remond, rene - história dos estados unidos ed

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Universidade h~ Universidade hoje Apresentaeae de Machado de Assis - I. Teixeira A l ite ra tur a h ls pa ne -a me rl ca na - J. Joset A civiliza"ao helenistica - P. Petit A literatura grega - F. Robert A religiio grega - F. Robert A ps ic ol ogi a s oc ia l - 1. Maisonneuve o inconsciente - l.-C. Filloux A critica Iiteraria - P . B ru ne i, D . M ad el ena t, l.-M. Gliksohn e D. Couty S oc io log ia do di re ito - JJ . Levy-Bruhl A s t eo ri as da p er son aJ ida de - S. Clapier- Valladon Li te ra tu ra br as il ei ra - L. Stegagno Picchio A critica de arte - A. Richard As primeiras civiliza"oes do Mediterriineo - 1. Gabriel-Leroux A economia dos Estados Unidos - P. George A ideia de cultura - V. Hell Historia da educaeao - R. Gal Hlstorla dos Estados Unidos - R . R em ond HISTORIA DOS ESTADOSUNIDOS ReneRemond Em preparacao As empresas japoaesas - M. Yoshimori Descartes - G. Pascal Os celt as - V. Kruta Martins Fontes

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Universidade h~ Universidade hoje

Apresentaeae de Machado de Assis - I. Teixeira

A literatura hlspane-amerlcana - J. Joset

A civiliza"ao helenistica - P. Petit

A literatura grega - F. Robert

A religiio grega - F. Robert

A psicologia social - 1. Maisonneuveo inconsciente - l.-C. Filloux

A critica Iiteraria - P. Brunei, D. Madelenat, l.-M. Gliksohn e D. Couty

Sociologia do direito - JJ . Levy-Bruhl

As teorias da personaJidade - S. Clapier- Valladon

Literatura brasileira - L. Stegagno Picchio

A critica de arte - A. Richard

As primeiras civiliza"oes do Mediterriineo - 1. Gabriel-Leroux

A economia dos Estados Unidos - P. George

A ideia de cultura - V. Hell

Historia da educaeao - R. Gal

Hlstorla dos Estados Unidos - R. Remond

H I S T O R I A D O SE S T A D O S U N I D O S

ReneRemond

Em preparacao

As empresas japoaesas - M. YoshimoriDescartes - G. Pascal

Os celtas - V. Kruta

Martin s Fon te s

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Titulo original: HISTOlRE DES ETATS-UNISPublicado por: Presses Universitaires de FranceCopyright © Presses Universitaires de France, 1959

Copyright © Livraria Martins Fontes Editora Ltda., para esta traducao

IndiceJ :' edidio brasileira: agosto de 1989

Traduciio: Alvaro CabralRevisiio da traducdo: Mitsue MorissawaRevisiio tipografica: Mauricio Balthazar Leal e Claudia Cavicchia

CAPITULO I - As primeiras colonias (1607-1763)

Analogias e pont os comuns. 9

CAPITULO II - A Iadependencia (1763-1783) .....

I. As c au sa s do rompimento, 15

11. A Guerra de lndependencia, 21Producao grdjica: Geraldo AlvesComposidio: Artei - Artes Graficas

CAPITULO III - A Constituieao dos Eslados

U nidos ,., " , ,.

L Da fragmeruacao it unidade - E pluribus unum, 25

J[. 0 nascimento dos part idos, 3 J

Capa - Projeto: MF

Arte-final: Moacir K. Matsusaki

D.I» ..... C..tillIOIll.~io ~ PtlbUudo (elf') fllt.rn.GIQnl:l

(Ci :m ll lr . I ll lr .. n .l ri l d o U , . , . . o . $P, &11 . . .. .. .

CAPITULO IV - 0 Oeste e a democracia

americana , " , ,.".

lJ r na nova socicdade, 50

CAPITULO VIII - 0 New Deal e a responsabilidade

mundial , , , , ".,'" , , ,...... 97

~em:~:;; ..~:~r.:~os E~t.lIIdu~ 'J",:"Clo-s I RGn~ ~~rn. .: tml • [t-e ,o.! .. ; - o!) l " J ; 1 1 ) ~"bl"alJ. -- 5 o eeo io ~ 1oII" I1: n~ ~-L I ~.I .!~.

19.B9, -- rLJrl\ ...~r~rlnf l~ hc je l

CAPITULO V - A escravatura e a Guerra de

Secessao ,', , " , ,

Bl:Jli-;)gr afia.

CAPITULO VI - Induslrialismo e democracia .....1. E ~ta Lo~ u-uooe - H, G1"bf ;J. r , T iblo. r I. S~IH~.

CAPiTULO VII - Isolacionismo e imperialismo... 85

HI}.151),

I m :l k :E l 8 p a r .l l eatr:i:logo slstMrl'tleo:

1 . E~t -3 .do~ Urlii. l lJ!:i ~ 1-.L"SItO" : 9n

CAPITULO IX - A superpoteneia: de Truman a

Reagan , , , , , ,. 115

Todos os direitos para a lingua portuguese reservados a

LIVRARIA MARTINS FONTES EDITORA LTDA.Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 - Tel.: 239-3677

01325 - Sao Paulo - SP - Brasil

Bibliografia sumdria , , ,., , , , ,.... 127

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CAPITULO I

As primeiras colonias (1607-1763)

Lugar e heranca da era colonial - Essa primeira faseda hist6ria do povoamento europeu do territorio dos Esta-dos Unidos de hoje, chamada de penodo colonial, muito

provavelmente parecera aos contemporaneos do presidente

Reagan e da conquista do espaco tao distante da realidade

presente do pais quanta a Atenas de Pericles esta na Greciamodema. Se ela ja nao tern para nos outro interesse alem

dos possiveis atrativos do exotismo ou do pitoresco de seusDavid Crockett e historias de indios, sera de fato conve-

niente desviar algumas destas paginas, que poderao fazer{alta quando da descricao dos Estados Unidos de hoje , para

falar do que, em ultima instancia, e apenas a sua pre-his-toria? Ceder a tal escnipulo seria, no entanto, subestimara importancia desse periodo em si mesrno e na sequenciada hist6ria.

Sua duracao e aproximadamente a mesma de toda a

existencia dos Estados Unidos como sociedade politica or-ganizada. Desde a fundacao de Jamestown, a mais antigacolonia anglo-saxonica do Novo Mundo (1607). ate a Decla-

racao de Independencia (1776), transcorreram exatarnente

tantos anos quanto desta ultima data ate 0 fim da Segunda

Guerra Mundial (1945). Colocando esse mesmo dado fun-damental em outros termos, a constituicao das colonias divi-

de a historia dessa regiao do globe em dois periodos iguais,

o primeiro dos quais e 0colonial, por vezes injustamentenegligenciado, Seu conhecimento e import ante para 0 da

hist6ria dos Estados Unidos propriamente dita, ainda sob

urn outro aspecto: ele a prenuncia. 0 pais recebeu desseperiodo 0 Jegado de urna populacao, de urna sociedade,de uma economia, de urna mentalidade, de uma parte de

suas instituicoes politicas, de suas tradicoes juridicas e insti-

tuicoes judiciarias, e tambem de alguns de seus problemas,

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como a questao do negro. Impossivel compreender 0desen-volvimento da arvore sem se observar primeiro a semente

lancada a terra e suas primeiras germinacoes.

Ocupacdo tardia - A parte do litoral america no que

se estende aproximadamente da bafa de Fundy, ao norte.

ate a foz do rio Savannah, ao sui, futuro berco da grandeza

americana, ingressou com atraso na hist6ria da colonizacao

europeia do Novo Continente, muito depots da AmericaCentral e Meridional, e mesmo depois do vale do Sao Lou-

renee. Entre 0Canada, reconhecido pelos franceses desde

meados do seculo XVI, e a Florida, anexada pelos espanh6is

a seu vasto imperio, a localizacao dos futuros Estados Uni-

dos lembra a de urn sftio desprezado. Para esse prolongado

desfavor existiam causas naturais: 0 clima ora glacial ora

sufocante; uma costa geralmente inospita, pantanosa e cor-

tada por lagunas ao sui, rochosa e juncada de arrecifes ao

norte, nao propiciando a penetracao para 0 interior nenhu-

rna via comparavel ao Sao Lourenco ou aoMississipi; enfim,uma floresta densa e cerrada. A regiao tampouco possuia

o que atraia entao os exploradores: especiarias ou metais

preciosos. Seria necessario, para a colonizalYaoque homens

fossem levados para la por outros interesses que nao os me-

ramente mercantis ou porque as outras regioes jliestivessem

ocupadas.Efetivamente, os prim6rdios da colonizacao coincidi-

ram com a entrada em cena de uma nova potencia colonial:

a lnglaterra. Nessa parte do mundo, como em todas as ou-

tras, osingleses chegaram por ultimo, muito depots dos por-tugueses e dos espanh6is, e mesmo ap6s os franceses: sua

vocacao colonial desenhou-se tardiamente, no reinado de

Elizabeth. Suas primeiras colonias tern, com uma diferenca

de escassos vinte anos, a mesma antiguidade no norte e

no sui: sir Walter Raleigh desembarcou na Virginia no final

do seculo XVI, e foi em 1620 que os 12 0 peregrinos, chega-

dos das Provincias Unidas a bordo do famoso Mayflower,

desembarcaram perto de Cape Cod e forrnaram 0 embriao

de Massachusetts. 0 que nao se esperava era que, tendo

largado com atraso na corrida as colonies, desfavorecidos

sob todos os aspectos, eles levariam a melhor sobre seus

concorrentes. Durante 0 seculo XVII. mediante guerra ou

negociacao, os ingleses e1iminaram urn ap6s outro os encla-

ves, vestigios de colonizacao estrangeira:holandeses na de-

sembocadura do Hudson. suecos nas margens do Delaware.

No final desse seculo, a Gra-Bretanha era senhora de toda

a costa. Esse exito imprevisfvel explica-se em parte pela

vitalidade do povoamento, suas quaJidades naturais, sua po-

tencia numerica tambern.

Urn povoamento variado - 0 povoamento foi muito

variado sob todos os aspectos. Numa cornposicao etnica he-

terogenea, 0 ruicleo principal contou com ingleses, escoce-

ses e galeses, mas chegararn tambem imigrantes das Provtn-

cias Unidas, da Suecia, da Alemanha, da propriaFranca,

pois a revogacao do Edito de Nantes, em 1685. gerou uma

corrente de emigracao protestante para a America. A diver-

sidade de opinioes politicas e de crencas religiosas nao era

menor. Todos os que fugiam ao dominio de uma faccaorival ou tinham razoes para temer por sua fe desembarcavam

nas margens do Potomac ou do Hudson. A hist6ria politica

e religiosa inglesa do seculo XVII inscreve-se assim, por

via de consequencia, na do povoamento americano: todas

as perturbacoes de urn periodo particularmente tertii em

agitacoes de rmiltipla ordern concorreram para engrossar

a corrente de emigracao, Ap6s os dissidentes perseguidos

pela reacao anglicana, chegaram os cavaleiros, aristocrat as

e realistas cacados pelos "cabecas redondas", depois os pu-

ritanos, banidos pela Restauracao, e os jacobitas, que prefe-riram expatriar-se a reconhecer 0usurpador. As vicissitudes

dramaticas da hist6ria inglesa intema acarretaram efeitos

benefices para a colonizacao britamca. Essa emigracao teve

urn carater especifico que deixou uma marca indelevel na

mentalidade americana. Puritanos ou catolicos, os emigra-

dos obedeceram a consideracoes religiosas: colocaram a li-

berdade de crer e de praticar seu culto acima das vantagens

de carreira e de seu bem-estar pessoal.

Formado com 0 tempo de sucessivas contribuicoes hu-

manas, 0povoamento do litoral atlantico dos futuros Esta-

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dos Unidos tambem foi descontinuo no espaco: compu-

nha-se de colonias disseminadas de longe em longe, geral-

mente na foz de urn rio, nas margens de alguma baia.

Esses ruicleos populacionais, no comeco bastante modes-

tos, estendidos de norte a sui desde a fronteira canadense

ate os conf ins da Florida espanhola, ao longo de quase

2.000 km, separados uns dos outros por intervalos que a

colonizacao ainda nao arrancara a floresta, a savana ou

aos indios, tornaram-se pouco a pouco 0 centro de outras

tantas colonias independentes entre si, as quais tinham

Londres por capital comum.

para mais longe, atras das baleias. Zarpando de Newportou de Portsmouth. osnavios iam ate as Antilhas, onde carre-

gavam, infringindo 0pacto colonial. 0 rum, 0melaco e todosos produtos das ilhas, Enfim, pequenas oficinas tinham se

fixado junto aos numerosos cursos fluviais que desciam das

montanhas e planaltos do interior: eram moinhos, usinasde aciicar, fabricas de papel, serrarias, que transformavam

sumariamente os produtos da terra ou as contribuicoes do

comercio. A combinacao dessas atividades variadas geravatrabalho e proporcionava apreciaveis lucros a uma popu-

lacao empreendedora, acostumada a ver no trabalho uma

razao de vida e urn dever, e no sucesso material, consagrado

pela riqueza, urn sinal de benevolencia divina.Povoadas em sua maioria por puritan os, essas colonias

foram aquelas em que 0carater religioso era rnais acentuado

e imprimira mais profundamente sua marca na fisionomia

moral e na vida publica. Esses homens, que preferiram ex-

patriar-se e correr os perigos de uma travessia perigosa a

transigir com as imposicoes do principe ou a admitir acomo-dacoes com a Igreja estabelecida, estavam determinados

a viver em conforrnidade com sua fe e a guiar por ela a

vida de suas pequenas comunidades. A religiao govemava

ai nao so a vida privada, familiar, mas tam bern a vida piibli-

ca. Nada mais distante do ideal de tolerancia universal defi-

nido por Franklin e Jefferson do que essas sociedades primi-

tivas, ciosamente devotadas a unidade da fe, perseguindo

quem nao pensasse como a coletividade com 0mesmo zelo

e0mesmo vigor dos que os haviam perseguido antes. Nessa

mentalidade, Estado e Igreja encontravam-se estreitamenteunidos, e quem quer que se afastasse da Igreja excluia-se

ipso facto da sociedade civil. A intolerancia estendeu-se das

crencas aos costumes, arrogando-se a comunidade 0direito

de zelar pela estrita observancia das leis de Deus e da Igreja:

uma regulamenta~ao minuciosa (0 Codigo Azul) instaurou

uma ordem moral rigorosa; os contraventores eram punidos

impiedosamente: era a epoca da caca a s bruxas. Essa repres-

sao religiosa e moral difundiu em toda a sociedade urn sem-

blante de austeridade: osmais inocentes divertimentos pare-

ciam suspeitos; 0 tempo devia ser todo ele dedicado ao tra-

Tres grupos de colonias - Ao crescerem, essas colonias

individualizavam-se , sua originalidade adquiria contomos

mais precisos. Esbocaram-se tres grupos principais, diferen-

ciados em suas atividades produtivas, em suas forrnas de

sociedade politica, e ate mesmo em sell estilo se vida. Basta-

ria0

clima para torna-las diferentes: nao se espalhavam elasao longo de 150 de latitude? As demais condicoes naturais

tambem concorreram para tal diferenciacao, 0 constraste

mais acentuado opunha 0 grupo mais setentrional ao das

colonias rneridionais e seria de extrema importancia para

o futuro, pois trazia consigo 0 gerrne do antagonismo entre

o Norte e 0 Sui, cuja exacerbacao levou a Guerra de Se-

cessao,

ogrupo da Nova Inglaterra - No seculo XVIII, a Nova

Inglaterra, que agrupava quatro colonias de dimensoes desi-guais - New Hampshire, Massachusetts, Connecticut e

Rhode Island -, apresentava ja uma economia com urn

grau relativamente elevado de complexidade: alem da agri-

cu!tura e da pecuaria, havia a pesca, 0comercio, urncomeco

de industria. 0 litoral rochoso, profusamente recortado,

propiciava a criacao de uma quantidade de bons portos natu-

rais; a proximidade das fiorestas facilitava aos estaleiros na-

vais0fomecimento da madeira necessaria; tripulacoes bern

treinadas partiarn todos os anos para proveitosas campanhas

de pesca do bacalhau, nos cardumes da Terra Nova, ou,

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balho e aos grandes deveres da existencia. A religiao presi-dia ate as atividades intelectuais, que nasceram na Nova

Inglaterra mais cedo do que em qualquer outra parte. A

atividade economica, a busca do lucro, Oliofariam mal a

vida do espirito: foi hi que se fundaram os primeiros cole-

gios, embrioes das futuras universidades do Leste: a Har-

vard e de 1636.No comeco, eram instituicoes com fins essen-

cialrnente religiosos: serviam a formacao dos futuros minis-

tros. Essa marca deixada pela religiao nos primeiros estabe-lecimentos de ensino nao desapareceu inteirarnente dos Es-

tados Unidos: mesmo sua pohtica externa inspira-se com

frequencia, em seu moralismo, nas mesmas consideracoes

que regiam essas pequenas comunidades.

A religiao exerceu influencia tambern sobre a vida poli-

tica, Esses nao-conformistas abracararn em geral seitas deri-

vadas da Reforrna calvinista. Dispensavam a existencia de

urn episcopado; seus ministros dependiam dos notaveis da

comunidade; suas pequenas igrejas estavam habituadas a

administrar-se livremente. Os habit antes transferiam parasuas vidas de cidadaos seus habitos de fieis: discutiam entre

si os interesses do burgo, tal como deliberavam em eomum

sabre os da Igreja. Esse pacto celebrado pelos passageiros

do Mayjlo~er ja estipulava expressamente a subordinacao

das preferencias pessoais aos interesses da comunidade. As-

sim, as crencas religiosas,a disciplina eclesiastica, adaptan-

do inconscienternente praticas dernocraticas, orientararn a

sociedade da Nova Inglaterra para urna democracia de fato.

Nos agrupamentos que se constituiam em redor dos portos,

nas eneruzilhadas das estradas, nas proximidades de peque-nas oficinas, nos mereados rurais, desenvolvia-se a vida mu-

nicipal.

Atividade economica difereneiada e lucrativa, indole

religiosa, pratica democratica, tradicao intelectual, todas es-

sas caracteristicas da Nova Inglaterra consubstanciaram-se

numa cidade: Boston, que contava com cerca de 20mil habi-

tantes em rneados do seculo XVIII. Setentrional dernais pa-

ra poder pretender mais tarde guindar-se a categoria de ca-

pital dos Estados Unidos, Boston constituia plenamente a

rnetropole da Nova Inglaterra. cuja fisionomia moral ex-

pressava. Foi uma das primciras cidades a pegar em armas

pela independencia.

o grupo do Sul- Em tudo distinto foi 0 tipo de socie-

dade eonstituido pelas cinco colonies rneridionais, na outra

extrernidade. Do norte para 0 sui, eram elas: Maryland.

assim batizada em homenagem a Virgem Maria pelos cato-

licos de Lorde Baltimore; a Virginia. que recebeu esse nome

de sir Walter Raleigh. desejoso de fazer uma cortesia a suasoberana, Elizabeth l,a "Rainha Virgem"; as duas Caroli-

nas. do Norte e do Sui; e a Georgia, uma das ultimas colo-

nias fundadas, honrando a George I, rei da Inglaterra desde

1714. A superficie media de cada uma dessas colonias era

nitidamente superior a das colonias mais setentrionais, sem

que por isso fossem mais povoadas; pelo eontra~io, elas

apresentavam uma densidade mais fraca, raras Cld.adese

alguns portos pouco ativos. Isso deveu-se ao fato de viverem

quase exclusivamente da terra. Adotaram uma forma de

ocupacao e exploracao do solo muito diferente da que severifieou na Nova Inglaterra, mais eoncentrada e mais ex-

tensiva: a plantation, com a ajuda da mao-de-obra negra

importada da Africa e que 0 trafico negreiro renovava e

aumentava continuamente. A partir do seculo XVIII, os

negros eram ai mais numerosos do que os brancos,. e.haviamais escravos do que homens livres, Na falta de atividades

complementares, toda a vida dessas colonias e sua riqueza

dependiam da colheita de alguns produtos adaptados ao eli-

rna quente e umido - tabaeo, arroz, indigo, mais tarde

o algodao, cultivados em grandes extensoes, Produzindomais do que 0 necessario para consumo interno, os planta-

dores tinham de vender para 0 exterior: sua dependencia

natural em relacao as condicoes atmosfericas e reforcada

pela dependencia comercial em relacao aos compradores.

AI gerrninava a fraqueza da eeonomia, enqu~nto a escr~va-tura tomava a sociedade vulneravel. Essa sociedade , ansto-

cratica em seus fundamentos e em seus gostos, era 0mais

diferente possivel das sociedades dernocraticas da ~ova I~-glaterra: acima da massa de escravos reinava uma ohgar~llIa

de plant adores que tinha a propriedade da terra, Iazia-se

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representar nas assembleias e governava a colonia. Entre

escravos e oligarcas, havia poueos elementos intermedia-

rios. Culta, requintada, essa classe que descendia em parte

de cavaleiros e levava uma existencia de nobreza rural,

transplantou para a America as maneiras de viver da aristo-

cracia europeia. Nessa sociedade hospitaleira que adorava

receber, que vivia prodigarnente, que atributa menos valor

ao dinheiro do que ao uso que se podia fazer dele, a Europa

era mais transparente do que nos burgueses da Nova Ingla-terra e como que reencontrava nela urn pedaco de si mesma.

que urn burgo, com tres ou quatro vezes menos residentes.ia fazia figura de pequena capital. A singularidade de seus~ostumes. 0tratamento informal, 0usa constante de cha-

peu , a simplicidade do vestuario, a beleza das jovens qua-

kers, atraiam a curiosidade e edipsavam no espirito dos via-

jantes quaJidades menos estranhas: a reputacao de virtude ,

o escnipulo de honestidade nos negocios.que nao entravou

seu sucesso comercial.

A diversidade do povoamento dessas eol6nias permitiavaticinar que a imigracao seria uma constante da historia

dos Estados Unidos, Sua posicao central, a meio caminho

da Nova Inglaterra e do SuI. como no ponto de partida

das principais vias de penetracao para 0Oeste, conferia-Ihes

uma posicao de arbitrio: foi a localizacao destinada de ate-

mao as capitais federais, a asilos provisorios do Congresso

continental e depois sede definitiva do govemo federal; foitambem paleo e alvo dos combates ferozes entre nortistas

e sulistas. Mas, de momento, Norte e Sui sequer sonhavam

combater-se.

o grupo intermediario - Por muito distintos que fos-

sem esses dois grupos de col6nias, suas diferencas nao susci-

taram nenhum problema no seculo XVIII; etas nao faziam

parte de urn conjunto, de urn todo comum; estavam simples-

mente justapostas. Nenhuma instituicao comum conferia

efeito juridieo a analogia de seus generos de vida ou de

suas atividades: a autonomia de cada colonia era total. A

relacao entre a extensao e a populacao tornava irnpensavelurn conflito. Sefaltavam interesses comuns, ascolonias tam-

pouco alimentavam antagonismos. Por outro lado, esses

dois grupos, aos quais atribuimos uma homogeneidade de

que eles proprios nao tinham consciencia, estavam separa-

dos urn do outro por varias centenas de quil6metros. Inter-

posto a des havia urn terceiro grupo de quatro colonias

(Nova York. Nova Jersey, Delaware e Pensilvania), que

nao se assemelhava a nenhum dos dois, embora possuisse

talvez mais traces em comum com 0primeiro. E a parte me-

nos hornogenea, em virtude de suas origens e de seu po-voamento: os vestigios da colonizacao holandesa (Nova

York chamava-se originalmente Nova Amsterda) e da pre-

senca sueca (no Delaware) conviviam com os imigrantes

das I1hasBritanicas, A Pensilvania, uma colonia muito origi-

nal, que leva 0 nome de seu fundador, William Penn, foi

povoada pelos quakers. Sua capital, Filadelfia, cujo nome

exprime a virtude que os amigos tern por regra, era a maior

e mais admirada cidade norte-americana: seu urbanismo era

muito avancado, mesmo em comparacao com a Europa.

Contava com cerca de 30 mil habitantes, numa epoca em

Analogias e pontos comuns

Com essas diferencas em sua economia, na composicao

da sociedade e nos costumes. as treze col6nias tinham entre

si, no entanto, algum parentesco: as origens semelhantes,

o povoamento, a dependencia comum da Coroa, certas tra-

dicoes polfticas, inclusive a do parlamentarismo britanico,

suas instituicoes politicas. Eram dotadas de constituicoes:a primeira foi redigida para a Virginia em 1609. Sob formasjurfdicas variadas (colonies da Coroa, govemos proprieta-

nos, colonies com carta constitucional outorgada), em qua-

se todas se encontravam mecanismos funcionando de ma-

neira semelhante: urn govemador que representava a Co-

roa, geralmente escolhido entre as famflias mais antigas da

colonia, uma assembleia eleita pelos proprietarios para re-

presentar os colonos. Esbocava-se entre eles uma distribui-

~ao de poderes de acordo com 0 modele fomecido pela

evolucao constitucional inglesa: era a assembleia que votava

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o imposto e estava estabelecido que 0 governador neces-sitava da anuencia dela para levantar tributos. Nessas as-

sembleias recrutadas numa sociedade bastante restrita,

abastada, culta, formava-se uma elite polftica, uma pratica

dos negocios publicos, uma maneira de pensar comum. Es-

sas analogias, entretanto, nao eram suficientemente fortes

para por si so inspirarem nas colonias 0 sentimento de uma

personalidade comum e de uma identidade de destino.

revistas infantis e jogos de escoteiros. Mas, antes de conver-ter-se em milo, 0perigo indigena foi, no seculo XVIII, uma

realidade: as colonias ainda estavam entao espremidas entreo oceano e a floresta. Instaladas em toda uma extensao

de 2.000 km, elas nao dispunham de mais de algumas deze-

nas de quilornetros para 0interior. Suas cidades situavam-se

a apenas alguns dias de marcha do "deserto", Felizmente,

essa parte do continente americano estava longe de ser tao

povoada de indigenas quanto a America espanhola. Masos indios compensavam seu pequeno mimero com sua mobi-

lidade e virtudes guerreiras: seus ardis e 0 que se dizia de

sua ferocidade compuseram em tomo deles uma reputacao

de horror e semearam 0pavor.

o pengo indigene - A luta contra os inimigos comuns

teve muito mais exito: primeiro, 0 frances e 0 indio; em

seguida, 0 ingles. 0 Continente, de fato, nao era absoluta-

mente virgem. 0 indigena, que foi obstinadamente chama-

do de "indio" em consequencia do equivoco geografico ini-

cial dos primeiros descobridores, era 0 inimigo natural. Foi

lutando contra ele que os primeiros colonos pisaram na terra

americana: 0exemplo de urn William Penn, que quis firmar

urn contrato na forma da lei com os nativos e comprar-lhes

o territ6rio, nao fez escola. Em seguida, as povoacoes man-tiveram-se em estado de alerta permanente, a tim de preve-

nir contra-ofensivas ameacadoras. A coabitacao das duas

racas era virtualmente impossfvel: seus modos de vida eram

dessemelhantes demais: os indios, habituados a uma exis-

tencia livre e aventureira, semin6mades, vivendo sobretudo

da caca, procuravam 0abrigo da floresta e tinham necessi-

dade de grandes espacos. Os colonos, agricultores, sedenta-

rios, desmatavam e cultivavam. A medida que cresciam em

mimero, iam penetrando cada vez mais no interior e repe-

lindo para mais longe as tribos, Com intervalos de acalmiae treguas sucedendo as grandes investidas, a guerra foi a

forma de relacao normal entre antigos e novos americanos:

e assim continuou sendo ate finais do seculo XIX. Essa pe-

quena guerra, feita de emboscadas, escaramucas, ataques

de surpresa, deu a nacao americana a epopeia de que qual-

quer hist6ria nacional necessita: essas Cruzadas encontra-

ram sua Chanson de Roland. As peripecias dessa luta de

dois seculos c meio fomeceram 0 enredo para a maioria

dos romances de Fenimore Cooper, ou seja, da Iiteratura

americana nascente, antes de inspirar incontaveis westerns,

o cerco pelos [ranceses - A ameaca indigena junta-

va-se urn segundo perigo que a tomava ainda mais terrivel:

o perigo frances. Tendo chegado tardiamente ao novo conti-

nente, os britanicos deixaram-se ultra passar pelos espanhois

e franceses. Com os espanhois, os colonos tinham muitopoucos pontos de contestacao, 0 mesmo nao ocorria com

os suditos do rei da Franca, Estes encontravam-se estabele-

cidos no Canada muito antes da instalacao dos primeiros

colonos ingleses. Por muito tempo houvera bastante espaco

vazio entre eles para irnpedir que as duas colonizacoes tives-

sem qualquer oportunidade de colisao, A partir do seculo

XVIII, entretanto, tornou-se inevitavel 0 conflito pela pos-

se, justamente , de territories desocupados. De urn lado,

os colonos ingleses, achando insuficiente 0 espaco que ocu-

pavam no litoral, extravasaram na direcao do interior: pelogosto da independencia ou pelo amor a aventura; para es-

quivar-se, no Norte, as irnposicoes morais da Igreja e, no

Sui, a autoridade dos proprietaries; porque a terra iaficando

escassa, os homens, imitando seus pais, davam as costas

ao litoral, penetravam na direcao do Oeste, instalando-se

ao longo dos vales, transpondo os desfiladeiros dos Alleghe-

nies: suas vanguardas desembocavam e espraiavarn-se nas

vertentes opostas. Mas iam deparar os postos avancados

franceses. Desde 0 final do seculo XVII, partindo de suas

bases canadcnses, missionaries jesuftas ou recoletos e os

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negociantes de peles reconheceram pouco a pouco os Gran-des Lagos. os mananciais do Mississfpi, desceram 0grande

rio ate a foz, penetraram em seus afluentes da margem es-

querda e tomaram posse. em nome do rei da Franca, do

imenso terri torio que se estende da foz do Sao Lourencoa do Mississipi: a Luisiana. Urn imperio frances da America

foi assim constituido , cujo area imenso, abrangendo milha-

res de quilometros, cercava por completo as treze colonies,

impedindo-lhes totalmente a penetracao para0

interior eameacando-as ate de serem jogadas no mar se persistissem

em seus intentos. Para os colonos ingleses, eram seu futuro

e sua propria existencia que estavam em jogo. Cada uma

das duas potencias inimigas explorava as rivalidades entre

tribos indigenas e aculava seus aliados peles-vermelhas con-

tra 0adversario, Entrecruzavam-se duas poltticas indigenas.

sou para a lnglaterra; a Luisiana, para a Espanha. 0 imperio

frances da America estava liquidado. As colonias inglesasestavam salvas, 0 futuro assegurado, a acesso ao Oeste foi-

lhes reaberto. Nessa luta contra as franceses e seus aliadosindigenas, as colonos afirmaram sua forca, suas milicias ad-

quiriram experiencia de guerra. seus oficiais distinguiram-

se: urn deles, sobretudo, gozou dar em diante de uma repu-

tacao de bravura e sangue-frio: George Washington. Eles

adquiriram, alem disso, consciencia de uma certa cornuni-dade de interesses. Afastados os inimigos tradicionais, a

cornunidade viria a afirmar-se de novo, apos tantas peripe-

cias e incerrezas, desta vez contra a metropolc.

A ameara f rance sa e afastada - Na maratona a quese entregavam as duas nacoes beligerantes peJa posse de

toda a America do Norte, as franceses levavam vantagern,aparentemente: tinham espaco e mobilidade. Mas outros

dados eram mais decisivos para 0 futuro, mormente os nu-

mericos. Ao passo que os anglo-americanos se avizinhavam

do milhao e meio concentrado num territ6rio relativamente

apertado, eles nao chegavam a uns 60mil diluidos num espa-

co de dimensoes continentais. Alem disso, os colones ingle-

ses recebiam da metro pole uma ajuda mais substancial do

que eles: a Marinha britanica assegurava as comunicacoes

e interceptava os referees franceses. As col6nias inglesas

tiravam proveito de cada guerra franco-britanica para me-Ihorar suas posicoes: de conflito em conflito, 0 equilfbrio

de forcas invertia-se em beneffcio delas. Em 1748. os france-

ses perderam os acessos do Sao Lourenco, de Terra Nova

e da Acadia; viram-se ameacados de, a todo momento, se-

rem isolados da Franca, com suas cornunicacoes amerce

das esquadras inimigas, cnquanto que eJes proprios conti-nua yam cercando por terra as colonias inglesas. Mas a Guer-

ra dos Sete Anos pas fim a essa situacao instavel: os france-

ses sucumbiram diante da superioridade numerica do ad-

versario e perderam todas as suas posicoes, 0 Canada pas-

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CAPITULO II

A Independencia (1763-1783)

I.As eausas do rompimento

A s ec es sa o , c on se qu en cia i nd ir eta d a v ito ria s ab re a s f ra n -

ceses - 1763: eliminacao do perigo frances e vitoria comum

da rnetropole e das col6nias. 1776: as col6nias rompem com

a metr6pole. Treze anos separam as dois eventos, Nada, em

1763, permitia prever uma evolucao nesse sentido: ninguem,

entre os anglo-americanos, planejava e ainda menos desejava

urn rompimento; e mesmo quando ele pareceu inevitavel

muitos hesitaram em consuma-lo. E, no entanto, a indepen-

dencia das colonias resul tau, sem duvida, da vit6ria comum:

por urn encadeamento de eausas e efeitos em que as mal-en-tendidos desernpenharam urn papel mais importante do que

as vontades deliberadas. A diversidade dessas origens auto-

riza uma certa diversidade de interpretacoes, entre as quais

os historiadores da Independencia escolheram aquelas que

mais se harmonizavam com suas filosofias pessoais,

Primeira causa: essa mesma vitoria, que de sub ito tor-

nou menos indispensavel 0apoio da metropole. A principal

razao , aos olhos dos colonos, da manutencao de tropas in-

glesas em solo americano tinha assim desaparecido; eles

consideravarn-se em condicoes, dai em diante, de promoversua propria defesa. Uma certa ciumeira opunha os milicia-

nos aos regimentos do rei. Menos necessaria, portanto me-

nos desejada, a presenca inglesa parecia mais penosa. Ora,

foi precisamente esse 0momento que a metr6pole escolheu

para multiplicar as rnedidas vexatorias e inept as que lesavam

os interesses das col6nias e feriam seu arnor-pr6prio. Essas

medidas foram impostas, em parte, pelas finances depaupe-

radas em consequencia da guerra; outro aspecto con jun ruraldonde se depreende que a Independencia resultou indireta-

mente da vitoria.

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o governo de Sua Majestade considerava natural que

as colonias da America suportassem sua parcela das despe-

sas efetuadas principalmente no proprio interesse delas. Ele

dispunha-se, ao mesmo tempo, a repor em vigor 0regime

do pacto colonial e a fazer votar novos impos tos. Essas duas

ordens de medidas tenderam indiretamente a quesrionar de

novo 0status das relacoes entre a metropole e suas colonias,

o sistema de exclusividade, que proibia as col6nias comer-

dar com outros parses que nao a rnetropole e as condenava

a ter uma economia estritamente complementar da daquela,

vinha de longa data apresentando brechas. 0 restabeleci-

mento efetivo da aplicacao rigorosa desse estatuto trazia

em seu bojo 0 germe da ruina de toda uma classe de nego-

ciantes, armadores t: marinheiros que tinham baseado sua

fortuna no comercio com as Antilhas frances as e espanho-

las. Significava forca-los a escolher entre os vinculos politi-

cos com a Inglaterra e as relacoes comerciais com as ilhas,

entre a fidelidade a Coroa e seus interesses. Nao obtiveram

sequer as compensacoes que 0Oeste teria podido oferecer-

lhes: tendo combatido para expulsar os franceses, contavam

que estes territ6rios Ihes seriam concedidos, Ora, 0governo

de Londres, em parte para agradar a seus novos suditos

canadenses, decidiu reserva-Ios para estes e fecha-los a pe-

netracao dos colonos americanos. 0 ressentimento que isso

lhes causou contribuiu em muito para a alteracao de suas

relacoes com as colonias.

tato. elas nunca estiveram tao proximas em espirito a sua

metropole quanto no momento em que optaram pela seces-

sao. Na verdade , a discordancia nao envolvia 0 principio,

que ninguern contestava, mas sua interpretacao: na circuns-

tancia, deram as col6nias seu consentimento ao voto do Par-

lamento de Londres? Esta era a tese defendida pelo gover-

no: 0 Parlamento representava todos os suditos da Coroa.

Mas os americanos nao entendiam assim: eles nao tinham

rcpresentantes no Parlamento; somente suas assembleias

coloniais estavarn qualificadas para autorizar 0 imposto em

nome deles, 0 ponto de vista do govemo londrino ameacava

o poder de controle de que estas haviam gradualmente se

apoderado: apos sua autonomia comercial, as col6nias viam

agora arneacada sua autonornia politica. Era, portanto, 0

conjunto das relacoes entre rnetropole e colonias que estava

em vias de revisao, num sentido desfavoravel as col6nias.

Esse debate de princfpio que alguns historiadores parecem

considerar secundario e no qual pretendern ver apenas a

mascara de urna competicao de interesses precipitou 0surgi-

mento, na America do Norte, de uma reflexao politica. Isso

iria tarnbern conduzir a secessao: incapazes de obter da Gra-

Bretanha a aplicacao dos principios constitucionais ingleses,

nao podendo ser totalmente ingleses, os colonos e seus des-

cendentes preferirao ser apenas amerieanos.

o debate de principia - Os novos tributos, essencial-

mente os impostos sabre 0consumo, nao tiveram melhoracolhimento; alem de onerarem os colonos COm encargos

suplementares, tocavam num ponto de direito cuja discus-

sao oeupou urn lugar cada ve z mais preponderanre na cres-

eente discordancia entre os dois parceiros. 0 governo ingles

teria 0direito de cobrar esses impostos? Uma interrogacao

que envolvia 0 grande principio constitucional ingles: ne-

nhum novo imposto sem 0 consentimento dos representan-

tes. As col6nias da America nao seriam filhas da Gra-Bre-

tanha se nao estivessem prontas para mobilizar-se e, se nc-

cessario , para bater-se pelo respeito a esse principio: de

As etapas do rompimento - So se ehegaria a essa con-

clusao depois de muitas incertezas e do fracasso de varias

tentativas de conciliacao, De urn lado e outro do Atlantico,

a opiniao estava profundamente dividida, A causa ameri-cana tinha em Londres e ate nos Comuns defensores convic-

tos, C, com frequencia, eloquenres: Edmund Burke justifi-

cava em pleno Parlamento as reivindicacoes das col6nias.

o governo real fez alternar as medidas rigorosas e as conces-

soes: em 1770, 0 Parlamento aceitou revogar quase todos

os tributos que constituiam materia de litigio, com excecao

do imposto sabre 0 cha. Mas esse gesto de boa vontade

nao produziu 0 apaziguamento esperado, pois eximira-se

de ceder no ponto principal: a questao de direito. Nada

resguardava as colonias contra 0 retorno de medidas seme-

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Ihantes: elas continuavam dependentes da boa ou rna vonta-

de do Parlamento de Londres, do arbitrio regio.

Por seu lado, a maioria dos american os estava longe

de querer a rompimento. Muitos manifestavam sua apreen-

sao em face da possibilidade de ficarem sos e nao acredi-

tavam que as colonias pudessem prescindir do socorro brita-

nico e, com mais fortes razoes, que pudessem subtrair-se

pela forca a dominacao inglesa. Nao se deve perder de vista

que ainda nao existia nenhum orgao qualificado para falar

em nome das colonies reunidas, coordenar sua a~ao ou sirn-

plesmente capaz de adquirir consciencia de seus interesses

comuns. Solucao temida, raramente desejada, 0 rompimen-

to, entretanto, iria prevalecer. Por urn encadeamento em

que 0 "rigor dos fatos" desempenhou urn papel tao decisivo

quanta a vontade dos homens, a prova de forca tornava-se

de ano para ana uma eventualidade mais provavel. Aconte-

cimentos e opiniao publica reagiam reciprocamente: ex-

trafam-se da situacao consequencias que na vespera ainda

eram imprevisiveis e , pouco a poueo, os espfritos acostuma-vam-se a ideia de uma secessao que antes Ihes parecera

rernatada loucura. A partir de 1773, urna sucessao de inci-

dentes, de gravidade crescente, ora inopinados, ora provo-

cados, forjariam a corrente em cuja extremidade se vislum-

bravam a guerra e a independencia. Esses episodios consti-

tuem os anais gloriosos da liberdade americana.

A 16 de dezembro de 1773, no porto de Boston, urn

grupo de cinqiienta cidadaos disfarcados de indios subiu du-

rante a noite a bordo dos navios da Companhia das Indias

e lancou a agua toda a carga. A passividade das autoridades

locais foi urna demonst racao de conivencia. 0 govemo ingles

decidiu responder a esse desafio com uma firmeza exemplar:

cinco decretos arruinaram 0comercio de Boston e reduziram

a zero as liberdades em Massachusetts. Londres queria que

isso servisse de exemplo, mas tudo 0que conseguiu foi preci-

pitar 0nascimento da solidariedade continental. As outras

col6nias colocaram-se ao lado de Massachusetts. Dando conti-

nuidade a urna ideia de Franklin, urn primeiro Congresso Con-

tinental reuniu-se em Filadelfia, em setembro de 1774: no

espirito daqueles que se intitulavam "delegados designados

pelo born povo das colonias", ainda estava fora de questao

romper com a Inglaterra ou formar urn govemo comum: trata-

va-se somente de ponderar sobre os meios adequados para

obter 0 reconhecimento de seus direitos pela negociacao,

Mas, nesse meio tempo, todos os elementos de urn dis-

posilivo insurrecional cstavam sendo montados pouco a

pouco. Constituiam-se par toda a parte comites de corres-

pandencia que formavam nas colonias uma rede compacta;

arrnas foram reunidas, as milicias treinavam, Improvisaram-

se legisiaturas revolucionarias. Duas colonias estavam a,tes-

ta do movimento: Massachusetts e Virginia. A conjuncao

dessas duas colonias ricas e populosas teria para 0 futuro

do movimento uma vantagem decisiva: limitado este a uma

iinica regiao, levaria a crer que se tratasse de urn caso de

agitacao local; animado por colonias que pertenciam uma

it Nova Inglaterra e a outra ao grupo meridional, 0 movi-

mento adquiria uma significacao continental. Era um pe -

nhor de unidade futura, Bostonianos e virginianos conser-

variam a preerninencia na Uniao durante mais de meio secu-

10, exatamente ate 1829, quando a eleicao de Andrew Jack-son rnanifestaria a intervencao de um terceiro elemento:

o Oeste. Pouco a pouco, os intransigentes suplantaram os

conciliadores e apoderaram-se da direcao do movimento:

esses patriotas eram geralmente radicais que esperavam,

beneficiando-se da independencia, reconstruir a sociedade

sobre alicerces mais democraticos, Sua atividade expandiu-

se: multi plicaram-se os panfletos, os jomais. A revolucao

americana foi a prime ira ~a qual a imprensa desempenhou

urn papel importante.

Em 18 de abril de 1775 ocorreu a fuzilaria de Lexington.o general ingles que comandava a guarnicao de Boston en-

viou uma eoluna para apoderar-se de urn dep6sito de armas

e municoes instalado em Concord por urn cornite insurre-

cional. Os patriotas foram imediatamente alertados: os fa-

zendeiros das vizinhancas acodiam de todos os lados e, em-

boscados arras das cercas, alvejavam os soldados ingles~s.

Foi 0 primeiro choque entre os redcoats" e os voluntanos

• Alcunha dos soldados ingleses, cujo unifonne inclufa a caracte-

nstica veste vermelha. (N. T.)

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americanos, Emerson disse que 0 rufdo dessa fuzilaria dera

a volta a Terra. Dois meses depois, em Bunker Hill, as

port as da pr6pria Boston, travou-se a primeira batalha em

moldes convencionais: a infantaria inglesa, lancando-se ao

assalto de uma celina, onde os americanos estavam entrin-

cheirados, perdeu urn milhar de homens (17 de junho de

1775).

metr6pole? Por outro lado, foi a origem da onda revolucio-

naria que, reatada e ampliada pela Revolucao Francesa ,

iria derrubar, urn ap6s outro, os regimes estabelecidos ate

a Revolucao Russa de 1917: a Revolucao Americana e, si-

multaneamente, a mae das revolucoes e dos movimentos

de independencia.

A independencia reivindicada e proclamada - Entre

essas duas refregas reuniu-se 0 segundo Congresso Conti-

nen tal, que decidiu formar urn exercito continental e confiar

o coman do supremo a George Washington. Escolha deci-

siva: a independencia americana, a confianca dos insurgen-

tes no exito de sua causa, sua reputacao alem dos mares,

deveram rnais ao desinteresse desse homem, as suas virtudes

cfvicas e militares, do que a todo e qualquer outro fator.

Daf em diante , a independencia estava adquirida nos fatos,

mesmo antes de ser reivindicada. 0 movimento dos espfri-

tos, a expressao na literatura somar-se-iarn a realidade urnana rnais tarde, com a Declaracao de Independencia (4 de

julho de 1776). Este texto, justamente famoso, cujo aniver-

sario a republica americana comemora religiosamente ana

apos ano, fundamentava no direito a insurreicao e enun-

clava urn sistema de valores aos quais se refeririam todas

as geracoes de homens de Estado: ela forma ainda em nossos

dias a base da filosofia politic a do povo americano. Com-

poe-se principalmente de uma recapitulacao das queixas das

colonias contra a Inglaterra, mas marca tambern uma data

da historia universal: antes de Declaracao dos Direitos doHomem e do Cidadao, e pela primeira vez no mundo, uma

nacao proc1amava solenemente urn cerro mimero de princf-

pios fundamentais sobre os quais devia repousar a existencia

das sociedades politicas. Essa declaracao esta na origem de

dois movimentos hist6ricos. Por urn lado, era a primeira

vez que colonias se emancipavam: a sublevacao americana

anunciava, assim, por antecipacao, todos os movimentos

de independencia colonial. Implantou no <imago da menta-

lidade americana 0 reflexo anticolonialista. Nao devem os

Estados Unidos sua existencia it recusa de depender de uma

II. A Guerra de Independencia

Prodamada a independencia, restava ainda conquis-

ta-la. Ouase sete anos foram necessaries para alcancar esse

objetivo: a longa duracao e uma caractenstica constante

dessas guerras coloniais que poem frente a irente exercitos

regulares e tropas improvisadas, uma potencia organizada

e reconhecida e autoridades insurretas. Em suma, a empresa

teve inicialmente urn carater algo desesperado: tudo ou qua-

se tudo faltava aos insurretos. A guerra apresentava multi-

plos problemas. Urn problema propriamente militar: os in-surgentes contavam apenas com urn exercito de milicia para

combater as melhores tropas regulares da Europa. Alem

disso, contra urn exercito profissional e permanente, esses

milicianos nao passavam de voluntaries, metade soldados

e metade agricultores, com um olho em suas terras au em

seus neg6cios; 56 dependia deles continuar servindo na tro-

pa au par urn ponto final no alistamento e ir embora: na

ausencia de urn prineipio-de disciplina, 0cornando via, em

certos mementos, seus efetivos sumirem literalmente. Co-

mo, em tais condicoes, executar urn plano de campanha?A esse exercito, era imprescindivel dar coesao, equipa-lo,

a ba ste ce -l o. O r a, as c ol on ia s n ao p o ss uf am in d us tr ia s, eo Con-

gresso Continental nao estava habilitado para criar impostos.

A alianca [rancesa - Numa correlacao de forcas tao

desvantajosa, a busca de aliados era uma necessidade impe-

riosa. Contra a Ingiaterra, as insurgentes so podiam diri-

gir-se it outra potencia maritima da epoca, a Franca: era

aceitar por aliados aqueles mesmos contra os quais as colo-

nias estavam combatendo havia quinze anos. Essa inversao

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das aliancas nao ameacaria ressuscitar urn perigo que cles

tinharn teito tudo por afastar? Franklin foi 0 habil nego-

ciador dessa alianca, cujo desenvolvimcnto se enquadra en-

tre duas vitririas: a capitulacao em Saratoga (17 de outubro

de 1777) de uma coluna inglesa em rerreno plano e desco-

berto, cercada pelas mihcias. fez 0 govemo frances dcci-

dir-se a assinar 0 tratado de alianca; cinco anos dcpois, qua-

se no mesmo dia (19 de outubro de 1782), outra capitulacao,

desta vcz a de uma guarnicao entrineheirada num forte emYorktown. veio coroar as opcracoes combinadas de terra

e mar entre insurgentes e franccscs, A Franca forneceu a

America dinhciro, armas, urn corpo expedicionario, uma

esquadra e a alianca espanhola,

o aspecto mais dclicado da situacao talvez fossc ainda

o politico: para levantar urn exercito, contratar a lia nc as ,

subscrevcr emprestirnos, era indispensavel a cxistencia de

uma autoridade polttica. Ora, as colonias nao tinham gover-

no; tampouco prete ndiam te-lo. Os trezc Estados en t ao 50-

beranos eram por dernais ciosos de sua reccm-adquirida in-dependencia para aceitar 0 sacrificio de uma parte dcla,

ainda que fosse para garantir sua conservacao. 0 Congres-

so Continental, esse ernbriao de governo central, nao dispu-

nha de nenhurn poder cocrcivo para impor a execucao de

suas decisoes: ele dependia em tudo da vontade dos trczc

Estados, Sua impotencia prolongou a duracao da guerra.

Na ausencia de urn poder central. a autoridade pessoal de

Washington supria 0 que lhe faltava de autoridade funcio-

naL Foi pre ciso csperar por marco de 1781 para que, te n do

todos as Estados adotado os artigos de uma Confedcracao,o governo central fosse finalmente investido de um corneco

de poder efctivo. Se 0 problema militar foi apenas razoavel-

mente resolvido e 0 diplomatico ° foi totalmente, 0 proble-

ma politico, entretanto, nao recebeu solucao satisfat6ria em

consequencia de toda a guerra. .

sive todo 0 territorio compreendido entre os Grandes La-

gos, ao norte, 0Mississfpi, a oeste, e as possessoes espanho-

las, ao sul. Suntuoso prcscntc. Vma negociacao geral com

os aliados dos insurgentcs tcve seu desfecho no tratado de

Versalhes (3 de setembro de 1783). Dcsforra para a Franca

do desastroso tratado de Paris. mas uma vitoria completa

para as cx-colonias inglesas: em vinte anos, estas tinham

logrado rechacar a Franca e rejeitar a dorninacao inglesa.

Sua hist6ria propria estava entao comecando: a hist6ria deuma nova America independente, ao mesmo tempo prolan-

gamento da Europa e separada dela, herdeira da Inglaterra

e nascida de uma rebeliao contra scu governo.

. A vitoria e a paz - Nesse meio tempo, a Inglaterra

resignou-se a negociar: convcrsacoes secretas culminaram

numa paz separada (30 de novembro de 1782). Ela reconhe-

ceu a indepcndencia de suas antigas colonias, cedendo inclu-

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CAPITULO III

A Constituicao dos Estados Unidos

1.Da fragmentaeao a unidade

E pluribus unum

o fracasso do governo confederado - Os insurgentes

tinham ganho a guerra, mas nao tinham a paz. De infcio,

pode ate parecer que a jovem America ia mergulhar na

desordem e na anarquia. 0 problema politico permanecia

scm solucao: as mesmas causas, tanto na paz quanta na

guerra, continuavam produzindo os mesmos efeitos. Antes

impotente para conduzir a guerra, 0Congresso nao estava

entao menos para solucionar os problemas nascidos da paz:

cxecucao de tratados. pagamento de emprestimos, negocia-coes comerciais. Diante dos fatos concretos criados pela no-

va realidade, 0 governo de tipo confederado estabelecido

pelos artigos da Confederacao revelava-se radical mente in-

ferior a sua tarefa: a clausula da unanimidade dos Estados

paralisava-o. A situacao interna degradou-se rapidamente:

as despesas excediam infinitamente os recursos; a dfvida

inchou; a moeda depreciou-se; 0exercito desagregou-se ou

arnotinou-se, soldados marcharam sobre Filadelfia, cujo

Congresso fugiu. A opiniao publica estava descontente, a

agitacao alastrava-se, as potencias julgavam com severidade

a impotencia dessa nacao. Ficou evidenciado que a vito ria,

se emancipou as colonies, nao fez delas nem uma potencia

nern uma nacao, por ausencia de Urn Estado. Os patriotas

estavam desolados. Nao teriam alcancando mais do que uma

vitoria de Pirro, e consumido tanta energia para afinal mer-

gulhar na anarquia? Esses anos crfticos, freqiientemente es-

camoteados na descricao do nascimento dos Estados Uni-

dos, foram capitais para 0 seu futuro; foram eles os que

conquistaram os espfritos para a ideia de uma revisao impe-

riosa das instituicoes,

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A convencdo - A salvacao viria de iniciativas tomadas

fora do Congresso para suprir a autoridade enfraquecida,

com a caucao do mais ilustre cidadao norte-americano,

George Washington. Apos varies adiamenros, os delegados

designados por todos os Estados, salvo Rhode Island, "para

examinar as disposicoes que lhes parecarn necessarias a fim

de tornar a Constituicao do governo federal adequada as

exigencias da Uniao", reuniram-se em Filadelfia a 25 de

maio de 1787. Participaram 55 delegados em todos au emparte dos trabalhos dessa assembleia, a qual congregou qua-

se tudo 0 que os Estados possuiam de personalidades de

talento e de ilustracao (somcnte Jefferson estava ausentc,

par ocupar enrao 0 cargo de embaixador na Franca). A

maioria ja possuia experiencia de negocios piiblicos: 39 ti-

nham participado dos Congressos Continentais, 22 eram

graduados por universidades e 31, au seja, mais de metade ,

eram juristas de profissao. Apesar desses antecedentes. a

media de idade dos constituintes mal passava dos quarenta

anos: e mesmo alguns dos que iam ter uma participacao

ativa nas deliberacoes eram muito mais jovens: Hamilton

tinha apenas trinta e Madison, 36. Tal era a composicao

dessa assembleia excepcional que os historiadores ameri-

canos, na esteira dos contemporancos, compararam a urn

concflio de semideuses.

Desde a abertura dos trabalhos, os delegados compro-

meteram-se a nada revelar publicarnenre sobre 0 teor de

suas discussoes: 0 sigilo foi observado escrupulosamente.

Essa disposicao, afastando as paixoes do exterior, ajudou

de maneira consideravel a aproximar pontos de vista opos-

tos. Entrctanto, divergencias aparentemente insuperaveis

surgiram com bastante rapidez, mormente entre delegados

de pequenos e de grandes Estados: it Iorca de cornpreensao

mutua, chegava-se quase sempre a urn acordo. A bonomia

sorridente de Franklin, seu espfrito arguto e senso de opor-

tunidade , seu genio conciliador tambem contribuiram para

isso, Washington, levado de imediato it presidencia por con-

senrimento unanime, exerceu suas funcoes para satisfacao

de todos. As deliberacoes duraram quase quatro meses, de

25 de maio a 17 setembro de 1787, e ocuparam talvez urn

total de trezentas horas, Daf resultou urn texto cuja concisao

nao e uma de suas qualidades menos impressionantes. Os

amadores de estausticas calcularam que ele eompunha-se

de 89 frases e 4 mil palavras: sua leitura em voz alta exigiria

apenas 23 minutos. Em sua brevidade , nem por isso deixa-

ram de ser previstas todas as eventualidades, porquanto e

essa Constituicao que ainda hoje rege 0 funeionamento das

instituicoes poltricas americanas. As emendas adotadas de-

pois, 22 no total e das quais as dez primeiras, promulgadasem 1791. sao suas conternporaneas, nao modificaram essen-

cialmente a arquitetura da cartamagna.Entretanto, essa constituicao tinha urn carater erninen-

ternente circunstancial. Os constituintes nao obedecerarn

a nenhum espfrito de sistema. Embora ambicionando har-

monizar 0 governo da Uniao com os princfpios fundamen-

tais de toda a sociedade politica, eles decidiram fazer, sobre-

tudo, obra de circunstancia e responder aos problemas apre-

sentados pela situacao: sempre essa mistura tao caracterfs-

tica de idealismo e de pragmatismo. Pacientemente, con-frontaram seus pontos de vista, testaram a solidez de seus

argumentos: poueo a pouco, as discordancias foram reduzi-

das, as concepcoes aproximadas, os ajustes concretizados

gracas a concessoes rrnituas. A Constituicao resultou desse

processo transacional. Se nao houve quem se reeusasse ao

conceder sua assinatura no final dos trabalhos, tambern e

verdade que ninguem se considerou inteiramente satisfeito

com os resultados, E precisarnente por esse seu carater tran-

sacional que essa constituicao tern durado mais do que ne-

nhurna outra: sua flexibilidade proporcionou-lhe sua facul-dade de adaptacao,

Estado federal e Estados - Dois problemas precisos,

que pareciam igualmente insohiveis, apresentavam-se it sa-

gacidade dos constituintes. Como conciliar a necessidade ,

que 0 fracasso dos artigos da Confederacao tornou mani-

festa, de urn fortalecimento do poder central com a recusa

dos Estados de alienarem uma parte de sua soberania? Exi-

gencias aparentemente incompatfveis que, nao obstante, a

habilidade de um ~ompromisso harmonizou. A nova ideia,

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cuja fecundidade sera demonstrada logo adiante, consistia

em criar urn sistema duplo de soberanias inteiras e distintas.Acima dos Estados, cada urn dos quais conservava sua sobe-

rania, erigia-se urn Estado federal igualmente soberano em

sua esfera, Entre e1es, a Constituicao procedia a uma parti-

Iha de competencias: ao Estado federal cabia de direito a

polftica externa, a defesa, °comercio com 0Exterior e entreos Estados; tudo 0 que nao era expressamente delegado

ao governo federal continuava sendo de competencia exclu-siva dos Estados. Nos lirnites de suas atribuicoes, as duas

soberanias cram plenas e exerciam-se scm limitacao nenhu-

rna. Os cidadaos encontravam-se, pois, simultaneamente de-pendentes da autoridade de dois Estados, urn no limite de

seus direitos reservados, 0 outro - 0 federal - no limite

de seus direitos delegados, e estavam submetidos a duas

ordens de deveres. Doravante, a vida politica desenrolar-

se-ia em dois niveis sobrepostos. Os Estados Unidos ofere-

ciam assim ao mundo 0 primeiro exemplo de federalismo

aplicado.o segundo problema nao.era menos arduo, e as diver-

gencias a seu prop6sito por pouco nao frustraram, mais de

uma vez, 0 esforco de conciliacao: como por de acordo os

grandes Estados, naturalmente desejosos de dispor no novo

sistema de uma influencia proporcional a importancia de

suas populacoes, de suas riquezas e atividades, e os peque-

nos Estados, temerosos de serem absorvidos e firmemente

resolvidos a nao transigir no tocante a igualdade de todos?

Ainda sobre esse ponto, °espirito de conciliacao encarnado

por Franklin imaginou uma solucao engenhosa: represen-tacao igual no Senado, onde todos os Estados, pequenos

ou grandes, teriam duas cadeiras, e representacao propor-

donal na Camara dos Representantes. Ficou estabelecido

que esses pontos nao seriam suscenveis de revisao,

seu tempo se nao alimentassem uma desconfianca instintiva

em relacao ao poder excessivamente concentrado; eles ade-riam ao postulado da filosofia liberal de que 0 poder deve

ser limitado e fracionado. Por isso criaram urn mecanismo

sutil e engenhoso, 0qual agradava a imaginacao da epoca.

Mecanisme aparentemente complexo e delicado, mas cuja

robustez foi revelada pela experiencia, porquanto tern resis-

tido ao tempo. Cuidadosamente separados, os poderes sao

independentes uns dos outros: em caso de desacordo , ne-nhum dispoe de meios para por fim a existencia de urn dosoutros. Por isso tampouco existe responsabilidade do Exe-

cutivo perante 0Legislative: 0 Presidente escolhe seus mi-

nistros conforme seja de seu agrado, os quais so sao respon-

saveis perante ele. Reciprocamente, 0Presidente nao pode

dissolver uma carnara do Congresso. A Constituicao zeta

pelo equilfbrio desses poderes: para evitar que em suas res-pectivas esferas eles nao se tomem onipotentes, cada poder

e indiretamente control ado pelos outros e tern necessidade

de seu concurso. Assim, os atos legislativos do Congresso,para adquirirem forca de lei, devem receber a assinatura

do Presidente, que pode opor-Ihe seu veto. Por outro lado,

o Presidente necessita da aprovacao do Congresso no pro-

cesso legislativo e para votacao do orcamento; nao pode

efetivar a nomeacao de certos funcionarios (Secretario de

Estado, embaixadores) sem 0 consentimento do Senado,

cujo acordo, frequentemente recusado, e tarnbem neces-sario, por maioria de dois tercos, para a ratificacao de tra-

tados. E admitido, com efeito, que 0Senado eo Executivo

tern urn poder conjunto no que se refereaconducao dapolitica externa.

Esse sistema visa essencialmente preservar os direitos

do individuo. Uma outra disposicao, uma das mais originais

dessa constituicao que contem tantas, assegura-lhe uma ga-

rantia preciosa: aquela que faz do poder judiciario urn podersuperior aos outros. Com efeito, a igualdade nao e absoluta

entre os tres poderes: os atos do Executivo, as decisoes do

Legislativo, podem ser levados a apreciacao do Judiciario.

Na cupula da hierarquia judiciaria, 0Supremo Tribunal de

Justice tern 0poder de interpretar a Constituicao. Isso, com-

A organizacao dos poderes - 0 espirito pragmatico

e a fidelidade a urn pequeno mimero de· principios tidospor essenciais presidiram tambern a organizacao dos pode-

res que compoern 0governo federal e a artieulacao de suas

relacoes rmituas, Os constituintes nao seriam pessoas de

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binado com a tradicao consuetudinaria do judiciario ingles,

institui urn verdadeiro "governo dos jufzes",

Tudo esta calculado para impedir que urn poder se so-

breponha aos outros, que 0Estado federal sufoque os direi-

tos dos Estados, que as poderes publicos infrinjam a Iiber-

dade dos indivfduos, Sistema profundarnente liberal, mas

de modo algum dernocratico. as constituintes desconfiavam

do povo, temiam 0despotismo da maioria; muitos admira-

yam 0governo britanico e duvidavam de que pudesse existirurn modo de govemo superior. Corria ate 0 boato de que

eles consideravam a possibilidade de uma restauracao mo-

narquica. De fato, eles instituiram urn governo represen-

tativo e republicano, mas cujas disposicoes tendiam todas

a atenuar os movimentos de opiniao: em nenhuma parte

o sufragio era universal; os senadores eram designados pelas

legislaturas estaduais, 0Presidente escolhido par urn colegio

restrito de eleitores. a princfpio do equilibria de poderes

aplicava-se tambem ao poderio da opiniao publica.

que 0sol gravado no espaldar da cadeira do presidente , quemuitos haviam indagado com frequencia ao longo daquelesquatro meses se ele nascia ou se punha, era urn sol nascente.

A mesma Constituicao rege ainda hoje 0funcionamen-

to dos poderes publicos. Ouer isso dizer que sua aplicacao

sefaz em conformidade exata com 0que seus auto res tinhamprevisto? Precisamente por terem querido fazer obra de cir-

cunstancia e se recusado a dispor de antemao sobre todas

as eventualidades futuras, a texto deixava uma extensa mar-gem a interpretacao. Aquela que prevaleceu esta, sem duvi-da, bastante distanciada do estado de.espfriro dos consti-

tuintes. A pratica levou 0 sistema a oscilar entre duas dire-

coes principais: de urn lado, uma evolucao democratica fez

saltarem todos osferrolhos com que 0liberalismo dos funda-

dores bloquearam a manifestacao de impulsos populares,

e a opiniao publica passou a ser 0 poder fundamental e

a fonte de todos os outros; de outro lado, a novidade e

a multiplicidade de questoes apresentadas associedades mo-

dernas pela industrializacao, e0

choque dos imperialismosiriam romper 0 equilfbrio estabelecido entre os Estados e

o Estado federal: 0 centro de gravidade passou hoje dos

primeiros para 0 segundo.

Perenidade do texto e desvios da prtuica - Tais eram

as disposicoes fundamentais do texto produzido pelas deli-

beracoes da Convencao. Essa Constituicao elaborada para

uma nacao nascida na vespera, formada por alguns milhoes

de habitantes entre 0Atlantico e os Alleghenies, entregues

ao trabalho da terra, a pesca e ao cornercio, preside ainda

hoje aos destinos de urn aglomerado de mais de 210 milhoes

de seres humanos, repartidos de urn oceano ao outro, e

que se tomou nesse intervalo a primeira potencia do mundo

e a nacao mais industrializada. A hist6ria oferece poucosexemplos de semelhante perenidade associada a transfer-

macoes igualmente profundas. Ela e - e de longe - a

mais antiga de todas as constituicoes hoje em vigor. E , emparte, a responsavel par esse futuro, ao fazer dos Estados

Unidos uma nacao: sua existencia como sociedade polfticaorganizada data da adocao do texto constitucional. 0 patrio-

tismo americana percebe-o claramente, sente que se dirige

tanto as instituicoes quan to ao pr6prio solo, 0que 0diferen-

cia do patriotismo dos povos europeus. Franklin foi urn born

profeta quando, no ultimo dia da Convencao, assegurou

A ratifica~ao - as convencionais tinham disposto que,

para entrar em vigor, a Constituicao deveria congregar pelo

menos nove dos treze Estados. Foi preciso urn ana para

a conseguir: somente em tres Estados a Constituicao foi

ratificada scm controversia; dois Estados recusaram-se por

varies anos a entrar na nova nacao. Preenchidas finalmenteas condicoes, 0novo govemo federal pode entrar em funcio-

namento: com a eleicao, a 4 de marco de 1789, de George

Washington como primeiro presidente dos Estados Unidos,

chegou ao fim uma epoca, ados anos cnticos, e uma outra

historia comecou.

11.0 nascimento dos partidos

Duas interpretacoes: [ederalistas e republican os -

Washington tinha sido eleito sem concorrente: sua pessoa

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nao era contestada: mas sua administracao 0foi. Se a unani-

midade reinou em 1789, nao tardaria muito a desfazer-se.

Na verdade, foram as divergencias de 1787que ressurgiram.

A proposito de questoes praricas, instituicao de urn banco

nacional com ou sem .privilegio estatal, impost os federais

etc. foram definidas e fixadas duas escolas de pensamento

cujo desacordo questionava a propria interpretacao do pac-

to federal e a divisao de competencies entre os govemos

estaduais e 0 poder federal. As posicoes vinculavam-se asimpatias ou aversoes pela democracia. Estava em causa

nada menos do que a evolucao democratica da nova repu-

blica. Com base nessas interpretacoes, constituiram-se os

primeiros partidos politicos. urn fator a que a Constituicao,

com bons motivos, nao fez mencao e cuja intervencao modi-

ficou sensivelmente 0 funcionamento das instituicoes.

Uma primeira escola aspirava a reforcar 0poder fede-

ral: dafseu nome de "federalista". Um govemo central forte

parecia-lhe duplamente necessario: 0Estado nao podia dis-

pensar um Executive eficaz nem a sociedade urn instrumen-to capaz de manter a ordem publica e de impo-la tanto as

faccoes quanto as paixoes. Em seu foro fntimo, mesmo ten-

do combatido a arbitrariedade do governo ingles, eles conti-

nuavam convencidos de que a monarquia era a melhor for-

ma de govemo e sonhavam instaurar uma, sem monarca,

no ambito da nova Constituicao. Por isso desejavam dotar

o jovem govemo federal com todos os atributos e meios

de execucao de um verdadeiro Estado: um banco com privi-

legio de Estado, um sistema de impostos que the assegurasse

recursos regulares, Suas inclinacoes monarquicas faziam-seacompanhar de uma desconfianca instintiva em relacao ao

povo e de sentimentos aristocraticos: a conducao dos nego-

cios publicos devia caber aqueles que para isso haviam sido

preparados, pela riqueza, pela educaeao e por uma tradicao

familiar de lideranca. Apos a Guerra de Independencia,

eles pensaram em reagrupar os veteranos numa ordem, a

dos Cincinnati, que teria podido tornar-se 0germe de uma

nova aristocracia: a oposicao de Franklin a transmissao he-

reditaria das prerrogativas vinculadas a ordem fizera 0pro-

ieto fracassar.

Com efeito, uma segunda escola estava determinada

a opor-se a toda tentativa de restauracao rnonarquica. Ali-rnentados pelas grandes rnemorias da Antiguidade greco-

latina, os republicanos queriam fazer dos Estados Unidos

uma republica, donde 0nome por eles adotado, com 0 ideal

de uma Arcadia americana, sociedade democratica de pe-

quenos proprietaries, livres e iguais, vivendo de seu traba-

lho, sem nada dever a ninguern e desfrutando de urn bem-

cstar honesto. Tratava-se de restabelecer na terra a ldadede Duro. Concepcao arcaizante que deve tanto a aurea me-

diocritas de Horacio quanto a filosofia de natureza de Jean-

Jacques Rousseau. Apegados a liberdade individual, que

para eles era mais bern defendida pelos Estados, manti-

nharn-se de pe atras com 0 poder central, que receavam

ver tornar-se 0 instrumento de uma ambicao pessoal ou de

dominic de uma faccao, e cuidavam para que, por uma inter-

pretacao restritiva da Constituicao, 0 poder federal nao se

arrogasse outras atribuicoes alem daquelas que Ihe eram

expressamente delegadas pelos Estados, cujos direitos elesdcfendiam ciosamente.

Hamilton contra Jefferson - Federalistas e republica-

nos: a oposicao desses dois sistemas de pensamento, dessas

duas filosofias polfticas, atinge, desde 0nascimento dos Es-

tados Unidos, a simplicidade dramatica dos grandes confli-

tos que dividem a opiniao publica nos Estados modernos.

A principal clientela dos federalist as era predominantemen-

te urbana, ao passo que os agricultores foram naturalmente

lcvados a apoiar0

ponto de vista republicano. A oposicaode dois homens do rninisterio formado por Washington, que

adquiriram titulos eminentes que os recomendaram a grati-dao nacional, simbolizou a oposicao das duas escolas. Ale-

xander Hamilton, 0 primeiro Secretario do Tesouro, cuja

campanha veemente levou 0Estado de Nova York a aderir

a Constituicao, era 0 lider dos federalistas, Thomas Jeffer-

son, 0primeiro Secretario de Estado da Uniao, redator da

Declaracao de Independencia, era 0 porta-voz e 0 filosofo

dos republicanos. Tanto um como 0outro eram dotados

dos mais belos dons do espirito.

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A discordancia sobreviveria a cssa geracao de homens

politicos: os partidos continuariam, epoca apos epoca, a

opor-sc na questao dos direitos dos Estados versus direitos

do Estado federal, Foi 0debate que opos Jackson a Calhoun

e a Carolina do Sui na querela, pacificamente resolvida,

da revogacao de uma lei federal por parte de urn Estado,

em seu territorio; foi 0 mesmo debate que opos Lincoln

eo Norte ao Sui. e arrastou a Uniao para a pavorosa tragedia

da guerra civil; foi ainda esse debate que, quarenta anos

depois, antagonizou os partidarios e os adversaries do New

Deal. Mas houve uma mudanca nos terrnos de debate e

na posicao das duas escolas. Em 1789, as alternati vas eram

as seguintes: fortalecimento do poder federal, concomitante

a uma sociedade aristocratica. ou democratizacao, a qual

implicava a autonomia mais ampla possfvel dos Estados.

o paradoxo da evolucao polftica americana esta em que

os termos do dilcma dissociaram-se e reagruparam-se segun-

do novas combinacoes: 0 program a Hamilton foi realizado

muito mais tarde, mas pelos herdeiros espirituais de jeffer-

son, de Jackson a Roosevelt. A evolucao politica dos Esta-

dos Unidos operou-se simultanearnente no sentido de urn

consideravel recrudescimento dos poderes do Estado fede-

ral e de uma dernocratizacao acentuada da vida politica.

no conflito que dilacerava a Europa. Sua ultima recomen-

dacao, em seu discurso de despedida ao povo americano,

alga como seu testamento politico, foi para que 0pais se

conservasse fora das querelas europeias, A pohtica externa

dos Estados Unidos permaneceu fiel a esse principio por

mais de urn seculo, e a opiniao publica norte-americana por

mais tempo ainda.

Divergencies aproposito da Revolucao Francesa - Du-

rante a presidencia de Washington, uma circunstancia exte-

rior veio exacerbar a divergencia entre as duas faccoes: a

Revolucao Francesa e a guerra na Europa. Os federalistas,

e Washington com eles, por gratidao pela ajuda francesa

ou precisamente por reconhecimento ao rei, reprovaram

de imediato as violencias de que a Revolucao se fez acompa-

nhar, os excessos perpetrados pelos jacobinos, por medo

de contagio, par conviccao monarquista, expressaram sua

preferencia pela Inglaterra, Os republicanos, pelo contra-

rio, aplaudiram a Revolucao Francesa e formularam aberta-

mente votos por seu exito. Washington procurou como pode

manter a pals a margem dos redemoinhos provocados par

essa formidavel onda de subversao e preservar sua neutrali-

dade: os Estados Unidos nada tinham a fazer ou a IUCTar

A eleiaio de Jefferson - Cansado dos ataq ues dos repu-

blicanos, que 0 acusavam de nao manter uma posicao de

equilibrio entre os beligerantes, de arrastar os Estados Uni-

dos para uma guerra virtual contra a Franca e de por em

perigo as liberdades mediante uma legislacao de excecao ,

Washington, fiel it sua personagem de Cincinnato ameri-

cano, recusou apresentar-se uma terceira vez como candi-

dato it Presidencia e retornou a seu querido Mount Vernon:

esse precedente criou uma tradicao tao forte como se esti-

vesse inscrita na propria Constituicao, e foram necessarias

circunstancias tao excepcionais quanta a Segunda Guerra

Mundial para que fosse quebrada em 1940 e 1944. Desde

entao, uma Emenda, a 22\ adotada em 1951, obstruiu a

renovacao de semelhante eventualidade e fez do exemplo

dado por Washington uma regra de direito. Ap6s John

Adams (1797-1801), urn federalista, foi 0 hder do Partido

Republicano, Jefferson, quem ascendeu a presidencia: 0

cvento marcou urn momento decisivo na historia dos Esta-

dos Unidos, e nao apenas porque 0novo presidente trans-

feriu 0 govemo para a nova capital federal, cuja criacao

a partir do nada era duplamente simbolica da novidade do

poder federal e do comeco absoluto da hist6ria do povo

americano.Antes de mais nada, isso se deveu a personalidade do

novo presidente, igualmente dotado em numerosos aspec-

tos. Ja tinha atras de si uma carreira que era suficiente para

deixar sell nome na memoria de seu povo: fora autor da

Declaracao de Independencia, representante dos Estados

Unidos junto a corrente da Franca, depois de Franklin, e

primeiro Secretario de Estado. Mas seus atos contaram me-

nos do que seus pensamentos. Esse filosofo, apaixonado

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pela arquitetura, que desenhou de proprio 0 projeto desua residencia em Monticello, preocupado com as questoes

de ensino (considerava ele que urn dos principais motivos

de seu reconhecirnento pela postcridade era 0 fato de ter

fundado a Universidade da Virginia), curioso de tudo, que

tinha par arnigos rodos os ideologos franceses, que seus ad-

versarios suspeitavam de ateismo, professava uma filosofia

otimista it rnaneira de Condorcet. Acreditava no desenvol-

vimento do espirito humano, na razao, na tolerancia, detes-tava a arbitrariedade e a desigualdade. Scm extrair de ime-

diato desse fato todas as consequencias logicas (Jefferson

tinha nurnerosos escravos), aderiu aos principios da demo-

cracia. Sua presidencia eliminou as virtualidades monarqui-cas e aristocniticas da Constituicao. Ele proprio incutiu ao

exercfcio de suas funcoes uma simplicidade propriamente

democratica e aplicou-se it tarefa de realizar 0 ideal de urn

governo praticamente inexistente e pouco dispendioso, em

conformidade com a filosofia liberal.

Foi como uma segunda fundacao das instituicoes, compa-ravel it que foi a ascencao de Jules Grevy it presidencia da

Republica francesa. Os dois mandatos presidenciais de Jeffer-

son (1801-1809), seguidos de uma longa serie de presidentes

inspirados pelo mesrno esptrito, formaram a primeira etapa

de uma evolucao democratica marcada por sucessivos impul-

50S, os mais importantes dos quais levaram it presidencia dos

Estados Unidos Jackson, Lincoln e 0 segundo Roosevelt.

As questoes externas: da aquisicao da Luisiana a dou-

(rina Monroe (1803-1823) - A ~istoria chegou-lhe .defora:

fez sua intrusao no destino dos jovens .Estados Un~d~sP?r'ntermedio das relacoes com 0 estrangeiro. Nada exisnu DIS-

~o que nao estivesse estritamente. ef!1_conformid~de como pensarnento orientador da Constituicao, que fazia das re-

\ac;OCSxtern as0domfnio proprio d? govern~ federa~. Nes-se contexto,tres au quatro acontecimentos nverarn impor-

tancia historica para0

desenvolvimento dos Estados Uni-dos, que romperam a placida continuidade dos a~os,e.foramtambem repercussoes do grande abalo revolucionario que

sacudiu a Europa. Em 1803 Bonaparte propos aos EstadosUnidos ceder-lhes a Luisiana, que acabara de lhe ser devol-

vida pela Espanha. Jefferson aproveitou a.o~~iao e co~-prou, por 15 milh6es de dolares, urn terntono que. mars

do que duplicou a superficie da Uniao. 0 teorico da.m~er-

pretacao restritiva da Constituicao, 0defensor dos direitosdos Estados contra 0Estado federal tomou atuma das inicia-

tivas mais prenhes de consequencias que urn presidente dos

Estados Unidos podia tomar. Assim procedendo, ele orien-

tou 0 futuro de urn modo talvez ainda mais decisivo do

que aquele como usou os poderes ptiblicos.Entre 1812 e 1815 repetiu-se 0 conflito com a Ingla-

terra, a que.se deu 0nome de Segunda Guerra de Indepen-

dencia, A guerra foi deflagrada em consequencia da preten-

sao inglesa de interditar todo 0 comercio entre a Franca

e as Estados Unidos, e das medidas de bloqueio tomadas

pela Marinha britanica: Madison que ria fazer respeitar o_sdireitos dos neutros. Urn seculo mais tarde, a mesma cornbi-

nacao de consideracoes jurfdicas e de motivo.s in!eresseiros

decidiria a entrada dos Estados Unidos na Primeira GuerraMundial. Essa identidade de motivos revela a continuidade

da politica comercial e externa norte-americana de 181~ a1917. As operacoes militares comportaram poucas acoes

brilhantes: os britanicos incendiaram Washington; os norte-

americanos registraram uma vitoria diante de Nova Orleans

(8 de janeiro de 1815), onde puseram em debanda urn cor~oexpedicionario. Esse exito sobre os vencedores de Napoleao

persuadiu-os de que eram os melhores soldados do mundo

A era dos bons sentimentos - A orientacao imprimidapor Jefferson foi bern defendida: ninguern sonhava sequer

em renunciar a cia. Essa aceitacao razoavel das coisas funda-

mentais e caractenstica da vida polftica americana e explica

sua estabilidade. As instituicoes sao aceitas por todos. A

faccao federalista dissipou-se; as lutas partidarias acalma-

ram-se; os proprios partidos que perderam a nocao do que

os separava pareceram desaparecer; as eleicoes desenrola-

varn-se na maior tranqiiilidade do rnundo; Madisom

(1809-1817) e Monroe (1817-1825) sucederam a Jeffersonsem choques. E a era of good feelings, a era dos borissenti-mentos. Urn povo feliz nao tern historia,

3 6 :n

 

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e foi0ponto de partida para a gl6ria de seu general, Andrew

Jackson. 0 tratado de Gand, assinado dois meses antes (no-vcmbro de 1814), confirmava a independcncia americana

scm modificar as disposicoes territoriais de 1783e sem nada

cstipular sobre os direitos dos neutros.

Em 181~, usando alternadamente da arneaca e da per-suasao, os Estados Unidos convenceram a Espanha, em

guerra contra suas colonias revoltadas, a ceder-lhes, com

a Florida, a porcao do litoral que ela ainda possufa entreo Atlantico eo curso inferior do Mississipi, c que os separava

do golfo do Mexico. Foi ainda a prop6sito da Espanha,

mais precisamente a respeito de suas colonias revoltadas

da America. que 0 presidente Monroe definiu a posicao

dos Estados Unidos numa declaracao farnosa, chamada a

reger, por geracoes, sua iinha de conduta: 0 conhecimentodas circunstancias e indispensavel a sua justa cornpreensao.

Vma expedicao francesa acabara de restabelecer a autori-

dade de Fernando VII na Espanha: a circunstancia propi-

ciava a crenca em boatos segundo os quais as potencias euro-pcias planejavam intervir fla America, a fim de restabeleccr

a obediencia das colonias revoltadas a seu legitime sobe-

rano. Que iriam fazer os Estados Unidos? Tudo os levavaa criar obstaculos a esse plano de intervencao: a simpatia

pelos insurretos. que nada mais faziam do que imitar 0

exernplo dado par eles; 0 interesse que nao era certamente

o de ter de novo as grandes potencias instaladas nas vizi-nhancas de suas fronteiras, quando obviamente lhes convi-

nha muito mais ter como vizinhos Estados jovens e aindafracos. 0 presidente Monroe decidiu, portanto , reconhecer

os governos insurretos e fazer uma advertencia a Europa.

Numa mensagem ao Congresso, definiu os princfpios de

sua administracao, que no conjunto viriam a ser designados

par "doutrina Monroe". Ela reafirmava 0princfpio de neu-

tralidade legado por Washington, mas definia-lhe com pre.-

cisao as modalidades e ampliava seu campo de aplicacao

a todo 0Novo Mundo. Os Estados Unidos desejavam per-

manecer em bons termos com a Europa e abstinharn-se de

se imiscuir em seus assuntos internos. Em contrapartida,

solicitavam as potencias europeias que se abstivessem de

roda e qualquer intervcncao nos assuntos do continente

americano: negavarn-lhes 0 direito de estender sua domi-

J13lfaO a territ6rios ainda livres de sua colonizacao; sobre- .

rudo notificavarn-nas de que considerariam toda e qualquer

< 1 ( , : 3 0 contra urn governo que tivesse proclamado sua indepen-

dcncia como urn ato inamistoso para a nacao americana.

Os governos europeus nao levaram muito em conta essa

dcclaracao, uma vez que as Estados Unidos seriam incapa-

zes de assegurar-lhe 0 respeito, e apenas viram nela umafanfarronada au urn gesto para uso intemo. Mas nem por is-so 0 texto deixa de possuir urn grande valor: foi a primeira

rnencao de uma doutrina continental a formular de maneira

bastante exata as palavras de ordem: A America para os

americanos! e a canter 0germe , por interrncdio do pan-arne-

ricanismo, de uma hegemonia de faCIO da grande Republica

sabre as duas Americas.

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CAPiTULO IV

o Oeste e a democracia am ericana

Num plano secundario em relacao a esses eventos mili-

tares e diplornaticos, a essas rivalidades partidarias, desen-volve-se uma outra historia, que nao importa menos para

o futuro dos Estados Unidos e que, em todo 0 caso, contri-

buiu mais para a sua originalidade: 0povoamento do Oeste.Pais, em ultima analise, 0destino que federalistas ere ubli-

.L.&anos queriam para 0 pais deles nao constitufa urna novi-~ radical: os rimeiros imn inavam-no se undo 0mo-

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grande epopcia nacional, equivalente a gesta imperial para

a Franca e it formacao do imperio colonial para os brita-

nicos. Talvcz nem todos se apercebam de que os Estados

Unidos situam-se a testa de todos as povos colonizadores

e que, pela amplitude dos territories c dos movirnentos de

populacoes, 0 povoamento do Oeste americana forma a

capitulo mais irnportante da expansao branca na supcrficic

do globo durante 0 seculo XIX.

42

daas de plena direito de urn Estado sob . A adocao

eSSaor enacao em como a redacao da Constituicao fazem

duplamente de 17870 ana do nascimento efetivo dos Esta-

dos Unidos: as dois textos nao apenas sao contemporaneos

como concorrern, cada urn em seu nivel. para 0assenta-

mento dos alicerces da grandeza americana. Essa ordenacao

do Oeste nao tardou em produzir seus primeiros efeitos:

o terntorio do Kentucky ingressa na Uniao, na qualidade

de novo Estado, a partir de 1792; depois, a intervalos cuja

brevidade denota a rapidez do povoamento, outras estrelas

vern oeupar seu lugar ao lado das dos Estados fundadores

na bandeira federal: a Tennessee (1796); 0 Ohio (1803).

a princfpio desse processo original de crescimento espon-

taneo ainda nao esgotou suas virtudes, pois a admissao do

Alasca (1958) e do Havaf (1959) elevou para cinquenta 0

mimero de Estados. E urn trace de semelhanca suplernentar

entre a Constituicao e a ordenacao do Noroeste: elas conti-

nuam regendo a existencia da Uniao.

As ampliacoes sucessivas (1803-1853) - Se a mencio-

nada ordenacao teve consequencias tao amplas - 0 nasci-

mento de 35 novas Estados -, foi porque seu campo de

aplicacao se ampliou consideravelmente: no territ6rio cedi-

do em 1782 pela Ingla terra so era posstvel tracar, no maxi-

mo, sete ou oito novas Estados. Mas esse quadro iria am-

pliar-se prodigiosamente em meio seculo, gracas a suces-

sivas investidas. Em certos pontos, 0povoamento precedeu

a anexacao: na rnaioria dos casas, porem, ocorreu a inverso,

tendo a incorporacao ao territorio federal precedido a ocu-pacao efetiva. Essas ampliacoes foram todas feitas, e claro ,

em detrimento dos antigos imperios coloniais frances, espa-

nhol, britanico, ou de seus herdeiros: a expansao dos Esta-

dos Unidos prolongou assim 0movimento de emancipacao.

Em 1803. Jefferson adquiriu do Primeiro Consul toda a Lui-

siana: imenso territorio cuja incorporacao duplicou de uma

so vez a superficie dos Estados Unidos (na verdade, nin-

guern sabia onde passavam seus lirnites extremos); a entrada

em Nova Orleans abriu uma saida maritima direta para as

novos Estados do vale do Mississtpi: as perspectivas de ex-

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pansao pareciam entao ilimitadas. pelo Missouri ou por Ar- A expulsao dos indigenas - es a 0era raticamente

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kansas, na direcao das Montanhas Rochosas e mais alern,

talvez, ate 0Pacifico. Jefferson tomou imediatamente

posse desse novo dominio: a partir de 1804, sob seu patro-

cinio e com 0 apoio do exercito federal. os exploradores

Lewis e Clark subiram os afluentes da margem dire ita

do Mississtpi, Em 1819, a anexacao do enclave espanhol

das Floridas representou, comparativamente , apenas uma

ampliacao lirnitada , mas derrubou a cortina existente en-tao entre os Estados Unidos e 0 golfo do Mexico, ligou

a Georgia a Luisiana e estabeleceu uma fachada maritimanacional continua desde a Nova Escocia ate 0 delta doMississipi.

Uns trinta a_nosdepois, nova investida, penetrando si-

multaneamente em varias direcoes, dilata ainda mais as

fronteiras da Uniao, antes mesmo que todo 0 espaco fosse

preenehido. No noroeste, apos 25 anos de contestacao, a

Inglaterra cedeu aos Estados Unidos, sem urn unico tiro,

o territ6rio do Oregon, onde 0 afluxo de imigrantes ameri-canos superou os colonos ingleses. Foi como os Estados

Unidos ganharam uma janela para 0Pacifico (1846). A su-

doeste e a oeste, eles obrigaram 0Mexico, apos uma guerra,

a reconhecer ao Texas 0direito de entrada na Uniao e a

ceder-lhes duas imensas provincias - 0Novo Mexico e a

California -, de cuja riqueza emmetais ainda nao se suspei-tava, algumas semanas antes da descoberta do ouro (1848).

Cinco anos depois, a anexacao de uma faixa alongada ao

sui do Novo Mexico e a oeste do rio Grande (tratado Gads-

den, 1853), acabaria de dar ao territ6rio federal seus contor-nos definitivos, Esta ultima onda de aquisicoes representava

urn crescimento mais consideravel ainda do que 0da Luisia-na. eio seculo de 1 03 a 1 3 os E t

Unidos tinha ais do ue tri licado sua su erficie: deurn oceano ao outro, abrangiam agora 7.800.000 km , uma

exrensao equivalente a quatro quintos da Europa, com uma

populacao dez ou vinte vezes menor. Urn campo pratica-mente vazio ue se ofere cia ao ovoamento, urn es a

4_oIoiIoiloWolocomorn continente no qual sedesenrolou do comecao fim do seculo XIX a epopeia do Oeste.

44

valio, mas nao absolutamente. Uma vez afastadas asantigapotcnClasco omais, avia outra e mais antiga hipoteca. Ain-da que se comportassem como primeiros ocupantes, os pio-

nciras americanos de aravam antecessores: os indi enas.

Sendo, de inicio, dois povoamentos pOllco numerosos, Olio

ihcs teria sido possivel coabitarem born entendimento? Semlevar em conta 0desprezo dos brancos pelos indios eo res-

sentimento destes para com seus espoliadores, havia a opo-si<;:aode seus modos de vida: sem duvida, 0 povoamento

indigena era muito esparso, mas nao se pode esquecer dacondicao seminomade dessas populacoes que se alimenta-

vam esscncialmente do produto de suas cacadas: bisoes, ani-

mais de peles. Portanto, elas precisavam acompanhar a cacaem seus deslocamentos, primeiro atraves das florestas, mais

tarde na pradaria. Ora, na retaguarda de uma rala cortina

de franco-atiradores, cacadores e traficantes de peles, cujo

modo de vida assemelhava-se ao do indio, 0grosso dos pio-

neiros era formado de gente sedentaria, mesmo tendo de

mudar de lugar por diversas vezes na vida: eles desmatavam,

arroteavam, semeavam. Suas povoaeoes lancavam sobre os

tcrritorios de caca dos fndios uma rede que lhes entravavaas movimentos. . resses dos dois ru s eram incom-

auveis. Conflito eterno entre 0 que,

expulso 0 indio, repercutiria mais a oeste entre 0 agricultor

e 0 criador de gado, Somem-se a isso todas as causas de

mal-entendidos que resultaram naturalmente da diferen a

de mentalidades e que alimentaram a desconfianca recfpro-

ca. De tempos em tempos, 0antagonismo explodia em a!Joes

limitadas: uma tribo India lancava-se inopinadamente sabre

algumas povoacoes, massacrava de surpresa os habitantes,

devastava as plantacoes; mihcia e tropa federal organizavamcntao uma operacao punitiva. Tudo voltava a ordem ate

o alerta seguinte. Nessas pequenas guerras de escararnucas,as milfcias treinavarn para 0 combate, os comandantes ad-

quiriam a gl6ria: foi assim que Jackson, Harrison e muitos

outros ganharam sua reputacao. As tribos indigenas podiam

realmente inquietar os agricultores com suas incursoes, mas

eram incapazes de conter 0caudal ininterrupto que chegava

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A apropriacdo das terras - Ressalvada a questao indf-gena, havia disponfvel, portanto, uma imensa extensao de

terras cuja superffcie nao parava de aumentar e se manteria,

no seculo XIX. quase constantemente superior ados Esta-

dos constitufdos, Propriedade federal pela Ordenacao do

Noroeste, ela aguardava tomador; as condicoes de apro-

priacao fixadas pelo legislador eram das mais liberais.~E_m;.:.-~+

bora as terras ublicas nao fossem distribuidas ratuitamen-

te, a re a de venda era fixado a uma taxa muito baixa,

em media urn dolar a acre (havia acres num qua ra ade uma milha e a 0, estinada a nao desencorajar ne-

nhum candidato. 0 governo autorizava ate os ue nao dis-

unham de fundos su creates a se instalarem como oeu an-

tes sem tltulos de sse: deixava- es a opcao e comprar

a parcela apos desbrava-la e arrotea-la ou de vende-la com

direito a indenizacao pel os trabalhos e benfeitorias efetua-

dos para recomecar em outro lugar. Todas essas terras eram

medidas, cadastradas, subdivididas em parcelas de forma

regular e superficies iguais, as quais recebiam numeros de

ordem: as compras eram registradas, os tnulos de proprie-

46

dade entregues e garantidos pela administracao, Imensa

opcrar;ao sem precedentes: alias, tendo a apropriacao do

solo precedido sempre 0 reinado do direito e a instituicao

de urna administracao regular, a origem do dire ito de pro-

pricdade perdeu-se na obscuridade; as Estados Unidos esta-

beleceram-no com grande clareza e do nada criaram uma

classe de proprietaries rurais. Isso significou fazer pela apro-

priar;ao individual da terra 0que a historia fez coletivamente

poe eles: urn povo que comecou com total c1areza; umanacao de origens perfeitamente conhecidas, A novidade ab-

soluta da operacao manifestava-se ate na configuracao dos

Estados, cujo desenho reproduzia, ampliado, 0 tracado des-

sa multidao de parceias que a vontade do homem extrafa

do nada. Sob esse aspecto, a diferenca com os Estados do

Leste salta aos olhos: aqui, as fronteiras dos Estados, dos

condados, obedecem a investidas caprichosas, descrevem

curvas, fazem desvios sem razoes aparentes, exatamente co-

mo as da Europa. Transpostos os Alleghenies. as fronteiras

administrativas nao conheciam outras leis senao as da geo-metria abstrata: fronteiras tracadas a cordel, acompanhan-do a rede convencional de meridianos e paralelos. Nao havia

passado nem geografia a respeitar. Esse contraste visual cor-

respondia a uma diferenca efetiva: 0 Leste era ainda urn

pedaco da velha Europa; 0Atlantico mais reline do que

separa essas duas margens de urn mar interior. Os Alleghe-

nies separam dois mundos: do lado de la estava verdadei-

ramente a tabua rasa onde se iniciava uma experiencia sem

precedentes, onde a hist6ria recomecava, 0cadinho de uma

nova sociedade.

A ocupacao do solo - A partir de que elementos?

o povoamento do Oeste esta em relacao estreita com 0

outro grande capitulo demografico da hist6ria americana,

a imigracao europeia, Durante todo 0seculo XIX, uma cor-

rente continua, prirneiro exigua como urn riacho, depois

engrossando incessantemente, sobretudo a partir de 1848,

ate se converter numa onda torrencial, despejou milhoes

de europeus na America. Imigracao muito dfspar em todos

os aspectos: depois de 1848, a contribuicao alema ultrapas-

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SOU 0 elemento britanico ou escandinavo; 0 proscrito poh-

tico acotovelava-se com 0Who de familia cheio de dfvidas,

a comerciante falido com 0 operario desempregado; todos

iam refazer sua vida, esperando encontrar liberdade e fortu-

na. Mas a correlacao entre a chegada doseuropeus e 0po-

voamento do Oeste nao e direta: nao foi essa imigracao

que alimentou diretamente 0movimento para 0Oeste, pois

os recem-chegados procuravam obter trabalho, de prefe-

rencia, nos portos ou em suas proximidades, substituindoos americanos de cepa mais antiga que haviam partido rumo

ao Oeste. A imigracao da Europa e 0movimento para 0

Oeste constitufram assim as etapas distintas de urn ciclo em

dois termos que deslocou pouco a pouco 0centro de gravi-

dade da populacao americana das costas para 0 interior,

de Nova York para Cincinnati. Os pioneiros abandonaramas cidades, as regioes habitadas, atendendo ao chamado da

aventura que seus ancestrais ja tinham ouvido. Nada havia

neles que lembrasse esse apego quase religioso do campones

europeu a nesga de terra onde dormiam seus avos. 0farmeramericano preferia sua atividade livre e sua solidao ao solo

onde ele a exercia. Por isso nao era raro que agricultures

retomassem tres ou quatro vezes em sua existencia 0 cami-

nho do Oeste: 0 caso do pai de Lincoln, frequenternente

citado, que passou sucessivamente do Kentucky para India-

na e da Indiana para Illinois, esta longe de ser excepcional.

Humanidade errante que precedia a civilizacao e retomava

sua marcha assim que esta a alcancasse. Sua progressao fez-

se por saItos sucessivos: a hist6ria do ovoamento do Oestee a de dois movimentos sobrepostos.

e seguiram ao longo dos rios que abriam profundas cicatrizesno espesso manto da floresta: 0 Ohio era a principal viade penetracao, com seu sistema de afluentes. A via fluvial

foi tambem urn caminho que avancava: passava-se da carro-ca a jangada, construida rapidamente por esses homens afei-

tos ao trabalho de lenhadores; rneia diizia de golpes de ma-

chado e embarcava-se num barco de fundo chato (flat boat)

que permitia escapar aos traicoeiros bancos de areia que

o rio escondia. Mais tarde, no delta do Mississtpi, seriamutilizados sobretudo os wagons, carrocoes com toldos de

lana, puxados par cavalos ou uma parelha de bois. Atingido

o final da longa viagem, marcado pelo limite extremo do

povoamento, descarregava-se a embarcacao, cujas tabuas

iriam servir para erguer urn abrigo provisorio; derrubavam-

se as arvores em redor do barraco, deixando para arrancar

os tocos mais tarde, e semeava-se urn pouco de trigo ou

milho na clareira; criavam-se algumas galinhas. No ana se-

guinte, destocava-se 0 terreno, arnpliava-se 0perfmetro da

clareira, faziam-se melhorias no barraco, Alguns pioneirosvinham logo estabelecer-se nas vizinhancas, ou seja, a urna

au duas milhas de distancia. Por toda a parte, de lugar em

lugar, sob os machados, a floresta era aberta em mil clarei-

ras, as quais se uniam pouco a pouco, ligadas pelas sendas

e atalhos dos lenhadores. Nao tardava que algum comer-

ciante esperto abrisse urn armazem com uma taverna anexa,

onde os pioneiros encontravam os artigos indispensaveis:

scmente , polvora, sal. pregos, ferraduras, tecidos. Esboca-

va-se urn comeco de vjda coletiva,~ava-se em entendi-mentos para edificar em comum urn~ cio que funcionasse

sirnultaneamente como escola, ternplo e tribunal, no dia

em que urn juiz estivesse de passagem, elegiam os respon-

saveis para zelar pelos interesses da pequena comunidade.

Nascia urna aldeia: aventura emocionante em que a civili-

zacao se propagava com uma vitalidade maravilhosa. Esse

longfnquo pedaco de terra estava desde entao ltgado ao res-

to do mundo: uma estrada de ligacao, urn posto do correio

federal, urn agente delegado da adrninistracao publica e

ei-Io incorporado a vida da na'.<30.Aqueles ue preferiam

solidao a sociedade dos homens e a aventura III IV)

A fronteira e povoamento assmalada pela linha de

demarcacao entre os territories desbravados e 0 espaco ain-

da virgem era urna frente perpetuamente movel: ora avan-

cada, ora recuada, raramente coincidia com a fronteira poli-

tica. Por outro lado, a mesma localidade via passar ocupan-

tes sucessivos; foi esse revezamento continuo que deu a van-

guarda forca bastante para avancar sempre, cada vez mais

fundo e mais longe, rumo ao Oeste. Primeiro, penetraram

nos poucos passos que permitiam transpor e veneer as gar-

gantas dos Alleghenies; depois, desceram a vertente oposta

48 49

 

Os novos Estados - Primeiro, em nivel local, como

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Urna nova sociedade

Se 0modo de vida tern algum efeito sobre 0comporta-

mento, poucas.situacoes se prestariam melhor ao nascimen-

to de urn novo tipo de homem: trabalhador esforcado, pron-

to para brigar, incapaz de ardis, tacitumo com efus6es brus-

cas, realista e, no entanto, prenhe de gran des impulsos de

idealismo politico ou religioso, ele isolou e ampliou alguns

dos traces mais tipicos do carater americano. Esses homens

rudes eram os herdeiros legitimos dos peregrinos do Mayflo-

wer, mesmo que os descendentes naturais destes ultimos

nao os reconhecessem e ficassem desconcertados com suas

50

o afluxo de imigrantes, a 0 ula9ao da Oeste aumentou

rapidamente: 700 mi , no InICIO a secu a, passou para

urn rru ao e 10 (recenseamentos decenais), ultrapassou

os dais milh6es em 1820 e aproximou-se dos tres milhoes

em 1830, comparada a uma populacao nacional de 12,9 mi-

Ihoes. As condicoes impostas pela Ordenacao de 1787 aos

rerritorios para tornarem-se Estados eram rapidamente

preenchidas. Da nebulosa primitiva desprendeu-se urn mi-mero crescente de Estados. Em 1820 jli eram oito: Luisiana

(1812), Indiana (1816), Mississipi (1817), Illinois (1818) e

Alabama (1819). Esses novas Estados, que nao tinham de

considerar situacoes adquiridas nem tradicoes, e ainda me-

nos de atender a uma classe de proprietaries (constituiam

tabua rasa do ponto de vista das instituicoes), outorgavam-

se constituicoes nitidamente dernocraticas: a sufragio uni-

versal era at a regra geral (em Ohio, desde 1803). Foram

as primeiras sociedades organizadas a fazer essa experien-

cia.

Riscos de desunido e progresso das comunicacoes -

o surgimento desses novas Estados nao deixou de apre-

scntar urn problema a Uniao e de fazer pesar uma ameaca

para sua unidade polittca e moral: como manter unido urn

territorio tao vasto e que nao parava de crescer? As distan-

cias aumentavam de forma incessante, as relacoes disten-

diarn-se. Numa epoca em que 0 passo dos cavalos ainda

fixava 0comprimento das etapas, alguns desses Estados en-

contravam-se a semanas de Washington: como podia a ad-

ministracao fazer sentir sua influeneia e exercer urn controle

a tais distancias? 0 risco de uma secessao de fato nao era

imaginario. 0 mesmo problema ocorria nas relacoes comer-

ciais, E seria muito pior depois de 1848: a California sopoderia comunicar-se com as regioes do Leste pelos istmos

da America Central ou pelo cabo Horn. 0 desenvolvimento

dos meios de comunicacao -estradas e canais - tornou-se

preocupacao constante e uma das principais tarefas do go-

verno federal e dos Estados, no sentido de evitar urn possivel

desmembramento. Os Estados do Leste conheceram na de-

51

 

cada de 1820 urna febre de canais, esforcando-se cada urn

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dos grandes portos por atrair para si 0 trafego do Oeste;

Nova York, Baltimore, Filadelfia. A abertura do canal Erie,

em 1825.ligando 0vale do Hudson ao lagoErie pela depres-

sao do Mohawk entre Albany e Buffalo, aproximou brusca-

mente dos portos atlanticos a regiao dos Grandes Lagos.

Nessa circunstancia, a unidade americana foi servida pelo

progresso tecnico: a revolucao dos transportes foi, em defi-

nitivo, 0melhor agente da coesao dos Estados Unidos -

a estrada de ferro ontem, 0 aviao hoje. Os meios de comuni-

cacao sempre tiveram nos Estados Unidos, em virtude de

sua imensidade, mais importancia do que em outros pafses:

indispensaveis ao funcionamento normal do Estado, con-

correram tambem para 0 nascimento de uma consciencia

comum.

Mas 0 desenvolvi

res, esses desbravadores de terras iriam, na convivencia

mais freqiiente, descobrir-se muito diferentes dos advoga-

dos e comerciantes da Nova Inglaterra, dos grandes latifun-

diaries da Virginia. por seus costumes e tambem por seus

interesses, Nao era sem relut.iincia que aceitavam a tutela

dos banq ueiros e negociantes do Leste. Quais seriam as rela-

¢es entre essa nova America. que, longe de renegar os

princfpios de 1776. deles extrafa rodas as consequeneias,e a antiga, ainda que bastante jovem?

A era de Jackson e 0impulso democratico - 0mal-en-

tendido seria evitado em virtude das instituicoes, dor

iualitario dos novos Estados contaminava os Estados mais

53

 

CAPITULO V

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da sob urn re ime estreitamente censitario, A originalidade

amencana expnmia-se ate no omnuo 0 espirito: duas ge-

racoes de escritores obrigaram a Europa a rever suas convic-

C;aode que os Estados Unidos jamais teriam uma literatura

na~onal. Ap6sWashington Irving e Fenimore Cooper -

cUJa reputacao se iguala ados maiores e nos quais se sauda

urn Walter Scott americano -, Melville, Hawthorne e Poe

asseguraram a continuidade. Uma grande revista, a North

American Review, sustentava a comparacao com as revistas

britanicas, Emerson elaborou uma doutrina filos6fica origi-nal, de acordo com 0 idealismo e 0 pragmatismo ameri-

c,anos. 0 unitarismo propos uma religiao, urn dogma simpli-

fl~ad~. Par to~a pa~e explodia a vitalidade desse povo que

nao tinha mars motivos para temer a comparacao com os

dernais e podia estar legitimamente orgulhoso de seu exito

e,m todos ?s dornfnios: encontrou 0 seu proprio caminho,

tinha confianca em seu destino e persuadiu-se de poder ir

tao lange quanta quisesse.

54

A escravatura e a Guerrade Secessao

Divergencias entre Norte e Sul- Assim, 0 desenvol-

vimento intense do sistema de comunicaeoes e a evolucao

dernocratica da socidade americana trabalhararn em con-

junto para aproximar as novas Estados dos antigos: uma

solidariedade de interesses esbocava-se entre as economias

do Estado industrial e as do Oeste agricola: os costumes

e as espfrito~ harmonizavam-se. Ao mesmo tempo, e quase

no mesmo ntmo, 0 Norte afastava-se do Sui, os vfnculos

entre eles enfraqueciam e as divergencias acentuavarn-se.

A independencia dos Estados Unidos alicercara-se na asso-

ciacao das col6nias das duas regioes; a solidez da Uniao

passara a basear-se depois no governo em comum de bosto-

nianos e virginianos. A partir de 1830, urn conjunto de cau-

sas levou ao questionamento progressive, em todos os pla-

nos, desse entendimento fundamental.

Em primeiro lugar, foi 0 desenvolvimento econornico

da Uniao que fez divergirem 0Norte e 0 SuI. 0 Nordeste

industrializava-se, 0Sui permanecia exclusivarnente agrico-

la, mas, em vez de .torn~-Ios complementares, tal distincao 1 0 1colocava os respecnvos mteresses em contradicao, A indus-

tria do Nordeste, principalrnente a textil, essencialmente

meca~ica, teve seu progresso favorecido pela segunda guer-

ra de independencia, que interrompera as correntes comer-

ciais habituais e privara bruscamente 0mercado americano

dos produtos britanicos, Restabelecida a paz, 0Congresso,

a pedido dos fabricantes incapazes de lutar contra a concor-

rencia das manufaturas europeias, prolongou esse isolamen-

to artificial atraves de tarifas aduaneiras. Protegida por essas

barreiras, periodicamente aumentadas, a industria da Nova

ingiaterra dispOs do monop6lio do Mercado nacional.

5 5

 

o interesse do SuI tornou-se exatamente contrario, quem incumbia a tarefa de fazer respeitar a autoridade do

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com a expansao da cultura do algodao, que pouco a pouco

suplantou as outras; sobretudo depois da invencao da desca-

rocadora (1793), oalgodao invadiu todos as terrenos, domi-

nou a economia. No Sui, tudo passou a subordinar-se a

ele. Essa monocultura orientou a economia sulista para 0

estrangeiro, do qual ela se tomou dependente no mais alto

grau: era para os fabricantes do Lancashire que os fazen-

deiros vendiam 0grosso de suas safras de algodao; recipro-

camente, estes se supriam na Inglaterra; eram levados a

isso com frequencia por elausulas financeiras: tendo pouca

liquidez, vendiam suas colheitas antecipadamente e viviam

de adiantamentos por conta concedidos pelos bancos ingle-

ses. De gostos refinados, amando 0 luxo a que estavam

hereditariamente acostumados, preferiam as artigos euro-

peus, cu ja qualidade era habitual mente superior ados fabri-

cantes americanos. De todo modo, 0 interesse deles residia

em manter a concorrencia entre produtos europeus e ameri-

canos, Outras tantas razoes para defenderem 0 livre comer-

cio e para se enfurecerem ao vcr 0 Congresso anuir aos

pedidos dos fabricantes do Nordeste.

governo federal era 0 herdeiro espiritual desses republica-

nos tao aferrados aos direitos dos Estados. A firmeza de

Jackson foi eficaz: a Carolina nao conseguiu arrastar as ou-

tros Estados; a gente do Sui nao desejava 0 rompimento;

Henry Clay interveio como mediador: estabeleceram-se as

termos de urn compromisso. 0rompimento foi evitado, mas

os pontos de vista nem par isso se aproximaram.

A qu.erela e a nulificacao - 0 antagonismo a proposito

das tarifas alfandegarias tomou-se tao agudo que foi trans-

posto para a plano constitucional e perturbou momenta-

neamente a uniao dos Estados. Houve no Sui homens polfti-

cos para indagar seriamente se urn Estado, dividido entre

a defesa de seus interesses vitais e a obediencia a legislacao

federal, nao teria 0direi to de considerar nulas as disposicoes

que comprometiam sua existencia, Calhoun elaborou a teo-

ria da nulificacdo ; e a Carolina do Sui, que estaria sempre

a testa de todos as movimentos em defesa dos direitos dos

Estados, aliou-se a esse modo de pensar. Ressurgia com

toda a forca a velha controversia sabre os direitos respec-

tivos do Estado federal e dos Estados, entre federalistas

e republicanos. Calhoun e a Carolina encontraram com

quem medir forcas: 0 presidente era Jackson, que se mos-

trava resolvido a usaf de todos os meios para reduzir 0Esta-

do dissidente a obediencia. Paradoxahnente , 0 homem a

A escravatura em questiio - Em seguida, 0 objeto do

desacordo muda: de economico, torna-se social - deixa

de ser 0 regime aduaneiro para passar a ser a escravatura. 1 0 1Os Estados Unidas nao tinham a menor responsabilidade

pela origem da instituicao desta ultima e quase nenhuma

par sua manutencao. Fora uma heranca da dominacao brita-

nica, do perfodo colonial: a novo govemo recebera-a com

tudo mais, sob reserva de verificacao. A questao da abolicao

fora apresen tada em 1787, mas os consti tuintes nao se reco-

nheceram com 0direito de decidir a respeito, sendo a escra-

vatura uma forma de propriedade. Consideraram mais avi-

sado confiar na acao do tempo, esperando que se extinguisse

gradualmente. Pensavam ter feito a bastante ao fixar 0pra-

zo de vinte anos para a total abolicao do trafico de escravos:

o mal estaria assim circunscrito. Sobre esse ponte, 0otimis-

mo dos fundadores, confiantes no progresso dos espfritos,

foi frustrado: lange de desaparecer por si mesma, a escrava-

tura, apesar da entrada em vigor da abolicao do trafico

(1807). tomou urn impulse imprevisto; nunca conhecera tal

desenvolvimento. Simplesmente, a criacao havia substitui-

do a irnportacao. 0 responsavel era ainda 0 algodao, cuja

cultura em areas sempre crescentes exigia uma mao-de-obra

servil e cada vez mais numerosa. Nao se acreditava que

sua producao, mormente a colheita penosa, sob urn sufo-

cante calor umido , pudesse ser assegurada por trabalhado-

res brancos. Nas grandes plantations, os rebanhos de escra-

vos, rudemente conduzidos por capatazes, comecavam a

substituir alguns negros que faziam parte da familia. A es-

cravatura, ao desenvolver-se, tornava-se ainda mais desu-

mana. Ao mesmo tempo, sua necessidade conferia-lhe uma

56 57

 

aparencia de justificacao e fazia dela a pedra angular de americana pode abster-se no debate entre defensores da

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toda a economia do SuI.

E tambem de sua ordem social: a plantation nao podia

mais passar sem ela. Sua supressao teria acarretado a frag-

mentacao da propriedade , a ruina material dos fazendeiros

e tambem 0desmoronamento dessa sociedade que lhes pa-recia preservar valores de civilizacao superiores aos dos ian-

ques. 0 charme dessa sociedade elcgante, hospitaleira, cul-

tivada, dependia da conservacao da escravatura. Assim, erapar tudo 0 que Ihes era caro - recordacoes da ·infancia,

tradicoes familiares, costumes sociais - que os sulistas

achavam-se vinculados a escravocracia. cuja manutencaosignificava tambem a garantia de sua liberdade , 0 sinal de

poderem conservar suas instituicoes particulares. Parado-

xalmente, a perda definitiva da liberdade dos negros tornou-se 0 simbolo da Iiberdade do SuI.

escravatura e partidarios de sua abolicao, Trocaram -se argu-

mentos de toda natureza: consideracoes gerais e dados cir-

cunstanciais se entrecruzaram. Os abolicionistas tomaram

a iniciativa: sublinharam com veemencia a profunda injus-

tica e a desumanidade de uma instituicao que rebaixava se-res humanos a condicao de coisas, que os vendia em leilao,nao levando em conta os Iacos de casamento, separando

os maridos das mulheres, os filhos dos pais, num incita-mento permanente a devassidao. Nao se compactuaria com

o mal: a escravatura devia, pura e simplesmente, ser aboli-

da. e, tanto quanto Q trafico, tambern a criacao de escravos

tinha de ser proibida. Conversa de ideologos, replicavam

os anti-abolicionistas, que se entrincheiravam no imperativo

cconornico. Pessimo argumento: nao era uma constante,

amplamente comprovada, que 0 rendimento da mao-de-

obra assalariada fosse superior ao da servil? Em ultimore-

curso, 0argumento supremo dos escravocratas foi 0direito

dos Estados a pronunciarem-se livremente sobre urn proble-

ma que s6 a eles dizia respeito e que afetava seus interessessuperiores. Argumento perigoso, porque transferia a con-

troversia para 0 terreno constitucional e colocava em xeque

o proprio fundamento da Uniao: faca de dois gumes, por-

quanto podia muito bern voltar-se contra 0 SuI, se fosseprovado que a escravatura comprometia a Iiberdade ou osinteresses do Norte.

A campanha abolicionista ~ No Norte. a consciencia

publica comecava a sentir-se abalada diante de urn estado

de coisas que manchava a reputacao da Uniao e contradizia

os grandes principios da Constituicao. Alguns precursores,

em especial os quakers, ja vinham de longa data fazendo

campanha pela abolicao da escravatura. Eram. no comeco,

vozes isoladas, generosas e exaltadas, que denunciavam sem

discemimento a crueldade da escravatura: Garrison. Love-

joy, com frequencia indivfduos muito malvistos por seus

concidadaos, e varies deles perderam a vida em tumultos

de rua. Conquistaram pouco a pouco para suas ideias setores

cada vez mais amplos da opiniao: as Igrejas intervieram;

sobretudo, 0 movimento aderiu a corrente filantropica e

humanitaria que atravessava a sociedade americana e crista-

lizou em seu proveito as aspiracoes profundamente idea-Iistas sempre latentes na alma do povo. 0 problema. por

muito tempo considerado secundario - assunto dos Esta-

dos do Sul->, eclipsou poueo a pouco todos os outros, ateconverter-se no problema nacional, A partir da publicacao

do famoso romance de Harriet Beecher-Stowe, A cabana

de Pai Tomas (1852), que conheceu urn sucesso fulminante

tanto nos Estados Unidos como no estrangeiro, nenhurn

o Oeste tornou-se 0 obietoda competiaio - Ora, era

precisamente esse 0 caso. Talvez 0 debate tivesse podido

manter-se no ambito te6rico num pais estavel, de contornos1 0 1definidos de longa data, de desenvolvimento tao lento quan-

ta regular: Norte e SuIteriam podido chegar a acordo com

base em algumas concessoes rmituas. Foi 0 proprio dina-mismo dos Estados Unidos, mormente sua expansao territo-

rial e seu crescimento economico, que colocoua questao

da escravatura no centro da vida polftica, tornando periodi-

camente caduco 0equilibria provisorio instaurado a custa

de acomodamentos entre Estados livres e Estados escravo-cratas. Norte e SuI entregaram-se a urna acerba competicao

59

 

em que 0 Oeste estava em jogo. 0 Sui tinha necessidadedessas terras novas para ampliar 0 reino do algodao , cuja

vos fugitives, refugiados no territorio de Estados livres? 0SuI exigia sua restituicao; no Norte, a opiniao publica, insti-

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cultura extenuava 0 solo; colonizou 0 Arkansas, subiu ate

o Missouri. Mas a terra nada significava para 0 Sui sema faculdade de usar os escravos no cultivo; portanto, daise originou a campanha sulista para tentar fazer com quecsses novos Estados adotassem constituicoes admitindo a

escravatura. Foi entao a vez do Norte temer par suas pro-

prias instituicoes. A introducao da escravatura nos novos

Estados seria, em curto prazo, a expulsao dos agricultoreslivres. Iniciou-se uma corrida de velocidade entre as dois

grupos de Esrados, cuja meta era a maioria no Senado,onde cada Estado. antigo ou novo, dispunha de duas cadei-

ras. Disso dependia, para as duas partes. sua exisrencia,

seu modo de vida, uma forma de civilizacao, como tambema manutencao e 0 futuro da Uniao. 0 Sullutava com todaa energia que the restava, aquela que 0 desespero inspira

nas sociedades que se sentem doravante condenadas pela

forca dos fatos. A Inglaterra suprirniu a escravatura em suas

colonias a partir de 1833, a Franca fez 0mesmo em 1848.A escravatura declinava por twa a superficie do globo, Na

Russia, estudava-se a abolicao da servidao.

Os compromissos sucessivos - Mutuas concessoes pu-

deram, poe urn tempo, conciliar os pontos de vista e adiaro conflito. Urn primeiro compromisso, 0 chamado Acordo

do Missouri. em 1820, compensou a admissao do Missouri,

Estado com escravos, pela do Maine: no futuro, urn limitefixado no 36°30' de latitude separaria os dois grupos: a liber-

dade da servidao, Os poderes cuidavam zelosamente demanter 0 equihbrio: as Estados entravam aos pares na

Uniao, urn Estado livre fazendo contrapeso a urn eseravo-erata e reeiprocamente. Mas0crescimento rapido da Uniao

transtomou essas sabias combinacoes: qual seria 0 status

dos territ6rios cedidos peJo Mexico, boa parte dos quais

estava situada ao sui do fatfdico paralelo? E se esses nume-rosos Estados proibissem a escravatura, como foi a caso

da California, teria 0 Sui alguma justificacao para impo-la

contra a vontade deles? Por outro lade, que fazer dos escra-

gada pelos abolicionistas, revoltava-se com semelhanteideia. Novo ajuste em 1850, sugerido de novo por Henry

Clay, urn conciliador nato, e adotado no Senado apos deba-tes pateticos: admissao da California como Estado livre;

restituicao dos escravos fugitives a seus proprietaries; su-pressao do cornercio de escravos no distrito federal, onde

a presenca dos mereados de gada humano insultava perrna-

nentemente a majestade do governo federal, 0Novo Mexicoe Utah deeidiram livremente sobre a adrnissao ou a aboticaoda escravatura. A tregua durou tres anos, Nova transacao

ern 1854. por instigacao do senador Douglas: a linha doparaJelo 36°30' caducou, e desde entao os novos Estados

teriam pronunciamento proprio sobre a politica a adotar.

Era urna aplicacao do principio da soberania dos Estados;era tambem uma vitoria do Sui. que via abrir-se para si

a possibilidade de invadir novos territories. Os dois primei-

ros territorios a exercer sua escolha foram 0Kansas e Ne-

braska. bern ao norte da antiga linha, Prevendo 0resultadoda votacao, 0 Sui despejou nesses dois territories uma leva

de imigrantes; 0Norte replicou, enviando outra leva de pio-neiros.

Essas lutas repercutiram muito alem desses dois territ6-rios: em toda a Uniao, tornados de urna crise de consciencia

nacional que dividia as famflias, os partidos, os proprios

cidadaos, os partidos cindiam-se, desagregavarn-se, opera-va-se urn realinhamento em funcao das posicoes assumidas

em relacao a escravatura: desacreditados por sua polftica

protelatoria, os politicos whigs defrontaram a concorrenciade uma nova formacao polftica, 0 Partido Republicano,constituido em 1854. Seu program a: eonter a escravatura

em seu domfnio tradicional, na impossibilidade de sua aboli-

cao, e manter a Uniao. Estava deeidido a frustar a chanta-

gem da secessao que 0 Sui praticava cada vez mais aberta-mente. Por seu lado, os notaveis do Sui encaravam seria-

mente essa possibiJidade, se fosse necessario optar entre

a Uniao e a rnanutencao da escravatura. Caminhava-se deurn lado e de outro para a separacao. As paixoes adensa-

60 61

 

vam-se. 0acordao do Supremo Tribunal nocaso Dred Scott

(1857), negando ao Congresso 0direito de excluir a escrava-dais democratas, Douglas e Breckinridge, somavam entre

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tura dos territories, revoltou os defensores do Free Soil (So-

lo Livre J . A lamentavel aventura de John Brown e seu desfe-

cho levararn as sentimentos a urn paroxismo (1859): John

Brown, urn exaltado, tentara assaltar 0 arsenal federal de

Harper's Ferry. na Virginia, para sublevar os escravos. Cap-

turado, foi condenado e enforcado. 0 Norte, em bora nao

aprovando seu gesto, reverenciou-o como urn martir; 0Sui,

inquieto com a possibilidade de reedicao desses ataques as

suas instituieoes, considerou-se em estado de legitima defesa.

des 375 mil votos a mais do que Lincoln, mas a divisao

do Partido Democrata abriu a Casa Branca para 0candidato

rcpublicano. Alem da renovacao do pessoal politico, a elei-

cao de Lincoln iria acarretar as mais graves consequencias, nScm mesmo esperar a posse do novo presidente , au quegele definisse suas intencoes de governo, a Carolina do Sui,

sernpre na vanguarda da dissidencia, fosse contra Jackson

all

Lincoln, considerando que0

Norte elegera urn homemhostil a escravatura, tomou a iniciativa de sair da Uniao

(20 de dezembro de 1860); varios Estados sulistas segui-

ram-lhe 0exemplo. No infcio de fevereiro de 1861, os dele-

gados de sete Estados, reunidos em Montgomery, no Alaba-

ma, constiturram uma nova unidade politica - os Estados

Confederados - e elegeram urn presidente: Jefferson Da-

vis. Quatro outros Estados, apos hesitarem entre a fideli-

dade a Uniao e a solidariedade sulista, aderiram aqueles.

A questao da escravatura estava entao superada: 0 que se

colocava em jogo era 0 direito de urn Estado de optar pela

Secessao, de retomar sua liberdade. Lincoln foi categorico:

depois de sua posse, contestou peremptoriamente aos Esta-

dos secessionistas 0 direito de romper uoilateralmente 0

pacto federal. A Secessao ainda Olioera a guerra: as guam i-

coes federais no Sui abstiveram -se de toda e qualq uer provo-

cacao, Foi mais uma vez do Sui que partiu a iniciativa: na

madrugada de 12 de abril de 1861, a artilharia sulista abriu

fogo contra Fort Sumter, a fortaleza federal que defendia

o acesso ao porto de Charleston. A guerra foi deflagrada

- aquela a que chamamos de Guerra de Secessao -. uma

das mais atrozes guerras civis que a Hist6ria conheceu e

tambern uma das mais longas: ela durant, com a diferenca

de apenas tres dias, quatro anos completos, desde 0ataque

a Fort Sumter (12 de abril de 1861) ate a capitulacao de

Appomatox (9 de abril de 1865).

A Guerra de Secessao oeupa urn lugar excepcional-

mente importante na hist6ria dos Estados Unidos. 0 corte

que ela efetua nesta divide-a em duas partes quase iguais:

nao transcorrerern muito menos aDOS desde a nomeacao

de Washington como comandante supremo ate 0 ataque

A eleicao de Lincoln - Nessas condicoes. a eleicao

que devia designar 0sucessor do presidente Buchanan, elei-

to em 1856 com 0 apoio do SuI, revestia-se de importancia

capital. A rnultiplicidade de candidaturas atestava a excep-

donal gravidade da situacao e as profundas divisoes dos

partidos, 0 sistema tradicional ja nao funcionava: quatro

candidates, em vez dos dois concorrentes habituais, disputa-

yam os sufragios, A convencao democrata, nao tendo podi-

do chegar a urn acordo consensual. levou os democrat as

do Sul,_ que reclamavam uma legislacao que protegesse a

escravatura, a escolher Breckinridge, ao passo que os do

Norte apresentaram a candidatura do senador Douglas,

de Illinois, 0 inspirador do compromisso Kansas-Nebrasca,

cujo desejo era contemporizar com 0 SuI. Essa divisao

dos democratas faria 0 jogo de seus adversaries. 0 jovem

Partido Republicano escolheu urn advogado de Illinois,

Abraham Lincoln, a quem uma veemente campanha eleitoral

contra 0senador Douglas (1858) tomou repentinamente cele-

bre em todo 0pals: Douglas fora derrotado, mas a contro-

versia oontribuira muito para esc1arecer posicoes. A conven-

<;:liorepubJicana nao poderia ter feito melhor escolha: alern

de ter suas quaJidades pessoais, seu ar de sinceridade, sua

forca de persuasao, os eleitores do Oeste reconheciam-se nele.

Urn quarto candidato, Bell, colocara-se entre os pretendentes.

A Secessiio - Nenh urn dos candidatos obteve a maioria

absoluta, mas Lincoln despontou com 40% dos votos. Os

62 63

 

a Fort Sumter do que entre a capitula~ao do general Robert cxistencia e essa conviccao insuflou-lhe uma energia indo-

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E. Lee e a presidencia do general Dwight Eisenhower. Suaimportancia nao consiste apenas em ser urn marco de refe-

rencia. Ela divide efetivamente a historia americana emduas epocas: encerra uma era e inaugura uma outra, que

dura ria pelo menos ate a grande crise de 1929, se e quenao se proionga para alem dela, ao menos em certos aspec-tos. A Guerra de Secessao ainda hoje divide os espiritos.

Ocupa na consciencia nacional urn lugar superior ate aosepisodios da Independencia, comparavel somente a Revo-

lu~aode 1789 para a opiniao francesa, Tal como essa revolu-

i_<aoontinua sendo para os franceses urn assunto de contra-dicao, a luta do Norte contra 0 SuI nos Estados Unidos

ainda e urn tema de discordia. 0 SuI evoca com nostalgiaas lembrancas de seu antigo esplendor; com 0 distancia-

mento no tempo. a lenda toma a lugar da verdade historica;esse penodo exerce sabre os espfritos, as escritores, os pro-

prios historiadores, urn misterioso fascfnio.

Norte contra Sui - No infcio do conflito, a luta nao

pare cia muito igual entre os dois adversaries. Eram fieisit Uniao 23 Estados (em breve 25. com a constituicao da

Virginia Ociental e a adrnissao do Kansas); 11 desligaram-

se; 22 milhoes de homens no Norte contra 9 milhoes noSui e mesmo assim incJuidos os 3milh6es e meio de escravos

negros, cuja presenca inspirava 0 temor de uma rebeliao.

A comparacao de recursos e de sociedades era ainda rnais

desvantajosa para 0 Sui: 0 Norte tinha a seu favor umaeconomia evolufda, todos os gran des centros industriais, osportos mais ativos, a mais densa rede ferroviaria, 0sistema

bancario mais aperfeicoado, os recursos financeiros mais

consideraveis, Dispunha, sobretudo, dos meios necessaries

para bloquear ascostas do SuI. Os mimeros e a organizacaoprometiam a vitoria ao Norte e, no entanto, 0Sui retardaria

em quatro anos a hora da decisao final: certos dados psicolo-

gicos e politicos anularam temporariamente 0efeito dos fa-

tores estrategicos e economicos, 0 Sui tomara a iniciativado rompimento; tomou tambem a das operacoes. Possufa,

mais do que 0 Norte, 0 sentimento de combater por sua

mita: as disputas partidarias paralisaram 0 Norte. 0 Sui,mais do que a Norte, jogava na balanca a totalidade de

suas forcas: estabeleceu 0 service militar obrigatorio em1862;0Norte somente urn ana depois, e seu recrutamento

cornportou grande mimero de dispensas, ao passo que seuoponente mobilizou todos os homens disponfveis, jovens

e velhos. Alem disso, 0Sui estava mais bern preparado para

sustentar uma guerra: como sociedade rural, de estruturaanstocratica, teve mais condicoes para transformar-se numa

socidade militar do que a sociedade urbana. industrial e

dernocratica do rival. Habituados a viver ao ar livre, exerci-tados nas longas cavalgadas, amando a acao, os sulistas de-ram naturalmente excelentes soldados, e seus chefes milita-

res eram muito superiores aos dos nortistas. Eles aliavam

a iniciativa a disciplina. Desfrutavarn tambem da mal disfar-cada simpatia de varias grandes potencias. Mas, a longoprazo, essas qualidades nao puderam compensar a inferio-

ridade numerica: os sulistas combatiam na proporcao deurn contra tres ou quatro. De ana para ano, 0Norte cerravafileiras em torno do presidente, treinava para a guerra, man-

dava para a frente efetivos cada vez mais consideraveis.

Quando 0 desequilibrio se tomasse demasiado flagrante,a guerra estaria ganha.

Par sua duracao e amplitude, a Guerra da Secessaoprenunciou as grandes guerras do seculo XX: ela ja consri-

tuiu uma guerra total, do tipo em que os adversaries empe-

nham todos os seus recursos e todas as suas forcas, Alinhouefetivos consideraveis - dois milhoes de homens para 0

Norte, entre 700mil e urn milhao para 0Sul-, cujo equipa-

mento, abastecimento em material. municoes, subsisten-cia, criaram para os estados-maiores e para os governos

problemas delicados e mobilizaram todos os recursos cia

economia. A conducao das operacoes tambern lembra aPri-meira Guerra Mundial; guerra de posicao em campo raso,

organizacao do terreno, trincheiras, combates furiosos eprolongados para resultados aparentemente desproporcio-

nais as perdas (a batalha diante de Richmond durou sete

dias, a de Gettysburg, tres). intensidade dos bombardeios,

64 65

 

amplitude das baixas (mais de 600 mil mortos); no mar, o Sui nao so perdeu sua oportunidade de participar

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a primeira utilizacao do navio encouracado. Foi, enfim, uma

guerra de material: 0 Norte esmagou 0 Sui sob 0 numcro

eo peso de seu armamento.

Durante longos meses, as operacoes marcaram passo,

nenhum dos campos logrando alcancar urna vantagem acen-

tuada sobre 0outro. As duas capitais, Washington e Rich-

mond. estavam a 200 km uma da outra, nessa plamcie baixa

rnl compreendida entre 0Atlantico e os Alleghenies, passando~ 0 front entre as duas. Nenhum dos dois exercitos conseguia

tamar a capital inimiga, A decisao viria do Oeste. Politica-

mente, 0 Sui estava virtualmente condenado, a partir do

momento em que nao eonseguira arrastar 0Oeste. Estrate-

gicamente, as tropas da Uniao tomaram-se poueo a P O " C O

senhoras de todo 0 vale do Mississipi, desde Vicksburg, a

grande praca sulista, ate Nova Orleans. Em 1864,0 exercito

do Oeste, sob 0 cornando de William Sherman, avancou

na direcao sudeste, depots para leste, num amplo movimen-

to que envolveu a frente suJista pela retaguarda. OcupouAtlanta, centro de toda a rede de cornunicacoes do Sui,

e atingiu a costa em Savannah. As ultimas semanas pre-

senciaram a agonia do SuI. Lee abandonou Richmond,

e sua capitulacao, a 9 de abril de 1865, marcou 0ultimo

ato da resistencia rnilitar sulista. Nao foi 0 fim de sua

resistencia psicologica: 0 SuI, ainda hoje, leva a derrota

para 0 julgamento da Historia, por intermedio de seus

escritores.

na direcao comum, mas foi profundamente atingido e teve

grandes dificuldades para recuperar-se do desastre. A guer-

ra desenvolvida em seu proprio solo semeou-o de rufnas;

tropas federais ocuparam-no durante anos; govemos impas-

tos pelo Norte substituiram os que tin ham sido eleitos para

tamar em rnaos a conducao de seus negocios. As conse-

quencias da guerra, somadas a supressao do trabalho escra-

vo , arruinaram a economia tradicional do Sui e sua aristo-cracia de proprietaries: as grandes plantations fragmenta-

ramose; a rnao-de-obra dispersou-se; desfeitas as suas elites

dirigentes, urna sociedade morreu. Na ocasiao, 0problema

da escravatura encontrava-se resolvido: em 1863, Lincoln

decidiu-se a alforriar os negros dos Estados revoltosos. Mas

nem por isso a questao dos negros ficou resolvida: apenas

mudou de aspecto. Quase urn seculo depois, os repetidos in-

cidentes suscitados pela candidatura de negros a admissao

em universidades do Sui mostram claramente que a Guerra

de Secessao, se resolveu brutalmente urn conflito, esteve lon-ge de solucionar a questao do negro. Apreciaveis progressos

foram, entretanto, recenternente registrados: a decisao do

Supremo Tribunal de 17 de maio de 1954, declarando anti-

constitucional a segregacao escolar, marcou urna etapa deci-

siva na integracao dos negros; 0 republicano Eisenhower,

em Little Rock, 0democrata Kennedy, em Oxford (Missis-

sipi), impuseram 0 respeito a sentenca judiciaria enviando

rropas federais para essas localidades.

A derrota do Sui e a questiio do negro - A vitoria

do Norte resolveu definitivamente a questao, pendente des-

de a fundacao dos Estados Unidos, da hegemonia na Uniao:

dos doisrnodos de vida que ai coexistiam, qual predomi-

naria? A civilizacao oriunda da Nova Inglaterra - puritana,

igualiraria e democratica, de predomfnio urbano e industrial

- triunfou sobre a civilizacao dos fazendeiros do Sui, aristo-

cratica e rural. A direcao da Uniao passou irremediavel-

mente para 0 Norte. A democracia levou a melhor. e a

evolucao iniciada por Jefferson, reatada por Jackson, teria

seu prosseguimento com Lincoln.

A reconstrucao - 0 Sui ja nao possuia autoridades

nem poderes regulares; era preciso preencher esse vazio,

reconstituir governos, restabelecer uma vida politica e rein-

tegrar os Estados vencidos na Uniao. Tarefa infinitamente

delicada, cuja execucao urna circunstancia inopinada tornou

ainda mais diffcil: 0 brusco desaparecimento do presidente

Lincoln, assassinado par urn fanatico, 0ator Booth, cinco

dias apos a capitulacao de Appomatox (14 de abril de 1865),

num momento em que suas qualidades de inteligencia e

de coracao eram ainda mais indispensaveis para reconciliar

os irmaos inimigos e restabelecer a concordia do que haviam

67

 

sido para conduzir 0Norte a vitoria. Qucm sabe , so enrao

pudesse vir a ser avaliada a medida precisa de sua estatura

de seus direitos: por conseguinte, sua represen tacao no Con-

gresso seria reduzida. Por outro lado , todos os deputados

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de estadista. Seu sucessor, Andrew Johnson, era urn hornem

bem-intencionado, cuja intencao teria sido a de continuar

a pohtica de Lincoln. Mas ele entrou em conflito aberto

com 0 Congresso, que 0 considerava demasiado fraco em

relacao ao SuI. A Camara dos Representantes quis ate abrir

processo contra ele. Nao foi reeleito em 1868: os republi-

canos mais intransigentes, os radicais, fizeram e1eger seu

candidate, 0general Ulysses Grant, 0vencedor do SuI. cu-

jas qualidades politicas estavam muito abaixo de seus talen-

tos militares. Grant foi pessimamente assessorado, e a su-

cessao de escandalos e falcatruas em que se envolveram

membros de seu governo provocaram seu descrediro. Em

outros tempos, essa carencia do Executivo so teria acarre-

tado pequenos inconvenientes; ao sair da guerra, porem,

o desaparecimento de Lincoln, a fraqueza de Johnson e

a impencia de Grant deixaram frente a frente , sem arbitro,

vencedores e vencidos, A rivalidade do Norte e do SuI soma-

va-se uma competicao de partidos, entre republicanos e de-

mocratas, que redundou num ajuste de contas. Os republi-

canos praticaram a distribuicao de cargos pu blicos en tre seus

membros, como depois de uma eleicao, mas com uma dife-

renca: 0sistema foi aplicado em todos os Estados vencidos.

Assim, a "reconstrucao" foi feita num clima de revanchis-

mo, de odio e de ressentimento, que deixou traces profun-

dos nas mentalidades e pesou par longo tempo sobre a vida

polftica americana, permanecendo 0 Sui inabalavelmente

fiel aos democratas, ate nossos dias, por rancor aos repu-

blicanos.

Aceitando sua derrota, a partir de 1865 0SuI reconhe-

ceu a abolicao da escravatura e admitiu a superioridade da

Iegislacao federal sobre ados Estados: consagracao jurfdica

da vit6ria militar do Norte. Entretanto, os politicos republi-

canos entenderam assegurar-se da execucao desses princi-

pios e col her os frutos de sua vitoria. Vma emenda a Consti-

tuicao, a 14~(1866). ao mesmo tempo que declarava nula

a divida dos Estados Confederados, fixou sancoes contra

os Estados que privariam alguns de seus cidadaos do uso

au funcionarios que tinham participado na insurreicao tive-

ram retirados seus direitos polfticos: m10 podiam ser mem-

bros do Congresso nem ocupar nenhum emprego civil

ou rnilitar, Isso significava a exclusao da vida polftica de

todas as personalidades sulistas. Lei de represalias cuja du-

rcza chocou 0 Sui e criou urn vazio que politicos do Norte

se aprcssaram em preencher. Eram aventureiros sem tostao ,

que , ao chegar, s6 traziam urn pequeno saco de viagem,

donde 0ape lido que ganharam de carpetbaggers: eleitos pe -los negros analfabetos, aos quais uma outra emenda, a 15~,

concedera 0 direito de voto, apoiados nas tropas federais

que ocupavam a pais, eles constitufram govemos fictfcios,

inescrupulosos, tomando, em nome do Sui, compromissos

que a populacao, em seu foro intimo, repudiava. Esta, que

nao se reconhecia nesses governos estrangeiros, nascidos

da conjuncao dos ianques execrados e dos negros despre-

zados, recorreu aos meios utilizados por todas as populacoes

submetidas a uma oeupacao estrangeira ou cuja expressao

polftica natural fosse entravada por urn regime de excecao:

sociedade secretas (Ku Klux Klan), acoes clandestinas, te101

rorismo dirigido contra os brancos traidores de seu pais

de sua raca (scalawags), que nao temiam ligar seu destino

ao dos politicos do Norte, e contra os negros (Iinchamentos).

Pouco a pouco..« tempo fez sua obra de apaziguamen-

to: 0 desejo de vinganca esfumou-se, as proprias violencias

dos sulistas acabaram por atrair a atencao da opiniao publica

do Norte para a situacao do SuI. Em 1872, urna lei de anistia

anulou a incapacidade polftica da maioria dos brancos, Por-

tan to, estes reconquistaram, urn apos outro, seus Estados

pelo jogo normal das competicoes eleitorais: os carpetbag-

gers foram afastados, as tropas federais, retiradas. Em 1874,

o Sui voltou a ser senhor de seu destino. A Reconstrucao

estava terminada.

 

CAPiTULO VI

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Industr ia lismo e democracia

o periodo que comecava entao e se prolongou, quasescm interrupcao consideravel, ate 0preludio da grande De-

pressao (a participacao dos Estados Unidos na PrimeiraGuerra Mundial quase nao afetou seu desenvolvirnento),

durante uns sessenta anos, desconcerta -0 historiador que

nao mais discerne ai seus pontos de referencia ordinaries:

ja nao ha 0 frescor idflico dos comecos, 0 heroismo ou a-

sabedoria dos tempos de Washington e de Jefferson, tam-

POllCO a tragedia da guerra civil. As cores empalideceram.

A historia perdeu seu interesse: a vida politica arrastou-se,

sem vigor nem expressao, entre sordidas rivalidades que

s o mediocremente afetaram a opiniao publica. Onde esta-

yam aqueles grandes impulsos sentimentais ou misticos quea agitavam de tempos em tempos? Busca-se em vao 0 reflexodesse idealismo que parecia ser constitutivo do espirito ame-

ncano.

Entretanto, esse penodo, onde 0 que teee por toda

parte a trama da hist6ria sereduz ate desaparecer , e precisa-mente aquele em que a originaJidade da hist6ria americana

mais brilha. E tambem aquele a que melhor se aplica a

intcrpretacao de alguns de seus historiadores (Charles A.

Beard) que acreditaram poder reduzir todos os movimentos

ao jogo das forcas econornicas e as combinacoes de inte-resses dos principais grupos da sociedade americana. Tudo

estava ordenado em funcao da busca de lucro; a adminis-

tracao das coisas tinha prioridade sobre 0govemo das pes-

soas, Evolucao, afinal, em estrita conformidade com a con-

cepcao liberal do papel do Estado e da iniciativa individual,

rejuvenescida pela filosofia de Spencer e Darwin: na luta

pela vida, a selecao natural devia favorecer os melhores

para 0 bern da especie, Na ordem economica, 0 livre jogo

da concorrencia devia igualmente agir no interesse de todos.

71

 

Os fatos principais desse perfodo foram 0avanco dem~-

grafico consecutivo ao movimento de imigracao, a conn-

tcntrional, bri tanico. escandinavo e germanico, con tin uou

sendo importante em numeros absolutos, mas perdeu em

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nua~ao da investida para 0 Oeste e a ocupayao do solo,

a industrializa~o e 0desenvolvimento eeon6mico. Nenhum

desses fatos afetou diretamente a politica, mas todos Ihe

interessaram indiretamente por seus contragolpes, entre ou-

tros, por seus efeitos sobre as estruturas da sociedade que,

por sua vet; modifiearam 0 equillbrio das forcas P?lfticas:

A Uniao nao tinha esperado que a Reconstrucao terrm-

nasse para retomar , segundo a metafora classica que con-

vern muito bern ao dinamismo desse povo, sua march a para

a frente. A bern dizer , a guerra ate que lhe serviu de esnrnu-

10; 0 povoamento, por exemplo, nao. arrefece~, tendo 0

governo federal usado de rodos os meios para vincular es-

treitamente 0Oeste aos territ6rios que permaneceram obe-

dientes a Washington. Foi em plena guerra (1862) que 0

Congresso adotou 0 Homestead Act, que outorgava .160

acres de terra a quem os tivesse cultivado durante cmco

anos; 0 liberalismo desse texto imprimiu urn novo impulso

a imigracao e a ocupacao do solo. Foi. tambern :m plena

guerra que se empreenderam as primeiras ferrovias trans-

continentais.

o melting pot - 0 rapido e continuo aumento d~ popu-

lacao foi urn dos dados fundamentais do desenvol~mento

dos Estados Unidos. De 31 milh6es, em 1860, nas vesperas

da guerra, ela passou para 9 2 milhoes em 1910; portanto,

quase triplicou em meio seculo. A historia ofer~ce poue~s

exemplos de urn crescimento tao rapido. Este deveu-se mars

a imigracao do que ao erescimento natural: 0 volume deimigrantes aumentou ao ponto de, em ce~os anos (por

exemplo, 1905), atingir 0 milhao. A cada dia, os Estados

Unidos absorviam varies milhares de recem-chegados. Os

amerieanos rejubilaram inicialmente com essa contribuicao

e felicitaram-se pela excepcional aptidao do pais para ass~-

milar esses estrangeiros e fazer deles outros tantos bons ci-

dadaos: exaltou-se 0 crisol (melting pot) americano. Mas,

paralelamente ao crescimento numerico, operou-se uma

mudanca na origem dos recem-chegados: 0povoamento se -

72

n.os Estado~ Uni~os.tantos lati~os e eslavos quanto origina-

nos dos parses nordicos, Essa inversao das proporcoes nao

ameacava alterar a cornposicao da sociedade americana?

~lg~~s 0 temiam ~ i.nq~ietavam-se com 0 que isso podia

significar para a originalidade da civilizacao e a pureza da

raca; preconizavam restricoes a irnigracao. Essas apreen-

sees nao constituiam novidade , elas inspiravam periodica-mente reacoes de amerieanismo e de xenofobia (nativisrno,

know nothing*) contra os elementos estrangeiros, Mas 0

~ri~? assumiu, em fins do seculo XIX. proporcoes que

justificararn os alarmes, Entretanto, de momento, os efeitos

da imigracao continuavam sendo incontestavelmente bene-

Iicos: ela fomeeia mao-de-obra para a industria. clientes

para a industria naeional, ocu pantes para os territ6rios ainda

vazios; sobretudo, os imigrantes imprimiam flexibilidade e

mobilidade a sociedade americana. 0 exito surpreenden-

temente rapido de tantos americanos que partiram da estacaz~ro e a facilida.de das relacoes sociais foram as consequen-

eras do afluxo mcessante de novos elementos na base da

pinimide social: era COmo uma corrente ascendente que Ie-

vantava todo 0 ediffcio,

o Jim da [ronteira - Alimentada permanentemente

pelo afluxo de imigrantes vindos da Europa, a investida para

0.Oeste. ~lle nem mesmo a guerra interrompera. ganhou

ainda mats vigor. Atraido pelas facilidades de concessao

de terras, depois pela descoberta em varias regioes das Mon-tanhas Rochosas de jazidas meta lie as (ouro, prata. cobre) ,

o caudal humano submergiu a grande planicie que se esten-

de do Mississipi ate as primeiras elevacoes, e depois foi bater

• K1WW nothing era 0apelido dos filiados a urn partido politico secre-

to dos Estados Unidos, na decada de 1850. cujo programa consistia em

manter fora de qualquer cargo publico quem nao fosse arnericano nato.

Em linguagem coloq uial, a expressao significa "estupido" ou "ignorante".(N. T.)

73

 

nas Rochosas, A conclusao das ferrovias transcontinentais,

prolongando a revolucao dos transportes iniciada quarenta

anos antes, secundou a ocupacao de novas terras e ligou

Expansiio economica e livre iniciativa - Ao mesmo

tempo, a economia americana conheceu urna expansao ful-

minante. Nas vesperas da Guerra de Secessao, mal conse-

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solidamente as novas povoacoes aos territories mais antigos

e ja organizados. 0 dia de abril de 1869 em que, em Utah,juntaram-se as duas turrnas que tinham partido ha varies

anos ao encontro uma da outra, foi .uma data capital no

crescimento da Uniao: afastou os riscos de secessao quase

tao eficienternente quanto a derrota dos Confederados e

realizou efetivamente a unidade desse vasto continente.Desse momento em diante, nao houve deserto nern Rocho-

sas: 0 espaco foi vencido, os dois oeeanos ligados. A resis-

tencia indigena desagregou-se: 0 ultimo dos grandes ehefes

indios, Touro Sentado, teve de confessar-se vencido; as tri-

bos foram rechacadas, desarmadas, internadas em reser-

vas, onde elas se deixaram domestiear, conquistadas para

a civilizacao branca ou vencidas por ela. A abertura a

colonizacao da reserva indigena de Oklahoma, em abril

de 1889, exatamente vinte anos apos a conclusao da pri-

meira estrada de ferro transcontinental, foi urn momentamais importante ainda. Constituiu 0 ultimo ato de uma

epopeia de quase quatro seculos que comecara no dia em

que os primeiros europeus desernbarcaram no Continen-

te, a muitos milhares de quil6metros dali: 0homem bran-

eo tomou-se senhor absoluto de todo 0 territ6rio. As con-dicoes de ocupacao do solo variaram com as condicoes

naturais: aqui, onde a fioresta cobria tudo, ele desmatou,

semeou, cultivou; ali, na pradaria, criou gada; ainda mais

a Oeste, na montanha, eseavou 0 solo e extraiu minerios.

Mas por toda parte introduziu seus modos de atividadee suas preocupacoes: ele valorizou, explorou, transfer-

mou. A civilizacao da Europa tomou posse da America:

a estrada de ferro passou par onde 0 indio cacava, Era

o fim da aventura, 0fim da fronteira. Em alguns decenios,

todo 0Oeste foi explorado, povoado, eolonizado, repar-

tido em Estados incorporados a Uniao. Os ultimos a in-

gressar na Uniao foram 0Arizona e 0Novo Mexico, em

1912. Os Estados Unidos atingiram entao sua estatura

definitiva.

guia eliminar seu atraso em relacao a Europa ocidental:

a guerra precipitou 0 rnovimento. Os Estados Unidos reu-

niam urn conjunto de trunfos pouco comurn: variedade e

abundancia de recursos natura is(descobriu-se nas Rochosas

urna grande quantidade de jazidas de minerios; em breve

scria 0petroleo), extensao domercado interno, com dimen-

s6es continentais, sem alfandegas interiores e protegido portarifas, afluxo de capitais e de trabalhadores estrangeiros;

cnfirn, as disposicoes de espfrito mais adequadas para tirar

partido de todas essas possibilidades. No momento em que

o territorio nacional estava inteiramente reconhecido, a

energia e 0 esptrito de iniciativa que tiveram livre curso

no Oeste concentravam-se na atividade produtiva. 0 ultimo

decenio do seculo XIX e tido como aquele que marcou 0

tim da fronteira; mas a fronteira nada mais fez do que se

transferir da agricultura para a industria, da ocupacao do

solo para a transformacao de produtos e a organizacao docredito, 0 pioneiro nao morreu: ele inventou 0 fonografo,

fabricou em serie as latas de conserva, ou monopolizou 0

cornercio do petr6leo. A opiniao publica conhecia-o bern

c admirava as reis do aco, da came ou da borracha. Tres

tipos de homem se destacavam no frontao dessas arquite-

turas industriais: 0 capitalista, 0 inventor e 0 filantropo.

Alias. sao frequentemente a mesma pessoa: 0 inventor que

soube tirar proveito de sua descoberta e empregou em segui-

da com munificencia a fortuna adquirida. Neles a sociedade

americana honrou 0 principio de sua atividade e encontroua justificacao de sen esforco voltado para 0 lucro. Os pro-

prios assalariados nao pensavarn em criticar 0 sistema em

vigor e nao pediam outra coisa senao receber uma parcela

mais substancial de suas vantagens: 0 sindicalismo ameri-

cano, cujo surgimento foi relativamente tardio (Knights of

Labor, 1869;American Federation of Labor. 1886),diferen-

temente do movimento operario europeu, nao questionava

o regime. Ele era quase completamente desprovido de tradi-

coes e de preocupacoes ideologicas: Samuel Gompers, 0

74 75

 

animador da AFL. era resolutarnente reformista. Tratava-

se. de resto, de urn sindicalisrno de elite, limitado a umaa nao ser pelo dado de uns e outros vivcrem da terra. Sua

turbulencia explicava-se precisamente par suas condieoes

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Quer isso dizer que a prosperidade economica Olio

comporta sombras nem vftirnas? Esse quadro brilhante tern

seu reverso: de longe em longe , alguma crise viria abalara economia. Mas nunca durou muito tempo, eo movimento

para a frente recomecou ainda com maior vigor, como se

o abalo tivesse servido para eliminar as organismos parasi-

tarios, A experiencia fornece urn desmentido mais serio aopostulado liberal que quer que todos extraiam beneffcio da

aplicacao ilimitada da concorrencia: em diversos dominios,

os mais fortes ou mais habeis apossaram-se do monop6lio

da fabricacao ou do comercio de um dado produto. Ei-Ios

dai em diante aptos a fixar-lhe 0 preco a seu bel-prazer,

sem considerar nada mais do que seu proprio interesse.

Ocorria ate de a quaJidade do produto degenerar ou deixar

de oferecer suficientes garantias ao consurnidor. Alguns co-mecaram a duvidar dos beneffcios absolutos do sistema. En-

tim, aqui ou ali, entre as categorias mais desfavorecidas deassalariados, nas profissoes mais duras ou mais expostas,

sob a direcao de lfderes rnais resolutos, foram defJagrados

bruscos movimentos de descontentamento, cuja violencia

brusca denunciou uma colera acumulada e fez pressentir

uma aspiracao favoravel a profundas reformas.

A situaciio no campo - Nao foi, porem, dos trabalha-

dares industriais que partiram as reivindicacoes mais radi-

cais, mas daqueles que cultivavam a terra: essa aparente

anomalia foi urn dos tracos mais originais da sociedade ame-ricana. Desde 0seculo XIX, 0campesinato era geraimente

considerado na Europa ocidental uma torca conservadora,

em face das multidoes urbanas, Nos Estados Unidos, as

eidades eram ealmas e 0 campo turbulento. 0 radicalismo

americana era mais rural do que urbano: isso ja fora consta-

tado ao tempo de Jackson; verificou-se igualmente com ospresidentes Cleveland e McKinley. Isso deveu-se tambem

ao fato de os farmers serem muito diferentes dos campo-

neses europeus: suas condicoes em nada se assemelhavarn,

de vida e sua situacao economica, ela propria reflexo e con-sequencia da estrutura particular da econornia americana.

o campones europeu (sobretudo 00 seculo XIX) culti-vava para si mesmo e para as seus: 0 excedente de que

ele podia dispor para venda era apenas uma fracao despre-

zivel de sua producao, Pelo contrario, 0 agricultor ameri-

cano produzia essencialmente para vender. Se vivia geral-

mente melhor do que seu homologo europeu, a necessidadede eseoar seus produtos colocou-o na dependencia de inte-

resses exteriores, tal como 0plantador do Sui em relacao

aos cornpradores europeus. 0 farmer dependia dos corre-

tares do mercado de cereais, dos compradores de gado,

dos especuladores que jogavam na baixa da Balsa de Chica-

go, das companhias Ierroviarias que the impunham tarifas

elevadas para 0 transporte de seus produtos ate os grandes

centros consurnidores. Impotente para reduzir seus precos

de custo, nao tinha controle nenhum sobre 0 estabeleci-

mento dos pre<_;:ose venda: nao tendo onde armazenar suacolheita, pressionado para aceitar 0 preco, via-se coagidoa desfazer-se dos produtos no momento rnais desvantajoso

para ele, quando as cotacoes estavam em seu nivel mais

baixo, e no mais vantajoso para 0 corretor, que dispunha

de meios de armazenagem na expectativa da alta. 0 meca-

nismo de fixacao dos precos, na medida em que lhe escapava

em suas duas pontas, fez com que 0farmer tosse derrotado

de antemao na competicao de interesses. Ja perdera a espe-

ranca de ver a situacao recuperar-se a longo prazo, dado

que a tendencia geral dos precos estava orient ada para abaixa, por razoes que, algumas delas, extravasavam 0qua-

dro do mercado americano. Ora, 0 preco do que ele com-

prava nao diminuia: protegidos da concorrencia estrangeira

pelas tarifas alfandegarias, cujos reajustamentos peri6dicos

para cima eram periodicamente obtidos pelos industriais

(em 1890, McKinley elevou as tarifas a urn nfvel sem pre-

cendente), mantidos pelos entendimentos entre produtores,

as precos das ferramentas, das maquinas, dos insumos, dos

artigos domesticos permaneciam caros, Melhor dizendo, 0

76 77

 

progrcsso tecnico continuo e 0incessante desenvolvimento

da maquinaria agricola levaram a agricultor a despesas cres-hornens do Oeste era grande: afinal, seus ancestrais ter-se-

iam ernancipado da colonizacao britanica , scus pais ou eles

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centes. Ele estava assim dividido entre duas curvas em sen-

tido contrario: a dos precos agrtcolas, que declinavam de

forma inexoravel, e a dos precos industriais, que tendiam

a aumentar. A concorrencia atuava nos dais sentidos para

sua desvantagem. Incapaz de liquidar sua faturas, com pres-

sa de ver de volta a seu dinheiro, dirigia-se aos bancos,

que Ihe concediam adiantamentos contra hipotecas - mas

como poderia ele reernbolsa-los? Estava it merce das cir-

cunstancias atmosfericas: bastava que sobreviesse uma safra

ruim para que ele nao pudesse pagar os juros de sua dfvida

e veria, assalariado de sua propria terra, a propriedade desta

passar para as maos do organismo de credito de que e Ie

era devedor. Assim, a agricultura tecnica e economicamente

rnais evolufda do mundo viu-se paradoxalmente a braces

com esse antigo problema do endividamento permanente

tao caracterfstico das sociedades rurais primitives.

proprios teriam abandonado a Europa e seus regimes autori-

tarios, para acabarem caindo sob 0 juga dos Iinancistas doLestc?

o descontentamento social, 0ressentirnento regional

prolongaram-se no plano politico e procuraram exprimir-se

pelo canal partidario. Desde seu estabelecimento, 0 regime

politico americano baseou-se na existencia de dois e somen-te dais partidos: ap6s a Guerra de Secessao, os republicanos

e os democratas. Estava praticamente exclufdo que a gente

do Oeste votasse nos republicanos. Nao por razoes de dou-

trina: em seu conjunto, 0 papel das consideracoes ideol6-

gicas sernpre foi muito fraco na vida polftica americana e

mais ainda nas determinacoes dos lfderes partidarios; a

preocupacao em satisfazer as reivindicacoes de tal ou tal gru-

po de interesses era rnais imperiosa; disso decorria que a

sociedade polftica americana estivesse mais voltada para a

administracao das coisas do que para 0governo das pessoas,

Ora, os republicanos estavam comprometidos com os indus-

triais e os banqueiros do Leste , ou seja, os adversaries natu-

rais do Oeste. Tambem os eleitores do Centro-Oeste acor-

riam para 0 Partido Democrata, ao qual procuravam fazer

com que adotasse 0programa deles,

Insistiam, sobretudo, em dois pontos essenciais, Em

primeiro lugar, na reducao de tarifas: essa reivindicacao era

antiga, mas 0 aumento periodico dos direitos aduaneiros,

sob a pressao das indtistrias do Leste , tornava-se sernprc

atual, 0 bimetalismo era 0segundo ponte; tornou-se na

decada de 1890 0tema principal das lutas poltticas: 0Lestc ,cm relacoes comerciais com a Europa, defendia a estabili-

dade monetaria e a manutencao do monometalismo lastrea-

do no ouro. 0 Oeste fazia campanha a favor do bimetalismo

ouro e prata: os Estados das Montanhas Rochosas possuiam

minas de prata; sobretudo os proprietaries rurais, com 0

peso de seus votos, pediam urna polftica de dinheiro abun-

dante e barato. Um surto inflacionario elevaria os precos

dos produtos agncolas e desincharia 0montante de suas

dividas. Em torno dessa questao de aparencia puramente

o radicalismo agrario - Esse marasmo cronico teve

consequencias polfticas: os farmers irritaram-se par serem

parias da sociedade americana e suportarem as onus da

prosperidade geral. 0 descontentarnento deles, que se ex-

primia em impulses intermitentes, alirnentou os germes de

dissensao para a Uniao. Com efeito, verificou-se que a ani-

mosidade entre farmers e industriais, entre 0 campo e a

cidade, fez-se acompanhar de uma rivalidade regional e de

uma compcticao entre partidos politicos. De fato, as pro-

priedades agricolas estavam divididas no Oeste. de urn lado

e outro do Mississipi, dos Alleghenies as Rochosas. As in-dustrias que vendiam tao caro seus produtos aos farmers.

os bancos de quem estes eram devedores, as companhias

fcrroviarias, quase todos tinham suas matrizes no Leste.

Portanto, 0Oeste sentia-se explorado pelo Leste. A evolu-

9ao das estruturas e a especializacao das atividades produ-

tivas acabaram par reconstituir urna dualidade e por colo-

car, pelo menos vez por outra, Leste e Oeste face a face,

duas Americas cujas relacoes mutuas lembravam as das me-

tropoles com suas dependencias coloniais, 0 azedume dos

78 79

 

tecnica, dois sistemas de interesses se chocavam, atraves

de duas concepcoes da economia. Reencontrar-se-ia uma

cano, a mesma que Jackson encarnara, 0 radiealismo agrario

foi urn dos componentes de urn grande movimento demo-

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disposicao de forcas analoga no momento do New Deal.Brvan, 0 candidato democrats it presidencia, em 1896. fez-

se '0 porta-voz das reivindicacoes do Oeste e desenvolveu

uma campanha que ficou celebre em defesa do bimetalismo

e da reducao de tarifas. Sem exito: foi derrotado pelo repu-

blicano William McKinley.

Os repetidos fracassos dos democratas, bern como a

desconfianca, mais ou menos fundada, de que 0 Partido

Democrata so sustentava 0ponto de vista dos farmers para

cacar-lhes os votos, mas sobretudo a aspiracao profunda

de todos os movirnentos de insatisfacao agraria exprimin-

do-se it margem das Iorcas polfticas organizadas, acabaram

suscitando uma sene de movimentos de protesto que, com

frequencia, degeneraram em agitacao anarquica, Houve

primeiro os greenbackers: a greenback. cedula cujo reverso

era de cor verde, foi 0 papel-moeda emitido pelo governo

da Uniao durante a guerra e retirado progressivamente de

circulacao, a pedido dos banqueiros. Os farmers, cujos pro-

dutos eram pagos em papel-moeda, tinham de fazer suas

compras e qui tar seus impostos em especies metalicas, Por

esse motivo eles se insurgiram pelo adiamento da decisao

de retirar valor legal ao papel, que deveria entrar em vigor

a 1~ de janeiro de 1879. Obtiveram momentaneamente ga-

nho de causa. Houve em seguida os grangers. As granges

cram associacoes de agricultores que estiveram na origem

de grande mimero de instituicoes tecnicas e cooperativas,

tambem levadas a intervir no dorninio politico: em 1887,

obtiveram a criacao de uma comissao federal para zelar pelaaplicacao de tar ifas uniformes pelas companhias de estradas

de ferro.

o descontentamento do Oeste deu ate origem a uma

nova formacao pohtica, independente dos dois grandes par-

tidos: 0 Partido Populista que, scm nunea ter posto seria-

mente em perigo a preponderancia daqueles nem conse-

guido fazer eleger urn dos seus para a presidencia, obteve

grandes exitos nos Estados do Oeste. Ao rnesmo tempo

que exprimia uma tendencia muito antiga do espirito ameri-

o movimento de reformas, sob aspresidencies de Theo-dore Roosevelt e de Woodrow Wilson - Essa sociedade

ativa, prospera, encerrava, com efeito, fermentos reformis-

tas: 0 Oeste agrario, 0 sindicalismo, uma tradicao intelec-

tual. Nos primeiros anos do seeulo XX., jornalistas e roman-

cistas, que receberiam 0 apelido de muckrakers (remexe-

dares de lama), atacaram CORI. viger, em revistas, romances,

reportagens jomalfsticas, os defeitos do sistema economico,

denuneiaram as praticas condemiveis dos industriais, seus

rneios de pressao: os trustes controlavam os partidos, subju-

gavam as universidades, domesticavam a imprensa. A de-

mocracia corn a pengo de morte em virtude das manobras

dos "baroes-piratas", As campanhas dos muckrakers agita-

ram a opiniao publica e reacenderam 0 movimento refor-

mista que se desenvolveu em duas direcoes: a economica

e a politiea. No plano economico, suscitou uma regulamen-

tacao e organismos de controle que vieram temperar a apli-

cacao dos principios liberais. Ja em 1890 0Congresso tinha

sancionado uma lei antitruste , 0Sherman Act, que limitava

severamente 0 direito a formacao de convencoes entre in-

dustriais do mesmo setor e punha urn freio it concentracao:

mas sua aplicacao era delicada; os trustes eram eximios em

frustrar os tribunais e a pencia de seus jurisconsultos era

inigualavel em contomar a lei. Essa legislacao nao impediu

que a US Steel Company agrupasse a maior parte das usinas

siderurgicas em 1901. A luta contra os trustes atingiu umanova etapa com a chegada a presidencia (em sucessao ao

presidente McKinley, assassinado par um anarquista) de

uma personalidade dinamica, rubicunda: Theodore Roose-

velt . Durante seus dois rnandatos presidenciais (1901-1908).

endureceu muito a vida dos trustes: instaurou processos con-

tra alguns, acabou com 0 habito de colocar tropas federais

a service deles nos conflitos sociais, ameacou ate Morgan,

em conflito com os mineiros em greve, de ordenar a inter-

vencao do Exercito e obrigou-o a ceder (1902). Ampliou

8 0 81

 

consideravelmcnte 0 campo de intervencao do poder presi-

dencial: agiu por intermedio do comercio entre Estados,

cuja compctencia a Constituicao delega expressamente ao

dcmocratico e uma arnpliacao da atividade do govemo fede-

ral: a 16~emenda, que autorizou 0Congresso a estabelecer

urn imposto de renda federal, garantiu recursos adicionais

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governo federal. Criou um Departamento de Cornercio e

Trabalho, fez votar uma regulamenta<;:ao sobre ferrovias,

instituiu 0controle de produtos alimentares e farmaceuticos

(Pure Food and Drug Act, 19(6). Deu provas, em todos

esses domfnios, de uma atividade insaciavel: protecao dos

recursos naturais, luta contra a erosao dos solos. Foi uma

maneira de revolucao no equilfbrio tradicional dos poderes.omovimento de reforma desenvolveu*se paralelamen-

te no plano politico. Nos Estados do Oeste, onde nasceu,

ele inspirou modificacoes que tendiam todas a colocar as

instituicoes e a vida poiftica mais de acordo com a demo-

cracia. Com isso ampliou 0controle dos eleitores sobre seus

representantes, ampliando-Ihes 0direito de iniciativa; a pra-

tica de distribuicao de cargos publicos entre os membros

do partido vitorioso (spoils system). cujos efeitos sobre 0

funcionamento da administracao se apresentam cada vez

mais nefastos com a complexidade crescente dos problemasa resolver, foi atenuada por uma reorganizacao do Service

Publico: a competencia viu serem reconhecidos os seus di-

reitos acima da fidelidade partidaria, Em escala municipal.

nas grandes cidades, prevaleceram as solucoes que se inspi-

raram na mesma preocupacao. 0movimento de reformas

para uma democracia efetiva alcancou as proprias institui-

<;:oesfederais e triunfou com Wilson, eleito em 1912.0 Par-

tido Republicano detinha a presidencia desde Lincoln: so-

mente Cleveland, por duas vezes (dois mandatos separados

pelo retorno de um republicano), tinha interrornpido esselongo penodo de predomfnio republicano. A divisao dos

republicanos, apresentando-se Theodore Roosevelt contra

o presidente cessante , Taft, e arrastando para a dissidencia

uma parte do eleitorado, permitiu ao candidato democrata

reconquistar a Casa Branca por maioria relativa. Woodrow

Wilson era urn professor universitario que lecionava Ciencia

Politica em Princeton. Seu nome tornar-se-ia no rnundo si-

nonimo do idealismo americano. No plano interno, sua pas-

sagem pela presidencia assinalou urna retomada do impulse

ao govcrno de Washington e deslocou a fronteira dos pode-

res entre os Estados e 0Estado (1913); a 17~ernenda, ra tifi-

cada igualmente em 1913, dispunha que os senadores, desig-

nados ate entao a vontade dos Estados, geralmente pelos

legislativos estaduais, seriam daf em diante cleitos por sufra-

gio universal. A 19~emenda, adotada nos pos-guerra, es ten-

deu 0direito de voto as mulheres (1920). Pela primeira vez,desde longa data, as tarifas aduaneiras foram modificadas

para baixo. Uma comissao foi especialmente encarregada

de zelar pelo respeito a legislacao sobre trustes, reforcada

pelo Clayton Act. Para Iirnitar a especulacao financeira, 0

Federal Reserve Act instituiu uma organizacao federal de

credito: 0territorio dos Estados Unidos foi dividido em doze

distritos, em cada urn dos quais urn estabelecimento federal

de credito assegurava as operacoes bancarias: urn Conselho

Federal da Reserva, em Washington, presidia ao conjunto

do sistema, do qual se esperava que prevenisse 0 retornodessas crises que periodicamente perturbavam a economia

dos Estados Unidos. Que caminho percorrido desde 0 tem-

po em que Jackson empenhava sua existencia polftica contra

as instituicoes bancarias! Que evolucao, tambem, desde 0tem-

po em que a eleicao de Jefferson significou a vitoria da inter-

pretacao restritiva dos direitos do Estado federal! Entre-

tanto, Jefferson, Jackson, Wilson pertenciam a mesma fami-

lia politica, e todos os rres se prevaleceram da mesma tradi-

<;:aofilos6fica. Mas entre a era de Jackson e a de Wilson

a sociedade americana transformara-se profundamente: aindustrializacao, a concentracao financeira fizeram surgir

poderosos grupos de interesses, cujas ambicoes e recursos

tornaram necessaria a intervencao do poder publico. Os me-

canismos concebidos pelo liberalismo classico para reger as

relacoes entre indi viduos ja nao erarn suficientes: foi a fideli-

dade ao proprio espfrito da sociedade liberal que levou a

reve-los, 0 fenomeno nao era especifico dos Estados Uni-

dos, mas apresentou-se at mais cedo, com maior agudeza,

e a evolucao foi ainda mais impressionante.

R 2 83

 

CAPITULO VII

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Isolacionismo e imperialismo

Uma outra mudanca imp6s aos poderes constitufdoscit opiniao publica uma adaptacao tambem delicada: aquela

que, ao fazer dos Estados Unidos uma grande potencia,projetou-os no cenario da grande pohtica international. Es-sa transformacao foi a consequencia de seu crescimento in-

terno; foi igualmente a de uma evolucao que levou 0conjun-

to do continente americano, por largo tempo situado como

que na orla do mundo, para 0 centro das relacoes interna-cionais, com a abertura do Extremo Oriente a penetracao

ocidental eo despertar da Asia.

Doutrina Monroe e pan-americanismo - Em materia

de relacoes exteriores, 0 sonho dos americanos era te-laso menos possivel: sell distanciamento da Europa, entao 0

centro da politica mundial, e a ausencia em suas fronteiras

de vizinhos capazes de inquieta -los, permitiu-lhes por muito

tempo manterem-se fora de complicacoes diplomaticas. Adeclaracao de Monroe viera fixar precisamente 0domfnioc as orientacoes de politica exterior dos Estados Vnidos:

sua politica era estritamen te continen tal, mas, dentro desses

iimites, visava preservar a independencia de todo 0Conti-

nente. Daf em diante, todas as grandes potencies que tenta-

ram colocar sob sua influencia algum territ6rio ou exercerpressao sabre urn Estado americano para resolver direta-

mente urn litigio encontraram os Estados Unidos de per-

meio entre elas e seus interlocutores.Em 1823, a intervencao norte-americana era ainda mais

simbolica do que efetiva, e os Estados Unidos ver-se-iam

em apuros para fazer respeitar suas deelaracoes de princi-

pia. Mas, a medida que 0seculo avancava, sell peso aumen-

tava e sua autoridade crescia, Napoleao III so empreendeua expedicao do Mexico porque se beneficiou da Guerra de

R 5

 

Secessao, que paralisara a diplomacia federal; restabelecidaa paz, a pressao dos Estados Unidos concorreu para obrigara Franca a abandonar seu projeto de criacao, na America

sui do rio Grande; elas desconfiavarn de que 0 interessetardio dos Estados Unidos pelo pan-americanismo nao pas-sasse de urn meio indireto de impor sua hegemonia a todo

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Central, de urn imperio catolico e latino que fizesse contra-

peso a potencia protestante e anglo-saxonica e erguesse umabarreira contra sua expansao para 0 sui (1867). Trinta anos

depois, a Gra-Bretanha estava em litfgio com a Venezuelaem tomo de uma regiao Iimftrofe da Guiana lnglesa: tendo

a Venezuela solicitado 0apoio dos Estados Unidos, 0gover-

noingles teve de resignar-se, apos urn momento de maldisfarcada irritacao, a admitir a arbitragem do presidente

Cleveland. Em 1903. interditaram a Alemanha uma inter-vencao contra a Venezuela. Entre as grandes potencias eu-

ropeias e as debeis repiiblicas da America Latina, a inter-

vencao dos Estados Unidos restabelecia 0 equilfbrio.

Ocasionalmente, os Estados Unidos dedicavam -se tam-

bern a subtrair outros territories ao juga de potencias estran-geiras. A iniciativa de Jefferson, comprando a Luisiana, fez

escola. Em 1867,0 czar Alexandre II procurava desfazer-se

do Alasea: os Estados Unidos foram seus compradores pelasoma de 7 milh6es de dolares; a deseoberta ulterior de seusreeursos aurfferos (1896) justificara retrospectivamen te essa

aquisicao, que fora muito criticada na epoca,

o governo americano, reatando por sua conta e numaescala mais vasta os projetos de federacao americana forma-

dos outrora por Simon Bolivar e que ele proprio contribuirapara fazer fracassar, tentou, a partir de 1889, por iniciativa

do Secretario de Estado Blaine, coordenar a acao das repu-

blicas americanas e dar ao Continente uma relativa unidade.

Dai em diante, conferencias periodicas reuniriam os minis-tros de todos os Estados americanos; comissoes especia-

lizadas examinaram aspossibilidades de unificacao dos siste-

mas de pesos e medidas, das moedas; estudaram-se os meiosde traducao em decis6es praticas dos principios do pan-ame-

ricanismo. Mas 0balance desses encontros e conversacoes

foi fraco: a potencia dos Estados Unidos tornou-se fortedemais para nao sobressaltar a suscetibilidade de alguns vizi-

nhos. Uma colaboracao em pe de igualdade era quase incon-eebivel entre a grande Republica e as pequenas nacoes ao

86

o Contincnte.

o nascimento do imperialismo norte-americano - Te-

rnor tanto rnais justifieado, porquanto, na mesma epoca-

o ultimo decenio do seculo XIX -, afirmava-se urn come-co de imperialismo norte-americano, distinto das preocu-

pacoes de grandeza nacional, que tinham inspirado ate en-tao a conduta do pais, e singularmente rnais ousado. Os

hornens de negocio americanos comecaram a lancar seusolhares para alem dos limites do mercado naeional: volta-

ram suas vistas para os mercados de materias-prirnas, cobi-

caram mercados para a colocacao de seus produtos. Certos

grupos de interesses particularmente poderosos e bern orga-nizados exerceram pressao eficaz sabre 0Congresso e a Ad-

ministracao para que prevalecesse uma pohtica ativa. Mc-

Kinley foi ativamente sustentado por esses lobbies. Foi pre-

cisamente 0 memento em que 0 capitalismo norte-ameri-cano em plena ascensao, muito poueo afetado por crises,

mudou de posicao e adotou novas dimensoes e estruturas:

a ambicao ehegou simultanearnente com os meios, Os trus-

les que controlavarn a imprensa prepararam e amoldarama opiniao publica, que nao pedia outra coisa senao ser con-

vencida de que incumbia aos Estados Unidos a missao civili-zadora ditada por sua superioridade moral: 0idealismo ine-

rente ao carater nacional americano transferia-se para 0im-perialisrno e fornecia-Ihe uma justificacao, Alfred T. Mahan

formulou a teoria da supremacia maritima e insistiu sobrea importancia estrategica das bases navais. 0fim da fron-

teira tomou disponiveis as energias que a expansao parao Oeste tinha absorvido. A nacao, transbordante de vitali-dade, inebriada de dinamismo e excitada por seus exitos,

aspirava a grandes empreendimentos.Ate mesmo 0anticolonialismo tradicional veio engros-

sar a corrente: nas vizinhancas dos Estados Unidos, a Espa-

nha mantinha uma dominacao mal aceita sobre a grandeilha de Cuba, sacudida por agitacao cronica, 0 governo

87

 

americano, sem procurar 0conflito, aproveirou a ocasiao

que se Ihe apresentou: urn encouracado americana, anco-

rado em Havana, foi destruido por uma explosao cujas cau-

a Russia e ao Japao, e foi nos Estados Unidos que se assinou

o tratado que p6s fim a guerra russo-japonesa. Embora li-sonjeira para 0amor-proprio nacional, essa rapida amplia-

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sas nunca foram esc1arecidas (fevereiro de 1898). Era tenta-

dor responsabilizar a Espanha pelo sinistro. Apos urn ulti-

mato, e embora a Espanha se dec1arasse pronta a aceitar

as exigencies americanas, os Estados Unidos entraram em

guerra. 0 Exercito e a Marinha federais obtiveram vitorias

faceis em terra e no mar: em PO"COS meses, as esquadras

espanholas foram aniquiladas ao largo de Manila e de San-tiago; Cuba e Porto Rico, ocupados. A Franca interveio:

a Espanha cedeu Cuba, a qual os Estados Unidos deram

logo a independencia, Porto Rico e, por 20 rnilhoes de dola-

res, as Filipinas.o evento teve uma repercussao enorme, que sua im-

portancia justificava amplamente: era 0fim da epopeia colo-

nial da Espanha, que assim perdia os ultimos vestigios de

seu imperio ultramarino; era tambem a primeira derrota

da Europa e a vitoria do Novo Mundo sobre 0Antigo; era,

enfim, para os Estados Unidos, seu comeco de potenciacolonial. Eles possuiam, desde 1878, uma dependencia nas

ilhas Samoa, em participacao com a Inglaterra e a Alema-

nha, mas urna coisa era interessar-se , como tinham se inte-

ressado ate entao, pelos pafses das margens do Pacifico,

mormente pelo Japiio, para faze-los abrirem-se ao comer-

cio, e outra era apossar-se dos despojos de uma antiga po-

tencia colonial. Dai em diante, 0campo de acao dos Estados

Unidos estendeu-se muito alern do hernisferio ocidental,

As intervencoes na politicamundial- Com TheodoreRoosevelt, 0 sucessor do presidente McKinley, a politica

externa americana transpos uma nova etapa: tornou-se

mundial. 0 presidente multiplicou as iniciativas e as inter-

vencoes: a recomendacao de Washington, 0 compromisso

de Monroe de manter-se a margem dos assuntos europeus,

foram esquecidos. Roosevelt fez-se representar na confe-

rencia de Algeciras para solucionar 0 littgio franco-ale mao

sobre 0 Marrocos (1906); esteve igualmente presente na

Confereneia de Paz em Haia, em 1907; propos sua mediacao

cao das responsabilidades internacionais dos Estados Uni-

dos foi prematura: nao levava em consideracao 0profundo

apego do povo americano a neutralidade, urn sentimentoque em breve teria ocasiao de manifestar-se. Quando foi defla-

grada a guerra na Europa, 0 povo norte-americano foi unani-

.me em sua vontade de fiear fora do conflito. Seriam neces-

sarios 32 meses e uma convergencia de causas para que osEstados Unidos passassem da neutralidade a beligerancia:

a salvaguarda das somas emprestadas aos Aliados pelosgrandes bancos americanos, a defesa dos direitos dos neu-

tros, comprometidos pelo modo como a Alemanha conduzia

a guerra submarina, as inquietacoes suscitadas pelas intrigasalemas na America Central, as simpatias tradicionais pela

Franca ea Inglaterra, 0idealismo generoso dos Estados

Unidos, sua fidelidade inquebrantavel as instituicoes demo-

craticas, participaram, em graus diffceisde avaliar, no movi-

mento que levou 0 Congresso, em 4 de abril de 1917, adec1arar guerra a Alemanha.

Os Estados Unidos nao estavam preparados para en-

frentar a potencia militar alemii: desprovidos de tradicoes

militares, apesar da guerra do Mexico, da Guerra de Seces-

sao e da guerra contra a Espanha, Oliodispunham pratica-

mente de exercito permanente e ignoravam 0service militar

obrigatorio, Mas seu espirito de iniciativa e seu genio orga-

nizador aplicados a conducao da guerra fariam prodigios.

Seus imensos recursos foram mobilizados, 0governo foi do-

tado de poderes excepcionais, e a guerra ajudou a acentuarainda mais a transferencia de poderio dos Estados para 0

Estado federal e do Congresso para 0 Executivo, Milh6es

de homens foram alistados, centenas de milhares enviados

it Franca, No prazo de urn ano, dezenove divisoes estavam

prontas para entrar em combate. No verao de 1918, sob

o comando do general Pershing, as tropas que formavam

o corpo expedicionario americano receberam seu batismo

de fogo e iniciaram suas primeiras ofensivas em Saint-Mi-

chel e em Argonne. A guerra terminou cedo demais para

8 8 89

 

que as tropas americanas tenham podido desempenhar nela

urn papel decisive. Mas 0 governo dos Estados Unidos, na

pessoa de seu presiden te, teve uma participacao dccisi va

1~20 significou tarnbern a importancia crescente das popula-

coes do Centro-Oeste, que Olioqueriam ter nada em comum

com a velha Europa. Trazia em seu bojo 0germe das leis

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nas negociacoes de paz. Em janeiro de 1918, Wilson tinha

enuneiado os objetivos da guerra e as condicoes de paz dos

Aliados: esse programa em catorze pontos seduzira a opi-

niao publica europeia por sua nitidez e a generosidade de

seus pontos de vista. Uma vez mais, 0 idealismo americano

propunha urn rosto para a esperanca dos homens. Multidoes

entusiasticas acolheram Wilson, chegado a Europa a fimde participar da Conferencia de Paz: discussao laboriosa

em que a intransigencia de princfpios teve de se harmonizar

com as situacoes de fato, em que Wilson se viu frequen-

temente em desacordo com Lloyd George e Clemeneeau.

o result ado dessas negociacoes, bastante distanciado dos

eatorze pontos, s6 Ihe agradaria pela metade.

restritivas a imigracao votadas em 1921 e 1924. A America

fe~hou-se sobre si mesma e, uma vez superada a pequena

cnsc de adaptacao que se seguiu ao fim da guerra, decidiu

consagrar-se exclusivamente a busca da felicidade e da pros-

peridade.

A volta ao isolacionismo - Uma outra contrariedade

o esperava em seu regresso: seus adversaries polfticos apro-

veitaram-se de sua ausencia; os republicanos tinham recupe-rado em 1918 a maioria no Congresso; ele pr6prio perdera

o contato com a opiniao publica; os defensores da Consti-

tuicao denunciaram 0 crescimento constante dos poderes

do Executivo; 0 Senado, que so a muito custo perdoava

ao presidente suas iniciativas e cuja anuencia era indispen-

savel em materia de politica extema, felicfssimo por fazer

sentir seu poder, recusou-se a ratificar 0 tratado de Versa-

lhes (novembro de 1919). 0 homem que durante oito anos

governara os Estados Unidos e simbolizara a vontade de

reforma e a vontade de paz da nacao teve urn triste finalde vida; seu candidate foi derrotado nas eleicoes de 1920.

Assim, os Estados Unidos iriam ficar fora dessa Liga das

Nacoes que seu representante contribuira tanto para fundar.

A reeusa do Senado acentuava a vontade de limitar a autori-

dade presidencial, talvez de por fim as experiencias refor-

mistas: era tambem uma condenacao global de toda a poli-

tica extema dos ultimos presidentes e exprimia 0 desejo

do pais de voltar a antiga tradicao de estrita neutralidade.

Triunfou 0 isolacionismo. A vitoria dos republicanos em

Americanismo e prosperity (1920-1929) - A vitoria re-publicana de. 1920 _teve assi.m alcance maior do que 0 de

uma Simples mversao de maioria: nao foi urn mero acidente

de politica interna, mas 0 fim de urn capitulo. Embora Sua

participacao nos assuntos internacionais lhes tenha valido

feit~s as cant as ,mais van tagens do que pre jufzos, as EstadosUnidos entenderam de nao se deixar arrastar mais para as

querelas do Velho Mundo que, vistas do outro lado do

Atlantico, pareeiam-lhes absurdas brigas de familia. Alem

disso, tomar partido nessas discordias nao deixava de envol-

ver urn certo risco para a unidade moral do povo americana:nao era este composto de descendentes de todas essas na-

coes da ~uropa? A presenca de urn forte micleo de germ a-

no-americanos causara nao poucas inquietacoes durante a

guerra contra a Alemanha. Portanto, a composicao da po _

pulacao americana, tanto quanta seus interesses, impunham

a retorno a uma estrita neutralidade. Por diversas vezes

a legislacao reforcaria as precaucoes destinadas a impedir

a renovacao das surpresas que, em 1917, tinham arrastado

os Estados Unidos para a guerra.

Mais do que isso: eles voltaram resolutamente as costasa Europa e empenharam-se em reduzir ao minima suas rela-

coes com ela. Ao impulso entusiastico da intervencao suce-

deram depressa a retirada e a decepcao: so extrafram dela

motivos de desventura. A paz frustrou seu idealismo; a r n avontade dos Aliados em liquidar suas dfvidas feria a concep-

cao americana de honestidade comercial. Em todos as domi-

nios, os Estados Unidos fecharam-se em si mesmos e levan-

taram barricadas a sua volta. Fazendo jus, pela prime ira

VCZ, ao ponto de vista de espfritos inquietos que temiam

90 91

 

ver os american os com "hffen" superarem numericamente

os verdadeiros americanos, 0Congresso estabeleceu restri-coes rigorosas a admissao de novos imigrantes: ate entao,

desconfiava dos papistas, 0 catolicismo fez Alfred S ithdid d rm ,o can I ato emocrata nas eleicoes de 1928, perder uma

parte dos votos do Sui e concorrer para 0sucesso de seu

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somente os asiaticos, por quem os Estados da costa do Paci-

fico temiam ser invadidos, tinham sido objeto de medidas

dessa ordem. A lei de 1924, agravando as disposicoes da

de 1921, estabelecia cotas: cada pals europeu viu limitado

o contingente de seus nacionais admitidos em 3% do mime-

ro fixado em 1890.0 ultimo ano em que elementos prove-

mentes dos pafses nordicos superaram os eslavos e os lati-nos. 0 Estado mais liberal do mundo no tocan te a circulacao

das pessoas converteu-se num daqueles de mais dificil aces-

so, De cerca de urn milhao, 0 ruimero medic anual de imi-

grantes caiu para uns cern mil. A America acreditava ter

salvo sua civilizacao; patroes e operarios Ielicitavam-se por

terem afastado agitadores e concorrentes no mercado de

trabalho. Mas os Estados Unidos, talvez sem se apercebe-

rem disso, secaram uma das fontes de sua espantosa prospe-

ridade.

Tendo por largo tempo acolhido oshornens, os EstadosUnidos nunca deram 0mesmo acolhimento aos produtos

da Europa: 0 protecionismo aifandegario foi ainda refor-

«ado pela administracao republicana. 0 pais fechou-se tam-

bern as ideias, as teorias consideradas subversivas, a tudo

o que pudesse contaminar os espiritos e alterar 0 regime

ou 0 sistema de vida. Uma certa tradicao polftica e moral,

imbuida da superioridade da America. severa para 0 incon-

formismo, xenofoba e ate racista, aquela que inspirara a

votacao da Lei do Estrangeiro (Alien Bill) na adrninistracao

John Adams,0

movimento nativista,0

do Know-Nothinge 0 Ku Klux Klan, ressurgiu das profundezas da nacao e

fez a lei. Nao era rnuito saudavel ser estrangeiro ou professar

opinioes heterodoxas: dois infelizes anarquistas italianos,

Sacco e Vanzetti, suspeitos de urn crime que obstinadamen-

te negaram, foram enviados para a cadeira eletrica em 1927.

apos anos de espera; a execucao deles suscitou na Europa

uma onda de indignacao que anunciou 0alvoroco provo-

cado mais tarde pelo casu Rosenberg, A Legiao Americana

denunciou infiltracoes comunistas. A America protestante

adversario ,republica~o, Herbert Hoover. A America puri-tana das sertas e das hgas de temperanca traduzia Suapreo-

cupacao de moralidade atraves de disposicoes legals: uma18~emenda a Constituicao proibiu a fabricacao, 0comercio

e 0 consumo de qualquer bebida alcoolica, mesmo as de

tear nunimo de alcool em todo 0territorio dos Estados Uni-

dos (1919). A frau de suscitou urn gigantesco trafico cujaamplitude so foi igualada pela do dispositivo policial desti-

nado a reprirni-la: as luras entre bootleggers (contrabandis-

tas de bebidas alcoolicas) e policiais alimentavam os noticia-rios jornalfsticos, e 0regime da Lei Seca propagou a imagem

de uma America puritana, hipocrita e conformista,

Essas tendencias de raiz exprimiam-se, na ordem politi-ca. pelas repetidas vitorias do Partido Republicano, No sis-

tema partidario americano,os republicanos encamavam

rnais, de fato, 0conjunto das velhas qualidades morais e

intelectuais, as tendencias boas e mas que constituiam comoque urn capital de fundo tipicamente americano; votar nos

republican os constituia urn diploma de antiguidade , ao pas..

so que os recem-chegados mostravam aberta preferenciapelos democratas, Tres republicanos se sucederam em dez

anos na Casa Branca: Harding. que morreu subitamente

(agosto de 1923) e em torno de quem certos escandalos

tinham criado uma repu tacao que lembrava incomodamente

os tempos de Grant; seu vice-presidente Coolidge, reeleito

em 1924; e Hoover, eleito em 1928contra Smith, Herbert

Hoover era um self made man, que fizera rapidamen te fortu-

na. urn tecnico que gozava da reputacao de adrninistrador

proficiente. Sua personalidade era eminentemente repre-

sentativa de certos traces e qualidades do carater ameri-

cano. Suas aptidoes qualificavam-no para presidir aos desti-nos de uma sociedade tecnica.

Com efeito, se, depois de 1920, as Estados Unidos pa-

reciam voltar-se para seu passado e querer suspender a mo-

vimento da Historia, pelo menos num domfnio, 0da econo-

rnia, eles esforcavam-se por apressar 0passo e faziam tudo

92 93

 

por levar a dianteira no curso das coisas. A Primeira Guerra

precipitara 0movimento natural de sua expansao: a necessi-dade de prover as necessidades dos Aliados, bern como de

equipar adequadamente seu proprio exercito, tinha estimu,

economia em asccnsao, as cotacoes dos produtos agricolas

man tinharn -se estacionarias, c muitos farmers, incapazes de

~aldar suas hipotecas, tinham-se tornado empregados de al-

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lado a industrializacao. Sua posicao financeira invertera-se:

de devedores, os Estados Unidos tinham-se tornado credo-

res. nao tendo os govern os europeus outra alternativa senao

liquidar seus investimentos e contrair emprestimos. Todo

opals se empenhou com ardor na corrida para a prospe-

ridadc. Os metodos americanos, normalizacao, standardi-zacao, taylorizacao , as estruturas de sua economia, concen-tracao, especializacao, somaram seus efeitos, os quais se

engendraram por urn desses processos curnulativos pr6prios

dos desenvolvimentos econ6micos. 0 credito multiplicou-se

ao infinite. As opinloes de Henry Ford sobre a remuneracao

do trabalho, que comecavam a prevalecer, modificaram to-

talmente as relacoes patronais com as assalariados: 0 au-

mento dos salaries. longe de ser DOcrVO a empresa, era de

seu interesse: aumentava a poder de compra c fazia de cada

operario urn consumidor. A'elevacao regular do nivel de

vida ampliou assirn continuamentc 0mercado e dissimulou

as consequencias da suspensao da irnigracao: 0 big business

prosperou e, com ele, todos osamericanos. Os novos setores

da industria em particular, 0automovel, 0cinema, estavam

a testa do movimento. A administracao aplicava scm muito

zelo a Iegislacao antitruste. Os republicanos cstavarn, assim,

de acordo, simultaneamente , com sua ortodoxia liberal e

com a opiniao publica. que via na prosperidade a recom-

pensa eo efeito do liberalismo. A politica apagou-se diante

do economico: a deflacao, a reducao orcamentaria, as redu-

coes fiscais, a supressao de todos os controles govemamcn-

tais facilitararn a expansao, Isolacionismo e liberalismo

constituiam os dois principios fundamentais da administra-

,<aorepublicana. Uma prosperidade fabulosa veio demons-

trar a correcao dessa politica.

Na verdade, algumas sombras manchavam 0brilho des-

se quadro: a extracao carbonifera e as indiistrias texteis per-

maneciam muito atras dos setores mais pr6speros. A agri-

cultura, sobretudo, nao participava na euforia geral: numa

gum banco em suas pr6prias terras ou partido em busca

de rr abalho em outros lugares. A questao racial tampouco

deixava de ser preocupante: com 0 desenvolvimento das

industrias de guerra, que tinham atrafdo para 0Norte uma

abundante mao-de-obra negra oriunda dos Estados sulistas,

o problema apresentava-se agora na totalidade dos Estados

Unidos. Mas todas essas nuvens negras passavam desperce-

bid as em face dos exitos e, em qualquer caso, nao chegavam

a pert u rbar 0otimismo gcral. A legitimidade das insti tuic;Oes

polfticas. a excelencia do sistema economico e a superio-

ridadc do American way of life eram artigos de fe. Alias,

a continuidade da prosperidade, 0aumento regular da renda

!laciona!, a elevacao indefinida do nfvel de vida, nao tinham

peso de prova?

9495

 

CAPiTULO VIII

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o N ew D eal e a responsab ilidademundial

Ora. eis que dois fatos, igualmente imprevistveis nomomento em que os Estados Unidos elegeram Herbert

Hoover. vieram desmentir, cada urn por seu lado, os dois

principios basicos da pohtica republicana - 0 liberalismo

em econornia e 0 isolacionismo nas relacoes exteriores -

e abalar a confianca nos pr6prios fundamentos da sociedade

americana. Urn era de ordem economica e destrufa a pros-

peridade: a Grande Depressao de 1929;0outre era exterior

aos Estados Unidos e ameacava sua seguranca: a ascensao

dos regimes totalitarios e 0exito crescen te de suas iniciativas

de dominacao domundo. 0 primeiro teve por efeito 0 aban-dono do Iiberalismo e a experiencia do New Deal; 0 outrofez caducar a tradicao de neutralidade e arrastou os Estados

Unidos para urn novo conflito mundial, no qual assumiram

responsabilidades muito mais extensas do que em 1917.As

duas evolucoes tiveram por consequencia comum urna am-

pliacao consideravel dos poderes do Executivo federal. A

testa dessas grandes transformacoes estava urn dos maiorespresidentes que os Estados Unidos conheceram ate hoje:

Franklin Delano Roosevelt.

A grande crise - Tudo comecou com urn simples aci-

dente da conjuntura bolsista. A 21 de outubro de 1929,

no Wall Street. varies milhoes de titulos foram propostos

sem encontrar comprador. A 23. foram postos em venda6 milhoes de tttulos. A 24, a baixa acentuou-se; cerca de

13milh6es de titulos foram lancados no mercado, os quais

dificilmente encontrariam tomador. 0 aparelho que trans-

mitia as cotacoes, 0ticker. estava congestion ado e funcio-

nava com urn atraso de quatro horas. Com uma alternancia

97

 

de altos e baixos, a queda prosseguiu inexoravelmente; a

29. eram mais de 16milhoes de titulos que se abatiam sobreo mercado. Em dez dias, os "dez dias negros", dezenas

de milhoes de ntulos mudaram de maos, perdendo de 30%

10% da populacao total e mais de uma quarta parte da popu-lacao ativa, A producao industrial caiu entao abaixo da me-

tade de seu nivel de 1929.

Inicialmente, a situacao foi encarada com otimismo:

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a 40% do seu valor. por vezes ate 50%, e 0 valor global

das acoes cotadas no Wall Street, estimado em 89 bilh6esde dolares em 1~de setembro, tinha catdo para 71 bilhoes,

ou seja, com uma depreciacao global de 20%. A clientela

inquietava-se , mas sem excessos: que vantagem havia em

afobar-se? A historia financeira dos Estados Vnidosja tinhaconhecido outras crises. No final de outubro, as cotacoes

reencontraram seu nfvel do comeco do ano. Foi apenas uma

daquelas pequenas crises indispensaveis ao saneamento domercado.

o raciocinio pecava por excesso de confianca, Reduzir

o desabamento das cotacoes a urn puro acidente bolsista

era minimizar 0 lugar do credito na economia americana.

Tudo baseava-se nele; 0 credito era 0 principio de tudo,

tanto do consumo quanta da producao; a propria agricul-

tura, como ja vimos, dele dependia em grande parte. Foitambem 0 ponto mais vulneravel, Para uma economia tao

ligada ao credito, uma crise financeira era como uma parada

cardiaca: se0coracao falhasse, a circulacao ficaria compro-

rnetida em todo esse grande corpo. As empresas, industriais

ou comerciais, viam sua tesouraria secar; os bancos, incapa-

zes de satisfazer a toda a demanda, quebraram uns ap6s

outros, arrastando por sua vez para a falencia nurnerosas

empresas. Aquelas que nao fecharam as portas diminuirarn

sua atividade e dernitiram parte do pessoal: eram outros

tantos compradores a menos. Os estoques acumularam-se,o dinheiro cusrava a reentrar; logo, novas falencias. Por

urn encadeamento inexoravel, todos as mecanisrnos econ6-

micos que concorriam num dia para a crescente prospe-

ridade atuavam no outro em sentido inverso: era urn cicio

infernal. A diminuicao de atividade acarretou 0desempre-

go; 0desemprego reduziu a atividade, cada urn restringindo

a forca ou por precaucao suas compras. 0desemprego alas-

trou-se: 3 milhoes, seis meses mais tarde; 4, ao fim de urn

ano; 7. apos dois anos; 11, em outubro de 1932, ou seja,

era imposstvel que ela se prolongasse. Era 0que assegurava

o presidente Hoover. que se esforcava por tranquilizer seus

concidadaos: "A prosperidade espera-os na esquina da

rna", prognostico tambem de quase todos os especialistas.

Mas logo foi preciso render-se a evidencia: a crise prosse·

guia, a baixa prolongava-se ,0marasmo instalava-se. Aque-la nao era decididamente uma crise como as outras, e a

opiniao publica americana, em sua confusao e em sua per-

plexidade, comecou a duvidar de que pudesse entrever uma

safda. Uma tal crise, que atingia todas as estruturas da eco-

nomia e abalava a sociedade americana em seus aiicerces,

nao teria sido consequencia de sua organizacao? Talvez Ios-

se esse 0 efeito mais grave da depressao: a crise moral que

engendrou. Os americanos perdiam, pela primeira vez, sua

confianca no dogma da livre iniciativa, nas virtudes da inicia-

tiva privada e na solidez dos pressupostos Iiberais. Ootimis-mo que inspirava a experiencia americana e que de seu exito

extrafa sua propria justificacao foi duramente atingido: a

dtivida crescia. A nacao americana atravessava uma crise

de confianca, a mais grave de sua historia, a qual deixaria

recordacoes duradouras. Vinte anos seriam necessaries, se-

nao para apaga-las inteiramente, pelo menos para atenua-

las: 0 tempo, para a geracao que viveu a crise, de ser substi-tuida pela seguinre.

Vinte anos foi tambern 0periodo de duracao da admi-

nistracao democrata (1933-1953). Com efeito, a depressaoacarretou tam bern consequencias polfticas: os republicanosderam prova de uma total impotencia para compreender

a situacao e rernedia-la; foram atacados acerbamente por

sua inacao. Desacreditado por seus prognosticos otimistasque os fatos se encarregavam em seguida de desmentir, 0

infeliz presidente Hoover reapresentou-se as eleicoes de no-

vembro de 1932 sem ilusoes, A situacao era catastrofica,

a curva estava em sell ponto mais baixo: 12 milhoes de de-

sempregados, 0 fndice da producao industrial em 48,7 (100

98 99

 

em 1929), as cotacoes do trigo e do algodao em urn terce

de seu ntvel de 1929. Uma vitoria dos democratas estava

na logica das coisas: eles ja dispunham da maioria na Cama-

ra dos Representantes desde novembro de 1930. Que mais

nar-se presidente em virtude de uma cisao dos republicanos.

A crise reconduziu os democratas a Casa Branca. Roosevelt

ai os manteria por vinte anos, A relacao de forcas entre

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nao fosse para mudar, os eleitores teriam votado no primei-

ro que aparecesse.

os dois partidos inverteu-se.

Acidentalmente , a crise reaproximou varies grupos de

tradicoes e interesses distintos, que as circunstancias, a evo-

luc;ao da situacao e a habilidade politica de Roosevelt, chefe

de partido tanto quanro chefe de Estado, manteriam estrei-

tamente unidos. Havia, em primeiro lugar, 0 Sui, 0 solid

South, assim chamado em virtude de sua indefectivel fideli-

dade ao partido: no interior da coalizao democrata, era urn

elemento conservador, mesmo reacionario, deliberadamen-

te racista e veementemente oposto a toda igualdade efetiva

de direitos entre brancos e negros. 0 que nao impedia os

eleitores negros, pelo menos aqueles que exerciam seus di-

reitos politicos. uma minoria, de votar tambem pelos demo-

cratas. Os farmers fonnavam Urnoutro grupo, 0 qual estava

grato a administracao democrata por te-lo tirado de uma

situacao desastrosa: a desvalorizacao do dolar e a politica

inflacionaria reabsorveram as dividas deles, ao passo que

as medidas de sustentacao dos precos agricolas os prote-

geram das flutuacoes economicas. Razoes semelhantes liga-

yam 0 operariado industrial aos democratas: alem da redu-

c;ao do desemprego, os sindicatos mostravam-se satisfeitos

com a administracao que os chamara a colaborar na prepa-

racao de algumas de suas decisoes, 0 sindicalismo realizou

gran des progressos sob a presidencia de Roosevelt: consti-

tuida na base do profissional qualificado, a velha American

Federation of Labor (AFL) passou a ter a concorrencia de

uma organizacao mais dinamica, 0 Congress of Industrial

Organization (CIO). que enquadrava por Iederacoes de in-

dustria as categorias profissionais que nao interessavam a

aristocracia do trabalho (1936). A competicao entre as duas

centrais sindicais era proveitosa para 0mundo do trabalho,

as filiacoes contavam-se por milhoes, 0 interesse dos sindi-

catos foi despertado para as quest6es politicas: eles em-

preenderam a educacao de seus adeptos, Os americanos

novos, os imigrados recentes, ou aqueles que eram mais

diffceis de assimilar-se, porque conservavam suas particula-

Franklin Roosevelt - Acontece que 0candidato demo-

crata estava muito longe de ser 0prirneiro que aparecesse.

Essa foi a sorte do Partido Dernocrata, tam bern da republica

norte-americana e. sem duvida, do mundo livre - a de

encontrar nesse momento crucial uma pcrsonalidade de pri-

meinssimo plano. Franklin Delano Roosevelt reunia urn

con junto de dotes proprios para seduzir 0eleitor: urn sorriso

eminenternente fotogenico, urna voz persuasiva (foi a pri-

meira campanha eleitoral com intervencao do radio), uma

forca de carater que the fizera suportar e ate mesmo superar

parcialmente a doenca que 0atingiu (a poliomielite), a no-

me que ostentava (Theodore era seu primo), sua experien-

cia em negocios publicos: tinha sido sub-secretario da Mari-nha durante a Primeira Guerra Mundial e govemador do

Estado de Nova York, urn daqueles que desempenham urn

papel decisive na designacao do Presidente. Seu exito, asse-

gurado de todas as maneiras, assurniu uma amplitude sem

precedentes: obteve a maioria em 42 dos 48 Estados, alguns

dos quais quase sempre haviam votado nos candidatos repu-

blicanos, e arrebatou cerca de 23 milhoes de votos contra

menos de 16 milh6es dados a seu concorrente. Raras vezes

urn presidente dispusera, ao assumir 0poder, de semelhante

capital de confianca,

A vitoria dos democratas - 0 genio politico de Roose-

velt seria 0 de transformar esse exito de circunstancia num

triunfo duradouro e 0de obter a adesao passage ira dos elei-

tores num solido apoio ao Partido Democrata. Uma fracao

importante do eleitorado americano e. com efeito, instavel,

e seu voto fiutuante decide com frequencia a disputa entre

republicanos e democratas. Desde 1865, 0 Partido Repu-

blicano assegurara-se da maioria: Wilson so conseguira tor-

100101

 

ridades, ou porque suas origens os distanciavam mais da

heranca anglo-saxonica, tarnbem votavam nos democratas:

os irlandeses, os italianos, os eslavos, a maioria dos catoli-

cos, os judeus. todas as minorias etnicas. Por isso Nova

As principais medidas foram preparadas entre novem-

bro e marco, entre 0 presidente C 0 pequeno grupo de inte-

lectuais e de especialistas que compunham seu brain trust.

A importancia das entourages presidenciais aumentou com

o poder do presidente. 0 rol dessas leis, que afetavam todos

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York, a ma ior cidade judia do mundo, tambem aquela onde

se encontravam mais irlandeses, uma das metropoles eslavas,

era igualmente urn baluarte democrata. Os brancos do Sui.

o voto do negro, os farmers, 0sin dicalismo , as minorias religio-

sas ou raciais, eis os elementos heterogeneos cuja coalizao

conduziu triunfalmente a presidencia 0 candidato democrata

Roosevelt, que val mante-los unidos durante toda a sua vida.

Eleito em novembro de 1932, Roosevelt so devia tomar

posse e entrar em funcoes a 4 de marco de 1933. Durante

esses quatro meses, a situacao agravou-se ainda mais; 0de-

semprego alastrou-se; a paralisia propagou-se, os bancos

continuaram falindo em serie (5.500 desde 1930). A 4 de

marco, os estabelecimentos de credito fecharam suas portas

em todo 0territorio, A economia americana atingiu 0fundo

do abismo: tudo estava em suspenso, na expectativa das

iniciativas da nova administracao; raras vezes urn presidentetera, ao mesmo tempo, encontrado uma situacao tao desas-

trosa, sentido 0peso de tamanha responsabilidade e dispos-

to de possibilidades de acao tao extensas.

os dominios, nao formava, entretanto, urn conjunto siste-

matico: Roosevelt nao era urn doutrinario. 0 New Deal

exprimia menos urn program a do que uma atitude funda-

mental: os republican os assistiam impotentes as devastacoes

da crise: Roosevelt decidiu reagir. 0 New Deal foi, antes

de mais nada, urn ato de fe nas virtudes da acao, a recusa

em admi tir a fatalidade da Depressao. E 0sentido da expres-

sao: nova distribuicao das cartas e retomada do jogo em

bases mais justas. A experiencia Roosevelt inereve-se, par

isso, mesmo que suas modalidades tenham sido inovadoras,

na tradicao otimista do genio americano. Alguns postulados

inspiraram 0New Deal: para reanimar a atividade, estimu-

lar a demanda e, para consegui-lo, aumentar 0 poder de

compra de operarios e camponeses; no marasmo existente ,

o Estado federal era 0 unico detentor de recursos; a ele

competia, portanto, inieiar a retomada, A politic a deflacio-

naria dos republicanos tinha fraeassado: a administracao de-

mocrata praticou uma inflacao controlada. 0 abandono do

padrao-ouro, a desvalorizacao do d61ar (de 30% a 40%),

os adiantamentos do Tesouro e as grandes facilidades de

credito deviam revigorar a economia. A experiencia tam-

bern condenou as maximas do liberalismo e demonstrou

a nocividade de uma concorrencia ilimitada: 0Estado devia

intervir para regulamenta-la, organizar as relacoes sociais

e defender os interesses legitimos dos assalariados; as orien-

tacoes economicas do New Deal estenderam-se a urn pro-grama social. Esses princtpios tracavam urn quadro para

a acao administrativa: em sua aplicacao, Roosevelt, cuja

conduta se regia pelo empirismo, inspirou-se nas circuns-

tancias com a preocupacao de remediar as situacoes mais

prementes e de adotar as inspiracoes da opiniao publica.

Estavam os ban cos todos fechados e 0 credito parali-

sado? Uma lei de urgencia, proposta e votada a 9 de marco,

conferiu grandes poderes aos organism os federais, regula-

oNewDeal- Roosevelt agiu imediatamen te com uma

determinacao que restabeleceu a confianca, 0 Congresso,

que nada tinha a recusar-Ihe, votou sem hesitar, com enor-

mes maiorias, freqiientemente unanimemente, todas as pro-

postas que ele the rerneteu. A ati vidade legislativa era prodi-

giosa. Em pouco mais de tres meses, de 9 de marco a 16de junho de 1933 - os Cem Dias da experiencia do New

Deal - as Camaras adotaram mais textos do que nos quatro

anos da administracao Hoover. 0 processo foi de uma rapi-

dez extraordinaria: alguns textos eram redigidos, apresen-

tados, discutidos, votados e assinados num mesmo dia, 0

alcance de muitos deles foi sem precedentes, e 0 con junto

modificou profundamente os habitos, as tradicoes e as estru-

turas da sociedade, da economia e da politica norte-arne-

ricanas.

10 3

10 2

 

mentou todas as transacoes a vista e a prazo, proibiu 0 ente-

souramento e a exportacao do ouro; uma moratoria outor-

gou urn sursis aos bancos. Oito was depois, cinco mil bancos

estavam reabrindo suas portas. Os desempregados conta-

vam-se por milhoes? Washington colocou 500 milh6es de

tabelecidos, sua tranquilidade assegurada, seus delegados

participando na redacao dos c6digos, admitidos na mesa

de negociacoes de convencoes coletivas.

Quando 0Congresso entrou em recesso de ferias a 16

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dolares a disposicao dos Estados e empreendeu urn vasto

programa de obras publicas: a construcao de escolas, a re-

modelacao de aeroportos, os projetos de irrigacao proper-

cionavam trabalho a milhoes de desempregados que reen-

contraram, com a esperanca e a dignidade, urn poder de

compra do qual a producao nao tardou em beneficiar-~~.

o ordenamento de todo 0vale do Tennessee, para a eletrifi-

cacao, irrigacao e controle de enchentes em todas as regioes

circunvizinhas, foi iniciado sob a egide da Tennessee Valley

Authority (TV A): grandiose empreendimento que transfor-

maria a paisagem e as condicoes de vida numa vasta area.

Urn corpo de defesa civil ocupou 250 mil homens no reflo-

testamento. Os agricu!tores sofriam com as dificuldades de

venda, a deterioracao das cotacoes, e sucumbiam a enormes

dividas? 0Agricultural Adjustment Act (AAA, 12 de maio

de 1933) e diversas leis organizaram 0credito agricola, inci-

taram os agricultores a reduzir a producao de generos ali-

mentfcios geradores de excedentes mediante urn jogo de

subvencoes proporcionais as superficies nao cultivadas, es-

tabeleceram urn sistema de precos garantidos. Emprestimos

a longo prazo, a juros modicos, e a inflacao continua ajuda-

ram os agricultores a libertar-se. Entre 1933 e 1939. a renda

media dos agricultores quase duplicou: ei-los no gozo da

estabilidade a que aspiravam. 0National Industrial Reco-

very Act (NIRA, 16 de junho de 1933) empreendeu para

os industriais e os assalariados 0 que 0 AAA fez para osfarmers; a fixacao de precos minimos, a reducao da jornada

de trabalho, c6digos de concorrencia leal redigidos com base

num rnodelo uniforme, que 0 presidenre tinha a faculdade

de impor as indiistrias que nao as aplicassem espontanea-

mente, devia restringir a oferta e reabsorver os excedentes;

a demanda foi estimulada pelos adiantamentos de credito

e pelas grandes obras. Essa regulamentacao comportava ga-

rantias para os trabalhadores, que viram seus salaries res-

de junho, os Estados Unidos consumavam uma especie de

revolucao: encerrava-se urn capitulo de sua existencia; ini-

ciava-se urn outro. Mesmo aqueles que lhe contestavam 0

espirito ·ou the criticavam os metodos tinham de admitir

que 0 saldo da experiencia era nitidamente positive: 0 de-

semprego estava em regressao, a economia reanirnada, os

indices de atividade em aumento, os bancos reabertos, os

agricultores vendiam seus produtos a precos mais remune-

radores. Roosevelt salvou os Estados Unidos da catastrofe

financeira, evirou as convulsoes poltticas, talvez a revolu-

<;ao. Deu ao povo americano confianca em seu destino e

no valor de suas instituicoes.

As estruturas da economia americana sairam da crise

profundamente modificadas: a intervencao do poder publi-

co, 0 desenvolvimento legislativo, a organizacao dos sindi-

catos retrafram singularmente 0campo de aplicacao do libe-

ralismo e transformaram 0 capitalismo, salvando-o talvez.

A ordem polftica tarnbem foi afetada: 0 equilibrio entre

o Estado e os Estados foi quebrado em beneficio do govemo

federal. A regulamentacao econornica e a legislacao social

passaram a ser de sua competencia; a evolucao tendia a

fazer dos Estados agentes de execucao da politica decidida

em Washington. Era a inversao da concepcao que inspirara

os constituintes de 1787 e 0ultimo estagio de uma evolucao

em curso desde tonga data. A adrninistracao federal inchou

seus services e seus efetivos, Washington adquiriu a fisiono-

mia de uma grande capital administrativa.

As resistencias ao New Deal - Essa atividade e suas

consequencias n30 eram do gosto de todos. Acolhido no

inicio com urn alivio praticamente universal - quase todas

as suas disposicoes fundamentais foram adotadas pelo Con-

gresso por quase unanimidade -, 0 New Deal enfrentou

uma crescente oposicao: dos patroes descontentes por ve-

rem 0Estado apoiar as reivindicacoes de seus empregados

104 105

 

e constrangidos pelas novas medidas disciplinadora~; dosEstados submetidos ao governo federal; dos republicanosenciurnados pelos triunfos de seus rivais politicos; e dos ju-ristas ciosos da legalidade , Roosevelt encontrou adversaries

politica econornica do governo dc Leon Blum inspirou-scnela), parecia abrir urn caminho intcrmedio entre a anarquiado Iiberalismo e 0 rigor do dirigismo planificador. entre a

impotencia da democracia classica e os excessos dos regimes

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em seu proprio partido: conservadores que protestavam ~.?-tra 0 que consideravam praticas socialistas, Essa oposicaodfspar reagrupou-se no terreno juridico e contestou, a consn-tucionalidade do New Deal. Ora, 0 Supremo Tribunal, amais alta autoridade na materia, declarou inconstitucionais

o NIRA (maio de 1935) eo AAA (janeiro de 1936), Maso New Deal tambern tinha fervorosos partidarios; Roosevelt

inaugurou novas fonnas de relacionamento com a opi~i~o

publica, dirigindo-se a ela pelo radio, em conversas famlh~-res "ao pe da lareira". Os desempregados de ontem, os agn-cultores, todas as vftimas da crise se recordavam de sua

recente e aflitiva situacao. Em novembro de 1936, Rooseveltfoi reeleito com uma margem ainda mais folgada de votossobre seu concorrente republicano: cerca de 28 milhoes de

votos contra rnenos de 17 milh6es do opositor. Os demo-

cratas detinham no Congresso uma maioria esmagadora:7/ 8 do Senado e 3/ 4 da Camara de Representantes, A causa

foi entendida: 0pais aprovava 0New Deal. Roosevelt era

tao capaz de flexibi1idade quanta de finneza: apos ter amea-cado 0 Supremo Tribunal de reduzir 0 limite de idade de

seus membros, esbocou-se uma reaproximacao. Roosevelt

nao deu seguimento a seu projeto e 0 Supremo rnostrou-se

mais conciliador. A habilidade do presidente poupou aos

Estados Unidos urn conflito constitucional analogo ao queopusera 0 presidente Jackson ao Congresso. Os adversariestiveram de se render a evidencia: muitas disposicoes do New

Deal ja tinham se integrado aos habitos da populacao: erailusorio pensar num retorno ao estado de coisas anterior,

A controversia acalrnou-se. 0 agravamento da situacao in-

ternacional contribuiu para isso, ao desviar as atencoes do

presidente dos problemas internos e ao fornecer uma justifi-cacao suplementar para a intervencao cada vez maior do

poder federal na vida da nacao.Fora dos Estados Unidos, a experiencia Roosevelt teve

consideravel repercussao: estudada, enaltecida, imitada (a

totalitarios.

A politico extema de Roosevelt - No decorrer de seu

segundo mandato presidencial (1937-1941), as preocu pa-coes extern as iriam ter cada vez maior prioridade sabre as

questoes internas.Roosevelt tinha pela politica externa 0pendor natural

de todos os homens de Estado que sonham com a politicaem grande estilo: nos Estados Unidos, alem disso, era esse

setor confiado prioritariamente a atividade do presidente,Por tradicao familiar e experiencia pessoal, Roosevelt co-

nhecia 0mundo e interessava-se pela Europa. Sem demora,

imprimiu it polftica externa, assistido par seu Secretario de

Estado, Cordell Hull, a marca de sua personalidade. Em

novembro de 1933, reconheccu 0 governo sovietico, que

a diplomacia americana ignorava obstinadamente desde aRevolucao, como mais tarde ocorreria tarnbem com a Chinade.Mao-Tse-Tung. Foi sobretudo nas relacoes com as outras

republicas americanas que a originalidade de sua linha poli-tica ganhou maior brilho: seus precursores, desde McKin-

ley, interpretando a doutrina Monroe numa perspectiva im-perialista, tinham trabalhado para estender a tutela poifticae economica dos Estados Unidos aos outros Estados do

Continente, e logrado fazer do mar do Caribe urn Jago ame-

ricana; nos iiltimos vinte anos. as tropas federais tinham

realizado intervencoes em Cuba. Sao Domingos e Mexico.Roosevelt, tanto por diplomacia quanto por conviccao ,

rompeu ostensivamente com 0que seu primo denominava

a polftica do big stick (varapau) e inaugurou as relacoesde boa vizinhanca. A sinceridade de suas intencoes foi rnate-

rializada em gestos: a partir de 1933. retirou da Nicaragua

as tropas norte-americanas ali estacionadas: a Emenda

Platt. que desde 1901 estabelecia uma especie de proteto-rado sobre Cuba, foi revogada em 1934. Agiu no mesmo

espfrito no Haiti e em Sao Domingos. Os Estados arneri-

106 107

 

canos, tranqiiilizados por cssas demonstracoes de boa von-tade, abriram 0caminho para urn estreitamento de relacoes:

o pan-americanismo reencontrou urn sentido na confiancamutua, desenhou-se uma solidaricdade continental, cujos

carry); essa disposicao, que suavizava 0regime definido em

1935, sob 0 pretexto de tratar todas as potencies em pede igualdade , beneficiou de fato as democracias ocidentais,que dispunham do ouro e dos meios de protecao para suas

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alicerces foram criados por uma serie de conferencias intera-mericanas. Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados

Unidos colheram os beneficios dessa atitude clarividente

e generosa.

comunicacoes mantimas com os Estados Unidos. Sem for-r;ar0eleitor ou congressista, Roosevelt trabalhou paciente-

mente para colocar a opiniao publica em face das realidades:

ora precedendo-a, ora formulando sentimentos de que ela

ainda nao tomara consciencia, fe-la percorrer 0 caminho

que 0 levaria a aceitar suas responsabilidades. Em outubrode 1937, urn discurso proferido em Chicago marcou uma

etapa: Roosevelt constatou 0 fracasso do isolacionismo e

introduziu entre os ditadores e as democracias uma dife-

renca de julgamento, cuja ideia estava seguramente em con-

formidade com a inspiracao democratica das instituicoes

americanas, mas em desacordo fundamental com 0principio

de neutralidade. Mas os acontecimentos desenrolaram-se

mais depressa do que a opiniao publica americana: a solici-tacao angustiada de Paul Reynaud, suplicando aos Estados

Unidos que nao deixassem a Franca ser esmagada, Roose-velt so pede responder com uma manifestacao de simpatia

platonica. No decorrer da campanha eleitoral do outono

de 1940, Roosevelt, que se apresentava uma terceira vez

- fato sem precedente na hist6ria dos Estados Unidos e

que somente a excepcional gravidade da situacao tornava

concebfvel-, acreditava dever prometer, contra sua convic-

r;aoIntima, que 0pais nao entraria em guerra. Sua reeleicao ,

mais diflcil do que em 1936, conferiu-lhe suficiente autori-

dade para obter do Congresso a aprovacao de creditos e

de medidas necessariasaseguranca dos Estados Unidos,

entendida em sua acepcao mais ampla, Ja no dia seguinte

ao da derrota da Franca, indo ate 0limite extremo dos com-

promissos possfveis sem entrar na guerra, ele providenciou

a transferencia para a Gra-Bretanha de cinquenta contrator-

pedeiros, em troca do alugueJ de bases necessarias a defesados acessos ao golfo do Mexico. Apos sua reeleicao, Roose-

velt fez com que fosse adotada pelo Congresso a formula

de emprestimo e arrendamento, que 0autorizava a fomeceraos patses que defendiam a democracia e, indiretamente ,

o abandono progressivo da neuiralidade - A atencaodo presidente nao tardaria em ter de se concentrar na Euro-

pa, onde nuvens de mau agouro se adensavam no horizonte.

Entre a eleicao e a posse na presidencia de Roosevelt, Adolf

Hitler tinha-se instalado na chancelaria (30 de janeiro de

1933): as iniciativas do novo senhor da Alemanha, diploma-ticas e militares, iriam por a paz em perigo. A partir de

1935, a Europa ingressou em aguas perigosas: a expedicao

italiana na Eti6pia, a guerra civil da Espanha multiplica-

ram os riscos e demonstraram, para quem nao quisesse igno-

ra-la, a vontade de dominacao das potencias totalitarias,Roosevelt pressentiu 0 perigo, mas 0 povo americano nao

via ou nao queria ver: continuava defendendo a neutrali-

dade como fundamento da paz e garantia de sua seguranca.

Ausente da Liga das Nacoes, freado pela disposicao do povo

americana e pela desconfianca do Congresso, Roosevelt te-ve sua Iiberdade de acao internacional singularmente res-

tringida. Nessa posicao diffcil, encurralado entre uma situa-

r;ao cujo rapido agravamento confirmava seus pressenti-

mentos pessimist as e uma opiniao publica que defendia ce-

gamente0

isolacionismo e imaginava poder rnanter-sea

margem do conflito, Roosevelt revelou a medida de suasqualidades de homem de Estado: nao renunciou a agir, mas

evitou repetir 0erro de Wilson, engajando-se sem estar cer-

to de ser seguido, Dosando habilidade e audacia, usou ple-

namente todas as possibilidades que a Iegislacao Ihe conferia

e, ao mesmo tempo, trabalhou para rnodifica-la: uma emen-

da a lei da neutralidade (1937) autorizou a venda de armas

aos beligerantes, sob a condicao de que pagassem a vista

e assegurassem por conta propria 0 transporte (cash and

108 109

 

os Estados Unidos, tudo 0 que lhes fosse necessario e que

a pemiria de divisas os irnpedia de adquirir. 0 ernpresrimo

e arrendamento foi inventado para a Inglaterra, mas sua

aplicacao estender-se-ia a muitos outros parses, inclusive

Os Estados Unidos tinham apenas urn objetivo: fazer a guer-ra e ganha-la. Durante quatro anos, sua historia vai confun-

dir-se com a da Segunda Guerra Mundial.

Apesar das advertencies de Roosevelt, os Estados Uni-

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a URSS. que. a partir do verao de 1941, foi urn de seus

beneficiaries. Os Estados Unidos converteram -se no arsenaldas dcmocracias. Embora pcrmanecendo aquem da fron-

teira que separava a paz da guerra. Roosevelt assinalou cada

vez mais claramente com quem estavam as simpatias norte-

amcricanas: Roosevelt e Churchill concordaram ate numprogram a comum que definia os objetivos da guerra desses

dois paises que eram aliados sem 0 serem (1941). Os oito

pontos da Carta do Atlantico, que retomavam a tradicao

dos catorze pontos de Wilson. exprimiam a maravilha 0

idealismo gcneroso dos Estados Unidos: e1es teriam uma

incalculavel repereussao. Na guerra, encamavam a esperanca

dos povos e ganharam numerosas simpatias para a causados Aliados. Na paz. inspirariam as reivindicacoes dos po-

vos coloniais e modelariam a nova fisionomia do universe.

dos encontravam-se bern longe de estar preparados: a ajuda

prestada a Gra-Bretanha enfraqueceu, inclusive, a potencia

norte-americana de combate. Durante urn longo periodode tempo, os Estados Unidos sofreram sucessivos reveses.

Tudo, ou quase tudo, estava por fazer simultaneamente:

mobilizar exercitos, instruir os recrutas, formar os oficiais,fabricar as arrnas, construir as fabricas para produzi-las. A

amplitude da tarefa teria podido desencorajar outros povos;

cia serviu de estfmulo aos amerieanos. A 6 de janeiro de

1942. a mensagem do presidente sobre 0 cstado da Uniaofixou as objetivos que a producao nacional deveria atingir

antes do final do ana: as numeros pareciam desproposi-

tados: 60 mil avioes, 45mil tanques, 20 mil canh6es antiac-

reos, 18rnilhoes de toneladas em navios. 0 programa seria

executado. Os Estados Unidos coloearam ao service da ali-

rnentacao da guerra as mesmas aptid6es de que davam pro-vas na paz; sua eeonomia transforrnou-se toda em economia

de guerra; 0 territ6rio estadunidense era urn imenso arsenalque supria as necessidades nao so dos exercitos e das frotas

american as mas as de todos os seus aliados. Foram criadascentenas de novas fabricas, sobretudo na California enos

Estados do Sui, que trabalhavam 24 horas par dia; a capaci-

dade de producao das siderurgias elevou-se a cifras fabulo-sas; as fabricas e os estaleiros trabalharam num ritmo cada

vezmais rapido, os liberty ships foram construidos em doze

dias. 0 povo americano curvou-se espontaneamente as re-gulamentacoes de uma economia de guerra. A guerra assu-

mia urn carater industrial; a abundancia de seus rccursos

e a perfeicao de sua organizacao permitiram aos Estados

Unidos economizar homens e esmagar 0 inimigo sob a pesode material fabricado em grande serie, Esse esforco gigan-

tesco teve resultados decisivos principalmente em dais pon-

tos: no mar. onde a atividade dos estaleiros navais ganhoua eorrida de velocidade com os submarines alemaes e permi-

tiu os desembarques na Africa do Norte. no Pacifico e na

A entrada na guerra - A margem entre a paz e a guerra

continuou a reduzir-se. 0 Japao poupou aos Estados Unidos

a decisao de dar esse passo. Namadrugada de 8de dezem brade 1941, interrompendo bruscamente as conversacoes que,

nos tiltimos meses, tinham servido de biombo para seus pre-parativos militares, avioes japoneses atacaram de surpresa

a grande base americana de Pearl Harbor, no Havaf, A

esquadra americana, surpreendida ancorada, sofreu danos

consideraveis. 0 potencial belico americano levara meses

recompondo-se do desastre, ao passo que 0 Japao apro-veitou essa folga para se apoderar de todo 0Sudeste Asia-

tico. Mas a agressao niponica prestou indiretamente urn

grande service ao presidente e ao povo americanos: eles

foram lancados na guerra pela vontade do inimigo. No diA

seguinte , a Alemanha declarou guerra aos Estados Unidos,

que ja nao precisavam interrogar-se mais sobre 0que convi-

nha fazer ou deixar de Iazer; todas as hesitacoes foram varri-

das, as discordancies entre partidos, apagadas; a politica

pessoal de Roosevelt e a vontade do pais deram-se as maos,

11 0 III

 

Normandia; e nos ares. onde a aviacao aliada depressa con-

quistou a superioridade. Foi 0dominic conjugado dos ocea-

nos e dos ares que abri u 0caminho a conq uista do con tinente

curopeu.

Esse esforco nao tardou em fazcr sentir seus efeitos

pitulacao assinada a bordo do Missouri (15 de agosto de

1945) complementava a capitulacao da Alemanha. Tanto

aqui como ali. urn chefe rnilitar americano tinha exercido

o comando supremo. Eisenhower contra a Alernanha.

MacArthur contra 0Japao. Os Estados Unidos forarn, com

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no curso das operacoes, A Inglaterra e a URSS tinham con-

tido 0 adversario: os Estados Unidos iriam retomar a inicia-

tiva. A partir de novembro de 1942. eles estavam em condi-

r;6es de levar a cabo urn grande desembarque , a milhares

de milhas de suas bases. na Africa do Norte. No ano seguin-te , foi 0desem barque na Sicilia; depois, na Italia peninsular.

A 6 de junho de 1944 abriu-se a segunda frente na Norman-

dia. A nomeacao do general Eisenhower para 0 supremo

coman do dos exercitos aliados consagrou a posicao domi-

nante dos Estados Unidos na coligacao, Onze meses depois,

a capitulacao da Alemanha afastou em definitivo uma das

maiores ameacas que pesou sabre a liberdade dos homens.

Nesse desfecho decisivo, a diplomacia e as armas ameri-

canas desempenharam um papel capital. Com efeito, as di-

plomatas nao tinham abdicado de seus direitos. Toda umaserie de conferencias entre Roosevelt e os chefes das outras

grandes nacoes aliadas tinha estreitado os vfnculos, coorde-

nado as esforcos e lancado as bases para 0estabelecimento

da paz: Casablanca (janeiro de 1943). onde os anglo-saxoes

decidem exigir uma rendicao incondicional ao inimigo; Que-

bec (agosto de 1943); Cairo. onde Roosevelt e Churchill

conferenciam com Chang Kai-chek; Teera (novembro-

dezembro de 1943) e Yalta (fevereiro de 1945). entre os

tres grandes Aliados. ,

o merito dos Estados Unidos foi tanto mais extraor-dinaric porquanto tiveram de conduzir a luta simultanea-

mente em duas frentes. A prioridade concedida ao setor

europeu nao tinha impedido as forcas american as do Paci-

fico de executar contra 0 Japao uma serie de operaeoes

duras e custosas. Reconstituidas asesquadras, tinham passa-

do ao ataque e desalojado os japoneses de arquipelago em

arquipelago, fechando 0 cerco em redor do Japao, Duas

bombas atornicas explodiram sabre Hiroxima e Nagasaqui,

desferindo 0 derradeiro golpe na resistencia nip6nica: a ca-

a URSS. os grandes vencedorcs.

112 113

 

CAPITULO IX

A superpotencia:

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de Truman a Reagan

A sucessaa deRoosevelt-Roosevelt. que fora reeleitoem novembro de 1944. para urn quarto mandato presiden-

cial, morreu cedo demais para assistir a esse duplo triunfo,do qual ele foi 0 principal artesao: uma parada cardiaca

pusera fim, em 12 de abril de 1945, a mais longa presidencia

da historia norte-americana. Seu brusco desaparecimentopoderia lancar os Estados Unidos num transe comparavel

ao que se seguira a morte de Lincoln: como substituir inopi-nadamente semelhante personalidade que, nos ultimos doze

anos, concentrara em suas maos poderes excepcionais e pre-

sidiraamais prodigiosa transformacao de toda a hist6ria dopals? Os Estados Unidos tinham-se elevado ao primeiro pia-

no em todos os aspectos - econ6mico, militar, politico -,

mas tudo estava iniciado, nada concluido. A guerra estavavirtualmente ganha, mas a paz poderia perder-se. Quis

a sorte, porem, que0sucessor de Roosevelt, Harry Truman,

fosse urn homem de Estado a altura dessas vastas responsa-bilidades: esse pequeno lojista que ingressara na polftica

depois de falir nos neg6cios, escolhido para ser 0substituto

de Roosevelt, revelou-se urn dos melhores presidentes dos

Estados Unidos. Em diversas circunstancias, ele soube to-mar decis6es capitais sem vacilacao, sustenta-las e faze-lasexecutar (emprego da bomba atomica, doutrina Truman,

intervencao na Coreia, destituicao de MacArthur). 0 Par-tido Democrata encontrou nele, assim, urn excelente chefe,

prudente, combativo, magnffico estrategista em polfticae1eitoral, 0 que Ihe propiciou em 1948urna inesperada vito-ria nas urnas,

Iriam os Estados Unidos renovar os erros do primeiro

pas-guerra? Tal como 25anos antes, 0 corpo eleitoral trans-

11 5

 

feriu sua confianca para os republicanos que, nas eleicoesde novembro de 1946, arrebataram amaioria nas duas Casas

do Congresso. 0 presidente Truman encontrou-se, entao,

numa situacao analoga a de Wilson em face de urn Con-

gresso republicano. Tambem como entao, sob a pressao

de uma opiniao publica impaciente par retomar 0curso ha-

Atlantico Norte (4 de abril de 1949): Eisenhower torna-secomandante supremo das forcas da OTAN. Pela terceiravez, eontingentes americanos desembarcaram na Europa,mas em plena paz, a titulo preventivo e em decorrencia

de uma alianca previamente concluida.A ameaca comunista inspirava preocupacoes aos Esta-

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bitual de suas ocupacoes e apagar 0 rnais depressa possfvelos traces da guerra no governo e na econornia, a adminis-

tracao teve de revogar as medidas de excecao, suprimir os

controles, repatriar as tropas: num prazo muito curto, cerca

de 9 milhoes de homens sao repatriados e enviados paraseus lares. A America desmobilizou ainda mais rapidamente

do que tinha mobilizado: essa precipitacao eriou no centro

da Europa urn vazio que torna a URSS senhora da situacao

eleva 0Exerciro Vermelho e os partidos comunistas nacio-

nais a tentar preenche-lo, Mas 0paralelo com 0outro p6s-

guerra ficou nisso: os Estados Unidos iriam menos longe

no retorno ao isolacionismo; nao repudiaram toda a respon-

sabilidade ,0Senado aprovou (dezembro de 1946) a entrada

dos Estados Unidos na Organizacao das Nacoes Unidas,

cuja Carta foi estabelecida pelos vencedores na Confcrenciade Sao Francisco da California.

dos Unidos no outro extremo do planeta. Nao conseguiram

estabelecer urn entendimento entre os comunistas chineses

eo aliado de Washington, Chang Kai-chek, nem impedir

os primeiros de se apoderarem de toda a China (1949). Em

25 de junho de 1950, as forcas da Coreia do Norte invadirama Coreia do Sui: prime ira ruptura do equilibrio resultante

da guerra. Truman reagiu em 24 horas e ordenou a interven-

~ao das tropas american as estacionadas no Japao. A ONU

caucionou a operacao, outras nacoes enviaram contigentes,

colocados sob 0 coman do de MacArthur. A situacao lem-

brava ada Segunda Guerra Mundial: na Europa e na Asia,

duas coalizacoes foram reconstitufdas, tendo a testa os mes-mos comandantes-em -chefe, So0adversario mudara: 0alia-

do de ontem, 0comunismo sovietico e chines. Mas Truman

nao pretendia deixar-se arrastar para urn conflito genera-Iizado: a 11 de abril de 1951, exonerou de seu comando

o general MacArthur, cujas iniciativas ameacavam a paz

do mundo. Ap6s interminaveis negociacoes, acedendo aos

desejos da nacao, 0 presidente Eisenhower pos fim a essa

guerra por urn armisncio que devolveu uma paz de cornpro-

misso nessa parte do mundo (1953).

A Guerra Fria levou os Estados Unidos a urn envolvi-

mente cada vez maior: a era do isolacionismo estava morta

e enterrada. Eles faziarn parte de varies sistemas de aliancas

(OTAN, OTASE, ANZUS), assinaram acordos bilateraiscom numerosos pafses, subscreveram eompromissos que os

obrigavam a estar presentes. Mantinham, fora do territ6rio

norte-americano, mais de uma centena de bases militares,

navais e aereas, em todos oscontinentes e em todos os ocea-

nos; conservavam uma esquadra no Mediterraneo e uma

outra nos mares da China. Todos os pafses com dificuldades

financeiras e falta de capitais para seu desenvolvimento,

solicitavam ajuda americana; se esta lhes fosse recusada,

A Guerra Frio e 0 lideranca mundial - A deterioracao

da situacao internacional eo temor do imperialisrno sovie-

tico levaram os Estados Unidos a repudiar rapidamente 0

isolacionismo. Truman anunciou, em 12 de marco de 1947,

que prestaria assistencia economica e militar aos parses

ameacados e decidiu substituir a Gra-Bretanha na Grecia

e na Turquia. A 5 de junho, seu Secretario de Estado, 0

general George Marshall, num discurso historico, convidouas nacoes europeias a por-se de acordo, a fim de se benefi-

ciarem de urn plano de ajuda econ6mica financiado pelos

Estados Unidos: 0 Plano Marshall salvou a Europa ociden-

tal do desmoronamento economico, da desordem social e

da subversao politica. Dois anos depois, a contribuicao ame-

ricana para a defesa da Europa ganhou urn aspecto militar:

a pedido dos governos europeus, assustados com 0"golpe

de Praga", foi criado urn sistema de alianca, 0 Pacto do

11 6 11 7

 

recorriam a Uniao Sovictica; se Ihes fosse concedida, nem

por isso ficavam agradecidos aos Estados ~nidos q.u,e,aosolhos deles, eram portadores de uma tara irremediavel: a

riqueza. Os Estados Unidos sustentavam militar e financei-

ramente 0peso do mundo: de 1945a 1951,0total de credi tos

caminhar em nosso satelite eram americanos. Os misseistomaram 0 lugar dos flat boats e dos trens transcontinentais,

A conquista do espa,<o era 0 ultimo capitulo da epopeia

que se iniciara com a marcha para 0Oeste., . .Os aDOS70permanecerao como urn penodo infeliz para

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de ajuda ao estrangeiro, militar e economico, elevou-se a

143 bilhoes de dolares. Uma carga possivelmente esmaga-

dora para qualquer outro pais, mas que era 0 preco de sua

superioridade econ6mica e estrategica. _Onde quer que suspeitassem de arneacas de subversao,

os Estados Unidos intervinham: sobretudo nas Americas.

que consideravam indispensa veis a sua seguranca: em Cuba,

Kennedy fez Moscou recuar; forneceram ajuda aos gover-

nos que combatiam a guerrilha. No Vietna, envolvem~se

progressivamente ate se verem implicados num.a verdadeira

guerra: envio de conselheiros rnilitares, depOlSde tropa~,

cujos efetivos acabarao por superar os 500.000 homens, fi -

nalmente os bombardeios macicos desfechados contra 0

Vietna do Norte.

Entretanto, a confrontacao com a URSS orientou-se

para uma normalizacao das relacoes ap6s a crise de Cuba

(outubro de~1962): a consciencia do perigo que se correra

e 0 sentimento de uma responsabilidade comum levaram

as negociacoes, 0acordo de Moscou, interditando as expe-

riencias nucleates sobre a Terra, na agua ou no ceu (1963),

inaugurou uma serie de compromissos que instauraram uma

certa solidariedade das duas grandes potencias contra a dis-serninacao atomica. Nixon, bern secundado pelo talento di-

plornatico de Henry Kissinger, p6s fim it Guerra Fria e foi

a Moscou e a Pequim. Simultaneamente, a competicao ad-

quiriu urn aspecto cientffico e tecnologico: ap6s a corrida

pelo dominio da energia nuclear, a conquista do espa~o,

na qual os Estados Unidos tinham se deixado ultrapassar

pela URSS. Urn esforco colossal e sua superioridade em

eletr6nica e em outros campos permitiram-lhes recuperar

esse atraso: em 1958, foi enviado urn primeiro satelite, 0

Explorer; em 1962, foi colocado em 6rbita 0primeiro veicu-

10 espacial tripulado e, sobretudo, em 21 de julho de 1969,

houve 0 desembarque na Lua - os primeiros homens a

a diplomacia americana. No Vietna, 0presidente Nixon foi

forcado a extrair as consequencias de uma guerra desas-

trosa: em janeiro de 1973, as negociacoes conduzidas por

Henry Kissinger culminaram na evacuacao das tropas am~-

ricanas. Foi a primeira guerra perdida pelos Estados Uni-dos: a opiniao publica foi duramcnte afetada e ten.d~u.auma retirada geral que deixava 0 campo livre para as uncia-

tivas sovieticas na Africa e em outras areas. A "stndrorne

vietnarnita" paralisou Washington por varies anos. Os Esta-

dos Unidos ressurgiriam em forca a partir de 1980: a amar-

gura das humilhacoes sofridas, monnente no Ira, ~m sOb:es-salta de amor-proprio ferido, urn retorno de confianca, tlV~-

ram urn papel na vit6ria de Reagan em 1980.0novo p~esl-dente anunciou sua intencao de dar aos Estados Unidos

seu lugar no mundo: instalou na Europa os mfsseis Pershing,para restabelecer 0equilfbrio da defesa, interveio em Grana-

da, pronunciou-se a favor da iniciativa e~trat~gi~ de .d.efesa

que, militarizando ° espaco, assegurana a m~!olabd~d~dedo territorio americano. Em face de uma Umao Sovietica

com uma economia sem f6lego, enterrada numa ideologia

obsoleta, empenhada numa guerra inrerminavel no Afega-

nistao, que so mantinha pela coercao seu dominio. sob~e

a Europa oriental, os Estados Unidos apresentam-se, mars

do que nunca, como a prirneira potencia mundial.

A sociedade americana e seus problemas depois de 1945

- 0envolvimento dos Estados Unidos nos negocios mun-

diais nao os desviou de seus proprios problemas; por vezes,

aqueles ate contribufram para agravar est:s, em ,Vista de

sua incidencia sobre a polftica interna. Assim, na epac~ _daGuerra Fria a obsessao do comunismo, 0medo de espioes

e a preocu~a,<ao em proteger 0monop6lio. dos segre~osat6micos suscitaram urn fen6meno de mentahdade coletiva

que recebeu seu nome de urn senador que baseou sua carrei-

l l H11 9

 

ra na exploracao desses sentimentos: 0macartismo. A "cacaas bruxas" na administracao federal. na imprensa. nas uni-versidades, em Hollywood. entre os cientistas, causou inti-rneras vftimas entre os suspeitos de simpatia pelos "verrne-

midacao e a moderacao para obrigar Kruchev a retirar seusmisseis e a iniciar a detente. Em 22 de novembro de 1963.

as balas de urn assassino puseram tragicamente fim a suapresidencia em circunstancias que nao forarn inteiramentcesclarecidas. A figura dessern jovern presidente ocupou urn

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foram os de maior repercussao. Em dado momento. a into-lerancia e os procedimentos inquisitoriais assumiram tal am-plitude, que foi possivel temer pela sobrevivencia da demo-

cracia: 0respeito as Iiberdades. a garantia dos direitos indi-

viduais seriam, entao, incompativeis com a seguranca nacio-nal e a detencao de segredos nucleares? Depois, urna reacaoliberal. brotando do mais profundo do espfrito americano,varreu esse ressurgimento de urn fen6meno obscurantista,

que se observa periodicamente na hist6ria dos Estados Uni-dos e ja se rnanifestara apos a Primeira Guerra Mundial,

e restabeleceu urna ordem mais condizente com os princi-pios desse grande povo.

Republicanos e democratas alternaram-se na CasaBranca com personalidades bastante diferentes. Em 1948.

,Truman arrancara, para surpresa de todos, sua reeleicao.o candidate dernocrata, Adlai Stevenson, nao pede em 1952

renovar essa facanha contra 0 candidato republicano, Eisen-

hower em pessoa. A volta dos republicanos estava na ordemdas coisas, tendo vinte anos de poder extenuado os demo-cratas: a evocacao da Grande Depressao ja nao significava

grande coisa para os jovens eleitores. Com uma maioriade 6 milhoes e meio de votos, Eisenhower obteve um exito

triunfal. Foi reeleito em 1956 com uma maioria ainda maisampla.

Em 1960,0 candidato democrata John Kennedy levoua melhor por urna escassa rnargem sobre 0 vice-presidente

Richard Nixon: era 0 primeiro cat61ico a entrar na Casa

Branca. Tinha feito urna campanha em tomo do tema deuma "nova fronteira" a conquistar, e sua eleicao simbo-

Iizava 0 acesso ao poder de urna geracao que nao tinhaconhecido a America de antes de Roosevelt. Esse jovem

presidente, que nao recebera somente os dons do nasci-mento e da fortuna, mostrou qualidades de homem de Esta-do: na crise de Cuba (outubro de 1962). soube dosar a inti-

lugar de destaque na galeria dos gran des presidentes queencarnaram aos olhos do mundo a mais nobre imagem dopais.

Seu sucessor e vice-presidente , Lyndon Johnson, eraurn homem muito diferente: urn self made man do Sul, Poli-

tico habil, obteve do Congresso a aprovacao de projetosde seu predecessor: assistencia medica para pessoas idosas,

ajuda federal aos estabelecimentos de ensino; sobretudo a

lei sobre os direitos civisque proscrevia toda a discriminacaoracial e facilitava a participacao dos negros nas eleicoes(1964). Triunfou com uma esmagadora maior ia em 1964

sobre seu adversario republicano, 0senador Goldwater. doArizona. cujo programa prefigurava 0da revolucao conser-

vadora que triunfaria em 1980 com Ronald Reagan.Em 1968, tendo Johnson renunciado a reapresentar-se,

e ap6s 0 assassinato de Robert Kennedy. Richard Nixonarrancou, por escassa margem, a vitoria ao democrata

Humphrey; urn terceiro candidato, George Wallace, a par-ta-voz do racismo sulista, desviou 10milhoes de votos dos

dois grandes partidos. Em 1972. Nixon foi reeleito com cer-ca de 18milhoes de votos de diferenca sobre seu concorrente

dernocrata MacGovern, para urn segundo mandato que se

anunciava tranquilo. Alguns meses depois, entretanto, es-

tourava uma das maiores tempestades da hist6ria politicaamericana com 0escandalo Watergate, cujos desdobramen-

tos, ao convencerem a opiniao publica de que 0 presidenteihe rnentira, forcaram Nixon a demitir-se em 8 de agostode 1974, depais de ter lutado palmo a palmo contra a im-prensa, os jutzes eo Congresso. Sucedeu-lhe Gerald Ford,

que fora escolhido para substituir 0vice-presidente Spiro

Adnew, obrigado a renunciar para evitar urn outro escan-dalo. Situacao insolita a desse presidente que ascendeu arnagistratura suprema sem ter sido eleito para isso, e que

120 121

 

os eleitores Olio rnanterao no cargo ao terrnino dc seu man-

dato incomplete. A crise e seu desenlace inspiraram comen-

tarios divergentes: que urn "patife" tenha podido durante

mais de cinco anos dispor de tanto poder no Estado mais

poderoso do mundo nao condenava 0 sistema? Mas que

nao conseguiu reabsorver 0deficit orcamentario que atingiu

em 1986 mais de 150 bilhoes de dolares, No Exterior, Rea-

gan dedicou-se a restabelecer 0 prestigio dos Estados Uni-

dos. 0 mais idoso dos presidentes foi triunfalmente reeleito

em 1984: com excecao de um, todos os Estados Ihe deram

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o regime tenha resistido a uma crise tao grave e , sobretudo,

que Nixon tenha sido obrigado a ceder em face da indig-

nacao da opiniao publica. Olioera tambem a mais bela prova

da superioridade das instituicoes democraticas? 0 episodic

dernonstrou que ninguem esta acima da lei: a tese de Nixonde que 0 privilegio do Executivo subtraia 0 presidente a

lei comum foi rejeitada. A decisao do Supremo Tribunal

confirmou a supremacia do Judiciario. A autoridade da fun-

,<ao presidencial esteve enfraquecida por algum tempo.

Em 1976, os republicanos perderam a presidencia: Ford

foi batido, ainda que por pouca rriargem, pelo democrata

Jimmy Carter, 0primeiro sulista a entrar na Casa Branca

desde a derrota dos Confederados. fazendo uma campanha

em nome dos valores morais contra a c1asse politica. Propu-

nha-se, em termos de polftica externa, romper com a realpolitik de Nixon e Kissinger, e fazer imperar no Mundo

o respeito pelos direitos humanos. Nao tardou em decep-

cionar: sua curva de popularidade desmoronou, e Carter

conheceu 0amargor excepcional de se ver recusado para

concorrer a umsegundo mandato. Foi batido em 1980 pelo

republicano Ronald Reagan que, ap6s uma carreira de ator

cinematografico de segunda ordern, fora urn born gover-

nador da Calif6rnia. Seu programa con jugava 0velho indi vi-

dualismo americano, 0 dogma da livre iniciativa e as teses

monetaristas da escola de Chicago: exprimia uma reacaocontra a expansao da administracao federal e do Welfare

State. Propunha urn desengajamento do Estado, urn des-

mantelamento da adrninistracao de Washington com a

transferencia de responsabilidade para os Estados, uma re-

ducao drastica de despesas, com excecao do orcarnento da

Defesa, mediante cortes severos nas verbas destinadas a

assistencia social e a educacao, conjugada com uma volta

ao equiltbrio orcamentario e uma diminuicao significativa

dos impostos diretos, Se pede cortar nas despesas, Reagan

a maioria.

Nas decadas de 1960 e 1970, a sociedade americana

tinha conhecido grandes motivos de inquietacao. Os mais

prementes estavam ligados a seu carater multirracial. A

questao do negro passou por sucessivas fases. Nos anos 60.enquanto as iniciativas da administracao federal. as dispo-

sicoes legislativas e as decisoes do Supremo Tribunal con-

corriam para apagar numerosas discriminacoes, nas elei-

coes, nas escolas, uma parte dos negros, sem esperancas

na eficacia das medidas legais, estava atenta a tese do black

power : 0 assassinato de Martin Luther King deixava 0cam-

po livre aos extremistas. Motins raciais nos bairros negros

das grandes aglomeracoes urbanas(Harlem. 1964; Los An-

geles. 1965; Newark. 1967) revelavam a gravidade de urn

problema que envolvia uma decima parte da populacao.Depois, parece ter perdido sua acuidade. Chegou entao a

vez de outras minorias reivindicarem 0 reconhecimento de

sua personalidade: Indios, porto-riquenhos, sobretudo a

massa de chicanos, os elementos de origem hispanica, cuja

proporcao crescia reguiarmente, poderiam a longo prazo

contestar a supremacia do elemento de lingua inglesa, Outro

motivo de preocupacao: a escalada da violencia, mal ende-

mico mas que assumiu proporcoes desconhecidas ate entao:

o fim tragico dos irmaos Kennedy e de Martin Luther King,

o atentado contra Reagan. sao apenas a parte mais visfvel.Delinquencia juvenil, criminalidade, narc6ticos: ourros tan-

tos sintomas dc crise que afeta as cidades. Enfim, nos anos

60. em relacao com a guerra do Vietna, toda uma geracao,

em especial nas universidades, passou a duvidar dos valo rcs

americanos e a questionar os princfpios em que estava assen-

tada a socidade. A contestacao nao era, entao, mais radical

do que todos os movimentos de crftica social que os Estados

Unidos tinham conhecido no passado e nao ameacava abalar

os pr6prios alicerces do consenso coletivo? Hoje, a crise

122 123

 

apaziguou-se, e Reagan deve seu espantoso exito a ter sabi-

do encontrar as palavras e os gestos certos para exprimir

a confianca rcencontrada dos americanos em seu destino

historico e em sua capacidade de converter em vitorias os

desafios que lhes sao apresentados ora pela natureza, ora

Sera isso efeito da aplicacao do programa Reagan ou sim-

plesmente do dinamismo inesgotavel da sociedade america-

na?

Tanto em seus exitos quanta em seus fraeassos e incer-

tezas, a experiencia norte-americana interessa a humani-

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pela Historia,

Essa confianca encontra urn de seus motives numa ex-

pansao continua. Atraves das rnudancas de maioria e dos

acidentes de conjuntura, 0crescimento prosseguiu, vertigi-

noso, A populacao continua crescendo quase sem contri-buicao exterior, tendo 0 numero de imigrantes admitidos

anualmente no pais urn teto de 42 5 mil. A populacao recen-

seada em 1980, data do ultimo censo decenal, elevou-se

a 228 rnilhoes, aos quais se somaram, sem duvida, alguns

milhoes de ernigrantes clandestinos, provenientes principal-

mente do Mexico. Quanto a eeonomia, eonheceu desde

1945 uma prodigiosa expansao: 0 volume da producao in-

dustrial rnultiplicou-se por mais de oito. E igual a do conjun-

to de todos os paises da OTAN mais 0 Japao. 0 produto

nacional bruto ultrapassa os 2 trilhoes de d61ares. Com apenas6% da populacao do globo, os Estados Unidos coneentram

a metade da riqueza mundial, No toeante a major parte

das materias-primas. consomem a metade dos recursos do

planeta. Encabecam a lista na fabricacao da maior parte

dos produtos, mesmo que a diferenca que os separa da se-

gunda potencia tenda, por vezes, a ser reduzida, Sua tecno-

logia esta na dianteira em numerosos setores, eo programa

estrategico no espaco estimulara ainda mais a inovacao.

Nem a crise do d61ar dos anos 70, que obrigara Nixon a

suspender sua conversibilidade com 0ouro, nem 0conside-ravel deficit do comercio externo impedem a moeda ameri-

cana de fazer lei e de atingir niveis reeordes que se explicam

pelas taxas de juros mui to elevadas e pela necessidade, para

o Tesouro, de recorrer ao emprestimo a fim de financiar

o deficit orcamentario: 0 d61ar, de quatro francos, em julho

de 1980, atingira 10,50 francos, em fevereiro de 1985. Menos

afetada pela crise mundial do que as outras, a economia

americana restabelece-se: a inflacao regrediu e a taxa de

desemprego, que subira para 10%, foi rebaixada para 7%.

dade inteira. Esse povo, cuja originalidade consistia em nao

ter historia, todo ele empenhado na aventura da valorizacao

de seu solo e que voltava as costas ao resto do mundo,

e hoje solidario, que ira ou nao, com todo 0 planeta. Por

sua diplomacia e seu poderio militar, e a garantia de liber-dade para numerosos paises. Por seus capitais e sua econo-

mia, toda recessao nos Estados Unidos tern repercussoes

imediatas sobre a saude da economia mundial e toda a reto-

mada da expansao acarreta urn reerguimento geral. A ex-

pressao Os Dois Grandes nao deve iludir ninguem: as duas

potencies nao tern 0mesmo peso. A producao dos Estados

Unidos e mais de duas vezes superior ada URSS, e os diri-

gentes sovieticos perderam a esperanca de alcancar seu ri-

val. Na verdade, so existe uma superportencia, que sao os

Estados Unidos. Se 0mundo tivesse que escolher uma capi-tal, essa seria Nova York: a presenca da ONU nao consagra

ja essa suprernacia? 0 papeJ intelectual e cultural dos Esta-

dos Unidos tambem os coloca em primeiro lugar; eles cole-

cionam premios Nobel em todas as disciplinas. Inventaram,

ou renovaram, fonnas originais de criacao: romance, cine-

ma, historias em quadrinhos, arquitetura, coreografia, ou-

tros tantos rnodos de expressao, de maneiras de sentir, de

raciocinar nascidos nos Estados Unidos e que propagam

atraves do mundo inteiro uma civilizacao que ostenta sua

marca. Mesmo em suas interrogacoes e nas crises que osafetam, constituem urn marco de referencia para todo 0

rnundo. A civilizacao de arnanha sera americana? Em todo

caso, a historia dos Estados Unidos e, a cada ana que passa,

urn poueo mais parte integrante da propria hist6ria da hurna-

nidade e de seu patrim6nio comum.

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Bibliografia sumaria

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o leitor encontrara um excelente guia tanto para cornplernentosde leitura como para a exposicao de problemas em: FOHLEN, Clau-de. L'Amerique anglosaxonne de 1815 a nos jours. 2~ed., Paris,PUF, 1969 (col. Nouvelle Clio).

ARTAUD, Denise e KASPI, Andre. Histoire des Etats- Unis. Paris,Colin, 1969(col. U).

BOORSTIN, Daniel. Histoire des americains. Paris, Colin, 1981.[Urn grande afresco em 3 vols.: L L'aventure coioniale; 2. Nais-saneI' d'une nation; 3. L'experience de la democratie.i

ARTAUD, Denise, BENICHI, Regis e VAISSE, Maurice. Lexiquehistorique des Etats-Unis. Paris, Colin, 1978: concebido comourndicionario, comporta todas as indicacoes esclarecedoras sobreas instituicoes e as praticas, A respeito das instituicoes: TUNC,Andre e Suzanne. Le system I' constitutionnel des Etats-Unis

d'Amerique. Paris, Domat, 2 vols.: Histoire constitutionnelle,1953; Le system I' constitutionnel actuel, 1954.

TURNER, Frederick J. La frontiere dans l 'histoire des Etats-Unis

[traducao e prefacio de Rene REMOND]. Paris, PUF, 1963:sabre um aspecto fundamental do desenvolvimento dos Esta-dos Unidos; alern disso, grande classico da historiografia ameri-cana, mesmo que ultrapassado.

NERE, Jacques. La guerre de Secession. Paris, PUF (col. "Quesais-je?", 91).

Sobre a questao negra: FOHLEN, Claude. Les noirs aux Etats-Unis. Paris, PUF (col. "Que sais-je?" 1191); FABRE, Michel.Les noirs americains. Paris, Colin, 1967.

Sobre urn capitulo fundamental da hist6ria da pohtica exterior:DUROSELLE, Jean-Baptiste.De Wilson a Roosevelt . Polit i-

que exterieure des Etats- Unis, 1913-1945. Paris, Colin, 1960.

MELANDRI, Pierre. La polaique exterieure des Etats-Unis de

1945 a nos jours. Paris, PUF, 1982. Prolonga ate os dias dehoje 0 estudo de I.-B. DUROSELLE.

12 7

 

Ainda sera leitura proveirosa 0 livro de SIEGFRIED, Andre.Tableau des Etats-Unis. Paris, Colin, reeditado em 1954.

LERNER, Max. La civilisation americaine. Paris, Le Seuil, 1961.

FOHLEN, Claude. La societe americaine (1865-1970). Paris,Arthaud, 1973.

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KASPI, Andre, BERTRAND, Claude-Jean e HEFFER, Jean.La civilisation americaine. Paris, PUF, 1979.

~I mpr 8SS 0 n o s o II c/ na s do

E DrT OA A P A RM A t IDA.Telefone: (011)912-7822tw . Antonio Sardello. 280

Guorulhos - SO o Fbuto- BrasilCom lilmes farnecidos pelo editor