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PATRÍCIA MACHADO IGREJAS
REINVENTANDO ESPAÇOS E SIGNIFICADOS
Propostas e limites da urbanização turística no Projeto Porto Maravilha
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.
Orientador Prof. Dr. Hermes Magalhães Tavares
Rio de Janeiro
2012
I24r Igrejas, Patrícia Machado. Reinventando espaços e significados : propostas e limites da urbanização turística no Projeto Porto Maravilha / Patrícia Machado Igrejas.– 2012. 142 f. : il. color. ; 30 cm. Orientador: Hermes Magalhães Tavares. Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2012. Bibliografia: f. 132-142. 1. Renovação urbana. 2. Portos – Revitalização. 3. Porto Maravilha. 3. Turismo. 4. Rio de Janeiro (RJ) – Porto. I. Tavares, Hermes Magalhães. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. III. Título. CDD: 387.1
PATRÍCIA MACHADO IGREJAS
REINVENTANDO ESPAÇOS E SIGNIFICADOS
Propostas e limites da urbanização turística no Projeto Porto Maravilha
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado em: 26 de junho de 2012
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Prof. Dr. Hermes Magalhães Tavares (Orientador)
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
____________________________________________
Prof. Dr. Mauro Kleiman
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
____________________________________________
Profa. Dra. Carla Conceição Lana Fraga
Escola de Turismologia - UNIRIO
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar, que incluiu em seus planos para minha vida uma
passagem pelo IPPUR. E que, ao me direcionar para esse caminho, deu-me
também condições de trilhá-lo e concluí-lo.
À minha mãe, que sempre me deu apoio incondicional e respeitou todas as minhas
escolhas, tendo infinita paciência, sempre com a palavra certa, instando-me a
prosseguir.
À minha família e amigos que compreenderam minha reclusão social nesse período
de 2 anos e meio.
À Dra. Maria Inês e todos meus colegas de trabalho, pela compreensão e apoio.
Ao meu orientador, professor Hermes Tavares, por ter sido mais que um mestre, por
ter se tornado um amigo querido. Por sua paciência, pela sabedoria compartilhada
nos diálogos, pela segurança transmitida, pela orientação.
A toda família IPPUR, que me acolheu tão bem quando ali cheguei em 2006, ainda
na iniciação científica. Aos professores, aos funcionários e aos alunos, com os quais
tive a honra de conviver, o meu muito obrigada!
Sob a aparência de signos e de significações em geral, são as significações desta sociedade que são entregues ao consumo. (LEFEBVRE, 2010)
Um lugar só é bom para o turismo, se primeiro o for para aqueles que ali vivem. (autor desconhecido)
RESUMO
A Cidade do Rio de Janeiro, com vistas à preparação para os grandes eventos
esportivos previstos para os próximos anos, passa por um processo de
remodelamento da sua forma urbana, sobretudo da sua estrutura viária. Dentre
todas as intervenções urbanas em curso, este trabalho se propôs a analisar o
projeto Porto Maravilha, que tem como alvo a revitalização da região portuária da
cidade. A relevância da escolha deste como objeto de análise se origina da
magnitude da intervenção urbanística dele decorrente, seu impacto atual e também
futuro na dinâmica social e econômica, não apenas nas imediações do porto, mas
também, e principalmente nos bairros limítrofes a ele: Saúde, Santo Cristo, Gamboa
e Praça Mauá e comunidades vizinhas. A análise foi desenvolvida a partir de
enfoque teórico múltiplo, dos campos do Planejamento Urbano e da Turismologia,
na busca pela compreensão da relação entre a urbanização turística e o movimento
de transformação e renovação do capital que se impõe e se expressa na
plasticidade do espaço urbano, na adequação deste a toda lógica especulativa
capitalista e, ainda, na tentativa, de se evidenciar as possibilidades e limites da
proposta e quem dela se beneficia.
Palavras-chave: Revitalização Urbana. Urbanização. Turismo. Porto Maravilha. Rio
de Janeiro
ABSTRACT
With the intent of preparing to the great sportive events expected to the next few
years, the city of Rio de Janeiro is being subjected to a remodeling process of its
urban structure, specially its transportation system. Among all the urban
interventions in course, this essay proposes to analyze the ‘Porto Maravilha’ Project,
which has the objective of renovating the city ports area, located downtown Rio. The
importance of choosing this analysis project is explained by the magnitude of the
planned urban intervention, its actual and future impact in the social and economical
dynamics, not only in the surrounding areas, but also and mainly, at the closest
neighborhoods of ‘Saúde’, ‘Santo Cristo’, ‘Gamboa’, and ‘Praça Mauá’, among other
nearby communities. The analysis was developed from a multiple theoretical focus to
Urban Planning and Tourism matters, in search of comprehending the relationship
between the tourist urbanization and the renewal & transformation movement of the
capital, which imposes and express itself through the plasticity of the urban space, its
adaptability to all speculative capitalistic logic and, even, in the attempt of highlighting
the possibilities and limits of the proposal and whomever benefits of it.
Keywords: Urban Revitalization. Urbanization. Tourism. Porto Maravilha. Rio de
Janeiro.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1.1 Bens imóveis tombados na Saúde, Gamboa e Santo Cristo 35
Tabela 1.2 Total de ocupações nas atividades características do turismo, segundo as atividades – Brasil – 2003-2009.
46
Tabela 3.1 Comparativo de chegada de turistas 98
Tabela 3.2 Dados do turismo receptivo brasileiro 98
Tabela 3.3 Dados do turismo receptivo carioca 99
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 2.1 Divisão por núcleos da área de abrangência do Porto Maravilha
55
Figura 2.2 Cronograma inicial do Projeto Proto Maravilha 75
Figura 2.3 Cronograma Geral das Obras 75
Figura 2.4 Divisão da área de intervenção por setores 77
Figura 2.5 Reconfiguração Viária no Porto Maravilha 82
Figura 2.6 Localização Túnel da Saúde 83
Figura 2.7 Projeção Rodrigues Alves – o antes e o depois 84
Figura 2.8 Projeção Túnel Saúde 85
Figura 3.1 Museu do Amanhã 105
Figura 3.2 Museu de Arte do Rio - MAR 107
Figura 3.3 Localização do AquaRio 109
Figura 3.4 Maquete AquaRio 110
Figura 3.5 Localização dos terrenos do Porto Olímpico 111
Figura 3.6 Cais da Imperatriz e do Valongo 114
Figura 3.7 Fase de conclusão das obras do Cais da Imperatriz e do Valongo
114
Figura 3.8 Jardim Suspenso do Valongo 115
LISTA DE QUADROS
Quadro 2.1 Inventário Praça Mauá 56
Quadro 2.2 Inventário Morro da Conceição 56
Quadro 2.3 Inventário Nova Rua Larga 57
Quadro 2.4 Inventário Senador Pompeu 58
Quadro 2.5 Inventário Morros da Providência e do Livramento 59
Quadro 2.6 Inventário Bairro Saúde 59
Quadro 2.7 Inventário Bairro Gamboa 60
Quadro 2.8 Inventário Bairro Santo Cristo 61
Quadro 2.9 Inventário Morro do Pinto 61
Quadro 2.10 Inventário Linha Férrea 62
Quadro 2.11 Inventário Porto Olímpico 62
Quadro 2.12 Andamento das obras por fase 78
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 2.1 Distribuição fundiária da região portuária 69
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO I OBJETO E REVISÃO DE LITERATURA 17
1.1 DESCRIÇÃO DO ASSUNTO E DO OBJETO 17
1.2 MARCO CONCEITUAL 18
1.3 INTERVENÇÕES URBANAS E PLANEJAMENTO NO BRASIL – DA CIDADE FORDISTA À DA ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL
24
1.4 O PORTO NAS ORIGENS DA ECONOMIA BRASILEIRA 30
1.4.1 Auge e fim da economia primário-exportadora 33
1.4.2 A degradação da região portuária nas últimas décadas 34
1.4.3 A necessidade de renovação/reconversão 37
1.5 TURISMO - BASE TEÓRICA E REFLEXO ECONÔMICO 41
1.6 TURISMO E SUA RELAÇÃO COM O AMBIENTE CONSTRUÍDO
46
CAPÍTULO II O PORTO DO RIO DE JANEIRO E O PROJETO PORTO MARAVILHA
49
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PORTO DO RIO DE
JANEIRO
49
2.2 O PROJETO DA PREFEITURA 53
2.2.1 A base legal do projeto 63
2.2.2 Cronograma do Projeto 74
2.3 SOBRE AS OBRAS 78
2.4 PROPOSTAS POR LINHA DE AÇÃO 81
2.4.1 Infraestrutura 81
2.4.1.1 Infraestrutura viária e de transportes 81
2.4.2 Habitação 87
2.4.3 Comércio e Indústria 88
2.4.4 Cultura e Entretenimento 90
2.5 OS AGENTES ENVOLVIDOS
90
CAPÍTULO III O TURISMO E VISÃO TURÍSTICA DO PROJETO PORTO MARAVILHA
94
3.1 SURGIMENTO E CONSOLIDAÇÃO 94
3.2 IMPACTO ECONÔMICO DA ATIVIDADE TURÍSTICA 95
3.3 TURISMO E INTERPRETAÇÃO/CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS NO PROJETO PORTO MARAVILHA
102
CONCLUSÕES PORTO MARAVILHA: EXPECTATIVAS, APREENSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS.
119
REFERÊNCIAS 133
ANEXOS
ANEXO A Matriz de Responsabilidades 142
ANEXO B Termo Aditivo à Matriz de Responsabilidades 148
12
INTRODUÇÃO
A economia primário-exportadora, em crise no Brasil, desde o início do
decênio de 1930, produz impacto na zona portuária do Rio de Janeiro, contribuindo
para um processo de esvaziamento e abandono que com o passar dos anos foi
apenas agravado. A área adjacente ao porto do Rio de Janeiro transformou-se num
bairro de passagem, fato acentuado a partir dos anos 60, com a inauguração do
primeiro trecho do Elevado Perimetral1, que, embora construído para ser uma
estrutura articuladora, em algum grau teve efeito contrário, pois acabou ampliando o
distanciamento entre a área portuária e a área central da cidade.
Há algumas décadas o poder público tem discutido a necessidade de
recuperação daquela área, tornando-se uma questão recorrente na pauta de
sucessivos governos no município; e, de fato, alguns movimentos foram feitos com o
intento de mudar o quadro de decadência e abandono daquela parte da cidade,
mas, devido à complexidade da situação fundiária e limitações financeiras, muito
pouco do que se pretendia fazer, se fez. Dentre os vários projetos que foram
elaborados nas últimas décadas visando à recuperação da zona portuária, destaca-
se o Plano de Desenvolvimento Portuário, que foi encomendado em 1987 pelo
Ministério dos Transportes e pela Empresa de Portos do Brasil S.A (Portobrás), para
áreas de propriedade da Companhia Docas do Rio de Janeiro que em 1989 se
desdobrou em outro projeto um pouco mais abrangente, contemplando a
revitalização urbana dos bairros Gamboa, Santo Cristo e Saúde, adjacentes ao
porto. (MOREIRA, 2002). Alguns anos mais trade, em 1994, outro conceito entrou
em foco, somando-se sempre aos já trabalhados: o da valorização e promoção
cultural. Dessa forma foi concebido o Projeto Cidade Oceânica do Rio de Janeiro –
Centro Internacional da Água e do Mar, que propunha a criação de um polo de
animação cultural e de intercâmbios no porto, com a construção de centros
comerciais, de serviço e de convenções, mas que também nunca saiu do papel
(MELLO, 2003). Assim como os demais, esse plano foi criado e também não logrou
1 O elevado começou a ser construído ainda no antigo Distrito Federal, por iniciativa do então
prefeito Negrão de Lima. Sua primeira etapa, iniciada em 1958, foi até a Igreja da Candelária. Na segunda, continuou pela Praça Mauá (contornando o Mosteiro de São Bento e por cima da Avenida Rodrigues Alves); a terceira e última fase foi a sua ligação com a Ponte Rio-Niterói, no início dos anos 70.
13
êxito. Em 2003 foi elaborado pelos técnicos da Prefeitura (Secretaria de Obras) e
Instituto Pereira Passos, o Plano de Recuperação e Revitalização da Zona Portuária,
que teve muito pouco do que foi previsto, executado.
Finalmente em 2009, a Prefeitura do Rio com apoio do Governo Estadual e do
Governo Federal e em parceria com organizações privadas desenvolve o projeto
Porto Maravilha, que tem como objetivo a revitalização de toda a zona portuária da
cidade, transformando-a em um polo de turismo e negócios, através do provimento
de infraestrutura para a região e a construção de equipamentos de cultura e lazer,
reabilitaando espaços sub-utilizados e em processo de deterioração; lançando mão
de muitos projetos e idéias já contempladas no antigo Plano de Recuperação e
Revitalização da Zona Portuária, que naquela ocasião não foram implementados.
Essa revitalização, portanto, não acontece em circunstâncias isoladas. Foram
vários fatores que precisaram convergir para que o poder público chegasse a essa
ação de intervenção naquele espaço e momento específicos. Dentre os fatores
propulsores está, sem dúvida alguma, a atenção à manutenção urbanística da
região, que vinha sofrendo um estado tal de abandono que já punha em risco a
segurança e integridade física daqueles que ali vivem, trabalham ou simplesmente
transitam diariamente. Calçadas destruídas, bueiros entupidos e em constante
vazamento, davam indícios de que aquela parte da cidade demandava atenção,
investimentos, intervenção.
Outro fator determinante para que esse projeto fosse implementado foi
assunção pelas três esferas de poder da absoluta importância do mesmo, não
apenas para o Município, mas para o País como um todo. Esse projeto, no entanto,
se tornou prioritário em âmbito nacional também pela necessidade de se atender às
exigências de organismos internacionais para que o Brasil esteja preparado para
sediar a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 20162. Deixou de ser
um projeto local, e passou a funcionar como um mecanismo de marketing
internacional, através do qual o país pretende projetar sua imagem. Esse
2 Os megaeventos esportivos demandam investimentos em diversas frentes a fim de garantir não
apenas os equipamentos esportivos e urbanos necessários à realização dos jogos, como também a acessibilidade e segurança urbanas neste período.
14
entendimento levou os governos Federal, Estadual e Municipal a firmarem parceria,
derrubando assim aqueles que vinham sendo ao longo dos anos os maiores
empecilhos para a intervenção na área: a situação fundiária do perímetro do porto e
as leis de regulação do território. Ao se firmar tal parceria, a União cedeu ao
município parte das terras que pertenciam à Companhia Docas do Rio e diversas
alterações legais foram feitas visando à viabilização da execução do projeto. Dentre
elas, a criação dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs),
que somado à parceria público-privada iniciada, deu conta, ou ao menos atenuou, as
limitações orçamentárias. Esse interesse da iniciativa privada na área não é algo
novo. Há algumas décadas, pelo adensamento da área central do Rio de Janeiro,
essa região passou a ser vista como área potencial para expansão do centro,
tornando-se alvo do investimento do setor imobiliário, já que o capital, com sua
necessidade de constante reinvenção, por mais financeirizado que esteja nos dias
atuais, ainda depende – e sempre dependerá – do território para se realizar.
Em um ambiente de alta competitividade internacional a abertura dos
mercados locais/nacionais aos mais diversos agentes, sejam eles empresas
públicas ou privadas, cujos objetivos passaram a ser conseguir os melhores
resultados para seus produtos e serviços ou o melhor desempenho para as
economias locais, levou a um quadro que tem na perspectiva microeconômica o
fundamento para a propagação de modelos para as cidades. A lógica da competição
passou a prevalecer nos governos das cidades, que começaram a identificar uma
necessidade de estarem preparados para competir, buscando, para isso, estratégias
de ação que lhes proporcionem visibilidade e vantagens competitivas em relação às
demais cidades. Dentre essas estratégias está a construção de vocações para a
cidade ou partes dela, em grande medida, vinculadas às atividades ligadas ao
turismo, quando fundamentada nas belezas naturais e riquezas ecológicas, no
patrimônio histórico e na diversidade cultural, por exemplo. Essa ideia de vocação
natural da cidade com potencial turístico traz consigo a compreensão da cidade
como organização competitiva, pois guarda relação com o conceito de competência
essencial, proposto por Prahalad e Hamel (1990)3 em relação às empresas.
3 Prahalad e Hamel (1990) escrevem sobre as competências centrais que as grandes firmas possuem e/ou devem desenvolver, tendo marcado o campo da estratégia nos anos 1990. Neste sentido, a “vocação para o turismo” aparece no local como uma competência central que deve ser fortalecida a cada momento.
15
O investimento na consolidação de uma imagem e na ampliação da oferta
turística, seja em âmbito local, regional ou nacional, têm se revelado, portanto, como
uma forma de exploração planejada, uma estratégia de ampliação da apropriação de
recurso dos países industrializados nos países em desenvolvimento, porém ainda
ricos em ecossistemas naturais de interesse turístico. O aspecto que se pretende
focar neste trabalho é a aplicação da intervenção urbanística em tela na atividade
turística.
Embora, aparentemente utilizado como recurso discursivo, pretende-se
esclarecer qual o papel do turismo em todo este espetáculo. Tanto aquele
desempenhado durante a execução das obras quanto aquele projetado para o
futuro. É importante desvendar as relações de poder que estão por trás dessa
política de intervenção urbana, ora denominada Porto Maravilha, quem ganha e
quem perde e, compreender de que forma se dá, neste projeto, a relação turismo -
desenvolvimento econômico - intervenção urbana.
A metodologia usada foi a análise documental em triangulação com a
entrevista e com a observação participante através do qual buscou-se captar as
significações e percepções por parte das populações moradoras dos bairros
contemplados nas obras, através da participação em reuniões com associação de
moradores e com fórum comunitário do porto do Rio de Janeiro.
Devido à dificuldade de informações oficiais e falta de clareza da proposta do
projeto, informações foram coletadas por fontes diretas e secundárias, tanto por
entrevistas e contatos com representantes dos órgãos responsáveis pelas obras,
como a CDURP, por exemplo, quanto por consulta a periódicos on-line e
documentos oficiais; sendo as principais fontes oficiais: documentos legais
(legislação), relatórios e periódicos, eletrônicos e impressos, dos órgãos
responsáveis pelo desenvolvimento do projeto.
O interesse no tema surgiu primeiramente pela importância do projeto em si.
A oportunidade de se acompanhar um plano de intervenção urbana de tamanho
porte é deveras sedutor para qualquer um que trabalhe com o tema do planejamento
urbano. Ademais, o Projeto Porto Maravilha trás consigo uma proposta bastante
ambiciosa e não menos intrigante, que vem sendo anunciada pela mídia, que
16
promete “a criação de um novo cartão postal para o Rio de Janeiro”, que figure “ao
lado do Cristo Redentor e do Pão de Açúcar”. É um plano de intervenção bastante
amplo, que abarca melhorias e ampliação do sistema de esgotamento sanitário;
preservação do patrimônio histórico através da reforma de diversos imóveis
tombados da área que se encontram em ruínas, entre os quais estão alguns
casarios com fins de habitabilidade e construção de casas na região, o que
contempla também a questão habitacional; a dotação de tecnologia de ponta com o
intuito de atrair empresas e investimentos e, por fim e não menos importante, a
transformação do resultado de toda a intervenção em um novo símbolo para o
turismo nacional. Foi, sobretudo, este apelo discursivo que me levou ao presente
estudo.
Assumindo que o espaço urbano é resultado de uma relação dialética, na qual
se conformam as relações sociais que nele se desenvolvem ao mesmo tempo em
que orienta o desenvolvimento das forças produtivas, em particular dos meios de
produção, que são refletidos nos diferentes ramos de atividade econômica que
surgem neste espaço, mas é por elas também modificado, é mister verificar a
relação existente entre o surgimento de novas forças produtivas naquele espaço,
dentre as quais a atividade turística tem lugar de destaque, com a própria concepção
do Projeto Porto Maravilha.
Este trabalho está estruturado em quatro partes, denominadas Capítulos.
Onde, no primeiro Capítulo, o objeto deste estudo é apresentado e contextualizado,
discutindo a origem, maturação e declínio da região portuária, que levou à
necessidade da intervenção urbanística em curso; o segundo capítulo trata da
importância do porto do Rio de Janeiro na história da Cidade e traz a apresentação
do Projeto Porto Maravilha. O terceiro discute a relação do turismo com o Projeto em
curso na transformação do espaço e construção de novos símbolos e significados;
por último, as percepções cabíveis, a partir do apresentado, das possibilidades e
limites da intervenção, como um todo, dando ênfase aos principais projetos, dentre
eles, aqueles que visam ao turismo na região.
17
CAPÍTULO I OBJETO E REVISÃO DE LITERATURA
1.1 DESCRIÇÃO DO ASSUNTO E DO OBJETO
O intento deste trabalho é conduzir uma análise da proposta trazida pelo
Projeto Porto Maravilha, bem como de sua condução, partindo de alguns
pressupostos teóricos tanto do campo do planejamento urbano quanto da
turismologia. Embora sejam áreas de estudo e campos de ação afins e
complementares, são distanciados pelo rigor acadêmico dando, às vezes, a
impressão contrária: a de serem campos concorrentes, como se o interesse de um
excluísse ou fosse oposto ao do outro. No entendimento aqui assumido, o
Planejamento do Turismo, seja ele rural ou urbano, acontece imbricado ao
Planejamento Urbano e Regional. E, embora, seja também uma atividade
econômica, não pode ser entendido apenas como tal; seu caráter fenomenológico
deve ser entendido e considerado, a fim de que não se faça uma interpretação
reducionista, de natureza puramente econômica. Para muitos essa diferenciação
trata meramente de uma questão semântica, ou mesmo ideológica, sendo
frequentemente ignorada. Mas, a mensuração da proposta do projeto de intervenção
urbana Porto Maravilha, que incide sobre áreas de atuação de políticas públicas
diversas, demanda tal consideração, refletida ao longo desse trabalho.
Pretende-se estudar a relação entre turismo e urbanização de cidades,
enfocando a renovação urbana em curso no atual governo do Rio de Janeiro e a
localização do turismo no contexto de seu desenvolvimento, o que motiva a busca
por compreender de que forma se relaciona a urbanização turística com toda a
lógica especulativa capitalista. Isso torna viável o seguinte questionamento: não
estaria o turismo, propositalmente reificado aqui, na composição do projeto do Porto,
se prestando ao papel apenas de discurso legitimatório aos processos que de fato
se dão a favor e coordenados pelo grande capital e suas diversas frações, entre elas
principalmente o capital imobiliário? Em outras palavras, a atividade turística estaria
sendo acionada como estratégia de legitimação de uma política (a de renovação do
porto), estratégia que obscurece os intentos da intervenção e limita os consequentes
possíveis posicionamentos críticos, especialmente dos sujeitos locais, diretamente
objetos da ação. Os interesses envolvidos são deveras complexos por envolver uma
18
gama de atores não facilmente identificados. Percebe-se por um lado, o capital
imobiliário e os proprietários privados defendendo a renovação, apostando na
provável valorização imobiliária dela advinda; por outro, são também interessados
na reabilitação ou requalificação a população residente, além de profissionais e
militantes ligados à história e à memória da cidade, pois o conceito de reabilitação
ou requalificação pode ser atribuído a uma ação que preserva o ambiente construído
existente e, dessa forma, também os usos da população moradora. Sendo assim,
torna-se necessário o monitoramento da execução do projeto, uma vez que a forma
como este será (e já está sendo) conduzido e a que atores pretende atender ou
beneficiar revelarão, como positivos ou negativo, seus resultados.
Portanto, as externalidades resultantes desse tipo de intervenção urbana
merecem maior atenção, pois, ao mesmo tempo em que proporciona uma
significativa melhoria urbanística, ampliando ou mesmo instaurando redes urbanas
básicas, de água, esgoto, de acessibilidade etc.; por ser pontual, também traz
efeitos sociais perversos com a consequente valorização fundiária das áreas que
recebem tais melhorias e a especulação imobiliária4 dela advinda. Ou seja, a
implantação de tais empreendimentos, ainda que trazendo impactos positivos sobre
o território em que se insere, não necessariamente se convertem em benefícios para
os moradores da área. De forma contraditória, tais melhorias urbanísticas e mesmo
os novos espaços dela resultantes acabam por ser apropriados e desfrutados pelo
capital imobiliário em detrimento dos interesses da comunidade local. Torna-se
necessário desvelar as lógicas subjacentes a esse projeto, que parece seguir a um
padrão de abordagem predominante hoje no estado brasileiro, que trata as cidades
e as metrópoles como empresas, sob uma visão empresarial, gerencial.
1.2 MARCO CONCEITUAL
Em seu livro A produção capitalista do espaço, Harvey (2006) nos auxilia a
compreender como o processo urbano influencia na dinâmica político-econômica do
desenvolvimento geográfico desigual contemporaneamente e, qual o papel que o
4 A concepção de especulação imobiliária aqui assumida se aproxima daquela trazida por Lúcio Kowarick, em seu livro “A espoliação Urbana”. Para este autor, a “especulação imobiliária se apresenta também com intenso vigor dentro das próprias áreas centrais, quando zonas estagnadas ou decadentes recebem investimentos em serviços ou infraestruturas básicas”. (p.37)
19
processo urbano desempenha na reestruturação que se desenvolve na distribuição
geográfica da atividade humana. Esse autor é tomado aqui por base para discutir a
influência do processo de globalização na transformação da cultura em commodities.
Essa transformação atende aos anseios do Capital de comercializar mesmo o que é
intangível, inserindo-o no circuito da troca e da mercadoria.
Nesse processo as cidades são palcos da realização do capital, ao
proporcionarem a circulação e troca das mercadorias, de onde se extrai a mais-valia.
Para isso, submetidas aos interesses do capital, sofrem constantes transformações
em sua forma. A teoria da Destruição Criadora de Schumpeter é também tomada
aqui como basilar para a discussão sobre as transformações das infraestruturas
urbanas causadoras, muitas vezes, de degradações que ensejam projetos de
revitalização tal qual o do porto do Rio de Janeiro. O autor apresenta como
característica essencial do capitalismo o seu caráter evolutivo, no qual o processo
de mutação industrial destrói uma estrutura econômica velha e vai criando outra
nova. As inovações tecnológicas são as causadoras das flutuações cíclicas, no
sentido de deslocar a economia de um estágio de equilíbrio (letargia) do fluxo
circular, conduzindo a mesma a novo período expansivo e posterior estágio de
equilíbrio e letargia, mais desenvolvido em termos tecnológicos, em termos de
produtos, de processos, de empregos, de renda etc. Portanto, a verdadeira alavanca
da mudança social para Schumpeter é a inovação tecnológica. É preciso articular
teoricamente a introdução da inovação em Schumpeter com a busca pela
valorização do capital, enquanto movimento cíclico, sempre em busca de um
patamar “mais elevado”. Ao se fazer essa articulação concluímos que, as inovações
tecnológicas surgem em determinados momentos do tempo por conta desse
objetivo, que é o de fazer do capital mais capital, superando a concorrência.
Segundo o autor,
[...] o impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial que a empresa capitalista cria [...]. (SCHUMPETER, 1984, p. 112).
Assim, Schumpeter define o que entende por inovação. Ela aparece em sua
perspectiva de uma maneira ampla, materializada num conjunto de transformações
que podem assumir as formas de produtos, processos, revolução nos transportes,
20
bem como uma nova forma de organização da estrutura industrial e novas formas de
gerenciamento e administração. Entende o surgimento de tais inovações como
constituintes mesmo da natureza capitalista:
O capitalismo, então, é pela própria natureza, uma forma ou método de mudança econômica, e não apenas nunca está, mas nunca pode estar estacionário. [...] E tal caráter evolutivo do processo capitalista não se deve meramente ao fato de a vida econômica acontecer num ambiente social que muda [...]. Tampouco se deve esse caráter evolutivo a um aumento quase automático da população e do capital [...] (SCHUMPETER, 1984, p.112).
Uma das condições para a realização do capital é a circulação do dinheiro e
das mercadorias, para que estas cheguem ao mercado e possam ser trocadas e
gerem a mais-valia. Dessa forma, a cidade capitalista é o lócus adequado a essa
circulação e por ela é moldada. Ou seja, a cidade passa a ser produto e condição
desta circulação (HARVEY, 2006). Milton Santos (2006) afirma que os espaços
assim requalificados atendem, sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da
economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas
correntes mundiais. Em última análise, pode-se inferir que é a cidade o lugar onde o
capital se realiza. Se assumirmos que é inerente ao capital esse caráter evolutivo,
essa complexa dinâmica de reinvenção constante apresentada por Schumpeter, a
cidade, que é onde ele se territorializa, compartilha de tal dinâmica e se torna
também objeto de constantes reinvenções. Tais reinvenções têm, mormente, usado
o turismo, a cultura e lazer como recurso para diversificação e desenvolvimento das
atividades econômicas no território, bem como aporte ideológico de legitimação para
as estratégias de planejamento que são apresentadas visando à renovação e
construção de novas funcionalidades de partes de cidades que deixam de atender
aos interesses (circulação) do capital ou mesmo tornam-se impeditivos a este.
A demanda de grandes capitais por solo urbano para realização de uma
variada sorte de negócios vem gerando uma forte valorização imobiliária. Tal
valorização surge a reboque da lógica da especulação que visa auferir uma renda.
Sendo o solo um bem escasso, podemos depreender que a renda advinda da
especulação torna-se o que Harvey chama de renda monopolista. Para ele, a renda
monopolista “surge quando os atores sociais controlam algum recurso natural,
mercadoria ou local de qualidade especial em relação a certo tipo de atividade”
(HARVEY, 2006, p.222). Sendo assim, fica evidente que a apropriação privada do
21
espaço impõe limites à sua utilização e a atividade turística, valendo-se do processo
de circulação do capital, cumpre função frente a este, de ampliação de acumulação
do capital, ao colocar em circulação espaços antes fora desse circuito. Ou seja, o
seu valor resulta das relações sociais inerentes ao 'espaço-mercadoria'. Em sua
produção, o espaço é fragmentado de forma que as intencionalidades presentes na
ordem distante predominem. Ora, como produto da fragmentação, tem-se a
valorização diferencial, agregando valores e status, elitizando e estigmatizando os
espaços de forma distinta. O Estado, em conjunto com os empreendedores
imobiliários, intensifica a característica do espaço urbano enquanto valor de troca.
Segundo Harvey,
O desenvolvimento capitalista precisa superar o delicado equilíbrio entre preservar o valor dos investimentos passados de capital na construção do ambiente e destruir esses para abrir espaço novo para a acumulação. Em conseqüência, podemos esperar testemunhar uma luta contínua, em que o capitalismo, em um determinado momento constrói uma paisagem física apropriada à sua própria condição, apenas para ter de destruí-la em momento subseqüente (HARVEY, 2005, p.55).
Devido à complexidade fenomenológica e sistêmica do turismo, seu
desenvolvimento é afetado ou condicionado por uma série de fatores de naturezas
diversas. Rabahy (2003) dividiu esses fatores em 3 grupos, quais sejam: (i) fatores
socioeconômicos, (ii) fatores culturais e psicossociológicos e (iii) fatores técnicos.
Dentro do primeiro grupo são consideradas variáveis como crescimento
urbano/industrial, nível de atividade econômica, renda e tempo livre para o lazer. O
segundo grupo concentra as variáveis motivacionais da demanda turística que, em
última análise, determinam a escolha pelo destino e mesmo o tipo de turismo que se
praticará. O terceiro grupo considera as facilidades técnicas para o desenvolvimento
do turismo, como infraestrutura turística (meios de restauração, hospedagem e
atrativos diversos) e transportes.
Ainda segundo Rabahy, o desenvolvimento da atividade turística sofre uma
relação diretamente proporcional e interdependente à estrutura urbana e ao nível de
desenvolvimento econômico. E, a imbricação entre o desenvolvimento urbano,
desenvolvimento econômico e desenvolvimento turístico é tão grande que se torna
por vezes impossível a demarcação de um e de outro. O Projeto Porto Maravilha
corrobora com essa percepção, pois aparece como um projeto de revitalização
22
urbana, que tem como objetivo a ampliação do nível de atividades econômicas na
região portuária a partir não apenas da captação de empresas e empreendimentos
imobiliários pela melhoria da infraestrutura e ambiência urbana, mas também pela
melhoria e criação de infraestrutura e atrativos turísticos naquele entorno.
Outro aspecto a ser considerado nesta imbricação entre turismo e
urbanização é o papel ao qual o turismo tem se prestado ao se inserir na dinâmica
do capitalismo globalizado, refletindo-o e reproduzindo-o, embora não seja um
produto deste, e sim um fenômeno por esse apropriado. Ao que parece, a
urbanização turística, ou turistificação do lugar, tem por fim a inserção deste no
circuito econômico. Carlos corrobora essa ideia afirmando: “Cada vez mais o
espaço, produzido como mercadoria, entra no circuito da troca, atraindo capitais que
migram de um setor da economia para outro de modo a viabilizar a reprodução”
(CARLOS, 2001, p. 16). Demais, os impactos gerados pela atividade turística
desenvolvida a partir de princípios estritamente econômicos têm chamado a atenção
de muitos pesquisadores das diversas áreas das ciências sociais aplicadas. Cabe,
portanto, questionar se todo o desenvolvimento prometido no discurso institucional,
ratificado no Projeto Porto Maravilha vem sendo ou será percebido in loco. Harvey
nos alerta para os limites que uma urbanização, seja ela turística ou não, promovida
sob a égide do capitalismo e possíveis resultados quando a paisagem física e social
da urbanização é moldada de acordo com os critérios capitalistas. Quando a
produção imobiliária capitalista é dominante, ela passa a produzir efeitos autônomos
nas transformações do espaço urbano, desconsiderando questões sociais ou
mesmo culturais do espaço sob intervenção.
Segundo Arantes (2000), as cidades modernas aparentemente sempre
estiveram associadas à divisão social do trabalho, à exploração da propriedade do
solo e à acumulação capitalista, evidenciando uma relação direta entre a
configuração espacial urbana e a produção ou reprodução do capital. Para essa
autora o que há de novo nesse processo é a criação de um consenso da cidade
como mercadoria, do qual surgiu uma espécie de marketing urbano, que tem por
objetivo atrair consumidores para esse novo “produto”. Ao pensarmos na cidade
como mercadoria, temos que recorrer a Marx para compreendermos de qual
maneira tal alegoria torna-se pertinente. De acordo com Marx (2009), qualquer
23
mercadoria, para que seja mercadoria, tem que ter ela mesma valor de uso e valor
de troca. Não admitimos aqui que a cidade, por maior que seja a campanha de
marketing urbano que se empregue, possa ser colocada à venda, tal qual uma
mercadoria, visto que, por definição, uma mercadoria deve ser alienável. O que se
promove e se “vende” é uma imagem, que forçosamente é relacionada ao todo (a
cidade inteira) embora seja apenas um fragmento do território o alvo da intervenção
urbana. Tal prática está se repetindo aqui no Rio de Janeiro com o Projeto Porto
Maravilha, através do qual se pretende ampliar a potencialidade econômica da
região portuária e, por conseguinte, de todo o centro. Essa prática vem, há décadas,
sendo reproduzida em diversas cidades, não apenas no Brasil como também em
outros países, na tentativa de dinamização e crescimento econômico, na grande
maioria dos casos, associada à promoção do turismo nessas áreas. Para ficar
apenas no caso brasileiro, podemos citar o Pelourinho, que integra o centro histórico
de Salvador e que foi restaurado por uma política pública claramente definida, a qual
promoveu a turistificação daquele espaço. O projeto de recuperação do Pelourinho,
que foi posto em prática pelo Governo do Estado da Bahia, em etapas, desde o ano
de 1990, redefiniu sua funcionalidade ao projetar para o mundo uma nova imagem,
com significado bem distinto daquele original5, sendo gerado assim um novo
“produto turístico” que promoveu a dinamização da economia local com base na
atividade turística.
Lançando luz ainda sobre essa discussão, Harvey considera que:
Uma região urbana pode também aumentar sua situação de competitividade a partir da divisão espacial do consumo. [...] Os investimentos, no intuito de atrair o consumo [...]; cada vez mais se concentram na qualidade de vida, na valorização do espaço, na inovação cultural e na elevação da qualidade do meio urbano (inclusive a adoção de estilos pós-modernos de arquitetura e de desenho urbano), nos atrativos de consumo (estádios esportivos, centros de convenções, shoppings centers, marinas, praças de alimentação exóticas), entretenimento (a organização de espetáculos urbanos temporários ou permanentes) se tornam facetas proeminentes das estratégias de renovação urbana (HARVEY, 1996, p. 54-55).
Ainda segundo este autor (2006), foi na década de 1970 que o tema do
empreendedorismo urbano aflorou nos países capitalistas avançados, os quais,
5 Originalmente, no período colonial, pelourinho identificava o lugar dos engenhos reservados para castigar publicamente os escravos, numa demonstração de força e poder por parte dos senhores de engenho da época. Agora transformado num local rico em manifestações culturais, polo musical e do artesanato baiano.
24
desde então, têm utilizado, em algum grau, este tipo de política urbana, que
seguem, em geral, a lógica de valorização do espaço como elemento de ligação
entre seus movimentos. O empreendedorismo urbano surge então como estratégia
de competição interurbana e inter-regional, para atração de capital a partir da
provisão de investimentos públicos – mormente infraestrutural – para criar um
ambiente propício e atraente a mais investimentos e negócios. Neste sentido, cada
cidade, busca evidenciar suas especificidades – naturais, culturais e sociais (esta
última, em alguns casos, ao invés de evidenciada é negada ou camuflada) – como
elemento diferenciador que justificaria para si a opção locacional do capital. Com
isso, as cidades passam a ser promovidas como mercadoria e, consequentemente,
sua gestão tende a se aproximar da empresarial. Ainda segundo Harvey, o
empreendedorismo urbano reside, portanto, na ideia básica de associação público-
privada almejando investimento e desenvolvimento econômico através da
construção especulativa de espaços dentro da cidade que respondam a objetivos
econômicos e políticos imediatos (HARVEY, 1993). É nesse contexto entra em
discussão as, tão em voga, revitalizações urbanas, objeto de investigação deste
trabalho, e resultado de um processo de transformação e adaptação por que passou
o Planejamento Urbano nas últimas décadas.
Também no Brasil, o Planejamento Urbano assumiu, ao longo dos anos,
diferentes perspectivas que podem ser explicadas ou compreendidas quando
contextualizadas às mudanças político-econômicas pelas quais o próprio país
passou. Isso posto, faz-se a seguir uma breve explanação sobre essas mudanças e
sua repercussão no planejamento urbano no Brasil.
1.3 INTERVENÇÕES URBANAS E PLANEJAMENTO NO BRASIL – DA
CIDADE FORDISTA À DA ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL
As intervenções no espaço urbano vão começar a se desenvolver a partir do
momento em que a cidade capitalista se impõe e se desenvolve. Isso porque o
capitalismo demanda condições estruturais para se desenvolver e se reproduzir. Ou
seja, a cidade precisa, a partir do advento do capitalismo, ser adequada, sendo
aproveitada e modificada para melhor possibilitar a (re)produção, consumo e
circulação de mercadorias. Com o modo de produção capitalista, uma série de
agentes econômicos e sociais novos foram introduzidos no espaço urbano, que
25
passou a ser objeto de disputas. Podemos ler a cidade capitalista como a
concretude da economia. De modo que esta última passa a determinar a primeira. E,
uma vez que há uma relação intrínseca entre economia e cidade, abandona-se a
ideia de laissez faire6 e o Estado então é chamado à responsabilidade de intervir na
economia e concomitantemente, passa a intervir também no espaço urbano, já que
a estrutura urbana começou a se tornar ineficiente e ao invés de apoiar, começa a
criar entraves ao desenvolvimento econômico. O primeiro elemento de entrave é a
questão sanitária. Houve uma progressividade na intervenção do poder público no
espaço urbano. Mas, as primeiras leis de intervenção, ainda no séc. XIX, tanto na
França (Paris) quanto na Inglaterra (Londres), foram leis sanitaristas que buscaram
reorganizar os espaços no sentido de higienizá-los, devido às epidemias
recorrentes. Desde então, o caráter das intervenções foram se transmutando, do
enfoque sanitarista para o embelezamento; do embelezamento, na modernidade,
para a funcionalidade.
A crescente necessidade de enfrentar os problemas psicológicos,
sociológicos, técnicos, organizacionais e políticos da urbanização maciça serviu de
incentivo ao surgimento de movimentos modernistas. Harvey nos informa que o
modernismo era “uma arte das cidades”, que encontrava “seu habitat natural nas
cidades” (HARVEY, 1993, p. 33). Parte desse modernismo nascente apelava para a
imagem da racionalidade incorporada à máquina, na fábrica, no poder da tecnologia
contemporânea, ou da cidade como “máquina viva”. Dedicou-se a impor ordem
racional (eficiência tecnológica) para atingir metas socialmente úteis: “pela ordem,
promover a liberdade”. (um dos slogans de Le Corbusier7). No Brasil e em outras
partes do mundo, os pressupostos progressistas prevaleceram na organização da
cidade grande, materializados no zoneamento e controle do uso do solo. O
planejamento enquanto atividade político-institucional fortalece-se a partir da década
de 1930, evidenciando que a intervenção do Estado busca equacionar as
contradições inerentes ao modo de produção capitalista e criar as condições gerais
necessárias à (re)produção dessa sociedade. A Revolução de 1930 acaba por
contribuir para o estabelecimento de padrões e valores sociais e culturais de tipo
6 Laissez-faire, laissez passer (deixem fazer, deixem passar)- Expressão muito utilizada como símbolo do Liberalismo econômico, de uma visão que acreditava o Estado deveria ser mínimo, que este só deveria interferir para manutenção da ordem, da propriedade e da liberdade individual. 7 Arquiteto urbanista e pintor. É considerado um dos mais importantes arquitetos do século XX.
26
propriamente burguês (IANNI, 1977) e nas décadas seguintes, o Estado assume
funções e papéis cada vez mais amplos e o planejamento torna-se a forma de
intervenção no campo público.
As concepções modernistas/funcionalistas no âmbito do planejamento e das
reformas urbanas conheceram uma longa evolução entre os séculos XIX e XX,
porém seu apogeu histórico situa-se entre o final da segunda guerra mundial e
princípios da década de 1970. Efetuam a passagem da imagem da cidade enquanto
desordem para a cidade enquanto ordem social e progresso, centro irradiador do
processo civilizatório. No caso brasileiro, assumindo centralidade nos processos de
constituição da identidade nacional e de formação da nação.
Alguns autores não distinguem entre planejamento modernista e funcionalista,
ou não compreendem a existência de um planejamento influenciado pelo
modernismo enquanto movimento cultural e regulado por princípios funcionalistas.
De qualquer forma, o funcionalismo vincula-se à constituição de uma ordem
socioeconômica pautada pela produção e consumo de mercadorias em larga escala,
por um outro patamar de articulação entre as classes sociais, em que se destacam a
influência sociopolítica de “modelos” de organização e de gestão do trabalho
pautados pelo taylorismo e pelo fordismo, e por uma visão organicista de sociedade.
A partir daquela década, sob hegemonia da burguesia urbana, “a eficiência, a
ciência e a técnica começam a substituir os conceitos de melhoramento e
embelezamento” (MARICATO, 2002, p.138), mas os significados sócio-políticos
descritos anteriormente permanecem. O urbanismo e o planejamento hegemônicos
nesse período assumem o sentido de adaptação das cidades à era industrial e, por
tabela, às necessidades do capitalismo, buscando transpor a racionalidade da
produção industrial fordista para o âmbito da produção do espaço urbano. A ideia
central nessa perspectiva é a de modernização, onde a casa e a própria cidade são
concebidas como máquinas e onde a funcionalidade é um princípio básico. A crença
no progresso linear, nas verdades absolutas e no planejamento racional de ordens
sociais ideais sob condições padronizadas de conhecimento e de produção era
particularmente forte. Por isso o modernismo resultante era “positivista,
tecnocêntrico e racionalista”.
27
Essa matriz entra em crise, internacionalmente e no país, a partir de meados
dos anos 1970. Maricato destaca como “após um século e meio de vida, a matriz de
planejamento urbano modernista (e mais tarde funcionalista), que orientou o
crescimento das cidades dos países centrais do mundo capitalista, passou a ser
desmontada pelas propostas neoliberais” (MARICATO, 2002, p.123). A partir dos
anos 1970, e no contexto da crise e da reestruturação contemporânea do capital, o
planejamento perde espaço em detrimento da gestão, não por acaso também a
partir desta década o empreendedorismo urbano, conforme anteriormente
salientado, ganha espaço nas pautas públicas. Este deslocamento teórico e político,
porém, não assume sentido absoluto. Ao contrário, a realidade socioespacial é
demarcada também por tendências opostas, indícios de visões e projetos em
disputa na sociedade, que fortalecem a importância social e política da legislação,
das políticas, do planejamento e da gestão urbana. No Brasil, no contexto das
décadas de 1980 e 1990, novas matrizes de planejamento, gestão e reforma
urbanas se desenvolvem.
Segundo Harvey (1993), o modernismo viveu ou vive uma reestruturação. O
resultado desta vem sendo chamado de pós-modernismo. Nessa “pós-
modernidade”, a ideia de plano é substituída por projeto. Rompe-se com a ideia
modernista de que o planejamento e o desenvolvimento devem concentrar-se em
planos urbanos de larga escala. O Pós-modernismo cultiva, ao invés disso, um
conceito do tecido urbano como algo necessariamente fragmentado, um
“palimpsesto” de formas passadas superpostas umas às outras e uma “colagem” de
usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros. Pós-modernistas antes
projetam que planejam. Ou seja, dá-se lugar a um urbanismo fragmentador e
segregador.
O que, de fato, percebe-se é que o planejamento urbano
modernista/funcionalista fragilizou-se diante de outras perspectivas, inclusive de
caráter empresarialista e inscritas sob a denominação de planejamento estratégico.
Nesse contexto histórico, a regulação estatal cede lugar ao ajustamento frente às
necessidades e interesses, inclusive imediatos, do mercado e do capital, revelando
tendências contemporâneas de desregulamentação e redução do papel e da
presença do Estado. Trata-se de uma perspectiva fundamentada em conceitos e
28
técnicas advindos do planejamento empresarial, visto como inspiração em virtude da
crescente concorrência e dos desafios e condições semelhantes às empresas,
segundo essas concepções, enfrentados pelas cidades contemporâneas.
Na perspectiva estratégica, pensar a cidade como empresa significa,
essencialmente, “concebê-la e instaurá-la como agente econômico que atua no
contexto de um mercado e que encontra neste mercado a regra e o modelo do
planejamento e execução de suas ações.” (VAINER, 1999, p. 8). Desta forma, “agir
estrategicamente, agir empresarialmente significa, antes de mais nada, ter como
horizonte o mercado, tomar decisões a partir das informações e expectativas
geradas no e pelo mercado.” (ARANTES et al, 2002, p. 43). Desta forma, a cidade é
pensada e sentida como um sujeito abstrato e genérico, constituindo uma
homogeneidade que não corresponde às estratificações sociais existentes.
No Brasil, um número crescente de cidades vem assumindo os pressupostos
dessa perspectiva, na maior parte das vezes sem uma discussão crítica acerca dos
fundamentos teóricos e dos significados sociopolíticos vinculados. Uma questão
central diz respeito à competitividade urbana. Trata-se de criar as condições para
competir permanentemente, frente outras cidades, pelos investimentos de capital,
tecnologia e competências, atração de novas indústrias e negócios, preço e
qualidade dos produtos e serviços e atração de consumidores e de força de trabalho
qualificada. (VAINER, 2002). Atribuir determinada imagem à cidade através da
organização de espaços urbanos espetaculares se tornou um meio de atrair capital e
pessoas, aqueles desejáveis, num período de competição interurbana e do
empreendedorismo urbano intensificados.
Nesse processo de mudanças, destacam-se os projetos urbanos pontuais,
considerados capazes de dotar as cidades de novos instrumentos, que lhes
permitam definir uma imagem competitiva da cidade, com base em novos objetos
arquitetônicos monumentais com tipologias pretensamente globais, que passam a
constituir os novos ‘sistemas de objetos’ da cidade, para os quais todas as ações
públicas e privadas devem voltar-se. Esse novo modo de ‘projetar’ a cidade
enfatizando a gestão, que está diretamente ligado ao planejamento flexível, torna
necessária a concepção de ‘sistemas de ações’ capazes de funcionar dentro de uma
desordem e de uma complexidade crescentes, de adaptar-se às condições mutantes
29
da economia e de dar respostas aos interesses privados sobre determinadas áreas
da cidade. Fatos que tornam os documentos gerais de planejamento em longo
prazo, as regulamentações fundiárias precisas, os procedimentos de urbanismo
operacional e os programas de investimentos públicos incompatíveis com o atual
desenvolvimento urbano, os objetivos dos poderes públicos e seus meios, as novas
relações entre os atores públicos e os privados e seus interesses sobre o espaço.
Sob o entendimento Lefebvreano (1986), o direito à cidade como bem
coletivo, com acesso universal aos bens e serviços, vai de encontro a toda lógica
capitalista em curso, de privatização dos equipamentos públicos, de transformação
da terra, da moradia e da cidade em mercadoria. Para este autor, a própria cidade é
uma obra, sendo, esta, coletiva e dinâmica, e tal característica contrasta com a
orientação irreversível na direção do dinheiro, na direção do comércio, na direção
das trocas, na direção dos produtos. Entendendo que a obra equivale ao valor de
uso e o produto ao valor de troca.
Ao assumir a imagem da cidade enquanto mercadoria é necessário perceber
que, na maioria dos casos, não é a cidade que é vendida, em sua materialidade e
concretude histórica, mas locais específicos da cidade, imagens construídas através
da publicidade e da mídia, capazes de fortalecer uma identidade específica, positiva,
ocultando contradições, conflitos, dimensões negativas. No discurso dominante, “a
venda da cidade é, necessariamente, a venda daqueles atributos específicos que
constituem, de uma maneira ou de outra, insumos valorizados pelo capital
transnacional”. (ARANTES et al, 2002, p.79). Nessa perspectiva, o “plano
estratégico assume a fragmentação na abordagem da cidade, priorizando as
localizações com mais potencial de rentabilidade imobiliária e carga simbólica.”
(MARICATO, 2001, p.69).
A região portuária do Rio de Janeiro é alvo hoje desse modelo de
planejamento, representado no Projeto Porto Maravilha, que visa à distinção e
valorização de toda aquela área que, não obstante seu estado atual de abandono e
degradação, em um passado não tão distante desempenhou papel de destaque na
história econômica da cidade. Objetivando destacar a relevância daquela Região,
que não se limita, em absoluto, ao seu potencial de imobilização do capital através
do aproveitamento de seus vazios urbanos; mas remete antes à significativa
30
contribuição que teve na formação da sociedade Brasileira e conformação da
estrutura urbana da cidade do Rio de Janeiro, faz-se no item que se segue a
recuperação sumária da sua importância histórica.
1.4 O PORTO NAS ORIGENS DA ECONOMIA BRASILEIRA
A descoberta do Brasil é resultado da expansão marítima e mercantil da
Europa, em especial de Portugal e Espanha, por volta dos séculos XV e XVI. Essa
expansão tinha não outro intento que a busca por aquilo que Marx, no capítulo 24 do
primeiro livro da sua obra O Capital, chamou de acumulação primitiva ao concluir
que as riquezas conquistadas fora da Europa, seja por pilhagem, escravização ou
massacre tinham como destino a metrópole, onde se transformavam em capital.
O Brasil “nasce” enquanto colônia e, as marcas desse passado colonial, ainda
hoje podem ser percebidas e sentidas. Portanto, uma categoria chave para se
pensar a inserção do Brasil na economia mundial é a forma como este foi
colonizado. A estrutura econômica era orientada para a produção e a exportação de
bens primários, visando a atender os interesses que vinham de fora. Uma economia
voltada para o mercado externo é uma economia dependente das demandas desse
mercado, onde o fator dinâmico é exógeno: a demanda externa. “Essa orientação
para o exterior conduziu à implantação da monocultura, centrada no produto de
maior rentabilidade em certo momento histórico” (BRUM, 1999, p. 130),
estabelecendo na colônia uma economia de ciclos produtivos. Na alternância e
coexistência destes foi-se configurando o território brasileiro; a partir das relações
sociais resultantes das principais atividades econômicas da época. Dentre os
produtos cíclicos que tiveram maior destaque estão o açúcar, o ouro e o café. Sendo
o café o responsável por lançar as bases para uma dinamização econômica não
apenas de exportação, como também interna e durável, ao contribuir para a
expansão das relações de compra e venda muito para além do próprio café,
expandindo-se a serviços e produtos acessórios à manutenção da força de trabalho
empregada e da própria atividade.
Quando nos países europeus, berço do capitalismo, as fontes internas de
ouro e prata já não conseguiam acompanhar a crescente procura de dinheiro, foram
buscadas através das grandes expedições marítimas outras fontes que o
31
fornecessem. Os conquistadores e descobridores espanhóis e portugueses
exterminaram milhões de índios e apropriaram-se de milhões de pesos de ouro. O
que mostra que a violência direta desempenha um papel decisivo na história
primitiva do capitalismo. A chamada acumulação primitiva é, na verdade, a
espoliação primitiva violenta da massa do povo. A História comprova que, tanto o
“cercamento dos campos”8, quanto a escravização dos negros africanos, embora
não sendo compra e venda de força de trabalho em si, funcionaram como métodos
não capitalistas, mas, que resultaram na garantia das condições para a produção
capitalista: força de trabalho e capital, num tempo pretérito onde ainda se vivia uma
transição de um modo de produção feudal para a eclosão de um capitalismo
nascente. Por isso, essa acumulação não pode ser vista como capitalista ainda, mas
uma acumulação mercantil (capital comercial e usurário), pois é voltada para o
acúmulo de riqueza através do comércio. É a produção não capitalista das
condições de produção capitalista. Resumindo, podemos compreender a
acumulação primitiva como o processo histórico que produz os pressupostos da
acumulação capitalista. Essa lógica constitutiva da economia/sociedade mundial
daquela época é a matriz explicativa da expansão ultramarina de então.
Para esclarecer de que capitalismo está sendo falado, recorre-se aqui a Marx,
que nos traz grande contribuição no seu Inédito VI, ao apresentar os conceitos de
subordinação formal e subordinação real. De acordo com a leitura marxista, antes da
passagem da subordinação formal para real, o modo de produção tinha a forma
capitalista, mas não o era de fato. Passa a ser a partir de então. À medida que o
trabalho vai sendo desqualificado, à medida que o processo de subordinação formal
vai sendo substituído pela subordinação real, a apropriação do saber produzir, que
antes era um atributo do trabalhador, cada vez mais se transfere para o capital, que
fica objetivado nas máquinas, na forma de capital constante. Se num primeiro
momento, na subordinação formal, o capital expropriava os trabalhadores dos
atributos objetivos do trabalho, os meios de produção; num segundo momento, na
8 Fenômeno ocorrido na Inglaterra desde o século XVII e intensificado no século seguinte, período em que estava se dando a transição do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista. Teve como objetivo o estabelecimento da terra como um bem de produção e não mais um bem livre. Além da geração do “trabalhador livre” e formação de um exército industrial de reserva, a partir dos camponeses desapropriados e expulsos dos campos, que, não tendo mais condições de sobrevivência no campo, passaram a vender o único bem que lhes restou: sua força de trabalho, transformando-se em mão de obra urbana.
32
subordinação real, cada vez mais o capital vai desapropriando o trabalhador dos
atributos subjetivos do trabalho, não mais controlado de fora. O capital penetra no
processo de trabalho, interferindo nele. Essa interferência tem como elemento
central, a mudança no modo de produzir. Ou seja, o modo de produzir não é mais
aquele que o trabalhador conhecia e dominava, mas aquele agora, revolucionado e
imposto pelo capital. Neste sentido, o processo de trabalho passa a expressar a
imagem do capital; o saber produzir, antes elemento subjetivo do trabalhador passa
a ser objetivado no capital.
Ainda segundo essa leitura, três processos precisam ser considerados para
conformação do modo de produção capitalista; o primeiro deles é o já mencionado
avanço das forças produtivas capitalistas, que proporcionaram a passagem da
subordinação formal à subordinação real. O segundo: as relações sociais de
produção especificamente capitalistas, do tipo assalariamento (naquele momento
histórico) e, terceiro: uma dinâmica de reaplicação dos excedentes econômicos de
acumulação de capital nos moldes propriamente capitalistas. Essas três condições
são fundamentais para se entender esse momento em que se pode dizer
efetivamente que existe capitalismo, e não mais aquele momento da transição de
cerca de 300 anos do feudalismo para o capitalismo. Se assumimos que a
dominação do capital industrial tornou-se dominante na Inglaterra na segunda
metade do século XVIII, conclui-se que, no momento do descobrimento do Brasil,
1500, ainda não se tem rigorosamente instaurado o capitalismo. Têm-se formas
pregressas que prepararam o terreno, com a acumulação primitiva. Ou seja, toda a
mercantilização que o capitalismo exige já estava posta, já que o capitalismo é a
forma de organização social mais mercantilizada que a humanidade já conheceu, na
qual tudo tem preço.
Furtado (2007) afirma que se reproduziram no Brasil, por aproximadamente
quatrocentos anos, estruturas econômicas precárias, com baixa produtividade e
baixo grau de mercantilização, e isso, segundo esse autor, era um fator que se
contrapôs durante todo esse período a qualquer integração socioeconômica maior
do território brasileiro. O que também foi produto dessa inserção do Brasil na
economia mundial enquanto colônia de exploração. Nesses quatrocentos anos, os
ciclos econômicos foram variáveis determinantes que respondiam ao longo do
33
tempo aos interesses do centro. Os interesses do centro se alteravam e, na medida
em que se alteravam os interesses, alteravam-se também os lugares contemplados.
Retira-se daí uma explicação para a ocupação itinerante e dispersa do território
brasileiro, notadamente, do território litorâneo. E em todo esse período o dinamismo
econômico do Brasil colônia e posteriormente do Brasil império dependeu
diretamente do seu setor externo, o seu centro dinâmico.
1.4.1 Auge e fim da economia primário-exportadora
Como visto, nos quatro primeiros séculos de existência, o bom desempenho
da economia brasileira dependia da exportação de poucas commodities agrícolas
para o mercado internacional, que com o tempo variou entre: ouro, açúcar, café,
borracha e outros; enquanto importava dos países centrais produtos industriais com
cada vez maior valor agregado e incorporação de tecnologia viabilizando assim a
acumulação capitalista e a industrialização do centro para o qual exportava
matérias-primas com baixo valor agregado. Cabia, pois, aos países periféricos
importar, inclusive, a tecnologia necessária à produção dos bens que exportavam.
Esse modelo de desenvolvimento econômico fomentou a situação de dependência
brasileira dos países centrais e ficou conhecido como primário-exportador.
Em 1930 a economia mundial entrou em uma das maiores crises da história.
Também esta década marca, no Brasil, o início da decadência desse modelo. Essa
crise causou uma enorme baixa no preço do café, o que resultou num grande
impacto na economia brasileira, já que, na época, era o setor cafeeiro o principal
setor na economia do Brasil. Nas palavras de Furtado,
[...] a concomitância da crise nos mercados mundiais, que se inicia em 1929, com a grande onda de superprodução, que alcançou seu ponto máximo em 1931, provocou o colapso da economia cafeeira, que permaneceria em total depressão durante três quinquênios sucessivos[...] (FURTADO, 2007, p.111).
Mesmo com a intervenção do governo comprando e estocando café e
desvalorizando o câmbio para proteger a economia, o setor não conseguiu realizar
os estoques no mercado, sendo levado a queimar toneladas de café durante as
décadas de 1930 e 1940.
34
A industrialização, que já se havia iniciado no fim do século XIX avança
aceleradamente na década de 1930. Se até a crise de 1929, o setor externo era o
motor da economia brasileira, os bloqueios de longa duração causados pela crise,
tornaram o mercado interno mais atrativo para os investimentos industriais, que
passou a ocorrer de forma praticamente encadeada e rápida para atender ao
consumo. O esgotamento do modelo agroexportador trouxe à tona a necessidade
da industrialização, e o Plano de Metas do governo de Juscelino Kubistchek na
economia nacional foi o ápice do programa de industrialização por substituições de
importações, que incrementou a infraestrutura do país, especialmente no que tange
o transporte rodoviário. Segundo Becker (2001), também teve início, como parte de
um processo mais amplo, vigente no pós-guerra, o processo de massificação dos
padrões de consumo, do qual o turismo faz parte.
Com a crise da economia primário-exportadora teve início o declínio da região
portuária do Rio de Janeiro, que foi agravado por fatores outros, que serão
evidenciados a seguir.
1.4.2 A degradação da região portuária nas últimas décadas
.
Localizada numa área de grande relevância histórica para a cidade do Rio de
Janeiro, a área em estudo compreende a costa oeste da Baía de Guanabara, que
hoje corresponde à Região Administrativa I RA, a qual engloba os bairros da
Gamboa, Saúde, Santo Cristo e Caju. Conhecida como Região portuária, foi
considerada há longo tempo como a porta de entrada para o país, principalmente
após a abertura dos portos em 18089. Nos últimos cinquenta anos, a área vem
sofrendo processos de abandono e degradação, o que resultou numa concentração
de vazios urbanos em seu entorno. São dezenas de imóveis abandonados,
degradados ou mesmo em ruínas; muitos destes de valor histórico arquitetônico
incalculável.
A Tabela 1.1 oferece uma pequena demonstração da riqueza do patrimônio
arquitetônico abrigado apenas nesses três bairros históricos. Essa área sempre
9 Após a chegada da Família Real, em 24 de Janeiro de 1808, o Príncipe Regente promulgou sua primeira Carta Régia no território brasileiro, através da qual era autorizada a abertura dos portos do Brasil ao comércio com as nações amigas de Portugal.
35
desempenhou um papel de grande importância econômica, tendo sido palco de
grandes acontecimentos na história não apenas do Rio de Janeiro, mas também do
país.
Tabela 1.1 - Bens imóveis tombados na Saúde, Gamboa e Santo Cristo.
Fonte: I PHAN, Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – I NEPAC, e Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – Secretaria das Culturas, 2010.
Como exposto, até 1930 a economia tinha como base a exportação e também
importação (BRUM, 1999). Os portos nesse período, principalmente o do Rio de
Janeiro, capital do império, tinham papel crucial, quase que determinando o ritmo de
vida da sociedade de então. A vida urbana se concentrava nos arredores de seus
portos. Fora através destes que os negros trazidos do território africano pelo tráfico
chegaram às nossas terras e contribuíram com seu trabalho e sua semente para a
construção da sociedade brasileira. Também pelos portos chegaram os imigrantes
(1999), que em boa medida contribuíram para o avanço do trabalho livre,
assalariado. Ou seja, por quatro séculos a relação porto - sociedade era absoluta.
Através dos portos era comercializada toda a produção agrícola a ser exportada e
por eles também se recebiam todas as importações, vitais à sociedade de então.
Este quadro só começou a mudar a partir da crise de 1930, a qual motivou, por força
da necessidade, a produção industrial para o suprimento interno. A partir daquele
momento, a industrialização passou a ser entendida por muitos como o caminho
para o desenvolvimento.
Cidades portuárias como Rio de Janeiro, Fortaleza, Recife e Belém, sofreram
grandes redefinições que terminaram por diminuir o núcleo dinâmico de seus portos
e suas áreas de trabalho. Isto resultou em espaços degradados e obsoletos. Todo
esse “distanciamento” da região portuária da dinâmica produtiva econômica, que
teve início com o processo de industrialização por substituição de exportações, com
o passar dos tempos apenas foi agravado pela impossibilidade daqueles portos,
tradicionalmente ligados a centros urbanos e constituintes de sua parte histórica, de
36
atender às novas demandas que eram impostas pela “evolução” do tráfego marítimo:
uso e ampliação do número de containers e aumento da profundidade do calado dos
navios e, ainda assim, cumprir adequadamente suas funções. Devido a essas
mudanças tecnológicas na armazenagem e transporte de produtos, assim como na
própria matriz de exportação do país, da mesma forma como aconteceu também
com outros portos em outras regiões e países, este trecho do Porto do Rio tornou-se
obsoleto (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005). Tais modificações técnicas
demandaram e impulsionaram em diversas cidades brasileiras, a partir dos anos
1970, a construção de portos mais afastados dos limites urbanos, como foi o caso do
Porto de Sepetiba, no Rio de Janeiro, de Pecém em Fortaleza, de Suape em Recife
e de Vila do Conde em Belém (SILVA & COCCO, 1999).
Tudo isso contribuiu para o maior esvaziamento das funções portuárias
daqueles portos tradicionais, que por sua vez, ocasionou o abandono de diversos
galpões em seu entorno, dando origem à situação de abandono à qual até os dias
de hoje se vê. O que acabou por ampliar a dificuldade de integração entre as
estruturas portuárias e o tecido urbano, denotando a imagem de uma cidade
fraturada (SILVA & COCCO, 1999), repleta de vazios urbanos e prédios em ruínas
que, posteriormente, foram sendo ocupados como moradia e sedes de movimentos
culturais diversos, grupos teatrais e mesmo escolas de samba.
De um lado é possível, através da história, acompanhar e até entender o
processo de decadência da região portuária do Rio de Janeiro. De outro lado, torna-
se política e economicamente inviável que a omissão perdure, frente à atual
conjuntura, na qual o Brasil e, sobretudo, a cidade do Rio de Janeiro estão sob a
observação de organismos internacionais por causa dos eventos e jogos que aqui
serão sediados. É nesse contexto que o Projeto Porto Maravilha surge, na tentativa
de mudar esse quadro e, ao mesmo tempo dar resposta aos organismos
internacionais, transformando a Zona Portuária em um polo multifuncional, com
ênfase no turismo, cultura, habitação e serviços que, integrados à dinâmica central
do Rio de Janeiro tenderá a fortalecê-lo.
37
1.4.3 A necessidade de renovação/reconversão
Apesar da decadência de seus portos, muitas cidades litorâneas brasileiras,
em observância à experiência internacional, vislumbram a reabilitação de suas áreas
urbanas contíguas às zonas portuárias, criando oportunidades para que esses
espaços venham a ser reabilitados e reintegrados à dinâmica urbana, em alguns
casos através da diversificação econômica, em outros, através da especialização.
As motivações por trás das políticas públicas de intervenção nesses espaços são as
mais diversas e de difícil definição.
Como já foi apontado neste trabalho, não foram poucas as tentativas de
intervenção na zona portuária do Rio de Janeiro, sobretudo nas últimas quatro
décadas. No entanto, as medidas tomadas por parte do poder público parecem ser
sempre baseadas num contexto político e econômico global, que configura uma
espécie de modus operandi da política urbana, que vem se reproduzindo entre
países capitalistas do mundo ocidental, deixando pouco espaço para o novo. Nesse
contexto, onde a globalização da economia impõe a competição entre cidades por
investimentos e empregos; impõe-se o critério da eficácia como legitimador das
políticas públicas, elevando o pragmatismo como a forma contemporânea de
orientação das mesmas e de investimentos nas cidades. À luz dessas
transformações contemporâneas, o funcionalismo aplicado à cidade trouxe consigo
a teoria vocacional dos territórios. Elegendo, dessa forma, a partir das
especificidades de cada localidade (municípios ou partes “privilegiadas” dele) em
uma forma de potencializar o crescimento econômico local. Acrescentando-se a isso
o papel cada vez mais importante do capital imobiliário no processo geral de
reprodução do capital, a crescente competição da população de maior nível de
renda por lugares de moradia e a maior preocupação com a preservação da
memória arquitetônica, tem-se o fundamento para a compreensão de todo um leque
de processos de recuperação de áreas urbanas degradadas.
Dependendo dos paradigmas e conceitos que norteiam e dão base às ações
governamentais, o Estado pode, como geralmente o faz, assumir o papel de
promotor e/ou facilitador das intervenções urbanas que podem visar a revitalização,
a renovação, a reabilitação, a requalificação ou a reconversão. Cada um desses
38
termos, embora apresentem similaridades, embute significado próprio, mas, não raro
os vemos sendo aplicados a esmo, como se fossem todos sinônimos. Embora não
seja objetivo deste trabalho aprofundar este tema, torna-se necessário tecer
algumas considerações acerca de cada um deles, a fim de estabelecermos nossa
compreensão do processo de transformação urbana em curso na cidade do Rio de
Janeiro, através do Projeto Porto Maravilha.
Entende-se por Renovação Urbana o processo marcado pela ideia de
substituição das formas urbanas existentes, através da demolição de edifícios
antigos, inutilizados e/ou degradados e sua substituição por outras modernas,
somado à melhoria das infraestruturas de transportes e outros equipamentos (VAZ &
JACQUES, 2001). Segundo esse mesmo autor, Reabilitação Urbana seria o processo que recorre a intervenções nos imóveis, mobiliário e paisagem urbana. Difere da proposta da renovação porque não busca a destruição do tecido urbano
existente, mas sua habilitação através da adequação do tecido urbano degradado,
no sentido de tornar a área atrativa e dinâmica, enfatizando o caráter residencial das
edificações construídas, pois há a preocupação com a manutenção das populações
dos centros urbanos, tendo ainda como pressuposto a valorização, preservação e
promoção do patrimônio histórico-arquitetônico existente. Neste modelo, o turismo
tem total convergência de interesses, pois, além de seu potencial economicamente
dinamizador, valoriza e preserva o patrimônio cultural, seja ele material ou imaterial,
natural ou construído.
A utilização do termo Requalificação urbana remete à alteração de uma área
urbana com o fim de conferir-lhe nova função, diferente daquela pré-existente. Este
termo é empregado tanto por Arantes (2000), quanto por Sassen e Roost (2001),
como uma estratégia de planejamento urbano, utilizada por agentes promotores de
intervenções nas cidades, que direcionam as políticas de desenvolvimento urbano
para o formato da gentrificação10, pressupondo remoção das comunidades locais e
substituição de usos. Neste sentido, o termo Requalificar é aqui entendido como
processo que objetiva mudar a imagem de degradação do lugar, substituindo
10 Do inglês, gentrification – É conhecido como processo “enobrecimento urbano”, em geral resultante de intervenções em espaços urbanos (com ou sem auxílio governamental), que provocam sua melhoria e consequente valorização imobiliária e a substituição, natural ou forçada das populações de baixa renda habitantes daquela área por outra de maior renda.
39
funções, e/ou introduzindo novas funções, o que pressupõe a alteração das relações
sociais que ali subsistem. Consequentemente, há produção de espaços
diferenciados, visto que “a produção do espaço é resultado da ação do homem
sobre o próprio espaço, através dos objetos, naturais e artificiais” (SANTOS, 1997,
p. 64).
O termo Reconversão urbana foi utilizado pela primeira vez na Inglaterra no
contexto da crise de 1930, quando diversas indústrias foram desativadas, dando
origem a grandes vazios urbanos e ruínas industriais, as depressed areas11. Esse
fenômeno embora iniciado na Inglaterra foi repetido em toda a Europa nas décadas
seguintes. Na França, esses espaços industriais desativados por razões diversas
receberam o nome de “friches” industriais. Com o passar dos anos o sentido
industrial e urbano foi acoplado ao termo “friche”, traduzido hoje como imóveis
industriais momentaneamente inutilizados à espera de reconversão (HACHETTE,
2004, apud TAVARES, 2005, p.5). Segundo Tavares (2005), a reconversão para reutilização de “friches” pode se
dar a partir de duas ações com vistas ao novo uso proposto, quais sejam:
preservação ou demolição. Esta última geralmente é utilizada quando se tem
interesses especulativos sobre a área em questão, resultando na ocupação desta
por grandes empreendimentos urbanos, que podem atender a fins comerciais ou
residenciais, dependendo das especificações de uso do solo e zoneamento da área.
O Governo Federal, através do Ministério das Cidades, defende a reabilitação
de centros urbanos, entendida como:
[...] um processo de gestão de ações integradas, públicas e privadas, de recuperação e reutilização do acervo edificado em áreas já consolidadas da cidade, compreendendo os espaços e edificações ociosas, vazias, abandonadas, subutilizadas e insalubres; a melhoria dos espaços e serviços públicos; da acessibilidade, e dos equipamentos comunitários na direção do repovoamento e utilização de forma multiclassista. (BRASIL, 2005, p.14)
O Projeto Porto Maravilha tem, em suas metas e objetivos, atendido à
proposta de reabilitação do Programa Nacional de Reabilitação de Centros Urbanos, 11 São áreas em crise de um todo desenvolvida. Com instalações e infraestrutura subaproveitados, em geral, porque sua atividade econômica se tornou obsoleta.
40
da Secretaria Nacional de Programas Urbanos (SNPU) do Ministério das Cidades.
Este Ministério tem como objetivo contribuir para estruturar nacionalmente o
planejamento territorial urbano e a política de gestão do solo urbano, e define que a
“recuperação do centro envolve tudo que pertence àquela área, ou seja, reabilita-se
aquele local visando uma infinidade de atividades, comércio, moradia, lazer, cultura.”
(BRASIL, 2005, p. 12).
Por último temos a Revitalização urbana, que compreende um conjunto de
“ações destinadas a relançar a vida econômica e social de uma parte de cidade em
decadência” (ENCONTRO BIENAL SOBRE REABILITAÇÃO URBANA, 1998, p.19),
sendo encarada como uma forma de intervenção que está mais voltada para
atividades e equipamentos no sentido de promover a atratividade local (YÁZIGI,
2005). Atribui a uma área uma função diferente da anterior, objetivando “dar vida”
não no sentido da animação, mas da função social, à medida em que edifícios
abandonados podem ser transformados em centros culturais.
Em um quadro de homogeneização de políticas de transformação do
ambiente urbano, sobretudo, as que se referem aos centros históricos e áreas
portuárias das grandes cidades, observa-se que tais propostas de intervenção
apresentam características que refletem a apropriação capitalista da cultura local, e
pressupõem a produção de espaços que causam impactos relevantes na
configuração dos fluxos urbanos. Percebe-se que a busca por novos lugares, com
condições promissoras de rentabilidade, capazes de manter a lucratividade do
capital determinam as ações de renovação, revitalização e modernização do espaço
urbano. Tais políticas são consequência dos processos sociopolíticos, que levaram à
implementação de diversas mudanças nos conceitos de gestão de cidades, que
hoje, se inspiram em modelos de administração empresarial, visando um
desenvolvimento competitivo.
O plano de intervenção para o porto do Rio de Janeiro se espelha nas
experiências internacionais de programas de “waterfronts urbanos”, como são os
exemplos de Baltimore com o seu Inner Harbour, Buenos Aires com o Puerto
Madero e Barcelona com o Port Vell, para citar somente alguns exemplos. No caso
do Rio de Janeiro, seus desdobramentos dependem, porém, de uma intervenção
41
mais decisiva sobre os antigos cais da Gamboa e o bairro portuário. Toda a região,
por seu patrimônio histórico e arquitetônico, e por causa do Píer Mauá, tem grande
potencial para o desenvolvimento da atividade turística e passa, a partir de agora, a
receber maior atenção, com a realização do Projeto. Além de serem criados novos
ícones de valor turístico para a cidade. Não é à toa que a propaganda do Porto
maravilha promove um “novo portão de entrada” para o país. Esse objetivo é
buscado a partir da melhoria das condições urbanas da área, incluindo sua
infraestrutura e embelezamento. Somado a isso diversos projetos trabalham o
incremento de equipamentos culturais e de lazer, que serão apropriados pelo trade
turístico, uma vez em funcionamento.
A intervenção urbana em curso através do Projeto Porto Maravilha se
apresenta como uma mescla dos tipos de intervenção apresentados, manifestando
em maior ou menor medida características ora de um, ora de outro, o que torna
difícil sua definição. Não obstante tal dificuldade, as características predominantes
permitem maior aproximação com aquilo que se entende por Revitalização urbana. A
seguir, ao descrever as ações previstas no projeto, espera-se confirmar tal asserção.
No entendimento aqui assumido, o turismo, no projeto da nova região
portuária do Rio de Janeiro constitui um elemento de destaque, que se articula com
os demais segundo uma visão de modernização e desenvolvimento da área. Dada a
sua importância para o caso em questão, preferimos tratá-lo em um capítulo próprio
(o terceiro), considerando ainda mais a complexidade das atividades previstas, que
vão desde o cais de embarque e desembarque de passageiros, aos museus que
estão sendo construídos. Esta dissertação procura estudar esses diferentes
componentes do projeto e as inter-relações entre eles. Por agora, serão introduzidos
alguns aspectos teórico-conceituais considerados fundamentais para posterior
compreensão da relação da atividade turística com o projeto.
1.5 TURISMO - BASE TEÓRICA E REFLEXO ECONÔMICO
Segundo o professor Beni (2003), encontram-se no meio acadêmico,
empresarial e governamental três tendências de definição de turismo: a econômica,
a técnica e a holística. As primeiras definições acerca do turismo vieram do campo
econômico e, portanto, tratavam-no estritamente sob este aspecto. As definições
42
técnicas surgiram a partir da década de 1930, como resposta à necessidade de
organizações governamentais e empresas de turismo de mensurar, caracterizar e
controlar o mercado turístico. As definições holísticas surgiram na tentativa de dar
conta do fenômeno turístico como um todo. Como exemplo de uma definição
holística, pode-se destacar a de Jafar Jafari, citado por Beni: “É o estudo do homem
longe de sou local de residência, da indústria que satisfaz suas necessidades, e dos
impactos que ambos, ele e a indústria, geram sobre os ambientes físico, econômico,
sociocultural da área receptora”. (2003, p.36). É possível perceber nesta definição a
tentativa de colocar o homem em foco, além de se preocupar com os impactos
socioculturais, e não apenas econômicos, sobre o ambiente receptor. Ou seja, a
perspectiva da experiência implicada na prática do turismo, somado às várias
repercussões não tangíveis, ou de difícil mensuração, de caráter psicológico,
cultural, social e ambiental denota seu caráter fenomenológico. Em Petrocchi (2001),
o turismo é apresentado e discutido enquanto fenômeno multidisciplinar complexo,
apreensível apenas a partir de uma visão sistêmica e holística.
Ao longo dos anos, diversas definições de turismo têm sido criadas. Os
primeiros trabalhos publicados tratando da atividade turística surgiram entre 1919 e
1938, quando esta nem mesmo havia sido definida academicamente, por
economistas da chamada Escola de Berlim. Definições foram elaboradas, nos anos
seguintes, como consequência lógica de um processo de investigação de um
fenômeno que passava por um estágio de consolidação em todo o mundo. Em 1942
foi elaborada então a primeira definição de turismo, por W. Hunzilker e K Krapf, dois
professores da Universidade de Berna. Para estes, turismo seria então: “A soma de
fenômenos e de relações que surgem das viagens e das estâncias dos não
residentes, desde que não estejam ligados a uma residência permanente nem a
uma atividade remunerada” (OMT, 2001, p. 37). Três anos depois, em 1945 a ONU
propôs a seguinte definição: “viagem realizada com duração superior a 24h e inferior
a 1 ano, por qualquer país que não aquele de sua residência habitual”. Depois desta,
outras definições foram e continuam a ser elaboradas por outros pesquisadores e
estudiosos. Em 1994, a Organização Mundial de Turismo (OMT)12, a partir das
12 Sediada em Madri, Espanha, OMT Organização Mundial do Turismo é uma agência especializada das Nações Unidas e a principal organização internacional no campo do turismo funciona como um fórum global para questões de políticas turísticas e como fonte de conhecimento prático sobre o turismo. Sua sede é em Madri, Espanha. Em 2009, a OMT conta como membros 154
43
várias definições criadas ao longo dos anos, elaborou aquela que se tornou basilar
para o turismo enquanto campo de estudo e atividade econômica, porque nortearia
as estatísticas em âmbito mundial: “Turismo compreende as atividades que realizam
as pessoas durante suas viagens e estadas em lugares diferentes ao seu entorno
habitual, por um período consecutivo inferior a um ano, com finalidade de lazer,
negócio e outras”. (OMT, 1994, p.38).
O turismo, portanto, é o fenômeno resultante do deslocamento de pessoas,
em períodos variáveis de tempo, no espaço. A OMT estipula o período máximo de
tempo que um viajante pode permanecer numa localidade, bem como o tipo de
viagem que este realiza, baseado em suas motivações, para que tal deslocamento
seja considerado turismo. Ou seja, a partir do motivo do deslocamento e a forma
como este se dá, determina-se o que é e o que não é turismo e, que tipo de turismo
se está realizando. A abrangência obtida com a definição da OMT trouxe consigo
mais imprecisão para as análises que a tomam por base. Pois, a partir dela,
qualquer viagem empreendida pode ser arrolada nas estatísticas de turismo, desde
que sua duração seja inferior a um ano e que o destino não seja comumente
frequentado pelo viajante. Claro, não há uma obrigatoriedade na adoção das
definições usadas pela OMT, há apenas a recomendação para fins de padronização.
Mas, cada país tem liberdade de adotar outras definições como base para suas
estatísticas. No Brasil, o Ministério do Turismo (MTur) tem adotado duas
definições13, quais sejam: i) É uma atividade econômica representada pelo conjunto
de transações compra e venda de serviços turísticos efetuadas entre os agentes
econômicos do turismo. É gerado pelo deslocamento voluntário e temporário de
pessoas para fora dos limites da área ou região em que têm residência fixa, por
qualquer motivo, excetuando-se o de exercer alguma atividade remunerada no local
que visita (EMBRATUR, 1992). E, ii) Conjunto de relações e fenômenos produzidos
países, 7 territórios e mais de 300 Membros Afiliados, representando o setor privado, instituições educacionais, associações e autoridades locais de turismo.
Sua origem remonta ao Congresso Internacional de Associações Oficiais de Tráfego Turístico, realizado em 1925 na Holanda. Após a Segunda Guerra Mundial foi rebatizada como União Internacional de Organizações Oficiais de Viagens (IUOTO) e transferida para Genebra. Em 1974, seguindo uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, foi transformada em um órgão intergovernamental. Em 2003, tornou-se uma agência especializada das Nações Unidas.
13 Cf. Glossário acadêmico do Ministério do Turismo, disponível em:
<http://www.dadosefatos.turismo.gov.br/dadosefatos/espaco_academico/glossario/detalhe/T.html>. Acessado em 20/01/2012
44
pelo deslocamento e permanência de pessoas fora do lugar de domicílio, desde que
tais deslocamentos e permanência não estejam motivados por uma atividade
lucrativa. As duas definições são complementares, sendo a primeira a mais
completa, por contemplar tanto as ações do trade quanto do turista.
Segundo Rita Cruz, a própria natureza do fenômeno dá margem a
interpretações e leituras ambíguas; pois, citando Hiernaux-Nicolás, “ao mesmo
tempo em que é uma prática social, é uma atividade econômica, ou simplesmente,
uma prática geradora de atividade econômica” (CRUZ, 2007, p. 4). Por isso mesmo
há outros autores que, embora reconheçam o caráter fenomenológico do turismo,
ora se referem a ele como fenômeno, ora como atividade (Beni, 2003; Dias, 2003).
Neste trabalho, embora entendendo o turismo como fenômeno social, será dada
ênfase à atividade turística, enquanto promotora de diversificação das forças
produtivas na região portuária do Rio de Janeiro, através do Porto Maravilha.
Via de regra, a importância do turismo em uma economia depende,
basicamente, de suas precondições naturais e econômicas e por causa disso, na
maioria das vezes os fluxos de turistas acabam se concentrando entre países de
níveis econômicos mais altos. Lembrando que o “capital possui meios de se
apropriar e extrair excedentes das diferenças locais, das variações culturais locais e
dos significados estéticos, não obstante a origem” (HARVEY, 2006, p.237), o Brasil
passa, também, a experimentar os reflexos da fase vivida pela economia mundial,
na qual os efeitos da combinação entre a sobre-acumulação de capital, queda da
taxa de juros, prosperidade e estabilização monetária tornam os ativos urbanos
importantes objetos de investimentos.
Rabahy (2002) contribui para essa reflexão quando afirma que o turismo pode
ser uma solução para crescimento econômico de um país desde que este apresente
as pré-condições necessárias para isso. Ou seja, verifica-se que o desenvolvimento
socioeconômico e urbano, por um lado, favorece o desenvolvimento do turismo, não
sendo, por outro lado, tão certo que o turismo promova, por si só, o
desenvolvimento. Para que este ocorra, é importante que a localidade seja dotada
de infraestrutura urbana, atrativos e equipamentos turísticos e boa acessibilidade ao
mercado consumidor, o que torna evidente a correlação existente entre atividade
turística e urbanização, tornando pertinente e fundamental para o propósito deste
45
trabalho a categoria urbanização turística, primeiramente aplicada por Patrick
Mullins, na década de 1990. Segundo este autor, urbanização turística remete a
formas específicas de produção do espaço urbano, engendradas a partir da
atividade turística, uma nova forma de urbanização pós-industrial e pós-moderna
(MULLINS, 1991).
É comum o entendimento nos órgãos governamentais de que o turismo
internacional pode, como de fato o faz, ajudar a equilibrar o crescimento econômico
através da intensificação dos fluxos de turistas vindos de países desenvolvidos para
os menos desenvolvidos ou em desenvolvimento. E, por isso mesmo, tem estado na
pauta das agendas de grande parte dos países no mundo contemporâneo. Autores
como Archer e Cooper defendem que o turismo representa uma possibilidade de
redenção econômica para localidades, ditas "menos desenvolvidas". De acordo com
estes autores, a introdução da atividade nessas "pode ter um efeito muito maior
sobre o bem-estar da população residente do que o resultante da mesma
quantidade de turismo em partes mais desenvolvidas do país" (ARCHER &
COOPER, 2002, p. 88).
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para
cada 100 empregos criados na hotelaria, outros 26 são criados na indústria, e a
cada R$ 100 faturados pelo setor hoteleiro, outros R$ 76 são injetados na indústria
brasileira, dados que confirmam o potencial multiplicador do setor turístico conforme
é possível verificar na Tabela 2. O levantamento realizado pelo IBGE em parceria
com o Ministério do Turismo (2012) revelou que em 2009, por exemplo, 5,9 milhões
de pessoas desenvolviam suas atividades profissionais dentro daquelas
características de turístico, o que correspondeu a uma fatia de 6,1% do total de
ocupados no mercado de trabalho brasileiro naquele ano.
Sessa (1983) e Rabahy (1990) concordam quanto à importância do turismo
como instrumento de redistribuição de renda e como fator de compensação
econômica através dos polos turísticos. Mas admite que mesmo nos casos de
países em que a receita turística seja significativa, gerando saldos “superavitários”
de divisas “[...] os mecanismos de política econômica de estímulo ao turismo, como
46
câmbio e os preços, podem gerar efeitos perversos para o país receptor, como a
inflação, por exemplo” (RABAHY, p.28).
Tabela 1.2 – Total de ocupações nas atividades características do turismo, segundo as atividades – Brasil – 2003-2009.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais.
Tendo introduzido os pressupostos teóricos deste trabalho, passaremos a
seguir à discussão do papel do porto do Rio de Janeiro na economia brasileira e as
transformações estruturais e funcionais por que passou ao longo dos anos, para que
possamos entender em que contexto a proposta atual de revitalização surge e
passarmos à apresentação do projeto. Considerações e reflexões acerca das
repercussões, impactos ou mesmo limites da proposta serão trazidas em momento
posterior, quando das considerações finais.
1.6 TURISMO E SUA RELAÇÃO COM O AMBIENTE CONSTRUÍDO
Fratucci (2000) aponta três tipos possíveis de relações entre turismo e
território: (i) pode existir território sem turismo; (ii) pode existir um turismo sem
território, os pseudo-lugares de Rita Cruz (2007); e, (iii) podem, enfim, existir
“territórios turísticos”. O terceiro caso refere-se a “porções do espaço geográfico em
que a participação do turismo na produção do espaço foi e ainda é determinante”
(CRUZ, 2007, p.11). Esse conceito passa a ser fundamental para compreensão do
objeto deste trabalho: a relação entre turismo e território no projeto Porto Maravilha.
47
Lembrando que, conforme salienta Cruz, “não há território que seja adjetivamente
turístico. O que existe, de fato, são ‘usos turísticos do território’, ou seja, porções do
território apropriadas por diferentes fins, incluindo-se e destacando-se a atividade do
turismo” (ibidem); portanto, o uso de aspas na utilização do termo “território turístico”
torna-se conceitualmente necessário.
Tendo-se esclarecido o que é entendido por “território turístico”, cabe salientar
que sua concepção pode se dar de duas formas: a espontânea e a induzida. No
primeiro caso, o turista, geralmente atraído pelos atributos naturais ou
singularidades do lugar, chega antes de qualquer investimento em infraestrutura ou
apoio à atividade turística; mas, este não se sustenta de forma “espontânea”
enquanto destinação. Sempre será necessário dotar a localidade com a
infraestrutura de apoio necessária ao desenvolvimento da atividade turística, como
malha viária de acesso, equipamentos de restauração e hoteleiros, além de toda
uma infraestrutura urbana necessária para receber todos estes empreendimentos e
o fluxo de pessoas por ele esperado. A indução acontece quando o poder público ou
iniciativa privada, a partir de um diagnóstico de potencialidades turísticas de um
dado território, promove-o enquanto destino turístico, ao restaurar os recursos
turísticos ali existentes e/ou construir novos.
Esse território que passa a receber novos usos, voltados agora para o
turismo, é chamado por Rodrigues (1997) de lugar turístico, lócus da produção e do
consumo do produto turístico. Na verdade, para esse autor, o lugar turístico reúne o
espaço e o território e é, em última análise, onde o fenômeno se materializa e
sobrepõe suas formas fixas, quais sejam: atrativos turísticos, equipamentos e
serviços turísticos, entre estes: meios de hospedagem, serviços de alimentação,
agentes receptivos, guias de turismo, locais e instalações para entretenimentos etc.
e infraestrutura de apoio, como os serviços de comunicações, transportes,
segurança etc.
Enquanto prática sócio-espacial, o turismo vai se apropriando de
determinados espaços, transformando-os e, a partir disso, produzindo territórios e
territorialidades flexíveis e descontínuas (SOUZA, 1995), e “turistificando” os lugares.
Toda essa transformação que ocorre num espaço geográfico em função do turismo,
48
que é conhecida como Urbanização Turística, é definidora da condição deste espaço
enquanto turístico ou não. A delimitação do espaço turístico requer levantamento do
acervo dos atrativos, sua localização geográfica e os sistemas de transportes que
são utilizados pelos turistas (PETROCCHI, 2001). Para Boullón (2002), este espaço
turístico é delimitado a partir da distribuição territorial dos atrativos turísticos nele
existentes. E é nesse espaço turístico tanto quanto no consumidor potencial deste
espaço que se origina o elemento propulsor do fenômeno turístico – a motivação.
No que tange ao planejamento e organização dessa prática sócio-espacial no
território, verificam-se similaridades evidentes com o planejamento de modelo
estratégico, na medida em que assume a cidade ou partes dela como “produto”
turístico. O turismo parte então da apropriação e comercialização do espaço e tudo
que este contém (YÁZIGI, 1999b); daí a associação à “cidade mercadoria”, sempre
partindo de uma premissa “vocacional” do território em seus diagnósticos;
acionando, ao mesmo tempo em que cria valores e sentimentos coletivos de forma a
assegurar a realização da intervenção planejada com a menor resistência possível.
Há todo um recurso discursivo que busca a legitimação da intervenção sobre o dado
território junto aos atores envolvidos. Característica comum nesses casos é a
reificação da cidade. Ao personificá-la, retiram-se de cena os atores que nela atuam
e os conflitos e disputas nela havidos. É uma forma de trazer o discurso do bem
comum. Usando um recurso discursivo como forma de “hegemonizar” (conforme a
perspectiva Gramsciana) a ideia, cooptando os agentes envolvidos, se não a
defenderem, ao menos a aceitarem a decisão interventora como visando ao bem
comum.
49
CAPÍTULO II O PORTO DO RIO DE JANEIRO E O PROJETO PORTO MARAVILHA 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PORTO DO RIO DE JANEIRO
Segundo Cláudio Figueiredo, em seu livro “O porto e a cidade: o Rio de
Janeiro entre 1565 e 1910”, o porto emerge na história do Rio de Janeiro juntamente
com a própria cidade, expande-se e ganha vida própria.
O porto nem sempre esteve onde hoje o vemos e segundo Figueiredo (2005),
torna-se tarefa difícil localizá-lo ao longo da história da cidade, porque este passou
por constantes deslocamentos. Primeiramente estabelecido ao pé do Morro do
Castelo, depois na Praça XV de Novembro e seu entorno e, por último na região do
bairro Saúde. Não só sua localização, como também seus equipamentos e a própria
atividade portuária passaram por transformações ao longo do tempo.
Houve um tempo de naus e um tempo de cargueiros; um tempo de escravos e um tempo de trabalhadores livres; um tempo de muita força humana e um tempo de máquinas. […] o porto acompanha a história da sociedade urbana, nas suas estruturas conflitos sociais, sendo ao mesmo tempo produto e condição das transformações sociais. (FIGUEIREDO, 2005, p. 9)
Os portos do Rio de Janeiro desde cedo foram alvo de projetos que visavam
sua modernização. Como capital do país, era desejável que experimentasse do que
havia de mais moderno em termos de infraestrutura e técnicas que já se
encontravam em uso nos Estados Unidos e na Europa. Os primeiros projetos
surgiram na década de 1850, quando foi aprovado, em 1852, um plano para
construção de um porto que se estenderia desde o morro de São Bento, até a altura
do atual aeroporto Santos Dumont. Na época era onde ficava localizado o arsenal de
guerra. A década de 1870, com a construção da doca da Alfândega, ficou marcada
pela conclusão desse grande projeto que foi aceito como objeto do primeiro esforço
de modernização da época (GASPAR, 2004).
Mais adiante, os decretos nº 849, de 11 de outubro de 1890, e nº 3.295, de 23
de maio de 1890, autorizaram, respectivamente, à Empresa Industrial de
Melhoramentos do Brasil e a The Rio de Janeiro Harbour and Docks, a construção
de um conjunto de cais acostáveis, armazéns e alpendres. No primeiro caso, entre a
50
Ilha das Cobras e o Arsenal de Marinha e, no segundo, desde o Arsenal de Marinha
até a Ponta do Caju. No início do século passado, na gestão do prefeito Pereira
Passos, uma série de intervenções urbanas foram realizadas em toda aquela área
hoje margeada pelo porto. A começar pelo aterramento de toda aquela faixa costeira
desde a Praça Mauá até o Caju, fazendo desaparecer diversas praias, mas dando
origem à configuração que hoje dispomos. Foi nesse período de grande
reestruturação para aquela área que, sob encomenda do Governo Federal, à firma
C.H. Walker & Co. Ltda., foi construído o novo cais com 3500 metros, juntamente
com 18 armazéns, na recém aberta, Avenida Rodrigues Alves. (GASPAR, 2004).
O porto, tal como hoje é conhecido, compreende as orlas marítimas do Centro
e dos bairros da Gamboa, Saúde, Santo Cristo e Caju e teve sua inauguração oficial
em 20 de julho de 1910, sendo administrado no restante daquele ano pela Demart &
Cia. De 1911 a 1922 sua administração ficou a cargo da Compagnie du Port de Rio
de Janeiro e, na década seguinte (1923 a 1933), sua administração coube à
Companhia Brasileira de Exploração de Portos14. Pela Lei nº 190, de 16 de janeiro
de 1936, foi constituído o órgão federal autônomo denominado Administração do
Porto do Rio de Janeiro, que recebeu as instalações em transferência, ficando
subordinado ao Departamento Nacional de Portos e Navegação, do Ministério da
Viação e Obras Públicas. Só mais tarde, o Decreto nº 72.439, de 9 de julho de
1973, aprovou a criação da Companhia Docas da Guanabara, atualmente Docas do
Rio, que passou a administrar os 6.740 metros de cais contínuo e um píer de 883
metros de perímetro, compostos pelos seguintes trechos: Cais Mauá (35.000 m² de
pátios descobertos), Cais da Gamboa (60.000 m² de área coberta em 18 armazéns e
pátios com áreas descobertas de aproximadamente 16.000 m²), Cais de São
Cristóvão (12.100 m² em dois armazéns cobertos e uma área de pátios com 23.000
m²), Cais do Caju e Terminal de Manguinhos. Existem ainda dez armazéns externos,
totalizando 65.367 m², e oito pátios cobertos (11.027 m²), com capacidade de
estocagem para 13.100 toneladas, além de outros terminais de uso privativo na Ilha
do Governador (exclusivo de Shell e Esso), na baía de Guanabara (Refinaria de
Manguinhos) e nas ilhas d’Água e Redonda (Petrobras).
14 Cf. LAMARÃO, Sérgio Tadeu de Niemeyer. Dos trapiches ao Porto: um estudo sobre a área portuária do Rio de Janeiro. 2ª. Ed, Rio de Janeiro: Secretaria municipal das Culturas. Departamento Geral de documentação e Informação Cultural. Divisão de editoração, 2006. 172p.
51
A Cia. Docas do Rio administrou toda a extensão portuária do cais Gamboa
até recentemente. Só em 1998 a Píer Mauá S/A assumiu a Estação Marítima de
Passageiros do Porto do Rio de Janeiro, principal porta de entrada do turismo
internacional do país15, passando a atuar em três seguimentos distintos: Terminal
Internacional de Cruzeiros, Eventos e Empreendimentos Imobiliários.
A divisão operacional e funcional pela qual passou a administração portuária
a partir de 1998 é mostra de que ainda hoje o porto do Rio de Janeiro reflete não
apenas a condição social contemporânea da cidade como também a econômica,
dando aporte e fomento ao modo de produção vigente, a saber, o capitalista, com
sua plasticidade, capacidade e necessidade de se metamorfosear, de se reinventar,
para competir contra ele mesmo no mercado, em sua eterna busca pela mais-valia.
Com a transferência dos terminais Internacional de Cruzeiros, embarque e
desembarque de turistas, para a empresa Píer Mauá S/A, esta assumiu,
inicialmente, apenas esta função, mas logo após o início das obras de restauração
de seus armazéns, em 2007, estendeu sua atuação também à área de eventos e
entretenimento, numa complementação ao serviço turístico que já vinha prestando.
Seus armazéns, após a reforma, se transformaram numa das mais nobres locações
da cidade para a realização de feiras, exposições, shows e congressos. Essa
empresa tem no Projeto Porto Maravilha total convergência de interesses. Atuando
no setor imobiliário, com lançamento de um edifício comercial com salas, escritórios,
lojas, bares e restaurantes em seu entorno, próximo à Praça Mauá.
Em entrevista concedida a Blog Porto Maravilha16, Américo Rocha, diretor de
operações da empresa Píer Mauá, destacou a importância do Píer Mauá como a
principal porta de entrada do turismo marítimo internacional do País. Segundo ele,
das rotas internacionais para o Brasil, 98% dos cruzeiros aportam no Rio. Somente
2% desse total são destinados a outros portos. Desde que assumiu a administração
do Porto do Rio em 1998/1999 o número de chegada de turistas cresce a cada ano.
15 É bom lembrar que o navio de cruzeiro é um modal estritamente turístico e que, portanto, têm
grande peso ao compor as estatísticas de chegada e saída de turistas no país. Muito da fragilidade das estatísticas produzidas pela Embratur, que por sua vez são remetidas à Organização Mundial de Turismo (OMT), se deve às informações advindas do modal aéreo, que incluem em suas estatísticas praticamente todos os tipos de viagens, elevando sobremaneira as estatísticas e, consequentemente, superestimando a atividade turística no país.
16 Cf. (PIER..., 2012)
52
Naquela ocasião recebia-se 60 mil turistas/ano. Os dados são da própria
Companhia, que afirma que na temporada de outubro de 2011 a abril de 2012,
chegou a 700 mil. Desses, 60% são turistas brasileiros, que fizeram crescer em
800% os cruzeiros na costa brasileira. Mesmo contando com a sazonalidade da
atividade, essas temporadas ocorrendo somente a cada seis meses, segundo o
diretor da companhia, se houverem seis navios/dia neste período, ainda assim
estará se recebendo mais de quatro milhões de passageiros neste período.
A empresa Píer Mauá, até o momento, investiu R$ 50 milhões, de um total
estimado de R$ 450 milhões, com o objetivo de integrar o porto à cidade em
consonância com o então em curso Projeto Porto Maravilha. Sabe-se que dentre os
investimentos previstos está a construção de um novo e moderno Terminal de
Cruzeiros, ampliação da capacidade de atracação de navios e na transformação de
parte de seus armazéns em um vigoroso polo de gastronomia, lazer e negócios.
Espera-se que novo terminal de cruzeiros que começa a operar em 2013 figure entre
os mais bem equipados do mundo. Este novo terminal ocupará uma área muito
maior, passando de 16 mil metros quadrados. Serão ampliados os balcões de
check-in, o número de lojas, restaurantes, bares, bancos, casas de câmbio, áreas
destinadas ao trabalho das autoridades portuárias, vagas de estacionamento, de
equipamentos de segurança. A linha do cais será ampliada em 73% e a capacidade
de atendimento aos turistas vai superar três milhões de pessoas por ano. Em
paralelo, a Cia. Docas do Rio irá construir um Píer em “Y”, que será apresentado no
terceiro capítulo deste trabalho, com capacidade para atracação simultânea de oito
navios.
O seguimento de eventos da Píer Mauá S/A também continuará tendo papel
de destaque. Vários eventos internacionais já fazem parte da agenda da
Companhia17. Como por exemplo: O Fashion Rio; a feira Rio Sports Show, uma das
mais importantes do País em esportes e fitness; a ArtRio, primeira feira de arte
contemporânea do Rio, que contabilizou R$ 120 milhões em negócios e recebeu 46
mil pessoas na sua primeira edição, que aconteceu em 2011; o World Forum 5 –
ONU/HABIT, o maior evento das Nações Unidas para discussão de necessidades de
habitação no planeta, que recebeu mais de 13 mil participantes de 150 países em
17 Cf. (PIER..., 2012)
53
2010. E mesmo o Fórum Mundial Urbano, também em 2010 se utilizou de sua
estrutura de eventos. Em 2012, algumas atividades da Rio+2018 aconteceram em
suas instalações.
2.2 O PROJETO DA PREFEITURA
Tomando como modelo as revitalizações portuárias que aconteceram em
várias cidades de diversos países do mundo, sendo as de maior destaque Puerto
Madeiro (Buenos Aires/Argentina), Inner Harbor (Baltimore/EUA), Port Vell
(Barcelona), no dia 23 de Junho de 2009, a Prefeitura do Rio de Janeiro anunciou
oficialmente o Projeto Porto Maravilha, que acumulando a experiência dos outros
países, propõe a revitalização de sua própria frente marítima (waterfront). Embora
os exemplos internacionais guardem características muito particulares, respeitando
claro, seus objetivos, o tempo histórico de sua execução, economia e cultura local e
outros, em todos eles buscava-se a criação de novas alternativas ao crescimento
econômico local ou regional e todos eles optaram pela resignificação de suas áreas
portuárias a partir de atividades de interesse turístico e de lazer. O turismo se
apropria assim de uma antiga forma urbana, desativada, dando-lhe uma nova
função.
O Projeto Porto Maravilha, portanto, consiste numa proposta de revitalização
urbana para a região portuária da cidade e seu entorno. Sendo promovido e
coordenado pela prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, é resultado de uma ação
articulada dos governos federal, estadual e municipal. Integra vários projetos que
anunciam a promoção e valorização do patrimônio cultural tombado da área;
captação de novos fluxos (de capitais e de pessoas) e a melhoria da acessibilidade
para estes, além da reconquista de seus espaços urbanos, culminando na
reativação econômica da região a partir do comércio e serviços e da dinamização do
turismo de cruzeiros, cultural e de eventos.
Embora a região portuária do Rio de Janeiro, de acordo com o Instituto
Pereira Passos (IPP), abranja 9,8 milhões de m² compreendendo os bairros Saúde,
Gamboa, Santo Cristo, Praça Mauá, Caju, Cidade Nova e parte de São Cristóvão e
18 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável que acontecerá nos galpões
de evento da Píer Mauá de 20 a 22 de junho de 2012.
54
Centro, com uma população total de aproximadamente 40 mil habitantes, apenas os
quatro primeiros estão contemplados nas ações diretas do projeto e passarão por
transformações em sua infraestrutura e forma urbanística, abrangendo
aproximadamente 5 milhões de m² e impactando diretamente a vida de 22 mil
habitantes. Ou seja, os bairros Santo Cristo, Gamboa, Saúde e a Praça Mauá são os
que se pretende revitalizar completamente devido à proximidade e localização
estratégica em relação ao porto. Caju, São Cristóvão, Centro e Cidade Nova são os
que foram escolhidos para serem parcialmente revitalizados.
A ideia apresentada no projeto é de maximizar a ocupação/utilização da área
portuária a partir do reforço das “vocações” nela já identificadas. Entenda-se aqui
como “vocação” uma condição prévia já estabelecida no local. Por exemplo: aquelas
porções do território delimitado que comportam, já de longa data, empresas e
indústrias, passam a ser divididas e definidas por núcleos, numa espécie de
zoneamento para fins deste projeto, como áreas comerciais. Nestas áreas serão
estimulados a captação de novas empresas, construção de prédios comerciais etc.
Serão destinadas à habitação outras porções do território, nas quais, claramente se
aquece o mercado imobiliário, que é “convidado” a investir na construção de imóveis
voltados para a classe média e restauro de imóveis de valor arquitetônico. Também
alguns morros da região já estão sendo “pacificados” com as UPPs19 e reservados
para Habitação de Interesse Social. A primeira favela do Rio de Janeiro, Morro da
Providência, no Centro, já tem sido pacificada e, a própria polícia militar tem
trabalhado no intento de turistificar o território, inventariando seus atrativos turísticos.
A partir da delimitação das áreas de interesse turístico dentro do zoneamento
proposto pelo projeto, a turistificação se divide em duas vertentes: o aproveitamento
daquilo já existente e a criação/construção de equipamentos turísticos. Ou ainda, a
construção de novos significados a elementos já existentes no território e a
valorização de manifestações culturais sejam elas tangíveis ou intangíveis, visando
à construção de um ambiente atraente ao turista.
19 UPP- Unidade de Polícia Pacificadora, criada pelo Decreto Nº 41.650, de 21 de janeiro de 2009.
A pacificação dos morros e comunidades tem sido implementada pelo Governo do Estado do Rio e Secretaria de Segurança com propósito de recuperar territórios perdidos para o tráfico e garantir segurança para as populações mais carentes que hoje habitam as diversas favelas do Rio de Janeiro.
55
Figura 2.1 – Divisão por núcleos da área de abrangência do Porto Maravilha. Fonte: Divulgação CDURP
A proposta do Projeto de divisão em núcleos a partir de seus usos, estando a
totalidade destes núcleos compondo a Área de Especial Interesse Urbanístico
(AEIU) portuária, visa destacar as peculiaridades e o potencial de desenvolvimento
da região, não deixando de considerar as Zonas de Uso Misto (ZUM), previstas no
Artigo 13 da LC 101 de 23 de novembro de 2009, no Programa Básico de Ocupação
da Área e reafirmada no Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro (Lei
Complementar n.º 111 de 1º de fevereiro de 2011). A divisão dos núcleos leva em
consideração, além de sua “vocação”, já acima mencionada, sua geografia, suas
características predominantes e os marcos urbanos neles encontrados. Essa divisão
do território deu origem a 11 núcleos, ilustrados na Figura 1, um mapa construído
pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro
(CDURP). Cada um dos núcleos ali destacados foi inventariado pela prefeitura do
Rio de Janeiro. Com base nesse trabalho apresentamos a seguir um resumo dos
equipamentos encontrados na região a partir da sua classificação:
1- Núcleo Praça Mauá: Tem sua delimitação compreendida entre a Praça Mauá e a
Avenida Barão de Tefé e entre o Cais do Porto e a Rua Sacadura Cabral. Por sua
proximidade ao terminal de passageiros de transatlânticos, tem bastante potencial
para desenvolvimento de atividades turísticas e de entretenimento; contando ainda
com a presença de imóveis preservados (armazéns e sobrados), alta densidade de
prédios institucionais. Como se pode observar todos os equipamentos inventariados
pela prefeitura, neste núcleo, são de interesse turístico (ver Quadro 2.1).
56
Classificação Quantidade / (%) Especificação Sítio Histórico 1 / (5,5%) Cais do Valongo e da Imperatriz Interesse Arquitetônico
3 / (16,7%) → Edifício Touring Club → Distrito Naval → Edifício A Noite
Centro Cultural 1 / (5,5%) Galpão Ação da Cidadania Museu 3 / (16,7%) → Museu do Amanhã*
→ MAR - Museu de Arte do Rio* → Pinacoteca Escola do Olhar*
Monumento 2 / (11,1%) → Cais da Imperatriz** → Barão de Mauá
Cinema / Teatro / Espetáculos
1 / (5,5%) Armazéns do Porto
Hotel / Hospedagem 3 / (16,7%) → Hotel São Bento → Hotel Barão de Tefé → Hotel Villa Regia
Parque / Praça 1 / (5,5%) Praça Mauá Casa Noturna 1 / (5,5%) The Week Transportes 1 / (5,5%) Terminal Marítimo de
Passageiros Igreja 1 / (5,5%) Mosteiro de São Bento
Quadro 2.1 – Inventário Praça Mauá Fonte: Inventário CDURP, elaboração própria * Projetos a serem construídos com o Porto Maravilha. ** Escavado enquanto se realizavam obras de saneamento na Rua Barão de Tefé.
2 - Núcleo Morro da Conceição: Núcleo compreendido entre a Rua Sacadura
Cabral, Camerino (trecho), Rua Senador Pompeu (trecho), da Conceição (trecho),
Rua Leandro Martins, Rua Acre e Travessa do Liceu. Área essencialmente
residencial na periferia da Praça Mauá, seu acesso é feito por escadarias e ladeiras
ou através da Pedra do Sal ou pelo Jardim do Valongo. É considerado de grande
potencial turístico pela alta concentração de sobrados e monumentos históricos
preservados encontrados no local.
Classificação Quantidade / (%) Especificação Sítio Histórico 2 / (10%) → Pedra do Sal
→ Jardim Suspenso do Valongo Interesse Arquitetônico
3 /(15%) → Antigo Mictório Público → Observatório do Valongo → Fortaleza da Conceição
57
Museu 1 / (5%) → Museu Cartográfico
Monumento 2 / (10%) → Estátuas do Valongo → Imagem de N. Sra. da Conceição
Hotel / Hospedagem 1 / (5%) Hotel Gallery Parque / Praça 3 /(15%) → Praça dos Estivadores
→ Praça Leopoldo Martins → Largo São Francisco da Prainha
Casa Noturna 2 / (10%) → Trapiche Gamboa → Cabaret Kalesa
Mirante 2 / (10%) → Mirante Morro da Conceição → Mirante do Valongo
Igreja / Espaço Religioso
1 / (5%) Igreja de S. Francisco da Prainha
Bar / Restaurante 3 /(15%) → Angu do Gomes → Imaculada → Gracioso
Quadro 2.2 – Inventário Morro da Conceição Fonte: Inventário CDURP, elaboração própria
3 - Núcleo Nova Rua Larga: A delimitação desse núcleo vai do Palácio Duque de
Caxias até a Avenida Rio Branco tendo como eixo a Avenida Marechal Floriano
(antiga Rua Larga). Mais próximo da área central do Rio de Janeiro, é dotado de
diversos edifícios institucionais, como faculdades, IPERJ, Embratel, Eletrobrás etc.;
centros culturais, além de boa oferta de equipamentos e de restauração. A
organização de empresários da região, juntamente com seus moradores, em busca
de maior promoção desta área, batizaram-na de Nova Rua Larga.
Classificação Quantidade / (%) Especificação Interesse Arquitetônico 4 / (21%) → Palácio Duque de Caxias
→ Colégio Pedro II → Banco Central → Biblioteca da Marinha
Centro Cultural 2 / (10,5%) → Centro Cultural Light → IPHAN
Museu 1 / (5,3%) Museu do Itamaraty Monumento 1 / (5,3%) Pantheón - Palácio Duque de
Caxias Hotel / Hospedagem 4 / (21%) → Hotel Floriano Peixoto
→ Windsor Guanabara → Hotel São Francisco → Hotel Planalto
58
Transportes 2 / (10,5%) → Metrô Presidente Vargas → Metrô Uruguaiana
Igreja / Espaço Religioso 1 / (5,3%) Igreja de Santa Rita Bar / Restaurante 4 / (21%) → Beco das Sardinhas
→ Casa Paladino → Málaga → Casarão
Quadro 2.3 – Inventário Nova Rua Larga Fonte: Inventário CDURP, elaboração própria
4 - Núcleo Senador Pompeu: Compreende o eixo (e arredores) da Rua Senador
Pompeu desde a Estação Central do Brasil até a Rua da Conceição. Núcleo que
apresenta alta concentração de sobrados preservados (porém em situação
precária), vias estreitas e degradadas, com grande parte dos imóveis deteriorados,
abrigando depósitos ou outros usos irregulares. No trecho mais próximo à Rua
Camerino, onde há mais atividades ligadas ao comércio e serviços, o estado de
conservação dos sobrados é um pouco melhor, mas ainda deteriorados.
Classificação Quantidade / (%) Especificação Centro Cultural 2 / (40%) → Espaço Cultural Direitos da Mulher
Quadro 2.4 – Inventário Senador Pompeu
→ Centro Cultural Rodoviários do RJ Hospedagem 1 / (20%) Hotel Amazonas Transportes 1 / (20%) Terminal Rodoviário Américo
Fontenelle Bar/ Restaurante 1 / (20%) Sentaí
Fonte: Inventário CDURP, elaboração própria 5 – Núcleo Morros da Providência – Livramento: Esse núcleo comporta a região
desses dois morros, sendo sua limitação ao norte: ruas do Livramento e Barão da
Gamboa, ao sul: Rua da América e a Central do Brasil; a oeste: o Viaduto 31 de
Março até as ruas Noêmia, Rosa Saião e Camerino, a leste. Com concentração de
residências, em sua maioria habitações de baixa renda, a Região se encontra muito
degradada e já é alvo de diversos programas da prefeitura, como o programa UPP
Social20 e o programa Morar Carioca21, da Secretaria Municipal de Habitação
20 Executado pelo Instituto Pereira Passos, com o suporte da ONU-HABITAT, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, a UPP Social coordena esforços dos vários órgãos da Prefeitura e articula ações integradas com os governos estadual, federal, sociedade civil e iniciativa privada.
59
(SMH), voltado para a urbanização de favelas e melhorias de acesso ao morro, além
do Programa Minha Casa Minha Vida, com a construção e melhoria de moradias na
parte baixa dos morros.
Classificação Quantidade / (%) Especificação Igreja / Espaço Religioso 1 / (25%) Oratório da Providência
Hotel / Hospedagem 1 / (25%) Hotel Cruzeiro Sítio Histórico 1 / (25%) Escadaria Costa Barros
Mirante 1 / (25%) Mirante da Providência Quadro 2.5 – Inventário Morros da Providência e do Livramento Fonte: Inventário CDURP, elaboração própria
6 - Núcleo Saúde: Núcleo compreendido entre o Morro da Saúde e Rua Leôncio de
Albuquerque e a Avenida Barão de Tefé, e entre o Cais da Gamboa até a Rua do
Livramento. Não obstante essa região estar, administrativamente, inserida no bairro
da Gamboa, registros históricos indicam que o bairro da Saúde ia até o morro
homônimo. Esse núcleo possui uma das mais antigas igrejas do Rio, a Igreja da
Saúde, bem tombado nacional; além de importante e preservado conjunto
arquitetônico, que abriga o complexo do Moinho Fluminense, sobrados e casas do
Morro da Saúde. Há também nessa região importante concentração de armazéns,
além de outras instituições importantes, como o Hospital Federal dos Servidores do
Estado e a Fundação Darcy Vargas.
Classificação Quantidade /(%) Especificação Sítio Histórico 1 / (9,1%) Cemitério dos Pretos Novos Interesse Arquitetônico 3 / (27,2%) → Arco e Silo Moinho
Fluminense → Batalhão da PM → Moinho Fluminense
Museu 1 / (9,1%) AquaRio Bar / Restaurante 1 / (9,1%) Porto Saúde
Cinema / Teatro / Espetáculos
1 / (9,1%) Cia de Mystérios e Novidades
Parque / Praça 1 / (9,1%) Praça da Harmonia
21 Plano Municipal de Integração de Assentamentos Precários Informais
60
Painéis / Pinturas 2 / (18,2%) → Pinturas de Nilton Bravo → Pinturas retratando indígenas
Igreja / Espaço Religioso 1 / (9,1%) Igreja N.Sra. da Saúde Quadro 2.6 – Inventário Bairro Saúde Fonte: Inventário CDURP, elaboração própria
7 - Núcleo Gamboa: A extensão desse núcleo vai da Avenida Rodrigues Alves,
entre as ruas Santo Cristo e Leôncio de Albuquerque até o sopé do Morro da
Providência. Com elevado potencial turístico, cercada pelos morros da Saúde,
Gamboa e Providência, a área corresponde ao que foi a antiga enseada da
Gamboa, aterrada para dar lugar às instalações do Porto do Rio. Além dos recursos
já existentes, é nesse núcleo que ficarão as futuras instalações do Banco Central, no
sopé do Morro da Saúde, na altura do armazém 8, e ainda contará com a
restauração dos históricos Galpões Ferroviários (entre a Vila Olímpica e a Cidade do
Samba).
Classificação Quantidade / (%) Especificação Sítio Histórico 3 / (33.3%) → Galpões Ferroviários
→ Cemitério dos Ingleses → Instituto Pretos Novos (IPN)
Interesse Arquitetônico 1 / (11,1%) Hospital N. Sra. da Saúde
Centro Cultural 2 / (22,2%) → Centro Cultural José Bonifácio → Cidade do Samba
Cinema / Teatro / Espetáculos
1 / (11,1%) Galpão Gamboa (Marco Nanini)
Parque / Praça 1 / (11,1%) Vila Olímpica da Gamboa Igreja / Espaço Religioso 1 / (11,1%) Capela N. Sra. das Graças
Quadro 2.7 – Inventário Bairro Gamboa Fonte: Inventário CDURP, elaboração própria
8 - Núcleo Santo Cristo: Região que comporta a Rodoviária Novo Rio tem grave
problema de acessibilidade em seu entorno, devido ao congestionamento constante
pelo alto fluxo e rotatividade de veículos e pessoas. Compreende o espaço entre a
Avenida Rodrigues Alves (desde a Rodoviária Novo Rio até o Morro da Gamboa) e
a Praça Marechal Hermes e Rua Santo Cristo.
61
Classificação Quantidade / (%) Especificação Cinema / Teatro / Espetáculos
1 / (33,3%)
Spetaculu
Transportes 1 / (33,3%) Rodoviária Novo Rio Igreja / Espaço Religioso 1 / (33,3%) Igreja Santo Cristo
Quadro 2.8 – Inventário Bairro Santo Cristo Fonte: Inventário CDURP, elaboração própria
9 - Núcleo Morro do Pinto: Sua delimitação leste-oeste é dada pelo Viaduto 31 de
Março e pela Rua Pedro Alves; ao norte pela Rua Santo Cristo e, ao sul, pelo sopé
do próprio morro. O destaque desse núcleo vai para o Parque Machado de Assis,
localizado no topo do morro, que possui um mirante que proporciona uma ampla
vista da região portuária e do centro da cidade; e, a antiga fábrica de chocolates
Bhering, hoje ocupada por artistas jovens, ateliers e lojas/antiquários. No entanto, a
área é predominantemente residencial e bastante deteriorada, bastante carente de
serviços urbanos.
Classificação Quantidade /(%) Especificação Interesse Arquitetônico 1 / (25%) Fábrica Bhering Mirante 1 / (25%) Mirante Machado de Assis Parque / Praça 1 / (25%) Parque Machado de Assis
Igreja / Espaço Religioso
1 / (25%) Igreja de N.S. de Montserrat
Quadro 2.9 – Inventário Morro do Pinto Fonte: Inventário CDURP, elaboração própria
10 - Núcleo Linha Férrea: Este Núcleo compreende o território que vai da Estação
da Estrada de Ferro Central do Brasil até a Av. Francisco Bicalho, na faixa entre os
sopés dos morros da Providência e do Pinto até um trecho da Avenida Presidente
Vargas. Toda a região em torno à Central encontra-se bastante degradada e com
urbanização precária, não obstante disponha de boa acessibilidade através de
transporte público, com terminais de como trens, metrô e ônibus. O Terminal
Rodoviário Procópio Ferreira é alvo de constantes críticas entre seus usuários não
apenas pela má conservação do lugar, quanto pela insegurança. A prefeitura credita
o maior potencial construtivo deste núcleo ao trecho que beira a Avenida Presidente
Vargas.
62
Classificação Quantidade / (%) Especificação Interesse Arquitetônico
2 / (28,6%) → Edifício e Torre da Central do Brasil → Antiga Fábrica de Gás
Transportes 4 / (57,1%) → Metrô Central → Metrô Cidade Nova → Terminal Rodoviário Procópio Ferreira → Central do Brasil - estação ferroviária
Monumento 1 / (14,3%) Zumbi dos Palmares Quadro 2.10 – Inventário Linha Férrea Fonte: Inventário CDURP, elaboração própria
11 - Núcleo Porto Olímpico: Área bastante promissora, com possibilidade de
abrigar diversos projetos construtivos, pois abriga grandes imóveis (terrenos vazios
e galpões em sua maioria) quase todos de propriedade pública, situados entre as
principais vias de acesso ao Centro, às Zonas Sul e Norte, aos subúrbios e Região
Metropolitana. Sua delimitação compreende o eixo da Avenida Francisco Bicalho e
Gasômetro (incluído) até a Rodoviária Novo Rio. Estendendo-se a noroeste, entre
as avenidas Rio de Janeiro e trecho da Brasil. Está previsto até o momento que o
TAV (trem-bala), que ligará o Rio de Janeiro a São Paulo, tenha seu terminal na
antiga Estação Leopoldina.
Classificação Quantidade / (%) Especificação Interesse Arquitetônico 4 / (66,7%) → Antiga Estação de Carris
→ Estação Leopoldina → Porto Olímpico** → Port Corporate*
Painéis/Pinturas 1 / (16,7%) Pilastras do Profeta Gentileza
Cinema / Teatro / Espetáculos
1 / (16,7%) Galpão Aplauso
Quadro 2.11 – Inventário Porto Olímpico Fonte: Inventário CDURP, elaboração própria * Prédio comercial que será construído no terreno ao lado do novo prédio do Instituto de Traumatologia e Ortopedia (Into), onde funcionava o antigo Moinho Marilu ** Projeto eleito em julho de 2011, por concurso, para construção de um complexo que abrigará instalações de apoio aos Jogos, as Vilas da Mídia e de Árbitros e setores operacionais; além de um conjunto turístico com hotel cinco estrelas e centro de exposições/ convenções, que poderá abrigar, pelo evento, seus setores técnicos e administrativos.
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Foi tomado como base o inventário realizado pela Prefeitura, através da
CDURP, porque é a partir dele que o projeto está sendo pensado. Mas, é digno de
nota, que o inventário, por eles apresentado, já foi construído de forma parcial, a
partir de critérios não muito bem definidos, que deixou de fora muitos
estabelecimentos culturais e de restauração existentes no perímetro inventariado.
Como o projeto propõe a criação de um novo polo turístico para o Rio de
Janeiro, pelo inventário acima apresentado, fica evidente que alguns dos núcleos da
AEIU recebem destaque. Petrocchi (2001) trabalha a ideia de polo como sinônimo
de "cluster" a partir daquele proposto por Porter (1999): "aglomerados de indústrias
e instituições que mantém ligações particularmente fortes entre si, tanto horizontais
quanto verticalmente". Além da proposta de criação do polo, é inegável a relação
intrínseca da obra com o turismo de eventos, já que a região portuária irá abrigar
alguns equipamentos olímpicos o que incide diretamente sobre o cronograma de
execução das obras, que passam a visar também os Jogos.
Não é tarefa simples ordenar sistematicamente aquilo que na origem foi
concebido de maneira aleatória. O Projeto Porto Maravilha quando foi divulgado
tinha uma composição distinta daquela hoje apresentada e, possivelmente, até a
conclusão de suas obras, passará por muitas outras modificações. Pois, no
desenvolver do próprio projeto, a sabor das oportunidades de mercado e de acordos
políticos, outros projetos vão sendo incorporados àquilo que de forma ampla tem-se
chamado de grande projeto urbanístico de renovação urbana da área portuária do
Rio de Janeiro.
2.2.1 A base legal do projeto
Um projeto de intervenção urbanística de tal magnitude demandou um aporte
legal e institucional complexo para sua viabilização. É, na verdade, um enorme
conjunto de instrumentos, de dispositivos legais e de órgãos que fornecem
sustentação ao empreendimento. Neste tópico, trataremos desse aspecto
institucional do projeto.
a) Estatuto das Cidades
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Lei Federal que dá instrumentos e diretrizes para a política urbana no Brasil,
tendo o Plano Diretor como principal meio para sua implementação. No bojo do
movimento reformista que se originou ainda na década de 70 e rompeu também a
década de 80, dão-se início diversos movimentos por uma reforma social, que se
pautavam em três princípios fundamentais: o universalismo, ou seja, a garantia de
direitos sociais a todos; a redistribuição da renda e a democratização do Estado e a
descentralização da gestão. Os princípios da Reforma Urbana estão ligados à
intervenção social, por isso, desde a sua origem, foi constituído nos campos
intelectual e político. O Movimento Nacional da Reforma Urbana (MNRU), formado
por diversos agentes, de diversos setores, surgiu como uma crítica ao Planejamento
tecnocrático e, tinha por base um diagnóstico centrado nos direitos sociais,
criticando a concepção do urbano como fonte de acumulação, de acordo com a
lógica do capital. Para os militantes desse movimento, a maneira como as cidades
se desenvolvem contribui para acentuar as desigualdades sociais.
O ideário da Reforma Urbana culminou com a aprovação do capítulo da
Política Urbana da Constituição de 1988, na elaboração das propostas de
constituições estaduais, nas leis orgânicas e planos diretores municipais elaborados
pelas administrações municipais pós-eleições de 1989. Ainda na década de 80
inicia-se, através da aprovação do Projeto de Lei do desenvolvimento urbano, uma
trajetória que culminaria, anos mais tarde, no PL 5.788/90 – conhecido como o
Estatuto da Cidade, que viria a regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição
Federal e marcaria o Planejamento urbano no Brasil. De início, o projeto de lei foi
muito mal recebido pelos representantes do capital imobiliário, que nele viam uma
ameaça ao direito de propriedade e até à ordem constitucional. Entretanto,
decorridos doze anos de tramitação, que envolveram intermitentes debates e
negociações, o texto foi aprovado, em 2001, por unanimidade. O Estatuto da Cidade
foi, sem dúvidas, um grande avanço, pois representou, na realidade, a consolidação
de conquistas reivindicadas há mais de três décadas por diversos setores da
sociedade, notadamente os movimentos sociais. Partindo de três princípios
fundamentais: da função social da cidade e da propriedade, de que todos têm direito
à cidade e que a propriedade privada não pode ser usada em detrimento do
princípio da função social da propriedade, ou seja, seu uso deve ser limitado em
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função dos interesses coletivos; e da gestão democrática da cidade, que evidencia a
necessidade de se ter canais de participação das comunidades e atores.
A partir do Estatuto das Cidades os municípios são dotados de maior
capacidade para induzir o desenvolvimento urbano, através dos novos instrumentos
tributários e urbanísticos nele contidos. Ao mesmo tempo em que amplia as
possibilidades de intervenção da administração pública municipal, o Estatuto dá
margem a uma grande discricionaridade no exercício do poder municipal e cede
espaço para que sejam legitimadas, através do Estatuto, estratégias e políticas de
governo bastante conhecidas e polêmicas, que tem tido oposição de muitos dos
defensores da reforma urbana.
As diretrizes gerais do Estatuto da Cidade são: proteção, preservação e
recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico,
artístico, paisagístico e arqueológico; e, a regularização fundiária e urbanização de
áreas ocupadas por população de baixa renda. Alguns dos instrumentos previstos
no Estatuto que foram utilizados pelo projeto Porto Maravilha só podem ser
regulamentados por lei municipal desde que suas bases estejam previstas no Plano
Diretor22; como por exemplo: as Operações Urbanas Consorciadas (OUC) e a
Transferência do Direito de Construir. Por causa desse condicionamento, o Plano
Diretor do Rio de Janeiro, após décadas engavetado, foi alterado, para viabilizar a
criação da OUC e a venda das CEPACS.
b) Lei Complementar n.° 101, de 23 de novembro de 2009
Essa lei foi a pedra de toque para o Projeto porto Maravilha, ao modificar o
Plano Diretor do município a fim de autorizar o Poder Executivo Municipal a instituir
a OUC da Região do Porto do Rio para atuar sobre a Área de Especial Interesse
Urbanístico (AEIU) do Porto, também criada por esta lei, e que engloba parte das
Regiões Administrativas I, II, III e VII, sendo seus limites descritos e mapeados no
anexo I desta lei. A OUC passa a ter efeito a partir da data de sua criação, ficando
22 Obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes e referência para o cumprimento da função social da propriedade (art. 182, §§ 1º e 2º, da CF), o plano diretor passa a ser exigido também para cidades integrantes de áreas de especial interesse turístico, para aquelas influenciadas por empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental e para as que pretendam utilizar os instrumentos do Estatuto;
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restrita a sua duração até o término da execução das intervenções previstas no
programa básico de ocupação das obras, o que não poderá exceder o tempo
máximo de 30 anos a partir de sua publicação.
A Operação Urbana Consorciada surge como um instrumento urbanístico
para viabilização de transformações entendidas como necessárias, na estrutura
urbana de partes específicas de cidades, quando o poder público não dispõe ele
mesmo de recursos financeiros necessários para fazê-lo. No Brasil, este instrumento
começa a ser discutido e surge como proposta na década de 1980. Com este
instrumento, portanto, intervenções mais abrangentes sobre o território são
viabilizadas através da associação entre o poder público e a iniciativa privada.
O § 2.° dessa Lei Complementar versa sobre as diretrizes constitutivas da
Operação Urbana Consorciada do Rio de Janeiro, evidenciando o que se propõe ao
criá-la. Abaixo são reproduzidas não todas, mas algumas das diretrizes que melhor
explicitam o objetivo da OUC:
I - estimular a renovação urbana pela adequação gradativa com uso concomitante portuário de cargas e usos residencial, comercial, serviços, cultural e de lazer; II - promover investimentos em infraestrutura e reurbanização; IV - integrar a orla marítima do cais da Gamboa à área central da Cidade do Rio de Janeiro; V– possibilitar a recuperação de imóveis com a importância para proteção do patrimônio cultural e a criação de circuito histórico-cultural, contemplando a devida identificação dos patrimônios material e imaterial, passado e presente, e capacitação técnica na área de turismo e hotelaria, visando promover o circuito; VIII - estimular a atividade de transporte marítimo de passageiros; IX - promover a Habitação de Interesse Social e o atendimento à população residente em áreas objeto de desapropriação; X– propiciar a criação de equipamentos públicos, áreas de lazer e assegurar a circulação segura de pedestres e ciclistas, bem como destinar espaço físico multidisciplinar para apoio de infraestrutura e logística para atividades de grupos culturais e atendimentos das demandas de cidadania da região, de acordo com o calendário anual de eventos da zona portuária; XVI- incentivar a restauração e reconversão, para usos compatíveis com seus objetivos, de imóveis de valor histórico e/ou relevante interesse como o Palacete D. João VI, o prédio “A Noite”, o prédio do Touring Club, o prédio da Estação Marítima de Passageiros (ESMAPA), os armazéns de 1 a 6 do Cais do Porto, o prédio da Imprensa Nacional, o prédio do Terminal Mariano Procópio, o depósito da Biblioteca Nacional e outros. (BRASIL, 2009)
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O § 4° versa sobre a valorização do entorno dos bens tombados e protegidos
como patrimônio histórico e turístico, tendo prioridade os investimentos que visem à
melhoria do acesso a esses bens e sua recuperação. No Capítulo III, foram definidos
o Plano de Operação Urbana Consorciada e o Programa Básico de Ocupação da
Área.
c) Lei Complementar n.° 105, de 22 de dezembro de 2009
Foi criada com o propósito de viabilizar o projeto do porto ao ser instituído o
Programa Municipal de Parcerias Público-Privadas – PROPAR-RIO, destinado a
disciplinar e promover a realização de Parcerias Público-Privadas no âmbito da
Administração Pública do Município, com base na Lei Federal No 11.079, de 30 de
dezembro de 2004.
d) Lei Complementar n.º 108 de 25 de novembro de 2010
Dentre tantas mudanças legais realizadas com o propósito de se criar
condições propícias ao resultado esperado do Projeto Porto Maravilha, essa lei
figura entre as mais importantes, por refletir de forma clara alguns dos propósitos
principais da revitalização do porto do Rio de Janeiro. Segundo essa Lei
Complementar, sancionada pelo prefeito Eduardo Paes, Parâmetros Urbanísticos e
Normas de Uso e Ocupação do Solo são definidos, a Alienação de Imóveis é
autorizada e são estabelecidos incentivos para a ampliação da capacidade de
hospedagem na Cidade do Rio de Janeiro além de regulamentar as futuras
construções visando à realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Reserva para construção de unidades
hoteleiras do tipo hotel-residência23, exclusivamente, as Áreas de Especial Interesse
Urbanístico (AEIU) do Porto e do Centro. e) Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro S/A – CDURP
Essa empresa foi criada pelo Decreto Municipal nº 31.620 de dezembro de
2009, e pela Lei Complementar Municipal nº 102, de 23 de novembro de 2009, e
23 Segundo rege essa lei complementar, o hotel-residência deverá ser composto por, no mínimo, dois compartimentos habitáveis, um banheiro e uma cozinha ou cozinha aberta com área útil mínima de trinta metros quadrado sem restrição quanto ao número de unidades por pavimento.
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implantada, em 6 de janeiro de 2010. O dispositivo legal estabelece uma série de
medidas necessárias à estruturação da Operação Urbana Consorciada do Rio de
Janeiro. A CDURP fica obrigada, pela LC que a criou, de acordo com o Art. 8.° a
divulgar relatórios trimestrais de acompanhamento e avaliação da Operação Urbana
Consorciada, contendo todas as informações relacionadas à emissão de CEPAC,
quantidade e valor unitário e total arrecadado em leilão, além da utilização a estas
destinadas; Também deve constar nesse relatório a informação dos projetos de
construção licenciados por subsetor e faixas de equivalências, com o potencial
adicional de construção outorgado; além de todas as atividades, investimentos
realizados e evolução patrimonial da CDURP.
Tais relatórios, portanto, fornecem o que há de mais confiável, em termos do
desenvolvimento da OUC. Podem participar do capital da CDURP a União, o Estado
do Rio de Janeiro, bem como entidades da Administração Direta e Indireta da União,
do Estado do Rio de Janeiro e do Município, ou ainda investidores privados, desde
que o Município mantenha, no mínimo, a titularidade direta da maioria das ações
com direito a voto. f) Lei n.° 5.128, de 16 de dezembro de 2009
Através dessa lei foram concedidos diversos benefícios fiscais relacionados
com a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio. Durante o tempo
de vigência da Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio, os
imóveis pertencentes à CDURP são isentos do Imposto sobre a Propriedade Predial
e Territorial Urbana - IPTU e do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de
Direitos a Eles Relativos, Realizada InterVivos, por Ato Oneroso – ITBI as operações
de aquisição da propriedade ou do direito real de superfície, uso ou usufruto
relativas aos imóveis situados na área delimitada da Operação Urbana Consorciada
da Região do Porto, em que sejam erguidas novas construções, desde que as obras
estejam concluídas e tenham recebido o “habite-se” no prazo improrrogável de trinta
e seis meses a contar do primeiro dia do mês seguinte ao da data de publicação
desta Lei.
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g) Protocolo de Cooperação Federativa
Dentre essas medidas iniciais, merecem destaque a negociação entre os três
entes federados (Município, Estado e União) acerca dos terrenos a serem
incorporados à Operação Urbana Consorciada do porto, através do Protocolo de
Cooperação Federativa assinado em junho de 2009, que teve a finalidade de
assegurar a comunhão de esforços dos três entes federativos “para elaboração do
modelo de gestão associada com vistas a promover a requalificação urbana da área
portuária do Município do Rio de Janeiro – RJ”24. (2009). Esse acordo tripartite foi
fundamental, pois a situação fundiária na região portuária sempre foi em elemento
impeditivo para quaisquer possíveis projetos para a área.
Gráfico 2.1 – Distribuição fundiária da região portuária Fonte: Divulgação CDURP
Conforme revela o Gráfico 2.1, antes dessa negociação, a maior parte dos
terrenos de área plana, portanto com maior potencial construtivo, ou valor de
mercado, pertenciam à União, que através desse acordo, cedeu parte de seus
imóveis e terrenos para a viabilização da OUC.
h) Certificados de potencial adicional de construção - CEPAC
A emissão de Certificados de potencial adicional de construção (CEPAC) está
prevista no artigo 34 da seção X - Operações Urbanas Consorciadas - do Estatuto
da Cidade (lei 10.257/2001) e no art. 36 da Lei Complementar Municipal nº 101, de
24 Cláusula primeira – do Objeto
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23.11.2009. São títulos que correspondem aos valores recolhidos aos cofres
públicos por empreendimentos que ultrapassem o gabarito mínimo determinado para
a região, não conferindo, contudo, o direito de construir acima do gabarito máximo.
Obrigatoriamente, a arrecadação proveniente dos CEPACs deve ser aplicada em
benfeitorias públicas no próprio local que os originou. Os recursos captados no
mercado através da venda de CEPACS pelo município deverão ser reinvestidos na
recuperação da região.
Por decreto de nº 33364, de 19 de janeiro de 2011, o prefeito Eduardo Paes
estabeleceu o valor unitário de cada CEPAC em R$ 545,00 (quinhentos e quarenta e
cinco reais), bem como a quantidade disponibilizada para venda por leilão em seis
milhões, quatrocentos e trinta e seis mil setecentos e vinte e duas unidades. O total
da venda arrecadaria aos cofres públicos para investimento direto nas obras do
projeto algo em torno dos 8 bilhões de reais.
Segundo o que foi divulgado pela CDURP, a Caixa Econômica Federal foi a
única candidata a se inscrever para aquisição das CEPACS. O leilão eletrônico
aconteceu no dia 15 de junho de 2011. Foi promovido pela prefeitura do Rio de
Janeiro e supervisionado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Todos os
Certificados de Potencial Adicional de Construção, referentes ao Porto, emitidos pelo
município, foram compradas em um só lote pelo Fundo de Investimento Imobiliário
Porto Maravilha, criado pela Caixa Econômica Federal. Sendo o único habilitado a
participar do leilão, o Fundo arrematou cerca de 6,4 milhões de títulos, pelo valor
mínimo de R$ 545 a unidade, por R$ 3,5 bilhões. Os certificados vão ficar sob a
guarda do vencedor, que passa a ser responsável por negociar os documentos no
mercado imobiliário. Algumas considerações acerca do leilão dos CEPACs são
pertinentes: é importante destacar o fato de nenhuma outra empresa, banco ou
investidor privado ter se candidatado à concorrência. O que levanta a dúvida sobre a
real utilidade/necessidade desses índices construtivos “extras” para o mercado.
Esse “desinteresse” do mercado sugere a possibilidade de uma futura alteração na
legislação municipal, baixando os índices gratuitos, forçando a necessidade de
aquisição dos tão aclamados CEPACs. Outro fato bastante intrigante é que a Caixa
Econômica Federal, sempre tão rigorosa quanto à segurança e registro dos imóveis
que financia, tenha se lançado ao mercado especulativo, assumindo tamanho risco
71
ao adquirir tantos milhares de potenciais ou, mais precisamente, virtuais certificados
de índices construtivos.
i) Consórcio Porto Novo
No dia 26 de outubro de 2010 a Diretoria de Operações (DOP) da CDURP
concluiu o processo licitatório com base no Edital de Licitação, na modalidade
concorrência, do tipo “técnica e preço”, de acordo com o art. 12, inciso II, alínea “b”,
da Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, para contratação em regime
de Parceria Público Privada (PPP) dos serviços de revitalização e operação da AEIU
da região portuária do Rio de Janeiro, sendo vencedor o Consórcio Porto Novo
formado pelas empresas: Construtora OAS Ltda, Construtora Norberto Odebrecht
Brasil S/A e Carioca Christian-Nielsen Engenharia S/A. O contrato de concessão dos
serviços e obras de revitalização da região portuária, no valor de R$ 7,6 bilhões e
prazo de 15 anos (atualmente o maior contrato de parceria público privada, do país)
foi assinado no dia 26 de novembro. O Consórcio Porto Novo passou a ser
responsável por todas as obras da segunda etapa que inclui a recuperação de toda
infraestrutura da região portuária, ou seja, a demolição do Elevado da Perimetral, a
construção das avenidas que vão substituir o elevado, a reurbanização de 70 km de
vias públicas e a reconstrução de 700 km de rede de infraestrutura urbana e a
implantação de redes de esgoto e de iluminação, entre outros. O consórcio ficará
responsável por todos os serviços públicos à exceção dos fornecimentos de água,
luz e gás, que continuarão sendo executados pelas concessionárias Cedae, Light e
CEG. O investimento será custeado pela venda dos Certificados de Potencial
Adicional Construtivo, realizada pela Caixa Econômica. A passagem da
responsabilidade dos serviços para o consórcio foi gradativa, conforme já havia sido
previsto pelo presidente da Companhia de Desenvolvimento do Porto do Rio, Jorge
Arraes. Somente em 14 de junho de 2011 o Consórcio Porto Novo iniciou suas
atividades.
j) Plano Nacional de Turismo - PNT
A política de turismo brasileira é regida pelo Ministério do Turismo, que tem,
desde sua criação, em 2003, elaborado Planos Nacionais trienais, que representam,
no período de sua vigência, o documento máximo da Política Nacional de Turismo
72
(PNT) no Brasil. Todas as demais políticas estaduais e municipais, por princípio,
devem atender aos objetivos e metas propostos pelo PNT vigente, para que as
mesmas sejam alcançadas.
PNT 2011/2014 estabelece objetivos a serem alcançados nos próximos anos,
dentre os quais: preparar o país para os megaeventos, entre eles a Copa do Mundo
de 2014 e as Olimpíadas de 2016; incentivar o brasileiro a viajar pelo país,
incrementar a geração de divisas internacionais, aumentar a competitividade do
turismo brasileiro e fortalecer a gestão compartilhada. Elaborado em sintonia com o
Plano Plurianual 2012/2015 do governo federal, o PNT tem com premissas: ampliar
o diálogo com a sociedade, reduzir desigualdades regionais, promover a
sustentabilidade, incentivar a inovação e promover a regionalização do turismo.
De fato, o Rio de Janeiro, por ser uma cidade sede está comprometido, assim
como todos os outros municípios que sediarão jogos, com a execução de algumas
ações garantidoras da mobilidade urbana para o período dos eventos esportivos e
da construção de instalações esportivas para os jogos. O Rio de Janeiro tem se
comprometido ainda mais que os demais municípios porque, além de sediar jogos
para a Copa do Mundo, será responsável por sediar as Olimpíadas em 2016, pelo
que também tem promovido grandes mudanças na estrutura urbana e de acesso do
município como um todo, pois os Jogos Olímpicos serão um evento que impactará e
se apropriará de várias partes da cidade, desde a Zona Oeste, com Barra da Tijuca,
Campo Grande; a Zona Norte, se utilizando dos equipamentos esportivos já
existentes, como o Maracanã (que atualmente passa por uma reforma visando
também os grandes eventos esportivos eminentes), até sua área mais central, com
Porto Olímpico. Proporcionar a conexão de áreas tão distantes de forma fluida,
melhorando a mobilidade urbana hoje tão precária é o desafio que enfrenta a cidade
do Rio de Janeiro. Dentre os vários projetos em execução que buscam esse fim,
está o Porto Maravilha, que se encarrega entre outras coisas, de melhorar a
acessibilidade da região portuária e interligá-la ao centro. Ainda segundo o PNT 2011-2014, também estão previstos investimentos em
portos e aeroportos com recursos da ordem de R$ 6,0 bilhões, já garantidos pelo
governo federal. Portanto, o Projeto Porto Maravilha tem encontrado apoio e
73
incentivo nesta política, atendendo diretamente, ao promover a renovação do porto e
mediações, algumas das metas, por ela estabelecida.
k) Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962 Esta lei, sancionada pelo então presidente João Goulart, define os casos de
desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação. Segundo narra o
parágrafo 1° do artigo 2°: “o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado
sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos
centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico”25. Foi
amplamente apropriada pelo Projeto Porto Maravilha tanto na construção de casas
populares quanto na desapropriação de famílias que estavam ocupando há, em
alguns casos, décadas, casarios abandonados da região.
l) Programa de Reabilitação de áreas urbanas centrais
Criado em 2003, pelo Governo Federal, o Programa Nacional de Reabilitação
de Áreas Urbanas Centrais objetiva promover o uso e a ocupação democrática das
áreas urbanas centrais em municípios integrantes de Regiões Metropolitanas e
capitais, propiciando a permanência de população residente e a atração de
população não residente por meio de ações integradas que promovam e sustentem
a diversidade funcional e social, a identidade cultural, a vitalidade econômica e a
preservação do patrimônio histórico e cultural. O Programa integra, sob a
coordenação do Ministério das Cidades, ações de cinco ministérios, do Turismo,
Cultura, Planejamento e Transportes, além da Caixa Econômica Federal, com
diretrizes e objetivos, pactuados entre eles, a serem executados em cada cidade
onde o Programa atua, estando a Cidade do Rio de Janeiro entre elas.
As ações do Projeto Porto Maravilha atendem de muitas maneiras aos
objetivos propostos pelo Programa, dentre os quais: promover a integração e a
urbanidade em grandes vazios urbanos remanescentes de áreas industriais,
ferroviárias e ou portuárias subutilizadas e causadoras de isolamento, garantindo: o
aporte de novas infraestruturas e equipamentos urbanos que possibilitem a
circulação e o transporte universalmente acessível; o estímulo à permanência de
25 Cf. (BRASIL, 1962)
74
atividades produtivas compatíveis com os novos usos; o desenvolvimento de
projetos habitacionais valorizando o uso misto, a diversidade de classes de renda e
as iniciativas de geração de emprego e renda. Além da articulação de políticas
setoriais: fundiária, habitacional, de saneamento; mobilidade, transporte e Trânsito;
de preservação; de desenvolvimento; e, a valorização do patrimônio cultural material
e imaterial.
Na verdade, o repovoamento da área central, bem como a revitalização do
Porto do Rio de Janeiro e bairros adjacentes já constavam no Caderno26 publicado
pelo Ministério das Cidades como desafio para a política pública nacional. Hoje, com
o Projeto Porto Maravilha, parte desse desafio está sendo enfrentado. Quais
agentes serão mais beneficiados é a pergunta que ainda está para ser respondida.
2.2.2 Cronograma do Projeto
Seu cronograma foi inicialmente subdividido em duas fases de forma a
abarcar: ações para viabilização do projeto, realização das obras públicas de
implantação de infraestrutura, construção e reconversão de imóveis na área para
fins comerciais e residenciais, além da implantação de empreendimentos culturais e
de entretenimento, como museus, aquário, áreas de lazer etc. que foram
financeiramente viabilizados por Parcerias Público-Privadas. Conforme pode ser
observado na Figura 2.2, as ações de viabilização, que demandavam mudança de
legislação ou repercutiam em quaisquer outras implicações legais foram realizadas
em 2009 e início de 2010. No segundo semestre de 2011 o cronograma sofreu alterações significativas,
quase tornando sem efeito o anterior. A partir dessa modificação na programação
original foi então estabelecido o cronograma atual que segue em vigor. A Figura 2.3
reproduz o Cronograma geral das obras apresentado pela prefeitura:
26 Cf. (BRASIL, 2005)
75
Figura 2.2 - Cronograma inicial do Projeto Proto Maravilha Fonte: Elaboração Secretaria de Obras do Município do Rio de Janeiro
Figura 2.3 – Cronograma Geral das Obras Fonte: Divulgação CDURP
Este cronograma geral, por sua vez, será alcançado ao se concluir cada uma
das 6 etapas previstas, que estão divididas da seguinte forma:
A 1ª. etapa teve início em julho de 2011 e deverá estar concluída até junho de
2012. Nelas estão previstas as seguintes ações: (i) instalação do canteiro de obras
do Túnel sob o Morro da Saúde e início da construção do Túnel sob o Morro da
Saúde; (ii) instalação do canteiro de obras do Túnel Binário e início da construção do
Túnel Binário; (iii) início da construção do túnel da via expressa; (iv) início da
construção dos viadutos do gasômetro (v) início da construção da alça de descida
76
da Linha Vermelha; e, (vi) início das obras de infraestrutura e urbanização do setor C
e D.
A 2ª. etapa abrange o período que vai de janeiro de 2012 a dezembro de
2012, com as seguintes ações previstas: (i) continuação da construção do Túnel do
Morro da Saúde; (ii) continuação da construção do Túnel do Binário; (iii) continuação
da construção do Túnel da Via Expressa; (iv) conclusão da construção dos viadutos
do gasômetro; (v) conclusão das obras de infraestrutura e urbanização do setor C e
D; (vi) início das obras de urbanização e de infraestrutura - Setor M; (vii) conclusão
parcial do Binário; (viii) conclusão da construção da alça de descida da Linha
Vermelha; (ix) início da construção do Túnel da RFFSA; e (x) início das obras de
urbanização e de infraestrutura - Setor B.
Em continuidade, a 3ª. etapa tem previsão de início para julho de 2012 e
término até julho de 2013, cumprindo as seguintes metas: (i) conclusão da
construção do Túnel do Morro da Saúde; (ii) conclusão da construção do Túnel do
Binário; (iii) continuação da construção do Túnel da Via Expressa; (iv) início da
demolição da Perimetral; (v) conclusão da construção do Túnel da RFFSA; (vi) início
das obras de urbanização e de infraestrutura - Setor A; (vii) início das obras de
urbanização e de infraestrutura - Setor E; (viii) conclusão das obras de urbanização
e de infraestrutura - Setor B; (ix) conclusão da construção do Binário; (x) início e
conclusão das obras de urbanização e de infraestrutura - Setor N; e, (xi) conclusão
das obras de urbanização e de infraestrutura - Setor M. A figura 2.4 ajuda a localizar
cada ação dentro do território a partir da demarcação de setores.
Entre julho de 2013 e julho de 2014 estará em curso a 4ª. etapa do programa,
que espera cumprir as seguintes ações: (i) conclusão da construção do Túnel da Via
Expressa; (ii) conclusão das obras entre as ruas Pereira Reis e a Rodoviária Novo
Rio; (iii) início da demolição do trecho da Perimetral compreendido entre o armazém
7 e a Rua Visconde de Inhaúma; (iv) início das obras do viaduto de interligação da
Perimetral; (v) início e conclusão das obras de urbanização e de infraestrutura -
Setor L; (vi) conclusão das obras de urbanização e de infraestrutura - Setor A; (vii)
conclusão das obras de urbanização e de infraestrutura - Setor E; (viii) início das
obras de urbanização e de infraestrutura - Setor F.
77
Figura 2.4 – Divisão da área de intervenção por setores Fonte: Divulgação CDURP
De julho de 2014 e junho de 2015 estará execução a quinta e também
penúltima etapa, compreendendo as seguintes ações: (i) início e conclusão das
obras de urbanização e de infraestrutura - Setor J; (ii) conclusão das obras de
urbanização e de infraestrutura - Setor E; (iii) conclusão das obras de urbanização e
de infraestrutura - Setor L; (iv) conclusão das obras do viaduto de interligação da
Perimetral; (v) início das obras de urbanização e de infraestrutura - Setor H; (vi)
início das obras de urbanização e de infraestrutura - Setor I; (vii) início e conclusão
das obras de urbanização e de infraestrutura - Setor G; e, (viii) continuação da
demolição da Perimetral, trecho compreendido entre o armazém 7 e a Rua Visconde
de Inhaúma.
A 6ª. Etapa terá seu início em janeiro de 2014 e se estenderá até dezembro
de 2015. Sendo a última etapa das obras, estas deverão ser concluídas, neste
prazo, seguindo a seguinte divisão por setores: (i) conclusão das obras de
urbanização e de infraestrutura - Setor H; (ii) conclusão das obras de urbanização e
de infraestrutura - Setor I; (iii) conclusão da demolição da Perimetral e das obras de
urbanização entre o armazém 7 e a Rua Visconde de Inhaúma.
78
2.3 SOBRE AS OBRAS
Conforme se verifica na figura 4, a área total de intervenção foi dividida em
setores, que por sua vez serão tratados por etapas dentro das 4 linhas de atuação
abaixo listadas, que serão executadas através das intervenções previstas para
serem desenvolvidas em duas fases. No quadro a seguir será elencado o que foi
previsto inicialmente para cada uma das fases por linha de atuação, sendo indicado
aquilo que foi concluído ou está em vias de conclusão:
Intervenções FASE 1 Situação FASE 2 Situação
I
N
F
R
A
E
S
T
R
U
T
U
R
A
→ Urbanização do Píer Mauá → Revitalização da Praça
Mauá →Calçamento, iluminação pública, drenagem e arborização dos eixos Barão de Tefé, Camerino, Venezuela, Rodrigues Alves e Sacadura Cabral → Implantação do trecho inicial do Binário do Porto → Reurbanização do Morro da Conceição (vias locais, enterramento de rede elétrica, restauração de patrimônio histórico – Jardim do Valongo e Pedra do Sal) → Acesso viário para o Porto diretamente pelo bairro do Caju
--- --- --- --- --- --- [ ]
→ Reurbanização de aprox. 40km de vias (pavimentação, drenagem, sinalização, iluminação,arborização de calçadas e canteiros), implantação de novas vias e trechos de ciclovias → Implantação de novas redes de esgotamento sanitário, abastecimento de água, energia elétrica, telefonia e gás encanado → Implantação de sistema de melhoria da qualidade das águas do Canal do Mangue → Implantação de via de mão dupla interna, paralela à Rodrigues Alves (Binário do Porto) → Demolição da alça de subida do viaduto da perimetral → Demolição do Elevado da Perimetral no trecho entre a Pça Mauá e a Av. Francisco Bicalho → Construção de túnel entre a Pça. Mauá e a Av. Rodrigues Alves (na altura do Armazém 5) com aproximadamente 2,0 km de comprimento(dois sentidos) → Construção de duas rampas ligando o viaduto do Gasômetro ao Santo Cristo → Ampliação do atual túnel ferroviário sob o Morro da Providência para receber tráfego de automóveis
--- --- <> --- <> <> --- <> <>
79
→ Implantação de mobiliário urbano, tais como abrigos para automóveis, pontos de ônibus, lixeiras, totens, painéis informativos, bicicletários etc.
<>
Intervenções FASE 1 Situação FASE 2 Situação
H
A
B
I
T
A
Ç
Ã
O
→ construção de 530 unidades residenciais, além da recuperação do casario através do programa Novas Alternativas → instalação da UPP no Morro da Providência → Porto Olímpico (Vila de Mídia, a Vila de Árbitros e o Centro de Convenções)
--- [ ] ---
→ construção de aproximadamente 30 mil unidades habitacionais
---
Intervenções FASE 1 Situação FASE 2 Situação
C I O N
M D
É e Ú
R S
C T
I R
O I
A
→ Construção de garagem subterrânea na Praça Mauá para 900 veículos → Atração de sedes de grandes empresas → Construção da nova sede do Banco Central → São Bento Corporate → Venezuela 43
<> --- --- --- ---
→ Atração de sedes de grandes empresas → Construção Port Corporate → Construção da nova sede do Banco Central
--- --- ---
Intervenções FASE 1 Situação FASE 2 Situação
80
C E
U N
L T
T R
U E
R T
A E
N
I
E M
E
N
T
O
→ Museu do Amanhã → AquaRio → Museu de Arte do Rio (MAR) → Porto Olímpico (Vila de Mídia, a Vila de Árbitros e o Centro de Convenções) →Restauro da Igreja de São Francisco da Prainha
--- --- --- --- ---
→ Ampliação de espaço para atracamento de navios de cruzeiros
<>
Quadro 2.12 – Andamento das obras por fase --- Em andamento [ ] Concluído <> Não iniciado
A primeira fase das obras foi licitada no primeiro trimestre de 2010 e
adjudicada ao Consórcio Saúde – Gamboa, formado pelas empresas OAS, EIT e
Odebrecht. As obras da primeira fase ainda hoje estão em curso, com previsão de
término para 2012. Na primeira fase era previsto um investimento na ordem dos 200
milhões pela prefeitura, mas esse valor foi superado, tendo passado a casa dos R$
370 milhões de recursos próprios em infraestrutura e lazer. As obras da segunda
fase estão sob encargo do Consórcio Porto Novo, que teve suas atividades
oficialmente iniciadas no início em janeiro de 2011. As obras da segunda fase,
entretanto, sofreram atraso em relação ao cronograma inicial e só tiveram início em
21 de setembro de 2011, com o início da perfuração para construção do Túnel da
Saúde, apontado como o primeiro passo para a demolição de quatro quilômetros do
Elevado da Perimetral, o que só deverá acontecer no início de 2013. A previsão da
CDURP é que as escavações sejam concluídas em aproximadamente 40 dias, e a
conclusão completa do túnel é estimada em seis meses27.
A prestação de serviços por parte do Consórcio Porto Novo seguiu
inicialmente um cronograma de ação para os primeiros 6 meses de trabalho, tendo
suas ações mensalmente divididas entre (i) manutenção de iluminação pública; (ii)
27 Cf. (COMEÇA..., 2011)
81
limpeza; (iii) manutenção de parques e jardins e, (iv) reparos em pavimentação,
calçadas, segurança viária, sinalização, estruturas e drenagem.
2.4 PROPOSTAS POR LINHA DE AÇÃO
2.4.1 Infraestrutura
É pretendida a recuperação completa da infraestrutura urbana, de transportes
e do meio ambiente da região, de acordo com os novos usos do solo previstos. Para
tanto, estão previstos investimentos da ordem de R$ 3 bilhões para a Requalificação
de 1M de m² de infraestrutura urbana, preservação e melhoria do meio ambiente
com arborização de calçadas (aprox. 40km), novas praças e parques, e com obras
de infraestrutura básica: implantação de um sistema de tratamento de água em
tempo seco para o Canal do Mangue, o Rio Comprido e o Rio Maracanã; 79 mil
metros de rede de água potável; 28 Km de rede e galerias de drenagem de águas
pluviais; 76 Km de rede e galerias de rede de esgoto sanitário; 60 Km de dutos e
3.600 postes de rede de iluminação e energia elétrica; desenvolvimento de potencial
construtivo de até 5 M de m² dentre outros.
Em fevereiro, durante as escavações das obras de drenagem na Rua
Camerino, foi encontrado o antigo Cais da Imperatriz, construído no século XIX e
sob este, o Cais do Valongo, construído no século XVIII. Estas descobertas
confirmam a grande relevância histórica da região. A Prefeitura estuda uma forma de
preservação de parte do que foi escavado a fim de enriquecer a potencialidade
turística da região com mais esse atrativo histórico relevante.
2.4.1.1 Infraestrutura viária e de transportes
Importantes projetos estão em curso e alterarão o fluxo de veículos na região,
mas ainda reforçam a opção atual pelo modal rodoviário. O sistema viário projetado
baseia-se no Projeto de Reurbanização da Área Portuária, elaborado em 2003 pelo
Instituto Pereira Passos. A Figura 2.5 descreve os projetos em andamento.
82
Figura 2.5 – Reconfiguração Viária no Porto Maravilha Fonte: Divulgação CDURP
A seguir são apresentados aqueles, até o momento, divulgados pela
Prefeitura do Rio de Janeiro:
Avenida Binário do Porto
O Binário do Porto vai transformar a antiga Via Trilhos, que no passado era
usada por trens que faziam carga e descarga da região portuária do Rio em uma
avenida, paralela à Av. Rodrigues Alves, interligando o bairro de São Cristóvão às
proximidades da Praça Mauá. Será um novo eixo de circulação, que contará com
aproximadamente 4 km de extensão e três pistas em cada sentido, ligando a Praça
Mauá à Avenida Francisco Bicalho, resultando em cinquenta por cento a mais de
pista de rolamento para aquela região. A primeira parte do Binário inclui um túnel
sob o Morro de São Bento e a Praça Mauá, até a Avenida Barão de Tefé, e outro, de
aproximadamente 400 metros, por baixo do Morro da Saúde, conforme pode ser
visualizado na Figura 2.6, onde as partes tracejadas identificam a localização dos
túneis do Binário.
O objetivo é integrar o corredor à Linha Vermelha, ao viaduto do Gasômetro
por rampas e à Avenida Brasil, passando pela Rodoviária Novo Rio. Serão três
pistas no sentido Praça Mauá e três pistas no sentido Avenida Brasil.
83
Figura 2.6 – Localização Túnel da Saúde Fonte: Secretaria de Obras do município do Rio de Janeiro, reformulação própria.
Segundo a CDURP, o Binário será responsável pela “distribuição do tráfego
ao longo da Zona Portuária". Além de todas as mudanças no trânsito, as obras do
Binário do Porto não deixarão de dar atenção à urbanização e à questão
paisagística: entre as novas áreas que serão dedicadas ao pedestre está um
boulevard, a ser construído entre a Rua Equador e a via trilhos.
Derrubada de parte do Elevado da Perimetral Pretende-se demolir 4 km da via, no trecho entre a Rodoviária Novo Rio e o
Mosteiro de São Bento. Essa parte da obra tem sido apontada como essencial para
a revitalização da região portuária e se dará por etapas. Seu início está previsto para
o primeiro semestre de 2013 e seu término até junho de 2015. A reestruturação do
trânsito na Zona Portuária prevê a transformação da Avenida Rodrigues Alves em via
expressa após sua reurbanização, assumindo, após a demolição de parte da
Perimetral, a função que hoje cabe a ele. A figura 2.7, fornecida pela CDURP, ilustra
como ficará um trecho, hoje ocupado pelo elevado, após sua implosão.
A proposta de demolição da Perimetral tem sido motivo de muita controvérsia.
Os engenheiros e arquitetos do Rio de Janeiro se reuniram no dia 11 de junho, na
Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro (SEAERJ),
quando debateram tecnicamente a questão. Segundo relato da vereadora Sônia
84
Rabello28, o resultado foi unânime contra a demolição do Elevado. Na opinião dos
técnicos presentes no encontro, não há justificativa para se demolir uma obra de
engenharia viária de tamanha dimensão, que demorou por volta de 20 anos para ser
construída (1959 a 1979), com dinheiro público. Além disso, os possíveis impactos
ocasionados pela implosão em si, nas redes pluviais e de esgoto, sistemas elétricos
hidráulicos e mesmo na estrutura de prédios vizinhos são também motivo de
preocupação e debate. Sobretudo, se a justificativa apresentada pela prefeitura para
todo esse risco é o melhoramento estético da frente marítima da cidade.
Figura 2.7 – Projeção Rodrigues Alves – o antes e o depois Fonte: Divulgação CDURP A prefeitura, ciente da fragilidade de sua justificativa e da animosidade
resultante da proposta, encomendou um estudo de trânsito à CCY Consultoria e
Engenharia Ltda.29, no qual ficou demonstrado que a contagem de veículo/hora no
Elevado tem ultrapassado o seu ideal de 2.000 veículos por hora, por sentido. Hoje,
a contagem chega a mais de 4.753 veículos em direção ao Centro, com 119% a
mais do que o regular, apontando para uma incapacidade estrutural da via em
absorver o volume de tráfego atual e mais ainda, o projetado para a área num futuro
próximo. No entanto, o estudo técnico não foi suficiente para convencimento e o
embate continua.
Construção de Túneis Ao todo, serão construídos quatro túneis que prepararão a região portuária
para demolição de um trecho do Elevado da Perimetral. São eles: O Túnel da
28 Cf. (RABELLO, 2012) 29 Cf. (CCY..., 2010)
85
Saúde, com extensão de 90 metros, o túnel cruzará o Morro da Saúde e teve suas
obras iniciadas no dia 21 de setembro de 2011. O Túnel do Binário, que atravessará
o Morro de São Bento para ligar a Praça Mauá à Avenida Primeiro de Março, nas
imediações do 1º Distrito Naval, teve suas obras iniciadas no dia 13 de outubro. O
túnel ferroviário sob o morro da Providência será, na verdade, ampliado para
implantação da estrutura para funcionamento do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e,
as obras do último túnel, o Túnel da Via Expressa, que será a nova Avenida
Rodrigues Alves, responsável por absorver o movimento da Perimetral teve início em
novembro desse mesmo ano. Abaixo imagens do antes e depois do Túnel do
Binário. A primeira imagem é uma foto da obra, referente ao mês de maio de 2012 e,
a segunda, uma ilustração do que se espera com a conclusão das obras.
Figura 2.8 – Projeção Túnel Saúde
Fonte: Divulgação CDURP
86
Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) A previsão é de que a licitação para a implantação do VLT do Rio seja
concluída ainda no primeiro semestre 2012. O VLT, juntamente com os museus
MAR e do Amanhã e o Telecom do Porto são considerados projetos especiais,
dentro do Porto Maravilha. E, passou, juntamente com estes a ser gerido pela
CDURP. O Grupo de Trabalho do VLT, do qual fazem parte a SMT, SMU, SMO,
SMH, SETUR, além da CDURP, definiu o traçado na nova rede que vai melhorar
significativamente a integração da região com o restante do centro da cidade.
Segundo Arraes, secretário de Transportes da Prefeitura do rio, o projeto prevê que
o sistema terá 42 estações, seis linhas e 28 km em vias. E afirmou que a primeira
etapa de instalação da rede de VLT será concluída em 2014, para a Copa, com duas
linhas. As outras quatro estarão operando a pleno vapor até 2016, para as
Olimpíadas. “O VLT vai passar por regiões que hoje não dispõem nem de ônibus. O
sistema vai interligar todos os modais da região: barcas, aeroporto, estações de
metrô, a Central do Brasil, o teleférico da Providência e o trem de alta velocidade"30.
Segundo o traçado definido, a proposta da implantação do VLT contemplará a área
central ligando a Área Portuária ao centro de negócios, Praça XV, Av. Rio Branco,
Aeroporto Santos Dumond à Lapa e a São Cristóvão. A importância da implantação
desse novo modal se expressa não apenas pelo nome “especial” que lhe foi
atribuído. Mas porque será absolutamente necessário ao escoamento do fluxo já tão
adensado naquela região e que, com as obras tenderá a ser totalmente
sobrecarreado, já que a quase totalidade dos projetos a serem realizados reforçam o
uso da malha rodoviária; se pensarmos que se pretende aumentar em 400% o
número de habitantes da região, sem contar com as dezenas de empreendimentos
comerciais e grandes empresas que estarão se instalando na área, o que implicaria,
por baixo, em algumas milhares de pessoas a mais em movimento pendular,
utilizando-se de veículos próprios ou ônibus. Não se pode esquecer que só na Praça
Mauá, será construído um estacionamento subterrâneo para 900 veículos.
30 Mesa de abertura do Workshop "Porto Maravilha: Desafios e Oportunidades", realizado pela Caixa
Econômica Federal
87
2.4.2 Habitação
O projeto pretende expandir a quantidade de moradores na região. Segundo o
senso 2000, a área comporta hoje aproximadamente 20 mil habitantes. Pretende-se
que esse número chegue a 100 mil, a partir da melhoria das condições habitacionais
da população existente e atração de novos moradores para a região. Para alcançar
esse objetivo, o projeto prevê a construção de aproximadamente 30 mil casas, além
da Recuperação do casario através do Programa Novas Alternativas31, através do
qual, estima-se a criação de 499 novas residências na região portuária. As unidades
serão disponibilizadas a partir da revitalização de 24 imóveis degradados na região,
que já possuem licença de obras. O custo estimado do projeto é de R$ 10 milhões
por parte da prefeitura. A Caixa Econômica Federal ainda vai disponibilizar R$ 24
milhões para financiamento aos moradores. A previsão para essas 499 casas é de
que, uma vez prontas, cada unidade habitacional custe aproximadamente R$ 70 mil.
As plantas preveem um ou dois quartos, sala, cozinha, banheiro e dependências.
Esses imóveis deverão ser direcionados a famílias com renda na faixa de três a seis
salários mínimos. O financiamento será feito diretamente pela CEF, pela linha de
crédito do Minha Casa Minha Vida32 e será dada preferência às famílias inscritas no
cadastro da prefeitura.
Também se insere nessa linha de atuação a instalação da UPP no Morro da
Providência, que já foi implantada desde abril de 2010. Não obstante o discurso
governamental de melhoria das residências e imóveis hoje ocupados, o que vêm
ocorrendo de forma expressiva é a remoção de famílias de diversos imóveis na área.
Sejam quais forem os objetivos, a população já está sentindo as externalidades
negativas do projeto: a valorização e especulação imobiliária e fundiária na região.
Segundo o Sindicato de Habitação, Secovi-Rio, as moradias do centro ficaram 83%
mais caras em um ano.
31 O Programa Novas Alternativas está vinculado à Secretaria Municipal de Habitação e atua na reabilitação, recuperação e construção de imóveis em vazios urbanos infraestruturados localizados no Centro do Rio. A área, dotada de redes de infraestrutura urbana e serviços, é o foco principal de atuação do Programa. Promove principalmente a construção de moradias de uso misto, com prédios associados a comércios e serviços. 32 É um programa do Governo Federal em parceria com os estados e municípios, gerido pelo Ministério das Cidades e operacionalizado pela CAIXA, que tem como meta a construção de um milhão de moradias para famílias com renda de até dez salários mínimos.
88
2.4.3 Comércio e Indústria
Atração de sedes de grandes empresas, empresas de tecnologia e inovação,
modernização e incremento da atividade portuária de carga e do turismo marítimo.
Com os quais se espera criar algo em torno de 20 mil empregos diretos durante as
fases 1 e 2 e a geração de impostos na ordem de R$ 200 milhões até 2014. São
diversos os projetos que estão previstos para a região. O que se vê relacionado na
tabela 1 são apenas alguns dentre aqueles mais divulgados. Na verdade, segundo
os relatórios trimestrais fornecidos pela CDURP, várias empresas têm enviado
propostas para se instalarem na região portuária do Rio.
Para além daquelas maiores que estão sendo divulgadas, a previsão é de que
centenas de novas empresas se estabeleçam na região, pois são vários os edifícios
comerciais previstos para a área, alguns já em fase final de construção, como é o
caso do São Bento Corporate, localizado próximo à Praça Mauá e à Avenida Rio
Branco e ao imponente edifício comercial RB1. Outro edifício comercial que tem
previsão de entrega total da obra para junho de 2012 é o Venezuela 43, antiga sede
da TV e da rádio Tupi no Rio de que abrigará mais um retrofit Janeiro, verde. O
empreendimento atualmente pleiteia a certificação LEED33 que é uma espécie de
acreditação34, só que para os padrões “ecologicamente corretos”.
A nova sede do Banco Central tem sido um capítulo a parte nesta história e
merece aqui algum comentário. O banco já constrói atualmente na região um edifício
de 13 metros de altura para abrigar o Departamento de Meio Circulante, cujo custo
previsto é de R$ 72,8 milhões e o prazo para conclusão, maio de 2013. Mas, para
sua Sede, o prefeito Eduardo Paes tentou mudar a legislação, ampliando apenas no
terreno do banco, de 18 para 33 metros a altura das edificações permitidas dentro
de área de preservação histórica e ambiental. O projeto de lei proposto pelo prefeito,
que altera os parâmetros do terreno, passou pela câmara de vereadores e foi
aprovado, por 26 votos a 13, no dia 31 de maio de 2012. Esse é apenas mais um
33 A certificação só será efetivada após a construção do prédio e a confirmação de que os pré-requisitos foram atendidos. De acordo com o número de pontos obtidos por uma determinada edificação, esta poderá ser certificada em uma das seguintes classificações: Platinum (“platina”), Gold (“ouro”) ou Silver (“prata”). Atualmente, já existem no Brasil vinte e quatro projetos registrados para obtenção da certificação LEED, sendo que somente um já obtive a classificação na categoria prata. 34 Tipo de certificação concedida a equipamentos de hospedagem e também hospitais.
89
exemplo que vem a reforçar a impressão de improviso e flutuação a sabor do
mercado que o projeto Porto Maravilha vem deixando.
Com o incremento da atividade turística na região, pela ampliação da
capacidade de atracação de navios de cruzeiros no Píer Mauá e pelo aumento da
oferta de equipamentos culturais e de lazer, o setor terciário tende a aumentar ainda
mais à medida que equipamentos de restauração e hospedagem são atraídos
naturalmente para se beneficiarem dos novos fluxos e demandas da região.
Também como aporte à criação da estrutura e ambiência desejada de
atratibilidade para negócios na região portuária, no final de outubro de 2011, foi
incorporado um novo projeto, chamado Porto Digital. A Prefeitura será a responsável
por reorganizar a rede subterrânea de telecomunicação na Região Portuária. Ao fim
do trabalho, entregará para uma concessionária, que será escolhida através de
licitação, o uso e a gestão das galerias e das suas caixas de passagem e a
instalação da rede de fibra óptica. A proposta é que para os próximos anos a Região
Portuária do Rio seja transformada no primeiro lugar do Brasil em velocidade de
transmissão de dados, com uma rede inteiramente de fibra óptica de alta
capacidade, que pode proporcionar uma velocidade de conexão de mais de um
gigabyte. A intenção do projeto, segundo afirma Luiz Lobo, diretor de operações da
CDURP é que a região possa atrair empresas multinacionais, principalmente do
ramo de petróleo e gás. Uma vez que a região do porto será a primeira e, não
apenas no Rio de Janeiro, mas também o único lugar no Brasil a dispor dessa
capacidade de conexão. E, mesmo em níveis mundiais, são poucas as cidades, de
acordo com Lobo, como Londres, na Inglaterra, e Estocolmo, na Suécia, que
oferecem tecnologia de conexão semelhante.
O plano, que faz parte das intervenções do Porto Maravilha, pretende
reorganizar toda a rede subterrânea de telecomunicação da região até o fim de 2015
e deverá ser entregue por setores. A área próxima à Rodoviária Novo Rio, onde
ficará o Porto Olímpico, receberá a cobertura digital de alta tecnologia proposta no
final de 2012. Em seguida será a vez da região da Praça Mauá e, por último, do
espaço vizinho à Avenida Presidente Vargas. Toda fiação atualmente externa será
90
instalada no subsolo. Já no final do ano de 2012, o serviço estará disponível para a
população.
2.4.4 Cultura e Entretenimento
Propõe a criação de um novo Polo Turístico para o Rio de Janeiro, com a
recuperação do patrimônio histórico e cultural já existente e a implantação de novos
equipamentos culturais e de entretenimento, dentre os quais estão previstos
museus, aquário, espaço de eventos dentre outros. O maior detalhamento de cada
um desses equipamentos será feito no capítulo 3, quando o apelo turístico do Porto
Maravilha será tratado mais diretamente.
2.5 OS AGENTES ENVOLVIDOS
Dentre todos os agentes envolvidos num processo de intervenção no espaço
urbano, na produção e reprodução de cidades, verificam-se relações de poder nas
quais o objeto de disputa é o espaço urbano, que sofre mudanças em sua forma
para que as funções ali desempenhadas também sejam alteradas, para benefício de
alguns, prejuízo de outros.
Uma relação de poder, onde o capital privado se articula com Estado através
da parceria público-privada, deu início a um processo de transformação da zona
portuária tal qual aquela área jamais viu. Segundo Milton Santos (1997), o espaço
geográfico, é uma instância da sociedade e, surge a partir do uso dele enquanto
território, modificado ou transformado pela sociedade humana. Segundo Silva (2006,
p.1), “A parceria público-privada constitui uma modalidade de contratação em que o
poder público e as organizações privadas, mediante o compartilhamento de riscos,
assumem a prestação de serviços públicos, precedidos ou não da execução das
obras". Abaixo seguem relacionados alguns dos principais atores envolvidos nessa
relação social:
- Secretaria Municipal de Obras (SMO) como responsável pelas obras da Fase I do
Porto Maravilha e as obras de urbanização do Morro da Providência como parte do
Programa Morar Carioca, à cargo da Secretaria Municipal de Habitação (SMH). A
91
CDURP, que é uma empresa sob a forma de sociedade por ações, na modalidade
sociedade de economia mista, segue atuando em conjunto com diversas secretarias
e órgãos municipais: participa do Grupo de Trabalho Porto Maravilha, coordenado
pela Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), que tem a função de aprovar
projetos imobiliários na região portuária. E, em conjunto com a SMH trabalha para o
reassentamento das famílias diretamente afetadas pelas intervenções do Porto
Maravilha; também faz parte da Comissão de Mediação de Conflitos, que inclui o
Ministério Público Federal e Organizações da Sociedade Civil; e participa da
elaboração do Plano Municipal de Habitação. Atua ainda em conjunto com a
Subsecretaria de Patrimônio na condução do Porto Maravilha Cultural e nas obras
de restauração dos Galpões da Gamboa. Com a Secretaria Municipal de
Transportes, trabalha na definição dos projetos do novo sistema viário e no projeto
de implantação do Veículo Leve sobre Trilhos. Em última análise é responsável pelo
controle e fiscalização do Projeto Porto Maravilha.
- O Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, antigo IPLAN, que é uma
autarquia da prefeitura municipal do Rio de Janeiro, responsável pelo planejamento
urbano da cidade, é co-responsável pelo Projeto Porto Maravilha, em supervisão à
CDURP.
- A Companhia Docas do Rio de Janeiro - CDRJ, empresa pública federal de
Economia Mista, responsável por toda extensão portuária do Cais Gamboa, que
detinha a maior parte dos terrenos e imóveis na região. Tem a concessão da União
para administrar os portos organizados do Estado do Rio de Janeiro, arrendando
seus terminais a iniciativa privada. Foi fundada em 30 de abril de 1973, sob o nome
de Companhia Docas da Guanabara. A partir de 1975 teve sua razão social alterada
para Companhia Docas do Rio de Janeiro. E a empresa Píer Mauá S/A, que detém,
desde 1998, a concessão para utilizar durante 25 anos a Estação Marítima de
Passageiros do Porto do Rio de Janeiro, principal porta de entrada do turismo
marítimo internacional do País. Fazem parte deste complexo os cinco primeiros
armazéns e também um imóvel na Avenida Rodrigues Alves.
- O Ministério das Cidades, como responsável por emitir orientações e
recomendações sobre a aplicação do Estatuto da Cidade e dos demais atos
normativos relacionados ao desenvolvimento urbano; além de promover a
92
cooperação entre os governos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios e a sociedade civil na formulação e execução da Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano. O Projeto Porto Maravilha se utilizou dos instrumentos
urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade.
- O Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, que tem como cotista o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e é gerido pela Caixa Econômica
Federal.
- A Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (RioTur), sociedade de
economia mista, é o órgão executivo da Secretaria Especial de Turismo e tem por
objeto a implementação da política de turismo do Município do Rio de Janeiro. O
objetivo principal da RioTur é a captação de fluxos turísticos, dos mercados nacional
e internacional, para a cidade do Rio de Janeiro. Para alcançar esse objetivo, a
RioTur executa um plano de ação, o qual inclui as mais variadas ações de marketing
que visam promover, institucionalmente, a venda do destino turístico Rio, no Brasil e
no exterior. Perseguindo esse objetivo, a empresa montou pela primeira vez um
estande, que teve como tema o Porto Maravilha, na 39ª edição da ABAV,
reconhecido como o maior evento de turismo das Américas. O objetivo principal foi a
promoção, visando também a aproximação com o setor privado e o incremento da
indústria do turismo na cidade.
- OAS Construtora Ltda., Construtora Norberto Odebrecht Brasil S/A e EIT. Essas
empresas formaram o consórcio que ganhou a licitação e ficou responsável pela
primeira etapa das obras do Porto Maravilha. E, o Consórcio Porto Novo, apontado
como a primeira parceria público-privada do município, formado por Construtora
OAS Ltda., Construtora Norberto Odebrecht Brasil S/A e Carioca Christian-Nielsen
Engenharia S/A, será o responsável pelas obras de revitalização urbana e realização
de serviços nos próximos 15 anos.
Não se pode deixar de relacionar os usuários daquele território e a população
local: residentes, comerciantes e trabalhadores, que estão tendo suas vidas
diretamente afetadas pelas obras, seja de forma positiva ou negativa. Entende-se
que a percepção dos usuários nem sempre se coaduna com os resultados
esperados em um projeto, mas quando se trata de um projeto que se supõe
93
urbanístico, não se pode prescindir do interesse coletivo e do bem comum. O que
recupera uma questão central deste trabalho: a quais interesses o Projeto se propõe
atender e quais estão, de fato, sendo atendidos? Espera-se até ao final desse
estudo elucidar esta questão.
94
CAPÍTULO III O TURISMO E VISÃO TURÍSTICA DO PROJETO PORTO MARAVILHA
Esse capítulo trata do fenômeno turístico, evidenciando sua ascensão
enquanto prática social e, sobretudo, atividade econômica nos últimos séculos, sua
projeção na economia mundial e o lugar que vem ocupando no cenário brasileiro, de
maneira que seja possível compreender como o turismo passou a compor nas
últimas décadas as agendas governamentais como proposta de desenvolvimento.
Para só então evidenciar o papel do turismo no Projeto Porto Maravilha.
3.1 SURGIMENTO E CONSOLIDAÇÃO
Turismo é um fenômeno típico da sociedade capitalista pós-revolução
industrial, que resulta das atividades e práticas sociais exercidas a partir do
movimento e deslocamento espacial de pessoas (MOESCH, 1998) e de
informações. Apresenta imbricações espaciais e territoriais diversificadas, sendo em
sua essência um fenômeno que produz e consome espaços (RODRIGUES, 1997) e,
por consequência, territorialidades e territórios.
O turismo teve seus primórdios numa prática que surgiu no final do século XVI
e se seguiu até meados do século XIX, conhecida como Grand Tour, que consistia
em longas viagens empreendidas por jovens aristocratas ingleses por diversos
países, com a finalidade de complementar sua formação expandindo seus
conhecimentos acerca das demais culturas do mundo de então. Da sua “pré-história”
elitista e incipiente, o turismo cresceu ao longo do século XIX e principalmente do
XX, como fruto da Revolução Industrial, ou Segunda Revolução Científico-
tecnológica; teve sua explosão no período do pós-guerra, nos chamados “Trinta
Gloriosos” (1950-1980), com formidável impulso a partir da chamada Revolução
Técnico-científico-informacional (SANTOS, 1997).
Durante o século XX, a industrialização teve lugar de destaque em qualquer
projeto desenvolvimentista (LISBOA, 1998). A ideia mesma de desenvolvimento foi
associada e condicionada à industrialização, acreditando-se que os níveis de bem-
estar econômico e social dos países centrais seriam alcançados por aqueles em
desenvolvimento quanto mais acelerados fossem seus processos específicos de
95
industrialização. Depois dos sucessivos fracassos dos processos de
modernização35, o turismo apareceu, especificamente a partir da década de
cinquenta do último século, como a alternativa de desenvolvimento. Levando países
e regiões periféricas, cada qual com suas especificidades não apenas econômicas,
mas também político e culturais, a não poupar esforços com a intenção de
implementar o turismo. Novas atividades produtivas, como as relacionadas ao
turismo e ao lazer, têm influenciado o processo de produção espacial das cidades,
fazendo-se assistir um processo de urbanização diferente daquele vivenciado com a
industrialização.
3.2 IMPACTO ECONÔMICO DA ATIVIDADE TURÍSTICA
A atividade turística, na escala em que ocorre na atualidade, é
significativamente indutora do desenvolvimento, o que parece inquestionável. As
restrições e mesmo a falta de alternativas de crescimento têm levado alguns países
a buscar no turismo a via para soerguer suas economias. Isso porque a combinação
do turismo doméstico com o turismo internacional é apontada hoje em dia como o
“maior setor” do mundo. Para fins de esclarecimento, turismo doméstico, bem como
o próprio nome leva a supor, é aquele realizado dentro de um mesmo território
nacional e tem a capacidade de promover a distribuição da renda nacional através
do fluxo constante de pessoas e capital entre as diversas regiões de um país. E
turismo internacional refere-se à emissão e recepção de turistas entre diferentes
países.
Embora seja o turismo receptivo internacional aquele sempre mais almejado
por qualquer país, por atrair divisas estrangeiras, estima-se, segundo dados da
Organização Mundial de Turismo, que o turismo doméstico movimente
aproximadamente dez vezes mais pessoas que o internacional, tirando por base as
viagens de turismo. Embora seja esperado um crescimento substancial no turismo
internacional para todas as regiões do mundo, espera-se que o turismo interno
também continue crescendo de forma acelerada em todas as regiões, especialmente
nos países em desenvolvimento.
35 Fracassos no sentido de não cumprirem as promessas feitas. Isto é, a promoção de
melhorias econômicas e sociais para as maiorias dos países da periferia mundial.
96
Segundo dados da Organização Mundial do Turismo (OMT, 2001), de 1950
até 2000 o turismo internacional mostrou um crescimento médio anual de 6,8%,
passando de 25 milhões de chegadas, em 1950, para 697,8 milhões em 2000 com
um faturamento de U$ 477,9 bilhões. De 2000 a 2010, embora em níveis mais
modestos, o número de chegadas do turismo internacional continuou crescendo, a
uma média de 3% ano, chegando aos 939 milhões de chagadas, a despeito da crise
financeira e a recessão mundiais de finais de 2008 e 2009. Em 2011 esse número
chegou a 980 milhões36 e, as projeções da OMT, apresentadas na 19 ª sessão da
Assembleia Geral da OMT, em Madri, em outubro de 2011, apontam para um
cenário de crescimento contínuo do turismo internacional para as próximas duas
décadas, com aumento médio de 3,3% ao ano. No ritmo de crescimento projetado,
as chegadas vão passar a marca de 1 bilhão ainda em 2012, e até 2030, é esperado
que se alcance a marca de 1,8 bilhões. Em 2011 a receita resultante desse
movimento de pessoas em todo mundo ultrapassou pela primeira vez a casa dos
bilhões, fechando em US$ 1,2 trilhões, demonstrando um crescimento contínuo nos
últimos anos, que registraram em 2010 e 2009, US$ 928 bilhões e US$ 851 bilhões
dólares respectivamente, resistindo a condições políticas e econômicas adversas e,
se tornando um dos setores que mais cresce no mundo.
A exemplo do que ocorre em atividades das mais diversas naturezas, também
a atividade do turismo está associada às condições socioeconômicas, ao nível de
distribuição de renda, ao tamanho da população e às condições de acesso de um
país. Outros fatores são considerados decisivos para caracterização de um país ou
localidade como centro emissivo, tais como: grau de escolaridade da população;
nível de urbanização; expectativa de vida – variável base dos indicadores de
desenvolvimento, entre outros. As análises dos dados da OMT revelam ainda que o
mercado receptivo segue, há algumas décadas, a mesma lógica do emissivo:
concentrando o fluxo quanto aos destinos turísticos, tanto em número, quanto em
valor de gastos. Porém, demonstram ainda uma tendência à redistribuição deste
fluxo. Em 1950, segundo dados da OMT, os EUA, Alemanha, Japão, Reino Unido e
França respondiam por 71 % do receptivo total. Já em 2000, essa concentração caiu
para 36%. Essa tendência aumenta as expectativas de projeção das novas
36 Cf. (INTERNATIONAL…, 2012)
97
destinações turísticas. Ainda de acordo com a OMT, espera-se para 2015 que as
economias emergentes superem as economias avançadas no recebimento de
turistas internacionais; e ainda existe um significativo potencial de expansão nas
próximas décadas.
No bojo dessa virada, o Brasil figura entre aqueles países que tentam se
beneficiar de parte dessa descentralização, ampliando sua participação nas
estatísticas do turismo internacional, que embora em constante crescimento, ainda é
ínfima quando comparada a outros países, mesmo sul-americanos, com menores
extensões territoriais e potencialidade turística. Segundo dados da EMBRATUR, em
2001 o país recebeu cerca de 4,8 milhões de turistas estrangeiros e cerca de 40
milhões de brasileiros viajaram internamente. De acordo com dados divulgados pelo
Banco Central e pela EMBRATUR, a Conta Turismo do Brasil totalizou, em 2000,
uma receita de US$ 4.227.606 (gastos de turistas estrangeiros no Brasil), enquanto
que a despesa somou US$ 3.893.000 (gastos de turistas brasileiros no exterior), o
que gerou um saldo positivo de US$ 334.606. Em uma década, o turismo receptivo
brasileiro cresceu aproximadamente 18,1%, recebendo 5.4 milhões turistas
internacionais em 2011, número inexpressivo diante do total de chegadas
internacionais, sobretudo se levarmos em consideração a dimensão territorial
brasileira e seu potencial turístico para todos os seguimentos. Mas, contrariando as
expectativas da OMT, a América do Sul, como um todo, permaneceu, ao longo do
intervalo de 1999 a 2009, com uma participação muito pequena do total de
chegadas, apresentando tendência de concentração de apenas 2,2% do fluxo
turístico internacional, conforme é possível se verificar na Tabela 3.1.
Com crescimento bem abaixo do experimentado em nível mundial, o Brasil
segue, com níveis moderados de variação anual, atraindo cada vez mais turistas
internacionais. Uma análise comparativa entre a Tabela 3.2 e a Tabela 3.3
demonstra como tem se comportado nos últimos anos o turismo receptivo em todo
país e no Rio de Janeiro, bem como a distribuição entre os modais aéreo e marítimo,
através dos navios de cruzeiros. E, revela ainda a importância do Rio de Janeiro
para o turismo receptivo, quando o número de chegadas deste vem crescendo a
taxas sempre superiores àquelas experimentadas pelo país como um todo.
Enquanto o país experimentou um crescimento de 31,5% entre 2003 e 2011, o Rio
98
de janeiro, no mesmo período, teve um incremento de 49,7% no número de
chegadas internacionais. As chegadas por vias aéreas no Estado aumentaram
43,5% neste período contra os 23,5% em todo território nacional. Por último e mais
digno de nota é o aumento da entrada de turistas por via marítima nos últimos anos.
Que, embora corresponda a apenas 2,4% das entradas internacionais no país no
ano de 2011, o Rio de Janeiro atende 52% deste total, com um crescimento
registrado nos últimos anos de mais de 300%. Lembrando que o Píer Mauá,
localizado na área de influência do Projeto Porto Maravilha, tem grande participação
neste crescimento, que aponta para o seu potencial turístico, sobretudo, para o
turismo de cruzeiros.
Tabela 3.1 - Comparativo de chegada de turistas
Fonte: Organização Mundial do Turismo - OMT
Tabela 3.2 - Dados do turismo receptivo brasileiro
Fonte: Elaboração própria com base nos Anuários Estatísticos Embratur 2004, 2005, 2011e 2012.
99
Tabela 3.3 - Dados do turismo receptivo carioca
Fonte: Elaboração própria com base nos Anuários Estatísticos Embratur 2004, 2005, 2011e 2012.
O Rio de Janeiro é o segundo estado brasileiro no receptivo nacional, só
perdendo para São Paulo, que tem a seu favor a contabilização nas estatísticas de
turismo as chegadas por motivo de negócios e eventos. O Rio, por seu turno,
enquanto recebe aproximadamente a metade de chegadas internacionais de São
Paulo, é o estado mais visitado por motivos de lazer, sendo o segmento Sol e Praia
o mais buscado.
Se os números do turismo receptivo brasileiro não têm sido expressivos, os
do turismo interno têm. Nos últimos três anos, o turismo doméstico ganhou força e
importância na economia brasileira. Atualmente, o turismo doméstico responde por
85% do turismo brasileiro. Já a participação do setor turístico no Produto Interno
Bruto (PIB) do Brasil é de 3,6% (aproximadamente R$ 132 bilhões). Segundo dados
do Departamento de Estudos e Pesquisas (Depes) do Ministério do Turismo (2011),
para cada dez brasileiros que fazem viagens domésticas, apenas um viaja para o
exterior. Entre os que viajam para outros países, 70% também fazem viagens
nacionais. Cerca de 30% do custo total da viagem internacional fica no Brasil,
beneficiando principalmente empresas brasileiras dos segmentos de transporte
aéreo, operadoras e agências de viagem.
As previsões para o receptivo internacional e turismo interno são promissoras
quando deslocamos nosso foco para o município do Rio de Janeiro, que ocupa a
segunda posição nacional em valores absolutos (PIB turístico) do território nacional,
sendo este o que mais recebe turistas estrangeiros e o segundo no tocante ao
turismo doméstico, atrás apenas de São Paulo (FECOMÉRCIO, 2010). E para os
próximos anos, com os jogos Olímpicos e Copa do Mundo, eventos previstos para
utilizar a cidade como sede, a tendência é um crescimento contínuo. Se somarmos a
isso as transformações em andamento no Rio, com o Projeto porto Maravilha, que
100
ampliará em muito a capacidade/dia de chegada de navios no Píer Mauá, que nesta
temporada, segundo informações disponibilizadas pela empresa em seu site37,
recebeu 98% dos navios internacionais que incluem o Brasil em suas rotas,
confirmando, o Rio de Janeiro como o mais importante destino dos cruzeiros
internacionais da América do Sul, o cenário pode ser, de fato, promissor.
Os números realmente impressionam e atraem, cada dia mais pesquisadores,
de diversas áreas correlatas, ao estudo atividade turística que, como qualquer outra
atividade econômica, resulta de um complexo de fatores que interagem. Porém,
seus efeitos não se restringem às questões associadas ao balanço de pagamentos.
São verificados também em outras áreas da economia, como na produção, no
emprego, nos níveis de inflação, por exemplo, bem como em outros campos de
atividade, principalmente no social, no político, no ambiental e no cultural. O turismo
contribui ainda para o giro da economia de modo geral, uma vez que demanda e
aciona diversos outros segmentos econômicos. O mais breve exame da bibliografia
disponível nacional e internacionalmente sobre turismo, evidencia, entre outras
coisas, a existência de um princípio dominante que atribui à atividade o passaporte
para o desenvolvimento. Especificamente para os países periféricos do capitalismo
mundial, constitui-se na última promessa dos defensores da modernização. O “efeito
multiplicador” é citado frequentemente como forma de capturar efeitos secundários
do gasto turístico e prova do grande alcance dos seus benefícios em diferentes
setores da economia. Contudo, por mais encantadores que sejam os números e, por
mais promissores seus efeitos multiplicadores, a sazonalidade e a elasticidade da
demanda são duas das mais importantes características da atividade turística que
devem ser levadas em consideração quando do planejamento turístico de qualquer
território. Essas características cruzadas, se não bem consideradas, podem
determinar o fracasso de uma destinação turística. Exige um esforço perene de
órgãos governamentais e empresas do trade turístico para compensação e equilíbrio
da demanda, mas tanto a sazonalidade quanto a elasticidade da demanda são
derivadas de fatores tanto endógenos quanto exógenos. O enfrentamento destes
problemas na maioria das vezes está posto fora do alcance de políticas setoriais,
como no caso das políticas públicas de turismo. Por isso, aqueles destinos que
fazem do turismo sua primeira atividade econômica se colocam em situação de 37 Cf. (LUXO..., 2012)
101
grande perigo, pois ficam totalmente à mercê de quaisquer flutuações econômicas,
alterações na ordem política ou social tanto dos países emissores quanto
receptores.
3.3 TURISMO E INTERPRETAÇÃO/CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS NO PROJETO PORTO MARAVILHA O turismo é uma prática social que subsiste essencialmente a partir da venda
de experiências e significados primeiramente associados a imagens, portanto, se
apropria de toda construção social territorializada no espaço urbano. Inter-relaciona-
se com diversos outros segmentos econômicos e demanda um complexo conjunto
de ações setoriais para o seu desenvolvimento. As relações sociais exigem contatos
e, necessariamente, estão localizadas no espaço. Logo, o espaço físico tem que
estar minimamente organizado em relação às distâncias e deslocamentos. E, é no
encurtamento de distâncias geográficas, culturais e sociais, através do
deslocamento de pessoas, que o turismo se realiza. É concebido no uso dos
espaços, trânsito pelas vias, visitação a praças, monumentos e diversos outros
equipamentos não estritamente turísticos, mas que passam a ter o caráter turístico a
partir da leitura feita acerca dos significados desses equipamentos, dando sempre
ênfase ao aspecto cultural dos grupos humanos visitados. Nem sempre a leitura
cultural promovida tem rebatimento na realidade cotidiana da população residente. O
que é vendido é o espetáculo, o simulacro, a experiência que a priori é desejada ou
não a partir da imagem percebida do local a ser visitado. As práticas e percepções
estão sempre encerradas pelas condições objetivas; estão limitadas por um campo
de possibilidades. Na teoria bourdiana, as práticas e ações são inseparáveis das
percepções, pois, o homem é movido pelas suas crenças e valores (construídos
socialmente) que são internalizados.
Na concepção de Milton Santos,
O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de, outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento. O conteúdo (da sociedade) não é independente da forma (os objetos geográficos), e cada forma encerra uma fração do conteúdo. O espaço, por conseguinte, é isto: um
102
conjunto de formas em movimento. As formas, pois, têm um papel na realização social. (SANTOS 1988, p. 26-27)
O ponto de partida adotado neste trabalho é a concepção, segundo a qual, a
produção do espaço é atravessada por materialidades, ideias, intenções e vidas,
reconhecendo a intrínseca relação entre espaço e representação. Isto posto,
recorremos a Lefébvre (1986), evocando os conceitos de espaços de representação
e de representação do espaço. O primeiro deles, o espaço de representação, trata-
se de um espaço simbólico que perpassa o espaço visível e nos projeta no mundo;
refere-se a uma instância da experiência da espacialidade originária na
contextualização do sujeito. Sendo assim, sob vários aspectos o espaço de
representação interage com as práticas espaciais e as representações do espaço
que, por sua vez, estão ligadas à produção mesma desse espaço, às relações de
produção e à "ordem" que elas impõem sobre o território. Assumindo que todo
espaço, seja ele urbano ou rural é potencialmente espaço de representação de
significados os mais diversos. Bem como, invariavelmente, representações são
dadas a esse mesmo espaço, tanto de forma particular ou coletiva por parte
daqueles que dele se utilizam, como por parte de autoridades e instituições, sejam
elas públicas ou privadas, visando a satisfazer seus interesses, como forma de
estabelecimento e fortalecimento de poder, através da construção e imposição de
significados, tornando-os legítimos. Sobre o espaço turístico, diz Miossec:
O espaço turístico é antes de tudo uma imagem. Uma imagem feita pelos turistas, que lhe dão os organizadores de férias. Imagem que percebem com inquietude às vezes, sempre com surpresa, as populações autóctones. Imagem complexa, sonho, refletido pelos cartazes, guias, folders, pinturas, livros, filmes. Imagem e evocação que se ligam e difundem os turistas. Evocação de odores, de sons, de sensações. (MIOSSEC, 1976, p.55)
Como visto, o Projeto Porto Maravilha propõe a construção de significados
novos para frações do território que possuem já a sua dinâmica própria, mas que
não atende aos atuais interesses do grande capital. A premissa adotada aqui é que
as intervenções urbanas em curso vinculam-se à concepção da imagem da cidade
enquanto mercadoria a ser vendida em um mercado competitivo, não apenas
nacional, como também internacional. Disso deriva que as reformas urbanas devem
criar ou explicitar as condições materiais e/ou imateriais que tornem a cidade
competitiva no mercado internacional. A grande questão é: qual a imagem que se
103
pretende promover? Ou ainda, qual imagem está sendo “vendida” e qual a
relevância dessa questão para esse trabalho? Ora, a imagem é uma construção de
ordem cultural tanto para os que a observam quanto para o que é refletido. No
Brasil, durante muito tempo, essa “imagem”, por omissão do poder público e falta de
planejamento da atividade turística, ficou a cargo do mercado; que “vendia” para fora
imagens simplórias de mulheres seminuas, muito sol e praia. O que acabou
contribuindo para, imageticamente, associar o país e, especialmente as cidades
litorâneas como Rio de Janeiro e Fortaleza, ao turismo sexual. Foi só em 2003, com
o Lançamento do Plano Aquarela - Marketing Turístico Internacional do Brasil,
juntamente à Marca Brasil, através da Embratur, sob a liderança institucional do
Ministério do Turismo que esse cenário começou a mudar.
De acordo com Bourdieu, “O poder simbólico como poder de constituir o dado
pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do
mundo e, desse modo, a ação sobre o mundo” (1989, p. 14). No Projeto em análise,
o discurso dominante durante todo o período em que as obras vêm acontecendo é
que o Porto do Rio de Janeiro, que já funciona como o portão de entrada de turistas
para o Brasil, se tornará o novo cartão postal do Rio e se somará aos seus grandes
ícones (atrativos) turísticos: Pão de Açúcar e Cristo Redentor. Se tal projeção de fato
se concretizará, só o tempo poderá dizer. Mas, a força dos símbolos não pode ser
negligenciada nesse discurso. A construção de um símbolo é muito mais que uma
obra arquitetônica, é a construção de um ideário, de um significado, é um discurso
enunciado e hegemonizado. Uma analogia possível para elucidar o que foi colocado
é aquela entre o monarca e o líder. Para se levantar um rei é necessário apenas
poder, aquele emanado de uma genealogia e de um cetro. Um líder, ao contrário de
um rei, surge a partir do reconhecimento e apoio dos seus liderados. Para se erigir
monumento bastam dinheiro e trabalhadores, para fazer deste monumento um
símbolo, faz-se necessário a aceitação e apoio de um povo, que o reconheça como
tal. Neste sentido, a questão colocada por Miossec na citação anterior é pertinente e
deve ser evidenciada: as disparidades entre as percepções das “populações
autóctones”, adaptado aqui para a população local, e as imagens construídas e
promovidas a partir de intervenções urbanas e muito marketing podem, como
geralmente o fazem, acarretar grandes conflitos urbanos e sociais, que estigmatizam
projetos e, em última instância, inviabilizam-nos.
104
Essas tendências de intervenção têm se apropriado de visões pós-modernas,
passando a ter a cultura e o marketing como elementos centrais na estratégia de
construção das condições, materiais e imateriais, de competitividade. Trata-se de
disponibilizar, através de reformas urbanas, os atributos infraestruturais e simbólicos
que constituem a cidade enquanto valor de uso para agentes vinculados ao grande
capital, ao mercado internacional, a visitantes e usuários com poder de consumo. A
produção do espaço urbano, seguindo essa lógica capitalista, torna-se cada vez
mais excludente e o direito à cidade deixa de ser usufruído por todos e passa a ser
um legado, delegado a poucos, àqueles apenas que por ele podem pagar. Para a
inserção dos bens naturais no circuito econômico torna-se necessário incorrer em
custos de transformação, representados, num primeiro estágio, pela implantação de
infraestruturas que podem afetar o meio ambiente. Nesse processo de adequação
do espaço ao consumo turístico, muitas das características originais se perdem e,
não raro, a exploração comercial do território resulta em projetos que agridem o
conjunto paisagístico das áreas onde se instalam.
A revitalização urbana que acontece hoje no Porto buscou no turismo a
concordância e aceitação popular para ações que, a princípio, não têm no turismo,
necessariamente, seu fim. Mas, sua importância no projeto deu origem e destaque a
vários projetos que são, a seguir, apresentados:
1) Museu do Amanhã
Principal âncora do projeto Porto Maravilha, o museu trabalhará com as
temáticas da sustentabilidade e desenvolvimento relacionados ao Rio de Janeiro.
Contará com exposições interativas, uma tendência bastante forte na museologia
contemporânea e a construção de um “Observatório do Amanhã”, que exporá
projeções científicas, cenários e diagnósticos sobre o planeta.
Inicialmente seria instalado nos galpões 5 e 6 dos antigos armazéns.
Entretanto foram feitas modificações e, atualmente, será implementado no Píer
Mauá onde a Prefeitura já havia iniciado, em outubro de 2009, obras para a
implantação de um parque. Tais obras foram suspensas. O renomado arquiteto
espanhol, Santiago Calatrava, foi convidado pela Prefeitura para projetar o edifício
do novo museu, que deve apresentar um design moderno não deixando de
105
incorporar as tão em voga questões relacionadas à “sustentabilidade"; tal
associação vem sendo reconhecida como já incorporada aos demais trabalhos de
Calatrava. A confirmação dessa informação foi dada pelo próprio arquiteto em
entrevista ao jornal O Globo38, quando diz que sua inspiração vem da própria
natureza. O museu ficará sobre um espelho d'água, rodeado por áreas verdes. No
teto, foram projetadas grandes abas que se moverão de acordo com a posição do
sol para captar a energia solar e convertê-la em elétrica. E o sistema de refrigeração
se utilizará da água da Baía de Guanabara, “detalhes” que seriam indicadores da
“sustentabilidade” anunciada no projeto. Verifica-se na Figura 3.1 a maquete
eletrônica do futuro museu, disponibilizada pela prefeitura:
Figura 3.1 – Museu do Amanhã
Fonte: Divulgação CDURP O orçamento previsto para Museu inicialmente seria da ordem de R$ 130
milhões, sendo R$ 35 milhões no desenvolvimento, no conteúdo e na infraestrutura
da obra e R$ 95 milhões na construção do edifício, incluindo projetos e arquitetura.
Mas, os últimos dados informados pela prefeitura retificam esse montante. As obras
do museu, orçadas agora em R$ 215 milhões, serão conduzidas pelo consórcio
Porto Novo, responsável pela revitalização de toda a região e custeadas pelos já
comercializados Certificados de Potencial Adicional de Construção. Ao todo, serão
15 mil metros quadrados, distribuídos por dois andares interligados por rampas. O
Museu contará não apenas com uma área expositiva, mas também com auditório, 38 O vídeo com a entrevista com Calatrava está disponibilizado no site Globo.com. Cf.
(ESPANHOL..., 2010).
106
salas de pesquisa e de ações educativas, restaurante, um belvedere para
contemplação da vista e um café. Durante a cerimônia de início das obras, que
aconteceu no dia 1° de novembro de 2011, como uma forma de resgate de sua
história, o Píer foi rebatizado com seu nome de origem: Píer Oscar Weinschenck,
nome recebido por ocasião de sua inauguração em 1950. A previsão é de que para o
primeiro semestre de 2014 o museu entre em funcionamento. A proposta é que o
Museu do Amanhã finalize uma espécie de circuito de museus que, em linha reta,
começa no Museu de Arte Moderna (MAM) e passa pelos Museus de Belas Artes,
Centro Cultural Banco do Brasil e Museu de Arte do Rio (MAR). Numa de suas
visitas às obras do museu o prefeito destacou a importância do novo equipamento
como um dos grandes atrativos turísticos da cidade: "O Museu, certamente, será o
novo ícone do Rio de Janeiro, ao lado do Cristo Redentor, do Pão de Açúcar, da
Lapa e do Maracanã" 39.
2) MAR – Museu de Arte do Rio
Considerado outra âncora do projeto Porto Maravilha, ao lado do Museu do
Amanhã, o MAR, situado na Praça Mauá deverá integrar dois edifícios de diferentes
épocas e linguagens: o quase centenário Palacete D. João 6°, localizado na Praça
Mauá, n° 10. Prédio de estilo neoclássico, construído em 1916 que abrigou
escritórios de empresas de transporte marítimo. E o prédio vizinho, uma edificação
modernista dos anos 1940 cedida pelo governo estadual, onde até recentemente
funcionava um terminal rodoviário, no térreo, e um hospital da Polícia Civil nos
andares superiores. Ambos os prédios vinham sofrendo com acentuado processo de
abandono e deterioração. Mesmo o tombamento do Palacete D. João 6°, ocorrido
em 2000, não minorou o estado de total abandono do prédio. Sua implantação está
sendo viabilizada por meio de um convênio feito com a Fundação Roberto Marinho.
As obras serão coordenadas pelos arquitetos Paulo Jacobs e Thiago Bernardes da
Bernardes & Jacobsen Arquitetura. A ligação entre os dois edifícios será feita por
uma passarela na altura do quinto pavimento do prédio mais novo, enquanto uma
cobertura que sugere o movimento da água do mar tem a função de dar a ideia de
unidade ao conjunto. Num dos terraços, um teleférico levará os visitantes ao Morro
da Conceição.
39 Cf. (PREFEITO...,2010)
107
Com curadoria de Leonel Kaz e museografia de Jair de Souza e Felipe
Tassara, o MAR pretende oferecer um passeio pela história do Rio de Janeiro. As
principais salas expositivas aproveitarão os pés-direitos elevados e a planta
estrutural livre do palacete. Uma exibição multimídia permanente e também nas
chamadas exposições-diálogo destacarão o relevo histórico do Rio de Janeiro,
reunindo acervos públicos e privados de coleções brasileiras ou estrangeiras. O
prédio vizinho será ocupado com atividades mais diversificadas, como a Escola do
Olhar, uma espécie de laboratório destinado aos professores da rede pública de
ensino, salas para alocação para mostras temporárias, mas também salas de aulas
e setores administrativos. Os pilotis do antigo terminal serão transformados em um
grande foyer, também com áreas expositivas, jardins e auditório. Os dois prédios
somam 8,5 mil metros quadrados de área construída e a arquitetura segue a
proposta de que o MAR seja um só, mesmo havendo diferentes funções para os
edifícios. As obras tiveram início em junho de 2010 com o restauro da fachada do
Palacete e reestruturação de seu interior e a conclusão está prevista para o segundo
semestre de 2012, com investimento total estimado em R$ 43 milhões. A seguir uma
imagem, cedida pela prefeitura, do que se espera ao findar das obras:
Figura 3.2 – Museu de Arte do Rio - MAR Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro/ Divulgação CDURP
Numa cidade como o Rio de Janeiro, que possui 56 museus e mais 55
centros culturais, a construção de mais dois museus com investimentos públicos na
ordem de 175 milhões de reais pode ser encarada como estapafúrdia. No entanto, o
prefeito Eduardo Paes justifica tais investimentos alegando que “A revitalização tem
que ter uma âncora cultural de qualquer maneira e o MAR tem esse papel, pois é um
108
museu aberto que se integra à cidade, onde as pessoas circulam no entorno e vão
viver a sua história. Aqui será um ponto de partida para o visitante da Zona
Portuária”. (Eduardo Paes, na cerimônia de lançamento do Museu, no Palácio D.
João VI, em 01/06/201040). O diferencial desse museu, no entanto, pode ser seu
horário de funcionamento. A nova atração turística funcionará de dia e de noite
buscando interação com a vida noturna portuária.
A proposta de criação de um circuito cultural, de museus, de nível
internacional, como incremento da oferta turística da cidade do Rio de Janeiro deve
ser avaliada com cautela e merece considerações. Pode ser considerado alarmante
o fato de que mais investimentos sejam feitos em museus numa cidade onde
dezenas destes sofrem com abandono, pouca ou nenhuma visitação, é no mínimo
estranho que o marketing turístico desta mesma cidade ainda seja quase que
inteiramente associado ao turismo de Sol e Mar. A imagem do Rio de Janeiro
projetada lá fora precisa ser, no mínimo, condizente com a sua oferta turística. E, é
notório o quanto essa imagem tem sido injusta para com os muitos atrativos culturais
da cidade.
3) AquaRio – Aquário Marinho do Rio de Janeiro
Um dos primeiros empreendimentos privados na região do Porto Maravilha, o
projeto é uma das grandes apostas para o turismo do local, com 27 mil metros
quadrados de área construída, o empreendimento terá investimento estimado em
110 milhões de reais e vai abrigar cerca de 12 mil animais marinhos de 400
diferentes espécies inseridos em um ambiente capaz de conter mais de cinco
milhões de litros de água distribuídas em dois tanques principais e outros quarenta
secundários. Este deverá ser o maior aquário marinho da América Latina e tem, até
o momento, como patrocinador único, a Coca-Cola.
O AquaRio ficará próximo ao ponto de desembarque e embarque, no Cais do
Porto, onde antes existia o frigorífico da Cibrazem, na Avenida Rodrigues Alves. A
Figura 3.3 identifica no mapa a localização do empreendimento.
40 Cf. (FONTE, 2010)
109
Figura 3.3 – Localização do AquaRio Fonte: Divulgação AquaRio – Aquário Marinho do Rio de Janeiro
O preponente do projeto é o Instituto Museu Aquário Marinho do Rio de
Janeiro, entidade brasileira sem fins lucrativos, criada com uma equipe
multidisciplinar, especificamente para conceber e capitanear a implantação e
operação deste aquário Marinho. O projeto, idealizado por Marcelo Szpilman,
referência em biologia marinha no País e diretor-presidente do AquaRio, está a
cargo do escritório Alcides Horácio Azevedo Arquitetos Associados e está sendo
construído pela mesma empresa que foi responsável pela execução do projeto da
Cidade do Samba, a Kreimer Engenharia, que ganhou a licitação da gestão e da
construção do aquário. A imagem abaixo é uma maquete de como ficará a fachada
do empreendimento após a conclusão das obras.
O projeto ainda prevê, além dos animais marinhos, atividades diversificadas
para crianças, um complexo que reproduz os biomas da Amazônia e do Pantanal,
um museu marinho, um centro de convenções, restaurantes e algumas lojas.
Segundo o diretor-presidente do AquaRio, pretende-se expandir a proposta original
do aquário para além de um empreendimento voltado apenas para o entretenimento,
envolvendo também conservação da biodiversidade, educação ambiental, pesquisas
científicas e recuperação de animais marinhos. Para isso, o projeto firmou parceria
científica com o Departamento de biologia Marinha da UFRJ para desenvolvimento e
condução dos projetos de pesquisa e para o gerenciamento educacional dos
estagiários.
110
Figura 3.4 – Maquete AquaRio Fonte: Divulgação AquaRio – Aquário Marinho do Rio de Janeiro
Até o momento, a previsão de inauguração é agosto de 2012 e, a estimativa
da empresa Aquario é de que a nova atração receba uma média de quatro mil
visitantes por dia e um público anual de 1,5 milhão de pessoas.
4) Porto Olímpico
A Prefeitura do Rio de Janeiro, em parceria com o Instituto de Arquitetos do
Brasil (IAB), promoveu no final de 2010, o Concurso Internacional para o Plano
Geral Urbanístico do Parque Olímpico Rio 2016, através do qual foram selecionados
os melhores projetos para a construção das instalações olímpicas previstas para a
região portuária. A cerimônia para entrega dos prêmios aos primeiros colocados no
concurso se realizou em 25 de agosto de 2011. Um inquérito foi instaurado em 2011
após denúncias de irregularidades no processo licitatório do concurso porto
olímpico. Os vencedores não poderiam sequer ter participado da competição, pois
são integrantes do conselho deliberativo do IAB-RJ, responsável, em conjunto com o
IPP, pela realização do concurso. Em maio de 2012, o Tribunal de Justiça do Rio
concedeu a liminar pedida pelo Ministério Público estadual (MP-RJ) pedindo a
anulação do concurso Porto Olímpico41. A despeito de todos os embates legais que
envolveram o concurso para escolha do projeto arquitetônico, o Porto Olímpico
segue figurando como um dos mais importantes projetos do Porto Maravilha, e já
está sendo construído em uma área de aproximadamente 100 mil m², no terreno do
pátio da Praça Formosa, nas proximidades da antiga estação de trens da Leopoldina
41 Cf. (JUSTIÇA..., 2012)
111
e da rodoviária Novo Rio, terreno que antes pertencia à União e foi transferido ao
Município para este fim. A Figura abaixo indica a localização dos terrenos do futuro
Porto Olímpico:
Figura 3.5 - Localização dos terrenos do Porto Olímpico Fonte: Elaboração própria
A proposta inicial contemplava a construção das vilas de Mídia e de Árbitros,
com um total de 10.600 quartos. Além de projetos para os centros de Mídia não
Credenciada, edifício Principal de Operações, Operacional de Tecnologia, de
Distribuição de Uniformes, Principal de Distribuição, Principal de Credenciamento,
um hotel, uma torre de 45 andares, um centro empresarial e um centro de
convenções de médio porte. Todos esses imóveis comporiam o chamado Porto
Olímpico. A grande questão é que o embargo do Comitê Olímpico Internacional
(COI) à proposta da prefeitura pode mudar bastante as coisas. Após o Rio vencer a
disputa pela organização das Olimpíadas, o COI aprovou mudanças no projeto
original, permitindo que algumas instalações fossem transferidas da Barra para o
Porto. Em contrapartida, a prefeitura deverá revitalizar a área. Mas, outras
demandas incluídas na negociação entre a prefeitura do Rio e o COI não foram
atendidas. O prefeito tentou deslocar locais de competição de quatro esportes -
levantamento de peso, tênis de mesa, boxe e badminton da Barra para a Região
Portuária além de dois outros centros de mídia (impressa e televisiva). O argumento
usado pelo prefeito foi o da incapacidade de absorção da oferta de residências que
resultaria como “legado”, após os jogos, para o bairro, citando alguns estudos da
Associação de Dirigentes de Mercado Imobiliário (Ademi), que mostram que:
112
[...] não há mercado imobiliário suficiente na Barra da Tijuca para receber um número grande de unidades habitacionais, o que aconteceria caso a Vila de Mídia ficasse no bairro em sua totalidade. Até porque, só a Vila Olímpica, na qual se hospedam os atletas, vai deixar como herança 3.700 residências. Segundo a Ademi, a demanda por casas na Barra é de, no máximo, duas mil unidades por ano. (O GLOBO, 21/05/10)
A despeito de todos os argumentos apresentados pela prefeitura, o COI vetou
enfaticamente seu pedido, alegando que os locais propostos no projeto original (na
Barra da Tijuca) deverão ser mantidos para esses equipamentos, pois, se fossem
alterados, poderia acarretar prejuízos logísticos para os Jogos Olímpicos. Contudo, a
região portuária ainda receberá, dentro da distribuição acordada de equipamentos,
um megaempreendimento imobiliário, compreendido no projeto Porto Olímpico, para
ser usado pelos Jogos Olímpicos de 2016. A Incorporadora Solace42, que fechou
negócio com o Fundo Imobiliário do Porto Maravilha, formalizou acordo com a
Prefeitura do Rio de Janeiro, no dia 08 de março de 2012, através do qual fica
responsável pela construção de cerca de dois mil imóveis de dois e três quatros,
além de dois hotéis cinco estrelas com 500 quartos e um centro de convenções em
três terrenos, localizados na Zona Portuária. O conjunto de imóveis na área do Porto
Maravilha reservado à instalação dos equipamentos voltados aos Jogos soma 850
mil metros quadrados em potencial construtivo e receberá as vilas de mídia e de
árbitros, um centro de convenções e os dois hotéis. As instalações, durante os jogos
serão usadas como hospedagem jornalistas e para o pessoal de apoio que estarão
no Rio durante as Olimpíadas. Após os jogos, os imóveis serão ocupados pela
iniciativa privada. A previsão é de que a construção esses dois mil imóveis tenha
início ainda em 2012, no terreno da Praia Formosa, onde é possível construir
imóveis de até 30 andares. Já os hotéis e os centros de convenções serão erguidos
em um antigo prédio da Cedae e em um terreno atualmente ocupado pela usina de
asfalto da prefeitura. O gabarito máximo nesta área chega a 50 pavimentos. O
compromisso é que todos os empreendimentos estejam prontos até dezembro de
2015, oito meses antes dos Jogos Olímpicos de 2016. A evidente correlação entre
os eventos esportivos previstos para o Rio e o Projeto de revitalização do Porto faz
dos resultados deste legado também daqueles.
42 Empresa societária, de propósito específico, constituída para investimentos imobiliários na área do Porto Maravilha.
113
5) Sítio Arqueológico Urbano – Cais da Imperatriz
No início de 2011, com as obras de drenagem da Avenida Barão de Tefé
foram encontrados, durante as escavações, o Cais da Imperatriz e sob ele o Cais do
Valongo. Este último foi construído no fim do século XVIII para o desembarque de
escravos. Já o Cais da Imperatriz, projetado pelo renomado arquiteto francês
Grandjean de Montigny, que, com a queda de Napoleão, se exilou no Rio, foi
construído na década de 1840 sobre o Cais do Valongo, numa grande reforma
havida com o intuito de receber a futura imperatriz Teresa Cristina, que chegava ao
Brasil para esposar Dom Pedro II. Sua localização já era conhecida por arqueólogos
e historiadores graças a uma antiga coluna de pedra com uma placa que indicava ali
a localização do antigo cais, portanto, o achado pelas escavações não surpreende.
O que não se esperava é que tantos artefatos fossem encontrados e que estivessem
em tão bom estado de conservação. A explicação para isso, dada pelos arqueólogos
encarregados de acompanhar as obras no local, é a construção de uma estrutura
sobre a outra, sobreposição essa que resultou na preservação da primeira estrutura.
Dentre os objetos encontrados sob os escombros no local estão quatro canhões de
ferro fundido de modelo inglês, ainda sem datação definitiva, mas os técnicos do
IPHAN e os arqueólogos responsáveis pela obra acreditam que se trate de peças do
século XVI, início do XVII43 e muitos outros utensílios de uso comum no século XIX,
como moedas, cerâmicas etc.
O achado será transformado em memorial para exposição permanente, uma
espécie de museu a céu aberto, com um espaço total de 1350 metros quadrados.
O memorial contará com arquibancadas e duas salas com mais informações sobre
os dois cais e a evolução urbana da Região Portuária. Nestas salas, haverá
maquetes expondo essas diferentes fases do Porto. A Figura 3.6 ilustra o que se
pode esperar.
O memorial terá ainda iluminação à noite. Ao lado dos pavimentos históricos,
haverá um espelho d'água simulando o mar, que ali havia antes da década de 1910
quando toda aquela área foi aterrada por Pereira Passos.
43 Cf. (CANDIDA, 2012)
114
Figura 3.6 – Cais da Imperatriz e do Valongo Fonte: Divulgação CEDURP
Ainda não está definido o nome com o qual será batizado esse novo espaço
de memória. Mas, há um nome sendo cogitado até o momento: Memorial da
Diáspora Africana. As obras encontram-se em estágio avançado, em vias de
conclusão, tal como demonstra a Figura abaixo:
Figura 3.7 – Fase de conclusão das obras do Cais da Imperatriz e do Valongo Fonte: Fotos tiradas no dia 23 de junho de 2012
Não apenas na escavação da Rua Barão de Tefé foram encontradas relíquias
que remetem ao passado daquela região, na Praça Mauá, por exemplo, foram
encontrados artefatos bélicos e náuticos: três balas de canhão, mais um canhão dos
séculos XVI e XVII e duas âncoras do século XIX. Desde o início das obras até o
momento já foram encontradas centenas de peças de grande valor histórico, dentre
as quais se destaca a pedra fundamental da Docas Dom Pedro II, lavrada pelo
engenheiro André Rebouças em 15 de setembro de 1871.
115
Segundo o que foi divulgado pelo Site do Porto Maravilha44, todos os objetos
encontrados estão sendo guardados na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) e no Museu Nacional da UFRJ, onde passarão por um processo de
restauração, antes de serem reunidos para exposição em um museu.
6) Projeto Porto Maravilha Cultural - Circuito Histórico e Arqueológico de
Celebração da Herança Africana
Pela Lei Complementar 101/2009, que criou a Operação Urbana Porto
Maravilha, o Poder Público ficou como responsável por promover ações que
integrem e promovam o desenvolvimento social e econômico da população local,
além da recuperação e valorização do patrimônio. A legislação determina ainda que
3% da arrecadação dos CEPACs sejam aplicados em projetos de recuperação e
valorização dos patrimônios histórico e cultural. Todos os achados acima
mencionados reafirmam a importância histórica da zona portuária bem como sua
riqueza cultural. Buscando a preservação dessa herança, surge o projeto Porto
Maravilha Cultural, que, dentre outras coisas, propõe a criação do Circuito da
Herança Africana na área do Porto Maravilha. Este circuito contemplaria um
conjunto de locais marcantes para a memória da cultura afro-brasileira e história de
toda aquela área, dentre eles, o próprio Cais do Valongo, os Jardins Suspensos do
Valongo, a Pedra do Sal, o Largo do Depósito e o Instituto Pretos Novos, além do
Centro Cultural José Bonifácio. Todos, sob a coordenação da Subsecretaria do
Patrimônio Histórico, estão sendo restaurados e revitalizados com recursos do Porto
Maravilha Cultural.
Figura 3.8 - Jardim Suspenso do Valongo Fonte: Fotos tiradas no dia 12 de junho de 2012
44 Cf. (OPERÁRIOS..., 2012)
116
A intenção da prefeitura, é que todos esses locais sejam convertidos em
pontos de visitação turística e de interesse cultural para escolas. A figura abaixo
revela o estágio das obras de restauração do Jardim Suspenso do Valongo:
7) Incremento da oferta hoteleira
Qualquer projeto de desenvolvimento de uma destinação turística deve
contemplar o estudo da sua oferta de leitos, sejam estes hoteleiros ou extra-
hoteleiros, e a adequação desta capacidade à da necessidade da demanda
projetada a partir das transformações havidas por causa do Projeto. Por isso, dentre
todos os empreendimentos e ações previstas para a área portuária e seu entorno
está também a atração de investidores do ramo hoteleiro. Na verdade, em atenção a
uma exigência do COI, a prefeitura do Rio de Janeiro, na pessoa do prefeito
Eduardo Paes, se comprometeu em dobrar a oferta leitos até 2016. Para cumprir
essa promessa, a prefeitura está oferecendo isenção de impostos aos investidores
do ramo hoteleiro, como Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) durante as obras,
Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) em compra e venda de imóveis
destinados ao setor hoteleiro até 2012 e redução de Imposto sobre Serviços (ISS)
para 0,5% até 2015 para serviços prestados para construção e reconversão de
imóveis em hotéis45. Neste sentido, alguns acordos já foram feitos para atração de
empresas do ramo hoteleiro para a cidade, sobretudo para a região portuária.
Apenas a área de abrangência do Porto Maravilha deverá abrigar quatro novos
hotéis de categoria econômica. A Solace será responsável por parte desse
incremento, através do complexo que construirá como parte do Porto Olímpico e
ainda declarou interesse em desenvolver projetos na Região Portuária que
privilegiem o conceito “viver, morar e trabalhar integrados”, com empreendimentos
imobiliários de uso misto: residenciais e comerciais. A previsão é de um incremento
de quatro mil quartos, apenas na Região Portuária.
8) Píer de passageiros em Y
A construção do píer de atracação destinado a navios de passageiros no
porto do Rio de Janeiro faz parte de um programa de ampliação da capacidade do 45 Cf. (MOURA, 2012)
117
receptivo marítimo nacional para a Copa do Mundo, que contempla sete portos
brasileiros, nas cidades que sediarão os jogos, quais sejam: Fortaleza, Natal,
Manaus, Salvador, Santos, Recife e Rio de Janeiro.
O projeto do Rio de Janeiro, que consiste na construção de três píeres, de 30
metros de largura cada, sendo o comprimento do primeiro de 400 metros e dos dois
últimos de 350 metros, interligados de modo a formar um Y, está sob a
responsabilidade da Companhia Docas do Rio de Janeiro e o custo total das obras
foi inicialmente orçado em 314 milhões tal como fica evidenciado na Matriz de
Responsabilidades46, mas as obras referentes à ampliação do terminal de
passageiros ficam a cargo da empresa Píer Mauá S/A. Hoje, a capacidade máxima
do Píer Mauá é de sete navios atracados simultaneamente, utilizando-se, para isso,
de três cais de operação que, sendo vizinhos ao de passageiros, dificulta a
locomoção dos turistas até a área do check-in, que é atualmente realizada com
auxílio de ônibus e vans internas. Essa capacidade será quase dobrada com a
construção do Píer em Y, que comportará mais seis navios atracados
simultaneamente.
O prazo para a execução das obras está dividido em duas fases, com um total
de vinte e oito meses, seguindo as seguintes fases construtivas: A fase 1 prevê a
construção dos píeres 1 e 3, e deverá ser concluída num prazo de até 24 meses, a
contar da data de assinatura da Ordem de Serviço; a fase 2 contempla a construção
do píer 2 e a duração prevista para suas obras é de até 14 meses, a contar do mês
de fevereiro/2013, inclusive. Contudo, de acordo com relatórios periódicos do
Tribunal de Contas da União (TCU), órgão responsável pela execução financeira das
obras, dentre os sete portos incluídos no programa, até o momento, apenas as
quatro capitais nordestinas deram início às obras. O atraso no cumprimento dos
prazos se deve, no caso do Rio de Janeiro, única cidade sede da Copa a lançar
edital próprio para empresa que vai gerenciar e fiscalizar as obras do porto, a
irregularidades identificadas no edital pelo TCU. Por conta dessas irregularidades, o
edital vem sofrendo republicações, inviabilizando a execução das obras. Levando
em conta que a previsão inicial para o começo das obras era fevereiro de 2012, é
46 Cf. (BRASIL, 2010) e o contrato assinado no Anexo I.
118
muito provável que o prazo de novembro de 2013 para a sua conclusão também
pode ser alterado.
A relação direta das obras não apenas do píer quanto de toda zona portuária,
com os jogos mundiais que serão sediados na cidade fica evidente na cláusula
terceira da Matriz de Responsabilidade, onde foi atribuído ao Estado e Município a
responsabilidade de custear intervenções no entorno de terminais turísticos
portuários e, à União a responsabilidade de executar e custear as intervenções nos
terminais turísticos dos portos.
119
CONCLUSÕES - PORTO MARAVILHA: EXPECTATIVAS, APREENSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Procuraremos extrair, neste tópico, algumas observações à guisa de
conclusão, ao mesmo tempo em que faremos algumas considerações adicionais
decorrentes do trabalho de pesquisa.
O Rio de Janeiro passa, através do Projeto Porto Maravilha, por um processo
de transformação urbana comparável a poucos na história da cidade. Sua execução
se deve a confluências de interesses diversos. O que se vê com a proposta do
projeto é o resultado de um jogo de forças entre os muitos atores envolvidos. Nessa
disputa, como o consenso estará sempre no campo das impossibilidades, a fim de
amenizar os conflitos, erigiu-se uma ideologia do bem comum, na tentativa de
cooptação e aderência daqueles afetados e nem sempre adeptos à causa.
Percebeu-se durante a pesquisa que, o Projeto Porto Maravilha não surgiu
com uma proposta documentada, consolidada e, portanto, bem direcionada. O
projeto foi lançado e, a partir de então, outros vários projetos foram sendo acoplados
a ele, a partir das oportunidades de mercado. Por se tratar de um projeto em
execução, não se esperava lidar com dados e informações consolidadas, mas, as
constantes mutações das escassas e desconexas informações que circulavam pelos
meios de comunicação, jornais e internet, inclusive pelos periódicos oficiais,
eletrônicos e impressos, da CDURP trouxeram grande dificuldade à compreensão
da proposta. Hoje, após um ano e meio de execução do Porto Maravilha, embora
ainda não exista um projeto executivo, é possível acreditar que o que se pretende
com o PPM e todos os projetos a ele ligados, os seus objetivos e metas, já estejam
bastante delineados e difundidos. O maior interesse deste trabalho foi refletir sobre
os intentos anunciados e verificar, da maneira mais aberta possível, se as ações são
condizentes com aqueles, partindo sempre da premissa que, política pública não se
traduz por intenções ou discursos, mas por toda ação ou omissão do poder público.
São os resultados das ações/omissões decorrentes da implementação do Projeto
Porto Maravilha que desvelam que política pública está sendo aplicada, quem dela
se beneficia e quais impactos podem ser esperados a partir de sua execução.
120
Através do projeto em tela a área da Região Portuária, parte da cidade onde
o processo de cristalização (permanência temporal das formas) e a característica
residencial, se mantiveram através de sucessivos períodos históricos, com
abrangência de aproximadamente 5 milhões de metros quadrados, está sendo
totalmente revitalizada, realizando a substituição integral das infraestruturas de suas
vias, como as redes de água e esgoto, drenagem, energia elétrica, iluminação
pública e telecomunicações. Lançando mão de um dos mecanismos assegurados no
Estatuto das Cidades, o Projeto se propõe a realizar, através da Parceria Público
Privada, a maior Operação Urbana Consorciada do País, até o momento, na
intenção de dinamizar economicamente uma parte da cidade que vinha há décadas
sofrendo com abandono, deterioração e estigmatização. A população e os usuários
daquela área conviveram com a total omissão do poder público durante anos, com
estrutura e infraestrutura urbanas esgotadas, diversos imóveis tombados, sem
qualquer manutenção, literalmente desabando, esgotos correndo a céu aberto, um
grande número de moradores de rua que diariamente utilizam as calçadas como
banheiro a céu aberto, deixando o ambiente ainda mais fétido e insalubre. O cenário
era realmente alarmante, para dizer o mínimo, tornando a intervenção pública
necessária e desejada. Não obstante todo seu abandono e degradação, não se
pode concordar que a região portuária do Rio estava morta e precisava ser
“revitalizada”. Os bairros Santo Cristo, Gamboa, Saúde e Praça Mauá mantiveram
com o passar dos anos uma dinâmica bairrista própria, tendo, inclusive, muitos de
seus imóveis desativados e abandonados, apropriados por moradores da região
para atividades culturais diversas que, de forma espontânea, dentro da realidade
que se vivia, preservaram a memória do local.
A questão levantada no início da pesquisa foi: se de fato houve por parte do
poder público, nas últimas décadas, diversas tentativas de intervençãor no estado de
calamidade a que foi renegado aquele fragmento da cidade, através da elaboração
de diversos projetos urbanos, porque só agora a proposta saiu do papel? Ao
responder essa pergunta, a intenção primeira e motivos deste Projeto são
desvelados. A partir do que foi exposto no trabalho até aqui, percebeu-se a intenção
clara da adequação daquele território à lógica capitalista, de forma a garantir
condições competitivas no cenário nacional e internacional pela atração de
investimentos. Entre outras coisas, colocando à disposição do capital imobiliário
121
partes com grande potencial de rentabilidade do solo urbano. O que ocorria era que
as limitações urbanísticas da área somadas às condições precárias da sua estrutura
urbana tornavam toda aquela área circunvizinha ao porto, embora repleta de vazios
urbanos (sendo a maior parte deles pertencentes à União), inacessível ao mercado
imobiliário e a quaisquer outros investidores que manifestassem interesse em ali
estabelecer-se. Com o Porto Maravilha esses “impedimentos” foram sanados. Foram
realizadas diversas alterações nas leis urbanísticas que mudaram, entre outras
coisas, o zoneamento da região, alterando o gabarito máximo das edificações, além
de terem sido criados diversos incentivos e benefícios fiscais para incorporadores e
investidores que tiverem seus projetos aprovados para a região. Outra constatação
foi que o Projeto Porto Maravilha está sendo executado para dar respaldo às
exigências de organismos internacionais, como o Comitê Olímpico Internacional
(COI), com o qual se comprometeu em assegurar condições de hospedagem,
acessibilidade urbana, instalações esportivas etc. para o período dos jogos
Olímpicos, que serão sediados no Rio de Janeiro e também às ações previstas na
Matriz de Responsabilidade visando à preparação das cidades-sede para os Jogos
da Copa do Mundo. Este é o primeiro vinculo claro entre esse projeto de
revitalização urbana com a atividade turística: a urbanização de um fragmento do
território com o fim de atender à demanda turística, a princípio, do turismo de
eventos.
Com esses alvos em vista, foram traçados quatro linhas de intervenção sobre
aquele território, quais sejam: Infraestrutura e Urbanização; Habitação; Comércio e
Indústria; e, Cultura e Entretenimento. Todas voltadas para sua recuperação e
integração econômica, de maneira a alcançar a dinamização desejada. Como este
trabalho se propôs a analisar um projeto em desenvolvimento, os resultados estão
por vir e, portanto, fora da análise. Mas, com base na proposta e na forma como
vem sendo executado, é possível verificar pontos positivos e negativos,
possibilidades e limites do projeto, que futuramente revelarão suas consequências.
Pode-se dizer que o eixo central do projeto é a Infraestrutura e Urbanização,
através do qual, todas as demais linhas se sustentam, ao prover as condições
infraestruturais necessárias para atender aos novos usos propostos para aquele
espaço, além de aumentar a atratividade do lugar, tornando-o paisagisticamente
122
mais aprazível. Dentro dessa linha, importantes mudanças são previstas através de
obras estruturantes de saneamento básico, reforma total de muitas vias e
construção de outras, além da reconfiguração do sistema viário da região. Baseada
no Projeto de Reurbanização da Área Portuária, elaborado em 2003 pelo Instituto
Pereira Passos, contará com as construções da Avenida Binário do Porto e da Via
Expressa; de quatro túneis (do Binário, da Saúde, da Via Expressa e da Providência)
e, a demolição do Elevado da Perimetral. As novas vias terão padrão diferenciado
com três pistas de ida e três de volta e, segundo a prefeitura, garantirá acréscimo de
mais de 50% na capacidade de fluxo no tráfego de veículos. No entanto, não há
nenhuma garantia de que esse novo sistema viário resulte em melhoria da
mobilidade urbana para aquela área. Pois, independentemente dos investimentos
em infraestrutura e equipamentos de moradia e serviços previstos para a Área
Portuária não se pode desconsiderar a proposta de implantação de novas (grandes)
empresas na Região, além de hotéis e centros de convenções, o que afetará os
eixos viários de acesso e passagem pela região pelo movimento originado no
crescimento do mercado de trabalho e serviços tanto na própria área portuária,
como na Área Central e Zona Sul, e da população residente no anel periférico –
Baixada Fluminense e Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Não bastasse a incerteza da eficiência da nova configuração viária, a
proposta de demolição da Perimetral não foi bem recebida pela comunidade
acadêmica, engenheiros e arquitetos, pela fragilidade da justificativa apresentada
pela prefeitura para a demolição, e nem pela sociedade de modo geral, por receio de
ser de alguma forma prejudicada pela obra. Dessa forma, até o momento, a
proposta de demolição do Elevado segue sem respaldo, tanto técnico, quanto social.
O que, a exemplo das demais ações no projeto, não significa sua inviabilização. Já
que, até o momento, a execução do Projeto Proto Maravilha é marcada pelo
autoritarismo, porquanto a prefeitura, ao contrário do que se divulga nas mídias de
massa, não se mostra aberta à discussão das propostas. Antes, move todas as
circunstâncias necessárias à imposição da sua vontade, em benefício claro de
grupos financeiros e agentes do mercado, sobretudo imobiliário, mas sob o pretexto
do interesse comum.
123
Não foi apenas na Linha Infraestrutura que se verificou tal arbitrariedade.
Postura semelhante por parte da prefeitura se observou no trato da questão
habitacional. Essa linha do projeto propõe a ampliação da oferta de moradia na área,
buscando o aumento exponencial e a diversificação da população residente. Mas, da
forma como tem sido conduzido, em total desrespeito ao direito de moradia da
comunidade local de baixa renda, assegurado pela Constituição Federal de 1988 e
pelo Estatuto das Cidades, tem-se tornado um dos gargalos do projeto.
Durante o trabalho de pesquisa e coleta de informações houve oportunidade
de participação de algumas reuniões do Fórum Comunitário do Porto, com
representantes dos moradores dos bairros Saúde, Santo Cristo e Gamboa, aqueles
mais diretamente afetados pelas obras, e a maior preocupação dos moradores que
frequentavam as reuniões era com a perda de suas casas pela ameaça de
remoções. Havia pouca clareza dos acontecimentos por vir, segundo esses
moradores, o que deixou um clima de tensão e medo de serem desalojados. A
prefeitura alega ter havido várias reuniões com os moradores e associações
representantes de bairros e de moradores. Mas, se de fato aconteceram, foram
apenas de caráter comunicativo, ou seja, não houve abertura a discussões, serviu
apenas como álibi para se dizer “participativo”, quando de fato foi executado de
forma autoritária e nada participativa, lembrando muito a política de remoções do
início do século XX, com Pereira Passos.
Quando questionado sobre isso, no Seminário Porto Maravilha: desafios e
problemas, que aconteceu no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), nos
dias 16 e 17 de maio de 2011, no qual estive presente, o Secretário de habitação do
Município, Jorge Bittar, garantiu que todos os moradores que estavam sendo
convidados a se retirarem de suas casas estavam morando em condições de risco
ou em situação irregular. Mas, que todos estavam sendo levados para casas dignas,
numa área urbanizada, farta de conduções e de muito fácil acesso, na Zona Oeste
do Rio de Janeiro e, garantiu ainda, que muitos seriam direcionados a unidades
habitacionais no bairro de São Cristóvão. Posteriormente surgiu a informação, por
mídia televisiva, que os locais da Zona Oeste usados para “despejo” da gente
indesejada na nova área portuária seria o Bairro Nova Sepetiba e Cosmos. A fala
do Secretário não correspondia aos fatos observáveis e observados, resultados das
124
ações da Prefeitura através da Secretaria de Habitação. O que de fato ocorre é que
centenas de famílias estão sob ameaça de despejo e muitas pela pressão do
assédio e terror psicológico não conseguiram resistir e já foram removidas. Aquelas
que já foram reassentadas reclamam das condições do novo imóvel, alguns com
rachaduras graves em sua estrutura47, e da distância do Centro da Cidade, onde
suas vidas estavam organizadas. As informações são muito desencontradas e muito
do que se sabe vem do testemunho de moradores. A contrapartida oferecida pela
Prefeitura é um aluguel social no valor de R$ 400 para aqueles que são retirados e
não aceitam o reassentamento proposto enquanto que as indenizações não
garantem a compra de uma nova casa na própria favela ou nos bairros entorno. O
decreto estadual que regula os processos de reassentamentos não considera o valor
da terra para definir os valores relacionados às benfeitorias das casas: entre R$ 20
mil e R$ 35 mil. Contudo, a política tem sido, despeje primeiro, negocie o
reassentamento depois. E não há qualquer controle ou transparência neste processo
por parte da secretaria de habitação.
Tem ocorrido expulsões de moradores das Comunidades da Providência e
Pedra Lisa para construção de um plano inclinado e um teleférico que servirão ao
turismo local e, de moradores de alguns casarios na zona portuária, sob o pretexto
da instituição daqueles imóveis como Interesse social e especial interesse
urbanístico, mas, no fim, acaba-se por adaptar esses casarios ao mercado
imobiliário. Não bastasse o absurdo do motivo, as residências marcadas para
demolição na Providência e Pedra Lisa não se encontram em área de risco e nem
tampouco apresentam condições tão precárias como a prefeitura vem alegando.
Diversos vídeos foram feitos em denúncia e estão todos disponibilizados no
Youtube, onde é possível perceber a incoerência das desapropriações. O que
inevitavelmente nos leva a questionar se o que estamos presenciando com a
proposta habitacional do Porto Maravilha não é mais um processo de gentrificação
no Rio de Janeiro, quando as ações da prefeitura são claramente direcionadas à
retirada de uma parte da população de baixa renda daquela área, para que o
mercado imobiliário aja naquele espaço e para lá sejam atraídas pessoas de renda
media, média alta. Fato é que, o autoritarismo e a imposição arbitrária da secretaria
47 Assunto foi matéria de denúncia em jornal televisivo, no programa do Wagner Montes. Cf. (MORADORES..., 2012).
125
de obras só contribuem para maior segregação, exclusão social, econômica, política
e cultural. Quando explicitamente a população tem sido ignorada e os interesses das
classes dominantes, investidores e incorporadores imobiliários, que detêm o poder
de decisão, são aqueles atendidos.
Pela linha Comércio e Serviços, na busca pela dinamização econômica da
região, diversas cessões, traduzidas em mudanças e complementações legais,
foram feitas. Na ausência de um Projeto urbanístico, que por princípio, visa à
coletividade, alterações na legislação urbanística foram feitas de forma
individualizada. Como foi o caso do Banco Central que conseguiu autorização48 para
aumentar de 18 para 33 metros a altura do edifício que construirá nessa região, pela
mudança de gabarito. Para além dessas questões que desacreditam o Projeto Porto
Maravilha enquanto projeto urbanístico, há a mais que duvidosa criação e venda, por
leilão, dos CEPACs, em lote único, para a única compradora, a Caixa Econômica
Federal, que agora detém o monopólio dos índices construtivos virtuais da área e,
portanto, poderá dizer qual o preço que quer por eles, mas também corre o risco de
amargar um prejuízo milionário, caso as expectativas de procura não se confirmem.
Dentro dessa linha destaca-se um dos mais recentes projeto acoplados ao Porto
Maravilha e que recebeu o status “especial”, por ser tratado como crucial para a
consecução dos objetivos da linha: o Porto Digital que, se utiliza da troca da rede de
infraestrutura já prevista no projeto, incluindo os dutos que levam os sinais de
telecomunicações para as casas e estabelecimentos comerciais da área, para
alterar a tecnologia do serviço. A nova estrutura permitirá a prestação de serviço de
telefonia fixa e móvel e internet banda larga, que contará com redes de fibra ótica,
em modelos de última geração, conhecidos como FTTH (Fiber To The Home) e
FTTB (Fiber To The Building). Isso significará aumento na capacidade de conexão,
passando dos 100MB atuais para 1GB de banda, podendo chegar a 10GB de
velocidade nos próximos dez anos. O novo modelo, que converte a rede para 100%
subterrânea, sem dúvidas, beneficia a paisagem urbana, dando fim às ligações de
fios entre os postes e edifícios, além de diminuir os problemas com interferências
causados por intempéries, obras e até acidentes de trânsito. O problema do projeto
está na sua imprecisão normativa. Pois propõe o uso compartilhado da infraestrutura
pelas prestadoras de serviços de telecomunicação, que exigirá uma conversão 48 Cf. (MAGALHÃES, 2012)
126
tecnológica por parte destas que não se sabe ainda será viável. Também não se
sabe ainda o custo dessa “alocação” de infraestrutura para essas empresas e
tampouco como isso será repassado para os usuários finais, sejam eles empresas
locais, sedes de órgãos públicos ou moradores da região. A resolução nº 274/01 da
Anatel, que dá base legal ao projeto não é clara. Sobretudo seu Art. 5°, que diz: “A
Prestadora de Serviços de Telecomunicações de interesse coletivo tem direito a
compartilhar infraestrutura utilizada ou controlada por uma Detentora, de forma não
discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis, nos termos deste
regulamento”49 [g.n.]
Também foi possível perceber, a partir do estudo do projeto, que os
equipamentos de cultura e de entretenimento que estão sendo construídos, com
ênfase no turismo cultural e de eventos, vêm como complementação à adequação
proposta às novas demandas funcionais, econômicas, culturais e de disponibilidade
de equipamentos, capaz de reforçar a atratividade da cidade. Os chamados projetos
especiais do Porto Maravilha são, em sua maioria, equipamentos de cultura e lazer.
O turismo é levantado como alternativa para renovação imposta pelo capital, que se
materializa no espaço urbano, frente à crescente competição entre cidades por
captação de novas receitas. Frequentemente, a expansão turística tem sido
associada à possibilidade de incitar o crescimento econômico local, apesar de suas
consequências adversas. Isso se deve em grande medida à exaltação equivocada
dos benefícios econômicos que a atividade implica aos destinos em que ocorre. No
caso do Porto Maravilha, a atividade turística estaria, ainda, sendo acionada também
como estratégia de legitimação da sua política de renovação urbana. Essa estratégia
acaba obscurecendo os intentos da intervenção e limita os consequentes possíveis
posicionamentos críticos, sobretudo da população que é “informada” sobre as obras
apenas pelas propagandas midiáticas, especialmente formuladas por equipe de
marketing da prefeitura, para conquistar sua aprovação.
A proposta de turistificação do porto, assim como todo o restante do projeto,
tem suas incoerências e gargalos, mas também apresenta um potencial
transformador para a região que não pode ser desprezado. E, a relevância de se
refletir sobre estas questões justifica-se porque a intervenção em andamento
49 Cf. (ANATEL, 2001)
127
implicará em mudanças na estrutura econômica da cidade, na utilização do espaço
urbano e na vida cultural dos residentes. A lógica implícita em todas as experiências
conhecidas com revitalizações de waterfronts se repete no caso carioca: a do uso
misto do espaço urbano para atividades de trabalho, para moradia e para lazer
através da requalificação da sua área portuária. O efeito perverso desse tipo de
política pública de turistificação do território é a tendência ao inflacionamento, desde
o valor da terra, até ao preço dos produtos e serviços que passam a ser
comercializados nesse espaço, agora também voltado para o turismo. Caso a
tendência se confirme, o encarecimento do custo de vida na região pode tornar
insustentável a permanência de populações de menor poder aquisitivo e que hoje
são moradoras do local, ou ainda estimular a venda, por parte daqueles que são
proprietários de imóveis na região, pela lucratividade decorrente da inevitável
valorização do solo urbano.
Dentre as potencialidades vislumbradas com urbanização turística em tela
está a diversificação produtiva e econômica da região, com o incremento da oferta
hoteleira, construção de vários equipamentos culturais, museus, aquário, espaços
para eventos e meios de restauração diversos, que proporcionarão a criação de
centenas de novos postos de trabalho, voltados para o setor de serviços turísticos.
Oferecer oportunidades de negócio e emprego está entre os principais objetivos do
planejamento da atividade turística de um município. Mais do que a criação de novos
postos de trabalho, deve-se, sobretudo, considerar o acesso a eles. Qual é o público
que se pretende beneficiar? A capacitação dos atores sociais para trabalhar com o
turismo deve ser uma ação deste planejamento, para que não seja necessário trazer
pessoas de fora da cidade, muitas vezes do país, para trabalhar com o turismo
municipal. Deve-se priorizar a integração da comunidade para que tenham acesso
aos novos postos de trabalho que serão abertos.
Neste sentido, uma linha de ação foi acrescentada ao Projeto Porto
Maravilha, chamada “Porto Maravilha Cidadão”, que até o momento, muito pouco
fez. De acordo com as informações disponibilizadas no site oficial do Porto
Maravilha, o único projeto de capacitação profissional existente é o Jovens
Aprendizes, que está na primeira turma, sendo oferecido em parceria da CDURP
com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e que, embora
128
corresponda a um projeto importante para inserção do jovem no mercado de
trabalho, não atende à demanda iminente de mão de obra especializada para o setor
turístico.
Em âmbito nacional, o Ministério do Turismo tem oferecido, através do
Pronatec Copa50, 35 cursos presenciais, nos Estados que sediarão os jogos da
Copa, que visam a capacitar não apenas quem já trabalha com o turismo, mas
também quem pretende se profissionalizar no setor, para a Copa do Mundo de 2014.
A diversidade do trade é representada entre os cursos oferecidos, que cobrem todos
os ramos de atuação do setor (agenciamento, hotelaria, alimentos e bebidas,
transportes, receptivo e eventos), além dos cursos de idiomas. No entanto o
Pronatec Copa é um projeto independente, sem qualquer relação com o Projeto
Porto Maravilha e que não recebeu muita divulgação entre os moradores da Zona
Portuária do Rio. A informação sobre o Pronatec Copa nem ao menos é encontrada
no site do projeto carioca.
Como o turismo tem como matéria prima os patrimônios material e imaterial,
entre as maiores potencialidades da urbanização turística no porto está a ênfase
dada na preservação patrimonial e cultural. Ênfase esta traduzida em programas de
incentivo e valorização da memória e manifestações culturais e ações de
recuperação e restauro do patrimônio arquitetônico da região, que trazem a proposta
de recuperação de parte da história da cidade, contada a partir de um circuito
cultural de museus a céu aberto, que terá como acervo, achados arqueológicos,
escavados durante as obras de drenagem, que remetem a ao período do Brasil
colonial.
A proposta de criação de um polo cultural e turístico para o Rio de Janeiro é
interessante, porém controversa, e merece ser tratada com cautela. Como foi
apontado neste trabalho, as estatísticas do turismo brasileiro demonstram quão
pequena é a sua participação no receptivo internacional. Mas, também foi mostrado
que é financeiramente interessante a qualquer país desenvolver seu receptivo
internacional, pois as cifras são expressivas e as entradas de divisas correspondem
nas contas nacionais à exportação de serviço. Por isso, é importante que o país
50 Linha do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) direcionado à
capacitação de profissionais do turismo, especificamente criado para a Copa de 2014.
129
invista no desenvolvimento de uma atividade turística planejada, que permita a
potencialização de sua atratividade em nível internacional sem desprezar
manutenção do seu fluxo interno, que ao fim e ao cabo, é a base de sustentação do
turismo brasileiro.
A Cidade do Rio de Janeiro tem condição privilegiada em relação a grandes
cidades turísticas no mundo, por ter potencial e atrativo para desenvolvimento de
quase todos os segmentos do turismo. Dispõe de uma das maiores florestas
urbanas do mundo, praias belíssimas e já internacionalmente conhecidas como a de
Copacabana e Ipanema. Possui um centro histórico com acervo arquitetônico de
grande importância, e tem agora a possibilidade de ampliar sua participação no
turismo de eventos, a partir do Projeto Porto Maravilha, com as Olimpíadas, com o
Porto Olímpico, novas instalações para eventos previstas para a cidade e em
especial para a Região portuária, novos hotéis e a estrutura de eventos do Píer
Mauá, que cada vez mais tem atraído eventos de grande porte para a região. Diante
de tamanho potencial turístico, a diversificação da oferta é não apenas possível
como necessária; e, o Projeto do Porto carioca atende a esse propósito.
Todavia, é bastante questionável a intenção e, portanto, a possibilidade de se
colocar o “produto” Porto Maravilha, com todos seus equipamentos culturais
previstos, ao lado de grandes atrativos turísticos da cidade, reconhecidos
internacionalmente, como Pão de Açúcar e o Cristo Redentor, conforme em várias
ocasiões, se dirigindo a mídia, sugeriu o prefeito Eduardo Paes. Se a expectativa do
poder público é realmente esta, divisa entre a prepotência e a ingenuidade. O que
faz do Pão de Açúcar e do Cristo Redentor os ícones, não apenas da cidade do Rio
de Janeiro, mas do Brasil mesmo, frente ao mercado internacional, além de anos de
promoção voltada para esse mercado, é a exclusividade, características que os
fazem únicos. Não há outro igual em todo o mundo. Assim como não há outra
Estátua da Liberdade ou outra Torre Eiffel. A arquitetura ou escultura pode ser
reproduzida, mas nunca será ambientada nas mesmas condições do original. É a
busca por essa experiência que, via de regra, atrai a demanda turística e resulta no
reconhecimento e consolidação de um atrativo e ou destino. Só o tempo e a gestão
do Projeto e seus equipamentos turísticos revelarão suas reais possibilidades de
consolidação frente ao mercado turístico nacional e internacional. Mas, se essa
130
lógica se confirmar, o Porto Maravilha contribuirá sim para a diversificação da oferta
turística do município, sobretudo do turismo cultural, e para a dinamização
econômica da área portuária, mas, por maior que seja o investimento em
propaganda e marketing, figurará sempre como mais um exemplo de requalificação
e revitalização portuária, como os outros vários disponíveis em diversas partes do
globo terrestre.
De todos os esforços empreendidos, a intenção de investimento na
construção de um novo cais para atracação de navios de cruzeiros no Píer Mauá é,
sem dúvidas, a ação do projeto que mais contribui para a ampliação do turismo
receptivo na cidade. Como já foi dito anteriormente no trabalho, o porto do Rio é a
principal porta de entrada do turismo marítimo internacional do País, recebendo 98%
dos navios que vem de rotas internacionais. Com a ampliação prevista, o potencial
de crescimento do turismo de cruzeiros é bastante promissor. O problema é que, até
o momento, tudo o que existe está no papel. Nenhum movimento foi feito para início
das obras previstas, o que implica em atraso significativo no cronograma inicial.
Finalmente concluindo, pode-se dizer que o projeto de revitalização do porto
do Rio de Janeiro tem se confirmado como um projeto voltado a atender a atores
específicos e parcelas específicas da sociedade, e não à comunidade como um
todo. Os maiores favorecidos, até o momento, parece ter sido as construtoras e o
mercado imobiliário, aquecido e enriquecido com todas as obras e empreendimentos
na região portuária. A atividade turística, em todo esse processo, tem sido acionada
como promotora de diversificação e dinamização econômica, mas também como
complementação ao embelezamento urbanístico e recurso legitimatório para ações
juridicamente questionáveis e de relevância incerta, na tentativa de obscurecer ou
mesmo inibir posicionamentos contrários, reforçando o caráter autoritarista da
gestão do projeto. Como exemplo disso, recupera-se o testemunho51 de uma
moradora da Comunidade da Providência, que está entre as 700 famílias da
comunidade, que passam por ameaça de despejo para demolição de suas
residências por causa das obras de construção de um plano inclinado e um
teleférico no morro. Eliete, moradora e proprietária de uma residência no morro,
imóvel que pertence a sua família há mais de 60 anos, diz: “Eles querem fazer
51 Cf. em (MORADORES..., 2012).
131
teleférico? Ótimo. Muito bonito... para os turistas. E os pobres? Vai ficar bonitinho,
andar de teleférico e olhar a pobreza embaixo”. O desabafo dessa moradora
sintetiza a percepção da maior parte da população hoje moradora da Região
Portuária: um projeto para agradar aos olhares externos e enriquecer a outros.
A razão por traz da execução desse projeto, ao que parece, tem sido
respondida pelas ações desrespeitosas da prefeitura para com os moradores da
região portuária, aqueles que vivem há décadas, alguns por toda sua vida, em meio
a precariedade e insegurança por total descaso do poder público e que, quando
finalmente tem seus bairros contemplados por alguma melhoria, são “convidados” a
sair. Usando o turismo como justificativa para tais atos desumanos e criminosos.
Como dito, o resultado de um projeto de intervenção como esse, que impõe a
remoção de moradores, pela força, não é, em absoluto, definido pelo que se anuncia
na mídia, e sim pela forma como é recebido e vivenciado pelos usuários daquele
espaço.
132
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