redes em composiÇÕes Éticas e estÉticas … · alunos e alunas, a todo o momento, estão...

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REDES EM COMPOSIÇÕES ÉTICAS E ESTÉTICAS NA ESCOLA, NOS CURRÍCULOS E NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES Esse painel busca analisar, nos fluxos, nas intensidades da vida vivida no cotidiano escolar, os movimentos de redes em composições éticas e estéticas que impulsionam problematizações intensivas para se pensar a escola, os currículos e a formação de professores. Aposta na possibilidade de uma ética, entendida como uma estética da existência (FOUCAULT, 1983), como caminho possível para se afirmar a vida de professores e alunos nos diferentes cotidianos escolares. Insere-se no Eixo 1 “Didática e prática de ensino: desdobramentos em cenas na educação pública”, em seu subeixo 3 “Modos do ensinar e aprender em experiências”, apresentando três estudos que dialogam com diferentes movimentos dos/nos/com os cotidianos escolares e produzem novos significados de escola, docência e redes de conhecimento. O primeiro texto apresenta movimentos vibrantes de alunos na criação da vida para se pensar a escola tal como ela é − pulsante e intensa, produzindo outras formas para que a ação educativa seja possível, na invenção de movimentos curriculares intensivos. O segundo apresenta as diferentes composições de vida e de corpos tecidas nas redes de conhecimentos dos sujeitos por meio das redes de conversações e ações complexas, como redes de comunicação nos/dos cotidianos escolares que potencializam as possibilidades de formação continuada de professores com a diferença. O terceiro texto destaca a força do capitalismo estético na produção de discursos e práticas de minimização das ações consideradas como (in)disciplinas que ocorrem com alunos, numa tentativa de capturar as diferentes formas de vida nos/dos/com os cotidianos. Todos os três trabalhos buscam apresentar o cotidiano escolar como campo possível para a potência micropolítica, causando ressonâncias na invenção de movimentos formativos e curriculares intensivos gerados no plano de imanência para se pensar a complexidade da escola. Palavras-Chave: Currículo, Cotidianos Escolares, Formação Continuada XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3952 ISSN 2177-336X

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REDES EM COMPOSIÇÕES ÉTICAS E ESTÉTICAS NA ESCOLA, NOS

CURRÍCULOS E NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Esse painel busca analisar, nos fluxos, nas intensidades da vida vivida no cotidiano

escolar, os movimentos de redes em composições éticas e estéticas que impulsionam

problematizações intensivas para se pensar a escola, os currículos e a formação de

professores. Aposta na possibilidade de uma ética, entendida como uma estética da

existência (FOUCAULT, 1983), como caminho possível para se afirmar a vida de

professores e alunos nos diferentes cotidianos escolares. Insere-se no Eixo 1 “Didática e

prática de ensino: desdobramentos em cenas na educação pública”, em seu subeixo 3

“Modos do ensinar e aprender em experiências”, apresentando três estudos que

dialogam com diferentes movimentos dos/nos/com os cotidianos escolares e produzem

novos significados de escola, docência e redes de conhecimento. O primeiro texto

apresenta movimentos vibrantes de alunos na criação da vida para se pensar a escola tal

como ela é − pulsante e intensa, produzindo outras formas para que a ação educativa

seja possível, na invenção de movimentos curriculares intensivos. O segundo apresenta

as diferentes composições de vida e de corpos tecidas nas redes de conhecimentos dos

sujeitos por meio das redes de conversações e ações complexas, como redes de

comunicação nos/dos cotidianos escolares que potencializam as possibilidades de

formação continuada de professores com a diferença. O terceiro texto destaca a força do

capitalismo estético na produção de discursos e práticas de minimização das ações

consideradas como (in)disciplinas que ocorrem com alunos, numa tentativa de capturar

as diferentes formas de vida nos/dos/com os cotidianos. Todos os três trabalhos buscam

apresentar o cotidiano escolar como campo possível para a potência micropolítica,

causando ressonâncias na invenção de movimentos formativos e curriculares intensivos

gerados no plano de imanência para se pensar a complexidade da escola.

Palavras-Chave: Currículo, Cotidianos Escolares, Formação Continuada

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3952ISSN 2177-336X

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A POTÊNCIA DA ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA EM REDES CURRICULARES

INTENSIVAS

Tânia Mara Zanotti Guerra Frizzera Delboni / UFES

Sandra Kretli da Silva / UFES

Resumo

Este trabalho busca analisar, nos movimentos, nos fluxos, nas intensidades da vida

vivida no cotidiano escolar, as micropolíticas: afetos, afecções, desejos, enfim, as

relações, os encontros, onde os processos e modos de subjetivação se relacionam com o

político, o social, o cultural, nos quais são engendradas linhas de vida coletiva que pulsa

e, a partir da criação de uma estética da existência, impulsiona movimentos de redes

curriculares intensivas. Apresenta como campo problemático o cotidiano escolar como

possível para a potência micropolítica, engendrada nos encontros, nos afetos e afecções,

e também os movimentos de corpos de alunos e alunas como potência de vida, causando

ressonâncias na invenção de movimentos curriculares intensivos gerados no plano de

imanência. Utiliza, como intercessores teóricos, Foucault, Niestzche, Guattari e Deleuze

e adota, como aporte metodológico, a cartografia no/do/com o cotidiano escolar,

acompanhando os fluxos, as movimentações, as relações compartilhadas, as redes de

conversações com os sujeitos praticantes de uma escola pública de ensino fundamental.

Observa que os movimentos de alunos e alunas são vibrantes na criação da vida e esses

movimentos são potentes para se pensar a escola tal como ela é − pulsante e intensa.

Alunos e alunas, a todo o momento, estão produzindo formas para que a ação educativa

seja possível, mesmo que essa ação seja invisível a alguns, mas visível para aqueles que,

em seus movimentos, em seus corpos, vibram, causando ressonâncias à medida que vão

criando conexões, relações, encontros, existências singulares, instáveis, mutantes e

pulsantes, na invenção de movimentos curriculares intensivos.

Palavras-chave: Currículo. Estética da existência. Micropolítica

Introdução

O desejo que impulsiona esta escrita está nos movimentos, nos fluxos, nas

intensidades da vida vivida no cotidiano escolar, enredada nas micropolíticas: nos

afetos, afecções, desejos, enfim, nas relações, nos encontros, em que os processos e

modos de subjetivação se relacionam com o político, o social, o cultural, pelos quais são

engendrados os contornos da realidade em um movimento de criação de vida coletiva.

Movimentos estes que pulsam nos encontros dos corpos que afetam e são afetados,

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entendendo o encontro como acontecimento − com diferentes intensidades e pulsão de

vida − que supõe diferença, divergência, dissonância: encontro como política, em que a

potência está na invenção de possíveis, de movimentos que possibilitam criar um ethos

ético-político na criação de outras formas de vida, na criação da vida como uma obra de

arte, na criação de uma estética da existência.

Assim, o objetivo desta escrita é pensar − através dos movimentos, encontros,

afetos, afecções e desejos vividos por alunos e alunas no cotidiano escolar − como o

currículo vai engendrando fluxos, mobilidades, redes, errâncias, movimentos nômades

intensivos para além do materializado pelas grades, programas, projetos curriculares.

Como aporte metodológico, foi utilizada a cartografia no cotidiano, tecendo

aproximações entre a pesquisa cartográfica e a pesquisa no/do/com o cotidiano escolar,

afirmando-o como espaço-tempo da micropolítica, lugar do acontecimento, do afetar e

do ser afetado dos corpos vibráteis (ROLNIK, 2007), na produção da vida como obra de

arte. A escrita deste trabalho foi sendo produzida por narrativas inventadas, ao mesmo

tempo em que os territórios, as pontes, as paisagens foram sendo percorridos. Trata-se

de um mergulho nas intensidades de um cotidiano escolar – cheio de turbulências,

dramas, feridas, cicatrizes, resistência, invenção. Enfim, trata-se de potência de vida, na

qual buscamos cartografar os fluxos, as intensidades, as linhas de fuga, os movimentos,

tentando uma composição e intensificação de situações singulares que possibilitam fazer

da vida uma estética da existência e, assim, criar movimentos outros de invenção

curricular.

Ética, estética da existência, a vida como obra de arte

[...] O que me assusta é o fato de que, em nossa sociedade, a arte se

tornou algo relacionado apenas com objetos e não com indivíduos, ou

com a vida. A arte é algo especializado ou que é feita apenas por

experts ou artistas. Mas será que não poderia, a vida de cada um, se

tornar um trabalho de arte? Por que a lâmpada ou a casa poderiam ser

objetos de arte e não a nossa vida? (FOUCAULT, 1983, p. 261).

Pensar na possibilidade de uma estética da existência – na qual a vida se torna

uma obra de arte – implica a desconstrução dos conceitos corriqueiros de obra e de arte,

geralmente relacionados com as artes plásticas, a música ou a literatura, para entender

como tais conceitos podem constituir o modo de ser, o modo de viver.

Foi Nietzsche (2008) quem insistiu no caráter prático da arte, vendo nela uma

manifestação da vontade de potência, condicionada a um sentimento de força e de

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plenitude como se verifica, por exemplo, na embriaguez. A arte é vontade, é intensidade

e, para o autor, o conceito de obra de arte está associado ao todo poder-produzir. Assim,

a natureza também é artista: “O mundo como obra de arte que dá a luz a si mesma”

(NIETZSCHE, 2008, p. 397), que gesta a si mesma. Em que medida é possível

construir e conceber a vida como obra de arte? Em que medida a ética e a estética se

cruzam, dando forma à própria vida, inventando formas de se viver, modos de habitar o

mundo, constituindo um ethos (modos de agir, fazer, pensar)?

Fazer da vida uma obra de arte consiste na disposição de assumir uma atitude.

Nietzsche (2001, p. 132) apresenta uma estreita relação entre arte e vida: “Como

fenômeno estético a existência ainda nos é suportável, e por meio da arte nos são dados

olhos e mãos e, sobretudo, boa consciência, para poder fazer de nós mesmos um tal

fenômeno”.

Para Foucault (2006a), no período grego-helenístico, não há uma diferenciação

entre as coisas do mundo e as coisas da natureza humana. A distinção está no modo de

saber e na maneira como aquilo que conhecemos sobre os deuses, os homens, o mundo

terá efeito na natureza do sujeito, na sua maneira de agir, no seu “êthos”: “[...] fazer o

êthos, produzir o êthos, modificar, transformar o êthos, a maneira de ser, o modo de

existência de um indivíduo. É ethopoiós aquilo que tem a qualidade de transformar o

modo de ser de um indivíduo” (FOUCAULT, 2006a, p. 291). Uma das funções das

práticas de si é a “etopoiética”: a transformação da verdade em ethos. A ética seria um

modo de existência, pois há uma relação entre a arte da existência e o cuidado de si. A

arte no sentido da forma que vai se dando à própria existência, como expansão da vida.

O acesso ao eu está associado a certas práticas, a certas técnicas e a um conjunto de

conceitos e noções que integram um modo de saber. “A prática de si identifica-se e

incorpora-se com a própria arte de viver (a tékhne toû bíou). Arte de viver, arte de si

mesmo são idênticas, tornam-se idênticas ou pelo menos tendem a sê-lo” (FOUCAULT,

2006a, p. 253).

A ética, tal como entendida por esse autor, é a relação que se estabelece consigo

mesmo, que determina a maneira pela qual o sujeito exerce sobre si mesmo uma

transformação, a fim de forjar modos mais belos de ser e viver: “Trata-se de saber como

governar sua própria vida para lhe dar a forma mais bela possível (aos olhos dos outros,

de si mesmo e das gerações futuras) [...]” (FOUCAULT, 2006b, p. 244). A ética, para

Foucault, diferencia-se de uma moral, cujas regras coercitivas levam ao julgamento das

ações e intenções, ao tomar como referência valores como sendo o “certo” e o “errado”,

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o “bem” e o “mal” etc: “Eis o que tentei reconstituir: a formação e o desenvolvimento

de uma prática de si que tem como objetivo constituir a si mesmo como o artesão da

beleza de sua própria vida” (FOUCAULT, 2006b, p. 244). A prática de si como arte da

liberdade, como prática da liberdade, que abre possibilidades para novas relações de si,

novas práticas de si, como arte de si:

Arte relembra-nos condições do vigor animal: ela é, por um lado, uma

excedência e um transbordar de corporeidade florescente na direção

do mundo das imagens e dos desejos; por outro lado, uma excitação

da função animal mediante imagens e desejos da vida potencializada:

− uma elevação da sensação de viver, um estímulo da mesma

(NIETZSCHE, 2008, p. 400).

Para Milovic (2004, p. 114), “[...] temos de criar-nos, afirmar a própria vida

como obra artística. O cuidado de si, determinado na última parte de História da

sexualidade [Foucault], termina como uma nova estética da vida. A pergunta ética sobre

as normas termina numa estética”. Uma ética nos dias de hoje não pode ser elaborada

com a ideia de razão, mas com a ideia da sensibilidade: “A ética é uma nova

sensibilidade para os outros. A subjetividade se fundamenta nessa heteronomia.

Subjetividade e Outro no Mesmo” (MILOVIC, 2004, p. 119). E não é a isto que

Foucault nos convida, a encontrar outros modos de produção de subjetividade, outras

possibilidades de formação do indivíduo, outras maneiras de pensar a relação de si

consigo e com o outro?

A aposta está na possibilidade de transformação efetiva de nossas vidas por meio

da micropolítica do cotidiano, entendendo a escola como “lugar de vida” (GUATTARI,

1992, p. 196), instaurando uma inventividade fora dos quadros estabelecidos, assim,

como o cotidiano escolar é pensado como laboratório de existência, no sentido de

induzir a produção, a experimentação de processos de singularização, ou seja, processos

intensivos de afirmação da vida.

Cotidiano escolar e os movimentos curriculares intensivos

Escolhemos falar da escola a partir das experiências, dos movimentos, das

relações compartilhadas com os sujeitos praticantes, os cheiros, os sabores; os espaços

compartilhados com gritos, correrias, alegria, choro, silêncio, vozes, brincadeiras,

conversas... Enfim, fizemos uma aposta de falar da escola e de sua contextualização a

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partir da vida que foi vivida, compartilhada, sentida nos turnos matutino e vespertino de

uma escola pública de ensino fundamental.

A multiplicidade de maneiras/modos de viver, de compartilhar esse espaço-

tempo da escola (da vida!), as diferentes experiências (con)vividas por professores,

professoras, alunos e alunas, essas diferentes práticas engendram processos de

subjetivação, processos de invenção e criação de si. Para Deleuze (1992, p. 114), a

subjetivação em Foucault “[...] consiste essencialmente na invenção de novas

possibilidades de vida, como diz Nietzsche, na constituição de verdadeiros estilos de

vida: dessa vez, um vitalismo sobre fundo estético”.

A subjetividade, ao mesmo tempo produção em processo e em coletividade, é

sempre construída, fabricada, produzida nos encontros, na junção de fluxos, que não

cansam de pedir passagem na medida em que os agenciamentos maquínicos de

produção os cortam e os transversalizam. Assim, não há possibilidade de se falar em

processos de subjetivação isolados dos processos de governabilidade.

Sabores, cheiros, temperos...

Terça-feira. Dia de feira em uma das ruas da escola. O trânsito de veículos fica

fechado. Como vamos entrar na escola? Caminhamos entre as barracas e aproveitamos

para conhecer a feira e seus praticantes. Quando entramos, faltavam alguns minutos

para o recreio. O pátio estava vazio, um silêncio total, quebrado só pelos aviões que

passam. Os praticantes daquele cotidiano já sabem os horários de voos e as respectivas

companhias aéreas: “Hum, agora é o avião da Gol! Daqui a pouco passa o da TAM!”.

A escola foi construída na rota do aeroporto. É muito barulho para um lugar em que a

todo o momento é esperado o silêncio. Algumas poucas crianças vão surgindo e

seguindo direto para a fila no refeitório. Ou melhor, vão criando a fila, já que ainda não

há ninguém ali. E lá fomos nós atrás dos alunos... Qual será a merenda de hoje? Era

macarrão à bolonhesa com salada de alface. Que cheiro! Há também uma fila

começando para comprar algo na cantina. Mas hoje é terça-feira, dia de feira. Há um

cheiro que vem de fora e que compete com o cheiro da escola. Uma barraca que fica

bem na entrada da escola: pastel com caldo de cana. Em uma das idas e vindas à escola,

vimos várias alunas comendo pastel com caldo de cana, no horário do recreio, mas não

entendíamos como elas tinham acesso ao lado de fora da escola, já que há dois portões

de ferro para serem vencidos, além do/a guardinha, como os alunos falam. Perguntamos

à coordenadora como as alunas compravam o lanche, se alguma pessoa da feira vinha

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vender no portão da escola etc. Ela nos respondeu que era proibida a venda de tal lanche

na escola, pois pastel é fritura e ainda tem aquele com presunto que é vetado pela

nutricionista da Secretaria de Educação. “Se a equipe de nutrição vir isso, dá até

processo contra nós”. Mas ela disse que, se alguma mãe, ao trazer seus filhos para a

escola, comprar o lanche, ela não pode fazer nada, pois foi a mãe que comprou. “A

professora de Artes foi lá na barraca e eu pedi para comprar para mim”. “A avó da

minha amiga, toda terça-feira, traz para ela e eu peço também para mim”. “Se não

aparecer ninguém conhecido, a gente pede a alguém da rua para chamar o moço do

pastel”. Elas levam o dinheiro para a escola e, assim que aparece alguém “disponível”,

elas pedem para comprar o lanche para elas. Quanta criatividade! Ou poderíamos

chamar de “tática de sobreviventes”, como diz Certeau (1994).

As brincadeiras, seus espaços e regras próprias

Hora do recreio. Correrias, gritos, alegrias, brincadeiras, lanches, conversas...

Inicialmente, o que nos chamou a atenção foi a grande quantidade de meninos sentados

em um elevado (cerca de 50 cm do chão) que fica no pátio coberto da escola. Achamos

que esse espaço serve como palco em dias de comemoração. A falta de um espaço ao ar

livre na escola também chama a atenção. Os dois únicos locais disponíveis para os

alunos no horário do recreio são o pátio coberto e a quadra de esportes (onde também

acontecem as aulas de Educação Física). Aproximamo-nos dos meninos e perguntamos

o que eles estavam fazendo: “Estamos jogando bafo!”, respondeu um deles.

Percebemos que eles estavam, em duplas, com várias cartas na mão. Algumas eram

colocadas no chão (uma em cima da outra, formando um monte), viradas para baixo,

para que outro colega, ao bater forte no chão com a mão aberta ou com a mão levemente

em "forma de concha", tentasse virá-las pelo avesso. As cartas que o colega conseguir

virar, ele fica com elas. Eles jogavam em duplas, um tentando virar o máximo de cartas

para ganhá-las. É preciso fazer muita força. Tentamos jogar, mas as mãos doem muito,

ficam bem vermelhas. Para esses meninos, o tempo disponível para o recreio é todo

usado para o “jogo do bafo”. Há algumas cartas novas, outras já velhas e amassadas por

tantas mãos que já pegaram. Perguntamos se eles não se importavam em perder (alguns

perdem muitas cartas, de 15 a 20 em cada jogada) e eles nos explicaram: “Não! Porque

a gente pode ganhar em outras rodadas”. Notamos que há um movimento próprio

desses alunos: ninguém pega cartas a mais, não há brigas, discussões, ninguém se

vangloria de ter ganhado uma quantidade maior de cartas. O movimento do jogo é o que

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importa, é a relação que se estabelece no espaço-tempo do cotidiano escolar, que

potencializa encontros, amizades e mais brincadeiras, mesmo sendo em um espaço

físico exíguo. As professoras nos disseram que até na sala de aula eles pedem para

jogar: “Professora, depois que eu terminar o dever eu posso jogar?”. Elas disseram que

é “a febre do momento”. As meninas não participam do jogo com os meninos. É como

se aquele “terreno” (tanto o jogo quanto o espaço físico) fosse exclusivo para os

meninos. Quando algumas alunas nos viram fotografando os jogos, elas começaram a se

aproximar: “Tia, deixa eu ver”. “Tia, tira foto da gente!”. “Tia, ficou bom?”. Sentimos

uma aproximação com as crianças das séries iniciais. Elas querem conversar, perguntam

sobre o que estamos fazendo na escola, ficam “grudadas”, próximas, mexem com os

nossos cabelos, tocam-nos. Bem, já que elas não jogam bafo, perguntamos o que elas

mais gostavam de fazer na hora do recreio. A resposta foi: “Brincar de pique-pega”,

mas logo a conversa se estendeu e uma delas explicou:

Tem também: pique-alto que, para a pessoa não ser pega, ela deve

subir em algum lugar mais alto que o chão; pique-baixo onde a

pessoa deve se abaixar para não ser pega; pique-fruta que, ao ser

pega, a pessoa deve dizer o nome de uma fruta; pique-parede, onde a

pessoa deve encostar a mão na parede para não ser pega; pique-

esconde, onde a pessoa se esconde para não ser pega; pique-gelo,

onde a pessoa deve ficar igual uma estátua, sem se mexer.

Perguntamos também qual o local da escola em que elas mais gostam de ficar:

“A quadra! Porque a gente pode brincar de pular corda, de bola, de queimada...”.

Nessas brincadeiras praticadas e inventadas no pátio ou na quadra, elas vão promovendo

encontros (também desencontros!), vão produzindo os currículos da escola por meio do

qual aprendem, vivem, usam... Com as experimentações, alunos e alunas vão

inventando e potencializando a vida na e da escola e criando redes curriculares

intensivas.

A “caverna”, os encontros, as confidências...

A “caverna” é um espaço debaixo da escada que dá acesso às salas de aula do

segundo andar. É muito disputado no horário do recreio, apesar de ser impossível ficar

em pé ali. Como fica embaixo da escada, o vão entre o chão e a estrutura da escada deve

ter, aproximadamente, 70 centímetros. É ali também que, nos intervalos entre as

atividades, os alunos do tempo integral se refugiam, trocam segredos, sentem-se mais à

vontade. Quando indagados sobre o que de “bom” havia ali na “caverna”, os alunos

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respondem: “É o lugar da solidão [abaixa a cabeça com vergonha]; da paixão; dos

recadinhos [risos]; dos lero-leros; das fofocas; das confidências... Não escreve isso aí,

não, hein, tia. É também uma verdadeira cama, tem gente que até dorme”. Como eles

mesmos disseram, a “caverna” é um espaço praticado que as crianças vão incorporando

aos seus currículos tecidos no cotidiano escolar. É um lugar onde só eles entram, é lugar

de encontros, de confidências. É a possibilidade de ficar “fora” da confusão, da correria

dos outros alunos e “dentro” de si, habitado por tantos outros. É um lugar onde não se é

visto por todos, mas por si próprio. A estética da existência aqui é a prática/exercício da

resistência como possibilidade de inventar práticas de liberdade numa escola onde o

espaço físico é tão precário. Na “caverna”, a tessitura dos currículos se dá também por

meio do entrelaçamento das redes de conversações (CARVALHO, 2009) vividas pelos

alunos, na escuta, no silêncio, no toque, na fala, na solidão... Solidão, muitas vezes, em

meio a tanta gente... Nomeamos a caverna como um dispositivo devido à “[...] sua

capacidade de irrupção naquilo que se encontra bloqueado para a criação, pelo seu teor

de liberdade em se desfazer dos códigos, que dão a tudo o mesmo sentido” (KASTRUP;

BARROS, 2009, p. 90). Assim, se pensarmos a caverna como possibilidades de

interações entre o corpo e o espaço construído – aliás, que ocorre em todo o território da

escola – veremos que “[...] o espaço construído nos interpela de diferentes pontos de

vista: estilístico, histórico, funcional, afetivo [...]” (GUATTARI, 1992, p. 157-158). E

os alunos vão criando seus espaços a partir do construído e colocando as suas marcas...

A sala de aula é lugar de aprender, ensinar, brincar, brigar, jogar, estar junto,

fazer bagunça... E é lugar também das paixões, como a professora Mirna contou

Tem garoto lá apaixonado na sala... O João Gabriel é apaixonado

pela Larissa. Saiu do lugar dele e foi sentar lá atrás, quietinho... E ele

não é quieto. „Por que você está aí tão quietinho?‟. „Ah, o pessoal não

está me deixando estudar e eu estou querendo estudar. Eles estão

fazendo barulho...‟. Ele fala isso para aparecer para ela. „Eu preciso

estudar!‟. Ele é preguiçooooosssooooo!!!!!! Aí o colega disse para

mim: „Tia, é mentira, ele sentou lá para ficar perto da Larissa, ele

está apaixonado por ela...‟. Aí, eu pegava ele assim olhando para ela,

com a mãozinha assim, olhando, olhando... [a professora imita o

aluno olhando, admirando a amada]. E a avó dele disse que ele tem

um caderninho em casa em que ele escreveu assim: „Eu acho que eu

estou ficando doido, porque eu estou gostando muito de uma menina.

Eu nunca pensei que eu fosse gostar de uma menina [risos] Eu estou

gostando dela assim, como se eu quisesse beijar ela...‟. Tudo escrito e

ele falou com a avó dele: „Vó, isso daqui não é para você passar para

os outros, não, é uma menina que eu gosto, lá da minha sala‟. A avó

me contou...

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A escola é um espaço de multiplicidades, onde diferentes valores, experiências,

concepções, culturas, crenças e relações sociais se misturam e fazem do cotidiano

escolar uma rede complexa de saberes, fazeres, poderes e afetos.

Assim...

A "vontade de potência" impulsiona a crença em um mundo possível, a partir da

micropolítica – afetos, afecções, desejos, relações, encontros – que engendram outros

possíveis. O cotidiano escolar, mesmo sendo atravessado por afetos que tentam diminuir

a potência de vida (e para isso não é nem necessário pesquisas para dar visibilidade),

incita, impele, irrompe outros tantos afetos que aumentam a potência, que possibilitam a

busca por possíveis a partir de movimentos singulares. Assim, o cotidiano escolar torna-

se um “laboratório de existência” (GUATTARI, 1987), um campo possível para a

potência micropolítica, um espaço-tempo de criação, de experimentação, de invenção de

uma estética da existência a partir do cuidado de si e do outro. Portanto, é laboratório de

existência que desencadeia em uma proliferação molecular o desejo como produção

coletiva, gestado por uma poética: afetos, corpos vibratórios, forças, fluxos que

possibilitam a emergência de modos singulares de existência, outros modos de

experimentação, possibilidades de reinvenção do espaço, do tempo, do próprio corpo.

Assim, a escola possibilita o aprender a reinventar vidas, o que permite produzir, tanto

no campo material, quanto no subjetivo, as condições de uma vida coletiva e, ao mesmo

tempo, as condições de encarnar a vida para nós mesmos, isto é, os processos de

singularização (GUATTARI, 1987) que implicam uma estética da existência.

A experiência do afeto, o afetar e afetar-se, permite a invenção de modos de

viver, nos quais a vida insiste em perseverar. São movimentos e, assim, são processos,

intermitáveis, intermitentes. Alunos e alunas, ao trazerem para a escola a experiência de

vida, instauram a possibilidade de aposta nas relações de vida, tecidas a partir de

diferentes linhas que se intersectam, cruzam, criando outros campos possíveis para

pensarmos a invenção de movimentos curriculares intensivos.

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REFERÊNCIAS

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DP et Alii; Brasília, DF: CNPq, 2009.

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GUATTARI, F. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo:

Editora Brasiliense, 1987.

KASTRUP, V.; BARROS, R. B. de. Movimentos-funções do dispositivo na prática da

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3963ISSN 2177-336X

13

REDES DE COMUNICAÇÃO NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE

PROFESSORES/AS COM A DIFERENÇA

Fábio Luiz Alves de Amorim

(Universidade Federal do Espírito Santo/Ufes/PPGE)

Suzany Goulart Lourenço

(Secretaria Municipal de Educação da Serra/Sedu/PMS)

Resumo

Este artigo busca analisar as redes que se entrelaçam entre os possíveis outros nos/dos

cotidianos escolares para pensarmos a formação continuada de professores/as com a

diferença, para além da prescrição legislativa e conceitual dos planos estratégicos das

secretarias de educação. Entende que não há correspondência entre a prescrição e a

complexidade dos cotidianos, dada a impossibilidade de seu enquadramento a uma

microssociologia e o seu caráter coextensivo do macro no micro e vice-versa. Objetiva

problematizar os desafios éticos e estéticos nas redes de comunicação na/da formação

continuada de professores/as no limiar dos repertórios e contornos intricados da/na

relação entre educação, diferença e direitos humanos e sociais, na tentativa de superar

visões tradicionais de descaracterização do diferente e reconhecer que as desigualdades

são produções históricas, sociais e culturais, atravessadas por questões políticas e

econômicas. Considera a escola como lugar de produção de conhecimentos para outras

possibilidades de formação continuada, constituindo-se, assim, conforme Carvalho

(2005, 2009), comunidades heterológicas/interpretativas para a constituição de

singularidades nos espaçostempos de formação. Pensa a vida em sua dimensão corporal

e que, no contexto da biopolítica, a própria vida está em jogo, sendo ela o seu próprio

limiar, como instiga Pelbart (2006). Busca na obra de Foucault (1979, 1984, 1987,

1988, 1994, 2005) elementos problematizadores sobre a constituição da vida como obra

de arte na/da escola, deslocando os sujeitos à condição de autoria das inúmeras e

efêmeras possibilidades de conhecimentos produzidos pelas/nas relações dos/as

viventes na/da escola. Sem a pretensão de esgotar as possibilidades deste debate,

considera a vida, os corpos que compõem as redes de conhecimentos dos sujeitos

praticantes – professores/as e/com estudantes, por meio das redes de conversações e

ações complexas, como redes de comunicação nos/dos cotidianos escolares que

potencializam as possibilidades de formação continuada de professores/as com a

diferença.

Palavras-chave: Formação continuada. Cotidianos escolares. Diferença.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3964ISSN 2177-336X

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Contexto introdutório

A vida na escola nos oferece diversos e diferentes repertórios em frações de

espaçostempos, manifestos em linguagens, símbolos, sentidos e sensações estéticas

(pessoais e coletivas) imersas nas expressividades dos corpos que ali coexistem. Esse

contexto foi se tornando cada vez mais evidente, principalmente a partir do processo de

democratização das políticas educacionais e com a participação significativa dos

movimentos sociais no debate da educação como direito de todos.

Porém, essa multiplicidade corpórea convivente nem sempre se faz presente na

formulação das políticas educacionais, mesmo tendo sido ampliado o campo de

discussão das ações afirmativas na esteira das políticas públicas. Junto a isso, faz-se

necessário não perder de vista a lógica capitalista dos projetos educativos em curso, pois

nesse cenário “[...] a educação constitui-se em um processo permanente de

disciplinamento tendo em vista a produção e reprodução, naturalizada, da mercadoria”

(KUENZER, 2013, p. 82).

No campo educacional, um dos mais importantes desafios a ser enfrentado é

superar a visão de neutralidade supostamente engendrada nas políticas educacionais. É

preciso entender que o espaço de formulação e implementação de políticas é um campo

de disputas e que a formação de professores/as tem sido pautada por finalidades e

interesses conservadores, liberais que, em sua maioria, “tendem a fixar a diferença

transformando-a em diversidade” (MACEDO, 2006, p. 333).

Entre proposições, projetos e manifestações de diversas ordens, foram se

caracterizando proposições e políticas de redução das desigualdades e de busca ao

direito à educação dos excluídos. Nesse sentido, as políticas educacionais no Brasil têm

se evidenciado por medidas compensatórias e de atendimento ao imperativo dos

movimentos sociais em relação a questões étnicas, religiosas, de gênero e de diversidade

sexual.

Assim, esse processo e seus desdobramentos, com políticas focais como ações

afirmativas, ampliaram os direitos sociais e humanos demandados pela sociedade civil e

política. Essa nova composição, esses sujeitos que até então ficavam à margem das

políticas educacionais começaram a entrar em cena não só como sujeitos de direito, mas

também como partícipes dos/nos espaços de disputas de projetos educacionais.

Prescrições, cotidianos escolares e a vida como redes de comunicação

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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A prescrição legislativa e conceitual de planos e estratégias não corresponde à

complexidade do cotidiano, dada a impossibilidade de seu enquadramento a uma

microssociologia apontada por Carvalho (2009), ao inferir o caráter coextensivo do

macro no micro e vice-versa. Para a autora:

[...] deve-se entender o cotidiano não como uma dimensão isolável

e/ou instância específica do real, mas como um caminho por meio do

qual buscamos novas possibilidades de compreensão da realidade

social, criadas e tornadas possíveis formas diferentes de interpelação

dos indícios (GUINZBURG, 1989) que esta nos fornece, sem jamais

se mostrar por inteiro (CARVALHO, 2009, p. 18).

É nessa perspectiva que deve ser problematizada a formação continuada de

professores/as, no limiar dos repertórios e contornos intricados da/na relação entre

educação, diferença e direitos humanos e sociais. Como também, no que diz respeito

aos processos de organização e gestão da educação nacional em seus diferentes níveis,

etapas e modalidades.

Pautar as políticas educacionais, atravessadas pelos/nos diferentes cotidianos

escolares e, especificamente na formação continuada de professores/as, parte da noção

de que a unidade escolar além de espaço de ensino é antes de tudo de promoção de

justiça social. Noção essa que “[...] se evidencia nas políticas educativas adotadas em

nível internacional, em diferentes países e continentes, atribuindo à escola funções

sociais” (OLIVEIRA, 2009, p. 17) e/ou compensatórias. É preciso superar visões

tradicionais de descaracterização do diferente e reconhecer que as desigualdades são

produções históricas, sociais e culturais, atravessadas por questões políticas e

econômicas.

É preciso perceber a escola como lugar de produção de conhecimentos possíveis

e disponíveis para pensarmos em processos de formação continuada mais democráticos

e condizentes às realidades e necessidades do coletivo escolar (AMORIM, 2010, p.

119). Nessa análise, com o auxílio de Carvalho (2009), compreendemos os processos de

formação continuada como comunidades heterológicas/interpretativas, situando os

sujeitos desses processos balizados na mediação, no diálogo, na leitura e na tradução

como prática de mediação para a construção de singularidades nesses espaçostempos de

formação (AMORIM, 2010, p. 62).

Porém, é preciso avançar no que tange à formação continuada em resposta às

políticas educacionais para ações afirmativas e o desafio do diálogo com os múltiplos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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sujeitos que constituem os espaçostempos escolares, suas práticas curriculares e suas

ressignificações.

Nesse sentido, constituir processos de formação continuada que se estabeleçam

“[...] em redes de fazeres, saberes e poderes e pelas, nas e com as relações, [que abram]

[...] os possíveis, como potência de constituição de si mesmo e do comum.”

(CARVALHO, 2009, p. 215) exprime a necessidade de compreensão do comum como:

[...] proliferação de ações e relações de alteridade que envolvem

informações, linguagens, afetos e afecções, busca-se, no currículo

entendido como redes de conversações e ações complexas, capturar a

lógica das operações multiformes e singulares pela problematização e

proposição de novas experimentações que acenem para a

heterologicidade, o hibridismo, a cooperação nas práticas discursivas e

nos discursos práticos engendrados, tática e estrategicamente, nos

espaços-tempos e lugares que habitam e atravessam o cotidiano

escolar (CARVALHO, 2009, p. 215).

As implicações políticas das/nas tensões que emergem do/no cotidiano escolar e

os processos de formação continuada estão na esteira da contemporaneidade, que

segundo Pelbart (2006), caracteriza-se por uma nova relação entre o poder e a vida. O

autor infere que o poder adentrou todas as esferas da existência, mobilizando-as e

movimentando-as em suas diversas formas e dimensões, ao mesmo tempo, tudo isso foi

violado, invadido e expropriado.

Pelbart (2006) instiga a pensar a vida em sua dimensão corporal e, que no

contexto da biopolítica é a própria vida que está em jogo, sendo ela o seu próprio limiar.

A vida nua em seus extremos de manipulação e decomposição do corpo, descobrindo

diante desse “processo de expropriação, a sua potência indomável” (PELBART, 2006,

p.2).

Essa abordagem nos possibilita problematizar os processos de formação

continuada de professores/as, considerando os corpos viventes que afetam e são

afetados nos espaçostempos formativos e de vida em sua heterologicidade,

singularidade e hibridismos.

Dessa forma, que compõem as redes de conhecimentos dos sujeitos praticantes –

professores/as e/com estudantes, por meio das redes de conversações e ações

complexas, como redes de comunicação nos/dos cotidianos escolares que potencializam

as possibilidades de formação continuada de professores/as com a diferença.

Composições teóricas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3967ISSN 2177-336X

17

As trajetórias escolares, as práticas e a composição dos processos

diferenciadores das/nas relações dos sujeitos praticantes se constituem como o campo a

ser pesquisado para além das normatizações e leis instituídas. É preciso considerar as

possíveis convergências/divergências entre os participantes do processo educativo, no

que se refere aos modos e formas como compreendem e praticam a educação e os

processos de aquisição de conhecimentos, bem como as práticas cotidianas

desenvolvidas por esses praticantes (CERTEAU, 1994), em especial, as questões

ligadas às políticas de formação continuada. Por conseguinte, ampliar as vozes dos

praticantes, potencializando os saberes e fazeres nas tantas e tão diferentes histórias

vividas, das “artes de fazer” (CERTEAU, 1994) cotidianamente, nas escolas. Para tanto,

é preciso identificar os/as professores/as, na diversidade de suas vivências no cotidiano,

como sujeito e praticante que cria com aquilo que recebe e não, exclusivamente, como

um ser passivo. Isso exige estudá-lo no contexto das diversas práticas culturais e sociais

das quais faz parte, num atravessamento de múltiplas e complexas relações.

Nesse sentido, faz-se necessário potencializar as práticas dos/das professores/as,

buscando compreendê-las e estudá-las a partir de suas manifestações cotidianas

escolares, de suas experiências, lembradas e contadas, no local onde são re-produzidos,

transmitidos e criados valores nas inúmeras relações que mantêm com a escola nas “[...]

novas formas de comunidade e que, nesse sentido, podem potencializar o cotidiano

escolar produzindo bons encontros” (CARVALHO, 2011, p. 104).

Nesse esforço reflexivo, Ferraço e Carvalho (2012) auxiliam apontando a

potência política das conversações e/ou narrativas, destacando a concepção de currículo

como redes de conversações que criam novas formas de comunalidade expansiva, o que

pressupõem admitir a ideia de “potência de ação coletiva”.

[...] pensar o currículo como conversação complexa e como políticas

da narratividade, em especial, considerando as redes de sociabilidade

que atravessam a escola. Desse modo, o currículo, como conversações

em políticas da narratividade, envolve uma compreensão de currículo

que potencializa o estabelecimento de “zonas de comunidade” de

modo a permitir a construção do coletivo como comunalidade

expansiva. Sendo assim, na prática, o que tende a ocorrer e o que

necessitamos buscar? Ir além, não mais procurar o que o outro se

assemelha a nós, mas o que no outro é irredutível, ou seja, sua

diferença absoluta, sua singularidade radical. Por fim, busca produzir

deslizamento de saberes, fazeres, afetos e poderes para a formação de

outro modo de produção de políticas de compartilhamento do espaço

público: de modo público, valorizando as diferentes vozes que

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sinfônica e caoticamente compõem o mosaico de conhecimentos,

linguagens, afetos e poderes que constituem os currículos escolares

(FERRAÇO; CARVALHO, 2012, p. 14).

A força das ponderações de Ferraço e Carvalho (2012) movimenta o pensar

com/na transformação da “[...] cultura escolar, fortalecendo a criação coletiva e

individual, ou seja, questionar os „possíveis‟ do coletivo inseridos nos cotidianos

escolares, para que se constituam nas dimensões pessoal, profissional e coletiva de

forma processual e relacional” (FERRAÇO; CARVALHO, 2012, p. 14).

É na procura dos encontros e resistências, sob a ótica política, social, histórica,

econômica dos direitos humanos, sociais e civis que buscamos a potência no/do/com o

cotidiano. É preciso dar visibilidade aos processos de produção dos conhecimentos tecidos e

praticados pelos diferentes grupos situados na condição de excluídos.

O diálogo com Foucault (1979, 1984,1987, 1988, 1994, 2005), fundamenta

nossas análises, constituindo a vida como obra de arte na/da escola, deslocando os

sujeitos à condição de autoria das inúmeras e efêmeras possibilidades de conhecimentos

produzidos pelas/nas relações dos/as viventes na/da escola.

[...] em nossa sociedade, [...] a arte se relacione apenas com objetos e

não com indivíduos ou a vida; [...] um domínio especializado, um

domínio de peritos, que são os artistas. Mas a vida de todo indivíduo

não poderia ser uma obra de arte? Por que uma mesa ou uma casa são

objetos de arte, mas nossas vidas não? (FOUCAULT, 1994, p. 617).

Foucault (1994) nos traz elementos problematizadores para analisarmos a escola

como espaço organizado representado pelas regras instituídas, “onde o poder é exercido

pelo jogo da vigilância exata” (FOUCAULT, 1987, p. 153) e o controle mútuo é

desenhado por uma rede de olhares vigilantes. É nesse cenário que as estratégias

efetuadas pelas relações de forças do campo do poder, permitem entrar em relação com

outras forças oriundas de um lado de fora do poder (FOUCAULT,1988).

Nessa perspectiva, Foucault (1987), nos propõe a pensar no corpo como “objeto

e alvo de poder”, o qual “se molda, se manipula, se treina [...] se torna hábil ou cujas

forças se multiplicam” (FOUCAULT, 1987, p.125). Não em sua forma indissociável,

mas detalhadamente exercendo sobre ele uma “coerção sem folga [...] (controlando)

movimentos, gestos, atitudes [...] das operações do corpo, que realizam a sujeição

constante de suas forças” (FOUCAULT, 1987, p.126).

Nessa lógica foucaultiana, os corpos fronteirísticos atravessados por questões

éticas e estéticas, são localizados no limiar da “vida” e da “morte”, entre a

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“normalidade” e a “anormalidade”. Dessa forma, se constituem em momentos potentes

de reflexão a respeito da formação continuada de professores/as com a diferença, a

partir da produção de conhecimento nas redes de conversações e ações complexas,

como redes de comunicação nos/dos cotidianos escolares.

Para não esgotar o debate...

Pensar a formação continuada com a diferença implica não só a de

professores/as, mas também a formação dos/as estudantes em seus mais variados e

diferentes repertórios. Nesse contexto, é preciso repensar também os roteiros da escola

em suas normas e limites, no disciplinamento dos sujeitos, em como os/as

professores/as convivem e experimentam as expressividades exibidas, sentidas e que se

atravessam os/nos cotidianos escolares.

É nesse contexto movediço, onde as redes de comunicação resistem à vida nua, a

vida besta a vida, ou até mesmo a sobrevida, a qual Pelbart (2006) nos instiga a pensar

na

[...] Vida nua, ao contrário, tal como Agamben a teorizou, é a vida

reduzida ao seu estado de mera atualidade, indiferença, disformidade,

impotência, banalidade biológica. Para não falar na vida besta,

exacerbação e disseminação entrópica da vida nua, no seu limite

niilista. Se, no entanto, vida nua e uma vida são tão contrapostas, mas

ao mesmo tempo tão sobrepostas, é porque no contexto biopolítico é a

própria vida que está em jogo, sendo ela o campo de batalha. Contudo,

como dizia Foucault, é no ponto em que o poder incide com força

maior, a vida, que doravante se ancora a resistência a ele, mas

justamente, como que mudando o sinal. Em outras palavras, às vezes é

no extremo da vida nua que se descobre uma vida, assim como é no

extremo da manipulação e decomposição do corpo que ele pode

descobrir-se como virtualidade, imanência, pura potência, beatitude

(PELBART, 2006, p. 13).

Nessa perspectiva, consideramos a potência da vida, como atividade força do

devir, da mudança, que aponta para o novo/outro e engendram possibilidades de vida

nas relações formativas dos/nos cotidianos escolares. É na busca pela constituição do

sujeito para além dos mecanismos disciplinares, que propomos pensar a formação

continuada com a diferença.

Nesse movimento localizado de contradições, formas de ver e enxergar o outro e a si

mesmo, das redes cotidianas e do cuidado de si, aprofundamos o diálogo com Foucault (2005)

nos efeitos e desdobramentos, nos enfrentamentos audíveis ou silenciados dos dispositivos das

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biopolíticas. Práticas e discursos preconceituosos tentam conter a visibilidade da diferença,

nesse espaço, numa rede de poder na qual aqueles que subvertem esta ordem tornam-se “alvo de

um desejo desenfreado de normalização” (RODRIGUES, DALLAPÍCULA, BARRETO, 2012,

p. 157).

Nessa ótica disciplinar, com a qual fomos “formados para entrar na forma”

(ANDRADE, 2012, p.61), reside e são modeladas as formações continuadas de

professores/as no tocante à diferença. Há muito para avançarmos a contrapelo das

convenções disciplinadoras corporificadas nos desejos e práticas, muitas vezes (ou

quase sempre), criminalizadas da vida dos sujeitos praticantes nos/dos/com os

cotidianos escolares, por meio de condutas propostas, axiologicamente, por aparelhos

prescritivos (FOUCAULT, 1984), formas fragmentadas de ações formativas para

“tratar” questões que precisam ser analisadas em sua complexidade.

Nesse contexto, emerge a demanda da sociedade na busca pela garantia de processos

educativos com a diferença, alicerçados no questionamento aos modelos de educação

hegemônicos, produzidos e reproduzidos dos valores sociais e regras de conduta vigentes. E

nesse sentido, ter como referência a garantia dos direitos sociais e humanos, nos deslocamentos

e confrontos conceituais e de vida na sociedade biopolítica de normalização.

É na composição de momentos e comunidades de singularidades, na liberdade das

diferentes identidades, na produção de conhecimentos nos/dos/com o cotidiano, ou seja, nas

redes de comunicação, que se constitui a potência para avançarmos ainda mais nos processos de

formação continuada de professores/as com a diferença.

Nessa lógica, acreditamos no ampliar do diálogo com outros autores e atores que de

alguma forma podem contribuir com os processos de problematizações e reflexões em torno do

potencial de produção dos/nos cotidianos escolares para a formação continuada de

professores/as como práticas de vida, pois para Foucault o poder que se exerce contra a vida

pode ser também exercido a seu favor.

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3973ISSN 2177-336X

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CURRÍCULO, ESCOLA E QUESTÕES RACIAIS REGIDAS PELO

CAPITALISMO ESTÉTICO EM REDES DISCIPLINARES: FASCISMO

CONTEMPORÂNEO?

Sandra Maria Machado,

Universidade Federal do Espírito Santo –UFES

Priscila dos Santos Moreira,

Universidade Federal do Espírito Santo –UFES.

RESUMO

Mesmo com as mudanças educacionais acontecidas nas décadas finais do século

passado e início do século corrente, a escola como instituição conservou, em seu aparato

curricular, práticas pedagógicas com as mesmas características estruturadas ao longo do

século XIX. Tais práticas provocam e alimentam as mais diversas formas de violência,

entre as quais estão aquelas que derivam da relação com o corpo que materializa a

relação sujeito e sociedade, resultante, muitas vezes, do diálogo equivocado entre o

biológico e o simbólico na construção da subjetividade. A comunicação aqui

apresentada objetiva problematizar os discursos e práticas utilizadas como medida de

contenção/minimização das ações consideradas como (in)disciplinas que ocorrem

entre/para/com adolescentes, matriculados nas séries finais do ensino fundamental. Os

sujeitos em questão, segundo eles próprios, não pertencem ao modelo de beleza ditado

pelo “capitalismo estético” e, muitas vezes, é exatamente esse não pertencimento que

acaba por motivar ações consideradas como violência entre/para/com eles. Assim, este

ensaio é balizado em algumas interrogações, dentre as quais se destacam: Quais as

características físicas dos adolescentes considerados pela escola como causadores de

problemas? Quais são as ações consideradas problemas pelas escolas? Como a escola

lida com a questão da violência? Quais as narrativas desses atores sobre o que é

dito/escrito sobre eles? Ao desconsiderar as diferentes adolescências que nela habitam, a

escola perde a chance de potencializar diálogos de modo a criar um ambiente prazeroso

de aprendizagem.

Palavras-chave: Currículo. Capitalismo Estético. Adolescências.

INICIANDO A CONVERSA...

A realidade social da criança e de adolescentesi em desprestígio social no Brasil

e a relação do Estado evidenciam as mesmas concepções de sociedade defendida pela

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3974ISSN 2177-336X

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elite brasileira no início do século XX. Nessa época, a educação pública era direcionada

às crianças em situação de desamparo e priorizava a preparação para a obediência, a

subserviência e a moralização.

As práticas pedagógicas da escola do século atual conservam características

estruturadas no início do anterior, provocando e conservando em seu cotidianoii as mais

diversas formas de violência.

Tanto nas séries iniciais como nas finais do ensino fundamental,

invariavelmente, nos deparamos com situações diversas que podem ser caracterizadas

como violência, apresentando-se com diversas faces, nos mais diversos contextos

sociais.

Vale lembrar que a violência não nasce na escola. Ela está relacionada às

demandas sociais e deriva, em grande parte, de adversidades extraescolares que,

consequentemente, adentra os portões desse espaço de convivência, juntamente com

todos os seus atores.

Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF (2013),

o Brasil é a quinta nação mais populosa do mundo. Cerca de 56 milhões dos habitantes

são crianças e adolescentes (abaixo de 18 anos), sendo mais da metade deles

afro-brasileiros, 246 mil são crianças e adolescentes indígenas.

De acordo com o mesmo órgão, adolescentes negros de 12 a 17 anos têm 42%

mais chance de estar fora da escola do que um branco na mesma faixa etária. Mas por

que trazemos a questão racial para esta discussão?

O relatório nacional do direito humano à educação (UNICEF, 2012, p. 49) traz o

racismo de forma mais ampla:

O racismo não se concretiza só por meio de atitudes ativas (agressões

humilhações, apelidos, violências físicas), mas de forma mais “sutil”, por

meio da falta de reconhecimento e de estímulo, de negação de uma história

[...] de desatenção, da distribuição desigual de afeto e de baixa expectativa

positiva em relação ao desempenho de crianças, adolescentes e adultos

negros.

Problemas relacionados à assiduidade escolar, violência na forma de racismo e

outras variantes, que resultam no baixo aproveitamento escolar, fazem parte dos relatos

de professores que trabalham com crianças e adolescentes, principalmente de escolas

públicas. Tais fatos resultam em sentimento que leva à insatisfação profissional,

acentuando as adversidades que acabam desencadeando novas formas de violência

(física, simbólica, institucional, entre outras) entre/para/com estudantes e professores.

Pode-se perceber nessa configuração a existência das relações de poder que cada

vez mais habitam e ditam as possiblidades de vida de uns em detrimento de outros. É o

biopoder ditando regras de vida e morte. Assim, “são mortos legitimamente aqueles que

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constituem uma espécie de perigo biológico para os outros” (FOUCAULT, 1999 apud

DUARTE, 2015, p. 42).

Para o autor, “é nesse contexto que opera uma transformação decisiva no caráter

do próprio racismo, que deixa de ser um mero ódio entre raças ou expressão de

preconceitos religiosos, econômicos e sociais para se transformar em política estatal”

(DUARTE, 2015, p. 42). Esses modos de operação do poder caracterizam o que o autor,

com base nas proposições de Foucault, chama de as novas formas de fascismo, ou

fascismo contemporâneo, com as quais nos deparamos e que não raramente fazem parte

de nossos atos.

O currículo enamorado pelo “capitalismo estético”

Os produtos derivados do capital movimentam uma rede de interesses

cumulativos, competitivos e globalizados que, quando somados ao individualismo,

influenciam, em grande medida, as subjetividades dos diferentes grupos humanos.

Valores éticos e democráticos são distorcidos em função do capital e de seus reflexos na

sociedade (CHAUÍ, 2003). A lógica do capitalismo provoca o empobrecimento de

sentidos de uma grande parcela da população de todas as idades e classes sociais.

O capitalismo na ótica de (AGAMBEN, 2012, p. 1) é a “mais feroz, implacável

e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua.

Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro”.

Segundo o autor, a crise econômica perdura para além de um fator momentâneo. O

capitalismo que antes, numa visão marxista, referia-se (visão primária) à venda da força

de trabalho, nos tempos atuais passa a ditar “normas” de consumo nos mais variados

campos sociais, atuando como uma força capaz de tornar modelos praticamente

inexistentes em formas absolutas e obrigatórias a serem seguidas.

As ramificações desse sistema passam a operar das mais variadas formas; tudo

está à venda e nem todos estão habilitados a realizar a “compra”, sendo, dessa forma,

colocados em lugares de mazelas, de exclusão, de não pertencimento.

Ainda nesse sentido, na concepção de (PELBART, 2011, p.96)iii

, o capitalismo

foi reformulado em si mesmo a partir de bases elaboradas nos anos 60 e 70. Para o

autor, “as reinvindicações por autonomia, autenticidade, liberdade e até mesmo a

crítica à rigidez da hierarquia e da burocracia, da alienação nas relações e no trabalho

foi inteiramente incorporada pelo sistema”. Esse novo modelo, ao mesmo tempo em

que, aparentemente massifica e “homogeneíza”, coloca barreiras “invisíveis” que, para

uma grande parcela dos enredados, tornam-se intransponíveis.

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A nova lógica do capitalismo, que o autor chama de “conexionista”, atua como

uma força capaz de formar conexões, (que passamos/ousamos chamar de “capitalismo

polvo mutante”, em função de sua capacidade de produzir todos os „tentáculos‟

possíveis para a captura daquilo que pode torná-lo mais eficiente) é “rizomático, não

finalista, não identitário, favorece os hibridismos, a migração, as múltiplas interfaces,

metamorfose, etc.” (idem), com objetivo final não diferente da sua velha configuração,

ou seja, o lucro.

Não pertencer a esse ou àquele grupo social depende basicamente de estar

adequado a esse ou àquele modelo estético a ser “consumido”. Desse modo, os

adolescentes não detentores de acúmulos do “capitalismo estético”, atores principais

desse ensaio, têm seu desejos provocados e, na mesma medida, são desautorizados

socialmente e, não raramente, conduzidos a lugares de marginalidades.

No relato a seguir, feito por um professor, uma situação de violência escolar

pode ser claramente evidenciada.

- Aconteceu uma situação numa escola que eu fiquei chocado. No primeiro

dia em que cheguei logo me avisaram de que tinha um aluno traficante na

sala. [...] Quando eu vi o garoto, nem acreditei! Ele era da 4ª série, era um

aluno que tinha 14 anos, tinha ficado reprovado quatro vezes. O menino era

louro de olhos verdes! Olha o perfil! Com um perfil desses, ninguém

imagina! Um moleque daqueles, boa pinta, era marginal. Se passaria por boa

gente em qualquer lugar. Ele não tinha estereótipo de bandido! (Diário de

campo: Professor SW em entrevista a MACHADO, 2011).

Para Machado (2011), a violência simbólica ditada pelo capitalismo estético na

forma de racismo dita quem pode ser marginal ou “boa gente” apenas pela aparência

física. É o discurso racista, classificando e identificando possíveis marginais. As

palavras do professor “o menino era louro de olhos verdes”, causou certo espanto, era

uma forma de frustração para o professor ver um estudante com aquelas características

na condição de „marginal‟.

Ao dizer que o “boa pinta se passaria por boa gente, o professor reproduz o

discurso racista impregnado na sociedade, advindo do poder colonial, na forma “do

sujeito colonial que facilita as relações coloniais e estabelece uma forma discursiva de

oposição racial e cultural que onde o estereótipo pode ser visto com uma forma

particular, „fixada‟” (BHABHA 2007, p. 121), desse exercício de poder.

Em outro relato, o mesmo professor evidencia as características físicas que não

destoam das imagens “comuns” em situações de violência:

- Três meses depois que cheguei à escola, [...] quando a gente já ia pra

quadra, senti um cascudo vindo de fora. Sem saber o que era, eu meti a mão!

Quando olho pra trás... cara! Sem preconceito nenhum! Mesmo porque

minha esposa é negra! Um negro do cabelo louro! Sabe? Daqueles...! Tinha

sido preso por assalto a mão armada e estava numa condicional da UNISiv

.

Cara, foi uma confusão...! A coordenadora chamou a mãe, eu fui conversar

com ela, li a Bíblia, orei junto com ela. Ela me pedia pra não suspender o

menino para ele não voltar para a UNIS. E o que a coordenadora fez? Nada

cara, até a ocorrência sumiu.

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Para Villela (2003), o estereótipo já é o reducionismo, o lugar comum que

identifica, classifica, geralmente, numa perspectiva reducionista. Para o autor, quando

se refere a alguém como “aquele negro”, é como se este fosse impedido de ser, também,

o homem inteligente, rico, bonito e tantas outras coisas mais.

Ao classificar, mata-se a possibilidade de alguém vir a existir para além dos

rótulos.

Os relatos evidenciam as tensões existentes nos espaços formais de

aprendizagem. No trato com os alunos no cotidiano, a escola se transforma em um

retrato fiel da sociedade. Assim sendo, se a sociedade é impregnada de preconceitos, de

ideias distorcidas, de falta de sensibilidade política para perceber que as diferenças não

devem ser usadas como forma de exclusão, certamente esse pensamento chega à escola.

As fragilidades dos vínculos humanos, juntamente com as condições sociais

vivenciadas cotidianamente, principalmente nos bairros mais pobres, contribuem para

geração e manutenção de situações que resultam em conflitos.

O currículo praticado pela escola muitas vezes não dialoga com as múltiplas

questões que desafiam e atravessam o trabalho dessa instituição e que, de alguma forma,

provocam inseguranças, injustiças, não só para com os estudantes, mas também para

com professores e demais atores da escola de forma muito eficiente.

A ideia de adolescentes como pessoas de direitos expressa ampla abordagem

deste campo do estudo. É, pois, uma categoria geracional constituída na história e

recebendo influências de ordem social, cultural, política e biológica.

Quando utilizamos o termo cultura, fazemos com base na proposição de Bhabha

(2007, p. 240-241) ao afirmar que:

Reconstruir discurso da diferença cultural exige não apenas uma mudança de

conteúdos e símbolos culturais. De acordo com o autor, essa reconstrução

requer uma visão radical da temporalidade social na qual histórias

emergentes possam ser escritas; [...] demanda também a rearticulação de

signo no qual possam se inscrever identidades culturais.

Quando escola e currículo desconsideram as formas de organização dos

espaçostempos que incidem sobre a construção da adolescência como uma das fases

mais importantes da vida humana, contribui para a formação de uma adolescência

marginal. Pensar a adolescência nessa perspectiva significa ignorar as diferentes

adolescências que compõem o cotidiano escolar.

Nessa direção, é possível identificarmos as marcas da diferença na dinâmica das

relações cotidianas. Práticas e discursos institucionalizados são produzidos e produzem

os imaginários sobre as diferenças que “adolescem” e se “adultecem” na adolescência.

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Nesse prisma, características físicas, valores culturais e sociais são considerados

válidos ou não, pois estão associados às relações de poder, o que é determinante na

constituição dos sujeitos e dão uma dimensão da multiplicidade que

forma/deforma/conforma as ideias e ideais dos sujeitos nessa faixa etária.

A adolescência, principalmente das classes populares, é submetida a um estado

de dominação e desautorização sob os aspectos histórico, social e cultural na instituição

escolar, criada com o objetivo (felizmente não atingido na sua totalidade) de disciplinar,

instruir, moldar corpos e mentes (FOUCAULT apud BUJES, 2002) e reproduzir a

lógica social instituída.

A concepção de currículo que poderia ser colocada nesse contexto passa pelas

ideias defendidas por Carvalho (2009, p. 134). A autora entende que o currículo deve

carregar em seu bojo a: “[...] afirmação de práticas alternativas e a superação das

práticas verticais homogeneizadoras. Importa também que, no interior da escola seja

considerada a pluralidade que habita em termos de classe social, raça, credo, etnia,

cultura, etc.”

Ainda de acordo com a autora, as discussões acerca do currículo podem ser

fundamentadas a partir de Espinosa, em suas variadas obras sobre as emoções como

afetos e afecções, entendendo esses aspectos como fundamentais para a vida humana,

aqui, em especial, para adolescentes.

... Interrogando a escola... perguntas para não calar

As proposições citadas até aqui nos levam a refletir sobre as redes de

conversações (CARVALHO, 2009) que se estabelecem entre a escola e seus mais

variados atores e nos convidam a trazer novos questionamentos: Quem são os

adolescentes causadores de “problemas” nas escolas? Quais são as ações consideradas

problemas pelas escolas? Quais balizas culturais, raciais e sociais orientam as ações

desses atores? Essas balizas são consideradas pela escola? O que sabemos sobre as

histórias desses adolescentes “problemáticos” ou em vulnerabilidade social?

Compreendemos o que seja a vulnerabilidade social? Tentar enquadrar, culpabilizar,

julgar, expulsar compulsoriamente ajuda a resolver os problemas que se apresentam na

escola? Quais os argumentos usados como justificativas nos relatos sobre indisciplina?

Compreendemos as diferenças entre indisciplina e violências? Como a escola tem

percebido as mais diversas nuances da indisciplina no cotidiano escolar? Como apostar

num currículo que reforce a potência dos movimentos e das formas de produção de

subjetividade dos adolescentes? Como reinventar um currículo que potencialize as

forças e formas de produção de subjetividade dos adolescentes em vulnerabilidade

social, nas suas mais variadas vertentes, de modo a transformar tais vulnerabilidades em

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possibilidades ascendentes? O que os adolescentes têm a dizer sobre o que é dito sobre

eles?

Não intencionamos trazer respostas para as questões aqui levantadas, mas cabe

ressaltar que tais interrogações não foram feitas para esconder o protagonismo das

adolescências. Mesmo em contextos tão empobrecidos de significados, os atos

considerados como indisciplina podem ser entendidos como formas de resistência ao

(não)estabelecido pelas regras, normas e regulamentos não dialogados com esses atores

que subvertem a lógica da obediência que os adultos insistem em impor.

... Parando por aqui, ainda com muito a dizer...

O exposto até aqui demonstra que, embora muitas mudanças relacionadas à

educação tenham acontecido ao longo do século XX no Brasil, ainda se percebe a

negação quanto aos direitos a uma educação de qualidade para todos. Tais direitos,

embora reconhecidos, não têm se efetivado.

Nesse sentido, a relação de violências, nas suas mais diversas nuances,

acontecidas entre/para/com os diversos atores no espaço escolar, estão imbricadas nas

problemáticas sociais. Tais problemáticas são influenciadas pelo desnivelamento

econômico e sociocultural estabelecido no País.

O “capitalismo estético” tem ditado as regras e o não pertencimento aos modelos

ditados por esse regime acaba por promover encontros, (des)encontros, possibilidades

discursivas que disseminam no currículo escolar as mais variadas formas de

intencionalidades e tensões que interferem nos processos de subjetivação de

adolescentes.

A escola nunca se eximiu da missão de reproduzir a lógica social e racial

instituída. Essa postura, quando direcionada aos sujeitos dessa pesquisa, pode vir a ser

caracterizada como racismo institucional, que contribui para a segregação e/ou exclusão

de negros, negras e indígenas e outras “maiorias minorizadas”v, quase sempre

invisibilizados. Assim a violência, na forma racismo impede a entrada e/ou permanência

destes grupos em espaços que deveriam lhes ser de direitos.

Não pertencer a esse ou aquele grupo social depende basicamente de estar

adequado a esse ou aquele modelo estético a ser “consumido”. Desse modo, as

adolescências, atores principais dessa pesquisa, são fortemente influenciados pelos

sistemas de mídia. Têm seus desejos provocados e, consequentemente, em função de

não conseguirem alimentá-los com os produtos desejados, são desautorizados

socialmente. Assim, não possuindo os atributos estéticos dos grupos sociais de maior

pertença estético/material. Nessa lógica, para os “autorizados” giram os holofotes. Para

os desautorizados, quase sempre, sobram os Giroflex®vi

.

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A escola, quando aposta na adolescência numa perspectiva singular, acaba por

ignorar as diferentes adolescências que a habitam. Dessa forma, perde a chance de

problematizar os discursos e práticas discursivas que ocorrem entre/para/com

adolescentes em seus espaços e aborta as possibilidades de potencializar a existência

desses sujeitos de forma a torná-los adultos amargos ao adultecer.

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Giorgio Agamben. Jornal eletrônico Instituto Humanitas Unisinos. 2012. Disponível

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VILLELA, Marcos. P. O desafio da tolerância na cidade contemporânea. In: PORTO,

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i Utilizaremos o termo como o definido pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e

do Adolescente. A palavra adolescência é derivada do latim adoleceres e significa “período da vida

humana entre a puberdade e a virilidade” (CUNHA, 1982). No entendimento da psicologia histórico-

cultural, o desenvolvimento humano acontece no decorrer de toda a vida do indivíduo, tendo em vista que

este se constitui nas/pelas relações que estabelece com os outros.

ii O movimento de tessitura e partilha das redes que se estabelecem no espaço escolar (FERRAÇO 2007,

p. 7). iii

Ao falar sobre capitalismo, o autor o faz com base em Luc Boltanski e Ève Chiapello, na obra escrita

com o título “Le Nouvel esprit du capitalisme” iv Unidade de Reintegração Socioeducativa, uma unidade de internação para menores infratores localizada

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3982ISSN 2177-336X

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em Cariacica, região metropolitana de Vitória- ES. v Termo utilizado por Sumak Kawsay, no texto Interculturalidade e Descolonização, traduzido por César

Augusto Baldi • 15 de abril de 2013. Disponível em: <http://criticallegalthinking.com/2013/0

4/15/sumak-kawsay-interculturality-and-decolonialization/>. Acessado em mai/2015. Traduzido

eletronicamente. vi Nome de uma marca que acabou virando sinónimo do jogo de luzes utilizadas sobre as viaturas de

emergências. Nesse caso nos referimos às viaturas policiais (Giroflex, sem plural).

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