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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO REINHARD RAMMINGER A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E INDICADORES SOCIAIS NO ESTADO DE MATO GROSSO (1980-2005) Cuiabá 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

REINHARD RAMMINGER

A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E INDICADORES SOCIAIS NO ESTADO DE MATO GROSSO (1980-2005)

Cuiabá 2008

REINHARD RAMMINGER

A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E INDICADORES SOCIAIS NO ESTADO DE MATO GROSSO (1980-2005)

Orientador: Prof. Dr. Dirceu Grasel

Co-orientador: Prof. Dr. Arturo Alejandro Zavala Zavala

Cuiabá 2008

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Agronegócios e Desenvolvimento Regional, da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Economia, na área de concentração de Desenvolvimento Regional e Agronegócio.

FICHA CATALOGRÁFICA R174m Ramminger, Reinhard A modernização da agricultura e indicadores sociais

no Estado de Mato Grosso (1980-2005) / Reinhard Ramminger. – 2008.

x, 138p. : il. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal

de Mato Grosso, Faculdade de Economia, Pós-graduação em Economia, Área de Concentração: Desenvolvimento Regional e Agronegócio, 2008. “Orientação: Prof. Dr. Dirceu Grasel”. “Co-orientador: Prof. Dr. Arturo Alejandro Zavala Zavala”.

CDU – 338.1:631(817.2) Índice para Catálogo Sistemático 1. Agricultura – Crescimento econômico – Mato

Grosso

2. Agricultura - Modernização – Mato Grosso 3. Agricultura – Aspectos econômicos – Mato Grosso 4. Agricultura – Indicadores sociais – 1980-2005

REINHARD RAMMINGER

A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E INDICADORES SOCIAIS NO ESTADO DE MATO GROSSO (1980-2005)

Aprovada em: 5 de junho de 2008.

COMISSÃO EXAMINADORA

_______________________________________________________

Examinador Externo: Prof. Dr. Luiz Carlos de Carvalho Junior

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

_______________________________________________________

Examinador Interno: Prof. Dr. Arturo Alejandro Zavala Zavala

Faculdade de Economia (UFMT)

_______________________________________________________

Orientador : Prof. Dr. Dirceu Grasel

Faculdade de Economia (UFMT)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Agronegócios e Desenvolvimento Regional, da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Economia.

i

Dedico este estudo

a minha mulher, Neuza;

aos meus pais, Paulo e Erica (in memorian);

aos meus filhos, Rodrigo, Carolina e Lucas;

ao meu neto, Arthur Henrique.

ii

Agradeço

... a minha mulher, Neuza, pelo amor, estímulo e apoio.

... aos Professores Dirceu Grasel e Arturo Alejandro Zavala Zavala, pela paciência e atenção a mim

dispensadas durante a orientação deste trabalho.

... aos demais Professores do Curso, Adriano Marcos Rodrigues Figueiredo, Benedito Dias Pereira,

Carlos Magno Mendes, Fernando Tadeu de Miranda Borges, Geraldo Lucio Diniz, José Manuel

Carvalho Marta, Mariano Martinez Espinosa, Neiva de Araújo Marques, Regina Célia de Carvalho e

Roberto Antonio Ticle de Melo e Souza, que com seus ensinamentos contribuíram para ampliar meus

conhecimentos.

... aos Técnicos Amauri Saturnino da Silva e Maria Enildes Auxiliadora Leite Cândido, que com

empenho e contribuição facilitaram o desenvolvimento das atividades ao longo do Curso.

... aos colegas de turma, Janice Alves Lamera, Luceni Grassi de Oliveira, Marcos Daniel Martins

Souza, Orlando Evangelista Cunha, Sirlene Gomes Pessoa, Sônia Sueli Serafim de Souza, Vitor

César da Costa Galesso, pelo companheirismo, e, especialmente, Paulo Cezar de Souza, Paulo

Henrique Monteiro Guimarães e Vitoriano Ferreira Martins, pela solidariedade nas muitas horas de

convivência na sala de estudo.

...ao mestrando Rogério de Oliveira e Sá, pelo apoio na pesquisa de dados.

... aos membros da Banca Examinadora, pelas correções e contribuições.

... à Universidade Federal de Mato Grosso, pela oportunidade concedida.

... ao Secretário Adjunto da Receita Pública da Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso,

Marcel Souza de Cursi, que me concedeu a dispensa do expediente de trabalho para freqüentar o

Curso.

iii

Pode haver diferença nas opiniões sobre o

significado de uma distribuição de riqueza muito

desigual, mas não há dúvida sobre a importância

de se saber se a distribuição está se tornando

mais ou menos desigual (LORENZ, 1905 apud MEDEIROS, 2006, p. 7).

iv

v

vi

vii

viii

RESUMO

RAMMINGER, Reinhard, M. S. Universidade Federal de Mato Grosso, junho de 2008. A modernização da agricultura e indicadores sociais no Estado de Mato Grosso (1980-2005). Orientador: Prof. Dr. Dirceu Grasel; Co-Orientador: Prof. Dr. Arturo Alejandro Zavala Zavala. Este estudo tem por objetivo esclarecer se a modernização da agricultura mato-grossense, ocorrida

entre 1980 e 2005, alterou o perfil da distribuição de renda no Estado. Para tanto, abordam-se os

principais aspectos da formação econômica de Mato Grosso; as concepções teóricas relativas à

renda e às medidas de sua distribuição, à renda da terra, ao progresso técnico e à modernização da

agricultura; e as evidências dessa modernização e da evolução da distribuição de renda. Parte-se da

hipótese de que a modernização da agricultura local resultou no aumento do nível de desigualdade

de distribuição da renda gerada pela atividade. Evidencia-se um robusto crescimento econômico do

setor agrícola nos anos recentes, apesar de os indicadores de renda e outros a ela relacionados

pouco terem se modificado no período analisado. Tais resultados não permitem que se afirme

categoricamente, conforme formulado na hipótese inicial, que o quadro da distribuição de renda

tenha piorado, no entanto, favorecem a constatação de que tampouco melhorou. Conclui-se que,

sob a perspectiva teórica adotada, o crescimento econômico na economia capitalista não implica,

necessariamente, a melhoria na distribuição de renda e que mitigar as diferenças/distâncias de

apropriação de renda entre as classes sociais é uma função a ser desempenhada pelos governos.

Palavras-chave: Modernização da agricultura. Crescimento econômico. Indicadores sociais.

ix

ABSTRACT

RAMMINGER, Reinhard, M. S. Federal University of Mato Grosso, June of 2008. The modernization of the agriculture and social indicators in the State of Mato Grosso (1980-2005). Advisor: Prof. Dr. Dirceu Grasel; Co-advisor: Prof. Dr. Arturo Alejandro Zavala Zavala.

This study has the purpose to identify if the modernization of the agriculture in the state of Mato

Grosso, happened between 1980 and 2005, modified the profile of income distribution in the state.

For so much, there are examined the main aspects of the economical formation of Mato Grosso; the

theoretical conceptions concerning income and the measures of its distribution, rent from land

cultivation, technical progress, agriculture modernization; and evidences of that modernization and

of the evolution of income distribution. The adopted hypothesis is that the modernization of the

local agriculture resulted in the increase of the inequality level in the distribution of the generated

income. A robust economical growth of the agricultural section is evidenced in the recent years, in

spite of the indicators of income and others to it related little modified in the analysed period.

Such results didn't allow that one can categorically state, as formulated in the initial hypothesis that

the situation of the distribution of income worsened during the period under analysis. They allowed,

however, to testify that either got better. It was concluded that, under the adopted theoretical

perspective, economical growth in the capitalist economy doesn't necessarily implicate better

distribution of income and that mitigate the differences/distances of appropriation of income among

the social classes is a task that should be carried out by the governments.

Key-word: modernization of the agriculture, economical growth, social indicators.

x

1

INTRODUÇÃO

As recentes transformações ocorridas na estrutura produtiva da agricultura1 de

Mato Grosso tiveram início na década de 1950, quando novas áreas de terras passaram a ser

gradativamente incorporadas ao mercado nacional. Apesar disso, até 1970 a agropecuária não

apresentava importância econômica significativa para o Estado. A produção, referente ao cultivo do

arroz, do feijão e da mandioca, bem como à prática da pecuária extensiva de corte, além das

atividades extrativistas, ainda se realizava através de mão-de-obra predominantemente familiar,

destinando-se sobretudo aos mercados locais.

Após a década de 1960, quando se instalou o governo militar no Brasil, as

políticas de “ocupação” e desenvolvimento do território mato-grossense tinham três objetivos: o

primeiro, de caráter geopolítico, buscava consolidar a “ocupação” mediante a distribuição de terras;

o segundo, de cunho econômico, tinha a finalidade de garantir a produção e consumo de bens; e o

terceiro, de natureza social, objetivava amenizar tensões sociais em outras regiões do país,

transferindo seus “excedentes populacionais” para Mato Grosso. Assim, os governos, tanto federal

quanto estadual, passaram a estimular a migração de brasileiros para o Estado, especialmente

sulistas (paulistas, paranaenses, catarinenses e gaúchos), além de goianos, nordestinos, capixabas e

mineiros .

Em decorrência dessa intensa política migratória, que resultou na ocupação de

novas áreas, houve um forte incremento na produção agrícola. Novas tecnologias foram

gradativamente adotadas, tanto mecânicas (uso de tratores, colhedeiras etc.), quanto biológicas

(novas variedades de cultivares), químicas (utilização de fertilizantes, inseticidas, pesticidas) e

agronômicas (novas práticas culturais e técnicas de condução, como rotação de culturas, análise de

solo, novos espaçamentos etc.). Tudo isso permitiu incorporar ao processo produtivo espaços antes

considerados impróprios para tal fim e implantar novas culturas, além de aumentar

significativamente a produtividade por área plantada.

Para viabilizar essas transformações, foi decisiva a participação do Estado

brasileiro tanto no desenvolvimento de variedades de sementes que se adaptassem à região,

1 No presente trabalho o termo “agricultura” engloba o cultivo de plantas e a criação de animais (conforme conceito de modernização da agricultura, apresentado no subcapítulo 2.5).

2

resultantes de pesquisas conduzidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(EMBRAPA), quanto na implementação de uma política de preços mínimos e na prática de

políticas de desenvolvimento regional, com implantação de infra-estrutura; concessão de incentivos

fiscais, através da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM)2; criação de

diversos programas de modernização das atividades agrícolas no Centro-Oeste; além de abundante

oferta de crédito, muitas vezes a juros negativos, todas essas medidas culminando na ocupação das

terras em escala empresarial.

Conseqüentemente, Mato Grosso teve sua posição gradualmente redefinida no

cenário econômico nacional, colocando-se atualmente como um dos grandes produtores agrícolas

do país (ver Tabela 1.3.4).

Diante disso, a presente pesquisa foi realizada com o objetivo geral de identificar

se a modernização da agricultura mato-grossense (ocorrida entre 1980 e 2005) alterou o perfil de

indicadores sociais no Estado. E, para atingir esse propósito investigativo central, foram definidos

os seguintes objetivos específicos:

a) caracterizar alguns aspectos da formação econômica de Mato Grosso;

b) evidenciar a modernização da agricultura do Estado no período de 1980 a

2005;

c) apresentar a evolução da produção (1980 a 2005) da agricultura de Mato

Grosso;

d) apontar indicadores referentes à distribuição da renda e outros a ela

relacionados, no período selecionado, identificando se e como o perfil dessa

distribuição se modificou.

Nesta investigação, partiu-se da hipótese de que a modernização da agricultura

mato-grossense resultou no aumento do nível de desigualdade na distribuição da renda gerada,

elegendo-se para o desenvolvimento do estudo o método fenomenológico-hermenêutico. Portanto,

não se recorreu a técnicas quantitativas de avaliação e sim à análise de documentos e textos, bem

como a estudos teóricos. O trabalho apresenta também um caráter crítico-dialético, já que privilegia

um processo histórico e identifica contradições e conflitos de interesses (MARTINS, 2000, p. 26-

27). 2 Criada através da Lei nº 5.178/1966.

3

No capítulo I da pesquisa tecem-se algumas considerações sobre a formação

econômica de Mato Grosso, ocorrida em três etapas claramente diferenciadas: de 1718 a 1930,

quando se realizaram atividades de mineração no Estado (ouro e diamante) e, posteriormente, de

extrativismo vegetal (poaia, borracha e erva-mate), além da exploração da cana-de-açúcar e da

pecuária extensiva, ao lado de uma agricultura incipiente; de 1930 a 1980, período em que o

território mato-grossense passou por uma fase mais intensa de ocupação pelo não índio e começou

a inserir-se mais fortemente na economia nacional; e, por último, o período de 1980 a 2005, foco

deste estudo, que marcou a expansão e a modernização da agricultura regional.

No capítulo II apresentam-se as teorias da renda fundiária de David Ricardo e de

Karl Marx, destacando-se as diferenças entre ambas. Aborda-se, ainda, a questão dos rendimentos e

suas fontes, segundo a teoria marxista, além de se proceder a uma breve discussão sobre o

progresso técnico e a modernização da agricultura local.

No capítulo III caracteriza-se a modernização da agricultura de Mato Grosso,

ocorrida no período de 1980 a 2005, mediante a apresentação de indicadores de produção, da

evolução das exportações e das inovações biológicas, agronômicas e mecânicas.

No capítulo IV exibem-se dados e comentários sobre a evolução da distribuição

de renda, da pobreza entre a população rural e do emprego agrícola, além de informações sobre a

evolução do Índice de Desenvolvimento Humano em Mato Grosso (IDH), no período pesquisado.

No capítulo V encontram-se as considerações finais da pesquisa.

4

CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO ECONÔMICA DE MATO

GROSSO

1.1. PERÍODO: 1718-1930

As primeiras expedições destinadas ao reconhecimento da região onde se insere

o atual estado de Mato Grosso, com algumas tentativas de ocupação pelo não índio, foram

organizadas pelos espanhóis no século XVI, pois todo o Oeste do Brasil, por força do Tratado de

Tordesilhas, pertencia à Espanha.

Esses exploradores europeus, no entanto, acabaram fixando-se no extremo

Ocidente, já que ali encontraram muita prata, metal precioso pelo qual havia muito interesse na

Europa. “Isso permitiu que os bandeirantes paulistas adentrassem, em suas andanças pelo sertão,

rumo ao Oeste, não encontrando qualquer barreira por parte dos colonos espanhóis [...]”

(SIQUEIRA, 2002, p. 27).

As dificuldades enfrentadas pela capitania de São Paulo3, entre o final do século

XVII e início do XVIII, levou seus habitantes a organizar expedições na tentativa de localizar

riquezas no Oeste e também de aprisionar índios para vendê-los como escravos. Tais incursões

atendiam ainda aos interesses da Coroa portuguesa, uma vez que representavam a possibilidade de

expandir os domínios de Portugal além dos limites de Tordesilhas. Entre 1718 e 1724 os

bandeirantes adentraram, através dos rios, o território mato-grossense, expondo-se ao risco de

confronto com os indígenas e, esporadicamente, com os espanhóis (HIGA, 2005, p. 18-19).

Foi assim que em 1718 Antônio Pires de Campos, localizou índios nativos das margens do rio Coxipó-Mirim, que passaram a ser conhecidos como Coxiponés. Em 1719 a bandeira de Pascoal Moreira Cabral foi ao encalço desses índios, mas foi rechaçado em violento confronto e, mesmo socorrido pela bandeira dos irmãos Antunes Maciel, retirou-se até a confluência dos Rios Cuiabá e Coxipó-Mirim onde alguns integrantes da bandeira, ao lavar pratos no rio, encontraram ouro. Esse fato deu início ao povoamento da região. Surgia (sic) assim os primeiros núcleos populacionais – o Arraial de São Gonçalo e o Arraial da Forquilha (CAVALCANTE; COSTA, 1999, p. 21).

3 A capitania de São Paulo, criada em 1709, abrangia um vasto território, incluindo a área do atual estado de Mato Grosso.

5

Essa inesperada descoberta de ouro representou o início da “[...] História de

Mato Grosso para cujo primeiro capítulo, de desbravamento e ocupação inicial concorreram os

paulistas preponderantemente” (CORRÊA FILHO, 1994, p. 701).

Em 1721 Miguel Sutil encontrou veios auríferos próximos ao córrego da

Prainha, o que intensificou a produção do metal e proporcionou o surgimento de um novo vilarejo,

o Arraial do Cuiabá. A mineração intensificou-se, atraindo grandes contingentes humanos e

tornando-se uma atividade econômica expressiva para os padrões da época, passando a despertar o

interesse da Coroa em fiscalizar de perto a produção de ouro e arrecadar os respectivos impostos.

A partir de 1727 houve uma diminuição drástica do ouro nas minas cuiabanas,

ocasionando inúmeras dificuldades: “[...] a carência generalizada de alimentos forçaram a

população a migrar, buscando os rumos de Goiás de onde chegavam as novas de grandes

descobertas” (LENHARO, 1982, p. 19).

Por isso, os mineradores dirigiram-se mais para o Oeste, onde novas áreas

auríferas foram descobertas, como as lavras do rio Galera (1734), nos sertões dos índios Paresi; as

lavras de Santana (1735), na região do atual município de Nortelândia; as lavras do Brumado e

Corumbiara, na região do Guaporé; as Minas do Alto Paraguai (1747), em Alto Paraguai e

Diamantino; e as lavras de Santana e de São Francisco Xavier (1751), nas cercanias do rio Guaporé

(SIQUEIRA, 2002, p. 40).

Posteriormente, em 1752, nestas últimas áreas, foi fundada Vila Bela da

Santíssima Trindade, cuja implantação teve um caráter estratégico, visto que essas terras, pelas

disposições do Tratado de Tordesilhas, localizavam-se em território espanhol. Com a assinatura do

Tratado de Madri, em 13 de janeiro de 1750, adotando como princípio básico o uti possidetis4,

Portugal garantiu a consolidação de seus domínios na região. Vila Bela tornou-se a capital da

capitania de Mato Grosso, de 1752 até 1820, quando a administração da já então província foi

transferida para Cuiabá. Tal evento pode ser atribuído ao fato de que Cuiabá era na época a cidade

mais populosa e à maior capacidade de articulação da elite de latifundiários e comerciantes bem

sucedidos (HIGA, 2005, p. 21-22; MORENO, 2007, p. 36).

O caráter cíclico do garimpo garantiu certo vigor econômico a diversas áreas

próximas a Cuiabá, como Poconé e Nossa Senhora do Livramento, permitindo igualmente que

4 “Como possuis, continuais possuindo”, ou seja, a garantia da posse pela ocupação.

6

outras atividades se desenvolvessem ao longo do século XVIII, como o cultivo da cana-de-açúcar, a

pecuária extensiva e a agricultura de subsistência (milho, feijão, mandioca e batata-doce), que

migravam acompanhando os deslocamentos da ação econômica mais dinâmica, a saber, a

exploração do ouro (PEREIRA, 2007, p. 9-10).

Havia, ainda, a produção de outras culturas, como o algodão (Corumbá – hoje

Mato Grosso do Sul – e Chapada dos Guimarães), o fumo (Vila Bela da Santíssima Trindade) e o

café (áreas ao sul da capitania), que na época contribuíram para a manutenção e a expansão dos

núcleos populacionais. Efeito idêntico teve o processo de distribuição de sesmarias5, no século

XVIII, que viabilizou a entrada de gado e a instalação das primeiras fazendas na região (HIGA,

2005, p. 22-24).

O abastecimento de produtos manufaturados, no entanto, dava-se por intermédio

das monções, expedições que saíam de Piratininga, hoje São Paulo, e chegavam a Cuiabá, através

do rio Paraguai e afluentes, e que, posteriormente, saíam de Belém, pelos rios Madeira e Guaporé, e

alcançavam Vila Bela da Santíssima Trindade. Aquelas transportavam em geral produtos fabricados

em São Paulo e estas últimas, mercadorias importadas, oriundas dos mares do Norte, levando, no

retorno, ouro de Mato Grosso e prata da Espanha (PEREIRA, 2007, p. 10-11).

Após 1726 todo o trajeto podia também ser realizado por terra, passando por

Franca (São Paulo) e Vila Boa (Goiás), atravessando o rio Araguaia e seguindo paralelamente ao

rio das Mortes até Cuiabá (HIGA, 2005, p. 19-20). A função comercial dessa rota, entretanto, era

insignificante, restringindo-se à liberação de “[...] algumas boiadas, comboios de escravos e algum

comércio de tropas vindas de Goiás” (LENHARO, 1982, p. 17).

Posteriormente, o caminho terrestre ganhou importância com a expansão da

mineração, já que Mato Grosso e Goiás formavam um conjunto territorial onde era exercida essa

atividade. Assim, as correntes migratórias terrestres, dentro desse espaço, movimentavam-se ao

sabor dos anúncios de descobertas de novos veios auríferos. A nova via representava, ainda, uma

alternativa para as monções, que enfrentavam as emboscadas dos índios Paiaguá e Guaicuru. Além

disso, havia o temor de uma guerra contra os espanhóis6, conforme se pode depreender do Auto e

5 As doações de sesmarias, segundo Pereira (1995, p. 66-67), foi o embrião de uma estrutura fundiária altamente concentrada em Mato Grosso e que permanece até os dias atuais. 6 Ressalte-se que “as lutas armadas ocorridas entre portugueses e espanhóis na raia Oeste da Colônia não estavam ligadas a antagonismos específicos da região, envolvendo colonos de uns e outros domínios, ou mesmo autoridades de uma ou outra

7

Termo da Junta do Senado da Câmara da Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá

(UFMT/NDHIR apud MONTEIRO NETO, 2007, p. 6):

[...] se entende havendo forma e caminho seguro para a arrecadação da Real Fazenda, como declara a ordem de Sua Majestade e pela viagem do rio não é seguro o caminho, porque além dos grandes riscos que há de cachoeira e gentio que tem investido as nossas tropas como proximamente sucedeu na do presente, os perigos dos Castelhanos por causa das guerras podem com facilidade destruir as nossas tropas e para melhor segurança das remessas do ouro da Real Fazenda, bem comum do povo e conservação desta terra para o qual tem Sua Majestade recomendado que faça toda a humana diligência, em se abrir o dito caminho [...].

Porém, grande parte da nova rota era habitada pelos hostis Caiapó, problema que

não foi facilmente solucionado. Para que se reduzissem os riscos oferecidos ao longo desse

caminho, tornou-se necessário povoar o trajeto e instalar fazendas, “[...] cujos moradores não só

possão (sic) servir para desinfetar o Pais afugentando os índios e embaraçando as suas atraiçoadas

correrias, mas para fornecer às pessoas que transitam o necessário socorro de gado e mantimentos

para a continuação de suas viagens” (FARIA, 1921, p. 118 apud LENHARO, 1982, p. 21-23 ).

Assim, apareceram os primeiros colonos da região, “[...] instalados com criação

de gado nas proximidades da passagem do rio Grande7 na entrada da capitania8 de Mato Grosso”

(LENHARO, 1982, p. 23).

Esse caminho terrestre, todavia, “[...] só ganhou relevância econômica a partir da

paulatina decadência das monções, que começou por volta de 1818 e extinguiu-se por volta de

1838” (HOLANDA, 1990, p. 77-104 apud MONTEIRO NETO, 2007, p. 1).

As relações comerciais praticadas possibilitavam a captação do excedente

produzido em Mato Grosso, e as rotas implantadas serviam como canais para essa drenagem

(BORGES, 2001, p. 23). Tal constatação vai ao encontro ao dos pensamentos de Fernando Novais9,

colonização. A belicosidade entre portugueses e espanhóis, na fronteira mato-grossense, esteve sempre vinculada à política externa européia. Durante os conflitos que convulsionaram a Europa no transcorrer do século XVIII e início do século XIX, Portugal e Espanha encontraram-se sempre, em campos opostos. Nessas ocasiões, o estado de guerra era estendido aos domínios coloniais [...]” (VOLPATO, 1980, p. 26). 7 Atual rio Araguaia. 8 “Em 1824, com a Constituição do Império, Mato Grosso e todas as capitanias brasileiras foram transformadas em Províncias” (HIGA, 2005, p. 20). 9 Historiador, especialista na área Brasil colonial, professor aposentado pelo Departamento de História da USP e professor do Instituto de Economia da Unicamp.

8

em cujos textos explicita, de maneira mais apurada, que o Sistema Colonial foi um instrumento

primitivo de acumulação no processo de formação do capitalismo (PEREIRA, 1995, p. 61).

Essa circunstância agravou ainda mais as precárias condições de vida nas áreas

mineradoras. Segundo Sá (1975, p. 20) 10, aqueles que escapavam das doenças não se safavam da

fome, além de enfrentarem exigências insuportáveis dos governantes no que dizia respeito à

cobrança de tributos. Desse modo, “[...] tudo era morer (sic) gemer e chorar”, o que determinou que

[...] todos em commum despejarem o pais e hirense para povoado e outros para goayas que neste anno chegou a noticia de seo descobrimento sobre o que faziaó se consultas Secretas em que todos entravaó conformes neste pareser, deliberados a deitar tudo e em canoas seguirem viagem para povoado huns e para goayas outros navegando thé donde podesem por naó esperimentarem tantas mizerias trabalhos callamidades pragas enredos micillanias excommunhoens e maldisoens que tudo a hum tempo e por todos os modos esperimentavaó dando por bem impregadas as propriedades que deixavaó fabricadas com tantas dores e fadigas (sic) (SÁ, 1975, p. 23).

A busca por novas jazidas durante o período colonial “[...] foram frutíferas tão-

somente em áreas esparsas entre si e, ainda mais relevante, caracterizadas por retornos produtivos

continuamente desprezíveis” (PEREIRA, 1995, p. 62). Mesmo assim e apesar da intensificação da

produção pecuária, que viabilizava o estabelecimento de uma relação comercial com outras regiões

da Colônia, o ouro continuou sendo o principal suporte econômico e fator de atração populacional

da capitania até o final do século XVIII (HIGA, 2005, p. 24).

Quanto à parte Sul da província, situada mais próxima de São Paulo e Minas

Gerais, essa área durante muito tempo não despertou o interesse dos colonizadores, já que se

constituía apenas de campos limpos e de cerrado baixo, de sorte que somente na década de 1830

paulistas e mineiros passaram a acupá-la, conquistando-a dos índios Caiapós e Guaicurus.

Tal processo está vinculado à expansão, em ambas as províncias, da prática da

pecuária bovina, não havendo, portanto, ligação com o processo histórico da mineração ocorrido no

atual estado de Mato Grosso.

A região pantaneira, na verdade, não foi mais do que um apêndice da área

mineradora, e sua ocupação, estimulada pelas condições extremamente propícias para o

desenvolvimento da pecuária, interessava à Coroa, pois poderia conter eventuais avanços dos

10 Os textos do cronista Joseph Barboza de Sá, embora editados em 1975, foram escritos entre 1719 e 1775, com redação característica da época.

9

espanhóis sobre esse território pelo Norte do rio Paraguai, bem como servir de meio de atração dos

índios nativos (Guatós, Guanás e Guaicurus), que serviriam de mão-de-obra na criação de gado. A

propósito, o sucesso dessa atividade não requeria que se realizasse esforço especial:

Nesse ambiente, o peão era mais um caçador de ‘gado bravo’ do que um ‘tratador’ de boi doméstico. Até mesmo algumas nações indígenas passaram a viver da pecuária: esse é o caso dos Guaicurus. Isso tornava as fazendas de criação pantaneira completamente distintas de qualquer outra do planalto ou litoral (GARCIA, 2003, p. 56).

Ao Norte, onde atualmente se situa o estado de Rondônia, verificava-se

exclusivamente a prática da navegação pelo rio Guaporé e alguma atividade primária inexpressiva

nas proximidades do Forte Príncipe da Beira11. De igual forma, no Leste, havia poucas fazendas de

gado nos arredores do rio Araguaia, que serviam como pontos de apoio para a ligação terrestre

entre Cuiabá e Goiás e, daí, para Minas Gerais, São Paulo, o Rio de Janeiro e a Bahia (GARCIA,

2003, p. 57).

No início do século XIX (1805 – 1825), novos fluxos migratórios, atraídos pela

descoberta de diamante, formaram outros núcleos populacionais. A exploração desse mineral

floresceu inicialmente na região do atual município de Diamantino, deslocando a ocupação do

território mato-grossense para o Norte, inserindo novamente o Pará, em especial Santarém e Belém,

nas relações comerciais da província. Para esse trajeto, anteriormente feito apenas ao longo dos rios

Madeira e Guaporé, passou-se a fazeruso dos rios Arinos, Juruena, Teles Pires e Tapajós.

Contudo, as minas de diamante tiveram duração efêmera, a exemplo do ocorrido

com o ouro, não resultando em geração de riquezas significativas para Mato Grosso, mas

contribuindo para difundir a produção agropecuária e expandir a ocupação territorial: “[...] através

do remanescente da produção de ouro, do surto de produção de diamantes, e com a entrada da prata

contrabandeada das Províncias espanholas, o comércio da Capitania ainda se mantinha em termos

relativos, não permitindo que o déficit comercial se acumulasse em condições insuportáveis”

(LENHARO, 1982, p. 68 apud BORGES, 2001, p. 26).

Ocorreu, assim, um lento rearranjo das forças produtivas na capitania. As vilas

localizadas no entorno de Cuiabá, com suas grandes fazendas de gado e engenhos de açúcar,

11 O Forte Príncipe da Beira situa-se na margem direita do rio Guaporé, além de Vila Bela, no paralelo 12º LS, em Rondônia (FIGUEIREDO, 1994, p. 107).

10

produziam o necessário ao consumo próprio e também geravam algum excedente com fins

comerciais, abastecendo a população urbana. Tratava-se de uma estratégia de defesa a que Lenharo

denominou (1982, p. 74) “substituição defensiva de importações”, pois a capacidade de importar

reduziu-se com a crise.

A questão intrigante que se coloca é de onde vinha o capital necessário para

desenvolver essas atividades, já que o período era de crise. Borges (2001, p. 29) registra que a base

da propriedade fundiária da época foi o capital mercantil da mineração, amealhada por

comerciantes ambulantes, que compraram terras e dedicaram-se à produção.

Quanto ao ônus de defesa da fronteira, enquanto a receita da extração do ouro de

Mato Grosso permitia, esse encargo ficou sob a responsabilidade da própria província. Porém,

quando isso já não mais era possível, recursos para tanto eram transferidos de Goiás, que, para

Garcia (2003, p. 65),

Além de manter uma tropa pronta para socorrer a fronteira ocidental, era obrigada a enviar para a capitania vizinha, na forma de subsídio, uma arroba de ouro por ano [...]. Contribuía para pagar salários e os soldos da administração mato-grossense, com os custos da defesa da fronteira. Ou seja, ‘nenhum mil réis’ desse ouro foi empregado na Capitania de Goiás, seja em obras públicas ou em soldos e salários. Foi sim utilizado em Mato Grosso [...]. Em alguns momentos, esse socorro goiano representou de 10% a 15% da receita ou o dobro da folha eclesiástica e quase metade da folha civil.

Esgotada a capacidade desse Estado em socorrer o de Mato Grosso, parte do

ônus teve que ser assumida pelo Império, o que contribuiu para garantir a permanência da

população e incrementar as atividades agrícolas e pecuárias na região (GARCIA, 2003, p. 65-66).

Mesmo assim, Mato Grosso continuou se caracterizando como um território

periférico, cuja importância maior para a geopolítica e a economia do Brasil Colônia e do incipiente

Brasil Império era garantir os limites da fronteira nacional e produzir riquezas extrativistas que

“[...] contribuíssem para o acúmulo de capital na Europa que, naquele momento, vivia a Revolução

Industrial” (HIGA, 2005, p. 25).

Durante praticamente toda a segunda metade do século XIX, Mato Grosso

experimentou uma estagnação econômica maior ainda, evidenciando-se um declínio na produção e

êxodo populacional em algumas áreas. A província possuía pouco para ofertar ao mercado

internacional. Na década de 1850 era o gado bovino, o principal produto de exportação, destinado

11

principalmente para Minas Gerais. Ocorria, à época, conforme já destacado, a crise da mineração.

Assim, mineradores, lavradores e comerciantes voltaram-se à criação de bovinos e à produção

especialmente de cana-de-açúcar e erva-mate para a subsistência. Com as grandes propriedades

formadas pela concessão de sesmarias, os latifundiários articularam o poder local com militares e

burocratas, permanecendo no controle da capitania até o final do período colonial (MORENO, 1993

apud CAVALCANTE; FERNANDES, 2006, p. 113).

A população mato-grossense sempre foi pequena, ostentando a condição de

capitania menos populosa do país. Esse fato torna-se ainda mais significativo se estabelecermos

uma comparação entre o número de habitantes e o tamanho do seu território, que abrangia os atuais

estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, o que a tornava menor apenas à

Capitania do Grão Pará. Entre 1748 e 1800, a referida população cresceu, saltando de um total

aproximado de sete mil habitantes para 20 mil, um incremento significativo, mas com ritmo

idêntico ao crescimento demográfico da Colônia. Em 1800 havia um habitante para cada 56 km2,

fato que levou Romyr Conde Garcia (2003, p. 54) a considerar Mato Grosso como um “deserto

demográfico”12. Diante desse fato, quando se contrasta a pequena população existente com a

quantidade de ouro extraído, ou com os recursos naturais disponíveis para a sobrevivência, Mato

Grosso ocupa posição privilegiada em relação a Minas Gerais e Goiás, também capitanias

mineradoras (GARCIA, 2003, p. 53-54).

A população indígena deste imenso território também era um mistério para os desbravadores. Por exemplo, a nação Xavante só seria detectada em 1804, quando uma bandeira foi enviada para o Norte com o intuito de destruir um quilombo. Até mesmo a nação Bororo, localizada entre Cuiabá e Vila Bela, tão próxima e tão conhecida pelos colonizadores, pois servia de aliadas aos portugueses, ainda possuía tribos hostis; e algumas ainda eram desconhecidas. É certo que os Guanás e o Guatós, ambas nações do Médio Paraguai, já estavam apaziguadas. Todavia, as ameaças do Guaicurus, Caiapós e Paiaguás ainda eram as mesmas dos anos do primeiro governador. De certo modo, por todo século XVIII e início do XIX, o colonizador nunca gozou de um período de paz ou mesmo de controle militar absoluto das rotas monçoeiras. Isso explica porque os governadores sempre tentaram obter a paz e atrair os índios para a esfera da colonização portuguesa, ao invés de tentar simplesmente eliminá-los, como ocorreu em outras capitanias. Afinal, para a colonização, faltava o principal: o elemento humano (GARCIA, 2003, p. 55).

12 Expressões do tipo “deserto demográfico”, “vazio demográfico”, “terras desabitadas” etc. não levam em conta a população indígena habitante do lugar, de modo que, na realidade, se trata de um “deserto” de não índios.

12

Logo após a decadência mineira, o sistema monçoeiro foi parcialmente

desativado. As comunicações por terra com o Centro-Sul eram extremamente onerosas: as tropas e

seus tropeiros, organizados para transportar as mercadorias de que a população mato-grossense

necessitava, pouco levavam no torna-viagem, já que o ouro, principal mercadoria de troca, tornara-

se escasso (SIQUEIRA, 2002, p. 94).

Assim, o estabelecimento de uma forma menos onerosa de transporte e

comunicação com a Corte passou a ser uma grande aspiração da população local. A alternativa que

se vislumbrava era a navegação pelo rio Paraguai e, deste, para o rio da Prata, chegando-se a São

Paulo e ao Rio de Janeiro através do Atlântico. Além disso, possibilitaria a inserção de Mato

Grosso no mercado internacional, já que interligaria a província com portos internacionais, como

Buenos Aires e Montevideo. À política externa brasileira também interessava a implementação

dessa via, pois a comunicação da Coroa com a província mais afastada e com a qual formava larga

fronteira tornar-se-ia mais eficiente. A dificuldade residia no fato de ser o rio Paraguai limítrofe

com a República do Paraguai, que o mantinha bloqueado, em decorrência de uma política de

distanciamento, tanto em relação aos vizinhos, quanto em relação aos demais países (SIQUEIRA,

2002, p. 94; VOLPATO, 1993, p. 42).

O Paraguai era uma república altamente industrializada para a época,

apresentando uma economia fechada e socializada, e seu capital concentrava-se nas mãos do

Estado, dependendo muito pouco do exterior, já que produzia a maioria dos produtos de que

necessitava (SIQUEIRA, 2002, p. 95).

Por outro lado, o Uruguai, a Argentina e o Brasil, que dispunham de incipiente e

precário sistema de indústria, desejavam o comércio com países da Europa, escoando seus produtos

e importando bens manufaturados e tecnologia.

Pode-se admitir que, com o transcorrer do tempo e diante da pujança da

economia paraguaia, muito brevemente aquele país teria necessidade de tentar conquistar mercados

externos, devido à expansão de sua produção. Fato idêntico já acontecera com a Inglaterra, que,

com o aumento inicial da produção, decorrente da Revolução Industrial (final do século XVIII),

primeiro abasteceu o mercado interno, depois o europeu e posteriormente necessitou abrir novos

mercados. Com isso, ao Paraguai passou a interessar uma saída para o Atlântico.

13

Nesse contexto e após três tentativas infrutíferas da diplomacia brasileira,

finalmente em 1856 a navegação pelo rio Paraguai foi franqueada, mediante a assinatura do Tratado

de Aliança, Comércio, Navegação e Extradição entre o Brasil e a República do Paraguai.

Nessa época, a província de Mato Grosso tinha quase nada para ofertar ao

mercado internacional, de sorte que essa abertura foi importante por atender às necessidades de

circulação de informações e à importação de bens de consumo de primeira necessidade

(VOLPATO, 1993, p. 42), integrando a Província ao grande comércio e, conseqüentemente,

abrindo-a para o capital internacional. Isso estimulou que habitantes locais fizessem investimentos,

bem como atraiu imigrantes e propiciou a abertura dos primeiros postos ou agências bancárias

(SIQUEIRA, 2002, p. 104).

Em decorrência do acontecido, instalaram-se diversos estabelecimentos

comerciais em Mato Grosso, sobretudo em Cuiabá, Corumbá, Aquidauana, Campo Grande e

Cáceres, onde se fixavam as principais casas de comércio. Ali, vendiam-se artigos importados,

como tecidos, adornos pessoais (chapéus, luvas etc.), utensílios domésticos (lustres, espelhos,

mobiliários), alimentos (bacalhau, azeitona, vinhos, cervejas), ferramentas, remédios e outros

produtos. Porém, não se limitaram apenas ao comércio; investiram na compra de lanchas, navios e

terras, bem como na produção da poaia, do látex e na criação do gado bovino. Por um outro lado, as

exportações praticadas por Mato Grosso constituíam-se por produtos sem qualquer transformação

industrial, como couros secos, sebos, crinas, penas de aves, látex coagulado em bolas, erva-mate

seca e triturada e poaia ensacada (SIQUEIRA, 2002, p. 102).

Mesmo assim, a questão da distância continuava a ser um entrave à inserção

mais dinâmica de Mato Grosso no mercado internacional. Necessitava-se de produtos de alto valor

por peso para substituir o ouro como elemento de troca, compensando-se, com isso, o alto custo do

frete para o transporte da mercadoria. Eis que, então, surgiu a poaia, importante raiz vegetal

utilizada para a fabricação de alcalóides e para a qual existia demanda na Europa, impulsionando o

desenvolvimento da indústria química durante o século XIX. Dessa forma, essa matéria-prima,

produzida na região de Vila Maria (Cáceres), passou a ser o principal produto mato-grossense

exportado a partir da década de 1860. Não houve, no entanto, tempo suficiente para que, nessa

época, tal posição se solidificasse, já que em 1864 o início da guerra contra o Paraguai interrompeu

a possibilidade de navegação pelo Prata.

14

Esse confronto, que visava o domínio da navegação por essa via fluvial e a

definição de limites nacionais, insere-se também no conjunto de conflitos armados da segunda

metade do século XIX, decorrentes do avanço do capitalismo. A Inglaterra perdera sua hegemonia e

passara a enfrentar a concorrência da Alemanha, dos Estados Unidos e do Japão na disputa por

mercados. A guerra abriu à expansão capitalista áreas extensas e ricas da América do Sul, que

receberam considerável fluxo migratório de trabalhadores europeus (VOLPATO, 1993, p. 83).

Dentre os diversos problemas decorrentes desse embate, um dos mais marcantes

foi a precarização das condições de abastecimento de Mato Grosso, ocasionando a falta de produtos

de primeira necessidade e provocando forte elevação de preços, que chegaram a níveis extorsivos e

promoveram o enriquecimento de alguns comerciantes. A transferência de recursos do setor

produtivo para a defesa foi outro fator que contribuiu para agravar a crise (VOLPATO, 1993, p. 66-

68).

Conseqüentemente, a organização econômica que se havia esboçado na

província desestruturou-se de tal modo, que ao findar a guerra (1870) a recomposição da economia

de Mato Grosso passou a exigir uma atuação mais direta do Governo Imperial.

Além das providências imediatas, outras de efeito mais permanente foram adotadas, como o estabelecimento de uma divisão do Exército na vila de Corumbá, do Arsenal da Marinha em Ladário (próximo à Corumbá) e da alfândega de Corumbá. Anteriormente, entretanto, já em 1869 [...], isentaram-se de tributos, a importação e a exportação de todos os gêneros comercializados por Corumbá (BORGES, 2001, p. 30).

Esse aparelhamento militar, que visava defender o Estado de um eventual avanço

espanhol para os seus domínios, passou a exigir a injeção de verbas na Província pelo Governo

Central. Havia, além disso, um “movimento de fundos” entre os governos, indicando um fluxo de

recursos financeiros do Governo Imperial para o Governo Provincial de Mato Grosso

aproximadamente 3,5 vezes superior ao repasse de verbas) da Província para o Governo Central

(BORGES, 2001, p. 46 e 49). Assim, “[...] o exército se tornou o principal cliente para os gêneros

agro-pecuários produzidos na capitania. [...] Se não existisse um ‘custo Mato Grosso’, dificilmente

teríamos um reordenamento econômico” (GARCIA, 2003, p. 65). Tudo isso ajudou a alavancar a

tímida retomada do crescimento econômico da província.

15

Mudança da atividade econômica

A partir daí, um novo ciclo econômico se instalava: a exploração vegetal. A

contribuição inicial mais expressiva foi a produção da borracha, cuja primeira amostra foi enviada a

Paris já em 1872. Dessa época até o ano de 1930, a economia mato-grossense, voltada para o

mercado externo, girou predominantemente em torno do extrativismo vegetal e da pecuária

extensiva. A primeira atividade concentrava-se no trio poaia, borracha e erva-mate e a segunda, na

comercialização de gado em pé, couros, charque, caldo e extrato de carne (HIGA, 2005, p. 26;

BORGES, 2001, p. 43; PEREIRA, 1995, p. 74-75).

Borges (2001, p. 49) sugere o estabelecimento de uma periodização do

desenvolvimento da economia de Mato Grosso, identificando as décadas de 1870 e 1880 como uma

fase de pequeno movimento de exportação; de 1890 a 1914 como um período de organização e

predomínio de produtos extrativos; e de 1914 a 1930 como uma época de predomínio de produtos

originários da pecuária. Nesse contexto, e especialmente nas duas última fases, a extração de

produtos nativos e a utilização de amplas pastagens naturais representaram o aproveitamento de

vantagens absolutas13 que o Estado desfrutava nessas atividades.

A seguir faz-se uma breve apreciação sobre a exploração desses produtos.

A poaia

A poaia ou ipeca é um pequeno arbusto, nativo de Mato Grosso e outras regiões

brasileiras (Bahia, Espírito Santo e Amazônia), cuja raiz contém cefalina e “[...] emetina, substância

que compõe os ingredientes de diversos medicamentos fabricados para a cura da coqueluche,

bronquite e até mesmo disenterias” (SIQUEIRA, 2002, p. 107)14.

13 Vantagem absoluta significa maior eficiência de produção ou o uso de menos trabalho na atividade. 14 “O emprego particular da ipeca é como emético, propriedade que se deve mais à cefalina que à emetina. Esta atividade resulta da excitação provocada no esôfago e estômago e [...] provoca o vômito. Em dose reduzida, aplica-se como expectorante nas bronquites e asmas, para facilitar a eliminação das mucosidades dos brônquios, purgativo e tônico. A emetina exerce ação tóxica para vários microorganismos, em particular, sobre a Entamoeba histolytica, o que torna o uso da ipeca e da emetina adequado nas disenterias amebianas” (LAMEIRA, 2002, p. 2 ).

16

Sua exploração ocorreu nas depressões do Guaporé e Alto Paraguai, entre o

planalto dos Parecis e a planície do Pantanal, realizando-se, de forma artesanal e sob condições

adversas, mediante o arrancamento das raízes das plantas. Alicerçava-se no sistema de

arrendamento de terras e contava com a participação de capital nacional e estrangeiro.

O escoamento da produção era feito, pelo rio Paraguai, para São Paulo e para a

América do Norte, a Inglaterra e o Uruguai. Mesmo tendo sido diretamente responsável pela

implantação de apenas um núcleo urbano (Barra do Bugres), essa exploração comercial estimulou

relações comerciais internas e externas e atraiu migrantes de outros estados do Brasil, bem como

contribuiu para a interiorização da economia local em direção à região Norte. Não foi, no entanto,

uma atividade que despertou grande interesse nos exploradores, devido à instabilidade do preço no

exterior. Assim, a poaia, embora presente na atividade econômica de Mato Grosso, não foi decisiva

como elemento de caracterização e desenvolvimento da economia local (BORGES, 2001, p. 49-54;

HIGA, 2005, p. 27-28).

Atualmente a poaia é uma espécie em vias de extinção, por causa da prática

extrativista intensa e predatória (arrancamento da planta na fase de florescimento, antes de se

haverem formado as sementes, para a preservação da espécie) ocorrida nos dois séculos passados,

bem como do avanço das fronteiras agrícolas, fato que reduziu a possibilidade de ocorrência natural

do vegetal.

Sua produção em Mato Grosso gira hoje em torno de 1.000 kg/ano,

concentrando-se totalmente no município de Barra do Bugres e representando 50% da produção

nacional, que é de apenas 2.000 kg/ano.

Trata-se, todavia, de uma espécie de cultivo economicamente viável, pois os

alcalóides (emetina e cefalina), que correspondem de 2% a 3% do peso seco das raízes, são dois dos

seus componentes que ainda respondem à grande demanda dos países industrializados,

especialmente a Inglaterra, os Estados Unidos e o Canadá.

O mercado potencial anual é estimado em US$ 5 milhões, sendo um quilo da

raiz comercializado, em média, a R$ 35,00, e o litro de extrato fluído, a US$ 150,00. Uma planta,

aos dois anos, pode produzir 37 g de raiz, e um hectare de terra comporta 70.000 delas (LAMEIRA,

2002, p. 1-2; MARTA et al., 2003, p. 38). Percebe-se, contudo, que é possível se atingir uma

produção de 2.590 kg de raiz em dois anos, ou seja, de 1.295 kg/ano, medida que, ao preço de R$

17

35,00/kg, como mencionado, representaria uma receita bruta anual de R$ 45.325,00. Logo, essa

cultura se constituiria numa alternativa que poderia e deveria ser estimulada nos programas

governamentais de cultivo e fomento, visando à diversificação da atividade agrícola (extrativista)

mato-grossense15.

A borracha

A borracha, obtida a partir da coleta do látex da seringueira e/ou da mangabeira,

embora já conhecida desde o século XVIII, passou a ser explorada comercialmente em Mato

Grosso, nas imediações dos rios Paraguai, Juruena, Arinos, Paranatinga e Alto Tapajós, somente na

segunda metade do século XIX.

A recolha da matéria-prima realizava-se apenas no período da estiagem,

permitindo o aproveitamento da mesma mão-de-obra empregada na exploração da poaia, que

ocorria na época das chuvas, pois o solo úmido facilitava o arrancamento das raízes.

Embora a primeira amostra da borracha tenha sido enviada ao exterior em 1872,

conforme anteriormente destacado, foi apenas em 1874 que se efetuou a primeira exportação. No

local da extração, o transporte era feito com a ajuda de animais, até alcançar as vias fluviais. A

maior parte da produção era escoada pelo rio Amazonas, e o restante, pelo rio Paraguai, tendo como

destinos principais o Amazonas, o Pará, São Paulo e a América do Norte, a Argentina, a França, a

Inglaterra, a Alemanha e o Uruguai. O auge da exploração e comercialização da borracha mato-

grossense ocorreu no final do século XIX e início do século XX, quando perdeu competitividade

diante da produção asiática, vendida a preços inferiores à brasileira (BORGES, 2001, p. 49-54;

HIGA, 2005, p. 27-28).

Quanto ao valor das exportações da borracha no âmbito do Estado, em relação ao

valor das exportações totais do Brasil, “[...] manteve-se, de 1901 a 1930 em torno dos 8%, com a

quantidade em cerca dos 10%, ou seja, de pouca representatividade a nível nacional” (BORGES,

2001, p. 75).

A produção da borracha em Mato Grosso não foi impulsionada nem mesmo com

a inauguração, em 1912, dos 364 km da estrada de ferro Madeira-Mamoré, no atual estado de

15 Para maiores detalhes sobre a viabilidade econômica de atividades extrativistas, Cf. MARTA; FIGUEIREDO, 2004.

18

Rondônia, um empreendimento implantado em função do Tratado de Petrópolis, de 1903, firmado

entre Brasil e Bolívia16. O insucesso no alcance dos objetivos traçados para a ferrovia deveu-se a

inúmeras razões, dentre as quais as apontadas pelo engenheiro Clodomiro Pereira da Silva, em

1910:

Por força dos altíssimo custos, os fretes da ferrovia estariam entre os mais caros do mundo, inviabilizando uma circulação diversificada e em grande escala. O vazio demográfico da região do Guaporé continuava intacto, sem nenhuma garantia de alterações significativas. Mesmo a exportação do látex, mercadoria mais valiosa produzida na área, não justificava a construção da estrada de ferro naquele ponto [...]. Junte-se aí o agravante de que, quando terminada a ferrovia em 1912, vivia-se exatamente o grande colapso da borracha, com a queda vertiginosa dos preços internacionais do látex, afetados pela concorrência da produção asiática, encerrando-se de forma brusca a fase mais eufórica e brilhante da civilização amazônica. Finalmente, do ponto de vista específico do fator transporte, ao iniciar-se o século XX, a Bolívia já possuía várias opções mais rápidas e baratas para alcançar o atlântico: por navegação fluvial, via Assunção, até Buenos Aires; pelo mar, a partir de 1914, através do canal do Panamá; por ferrovia, de Santa Cruz de la Sierra e Corumbá, até Santos; além disso, os altiplanos e a Amazônia boliviana comunicavam-se agora com o Pacífico mediante ligações ferroviárias com os portos de Antofagasta, Arica (Chile) e Mollendo (Peru) (HARDMAN, 1988, p. 137-138 apud BORGES, 2001, p. 113-114).

Apesar disso, a exploração da borracha promoveu importante fluxo migratório

para Mato Grosso, principalmente de nordestinos que fugiam das secas e buscavam nessa atividade

um modo digno de sobrevivência, o que, entretanto, não ocorreu. Com o declínio da produção,

esses trabalhadores permaneceram em solo mato-grossense, muitos deles migrando para o Nordeste

do Estado, na região do Vale do Araguaia, e outros fortalecendo núcleos já existentes, como

Diamantino, Cáceres e Rosário Oeste (HIGA, 2005, p. 28).

Atualmente, sabendo que a produção da borracha no Brasil totaliza 100 mil

toneladas anuais, para um consumo de 300 mil toneladas (CAJU, 2006), a participação de Mato

Grosso é expressiva, perfazendo em 2004 um total de 30.480 t e em 2005, 24.104 t. O município de

Itiquira responde por aproximadamente 50% dessa produção, em função de sediar o maior seringal

da América Latina, de propriedade da multinacional Michelin. Ressalte-se, no entanto, que em

2005 a cultura da borracha realizou-se em 60 municípios mato-grossenses (praticamente 50% do 16 O atual estado do Acre era, no início do século XX, uma região pertencente à Bolívia e que foi ocupada por seringueiros brasileiros, gerando tensões na área. Para resolver a questão, foi firmado o Tratado de Petrópolis, por meio do qual o Acre foi incorporado ao território brasileiro mediante uma indenização à Bolívia no valor de dois milhões de libras esterlinas (equivalente a aproximadamente R$ 630 milhões), além da cessão de algumas terras de Mato Grosso e do compromisso de construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré, que serviria para escoar a produção boliviana pelo rio Amazonas (WIKIPEDIA, 2007b).

19

Estado). As maiores concentrações se localizam, pela ordem, no Sudeste, Norte, Sudoeste e

Nordeste da região (MATO GROSSO, 2007, p. 391; CAJU, 2006). Diante dos dados levantados, é

notório que essa atividade representa um potencial econômico cuja exploração pode ser

intensificada.

A erva-mate

Após a guerra contra o Paraguai, as comissões demarcadoras de limites, foram

enviadas para Mato Grosso com o objetivo de definir os locais de fronteira do Brasil com o

Paraguai. As expedições eram abastecidas por comerciantes, que supriam os acampamentos com as

mercadorias de que as equipes necessitavam.

Um dos fornecedores, o gaúcho Tomás Laranjeira, em suas andanças pelo Baixo

Paraguai, região de Dourados, Ponta Porã e Amambai, observou a presença de extensos ervais

nativos, despertando nele o interesse em explorá-los, já que detinha experiência no ramo e era

conhecedor da grande procura pelo produto nos mercados do Prata.

Diante disso, requereu do Governo da província mato-grossense, em 1878, o

arrendamento dessas áreas, sendo atendido apenas em 1882. Então, para viabilizar a exploração

comercial da erva-mate e diante da impossibilidade de transferir o direito que adquirira (a lei

vedava a transferência de concessões), Laranjeira constituiu uma empresa, a Companhia Mate

Laranjeira, tendo como principal acionista o Banco Rio e Mato Grosso (96,9% das ações), de

propriedade da família Murtinho e sob a direção do Senador Joaquim Murtinho. Tomás Laranjeira

garantia, assim, além do aporte de capital necessário, o apoio político às suas reivindicações. Os

3,1% restantes das ações ficaram distribuídos entre outros nove acionistas, dentre eles, o próprio

Laranjeira.

A atividade prosperou, levando a empresa a ampliar as terras arrendadas, a

adquirir outras e a expandir sua capacidade operacional, mediante a construção de trechos

interligados por trilhos, a edificação da sede administrativa, de moradia para os empregados e de

espaços para a armazenagem da erva, bem como a atuação na área do transporte fluvial, adquirindo

20

chatas, vapores e lanchas, além da instalação de setores de marcenaria, ferraria, serraria etc.

(BORGES, 2001, p. 55-57; SIQUEIRA, 2002, p. 105).

Esse crescimento passou a atrair migrantes de outras regiões do país,

especialmente gaúchos, que, com a derrota da Revolução Federalista17, em 1895, para não se

sujeitarem à submissão, emigraram e estabeleceram-se entre Bela Vista, Ponta Porã e Dourados.

Conseguiram garantir a sobrevivência e, com isso, atraíram ainda mais grupos de pessoas, o que

passou a preocupar a Companhia Mate Laranjeira quanto à manutenção do seu monopólio. Assim,

esses novos habitantes, estabelecidos em terras devolutas do Estado, ao requererem glebas, não

obtinham despachos favoráveis, por interferência da empresa (BORGES, 2001, p. 55-56).

No início do século XX, Tomás Laranjeira comprou as ações da Mate Laranjeira

que pertenciam ao Banco Rio e Mato Grosso, tornando-se acionista majoritário, e, sob o patrocínio

de Manuel Murtinho, associou-se com o empresário argentino Francisco Mendes, que possuía uma

indústria e estava interessado em incrementar sua produção. A empresa passou a denominar-se

Laranjeira Mendes & Companhia, e sua sede foi transferida para Buenos Aires. A partir daí, a erva-

mate extraída passou a ser industrializada na Argentina, obtendo-se diversos tipos de erva, as mais

finas para o chá (parte exportada para a Europa) e o chimarrão e as mais grosseiras para o tereré

(SIQUEIRA, 2002, p. 105-106).

O grande patrimônio material e a expressiva renda monetária da Companhia,

resultante de sua condição monopolista, permitiram que ela resistisse às tentativas de extinção dessa

condição de privilégio. Tal foi o caso quando, em 1907, a empresa, tendo solicitado a prorrogação

do prazo de arrendamento das terras, teve seu pedido negado pela Comissão da Indústria, da

Assembléia Legislativa, que ainda opinou pela modificação das condições dessa concessão; ou

quando, em 1915, quando editou-se uma lei garantindo aos ocupantes de terras de pastagens e de

lavouras inseridas na área arrendada, dentro do prazo de dois anos, a contar de 27 de julho de 1916,

a preferência na aquisição das áreas, com direito a, no máximo, dois lotes de até 3.600 ha cada um.

Todavia, essa iniciativa não vingou; pelo contrário, a área concedida para a empresa, que, na época,

era de 1,44 milhão de hectares, aumentou para 1,88 milhão de hectares (BORGES, 2001, p. 58-59).

17 A Revolução Federalista ocorreu no Sul do Brasil logo após a Proclamação da República. Os federalistas desejavam depor o presidente do estado do Rio Grande do Sul, Júlio Prates de Castilhos. A divergência ocorreu devido a atritos entre aqueles que almejavam a autonomia estadual frente ao poder federal e seus opositores. Foi uma guerra civil que durou de fevereiro de 1893 a agosto de 1895, da qual saíram vencedores os pica-paus, seguidores de Castilhos (WIKIPEDIA, 2007a).

21

Na verdade, a Companhia tinha uma receita seis vezes superior à do Estado,

motivo pelo qual os arrendamentos sempre eram pagos antecipadamente, recompondo as

combalidas finanças do erário. Aliás, o Governo chegou a tomar dinheiro emprestado da empresa.

Com isso, os controles sobre a produção resultavam frouxos ou inexistiam, fazendo com que não

houvesse recolhimento de tributo sobre a extração de erva-mate superior à prevista (chegando ao

ponto de não haver recolhimento de tributo quando a extração da erva-mate superava a previsão). A

empresa, portanto, transformou-se em um forte instrumento de poder e chegou a constituir um

Estado (A Laranjeira) dentro de outro Estado (Mato Grosso): era de cunhagem própria o dinheiro

circulante nos domínios empresariais, possuía seu próprio policiamento e aplicava punições que

considerava adequadas e necessárias, sem qualquer interferência governamental (BORGES, 2001,

p. 59-60; SIQUEIRA, 2002, p. 106).

Nas lutas políticas pelas renovações das concessões de arrendamentos, que

garantiam o monopólio à Companhia, saiu vitorioso o grupo dos Murtinhos, em oposição ao de

Generoso Ponce. O primeiro ligava-se aos interesses do capital internacional, e o segundo, aos do

capital comercial. Manoel Murtinho entendia que havia necessidade de a erva-mate ser explorada

por uma empresa estrangeira poderosa, para que, em casos de conflito decorrente da ocupação de

terras devolutas por migrantes, houvesse uma intervenção federal diplomática. Por outro lado,

Ponce desejava lotear as terras em glebas de 450 ha e arrendá-las em hasta pública. Tão

significativos eram os interesses que envolviam as atividades ervateiras, que Murtinho chegou a

desistir da disputa pela Presidência do Estado contra Generoso Ponce, mediante o acordo de

renovação do arrendamento à Laranjeira até o ano de 1930 e a garantia de opção de compra de

áreas de até dois milhões de hectares, para evitar que fossem ocupadas por terceiros (BORGES,

2001, p. 60-61).

A partir de 1930, com o início da era Vargas, a situação mudou, já que sua

política visava implantar no país o controle da economia, da política e das comunicações. Getúlio

Vargas desejava também que a produção de erva-mate fosse realizada nos moldes praticados no Sul

do Brasil, ou seja, em pequenas propriedades. Assim, a continuidade dos arrendamentos para a

Laranjeira Mendes & Companhia foi desestimulada e a empresa, desativada, revitalizando-se o

fluxo migratório para a região (SIQUEIRA, 2002, p. 107).

22

Embora a exportação da erva-mate mato-grossense, entre 1901 e 1930, tenha

representado apenas 10% da quantidade exportada pelo Brasil, ela foi responsável, em alguns anos,

por mais da metade do total das exportações realizadas pelo Estado, representando, portanto,

significativa importância para a economia local. Além disso, contribuiu para a formação de cidades,

como Ponta Porã, Porto Murtinho, Bela Vista, Dourados, Amambai, Itaporã e Rio Brilhante. Foi a

erva-mate, dessa forma, um fator decisivo para a reestruturação e valorização do Sul de Mato

Grosso (BORGES, 2001, p. 62-65; HIGA, 2005, p. 26).

A planta continua sendo cultivada no Mato Grosso do Sul e também no Paraná,

em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, envolvendo, nesses quatro Estados, 180.000

propriedades, na maioria pequenas e médias, distribuídas em 596 municípios. Isso confere à

atividade significativa importância social e econômica, já que gera mais de 710 mil empregos

diretos e proporciona uma renda direta de mais de R$ 175 milhões. Em 1998 a produção brasileira

foi de 325 mil toneladas, tendo o estado do Paraná contribuído com 49,4% desse total; Santa

Catarina, com 21,4%; o Rio Grande do Sul, com 28,1%; e Mato Grosso do Sul, com 1,1%; ou seja,

3.575 t, o equivalente a uma receita de R$ 1,9 milhão (EMBRAPA, 2007, p. 1).

A pecuária e a agroindústria dela derivada

A chegada dos primeiros rebanhos de gado a Mato Grosso remontam o ano de

1737 (BORGES, 2001, p. 75), e a prática pecuarista iniciou-se, a exemplo da cultura canavieira,

como atividade subsidiária à mineração, pois na primeira metade do século XVIII servia para suprir

com gêneros alimentícios as populações das minas de Cuiabá e do vale do Guaporé. As fazendas de

bovino desenvolveram-se na região pantaneira do extremo Sul de Mato Grosso, que apresentava

uma topografia mais propícia para a atividade, e também em áreas próximas a Poconé, Rosário do

Rio Acima e Vila Maria18. Ao contrário da lavoura canavieira, a pecuária utilizava pouca mão-de-

obra, que era livre. Assim, a população das vilas que se situavam no entorno das fazendas não se

beneficiava dessa atividade econômica, já que se necessitava de 15 a 20 pessoas apenas para cuidar

de 50 a 60 mil cabeças de gado. Em contrapartida, o desenvolvimento dessa atividade exigia

grandes áreas de terra, pois era exercida, como já destacado, na região pantaneira, que permanece

18 Atual Cáceres.

23

alagada durante os meses de cheias, dessa forma necessitando, nesses períodos, de terrenos altos,

inacessíveis às inundações (PERARO, 2001, p. 33; SIQUEIRA, 2002, p. 117).

Na década de 1780, após a fundação dos fortes de Coimbra19 (1775) e Miranda

(1776), que serviam para proteger as propriedades, atacadas freqüentemente pelos índios Paiaguás

(BORGES, 2001, p. 75; FIGUEIREDO, 1994, p. 105; MORENO, 2007, p. 39), e das cidades de

Corumbá, Cáceres (1778) e Poconé (1781), a pecuária passou a se consolidar.

A criação extensiva ensejou o requerimento de muitas sesmarias para a

instalação de fazendas, ao longo não somente do Rio Cuiabá (Santo Antônio/Poconé), mas também

do Rio Paraguai (Cáceres). Nesses termos, a região Centro-Norte do Estado “[...] foi responsável

pela concentração de terras e poder em mãos de uma elite ligada ao capitalismo internacional, tendo

sido este grupo que levou à frente a movimentação política, numa tentativa de manter o poder

executivo com sede na região” (MORENO, 2007, p. 39).

Foi, então, no final do século XVIII que se implantaram as primeiras fazendas de

gado pantaneiras, porém havia muita terra e poucas pessoas dispostas a enfrentar as adversidades

do campo. As concessões de sesmarias, de 13.068 ha, eram requeridas, via de regra, em grande

número pelo mesmo interessado, estabelecendo-se os latifúndios. Assim, a ocupação do pantanal

ocorreu do norte para o sul, a partir de Cuiabá. Concomitantemente, o povoamento passou a

realizar-se por migrantes vindos da zona rural de Minas Gerais, via Sant’Ana do Paranayba,

ocupando o Planalto de Maracaju e estabelecendo-se nos vales Sucuriú, Vacaria, Taquaruçu,

Ivinhema, Brilhante e Apa. Em meados do século XIX, essas duas correntes de ocupação

encontraram-se no distrito de Miranda (FIGUEIREDO, 1994, p.105-110).

O manejo do gado dava-se de modo empírico e rudimentar. O boi, de pequena

estatura e pouco rentável, não comportava uma estrutura para a sua manipulação, e as pastagens

nativas não possuíam cercas ou divisões, nem se fazia a seleção entre gado de cria e de corte. Não

havia mercado para comercializá-lo e, conseqüentemente, o fazendeiro possuía pouco capital.

Instalado em casas rudes, com paredes de adobe, cobertas de palha, de chão batido, ele dispunha

apenas do essencial para sobreviver, havendo fartura apenas de carne e leite (FIGUEIREDO, 1994,

p. 110-111).

19 Forte de Coimbra: construído nas margens do Rio Paraguai, próximo à Vila de Albuquerque, atual Corumbá (SIQUEIRA, 2002, p. 56-57).

24

No período da guerra contra o Paraguai (1864-1870), a pecuária na região sofreu

grande retrocesso. Por um lado, os paraguaios inicialmente apreenderam todo o gado e tropa

possíveis, visando enfraquecer a resistência brasileira e garantir alimento para seus combatentes.

Por outro lado, os exércitos da Tríplice Aliança abateram as reses necessárias para a alimentação

(FIGUEIREDO, 1994, p. 111).

Além disso, centenas de fazendas foram saqueadas, instalando-se a miséria no

Sul de Mato Grosso. O gado conservou-se melhor no Norte do Pantanal, mas os criadores

abandonaram suas fazendas para refugiarem-se em Cuiabá. A planície ficou despovoada, como

ocorrera há 100 anos. A essas dificuldades somou-se a epizootia, conhecida como “peste das

cadeiras”, que ameaçou a produção de cavalos e muares, vindo a comprometer ainda mais o

desenvolvimento da atividade (FIGUEIREDO, 1994, p. 112).

Após a guerra iniciou-se o processo de reorganização social e econômica, em

relação ao qual os fazendeiros também se empenharam. Com boi e cavalo escassos, desencadeou-se

um intercâmbio entre o Planalto de Maracaju, onde havia mais cavalos e praticamente nenhum boi,

e o Pantanal, onde havia mais bois. A fase da simples exploração completamente rudimentar da

atividade foi se modificando aos poucos. Mesmo sem cercas, evitava-se a dispersão das criações

através da oferta de sal, ou do corte na ponta dos cascos, que tornava a pisada dolorosa. Houve,

portanto, um estreitamento no relacionamento homem-animal, e, embora a bovinocultura ainda não

se caracterizasse como atividade rentável, continuava a ser a forma de ocupação dos “vazios”

demográficos. Os fazendeiros uniam-se para realizar o “trabalho de gado” e, assim, estabeleceram

relações sociais e fundaram novas cidades. O processo de ocupação, interrompido pela guerra,

havia se reiniciado. Os criadores refugiados em Cuiabá retornaram ao Pantanal para recompor suas

fazendas. Da mesma forma, os do Planalto e da parte Sul do Pantanal, que haviam se dirigido para

Goiás, Minas Gerais ou São Paulo, voltaram, dessa vez acompanhados de novos parentes e amigos

(FIGUEIREDO, 1994, p. 124-125).

Em 1892 o povoado de Aquidauana foi fundado por cerca de 40 fazendeiros.

Antes, porém, em 1875, surgiu Santo Antonio de Campo Grande, a partir de um aglomerado de

fazendas, gradativamente transformado em um povoado que funcionava como entreposto de

comercialização de gado. O negócio era efetuado com mascates paraguaios do porto de

Concepción, via Ponta Porã, os quais carregavam consigo sal, ferramentas e outros artigos, levando

25

ao animais para recompor a pecuária paraguaia, igualmente devastada pela guerra. Desenvolveu-se,

assim, em 1899, a Vila de Campo Grande (FIGUEIREDO, 1994, p. 126).

Nesse contexto, passou o capital estrangeiro a interessar-se pela região. A

fragilidade e a desarticulação econômica regional, em decorrência da guerra, permitiam a aquisição

de enormes latifúndios com vistas à exploração de suas matérias-primas. Essa iniciativa inseriu-se

na lógica motivadora do conflito armado que se instalara, pois se abriu espaço para a dominação

econômica do território. O investimento necessário para tal era relativamente baixo, devido à

abundância de terras e às dificuldades na comercialização do gado, tendo sido a pouca mão-de-obra

requerida para a realização dos trabalhos outro fator de atração para esse capital (FIGUEIREDO,

1994, p.127).

Assim, entre o final do século XIX e início do século XX, os estrangeiros

adquiriram 4,96 milhões de hectares de terras, tendo ocorrido apenas uma transação de 5 mil

hectares; em todos os outros casos, cada uma totalizou mais de 100 mil hectares, tendo a maior das

negociações superado 850 mil de hectares, conforme demonstrado na tabela a seguir:

26

Conforme já abordado, até o término da guerra contra o Paraguai, em 1870, a

pecuária manteve-se restrita à produção voltada para o abastecimento do mercado interno e, no

final dessa década, passou a ter importância relevante na economia local. Nesse período, a

exportação de gado e de alguns de seus derivados (carne seca, chifres e crinas) representava mais

de 50% do total realizado por Mato Grosso (BORGES, 2001, p. 75-76).

Nas propriedades adquiridas instalaram-se saladeiros, que em 1907 já eram em

número de sete: três junto ao rio Paraguai e os demais junto aos rios Correntes, São Lourenço,

Cuiabá e Miranda. Dessa forma, a produção podia ser transportada até os portos argentinos e

uruguaios, onde havia uma significativa atividade pecuária e de industrialização (FIGUEIREDO,

1994, p. 128).

Destaque-se, no entanto, que não só nessa época, mas até anos recentes, a

pecuária bovina foi operacionalizada de forma extensiva, exclusivamente. Isso significa que sua

27

expansão efetivava-se tão-somente pelo aumento de áreas de terras destinadas à atividade, não se

adotando inovações tecnológicas no processo de produção (PEREIRA, 1995, p. 78).

Em 1914 a construção da ferrovia Noroeste do Brasil, deu novo impulso à

atividade criatória bovina no Sul do estado, pois aproximou ainda mais São Paulo àquela região

(PEREIRA, 1995, p. 78). Tal estrada de ferro conseguiu gradativamente desarticular a navegação e,

por conseguinte, o comércio do Sul do Estado com as cidades portenhas. Então, o gado passou “[...]

a ser transportado vivo nos trens para ser engordado nas pastagens dos campos de São Paulo e

Minas Gerais e daí, para os abatedouros” (PIAIA, 1999, p. 18).

Dessa forma, a navegação continuou tendo importância, mas apenas para a

comunicação e o comércio do Norte de Mato Grosso, sendo mantida, até 1930, em ritmo

decrescente, em especial para a indústria saladeril. A estrada de ferro, portanto, atingiu os interesses

do capital estrangeiro, já que as matérias-primas do Sul passaram a ser escoadas diretamente para

São Paulo, visando abastecer o mercado interno ou viabilizar as exportações pelo porto de Santos

(FIGUEIREDO, 1994, p. 136). Com isso, Corumbá perdeu para Campo Grande sua condição de

centro comercial da economia mato-grossense (BORGES, 2001, p. 112).

A ferrovia também atraiu para a parte Sul muitos migrantes oriundos de várias

regiões brasileiras, bem como de outros países, cujo capital e mão-de-obra vitalizaram as atividades

rurais e urbanas. Parte desse capital foi aplicada na pecuária, fortalecendo a atividade (SIQUEIRA,

2002, p. 118). Conseqüentemente, nas áreas próximas à localização dos trilhos da estrada de ferro,

verificou-se a instalação de novas colonizações (BORGES, 2001, p. 113).

Portanto, “[...] a pecuária favoreceu o desenvolvimento de toda a região sul do

Estado, acelerou o progresso de Corumbá e engendrou, na região norte, condições que estimulariam

seu desenvolvimento” (MENDONÇA, 1972, p. 86 apud PEREIRA, 1995, p. 78).

A agroindústria canavieira

A cultura de cana-de-açúcar, juntamente com seu processo de industrialização,

foi uma das primeiras e importantes atividades produtivas realizadas em Mato Grosso. Já na

segunda década do século XVIII, mais precisamente em 1726, seu cultivo era realizado em um sítio

denominado Chapada, então como prática subsidiária à mineração. Os primeiros engenhos

28

instalados no local, movidos por tração animal e/ou a água, fabricavam “potó”20, aguardente e

rapadura, que se destinavam ao consumo pela população local, sobretudo aos mineradores.

Na época, a defesa da fronteira e a exploração do ouro constituíam-se em

prioridades da metrópole, que chegou ao ponto de vetar essa produção e de ordenar a destruição dos

engenhos. Todavia, a atividade foi mantida e a indústria açucareira continuou se desenvolvendo. Na

década de 1730 havia cinco engenhos na região de Cuiabá e em 1750, 16. Diferentemente do que

ocorria no Nordeste e no Centro-Sul, a produção não se destinava à exportação, pois havia

imposições da metrópole, que visava evitar a expansão da atividade. Além disso, a produtividade

era baixa, em decorrência da utilização de técnicas rudimentares, havendo ainda a questão dos

fretes de mercadorias, cujos custos eram extremamente elevados, uma vez que o transporte, na

época, realizava-se por via terrestre, atravessando Goiás e chegando a São Paulo.

Foi apenas da segunda metade do século XVIII à primeira metade do século XIX

que essas dificuldades foram mitigadas, mediante a transferência das lavouras do Planalto para as

margens do rio Cuiabá. Ali o solo apresentava-se mais propício para o cultivo e havia melhores

condições para o escoamento da produção, especialmente após 1856, quando se passou a utilizar a

navegação fluvial pela bacia do Prata. Isso estimulou as exportações para os mercados platinos e

outras províncias (PERARO, 2001, p. 32-33).

A abertura da navegação favoreceu que vários produtores importassem máquinas

modernas, como moendas de ferro, transformando seus engenhos em usinas. No entanto, esse

desenvolvimento da agroindústria canavieira foi interrompido no período da guerra contra o

Paraguai (1865-1870) (SIQUEIRA, 2002, p. 112).

Passado o conflito, ocorrendo a reativação do sistema de navegação, os maiores

empreendimentos da agroindústria canavieira foram deslocados para a região do Rio Cuiabá

Abaixo, já que a via terrestre deixou de ser a única forma para o deslocamento de viajantes e de

mercadorias. Em 1887 havia cinco agroindústrias: três em Santo Antônio do Rio Abaixo, uma em

Corumbá e uma em São Luiz de Cáceres (BORGES, 2001, p. 91-92).

No início do século XX as cinco principais empresas tinham capacidade de

moagem instalada de 700 t de cana e apresentavam uma produção de 1.035 t de açúcar, 164,6 mil

20 Açúcar escuro.

29

litros de álcool e 385 mil litros de caldo, conforme demonstrado na Tabela 1.1.2 abaixo. Note-se

que existiam, além dessas, diversas usinas e engenhos de menor importância.

Verifica-se, portanto, que a produção de açúcar em Mato Grosso foi pequena e

abastecia apenas o mercado local, atingindo, segundo Borges (2001, p. 93), entre 1925 e 1931, o

equivalente a apenas 0,3% da produção brasileira.

Por volta de 1933 ocorreu a decadência da agroindústria canavieira na região, em

função da criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) naquele mesmo ano, o qual veio a

fortalecer o poder central em relação às decisões sobre o setor sucro-alcooleiro, em detrimento dos

grupos privados. Além disso, as empresas paulistas do ramo, controladas sob a forma de

monopólio, alcançaram grande desenvolvimento, disso resultando o aumento da concorrência, pelo

que as usinas locais tenderam a diminuir a produção, que ficou abaixo da capacidade instalada.

Como o governo, através do IAA, passou a subsidiar apenas as indústrias que

apresentassem produção anual acima de 1.000 sacas (60 t) de açúcar, a maioria das usinas locais

não conseguiram atender essa exigência, encerrando, por isso, suas atividades. Entretanto, uma

única conseguiu resistir, a Usina Ressaca, estabelecida no vale do Rio Paraguai, nas proximidades

de Cáceres, a qual se manteve ativa até 1967 (BORGES, 2001, p. 93-95; SIQUEIRA, 2002, p. 115-

116).

30

1.1.1. O SEGUNDO CICLO DE EXPLORAÇÃO DO DIAMANTE

No início do século XX foram descobertas jazidas de diamantes junto aos rios

Garças e Cassununga, no Leste do Estado, tendo também ocorrido a retomada das minas do Alto

Paraguai.

No Leste, conforme Varjão (2000, p. 34), o desbravamento deu-se em 1752,

quando o bandeirante Amaro Leite Moreira partiu em busca do ouro da Serra dos Martírios. No

entanto, o marco mais importante foi a instalação do primeiro posto avançado, o Registro21 da

Ínsua, em 1775, localizado a meio caminho entre o rio Grande e a Serra de Pitombas, a sete léguas

aquém do rio Araguaia (LENHARO, 1982, p. 23; VARJÃO, 1985, p. 56).

Em 1813 esse estabelecimento foi transferido para o porto do Rio Araguaia,

ensejando o surgimento do vilarejo de Registro do Araguaia (atualmente, Araguaiana), que por

mais de um século se tornou roteiro de pioneiros, missionários e aventureiros (VARJÃO, 1992, p.

34). No entanto, esse caminho terrestre, que ligava Cuiabá ao restante da Colônia, “[...] só ganhou

relevância econômica a partir da paulatina decadência das monções, que começou por volta de

1818 e extinguiu-se por volta de 1838” (HOLANDA, 1990, p. 77-104 apud MONTEIRO NETO,

2007, p. 1).

Na foz do rio Garças, junto ao rio Araguaia, havia até 1924 apenas uma moradia,

onde os passageiros pernoitavam e o único fato digno de destaque foi a presença de Simeão da

Silva Arraia e Marco Afonso de Oliveira, garimpeiros que encontraram diamantes (VARJÃO,

1985, p. 79).

Foi, assim, na década de 1920 que ali se iniciou a exploração do diamante, o que

passou a atrair milhares de pessoas em busca de fortuna. Surgiram, desse modo, várias localidades,

dentre elas, Monchão do Aroeira, Barra Goiana22 e Barra do Garças, Baliza e Torixoréu (MIGUEZ,

1996, p. 76-78). As corrutelas, iam se formando sem nenhum planejamento e tomavam grandes

proporções. Para lá se dirigiram os mascates, estabeleceu-se a jogatina, instalaram-se as “mulheres

21 Os registros eram “estabelecidos para fiscalizar a cobrança do ‘quinto’ e para combater o contrabando. Fiscalizavam também um novo imposto, ‘as entradas’; praticamente todas as estradas e caminhos importantes estavam sob a vigilância de um ou mais registros” (REGISTROS, 2006, p. 1). 22 Hoje, Aragarças.

31

alegres”, movimentando a vida noturna. Houve revoltas de garimpeiros contra chefes locais

prepotentes, mortandades desnecessárias devido ao generalizado uso de armas e à falta de

policiamento adequado. A luta pelo poder e o conseqüente domínio da extração geraram

rivalidades, das quais a mais marcante foi a travada entre José Morbeck e Manoel Balbino de

Carvalho, o Carvalhinho, que culminou em 1926 com o conflito armado conhecido como revolta

Morbeck e Carvalhinho, da qual, porém, nenhum dos dois saiu vitorioso (VARJÃO, 1980, p. 85-

97).

A cada novo achado valioso mais gente era atraída, especialmente do Nordeste,

consolidando a ocupação da região. Essa “fase garimpeira”, no Leste de Mato Grosso, ocorreu na

década de 1920, perdurando até 1932 (VARJÃO, 1980, p. 81-82).

Na região do Alto Paraguai a reativação da exploração do diamante resultou no

surgimento de cidades, como Alto Paraguai, Nortelândia e Arenápolis e fortaleceu o povoamento

de Diamantino (HIGA, 2005, p. 30-31).

Portanto, pode-se concluir que, no período compreendido entre 1718 e 1930, as

principais produções realizadas em Mato Grosso foram as extrativas, além da pecuária extensiva e

da agroindústria canavieira, cuja maior parte destinava-se à exportação; as atividades industriais

foram escassas. Limitaram-se à produção, em pequena escala, de charque, caldo e extrato de carne

e derivados da cana-de-açúcar, tendo esta última sido praticada em ritmo decrescente. Os bens

alimentícios básicos, produzidos em escala insuficiente para o atendimento da demanda interna, não

apresentaram crescimento satisfatório. E, por último, a estrutura fundiária foi moldada com franco

predomínio do latifúndio (PEREIRA, 1995, p. 79).

1.1.2. RELAÇÕES DE TRABALHO

1.1.2.1. Os escravos

No Brasil, entre o século XVIII e o final do século XIX, o trabalho escravo foi

empregado em diversas atividades. Na economia mercantilista nacional de então, essa mão-de-obra

foi fonte de lucro em dois níveis: na circulação da mercadoria humana e na produção. No primeiro

caso propiciou a acumulação de riqueza pela burguesia traficante; no segundo, garantiu o sustento

32

da classe dominante na Colônia e, em parte, também na Metrópole (CAVALCANTE, 1999, p. 54-

55).

Na acepção de Volpato (1993, p. 54-55), em Mato Grosso, os textos escritos até

1860 sobre trabalho não mencionam a figura do escravo, havendo apenas referências à do colono

como trabalhador ideal, sem que alusão seja feita à forma de realização do seu trabalho. A

escravidão, para alguns, estava relacionada a tudo o que existia de atrasado, incluindo-se aí hábitos

pouco recatados das mulheres cuiabanas pertencentes às classes mais baixas da sociedade, os quais

eram atribuídos à sua exagerada proximidade com os cativos.

Têm-se, no entanto, notícias de que, entre os anos de 1720 e 1772, um total de

15.380 escravos teria entrado na Capitania, dos quais em torno de 10.700 (70%) chegaram entre

1720 e 1750. Esse período coincidiu com a descoberta do ouro e a instalação do aparato político-

burocrático na região. O trabalho escravo foi intensamente requerido nas atividades mineradoras e

na realização de tarefas, tanto junto às plantações e ao beneficiamento da cana-de-açúcar, como em

outros cultivos agrícolas, além de atividades urbanas (PERARO, 2001, p. 28-29; CAVALCANTE,

1999, p. 55).

Em seu “Mapa populacional de Mato Grosso (1771)” (Tabela 1.1.3), Peraro

(2001, p. 30) contabiliza no ano de 1771 um total 6.573 habitantes “pardos e pretos cativos”, o que

representava 54,1% da população. Apesar desse número relativamente expressivo, sabe-se que na

verdade representa menos da metade da totalidade de escravos que teriam adentrado na região.

33

Esses dados sinalizam que havia muitas fugas de cativos, dada a proximidade

com terras espanholas. Tal circunstância, aliada à distância e às dificuldades em atrair casais para a

Capitania, dentre outros fatores, fez com que se passasse a utilizar mão-de-obra indígena,

especialmente como descobridores de lavras. Contudo, a partir da colonização mais efetiva, a

escravidão negra tornou-se abundante (PERARO, 2001, p. 28-29; CAVALCANTE, 1999, p.55).

O tratamento dispensado aos escravos, conforme se sabe, era degradante e

violento, e a mineração do ouro era árdua e difícil:

Para se extrair o ouro, faziam-se grandes escavações. Era necessário contato contínuo com a água, o que ocasionava rápido extermínio com (sic) os trabalhadores empregados nessas tarefas. Os escravos que conseguiam sobreviver tinham que submeter-se às violências do feitor. Na exploração do diamante, utilizavam-se diferentes técnicas. Em uma delas o escravo mergulhava no rio, onde buscava, no leito, o cascalho que levado à superfície, era lavado. Porém, a maneira mais usual constituía nos desvios do leito dos rios de pequena profundidade, para que fosse possível o exame do cascalho. As febres que infestaram os rios mantinham afastados dos garimpos os seus proprietários. Por isso, perdiam o controle sobre a quantidade de diamante ou de ouro encontrado pelo escravo. Só havia uma forma de exercer fiscalização sobre os achados: era o sistema de entrega semanal da quantidade de diamantes estipulada pelo proprietário (ALEIXO, 1984, p. 42-43 apud CAVALCANTE, 1999, p. 55).

Nas demais atividades, os escravos, como já ressaltado, realizavam a maioria dos

trabalhos. Nas propriedades que exploravam a cana-de-açúcar atuavam tanto nos canaviais quanto

nos engenhos de açúcar, além de realizar a produção de alimentos para o abastecimento interno

e/ou para a comercialização externa ao empreendimento (CAVALCANTE, 1999, p. 56).

Além disso, nas cidades, após a decadência da mineração, a mão-de-obra escrava

[...] era utilizada em trabalhos domésticos bastante diversos, uma vez que as propriedades urbanas incorporavam áreas razoavelmente extensas onde eram desenvolvidas algumas atividades produtivas. [...] Também estavam a cargo dos escravos os trabalhos efetivamente considerados domésticos: arrumar a casa, lavar, passar e engomar a roupa, cozinhar, fazer doces, cuidar de crianças e dos quintais. A ausência de um sistema público de limpeza urbana deixava a cargo dos escravos domésticos, a execução destes serviços [...]. Perambulavam também pelas ruas os escravos de ganho, vendendo frutas e quitutes, carregando água, cumprindo alguma tarefa.Viviam ainda em Cuiabá os escravos da nação: o maior número deles estava alocado na fábrica de pólvora, no Coxipó, outros trabalhavam no arsenal de guerra ou estavam a serviço da câmara municipal. Eram responsáveis por inúmeros trabalhos da municipalidade, inclusive na limpeza de córregos e ruas (VOLPATO, 1993, p. 114-116 apud CAVALCANTE, 1999, p. 56).

34

Percebe-se, então, que o escravo africano marcou presença nas atividades

produtivas mato-grossenses; nas minas, nos engenhos, nas fazendas, nas residências e nas ruas da

cidade utilizou-se sua mão-de-obra. Diante do tratamento vil que recebia, incluindo o castigo físico

aplicado pelos feitores, o cativo, quando não sucumbia à imposição de condições de vida tão

adversas, no afã de obter liberdade, recorria a diversos modos de resistência, sendo comum a

ocorrência de fugas, freqüentemente para terras espanholas ou para quilombos (CAVALCANTE,

1999, p. 57).

Na época,

se se concebe modo de produção como a personificação de uma totalidade abstrata e que congrega e unidade dialética das forças e das relações de produção, pode-se acrescentar que a formação social – concebida como totalidade concreta – vigente no então Mato Grosso colonial foi caracterizada pela predominância do modo de produção capitalista [...] em uma orgânica interação com o modo de produção escravista (PEREIRA, 1995, p. 67).

Para Pereira (1995), a coexistência (e não unicidade) desses dois modos de

produção, com a supremacia do modo de produção capitalista em relação ao escravista, deveu-se à

forma embrionária do primeiro, que, como em outras economias, foi o capitalismo mercantil.

Assim, o excedente econômico não era apropriado através extração de mais-valia no processo

produtivo, via troca generalizada de equivalentes no mercado,. Ela ocorreu pelo uso direto da

violência nas relações de trabalho e pela prática sistemática da especulação comercial (PEREIRA,

1995, p. 67-68).

Por outro lado, tal coexistência não implicava ameaça anticapitalista, pois,

mesmo constituindo os escravos a maioria da força produtiva, então representada pela força de

trabalho, eles foram subordinados ideologicamente aos trabalhadores “livres” como membros

inferiores da totalidade da força de trabalho existente, a cujo poder coercitivo se sujeitaram. Há de

se destacar, ainda, que aqueles que detêm apenas a força de trabalho em uma sociedade civil ficam

subordinados ao poder, que provém dos proprietários dos instrumentos de produção (PEREIRA,

1995, p. 68-69).

35

1.1.2.2. Os trabalhadores “livres”

Até a primeira metade do século XX, a concepção de trabalho, enraizada na

mentalidade dos empregadores, tinha como referência o trabalho escravo. Portanto, mesmo com a

abolição oficial da escravatura pela Lei Áurea em 1888, as relações de trabalho mantinham o

sistema escravagista e o tratamento dado aos trabalhadores “livres” mal se distinguia daquele

dispensado aos escravos (SIQUEIRA, 2002, p.113).

A seguir faz-se uma breve descrição sobre o modo de realização do trabalho por

quatro categorias de trabalhadores: os poaieiros, os seringueiros, os trabalhadores do mate e os

trabalhadores das usinas.

1.1.2.3. Os poaieiros

O aproveitamento econômico da poaia dava-se mediante a extração da raiz, que,

repita-se, era usada como matéria-prima para a produção de medicamentos e ocorria no período das

chuvas, época mais apropriada pelo fato de o terreno encharcado facilitar a tarefa. Na parte central

das matas, onde a poaia era recolhida, construíam-se barracões, ao lado dos quais erguiam-se os

ranchos dos trabalhadores, ao abrigo dos quais os eles preparavam sua alimentação e passavam a

noite. Em áreas de extração pré-estabelecidas, exerciam sua lide. Embrenhavam-se muito cedo na

mata em busca da planta, munidos do sapiquá23 e do bornal24, percorrendo de 10 a 12 km por dia e

contando com o auxílio do pássaro poaieiro, cujo canto os auxiliava na localização das “matas” de

poaia. Tratava-se, portanto, de uma atividade nômade. A extração era realizada com o auxílio de

uma pequena lança com ponta de metal. À noitinha, ao retornar, os poaieiros depositavam a

produção do dia no barracão e depois voltavam ao seu rancho para preparar o jantar e o almoço do

dia seguinte e para descansar. Essa rotina repetia-se diariamente, durante seis meses (de junho a

outubro), quando esses trabalhadores eram dispensado pelo proprietário ou arrendatário das terras

(SIQUEIRA, 2002, p.108).

23 “[...] pequena sacola de lona ou couro, onde eram colocadas as raízes” (SIQUEIRA, 2002, p. 108). 24 “[...] bolsa ou sacola contendo água, guaraná ralado e o alimento necessário para o almoço” (SIQUEIRA, 2002, p. 108).

36

O acerto do salário ocorria mediante a apuração da quantidade de poaia extraída

(deduzidas as impurezas: terra, gravetos, areia, ervas falsas), e do valor dessa produção eram

descontados: imposto sobre indústria e profissões, taxa de arrendamento de 10% e gastos efetuados

pelo poaieiro no armazém da empresa (alimentos, bebidas, vestimenta, ferramentas, medicamentos

etc.). Esse sistema, conhecido como “endividamento”, pouco deixava para o trabalhador, que

ficava por seis meses na mata fechada e úmida, isolado do resto do mundo, sem idéia sobre o valor

efetivo da sua produção, tendo que acatar os preços estabelecidos para os frutos do seu trabalho e

para os bens consumidos.

1.1.2.4. Os seringueiros

De forma idêntica à poaia, o látex era extraído em grandes extensões de terras,

adquiridas através de compra ou arrendadas. A extração realizava-se no período da seca (portanto,

sazonal), e a organização e o controle de todo o processo também se assemelhava ao da poaia.

Envolvia a contratação de trabalhadores; o fornecimento de víveres, vestimentas e instrumentos de

trabalho (sistema do “endividamento”); a transformação do látex em bolas; seu acondicionamento

para exportação; e, por fim, o escoamento e a comercialização da produção. Os personagens

presentes no empreendimento eram o seringalista (proprietário ou arrendatário das terras), o gerente

(responsável pelo funcionamento do sistema), o caixeiro (encarregado do abastecimento de toda a

estrutura), o guarda-livros (contabilidade), o homem do campo (transporte da produção e

abastecimento), o fogueiro (abertura das picadas de acesso à seringueira/mangabeira), o mateiro

(identificação das áreas mais propícias à extração); e o seringueiro (extração diária do látex)

(SIQUEIRA, 2002, p. 108).

A remuneração do seringueiro era realizada por produção. Recebia um

adiantamento e, uma vez contraída essa dívida, não havia a possibilidade de desistência. Caso isso

acontecesse, esse “trabalhador livre” era caçado e, quando encontrado, forçado a quitar seu débito

sob a forma de trabalho. Sua jornada diária era de 10 a 14 horas e sua tosca moradia constituía-se

em rancho montado junto às “estradas” (picadas) (SIQUEIRA, 2002, p. 108).

As condições de trabalho eram árduas, perigosas e insalubres. Na floresta, além

da hostilidade dos índios, ocorria o ataque de insetos, carrapatos, vermes, cobras, aranhas,

37

escorpiões etc., que minavam a saúde do trabalhador e, não raro, esgotavam suas forças,

especialmente através da malária e da verminose (BORGES, 2001, p. 104-105).

As despesas com alimentação, roupas, medicamentos, bebidas, instrumentos de

trabalho etc., feitas no armazém do seringalista, eram anotadas numa caderneta, e os altos preços

cobrados por essas mercadorias foram motivo de constante revolta (BORGES, 2001, p. 104;

SIQUEIRA, 2002, p. 109).

Ao findar o contrato, ele recebia o saldo (quando havia) resultante do valor da

sua produção, menos as despesas realizadas.

1.1.2.5. Os trabalhadores do mate

A extração da erva-mate também foi realizada por trabalhadores contratados no

sistema de “endividamento”, com um agravante: como as terras com os ervais situavam-se

próximas à fronteira com a República do Paraguai, a mão-de-obra utilizada foi a dos Guarani,

imigrados do Paraguai para Mato Grosso. A eles a Companhia Mate Laranjeira podia pagar salários

menores do que aos brasileiros. Esses trabalhadores, conhecidos como “mineiros”, realizavam um

trabalho pesado. Chegavam a carregar fardos de mate de até 150 kg, o que resultava em prejuízos à

saúde. Fora do seu país e, muitas vezes, longe da família, desconhecendo a língua portuguesa e

confinados na área da propriedade da Companhia, ficavam à mercê da empresa, cujas regras eram a

lei a ser seguida. O policiamento da própria Mate Laranjeira aplicava as punições a seu arbítrio,

sem qualquer interferência do governo do Estado (BORGES, 2001, p. 105; SIQUEIRA, 2002, p.

106).

1.1.2.6. O trabalho nas usinas

Nas usinas a vida dos trabalhadores era igualmente bastante penosa. No período

da colheita trabalhavam até 16 horas por dia, numa jornada que se iniciava às 4 horas da manhã, e o

desempenho das atividades não se limitava à população adulta: as crianças tomavam parte na

fabricação de farinha, no descascamento do arroz, no transporte da cana, na fabricação de sacos em

teares e, também, nos afazeres da roça. Embora o trabalho infantil fosse legalmente proibido, no

38

interior das usinas a lei era definida segundo vontade do coronel25. Os trabalhadores braçais eram

em sua grande maioria analfabetos, fato que, aliado à distância das usinas da capital, dificultava a

resistência ou mesmo a fuga desses indivíduos. Algumas usinas utilizavam-se de um esquema

repressivo: tinham guarda própria, troncos e casas de suplícios. O sistema de remuneração,

identicamente às atividades anteriormente mencionadas, envolvia o “endividamento”, sobrando

pouca coisa para os trabalhadores.

Os coronéis usineiros assim agiram desde o final do século XIX até a década de

1930, quando entraram em vigor as Leis Trabalhistas, editadas por Getúlio Vargas (CORREA,

1981, p. 37-38 apud BORGES, 2001, p. 105-106; SIQUEIRA, 2002, p. 113-115).

Nessa perspectiva, verifica-se que, nas atividades produtivas desenvolvidas em

Mato Grosso nesse período, “as condições peculiares do trabalho em cada uma delas variavam,

mas, em nenhuma, o trabalho livre alcançava sua forma mais acabada, qual seja, a do trabalho

assalariado” (BORGES, 2001, p. 104).

1.2. PERÍODO: 1930-1980

Até a década de 1930 a economia brasileira caracterizava-se como primário-

exportadora (extrativismo ou agricultura), com ciclos nos quais um único produto de exportação

predominava: inicialmente o pau-brasil, depois o açúcar, posteriormente o ouro e por último o café.

O dinamismo da economia dependia do desempenho das exportações, e sempre que o principal

produto da pauta exportadora passava por alguma crise, esta contaminava toda a economia (PIAIA,

1999, p. 27).

A partir de 1930, quando se verificou a crise na comercialização do café, “[...] a

política econômica nacional foi redirecionada, passando a privilegiar basicamente a hegemonia do

capital urbano industrial, o que provocou mudanças na ocupação do território, incluindo Mato

Grosso” (HIGA, 2005, p. 31).

Guimarães e Leme (1998) destacam que o país, na época, além de ingressar em

um padrão de acumulação urbano-industrial, também passou por profundas transformações no que 25 “O coronelismo foi um sistema de poder político que vicejou na época da República Velha (1889-1930), caracterizado pelo enorme poder concentrado em mãos de um poderoso local, geralmente um grande proprietário, um dono de latifúndio, um fazendeiro ou um senhor de engenho próspero” (SCHILLING, 2007).

39

diz respeito à atuação do Estado, criando condições institucionais para expandir o mercado interno.

“Assumindo uma forma centralizadora e autoritária, o Estado brasileiro se firmou como

organizador da acumulação industrial, operando políticas de caráter nacional, e promoveu a

unificação do mercado, tornando-se responsável pela abertura de sucessivas fronteiras de

acumulação” (p. 36).

Para esses mesmos autores, a já citada ampliação do mercado interno reforçou os

vínculos entre a União e as regiões agropecuárias. Além disso, uma das preocupações do governo

foi a ocupação das áreas “desabitadas”26 mediante a adoção de políticas de colonização27, que, para

Vargas, visavam também diversificar as bases regionais de sustentação, contrapondo-se ao peso da

elite política paulista. Essa circunstância constituiu-se em mais um fator positivo para a região

Centro-Oeste, especificamente Mato Grosso, que foi beneficiado pela política de interiorização do

desenvolvimento promovida nas décadas de 1940 e 1950, passando a ocupar maior espaço na vida

nacional e atraindo, mediante a abundante oferta de terras, colonos do Sul e do Sudeste do Brasil

(GUIMARÃES; LEME, 1998, p. 36; FIGUEIREDO, 2003, p. 21).

O novo papel do Estado na economia nacional passou, nesse sentido, a ser o de

produtor de alimentos e também de absorção de mão-de-obra excedente de outras regiões do país.

Isso deu início à implantação de colônias, como Porto Murtinho, Campo Grande e Terenos, ao Sul;

e Mata Grande e Ponte Alta no então município de Cuiabá (HIGA, 2005, p. 31).

Em seguida, em 1938, foi lançada a campanha Marcha para o Oeste, que,

traduzindo o pensamento geopolítico da época, visava garantir a integração nacional, “[...] encurtar

26 Tal “ocupação” subentende a realizada pelo “homem branco”, pois essas terras já vinham sendo ocupadas pelos índios. Por isso, Guillen (1998, p. 107 apud VASCONCELOS, 2008, p. 7) alerta sobre a necessidade da descoberta de “[...] novas fontes documentais que permitam construir uma história dessa região tendo também os índios como sujeitos, junto com trabalhadores e posseiros [...]”. Não se aprofundará a discussão desse aspecto no presente estudo, não porque o assunto não seja relevante, mas porque foge dos objetivos do trabalho. 27 Colonização é qualquer atividade, tanto oficial como particular, que visa promover o aproveitamento econômico da terra, podendo ser espontânea ou dirigida. A primeira ocorre quando “[...] populações rurais desempregadas, subempregadas ou superexploradas [...] buscam as terras devolutas ou tribais”, e a segunda é promovida pelo poder público. Por outro lado, a particular é realizada por uma empresa privada de colonização, que é “[...] a pessoa física ou jurídica de direito privado, que tenha por finalidade promover o acesso à propriedade da terra e o seu aproveitamento econômico, por meio da divisão em propriedades adequadas à região considerada, ou do sistema cooperativo”. A colonização dirigida, oficial ou particular, não só tem se constituído como uma forma de bloqueio do andamento da reforma agrária de fato, mas também tem atendido a interesses do capital privado mediante a cooperação do Estado com a empresa privada (IANNI, 1979, p. 85-87).

40

distâncias, abrir caminhos e estender as fronteiras econômicas, consolidando definitivamente os

alicerces da nação” (VARGAS, 1942, p. 1), tornando-se “[...] o primeiro movimento promovido

pelo Governo Federal objetivando a ocupação e colonização das terras mato-grossenses [...]”

(SIQUEIRA, 2002, p. 229). A adoção do lema “Brasil, país do futuro” sintetizava a intenção de

promover a interiorização do território nacional.

Fruto dessa campanha foi a realização da Expedição Roncador-Xingu em 1943 e,

posteriormente, no mesmo ano, a criação da Fundação Brasil Central (FBC), que em Mato Grosso

atuou basicamente no Leste do Estado.

As atividades exercidas pela FBC (desbravamento, colonização, construção de

pontes e estradas, criação e fomento a atividades/empreendimentos de natureza econômica que

permitissem o progresso gradativo da região) revelam seu caráter público e privado, o que

evidencia o objetivo de preparar as condições para direcionar o capital, até então colocado a favor

dos recursos minerais (presentes no imaginário da época em proporções muito superiores à

realidade), para outras atividades, como a pecuária, por exemplo. “A capacidade de criação de gado

destes campos representa uma riqueza latente e uma base sólida para a economia do Brasil Central,

que deve ser considerada no devido valor, fora das fantasias das riquezas que tanto ferem a

imaginação do homem do litoral” (LIMA FILHO, 1996, p. 54 apud BARROS, 1944, p. 47).

A Marcha para o Oeste teve, dessa forma, o objetivo econômico de expandir as

fronteiras agropastoris na região do Araguaia, preparando a estrutura logística local para o

desenvolvimento do capital. Exemplo disso são os vários entrepostos da FBC, como Uberlândia,

Rio Verde, Caiapônia e Aragarças, que tinham como função principal a entrega de sal, regulada, à

época, pelo Instituto Nacional do Sal. Além disso, a instalação de um curtume em Caiapônia

evidenciou mais ainda o desejo de fomentar a criação de gado na região.

No entanto, visto como um todo, “[...] o alcance da campanha Marcha para o

Oeste foi pequeno para a época, entre outros fatores, porque as grandes propriedades continuaram a

ser característica marcante do uso da terra com baixa produtividade” (PENHA, 1993, p. 58 apud

BITTAR, 1999, grifo no original).

Aragarças e Xavantina, por exemplo,

41

[...] cidades criadas a partir de bases da Expedição Roncador-Xingu, eram habitadas por funcionários da Fundação Brasil Central, cujo emprego era o de ali morar e, vez por outra, comunicar-se pelo rádio com outros centros semelhantes e com a sede em Brasília. Sua função era a de ocupar o território para o estado brasileiro. Aragarças era muito maior do que Barra do Garças, do lado matogrossense do Araguaia, ao contrário do que acontece hoje. Xavantina tinha uma meia dúzia de casas ao redor de uma antena de rádio e o indefectível ‘hotel de trânsito’, abrigado em uma casa velha. Depois vinha o Xingu, com seus índios ainda semi-isolados [...] (ZARUR, 2006, p. 2).

A FBC, nos últimos anos de sua existência, dedicou-se à construção da rodovia

BR-158, até a sua completa extinção, em 1967.

Em 1943, pelo Decreto-Lei nº. 5.812 (BRASIL, 2008b) Getúlio Vargas, visando

ainda estimular o povoamento do interior do Brasil, criou alguns territórios federais, dentre os quais

o de Ponta Porã28, formado pelos municípios de Ponta Porã, Dourados, Bela Vista, Porto Murtinho,

Maracaju, Miranda e Nioaque, e o do Guaporé, que abrangia o atual estado de Rondônia. A

administração superior dos territórios cabia ao Governo Federal, que, além de outras medidas,

viabilizou a extensão de um ramal da estrada de ferro Noroeste do Brasil, canal de escoamento da

produção para o Território de Ponta Porã, e fundou naquele mesmo ano o Serviço de Navegação da

Bacia do Prata, com vistas a interligar a parte Norte de Mato Grosso com essa ferrovia. Os navios

cargueiros adquiridos passaram a ser utilizados para o transportede gado em pé (“navios currais”) e

de minérios, cimento e cereais até a ferrovia (SIQUEIRA, 2002, p. 231).

Também em 1943 foi implantada no território federal de Ponta Porã a Colônia

Agrícola Nacional de Dourados29, numa área de 300.000 ha, atraindo mais de 30 mil moradores.

Também foi criado um programa de incentivo à implantação de pastagens cultivadas e realizadas

obras de infra-estrutura, como a transposição do rio Paraná, entre o Porto XV de Novembro (MS) e

Presidente Epitácio (SP), e diversas estradas de rodagem, interligando a região diretamente com

São Paulo, ligação essa que já existia por ferrovia, conforme anteriormente mencionado. Estavam,

pois, lançadas as bases para a expansão da pecuária e o futuro ingresso da agricultura. A Colônia

foi decisiva, então, para consolidar no Sul do Estado um pólo de pecuária de qualidade

(GUIMARÃES; LEME, 1998, p. 38; MORENO, 2007, p. 105).

Além disso, 28 O território federal de Ponta Porã “[...] foi extinto três anos após a sua criação, retornando suas terras a pertencer ao Estado de Mato Grosso (hoje, parte integrante de Mato Grosso do Sul)” (SIQUEIRA, 2002, p. 231). 29 A Colônia Agrícola Nacional Dourados foi criada pelo Decreto-Lei nº. 5.941, de 28/10/1943 (BRASIL, 2008), à qual Guimarães e Leme (1998, p. 38) se referem, equivocadamente, como “Colônia Pecuária Nacional de Dourados”.

42

[...] durante o final da década de cinqüenta e toda a década de sessenta, o sul de Mato Grosso foi um ‘pólo’ atrativo de trabalhadores descapitalizados à busca de terras para cultivo. No último ano dos sessenta e início dos 70 a região já se caracterizava pelo seu dinamismo, e como efeito (sic), atraía um contingente capitalizado sem perspectivas no seu lugar de origem (no Sul, principalmente, onde o grande capital estava em plena ascensão) (OLIVEIRA, 1993, p. 73 apud GUIMARÃES; LEME, 1998, p. 38).

Ainda em relação à implantação da Colônia de Dourados, Moreno (2005b, p. 54)

vislumbra o fato sob outro prisma, entendendo que o empreendimento visava atrair migrantes

gaúchos, com dois objetivos: “[...] resguardar a fronteira e quebrar o monopólio da empresa Mate

Laranjeira”.

Tal ruptura, por sua vez, tinha motivações políticas. Os grupos oligárquicos que

no início do século XX se estabeleceram no Norte (usineiros de açúcar) e no Sul do Estado

(grandes pecuaristas e ervateiros) foram apoiados e fortalecidos economicamente por grupos

internacionais e disputavam entre si o poder político estadual. Para tanto, valeram-se da violência,

recorrendo ao braço armado dos coronéis e até ao banditismo, exercido pelas forças paramilitares

dos coronéis, que agiam por conta própria.

O controle das oligarquias sobre a política estadual alicerçava-se, portanto, no

poder privado dos coronéis, o que resultou no aparecimento de verdadeiras familiocracias, como os

Corrêas da Costa, os Murtinhos, os Ponces, os Barros, dentre outros. A reorganização política

ocorrida no Brasil após a Revolução de 30, implicando a centralização político-administrativa nas

mãos do governo central, exigia o enfraquecimento/quebra do poder e da autonomia das oligarquias

locais, para que se garantisse o controle sobre os processos de mudanças econômicas e sociais

pretendidas por Getúlio. O aparato burocrático montado para tal fim resultou no aparecimento da

política de clientela, em substituição à dos coronéis. Com isso, abriu-se espaço para a ascensão de

elites urbanas, bem como a recomposição das velhas oligarquias, momento em que a disputa passou

a girar em torno de cargos públicos (políticos e administrativos) e do controle de votos (MORENO,

2007, p. 43-56). “A força dos leões, a violência, foi substituída pela ‘política das raposas’, a astúcia,

ambas, porém, de conteúdo oligárquico” (MORENO, 2007, p. 56).

Na mesma época foi criada a Escola Agrícola de São Vicente, de nível

secundário profissionalizante. Instalada na Serra de São Vicente, a 70 km de Cuiabá, sob regime de

43

internato e semi-internato, visava preparar mão-de-obra especializada nas áreas de agrimensura e de

técnicas agrícolas e pastoris (SIQUEIRA, 2002, p. 231-232).

Em outra frente, a partir de 1947 (logo, após a deposição de Vargas, que ocorreu

em 1945) a Comissão de Planejamento e Produção (CPP)30, do governo estadual, “[...] instalou

colônias de povoamento no vale do rio São Lourenço para fixar a mão-de-obra da população

mineira remanescente. Várias colônias foram desenvolvidas em Rondonópolis, Jaciara e Dom

Aquino (CAVALCANTE; FERNANDES, 2006, p. 114). Ressalte-se, todavia, que não se eliminou

a prática das “[...] alienações indiscriminadas de terras e na sua utilização como premiações a

favores político-eleitorais” (MORENO, 2007, p. 103).

Entre 1950 e 1966 continuou a venda de grandes áreas de terras pelo governo

estadual, destinadas tanto para atividades individuais, como para colonização particular,

especialmente no Norte e Nordeste do Estado. As terras destinadas para 22 empresas colonizadoras,

entre 1952 e 1954, totalizaram 4,1 milhões de hectares, e as utilizadas para a implantação de 23

colônias agrícolas estaduais, entre 1940 e 1960, apenas no atual estado de Mato Grosso, perfaziam

309,1 mil hectares (MORENO, 2007, p. 117 e 125). Bem mais generosa foi a movimentação de

terras devolutas com interessados individuais, conforme se pode constatar na Tabela 1.2.1:

Considerando que Mato Grosso, à época, abrangia também o atual estado de

Mato Grosso do Sul, totalizando uma área territorial de 1,23 milhões de quilômetros quadrados

(SIQUEIRA, 2002, p. 211), equivalentes a 123 milhões de hectares, esse movimento de venda de

30 Criada em 1947, “[...] destinada a orientar a colonização no Estado” (MORENO, 2007, p. 103).

44

terras devolutas representou 56% da área territorial existente. Foi, portanto, um período de

expressiva apropriação privada de terras públicas.

Tal fato poderia ou deveria significar uma grande expansão nas atividades

agropecuárias e as de base florestal no Estado, mas não foi o que ocorreu, já que “O uso da terra em

Mato Grosso, até os anos 70, tinha um caráter natural e até mesmo bucólico. Imensas áreas, nas

quais se criava uma pecuária de ‘pé duro’31, permitia a alguns articulistas da imprensa nacional

tratá-lo, em função dessa produção, como ‘estado curral’” (MARTA, 2008).

Isso se deve ao fato de que o processo de privatização das terras mato-grossenses

esteve fortemente vinculado a determinados interesses econômicos e político-partidários. De fato,

foram beneficiados políticos locais, como uma espécie de “premiação” ou de pagamento por

favores obtidos, além de grupos econômicos de fora do território estadual, “[...] mais interessados

na especulação da terra do que no desenvolvimento econômico e social do Estado” (MORENO,

2007, p. 275).

Silva (1980, p. 82-90) discute mais detidamente a questão da demanda

especulativa e financeira da terra no Brasil, afirmando que tal fato decorreu, dentre outras

circunstâncias, da inexistência de um mercado de capitais seguro, passando a terra a constituir-se

em meio de entesouramento e de proteção contra a inflação.

Dessa forma, esse bem não cumpriu apenas a função de meio de produção, mas

passou também à condição de reserva de valor, caso em que sua aquisição não implicava

investimento posterior de capital produtivo, pois o capital investido na compra seria valorizado,

independentemente de sua utilização como meio de produção. Tratava-se, portanto, de um

patrimônio que não se destinava à exploração econômica, já que esta ficava relegada a um plano

secundário.

Essas circunstâncias fizeram com que, naquele momento, a posse da terra não

produzisse as conseqüências previstas na teoria da renda fundiária, que será abordada no capítulo II

(Referencial Teórico) e com base na qual a propriedade privada desse meio de produção seria um

31 “O Pé-Duro é um bovino dócil, rústico e resistente, adaptado ao clima tropical, ao calor, à seca, às pastagens naturais [...]. É tolerante a temperaturas elevadas, a parasitas, e possivelmente a algumas plantas tóxicas da região, como o barbatimão (Stryphnodendron coriaceum) e à erva-de-rato (Palicourea marc gravii)” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIADORES DE GADO PÉ-DURO, 2008).

45

indutor ao emprego de capital no campo, favorecendo o desenvolvimento mais rápido das forças

produtivas.

No caso brasileiro e de Mato Grosso, em especial, ocorreu o contrário: a

propriedade, servindo apenas como reserva de valor, transformou-se em fator inibidor desse

desenvolvimento. Isso porque o dinheiro que poderia se transformar em capital produtivo –

incorporado ao solo – era utilizado para a compra de mais terras. Dito em outras palavras, esse

“negócio” passou a ser uma barreira ao emprego de capital na agricultura, fazendo surgir não o

capitalista proprietário ou o produtor rural arrendatário, mas o especulador fundiário. E, embora

isso não representasse uma barreira aos investimentos no campo – foi apenas inibidor, conforme já

mencionado –, tornava-se indiferente para o empresário-especulador que fossem produtivas ou não

essas aplicações de capital. A rentabilidade do seu “negócio” estava assegurada.

Sabe-se, por outro lado, que a propriedade da terra garantia outras vantagens ao

seu detentor: o acesso aos produtos extrativos, além de crédito abundante e barato e incentivos

fiscais, como os oferecidos pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM),

por exemplo. Temos, portanto, que “as políticas agrícolas tornaram-se assim agentes viabilizadores

do processo produtivo para quem detém a terra [...]” (SILVA, 1980, p. 87, grifo do autor).

Ao abordar essa mesma questão, Souza e Lima (2001, p. 146) destacam que “[...]

a modernização da agricultura brasileira ocorreu de forma heterogênea, beneficiando alguns

segmentos em detrimento de outros, mediante políticas governamentais viesadas em prol de

propriedades de maior porte”. Dentre essas políticas, os autores apontam o acesso ao crédito rural

subsidiado, que eles próprios descrevem como sendo repleto de burocracia, tendo se tornado

importante variável na determinação do preço da terra, que favorecia a concentração fundiária, pois

parte do subsídio concedido através do crédito concentrava-se nas mãos dos grandes proprietários.

Portanto, dizem esses estudiosos que a elevação do preço da terra não se deveu à

dinamização da produção agrícola, que provocaria incrementos na demanda de terras para

produção, mas, sim, a demanda por terras aumentou por constituir-se em requisito indispensável

para a obtenção de crédito, permitindo a apropriação dos subsídios nele embutidos (SOUZA;

LIMA, 2001, p. 146).

A venda indiscriminada de terras em Mato Grosso, conforme anteriormente

descrito, não foi um processo tranqüilo: cheia de vícios e deficiências técnico-administrativas,

46

apresentava muitas fraudes, especialmente em relação à medição das áreas32. Na tentativa de

minimizar essas mazelas, foi criada em 1966 a Comissão de Desenvolvimento do Fundo de

Planejamento, vinculada à Secretaria do Governo e Coordenação Econômica, cuja função principal

era assessorar o governo na busca da racionalização administrativa.

Uma das providências adotadas foi a criação da Companhia de Desenvolvimento

do Estado de Mato Grosso (CODEMAT) em 1970 (SIQUEIRA, 2002, p. 233), a qual passou a

executar a política fundiária do Estado até 1978: realizava vendas diretamente através de licitações,

efetuava concessões do governo, promovia a regularização fundiária nas colônias agrícolas

implantadas pela CPP e legitimava posses, reconhecendo domínios particulares (CAVALCANTE;

FERNANDES, 2006, p. 114). Para auxiliar nesse esforço de organização e sistematização dos

documentos referentes à propriedade fundiária, bem como para formular políticas agrárias, o

governo estadual criou em 1972 a Comissão Especial de Terras e o Departamento de Geografia e

Geologia, vinculados à Secretaria de Estado de Agricultura (SIQUEIRA, 2002, p. 233). “Essa

intensa política de regularização fundiária se prolongou até 1986” (SANTOS, 1993; MORENO,

1993 apud CALCANTE; FERNANDES, 2006, p. 114).

Ainda na década de 1960, com a instalação do governo militar no Brasil,

passaram a ser adotadas políticas de “ocupação e desenvolvimento” para Mato Grosso, que visavam

atender três objetivos: o primeiro, de cunho geopolítico, objetivava consolidar a “ocupação”

mediante a distribuição de terras; o segundo, de caráter econômico, garantir a produção e consumo

de bens; e o terceiro, de natureza social, procurava amenizar tensões sociais em outras regiões do

país, transferindo seus “excedentes populacionais” para o Estado. Em função disso, os governos,

tanto federal quanto estadual, passaram a estimular a migração de brasileiros para a região,

especialmente sulistas (paulistas, paranaenses, catarinenses e gaúchos), além de goianos,

nordestinos, capixabas e mineiros (CAVALCANTE; FERNANDES, 2006, p. 114).

Pereira (2007, p. 18-19) registra que “as mudanças ocorridas na economia mato-

grossense nos anos 50 e 60, em relação aos anos 40, foram muito mais de natureza quantitativa que

qualitativa, visto que, nesse período, houve aumento significativo do número de estabelecimentos

agropecuários no Estado [...]”, passando de 5.068 em 1950 para 46.090 em 1970.

32 Moreno (2007) apresenta uma análise detalhada desse processo.

47

Nesse período, enquanto na parte Sul de Mato Grosso já se passaram a adotar

práticas mais modernas na pecuária e a produzir soja (a partir da década de 1960) com utilização de

tecnologias intensivas em capital, na parte Norte houve incremento apenas na produção de bens

alimentícios básicos (arroz, feijão e milho), recorrendo-se a técnicas rudimentares e dando-se

continuidade à pecuária extensiva.

A partir da década de 1970 houve novo impulso à efetivação da “ocupação” no

Estado, pois “[...] a economia brasileira, inserida no processo de internacionalização do capitalismo,

passou a requerer a incorporação de novas áreas ao processo produtivo nacional, para atender, de

um lado, a demanda de matérias-primas e alimentos dos mercados internos e externos e, de outro, a

diversificação do parque industrial do país” (MORENO, 2005a, p. 37).

Relembre-se que data dessa época a definição da “política de integração

nacional”, com a criação de “pólos de desenvolvimento”. A ação governamental, orientada pelos

Planos Nacionais de Desenvolvimento Econômico e Social (I PND-1972/74 e II PND-1995/89) dos

governos militares, buscava a expansão da fronteira econômica nacional no Planalto Central, dentre

outras regiões. Em 1966 foi definida a área da Amazônia Legal – espaço de atuação da SUDAM –,

a qual o atual estado de Mato Grosso passou a integrar, inserindo-se na região a ser beneficiada

com incentivos fiscais e outros, constantes nos Programas Especiais de Desenvolvimento.

Tais estímulos concedidos por intermédio da SUDAM propiciaram “[...] a

implantação de grandes projetos agropecuários responsáveis por algumas transformações na

organização da produção do estado, onde a agricultura de subsistências e a pecuária extensiva estão

cedendo espaço para uma agricultura moderna e uma pecuária especializada” (FIGUEIREDO,

2003, p. 25).

Programas de desenvolvimento também fizeram parte da ação governamental.

Um deles – e um dos mais importantes – foi o Programa de Integração Nacional (PIN), criado em

1970 com o objetivo de “integrar para não entregar” a Amazônia aos estrangeiros. “[...] Visava

financiar obras de infra-estrutura, sobretudo a abertura de rodovias federais e a implantação da

‘reforma agrária’ ao longo dessas rodovias, nas áreas de atuação da Sudene e da Sudam”

(MORENO, 2005a, p. 39). Nessa época ocorreu também a implantação de importantes rodovias em

Mato Grosso, como a Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho, São Félix do Araguaia-Barra do

48

Garças-Cuiabá, Cáceres-fronteira com Rondônia e o trecho da BR-80 que interliga a BR-158 à BR-

163.

A colonização oficial não foi bem sucedida e, diante disso, o governo passou a

estimular os projetos de “colonização empresarial” – agropecuários, agroindustriais e de mineração

– e de colonização privada.

Mato Grosso concentrou, nas décadas de 1970/1980, o maior volume de recursos e de projetos empresariais destinados aos Estados da Amazônia Legal. Foram 243 projetos empresariais, 92% dos quais foram destinados somente ao setor agropecuário; e mais 87 projetos de colonização particular, sendo considerado, na época, o ‘paraíso da colonização particular’ (MORENO, 2005a, p. 39-40).

Papel importante foi igualmente exercido pelo Programa de Redistribuição de

Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA), fundado em 1971 com o

objetivo de facilitar o acesso a terra, melhorar as condições de trabalho no campo e estimular a

agroindustrialização nas regiões da SUDAM e da Superintendência de Desenvolvimento do

Nordeste (SUDENE). Em Mato Grosso esse Programa foi relevante porque financiou vários

projetos particulares de colonização no Centro-Norte e especialmente no Leste do Estado.

No mesmo ano foi instituído o Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste

(PRODOESTE), com o objetivo de acelerar o desenvolvimento da região, mas suas ações foram

basicamente direcionadas em benefício do atual estado de Mato Grosso do Sul.

Também com vistas à ocupação dos “espaços vazios” e à melhoria da infra-

estrutura econômica e social de outros locais, foi estabelecido em 1974 o Programa de Pólos

Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLOAMAZÔNIA), tendo sido definidos três deles

em Mato Grosso: Xingu-Araguaia (aproveitamento do potencial hidroelétrico), Juruena e Aripuanã

(aproveitamento integrado de potencialidade agropecuárias, agroindustriais e florestais).

Ainda na década de 1970, mais precisamente em outubro de 1977, foi criado o

estado de Mato Grosso do Sul, desmembrado da área de Mato Grosso. Aliás, essa divisão

representou a consolidação de anseios sul mato-grossenses que remontam à década de 1930

(SILVA, 1996, p. 145). A implementação da medida, no entanto, foi atribuída à vontade pessoal do

Presidente Ernesto Geisel, que a impôs à população (SIQUEIRA, 2002, p. 208).

49

Percebe-se, todavia, que ela se insere na lógica dos objetivos geopolíticos dos

governos militares. Tanto que, na versão oficial, essa fragmentação “[...] foi a necessidade de

ocupação dos vazios demográficos da Amazônia Legal”, e essa decisão em realizá-la “[...] foi a que

melhor serviu, no caso, aos mais altos interesses nacionais” (SILVA, 1996, p. 194)33.

Antes da divisão, havia em Mato Grosso 93 municípios, e a área territorial,

conforme já expressa, era de 1,2 milhões de quilômetros quadrados. Após o seccionamento,

restaram apenas 38 municípios34, distribuídos numa área de 901,4 mil quilômetros quadrados

(SIQUEIRA, 2002, p. 211). Mesmo assim, Mato Grosso ainda é a terceira Unidade da Federação

em superfície, menor apenas que o Amazonas e o Pará. Ademais, a população, que totalizava 2,3

milhões de habitantes, ficou assim distribuída: Mato Grosso, 900 mil habitantes, e Mato Grosso do

Sul, 1,4 milhões de habitantes (FIGUEIREDO, 2003, p. 22).

Diversos programas federais voltados, ou também voltados, para Mato Grosso,

foram ainda criados na década de 1970 e início da década de 1980, todos com o objetivo de

explorar as terras através da agricultura mecanizada, ou “modernizar” a economia, realizar obras de

infra-estrutura e aumentar a capacidade de exportação, inclusive promover e revitalizar a produção

da borracha (PROBOR35, COREXPORT36, PRODECER37, PRODEPAN38 POLOCENTRO39,

POLONOROESTE40).

Na época, as terras mato-grossenses continuavam baratas, devido a sua distância

dos mercados consumidores, à precariedade da infra-estrutura (estradas, armazéns, comunicação

etc.), à baixa produtividade e até mesmo à incapacidade produtiva das áreas de cerrado (ácidas)

diante da tecnologia até então existente. A região do Pantanal, em face da inexistência de uma

malha viária e dos alagamentos, permanecia praticando apenas a pecuária extensiva. Ao norte, a

floresta Amazônica impunha limitações, pois ali qualquer exploração em maior escala mostrava-se

economicamente inviável. Tudo isso transformava a propriedade dessas terras em mera reserva de

33 Maior aprofundamento sobre o processo que resultou no desmembramento de Mato Grosso do Sul pode ser encontrado em Bittar (1999) e Silva (1996), dentre outros. 34 Atualmente Mato Grosso possui 141 municípios. 35 PROBOR: Programa de Incentivos à Produção da Borracha Vegetal, instituído em 1972. 36 COREXPORT: Corredores de Exportação, em 1971, vinculados ao PRODOESTE. 37 PRODECER: Programa Nipo-Brasileiro de Cooperação do Desenvolvimento do Cerrado, em 1974. 38 PRODEPAN: Programa Especial de Desenvolvimento do Pantanal, em 1974. 39 POLOCENTRO: Programa de Desenvolvimento dos Cerrados, em 1975. 40 POLONOROESTE: Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil, criado no início da década de 1980.

50

valor, conforme já anteriormente discutido, e os programas governamentais implementados na

época tinham por objetivo romper esse ciclo vicioso (MARTA et al., 2005, p. 12-13).

Tal rompimento foi desejável não apenas pelas razões levantadas nos discursos

oficiais da época, de “ocupar as áreas vazias” e, assim, “integrar para não entregar” essas vastas

áreas do território brasileiro. Visava, principalmente, dar

[...] vazão às angústias da burguesia capitalista, na busca da expansão para seus mercados e demandas reprimidas de matérias primas que se manifestava de maneira preconceituosa em relação a vazios espaços (sic) e seus ocupantes – caboclos, índios e aventureiros – como sendo responsáveis pelo subdesenvolvimento brasileiro. Mas utilizava, principalmente, a busca de terras pelos colonos do sul do país na sua procura de melhor vida, nem sempre encontrada, como justificativa social para as razões anteriores (MARTA et al., 2005, p. 12).

Diante disso, foram realizados intensos trabalhos de pesquisa, principalmente

pela EMBRAPA, pela Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Agropecuária (EMPA)41, e, ainda,

foram firmadas parcerias dessas instituições com a iniciativa privada, permitindo o

desenvolvimento de novas variedades de sementes, melhor adaptadas à região, em especial para as

culturas de arroz e soja e para a formação de pastagens.

Ademais, a expansão da produção deveu-se, segundo Marta e Figueiredo (2006a,

p. 5), também à formação de um mercado para os produtos derivados do cerrado, apoiado na

Política Governamental de Preços Mínimos (PGPM), executada pela Comissão de Financiamento

da Produção (CFP)42 mediante as Aquisições e Empréstimos do Governo Federal (AGFs e EGFs).

1.3. PERÍODO: 1980-2005

Com o que se expôs até o presente momento, verifica-se que a partir de meados

da década de 1970 ocorreram “[...] transformações na organização da produção do estado, onde a

agricultura de subsistência e a pecuária extensiva estão cedendo espaço para uma agricultura

moderna e uma pecuária especializada” (FIGUEIREDO, 2003, p. 25).

Conforme pode ser constatado na Tabela 1.3.1 e nas figuras 1.3.1 e 1.3.2, a

estrutura da distribuição de estabelecimentos agropecuários também sofreu substancial mudança a 41 Posteriormente incorporada pela Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de Mato Grosso (EMPAER/MT). 42 Atual Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).

51

partir de 1970, ano em que 81,2% do número de estabelecimentos tinham área inferior a 100 ha,

ocupando apenas 3,3% da área total deles. No extremo oposto, as unidades com 1.000 e acima de

1.000 ha representavam 4,8% da totalidade dos estabelecimentos, mas ocupavam 85,2% da área

total. Em 1996 as disparidades diminuíram, embora permanecessem ainda significativas: as

pequenas unidades (menos de 100 ha) diminuíram para 59,5%, controlando os mesmos 3,3% da

área total, enquanto as grandes unidades mais que dobraram, passando para 10,2% do número de

estabelecimentos e para 82,2% da área total. Esses dados evidenciam que o tamanho médio das

pequenas propriedades cresceu e o das grandes diminuiu, ou seja, revelam uma tendência ao

“desaparecimento” dos estabelecimentos com menos de 10 ha e uma concentração maior de

estabelecimentos na faixa de 100 a menos de 1.000 hectares. Ressalte-se, no entanto, que a

estrutura fundiária continuou fortemente dominada pelos estabelecimentos com área de 1.000 ha

para cima. Há que se destacar ainda que o número de estabelecimentos, especialmente os de maior

área, não implicava necessariamente em igual número de proprietários: um mesmo proprietário

podia deter mais de um estabelecimento. Tal fato sugere que a concentração fundiária na realidade

podia ser ainda mais forte do que mostram os dados da tabela em questão.

Para uma melhor visualização das proporções indicadas na tabela anterior,

seguem os gráficos abaixo:

52

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

1970 1980 1985 1996

Anos

Per

cent

ual

Menos de 10

10 a menos de100100 a menos de1.000

1.000 e mais

Figura 1.3.1: Proporção do número de estabelecimentos (%) em Mato Grosso, por grupos de área total (1970-1996) Fonte: Tabela 1.3.1

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

1970 1980 1985 1996

Anos

Per

cent

ual Menos de 10

10 a menos de 100

100 a menos de 1.000

1.000 e mais

Figura 1.3.2: Proporção da área dos estabelecimentos (%) em Mato Grosso, por grupos de área total (1970-1996) Fonte: Tabela 1.3.1

53

No que se refere ao período de 1980 a 2006, a Tabela 1.3.2 apresenta resultados

complementares aos anteriormente comentados. O crescimento do número de estabelecimentos no

período foi de 80,1%, enquanto a área total teve um acréscimo de “apenas” 39,9%, indicando a

ocorrência de diminuição da área média dos estabelecimentos. De fato, essa área passou de 545

para 424 ha, um queda de 22,3%. Já a utilização das terras evidencia o forte avanço das lavouras

(342%) e também a diminuição de terras ociosas: da área total, utilizavam-se 86% em 1980, índice

que passou para 98% em 2006.

Ao se analisarem as áreas utilizadas para matas e florestas, constata-se sua

redução em relação ao total existente: em 1980 representavam 38,9%, passando para 37,4% em

1985, 43,2% em 1995 e 36,7% em 2006. Somando-se esses percentuais aos das áreas não

utilizadas, verifica-se que representavam 52,7% em 1980, baixando para 51% em 1985 e 1995 e

54

despencando para apenas 38,6% em 2006. Admitindo-se que as áreas não utilizadas, somadas às de

matas e florestas, representem, ao menos parcialmente43, as áreas de reserva legal44, os resultados

indicam que não se está respeitando a legislação referente a estas últimas, ou seja, não se está

levando em consideração a variável ambiental45.

Aliás, a questão ambiental não pode mais continuar sendo negligenciada. Grasel

(2003, p. 87) pondera que se trata de uma exigência competitiva, devido ao “[...] aumento da

conscientização sobre os limites do meio ambiente para a manutenção do padrão de produção e

consumo atual, [o que] não permite mais que a variável ambiental seja desconsiderada na avaliação

dos investimentos, como fazem os modelos tradicionais”.

O autor também chama a atenção para o paradoxo aí estabelecido: a mesma

estrutura produtiva que viabiliza a sobrevivência humana ameaça-a. Assim, a intensificação da

fiscalização pelos órgãos governamentais e pela sociedade e o crescente grau de exigência dos

consumidores nesse aspecto fazem com que a avaliação do impacto ambiental de um projeto de

investimento seja uma forma de preparar-se para um futuro próximo em que a questão ambiental se

tornará uma exigência competitiva, tornando importante “[...] a busca de novos padrões de

desenvolvimento (o desenvolvimento sustentável)46” (p. 88-89).

43 Parcialmente porque existem as áreas de preservação permanente, portanto não consideradas como “reserva legal”, que são aquelas “ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água [...], ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais, nas nascentes [...], no topo de morros, montes, montanhas e serras, nas encostas ou parte destas, com declividade superior a 45º [...], nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, nas bordas dos tabuleiros ou chapadas [...], em altitude superior a 1.800 metros, qualquer que seja a vegetação” (PANIZI, 2006, p. 203). 44 Reserva legal é a “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativa” (JOELS, 2008, p. 3). O seu tamanho varia de acordo com o bioma e a extensão do estabelecimento. É de 80% da área do imóvel rural localizado na Amazônia Legal; 35% da área do imóvel rural fixado no bioma cerrado; e de 20% para os estabelecimentos rurais localizados nas demais regiões do país (PANIZI, 2006, p. 207). 45 São dados como esses que reforçam os argumentos daqueles que defendem a operação denominada “Arco de Fogo” (A “Operação Arco de Fogo” é uma ação promovida pelo Governo Federal, iniciada no primeiro trimestre de 2008, coordenada pelo Ministério do Meio-Ambiente e executada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), com apoio da Polícia Federal, que visa conter os desmatamentos irregulares e coibir a comercialização ilegal de madeiras da Região Amazônica). 46 A preocupação com a sustentabilidade do desenvolvimento econômico surgiu na década de 1980. Para Abramovay (1994, p. 3), a sustentabilidade é uma noção socialmente construída e que não pode ser compreendida fora de seu uso, tanto nos discursos científicos como na política. Dessa forma, o desenvolvimento econômico que preenche os requisitos da sustentabilidade torna-se o “desenvolvimento sustentável”. Foi durante a década de 80 que ficou exposta a dicotomia entre ambientalistas e economistas. Para os primeiros, o homem deveria se submeter às leis da natureza e, para os segundos, a natureza deveria ser subjugada em benefício do homem. Segundo Melo (1999, p. 12), esse dilema suscitou uma grande inquietação, pois a ameaça do esgotamento das ofertas ecológicas pode atingir o ponto de exaustão, colocando em risco o prolongamento da vida humana no planeta. Para Bruseke (1995), o Relatório de Brundtland, elaborado em 1987 pela

55

Quanto à população, dados do IBGE (2004) registraram um aumento de 1,1

milhão de habitantes para 2,8 milhões, entre 1980 e 2005, correspondente a um crescimento de

149,2%. No mesmo período, a população brasileira subiu de 118,5 milhões para 184,2 milhões de

habitantes, crescimento de 55,3%. No que diz respeito à taxa média geométrica de crescimento da

população residente, sua evolução consta na Tabela 1.3.3, sendo a de Mato Grosso muito superior à

do Brasil. Tal variação deveu-se aos intensos fluxos migratórios, fruto das políticas de “ocupação”

já mencionadas.

Todas as ações governamentais, que propiciaram a atração de novos contingentes

populacionais para Mato Grosso, resultaram em “[...] um processo de ‘integração técnica’ da

indústria com a agricultura, certamente passando pela modernização das operações, na qual se

integrava a máquina e implementos de forma mais intensa” (MARTA; FIGUEIREDO, 2006a, p. 4).

Em decorrência disso, o volume da produção agrícola e pecuária do Estado, no

período de 1980 a 2005, apresentou significativos avanços, fato que será evidenciado adiante.

As principais atividades econômicas exercidas no processo de modernização da

agricultura mato-grossense foram as culturas de arroz, soja, algodão, milho, mandioca e cana-de-

açúcar, bem como a criação de bovinos, suínos e aves, além da exploração madeireira.

Organização das Nações Unidas (ONU), lançou uma visão abrangente sobre economia, tecnologia, sociedade e política e ressaltou os preceitos da ética para a sociedade contemporânea. Nesse documento, o desenvolvimento sustentável foi conceituado como sendo aquele que “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer as capacidades de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades [...]”. Percebe-se aqui uma descrição do nível do consumo mínimo partindo das necessidades básicas, mas não há referência quanto ao nível máximo de consumo. Já Montibeller Filho (2004), defende que esse Relatório enfraqueceu o culto antropocêntrico orientador das economias de mercado, mas não recomendou a limitação do crescimento para nenhum país, motivo pelo qual é alvo de severas críticas.

56

O modelo de ocupação dos solos mato-grossenses até o início dos anos oitenta

apresentava uma seqüência mais ou menos uniforme: iniciava-se pela derrubada47 da mata e/ou do

cerrado, com aproveitamento comercial das espécies mais nobres ou mais conhecidas, e culminava

com a queima do restante (quando não da totalidade) da vegetação destruída. Concluída a

queimada, realizava-se o enleiramento, de modo a deixar a terra nua em condições de receber o

preparo para o plantio da cultura que se destinava a “amansar a terra”48, ou seja, o arroz.

Dessa maneira, durante toda a década de setenta, Mato Grosso foi grande produtor de madeira, vendida em toras ou simplesmente serrada, e arroz, comercializado, em geral, com a Comissão de Financiamento da Produção (CFP), dentro da Política de Garantia de Preços Mínimos oferecida pelo Governo Federal. O arroz era assim vendido em casca ou simplesmente beneficiado, em reduzida quantidade. Dessa maneira, grande número de empresas industriais adquiria matéria prima como madeira e arroz, refletindo na estatística como mais de 70% dos estabelecimentos e empregos nas atividades de madeira e alimentos (MARTA et al., 2005, p. 13-14).

Depreende-se daí que foi comum o aumento da produção de arroz em áreas de

expansão, pelo fato de seu cultivo ter sido utilizado como passo inicial para a abertura da fronteira

agrícola. Portanto, ao se analisar

[...] a evolução da produção agrícola recente, deve-se tomar o cuidado de não considerar a redução ou deslocamento da produção regional e das áreas de lavoura de arroz como indicadores de decadência ou esgotamento econômicos. Esses movimentos, ao contrário, podem estar significando (sic) a expansão das culturas intensivas de milho e soja (GUIMARÃES; LEME, 1998, p. 39).

“Amansada” a terra, a próxima etapa era introduzir a prática da pecuária bovina

extensiva, sendo que grande parte dos animais continuava sendo comercializada em pé para outros

47 Essa derrubada, que ocorria principalmente no cerrado – mas também em região de mata, como Terranova do Norte, por exemplo –, era executada com o sistema de “correntão”. Inicialmente se procedia ao corte das espécies mais nobres e/ou mais conhecidas para aproveitamento comercial (mogno, ipê, cedro, jatobá, maçaranduba), bem como de outros troncos mais grossos para possibilitar a operação. A seguir, uma corrente/cabo de aço suficientemente resistente era presa a dois tratores (de esteira, na mata, e agrícolas, no cerrado), distantes algumas dezenas de metros um do outro, os quais, avançando paralelamente, arrastavam a corrente/cabo pela vegetação, de modo a colocar abaixo toda a cobertura vegetal. Nesse processo, as árvores eram arrancadas com a raiz. Tudo o que havia sobre o solo – plantas, animais, filhotes, ninhos e insetos – ia de roldão. Esse era, sem dúvida, o meio mais destruidor, pois colocava no chão a mata com toda sua biodiversidade, para depois ser queimada. 48 “Amansar a terra” significava reduzir as ervas daninhas, utilizando-a para uma atividade econômica, enquanto o tempo se encarregava de eliminar tocos e raizame, por apodrecimento. Para tanto, o cultivo do arroz precedia a formação do capim, durante três a quatro anos (MARTA, 2008; MESQUITA; FIGUEIREDO, 1979, p. 42; GRAZIANO, 2008).

57

Estados, e a carne, industrializada nos poucos frigoríficos existentes, era destinada aos mercados

nacionais.

No início da década de 1980 verificou-se a primeira crise na produção de arroz

no Estado, coincidindo com o período da interdição, pelo governo estadual, da saída de madeira em

toras. O problema só não se agravou graças ao desenvolvimento de pesquisas, especialmente em

relação à soja. Os solos exauridos pela seqüência de plantios de arroz – gramínea exigente em

nitrogênio – puderam ser também cultivados com soja. Após a correção da acidez dos solos,

mediante a incorporação de calcário, essa leguminosa – que tem a qualidade de capturar nitrogênio

do ar e fixá-lo na terra, através de suas raízes – passou a ser cultivada (MARTA et al., 2005, p. 14)

em rotação com o milho, em alguns casos.

O algodão foi uma cultura que também se intensificou. Apesar de haver sido

introduzido em Mato Grosso em 1933, foi apenas em 1966 que a primeira beneficiadora

(descaroçadeira) instalou-se no Estado. As pesquisas sobre essa cultura na região começaram a ser

realizadas a partir do início da década de 1980, pela EMPA, com o apoio da EMBRAPA e em

parceria da Fazenda Itamarati Norte. Testaram-se 20 materiais genéticos quanto à época de plantio,

competição de variedades e adubação, resultando no lançamento da cultivar ITA-90, em 1992.

Outras parcerias, na década de 1990, entre a EMBRAPA, a EMPAER-MT e o setor privado

(Fundação Mato Grosso, Grupo Maeda) propiciaram o lançamento de novas variedades (PARO,

2000).

Em 02/06/1997, através da Lei Estadual nº 6.883, foi criado o Programa de

Incentivo ao Algodão de Mato Grosso (PROALMAT), com a finalidade de promover a recuperação

e a expansão da cultura do algodão, concedendo incentivo fiscal de 75% do Imposto sobre

Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte

Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) incidente sobre o valor de

comercialização da produção. Foi também instituído o Fundo de Apoio à Cultura do Algodão

(FACUAL), vinculado ao PROALMAT, ao qual são recolhidos 15% do valor do incentivo. Os

recursos do FACUAL destinaram-se à pesquisa, ao controle de pragas e doenças da cultura, ao

treinamento de mão-de-obra e à realização de eventos técnicos.

Os resultados das pesquisas, após essas iniciativas, foram significativos,

refletindo-se especialmente na produtividade local da cultura, que saltou de menos de 600 kg de

58

pluma por ha nos anos anteriores, para 1.300 kg/ha nos anos posteriores. Essa evolução será

detalhada no Capítulo III.

Quanto à soja, esta passou a ser cultivada em Mato Grosso, para fins comerciais,

a partir do final dos anos de 1970 (MORENO, 2005c, p. 145) e desbancou o algodão e o amendoim

como fontes de produção de óleo. Essa expansão deu-se com o surgimento de um novo padrão de

produção, não mais baseado na intensiva utilização do trabalho humano (o plantio e a colheita do

algodão e amendoim eram feitos a mão), mas na intensificação do uso do capital, especialmente a

máquina, tudo como parte do processo da implantação, no Brasil, da chamada modernização da

agricultura (MARTA, 2006a, p. 3).

“A disponibilidade de terras, a melhoria de cultivares adaptadas ao Cerrado, o

manejo das culturas, o emprego de tecnologia e o mercado crescente favoreceram o constante

aumento da produção de soja no Estado [...]” (MORENO, 2005c, p. 146). Assim, além da

ampliação da área plantada, houve no período importantes ganhos de produtividade, o que

recentemente colocou Mato Grosso como o maior produtor brasileiro de soja. De fato, a capacidade

de industrialização estabelecida no Estado em 2006 era de 5,3 milhões de toneladas de grãos, que

resultou em 4,1 milhões de toneladas de farelo e 1 milhão de toneladas de óleo. O faturamento

resultante da sojicultura estadual em 2006 foi de R$ 9,25 bilhões, sendo 64,8% provindos da

comercialização do grão, 21,6% do farelo e 13,6% do óleo (SEFAZ, 2007a).

Em relação à pecuária bovina, a principal atividade econômica local até 1970,

ela ocupava, ainda em 1995, 90% da área total destinada à agropecuária (MORENO, 2005c, p.

159). O rebanho bovino evoluiu de um efetivo de 5,2 milhões de animais em 1980 para 26,7

milhões em 2005, totalizando um crescimento de 408%.

Considerando que o desfrute anual de bovinos situa-se em 20,6%, o resultado foi

a comercialização, em 2005, de 5,49 milhões de cabeças, das quais aproximadamente 5 milhões

foram abatidas no Estado e as 490 mil restantes comercializadas em pé, em operações

interestaduais (SEFAZ, 2007b).

Nas últimas três décadas, especialmente na de 90, a pecuária alcançou progressos

tecnológicos marcantes, cumprindo parcialmente49 exigências do mercado internacional.

Modernizou-se mediante execução, pelo produtor, de melhoramentos em nível genético, sanitário,

49 Parcialmente porque os avanços ainda não foram suficientes para satisfazer por completo exigências do mercado europeu.

59

de manejo, nutricional, profilático e ambiental, além dos investimentos em tecnologia e a elevação

do padrão zootécnico do rebanho, conseguido através de cruzamentos industriais e da introdução de

reprodutores e matrizes de origem pura, além da adoção da técnica de inseminação artificial.

Certamente o Programa Novilho Precoce, instituído pelo Estado em novembro

de 1992, contribuiu para esses avanços. Esse Programa teve o objetivo de reduzir a idade de abate

dos animais, proporcionando ao produtor maior rapidez na reposição do rebanho e no giro do seu

capital, bem como aumentar a oferta de carne, melhorar a genética, o manejo e a alimentação do

rebanho. Ademais, previa uma remuneração de até 5% superior à do mercado, pago pelos

frigoríficos por animais classificados como novilho precoce, cujo valor esses estabelecimentos

utilizavam como crédito fiscal na apuração do ICMS.

A suinocultura e a avicultura, em função da implantação da agroindústria da soja

e diante da possibilidade oferecida de aproveitamento do milho, foi ganhando espaço no Estado,

especialmente a partir da segunda metade da década de 90 (MORENO, 2005c, p. 158-163).

Entre os anos de 1980 e 2005, o rebanho suíno saltou de um efetivo de 556 mil

para 1,4 milhão de animais, perfazendo uma evolução de “apenas” 145% no período, tendo

permanecido praticamente estagnado entre 1992 e 2000, após o que, de 2001 a 2006, voltou a

crescer. O desfrute anual dos suínos era de aproximadamente 97%, o que resultou na

comercialização de 1,3 milhão de cabeças em 2005, das quais 40% foram vendidas em pé para

outros Estados e 60%, abatidas nos frigoríficos locais (SEFAZ, 2007b).

O crescimento da atividade a partir do ano 2001 pode ter sido decorrente da

atuação do Programa Granja de Qualidade, implantado pelo Estado em 1995, em incentivo à

suinocultura segundo padrões internacionais de higiene e qualidade, além de prever a redução de

66,66% do ICMS.

Os objetivos do Programa eram estimular a suinocultura estadual, dentro dos

mais altos padrões de qualidade, desenvolver o setor da indústria frigorífica, agregar valor aos

grãos, cereais e derivados e melhorar a qualidade da carne. Vinculavam-se à iniciativa o Fundo de

Apoio à Suinocultura Mato-Grossense (FASM) e o Fundo de Controle Sanitário e de Apoio à

Suinocultura Mato-Grossense (FUSAMAT). Ao primeiro eram recolhidos 15% do valor do

incentivo. Esses recursos destinavam-se ao controle e erradicação de doenças, treinamento e

qualificação de mão-de-obra, promoção de eventos para o estímulo à atividade suinícola, além de

60

investimentos de interesse coletivo, de saneamento e preservação ambiental. Quanto ao segundo,

este era constituído por contribuições de indústrias, abatedouros, frigoríficos e de criadores de

suínos, tendo por finalidade o atendimento de ações emergenciais de natureza sanitária.

O Programa Granja de Qualidade abrangia 15% do rebanho total em 1997 e

passou para 71% em 2005.

Quanto à avicultura, o crescimento do efetivo de aves foi de 4.694% entre 1980 e

2005, passando de 441 mil para 21,1 milhões.

Verifica-se, diante do exposto, que ocorreu um processo de gradativa

consolidação da atividade pecuária no Estado.

Por outro lado, desenvolvia-se o processo extrativo madeireiro, cuja forma

intensiva e até predatória é relativamente recente em Mato Grosso, tendo se iniciado praticamente

na década de 1960, adquirindo expressiva importância a partir de 1970, “[...] pelo contingente de

trabalhadores atuando em todos os segmentos e suas rendas; o capital investido nas diversas

tecnologias empregadas e os resultados dessas inversões; [...] além dos aspectos históricos

envolvidos na implantação de cidades, infra-estrutura e mudanças sociais que a envolve” (MARTA,

2006b, p. 1-2).

No processo de ocupação do Estado, a comercialização da madeira foi uma fonte

de recursos para ações posteriores, de implantação de lavouras e/ou da pecuária.

A intensificação em sua produção, sobretudo de 1980 em diante, deveu-se “[...] à

abertura de estradas e a expansão capitalista, teve como efeito, a ampliação e a busca de maior

produção e produtividade de produtos comercializáveis oriundos das matas de transição [...]”

(MARTA, 2006b, p. 5), fazendo com que a indústria madeireira se transformasse no setor da

produção secundária com o maior número de empresas instaladas no território mato-grossense.

Esses estabelecimentos respondiam por aproximadamente 26% do emprego gerado nas indústrias

de Mato Grosso, sendo que a maioria está instalada na região Norte, onde predomina a floresta

amazônica (MORENO, 2005d, p 176).

Outra razão dessa expansão foi o Programa de Desenvolvimento do Agronegócio

da Madeira no Estado de Mato Grosso (PRO-MADEIRA), instituído em 1999, com o objetivo de

estimular a verticalização, a agregação de valor e a modernização da atividade madeireira, bem

como garantir a sustentabilidade dos recursos florestais, mediante a concessão de crédito fiscal de

61

até 85% do valor do ICMS. Atualmente esse Programa se encontra desativado, já que as empresas

migraram para o Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso

(PRODEIC), uma nova linha de incentivo que concede benefício fiscal até o montante do ICMS

devido.

No entanto, a importância econômica do segmento vem decrescendo nos últimos

anos. Em 2002 respondeu por 4,4% do total de ICMS arrecadado, passando para 3,6% em 2003 e

3,2% em 2005 (SEFAZ, 2006). A participação nas exportações totais do Estado também aponta no

mesmo sentido: em 2000 representava mais de 7%, passando para 4,5% em 2005. A produção de

madeira em tora igualmente diminuiu entre 1994 e 2005, de 4,1 para 1,7 milhões de m3 anuais.

Duas são as causas mais prováveis desse comportamento: a exaustão das reservas e a crescente

pressão no sentido manter a sustentabilidade dos recursos florestais.

As atividades agropecuárias acima descritas estão hoje entre as principais do

Estado, que em 2005 se tornou o maior produtor brasileiro de algodão em pluma e de soja e o

segundo e o quarto colocado na produção de arroz e de milho, respectivamente, além de possuir o

maior rebanho de bovinos (tomando-se o efetivo por Estado), tudo conforme demonstrado na

abaixo.

Em 2005, em relação ao cultivo de algodão, Mato Grosso foi disparadamente o

maior produtor nacional, seguido por Goiás, com uma produção de 159,7 mil toneladas e, ainda,

pela ordem, por Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas Gerais, com produções que se situaram no

62

intervalo de 50 a 70 mil toneladas. Quanto ao arroz, este teve como o maior produtor brasileiro o

Rio Grande do Sul (6.205,2 mil toneladas), ficando Mato Grosso na segunda colocação e Santa

Catarina na terceira (1.049,9 mil toneladas). No que diz respeito ao milho, os estados do Paraná

(8.414,3 mil toneladas), de Minas Gerais (6.172,3 mil toneladas) e de São Paulo (3.984,5 toneladas)

foram maiores produtores que Mato Grosso. Já para a soja, Mato Grosso, representando 34,5% da

produção nacional, também foi disparadamente o maior produtor, seguido pelo Paraná (9.541,3 mil

toneladas) e por Goiás (6.985,1 mil toneladas). Quanto à pecuária bovina, o rebanho local, de 26,7

milhões de cabeças, representava 12,9% do rebanho nacional, sendo que o segundo maior rebanho

se concentrava em Mato Grosso do Sul (26,7 milhões de cabeças), o terceiro em Minas Gerais e o

quarto em Goiás (21,4 e 20,7 milhões de cabeças, respectivamente) (CONAB, maio 2006; IBGE,

2008).

Maiores detalhamentos e dados sobre outros cultivos (cana-de-açúcar, mandioca

e milho) serão discutidos no Capítulo III.

63

CAPÍTULO II – REFERENCIAL TEÓRICO: TEORIA DA RENDA FUNDIÁRIA

2.1. INTRODUÇÃO

A discussão do conceito de renda da terra iniciou-se com a Escola Fisiocrata50

(1756-1776), que o tinha como núcleo central, já que, para os pensadores dessa teoria, “[...] a única

atividade econômica capaz de gerar um ‘excedente’ era a agricultura e esse produto líquido

restringia-se inteiramente à renda fundiária” (LENZ, 1981, p. 13).

O debate sobre o conceito e as implicações econômicas da renda da terra foi

aprofundado pelos economistas da Escola Clássica51, especialmente David Ricardo (1772-1823).

Posteriormente Karl Marx (1818-1883) retomou a discussão, dispensando a essa categoria

econômica importante destaque em sua obra, especialmente em O Capital.

Embora na atualidade essas abordagens tenham perdido espaço, dado que o

processo de acumulação capitalista desenvolve-se sob o predomínio do setor industrial e as

abordagens teóricas são realizadas sob o enfoque marginalista – conceitos de utilidade e escassez

dos fatores de produção –, apesar disso, repita-se, a terra é um fator de produção especial: não é

fruto do trabalho humano e não é um bem reproduzível, portanto, um meio de produção limitado,

que, além disso, pode ser apropriado; dito de outro modo, existe a propriedade privada da terra.

Essas especificidades conferem ao estudo da renda da terra e à atividade econômica nela exercida–

a agricultura – peculiaridades especiais (LENZ, 1981, p. 11-12).

Quanto à abordagem realizada pelos clássicos, embora Smith e Malthus tenham

apresentado importantes contribuições para o estudo da renda da terra, no presente trabalho será

abordado, com algum detalhamento, o pensamento de Ricardo, que representa a forma mais

50 Araújo (1988, p. 21), bem como outros autores, estabelecem que os fisiocratas não se constituíram em “Escola”, já que seu corpo doutrinário não foi completo nem coerente. Destaca, no entanto, que esse enforque é arbitrário, pois, “Sob outros critérios [...] poderiam ser considerados como a primeira escola de economia”, tanto é que o francês François Quesnay (1694-1774), grande expoente da fisiocracia, é considerado o pai da macroeconomia, em virtude de sua análise do fluxo circular da riqueza macroeconômica. No entanto, devido à pouca relevância dessa questão para o presente trabalho, não se aprofundará essa discussão, admitindo-se a interpretação de Souza (2005, p. 54), que trata os fisiocratas simplesmente como precursores dos clássicos. 51 A Escola Clássica do pensamento econômico teve como principais expoentes Adam Smith (1723-1790), Thomas Malthus (1766-1834) e David Ricardo (1772-1823). Seu tema central foi “[...] o crescimento econômico a longo prazo e o modo como a distribuição da renda entre as diversas classes sociais influencia este crescimento” (ARAÚJO, 1998, p. 22). Preocuparam-se, portanto, com o destino do excedente econômico.

64

completa e acabada daquelas análises, com “[...] um nítido progresso em face a Smith”

(NAPOLEONI, 1985, p. 86), constituindo-se praticamente numa espécie de “versão final” delas.

2.2. TEORIA RICARDIANA DA RENDA FUNDIÁRIA

A teoria desenvolvida por Ricardo tem por arcabouço o modo de produção

capitalista e considera que as relações de produção envolvem três classes sociais: os capitalistas, os

trabalhadores e os proprietários da terra. Os primeiros, detentores dos meios de produção,

responsáveis pela produção e acumulação do capital. Os segundos, fornecedores de mão-de-obra e

os terceiros, detentores do monopólio da terra (LENZ, 1981, p. 20). A preocupação de Ricardo

envolve a questão da “[...] repartição do produto entre trabalhadores, capitalistas e proprietários”

(SINGER, 1979, p. 248), ou seja, salários, lucro e renda.

Quanto ao salário, o teórico considerou que ele tem dois preços: o natural e o de

mercado. O preço natural corresponde às necessidades do trabalhador para sustentar-se e à sua

família, de forma a manter o número de trabalhadores:

[...] não depende da quantidade de dinheiro que ele [o trabalhador] possa receber como salário, mas do montante de comida, bens necessários e conforto que lhe são, por costume, essenciais, e que aquele dinheiro comprará. O preço natural do trabalho, portanto, depende do preço dos alimentos, dos bens necessários e comodidades exigidas para sustentar o trabalhador e sua família (RICARDO, 1979, p. 299).

Já o preço de mercado do trabalho refere-se ao valor efetivamente pago por ele,

sendo regulado pela oferta e pela demanda: “O trabalho é caro quando escasso, e barato quando

abundante” (RICARDO, 1979, p. 299). Embora haja essa possibilidade de o preço de mercado do

trabalho desviar-se do preço natural, a tendência é que, via de regra, se igualem.

O argumento ricardiano para esse equilíbrio é o seguinte: estando o preço acima

do natural, o trabalhador pode criar uma família saudável e numerosa, de modo que cresce o

número de trabalhadores, e o salário recua para seu preço natural. Do contrário, ou seja, mantendo-

se o preço de mercado abaixo do natural, instala-se a pobreza, e o trabalhador enfrenta privações,

reduzindo sua prole, levando à diminuição da oferta de mão-de-obra e elevando o salário até seu

preço natural (RICARDO, 1979, p. 300).

65

Quanto à renda da terra, na concepção ricardiana, ela é “[...] a porção do produto

da terra paga ao seu proprietário pelo uso das originais e indestrutíveis energias do solo”, sendo

paga por existir em quantidade limitada. Assim, quando cresce a população e “[...] terras de

qualidade inferior, ou menos vantajosamente situadas, são colocadas em cultivo, a renda é paga por

seu uso” (RICARDO, 1979, p. 283-284).

Portanto, se o salário é determinado pelo custo de “[...] aquisição de uma cesta

mínima de bens que possibilite os operários subsistirem sem aumento nem diminuição” (ARAÚJO,

1988, p. 41), e a renda é estabelecida em função da produtividade em terras piores (fertilidade

natural e/ou localização), o lucro nada mais é do que o resíduo do produto total. Conforme Ricardo

(1979, p. 272), “não pode haver um aumento no valor do trabalho sem uma queda nos lucros. Se o

cereal deve ser dividido entre o fazendeiro e o trabalhador, quanto maior for a parcela dada ao

último, menor a que sobrará para o primeiro”.

Nessas circunstâncias, pode-se entender a preocupação do estudioso com as

Corn Laws52 na Inglaterra, preocupação essa externada em 1815, no Ensaio sobre a Influência do

Baixo Preço do Trigo nos Lucros da Bolsa. As Corn Laws tinham por objetivo proteger a

triticultura inglesa, proibindo a importação de trigo, a não ser que seu preço se elevasse

internamente acima de certo teto. Diante disso, Ricardo argumenta que o preço alto do trigo

resultava em altos salários nominais, reduzindo os lucros e favorecendo somente os proprietários de

terras, que teriam incrementas suas rendas. Considerando que a acumulação de capital é função do

lucro, o alto preço do trigo atuava como limitador da expansão da atividade econômica. Verifica-se,

portanto, que o autor, na questão da repartição, defende políticas favoráveis ao lucro, pois, na sua

concepção, os proprietários de terras gastavam suas rendas em consumo geralmente supérfluo,

enquanto os capitalistas acumulavam grande parte dos seus lucros, possibilitando o investimento e

conseqüentemente o crescimento econômico53 (SINGER, 1979, p. 245-246; ARAÚJO, 1988, p.

41).

Pode-se, assim, entender por que Ricardo colocou a determinação do valor e da

evolução da taxa de lucro no centro da teoria econômica, já que numa economia capitalista “[...] a

taxa de lucros representa a grandeza econômica fundamental, na medida em que dela depende o 52 Leis do Trigo (tradução própria). 53 “É curioso que Ricardo tenha assumido essa posição apesar de ele mesmo ser proprietário de terras” (SINGER, 1979, p. 246).

66

movimento do processo capitalista e é dela que depende o próprio destino histórico desse processo”

(NAPOLEONI, 1985, p. 87).

Logo, já que a dinamização da economia depende do lucro e os salários tendem a

manterem-se em patamares correspondentes ao seu preço natural, o que impossibilita sua redução

para aumentar o lucro, resta examinar mais cuidadosamente a renda da terra, cuja diminuição

levaria à expansão da atividade econômica. Lenz (1981, p. 23) destaca que a “[...] tese fundamental

de Ricardo é que a taxa geral de lucro da economia é determinada pela taxa de lucro agrícola e que

o seu exame exige uma análise concomitante da renda fundiária”.

Essa questão do lucro é examinada por Ricardo em dois momentos: em 1815, no

já citado Ensaio, e em 1817, em Princípios da Economia Política e da Tributação. Considerações

contidas nessas duas obras servem de base para os comentários que seguem.

De início, cabe-nos ressaltar alguns pressupostos adotados pelo pesquisador para

delimitar suas análises, dentre os quais figuram: primeiro, o fato de ele circunscrever a formação da

renda da terra às terras cultivadas com trigo54, na época, o alimento essencial básico da população;

segundo, o fato de ele estabelecer que o consumo do trigo ocorre em função do tamanho da

população, ou seja, de acordo com a população fica determinada a produção de trigo.55. Isso

significa perfeita inelasticidade(, implicando na real ausência de elasticidade) da demanda por trigo;

terceiro, o fato de ele presumir que não há escassez de capital para investimento na economia como

um todo e que esse capital tem mobilidade perfeita56, de modo que a agricultura não enfrenta essas

limitações; e, por último, o fato de ele crer que a ampliação dos cultivos se dá no sentido das terras

melhores para as piores, implicando que essa expansão se realiza de forma a apresentar

rendimentos decrescentes (LENZ, 1981, p. 22).

54 Esse pressuposto já foi anteriormente elaborado por Adam Smith na sua análise sobre a questão da formação da renda da terra, quando assevera que “[...] a renda da terra cultivada cuja produção é a de alimento para o homem serve de padrão à renda da maior parte das outras terras cultivadas. Nenhuma produção pode render menos, pois a terra seria então imediatamente destinada para outro uso. E se alguma produção especial rende mais, é porque a quantidade de terra apropriada para essa produção é demasiado pequena para satisfazer a procura efetiva. Na Europa o trigo é a principal produção destinada ao consumo humano imediato. À exceção de casos particulares, a renda das terras de trigo serve pois de padrão na Europa às de todas as outras terras cultivadas” (SMITH, 1979, p. 128). 55 “[...] verifica-se que Ricardo parte da teoria malthusiana da população, pois somente a aceitação de um crescimento demográfico contínuo é que explica a existência de uma demanda ampliada por produtos agrícolas” (LENZ, 1981, p. 22). 56 Mobilidade perfeita de recursos (no caso, o capital) significa que estes podem deslocar-se livre e facilmente de um setor de produção para outro (ROSSETTI, 1997, p. 401).

67

Os clássicos (com exceção de Smith), sobretudo Ricardo, eram pessimistas.

Postulavam que a demanda de produtos agrícolas exigiria de forma crescente o cultivo de terras de

pior qualidade, com custos mais elevados. Isso provocaria uma também crescente elevação real dos

preços agrícolas, reduzindo, assim, a taxa de lucro da economia em geral, tendendo a paralisar o

processo de acumulação. Em face disso, surgiu a “lei dos rendimentos decrescentes”, que “[...]

postulava que toda inversão adicional de trabalho e capital na agricultura não seria acompanhada da

obtenção de uma quantidade correspondente de produtos, mas de uma quantidade cada vez menor.

O argumento principal era de que, se assim não fosse, nunca seria necessário elevar-se a área

cultivada” (SILVA, 1980, p. 18-19)57.

Em seu já referido Ensaio, Ricardo parte do princípio de que o nível da taxa de

lucro está interligado à questão da determinação da renda fundiária, conforme explicitado logo na

introdução daquele texto, nos seguintes termos: “Ao analisar-se a questão dos lucros do capital,

torna-se necessário considerar os princípios que regulam o aumento e a diminuição da renda

fundiária, uma vez que esta e os lucros encontram-se em íntima conexão entre si” (RICARDO,

1985, p. 195).

Já o processo de formação da renda fundiária, contido em Princípios, encontra-

se na tabela abaixo, exemplo esse fornecido pelo próprio autor:

57 Os clássicos consideravam essa “lei” como uma das particularidades da agricultura. Já os neoclássicos a adotaram de maneira ampliada e estática, estendendo-a a todos os fatores de produção, mantendo-os constantes, exceto um.

68

Nesse exemplo temos oito fases (etapas) de incorporação de novas frações de

terras ao cultivo. Supõe-se que, no começo de determinado processo de desenvolvimento nacional,

toda demanda por gêneros alimentícios pode ser satisfeita pela produção obtida nas terras mais

férteis e melhor localizadas, disponíveis em abundância. Nessa fase inexiste a renda fundiária, e o

valor da produção, descontados os custos, representa o lucro do capitalista que investiu seu capital

naquela terra. No exemplo apresentado, são aplicadas, ao ano, $ 200 (unidades monetárias) de

capital (incluindo salários), e a produção obtida equivale a $ 300, resultando num lucro de $ 100

sobre $ 200, o que é representativo de uma taxa de 50%.

Para certo período, havendo abundância de terras identicamente férteis e

favoravelmente situadas, que não exijam aporte adicional de capital, o lucro pode manter-se

inalterado. Porém, pode até aumentar caso a população cresça mais rapidamente do que o capital, o

que reduziria salários e demandaria menos capital circulante. Melhoras nas técnicas de cultivo ou

nos implementos utilizados podem produzir o mesmo efeito, já que aumentam a produção com um

custo constante. Esse lucro adicional volta a cair tão logo os salários se elevem, em função da

necessidade de se cultivarem terras mais pobres em fertilidade e pior localizadas (RICARDO, 1985,

p. 197).

69

Na hipótese anteriormente levantada, segundo a qual o lucro equivale a uma taxa

de 50%, o lucro de qualquer capital empregado naquela economia é, também, de 50%. Os motivos

para isso são explicitados por Ricardo (1985, p. 199): “Se os lucros do capital empregado no

comércio fossem superiores a 50%, o capital seria transferido da terra para o comércio; se fossem

inferiores, o capital seria transferido do comércio para a agricultura”.

Continuando o processo de desenvolvimento, com crescimento da população e,

conseqüentemente, da demanda por alimentos, há necessidade de serem cultivadas terras menos

férteis e/ou pior localizadas, exigindo-se um aporte de capital maior para realizar a mesma

produção obtida na terra utilizada no primeiro momento. Admitindo-se elevar para $ 210 o

adiantamento de capital nessa segunda fração de terra para produzir $ 300, o lucro, nesta fração, cai

para $ 90, o correspondente a 42,9%. Na primeira fração de terra, o rendimento total continua o

mesmo ($ 100), “mas, estando os lucros gerais do capital regulamentados pelos lucros realizados no

emprego menos proveitoso do capital na agricultura, teria lugar uma subdivisão [...]” (RICARDO,

1985, p. 199). Essa subdivisão é representada pelo lucro, agora de 42,9%, sobre $ 200, que

equivale a $ 86 (apropriados pelo capitalista), e os $ 14 restantes passam a constituir-se em renda da

terra (apropriados pelo dono da terra).

Caso seja necessário, em etapas subseqüentes, incorporar ao processo produtivo

novas frações de terra, a evolução é a mesma apresentada na Tabela 2.2.1: o lucro cai para 36,4%,

representando uma queda de $ 86 para $ 73 na primeira fração e de $ 90 para $ 76 na segunda,

passando a renda fundiária na primeira parcela, de $ 14 para $ 27 e na segunda, de zero para $ 14.

Até a quinta fração de terras o lucro total cresce em valores absolutos, mas diminui em valores

relativos, até tomar valores absolutos com crescimento negativo. Já a renda total apresenta

crescimento positivo ao longo de todo o processo, conforme demonstrado no gráfico abaixo,

construído a partir dos dados da Tabela 2.2.1.

70

A diminuição dos lucros deve-se ao fato de que não se pode obter terra

uniformemente apta para produzir alimentos, o que aumenta os custos de produção e, por

conseguinte, sobem os gastos com trabalho, reduzem-se os lucros e crescem as rendas. Essa alta do

custo de produção decorre, portanto, da necessidade de se empregar mais trabalhadores nas terras

menos férteis ou mais distantes, para se obter o mesmo volume de produção (RICARDO, 1985, p.

204)58.

A construção do raciocínio apresentado decorre da adoção das hipóteses

anteriormente citadas e a que supõe que, no período sob análise, não haver aperfeiçoamentos na

agricultura e de o capital e a população crescerem de forma equilibrada, ou seja, que os salários

reais se mantenham uniformemente os mesmos (LENZ, 1981, p. 25-26).

Diante de todas essas hipóteses, que funcionam como ceteris paribus da teoria

até aqui explicitada, Napoleoni (1985, p. 90) destaca que resultam problemas nas análises feitas por

58 A análise apresentada através do gráfico é um exemplo ilustrativo da tendência decrescente da taxa de lucro. Mais à frente será visto que há limites para a queda da taxa de lucro em determinada atividade: caso ela fique abaixo da taxa que poderia ser obtida em outro emprego mais lucrativo, o capital será investido nessa outra atividade.

0

50

100

150

200

250

300

350

1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª

Frações da terra

Uni

dade

s m

onet

ária

s

Lucro

Renda

Figura 2.2.1 - Evolução da renda fundiária e do lucro em razão de um suposto aumento de capital Fonte: Tabela 2.2.1

71

Ricardo, dos quais ele já tinha consciência ao redigir o seu Ensaio59. No entanto, a reflexão

completa sobre essas questões estão em Princípios, sua principal obra.

Nesse texto, Ricardo inicia a discussão apresentando a sua teoria do valor, que

alicerça o debate a seguir.

De modo idêntico ao que já observara Smith (1979), o autor admite que, para as

mercadorias, o termo “valor” tem dois significados diferentes: um decorrente da sua utilidade,

denominado “valor de uso”, e outro resultante do poder de compra de outros bens, chamado “valor

de troca”. Coisas com grande valor de uso (o ar, a luz e o calor do sol, a força do vento etc.) podem

ter pouco ou nenhum valor de troca, e outras (o ouro, o diamante etc.) de pouco uso, mas com

grande valor de troca. Diante disso, conclui que a utilidade não é a medida do valor de troca,

embora seja-lhe essencial: “Se um bem não fosse útil de algum modo – se, em outras palavras, não

pudesse contribuir de qualquer forma para nossa satisfação – seria destituído de valor de troca, por

escasso que pudesse ser, ou fosse qual fosse a quantidade de trabalho necessária para obtê-lo”

(RICARDO, 1979, p. 259).

Para os clássicos, a utilidade fazia “[...] os preços oscilarem em torno de

determinado patamar, mas não explicava o nível deste patamar”, assim como “a oferta e a procura

explicam as oscilações dos preços em torno de determinado patamar, não os preços” (ARAÚJO,

1988, p. 35).

O estudioso conclui que, havendo utilidade, as mercadorias têm o seu valor de

troca associado a sua escassez e à quantidade de trabalho necessária para obtê-las, ou seja, seu custo

em trabalho (teoria do valor-trabalho). Porém, ele admite exceções: aquelas mercadorias cuja

quantidade nenhum trabalho pode aumentar, como obras de arte raras, por exemplo, as quais

possuem um valor independentemente da quantidade de trabalho que a elas é incorporada,

oscilando de acordo com a capacidade de compra e o interesse daqueles que desejam possuí-las.

Por serem exceções, Ricardo adverte que, ao mencionar o valor de troca de mercadorias e às leis

que determinam seus preços relativos, ele se refere “[...] àquelas cuja quantidade pode ser

59 Em seu Ensaio (1985, p. 204-225), após concluir a apresentação da sua teoria, Ricardo discute a modificação de algumas das suas hipóteses.

72

aumentada pelo exercício da atividade humana, e em cuja produção a concorrência opera

irrestritamente”60 (RICARDO, 1979, p. 260).

O custo em trabalho não abrange apenas o trabalho imediato (atual), mas

também o mediato (anterior), de sorte que, quando um trabalhador produz uma mercadoria

utilizando uma máquina, o valor do produto será o custo em trabalho do trabalhador (imediato),

somado ao custo do trabalho que está incorporado à máquina (mediato) (RICARDO, 1979, p. 265-

269). “Portanto, atrás do preço da mercadoria está o valor, atrás do valor estão os custos de

produção e atrás dos custos de produção está o trabalho humano, porque todo custo pode, em última

análise, ser decomposto em sua expressão mais simples que é o trabalho humano” (ARAÚJO,

1988, p. 35).

Não escapa também à percepção do estudioso a questão de que trabalhos de

qualidades diferentes recebem remunerações dessa mesma natureza. Ao abordar esse aspecto, ele

justifica que sua preocupação se volta para o efeito das variações no valor relativo das mercadorias

e não das variações no seu valor absoluto. Por isso, “[...] será pouco importante examinar o grau

comparativo de valoração das diferentes espécies de trabalho humano” (RICARDO, 1979, p. 265).

Para o teórico, toda mercadoria tem dois preços: o preço natural e o preço de

mercado (interpretação idêntica à dada aos salários, conforme anteriormente abordado), o primeiro

equivalendo ao valor, e o segundo oscilando em torno do valor, de acordo com a oferta e a procura.

Porém, “A grande preocupação de Ricardo, no seu capítulo consagrado ao valor, é mostrar que os

movimentos dos preços dependem das variações dos produtos e não das flutuações dos salários”

(DENIS, 1974, p. 340 apud ARAÚJO, 1988, p. 37).

Feita essa breve apresentação da teoria do valor de Ricardo, pretende-se agora

discutir sua análise da renda da terra em Princípios. “Nela ficou mantida a hipótese de que a taxa de

lucro agrícola determina a taxa de lucro geral da economia [...]”, mas agora “[...] Ricardo admite

que os trabalhadores não consumam apenas trigo, mas também produtos manufaturados” (LENZ,

1981, p. 31-32).

60 “Não devemos esquecer-nos de que as leis econômicas têm de captar a essência dos fenômenos e não a aparência. É certo que há inúmeras causas que explicam a oscilação dos preços e que será rigorosamente impossível (mesmo na era dos computadores) explicá-las ou apontá-las todas. Mas deve existir uma lei que dê coerência e unidade a todo o resto e que tenha grande poder explicativo. A teoria do valor-trabalho tem este papel no modelo ricardiano” (ARAÚJO, 1988, p. 36, grifo no original).

73

O objetivo de Ricardo é “[...] investigar a natureza da renda61 e as leis que

regulam seu aumento ou diminuição [...]”, e, para tanto, ele discute “[...] se a apropriação da terra e

a conseqüente criação da renda ocasionarão alguma mudança no valor relativo das mercadorias,

independentemente da quantidade de trabalho necessária à produção” (p. 283).

Seu conceito de renda, conforme anteriormente mencionado, foi enunciado como

sendo a porção do produto da terra paga ao proprietário pelo uso das energias produtivas do solo.

No entanto, podem existir casos em que a renda também seja paga pelo uso do capital que foi

empregado para melhorar a qualidade da terra e/ou para nela instalar benfeitorias. O exemplo

apresentado é o de duas áreas vizinhas, com idêntica fertilidade natural, uma servida de benfeitorias

(drenada, adubada, vantajosamente dividida em cercas, muros etc.) e outra sem nenhuma delas.

Evidentemente, a primeira receberia uma remuneração maior, caso em que a totalidade da renda da

primeira área teria duas origens: uma pela utilização das energias do solo e outra pelo uso do capital

empregado; mas tudo se resumiria em renda, que, repita-se, seria paga pelo uso da terra “[...]

somente porque a terra não é ilimitada em quantidade nem uniforme na qualidade, e porque, com o

crescimento da população, terras de qualidade inferior, ou menos vantajosamente situadas, são

colocadas em cultivo [...]” (p. 283-284).

Quanto ao surgimento da renda da terra, o autor dá continuidade ao raciocínio

anteriormente exposto no Ensaio, mas acrescenta um novo elemento: ao invés de terras de

qualidade sucessivamente inferior serem colocadas para cultivo, emprega-se o mesmo capital

originalmente utilizado de forma mais produtiva nas terras já em uso. Desse modo, mesmo que a

produção não duplique, esta poderá ser maior do que a que se obteria em terras de qualidade

imediatamente inferior.

Nessas circunstâncias, a ampliação do cultivo na terra velha também criará uma

renda, que será a diferença entre os produtos obtidos com a utilização de duas quantidades iguais de

capital e de trabalho. Assim, caso uma área seja cultivada com o emprego de um capital de $ 1.000

e proporcione ao arrendatário 100 kg de trigo, e se, com a mesma quantidade de capital, tiver

ampliado o cultivo, obtendo-se uma produção de 85 kg de trigo, criar-se-á uma renda de 15 kg de

61 Trata-se, no caso, de renda da terra.

74

trigo, ou valor equivalente, pois não podem coexistir duas taxas de lucro62. Tal como se viu

anteriormente, o último capital aplicado não paga renda (p. 285).

O raciocínio subjacente a essa afirmação – se o arrendatário aceitar cultivar um

solo adicional que proporcione uma produção menor –, conforme crê o autor, é que isso será devido

ao fato de não existir qualquer outro emprego mais lucrativo para o seu capital. E mais: se o

arrendatário original não se dispuser a entregar ao dono da terra o resultado que exceder ao lucro

comum, haverá outros que se disporão a fazê-lo (p. 286).

Segundo já se disse, os primeiros espaços a serem cultivados serão aqueles mais

produtivos e melhor localizados, e o valor de troca dos produtos aí obtidos será determinado “[...]

pela quantidade total de trabalho necessário, sob várias formas, da primeira à última, para produzi-

los e colocá-los no mercado” (RICARDO, 1979, p. 286). Nesses termos, ao se incorporarem novas

áreas – de qualidade inferior – ao cultivo, esse valor de troca aumentará, já que haverá necessidade

de mais trabalho para se alcançar a mesma produção. Portanto,

O valor de troca63 de todas as mercadorias – manufaturadas, originárias das minas ou obtidas da terra – é sempre regulado não pela menor quantidade de trabalho que bastaria para produzi-las em condições altamente favoráveis, desfrutadas por aqueles que têm peculiares facilidades de produção, mas pela maior quantidade necessariamente aplicada por aqueles que não dispõem de tais facilidades (RICARDO, 1979, p. 286).

Dessa forma, aplicando-se capitais novos em terras menos férteis, que exigem

mais trabalho para que se consiga o mesmo produto obtido nas terras mais produtivas, o valor

relativo dessas mercadorias passará para um patamar superior, se comparado ao nível anterior,

possibilitando trocá-las por mais camisas, sapatos etc., cuja produção continuará sendo feita sem

qualquer quantidade adicional de trabalho (RICARDO, 1979, p. 287).

Decorre daí que

[...] o valor do cereal é regulado pela quantidade de trabalho aplicada à sua produção naquela qualidade de terra, ou com aquela porção de capital, que não gera pagamento de renda. O cereal não encarece por causa do pagamento da renda, mas, ao contrário, a renda é paga porque o

62 Na verdade, esse raciocínio de Ricardo é idêntico àquele aplicado ao do cultivo de terras menos produtivas e pior localizadas. A única diferença é que se trata de uma área contínua. 63 Entende-se como valor de troca, nesse contexto, a quantidade de trabalho que pode ser adquirida pela mercadoria, conforme detalhado no próximo parágrafo.

75

cereal se encarece e, como acabamos de observar, nenhuma redução ocorreria no seu preço mesmo que os donos das terras renunciassem à totalidade de suas rendas. Tal medida somente permitiria que alguns fazendeiros vivessem como cavalheiros [...] (RICARDO, 1979, p. 287).

O fato, então, é que a renúncia ou não à renda da terra pelos proprietários

fundiários não reduzirá a quantidade de trabalho necessária para que se realize a produção nas áreas

menos férteis.

O aumento da renda da terra sempre é conseqüência de dois fatores: do

incremento da riqueza do país e da dificuldade para suprir a necessidade de alimentos para uma

população maior. Trata-se de um sintoma da riqueza e não de sua causa, pois essa pode crescer

mais rapidamente quando a renda da terra é estacionária ou até declinante. Isso porque, conforme já

comentado, o lucro é residual: após os salários e a renda da terra serem descontados da produção

total, o que sobra é lucro. Portanto, menos renda da terra significa mais lucro, e lucro maior

significa mais investimento, que nada mais é do que parte do lucro aplicado na produção. Se o lucro

for decrescente e tender a zero – e tenderá, caso sejam confirmadas as hipóteses iniciais –, o mesmo

acontecerá com o investimento. Assim, em determinado estágio, chegar-se-á ao que Ricardo

denominou “estado estacionário”: população estável e renda per capita constante.

Contudo, tal estado poderá ser retardado se forem adotadas certas medidas que

aumentem a riqueza, como a importação de cereais e a introdução de melhoramentos agrícolas, isto

é, o aumento da produção sem o incremento proporcional de trabalho. Por um lado, a importação

resultará em barateamento do custo do trabalho, conforme demonstrado na “teoria das vantagens

comparativas”64; por outro, os melhoramentos agrícolas reduzirão a renda, pois permitirão que se

diminua o montante de capital empregado para a obtenção da mesma produção, ou, em outras

palavras, tornarão mais produtiva a última parcela menos produtiva, a qual não pagará a renda

(RICARDO, 1979, p. 289; ARAÚJO, 1988, p. 41-42).

Para Ricardo, os melhoramentos na agricultura são de dois tipos: os que

aumentam as energias produtivas da terra (melhorias na rotação das culturas, utilização de

fertilizantes mais adequados) e os que envolvem o aperfeiçoamento nos implementos agrícolas,

permitindo-se obter o produto com menos trabalho. Nos dois casos ocorreria uma redução nos

64 “Se as nações se especializarem na produção daquilo para o qual estão mais aparelhadas e, em seguida, trocarem a produção excedente entre si, todas serão beneficiadas” (ARAÚJO, 1988, p. 42). Essa discussão não será aprofundada no presente trabalho por não fazer parte dos seus objetivos. Para maiores detalhes, ver “Princípios”, cap. VII.

76

preços dos produtos agrícolas, já que a produção requereria menor quantidade de trabalho65.

Conseqüentemente, haveria aumento na acumulação, já que os lucros cresceriam. Ademais,

ocorreriam investimentos adicionais e aumento da demanda por mão-de-obra, bem como

crescimento dos salários, provocando aumento populacional e maior demanda por alimentos,

gerando aumento nos cultivos. Seria, então, numa segunda etapa, restabelecida a renda

anteriormente existente, mas, nesse período, relativamente longo, haveria uma efetiva diminuição

da renda (RICARDO, 1979, p. 290-292).

No que concerne ao lucro, a explicação da sua origem constitui-se num problema

ao se admitir a teoria do valor trabalho. Ora, se as mercadorias são transacionadas conforme o

trabalho nelas contido, cabe-nos perguntar como é possível que o capitalista obtenha parte desse

produto. Há duas alternativas conflitantes: admitir que o trabalho é remunerado pelo seu valor,

recebendo o produto inteiro, de modo a impossibilitar o surgimento do lucro e da renda fundiária;

ou admitir que lucro e renda fundiária sejam “deduções” do produto completo do trabalho, situação

que permite concluir que, no mercado de trabalho, a lei do valor merece questionamentos. Se o

trabalho é concebido como “[...] a origem ou substância do valor, não faz qualquer sentido falar do

valor do trabalho” (NAPOLEONI, 1985, p. 127).

Para resolver esse impasse, é necessário que se proceda ao exame da análise de

Marx, autor do conceito de força de trabalho e de uma versão mais acabada da teoria da renda

fundiária, conforme evidencia o exposto a seguir.

2.3. TEORIA MARXISTA DA RENDA FUNDIÁRIA

Marx não concluiu, conforme propôs inicialmente, sua obra sobre a teoria da

renda da terra, que em grande parte consta da compilação de vários de seus manuscritos, publicados

após a sua morte, em nenhum dos quais, porém, ela se apresenta de forma completa (LENZ, 1981,

p. 41). A parte fundamental dessa teoria encontra-se no volume III de O Capital (1985a), que serve

de base principal para as considerações que aqui se seguem. Visando facilitar o entendimento dessa

65 Se os melhoramentos “[...] não ocasionassem uma redução nos preços dos produtos primários, não seriam melhoramentos, pois a sua qualidade essencial é diminuir a quantidade de trabalho exigida para produzir uma mercadoria, e esta diminuição não pode ocorrer sem uma queda no seu preço ou valor relativo” (RICARDO, 1979, p. 290).

77

teoria, buscamos também embasamentos em alguns autores que promoveram a discussão do

assunto.

A análise da questão da renda fundiária realizada por Marx (1985a, p. 123-124)

adota, como não poderia deixar de ser, alguns pressupostos: 1) a agricultura está dominada pelo

modo de produção capitalista, ou seja, esse sistema assenhoreou-se dela; 2) a expropriação do solo

dos trabalhadores rurais, subordinando-os a um capitalista que pratica a agricultura para obter lucro;

3) a limitação da análise ao investimento de capital na agricultura para produzir alimentos,

especificamente o trigo; 4) a propriedade fundiária é entendida como monopólio de determinadas

pessoas, com exclusão de todas as outras, para disporem, conforme sua exclusiva vontade, de certas

porções do globo terrestre; 5) o vocábulo “terra” significando não apenas o solo, mas também tudo

o que existe como seu acessório (a água etc.).

De modo idêntico a Ricardo, Marx identifica três classes sociais integrantes da

sociedade capitalista: trabalhadores assalariados, capitalistas e proprietários da terra, conforme se

observa na seguinte passagem:

O pressuposto do modo de produção capitalista, portanto, é o seguinte: os verdadeiros agricultores são assalariados, empregados por um capitalista, o arrendatário, que exerce a agricultura apenas como um campo específico de exploração do capital, como investimento de seu capital numa esfera específica da produção. Esse capitalista-arrendatário paga ao proprietário da terra, ao proprietário do solo explorado por ele, em prazos determinados, por exemplo anualmente, uma soma em dinheiro fixado contratualmente [...] pela permissão de aplicar seu capital nesse campo específico de produção. A essa soma de dinheiro se denomina renda fundiária [...]. A renda fundiária é aqui, portanto, a forma em que a propriedade fundiária se realiza economicamente, se valoriza (MARX, 1985a, p. 125-126, grifo no original).

Por último, Marx considera que a renda fundiária é a mais-valia, esta que se

constitui em uma sobra acima do lucro, pois

[...] a renda territorial, o juro e o lucro industrial nada mais são que nomes diferentes para exprimir as diferentes partes da mais-valia de uma mercadoria ou do trabalho não remunerado, que nela se materializa, e todos provêm por igual dessa fonte e só dessa fonte. Não provêm do solo, como tal, nem como capital em si; mas o solo e o capital permitem a seus possuidores obter a sua parte correspondente de mais-valia, que o empregador capitalista extorque do operário (MARX, 1978, p. 86 apud LENZ, 1981, p. 45).

A questão jurídica do monopólio da propriedade fundiária não é para ele objeto

de discussão, pois o que interessa é “[...] expor o valor econômico, ou seja, a valorização desse

78

monopólio na base da produção capitalista. O poder jurídico dessas pessoas de usar e abusar de

porções do globo terrestre em nada contribui para isso” (MARX, 1985a, p. 124). Seu propósito,

portanto, é “[...] examinar as relações específicas de produção e circulação oriundas da aplicação do

capital na agricultura [...]” (LENZ, 1981, p. 43).

Fixadas essas delimitações, partamos para a discussão proposta.

A formação do preço de produção de mercadorias, numa economia capitalista

competitiva, dá-se pela soma do custo de produção (matérias-primas, salários, depreciação etc.)

com o lucro médio, que visa valorizar o capital, objetivo último da produção (PEREIRA, 1995, p.

31).

Não havendo entraves à livre alocação de capitais na economia, desenvolve-se a

concorrência entre eles, nas diversas atividades produtivas, o que tende a formar uma taxa geral de

lucro. Assim, para determinado montante de capital empregado, obtém-se o lucro médio, que

equivale àquela taxa geral. O preço individual de determinada mercadoria resulta da soma dos

gastos efetivos incorridos com o lucro médio, que representa a porção de mais-valia embutida no

preço (PEREIRA, 1995, p. 31; SILVA, 1980, p.7). Para Marx (1985a, p. 141), “[...] preços de

venda são iguais a seus elementos de custo (ao valor do capital constante e do capital variável

consumidos66) mais um lucro, determinado pela taxa geral de lucro, calculada sobre o capital global

adiantado, consumido e não consumido”.

O preço de mercado, nessa perspectiva, é uma espécie de média resultante da

combinação dos diversos preços de produção individuais, não sendo, desse modo, “[...]

determinado pelo preço de custo individual da cada industrial que produza individualmente, mas

pelo preço de custo médio da mercadoria nas condições médias do mercado em toda a esfera da

produção” (MARX, 1985a, p. 141).

Embora o preço de mercado se mantenha, via de regra, próximo ao de produção,

aquele pode variar significativamente, quando, por exemplo, determinadas circunstâncias, tais

como as adversidades climáticas, provocam escassez temporária de certa mercadoria, fazendo com

66 Para Marx, os meios de produção já existentes não contribuem para gerar mais-valia, cuja única fonte é o trabalho vivo realizado. Assim, ao dinheiro investido em prédios, matérias-primas, equipamentos etc., ele denominou capital constante e, ao dinheiro para comprar força de trabalho, de capital variável, porque é fonte de valor, ou seja, expande o valor (BORCHARDT, 1982, p. 42).

79

que seus preços se elevem bem acima dos de produção individual. Nesse caso, os produtores têm

um lucro extra, denominado sobrelucro ou lucro extraordinário, ganho que, aliás, é apenas

temporário, em decorrência de sua origem provir de condições atípicas de produção (PEREIRA,

1995, p. 32; SILVA, 1980, p. 8).

Pode ser, porém, que haja situações – especialmente na agricultura – nas quais

um produtor produza em condições bastante privilegiadas, atingindo um patamar acima da média

do setor a que pertence. Tal seria o caso em que houvesse facilidade para promover certo cultivo

mediante a utilização de irrigação por gravidade, ao invés de irrigação por aspersão, que seria o

comum entre os demais produtores. Então, o preço de produção daquele seria menor do que o

destes. No entanto, ao venderem seus produtos, ambos o fariam pelo preço médio regulador do

preço de mercado, no qual estaria embutido, conforme já visto, determinado lucro. Diante do fato

de o preço de produção com irrigação por gravidade ser menor do que o outro, seu produtor teria

um lucro maior, ou seja, um sobrelucro, que, dessa forma, não se deveria ao fato de ele vender sua

produção acima do preço de produção e sim ao fato de seu capital operar em condições

privilegiadas, ou seja, seu preço de custo estaria abaixo do custo médio da mercadoria,

considerando-se as condições médias do mercado. O sobrelucro seria, portanto, “[...] igual à

diferença entre o preço individual de produção desses produtores favorecidos e o preço social geral,

o preço de produção, regulador do mercado, de toda essa esfera de produção” (MARX, 1985a, p.

142).

Verificando-se situação análoga nas diversas atividades econômicas,

normalmente capitais são atraídos para aquelas que apresentam maior rentabilidade, o que anularia

a situação privilegiada, voltando-se a realizar apenas o lucro médio, pois

[...] a diminuição do preço de custo e o sobrelucro que daí decorre originam-se da maneira como o capital ativo é investido. Originam-se ou do fato de ele estar concentrado em massas excepcionalmente grandes em uma só mão – circunstância que é neutralizada assim que massas de capital de igual grandeza são aplicadas em média – ou do fato de o capital de determinada grandeza funcionar de maneira especialmente produtiva – circunstância que desaparece assim que o método excepcional de produção se generaliza ou é superado por um ainda mais desenvolvido (MARX, 1985a, p. 144).

Circunstância diversa ocorre quando não existe a possibilidade de deslocamento

de capitais, como anteriormente descrito, por haver alguma barreira mantendo a situação

80

privilegiada ao longo do tempo. Isso ocorre em casos como o descrito no exemplo já citado

(irrigação por gravidade). Essa melhor condição de produção não se deve ao capital, nem ao

próprio trabalho, tratando-se, pois, do aproveitamento de uma força natural, diferente do capital e

do trabalho e que é incorporada ao capital, além de não se pôr à disposição de todo o capital da

respectiva esfera de produção. Trata-se, assim, de uma força monopolizável, já que não se pode

produzi-la mediante investimentos de capital; ela existe em determinados locais da Natureza e está

à disposição apenas daquele que detém a propriedade da terra, o proprietário fundiário. Este, por

sua vez, pode ou não utilizar diretamente ou permitir ou não a utilização dessa área por terceiros. O

sobrelucro advindo da exploração desse potencial transforma-se em renda fundiária, ou seja, é

revertido a favor do proprietário do espaço no qual se verificam tais condições hídricas e

topográficas. Caso o próprio capitalista se confunda com o proprietário fundiário, o sobrelucro, ou

renda diferencial, que receberá “[...] não se origina de seu capital enquanto tal, mas da circunstância

de dispor de uma força natural separável de seu capital, monopolizável, limitada em seu volume, e

que se transforma em renda fundiária” (MARX, 1985a, p. 144-145).

O sobrelucro na agricultura, quando não advém de fatos ocasionais do mercado,

sendo obtido em razão de o trabalho aplicado em determinada terra ser mais produtivo, será sempre

a “[...] diferença entre o produto de duas quantidades iguais de capital e trabalho, e esse sobrelucro

se transforma em renda fundiária se duas quantidades iguais de capital e trabalho são empregadas

com resultados desiguais em duas superfícies iguais” 67 (MARX, 1985a, p. 147).

2.3.1. RENDA DIFERENCIAL E RENDA ABSOLUTA

Na agricultura, a barreira da propriedade privada da terra confere uma situação

de monopólio aos seus detentores, a classe dos proprietários rurais. Tal monopólio, que configura

uma “[...] limitação do capital, está pressuposto, no entanto, na renda diferencial, pois sem esse

monopólio o sobrelucro não se transformaria em renda fundiária e não caberia ao proprietário, mas

ao arrendatário” (MARX, 1985a, p. 221).

67 Essa afirmação é idêntica à de Ricardo, porém Marx (1985a, p. 147) acrescentou uma importante condição: a de que as distintas terras fossem do mesmo tamanho, pois “[...] se trata de renda fundiária e não de sobrelucro em geral”.

81

O monopólio em questão assume dois aspectos: pode ser objeto de atividade

econômica, como o cultivo do solo com certas características, e o monopólio em si mesmo, que

permite ao proprietário apossar-se de certa área de terras e dela dispor. O primeiro, que envolve

aspectos, como a localização, a qualidade do solo, as benfeitorias já incorporadas ao lugar etc.,

permite gerar uma renda diferencial. O segundo, que inclui a propriedade da terra, gera renda

absoluta. Nessa perspectiva, a renda diferencial deriva do monopólio da utilização da terra, e a

absoluta, da propriedade da terra (SILVA, 1980, p. 9).

2.3.1.1. Renda diferencial 2.3.1.1.1. Primeira forma de renda diferencial (renda diferencial I)

São duas as causas gerais que, independentemente do capital, conduzem a

produções desiguais em terras distintas, mas do mesmo tamanho: a fertilidade e a localização, que

podem afetar o preço de produção em sentidos opostos. De fato, terras menos férteis podem estar

mais bem localizadas do que as mais férteis e vice-versa (MARX, 1985a, p. 148).

A fertilidade natural diz respeito à composição química dos solos e suas outras

propriedade naturais, ou seja, às diferenças na disponibilidade e na forma como se encontram os

nutrientes para as plantas. Admitindo-se idêntica composição química

[...] e, nesse sentido, igual fertilidade natural de duas superfícies de terra, a fertilidade verdadeira, efetiva, será diferente conforme essas substâncias nutritivas se encontrem numa forma em que sejam mais ou menos assimiláveis, imediatamente utilizáveis para a alimentação das plantas. Dependerá, portanto, em parte do desenvolvimento químico, em parte do desenvolvimento mecânico da agricultura saber até que ponto é possível tornar disponível a mesma fertilidade natural em terras que tenham naturalmente a mesma fertilidade (MARX, 1985a, p.148).

Embora a fertilidade natural seja uma característica objetiva do solo, terrenos

idênticos em relação a esse aspecto podem, apresentar resultados econômicos diferentes. Além das

razões para tal, apresentadas por Marx na citação acima (desenvolvimento químico e mecânico da

agricultura), ele destaca ainda o emprego de “novos métodos agrícolas”. Técnicas inovadoras,

como a adoção de curvas de nível, o espaçamento entre as plantas, a rotação de culturas etc.,

influenciam a fertilidade diferencial do solo, a qual, desse modo, passa a depender também do grau

82

de desenvolvimento da agricultura. Isso posto, todos esses fatores, somados à composição química

e outras propriedades naturais, compõem a chamada fertilidade natural do solo (MARX, 1985a, p.

149).

De todo modo, fertilidade e/ou localização permitem a obtenção de um lucro

suplementar, pois os preços de mercado dos produtos agrícolas são estabelecidos com base no

preço de produção incorrido na pior terra cultivada e não pela média68. Conforme Marx (1985a, p.

153), “o preço de produção do solo pior e que não dá nenhuma renda é sempre o preço regulador de

mercado [...]”69. Se assim não fosse, seria impossível cultivar os solos de menor fertilidade e/ou

mais distantes do mercado, pois seus detentores não conseguiriam realizar sequer o lucro médio

(SILVA, 1980, p. 9-10).

A renda diferencial assim obtida - como resultado da diferença de produtividade

de capitais iguais investidos em terrenos de igual superfície - foi considerada por Marx como

“natural” e identificada como renda diferencial I.

2.3.1.1.2. Segunda forma de renda diferencial (renda diferencial II)

A indagação que aqui se coloca é a seguinte: pode-se obter renda diferencial ao

investirem-se capitais de produtividades diferentes sucessivamente no mesmo solo, ou lado a lado

em terrenos diferentes? (MARX, 1985a, p. 165).

Essa renda é típica de um estágio mais avançado do capitalismo no campo, pois

o seu aparecimento resulta da intensificação da aplicação de capital na agricultura. Subentende-se,

então, que ocorre em momento histórico subseqüente ao da renda diferencial I, tão logo a fase de

exploração extensiva do solo tenha sido superada (LENZ, 1981, p. 63). Ela é de certa forma

“fabricada” mediante a inversão adicional de capital na intensificação da agricultura e decorre,

portanto, do progresso técnico e/ou incorporação de benfeitorias ao solo (destoca, valas de

irrigação, drenagem etc.) (SILVA, 1980, p. 10).

68 Essa assertiva é exatamente a mesma já anteriormente formulada por Ricardo (1979). 69 “Somente quando os terrenos melhores produzem para além das necessidades é que o preço de produção do pior terreno deixa de ser regulador” (BORCHARDT, 1982, p. 374). Trata-se de uma constatação óbvia, já que, nesse caso, o terreno anteriormente melhor perde essa condição, passando a ser o pior dentre as áreas cultivadas.

83

Segundo Marx (1985a, p. 166), a base e o ponto de partida da renda diferencial

II, “[...] não só histórico, mas à medida que afeta seu movimento em cada momento dado, é a renda

diferencial I, ou seja, o cultivo simultâneo, contíguo, de tipos de solo de diferente fertilidade e

localização”.

De qualquer forma, a formação das rendas diferenciais I e II não apresenta

diferença, já que “[...] renda diferencial é a forma como se apropria o lucro suplementar” (LENZ,

1981, p. 64).

A distinção entre ambas foi explicitada por Silva (1980, p. 10, grifos no original)

nos seguintes termos:

A renda diferencial I se refere ao fato de que capitais da mesma grandeza aplicados em terras diferentes produzem resultados desiguais. A renda diferencial II advém do fato de que capitais de mesma grandeza aplicados sucessivamente na mesma terra produzem também resultados diferentes, sendo por isso, considerada como renda da terra proveniente da intensificação da agricultura pelo capital.

A crítica que Marx fez a Ricardo foi a de ele não ter considerado o

comportamento das rendas diferenciais I e II, já que, ao atuarem conjuntamente, aumentam a

complexidade da análise da renda diferencial (LENZ, 1981, p. 64).

2.3.1.2. Renda fundiária absoluta

Ricardo (1979) caracterizou a renda da terra sempre como diferencial, situação

em que porções homogêneas de terra não podem gerar renda, o que significa a negação da renda

fundiária absoluta. Marx (1985a), partindo do questionamento de como é possível arrendar a pior

terra se ela não gera renda, desenvolveu a teoria da renda fundiária absoluta. Ora, se é verdade que

o arrendatário fica satisfeito realizando o lucro médio normal, é também verdadeiro que o

proprietário fundiário não encontrará nenhum motivo para arrendar sua terra se disso não resultar

um ganho (LENZ, 1981, p. 66).

Como os detentores de terra têm sua posse sob a forma de propriedade privada, a

renda fundiária absoluta representa um tributo que o capitalista não proprietário paga ao dono da

terra pela sua exploração, pois “[...] a propriedade fundiária é a barreira que não permite nenhum

84

novo investimento de capital em um solo até então não cultivado ou não arrendado sem pretender

um tributo, isto é, sem exigir renda [...]”. Destaque-se, ainda, que o proprietário “[...] só arrenda

suas terras quando um arrendamento pode ser pago” (MARX, 1985a, p. 225-228).

Por conseguinte, a propriedade fundiária é a causa primeira da renda absoluta,

pois é uma barreira que impede a exploração de um solo não cultivado sem pagamento de um

tributo, mesmo quando não proporciona nenhuma renda diferencial.

Ricardo (1979) não considerou a renda absoluta, conforme já mencionado. Para

Marx (1985a), isso ocorreu em função de aquele autor não conceber corretamente a teoria do valor

e de, conseqüentemente, ele ter adotado uma hipótese falsa: que as mercadorias são trocadas por

seus valores, sem estabelecer a distinção entre valor e preços de produção, ou seja, entre lucro e

mais-valia (LENZ, 1981, p. 67).

A teoria do valor de Marx não é totalmente nova, constituindo “[...] um

refinamento da teoria do valor-trabalho da escola clássica, principalmente a partir de Ricardo”

(ARAÚJO, 1988, p. 58). Os conceitos de valor de uso (utilidade do bem) e de valor de troca

(proporção na qual valores de uso de uma espécie se trocam por valores de uso de outra espécie),

foram incorporados por Marx, que considerou este último a forma de manifestação do valor das

mercadorias (MARX, 1985b, p. 45-47).

O valor que um bem possui existe “[...] apenas porque nele está objetivado ou

materializado trabalho humano abstrato”70 (MARX, 1985b, p. 47). É a quantidade de trabalho

despendida na produção de uma mercadoria que determina o seu valor. Como já fora dito, essa

quantidade não pode, todavia, ser tomada individualmente, porque, quanto mais lenta ou mais baixa

fosse a produtividade de um trabalhador, maior seria o valor da sua mercadoria, já que ele necessita

de mais tempo para produzi-la. Sendo assim, o trabalho que serve como determinante do valor é o

trabalho humano igual, ou seja, “a força conjunta de trabalho da sociedade, que se apresenta nos

valores do mundo das mercadorias, vale aqui como uma única e a mesma força de trabalho do

70 Marx (1985a) adotou dois conceitos de trabalho: o trabalho concreto e o trabalho abstrato. “Trabalho concreto é o trabalho considerado em sua modalidade específica. O alfaiate trabalha de modo diferente do pedreiro e este de modo diferente do metalúrgico. Trabalho abstrato é o trabalho abstraído de suas modalidades específicas. É o puro dispêndio de energia gasto na produção de um bem. [...] Não se trata apenas de uma abstração, mas, sobretudo, de uma tendência real decorrente da divisão do trabalho. A divisão do trabalho torna-o homogêneo. É evidente que não existe trabalho abstrato sem trabalho concreto. O trabalho concreto cria o valor de uso. O trabalho abstrato cria o valor [...]” (MARX, 1985a apud ARAÚJO, 1988, p. 59).

85

homem, não obstante ela ser composta de inúmeras forças de trabalho individuais” (MARX, 1985b,

p. 48). Ademais,

Cada uma dessas forças de trabalho individuais é a mesma força de trabalho do homem como a outra, à medida que possui o caráter de uma força média de trabalho social, e opera como tal força de trabalho socialmente média, contanto que na produção de uma mercadoria não consuma mais que o trabalho em média necessário ou tempo de trabalho socialmente necessário71 (MARX, 1985b, p. 48).

Portanto, a lei do valor que atua no mercado é, para Marx (1985a), exatamente

esta: “cada mercadoria é trocada por outra tendo como base a quantidade de trabalho72 socialmente

necessária à sua produção” (ARAÚJO, 1988, p. 59).

Quanto à relação entre o preço de produção de uma mercadoria e o seu valor,

Marx (1985a, p. 226) afirma que ela “[...] é determinada exclusivamente pela proporção entre a

parte variável do capital com que é produzida e sua parte constante73, ou pela composição orgânica

do capital74 que a produz”. Logo, o preço de produção de um bem pode situar-se acima ou abaixo

do seu valor e só excepcionalmente são coincidentes.

Partindo-se da premissa de que o preço de produção corresponde à reposição do

capital mais o lucro médio, tem-se que, se a composição orgânica de um capital aplicado em

determinada atividade for menor do que a do capital social médio (capital variável

proporcionalmente maior do que o constante), o valor da mercadoria deve situar-se acima do seu

preço de produção. Isso acontece porque há o emprego de mais trabalho vivo e porque, supondo-se

idêntica exploração de trabalho, esse capital produz um montante de mais-valia superior (mais

71 “Tempo de trabalho socialmente necessário é aquele requerido para produzir um valor de uso qualquer, nas condições dadas de produção socialmente normais, e com o grau médio de habilidade e de intensidade do trabalho” (MARX, 1985b, p. 48) 72 Trabalho mediato e trabalho imediato, segundo o conceito dos clássicos. 73 A explicação de Marx e Engels (1974, p. 95 apud LENZ, 1981, p. 68, grifos no original) para as denominações “capital constante” e “capital variável” é a seguinte: “[...] distingo duas partes no capital: o capital constante (matérias-primas, materiais instrumentais etc.), cujo valor se LIMITA A REAPARECER no valor do produto e, em segundo lugar, o CAPITAL VARIÁVEL, quer dizer, o capital desembolsado em salários, que contém menos trabalho materializado do que o trabalhador dá em contrapartida. Por exemplo, se o salário diário é igual a 10 horas e se o operário trabalha 12 horas, repõe o capital variável mais 1/5 deste último (2 horas). A esse excedente chamo MAIS-VALIA”. 74 A composição orgânica do capital é resultado da razão entre o capital constante e o capital variável, ou seja, reflete, em termos de valor, o montante de máquinas, matérias-primas e tudo o que se necessita para produzir certa mercadoria em relação à força de trabalho exigida. Assim, conforme Marx (195a), a taxa de lucro difere de indústria para indústria, dependendo dessa composição.

86

lucro) ao que é produzido, em média, pelo mesmo montante de capital no conjunto das atividades

econômicas. Dentro desse contexto, pode-se afirmar que o inverso ocorre se a composição orgânica

do capital é maior do que a do capital social médio (MARX, 1985a, p. 226).

A significância dessa relação reside no fato de que ela indica o grau de

produtividade do trabalho social em cada esfera de produção. Nesses termos, a composição

orgânica mais elevada do capital – capital constante relativamente maior – implica maior grau de

desenvolvimento tecnológico (LENZ, 1981, p. 68):

Se em determinada esfera da produção a composição do capital é inferior à do capital social médio, então isso, em primeira instância, expressa apenas que a força produtiva do trabalho social nessa esfera específica da produção está abaixo do nível médio, pois o nível alcançado pela força produtiva se evidencia na preponderância relativa da parte constante do capital sobre o variável, ou no constante decréscimo da parte de um capital dado despendida em salários. Se, pelo contrário, o capital em determinada esfera da produção tem composição mais elevada, então isso expressa desenvolvimento da força produtiva acima do nível médio (MARX, 1985a, p. 226).

Com base nesses conceitos, Marx (1985a, p. 227; LENZ, 1981, p. 69) formulou

a hipótese de que a formação da renda fundiária absoluta deve-se ao fato de a composição orgânica

do capital aplicado na agricultura ser inferior à do ramo industrial.

Cabe-nos abrir aqui um pequeno parêntese, para que não fique a impressão de

que, pelo fato de o desenvolvimento tecnológico implicar a utilização de um capital variável

relativamente menor, não seja desejável adotá-lo, já que só este produz mais-valia. Para tanto,

devem-se resgatar os conceitos de mais-valia, ou seja, as duas formas pelas quais o capitalista pode

obter trabalho extra.

A primeira delas é a mais-valia absoluta, que resulta do prolongamento da

jornada de trabalho (MARX, 1985b, p. 251). Por exemplo: suponhamos uma jornada de trabalho de

oito horas, das quais quatro horas representam o trabalho necessário75 e as outras quatro, o trabalho

extra (mais-trabalho). Se a jornada de trabalho aumenta para 10 horas, o trabalho necessário

continua sendo de quatro horas, e o trabalho extra passa para seis.

A segunda situação é a mais-valia relativa, que “[...] decorre da redução do

tempo de trabalho e da correspondente mudança da proporção entre os dois componentes da

75 É o tempo de trabalho necessário para sua reprodução, ou seja, é o valor da força de trabalho “[...] igual ao valor da cesta de bens que possibilita a sobrevivência do trabalhador na sociedade em que ele opera” (ARAÚJO, 1988, p. 61).

87

jornada de trabalho [...]” (MARX, 1985b, p. 251). Acontece, portanto, quando o capitalista

consegue reduzir o tempo de trabalho necessário, isto é, parte do tempo que o trabalhador utilizava

para si transforma-se em tempo de trabalho para o capitalista. Isso significa que o trabalhador se

torna mais produtivo e consegue produzir certa quantidade de mercadorias em tempo menor76

(ARAÚJO, 1988, p. 62-65; MARX, 1985b, p. 253-255).

Essas são as razões pelas quais o progresso técnico, as inovações, os ganhos de

produtividade, enfim, a composição orgânica do capital sempre maior é altamente desejável no

modo de produção capitalista.

O montante da renda da terra, tanto a diferencial quanto a absoluta, depende da

disputa em torno da mais-valia total, ou mais-valia social, que se realiza entre as diversas classes e

os seus segmentos. Ora, a produção de mercadorias envolve diferentes agentes sociais, como

trabalhadores, banqueiros, comerciantes, industriais, proprietários de terra etc., e nos preços desses

produtos estão embutidas as remunerações desses agentes. Sendo a renda da terra uma parte da

mais-valia subtraída dos trabalhadores, sua magnitude é determinada pela luta de classes em

determinado momento, dentro da respectiva da sociedade, de modo análogo ao que ocorre com

lucros e salários (SILVA, 1980, p. 15-16).

Quanto à renda absoluta, esta nada mais é do que um preço de monopólio77, não

sendo determinada pelo preço de produção e/ou valor das mercadorias e pela necessidade dos

compradores e sua capacidade de pagar pela aquisição (MARX, 1985a, p. 229-230). Seu potencial,

cuja totalidade é cobiçada pelos proprietários de terras, é representado pelo valor do produto que

excede o lucro médio.

Destaque-se, no entanto, que, mesmo sendo um preço de monopólio, o tributo

pela utilização da terra não pode ser aumentado ao bel prazer do proprietário. Há limites

econômicos, dentre os quais, a concorrência de produtos estrangeiros (supondo sua livre

importação), a concorrência entre proprietários das terras, a capacidade de pagar dos consumidores,

além da possibilidade de aplicação de capital (intensificando a produção) em velhos arrendamentos,

já que, estando o contrato de arrendamento em vigor, a propriedade fundiária não representa óbice

para que o empresário empregue capital na terra. Assim, o preço de mercado pode crescer até o

76 Ou quando diminui o custo da cesta de produtos dos quais o trabalhador necessita para sobreviver. 77 É um preço superior ao que seria sob competição.

88

ponto em que o pior solo a ser cultivado ainda deixe certa renda. O limite desse crescimento é o

retorno que pode ser obtido pelo emprego de capitais adicionais nos velhos arrendamentos, de

maneira a produzir a mesma quantidade que seria alcançada pelo cultivo no pior terreno. Como

novos investimentos em arrendamentos já existentes não pagam a renda, basta que proporcionem

retorno equivalente ao lucro médio (SILVA, 1980, p. 16-17).

Quanto ao crescimento da produção, Marx (1985a) demonstra que não está

relacionado, necessariamente, à incorporação de áreas piores. O progresso tecnológico (técnico),

pela inversão de capital, aumenta a produtividade social do trabalho78, superando o decréscimo da

fertilidade natural das terras de pior qualidade. Implica, ainda, limitação ao crescimento da renda

fundiária tanto absoluta quanto diferencial.

Além disso,

[...] está claro que essas duas diferentes razões da renda diferencial, fertilidade e localização, podem atuar em sentido antitético. Um terreno pode estar muito bem localizado e ser bem pouco fértil, e vice-versa. Essa circunstância é importante, pois nos esclarece por que no arroteamento das terras de determinado país tanto se pode avançar das terras piores para as melhores quanto de maneira inversa (MARX, 1985a, p. 148)79.

Assim sendo, inversões adicionais de trabalho e capital pressupõem

transformação da tecnologia empregada na agricultura, como novas técnicas de cultivo, novas

máquinas etc. Então, a “lei dos rendimentos decrescentes” vigoraria apenas na hipótese de manter-

se a tecnologia inalterada. Como não é isso que ocorre – há inovações na agricultura –, essas novas

técnicas podem reduzir a importância relativa e absoluta da apropriação da renda da terra pelos

proprietários. Além disso, uma vez arrendada a terra, parcelas de capital nela aplicadas não

proporcionam renda, e a propriedade deixa de constituir-se em limitação para inversões de capital e

a conseqüente intensificação da produção. É apenas no final do contrato que a propriedade se torna

um entrave para a realização de melhoramentos, especialmente daqueles que se incorporarão ao

solo (destoca e drenagem, por exemplo). Ressalte-se, todavia, que isso ocorre apenas quando há o

78 “[...] a produtividade específica da jornada de trabalho coletiva é a força produtiva social do trabalho ou a força produtiva do trabalho social” (MARX, 1971, p. 378). 79 Essa constatação derrubou o pressuposto da renda diferencial de Ricardo, a qual “pressupõe um avanço necessário para solos cada vez piores ou fertilidade sempre decrescente da agricultura. Um solo pior pode ser preferido a um relativamente melhor por causa da localização [...]” (MARX, 1985a, p. 154 e 161).

89

arrendamento; quando a propriedade é explorada pelo próprio dono, a barreira para a aplicação de

capitais desaparece (SILVA, 1980, p. 19-23).

Porém, nesta discussão, o foco mais importante não recai na existência de uma

classe de proprietários rurais distinta da de arrendatários capitalistas, característica essa que se

constituiu apenas numa faceta do desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra, contexto das

análises de Marx.

A questão central é saber

[...] se o capital submete a propriedade da terra e passa a comandar diretamente o processo produtivo ou não. Ou seja, não é mais a terra que possibilita a seu proprietário apossar-se do excedente gerado pelo trabalhador. É o capital, engajado na terra, que arranca do trabalhador toda a mais-valia do processo produtivo [...] indo para as mãos dos capitalistas (SILVA, 1980, p. 26).

Da abordagem realizada destacam-se as principais diferenças entre as acepções

de Ricardo e Marx, visualizadas no Quadro 2.1 abaixo:

90

Percebe-se, portanto, consoante menção anterior, que a abordagem marxista da

renda fundiária é mais abrangente e completa do que a dos economistas clássicos, sendo, por isso

mesmo, adotada como teoria de base para este estudo.

2.4. RENDIMENTOS E SUAS FONTES SEGUNDO A TEORIA MARXISTA

O produto global de determinado período de tempo (um ano, por exemplo), ou

seja, o valor de uso (utilidade) das mercadorias80 produzidas, transformado em valor de troca

(proporção na qual o valor de uso de um tipo é trocado por valor de uso de outro tipo), “constituem

as receitas anuais de três classes – do capitalista, do proprietário da terra e do trabalhador –

rendimentos que o capitalista ativo distribui em geral como sugador imediato do mais-trabalho e

empregador do trabalho” (MARX, 1985a, p. 274).

80 “Quem com seu produto, satisfaz a própria necessidade gera valor-de-uso, mas não mercadoria. Para criar mercadoria, é mister não só produzir valor-de-uso, mas produzi-lo para outros, dar origem a valor-de-uso social” (MARX, 1971, p. 47-48).

Ricardo Marx A propriedade da terra é o pressuposto que determina apenas o destino da renda.

A propriedade da terra é a causa da formação da renda absoluta.

O declínio da taxa de lucro na terra menos fértil, que é incorporada, induz, através da competição capitalista, a formação da renda nas terras mais férteis.

O surgimento da renda diferencial nas terras intramarginais provoca a queda da taxa de lucro.

A renda diferencial surge pela concorrência. A renda diferencial surge do limite imposto pela propriedade privada à concorrência capitalista.

Não distingue o lucro da mais-valia. A mais-valia – no caso da agricultura – decompõe-se em lucro e renda da terra.

A taxa de lucro depende da relação entre o lucro e o capital variável (capital investido em salários). Não considera a parte constante do capital.

A taxa de lucro é medida como a relação entre a mais-valia e o total do capital adiantado (capital constante e capital variável)

A taxa de lucro da agricultura determina a taxa geral de lucro da economia.

O setor industrial determina a taxa geral de lucro da economia.

O alto preço dos cereais e a conseqüente existência da renda da terra se dão em virtude da necessidade de se empregar maior quantidade de trabalho em terras menos férteis e não devido à renda paga ao proprietário da terra, ou seja, é o alto preço dos cereais que determina a formação da renda da terra.

A causa da renda absoluta são a propriedade fundiária e o excesso de valor dos produtos agrícolas sobre o preço de produção, em razão da baixa composição orgânica do capital. Assim, não é o preço dos produtos que determina a renda da terra e sim a renda que determina o alto preço dos produtos agrícolas.

As terras menos férteis, por exigirem mais trabalho que as outras, constituem-se na fonte da renda da terra. Portanto, a renda provém das diferenças de produtividade da terra.

A renda provém do fato de o capital agrícola mobilizar uma quantidade maior de trabalho do que o capital médio investido nos demais ramos de produção (baixa composição orgânica do capital na agricultura em relação aos demais setores).

Quadro 2.1: Principais diferenças entre os conceitos de renda fundiária absoluta em Ricardo e Marx Fonte: LENZ, 1981, p. 63, 73-77. Nota: Elaborado pelo autor

91

Para Marx (1985a, p. 272), o capitalista nada mais é do que a personificação do

capital. Sua função no processo de produção capitalista é extrair certa quantidade de mais-trabalho

daqueles que ele (Marx) denomina “produtores imediatos”, ou seja, os trabalhadores. Também nas

próprias palavras do teórico, “Esse mais-trabalho se representa numa mais-valia e essa mais-valia

existe num mais-produto” (MARX, 1985a, p. 272).

Isso ocorre porque aquilo que o trabalhador vende ao capitalista pelo salário não

é trabalho, mas, sim, força de trabalho, uma mercadoria, e, como tal, tem um valor de uso, que

corresponde ao tempo de trabalho socialmente necessário à manutenção e reprodução do

trabalhador, ou seja, “[...] o valor da força de trabalho é o valor dos meios de subsistência

necessários para a conservação de seu possuidor” (BORCHARDT, 1982, p. 31 e 194). É, portanto,

o valor desses meios, ou seja, a quantidade de tempo socialmente necessária para sua produção.

Tais meios diferem de país para país e, eventualmente, de região para região, no caso de países com

maior extensão territorial e/ou com maior diversidade cultural, os quais impõem necessidades e

hábitos diferenciados de alimentação, habitação, aquecimento, vestimenta, educação, instrução etc.

Dependem, pois, não apenas das condições do meio físico, como também do grau de civilização da

sociedade, do estágio em que se encontra a classe de trabalhadores livres. Logo, na determinação do

valor da força de trabalho há um componente histórico e moral, o que o diferencia das demais

mercadorias. Contudo, para certo país ou região, em certo período, a quantidade dos meios de

subsistência necessários é determinada.

Por outro lado, o valor de uso da força de trabalho é fonte de valor, a qual cria

mais valor do que aquele que lhe é pago. Nesse sentido, o valor de uso da mercadoria trabalho,

enquanto fonte de valor, é superior ao preço dessa mercadoria (MARX, 1985a, p. 274-282).

O mais-trabalho é a produção que se excede às necessidades imediatas, e sua

existência representa uma prevenção contra situações imprevistas, expandindo o processo de

reprodução e correspondendo “[...] às necessidades e ao progresso da população, o que, do ponto de

vista capitalista, se chama acumulação” (MARX, 1985a, p. 273). Nesse processo, o capital possui

um “aspecto civilizador”, pois a extração do mais-trabalho dá-se de uma forma mais adequada tanto

para o desenvolvimento das forças produtivas, quanto para as relações sociais, se comparada com

formas anteriores, como a escravidão e a servidão. Desaparece, pois, a coerção de uma parte da

sociedade sobre a outra. Permite, ainda, que se limite o tempo dedicado ao trabalho material, já que

92

uma jornada total de trabalho menor pode resultar em mais-trabalho maior. Conseqüentemente,

aumentos de produtividade do trabalho levam à produção de mais quantidade de valor de uso em

determinado tempo, de modo que “a riqueza real da sociedade e a possibilidade de constante

expansão de seu processo de produção não depende, portanto, da duração do mais-trabalho, mas de

sua produtividade e das condições mais ou menos ricas de produção em que ela transcorre”

(MARX, 1985a, p. 273).

Então, as receitas das três classes antes citadas são distintas: lucro (da

capitalista), renda fundiária (dos proprietários da terra) e salário (dos trabalhadores).

O lucro, extraído da mais-valia, é distribuído entre os capitalistas na forma de

dividendos sobre as cotas do capital social de cada um. Trata-se, portanto, do lucro médio,

subdividido em ganho empresarial e juros, que podem beneficiar diferentes espécies de capitalistas.

Tal distribuição da mais-valia (mais-produto) possui como limite a propriedade fundiária, já que

parte dela o proprietário da terra extrai do capitalista, sob a forma de renda, conforme Marx (1985a,

p. 274) reforça:

Lucro de capital [ganho empresarial mais juros] e renda fundiária não são, portanto, nada mais que componentes específicos da mais-valia, categorias em que esta é distinguida conforme ela recaia no capital ou na propriedade fundiária, rubricas que, no entanto, não alteram nada em sua essência. Somados, constituem o total da mais-valia social. O capital suga o mais-trabalho, que representa a mais-valia e o mais-produto, diretamente dos trabalhadores. Pode, portanto, nesse sentido ser considerado o produtor da mais-valia. A propriedade fundiária não tem nada a ver com o real processo de produção. Seu papel se restringe a fazer com que parte da mais-valia produzida passe do bolso do capital para o seu próprio.

Quanto ao trabalhador, este recebe salário, que nada mais é do que uma parte do

seu trabalho, chamado “trabalho necessário” – à manutenção e reprodução da força de trabalho –,

em condições ora mais favoráveis, ora mais precárias (MARX, 1985a, p. 274).

2.5. PROGRESSO TÉCNICO E MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA

Medir se uma agricultura é moderna, ou, ainda, se é mais ou menos moderna que

outra não é uma tarefa tão simples quanto se possa inicialmente imaginar. Há vários modelos que

analisam o processo de desenvolvimento da agricultura, os quais são classificados de “teoria da

93

modernização da agricultura”. A discussão de cada um desses modelos, embora instigante, não será

feita neste trabalho, por extrapolar seus objetivos81.

Assim, destaca-se apenas que o conceito de modernização da agricultura adotado

na presente discussão:

[...] um processo histórico de transformação das bases artesanais do cultivo de plantas e da criação de animais num processo mecanizado, controlado cientificamente e de alta produtividade, que possibilita a produção em grande escala de produtos homogêneos, seja para atender às necessidades do mercado interno, seja para competir internacionalmente com produtos iguais ou alternativos (KAGEYAMA; LEONE, 2002, p. 10).

A modernização da agricultura é, nesses termos, fruto do progresso técnico, que

se manifesta pelo aumento da produtividade do trabalho, pois, no processo de acumulação de

capital, as novas técnicas incorporadas ao processo produtivo acabam reduzindo a quantidade de

trabalho, direto e indireto, que se incorpora no respectivo bem (PEREIRA, 1986, p. 23-24). Tal

“progresso” resulta no “[...] rompimento das determinações naturais que condicionam o processo de

produção e, conseqüentemente, o processo de trabalho” (SILVA, 1980, p. 70).

A concepção de progresso técnico no contexto desta investigação não é neutra

nem anistórica, pois a análise marxista encara-o como progresso das técnicas capitalistas de

produção. Assim, implica aumento da produtividade do trabalho, mantém-se associado às

condições do seu emprego (não se submete ao julgamento moral, como “a técnica é boa, mas seu

uso é impróprio") e tem por objetivo a submissão do trabalho ao capital (SILVA, 1980, p. 30-31).

Nessa perspectiva, não possui o progresso técnico um caráter “neutro”, conforme

apregoa o ideário neoclássico82, que leva a crer que as escolhas de novas tecnologias obedecem a

regras “neutras” de eficiência social. Pelo contrário, ele se realiza de forma distributiva desigual,

81 Maiores detalhes de análises sobre o processo de desenvolvimento da agricultura podem ser obtidos em Bacha (1992, p. 48-56), em Souza (1997, p. 266-294) e em Figueiredo (2002, p. 26-32). 82 Os modelos neoclássicos baseiam-se nos preços relativos dos fatores de produção, dados os seus estoques, para explicar o desenvolvimento tecnológico. Discutem formas pelas quais tecnologias podem ser desenvolvidas para facilitar a substituição de fatores relativamente escassos – ou seja, dispendiosos – por fatores relativamente abundantes, conseqüentemente mais baratos. Em suas análises não consideram, como condicionantes para essa adoção, as relações sociais de produção. A questão toda se resume a uma suposta racionalidade na organização do mercado desses fatores (SILVA, 1980, p. 81). Sobre esse enfoque, veja-se, por exemplo, dentre outros, Accarini (1987), Hayami e Ruttan (1988) e Staatz e Eicher (1990).

94

contribuindo para intensificar concentrações de capital e ampliar estruturas de mercado oligopólicas

(PEREIRA, 1986, p. 23-24).

Conforme discutido anteriormente, por ocasião abordagem da teoria da renda

agrária, o progresso técnico é uma forma de o capital impor-se diante da propriedade fundiária,

reduzindo a importância relativa e absoluta da apropriação da renda da terra pelos proprietários.

Nesse processo, ao subordinar a terra, o capital intensifica-se e subordina também a própria

natureza, de cujo fato decorre importante transformação: a terra perde sua condição de meio de

produção fundamental, passando o comando a ser gradativamente assumido pelo capital. Ademais,

diminui a importância relativa da fertilidade do solo, do regime de chuvas etc. – condições naturais

–, em decorrência do uso de máquinas, adubos químicos, herbicidas, pesticidas etc. – meios de

produção disponibilizados pelo capital. Há, dessa forma, um salto qualitativo que torna a produção

gradativamente mais autônoma das condições naturais, o que não significa, no entanto, que a ação

das forças da natureza possa ser isolada por completo, salvo excepcionalmente83. O capital trata, via

de regra, de discipliná-las ou ajustá-las ao seu interesse, elevando a taxa de lucro individual do

capitalista e de todo o sistema econômico (SILVA, 1980, p. 28-30; 33-34; 36).

Quanto ao valor do progresso técnico, este pode ser medido pela aferição da

redução do valor-trabalho incorporado em um bem (medida microeconômica), ou em termos de

preço, com base na taxa de crescimento da produção por trabalhador (medida macroeconômica)

(PEREIRA, 1986, p. 23).

Das considerações anteriores, pode-se reafirmar que o progresso técnico na

agricultura traduz-se em inovações que levam à modernização da atividade. Em relação ao assunto,

Souza (1997, p. 291) apresenta duas categorias de inovação: as mecânicas, que poupam mão-de-

obra, e as bioquímicas, que poupam terra.

No entanto, De Janvry (1973, p. 415-417 apud Bacha, 1992, p. 43) classifica

essas novas tecnologias em quatro categorias, as três primeiras configurando inovações de produtos

e a quarta, inovações de processos: a) Inovações mecânicas: referem-se à utilização de máquinas,

como trator, colhedeira, moinho de vento etc., numa cultura ou na agricultura como um todo, as

quais normalmente elevam bastante a produtividade do trabalho, pois permitem que um

83 É o caso da avicultura, da pecuária confinada, do cultivo de flores e dos cultivos hidropônicos, por exemplo, realizados mediante a adoção de avanços genéticos e químicos e de técnicas de manejo/cultivo.

95

trabalhador, num mesmo período, aumente a quantidade de área cultivada; b) Inovações biológicas:

correspondem ao desenvolvimento de novas variedades de plantas e espécies de animais, as quais,

embora sejam modificações de produtos já existentes, adquirem status de novos produtos, pois

garantem um crescimento mais rápido e maior produtividade; c) Inovações químicas: estão

relacionadas à utilização de fertilizantes, inseticidas e pesticidas; e d) Inovações agronômicas:

associam-se à incorporação de novas maneiras de cultivar a terra (rotação de culturas, análise de

solo, novos espaçamentos etc.) ou de criar animais, aos padrões já existentes (BACHA, 1992, p. 43-

44).

Dessas inovações no setor agrícola, consideram-se grandes aquelas que

propiciam expressivos avanços na produtividade, deslocando o sistema do seu equilíbrio anterior, e

julgam-se pequenas aquelas que pouco afetam a produtividade. Oportunamente, cabe aqui o

registro de que uma grande inovação na agricultura não equivale, necessariamente, a uma grande

inovação num contexto amplo. A introdução da colheitadeira de soja na agricultura, por exemplo, é

uma pequena inovação diante do uso do motor de combustão interna como força mecânica

(BACHA, 1992, p. 44).

O que muito freqüentemente se tem verificado no Brasil é o lançamento de

“pacotes tecnológicos” agrícolas, um conjunto das quatro inovações anteriormente citadas,

mescladas umas às outras. Por exemplo, uma nova variedade de sementes de determinada cultura

(inovação biológica) aumentará a produtividade se 1) for combinada com certos tratos culturais e

obedecer a determinado calendário (inovação agronômica); e se 2) forem utilizados níveis de

adubação e aplicadas quantidades de defensivos predeterminados (inovação química), com certos

equipamentos (inovação mecânica). Representam, assim, combinações de pequenas e grandes

inovações, em relação tanto ao processo quanto ao produto. Tal é o que acontece na ocupação

agrícola dos solos do cerrado, que apresentam baixa fertilidade natural, nos quais a produção de

soja, por exemplo, requer a introdução de adubos e a prática da calagem (inovações químicas),

envolvendo-se novas variedades de sementes (inovação biológica), caso em que se recomenda a

utilização de determinados defensivos (inovação química), o uso de certas máquinas (inovação

mecânica), a definição da época de plantio, o espaçamento entre as plantas etc. (inovação

agronômica) (BACHA, 1992, p. 44-46).

96

Essas inovações, que representam o progresso técnico na agricultura, produzem

determinados resultados. Interessa-nos saber quem deles se apropria. Máquinas e fórmulas

químicas podem ser patenteadas, garantindo ao seu inventor os lucros advindos da sua

multiplicação. Nas inovações biológicas, no entanto, essa possibilidade é muito limitada, com

poucas exceções, como a cultura do milho híbrido, da soja transgênica e da avicultura com matrizes

de alta linhagem. Nas demais situações, a utilidade é mantida, e essa multiplicação é de difícil

controle, tornando também difícil a sua monopolização por um capital particular. Por outro lado,

uma das características das inovações biológicas é a demanda por demorada pesquisa, o que, aliado

à necessidade de sua adequação regional, torna seu custo bastante elevado, motivo pelo qual são

quase sempre realizadas por organismos estatais. Verifica-se, então, que o que dificulta o progresso

técnico na agricultura é a contradição entre sua necessidade e a impossibilidade da apropriação

privada das suas vantagens (SILVA, 1980, p. 45-46).

Constata-se, portanto, que o aspecto político-social exerce importante papel para

que a oferta de inovações se materialize, pois duas estruturas interagem no sistema de demanda e de

oferta de inovações: a socioeconômica84 e a político-burocrática85, “induzindo” ao desenvolvimento

de novas tecnologias, em resposta aos grupos de pressão e aos preços de mercado (SOUZA, 1997,

p. 291).

84 Posse da terra, nível tecnológico, preço dos produtos e dos insumos, acesso ao crédito, informação e educação. 85 Sistema de pressão social, de compensação eleitoral, burocrática e legislativa.

97

CAPÍTULO III: A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA DE MATO GROSSO (1980-2005)

Para evidenciar a modernização da agricultura de Mato Grosso considera-se, no

presente trabalho, o modelo utilizado por Pereira (2007, p. 33-49).

Inicialmente cabe destacar que a economia mato-grossense apresentou, nos anos

recentes, especialmente a partir da segunda década de 1990, um dinamismo superior ao do país, ao

do conjunto das grandes regiões geográficas brasileiras e ao dos estados do Centro-Oeste (exceto o

Distrito Federal). Tal fato é observado a partir dos dados da Tabela 3.1, exibida abaixo, sobre a

evolução do Produto Interno Bruto (PIB) a preços constantes. Observe-se que a taxa média de

crescimento anual86 em Mato Grosso foi expressiva, atingindo 8,25% no período analisado:

86 Cálculo do crescimento médio anual: PIB de Mato Grosso em 1994 = 11.306 ; 2004 = 24.971 → 24.971 = 11306(1+r)10

→ 2,20863 = (1+r)10 → log 2,20863 = 10(log 1+r) → 0,34412 = 10log (1+r) →0,034412 = log (1+r) → 1+r = 100,034412

1+r = 1,08246 → r = 0,08246 → r= 8,25%.

98

A agricultura desponta como principal responsável por esse desempenho, o que

pode ser confirmado na Tabela 3.2, que expressa os índices relativos à sua participação no valor

adicionado bruto estadual, de 1994 a 2004:

Essa participação, ao longo do período considerado, evidencia a importância da

agricultura no Estado e demonstra que esse setor responde, em escala ascendente, pela produção de

bens e serviços na economia local, passando de 18,51% em 1994 para 40,82% em 2004,

expressando um crescimento médio anual de 8,2%.

Conforme destaca Kageyama (2004, p. 77-78), o fortalecimento da agricultura

como um todo no Brasil, a partir de 1994, deveu-se à estabilização da economia (final de 1994),

permitindo a introdução de inovações na política agrícola. A política de preços mínimos foi

abandonada, pois tornou-se desnecessária, já que a instabilidade agrícola resultante da inflação

99

elevada deixou de existir. Por outro lado, ampliaram-se os recursos para o crédito rural, mediante o

aumento das exigências bancárias; foi criado em 1996 o Programa Nacional de Agricultura

Familiar (PRONAF), linha de crédito rural específico para a agricultura familiar; foi ainda

estabelecido o Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos

Associados e Colheitadeiras (MODERFROTA), programa de investimentos em tratores e máquinas

agrícolas; houve, no início de 1999, mudança no regime cambial, eliminando a sobrevalorização do

câmbio, vigente desde o início do Plano Real até o final de 1998. Tudo isso contribuiu para a

expansão da agricultura brasileira, especialmente no intervalo de 1999 a 2002.

A autora ainda salienta que

[...] as mudanças de políticas que ocorreram na década de 90, incluindo a maior abertura externa, a desregulamentação dos mercados (incluindo as cadeias de trigo, café, leite e cana-de-açúcar) e, last but not least, as novas políticas de preços mínimos e de crédito rural, fizeram com que o setor agrícola passasse a operar dentro de uma estrutura mais competitiva, tanto pelo fato de que essas mudanças criaram mais concorrência dentro do setor, como porque o setor, como um todo, passou a sofrer mais concorrência vinda do exterior. Disso tudo resultou uma tendência geral de aumento de produtividade agrícola e redução de custos, com conseqüente queda nos preços dos alimentos. Além disso, a saída do governo como comprador importante em vários mercados levou a uma melhoria de qualidade de vários produtos, como trigo, café, arroz, algodão, açúcar e muitos outros (p. 78).

Em Mato Grosso, os bens agropecuários responsáveis pelos resultados

apresentados na Tabela 3.2 encontram-se relacionados na Tabela 3.3, com os respectivos

indicadores de produção:

100

101

Novamente se confirma que a tendência da produção do agro mato-grossense

experimentou significativo crescimento no período de 1980 a 2005 em relação a todos os principais

bens agropecuários, especialmente a cana-de-açúcar, o milho, o algodão, a soja e a pecuária (aves,

bovinos e suínos).

Para facilitar a análise dos indicadores apresentados na Tabela 3.3, pode-se

adotar a transformação das quantidades nas diferentes unidades de medida (toneladas e número de

cabeças), determinando a razão existente entre essas quantidades nos diversos anos com a

quantidade registrada em determinado ano, denominado ano-base, obtendo-se, assim, números

índices, ou, simplesmente, índices. Conforme Hoffmann (2002, p. 309), esses números “[...] são

proporções estatísticas, geralmente expressas em porcentagem, idealizadas para comparar as

situações de um conjunto de variáveis em épocas ou localidades diversas”.

No presente caso, adotar-se-á o índice relativo de quantidade, comparando-se os

desempenhos dos anos de 1982 a 2005 com os de 1980, adotado como ano-base. Para tanto, esses

102

dados foram calculados mediante a aplicação do seguinte quociente: Q(Qt/Qo) = Qt/Qo, onde

Q(Qt/Qo) indica o número índice, Qo é a quantidade no período base e Qt é a quantidade no período

t (HOFFMANN, 2002, p. 310). A Tabela 3.4 abaixo exprime o resultado:

103

Os resultados acima evidenciam que, no período analisado, o algodão apresentou

a evolução mais expressiva em volume de produção, ao qual se seguiram, em ordem decrescente, a

soja, as aves, a cana-de-açúcar, o milho, os bovinos, os suínos, a mandioca e o arroz. Destaque-se,

no entanto, que em termos do valor bruto da produção (VBP) o complexo soja (grão, farelo e óleo)

exerceu nítida supremacia em relação às demais atividades agropecuárias. Segundo relatório da

SEFAZ/MT (2006), em 2005 o algodão, o arroz, a soja e a pecuária totalizaram um VBP de R$

17,38 bilhões, dos quais a soja representou R$ 10,2 bilhões (58,8%); a pecuária, R$ 4,98 bilhões

(28,7%); o algodão, R$ 1,47 bilhão (8,4%); e o arroz, R$ 0,7 bilhão (4,0%).

O arroz, a mandioca, a cana-de-açúcar e o milho destinavam-se basicamente ao

mercado interno. A cana-de-açúcar era utilizada para a produção de álcool (anidro, que, misturado à

gasolina e hidratado, é utilizado como combustível) e açúcar, sendo que uma pequena parcela,

menos de 10%, era empregada para a produção de aguardente, açúcar mascavo, rapadura, caldo de

cana, ração animal e semente (CONAB, 2006). O milho era o principal componente das rações para

animais, e a expansão da sua produção associava-se à intensificação da pecuária, especialmente de

104

aves e suínos, que se voltava para o mercado interno e externo. Já o algodão e especialmente a soja

eram bens cuja produção estava mais fortemente voltada para o mercado externo.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio

Exterior (MDIC), entre 1994 e 1996 apenas três produtos (soja, carnes e algodão) representaram

mais de 80% do valor das exportações anuais, sendo que a partir de 1998 até 2005 passaram a

representar mais de 90%. Nesse contexto, destacava-se especialmente a soja (grãos, farelo e óleo),

que em 2005 representou 78,7% do valor das exportações totais. É importante registrar que desses

78,7%, 51,5% referia-se à comercialização de soja em grãos, tudo conforme demonstrado na Tabela

3.5 a seguir:

O direcionamento da produção mato-grossense ao mercado externo fica

evidenciado ao se analisar a evolução da razão entre o valor das exportações e o PIB (Tabela 3.6).

Constata-se que em 1994 essa razão era de 7,7%, saltando para 32,5% em 2004.

Nos mesmos anos, a razão em todo o país passou de 8,0% para 14,5%.

105

O significativo crescimento das exportações de Mato Grosso, especialmente após

1998, certamente se deveu à edição da Lei Complementar nº. 87, conhecida como “Lei Kandir”, de

13 de setembro de 1996, que desonerou os produtos primários e semi-elaborados, destinados ao

exterior, do pagamento de ICMS.

Esse quadro – alta participação da agropecuária no valor adicionado bruto do

Estado, baixa diversificação da atividade e forte viés exportador – confirma que “a economia de

Mato Grosso atualmente se insere na economia nacional com pauta de exportação concentrada em

poucos bens [...] e com uma função bem definida: gerar divisas externas [...]” (PEREIRA;

PESSOA; MARTINS, 2006, p. 68).

Dentre os indicadores que permitem aferir a modernização da agricultura,

selecionaram-se três para o presente trabalho: a produção de sementes certificadas, a utilização de

tratores e os níveis de produtividade de algumas culturas. Essas variáveis foram escolhidas porque a

produção de semente certificada, conforme já referido, representa um progresso técnico, condição

para a modernização da agricultura; a utilização de tratores configura uma inovação mecânica e

também progresso técnico, elevando a produtividade do trabalho; e os níveis de produtividade das

culturas são o resultado, ou a síntese, da implementação das quatro inovações já discutidas

(mecânicas, biológicas, químicas e agronômicas).

106

Quanto ao primeiro, demonstra-se na Tabela 3.7 a evolução da produção nas

safras de 1980/81 a 2004/05:

A Figura 3.1, apresentada a seguir, permite-nos visualizar com clareza a explícita

supremacia absoluta da produção de semente de soja. O crescimento da produção, no entanto, foi

geral, sinalizando a modernização da agricultura de Mato Grosso, exceto para a cultura de arroz.

Relembremos, no entanto, conforme anteriormente mencionado, o cuidado que exige a análise da

redução de áreas de cultivo/produção de arroz, este que é utilizado na abertura de novas áreas e cuja

redução pode significar a expansão das culturas, como a da soja, do algodão a até do milho, por

exemplo, como sugerem os dados das tabelas 3.3, 3.4 e 3.7.

107

Quanto à utilização de tratores, a Tabela 3.8, apresentada adiante, consta o seu

número total por ano (1980,1985,1996 e 2006) e por potência (1985 e 1996). Para os anos situados

nos extremos não se dispõem das informações por potência. De qualquer forma, constata-se que a

quantidade total dessas máquinas teve um incremento de 264% no período selecionado. Entre 1985

e 1996 o crescimento da participação dos tratores por potência foi mais acentuado nos de maior

capacidade, demonstrando que o aumento total de potência foi maior do que o aumento do número

de máquinas, o que implica na ampliação da capacidade de trabalho por máquina. Por último, cabe

-

50.000

100.000

150.000

200.000

250.000

80/81

84/85

88/89

92/93

96/97

00/01

04/05

Safra

Ton

elad

as

Arroz

Soja

Forrageiras

Milho

Algodão

Figura 3.1 – Produção de sementes no estado de Mato Grosso (1980/81-2004/05), sob registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (MAPA)

108

registrar que os dados referentes a 1985 e 1996 demonstram que houve aumento do número de

tratores em todas as faixas de potência, significando que, sob o enfoque desses equipamentos, a

modernização da agricultura se verificou em estabelecimentos de todos os tamanhos.

Na Tabela 3.9 são expressos os níveis de produtividade, por área plantada, de

alguns bens agrícolas de Mato Grosso, entre os anos de 1980 e 2005:

109

Todas as culturas selecionadas, que são as principais dentre aquelas apresentadas

nas tabelas 3.3 e 3.4, tiveram incrementos significativos de produtividade, em kg/ha, no período

analisado (1980-2005): entre 305% (algodão) e 76% (soja). Em 2005, conforme dados da mesma

fonte, a produtividade desses bens agrícolas, considerando o país como um todo, revelou-se através

dos seguintes números: 1.101 kg/ha de algodão, 14,6% abaixo da produtividade de Mato Grosso;

3.337 kg/ha de arroz, 28,4% acima da de Mato Grosso. A maior produtividade brasileira desse

cultivo deve-se à produção de arroz irrigado, especialmente em Santa Catarina, com 6.800 kg/ha, e

no Rio Grande do Sul, 5.912 kg/ha, alavancando a média; 2.622 kg/ha de milho, 7,3% abaixo da

produtividade de Mato Grosso; e 2.245 kg/ha de soja, 23,6% a menos que o índice regional.

Esses resultados permitem afirmar que a produtividade das lavouras mato-

grossenses encontram-se num nível muito bom, se comparada à do Brasil. Os ganhos nesse quesito,

é sabido, devem-se à adoção de inovações biológicas, químicas e agronômicas. Evidências como

essas podem ser encontradas em publicações da EMPAER-MT e da EMBRAPA – para citar apenas

as de entidades oficiais –, como Boletins de Pesquisa, Diretrizes Técnicas, Circulares Técnicas,

Recomendações Técnicas e os denominados Documentos, as quais fornecem informações

científicas e diretrizes técnicas para as diversas culturas e as diferentes regiões do Estado. Tais

normas de procedimento consideram, dentre outros aspectos, as melhores sementes e épocas de

110

plantio, espaçamentos e densidade de plantio, adubação, calagem, rotação de culturas, controle de

pragas daninhas, aplicação de herbicidas, desfolhantes e dessecantes, controle de pragas (químico,

biológico, cultural87, legislativo88, manejo integrado de pragas, critérios para escolha do defensivo

etc.), uso de inseticidas, controle de doenças e colheita.

Além disso, há inúmeros registros de pesquisas que visam aprimorar a atividade

agropecuária e incrementar a produtividade por área plantada, como, por exemplo, as descritas por

Cabral, Parini e Shimoya (1992), que envolveram 14 experimentos de avaliação de 40 genótipos89 e

foram conduzidas por sojicultores distribuídos nas principais regiões produtoras do Estado.

Por fugir aos objetivos do presente trabalho, não se aprofundará a discussão

sobre a grande quantidade de iniciativas90 que resultaram nas inovações antes citadas. O objetivo

desses breves comentários foi apenas o de evidenciar que existiram e existem grandes esforços de

pesquisa nos campos biológico, químico e agronômico, os quais, aliados às inovações mecânicas,

resultaram em progresso técnico e caracterizam a modernização com que a agricultura de Mato

Grosso foi contemplada.

Tal modernização provocou um crescimento do PIB agropecuário bastante

superior ao crescimento do PIB estadual. Esse fato, embora já demonstrado na Tabela 3.2 em

termos relativos, será aqui apresentado em valores absolutos na Tabela 3.10, para dar uma idéia da

riqueza produzida, sobre cuja distribuição se tratará mais adiante:

87 Uso de variedades resistentes às doenças, épocas de semeadura adequadas, espaçamento e densidade de plantio ajustados localmente, uso de plantas iscas, destruição de soqueiras em tempo hábil, rotação de culturas, dentre outras. 88 Consiste no estabelecimento de normas, por parte dos órgãos oficiais, sobre aspectos como transporte, introdução ou exportação de produtos ou partes de vegetais (mudas, sementes etc.) e do estabelecimento e condução da cultura, como uso restrito das variedades recomendadas, determinação da épocas de plantio, medidas quarentenárias no caso de introduções etc. 89 O genótipo “diz respeito à constituição do indivíduo, com relação aos caracteres considerados [...]. Ao se reproduzirem, os organismos repassam para seus descendentes parte de seus genes, que são um dos fatores responsáveis pela determinação da característica” (MAIA; ROCHA, 2008). 90 Na biblioteca da EMPAER-MT, em Cuiabá, estão disponíveis milhares de publicações que permitem identificar as inovações adotadas ao longo das últimas décadas.

111

Verifica-se que entre 1994 e 2004 o PIB da agropecuária, a preços constantes

cresceu mais que o triplo (387%) que o PIB estadual (121%), passando de R$ 2,1 bilhões para R$

10,2 bilhões. Isso mais uma vez ratifica a importância da agropecuária para o crescimento

econômico do Estado.

112

CAPÍTULO IV – EVOLUÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DA RENDA E DE INDICADORES A

ELA ASSOCIADOS, EM MATO GROSSO, NO PERÍODO PESQUISADO

No presente capítulo apresenta-se a evolução da distribuição da renda e de

alguns outros indicadores a ela associados, no período em que se deu a modernização da agricultura

de Mato Grosso (1980 a 2004).

Antes, porém, convém que se faça uma breve contextualização sobre as medidas

de distribuição de renda e algumas de suas limitações.

A expressão “distribuição de renda” é usada com vários sentidos: pode significar

o ato de distribuir a renda (muita ou pouca distribuição, indicando ação), bem como a forma pela

qual já se encontra distribuída (boa ou má distribuição, relacionada à situação). No primeiro caso,

muitas vezes se usa o termo “redistribuição”, sugerindo ações que visem formar uma sociedade

mais igualitária; no segundo, contempla-se a análise da maneira pela qual os rendimentos são

apropriados por diferentes grupos, vinculando-se à idéia de uma distribuição estatística

(MEDEIROS, 2006, p. 8-9).

Nesta investigação, contempla-se essa última, com foco na questão da

desigualdade relativa dessa distribuição91.

Certamente, a discussão desse tema tem suas limitações, que, embora possam ser

identificadas, são de difícil superação. Isso porque a distribuição da renda, por si só, não permite a

captação de um aspecto fundamental interessante à análise econômica, que é o nível de bem-estar

efetivo experimentado por uma população. Matos (2005, p.11 apud HOFFMANN, 1998)

exemplifica essa situação, supondo que duas pessoas tivessem o mesmo rendimento, mas uma

delas, portando problemas de saúde, gastasse considerável montante da sua renda com

medicamentos. Logo, seus níveis de bem-estar seriam bastante diferentes, ainda que auferindo a

mesma renda.

Outra limitação para a qual se deve atentar é que, ao se proceder à análise da

renda obtida com o trabalho em períodos distintos, pode-se ser induzido a equívocos. Tal seria o

91 A questão da desigualdade comporta diferentes abordagens (absolutas e relativas, por exemplo), mas usualmente esse termo se aplica para designar desigualdades relativas; as absolutas são normalmente tratadas como diferenças, distâncias ou disparidades (MEDEIROS, 2006, p. 12).

113

caso de um período recessivo ao longo do qual houvesse queda no índice de desigualdade de renda,

configurando uma melhora na distribuição desta, o que poderia estar associado à taxa de

desemprego e não refletir aumento de bem-estar, pois se sabe que, em épocas de recessão, os

trabalhadores afetados pelo problema são aqueles que compõem a faixa de renda inferior. Portanto,

a permanência de trabalhadores empregados com renda mais elevada conduziria a conclusão de que

tal desigualdade teria diminuído. Contudo, essa redução teria sido decorrente não do aumento da

renda dos ocupados com menor renda, mas do aumento do desemprego (MATOS, 2005, p. 11).

Para este estudo, a medida de desigualdade de distribuição de renda a ser

utilizada é o índice de Gini, sendo ainda expressos alguns outros indicadores dessa natureza, como

apropriação de renda por faixas e a pobreza e o emprego.

O índice de Gini, proposto em 1914 por Corrado Gini, é uma medida de

concentração ou desigualdade e, embora seja comumente usado para a análise de distribuição de

renda, pode ser empregado também como medida para diversas outras finalidades: grau de

concentração de posse da terra em determinada região, de uma indústria (tomando por base o

número de empregados de cada uma das empresas), da distribuição da população urbana pelas

cidades etc. (HOLANDA; GROSSON; NOGUEIRA, 2006, p. 3). Nesta pesquisa, esse índice será

utilizado como indicador da igualdade/desigualdade na distribuição de renda.

O intervalo de resultados possíveis para tal índice varia entre zero e um, em que

zero representa o grau máximo de igualdade, e um, o grau máximo de desigualdade. Índice igual a

zero somente ocorrerá se todas as observações apresentarem o mesmo valor para a variável; e o

índice igual a um será obtido se apenas uma das observações for responsável pela totalidade dos

recursos (MATOS, 2005, p. 13-14).

A Tabela 4.1 registra a evolução da apropriação da renda em Mato Grosso e a

razão entre a renda dos mais ricos e a dos mais pobres. Embora os dados apresentados sejam de

fácil interpretação, cabem alguns destaques:

i) entre 1981 e 2005, os 10% mais ricos mantiveram o percentual de apropriação

da renda em torno de 42%, atingindo o ápice em 2000, com 45%;

ii) os 20% mais ricos avançaram, no período, em 1,2% (56,8% para 57,5%) em

termos de apropriação da renda total;

114

iii) na outra ponta, os 10% mais pobres foram os que sofreram a maior perda

(26,3%), e os 40% mais pobres reduziram sua participação em 15,4%.

Outro dado que nos chama a atenção é a razão entre a renda média dos mais

ricos e a dos mais pobres: nas três situações levantadas, o distanciamento aumentou. O índice de

Gini manteve-se praticamente estável no período, sinalizando que não houve alterações relevantes

nessa medida de desigualdade.

Essas disparidades nos níveis de apropriação de renda não são uma característica

exclusiva de Mato Grosso. Examinando-se os dados relativos ao país como um todo e comparando-

os aos do Estado, constata-se que as desigualdades são praticamente idênticas, segundo explicita a

Tabela 4.2:

115

Tal constatação não colide com o objetivo deste estudo, a saber, verificar se a

riqueza gerada pela modernização da agricultura local passou a ser distribuída de forma mais

eqüitativa; apenas indica que a má distribuição de renda é um problema nacional. E, aqui, procura-

se detalhá-lo somente em relação a Mato Grosso, e o confronto com a situação brasileira efetivou-

se para atender a uma necessidade pontual, qual seja o de viabilizar uma comparação entre ambas

as dimensões.

Quanto ao emprego formal nas atividades agropecuárias, de extração vegetal e

de caça e pesca, a Tabela 4.3 exibe os dados obtidos da Relação Anual de Informações Sociais

(RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego, entre 1985 (1980 não está disponível) e 2005.

116

Constata-se um incremento significativo desses empregos no período, e

procedendo-se a uma relação entre a evolução do número de máquinas dos estabelecimentos

agropecuários (Tabela 3.8) e dos empregos formais (Tabela 4.3), obtém-se a seguinte figura:

Verifica-se que a tendência no período foi de um aumento relativo maior no

número de empregos formais do que no de máquinas, o que, aparentemente, contradiz o referencial

teórico marxista, em que a utilização de maior número de máquinas deveria implicar redução de

utilização de mão-de-obra, permitindo a extração mais intensa de mais-valia relativa, em função da

diminuição do tempo de trabalho necessário.

Embora essa não seja a preocupação central deste trabalho, cabem algumas

observações, sobre as quais outros estudos poderiam oferecer respostas:

i) A utilização de mais maquinário não implica, necessariamente, a redução de

empregos formais. Na subseção 2.5, na qual é realizada a discussão sobre o progresso técnico e a

modernização da agricultura, constata-se que uma forma – macroeconômica – de se mensurar o

valor desse progresso é a taxa de crescimento da produção por trabalhador. Ora, quando o uso de

Figura 4.1: Mato Grosso: Linhas de tendência da evolução do número de tratores e de empregos formais na agropecuária (1980 a 2006).

-10.000

20.00030.000

40.00050.000

60.00070.000

1980 1985 1990 1995 1996 2000 2005 2006Anos

Qua

ntid

ades

Tratores

Número deempregos

Linear (Tratores)

Linear (Número deempregos)

117

máquinas produz esse efeito, não há por que se concluir que, no contexto apresentado, deva ocorrer

redução de empregos, especialmente formais;

ii) A modernização da agricultura faz com que a atividade seja exercida em

padrões empresariais, com profissionalização crescente em suas diversas etapas, a qual, porém, não

é compatível com o trabalho informal. Portanto, pode ser que tenha havido uma diminuição relativa

da informalidade do trabalho agrícola, ou seja, a substituição de mão-de-obra não especializada por

especializada;

iii) Trabalhadores especializados não se submetem com a mesma

facilidade/naturalidade ao trabalho informal;

iv) O intenso crescimento da agropecuária no período resultou na demanda por

mão-de-obra em nível proporcionalmente superior ao efeito decorrente da substituição do homem

pela máquina;

v) Tomando-se o crescimento do trabalho formal como indicador isolado, não se

pode de pronto concluir que isso resulte automaticamente em melhoras nos índices de distribuição

de renda, este, sim, o foco deste estudo.

Por outro lado, alguns dados sobre emprego agrícola sem registro em carteira,

como os apresentados na Tabela 4.4, referentes aos anos de 1992 e 2003, mostram que, apesar do

aumento na formalização do trabalho assalariado, expresso na Tabela 4.3, as posições de ocupação

por “conta própria” e “trabalhador na produção para o próprio consumo”, apresentam incrementos

absolutos e relativos, tendo o total de empregos dessa natureza ultrapassado os 45,2% em 1992 para

58,4% em 2003. Esse contingente, sujeito à reduzida proteção da legislação trabalhista, fica

também majoritariamente à margem da cobertura da seguridade social. Nesse caso, são relações

trabalhistas precárias que persistem no ambiente da modernização da agricultura mato-grossense.

118

Os dados sobre a apropriação da renda (Tabela 4.1) certamente guardam uma

estreita relação com questões de caráter social, como a pobreza e a evolução do IDH92, observadas

no Estado.

Cabe destacar que, enquanto o IDH é obtido a partir de critérios claramente

definidos, a questão da pobreza não apresenta a mesma objetividade, já que a ausência de um marco

teórico consolidado sobre o assunto resulta em limitações metodológicas.

As primeiras doutrinas adotaram diversas interpretações em relação à pobreza93,

e os clássicos, conforme já visto na apresentação do referencial teórico, tinham como uma de suas

preocupações a partilha do produto entre os trabalhadores, capitalistas e proprietários (salários,

lucro e renda). Ricardo, relembre-se, mesmo entendendo que o salário tinha um preço natural (o

92 Há muito tempo o bem-estar de uma população era avaliado pelo tamanho do PIB per capita dos países ou regiões. Posteriormente, passou-se a observar que o progresso humano e a evolução das condições de vida das pessoas não podem ser medidos apenas por sua dimensão econômica. Por isso existiu e existe uma busca constante por medidas socioeconômicas mais abrangentes, que incluam também outras dimensões fundamentais da vida e da condição humana. O IDH é um deles. Criado no início da década de 1990 para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), combina três componentes básicos do desenvolvimento humano: i) a longevidade, que também reflete, entre outras coisas, as condições de saúde da população, sendo dimensionada pela esperança de vida ao nascer; ii) a educação: mensurada pela combinação entre a taxa de alfabetização de adultos e a taxa combinada de matrícula nos níveis de ensino fundamental, médio e superior; iii) a renda, medida pelo poder de compra da população, baseado no PIB per capita, ajustado ao custo de vida local, para torná-lo comparável entre países e regiões, através da metodologia conhecida como paridade do poder de compra (PPC). A metodologia de cálculo do IDH envolve a transformação dessas três dimensões, estabelecidas, então, em índices de longevidade, educação e renda, as quais variam entre 0 (pior) e 1 (melhor), e a combinação deles em um indicador síntese. Quanto mais próximo de 1 o valor do indicador, maior será o nível de desenvolvimento humano do país ou região (ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL, 2000) 93 Malthus (1766-1834), por exemplo, com a sua teoria da autodependência dos pobres, pregava que a pobreza era culpa única e exclusiva dos próprios pobres. Já John Stuart Mill (filósofo e economista inglês – 1806-1873) comparava a condição dos pobres à das crianças e entendia que a pobreza era resultado de circunstâncias externas, não controláveis.

119

correspondente às necessidades do trabalhador para sustentar-se e à sua família, de forma a manter

o número de trabalhadores), admitia a existência de um preço de mercado (valor efetivamente

pago), regulado pela relação entre a oferta e a demanda. Ademais, o teórico entendia que a pobreza

se instalava temporariamente quando o preço de mercado do trabalho ficava abaixo do preço

natural, pois o equilíbrio voltaria a ser atingido. Portanto, a pobreza era uma situação de desajuste

temporário, decorrente da existência de um excesso de número de trabalhadores.

Por outro lado, o enfoque marxista, também já apresentado, leva em

consideração basicamente o conflito entre capitalistas e trabalhadores, sendo a distribuição de renda

determinada pela estrutura de produção. Não se detém, dessa forma, na questão dos pobres, mas na

questão dos explorados.

Os neoclássicos abordam a distribuição de renda no contexto da teoria dos

preços, ou seja, é determinada a partir da maior ou menor escassez dos fatores de produção de

posse dos agentes econômicos, sem que haja preocupação com as desigualdades decorrentes da

repartição desses fatores.

Atualmente, há muitas discussões sobre a pobreza, e as maneiras de se

distinguirem os pobres dos não pobres são diversas. Romão (1993) divide os conceitos em

subjetivos e objetivos. Os primeiros dizem respeito ao juízo que cada indivíduo tem a respeito do

grau de satisfação de suas necessidades, comparando a sua situação com a de seus semelhantes

quanto à posição que ocupa na sociedade, de sorte que os mais pobres são aqueles que se situam na

faixa inferior da distribuição de renda. Os segundos utilizam como parâmetros certos critérios

exógenos ao indivíduo, como o tipo de habitação, o nível de renda etc. O autor adota duas

categorias – a pobreza relativa e a pobreza absoluta – e diferentes enfoques, como o biológico, o

das necessidades básicas e o dos salários mínimos.

A pobreza relativa tem como referência a comparação da situação do indivíduo

em relação aos demais: a busca pela identificação da própria posição nas faixas de distribuição de

renda, sendo pobres aqueles que se encontram na camada inferior. Tal conceito, entretanto, mostra-

se insatisfatório, pois não leva em consideração um requisito básico para que se possa definir a

pobreza: a destituição absoluta. Por outro lado, esse enfoque de privação relativa propicia uma

confusão entre pobreza e desigualdade.

120

A pobreza absoluta apresenta-se quando não são atendidos determinados padrões

mínimos de satisfação de necessidades ou de níveis de subsistência, ou seja, uma situação em que o

indivíduo não consegue garantir o atendimento de um conjunto de necessidades básicas,

previamente estabelecido.

Quanto aos enfoques, o biológico tem como marco da linha de pobreza os

requisitos mínimos de bens alimentares. O das necessidades básicas tem como parâmetros níveis

adequados de alimentação, moradia, vestuário e serviços essenciais (transporte público, saúde, água

potável, educação etc.). O dos salários mínimos parte do pressuposto de que o valor do salário

mínimo oficial é o montante de dinheiro mínimo necessário para garantir a subsistência, de modo

que todos aqueles que percebam renda inferior a esse limite são considerados pobres.

Já autores como Kageyama e Hoffmann (2005) utilizam um parâmetro baseado

na renda, denominado linha de pobreza, abaixo do qual os indivíduos são incapazes de atender, de

forma adequada, suas necessidades básicas em determinado tempo e lugar. No caso, essa linha é de

meio salário mínimo a qual, a seguir, é combinada com a carência ou não de certos bens não-

monetários básicos (água encanada, instalações sanitárias e iluminação elétrica no domicílio),

dividindo os pobres em três categorias: i) extrema pobreza: indivíduos com renda abaixo da linha

de pobreza e em cujo domicílio não há, em nenhum cômodo, água canalizada, nem banheiro ou

sanitário, nem luz elétrica; ii) pobre tipo I: indivíduos com renda inferior ao da linha de pobreza, os

quais possuem, no domicílio, pelo menos um dos três itens citados; e iii) pobre tipo II: pessoas com

renda superior ao da linha de pobreza, vivendo em domicílio com menos de dois dos equipamentos

referidos (KAGEYAMA, 2006, p. 253).

Na Tabela 4.5 estão registrados os dados das três categorias, na população rural,

para o Brasil e Mato Grosso em dois períodos distintos: 1995 e 2005.

121

Nota-se que o percentual de pobres entre a população rural é bastante elevada,

tanto no Brasil quanto em Mato Grosso (acima de 60%). Especificamente para o Estado, embora o

número relativo de pobres tenha diminuído em 9,5% no período, o número absoluto cresceu em

8,8%. Quanto à extrema pobreza, o quadro permaneceu praticamente inalterado. O significativo

crescimento dos pobres tipo I, combinado com o grande declínio da faixa de pobres tipo II, sinaliza

para um cenário de agravamento do nível de pobreza, visto como um todo, pois caiu a quantidade

relativa de pobres com renda superior ao da linha de pobreza, dando lugar a pobres com renda

localizada abaixo desse nível.

Comparando-se esses números com os do crescimento do PIB da agropecuária

(Tabela 3.1), constata-se novamente que alguns benefícios do crescimento econômico ocorrido nos

anos recentes em Mato Grosso não se irradiaram para o conjunto da população.

Quanto à evolução do IDH, a Tabela 4.6 logo abaixo, apresenta-a em relação ao

Brasil, às Regiões e às unidades da federação do Centro-Oeste, indicando a ocorrência de melhoras

expressivas desses indicadores no período analisado, o que pode ser mais facilmente visualizado na

Tabela 4.7, subseqüente. Apesar de os avanços de Mato Grosso terem se enquadrado no rol dos

mais significativos na época, o Estado ainda apresenta o menor IDH-M total da região Centro-

122

Oeste, ficando, porém, em posição inferior nas dimensões Educação e Longevidade e praticamente

igualado no quesito Renda.

As variações percentuais do IDH-M total e por dimensões (Tabela 4.7) indicam

que o progresso de Mato Grosso em relação a esses indicadores, entre 1991 e 2000, foi superior ao

do Brasil e das unidades federativas do Centro-Oeste, bem como ao de todas as regiões do país,

excetuando-se o Nordeste (em todas as dimensões) e o Norte (na dimensão Educação). Percebe-se

que tal índice é fortemente alavancado pelos quesitos “educação” e “longevidade”, ficando o de

“renda” abaixo do total em todas as observações. Isso significa que políticas públicas (educação e

saúde, por exemplo) foram mais acentuadamente responsáveis pela elevação do IDH-M no período,

reforçando o já anteriormente comentado, de que o crescimento econômico do agro no Estado, nos

anos recentes, não modificou positivamente, de forma significativa, a realidade do quadro da

distribuição da renda.

123

Se fosse o caso, poderíamos acrescentar ainda vários indicadores diferentes, que

espelham outros aspectos das condições sociais no Estado, como a educação e a saúde, mas, para os

propósitos deste trabalho, consideraram-se suficientes os anteriormente apresentados.

124

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente trabalho fez-se primeiramente uma descrição de aspectos da

formação econômica de Mato Grosso, processo que teve início em 1718, em decorrência da prática

do extrativismo mineral (ouro e, mais tarde, diamante). Discorreu-se sobre algumas atividades

agrícolas (cana-de-açúcar, pecuária extensiva e agricultura de subsistência) e sobre o abastecimento

de produtos manufaturados realizado através das monções. Mostrou-se como a distribuição de

sesmarias (embrião da estrutura fundiária altamente concentrada de Mato Grosso), no século XVIII,

viabilizou a instalação das primeiras fazendas e a entrada de gado na região. Posteriormente, em

função de diversas circunstâncias (efemeridade da mineração, guerra contra o Paraguai), a frágil

organização econômica local se desestruturou, o que levou o Governo Imperial a atuar mais

diretamente na recomposição da economia mato-grossense. Isso permitiu que se instalasse um novo

ciclo econômico, o da exploração vegetal (poaia, borracha, erva-mate, agroindústria canavieira),

além da pecuária e da agroindústria dela derivada.

Constatou-se que durante o período da mineração predominou o modo de

produção escravista. Isso significou, conforme o modelo teórico marxista descrito no segundo

capítulo, extração de mais-valia absoluta em níveis extremamente elevados, mediante o uso direto

da violência física. Relações de trabalho idênticas (servidão e violência física) estabeleceram-se

posteriormente para os trabalhadores “livres”, com a vigência do sistema de “aviamento”.

A partir dos anos de 1930, com a crise do café, a política econômica nacional foi

redirecionada, privilegiando basicamente a hegemonia do capital urbano industrial, criando

condições institucionais para a expansão do mercado interno, o que resultou em mudanças na

ocupação do território, inclusive Mato Grosso, que passou a desempenhar novo papel na economia

nacional: o de produtor de alimentos e de absorção de mão-de-obra de outras regiões do país.

Na década de 1960, com a instalação do governo militar no Brasil, foram

adotadas políticas de “ocupação e desenvolvimento” em Mato Grosso, com três objetivos, um de

cunho geopolítico, um econômico e outro social. O primeiro visava consolidar a “ocupação” por

meio da distribuição de terras; o segundo tinha a finalidade de garantir a produção e o consumo de

bens; e o terceiro objetivava amenizar tensões sociais em outras regiões do país, mediante a

transferência dos seus “excedentes populacionais” para o território mato-grossense.

125

Esse fluxo humano provocou o deslocamento da fronteira agrícola do Estado,

expandindo a área cultivada, para, dessa forma, atender impulsos de mercados nacionais mais

dinâmicos. Tal expansão foi acompanhada por um processo de modernização da agricultura,

assentada no progresso técnico, num contexto de estrutura fundiária fortemente dominada pela

grande propriedade (mais de 80% da área ocupada por estabelecimentos com 1.000 e mais hectares,

conforme Tabela 1.3.1).

Esse progresso técnico, sob a ótica marxista, é típico de um estágio mais

avançado do capitalismo no campo e decorre da intensificação da aplicação de capital na

agricultura, o que, por sua vez, permite o surgimento da renda diferencial II, que é uma das formas

de apropriação de lucro suplementar. Ele não possui, um caráter “neutro”, conforme apregoa o

ideário neoclássico, que leva a crer que as escolhas de novas tecnologias obedecem a regras

“neutras” de eficiência social. Pelo contrário, ele se realiza de forma distributiva desigual,

contribuindo para intensificar concentrações de capital e ampliar estruturas de mercado

oligopólicas.

Tal progresso, portanto, que se manifesta pelo aumento da produtividade do

trabalho, gera o aumento do produto global, do qual resultam as receitas do capitalista, do

proprietário da terra e do trabalhador.

Por outro lado, igualmente na perspectiva do modelo teórico adotado, o aumento

da produtividade do trabalho leva à ampliação da fatia de mais-valia relativa.

Nesta investigação, ficou evidente que a modernização da agricultura no Estado

desencadeou um robusto crescimento econômico da agropecuária nos anos recentes, não somente

em termos de volumes de produção, mas também em participação relativa desse segmento no PIB

estadual (de 18,5% em 1994 para 40,82% em 2004).

Apesar desse significativo incremento do produto global, alguns indicadores

sociais pouco se modificaram no período analisado. De fato, embora tenha ocorrido um

crescimento significativo do emprego formal na atividade agropecuária, revelaram-se relações

trabalhistas precárias. Também, a ocorrência de pobreza entre a população rural apontou para um

agravamento do seu nível, e a evolução do IDH-Renda apresentou tímida melhora. Por último,

quanto à apropriação da renda por ricos e pobres, demonstrou-se um alargamento do fosso entre

ambas as classes sociais.

126

Diante disso, não se pode afirmar categoricamente que o quadro da distribuição

de renda piorou durante o período sob análise, conforme formulado na hipótese inicial, permitindo,

no entanto, concluir que tampouco melhorou.

Tais resultados são coerentes com a abordagem teórica marxista apresentada,

que identifica, no modo de produção capitalista, três classes sociais envolvidas nas relações de

produção: dos capitalistas (detentores dos meios de produção e responsáveis pela produção e

acumulação do capital), dos trabalhadores (fornecedores de mão-de-obra) e dos proprietários da

terra (detentores do monopólio da terra).

Ao analisar capital e trabalho, Marx sustenta que a remuneração do trabalhador,

a princípio, corresponde ao trabalho necessário (para sustentar a si mesmo e a sua família), não

variando em função da variação do produto total (da agricultura, no caso). Sendo assim, o

crescimento do produto implica o aumento da apropriação de mais-valia pelo capital, a qual, assim

apropriada, é disputada entre os capitalistas e os proprietários da terra.

Constata-se, então, que, na linha teórica adotada, o crescimento econômico na

economia capitalista não significa, necessariamente, incremento na distribuição de renda ou de

outros indicadores sociais, pois as características intrínsecas do modo de produção capitalista não

laboram nesse sentido.

Os resultados obtidos no estudo confirmam esses postulados.

A ressalva que cabe registrar é a de que a presente investigação, ao restringir-se

à agricultura (40,8% do PIB), deixa margem ao questionamento quanto aos impactos dos 59,2%

restantes do PIB sobre os indicadores considerados. Essa limitação resulta do método adotado

(fenomenológico-hermenêutico e crítico-dialético), sem recorrer-se à técnicas quantitativas de

avaliação. Fica aí uma lacuna que pesquisas futuras podem preencher.

Independente dessa ressalva, deve-se destacar que mitigar as

diferenças/distâncias de apropriação de renda entre as classes sociais tem sido uma das

preocupações do poder público através da atividade financeira do Estado (entendido como qualquer

um dos entes da Federação), assunto que integra o campo das finanças públicas, área da ciência

econômica que estuda a intervenção do Estado na Economia.

127

No que diz respeito à distribuição de renda, a interferência dos governos ocorre

pelo exercício de sua função distributiva, visando implantar ajustes que resultem numa distribuição

considerada justa pela sociedade.

Há que se destacar, ainda, conforme mencionado por Hoffmann e Kageyama

(1985, p. 206), que uma distribuição mais eqüitativa da renda passa também pela conquista de

direitos da classe trabalhadora, proporcionando-lhe maior acesso às decisões políticas que afetam o

processo de modernização e que definem as formas concretas que ela adquire, de maneira a ampliar

a participação dos trabalhadores nos benefícios que os avanços do progresso técnico proporcionam.

O fato de o capital apropriar-se de forma assimétrica da riqueza gerada, no

entanto, não significa que tal apropriação seja integralmente realizada pelo capitalista e/ou

proprietário fundiário direta ou imediatamente envolvido no processo produtivo. A mais-valia total

é disputada entre as classes sociais (trabalhadores e capitalistas) e seus segmentos, já que a

produção envolve diferentes agentes, como banqueiros, comerciantes, industriais etc. A magnitude

que caberá a cada um desses segmentos é determinada pela disputa dentro da classe dos capitalistas

naquele momento determinado, no seio da respectiva sociedade.

A importância dessa ressalva reside no fato de que em Mato Grosso sabidamente

se pratica uma agricultura tomadora de preços (a montante e a jusante) e altamente dependente de

financiamento, seja por intermédio de um banco seja pela venda antecipada de safras, isto é, há uma

transferência significativa da mais-valia gerada para fora do Estado.

128

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