relatório de direito penal económico
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Universidade Lusíada do Porto
Faculdade de Direito
Mestrado em Direito ± Ciências Jurídico-Criminais
Crimes Contra o Mercado:O Bem Jurídico, a Autoria e o Tipo Legal
Relatório de Direito Penal Económico
João Manuel Ermida Vinha Barreto
Porto
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Universidade Lusíada do Porto
Faculdade de Direito
Mestrado em Direito ± Ciências Jurídico-Criminais
João Manuel Ermida Vinha Barreto
N.º 215 891 09
Relatório da Unidade Curricular de Direito Penal Económico
Tema: Crimes Contra o Mercado: O Bem Jurídico, a Autoria e o Tipo Legal
Coordenação: Prof. Doutor Fernando Torrão
PORTO
Janeiro de 2010
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A todos aqueles que acreditam
que vale a pena continuar.
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PALAVRAS-CHAVE
- Crime
- Mercado
- Valores Mobiliários
- Bem jurídico
- Bem jurídico supra-individual
- Direito Penal Secundário
- Responsabilidade Penal
- Insider trading
- Informação Privilegiada
- Abuso de informação
- Manipulação de mercado
- Práticas manipuladoras
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ABREVIATURAS
CP - Código Penal
CVM - Código dos Valores Mobiliários
CódMVM - Código de Mercado dos Valores Mobiliários
CMVM - Comissão de Mercado de Valores Mobiliários
CRP - Constituição da República Portuguesa
CSC - Código das Sociedades Comerciais
DL - Decreto-Lei
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INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios que trouxe o estudo deste tema foi o poucodesenvolvimento que a doutrina, e mesmo a jurisprudência, têm desenvolvido.
A ausência de dados bibliográficos traduziu-se numa grande limitação que, para
mim, foi difícil de superar. Os crimes contra o mercado, inseridos dentro do âmbito da
actividade económica, são uma área do direito com uma especificidade e mecanismos
muito próprios, sendo que, por vezes se torna um obstáculo difícil de transpor quando
são objecto de estudo.
Como estudante de Direito, e novato neste estudo, dificilmente conseguiria
trazer algo de novo para a discussão, no entanto, não ignoro a importância do estudo,
pela riqueza da matéria e o conteúdo que são a base desta temática, nomeadamente,
na teoria geral do direito penal.
Reconheço que pode não ser um relatório de conclusões brilhantes, mas não posso
deixar de manifestar a minha satisfação face ao estudo que desenvolvi. Procurei
conciliar as diversas opiniões que, embora não fossem muitas na doutrina, descrevi e
tentei criticar.
Na exposição oral que fiz sobre o tema, tentei atribuir alguma dinâmica ao conteúdo
teórico, aplicando a casos concretos e que, embora não pareça, afectam, directa ou
indirectamente, individualmente todos os cidadãos que vivem em economia de
mercado, no qual se insere a realidade portuguesa.
Este relatório é o resultado do esforço de um futuro penalista, ou pelo menos assim o
espero, que procurou dar o seu melhor. Sem mais nada a acrescentar:
João M. Barreto
Fevereiro de 2010
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TÍTULO I
O DIREITO PENAL, O CRIME CONTRA O MERCADO E O BEM JURÍDICO EM GERAL
CAPÍTULO I
O BEM JURÍDICO EM GERAL E O TIPO LEGAL DE CRIME
Um dos princípios estruturantes do direito penal é o princípio da intervenção
mínima, quer isto dizer, que o direito penal assume um carácter subsidiário, ou deultima ratio, relativamente à protecção dos bens jurídicos quando todos os outros
ramos se mostram insuficientes.1
Para Figueiredo Dias, o bem jurídico traduz-se na expressão de um interesse,
da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado,
objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente
reconhecido como valioso2. A dignidade penal atribuída aos bem jurídicos visa a
protecção de valores essenciais à subsistência da sociedade como espaço de
desenvolvimento máximo, em condições de igualdade, da pessoa3.
1Figueiredo Dias, Jorge de Direito Penal Parte Geral. Tomo I . Coimbra. Coimbra Editora: 2007, pág. 114
2Figueiredo Dias, Jorge de Direito Penal Parte Geral . cit. Pág. 114
3Prata, Ana/ Veiga, Catarina/Vilalonga, José Manuel Dicionário Jurídico. Volume II. Coimbra. Almedina:
2008, pág. 69
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Nas palavras de Dante, realis ac personalis hominis ad hominem proportio, quae
servata servat societatem; corrupta, corrumpit 4, e de Cicero, natura iuris ab homine
repetenda est natura5, podemos interpretar que o Direito é uma ciência que
acompanha o desenvolvimento das civilizações. Perante isto, o direito penal não é,
nem pode ser, excepção, ou seja, para poder determinar a norma incriminadora que
tutela o bem jurídico vamos ter que partir do próprio bem jurídico6.
O tipo legal de crime não se deve confundir com o seu objecto de protecção, sendo
que aquilo que é relevante é a relação da pessoa com o objecto de valoração e não a
específica situação determinada no tipo legal de crime. Por outras palavras, os bens
jurídico-penais são o resultado da uma relação entre a comunidade ou o sujeito, como
pessoa genérica, e o objecto digno de tutela jurídica.
CAPÍTULO II
DIREITO PENAL CLÁSSICO (OU DE JUSTIÇA) vs. DIREITO PENAL SECUNDÁRIO
A partir da dignidade penal dos bens jurídicos, e assentando na realidade do
Direito Penal Português, abrem-se dois caminhos relativamente à valoração dos
mesmos. Assim surge o Direito Penal Clássico (ou de Justiça), que procura proteger
bens jurídicos pessoais e não necessariamente individuais, e o Direito Penal
Secundário, que actua na protecção de bens jurídicos sociais.
4 O direito é uma proporção real e pessoal do homem para o homem que, conservada, conserva a
sociedade; corrompida, corrompe. Santos Justo, António Introdução ao Estudo do Direito. Coimbra.Coimbra Editora: 2003, pág. 305
A natureza do direito deve ser retirada da natureza humana. Santos Justo, António Introdução ao
Estudo do Direito. Cit . Pág. 306
Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Coimbra.Coimbra Editora: 2006, pág. 32
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Quando falamos no Direito Penal Clássico (ou de Justiça) estamos a referir-nos a um
conjunto de valores enraizados na comunidade, que correspondem, no essencial, aos
direitos fundamentais7, por outras palavras, trata-se do conjunto de crimes tipificados
na Parte Especial do Código Penal, por exemplo, os crimes contra vida, a integridade
física, a honra, entre outros8. Do outro lado, temos o Direito Penal Secundário,
tutelando direitos económicos e sociais protegidos constitucionalmente9, que se
traduz no conjunto de leis penais avulsas que não estão integradas no Código Penal,
por exemplo, o bom funcionamento dos mercados, a protecção do consumidor, entre
outros10.
Embora cada um destes ramos de Direito Penal revelem especificidades próprias é
de salientar que ambos procuram proteger bens jurídicos determinantes para o bom
funcionamento das sociedades11.
O Direito Penal Clássico (ou de Justiça) protege, assim, um conjunto de bens jurídicos
com tradição histórica, que segundo alguns doutrinadores se deve manter com uma
matriz dogmática, de certa forma, imutável. No entanto, o Direito Penal não deve
deixar de responder às novas exigências que a sociedade impõe à tutela jurídica, daí
surgir o Direito Penal Secundário não estando a tutela de certos bens jurídicos limitada
pelo tratamento dogmático que o Código Penal impõe12. É exemplo disso a
responsabilidade penal das pessoas colectivas que, no Direito Penal Secundário, é
possível desde o início dos anos 8013, e que será objecto de estudo na PARTE II do
CAPITULO I do TÍTULO III.
7Prata, Ana/ Veiga, Catarina/Vilalonga, José Manuel Dicionário Jurídico. Volume II. Cit. Pág. 182
8Figueiredo Dias, Jorge de Direito Penal Parte Geral . cit. Pág. 121
9Prata, Ana/ Veiga, Catarina/Vilalonga, José Manuel Dicionário Jurídico. Volume II. Cit. Pág. 182
10Figueiredo Dias, Jorge de Direito Penal Parte Geral . cit. Pág. 121
11Figueiredo Dias, Jorge de Direito Penal Parte Geral . cit. Pág. 121
12Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit. Pág.
3413 Faria Costa, José de Direito Penal Económico. Coimbra. Quarteto: 2003, pág. 48
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CAPÍTULO III
TIPOLOGÍA DO BEM JURÍDICO
Deixando de parte o Direito Penal Clássico (ou de Justiça) e focando o Direito
Penal Secundário, onde se insere o nosso objecto de estudo, os crimes contra os
mercados de valores mobiliários, importa fazer a qualificação do tipo de bens jurídicos
aqui tutelados.
Para Faria Costa, o Direito Penal Secundário tem como função a protecção de
bens jurídicos supra-individuais14. Os bens jurídicos supra-individuais caracterizam-se
por não serem de uso exclusivo de um indivíduo, são susceptíveis de serem fruídos
individualmente15, por outras palavras, visam proteger, não posições jurídicas
individuais concretas mas, posições genericamente individuais que são, ou podem ser,
comuns a todos.
O bem jurídico supra-individual localiza-se entre o bem jurídico pessoal e o bem
jurídico colectivo, sendo que, não minha perspectiva está mais próximo do bem
jurídico individual do que do bem jurídico colectivo. Ao observarmos que um bem
jurídico supra-individual foi violado aqueles que são lesados são sujeitos individuaisgenéricos com determinadas características e não a colectividade. O elemento-chave
de distinção é o indivíduo, sendo que a qualidade do bem jurídico tem que se vista a
partir deste.16
14Faria Costa, José de Direito Penal Económico. Cit. Pág. 40
15Figueiredo Dias, Jorge de Direito Penal Parte Geral . cit. Pág. 143
16Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit. Pág.
35
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CAPÍTULO IV
PROTECÇÃO CONSTITUCIONAL, OS FINS DO ESTÁDO E O CRIME ECONÓMICO
O que se procura proteger aqui é a regularidade e a confiança dos investidores
no mercado dos valores mobiliários, e não os valores mobiliários enquanto títulos da
actividade económica, e para que se possa entender a importância basta socorrer-nos
da consagração constitucional no art. 101º17.
O mercado de valores mobiliários tem um conjunto de funções principais, que
abarca actividades de investimento e financiamento, e um conjunto de funções
acessórias, na gestão do risco e da actividade das sociedades cotadas em bolsa. Os
valores mobiliários são documentos emitidos por empresas ou outras entidades
(públicas ou privadas) que representam um conjunto de direitos e deveres aos seus
titulares e que podem ser comprados e vendidos ao qual está associado um potencial
de risco18. Como exemplos de valores mobiliários, consagrados no art. 1º CVM, temos:
as acções, as obrigações, os títulos de participação, os warrants autónomos, entre
outros. Os valores mobiliários são parte integrante da actividade económica, sendo
que se trata de uma incumbência prioritária do Estado regular o funcionamento dos
mercados, tal como regula o art. 81 N.º1 f) CRP19.
Na óptica de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, os crimes contra o
mercado lesam aspectos essenciais de funcionamento dum sector do sistema
financeiro, estamos perante agressões a uma vertente da economia nacional e, por
essa razão, os crimes de abuso de informação e manipulação de mercado são crimes
económicos e não crimes patrimoniais20.
17Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Coimbra. Almedina: 2000, pág. 1718
Nunes Paulo Conceito de valores mobiliários. 2008-06-30 [2010-01].<http://www.knoow.net/cienceconempr/financas/valoresmobiliarios.htm>19
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit. Pág. 1920
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 98
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TÍTULO II
BREVE REFERÊNCIA HISTÓRICA
A problemática do abuso de informação e da manipulação de mercado, tem
cada vez mais a exigência de uma tutela penal, no entanto, esta tutela não é tão
recente como se possa pensar em virtude da tutela do Direito Penal Secundário.
No que diz respeito ao crime de abuso de informação, este foi introduzido no
nosso ordenamento jurídico pelo Código das Sociedades Comerciais de 1987 nos art.
449, 450 e 524 (este último, revogado). Os artigos 449 e 450 CSC consagravam um
comportamento com tutela penal e um conjunto de sanções acessórias disciplinares e
indemnizatórias. Com a entrada em vigor do Código de Mercado de Valores
Mobiliários este crime desapareceu do Código das Sociedades Comerciais, sendo a
partir daí imputável pelo primeiro21.
Com o surgimento da Directiva 89/592/CEE de 13 de Novembro, as
Comunidades Europeias impuseram aos Estados-membros a harmonização das suas
legislações dado que, como refere o Preâmbulo da Directiva, em alguns Estados-
21
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 38
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membros, não existe uma regulamentação que proíba as operações e que, nos
Estados-membros onde existem regulamentações, se verificam os respectivos
regimes22. Em resposta a esta imposição, o DL 142-A/91 de 10 de Abril transpõe a
Directiva para o ordenamento jurídico português aprovando o Código de Mercado de
Valores Mobiliários23. No Código de Mercado de Valores Mobiliários o Crime de abuso
de informação encontrava-se tipificado no art. 666, passando a partir daí a ser
considerado como um verdadeiro problema de mercado de valores mobiliários24.
Em 1999, com a entrada em vigor do Código dos Valores Mobiliários, o abuso
de informação passa a constar do art. 378 CVM, sofrendo alterações pontuais, por
força da Directiva 2003/06/CE de 28 de Janeiro do Parlamento Europeu e do Conselho
e transposta pelo DL 52/2006 de 15 de Março e pela Lei n.º55/2005 de 18 de
Novembro, alargando o âmbito da responsabilização penal dos infractores25.
Quanto ao crime de manipulação de mercado, o seu primeiro tipo legal surgiu
no art. 276 CP de 1852/1886, criminalizando a manipulação do preço das mercadorias
e as condutas contra a livre concorrência no comércio, qualquer que fosse as
mercadoria objecto de comercialização26.
Com a entrada em vigor do Código de Mercado de Valores Mobiliários, tal
como o abuso de informação, a manipulação de mercado passou a ser considerado umverdadeiro problema do mercado de valores mobiliários. Passou a estar tipificado no
art. 667 N.º1 CódMVM, sendo por força do art. 13 CP um crime doloso que não era
punível a título negligente e que ainda tinha como requisito o fim de obter um
benefício para si próprio ou para outrem ou de causar um dano a terceiro27.
22
Cf. Directiva 89/592/CEE de 13 de Novembro23Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit. Pág.
2724
Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit. Pág.2825
Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit. Pág.29 e seg.26
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 2927
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 83
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Mais tarde, e mais uma vez, por força de legislação comunitária e nacional veio
a sofrer alterações, estando hoje previsto no art. 379 CVM.
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TÍTULO III
ILÍCITOS CRIMINAIS
CAPÍTULO I
ASPECTOSGERAIS
PARTE I
O BEM JURÍDICO NO ILÍCITO CRIMINAL
Para Frederico de Lacerda Costa Pinto, o tipo legal descrito nos crimes que vão
ser objecto de análise, têm como fim assegurar a confiança dos investidores e aregularidade dos mercados, sendo supervisionados pela Comissão de Mercado de
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Valores Mobiliários, que como autoridade pública para este sector tem que assegurar
os fins do Estados constitucionalmente consagrados e que já foram referidos28.
Para Faria Costa, que se manifesta apenas relativamente ao crime de abuso de
informação, o objecto do tipo legal tem como fim assegurar a confiança e a igualdade
dos investidores29.
Ana Micaela Pedrosa Augusto vai no sentido dos anteriores em que o tipo visa
proteger a confiança dos investidores, a integridade do mercado, e a igualdade entre
os investidores30.
PARTE II
RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS SINGULARES E DAS PESSOAS COLECTIVAS
As normas penais constantes do Código dos Valores Mobiliários, como normas
do Direito Penal Secundário, têm que se sustentar naquilo que a Parte Geral do Código
Penal lhe permite. Assim sendo, no que diz respeito às questões de autoria, levanta-se
um problema quanto a responsabilidade penal das pessoas colectivas.
À luz do art. 11 CP, as pessoas colectivas só podem ser responsabilizadas nos
casos previstos no N.º2 do mesmo artigo ou no caso de legislação extravagante haver
uma menção expressa dessa possibilidade.
Na perspectiva de Faria Costa, a pessoa jurídica, enquanto pessoa colectiva, é
um centro de imputação autónomo31. Figueiredo Dias vai mais longe afirmando que
parece impensável ver nas pessoas colectivas destinatários passíveis de juízo de
28Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 1829
Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit. Pág.3830
Augusto, Ana Micaela Pedrosa «Insider Trading: Perspectiva sobre o enquadramento juridicó-societário no ordenamento português» In: Revista «O Direito». Coimbra. Almedina: 2004-I, pág. 101931
Faria Costa, José de - «A responsabilidade jurídico-penal da empresa e dos seus órgãos (ou umareflexão sobre a alteridade nas pessoas colectivas, à luz do direito penal)». In: Temas de direito penal
econômico. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais: 2000, pág. 166
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censura em que a culpa se traduz. () Mas não se deve esquecer-se que as
organizações humano-sociais são, tanto como o próprio homem individual, obras da
liberdade ou realizações do ser-livre32.
Para Cavaleiro Ferreira a responsabilidade penal das pessoas colectivas é, no
fundo, uma responsabilidade sem culpa. A consciência da ilicitude não é requisito para
a verificação da culpa, pois a pessoa colectiva embora seja incapaz de actividade física
para a realização do tipo, é instigadora dessa actividade material, sendo que deve
responder por isso e ter a sua própria pena, sob risco de atentar contra o princípio da
intransmissibilidade das penas (art. 127 CP)33.
O que se conclui, é que a responsabilidade penal das pessoas colectivas não
exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes
34
. Sob pena da criação dezonas francas de responsabilidade penal das pessoas singulares, a Proposta de Lei
N.º 98/X de 7 de Setembro de 2006 e que veio a dar origem Lei n.º 59/2007 de 4 de
Setembro determina que a responsabilização depende sempre de o crime ser
cometido em nome e no interesse da pessoa colectiva, por pessoa que nela ocupe uma
posição de liderança ou que aja sob a sua autoridade, e não exclui a responsabilidade
das pessoas singulares nos termos gerais35. No entanto, vigora entre nós o regime da
responsabilização indirecta, ou seja, a responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou
de entidade equiparada depende sempre da existência de um nexo de imputação do
facto a um agente da pessoa colectiva (seja ao líder seja ao agente subordinado) 36.
Focando agora os crimes que são objecto de análise deste relatório, os art. 378
e 379 CVM, só podem ser cometidos por pessoas singulares, dado que o tipo legal não
32Faria Costa, José de - «A responsabilidade jurídico-penal da empresa e dos seus órgãos (ou uma
reflexão sobre a alteridade nas pessoas colectivas, à luz do direito penal)». In: Temas de direito penal econômico. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais: 2000, pág. 166 33
Sá Pereira, Victor de e Lafayette, Alexandre Código Penal Anotado e Comentado: Lisboa. Quid Juris:2008, pág.8734
Pinto de Albuquerque, Paulo - Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Lisboa. Universidade Católica Portuguesa: 2009, pág.35
Sá Pereira, Victor de e Lafayette, Alexandre Código Penal Anotado e Comentado. Cit. Pág. 8836
Pinto de Albuquerque, Paulo - Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Cit. Pág.
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prevê qualquer sanção criminal para as pessoas colectivas. Em suma, só as pessoas
singulares são passíveis de responsabilidade penal nestes crimes.
Importa, contudo, fazer uma ressalva. No caso dos art. 378 N.º 1 e 2 e 379
CVM, há um caso de possibilidade de imputação de responsabilidade penal das
pessoas colectivas. Esta situação excepcional verifica-se quando o titular de uma
participação numa pessoa colectiva é outra pessoa colectiva ou o órgão de fiscalização
se uma sociedade revisora oficial de contas, sem prejuízo de a responsabilidade
criminal ser imputada em primeira linha a uma pessoa física37.
PARTE III
CONCURSO DE CRIMES
A violação de normas que tutelem determinados bens jurídicos pode ter
implicações diversas nos vários ramos do Direito, e mesmo dentro do próprio ramo do
Direito. No entanto, a questão aqui em análise será unicamente jurídico-penal.
O crime de abuso de informação, ou insider trading, (art. 378 CVM) prevê na
sua redacção a criminalização da transmissão da informação privilegiada e que, à
primeira vista, parece coincidir em certa forma com o conceito de violação de segredo
(art. 195 CP), no entanto, o objecto de tutela do bem jurídico dos artigos referidos é
diferente. Enquanto o art. 378 CVM tutela um bem jurídico supra-individual (o bom
funcionamento do mercado de valores mobiliários como parte da actividade
económica), o art. 197 CP, embora com vozes discordantes na doutrina38, orienta-se
no sentido de considerar o bem jurídico a privacidade em sentido material , um bem
jurídico pessoal39. Perante isto, gera-se aqui um concurso de normas, temos aqui
diferentes bens jurídicos e consequentemente diferentes objectos de tutela.
37Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 3838
Sá Pereira, Victor de e Lafayette, Alexandre Código Penal Anotado e Comentado. Cit. pág. 51339 Sá Pereira, Victor de e Lafayette, Alexandre Código Penal Anotado e Comentado. Cit. Pág. 513
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Relativamente ao aproveitamento indevido de segredo (art. 196 CP) gera-se
aqui, também, uma situação de concurso de crimes quando se trata de insider trading,
o bem jurídico é o objecto de tutela são diferentes. Enquanto no art. 195 CP o objecto
de tutela do bem jurídico é o sigilo, no art. 196 CP é a confiança40.
CAPÍTULO II
CRIME DE ABUSO DE INFORMAÇÃO
No que diz respeito ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do
abuso de informação, o valor protegido, é a livre concorrência do mercado41,
orientado sob o princípio da eficiência42.
Em termos genéricos, este crime caracteriza-se pelo uso de informação
economicamente relevante por um agente e que ainda não é conhecida da
generalidade dos investidores43. Assim, o crime de abuso de informação, ou insider
tranding, encontra as condições ideais para o desenvolvimento num mercado em que
exista informação exígua e desadequada, onde a transparência societária seja
praticamente ausente44, sendo o detentor de informação privilegiada se possa
antecipar de forma ilegítima a todos os outros, obtendo lucros indevidos ou evitando
perdas.
Existem correntes ultra-liberais que se manifestam contra a criminalização
desta prática argumentando que o uso de informação privilegiada proporciona
40Sá Pereira, Victor de e Lafayette, Alexandre Código Penal Anotado e Comentado. Cit. Pág. 515
41Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit. Pág.
3942
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 4143
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 4244
Augusto, Ana Micaela Pedrosa «Insider Trading: Perspectiva sobre o enquadramento juridicó-societário no ordenamento português» In: Revista «O Direito». Cit.Pág. 999
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20
benefícios económicos45. A título de exemplo, a corrente Law and Economics
argumenta que a igualdade de informação é uma utopia e que se torna prejudicial ao
mercado uma vez que não incentiva os investidores a procurar mais e melhor
informação, estagnando o mercado46.
O crime de abuso de informação é um crime comum47, quer isto dizer que o
agente pode ser qualquer pessoa sendo que não necessita de determinadas
características para a realização do tipo48. À luz do art. 378 N.º 1 e 2 CVM são idóneas a
cometer este crime: (a) Titulares de órgãos de administração ou fiscalização da
entidade emitente; (b) Titulares de participação no capital social; (c) Prestadores de
serviço ou trabalho, permanente ou ocasional, da entidade emitente; (d) Pessoas que
exerçam funções públicas; (e) Qualquer pessoa que tenha obtido a informação com
base ilícita; (f) Qualquer pessoa não abrangida nas anteriores e que tenha
conhecimento da informação.
Na óptica de Frederico Lacerda da Costa Pinto, o tipo legal do art. 378 N.º1, 2 e
3 CVM contêm três tipos de infracções diferentes, assim, são crimes de perigo
abstracto os tipos que prevêem como conduta típica a transmissão ilegítima da
informação privilegiada; são crimes de perigo abstracto-concreto o aconselhamento e
a emissão de ordens de compra venda ou troca; diversamente, é um crime material (de
lesão) o tipo de crime em que ocorre um acto de negociação que se traduza numa
efectiva compra venda ou troca49.
O art. 378 N.º 3 CVM define informação privilegiada como informação não
tornada pública que, sendo precisa e dizendo respeito, directa ou indirectamente, a
qualquer emitente ou a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, será
idónea, se lhe fosse dada publicidade, para influenciar de maneira sensível o preço no
mercado.
45Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 4546
Augusto, Ana Micaela Pedrosa «Insider Trading: Perspectiva sobre o enquadramento juridicó-societário no ordenamento português» In: Revista «O Direito». Cit. Pág. 100147
Figueiredo Dias, Jorge de Direito Penal Parte Geral . cit. Pág. 30348
V. g. art. 284 CP Recusa de médico49
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 81
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Assim, verificamos que existem quatro requisitos típicos: (a) carácter não
público; (b) precisão; (c) referência a entidades emitentes de valores mobiliários ou a
valores mobiliários; (d) influência sensível no preço.
(a) Desde logo, podemos considerar que é pública toda a informação toda a
informação que é susceptível de ser conhecida por todos, no entanto, é
indispensável aferir essa susceptibilidade que se torna relevante para fazer
quebrar o nexo causal do tipo50. Assim sendo, e deixando de lado questões
dogmáticas sobre a quebra, ou não, do nexo causal, a CMVM considera pública
a informação publicada quando51:
a.
é divulgada pela própria CMVM;b. seja acessível de forma fácil e segura, electronicamente, pela entidade
gestora do mercado ou boletim de mercado regulamentado;
c. difundida em jornal de grande circulação;
No entanto, a informação fornecida aos selective discloure52 não constitui
crime quando da divulgação pública da sua interpretação dos dados. Já
diferente solução tem quando a mesma pessoa aconselha alguém em concreto
a negociar valores mobiliários com base nessa informação53
.
(b) Não constitui informação precisa as vagas referências, rumores ou notícias
difusas uma vez que à negociação desses valores continua inerente um risco.
Para a informação ser precisa importa analisar dois momentos: a fase
preliminar e a fase decisória. Na fase decisória é inequívoca a precisão da
informação, já na fase preliminar podemos ir no sentido de que ainda não
havendo qualquer vontade formada mas existindo um grande grau de
50Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit. Pág.
4351
Cf. Art. 1 do Regulamento N.º 4/2004 CMVM52
V.g. um grupo de analistas financeiros.53
Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit. Pág.47
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probabilidade, ou grande grau de consolidação, essa informação assume um
carácter preciso54.
(c) A informação privilegiada deve ser, também, específica a um determinado
valor ou entidade55. Um exemplo interessante sobre este requisito é o front-
running, em que o agente, funcionário de uma instituição bancária, no exercício
da sua actividade é informado que um cliente deu à instituição bancária uma
ordem de compra de uma grande quantidade de acções, e que previsivelmente
irá influenciar de forma sensível o mercado. Procurando obter benefícios, o
agente adquire também um lote de acções semelhantes ao do cliente da
instituição bancária56. A actividade do agente é a causa da informação, e a
informação é a base, ou motivação, da realização do negócio.
(d) A influência sensível sobre o preço, quando consumado o negócio, implica um
juízo de prognose póstuma, ou seja, fazer uma apreciação de um facto para
poder aferir o nexo de causalidade a partir da previsibilidade da verificação do
evento em função da conduta do agente colocando-se o julgador no lugar do
agente, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, antes da verificação do
facto típico57. Por outras palavras, cabe aferir se a realização do negócio antes
da informação ter um carácter público terá influenciado o preço do valor
mobiliário de uma forma sensível, gerando apetência para a compra ou venda
de modo a obter benefícios ou evitar perdas. Contudo, este juízo de
previsibilidade corre sempre o risco de ser impreciso58.
54Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit.
Pág.4955
Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit. Pág.5056
Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit.
Pág.5157
Prata, Ana/ Veiga, Catarina/Vilalonga, José Manuel Dicionário Jurídico. Volume II. Cit. Pág. 28758
Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada. Cit.
Pág.53
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CAPÍTULO III
CRIME DE MANIPULAÇÃO DE MERCADO
O crime de manipulação de mercado traduz-se, à luz do art. 379 N.º 1 CVM, na
divulgação de informações falsas, incompletas, exageradas ou tendenciosas e na
realização operações de natureza fictícia ou execução de outras práticas fraudulentas
que sejam idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado
de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros.
No que diz respeito ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do
abuso de informação, o valor protegido, é a regularidade e eficiência do mercado de
valores mobiliários59.
Trata-se de um crime de perigo abstracto-concreto60, comum61, sendo que, por
força do art. 13 CP e ausência de uma disposição legal que assim o determine, não é
punível a título negligente e apenas a título doloso62.
A estrutura típica deste artigo impõe a verificação de três requisitos: (a)
condutas proibidas; (b) idoneidade das condutas para alterar o regular funcionamento
dos mercados; (c) elementos subjectivos do tipo.
(a) A referência a uma conduta proibida, refere-se no caso concreto aos elementos
objectivos do N.º 1 do art. 379 CVM, que na perspectiva da doutrina italiana a
manipulação pode assumir duas formas:
a. Manipulação ruidosa Que se traduz na prestação de informações
falsas, incompletas, exageradas ou tendenciosas. São apresentados
factos que não correspondem à realidade63;
59Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 9460
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 8161
Figueiredo Dias, Jorge de Direito Penal Parte Geral . cit. Pág. 30362 Cr. Art. 14 CP
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b. Manipulação silenciosa Que se traduz na realização de operações de
natureza fictícia ou execução de práticas fraudulentas para sob ou
sobrevalorizar um determinado valor mobiliário64. Tratam-se de
operações regulares de mercado realizadas de forma lícita mas que
levam a um fim ilícito.
(b) A prática manipuladora tem que se traduzir na idoneidade do acto para
manipular o preço do valor mobiliário de mercado para a subida, descida ou
sustentação fictícia do preço65. Estão excluídos do âmbito deste requisito as
práticas de estabilização das cotações realizadas segundo as regras da CMVM.
(c) É exigido apenas o dolo do agente nos termos gerais da lei penal (art. 13 e 14
CP). Não é necessária a efectivação do resultado, pelo que a pratica de actos de
execução é suficiente para a incriminação66.
63Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 8664
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 8765
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 9166
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 92
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CAPÍTULO IV
CRIME DE VIOLAÇÃO DO DEVER DE IMPEDIR PRÁTICAS MANIPULADORAS
Trata-se de um crime de desobediência, ou seja, pressupõe o desrespeito de
uma ordem de uma autoridade administrativa, no caso concreto a CMVM, no
momento posterior a prática da manipulação do mercado.
Este crime encontra-se previsto no art. 379 N.º 3 CVM, sendo um crime
específico67, uma vez que só pode ser realizado por sujeitos que possuem
determinadas características, no caso concreto, pessoas titulares de orgãos de
administração dos intermediários financeiros e responsáveis pela fiscalização ou
direcção das áreas de actividade68. Trata-se, na óptica de Frederico de Lacerda da
Costa Pinto de um crime de perigo abstracto69, bastando a simples omissão da prática
do tipo para a infracção estar consumada, sob a forma de omissão pura70.
67Figueiredo Dias, Jorge de Direito Penal Parte Geral . cit. Pág. 304
68Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 9569
Figueiredo Dias, Jorge de Direito Penal Parte Geral . cit. Pág. 34470
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no Código dos
Valores Mobiliários. Cit . Pág. 95
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CONCLUSÃO
No que diz respeito aos crimes contra o mercado, como parte da actividade
económica, verifico que existe uma grande lacuna, que não tem razão de ser, na
impossibilidade de responsabilização penal das pessoas colectivas. Como já foi referido
no presente relatório, a pessoa colectiva é, muitas vezes, parte interessada na
realização do ilícito penal. Numa área tão sensível como a actividade económica a
regulação torna-se mais do que fundamental, mas na prática nem sempre é eficaz.
Exemplos disso são as acusações que decorrem neste momento contra entidades
financeiras por insider trading e manipulação de mercado, que na minha opinião,
dada a insuficiência da presente legislação dificilmente conseguirão chegar a bomporto.
Relativamente à qualificação dos crimes contra o mercado como partes
integrantes do Direito Penal Secundário não manifesto qualquer discordância. A
relevância jurídico-penal é inequívoca mas não tão fundamental quanto a protecção
de outros bens jurídicos como a vida, a integridade física ou a honra. Daí, também, o
legislador constitucional também não entender que a actividade económica deva estar
no catálogo de direitos fundamentais de primeira linha.
Para uma verdadeira eficiência destes pressupostos legais é necessária uma
cooperação estreita entre as autoridades administrativas, no caso concreto a CMVM, e
as autoridades judiciárias. No entanto, esta cooperação de nada serve se actividade
legislativa não acompanhar de modo regular o funcionamento dos mercados.
João M. Barreto
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BIBLIOGRAFIA
Figueiredo Dias, Jorge de Direito Penal Parte Geral. Tomo I. Coimbra. Coimbra Editora: 2007
Prata, Ana/ Veiga, Catarina/Vilalonga, José Manuel Dicionário Jurídico. Volume II. Coimbra.
Almedina: 2008
Santos Justo, António Introdução ao Estudo do Direito. Coimbra. Coimbra Editora: 2003
Faria Costa, José de e Ramos, Maria Elisabete O Crime de abuso de informação privilegiada.
Coimbra. Coimbra Editora: 2006
Faria Costa, José de Direito Penal Económico. Coimbra. Quarteto: 2003
Costa Pinto, Frederico de Lacerda da O novo regime dos crimes e contra-ordenações no
Código dos Valores Mobiliários. Coimbra. Almedina: 2000
Augusto, Ana Micaela Pedrosa «Insider Trading: Perspectiva sobre o enquadramento
juridicó-societário no ordenamento português» In: Revista «O Direito». Coimbra. Almedina:
Ano 136º, 2004-I
Faria Costa, José de - «A responsabilidade jurídico-penal da empresa e dos seus órgãos (ou
uma reflexão sobre a alteridade nas pessoas colectivas, à luz do direito penal)». In: Temas de
direito penal econômico. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais: 2000
Sá Pereira, Victor de e Lafayette, Alexandre Código Penal Anotado e Comentado: Lisboa. Quid
Juris: 2008
Pinto de Albuquerque, Paulo - Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República
e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Lisboa. Universidade Católica Portuguesa:
2009
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ANEXOS
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Crimes constantes, no TÍTULO VIII, do Código dos Valores Mobiliários
Artigo 378.º Abuso de informação
1 - Quem disponha de informação privilegiada:
a) Devido à sua qualidade de titular de um órgão de administração ou de fiscalizaçãode um emitente ou de titular de uma participação no respectivo capital; ou
b) Em razão do trabalho ou do serviço que preste, com carácter permanente ouocasional, a um emitente ou a outra entidade; ou
c) Em virtude de profissão ou função pública que exerça; ou
d) Que, por qualquer forma, tenha sido obtida através de um facto ilícito ou quesuponha a prática de um facto ilícito;
e a transmita a alguém fora do âmbito normal das suas funções ou, com base nessainformação, negoceie ou aconselhe alguém a negociar em valores mobiliários ououtros instrumentos financeiros ou ordene a sua subscrição, aquisição, venda ou troca,directa ou indirectamente, para si ou para outrem, é punido com pena de prisão até 5anos ou com pena de multa.
2 - Qualquer pessoa não abrangida pelo número anterior que, tendo conhecimento deuma informação privilegiada, a transmita a outrem ou, com base nessa informação,negoceie ou aconselhe alguém a negociar em valores mobiliários ou outrosinstrumentos financeiros ou ordene a sua subscrição, aquisição, venda ou troca,
directa ou indirectamente, para si ou para outrem, é punida com pena de prisão até 4anos ou com pena de multa até 240 dias.
3 - Entende-se por informação privilegiada toda a informação não tornada pública que,sendo precisa e dizendo respeito, directa ou indirectamente, a qualquer emitente ou avalores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, seria idónea, se lhe fosse dadapublicidade, para influenciar de maneira sensível o seu preço no mercado.
4 - Em relação aos instrumentos derivados sobre mercadorias, entende-se porinformação privilegiada toda a informação com carácter preciso que não tenha sidotornada pública e respeite, directa ou indirectamente, a um ou mais desses
instrumentos derivados e que os utilizadores dos mercados em que aqueles sãonegociados esperariam receber ou teriam direito a receber em conformidade,respectivamente, com as práticas de mercado aceites ou com o regime de divulgaçãode informação nesses mercados.
5 - O disposto neste artigo não se aplica quando as operações sejam efectuadas peloBanco Central Europeu, por um Estado, pelo seu banco central ou por qualquer outroorganismo designado pelo Estado, por razões de política monetária, cambial ou de
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gestão da dívida pública, nem às transacções sobre acções próprias efectuadas noâmbito de programas de recompra realizados nas condições legalmente permitidas.
6 - A tentativa de qualquer dos ilícitos descritos é punível.
7 - Se as transacções referidas nos n.os 1 e 2 envolverem a carteira de uma terceirapessoa, singular ou colectiva, que não seja constituída arguida, esta pode serdemandada no processo crime como parte civil, nos termos previstos no Código deProcesso Penal, para efeito da apreensão das vantagens do crime ou da reparação dedanos.
Artigo 379.º Manipulação do mercado
1 - Quem divulgue informações falsas, incompletas, exageradas ou tendenciosas,realize operações de natureza fictícia ou execute outras práticas fraudulentas quesejam idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de
valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros é punido com pena deprisão até 5 anos ou com pena de multa.
2 - Consideram-se idóneos para alterar artificialmente o regular funcionamento domercado, nomeadamente, os actos que sejam susceptíveis de modificar as condiçõesde formação dos preços, as condições normais da oferta ou da procura de valoresmobiliários ou de outros instrumentos financeiros ou as condições normais delançamento e de aceitação de uma oferta pública.
3 - Os titulares do órgão de administração e as pessoas responsáveis pela direcção oupela fiscalização de áreas de actividade de um intermediário financeiro que, tendo
conhecimento de factos descritos no n.º 1, praticados por pessoas directamentesujeitas à sua direcção ou fiscalização e no exercício das suas funções, não lhesponham imediatamente termo são punidos com pena de prisão até 4 anos ou pena demulta até 240 dias, se pena mais grave não lhes couber por força de outra disposiçãolegal.
4 [Revogado].
5 - Se os factos descritos nos n.os 1 e 3 envolverem a carteira de uma terceira pessoa,singular ou colectiva, que não seja constituída arguida, esta pode ser demandada noprocesso crime como parte civil, nos termos previstos no Código de Processo Penal,
para efeito da apreensão das vantagens do crime ou da reparação de danos.
6 - O disposto neste artigo não se aplica às operações efectuadas pelo Banco CentralEuropeu, por um Estado, pelo seu banco central ou por qualquer outro organismodesignado pelo Estado, por razões de política monetária, cambial ou de gestão dedívida pública, nem às operações de estabilização de preços, quando sejam efectuadasnas condições legalmente permitidas.
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INDÍCE
INTRODUÇÃO
GERAL....Pág. 6
TÍTULO I
O DIREITO PENAL, O CRIME CONTRA O MERCADO E O BEM JURÍDICO EM GERAL
CAPÍTULO I
O BEM JURÍDICO EM GERAL E O TIPO LEGAL DE CRIME.Pág. 7
CAPÍTULO II
DIREITO PENAL CLÁSSICO (OU DE JUSTIÇA) vs. DIREITO PENAL SECUNDÁRIOPág. 8
CAPÍTULO III
TIPOLOGÍA DO BEM JURÍDICOPág. 10
CAPÍTULO IVPROTECÇÃO CONSTITUCIONAL, OS FINS DO ESTÁDO E O CRIME ECONÓMICO.Pág. 11
TÍTULO II
BREVE REFERÊNCIA HISTÓRICA
GERAL..Pág. 12
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TÍTULO III
ILÍCITOS CRIMINAIS
CAPÍTULO I
ASPECTOS GERAIS
PARTE I
O BEM JURÍDICO NO ILÍCITO CRIMINAL.....Pág. 15
PARTE II
RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS SINGULARES E DAS PESSOAS COLECTIVAS..Pág. 16
PARTE III
CONCURSO DE CRIMESPág. 18
CAPÍTULO II
CRIME DE ABUSO DE INFORMAÇÃO..Pág. 19
CAPÍTULO III
CRIME DE MANIPULAÇÃO DE MERCADO.Pág.23
CAPÍTULO IV
CRIME DE VIOLAÇÃO DO DEVER DE IMPEDIR PRÁTICAS MANIPULADORAS..Pág.25
CONCLUSÃO
GERAL..Pág. 26
BIBLIOGRAFIA
GERAL..Pág. 27
ANEXOS
GERAL..Pág. 28