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Regressão beta aplicada à avaliação dos indicadores de saúde bucal na Atenção Básica. Júlia J. Medeiros, Larycia V. Rodrigues, Eufrasio A. Lima Neto, UFPB Departamento de Estatística Cidade Universitária, s/n, CEP: 58051-900 João Pessoa, PB, Brasil E-mail: [email protected], [email protected], [email protected], Ana M. G. Valença, Liliane S. Machado UFPB DCOS UFPB Departamento de Informática Cidade Unversitária, s/n, CEP: 58051-900 João Pessoa, PB, Brasil E-mail: [email protected], [email protected] Palavras-chave: Regressão beta, indicadores, saúde bucal, modelagem matemática. Resumo: Estudos com os indicadores propostos pelo Ministério da Saúde costumam utilizar a Regressão Normal Linear para explicar iniquidades socioeconômicas e outros fatores associados aos serviços de saúde. Esse trabalho se propôs a apresentar a regressão beta como uma ferramenta de análise dos indicadores do pacto de Atenção Básica em Saúde Bucal e sua associação com variáveis socioeconômicas e de provisão de serviços de saúde em 65 municípios da 1ª Macrorregional de Saúde da Paraíba. Observou-se que o modelo de regressão beta (R²=0,975) se mostrou bem ajustado devido aos resíduos obedecerem aos critérios de homocedasticidade, normalidade e linearidade, o que não ocorreu com a regressão normal linear. Conclui-se, por meio da regressão beta, que a proporção de exodontia esteve associada ao Índice de Gini, ao número de Equipes de Saúde Bucal e à proporção de procedimentos odontológicos básicos. 1. Introdução O Pacto dos Indicadores da Atenção Básica é um documento nacional destinado a monitorar as ações de gestores referente ao nível primário de saúde, formando uma base a ser considerada na negociação de metas para municípios e estados, objetivando melhorar o desempenho dos serviços da atenção básica e a situação de saúde da população [1]. No Sul do país, um estudo [4] abrangendo todos os municípios utilizou a regressão normal linear para associar variáveis com os indicadores do Pacto da Atenção. Em Minas Gerais [5], o mesmo método foi empregado com o propósito de analisar o indicador de proporção de cobertura em saúde. Consta-se ser frequente a utilização da regressão normal linear em situações nas quais os indicadores se comportariam como proporções ou taxas de procedimentos, possuindo intervalo 569 ISSN 2317-3297

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Regressão beta aplicada à avaliação dos indicadores de saúde bucal na

Atenção Básica.

Júlia J. Medeiros, Larycia V. Rodrigues, Eufrasio A. Lima Neto,

UFPB – Departamento de Estatística

Cidade Universitária, s/n, CEP: 58051-900

João Pessoa, PB, Brasil

E-mail: [email protected], [email protected], [email protected],

Ana M. G. Valença, Liliane S. Machado

UFPB – DCOS UFPB – Departamento de Informática

Cidade Unversitária, s/n, CEP: 58051-900

João Pessoa, PB, Brasil

E-mail: [email protected], [email protected]

Palavras-chave: Regressão beta, indicadores, saúde bucal, modelagem matemática.

Resumo: Estudos com os indicadores propostos pelo Ministério da Saúde costumam utilizar a

Regressão Normal Linear para explicar iniquidades socioeconômicas e outros fatores

associados aos serviços de saúde. Esse trabalho se propôs a apresentar a regressão beta como

uma ferramenta de análise dos indicadores do pacto de Atenção Básica em Saúde Bucal e sua

associação com variáveis socioeconômicas e de provisão de serviços de saúde em 65

municípios da 1ª Macrorregional de Saúde da Paraíba. Observou-se que o modelo de regressão

beta (R²=0,975) se mostrou bem ajustado devido aos resíduos obedecerem aos critérios de

homocedasticidade, normalidade e linearidade, o que não ocorreu com a regressão normal

linear. Conclui-se, por meio da regressão beta, que a proporção de exodontia esteve associada

ao Índice de Gini, ao número de Equipes de Saúde Bucal e à proporção de procedimentos

odontológicos básicos.

1. Introdução

O Pacto dos Indicadores da Atenção Básica é um documento nacional destinado a

monitorar as ações de gestores referente ao nível primário de saúde, formando uma base a ser

considerada na negociação de metas para municípios e estados, objetivando melhorar o

desempenho dos serviços da atenção básica e a situação de saúde da população [1]. No Sul do

país, um estudo [4] abrangendo todos os municípios utilizou a regressão normal linear para

associar variáveis com os indicadores do Pacto da Atenção. Em Minas Gerais [5], o mesmo

método foi empregado com o propósito de analisar o indicador de proporção de cobertura em

saúde. Consta-se ser frequente a utilização da regressão normal linear em situações nas quais os

indicadores se comportariam como proporções ou taxas de procedimentos, possuindo intervalo

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unitário de 0 a 1, quando, nestes casos, a regressão beta pareceria ser a classe de regressão mais

adequada.

A regressão beta se baseia no pressuposto de que a variável dependente é beta-

distribuída e que a sua média está relacionada com um conjunto de regressores por meio de um

preditor linear com coeficientes desconhecidos e uma função de ligação. Há um modelo

proposto de regressão para variáveis contínuas que assumem valores no intervalo padrão, por

exemplo, taxas, proporções, ou índices de concentração [3]. Uma vez que o modelo tem por

base a suposição de que a resposta é beta-distribuída, foi denominado de modelo de regressão

beta. Nele os parâmetros de regressão são interpretáveis em termos de média de Y (a variável de

interesse), sendo o modelo naturalmente heteroscedástico e se adequando com facilidade às

assimetrias. O modelo de regressão beta toma como base uma parametrização alternativa da

densidade beta em termos de média de variáveis e um parâmetro de precisão. A densidade beta

é geralmente expressa como:

Onde, p, q > 0 e Г é uma função gamma. Foi proposta uma diferente parametrização

definindo p/ (p+ q) e ɸ = p+q. Com 0 < μ < 1 e ɸ > 0 [2].

O uso da classe de regressão beta apresenta vantagem em relação a outras classes de

regressão, pois dependendo dos valores atribuídos aos parâmetros, sua função de densidade

pode apresentar diversas formas, sendo, portanto, bastante flexível [3].

Com base no exposto, o presente trabalho objetivou definir qual modelo melhor se

adequaria para análise dos indicadores do pacto de Atenção Básica em Saúde Bucal, que se

comportam como proporções ou taxas de procedimentos e possuem um intervalo unitário de 0 a

1, na perspectiva de fornecer uma ferramenta apropriada para a tomada de decisão por gestores

dos municípios paraibanos.

2. Metodologia

Foram gerados modelos de regressão normal linear e regressão beta com dados

socioeconômicos e de provisão de serviços de saúde referentes aos 65 municípios que compõem

a primeira macrorregional de saúde do estado da Paraíba. A escolha desta macrorregional de

saúde se deveu a ela corresponder à aproximadamente metade da população do Estado da

Paraíba (48,30%). A variável dependente selecionada para o estudo foi um dos indicadores da

atenção básica em saúde bucal – “Proporção de Exodontia em relação aos procedimentos

odontológicos básicos individuais”. Elegeu-se este indicador, pois ele demonstra o grau de

mutilação da população ocasionado pela quantidade de extrações dentárias.

Os dados socioeconômicos foram coletados a partir do sistema de informação do IBGE

(Instituto Brasileiro e de Geografia e Estatística), consistindo das seguintes variáveis, por

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município: População; Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); Índice de Gini; Índice de

Exclusão Social (IES); Taxa de Alfabetização; Proporção de População Rural; Produto Interno

Bruto (PIB).

As variáveis de provisão de serviços de saúde foram obtidas mediante consulta ao

DATASUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde), sendo elas: Número de

Equipes de Saúde da Família (ESF), de Equipes de Saúde Bucal (ESB) e de Centro de

Especialidade Odontológica (CEO); Proporção de Cobertura Populacional pela ESF; Proporção

de procedimentos básicos; Proporção de procedimentos especializados; Proporção de Primeira

Consulta Odontológica; Proporção de Escovação Supervisionada; Proporção de Exodontias.

As análises - regressão normal linear e regressão beta - foram iniciadas com o método

de seleção de varáveis stepwise backward, que incluiu todas as variáveis explicativas no modelo

retirando-se, uma a uma, a partir daquela que apresentasse o maior p-valor acima do nível de

significância estabelecido (p-valor = 0,05). Identificadas as variáveis significantes para o

modelo, foi então, realizada a análise residual.

3. Resultados

Os resíduos do modelo normal linear não se mostraram bem ajustados, não obedecendo

aos critérios de homocedasticidade, normalidade (p-valor = 0.029) e linearidade.

Para a análise de regressão beta, obteve-se um coeficiente de determinação expressivo

(R²=0,975), onde três variáveis apresentaram associação significativa com o desfecho: o índice

de Gini, o número de equipes de saúde bucal (ESB) e a proporção de procedimentos básicos

individuais (Tabela 1).

Variáveis Coef DP p-valor

Intercepto 4,65 1,57 0,003

Índice de Gini -14,75 4,51 0,001

ESB -0,2 0,09 0,021

Procedimentos

Básicos -1,25 0,36 <0,001

COEF (Coenficiente); DP (Desvio Padrão); R² (Coeficiente de determinação).

Tabela 1: Modelo de regressão beta para a variável dependente Proporção de Exodontia.

Com o intuito de verificar os possíveis afastamentos das suposições feitas para o

modelo, a Figura 1 apresenta o gráfico dos resíduos para homocedasticidade, com dados

dispersos em torno do zero, bem como o gráfico normal com envelope simulado e linearidade

dos resíduos. É possível observar que não há indícios de afastamento da suposição de que o

modelo de regressão beta é adequado para os dados.

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Figura 1: Homocedasticidade, normalidade e linearidade dos resíduos.

4. Considerações finais

Os resultados obtidos neste estudo sugerem a possibilidade de, ao se utilizar a classe de

regressão normal linear para modelagem estatística, ocorrer a produção de valores ajustados

fora do suporte da resposta. Neste trabalho foram selecionados indicadores epidemiológicos

com intervalo limitado (0,1), os quais podem ser de difícil ajuste devido à natureza de assimetria

dos dados, como ficou comprovado ao se utilizar a regressão normal linear, demonstrando a

superioridade do modelo de regressão beta para modelagem desses indicadores que, em geral,

possuem heterocedasticidade e assimetria naturais.

Este estudo, ao demonstrar por meio da regressão beta que a mutilação dentária foi

maior nos municípios paraibanos que possuíam valores inferiores do Índice de Gini, menor

número de Equipes de Saúde Bucal e menor proporção de procedimentos odontológicos

básicos, forneceu subsídios para o processo de tomada de decisão por gestores de saúde bucal

destas localidades, orientando a adoção de estratégias que possibilitem um melhor planejamento

de ações em saúde direcionadas a esta população.

Referências

[1] Brasil. Portaria nº 493/GM de 10 de março de 2006. Aprova a relação de Indicadores da

Atenção Básica - 2006, cujos indicadores deverão ser pactuados junto aos municípios, estado e

Ministério da Saúde. Brasília:DF; 2006.

[2] F. Cribari-Neto, A. Zeileis. Beta Regression in R. Journal of Statistical Software, 34 (2010)

1–24.

[3] S. L. P. Ferrari, F. Cribari-Neto. Beta Regression for Modeling Rates and

Proportions. Journal of Applied Statistics,31 (2004) 799–815.

[4] T. K. Fischer, K. G. Peres, E. Kupek, M. A. PERES. Indicadores de atenção básica em saúde

bucal: associação com as condições socioeconômicas, provisão de serviços, fluoretação de

águas e a estratégica de saúde da família no sul do Brasil. Rev. Bras. Epidemiol., 13 (2010) 126-

138.

[5] J. C. Teixeira, M. C. C. Mello, C. C. Ferreira. Atenção primária à saúde e saneamento

ambiental na melhoria da saúde nos municípios da zona da mata do estado de Minas Gerais,

Brasil. Revista APS, 9 (2006) 119-127.

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