relações entre roma e germanos a partir da germania de tácito

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1 Júlio César de Paula RELAÇÕES ENTRE ROMA E GERMANOS A PARTIR DA GERMANIA DE TÁCITO Trabalho de monografia apresentado à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica do curso de História. Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador : Prof. Dr. Renan Frighetto CURITIBA 2007

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Page 1: relações entre roma e germanos a partir da germania de tácito

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Júlio César de Paula

RELAÇÕES ENTRE ROMA E GERMANOS A PARTIR DA GERMANIA DE TÁCITO

Trabalho de monografia apresentado à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica do curso de História. Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto

CURITIBA 2007

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SUMÁRIO Introdução......................................................................................................................01

Capítulo I........................................................................................................................03

Capítulo II......................................................................................................................12

Capítulo III.....................................................................................................................18

Conclusão.......................................................................................................................31

Referências bibliográficas.............................................................................................33

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3

INTRODUÇÃO

A partir do período do Renascimento, começou-se a construir uma visão

estereotipada dos povos “bárbaros”, em especial, dos germânicos, que, em maior

intensidade, migraram para regiões do Império romano. O movimento iluminista

reforçou o estereótipo do “bárbaro” enquanto destrutor do Império, dando fim à época

clássica, período considerado por esses dois movimentos filosóficos como o auge da

História. O que se seguiu às “invasões bárbaras” teria sido um período de decadência,

onde a religião cristã ocupou um espaço importante na sociedade européia.

Renascentistas e iluministas concordavam que a época medieval representaria um

retrocesso em relação à Antigüidade greco-romana. O próprio termo “invasões”

utilizado por eles dá uma idéia de agressividade, de violência.

Uma mudança no olhar sobre os “bárbaros” aconteceu no século XVIII, com o

movimento romântico, que procurou valorizar, ao seu modo, a Idade Média. Ainda nos

séculos XX e XXI, o estereótipo do “invasor bárbaro” continua forte no imaginário

popular, ao contrário do que acontecia na historiografia, que passou a rejeitar as antigas

maneiras de compreender esta matéria. Contudo, a visão ideológica construída pelo

Renascimento e pelo Iluminismo permanece, muitas vezes fazendo-se uma associação

entre “bárbaros” germanos e uma idéia negativa e preconceituosa sobre a Idade Média.

Os conceitos sobre a relação entre romanos e germanos também mudaram. Não se

considera mais, como ainda faziam alguns historiadores do século XIX, que os

germanos destruíram o Império. A historiografia contemporânea, representada

principalmente por Riché e Lot (citados por Maria Sonsoles Guerras), entende que o que

aconteceu de fato foi uma progressiva tentativa de integração entre os germanos e o

Império romano, tornando-se um processo violento à medida que a pressão dos hunos

obrigava os germanos a emigrar para o oeste. Antes disso, ao longo dos séculos,

indivíduos germânicos vinham se estabelecendo nas áreas limítrofes do Império através

de federações, além, é claro, dos que serviam no exército romano. Igualmente o

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4

professor Fergus Millar admite essa teoria de aproximação mútua e convergência de

interesses. 1

Para o período da Antigüidade clássica, temos poucas fontes para o estudo dos

povos germânicos, sendo que as escritas são gregas ou latinas – os germanos não

registravam a sua história no papel, tendo o canto um papel importante na manutenção

de sua tradição. O auxílio vem da arqueologia, que confirma ou não o escrito nas fontes

greco-latinas, além de complementá-las, o que é uma novidade do século XX. Uma

visão germânica vinda deles mesmos fica, então, difícil de se obter. Utiliza-se, assim,

dentre outras, a Germania de Tácito. 2

O que chama a atenção na referida obra não é somente a quantidade abundante de

informações sobre as tribos germânicas, mas também o modo como ele escrevia,

revelando certa admiração pelo seu objeto de estudo. Sua visão sobre esses “bárbaros”

contrastava com a ideologia romana. Segundo Paul Veyne, a noção de barbárie tinha

sentido de selvageria e incultura, em oposição à de humanitas, que designava o grupo

dos homens que eram instruídos e que tinham conceitos avançados de justiça. Maria

Helena da Rocha Pereira concorda com tal definição e acrescenta o papel de Cícero para

a condensação do termo, sendo o famoso orador e filósofo latino importante fonte para

o estudo deste vocábulo. 3

Tácito foi (e ainda é) a principal fonte escrita para o estudo da civilização germânica

na época clássica, como também para o século I d.C., em geral. Rostovtzeff, por

exemplo, julga que Tácito tenha sido o último grande escritor latino. 4 O seu conhecido

estudo Germania é fundamental para conhecermos muitos elementos da história desses

povos, e é este que analisaremos na presente monografia, colocando-o em seu contexto.

1 MILLAR, Fergus. El Imperio Romano y sus Pueblos Limítrofes. Madrid: Siglo XXI de España

Editores S.A., 1973. 2 GUERRAS, Maria Sonsoles. Os Povos Bárbaros. São Paulo: Editora Ática, 1987, pp. 5-8. 3 PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Estudos de História da Cultura Clássica. II Volume – Cultura

Romana. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2002, p. 425; VEYNE, Paul. Humanitas: Romanos e

Não Romanos in GIARDINA, Andrea (org.). O Homem Romano. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p.

283. 4 ROSTOVZEFF, M. História de Roma. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1961, p. 202.

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CAPÍTULO I

A partir do século II a.C., foi possível se notar uma crise na República romana, que

se iniciou com a morte dos irmãos Graco5 e cujas conseqüências foram instabilidade

política e social, levando a República a recorrer às ditaduras com mais freqüência. No

entanto, no século I a.C., essa situação tornou-se mais crítica, resultando em mais casos

de ditaduras, que se tornaram pessoais, principalmente com Sila e César. 6 As grandes

guerras civis apareceram no cenário de Roma: César contra Pompeu e depois Otávio

contra Antônio. A instabilidade era reinante e a República via-se ameaçada por homens

que tendiam ao poder pessoal do tipo monárquico. César demonstrou certa inclinação

para esse tipo de governo, o que foi suficiente para que um grupo de senadores liderados

por Cássio e Bruto executasse seu assassinato, que seria, segundo esses aristocratas, um

tiranicídio.

Com a morte de César, seu sobrinho-neto Otávio reclamou para si a herança política

do conquistador das Galliae. O mesmo o fez Antônio, que tinha no Egito uma aliança

com Cleópatra. Otávio acabou aglutinando as forças mais conservadoras da sociedade

romana: estavam ao seu lado os mais fervorosos republicanos, do partido dos

Optimates, entre eles, Cícero, o opositor de César, que agora não via alternativa a não

ser ficar ao lado do filho adotivo de seu antigo rival, já que as forças antonianas

representavam um perigo muito maior à tradição republicana romana. Antônio, por sua

vez, reunia forças que tendiam muito a um tipo de monarquia helenística, cujo modelo

político-administrativo era fortemente repudiado pela aristocracia romana, que não

aceitava um governo onde um homem detivesse poderes absolutos. De uma forma ou de

5 MENDES, Norma Musco. O Sistema Político no Principado in SILVA, Gilvan Ventura e MENDES,

Norma Musco (org.). Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e

Cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória, ES: EDUFES, 2005, p. 22. 6 Frighetto explica como no século I a.C. as ditaduras, quem eram magistraturas excepcionais, concedidas

pelo Senado, se tornaram pessoais. FRIGHETTO, Renan. Algumas considerações sobre o poder

político na Antigüidade Clássica e na Antigüidade Tardia, in Stylos 13, Buenos Aires, pp. 38-39.

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outra, a República tradicionalmente conhecida pelos romanos estava com seus dias

contados. 7

Antônio representava o Oriente – helenizado, próspero e civilizado –; Augusto o

Ocidente – bárbaro aos olhos de muitos gregos, e com províncias que nem sequer

podiam ser consideradas civilizadas, a exemplo da Hispania e das Galiae. Os dois

representavam também duas concepções diferentes de poder: ao primeiro, interessava

um poder monárquico de caráter divino, seguindo a tradição faraônica do Egito de sua

concubina, a rainha helenística Cleópatra VII; ao segundo, o importante era respeitar o

mos maiorum – a tradição dos ancestrais, fundadores da Res Publica – ao mesmo tempo

em que sabia que deveria aperfeiçoar o sistema político, que já não era capaz de garantir

a paz interna do Res Publica.

Os exércitos de Otávio conseguiram, enfim, a vitória sobre os de Antônio, na

Batalha de Ácio, em 31 a.C., o que representou, para o momento, o fim do perigo da

monarquia oriental, em que se inspirava Antônio, o que transformaria os cidadãos

romanos em simples súditos do monarca. 8 O triunfo de Otávio foi, ao mesmo tempo, o

triunfo de uma concepção mais moderada de poder pessoal e da continuação, sob outra

forma, da Res Publica.

Após ter vencido aqueles que ameaçavam a integridade do território romano, Otávio

saiu como o único a ter uma aparência de legalidade dentro da lógica do poder pessoal.

A República precisava de um protetor, e este era legitimado na figura de Otávio. O

Senado e o populus sabiam disso e acabaram por aceitar esse novo tipo de organização

política.

Assim, começava a haver uma reorganização do poder em Roma, com a formação

do modelo do Principado, transformação esta que nos ajuda a compreender os fatos

ocorridos nos séculos I e II d.C..

Uma mudança substancial ocorrida na transição da República clássica romana para

o Principado foi o fato de que agora a liderança de Roma não se manifestava naquelas

pessoas que atuavam politicamente como cônsules ou senadores (como Cipião

Emiliano, Pompeu ou Cícero). Agora, a partir de Otávio, a liderança era confundida

7 Na opinião de Grimal, “desde Sila, era evidente que la ciudad romana no podía prescindir de un

‘protector’”. GRIMAL, Pierre. La Formación del Imperio Romano. Madrid: Siglo XXI de España

Editores S.A., 1973, p. 169. 8 GRIMAL, Pierre. Ib, ibid., p. 207.

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com a própria figura do princeps, que deveria honrar essa posição, sob pena de ser

desacreditado perante o Senado e as legiões.

O princeps não se definia a si mesmo como monarca, pois governava com o aval do

Senado – e este funcionava com o aval do princeps, Otávio, que foi aclamado Augustus

(divino) pelos senadores. Ele se via a si mesmo como o “primeiro”, o que queria dizer

que era o primeiro acima de um grupo (o Senado): o primus super pares. 9 Enfim, era o

“primeiro dos cidadãos”, não propriamente um monarca.

O governo de Augusto foi marcado pela paz interna e por uma reduzida expansão

externa. A reorganização do poder, com a progressiva partilha com os membros da

classe eqüestre e com as aristocracias provinciais, propiciou, senão o fim das grandes

rivalidades, um enfraquecimento das mesmas. Sobre os cavaleiros, em especial, é

preciso dizer que ascenderam ao poder em Roma a partir do governo de Augusto e

desempenharão, a partir daqui, um papel importante na administração. A eles era

concedido o ingresso no cursus honorum e até no Senado, desde que tivessem o censo

mínimo de 400 mil sestércios. 10 Scullard cita o período entre 18 a.C. e 4 d.C. para

demonstrar que, até este momento, a maioria dos cônsules era de origem nobre, sendo

que, a partir deste período, existe um aumento de noui homines (“homens novos”). 11

Como veremos no próximo capítulo, o próprio Cornélio Tácito, de quem utilizei as

fontes, era um “homem novo”, pois provinha da classe eqüestre, sendo originário da

província Narbonensis.

No plano externo, fora os territórios readquiridos com a vitória sobre Antônio e

Cleópatra, não houve grandes avanços. Mas havia, contudo, quatro situações que

precisavam ser resolvidas: as fronteiras com a Germania, as com a Dacia, as com os

citas e as com os partos.12 Trataremos especificamente do problema germânico para a

política externa romana.

A região denominada pelos antigos como Germania não era de interesse romano até

então. Era um país frio, de muitas florestas e de terreno pantanoso, de difícil acesso, e

que provavelmente não esconderia nenhuma grande riqueza, pois os seus habitantes não

davam demonstração de civilização. Mas a agitação que as populações dessa terra

9 MILLAR, Fergus. Op. cit., p. 31. 10 MENDES, Norma Musco. Op. cit., p. 28. 11 SCULLARD, H.H. From the Gracchi to Nero – A History of Rome 133 BC to AD 68. London:

Routledge, 1982., p. 225. 12 GRIMAL, P. Op. cit., p. 230.

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provocavam fez com que a atenção dos romanos se voltasse para lá. Alguns episódios,

como a incursão dos cimbros e dos teutões sobre território romano entre os anos de 113

e 105 a.C. – quando foram derrotados por Caio Mário – ou a expedição do Suevo

Ariovisto na Gallia em 58 a.C. – sendo derrotado por Júlio César –, mostraram a Roma

que a mera permanência desses povos belicosos e não-romanizados próximos à sua zona

de hegemonia poderia causar problemas (assim como havia sido com os celtas durante

séculos). 13

Sob o governo de Augusto foram organizadas com mais freqüência expedições para

a região do norte da Itália, assim como nas imediações dos rios Reno e Danúbio.14 O

objetivo inicial ali era pacificar os povos dos Alpes e os que viviam mais ao norte, para

assim proteger a Península Itálica. O ano de 15 a.C. marcou o início da pacificação

definitiva da região alpina; as tropas romanas comandadas por Druso obtiveram vitória

decisiva sobre as tribos montanhesas da Vindelitia (região da atual Bavária). Foram

criadas, então, as províncias de Noricum e de Rhaetia, que protegeriam a Italia das

incursões germânicas. 15 Em 14 a.C., foi criada a província dos Alpes Maritimae. A

pacificação estaria concluída no ano 6 a.C.. Um pouco mais a leste, entre os anos 13 e 9,

Tibério e Agripa conquistariam a parte de terra entre o Danúbio e a costa da Dalmatia.

Com esta última conquista criar-se-ia a província da Pannonia e encerrar-se-ia o ciclo

de expedições que visavam formar um cinturão em volta da Italia, com a finalidade de

não permitir a expansão germânica para o sul. 16

A política de Augusto para o limes setentrional era a seguinte: os legionários, em

tempos de paz, realizavam construções, como estradas, fortificações, pontes, aquedutos

e canais. Esses acampamentos, nos quais os soldados ficavam permanentemente,

funcionavam, ao mesmo tempo, como postos de troca comercial com os povos

germânicos e como meio de difusão da cultura romana. Também serviam para que os

romanos tomassem conhecimentos do que se encontrava mais adiante. Essas

informações eram trazidas, em grande parte, pelos comerciantes. Estes, por sua vez, se

estabeleciam mais adiante, dentro de território não-romano. Ainda no governo de

13 LOUTH, Patrick. A Civilização dos Germanos e dos Vikings. Rio de Janeiro: Otto Pierre Editores,

1979, pp. 23-26; GUERRAS. Op. cit., pp. 25-26. 14 GUERRAS, Maria Sonsoles. Ib., ibid., p. 28. 15 GRIMAL, P., Op. cit., p. 299. 16 GRIMAL, P., Op. cit., p. 300.

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Augusto, começaram a ser utilizadas frotas fluviais para patrulhar os rios, o que, durante

o período republicano, não era uma prática corrente. 17

Uma relativa paz havia sido conseguida por Augusto em 13 a.C., o que o incentivou

a realizar incursões em terras germânicas, onde queria talvez avançar o limes do Reno

para o Elba, o que representaria a conquista de quase toda a Germania. Esse projeto

audacioso foi confiado a seu enteado, Druso, filho de sua mulher Lívia. Ele realizou

diversas expedições, ano após ano. Em uma delas, trouxe uma frota pelo do Reno até o

mar do Norte, atravessando a Frísia, através de um canal que mandou construir. Druso

conseguiu a aliança das tribos dos batavos e dos frísios, os quais passaram a ser aliados,

servindo como auxilia nas tropas romanas.

Nenhum grande êxito pôde ser obtido no sentido de conquista de territórios e de

pacificação geral da Germania. Não há que se destacar nenhuma campanha vitoriosa,

mas, ao contrário, uma desastrosa, que acabou por ser lembrada como a que foi talvez a

derrota mais vergonhosa que Roma sofreu. A batalha se deu em 9 d.C., quando

Quintílio Varo, em território germânico, retirava suas tropas para o Reno, sendo

surpreendido pelos ataques dos queruscos, comandados por Hermann. Este havia

servido no exército de Roma e atendia também pelo nome latino Arminius. As tropas

romanas estavam na região pantanosa e de vegetação densa, conhecida como floresta de

Teutoburgo (que fica próxima à nascente do rio Ems, na Baixa Saxônia). Sendo

apanhados de surpresa, os soldados romanos ficaram impossibilitados de se

movimentarem, sendo derrotados. Tal tragédia levou o comandante romano ao suicídio,

além de ter frustrado os planos de expansão hegemônica de Roma. 18 No episódio,

foram perdidas três legiões, sendo que, à época, o total de legiões era de 28. O limes

norte era o mais guarnecido: oito legiões para a região do rio Reno e sete para o rio

Danúbio. 19 A perda de três legiões representou, portanto, uma baixa muito grande ao

poderio de Roma. O já velho Otaviano Augusto entendeu o recado e não se preocupou

mais em estender a hegemonia romana sobre terras germânicas além-Reno. 20

Durante o governo de Tibério (14 d.C. – 37), não houve grandes mudanças nem nas

políticas que eram adotadas em relação às fronteiras nem em relação às próprias

17 SCULLARD, H.H. Op. cit., pp. 245-246; CHAPOT, Victor. El mundo romano. Union Tipográfica

Editorial Hispano-Americana, México D. F., 1957, p. 36. 18 LOUTH, Patrick. Op. cit., pp. 31-32. 19 SCULLARD, H.H. Op. cit., p. 244. 20 SCULLARD, H.H. Op. cit., p. 259; CHAPOT, Victor, Op. cit., p. 41.

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fronteiras, que se mantiveram inertes. O seu governo foi uma continuação do de

Augusto, procurando manter a paz interna. Tibério esmagou revoltas nas províncias de

Illyricum e Pannonia, o que era de vital importância na estratégia de manter um

cinturão de províncias para a proteção da Itália. Ele também manteve controle sobre as

terras da região renana, que, no momento, poderia entrar em grande convulsão se as

tribos germânicas se motivassem depois do episódio de Teutoburgo. 21

Quem era encarregado da defesa dessa região era Germânico, governador das três

Galliae (Aquitania, Lugdunensis e Belgica) e comandante das legiões do Reno. Ele era

filho de Druso, o irmão de Tibério, e queria levar adiante o projeto de seu pai de

conquistar a Germania até o Elba. Para isso, realizou diversas incursões, sem a

autorização de Tibério, conseguindo resgatar o sogro de Armínio, que era pró-Roma, e

atacando o próprio Armínio, em batalhas nas quais não houve êxito para nenhum dos

lados. Esteve na floresta de Teutoburgo, onde enterrou os corpos dos soldados romanos

que encontrou e resgatou os estandartes perdidos por Varo. Germânico, pela segunda

vez, se enfrentou com Hermann, em batalha que, segundo Victor Chapot, venceu. 22

Germânico acabou sendo chamado por Tibério para retornar de suas campanhas, que,

apesar de não conseguirem conquistar efetivamente o território entre o Reno e o Elba,

ajudou Roma a reconquistar seu prestígio na região e a reforçar a fronteira renana. O

princeps considerava desnecessário submeter essa região, já que pensava que as lutas

entre as tribos germânicas faria com que estas se enfraquecessem. Isto se mostrou

correto, pois os catos e os queruscos continuaram a se enfrentar, a ponto de Hermann

ser assassinado em 21. 23

Em 28, os frísios iniciaram uma revolta em oposição à cobrança excessiva de

impostos, contra a qual Tibério nada fez. Germânico estava desautorizado a agir e

também nada fez. O princeps tratou de reforçar a fronteira do Danúbio, na região dos

atuais países República Tcheca e Eslováquia. Ele assentou suevos e marcomanos na

área, como meio de proteger o Império de ataques de outras tribos, mais hostis.

Também fundiu as províncias senatoriais de Aquea e Macedonia com a província

imperial da Moesia, sob o governo de Sabino, que era governador desta última. 24

21 SCULLARD, H.H. Op. cit., p. 269. 22 CHAPOT, Victor, Op. cit., p. 43. 23 SCULLARD, H.H. Op. cit., pp. 270-272 24 SCULLARD, H.H. Op. cit., p. 279.

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O próximo imperador, Calígula (37-41), realizou, ele mesmo, incursões em território

germânico, a partir do Reno. Essas incursões não tiveram grandes conseqüências, tanto

que o imperador teve que recuar para a Gallia. 25

O seu tio Cláudio foi seu sucessor e governou de 41 a 54. A tentativa de conquista

da Germania foi definitivamente abandonada durante seu principado. Os fracassos de

seus antecessores nessa empreitada o fizeram direcionar sua atenção para a Britannia,

que já era conhecida pelos romanos por conta da ocupação de César, há quase cem anos

atrás. A Britannia acabou por ser conquistada e organizada como província, em 43. A

fronteira do Império no rio Reno continuou a mesma, sem haver nenhuma tentativa de

avanço além dela. O que Cláudio fez de considerável foi estabelecer uma importante

colônia às margens do rio – que levou o nome de sua mulher, Agripina – a Colonia

Agrippinensis (a moderna cidade de Colônia, chamada de Köln, em alemão), além de

dar esse status a Augusta Treverorum (atualmente Trier, na Alemanha). 26

Nero, filho de Agripina, mulher de Cláudio, ascendeu ao poder com a morte de seu

padrasto, em 54 e governaria até 68. A morte de Cláudio esteve envolta em suspeitas e

foi creditada à sua mulher Agripina, que fez Cláudio declarar Nero como seu sucessor

político, em detrimento do seu filho legítimo, Britânico. Agripina pretendia governar

através de seu filho, sobre o qual exerceu pressão durante certo tempo, até ser morta a

mando dele. O governo de Nero foi marcado por muitas suspeitas e perseguições. Isto,

combinado com sua predileção pelos gregos, criou descontentamento nas legiões

estacionadas nas Galliae e na Germania, que se levantaram contra aquele que

chamavam de tirano. A pressão das tropas e a falta de apoio do Senado obrigaram Nero

a se suicidar, dando fim à dinastia Júlio-Claudiana. 27

À morte de Nero seguiu-se um problema sucessório. Galba havia sido proclamado

imperador pelas legiões da Hispania, mas foi impedido de assumir o trono pela guarda

pretoriana, que elegeu Oto, que, por sua vez, sofreu oposição das legiões da Germania,

que apoiaram Vitélio. Este último teve que enfrentar um outro aspirante ao poder:

Flávio Vespasiano, cujas forças de apoio se concentravam nos exércitos do Oriente.

Vespasiano acabou por vencer e estabeleceu uma nova dinastia: a dos Flávios. O ano de

69 ficou conhecido na história como o “ano dos quatros imperadores”.

25 SCULLARD, H.H. Op. cit., pp. 285-286. 26 SCULLARD, H.H. Op. cit., p. 296; CHAPOT, V., Op. cit., p. 44. 27 ROSTOVZEFF, M. Op. cit., pp. 197-198.

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A dinastia Flávia foi composta por três imperadores: Vespasiano (69-79) e seus

filhos Tito (79-81) e Domiciano (81-96). Os dois primeiros foram moderados em seus

governos, seguindo a tradição iniciada por Augusto, diferentemente do terceiro, como

veremos a seguir. No que diz respeito ao limes setentrional, Vespasiano estabeleceu

gauleses em colônias fortificadas um pouco mais adiante das anteriores, que ficaram

conhecidas como Agri Decumates (Campos Decumates). Na Britannia, nomeou

governadores – entre eles, Júlio Agrícola – que conseguiram expandir o território da

província a oeste e a norte.

Sobre Domiciano, em particular, é necessário mencionar que seu governo foi

autoritário, com tentativas de estabelecer um poder monárquico do tipo helenístico, a

exemplo de Calígula. Como veremos no próximo capítulo, Tácito, um nome relevante

da literatura no momento, teve que publicar seus escritos somente após a morte do

imperador, em 96, pois no momento em que governava era impossível devido à

repressão. 28

O governo de Nerva (96-98) restabeleceu a liberdade que havia sido tolhida por

Domiciano e inaugurou a dinastia dos Antoninos, que foi considerada a de maior

estabilidade dentre as dinastias. Após o breve governo de Nerva, sucedeu-lhe o de

Trajano 29 (97-117), celebrado como o melhor imperador desde Augusto, pois trouxe

paz interna e conquistas territoriais. Novas províncias foram criadas: Dacia (106),

Arabia (106), Armenia (116) e Mesopotamia (116). A audácia do imperador-

conquistador era tanta que planejava ir à Índia, sendo impedido, no entanto, por conta

das revoltas que aconteceram nas áreas orientais recém conquistadas. Mas se na parte

oriental o limes avança, na ocidental ele continuava praticamente na mesma situação de

um século atrás. O que Trajano fez na região renana foi tão-somente reforçar os Agri

Decumates, sem pretender conquistar a Germania. Mas esta política teve um resultado

importante: uma maior segurança para a região. 30

A morte de Trajano significou para a história romana o fim da época de conquistas;

ele foi o último grande conquistador. Após ele, o que se fez foi apenas manter as

províncias já estabelecidas, sendo que sob Adriano (117-138) chegou-se a perder o

controle sobre a Armenia e a Mesopotamia.

28 ROSTOVZEFF, M. Op. cit., p. 206. 29 Trajano era nascido na Hispania e foi o primeiro imperador de origem provincial. 30 CHAPOT, Victor. Op. cit., pp. 47-49.

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Como vimos neste capítulo, a Roma imperial manteve uma política cautelosa na

parte ocidental do Império, primeiramente criando um círculo de proteção para

Península Itálica para, em seguida, pretender a conquista da Germania. Tendo

fracassado neste empreendimento, mantiveram uma posição defensiva e prudente.

Sabendo deste contexto, procuraremos entender como Cornélio Tácito, uma importante

personalidade política e intelectual de fins do século I d.C., reagiu a essa situação,

escrevendo um importante trabalho sobre o assunto. O capítulo segundo tratará do

autor, sua biografia e obras gerais, para servir como introdução ao terceiro, que será

específico sobre a questão germânica na obra do autor.

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CAPÍTULO II

As origens de Tácito não são conhecidas com exatidão, tanto quanto ao seu local

como à sua data de nascimento. Nem mesmo a respeito de sua carreira política pode-se

falar com grande segurança, já que ele falava pouco de si, tendo os estudiosos a

necessidade de confrontar as poucas datas que lhe são apresentadas nos textos taciteanos

com informações de outros autores contemporâneos a ele, como, por exemplo, Plínio, o

Velho e seu sobrinho Plínio, o Jovem.

Quanto ao seu ano de nascimento de Tácito, há estudos que apresentam a

possibilidade de que seja alguma data entre 54 e 57 d.C. Mas tanto Requejo quanto

Ettore Paratore acreditam que se pode definir como data mais precisa ou o ano de 54 ou

o de 55. Ambos se utilizam do relato de Plínio, o Jovem, que diz ser orgulhoso de ser

condiscípulo de Tácito e de ser sete ou oito anos mais jovem que ele. E se Plínio, o

Jovem nasceu em 61 ou 62, Tácito deveria ter nascido em 54 ou 55. 31

A respeito de seu local de procedência, pode-se questionar se era romano, itálico ou

provincial. 32 Deduzir-se-ia que Tácito era de origem romana baseando-se em uma

passagem dos Annales (livro VI, capítulo III), onde ele inferioriza Seiano, de origem

provincial. Porém, essa prática de zombar de indivíduos itálicos ou provincianos foi

também observada em passagens de Catulo e Salústio – este em relação a Cícero –, eles

mesmos não nascidos em Roma. Portanto, não é possível concluir que Tácito fosse

romano a partir do referido trecho de sua obra.

É Plínio, o Jovem que oferece, em uma carta, um relato que nos ajuda a elucidar esta

questão. Diz ele que Tácito, em um espetáculo circense, havia sido interrogado por um

sujeito a respeito de sua terra natal, e este havia concluído que Tácito seria de

procedência itálica ou provincial, como denunciado pelo seu sotaque. 33 Agora, então,

rechaçada a primeira hipótese, a dúvida pairaria sobre as duas últimas.

O dado que poderia reforçar a hipótese itálica é sustentado pelo documento Historia

Augusta, onde se diz que o imperador Tácito – pretenso descendente do escritor, que

31 REQUEJO, J.M. Introdución General in TÁCITO, Cornelio. Agrícola · Germania · Diálogo sobre

los Oradores. Madrid: Editorial Gredos, 1981, p. 10; PARATORE, Ettore. História da Literatura

Latina. Lisboa: Fundação Calouste Golbenkian, 1983, p. 722. 32 Esta última hipótese é aceitável para o momento, quando começa a haver uma participação maior de

provinciais (da classe dos eqüestres) na política da Urbe, como referido no capítulo anterior. 33 PARATORE. Op. cit., p. 721.

Page 15: relações entre roma e germanos a partir da germania de tácito

15

governou em 275-276 – seria de Terni (cidade pouco ao norte de Roma). Logo,

concluíram alguns, o escritor também seria. Porém, o documento não é digno de crédito. 34

A suposição de que o nosso escritor era proveniente de alguma província é a que

tem mais aceitação: a sua pátria seria ou a Gallia Cisalpina, ou a Gallia Narbonensis,

pois são nessas regiões onde mais aparece o cognome Tacitus. Mas se levarmos em

conta que seu futuro sogro, Júlio Agrícola, era de Frejus (ou Forum Iulii 35), cidade

próxima à Massilia (atual Marselha, França), podemos acreditar que Tácito era da

Gallia Narbonensis. 36

A origem sócio-econômica de Tácito não poderia ser outra senão a de uma família

abastada. Primeiro porque a sociedade romana de então não permitia uma grande

mobilidade social: as famílias tradicionais mantinham-se no topo da pirâmide social

com o aproveitamento de suas muitas propriedades e através das suas boas relações

políticas; alguns poucos enriqueciam com o comércio. E segundo que o acesso às

magistraturas era restrito a esses grupos afortunados, que conseguiam bancar os estudos

de seus filhos e ter o censo exigido para acesso às magistraturas.

Aquele que se acredita que fosse o pai de Cornélio Tácito – de mesmo nome que o

filho – era um membro da classe eqüestre, que exercera um cargo na Gallia Belgica,

conforme nos relata Plínio, o Velho. 37 Os membros dessa classe eram indivíduos de

muitas posses, mas que até o fim do período republicano não tinham acesso aos altos

cargos. Com a reforma de Augusto, os cavaleiros se viram com possibilidades de

ascensão política. Isto explicaria a possibilidade de Tácito de poder se instruir e

ingressar no cursus honorum, a carreira magistratorial que, desde a época republicana, o

homem público deveria percorrer antes de chegar ao consulado e ao Senado.

Assim como se sucedia com os mais destacados políticos de sua época, a oratória foi

o elemento fundamental de sua educação. Nela pode ter participado Quintiliano, de

quem Plínio, o Jovem foi discípulo – se for verdade que ele e Tácito foram colegas de

estudos –, e Nicetas de Esmirna.

34 REQUEJO, J.M. Introdución General in Op. cit., p. 11; PARATORE, Op. cit , p. 721. 35 Fundada por Júlio César, em 46 a.C. 36 REQUEJO, J.M. Introdución General in Op. cit., p. 11. 37 REQUEJO, J.M. Introdución General in Op. cit., p. 11.

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16

Como o próprio Tácito afirma (Historiae, I, 1) 38, sua carreira pública começou sob

o governo de Vespasiano, talvez um pouco antes do ano de 78, com o exercício de uma

magistratura chamada vigintivirato, que havia sido incluída no cursus honorum durante

a reforma administrativa de Otaviano Augusto. Provavelmente no ano de 78, casou-se

com a filha de uma figura de relevo da sociedade, Júlio Agrícola, que havia sido cônsul

e no momento estava para assumir o governo da província de Britannia. Seu casamento

lhe deu um grande impulso na carreira, por dois motivos principais: tratava-se da filha

de um homem de projeção na política romana, que era membro da gens Iulia, à qual

fizeram parte nomes importantes da história recente e que ainda tinha alguma

influência; depois porque havia uma lei em vigor (lei Papia Poppea) que dava o direito

de se adiantar em um ano em cada magistratura para cada filho vivo que se tivesse em

casamento. 39

Ainda sob o governo de Vespasiano (que morreu em 79), talvez, cumpriu as funções

de questor. Dois ou três anos depois, foi tribuno da plebe ou edil, sob o principado de

Tito. No ano de 88, durante o governo de Domiciano, foi pretor e qüindecínviro. Após

isso 40, passou uns quatro anos longe de Roma, não se sabe exatamente onde, talvez até

junto de seu sogro, na Britannia (Júlio Agrícola ficou lá até a sua morte, em 93 41), ou

exercendo a função de propretor na Gallia Belgica – o que é mais provável, já que

explicaria a quantidade de informações de que ele dispunha para escrever Germania.

Quando retornou a Roma, em 92, assumiu uma vaga no Senado, o que nos levaria a

pensar que era cúmplice de Domiciano, o que se revela como falso: era uma questão de

sobrevivência, não só política, mas também física. Mesmo sendo anti-tirânico,

permaneceu calado. Após a morte de Domiciano, em 96, este seria duramente criticado

por Tácito, o que poderia afastar a idéia de que o então senador apoiava de livre vontade

o autoritário imperador.

Tácito teria completado o cursus honorum com o consulado, em 97, sob o

principado de Nerva. Não se sabe o que fez desse ano até 112, quando teria assumido o

38 “E del resto non voglio negare che è stato Vespasiano a far iniziare la mia carriera politica, e che Tito

l’há portata al suo apice” 39 REQUEJO, J.M. Introdución General in Op. cit., p. 12. 40 Talvez sua partida para uma província tenha sido motivada pelas perseguições promovidas por

Domiciano. 41 Júlio Agrícola poderia ter morrido envenenado a mando de Domiciano, segundo PARATORE. Op. cit ,

p. 726.

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17

proconculado na província da Ásia, durante o principado de Trajano. De 112 a 120 –

ano mais aceito para a sua morte – também se sabe pouco a respeito, com exceção de

que teria escrito os livros que compõem os Annales. 42

Suas obras são classificadas em dois tipos: as obras maiores e as obras menores. As

obras maiores são as obras históricas – Annales e Historiae –, enquanto que as obras

menores são de tema variado – Germania (etno-geográfica), 43 Agricola (biográfica), e

Dialogus de Oratoribus (tratado de retórica). Os Annales cobrem o período de

Otaviano Augusto a Nero, enquanto que as Historiae começam após a morte de Nero

até a morte de Domiciano. A Germania (cujo título original é De origine et situ

Germanorum) é uma obra descritiva sobre os costumes e instituições de algumas tribos

germânicas, ao mesmo tempo que uma explanação sobre a geografia das terras

germânicas. O trabalho Agricola (De vita et moribus Iulii Agricolae) é um panegírico a

seu sogro, Cneu Júlio Agrícola, governador da Britannia, usado também como um meio

de ele, Tácito, tentar ser incluído na trajetória bem-sucedida de seu sogro, talvez se

apresentar como herdeiro dela, além, claro, de ter a finalidade de denunciar os abusos

dos anos recentes. Já os Dialogus de Oratoribus trazem uma comparação entre a poesia

e a oratória, lamentando a decadência da última.

A maioria dos trabalhos de Tácito foi escrita após 98, 44 e não é por acaso. O ano de

96 é uma data referência para o nosso estudo, já que representa o fim do governo

repressor de Domiciano e o início de uma época de liberdades. Tácito também se

aproveitou dessa liberdade para externar suas opiniões, nem sempre favoráveis ao

antigo princeps. Também se acredita que seja nesse período porque, a essa época, o

nosso autor já tinha passado dos quarenta anos, idade em que já tinha maturidade

intelectual para escrever. 45 Sobre o Dialogus de Oratoribus, a discussão é grande.

Supõe-se o ano de 75, quando Tácito tinha perto de vinte anos de idade, mas H. Bardon

pensa que seja em alguma data entre 93 e 96, talvez 97. Já R. Syme propõe alguma data

42 REQUEJO, J.M. Introdución General in Op. cit.,p. 13. 43 Segundo Momigliano, em MOMIGLIANO, Arnaldo. As Raízes Clássicas da Historiografia

Moderna. Bauru: EDUSC, 1990, p. 163, a Germânia de Tácito é “etnografia acompanhada de uma

mensagem política”. O próximo capítulo alargará essa discussão. 44 Essa é a opinião de Paratore, que me parece ser mais plausível. PARATORE. Op. cit., p. 726. 45 Boissier não concorda com isso e afirma que a obra foi escrita antes de Tácito completar quarenta anos.

BOISSIER, Gaston. La Oposicion bajo los Cesares. Buenos Aires: Librería y Editorial El Ateneo, 1944,

p. 251.

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18

entre 101 e 102, enquanto que há quem pense que seja mais tarde do que isso, em 107.

Bornecque situa a obra no ano de 81, enquanto que Requejo finaliza dizendo que, em

sua opinião, deve ter sido escrita entre 98 (ano de conclusão da Germania) e 106 (ano

de conclusão das Historiae). 46 A obra Agricola foi escrita provavelmente entre fins de

97 e começo de 98, 47 enquanto que os Annales, como já foi dito anteriormente, entre

112 e 120.

O estilo de registrar a História que Tácito adotou se aproxima do estilo de

Tucídides, que não levava em conta os relatos míticos, tendo certo rigor na separação

entre realidade e fantasia. Como muitos outros seus contemporâneos, Tácito encarava a

escrita da História como um exercício de retórica, arte na qual o autor era mestre

(Plínio, o Jovem conta que a casa de Tácito era repleta de jovens procurando seus

ensinamentos). 48 Ainda assim, acreditava (ou queria fazer acreditar) que escrevia com

neutralidade, sine ira et studio. Para ele, a História devia ter uma função pedagógica,

moralizante. Não queria ser inovador, ter um estilo próprio; o que fez dele único foi o

fato de ter narrado a história do século I d.C. de um ponto de vista privilegiado, tendo

presenciado muitos dos fatos sobre os quais escreveu. 49

O pensamento político do nosso autor foi tema de estudos por parte de muitos

historiadores, a partir, principalmente, do século XIX, quando, na Europa, as pesquisas

históricas mais rigorosas começaram a ser elaboradas. A sua obra, no entanto, havia

sido redescoberta no século XV, quando passou a ser referência para o debate sobre as

formas de governo, ora sendo invocado pelos defensores do absolutismo, ora invocado

pelos contrários a esse sistema. O autor, contudo, sempre se posicionou contra a tirania,

mesmo que nas ações possa ter se omitido, por prudência. Os defensores da tirania no

século XV encontraram em Tácito muitas lições sobre a arte de governar, talvez pelo

modo factual com que ele apresentava o seu relato histórico. Quando a leitura de

Maquiavel foi condenada pela Igreja, Tácito passou a ser o seu substituto, com uma

46 REQUEJO, J.M. Introdución a Germania in TÁCITO, Cornelio. Agrícola · Germania · Diálogo

sobre los Oradores. Madrid: Editorial Gredos, 1981, pp. 160-162. 47 REQUEJO, J.M. Introdución a Agrícola in TÁCITO, Cornelio. Agrícola · Germania · Diálogo sobre

los Oradores. Madrid: Editorial Gredos, 1981, p. 43. 48 BOISSIER. Op. cit., p. 251. 49 MOMIGLIANO. Op. cit., p. 162.

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19

vantagem: a alguma objeção a sua obra, poder-se-ia dizer que se devia ao fato de ele ser

pagão. 50

Ainda a respeito de sua ideologia, é importante registrar a sua postura cautelosa

quanto ao sistema de governo. Por um lado, tinha ojeriza aos governos de forte presença

popular, pois sabia que as massas eram facilmente manipuladas e poderiam assumir

formas furiosas, resultando em revoluções; por outro, não lhe simpatiza os governos

aristocráticos, pois o domínio de poucos poderia resultar em uma tirania. É bem

provável que essa sua posição se deve ao fato de ele ter surgido de uma camada não

favorecida durante a República – os cavaleiros –, mas que estava longe de pertencer à

plebe, pois era instruída e tinha recursos financeiros. Da mesma forma, a experiência

recente de guerras civis e ditaduras deve tê-lo levado a refletir sobre os perigos de

ambos os tipos de governo e feito desacreditar em um modelo perfeito. Para a época em

que vivia, defendia o Principado, desde que fosse moderado. 51

Adiante, daremos continuação ao estudo do pensamento de Tácito, vendo como ele

se punha diante da questão dos “bárbaros”, em especial, como os povos germânicos

eram vistos por ele e qual seria o papel deles no Império. Procuraremos também

compreender quais eram as linhas separatórias entre a civilização e a barbárie no

pensamento romano antigo, para assim podermos melhor examinar a obra Germania de

Tácito.

50 MOMIGLIANO. Op. cit., p.175. 51 BOISSIER. Op. cit., p. 254.

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20

CAPÍTULO III

Neste capítulo final, trataremos da visão do “bárbaro” em Tácito, partindo de sua

obra clássica sobre os povos germânicos: De Origine et Situ Germanorum ou

Germania. O capítulo será dividido em três partes: Primeiro, veremos qual é a data de

redação mais aceita para a obra e quais foram as fontes utilizadas por Tácito; após,

faremos uma breve análise do conceito de “bárbaro” para os antigos, em oposição ao de

“civilizado” e quais as implicações práticas no mundo helênico e, principalmente, no

mundo romano; e, finalmente, procuraremos compreender quais eram as intenções do

nosso autor ao produzir esse trabalho.

Comecemos, então, com o estudo da composição da obra Germania.

A data de redação de Germania está situada entre os anos 98 e 100 d.C. Requejo

não tira conclusões, apenas cita outros autores: Maurice Hutton define o ano 98,

enquanto que Ettore Paratore, em seu estudo Tacito, de 1962, diz que pode ser o ano 99

ou 100. 52 Porém, o mesmo Paratore afirma categoricamente em outro estudo seu que o

ano de composição é 98. 53 Todavia, para não ficarmos nessa discussão complexa e que

foge aos objetivos da monografia, fiquemos com a data de 98, que já está amparada por

Hutton e por Paratore, este num estudo mais tardio.

A fim de escrever Germania, Tácito obteve informações de diversas fontes, escritas

e orais. Das escritas, ele utilizou-se de Posidônio, Aufídio Basso – que guerreou com os

germanos –, as Historiae de Salústio, o livro 104 de Tito Lívio, o De Bello Gallico de

Júlio César 54 e – a mais importante – Historia Naturalis de Plínio, o Velho. Sobre as

fontes orais, é bem provável que Tácito as tivesse obtido diretamente com comerciantes

e militares romanos. Acredita-se mesmo que ele esteve na Gallia Belgica talvez

exercendo algum cargo, quando conseguiu diretamente muitas das informações contidas

na obra. 55

52 REQUEJO, J. M. Introdución a Germania in TÁCITO, Cornelio. Agrícola · Germania · Diálogo

sobre los Oradores. Madrid: Editorial Gredos, 1981, pp. 107-108. 53 PARATORE, Ettore. Op. Cit., p. 726. 54 O primeiro parágrafo de Germania, descrevendo a região homônima, lembra muito o primeiro

parágrafo de De Bello Gallico, onde Júlio César descreve as Galliae. 55 REQUEJO, J. M. Introdución a Germania in Op. cit., p. 108; GUERRAS. Op. cit., p. 14.

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21

Passemos agora à segunda etapa: uma breve análise do conceito de “bárbaro”, para,

em seguida, confrontar com as informações extraídas da fonte.

Para os gregos, o bárbaro era sempre o outro, ou seja, aquele que não pertencia ao

seu povo, portanto, não falava a sua língua e não tinha os mesmos costumes. Era mais

um conceito etnocêntrico do que de superioridade – os gregos não se achavam de uma

raça superior. Não queria dizer também que o bárbaro fosse necessariamente rude por

não pertencer ao povo helênico, orgulhoso de sua cultura; havia povos bárbaros que

mereciam respeito por sua sabedoria e tradição religiosa, como os egípcios, os indianos

ou os hebreus. 56 Também os persas eram tratados com certo respeito, cabendo o

adjetivo “bárbaro” a eles, além da situação comum de estrangeiro, a de opressor, pois

eram tidos como perigosos à liberdade dos gregos.

Os romanos igualmente consideravam bárbaros aqueles que não eram seus

compatriotas, com exceção dos gregos, de quem eram culturalmente tributários, e a

quem as lendas – reforçadas pelos poetas, historiadores e filósofos – fazia remeter as

origens da civilização romana. Apesar de seu etnocentrismo, os romanos reconheciam

que havia civilizações igualmente grandiosas, como a dos chineses, mas que estavam

tão longe que não poderiam oferecer qualquer perigo. Roma era o “centro do mundo”,

mas não de todo o mundo conhecido; Roma era o centro do mundo mediterrânico e de

suas proximidades, onde reinava soberana sobre as nações “bárbaras”.

O pensamento romano em relação aos bárbaros determinava o tratamento que eles

mereciam ter, tanto na guerra quanto na paz. Tanto os romanos quanto os gregos

reconheciam a unidade do gênero humano, mas isso não queria dizer que, se vencidos,

os bárbaros seriam tratados de igual para igual. Os princípios da guerra antiga

estabeleciam que o vencedor tinha poder de vida e morte sobre o vencido, sendo a

escravidão uma das situações possíveis. Mas se a humanidade era uma só, poder-se-ia

perguntar por que a escravidão era permitida... Isso nos remontaria aos pensamentos de

Platão e Aristóteles acerca da desigualdade natural. Segundo este último, as pessoas

nasciam com certas características que determinavam que tipo de função que

exerceriam na sociedade. Observando as feições de um escravo, Aristóteles teria

concluído que seu fenótipo robusto era o mais adequado ao trabalho manual, enquanto

que um homem de sua categoria não era naturalmente apto para esse tipo de serviço. 57

56 VEYNE, Paul. Op. cit,. p. 284; GUERRAS. Op. cit., pp. 5-6. 57 VEYNE, Paul. Op. cit , pp. 286-287.

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22

Assim, por regra, se justificaria a escravidão no mundo antigo. Os romanos aplicariam

este pensamento em sua doutrina imperialista.

Um outro conceito para o mundo romano que é importante para o nosso estudo é o

de humanitas. Esta palavra latina corresponde à palavra grega philanthropia, que

designa uma graça concedida por um soberano helenístico ou um julgamento mais

brando por parte de um juiz. Para os romanos, a humanitas representaria uma atitude de

clemência diante de um vencido, por exemplo. Mas, num conceito mais amplo,

humanitas designava o conjunto das pessoas cultas, civilizadas, dignas de serem

chamadas de humanos, em oposição à barbárie, que representa a rudeza, a rusticidade,

enfim, a falta de cultura. Isso porque os “bárbaros” seriam mais ou menos como os

animais, já que não seriam capazes de desenvolver uma cultura literária e artística. 58

Essa definição romana se aplicava aos “bárbaros” ocidentais, já que no Oriente havia

muitos exemplos de povos avançados tanto na literatura como nas artes.

Ao longo de sua expansão no Ocidente, Roma se deparou com povos pouco

civilizados, à exceção de Cartago, que, na verdade era de origem oriental (fenícia). As

tribos celtas da Gallia, que tanto incômodo deram aos romanos durante séculos, se

tornaram menos belicosas à medida que iam se civilizando, ou seja, entrando em

contato com o comércio mediterrânico e com a cultura greco-romana, o que facilitou a

aliança de César com algumas dessas tribos na campanha militar de meados do século I

a.C., já que alguns interesses convergiam. A progressiva romanização dos “bárbaros”

ocidentais foi acompanhada por um processo de urbanização e de um comércio de

artigos de luxo, vindo principalmente do Oriente. O estilo de vida campestre ia dando

espaço a um estilo urbano, mais requintado e pouco afeito à guerra. A organização tribal

dava lugar a formas mais complexas de organização político-jurídica.

O exposto acima se refere às regiões a oeste do Reno, pois a leste, na Germania, a

penetração cultural e comercial dos romanos era menor, e a distância do Mediterrâneo

era maior. O modo de vida dos povos germânicos tinha sido pouco alterado ao longo

dos séculos, e, mesmo durante o período de Augusto, a romanização era pequena, sendo

que na região de contato das proximidades dos rios Reno e Danúbio havia pequenas

mudanças no modo de vida germânico. Nessa área, o que acontecia era mais um

processo de celtização, com os germanos ribeirinhos adotando costumes celtas. Tácito

mesmo aponta este fato, remetendo-se aos relatos de Júlio César (XXVIII, 1):

58 Id., ibid., p. 283; PEREIRA. Op. cit. , p. 425

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23

“El divino Julio, la máxima autoridad, nos transmite que los galos fueron más

fuertes em outra época, y por ello se puede creer que penetraron incluso em Germania,

pues ¡cuán poco era um río para impedir que qualquer nación, si se encontraba com

fuerzas, ocupase y cambiase de unos assentamientos hasta entonces comunes y sin

separar por ningún poder soberano!”

Também os costumes e a economia dos que estavam próximos ao Reno e ao

Danúbio se diferenciavam, devido ao comércio (ainda que o fluxo comercial dessa

região estivesse longe de se equiparar com o do Mediterrâneo) e o contato com celtas e

romanos. Os ribeirinhos faziam uso da moeda, enquanto que os do interior praticavam o

escambo (V, 4-5):

“Aunque los más cercanos a nosotros, y debido al tráfico comercial, tienen aprecio

al oro y la plata, y conocen y prefieren ciertos tipos de nuestra moneda, los del interior

utilizan el sistema más sencillo y antiguo de la permuta de mercancias. Les gusta la

moneda vieja y ya conocida, como nusteros denarios dentados y los que llevan grabada

uma biga. Por outra parte, prefieren la plata al oro, no porque les atraiga, sino porque

su mayor abundancia la hace más práctica para comprar mercancias corrientes y de

poco valor”.

As vestimentas dos ribeirinhos eram mais sofisticadas que as usadas pelos povos do

interior. Estes utilizavam basicamente peles de animais, enquanto que aqueles tinham

acesso a outros adornos (XVII, 1-2):

“Llevan también pieles de animales, sin cuidado los ribereños, com más esmero los

del interior, porque la falta de relaciones comerciales no les da outra possibilidade de

atavío”.

Igualmente acontecia com as bebidas. O grosso da população germânica costumava

ingerir uma bebida feita de cevada ou trigo, talvez uma espécie de cerveja, enquanto que

os ribeirinhos, além disso, tinham na sua alimentação o vinho, adquirido do exterior

(XXIII, 1):

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24

“Beben um líquido que obtienen de la cebada o del trigo y que, al fermentar,

adquiere cierta cemejanza com el vino. Los ribereños compran también vino”.

As passagens de Tácito acima citadas comprovam a relação que existia entre alguns

germânicos com o exterior, principalmente com romanos e celtas nas zonas próximas

aos rios Reno e Danúbio. É algo lógico supor que existisse tal contato, já que um rio é

um obstáculo muito pequeno para impedir a mobilidade e a troca entre as populações

dos dois lados. Apesar de existir pequenas diferenças entre os germânicos ribeirinhos e

os do interior, Tácito não julgava que isto provocasse uma mudança geral no

comportamento desses povos em relação à política e à guerra. Não é possível falar de

um processo de romanização dos germanos para a época em que Tácito escreve (98

d.C..). O modo rústico de vida dos germanos e seu pouco apreço por objetos de luxo

comprovam que o sistema social estava pouco alterado. Temos aqui alguns trechos do

texto taciteano onde ele relata o modo de vida do germânico.

Sobre os presentes em metais preciosos dados às autoridades germânicas (IV, 4):

“Su posesión y uso no les afecta como a otros: es cosa de ver el que las vasijas de

plata dadas como regalo a sus embajadores y jefes, son tenidas em la misma poca

estimación que las hechas de tierra”.

Os presentes que trocavam entre si eram, na maioria, de artigos que podiam ser

utilizados na guerra ou de produtos agrícolas (XV, 3):

“Las comunidades tienen la costumbre de llevar a sus jefes, voluntaria e

individualmente, algún animal o producto del campo, lo que, recibido como homenaje,

ayuda de paso a sus necessidades. Sobre todo les gustan los regalos de los pueblos

vecinos, que les son enviados no solo por cada individuo, sino incluso a título oficial:

caballos escogidos, excelentes armas, jaeces y collares. Actualmente les hemos

enseñado también a recibir dinero”.

A exceção era o dinheiro, que havia entrado no mundo germânico num período mais

recente a Tácito, mas que era ainda pouco utilizado, como vimos anteriormente. Só

tinha serventia para os que praticavam o comércio exterior.

Page 25: relações entre roma e germanos a partir da germania de tácito

25

Já vimos que as vestimentas dos ribeirinhos eram um pouco mais requintadas, mas a

fonte não nos deixa saber se esses adornos adquiridos do comércio eram de feitio

simples, que serviam apenas para diferenciá-los dos outros germanos, ou se eram

realmente objetos de luxo – levando em conta as outras passagens, é de se acreditar que

não.

Os funerais germânicos eram realizados de modo simples, demonstrando, mais uma

vez, o desprezo que eles tinham pela ostentação (XXVII, 1-2):

“Ninguna pompa em sus funerales: procuran sólo que los cuerpos de los hombres

ilustres se quemen com leña de uma determinada clase. No hacinan vestidos ni

perfumes sobre el montón de la pira; cada cadáver conserva sus armas; a las llamas de

algunos se lê añade también su caballo. Um cúmulo de césped forma el sepulcro.

Rechazan el adorno laboriosamente trabajado de los monumentos, por considerarlo

uma carga pesada para el difunto”.

Até o final do século I d.C., portanto, a penetração romana ainda era pequena. A

influência política sobre os germanos era pouco expressiva, com duas exceções

apresentadas pela fonte: os que trabalhavam nos Agri Decumates (que Tácito não

incluía entre os germanos) (XXIX, 4) e os marcomanos, que tinham reis próprios mas

que recebiam de apoio econômico e, por vezes, militar. Tal apoio não implicava em

dependência, já que os marcomanos eram soberanos (XLII, 2):

“Los marcomanos han conservado hasta nuestra época reyes de su propria nación,

noble linaje de Maroboduo y Tudro (ahora suportan monarcas extranjeros), pero la

fuerza y el poder de sus reyes proviene de la autoridad de Roma; raras veces reciben

nuestro apoyo militar; más frecuentemente de tipo econômico, aunque no por ello son

menos poderosos”.

Como vimos acima nos trechos selecionados, o mundo germânico estava à parte do

mundo mediterrânico, centrado em Roma. O contato que havia não tinha possibilitado

uma inclusão dos germanos na civilização. Eram, portanto, “bárbaros”, no sentido que

os romanos davam para o termo.

As instituições germânicas diferiam muito das romanas. No caso romano, o

exercício do poder estava nas mãos de uma oligarquia, enquanto que entre os germanos

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26

era necessário que o rei ou o chefe provasse o seu valor guerreiro para merecer seu

cargo. Os reis e os chefes exerciam um poder moderado, e sua autoridade era legitimada

pela sua valentia. A eles não era permitido o exercício da justiça, reservado aos

sacerdotes, que supostamente cumpriam a vontade dos deuses (VII, 1-3):

“Eligen a los reyes de entre la nobleza y a los jefes por su valor. El poder para los

reyes no es limitado ni arbitrário; los jefes, más com el ejemplo que com autoridad, si

actúan prestos, se dejan notar y van em vanguardia, ejercen el mandado por la

admiración que producen. Pero no está permitido castigar, ni atar, ni golpear; sólo

pueden hacerlo los sacerdotes, y no como castigo, no por mandato del jefe, sino porque

lo manda la divindad, que, aí lo cren, les asiste cuando combaten”.

A assembléia ocupava lugar importante na sociedade germânica. Lá eram decididos

os assuntos concernentes à paz e à guerra, além de ser ocasião para eleger o chefe (XI,

1-6):

“Los jefes deciden sobre los asuntos de menor entidad y todo lo publeo sobre los de

mayor trascendencia, aunque los jefes deben tratar com antelación incluso lo que es

competência de la plebe. (...)

Cuando el pueblo quiere, se congregan com sus armas. El sacerdote, que entonces

tiene también poder coercitivo, impone silencio. A continuación, el rey o el príncipe, de

acordo com su edad, nobleza, prestigio guerrero y elocuencia, se hace oír, más por su

ascendiente para persuadir que por su poder para mandar. Si sus palabras no agradan,

las rechazan com gritos. Si agradan, agitan sus ‘frameas’: el elogio com las armas es

su mejor consenso”.

Também na assembléia se decidia sobre os castigos aplicados aos faltosos, além da

eleição de outras autoridades (XII, 1-3):

“En la assemblea pueden también acusar y promover juicios sobre delitos

capitales. (...) La diversidad del suplicio tiene por mira la conveniência de mostrar a

todos los crímenes mientras son expiados y de ocultar, em cambio, ciertos actos

vergonzosos. (...)

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27

Em las mismas assembleas se eligen ciertos dignatarios, que imparte justicia por

distritos y aldeas; a cada uno de ellos les assisten com su consejo y prestigio cien

hombres del peublos”.

Tácito fez questão de ressaltar que na sociedade germânica havia uma participação

mais ampla nas decisões políticas: todo homem livre, armado e bom guerreiro tinha

assento na assembléia. Aquele considerado covarde – abandonar o escudo era

considerado uma desonra humilhante – não podia participar da assembléia nem das

cerimônias religiosas (VI):

“El haber abandonado el escudo es la principal vergüenza, y al que há cometido tal

afrenta no se le permite aistir a los actos religiosos ni participar em las assembleas:

muchos supervivientes de las guerras pusieron fin a su infamia ahorcándose”.

A guerra, como pôde se ver até aqui, fazia parte da sociedade germânica. Eram as

qualidades guerreiras de um homem que davam a ele certos direitos na sociedade. Os

atos considerados de covardia faziam perder esses direitos. Há outras passagens que

evidenciam esse fato, mas ficaria demasiado extenso citá-las todas. O importante aqui é

perceber o quanto Tácito se estendeu nesses relatos, possivelmente para mostrar aos

leitores romanos o quanto a vida do germano era simples, sem luxo e dedicada às

atividades bélicas, diferentemente da dos romanos, agora já acomodados com a pax

augusta. Talvez Tácito quisesse fazer lembrar aos romanos que, no passado, eles já

foram como os germanos, pois até meados do século II a.C., Roma era mais rústica,

mais guerreira. Houve uma crescente sofisticação da sociedade com a descoberta do

luxo oriental combinado com o enriquecimento das elites. Após as guerras civis,

Augusto trouxe estabilidade e com ela o desinteresse pelos assuntos da guerra entre os

jovens bem-nascidos, o que se tornou um fator preocupante para alguns pensadores,

entre eles, Tácito. Igualmente a instabilidade política e o autoritarismo dos anos recentes

devem ter preocupado o nosso autor. Somado a isto, o fato que uma parcela cada vez

mais considerável da força militar romana era composta por estrangeiros: os auxilia, em

grande parte, provindos das tribos germânicas. Ou seja, a defesa do Império Romano era

realizada, muitas vezes, por soldados suja origem era de povos inimigos ou potenciais

inimigos: poucas eram as tribos aliadas de Roma; o grosso dos germânicos permanecia

insubmisso.

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28

Antes de passarmos à conclusão, retomemos a fonte, agora a respeito da moral

germânica.

Segundo Tácito nos relata, os germanos tinham um comportamento sexual

moderado: os jovens despertavam o seu desejo sexual tardiamente; eram, em regra,

monogâmicos; o adultério era raro, sendo que a mulher adúltera era repudiada e não

poderia encontrar outro marido, tamanha a vergonha que tal comportamento causava à

sociedade.

Sobre o casamento (XVIII):

“El matrimonio es allí muy respetado y no podría alabarse más outro aspecto de

sus costumbres. Em efecto, son casi los únicos bárbaros que se contentan com uma sola

mujer, excepto unos poços, quienes, no por su ardor amoroso, se vem solicitados para

muchas uniones por su condición de nobles”.

Sobre o adultério, Tácito nos diz (XIX, 2-3):

“Para ser um pueblo tan numeroso, los adultério son escasos; su castigo es

inmediato y queda em manos de los maridos: em presencia de los perientes, expulsan

del hogar a la culpable, desnuda y com el cabello cortado, y la conducen a latigazos

por todo el poblado. No hay ningún perdón para la honestidade corrompida; no podrá

encontrar marido ni valiéndose de su hermosura, juventud y riqueza. Nadie ríe allí los

vícios, y al corromper o ser corrompido no se lê llama ‘vivir con los tiempos’. Miejores

aún son aquellas tribus en las solo las vírgenes se casan y se cumple de uma vez por

todas com la esperanza y el deseo de ser esposa”.

Muito interessante notar, nas citações acima, que Tácito considerava melhor as

tribos onde a mulher se casava virgem. É possível perceber neste, e em outros trechos, o

quanto o nosso autor dava importância aos chamados “bons costumes”. Não há uma

passagem explícita onde ele afirma isso, mas é bem capaz que ele quisesse mostrar ao

seu público leitor a relação que existe entre costumes moderados e qualidades

guerreiras, pois a luxúria não combina com o heroísmo; este combina com abstinência e

sacrifícios, aquela combina mais com o comodismo e covardia.

Ainda sobre os jovens, o trecho abaixo (XX, 3):

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29

“El deseo sexual es tardio en los jóvenes, y de ahí que su primera virilidade quede

intacta. Tampoco es muy precoz em las doncellas; la misma lozanía y semejante

desarollo. De la misma edad y vigor que el hombre com el que se casan”.

A família constituída era grande, diferentemente do caso romano, onde as famílias

eram cada vez menores e em menor quantidade. Tácito inclusive faz referência a esse

fato, sendo que na sociedade romana precisou-se criar uma lei (Pappia Popea) para

incentivar o casamento e a geração de filhos (XIX, 5):

“Limitar el número de hijos o matar a um agnado se considera um oprobio, y más

fuerza tienen allí las buenas costumbres que en otros lugares las buenas leyes”.

Aqui, mais uma mensagem clara que Tácito mandava a seus leitores

contemporâneos: mais valia a força dos bons costumes que a força das leis. E mais:

dizia também que alguns “bárbaros” eram capazes de ter virtudes que os romanos, que

se julgavam civilizados, não tinham, sendo preciso criar estímulos através de leis a fim

de difundir certos comportamentos. Tácito aqui coloca em xeque os conceitos

tradicionais dos romanos acerca dos “bárbaros”. Ora, os germanos podiam não ter a

cultura literária e artística que tinham os romanos, mas eram capazes de possuir

qualidades superiores. Se não tinham palácios confortáveis (XVI, 2), se não se vestiam

de maneira suntuosa (XVII, 1-3) ou se não comiam comidas exóticas ou bem preparadas

(XXIII, 1-2) não queria dizer que fossem inferiores. Assim pensa Tácito, que, aliás, não

considera avanço possuir tudo que a civilização fornece; pelo contrário, considera

escravidão. Isto está dito de modo categórico, não nesta obra, mas em seu Agricola,

quando se refere à romanização dos bretões (XXI, 2):

“Además, iniciaba a los hijos de los jefes en las artes liberales; preferia el talento

natural de los britanos a las técnicas aprendidas de los galos, con los que quienes poco

antes rechazaban la lengua romana se apasionaban por su elocuencia. Después empezó

a gustarles nuestra vestimenta y el uso de la toga se extendió. Poco a poco se desviaron

hacia los encantos de los vicios, los paseos, los baños y las exquisiteces de los

banquetes. Ellos, ingênuos, llamaban civilización a lo que constituía un factor de su

esclavitud”.

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A inclusão dos “bárbaros” na civilização provocou, no caso bretão, uma dupla

“escravidão”: ao conforto proporcionado pelos bens da civilização e a Roma, já que a

Britannia tornou-se província do Império. O mesmo aconteceria com os germanos, se

adotassem o modo de vida romano; essa é uma lição que Tácito dá em Germania e

também no trecho retirado de Agricola. Sua obra Germania, portanto, tem função

pedagógica, enfatizando a moral germânica, fazendo um alerta a seus leitores sobre o

atual estado de coisas no mundo romano, em contraste com a “barbárie virtuosa”.

Sobre as teorias acerca do caráter e da intencionalidade do trabalho Germania, J. M.

Requejo, citando Ettore Paratore, faz menção às três principais. A primeira delas diz que

seria um esboço das Historiae, mas não é o que nos parece, já que Tácito se ateve mais

ao tempo presente, numa descrição do que via e ouvia sobre os povos germânicos e sua

terra. As Historiae são livros narrativos dos fatos acontecidos desde a morte de Nero até

a morte de Domiciano. A segunda teoria segue a primeira, afirmando que seria uma

digressão de um apêndice das Historiae, agora centrada em Trajano. Também não nos

parece razoável, pelo mesmo motivo que a primeira. Finalmente, a terceira teoria é a

que diz ser a Germania uma obra independente, podendo ser classificada como política,

para fins de divertimento ou etno-geográfica. Como já evidenciamos no parágrafo

anterior, acreditamos ser etno-geográfica. Mas não só. É possível classificá-la também

como política. Paratore declara que a obra serviria como advertência a Trajano a fim de

que se tomassem atitudes concretas para solucionar o “problema germânico” que há

cerca de dois séculos incomodava Roma. 59 O trecho que cito abaixo comprova a tese do

pesquisador italiano. Tácito é enfático ao dizer que a região da Germania tardava a ser

submetida a Roma (XXXVII, 2-6):

“Corria el año 640 de nuestra Ciudad cuando por vez primera se oyeron los hechos

de armas de los cimbros, durante el consulado de Cecilio Metelo y Papirio Carbón. Si

contamos desde entonces hasta el segundo consulado del emperador Trajano, tenemos

un total de casi doscientos diez años: ¡tanto va tardando Germania en ser sometida! En

un período tan extenso se han producido mutuos y abundantes reveses. Ni el Samnio, ni

los cartagineses, ni Hispania o las Galias, ni siquiera los partos, nos han suministrado

tantas lecciones. Sin duda, la libertad de los germanos nos cuesta más cara que el

despotismo de Arsaces. En efecto, ¿qué outro trastorno, a no ser la muerte de Craso,

59 REQUEJO, J. M. Introdución a Germania in Op. cit., pp. 109-110.

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31

nos há causado el Oriente, sometido por Ventidio y que perdió, por su parte, a Pároco?

Los germanos, en cambio, además de derrotar o capturar a Carbón, Casio, Escauro

Aurelio, Servilio Cepión y Máximo Manlio, arrebataron al tiempo cinco ejércitos

consulares al pueblo romanos; incluso lo mismo sucedió al César y a Varo y sus tres

legiones. Si bien los derroto Gayo Mario en Italia, el divino Julio en la Gália y Druso,

Nerón y Germánico en su propio territorio, no fue sin sufrir, a su vez, perdidas.

Posteriormente, las grandes amenazas de Gayo César cayeron en el ridículo. Hbo

después paz, hasta que, con ocasión de nuestras disensiones y guerras civiles, trás

asaltar los cuarteles de invierno de las legiones, trataron también de invadir las Galias

y de nuevo rechazado. En los últimos tiempos, más que victorias nos han dado excusa

para que celebremos triunfos”.

Em outra parte, Tácito se felicita ao saber que algumas tribos haviam combatido

entre si e as derrotas haviam feito desaparecer algumas delas (XXXIII, 1-2):

“Junto a los tencteros se hallaban en outro tiempo los brúcteros. Se cuenta que los

carnavos y angrivarios emigraron allí, trás ser explusados los brúcteros y exterminados

de raíz por una coalición de las naciones vecinas, bien por odio a su orgullo, bien por

el incentivo del botín, o bien por una cierta protección de los dioses para con nosotros,

peus ni siquiera nos hurtaron el espectáculo de la batalla. Cayeron más de sesenta mil,

y no por las armas romanas, sino para deleite de nuestros ojos, lo que supone un

triunfo más brillante. ¡Ojalá permanezca y se mantenga en estas naciones, si no el

afecto hacia nosotros, sí, al menos, el odio entre ellas, puesto que a los atormentados

destinos del imperio nada mejor puede proporcionar Fortuna que la discordia entre sus

enemigos!”

Como se pôde ver nas duas citações logo acima, Tácito tinha os povos germânicos

como inimigos, como um problema a ser resolvido, sem, contudo, tratá-los com o

desprezo tradicional aos “bárbaros” – pelo contrário, ressaltava muitas qualidades deles

que eram superiores às dos romanos. Isso confirma a teoria apresentada por Paratore

que a Germania é uma obra política, mas também não exclui – os exemplos

apresentados anteriormente o confirmam – que seja uma obra etno-geográfica com

ênfase no aspecto moral dos germanos. Também é da mesma opinião Arnaldo

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Momigliano, para quem “Germania é etno-geográfica acompanhada por uma mensagem

política”. 60

60 MOMIGLIANO, Arnaldo. As Raízes Clássicas da Historiografia Moderna. Bauru: EDUSC, 1990, p.

163.

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33

CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho, pudemos observar que, durante um período de cerca de

dois séculos, houve uma questão pendente na agenda de Roma: a grande população de

germanos que permanecia próxima a sua área de hegemonia, oferecendo, em algumas

vezes, perigo direto, em outras, tão-somente desafiando a autoridade romana pela sua

simples insubmissão.

Antes de Caio Mário derrotar os cimbros e teutões no norte da Península Itálica, os

romanos não sabiam da existência dos germanos como povos à parte dos gauleses;

pensava-se que os povos que viviam dos dois lados do rio Reno fossem de mesma

origem. As expedições de Júlio César às Galliae ajudaram a corrigir esse erro. O então

cônsul, em seu De Bello Gallico, fez distinção entre gauleses (celtas) e germânicos. No

período de Otávio Augusto, tentou-se a submissão das tribos que se localizavam entre

os rios Reno e Elba, o que se tornou impraticável, devido às dificuldades do terreno

(pantanoso, frio e coberto de bosques e florestas) e às qualidades guerreiras de sua

população. O episódio do massacre das três legiões comandadas por Varo, em

Teutoburgo, foi a lembrança triste que Roma guardou dos germanos. Depois disso,

todos os outros imperadores mantiveram uma posição de cautela. A relação entre Roma

e povos germânicos ficou marcada pelo contato comercial nas regiões ribeirinhas do

Reno e do Danúbio e pelo estabelecimento de colonos romanos nessas regiões. A

romanização dos germanos era lenta, conforme pudemos observar na fonte estudada,

mas muitos deles serviam ao Império como tropas auxilia e outros, alguns aristocratas,

recebiam educação romana, a exemplo de Hermann (Armínio), que depois se revoltou

contra Roma.

Então, passados quase noventa anos do terrível incidente no bosque de Teutoburgo,

período no qual Roma manteve uma posição defensiva no seu limes setentrional, surgia

um pequeno trabalho escrito por um alto dignitário romano: De Origine et Situ

Germanorum, ou simplesmente Germania. Foi escrito por Caio Cornélio Tácito e

publicada em torno do ano 98. Não foi coincidência a obra tratar exclusivamente da

descrição das instituições e dos costumes germânicos, afinal, eram povos que viviam à

margem da civilização romana, fora do domínio da senhora do Mediterrâneo.

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Essencialmente dois motivos levaram Tácito a elaborar um estudo sobre essas

populações: um era alertar as autoridades romanas, principalmente Trajano, sobre o

perigo germânico, para que assim tomassem medidas práticas; o outro, que não se

separa do primeiro, era mostrar a frouxidão dos costumes em Roma, oferecendo como

contraponto os costumes germânicos, mais rígidos. Em suma, Tácito queria lembrar aos

romanos que eles já foram assim quando ainda estavam em expansão sobre a Península

Itálica e o Mediterrâneo ocidental: foi, entre outras razões, a sua paixão pelos assuntos

da política e da guerra que levou Roma a submeter todas aquelas cidades. Os germanos

eram assim: dedicavam-se com ardor às questões do governo, das quais todo homem

livre e armado poderia participar. As exceções ficavam por conta daqueles considerados

covardes. Ou seja, a participação na política e na guerra eram condições

interdependentes.

A fonte não nos diz nada explicitamente, mas é possível conjeturar sobre qual seria

o procedimento que Tácito gostaria que fosse adotado em relação aos germanos. A

conquista militar da Germania não seria uma opção viável, visto que a capacidade de

defesa dessas populações era reconhecidamente grande, além de habitarem um território

de terreno de difícil locomoção, além do clima frio, o que dificultava o acesso e a

permanência das legiões. Então, seria mais lógico aliar-se com algumas tribos para

atacar outras. É isso o que está indicado na fonte, quando Tácito fala sobre os

marcomanos, onde ele cita a sujeição econômica desses povos em relação a Roma. É

possível que fosse uma sugestão de como agir em relação aos outros germanos: dever-

se-ia criar relações de dependência ao invés de um conflito bélico direto, pelo menos

inicialmente. Era necessário, pois a aliança com alguns povos contra outros – Hermann

havia sido morto pelas mãos dos marcomanos, em 19. E enquanto os germanos não se

romanizassem, seria necessário dar a eles uma relativa liberdade, tratando-os de igual

para igual, aliando-se a eles, tentando fazer convergir os interesses. A corrupção dos

seus hábitos poderia ser uma alternativa para torná-los menos perigosos: quando eles

começassem a se interessar mais por dinheiro, objetos preciosos e banquetes se

interessariam menos pela guerra, seriam mais afáveis. É mais fácil, sempre, conversar à

mesa com pessoas que se deixam levar pelos prazeres do que com aquelas que não

largam a espada.

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35

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