reportagem cães - revista regional

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Na edição de setembro / 2010, Revista Regional (www.revistaregional.com.br) apresenta reportagem especial sobre a interação entre homens e cães. Considerados nossos amigos mais fiéis, a convivência com esses "cãopanheiros" ainda faz bem a saúde.

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Page 1: Reportagem Cães - Revista Regional

Revista Regional 71

texto: Piero vergíliofotos: BiRF e arquivo pessoal/Divulgação

vidaCORPO & ALMA

randes, pequenos, dóceis, temperamentais, obedientes, trapalhões, com pedigree, vira-latas, sociáveis ou posses-sivos. São vários os adjetivos utilizados para descrever os cães e, embora alguns deles denotem comportamentos que precisam ser melhorados, uma característica do animal costuma se sobressair perante todas as demais:

o amor incondicional aos seres humanos. Não se trata apenas de subserviência ao seu “dono” – aliás, analisar essa relação apenas sob esse prisma, além de simplista, parece ser um grande equívoco – mas de uma fidelidade extrema, que só pode ser traduzida por aqueles que já vivenciaram essa situação.

É nisso que acreditam todas as pessoas ouvidas pela repor-tagem de Regional. Desse grupo, faz parte a terapeuta floral de animais – cujo trabalho consiste em harmonizar as emoções e o comportamento dos bichos, por meio da administração de essências – radialista e apresentadora do programa “Animania”, Ana Koury, que transformou esse apego em profissão. Embora haja espaço em seu coração para diferentes espécies da nossa fauna, ela não esconde a sua predileção por cães, que, segundo nossa entre-vistada, são muito especiais.

“Trata-se do animal mais próximo do ser humano, que demonstra com mais clareza suas reações. Ao mesmo tempo, eles são mais dependentes das pessoas e nos amam independente se estamos felizes, infelizes, revoltados ou mal-humorados”, defen-de Ana, que, para fundamentar seu raciocínio, faz uma analogia

Eles possuem amor incondicional pelo homem. Uma convivência que, além de tudo, faz bem à saúde

g bastante interessante: “enquanto os gatos nos tratam como seus servos, para os cães nós somos os deuses”, compara a terapeuta, que possui seis felinos em casa.

Além deles, não podemos deixar de mencionar a melhor amiga de Ana, a cadela Nina Mel – uma Weimaraner mestiça Dog Alemã – que foi adotada já adulta, com dois anos, em 2006. Des-de então, foram muitas as aventuras ao lado de sua companheira de quatro patas, a quem ela chama carinhosamente de “Scooby-Doo de Sorocaba”. A radialista diverte-se ao se lembrar do dia que resolveu “atacar de estilista” e confeccionar um vestido para a sua companheira.

“Foi muito engraçado! Na calçada só aparecia, ou melhor, reluzia a minha Nina Mel. O tecido era rosa fluorescente com bor-dados dourados e chamava a atenção: as pessoas na rua olhavam admiradas. Nunca mais fiz a minha cachorra pagar um mico daqueles, mas para não desperdiçar todo meu ‘talento’, a inscrevi num desfile de cães. Ela estava bonita sim e ganhou o terceiro lugar: valeu à pena”, confessa, aos risos.

Ana acredita que os cães podem influenciar o comportamento de seus tutores, ensinando-os a ser mais atenciosos e menos solitá-rios. Mas ela explica que, para isso acontecer, de fato, a preciso que a pessoa esteja com o coração aberto. Simultaneamente, a radia-lista incentiva a adoção de animais, já que “amigo não se compra, adota-se”, como faz questão de frisar. Por fim, lança mão de um último argumento. “Cachorro é tudo de bom”. Ela sabe o que diz.

Nossos fiéis cãopanheiros

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vida CORPO & ALMA

uem também é apaixonada por cães é a jornalista Fabiana Yoko, que ganhou seu primeiro animal por volta dos cinco anos. “Seu nome era Shake, uma homenagem ao programa da Angélica,

Milk Shake. Lembro-me, apesar da pouca idade, como chegou até mim: pertencia à vizinha da minha avó. Branco com manchas marrons, ele era tão pequeno que cabia numa caixa de sapa-to. Lindo e arteiro”, recorda.

Para a jornalista – que atualmente possui três cachorros e dois gatos – o ser humano deveria conviver mais com esse amigo de quatro patas. Ela acredita que a interação vai além do lazer e um simples abanar de rabo, pois é impossível não ficar feliz, ao receber aquele bom dia sincero ou aquela lambida inesperada que mostra o quanto você, humano, é importante para ele. Sob essa perspectiva, a interação com o animal é uma troca, que nossa personagem classifica como fascinante.

Numa outra frente, Fabiana alerta para a importância da posse responsável. “Quando esses bichinhos são novos, tudo é diversão. Mas quando envelhecem, transformam-se em proble-ma, ‘estorvo’, pois há quem pense que eles são descartáveis. As pessoas devem se conscientizar de que há uma série de deveres inerente ao tutor, sendo o mais importante deles, cuidar do animal até o final dos seus dias”, desabafa.

Segundo ela, é um equívoco a premissa de que o bem-estar do animal está vinculado ape-nas à condição financeira de seu proprietário. A jornalista enfatiza que o mais importante é tratar o cão com respeito, independente de luxo. Para que isso aconteça, é preciso reavaliar alguns con-ceitos e incorporar novos hábitos: em meio aos afazeres diários, a preocupação com o bichinho – que acaba se tornando parte da família – não deve ser esquecida.

“Ter um cão implica em muitas respon-sabilidades. Crianças que ganham animais na infância, por exemplo, iniciam um processo de aprendizado gigante, que estimula a convivência e o afeto, ao mesmo tempo em que leva ao ama-durecimento, já que o bicho não deve ser tratado como um brinquedo. As pessoas só vão entender a importância desse contato – que, além de tudo, faz bem para a saúde – quando vivenciarem essa experiência”, finaliza.

A Ateac (Atividade, Terapia e Educação Assistida por Animais de

Campinas), que se tornou uma ONG em 2007, possui 54 cães e faz mais

de 200 atendimentos por semana em hospitais e entidades

A Atec nasceu depois que a

bióloga Sílvia Ribeiro Jansen percebeu que a autoestima

e a capacidade de socialização do filho Daniel – portador da

Síndrome de Asperger – melhoraram após a chegada do filhote de

labrador, Luana

Ana Koury e Fabiana Yoko são verdadeiramente apaixonadas pelos cães; suas histórias de vida estão intimamente relacionadas com a de seus animais de estimação

qAprendendo a conviver

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também merece ser citada a atuação da ateac (atividade, terapia e educação assistida por animais de Campinas), que

se tornou uma ong em 2007. no entanto, a ideia nasceu três anos antes, depois que a bióloga sílvia Ribeiro Jansen percebeu que a autoestima e a capacidade de socialização

do filho Daniel – portador da síndrome de asperger (espécie de autismo que não afeta o desenvolvimento intelectual) – melhoraram após a chegada do filhote de labrador, luana.

Hoje, o jovem possui mestrado em ecologia pela Unicamp.

a partir dessa experiência, ela decidiu ampliar essa propos-ta. atualmente, 54 cães de diferentes raças integram o pro-jeto – todos extremamente dóceis, permissíveis a qualquer

manipulação e com saúde perfeita: devidamente vacinados e vermifugados – que se destaca por “dois trabalhos únicos no Brasil e raros no mundo”, segundo sua fundadora: a parceria

com uma instituição de autismo, adacamp, e o Centro de Referência de Portadores de Hiv, que juntos totalizam mais

de 200 atendimentos por semana.

simultaneamente, a ateac também é parceira do projeto “Cães e livros”, cuja proposta é incentivar a leitura e escrita durante a infância, por meio da presença dos animais. silvia

conta que, no começo, a ideia chegou a ser rejeitada por muitas pessoas, mas experiências comprovaram que as

crianças não tinham grande preocupação em ler em voz alta para o cão, pois ele não poderia censurá-las e nem corrigi-las.

ao longo desse período, foram muitas histórias marcantes. “Houve o caso de uma criança autista que, aos dez anos,

nunca tinha emitido nenhuma palavra. após algumas sema-nas de tratamento, ela começou a receber o cão dizendo ‘au, au’ e algum tempo depois, aprendeu o nome dele”. a bióloga

também cita os inúmeros casos de pessoas que, mesmo com dor, saíram da cama para passear com os cães pelos

corredores. toda essa disposição teve uma consequência: a queda no tempo de internação.

o sucesso do projeto pode ser atribuído a uma equipe multidisciplinar – composta por psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, pedagogos e veterinários – sem esquecer,

é claro, o mérito de suas principais estrelas: os profis-sionais de quatro patas. “os cães não julgam, não fazem

diferenciação de raça, cor e nível social. oferecem a mesma dedicação ao morador de rua ou ao executivo; e a criança, independente se ela tenha ou não alguma deficiência. são

nossos melhores amigos”.

s benefícios da presença de um animal de estimação em casa não se restringem às alegrias que o pet proporciona a toda família. Esta convivência também pode ser decisiva

para a prevenção e tratamento de inúmeras doenças – além de contribuir para o bem-estar psicológico – conforme aponta levan-tamento realizado pelo Departamento de Psicologia Experimental da USP (Universidade de São Paulo).

O estudo, encomendado pela Comissão de Animais de Companhia – integrante do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal –, revela que os benefícios indepen-dem da idade. Entre algumas das principais conclusões, pode-se destacar a melhora da imunidade em crianças e adultos, redução dos níveis de estresse e da incidência de doenças comuns, como dor de cabeça ou resfriado.

Segundo a pesquisadora Carine Savalli Redígolo, um gesto simples pode gerar reflexos significativos no sistema imunológico das pessoas. “Acariciar um cão pode elevar os níveis de imunoglo-bulina A, um anticorpo presente nas mucosas que evita a prolife-ração viral ou bacteriana. Este resultado se deve, possivelmente, ao relaxamento que o contato com o animal proporciona”.

Partindo desse referencial, fica mais fácil compre-ender os objetivos da chamada “cãoterapia”, praticada no Brasil há cerca de uma década. Na capital, uma das iniciativas mais bem sucedidas nessa direção é o projeto “Joe, o Amicão e Cãopanheiros”, que atu-almente é parceiro de nove instituições, entre elas o Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e Criança com Câncer) e o Hospital São Paulo.

Tudo começou em 2004, conforme explica Ângela Borges – que, juntamente com a irmã, Luci Lafusa, é uma das responsáveis pela ideia – quando elas ganharam um golden retriever “muito lindo”, chamado Joe Spencer W. Gold. As “mães” perceberam que, na medida em que crescia, o cão amava se aproximar das pessoas para receber carinho: o animal possuía uma docilidade única e, porque não dizer, hereditária, já que seu pai “trabalhava” com idosos.

“Depois de assistir vários documentários estran-geiros sobre trabalho com animais em hospitais, adestramos o Joe, que na época estava com sete meses; quando ele completou um ano, iniciamos as visitas a um asilo. Foi maravilhoso, pois pudemos perceber o bem que o cão fazia aos queridos vovôs e vovós. Decidi-mos então criar o projeto, que chamamos de ‘Amicão’, e passamos a realizá-lo em hospitais e escolas com crianças especiais”, relembra.

As irmãs fazem questão de frisar que a iniciativa é totalmente voluntária. Por causa disso, elas ainda não podem se dedicar integralmente ao projeto, pois precisam trabalhar. Mesmo com essa limitação, os resultados são gratificantes. Segundo Ângela, a visita é um bálsamo em meio a tanto sofri-mento, pois é como se os pacientes pudessem fazer uma pausa na situação que estão vivendo.

Ela relata que as crianças vibram, os velhinhos se encantam e os funcionários – enfermeiras, médicos, etc. – também usufruem, uma vez que deixam de lado a sua rotina: mesmo que por alguns minutos ou horas, isso é o bastante para renovar suas forças. “Acreditamos que o maior problema da humanidade é a falta de amor: as pessoas doentes, idosas e crianças são as mais carentes. Este desejo nasceu em nossos corações porque o Joe é uma bênção em nossas vidas. Quando está acompanhado por mim ou pela Luci, ele se sente seguro e deixa transparecer todo o seu amor”.

“A relação com o cão melhora a imunidade de crianças e adultos, reduz os níveis de estresse e a incidência de doenças comuns, como dor de cabeça ou resfriado”

O dr. Joe “atende” pacientes de nove instituições, entre elas o Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e Criança com Câncer)

Cãoterapia

Terapia animal

o

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ssa relação é tão marcante que já foi retratada diversas vezes pela literatura. Pensando nisso, a reportagem de Regional se-lecionou duas ótimas dicas para os leitores que se interessam sobre o assunto. Em “Anjo de Quatro Patas” (Editora Gente),

o escritor, autor de novelas e crônicas da Revista Veja São Paulo, Walcyr Carrasco, aborda a amizade e o companheirismo com um husky siberiano que teve durante 12 anos e já se foi. “O Uno foi um verdadeiro amigo, que fez com que eu redescobrisse minha capa-cidade de amar. Um anjo que esteve na minha vida”, sintetizou o autor, em seu blog.

Se o comportamento de Uno era dócil, o mesmo não se pode dizer de Marley, personagem-título de “Marley & Eu”, a quem o seu dono, o jornalista americano John Grogan, se refere como o “pior cão do mundo”: ele arrombava portas, babava nas visitas, comia roupa do varal alheio e abocanhava tudo a que pudesse. De nada lhe valeram os tranquilizantes receitados pelo veterinário, nem a “escola de boas maneiras”, de onde, aliás, foi expulso. Mas, acima de tudo, Marley tinha um coração puro e a sua lealdade era incondicional. Talvez por isso as travessuras desse cãozinho tenham encantado milhões de pessoas em diversos países.

vida CORPO & ALMA

ara que a ateac ou o Projeto amicão obtenham desem-penhos tão expressivos, as respectivas responsáveis apontam como elemento-chave a criação de vínculos, que, por sua vez também é crucial para uma boa relação entre um deficiente visual e o seu cão-guia. Pelo menos é essa a conclusão a que se chega a partir do depoi-

mento da atriz e jornalista Danieli Haloten – que perdeu totalmente a visão aos 20 anos – e ficou conhecida do grande público no ano passado, quando interpretou a personagem anita, na novela “Caras & Bocas”, da Rede globo.

ela conta que treinou seu primeiro cão guia, uma fêmea, em 2000. o animal a acompanhou durante quatro anos e morreu precocemente de câncer. Já no ano seguinte, Danieli teria um novo companheiro, Higgans, uma mistura de labrador com golden retriever dourado. “nossa relação é uma troca de carinho e cuidado de ambas as partes: ele empresta sua visão para mim e me guia em segurança, para eu não bater em obstáculos, tropeçar, nem cair. e, uma vez memorizado o trajeto, me conduz com rapidez e segurança. em contrapartida, o alimento, limpo e brinco. somos de espécies diferentes, falamos línguas diferentes, Higgans enxerga e eu não, e, no entanto, nos entendemos muito bem”, sentencia.

a atriz orgulha-se de ter participado ativamente da aprovação do decreto federal 5904, que, desde 2006, assegura aos usuários de cão guia o direito de entrar e permanecer em todos os lugares, que prevê penalização pelo descumprimento. Danieli, que também lutou pela lei estadual no Paraná, aprovada quatro anos antes, afirma que mesmo assim, ainda enfrenta alguns problemas. Por isso, ela defende que responsáveis por estabelecimentos e prestadores de serviços têm a obrigação de se atualizar quanto aos direitos dos seus clientes.

numa outra perspectiva, ela aproveita para reforçar a importância do cuidado com os animais. antes de ter um cão, a pessoa deve se informar sobre as características da raça ou espécie. assim, além de estar ciente de suas futuras obrigações, poderá escolher um bichinho que mais vai se aproximar da sua necessidade. em seu blog (www.bloglog.com.br/danielihaloten), a atriz está publicando frequentemente dicas pet para quem tem ou deseja ter um cão: o objetivo é realizar um trabalho de conscientização sobre posse responsável.

Mas não é apenas a esse respeito que Danieli quer conscientizar as pessoas. a jovem – que deseja voltar a trabalhar em um veículo de comunicação – está percorrendo o país com o projeto “abra bem os olhos. supere a cegueira do dia-a-dia”, uma apresentação provocativa e customizada, que viaja pelos cinco sentidos, fazendo um paralelo com situações do trabalho e do cotidiano.

Higgans, seu fiel companheiro, está sempre junto dela. ainda quando cursava Jornalismo, Danieli criou o “Faro”, um programa de tv onde ela farejava notícias com seu cão-guia. o projeto ganhou o primeiro lugar do prêmio sangue novo do sindicato dos Jornalistas do Paraná, concorrendo com universitários de todo o estado. “em cinco anos, todas as vezes em que me machuquei, foi sendo guiada por um humano. nunca pelo meu cão guia”, finaliza.

MAIS: Terapia de Animais - Ana Koury www.terapeutadeanimais.blogspot.comProjeto “Joe, o Amicão e Cãopanheiros” Ângela Borges (11) 9674-0429luci lafusa (11) 9517-6159Instituto para Atividade, Terapia e Educação Assistida por Animais de Campinas (Ateac)www.ateac.org.br / www.ongateac.blogspot.comDanieli Halotenwww.abrabemosolhos.com.brwww.twitter.com/haloten

anjos de quatro patas

O que os olhos não veem...

A atriz e jornalista Danieli Haloten perdeu totalmente a visão aos 20 anos e ficou

conhecida do grande público no ano passado, quando

interpretou Anita, em “Caras & Bocas”, da Rede Globo

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