade de recursos materiais e financeiros – quer os gerados pela nação, quer os disponibilizados por outros. Os constrangimentos resultam ainda do tempo disponível para se atingirem as metas e se estenderem os serviços às populações. Na verdade, não há tempo a perder. Poder-se-ia dizer a uma mãe

106 Objectivos do Desenvolvimento do Milénio, http://devdata.worldbank.org/atlas-mdg/107 Educação para Todos,.... 108 Artigo 26, Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948

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ou a uma comunidade “espera pela tua vez”? Afinal, o acesso, quando vem, já vem tarde, muitas gerações tarde....

Por isso, por todas estas razões, a expansão está sendo feita, em Moçambique como em todos os países em desenvolvimento109, com sacrifício da qualidade, como resposta à pressão da necessidade, algumas vezes como compromisso seriamente e honestamente assumido pelos governos, como se crê ser o caso de Moçambique, outras vezes ainda como expediente populista e eleitoralista. No esforço e na corrida pela expansão do acesso, voluntária ou involuntariamente, muitas vezes não se está a assegurar o mínimo de qualidade abaixo do qual a educação não forma o estudante. É opinião comum, pelo menos nos meios urbanos, e uma vez mais em quase todos os países em desenvolvimento, mas também em Moçambique, que “na 5ª classe, muitas crianças não sabem ler, escrever ou comunicar”.

A expansão da rede escolar e do acesso ao ensino deve ser acompanhada pelo aumento, e não por uma redução, do orçamento para a educação

A manutenção de um ensino de qualidade e permanentemente ajustado às necessidades da sociedade exige investimentos sempre crescentes na formação de professores e outro pessoal envolvido na educação, em infra-estruturas escolares modernas e adequadas às novas tecnologias educacionais, em serviços e benefícios de assistência sociais diferenciados, consoante as necessidades dos educandos, etc. Parece pois evidente que, num quadro de expansão do acesso ao ensino, haverá necessidade de cada vez mais dinheiro para investir no sistema. No caso de Moçambique, a necessidade de um investimento crescente decorre quer do crescimento demográfico, quer da necessidade

109 A esta conclusão chegou, por exemplo, a 17ª Conferência dos Ministros de Educação dos Países da Commonwealth, reunidos na Malásia, em Junho 2007. Para mais informação ver....

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de recuperação e reposição dos recursos humanos perecidos e das infra-estruturas escolares destruídas nos anos de guerra. A incidência do Sida, com cerca de 32 mil trabalhadores do Estado afectados, torna ainda maior a necessidade de investimentos. Note-se que os professores e enfermeiros são, de muito longe, os maiores contingentes de trabalhadores do Estado, e os mais atingidos pelos índices de infecção e de morte pelo HIV e Sida.

Por isso, para a expansão de uma educação de qualidade, a proporção do orçamento do Estado para educação deve não só ser mantida, a par do aumento do número de escolas, de estudantes e de professores, mas ser aumentada. Sucede que o Orçamento de Estado para o MEC que, segundo o PEEC, deveria ter sido de 23.8 % do Orçamento de Estado em 2006 (6.5% do PIB), e crescer para 30.1% em 2010 (7.7 % do PIB), na realidade baixou de 19.8% em 2006, para 18.9% em 2007, e de 20% em 2008 para 18.2% em 2009110. Tal decréscimo contraria e nega os objectivos nacionais, os ODMs e o objectivo de EPT, de se assegurar o acesso a um ensino de qualidade à todas as crianças e jovens.

Questões Críticas ao Nível dos Sub-Sistemas

Educação Pré-Escolar

O que se aprende na Creche, na Escolinha ou na Educação Infantil (ANTES DA ESCOLA) determina o que se aprende NA ESCOLA

Demonstrou-se já há várias décadas a importância do desenvolvimento das habilidades cognitivas da criança entre os 2 e os 5 anos de idade. Sabe-se, sem margem para dúvidas, que é nessa idade que se criam as bases e os fundamentos para um desenvolvimento ulterior das capacidades pessoais

110 Dados obtidos do PEEC e do relatório da reunião do Comité Paritário de Acompanhamento do Ministério de Educação e Cultura, Janeiro de 2009

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de aprendizagem e do coeficiente de inteligência. No caso de Moçambique, dado o seu nível de desenvolvimento, a educação infantil assume importância ainda maior por duas razões adicionais: o acesso a suplementos nutricionais – compensando as dietas caseiras pobres, nas famílias pobres, e a aprendizagem da língua portuguesa pelas crianças, já que nos meios rurais, a maioria delas chega a escolinha a saber falar apenas a sua língua materna.

Hoje, no entanto, as creches e as escolinhas abrangem apenas cerca de 40 mil crianças , ou seja, só 1% das crianças com menos de 6 anos de idade. Assim, a falta de educação infantil para a grande maioria das crianças é agravada pela barreira da aprendizagem do Português como língua de ensino. No dizer de um dirigente “a 1ª classe (sobretudo no campo) está a funcionar como pré-primária”. Outro dizia a “1ª e 2ª classes são para aprender a língua, a ler e a escrever”.

Línguas Maternas

Decidir pelo uso das línguas maternas – considerar as vantagens do ensino bilingue

Na verdade, o último senso populacional de 2006 revelou que apenas 6.5% da população moçambicana falava português como língua materna, e a maioria falava uma das mais de 16 línguas moçambicanas principais. Por outro lado, sabe-se que, usando línguas maternas, os alunos aprendem mais e melhor. Esta é a evidência derivada, entre outros estudos, do trabalho que o INDE realizou em 70 escolas piloto, com 16 línguas nacionais, usando a língua materna principal da região como língua de ensino da 1ª a 3ª classe.

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O uso de Línguas Maternas não se pode limitar ao seu uso nas primeiras classes da escola

Contudo, para ter sucesso, o uso de línguas maternas tem que penetrar em todos os níveis da sociedade moçambicana. Tem que ser usadas no parlamento, nos órgãos de comunicação social, no aparelho de governação, de justiça, entre outros. Terá que se atender a questões como a investigação e padronização das línguas, a formação de professores, a produção de materiais escolares, ao desenvolvimento de literatura oral e escrita que usem e valorizem as línguas originariamente moçambicanas. Trata-se de um projecto político e cultural que exige um debate, uma decisão e um compromisso que envolva de forma consciente toda a sociedade moçambicana. Não é fácil nem imediato, mas é absolutamente necessário. Não é tarde, e certamente, não é cedo para se começar. Porque língua é cultura. E, que se saiba, até hoje nenhum país se desenvolveu com uma língua estrangeira, negligenciando as suas línguas e a sua cultura.

Currículo

A relevância do que se ensina determina o interesse e a participação dos alunos, e o benefício do ensino para a comunidade

O currículo introduzido no ensino primário em 2004 propôs uma aprendizagem baseada em competências e o conceito de ciclos de aprendizagem, isto é, o 1º ciclo compreendido pela 1ª e 2ª classes, o 2º ciclo compreendido pela 3ª a 5ª classes, e o 3º ciclo pela 6ª e 7ª classes. Propôs ainda a introdução de educação visual, da aprendizagem de ofícios e do “saber fazer”, assim como a introdução de educação moral e cívica e do inglês a partir da 6ª classe. Reservou 20% do currículo

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para ser desenhado e adaptado às condições locais da escola, para tornar a educação relevante e ajustada às necessidades de desenvolvimento local.

Alguns dos pressupostos implícitos ou explícitos do currículo de 2004 são o conhecimento e capacidade dos professores para executarem a filosofia e prática do novo currículo. Para conceberem e introduzirem conteúdos locais no currículo. A existência de turmas suficientemente pequenas para o professor poder personalizar a atenção e o tempo dedicado a cada estudante, de modo a estimular todos e cada um dos estudantes, e poder prestar atenção especial aos estudantes que precisassem de atenção especial. Finalmente, o professor deveria poder avaliar se cada estudante havia ou não atingido os conhecimentos e habilidades prescritos para o ciclo de aprendizagem. Haveria assim uma transição de ciclo dos estudantes por grupo etário, correspondendo a cada ciclo e grupo etário um conjunto de conhecimentos e habilidades bem determinados.Volvidos 6 anos de aplicação do currículo de 2004, foi reunida experiência suficiente para se avaliarem os resultados alcançados ao fim do 1º e do 2º ciclos. Em 2011, será possível avaliarem-se os resultados alcançados ao fim do 3º ciclo. Perante as inquietações e crítica social à qualidade da educação primária, seria prudente e aconselhável planear-se e fazer-se essas avaliações. É necessário produzir evidência empírica que vá além dos casos conhecidos por cada um ou de desabafos sociais como “na 5ª classe as crianças não sabem ler nem escrever”. A partir dessa evidência, poder-se-à então proceder aos ajustamentos que se mostrarem necessários.

Formação, Motivação e Retenção de Professores

A qualidade do ensino depende também da Formação e Qualidade dos Professores

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Um dos maiores desafios da expansão escolar com qualidade, é a formação científica e metodológica de professores para todas as escolas e todas as disciplinas que constituem o novo currículo. Esse esforço está a ser feito, pese embora o gigantismo da tarefa e dos obstáculos a ultrapassar. De acordo com dados disponíveis, só em 2008 foram recrutados mais 8 mil novos professores para o EP1 e EP2. A meta de recrutamento era de 10,000 novos professores, mas não pôde ser alcançada por constrangimentos de ordem financeira. Para mitigar a carência de professores qualificados para as escolas secundárias da 7ª a 9ª classes, o MEC, através da Universidade Pedagógica, iniciou a formação, em cursos de 1 ano, de professores com habilitações mínimas de 10ª classe. Para as escolas de 10ª a 12ª classes, a UP iniciou a formação, em 1 ano, de professores com habilitações mínimas de 12ª classe. Ao mesmo tempo, oferecem-se cursos de formação didáctica e pedagógica aos professores em exercício. Mesmo assim, o ritmo de recrutamento e, sobretudo, o ritmo de formação e, consequentemente , o nível de conhecimentos científicos da maioria dos professores em exercício, crescem a um passo mais lento do que a necessidade actual e a velocidade de expansão da rede escolar. A abertura de escolas a nível local, por vezes fora de um plano de provisão de professores, aumenta ainda mais a falta de professores qualificados.

Avaliar criticamente o SISTEMA de formação de professores

Coloca-se pois a questão de como acelerar a formação de professores de modo a servir um sistema em expansão. Presentemente, os professores para o EP1, EP2 e ESG1, isto é, da 1ª a 9ª classes, são formados em 11 Centros de Formação de Professores Primários (CFPP) e 9 Institutos Médios de Abilitação de Professores (IMAP), pertencentes ao Estado, bem como em centros de formação pertencentes e geridos

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pela Ajuda ao Desenvolvimento Povo para Povo (ADPP). O Centro Universitário Dom Bosco começou, faz quatro anos, a formar professores para algumas disciplinas do ensino técnico e profissional. A Universidade Pedagógica forma professores para o ESG1 (7ª a 9ª) e ESG2 (10ª a 12ª).

Estudos realizados em outros países, por exemplo pela UNESCO, revelam que, seguindo os sistemas e métodos tradicionais, não será possível formar os professores necessários para satisfazer o número de escolas que devem ser criadas e funcionar para se atingir com qualidade o acesso universal ao ensino primário até ao ano 2015111. À semelhança dos agentes para-médicos, que são formados a ritmo mais acelerado que os médicos, embora para espectros mais limitados de conhecimentos e habilidades, discute-se hoje a formação de “para-professores”. Debate-se o potencial das tecnologias de informação e como elas podem alicerçar a aprendizagem “centrada” no estudante, transformando o professor num “tutor” e auxiliar, em vez de mestre. Seja quais forem as soluções ao alcance de cada país, a Moçambique coloca-se a questão de estimar as necessidades e a capacidade actual de formação de novos professores e reciclagem dos professores em serviço.

A questão de decidir como acelerar a formação. Algumas ideias merecem ser exploradas, como a autorização e estímulo de operadores privados para formarem professores, mediante guia metodológico e controle de qualidade exercido pelo MEC, o convite aos professores reformados para reentrarem no ensino como contratados, ou a utilização de explicadores habilitados e certificados. Poderá ser necessário ainda estabelecer um sistema mais integrado, autónomo, capacitado e financiado para formar professores antes e durante o serviço. Além disso, haverá que se avaliar o impacto da morte e doença de professores, sobretudo

111 De 2000 a 2009, o número de estudantes em escolas primárias aumentou em cerca de 40 milhões, para o que são necessários cerca de mais 18 milhões de professores.

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por causa do Sida. Em 2000, estimava-se que 17% dos professores poderiam morrer de Sida, e os custos para a educação seriam da ordem de 5% do orçamento investido no sector. Para além do impacto social, esta verdadeira hemorragia de recursos humanos vai reduzir ainda mais a disponibilidade de professores.

A qualidade do ensino depende também da Motivação e da Retenção dos Professores

Se formar novos professores é uma tarefa gigantesca, não é menos difícil motivar os que já são professores, não só para trabalharem com entusiasmo e dedicação, mas também para não mudarem para outras profissões melhor remuneradas ou que ofereçam trabalho em lugares mais atractivos. Por isso, se coloca o desafio de identificar e agir sobre os factores que afectam a qualidade do ensino. Entre outros, a qualidade do ensino sofre quando o número de alunos por turma ultrapassa determinados limites. Sabe-se que, acima de 40 alunos por turma, o ensino se torna menos efectivo. Por isso, a nível nacional, há que continuar a diminuir o número médio actual de 71 crianças por turma. Em algumas escolas faltam professores habilitados para ensinar determinadas disciplinas, o que requer a formação acelerada destes. Em termos médios, os professores faltam com frequência às aulas, não podendo por isso ensinar os programas completos para cada classe, havendo por isso que encontrar as causas e reduzir o absentismo. Não há um sistema de inspecção escolar sistemática e regular, que permita identificar e quiçá solucionar alguns dos problemas que as escolas enfrentam.

Quanto aos factores que afectam a motivação, incentivo e retenção de professores, é necessário continuar-se a melhorar os salários, as condições de habitação e as condições gerais de vida dos professores, mormente nas zonas rurais. Providenciar meios de ensino e de trabalho, como o livro escolar, material didáctico e outra literatura suplementar para os estudantes,

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melhorar as condições gerais das escolas, como a qualidade das salas de aula, o abastecimento de água e a sanidade das escolas. Um factor importante de incentivo é a possibilidade de reciclagem e de formação contínua dos professores, abrindo-lhes assim a possibilidade de aumentarem os seus conhecimentos e progredirem profissionalmente.

Os Meios Básicos de Ensino como salas de aula, quadros pretos, livros escolares e material de demonstração são ferramentas essências do ensino de qualidade

Não é demais reiterar que os recursos financeiros são uma das condições primeiras para se poder agir sobre o conjunto de factores que determinam a qualidade do ensino. Por isso se dizia que o Orçamento do Estado deve crescer gradualmente – à medida do crescimento da riqueza do pai – para custear o sistema de ensino. A fase presente do sistema de ensino pode, sem muita margem para erro, designar-se como uma fase de investimento: investimento na construção e reabilitação de escolas, investimento na formação de professores. Isso é necessário e justificado. Ao mesmo tempo, será necessário cada vez mais prestar-se atenção e disponibilizar recursos para despesas de funcionamento das escolas, como é o caso da manutenção das escolas e a aquisição e manutenção de material didáctico, equipamentos e outros meios de ensino.

Compreensão do novo currículo

A passagem por ciclos de aprendizagem faz parte da filosofia e estrutura do novo currículo adoptado em 2004

A avaliação e passagem por ciclos, e a abolição de exames obrigatórios ao fim de cada classe, a que vulgarmente se chama passagem automática, é hoje uma das questões mais debatidas e que

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mais apoquenta os pais e encarregados de educação. À passagem automática são muitas vezes associadas as causas da baixa qualidade do ensino. Os dirigentes escolares consideram que a associação da baixa qualidade do ensino ao sistema de avaliação por ciclos se deve sobretudo à falta de explicação ao público em geral, e à falta de explicação e formação dos professores sobre a nova filosofia do currículo de 2004. Por isso, à par da avaliação do currículo e das premissas para a sua execução com sucesso, será necessário pensar-se e lançar-se uma campanha de informação ao público e de informação e formação dos professores. Evidentemente, a questão de fundo é a da qualidade do ensino, e ao se agir sobre as causas fundamentais da sua qualidade, estar-se-à a contribuir para desmistificar a “passagem automática”. Como alguém dizia, “o marketing só tem resultado quando o produto é bom”.

As comunidades e dirigentes devem ser envolvidos no debate sobre a qualidade do ensino

É pois necessário levar às comunidades o debate sobre a qualidade do ensino, para que sejam entendidos os dilemas e desafios da expansão, e para que se possa envolver a comunidade em geral, os encarregados de educação em particular, no esforço para se assegurarem as condições básicas para o funcionamento das escolas. Para se conseguir uma cada vez maior participação dos pais e das comunidades na ampliação, na conservação e na valorização das escolas. Para que a escola se torne verdadeiramente na coisa da comunidade.

Gradualmente, a responsabilidade pela gestão da escola deve ser transferida para a própria escola

Neste contexto, é importante que a Comunidade, o Conselho de Escola e o Director saibam e sintam que a escola é sua e que têm a responsabilidade de a gerir. Por parte do MEC, são bem

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vindas as iniciativas em curso para se transferir efectivamente para as escolas a responsabilidade pela gestão. É bem vinda a transferência para as escolas dos poderes para gerir o orçamento de funcionamento, angariar recursos locais e decidir sobre o uso desses recursos na escola, seguindo normas estabelecidas, mas sem “interferência” excessiva de “fora”.

Cooperando, as direcções das escolas e a comunidade podem combater práticas que limitam o acesso à escola

Além de factores internos, o funcionamento duma escola é afectado por factores do meio circundante no qual a escola existe, o que ilustra ainda melhor a necessidade de uma interacção e cooperação entre os dirigentes escolares e comunitários. Por exemplo, a falta de segurança nas escolas e nos caminhos de casa para a escola, quando as distâncias são grandes, constitui uma das causas de desistência escolar, sobretudo de raparigas adolescentes. O assédio e abuso sexual, principalmente de estudantes do sexo feminino, é outro fenómeno que também contribui para o insucesso ou mesmo desistência escolar. Nalguns meios, os estudantes ausentam-se da escola durante determinados períodos da época agrícola ou em períodos relacionados com ritos de iniciação ou outras práticas culturais. Nalguns outros casos, havendo que atender à tarefas domésticas, ou por exiguidade de recursos, ou por causa de casamentos prematuros, as meninas são sacrificadas e menos passíveis do que os rapazes de serem mandadas para escola e apoiadas a completarem os seus estudos. Apesar do acesso à escola e o livro escolar serem gratuitos, registam-se por vezes cobranças ilícitas, não autorizadas por conselhos de escola ou outra autoridade escolar, de dinheiros para admissão à escola, para compra de livros e fardamentos, para pagar propinas de exame, para explicadores, etc., que tornam efectivamente não gratuito o ensino que por lei é obrigatório e gratuito. Estes fenómenos ilustram os factores sociais e culturais, ou do meio circundante, que podem ser mais

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efectivamente tratados quando existe cooperação entre a escola e a comunidade.

Alfabetização e Educação de Adultos

No esforço de expandir o acesso à escola a crianças em idade escolar, há que não negligenciar a necessidade de se continuarem as campanhas de alfabetização e educação de adultos. Na grande maioria dos países em desenvolvimento, e Moçambique não constitui excepção, há ainda uma grande fracção de jovens adolescentes e de adultos que não tiveram oportunidades de escolarização e são efectiva e funcionalmente analfabetos112. No caso de Moçambique, a taxa de analfabetismo decresceu de 97% em 1975, para 54% em 2005. Por outras palavras, há no país ainda cerca de 46% de analfabetos, sobretudo mulheres nos meios rurais. Exceptuando a acção de algumas organizações não governamentais, bem como certas iniciativas do MEC, o ímpeto das campanhas de alfabetização decresceu. O analfabetismo é um desafio que ainda não foi vencido e que continua a exigir a atenção e investimento do Estado.

A Educação Especial

A escolarização de grupos especiais de estudantes requer também atenção e por vezes, soluções também especiais113. Em 2005, havia no país mais de 35 mil crianças e jovens recebendo educação especial de mais de 3 mil professores e técnicos especializados, num esforço que precisa de ser continuado. Além de mais professores, precisa-se de adequar as escolas e o material didáctico às necessidades de grupos especiais como estudantes

112 Em 2015, 700 milhões de adultos vão ser ainda analfabetos, segundo Rasheda Choudhary, numa comunicação apresentada na 17ª Conferência de Ministros de Educação da Commonwealth, Kuala Lumpur, Junho 2009.113 Nalguns países em desenvolvimento da Commonwealth, em média, 1 em 3 crianças chegam a escola com deficiências de aprendizagem. Rasheda Choudhary, idem

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com deficiências motoras, visuais ou outras dificuldades de aprendizagem. Esse é o significado de acesso universal e equitativo ao ensino primário.

Educação Não Formal

O “Aprendizado”

A aprendizagem de artes e ofícios por meio do sistema de aprendizes é uma forma de educação negligenciada

Na sociedade moçambicana, o “aprendizado” desempenha um papel essencial na formação de carpinteiros, mecânicos, latoeiros, artistas, cesteiros, artesãos, curandeiros, etc.. Os graduados do aprendizado reparam os nossos carros, geleiras e televisores, constroem e mantém as nossas casas, curam as nossas doenças, prestam-nos serviços sem os quais não poderíamos viver a vida que vivemos. O aprendizado treina e emprega e, portanto, garante o sustento de milhares e milhões de mulheres e homens e suas famílias. No entanto, com excepção das escolas de artes e ofícios, principalmente criadas e mantidas por algumas congregações religiosas, o aprendizado funciona à margem e fora do ensino oficial: não é certificado, acreditado, apoiado ou valorizado. Na essência, faz parte do “sector informal”.

Participantes do Seminário

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O aprendizado é tratado da mesma forma como a medicina tradicional, o conhecimento sobre produção e preservação de culturas, ou a criação de animais indígenas, e os ritos e as práticas curativas. Sabe-se que estes sistemas e conhecimentos existem, a eles se recorre, mas é-lhes negado o estatuto que merecem e não se reconhece o seu contributo social. O aprendizado é olhado como inferior e não credível.

Devemos inventariar, elevar a qualidade, certificar e apoiar o sistema do “aprendizado”

Este sistema merece uma reflexão e uma acção séria por pare do Estado, principalmente no contexto da promoção do auto-emprego e no apoio ao surgimento de milhares de pequenas e médias empresas. Poder-se-à começar por inventariar as principais profissões e artes formadas por via do aprendizado. Avaliar a qualidade da formação que é oferecida e experimentar métodos para melhorar, certificar e acreditar o sistema e seus graduados. Neste esforço, haverá que nos precavermos de burocratizar e taxar o sistema, empurrando-o para a extinção ou para a “clandestinidade”.

Educação Contínua

A educação contínua treina e actualiza graduados do ensino secundário, técnico e profissional e a força de trabalho activa

A educação contínua é um imperativo para a adaptação contínua a novas tecnologias e formas de produção. Ela dá aos graduados e profissionais as habilidades de vida que as escolas ainda não sabem ensinar: planear, gerir, orçamentar, empreender, falar em público, escrever. Por isso, para ser completo e para permanecer relevante, o sistema de ensino tem que prestar atenção as

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oportunidades e formas de educação contínua, ainda que nele possam e devam intervir diversos actores para além do Estado.

Os Desafios do Ensino Técnico e Profissional

Numa pirâmide educacional normal, os números de estudantes e graduados do ensino técnico e profissional devem ser muito maiores do que os números de estudantes e graduados universitários

O mercado de trabalho assemelha-se, de certa maneira, a uma estrutura organizacional e uma cadeia de comando de tipo militar, a uma pirâmide organizativa. No topo, o mercado deverá ser servido por um grupo relativamente pequeno, altamente qualificado e especializado de cientistas, engenheiros e humanistas. O segundo nível, deve ser mais amplo, com um espectro de conhecimentos e de especialização menos profundos, apto a pensar, certamente, mas sobretudo apto a executar criativamente as directrizes e os planos concebidos pelo primeiro escalão. O terceiro nível e os níveis seguintes, devem ser progressivamente mais executores, menos responsáveis por estrategizar ou conceber. É certo que, na produção moderna, se espera e deseja que todos os níveis sejam pensantes, criativos e, sobretudo, que todos os níveis da cadeia de produção sejam envolvidos e ouvidos no processo de planificação. É necessário que a educação e a competência de todos os escalões cresçam continuamente. Mas a pirâmide da força de trabalho deve permanecer, e deve ser reflectida e criada pelo sistema educacional. Deverá haver uma base larga de escolas e estudantes e, depois, de graduados do ensino geral obrigatório, com habilidades de “saber fazer”. Acima deste grupo, deverá haver um grupo relativamente mais pequeno de escolas e institutos médios, e de estudantes, de que resultam graduados do ensino médio, técnico e profissional, dotados de mais conhecimentos e mais habilidades de conceber e de “saber fazer” do que o grupo anterior. No topo, deverá

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haver escolas e institutos superiores e universidades, e um grupo relativamente mais pequeno de estudantes e futuros graduados altamente qualificados, criativos, responsáveis pela concepção e direcção geral do processo produtivo. A ênfase é, a este nível, no “saber”.

No país, a pirâmide está-se ainda a constituir. Não surpreende pois que ela seja ainda, pode-se dizer, relativamente distorcida. Está-se a expandir a base do ensino geral e obrigatório. Está-se a expandir aceleradamente o ensino superior, como se verá mais adiante. O ensino médio, técnico e profissional, no entanto, não se tem expandido ao ritmo proporcional desejável para se constituir uma força de trabalho equilibrada, uma pirâmide bem formatada. Actualmente, há cerca de 74 mil estudantes, formados em 36 instituições de ensino superior, para cerca de 45 mil estudantes do ensino médio, técnico e profissional, formados em cerca de 77 instituições.

Dedicam-se ao ensino médio, técnico e profissional cerca de 11 escolas elementares, para os quais se ingressa com habilitações mínimas de 5ª a 7ª classes, para a frequência de cursos que duram entre 2 e 3 anos. 28 escolas básicas, com um nível de exigência mínima de entrada de 7ª classe, para a frequência de cursos com a duração de 3 anos. E 8 escolas de nível médio, com ingressos com nível mínimo de 10ª, para cursos com duração 3 anos acrescidos de estágio professional de alguns meses.

Foi observando esta situação e os desafios internos do subsistema que, em 2005, o MEC decidiu que o ensino médio, técnico e profissional (ETP) carecia de uma intervenção profunda. Verificava-se entre outros, que os professores qualificados tendiam a retirar-se do ensino técnico e profissional e procurar outros empregos. Que 30% dos estudantes do ensino técnico e profissional usavam o subsistema como alternativa à dificuldade

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de acederem ao ensino superior, ou como trampolim para ingressarem mais tarde no ensino superior. Daí que pelo menos cerca de 40% dos estudantes desistiam ou não completavam a sua formação no ensino técnico e profissional e as taxas de repetição eram muito elevadas. Para além de ser percebido como de menor valor social – e os seus graduados receberem remunerações mais baixas – o ensino técnico e profissional até muito recentemente, e praticamente desde a década de 1980, não beneficiou de investimentos significativos. As instalações e estruturas físicas das escolas, particularmente os laboratórios e oficinas eram insuficientes e carentes de manutenção e reabilitação. O seu financiamento não tinha em conta que, pela natureza dos seus cursos, pela necessidade de oficinas, ferramentas e insumos para o ensino, o ensino técnico e profissional é caro e muito mais dispendioso do que o ensino geral, na verdade até mais dispendioso do que grande parte dos cursos superiores exceptuando engenharias, arquitectura, medicina poucos cursos mais.

Para corrigir a situação e promover o desenvolvimento do ensino médio e técnico e profissional foi criado o Programa de Reforma do Ensino Professional (PIREP), que iniciou em 2006 um processo de Reforma da Educação Profissional, para preencher a lacuna referida na pirâmide de força de trabalho qualificada. Ao PIREP compete agora criar um órgão nacional para definir a política do ensino técnico e profissional. Desenvolver um sistema de ensino técnico e profissional baseado em competências, que responde às necessidades do mercado de trabalho, que será certificado e avaliado segundo um padrão de competências. Formar professores, reabilitar infra-estruturas, laboratórios e oficinas para elevar para cerca de 80% o trabalho prático realizado nos cursos. Atrair os empregadores e o sector privado para se envolverem na formação da sua força de trabalho, seguindo os padrões, a certificação e a acreditação conferidas pelo PIREP. E financiar boas experiências

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de formação profissional nas comunidades, no sector público e no sector privado.

O PIREP está a fazer um bom trabalho, mas o seu maior desafio é o de completar, até 2011, e consolidar, até 2015, a sua experiência piloto. De acordo com os planos inicias, a experiência piloto está limitada a um número selecto e pequeno de escolas, e só deverá ser estendida posteriormente à totalidade do sistema de formação profissional. Como todo o sistema educacional, o PIREP é pressionado para se expandir, e expandir-se já, mesmo sem ter os meios e o tempo para reabilitar e apetrechar as escolas, treinar os professores, reformular os programas e currículos nas escolas piloto. Em suma, o PIREP está sob pressão para abandonar de facto a experiência piloto, para estender a reforma à todo o sistema, sem ter o tempo e o dinheiro para fazer até ao fim uma reforma bem feita.

O PIREP é desafiado ainda a integrar a formação profissional oferecida por vários ministérios e pelo sector privado num sistema guiado por princípios e normas únicas estabelecidas pelo MEC, sabendo-se que existem actualmente mais de 22 instituições de formação profissional fora da tutela do MEC, sendo 8 privadas. O Ministério do Trabalho, por exemplo, é o principal formador profissional em cursos de curta duração, mas está “de facto” ou pelo age como se estivesse à margem da Reforma do Ensino Professional.

Os Desafios do Ensino Superior, da Investigação Científica e da Extensão

O ensino superior expandiu-se em todos os sentidos mas a taxa de acesso é ainda baixa, e a qualidade da educação está a ser comprometida

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Embora partindo de uma base muito baixa, relativamente à população do país e aos jovens em idade de ingresso, o ensino superior expandiu-se mais depressa e muito mais rapidamente do que qualquer dos outros subsistemas de educação. Passou de 3 instituições públicas, com pouco mais de 10 mil estudantes, por volta de 1990, para mais de 36 instituições de ensino superior em 2009, metade privadas, com mais de 74 mil estudantes. Geograficamente, há hoje pelo menos uma instituição de ensino superior em cada capital provincial, e nalguns casos mais do que uma instituição, incluindo noutras cidades que não são capitais. Pese este crescimento exponencial, a taxa de estudantes matriculados no ensino superior é apenas 1% da população em idade de ingresso, e as admissões às instituições de ensino superior estão muito aquém da procura, sendo menos de 1/3 dos estudantes da 12º classe. É pois notável a expansão, mas há ainda muito que fazer para se satisfazer a procura. Não se conhecem estudos de mercado que indiquem quantos e que tipos de graduados universitários são hoje e num futuro previsível necessários para suster o crescimento da economia e sociedade moçambicanas, embora, para certas profissões, se comece a falar de longos períodos de espera e de procura para se encontrar um emprego comensurável com o nível e tipo de formação. É também provável que o processo de descentralização da governação e a definição dos distritos como pólos de desenvolvimento propicie a criação de novos postos de trabalho e maior absorção de graduados.

Mesmo perante este quadro, é opinião e preocupação consensual entre dirigentes académicos, empregadores e ordens e associações profissionais que a expansão do ensino superior decorre sem garantias dos requisitos para se assegurar uma educação de qualidade. Nota-se que as infra-estruturas, bibliotecas e recursos humanos, entre outros recursos ao serviço do ensino superior são insuficientes e inadequados para se assegurar qualidade. A abertura do mercado do ensino superior para operadores privados

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alimentou e contribuiu para a expansão do sistema, mas a tutela do ensino superior, no quadro da autonomia conferida pela lei, tem-se revelado inadequada. Por exemplo, quer nas instituições públicas, quer nas privadas, tem sido autorizada ou tolerada a abertura e funcionamento de cursos sem se reunirem as condições indispensáveis como bibliotecas ou salas de leitura devidamente apetrechadas, laboratórios e campos de experimentação, professores qualificados e verdadeiramente dedicados à vida académica. Em muitas instituições de ensino superior não há qualquer agenda ou actividade de pesquisa científica que sirva para alicerçar o ensino.

A preocupação com a qualidade do ensino e dos graduados é hoje explicitamente expressa pelas ordens profissionais como a Ordem dos Engenheiros, que se diz “..muito preocupada com a capacidade dos graduados actuarem verdadeiramente como engenheiros”, pela circunstância de que “...alguns / muitos desses cursos (de engenharia) estejam a ser abertos sem que as respectivas instituições de ensino superior, públicas ou privadas, disponham dos recursos humanos qualificados, dos equipamentos e dos recursos financeiros para o seu normal funcionamento, com reflexos negativos sérios na qualidade dos graduados e na sua capacidade de actuarem verdadeiramente como engenheiros...”. Para a Ordem dos Advogados, com o aumento do número de graduados nota-se que “o crescimento do número de licenciados em Direito criou maior procura para a realização de estágios profissionais com vista à sua titularização profissional. No entanto, contrariamente ao crescimento do número dos licenciados, nota-se a redução de qualidade na sua formação”. A Associação dos Economistas diz que “tem debatido questões relacionadas com as implicações das actuais reformas que reduzem os cursos de 4 anos para 3 anos; como será resolvido o problema da necessidade de formação dos docentes; e como responder aos actuais desafios das exigências do mercado...”114

114 Pronunciamentos apresentados pelos decanos da Ordem dos Engenheiros, Ordem dos Advogados e Associação dos Economistas, num encontro dedicado a debater a qualidade do ensino superior, em Junho 2009

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As instituições de ensino superior devem integrar mais activamente na sua gestão os empregadores, as ordens e associações profissionais, e representantes doutros sectores sociais

Dado o nível de procura do ensino superior pelos estudantes e dada a pressão política para se expandir o ensino superior de modo a responder à necessidade de servir todas as regiões do país e corrigir os desequilíbrios regionais vindos do passado, o desafio que se coloca ao ensino superior não é simples. A realidade é que a expansão é imparável e vai continuar. Há pois que se pensar em formas inovadoras de se assegurar que o que é expandido é uma educação superior de qualidade. Como nos outros níveis de ensino, a participação da comunidade poderá trazer enormes benefícios. Para além duma tutela mais efectiva pelo Estado, as instituições de ensino superior, quer públicas, quer privadas, ficarão mais enriquecidas e a qualidade do seu trabalho vai ser melhor e mais credível se envolverem os empregadores e a sociedade na definição da natureza e conteúdos dos cursos que oferecem, no acolhimento e tutoria de estagiários nos sectores de trabalho, na avaliação e autorização dos graduados, como condição para o exercício da profissão, e na composição dos seus Conselhos de Gestão.

Por outro lado, chegou a hora dos estudantes e da sociedade em geral serem informados com regularidade sobre os cursos existentes e a sua qualidade, comparada com os cursos iguais oferecidos noutras instituições de ensino superior. Deve-se pensar em criar um sistema de informação integrado sobre os cursos oferecidos, tanto no sector público como no privado. E deve-se estabelecer uma classificação e uma hierarquização independente e autónoma da qualidade dos cursos superiores oferecidos. Estas medidas poderão ajudar a garantir qualidade ao sistema, à par de outras como a introdução de uma fórmula

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de financiamento do ensino superior ligada ao seu desempenho, o funcionamento de um sistema nacional de qualificação e acreditação, ou o acesso igual de instituições públicas e privadas aos recursos disponíveis para financiar a pesquisa ou para apoiar financeiramente estudantes carenciados.

Reflexões Finais

O progresso alcançado na educação, do ensino primário ao ensino superior é notável e inegável. A consolidação e valorização do que se alcançou até agora, e para honrar o esforço e dedicação de milhares de professores, directores de escola e dirigentes escolares, requer espíritos e mentes críticas e abertas às necessidades de melhoria. Embora a expansão do acesso com equidade continue sendo agenda nacional, a qualidade da educação é hoje a grande prioridade do momento, ela afecta todos os níveis e todas as formas de educação. Para se elevar a qualidade, a prioridade número 1 é a formação, motivação e retenção de professores e gestores escolares, sobretudo, mas não apenas, no ensino primário. Para se assegurar qualidade, é também necessário assegurar-se que a fracção do orçamento do Estado dedicada a educação continue a crescer a par do crescimento da economia nacional e que não diminua, como aconteceu nos últimos anos. É necessário ainda que, progressivamente, sejam aumentadas as dotações para gastos correntes que vão além dos salários, e se continue a devolver autoridade às escolas e aos seus órgãos de direcção e gestão para se apropriarem das escolas e do seu desempenho presente e futuro. É necessário repensar-se o aparelho estatal de governação do sistema de ensino, de cultura e de pesquisa científica, adequando-o à natureza e dimensão do desafio e tarefa a realizar.

No esforço pelo acesso universal, qualidade e equidade, é preciso ter presente que alguns grupos especiais devem continuar a merecer atenção especial, sendo estes os jovens e adultos analfabetos, as

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pessoas vivendo com deficiências físicas ou de aprendizagem, os afectadas e infectadas pelo Sida, os órfãos, as crianças vivendo em lares dirigidos por outras crianças, as crianças de rua. Acima de tudo, que se tenha sempre presente que a educação, para além de direito humano, é um investimento, não é um gasto.

Anexo: Pessoas entrevistadas ou que prestaram a informação utilizada na palestra e nesta publicação

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A CONTRIBUIÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO

(Comentário do texto de Narciso Matos)João Assale

Sua Excelência, Armando Emílio Guebuza, Presidente da República de Moçambique;

Ilustres Convidados;

Minhas Senhoras,

Meus Senhores

Permita-nos, Sua Excelência Presidente da República, saudar a forma franca e aberta, como o Professor Doutor Narciso Matos, aborda os aspectos relativos a contribuição da Educação para o desenvolvimento do Nosso País.

Aproveitamos esta nobre ocasião para igualmente saudar a todos os professores e técnicos da educação, os nossos engenheiros do capital humano, que dia após dia, e por vezes em condições adversas, asseguram o crescimento e funcionamento da rede escolar que actualmente conta com mais de 12 mil estabelecimentos de ensino e 6 milhões de alunos, contra 9 mil e 3 milhões de alunos em 2004. Procuraremos, de seguida, comentar os pontos críticos que de forma sábia, didáctica e sobretudo construtiva, foram aflorados pelo Professor Doutor Narciso Matos:

A. Sobre a falta de uma referência explicita a um modelo de desenvolvimento do país

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Em Moçambique, a Educação é um instrumento fundamental para o crescimento económico e o desenvolvimento social e, visa promover o bem estar dos cidadãos. Este postulado está plasmado na Política Nacional da Educação.

Neste prisma, cabe a Educação formar cidadãos com elevada auto-estima e espírito patriótico, capazes de intervir activamente no combate à pobreza e na promoção do desenvolvimento económico e social do País. Estamos a falar de um contexto de economia de mercado, com epicentro no Distrito, onde é necessário moldar o capital humano e dotá-lo de capacidade de inovação, criatividade e espírito empreendedor para que seja capaz de transformar em renda os recursos disponíveis a sua volta, e não só, de forma eficaz e sustentável.

Reconhecemos que é preciso, continuamente, aperfeiçoar a triangulação entre o ritmo da expansão e relevância da educação, o desenvolvimento do mercado de trabalho e o desenvolvimento económico.

B.Sobre a estrutura actual que junta todo o sistema da educação com a cultura e separa a gestão do ensino superior da gestão da ciência e tecnologia

A passagem do Ensino Superior para o Ministério da Educação e Cultura, encontra explicação, na necessidade de uma gestão holística do Sistema Educativo, do ensino primário ao ensino Superior, como um todo;

A gestão da educação e da cultura num único Ministério, tem fundamento na necessidade de uma maior inserção dos aspectos culturais nos conteúdos de ensino, nos currículos e no processo educativo no geral;

No plano prático registamos avanços na área da cultura, tal como

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o Professor Narciso Matos aponta, há mesmo referências de que o Quinquénio prestes a terminar, foi igualmente o Quinquénio da cultura, a avaliar pelo volume de acontecimentos e eventos nessa área, onde pontifica a Proclamação do Nhau e da Timbila como Patrimónios Históricos e Imateriais da Humanidade, a realização de dois Festivas Nacionais de Cultura e muito recentemente a realização da II Conferência Nacional da Cultura;

Ainda no plano prático, assistimos ao crescimento da rede de Instituições Públicas de nível superior, bem como a um processo de reformas nesse nível de ensino:

Entretanto, em nossa opinião, devemos continuar a debater este ponto identificando vantagens e desvantagens de modelos de estrutura possíveis, inspirados nas lições do nosso percurso histórico e nos objectivos do governo em cada uma dessas áreas;

O ponto relativo à ligação entre o ensino superior e a pesquisa e investigação científica é relevante. É um ponto que, em nossa opinião, devemos igualmente continuar a debater;

C.Sobre o melhor balanceamento da direcção política com as exigências do dia a dia da gestão prática

Este tem sido um exercício, no qual a prática tem sido uma verdadeira escola. A nossa modesta experiência, aponta para a necessidade de um aperfeiçoamento contínuo da gestão descentralizada, do exercício da delegação de competências, da capacidade de monitoria e prestação de contas e emponderamento da capacidade técnica local;

D.Sobre o acesso a um sistema de educação sem qualidade facto que equivale a falta de acesso a educação

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O Governo entende que a educação, sobretudo o ensino primário incluindo a Alfabetização e Educação de Adultos, é um Direito Humano Básico. Esta visão não se compadece com uma educação virada para um pequeno punhado de pessoas, com o argumento de que só com poucos alunos na escola, poderemos assegurar níveis de qualidade de ensino mais elevados. Para assegurar a qualidade e acesso no ensino primário enveredamos por um ensino gratuito, onde o livro escolar é distribuído gratuitamente, onde temos um programa de construção acelerada de salas de aulas, onde todas as escolas primárias públicas recebem uma verba anual equivalente a cerca de 90 meticais por aluno - ADE. É ainda no Ensino Primário onde temos um novo modelo de formação intensiva de professores; onde introduzimos a língua inglesa e o ensino bilingue, onde introduzimos disciplinas como Ofícios, Educação Musical e Educação Moral e Cívica, onde 20% da carga horária é dedicada ao currículo local, ou seja, aos saberes e temas de interesse local;

Estamos convencidos que todo este conjunto de medidas, vão surtir os seus resultados ao nível do acesso e da qualidade. Estamos igualmente convencidos de que algumas dessas medidas irão requerer algum tempo para que o seu impacto positivo seja visível;

Descentralizamos fundos para o nível provincial e para o nível distrital, para as actividades de supervisão e apoio pedagógico. Estamos a apetrechar as direcções distritais com viaturas e outros meios circulantes;

Finalizamos a elaboração de estratégia para o ensino secundário, com vista a torna-lo relevante e sustentável.

E. Sobre a expansão da rede escolar acompanhada do aumento e não da redução do orçamento para a educação

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Factualmente, os grandes ganhos na expansão da rede escolar, não têm sido acompanhados por um aumento proporcional do orçamento. Reconhecemos tratar-se de um exercício complexo, directamente ligado à estrutura do orçamento e ao volume de recursos disponíveis.

As despesas do sector são principalmente despesas de funcionamento e neste ponto estamos cientes da necessidade de não perder de vista os limites ligados à sustentabilidade.

F. Sobre o que se aprende na creche, na escolinha e a ligação com o que se aprende na escola

Esta é de facto uma área muito importante, onde o desafio consiste em assegurar intervenções que cobrem o desenvolvimento de uma criança na sua globalidade, nomeadamente: no aspecto da saúde, da nutrição, do desenvolvimento físico e cognitivo, da protecção social, entre outros aspectos;

Neste momento, decorrem concertações técnicas entre o MEC, o MMAS e o MISAU, para que ainda este ano, seja finalizada uma proposta de expansão e de melhor articulação dos programas em curso nesta área, cientes da importância do pré escolar para a qualidade de ensino;

G. Sobre o uso das línguas maternas – o ensino bilingue

Estamos encorajados com os sucessos no ensino bilingue. As escolas que usam as línguas moçambicanas no processo de ensino aprendizagem, têm tido melhores resultados no desempenho dos alunos, quando comparadas com as demais escolas. Temos a certeza de que o ensino bilingue deve ser expandido, em prol da qualidade de ensino.

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H. Sobre a dependência entre a qualidade de ensino e a formação e qualidade dos professores

A Formação de Professores é uma questão prioritária: Introduzimos, em 2007, o Novo Modelo de Formação de Professores em regime intensivo, serviu para harmonizar o Currículo de Formação dos Professores ao Novo Currículo do Ensino Primário, introduzido em 2004. Elevamos o nível de entrada dos candidatos a formação de professores, facto que nos permite concentrarmo-nos nos aspectos metodológicos e científicos no decurso da formação de professores. Estamos a graduar e a recrutar acima de 9.000 novos professores por ano. A este ritmo esperamos baixar o actual rácio professor/aluno dos actuais 1/71 para 1/66 em 2010, no EP1.

Nada obsta o envolvimento de outros actores na formação de professores. Entretanto, o investimento efectuado nesta área, nos últimos anos, coloca o Governo com a capacidade instalada necessária para formar, todos os anos, o numero necessário de novos professores por recrutar: Os aspectos de parceria, poderão vincar na gestão dessa capacidade instalada para formar professores;

I. Sobre os meios básicos de ensino como ferramentas essenciais do ensino de qualidade

O sector tem investido na disponibilização dos materiais de ensino para as escolas públicas através de programas específicos, com destaque para os seguintes:

• Livro escolar de distribuição gratuita;

• Apetrechamento das Bibliotecas escolares;

• Tecnologias de Informação e comunicação;

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• Apoio Directo às Escolas;

• Mobiliário escolar;

• Construção acelerada das salas de aulas

J. Sobre a passagem por ciclos de aprendizagem

A questão da Progressão Semi-Automática por ciclos de aprendizagem, tem estado a preocupar muita gente; Assumimos que da parte do sector, houve algum défice de debate e, consequentemente não conseguimos explicar, disseminar e aprofundar este novo modelo de avaliação, ao nível dos professores, dos pais e encarregados de educação e da sociedade no geral;

Para inverter a situação, temos vindo a promover jornadas pedagógicas, e outras formas de auto superação pedagógica; Temos vindo a incrementar a nossa capacidade de divulgação e comunicação nesta e noutras matérias ligadas ao nosso sector;

K. Sobre o envolvimento das comunidades e dirigentes no debate sobre a qualidade de ensino

Reconhecemos que temos de continuar a trabalhar para incrementar a gestão participativa das escolas, encorajando uma maior participação dos pais e encarregados de educação no acompanhamento diário dos seus filhos. As medidas que introduzimos no ensino primário, tem um forte pressuposto de que a educação tem de ser complementada pelos pais e encarregados de educação em casa, apoiando o trabalho que os professores fazem ao nível da escola. O pai e encarregado de educação

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não pode ficar só a reclamar. As ONGs não podem ficar apenas a fazer estudos para saber se a criança sabe ler ou não: Devem intervir... Este é o passo importante que esperamos da sociedade.

L. Sobre a autonomia para a abertura e expansão da rede escolar

Este é um exercício que deve ser encorajado no contexto da descentralização. Entretanto, a importância e a capacidade de planificar e de respeitar os standards mínimos para a abertura de uma nova escola, é crucial.

M. Sobre a qualidade e competência do director da escola como factor determinante da qualidade e desempenho da escola

De facto, uma escola com um bom líder pode incrementar os aspectos de qualidade. Partimos do princípio de que a qualidade também tem a ver com a presença do professor na escola; com a presença atempada do livro escolar e de outros materiais de ensino e com a sua conservação, bem como com a criação de ambientes favoráveis à aprendizagem;

Estamos presentemente com um rácio de 71 alunos por professor: Nestas circunstancias, em que temos turmas numerosas, em algumas escolas, o desempenho de um bom gestor, ajuda a identificar meios alternativos e criativos, no contexto local, para que os professores ensinem... e os alunos aprendam. A nossa estratégia contempla a formação de todos os gestores do sistema Nacional de Educação

N. Sobre a existência de milhares de jovens, mulheres e homens que não sabem ler nem escrever

Propusemo-nos a Alfabetizar um milhão de moçambicanos ao longo do presente Quinquénio, e até ao ano de 2008, já tínhamos alcançado

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1.300.000. A partir do presente ano, propusemo-nos a Alfabetizar cerca de um milhão de moçambicanos por ano.

O. Sobre o Ensino Técnico Profissional/PIREP

O Ensino Técnico Profissional e Vocacional é uma das Prioridades do nosso Governo no contexto da preparação dos cidadãos para a produção, num mundo de trabalho competitivo, criativo, onde imperam as vantagens comparativas e o espírito empreendedor.

Reconhecemos que, o ensino técnico passou por um período de estagnação e não acompanhou a dinámica do sector produtivo. Para inverter este cenário, estão em curso acções conjugadas entre o Governo e todos os segmentos dinamizadores da economia;

Dada a importância do ensino técnico profissional no contexto de desenvolvimento, passo a apresentar, parte das actividade realizadas, neste subsistema, nos últimos quatro anos:

•Foram construídas e/ou reabilitadas e apetrechadas 27 Estabelecimentos do Ensino Técnico Profissional, públicos, privados, comunitários;

•Em termos de efectivos de alunos no ensino técnico, passamos para 55.038 alunos, contra 33.700 em 2005, facto que representa um crescimento na ordem dos 61%. Importa referir que, no período em referência, a participação da rapariga, neste subsistema, foi incrementada em 31 %;

• Em todas as províncias foram transformadas as escolas básicas agrárias em Institutos de nível médio;

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• Foram implantados quatro Institutos Superiores Politécnicos;

• Entrou em funcionamento o Instituto Superior para a Formação de Professores do Ensino Técnico Profissional – Dom Bosco, onde encontram-se em processo de formação 236 professores;

• 87 professores do ensino médio beneficiam de formação na Alemanha e em Portugal em diversas especialidades, com maior ênfase em matérias psico-pedagógicas baseadas em padrões de competências;

• Foram formados em matéria de gestão do ensino técnico, 50 directores de escola e chefes provinciais de repartição do ensino técnico;

• Foram transformadas as Escolas de Artes e Ofícios em Escolas Profissionais. Neste momento o País conta com 30 Escolas Profissionais;

• Foram introduzidos novos cursos de nível médio nas seguintes áreas: sistemas informáticos, Hotelaria e Turismo, Contabilidade e Auditoria, Comunicação e Eco-turismo;

• Está em funcionamento o fundo de desenvolvimento de competências, que já aprovou 60 projectos, avaliados em 2,4 milhões de Dólares Americanos;

• Foram estabelecidos 15 Centros Comunitários de Desenvolvimento de competências em distritos das províncias de Niassa, Cabo Delegado, Nampula, Zambézia, Inhambane e Maputo;

• Foi introduzida a disciplina de Noções de Empreendedorismo no Ensino Técnico.

P.Sobre o ensino superior/expansão vs qualidade

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1.A implantação de Instituições de Ensino Superior Publicas, no último Quinquénio, obedeceu ao objectivo estratégico de levar o ensino superior para mais perto das comunidades;

2.Estamos cientes de que precisamos de acelerar a formação do corpo docente, para dar resposta à expansão, neste nível de ensino. A nossa estratégia é formar docentes a este nível, em território nacional, sob a égide de Especialistas de Universidades com larga experiência e mérito;

3.A formação em território nacional é, no nosso entender, bastante vantajosa, porque irá dinamizar a criação de cada vez melhores condições de ensino nas nossas Universidades, dado que os laboratórios, o equipamento e a bibliografia usada para a formação de docentes irá ficar no País e para o País, mas também será vantajoso porque a formação; as pesquisas e investigações desses altos quadros irão versar sobre aspectos da realidade nacional;

4.Para assegurar a qualidade no contexto da expansão e não só, foi estabelecida a autoridade que vai zelar pelo controle e supervisão do ensino superior. Essa autoridade, que entra em funcionamento ainda este ano, tem o mandato para orientar, recomendar, corrigir e em casos extremos propor ao Ministro que superintende a área, a suspensão ou fecho de alguns cursos ou faculdades.

5.Introduzimos alterações à Lei do Ensino Superior para harmonizá-la com as reformas em curso noutros níveis de ensino, bem como para ajustá-la ao contexto regional e internacional;

6.Foi introduzido o Sistema de Acumulação e Transferência de Créditos Académicos; foram definidos novos qualificadores e está em curso a preparação de um novo sistema de financiamento para as universidades, particularmente as públicas, que passarão a receber

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recursos do governo em função daquilo que elas se propuserem a realizar em prol das prioridades do Governo.

A.Considerações finais

No próximo ano, por sinal, cinco anos após a introdução do Novo Currículo no Ensino Primário, teremos ao nosso dispor uma avaliação circunstanciada do Plano Estratégico da Educação e Cultura, na qual, os aspectos sobre qualidade de ensino, merecerão o devido destaque. Será mais uma oportunidade para aferir as causas de possíveis imperfeições, algumas das quais já afloradas neste Magno Evento. Importa referir que a par do questionamento sobre a eficiência das passagens semi-automáticas, chegam-nos também questionamentos sobre a pertinência de algumas disciplinas novas, introduzidas no ensino primário;

Estamos abertos e pré dispostos a tomar as medidas correctivas, sempre que se justificar, pois entendemos que a Qualidade é um processo, que deve ser monitorado e ajustado continuamente.

Muito Obrigado.

Participantes do Seminário

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DISTRITO PÓLO DE DESENVOLVIMENTO:

CONSTATAÇÕES E DESAFIOS – UMA LEITURA BASEADA NAS EXPERIÊNCIAS DO PROJECTO FÉRIAS DESENVOLVENDO O DISTRITO

Henrique Cau

I - Introdução

Quando o Gabinete de Estudos da Presidência convidou-me para fazer uma comunicação que iria ser apresentada no último seminário de um ciclo destes no mandato do Governo liderado por Sua Excelência o Presidente Armando Guebuza, tive duas sensações; por um lado, senti-me tão pequeno para um enorme desafio como este, pois, estava consciente da maior expectativa em redor deste último seminário e, por outro lado, tive a sensação de orgulho por poder constar da lista de académicos, especialistas de várias áreas que durante os cinco anos apresentaram as suas ideias, o seu pensamento e criaram um debate construtivo neste espaço.

A escolha do tema a que me proponho a apresentar prende-se com o facto de, em 2005 ter participado no Primeiro Seminário do Gabinete de Estudos cujo tema foi: Jovens, Desenvolvimento Rural e Combate à Pobreza em Moçambique: Que estratégias viáveis para o Desenvolvimento dos Distritos? Neste seminário foi apresentada a iniciativa “Férias Desenvolvendo o Distrito” que é hoje uma das referências na contribuição para a colocação dos jovens recém-formados nos Distritos, da qual faço parte. Este facto encorajou-me bastante e contribuiu de certa forma para que eu aceitasse o desafio de preparar esta comunicação, inspirando-me em grande medida nas experiências do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito.

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Esta comunicação tem como tema Distrito Pólo de Desenvolvimento: Constatações e Desafios – Uma Leitura baseada nas experiências do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito, traz uma reflexão sobre algumas constatações e desafios dos Distritos, após a sua definição como pólo de desenvolvimento. A reflexão é baseada na experiência das actividades desenvolvidas nos Distritos, no período 2006-2009, pelos estudantes finalistas e recém-graduados, em 117 Distritos do País, no âmbito do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito. O trabalho está dividido em quatro partes. Primeiro, começa por trazer um enquadramento histórico, legal e técnico do Distrito como Pólo de Desenvolvimento, a partir da legislação que o Governo foi aprovou no âmbito do processo da descentralização e desconcentração em curso no nosso País. A seguir faz uma contextualização sobre o Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito: a sua génese, os seus objectivos e os resultados alcançados após a sua implementação 2006-2009. A terceira parte examina algumas realidades que caracterizam os Distritos hoje, baseadas nas constatações feitas pelos estudantes finalistas e recém graduados, no que tange à Estrutura Orgânica dos Distritos, Participação do Cidadão no Processo de Desenvolvimento, Planificação e Gestão Financeira e a Integração de Técnicos com formação superior nos Distritos. Por fim, apresentam-se alguns desafios em forma de propostas para consolidar os vários aspectos positivos que caracterizam os Distritos e para que sejam cada vez mais activos na liderança dos processos de desenvolvimento.

II - Distrito pólo de desenvolvimento

O Distrito Pólo de Desenvolvimento faz parte de um processo de reformas que tem sido levado a cabo em Moçambique, logo após a Independência Nacional. No período colonial, vigorava um sistema administrativo caracterizado por um centralismo político com vista a satisfazer os interesses do regime colonial,

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de explorar de forma efectiva os recursos naturais e humanos em benefício da metrópole, daí que o aparelho administrativo tinha em vista a satisfação dos interesses do colonialismo e não para prestar melhores serviços públicos em benefício do povo moçambicano. Com a proclamação da Independência Nacional, foi adoptada uma estrutura administrativa caracterizada por um modelo de natureza socialista, dadas as circunstâncias e a conjuntura do momento e as estratégias de desenvolvimento adoptadas pelo Partido no Poder.

A aprovação, promulgação e entrada em vigor da Constituição de 1990, abriu caminho para adopção da economia de mercado e um sistema político multipartidário, à emergência do sector privado, de uma sociedade civil mais activa na tomada de decisão e da monitoria das políticas de desenvolvimento, e o Estado teve que definir claramente o seu papel perante a nova realidade, o que implicou a sua reestruturação. Nesse processo, o grande desafio era garantir a existência de uma base legal que permitisse o funcionamento de forma descentralizada e articulação de todos os Órgãos do Estado. Com efeito, em 1996, é aprovada através da Lei 6/96 uma revisão pontual da Constituição, introduzindo na Lei fundamental, a existência de Autarquias Locais e Órgãos Locais do Estado, nos territórios não abrangidos pelas autarquias. Nesta emenda pontual da Constituição da República ficou explícito o princípio da Descentralização e Desconcentração, através da consagração de um Título específico do Poder Local (Título XIV), para tratar das autarquias locais e um capítulo sobre os Órgãos Locais do Estado (Capítulo IV do Título XII), para tratar dos Órgãos Locais do Estado.

A partir de 1998, iniciaram-se estudos com vista à definição de um novo quadro legal sobre a organização, competências e funcionamento dos Órgãos Locais do Estado. Em 2003, foi aprovada pela Assembleia da República a Lei 8/2003, Lei

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dos Órgãos Locais do Estado. Em 2004, foi aprovada a nova Constituição da República. Em Abril de 2005 , foi aprovado pelo Conselho de Ministros o Regulamento da Lei dos Órgãos Locais do Estado, que incorpora aspectos decorrentes da Constituição de 2004. O processo de implementação da Lei 8/2003 exigiu uma reestruturação dos Órgãos Locais do Estado, nos escalões de Província, Distrito, Posto Administrativo e Localidade, para que estes pudessem cumprir cabalmente com as suas responsabilidades.

A partir de 2003, assiste-se a mudanças significativas marcadas pela aprovação da Lei dos Órgãos Locais do Estado (Lei nº 8/2003) e seu regulamento (Decreto nº 11/2005), pela institucionalização dos Conselhos Consultivos Locais (CCL) e a alocação de um Orçamento de Investimento de Iniciativa Local (OIIL), instituições que são introduzidas a partir de 2006.

A reforma dos Órgãos Locais preconizada na Lei nº 8/2003, assenta no princípio de que o Distrito é a unidade territorial principal da organização e funcionamento da administração local do Estado, é a base da planificação do desenvolvimento económico, social e cultural do país, passando a ser uma unidade orçamental.

O Distrito Pólo de Desenvolvimento, traduz o preconizado pela Lei 8/2003 e constitui de facto o nível do Governo mais adequado para a prestação dos serviços básicos para a população, é onde as comunidades podem participar do processo de definição de prioridades nas áreas de intervenção para o seu desenvolvimento bem como na planificação e monitoria das políticas de desenvolvimento local.

Deste modo assume-se o Distrito como uma unidade governativa e administrativa, política orçamental, legalmente a representar

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os interesses e as necessidades da maioria dos moçambicanos, o alicerce do Estado, o foco da intervenção e das políticas públicas no âmbito do Programa do Governo e do Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta.

Para além de ser uma decisão legal, administrativa e política, há várias razões que fundamentam o Distrito como pólo de desenvolvimento. Por exemplo, Weimer apresenta três das razões, nomeadamente:

a) É nos distritos ou zonas rurais onde se encontra grande parte da população activa e da base produtiva da economia do País (agricultura, recursos minerais, pesca, turismo, …);

b) Os distritos rurais são tidos como as zonas do país com a incidência de pobreza absoluta mais alta, com carências agudizadas quer nos bens de serviços públicos (Saúde, Educação e água), quer no que diz respeito ao emprego, acesso aos mercados e ao credito, bem como outros serviços privados. Por isso qualquer política credível de redução da pobreza tem que colocar o distrito como nível de intervenção primordial; e

c) Uma grande parte da população rural não tem voz institucionalizada nos processos de tomada, controle de decisões, na formulação e na monitoria das políticas públicas.

III - Projecto Férias desenvolvendo o Distrito

Reconhecendo as oportunidades que o meio rural oferece em termos de recursos naturais e de desenvolvimento de iniciativas que conduzam a criação do bem-estar social, o Governo à luz da Lei 8/2003, definiu na sua matriz de governação, o Distrito como pólo de desenvolvimento, o que implica a descentralização de recursos materiais e financeiros para os Distritos pretendendo

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dotá-los como unidades básicas para a planificação e ornamentação do Estado.

Um dos desafios para tornar efectiva esta política, é ter recursos humanos qualificados capazes de traduzir as políticas do Governo e os anseios das comunidades a todos os níveis em acções concretas em prol do desenvolvimento do Distrito. Para que a descentralização seja efectiva é fundamental para além da descentralização de competências administrativas (recursos materiais e financeiros) a criação de uma capacidade em recursos humanos à altura dos desafios do processo da descentralização.

Uma das alternativas para este desafio imposto aos Distritos nesta nova matriz de governação, passa por um esforço conjugado de todos os sectores da sociedade, na consciencialização dos Governos locais, instituições de ensino superior, técnico profissional e as organizações da sociedade civil, na mobilização de técnicos qualificados e na capacitação de recursos humanos que hoje asseguram o funcionamento do Estado ao nível dos Distritos, para que possam corresponder às exigências do desenvolvimento.

A existência de uma política clara de atracção de técnicos qualificados para os Distritos, quer como funcionários públicos para reforçar as capacidades locais, quer como empreendedores, afigura-se de extrema importância para fazer face aos desafios do desenvolvimento do Distrito e do país no geral, e uma alternativa para fazer face aos elevados índices de desemprego nas grandes cidades.

Vendo as oportunidades que o meio rural oferece para os recém graduados e respondendo aos apelos de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, de tornar o Distrito como pólo de desenvolvimento, a Associação dos

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Estudantes Finalistas Universitários de Moçambique (AEFUM) desenhou em 2005, o Projecto Ferias Desenvolvendo o Distrito, tendo como um dos objectivos essenciais, interessar os técnicos com formação superior a voltar a viver115 e trabalhar nos Distritos através da sua inserção profissional e ou da descoberta individual das oportunidades e potencialidades que os Distritos oferecem para os recém-graduados na criação de auto-emprego.

O projecto consiste em levar estudantes finalistas e recém-graduados aos Distritos no período de férias, afim de desenvolverem actividades em diversos sectores de actividades que estejam em conformidade com a sua área de formação, e a necessidade de cada Distrito. Esta forma de interacção com o Distrito tem permitido reforçar as capacidades dos Distritos em recursos humanos, criar oportunidades de emprego ou auto emprego aos jovens, através do conhecimento e reconhecimento das potencialidades e oportunidades que os Distritos oferecem e ao mesmo tempo proporcionar a experiência prática dos estudantes finalistas que lhe é cada vez mais exigida no mercado de emprego.

De acordo com os Relatórios da AEFUM, de 2006 a 2009, o projecto abrangeu 117 Distritos em todo o País, contemplados 489 estudantes finalistas e recém-graduados sendo que em 2006, a participação foi de 80 estudantes, 2007 (91), 2008 (136) e 2009 (182), como pode se ver no gráfico 1. Dos 489 estudantes finalistas e recém-graduados, 113 estão integrados profissionalmente na função pública nos Distritos e 81 nos outros sectores (ver Gráfico 2).

115Voltar a viver dado que grande parte dos técnicos com formaçao superior tem a sua origem nos distritos.

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Gráfico 1: Evolução da participação

Gráfico 2: Integração professional nos Distritos

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Gráfico 3: Participação das Instituições do Ensino Superior

Gráfico 4: Áreas de afectação dos finalistas nos Distrito

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Gráfico 5: Representação do género no projecto

Os gráficos 3, 4 e 5 representam respectivamente a pparticipação das Instituições do Ensino Superior, áreas de afectação dos finalistas nos Distrito e a representação do género no projecto. Como pode-se verificar no gráfico 4, nos Distritos, os estudantes que participam do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito, são integrados de forma voluntária em diversos sectores de actividade junto dos serviços distritais e nas comunidades, de acordo com a área da sua formação e a necessidade do Distrito. As áreas mais solicitadas são: Agricultura, Turismo, Educação, Ambiente, Saúde, Tecnologias de Informação e Comunicação, Pescas, Comercio, Justiça, Planificação e Descentralização, Administração, Infra-estruturas, Acção Social, Contabilidade e Gestão e Projectos Comunitários. Como resultado da interacção entre os Governos Distritais, Comunidades e estudantes, é possível constatar nos Distritos aspectos como:

•Melhorias nos processos de elaboração e tramitação de expediente, na elaboração dos planos sectoriais e na planificação distrital como resultado de troca de experiências entre os finalistas e os técnicos de planificação afectos em diversos serviços;

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• Alguns Distritos passaram a ter planos de Gestão ambiental, caso de Moma em Nampula e Plano de ordenamento territorial no Distrito de Funhalouro em Inhambane, mais Distritos com o domínio no uso de Tecnologias de Comunicação e Informação.

• Algumas associações de produtores com conhecimentos básicos para a elaboração e gestão de projectos de geração de rendimentos, emprego e produção de comida.

Estes são alguns exemplos concretos dos vários resultados das actividades que os finalistas têm estado a desenvolver em coordenação com os vários organismos e outros intervenientes nos Distritos. Para além de reforçar a capacidade local tendo como referência os exemplos acima apresentados, podemos encontrar dentro da filosofia do projecto, elementos de natureza subjectiva, pois, permite também:

a) Fortalecer o espírito da unidade nacional na juventude: Dando oportunidade aos estudantes finalistas de sair da província onde se encontram a estudar para conhecerem outras realidades e interagir com as comunidades, tem contribuído para conhecer a dimensão real do País e construir um pensamento comum entre os jovens e ter ainda uma visão global do problema e desenhar estratégias de enfrentá-los a partir do local onde ele estiver inserido. b) Desenvolver o espírito de solidariedade, irmandade e patriotismo: Neste aspecto, é de notar a criação do espírito de solidariedade e de apoio às comunidades de forma voluntária, criando, quer do lado do estudante, quer da comunidade, a noção de que todos somos filhos de uma pátria em que a ajuda mútua para a resolução dos problemas ultrapassa a origem tribal, regional e cultural de todos os envolvidos no processo de busca de soluções para os diversos desafios do país.

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c) Pôr a ciência, tecnologia e a capacidade humana como factores chave para o desenvolvimento: Isto significa materializar os conhecimentos teóricos e tecno-científicos adquiridos pelos finalistas e recém-graduados durante o processo de aprendizagem na faculdade, com o conhecimento empírico das comunidades na busca de alternativas sustentáveis para o desenvolvimento do Distrito. d) Desenvolver o espírito empreendedor no seio dos finalistas e recém-graduados: Com a deslocação dos estudantes de diversas áreas de formação para vários Distritos do país, cria-se oportunidade não só de ver o Moçambique real, mas também de verificar as potencialidades e as oportunidades que cada Distrito apresenta para o finalista para a criação do seu próprio emprego e para as comunidades locais. Cria-se também relações com as autoridades locais que podem facilitar a integração dos projectos dos jovens nos planos de desenvolvimento do Distrito.

e) Promoção e divulgação de potencialidades existentes nos Distritos: Tendo em conta que nem todos os finalistas e recém graduados que vão ao Distrito conseguem oportunidades de emprego ou de desenvolver o seu projecto de geração de rendimento, após o seu regresso, estes tornam-se embaixadores dos locais onde estiveram e deste modo, promovem a vários níveis as potencialidades e oportunidades que os Distritos têm para a aplicação dos investimentos. Esta acção poderá ter resultados a médio e longo prazo, numa altura em que poucos se lembrarão do impacto deste movimento.

f ) Incentivar e estimular o movimento estudantil universitário activo nos processos de desenvolvimento do país: A participação de estudantes provenientes de diversas instituições do ensino superior e de todas as províncias, poderá se repercutir na criação de movimentos provinciais e regionais com iniciativas concretas

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para apoiar o desenvolvimento das suas províncias e regiões, bem como do país no geral.

IV – Constatações nos Distritos

Neste subtema, pretende-se fazer uma leitura da actual Estrutura Orgânica dos Distritos, o nível de Planificação e Gestão Financeira, Participação do Cidadão no processo de Desenvolvimento e integração de técnicos qualificados nos Distritos.

a) A nível da Estrutura Orgânica dos Distritos

O Distrito como base de planificação e desenvolvimento local, constitui o nível de Governo mais adequado para a prestação dos serviços básicos a população, por este estar mais próximo do cidadão, sendo necessário adequar a sua estrutura orgânica para que se torne um verdadeiro instrumento virado para uma administração participada e orientado para o desenvolvimento. Perante a nova matriz de governação que centra o Distrito como o epicentro de toda a actividade que visa o desenvolvimento do país, a questão que se coloca é: como deve ser a estrutura orgânica de cada um dos 128 Distritos, sabendo que eles têm características socioeconómicas, culturais, administrativas, de recursos naturais e humanos diferenciados. Como é que cada um deles responde aos desafios de prestação de serviços essenciais à população do respectivo Distrito e assegura a participação efectiva da população na solução dos problemas quotidianos das populações do Distrito?

A prestação de serviços pela Administração deve ser regular, contínua e ir ao encontro das necessidades colectivas. Muitos sectores devem ter estabelecido medidas para melhorar a prestação de serviços, assim como programas que assegurem qualidade dos mesmos. A capacidade do Distrito melhorar significativamente a prestação de serviços, não depende exclusivamente do Governo

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local, mas de uma conjugação de esforços a nível provincial e central por um lado, por outro, na consolidação dos programas e medidas no âmbito da reforma do sector público.

De acordo com o disposto no n.º 2 do art. 43 da LOLE, a “criação dos serviços distritais é da competência do Governador Provincial, dependendo das necessidades, potencialidades e capacidades de desenvolvimento económico, social e cultural do Distrito”. O art. 2 do decreto n.o 6/2006 incentiva a criação de mais dois serviços distritais de acordo com as potencialidades e necessidades de desenvolvimento do Distrito.

A actual Estrutura Orgânica dos 128 Distritos, apresenta uma uniformidade em termos de serviços criados (serviço distrital de planificação e infra-estruturas, serviço distrital de educação, juventude e tecnologia, serviços distritais da saúde, mulher e acção social e serviços distritais das actividades económicas). Esta estrutura foi criada no sentido de responder aos actuais desafios do Distrito como unidade de planificação e orçamentação e no âmbito da reforma do sector público. A figura abaixo ilustra a actual estrutura orgânica dos Distritos.

Estrutura orgânica dos Distritos

Fonte: Decreto 6/2006 de 12 de Abril.

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Entretanto, com esta estrutura, pudemos constatar que os Distritos fizeram uma réplica linear do disposto no Decreto n.º

6/2006116, o que pressupõe que não se criaram os serviços distritais de acordo com as potencialidades dos mesmos, não observando deste modo o disposto no n.º 2 do art. 43 da LOLE117. A título de exemplo, o Distrito de Vilanculos poderia ter os serviços distritais do Turismo, o de Chókwé os Serviços Distritais de Agricultura e o de Massingir os Serviços Distritais das Pescas. Deste modo, poderia optimizar-se a eficácia e eficiência de cada Distrito em termos de aproveitamento das potencialidades nas áreas de turismo, agricultura e pescas. Face a esta situação, sugere-se a criação de serviços distritais que respondam a potencialidades que mais se destacam a nível do distrito.

A não existência de uma especificação clara da base económica do Distrito, tem reflexos que se repercutem na definição de áreas estratégicas no Plano Estratégico de Desenvolvimento do Distrito, na medida em que não são levadas em conta as peculiaridades e potencialidades de cada um destes. Esta situação cria dificuldades na identificação das áreas em que cada Distrito tem vantagens comparativas, onde grande parte dos recursos poderia ser aplicados, de modo a especializá-lo na produção daquilo que o torne mais competitivo a nível nacional e regional.

A estrutura orgânica do governo Distrital deve ter em conta as especificidades de cada Distrito, e ainda responder a estratégia de combate à pobreza no respectivo território. Isto equivale dizer que deve ter capacidade necessária em termos de recursos humanos qualificados, afectos de acordo com as potencialidades

116 O Decreto n.o 6/2006 aprova a Estrutura Orgânica dos Governos Distritais.117 Este artigo refere que a “criação dos serviços distritais é da competência do Governador Provincial, dependendo das necessidades, potencialidades e capacidades de desenvolvimento económico, social e cultural do distrito”. Ainda o art. 2 do Decreto n.o 6/2006 incentiva a criação de mais dois no máximo serviços distritais de acordo com as potencialidades e necessidades de desenvolvimento do distrito.

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específicas, materiais e financeiros, para responder as exigências decorrentes do exercício das suas atribuições e competências no âmbito do combate à pobreza e do desenvolvimento local.

b) A nível da Planificação e Gestão Financeira

Neste subtema interessa analisar a inserção dos planos estratégicos do país nos planos estratégicos distritais, vice-versa, e a situação da gestão financeira dos fundos designados por Orçamento de Investimento de Iniciativas Locais (OIIL) destinados para a produção de comida, emprego e geração de rendimentos.No tocante aos planos estratégicos, pressupõe-se que para uma planificação com finalidade de definir os vectores de desenvolvimento, objectivos claros, indicadores e metas deve-se adoptar uma política de uma planificação alinhada e harmonizada de forma hierarquizada obedecendo a dois critérios (1) uma planificação de base para o topo e (2) do topo para a base. As opções dependem das orientações politicas do Governo. Uma planificação obedecendo a um destes critérios e seguido de forma rigorosa e alinhada, permite a melhor distribuição dos recursos materiais, financeiros e humanos e que não haja duplicação de esforços, as acções e as metas são avaliadas e monitoradas a todos os níveis de governação.

Numa análise feita aos Planos Estratégicos de Desenvolvimento dos Distritos e aos Planos Estratégicos Provinciais e mesmo ao Plano Quinquenal do Governo, nota-se uma discrepância em períodos da sua elaboração e implementação. Na mesma Província por exemplo, em Manica e Niassa, há Distritos que tiveram o seu plano estratégico antes da província com um horizonte temporal superior ao da província e outros depois da província. A questão que se coloca é: qual dos dois documentos é orientador para a elaboração do outro. Ou por outro, qual é a ligação entre o Plano Estratégico do Distrito e o Plano Estratégico da Província e este com o Plano Quinquenal do Governo?

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Perante este cenário, há um desafio que se coloca ao nível da planificação estratégica, de poder se fazer a harmonização dos planos de desenvolvimento do país (Nacionais, Provinciais e Distritais), com indicadores e responsabilidades bem claras de cada nível de governação o que poderá permitir o cumprimento dos objectivos e das metas nacionais através de uma visão desenhada do topo para a base ou vice-versa.

Ao nível da planificação e gestão do Orçamento de Investimento de Iniciativas Locais (OIIL), observa-se ainda alguns desafios na elaboração de um plano claro e rigoroso a respeito da alocação e gestão dos fundos que devem ser utilizados para financiar projectos que visem a geração de rendimentos, comida e emprego. Nota-se com maior frequência em alguns Distritos que mais de 50% dos projectos financiados estejam virados ao ramo comercial (compra de produtos para a venda em barracas/mercados), contribuindo assim para um maior consumo em detrimento do aumento da capacidade de produção a nível local.

Neste âmbito, e atendendo ao que foi dito no parágrafo anterior, é importante definir ao nível da planificação e junto aos Conselhos Consultivos Distritais, as áreas estratégicas de desenvolvimento do Distrito, sobretudo aquelas que visam apoiar o aumento da produção local, investindo-se na exploração das potencialidades destes, promovendo a sua auto-sustentabilidade. Os projectos a serem financiados por OIIL deveriam estar mais direccionados ao aumento da produtividade local através da exploração sustentável das potencialidades e recursos naturais disponíveis localmente.Uma outra realidade referente ao OIIL, é a inexistência de suporte documental, claro e vinculativo na altura da concessão dos recursos incluindo a ausência de um plano de reembolsos com cronograma acordado entre as partes; limitados conhecimentos de gestão financeira de projectos; fraca viabilidade técnica e

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económica financeira de projectos para enfrentar situações de riscos como as calamidades naturais.

O outro aspecto tem a ver com um dos critérios aceites para a concessão do financiamento, e que constitui apelo dos Governos Distritais, a criação das associações de produtores, entretanto, não existe um sistema para o fortalecimento institucional destas, e nota-se maior fragilidade na sua constituição, clareza nos seus objectivos, natureza dos seus membros. Algumas associações criadas são motivadas pela existência do OIIL sem objectivos claros para a sua existência, estas são desfeitas imediatamente após a recepção de recursos do OIIL comprometendo deste modo a sua devolução e a consequente rotação por candidatos a este financiamento.

Para além da constatação feita no terreno por finalistas no referente a este aspecto da fragilidade das associações dos produtores, o Relatório balanço da implementação do OIIL de 2006-2008 do Ministério da Planificação e Desenvolvimento, faz menção a situações idênticas as citadas no parágrafo anterior, nos Distritos de Cahora Bassa e Tsangano (Tete) e Pebane (Zambézia).A experiência da gestão do OIIL, sugere uma reflexão profunda e a um novo desafio sobre a necessidade da definição de uma estratégia de gestão dos fundos, que passaria pela criação de uma capacidade para definir os vectores de desenvolvimento em função das potencialidades e recursos locais característicos de cada Distrito (agricultura, turismo, pescas, recursos faunísticos, etc.), respondendo as preocupações das comunidades expressas, através dos Conselhos Comunitários e Conselhos Consultivos Distritais.

Essa capacidade a ser criada, teria também como função, a definição das áreas potencialmente financiáveis e os critérios de selecção dos projectos a financiar assim como fazer a monitoria

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e avaliação dos projectos financiados. Estaria também ligada a adopção de estratégias de captação de tecnologias apropriadas para garantir a maior produtividade de projectos financiados que respondam à exploração sustentável dos recursos e potencialidades do Distrito.

Uma estratégia que inclui a criação desta capacidade, garante a melhor aplicação dos fundos e o alcance dos objectivos esperados em termos de adopção de técnicas avançadas para aumentar a produtividade e o retorno dos fundos aos cofres do Estado, que seriam usados de forma rotativa ao nível dos necessitados dentro do Distrito.A vantagem da criação desta capacidade local, prendem-se com o facto de poder:

a) Reduzir de forma gradual a dependência do Distrito em relação ao Governo central no fornecimento anual de um valor para projectos de geração de rendimentos; produção de comida e criação de postos de emprego;

b) Garantir a sustentabilidade dos projectos a serem aprovados através do acompanhamento técnico na sua concepção, implementação e monitoria, avaliação e rentabilização dos seus resultados;

c) Garantir a transferência e o estabelecimento de tecnologias apropriadas para um desenvolvimento sustentável do distrito assim como centros de incubação de negócios para minimizar os riscos no negócio ou na produção;

d) Garantir o cumprimento de prazos e de retorno dos rendimentos dos investimentos que serão transferidos para financiamento de outros projectos da mesma natureza;

e) Evitar as possíveis contradições entre as estruturas governativas

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e as comunidades que pretendem ter financiamento, mantendo a confiança entre as duas partes, quer dizer, enquanto for o Governo o último a decidir sobre a atribuição dos valores aos requerentes do financiamento, passa a desenvolver-se uma relação de Governo (Credor) e Comunidade (devedor) o que de certa forma pode condicionar um mau relacionamento entre as duas partes.

d) A nível da Participação e Compromisso do Cidadão

A democracia requer que o cidadão sinta e tenha o direito de influenciar na elaboração dos planos do Governo, sobretudo nas decisões que afectam a sua vida. A atribuição desta faculdade ao cidadão deve ser acompanhada pela descentralização da informação necessária, para que a participação deste seja plena e efectiva. Na verdade, a disponibilização da referida informação ao cidadão não constitui mais do que a efectivação do Direito à Informação, constitucionalmente consagrado.

A reforma do sector público em curso, a descentralização e a desconcentração, trouxeram novos conjuntos de expectativas aos cidadãos nas suas localidades, as quais as autoridades governativas e as lideranças locais devem corresponder. O princípio da participação do cidadão no processo de desenvolvimento, tem em vista o envolvimento das pessoas não somente como os beneficiários finais do desenvolvimento, mas também como os principais agentes. O nível de eficácia de participação pode ser apreciado através:

• Do grau de acesso aos centros de tomada de decisão que reflicta a escolha democrática dos cidadãos;

• Da existência de uma plataforma de diálogo/estrutura de consulta que representa os actores (governo local, comunidades locais, empresariado, sociedade civil, etc.);

• Da proporção de projectos/programas que adoptam a

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abordagem participativa (na planificação, implementação e monitoria) e

• Do nível de consciência cívica (civismo).

O nível de participação e envolvimento do cidadão na governação local está em processo em alguns Distritos, e noutros, ainda não atingiu os níveis desejados, devido a uma diversidade de factores que ainda se manifestam na máquina governativa. Em alguns Distritos são poucas as ocasiões em que as comunidades são chamadas a participar, no sentido de dar as suas opiniões em determinadas matérias no processo da planificação e tomada de decisão sobre vários aspectos da vida do Distrito. Geralmente, estas são chamadas através dos seus representantes nos Conselhos Consultivos, sem estes terem informação dos pontos a serem debatidos e ouvida a sua opinião para que de facto, fique a idéia de que a comunidade está presente na tomada de decisão.

Este facto, pode comprovar que os representantes das comunidades quando são chamados é muito mais para legitimar os projectos/programas/planos de desenvolvimento e/ou despesas programadas pelo Governo Distrital. A esta situação, alia-se também ao facto de alguns representantes das comunidades não serem capazes de discutir e influenciar na definição de planos e na tomada de decisão sobre os mesmos.

As comunidades locais deveriam ter um maior grau de participação na tomada de decisões de forma directa ou por via de instituições legítimas intermediárias que representam as suas intenções. Tal participação abrangente, pode ser construída através da liberdade de associação e expressão constitucionalmente consagrada, como também através da participação nas instituições de consulta comunitária.

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Alguns Distritos, apesar de não respeitarem a participação activa do cidadão na tomada de decisão, os Governos Distritais têm uma visão de desenvolvimento clara e um plano estratégico operacional para alcançar esta visão. Entretanto, a visão de desenvolvimento ainda não é transferida para as comunidades. E como resultado, estas dificilmente poderão colaborar com as autoridades locais na materialização das metas traçadas nos referidos planos.

Assumindo-se que os planos estratégicos constituem os caminhos a serem percorridos para se alcançar os objectivos traçados em cada Distrito que é o desenvolvimento, o seu domínio/conhecimento deveria ser de todo o cidadão do Distrito. Em comícios, os Senhores Administradores deviam fazer a ligação das acções em curso e programas futuros, ao plano estratégico do Distrito, que é o instrumento fundamental para o combate à pobreza a partir da comunidade. A sua divulgação ao cidadão comum, daria espaço para que cada indivíduo soubesse como contribuir para que o plano se torne uma realidade e participaria também em acções de monitoria dos mesmos planos. Numa conversa com um comerciante sobre o plano estratégico de desenvolvimento de um distrito da província de Inhambane em 2007 este disse:

“Não temos água, não temos infra-estruturas, não sabemos o que este senhor administrador quer fazer com tanto dinheiro que anualmente o distrito recebe”.

Estas declarações que de certa forma não devem ser vinculativas se tivermos em conta o universo da população do Distrito em termos quantitativos, tem o seu valor qualitativo tendo em consideração o grau de influência deste comerciante no Distrito. A mesma questão colocada a um professor local, também demonstrou o não conhecimento do plano do Distrito em relação ao seu próprio sector tendo apresentado dificuldades da

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sua própria escola em que algumas aulas são dadas debaixo da árvore.

As questões aqui apresentadas traduzem a necessidade não somente da auscultação do cidadão para o processo da planificação mas também a necessidade da divulgação do plano que contem as prioridades do Distrito aprovadas pelo Conselho Consultivo e isto vai permitir o envolvimento de todos os segmentos da sociedade na busca de soluções.

e) A nível da Integração dos Técnicos com Formação Superior nos Distritos

Tendo em conta o papel do capital humano no processo de desenvolvimento de uma nação, e reconhecendo o esforço do governo de transformar o distrito como o teatro das operações que visam a promoção do desenvolvimento do mesmo, a AEFUM tem-se desdobrado no desenvolvimento do espírito do gosto pelo distrito aos jovens finalistas e recém-graduados, transmitindo sempre a necessidade de se apostar no Distrito para aplicação dos seus conhecimentos científicos e na busca de soluções técnico cientificas sustentáveis para o desenvolvimento da comunidade.

Fazendo uma retrospectiva dos resultados obtidos desde o inicio do projecto Férias Desenvolvendo o Distrito, em 2006, com um plano que previa que até 2009, todos os 128 Distritos deveriam ter pelo menos três técnicos com formação superior, hoje, podemos constatar que muitos Distritos tem mais do que três técnicos com formação superior embora alguns ainda necessitem de um grande reforço.

Um dos resultados do projecto é o facto de ter quebrado com os receios que à tempos atrás reinavam, quer do lado dos recém-graduados, que achavam o Distrito como um local sem condições

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para se viver, quer por parte dos Governos distritais, no sentido de se acharem não dispôr de condições para oferecer a um técnico com formação superior, e alguns dirigentes a este nível sentirem as suas posições de chefia ameaçadas.

A convivência entre o recém-graduado com as comunidades e as estruturas governativas dos Distritos, cria um ambiente de exploração de vantagens comparativas. As comunidades acreditam na solução dos seus problemas do dia-a-dia através da ciência e da técnica. Os governos distritais também passam a acreditar na mais-valia em ter um técnico com formação superior, a aceitar as condições locais e a dar a sua contribuição na melhoria da situação actual. O finalista ou recém-graduado toma sempre a consciência da realidade que vive e que só com a sua contribuição o Distrito poderá sair da situação que se encontra actualmente. Ao se traçar o projecto Férias Desenvolvendo o Distrito, esperava-se como um dos resultados, a integração dos técnicos superiores em duas vertentes: a primeira no sector público e a segunda como promotores do seu próprio emprego.

Um dos grandes desafios neste processo, apesar de existir uma enorme vontade dos Governos distritais em fazer o recrutamento dos recém-graduados, a luz do Decreto nº 5/2006 que atribuiu as competências aos Governos Distritais, é a burocracia excessiva que tem-se verificado no tratamento dos processos desde o lançamento do concurso, admissão do candidato até ao visto do Tribunal Administrativo.

O tempo da aprovação do candidato submetido ao concurso e, da sua admissão no Aparelho de Estado no Distrito, chega a superar um período de um ano e meio em alguns casos, o que se reflecte de certa forma na operacionalização e cumprimento do plano anual do Distrito por um lado, e por outro, uma vez estando-se no mercado competitivo, os candidatos ora aprovados com as qualificações

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que respondam imediatamente aos desafios do Distrito, acabam assinando outros contratos com outras empresas, que mesmo com saída do seu visto do Tribunal Administrativo não o permite sair para ir trabalhar no Distrito como era do seu sonho e respeitando o compromisso com a comunidade e o Governo do Distrito aquando do projecto.

Os processos burocráticos deveriam ser simplificados para garantir a maior flexibilidade na admissão dos recursos humanos no Aparelho do Estado e isto passa pela compreensão dos contornos que os processos percorrem desde o lançamento do concurso até ao visto do Tribunal Administrativo. Contudo, várias vezes, os técnicos dos recursos humanos dos vários sectores do Aparelho Estado questionados sobre o ponto de situação do processo, sempre dizem estar no Tribunal Administrativo.

Tendo o administrador competências para admitir o seu quadro do pessoal e a planificação ser feita ao nível do Distrito, este processo devia ser acompanhado pela descentralização de forma gradual de todos os serviços que velam pela melhor aplicação dos fundos do Estado que é o caso do Tribunal Administrativo e da Contabilidade Pública, instituições também indispensável no recrutamento de recursos humanos para a função pública. Assim, estariam criadas as condições para a concretização do processo da desconcentração e descentralização administrativa e financeira para os Distritos.

A aposta na colocação urgente dos técnicos qualificados nos Distritos, devia ser uma das estratégias prioritárias do Governo para a concretização da política “Distrito Pólo de Desenvolvimento”, devido ao potencial deste grupo na transferência de noções de desenvolvimento para as comunidades que, para si o desenvolvimento é somente ter comida para hoje e não na dimensão que o Governo pretende que seja, apesar de hoje ser um dos primeiros passos.

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A indiferença em algumas comunidades, em aumentar os níveis de produtividade, de modo a se alcançar os níveis de desenvolvimento que se pretende, pode estar aliado a falta de referências de indivíduos que estejam a transformar o discurso da necessidade do desenvolvimento em acções concretas de desenvolvimento. Para um indivíduo que passou a sua formação com a facilidade de acesso a informação e com conhecimento de algumas tecnologias indispensáveis no processo da produção, colocado num Distrito sem estas condições, de certeza que este fará todo o esforço para que estes serviços ou tecnologias estejam presentes no Distrito para beneficiar-se a si e a outros que passarão a ter o conhecimento do então desconhecido pela comunidade local.

Na vertente de descoberta de oportunidades e potencialidades para o desenvolvimento do espírito empreendedor e criação de auto-emprego, não existem ainda dados concretos de jovens que participaram do projecto que estejam já a desenvolver o seu próprio negócio no Distrito. Existe sim, conhecimento de que grande parte dos contemplados voltam com ideias que possam ser transformadas em projectos de geração de auto-emprego, e outros que estão em busca de financiamento para o seu arranque.

O desafio que se verifica nesta vertente do empreendedorismo de acordo com alguns finalistas que já estiveram contemplados pelo projecto, é o acesso ao apoio financeiro no Distrito onde identificou as oportunidades e as potencialidades adequadas para a implementação do seu projecto. Esta situação deve-se ao facto dos critérios para o acesso ao OIIL nos Distritos, excluir indivíduos que não estejam a viver naquele Distrito.

Para alguns finalistas as dificuldades prendem-se ao facto de não terem conhecimentos básicos para a elaboração dos projectos económica e tecnicamente sustentáveis. Para este aspecto,

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sugere-se um esforço conjugado entre as instituições do ensino, instituições privadas e o Governo.

As instituições do ensino deveriam nos seus curriculas não só leccionar as cadeiras de metodologia de investigação, mas também as que permitam ao recém-graduado fazer um projecto de geração de auto-emprego. O sector privado deveria assumir o treinamento dos finalistas através de estágios pré-profissionais, sendo uma das responsabilidades sociais das empresas, para permitir que o estudante tenha o contacto com o sector produtivo ainda no processo de formação e comece a pensar num projecto de geração de auto-emprego virado a uma actividade que tenha o mínimo do seu conhecimento. Neste processo, o Governo poderia criar pacotes de apoio aos jovens recém-graduados que queiram começar o seu negócio no Distrito após a sua formação independentemente de ser natural daquele Distrito, mas que tenha um projecto exequível e que esteja de acordo com as linhas de financiamento aprovados pelos Conselhos Consultivos.

V - Desafios

• Os Distritos devem adequar a sua estrutura orgânica de acordo com as potencialidades existentes localmente;

• Criar uma capacidade técnica e analítica aos membros dos Conselhos Consultivos Distritais de modo a serem capazes de participar no processo de identificação e priorizarão dos projectos com impacto a nível local, terem capacidade de apreciar e aprovar o relatório da execução global do Orçamento do Distrito entre outras tarefas;

• Harmonizar os Planos Estratégicos de Desenvolvimento

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a todos os níveis no concernente ao horizonte temporal, objectivos, indicadores e metas;

• Criar mecanismos rigorosos e flexíveis que possam reforçar a capacidade dos conselhos consultivos na definição de projectos viáveis para o financiamento do OIIL que correspondam as potencialidades dos distritos, e que garantam o apoio técnico aos beneficiários do financiamento, desde a elaboração dos projectos, sua gestão e a monitoria e avaliação;

• Compreender os contornos dos processos burocráticos para admissão de técnicos qualificados no Aparelho de Estado de modo a criar se um processo mais simples e flexível;

VI - Conclusão

A presente comunicação peca por trazer uma série de realidades e desafios e pouco faz a menção sobre os grandes avanços que se verificam nos Distritos em prol do seu desenvolvimento. Pese embora as realidades e desafios apresentados ao longo desta comunicação que devem ser entendidos como parte de um processo gradual de desenvolvimento, é preciso reconhecer os grandes avanços que se notam no meio rural desde que o Distrito foi largamente considerado como pólo de desenvolvimento.

Fazendo a leitura do depois, é hoje notório nas zonas rurais uma dinâmica rumo ao desenvolvimento. Há mais moçambicanos a tomarem decisões sobre as prioridades para o seu desenvolvimento, há sinais visíveis de aumento de níveis de produtividade, nota-se melhorias na habitação e na criação de novos postos de emprego. Hoje, os Distritos são grandes centros de atracão de investimento, a banca vai cada vez mais se estendendo para as zonas rurais, vão melhorando as condições de saneamento. Os dados estatísticos já demonstram que os níveis de pobreza reduziram de 2003 a 2009 de 53% para 44% isto significa que houve grandes avanços

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no desenvolvimento do nosso país.

É de salutar o envolvimento da juventude na liderança dos processos de desenvolvimento, em vários sectores de produção. Reparando para o caminho já percorrido, há razões suficientes para continuar a afirmar e apostar no Distrito como pólo de desenvolvimento, dando mais oportunidades as populações que lá vivem, aumentando a sua auto-estima, reforçando a capacidade local através de enquadramento de técnicos qualificados, e garantindo a capacitação dos recursos humanos que existem localmente, o que vai permitir a prestação de melhores serviços ao cidadão e flexibilizar a entrada de investimentos nos Distritos.

VII - Bibliografia

• Associação dos Estudantes Finalistas Universitários de Moçambique. Relatório do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito (província de Niassa e Nampula). Maputo, 2006.

• __________________________________________________. Relatório do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito (Províncias de Gaza, Inhambane e Manica). Maputo, 2007.

• Boletim da Republica (2005). Regulamento da Lei dos Órgãos Locais do Estado. Maputo: I Serie, Numero 23

• Ministério da Planificação e Desenvolvimento. Relatório Balanço da Implementação do Orçamento de Investimento de Iniciativa Local 2006-2008. Maputo, 2009.

• VALÁ, Salim Cripton. Descentralização e Desenvolvimento Sustentável no “Moçambique Rural” Como apreender do passado a caminhar para o futuro? In: 10 anos de Descentralização em Moçambique os Caminhos Sinuosos de um Processo Emergente. UEM, Maputo, 2008.

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DISTRITO PÓLO DE DESENVOLVIMENTO:

CONSTATAÇÕES E DESAFIOS – UMA LEITURA BASEADA NAS EXPERIÊNCIAS DO PROJECTO FÉRIAS DESENVOLVENDO O DISTRITO

(Comentário ao texto de Henrique Cau) Augusta de Fátima Maita Pechisso

INTRODUÇÃO

Com a licença de Sua Excelência o Presidente da República, gostaria de agradecer pela grande oportunidade que o Gabinete de Estudos da Presidência da República me concede em poder participar desta série de debates que tem caracterizado o Gabinete desde que se iniciou o presente mandato. Devo dizer que foi com grande susto que recebi a notícia de que faria parte do Painel que apresentaria a última sessão dos seminários do presente mandato, pois creio que a expectativa seja maior. Sinto-me profundamente honrada com este convite e espero estar a altura desde enorme desafio que se me apresenta.

Gostaria de começar por parabenizar o dr. Henrique Cau pela excelente comunicação. Creio que não tenha sido fácil ter-se debruçado sobre um tema tão importante e que vem suscitando tanto debate no nosso País. A minha reflexão é basicamente para aprofundar alguns pontos que estão no texto e, eventualmente, levantar alguns aspectos que possam não ter sido abordados.

Esta comunicação tem o grande mérito de trazer uma breve explicação sobre as razões que fundamentam a decisão de tornar o distrito como pólo do desenvolvimento, bem como a análise da evolução do quadro legal para a materialização deste objectivo. O autor aborda a necessidade da existência de recursos humanos qualificados para a materialização

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da matriz do governo e os apelos de Sua Excia o Senhor Presidente da República Armando Guebuza, de tornar o distrito como pólo de desenvolvimento. Neste contexto o autor faz uma análise baseada na experiência do projecto “Férias desenvolvendo o distrito” iniciativa da Associação dos Estudantes Finalistas Universitários de Moçambique, a AEFUM.

O autor levanta ainda na sua abordagem um debate interessante sobre os desafios do processo de desenvolvimento dos distritos no que se refere à sua estrutura orgânica, à planificação e à gestão do OIIL e a Participação do Cidadão no processo de desenvolvimento. Esta comunicação tem o grande mérito de avançar algumas propostas face as constatações por ele apresentadas. Entretanto, há aspectos da comunicação que merecem uma maior reflexão:

(1). No que diz respeito as razões que o autor apresenta para fundamentar o distrito pólo de desenvolvimento, há a acrescentar o facto de se pretender assegurar que os cerca de 14 milhões de Moçambicanos que residem nas zonas rurais estejam dotados de capacidades necessárias para transformar, em riqueza, os abundantes recursos de que dispõe.

Presidium do Seminário

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(2). Em relação ao projecto Férias Desenvolvendo os Distritos, é de louvar a iniciativa de interessar aos estudantes e recém graduados a ir aos distritos exercer actividades em sectores que estejam em conformidade com a sua área de formação e com as necessidades de cada distrito. Contudo, a comunicação do autor dá a entender que se trata de um movimento da Nação para o Pólo, isto é, só os estudantes das universidades de Maputo é que podem/devem ir desenvolver ou ajudar a desenvolver o pólo.

Ainda sobre o projecto “Férias desenvolvendo o Distrito” não fica claro quem potencia a quem? É o distrito que se beneficia com os técnicos superiores ou são os técnicos que buscam no distrito experiência de trabalho que lhes é tão exigida no mercado de trabalho? não se tratará de uma relação bivalente?

O autor traz uma abordagem exaustiva sobre a integração dos estudantes finalistas e recém graduados nos diversos sectores de actividade nos distritos. Contudo, é importante neste processo não nos esquecermos das características específicas das comunidades que se pretendem desenvolver uma vez que estas não são estanques e nem homogéneas. As comunidades têm as suas lógicas próprias de produção e de reprodução e não podemos conceber a ideia do desenvolvimento sem levar estes aspecto em consideração. Como diria Max Weber, sociólogo alemão, “a racionalização da actividade comunitária não (...) tem por consequência a universalização do conhecimento relativamente as condições e as relações dessa actividade, mas o mais das vezes, conduz ao efeito oposto. O “selvagem” sabe infinitamente mais sobre as condições económicas e sociais da sua própria existência do que o “civilizado”, no sentido corrente do termo, das duas118.”

118 Patrício Langa, Um Pequeno Relatorio, Férias desenvolvendo o Distrito: Jovens recem graduados regressam a Maputo, in B’ andhla, Tuesday, February 24, 2009, at 12:50 PM.

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Portanto, a ideia de se aliar a ciência ao desenvolvimento local é de extrema importância, e por isso mesmo enaltecemos a iniciativa, contudo este processo seria mais eficaz se numa primeira fase se desse sob a forma de uma auscultação. Os nossos recém graduados poderiam ser de grande utilidade se em primeiro lugar procurassem ouvir das comunidades locais o que elas próprias pensam sobre o desenvolvimento, qual é a sua visão do desenvolvimento e como elas pensam ou pretendem alcançar esse mesmo desenvolvimento. Isso faria com que estas participassem na tomada de decisão sobre o seu destino e das suas comunidades. Esse exercício ajudar-nos-ia a direccionar os esforços dos nossos graduados, e não só, e produziria efeitos duradoiros pois, ouvidas as comunidades locais e o Governo local, e seleccionadas as potencialidades conforme as prioridades de cada distrito, os nossos recém graduados seriam chamados a intervir na planificação do uso correcto e científico dos recursos existentes em cada um dos distritos do nosso belo Moçambique.

Uma vez que o autor traz uma abordagem sobre a estrutura orgânica dos distritos, seria interessante se trouxesse uma reflexão sobre o relacionamento dos concelhos consultivos com a estrutura orgânica; o seu grau de influência e autoridade no processo de tomada de decisão.

A abordagem que o autor faz sobre a gestão do OIIL, é bastante importante. Com efeito, em alguns distritos, o fundo tem sido utilizado para a compra de produtos acabados para a revenda, aumentando desse modo o consumo e não a produção, contrariando a orientação de Sua Excia o Presidente da República quando referiu na comunicação apresentada na cerimónia do lançamento do curso de Mestrado em Planeamento e Desenvolvimento Regional oferecido pela Universidade Católica de Moçambique em Março de 2008 que “uma das razões que havia determinado a priorização do distrito como pólo de desenvolvimento era o efeito multiplicador dos resultados derivados desta atenção sobre o distrito (...) a Revolução

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Verde tem em vista aumentar a produção e a produtividade agro-pecuárias e a renda dos nossos compatriotas”.

Em suma, as propostas avançadas pelo dr. Cau no que diz respeito a planificação e gestão do OIIL são muito valiosas pois, a solução para o problema da falta de clareza e rigor na atribuição de fundos pode ser resolvida com a criação de uma capacidade. Mas é importante realçar que essa capacidade não deve significar a criação de um novo organismo ou instituição. Ao invés disso poderia se pensar em: (i) ao nível dos conselhos consultivos locais se constituir uma equipa/conselho técnico para a aprovação do projecto deixando os líderes comunitários e os demais componentes do grupo apenas como conselheiros que podem testemunhar sobre a idoneidade da pessoa que pretende o financiamento; (ii) cada projecto financiado podia contemplar uma margem para pagar os supervisores e técnicos que fazem a avaliação da viabilidade dos projectos e a monitoria, pois é do nosso conhecimento que em alguns distritos este segmento faz este trabalho sem nenhum subsídio. Esta atitude poderia, por um lado, garantir que os beneficiários do financiamento tenham um acompanhamento permanente, e por outro lado, serviria de incentivo para os supervisores cuja remuneração dependeria do sucesso do projecto. Caberia igualmente aos supervisores assegurar os mercados onde estes produtos seriam vendidos e deste modo garantir-se-ia o retorno dos fundos de modo a beneficiar aos outros.

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O DIÁLOGO E O DEBATE: UMA DAS FORMAS DE CONTRIBUIR NA INCLUSÃO E NA LUTA CONTRA A

POBREZA

Comunicação apresentada por Sua Excelência, Armando Emílio Guebuza, Presidente da República de Moçambique,

por ocasião do encerramento do ciclo de Seminários do Quinquénio organizados pelo Gabinete de Estudos da

Presidência da República

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Sua Excelência o Ministro da Casa Civil;

Distintos Painelistas,

Caros Convidados,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

É com elevada honra e muita satisfação que nos dirigimos aos nossos estimados convidados, neste evento, que encerra o ciclo de seminários do Quinquénio que a Presidência da República tem estado a promover desde 2005. São eventos que têm juntado políticos, académicos, profissionais de diversas áreas, jovens, membros de organizações da sociedade civil, entre outros segmentos da sociedade moçambicana e que permitem a recolha de sensibilidades, saberes e experiências dos vários actores sociais, propiciando assim, a nossa interacção, de forma directa, com os nossos concidadãos.

Queremos por isso, agradecer a todos os distintos convidados, presentes nesta sala, e de forma especial aos Jovens que nos obsequiaram com o tema sobre as realidades e os desafios nos distritos, pela sua pertinência e actualidade e pelas valiosas contribuições que nos permitiram ver do outro ângulo, a dinâmica do desenvolvimento naquelas unidades territoriais, desta pátria nossa amada.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Foi nesta sala que em Outubro de 2005, no primeiro seminário, os jovens anunciaram a iniciativa de passar as férias no Distrito e, a partir dessa altura, temos vindo a acompanhar, com muito interesse, os trabalhos desenvolvidos por esta associação que se tem revelado uma força mobilizadora para os jovens se dirigirem

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para os distritos.

Honra-nos, pois, notar que esta iniciativa fruto de jovens, enérgicos e dedicados, levou cerca de 400 estudantes a passarem férias nos diversos Distritos do nosso belo Moçambique. Estes jovens tiveram a oportunidade de viver a dinâmica da vida existente naqueles locais, interagir com outros jovens, funcionários e comunidades, trocando experiências e buscando oportunidades de emprego. Com efeito, hoje contamos com cerca de 200 jovens enquadrados em actividades produtivas ao nível dos Distritos.

Caros ConvidadosMinhas Senhoras e meus Senhores,

Os seminários realizados aqui na Presidência da República, proporcionaram-nos momentos inesquecíveis de aprendizagem, muita alegria e muito orgulho, pois neste local tivemos oportunidade de ver a desfilarem especialistas moçambicanos nas suas diversas áreas de conhecimento, que trouxeram para o debate temáticas de elevada qualidade que providenciaram substantivas contribuições que ampliaram, ainda mais, a nossa visão sobre os contornos e configurações dos desafios que a nossa Pérola do Índico ainda enfrenta no quotidiano da nossa Governação Aberta e Inclusiva.

Na nossa intervenção de abertura do primeiro seminário destacamos a importância da criação de um espaço na Presidência da República, onde se possa abordar temas de interesse nacional, em particular no combate contra a pobreza, com o objectivo de potenciar as políticas do Governo.

Com efeito, volvidos quatro anos e meio, hei-nos nesta sala que se tornou num dos lugares mais privilegiados e prestigiados de

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debate de temas de actualidade e de forja de ideias que potenciam as nossas acções na busca de solução dos desafios que emergem do processo de Governação e das mudanças que estamos a imprimir. Isto, demonstra não só o crescimento da nossa intelectualidade, pela qualidade de debates e intervenções que assistimos, mas também a forma como gradualmente temos estado a dar os golpes fatais à pobreza.

Caros Convidados, Terminamos este ciclo de seminários com um sentimento de que conseguimos lograr, neste Quinquénio, um ambiente de debate e de interacção frutuosa, levar as diferentes gerações de painelistas e de participantes a partilharem visões e sensibilidades e, sobretudo, a sentirem que ao fazerem cada um a sua parte, tornaram-se em agentes no processo do desenvolvimento da nossa Pátria Amada.

Notamos com satisfação, o elevado e contínuo interesse que estes seminários despertaram aos nossos convidados, facto explicado pela presença assídua e pela participação activa dos nossos convidados. Mais uma vez, queremos dirigir a nossa expressão de elevado apreço pelas contribuições de todos que deram o melhor de si para o sucesso deste ciclo de seminários. Saudamos, de forma especial as contribuições dos painelistas que introduziram os debates ao longo destes 4 anos e meio. Referimo-nos aos nossos caros compatriotas: Salimo Valá, Simão Anguilaze, Filimone Meigos, Eduardo Sitoi, Moisés Mabunda, Francisco Noa, Carlos Nuno Castel-Branco, Armando Inroga, António Cumbana, Rui Vasco Sitoe, Rui González, Susana Saranga, Ebenizário Chonguiça, Patrício José, António Gaspar, Benigna Zimba, José Forjaz, Júlio Carrilho, Benedito Murambire, Luís Cezerilo,

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Lourenço do Rosário, Cristiano Matsinhe, Gil Lauriciano, Almiro Lobo, José Óscar Monteiro, Osvaldo Nhanala, Yolanda Arcelina, Gerónimo Mahoque, José Manuel Guambe, José Jaime Macuane, Jamisse Taimo, Isaltina Lucas, Tomo Psico, Miguel Arcanjo, Rafael Uaene, Jaime Nicols, Hélder Gemo, Emílio Tostão, Ana Comoana, Jorge Ferrão, Mário Jessen, Marcelino Sales Lucas, Américo Muchanga, Jorge Nhambiu, Sérgio Mathe, Belmiro Rodolfo, Adriano Maleiane, Narciso Matos, João Assale, Hildizina Norberto Dias, Henrique Cau, Maria Gustava e Augusta Maita.

Muito Obrigado!

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