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REPRESENTAÇÕES DE ESCRAVOS NA SEÇÃO DE ANÚNCIOS DO JORNAL A IMPRENSA DE CUYABÁ 1 Santierre Luis Krewer Sott 2 O jornal “A Imprensa de Cuyabá” circulou na capital da província de Mato Grosso entre os anos de 1859 e 1865, com periodicidade semanal. Seus fundadores foram Padre Ernesto Camilo Barreto e João de Souza Neves, sendo Francisco de Moraes Jardim, o encarregado da edição e, José Jacintho de Carvalho, o redator. O prédio da redação ficava na Rua Augusta, nº 50. Era um boletim “Periódico, Político, Mercantil e Literário”. Teve um total de 232 edições, das quais 134 puderam ser acessadas através do sítio eletrônico da Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional 3 , e o que procurávamos era a presença escrava nas páginas de tal publicação. O historiador leigo Pedro Rocha Jucá 4 destaca que a Imprensa de Cuyabá foi o primeiro jornal de oposição na província de Mato Grosso, “surpreendendo aos meios políticos” e que “nem se poderia imaginar que isto acontecesse, mas aconteceu”. E que o periódico em questão promoveu “uma autêntica revolução editorial na história da imprensa em Mato Grosso”. Conta ainda, que “A Imprensa de Cuyabá desenvolveu intensa campanha contra o governo do Tenente-coronel Antonio Pedro de Alencastro, 1 Este artigo é parte integrante do projeto intitulado Escravos em anúncios de jornais cuiabanos: Representações de cativos na imprensa periódica na segunda metade do século XIX , que recebe apoio financeiro do Conselho Nacional de Pesquisa-CNPq. 2 Aluno regularmente matriculado no Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados. 3 Disponível em: http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/ 4 Fonte: JUCÁ, Pedro Rocha. A Imprensa Oficial em Mato Grosso. Cuiabá: Imprensa Oficial do Estado de Mato Grosso, 1986.

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REPRESENTAÇÕES DE ESCRAVOS NA SEÇÃO DE ANÚNCIOS DO

JORNAL A IMPRENSA DE CUYABÁ1

Santierre Luis Krewer Sott2

O jornal “A Imprensa de Cuyabá” circulou na capital da província de Mato

Grosso entre os anos de 1859 e 1865, com periodicidade semanal. Seus fundadores

foram Padre Ernesto Camilo Barreto e João de Souza Neves, sendo Francisco de

Moraes Jardim, o encarregado da edição e, José Jacintho de Carvalho, o redator. O

prédio da redação ficava na Rua Augusta, nº 50. Era um boletim “Periódico, Político,

Mercantil e Literário”. Teve um total de 232 edições, das quais 134 puderam ser

acessadas através do sítio eletrônico da Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional3, e o

que procurávamos era a presença escrava nas páginas de tal publicação.

O historiador leigo Pedro Rocha Jucá4 destaca que a Imprensa de Cuyabá foi o

primeiro jornal de oposição na província de Mato Grosso, “surpreendendo aos meios

políticos” e que “nem se poderia imaginar que isto acontecesse, mas aconteceu”. E

que o periódico em questão promoveu “uma autêntica revolução editorial na história

da imprensa em Mato Grosso”. Conta ainda, que “A Imprensa de Cuyabá desenvolveu

intensa campanha contra o governo do Tenente-coronel Antonio Pedro de Alencastro,

1 Este artigo é parte integrante do projeto intitulado Escravos em anúncios de jornais cuiabanos: Representações de cativos na imprensa periódica na segunda metade do século XIX, que recebe apoio financeiro do Conselho Nacional de Pesquisa-CNPq. 2 Aluno regularmente matriculado no Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados. 3 Disponível em: http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/ 4 Fonte: JUCÁ, Pedro Rocha. A Imprensa Oficial em Mato Grosso. Cuiabá: Imprensa Oficial do Estado de Mato Grosso, 1986.

comandante das Armas e 14º presidente da Província, que assumiu no dia 13 de

outubro de 1859 e administrou Mato Grosso durante dois anos, três meses e 25 dias”5.

Diante do exposto, verificamos a possibilidade de verificação da presença

escrava neste hiato temporal que precedeu o início da Guerra do Paraguai na seção de

anúncios.

Os anúncios de jornais foram utilizados pioneiramente como fonte histórica

pelo historiador brasileiro Gilberto Freyre em sua obra “O Escravo nos Anúncios de

Jornais Brasileiros do Século XIX”, editada pela primeira vez em 1961, todavia tendo

sido iniciada sua escritura, logo depois ou um poucos antes do aparecimento da

célebre obra “Casa-grande & Senzala”, em fins de 1933. Freyre ainda dedicou outro

trabalho de relevância antropológica para a utilização de anúncios, “Deformação de

corpo dos negros fugidos”, lida no 1º Congresso Afro-brasileiro do Recife e incluída nos

“Novos estudos afro-brasileiros”, livro no qual se recolheram, em 1937, os trabalhos

apresentados àquele encontro, como nos conta Alberto Costa e Silva na apresentação

da primeira edição digital de “O Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século

XIX”, lançada em 20126.

A seção de anúncios ficava, na esmagadora maioria dos jornais analisados e,

como na maioria dos jornais em circulação na época, na última das habituais quatro

páginas das publicações. Esta seção compunha uma espécie de “classificados”7 da

imprensa no século XIX, sendo que, a mesma trazia uma miscelânea de informações

sobre compra, venda e aluguel de escravos, em meio ao demais gêneros, móveis ou

imóveis, à disposição no “mercado”. Assim como os anúncios de fuga de escravos,

estes que eram abundantes nas páginas da imprensa até o início da década de 1880,

5 Op. Cit.: JUCÁ, P.R.. p.38. 6 Fonte: COSTA E SILVA, Alberto da. A escravidão nos anúncios de jornais. In: FREYRE, Gilberto. O Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX. 1ª edição digital. São Paulo, 2012. 7 Esta analogia foi tomada por empréstimo de SCHWARCZ, Lilia Moritz, Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 134.

momento em que, paulatinamente, deixam de ser publicados com a proximidade da

Abolição.

Queremos mais do que simplesmente remontar um “passado verdadeiro”.

Nosso objetivo é apresentar análises depreendidas dos anúncios, para perceber as

diversas nuances que adquirem os discursos dos anunciantes, revelando

representações da constituição do mundo social escravocrata cuiabano, na segunda

metade do século XIX. Bem como, tais discursos possibilitam demonstrar mudanças na

imagem que se fazia do escravo cuiabano, a partir de mudanças no cenário

escravocrata nacional e internacional, proporcionando visões e representações que

compunham um ideário de época comum, muito embora ressalvando-se

especificidades que pudessem aparecer como elemento de composição.

Por outro lado, o estudo das representações leva este trabalho a ser creditório

da obra de Roger Chartier, especialmente, na medida em que este renomado autor

demonstra como os símbolos que estruturam o mundo social são manifestados de

maneira prática pelos indivíduos ou grupos sociais, revelando uma maneira bastante

promissora de encarar a História das sociedades humanas, a partir das manifestações

culturais que produzem. Dessa maneira, é que se faz possível uma produção

historiográfica que busca analisar jornais da segunda metade do século XIX, com a

intenção de compreender maneiras de pensar de seus editores, que de uma maneira

ou de outra está relacionada com as experiências e práticas da sociedade cuiabana do

período.

Enfim, para que pudéssemos estabelecer uma narrativa de análise que melhor

contemplasse as características que consideramos mais relevantes dos anúncios

estudados, fizemos por opção subdividir este artigo em duas partes. Por um lado,

devido a determinados aspectos em comum, que nos permitem analisar as

representações dos anúncios de compra, venda, e aluguel como integrantes de um

grupo, ainda que, representassem situações diferentes, quanto ao discurso

empreendido no que se reflete a imagem dos cativos. Por outro, em vista das

peculiaridades, as mesmas que pretendemos apresentar no decorrer de nossa

narrativa, concernentes aos anúncios de fuga.

Tratemos então de seguir com nossa exposição...

1. Os anúncios de compra e venda.

A seção de anúncios trazia variadas publicações sobre a comercialização de

escravos na capital da Província de Mato grosso da segunda metade do século XIX.

Nesses anúncios podemos perceber singularidades, especialmente nos aspectos

relacionados à representação positiva dos cativos, sendo enaltecidas, tanto suas

características físicas, quanto sua personalidade ou qualidades profissionais, algo que

poderia ser identificado como uma estratégia comercial.

É o que reafirma o seguinte fragmento da obra de Lilia Schwarcz:

“Esse tipo de modelo era seguido pelos anúncios de

venda, seguros, aluguel ou leilão de escravos, já que neles eram

destacados qualidades e vantagens das ‘peças’, bem como seus

preços módicos e facilidades de pagamento”(SCHWARCZ, 1987,

P. 134).

Observe então, como tais elementos de classificação positiva se fazem

presentes no anúncio de Leopoldino Pinto Botelho, publicado no verão cuiabano de

1864:

“Vende-se uma escrava de idade de 36 annos muito sadia

sem vicio e de boa conducta, sabe cozinhar, fazer doces, boa

tecedeira, muito própria para lavoura, por preço muito

commodo; quem quizer dirija-se a rua da Esperança caza nº1”( A

Imprensa de Cuyabá, Quinta-feira, 25/02/1864, Ed. 267).

Podemos ver a mesma estratégia sendo utilizada por Antonio Rodrigues

d’Araujo Junior, na exata mesma edição, do mesmo jornal:

“Vende-se por muito commodo preço uma escrava meia

idade sem vícios, rohesia, com quaze todos os préstimos para

uma caza de família, para ver e tractar dirija-se a rua da

Esperança, casa, entre o nº. – 9 –e 11” ( A Imprensa de Cuyabá,

Quinta-feira, 25/02/1864, Ed. 267).

A mercantilização de jovens era uma prática bastante comum no período8, já

que os escravistas buscavam obter a maior margem de ganhos e lucros com suas

“mercadorias”, sempre indicando qualidades que pudessem agregar-lhes valor de

mercado, prática tal qual podemos observar nos anúncios a seguir:

“Vende-se um escravo de 18 a 19 annos, sapateiro. Quem

pretender dirija-se á rua do Commercio nº. 41” (A Imprensa de

Cuyabá, Quinta-feira, 11/02/1864, Ed. 265).

Ou ainda:

“Vende-se um creoulo de 14 a 16 annos muito próprio

para pagem, quem o pretender dirija-se à travessa da

Assemblea, casa nº. 3”(A Imprensa de Cuyabá, Dom. 30/09/1860,

Ed. 63).

8 O assunto é tratado em artigo voltado para a temática, o qual segue a referência: MOTT, Luiz. Os escravos nos anúncios de jornal em Sergipe. Anais do V Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Águas de São Pedro, Associoação Brasileira de Estudos Populacionais, 1986.

As mulheres de faixa etária jovial aparecem em número reduzido, entretanto,

também figuram nos anúncios por seus “préstimos”:

“Acha-se a venda uma escrava de 20 annos de idade mais

ou menos, e de alguns préstimos, quem tentar compral-a dirija-

se á casa n. 15 na rua da esperança” (A Imprensa de Cuyabá,

Dom. 15/07/1860, Ed.8).

Um caso que chama a atenção é a de um jovem que é muito bem representado

pelo anunciante, com atributos e referências profissionais que poderíamos

considerar qualitativamente excelentes, entretanto, é colocado à venda sendo que a

razão somente seria revelada a quem tivesse a intenção de comprá-lo, como podemos

observar:

“Vende se um bonito pagem, pardo, de 20 annos de

idade, cozinha e engoma perfeitamente. Official de pedreiro, jà

tem trabalhado no seminário e Arsenaes de Guerra e Marinha. O

motivo de o vender, se dirá a quem pretender compral-o. Trata-

se na rua formosa, sobrado, nº 11.”

A esse respeito podemos conjecturar o mais despropositadamente uma causa

muito comum aos jovens em geral, sua rebeldia. Neste sentido, nossa suposição

histórica quanto a este anúncio se faz baseada na premissa de que os homens jovens

foram os que mais prontamente poderiam atentar uma fuga de seu cativeiro9, todavia,

não nos estenderemos aqui com suposições, ficando a cargo da imaginação do leitor

fazê-las caso pretenda.

Os anunciantes também se utilizavam das páginas da imprensa para tornar

público que possuíam vários escravos para vender, neste caso os escravos são

9 O tema foi tratado por: REIS, João José & SILVA, Eduardo. Negociação e Conflito: A Resistência Negra no Brasil Escravista. São Paulo: Companhia das letras, 1989, p.76.

representados, usualmente, em anúncios com detalhes menos pormenorizados e mais

diretos, como vemos no caso abaixo:

“Vende-se um creoulo de 26 annos com pratica de

lavoura, mineração e costeio de gado; umma parda de 20 annos

com quazi todos os préstimos para uma casa de família, e uma

creoula de 15 annos, muito reforçada para fabrica e serviços

domésticos, na rua da Esperança caza de Antonio Roiz d Araujo

Junior” (A Imprensa de Cuyabá, Quinta-feira, 24/12/1863, Ed.

258 e Quinta-feira, 07/01/1864 Ed. 260)

Outro caso semelhante que ganhou as páginas de anúncios da imprensa foi o

publicado por Alexandre de Cerqueira Caldas, anunciando que:

“O abaixo assignado tem para vender duas escravas

raparigas, corpo reforçadas próprias para os trabalhos de

engenho, quem as quizer comprar dirija-se a rua do Sr. Dos

Passos. Travessa da alegria nº 1 sabrado, para ver e tractar” (A

Imprensa de Cuyabá, Quinta-feira, 12/11/1863, Ed. 253).

Seguindo outro modelo semelhante poderíamos encontrar apenas indicações

vulgares, do sexo ou idade, sempre anunciando preços acessíveis e variedade de

escolha, como no caso a seguir, temos anunciada uma espécie de liquidação por

tempo limitado:

“O abaixo assignado faz publico que tem para vender

escravos de differentes idades, de ambos os sexos, cujos preços

são rasoaveis: quem pretender, dirija-se-a Ponte do coxipó – até

o dia 20 de Outubro. Cuiabá 24 de Setembro de 1863. Joaquim

Antonio Pereira Caxeta” (A Imprensa de Cuyabá, Quinta-feira,

23/09/18636, Ed. 246).

Os anúncios traziam ainda informações sobre o tráfico interprovincial de

escravos, e nos revelam números expressivos de cativos sendo comercializados em

Cuiabá, provenientes dessa prática.

“Achão se a venda, no coxipó da ponte, 75 escravos de 10

a 12 annos e de 15 a 20 de idade, e de ambos os sexos gente

muito boa, própria para pagens, importados da província de S.

Paulo, o vende se por preço commodo: para tratar encontrará

qualquer pretendente no lugar acima referido, pessoa

competente. Cuiabá 5 de Agosto de 1863” (A Imprensa de

Cuyabá, Quinta-feira, 20/08/1863, Ed. 240).

Num outro caso o anunciante se aproveita do mesmo anúncio para avisar de

sua mudança residencial e já torna público sua intenção de vender uma escrava da

qual faz questão de ressaltar o primor de suas qualidades, observando ainda, a posse

de guaraná para a venda, do qual destaca igualmente o primor de qualidade.

“Antonio Rodrigues de Araujo Junior, avisa a seus amigos

e freguezes que mudou sua residência para a rua da Esperança

junto a casa de seu pai, n. 44.

O mesmo tem para vender por preço razoável, uma

escrava parda e de bonita figura, de idade de 20 a 21 annos, sem

defeito algum, sabendo engommar, costurar, cozinhar, tudo com

perfeição e também lavar roupa. Igualmente aviza a seus

freguezes que tem para vender guaraná de superior qualidade,

Cuiabá 25 de Agosto de 1863” (A Imprensa de Cuyabá, Quinta-

feira, 03/09/1863, Ed. 242).

Se por um lado, a imprensa no século XIX refletia os signos da modernidade

urbana10, por outro lado, não se preteria usá-la como instrumento pelos indivíduos

ligados ao meio rural, dessa maneira, era recorrente encontrar anúncios oferecendo

para venda cativos com atributos referentes ao trabalho no campo.

“Vende-se um escravo de boa figura crioulo com

abilidade de pastor e lidar com animaes por comodo preço para

tratar e ver a rua da Esperança nº 11. Cuiabá 10 de Outubro de

1864” (A Imprensa de Cuyabá, Quinta-feira, 20/10/1864, Ed.

301).

Neste outro anúncio os escravos são representados como “próprios para roça”,

sendo que nos chama a atenção o fato de representarem a constituição de um núcleo

familiar.

“Vende-se um casal de escravos próprios para roça, quem

os pretender dirija-se à rua da Esperança n. 20 para tratar. João

de Cerqueira Caldas” (A Imprensa de Cuyabá, Quinta-feira,

13/08/1863, Ed. 239).

Temos outro caso de venda familiar anunciado, uma mãe e suas “crias” são

oferecidas, juntamente com outros escravos, para quem se interessasse.

“RUA DO SR. DOS PASSOS CASA N. 22

Vende-se uma escrava de idade de 30 annos mais ou

menos com uma cria já de 3 annos e assim uma outra escrava de

8 annos muito activa e sadia. Na mesma casa tem mais escravos

que avista delles póde se effetuar a venda de alguns mais” (A

Imprensa de Cuyabá, Quinta-feira, 17/03/1864, Ed. 270)

10 A imprensa e seu papel relacionado à modernidade no século XIX é um tema abordado em: SOUZA, João Carlos de. Sertão Cosmopolita: a modernidade de Corumbá, (1872-1918). Tese (Doutorado em História Social), FFLCH/USP, São Paulo. 2001.

Haviam também os anúncios onde os escravos eram requisitados para compra.

Nesse caso as publicações seguiam um modelo mais simples no tocante ao

detalhamento das representações dos cativos, todavia, os anunciantes demonstravam

suas exigências por qualidades relacionadas, à saúde, sexo, idade, porte físico e/ou

atribuições laborais requeridas, como podemos ver nos seguintes exemplos:

“Compra-se um escravo de 18 á 20 Annos que seja de

bonita figura, e não tenha vicios nem achaques: na rua bella do

Juiz n.º22” (A Imprensa de Cuyabá, Domingo, 07/08/1859, Ed. 3)

“Compra-se uma pequena mucamba de 10 até 20 annos,

ou um rapaz da mesma idade – quem tiver annuncie por esta

folha ou mande aviso a casa n.34 da rua da Esperança” (A

Imprensa de Cuyabá, Domingo, 03/02/1861, Ed. 89)

“Precisa-se comprar uma ou duas escravas sadias para o

serviço d’uma caza, quem a tiver e quizer vender dirija-se ao

largo da Conceição nº 63” (A Imprensa de Cuyabá, Quinta-feira,

17/03/1864, Ed. 270)

Declarações públicas de compra também constavam nas páginas da imprensa,

possivelmente, uma estratégia de segurança por parte dos escravistas com relação aos

“bens” adquiridos. No anúncio a seguir, é a quantidade de cativos comprados, todos

regularizados, como faz questão de salientar o anunciante, que nos chama a atenção,

além disso, nos apresenta um vislumbre da dinâmica do mercado escravista.

“O abaixo assignado faz publico que no dia quatro do

corrente comprou de sua Tia D. Anna Christina de Moraes os

escravos seguintes; João Benguella, de 80 annos, Salvador,

creoulo, de 30 annos, Matheus, creoulo, de 30 annos, João,

cabra, de 23 annos, Bernardino, creoulo, de 45 annos, Thimoteo,

pardo, de 12 annos, Itaymundo, pardo, de 10 annos, Lazaro,

pardo, de 6 annos, Maria, creoula, de 60 annos, Benedicta,

cabra, de 30 annos, Gabriela, parda, de 9 annos, Francelina,

parda, de 3 annos, Custodia, parda, de 2 annos, e Ursula de dous

mezes de idade; o tendo pago o preço ajustado, o sello e a

respectiva meia siza, lavrou-se no primeiro Cartorio desta

Cidade, no dito dia, a escriptura que lhe transmitio o domínio

dos referido escravos, dos quaes ficou empossado. Cuiabá 22 de

Julho de 1863” (A Imprensa de Cuyabá, Quinta-feira,

23/07/1863, Ed.236)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os anúncios de jornais permitem ao historiador reconstituir através da

imprensa, um passado que por muitas vezes é esquecido, muitas vezes

propositadamente, ou desconhecido do grande público e que ajudam até mesmo a

entender transformações e permanências na ordenação social. O caso de Cuiabá e seu

passado de presença escrava ainda é relativamente pouco explorado quando a

questão é a utilização da imprensa como fonte histórica, entretanto, o material

disponível é bastante vasto e pode ser até mesmo acessado via internet, algo que

contribui significativamente para o trabalho do historiador.

A temática aqui abordada pode encontrar nos anúncios uma riquíssima fonte

de informações com relação às práticas e representações acerca da agenda escrava e

das formas de estruturação social a que os indivíduos estavam submetidos, dessa

maneira, contribuindo para o engrandecimento do debate acerca das fronteiras da

realidade histórica, assim como, da análise da conduta individual e sua inserção num

contexto social e histórico específico.

A história dos, nos e por meio dos periódicos11 é um campo prolífico para várias

temáticas dentro do arcabouço da historiografia, e no caso da utilização3 de métodos

de micro-análise proporciona a possibilidade de contemplação de novas maneiras de

pensar objetos de pesquisa, indivíduos e grupos sociais, comportamentos e

representações, que tomando por empréstimo a “metáfora florestal” de Paul Veyne,

auxiliam na expansão dos horizontes na clareira que é o conhecimento histórico12.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

DE LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (org.). Fontes Históricas. São Paulo; Contexto, 2005. FREYRE, Gilberto. O Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX. 1ª edição digital. São Paulo, 2012. JUCÁ, Pedro Rocha. A Imprensa Oficial em Mato Grosso. Cuiabá: Imprensa Oficial do Estado de Mato Grosso, 1986. MORGADO, Elaine Maria Oliveira. Catálogo de Jornais, Revistas e Boletins de Mato Grosso – 1847- 1985. Elaine Maria Oliveira Morgado (ORG.) / Cuiabá: EdUFMT, 2011, p. 88. MOTT, Luiz. Os escravos nos anúncios de jornal em Sergipe. Anais do V Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Águas de São Pedro, Associoação Brasileira de Estudos Populacionais, 1986. REIS, João José & SILVA, Eduardo. Negociação e Conflito: A Resistência Negra no Brasil Escravista. São Paulo: Companhia das letras, 1989, p.76.

SCHWARCZ, Lilia Moritz, Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 134.

SOUZA, João Carlos de. Sertão Cosmopolita: a modernidade de Corumbá, (1872-1918). Tese (Doutorado em História Social), FFLCH/USP, São Paulo. 2001.

11 Referência: DE LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (org.). Fontes Históricas. São Paulo; Contexto, 2005. 12 Para maiores informações ver: VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história. Trad. De Alda Baltar e Maria Auxiliadora Kneipp. 4ª Ed., Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1982, 1992,1995, 1998.

VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história. Trad. De Alda Baltar e Maria Auxiliadora Kneipp. 4ª Ed., Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1982, 1992,1995, 1998.