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Renata Silveira da Silva
Millaine de Souza Carvalho
Nathalia Madeira Araujo
Rocheli Regina Predebon Silveira
(Organizadores)
DISCURSO, MÍDIA E ESCOLA:
da pesquisa às práticas de leitura e
interpretação na educação básica
1a Edição
São Paulo
Todas as Musas
2018
Editor: Flavio Felicio Botton
Supervisão Editorial: Fernanda Verdasca Botton
Capa e diagramação: Studio Vintage Br
Renata Silveira da Silva ©
Millaine de Souza Carvalho ©
Nathalia Madeira Araujo ©
Rocheli Regina Predebon Silveira ©
Santiago Bretanha Freitas ©
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a prévia
autorização do autor.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Kátia Aguilar CRB – 8/8898
D631
Discurso, mídia e escola: da pesquisa às práticas de leitura e interpretação na educação básica/ Prefácio de: Renata Silveira da Silva; organização de: Renata Silveira da Silva; Millaine de Souza Carvalho; Nathalia Madeira Araújo; et. al. São Paulo: Todas as
Musas, 2018. PDF 181 p.
Bibliografia ISBN 978-85-9583-038-7
1. Educação 2. Didática – métodos de ensino 3. Análise do discurso e educação I. Silva, Renata Silveira da; II Carvalho, Millaine de Souza; III. Araújo, Nathalia Madeira; IV. Silveira, Rocheli Regina Predebon; V. Freitas, Santiago Bretanha. VI. Caetano,
Virgínia Barbosa Lucena.
CDD 371.33 Catálogo Sistemático
Educação 370; Didática – métodos de ensino 371.3; Análise do discurso e educação 371.33.
Direitos de edição: Editora Todas as Musas
C.N.P.J. 12.650.462/0001-33
www.todasasmusas.org
1
SUMÁRIO
PREFÁCIO
RENATA SILVEIRA DA SILVA _______________________________ 3
DISCURSO, MÍDIA E ESCOLA: FUNDAMENTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS
RENATA SILVEIRA DA SILVA _______________________________ 9
DISCURSO, MÍDIA E ESCOLA: PRINCÍPIOS DA
EDUCAÇÃO TUTORIAL
SANTIAGO BRETANHA FREITAS ___________________________ 17
CALOI PARA CRIANÇAS: ANÁLISE DISCURSIVA DE
PROPAGANDAS INFANTIS
NATHALIA MADEIRA ARAUJO _____________________________ 23
PROPOSTA DIDÁTICA ____________________________________ 40
DISCURSO IRÔNICO NO “JORNAL SENSACIONALISTA”:
TECENDO RELAÇÕES ENTRE HUMOR E MERCADORIA
VIRGÍNIA BARBOSA LUCENA CAETANO _____________________ 47
BOMPRATODOS: ANÁLISE DISCURSIVA DAS
PROPAGANDAS DO BANCO DO BRASIL
NATHALIA MADEIRA ARAUJO _____________________________ 67
PROPOSTA DIDÁTICA ____________________________________ 91
CELEBRIDADES NA REVISTA ATREVIDA: ANÁLISE
DISCURSIVA
ROCHELI REGINA PREDEBON SILVEIRA __________________ 105
PROPOSTA DIDÁTICA __________________________________ 122
2
MANIFESTAÇÕES DE JUNHO EM VEJA E CARTA
CAPITAL: ANÁLISE DISCURSIVA DOS SENTIDOS DE
POVO
MILLAINE DE SOUZA CARVALHO ________________________ 139
PROPOSTA DIDÁTICA __________________________________ 157
DA PESQUISA ÀS PRÁTICAS DE LEITURA E
INTERPRETAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: UM EFEITO
DE FECHAMENTO
NATHALIA MADEIRA ARAUJO, ROCHELI REGINA PREDEBON
SILVEIRA, MILLAINE DE SOUZA CARVALHO _______________ 169
CONHEÇA OS AUTORES ____________________________ 177
CONTRA-CAPA E ORELHAS__________________________180
Prefácio
3
PREFÁCIO
Renata Silveira da Silva
Este livro socializa atividades desenvolvidas pelos projetos de
pesquisa e extensão Discurso, Mídia e Escola, embasados na
Análise de Discurso de vertente pecheutiana. Tais projetos
foram coordenados por mim, docente do Curso de Licenciatura
em Letras – Português e Espanhol, da Universidade Federal do
Pampa (UNIPAMPA), Câmpus Jaguarão. Vincularam-se
inicialmente, em 2012, ao Núcleo de Estudos Linguísticos e
Pedagógicos do Português (NELPP), que propunha criar formas
de escuta das problemáticas que perpassam o ensino e a
aprendizagem da língua portuguesa. Nos anos de 2013 e 2014,
os projetos integraram o planejamento de atividades do
Programa de Educação Tutorial (PET) 1 Letras, do qual sou
tutora.
O projeto de pesquisa Discurso, Mídia e Escola refletiu sobre o
funcionamento discursivo de textos midiáticos com o propósito
de elucidar como a língua, por um lado, presta-se à construção
do efeito de neutralidade e de cumplicidade entre empresas de
comunicação e público-alvo; e, por outro lado, é falha, equívoca,
indicia a posição ideológica consumista, que transforma
informação em produto, leitor ou espectador em consumidor.
Era salientada ao bolsista ou ao voluntário a importância de
escolher seu objeto de estudo pensando o caráter extensionista
do projeto. Isso posto, o corpus de pesquisa deveria ser de
interesse de estudantes da rede básica de ensino, público-alvo
das atividades de extensão. As análises discursivas de
materialidades que apareceram na mídia foram sistematizadas
em artigos e, em seguida, revisitadas visando à preparação de
oficinas. Os acadêmicos, então, ministraram oficinas de leitura e
interpretação de textos midiáticos em escolas da cidade de
Jaguarão.
Renata Silveira da Silva
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O projeto de extensão, além de estar vinculado ao ensino e à
pesquisa, previu a utilização de uma das teorias do Texto e do
Discurso para o trabalho com a leitura, de modo a correlacionar
a teoria linguística à prática docente. Tinha-se por objetivo que
os acadêmicos se apropriassem de alguns conceitos-chave da
Análise do Discurso oriunda de Michel Pêcheux para pensar a
contribuição desse aporte teórico para o ensino da leitura.
Esperava-se que atentassem ao modo como a língua e o político
se articulam para, assim, seguir determinações do Projeto
Político Pedagógico do Curso de Letras da UNIPAMPA - Jaguarão
(2008), a saber: formar sujeitos críticos. O projeto também
visava oportunizar uma reflexão teórica que repercutisse na
prática docente do bolsista ou voluntário, subsidiado para, na
abordagem do texto em sala de aula, tratar da perspectiva
discursiva da linguagem.
Atuaram, nos três anos de realização dos dois projetos, vários
acadêmicos de Letras, os quais receberam fomentos de origens
diversas: Programa de Bolsas de Desenvolvimento Acadêmico
(PBDA/UNIPAMPA), nas modalidades pesquisa e extensão
(2012); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
Grande do Sul (FAPERGS), modalidade Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação Científica (PROBIC) (2012); e Programa de
Educação Tutorial (PET) (2013, 2014)2.
Quanto às atividades de extensão, foram realizadas duas
edições. A primeira ocorreu em novembro de 2013 e foi
destinada a alunos do 7º (sétimo) e do 8º (oitavo) ano da Escola
Municipal de Ensino Fundamental Marcílio Dias. A segunda
edição ocorreu em dezembro de 2014 e teve como público alunos
de diferentes escolas de Jaguarão. As oficinas foram ofertadas
na UNIPAMPA e na Escola Municipal de Ensino Fundamental
Ceni Soares Dias.
O PET, dada sua natureza de trabalho intenso e colaborativo,
instaura um fórum permanente entre os membros do grupo. Do
profícuo diálogo resulta este livro, o primeiro do PET Letras, da
Unipampa, Câmpus Jaguarão.
Prefácio
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Como forma de organizar a apresentação dos projetos, este
livro inicia com uma incursão teórica, empreendida pela
orientadora e tutora, Renata Silveira da Silva, sobre as três
palavras-chave que intitulam as atividades de pesquisa e de
extensão: discurso, mídia e escola. A seguir, a obra traz uma
reflexão, de autoria de Santiago Bretanha Freitas, sobre as
consonâncias entre os princípios da educação tutorial e os
objetivos dos projetos “Discurso, mídia e escola”. Em seguida,
estão os artigos de iniciação científica de quatro bolsistas e seus
respectivos planos de aula das oficinas realizadas. A conclusão,
de autoria coletiva, apresenta considerações sobre a experiência
docente com a interface Análise de Discurso versus Ensino.
O primeiro artigo é da Profa. Mestre Nathalia Madeira Araujo,
egressa do PET Letras, que participou do projeto com duas
modalidades de bolsa. Em uma delas, dedica-se à análise dos
recursos de interpelação ao consumo presentes na publicidade
destinada às crianças. Seu corpus de pesquisa são três peças
publicitárias da empresa Caloi de décadas diferentes (anos 70 e
anos 2000). Na outra investigação, terceiro artigo deste livro, se
ocupa de propagandas do Banco do Brasil (2013). Em ambos os
trabalhos, mobiliza elementos visuais e linguístico-discursivos
para focalizar o empenho da Publicidade na venda de desejos
atrelados aos produtos, alçados à posição de solucionadores dos
dilemas humanos.
O segundo artigo é de Virgínia Lucena Caetano, que realizou
a investigação com fomento da FAPERGS. O estudo reflete sobre
o recurso à ironia no discurso do jornal Sensacionalista, que
apresenta, humoristicamente, notícias. A autora buscou
compreender o funcionamento da ironia no processo de
constituição de uma matéria jornalística (2012) e, por meio
dessa reflexão, empreendeu outra, atinente ao humor como
estratégia de interpelação ao consumo de informações.
O quarto artigo, da mestranda e egressa do PET Letras, Profa.
Rocheli Regina Predebon Silveira, atenta ao imaginário de
celebridades em uma revista destinada ao público adolescente:
Atrevida. Na análise da reportagem de capa (2013) sobre a
Renata Silveira da Silva
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banda One Direction, foi possível identificar formações
imaginárias que a revista faz da banda, das leitoras e das fãs do
grupo musical. Com esse trabalho, a pesquisadora demonstra o
modo como a mídia teen constrói discursivamente celebridades,
que se tornam referências identitárias para os sujeitos-
adolescentes.
Por fim, o quinto artigo, da acadêmica Millaine de Souza
Carvalho, bolsista do PET Letras, realiza uma análise
comparativa das reportagens de capa das revistas Veja e Carta
Capital, publicadas durante as manifestações de junho de 2013,
no Brasil. A pesquisa versou sobre a imagem de povo que esses
dois veículos de comunicação, conhecidamente contrapostos
ideologicamente, materializaram em suas publicações. O
trabalho de desvendamento da rede semântica que circunda a
palavra “povo” e suas derivações (multidão, manifestantes, por
exemplo) nos atenta para a construção discursiva e ideológica
dos referentes em revistas de ampla circulação.
Os planos de aula elaborados a partir dos artigos de iniciação
científica demonstram o movimento que alunas de graduação
fizeram, deslocando-se da pesquisa para a extensão (e o ensino).
O processo de adaptação do corpus para que se transformasse
em objeto de trabalho para o ensino da língua a partir de uma
visão discursiva foi árduo e requereu um processo de controle
constante da linguagem acadêmica, intrínseca à pesquisa, mas
inadequada na extensão, posto seu público.
Os planejamentos, além de muito bem ancorados
teoricamente, tornaram-se permeados de criatividade e ricas
sugestões didáticas, por isso, nos empenhamos, através desta
publicação, em compartilhar, com discentes e docentes, as
atividades propostas.
Os planos de aulas apresentam algumas regularidades, pois
iniciam com a mobilização da memória discursiva dos alunos
sobre os temas tratados. A memória não é apenas movimentada,
mas alimentada por novos saberes, dado que as acadêmicas
sempre resgatam as condições de produção imediatas e sócio-
históricas dos discursos materializados nos textos selecionados
Prefácio
7
para as oficinas. Em seguida, elaboraram atividades que
levaram à percepção do texto como materialidade de vários
discursos. Concluíram incentivando a tomada de posição, de
modo que a leitura fosse praticada discursivamente, ou seja, o
aluno, como sujeito-leitor, instaura a heterogeneidade na
suposta unidade construída pelo sujeito-autor e constrói uma
nova versão semântica do texto. O seguinte fragmento de
Indursky (2001) foi norteador para a elaboração dos
planejamentos:
Trata-se de uma prática social [leitura] que mobiliza a
interdiscursividade e que conduz o aluno, enquanto
sujeito histórico, a inscrever-se em uma disputa de
interpretações. Somente criando situações variadas e frequentes (sic) que facultem aos alunos posicionarem-se
criticamente diante dos textos, tornando-os capazes de
produzir movimentos de leitura, possibilitando-lhes
desconstruir o efeito-texto e reconstruir um novo efeito-
texto, que não é mais idêntico ao anterior, é que teremos leitores maduros, leitores que percebam que o texto
mantém relações indeléveis com uma rede de
interdiscursividade subterrânea e invisível que lhe dá
sustentação (INDURSKY, 2001, p. 41)3.
Ao mencionar regularidades, não temos a intenção de ofertar
um modelo de como trabalhar com a análise de discurso no
espaço escolar. Assim como o pesquisador, a cada trabalho
analítico, cria um dispositivo de interpretação próprio às
especificidades do corpus, o professor, mediante cada texto, tem
de criar um caminho interpretativo diferenciado para aceder à
discursividade. A Análise de Discurso tem um aporte teórico-
metodológico maleável aos recortes em estudo e os resultados
são sempre possibilidades interpretativas, suscetíveis de
reformulação completa quando muda o ponto de vista do
analista de discurso. Essa mobilidade do fazer investigativo deve
ser transposta ao fazer docente pautado na visão discursiva da
língua.
Renata Silveira da Silva
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Com este livro, socializamos o modo como operamos, no meio
acadêmico, com a necessária tríade ensino-pesquisa-extensão,
amparando-nos, para tanto, em uma teoria, não raro,
desconhecida de graduandos. Realizamos um trabalho em prol
da busca de respostas para as problemáticas de leitura e
interpretação que afligem a escola valendo-nos de um aporte
teórico complexo, mas que, por meio desta publicação, torna-se
acessível a graduandos de Letras, egressos e demais
profissionais da área.
NOTAS
1 O PET é um programa federal de incentivo à excelência na
formação acadêmica. Os alunos, de diferentes semestres do(s)
curso(s) de graduação, trabalham, colaborativamente, na
realização de projetos de ensino, pesquisa e extensão. O PET Letras da Unipampa, Câmpus Jaguarão, existe desde 2013 e é
constituído por 12 (doze) bolsistas do PET Letras e a tutora.
Para saber mais: https://petletrasjaguarao.wordpress.com. 2 Acadêmicos que concluíram as atividades dos projetos e
respectivas bolsas: 2012 – Hohanne da Silva Vilela (Bolsista
PBDA – Extensão), Virgínia Lucena Caetano (PROBIC-FAPERGS), Nathalia Madeira Araujo (Bolsista PBDA – Pesquisa)
e Leonardo Terra Messias (Bolsista PBDA- Pesquisa); 2013 –
Millaine de Souza Carvalho (PET), Nathalia Madeira Araujo (PET)
e Rocheli Regina Predebon Silveira (PET). 3 INDURSKY, Freda. Da heterogeneidade do discurso à heterogeneidade do texto e suas implicações no processo da
leitura. In: FUNCK, Susana; ERNEST-PEREIRA, Aracy (org.). A leitura e a escrita como práticas discursivas. Pelotas: Educat,
2001. p. 27-42.
Discurso, Mídia e Escola: fundamentos teórico-metodológicos
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DISCURSO, MÍDIA E ESCOLA:
FUNDAMENTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS1
Renata Silveira da Silva
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Discurso, Mídia e Escola: fundamentos teórico-metodológicos
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A Análise de Discurso (AD) de linha pecheutiana reflete sobre
a trama de sentidos dos discursos, atentando para as
determinações histórico-sociais e para as condições do dizer. O
discurso é um “objeto sócio-histórico”, ou seja, traz em sua
constituição indícios do jogo de forças entre sujeitos com
diferentes histórias e modos de significar, expondo resquícios
dos embates ideológicos que se dão socialmente. Por isso, os
discursos têm passado, têm memória e são permeados de
tensão.
O discurso ganha existência material na língua, que, na AD,
não é um sistema de signos compreensível mediante a exclusão
da exterioridade. Reconhecemos a dimensão estrutural da
língua, mas não nos limitamos à identificação de intervenções
dos signos entre si, vamos além, o que significa perceber a
língua afetada pela heterogeneidade, pelo equívoco, pela
constante possibilidade de deslocamentos semânticos que se
dão nas discursividades.
A linha teórica de referência ainda considera que, no
processo de enunciação, o sujeito, é determinado pela
historicidade dos sentidos (ideologia), é determinado pelo
inconsciente. Daí resulta que as palavras, pelas distintas
significações obtidas nos embates e nas alianças ideológicas, já
vêm carregadas de sentidos, que significam no discurso do
sujeito, que enuncia pensando ser a origem do dizer.
O processo de enunciação é afetado ainda pela ilusão do
controle dos sentidos, em um esquecimento de que o
inconsciente integra a dimensão psíquica. Devido a esses
fatores, a língua torna-se lugar de produção de equívoco, de
tensão, de falha no controle. Ao analista de discurso cabe
indagar como o sujeito, na sua constante tentativa de
homogeneização, de limpidez dos sentidos, negocia com a
opacidade da linguagem, tentando velá-la na busca pela
transparência semântica.
No discurso midiático, observamos essa negociação com a
equivocidade inerente à linguagem. Esse discurso tenta parecer
homogêneo ao promulgar neutralidade nas mediações nas quais
Renata Silveira da Silva
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opera (entre fato e notícia, entre fato e jornalista e respectiva
empresa, entre notícia e público-alvo); ao primar pela
objetividade na expressão; ao caracterizar-se pelo tom didático
para que as informações sejam assimiladas por destinatários
díspares. Com tais recursos, são construídos e mantidos pré-
construídos, já-ditos sobre comprometimento dos meios de
comunicação em massa com a veracidade, a transparência, a
imparcialidade. Esses pré-construídos antecipam as
interpretações das notícias, interpõem-se entre sujeitos e textos,
direcionando o leitor, o ouvinte ou o espectador ao
estabelecimento de uma relação de cumplicidade, de confiança
com aquele que assume a posição de mediador.
Com base nesses conceitos, o projeto de pesquisa Discurso,
Mídia e Escola objetivou analisar, em discursos midiáticos, a
oscilação entre manutenção de sentidos e irrupção de novas
significações. Dito de outra forma, a pesquisa considerou que a
língua funciona ambiguamente: lugar de transparência, de
homogeneização semântica e de opacidade, de ambiguidade, de
contradição. Na investigação, atentamos aos recursos
linguístico-discursivos para demonstrar como as posições-
sujeito que produzem o discurso midiático negociam com a
língua. Tais posições tentam dar existência material ao ideário
de imparcialidade e à relação de cumplicidade entre empresa de
comunicação e público-alvo, mas a ideologia do consumismo
não se mantém velada. Mesmo com as tentativas de
silenciamento, essa ideologia é materializada na língua que, por
sua vez, permite a homogeneização e a heterogeneidade. Importa
ressaltar que a heterogeneidade diz respeito ao fato de um
enunciado sempre poder tornar-se outro, reporta à deriva de
sentidos intrínseca aos discursos.
Apresentada brevemente a configuração da AD, convém
justificar as razões desse aporte poder embasar a abordagem da
língua no ensino de língua portuguesa. Outra questão também
se faz premente: por que devemos analisar, no espaço escolar,
textos midiáticos?
Discurso, Mídia e Escola: fundamentos teórico-metodológicos
13
É preciso lembrar que os gestos de interpretação escolares
sobre os textos escritos insistem em se repetir mesmo quando
urge a formação de um leitor de texto midiático, seja televisivo,
impresso, radiofônico ou virtual. Tal descompasso entre as
instruções escolares de leitura de escritos e o funcionamento
das linguagens que por aí circulam não é recente, mas persiste
como uma das causas das dificuldades de compreensão que os
alunos apresentam, mesmo após anos de educação básica. Há,
portanto, uma disparidade entre instruções de interpretação
textual e complexidade dos gêneros que organizam as relações
sociais.
A Análise de Discurso de linha francesa pode embasar em
termos teórico-práticos o futuro professor de língua materna à
preparação de atividades de compreensão textual condizentes
com as trocas linguageiras que vivenciamos. A problemática do
descompasso se acentua pelo fato de as condições de leitura dos
textos se tornarem mais complexas. Sobre o texto midiático,
defrontamo-nos continuamente com a hibridez de linguagens,
amalgamadas para a produção de sentido; as mudanças
históricas provocam deslocamentos no funcionamento do
discurso das mídias, cada vez mais recoberto pela sociedade de
consumo e sua predileção pelo descartável. Ainda, não podemos
recusar que o discurso midiático é, utilizando expressão de
Courtine2 (2008), “um lugar de memória”, isto é:
um dispositivo discursivo que organiza, para qualquer
sujeito enunciador que toma a fala sem seu interior, tanto
a lembrança, a repetição e o encaixamento argumentado
do que convém dizer quanto o esquecimento e o
apagamento do que convém calar (p. 13).
Ou seja, a mídia dita os falares, legitima saberes a partir dos
quais formulamos e interpretamos enunciados de outros
espaços discursivos: político, econômico, cultural, educacional,
esportivo, jurídico, por exemplo.
Renata Silveira da Silva
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Vale dizer que colados aos dizeres oriundos dos mass media
estão condicionamentos, censuras, lógica do consumismo,
estigmas, venda de desejos, controles sociais, relações de poder,
enfim, elementos que perpassam pela linguagem, ainda
propagada como “imparcial” por empresas de comunicação.
Decorre desses argumentos que a dimensão política da
linguagem clama por explicitação nas atividades de
interpretação de textos, lugar de dispersão de discursos, que,
por sua vez, são encontros de distintas formas de subjetividade.
Discurso, Mídia e Escola foi um projeto que almejou
sensibilizar os envolvidos quanto à indissocialibilidade entre o
linguístico e o político pelo fato de estar embasado na disciplina
que se dedica a especificar essa relação: a Análise de Discurso;
pelo fato de requerer que o pesquisador interpretasse seu objeto
de estudo cruzando saberes sobre a mídia e sobre a estrutura
da língua, isto é, tentando perceber, no fio do discurso, a
existência material dos funcionamentos que se dão no plano
discursivo-ideológico.
Com o intuito de executar o projeto, recorreu-se às teorias do
Texto e do Discurso para embasar o ensino da leitura de textos
midiáticos. O aluno de Letras, a partir da Análise de Discurso,
pode ser qualificado para, reproduzindo Fiorin 3 (2004), uma
“pedagogia da leitura” que utilize conhecimentos oriundos da
Linguística, área do conhecimento que, não-raro, para o
formando em Letras, resume-se a preceitos teóricos pouco
aplicáveis ao ensino de leitura e de interpretação textual.
Os aportes teóricos escolhidos requereram atenção aos
mecanismos linguísticos, tais como construções sintáticas,
escolhas lexicais, pontuação, determinação, expressões de
tempo, adjetivação, uso da voz passiva ou da voz ativa, negação,
aspeamento, formas de discurso relatado, etc. Na AD, qualquer
elemento da estrutura da língua pode ser relevante para a
compreensão do processo de produção de sentido. A observação
do fio do discurso corroborando as possíveis hipóteses sobre as
significações evita que o processo de compreensão textual seja
vago e superficial, sem ancoragem nos recursos da língua,
Discurso, Mídia e Escola: fundamentos teórico-metodológicos
15
propicia delimitações, necessárias para o “pensar”. Mas o que é
pensar? Segundo Mosé4 (2011),
pensar é afirmar ou negar alguma coisa, é estabelecer um limite para a infinidade e a intensidade exuberante de
coisas que nos cerca e constitui. Por isso, o pensamento
está intimamente vinculado à interpretação, à definição de
uma perspectiva, de um ponto de vista. Pensar é afirmar
uma direção, um sentido, em vez de outros. Pensar é
limitar o excesso, configurar, estabelecer um contorno, propor. Pensar é cortar, então pensar é criar (MOSÉ, 2011,
p. 23-4).
Ainda reproduzindo o pensamento da filósofa, pensamos
quando fixamos, conseguimos “conter alguma coisa no meio das
imensas correntes de sentido que nos chegam” (p. 43). Os
procedimentos metodológicos nas pesquisas com o referencial
iniciado por Pêcheux especificam “como” o texto significa e não o
“quê” significa, modo de interpretação da análise de conteúdo à
qual a AD se opõe.
Nesse âmbito, acreditamos que o gesto de fixar, delimitar,
especificar recursos linguísticos, além de delinear uma forma de
análise de textos-discursos, cria uma perspectiva de que o
trabalho com a interpretação deve ser da ordem do recorte.
Deter-se em alguns aspectos da multidirecionalidade inerente ao
texto significa opor-se a atividades de compreensão textual
voltadas à leitura de vários textos em um espaço curto de tempo
ou à identificação simultânea de vários elementos da estrutura
textual.
A tentativa de dar conta da totalidade do texto coloca o leitor
mediante várias questões, surge daí a sensação de nada saber,
de não imaginar qual elemento deve ser o ponto de partida para
que algumas significações sejam melhor especificadas. A partir
dos procedimentos metodológicos adotados na pesquisa, o
pesquisador praticará interpretação como delimitação, relevante
para que, na posição de professor, prepare exercícios de
Renata Silveira da Silva
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compreensão textual que convidem a pensar o texto e não
induzam à desistência da interpretação.
NOTAS
1 O presente texto constitui a fundamentação teórico-
metodológica dos projetos de pesquisa e extensão Discurso, Mídia e Escola. Tais textos foram lidos e avaliados por bancas de
concessão de fomentos à pesquisa, entretanto, nunca foram
publicados. 2 COURTINE, J. J. Discursos sólidos, discursos líquidos: a
mutação das discursividades contemporâneas. In: SARGENTINI,
V.; GREGOLIN, M. do R. Análise do discurso: heranças, métodos e objetos. São Carlos: Claraluz, 2008. p. 11-20. 3 FIORIN, J. L. Linguística e pedagogia da leitura. SCRIPTA,
Belo Horizonte, v. 7, n. 14, p. 107-117, 1º sem. 2004. 4 MOSÉ, V. O homem que sabe: do homo sapiens à crise da
razão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
Discurso, Mídia e Escola: princípios da educação tutorial
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DISCURSO, MÍDIA E ESCOLA:
PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO
TUTORIAL
Santiago Bretanha Freitas
Santiago Bretanha Freitas
18
Discurso, Mídia e Escola: princípios da educação tutorial
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Diante da tessitura que até aqui se espraia, irrompe uma
questão: como a educação tutorial é atrelada ao ensino e à
extensão no Discurso, Mídia e Escola? Visando problematizar
esse questionamento, aqui, temos por objetivo refletir como o
projeto e este livro se imbricam aos princípios educativos e
filosóficos do PET; para tal, nos fundamentamos em documentos
e diretrizes que balizam o Programa de Educação Tutorial, como
o Manual de Orientações Básicas do Programa de Educação
Tutorial (MOB - SESu, MEC, 2006) e a obra Programa Especial
de Treinamento, de Angélica Muller (2003).
De 1979 a 2016, de Programa Especial de Treinamento a
Programa de Educação Tutorial. Em seus 37 anos de atividade,
o PET (des)constrói-se organicamente; para além de estruturar-
se sistemicamente ao redor de diretrizes, envolve-se em uma
complexa rede de relações institucionais, perspectivas filosófico-
educacionais e de valores. Regulamentado pela lei nº. 11.180, de
23 de setembro de 2005, e pelas portarias MEC nº 3.385 e nº
1.632, de setembro de 2005, o Programa objetiva, de acordo com
seu Manual de Orientações Básicas (MOB – BRASIL, 2006),
[p]romover a formação ampla e de qualidade acadêmica
dos alunos de graduação envolvidos direta ou
indiretamente com o Programa, estimulando a fixação de
valores que reforcem a cidadania e a consciência social de
todos os participantes e a melhoria dos cursos de
graduação (p. 7).
Para o cumprimento desta proposição, o Programa prevê três
dimensões de atuação; a primeira é a de conceber estratégias
dirigidas ao desenvolvimento e à modernização da educação
superior brasileira; a segunda se refere a estimular a melhoria
do ensino de graduação; e a terceira diz respeito a oferecer uma
formação acadêmica em excelência, voltada à criticidade e ao
comprometimento social. Diante desses intentos, o PET pauta-se
no princípio da educação tutorial de “aprender fazendo e
refletindo sobre” e integra Ministério da Educação (MEC),
Santiago Bretanha Freitas
20
Secretaria de Ensino Superior (SESu), Comissão Executiva
Nacional do PET (CENAPET), Instituições Federais, Pró-reitorias
de Graduação e Extensão, Comitês Locais de Acompanhamento
e Avaliação (CLAAs) em seu gerenciamento. Vinculado a cursos
de graduação, efetivamente, o PET é orientado por um tutor
(pertencente ao quadro efetivo de professores da Universidade),
que coordena projetos educativos junto a alunos graduandos,
que somam, no máximo, 18 sujeitos (12 bolsistas remunerados
e 6 voluntários).
Os referidos projetos educativos desdobram-se entre o
Ensino, a Pesquisa e a Extensão universitárias, em que
petianos e tutor atuam como multiplicadores de saberes
interdisciplinares adquiridos no âmbito do Programa. Isso
conflui para a atualização e o aprimoramento dos cursos de
graduação, de seus Projetos Pedagógicos e Núcleos Docentes
Estruturantes, assim como converge para a qualificação do
processo de ensino-aprendizagem em sala de aula.
Embora o PET expresse em seus objetivos a preocupação com
a qualificação do ensino superior e a formação de excelência dos
graduandos, é afetado por um imaginário que se atualiza: o de
que o Programa se destina sumariamente à iniciação científica e
ao estimulo ao ingresso na pós-graduação. Como recuperado
por Müller (2003), esse imaginário tem gênese histórica na
concepção do Programa; em sua idealização primeira, em 79, o
PET acompanhava a lógica neoliberal de massificação das
universidades e da necessidade de, dentre a massa, formar um
grupo de elite. Nas palavras de Moura Castro, fundador do PET
e então diretor geral da CAPES, o Programa Especial de
Treinamento objetivava
[a] criação de um grupo de elite, de um grupo selecionado,
é a criação de uma meritocracia pura e simples dentro de
uma universidade de massa. [...] ele [o PET] foi feito para criar uma elite intelectual. Acreditando que uma elite
intelectual tem consequências (SIC) econômicas e sociais
depois de formada (apud MÜLLER, 2003, p. 22).
Discurso, Mídia e Escola: princípios da educação tutorial
21
A iniciação científica era a base que instauraria esse grupo
seleto. Na atual conjuntura do Programa busca-se romper com a
ideia da “formação de uma elite”, e, para tal, as palavras-chave
‘mediação’, ‘multiplicação de saberes’ e ‘diálogo’ assumem o
cerne da filosofia do PET, em que a qualificação do ensino
superior é a meta a ser alcançada e as atividades de ensino,
extensão e pesquisa são o meio para a efetivação desse
propósito.
Entretanto, mesmo que no desenvolvimento do Programa se
busque coerência com os princípios de integração da educação
tutorial, paira, ainda, o imaginário de que “no PET estudam
Análise de Discurso, ali só fazem pesquisa”. Diante disso,
Discurso, mídia e Escola cumpre os objetivos da educação
tutorial e, através da divulgação das ações do projeto, e da
multiplicação dos saberes que se constroem no/pelo Programa,
paulatinamente dá-se a naturalização de uma filiação de
sentidos outra, filiação que dá origem ao PET Letras. De mesmo
modo, o livro Discurso, mídia e escola: da pesquisa às
práticas de leitura e interpretação na educação básica é um
ato para a ressignificação do referido imaginário, no momento
em que materializa o esforço de integrar iniciação científica,
iniciação à docência e a prática extensionista.
Assim sendo, salientamos que o livro não traz apenas os
resultados da aplicação do Discurso, Mídia e Escola, antes e
após ser vinculado ao PET; desvela o projeto como discurso
fundador da identidade PET Letras, instaurando “a possibilidade
de criar um lugar na história, um lugar particular”, “[l]ugar que
rompe no fio da história para reorganizar os gestos de
interpretação” (ORLANDI, 2001, 16-17) em prol da singularidade
do Programa enquanto objeto da ordem do simbólico.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Superior (SESu). Manual de
Santiago Bretanha Freitas
22
Orientações Básicas (PET). Brasília, 2006. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view
=download&alias=338-
manualorientabasicas&category_slug=pet-programa-de-
educacao-tutorial&Itemid=30192>. Acesso em: 27 out. 2016.
MÜLLER, A. Qualidade no ensino superior: a luta em defesa do
Programa Especial de Treinamento. Rio de Janeiro: Garamond,
2003.
ORLANDI, E. P. (Org.). Discurso fundador: a formação do país e
a construção da identidade nacional. 2. ed.. Campinas: Pontes,
2001.
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
23
CALOI PARA CRIANÇAS: ANÁLISE
DISCURSIVA DE PROPAGANDAS
INFANTIS
Nathalia Madeira Araujo1
RESUMO: O presente estudo, vinculado aos projetos de
pesquisa e de extensão Discurso Mídia e Escola, tem por
objetivo, sob o referencial teórico da Análise de Discurso
pecheutiana, analisar três propagandas da empresa Caloi
direcionadas ao público infantil, assim como refletir acerca das
estratégias linguístico-discursivas empregadas pelo discurso
publicitário, que tentam garantir a interpelação à ideologia do
consumo do público consumidor infantil. Levando em conta, na
modernidade, o surgimento da posição criança-consumidor e
das diversas discussões e polêmicas frente ao assunto,
analisamos uma propaganda de 1978 e outras duas de 2008, a
partir das quais pudemos observar modificações no discurso
publicitário direcionado às crianças. Atualmente, as empresas
tentam suavizar, mascarar, esconder a ideologia do consumo
nos discursos que realizam, isso se dá pelo entrecruzamento de
discursos, por meio das discriminações de gênero, através da
menção ao discurso da vida saudável e do ecologicamente
correto, entre outros.
PALAVRAS-CHAVE: Consumo; Infância; Análise de Discurso.
Nathalia Madeira Araujo
24
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
25
INTRODUÇÃO
Vivemos em uma sociedade influenciada pela ideologia do
consumo. A disputa de mercado faz com que as empresas vivam
numa busca incessante pelo lucro para garantir a alta de seus
produtos. Para atingirem os seus propósitos financeiros, elas
utilizam diferentes estratégias linguístico-discursivas em
propagandas que tentam seduzir o cliente, fazendo com que este
crie um valor simbólico naquele bem ou serviço e,
consequentemente, compre.
Algo que vem sendo motivo de polêmica entre estudiosos, e
que se constitui foco principal deste trabalho, é o discurso
publicitário dirigido às crianças. A mídia se vale de estratégias
abusivas para naturalizar o consumo na infância, dentre elas,
destacamos: a erotização precoce, o incentivo à obesidade
infantil, compras “casadas”, cenas de bajulação de adultos para
conquistas materiais, discriminações de gênero e inversão de
valores sociais (PAIVA, 2009).
Segundo Paiva (2009), “a usurpação da infância por meio de
indução ao consumismo, assim como o seu envolvimento em
práticas de abusos sexuais, é um problema transcultural
espalhado pela maioria das nações”. (p.26).
À luz dessas observações, e sob o referencial teórico da
Análise de Discurso de linha francesa (AD), objetivamos analisar
três propagandas da empresa Caloi, ambas direcionadas ao
público infantil, buscando refletir acerca das estratégias
enunciativo-discursivas que tentam garantir a interpelação à
ideologia do consumo. As propagandas diferem pelas condições
de produção: uma delas é de 1978 e têm como slogan “Não
esqueça a minha Caloi”; as outras duas resultam da campanha
publicitária que homenageia os 110 anos da empresa Caloi, de
2008.
Primeiramente, trataremos de alguns conceitos da Análise de
Discurso relevantes para este estudo; secundariamente,
trataremos do discurso publicitário, e, após, o discurso
Nathalia Madeira Araujo
26
publicitário voltado à infância. Por fim, realizaremos a análise
das três propagandas.
1 ANÁLISE DE DISCURSO
A Análise de Discurso vinculada a Pêcheux, tal como vem
sendo trabalhada no Brasil, (AD), surge nos anos 60 e mantém
relação com outros três campos do saber: a Linguística, o
Marxismo e a Psicanálise. Conforme Orlandi (2005), a AD não
trata da língua, não trata da gramática, trata do discurso e
concebe a linguagem como a mediação necessária entre o
homem e a realidade natural e social. Segundo a perspectiva
discursiva, a língua não pode ser pensada isoladamente,
tampouco considerada homogênea e transparente, ela constitui-
se como local do equívoco, do heterogêneo, onde há circulação e
enfrentamento de diversos discursos.
Orlandi (2005), com base em Pêcheux, explica que as
condições de produção, pensadas pelo viés discursivo,
compreendem os sujeitos e a situação, e ainda a memória
discursiva, e seus papéis fundamentais na produção do
discurso. As condições de produção, por sua vez, abrangem o
contexto imediato, que se refere às circunstâncias da
enunciação, e o contexto amplo, que diz respeito ao contexto
sócio-histórico-ideológico. Seguindo a perspectiva discursiva, a
memória é tratada como interdiscurso, sendo este concebido
como os já-ditos, tudo que já foi enunciado antes. O que está
sendo realizado no instante da enunciação é denominado
intradiscurso, e precisa ser relacionado ao interdiscurso.
Para compreender o funcionamento do discurso, sua relação
com os sujeitos e com a ideologia, é de extrema importância a
remissão aos já-ditos, que permitem o dizer (ORLANDI, 2005). A
AD desconsidera a existência de discursos que não mantenham
uma relação com outros discursos. Segundo essa linha teórica,
os discursos não possuem início e fim, estão interligados: um
aponta para outro e, assim, sucessivamente; aqui nos referimos
à noção de relação de sentidos.
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
27
O indivíduo não tem consciência das condições que
determinam as relações de produção e de força a que está
submetido, sendo assim, o assujeitamento, processo de
interpelação do indivíduo em sujeito, ocorre de maneira
dissimulada. Para sustentar de que forma ocorre o
assujeitamento, Pêcheux (1995, p. 173) apresenta o conceito de
esquecimento.
De acordo com o autor, o esquecimento nº 1 é da ordem do
ideológico e do inconsciente, ordem na qual as ordens anteriores
estão materialmente ligadas. Os processos discursivos têm
origem exterior ao sujeito, mas é através dele que se realizam.
Assim, é através do funcionamento do esquecimento nº 1,
quando enunciamos, que acreditamos ser a fonte primeira do
dizer, esquecemos os já-ditos pré-existentes para poder
enunciar.
Já, o esquecimento nº 2 é da ordem do enunciado. Ao
enunciar, usamos determinadas palavras e expressões
linguísticas em vez de outras, esquecemos que poderíamos ter
dito de outra forma e temos a ilusão de que estamos enunciando
da melhor maneira possível. Esse esquecimento produz a ilusão
do sujeito de poder controlar o seu dizer e possuir sua liberdade
de sujeito-falante.
2 DISCURSO PUBLICITÁRIO
Vivemos em um contexto capitalista em que a competição
entre as empresas, ou seja, a corrida entre elas para tentar se
garantir em alta no mercado, é notável. Essa competitividade faz
com que elas se valham de diferentes estratégias para tentar
garantir a venda de seus produtos. O texto publicitário é
disseminado por meio de jornais, revistas, rádio, televisão,
cartazes, panfletos, outdoors, sites, por exemplo, e tem como
função convencer determinado público a aderir à compra de um
bem ou serviço. De acordo com Teixeira (2009), “a publicidade
sempre se apresentou como espaço onde trafegam discursos que
sedimentam valores e ideologias de determinada época” (p.43).
Nathalia Madeira Araujo
28
Chauí (2006) compreende que a propaganda comercial, ou
publicidade comercial, opera sobre quatro formas: utiliza
slogans curtos que facilitam a memorização; transmite
simultaneamente a sensação de igualdade e individualidade ao
consumidor; possui explicação simples; e, exalta ao máximo os
produtos e transmite uma imagem de informação e serviço
prestado. A propaganda estimula no consumidor desejos que
“somente aquele produto desperta e satisfaz”, ela também
afirma que o produto está dentro dos valores sociais
determinados por aquela sociedade. Essas afirmações são
igualmente ratificadas por Teixeira (2009): “A publicidade não
inventa coisas; seu discurso, suas representações de gênero
estão sempre relacionados como conhecimento que circula na
sociedade. Suas imagens trazem signos, significantes e
significados que nos são familiares” (p.44).
As propagandas comerciais, em seus primórdios, possuíam
como estratégia a exaltação das qualidades do objeto de venda,
muitas vezes apresentadas associando a imagem do produto a
um especialista, que o recomendava. As propagandas também
tentavam passar uma imagem de durabilidade dos produtos e,
às vezes, traziam o nome do fabricante como prova de
qualidade. Porém, este cenário se modifica devido ao aumento
da competição de mercado e ao surgimento da sociedade pós-
industrial. Na sociedade do descarte, as empresas começam a
recorrer à venda de supostas sensações, emoções e estilos de
vida que seus produtos promoveriam às pessoas (CHAUÍ, 2006).
Estratégia também utilizada nos anúncios publicitários é o
emprego de imagens de crianças, o que possui um alto poder
sensibilizador, devido ao seu teor emocional, facilitando, assim,
chamar a atenção do público infantil (HÜBBE, 2004).
Além disso, as representações de gênero, bem como seus
papéis aceitos socialmente, são fortemente marcadas nos
anúncios. Nessa perspectiva, o discurso publicitário contribui
para as formações identitárias de homens e mulheres
(TEIXEIRA, 2009).
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
29
A respeito das cores, Hübbe (2004) reitera que sua utilização
é outra estratégia importante na produção dos anúncios. A
escolha das cores é feita sempre visando ao público-alvo da
propaganda, uma vez que podem causar atração e impacto.
Além disso, as cores podem provocar sentimentos contrários aos
desejados pela empresa, logo, é preciso controlar as
combinações.
2.1 DISCURSOS PUBLICITÁRIOS DEDICADOS ÀS CRIANÇAS
Versuti (2000) esclarece que o público infantil começou a ser
visto como consumidor no final dos anos 70 e início dos 80.
Atualmente, a publicidade voltada para a infância tem sido
motivo de discussões na sociedade devido ao tom polêmico de
alguns anúncios. A publicidade infantil se expande
paulatinamente, e mudanças nas relações familiares contribuem
para que as crianças se tornem consumistas.
No contexto atual, as crianças possuem mais autonomia com
relação a seus pais, por isso, têm papel representativo nas
escolhas feitas no lar. As opiniões dos filhos determinam a
escolha de bens materiais e serviços adquiridos para uso da
família. Este é um dos fatores que chamou a atenção do
mercado para o consumo infantil. Devido à falta de tempo para
os pais se dedicarem à criação dos filhos, a televisão tornou-se
uma espécie de “babá eletrônica”. Versuti (2000) aponta que as
crianças brasileiras passam de 4 a 6 horas em frente ao
aparelho televisor, outro fator percebido pelos publicitários.
Consequentemente, os intervalos dos programas infantis são
bombardeados por anúncios e propagandas.
Paiva (2009) comenta que a incapacidade das crianças em
lidar com frustrações, insatisfação, intranquilidade, intolerância
e individualismo são os reflexos do consumismo na infância. Ele
também reitera que inicialmente a atenção do mercado ao
público infantil tinha o intuito de preparar futuros
consumidores, contudo, agora houve uma radicalização e as
Nathalia Madeira Araujo
30
crianças passaram a ser vistas e tratadas como consumidoras,
com grande influência nas relações comerciais das empresas.
3 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO
Conforme informações expostas no site da Caloi, a empresa
fabricante de bicicletas surgiu no Brasil no século XIX, fundada
pelas ideias do imigrante Italiano Luigi Caloi, inicialmente sob o
nome de Casa Luiz Caloi. Nos primórdios, Luigi importava
bicicletas da Europa, mas este cenário se modificou com o
advento da Segunda Guerra Mundial, pois esta dificultou a
importação das peças; em 1945 é fundada a primeira fábrica da
Caloi no Brasil, a primeira fábrica de bicicletas do país.
Duas décadas depois, no ano de 1975, a Caloi inaugura mais
uma fábrica no país, no Pólo Industrial de Manaus. Na década
de 1990, a empresa expandiu para o comércio exterior. Ao longo
de sua trajetória, a Caloi lançou diferentes campanhas
publicitárias, nas quais sempre se valeu de diferentes
estratégias para garantir a interpelação à ideologia do consumo.
Na década de 1970, ela lança a campanha intitulada “Não
esqueça a minha Caloi”, que, no ano de 1978, surge com o
personagem Zibgim, o menino chorão que ensina as crianças a
espalhar bilhetes pela casa para garantir que a família não se
esqueça de comprar a sua Caloi.
A partir do ano 2000, a empresa adota o discurso de vida
saudável, que prevalece até hoje. Em 2008, a Caloi lança a atual
campanha publicitária e um selo em comemoração aos seus 110
anos, ambos criados pela agência Fabra Quinteiro, também
promotora da atual assinatura da empresa: Caloi. Movimentando
a Vida. Essa campanha contou com cinco vídeos e doze
anúncios publicitários impressos. A identificação dos anúncios
referentes a essa campanha torna-se fácil, levando em conta que
todos levam o selo comemorativo.
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
31
4 ANÁLISE DO CORPUS
Dadas as referidas condições de produção, partimos para a
análise do corpus. A primeira propaganda a ser analisada data
do ano de 1978 e era divulgada por meio de revistas dedicadas
ao público infantil:
Figura I- Propaganda “Não esqueça a minha Caloi” (1978)
Primeiramente, observamos a sequência discursiva de
referência2 SDR 1 “Não esqueça a minha Caloi”, que se constitui
pelo slogan da propaganda infantil do ano de 1978 e vinha nas
revistas infantis. Sobre as cores, esta sequência discursiva está
em letras garrafais vermelhas. De acordo com Ambrose e Harris
(2012), o vermelho é uma cor quente que instiga liderança,
agilidade, dinamicidade, o que revela o caráter persuasivo da
propaganda que tenta instigar na criança agitação, movimento,
ação para ganhar a sua bicicleta. O uso do modo imperativo,
neste caso, funciona para a realização de um pedido que a
criança, imitando Zibgim, estaria fazendo a seus pais.
Nathalia Madeira Araujo
32
Podemos, levando em conta as conversas típicas do contexto
familiar, pensar que o slogan em análise reproduz dizeres dos
adultos, com os quais as crianças convivem, por exemplo: “Não
esqueça de comprar...”, “Não esqueça de fazer...”. A marca de
negação determinando o imperativo, repetindo a estrutura que
já circula no meio familiar, é de fácil memorização, tal como tem
de ser um slogan. A marca de negação também pode ser
compreendida como um confronto à afirmação prévia, dita pelos
pais: “esqueça a sua Caloi!”. O slogan funciona como uma
refutação antecipada da possível recusa de compra por parte
dos familiares.
O uso do pronome possessivo “minha” na SDR 1 “Não
esqueça a minha Caloi” transmite a ideia de que a bicicleta já é
da criança, temos a impressão de que a construção frasal está
reproduzindo um discurso de algo já dado, instituído,
inquestionável.
Voltando às cores, com base em Ambrose e Harris (2012), o
predomínio do bege, que é uma cor que transmite passividade e
calma, remete à inocência, o que relativiza o modo imperativo do
slogan e do texto e atenua a agilidade acentuada pelo vermelho,
que incita à compra, mas não é agressivo, por causa do bege. A
composição de cores azul, rosa, verde, amarelo e laranja que
colorem as roupas do menino, remonta ao universo infantil, à
brincadeira.
O texto possui caráter argumentativo, principalmente
expresso pelas enumerações (de orações coordenadas
interpoladas e adjuntos adverbiais), em que aparece o
imperativo com o intuito de aconselhamento, observável na SDR
2: “Recorte a minha figurinha, tire quantas cópias quiser, me
espalhe por todo canto: no espelho da mamãe, na cesta de tricô
da vovó, na pasta do papai, onde você achar melhor”. A
sequência de orações indica o passo-a-passo para a conquista
dos objetivos.
Lembramos que a cor vermelha no slogan provoca a agitação
e incentiva a criança a realizar uma campanha no lar para
ganhar sua Caloi. Essa cor, junto com a escolha sintática pelas
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
33
enumerações, que remetem a instruções, contribui para que a
criança torne-se autônoma e influencie a família, seguindo a
tendência mencionada por Versuti (2000).
Vale destacar que a interatividade é algo relevante na
propaganda infantil, dada a característica do público-alvo. Essa
interatividade aparece através de marcas típicas de um diálogo,
como a apresentação do personagem, “Olá, eu sou o seu novo
amiguinho”, perífrase verbal que expressa cumplicidade, “pode
contar comigo”, coloquialismos, “o negócio é não deixar ninguém
esquecer”, interjeição, “Ah!”, e uso do diminutivo, “amiguinho”.
O texto utiliza os tempos verbais de forma que o menino
Zibgim atribui ao público-alvo o desejo de ter a Caloi e informa
sobre os benefícios futuros da aquisição da bicicleta, pois a
criança ganhará uma Mobylette. Exemplo: “Ganhando”,
“Concorrendo”, verbos em sua forma nominal (gerúndio), ou
presente contínuo. Aqui temos as compras casadas e a
construção de um prolongamento no tempo no desejo da criança
de ter a Caloi, de modo que o Slogan se torne atemporal, sempre
válido. É interessante comentar que o efeito de atemporalidade
pretendido foi conquistado, pois o slogan em análise é, ainda
hoje, famoso.
A imagem do menino é o intermediador da empresa, ele é o
meio pelo qual a Caloi chegará às crianças. Podemos considerá-
lo também o porta-voz das crianças pois reproduz o discurso
delas, impedindo qualquer refutação por parte das mesmas; o
que é observável na seguinte sequência discursiva SDR 3: “O
negócio é não deixar ninguém esquecer que o que você quer
mesmo é uma bicicleta Caloi”. Ele afirma para a criança que ela
quer a bicicleta e esta concebe este discurso como seu.
Outro recurso observado é o de a publicidade usar a criança
como personagem da propaganda, fazendo alusão ao mundo das
brincadeiras, da aventura, e ao imaginário infantil. Isso
confirma o uso da imagem da criança na propaganda gerando
identificações, conforme Hübbe (2004).
A sequência discursiva SDR 4 “Boa sorte e não esqueça: a
Caloi é a melhor bicicleta do Brasil” funciona como justificativa
Nathalia Madeira Araujo
34
para o Slogan da propaganda, que afirma “Não esqueça a minha
Caloi”. Partindo do pressuposto de que a criança vive num
mundo de brincadeiras e fantasias, entendemos que este
anúncio aciona na criança um imaginário de aventura, ação,
brincadeiras, gerando identificação e suscitando o desejo de
brincar com a bicicleta, imitando Zibgim.
Agora analisaremos a propaganda de 2008, direcionada para
o público infantil feminino:
Figura II- Propaganda para meninas (2008)
No anúncio, temos a predominância do rosa, que, conforme
Ambrose e Harris (2012) é a cor da beleza, do romantismo,
culturalmente associada à imagem da mulher; instiga a
feminilidade, a delicadeza, a fragilidade. Funciona na
propaganda de forma a fazer alusão ao universo feminino,
reafirmando as posições de gênero socialmente aceitas. Notamos
que a propaganda incentiva a adultização precoce, levando a
menina a buscar pela beleza, pela moda.
Outra estratégia marcada nesta propaganda se dá pelo
emprego de SDR 5 “Indo de bicicleta para escola, você faria sua
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
35
mãe economizar [...]”. A sequência inicia com o gerúndio do
verbo ir (indo), que quando empregado no início da oração
exprime uma ação que ocorre antes da ação expressa na oração
principal. Logo após, temos o verbo fazer (faria) no futuro do
pretérito, que expressa um fato que poderá ou não acontecer,
em seguida temos o verbo economizar no infinitivo.
O emprego dessas construções verbais transmite uma ideia
de ação, resultado e benefícios para a criança e a mãe, indo de
bicicleta todo mês ela fará que a mãe diminua gastos com
transporte escolar, sendo assim, terá mais dinheiro para
comprar sandálias novas todo mês (benefício futuro). Essa
sequência funciona de forma a criar um forte argumento na
criança caso haja refutação dos pais ao apelo pela compra da
bicicleta, a criança mesma afirmará os benefícios do produto
desejado.
Também observamos que a SDR 6 “[...] poder te dar
sandalinhas novas de presente todo mês” transmite à criança
um prolongamento nos benefícios que a bicicleta proporcionará,
andando de bicicleta ela sempre estará ganhando. A sequência
aludiu de forma explícita ao consumismo; o texto joga com uma
persuasão criando na menina o desejo de possuir muitas
“sandalinhas” e para isso ela terá de comprar uma Caloi.
Levando em conta as observações feitas, reiteramos que essa
propaganda apresenta na sua materialidade discursiva efeitos
de sentido que revelam as estratégias abusivas que marcaram o
amadurecimento precoce e o consumismo nas meninas. A
propaganda aciona na memória da sociedade o pré-construído
de que a mulher deve andar na moda e ser fashion. Essa
mobilização da memória discursiva revela o poder persuasivo da
publicidade que parte de uma imagem pré-construída e aceita
socialmente para interpelar ideologicamente a clientela infantil
feminina. Aqui, verificamos que a publicidade precisa recorrer
aos valores aceitos socialmente para ser eficaz, conforme
apontam Chauí (2006) e Teixeira (2009).
Agora partiremos para a análise da propaganda infantil
masculina da campanha de 2008,
Nathalia Madeira Araujo
36
Figura III- Propaganda dirigida aos meninos (2008)
Observamos que esse anúncio divulga a Caloi Cross, bicicleta
indicada para esportes radicais; na propaganda há a imagem de
um menino andando de bicicleta num cenário ecológico, com
árvores e uma trilha formada por mais de dois milhões de
formigas, fazendo referência a uma vida saudável e à prática de
esportes. Este cenário faz menção ao discurso ecológico e ao
discurso de vida saudável, que funciona como uma estratégia
discursiva que a empresa utiliza para tentar esconder,
mascarar, suavizar a ideologia do consumo; aqui nos referimos à
utilização da estratégia que denominamos entrecruzamento de
discursos.
No anúncio, identificamos a predominância da cor verde, que,
segundo Ambrose e Harris (2012), é uma cor sugestiva,
calmante, que simboliza crescimento, renovação, saúde, é
empregada na propaganda de forma a fazer referência à vida
saudável, à natureza, aos esportes radicais. Observamos que a
própria imagem do menino, vestido com as cores verde e
marrom, faz referência à natureza, sugerindo que se você andar
de bicicleta será um menino que segue um discurso de vida
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
37
saudável, de ecologicamente correto. A utilização da imagem de
crianças em anúncios é outra estratégia fortemente utilizada em
propagandas devido ao seu teor emocional, e por chamar a
atenção do público infantil, conforme aponta Hübbe (2004).
Agora, partiremos para a análise discursiva das marcas
linguísticas que direcionam à adesão à ideologia do consumo.
Observamos a SDR 7: “A distância que você percorre andando
de bicicleta durante uma hora daria para formar uma linha
contendo mais de dois milhões de formigas”. A partir do
emprego do pronome (Você) + verbo percorrer no presente do
indicativo, o anúncio pré-estabelece que o leitor seja uma
criança que anda de bicicleta, que as crianças andam de
bicicleta. A sequência citada, ao afirmar que a distância que a
criança percorre de bicicleta daria para formar uma linha de
formigas, trabalha com o imaginário da criança, criando nela a
vontade da brincadeira, do esporte, de andar de bicicleta. Essa
mobilização da memória discursiva revela o poder persuasivo da
publicidade, que mexe com imaginação da criança despertando
nela a vontade da aventura para fazê-la querer a bicicleta.
O emprego do verbo dar no futuro do pretérito (daria) cria na
criança a expectativa de que se ela andar de bicicleta por uma
hora a distância que ela percorre poderia formar uma linha de
formigas, fazendo alusão ao mundo das brincadeiras, da
aventura, o mundo imaginário infantil.
Observe a SDR 8: “Sua brincadeira vai se transformar numa
aventura de verdade”. Através do emprego do pronome
possessivo (sua) + verbo transformar no infinitivo, a propaganda
usa esta sentença afirmativa para criar na criança a
necessidade e o desejo de ter a Caloi Cross, estratégia utilizada
em propagandas conforme aponta Chauí (2006), porque
somente com ela a brincadeira vai virar uma aventura de
verdade; mais uma vez o anúncio joga com o imaginário da
criança que ficará pensando o quanto serão radicais as suas
brincadeiras com a Caloi.
Na SDR 9 “A Caloi Cross está cheia de novidades e pronta
para ser equipada, com ela você encara qualquer terreno”,
Nathalia Madeira Araujo
38
partindo do pré-construído de que os meninos gostam de se
aventurar, a empresa afirma que com a Caloi Cross eles poderão
andar em qualquer terreno, instigando na criança, mais uma
vez, a vontade de ter essa bicicleta, estabelecendo a necessidade
de comprá-la, pois, “somente com ela eles vão poder encarar
qualquer terreno e equipar a sua bicicleta”. Observamos
também que todo o texto possui um forte poder argumentativo,
sempre trazendo argumentos, razões, para o menino querer essa
bicicleta; exemplos: “com ela você encara qualquer terreno”,
“Sua brincadeira vai se transformar numa aventura de verdade”.
CONCLUSÃO
Através das análises efetuadas, podemos observar que a
ideologia do consumo, por ser inerente ao discurso publicitário,
sempre esteve, e possivelmente estará, presente nas
propagandas. Na década de 70 não havia tanta atenção à
publicidade voltada para as crianças, muito menos polêmica
sobre tal assunto; a sociedade era outra, a concepção de família
era outra. Notamos que a propaganda infantil dessa época
aludia de uma forma muito mais desmascarada e apelativa ao
consumo infantil, utilizando estratégias verbais e imagéticas de
persuasão para a sedução da criança.
Levando em conta que no contexto atual houve a
ressignificação da posição criança-consumidor e das diversas
discussões e polêmicas frente ao assunto, analisamos a
propaganda infantil de 2008 e podemos observar que houve
uma modificação no discurso publicitário direcionado à infância.
Atualmente, as empresas tentam suavizar, mascarar,
esconder a ideologia do consumo, e isso se dá pelo
entrecruzamento de discursos, através das discriminações de
gênero, menção a discurso de vida saudável, ecologicamente
correto, entre outros. Outro ponto importante que foi observado
é o fato de que as transformações no discurso publicitário estão
ligadas às transformações que ocorrem na sociedade. Muda-se o
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
39
contexto, muda-se a maneira de interpelar ideologicamente o
sujeito.
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CHAUÍ, M. Simulacro e Poder: uma análise da mídia. São
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comunista endereçado a os cristãos. São Carlos: EDUFSCAR,
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ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: Princípios &
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TEIXEIRA, N. C.R.B. Discurso Publicitário e a pedagogia do
gênero: representações do feminino. In: ______. Comunicação,
Mídia e Consumo. 6.ed. São Paulo: Escola de Propaganda e
Marketing, 2009, p.37-48.
PÊCHEUX. Michel. Semântica e discurso: uma crítica à
afirmação do óbvio. Trad. Eni Puccinelli Orlandi. 3. ed.
Campinas:Editora da Unicamp, 1995.
HÜBBE, R. S. S.O discurso utilizado nos anúncios
publicitários dirigidos ao público infantil. 2004. 183f.
Dissertação (Mestrado Ciências da Linguagem), Curso de
Mestrado em Ciências da Linguagem, Universidade Federal do
Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2004.
Nathalia Madeira Araujo
40
VERSUTI, A. C. “Eu tenho, você não tem”. O discurso
publicitário infantil e a motivação do consumo. 2000. 209f.
Dissertação (Mestrado), Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas,
2000.
EMPRESA CALOI. Disponível em:<
http://www.caloi.com/historia/#/home>. Acesso em: 14 ago.
2012.
FABRAQUINTEIRO. Disponível em:
<http://www.fabraquinteiro.com.br/>. Acesso em: 12 ago.
2012.
Significado das cores. Disponível em:
<http://www.significadodascores.com.br/significado-do-
vermelho.php>. Acesso em: 14 ago. 2012.
PROPOSTA DIDÁTICA
1 Dados de Identificação:
Alunos: de 7º a 8º ano;
Duração: 1h30min.
2 Tema:
Análise Discursiva da propaganda infantil da empresa Caloi.
3 Conteúdo:
Leitura e interpretação de propagandas infantis.
4 Objetivos
Geral:
• Promover atividades de leitura de propagandas da Caloi,
com na base perspectiva discursiva da linguagem;
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
41
Específicos:
• Realizar atividade de interpretação textual que levem os
alunos a perceber o texto como local onde vários discursos
aparecem;
• Fazer com que os alunos relacionem o texto com a
exterioridade;
• Analisar propagandas infantis atentando às estratégias
discursivas que induzem o consumismo.
5 Procedimentos:
1º Passo
A professora se apresentará para a turma, logo após, mostrará
para os alunos um vídeo da empresa Caloi de 30 segundos 3que
mostra a propaganda televisiva da empresa na década de 1970.
Em seguida, ela fará as seguintes perguntas oralmente:
1. O que vocês acharam sobre o vídeo que acabaram de assistir?
2. O que está acontecendo no vídeo? Do que se trata?
3. Vocês identificam que texto é esse?
4. Vocês sabem identificar qual a funcionalidade desse texto?
Para que ele serve?
5. Ele aparece somente na forma televisiva? Ou aparece na
forma impressa?
2º Passo
Partindo das respostas dadas pelos alunos, a professora
explicará o que é uma propaganda, em quais formas ela aparece
e projetará para eles a propaganda de 1978 na forma impressa
(Anexo 1). E realizará as seguintes perguntas oralmente para os
alunos:
1. Vocês sabem o que é uma Caloi?
2. Vocês já ouviram falar sobre a Caloi? Onde?
3. Vocês conhecem alguém que tenha uma Caloi?
4. O que vocês sabem sobre a empresa Caloi?
Nathalia Madeira Araujo
42
5. Vocês têm o hábito de andar de bicicleta?
3º Passo
Logo após acionar a memória discursiva dos alunos em relação
à Caloi, a professora projetará uma apresentação em PowerPoint
situando-os quanto à história da empresa Caloi.
4º Passo
A professora entregará para os alunos diferentes imagens de
bicicletas Caloi impressas, contendo, cada uma, frases com
informações sobre como devem ser as propagandas. Feito isso, a
docente irá chamando os “donos” das bicicletas pelo nome da
bicicleta e pedirá que eles leiam as informações. As frases são:
• Os slogans devem ser curtos para facilitar a
memorização.
• A utilização das cores é outra estratégia importante na
produção dos anúncios.
• A escolha das cores é feita sempre visando ao público-
alvo da propaganda, uma vez que podem causar atração e
impacto.
• As cores podem provocar sentimentos contrários aos
desejados pela empresa, logo, é preciso controlar as
combinações.
• O vermelho é uma cor quente que instiga liderança,
agilidade, dinamicidade.
• O bege é uma cor que transmite passividade e calma.
• A composição de cores azul, rosa, verde, amarelo e
laranja que colore as roupas do menino remontam ao universo
infantil, à brincadeira.
• O emprego de imagens de crianças facilita chamar a
atenção do público infantil e possui um alto poder
sensibilizador, devido ao seu teor emocional.
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
43
5º Passo
Logo após aos alunos terem lido as informações sobre as
estratégias de uma propaganda, a professora projetará
novamente a propaganda em forma de anúncio e fará as
seguintes perguntas:
1. Quais palavras do texto vocês acreditam que auxiliam a
convencer o cliente a comprar a bicicleta Caloi?
2. Qual frase do texto vocês acreditam que mostra fortemente
que o anúncio afirma que a Caloi é a melhor bicicleta?
3. O que vocês acham sobre o título do texto?
4. Vocês sabem como se chama o título de um anúncio
publicitário?
5. O que vocês pensam sobre a cor do slogan? Ela chama a
atenção do leitor?
6. Segundo o que lemos na atividade anterior, como deve ser um
slogan?
6º Passo
A professora projetará, em PowerPoint, uma apresentação sobre
o significado das cores.
7º Passo
A professora entregará para os alunos uma propaganda de um
Iphone sem o slogan; os alunos, a partir do que foi trabalhado
em classe, deverão produzir um slogan para esse produto.
8º Passo
Os alunos deverão compartilhar e apresentar para os colegas os
materiais que foram produzidos, evidenciando quais os efeitos
de sentidos que surgiram, e, para finalizar, a professora
perguntará para o grupo acerca do que eles aprenderam acerca
das estratégias persuasivas de propagandas.
6 Recursos
Projetor, Material audiovisual, fotocópias, canetas hidrocor.
Nathalia Madeira Araujo
44
7 Observações (relato de experiência)
Relatamos a experiência de ministrar a oficina, ocorrida no dia
13/11/12, com duração de 1h30min, para os alunos dos 7º e 8º
anos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Marcílio Dias.
Durante apresentação dos slides sobre a Caloi e o material sobre
a significação das cores, os alunos tiveram dificuldades para se
concentrar. Já em relação ao vídeo da empresa Caloi, de 30
segundos, que mostra a propaganda televisiva da empresa na
década de 1970, os estudantes adoraram e perceberam
diferenças na qualidade e na definição da imagem dessa
propaganda, em relação às propagandas atuais.
Na atividade em que os alunos receberam Bicicletas Caloi, as
quais possuíam informações sobre como deveriam ser as
propagandas publicitárias, busquei inserir os alunos nas
condições de produção, atividade que obteve grande êxito, pois
os alunos sentiram-se motivados para participar e trouxeram
antigos conhecimentos em relação ao discurso publicitário.
Durante a análise da propaganda de 1970, grande parte dos
alunos teve dificuldades em estabelecer sentidos, creio que isso
ocorreu devido à grande quantidade de material linguístico
dessa propaganda; um recorte menor deveria ter sido feito. Os
alunos perceberam utilização do imperativo, das compras
casadas, isto é, a interpretação ficou restrita ao que havíamos
discutido em aula.
Em relação à atividade na qual os estudantes produziram um
slogan para a propaganda, eles empregaram a combinação das
cores para produzir efeitos, pensaram em formas de chamar a
atenção do nosso público–alvo, enfim, tentaram pôr em prática
questões discutidas durante a oficina, sendo essa a atividade
que mais chamou atenção deles.
Referências
AMBROSE, G; HARRIS, P. Fundamentos de design criativo.
Traduzido por Aline Evers. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012.
Caloi para crianças: análise discursiva de propagandas infantis
45
CHAUÍ, M. Simulacro e Poder: uma análise da mídia. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006.
COUTRINE, Jean-Jacques. Análise do discurso político: o
discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos:
EDUFSCAR, 2009.
ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: Princípios &
Procedimentos. 6. ed. São Paulo: Pontes, 2005.
PAIVA, F. Eu era assim: Infância, Cultura e Consumismo. São
Paulo: Cortez, 2009.
TEIXEIRA, N. C.R.B. Discurso Publicitário e a pedagogia do
gênero: representações do feminino. In: ______. Comunicação,
Mídia e Consumo. 6.ed. São Paulo: Escola de Propaganda e
Marketing,2009, p. 37-48.
HÜBBE, R. S. S.O discurso utilizado nos anúncios
publicitários dirigidos ao público infantil. 2004. 183f.
Dissertação (Mestrado Ciências da Linguagem), Curso de
Mestrado em Ciências da Linguagem, Universidade Federal do
Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2004.
VERSUTI, A. C. “Eu tenho, você não tem”. O discurso
publicitário infantil e a motivação do consumo. 2000. 209f.
Dissertação (Mestrado), Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas,
2000.
Empresa Caloi. Disponível em:
<http://www.caloi.com/historia/#/home>. Acesso em: 14 ago.
2012.
Fabraquinteiro. Disponível em:
Nathalia Madeira Araujo
46
<http://www.fabraquinteiro.com.br/>. Acesso em: 12 ago.
2012.
Significado das cores. Disponível em:
<http://www.significadodascores.com.br/significado-do-
vermelho.php>. Acesso em: 14 ago. 2012.
NOTAS 1 Artigo produzido em 2012 sob concessão de bolsa de pesquisa
à autora pelo Programa de Bolsas de Desenvolvimento
Acadêmico (PBDA). 2 Conforme Courtine (2009, p.5), as SDR podem ser compreendidas como sequências orais ou escritas de dimensão
maior que a frase, representando cada recorte temático realizado
no corpus podendo ser enumeradas para efeito de organização
durante a efetivação das análises. A SDR advém do processo de
divisão do todo discursivo de modo a possibilitar a análise, o que
resulta em fragmentos representativos do discurso em questão. A análise das SDR permite determinar as posições-sujeito, as
formações imaginárias, formações discursivas, que estão em
jogo no discurso analisado, bem como compreender o
funcionamento ideológico. 3 Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=xU9wy5il7iU>. Acesso em 01. ago.2016.
Discurso irônico no jornal “Sensacionalista”
47
DISCURSO IRÔNICO NO “JORNAL
SENSACIONALISTA”: TECENDO
RELAÇÕES ENTRE HUMOR E
MERCADORIA
Virgínia Barbosa Lucena Caetano1
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo central
analisar o funcionamento do discurso irônico em notícias
humorísticas que circulam na mídia. Para isso, foi analisada, à
luz da Análise de Discurso de linha francesa, uma notícia
publicada no site “Sensacionalista”, vinculado ao Multishow,
onde brincadeiras são feitas com acontecimentos que estão em
voga na grande mídia. Também é foco deste trabalho tecer
relações entre humor e mercadoria.
PALAVRAS-CHAVE: Análise de Discurso; Ironia; Humor; Mídia.
Virgínia Barbosa Lucena Caetano
48
Discurso irônico no jornal “Sensacionalista”
49
INTRODUÇÃO
Vivemos hoje no que Lipovetsky 2 chamou de “sociedade
humorística”, onde o riso é obrigatório, “o humor universal,
padronizado, midiatizado, comercializado, globalizado, conduz o
planeta” (MINOIS, 2003, p. 554). Para o autor, esse riso
moderno é incerto, nem negação, nem afirmação, existe apenas
para mascarar a perda de sentido. Segundo Minois (2003), o riso
é um produto de consumo de valor inestimável. Ao mesmo
tempo produto e argumento de venda, tornou-se um
antiestresse eficaz e atributo indispensável ao homem moderno.
A mídia, obviamente, utiliza isso a seu favor. O humor, que tem
ganhado cada vez mais espaço na programação, tornou-se uma
estratégia infalível para garantir a audiência.
O presente trabalho é fruto de uma pesquisa que tem como
objetivo analisar o funcionamento do discurso irônico em
notícias humorísticas que circulam na mídia, buscando tecer
relações entre humor e mercadoria. Esta pesquisa está
vinculada ao projeto Discurso, Mídia e Escola que visa refletir
sobre o funcionamento discursivo de textos midiático, com o
propósito de mostrar como a mídia tenta passar uma imagem de
neutralidade e cumplicidade com o público, quando na verdade
está vinculada à ideologia do consumismo.
Foi escolhida como objeto de análise uma notícia retirada do
site de humor “Sensacionalista” vinculado ao Multishow,
emissora filiada à Rede Globo. O referido site simula um jornal
web e publica notícias fictícias, satirizando acontecimentos que
estão em voga na grande mídia. A análise será feita à luz da
Análise de Discurso de linha francesa. Primeiramente, traremos
alguns conceitos da Análise de Discurso importantes para este
estudo e algumas considerações teóricas sobre o funcionamento
da ironia com base nos estudos de Orlandi (1983). Após,
faremos a descrição de condições de produção imediatas e sócio-
históricas do corpus e, por fim, faremos a análise discursiva.
Virgínia Barbosa Lucena Caetano
50
1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Tendo como objeto de estudo o discurso, concebido como
efeito de sentido entre interlocutores, conforme Pechêux (1969),
a Análise de Discurso (AD) busca compreender a linguagem
como mediação entre o homem e as realidades natural e social.
Assim, é possível observar que essa perspectiva não trabalha
com a língua fechada nela mesma, mas com a língua fazendo
sentido enquanto objeto simbólico, demonstrando que “o
discurso é o lugar em que se pode observar a relação entre
língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz
sentidos por/para os sujeitos.” (ORLANDI, 2005, p.17).
A AD relaciona a linguagem à sua exterioridade, por isso,
para entendermos os sentidos produzidos por um determinado
discurso, precisamos olhar para suas condições de produção,
que, segundo Orlandi (2005, p.30), compreendem
fundamentalmente os sujeitos e a situação de produção do
discurso. Podemos considerá-las em sentido estrito e temos o
contexto imediato, ou em sentido amplo, que incluem o contexto
sócio-histórico-ideológico. Também faz parte da produção do
discurso a memória discursiva (interdiscurso), que são os
saberes pré-construídos retomados cada vez que um discurso é
produzido. “O interdiscurso é todo o conjunto de formulações
feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos. Para que
minhas palavras tenham sentido é preciso que elas já façam
sentido” (ORLANDI, 2005, p.33-4).
O discurso é um dos lugares de manifestação da ideologia,
daí a importância de dois elementos fundamentais para os
estudos em AD, as noções de formação ideológica (FI) e formação
discursiva (FD). A primeira deve ser entendida como um
conjunto de atitudes e representações que determinam a visão
de mundo de uma dada classe social. A segunda é entendida
como aquilo que em uma FI dada determina o que pode e deve
ser dito.
Discurso irônico no jornal “Sensacionalista”
51
O discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo
que o sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva
e não outra para ter um sentido e não outro. [...] É pela
referência à formação discursiva que podemos compreender, no funcionamento discursivo, os diferentes
sentidos. Palavras iguais podem significar diferentemente
porque se inscrevem em formações discursivas diferentes
(ORLANDI, 2005, p. 43- 4).
Como já foi mencionado, a AD não compreende a língua como
sistema fechado e sim como uma estrutura heterogênea, capaz
de deslocamentos. Portanto, não podemos dizer que há um
sentido único, literal, para as palavras, pois os sentidos ganham
referência dependendo do contexto histórico/social em que são
produzidos. Ao produzirmos discursos, instauramos a
dominância de um sentido em relação a outros. Dessa relação
entre a pluralidade de sentidos e a dominância de um sentido
manifestam-se dois processos linguísticos: a paráfrase, retorno
aos mesmos espaços do dizer, e a polissemia, ruptura do
processo de significação do discurso. Da tensão entre a
paráfrase e a polissemia surge a ironia, foco deste trabalho a
partir de agora.
De acordo com Orlandi (1983), a ironia é um processo de
desconstrução do sentido que se vale da equivocidade
constitutiva da língua para desestabilizar o institucionalizado.
Para a autora, não podemos considerar a ironia como um desvio
ou um sentido a mais, não se trata de um mero jogo de oposição
nem de um sentido figurado e sim “o próprio lugar do
estabelecimento de um processo de significação que chamamos
irônico” (ORLANDI, 1983, p.84).
O discurso irônico possui condições de significação
diferentes de outros tipos de discurso, já que instaura um novo
estado de mundo. A ironia joga com a relação entre discursos já
cristalizados, senso comum, e outros estados de mundo; em
outras palavras, ela se dá pela tensão entre a paráfrase – da
ordem da estabilização – e a polissemia – da ordem da mudança.
Podemos tomar como exemplo a notícia escolhida como corpus
Virgínia Barbosa Lucena Caetano
52
deste trabalho, na qual é possível observar a relação entre o
mesmo, o instituído, ou seja, a aparência de neutralidade e
comprometimento com a verdade - construída historicamente
pela mídia, e o diferente, pois as notícias são brincadeiras feitas
com acontecimentos que estão em voga na grande mídia. Outra
característica fundamental da ironia é que aponta para o
equívoco, atestando a não-transparência do sentido.
2 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO
O funcionamento do discurso não é exclusivamente
linguístico, nem existe isoladamente, há uma série de elementos
exteriores ao texto que interferem em sua rede de sentidos, a
esses elementos a AD dá o nome de “condições de produção”.
Dentre os elementos histórico-sociais relevantes à compreensão
do discurso em análise, selecionamos a caracterização do humor
na sociedade atual e sua utilização pela mídia. Por fim,
apresentamos algumas informações sobre o site
“Sensacionalista”, contemplando, dessa forma, as condições de
produção imediatas.
Sobre o humor, nos reportamos a Minois (2003), para o qual,
historicamente, o interesse por essa temática não é algo
contemporâneo. Desde a antiguidade, o riso é objeto de
pensamento de diversos estudiosos e dessa tentativa de explicá-
lo originaram-se inúmeras teorias. Neste trabalho, não nos cabe
aprofundar tais abordagens, vamos apenas nos deter a algumas
informações interessantes para nossa análise. Para o autor,
uma das maiores qualidades do humor é escapar de todas as
definições, há uma multiplicidade de humor, com conteúdos
variados, em todos os tempos e lugares. Dentre as possíveis
definições, podemos citar o humor sarcástico; irônico; burlesco;
o humor como entretenimento; como ferramenta de resistência e
crítica política e social. Por sua popularidade, o humor tornou-
se multiuso, vai de argumento publicitário à receita política para
a conquista de eleitores.
Discurso irônico no jornal “Sensacionalista”
53
Na sociedade atual, o humor está presente em quase tudo,
mas possui um espaço privilegiado na mídia, que o utiliza como
um meio de prender a atenção dos espectadores. Nesse âmbito,
vale lembrar que o foco da televisão não é apenas informar, mas
também entreter o público, que tem demonstrado gosto pelo foro
íntimo. Levando em conta essa preferência, a mídia opina sobre
os fatos ao invés de apenas retratá-los, agradando, assim, os
espectadores ávidos pela impressão das pessoas sobre os fatos,
que almejam conhecer os sentimentos e as opiniões.
O gosto pela esfera privada repercute no funcionamento do
jornalismo. De acordo com Chauí (2006), assistimos, hoje, ao
desaparecimento do jornalismo investigativo, que dá lugar ao
jornalismo assertivo ou opinativo. Na exposição de opiniões,
impressões, afetos, a mídia usa a linguagem do humor para
criar um ambiente de informalidade, diminuindo a separação
entre veículo de comunicação e público-alvo. A linguagem
humorística atrai a atenção, familiariza e reveste a opinião de
gracejos, de tal modo que os espectadores, ao rirem, não
atentam ao conteúdo, se fixam na alegria que a notícia
proporciona. Também se observa outra mudança no jornalismo:
a função de informar foi transferida para a internet, com seus
blogs e jornais web, entretanto, o leitor moderno não quer
apenas informações úteis, mas também quer sentir prazer ao
ler, daí, a popularidade de sites como o “Sensacionalista” que
transformam notícia em piada, informam e fazem rir.
Comentadas as condições sócio-históricas, passemos às
condições imediatas, tratando do “Sensacionalista”. O referido
site, criado pelo jornalista Nelito Fernandes, simula um jornal
da web e publica notícias humorísticas, satirizando
acontecimentos que estão em evidência na mídia. O que
diferencia o Sensacionalista de outros sites e programas que
misturam humor e jornalismo é a aparente seriedade,
desconstruída pelo slogan “um jornal isento de verdade”. As
notícias fictícias, embora sejam piadas, são apresentadas com
toda seriedade, linguagem e tom de um jornal de verdade. Toda
a estrutura do site é fiel a de um jornal comum, a diagramação é
Virgínia Barbosa Lucena Caetano
54
inspirada no The New York Times, um dos maiores e mais
famosos jornais do mundo. Essa aparente seriedade torna
comum notícias retiradas do site serem publicadas como
verdadeiras em redes sociais e compartilhadas, como tal, por
internautas desavisados.
Devido a sua grande repercussão na internet, menos de um
ano depois da estreia do site, o Sensacionalista ganhou um
programa de televisão na Multishow, emissora vinculada à Rede
Globo, onde as notícias são apresentadas no formato telejornal.
O site faz parte do portal da emissora e da Globo.com 3 . O
Sensacionalista aproveita sua popularidade, também, como
ferramenta de publicidade, prestando serviços a marcas
interessadas em divulgar seus produtos através do site.
Empresas contratam o jornal para criar uma notícia fictícia
envolvendo sua marca e espalhar pela internet, com o intuito de
popularizar a marca em questão.
Apresentadas as condições de produção do discurso em
análise, passamos agora à análise do corpus.
3 ANÁLISE DO CORPUS
A notícia que serve como corpus deste trabalho foi publicada
no site Sensacionalista, em 5 de julho de 2012, dia da estreia do
novo programa de Pedro Bial, “Na Moral”, na Rede Globo. A
notícia faz uma brincadeira tratando de uma suposta liminar
que proibiria Bial de fazer poesias e evocar frases de grandes
pensadores em seu novo programa. Antes de procedermos à
análise do intradiscurso, cabe resgatarmos algumas
informações, referentes à memória discursiva, necessárias para
reconhecermos os efeitos de sentido de ironia no discurso em
análise.
Pedro Bial é um renomado jornalista da Rede Globo, foi
correspondente internacional, cobrindo acontecimentos
importantes como a Guerra do Golfo e a queda do Muro de
Berlim, possui uma forte relação com a literatura, é um grande
amante da poesia, além de escritor da biografia póstuma de
Discurso irônico no jornal “Sensacionalista”
55
Roberto Marinho, fundador da Rede Globo. Mesmo com tantos
trabalhos significativos na área jornalística, Bial se tornou
popular por comandar o reality show Big Brother Brasil (BBB),
programa de apelo popular, que está no ar desde 2002 com uma
temporada a cada ano. Uma das marcas do apresentador é ler
textos de caráter filosófico e poético, antes da eliminação de
cada participante do reality.
Resgatadas essas informações da memória discursiva,
selecionamos, primeiramente, a seguinte sequência discursiva
de referência: SDR 1 “Liminar proíbe Bial de fazer poesia e dizer
coisas que ninguém entende em seu novo programa”. A
estrutura sintática dessa sentença, em que o sujeito “liminar” é
seguido pelo verbo “proibir”, o qual atual como verbo transitivo
direto (o que ou quem sofreu a proibição) e transitivo indireto (ao
indicar o porquê da proibição), é comum em manchetes de
notícias que tratam da concessão de uma liminar. A repetição,
no nível do intradiscurso, aciona no leitor o imaginário de que se
trata de uma ação judicial. Porém, a língua é lugar de ruptura,
do surgimento de novas significações. A estrutura linguística em
análise possibilita a inclusão de diversos elementos que ocupem
o lugar de “objeto direto” e “objeto indireto”. O efeito de ironia se
dá pela seleção inusitada de elementos, inesperados no
preenchimento dessas posições, pois, fazer poesias e dizer
coisas que ninguém entende não são fatos suscetíveis de
intervenção jurídica. A repetição da estrutura sintática lembra o
leitor de pré-construídos sobre notícias de produção de
liminares, aciona a memória da seriedade no jornalismo e do
seu comprometimento com a divulgação de ações judiciais. Mas
essa memória sofre um deslocamento, pois a esperada seriedade
confronta-se com a comédia, desse confronto surge o efeito de
ironia.
Analisando a sequência discursiva SDR 2 “O Bial pode fazer
entrevista, debate, dramatização, strip-tease, tudo o que ele
quiser, menos ficar declamando coisa chata ou que ninguém
entenda, porque é um abuso contra o telespectador, afirmou
Reginaldo Siqueira, representante da ONG”, podemos observar a
Virgínia Barbosa Lucena Caetano
56
instauração de uma incongruência, a inserção da palavra “strip-
tease” em uma sequência de palavras que descrevem gêneros
produzíveis na esfera jornalística ou literária, ou seja, tratam-se
de elementos que remetem às ações de um jornalista ou
apaixonado pela literatura. A inserção de “strip-tease” nessa
rede de significações produz o insólito, com a confrontação de
elementos diferentes. Isso é o que Orlandi (1983) chama de
polissemia, ou seja, a instauração de algo incongruente,
pressupondo a congruência do senso comum. É dessa tensão
entre o pré-estabelecido (paráfrase) e o incongruente (polissemia)
que surge o efeito de sentido irônico.
Esse efeito de incongruência ainda é acentuado pela
sequência linguística posterior “tudo o que ele quiser”, em que o
pronome indefinido “tudo”, por meio de encapsulamento
anafórico, retoma as opções citadas antes (entrevista, debate,
dramatização, strip-tease) e ainda amplia as possibilidades de
referentes, levando o leitor a preencher esses referentes com
seus saberes anteriores sobre Bial. Como já foi mencionado, a
imagem de Bial está atrelada ao BBB, programa apelativo, que
dissemina a vulgarização do sexo; o abuso de bebidas alcoólicas;
a violência; o culto ao corpo; tudo isso autorizado pela figura do
apresentador, porta-voz do programa. O Sensacionalista vale-se
do mecanismo de antecipação, supondo as imagens que o
público faz de Bial e, ao usar “tudo”, espera que o leitor resgate
essas imagens anteriores para preencher esse referente e
aumentar os elementos retomados pelo encapsulamento.
Podemos afirmar, então, que a incompletude na estrutura da
língua é intencional, e revela que o autor tem imagens de um
leitor e supõe como este preencherá as lacunas do texto.
Ao longo da notícia, a expressão poesia aparece relacionada
por paralelismo sintático e semântico com as expressões “coisa
que ninguém entende, chatice, coisa chata”. Na SDR 2, quando
o autor escreve “coisa chata e que ninguém entende”, podemos
afirmar que está se referindo a textos de cunho
poético/filosófico. Essa sequência é uma citação direta, ou seja,
a opinião do povo, simbolizada pela figura do representante da
Discurso irônico no jornal “Sensacionalista”
57
ONG. Este afirma que Bial pode fazer “tudo o que ele quiser”
(vulgarização do sexo, abuso de bebidas alcoólicas, culto à
violência, etc.) “menos ficar declamando coisa chata ou que
ninguém entenda” (fazer alusões a textos literários e filosóficos).
Logo, podemos depreender qual o imaginário de literatura o
Sensacionalista acredita que o público tem. Nesse caso,
entende-se que literatura é algo não aceito pelo público, que a
considera chata e não é capaz de compreendê-la.
Também foram encontradas outras marcas de ironia no texto:
mudança de registro da linguagem formal para a linguagem
informal; repetição no plano sintático e semântico reforçando a
inversão de sentidos; inversão de papéis colocando Bial na
figura de passivo, ou seja, vítima da situação; jogo de palavras
com o nome do programa “Na moral” em relação à expressão
popular “na moral”; entre outras.
CONCLUSÃO
A partir da análise do corpus e das informações apresentadas
durante o trabalho, podemos concluir que o Sensacionalista
utiliza o humor como uma estratégia mercantil. A crítica à
grande mídia é apenas uma aparência, pois as notícias
publicadas no site funcionam como propaganda dos assuntos
noticiados. No caso da notícia analisada, podemos notar que as
brincadeiras feitas com Pedro Bial não buscam desconstruir a
imagem do apresentador, pelo contrário, reativam na memória
do leitor os pré-construídos sobre Bial − um grande
apresentador ao mesmo tempo culto e popular − confirmando-os
e ainda, ao tratar do novo programa, alimentam o imaginário do
público, pois criam novas expectativas sobre o apresentador. O
humor, que aparentemente é utilizado apenas como forma de
entretenimento, é uma estratégia eficaz para prender a atenção
do leitor, que se fixa na alegria que as notícias proporcionam e
não nota que está sendo influenciado a consumir determinadas
marcas e a assistir determinados programas, uma prova disso é
que o Sensacionalista não publica notícias referentes a
Virgínia Barbosa Lucena Caetano
58
programas e apresentadores vinculados a emissoras que não
pertençam à Rede Globo. O Sensacionalista confirma a tese de
Minois (2003) de que a sede pelo riso que acompanha o homem
moderno tornou o humor um dos produtos de consumo de
maior valor e uma das melhores estratégias de venda da
atualidade.
REFERÊNCIAS
CHAUÍ, M. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São
Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.
MINOIS, G. História do riso e do escárnio. São Paulo: UNESP,
2003.
ORLANDI, E. P. Análise do Discurso: Princípios e
Procedimentos. Campinas: Pontes, 2005.
__________. Destruição e construção do sentido: Um estudo da
ironia. Campinas (SP): UNICAMP, 1983. Trabalho apresentado
no colóquio do Departamento de Linguística do IEL.
PÊCHEUX, M. (1969). Análise Automática do Discurso (AAD-
69). In: GADET & HAK. (org). Por uma análise automática do
discurso. Campinas (SP): UNICAMP, 1990,
p.61-162.
Discurso irônico no jornal “Sensacionalista”
59
ANEXOS
Anexo 1 – Notícia do Sensacionalista
Virgínia Barbosa Lucena Caetano
60
PROPOSTA DIDÁTICA
1 Dados de Identificação
Alunos: de 7º a 8º ano;
Duração: 1h30min.
2 Tema
A ironia nas notícias humorísticas publicadas no “Jornal
Sensacionalista”.
3 Conteúdo
Interpretação textual com base em uma perspectiva discursiva.
4 Objetivos
Geral:
• Promover atividades de leitura de uma notícia do
Sensacionalista, com na base perspectiva discursiva da
linguagem;
Específicos:
• Estabelecer relações entre o texto lido e seu contexto de
produção;
• Propor exercícios que levem os alunos a perceberem o
texto como lugar de entrecruzamento de discursos;
• Analisar marcas de ironia presentes na notícia
apresentada.
5 Procedimentos:
1º passo
Apresentar brevemente a proposta do projeto de extensão
Discurso, Mídia e Escola e fazer a seguinte pergunta:
Vocês gostam de ler ou assistir jornais? Por quê?
Discurso irônico no jornal “Sensacionalista”
61
2º passo
Passar um trecho de 2 minutos e 53 segundos de um vídeo do
programa “Jornal Sensacionalista” da Multishow.
Depois de assistir ao vídeo, fazer as seguintes perguntas:
O que vocês acharam do vídeo?
Esse jornal é igual aos que vocês assistem na televisão?
O que tem de diferente? Vocês acharam engraçado? Por quê?
3º passo
Apresentar, por meio de slides, o Jornal Sensacionalista. Esses
slides tratarão, brevemente, da história do site e do programa da
Multishow. Serão apresentadas algumas ilustrações.
4º passo
Perguntar se os alunos sabem como se chama o título de uma
notícia. Após a resposta, explicar brevemente as principais
características do gênero manchete.
5º passo
Solicitar que os alunos retirem de uma urna papéis contendo
manchetes de notícias extraídas do site do Jornal
Sensacionalista. Os alunos deverão pegar um papel e ler a
manchete em voz alta.
As manchetes depositadas na urna serão as seguintes:
“CASAL DE SÃO PAULO BATIZA O FILHO COMO FACEBOOKSON E CAUSA
POLÊMICA NO MUNDO”
“GOVERNO LANÇA CAMPANHA DE DOAÇÃO DE FONES DE OUVIDO A
FUNKEIROS”
“PUBLICAR FOTOS RUINS DE AMIGOS NO FACEBOOK PODE DAR DE
SEIS MESES A UM ANO DE CADEIA”
“LIMINAR OBTIDA POR VIZINHO IMPEDE QUE JOVEM OUÇA
LATINO ALTO EM SEU APARTAMENTO”
“PACIENTES ENTRAM NA FILA ANTES DE FICAR DOENTES
PARA GARANTIR VAGA NA UTI DE HOSPITAIS”
“HOMEM MORRE ASFIXIADO APÓS ENCOLHER A BARRIGA
POR CINCO HORAS EM PRIMEIRO ENCONTRO NA PRAIA”
Virgínia Barbosa Lucena Caetano
62
“ANDERSON SILVA VAI TENTAR A SORTE NO THE VOICE
BRASIL”
“ULTRAPASSADO POR FACEBOOK, ORKUT ESTÁ DEPRIMIDO,
DIZ ANALISTA DE REDES SOCIAIS”
“APÓS SUCESSO DE BOTÃO ‘CAGUEI’, FACEBOOK LANÇA
‘ANDEI’: AGORA USUÁRIO PODE CAGAR E ANDAR”
“TELETUBBIES PROCESSAM RESTART POR PLÁGIO”
“FUNCIONÁRIO QUE FALTOU 167 VEZES NUM ANO POR
DOENÇA GANHA OSCAR DE MELHOR ATOR”
“SANDY É INTERNADA COM CIRROSE APÓS BEBER DUAS
CERVEJAS NO CARNAVAL”
6º passo
Entregar aos alunos uma folha contendo a seguinte notícia
retirada do site do Jornal Sensacionalista:
LIMINAR PROIBE BIAL DE FAZER POESIA E DIZER COISAS QUE NINGUÉM ENTENDE EM SEU NOVO
PROGRAMA
“Na Moral”, novo programa de Pedro Bial na TV Globo que
estreia hoje, nem começou mas já é alvo de polêmica. A
ONG TV do Amanhã , que luta contra a chatice na telinha,
conseguiu uma liminar na Justiça do Rio de Janeiro que proíbe Bial de recitar poesias e evocar frases
incompreensíveis de grandes pensadores no programa.
Em caso de descumprimento, apresentador e emissora
terão de pagar multa.
“O Bial pode fazer entrevista, debate, dramatização, strip-tease, tudo o que ele quiser, menos ficar declamando coisa
chata ou que ninguém entenda, porque é um abuso
contra o telespectador”, afirmou Reginaldo Siqueira,
representante da ONG. “Na moral, o povo até aguenta isso
no Big Brother, mas o ano inteiro não dá.”
Por meio de nota à imprensa, Pedro Bial fez uma poesia em repúdio à decisão da Justiça: “Não tirem de mim a
Liberdade, que tanto estimo, ó, Majestade. Se calam a voz,
esvai-se minha proficuidade”.
Discurso irônico no jornal “Sensacionalista”
63
A notícia deverá ser lida em voz alta pela bolsista e após a
leitura serão feitas as seguintes perguntas:
Vocês já leram uma notícia como essa?
O que tem de diferente nessa notícia?
Quem escreveu essa notícia?
Onde vocês acham que essa notícia foi publicada?
A quem vocês acham que essa notícia se destina? Quais seus
possíveis leitores?
Quando vocês acham que essa notícia foi publicada? Como
vocês chegaram a essa conclusão?
Do que se trata a notícia?
Alguém já assistiu esse programa ao qual a notícia se refere?
O que vocês sabem sobre o Pedro Bial?
De acordo com a notícia, qual a opinião do jornal sobre Pedro
Bial? Por que vocês acham isso?
7º passo
Perguntar para os alunos:
O que vocês entendem por ironia?
Dar alguns exemplos de utilização da ironia no cotidiano.
Vocês acham que é possível expressar ironia através de um
texto?
Vocês acham que essa notícia é irônica? Por quê?
8º passo
Projetar a seguinte frase retirada do texto:
“LIMINAR PROIBE BIAL DE FAZER POESIA E DIZER COISAS
QUE NINGUÉM ENTENDE EM SEU NOVO PROGRAMA”
Perguntar:
É possível perceber alguma marca de ironia nessa manchete?
Qual?
É comum liminares proibirem pessoas de fazer poesias?
Projetar o seguinte fragmento do texto:
“O Bial pode fazer entrevista, debate, dramatização, strip-tease,
tudo o que ele quiser, menos ficar declamando coisa chata ou
Virgínia Barbosa Lucena Caetano
64
que ninguém entenda, porque é um abuso contra o
telespectador”.
Perguntar:
É possível perceber alguma marca de ironia nessa frase? Qual?
Explicar brevemente os conceitos de paráfrase e polissemia.
Vocês percebem outras marcas de ironia no texto? Quais?
9º passo
Entregar aos alunos uma folha contendo as seguintes
perguntas:
Levando em consideração as marcas de ironia presentes no
texto, responda: Qual a opinião do “Jornal Sensacionalista”
sobre Pedro Bial?
Você concorda com a opinião do jornal? Por quê?
As perguntas deverão ser respondidas em aula e entregues ao
professor.
6 Recursos:
Datashow e folhas ofício.
7 Observações (relato de experiência):
Neste texto, busco refletir criticamente acerca das atividades
desenvolvidas na oficina de interpretação de textos
humorísticos, ofertada pelo projeto Discurso, Mídia e Escola a
alunos de 7º (sétimo) a 9º (nono) ano da Escola Municipal
Marcílio Dias, na cidade de Jaguarão. Para a realização da
oficina, foi cedida ao grupo a sala na qual funciona o laboratório
de informática da escola. A organização espacial da oficina e a
utilização de alguns equipamentos audiovisuais, como datashow
e caixas de som, foram importantes para despertar o interesse
dos alunos em participar das atividades propostas.
Devido à experiência escolar do público, o imaginário do que
deve ser uma aula de língua portuguesa está, ainda, vinculado a
uma série de formalidades exigidas pela escola, e a maneira
como a oficina foi configurada (com os alunos dispostos em
Discurso irônico no jornal “Sensacionalista”
65
círculo, utilizando recursos audiovisuais, promovendo a
interação entre os alunos e dando espaços de fala para todos)
contribuiu para desconstruir um pouco desse imaginário,
ampliando a visão dos alunos sobre o processo de
leitura/produção textual e sobre a natureza da disciplina de
língua portuguesa.
Em relação às atividades desenvolvidas ao longo da oficina, a
que mais despertou a atenção e a participação dos alunos foi a
“caixa de manchetes”, na qual cada aluno deveria retirar de uma
urna a manchete de uma notícia publicada no site do
Sensacionalista. Acredito que essa atividade teve tanto êxito por
dois motivos: primeiro, por oportunizar a participação de todos
os alunos igualmente e, segundo, por tratar-se de textos curtos,
de fácil entendimento e de temáticas que fazem parte do
cotidiano dos alunos.
A tese acima apresentada ganha força no fato de os alunos
não terem demonstrado interesse na notícia analisada. Embora
eles não tenham tido dificuldade em identificar as marcas de
ironia presentes no texto, acredito que a escolha da notícia não
foi muito boa. Os alunos não conheciam uma série de
informações contextuais importantes para a produção dos
sentidos: não conheciam quase nada sobre o apresentador
Pedro Bial e a maioria nunca havia assistido ao programa “Na
Moral”. Para que a atividade tivesse sido mais significativa,
acredito que teria sido mais interessante utilizar alguma notícia
relacionada à rede social Facebook, pois é um assunto mais
próximo do cotidiano dos alunos e as manchetes relacionadas às
redes sociais foram as mais discutidas na atividade anterior.
Além disso, percebi que os alunos demonstraram mais
interesse pelo vídeo do telejornal do que pela notícia impressa. O
vídeo poderia, portanto, ter sido melhor explorado, pois também
apresentava gestos de leitura e marcas de ironia específicas da
materialidade audiovisual que foram deixadas de lado para que
se focasse mais na materialidade verbal.
No que se refere ao trabalho com a perspectiva discursiva nas
aulas de interpretação textual, neste caso, acredito que foi muito
Virgínia Barbosa Lucena Caetano
66
produtiva e facilitou a leitura. A turma percebeu como as
informações contextuais influenciam diretamente na
significação que damos ao texto e são indispensáveis para a
identificação das marcas de ironia.
Uma das maiores dificuldades para mim foi a adaptação do
vocabulário, ou seja, trabalhar os pressupostos da Análise de
Discurso, sem utilizar as nomenclaturas da teoria. Contudo,
acredito que isso se dê pela falta de amadurecimento, ainda,
sobre a teoria e sobre a prática docente. Acredito que, com o
tempo, com um aprofundamento nos pressupostos da teoria e
com mais experiências docentes, a transposição didática se
torne mais fácil. Mesmo com todas as dificuldades, a experiência
de ofertar essa oficina foi enriquecedora para mim enquanto
professora e pesquisadora, e embora muitas das minhas
expectativas não tenham se cumprido, acredito que a oficina
cumpriu seu principal objetivo: mostrar que interpretar um
texto não é apenas olhar para seu interior e sim observar como
a exterioridade se manifesta na linearidade e influencia na
produção de sentidos.
Referências:
ORLANDI, E. P. Análise do Discurso: Princípios e
Procedimentos. Campinas: Pontes, 2005.
NOTAS
1 Artigo produzido em 2012 sob concessão de bolsa de pesquisa à autora pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
Grande do Sul (FAPERGS). 2 LIPOVETSKY, G. A era do vazio. Lisboa: Relógio D’àgua,
1983. 3 Hoje, O Sensacionalista está em uma interface mais flexível e atende a outras empresas e públicos. Para mais informações,
vide: <http://www.sensacionalista.com.br/>.
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
67
BOMPRATODOS: ANÁLISE
DISCURSIVA DAS PROPAGANDAS DO
BANCO DO BRASIL
Nathalia Madeira Araujo1
RESUMO: O presente estudo visa analisar, com base na Análise
de Discurso de tradição pecheutiana, três propagandas do
Banco do Brasil. O corpus de estudo desta pesquisa faz parte do
material publicitário divulgado por esta instituição bancária no
ano de 2013 através de sua página social no Facebook. As
propagandas se constituem em um rico material de estudo
devido às posições ideológicas e valores sociais que são
revelados em sua materialidade. Na dessuperficialização do
corpus, objetiva-se mostrar o quanto as propagandas, por meio
de seus artifícios linguísticos e visuais, desconstroem o
imaginário de um banco que tenta atender à população
brasileira na sua diversidade econômica, social e sexual. Ao
vincular-se a um discurso de univocidade e igualdade, o banco
promove o apagamento de alguns grupos, privilegiando
determinadas classes sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Análise de Discurso; Banco do Brasil;
Propagandas.
Nathalia Madeira Araujo
68
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
69
INTRODUÇÃO
As empresas utilizam diversas estratégias verbais ou visuais
para atingirem seus objetivos financeiros. Tais estratégias
revelam-se no discurso publicitário das instituições comerciais.
A publicidade caracteriza-se pela disseminação de valores,
ideias, controle social, sedução e pela utilização de elementos
linguístico-discursivas e/ou visuais para a persuasão do
consumidor, fazendo este aderir à compra de produtos e/ou
serviços.
À luz dessas observações e sob o referencial teórico da
Análise de Discurso de linha pecheutiana (doravante AD),
objetivamos analisar três propagandas do Banco do Brasil,
ambas disseminadas pela página da instituição na rede social
Facebook no ano de 2013. Assim, visamos refletir acerca das
estratégias linguístico-discursivas e visuais que interpelam à
ideologia do consumo.
O presente artigo também objetiva mostrar que o banco, ao
tentar se valer de um discurso de univocidade, igualdade entre
seus consumidores, promove o apagamento de alguns grupos,
privilegiando determinada classe social. Tais efeitos de sentido
são revelados pela materialidade linguística e visual das
propagandas. Dessa forma, refletimos sobre a língua como lugar
do equívoco, do deslizamento, conforme aponta Orlandi (2005).
Trataremos de alguns conceitos da AD basilares para este
estudo, do discurso publicitário e, após, do discurso publicitário
bancário. Por fim, realizaremos a análise das três propagandas.
1 ANÁLISE DE DISCURSO COM VÍNCULO EM PÊCHEUX
A Análise de Discurso de linha pecheutiana (AD) surgiu na
França em meados dos anos 60 (sessenta) do século 20 (vinte).
O francês Michel Pêcheux (1938-1983) é reconhecido como o
fundador dessa teoria, a qual concebe a linguagem, entendida
aqui como discurso, como seu objetivo de estudo. A AD “não
Nathalia Madeira Araujo
70
trata da língua, não trata da gramática [...]. Ela trata do
discurso” (ORLANDI, 2005, p. 15), mantendo relação com outros
três campos do conhecimento, a saber: Psicanálise, Marxismo e
Linguística.
Conforme a AD, a linguagem é concebida como a “mediação
necessária entre o homem e a realidade natural e social”
(ORLANDI, 2005, p. 15). Através dessa mediação, que é
concebida como discurso, é possível a permanência,
continuidade ou transformações do homem e do meio social no
qual está inserido. Conforme esta teoria, a ideologia
materializa-se no discurso e este materializa-se na língua, dessa
forma, a AD trabalha a relação entre: língua (Linguística),
discurso (Teoria do Discurso) ideologia (Marxismo),
considerando que o sujeito produtor do discurso tem
inconsciente (Psicanálise).
Segundo a perspectiva discursiva da linguagem, a língua não
pode ser pensada de maneira isolada, tampouco concebida como
local de homogeneidade, pois é heterogênea, local de embates e
circulação de diversos discursos. Ainda, na AD, a língua é
concebida como lugar do equívoco, de deslizamentos. A
opacidade da língua se dá ao fato de que os sentidos não estão
evidentes na superfície da materialidade linguística, assim
sendo, ao analista de discurso, cabe relacionar a língua à sua
exterioridade.
Orlandi (2005), com base nos aportes teóricos de Pêcheux,
discorre sobre a noção de condições de produção, a qual
compreende os sujeitos, a situação e a memória. Ainda, as
condições de produção abrangem o contexto imediato (às
circunstâncias da enunciação) e o contexto amplo (o contexto
sócio-histórico-ideológico).
A memória, quando pensada pelo viés discursivo da
linguagem, possui suas características. Esta é concebida como
interdiscurso, que são os discursos outros, os pré-construídos,
os já-ditos em outros momentos, em outros lugares, que
asseguram o ato da enunciação; esses já-ditos constituem o que
designamos de memória discursiva. Dessa forma, sabemos que
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
71
há uma relação entre os já-ditos, o interdiscurso, com o que se
está enunciando, que é denominado de intradiscurso.
Outra noção importante para a AD e que vale ressaltar é
a noção de esquecimento. Ao enunciar, usamos determinadas
expressões linguísticas em vez de outras, esquecemos que
poderíamos ter dito de outra forma e temos a ilusão de que
estamos enunciando da melhor maneira possível; aqui estamos
nos referindo ao que a AD denomina de esquecimento nº. 2.
Quando enunciamos, acreditamos ser a fonte primeira do dizer,
esquecemos os já-ditos pré-existentes para poder enunciar; esse
esquecimento denomina-se nº. 1, também chamado de
esquecimento ideológico.
Conforme essa perspectiva discursiva da linguagem, os
discursos estão associados uns aos outros, são interligados, o
que remete à noção de relação de sentidos. A capacidade que
todo sujeito possui de colocar-se no lugar de quem o escuta ou
lê denomina-se mecanismo de antecipação. Segundo este
conceito, enunciamos e formulamos nossas argumentações a
partir dos sentidos que pensamos produzir no nosso
interlocutor.
Ao enunciar, os sujeitos formulam e condicionam o seu dizer
a partir da posição social da qual estão enunciando: “[...] o lugar
a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz”
(ORLANDI, 2005, p. 39). Dessa forma, por exemplo, quando um
professor está em sala de aula explicando um conteúdo X, sua
fala torna-se mais formal adequando-se a este contexto; aqui
apontamos à noção de relação de forças.
Conforme Orlandi (2005), todos os mecanismos de
funcionamento do discurso explicitados nos parágrafos acima,
relações de sentido, relações de força e mecanismo de
antecipação, constituem o que se denomina, na AD, como
formações imaginárias. Afinal, não é o sujeito físico que
funciona no discurso e sim as imagens dele que são projetadas.
Sendo assim, uma formação imaginária é dependente do
contexto e da posição assumida pelos sujeitos na situação
comunicativa.
Nathalia Madeira Araujo
72
As diferentes linguagens que dão materialidade aos discursos
são um rico material de estudos para a AD. Desta forma, os
discursos materializados em imagem também representam um
corpus de interesse e relevância a ser estudado. Ambrose e
Harris (2012) comentam que as imagens podem difundir
sensações que o leitor tem a capacidade de absorver e
compreender facilmente. De acordo com os autores, devido aos
seus sentidos emocionais, culturais e factuais, as imagens são
consideradas como poderosos comunicadores.
Nos seus primórdios, conforme Quevedo (2012), os estudos
em AD restringiam-se a análises do discurso verbal político,
sendo este na forma oral ou escrita, ao contrário dos estudos
atuais em que o campo de interesses da AD é vasto. Porém,
apesar de não haver um método analítico para a imagem, as
preocupações com esta já estavam presentes nas discussões do
grupo liderado por Pêcheux.
Quevedo (2012), ancorando-se em Pêcheux, comenta que as
imagens sofrem os mesmos efeitos de sentido que a linguagem
verbal, logo, a interpretação de uma imagem é construída
através da relação com outras imagens. Dessa forma, as
imagens, assim como a linguagem, são atravessadas por
silenciamentos, ausências, posições ideológicas, fatores
históricos e sociais; sendo a imagem um espaço de
instabilidade.
Segundo a AD, não olhamos para uma imagem com o intuito
de apenas descrever as cores e sim tentando estabelecer
relações de sentido e ver como aquela imagem significa
enquanto objeto simbólico. Quevedo (2012), com base em
Pêcheux, comenta que a leitura de uma formulação visual exige
que olhemos para aquilo que não está visível, para aquilo que
está ausente na imagem. Afinal, pode-se entender esse
silenciamento enquanto discurso.
Quevedo (2012) estabelece que a noção de imagem, sob a
perspectiva discursiva da linguagem, pode ter duas
significações, a primeira, conforme o autor, é imagem como
sendo “[...] a materialidade visual da textualização de um
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
73
discurso” (2012, p. 101) e a segunda como“[...] o resultado da
produção de um recorte no imaginário acerca de X” (2012, p.
101). O autor ainda estabelece a distinção entre imagem e
imagem objeto empírico ou imagem-OE. Imagem objeto empírico
ou imagem-OE utilizamos quando queremos fazer referência ao
produto bruto, concreto, já imagem utilizamos quando fazemos
referência a uma leitura já formulada.
Ao tomar uma imagem como objeto de estudo, devemos levar
em conta que ela já é uma interpretação de quem a produziu.
Quevedo (2012) compreende que a leitura de uma imagem é a
construção de outra imagem. Segundo o autor, isso ocorre
porque não temos acesso ao objeto empírico em si (real/bruto),
temos acesso apenas à leitura que é realizada sobre ele, ou seja,
nossa relação com a imagem-OE é a maneira como formulamos
e materializamos a interpretação daquilo que estamos
visualizando. Assim, as informações evidenciadas derivam do
fato de aceitarmos que cada sujeito-leitor produz uma leitura ou
imagem distinta, a partir de uma mesma imagem-OE.
2 DISCURSO PUBLICITÁRIO
O discurso publicitário, disseminado constantemente pelas
mídias, tem sua materialidade em anúncios e propagandas,
podendo esse ser impresso ou televisivo. A publicidade tem por
função interpelar determinado público consumidor, visando que
esse compre o bem ou serviço oferecido, aderindo à marca
comercial. As estratégias persuasivas empregadas pelas
empresas irão variar conforme as características do público-
alvo, como faixa etária, sexo, classe social, orientação sexual,
profissão.
As propagandas podem ser consideradas como dispositivos
disseminadores de valores e controladores sociais, porque
através de suas materialidades linguísticas ditam como as
pessoas devem se comportar, vestir, alimentar, expressar e
pensar. Enfim, as propagandas, por meio do controle, conduzem
os consumidores a determinadas práticas comportamentais.
Nathalia Madeira Araujo
74
Sendo assim, constatamos que as propagandas revelam em suas
materialidades linguísticas e visuais tendências ideológicas,
fatores históricos e sociais que permeiam a sociedade.
Segundo Sandmann (2012), a linguagem da propaganda se
diferencia das demais pela criatividade que é exigida na sua
produção. Conforme o autor, há uma saturação de
propagandas, o que faz com que o consumidor não consiga
absorver todas as mensagens transmitidas pelos dispositivos
midiáticos. Essa saturação torna mais difícil prender a atenção
do leitor/telespectador, dessa forma, os publicitários tendem a
investir mais na criatividade para chegar aos fins almejados.
Outra informação relevante a respeito do discurso
publicitário é que as propagandas, de fins do século XIX a
meados do século XX, focavam em exaltar as qualidades do
produto, como a durabilidade. Com o surgimento da sociedade
pós–industrial, sociedade do descarte em que o consumo é
imediato, as agências publicitárias optaram por tirar o foco do
produto e passaram a recorrer às sensações, emoções, estilos de
vida e status proporcionados ao cliente pela aquisição de
determinado produto. A publicidade desperta no consumidor
desejos e necessidades que ele não possuía, mas que passará a
ter (CHAUÍ, 2006).
Além das informações explicitadas no parágrafo acima, ainda
existem vários outros métodos e outras técnicas utilizados pelas
empresas publicitárias para a elaboração dos seus anúncios.
Sandmann (2012) comenta que as agências publicitárias
empregam vários recursos linguísticos na produção de
propagandas, sendo que a retórica (arte de persuadir, convencer
por meio da palavra) constitui-se em uma das estratégias da
publicidade.
Quanto ao tempo verbal utilizado nas propagandas, na
maioria dos anúncios, predominantemente, ocorre uso do modo
imperativo. Sandmann (2012) também destaca outros recursos
que podemos encontrar nos anúncios, como: empréstimos
linguísticos de outro idioma; variação linguística; aspectos
(orto)gráficos; rima; ritmo; aliteração; prefixação; sufixação;
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
75
paralelismo; cruzamento vocabular; simplicidade estrutural;
aspectos semânticos; antonímia; polissemia e homonímia;
combinações estilísticas.
Uma situação recorrente no meio publicitário que cabe
ressaltarmos é o fato de que produzir propagandas não é uma
tarefa fácil, não basta ter uma ideia e divulgar nos meios de
comunicação, o agente publicitário precisa pensar e repensar
várias e várias vezes o conceito que vai ser lançado na mídia,
saber argumentar, persuadir, tendo como base conhecimentos
específicos para produzir o anúncio (SILVA, 2013, p.27).
O publicitário deve atentar, de forma minuciosa, para vários
detalhes durante a elaboração das propagandas, tais detalhes
dizem respeito ao emprego e combinação das cores, ao tamanho
de letra e ao tipo de fonte a serem utilizados, à luz, às imagens,
ao brilho. O uso adequado desses elementos é imprescindível
para tornar o produto ou serviço bem divulgado e aceito pelo
público- alvo (SILVA, 2013, p. 28).
Para finalizar esta seção, após termos evidenciado algumas
características que são importantes para compreendermos o
discurso publicitário, destacamos outra estratégia de suma
importância na produção das propagandas: a utilização das
cores. A escolha das cores é feita sempre visando ao público-alvo
da propaganda, uma vez que podem causar atração e impacto.
Além disso, as cores podem provocar sentimentos contrários
aos desejados pela empresa, logo é preciso saber os efeitos a
serem produzidos pelo uso de determinadas cores para que
ocorra o uso adequado. Conforme Ambrose e Harris (2012, p.
118): “A cor pode representar diferentes estados emocionais ou
humores e ser utilizada para obter reações emotivas específicas
do receptor”, sendo assim constatamos a importância que têm
as cores no campo da publicidade.
Ambrose e Harris (2012) ainda comentam que os sentidos são
culturalmente atribuídos às cores. Ou seja, os sentidos e
significados simbólicos das cores variam de acordo com o país e
a cultura. Na china, por exemplo, a cor vermelha representa
Nathalia Madeira Araujo
76
celebração e sorte, sendo utilizada em casamentos e funerais; já
na Índia, esta é a cor da pureza, estando nos vestidos de noivas.
3 DISCURSO PUBLICITÁRIO BANCÁRIO
De acordo com Silva (2013), a publicidade bancária tem
evoluído ao passo que acompanha as inovações tecnológicas e
preocupa-se em divulgar programas sociais de sustentabilidade,
de relações com o meio ambiente, não se detendo
exclusivamente em oferecer produtos e serviços.
Silva (2013) também esclarece que o cliente, ao contratar um
serviço oferecido por um banco, como financiamentos ou
empréstimos, está se submetendo às condições propostas por
aquele banco. Porém, caso o cliente não cumpra com o contrato
e não consiga quitar as parcelas, o banco sempre estará
disposto a renegociar a dívida, proporcionando uma imagem de
segurança e transparência ao público consumidor.
Dessa forma, os bancos, além de terem de criar o desejo e a
necessidade de seus serviços, têm de transmitir uma imagem e
sentimento de confiabilidade, segurança, comprometimento,
honestidade, transparência. Isso ocorre por se tratarem de
instituições financeiras nas quais os clientes investem dinheiro,
retiram empréstimos, fazem financiamentos, consórcios, seguros
de vida e imobiliários, transações. Sendo assim, o banco deve
demonstrar-se preocupado com o cliente e com o futuro dele.
Stocker (2012) afirma que quando são empregadas imagens
de interação entre adultos e crianças, o banco tentar instaurar o
imaginário de que se preocupa com o futuro e a solidez das
relações, fornecendo aos clientes a certeza de um futuro mais
estável e seguro. Também, ao empregar imagem de uma pessoa
jogando golfe, andando de lancha, praticando atividades
relacionadas aos indivíduos de alto poder aquisitivo, a empresa
não está levando em conta a realidade de boa parte da
população brasileira que não tem condições de aproveitar essas
formas de lazer e está delimitando seu perfil desejável de
clientela.
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
77
Além das informações tratadas acima, interessa ressaltar as
considerações de Barros (2012) a respeito do discurso
publicitário bancário. Segundo a autora, o emprego das
categorias enunciativas de pessoas nas propagandas bancárias
contribui de forma significativa à construção da identidade de
um banco. Ela também comenta que existem três blocos
identitários bancários.
Os bancos que utilizam nós são denominados bancos
nacionais-sociais. Com o emprego dessa categoria de pessoa, o
banco cria identificação sensorial e emotiva com o consumidor.
Os bancos que empregam você para se referirem ao público-alvo
transmitem a imagem de serem instituições sérias que não se
confundem com os clientes, mas se comprometem com eles; são
os denominados bancos cúmplices e comprometidos. Por fim, os
bancos sérios e refinados, com discurso na terceira pessoa,
mantêm impressão de neutralidade e polidez. A seguir,
trataremos de algumas características do discurso publicitário
do Banco do Brasil.
3.1 DISCURSO PUBLICITÁRIO: BANCO DO BRASIL
O Banco do Brasil, com fins comerciais, se vale da
publicidade para disseminar seus valores, divulgar seus serviços
e persuadir o consumidor a utilizá-los, assegurando a fidelidade
da marca. Silva (2013) comenta que “[t]odos os bancos, públicos
ou privados, usufruem do meio publicitário para propagar seus
serviços e provocar o primeiro contato com um possível cliente”
(p.41). Dessa forma, ressaltamos o quanto o Banco do Brasil se
vale das estratégias apresentadas para persuadir e envolver seu
público-alvo.
A instituição bancária, da qual tratamos, instaura valores de
legitimidade, confiabilidade, comprometimento, por meio da
campanha BOMPRATODOS (2012). O Banco, através dessa
propaganda, buscou instaurar o imaginário de ser um banco
que conhece a sociedade brasileira e sua economia. A instituição
Nathalia Madeira Araujo
78
bancária baseou-se no fato de ter mais de 200 (duzentos) anos
de fundação para afirmar sua experiência no ramo dos negócios.
Os trabalhos desenvolvidos por Silva (2013)2e Stocker (2012)
nos dão a base para refletir sobre o imaginário que o BB tem de
si, de seus serviços, de seu consumidor. O BB, considerando o
imaginário que possui de seu público- alvo,, utiliza-se do
mecanismo de antecipação para produzir propagandas que
atinjam e seduzam esse público consumidor.
4 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO
Orlandi (2005), baseando-se em Pêcheux, esclarece que as
condições de produção englobam o sujeito, a situação, a
memória e compreendem o contexto imediato (a circunstância
da enunciação) e o contexto amplo (o contexto sócio-histórico-
ideológico) de produção do discurso. Sendo assim, partimos do
interdiscurso para análise do intradiscurso.
O BB é a maior instituição bancária estatal do Brasil e a
maior instituição financeira da América Latina. Criado alguns
meses após a chegada da família real no Brasil, no dia 12 de
outubro de 1808, sob a ordem do então rei D. João VI de
Portugal, o banco participa, desde 2012, da política de redução
de juros aos consumidores, proposta pelo governo. Esta
instituição bancária é constituída como sociedade de economia
mista, possuindo participação financeira da União Brasileira, da
Caixa Econômica Federal, do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social, do Banco da Amazônia e
do Banco do Nordeste, conforme aponta o site da instituição.3
No ano de 2000, o BB lançou seu portal na internet
tornando-se líder em quantidade de usuários do Internet
Banking, tornando-se o primeiro banco a lançar o sistema de
autoatendimento pela internet. Conforme informações
explicitadas acima, percebemos que o BB é uma instituição
financeira que preza constantemente pela inovação, investe no
atendimento rápido e prático através do Internet Banking, site
em que os clientes podem movimentar suas contas, reimprimir
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
79
boletos, consultar saldos, sem precisar se dirigir a uma agência
bancária.
Segundo informações retiradas do site da empresa, o
lançamento da campanha publicitária BOMPRATODOS (2012)4
ofereceu diversos benefícios aos seus clientes, pois mais de nove
milhões deles utilizaram produtos e serviços com taxas e juros
reduzidos e mais de cinco milhões contrataram crédito com
taxas de juros menores. No ano de 2012, a empresa conquistou
mais de um milhão e meio de novos clientes correntistas.
Conforme matéria publicada no site do Banco do Brasil 5 ,
excelência no atendimento é o lema dessa campanha
publicitária.
A instituição, que em 2014 completava 205 anos de história e
agregava o montante de 5000 mil agências, cresceu e se
desenvolveu durante esses dois séculos de existência. Por esse
motivo, a empresa dissemina em seus anúncios publicitários
valores de legitimidade, confiabilidade, experiência,
comprometimento, se designando como conhecedora do povo
brasileiro e de suas necessidades.
5 ANÁLISE DO CORPUS
Dadas as referidas condições de produção, partiremos para a
análise do corpus. As propagandas que servem como material de
estudo deste trabalho foram divulgadas pela página social do
Banco do Brasil no Facebook no ano de 2013. A empresa
publica, constantemente, anúncios pela sua página, criando
postagens diversificadas, como propagandas relacionadas à
sustentabilidade, à preservação da natureza, ao incentivo a
esportes, alusão a datas comemorativas (Dia dos Pais, das Mães,
da Criança, entre outros), campanha de doação de sangue,
campanha do agasalho, bem como divulga anúncios que
oferecem seus serviços bancários. A partir dessas informações,
começaremos a delinear o imaginário que o banco busca
promover.
Nathalia Madeira Araujo
80
A instituição bancária lançou a campanha publicitária
“Pra ser bom para o banco, tem que ser bom pra você” com o
slogan BOMPRATODOS, em abril de 2012. O argumento era
oferecer excelência no relacionamento banco e cliente,
ampliando o processo de inclusão social com o intuito de dar
mais oportunidades para as pessoas.
Agora, passaremos à análise da primeira propaganda. Esta
foi divulgada, através da página do Facebook no dia onze de
março de 2013:
Figura I: Propaganda com casal homoafetivo
Como é possível observar, a imagem retrata um casal
homoafetivo, composto por duas mulheres e oferece serviço de
financiamento para a casa própria. O banco tenta legitimar o
discurso de igualdade no qual baseia seu slogan atual
BOMPRATODOS. Desse modo, busca demonstrar que todos os
indivíduos, independentemente de orientação sexual, têm direito
a financiamento para a casa própria. Assim, o banco instaura o
imaginário de ser uma instituição que não discrimina e atende a
população brasileira em sua diversidade.
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
81
Na SDR 1 (sequência discursiva de referência): “Todo casal
tem direito à casa própria”, as primeiras palavras (Todo casal
tem direito à) estão em cor branca, quase não aparecem,
somente as últimas duas palavras (casa própria) estão em cor
amarela de modo a destacarem-se. Na imagem da propaganda,
podemos observar que é utilizado um recurso de edição que
desfoca a imagem que está em segundo plano e deixa mais
nítida a que está em primeiro plano.
Com relação às cores, percebemos que o bege aparece na
caixa e nas botas da moça que a segura. A moldura presente
atrás do casal contém um alaranjado, cor pertencente à mesma
escala do bege. Essa combinação, além da impressão de
pasteurização, cria uma sensação de neutralidade. A cor do
cabelo da moça que segura a vassoura assemelha-se à cor dos
pelos da vassoura. Dessa forma, podemos estabelecer as
seguintes relações de sentidos: a pasteurização presente no
anúncio é um indicativo de que o Banco do Brasil tenta
posicionar-se de forma neutra quanto à homossexualidade, ou
seja, o banco protege-se do que está expresso na propaganda; a
semelhança entre os pelos da vassoura e o cabelo da moça
recupera o já-dito de que mulheres homossexuais não se
cuidam e são masculinizadas.
Entre as duas mulheres que compõem o anúncio há um
distanciamento, uma aparece mais à frente com uma caixa nas
mãos simulando a mudança de casa, e a outra aparece
afastada, mais ao fundo com uma vassoura. Uma está vestindo
blusa de cor azul, e a outra amarela, ou seja, as duas cores que
compõem o logotipo do banco. O azul simboliza a lealdade, a
fidelidade, e o amarelo é uma cor que desperta ação, desse
modo, o banco, ao empregar essas cores, tenta instigar
sentimentos de cumplicidade, confiabilidade e ao mesmo tempo
agitação, movimento em seu cliente. De modo que as cores de
seu logotipo criam identidade entre as pessoas e o banco: somos
todos os mesmos, pertencemos aos mesmos grupos e temos
ideais.
Nathalia Madeira Araujo
82
Na SDR 1, “Todo casal tem direito à casa própria”,
percebemos que há esvaziamento e afastamento na relação de
interação entre os sujeitos do discurso, porque temos um
enunciador indefinido (o banco) que fala para a terceira pessoa
do singular (eles/os casais femininos homossexuais). Quando o
banco faz esse movimento de não se dirigir a essa clientela na
primeira pessoa do singular/plural (eu, nós/Banco), ele desvela
efeitos de sentido que mostram como há ausência de
cumplicidade dessa instituição perante esses consumidores.
Ao associar a imagem da mulher à vassoura, a empresa está,
através dessa gestualidade, ativando os pré-construídos de que
a mulher deve cuidar da casa. Assim, reafirma as posições de
gênero socialmente estabelecidas, da mesma forma que, ao
mostrar a outra mulher segurando uma caixa, trabalho que
exige força, que é mais associado à imagem masculina, o banco
faz vir à tona os já-ditos que caracterizam as mulheres
homossexuais como masculinizadas.
Também devemos nos perguntar: Por que a imagem de um
casal homossexual composto por mulheres e não um casal
composto por homens? Será que a representação de um casal
homossexual masculino ainda sofre mais resistência por parte
da sociedade? Esse silenciamento, essa não-representação da
sociedade homossexual como um todo evidencia o quanto
apreender a totalidade é impossível, e que o sentido do slogan
BOMPRATODOS sofre de equivocidade.
Dessuperficializando o slogan BOMPRATODOS, relacionando-
o a outras possibilidades de sentidos, percebemos o quanto o
enunciado pode tornar-se outro, pois os sentidos e as
possibilidades que giram em torno desse slogan são muitos,
como BOMPRAALGUNS, BOMPRANENHUNS, BOMPRA
POUCOS, RUIMPRATODOS, RUIMPRAALGUNS. Esse resgate de
enunciados não-ditos indicia o equívoco, o deslizamento
cometido pela empresa ao escolher esse slogan.
O pronome “todo” mais o verbo “ter” no infinitivo são
empregados na oração para afirmar que todos têm direito à casa
própria, porém a oração não se dirige diretamente ao público
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
83
homossexual, a frase é impessoal, não há marcação de pessoa,
somente pela associação da imagem que constatamos quem é o
público-alvo da propaganda.
Levando em conta aquilo que está silenciado, que não está
dito, concluímos que esta propaganda revela, em sua
materialidade linguística e visual, efeitos de sentido que
indiciam a discriminação ao público homossexual. O banco
tenta instaurar o imaginário de ser simpatizante com a
diversidade sexual, porém se refere de forma impessoal a esse
público, retratando-o de uma forma fria, em uma propaganda
que evidentemente não possui grande investimento de recursos
visuais e linguísticos.
Agora partiremos para a análise da segunda propaganda que
compõe o corpus de estudo deste trabalho. A propaganda foi
publicada no dia 19 (dezenove) de março de 2013 e divulga o
consórcio de financiamento para pagamento de cerimônias e
festas de casamento.
Figura II: Propaganda casamento heterossexual
Nathalia Madeira Araujo
84
Na imagem, temos um casal heterossexual abraçado, não
havendo o distanciamento observado na imagem do casal
homossexual analisada. O anúncio é de boa qualidade visual,
foca no rosto da noiva e dá ênfase ao seu sorriso de felicidade. A
noiva não é bela conforme o que estabelecem os padrões
normativos de beleza modelo, fator este que evidencia a
estratégia de aproximação a seu público-alvo, neste caso, a
mulher brasileira. Notamos que o rosto do noivo não aparece,
dando a entender que só a mulher está feliz com o casamento,
trazendo à tona o discurso de que o casamento representa uma
prisão para o homem. Ambos os noivos estão com as roupas do
casamento e há um envolvimento entre as duas figuras, o que
não acontece na imagem do casal de mulheres, em que há um
distanciamento; aqui recuperamos o não-dito que estabelece que
não é aceito pela sociedade retratar casais homossexuais
mantendo contato físico ou trocando carícias.
A gestualidade exercida pela imagem do casal assume uma
função retórica, o abraço entre eles mostrando felicidade,
proximidade em um momento designado como simbólico
persuade os demais casais a aderirem a este tipo de serviço,
revelando também que o corpo é local de inscrição de discurso.
Barros (2012), ancorando-se em Greimas (1970)6, comenta que a
gestualidade na publicidade assume papéis narrativos, funções
retóricas e enunciativas.
Na SDR 2 “Casamento combina com alegria, não com
aperto”, o emprego da negação juntamente à palavra “aperto”
causa estranhamento, pois ao mesmo tempo em que podemos
estabelecer que o elemento linguístico “não” remete ao aperto
financeiro, à falta de dinheiro (que conforme ditos que circulam
na sociedade, estraga casamentos), remete ao aperto corporal,
sexual, comum às relações afetivas. A negação do aperto de
caráter afetivo instaura e reativa na memória discursiva o pré-
estabelecido imposto por uma sociedade patriarcal e
heteronormativa. Aqui, referimo-nos aos valores de controle
social que estabelecem ser feio e errado um casal demonstrar
afetividade em público.
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
85
Na SDR 2 “Casamento combina com alegria, não com
aperto”, temos novamente um sujeito do discurso indefinido (“o
banco”) que fala para outro sujeito do discurso indefinido
(“casais heterossexuais”). A instituição não interage com seu
público alvo, revelando novamente um esvaziamento na relação
empresa e cliente; a impessoalidade presente nesta propaganda
revela o quanto o banco é contrário às ideias de cumplicidade
que transmite.
Ao fundo da propaganda, domina a cor cinza em tons bem
leves. Essa cor simboliza estabilidade, sucesso, qualidade e está
empregada para fazer referência a relações matrimoniais
duradouras. A cor cinza, todavia, simboliza também a
neutralidade, indecisão e falta de energia, ressignificando o
sentido de casamento, trazendo para o fio do discurso dizeres
referentes às indecisões, problemas, privações e restrições que
os casamentos provocam para as pessoas.
No anúncio, percebe-se que as duas pessoas são de pele
branca, vestidas tradicionalmente para um casamento, com isso
a empresa delimita que seu público alvo são pessoas brancas,
de classe média, o que não é a realidade de muitos brasileiros. A
empresa se legitima como alguém que conhece o povo brasileiro
e tenta dar conta dessa pluralidade, possibilitando que todos
explorem seus serviços, mas esquece de que a língua é lugar do
equívoco, da opacidade, do deslize, as propagandas provocam o
apagamento de determinados grupos sociais.
A seguir, debruçamo-nos na análise da última propaganda
que compõe o nosso corpus de análise, publicada pela página do
Facebook, no dia dezesseis (16) de abril de 2013:
Nathalia Madeira Araujo
86
Figura IV- Propaganda sobre crédito consignado
Nesta imagem observamos que há a predominância ao
fundo da cor branca, com tons em cinza. O branco, segundo
Ambrose e Harris (2012), é uma cor que significa pureza no
ocidente. Já a respeito do cinza, os autores comentam que
essa cor simboliza a ausência de amor. O vermelho, cor que
se destaca nesse anúncio, além de remeter ao amor é,
conforme apontam Ambrose e Harris (2012), uma cor
associada, no ocidente, às expressões pare/perigo
(Imperativo/ordem/ação).
Levando em consideração a significação dessas três cores,
resgatamos não-ditos que ali estão significando: a
contradição entre as significações do cinza e do vermelho,
uma remetendo à relação afetuosa entre banco e cliente,
outra criando o efeito contrário; as formas imperativas
pare/perigo servem como alerta, cuidado que os clientes têm
de ter ao aderir aos serviços dessa empresa.
Esses não-ditos também se revelam ao analisarmos a SDR
3 “Dividindo fica tudo mais fácil”, que remete a uma
expressão popular e recorrente em situações cotidianas. Os
verbos “dividindo” no gerúndio mais “ficar” no presente,
relacionados ao serviço de crédito consignado que está sendo
oferecido, tentam instaurar o dito de que esse serviço é bom e
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
87
vai ajudar o cliente, porém esse sentido é ressignificado ao
atentarmos aos sentidos gerados pelas cores, pois essas
expressam “pare, tome cuidado, esse banco oscila na relação
afetuosa com você, cliente”.
Nesta imagem observamos a presença de um sujeito
indeterminado, que é revelado pelo verbo dividir (gerúndio), e
pelo verbo usar (forma infinitiva) que aparece na SDR 4
“Dinheiro para usar como quiser e pagar em até 96 vezes”.
Tanto a forma “dividindo” quanto a forma “usar” marcam a
ausência do sujeito, que neste caso seria o cliente que dividiria
(o empréstimo) e usaria (serviço do banco).
Essa polidez transmitida pelo banco ao referir-se ao cliente
em uma propaganda que oferece crédito consignado traz, para o
fio do discurso, o pré-estabelecido de que o banco empresta o
dinheiro, mas não se responsabiliza se o consumidor não
conseguir pagar, o máximo que fará é renegociar a dívida e
aumentar as parcelas. Assim sendo, o banco protege-se dos
possíveis problemas que envolvem essa transação. Ao dizer
“dividindo”, o banco afirma que o agente da ação é o cliente, ele
que divide em muitas parcelas, então caso não consiga pagar, a
culpa não é do banco.
Ainda sobre esta propaganda, ressaltamos o fato de ela ter
sido publicada em abril de 2013, quando a alta no preço do
tomate estava sendo bastante enfatizada pelos canais
midiáticos. Esse movimento mostra o quanto o banco tentar
instaurar o imaginário de ser uma instituição atualizada, que se
apropria de discursos oriundos da mídia para a manutenção do
imaginário de sabedoria, conhecimento, atualização. Pensando
na relação entre o anúncio e o momento difícil passado pelos
brasileiros devido à alta no preço do fruto (2013), podemos
ressignificar as SDR 3 e SDR 4 e trazer à tona o seguinte não-
dito: “Independentemente da dificuldade, com crédito
consignado tudo fica mais fácil”.
Nathalia Madeira Araujo
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EFEITOS DE CONCLUSÃO
Através das análises realizadas, podemos constatar que a
campanha do Banco do Brasil que possui o slogan denominado
BOMPRATODOS tenta instaurar o imaginário de um banco que
respeita qualquer tipo de brasileiro e atende a todas as classes
sociais, porém percebemos que a campanha não dá conta do
seu propósito de abranger esse povo na sua totalidade, pois na
materialidade linguística e visual de suas propagandas
observamos relações de sentido que evidenciam que a
instituição bancária privilegia determinadas classes sociais e
não outras, promovendo o apagamento de alguns grupos.
Nas propagandas sempre são retratadas imagens de pessoas
de classe média, não são professores, empregados, vendedores,
são executivos, pessoas bem vestidas, brancas, bonitas,
heterossexuais e quando o banco faz menção à homoafetividade
mostra um casal de mulheres e não de homens. Ao longo da
pesquisa7, estávamos sempre acompanhando as propagandas
que são publicadas na página do banco no Facebook, e até o
finalizar deste artigo, não visualizamos nenhuma que retrate
casal composto por homens.
Também notamos que o banco se aproveita de sua posição
histórica, de ser uma instituição que acompanhou o
desenvolvimento do país, para se colocar como conhecedor da
realidade dos brasileiros, instaurando valores de confiabilidade,
cumplicidade, comprometimento, transparência, experiência por
estar há tanto tempo no mercado.
Vale ressaltar que, nas três propagandas analisadas,
percebemos que a instituição promove, em seus discursos, a
ausência de interação com seu cliente. O distanciamento, na
relação entre banco e cliente é percebido através das
impessoalidades. Dessa forma, quando o banco enuncia,
transmite a imagem de que ele próprio não concorda com o que
está enunciado, se contradiz, pois se coloca como neutro e não
enuncia em primeira pessoa.
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
89
Assim sendo, com base nas classificações identitárias de
banco apresentadas por Barros (2012), percebemos que o BB
oscila entre ser uma instituição cúmplice/comprometida
(empregam você para se referir ao público-alvo) e refinada/fina
(com discurso na terceira pessoa).
Por fim, ressaltamos que a instituição bancária tenta
instaurar a polissemia, o novo, o diferente, através de um
discurso de univocidade, totalidade, se autoafirmando como
alguém que atende à pluralidade sexual, social, cultural e
econômica do povo brasileiro. Entretanto, acaba caindo na
repetição e reproduz o discurso que afirma ser a instituição
apenas para alguns perfis de brasileiros, privilegiando
determinados grupos sociais.
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disputa de sentidos nos discursos do banco Itaú. In: Anais III
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PROPOSTA DIDÁTICA
1 Dados de Identificação:
Alunos: 5º ao 8º ano;
Duração: 2h.
2 Tema:
Propagandas do Banco do Brasil.
3 Conteúdo:
Leitura e interpretação de propagandas do Banco do Brasil.
4 Objetivos:
Geral:
• Promover atividades de leitura de propagandas do Banco
do Brasil, com na base perspectiva discursiva da linguagem;
Específicos:
• Perceber o texto como local de entrecruzamento de
discursos;
• Fazer com que os alunos relacionem o texto com a
exterioridade;
• Promover a leitura de textos midiáticos sob uma
perspectiva discursiva;
• Analisar discursivamente as propagandas do Banco do
Brasil;
Nathalia Madeira Araujo
92
• Entender as estratégias de interpelação ideológica do
discurso publicitário e do discurso publicitário bancário e suas
características.
5 Procedimentos:
1º passo
A professora mostrará, em PowerPoint, as quatro propagandas
do Banco do Brasil que foram analisadas para mostrar a
diversidade de anúncios que são produzidos pelo Banco, só que
elas estarão sem o slogan. Em seguida, ela fará as seguintes
perguntas oralmente para que os alunos resgatem de sua
memória discursiva saberes:
• Vocês identificam o que são as imagens que acabamos de
ver?
• Vocês já as viram em algum lugar?
• Vocês sabem identificar qual a funcionalidade dessas
imagens? Para que elas servem?
• Elas aparecem somente na forma televisiva? Ou
aparecem na forma impressa? Ou aparecem na forma virtual?
• Vocês sabem de que empresa são essas propagandas?
2º passo
Partindo das respostas dadas pelos alunos, a professora
explicará o que é uma propaganda, destacando que ela é
utilizada por instituições comerciais para garantir que os
indivíduos se tornem seus clientes e comprem seus bens e
serviços. Comentará que na produção das propagandas, são
pensados estrategicamente os seguintes fatores: a utilização das
cores, das imagens, dos tempos verbais, adjetivos, advérbios,
entre outros. Logo, avisará ao grupo que será montado um
varal. A professora deixará o varal estendido desde o início da
aula; no varal, serão presas, pelos alunos, várias informações a
respeito do Banco do Brasil, como: data de fundação, quantos
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
93
anos têm, qual o nome da campanha publicitária atual.
Também, serão penduradas as propagandas anteriormente
projetadas, porém, agora, estarão com o slogan do banco.
Para pendurar as informações, será chamado um aluno de
cada vez. O aluno selecionado deverá pegar uma folha que
conterá o texto ou a propaganda e ler para os colegas. Após a
leitura de cada aluno, a professora pendurará os textos com as
informações no varal e explicará novamente as informações para
a turma de forma a contextualizar os estudantes quanto às
condições imediatas e sócio-históricas de produção do discurso
publicitário em análise.
3º passo
A professora deverá explicar para os alunos que para fazer os
consumidores comprarem seus produtos e serviços, as
empresas utilizam diversas estratégias. Essas estratégias se
materializam no que chamamos de discurso publicitário, e nesta
aula serão estudadas algumas estratégias usadas no discurso
publicitário bancário.
4º passo
Após, deverá anunciar que acontecerá a dinâmica da teia de
lã. Nessa dinâmica serão utilizados dois novelos de lã, um de cor
azul, outro de cor amarelo (fazendo relação às cores do Banco do
Brasil) e uma caixa contendo papéis com informações. O aluno
que pegar o novelo deverá amarrá-lo em sua cadeira e retirar um
papel da caixa e ler para todo o grupo. Depois, deve apontar
para um colega e atirar o novelo, e o colega que pegar deverá
fazer o mesmo. Na caixa estarão vários papéis que contêm
informações sobre as características do discurso publicitário e
do discurso publicitário bancário. Após cada leitura, a
professora dará mais explicações sobre o que foi lido e irá dando
exemplos. As frases serão as seguintes:
• A linguagem da propaganda se caracteriza pela
criatividade que é exigida na sua produção.
Nathalia Madeira Araujo
94
• A publicidade desperta no consumidor desejos e
necessidades que ele não possuía, mas que passará a ter.
• Quanto ao tempo verbal, na grande maioria dos
anúncios, o predominante é o imperativo, por exemplo: Corra!
Saia! Veja!
• Produzir propagandas não é uma tarefa fácil, não basta
ter uma ideia e divulgar nos meios de comunicação.
• A utilização das cores é outra estratégia importante na
produção das propagandas.
• A escolha das cores é feita sempre visando ao público-
alvo da propaganda, uma vez que podem causar atração e
impacto.
• As cores podem provocar sentimentos contrários aos
desejados pela empresa, logo, é preciso saber os efeitos
produzidos pelas cores e controlar as combinações.
• Quando em uma propaganda de banco aparece uma
imagem de um homem jogando golfe, andando de lancha, a
empresa não está levando em conta a realidade de boa parte da
população brasileira, que não tem condições de aproveitar essas
formas de lazer e está mostrando que possui um público
desejável de clientela.
• A empresa bancária tem clientes que investem dinheiro,
retiram empréstimos, fazem financiamentos, seguros de vida,
que são serviços de longa duração e afetam a vida do indivíduo.
O banco tem de se mostrar como alguém que se preocupa com o
cliente e com o futuro dele.
5º passo
Depois que acabar a dinâmica, a professora explicará que
cada aluno ficou como representante de uma característica do
discurso publicitário e assim como na dinâmica, na qual todos
ficaram unidos pela teia da lã, as características e estratégias
que são empregadas pelas empresas necessitam ter uma relação
para que a propaganda fique com boa qualidade e chame a
atenção do público-alvo.
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
95
6º passo
Uma das estratégias que surgiram nos papéis foi a utilização
das cores, então a professora entregará para os alunos folhas
impressas (Anexo A) com a significação de algumas cores, em
especial as cores azul e amarela que são as cores do slogan
atual do Banco do Brasil. Depois, com os alunos ainda com a
atividade da teia, pedirá que aqueles que não leram antes leiam
agora o significado de uma cor para o grupo. No fim dessa
atividade, a professora enfatizará novamente o quão importante
é para as empresas pensar nas combinações de cores já que elas
despertam sentimentos.
7º passo
Explicitadas as condições de produção e trabalhada a relação
entre discursos através da teia de lã, a professora dirá para os
alunos que passarão para a análise de uma propaganda do
Banco do Brasil. Eles deverão olhar debaixo das cadeiras e
encontrar as partes da propaganda, depois os alunos que
encontraram as partes irão ao quadro montar o quebra-cabeça.
A professora lerá as propagandas montadas e a turma partirá
para a análise. Serão feitas as seguintes perguntas:
• Em ambas as propagandas, quais palavras do texto
vocês acham que ajudam a convencer o cliente a comprar os
serviços que estão sendo oferecidos?
• Na propaganda dos tomates, o que acham sobre o
emprego da cor vermelha?
• Na propaganda dos tomates, por que eles aparecem
divididos? Por que a empresa mostra a imagem de tomates
divididos?
• Quem vocês acham que é o público alvo do Banco do
Brasil? Por quê?
Neste momento, a professora pedirá para que os alunos
pensem em tudo que foi falado até o momento.
Nathalia Madeira Araujo
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8º passo
Após a análise de uma das propagandas, a professora
entregará para os alunos folhas (Anexo B) para eles produzirem
a propaganda de um banco, o nome será Banco Jaguarão e o
logotipo será o brasão da cidade. Os alunos deverão, com as
canetas coloridas dadas pela professora, usar tudo que
aprenderam para produzir uma propaganda. A professora
passará de classe em classe auxiliando os alunos a produzirem
suas propagandas, dando ideias de serviços que podem oferecer,
pedindo que pensem nas relações entre os significados das
cores. Na medida em que cada aluno terminar, ela revisará o
trabalho e pedirá que o aluno mostre para os colegas e o
pendure no varal.
9º passo
Ao final da aula, a professora entregará aos alunos uma folha
com as seguintes perguntas:
• O que vocês pensam sobre as duas propagandas que
analisamos?
• Vocês gostaram das atividades que realizamos?
6 Recursos
Novelos de lã azuis e amarelos; papéis cortados; canetas
hidrocor; cordão; caixa de sapato decorada com papel;
prendedores; PowerPoint; fita durex; folhas impressas;
propagandas impressas em A4 e A3.
7 Observações (relato de experiência):
Relatamos como foi a experiência de ministrar duas edições da
oficina intitulada O Banco do Brasil e as estratégias que são
utilizadas para conquistar os clientes, no projeto de extensão
Discurso, Mídia e Escola. A primeira edição ocorreu na Escola
Municipal de Ensino Fundamental Marcílio Dias, localizada na
cidade de Jaguarão/RS, no dia 23/10/13, e teve duração de 1 h
40 minutos.
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
97
A oficina contou com a participação de alunos de 5° (quinto)
a 8° (oitavo) anos do ensino fundamental, totalizando 23 (vinte e
três) estudantes. A respeito da realização das atividades, percebi
que os estudantes jovens se sentiam mais motivados para
realizar as atividades, como, por exemplo, ‘a teia’, ‘o varal’, ‘a
produção da propaganda’; já os maiores eram mais resistentes.
No que se refere às atividades iniciais – apresentação de
slides em PowerPoint, varal de informações - que visavam inserir
os alunos nas condições de produção do corpus que seria
analisado, obtivemos êxito. Para tal fim, utilizamos atividades
lúdicas e adequadas à faixa etária dos alunos, dessa forma,
conseguimos mobilizar na memória discursiva dos alunos
saberes oriundos do interdiscurso, no que concerne ao discurso
publicitário.
Em relação às propagandas produzidas pelos alunos, percebi
que alguns utilizaram informações apresentadas durante a
oficina, tais como combinação das cores e estratégias do
discurso publicitário. Porém, a grande maioria teve dificuldade
para produzir os textos, pois, para exigirmos produção por parte
dos alunos, devíamos ter trabalhado vários pontos do discurso
publicitário em uma sequência de oficinas. Esse foi o ponto
negativo da atividade.
Durante as análises das propagandas, também obtivemos
certo êxito, nessa etapa, percebemos que os estudantes de 7º e
8º anos, embasados nas condições de produção apresentadas,
partiram do interdiscurso (os já-ditos) para pensar do
intradiscurso (a materialidade visual e linguística das
propagandas).
Os alunos maduros estabeleceram mais relações de sentido,
ao passo que os de 5º e 6º tiveram a produção da leitura por
vezes limitada. O mesmo ocorreu durante a dinâmica da teia,
pois os alunos mais jovens tiveram dificuldades para entender
os objetivos daquela atividade.
A segunda edição ocorreu no dia 09/12/2014, na escola
Municipal de Ensino Fundamental Ceni Soares Dias, localizada
na cidade de Jaguarão/RS. A oficina começou em torno de 8 h
Nathalia Madeira Araujo
98
40 min e encerrou 11 h 30 min, contamos com a presença total
de 11 (onze) alunos. O grupo era composto por alunos de 7°
(sétimo), 8° (oitavo) e 9° (nono) anos do ensino fundamental.
Durante a primeira atividade, na qual apresentei e li
propagandas do Banco do Brasil sem o logotipo e, logo após, fiz
perguntas para saber se sabiam o que eram aquelas imagens,
para que servem, percebi a mobilização da memória discursiva
dos estudantes, pois, pouco a pouco, foram lembrando de
informações sobre propagandas.
Na dinâmica do varal, os alunos leram para os colegas
informações do Banco do Brasil, fazendo com que circulassem os
já-ditos, discursos outros, que configuram a história dessa
instituição. Em ambas as edições da oficina, essa atividade foi
positiva, já que serviu para contextualizar os alunos quanto às
condições de produção.
Na atividade da teia, nesta turma, obtivemos êxito. Depois de
evidenciadas as informações necessárias, perguntei ao grupo se
eles sabiam, levando em conta que cada um deles representava
um discurso sobre a publicidade de banco, porque estavam
envolvidos pela teia. Boa parte do grupo respondeu que a rede
formada pela teia demonstrava como as estratégias publicitárias
estão relacionadas.
Durante a análise das propagandas os alunos, de 7º a 9º
anos, estabeleceram mais relações de sentido durante a
produção da leitura em comparação à turma anterior; creio que
este fato ocorreu porque esta turma era mais madura e alunos
desta escola participam do PIBID (Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à docência), no qual já estão acostumados a
realizar atividades de leitura e interpretação que divergem dos
métodos de grande parte das escolas.
Em relação à produção das propagandas, os alunos
aplicaram os métodos que aprenderam, por exemplo: utilização
das cores, emprego de verbos no imperativo. Porém, muitos
estudantes não mostraram interesse em realizar esta atividade,
considerando-a infantil para sua faixa etária.
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
99
REFERÊNCIAS
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Traduzido por Aline Evers. 2.ed. Porto Alegre: Bookman, 2012.
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BARROS, D. P. de. Algumas reflexões semióticas sobre
enunciação. In: DI FANTI, Maria Glória de; BARBISAN, Leci.
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2013.225f. Tese (Doutorado em teorias do texto), Programa de
Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal do Rio Grande
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FURASTÉ, P. A. Normas técnicas para o trabalho científico:
explicitação das Normas da ABNT. 17.ed. Porto Alegre: Dáctilo
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ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios
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______. Discurso e leitura. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
Nathalia Madeira Araujo
100
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http://www.bb.com.br/portalbb/page3,136,3527,0,0,1,8.bb?co
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Acesso em: 15 out. 2013.
HÜBBE, R. S. S. O discurso utilizado nos anúncios
publicitários dirigidos ao público infantil. 2004. 183f.
Dissertação (Mestrado Ciências da Linguagem), Curso de
Mestrado em Ciências da Linguagem, Universidade Federal do
Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2004.
QUEVEDO, M. Q. de. Do gesto de reparar a (à) gestão dos
sentidos: um exercício de análise da imagem com base na
análise de discurso. 253f. 2012. Dissertação (Mestrado em
Linguística Aplicada), Programa de Pós-Graduação em Letras,
Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2012.
SANDMANN, A. A. linguagem da propaganda. Contexto: São
Paulo, 2012.
SILVA, T. C. e. Estudo da argumentação em propagandas
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linguagem), Programa de pós-graduação em estudos da
linguagem, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.
STOCKER, P. Imagens infantis na propaganda: construção e
disputa de sentidos nos discursos do banco Itaú. In: Anais III
Simpósio Nacional, Discurso, Identidade e Sociedade dilemas e
desafios na contemporaneidade, III SIDIS, 2012, Campinas.
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
101
ANEXOS
Anexo 1 (Significado das Cores)
Significação das Cores:
Azul: Simboliza a lealdade, a fidelidade, a personalidade e
sutileza. Simboliza também o ideal e o sonho. É a mais fria das
cores frias.
Amarelo: É uma cor que desperta, que expressa leveza,
descontração, otimismo. Simboliza criatividade, jovialidade e
alegria.
Vermelho: O vermelho é uma cor quente que instiga liderança,
agilidade, dinamicidade.
Verde: É uma cor calmante que harmoniza e equilibra.
Representa as energias da natureza, da vida, esperança e
perseverança.
Laranja: É uma cor quente, sendo a mistura exata entre o
amarelo e o vermelho. É uma cor ativa que significa movimento
e espontaneidade. O laranja é a cor do sucesso, da agilidade
mental, e da prosperidade.
Bege: O bege é uma cor que transmite calma e passividade.
Está associada à melancolia e ao clássico.
Marrom: Significa maturidade, consciência e responsabilidade.
Preto: É a cor do mistério e está associado à ideia de morte, de
luto e de terror.
Lilás: Simboliza respeito, dignidade, devoção, piedade,
sinceridade, espiritualidade, purificação e transformação.
Rosa: A cor rosa é o vermelho suavizado com o branco. É a cor
da beleza, do romantismo, do amor terno e carinhoso.
Cinza: Pode simbolizar estabilidade, sucesso e qualidade, mas
em excesso pode transmitir falta de vida.
Significado das cores. Disponível em:
<http://www.significadodascores.com.br/>. Acesso em: 23
out.2013.
Nathalia Madeira Araujo
102
Anexo 2 (Material para os alunos produzirem a
propaganda)
NOTAS
1 O presente estudo configura-se como recorte do Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em Letras
Português/Espanhol, da Universidade Federal do Pampa,
Análise discursiva das propagandas do Banco do Brasil
103
Unipampa, Câmpus Jaguarão, apresentado pela autora deste
capítulo em 2014. 2 Consultamos, na revisão da literatura, outros trabalhos que
tratam do discurso publicitário bancário, sendo eles: SILVA, Elionaldo Soares. O ethos discursivo em campanhas
publicitárias do Banco do Brasil. Disponível em
:<http://www.gelne.org.br/Site/arquivostrab/882-Artigo%20-
%20Gelne.pdf>. Acesso em: 19. jan. 2014.
TRIDICO, Carolina Ferreira; SILVA, Debora Ribeira da; RIBEIRO, Luana de Andrade. O discurso publicitário de um
banco todo seu. 2007. 45f. Monografia apresentada como pré-
requisito para conclusão do Curso de Licenciatura Plena em
Letras, Uni-FACEF Centro Universitário de Franca, Franca,
2008.
DRAMALI, Bianca Leite. O dinheiro anunciado: publicidade bancária no Brasil. In:
Encontro Nacional de estudos do consumo, 6. 2012, Rio de
Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: Encontro Nacional de estudos do
consumo, 2012. 3 História do Banco do Brasil. Disponível em: <http://www.bb.com.br/portalbb/page3,136,3527,0,0,1,8.bb?c
odigoMenu=204&codigoNoticia=691&codigoRet=1065&bread=2>
. Acesso em: 15 out. 2013. 4 BOMPRATODOS. Disponível em:
<http://www45.bb.com.br/docs/ri/ra2012/port/ra/13.htm#.V
L4QKUfF_Fm>. Acesso em: 20 jan. 2014. 5 Banco do Brasil. Disponível em:
<http://www45.bb.com.br/docs/ri/ra2012/port/ra/13.htm#.U
mRGqfk3vko>. Acesso em 20 out. 2013. 6GREIMAS, Algirdas Julien. Du sens. Paris: ÉditionsduSeuil,
1970. 7 A presente pesquisa foi finalizada em janeiro de 2015.
Rocheli Regina Predebon Silveira
104
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
105
CELEBRIDADES NA REVISTA
ATREVIDA: ANÁLISE DISCURSIVA
Rocheli Regina Predebon Silveira1
RESUMO: A presente pesquisa é vinculada ao projeto de
pesquisa Discurso, Mídia e Escola, pertencente ao Programa de
Educação Tutorial (PET) Letras da UNIPAMPA (Câmpus
Jaguarão). Busca analisar, através da Análise do Discurso de
linha francesa, uma reportagem sobre a banda One Direction,
publicada na revista Atrevida (2013). O foco deste trabalho é a
análise de sequências discursivas de referência que indicam a
formação imaginária que Atrevida tem das fãs, do grupo de
músicos e das suas leitoras, além da antecipação da imagem,
pela revista, que as fãs/leitoras teriam da One Direction. Essas
formações imaginárias têm por consequência influenciar na
formação identitária dessas fãs/leitoras, sujeitos-adolescentes
que têm nas celebridades referências de modo de ser e de
pensar.
PALAVRAS-CHAVE: Atrevida; One Direction; Discurso; Imagem.
Rocheli Regina Predebon Silveira
106
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
107
INTRODUÇÃO
Historicamente, a mídia tem um papel fundamental na
formação da sociedade, influenciando diretamente o modo de
vida das pessoas. Com o atual aumento dos produtos
biográficos, as celebridades têm sido postas em alta visibilidade,
logo, as pessoas buscam uma referenciação nesses ídolos. O
destaque midiático às celebridades afeta a formação identitária
das pessoas, principalmente dos adolescentes, pela maior
vulnerabilidade. Consequentemente, isso tem influído
diretamente na conduta dos adolescentes, como na construção
identitária, que se torna permeada de valores como submissão,
inferioridade, consumismo, entre outros.
Então, o presente trabalho consiste em demonstrar, através
de marcas linguístico-discursivas encontradas em uma
reportagem da revista Atrevida sobre a banda One Direction
(maio 2013), como está construído o discurso sobre o grupo
musical, a fã e a leitora da revista. Para tanto, serão observadas
as imagens que a revista Atrevida tem da fã, da leitora, e do
grupo musical, e, também, a antecipação da imagem que as
fãs/leitoras teriam da banda. Consequentemente, a influência
deste discurso na constituição de identidade das fãs/leitores da
revista.
A referida pesquisa utilizou como base teórica os
procedimentos da Análise do Discurso (doravante AD) de linha
francesa para compreender o processo de produção de sentidos
da referida reportagem.
Primeiramente, traremos alguns conceitos da AD, linha
teórica desta pesquisa. Após, traremos alguns aspectos das
condições de produção amplas e imediatas do discurso em
análise: a imprensa feminina no Brasil e, consequentemente, a
imprensa destinada aos adolescentes, com caracterização da
revista Atrevida. Essa abordagem trará elementos para pensar o
imaginário que a Atrevida faz de sua leitora. Além disso, para
compreendermos a imagem que a Atrevida faz das fãs,
Rocheli Regina Predebon Silveira
108
apresentaremos alguns conceitos sobre a constituição do
adolescente na mídia e sua formação identitária. Em seguida,
para refletir sobre o imaginário da revista sobre as celebridades,
observaremos como se constrói a celebridade na mídia, seguido
de um breve resumo sobre a banda One Direction. Por fim,
lançaremos mão à análise do corpus referido neste trabalho.
1 ANÁLISE DO DISCURSO
Eni P. Orlandi, no livro Análise de Discurso: princípios e
procedimentos (2009), relata a importância da AD na reflexão da
linguagem. Segundo a autora, essa linha teórica teve início por
interesse de pesquisadores em estudar a linguagem de uma
maneira diferente das convencionais: a Linguística estuda a
língua como sistema de signos; a gramática normativa estuda as
normas da língua; além disso, as palavras ‘gramática’ e ‘língua’
podem significar várias coisas. Para Orlandi, a AD vem então
estudar o discurso, ou seja, a língua em uso pelo homem; e,
embora seu interesse seja diferente da linguística, ou da
gramática normativa, estas lhe interessam.
Orlandi relata que o discurso não irá tratar da língua como
um sistema abstrato, mas como “maneiras de significar, com
homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto
parte de suas vidas [...]” (2009, p. 16). Dessa forma, a linguagem
pode ser repleta de sentidos que significam de modo particular
para cada pessoa. Ainda, os sentidos sempre vêm
acompanhados das ideologias dos interlocutores. A autora relata
que para trabalhar o sentido existem três regiões de
conhecimento: “a. a teoria da sintaxe e da enunciação; b. a
teoria da ideologia e c. a teoria do discurso que é a determinação
histórica dos processos de significação.” (2009, p. 25). Ela coloca
que através dessas três regiões a análise pode assumir uma
posição crítica para explicitar o sentido que a linguagem pode
ter através da leitura, interpretação e relação do sujeito com o
sentido.
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
109
As condições de produção, segundo Orlandi, “[...]
compreendem fundamentalmente os sujeitos e a situação.” (p.
30). Dessa forma, podemos dizer que as condições de produção
são as mais diversas formas de produção do discurso, desde a
memória, a enunciação, como também as formações
imaginárias. Este artigo irá contemplar as formações
imaginárias, assim descritas por Michel Pêcheux (1997) na
tabela a seguir:
Tabela disponível em: PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. In:
GADET, F.; HAK, T. (Org). Por uma análise automática do discurso: uma
introdução à obra de Michel Pêcheux. ed. 3. Campinas: Editora da
UNICAMP, 1997.
Rocheli Regina Predebon Silveira
110
A partir da tabela anterior, observaremos a imagem que A
tem de B (Quem é ele para que me fale assim?), considerando a
imagem que a revista (A) tem de suas fãs/leitoras (B). Também a
imagem que a revista (A) tem do grupo One Direccion, neste
caso, o referente (R). Ainda a antecipação da imagem que a
revista (A) supõe que as fãs/leitoras (B) têm de (R), o grupo
musical. Partindo disso, neste artigo, como base na AD,
utilizamos os preceitos desta teoria para analisar as formações
imaginárias presentes no corpus.
2 IMPRENSA FEMININA
A imprensa feminina surgiu por acreditarem que as mulheres
não tinham, e não deveriam ter, interesse pelos assuntos de
utilidade pública (política, educação, saúde, etc) e de interesse
geral (esporte, classificados, tecnologias, etc). Às mulheres,
passaram a ser destinados assuntos que continham informações
de cunho familiar ou doméstico, formando assim, na imprensa,
espaços diferentes para homens e mulheres. Para os homens,
foram destinados assuntos de interesse público e, para as
mulheres, assuntos de interesses particulares.
A imprensa destinada às mulheres passou a ser chamada de
imprensa feminina e veio com o intuito de conduzir e orientar.
Segundo Buitoni (1990 apud LIRA, 2009), a imprensa feminina
se materializa na revista, esta, por sua vez, estabelece um
discurso partindo de representações relacionadas ao mundo
feminino, considerando os valores impostos pela sociedade. Para
isso, a revista utiliza formatos textuais diferenciados, que se
apresentam como “guia para resoluções de problemas”
(BUITONI, 1990 apud LIRA, 2009, p. 43).
Já a mídia destinada às adolescentes se desenvolveu a partir
da imprensa feminina. Embora as revistas destinadas às jovens
tenham a característica de guia, assim como a mídia feminina
em geral, surgiram com o intuito de entretenimento e não de
educação. Luciane Lira (2009) aponta como característica dessa
imprensa para jovens a grande presença de imagens que se
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
111
sobressaem ao texto; isso é notável na reportagem em análise.
Além disso, o modo formativo é sobreposto ao modo informativo.
A autora sugere também que a revista para adolescentes é uma
mídia de serviço, já que constantemente as adolescentes a
utilizam como consultório de informações. Sendo assim, essa
mídia se caracteriza como transformadora de hábitos e
costumes.
Para constituir uma relação de fidelidade com a leitora, a
revista utiliza-se de estratégias marcantes de confidente. Lira
(2009) considera essas revistas especializadas em assuntos
juvenis e lhes atribui caráter de formadoras identitárias das
adolescentes leitoras, já que sugerem comportamentos e
atitudes socialmente aceitas.
A partir desse pequeno relato sobre a imprensa feminina e a
imprensa adolescente no Brasil, poderemos compreender melhor
o discurso feito pela revista Atrevida na notícia utilizada para
análise. As características apontadas por Lira serão destacadas
na análise do corpus, quando indicaremos estratégias
linguístico-discursivas que a revista usa para formar um perfil
de leitora, mostrar-se como confidente, por exemplo, de seu
público e predeterminar seus comportamentos. Isso nos
permitirá obter subsídios para identificar a imagem que Atrevida
tem de suas leitoras.
3 A REVISTA ATREVIDA
A revista Atrevida surgiu no ano de 1994 com publicações
mensais pela editora Símbolo, porém, no ano de 2008, passou a
ser publica pela editora Escala, seguindo a triagem mensal, até
os dias de hoje, com aproximadamente 98.000 exemplares, além
de em média 55.000 leitores por edição.
Atrevida possui um público de adolescentes com idade entre
10 e 19 anos. Para a revista, seu público tem de ser diferente e
destacar-se. Como diz o slogan, Você é única, ou seja, a leitora é
especial. Mesmo com um modelo pré-estabelecido de leitora em
que, para adequarem-se, as meninas têm de seguir um padrão
Rocheli Regina Predebon Silveira
112
transmitido implicitamente pela revista, o slogan induz a leitora
a sentir-se destacada dentro deste grupo tão uniforme. Sendo
que, para a Atrevida consolidar essa ideia, a menina tem de
identificar-se com a proposta da revista.
Os assuntos abordados na revista intercalam-se entre amor,
sexo, moda, beleza, diversão, entretenimento e celebridades,
além de o veículo de comunicação ser um lugar de consultas
sentimentais. As reportagens muitas vezes são apresentadas em
formato de manual, o que confirma características apontadas
por Lira (2009) sobre a imprensa feminina. Também se
destacam os inúmeros anúncios que cada edição traz,
principalmente de roupas, calçados, acessórios e produtos de
beleza. As páginas da revista caracterizam-se por apresentar um
grande volume de imagens que se sobressaem ao texto por
serem muito coloridas, o que resulta em poluição visual. Essa
característica é evidente na reportagem em análise, pois
podemos visualizar muitas imagens do grupo musical, inclusive
páginas inteiras, apenas com imagens.
A edição de maio (2013), que será analisada neste trabalho,
foi organizada em quatro seções: comportamento, gente, beleza e
moda. Além disso, a revista trouxe algumas dicas sentimentais e
tecnológicas, uma entrevista com a banda brasileira P9 e dois
pôsteres, um do grupo musical Little Mix e outro do ator/cantor
Zac Efron. Mas a reportagem principal da edição estava explícita,
a foto da banda One Direction estampava a capa, juntamente
com os dizeres “Nós amamos One Direction”, seguido de um
breve relato do que a reportagem abordaria. A mesma será
utilizada como corpus na análise deste trabalho.
4 O SUJEITO ADOLESCENTE NA MÍDIA
Não é de hoje que a mídia dita padrões para a sociedade no
que diz respeito a roupas, costumes, relacionamentos, música,
ídolos, ou seja, modos de viver, de se relacionar, de agir e até
mesmo de pensar. Com os adolescentes, o impacto dos padrões
é ainda maior, já que é nessa fase que a identidade começa a ser
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
113
formada. Segundo Contini, Koller e Barros (2002), a
adolescência é marcada por constantes conflitos de identidades
e também por confusões de papéis. Dessa forma, Rosa Maria
Bueno Fischer (1996) declara que o fácil acesso dos jovens aos
meios de comunicação faz com que haja um espaço com
potencial “[...] para a produção e divulgação de uma identidade
jovem associada ao consumo de determinados bens [...]” (p.
135).
Para Fischer (1996), a identidade criada pela mídia, além de
ser associada fortemente ao consumo, ainda se relaciona a
valores e modos de vida, o que resulta na não satisfação de
adolescentes com aquilo que possuem de bens materiais. Ainda,
o discurso constituinte do adolescente na mídia, ao ser posto em
foco, ou sendo alvo de publicidade e de produtos de
entretenimento, aponta como ele deve ser, além de definir o que
ele representa para a sociedade.
Contini, Koller e Barros (2002) acreditam que o adolescente,
por estar se constituindo, apresenta mais vulnerabilidade para
enfrentar os impactos projetados por toda a sociedade, em
especial pela mídia. Sendo assim, os produtos midiáticos
veiculados não são apenas uma forma de sugerir modos de vida,
mas também uma forma de estabelecer poder, já que
influenciam os pensamentos e consequentemente os saberes.
Dessa forma, a adolescência pode ser entendida como uma
forma de saciar as necessidades da sociedade, tanto
econômicas, quanto sociais.
Os adolescentes são um dos focos principais desta pesquisa,
já que a revista Atrevida é destinada a eles, sendo assim,
precisamos compreender como são vistos e tratados pela mídia e
sociedade para que possamos observar a imagem que terão no
corpus deste estudo. Por isso, a abordagem do sujeito
adolescente na mídia traz indícios para que possamos refletir
sobre a imagem que a revista faz de suas fãs.
Rocheli Regina Predebon Silveira
114
5 CONSTITUIÇÃO DE CELEBRIDADES
Para Herschmann e Pereira (2005), vivemos em “uma cultura
mediática”, ou seja, a mídia constantemente manipula a forma
como vivemos e nos organizamos, além de estar relacionada às
formações de identidades. Os autores ainda afirmam que
estamos cotidianamente valorizando estereótipos que de alguma
forma a mídia está nos impondo. Isso resulta na demanda pelos
materiais biográficos, crescentemente buscados pelas pessoas.
Os autores acreditam que essa busca estaria relacionada a três
fatores: busca por entretenimento, busca por referência ou
identidade e também compensação. As narrativas biográficas
estariam então construindo significações na sociedade atual.
Eles ainda afirmam que esses produtos estão suprindo uma
carência existente nas pessoas.
Com a aceitação das biografias, a intimidade passou a ser
“proclamada aos sete ventos” na mídia e então passamos a ter
impressão de que fazemos parte, de alguma forma, da vida de
ídolos, celebridades e até mesmo de pessoas desconhecidas, ou
seja, “[...] fazemos parte de uma grande coletividade [...]”.
(HERSCSHMANN, PEREIRA, 2005, p. 48). Segundo os mesmos
estudiosos, isso ajudou a formar um novo estilo de vida. Neste
novo estilo de vida, as pessoas não interagem mais
presencialmente, mas sim à distância, refletindo assim no que
as pessoas se referenciam, e fazendo com que os ídolos e as
celebridades sejam vistos como modelos.
Herschmann e Pereira (2005) acreditam que, para que ídolos
e celebridades sejam referências, não são necessários grandes
esforços, basta que saibam representar bem e tenham
personalidade. Também relatam que embora os
ídolos/celebridades de hoje sejam vistos como heróis, a estes
não se exige exatamente feitos heroicos; pelo menos não os atos
heroicos comuns nos heróis do passado: coragem, sacrifícios,
justiça, etc.
Como abordaremos a formação imaginária que a revista faz
da banda One Direction, é importante compreender como a mídia
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
115
tem se referido às celebridades. Com isso, poderemos entender
como as celebridades são vistas para então identificarmos as
formações imaginárias formuladas pela Atrevida sobre o grupo
musical.
6 O GRUPO ONE DIRECTION
A banda One Direction, também chamada de 1D no Brasil,
teve início no ano de 2010 na cidade de Londres, Reino Unido,
após seus componentes, Harry Styles, Liam Payne, Louis
Tomlinson, Zayn Malik, e Niall Horan, participarem de um
reality show musical solo e serem desclassificados. A banda,
então, como indicação de alguns jurados, uniu-se e conseguiu o
terceiro lugar no mesmo reality. O sucesso da banda veio
apenas após o vazamento de uma de suas canções na internet.
Com tamanho sucesso, os meninos foram comparados com a
famosa banda, The Beatles, também originária do Reino Unido.
Até o momento, a banda possui quatro álbuns gravados, o
primeiro lançado em 2011, Up All Night, o segundo que teve seu
lançamento em 2012, Take Me Home, o terceiro lançado em
2013, Midnight Memories e o último lançado em 2014, Four.
Além disso, as músicas What Makes You Beautiful, One Thing,
Live While We’re Young e Kiss You fizeram grande sucesso em
todo o mundo. Também no ano de 2013 foram lançados:
documentário sobre a One Direction e biografias sobre o grupo
musical e os componentes do grupo.
7 ANÁLISE DO CORPUS
Partindo das formações imaginárias e das sequências
discursivas (SDR) encontradas na reportagem utilizada como
corpus, podemos definir a imagem da revista sobre o referente,
os jovens talentos da One Direction; o imaginário da revista
sobre as fãs da banda; o imaginário da revista sobre as leitoras
de Atrevida; e a antecipação da imagem que as fãs/leitoras têm
Rocheli Regina Predebon Silveira
116
das celebridades. Sendo assim, listamos na tabela abaixo as
sequências discursivas que serão utilizadas na análise:
SDR 1 “Já parou para pensar como nossas vidas eram
incompletas?”
SDR 2 “As meninas se descabelaram horrores”
SDR 3 “As minas piram de vez”
SDR 4 “A gritaria é surreal”
SDR 5 “As meninas acatam a ordem direitinho”
SDR 6 “Enquanto algumas mães mais apressadas já se
ajeitam para ir embora, as filhas imploram para
ficar”
SDR 7 “superestilosas”
SDR 8 “Elas se produzem”
SDR 9 “Tem como não se apaixonar?”
SDR 10 “Hoje, Harry, Liam, Louis, Niall e Zayn mostram
porque merecem um espaço definitivo em nossos
corações.”
SDR 11 “Como não amar?”
SDR 12 “Eles são os reis”
SDR 13 “Garotos do bem”
SDR 14 “superengajados”
SDR 15 “Os meninos apoiam causas nobres”
SDR 16 “É muito amor pela 1D”
SDR 17 “Todas as garotas clamam pela visita dos gatinhos”
7.1 O IMAGINÁRIO DA REVISTA SOBRE AS FÃS DA BANDA/O
IMAGINÁRIO DA REVISTA SOBRE AS LEITORAS DE ATREVIDA
Iniciamos com a SDR 1: essa construção transmite a ideia de
que uma adolescente, ao não ser fã da banda, tem uma vida
sem sentido e mais, uma vida infeliz, fazendo com que a fã
tenha a impressão de que a banda veio para completar algum
vazio que ali existia. Como já descrito neste artigo, há uma
vulnerabilidade em que os adolescentes se encontram, logo, as
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
117
celebridades, neste caso a banda, são vistas pelos
adolescentes/fãs como modelo de comportamento e de
vestimenta.
Da mesma forma, as SDR 2, SDR 3 e SDR 4 indicam um
pouco da imagem que a revista tem da fã da banda, e mais, esta
imagem impõe um modelo de fã a ser seguido: gritona, histérica,
aflita. Esse modelo sugere que a fã deve se adequar para poder
fazer parte do grupo de fãs da One Direction. Há uma identidade
de adolescente que é uniformizada, o que vai ao encontro do
caráter de “guia de comportamento” que as revistas para
adolescentes geralmente adotam, assim, percebemos o que a
autora Lira (2009) afirma. Ainda, esta conduta estabelecida pela
revista influi na formação identitária da adolescente/fã, já que a
fase em que o adolescente se encontra é justamente a fase de
mudança de personalidade, tornando a revista e
consequentemente a mídia uma referência para
comportamentos sociais.
Outro ponto primordial a ser levantado na questão de
formação identitária é a concepção que a sociedade impõe à
mulher: ser submissa e inferior. Isso pode ser visto na SDR 5
em que aparece uma expressão no diminutivo “direitinho”. O
diminutivo é associado ao modo de falar feminino para indicar
fragilidade e dengo, logo, a sequência em análise reproduz
estereótipos sociais sobre ser mulher. Essa formação imaginária
remete a meninas que obedecem a um ser superior, que em
nossa sociedade é apresentado na figura masculina, assim
como, neste caso, é exposto no feitio dos meninos da banda.
Além disso, a SDR 5, na medida em que trata a mulher como
submissa, pode influir também a leitora da revista. O discurso
abordado é constituído pela sociedade e divulgado pelos meios
de comunicação, neste caso, pela revista, que sugere como deve
ser o comportamento da leitora, ou seja, a leitora da revista deve
ser submissa. Isso comprova uma das características aplicadas
à mídia feminina: sugerir comportamentos.
Ainda na formação imaginária das fãs, podemos ressaltar a
infantilidade como característica destas, como aponta a SDR 6,
Rocheli Regina Predebon Silveira
118
afinal meninas que necessitam ir acompanhadas por um
responsável ao show ainda não são responsáveis por seus
próprios atos. Também o fato de que este fragmento estabelece
uma idade para este público, ou seja, são meninas menores de
dezoito anos e que necessitam de um responsável para
frequentarem alguns lugares. Ainda, a SDR 6 sugere que a
leitora da Atrevida também é infantil, já que a revista tem um
público alvo com idade entre 10 e 19 anos. O uso do verbo
“implorar” remete ao pré-construído de que as crianças
“imploram” quando querem algo. A escolha verbal marca um
posicionamento ideológico e materializa a visão infantil da
leitora.
Sequencialmente, analisemos as SDR 7 e SDR 8, que mais
uma vez vão ditar um modelo de fã e influir na construção
identitária. Além disso, esses pontos podem incentivar ao
consumismo, pois para que as fãs sejam ‘estilosas’ e estejam
‘produzidas’ é necessário que tenham roupas, calçados,
acessórios, maquiagem, entre outros. O imaginário de fã
consumista, atenta às tendências de moda, é relevante para que
a fã sinta-se encorajada a consumir os produtos divulgados pelo
grande volume de anúncios presente na edição da revista. A
Atrevida precisa de seus anunciantes para se manter, e a
imagem de fã ‘estilosa’ é uma estratégia econômica. Também vai
ao encontro do que já foi dito neste trabalho: os adolescentes
são idealizados pela mídia como consumistas. Como vimos, a
Atrevida tem um público alvo pré-definido. Desta forma, pode-se
identificar nas sequências anteriores o modelo de leitora ideal,
ou seja, a leitora da revista é ‘estilosa’, ‘produzida’, ‘está na
moda’, etc., restringindo o público desta revista ou fazendo-o
adequar-se. Mais uma vez caímos no discurso consumista que a
revista deixa implícito nas entrelinhas.
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
119
7.2 A IMAGEM DA REVISTA SOBRE O REFERENTE, OS
JOVENS TALENTOS DA ONE DIRECTION
Começamos pelas SDR 9, SDR 10 e SDR 11. Essas
sequências discursivas revelam que a revista passa uma
imagem da banda como ‘irresistível’, não há a possibilidade de
alguém não gostar de seus componentes, ou seja, eles são os
melhores, ‘como alguém não vai gostar deles?’ Isso influi no
posicionamento das possíveis fãs da banda, afinal, todos gostam
deles, ‘como eu não vou gostar?’ E mais, estas meninas, mesmo
não gostando, são levadas a dizerem que gostam, porque, caso
contrário, não poderão fazer parte de um determinado grupo de
meninas cujo perfil é construído pela revista. O uso de
perguntas retóricas é uma marca interessante, utilizada para
reafirmar algo que já sabemos, e, neste caso, induzir a todos que
gostem do grupo musical.
Outro ponto a ser levantado é a submissão das fãs com a
banda. Na SDR 12, podemos ver que a revista impõe à banda
uma imagem de superioridade às meninas. Já que entendemos,
como sendo reis, ditadores de regras, de modos, e as meninas
simples súditas, devem segui-los rigorosamente. Além disso,
quando relacionamos a imagem de músicos como sendo reis,
concluímos que são os melhores músicos, aqueles que irão ser
eternamente lembrados pelas suas músicas, ou seja, One
Direction veio para ficar de vez no coração das pessoas.
As SDR 13, SDR 14 e SDR 15 trazem um pouco das
características dos antigos heróis: bons, corajosos, preocupados
com a sociedade. O que se entende perfeitamente se levarmos
em conta que as celebridades têm sido confundidas com os
heróis, pelo simples fato de que ainda vivemos a cultura do
‘mocinho’ que salva a ‘mocinha’, ou seja, ainda vivemos a
cultura do herói. Dessa forma, as celebridades estão ligadas
diretamente a feitios que podem ajudar a sociedade e, portanto,
são as celebridades diretamente ligadas aos mocinhos da
história. Ainda, os produtos biográficos constroem estratégias
discursivas para que as celebridades sejam vistas como heróis,
Rocheli Regina Predebon Silveira
120
confirmando que são referências para as pessoas, já que as
atitudes heroicas devem ser professadas.
7.3 A ANTECIPAÇÃO DA IMAGEM QUE AS FÃS/LEITORAS TÊM
DAS CELEBRIDADES
Dando continuidade, temos a SDR 16, que antecipa a
imagem que a fã tem da banda: a fã não vê outra possibilidade
sem ser a de amar incondicionalmente a banda One Direction,
não cabendo a possibilidade de ter algum sentimento diferente
do amor, nem havendo a possibilidade de amar outra banda.
Mais uma vez confirmamos o que diz a autora Luciane Lira
(2009) sobre revistas femininas para adolescentes, destacando o
caráter de manual de instruções de comportamentos. Já na
construção SDR 17, podemos perceber que há uma
generalização, em que todas as meninas esperam ir ao show dos
garotos, não há uma possibilidade de fãs que não gostem de
shows e queiram ficar em casa, sozinhas escutando as músicas
da banda. Fã que é fã tem que ir ao show, caso contrário não é
fã.
CONCLUSÃO
Assim, conclui-se que a revista busca criar padrões e
desenvolver estereótipos em seus leitores. Esses padrões
incentivam a criação de modelos padronizados de fãs e incitam a
submissão feminina perante o homem. Dessa forma, a revista
influencia diretamente na constituição da identidade dos
leitores, além das fãs da banda que por ventura venham a
comprar a revista.
Além disso, para contribuir com a criação de seus padrões e
estereótipos, a revista tenta passar para os leitores uma imagem
da banda para que as leitoras se tornem fãs, constituindo assim
o grupo One Direction como superior. Para isso, a revista
apresenta os rapazes como sendo reis a serem seguidos e, por
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
121
isso, ditam regras e modelos. Isso faz com que a banda seja
elevada ao patamar de heróis contemporâneos.
Podemos perceber também a incitação ao consumismo na
matéria analisada. A revista, ao delimitar um modelo de
fãs/leitores, e, incentivar a participação em shows, faz com que
as adolescentes comprem roupas, produtos de beleza e
acessórios para que possam adequar-se ao modelo imposto pela
revista. Da mesma forma, estabelecer que a fã vá aos shows
também é uma forma de indução ao consumismo.
A partir da análise das formações imaginárias, percebemos
que os valores impostos pela sociedade, e consequentemente
difundidos pela mídia, estão bem marcados no discurso da
revista Atrevida. Desde o estereótipo da mulher como submissa,
até a forma como deve se portar, além do discurso incentivador
ao consumismo. Podemos dizer que a mídia diretamente, ou
indiretamente, controla a sociedade, pois dita regras, modelos,
valores e padrões a serem seguidos. Confirmamos, assim, um
princípio da AD: o de que os sentidos vêm sempre
acompanhados de ideologias; portanto, a mídia não consegue
ser neutra.
REFERÊNCIAS
ATREVIDA. São Paulo: Editora Escala LTDA. nº 225. maio de
2013. 77 páginas.
ATREVIDA. Disponível em: <http://Atrevida.uol.com.br/>.
Acesso em: 15 abr. 2014.
BUITONI, D. S. Imprensa Feminina. São Paulo: Editora Ática,
1990.
CONTINI, M. de L. J.; KOLLER, S. H.; BARROS, M. N. dos S.
(org.). Adolescência e Psicologia: concepções, práticas e
reflexões críticas. Rio de Janeiro: Conselho Federal de
Psicologia, 2002. p. 16-32.
Rocheli Regina Predebon Silveira
122
FISCHER, R. M. B. Adolescência em discurso: mídia e
produção de subjetividade. 1996. 297f. Tese (Doutorado em
Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre. 1996.
HERSCHMANN, M.; PEREIRA, C. A. M. (org.). Mídia, memória e
celebridades: estratégias narrativas em contexto de alta
visibilidade. ed. 2. Rio de Janeiro: E-Papers, 2005. p. 7-19; 39-
62.
LIRA, L. C. E. Como se constrói uma mulher: uma análise do
discurso nas revistas brasileiras para adolescentes. 2009. 179f.
Dissertação (Mestrado em Linguística, área de concentração
linguagem e sociedade) - Universidade de Brasília, Brasília.
2009.
ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: Princípios &
Procedimentos. ed.6. São Paulo: Pontes, 2005.
ONE DIRECTION. Disponível em:
<http://onedirection.com.br/>. Acesso em: 15 abr. 2014.
PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. In: GADET, F.;
HAK, T. (Org). Por uma análise automática do discurso: uma
introdução à obra de Michel Pêcheux. ed. 3. Campinas: Editora
da UNICAMP, 1997.
REVISTA ATREVIDA. Disponível em:
<http://midiakit.escala.com.br/?page_id=32>. Acesso em: 22
nov. 2014.
PROPOSTA DIDÁTICA
1 Dados de Identificação:
Alunos: de 5º a 7º ano;
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
123
Duração: 2h.
2 Tema: Leitura e interpretação textual de uma reportagem
sobre a banda One Direction na revista Atrevida.
3 Conteúdo:
A construção discursiva da imagem da banda One Direcction e
das fãs em uma reportagem da revista Atrevida.
4 Objetivos:
Geral:
• Refletir sobre a construção discursiva da imagem da
banda One Direcction e das fãs em uma reportagem da revista
Atrevida.
Específicos:
• Tratar das relações entre o texto e seu contexto de
produção;
• Levar os alunos, através de atividades, a perceber o texto
como lugar de entrecruzamento de discursos;
• Fazer com que os alunos identifiquem, através do
intradiscurso, as formações imaginárias que a revista constrói
sobre a banda One Direction, e sobre as fãs da banda;
• Dialogar sobre a mídia funcionando como guia de
comportamento para meninos e meninas;
• Apresentar saberes sobre a banda One Direction e
famosos na mídia para que os discentes percebam quais já-ditos
conhecem sobre esse tema;
• Trabalhar a leitura em uma perspectiva discursiva;
• Incentivar os alunos a declararem seu posicionamento
em relação à temática discutida;
• Estimular o sujeito-leitor a estabelecer uma relação
crítica com as informações publicadas na reportagem da
Atrevida.
Rocheli Regina Predebon Silveira
124
5 Procedimentos:
1º passo
A ministrante irá se apresentar aos alunos e informará que a
oficina tratará da construção de celebridades e fãs na mídia.
Tempo estimado para a atividade: 5 minutos
2º passo
Para introduzir os alunos nas condições de produção imediatas,
primeiramente, a bolsista irá passar para os alunos o clipe da
música What Makes You Beautiful (link para baixar o vídeo com
a música: <http://www.youtube.com/watch?v=QJO3ROT-A4E>)
da banda One Direction. Dessa forma, o docente irá mobilizar a
memória discursiva dos alunos acerca do conhecimento que
estes têm sobre a banda e em seguida perguntará:
- Conhecem esta música?
- Onde conheceram esta música? Em que mídia? Em um
programa de televisão, em um programa de rádio, na internet,
em revistas, em jornais impressos?
- Conhecem a banda que canta esta música?
- Onde conheceram a banda? Em que mídia? Em um programa
de televisão, em um programa de rádio, na internet, em revistas
ou em jornais impressos?
- Sabem quem são os componentes da banda, sabem os nomes
deles?
- Conhecem alguma outra música da banda?
- Conhecem alguma banda parecida com esta?
A ministrante irá colar no quadro uma imagem da banda e,
então, à medida que os alunos forem falando sobre a banda, o
professor irá escrevendo ao redor desta imagem as respostas
dadas.
Tempo estimado para a atividade: 20 minutos, sendo 3m e 27s o
vídeo.
3º passo
Dando continuidade à mobilização da memória discursiva dos
alunos sobre a banda One Direction, a ministrante passará um
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
125
envelope que contêm tiras de papel com o histórico da banda
(Anexo 1). O envelope terá de passar de mão em mão, enquanto
toca a música Live While We’re Young; após alguns segundos, a
petiana irá parar a música e quem estiver com o envelope na
mão terá de tirar um papel e ler para os demais colegas, e assim
sucessivamente até terminarem os papéis. Na atividade anterior,
a mediadora anotou as respostas dos alunos no quadro, dessa
forma, ela irá confrontar as informações lidas pelos alunos com
as que estão no quadro, e, então, acrescentará informações que
ainda não foram dadas.
Para finalizar a atividade, a ministrante fará um apanhado das
informações para que os alunos fixem quem é a banda.
Tempo estimado para a atividade: 15 minutos.
4º passo
Após, para continuar a introduzir os alunos nas condições de
produção imediatas, mas agora mobilizando a memória
discursiva dos alunos acerca do conhecimento sobre a revista
Atrevida e sobre as celebridades, a ministrante usará a técnica
da cara-metade (Anexo 2). Serão entregues a alguns alunos
folhas pela metade que formam um par com outra metade.
Então os alunos deverão, em dois minutos, encontrar o seu par.
Após, a bolsista solicitará, através de uma numeração presente
nas folhas entregues, que leiam a pergunta e a resposta que as
folhas contêm. Para finalizar esta atividade, a ministrante
deverá fazer uma síntese das informações contidas nas cara-
metades.
Tempo estimado para a atividade: 20 minutos
5º passo
Nesta etapa, a mediadora, juntamente com os alunos,
analisarão o texto da revista Atrevida sobre a banda One
Direction (Anexo 3), publicado em maio de 2013, para que,
através de perguntas, a leitura seja guiada afim de que eles
vejam qual a imagem que a revista tem da banda, das fãs e das
leitoras Então, antes de entregar o texto será indagado:
Rocheli Regina Predebon Silveira
126
- Vamos, através de um texto da revista Atrevida, descobrir
como é a banda One Direction e como são as fãs desta banda?
A petiana entregará o texto aos alunos e, em seguida, falará
para eles: este texto foi retirado da revista Atrevida de maio de
2013, é uma reportagem de oito páginas que conta um pouco a
história da banda, fala sobre os componentes, também sobre os
novos projetos que o grupo, no momento da reportagem, estava
trabalhando, como o documentário e o livro. Além disso, um dos
repórteres da revista foi assistir a um show para contar como é,
este foi o trecho da reportagem escolhido para o trabalho de
hoje. Então, a bolsista pedirá que os alunos façam uma primeira
leitura do texto individualmente, em silêncio; após, fará uma
segunda leitura em voz alta para, em seguida, serem feitos os
questionamentos condutores da leitura:
- Segundo o texto, como é a banda One Direction?
- Através do trecho “Eles são os reis?, como a revista Atrevida
percebe os meninos da banda?
- Há alguma palavra, no trecho “Eles são os reis”, que reforce as
ideias que vocês estão apresentando?
- O que sabem sobre “reis”, o que já ouviram ou leram sobre
reis?
- Todo mundo conhece o cantor Roberto Carlos? A ele chamam
de rei, porque o chamam assim?
- O seguinte trecho “Como não amar?”, o que significa? Nesse
trecho, como a revista está percebendo, compreendendo,
apresentando a banda?
- Esse trecho está em forma de pergunta. Essa pergunta: “Como
não amar?” é o mesmo tipo de pergunta ‘Vocês vão pra casa
depois da aula?’. Qual a diferença entre esses dois tipos de
pergunta?
- Por que a revista usou uma pergunta retórica para falar da
banda?
- Conforme tudo o que falamos, qual a imagem que a revista
transmite da banda, aos leitores? Em outras palavras, como a
revista entende, vê, percebe a banda?
- Concordam com a forma como a revista apresenta essa banda?
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
127
- Quem são as fãs da banda, segundo o texto? Qual trecho do
texto indica quem são as fãs?
- Na frase “Só existe uma direção para chegar aos meninos da
One Direction na capital inglesa: basta seguir as meninas
“superestilosas” e ‘animadas’ que invadem as ruas em dia de
show.”. O artigo feminino “as” em “as meninas superestilosas”
indica que a revista está se referindo a algumas meninas ou a
todas as meninas fãs da banda? Se no lugar do artigo feminino
plural, tivéssemos apenas “meninas” ou “algumas meninas”,
como poderíamos interpretar essa frase?
- Acham que isso é verdade, todas as meninas fãs da banda são
‘estilosas’ e ‘animadas’?
- Se isso é verdade, quem não anda ‘super arrumada’ e
‘animada’ não pode ser fã da banda?
- No trecho “as meninas acatam a ordem direitinho”, o que
podemos indagar quando usamos a frase “acatam a ordem”? Em
que contexto é usada essa expressão? Não seria no militarismo,
em instituições que têm hierarquia como Exército, Aeronáutica e
Marinha? Nessas instituições, quem deve ‘acatar ordens’?
- Ao lembrarmos o que já sabemos, ouvimos sobre a expressão
“acatar a ordem direitinho”, como podemos interpretar a frase
na revista? Quem é o “soldado” e quem é o poderoso, a quem o
soldado deve obediência?
- No texto, tem várias palavras que estão no diminutivo:
“gostinho”, “bonitinho”, “direitinho”, “lentinha”, “beijinhos”.
Porque elas foram colocadas desta forma?
- Quando nós falamos com alguma criança pequena, geralmente
falamos no diminutivo: “ai que bonitinho”, “como é fofinho”, etc.;
por que falamos desta forma com os pequenos?
- Então, a partir dessa conversa, qual a imagem que a revista
tem das fãs? Ou melhor, como a revista percebe as fãs?
- Concordam com esta imagem que a revista fez das fãs?
Tempo estimado para a atividade: 45 minutos
Rocheli Regina Predebon Silveira
128
6º passo
Para finalizar a atividade, a ministrante fará um apanhado de
tudo que foi falado nesta aula e entregará para os alunos uma
folha (anexo 4) contendo algumas perguntas para que eles
respondam e entreguem.
Tempo estimado para a atividade: 15 minutos
6 Recursos:
Data show para apresentação em Power Point, fotocópia dos
exercícios do texto, quadro, giz, folhas de ofício em branco.
7 Observações (relato de experiência):
A partir do artigo intitulado “Celebridades na revista Atrevida:
análise discursiva”, desenvolvemos uma proposta didática, com
os preceitos da Análise do Discurso, a ser aplicada na educação
básica. A proposta destinada a alunos de 5º a 7º ano foi
desenvolvida duas vezes com estudantes de diferentes escolas
na cidade de Jaguarão, uma em 2013 e outra em 2014.
Na primeira aplicação, os alunos participantes tinham idade
entre 11 e 13 anos, por isso, acredito que a oficina tenha sido
aproveitada melhor por eles. Isso porque, as atividades criadas
(cara-metade e envelope que passou de mão em mão) são um
pouco infantis, o que, na segunda aplicação ficou bem claro. Os
estudantes participantes da segunda oficina, embora muito
participativos, demostraram não gostar dessas etapas, já que
suas idades eram de 13 a 15 anos.
Outro ponto importante a ser levado em conta é o 2º passo da
oficina, na proposta, primeiramente, a ministrante passaria o
clipe da música What Makes You Beautiful e, em seguida, faria
algumas perguntas aos alunos sobre o conhecimento prévio que
tinham sobre a banda One Direction. Também, colaria no quadro
uma imagem da banda, onde escreveria ao redor da imagem
todas as informações que os alunos tinham da banda. Em
nenhuma das aplicações da oficina foi possível colocar a imagem
e escrever as informações e isso não prejudicou o
desenvolvimento da oficina. Além disso, essa parte teria roubado
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
129
um bom tempo da oficina e, talvez, teria passado do tempo que
propomos.
Por fim, o mais surpreendente na aplicação da oficina, para
mim, foi a análise do texto. Os participantes conseguiram ter
uma boa interpretação do texto, além de alcançarem um
entendimento em conjunto das estratégias de utilização da
mídia para a indução ao consumismo e a um modo de vida
imposto para a sociedade. Esse dado tem relevância, uma vez
que, através dos preceitos da Análise do Discurso, pudemos
perceber os alunos participantes da oficina como sujeitos
críticos.
REFERÊNCIAS:
Atrevida. São Paulo: Editora Escala LTDA. nº 225. Maio de
2013. 77 páginas.
CONTINI, M. L. J.; KOLLER, S. H.; BARROS, M. N. S. (orgs.).
Adolescência e Psicologia: concepções, práticas e reflexões
críticas. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Psicologia, 2002. p.
16-32.
FISCHER, R. M. B. Adolescência em discurso: mídia e
produção de subjetividade. 1996. 297f. Tese (Doutorado em
Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre. 1996.
HERSCHMANN, M.; PEREIRA, C. A. M. (org.). Mídia, memória e
celebridades: estratégias narrativas em contexto de alta
visibilidade. ed. 2. Rio de Janeiro: E-Papers, 2005. p. 7-19; 39-
62.
LIRA, L. C. E. Como se constrói uma mulher: uma análise do
discurso nas revistas brasileiras para adolescentes. 2009. 179f.
Dissertação (Mestrado em Linguística, área de concentração
Rocheli Regina Predebon Silveira
130
linguagem e sociedade) - Universidade de Brasília, Brasília.
2009.
ROCHA, P. Jornalismo em primeira pessoa: a construção de
sentidos das narradoras da revista TPM. 2007. 155f. Dissertação
(Mestrado em Comunicação e Informação) - Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2007.
ANEXOS
Anexo 1 (histórico da banda)
▪ A 1D teve início no ano de 2010 na cidade de Londres,
Reino Unido.
▪ Os componentes da banda são: Harry Styles, Liam
Payne, Louis Tomlinson, Zayn Malik, e Niall Horan.
▪ A banda conheceu-se a partir de um reality show
musical, em que participaram cantando solo.
▪ O sucesso da banda veio apenas após o vazamento de
uma de suas canções na internet.
▪ Os meninos estão sendo comparados com a famosa
banda, The Beatles, também originária do Reino Unido.
▪ Até o momento, a banda possui dois álbuns gravados, o
primeiro gravado em 2011, e o segundo em 2012.
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
131
Anexo 2 (caras-metades)
Cara-metade 1 – Quem é a revista Atrevida?
Rocheli Regina Predebon Silveira
132
Cara-metade 2 – Quais são os temas abordados pela
revista Atrevida?
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
133
Cara-metade 3 – Quem são os leitores da revista
Atrevida?
Rocheli Regina Predebon Silveira
134
Cara-metade 4 – O que é uma celebridade?
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
135
Cara-metade 5 – Quais são as celebridade que aparecem
na revista Atrevida?
Rocheli Regina Predebon Silveira
136
Cara-metade 6 – Quais são as revistas que se parecem
com a Atrevida?
Celebridades na Revista Atrevida: análise discursiva
137
Anexo 3 (texto da revista Atrevida)
Rocheli Regina Predebon Silveira
138
Anexo 4 (atividade final)
A imagem da banda One Direction e das fãs da banda em uma
reportagem na revista Atrevida.
Aluno:
Série:
A revista Atrevida apresenta a banda One Direction como
“reis”. Você concorda ou discorda?
A revista Atrevida apresenta as fãs como meninas
“superestilosas” e “animadas”. Você concorda ou discorda?
O que você acha da revista Atrevida apontar a banda One
Direction como superior e as fãs como inferiores?
NOTAS
1 Artigo produzido em 2014 sob concessão de bolsa pelo Programa de Educação Tutorial (PET) Letras da Universidade
Federal do Pampa, Câmpus Jaguarão, e, em versão inicial,
publicado nos anais do 3º Congresso Internacional Linguagem e
Interação, ocorrido na Universidade do Vale dos Sinos em São
Leopoldo, no ano de 2015.
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
139
MANIFESTAÇÕES DE JUNHO EM
VEJA E CARTA CAPITAL: ANÁLISE
DISCURSIVA DOS SENTIDOS DE
POVO
Millaine de Souza Carvalho1
RESUMO: A presente pesquisa, com base na Análise de
Discurso de linha francesa, objetiva refletir acerca do imaginário
de povo nas reportagens de capa das revistas Veja e Carta
Capital, de 26 de junho de 2013, cujo tema são as
manifestações ocorridas no mês de junho no Brasil. No nível do
intradiscurso, atentamos ao modo como as revistas referenciam
o povo. Para tanto, focalizamos as denominações realizadas
pelas revistas, como a oposição “manifestantes” versus vândalos
e as expressões que as delimitam, como quantificadores e
adjetivações de povo. No nível do interdiscurso, percebemos
quais sentidos de Povo estão presentes nas sequências
discursivas de referências extraídas dessas revistas.
PALAVRAS-CHAVE: Povo; Veja; Carta Capital; Análise de
Discurso.
Millaine de Souza Carvalho
140
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
141
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa, com base na Análise de Discurso
(doravante AD) de linha francesa, objetiva refletir sobre o
imaginário de povo em matérias jornalísticas publicadas nas
revistas Veja e Carta Capital, datadas de 26 de junho de 2013. O
corpus é formado por sequências discursivas de referência
(doravante SDR) retiradas da reportagem de capa da revista
Veja, Os sete dias que mudaram o Brasil, e da reportagem de
capa da revista Carta Capital, Parem de subestimar o povo:
ninguém controla a rua, cujo tema são as manifestações de
junho ocorridas no Brasil.
Atentamos aos sentidos de povo em discursos de revistas
vinculadas a posições ideológicas distintas, pois compreendemos
que a noção de Povo abriga diferentes formações imaginárias e
efeitos de sentido (ORLANDI, 2006). No nível do intradiscurso,
focalizamos o modo como as revistas referenciam o povo. Para
tanto, demos vista às denominações, como oposição
manifestantes versus vândalos e as expressões que as
delimitam, por exemplo: quantificadores e adjetivações de povo.
No nível do interdiscurso, percebemos quais sentidos de povo
estão presentes nas SDR extraídas dessas revistas.
Primeiramente, apresentaremos conceitos da AD relevantes
para elaboração deste trabalho, como intradiscurso,
interdiscurso e memória discursiva. Seguidamente,
descreveremos a noção de povo a partir da perspectiva
discursiva (ORLANDI, 2006). Após, as condições de produção
imediatas e sócio-históricas nas quais os discursos analisados
foram realizados. Por fim, iremos expor a análise discursiva do
corpus, no qual observamos a rede parafrástica utilizada pelas
revistas para referirem-se a povo, bem como os quantificadores
desse movimento social, a oposição manifestantes versus
vândalos e as adjetivações de povo. Assim, contrastaremos as
expressões linguísticas frente às formações imaginárias das
revistas sobre os manifestantes, de modo a
Millaine de Souza Carvalho
142
dessuperficializarmos a materialidade linguística e partirmos
para a discursividade.
1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Análise de Discurso é uma subárea da Linguística que tem
como objeto de estudo o discurso pensado em relação às
determinações sociais. A AD interessa-se pelo discurso que,
segundo esta teoria, é palavra em movimento (ORLANDI, 2005),
objeto sócio-histórico que está na relação entre o homem e o
mundo.
Para a AD, mensagem não é mera transmissão de
informação, pois emissor e receptor constroem-se juntos, daí
propõe-se pensar em discurso. Discurso é definido, então, como
“efeito de sentido entre locutores” (PÊCHEUX apud ORLANDI,
2005, p. 21). Um discurso sempre possui particularidades, seu
funcionamento não seria possível sem contrapormos “social” e
“histórico”, “sistema” e “realização”, “subjetivo” e “objetivo”,
“processo” e “produto” (ORLANDI, 2005).
Para compreender a produção de sentidos nos discursos, a
AD considera as condições de realização da linguagem, tais
como: formação discursiva, imaginária, social e ideológica.
Assim, o analista de discurso precisa relacionar o texto às
condições de produção imediatas e sócio-históricas, percebendo
de que modo a língua é imbricada de ideologia e como essa
ideologia manifesta-se na língua.
A AD compreende que “a materialidade específica da ideologia
é o discurso e a materialidade específica do discurso é a língua
[...] [e] trabalha a relação língua-discurso-ideologia.” (ORLANDI,
2005, p. 17). Afinal, não existe discurso sem sujeito e sujeito
sem ideologia (PÊCHEUX, 1975, apud ORLANDI, 2005). Dessa
maneira, através do discurso, podemos perceber a relação
existente entre língua e ideologia. Essa disciplina busca
compreender a língua não enquanto sistema, mas enquanto
materialidade de efeitos de sentido produzidos nos processos
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
143
discursivos que, por sua vez, são caracterizados pelos encontros
e desencontros de posições ideológicas.
Pensando o sentido, então, “a Análise de Discurso reúne três
regiões do conhecimento em suas articulações contraditórias: a.
a teoria da sintaxe e da enunciação; b. a teoria da ideologia e c.
a teoria do discurso” (ORLANDI, 2005, p. 25). A AD ainda
recorre à noção de sujeito da Psicanálise, logo, considera que o
sujeito produz seu discurso influenciado por seu inconsciente.
Também importa destacar que a AD não concebe a linguagem
sendo unívoca. Segundo essa teoria, “não podemos não estar
sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade”
(ORLANDI, 2005, p. 9). De modo que não podemos atentar à
linguagem de modo isolado e considerá-la homogênea e
transparente, pois, na perspectiva discursiva, ela é heterogênea,
espaço de equivocidade. Ademais, as análises discursivas não
separam forma e conteúdo, percebem a língua não como
estrutura, mas como acontecimento. Na perspectiva da AD, a
linguagem somente é linguagem por fazer sentido e por estar
inserida na história.
Assim sendo, a AD visa entender como um elemento
simbólico produz efeitos de sentidos, e como ele está permeado
de significância para/por sujeitos. Segundo Orlandi, a noção de
povo, a partir da perspectiva discursiva, “[...] extrapola a noção
universalizante pois é histórica por excelência e não cabe no
discurso que corresponde a cálculos porque é atravessada por
uma indeterminação fundamental” (ORLANDI, 2006, p. 09). A
palavra povo, ainda, não deve ser utilizada de modo
homogeneizante, pois não podemos desconsiderar a existência
de heterogeneidade discursiva. A expressão heterogeneidade
discursiva é utilizada pela AD para evidenciar o quão um
discurso é permeado por outros discursos.
2 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO
Partindo do princípio de que elementos externos ao discurso,
tais como contexto histórico2, historicidade3, memória discursiva
Millaine de Souza Carvalho
144
e formação imaginária, discursiva, ideológica e social, estão
diretamente relacionados ao discurso, existindo assim uma
heterogeneidade discursiva, ao analisamos um discurso
devemos atentar para as condições de produção imediatas e
sócio-históricas nas quais este é realizado. Desse modo,
apresentaremos informações acerca das revistas Veja e Carta
Capital, contemplando as condições de produção dos discursos
analisados.
2.1 REVISTA VEJA
A revista Veja foi fundada por Roberto Civita, filho de Vitor
Civita, pertencente ao Grupo Abril do Brasil. No ano de 1968, a
Editora Abril, uma das maiores editoras do país, possuía
condições de produzir uma revista por semana, propiciando o
lançamento da revista Veja, sendo seu nome relacionado ao
modo imperativo do verbo “ver”.
Veja é a revista nacional com maior circulação do Brasil. Na
escala mundial, segundo Augusti (2005), está entre as revistas
de maior relevância. O público padrão dessa revista são
indivíduos com grau de escolaridade acima da média nacional,
ou seja, a elite brasileira.
A revista Veja apresenta-se como detentora de
conhecimentos, possuidora de autoridade para falar, legitimada
por seu status. Apresenta a “verdade” para seus leitores, sem
necessidade de que busquem outras fontes para obter
informação. Além disso, seu discurso é de perfil performativo,
em que o jornalismo é proposto de modo normatizador.
Essa revista tem o intuito de fazer com que seus leitores
acreditem que somente serão bem-sucedidos ao passo que
desempenhem as atitudes propostas em Veja. De acordo com
Nascimento, citado por Augusto (2005), o discurso de Veja é
altamente explicativo, de modo que ela
procura “explicar” as coisas do mundo para seus leitores
e, para isso, recorre freqüêntemente (sic) ao “conhecimento
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
145
legitimado”, por meio de vozes consideradas autorizadas
[...] e dados comprobatórios [...]. Explicar, adiantamos, é
próprio de quem julga deter um saber (NASCIMENTO,
2002, p. 174, apud AUGUSTO, 2005, p. 80).
Veja vale-se de fontes nacionais e internacionais para
legitimar suas reportagens, apresentando-se como especialista
em assuntos nacionais e internacionais, conjecturando quais os
melhores saberes para seu leitor. No discurso explicativo de
Veja, percebe-se a proporcionalidade entre poder e saber, dado
ao fato de as relações de poder que exerce serem fundamentadas
pela manipulação de um saber positivado.
Uma estratégia discursiva utilizada por esse veículo de
comunicação é a não utilização do “eu”, mas sim, “Veja”. Essa
estratégia, denominada embreagem, permite a substituição da
primeira pessoa do singular pela terceira pessoa do singular,
neutralizando, assim, efeitos de proximidade.
2.2 REVISTA CARTA CAPITAL
A revista Carta Capital (doravante CC) foi lançada em 1994
pelo jornalista Mino Carta. A Editora Confiança, responsável
pela publicação da revista CC, foi fundada no ano de 2001; suas
publicações, em princípio, eram mensais, logo, passaram a ser
quinzenais e, no ano de 2011, seu fundador decide fazer de sua
edição semanal. Essa revista aborda temas de atualidade, como
os voltados à economia, à política, à cultura.
Segundo informações extraídas do site do periódico, a revista
é leitura obrigatória para aqueles que buscam não apenas
informação, mas criticidade perante fatos, acontecimentos. Foi
criada visando à produção de um jornalismo fiel à verdade de
acontecimentos, fiscalizador dos poderes públicos, judiciários,
civis e incentivador à criticidade de seus leitores. Ainda, de
acordo com a revista, o projeto editorial da CC é diferente do das
demais revistas brasileiras, pois é dividida em seções, nas quais
Millaine de Souza Carvalho
146
são discutidos assuntos referentes ao cotidiano da população
brasileira.
De acordo com dados dos Estudos Marplan/EGM, de janeiro
a dezembro de 2012 – AS, 10 anos – 13 mercados, a revista CC
possui tiragem de 65 mil exemplares impressos semanalmente,
alcançando uma média de 230 mil pessoas, ou seja, sua tiragem
é inferior a das revistas com maior circulação nacional.
Constata-se, a partir deste estudo, que seu público alvo é
pertencente à classe média escolarizada, que procura
compreender, através de diversas mídias, como ocorreu um
dado acontecimento.
A revista propõe-se a uma postura de transparência na
abordagem das notícias, algo contestado pela AD. Para essa
teoria, o analista de discurso não deve atentar-se somente ao
óbvio, às aparências, ao transparente, afinal, segundo Pêcheux
(2010, p. 53-4), o
efeito de opacidade (corresponde ao ponto de divisão do mesmo e da metáfora), que marca o momento em que os
‘implícitos’ não são mais reconstrutíveis, é provavelmente
o que compele cada vez mais a análise de discurso a se
distanciar das evidências da proposição, da frase e da
estabilidade parafrástica, e a interrogar os efeitos
materiais de montagens de sequências, sem buscar a princípio e antes de tudo sua significação ou suas
condições implícitas de interpretação.
Conforme informações obtivas no site oficial da CC, no ano de
2008, a revista associou-se à The Economist, revista inglesa de
influência internacional, por isso deve publicar matérias
exclusivas desse periódico. A CC, também publica,
regularmente, conteúdos do The Observer, um dos mais
renomados semanários do Reino Unido.
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
147
3 ANÁLISE DO CORPUS
A reportagem de capa da revista Veja, Os sete dias que
mudaram o Brasil, e a da revista Carta Capital, Parem de
subestimar o povo: ninguém controla a rua, compõem o corpus
discursivo desta análise. Elas foram publicadas em 26 de junho
de 2013 e abordam a temática das Manifestações de Junho
ocorridas no Brasil. Antes de prosseguirmos a análise no nível
do intradiscurso, gostaríamos de ressaltar algumas informações
referentes à memória discursiva, indispensáveis à compreensão
dos efeitos de sentido de povo no discurso analisado. É
necessário entender a memória discursiva como
aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento
a ler, vem restabelecer os “implícitos” de que sua leitura
necessita: a condição do legível em relação ao próprio
legível (PÊCHEUX, 2010, p. 52).
Primeiramente, analisaremos as SDR retiradas da revista
Veja e, em seguida, as SDR extraídas da revista Carta Capital.
Optamos por organizar esta análise relacionando o conceito de
povo presente nas SRD de cada seminário. Para tal, dividimos a
análise em três seções: quantificadores e intensificadores;
manifestantes versus vândalos; e, delimitação de povo.
3.1 ANÁLISE DISCURSIVA DA REVISTA VEJA
Para iniciarmos a presente análise, apresentaremos os
quantificadores utilizados por Veja na reportagem de capa
citada anteriormente, bem como abordaremos o modo como a
revista distingue manifestantes de vândalos. Por fim,
atentaremos para o modo como tal veículo de comunicação
adjetiva povo.
Millaine de Souza Carvalho
148
3.1.1 Quantificadores e intensificadores
SDR 1: “[...], todo mundo sentiu que a coisa era bem maior.
Tão maior, mais inebriante, mais mobilizadora, mais
assustadora e mais apaixonante que, em uma semana,
multidões bem acima de 1 milhão de pessoas jorraram Brasil
afora na histórica noite de quinta-feira.” (p. 61).
SDR 2: “Dilma Rousseff assistiu perplexa, do Palácio do
Planalto, à maior manifestação popular desde as Diretas Já.” (p.
67).
SDR 3: “Um levantamento feito pelo Departamento de
Inteligência e Pesquisa de Mercado da Editora Abril [...] apontou
que a quase totalidade dos brasileiros está disposta a
continuar nas ruas [...].” (p. 70).
Nas SDR 1 e 3, percebemos, no fio do discurso, a presença
de expressões totalizadoras, tais como: “todo mundo” (SDR 1) e
“a quase totalidade dos brasileiros” (SDR 3). A SDR 1 refere-se
ao impacto das manifestações na realidade brasileira, ao fato de
a maioria das pessoas perceberem que a manifestação pelo
passe livre em São Paulo era o início de um grande movimento
contestatório. Essa sequência diz respeito à impossibilidade de o
Povo ficar indiferente a esse acontecimento.
As expressões intensificadoras de adjetivos “tão maior, “mais
inebriante”, “mais mobilizadora”, “mais assustadora” e “mais
apaixonante” corroboram a força do acontecimento: este não só
é percebido pela maioria dos brasileiros; o povo interpreta o
ocorrido como um fato histórico, um marco na história
brasileira. Cabe perguntar por que Veja se vale dessas
expressões totalizadoras e intensificadoras para se referir ao
movimento.
O intradiscurso em relação com o interdiscurso indicia que
Veja está significando as manifestações de junho como uma
revolução, uma transformação, por isso os manifestantes serem
vistos pela revista como os agentes dessa grande mudança, os
sujeitos capazes de revolucionar sua história. Na SDR 2,
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
149
notamos a utilização da expressão intensificadora “a maior”. Tal
utilização deve-se ao fato de a revista Veja significar a
manifestação popular de junho como um acontecimento
histórico. Assim, percebemos que Veja significa povo como
sujeito capaz de mudar sua própria história.
3.1.2 Manifestantes versus vândalos
SDR 4/6: “Esqueçamos os vândalos e os anarquistas, gente
que não estava lutando por um governo melhor, mas por
governo nenhum – o que é uma estupidez. A revolução
verdadeira foi a que começou a ser feita pelos brasileiros que
foram às ruas protestar por estar sendo mal governados.” (p.
67).
SDR 5/7: “TENSÃO NA ESPLANADA Multidão se aproxima
do Itamaraty, atacado por vândalos minutos depois.” (p. 68).
SDR 6/8: “‘Naquele momento, 50 000 manifestantes
desciam a Esplanada dos Ministérios rumo à Praça dos Três
Poderes, enquanto um grupo tentava entrar à força no
Congresso.” (p. 68).
SDR 7/12: “Petistas apanharam da multidão [...].” (p. 69-70).
Na SDR 4, a revista Veja tem o cuidado de diferenciar
“brasileiros” de “vândalos” e “anarquistas”. Na SDR 5,
“multidão” e “vândalos” não se confundem. O mesmo recurso é
utilizado na SDR 6, em que os manifestantes desceram, de
modo pacífico, a Esplanada dos Ministérios, enquanto “um
grupo” recorria à violência. Essas sequências mobilizam a
memória dos leitores acerca do modo como outros veículos de
comunicação tratam os manifestantes enquanto vândalos e
baderneiros.
Veja rompe com essa memória, tentando se colocar como um
veículo que vê de maneira positiva e heroica o povo, pois só
assim ele é capaz de transformar a realidade na qual está
inserida. Todavia, a língua é lugar de equívoco, falha, e na SDR
7, pode-se observar a existência de contradição. A revista deixa
Millaine de Souza Carvalho
150
de se opor a outros veículos que tratam manifestantes como
vândalos e passa a assumir a mesma posição ideológica da qual
tentava se afastar. Desse modo, percebemos que Veja tem o
intuito de distinguir manifestantes de vândalos, pois ela concebe
os manifestantes como heróis capazes de mudar sua história e
vândalos enquanto “gente que não estava lutando por um
governo melhor, mas por governo nenhum”.
Considerando, então, que os movimentos sociais ocorridos
em junho foram um marco na história do Brasil, Veja possui o
imaginário de povo como antagônico a vândalos. Afinal, se Veja
não tivesse distinguido manifestantes de vândalos, estaria
negando seu posicionamento de que povo é herói, pois na sua
concepção de herói não é aceito o vandalismo. Percebemos que
Veja concebe povo, nas SDR acima analisadas, como não sendo
vândalo e anarquista, apesar ser evidente uma contradição
nessa concepção (SDR 7).
3.1.3 Delimitação de povo
SDR 8/3: “A presidente acuada, as instituições em estado de
estupor, os políticos desaparecidos e a turbamulta subindo a
frágil passarela do Palácio Itamaraty criaram outro
sentimento estarrecedor: é muito fácil quebrar o vidro que
separa a ordem do caos.” (p. 61).
SDR 9/4: [...] o governo tenta achar formas de ganhar tempo
e vislumbrar um plano para serenar a fúria do povo nas ruas
brasileiras.” (p. 67).
SDR 10/5: “O que as ruas brasileiras abrigaram na semana
passada foram multidões de libertários independentes não
ideológicos cansados de corrupção e de descaso.” (p. 67).
SDR 11: “O PT assistiu, pasmo e impotente, a um território
que antes lhe pertencia ser tomado por uma multidão não
apenas imune aos seus comandos, mas também resistente à
sua presença [...].” (p. 69).
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
151
A expressão multidão, nessas sequências, vem acompanhada
de adjetivos ou orações qualificadoras. Na SDR 8, tem-se a
presença de quatro sujeitos sintáticos para o verbo “criaram”,
sendo eles: “[a] presidente acuada”, “as instituições em estado
de estupor”, “os políticos desaparecidos”, e “a turbamulta”. A
expressão “turbamulta”, tendo como significado um grande
número de pessoas, é utilizada como correferente a Povo, sendo
que este povo, em conjunto com os demais sujeitos, é
responsável por “quebrar o vidro que separa a ordem do caos”.
Logo, vê-se, novamente, que a revista se contradiz ao significar
povo, no caso, como agente do caos.
Na SDR 9, é possível notar a utilização do substantivo “fúria”
e “fúria do povo”. Na SDR 5, notamos o uso de adjetivações à
multidão. De acordo com Veja, os manifestantes são “libertários
independentes não ideológicos cansados de corrupção e de
descaso”. Na SDR 11, percebemos o quão a ideologia de Veja
está presente em seu discurso. Afinal, ela afirma que a multidão
não está apenas imune aos “comandos” do atual governo,
Partido dos Trabalhadores (doravante PT), mas o quanto ela
(Multidão) é “resistente à sua presença”. Percebemos, também,
na SDR 11, qual o efeito de sentido produzido pela utilização do
verbo comandar. O verbo comandar remete às forças armadas, à
repressão. Desse modo, percebemos o quão a linguagem não é
transparente, mas sim que, através da memória discursiva, vem
a reestabelecer os elementos pré-construídos presentes no
discurso da revista Veja.
Assim, percebemos que Veja apresenta o “descontentamento”
dos manifestantes perante o governo PT. Através da SDR 11, na
qual aparece “resistente à sua presença”, notamos a constante
tentativa de Veja de mostrar os problemas do PT como sendo a
causa das manifestações. Desse modo, nas SDR 3, 4, 5, 11 Veja
significa povo enquanto grupo de indivíduos possuidores de
consciências, indivíduos que sabem por quais motivos estão
reivindicando. Bem como o quanto o povo é capaz de fúria, de
resistência, o povo sendo apartidário, afinal, concebe os
manifestantes como sendo “libertários independentes não
Millaine de Souza Carvalho
152
ideológicos”, sendo eles esclarecidos quanto à situação política
do Brasil, desobedientes ao PT.
Veja busca apresentar as manifestações como sendo contra o
partido da presidência, assim, uniformiza o movimento, confere
uma unidade, aspecto relevante para que o imaginário de
movimento contestatório transformador tenha legitimidade.
Dizendo de outra forma, a recusa da heterogeneidade do
movimento é um processo discursivo necessário para que Veja
possa mitificar o povo.
3.2 ANÁLISE DISCURSIVA DA REVISTA CARTA CAPITAL
3.2.1 Totalizadores e Quantificadores
SDR 1: “Parem de subestimar o povo.” (Capa).
SDR 2: “A massa incontrolável.” (p. 24).
SDR 3: “Protestos Os atos se multiplicam em escala
imprevisível, assim como as tentativas de manipulação dos
rebeldes. A insatisfação difusa dos jovens desafia os governos
e os partidos.” (p. 24).
SDR 26: “Uma coisa é certa. Há décadas este país não tem
uma geração de jovens tão politizada, corajosa e brilhante
quanto esta que levou a cabo as manifestações.” (p. 33).
Carta Capital, assim como Veja, traz a proporção das
manifestações ocorridas em junho, mas, diferentemente de Veja,
as apresenta em uma proporção maior. De modo que, no
discurso da revista CC, percebe-se uma minimização do
movimento social, fator relacionado diretamente à posição
ideológica de esquerda da CC. Na SDR 1, percebemos a
utilização do artigo definido “o” e na SDR 2 a utilização do artigo
definido “a”. Tais elementos generalizadores produzem efeitos de
sentido de que todo povo é subestimado e incontrolável. Na SDR
3, notamos a utilização de “insatisfação difusa dos jovens”. CC
apresenta as manifestações populares como sendo difusas. Na
SDR 26, notamos o uso do intensificador “tão” incidindo sobre
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
153
uma enumeração de adjetivos, de modo que os jovens
manifestantes são, de acordo com CC, intensamente politizados,
corajosos e brilhantes.
Assim, nas SDR 1, 2, 3, 26, a revista Carta Capital significa
povo como sendo jovem, sábio, porém seu saber não é
reconhecido, pois é subestimado. O povo é significado como
incontrolável, forte, resistente, rebelde, politizado, corajoso,
brilhante. Além de a revista Carta Capital, apesar de não
apresentar as manifestações de junho como sendo um marco na
história do Brasil, enaltecer os manifestantes, na SDR 26,
significando-os como heróis.
3.2.2 Manifestantes versus vândalos
SDR 8: “Punks e anarquistas hostilizaram manifestantes
com bandeiras do Brasil.” (p. 25).
SDR 11: “Se antes os manifestantes eram retratados
indistintamente como ‘vândalos’ e os editoriais clamavam pela
repressão da PM, a mídia passou a tratar os casos de
depredação de forma mais isenta: fatos isolados, causados por
pequenos grupos.” (p. 27).
SDR 13: “No Rio, Sérgio Cabral viu-se constrangido diante do
desespero de policiais a disparar com fuzis para o alto na
tentativa de repelir manifestantes que depredavam o prédio da
Assembleia Legislativa fluminense na segunda 17.” (p. 28).
Na SDR 8, percebemos que a revista Veja distingue “Punks e
anarquistas” de “brasileiros”. Na SDR 11, ela separa
“manifestantes” de “pequenos grupos”, estes responsáveis pelas
depredações ocorridas nas manifestações de junho. Na SDR 13,
a revista tem o cuidado de informar que existe mais de um tipo
de “manifestantes”. Tal diferenciação pode ser percebida através
da utilização do pronome relativo “que”. Desse modo, notamos
que a SRD 13 é uma oração subordinada adjetiva restritiva. Na
SDR 8, constatamos que a revista CC significa povo como não
sendo punk e anarquista. Na SRD 11, povo não é vândalo e na
Millaine de Souza Carvalho
154
SDR 13 percebemos, através do pronome relativo em destaque,
que existe uma parcela do povo que é responsável por
depredações, não havendo assim, generalização.
3.2.3 Delimitações de povo
SDR 2: “A massa incontrolável.” (p. 24).
SDR 7: “Os integrantes do MPL apresentam-se como
apartidários, mas não antipartidários. São militantes de
esquerda, dizem, irritados como os ‘parasitas’ interessados em
manipular os jovens mobilizados para abraçar as mais
variadas bandeiras, da redução de impostos ao impeachment da
presidenta Dilma Rousseff.” (p. 25).
SDR 11: “Ao atrair jovens de classe média escandalizados
com a repressão policial, também os jornais e emissoras de
tevê passaram a demonstrar simpatia pelos rebelados.” (p. 27).
SDR 14: “O perfil apartidário de boa parte dos jovens e o
caráter difuso das reivindicações intrigam governantes e
analistas.” (p. 28).
SDR 23: “Os manifestantes foram de uma racionalidade
admirável.” (p. 32-33).
SDR 27: “Mais do que tentar ensinar aos manifestantes o que
e como fazer, censurando-os por não lutarem como até agora se
lutou, cabe admirar a sensibilidade desses jovens em
compreender o modo dos embates do futuro. Diante deles só
cabe dizer: ‘Confiamos em vocês. Vocês demonstraram força e
inteligência. Sigam em frente. A verdadeira democracia é
barulho e luta.” (p. 33).
Nas SDR 2, 5, 7, 9, 11, 14, 23 e 27 notamos a presença de
adjetivações de povo. Desse modo, existem, nessas sequências,
delimitações de qual é o imaginário de povo da revista Carta
Capital. Na SDR 1, o adjetivo “incontrolável” é atribuído à
designação “massa”. Percebemos que a revista CC apresenta as
manifestações de junho como sendo um movimento de jovens,
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
155
para isso, tomemos, por exemplo, a SDR 5, na qual é utilizada a
designação “jovens rebelados”.
Na SDR 7, CC afirma que os integrantes do Movimento Passe
Livre (MPL) apresentaram-se como apartidários, somente, não
como antipartidários, havendo assim a aceitação de partidos
políticos, diferentemente do que afirma a revista Veja, afinal
essas revistas possuem formações discursivas opostas. Na SDR
7, percebemos, também, a utilização da designação “jovens
mobilizados”, cuja luta é por diversas causas sociais. Na SDR
14, CC afirma que esse movimento possuiu caráter difuso. Na
SRD 11, constatamos que CC aponta o movimento de junho
como sendo de jovens de classe média, ou seja, ela determina
qual é o perfil dos jovens participantes do movimento. Na SDR
14, também reparamos que CC afirma que “boa parte” dos
manifestantes possui “perfil apartidário”. Na SRD 23, pode-se
perceber a existência de contradição, afinal
nem o discurso é visto como uma liberdade em ato,
totalmente sem condicionamentos linguísticos ou
determinações históricas, nem a língua como totalidade fechada em si mesma, sem falhas ou equívocos.
(ORLANDI, 2005, p. 22).
CC afirmou anteriormente que os manifestantes participantes
das mobilizações de junho eram inexperientes no que se refere a
reivindicações e que elas (mobilizações) possuíram caráter
difuso. Todavia, se os manifestantes eram de “primeira hora” e
tais mobilizações possuíram caráter “difuso”, como estes
poderiam possuir uma “racionalidade admirável”, conforme a
SDR 23. Na SDR 27, CC afirma que os participantes das
manifestações de junho não lutaram “como até agora se lutou”.
Desse modo, percebemos que CC não considera as
manifestações de junho como sendo um marco na história
brasileira. Porém, os trata como heróis, adjetivando-os como
sensíveis, inteligentes, fortes, demonstrando confiança nesses
jovens.
Millaine de Souza Carvalho
156
Assim, constatamos que o imaginário de povo presente nas
SDR 2, 5, 7, 9, 11, 14, 23, 27 é de que povo é jovem. Nessas
SDR, presentes na revista Carta Capital, povo é concedido como
jovens de classe média. Eles lutam por diferentes causas sociais,
são incontroláveis, fortes, resistentes, rebelados, mobilizados,
apartidários, racionais, inteligentes, têm perspectivas para seus
futuros, apesar de, segunda CC, não terem lutado como até
agora se lutou.
CONCLUSÃO
Atentando a discursos vinculados a revistas com
posicionamentos ideológicos divergentes, pode-se postular que a
noção de povo abriga diferentes formações imaginárias e efeitos
de sentido, tal como afirma Orlandi (2006). As reportagens de
capa analisadas permitiram-nos perceber a tensão existente
entre paráfrase e polissemia na linguagem, pois ambas as
revistas significam povo como símbolo de resistência e sujeitos
politizados. Entretanto, as formações imaginárias sobre povo
divergem, pois são decorrentes de posicionamentos antagônicos
das revistas sobre os partidos de esquerda e presidência.
Percebemos que Veja generaliza o movimento social de junho,
de modo que para tal revista a causa principal desse movimento
é a situação política atual do Brasil. As manifestações
populares, na visão de Veja, trazem à tona uma série de
indignações populares e põem em dúvida o sucesso do governo
petista. Veja significa povo enquanto sujeito capaz de mudar sua
própria história, ser excluído da política brasileira, sujeito
politizado, resistente, herói, explorado, destituído de seus
direitos, vítima. O povo em Veja possui memória de sofrimento.
Na visão da revista Carta Capital, notamos que as
manifestações ocorridas no mês de junho, no Brasil, não foram
um marco na história brasileira. Na reportagem de CC
analisada, constatamos que essa revista não se vale de
generalizações da revolta, tal como faz Veja. Diferentemente de
Veja, CC designou tais manifestações como sendo difusas.
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
157
CC significa Povo enquanto jovem, de classe média, sábio,
porém seu saber não é reconhecido. Em tal revista, o Povo luta
por diversas causas sociais, porém não sabe aonde quer chegar,
apesar de ter perspectiva de seguir lutando. Na reportagem de
capa de CC analisada, o povo não lutou contra o governo PT,
além de não ter lutado como até agora já se lutou. Assim, na
CC, povo é ser subestimado, incontrolável, forte, resistente,
rebelde, mobilizado, inteligente, apartidário, politizado, corajoso,
brilhante, esclarecido, não é vândalo.
REFERÊNCIAS
AUGUSTI, A. R. Jornalismo e comportamento: os valores
presentes no discurso da revista Veja. 2005. Dissertação
(Mestrado em Comunicação e Informação), Faculdade de
Biblioteconomia e Comunicação, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: 2005.
BARROCAL, A.; MARTINS, R. A massa incontrolável. Revista
Carta Capital. São Paulo: Editora Confiança, ano18, n. 754, 26.
jun. 2013.
PÊCHEUX, M. Papel da memória. In: ACHARD, Pierre;
DAVALLON, Jean. et. al. Papel da memória. 3. ed. Trad. José
Horta Nunes. Campinas: Pontes Editores, 2010. p. 49-56.
ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e
procedimentos. 6. ed. Campinas: Pontes Editores, 2005.
OS SETE dias que mudaram o Brasil. Revista Veja. São Paulo:
Editora Abril, ano 46, n. 26, 26. jun. 2013.
PROPOSTA DIDÁTICA
1 Dados de identificação
Alunos: de 5º a 8º ano;
Millaine de Souza Carvalho
158
Duração: 1h30min
2 Tema:
Sentidos da palavra povo.
3 Conteúdo
Leitura e interpretação de trechos retirados das reportagens de
capa das revistas Veja e Carta Capital.
4 Objetivos:
Geral:
• Trabalhar leitura em uma perspectiva discursiva.
Específicos:
• Demonstrar aos alunos o quanto as formações
ideológicas, discursivas, sociais, e imaginárias de uma mídia
influenciam na realização de seus discursos;
• Problematizar, junto aos alunos, possíveis interpretações
acerca dos diferentes sentidos de povo;
• Promover reflexão acerca da não existência de
neutralidade textual;
• Possibilitar a compreensão de que a linguagem está
relacionada a seu contexto específico, tempo, espaço;
• Demonstrar o quanto a linguagem é imbricada de
ideologia e de que modo essa ideologia manifesta-se na língua;
• Promover a identificação de quais sentidos de povo estão
presentes nas reportagens de capa de Veja e Carta Capital,
acerca das manifestações de junho de 2013, ocorridas no Brasil;
• Atentar para as posições ideológicas de Veja e Carta
Capital no que se refere ao modo como tais ideologias
manifestam-se na língua, nos sentidos de povo;
• Reconhecer que a palavra povo é polissêmica;
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
159
5 Procedimentos
1º passo
Primeiramente a professora se apresentará aos alunos. Também
fará uma breve apresentação dos projetos Discurso, Mídia e
Escola, pesquisa e extensão.
2º passo
Logo, ela buscará resgatar a memória discursiva desses
estudantes no que se refere às manifestações de junho de 2013,
ocorridas no Brasil. Para tal, realizará uma primeira dinâmica. A
docente utilizará um dado com imagens de diferentes momentos
ocorridos nessas manifestações. A professora pedirá que,
aleatoriamente, os alunos joguem esse dado. Sendo que, a
imagem que ficar para cima será tema de debate. A docente
indagará: O que essa imagem nos informa? A qual
acontecimento ela se refere? Após os alunos responderem, a
professora solicitará que algum participante jogue novamente o
dado e repetirá as perguntas para cada imagem. Assim, a
docente familiarizará os alunos com as condições de produção
imediatas e sócio-históricas das reportagens futuramente
abordadas. Seguidamente, ela entregará o dado a algum aluno
que não tenha participado da dinâmica anterior, com o intuito
de que ele tente descobrir que dentro desse dado há a palavra
povo, impressa em uma folha de ofício. Para tal, a professora
dirá que existe uma surpresa no dado.
3º passo
A professora utilizará a palavra povo, descoberta na dinâmica do
dado para problematizar junto aos alunos seus possíveis
sentidos. Ela mostrará a eles três caixas, cada uma com o título
de um dicionário, sendo eles Aurélio, Larousse e Houaiss. Nessas
caixas haverá a definição do verbete povo em cada dicionário.
A docente pedirá que três alunos leiam tais definições. Após, a
leitura dos verbetes, ela introduzirá a próxima atividade: a
leitura das SDR extraídas das reportagens de capa das revistas
Millaine de Souza Carvalho
160
Veja e Carta Capital, datadas de vinte e seis (26) de junho de
dois mil e treze (2013), cujo tema são as manifestações de junho
ocorridas no Brasil, com o intuito de relacioná-los a sentidos de
povo.
4º passo
A docente dividirá os alunos em dois grupos. Sendo que um
receberá a revista Veja, e, o outro, a revista Carta Capital. Para
isso, eles deverão organizar suas cadeiras de modo a formarem
dois círculos. Os círculos serão envolvidos com papel pardo
contendo o nome das revistas. A professora, então, entregará
uma folha de ofício para cada aluno com cinco SDR de cada
revista (ANEXO 1).
5º passo
Como modo de colaborar para a identificação dos sentidos de
povo presentes em tais reportagens, a professora apresentará
cartazes (ANEXO 2), com possíveis sentidos de povo presentes
nas SDR entregues. Pedirá, então, que os alunos do grupo da
revista Carta Capital escolham um dos cartazes apresentados,
aquele que eles acreditam que seja o imaginário de povo
presente na primeira SDR. Sendo que, o grupo da revista Veja
deverá posicionar-se contra, ou a favor. O mesmo procedimento
será feito com a revista Veja. Para execução dessa dinâmica a
docente pedirá que um aluno, por vez, leia uma das sequências
entregues a seu grupo, de modo que eles possam reunir-se para
tentar localizar qual dos cartazes com sentidos de povo pode ser
relacionada ao trecho lido.
6º passo
A professora utilizará a estrutura na qual os alunos estarão
dispostos para, após, lhes dizer o quanto o posicionamento
ideológico de cada revista está diretamente relacionado ao modo
como concebem povo.
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
161
7º passo
A docente requererá aos discentes que escrevam em cartazes de
manifestação, que serão disponibilizados por professora, o que,
ao final das atividades, eles consideram como sendo povo. Tais
cartazes serão confeccionados a partir de uma folha de ofício
colada a um palito de churrasco. Seguidamente, os alunos
discutirão com os colegas o que cada um colocou em seu cartaz
e, por fim, farão uma espécie de ‘manifestação’ em sala de aula.
6 Recursos
Folhas de ofício; palitos para churrasco; papel pardo; fita
adesiva; gravuras; caneta esferográfica; lápis; borracha;
cartolina; cola branca; tesoura; tinta de impressora.
7 Observações (relato de experiência):
Com base nos princípios teórico-metodológicos da Análise de
Discurso de tradição pecheuxtiana, planejamos, no âmbito do
projeto de pesquisa-extensão Discurso, mídia e escola, uma
oficina de leitura de duas reportagens de capa publicadas em
junho de 2013. Atentamos, juntamente com os alunos, ao
imaginário de povo na reportagem A massa incontrolável,
publicada pela revista Carta Capital, e na reportagem Os sete
dias que mudaram o Brasil, publicada pela revista Veja.
Traçamos como objetivos para esta atividade que os
estudantes fossem capazes de perceber a construção discursiva
da palavra povo nas materialidades em análise, entender que a
linguagem é imbricada de ideologia, bem como ao fato de estar
relacionada a seu contexto específico, tempo, espaço; serem
capazes de perceber as posições ideológicas de Veja e Carta
Capital e, reconhecendo a palavra povo enquanto polissêmica,
compreender como tais ideologias reverberam o imaginário
acerca dos manifestantes de junho veiculados por ambas as
revistas. Esta proposta de leitura das reportagens sob uma ótica
discursiva foi aplicada duas vezes. No dia 24 de outubro de
2013, foi proposta a alunos do segundo ciclo do ensino
fundamental de uma escola pública de Jaguarão e, em 16 de
Millaine de Souza Carvalho
162
dezembro de 2014, a estudantes matriculados em diferentes
escolas pública da mesma cidade.
De modo a resgatar a memória discursiva desses sujeitos
quanto às manifestações ocorridas no mês de junho no Brasil,
realizei uma dinâmica valendo-me de um dado com imagens de
diferentes momentos dessas manifestações. Esta dinâmica me
foi cara para poder familiarizar os alunos com as condições de
produção imediatas e sócio-históricas dos discursos em análise.
Com o objetivo de que os alunos, ao final da oficina,
percebessem a palavra povo enquanto polissêmica, partimos da
definição do verbete “povo” expressa pelos dicionários Aurélio,
Larousse e Houaiss para, em seguida, problematizarmos estas
definições.
Como o primeiro público era mais infantil, me propus a
realizar atividades mais dinâmicas, de modo que, para análise
do corpus, dividi-os em dois grupos, envolvendo-os com papel
pardo contendo o nome da revista a qual representavam. Nesta
dinâmica, o grupo Carta Capital deveria ser capaz de identificar
os sentidos de povo presentes nas Sequências Discursivas de
Referência (SDR) extraída da revista Veja, e assim ao revés. Os
estudantes integrantes do segundo grupo de aplicação da
proposta deveriam interpretar os sentidos de povo nas SDR de
Carta Capital e Veja, decidindo, no grande grupo, em qual dos
sentidos expostos apostariam.
O primeiro grupo de alunos, talvez por sua pouca maturidade
intelectual, teve alguma dificuldade para interpretar as SDR,
enquanto o grupo dois o fez com mais facilidade, o que
acarretou no aprofundamento das análises e discussões.
Pareceu-me, então, mais interessante a aplicação da oficina com
alunos de níveis mais avançados da educação básica. Para o
primeiro grupo, a presença de cartazes com interpretações de
possíveis sentidos de povo presentes nas SDR entregues foi mais
significativa. Os alunos do segundo grupo conseguiam, somente
atentando as SDR, interpretar possíveis sentidos de povo
atrelados aos posicionamentos ideológicos das revistas.
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
163
Como atividade final, propus-lhes refletirmos sobre o texto
enquanto lugar de entrecruzamento de discursos e
posicionamentos ideológicos, de modo que juntos pudéssemos
pensar que o posicionamento ideológico de cada revista está
diretamente relacionado ao modo como ‘povo’ era concebido nas
SRD analisadas. Assim, foi possível retornar os verbetes lidos no
início da oficina e pensar quanto ‘povo’, no processo de
discursivização, é re(significado). Os discentes, ainda,
significaram povo em cartazes de manifestações.
Referências
AUGUSTI, Alexandre Rossato. Jornalismo e comportamento:
os valores presentes no discurso da revista Veja. 2005.
Dissertação (Mestrado em Comunicação e Informação),
Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2005.
BARROCAL, André; MARTINS, Rodrigo. A massa incontrolável.
Revista Carta Capital. São Paulo: Editora Confiança, ano18, n.
754, 26. jun. 2013.
ORLANDI, Eni de Lourdes Puccinelli. Análise de discurso:
princípios e procedimentos. 6. ed. Campinas: Pontes Editores,
2005.
OS SETE dias que mudaram o Brasil. Revista Veja. São Paulo:
Editora Abril, ano 46, n. 26, 26. jun. 2013.
PÊCHEUX, Michel. Papel da memória. In: ACHARD, Pierre;
DAVALLON, Jean. et. al. Papel da memória. 3. ed. Trad. José
Horta Nunes. Campinas: Pontes Editores, 2010. p. 49-56.
Millaine de Souza Carvalho
164
ANEXOS
Anexo 1 (SDRs retiradas das reportagens de capa das
revistas Veja e Carta Capital)
Revista Carta Capital
1) “Parem de subestimar o povo.” (Capa)
2) “A massa incontrolável” (p. 24)
3) “Os integrantes do MPL apresentam-se como apartidários,
mas não antipartidários. São militantes de esquerda, dizem,
irritados como os ‘parasitas’ interessados em manipular os
jovens mobilizados para abraçar as mais variadas bandeiras, da
redução de impostos ao impeachment da presidenta Dilma
Rousseff.” (p. 25)
4) “Ao atrair jovens de classe média escandalizados com a
repressão policial, também os jornais e emissoras de tevê
passaram a demonstrar simpatia pelos rebelados. Se antes os
manifestantes eram retratados indistintamente como ‘vândalos’
e os editoriais clamavam pela repressão da PM, a mídia passou
a tratar os casos de depredação de formas mais isenta: fatos
isolados, causados por pequenos grupos.” (p. 27)
5) “No Brasil, ao escolher lutar contra o preço vergonhoso de
um transporte público miserável e montado principalmente para
alimentar máfias de empréstimos, os manifestantes mostraram
quão pouco as cidades brasileiras melhoraram nas últimas
décadas, quão pouco os serviços públicos foram realmente
reconstruídos.” (p. 32)
Revista Veja
1) “Quando se espalhou por São Paulo um protesto contra o
aumento de 20 centavos na passagem de ônibus, todo mundo
sentiu que a coisa era bem maior. Tão maior, mais inebriante,
mais mobilizadora, mais assustadora e mais apaixonante que,
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
165
em uma semana, multidões bem acima de 1 milhão de pessoas
jorraram Brasil afora na histórica noite de quinta-feira.” (p. 61)
2) “Dilma Rousseff assistiu perplexa, do Palácio do Planalto, à
maior manifestação popular desde as Diretas Já. Perdido, o
governo tenta achar formas de ganhar tempo e vislumbrar um
plano para serenar a fúria do povo nas ruas brasileiras.” (p. 67)
3) “TENSÃO NA ESPLANADA Multidão se aproxima do
Itamaraty, atacado por vândalos minutos depois.” (p. 68)
4) “Dilma, perplexa, assistia a tudo na televisão de seu
gabinete no Palácio, àquela altura cercado por um cordão de
militares que impedia a aproximação dos manifestantes.” (p. 68)
5) “Um levantamento feito pelo Departamento de Inteligência
e Pesquisa de Mercado da Editora Abril, que ouviu 9 088 mil
pessoas, confirmou o desgaste dos governos e dos partidos
políticos e apontou que a quase totalidade dos brasileiros está
disposta a continuar nas ruas [...]” (p. 70)
Anexo 2 (Frases dos cartazes)
O povo é capaz de mudar sua história.
O povo não é vândalo.
O povo é sábio porem seu saber não é reconhecido.
O povo é incontrolável, possui força, resistência.
O povo é jovem, luta por diversas causas sociais.
O povo é rebelado.
O povo é capaz de mudar sua própria história.
O povo é capaz de fúria, é resistente.
O povo é vítima.
O povo está disposto a seguir lutando.
Millaine de Souza Carvalho
166
Anexo 3 (Imagem dos cartazes)
1ª imagem
2ª imagem
Manifestações de junho em Veja e Carta Capital
167
3ª imagem
4ª imagem
5ª imagem
Millaine de Souza Carvalho
168
6ª imagem
NOTAS
1 Artigo produzido em 2014 sob concessão de bolsa pelo
Programa de Educação Tutorial (PET) Letras da Universidade
Federal do Pampa, Câmpus Jaguarão. 2 Na AD os efeitos produzidos através da relação com a
linguagem constituem a história, sendo a partir do discurso que
este deixa de ser compreendida somente enquanto evolução. 3 A historicidade, na AD francesa, é a relação existente em
linguagem e história, o modo como ela encontra-se inserida no
discurso. O entendimento do contexto histórico no qual um
discurso inscreve-se é essencial para compreensão dos efeitos de
sentidos por ele produzidos.
Um efeito de fechamento
169
DA PESQUISA ÀS PRÁTICAS DE
LEITURA E INTERPRETAÇÃO NA
EDUCAÇÃO BÁSICA: UM EFEITO DE
FECHAMENTO
Nathalia Madeira Araujo
Rocheli Regina Predebon Silveira
Millaine de Souza Carvalho
Nathalia M. Araujo; Rocheli R. P. Silveira; Millaine de Souza Carvalho
170
Um efeito de fechamento
171
No decorrer deste livro, apresentamos as pesquisas e as
propostas didáticas desenvolvidas a partir dos projetos de
pesquisa e extensão Discurso, Mídia e Escola, respectivamente
nos anos de 2012, 2013 e 2014. Ao longo da efetivação dos
projetos, foram produzidos estudos sobre diversos discursos que
circulavam na mídia, como propagandas da empresa Caloi,
notícias do Sensacionalista, propagandas do Banco do Brasil,
matéria sobre Celebridades divulgada na Revista Atrevida,
sentidos de povo em reportagens divulgadas nas revistas Veja e
Carta Capital; por exemplo.
Após a etapa de investigação científica (projeto de pesquisa),
passamos para a elaboração das propostas didáticas,
posteriormente transformadas em oficinas de leitura e
interpretação de textos midiáticos (projeto de extensão). Essas
oficinas foram aplicadas a alunos da rede básica de ensino da
cidade de Jaguarão/RS.
Agora, após termos retomado o percurso delineado durante
os projetos, teceremos algumas reflexões sobre a importância de
realizar, em escolas, atividades sob o referencial teórico da
Análise de Discurso francesa. Bem como reflexionaremos acerca
da necessidade de toda prática docente ser subsidiada
teoricamente.
Ao longo dos projetos de extensão, através das atividades de
leitura e interpretação de diferentes materialidades linguísticas e
visuais, com base na Análise de Discurso com vínculo em
Pêcheux, criamos um espaço no qual os alunos encontraram-se
em desequilíbrio entre os sentidos, confrontando-se com
diversos discursos oriundos da mídia.
Assim sendo, possibilitamos que os estudantes assumissem
posicionamentos críticos, levando em conta a memória
discursiva, os discursos outros, os sujeitos enunciadores, enfim,
as condições de produção e a exterioridade; fatores
desconsiderados por grande maioria das propostas de leitura
realizadas na educação básica.
Ainda, durante o transcorrer do projeto de extensão,
percebemos que, nas oficinas, os alunos se valiam
Nathalia M. Araujo; Rocheli R. P. Silveira; Millaine de Souza Carvalho
172
inconscientemente dos conceitos da AD como estratégia para ler
e interpretar o corpus de estudo. E com isso, estabeleciam
relações de sentidos plausíveis perante o objeto que estava
sendo analisado. Dessa forma, pensamos que o emprego da AD
pode ser um estímulo para que os alunos da educação básica se
tornem leitores mais críticos, com uma maior capacidade
interpretativa, não tão influenciáveis perante utilizações da
linguagem.
Ainda, acreditamos que os princípios teóricos da AD deveriam
ser mais estudados e didatizados, de forma que os professores
da educação básica pudessem ter acesso e, assim, possuir mais
subsídios teóricos para promover um ensino de leitura e
interpretação visando formar um aluno/sujeito/leitor crítico.
Com base nessa teoria, desse modo, não procuramos o sentido
verdadeiro/real de um texto; existem possibilidades de sentido.
O que ocorre, são gestos interpretativos efetuados pelo analista
(ORLANDI, 2005).
A partir das experiências obtidas através do planejamento e
efetivação do projeto Discurso, Mídia e Escola, percebemos que é
possível sim abordar a leitura pelo viés discursivo da linguagem.
Nessa perspectiva, acreditamos ampliar a visão do aluno para
além da materialidade linguística e visual do corpus de estudo,
pois buscamos demonstrar o quanto a formação ideológica,
discursiva, social, imaginária, de uma mídia influencia
diretamente no seu discurso, ou seja,
[d]eixa-se de lado uma concepção puramente instrumental
da língua, que [...] passa a ser elemento da constituição de
um sujeito afetado pelo inconsciente, atravessado pela
ideologia, marcado por uma memória, ligado à historicidade [...] (INDURSKY; DE NARDI; GRANTHAM,
2005, p. 4).
Assim, levar essa abordagem para o ensino escolar
configura-se em abandonar concepções estritas de língua,
muitas vezes utilizadas nas escolas, e passar a perceber a língua
Um efeito de fechamento
173
enquanto sistema heterogêneo, polissêmico, constituído por
diversos discursos. Conforme a AD, a língua é local de falha,
de equívoco, e é dotada de opacidade, pois os sentidos não estão
evidentes na superfície linguística. Ainda, a língua deve ser
sempre pensada em relação ao que Pêcheux denomina
condições de produção (o contexto sócio histórico- ideológico e o
contexto imediato), sendo através dela que os homens se
inscrevem enquanto sujeitos na história (ORLANDI, 2005).
Ainda sobre o ensino de leitura na perspectiva discursiva da
linguagem, Indursky (2001) acredita que os princípios da AD
podem contribuir ao conduzir “o aluno, enquanto sujeito
histórico, a inscrever-se em uma disputa de interpretações” (p.
41). Segundo a autora, este movimento torna-se difícil
considerando-se que, muitas vezes, tem-se uma leitura pré-
determinada e produzida pelo sujeito professor.
Na grande maioria das aulas tradicionais de língua
portuguesa, os alunos são direcionados a leituras superficiais,
muitas vezes, a interpretação do professor (tida como correta),
ou até a do próprio autor do texto (extração de informações),
sem ser conduzido a questionar, interpretar, indagar ou criticar.
Desse modo, desvincula-se a linguagem de seu contexto
específico, tempo, espaço, fatores indispensáveis ao trabalhar
leitura na perspectiva discursiva.
Na AD, os alunos são direcionados a uma leitura crítica e
pessoal, na qual cada estudante, através das suas condições de
leitura, de seus posicionamentos ideológicos, das suas vivências,
das leituras e conhecimentos prévios, produzirá uma leitura
individual, relacionando o texto com a sua exterioridade,
desvelando possíveis relações de sentido. A perspectiva da AD,
neste caso, ajudaria o aluno a se posicionar enquanto sujeito
capaz de interpretar, capaz de perceber que a linguagem é
imbricada de ideologia e que esta ideologia se manifesta
diretamente na língua.
Como podemos constatar nas propostas didáticas
apresentadas neste livro, ao exigir que os estudantes se
posicionassem criticamente, realizassem movimentos de leitura,
Nathalia M. Araujo; Rocheli R. P. Silveira; Millaine de Souza Carvalho
174
partindo do interdiscurso para o intradiscurso ou vice-versa,
mobilizando a memória discursiva, atentando aos silêncios, aos
equívocos, estabelecendo possíveis relações de sentidos,
contribuímos para formar alunos/sujeitos/leitores que Indursky
denomina como leitores maduros, definidos como aqueles
“leitores que percebam que o texto mantém relações indeléveis
com uma rede de interdiscursividade subterrânea e invisível que
lhe dá sustentação” (2001, p. 41).
Ademais, além de aprimorar a capacidade interpretava dos
estudantes, as atividades embasadas pela AD contribuem para
que esses sujeitos apreendam os funcionamentos gramaticais da
língua, desenvolvam, com mais afinco, a consciência linguística.
Afinal, ao analisarmos discursivamente um enunciado,
atentamos aos empregos linguísticos, e os possíveis efeitos de
sentidos que, por eles, podem ser desvelados.
Por fim, enfatizamos que o contato com os princípios teóricos
da Análise de Discurso de linha pecheutiana proporcionou, aos
pesquisadores vinculados ao projeto, que, além de toda a
aprendizagem adquirida, percebessem que estudantes de
escolas públicas possuem um enorme potencial para realizar
gestos interpretativos, ao contrário do que muitos professores
pensam e acreditam. Bem como possibilitou vê-los como sujeitos
capazes de compreender as relações ideológicas imbricadas em
usos da linguagem. Para o trabalho com a leitura na perspectiva
discursiva, se faz necessário estimulá-los a entender a língua
não como um sistema homogêneo dotado de neutralidade, assim
como é necessário saber como utilizar essa teoria para
potencializar essas aprendizagens e assim possibilitar o
desenvolvimento da criticidade dos alunos.
REFERÊNCIAS
FREDA, Indursky. Da heterogeneidade do discurso à
heterogeneidade do texto e suas implicações no processo da
leitura. In: ERNEST-PEREIRA, Aracy; FUNCK, Susana Bornéo
Um efeito de fechamento
175
(orgs). A leitura e a escrita como práticas discursivas.
Pelotas: Educat, 2001.p. 27-42.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios
&procedimentos. 6. ed São Paulo: Pontes, 2005.
INDURSKY, Freda; NARDI, Fabiele Stockmans de; GRANTHAM,
Marilei Resmini. Estudos da Linguagem e Ensino: em busca de
novos caminhos. In: HENRIQUES, Carlos Cezar; SIMÕES,
Darcília (orgs). Língua portuguesa: reflexões sobre descrição,
ensino e pesquisa. Rio de Janeiro: Europa, 2005.
Conheça os autores
176
Conheça os autores
177
CONHEÇA OS AUTORES
Renata Silveira da Silva possui Graduação em Letras –
Português/Espanhol pela Universidade Federal do Rio Grande
(FURG), Mestrado e Doutorado em Letras pela Universidade
Católica de Pelotas (UCPel). Atua como professora no Curso de
Letras da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Câmpus
Jaguarão. É tutora do Programa de Educação Tutorial (PET)
Letras, grupo realizador de projetos de ensino, pesquisa e
extensão, alguns sob o referencial da Análise de Discurso.
E-mail para contato: [email protected].
Millaine de Souza Carvalho tem experiência na área de Letras,
com ênfase em Linguística e Análise de Discurso de filiação
pecheutiana. É bolsista, desde janeiro de 2013, do Programa de
Educação Tutorial (PET) - Letras, da Universidade Federal do
Pampa (UNIPAMPA), Câmpus Jaguarão, atuando nos projetos de
pesquisa, ensino e extensão a ele vinculados. Participou do
Grupo de Estudos de Análise de Discurso (GEAD)- Unipampa.
No segundo semestre letivo do ano de 2015, realizou
intercâmbio na Universidad de Guadalajara, no México. De
agosto de 2012 a janeiro de 2013, foi bolsista do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) Letras -
Língua Materna.
E-mail para contato: [email protected];
Nathalia Madeira Araujo possui Graduação em Letras –
Português/Espanhol e respectivas Literaturas pela Universidade
Federal do Pampa (UNIPAMPA), Câmpus Jaguarão. Mestrado
pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da
Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). Realiza pesquisa sob
o referencial teórico da Análise de Discurso. Foi bolsista do
Programa de Educação Tutorial (PET) Letras, no qual participou
Conheça os autores
178
de projetos de ensino, pesquisa e extensão (2013, 2014, 2015) e
foi bolsista do Programa de Bolsas de Desenvolvimento
Acadêmico (PBDA – 2012).
E-mail para contato: [email protected].
Rocheli Regina Predebon Silveira possui Graduação em Letras
– Português/Espanhol e respectivas literaturas pela
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Câmpus Jaguarão.
Atua como editora na Revista Latino-Americana de Estudos em
Cultura e Sociedade (RELACult). Foi bolsista do Programa de
Educação Tutorial (PET) Letras nos anos de 2013, 2014 e 2015,
no qual desenvolveu projetos de ensino, pesquisa e extensão.
Atualmente, é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em
Letras, da Universidade Federal de Santa Maria (PPGL/UFSM).
E-mail para contato: [email protected].
Santiago Bretanha Freitas é licenciado em Letras
Português/Espanhol e Respectivas Literaturas pela
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Câmpus Jaguarão.
Atuou como bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) –
Letras da mesma instituição e como pesquisador no projeto de
pesquisa GEAD-Unipampa (Grupo de Estudos de Análise de
Discurso). Em seu trabalho de conclusão de curso, se dedicou à
análise de infográficos sob aporte da Análise de Discurso de
tradição pecheutiana, atentando aos imaginários de
masculinidade, de corpo, e de obesidade imbricados nessas
formulações materiais. Atualmente, é mestrando pelo Programa
de Pós-graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas
(PPGL/UCPel), com bolsa CAPES.
E-mail para contato: [email protected].
Virgínia Barbosa Lucena Caetano possui Graduação em Letras
Português/Espanhol e suas Respectivas Literaturas pela
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Câmpus Jaguarão.
Atuou como bolsista de pesquisa (PBDA- UNIPAMPA) e de
Iniciação Científica (PROBIC-FAPERGS), ambas as bolsas
Conheça os autores
179
vinculadas ao projeto Discurso, Mídia e Escola; e foi bolsista de
Iniciação à Docência no projeto PIBID Língua Materna,
trabalhando na perspectiva da Formação de Leitores. Participou
como pesquisadora no Grupo de Estudos de Análise de Discurso
(GEAD-Unipampa). Tem interesse em discursos sobre o corpo,
mídias e movimentos sociais. Atualmente, é mestranda pelo
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal
de Pelotas (PPGL/UFPel).
E-mail para contato: [email protected]
Conheça os autores
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Conheça os autores
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