relatorio anima forum 2013

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    Relatório

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     Anima Mundi completou 21 anos em 2013 e Anima Forum demarcou o que muitos dosque passaram pela Fundição Progresso consideram a segunda fase da animação no Brasil:amadurecida, consistente e robusta, pronta para ganhar o mercado internacional.

    Da mesa de abertura ao painel nal, durante quatro dias, animadores, produtores, incentivadores,legisladores, responsáveis por políticas públicas revezaram os discursos em busca de consenso. OFundo Setorial Audiovisual e a Lei 12.485/2011 são heróis e algozes. Cada um à sua maneira.

     As masterclasses serviram para mostrar experiências criativas e exitosas, técnicas tão distintasquanto à origem dos convidados para mostrar seus trabalhos. O Anima Forum também deu

    um panorama da animação pelo mundo, discutiu os esforços e parcerias possíveis, apontoucaminhos para além do Brasil. Discussões, opiniões, ideias, alternativas e trocas sempre frutíferas,devidamente registradas nas páginas que seguem.

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    6 de agosto   terça-feira

    Mesa-redonda:  Animação - Indústria Criativa e Produção Cultural

    Participantes: Leopoldo Nunes (SAV | MinC), Sergio Sá Leitão (SMC/RJ e Riolme), Kiko Mistrorigo (ABPITV) e Rosaria Moreira (ABCA) 

    Moderador: Cesar Coelho (Anima Mundi)

     A ambiguidade na produção de animação brasileira, que já se manifesta como indústria e, aomesmo tempo, rma-se como uma expressão cultural em expansão nas diversas regiões do país.Como estas duas facetas se complementam e devem ser incentivadas.

    O Anima Forum chegou à sua oitava edição em 2013. Um feito que mereceu uma programação

    esmerada, própria para a reexão sobre o mercado, a prática e os rumos da animação no Brasil.Na abertura da edição que reuniu como é usual, especialistas de origens diversas, Cesar Coelhoanunciou as presenças que viriam no decorrer da semana e ressaltou o momento de euforia.

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     “Há oito anos a gente faz, sugere e discuteos rumos da animação brasileira. Este espaçoé nosso, acolhe todos os atores da produçãobrasileira de animação, seja ela comercial,industrial ou autoral. Aqui debatemos,planejamos e, muitas vezas, antecipamos

    os desaos para o desenvolvimento eaprimoramento da nossa arte. Nossa históriaestá apenas começando, portanto, sejambem-vindos. A casa é sua!”, disse ele sobre asnovas perspectivas para animadores, estúdiose produtores.

    Luciane Gorgulho, chefe do Departamento deCultura, Entretenimento e Turismo do BNDES,foi especialmente chamada para saudar o

    público. Um dos patrocinadores do evento, obanco tem especial interesse em fomentar asdiscussões que o Anima Forum promove.

     “Temos muito orgulho de estar mais uma vezapoiando o debate e a reexão dentro do Anima Mundi, o que casa com a estratégiado BNDES que desde 2006 apoia a culturacomo nanciador de desenvolvimento deempresas e projetos para tornar esse setorrelevante. Dentro da cultura, o foco é o

    audiovisual. E, nesse setor, a animação temcarinho especial. Principalmente pelo talentodos seus realizadores”, ela pontuou o desaoque se impõe: é preciso desenvolver as fontesde recursos e a capacitação em roteiro, assimcomo outros aspectos que possam aprimorar osetor, como a gestão e formação empresarialdo setor.

    Ela pontuou o desao que se impõe: é

    preciso desenvolver as fontes de recursos ea capacitação em roteiro, assim como outrosaspectos que possam aprimorar o setor, comoa gestão e formação empresarial do setor.

    No quesito recursos disponíveis, LucianeGorgulho prosseguiu, já houve diversosavanços. Junto com a Lei 12.485 tambémvieram várias notícias que zeram o setordo audiovisual e a animação avançarem em

    direção à armação como indústria. “A gente ainda precisa desenvolver aspectosda capacitação geral do setor. Saber contar

    uma boa história é o que faz diferença, todoo mais é subalterno. A história tem de serinteressante. E essa parte de capacitaçãoenvolve também capacitação em gestão,para que as empresas possam se organizar. Animação é um setor que vai se desenvolver

    muito, puxado pela Lei 12.4855. As cotas nãosão apenas uma reserva de mercado”, elaarmou.

     Ao retomar a palavra, Cesar Coelho raticoua importância do apoio dado pelo BNDESao longo dos anos, bem como o reforçodo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro ePequenas Empresas como apoiador na ediçãode 2013. “Posso testemunhar que o BNDES

    deu um apoio fundamental para que o AnimaForum se tornasse o que se tornou. Este ano,o Sebrae despertou para este setor, detectouo seu potencial e juntos, vamos desenvolvercada vez mais iniciativas para promover acapacitação em gestão”, anunciou.

    Como mediador da mesa que reuniriaLeopoldo Nunes (SAV | MinC), Sergio Sá Leitão

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    (SMC/RJ e RioFilme), Kiko Mistrorigo (ABPITV)e Rosaria Moreira (ABCA), Cesar demonstrouo seu conhecimento da causa que defende,com um retrospecto desde os tempos em queo mercado de animação no Brasil se reduzia àpublicidade:

     “A gente tem um histórico que nos permitedizer ‘a gente viu’. Durante muito tempo, sóhavia mercado de animação em publicidade.Eventualmente se via um lme aqui e outro ali,lmes autorais, feitos por alguns heróis. Masnão havia uma produção constante, não tinhaemprego para animação.” 

     A história seguiu com alguns fatos marcantes.

    O primeiro deles foi a criação do CentroTécnico Audiovisual (CTAV), no convênioestabelecido entre Brasil e Canadá. “Ali foidesenhada a possibilidade de se criar umnúcleo de produção de animação consistenteno Brasil. Mas assim que o convênio com oCanadá acabou, o governo federal não seinteressou em manter e, pior ainda, nem aEmbralme restou”, ele relembrou. A turmada resistência, no entanto, permaneceu ativae, anos depois, foi criado o Anima Mundi,

    não tardou a ABCA foi ocializada, e vieram otrabalho árduo e as boas surpresas.

     “A gente criou o Anima Mundi e começoua detectar um talento enorme na produçãoautoral. O festival passou de um lme ou doispor ano, para uma produção constante de 300lmes brasileiros. Esse número, por si, já éimpressionante em qualquer país do mundo. Éum dado importante e foi nossa munição para

    provar que existia, sim, um potencial muitogrande no Brasil”, contou Cesar Coelho.

    Não faltaram encontros de gente animadaa ir além do story board. “A gente começoua se juntar para se conhecer e se organizar.Essas reuniões, mais tarde, resultaram naassociação, que é ABCA. A gente teve ouvidossensíveis em várias instâncias governamentais.Rapidamente, a gente começou a ser ouvido

    e o desenvolvimento se deu de forma muitoacelerada. Hoje, nalmente, a gente podedizer que tem uma indústria de animação noBrasil.” 

    Uma indústria cuja competência se podecomprovar inclusive pelos números queostenta, como Cesar Coelho fez questão deenfatizar. “Já podemos dizer que há falta deanimador, pois as produtoras têm diculdadeem formar suas equipes”, disse ele, com fala

    exultante, mas sem deixar de reconhecer asdiculdades que ainda persistem.

     “A própria natureza da atividade cria desaos. Você precisa de um estúdio, tem de ter umcronograma de produção que vai além deuma temporada de série, tem de ter váriosprojetos acontecendo ao mesmo tempo. Esseé o desao que agora se apresenta. Outrodeles é alcançar um nível de acabamento

    de excelência, o que é exigido para odesenvolvimento de longa-metragem. Esse éo desao de agora, o longa-metragem, quedemanda excelência em todas as etapas.Da produção ao roteiro, a qualidade é umrequisito muito importante. É um mercado emque a qualidade é muito importante.” 

    O longa-metragem brasileiro deanimação “Uma história de amor e fúria”  levou o prêmio de Melhor Filme na mostra

    competitiva ocial do 53º Festival de Animaçãode Annecy, na França. Cesar armou que aconquista recente de Luiz Bolognesi abriumuitas portas para o que está sendo feito noBrasil. “O presidente do júri disse ‘um país doqual até bem pouco tempo não se ouvia falar,agora aparece aqui, com um trabalho muitobem feito, digno de um prêmio em Annecy’.Foi mais ou menos esse o discurso.” 

    O prêmio veio em boa hora, antes até do quetodos esperavam. Um reconhecimento aoBrasil como criador, o que indica a necessidadede se continuar investindo na produçãoautoral. “É o que vai garantir a permanênciada gente no mercado como criador”, ele incluiuo tema como essencial para a mesa que seiniciava.

    Leopoldo Nunes (SAV | MinC) 

    Compartilhar ideias é bom, reetir e assistiràs novas produções é animador e uma honra,

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    disse o Secretário do Audiovisual do Ministério

    da Cultura, Leopoldo Nunes, que fez umasaudação especial ao público: “Vocês são arazão de estarmos aqui”, disse.

    Leopoldo iniciou sua participação na mesa já abordando um tema considerado central. A questão autoral, segundo ele, é umapreocupação de longa data e conta com defesaconstante nas ações do Ministério da Cultura:

     “Sempre garantimos a produção autoralnos editais. É o espaço de experimentação,

    de revelação de novos autores, é o querevigora. Toda arte é resultado do defeito e daexperimentação. Se não zermos a produçãoautoral, a arte se torna estagnada. O consumoé uma faceta da maior importância, mas atémesmo os produtos de consumo são resultadodo defeito e da experimentação. Tudo teve láum início experimental”, ele armou.

    Preservar, guardar, tratar, preservar e restaurar

    também são ações consideradas de primeiranecessidade, Leopoldo aproveitou paraanunciar a inauguração da Reserva Técnica

    Gustavo Dahl, do Centro Técnico Audiovisual,um depósito de matrizes cuja construção levouquase dez anos.

     “O Rio de Janeiro volta a ter espaço comcapacidade para 100 mil latas, o que vem

    dar sentido à interligação entre diferentesinstituições que estavam trabalhando demaneira independente. O nome deve-se ao fato de Gustavo Dahl ser o mentorda iniciativa. Foi ele quem decidiu fazer areserva técnica, o que consideramos umavisão estratégica. A única certeza que setem é que não devemos depositar todas asmatrizes em um único local, mas em vários. Apreservação veio com todas as novidades que

    a tecnologia vem permitindo. Estamos fazendoinvestimento alto em tecnologia gerada dentrodas universidades públicas brasileiras, o quepermeia toda a cadeia de preservação doaudiovisual”, explicou.

    Linha do tempo

    Leopoldo iniciou uma retrospectiva sobre osmomentos mais marcantes na história daSecretaria do Audiovisual e suas políticaspara a animação. Desde o início, em 2003,quando foram lançados os primeiros editais,ainda experimentais, muita coisa mudou.Editais como Curta Criança, Anima TV, Curta Animação e Desenvolvimento de projetos,segundo ele, são iniciativas que contribuírampara impulsionar o negócio no país. “O ‘Meu Amigãozão’, por exemplo, foi produto deuma pílula de um minuto, em uma parceriacom a TVE. Um prêmio de R$ 10 mil, em um

    edital autoral, mas que tinha um recorte. A provocação ‘o meu melhor amigo é’permitia a revelação de personagens. Hoje,é um exemplo de projeto bem-sucedido”,relembrou. “Nessa mesma linha, estamosfazendo atualmente 40 projetos de R$ 15mil. São lmes de um minuto, com umprêmio um pouquinho maior do que há dezanos, mas estamos permitindo a realizaçãoe experimentação dentro das condições

    econômicas que se tem.” A criação da ABCA também foi relevante e

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    determinante para que o setor de animaçãode desenvolvesse em território brasileiro. Aassociação desempenhou papel fundamentalprincipalmente pelas ações que desempenhouno campo da política, segundo Leopoldo.

    Por todos os lados, os desaos se impõem.Para animadores, produtores, e tambémpara quem está do outro lado, na criação daspolíticas públicas. Refazer o percurso históricoda animação é importante porque ajuda nareexão que o momento atual exige.

     A busca é por oportunidade de aliar asdiferentes tecnologias e técnicas de animação,especialmente as mecânicas e analógicas

    dentro dos suportes digitais. Isso vai redundarem resultados e possibilidades absolutamentenovos, defendeu Leopoldo. “A realidade digitaltrará grandes benefícios em termos de criaçãoe acessibilidade, mas é preciso pensar sobrea realidade reetir sobre o conhecimentoacumulado da civilização. Não se estácriando tudo agora. A cultura remix é umarealidade, mas não se cria a partir da culturado remix. O remix pode ser comparado com acolagem, que já existiu no passado. Há muitas

    possibilidades de linguagem, mas é necessárioconhecer os clássicos e as linguagens queredundaram as matrizes, os originais. É frutode muita experimentação, erro e defeito,reexão e pensamento”, ele insistiu no ponto.

    No recorte dos desdobramentos econsequências do que vem sendoimplementado em animação no Brasil nas duasúltimas décadas, a criação do Fundo Setorial

    é emblemática no âmbito da política pública. Assim como a implementação da Lei 12.485,que impõe a criação de bons conteúdos.

     “A gente tem uma possibilidade histórica decriar a demanda interna, o que permite umachegada ao mercado internacional com umimpacto que nunca se teve: com diversidadede títulos e linguagens, com oportunidadesde novos negócios. E (estamos) muito mais

    preparados para a realidade do mundoglobalizado do que estávamos dez anosatrás. Fomos atrás dos outros e fomos bemacolhidos. Houve conjunção de fatores e

    pessoas que permitiu esse salto,” avaliou.E, pelo volume de produção que terá de sergerado, o salto será ainda mais exponencial. Aanimação brasileira, para ele, já tem robustez.

    Produção digital para todos

    No âmbito do Ministério da Cultura e daSecretaria do Audiovisual, os frutos dasiniciativas estão surgindo, assegurou LeopoldoNunes. A ênfase na complementação dosNúcleos de Produção Digital (NPD) é um bomexemplo. Laboratórios de apoio à produção,aliados à cinelia e baseados no conceito daexperimentação e da inovação, os núcleoscriados alguns anos atrás estão ganhando

    fôlego novo e destinos diversos. O planoatual é levá-los a todas as regiões do paíse estimular a animação entre a população.

     “Estar para os animadores da geração atualassim como o CTAV esteve para o grupode jovens que, três décadas atrás, estavaviajando para o Canadá e se tornandopersonalidade”, defendeu Leopoldo, numareferência à turma que criou o Anima Mundi.

     “Quando foram criados, os NPD’s eram umacoisa singela em termos de equipamento decaptação digital e em termos tecnológicos.Cerca de um mês atrás, um representantede Roraima disse que lá surgiram, no últimoano, 15 produções em torno desses núcleos.Então, nossa meta é levar os NPD’s a todosos estados. Isso vai permitir muito maiscoisas, inclusive fomentar a animação forados grandes centros”, armou. Com osnúcleos, o objetivo é atender a uma política

    de base de formação de pessoas. Iniciá-lastécnica e intelectualmente, mostrar como elaspodem localizar no tempo e no espaço a suarealidade. Mas nem tudo se reduz ao esquemada tecnicidade. “Precisamos dos técnicos,mas a formação pode ser mais humanística,envolver conhecimento de história das artes,do cinema, da animação”, ponderou.

    No rol de novidades estão também os cursos

    de dramaturgia contemporânea, produçãoseriada para televisão e de preservação digitalque serão oferecidos pelo CTAV. “Vocês são

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    testemunhas e inauguraram essa vocação deformação incutida na missão do CTAV. Dentreos quatro segmentos que estamos lançando,há cursos curiosíssimos, como o de projeçãoem película. O CTAV está voltando aí tambéma um aspecto da sua essência e atividade. O

    setor cinematográco é todo grato. Eu mesmopassei boa parte da minha vida ali, utilizandoos equipamentos”, armou ele.

    Para fechar a fala, Leopoldo lançou aindaoutra questão: a relação da cadeia dos jogoseletrônicos com animação. “Os jogos são umsegmento de varejo, apesar de se utilizaremda banda larga, que fecha a conta super beme é cada vez mais crescente. Já há a discussão

    de signicados, de impacto cultural, porexemplo. Como esse setor e a animação setangenciam?” 

    Cesar Coelho aproveitou para abrir umparêntese e lembrou que o joguinho AngryBirds, aquele dos pássaros enfezadoscriado pela empresa nlandesa Rovio, emdezembro de 2009, já foi alvo de 1,7 bilhão dedownloads. Não é pouca coisa.

    Sérgio Sá Leitão (SMC/RJ eRiolme)

    O Secretário Municipal de Cultura do Rio deJaneiro e diretor-presidente da RioFilme,Sérgio Sá Leitão, tinha pressa. Pediu desculpasporque teria de sair logo após a abertura enão caria para o debate nal. Mas adiantariao que coubesse no seu tempo.

    O Anima Mundi coincidiu com a realizaçãoda Conferência Municipal de Cultura, ele justicou. “O meu grande sonho de infânciaera ser como o Super Dínamo, um menininho japonês que tinha uma copia dele mesmo e,quando precisava salvar o mundo, mandavao robô para a escola”, ele provocou risos daplateia ao lamentar não ter desenvolvido odom da ubiquidade.

     Ao que interessa, avisou o secretário.Retornando ao panorama da animaçãobrasileira traçado por Cesar Coelho, Sérgio Sá

    Leitão expressou otimismo diante do cenário

    atual. E usou uma metáfora conhecida, o copomeio cheio e meio vazio. “Sempre prero veros aspectos positivos, o que evoluiu e cresceu.Faço isso, até para não desanimar”, ele dissecomo enxergava o copo.

     A evolução é visível, segundo ele. A animaçãosaiu de um estado em que era feita porpouquíssimas pessoas, para consumo próprioou para trabalhos universitários, para umaprodução signicativa como se vê atualmente,

    tanto na publicidade como para a televisão. “No que diz respeito aos longas-metragens,ainda estamos engatinhando. Mas o fato é que já avançamos muito também do ponto de vistadas políticas públicas. A partir de 2003, nóspassamos a ter o reconhecimento da animaçãocomo um segmento importante, merecedor depolíticas públicas especicas”, ressaltou.

    Dez anos depois de quando começaram

    as ações do poder público para o setor, omomento é de encarar o desao e resolver asfaltas e pendências. Sem deixar de celebrar

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    o que foi feito, ou seja, constatar que o copoestá meio cheio, é urgente fazer a reexão:

     “O que existe hoje foi o bastante para chegaraonde chegamos, mas não foi o sucientepara darmos o salto que precisamos. Do ponto

    de vista das políticas públicas, conseguimose fomos bem-sucedidos no sentido de criarcondições e estimular o setor para chegaraonde chegamos. Mas a avaliação que faço detudo que zemos até agora não é sucientepara encher a outra metade do copo.” 

    Em busca do grande salto

    Mas que salto é esse? O salto a que o

    presidente da RioFilme referiu-se, dizrespeito ao momento único que atravessaanimação no Brasil. “Pela primeira vez nahistória da produção audiovisual brasileira,que se caracteriza pela sucessão de ciclos,estamos com a possibilidade, de fato, de nostransformarmos numa indústria estabelecida,com alto grau de impacto econômico e,sobretudo, sustentável e com grau dedinamismo muito grande. É uma possibilidadereal. Obviamente, eu me rero ao conjuntodo setor, mas a animação está inserida ai”,reforçou.

    Com um crescimento exponencial – cercade 30% de 2011 para 2012 –, o mercado deTV paga ultrapassou em volume de receitaa TV aberta e passou a ser mais importanteeconomicamente do que a própria TV aberta.Uma situação inimaginável até alguns anosatrás.

     “Mas estou falando de um potencial. Temosa TV paga crescendo, a Lei 12.485 regulandoo setor e criando a demanda pelo conteúdoindependente nacional, no que a animaçãoaparece muito forte. Mas temos o FundoSetorial que não anda. Os produtores sofremcom isso no dia a dia, mas o fato é que nóstivemos, até 2012, uma arrecadação do FundoSetorial em torno de R$ 500 milhões. E quanto

    foi efetivamente desembolsado?”, Sérgio SáLeitão deu a resposta:

     “Segundo a Ancine, até o nal de 2012 saíramapenas R$ 39 milhões para serem aplicadosna produção. Ou seja, menos de 10%. Esteano, até dezembro vamos passar a ter R$ 1,5bilhão do Fundo Setorial. Esses recursos, ébom dizer, são extraídos da própria atividade,

    não é parte do bolo da arrecadação tributáriageral do governo. A gente está falando deuma contribuição recolhida de uma série deatividades e negócios feitos no setor. E nãosomente no setor audiovisual, mas tambémno bolo das empresas de telecomunicações”,expôs.

    É preciso, portanto, buscar o equilíbrio entreoferta e demanda para produção independente

    para TV paga. É fundamental que o FundoSetorial deslanche, defendeu Sá Leitão.Segundo ele, para que isso ocorra, é precisoincorporar dois fatores igualmente urgentes:agilidade e cooperação com o poder públicolocal.

     “O Fundo Setorial deve passar a funcionarpor meio de mecanismos automáticos, comcritérios pré-concebidos e uxo contínuo,não mais fazendo análise discricionária

    dos elementos artísticos do projeto. Issocontribuiria para casar a dinâmica com omercado”, ele explicou.

     As propostas já estão sendo encaminhadaspela RioFilme ao Comitê Gestor do FundoSetorial. Já foram implantadas, em 2012,duas linhas de nanciamento reembolsávelautomático. Uma voltada para produçãoindependente de conteúdo para televisão,

    outra para produção de longas-metragens,ambas incluindo animação. “No caso datelevisão, é o clássico formato já estabelecidona Europa, em que para cada um real queo canal coloca no projeto de produçãoindependente de série feita por produtorano Rio de Janeiro, a RioFilme coinveste maisum real. São dois mecanismos automáticos,republicanos, transparentes, com capacidadede desembolso de no máximo um mês, desde

    a entrada da documentação”, contou ele.Está em análise a proposta feita ao ComitêGestor para que o do Fundo Setorial seja

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    coinvestidor, nessas duas linhas, à basede dois reais para cada real investido pelaRiolme. “Foi uma contribuição que demospara, de certo modo, destravar esse lado doinvestimento público. A gente hoje vive umdescompasso entre a demanda dos canais

    e a capacidade de produção de conteúdo.E o que está gerando esse gap é a falta deinvestimento público”, avaliou.

    Na lista de entraves, outro ponto importante,segundo Sá Leitão, é a estrutura, que incluio custo de produção. O décit ocorre emmuitas frentes: mão de obra qualicada;infraestrutura, ou seja, de parque de produçãoe nalização, o que tem gerado custos; de

    prossionais; de equipamentos, já que osexistentes custam mais.

     “Nossos custos de produção estão muito altosse comparados aos de outros países. O que émaléco não somente para nós, internamente,como diminui nosso poder de atração deparcerias internacionais. Isso é especialmentesensível no caso do longa-metragem. Porquese nós crescemos e nos estabelecemos napublicidade e na produção independente

    para televisão, nessa área ainda estamosengatinhando”, disse. Trata-se, portanto,de um ponto fundamental que precisa serenfrentado: “Se não houver uma preocupaçãoespecial com esse assunto dentro das linhasde fomento, continuaremos na mesma.Ou criamos especicidades para garantir aprodução de longa-metragem, ou não saímosda média de um lme por ano, um lme aqui,um lme ali”, ressaltou.

    E enfrentar a questão, de acordo com SáLeitão, não é apenas garantir linhas defomento especícas para o segmento delongas-metragens. “A gente está falandode uma questão mais ampla. Hoje, a formade estruturação da atividade dá conta dademanda de produção independente para TVe para publicidade. Em geral, nós temos birôsde criação que contratam mais gente para

    produções especicas e encolhem quando oprojeto acaba”, ele comentou o funcionamentodas empresas consideradas sanfona.

    O modo de produção que funciona paratelevisão e publicidade, Sá Leitão sustentou,não é adequado ao longa-metragem,dadas as muitas exigências de um mercadoultracompetitivo.

     “A excelência da produção – no longa-metragem – deve estar em todos os seusaspectos. É preciso avaliar a qualidade etambém o custo. Não adianta dizer que vamosfazer um longa-metragem e que ele custará R$20 milhões, se não sabermos onde conseguiresse dinheiro. Acho que é necessário que agente (Secretaria de Audiovisual, Ancine eRiolme) pare e desenvolva um programaespecico para desenvolvimento da animação

    no Brasil”, disse ele, ao questionar o que vemnesta segunda etapa que se anuncia e em queo longa-metragem aparece como estratégico.

     “Não se trata apenas de oportunidade dedesenvolvimento de um setor que vai gerarrenda e emprego. Isso é importante, mas nãoé só. No que diz respeito à animação infantil,estamos falando do nosso mercado em relaçãoaos corações e mentes do nosso público, dasnossas crianças. Hoje nós entregamos, sem

    nenhuma resistência, um terço do faturamentoem salas de cinema no Brasil para as major . Ano passado, o mercado faturou R$ 1,8 bilhãoe um terço dessa receita foi de animaçõesinfantis, sobretudo as americanas. E nósnão competimos. É curioso, porque nóscompetimos, e muito bem, nas comédias. OBrasil é muito competitivo. Se isolarmos osegmento da comédia na bilheteria, vimosque as brasileiras têm mais market share  que

    as estrangeiras. Mas, no caso da animação,a gente abriu mão de competir. E estamosfalando das crianças, de um público queconsumirá – ou não – o conteúdo brasileirodurante toda a sua existência. Isso é algo querealmente me preocupa. E aí, volto a olharpara o copo meio vazio”, ponderou.

    O momento é chave e exige pressa. Comose resolve a questão do longa-metragem?

    Como dar conta da demanda que já existepara televisão? Responder a essas perguntasde modo assertivo é fundamental para que aanimação não perca a oportunidade evidente.

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     “É preciso estar à altura dessa oportunidade.Precisamos nos preparar para isso. Faço umapelo aos demais órgãos públicos e demaisinteressados: nós precisamos sentar paradenir uma política, programa e conjunto deações especícas para animação, focando

    especialmente no longa-metragem e emformas de se aproveitar a produção paraTV. Se não, talvez nós desperdicemos amaior oportunidade da história da indústriaaudiovisual brasileira. É tarefa de todos nósnão deixar que isso aconteça”, nalizou.

    Cesar Coelho assentiu, agradeceu aparticipação de Sérgio Sá Leitão e fez umanúncio de um projeto que está sendo

    desenvolvido pelo Anima Mundi e o Ministérioda Cultura, com foco em treinamento edesenvolvimento de ponta.

     “A gente vai realizar, em conjunto com umaescola japonesa e a dinamarquesa AnimationWorkshop, uma das maiores escolas deanimação do mundo, uma ocina de conteúdopara animação. É uma iniciativa que vai reunirtrês estruturas e três culturas, brasileira,europeia e japonesa. Serão duas semanas

    em que vão ser desenvolvidos conceitos paraprodutos comerciais de animação, comoséries, longas e microsséries”, anunciou Cesar.

    Na empreitada, cinco artistas brasileirosviajarão, com tudo pago, para a Dinamarca,onde terão palestras e aulas com os melhoresprossionais do ramo. “É pra já, começa aconvocação para os artistas que quiseremparticipar. Haverá uma triagem, obviamente.

    Faremos um website internacional, nas trêslínguas. É uma oportunidade maravilhosa.Trata-se de um piloto, uma primeira, quedepois será mais ambiciosa no sentido detrazer esse treinamento pra gente, aqui noBrasil”, o recado foi dado.

    Kiko Mistrorigo (ABPITV)

    Kiko Mistrorigo, da ABPITV, já perdeu as

    contas de quantos Anima Forum presenciou.E a cada vez que comparece há mais paracontar, discutir, aprender. Na edição de 2013,

    começou animado. Recém-chegado de um

    evento internacional, ele estava cheio deorgulho do que estão dizendo da animaçãobrasileira lá fora.

     “Olhando para trás, a gente vê quanta coisaaconteceu desde então. E tudo aconteceumuito rapidamente. A gente está nummomento super interessante no Brasil. Acabode chegar de um evento na Inglaterra, noqual os animadores e produtores britânicosse encontram com os canais de TV. A gente

    olha aquilo e pensa ‘puxa, que legal, eles seencontram anualmente’. Vendo a organizaçãoda comunicação, senti uma inveja saudáveldesse encontro regular, do mercado maisorganizado. Por outro lado, estava lá a VeraZaverucha, representando a Ancine, e vi queo fato de a Lei do cabo ter entrado em vigormostrou para o mercado internacional quea gente está aqui como parceiro, não comomero espectador. Eles começaram a nos

    encarar de maneira mais respeitosa e não vêmmais com aquelas propostas indecorosas comque nos abordaram nos últimos anos”, contou.

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    Os brasileiros seguem entusiasmados embusca de aprovação no mercado internacional.Mas um pouco mais de orgulho pode fazerbem. “Muitas vezes eu ouvi animador dizer ‘puxa, o canadense adorou o meu projeto’.Mas o canadense faz um produto igual a nós.

    Isso ainda é um reexo do nosso complexo. A Vera (Zaverucha) apresentou todos aquelesdados e os ingleses caram embasbacadosporque não têm mais para onde crescer. Elesolham para o Brasil e o nosso mercado compossibilidade de crescimento gigante de TVpor assinatura, e cam loucos”, Kiko brincouque, obviamente, a apresentação feita pelosbrasileiros não revelou detalhes negativos.

     “Claro que a gente não conta que aqui nãose faz as coisas em longo prazo. O únicolongo prazo que conhecemos é o longo tempoque Fundo Setorial leva para chegar até nós(risos). De tudo isso, a gente não falou, mas aleitura inglesa foi muito interessante. Você vêtanta coisa e ca orgulhoso, porque a gentetem oportunidade enorme de fazer nossaanimação funcionar”, emendou.

    Para inglês – e quem mais quiser –ver 

     A fala entusiasmada veio com outraslembranças. Como o primeiro MIPCON do qualKiko Mistrorigo participou, quando a maioriadas empresas ainda vivia de publicidade, noano de 2004. “Naquela época, você dizia ‘Ah,também faço conteúdo’. A gente usava essaexpressão. E conteúdo não é só virar umbotãozinho e de repente começar a fazer. Empublicidade, o lme tem de ir ao ar no diaseguinte, e eles pagam dali a 30 dias. É muitorápido”, comparou.

     Ao contrário, a aventura do projeto próprioexige tempo. “Quem conseguiu fazer umasérie de animação sabe o quanto é lento.Mas essa velocidade teria de aumentar.Conceitualmente, o Fundo Setorial ésensacional, porque ele passa uma grande

    responsabilidade para o produtor. Tem umgrau enorme de empreendedorismo para aempresa que requisita o investimento e isso

    tudo é interessante.” 

    Kiko Mistrorigo ostenta um dos exemplosmais conhecidos de persistência e êxito com oprojeto próprio. Com o “Peixonauta”, ele disseque já sofreu o que tinha de sofrer:

     “A gente sofreu tanto, que hoje não se sofremais tanto. Na época, não existia nenhumalei na Ancine que cobrisse obra seriada emgeral. A gente estava começando a conversarcom o BNDES sobre a atividade no Brasil. E oconselho que a gente teve foi que juntássemosalguns episódios e entrássemos no edital dolonga-metragem, que existia. Quem pôdesanar nosso buraco foi o BNDES. A empresa

    foi obrigada a passar por uma série de análisesque até então não tinha passado. Foi uma aulade como cuidar e gerir uma empresa. Isso agente usa até hoje”, relatou.

    Ser dono de empresa tem dois lados e não étarefa para todo mundo, ele reforçou. “É muitodifícil. Primeiro, a gente para de desenhar. Nãotem jeito, você tem de cuidar da empresa.Segundo, nem todo mundo tem paciência paraesperar cinco anos por um projeto inscrito

    no Fundo Setorial. Muitos colegas acham quetêm de ter projeto autoral. Não penso assim.

     Acho que eles estão se frustrando, perdendodinheiro e tempo”, armou ele, em francadefesa da coprodução nacional. “A gente fezo ‘Peixonauta’ junto com o estúdio Belli, deFlorianópolis. E deu tudo certo, a relação foiótima, foi uma ideia super legal e camossuper amigos”, elogiou os parceiros.

    Se a coprodução funciona, a ideia dedesenvolver o mercado em lugares maisdistantes já não o anima. “É muito complicado.Se o nosso exibidor é a TV a cabo e o mercadoé animação, a gente tem concentração nasgrandes cidades. É inevitável, nesse momento,que os produtores ou os criadores maisdistantes estabeleçam um diálogo com asprodutoras que já estão mais estabelecidas.Isso é muito mais plausível para viabilizar a

    animação mais imediatamente”, ressaltou.

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    Que se tomem atitudes

    O mercado de animação vai bem, obrigado, ea forte demanda por mão de obra é sinal decrescimento do setor. O poder de atração éforte. Animação, segundo ele, é uma prossão

    imediata. “A gente conseguiu, em algumasONGs de São Paulo, introduzir a ideia deformar animadores. A atividade de animaçãogera uma linha de produção, é fascinante paraqualquer criança. Não necessariamente vocêprecisa saber desenhar ou ser um criador.Em animação, você é um técnico. Isso é umacoisa que a gente vai gerenciando dentro daprodutora”, armou ele.

    É preciso, a partir de agora, pensar mais emlongo prazo, defendeu Kiko. Investimento emprojeto, não em produto nal.

     “Que se façam editais, concursos em que sedesenvolvam 20 projetos e se realizem dois,não sei que mecanismos a gente pode usar,mas tem de ser pensamento em longo prazo.Da mesma forma é preciso pensar sobre opatrocínio, que deveria ter contratos maisextensos. É um pensamento que deve seraplicado a tudo. No Brasil, ainda perdura aideia de imediatismo nos resultados. Se euzer as contas, foram nove anos para fazer o ‘Peixonauta’. Hoje eu não teria essa paciênciade car pensando em uma coisa que fosse aoar depois de tanto tempo, com todos os riscosque eu corri. A ideia é essa. Longo prazo,mesmo. Não é médio, é longo. Se a gentepensa num futuro próximo, tem de pensarnum longo prazo para esse futuro.” 

    Rosária (ABCA) 

     A tarefa de Rosária, atual presidente da Associação Brasileira de Cinema de Animaçãofoi explicar o que está sendo feito em prol dosanimadores, da animação e do setor como umtodo. Não à toa: com mais de 350 associados,a ABCA completa dez anos em 2013.

    Representatividade foi o mote da criaçãoda ABCA, Rosária começou. A associaçãonasceu pela necessidade de organização de

    um setor que movimentava muita gente,

    mas não promovia conexões. “Já existia umaprodução espalhada pelo Brasil e as pessoasque estavam fazendo já se conheciam. Maselas precisavam se organizar e se sentiremrepresentadas em diversas situações, diantedos órgãos do governo, por exemplo,” elaexplicou o surgimento e as atribuições daassociação: “A gente batalhou por editais,por direitos. Há dez anos, a gente trabalhapara tentar representar cada vez mais essesprossionais.”

    Uma das principais preocupações da ABCA éa produção autoral. Segundo Rosária, é esseo equilíbrio que está faltando ao mercadocomo um todo. “O que falta para encher ocopo de que tanto falaram até agora é a genteconseguir não parar de trabalhar. Falaramaqui sobre décit de infraestrutura e de mãode obra e, absolutamente, não concordo. Vejo uma leva inteira de prossionais

    com necessidades que não estão sendoconsideradas”, armou.

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    Falta espaço para o curta, falta espaço paraa experimentação, falta possibilidade decrescimento real aos prossionais. “A genteprecisa trabalhar, precisa ter o dinheiro,mas falta escola. O curta é escola para todomundo. É o que fez o estúdio grande estar

    lá, o que fez o cara que está gerenciando oestúdio grande, que já teve a experiência docurta, inevitavelmente”, armou ela, em defesade formação de excelência e variada.

    É preciso gente nova, mas é preciso, tambémdefendeu ela, “mirar mais adiante”. “Essaspessoas novas, daqui a cinco anos, não vãoter formação. Quem está formando o pessoalque chega é quem já está lá. É muita gente

    chegando, muita gente para formar, mas temum pessoal no meio que não vai ser absorvido.E é isso que está nos estagnando.” 

     A resposta à escassez de produção delongas-metragens, segundo Rosária, não seresume ao investimento. “A gente precisa deexcelência em geral, para se habilitar a fazero longa. Não adianta formar prossionaispara atender a um método só de trabalhar.É lógico que temos de manter o que já foi

    desenvolvido, mas falta o crescimento dosprossionais que estão ali. Você não tem paraonde manda-los.”

     A urgência maior, Rosária nalizou, écontinuar o edital de curtas, o que garanteindependência. “O curta é a formação maiscompleta, a que dá mais inspiração, é ondehá mais troca, e a gente trabalha com quem agente escolhe.” 

    Resumo do dia

    Cesar Coelho realçou o consenso geral deque a animação está mudando de fase. A luta já não é mais pela sobrevivência, ninguémmais vende almoço para garantir a janta,ele brincou, ao fazer uma retomada do quefoi tratado pela mesa. É preciso pensar umaestratégia sólida, competente e ambiciosa para

    o setor.

     “É muito importante pensar e começar a ter

    planejamento estratégico de longo prazo,mudar o escopo dos planejamentos. Isso,para os estúdios de animação, sejam médiosou grandes, é questão de sobrevivência. Ounão se conseguirá desenvolver um parqueindustrial consistente de animação. O que

    acontece agora é que você começa projeto,treina equipe, acaba projeto, perde a equipe.Temos de pensar em agregação, ou seja,treinou a equipe, no próximo projeto melhoraessa equipe. Mas para isso temos de pensarem longo prazo. Também é importante investirem qualidade, em treinamento, na formaçãoda base. Assim como manter arquivos parapreservar a história e ter esse materialdisponível para consulta e retrospectivas.

    Quem está na ponta da produção não pensamuito nisso, mas é também estratégico”,resumiu Cesar.

    Leopoldo Nunes retomou a palavra paraanunciar outras medidas da Secretaria do Audiovisual, além do edital de curtas. “A genteestá retomando o Curta Criança Animação,voltado para infância, mas de lmes autorais,de invenção pura. Além disso, estamos criandoum curso de animação que será implantado

    no CTAV, que ainda será discutido com a ABCA. São políticas que a gente já executouem outros anos com bastante êxito, daí aretomada”, nalizou.

    Kiko Mistrorigo também assumiu a defesa doscurtas. “Tem várias pessoas que trabalhamconosco cujo o teste foram os curtas. Éfundamental que continuem existindo osincentivos. É a hora em que você descobre

    o que tem de talento de verdade dentrode você”, disse. E que o Brasil deixe de sernovidade para o mercado internacional,prosseguiu. “A animação tem de ser pensadade forma globalizada. Nossas séries e longasvão ter de rodar o mundo para fechar a conta.O Brasil está deixando de ser novidade. Nosprimeiros MIPCON, o Fernando Meirelles eraa referência para se falar de Brasil. Agora, ‘A história de amor e fúria’ é o novo marco”,

    fechou a fala.

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    Conversa com a plateia

     A primeira pergunta da plateia veio em formade constatação: todos já assumem que existeuma indústria da animação no Brasil. Tantoque já existe cobrança por gestão e outrosajustes e incrementos nessa indústria.

     Assumindo que se tem uma indústria eque esse é um começo difícil, do que essaindústria mais precisa nesse momento?

    Para Leopoldo Nunes, demanda e mercadointerno existem. “Temos de produzir bastantepara cumprir as cotas exigidas dentro doacesso condicionado da TV paga. Posto isso ecomprovada a profusão de talentos, a questãocrucial é a formação, a preparação para ofuturo, o encontro com o conhecimento, atroca de experiências com outros povos elinguagens. Estamos diante de uma realidadeque talvez não seja um mero ciclo e, de fato,

    a gente entre numa rota de desenvolvimento.Inclusive por uma questão de necessidade desoberania e armação da língua, é essencial

    garantir a formação.” 

     Além de aprimorar o Fundo Setorial e osmecanismos automáticos, respondeu KikoMistrorigo, faltam produtores executivos. “Agente tem necessidade de pessoas que vãoviabilizar as ideias. Muita gente tem ideias, oque falta é viabilizá-las. Falta quem vai colocaro projeto de pé”, o que o mediador CesarCoelho corroborou: “Produtor executivo deanimação no Brasil é uma joia raríssima.” 

    Segundo Rosaria, é preciso formação, mas nãoformação básica. “O que você vai fazer commais 30 pessoas que chegam ao seu estúdiocom uma formação básica? Daqui a pouco,quem vai receber essas pessoas? Obviamente,a longo prazo, só se baixa a qualidade e catudo mais ou menos igual. Tenho amigosque trabalham em vários estúdios e todosestão no mesmo nível técnico e utilizandoo mesmo método. Não há muita escolha,

    tanto faz trabalhar em um estúdio ou emoutro. A formação pode trazer o diferencial,abrir possibilidades para quem entra no

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    mercado saber que essa é uma indústria emfuncionamento.”

    Cesar Coelho, já concordando com anecessidade de capacitação, explicou ocenário: “Tem o pessoal que já é animador

    prossional e o pessoal que está entrando.Falta o pessoal do meio, o animador formado,mas ainda sem muita experiência. E quem éanimador formado, precisa aprender também. A gente aprendeu muito as próprias custas,foi autodidata e é carente de formação de altonível, o que não tem no Brasil. Formação”, elerepetiu.

    O amadurecimento da indústria de animação

    no Brasil vai depender também de paz,pontuou Cesar. “É preciso paz nanceira,acabar com o ‘meu Deus, como vou pagar?’Paz para poder errar. Oito anos, o tempo do ‘Amor e fúria’, é um tempo longo. Mas, paralonga-metragem, não é tão absurdo. Até aDisney já levou dez anos para terminar umlme. A média de produção normal é quatroanos, mesmo na Pixar. Acontece que os carasdemoraram oito anos porque tiveram de pararno meio do caminho. É muito tenso isso. Agente tem de acertar no primeiro tiro. Mudarisso será um pouco de consequência doplanejamento de longo prazo”, completou.

    Não discordando, Leopoldo Nunes, respondeucom uma explicação didática do primeiromovimento de fomento feito no Brasil, nonal da década de 1960, que repercutiue inuenciou o cenário atual. “Em francaditadura militar, o senhor Reis Veloso criou

    a Contribuição para Desenvolvimento daIndústria Cinematográca (Condecine). Elefoi o responsável por toda a transversalidadeda cadeia do audiovisual, econômica e nãoeconômica. Foi colocado ali um mecanismode fomento que nanciou tudo que está noimaginário das pessoas até hoje, desde aEmbralme, inclusive o CTAV. O imposto durouaté 1990. A canetada do Collor, que acaboucom tudo, acabou também com o repasse

    desse recurso. O que houve agora, com oFundo Setorial, foi retomar esse imposto,aprimorá-lo, para poder arrecadar em cimadas empresas de comunicação, o que permitiu

    que se criassem espaços, as demandas dentroda TV por assinatura, do acesso condicionado,com metas a serem cumpridas”, esmiuçou.

    Explicada a origem, a gura do produtorexecutivo, segundo Leopoldo, só faz sentido

    dentro de um contexto que inclui a açãopolítica setorial. “Nos últimos dez anos,zemos mais longas que em toda história doséculo XX. E, no entanto, esses lmes nãotiveram mercado. Tiveram mercado os queestavam dentro da televisão por assinatura. Éimportante ressaltar que o produtor executivoé uma consequência de uma demanda geradapela política setorial, que faz com que ascoisas existam. Poucos anos atrás, a gente

    se deslumbrava, aqui no Anima Mundi, com adiversidade de animação que o mundo todoproduz. E você liga a televisão e vê aquele lixohegemônico, aquela miséria cultural, inclusiveuma produção extremamente neurotizadapara a infância. Era quase tudo assim atérecentemente. Então, houve mudançasubstancial na aplicação das políticas, o queera uma demanda nossa, da classe setorial.Nós fomos lá, brigar, normatizar, regulare, inclusive, recuperar dinheiro para podernanciar nossa atividade. Mas, em qualqueroutra parte do mundo não é comum a políticade fomento. Os EUA, maior sinônimo demercado, não têm política de fomento. Lá,você paga e esse pagamento gera um outrobem. Era assim no Brasil antes de 1960. A Vera Cruz quebrou e fechou para pagar ascontas com o Banespa. O Cinema Novo foinanciado por um banqueiro que patrocinavadiretamente os lmes. Há uma série de

    realidades, hoje, e é preciso ter um referencialhistórico para que as pessoas não pensem queo mundo foi criado dessa forma. A gente foiabrindo a marretadas”, concluiu.

    O cinemão americano já produz lmespensando nos produtos derivados. Oquanto se consegue já elaborar isso noprojeto? Ainda dá para explorar esse

    lão no mercado brasileiro?

    Kiko Mistrorigo – Obviamente, quando a gentefaz o plano de negócios, há uma estimativa

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    de quanto se pode arrecadar com o mercadode licenciamento, que parece uma grandesolução, mas pode ser bom e tambémmais ou menos. A prateleira é uma só e oespaço é nito. Os americanos pensam emlicenciamento porque terão retorno mundial. A

    gente ainda está engatinhando nesse sentido.No mercado americano, o licenciamento geravolumes de dinheiro enormes. A gente olhacom desejo, mas não chegamos nem perto.Um dia, se a gente tiver um hit mundial, talvezconsiga contratos que vendam no mundointeiro. O grande dilema é: vende por que estána vitrine ou está na vitrine porque vende?

    O que a ABCA está pensando sobre o

    curta como escola, sobre a necessidadede convencer o público de que o produtonacional pode ser bom? A lei do curtaestá empacada. O que o Minc estáfazendo? A ABCA pensa nisso como mais

    uma janela, ou é assunto morto?

    Leopoldo Nunes – Com a criação da LeiRouanet, foi tirada a sanção da lei do curta.Não acabaram com a lei, mas tiraram a

    sanção. No Congresso, você vai lidar como lobby dos exibidores, por exemplo, que ébastante forte, já que eles são um dos tripésda existência do cinema. Eles argumentamque a bomboniere, que virou espaçopublicitário antes do longa, representa 40%do faturamento de um lme. A argumentaçãoé que impor o curta seria um retrocesso. A leido curta não existe. Se ela existe é só colocara sanção nela para voltar a ser aplicada. Éuma questão caótica de se enfrentar do ponto

    de vista legal. Por outro lado, os formatoscurtos são atraentes para novas mídias. Nesseambiente de convergência, ele se armou. Oque era o Curta um Curta vai virar um canal,como acontece em outros países. O curta éum formato útil e necessário para a televisãotambém. Você tem uma oferta de títulos paraestoque muito grande e o uso depende muitoda criatividade de quem dirige e opera atelevisão. As pessoas, no entanto, são muito

    conservadoras. As emissoras praticamentereproduzem a grade da Rádio Nacional, criadanos anos 1930. Com o advento da internet,

    você começa a ver de novo a coragem deexperimentar também na programação e naforma de interação com o público. Sempredefendi o curta como mercado, comoeconomia. Tenho argumentos de sobra paradefender sua viabilidade.

    Rosaria – O assunto ainda não está na pautada ABCA. Hoje, mais preocupante, até peloque está acontecendo, é que a gente estejafazendo.

    Considerando a arte e a identidadecultural, qual o caminho que se estátomando? O que as pessoas do ladode fora do Brasil, que estão vendo o

    orescimento da animação brasileira,estão buscando na gente? Franca,EUA, Espanha, Japão, cada um temsua identidade. O que pode nos levar a

    pensar uma animação brasileira? 

    Kiko Mistrorigo – Não sei o que estãobuscando na gente, são manifestaçõesespontâneas. Todo projeto passa por um crivode mercado. Sempre conto que nos eventos

    em que os canais se apresentam para osprodutores, você leva o projeto e ele olha e diz ‘não vai dar’. O cara não quer correr o risco debotar no ar mesmice e falta de ousadia. Atéa TV a cabo botar suas séries no ar, ninguémacreditava. O argumento da Sky para a Leida TV paga era que os brasileiros vão ter deengolir lixo produzido no Brasil. Mas há umasubida de audiência na hora de exibição dosprodutos brasileiros. Isso signica que a gentetem um espaço. Não tem como programar, é

    uma coisa absolutamente espontânea. Mas écerto que a gente pode fazer produtos de altaqualidade.

    Cesar Coelho – A gente vê, no Anima Mundi,1500 lmes por ano, e frequenta festivaisinternacionais. O que identica a animaçãobrasileira? Não sei, também. Mas a genteestá em início de processo, entrando em ummercado de 80 anos. A gente está entrando

    agora e de várias maneiras. A “Históriade amor e fúria” é um lme de adultos. O “Peixonauta” é outra coisa. O fundamental

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    nessa questão é que a gente começa a criar

    vínculos. Quando se começar a falar de Brasil,não vão mais se lembrar do (Carlos) Saldanhaou do (Fernando) Meirelles. Vão lembrar-sede animação brasileira mesmo. A gente estácomeçando a criar uma reputação e isso émais importante que estilo. É importante terum festival com respeito internacional. Aspessoas te reconhecem por valores inerentesàquela atividade que você exerce.

    E os games? Como encaixar a animação

    dentro de outros setores da arte e dacultura pop? 

    Kiko Mistrorigo – Os games, lógico, todos nósqueremos. É um grande mercado do qualcada vez mais se fala. O mercado lá fora éduro e a gente está tentando entrar de umaforma diferente. No Brasil, sempre tem alguémfazendo alguma coisa de game em algumlugar. A gente vai entrar nessa de cabeça,

    fatalmente.

    Que tal aproveitar o SEBRAE para formaros capitães e não apenas os marinheiros?

     Aproveitar os especialistas para pensar aquestão da gestão executiva?

    Cesar Coelho – O SEBRAE tem muito interesse

    em conhecer o mercado da animação. Essarelação com o Anima é uma troca. A genteestá dando a eles o conhecimento de umaárea que até então eles não conheciam, mastêm muito interesse em entender e atuar.

    Leopoldo Nunes – O SEBRAE é uma instituiçãode excelência e sempre aberta a acolher novaspropostas. Criamos um programa internacionalde exportação junto com a PEX e o SEBRAE. A

    gente trabalha de forma alinhada: MEC, MINC,SEBRAE, MCTI, enm, todos que atuam comformação, inovação e tecnologia. Temos 12NPD’s, os Núcleos de Produção Digital voltadospara a formação em conguração digital. São12 centros espalhados pelo país. Cada umrecebe uma pequena quantia de recursos paraformação. São R$ 80 mil para apoiar ações jáexistentes, e existe uma cota para animação.Estamos criando cinco novos NPD’s, com R$200 mil. Estamos trabalhando também como MEC em um projeto chamado Universidadedas Artes, que vai realizar um mapeamentodas universidades e institutos federais.Estamos trabalhando.

    Quais os editais atuais para curtasautorais? Pessoas físicas podemparticipar? Existe uma proposta de ciclos

    de ocinas ABCA/SAV?

    Leopoldo Nunes – Primeiro nada que sefala é excludente, tudo é complementar.Comercial, não comercial, autoral e linguagensformatadas. Um gera emprego, o outrorenova a linguagem. No organograma doMinistério da Cultura, o papel da Ancine éregulação para coibir abusos e estabelecerregras de coexistência. E tem o nanciamentode fomento. Haverá edital de curtas, serão11 editais para usar os recursos até o m do

    ano, e também o edital de longa de baixoorçamento. Todos garantem total diversidadede expressão, o que tem de ser absolutamente

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    garantido nas políticas públicas. O estadoé mediador dos interesses da sociedade. A experimentação e o referencial não sãoexcludentes. Ambos são necessários. É atípicoser iniciante conservador. Como diria o PapaFrancisco, eu estranharia os jovens se não

    se inquietassem. Mesmo que se reduzam aspossibilidades, o espírito de experimentaçãotem de ser garantido. Há um sistema deseleção em que você disputa a sua ideia comoutras ideias. Ali está garantido o espaço paraas obras serem realizadas independentementedo mercado. Mas, lembro que antigamenteisso se dava de outras formas. “O limite”, doMário Peixoto, foi pago por ele mesmo. Aspessoas se viravam e arrumavam recursos.

    Há curiosidades do cinema experimentalsem fomento que você pode atribuir ànecessidade de expressão. Se a pessoa quer,ela vai garantir. Ao estado, cabe garantirespecialmente o curta e o longas-metragensexperimentais.

    Rosária – É muito importante lembrar o quantofaz diferença ter um edital especíco queinclua um júri, um prazo e critérios de seleçãoe escolha especícos. Uma coisa não exclui aoutra, mas é muito desfavorável ganhar umedital que não considera o nosso método deprodução nem o nosso preço.

    Kiko Mistrorigo – Sobre a importância do curtae dessa experiência para os animadores, valelembrar que uma empresa como a Pixar, quee rica, dá liberdade aos seus animadores paradesenvolver seus projetos próprios a horaque quiserem. O dono da Pixar sabe que ele

    absorve bastante dessas experiências.

    Um projeto de iniciativa popular paratentar viabilizar a lei do curta seria uma

    alternativa viável?

    Leopoldo Nunes – Há um canal na Câmara dosDeputados. Você tem de recolher um númeroX de assinaturas, e o projeto vai ser acolhidopor uma comissão. Há mecanismo, mas tem

    de ter capacidade de mobilização. Não é umaluta fácil, mas caminho existe.

    Cesar Coelho encerrou a mesa lembrando quetodos têm ouvidos e olhos atentos à realidadenas várias esferas do governo. “Nós temosum desao grande e havemos de aproveitaressa oportunidade. O Anima faz 21 anos,anal, e testemunha as mudanças que estão

    ocorrendo”, nalizou.

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    7 de agosto quarta-feira

    Masterclass I – Nas trincheiras do Story board – Ennio Torresan 

    Suor, desespero e noites mal dormidas fazem parte do dia a dia de quem vive nas trincheiras dostory board. Desde a sua concepção, dos desenhos mais rudes às suas versões mais acabadas,explorando erros de trajeto e sequências bem sucedidas, esta masterclass traz ao público ossegredos de como se constroem as histórias dos lmes de hoje.

    De desenhista de revistas como “Mad” e “Quadra da praia” nos anos 1980, a responsável pelosetor de animação da DreamWorks, com passagem bem-sucedida pela Disney. Do curta “Aporta”, a episódios de “Bob Esponja”. Formado em Pintura pela Escola de Belas Artes da UFRJ,o animador Ennio Torresan decidiu, em 1986, durante um curso que fez na Casa de CulturaLaura Alvim, que a animação seria o seu caminho. Hoje, aos 49 anos e há 20 radicado nos

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    EUA, o diretor tem muitos lmes além dehistórias para contar. Passaram pelas mãosdele produções que correm o mundo como

     “Madagascar ”, “Kung Fu Panda ”, “Megamente ”e o recente “Turbo ”.

    Para a masterclass do Anima Forum, Ennio

    reservou o que tem de mais pessoal paramostrar ao público: o seu jeito próprio deanimar.

     “Animação é estilo, é estética. Existem astradições da Disney, as tradições japonesas,que são técnicas diferentes em animação. Eelas, conciliadas ao estilo, criam a forma comovocê se expressa. Essa é uma das coisas maisimportantes para um trabalho pessoal: você

    reconhecer qual o seu caminho. Você tomaemprestadas essas técnicas e estilos e cria oseu próprio”. Ele estava apenas começando amasterclass.

    Os quadrinhos franceses, desenhos de pesoscomo Uderzo e Moebius, foram determinantespara as descobertas e opções que Enniofaria. De tudo ele tirou um pouco para deniro seu próprio traço. “Juntei todas essas

    inuências e fui criando um mundo na minhacabeça, juntando pedaços, como uma colchade retalhos. O que eu gosto de fazer, qual aminha tendência, o que mais me afeta, o quemais me inspira?” 

    Na primeira incursão ao mundo da animação,um curso na Casa de Cultura Laura Alvim,ele já entendeu o essencial. “Eu tinha de darum curso de animação no SENAC e não sabianada. Hoje, você tem acesso a informação

    e técnica bem mais do que se tinha naqueletempo. Eu era formado em Belas Artes, masfui fazer o curso para aprender animação eacabei percebendo que eu conseguia juntar asinuências na pintura, quadrinhos e ilustração,e juntei isso tudo num lme só. Vi que aquilotudo tinha muito mais a ver comigo em tempo,em lme, do que separado desses universosque eu visitava”, ele contou, antes de exibir oprimeiro lme selecionado para a masterclass.

    Para abrir a sessão no telão, o primeiro curta, “A porta”, de 1986. Na sequência, viriam o

    cultuado “El macho” (1993) e o videoclipe “A palavra certa” (1997), feito para o cantorHerbert Vianna. Três lmes, três momentosigualmente representativos do estilo deTorresan. Uma amostra de como ele foicriando, desde o primeiro desenho, seu próprio

    mundo cinematográco.

     “Os três lmes vivem o mesmo universo,têm a mesma cara, embora o último tenhasido feito em computador. Eu quis fazer umacoisa com cara de lm board canadense,menos que Disney, menos que as técnicasapuradas de Hollywood, mais independente.E eu queria que vocês notassem isso. Euquase que desenho com mão esquerda o lme

    do Herbert, para car bem básico, mesmo,usando as minhas inuências anteriores”,ressaltou.

     Até aí, tudo foi instintivo. “Eu não sabia nada,não tinha estudado e não tinha adquirido agramática cinematográca ainda.” Na medidaem que o tempo foi passando, o fazer foiganhando signicado. “Muito por causados lmes que a gente vê, a gente acabadesenvolvendo uma linguagem, mesmo sem

    saber. Com o tempo, fui aprendendo a técnica,descobrindo quais são os instrumentos de queeu precisava para contar uma história de umadeterminada forma”, contou ele, que já perdeua conta de quantos lmes fez depois disso.

     “A porta”

     A animação “A porta” foi feita em papel, alápis, e lmado em 16 mm. São 30 segundos

    de lme e 720 desenhos. Primeiro curta-metragem de Ennio Torresan, realizado em1986, foi sonorizado poucos meses atrás.E teve duas exibições na masterclass. Aprimeira, original, sem som.

     A segunda exibição foi completa. O som foiobra do próprio Ennio, com um instrumentoque os animadores de hoje conhecem bem: “Incrível, z isso em duas horas no meu Ipad.

    Hoje dá para fazer um lme fantástico em trêsmeses. O problema é que a concorrência éabsurda. Então, o que é novo? De que forma

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    vocês conseguem quebrar a mesmice e criaruma coisa nova? Tudo é estética. A ideia dosom é que fosse minimalista e fantasmagórico.Meio noir, meio aberto. Esse foi o sommais próximo para o que imaginei para olme. O som e a imagem são duas coisas

    importantíssimas. É preciso casar esses doismuito bem. Não deixar o som para depois. Você conta a história inteira com o som.” 

     “El Macho”

    Lançado em 1993, o premiado “El Macho”, quelevou oito anos para car pronto, foi exibidono telão. Com som.

     “Levei quase um ano para colorir apersonagem. Todas as angulações e corteseram instintivos, eu nunca cruzava a linha de180 graus. Como eu não sabia como respeitaressa linha, fazia tudo com movimento decâmera, que é exatamente o que se faz, éa solução. Eu pensei nesse lme lá pelosmeus 20 anos, terminei aos 28. Uma ideiaque aconteceu num dia e levei oito anospara fazer. São 10’ de lme. Foram doisanos para animar”, contou ele, que foidevidamente recompensado pelo esforço. Veiodaí a temporada na Inglaterra, no estúdio

     Amblimation, para onde Ennio despachou olme assim que o nalizou.

    Sobre as semelhanças entre “A porta” e “ElMacho”, a explicação:

     “Eu via todos os lmes. Não tinha preconceitocom nada. Via “Os Trapalhões”, Buñuel,

    Chaplin. Todas essas produções, por piorque sejam, têm alguma coisa boa para darpra gente. Elas mostram o que não se devefazer. Você tem de ver lmes que você odeiatambém, para saber o que não quer e nemdeve fazer. Geralmente, o escritor assiste atodos os lmes e lê todos os roteiros sobre otema que vai trabalhar. E vê o que foi feito deerrado para corrigir, e o que pode ser criadode novo naquele tema. Se você tem uma

    ideia, veja tudo que já foi feito que tenha aver com a sua ideia, porque provavelmente ela já foi feita”, disse ele. É muito difícil criar uma

    coisa nova. “Até os erros fazem parte da sualinguagem”. Ele relembrou um episódio aindana época do curso na Laura Alvim:

     “Em uma determinada cena de ‘A porta’,quando o personagem entra, e a câmera

    começa a andar para trás junto com opersonagem, eu faço um corte. É o que eleschamam de ‘jump cut’, em que você cortadentro da própria imagem. É um erro. Sóque se você faz o corte no momento ação,funciona. Então, até os erros fazem parte dasua linguagem. Como você corta o clichê e fazcom que o clichê se transforme numa coisanova.” 

    Quando comentou com Daniel Schorr o quequeria fazer, ouviu um “Ninguém nunca fezisso em animação”. “Impossível que ninguémnunca tenha feito isso em animação”, Ennioduvidou. “Em todos os lmes que eu vi,ninguém trabalha com a câmera tanto”, Danielinsistiu.

    Entre outras inuências que teve, Ennio citou ocurta “Fly”, ganhador de um Oscar, Taxi Drivere Jack Jones. Disney, para surpresa de muitagente, nem tanto. Era uma animação muitoaçucarada, apesar do respeito que ele mantéma tradição.

    O que Daniel Schorr falou sobre a animação,Ennio nunca ouvira em Belas Artes. “Tudo játinha sido feito em pintura, pelo menos era oque eu imaginava. Eu não conseguia ver umacoisa que fosse nova. Dava muito trabalhoconseguir alguma coisa nova”, disse.

    E fazer coisa nova era o que ele buscava. “Queria me descobrir, quebrar regras,inuenciar o mundo de certa forma”, armou.Mais tarde, quando fez ‘El Macho’, a surpresacom a própria vontade: “Eu queria que cadacena, cada pedaço fosse uma inovação.Queria trabalhar com a câmera tanto quantocom animação. Na época, os animadores nãotrabalhavam com a câmera rodando atrás do

    personagem, era com a câmera parada. Hoje,isso me ajuda muito. Essa inuência do liveaction ajudou muito, é o que a gente faz. Olme 3D permite isso”, disse Ennio, do alto de

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    uma experiência acumulada também em criar

    soluções de câmera em 2D.

     “Hoje, animação e live action são a mesmacoisa. Claro que dependendo do público. Parao público jovem, a linha tem de ser contínua.Todos os desenhos são feitos de formacontínua não se volta no tempo.” 

     “A palavra certa” 

    Terceiro lme exibido na masterclass, “Apalavra certa” já foi feito em computador, comrecursos do Photoshop. Um clip da música deHerbert Vianna, realizado em 1997.

    Foram dez anos entre “A porta” e “Apalavra certa”. Uma década de muitasexperimentações e outros tantos lmes: “Em Londres, eu fazia fundos, background.Eu queria descobrir minha técnica e minhacor. E nada melhor que produzir fundospara cenários oito horas por dia. Conseguiapintar três cenários por semana. Trabalhavaem papel, ainda não havia computador”,

    ele relembrou a experiência. O aprendizado

    envolveu todas as técnicas de layout para 2D,que ajudaram a desenvolver o que faltava àsua gramática cinematográca, a mesma queutiliza até hoje.

    Ennio foi para a Inglaterra pensando em carseis meses e cou quatro anos. Na volta,queria fazer lme, mas foi convidado paraLos Angeles. Pensou “mais seis meses, depoisvolto para o Brasil”. Está lá há 20 anos. O

    desejo de fazer coisas por aqui sempre existiu.Certa vez, Otto o convidou: “Pô, quer fazerum lme comigo?”. “Não dá, morando aqui,não dá”. “Dá sim, tranquilo, tranquilo”, Ottoinsistiu. Cinco anos depois, o lme “Até que aSbórnia nos separe”  estava pronto.

     “É incrível, toda a tortura que passei e os diassem dormir cam para trás, porque o produtocou tão legal que você esquece o quepassou. Trabalhar num longa, seja ele de custoalto ou baixo é sempre uma tortura. Lá fora ouaqui, a única diferença é o dinheiro que vocêganha. Mas, quanto mais você ganha, mais

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    você gasta. Se você car milionário, vai gastartodo o seu dinheiro”, ele garantiu que nãocou milionário, mas não reclamou do quantorecebe pelos trabalhos que faz.

    No curso da Laura Alvim, você já

    começou a aprender a técnica de storyboard? 

    Eu não sabia que existia story board, fuiaprender animação. Story board eu fuidescobrir depois, quando o Cesar (Coelho)me convidou para fazer o desenho de umlme que ele estava fazendo. Aí eu descobrique existia. ‘Ah, story board? Eu queria fazeranimação’. Depois eu vi a importância do

    story board em ‘El macho’, no que eu z umstory board rápido. Se eu tivesse feito o storyboard direito, todo decupadinho, eu teria feitoum lme um pouco diferente, principalmenteo nal, aquela pan que continua. Claro quetodos os lmes que você faz te incomodam.Depois que você faz, você pensa ‘ai, não queromais ver esse lme nunca mais’, mas você vê olme o tempo todo.

    Parece que os primeiros lmes foram

    feitos à mão, em papel tradicional. Apesar do traço simples no lme doHerbert, já foram utilizadas novastecnologias?

    O lme do Herbert foi feito no papel, a gentepassou no scanner desenho a desenho, nãoexistia Cintic naquela época, e depois coloriuno Photoshop. Mas a intenção era fazer umdesenho com cara de independente, animação

    meio mal feita, a intenção era essa. A músicaé linda, maravilhosa, se o desenho car muitolimpo, ele perde um pouco. A intenção eramesmo ser meio desenho gorila.

    Passaporte para a direção

    Ennio passou adiante para exibir “Teacher’spet”, da Disney, em que fez o story boardpara o ilustrador Gary Baseman. Foram três

    temporadas do programa, Ennio participou dasduas primeiras.

     “Os story boards têm mais a ver com a direçãodo lme do que o próprio diretor. Fui vendo aimportância no tempo e como o story boardinuencia as outras fases, como história,câmera, angulação. Você não consegue animarum lme sozinho, precisa de uma equipe.

    Esse story board foi feito em uma semana efoi direto para a animação. Eles zeram tudoexatamente como estava no story board”,disse ele.

    Por causa de “Teacher’s pet”, que ganhou umEmmy, Ennio foi promovido a diretor. “Elesdescobriram que eu podia ser diretor. Nessaépoca, eu estava saindo da HBO, não tinhatanto nome. Fui para a Disney, mas não tinha

    feito nada para criança ainda, a não ser o ‘Sponj Bob’, que foi feito antes da Disney”,contou.

    Como se faz um lme desses? Ennio Torresanexibiu e explicou a estrutura de produção:

     “O script manda nesse lme. Todos os diálogostêm de ser respeitados. A gente tenta outras

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    soluções e, às vezes, muda um pouco odiálogo de posição. Mas têm de ser respeitadoporque são gravados antes do story board. Agente ouve o diálogo e faz o story board deacordo com o que é dito. Todas as soluçõessão criadas no story board. Essas coisas que

    dão mais vida ao roteiro e que zeram oroteiro car mais engraçado é que me deramessa promoção a diretor. Não que eu tenhafeito essa previsão. O lme podia ter sido feitosó com diálogo, mas não é assim que se fazum lme, com tudo parado.” 

     “Bob Esponja” 

    Ennio Torresan foi responsável pela animação

    de 15 episódios de “Bob Esponja”, daNickelodeon. O trabalho, desenvolvido em1998, foi selecionado para a mostra namasterclass por seguir uma estrutura diferentede “Teacher’s pet”.

    Depois da exibição no telão, a explicação decomo ele recebeu o material para criar o storyboard. A partir de uma página que continha “the bits”, as partes importantes da história.

     “Por exemplo: Bob Esponja em casa, fazendoexercício, mas é tudo falso. Dois: ele pensaque está fazendo uma coisa, mas não está.Depois, outro bit: ele recebe a visita da Cindy,e ela mostra que ele está fazendo tudo errado.Terceiro: eles vão à casa dela. Quarto: ele vaipara casa, frustrado, e tenta encontrar um jeito de car forte. No quinto, ele paga peloerro dele. Mais um: Bob vai à praia, tem umacompetição e ele acaba vendo o problema que

    criou”, e assim foi feito o story board, Enniodemonstrou. “Muitas vezes era preciso recriaro roteiro inteiro. Eu fazia o pitching e cavaobservando a reação das pessoas. Se elas nãorissem, eu já sabia que a piada não estavafuncionando e já jogava aquela piada fora epensava em outra”, ele enumerou o passo apasso.

     “Por isso que ‘Bob Esponja’ é tão mais

    engraçado. Porque segue a estrutura doroteiro, e às vezes a estrutura do roteiromata um pouco a criatividade. É muito

    difícil entender a essência do roteiro, o queele quer dizer com aquela cena. Filmes de7 minutos são diferentes de lmes de 11minutos, que são diferentes de lmes de 20minutos. Quanto mais tempo, mais complexae mais histórias existem. Um lme como ‘Bob

    Esponja’ é dicílimo, tem de ter uma estruturamuito mais forte ou você se perde”, ele contoue exibiu o story board para a plateia. Era tudofeito em papel.

     A equipe era de três pessoas. “Ficava tudopendurado na parede. O escritor vinha, o carada voz vinha, e cada um dava um pitaco, umaideia, até a coisa car realmente engraçada”,ele seguiu mostrando a sequência do story

    board: “O lance do Bob Esponja é que elepode fazer qualquer coisa, não tem limite”,Ennio falava os diálogos enquanto exibia osdesenhos. “Vocês conhecem, o cara é um semvergonha, lho da mãe, um sarcástico, e o BobEsponja não faz a mínima ideia do que estápor trás do diálogo do Lula Molusco.” 

    Como fazer rir

    Comédia tem técnica, Ennio explicouo princípio do que funcionava em “Bob “Esponja”: dois comediantes, um do lado dooutro e trabalhando juntos, fazem esquetesmais engraçadas. “Um dos comediantes temde ser o atliner, que só ca engraçado se háo outro, o cara que vê aonde ele está indo,mas não consegue impedir aquilo. O wav lineé o personagem limitado. E aquilo é cômico.No ‘Bob Esponja’, o Lula Molusco representaa gente. Ao extremo. Quando você zer dois

    personagens, quanto mais contraste, melhor.Um tem de ser o oposto do outro. Quantomais opostos, mais cômico.” 

    Mais um episódio no telão, desta vez, Bobca forte e musculoso, e mais histórias. Enniocontou que a razão de sua entrada para aequipe de “Bob Esponja” foi justamente o seucurta-metragem mais famoso, “El macho”. Masnão o “El macho” que ele exibiu e que todos

    conhecem, e, sim, um feito para a HBO, numatentativa de venda que não foi adiante.

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     “A loucura toda do personagem acontece naprimeira temporada. O Stephen (Hillenburg)chegou para mim e disse ‘Ennio, I have ascript for you like El macho”, Ennio provocourisos na plateia com a imitação que fez docriador do “Bob Esponja”.

    Depois do lme, Ennio explicou a diferençaque a piada faz. Como trabalhar com clichêpara que ele que novo? O segredo é asurpresa.

     “O segredo desse lme é a relação entreos personagens e como as piadas podemfuncionar. O cara pequeno que leva porradaé cômico. A partir da hora em que a âncora

    pega o cara, você já está preparado. Existeuma forma de sacar quando a gente está nafrente do lme e quando a audiência está nafrente do lme? Se a audiência sabe o queestá acontecendo, ca chato. Se o lme passaà frente, é exatamente aí que a plateia cainteressada. Seja um lme de arte ou lmeclichê como ‘Bob Esponja’. Colocar sombra éuma ótima solução para surpreender. Quandoa sombra vem, eis a piada. Quando ele saicorrendo e começa a dar voltas pelo campo,

    a gente fez uma coisa que é ‘milking the jocke’, algo como ‘tirar leite de vaca’. A piadavai cando melhor quanto mais tempo vocêfaz o cara fugindo da sombra, quanto maisdesesperado ele ca. Quando ele bate alinão é engraçado, mas é a chave que fecha apiada. É uma linha muito perigosa entre carengraçado e não ter graça alguma”, explicou.

    Como garantir a piada? “Não mostrar a

    âncora batendo no cara. A piada está no caracontinuar fazendo o trabalho dele, nunca sairda linha. A função dele é medir a distância. Nonal, fazendo que ele fale a distância, com vozde quem acabou de ser esmagado, mantém-se a coerência. É assim o tempo todo: comofazer com que as piadas funcionem, emboratenham sido feitas um milhão de vezes. Éextremamente complexo garantir que ospersonagens não se percam. Não sei como

    os caras conseguem fazer episódios novos,diferentes. É muito difícil. ‘Bob Esponja’é assim. A equipe toda teve de sair e serrenovada, depois de tantas temporadas.

    Depois de cinco anos, você enlouquece. Umcara que fazia story board virou produtorexecutivo. É assim que ele se mantém lá atéhoje.” 

    Na sequência, Torresan mostrou um pitch

    inédito para a plateia: ‘Sponj board’, ou BobEsponja tentando surfar. “A ideia inicial erafazer ‘Bob Esponja’ em três minutos. Maso formato de 11 minutos funcionou tãobem, que eles acabaram desistindo dos trêsminutos”, ele explicou, depois de exibir o storyboard feito antes do primeiro episódio que elefez de fato. Durante a exibição, ele fazia osdiálogos, os sons do Bob e todos os outros.Sem vergonha alguma. E fez a plateia rir e

    aplaudir.

    Da televisão para o longa-metragem

    Depois de “Bob Esponja” veio a Disney e delá ele quis deixar a televisão e rumar para oslongas-metragens.

     “Demorou um tempo para eu entender comose pensa e como se faz um longa-metragem.É completamente diferente da televisão. Vocêtem de se preocupar com tantas coisas, queé preciso esquecer o que aprendeu. Você temde se reinventar e aprender tudo de novo. Tivede começar e aprender fazendo na prática.Li muitos livros e z cursos de roteiro. Hoje,faço cursos de atuação também. Tudo paraentender como posso trazer isso para o meutrabalho. Isso ajuda muito a forma como façostory board”, ele contou.

     A exibição seguinte foi um clip de “KungFu Panda 2” em duas versões: a versão destory board feita por ele e a versão nal. A sequência é aquela em que os cincopersonagens principais vão para uma vila quefoi atacada pelos lobos. “A primeira versãofoi feita com script, e não deu certo. Todosos longas-metragens são feitos, pela primeiravez, totalmente errados. É assim que se

    pensa. Não sai certo da primeira vez. E esseé um exemplo de uma primeira versão ou de ‘como eu z errado’. Dez versões depois, vocês

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    vão ver o que cou na tela”, ele exibiu.

     “A diferença entre um e outro é absurda. Nãotem nada a ver uma coisa com a outra. Noentanto, a ideia é mesma, não mudou. Àsvezes, você escreve o roteiro e depois tem de

    voltar e reescrever tudo. Write and rewrite,board and reboard, é isso que as pessoasfalam lá. Fazer o story board é refazer o storyboard. Você faz a versão errada até fazer aversão certa. É como um diamante, que vocêlapida até que ele que da forma que vocêquer que ele que. Mas a ideia principal temde funcionar dentro do roteiro, tem de ter umafunção dentro do lme.” 

     “The bulletproof sequence”  A próxima sequência foi de “Madagascar 2”e tinha uma razão especial para ser exibida.Trata-se de um exemplo de aprovação, já nasegunda versão, de um story board que valeupara o lme inteiro.

    Marty, a zebrinha que sempre quis encontrarum grupo para se encaixar e chamar de seu,é o ponto de partida da sequência. “Essaé a razão dele no lme, e ele encontra ogrupo. Mas quando encontra, não é o que elequeria, ele queria outra coisa. O dilema deleé um reexo da própria vida. Cuidado comos desejos, eles vêm com efeitos colaterais”,ele disse. “Fiz o story board em três dias. Foimuito rápido, e essa foi a segunda versão. Euhavia feito a primeira versão, pediram algunsajustes, e, na segunda, os diretores disseram ‘perfeito, vamos animar’, e cou no lme

    inteiro. Nem limpar foi preciso, cou perfeitodo jeito que estava. É raro acontecer”, Ennioressaltou, antes de mostrar o seu exemplo doque eles chamam ‘the bulletproof sequence’.

    Ennio exibiu outras duas sequências de “Madagascar”. Nos dois casos, tanto a versãodo story board como a versão nal. A principaldelas, com Julien, o autoproclamado rei, umdos personagens preferidos de Ennio Torresan.

     “É fantástico trabalhar com o Julien porqueele é um sociopata totalmente inesperado.

    E personagens inesperados são um mundorico para se trabalhar e fazer com que elestomem vida. Herói é difícil porque, em geral,eles são muito chatos. O Julien é um sociopatamais legal de fazer porque é cômico, nãose preocupa com a vida dos outros. Ele é

    mínimo, não tem poder nenhum no lme, nãoconsegue nada, e essa é que é também acomédia do personagem. A gente inventa um jeito de, sem querer, ele conseguir aquilo. Éa linguagem do lme. Ele se autodenominourei dos animais, e todos aceitaram aquilo.É absurdo, mas ca engraçado, e a genteconsegue se relacionar até politicamente comaquilo. Isso reete uma coisa da nossa vida, eca engraçado.”

    Durante a produção, cada lme tem dezexibições. Uma a cada três meses. Ennioexplicou como se dá o processo:

     “A primeira vez é todo story board. É sempreuma porcaria. É terrível, a turma já seprepara para ver a reação dos executivos. A segunda versão pode vir com as mesmasobservações, porque a gente recebe as notasdos executivos especialistas em roteiro.

     As notas que vêm dos executivos não sãoincorporadas por uma questão de tempo. Dezvezes isso acontece até o m do lme, a cadaetapa vão sendo incorporadas as partes que já estão terminadas. Lá pela sexta versão dolme é uma bagunça. De repente a gente vêque a cena está uma porcaria e joga fora. Oproblema é quando a gente começa a fazerexibição para a plateia, para ouvir o que aspessoas acham. Tem de deixar bonitinho ao

    máximo, para que a plateia não tenha choquecom os desenhos no papel. No entanto,acontece um fenômeno: se a história funciona,o contraste entre o desenho e a animação seperde e a pessoas conseguem ver a história. Eaquilo funciona mesmo com partes separadas”,ele esmiuçou a odisseia que dura em médiatrês anos.

    Clip de “Megamente” no telão, novamente

    Torresan reuniu pedaços de várias etapas daprodução para mostrar para a plateia.

     “A primeira parte está bem mais próxima do

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    nal. As primeiras versões dessa sequênciaeram bem diferentes dessas, têm pedaços devárias épocas, vários artistas. O desenho mudamuito. A minha parte é construir a cidade em

     After effects e colocar o personagem andandode cima para baixo, para pegar o movimento

    de câmera todo. Desenhar a cidade emmovimento era insuportável. Então, era maisfácil construir em After effects e depois colocaro desenho dos personagens, para que o storyboard casse o mais parecido com o lmenal”, explicou.

     A primeira vez

     A história dos longas-metragens seguiu com

     “Turbo”, o primeiro em que Ennio se conectavadiretamente com o diretor.

     “Nós criávamos a cara do lme, ele conavaa mim a cinematograa. ‘Turbo’ tem muitoa ver com ‘El macho’, com ‘A porta’, com omovimento de câmera e como os personagensfuncionam. A primeira sequência que eu z,ele não mudou de jeito nenhum. E foi essasequência que deu a cara do lme. Demorouum pouco porque ela era cheia de problemas.

    Era a sequência que nós chamamos de ‘spider bit’, a mordida da aranha, que é omomento em que o Homem Aranha ganhasuperpoderes. É isso que acontece com oTurbo: no momento em que ele é injetadocom ácido nítrico, ele ca super poderoso”,Ennio contou que teve de estudar mecânica decarro e sobre a anatomia e estrutura molecularsanguínea de caramujo.

     “O roteiro dessa sequência tem uma página,sem diálogo nenhum. Falava assim: Turbo saide casa, deprimido, vai até a freeway, que fazcom que ele sinta a vontade de ser rápido. Éo momento do desejo. Nós escrevemos ‘euquero ser rápido’, mas tiramos, porque umavez que ele é rápido, acabou o lme, já queele ca rápido nos primeiros 20 minutos.Então, nós tiramos e cou só ‘eu quero ser’. Assim o espectador ca sem saber. O que

    ele quer mesmo é ser diferente do que eleprecisa. O que ele precisa é ser diferente doque ele quer. Isso é clichê, todo lme de herói

    tem isso”, ele acentuou.

    Ennio fez o pitch do story board. “Só z o storyboard duas vezes. Praticamente não mudounada. Muitas sequências caram do jeito queforam criadas. Tive muito mais inuência

    nesse lme do que nos outros, nesse sentido.” 

    Também em duas versões, o diretor exibiu oclip, devidamente explicado tal qual ele faz nasregiões de trabalho: com narração, simulaçãode movimentos de câmera, ponto de vistado personagem, cada tum tum. “Turbo sai,passa pela calçada e vai até a ponte. Insetovoando rápido, chuva caindo, tudo é rápidoao redor dele, menos ele. A câmera vai atrás

    e se posiciona entre os olhos dele e ele tem odesejo. O caramujo se esconde e vê o mundopassar através do buraquinho. O vento doscarros faz com que ele voe para o outro ladoda freeway. A câmera se afasta, gira, passapor dentro do motor”, ele encerrou e passoupara versão limpa: “O caramujo na rua, depois

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    na ponte, olhando os carros, a velocidade,o desejo, ‘ai eu quero ser’. Um avião, antesera o helicóptero, o vento o empurra para asplantas. Pow, ufa, o mundo começa a tremer,vruummmmm, pow. Outro ângulo, maisoutro ângulo, o carburador, pá, perseguição

    de carro, os olhos, a corrente sanguínea,moléculas rodando como pneus de carro”,Ennio fez uma performance digna de muitaspalmas da plateia.

    O clip seguinte foi a demonstração de umadas etapas da sequência pronta para a quartaexibição, já com som e partes de layout,animação e de story board. “Vocês vão verque praticamente não mudou nada desde a

    primeira versão.” E, por m, Ennio exibiu a versão que foi paraos cinemas.

    Para encerrar, o trabalho que fez com Otto, “Até que a Sbórnia nos separe”, lme feito àdistância. “É um lme mais artístico, um lmemais lento. São dois universos diferentes. Masainda assim eu não quis perder a minha visão,a minha gramática cinematográca. Gostomuito e tenho outros projetos independentesque estou tentando levar adiante. É tão difícilpara mim como para vocês. Conseguir direitosautorais, nanciamento, é um caminho longoe tortuoso e muitas vezes não dá certo.Muitos dos meus sucessos se incompassam defracassos. São 20 fracassos para um sucesso,isso também funciona para mim. A batalhaé a mesma. ‘Até que a Sbórnia nos separe’cou de uma riqueza absurda. Eu z o story

    board no Tumbnails e eles zeram um trabalhoincrível de transformar aquilo em lme.Eram mais ou menos de 25 a 50 pessoas naequipe do Otto. Um lme como o ‘Turbo’ tem1500 pessoas. Como a gente seguiu muito aestrutura do roteiro, até que cou mais barato,só $ 70 milhões”, disse.

    Com o clip, Ennio Torresan encerrou aapresentação de 25 anos de carreira em três

    horas.

     Algumas fases do story board contêmáudio. Você costuma colocar efeitos de

    áudio já nas primeiras fases? Você acha

    isso importante?O Animatic foi inventado para ajudar osexecutivos a verem o lme além do storyboard. Eles não faziam a mínima ideia doque era aquilo, então a gente pegava o storyboard, lmava e colocava o som provisório.No início do lme, nem sempre a gente temos atores, mas os substitutos. A música étemporária, os efeitos, o som dos atores, tudoé temporário. Conforme vai evoluindo, a gentevai inserindo o ator certo. No entanto, o som,os efeitos e a trilha são sempre emprestados. A loucura é que a gente constrói o lmebaseado naqueles efeitos especiais, por trêsanos, quatro anos, e tudo é emprestado.Existem os editores que são especializadosem música, que têm memória musical econseguem saber qual música ca melhorali. Essas pessoas valem uma fortuna. E osefeitos especiais são feitos por um assistente

    desse editor. A equipe de edição tem cincoprossionais, cada um fazendo uma parte. Edepois eles têm de reinventar isso tudo para

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    remixar o lme quando ca pronto. Por m,o trabalho de três anos e meio tem de serfeito em duas semanas. O lme tem de serreinventado sonoramente. O diretor tem derefazer o lme inteiro. Ele já está exausto eainda tem de viajar pelo mundo para refazer

    essa parte, porque a orquestração na Europa émais barata que nas Américas.

    Qual o nível de liberdade criativa quevocê tem na grande indústria? Que tipode informação você recebe e de quem?

     A gente não recebe nada. Apenas o roteiroe, às vezes, uma informação do que estáacontecendo e porque o personagem está

    pensando daquela forma. A gente trabalhadireto com diretor, produtor e editor paradenir para que serve e, qual a importânciadaquela sequência. �