Área do conhecimento de ciÊncias sociais ......mudança positiva na criação de personagens...
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ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E
PROPAGANDA
PAOLA DALLA CHIESA
O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO DAWN NO CONTEXTO DO FEMINISMO
CAXIAS DO SUL 2018
UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PAOLA DALLA CHIESA
O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO DAWN NO CONTEXTO DO FEMINISMO
CAXIAS DO SUL, RS 2018
PAOLA DALLA CHIESA
O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO DAWN NO CONTEXTO DO FEMINISMO
Monografia do Curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade de Caxias do Sul, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel. Orientador: Prof. Me. Eduardo Luiz Cardoso
CAXIAS DO SUL, RS 2018
PAOLA DALLA CHIESA
O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO DAWN NO CONTEXTO DO FEMINISMO
Monografia do Curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade de Caxias do Sul, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel. Aprovada em ___/___/______
Banca Examinadora _________________________________ Prof. Me. Eduardo Luiz Cardoso
Universidade de Caxias do Sul – UCS
_________________________________ Prof. Dr. Ronei Teodoro da Silva
Universidade de Caxias do Sul – UCS
_________________________________ Prof.ª Ma. Adriana dos Santos Schleder
Universidade de Caxias do Sul – UCS
Dedico este trabalho à minha família, por sempre me apoiar, em especial à minha mãe Jaqueline, por acreditar no meu potencial e orar pelo meu sucesso.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe Jaqueline, que sempre me apoiou e ajudou da
melhor forma possível para que este sonho tão aguardado se realizasse. Sem o seu
apoio, nada disso seria possível.
À minha irmã Bianca, pelas palavras de apoio e pelos debates que me
encorajaram a seguir em frente.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Ms. Eduardo Luiz Cardoso, por sua
paciência e ajuda para a produção deste trabalho.
Ao meu namorado Sérgio, pelas palavras de incentivo e compreensão
pelos dias ausentes.
Aos meus colegas de trabalho, que aguentaram meu péssimo humor
durante todo o processo. Em especial à Pedrita, pela compreensão e ajuda.
“A vida é toda sobre determinação. O resultado que vem depois é secundário.” Waka, Okami
RESUMO
Com tema principal focado em feminismo, perfil arquetípico de personagens femininas e games, este trabalho busca analisar, através de documentos e artigos disponíveis em publicações na internet e fontes bibliográficas, a relação entre o perfil arquetípico e as personagens femininas dos games no contexto do feminismo, mais especificamente da protagonista Aloy do game Horizon Zero Dawn. O game citado é estudado com maior profundidade, desde a história bem como o desenvolvimento da personalidade da protagonista dentro do game, com o intuito de encontrar os arquétipos presentes na Aloy desde sua infância até a vida adulta, com ênfase até a cena da Provação, para por fim analisar a relação entre o perfil arquetípico da protagonista dentro do contexto do feminismo. Também foi apresentada uma breve história da indústria dos videogames, bem como a evolução dos arquétipos na representação feminina e protagonismo nos games. Após a análise, verificou-se que, apesar da protagonista Aloy apresentar arquétipos no contexto do feminismo atual, não há relação entre o perfil arquetípico e as personagens femininas de games no contexto do feminismo. Palavras-chave: Arquétipos, Feminismo, Games, Indústria dos games, Horizon Zero Dawn, Personagem feminina.
ABSTRACT
With the main theme focused on feminism, archetypal profile of female characters and games, this work seeks to analyze, through documents and articles available in Internet publications and bibliographic sources, the relationship between the archetypal profile and the female characters of the games in the context of feminism , more specifically of the protagonist Aloy of the game Horizon Zero Dawn. The quoted game is studied in greater depth, from the story as well as the development of the personality of the protagonist within the game, with the intention of finding the archetypes present in Aloy from its childhood until the adult life, with emphasis until the scene of the Probation, to finally analyze the relationship between the archetypal profile of the protagonist within the context of feminism. It also presented a brief history of the video game industry, as well as the evolution of archetypes in female representation and protagonism in games. After the analysis, it was verified that although the protagonist Aloy present archetypes in the context of the current feminism, there is no relation between the archetypal profile and the feminine personages of games in the context of feminism. Keywords: Archetypes, Feminism, Games, Industry, Horizon Zero Dawn, Female character.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – O jogo Tennis for Two criado por William Higinbotham, 1958.............. 41
FIGURA 2 – O jogo Spacewar! criado por Steve Russell, 1960............................... 42
FIGURA 3 – O jogo de perseguição criado por Ralph Baer, 1966............................ 42
FIGURA 4 – Gunfight, 1975...................................................................................... 44
FIGURA 5 – Pacman, 1980....................................................................................... 45
FIGURA 6 – Capa do jogo Donkey Kong, 1981........................................................ 46
FIGURA 7 – Super Mario Bros, 1985........................................................................ 47
FIGURA 8 – Altered Beast, 1989.............................................................................. 48
FIGURA 9 – Super Mario World, 1990-1991............................................................. 49
FIGURA 10 – Myst, 1993……………………………………………………..……….…. 50
FIGURA 11 – Wolfenstein 3D, 1993………………………………………………..…… 50
FIGURA 12 – Donkey Kong Country, 1994……………………………………………. 51
FIGURA 13 – Silent Hill, 1999………………………………………………………...…. 52
FIGURA 14 – God of War, 2005………………………………………………………… 53
FIGURA 15 – World of Warcraft, 2004…………………………….……………………. 54
FIGURA 16 – Batman Arkham City, 2011………………………………………..….… 54
FIGURA 17 – Tomb Raider: Definitive Edition, 2014…………………………….…… 55
FIGURA 18 – The Witcher 3: Wild Hunt no PS4 e no PS4 Pro……………………… 56
FIGURA 19 – Two Crude Dudes, 1991……………………………………….......……. 57
FIGURA 20 – Donkey Kong, 1980............................................................................ 58
FIGURA 21 – Super Mario Bros, 1985...................................................................... 59
FIGURA 22 – The Legend Of Zelda, 1991………………………………………….…. 60
FIGURA 23 – Krystal em Planet Dinosaur, 1999...................................................... 61
FIGURA 24 – Krystal aprisionada em Star Fox Adventures, 2002........................... 62
FIGURA 25 – Lara Croft em algumas franquias de Tomb Raider............................ 63
FIGURA 26 – Samus em Super Smash Bros, 2008................................................. 64
FIGURA 27 – Jade em Mortal Kombat 9, 2011........................................................ 65
FIGURA 28 – Samus em Metroid, 1986................................................................... 67
FIGURA 29 – Jade em Beyond Good & Evil, 2003.................................................. 68
FIGURA 30 – Faith em Mirror’s Edge, 2008............................................................. 69
FIGURA 31 – Lara Croft no reboot de Tomb Raider, 2013...................................... 70
FIGURA 32 – Lara Croft em Rise of the Tomb Raider, 2015…………………...…… 71
FIGURA 33 – Ellie e Joel em The Last of Us, 2013…………………………….….…. 72
FIGURA 34 – Ellie em The Last Of Us, 2013……………………………………….…. 73
FIGURA 35 – Amanda Ripley em Alien: Isolation, 2014........................................... 74
FIGURA 36 – Senua em Hellblade: Senua's Sacrifice, 2017.................................... 75
FIGURA 37 – Rost e a bebê a caminho do ritual...................................................... 78
FIGURA 38 – Rost e Aloy no treinamento................................................................ 79
FIGURA 39 – Aloy e Rost em frente ao vilarejo onde será realizado o rito.............. 80
FIGURA 40 – Aloy, ao fundo, salvando o membro da tribo Nora............................. 81
FIGURA 41 – Aloy prometendo a Rost que nunca deixará de falar com ele............ 82
FIGURA 42 – Aloy durante a Provação.................................................................... 83
FIGURA 43 – Os três arquétipos encontrados na Aloy............................................ 84
FIGURA 44 – Perfil da Aloy...................................................................................... 85
FIGURA 45 – Paralelo entre feminismo, personagens femininas e arquétipos....... 86
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................. 13
2 FEMINISMO................................................................................................. 15
2.1 O SURGIMENTO DO MOVIMENTO FEMINISTA........................................ 16
2.2 O FEMINISMO NO BRASIL.......................................................................... 21
2.3 JUNG E OS ARQUÉTIPOS.......................................................................... 24
2.3.1 Arquétipos................................................................................................... 26
2.3.2 Anima e Animus.......................................................................................... 27
2.3.3 A criação de símbolos e o desenvolvimento de mitos........................... 30
2.4 OS 12 ARQUÉTIPOS DE MARK E PEARSON............................................ 31
2.5 OS 10 ARQUÉTIPOS DE CAROLINE MYSS............................................... 35
2.6 OS 16 ARQUÉTIPOS DE VICTORIA LYNN................................................. 38
3 GAMES ........................................................................................................ 40
3.1 O INÍCIO DA INDÚSTRIA............................................................................. 43
3.2 AS REPRESENTAÇÕES FEMININAS NOS GAMES.................................. 56
3.3 O PROTAGONISMO FEMININO NOS GAMES........................................... 66
4 ANÁLISE...................................................................................................... 76
4.1 HORIZON ZERO DAWN.............................................................................. 76
4.2 HISTÓRIA..................................................................................................... 77
4.3 PERFIL ARQUETÍPICO DE ALOY............................................................... 80
4.3.1 O Messias Feminino................................................................................... 81
4.3.2 A Rebelde.................................................................................................... 82
4.3.3 O Herói......................................................................................................... 83
4.4 O PERFIL ARQUETÍPICO DE ALOY NO CONTEXTO DO FEMINISMO.... 84
5 CONCLUSÃO............................................................................................... 89
REFERÊNCIAS............................................................................................ 91
ANEXO A – PROJETO DE PESQUISA ...................................................... 95
13
1 INTRODUÇÃO
Da mesma forma que a mulher foi coadjuvante em relação ao homem
durante muito tempo no decorrer da história, na indústria dos games não foi
diferente. Em um passado não tão distante assim, os games eram criados e
direcionados exclusivamente para o público masculino. As personagens femininas
mencionadas nos games eram fortemente sexualizadas e as imagens arquetípicas
eram distorcidas, sempre colocando o papel da mulher como donzela em perigo ou
guerreira sexy. Não havia personalidade e eram criadas somente para atrair o
público masculino, o qual era o foco dos desenvolvedores. Isto é, não havia espaço
para o protagonismo feminino nos games.
Todavia, nas últimas décadas, houve mudanças na cultura, tanto na
conquista dos direitos das mulheres quanto nos arquétipos que representam as
mulheres nos games. A participação do público feminino como consumidoras de
games cresceu nos últimos anos, superando a dos homens em um curto espaço de
tempo, obrigando os desenvolvedores a se adequarem conforme essa mudança no
perfil do público. Entretanto, apesar do aumento a cada ano de games com a
proposta de protagonistas femininas tidas como ícones da representação feminina,
ainda são minoria as que não se encaixam no habitual estereotipado, que ganham
destaque na indústria e que não são sexualizadas ao extremo. Ainda assim, da
mesma forma que o papel da mulher perante a sociedade está mudando no decorrer
dos anos, o mercado dos games vem apresentando uma significativa e gradativa
mudança positiva na criação de personagens femininas, as quais assumem o papel
de heroína e não mais o perfil arquetípico mais conhecido por “donzela em perigo” e
“guerreira sexy” ou “femme fatale”.
É neste ponto que este trabalho deseja chegar. A questão norteadora é:
qual a relação entre o perfil arquetípico e as personagens dos games no contexto do
feminismo? Sendo assim, para responder esta pergunta de pesquisa, este trabalho
terá como objetivo geral: Identificar a construção arquetípica da personagem Aloy do
game Horizon Zero Dawn no contexto do feminismo. E terá como objetivos
específicos: a) Mostrar o avanço do feminismo no decorrer dos anos. b) Examinar os
arquétipos de acordo com três autores: Mark e Pearson (2001), Myss (2013) e Lynn
(2012). c) Descobrir qual é o perfil arquetípico da protagonista do game Horizon Zero
Dawn. d) Identificar a relação entre o feminismo e a evolução das personagens
femininas nos games.
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Para a realização do objetivo geral e específico, o trabalho utilizará a
pesquisa de caráter descritivo com abordagem qualitativa, feita através de
documentos e artigos disponíveis em publicações na internet e fontes bibliográficas,
com o intuito de explicar conceitos acerca da pesquisa, pois segundo Gil (2002), a
pesquisa descritiva tem como principal função a descrição detalhada das
características de um estipulado fenômeno ou conjunto de indivíduos, além de
determinar a relação entre os fatores. Quanto à abordagem, segundo Minayo (2007),
a pesquisa qualitativa trabalha com o porquê das coisas, ou seja, os motivos, as
crenças e atitudes, porém, sem quantificar os valores encontrados. Foi escolhido
para o estudo de caso a protagonista Aloy do game Horizon Zero Dawn, pois seu
perfil arquetípico e história ajudarão a compreender o avanço positivo na
representação da mulher nos games. Segundo Yin (2001), o grande diferencial do
estudo de caso é que se pode lidar com várias evidências: documentação, registros
em arquivos, entrevistas, observação direta, observação participante e artefatos
físicos. E, neste trabalho, pretende-se utilizar como técnica para a coleta de dados a
documentação encontrada em livros e artigos na internet, pois ainda segundo o
autor, o estudo de caso tem características de ser estável, discreta, exata e de
ampla cobertura.
O trabalho será dividido em três partes. A primeira, Feminismo e
Arquétipos: Onde será explicado brevemente o conceito de feminismo e os
movimentos feministas, ações importantes que mudaram a representação da mulher
vista pela sociedade. A segunda parte, Games: A história da indústria explicará
brevemente a evolução dos consoles e dos gráficos dos games. A representação
feminina e o protagonismo nos games apresentarão games com personagens
femininas estereotipadas e games com protagonistas femininas fortes que exercem
o papel principal na trama. O quarto capítulo, intitulado de Análise, irá mostrar a
análise do perfil arquetípico da protagonista do game Horizon Zero Dawn, desde o
início da história até a cena em que ela realiza a Provação, além de fazer uma breve
comparação do perfil arquetípico no contexto do feminismo.
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2 FEMINISMO
Para esclarecer o surgimento do feminismo e alguns movimentos
feministas, é importante explicar, de forma breve, o que é o feminismo. De acordo
com Jesus e Almeida (2016, p. 2) “É complicado definir de maneira exata o seu
significado, pois este termo traduz todo um processo que tem raízes no passado,
que se constrói no cotidiano, e que não tem um ponto predeterminado de chegada.”
Entretanto, segundo Silva e Camurça (2010, p. 11) “A palavra feminismo tem origem
francesa e vem da palavra femme, que em francês significa mulher. Feminismo pode
ser então compreendido como tudo aquilo que diz respeito à emancipação das
mulheres.” Já para Alves (2013, p. 113) o feminismo “[...] é entendido como a ação
política das mulheres, englobando teoria, prática e ética.” Ou seja, de forma
simplificada, o feminismo é um movimento político que foi crescendo durante os
anos, pode ser organizado ou não, é formado por mulheres e é a favor da mudança
da sociedade através da igualdade entre homens e mulheres.
Quanto aos objetivos iniciais do feminismo, para Jesus e Almeida (2016,
p. 2) “Podemos dizer que dentre os objetivos do feminismo, estão a superação da
hierarquia que socialmente se estabelece e que resulta em assimetria de gênero.”
Contudo, Miranda (2007, p. 3) afirma que “O feminismo propõe um projeto de
sociedade alternativa e coloca como objetivo a abolição, ou ao menos transformação
profunda, da ordem patriarcal e de seu poder regulador, em nome de princípios de
igualdade, de equidade e de justiça social.” Em outras palavras, inicialmente o
feminismo lutou para garantir a igualdade de oportunidades para as mulheres, tanto
no mercado de trabalho, quanto na política, na educação e em tantos outros
aspectos. Já o feminismo mais recente, além de ter como objetivo combater a
opressão a que estão sujeitas as mulheres, também luta pelo direito ao aborto, pela
violência contra a mulher, pela defesa da maternidade como opção e entre outros.
A luta das mulheres não é somente por uma igualdade econômica e política, as mulheres conquistam seu espaço também para libertar-se das imposições de uma moral construída pela cultura machista, que perpassa no cotidiano de todas as mulheres até os dias atuais, bem como defendem uma sociedade livre de todas as formas de preconceitos e discriminações. (ALVES, 2013, p. 120)
Isto é, de forma geral e simples, o feminismo representa a luta das
mulheres pelos direitos sociais, respeitando as diferenças entre os gêneros. Significa
não aceitar a desvalorização da mulher e consiste em rejeitar qualquer discriminação
16
social, pois foi através dos movimentos feministas que as mulheres ganharam força
e passaram a lutar por seus direitos. (TOSCANO; GOLDENBERG, 1992).
2.1 O SURGIMENTO DO MOVIMENTO FEMINISTA
Há mais de 200 anos atrás, as mulheres vêm lutando por liberdade e
direitos iguais. O feminismo então veio para ajudar, empoderar o feminino e o
colocar no principal lugar da sua própria história. Um marco considerado importante
na luta organizada das mulheres aconteceu durante a Revolução Francesa. Todavia,
antes disso, a revolução feminina teve que atravessar vários estágios. Se for
considerado os momentos em que as mulheres se rebelaram contra todas as formas
de dominação e exigiram para as mesmas melhores condições de vida, a história
vem de muito antes e vai muito mais além. (OLIVEIRA; CASSAB, 2014)
As primeiras vozes do feminismo, surgiram no século XVII, antes da
Revolução, onde a igualdade de direitos para a mulher ainda era intolerável. “Na
América o século XVII, que antecede a Revolução, é impregnado por ideias de
insubordinação e por mudanças concretas na organização social do país.” (ALVES;
PITANGUY, 1985, p. 29). Ainda de acordo com essas autoras, nessa época, surge
então uma das primeiras vozes de insurreição feminina registrada na história
americana, Ann Hutchinson. Nascida em 1591, Ann foi uma pregadora
extremamente religiosa que afirmava que a mulher e o homem haviam sido criados
iguais perante aos olhos de Deus, se opondo, portanto, aos dogmas calvinistas da
superioridade masculina. Em 1637, Ann foi banida e acusada de “Ter sido mais um
marido que uma esposa, um pregador que um ouvinte, uma autoridade que um
súdito (...) e de ter mantido reuniões em sua casa, um fato intolerável diante de Deus
e impróprio para seu sexo.” (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 30).
Já para Toscano e Goldenberg (1992, p. 17), o movimento feminista só
vai surgir realizando mudanças significativas a partir do século XVIII:
[...] o movimento feminista, enquanto ação organizada de caráter coletivo que visa mudar a situação da mulher na sociedade, eliminando as discriminações a que ela está sujeita, só vai surgir no quadro de mudanças mais profundas que marcaram a história da Europa Ocidental a partir do século XVIII.
Foi na Revolução Francesa que a condição feminina começou a mudar,
as mulheres se apresentaram pela primeira vez como sujeito político e começaram a
17
perceber que não precisavam mais ser submissas aos homens. Toscano e
Goldenberg (1992, p. 17) destacam que “A corrida industrial, a expressão mais
evidente da expansão do capitalismo, e a Revolução Francesa, seu paradigma
político, foram o caldo de cultura de onde brotou o feminismo, tal como hoje o
entendemos.” O movimento revolucionário nessa época, se organizou para procurar
colocar um fim a alguns problemas crônicos dos franceses, acabando com os
benefícios da burguesia e formulando uma das mais relevantes declarações já
criadas, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
O título “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” diz respeito a dois tipos distintos de direito: direitos do homem, de caráter pré-social, que se atribuem ao homem independentemente de sua integração em uma sociedade política; e direitos do cidadão, que pertencem aos indivíduos enquanto participantes de uma sociedade política. Os primeiros se relacionam com a liberdade, a propriedade e a segurança; os outros, com as liberdades políticas do indivíduo. (BATISTA, 1999, p. 257)
Essa declaração dava aos franceses liberdade, fraternidade e igualdade,
todavia, esses direitos não eram para todos. Alguns da sociedade não tinham toda
essa liberdade para participar dos assuntos franceses, neste caso, o segmento
excluído foi o das mulheres, que tiveram os seus direitos de participação política
barrados pelos homens. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 32) “Ficavam excluídos
da idéia de igualdade, de forma irreversível - porque em nome do sexo e da raça,
fatores biológicos insuperáveis - as mulheres, os negros, os índios.”
Ainda no século XVII, mais especificamente em 1791, uma grande
feminista francesa chamada Marie Gouze, mais conhecida como Olympe de
Gouges, ficou eternamente conhecida por escrever e propor a aprovação da
Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Nascida em 7 de maio de 1748,
Marie era filha de uma família modesta e membro da Sociedade das Republicanas
Revolucionárias, vivia comprometida com o ambiente feudal, com os costumes
patriarcais e com o antigo paradigma que representavam as relações sociais. Para
ela, os padrões da época deveriam ser mudados, pois nenhuma mulher deveria ser
submissa e viver uma vida regrada de fracassos, uma vez que foi graças a mesma
que o homem foi libertado de suas correntes. (ESCALLIER, 2012). A partir disso,
Marie resolveu então lutar pela defesa dos oprimidos e pela igualdade dos sexos. De
acordo com Toscano e Goldenberg (1992, p. 18) “[...] entre as suas reivindicações
incluíam-se o direito ao voto feminino, o direito de exercer uma profissão e o
reconhecimento pela lei e pelo Estado das uniões de fato”. Ou seja, com a
18
Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, Marie pretendia igualar à
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada pela Assembléia
Nacional, isto é, queria a mulher nas mesmas condições de igualdade que as do
homem, tanto nos direitos como nos deveres e na vida política e civil do país.
Portanto, “Assim inseridos entre duas nótulas1 que interpelam homens e mulheres,
os dezassete [sic] artigos da Declaração enunciam princípios que se querem
universalistas e imortais: o direito de todo o ser humano à liberdade e igualdade.”
(ESCALLIER, 2012, p. 227). Marie sabia que isso mudaria pouco a situação da
mulher na sociedade, porém, mesmo assim resolveu lutar pela libertação, pois a
faísca do feminismo já havia sido plantada, mesmo que humildemente. (TOSCANO;
GOLDENBERG, 1992). Marie foi guilhotinada em 1793, durante o período do Terror,
por ter se atrevido a exigir a participação feminina na época onde o sistema político
se negava o direito de cidadania às mulheres. Por fim, Alves e Pitanguy destacam
que:
O discurso de Olympe de Gouges não é uma crítica aos princípios fundamentais do liberalismo. Este discurso, que propõe a inserção da mulher na vida política e civil em condição de igualdade com os homens, tanto de deveres quanto de direitos, será repetido durante todo o século XIX pelas feministas, na sua luta pelo sufrágio. (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 34)
No mesmo século, naquela situação onde as mulheres não eram
consideradas cidadãs, uma escritora inglesa chamada Mary Godwin Wollstonecraft,
publicou um livro intitulado de "A Reivindicação dos Direitos da Mulher”, o qual se
tornaria a principal obra sobre os direitos das mulheres no século XIX e fundador do
feminismo moderno. Nascida em 1759, Mary era escritora, filósofa e também
defensora dos direitos das mulheres. A primeira edição da obra foi publicada em
1792 e era contra o posicionamento conservador do estadista francês, Talleyrand. O
livro defende que as mulheres não são inferiores aos homens, apenas aparentam
ser por não possuírem acesso à educação. De acordo com Alves e Pitanguy (1985,
p. 36) “Nele, contesta que existam diferenças “naturais” no caráter ou na inteligência
de meninos e meninas. A inferioridade da mulher, segundo ela, adviria unicamente
de sua educação.” Ainda segundo Campoi (2011, p. 198) “[...] o livro de
Wollstonecraft fazia coro ao discurso favorável às mulheres, mostrando que o debate
1 Significa notas curtas.
19
sobre as expectativas sociais femininas ultrapassou as fronteiras nacionais e
também atravessou o Atlântico.”
Em 1910, Clara Josephine Zetkin, uma importante figura histórica do
feminismo, propôs a criação do Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, uma data
fundamental na história do movimento feminista. Clara nasceu em 1857, era membro
do Partido Comunista Alemão, militava junto ao movimento operário e se dedicava à
conscientização feminina. (BADIA, 2003). Com essa proposta, Clara queria
homenagear as mulheres de todo o mundo em sua própria luta pela democracia e
pelo socialismo. A data escolhida foi 08 de março, pois foi nessa data, em 1857, que
operárias de uma indústria têxtil morreram queimadas vivas por exigirem melhores
condições de trabalho aos seus patrões.
Durante o século XIX, o feminismo foi criando forma enquanto movimento,
pois as diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho e na sociedade
foram se tornando mais evidentes.
O século XIX levou a divisão das tarefas e a segregação sexual ao seu ponto mais alto. Seu racionalismo procurou definir estritamente o lugar de cada um. Lugar das mulheres: a maternidade e a casa, confinadas às tarefas ditas não-qualificadas, subordinadas. Inexistente no nível político, forte mas contido dentro da família, o lugar das mulheres no século XIX é extremo, quase delirante no imaginário público e privado, seja no nível político, religioso ou poético. (JESUS; ALMEIDA, 2006, p. 03)
Os salários que as mulheres recebiam eram menores, além de sofrerem
isolamento no local de trabalho, partido político e nos processos decisórios. A
exploração de mão-de-obra, a dupla jornada de trabalho e a falta de leis de proteção
à maternidade eram apenas algumas das discriminações sofridas pelas mulheres. Já
o movimento sufragista feminino, conhecido por ter como objetivo conquistar o voto
feminino, surgiu na segunda metade do século XIX. E, junto com o movimento
sufragista, nasceu a primeira onda do feminismo. Para Siqueira (2015, p. 330) a
primeira onda “[...] se caracterizou pelo ataque às diferenças discriminatórias e
insustentáveis entre homens e mulheres; se aqueles podem trabalhar e participar da
condução da vida política da comunidade, não há razão para que essas também não
possam fazê-lo.” A primeira onda foi uma referência à luta sufragista feminina, onde
essa perdurou por muito tempo e tinha como objetivo a conquista do poder político
para as mulheres.
Além da luta pelo voto, outras questões estavam inclusas nesses
movimentos, como a oportunidade de acesso à educação, salários iguais aos dos
20
homens, maior proteção no trabalho e na maternidade e ampliação do mercado de
trabalho. Foram várias passeatas, prisões, choques com a polícia, mortes e até
greves de fome para que o direito ao voto seja reconhecido, esse que foi autorizado
apenas em agosto de 1928 pelo Parlamento Inglês, terminando uma luta que havia
se iniciado há 72 anos atrás. Já na França, o feminismo estava mais voltado para as
doutrinas socialistas, ou seja, as bandeiras de luta estavam mais focadas a questões
operárias. Somente depois de 1944 que as francesas obtiveram integralmente o
acesso aos direitos políticos. Ainda segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 48) “Se o
movimento sufragista não se confunde com o feminismo ele foi, no entanto, um
movimento feminista [...] Uma vez atingido seu objetivo - o direito ao voto - esta
prática de luta de massas estava fadada a desaparecer.”
Já durante a década de 1960, o movimento feminista ressurgiu com toda
a força nos Estados Unidos e na Europa. Pinto (2010, p. 16) diz que “O feminismo
aparece como um movimento libertário, que não quer só espaço para a mulher – no
trabalho, na vida pública, na educação –, mas que luta, sim, por uma nova forma de
relacionamento entre homens e mulheres [...]” E, junto com toda essa mudança,
surge a chamada segunda onda do feminismo. A segunda onda, para Siqueira
(2015, p. 330), “[...] estaria centrada nas questões privadas e no corpo da mulher,
com foco, portanto, nas diferenças relevantes entre os sexos.” Ou seja, essa
segunda onda deu prioridade à luta das mulheres pelo direito ao prazer próprio, pelo
corpo e contra a dominação masculina. Portanto, na década de 60, o feminismo
também começa a englobar outras lutas, como as raízes culturais da desigualdade
entre o feminino e o masculino.
No início da década de 1990, em resposta às falhas da onda anterior,
surgiu a terceira onda do feminismo. A terceira onda, mais uma vez pela visão de
Siqueira (2015, p.330) “[...] recentíssima do ponto de vista histórico, reivindica não
mais a diferença entre homens e mulheres, mas as diferenças entre as próprias
mulheres.” Portanto, a última e terceira onda, até o momento, exige a diferença
dentro da diferença, pois as mulheres não são iguais aos homens e também não são
iguais entre si, por isso acabam aprendendo com as diferenças de classes, religião e
localidade.
A partir disso, no decorrer do século XX até os dias atuais, os movimentos
feministas espalhados pelo mundo, organizados ou não, vieram ganhando mais
visibilidade, lutando contra a discriminação e diversas outras formas de
desigualdade. Porém, Siqueira (2015, p. 351) afirma que “Ainda há problemas, por
21
exemplo, no mercado de trabalho feminino; na liberdade da mulher em andar nas
ruas e não ser assediada; na violência praticada contra mulheres parturientes [...]”.
Conclui-se, portanto, que ainda há muito para lutar no que se refere às pautas
femininas e, provavelmente, essas pautas serão aceitas igualmente como em uma
brincadeira de avanços e retrocessos, vitórias e derrotas, até atingir o sucesso.
2.2 O FEMINISMO NO BRASIL
O movimento organizado feminista surgiu no Brasil apenas na segunda
década do século XX onde, primeiramente, lutou pelo direito ao voto. Até esse
momento, o feminismo só havia se destacado uma ou outra vez por algumas poucas
mulheres mais avançadas, como foi o caso de Dionísia Gonçalves Pinto, primeira
feminista do Brasil e considerada uma pioneira do feminismo no país. Nascida em
1810 no Rio Grande do Norte, Dionísia Gonçalves Pinto, mais conhecida por Nísia
Floresta, era uma escritora e professora que tratava da condição feminina, publicou
vários livros e ficou conhecida por fazer duras críticas ao ensino feminino da época.
(CAMPOI, 2011).
Entre o final do Segundo Império e a Primeira Grande Guerra, o Brasil
passou por muitas mudanças importantes. Toscano e Goldenberg (1992, p. 26)
acreditam que “As idéias feministas vieram no bojo de tais mudanças, refletindo os
movimentos que eclodiam na Europa, cuja tônica era a luta pela participação maior
da mulher na vida política e nos centros de decisão.” A partir disso, Bertha Lutz,
pioneira do movimento feminista no Brasil, decidiu lutar pelos direitos iguais entre
homens e mulheres e pelo direito ao voto feminino. Segundo Sousa, Sombrio e
Lopes (2005, p. 315) “O seu feminismo dos anos 20-30, já foi rotulado como de elite,
conservador, bem comportado, jurídico-institucional, senão mais do que isso.”
Nascida em São Paulo em 1894, ela era incentivada desde pequena pelo pai a
estudar e trabalhar. Esse foi um dos motivos que fizeram com que Bertha tivesse
sabedoria e força o suficiente para lutar contra a discriminação que a mulher sofria
na época. Bertha criou então, em 1919, a Liga pela Emancipação Feminina, alterada
em 1922 para Federação Brasileira para o Progresso Feminino, a fim de promover a
educação e profissionalização das mulheres.
O direito ao voto foi conquistado somente em 1932 e o direito a proteção
do trabalho feminino veio a ser conquistado entre os anos de 1932 e 1943, com a
solidificação das leis do trabalho. De acordo com Toscano e Goldenberg (1992),
22
esse primeiro momento do feminismo é caracterizado por ser organizado, porém,
não revolucionário.
A partir de 1937 até 1970, poucos foram os movimentos feministas que
ocorreram durante esses anos, todavia, em 1950, houve um movimento importante
para o feminismo, que foi a luta contra o alto custo de vida. Barreira (2003, p. 239)
justifica essa falta de movimentos organizados da seguinte forma: “Com o golpe de
1937 ocorre um longo período de refluxo do movimento feminista que se estende até
as primeiras manifestações nos anos 1970.”
Já no início dos anos 70, quando o Brasil passava pela ditadura militar,
um novo feminismo surgiu, o qual era chamado de “mal comportado”, pois começava
a enfrentar tabus e a justiça, diferente do anterior. Nessa época, em 1972, se
manifestou um marco importante para a história do feminismo, um congresso
promovido pelo Conselho Nacional de Mulheres no Brasil, liderado pela advogada
Romy Medeiros da Fonseca, onde reuniu milhares de grupos de mulheres para
reuniões em São Paulo e Rio de Janeiro. Conforme Toscano e Goldenberg (1992, p.
31):
A tônica desse Conselho, daí por diante, foi posta nas questões jurídicas que afetavam a mulher, levantando a discussão em torno de alguns pontos cruciais que seriam mais tarde incorporados ao Código Civil, como o princípio de igualdade entre marido e mulher no casamento e a introdução do divórcio na legislação brasileira.
O ano de 1975 é marcado pelo momento de expressividade do
movimento feminista, pois os grupos organizados deixaram de ser somente
fechados e começaram a incorporar em segmentos sociais em eventos maiores
inserindo, portanto, a participação da mulher na esfera pública. Um evento
considerado importante que ocorreu na mesma época, foi o decreto da Organização
das Nações Unidas para o Ano Internacional da Mulher. A partir disso, segundo
Barreira (2003, p. 239) “O feminismo no Brasil se fortalece com o evento organizado
para comemorar o Ano Internacional, realizado no Rio de Janeiro [...] e com a
criação do Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira.” Outro movimento
importante que ocorreu no mesmo ano foi o Movimento pela Anistia, fundado por
Therezinha Zerbini. Esse movimento lutou contra os civis e militares que estavam no
poder na época.
Já na década de 80, nessa quadra histórica, novos temas surgiram no
movimento feminista, abrangendo não somente o tema político, como também a
23
violência e a saúde. Conforme Oliveira e Cassab (2014, p. 5) “Essa mudança
aconteceu também com os programas televisivos, onde eram abordados temas que
antes nem sequer eram cogitados de serem mostrados.” Em praticamente na
maioria dos aspectos, o movimento feminista começou a concentrar a luta contra a
ordem social. Ainda, de acordo com Barreira (2003, p. 137), “Registra-se, ainda,
nesse período, a presença de mulheres na delegacia, vista antes como espaço
exclusivamente masculino, dando visibilidade a agressões antes restrita à área
privada.”
A partir da década de 90, o movimento feminista tomou outras formas de
pensamento, os quais foram divididos em dois cenários. O primeiro trata-se à
dissociação entre o movimento e o pensamento feminista. Já o segundo se refere ao
crescimento e profissionalização do movimento. De acordo com Pinto (2010, p. 17):
Ainda na última década do século XX, o movimento sofreu, seguindo uma tendência mais geral, um processo de profissionalização, por meio da criação de Organizações Não-Governamentais (ONGs), focadas, principalmente, na intervenção junto ao Estado, a fim de aprovar medidas protetoras para as mulheres e de buscar espaços para a sua maior participação política.
Conforme o passar do tempo, muitas conquistas foram acontecendo, mas
foi a partir da IV Conferência Mundial da Mulher que os planos feministas se
voltaram para os direitos humanos, com ênfase na violência contra a mulher, com
atos de manifestações organizadas, passeatas e eventos, solicitando também
alteração no Código Penal. A partir disso, o feminismo só foi ganhando força, uma
prova disso são as conquistas que vieram logo após, como a instituição da
Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, vinculada à Justiça em 2002, a
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, e 2003, tendo como função a
articulação de políticas públicas para mulheres que atendam aos interesses e/ou
necessidades das mulheres brasileiras. (OLIVEIRA, 2014). Miranda (2015, p. 54)
afirma que “A criação desses espaços institucionais demonstrou o êxito alcançado
pelos movimentos feministas brasileiros em suas articulações com o Estado.”
Apesar de todos esses avanços terem sido conquistados durante anos
pelo movimento feminista, atualmente a mulher ainda sofre com algumas
discriminações. Segundo Borges e Figueiredo (2015, p. 2) “As vitórias da classe,
ainda não eliminaram totalmente os privilégios do mundo patriarcal, fazendo do
feminismo uma constante necessária nos dias de hoje [...].” Martini e Souza (2015, p.
2) também acreditam que a luta por direitos ainda não terminou:
24
Muitos anos se passaram e o que vimos e ouvimos ainda, nos meios de comunicação são mulheres passando por inúmeros conflitos. Mulheres que buscam mudar sua história, engajadas em movimentos para transformar a sociedade, mudar a visão que as culturas possuem sobre sexo feminino, conquistar espaços igualitários dentro do ciclo de sua convivência.
Todavia, por outro lado, a mulher não é mais vista pela maioria como
frágil, incapaz de assumir papéis que antes não lhe eram permitidos. Ainda de
acordo com Martini e Souza (2015, p. 4) “O sexo feminino passa a ser visto com
outro olhar, a mulher passa ser tratada com mais respeito [...]”. A independência
econômica das mulheres colaborou para a autoestima das mesmas. Hoje, com a
conquista das mulheres por um melhor poder aquisitivo, por poder participar da
política e por uma melhor educação, está fazendo com que mudem os arquétipos
femininos que foram herdados da dominação masculina. O perfil de mulher que o
feminismo busca deixar é de que a mulher é forte, persistente e independente, pois
a mulher não é somente uma dona de casa e mãe, ela é uma guerreira que assume
responsabilidades familiares, econômicas e que está a cada dia mais sendo
protagonista da sua própria história. (VALEK, 2014)
2.3 JUNG E OS ARQUÉTIPOS
Antes de explicar o conceito de arquétipos, é importante compreender de
que forma foi feita a divisão da psique de acordo com Jung. Para Jung, o
inconsciente é dividido em duas camadas, sendo estas chamadas de inconsciente
pessoal e inconsciente coletivo. O inconsciente pessoal é a camada mais superficial
do inconsciente, ou seja, é formado por lembranças ou emoções individuais que
estão reprimidas na consciência de cada pessoa. Jung (2008, p. 22) afirma que “Os
materiais contidos nesta camada são de natureza pessoal porque se caracterizam,
em parte, por aquisições derivadas da vida individual e em parte por fatores
psicológicos, que também poderiam ser conscientes.” Isto é, o inconsciente pessoal
é exclusivo da pessoa, pois é criado a partir de suas experiências de vida. Já a
segunda camada, o inconsciente coletivo, é totalmente universal. A camada não é
formada por experiências individuais de cada um, mas sim por experiências
humanas herdadas. Segundo Jung (1979, p. 13) o inconsciente coletivo possui “não
só componentes de ordem pessoal, mas também impessoal, coletiva, sob a forma
de categorias herdadas, ou arquétipos.” Em outras palavras, essas experiências são
um conjunto de sentimentos compartilhados por toda a humanidade.
25
Para Jung, nessa segunda parte do inconsciente da psique, existem
imagens, essas chamadas de arquétipos, que cada indivíduo herda de seus
ancestrais.
O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo, portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e, no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos. (JUNG, 2000, p. 53)
Esses conteúdos são imagens universais primordiais que existiram desde
os tempos mais antigos. Ainda de acordo com JUNG (2009, p. 203):
Cada homem sempre carregou dentro de si a imagem da mulher; não é a imagem desta determinada mulher, mas a imagem de uma determinada mulher. Essa imagem, examinada a fundo, é uma massa hereditária inconsciente, gravada no sistema vital e proveniente de eras remotíssimas; é um "tipo" ("arquétipo") de todas as experiências que a série dos antepassados teve com o ser feminino, é um precipitado que se formou de todas as impressões causadas pela mulher, é um sistema de adaptação transmitido por hereditariedade.
Para Jung, essa imagem da mulher que o homem carrega é denominada
de anima, parte do arquétipo que existe no inconsciente, que é a essência feminina
que vive no homem. Em contrapartida, o animus é o oposto, é a essência masculina
que vive no inconsciente da mulher. Não tem nada relacionado com gênero, significa
que o masculino tem que ter o feminino e o feminino tem que ter o masculino. De
acordo ainda com Jung, uma pessoa pode ter vários tipos de animus, como por
exemplo, o protetor, o campeão. E vários tipos de anima, como: a mãe, a virtuosa, a
espiritual.
Uma expressão típica para a transmissão de conteúdos coletivos seria a
forma como os tribais primitivos tratavam os arquétipos, pois o conteúdo não era
inconsciente, mas sim consciente, pois eram transmitidos através da tradição.
Os ensinamentos tribais primitivos tratam de arquétipos de uma forma peculiar. Na realidade, eles não são mais conteúdos do inconsciente, pois já se transformaram em fórmulas conscientes, transmitidas segundo a tradição, geralmente sob forma de ensinamentos esotéricos. Estes são uma expressão típica para a transmissão de conteúdos coletivos, originariamente provindos do inconsciente. (JUNG, 2000, p. 17)
26
Outra forma de expressão conhecida dos arquétipos é por meio do conto
de fadas e o mito, que também são transmitidas através de longos períodos de
tempo. (JUNG, 2000). Jung ainda afirma que, mesmo que uma pessoa não conheça
conscientemente um mito, lenda ou alguma determinada história mitológica, é
possível que essa mesma pessoa sonhe com isto, pois nosso corpo e mente são
depósitos de histórias herdadas do passado.
Visto isso, para compreender melhor o conceito de arquétipos e seus
tipos segundo Jung, segue uma explicação mais aprofundada do assunto.
2.3.1 Arquétipos
A origem da palavra arquétipo veio do grego arkhétypon/, pelo latim
archetypum.i/ e pelo francês archétype, segundo a etimologia. Arquétipo significa, de
acordo com a filosofia, mais especificamente no ponto de vista de Platão, uma ideia
ou modelo originário utilizado como padrão de origem e princípio para se explicar os
objetos sensíveis. Já para a psicologia, neste caso Jung, os arquétipos são as
imagens que permanecem no inconsciente coletivo e são universais.
A imagem primordial ou arquétipo é uma figura, seja um demônio, homem, ou processo, que se repete no curso da história sempre que a fantasia criativa se manifesta plenamente. Essencialmente, portanto, é uma figura mitológica. Se submetermos essas imagens a um exame mais acurado, descobriremos, que elas são as resultantes formuladas de um sem-número de experiências típicas de nossos antepassados. Elas são, poder-se-ia dizer, o resíduo psíquico de inúmeras experiências do mesmo tipo. (1928 apud JUNG; MCLUHAN, 1973, p. 34)
Em outras palavras, os arquétipos são um conjunto de imagens
primordiais armazenadas no inconsciente coletivo, ou seja, essas imagens são
criadas a partir de uma repetição de uma mesma experiência durante várias
gerações, que se manifestam através de sonhos, mitos e fantasias de maneira
simbólica. Um exemplo disso são as estórias, essas que são passadas de geração a
geração e que são cheias de significado e arquétipos, criadas para mostrar o que
existe no inconsciente.
Além disso, para Jung, os arquétipos são como instintos que orientam
comportamentos e agem no pensamento do indivíduo, influenciando nas ações do
mesmo. Jung (1942, p. 109) diz que “Cada vez que um arquétipo aparece em sonho,
na fantasia ou na vida, ele traz consigo uma “influência” específica ou uma força que
27
lhe confere um efeito luminoso e fascinante ou impele à ação.” Ou seja, os
arquétipos se reúnem profundamente no inconsciente coletivo do indivíduo e de lá
formam um molde que, de alguma forma, influenciam e dão sentido ao que acontece
com o mesmo. Ainda de acordo com Jung (1964, p. 69) “[...] estes instintos podem
também manifestar-se como fantasias e revelar, muitas vezes, a sua presença
apenas através de imagens simbólicas. São a estas manifestações que chamo
arquétipos.” Porém, é importante ressaltar que os arquétipos não expressam uma
imagem definida, e sim uma variação nos detalhes, todavia, mantendo sempre a sua
configuração original.
Desta forma, compreende-se que todos os indivíduos possuem uma
organização mental semelhante, pois a essência do arquétipo é a mesma
independente da cultura, o que muda é a forma que o indivíduo irá lidar com a
situação, que aí sim depende da cultura em que ele está inserido.
Há tantos arquétipos quantas situações típicas na vida. Intermináveis repetições imprimiram essas experiências na constituição psíquica, não sob a forma de imagens preenchidas de um conteúdo, mas precipuamente apenas formas sem conteúdo, representando a mera possibilidade de um determinado tipo percepção e ação. Quando ocorre na vida algo que corresponde a um arquétipo, este é ativado e surge uma compulsão que se impõe a modo de uma reação instintiva contra toda razão e vontade, ou produz um conflito de dimensões eventualmente patológicas. Isto é, uma neurose. (JUNG, 2000, p. 58)
Isto é, do ponto de vista de Jung, os arquétipos são formas já existentes
que são acessados na consciência, por meio de imagens. Por mais que a
manifestação desse arquétipo seja pessoal, a base instintiva é igual para todos.
2.3.2 Anima e Animus
Jung deu importância a determinados arquétipos além do Anima e
Animus, como a persona, a sombra e o eu. Porém, neste trabalho, abordarei
somente o arquétipo Anima e Animus, pois será relevante para o restante do
mesmo.
Anima e Animus vem do termo em latim animare e significam,
respectivamente, alma e espírito. Jung deu esses nomes a esses arquétipos pois
percebia uma semelhança entre Anima e Animus e almas e espíritos animadores.
Ainda segundo Jung (2008, p. 92) “A anima, sendo feminina, é a figura que
compensa a consciência masculina. Na mulher, a figura compensadora é de caráter
28
masculino e pode ser designada pelo nome de animus.” Deste modo, basicamente,
Anima é o lado feminino encontrado no inconsciente masculino e Animus é o oposto,
ou seja, o lado masculino encontrado no inconsciente feminino.
De acordo com Jung, Anima e Animus são um dos principais arquétipos
que influenciam as atitudes diárias das pessoas e todas, sem exceção, possuem
tanto aspectos femininos quanto masculinos em suas próprias mentes. Essas
atitudes são influenciadas, portanto, pela Anima e Animus e, cada um desses
arquétipos, é exemplificado por figuras específicas explicadas por Jung, isto é,
apresenta quatro estágios de desenvolvimento. Dito isso, o arquétipo Anima é
representado primeiramente pela figura de Eva (relacionamento biológico, instintivo
e sexual), segundo pela figura de Helena de Tróia (relacionamento mais romântico),
terceiro pela figura da Virgem Maria (amor espiritual, maternidade) e por último pela
figura da Deusa Atena (sabedoria).
Anima é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psique do homem — os humores e sentimento s instáveis, as intuições proféticas, a receptividade ao irracional, a capacidade de amar, a sensibilidade à natureza e, por fim, mas nem por isso menos importante, o relacionamento com o inconsciente. (JUNG, 2008, p. 177)
Já o arquétipo Animus é representado primeiramente pela figura de um
atleta ou “homem musculoso” (força física e agilidade), segundo pelo herói de guerra
(capacidade de planejamento), terceiro pelo condutor (o grande orador) e por último
pelo sentido (verdade espiritual). (JUNG, 2008). Essas representações servem para
que no processo de individuação2 de cada um, tanto o homem quanto a mulher,
aprendam a utilizar esses estágios do arquétipo Anima e Animus, a fim de
encontrarem a sua verdade mais profunda no inconsciente.
Quando um homem descobrir e entrar em contato com sua Anima, o
arquétipo irá tentar influenciá-lo com atitudes consideradas mais femininas, como a
fraternidade, intuição, generosidade, gentileza etc. Usando essas influências de
forma singela, o mesmo passará a ser mais cuidadoso com sua aparência, será
mais intuitivo, paciente, amoroso, ou seja, terá também características presentes no
universo feminino, todavia, sem perder a predominância de sua natureza masculina.
Da mesma forma acontecerá com a mulher, quando entrar em contato com o
Animus irá apresentar características consideradas mais do universo masculino,
2 Quando Jung fala de individuação, ele se refere ao caminho que é direcionado pelos símbolos
arquetípicos (também imagens mitológicas) que surgem de repente, de acordo com a natureza da pessoa.
29
como a racionalidade, força, objetividade, coragem etc. Quando utilizar as
influências de forma equilibrada, irá desenvolver seu lado racional, irá adquirir
firmeza espiritual e se dará melhor em desempenhar cargos maiores no trabalho.
Jung (2008, p. 190) diz que “[...] o animus pode tornar-se um companheiro interior
precioso que vai contemplá-la com uma série de qualidades masculinas como a
iniciativa, a coragem, a objetividade e a sabedoria espiritual.”. Ou seja, atingindo os
quatro estágios, a mulher terá a sua feminilidade bem cuidada, não precisando ser
mais agressiva e competitiva.
Entretanto, como todo o lado positivo tem o seu lado negativo, com os
arquétipos Anima e Animus não é diferente. Se tanto o homem quanto a mulher se
deixarem dominar pelas atitudes que são influenciadas pela Anima e Animus,
ocorrerão desorganizações em suas mentes. Mais especificamente no arquétipo
Anima, Jung nos mostra o que pode vir a ser negativo no homem:
Nas suas manifestações individuais o caráter da anima de um homem é, em geral, determinado por sua mãe. Se o homem sente que a mãe teve sobre ele uma influência negativa, sua anima vai expressar-se, muitas vezes, de maneira irritada, depressiva, incerta, insegura e susceptível. [...] Outra maneira pela qual a anima se manifesta de forma negativa na personalidade de um homem é revelada no tipo de observação rancorosa, venenosa e efeminada que ele emprega para desvalorizar todas as coisas. (JUNG, 2008, p. 178)
Já no Animus, Jung ainda nos mostra a parte negativa do arquétipo na
mulher:
O animus negativo não aparece apenas como o demônio da morte. Nos mitos e contos de fadas faz o papel de assaltante ou o de assassino. [...] Sob esta forma, o animus personifica todas as reflexões semiconscientes, frias e destruidoras que invadem uma mulher durante as horas da madrugada, especialmente quando ela deixou de realizar alguma obrigação ditada pelos seus sentimentos. [...] Acalentando secretamente estas atitudes destruidoras, uma mulher pode levar o marido ou a mãe pode levar os filhos a adoecerem, se acidentarem ou até mesmo morrerem. (JUNG, 2008, p. 191)
Embora seja um conflito lidar com esses pontos negativos, o Anima e
Animus é o que vivifica, é o que anima e faz a vida acontecer de verdade. Nós
vamos nos desenvolvendo como pessoas durante a vida, mas o grande salto que
nós damos a partir do momento em que entramos em contato com os arquétipos
Anima e Animus é o que faz a diferença entre homens medíocres que somos e entre
grandes homens, pois esses grandes indivíduos conseguiram ao longo da vida
30
controlar essas energias dentro de si, trazendo essas influências para o lado positivo
e para seu próprio crescimento. Nomes como Maria da Penha, Nísia Floresta,
Dandara, Leolinda Daltro, Leila Diniz entre muitos outros, são alguns dos nomes de
importantes mulheres que deixaram a presença do Animus interior influenciar em
suas ações quando resolveram lutar pelos direitos das mulheres em diversas
situações, pois não lhe faltaram força e coragem para enfrentar qualquer represália.
(REIKDAL, 2015)
2.3.3 A criação de símbolos e o desenvolvimento de mitos
Primeiramente, precisamos entender que o inconsciente se manifesta
através de símbolos. E esses símbolos, para Jung (2008), são um termo, nome ou
uma imagem que podem ser familiares ao indivíduo, apesar de possuir conotações
especiais além do seu próprio significado convencional. Ou seja, o símbolo, ao
contrário do sinal, não possui apenas um significado óbvio, mas possui sempre um
significado além que não pode ser explicado plenamente. Como por exemplo, o
nome de Jesus, ele é considerado um símbolo, pois não carrega apenas um nome,
mas carrega muitas outras coisas que não podem ser explicadas e que vivem no
nosso inconsciente.
Já os símbolos podem se manifestar, ainda de acordo com Jung, por meio
de sonhos (2008, p. 55), “Nos sonhos os símbolos ocorrem espontaneamente, pois
sonhos acontecem, não são inventados; eles constituem, assim, a fonte principal de
todo o nosso conhecimento a respeito do simbolismo.” Porém, não são apenas nos
sonhos que os símbolos se manifestam, eles também podem se manifestar em
todos os tipos de manifestações psíquicas, o que pode levar o indivíduo ao encontro
dos arquétipos que habitam no seu inconsciente.
A partir disso, Jung separou os símbolos em dois grupos, ambos bem
distintos, chamados de naturais e culturais. Os símbolos naturais são formados por
imagens coletivas, onde sua existência pode ter raízes arcaicas, ou seja, imagens
que podem ser encontradas nas histórias antigas.
Os primeiros são derivados dos conteúdos inconscientes da psique e,
portanto, representam um número imenso de variações das imagens
arquetípicas essenciais. Em alguns casos pode-se chegar às suas origens
mais arcaicas — isto é, a idéias e imagens que vamos encontrar nos mais
antigos registros e nas mais primitivas sociedades. (JUNG, 2008, p. 89)
31
No caso dos símbolos culturais, eles são formados por diversas
influências de aspectos da natureza, isto é, são imagens coletivas aceitas pela
sociedade.
Os símbolos culturais, por outro lado, são aqueles que foram empregados
para expressar "verdades eternas" e que ainda são utilizados em muitas
religiões. Passaram por inúmeras transformações e mesmo por um longo
processo de elaboração mais ou menos consciente, tornando-se assim
imagens coletivas aceitas pelas sociedades civilizadas. (JUNG, 2008, p. 89)
Portanto, de acordo com Jung, símbolo não significa uma invenção
literária ou uma criação pessoal, mas significa uma propriedade particular da
condição humana. Além disso, toda a ação e pensamento consciente que temos é
um resultado do processo do nosso inconsciente de simbolização de uma situação
vivenciada.
Diferentemente do símbolo, o mito são relatos expressivos de épocas em
que a experiência humana e os acontecimentos não podiam ser escritos. Para
Campbell (1990, p. 16):
[...] aquilo que os seres humanos têm em comum se revela nos mitos. Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos. Todos nós precisamos contar nossa história, compreender nossa história. Todos nós precisamos compreender a morte e enfrentar a morte, e todos nós precisamos de ajuda em nossa passagem do nascimento à vida e depois à morte. Precisamos que a vida tenha significação, precisamos tocar o eterno, compreender o misterioso, descobrir o que somos. E conforme a humanidade for passando por novos acontecimentos, vai adquirindo também novas habilidades e, consequentemente, os mitos vão se transformando.
Isto é, o mito são expressões simbólicas das ações e sentimentos que
permanecem no inconsciente de uma sociedade.
2.4.1 Os 12 Arquétipos de Mark e Pearson
Mark e Pearson (2001), levando em consideração os estudos de Jung
sobre arquétipos e após anos pesquisando sobre a base arquetípica de algumas
marcas de sucesso, acreditam e tentam mostrar em sua teoria como os arquétipos
podem ser utilizados para fortalecer e dar significado a uma marca. Ainda segundo
as autoras (2001, p. 26), o resultado da pesquisa sobre o que a psicologia
32
arquetípica poderia oferecer para contribuir na criação de uma publicidade mais
eficaz foi muito mais além do que esperado:
A psicologia arquetípica ajuda-nos a compreender o significado intrínseco
das categorias de produto e, consequentemente, ajuda os profissionais de
marketing a criar identidades de marca duradouras que estabelecem o
domínio do mercado, evocam nos consumidores o significado e o fixam, e
inspiram a lealdade do consumidor – tudo isso, potencialmente, de maneira
socialmente responsável.
Portanto, se os arquétipos forem compreendidos corretamente, poderão
trazer certa vitalidade rara para a marca ou empresa, isto é, eles estabelecerão uma
identidade de marca memorável que suportará o teste do tempo e que resultará em
um sucesso duradouro. (MARK; PEARSON, 2001). Todavia, para que essa teoria
pessoal de Mark e Pearson pudesse ser explicada, os arquétipos foram classificados
em 12 categorias, esses que se expressaram com frequência nas atividades
comerciais das marcas analisadas pelas autoras e que ainda guiam a humanidade
desde os primórdios até a atualidade. Os dois quadros abaixo mostram os
arquétipos, bem como suas funções básicas na vida das pessoas e suas
características definidas por Mark e Pearson.
Características Básicas
Arquétipo Desejo
Básico Meta Medo Estratégia Dons
a
O Inocente
Vivenciar o
paraíso Ser feliz
Fazer algo
errado ou ruim
que provocará
punição
Fazer as
coisas direito Fé e otimismo
O
O
Explorador
Liberdade
para descobrir
quem você é,
mediante a
exploração do
mundo
Experimentar
uma vida
melhor, mais
autêntica,
mais
gratificante
Cair numa
armadilha,
conformidade,
vazio interior,
inexistência
Viajar, buscar
e
experimentar
coisas novas,
escapar das
armadilhas e
do tédio
Autonomia,
ambição,
capacidade de
ser fiel à própria
alma
(Continua)
33
(Continuação)
O
O Sábio
A descoberta
da verdade
Usar a
inteligência e a
análise para
compreender
o mundo
Ser enganado
e iludido; a
ignorância
Buscar
informação e
conhecimento
; autorreflexão
e
compreensão
dos processos
de
pensamento
Sabedoria,
inteligência
O
O Herói
Provar o
próprio valor
por meio da
ação corajosa
e difícil
Exercer a
maestria de
modo a
melhorar o
mundo
Fraqueza,
vulnerabilidade
,“amarelar”
Tornar-se tão
forte,
competente e
poderoso
quanto lhe for
possível ser
Competência e
coragem
O
O Fora-
da-lei
Vingança ou
revolução
Destruir aquilo
que não
funciona (para
ele próprio ou
para a
sociedade)
Não ter poder,
ser comum ou
inconsequente
Rebentar,
destruir ou
chocar
Irreprimível,
liberdade radical
O
O Mago
Conhecer as
leis
fundamentais
do
funcionament
o do mundo
ou do
universo
Tornar os
sonhos
realidade
Consequência
s negativas
inesperadas
Desenvolver
uma visão e
vivê-la
Encontrar
resultados “ganha
– ganha
O
O Cara
Comum
Conexão com
os outros
Pertencer,
adequar-se
Destacar-se ou
parecer que
está dando
ares de
importância, e
por isso ser
rejeitado
Desenvolver
sólidas
virtudes
comuns, o
toque comum,
mesclar-se
Realismo,
empatia,
ausência da
vaidade
O
O Amante
Conseguir
intimidade e
experimentar
o prazer
sensual
Manter um
relacionament
o com as
pessoas, o
trabalho, as
experiências
que ama
Ficar sozinho,
“tomar chá de
cadeira”, ser
indesejado,
não ser amado
Tornar-se
cada vez mais
atraente,
emocionais e
todos os
outros
Paixão, gratidão,
apreço,
comprometimento
O
O Bobo
da Corte
Viver no
momento
presente, com
alegria total
Divertir-se e
alegrar o
mundo
Aborrecer-se
ou ser
maçante
Brincar, fazer
piadas, ser
engraçado
Alegria
34
(Continuação)
O
O
Prestativo
Proteger os
outros do mal
Ajudar os
outros
Egoísmo,
ingratidão
Fazer coisas
pelos outros
Compaixão,
generosidade
O
O Criador
Criar algo de
valor
duradouro
Dar forma a
uma visão
Ter uma visão
medíocre ou
ser medíocre
na execução
Desenvolver
controle e
aptidão na
área artística
Perfeccionismo,
criação
equivocada
O
O
Governant
e
Controle
Criar uma
família,
empresa ou
comunidade
próspera e
bem-sucedida
Exercer a
liderança
Caos, ser
destituído
Responsabilidade
, liderança
Características Positivas e Negativas
Arquétipo Positivas Negativas
O Inocente Desejo de pureza, bondade e
simplicidade Negação, repressão
O Explorador
Explorar o mundo, insatisfação,
inquietude, anseio e
individualidade
Alienação, tédio
O Sábio Desejo profundo de encontrar a
verdade
Confusão, dogmatismo, torre de
marfim, desligamento da
realidade
O Herói Força, competência, coragem e
mestria
Desumanidade e necessidade
obsessiva de vencer
O Fora-da-lei Revolucionário Comportamento criminoso ou
prejudicial
O Mago Transformador, carismático e
inovador Manipulação e feitiçaria
O Cara Comum Humanitário e amigo
Vítima que prefere sofrer abuso
ao invés de ficar sozinha; ou a
pessoa disposta a praticar
qualquer ato a fim de pertencer
à uma gangue
35
(Continuação)
O Amante Amor espiritual, auto aceitação
e fiel
Promiscuidade, obsessão,
ciúme, inveja
O Bobo da Corte Divertido, esperto e
transformador
Auto complacência,
irresponsabilidade, brincadeiras
mesquinhas
O Prestativo Generoso, preocupado com o
mundo e cuidadoso
Martírio, transferência do poder
pessoal, a “viagem” da culpa
O Criador Criativo, inovador e
influenciador
Dramatizar demais a própria
vida, vivendo um melodrama
O Governante Responsável, líder e focado Comportamentos tirânicos ou
manipuladores
(Conclusão) Fonte: Quadro criado pela estudante com base nas autoras Mark e Pearson (2001).
Cada arquétipo possui suas características, algumas mais predominantes
do que outras. De forma breve, segundo as autoras, enquanto o arquétipo “O
Inocente” busca a realização no aqui e agora, “O Explorador” vai sempre à procura
dela, e “O Sábio” diz que a felicidade é o resultado da instrução. Já os arquétipos “O
Herói”, “O Fora-da-Lei” e “O Mago”, possuem a capacidade de enfrentar os desafios
do cotidiano, de correr riscos e quebrar as regras. O arquétipo “O Cara Comum”
possui o senso de adequação que o faz capaz de ver o valor de todas as pessoas, e
não só daquelas que se destacam. “O Amante” auxilia no processo de se tornar
atraente para os outros, além de ajudar a desenvolver aptidões para a intimidade
sexual. “O Bobo da Corte” ensina a viver com leveza, a viver o momento presente
sem se preocupar com que os outros pensam. “O Prestativo” ajuda a resolver o
problema dos outros, porém, é menos focado em seus próprios problemas. “O
Criador” exerce o controle através de um poema criado, uma pintura, uma
composição musical ou um produto, pois o ato de criar uma experiência de forma
artística dá senso de controle. E, por fim, o arquétipo “O Governante” tem a
responsabilidade de tornar a vida o mais previsível possível e, para isso, assume o
controle das situações, inclusive quando se está fora de controle.
2.5.2 Os 10 Arquétipos de Caroline Myss
36
Já com o objetivo bastante diferente de Mark e Pearson, a autora Caroline
Myss pretende ajudar cada indivíduo a encontrar e se conectar com o seu próprio
arquétipo interior, descobrir qual que o influencia nas ações bem como qual se
expressa em sua vida. (MYSS, 2013). A autora acredita que, embora os arquétipos
sejam símbolos coletivos compartilhados por culturas, eles também passam
mensagens individuais, ou seja, padrões arquetípicos pessoais que são o alicerce
de motivações, impulsos, crenças e ações, que influenciam os nossos
relacionamentos durante a vida. Ainda segundo Myss (2013, p. 21) “Somos atraídos
por filmes, livros e videogames com personagens que representam nossa imagem
de poder.” E durante toda a vida, desde o nascimento, o indivíduo padroniza essas
imagens e vive inconscientemente esses arquétipos, que são como energias.
Entretanto, além de possuir esses arquétipos em sua mente, o indivíduo também
examina e procura, consciente ou não, o mundo em busca de padrões arquetípicos
nas pessoas, pois isso é uma parte natural do mecanismo intuitivo de sobrevivência.
Ainda referente aos padrões arquetípicos, Myss (2013, p. 31) afirma que
“De acordo com as mudanças que ocorrem na sociedade, as imagens arquetípicas
que nos influenciam também se transformam, alterando nossas definições de
beleza, poder e objetivos de vida.” Ou seja, esses padrões arquetípicos, na visão da
autora, vivem em mudança constante, pois cada época possui sua definição de
arquétipo, como por exemplo, a mulher com características de cuidadora, ela pode
ter um lado rebelde apenas por se adaptar à vida em um mundo tão diferente
daquele em que as mulheres de outras gerações viviam. (MYSS, 2013). A partir
disso, Myss apresenta 10 padrões arquetípicos que refletem as tendências dos
tempos modernos: a advogada, a artista/criativa, a atleta, a cuidadora, a fashionista,
a intelectual, a rainha/executiva, a rebelde, a buscadora espiritual e a visionária.
No quadro a seguir, serão apresentadas as características de cada um
desses arquétipos pela visão da autora, a fim de compreender as questões básicas
que definem as mulheres atualmente.
Arquétipo Desafio Principal Missão Estado
Positivo Estado Negativo
(Continua)
37
(Continuação)
A Advogada
Encontrar uma
causa que
envolva sua força
e talento em vez
de sua raiva ou
reivindicações
pessoais
Ser uma
representante
consciente das
mudanças
sociais/ambientais
positivas
Esperança
Acreditar que os
outros devem
reconhecer o valor
do seu trabalho.
A Artista/Criativa
Superar o medo
de não ser
original
Cultivar a
imaginação e
explorar novas
maneiras de
expressão criativa
Criatividade
Medo de ser uma
pessoa comum;
Medo de não ser
reconhecida
A Atleta
Respeitar os
pontos fortes e as
limitações do seu
corpo
Experimentar a
vida por meio da
força e resistência
do corpo físico
Determinação
Acreditar que a
força física é
suficiente para
atingir todos os
objetivos
A Cuidadora
Receio de ser
egoísta ou
incapaz de cuidar
dos outros
Cuidar dos outros
da maneira que
não são capazes
de cuidar de si
mesmas
Compaixão
Sentir-se
rancorosa e
desamparada
A Fashionista
Desenvolver as
qualidades
pessoais e a
expressão da
beleza
Buscar uma vida
que não se
fundamente
apenas na
aparência
Exuberância
O patinho feio que
nunca se torna
cisne
A Intelectual
Permanecer
aberta a novas
ideias
Buscar o
conhecimento pelo
conhecimento e
descobrir a verdade
em todas as suas
expressões
Sabedoria
Usar habilidades
intelectuais para
manipular e
comprometer a
verdade
A
Rainha/Executiva
Identificar a causa
nas quais vale a
pena investir
poder e influência
Aprender a ser
responsável pelo
bem-estar dos
outros
Generosidade
Comprometer sua
integridade para
manter seu trono
A Rebelde
Encontrar a
própria voz e a
maneira de
expressão
Quebrar as
barreiras que
restringem a
liberdade
Justiça
Confrontar um
ego motivado por
interesses
pessoais para
ganhar a atenção
38
(Continuação)
A Buscadora
Espiritual
Criar um estilo de
vida que combine
suas
necessidades
espirituais,
emocionais e
físicas
Tornar-se uma
pessoa
espiritualmente
harmoniosa
Humildade
Nada de ruim vai
acontecer, porque
estou em um
caminho espiritual
A Visionária
Permanecer
comprometida
com uma nova
visão por tempo
suficiente para
vê-la concretizada
Trazer o futuro para
o presente Coragem
Abusar do seu
poder visionário
para imaginar os
piores resultados
possíveis
(Conclusão) Fonte: Quadro criado pela estudante com base na autora Myss (2013).
Myss (2013) explica que esses dez arquétipos apresentados trazem
questões que definem as mulheres da atualidade, incluindo seus conflitos pela
procura do crescimento pessoal e profissional. Todavia, os arquétipos estão em
constante mudança e podem mudar daqui a dez anos. Portanto, para a autora, é
importante descobrir os padrões arquetípicos que se expressam em decisões
cotidianas e rotineiras, uma vez que eles são responsáveis pelos hábitos pessoais
de cada um, na qualidade dos relacionamentos e em vários outros padrões que
sempre se repetem.
2.5.2 Os 16 Arquétipos de Victoria Lynn
Agora, com uma abordagem voltada para a criação de personagens e
completamente diferente das citadas anteriormente, Victoria Lynn Schmidt, uma
estudiosa da mente humana e autora do livro 45 Master Characters, acredita que,
baseados na mitologia grega, existem no total 45 arquétipos básicos. Desses
arquétipos, 16 são considerados como modelos femininos e os outros 16 como
modelos masculinos, os outros 13 são vistos por ela como arquétipos secundários,
portanto, não serão abordados neste trabalho. Em sua teoria, Schmidt acredita que
todo personagem possui seu lado bom e o seu lado ruim, sendo assim, possuindo
arquétipos e faces opostas. Essas faces são fundamentadas a partir das deusas
mitológicas, com seus lados positivos e negativos de cada uma. (MASSARANI). No
39
quadro abaixo serão listados somente os 16 arquétipos femininos, bem como suas
características, pois serão relevantes para a análise final.
Arquétipo Características
A Musa Sedutora Decidida e de sexualidade aberta; Gosta de ser o centro das
atenções
A Femme Fatale (lado negro da
Musa Sedutora) Manipuladora; Usa o corpo como uma arma para conquistar
A Amazona
Feminista, faz questão de mostrar a força existente na mulher
e possui um lado masculino tão forte quanto o feminino;
Guerreira; Apaixonada por natureza; Valoriza a liberdade
A Górgon (lado negro da
Amazona)
Agressiva; Ditadora; Transforma pessoas em pedra apenas
com o olhar
A Filha do Pai Quer ser igual a um homem; Vê as mulheres como um sexo
frágil
A Traiçoeira (lado negro da Filha
do Pai) Vingativa; Atropela os outros para atingir os objetivos
A Cuidadora Protetora; Não é vaidosa; Coloca sempre os outros na sua
frente
A Mãe Superprotetora (lado negro
da Cuidadora)
Vitimista; Senso materno descontrolado; Acredita que os
outros não podem viver sem ela;
A Matriarca Forte; Comprometida; Fiel; Amorosa; Esposa perfeita
A Desprezada (Lado negro da
Matriarca) Sofrida; Abandonada; Iludida
A Mística Pacífica; Escolheu a paz espiritual ao invés do casamento ou
desejos carnais;
(Continua)
40
(Continuação)
A Traidora (lado negro da Mística) Maldosa; É o lobo em pele de cordeiro; Acredita que ninguém
verá o seu lado verdadeiro
O Messias Feminino Altruísta; Tem uma força interior que nunca morre e sempre se
sacrificará pelos outros
A Destruidora (lado negro do
Messias Feminino)
Protege o bem maior a qualquer custo; Às vezes causa mais
malefícios do que bondades
A Donzela Despreocupada; Alegre; Vulnerável; Dependente;
Sem muitas responsabilidades
A Adolescente Problema (lado
negro da Donzela)
Descontrolada; Irresponsável; Depressiva;
Invejosa; Egoísta; Se acha sempre acima da lei
(Conclusão) Fonte: Quadro criado pela estudante com base em Massarani.
Resumidamente, segundo a autora, são 8 arquétipos femininos baseados
na mitologia grega, cada um com o seu lado “negro”, totalizando os 16 arquétipos,
sendo esses: “A Musa Sedutora” o lado bom da “A Femme Fatale”, “A Amazona” o
lado bom da “A Górgona”, “A Filhinha do Papai” o lado bom da “A Traiçoeira”, “A
Cuidadora” o lado bom da “A Mãe Superprotetora”, “A Matriarca” o lado bom da “A
Desprezada”, “A Mística” o lado bom da “A Traidora”, “O Messias Feminino” o lado
bom da “A Destruidora” e a “A Donzela” o lado bom da “A Adolescente Problema”.
3 OS GAMES
O momento exato do surgimento do videogame ainda é um assunto
polêmico, pois segundo Da Luz (2010), pode existir até três datas dependendo da
argumentação utilizada. Porém, a data mais antiga encontrada utiliza como ponto de
partida para o início da história a interação com um monitor de vídeo em 1958, onde
William Higinbotham decidiu criar algo atrativo para colocar em exposição na
Columbia, nos Estados Unidos. Com um computador analógico e um monitor de
osciloscópio3, Higinbotham conseguiu criar um jogo interativo, onde era possível
3 O osciloscópio é um instrumento de medida de sinais elétricos/eletrônicos que apresenta gráficos a
duas dimensões de um ou mais sinais elétricos.
41
jogar uma partida de tênis apenas controlando uma bolinha e o momento da
rebatida, conforme ilustrado na Figura 1.
Figura 1 - O jogo Tennis for Two criado por William Higinbotham, 1958.
Fonte: www.videogamehistorian.wordpress.com/tag/william-higinbotham/
Outra data considerada aceita para o nascimento do videogame, ainda de
acordo com Da Luz (2010), utiliza como argumento a interação entre um monitor de
vídeo e o uso de um software. E isso aconteceu em 1960 quando Steve Russell,
membro de um clube de entusiastas em eletrônica, resolveu desenvolver um jogo
interativo usando um monitor de computador. Foram seis meses de programação até
Russell completar o seu jogo, chamado de Spacewar!, uma batalha espacial entre
duas naves que eram controladas por botões do computador, conforme apresentado
na Figura 2. Segundo Lynch et al. (2016), o desenvolvimento do Spacewar!
incentivou vários jogos e também inspirou o design do videogame Computer Space,
lançado em 1971.
Após algum tempo, Russell e alguns amigos desenvolveram também um
controle rudimentar, que ajudava na interação entre o jogador e o jogo. Da Luz
(2010, p. 23) acredita que “Apesar da controvérsia de Spacewar! ser ou não o
primeiro vídeo game, ele de fato é o primeiro jogo de computador, o primeiro
software de entretenimento.”
42
Figura 2 - O jogo Spacewar! criado por Steve Russell, 1960.
Fonte: www.videogamehistorian.wordpress.com/tag/steve-russell/
Já a terceira data, ainda segundo o autor, não é bem certa e é proposta
pelo engenheiro Ralph Baer, o qual é considerado atualmente o pai do conceito de
videogame. Em 1951, Baer teve a ideia de utilizar uma televisão de forma interativa,
com algum tipo de jogo passando na tela. Porém, foi apenas em 1966 que ele
resolveu desenvolver essa ideia e, em pouco tempo, havia criado um aparelho que
tinha a capacidade de gerar um jogo de perseguição, onde dois pequenos pontos
perseguiam um ao outro, conforme mostrado na Figura 3. Em dois anos, Baer criou
jogos simples de pingue-pongue e outros parecidos, como o voleibol e o hockey,
além de conceitos inovadores como a da pistola ótica, o qual podia apontar e atirar
em objetos que passavam na tela.
Figura 3 - O jogo de perseguição criado por Ralph Baer, 1966.
Fonte: www.holodek.com.br/holodek/blog.php?cod_5==0UVxYDVR1TP&entra_no_web1==UmVGl1VR1TP
43
A partir disso, sua criação foi licenciada pela Magnavox4 em 1971 e se
transformou no Odyssey5, motivo que levou Baer a ser conhecido por ser o pai do
conceito do videogame, pois segundo Da Luz (2010, p. 24) “[...] Baer deu forma de
produto de mercado à sua criação e criou o conceito e vídeo game como mídia de
entretenimento na sala de estar.”
Apesar dos diferentes critérios adotados por cada um desses três
criadores, um fator em comum entre eles é a vontade de criar um game interativo
por meio de um vídeo, seja essa ferramenta uma tela de televisão, um osciloscópio
ou um monitor de computador.
3.1 O INÍCIO DA INDÚSTRIA
Atualmente, os games formam uma indústria bilionária que possui
diferentes plataformas para diferentes tipos de jogadores. (MELLO; MASTROCOLA,
2016). Porém, para alcançar esse sucesso de mercado, desde seus primeiros anos,
os games precisaram evoluir continuamente por meio de avanços tecnológicos,
objetivos de desenvolvedores e interesses do consumidor. (LYNCH et al., 2016).
Entretanto, no início da indústria, entre 1970 e 1975, não existiam tantas opções de
consoles e nem tanto público quanto hoje.
Apesar do Odyssey ter sido o primeiro console de videogame a ser
vendido, só ficou no mercado durante os anos de 1971 e 1973, pois não tinha
chamado muito a atenção do público. Foi nessa época, que Nolan Bushnell, um
estudante de engenharia dos Estados Unidos, resolveu criar um game igual ao
Spacewar!, porém, numa máquina dedicada unicamente a rodar o próprio game.
Após ter o protótipo em mãos, Bushnell fez parceria com uma empresa que atuava
no ramo de entretenimento eletrônico, Nutting Associates. Segundo Da Luz (2010), a
parceria foi um fracasso, o que fez Bushnell trocar o nome do seu game para
Computer Space e a criar sua própria empresa em 1972, chamada de Atari. Algum
tempo depois, Bushnell e seu funcionário Al Alcorn, criaram um game estilo pingue-
pongue, batizado de Pong. E foi um sucesso, pois de acordo com Da Luz (2010, p.
28):
[...] a Atari teve que quadruplicar suas instalações e o primeiro videogame de sucesso foi distribuído para todo o mundo, tornando conhecida a nova
4 Popular fabricante de televisores.
5 Primeiro console de videogame a ser comercializado.
44
mídia que virava febre por onde passava. [...] em apenas três meses após seu lançamento já era possível ver clones não autorizados em diversas localidades.
Com seu êxito no Pong, a Atari começou a produzir diversos outros
games, como: o primeiro videogame de corrida de carros do mundo, Gran Trak, o
primeiro videogame de labirinto do mundo, Gotcha, e um jogo de corrida e batalha
espacial, Space Race. Todos esses jogos eram baseados em circuitos discretos e
sua lógica era construída por transistor a transistor, o que fazia com que os gráficos
não fossem bons. Todavia, em 1975, uma empresa americana fabricante de pinballs,
Midway, resolveu entrar para o mercado de videogames e inovar os gráficos com um
microprocessador. E essa inovação influenciou toda a história do videogame, pois o
microprocessador ampliou a capacidade gráfica dos jogos. (DA LUZ, 2010).
Gunfight, um jogo de tiro, foi o primeiro videogame criado com um microprocessador,
conforme na Figura 4.
Figura 4 - Gunfight, 1975.
Fonte: www.arcade-history.com/?n=gun-fight-model-597&page=detail&id=1040
Em 1978, após o mercado dos games sofrer uma queda de vendas, uma
indústria japonesa chamada Taito Corporation, resolveu colocar no mercado o
Space Invaders, primeiro videogame com personagens animados. Além de trazer
um tema novo, o qual era impedir uma invasão alienígena apenas obtendo um
canhão, o jogo criou novos conceitos para os arcades6, pois não tinha um tempo
determinado para o fim. Da Luz (2010, p. 34) acredita que “O lançamento de Space
6 É um aparelho de jogo eletrônico.
45
Invaders marcou o início de uma nova era de jogos criativos e inovadores [...]”. Isso
porque no final dos anos 70 e início dos anos 80, os games elevaram a tensão do
videogame que antes era tão ardente e exaustiva fisicamente.
No início da década de 80, os videogames estavam no seu auge e os
games faziam tanto dinheiro quanto a indústria do cinema.
Uma matéria de capa da revista Time noticiou que os americanos colocaram 20 bilhões de quartos [cinco bilhões de dólares, já que um quarto é 25 centavos] em videogames em 1981 e o “vício do videogame” custou 75.000 homens-ano jogando essas máquinas. O artigo explicava que a indústria do videogame havia ganhado o dobro do dinheiro recebido por todos os cassinos de Nevada juntos, quase o dobro do dinheiro arrecadado pela indústria do cinema, e três vezes o dinheiro que as ligas de beisebol, basquete e futebol americano haviam ganhado. (2001 apud KENT; DA LUZ, 2010, p. 39)
Foi nessa época que nasceu o videogame mais conhecido do mundo: o
Pacman (Figura 5), lançado em 1980 pela empresa Namco. Segundo Da Luz (2010),
Toru Iwatani, o criador do Pacman, estava cansado de games violentos que só
tratavam de guerras e destruição. Por isso, resolveu criar algo que as mulheres
também pudessem jogar e, partindo de um conceito básico, comer, ele criou um
game de perseguição, onde era baseado em um personagem que tinha que
percorrer um labirinto sem ser pego pelos fantasmas que o perseguiam durante todo
o trajeto. Além de ter sido um sucesso, Pacman expandiu os limites da indústria do
videogame, pois foi o primeiro jogo a disponibilizar produtos licenciados.
Figura 5 - Pacman, 1980.
Fonte: www.moma.org/collection/works/164917
46
Após um ano, mais especificamente em 1981, surge o game que salvaria
a empresa Nintendo7 da falência, chamado de Donkey Kong (Figura 6). O jogo era,
basicamente, sobre um gorila que escapava de seu dono, raptava sua namorada e
corria para um prédio em manutenção. O gorila, que era o vilão do jogo, jogava
barris na direção do herói para tentar impedi-lo de chegar até o topo do prédio. O
game só terminava quando o herói derrotasse o gorila e salvasse sua namorada.
Assim como o Pacman, o Donkey Kong causou alvoroço na mídia, apareceu em
programas de televisão e vendeu vários itens licenciados, o que acabou resultando
em uma das maiores franquias de sucesso da Nintendo. (DA LUZ, 2010)
Figura 6 - Capa do jogo Donkey Kong, 1981.
Fonte: www.all3games.com/enquanto-isso-na-suecia-nova-estatua-gigante-do-mario/
Sem nenhum motivo aparente, entre os anos de 1982 e 1985, a indústria
do arcade sofreu uma queda nas vendas, sendo acompanhada também pelo
mercado de consoles domésticos. De acordo com Da Luz (2010), essa queda ficou
conhecida na história como “crash do software” e, além disso, o mercado só voltou a
apresentar uma aquecida nas vendas em 1985 com o lançamento do Super Mario
Bros (Figura 7), da Nintendo. O game apresentava um mundo colorido e divertido,
7 Nintendo é uma empresa japonesa fabricante de games eletrônicos. Ela é considerada uma das
maiores empresas da indústria e também um dos grandes símbolos mundiais devido ao seu sucesso.
47
cheio de desafios e com uma tecnologia diferente dos demais, o chamado side-
scrolling, que é uma plataforma de rolagem que faz com que o game se desenrole
como um pergaminho, com a ação passando da direita para à esquerda. Ainda
segundo o autor, o sucesso do game foi inigualável, pois foi um dos mais vendidos
de toda a história.
Figura 7 - Super Mario Bros, 1985.
Fonte: www.bestoldgames.net/super-mario-bros
Com o passar dos anos, o desenvolvimento dos videogames fez com que
os consoles se tornassem tão bons quanto os computadores de 8 bits com boa
memória, todavia, a qualidade dos gráficos ainda era baixa, permitindo poucas
cores. Foi somente em 1987 que uma empresa japonesa fabricante de
computadores, NEC, resolveu apresentar um videogame de 8 bits com um
processador gráfico de 16 bits, onde permitia uma resolução maior da tela e uma
opção maior de cores.
Em 1989, uma empresa desenvolvedora de software para videogames e
produtora de consoles chamada Sega, começou a criar um sistema poderoso
superior aos dos videogames da época, onde permitia gráficos com mais detalhes e
complexidade. Para o lançamento desse sistema, o Sega Mega Drive, foi feita uma
adaptação de um game que já fazia sucesso nos arcades, Altered Beast (Figura 8).
Com a mudança do processador, era possível notar algumas diferenças, como as
48
expressões faciais e o tamanho dos personagens que apareciam na tela. (DA LUZ,
2010)
Figura 8 - Altered Beast, 1989.
Fonte: www.mobygames.com/game/turbo-grafx/altered-beast/promo/promoImageId,128662
Para desbancar o Mega Drive, a Nintendo lançou em 1990 o Super
Famicom, mais conhecido atualmente como NES, um console que pretendia ser
melhor que o dos concorrentes. O sucesso do lançamento foi tão grande que,
segundo Da Luz (2010, p. 55):
O lançamento do Super Famicom no Japão em novembro de 1990, foi acompanhado de filas em portas de lojas e caos pelas poucas unidades que foram disponibilizadas nesse dia. A confusão foi tão grande que o governo japonês pediu à Nintendo que realizasse seus próximos lançamentos apenas em finais de semana.
Surge então, para acompanhar o sistema, o game Super Mario World
(Figura 9), da Nintendo. As cores eram mais vibrantes, chamativas e o mundo ainda
maior e mais complexo do que os lançamentos anteriores, além de ser mais extenso
se comparado com os outros games da mesma época. Ao total, Super Mario World
oferecia 96 fases, as quais podiam ser finalizadas de várias formas, seguindo
caminhos diferentes e podendo haver segredos entre elas. Segundo Coutinho
(2014) “Super Mario World foi um jogo que uniu gerações de jogadores com idades
diferentes. O jogo podia ser jogado por crianças de todas as idades e sua dificuldade
49
para desbloquear todos os estágios, oferecia um desafio para adolescente e até
adultos.”
Figura 9 - Super Mario World, 1990-1991.
Fonte: www.snesparadise.blogspot.com/2012/03/super-mario-world.html
No final de 1991, a Sega lançou seu Mega-CD, um acessório que permitia
o aumento do poder de processamento do processador, ou seja, enquanto os games
nos cartuchos variavam entre 8 e 16 megabits, no CD eles podiam chegar até 650
megabytes, além de permitir avanços no som e imagens digitalizadas. A Sony
também acabou criando uma unidade de CD independente para concorrer com o
Mega-CD da Sega, o Sony Playstation. Todavia, com a popularização dos
computadores cada vez mais alta, o CD-ROM acabou se tornando uma ameaça
para os videogames, pois nessa época, os computadores vinham equipados com
uma capacidade multimídia capaz de gerar milhares de cores simultâneas, enquanto
o CD ainda não era uma mídia adequada aos videogames por causa de sua
lentidão. (DA LUZ, 2010)
Alguns anos depois, em 1993, é lançado o grande sucesso multimídia dos
computadores e o primeiro CD a vender mais de um milhão de cópias, Myst (Figura
10). O game apresentava cenas detalhadas e consistia em procurar pistas e resolver
quebra-cabeças para passar de fase. As texturas que Myst mostrava eram novidade,
pois a luz era refletida em metal opaco e apareciam até os grãos na madeira e
sombras no decorrer do game. Da Luz (2010) afirma que, apesar da publicidade não
50
ter apresentado nada de especial e a divulgação do game ter sido fraca em seu
lançamento, o Myst foi um dos games responsáveis pelo sucesso dos kits
multimídia, pois os clientes compravam apenas para conseguir jogá-lo.
Figura 10 - Myst, 1993.
Fonte: www.imdb.com/title/tt0158814/mediaviewer/rm1842751232
Ainda na mesma época, outra novidade que revolucionou a indústria foi a
criação de um game em 3D para computador, chamado de Wolfenstein, conforme
mostrado na Figura 11, onde o jogador controlava um soldado em primeira pessoa,
através de um castelo, matando nazistas e o próprio Adolf Hitler. Além da novidade
da ação em 3D, o game proporcionou uma nova experiência ao propor uma
jogabilidade diferente, onde os inimigos ao serem mortos não desapareciam do
chão, mas sim ficavam deitados sangrando. Até então, isso era inédito.
Figura 11 - Wolfenstein 3D, 1993.
Fonte: www.moregameslike.com/wolfenstein-3d/
51
Apesar da evolução do termo multimídia e do CD, o sucesso de 1994 foi
um game de cartucho lançado para o console NES, o Donkey Kong Country (Figura
12). O game possuía uma tecnologia inovadora que permitia uma qualidade gráfica
nunca vista antes em um videogame de 16 bits, além de possuir uma jogabilidade8
perfeita. (DA LUZ, 2010). Os dois personagens jogáveis, DK e Diddy, tinham
personalidade, o ambiente era rico em cores e efeitos visuais, permitindo a
identificação de neblina, chuva e a mudança do dia para a noite. Além disso, entre
as 39 fases disponíveis, era possível encontrar cenas embaixo d’água, com gráficos
detalhados. Esse lançamento foi considerado a salvação do NES de 16 bits, que na
época estava em apuros por causa da rivalidade na indústria dos games.
Figura 12 - Donkey Kong Country, 1994.
Fonte: www.analisedegames.blogspot.com/2010/11/donkey-kong-country.html
Com o lançamento dos consoles Playstation e Nintendo 64, novos
padrões de linguagens gráficas começaram a surgir e, com isso, acabou se
estabelecendo a consolidação do CD como mídia viável para os videogames e o
visual 3D como premissa. Agora, os consoles apresentavam uma arquitetura de 32
bits e alguns traziam controles revolucionários que ajudavam na jogabilidade dos
games, como por exemplo, o Silent Hill (Figura 13) lançado em 1999. Ele
apresentava efeitos especiais e um 3D imersivo, características encontradas em
jogos de microprocessadores de 32 bits.
8 É um termo na indústria de jogos eletrônicos que inclui todas as experiências do jogador.
52
Figura 13 - Silent Hill, 1999.
Fonte: www.afontegeek.wordpress.com/2015/08/17/silent-hill-1999-review-um-game-para-se-jogar-sozinho/
Nessa época, o videogame já havia se transformado em um
entretenimento nas casas de todo o mundo e, foi a partir disso, que a gigante
Microsoft resolveu criar em 2001 sua própria plataforma de videogame baseada na
tecnologia dos computadores, o Xbox. O console possuía um microprocessador de
64 bits que permitia alguns resultados estéticos nos jogos, como: efeito de luz e
sombra, neblina, fumaça em explosões e efeitos de física. De acordo com Da Luz
(2010, p. 110) “[...] as animações se tornaram ainda mais fluidas e a física de
partículas proporcionava uma experiência a mais na jogabilidade. Era possível agora
interagir, indiretamente, com elementos nos jogos.” Halo: Combat Evolved, GTA San
Andreas, Tony Hawk’s Pro Skater 3 e Halo 2 foram considerados alguns dos
melhores games que fizeram sucesso no primeiro console da Microsoft, pois
apresentavam gráficos revolucionários.
Ainda segundo Da Luz (2010), o título God of War (Figura 14) foi um
game de sucesso, lançado em 2005, todavia, para a plataforma Playstation 2, que
também utilizou desses recursos para auxiliar na imersão do game, criando uma
profundidade de campo reduzida que dava a sensação de imensidão ao jogador. Ou
seja, a forma como os níveis foram projetados deram a impressão de um mundo
mais amplo, onde cada local se conectava de alguma forma, e isso acabava
gerando nessa sensação de imersão.
53
Figura 14 - God of War, 2005.
Fonte: www.digitaltrends.com/gaming/the-original-god-of-war-was-an-intellectual-brute/
Da Luz (2010, p. 71) afirma que:
As inovações da geração 32 bits para a geração 128 bits nos consoles, foram puramente de tecnologia, com a indústria buscando os melhores gráficos, o melhor som, a melhor reprodução. Grandes inovações em linguagem e/ou semântica ficaram para a geração seguinte, mas, com o advento da internet e das conexões em banda larga, os vídeo games jogados em computadores ganharam um gênero praticamente só deles, que criou uma linguagem própria e uma nova horda de jogadores: os Online RPGs.
Ou seja, o avanço da informática fez com que os desenvolvedores
criassem universos online, onde jogadores de todo o planeta pudessem interagir e
jogar entre si 24 horas por dia. Aqui, a principal mudança ocorreu nos gráficos dos
games, onde era possível explorar em tempo real mundos tridimensionais. Um
exemplo disso é o World of Warcraft (Figura 15) lançado em 2004, jogo que tinha até
o final de 2007, nove milhões de jogadores registrados. A partir disso, o videogame
chegava em um ponto em que os universos tridimensionais exploráveis eram uma
realidade em games online em tempo real. (DA LUZ, 2010)
54
Figura 15 - World of Warcraft, 2004.
Fonte: www.polygon.com/2018/5/23/17386428/world-of-warcraft-battle-for-azeroth-mount-bfa-auction-house
Em 2006, com o lançamento dos consoles Nintendo Wii e Playstation 3, a
capacidade dos games era de, pelo menos, HD, o que permitia uma linguagem de
realidade fantástica e uma física de partículas com qualidade de cinema. (DA LUZ,
2010). O game Batman Arkham City (Figura 16), lançado em 2011 para a plataforma
Playstation 3, fez parte da 7º geração de videogames e apresentou novas opções de
interface, além de um recurso visual maduro para a época.
Figura 16 - Batman Arkham City, 2011.
Fonte: www.playstation.com/en-us/games/batman-arkham-city-ps3/
55
Mais uma vez, porém, agora entre os anos de 2012 e 2013, surgem
consoles mais avançados em termos de desempenho gráfico, inovadores, com
armazenamento maior e uma configuração mais potente. Com o lançamento do
Nintendo WIIU da Nintendo em 2012, do Playstation 4 da Sony em 2013 e do Xbox
One da Microsoft também no mesmo ano, nasce a 8º geração do videogame,
considerada uma das mais importantes para a evolução das plataformas.
(BARBOSA et al., 2013). A resolução dos games agora apresentada é de 1080p HD,
e é possível ver essa diferença gráfica no Tomb Raider: Definitive Edition (Figura
17), lançado em 2014 para o PlayStation 4 e Xbox One. De acordo com Barros
(2014) “A iluminação, as sombras e os movimentos de elementos do cenário estão
mais reais do que nunca no PlayStation 4. As folhas se mexem, vento, chuva e neve
têm características mais apuradas, e a reação dos cenários a eles também. O jogo
está muito mais bonito [...].” Isto é, os gráficos ficaram mais definidos e bonitos em
comparação com os consoles da geração anterior.
Figura 17 - Tomb Raider: Definitive Edition, 2014.
Fonte: www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/01/tomb-raider-comparacao-entre-ps3-e-ps4-mostra-diferenca-em-graficos.html
Por fim, o lançamento dos consoles Playstation 4 Pro e Xbox One X em
2016, trouxeram para o mercado de games um dos últimos avanços tecnológicos até
o momento, que é a opção de resolução em 4K, ou seja, uma definição quase quatro
vezes maior que o padrão (1080p HD) utilizado nos games das plataformas
anteriores. Isso fez com que as imagens dos mesmos ficassem mais nítidas, com
uma maior variação de cores e mais brilhantes, como por exemplo, no The Witcher
3: Wild Hunt. O site da IGN de Portugal (2017) fez uma comparação entre o game
56
The Witcher 3: Wild Hunt no Playstation 4 e o mesmo game no Playstation 4 Pro, a
fim de mostrar a diferença entre as resoluções das duas plataformas (Figura 18).
Figura 18 - The Witcher 3: Wild Hunt no PS4 e The Witcher 3: Wild Hunt no PS4 Pro.
Fonte: www.pt.ign.com/the-witcher-3/49657/video/the-witcher-3-wild-hunt-comparacao-grafica-ps4-pro-vs-ps4
Com o passar dos anos, a linguagem gráfica dos videogames cresceu e
se transformou em uma mídia cativante e expressiva, capaz de criar uma indústria
que, atualmente, pode se comparar economicamente à do cinema. Além disso, com
seus gráficos minimalistas, o videogame apresentou um novo uso para o vídeo e
para a televisão, ou seja, a interação com uma imagem na tela fez com que os
jogadores pudessem sentir como se estivessem conversando com uma ferramenta,
a qual respondia em tempo real à suas ações. (DA LUZ, 2010). Ainda de acordo com
o autor (2010, p. 137) “Os vídeo games não devem mais ser tratados como
brinquedos e hoje são estudados academicamente como fenômenos culturais e de
comunicação e atuam inclusive como ferramentas educacionais em importantes
programas de pesquisa [...].” Após toda essa evolução, o videogame acabou se
tornando uma mídia poderosa, onde dialoga com várias áreas de conhecimento e
tem seu alcance além de seu suporte físico.
3.2 AS REPRESENTAÇÕES FEMININAS NOS GAMES
Os personagens têm sido um ponto importante para o sucesso de vendas
na maioria dos games atuais. Cada vez mais, os desenvolvedores desse mercado
estão investindo em enredos ricos em histórias bem como na profundidade de seus
57
personagens, com o objetivo de agradar a variedade do público gamer encontrado
atualmente. Hoje, esse público é formado por crianças das mais diversas idades,
homens, mulheres e até idosos. (PERES, 2015). Porém, nem sempre os games e
seus personagens foram criados com o intuito de agradar todo o tipo de público, pois
antigamente o foco era o público masculino, o qual era predominante nesse universo
gamer. Segundo Mendes (2006 apud SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009, p. 43)
“Dos primórdios dos jogos eletrônicos (meados dos anos 1970) até 1996, a
montagem dos personagens dava importância aos personagens centrais
masculinos: o heroísmo era expresso apenas por figuras machistas, viris e com
músculos hipertrofiados.” Como por exemplo, no game lançado em 1991 chamado
de Two Crude Dudes (Figura 19). De tão fortes que os protagonistas eram, eles
conseguiam levantar de tudo, desde placas e pedras até veículos em chamas.
(LEMES, 2012)
Figura 19 - Two Crude Dudes, 1991.
Fonte: www.podflix.com.br/fliperamadeboteco/fliperama-de-boteco-36-beat-em-up-obscuros
Isso ocorria com frequência porque os desenvolvedores dos games eram
todos homens, pois de acordo com Matsuura (2014):
O universo dos videogames tem um passado machista. Nos estúdios, eram
homens fazendo jogos para homens jogarem. Isso pedia, de uma maneira
não preconceituosa, personagens masculinos, jogos de batalhas com certo
grau de violência.
58
Isso impedia, de certa forma, que esses desenvolvedores criassem
personagens femininas fortes e independentes, que tivessem um papel relevante
para a história do game ao invés de serem somente um artefato masculino no
decorrer do mesmo. As personagens femininas nos games, para Fortim e Monteiro
(2013, p. 246) “Seguem praticamente a mesma história: no início, eram
representadas como ingênuas, de inteligência limitada e submissas aos homens.”
Exemplo disso é a princesa Peach, personagem participante da famosa franquia
considerada ícone da Nintendo, conhecida por Super Mario Bros.
Com quase 40 anos de história, Mario é o protagonista da franquia Super
Mario Bros, criada por Shigeru Miyamoto9 em 1985. Todavia, foi em 1981 em que
Mario apareceu pela primeira vez como coadjuvante em um game chamado de
Donkey Kong (Figura 20), criado também por Miyamoto, onde tentava salvar a sua
namorada indefesa, Pauline, das garras de um gorila gigante.
Figura 20 - Donkey Kong, 1981.
Fonte: www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/09/super-mario-veja-maiores-curiosidades-sobre-famosa-franquia.html
Durante quase toda a franquia de Super Mario Bros (Figura 21), o
protagonista tenta salvar Peach, princesa do Reino dos Cogumelos, das garras do
vilão Bowser, pois ela está sempre em apuros e sendo sequestrada pelo mesmo.
Segundo Tanan (2017) “Na maioria dos jogos da franquia ela faz o papel da donzela
em perigo, pois é sempre raptada ou posta em perigo.” Em 14 games da franquia em 9 Shigeru Miyamoto é um famoso designer e produtor de games eletrônicos japonês, conhecido por
ser o criador de algumas das mais bem sucedidas franquias de games eletrônicos de todos os tempos.
59
que a princesa aparece, ela é raptada em 13. Ou seja, Mario é considerado o herói
do jogo enquanto Peach é vista apenas como uma donzela em perigo, aguardando
para ser salva. O game só termina quando Mario consegue derrotar Bowser e salvar
por definitivo a princesa.
Figura 21 - Super Mario Bros, 1985.
Fonte: www.gamelab.mit.edu/making-good-things-some-comments-on-independent-games/gameover/
De acordo com Myss (2013), o arquétipo de “donzela em perigo” é antigo
e classifica a mulher como bonita e vulnerável, que precisa ser resgatada pelo herói
caso venha a ser sequestrada ou fique em apuros. Geralmente, em videogames, o
termo “donzela em perigo” é um recurso de enredo em que uma personagem
feminina é colocada em situação de perigo do qual não pode escapar sozinha,
sendo necessário ser resgatada por um personagem masculino, sendo esse, na
maioria das vezes, o objetivo central do protagonista do game. E isso faz com que
as personagens femininas presentes no enredo sejam classificadas somente como
um prêmio a conquistar, um tesouro a encontrar ou um objeto a se alcançar.
(SARKEESIAN, 2013). Segundo Fortim e Monteiro (2013, p. 246):
As personagens podem ser classificadas como princesas ou velhas sábias
nos jogos de fantasia; objetos esperando o resgate masculino; mulheres
fetichistas feitas para o olhar masculino ou repetição dos estereótipos das
habilidades femininas e suas características.
60
Dando continuidade a mesma linha de personagem intitulada de donzela,
em 1986 é lançado o game The Legend Of Zelda (Figura 22), o primeiro da franquia
e que continua sendo um sucesso atualmente. Na história, o protagonista e herói
chamado Link precisa proteger e salvar o reino de Hyrule e a relíquia deixada pelas
Deusas criadoras do mundo. Durante aproximadamente os 12 games e abrangendo
um percurso de mais de 25 anos, a princesa Zelda é raptada, amaldiçoada,
possuída e transformada em pedra em quase todos os games da franquia. Além
disso, Zelda nunca foi a protagonista da aventura, muito menos uma personagem
jogável na série principal, porém, se comparada à personagem Peach comentada
anteriormente, ela desempenha um papel um pouco mais ativo no game. Ou seja,
em alguns games posteriores, ela percorre o enredo como donzela e também como
ajudante, facilitando a aventura do protagonista. Entretanto, isso não fez com que a
mesma ganhasse uma posição de destaque dentro do game, uma vez que ela
continuou desempenhando apenas um papel de objeto de ajuda para o herói.
Sarkeesian (2013) acredita que algumas personagens “[...] são criadas para serem
objetos especiais, e são frequentemente programas com pouca interação, como
objetos sexuais para serem usadas e abusadas.”
Figura 22 - The Legend Of Zelda, 1991.
Fonte: www.strategywiki.org/wiki/The_Legend_of_Zelda:_A_Link_to_the_Past/
De acordo com Sarkeesian (2013), se for comparado o papel de donzela
em perigo com o arquétipo do herói, a diferença entre um e outro é grande. Quando
o personagem masculino é raptado ou machucado de alguma forma, ele consegue
61
arquitetar a sua própria fuga sozinho, utilizando a força e a inteligência. Por outro
lado, a personagem feminina que é classificada como donzela é mostrada como
incapaz de escapar do problema por conta própria, precisando sempre da ajuda de
um personagem masculino para sobreviver.
Avançando um pouco mais no tempo, agora em 1999 e seguindo com o
mesmo padrão anterior, uma empresa de design de games chamada Rare, criou um
título original para a plataforma Nintendo 64, Planet Dinosaur. O game apresentava
uma protagonista de 16 anos chamada Krystal (Figura 23), forte e heróica, onde seu
objetivo era lutar contra monstros usando seu bastão mágico e salvar o mundo.
Figura 23 - Krystal em Planet Dinosaur, 1999.
Fonte: www.dinosaurplanet.wikia.com/wiki/Krystal
Porém, o game nunca foi lançado, pois o designer de games, Shigeru
Miyamoto, resolveu colocá-lo como continuação da sua franquia de sucesso
chamada Star Fox. Então, os desenvolvedores reescreveram e refizeram o design
do game, lançando-o em 2002 com o nome de Star Fox Adventures. Na versão
reformulada, Krystal (Figura 24), que antes era a protagonista, acabou sendo
transformada em donzela em perigo, passando a maior parte do game trancada em
uma prisão, esperando ser salva pelo protagonista. Além da incapacidade de se
salvar sozinha, Krystal ganhou uma roupa menor e mais sexualizada, outro fator
utilizado pelos desenvolvedores dos games para chamar a atenção do público
62
masculino. Portanto, a história de como Krystal passou de protagonista de sua
própria aventura para uma personagem passiva no game de outra pessoa, ilustra
como o arquétipo de donzela em perigo rouba das personagens femininas a chance
de serem heroínas de sua própria história. (SARKEESIAN, 2013).
Figura 24 - Krystal aprisionada em Star Fox Adventures, 2002.
Fonte: www.starfox.wikia.com/wiki/File:Screenshots.Adventures.33.FireYoshi5.jpg
A partir disso, forma-se um padrão que era utilizado na década de 90 e
que ainda persiste nos dias atuais, porém, com menos intensidade, onde os
personagens masculinos aparecem como heróis e protagonistas dos games
enquanto as personagens femininas são apresentadas como frágeis, indefesas e a
espera por alguém que as salve. (SARKEESIAN, 2013).
Além do arquétipo de donzela em perigo, existe outra forma utilizada
pelos desenvolvedores para representar a mulher dentro dos games, que é pelo
meio da sexualização da personagem, ou seja, a forma como seu corpo é criado e
mostrado através das roupas. Embora tenham surgido mais games que optaram por
inserir personagens femininas em suas histórias, a imagem que algumas
representam ainda é sexualizada. Segundo Lynch et al. (2016), em comparação com
os personagens masculinos, os games com personagens femininas apresentam com
mais frequência roupas que as deixam parcialmente nuas ou vestidas
inadequadamente para o gênero do game.
É o caso da famosa protagonista Lara Croft (Figura 25) da franquia Tomb
Raider nos primeiros lançamentos do game. Somando mais de 20 anos de
existência, lançado pela primeira vez em 1996 e tendo como seu último lançamento
no ano de 2015, a saga Tomb Raider é considerada uma das mais tradicionais dos
games. Lynch et al. (2016) acreditam que o lançamento de Lara Croft em 1996 pode
ter servido como um catalisador para os desenvolvedores de videogames criarem
63
mais personagens femininas sexualizadas como uma estratégia de vendas para
atrair jogadores masculinos. Com gênero de ação-aventura, Tomb Raider apresenta
uma arqueóloga chamada Lara Croft que busca por relíquias, artefatos e tesouros
escondidos pelo mundo. Segundo Romano (2018), quando Tomb Raider apareceu
pela primeira vez, logo seguido por Tomb Raider II um ano depois, a protagonista
Lara Croft foi criticada por ser apenas mais uma personagem com “seios grandes”.
“Com seus “seios poligonais” e voz rouca, era difícil para alguns críticos vê-la
representando mais do que uma fantasia sexual digitalizada.” (ROMANO, 2018).
Foram poucas as alterações visuais que Lara Croft sofreu até o lançamento do
reboot em 2013, onde a real mudança começava a acontecer.
Figura 25 - Lara Croft em algumas franquias de Tomb Raider.
Fonte: www.pinterest.co.uk/pin/49258189644734879/
Outra personagem feminina que se encaixa no perfil sexualizado citado
anteriormente, é a personagem Samus em sua aparição no game Super Smash
Bros10 da Nintendo, conforme mostrado abaixo na Figura 26.
10
Super Smash Bros é um game de luta desenvolvido pela HAL Laboratory e publicado pela Nintendo para a plataforma Nintendo 64.
64
Figura 26 - Samus em Super Smash Bros, 2008.
Fonte: www.garotasgeeks.com/nova-roupa-de-samus-e-a-sexualizacao-nos-games/
Por se tratar de um game de luta, nada mais coerente do que a
personagem utilizar uma armadura para se proteger, porém, a mesma aparece com
uma roupa curta, aparentemente feita de pano, ousada e sem sentido para o gênero
do game.
"A sexualidade e a atratividade física são partes importantes da identidade feminina, e muitas mulheres e homens gostam de jogar com personagens sexy contanto que o contexto faça sentido. Mas quando você tem um personagem masculino de armadura e uma feminina de biquíni lutando lado a lado, é difícil para as mulheres não se sentirem trivializadas e objetificadas". (REDAÇÃO CANALTECH, 2016)
Com a personagem Jade (Figura 27) da franquia Mortal Kombat11 não é
diferente. Jade apareceu pela primeira vez em Mortal Kombat II como uma
personagem secreta a ser desbloqueada caso o jogador conseguisse realizar uma
série de especificações. Mas foi apenas no Ultimate Mortal Kombat III em que Jade
virou uma personagem jogável. Na história, a personagem é apresentada como uma
assassina de elite, treinada para matar inimigos e ajudar sua melhor amiga. Todavia,
não é sua história que a faz atraente. De acordo com Pessoa (2013), Jade se
destaca por sua representação sexualizada excessiva e trajes sumários quase
inexistentes dentro do game.
11
Mortal Kombat é uma série de jogos criados pelo estúdio de Chicago da Midway Games. A franquia é conhecida pelos altos níveis de violência, incluindo especificamente as Fatalidades, que são os movimentos finalizadores, onde requerem uma sequência de botões para serem executadas.
65
Figura 27 - Jade em Mortal Kombat 9, 2011.
Fonte: www.fanpop.com/clubs/the-ladies-of-mortal-kombat/images/25628921/title/jade-screencap
Segundo Lynch et al. (2016), ao longo dos anos 90 e início dos anos
2000, a indústria introduziu personagens femininas mais sexualizadas do que em
outros períodos, pois os avanços tecnológicos contribuíram para a criação de
personagens em 3D de alta resolução para a época. Entretanto, novas pesquisas de
mercado estão mostrando o começo de uma nova tendência na indústria gamer. A
forte presença das mulheres no universo dos games representou em 2017, segundo
uma pesquisa feita pela Pesquisa Game Brasil (PGB), que traça o perfil do jogador
brasileiro, 53,6% no total de jogadores do país. (DO UOL, 2016). Já numa pesquisa
mais recente, feita pela mesma empresa nos meses de fevereiro e março de 2018,
essa porcentagem cresceu para 58,9%, ou seja, atualmente, as mulheres
representam o maior público gamer do Brasil. (REDAÇÃO GALILEU, 2018). Esse
crescimento é resultante de uma decrescente sexualização da mulher nos games
pois, de acordo com uma pesquisa feita pela Universidade de Indiana, nos EUA,
mostra que o nível de sexualização de personagens femininas encontrados em
games tem caído muito na última década, desde 2006. (DO UOL, 2016).
Isso significa que, conforme Souza, Camurugy e Alves (2009, p. 43) “As
personagens começam a ficar mais “poderosas” quebrando o paradigma de
mulheres frágeis e tornam-se as heroínas. Heroínas destemidas que além de
possuírem inteligência e beleza, também possuem força e agilidade [...]” Ou seja, a
nova geração de personagens femininas apresenta mais diversidade, menos
66
sexualização, aparecem como personagens principais, desempenham papéis de
heroínas e até mesmo papéis importantes no enredo.
3.3 O PROTAGONISMO FEMININO NOS GAMES
“A partir da época em que a sociedade era patriarcal, foi criando-se uma
imagem de que a mulher deveria ficar cuidando da casa, enquanto o homem caçava
e trazia proventos [...] Esse estereótipo existente não foi diferente com o surgimento
dos jogos.” (SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009, p. 44). Segundo Lynch et al.
(2016), os primeiros anos da indústria de videogames perpetuaram a diferença de
gêneros no mercado de consoles, todavia, o interesse atual e crescente das
mulheres nesse universo está fazendo com que o conteúdo dos games seja
influenciado de várias formas positivas. Ainda de acordo com as autoras, os
videogames agora apresentam mais personagens femininas jogáveis e com
características positivas, de fato importantes para o desenvolvimento da história.
Entretanto, na década de 80 e 90, poucas foram as personagens femininas não
estereotipadas nos games, e essas são lembradas até hoje não por seus corpos
esculturais, e sim por terem se desenvolvido na história e se destacado em seus
papéis principais no enredo.
Samus Aran (Figura 28) foi uma das primeiras personagens femininas a
conquistar o seu protagonismo nos games, e isso aconteceu em 1986 com a estreia
da famosa franquia de games da plataforma Nintendo chamada de Metroid. Na
história, Samus Aran é uma caçadora de recompensas que vive em uma galáxia
futurística que foi destruída por invasores inimigos. Com seu planeta destruído e
sendo a única sobrevivente da sua espécie, Samus acaba sendo adotada por uma
raça alienígena que a treina para se tornar uma guerreira. Vasconcellos (2016)
acredita que “em uma época em que a maioria dos protagonistas eram masculinos,
o primeiro título da franquia conquistou o público e criou uma legião de fãs – não
apenas do jogo mas também da própria Samus.” Por causa de sua armadura que
escondia todo seu corpo e rosto, Samus era frequentemente confundida com um
personagem masculino por conta de sua força e pela ênfase em heróis masculinos
nos games eletrônicos nessa época. (SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009).
Inclusive, no próprio manual do game, Samus era tratada com pronomes masculinos
e descreviam sua personalidade como “cheia de mistérios”. Os jogadores acabavam
descobrindo que ela era uma mulher apenas no final do game, quando a mesma
67
aparecia sem parte de sua armadura, revelando seu rosto e os cabelos compridos.
Esse foi um momento importante para a história dos videogames, principalmente
para as jogadoras, pois nessa época, quase todos os protagonistas eram
masculinos. Conforme Vasconcellos, quando o game foi lançado, a probabilidade de
uma mulher fazer parte do papel principal de um game era quase impossível, por
isso os jogadores nem cogitavam na possibilidade de Samus ser uma personagem
feminina. Metroid se destacou por ser um exemplo de game que permitia múltiplos
finais alternativos, que desbloqueava habilidades da protagonista e contabilizava os
desempenhos do jogador.
Figura 28 - Samus em Metroid, 1986.
Fonte: www.lgbtqgamearchive.com/2015/09/04/samus-aran-in-metroid/
Outra personagem conhecida por seus talentos profissionais, por suas
convicções altruístas e por seus laços com os amigos é a protagonista do game de
gênero ação em terceira pessoa chamado Beyond Good & Evil, Jade (Figura 29).
Lançado em 2003, o game conta a história de uma fotógrafa valente que tem como
objetivo acabar com uma conspiração entre extraterrestres e o governo corrupto.
Como membro de uma organização da resistência, Jade usa seu talento de fotógrafa
para reunir provas que incriminam o governo de sequestrar moradores da cidade e
utiliza suas habilidades para salvar as vítimas sequestradas. A partir do primeiro
momento em que Jade aparece no game, já é possível identificar que a mesma
representa uma jovem responsável e ativa, ou seja, que tem um trabalho a fazer,
pois a sua narrativa e suas ações mostram isso desde o início. (SARKEESIAN,
2013). Os desenvolvedores do game criaram Jade como uma personagem feminina
independente, sem ser designada a cumprir os desejos de ninguém tanto fora
quanto dentro do enredo, além disso, ela não precisa ser resgatada e nem salva por
68
alguém em momento algum. Suas roupas são confortáveis e práticas, uma vez que
a personagem precisa realizar vários saltos e movimentos de luta para se proteger
dos inimigos. Entretanto, apesar da protagonista demonstrar habilidades e uma
personalidade forte, ela não cai no clichê de “personagem feminina forte como um
homem”, que resolve tudo na base da violência bruta. Ela é motivada pela
necessidade de ajudar sua família e seu mundo e, diferente de outros personagens,
conserva seu lado amável e humano durante todo o objetivo, escolhendo não
castigar fisicamente seus inimigos.
Figura 29 - Jade em Beyond Good & Evil, 2003.
Fonte: www.poptardsgo.com/?p=1846
De acordo com Souza, Camurugy e Alves (2009, p. 43):
Os tempos mudaram, e agora a presença do público feminino tem sido notada, e também faz parte da estatística de jogadores em todo o mundo. A imersão de jovem, adulto e criança nesta mídia foi intensificando e as empresas começaram a buscar alcançar todos os gêneros, com jogos que atraíssem vários públicos, não somente o do sexo masculino como era de costume [...]
Exemplo disso é o Mirror’s Edge, um game de ação lançado em 2008 que
apresenta como personagem principal uma mulher forte que luta contra um regime
totalitário controlado pelo governo. Na história, a protagonista Faith (Figura 30) é
uma corredora e lutadora de artes marciais talentosa que possui perfeitas
habilidades atléticas e um grande conhecimento dos bairros da cidade de Glass.
69
Seu passado no game é retratado como problemático, pois quando tinha apenas 7
anos presenciou a morte de toda a sua família que participava de um protesto
pacífico contra uma corporativa. Cansada de ter que viver em um mundo onde a
liberdade de expressão era proibida e a mídia controlada pelo rígido governo, a
protagonista resolve entrar para um grupo de corredores rebeldes chamados de
Runners e utiliza toda a sua habilidade e agilidade para entregar mensagens
proibidas sem que o governo perceba, isso tudo através da corrida e do parkour12.
(STACHI, 2011). Quanto ao seu estilo, ainda segundo Fonseca (2013, p. 66) “Possui
cabelo curto, pinturas no rosto e corpo, traduzindo uma mulher independente e
revoltada, que não se importa com valores como sensualidade e feminilidade.” Além
disso, suas roupas são parecidas com as usadas por pessoas que praticam esportes
radicais, pois são confortáveis e não mostram as curvas do corpo. Apesar de não ter
feito muito sucesso no mercado, Faith é um exemplo de protagonista jovem e
independente.
Figura 30 - Faith em Mirror’s Edge, 2008.
Fonte: www.beagamecharacter.com/2013/05/01/the-faith-workout/
12
Parkour é uma disciplina física de origem francesa, em que o participante sobrepõe obstáculos de modo mais rápido e direto possível, utilizando-se de diversas técnicas como saltos, rolamentos e escaladas.
70
Entretanto, em 2012, uma empresa especializada em games, a Design e
Pesquisa de Entretenimento Eletrônico (EEDAR), analisou 669 títulos com
protagonistas de ambos os sexos e constatou que somente 24 deles apresentavam
mulheres como protagonistas. Embora existam exceções, a indústria ainda estava
focada em criar protagonistas masculinos.
Em 2013, é lançado um game que foi importante para a história dos jogos
digitais, que teve uma considerável repercussão mundial e que mostrou uma grande
mudança positiva na construção da personagem, o chamado Tomb Raider.
(FONSECA, 2013). Durante os 22 anos de existência do game, a protagonista Lara
Croft sofreu inúmeras alterações visuais e gráficas. Porém, foi só a partir do Tomb
Raider lançado em 2013 que a desenvolvedora resolveu criar uma versão da Lara
Croft (Figura 31) realista, deixando finalmente de lado os exageros anatômicos.
Além de seu aspecto físico, as vestimentas também sofreram uma principal
mudança, essas que se mostravam mais discretas e de acordo com o gênero de
aventura do game. Quanto às mudanças gerais da protagonista, segundo Borges
(2013):
Esqueça tudo o que você conhece sobre Tomb Raider, principalmente aqueles momentos em que Lara desfilava em seu iate super equipado ou esbanjava riqueza ao andar de triciclo no jardim de sua mansão. Aqui você controla uma jovem desesperada em busca de um único objetivo: sobreviver. Esqueça também o sarcasmo e a frieza que a heroína apresentou ao longo de dezenas de títulos. Dessa vez Lara é inexperiente e acaba sendo guiada pelo instinto de sobrevivência.
Figura 31 - Lara Croft no reboot de Tomb Raider, 2013.
Fonte: www.spotern.com/en/spot/movie/tomb-raider-reboot/64625/the-ice-axe-of-lara-croft-in-tomb-raider-2013
71
De acordo com Lynch et al. (2016, p. 11) “Se o primeiro Tomb Raider
pode ter sido causa para a tendência de sexualização das personagens femininas
na década de 90, devido ao seu sucesso, o reboot de 2013 é a redenção da série,
que traz uma Lara Croft muito mais humanizada.” A partir disso, a atenção do
público deixava de ser física e passava a ser focada nas habilidades da
protagonista. (GOMES, 2018). Agora, no game mais recente da franquia, Rise of the
Tomb Raider lançado em 2015, Lara Croft (Figura 32) se apresenta mais experiente
e madura, pois suas habilidades estão mais avançadas. Com isso, o game atual
mostrou que fez uma continuação do anterior, apresentando a evolução das
habilidades da protagonista com o passar dos anos, a deixando mais forte e
inteligente. (TEIXEIRA, 2015)
Figura 32 - Lara Croft em Rise of the Tomb Raider, 2015.
Fonte: www.techtudo.com.br/review/rise-tomb-raider.html
The Last of Us13 foi um game que, de acordo com Thees (2017), sofreu
inúmeras críticas por parte de executivos, pois na maioria das artes criadas que
serviria para a divulgação do game, o destaque era maior na protagonista Ellie, e
não no também protagonista Joel, como mostrado na Figura 33. Essa pressão
aconteceu porque os executivos acreditavam que uma menina na capa poderia
prejudicar as vendas. Todavia, além da produtora negar o pedido, fez questão que
mulheres participassem da sua equipe de testes. Ainda de acordo com o autor, o
13
The Last of Us é um game de gênero ação-aventura e sobrevivência lançado em 2013 e desenvolvido pela Naughty Dog e publicado pela Sony Computer Entertainment.
72
game ganhou mais de 200 prêmios de Jogo do Ano e vendeu mais de 1,3 milhões
de cópias em apenas uma semana, um sucesso de vendas.
Figura 33 - Ellie e Joel em The Last of Us, 2013.
Fonte: www.techtudo.com.br/listas/2017/11/the-last-of-us-veja-10-curiosidades-sobre-o-game.ghtml
Quanto à jovem protagonista Ellie (Figura 34), ela é um exemplo de
personagem que se destaca por ser corajosa. Apesar de não ser a única
protagonista do game, seu papel é crucial para o desenrolar da história. Desde nova,
ela precisa sobreviver a um mundo apocalíptico e dominado pelo caos. Após uma
contaminação em massa destruir e transformar quase todos os seres humanos em
zumbis, os protagonistas Ellie e Joel se unem para encontrar a cura da infecção.
(DEMARTINI, 2017). Segundo a visão de Gasi (2017), o instinto de sobrevivência é
tão grande que “Matar não é mais um problema. Os mais fracos vivem escondidos e
acuados, enquanto os mais fortes impõem sua supremacia pela violência.” Durante
quase todo o game, ambos os protagonistas enfrentam e tentam se esconder tanto
dos infectados quanto dos próprios seres humanos, onde muitas vezes se mostram
mais perigosos que os outros. Sobre a personalidade de Ellie, Gasi (2017) ainda
acredita que “Ellie pode ser muitas coisas simultaneamente: uma assassina, uma
menina amedrontada, uma guerreira protetora, uma garota maravilhada com a
natureza, uma piadista.” Isto é, apesar da protagonista ser forte e lutar contra seus
inimigos, ela ainda apresenta momentos de humanidade em meio a destruição, pois
continua sendo apenas uma criança com uma responsabilidade grande dentro do
game.
73
Figura 34 - Ellie em The Last Of Us, 2013.
Fonte: www.residentevildatabase.com/entrevista-com-luiza-caspary-voz-de-ellie-em-the-last-of-us/
Alien: Isolation é um game de suspense lançado em 2014 muito
conhecido por ter sua criação inspirada na famosa série de filmes “Alien”. Na
história, a protagonista Amanda Ripley (Figura 35) aproveita uma oportunidade para
ir em busca de pistas do desaparecimento de sua mãe, Ellen Ripley, e embarca em
uma estação espacial chamada Sevastopol. Após o plano dar errado e sem
nenhuma arma para se defender, Ripley tem como objetivo principal encontrar um
jeito de escapar da estação com vida, tentando evitar ao máximo se encontrar com o
invasor inimigo: o Alien. Possuindo apenas alguns equipamentos encontrados no
decorrer do cenário, a protagonista é obrigada a utilizar sua inteligência e todo seu
conhecido em engenharia para usar os materiais disponíveis na estação e
sobreviver. (CARVALHO, 2014). De acordo com Gasi (2017) “É uma mudança que
traz diversidade para os games inspirados pela franquia.” O fato da personagem
principal exercer uma profissão de impacto dentro do game e ser determinada,
mostra como existe uma evolução na criação e desenvolvimento das personagens
femininas, onde é cada vez mais frequente encontrar um game com a proposta de
protagonistas femininas fortes, heróicas e corajosas. (GUTIERREZ, 2017).
74
Figura 35 - Amanda Ripley em Alien: Isolation, 2014.
Fonte: www.alienanthology.wikia.com/wiki/Amanda_Ripley
Em 2016, as mulheres já ultrapassavam o público masculino,
representando 52,6% do público gamer no Brasil, segundo uma pesquisa feita pela
Game Brasil 2016. Com essa diversidade de consumidores, a indústria dos games
começou a investir ainda mais em games com protagonistas femininas fortes e
heroícas. (LYNCH, 2016). Nesse caso, como exemplo, Senua (Figura 36), a
protagonista do Hellblade: Senua's Sacrifice. Ela é uma personagem poderosa que
apresenta uma força de vontade interna fora do comum e um desafio de superação
muito forte. Lançado em 2017, com foco na cultura viking e no desenvolvimento dos
personagens, o game conta a história de Senua, uma guerreira celta que, após ter o
seu povo destruído por uma terrível invasão viking inimiga, fica traumatizada e
começa a desenvolver psicoses, isto é, começa a ouvir vozes e a ver uma realidade
distorcida, fruto de sua imaginação. Tendo como objetivo central encarar seus
medos para ter um pouco de sanidade, a protagonista acaba embarcando em uma
aventura sombria, em direção a um submundo infernal, onde precisa enfrentar vários
inimigos em combates mortais. (VINHA, 2017). Entretanto, ainda de acordo com
Vinha (2017), o game é tão focado nos distúrbios da mente da protagonista, que faz
questão que “o jogador seja lembrado que os maiores inimigos não são aqueles que
75
estão em sua frente durante um combate, mas sim os que moram em sua cabeça.”
Ou seja, além de ter que enfrentar os inimigos em sua realidade, Senua precisa ser
forte o suficiente para compreender o que é real e o que é apenas obra de sua
mente instável.
Figura 36 - Senua em Hellblade: Senua's Sacrifice, 2017.
Fonte: www.pstrophies.com.br/hellblade-senuas-sacrifice-ganha-novo-trailer-sombrio/
Após uma apresentação breve dessas protagonistas é possível entender
que, com base em Fonseca (2013, p. 48) “no século XXI, percebe-se que o número
de personagens e protagonistas femininos aumenta. Aumenta também o trabalho
em cima das características pessoais das personagens e sua autonomia perante a
figura masculina.”
Com o crescimento do público feminino no universo dos games, cada vez
é mais frequente encontrar personagens femininas fortes e heróicas, livres de
estereótipos onde a mulher é dita como frágil e dependente. Além disso, a tendência
de diminuição da sexualização na criação das personagens femininas provou ser
promissora para o surgimento de uma cultura de games igualitários para todos, pois
uma vez que games com protagonistas femininas começaram a ser lançados, mais
mulheres começaram a entrar na indústria e adquirir produtos. (LYNCH, 2016)
76
4 ANÁLISE
A análise apresentada a seguir está dividida em quatro partes.
Primeiramente, será apresentada brevemente algumas informações sobre o game
Horizon Zero Dawn e, em seguida, a história do game, com ênfase nos primeiros
momentos de jogabilidade. A segunda parte será composta pelo perfil arquetípico da
protagonista Aloy, com base em três autores diferentes, sendo eles: Mark e Pearson
(2001), Myss (2013) e Lynn (2012). Foi escolhido um arquétipo de cada autor para
identificar os arquétipos presentes na protagonista, todos diferentes um do outro,
manifestados no início do game até a cena da Provação, onde a personalidade de
Aloy é formada. Num terceiro momento, será explicado o perfil arquetípico de Aloy
no contexto do feminismo, fazendo uma breve comparação com o conceito de
feminismo. A última e quarta parte, será mostrada uma linha do tempo, que servirá
como apoio para entender melhor a relação entre o perfil arquetípico e as
personagens femininas de games no contexto do feminismo.
4.1 HORIZON ZERO DAWN
Horizon Zero Dawn é um game de gênero ação lançado em fevereiro de
2017. Desenvolvido pela Guerrilla Games e publicado pela Sony Interactive
Entertainment unicamente para o PlayStation 4, é um game de mundo aberto
ambientado em um novo tipo de cenário pós-apocalíptico com uma história
interessante, personagens memoráveis e uma ambientação incrível. Somando mais
de 7,6 milhões de unidades vendidas em apenas um ano, Horizon Zero Dawn
ocupa, atualmente, o primeiro lugar de games que mais fizeram sucesso criados por
um estúdio da Sony para a plataforma PlayStation 4. Além de ser um grande
sucesso de vendas, o game faturou em fevereiro de 2018 dois prêmios na 21º
edição do D.I.C.E. Awards14, um que avaliava o desempenho técnico e o outro a
história.
Considerado pelos críticos um dos melhores games do ano e um dos
mais bem-sucedidos comercialmente, Horizon Zero Dawn apresenta uma premissa
bastante incomum, pois quebra estereótipos culturais relacionados à representação
feminina nos games, uma vez que é uma jovem mulher que assume o papel de 14
É uma premiação americana que reconhece os melhores videogames do ano: jogos de console, jogos de computador, entretenimento online, pessoas e equipes que participaram do desenvolvimento do game.
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protagonista heroica que luta bravamente contra criaturas robóticas para sobreviver
e encontrar respostas. Além disso, os papéis de gênero apresentados aqui não se
desenvolvem ao longo das linhas patriarcais, ou seja, pessoas de diferentes etnias,
principalmente mulheres, podem assumir qualquer profissão e prosperar, seja ela
uma chefe de guerra, caçadora ou simplesmente mulheres que assumem posições
de poder e autoridade, como as Matriarcas, por exemplo. Em uma entrevista feita
pelo Polygon, um site de notícias espanhol, o diretor executivo da Sony Interactive
Entertainment, Shuhei Yoshida, admitiu ter se sentido nervoso no lançamento do
game, pois segundo ele, toda a equipe tinha dúvidas quanto a reação do público em
relação a protagonista principal ser uma mulher, uma heroína pouco convencional.
Essa dúvida referente a Aloy surgiu ainda no desenvolvimento do game, mais
especificamente na criação da personagem. Em um vídeo liberado pela Sony, a
desenvolvedora Guerrilla Game afirmou que “No começo do projeto não sabíamos
exatamente quais seriam as regras do mundo, então entre esses pilares, Aloy tinha
que ser uma personagem muito ágil e fluida, e a mecânica de combate, além do
sistema furtivo, tinham de ser perfeitos". A partir dessa ideia e de muito estudo,
nasceu a protagonista Aloy, uma jovem mulher extremamente forte, bem
desenvolvida, inteligente, carismática e que seria o novo mascote da Guerrilla
Games.
4.2 HISTÓRIA
O game se passa em um futuro pós-apocalíptico, aproximadamente mil
anos após uma grande guerra misteriosa entre os humanos acabar com quase toda
a humanidade, onde o verde da natureza domina o mundo e máquinas hostis
gigantescas vagam livremente pela paisagem sem o controle dos humanos. Em
Horizon Zero Dawn, várias tribos de diferentes etnias compartilham de diferentes
tradições, pensam e vivem de maneira completamente oposta uma das outras, onde
uns acreditam em religião e outros na ciência, uns são mais evoluídos
tecnologicamente e culturalmente do que outros, onde a tecnologia abandonada
pela civilização anterior causa certa estranheza para alguns e curiosidade por parte
de outros que ali vivem. Entre as principais tribos existentes, está a tribo a qual Aloy
foi exilada, Nora. Eles são como uma típica tribo nativa que tira seu sustento da
natureza, onde os habitantes são treinados desde jovens a irem em busca de
recursos e a caçarem máquinas para sua própria sobrevivência. São totalmente
78
primitivos, pois repudiam qualquer tentativa de evolução e usam equipamentos
arcaicos, como a lança e o arco e flecha. Os demais membros da tribo Nora são
liderados por anciãs conhecidas por Matriarcas e todos acreditam em uma Deusa
chamada Mãe-de-Todos, aquela que criou tudo o que existe na Terra.
A história começa com um homem chamado Rost e um bebê de apenas 6
meses (Figura 37), sem nome, indo para uma espécie de ritual. Normalmente, nesse
ritual, o bebê teria o seu nome escolhido pela sua mãe e sua tribo estaria presente
juntamente com as Matriarcas, porém, Rost diz ao bebê que ela não tem mãe, nem
pai, e que ambos são exilados da tribo chamada Nora, portanto, precisariam seguir
com o ritual sozinhos. Durante o trajeto, Rost explica um pouco sobre a história do
lugar e algumas das tradições das tribos que ali vivem, bem como o motivo que
acredita que levou a extinção da maioria dos humanos na Terra. Chegando ao local
onde as tribos antigas faziam uma espécie de batismo, a bebê é apresentada a
natureza e tem seu nome abençoado às escondidas por uma Grande Matriarca, a
Teersa, a qual resolve ajudar Rost e a criança, agora batizada de Aloy.
Figura 37 - Rost e a bebê a caminho do ritual.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A
Passando-se seis anos após o batismo, Aloy agora é uma criança que se
mostra cada vez mais curiosa sobre tudo o que a rodeia. Apesar de ter o
conhecimento de que é uma exilada de sua tribo, mesmo sem saber o motivo, ela
tenta, sem sucesso, se aproximar de outras crianças. Chateada por ser sempre
79
evitada por todos, Aloy acaba tropeçando e caindo em uma ruína, uma espécie de
destroços da civilização anterior, lugar que é proibido pelos Nora, pois eles
acreditam ser amaldiçoado. Lá ela encontra um dispositivo misterioso e
desconhecido chamado de Foco. Esse aparelho é capaz de mapear o ambiente,
ouvir gravações e projetar hologramas apenas o posicionando próximo ao ouvido. E
é isso que Aloy faz durante todo o game, pois o dispositivo a ajuda nas batalhas e a
ajuda a entender sobre o que aconteceu com o mundo no desenrolar da história.
Quando Rost a encontra com esse aparelho, percebe que está na hora de lhe
ensinar a sobreviver sozinha na natureza. O uso do arco e flecha, a habilidade na
pontaria e a agilidade na coleta de recursos só foram alguns dos conhecimentos
aprendidos pela protagonista no decorrer do treinamento. Cheia de dúvidas e
questionamentos quanto a sua origem, sobre quem era sua mãe e porque ela era
uma exilada, Aloy decide ir a procura das pessoas que poderiam responder todas a
essas perguntas, as Matriarcas da tribo Nora. Todavia, para isso, Aloy precisaria
passar por um rito de passagem muito perigoso, chamado de a Provação, onde o
vencedor deixaria de ser um exilado e as Matriarcas concederiam a ele um desejo. A
partir disso, Rost decide treinar Aloy até que ela esteja preparada para enfrentar tal
desafio (Figura 38).
Figura 38 - Rost e Aloy no treinamento.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A
80
Foram anos de treinamento até Aloy se sentir, finalmente, apta a enfrentar
tal teste. Agora mais madura e mais habilidosa do que nunca, ela parte para o
vilarejo da tribo Nora onde será realizado a Provação (Figura 39).
Figura 39 - Aloy e Rost em frente ao vilarejo onde será realizado o rito.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A
Apesar de ter vencido o desafio, tudo dá errado para a protagonista. O
vilarejo é atacado por um grupo misterioso e, tentando proteger Aloy, Rost desiste
de sua própria vida para salvar a dela. Após o ataque à aldeia e a morte de seu pai
adotivo, Aloy finalmente descobre o motivo de ter sido exilada de sua tribo quando
recém-nascida. Por ela ter sido encontrada em frente a uma grande porta de aço e
pela tribo Nora ser contra a qualquer tipo de coisa que tenha a ver com os robôs e
de onde eles vieram, foi o motivo que a levou ao exílio. Todavia, Teersa, a Matriarca
que a ajudou desde quando era um bebê, sempre acreditou que Aloy tivesse sido
enviada por algum motivo especial e que seu destino seria ajudar as pessoas do
planeta. Por esse e outros motivos, Aloy é escolhida para a tarefa de procurar a
verdade e acabar com a corrupção. Entretanto, a jornada não é nada fácil para a
protagonista, pois no decorrer da missão, ela descobre que é o ponto chave para a
solução de todo o mistério que envolve a Terra e é a única pessoa que pode salvar o
planeta de uma terrível destruição.
4.3 O PERFIL ARQUETÍPICO DE ALOY
81
Aloy foi uma personagem criada, desde o começo, para ser uma heroína.
Os desenvolvedores já tinham em mente, muito antes de criar a própria história, uma
jovem mulher de cabelos ruivos, com seu arco e flecha, em um planeta pós-
apocalíptico, lutando contra máquinas futurísticas. Todavia, Horizon Zero Dawn não
se concentra apenas em Aloy como uma jovem adulta, habilidosa e destruindo
máquinas com grande facilidade. A história também nos apresenta Aloy quando era
apenas um bebê de 6 meses e uma criança de 6 anos. Essa passagem de tempo e
os acontecimentos fizeram com que o game fornecesse informações importantes
para entendermos a personalidade de Aloy, bem como a construção do seu perfil
arquetípico.
4.3.1 O Messias Feminino
Logo no início do desenvolvimento da história, Aloy já demonstrava ser
uma criança com uma grande força interior. Nascida exilada de sua tribo, sem pais e
amigos, tendo apenas Rost como companhia, teve que aprender desde cedo a ser
forte. Percebendo a curiosidade de Aloy em descobrir mais coisas sobre o que a
rodeava, Rost decide lhe treinar e ensinar a como caçar máquinas e sobreviver.
Porém, no meio do treinamento, um membro da tribo Nora que estava por perto se
machuca e fica muito próximo as máquinas hostis. Aloy, mesmo possuindo pouca
experiência, contra a vontade de Rost e sem pensar duas vezes, decide por contra
própria arriscar a sua vida para salvar um desconhecido (Figura 40).
Figura 40 - Aloy, ao fundo, salvando o membro da tribo Nora.
Fonte: www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A
82
A partir dessa cena, é possível identificar um dos arquétipos que define o
perfil arquetípico da protagonista no decorrer da história: O Messias Feminino.
Segundo Lynn, quanto às características, a pessoa que possui esse arquétipo é
altruísta e sempre se sacrificará pelos outros. Não apenas nessa cena, mas em
várias outras, Aloy se dispõe a ajudar habitantes de diversas tribos, mesmo que isso
lhe colocasse em perigo ou lhe custasse a vida.
4.3.2 A Rebelde
Apesar de Aloy possuir um bom coração e sempre estar disposta a ajudar
os outros, ela demonstra a sua rebeldia por diversas vezes no game. Afinal, seguir
regras não é com ela. A cena escolhida para explicar a presença do arquétipo “A
Rebelde” na protagonista, é quando Aloy promete a Rost que, por mais que passe
na Provação e passe a ser um membro da tribo Nora, nunca deixará de falar com
ele, mesmo que isso lhe cause consequências.
Figura 41 - Aloy prometendo a Rost que nunca deixará de falar com ele.
Fonte: www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A
Como explicado anteriormente, os membros da tribo são extremamente
proibidos de manter qualquer contato com exilados e, caso isso venha a ocorrer, o
membro sofrerá como punição o exílio permanente dos Nora. Porém, isso não
intimida Aloy, que segue firme em sua decisão até o fim. De acordo com Myss
(2013), quanto aos objetivos, o arquétipo “A Rebelde” faz com que a pessoa quebre
83
qualquer barreira que lhe proíba de ser livre. Aloy, durante a história, além de
quebrar a regra que a proíbe de falar com exilados, utiliza um dispositivo, também
proibido, criado pelo Mundo Mecânico, como é chamado por Rost. Por diversas
vezes, a protagonista desafia as regras e se expressa de forma diferente dos demais
da tribo, isto é, não segue as mesmas crenças e vai em busca de sua própria voz,
outra característica importante do arquétipo “A Rebelde”, segundo a autora.
4.3.3 O Herói
Provar o seu próprio valor por meio de uma ação perigosa e difícil, é o
que Aloy faz durante todo o desenrolar do game. Esse, segundo Mark e Pearson
(2001), é o objetivo principal do arquétipo “O Herói”. O primeiro momento em que a
protagonista tenta provar para si e para os outros a sua capacidade de ser uma
Nora, é durante o rito da Provação, uma prova de resistência e agilidade muito difícil,
onde os membros da tribo e os exilados possuem uma oportunidade de se tornarem
valentes. No decorrer da Provação, Aloy precisa caçar máquinas, escalar montanhas
e saltar objetos. Como se não bastasse ser perigoso o suficiente, ela se arrisca em ir
para um atalho ainda mais perigoso (Figura 42), onde participantes anteriores já
haviam se machucado fatalmente. Porém, após alguns sustos e muita habilidade,
Aloy é a primeira a chegar e, por fim, ganha a Provação.
Figura 42 - Aloy durante a Provação.
Fonte: www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A
84
Em outros momentos, Aloy usa de suas habilidades para vencer a
corrupção e salvar a Terra, mais uma característica importante do arquétipo “O
Herói” encontrado na protagonista que, de acordo com as autoras, tem como meta
exercer a maestria de modo a melhorar o mundo. Por último, quanto às
características positivas, o arquétipo exige força, competência e coragem,
qualidades que se encaixam perfeitamente em Aloy. Ela usa a força para se proteger
e sobreviver, demonstra competência em vencer todos os desafios e mostra
coragem ao encarar as perigosas missões e inimigos.
Figura 43 - Os três arquétipos encontrados na Aloy.
Fonte: Figura criada pela estudante com base na análise do perfil arquetípico da Aloy.
4.4 O PERFIL ARQUETÍPICO DE ALOY NO CONTEXTO DO FEMINISMO
De acordo com Valek (2014), o perfil de mulher que o feminismo busca
deixar é de que a mulher é forte, persistente e independente. E a Guerrilla Games
criou uma heroína, corajosa e independente, forte o suficiente para enfrentar
qualquer desafio, inclusive, para inspirar os jogadores não apenas pela sua força,
complexidade e inteligência, mas também pela sua feminilidade. Além disso, Aloy
não é uma protagonista sexualizada. Suas curvas não são desproporcionais e suas
roupas e armaduras tribais não foram criadas com o intuito de realçar seus atributos
físicos ou agradar olhares masculinos (Figura 44).
85
Figura 44 - Perfil da Aloy.
Fonte: www.artstation.com/artwork/JQErv
Agora, partindo do princípio em que o feminismo defende os direitos das
mulheres a fim de garantir a igualdade entre os gêneros, Horizon Zero Dawn é um
game que apresenta o equilíbrio entre o homem e a mulher, ou seja, as
oportunidades são as mesmas para ambos. E Aloy incorpora bem essa igualdade,
desde o início do game, quando tenta se comunicar com os Nora mesmo sendo uma
exilada, até o final do mesmo, onde ela consegue unir as tribos de todo o mundo
para lutar contra o inimigo e salvar a Terra da extinção.
Mesmo sendo a protagonista, Aloy não é a única mulher que desenvolve
um papel importante e de poder no decorrer da história. Há personagens femininas
como líderes de tribos, caçadoras, guerreiras e chefes de batalhão. Inclusive, desde
o início do game, já fica claro que as mulheres possuem certa autoridade e
destaque. Em Horizon Zero Dawn, não existe aquela ordem patriarcal em que o
homem sente a necessidade de controlar as mulheres, bem pelo contrário.
Além da luta pela igualdade entre os gêneros, o feminismo de terceira
onda, o qual é considerado o atual, luta também pela diferença dentro da diferença,
ou seja, a diferença entre as próprias mulheres. O feminismo não é composto
apenas por mulheres brancas de classe média alta, como era abordado no
feminismo da segunda onda, mas sim por mulheres de todas as etnias, religiões,
culturas e classes sociais. E o game retrata isso perfeitamente. Além de cada tribo
ter a sua cultura e religião, há várias personagens femininas de diversas etnias, e o
game não tem como propósito, de forma alguma, diferenciar ou discriminar qualquer
personagem com base em seu gênero ou cor de pele.
86
Apesar de Horizon Zero Dawn apresentar uma história revolucionária,
onde a protagonista assume o arquétipo de herói e as personagens femininas
exercem papéis importantes e não são objetificadas, a desigualdade entre homens e
mulheres perdurou por bastante tempo e o feminismo só começou a surgir efeito na
indústria dos games de uns anos para cá, como pode ser observado na imagem
abaixo:
Figura 45 - Paralelo entre feminismo, personagens femininas e arquétipos.
Fonte: Figura criada pela estudante.
87
Em 1980, no final da segunda onda do feminismo e início da terceira
onda, marcada pela luta das mulheres pelo direito ao prazer próprio, pelo corpo e
contra a dominação masculina, inclusive pela reinvindicação da diferença entre as
próprias mulheres, surgia o primeiro game com uma personagem feminina, chamado
Donkey Kong. Nesse período, entre 1980 e 1995, as mulheres já haviam
conquistado inúmeros direitos e não eram mais vistas como frágeis e submissas,
porém, o arquétipo predominante que representava as mulheres nos games, nessa
mesma época, era o de donzela em perigo, ou seja, onde uma personagem feminina
é colocada em situação de perigo do qual não pode escapar sozinha, sendo
necessário ser resgatada sempre por um personagem masculino, sendo esse
geralmente o protagonista. Quando a personagem não é sequestrada, é identificada
como a namorada do herói ou apenas é um troféu a se conquistar. Pauline, a
princesa Peach e a Zelda são somente alguns exemplos de personagens que são
classificadas com esse perfil arquetípico.
Entretanto, o arquétipo de guerreira sexy e de femme fatale só apareceu
em 1996, com o lançamento do primeiro Tomb Raider. A partir desse mesmo ano,
mais especificamente até 2005, as personagens femininas nos games eram
extremamente sexualizadas, isto é, apresentavam roupas que as deixam
parcialmente nuas ou vestidas inadequadamente para o gênero do game. Como a
maioria dos desenvolvedores de games eram homens e o público alvo também, de
acordo com as pesquisas, isso acabou contribuindo para esse aumento de perfil
arquetípico negativo.
Foi somente em 2006 que a criação de personagens femininas
sexualizadas ao extremo sofreu uma queda, dando espaço para a criação de poucas
protagonistas realistas que apresentavam o arquétipo de herói, onde se mostravam
fortes, inteligentes e independentes. Com o surgimento dessas protagonistas e com
a diminuição da sexualização das personagens, houve um crescimento no interesse
do público feminino nos games. Em 2016, o público feminino já ultrapassava o
masculino, representando 52,6% do público gamer no Brasil, segundo uma pesquisa
feita pela Game Brasil 2016. Consequentemente, com a predominância das
mulheres nesse mercado, os desenvolvedores começaram a investir ainda mais em
games com protagonistas femininas fortes e heroicas. Todavia, apesar do público
feminino ter crescido consideravelmente nos últimos anos, a maioria dos
personagens criados ainda são masculinos e algumas personagens femininas
88
continuam desempenhando papéis que não representam a verdadeira mulher de
hoje em dia.
Para finalizar, como citado anteriormente, Horizon Zero Dawn é
considerado um game revolucionário por dar tanta ênfase às mulheres como
personagens fortes e livres de estereótipos. Todavia, ele foi lançado em 2017, e o
feminismo buscava por esse perfil desde sua primeira onda, no século XIX e início
do século XX. Sendo assim, após a análise das linhas do tempo, pode-se afirmar
que o feminismo e seus objetivos não acompanharam a evolução na indústria dos
games. Portanto, no contexto do feminismo, não há relação entre o perfil arquetípico
e as personagens femininas nos games.
89
5 CONCLUSÃO
Falar sobre um tema que dispõe de pouco material e que ainda carece de
estudos é uma tarefa delicada. A evolução na indústria dos games juntamente com o
crescimento do público feminino nesse universo que era tido somente como
masculino, levaram a uma mudança gradativa e positiva na representação das
mulheres nos games, inclusive do perfil arquetípico.
As primeiras personagens femininas criadas entre 1980 e 1995, eram
retratadas como frágeis e incapazes, e acabavam por depender sempre de um
personagem masculino no game. A popularidade dos arquétipos “donzela em
perigo” e “femme fatale” fizeram com que o mercado dos games estabelecesse um
padrão, onde os homens eram os heróis e as mulheres desempenhavam somente
papéis de interesse masculino, ou seja, quando não eram sexualizadas ao extremo,
eram objetos a se conquistar ou um tesouro a encontrar. Na mesma época, em
paralelo com a indústria dos games, o feminismo seguia lutando contra qualquer tipo
de desigualdade entre os gêneros. Acesso à educação, direito ao voto e participação
feminina na política foram apenas alguns dos direitos conquistados pelas feministas,
muito antes do primeiro game ser lançado. De acordo com Valek (2014), o perfil de
mulher que o feminismo sempre buscou deixar é de que a mulher é forte, persistente
e independente, muito diferente do que era e ainda é - em menor quantidade -
mostrado pelo mercado de games. Partindo desse fato e também dos elementos
apresentados sobre o feminismo, personagens femininas nos games e o perfil
arquetípico das mesmas no decorrer dos anos, se pode afirmar que, de fato, não há
relação entre o perfil arquetípico e as personagens femininas no contexto do
feminismo.
Ainda assim, na última década, as personagens femininas vêm
apresentando mudanças positivas em seu perfil arquetípico. Apesar de representar
ainda a minoria, se comparado ao número de games lançados com protagonistas
masculinos, algumas personagens exercem o papel principal no enredo, como
protagonistas heroicas e fortes. É o caso da protagonista Aloy em Horizon Zero
Dawn, analisada no capítulo anterior. Além de desempenhar o papel de uma heroína
e apresentar um perfil arquetípico no contexto do feminismo, o mundo em que ela
vive é matriarcal. Ou seja, o game todo deixa nítido a importância do papel das
mulheres na história, sendo elas líderes de tribos, caçadoras, chefes de batalhão, ou
mães.
90
Após mais de 30 anos de mercado, agora é visível a diversidade de
personagens e protagonistas femininas que antes não existiam nesse universo.
Protagonistas femininas que fogem do papel estereotipado e que assumem papéis
de destaque, cada vez mais importantes. Apesar do feminismo não ter contribuído
desde o início para a criação de personagens femininas nos games, por outro lado,
continua lutando para que a mulher não seja mais vista pela maioria como frágil,
incapaz de assumir papéis que antes não lhe eram permitidos, tanto na vida real
quanto na dos games.
91
REFERÊNCIAS
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95
ANEXO A – PROJETO DE PESQUISA
UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
PAOLA DALLA CHIESA
O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO
DAWN E A RELAÇÃO COM O PERFIL DA CONSUMIDORA GAMER
Caxias do Sul 2017
96
UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA
PAOLA DALLA CHIESA
O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO
DAWN E A RELAÇÃO COM O PERFIL DA CONSUMIDORA GAMER
Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para aprovação na disciplina de Monografia I Orientador(a): Eduardo Luiz Cardoso
Caxias do Sul 2017
97
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 04 2 TEMA ................................................................................................................. 05 2.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA ............................................................................... 05 3 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 06 4 QUESTÃO NORTEADORA ............................................................................... 07 5. OBJETIVOS ...................................................................................................... 08 5.1 OBJETIVO GERAL ......................................................................................... 08 5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................... 08 6. METODOLOGIA ............................................................................................... 09 7. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................. 10 7.1 FEMINISMO E ARQUÉTIPOS ......................................................................... 10 7.2 COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E OS GAMES................................. 14 7.3 HORIZON ZERO DAWN................................................................................... 18 8. ROTEIRO DOS CAPÍTULOS ............................................................................ 19 9. CRONOGRAMA ............................................................................................... 20 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 21
98
1 INTRODUÇÃO
Da mesma forma que a mulher foi coadjuvante em relação ao homem
durante muito tempo no decorrer da história, na indústria dos games não foi
diferente. Em um passado não tão distante assim, os games eram criados e
direcionados exclusivamente para o público masculino. As personagens femininas
mencionadas nos games eram fortemente sexualizadas e as imagens arquetípicas
eram distorcidas, sempre colocando o papel da mulher como donzela em perigo,
garota sexy ou namorada do herói. Não havia alguma personalidade e eram criadas
somente para atrair o público masculino. Não havia espaço para o protagonismo nos
games.
Todavia, nas últimas décadas, houve mudanças na cultura, tanto na
conquista dos direitos da mulher quanto na dos games. A participação do público
feminino como consumidoras de games cresceu, obrigando os desenvolvedores a se
adequarem conforme o perfil do público. Ainda são poucas as personagens
femininas que não se encaixam no habitual, que ganham destaque na estória e que
não são sexualizadas ao extremo. Uma prova disso são os games com
protagonistas femininas que estão sendo criados e que as personagens são tidas
como ícones da representação feminina. Ou seja, assumem o papel de herói e não
mais o de donzela em perigo.
Este trabalho procurará mostrar a mudança da indústria gamer em
relação ao crescimento recente de consumidoras femininas e a quebra da cultura
arquetípica tradicional da mulher que a colocava sempre como coadjuvante ou
segundo plano. Além disso, este texto focalizará em analisar o perfil arquetípico da
protagonista do game Horizon Zero Dawn e irá relacionar com o perfil das
consumidoras desse game.
99
2 TEMA
O feminismo e sua relação com os arquétipos e a comparação entre o
perfil das consumidoras do game Horizon Zero Dawn e a protagonista arquetípica
desse game.
2.1 Delimitação do tema
Estudo dos direitos conquistados pelo feminismo e a representação
arquetípica da mulher na sociedade. Os fatores pessoais e culturais que influenciam
no comportamento da consumidora de games. Identificação dos arquétipos
presentes na protagonista do game Horizon Zero Dawn a partir do estudo dos
arquétipos da psiquiatra junguiana Jean Shinoda Bolen e a comparação desses
arquétipos encontrados na protagonista com o perfil da consumidora desse game.
100
3 JUSTIFICATIVA
O presente trabalho é especialmente importante devido aos seus
objetivos de pesquisa, que mostram a luta feminina pela igualdade entre os homens
e as mulheres, as mudanças na indústria de games com a chegada do público
feminino, a análise do perfil arquetípico da protagonista do jogo Horizon Zero Dawn
e a comparação com o perfil das consumidoras desse game.
O tema escolhido é relativamente novo, não existem muitos assuntos
referentes a games e mulheres, pois o mercado há pouco tempo atrás era focado
apenas no público masculino. Surge então a oportunidade para pessoas
interessadas e que desconhecem sobre o assunto, de utilizar este material para
pesquisa e conhecimento. Além disso, é formidável para as consumidoras gamers
observar essa mudança na criação dos games atuais, pois as personagens estão
ganhando espaço principal, assumindo as mesmas características que antes eram
somente dos homens. As imagens arquetípicas que caracterizavam as personagens
já não são mais as mesmas, possibilitando agora uma possível identificação do perfil
da consumidora com o perfil da protagonista. Isso é o resultado de muita história de
luta e do reconhecimento do mercado em acreditar que as mulheres podem assumir
o protagonismo tanto quanto os homens, e fazer sucesso igual ou até superior.
101
4 QUESTÃO NORTEADORA
Qual a relação entre o perfil da protagonista arquetípica do game Horizon
Hero Dawn e o perfil das consumidoras desse game?
102
5 OBJETIVOS
5.1 Objetivo geral
Examinar o perfil arquetípico da protagonista do game Horizon Zero Dawn
e comparar com o perfil das consumidoras.
5.2 Objetivos específicos
- Estabelecer uma relação entre o feminismo e os arquétipos;
- Mostrar a mudança da indústria de games com a chegada da
consumidora gamer;
- Descobrir qual é o perfil arquetípico da protagonista do game Horizon
Zero Dawn;
- Examinar os sete arquétipos das Deusas Gregas no ponto de vista da
psiquiatra junguiana Jean Shinoda Bolen e relacionar com a protagonista do game
Horizon Zero Dawn e o perfil das jogadoras desse game.
103
6 METODOLOGIA
Esse trabalho terá uma pesquisa de caráter exploratório e abordagem
qualitativa. As pesquisas exploratórias, segundo Gil (2002, p. 41) “[...] têm como
objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições.” O autor
diz ainda “Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a
consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado.” (GIL, 2002, p.
41). A pesquisa será feita através de documentos disponíveis em publicações e
fontes bibliográficas, tendo como principal finalidade obter informações que
contribuam para compreender a relação entre o feminismo e os arquétipos e a
mudança da indústria de games com a chegada da consumidora gamer.
A metodologia a ser delineada será o estudo de caso, pois de acordo com
Fonseca (2002 apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 39):
Um estudo de caso pode ser caracterizado como um estudo de uma entidade bem definida como um programa, uma instituição, um sistema educativo, uma pessoa, ou uma unidade social. Visa conhecer em profundidade o como e o porquê de uma determinada situação que se supõe ser única em muitos aspectos, procurando descobrir o que há nela de mais essencial e característico. O pesquisador não pretende intervir sobre o objeto a ser estudado, mas revelá-lo tal como ele o percebe. O estudo de caso pode decorrer de acordo com uma perspectiva interpretativa, que procura compreender como é o mundo do ponto de vista dos participantes, ou uma perspectiva pragmática, que visa simplesmente apresentar uma perspectiva global, tanto quanto possível completa e coerente, do objeto de estudo do ponto de vista do investigador.
Para Yin (2001, p. 27) “O estudo de caso é a estratégia escolhida ao se
examinar acontecimentos contemporâneos mas quando não se podem manipular
comportamentos relevantes.” Segundo o autor, o grande diferencial do estudo de
caso é que se pode lidar com várias evidências: documentos, artefatos, entrevistas e
observações.
Pretende-se utilizar como técnica para a coleta de dados um questionário,
que será enviado via e-mail e via Facebook para as consumidoras do game Horizon
Zero Dawn e que, de alguma forma, estão conectadas com o universo gamer. Após
a coleta de resultados, será feita a análise para se chegar a conclusão que permite
responder a questão norteadora.
104
7 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
7.1 FEMINISMO E ARQUÉTIPOS
O mundo atual vive em grande transformação. Novos hábitos, valores,
crenças e culturas fazem com que as pessoas conquistem, de certa forma, um
espaço próprio na sociedade. É essa necessidade que, da mesma maneira, faz com
que lutem sem se submeter à obrigação de ordem social. No início dos tempos, na
mitologia grega, houve uma grande valorização do feminino com a representação
arquetípica das Deusas, porém, com a criação do patriarcado, a mulher foi deixada
como coadjuvante, perdendo assim o seu desenvolvimento na história.
Após o tempo das cavernas e no decorrer dos séculos, o perfil das
mulheres tem sido criado a partir de pressupostos determinados antecipadamente
por um ponto de vista de dominação patriarcal, prejudicando-as no desenvolvimento
social e as colocando como um ser inferior. E, no ponto de vista da autora Cecil
Jeanine Albert Zinani, para a libertação da mulher, é preciso desconstruir os
conceitos tradicionais fixos, rever o papel de ambos os sexos e os preparar para
encarar as novas tarefas com igualdade.
O movimento feminista das últimas décadas vem ajudando na construção
dos direitos igualitários. Desde a Revolução Francesa, no século XVIII, a mulher vem
provando ser diferente, deixando de ser submissa ao homem, participando de
manifestações e impondo sua voz. Todavia, antes disso, a revolução feminina teve
que atravessar vários estágios. A pesquisa de Kolbenschlag (1991) diz que na
primeira fase do estágio, o movimento feminino foi caracterizado pelo conhecimento
do próprio abuso patriarcado que delimitava a vida da mulher. Esse conhecimento
fez com que a mulher lutasse pela igualdade e libertação da dependência
econômica e psicológica. O segundo estágio ficou marcado pelo resgate do feminino
autêntico, ou seja, a busca pela espiritualidade e visão essencial. Já a terceira fase,
a luta era pela integração e participação na política.
Portanto, desde o início do movimento até os dias atuais, o feminismo
procurou superar as organizações tradicionais dominadas pela hierarquia. Para os
autores Alves e Pitanguy (1970, p. 09):
O feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a
105
modelos hierarquizados, e onde as qualidades “femininas” ou “masculinas” sejam atributos do ser humano em sua globalidade.
De acordo com Cecil Jeanine Albert Zinani em seu livro – Literatura e
Gênero: A construção da identidade feminina – essa desigualdade social teve início
desde os primórdios:
[...] quando o homem saiu para prover a subsistência, enfrentando animais ferozes, e consequentemente, desenvolvendo uma série de habilidades, enquanto ela ficou escondida na caverna, cuidando da prole. (ZINANI, 2006, p. 188).
Essa divisão de tarefas possibilitou uma maior evolução de certos
potenciais arquetípicos na mulher, como a sensibilidade, agressividade, emoção,
intuição, hospitalidade, fertilidade, cuidado e transformação.
Os arquétipos são um conjunto de imagens primordiais armazenadas no
inconsciente coletivo, ou seja, essas imagens são criadas a partir de uma repetição
de uma mesma experiência durante várias gerações, que se manifestam através de
sonhos, mitos e fantasias de maneira simbólica. Fato que pode explicar os motivos
que levaram ao começo da luta pela mudança dos arquétipos femininos no decorrer
dos anos. JUNG (2000, p. 15), em seu livro Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo,
afirma que nós temos uma camada mais profunda do que a camada superficial no
consciente pessoal, chamada de inconsciente coletivo. E os conteúdos do
inconsciente coletivo são chamados de arquétipos.
O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo, portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e, no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos. (JUNG, 2000, p. 15)
Esses conteúdos são imagens universais primordiais que existiram desde
os tempos mais antigos. Ainda de acordo com JUNG (1986, p. 180):
Cada homem sempre carregou dentro de si a imagem da mulher; não é a imagem desta determinada mulher, mas a imagem de uma determinada mulher. Essa imagem, examinada a fundo, é uma massa hereditária inconsciente, gravada no sistema vital e proveniente de eras remotíssimas;
106
é um "tipo" ("arquétipo") de todas as experiências que a série dos antepassados teve com o ser feminino, é um precipitado que se formou de todas as impressões causadas pela mulher, é um sistema de adaptação transmitido por hereditariedade.
Para Jung, essa imagem da mulher que o homem carrega é denominada
de anima, parte do arquétipo que existe no inconsciente, que é a essência feminina
que vive no homem. Em contrapartida, o animus é o oposto, é a essência masculina
que vive no inconsciente da mulher. Não tem nada relacionado com gênero, significa
que o masculino tem que ter o feminino e o feminino tem que ter o masculino. De
acordo ainda com Jung, uma pessoa pode ter vários tipos de animus, como por
exemplo, o protetor, o campeão. E vários tipos de anima, como: a mãe, a virtuosa, a
espiritual.
Uma expressão típica para a transmissão de conteúdos coletivos seria a
forma como os tribais primitivos tratavam os arquétipos, pois o conteúdo não era
inconsciente, mas sim consciente, pois eram transmitidos através da tradição. Outra
forma de expressão conhecida dos arquétipos é por meio do conto de fadas e o
mito, que também são transmitidas através de longos períodos de tempo. As
imagens arquetípicas das deusas da mitologia grega também permanecem na
mente humana, segundo Bolen (1990, p. 7). A psiquiatra junguiana acredita que
cada mulher possui uma ou mais deusas em seu interior e, conhecer cada uma
delas, faz com que mulher compreenda seus sentimentos e recupere seu Eu.
A presença de padrões arquetípicos comuns em todos os povos prova as
similaridades nas mitologias de muitas culturas distintas. Eles, de certa forma,
acabam influenciando no comportamento e na reação entre uns e outros.
Ainda para Bolen (1990, p. 34) “As vidas das mulheres são modeladas por
papéis permitidos e imagens idealizadas da época.” Em décadas passadas, a
mulher era vista como dona de casa e mãe de vários filhos, não havia espaço para
mulheres curiosas e que tinham desejo de superioridade. Já nos anos 70, década
marcada pelo movimento feminista, as mulheres iam atrás da conquista, ou seja,
começavam a ser as protagonistas de suas próprias vidas. Agora, os tempos são
outros. Cada geração viveu o seu modelo de arquétipo, e atualmente não é
diferente, porém, os modelos de arquétipos são diferentes. A mulher deixou de ser
“feiticeira” para se transformar em “guerreira”, de coadjuvante passou a ser a
protagonista.
107
7.2 COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E OS GAMES
A sociedade evolui constantemente de uma cultura de massa, o consumo
faz parte do dia a dia de todos, indivíduos selecionam, compram, descartam serviços
e produtos para satisfazer necessidades fisiológicas ou até mesmo necessidades
ligadas a auto realização. Essas necessidades humanas estão em uma hierarquia
chamada de hierarquia dos motivos humanos. Para Maslow (1943 apud HESKETH;
COSTA, 1980, p. 59):
Conforme o seu conceito de premência relativa, uma necessidade é substituída pela seguinte mais forte na hierarquia, na medida em que começa a ser satisfeita. Assim, por ordem decrescente de premência, as necessidades estão classificadas em: fisiológicas, segurança, afiliação, auto-estima e auto-realização.
Muitos consumidores compartilham do mesmo favoritismo, porém, cada
consumidor é diferente um do outro, e cabe ao mercado identificar esses grupos e
desenvolver produtos para os diferentes segmentos.
Segundo Larentis (2009, p. 15) o comportamento do consumidor também
possui suas diversas características. O primeiro aspecto é a motivação, onde o
consumidor procura satisfazer seus desejos, ou seja, é seu próprio motivador. Em
segundo lugar, é um processo, ou seja, é uma sequência de etapas que podem
receber influências emocionais e culturais, envolvendo desde a compra do produto
até o seu descarte. Em terceiro lugar, são várias atividades que envolvem
características físicas, mentais e sociais. Em quarto lugar, o consumidor pode
assumir diversos papéis, sendo o usuário do produto ou apenas o pagador e
comprador, também podendo exercer todos esses papéis. Em quinto lugar, fatores
externos influenciam no comportamento: preço, embalagem, custo x benefício,
publicidade, promoções, distribuição e localização. Além disso, o humor, tempo
disponível, ambiente do local, o stress e a ansiedade também influenciam tanto
quanto a cultura, a classe social, os valores, costumes e hábitos de compra e
consumo. Em sexto lugar, é a diferença entre as pessoas, pois não existem
consumidores iguais.
Para Solomon (2011, p. 37) existem variáveis demográficas que tornam
os consumidores diferentes uns dos outros como a idade, gênero, estrutura familiar,
classe social e renda, raça e etnia, geografia, estilos de vida, entre outros. Partindo
desse mesmo discurso:
108
Conhecer, por exemplo, quais os papéis desempenhados pelo consumidor e os papéis desempenhados nas compras familiares permitirá saber com quem a empresa precisa se comunicar através da propaganda, publicidade ou venda pessoal. Conhecer as preferências do consumidor e os seus hábitos de compra pode auxiliar a desenvolver o produto, definir o seu preço e escolher o melhor ponto de venda para sua distribuição. (LARENTIS, 2009, p. 22).
Todavia, não adianta considerar somente as características individuais do
consumidor para entender seus motivos de compra, mas é preciso também valorizar
as influências culturais. Larentis (2009, p. 86) afirma que “A cultura supre as pessoas
com um senso de identidade e uma compreensão do comportamento aceitável
dentro da sociedade.” Um produto que oferece vantagens relacionadas a uma
cultura especifica tem muito mais chances de obter a aceitação do mercado. No
entanto, a cultura não é fixa, ou seja, os valores da sociedade mudam
continuamente, o que pode gerar mudança nas reações à publicidade. Há duas
forças que explicam essa alteração de valores:
A primeira força é uma tríade de instituições: família, instituições religiosas e educação. A segunda são as experiências de início de vida, que incluem guerras, movimentos de direitos civis e realidades econômicas. Além disso, governo e mídia também exercem influência em valores. (LARENTIS, 2009, p. 90).
Algumas características fazem das pessoas únicas, como o agir, o pensar
e o gostar, que acabam resultando na personalidade. A personalidade se refere a
atributos psicológicos que diferenciam as pessoas umas das outras, como a
autoconfiança e o domínio. Portanto, a personalidade e a autoimagem são fatores
pessoais importantes que também vão determinar a compra.
Além da cultura e da personalidade, a influência da família e do domicilio
também é um fator determinante, principalmente porque a mudança de papéis das
mulheres e o crescimento da população feminina despertou o interesse do mercado.
De acordo com Engel, Blackwell e Miniard (2000, p. 493) “Os gerentes de marketing
sempre estiveram interessados nas mulheres, pois as consumidoras compram
muitos produtos.”.
Já no universo específico gamer, os desenvolvedores deixavam claro que
o público alvo sempre foi direcionado exclusivamente para os homens, pois eram os
consumidores predominantes dos jogos.
Dos primórdios dos jogos eletrônicos (meados dos anos 1970) até 1996, a montagem dos personagens dava importância aos personagens centrais
109
masculinos: o heroísmo era expresso apenas por figuras machistas, viris e com músculos hipertrofiados. (MENDES, 2006 apud SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009, p. 43).
Existia um pré-requisito invisível que dizia que videogames eram para
meninos e não para meninas. Pré-requisito chamado de cultura. As personagens e
narrativas eram criadas com atrativos para eles, com pouca roupa, muita
maquiagem, voz sedutora e padrões que seriam ideais para o imaginário masculino.
Fortim e Monteiro (2013, p. 246) afirmam que “[...] as personagens femininas
apareciam pouco e em papéis relativamente pequenos, sendo prêmios ou donzelas
a serem salvas.”. Já Grimes acredita que:
Na maior parte dos jogos as personagens são feitas para a escopofilia masculina, ao invés de propiciar uma identificação feminina. Mostra que as personagens são vistas como atrativas para o sexo masculino: são caucasianas, tem formas curvilíneas, e as roupas deixam o corpo à mostra, em conformidade com os ideais de beleza do mundo ocidental. (GRIMES, 2003 apud FORTIM; MONTEIRO, 2013, p. 246)
De uns anos para cá, o mercado de entretenimento vem buscando
alcançar todos os gêneros, pois as mulheres estão cada vez mais inseridas nesse
universo gamer. Prova disso foi uma pesquisa realizada em 2017 pela Entertainment
Software Association (ESA), mostra que a porcentagem de mulheres que jogam
videogames é de 42%, contra 59% deles. Um grande avanço se for comparar com
alguns anos atrás. Apesar dessa estatística, ainda são poucos os principais papéis
de destaque confiados a personagens femininas em jogos.
Tavares (2009 apud SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009, p. 43), diz que
um jogo que agradaria a todos deve conter os princípios básicos na criação do
game, como balanceamento, criatividade, energia e deve ser principalmente livre de
gênero. E é nisso que os desenvolvedores estão focando atualmente, em narrativas
atrativas para as consumidoras. As personagens estão deixando de ser frágeis e
estão se tornando guerreiras, características que antes eram só tidas como
masculinas.
[...] o preconceito em torno do uso dos jogos pelas mulheres existe, tanto na parte do desenvolvimento de games, como por uma parte do público masculino que os utiliza. Contudo, o preconceito presente na indústria dos jogos eletrônicos não bloqueia o desenvolvimento destes jogos apenas para o público masculino. (FORTIM, 2009 apud SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009, p. 44).
Como dito anteriormente, as personagens atuais estão sendo
representadas com outras habilidades físicas, o enredo está mais desenvolvido e
110
algumas até se assemelham às mulheres reais, ou seja, não são perfeitas. Essas
novas características presentes na imagem feminina fazem relação com as
conquistas que a mulher adquiriu na sociedade ao longo dos anos. É o começo de
um reconhecimento da consumidora gamer na indústria dos games e seus
consumidores.
111
7.3 HORIZON ZERO DAWN
Horizon Zero Dawn é um game de RPG de gênero ação lançado em
fevereiro de 2017. Desenvolvido pela Guerrilla Games e publicado pela Sony
Interactive Entertainment unicamente para o PlayStation 4, é um game com grande
foco nos personagens e que se destaca por sua história, ambientação e roteiro. Sua
premissa é bastante incomum, pois é uma personagem feminina que assume o
papel de protagonista do game e que luta bravamente contra criaturas robóticas
para sobreviver.
Aloy é uma protagonista extremamente forte, bem desenvolvida,
inteligente, carismática e que possui traços muito parecidos com a realidade. Em um
vídeo liberado pela Sony, a desenvolvedora Guerrilla Game afirmou que “No começo
do projeto não sabíamos exatamente quais seriam as regras do mundo, então entre
esses pilares, Aloy tinha que ser uma personagem muito ágil e fluida, e a mecânica
de combate, além do sistema furtivo, tinham de ser perfeitos". Por serem tão reais as
características e emoções da Aloy, as pessoas que jogaram o game acabaram se
identificando com a personagem.
O game se passa em um futuro pós-apocalíptico, onde máquinas hostis
gigantescas dominam o mundo e vagam livremente pela paisagem sem o controle
dos humanos. As pessoas que lá habitam vivem em tribos e desconhecem a
tecnologia. Aloy é a protagonista, uma menina que foi exilada de sua tribo ainda
quando era um bebê, abandono que fez com que ela aprendesse a caçar e
desenvolver o instinto de sobrevivência. Sem entender o porquê de nunca ter
conhecido sua mãe e sofrer com o preconceito, ela cresce solitária juntamente com
seu tutor Rost, que também é um exilado da tribo. Com a transição da infância para
a vida adulta, Aloy mostra que está pronta para encarar os desafios sozinha e com
garra, indo então em busca de sua identidade e respostas.
Por causa do sucesso do game e por vários outros motivos, a
personagem acabou se tornando um novo ícone para a indústria dos games. Aloy é
uma protagonista bem construída, heroína e fora dos padrões arquetípicos que
classificavam a maioria das personagens mulheres em games.
112
9 ROTEIRO DOS CAPÍTULOS
1. INTRODUÇÃO
2. FEMINISMO E ARQUÉTIPOS
2.1 A história da mulher desde os primórdios
2.2 O surgimento do movimento feminista
2.3 O feminismo atual e a representação arquetípica da mulher na sociedade
2.4 JUNG E OS ARQUÉTIPOS
2.4.1 O inconsciente coletivo
2.4.2 O conceito de Anima e Animus
2.4.3 A criação de mitos e o desenvolvimento de símbolos
2.5 JEAN SHINODA BOLEN E OS ARQUÉTIPOS FEMININOS
2.5.1 A Mitologia Grega e as sete deusas
3. COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E OS GAMES
3.1 Fundamentos do comportamento do consumidor
3.2 Influências sobre o comportamento do consumidor
3.2.1 Cultura
3.2.2 Fatores pessoais
3.3 OS GAMES E SEUS CONSUMIDORES
3.3.1 A indústria dos games
3.3.2 As representações femininas nos games
3.3.3 O protagonismo feminino nos games
4. HORIZON ZERO DAWN
4.1 História
4.2 Arquétipos presentes na protagonista
4.3 Perfil das consumidoras
4.4 Relação entre o perfil arquetípico da personagem e consumidoras
113
10 CRONOGRAMA
Jun/17 Jul/17 Ago/17 Set/17 Out/17 Nov/17 Dez/17
Entrega do projeto de monografia
X
Leitura e pesquisa do tema
X X X X
Redação do capítulo 2
X X
Redação do capítulo 3
X X
Redação do capítulo 4
X X
Considerações finais e
bibliografia
X
Impressão e revisão
X
Entrega para a banca
X
Apresentação do TCC
X
114
REFERÊNCIAS
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115
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