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Por Helena Caliari, Luís Francisco Caselani e Luísa Venter da Costa

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Page 1: Reportagem produzida na disciplina de Jornalismo Investigativo

Helena Caliari, Luís Francisco Caselani e Luísa Venter da CostaReportagem produzida na disciplina de Jornalismo Investigativo (professora Luciana Kraemer)

O trabalho e a produtividade dos vereadores de Novo Hamburgo

Conscientes apenas de alguns problemas da cidade, eles acabam deixando de lado aspectos importantes de seu ofício

Este é ano de eleições municipais. Talvez já pensando em um próximo mandato, os vereadores de Novo Hamburgo aprovaram, no final do mês de abril, um aumento salarial de 35,9%. Um parlamentar eleito em outubro receberá, a partir de 2013, subsídios mensais de R$ 8.813,17. Um valor alto para um trabalho por vezes incompleto. Deixando de lado algumas de suas funções, os atuais integrantes da Câmara Municipal têm gasto muito de seu tempo com questões como homenagens e pedidos de providência.

Segundo os artigos 30 e 31 da Lei Orgânica Municipal, cabe à Câmara e a seus catorze representantes elaborar leis ordinárias, complementares e decretos legislativos, fiscalizar o trabalho e as despesas do Poder Executivo e assessorá-lo através da sugestão de medidas de interesse público, além de estarem presentes nas duas sessões ordinárias semanais. Não se percebe, no entanto, preocupação na elaboração de leis e na fiscalização ao Executivo. Até junho não havia ainda pedidos de esclarecimentos quanto a despesas da prefeitura e suas secretarias.

Para a vereadora Carmen Ries, do PT, sua grande meta é a observação de problemas em lugares públicos da cidade. “Os deveres de um vereador remetem-se à fiscalização. Então quando eu passo por uma calçada e vejo algum problema eu já anoto para fazer a indicação de providência”, disse. Ries lidera o ranking de matérias apresentadas esse ano – foram 294. Essas matérias se referem a qualquer pedido que um vereador deseje levar a votação ou a análise da casa. Entre essas quase trezentas matérias, havia um projeto de lei, buscando reconhecimento de utilidade pública de uma companhia ciclística da região.

O presidente da Câmara, Gilberto Koch, do PT, acredita que os pedidos de providência são importantes para a cidade. “Algum morador reclama de algum problema em uma calçada ou um cano de esgoto e entra em contato comigo ou com meus assessores. Assim que comprovarmos o problema, enviamos o pedido através de protocolo para o Executivo, que tem direito a trinta dias para dar uma resposta”, afirmou.

Até o final de abril, haviam sido apresentadas 1228 matérias pelos parlamentares hamburguenses. Destas, 18 (1,5%) propunham projetos de lei. O restante se resume a pedidos de providência (80,6%), requerimentos (17,6%) e moções (0,3%). Dos 990 pedidos de providência, 663 foram sobre manutenção de patrimônio público, como pavimentação e limpeza de ruas e calçadas.

Clientelismo

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O professor de Comunicação Social e doutor em Ciência Política Bruno Lima Rocha Beaklini acredita que as câmaras municipais possuem um poder muito grande. “No Brasil, não há Judiciário municipal. A função do Legislativo dentro das cidades é mais importante do que no Estado ou na União, ainda que com orçamento menor. Mas para isso ele tem que fiscalizar o Executivo e elaborar leis. O excesso de pedidos de providência acaba sendo prejudicial para a política do município.”

A postura dos vereadores em propor essas reformas em lugares específicos acaba configurando o que se chama de “relação de clientela” com a população. Eles oferecem seu espaço na política da cidade para resolver problemas enfrentados por seus eleitores. No entanto, eles não devem se valer disso para garantir votos e deixar de se interessar pelo bem maior de seu eleitorado, que é o destino do município. “Eu sou oriundo do bairro Canudos e fiz minha campanha lá. Mas quando fui eleito, o foco mudou para a cidade como um todo. Porém, eu acabo convivendo mais com os problemas da minha região”, disse Alexsander Rönnau, que na suplência, chegou a ocupar a vaga de vereador.

Os pedidos que são realizados por intermédio dos parlamentares podem ser efetuados diretamente à prefeitura. No entanto, o Secretário de Segurança e Mobilidade Urbana de Novo Hamburgo, Danilo Oliveira da Silva, acredita ser positivo o auxílio prestado pelos vereadores na resolução de melhorias na cidade. “O trabalho exercido pela Câmara, servindo como elo entre o cidadão e a Prefeitura, é mais uma facilidade que o morador possui para encaminhamento de suas demandas”, explica.

O requerimento de homenagens é outro mecanismo bastante utilizado pelos vereadores. Segundo o parlamentar Ito Luciano, do PMDB, não deveriam ser permitidos votos de congratulações em ano de eleição, para evitar propaganda política. Beaklini concorda: “No Brasil, os políticos são campeões em dar nome de rua e títulos de cidadão honorário. Eu acho certo proibir, ou ao menos reduzir essas homenagens.

Na opinião do professor de Jornalismo da Unisinos e doutor em Ciência Política Pedro Luiz Osório (atualmente também presidente da TV Educativa do Rio Grande do Sul), os parlamentares municipais normalmente não são capazes de exercer as funções que lhe são atribuídas. “Muito se elegem na base do clientelismo, mas não estão preparados de modo geral; eles não têm vocação ou aptidão para pensar em uma política maior, de saúde, de trânsito, de educação. Assim, a permanência de cada um deles na política depende de pedidos de providência”, explicou Osório.

Projetos de lei

Durante o ano, foram apresentados quatro projetos cujo conteúdo visa melhorar o município como um todo. Um deles foi um gatilho que permitiria a redução do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Proposto pelo progressista Leonardo Hoff, o projeto acabou não sendo aprovado. Ele previa uma redução tributária proporcional ao aumento do valor arrecadado por determinada empresa. Isso poderia ser visto por instituições privadas como um incentivo fiscal para sua instauração na cidade, ou mesmo sua manutenção. Algumas empresas têm abandonado o município em busca de melhores condições em cidades vizinhas.

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O vereador Raul Cassel, do PMDB, criou um projeto que obriga responsáveis por edificações, públicas ou privadas, a obterem laudos técnicos periódicos de inspeção predial. O objetivo é o de prever possíveis problemas resultantes das más condições dos imóveis. O projeto segue tramitando na Câmara. Já Daniel Schokal, do PMDB, quando ocupou a suplência, propôs projetos que têm impacto para os usuários do sistema bancário e para os jovens: o primeiro prevê a redução do tempo de espera em filas bancárias. A matéria estipula que o cliente deva ser atendido num período máximo de 35 minutos, nem que seja na própria fila por um funcionário designado. Caso contrário, o banco deve ser multado.

O segundo institui cota obrigatória para contratação de jovens por empresas que recebam incentivos da Prefeitura do município. Cinco por cento do seu quadro de funcionários deve ser preenchido por profissionais com idade entre 18 e 24 anos. Ambos os documentos não tinham sido votados até junho. Em meio a esses projetos, no entanto, encontram-se diversas matérias cujo objetivo é nomear escolas e praças, instituir datas comemorativas e prestar reconhecimento ao trabalho de empresas privadas ainda norteiam algumas dessas sanções.

Osório explica que a limitação da atuação dos vereadores também se deve ao fato de eles não poderem aprovar projetos que gerem custos. “Mas, por outro lado, são eles que aprovam o orçamento. É difícil modificar esse cenário, mas é possível. Está cheio de exemplos por aí de inflexões orçamentárias a fim de atender a determinadas demandas”, completou. Para conseguir isso, é necessário um projeto bem elaborado. É preciso, portanto, de uma boa assessoria, além de sensibilidade social e política. “Não deveria haver esta simploriedade dos vereadores fazendo essas pequenas coisas. Isso reflete a dificuldade de pensar no sentido macro. Os vereadores deveriam ser autoridades do município. Eles são prefeitos em potencial, gestores municipais.”

A cidade, que ainda sofre com a crise calçadista, necessita de uma política forte e bem planejada para voltar a crescer. “Um legislativo preparado ajudaria a dar um rumo ao município. Prejudica muito o andamento da política quando o legislativo não funciona, porque daí o prefeito faz o que quer; e os prefeitos erram. A cidade precisa de alguém que diga ‘não’ ao executivo”, concluiu Osório.

CONDUTA NAS SESSÕESOutro aspecto que chama a atenção em relação ao trabalho dos vereadores é a

postura que os mesmos adotam nas sessões. Conforme determina o Regimento Interno da Câmara Municipal de Novo Hamburgo, compete ao vereador, entre outras coisas, participar das discussões e deliberações do Plenário. Mas não é exatamente isso que se nota. Enquanto um fala, os outros conversam entre si, falam ao telefone e, às vezes, pegam no sono. O primeiro secretário Volnei Campagnoni, do PCdoB, encarregado da leitura do expediente e da ordem do dia, reclama da falta de consideração de seus colegas. “Isso me incomoda muito. Diversas vezes eu tenho que parar e pedir ao presidente que coloque a Casa em ordem”, disse.

A discussão de assuntos mais importantes também é seguidamente tratada com indiferença. Raul Cassel pediu novamente esclarecimentos sobre valores empregados nas obras que vêm sendo realizadas na Câmara. A resposta foi de que o assunto já havia sido tratado em outras ocasiões. Quando houve dúvidas quanto à redação de um

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projeto de lei, e foi pedida a leitura na íntegra do texto, o vereador Matias Martins, do PT, se virou e disse: “Ler na íntegra? Quer ir embora às 19 horas?”