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Revista Brasileira de Música - v.23/2

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  • Revista do Programa de Ps-graduao da Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de JaneiroRio de Janeiro - Outubro de 2010

  • ISSN 01037595

    Programa de Ps-graduao da Escola de MsicaUniversidade Federal do Rio de Janeiro

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROAloisio TeixeiraReitorSylvia da Silveira Mello VargasVice-reitoraAngela UllerPr-reitora de Ps-graduao e Pesquisa

    CENTRO DE LETRAS E ARTESFlora de PaoliDecana

    ESCOLA DE MSICAAndr CardosoDiretorMarcos Vincio NogueiraVice-diretorRoberto MacedoDiretor Adjunto de Ensino de GraduaoErmelinda A. Paz ZaniniCoordenadora do Curso de LicenciaturaEduardo BiatoDiretor Adjunto do Setor Artstico CulturalMiriam GrosmanDiretora Adjunta dos Cursos de ExtensoMarcos Vincio NogueiraCoordenador do Programa de Ps-graduaoMaria Alice VolpeEditora-chefe da Revista Brasileira de Msica

    Comisso executiva: (membros docentes da Comisso Deliberativa do Programa de Ps-graduao da Escola de Msica da UFRJ, Rio de Janeiro,Brasil) Marcos Vincio Nogueira, Marcelo Verzoni, Maria Jos Chevitarese, Jos Alberto Salgado, Pauxy Gentil Nunes e Maria Alice VolpeProduo: Maria Celina MachadoReviso musicolgica: Andr CardosoEditorao musical: Srgio di Sabbato e Marcos Vincio NogueiraReviso: Mnica MachadoTraduo/reviso de lngua inglesa: Tatiana Santos Peixoto de Macedo (Editorial) e Maria Alice VolpeProjeto grfico, editorao e tratamento de imagens: Mrcia CarnavalCapa: reproduo. Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga S: histria e restaurao. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008, p. 4.

    A REVISTA BRASILEIRA DE MSICA um peridico semestral, arbitrado, de circulao nacional e internacional, dirigido a pesquisadores da msica e reas afins,professores, pesquisadores e estudantes. A RBM pretende ser um instrumento de divulgao e de disseminao de produes atuais e relevantes do Ensino,da Pesquisa e Extenso, no mbito da msica e de reas afins, atravs da publicao de artigos, ensaios tericos, pesquisas cientficas, resenhas, entrevistas,partituras e informes. A RBM adota o Acordo Ortogrfico de 1990, assinado pela Comunidade de Pases de Lngua Portuguesa, e as normas da ABNT.

    Endereo para correspondncia: Programa de Ps-graduao da Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de JaneiroRua do Passeio, 98, Lapa, Rio de Janeiro _ RJCEP: 20021-290Tel.: (21) 2240-1391E-mail: [email protected]

    Tiragem: 500 exemplaresCatalogao: Biblioteca Alberto Nepomuceno/EM/UFRJ

  • EDITORA-CHEFEMaria Alice Volpe (UFRJ, Rio de Janeiro)

    CONSELHO EDITORIALAlda de Jesus Oliveira (UFBA, Salvador)

    Cristina Capparelli Gerling (UFRGS, Porto Alegre)Elizabeth Travassos (UniRio, Rio de Janeiro)

    Elliott Antokoletz (Universidade do Texas, Austin, EUA)Fabrizio Della Seta (Universidade de Pvia, Itlia)

    Fausto Borm (UFMG, Belo Horizonte)Ilza Nogueira (UFPB, Joo Pessoa)

    Joo Pedro Paiva de Oliveira (Universidade de Aveiro, Portugal)Juan Pablo Gonzles (Pontifcia Universidade Catlica do Chile, Santiago)

    Luciana Del Ben (UFRGS, Porto Alegre)Mrio Vieira de Carvalho (Universidade Nova de Lisboa, Portugal)

    Martha Tupinamb Ulha (UniRio, Rio de Janeiro)Omar Corrado (Pontificia Universidade Catlica Argentina, Buenos Aires)

    Paulo Ferreira de Castro (Universidade Nova de Lisboa, Portugal)Philip Gossett (Universidade de Chicago, EUA)

    Rafael Menezes Bastos (UFSC, Florianpolis)Ralph P. Locke (Universidade de Rochester, NY, EUA)

    Rgis Duprat (USP, So Paulo)Ricardo Tacuchian (UniRio, Rio de Janeiro)

    Robin Moore (Universidade do Texas, Austin, EUA)Rogrio Budasz (Universidade da Califrnia, Riverside, EUA)

    Srgio Figueiredo (UDESC, Florianpolis)Silvio Ferraz (UNICAMP, Campinas, SP)

    ISSN 01037595

    Programa de Ps-graduao da Escola de MsicaUniversidade Federal do Rio de Janeiro

  • ................................................................................EDITORIAL

    ARTIGOSMsica da Paixo: a tipologia portuguesa........................... ................................................... Jos Maria Pedrosa Cardoso

    Entre o hexacorde de Guido e o solfejo francs: a Escola deCanto de Orga de Caetano de Melo de Jesus (1759) Primeirarecepo da teoria do heptacorde num tratado terico-musical em lngua portuguesa ....... Mariana Portas de Freitas

    Curt Lange e Rgis Duprat: os modelos crticos sobre a m-sica no perodo colonial brasileiro ...................................................................................................... Disnio Machado Neto

    Historiografia musical e hibridao racial............................... ......................................................................... Aldo Luiz Leoni

    A Casa da pera de So Paulo no governo de D. Lus Antniode Sousa Botelho Mouro ............................. Claudia Polastre

    The conditions of global discourse of diversity: Music En-cyclopedias, Dictionaries and Ethnomusicology .................................................................................... Michel Nicolau Netto

    As transcries das canes populares em Viagem pelo Bra-sil de Spix e Martius ................................ Silvio Augusto Merhy

    11SUMRIO

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  • O enigma do lundu ............................ Edilson Vicente de Lima

    Reciclar os cantos do senhor: modernizao e adaptaoda msica sacra no sculo XIX no Brasil .............................................................................................. Marshal Gaioso Pinto

    MEMRIAO legado de Francisco Curt Lange (1903-1997) .................................................................................................... Rgis Duprat

    RESENHASRogrio Budasz, Teatro e msica na Amrica Portuguesa: con-venes, repertrio, raa, gnero e poder........................................................................................... Marcelo Campos Hazan

    Andr Cardoso, A Msica na Capela Real e Imperial do Rio deJaneiro e A Msica na Corte de D. Joo VI, 1808-1821 .............................................................................. Maria Alice Volpe

    Velhas e Novas Cirandas: Msica para Fagote e Orquestra,Fbio Cury e Orquestra Amazonas Filarmnica ..................................................................................... Aloysio Fagerlande

    ENTREVISTARgis Duprat em seus 80 anos ........................... Ilza Nogueira

    ARQUIVO DE MSICA BRASILEIRAIntroduo: Jos Joaquim dos Santos (17471801) e o Hinopara as Laudes do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo........................................................................... Andr Cardoso

    Hymnus ad Laudes in Nativitate Domini Nostri Jesu Christi................... Jos Joaquim dos Santos (edio de Andr Cardoso)

    .............................................................. NORMAS EDITORIAIS

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  • CONTENTS ................................................................................EDITORIAL

    ARTICLESChant of the Passion: the Portuguese typology........................................................................... Jos Maria Pedrosa Cardoso

    From Guidos hexachord to French solmization: the Escolade Canto de Orga by Caetano de Melo de Jesus (1759) Firstreception of the heptachord theory in a Portuguese musictreatise ........................................... Mariana Portas de Freitas

    Curt Lange and Rgis Duprat: critical frames on the musicof Brazils colonial period .................................................................................................................... Disnio Machado Neto

    Music historiography and racial hibridization .......................... ......................................................................... Aldo Luiz Leoni

    The Opera House in So Paulo during the government of D.Luis Antnio de Sousa Botelho Mouro ......................................................................................................... Claudia Polastre

    The conditions of global discouse of diversity: Music Encyclo-pedias, Dictionary and Ethnomusicology ................................. ............................................................ Michel Nicolau Netto

    The transcriptions of popular songs in Travels in Brazil bySpix and Martius ..................................... Silvio Augusto Merhy

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  • The Lundu enigma ............................. Edilson Vicente de Lima

    Recycling Gods Songs: modernization and adaptation ofsacred music in nineteenth-century Brazil .............................................................................................. Marshal Gaioso Pinto

    MEMORYThe legacy of Francisco Curt Lange (1903- 1997) ................................................................................................... Rgis Duprat

    REVIEWSRogrio Budasz, Teatro e msica na Amrica Portuguesa:convenes, repertrio, raa, gnero e poder ..................................................................................... Marcelo Campos Hazan

    Andr Cardoso, A Msica na Capela Real e Imperial do Riode Janeiro e A Msica na Corte de D. Joo VI, 1808-1821..............................................................................Maria Alice Volpe

    Velhas e Novas Cirandas: Msica para Fagote e Orquestra,Fbio Cury e Orquestra Amazonas Filarmnica .......................................................................................... Aloysio Fagerlande

    INTERVIEWRgis Duprat in his 80th anniversary .................. Ilza Nogueira

    BRAZILIAN MUSIC ARCHIVEIntroduction: Jos Joaquim dos Santos (1747-1801) and theHymn for Lauds of the Nativity of Our Lord Jesus Christ................................................................................... Andr Cardoso

    Hymnus ad Laudes in Nativitate Domini Nostri Jesu Christi................... Jos Joaquim dos Santos (edition by Andr Cardoso)

    ........................................................... EDITORIAL GUIDELINES

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  • 11REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ ESCOLA DE MSICA _ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO _ v. 23/2 _ 2010

    EDITORIAL

    A Revista Brasileira de Msica o primeiro peridico acadmico-cientficosobre msica no Brasil, fundado sob a tutela da mais antiga instituiode ensino musical deste pas, a atual Escola de Msica da UFRJ, quecompleta agora 162 anos. A criao da Revista Brasileira de Msica, em1934, pelo ento diretor do Instituto Nacional de Msica, o professorGuilherme Fontainha, foi consequncia direta da reforma implementadatrs anos antes por Luciano Gallet, por ocasio da incorporao do entoInstituto Nacional de Msica estrutura da recm-criada Universidadedo Rio de Janeiro, mais tarde denominada Universidade do Brasil, hoje areconhecida Universidade Federal do Rio de Janeiro.Peridico de tradio, a Revista Brasileira de Msica contou com cola-boradores como Mrio de Andrade, Lus Heitor Correa de Azevedo, Ayresde Andrade e, mais recentemente, Robert Stevenson, Gerard Bhague,Rgis Duprat, Ricardo Tacuchian, Ilza Nogueira, Elizabeth Travassos, Sa-muel Arajo e Cristina Magaldi, entre outros.Em 2008 a Revista Brasileira de Msica passou a constituir-se numa pu-blicao do Programa de Ps-graduao em Msica, este que o primeirodo pas, completa agora 30 anos e assume o desafio de se adequar sexigncias dos sistemas indexadores contemporneos em busca de umextrato indicativo de qualidade. Uma dessas refere-se composio doConselho Editorial, constitudo por especialistas de reconhecida com-petncia e larga experincia na rea, vinculados a instituies diversasem abrangncia nacional e internacional. O Conselho Editorial est com-posto por colegas do Brasil e do exterior, engajados nesse projeto insti-tucional enraizado na tradio acadmica que tem como prioridade mantero nvel de excelncia desejado para a RBM. Nesse intuito conta tambmcom um corpo de pareceristas ad hoc, constitudo por pesquisadores na-cionais e internacionais de diversas instituies.Em sua nova fase, a Revista Brasileira de Msica visa a incentivar a pes-quisa em msica nas diversas abordagens interdisciplinares, mantendoo seu amplo escopo sobre todos os ramos da msica. Tradicional veculode difuso dos assuntos relacionados msica brasileira e no Brasil, aRBM considera oportunas as contribuies sobre questes relacionadasa outras regies culturais que possam promover o dilogo com a

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ ESCOLA DE MSICA _ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO _ v. 23/2 _ 2010

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    comunidade internacional de especialistas, bem como amplas discusses con-cernentes rea. Cada volume est organizado em sees de artigos acadmico-cientficos, de memria, de resenhas, de entrevista e concludo pela seo de ar-quivo de msica brasileira, constituda de texto introdutrio e edio de obra musicaloriunda da Coleo de Manuscritos Musicais da Biblioteca Alberto Nepomuceno,da Escola de Msica da UFRJ. Sempre que possvel os volumes sero organizadosem eixos temticos propostos pelo Conselho Editorial ou extrados do conjuntosubstancial dos artigos selecionados para publicao. Desse modo, a RBM buscarestimular o debate, a crtica e a inovao, bem como captar e refletir as tendncias,temticas e questes norteadoras da pesquisa em msica no momento.O presente volume tem como eixo temtico as Repercusses do longo sculoXVIII e apresenta contribuies de interesse geral e especfico. O artigo de aberturado autor convidado, Jos Maria Pedrosa Cardoso (Universidade de Coimbra), bemcomo o artigo de Mariana Portas de Freitas (Fundao Calouste Gulbenkian), sode extremo interesse para os estudos da msica luso-americana. Os artigos deDisnio Machado Neto (USP), Aldo Luiz Leoni (Unicamp) e Rgis Duprat (USP e Aca-demia Brasileira de Msica) constituem reflexes crticas sobre a historiografiamusical brasileira e seus paradigmas na trajetria da musicologia no Brasil. O artigode Michel Nicolau (Unicamp e Universidade de Humboldt, Berlim) aborda problemaconcernente a toda a rea da msica enquanto investigao, construo histrico-antropolgica e representao identitria. Nessa esteira seguem os artigos de SilvioMerhy (UniRio) e Edilson Vicente de Lima (UCS), abordando a msica popular noBrasil. Aprofundamentos histricos sobre documentao at ento no abordadaso oferecidos pelos artigos de Claudia Polastre (SMCSP) e Marshal Gaioso Pinto(IFG e Universidade de Kentucky), este ltimo tratando ainda da reapropriao derepertrio. A homenagem de Rgis Duprat a Francisco Curt Lange seguida dasresenhas de Marcelo Campos Hazan (Universidade de Columbia) e Maria Alice Vol-pe (UFRJ) sobre livros publicados recentemente e, ainda, da resenha de Aloysio Fa-gerlande (UFRJ) sobre CD recm-lanado. A RBM presta a sua homenagem ao mu-siclogo Rgis Duprat pelo seu aniversrio de 80 anos com a entrevista realizadapor Ilza Nogueira (UFPB e Academia Brasileira de Msica), conhecedora profundados embates daquela gerao. Andr Cardoso (UFRJ e Academia Brasileira de M-sica) apresenta a partitura do compositor portugus, mestre da Patriarcal de Lisboa,Jos Joaquim dos Santos, localizada no acervo desta instituio brasileira, concluindoo percurso deste volume dedicado ao sculo XVIII e suas repercusses, de especialinteresse para os estudos da msica no Brasil e suas relaes com Portugal.A RBM dirige-se comunidade acadmico-cientfica em seu amplo espectro depesquisadores da msica, msicos, historiadores, antroplogos, socilogos e estu-

  • 13REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ ESCOLA DE MSICA _ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO _ v. 23/2 _ 2010

    diosos da cultura e reas afins. Com periodicidade semestral e distribuio nacionale internacional, a RBM apresenta-se em verso impressa e eletrnica. A revista gentilmente distribuda para bibliotecas, universidades e demais instituies denatureza educacional, cientfica e cultural, do Brasil e do exterior, que tenhaminteresse na msica brasileira, latino ou ibero-americana. Solicita-se permuta aosdemais peridicos afins. A verso eletrnica encontra-se disponvel gratuitamenteno nosso endereo eletrnico. Atualmente a RBM est indexada nas bases RILMAbstracts of Music Literature, Bibliografia Musical Brasileira da Academia Brasileirade Msica e The Music Index-EBSCO este ltimo licenciado a disseminar o seucontedo.Agradeo a toda a equipe que trabalhou com extrema dedicao para a realizaodeste volume, Maria Celina Machado, Mrcia Carnaval, Mnica Machado, TatianaSantos Peixoto de Macedo e Francisco Conte; ao diretor da Escola de Msica daUFRJ, Andr Cardoso, pelo apoio generoso; ao atual coordenador do Programa dePs-graduao em Msica, Marcos Vincio Nogueira, pelo respaldo irrestrito aambos pelo constante dilogo, sincero e frutfero; ao ex-coordenador do Programade Ps-graduao em Msica, Marcelo Verzoni, que retomou e me transmitiu a res-ponsabilidade por esta publicao; aos colegas da ento Comisso Deliberativa doPrograma de Ps-graduao, Rodrigo Cicchelli Velloso, Srgio Pires e Marcelo Fa-gerlande, alm dos j mencionados, pela confiana em mim depositada para assumirtamanha responsabilidade; e aos membros da atual Comisso Deliberativa e Comis-so Executiva da RBM: Maria Jos Chevitarese, Jos Alberto Salgado, Pauxy GentilNunes, alm dos colegas at aqui mencionados. Espero poder cumprir essa missoa contento. Agradeo, ainda, a todos os membros do Conselho Editorial e aos pa-receristas ad hoc, pela pronta resposta s nossas demandas e pela colaboraoto produtiva.Esperamos que o leitor encontre aqui a mesma satisfao que tivemos ao realizaresta empreitada.

    Maria Alice VolpeEditora

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ ESCOLA DE MSICA _ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO _ v. 23/2 _ 2010

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    EDITORIAL

    The Revista Brasileira de Msica (Brazilian Journal of Music) is the firstscholarly journal on music in Brazil, founded under the tutelage of theoldest institution of the kind in this country, the School of Music at UFRJ,which completes 162 years of service. The RBM was created in 1934 byprofessor Guilherme Fontainha, who was then the director of the InstitutoNacional de Msica (National Institute of Music), as an outcome of thereform that had been implemented three years earlier by Luciano Gallet.That institutional reform came with the incorporation of the Instituto Nacio-nal de Msica to the organizational structure of the newly establishedUniversidade do Rio de Janeiro (University of Rio de Janeiro), later re-named Universidade do Brasil (University of Brazil), currently UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (Federal University of Rio de Janeiro).Journal of a long-standing tradition, the RBM has counted on the con-tribution of distinguished scholars such as Mrio de Andrade, Lus HeitorCorrea de Azevedo, Ayres de Andrade and, more recently, Robert Steven-son, Gerard Bhague, Rgis Duprat, Ricardo Tacuchian, Ilza Nogueira,Elizabeth Travassos, Samuel Arajo, Cristina Magaldi, among others.Since 2008, the RBM has been a publication of UFRJ Graduate StudiesProgram in Music the first of the kind in Brazil and which is now cele-brating its 30th anniversary and has taken on the challenge of meetingthe current criteria of contemporary indexing systems for obtaining astatement of quality. One item concerns the composition of the EditorialAdvisory Board, selected among eminent specialists with wide experiencein the field, and affiliated with institutions of national and internationalreach. These colleagues from Brazil and abroad are engaged in this insti-tutional project rooted in the academic tradition that has as priority tomaintain the expected level of excellence for the RBM. To that end RBMalso counts on a body of ad hoc referees composed of national and in-ternational researchers from several institutions.In its new phase, the RBM aims at fostering research on music throughdifferent interdisciplinary approaches as it upholds its broad scope con-

  • 15REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ ESCOLA DE MSICA _ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO _ v. 23/2 _ 2010

    cerning all fields of music inquiry. A scholarly journal traditionally focusing on issuesrelated to Brazilian music and music in Brazil, the RBM also welcomes articles onissues and topics from other cultural areas that may further the dialogue with theinternational community of scholars as well as critical discussions concerning thefield. Each volume is divided into the following sections: scholarly articles, in me-moriam essay, reviews (book, CD, DVD and others), interview, and concludes withthe section Brazilian Music Archive consisting a musicological edition of a selectedwork from the Rare Collection of Alberto Nepomuceno Library of the School of Musicat UFRJ, presented by an introductory text. Whenever possible, the volumes will beorganized into themes proposed by the Editorial Board or arising from the substantialgroup of articles selected for publication. In this way, the RBM seeks to stimulateinnovation, critical thought and discussion, as well as to capture and reflect upontrends, issues and questions that have headed current music research.This volume launches the guiding theme Repercussions of the long eighteenthcentury, and presents studies of general and specific interest. The opening articleby Jos Maria Pedrosa Cardoso (University of Coimbra) and the following one byMariana Portas Freitas (Calouste Gulbenkian Foundation) are of extreme importancefor Luso-American music studies. The articles by Disnio Machado Neto (USP), AldoLuiz Leoni (UNICAMP) and Rgis Duprat (USP/Brazilian Academy of Music) are cri-tical reflections on the historiography of Brazilian music and its paradigms in thehistory of musicology in Brazil. The article by Michel Nicolau (UNICAMP/HumboldtUniversity of Berlin) discusses an issue concerning music as a research field, itshistorical and anthropological construction, and identity representation. On the samepath, the articles by Silvio Merhy (UniRio) and Edilson Vicente de Lima (UCS) approachpopular music in Brazil. In-depth historical studies dealing with documentation thathad remained unscrutinized so far are presented by Claudia Polastre (SMCSP) andMarshal Gaioso Pinto (IFG/University of Kentucky), the latter dealing with the rea-ppropriation of musical works. Rgis Duprats tribute to Francisco Curt Lange isfollowed by reviews by Marcelo Campos Hazan (University of Columbia) and MariaAlice Volpe (UFRJ) on recently published books, and another by Aloysio Fagerlande(UFRJ) of a newly released CD. This RBM volume also pays tribute to the musicologistRgis Duprat, for his 80th birthday, with an interview led by Ilza Nogueira (UFPB/Brazilian Academy of Music), who knows well the struggles of that generation. An-dr Cardoso (UFRJ/Brazilian Academy of Music) presents a musicological edition ofa musical work by the Portuguese composer who taught at the Patriarchate of Lisbon,Jos Joaquim dos Santos, located in the archive of this Brazilian institution. In thisway, it completes the course of this volume devoted to the eighteenth century and itsrepercussions, with particular interest to the studies of music in Brazil and its re-lations with Portugal.

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    The RBM is aimed at the academic community in its broad spectrum of musicresearchers, musicians, historians, anthropologists, sociologists, culture scholars,and specialists from other related areas. The RBM is published twice a year inprinted and electronic versions with national and international circulation. Theprinted version is distributed in libraries, universities and other educational, scientificand cultural institutions, from Brazil and abroad, interested in either Brazilian orIbero-American music. Exchange with other related journals is welcome. The elec-tronic version is freely available at www.musica.ufrj.br. The RBM is currently indexedin RILM Abstracts of Music Literature, Brazilian Music Bibliography of the BrazilianAcademy of Music, and The Music Index-EBSCO the latter licensed to make itscontent fully available.I wish to thank all members of the RBM staff for their extreme dedication, MariaCelina Machado, Mrcia Carnaval, Mnica Machado, Tatiana Macedo and FranciscoConte; Andr Cardoso, Director of the School of Music of UFRJ, and Marcos VincioNogueira, current Head of the Graduate Studies Program in Music, for their generoussupport, sincere and fruitful dialogue; Marcelo Verzoni, the former Head of the Gra-duate Program in Music, who resumed this publication and passed on the res-ponsibility of this journal to me; our colleagues from the Deliberative Committee ofthe Graduate Studies Program in Music, Rodrigo Cicchelli Velloso, Srgio Pires andMarcelo Fagerlande, in addition to those already mentioned, for the trust; Maria Jo-s Chevitarese, Jos Alberto Salgado and Pauxy Gentil Nunes, current members ofthe Deliberative Committee of the Graduate Studies Program in Music and the RBMExecutive Committee. I sincerely hope to accomplish this mission according to theirexpectations. I also wish to thank all members of the Editorial Advisory Board andad hoc referees, for their prompt response to our requests and efficient collaboration.May all readers find here the same satisfaction that we had in carrying out thistask.

    Maria Alice VolpeEditor

  • 19REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ ESCOLA DE MSICA _ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO _ v. 23/2 _ 2010

    Msica da Paixo:a tipologia portuguesa

    Jos Maria Pedrosa Cardoso*

    ResumoConhecendo-se em Portugal muitos documentos histricos de msica polifnica da Paixo,imps-se o estabelecimento de uma tipologia capaz de orientar metodologicamente osinvestigadores. De uma forma prxima ao estabelecido por especialistas estrangeiros,mas de acordo com a tradio portuguesa, verificou-se que aqueles documentos musicaisse podem classificar por Texto, Versos ou Bradados da Paixo, conforme a polifonia se ve-rifique apenas no discurso narrativo, em algumas frases da narrativa evanglica (geral-mente ditos de Cristo, mas tambm versos narrativos) e nas frases dos personagens in-tervenientes, excepto o Cristo, sejam colectivas (turbas), sejam colectivas e singulares(bradados integrais). Todos esses tipos de canto litrgico da Paixo se praticaram em Por-tugal e, supostamente, no Brasil, nos sculos XVI e XVII, explicando-se a sua quantidadee qualidade, por vezes na obra dos maiores polifonistas, como Antnio Carreira, Joo Lou-reno Rebelo, Francisco Martins etc, pelo gosto esttico e pela prtica de uma espiritua-lidade crist historicamente identificada.Palavras-chaveCanto da Paixo msica litrgica polifonia sacra msica portuguesa.

    AbstractSince the historical chant of Passion, in documents of polyphonic music, has revealed tobe specially rich in Portugal, it became necessary to establish a convenable typology, sothat scholars could better organize their studies. Similar to musicological studies in general,but according to Portuguese tradition, those musical documents can be classified as Texto,Versos or Bradados of Passion, as far as polyphony is found only in the narrative speech, insome sentences of the Passions narration (normally Christs ditos, but also narrativesentences), and in the sentences of the people that intervens in the action, except Christ,be it collective (turbas) or collective and singular (full bradados). All these types of thePassions chant in the liturgy were performed in Portugal and, supposedly, in Brazil during 16th and 17th centuries, and their quality and quantity, sometimes in the work ofthe best composers, as Antnio Carreira, Joo Loureno Rebelo, Francisco Martins and soon, is explained by the aesthetic taste and the practice of a Christian spirituality historicallyidentified in Portugal.KeywordsChant of the Passion liturgical music church polyphony Portuguese music.

    _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________* Universidade de Coimbra, Portugal. Endereo eletrnico: [email protected].

    Artigo recebido em 20 de julho de 2010 e aprovado em 23 de julho de 2010.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ ESCOLA DE MSICA _ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO _ v. 23/2 _ 2010

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    INTRODUOFalar de msica da Paixo de Jesus Cristo , antes de mais, invocar algumas das

    obras-primas da Msica Ocidental, tais como as Paixes segundo S. Mateus e segun-do S. Joo de J. S. Bach (1685-1750) ou a Paixo segundo S. Lucas de Krystof Pende-recki (1933). No mundo ocidental, identificado como civilizao formatada pela re-ligio crist, a Pscoa, com a Paixo de Cristo, constitui o mago do ciclo anual e areferncia maior no calendrio e comportamento dos humanos veja-se a impor-tncia universal do smbolo da cruz, para alm da religio, no quotidiano das pessoas.

    Nas igrejas ricas e bem organizadas do passado, o mestre de capela sabia quea semana santa era a semana maior: depois da experincia religiosa, era a grandeoportunidade para o brilho de msicos e cantores. Era muito grande a importnciaque o status social lhe dava: refira-se o tempo que lhe destinava a corte dos prncipesportugueses, para no falar dos relatos e manuais que fizeram histria na culturaportuguesa e na missionao (Cardoso, 2000, p. 204 ss). A julgar pelo cerimonial li-trgico, sobretudo, o relato da Paixo de Cristo era sempre um momento forte,para o qual a msica tinha tambm uma importncia singular. Efectivamente, nobastava que se lesse ou cantasse uma s vez aquele relato: para lhe dar mais n-fase, eram apresentados os relatos dos quatro evangelistas, o que convertia aquelestextos em pano de fundo para a vivncia mstica daquela semana.

    De acordo com uma tradio remota, a Paixo segundo S. Mateus era lida noDomingo de Ramos; a de S. Marcos, na tera-feira santa; a de S. Lucas, na quarta-feira santa; e a de S. Joo, na sexta-feira santa. sabido que todas as leituras li-trgicas dos cristos eram cantadas por sistema, de acordo com a tradio judaica:o texto da Paixo havia de s-lo com o relevo correspondente a seu papel nas cele-braes da semana maior. Cedo se adoptou uma leitura-canto dramatizada, corres-pondendo a trs nveis textuais bsicos a narrao propriamente dita, as frasesde Jesus e as frases dos restantes personagens o que foi repartido por trs cantores,canonicamente trs diconos, por serem eles os oficiantes especficos para a pro-clamao dos evangelhos. Antes de aparecerem as primeiras notaes do canto daPaixo (sculos XII e XIII), j os livros antigos apresentavam, por cima das frasesrespectivas, uma letra (significativa) que indicava o nvel meldico e, por vezes,rtmico, em que a respectiva frase devia ser cantada. Os primeiros livros com ocanto completo da paixo, com a msica diferenciada de acordo com o papel decada dicono cantor os passionrios aparecem nos princpios do sculo XVI,uma novidade que deve ser explicada no s pela facilidade criada pela aplicao msica dos caracteres tipogrficos, mas tambm pela importncia crescente dohumanismo aplicado liturgia crist.

    Mas o canto da paixo foi ganhando interesse com a emergncia paulatina dopapel da msica, como dimenso artstica, na liturgia e ainda com a sensibilizao

    Msica da Paixo: a t ipologia portuguesa _ CARDOSO, J. M. P.

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    crescente para a devotio moderna, na qual o tema da paixo de Cristo era elementofundamental (Cardoso, 2006, p. 64 ss). assim que, para alm dos trs diconos-cantores da paixo, novos cantores se juntaram no intuito claro de darem maisrelevo, e arte, quele rito litrgico.

    Apareceu primeiramente, na Inglaterra e na Alemanha, no sculo XV, um coroque cantava em polifonia o papel dos personagens colectivos as turbas da paixo o que conferia maior dramatismo ao relato evanglico. Mas a polifonia, jdevidamente divulgada e aceita dentro da igreja, foi tambm aplicada a outrosnveis textuais: a algumas frases especiais, como o promio ou a frase final dapaixo propriamente dita, e sobretudo s frases de Jesus durante o processo dapaixo, documentadas na Itlia j nos princpios do sculo XVI (Cardoso, 2006, p.205). Para estas frases adoptou-se geralmente uma polifonia a trs vozes que podiaser executada pelos trs diconos da paixo. Mas o gosto da polifonia e, diramos,o carcter semanticamente festivo desse estilo musical levaram a que a mesmafosse aplicada at no prprio nvel narrativo do texto evanglico. Tudo o qual, conve-nientemente articulado, podia empregar no canto da paixo, para alm de um coropara as turbas, sete ou oito cantores solistas.

    Se pensarmos que alguns destes cantores se colocavam em locais diferenciadosda igreja, inclusivamente nos plpitos, compreenderemos que o canto da paixo seconvertia facilmente em rito musical de carcter dramtico e mesmo festivo, noimportando o tempo que a sua execuo tomasse dentro da celebrao litrgicaglobal. Todos esses fenmenos se desenvolvem, como evidente, na poca do flo-rescimento da polifonia clssica do sculo XVI, ganhando novas dimenses na emer-gncia do barroco na msica litrgica catlica e protestante.

    Fica assim suficientemente explicado o fenmeno do aparecimento de inmerasfontes musicais com msica da paixo em toda a Europa, e particularmente emPortugal e seus domnios ultramarinos.

    E uma vez que esses documentos apresentam ttulos variados, de acordo com asua funcionalidade, convm conhec-los e classific-los devidamente, com o queno se esclarece apenas a sua funo, como tambm se explica o estilo musicalque os informa. Como tambm bvio este trabalho vai referir essencialmente aproblemtica portuguesa, embora oportunamente enquadrada nos fenmenos eu-ropeus similares.

    TIPOLOGIAS DA PAIXO NA EUROPAO tratamento musical do texto litrgico da Paixo, pese embora a restrio ca-

    nnica ditada pelo Missale Romanum e pelos manuais litrgicos, possibilitou aolongo dos tempos uma grande variedade de formas. A mais natural a que apresentauma alternncia de partes em cantocho e polifonia, por isso mesmo chamada

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    Paixo Responsorial. Dentro dessa categoria, a variedade depende do tipo departes em polifonia: versos ou frases isoladas; frases das turbas; frases das turbase dos personagens singulares menos Cristo; frases das turbas, dos personagenssingulares e de Cristo. Um segundo tipo de composio seria aquele que contemplapolifonia apenas no discurso narrativo, alternando com uma verso monofnicanas frases dos personagens. Ainda outra espcie de canto de Paixo seria uma pe-a inteiramente polifnica, do princpio ao fim, sem diferena de discursos narrativoou directo. Em qualquer destas tipologias est sempre em causa, como factor de-terminante, a polifonia nas suas vrias e possveis aplicaes ao relato evanglico,o que normal, uma vez que o cantocho utilizado j como cantus firmus estrutu-rante, j como elemento alternativo, convencionalmente o mesmo segundo asregies eclesisticas.

    Sobre essa problemtica especfica trabalharam vrios musiclogos, sobretudona segunda metade do sculo XX. Sem fazer uma reviso de literatura, certamenteactualizada pelo Grove online e pela MGG (1997), apresenta-se aqui uma refernciaessencial julgada suficiente de momento. O primeiro, um clssico na matria, foiOtto Kade que diferenciou simplesmente uma paixo-moteto e uma paixo-dram-tica: aquela correspondendo a uma pea inteiramente polifnica e esta, com alter-nncia de polifonia e cantocho (Kade, 1893, p. 4). Um dos maiores especialistasna matria foi Kurt von Fischer (1954, p. 202-203), o qual separa as peas da paixoem dois tipos: Paixo responsorial e Paixo inteiramente polifnica, ou durchkom-poniert. Aquela corresponde a uma composio que alterna monodia e polifonia,sendo esta aplicada apenas nas turbas; nas turbas e personagens singulares (ex-cepto o Cristo) ou nas turbas, personagens singulares e o prprio Cristo.

    Gnther Schmidt (1960, p. 102), apoiando-se na opinio de Arnold Schmitz (1959,p. 233) segundo a qual a Paixo-motete no sculo XVI ainda algo diferente daPaixo durchkomponierte, e retomando o conceito alemo da Passionshistorie,pretendeu completar a classificao de Otto Kade e Kurt von Fischer, acrescentandoo factor da presena do cantocho como determinante de uma Passionshistorie ousimplesmente de uma Passion: aquela comprometida com um cantus firmus vigentee esta sem qualquer tipo de ligao ao cantocho; isso tanto nos casos da paixoresponsorial como da inteiramente polifnica. O mesmo musiclogo acrescentouuma terceira e uma quarta espcie: aquela, correspondendo Paixo-motete (mo-tettische Passion) elaborada rigorosamente segundo as tcnicas do motete renas-centista, e esta, identificada como a Paixo-oratria (oratorische Passion) de pocaposterior.

    Friedrich Blume (1965, p. 114) referindo-se especialmente Paixo protestante,fala de cinco espcies de paixes: responsorial (correspondente antiga Choral-passion), inteiramente polifnica (durchkomponierte, correspondente Figu-

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    ralpassion ou mottetische Passion), mista das duas anteriores, Paixo-Oratria (ora-torische Passion) e Oratria-Paixo (passions-oratorium). Vale a pena sublinhar adefinio formal de oratorische Passion (oratorio passion) e Passions-Oratorium (pas-sion oratorio), aqui traduzidas, falta de melhor, por Paixo-Oratria e Oratria-Paixo, denotando respectivamente: aquela, uma composio baseada apenasnum texto evanglico, embora com partes tropadas (v.c. as Paixes de J. S. Bach oude Telemann); e esta, uma composio sobre um libreto livre elaborado a partir dosevangelhos (v.c. o libreto de Metastasio, com msica, entre outros, do portugusJoo Pedro Almeida Mota, 1744-1817).

    A TIPOLOGIA PORTUGUESASegundo a documentao colhida no mbito do trabalho que levou ao primeiro

    doutoramento em Msica na Universidade de Coimbra (1998), de que smula amonografia O Canto da Paixo nos Sculos XVI e XVII: A Singularidade Portuguesa(Cardoso, 2006), os modelos utilizados pelos polifonistas portugueses inscrevem-se todos no gnero responsorial, o que significa a coexistncia na mesma obra departes em polifonia e partes em cantocho. Nesse sentido, o dilogo entre polifoniae cantocho d origem a uma grande diversidade de formas, justificando uma sis-tematizao adequada. Assim, e supondo que o cantocho preenche o resto daparte musical, numa execuo da Paixo, a polifonia pode estar:

    - s no discurso narrativo,- s nas frases de Cristo,- nas frases de Cristo e em algumas outras,- s nas frases das turbas,- nas frases das turbas e dos personagens singulares, excepto Cristo,- nas frases das turbas e de todos os personagens singulares.

    Estas partes polifnicas assumem frequentemente, por si mesmas, o carcterde obra autnoma, com ttulos como Texto para o Domingo de Ramos ou Ditosda Paixo para Sexta-Feira Santa. Em muitos dos casos, a cpia musical apresentatambm a melodia do cantocho. Este, tanto o que apresentado em verso mo-ndica como o que aparece no cantus firmus das verses polifnicas, geralmenteo modelo tradicional portugus, um singular modus cantandi utilizado em Portugaldesde finais do sculo XV pelo menos e largamente tratado na citada monografia.

    Independente de qualquer forma especfica do canto da Paixo e, todavia, pres-suposto para o canto mais solene da mesma, o promio, espcime por vezes do-cumentalmente isolado. Assim visto, ele aparece igual em trs manuscritos e con-corda com o promio dos Bradados de Antnio Carreira, razo pela qual no considerado como tipo especfico.

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    Na exposio das espcies inventariadas optou-se pela terminologia constantedos prprios manuscritos. Muitas verses com polifonia no discurso narrativo apre-sentam o ttulo de Texto. Outros manuscritos ostentam os ttulos de Versos,Ditos, Ditos de Cristo, ou semelhantes. Pareceu, pois, mais correcto manteressa terminologia, fazendo que a classificao da Paixo polifnica portuguesa,com clareza e coerncia, adopte os termos da poca em que nasceu.

    Assim, todas as espcies polifnicas portuguesas sero classificadas conformeas seguintes categorias, desde j convenientemente definidas:

    1. Texto Composio polifnica apenas no discurso narrativo da Paixo,correspondente s frases introduzidas por um C na verso monofnica, sendo asfrases em discurso directo normalmente apresentadas em cantocho.

    2. Versos Tratamento polifnico de algumas frases (versculos, versos) dapercopa evanglica, sendo o restante discurso executado em cantocho; entreessas frases polifnicas, e em qualquer modalidade, consta geralmente o chamadoPromio da Paixo. Conforme os versos em causa, podem-se considerar:

    2.1. Ditos de Cristo Os versos polifnicos respeitantes apenas afrases de Cristo, com o Promio includo;

    2.2. Ditos vrios Alguns versos polifnicos pertencentes ao discursode Jesus ou simplesmente narrativos, sempre com o Promio.

    3. Bradados Tratamento polifnico das frases correspondentes aos per-sonagens da Paixo excepto Cristo, frases que, na verso monofnica, eram assi-naladas com S e cantadas pela voz mais aguda. Surge, nesse caso, tambm a distin-o entre:

    3.1. Bradados integrais As frases polifnicas correspondentes atodos os personagens singulares (excepto Cristo) ou colectivos, i. e., tudo o que eraassinalado com S ou com SS, e

    3.2. Turbas As frases polifnicas correspondentes apenas aos per-sonagens colectivos da Paixo: judeus, soldados, discpulos etc.

    Assim classificadas, com base na prpria terminologia tradicional portuguesa,importa fundamentar sistematicamente cada uma destas categorias da Paixo.

    1. TEXTO DA PAIXOA expresso Texto da Paixo referida a espcimes de paixes polifnicas

    uma constante das fontes consultadas nos arquivos musicais portugueses. Utilizadadesde o tempo antigo, foi a expresso corrente em Portugal para indicar a msicada Paixo correspondente ao discurso narrativo, vulgarmente identificado como opapel do C, Cronista. Pelo facto de este canto ser objecto de tratamento polifnico,sua durao seria longa, o que justifica que as partes restantes do relato da Paixo,

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    correspondentes aos versos de Cristo e dos restantes personagens, fossem cantadasem cantocho. Em muitos manuscritos, este cantocho mesmo inserido nos in-tervalos da polifonia.

    O ttulo Texto de uma composio musical normalmente completado pelasvozes que o constituem atravs da frmula Texto a 4 e Texto a 3. Os tratadistaslitrgicos, ao explicarem a possibilidade da execuo polifnica do canto da Paixo,deixaram indicaes muito concretas da presena de quatro cantores s para oTexto. Assim, o Pe. Amaro dos Anjos, ao falar do canto da Paixo, num cenrio degrandeza e perfeio, refere um total de sete solistas mais coro, entre os quaisquatro solistas s para o texto. Este autor diz:

    cantarem-se as Payxoens com toda a solemnidade, grandeza, e ar-monia, porque como se canta a vozes, devem de ser sempre seis osque a cantarem; quatro que fazem o Texto, que representa a pessoado Evangelista, hum que faz o Bradado, e outro da pessoa de Christo.Para este effeito costumamos pr hum altar portatil entrada da Ca-pella mr no meyo della, sem mais ornato que huma toalha, e quatroestantes, onde se canta o Texto, para o pulpito da sua ma direytavay o que faz a pessoa de Christo; e para o da esquerda, o Bradado[...] No coro se canta os ditos das Turbas, e ahi mesmo hum tiple fazas Ancilas, para tudo se fazer com grandeza, e perfeya [...] Na ter-a, e na quarta feyra, se costuma cantar a Payxa smente de trez;hum que faz a pessoa do Evangelista, outro de Christo, e outro doBradado [...]. (Anjos, 1734, p. 424-425)

    Do ponto de vista musical, o Texto da Paixo apresenta-se em estilo predomi-nantemente silbico, naturalmente para no alongar a sua execuo dentro de umritual j em si muito demorado. Depois, mantm a proximidade, ou mesmo a depen-dncia, do cantus firmus tradicional, seguido rigorosamente pelos cantores daspartes de Cristo e dos restantes personagens. Por vezes esse discurso polifnicoorganiza-se em nmeros, de maior ou menor extenso, que tendero a assumir opapel seccionado das grandes formas vocais da msica barroca. Estas seces,por vezes at numeradas, so delimitadas pela interveno do discurso directo dospersonagens intervenientes na Paixo, acabado o qual o texto polifnico retomado,eventualmente com outra definio de tempo.

    A textura musical propriamente dita , nesse tipo de Paixo, caracterizada ba-sicamente pelo estilo de fabordo, isto , uma escrita musical baseada em con-sonncias de terceiras e sextas paralelas. A utilizao dessa tcnica de escrita um facto comprovado pelos espcimes conhecidos e identificados j desde o sculo

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    XVII e que se pode verificar ainda na obra de compositores de fins do sculo XVIII eprincpios do XIX, como o caso de Joo Jos Baldi, que comps uma Paixo dedicadaaos Frades Capuchos (Biblioteca Nacional de Portugal, FSPS 67/6 K-3). Alis, pelosnumerosos manuscritos existentes e copiados j no sculo XIX, sabe-se que aindaento se prezava em Portugal a execuo musical dessa espcie de Paixo.

    A prtica deste canto da Paixo deve-se ter divulgado por todo o pas, comobem testemunham os arquivos consultados. Sobressai, entre todos, o nome e osTextos de Francisco Lus (1693), encontrando-se cpias das suas composiesdesde o Minho ao Algarve, passando por Coimbra, bidos e Castelo Branco. Eluci-dativo da divulgao e do apreo das suas paixes, est o facto de existirem, sem Braga (S Catedral e Irmandade de Santa Cruz), trs espcimes completos dasmesmas, com a curiosidade de terem sido copiados de um exemplar escrito para oservio da S do Porto. Embora outros compositores tenham surgido, como Fr. Manueldos Santos e Matias de Sousa Vilalobos e vrios outros annimos, lcito suporque o exemplo e o estilo de Francisco Lus tenha influenciado outras composiesposteriores, o que se pode comprovar pela anlise estilstica da prpria escrita mu-sical destas ltimas.

    De acordo com a informao existente, esta a cronologia dos compositores deTexto da Paixo em Portugal:

    Fr. Joo de Cristo (1654)Francisco da Costa (1667)Joo lvares Frouvo (1682)Fr. Andr da Costa (1685)Matias de Sousa Vilalobos (p 1691)Francisco Lus (1693)Fr. Francisco da Rocha (1720)Francisco da Costa e Silva (1727)Pedro Vaz Rego (1736)Fr. Manuel dos Santos (1737)Joo Jos Baldi (1770-1816)

    Infelizmente, no so conhecidas as composies da maior parte dos autoresaqui elencados, cuja notcia se deve apenas informao dos autores do ciclo daBibliotheca Lusitana. possvel que as obras congneres documentadas neste tra-balho como de autoria annima, embora copiadas tardiamente, correspondam produo de alguns daqueles autores. Nada mais se pode acrescentar de momento,em ordem identificao de tais exemplares e da obra de tais compositores.

    Para compreender a importncia desta espcie de msica de Paixo, refira-seainda a informao prestada pelo Index da Livraria Real (1649) acerca da relao

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    possvel entre o Texto e as restantes partes do canto da Paixo. Quando pareceriabvio que a polifonia de um discurso narrativo, por excessivamente longo, fossesuficiente para dignificar um cerimonial litrgico sendo essa a concluso naturaldo facto de vrios manuscritos apresentarem junto a notao monofnica dospersonagens da Paixo surge a informao do autor do Index, a propsito deBradados de Diaz Bessn para Quarta-Feira Santa: Seruem com o teixto a 4 domesmo dia, & do mesmo tom (Ribeiro, 1967, p. 350), informao que vai repetidapara duas composies diferentes. E s pode significar que a execuo polifnicado Texto era compatvel com o canto simultneo da verso polifnica dos Bradados,i.e., todos os ditos dos personagens, excepto os de Cristo, confirmando-se, assim,a opinio acima invocada do Pe. Amaro dos Anjos.

    Por outro lado, outra informao dada no mesmo local, a saber: Este Teixtoserue com o canto cho Tolledano; & tambem com o de Fr. Esteua da Ordem deChristo, mas no he muy a proposito para o Teixto (Ribeiro, 1967, p. 351). Essanota, literalmente confusa, merece alguma considerao. O Texto da autoria deGery de Ghersem podia executar-se com o cantocho toledano: estava no mesmotom e as frases dos personagens, em cantocho, inseriam-se perfeitamente naexecuo geral. O autor acrescenta duas coisas diferentes: por um lado diz quetambm se podia cantar com o cantocho de Fr. Estvo e, por outro lado, diz queeste no fica bem com o Texto polifnico. A concluso a tirar parece ser estaltima, mas ficam dadas por entrelinhas informaes preciosas:

    - em Portugal tambm se conhecia o modelo monofnico de Toledo(exemplo do fragmento encontrado em Coimbra);- o cantocho toledano diferente do consagrado no Liber Passionum deFr. Estvo de Cristo;- Gery de Ghersem comps o seu Texto em conformidade com o modelotoledano (podia t-lo feito quando ainda cantava na Capela Flamenga dosReis de Espanha);- fica tambm documentalmente comprovada a especificidade do modelomonofnico portugus ante o panorama litrgico-musical ibrico.

    No que se refere a uma definio literria do Texto, nada de especial h a referir,uma vez que o discurso musicado coincide com a parte maioritria da narraoevanglica. De notar, todavia, que o Texto da Paixo em polifonia acaba onde comeaa parte que se dizia em tom de Evangelho, o qual se compreende, uma vez que essaltima parte devia ser cantada exclusivamente pelo Dicono da Missa ou da Ce-lebrao litrgica.

    De qualquer forma, a totalidade do discurso narrativo convertido em Texto daPaixo corresponde s percopas evanglicas identificadas no seguinte quadro:

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    Percopas evanglicas da Paixo

    2. VERSOS DA PAIXONa inventariao de espcimes com msica da Paixo aparecem alguns cujo

    contedo se reduz a algumas frases isoladas, aparentemente desconexas ou sem

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    rigor selectivo. No cabem nem nas categorias definidas de Texto, Bradados eTurbas nem ainda nos chamados Ditos de Cristo. A designao de Versos daPaixo aplica-se, pois, a uma composio que incide sobre frases isoladas docanto litrgico da Paixo e pertencentes quer ao papel do Cronista, C, quer ao doCristo, .

    O nome de versos entende-se, pois, no como uma forma potica, mas sim-plesmente na linha do repertrio litrgico, como frase que devia ser cantada nocontexto de uma forma mais ampla e de execuo alternativa. assim que se cha-ma o trecho, geralmente breve, do solista dentro de uma pea responsorial e eraesse, por outro lado, o nome de uma composio sacra ou profana da Alta IdadeMdia, monofnica ou polifnica, sobre uma unidade literria rimada.

    A singularidade de pequenas frases, inseridas numa composio de amplas di-menses e com intencionalidade alternativa, justifica assim a aplicao do nomede versos composio musical de frases isoladas do canto da Paixo. Por outrolado, parece ser esta a explicao para o uso deste termo por parte do autor da Pri-meira Parte do Index da Livraria de Musica do Muyto Alto, e Poderoso Rey Dom Jooo IV, Nosso Senhor (1649) ao classificar de versos algumas espcies de Paixespor oposio a Bradados e Textos (Ribeiro, 1967, p. 350-351).

    Lamentavelmente, e por causa do desaparecimento da Biblioteca Real em con-sequncia do trgico terramoto de 1755, no possvel saber-se hoje o contedoexacto daquelas Paixes, que o autor da Primeira Parte do Catlogo designou dessamaneira e no da forma convencional de Turbas ou Texto, o que parece indicar,pelo menos, o uso do vocbulo versos como designao de uma subespcie dognero Paixo.

    O termo versos aplicado ao canto da Paixo parece vir de longe. Ao falar datradio do canto polifnico de algumas frases da Paixo por parte de alguns C-negos Regrantes, D. Leonardo de S. Jos utiliza precisamente essa expresso (S.Jos, 1693, p. 515).

    Ora aquela tradio aparece documentada em vrias composies dos compo-sitores crzios j desde a segunda metade do sculo XVI e todas elas contm frasesde Cristo juntamente com outras frases do Cronista, sendo todas elas consideradasversos. Era esta certamente a tradio a que se referia o citado Cnego de SantaCruz. Por esta razo, e porque verdadeiramente no existem composies exclusi-vamente com frases de Cristo mesmo os chamados Ditos de Cristo de FranciscoMartins incluem uma frase narrativa, o Promio da Paixo pareceu convenienteadoptar a categoria especfica de Versos da Paixo nos quais se incluem natu-ralmente as subespcies de Ditos de Cristo e Ditos Vrios. A expresso Ditosde Cristo, como composio musical, aparece explicitamente, tanto quanto hojese sabe, pela primeira vez no manuscrito de Francisco Martins. Na realidade so as

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    composies deste compositor que se aproximam mais da justeza do nome umavez que, para alm do Promio da Paixo, contm apenas frases de Cristo. Emtodos os outros casos, aquele ttulo no aparece e as frases musicadas pertencemj ao narrador, j ao papel de Cristo no canto da Paixo.

    2.1 Ditos de CristoAs frases pronunciadas por Cristo durante o processo da sua condenao apa-

    recem j nos primeiros Evangelirios marcadas com uma letra especial p ou t,mais tarde derivada em , significando um retardo enftico na sua cantilao.Essas letras, juntamente com outras relativas ao restante texto evanglico, condi-cionaram certamente o estilo do canto da Paixo durante a Alta Idade Mdia.

    Ainda antes de se produzirem suportes com a notao completa do canto daPaixo os Passionrios , e para alm das letras significativas de carcter mu-sicalmente executivo, j se conhecem evangelirios com algumas notas intercaladasartificialmente no texto litrgico. o caso de notao nas palavras Surgite eamusbem como em outras, mais frequentes, como Heli, Heli, lamma sabacthani. Essaspalavras de Cristo na cruz tiveram desde sempre maior nfase em qualquer modelode paixes monofnicas: foram quase sempre revestidas de notao especial, adop-tando com frequncia o estilo melismtico.

    Sem excluir outras eventuais tradies, as palavras de Cristo, no seu todo, rece-beram um tratamento muito especial em alguns modelos ibricos de Tonus Passionis. o caso do Passionarium de Zaragoza (impresso em 1504 e reimpresso sucessivasvezes at 1612), do Passionrio Dominicano de 1570, do Passionrio de Juan Navarroimpresso no Mxico em 1604, do Manual del Coro de Francisco Navarro (Salamanca,1606) e do Liber Passionum de Fr. Estvo de Cristo (Lisboa, 1595). Os citados mo-delos espanhis apresentam as frases de Cristo no sobre uma nota recitativamais grave como mais vulgar em correspondncia com a tradicional indicaodas letras significantes t > (=tenere), b (=bassa voce), i (=inferius) , mas sobrea nota recitativa mdia. A razo apontada por Theodor Gllner (1975, p. 49-53) visatirar partido do nvel acstico para favorecer o embelezamento melismtico daspalavras de Cristo. Interpretando da mesma maneira a disposio das notas tenordos restantes modelos citados, este autor chama a ateno para a notao diferenteatribuda por sistema s palavras de Cristo por Fr. Estvo de Cristo (1595). A atenopara essas palavras sagradas, determinada por uma escrita musical bem diferen-ciada, ser consequentemente mantida e acrescentada pelo seu envolvimento naescrita polifnica.

    As primeiras notcias de polifonia nas palavras de Cristo durante o canto da Paixoaparecem em Roma na passagem do sculo XV para o XVI, aparentemente por influ-ncia da tradio espanhola praticada na capela do Papa Alexandre VI (1492-1503).

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    No seio dos Versos da Paixo apresentam-se duas possibilidades formais, deacordo com os textos tratados polifonicamente. Existem, na verdade, composiespolifnicas s ou quase exclusivamente com Ditos de Cristo tal como existem outrasem que a polifonia dos Ditos de Cristo aparece junto com outros versos da Paixo.Nesse sentido as clusulas polifnicas ordenadas por Alexandre VI eram sim-plesmente Ditos Vrios da Paixo, o que se aplica maioria dos espcimes conhe-cidos e aqui inventariados de composies com tratamento polifnico das frasesde Cristo.

    Segundo o levantamento feito e recolhido na citada monografia, Ditos de Cristoso todos os de Francisco Martins (1625?-1680), j estudados e transcritos por Jo-s Augusto Alegria, os de Mateus (Mt) de Lopes Morago (c1575-p1630) e os de Joo(Jo) de D. Pedro de Cristo (?-1618).

    2.2 Ditos vriosQuanto aos Ditos Vrios da Paixo, tal como atrs se definiram, pela sua qualidade

    e pelo seu nmero, constituem um caso de notoriedade da msica portuguesa nopanorama europeu. Kurt von Fischer (1962) chamou a ateno dos estudiosos detodo o mundo para o caso singular que era o MM 56 da Biblioteca Geral de Univer-sidade de Coimbra precisamente o manuscrito que, com o seu par de Guimares(Gs SL 11-2-4), constituiu o fulcro da tese j mencionada. Foi ele que motivou adescoberta de espcimes anlogos nos arquivos portugueses, permitindo a consta-tao de que a produo de msica polifnica sobre Versos da Paixo foi assaz nor-mal nas capelas e catedrais de Portugal a partir do sculo XVI.

    Em comum, tm todos esses espcimes a escrita a trs vozes e tambm a inclu-so na mesma obra do Promio da Paixo Passio Domini Nostri Jesu Christi secun-dum NN. In illo tempore. A escrita a trs ter sido concebida a pensar na sua exe-cuo por parte dos trs diconos da Paixo, os quais, no momento certo, cantariampolifonicamente os respectivos Versos, substituindo ento a frase monofnica con-vencional correspondente ao papel do Cristo ou do Cronista. Essa substituio,funcional mas de grande exigncia tcnica para os diconos da Paixo, ficou bemdocumentada pela anotao manuscrita encontrada nos exemplares do Liber Pas-sionum de fr. Manuel Pouso existentes na S de Elvas: na frase monofnica quedeveria ser substituda pela frase polifnica de Francisco Martins, activo naquelaS, aparece a inscrio a 3, provavelmente escrita pelo prprio mestre de capelae compositor elvense. O mesmo se diga do Passionrio manuscrito P-Cug MM 200,onde, nas frases correspondentes, aparece a mesma anotao: a 3. Fica assimexplicada, tambm, a apresentao consecutiva de uma verso monofnica e po-lifnica em certos versos dos Passionrios mistos de Guimares e Coimbra (Gs SL11-2-4 e Cug MM 56).

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    Em quadro cronolgico, e para alm dos Annimos, eis os compositores de Versosda Paixo em Portugal:

    D. Pedro de Cristo (1618)Estvo Lopes Morago (c. 1575-1630)Francisco Martins (1625?-1680)Joo dos Santos Pereira (fl. sc. XVIII 2d.)

    VERSOS DA PAIXO DE S. MATEUSDitos de Cristo e Ditos vrios

    1 C - Passio Domini Nostri Jesu Christi secundum Mathaeum. In illotempore2 - Amen dico vobis, quia unus vestrum me traditurus est3 - Accipite et comedite: hoc est corpus meum4 - Amen dico tibi, quia in hac nocte antequam gallus cantet, terme negabis5 - Tristis est anima mea usque ad mortem: sustinete hic etvigilate mecum6 - Pater mi, si possibile est transeat a me calix iste. Verumtamennon sicut ego volo, sed sicut tu7 - Pater mi, si non potest hic calix transire nisi ut bibam illum,fiat voluntas tua8 - Dormite jam et requiescite: ecce appropinquavit hora, et Filiushominis tradetur in manus peccatorum. Surgite eamus: ecceappropinquat qui me tradet.9 - Amice, ad quid venisti?10 - Tu dicis.11 C - Clamavit Jesus voce magna dicens.12 - Eli, Eli, lamma sabacthani?13 (C - Hoc est:) - Deus meus, Deus meus ut quid dereliquisti me?14 C - (Jesus autem iterum clamans voce magna) Emisit spiritum15 C - Erant autem ibi Maria Magdalene et altera Maria sedentescontra sepulchrum.

    3. BRADADOS DA PAIXO um termo utilizado em Portugal, desde antigo, para designar os ditos dos per-

    sonagens da Paixo, excepo do Cristo, incluindo-se nele as falas das persona-gens singulares e tambm as falas da multido, ou de grupos de personagens.Esses ltimos so normalmente designados por Turbas.

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    O vocbulo Bradado deriva do verbo bradar, sinnimo de clamar, falaralto, e ter sido sugerido pelo facto de a corda recitante do respectivo cantor daPaixo ser constituda por uma nota mais aguda que a dos restantes cantores. Naexecuo monofnica da Paixo, o papel dos Bradados corresponde s frases assi-naladas com S (> sursum, vulgo sinagoga) e engloba todas as intervenes emdiscurso directo do canto da Paixo, com a excepo das do Cristo. No se conhe-cendo vulgarmente mais que na funo adjectivante, resulta que este termo, justi-ficado pela sua referncia a essa parte do canto da Paixo, deveria entender-secomo um canto bradado.

    3.1 Bradados integraisPor sua vez os tratadistas litrgicos supracitados utilizam o bradado como

    significante comum. Fr. Domingos do Rosrio, na primeira edio do seu Theatroecclesiastico, bem explcito: As Payxoens cantara tres, a saber: Texto, Christo,e Braddo [...] (Rosrio, 1743, p. 167). Mas antes desses, j o autor do Ceremonialda congregao dos monges negros era claro no seu discurso:

    A Payxo se cantar como he costume, dizendo o Religioso da partedo Euangelho o texto do Euangelista, o do meyo os ditos de Christo:o da parte da Epistola os ditos das pessoas singulares como he de S.Pedro, da Ancilla, de Pilatos, etc. os ditos das turbas diro os musicosdo Choro; porem faltando estes, o mesmo Religioso dos Bradadadosos dir todos. (Ceremonial, 1647, p. 145)

    Nesse caso, sobressai o papel do cantor dos Bradados: o que canta os ditos das pes-soas singulares e, na falta de coro para os ditos das turbas, tambm os das pessoascolectivas, v.c. judeus, discpulos etc. Em consequncia, resulta claro que as frasesdos Bradados, porque correspondem a todos os personagens, so mais numerosasque as das Turbas, referidas apenas s personagens colectivas.

    Ao contrrio dos numerosos espcimes das Turbas, pouco frequente a formapolifnica dos Bradados integrais. O discurso directo dentro do relato da Paixoparece no ter sido o mais conveniente para a execuo em estilo polifnico. compreensvel que as frases das Turbas, sugerindo a participao colectiva e assu-mindo o dramatismo da Paixo, estimulassem uma escrita polifnica, revestindo-se normalmente de uma textura homofnica e, por vezes, excepcionalmente deuma textura contrapontstica. As frases de personagens singulares, numa naturalperspectivao dramatrgica, sugerem naturalmente uma execuo a solo. O con-trrio pressupe uma conotao adicional, esttica ou mstica, que leva a enfatizar,por meio da polifonia, o respectivo discurso, como o caso dos Ditos de Cristo.

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    assim que se devem entender os Bradados de Mc e Lc existentes no Livro de bidosda S Patriarcal de Lisboa, adiante estudados, cujas frases singulares em polifoniase reduzem, quase exclusivamente, aos ditos de Pedro, o que parece ir ao encontrodo seu uso na Igreja de S. Pedro de bidos. O emprego da escrita polifnica nasfrases dos personagens soliloquentes da Paixo menos frequente e exige maispossibilidades tcnico-musicais de uma assembleia litrgica. Assim ter acontecido,segundo todos os dados histricos, na comunidade conventual dos Cnegos Re-grantes de Santo Agostinho de Coimbra.

    De facto, as poucas formas de Paixo ou de Bradados integrais encontradas athoje em arquivos portugueses devem-se aos seguintes compositores:

    Antnio Carreira (? c.1530 Lisboa, 1594?)D. Pedro de Cristo (? Coimbra, 1618)

    A relao existente entre esses documentos parece suficientemente clara, aten-dendo-se ao facto de a Congregao dos Eremitas de Santo Agostinho, a que per-tenceu Fr. Antnio Carreira (herdeiro de Antnio Carreira, o Velho), ter mantidoboas relaes com os Cnegos Regrantes de Santa Cruz e de S. Vicente de Fora. Poroutro lado, significativa, nesse mesmo sentido, a presena no MM 59 da BibliotecaNacional de outras obras de D. Pedro de Cristo.

    3.2 TurbasPelo que fica dito, fcil compreender que a palavra Turbas, uma subespcie

    dos Bradados, se refere ao canto das frases atribudas pelos Evangelistas a gruposde pessoas intervenientes na Paixo de Cristo, como so os discpulos, os Judeus,os soldados etc.

    A utilizao do termo praticamente universal e todos os tratadistas litrgicoso utilizaram para explicar o cerimonial da Paixo nos dias respectivos da SemanaSanta. Sendo a matria mais comum utlizada para verso polifnica, as Turbas apa-recem em muitos manuscritos simplesmente como Canto da Paixo, o que sendo,pelo menos, ambguo, indica uma grande divulgao deste tipo de composiolitrgica.

    Eis a a razo para ser este espcime o mais frequente entre todos os documentosmusicais com a temtica da Paixo. De Norte ao Sul, em quase todos os arquivos mu-sicais consultados apareceram espcimes com o canto das Turbas. Para l dasmuitas composies annimas, ainda que sadas eventualmente da inspirao degrandes compositores, possvel formar um quadro cronolgico de compositoresque produziram msica para o canto de Turbas:

    Antnio Carreira ( c.1530-1594?)D. Pedro de Cristo (1618)

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    Manuel Leito de Avilez (1630)Estvo Lopes Morago (c1575-1630)Estvo de Brito (1641)Joo Loureno Rebelo (1610-1661)Francisco Martins (1625?-1680)Diogo Dias Melgs (1638-1700)Jos Maurcio (1752-1815)Antnio da Silva Leite (1756-1833)

    De acordo com a redaco literria de cada um dos Evangelistas, assim variamas frases das Turbas: Mt, 19 frases; Mc, 12; Lc, 14 e Jo, 14 frases.

    Nem sempre os compositores so unnimes na musicalizao da totalidade da-quelas frases, o qual se dever explicar por razes pontuais, de meios de execuoe de tradio local.

    A escrita polifnica das Turbas, tal como a dos Bradados integrais, foi sempreexecutada em ordem a integrar responsorialmente o cantocho do recitante e deoutros eventuais cantores. O modelo do cantocho utilizado na monofonia constituanormalmente o cantus firmus utilizado nas frases polifnicas alternantes. Mas acitao deste, essencial na maior parte dos espcimes de Turbas inventariados,no necessariamente linear, i. e., a melodia do cantocho pode aparecer completamas tambm difusa, por vezes at como simples referncia.

    A maior ou menor densidade da escrita musical depende obviamente do com-positor. muito frequente uma escrita do estilo de fabordo, mas aparecem tambmcomposies com boa elaborao contrapontstica. Dentro destas, o maior ou menorcuidado, verificado por exemplo na multiplicao de vozes, no estilo melismticoetc., deve explicar-se ainda por razes de ordem esttica ou mstica.

    BRADADOS INTEGRAIS DA PAIXO DE S. MATEUSFrases colectivas (Turbas), SS - Singulares, S

    1 SS. Non in die festo, [ne forte tumultus fieret in populo]2 SS. Ut quid perditio haec? Potuit enim unguentum istud venundarimulto et dari pauperibus.3 S. Quid vultis mihi dari et ego eum vobis tradam?4 SS. Ubi vis paremus tibi comedere Pascha?5 SS. Nunquid ego sum, Domine?6 S. Nunquid ego sum, Rabbi?7 S. Et si omnes scandalisati fuerint in te ego nunquam scandalisabor.8 S. Etiam si oportuerit me mori tecum non te negabo.

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    9 S. Quemcunque osculatus fuero, ipse est: tenete eum.10 S. Ave, Rabbi.11 SS. Hic dixit: Possum destruere templum Dei et in triduum reaedificareillud.12 S. Nihil respondis ad ea quae isti adversum te testificantur?13 S. Adjuro te per Deum vivum ut dicas si tu es Christus Filius Dei.13 S. Blasphemavit: quid adhuc egemus testibus? ecce nunc audistisblasphemiam: quid vobis videtur?14 SS. Reus est mortis.15 SS. Prophetiza nobis, Christe, quis est qui te percussit?16 S. Et tu cum Jesu Galilaeo eras.17 S. Nescio quid dicis.18 S. Et hic erat cum Jesu Nazareno.19 SS. Vere et tu ex illis es: nam et loquela tua manifestum te facit.20 S. Peccavi tradens sanguinem justum.21 SS. Quid ad nos? Tu videris.22 SS. Non licet eos mittere in corbonam: quia pretium sanguinis est.23 S. Tu es Rex Judeorum?24 S. Non audis quanta adversum te dicunt testimonia?25 S. Quem vultis dimittam vobis: Barabbam an Jesum qui dicitur Christus?26 S. Nihil tibi et justo illi: multa enim passa sum hodie per visum proptereum.27 S. Quem vultis vobis de duobus dimitti?29 SS. Barabbam.30 S. Quid igitur faciam de Jesu, qui dicitur Christus?31 SS. Crucifigatur.32 S. Quid enim mali fecit?33 SS. Crucifigatur.34 S. Innocens ego sum a sanguine justi hujus: vos videritis.35 SS. Sanguis ejus super nos et super filios nostros.36 SS. Ave, Rex Judeorum37 SS. Vah, qui destruis templum Dei et in triduo illud reaedificas: salvatemetipsum. Si Filius Dei es, descende de cruce.38 SS. Alios salvos fecit, se ipsum non potest salvum facere: Si Rex Israel estdescendat de cruce et credimus ei. Confidit in Deo, liberte nunc si vul eum;dixit enim: Quia Filius Dei sum.39 SS. Eliam vocat iste.40 SS. Sine videamus an veniat Elias liberans eum.41 SS. Vere Filius Dei erat iste.

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    CONCLUSOO incremento dos estudos musicolgicos no Brasil, nas ltimas dcadas, passou

    tambm pela documentao histrica sobre msica da Paixo. So conhecidos,pelo menos, os trabalhos de Maryla Duse Campos Lopes (1989), sobre as Paixesde Francisco Lus, e a de Adeilton Bairral (1997), sobre as paixes de Manuel da Sil-va Rosa e Vicente Ferrer de Lyra. Trata-se em ambos os casos de espcimes deTextos da Paixo existentes, pelo menos, em So Paulo, Mariana, Rio de Janeiroe So Salvador da Bahia. Outros manuscritos musicais existentes nos arquivos mi-neiros e outros por todo o Brasil, bem como o polmico grupo de Mogi das Cruzes,remetem para outros tipos de msica da Paixo, sobretudo o mais divulgado naforma de Turbas. Uns e outros carecem ainda de uma anlise de fundo que os va-lorize individualmente e os identifique, ou diferencie, em relao s fontes por-tuguesas.

    Uma coisa certa, essas composies musicais brasileiras, conformando o estilode msica sacra barroca, no se podem explicar sem a sua referncia msicacoetnea portuguesa na sua dupla realidade: a dependncia fundamental de umcantocho caracteristicamente portugus, geralmente divulgado em todo o Portugale documentado desde finais do sculo XV at ao sculo XVIII, e a adopo de novasregras estruturantes destes tipos de msica sacra decorrentes da romanizao mu-sical imposta em Portugal por D. Joo V e especificamente assimilada na prtica eteoria do Convento de Mafra a partir de 1730. Uma verdade a engrossar o coro ca-da vez mais unssono dos que apregoam uma ponte cultural luso-brasileira, essencialtambm para o conhecimento de uma msica que fez histria aqum e alm doAtlntico.

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    1. Primeiro documento com a msica do modelo portugus do canto da Paixo. Algumas frasesreconhecidas no palimpsesto de um cdice alcobacense, provavelmente de finais do sculo XV.P-Ln Alc. 167.

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    2. Diogo Fernandes Formoso, rosto do seu Passionarium secundum ritum capelle Regis Lusitanie(Lisboa, 1543), exemplar de vora.

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    403. Francisco Lus, rosto da Paixo, texto de S. Mateus, cpia da S de Lisboa, provavelmenteoriginal. P-Lf 121/1 C-1.

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    4. Francisco Lus, incipit da sua Paixo, texto segundo S. Mateus, voz do Tiple, em que aparece oTonus tradicional portugus nas frases dos personagens: neste caso a primeira frase do Cristo.P-Lf 121/1 C-1.

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    425. Annimo de Santa Cruz de Coimbra, incipit e rosto do passionrio polifnico, verso n 1 atrs vozes. P-Cug MM 56, f. 1v.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    Anjos, Pe. Amaro dos. Directorio ceremonial composto pelo Novamente correctoconforme o Missal Romano. Lisboa Occidental: Na Oficina de Bernardo da Costa,1734.Bairral, Adeilton. As quatro Paixes do arquivo da Cria Arquidiocesana de So Sal-vador. Rio de Janeiro: Conservatrio Brasileiro de Msica, 1997.Blume, Friedrich. Geschichte der evangelischen Kirchenmusik. 2 ed. (1, 1935).Kassel: Brenreiter Verlag, 1965.Cardoso, Jos Maria Pedrosa. Reflexos da msica litrgica portuguesa no BrasilColonial, in Kongress Brasil-Europa 500 Jahre: Musik und Visionen. Colnia: AkademieBrasil-Europa, 2000, pp. 202-208.Cardoso, Jos Maria Pedrosa. Do som que chegou ao novo mundo: a paixo por-tuguesa, in A Msica no Brasil Colonial, Colquio Internacional, Lisboa 2000. Lisboa:Fundao Calouste Gulbenkian, 2001, pp. 158-170.Cardoso, Jos Maria Pedrosa. A Paixo portuguesa: a msica que passou os mares,in Anais: IV Encontro de Musicologia Histrica, Msica Religiosa na Amrica Por-tuguesa. Juiz de Fora: Centro Cultural Pr-Msica, 2001, pp. 8-20.Cardoso, Jos Maria Pedrosa. A singularidade dos passionrios impressos em Por-tugal no sculo XVI. Revista Portuguesa de Musicologia, n 12 (2002), pp. 35-66.Cardoso, Jos Maria Pedrosa. Die Frage der liturgischen Passionsmusik in Portugalvom 16. bis 18. Jahrhundert, in Cantus Planus, 2004, pp. 871-882.Cardoso, Jos Maria Pedrosa. O Canto da Paixo nos Sculos XVI e XVII: A Sin-gularidade Portuguesa. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2006.Ceremonial da congregao dos monges negros Coimbra: Diogo Gomez de Loureyroe Loureno Craesbeek, 1647.Fischer, Kurt vom. Zur Geschichte der Passionskomposition des 16. Jahrhundertsin Italien. Archiv fr Musikwissenschaft, XI, 1954, pp. 189-205.Fischer, Kurt vom. Ein singulrer Typus portugiesischer Passionen des 16. Jahr-hunderts. Archiv fr Musikwissenschaft, XIX/XX, 1962/1963, pp. 180-185.Gllner, Theodor. Unknown Passion Tones in Sixteenth-Century Hispanic Sources,in JAMS XXVIII (1975), pp. 46-71.Kade, Otto. Die altere Passionskomposition bis zum Jahre 1631. Gttersloh: Ber-telsmann, 1893.Lopes, Maryla Duse Campos. As duas Paixes de Francisco Lus. Dissertao deMestrado. Rio de Janeiro: Conservatrio Brasileiro de Msica, 1989.

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    Ribeiro, Mrio de Sampaio. Livraria de Msica de El-Rei D. Joo IV Lisboa: AcademiaPortuguesa de Histria, 1967.Rosrio, Fr. Domingos do. Theatro Ecclesiastico em que se acham muitos documentosde cantocho Lisboa: Officina Joaquiniana, 1743.S. Jos, D. Leonardo de. Economicon Sacro dos ritos e ceremonias Lisboa: ManuelLopes Ferreyra, 1693.Schmidt, Gnther. Grundstzliche Bemerkungen zur Geschichte der Passions-historie. Archiv fr Musikwissenschaft, XVII, 1960, pp. 100-125.Schmitz, Arnold. Zur mottetischen Passion des 16. Jahrhunderts. Archiv fr Musik-wissenschaft, 1959, 1/2, pp. 232-245.

    JOS MARIA PEDROSA CARDOSO, natural de Guimares, o primeiro Doutor em Msica (Musico-logia Histrica) titulado pela Universidade de Coimbra. Professor do quadro da Escola deMsica do Conservatrio Nacional, aposentou-se recentemente como docente da Faculdadede Letras da Universidade de Coimbra. Apostando numa cultura musical alargada, confe-rencista convidado, em Portugal e no estrangeiro, falando sobretudo da especialidade demsica sacra e msica histrica portuguesa. Escreveu artigos e captulos em revistas e li-vros da especialidade, sendo autor de O Teatro Nacional de S. Carlos Guia de Visita (1991),Fundo Musical da Santa Casa da Misericrdia de Lisboa (1995), Carlos Seixas, de Coimbra (coord.,2004), O Canto da Paixo nos Sculos XVI e XVII: A Singularidade Portuguesa (2006), Cerimonial daCapela Real: Um Manual Litrgico de D. Maria de Portugal (1538-1577) Princesa de Parma (2007) eHistria Breve da Msica Ocidental (2010).

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    Entre o hexacorde de Guido e o solfejofrancs: a Escola de Canto de Orgade Caetano de Melo de Jesus (1759)

    Primeira recepo da teoria doheptacorde num tratado terico-

    musical em lngua portuguesa

    ResumoA Escola de Canto de Orga de Caetano de Melo de Jesus (1759-1760) um tratado de enver-gadura sem paralelo na teoria musical portuguesa e brasileira. Destacando-se pela expo-sio sistemtica e viso histrica, introduz, pela primeira vez na teoria musical em ln-gua portuguesa, a inovao do heptacorde, at ento ignorada pelos tericos portugueses.Reconhecendo embora as vantagens prticas do heptacorde, o Padre Caetano mantm,contudo, a sua fidelidade tradio hexacordal, alicerada no sistema filosfico e simb-lico boeciano, em que a msica era parte de um todo inteligvel, harmonioso, regido porrelaes e propores numricas.Palavras-chaveCaetano de Melo de Jesus teoria musical luso-brasileira heptacorde solmizao francesa.

    AbstractThe Escola de Canto de Orga by Caetano de Melo de Jesus (1759-1760) is a treatise on musictheory whose vast dimensions and ambitious purpose are unparalleled in Portuguese-Brazilian music theory. With a historical approach to solmization, although in the apologeticstyle of the Ancien Regime, it introduces the heptachord system, which was until then ignoredby Portuguese music theory. Although recognizing the practical advantages of the hepta-chord, Caetano states his preference for the ancient hexachordal method of Guido, foundedon the symbolic system of Boecius, in which music was part of a harmonious, divine uni-verse ruled by numeric proportions.KeywordsCaetano de Melo de Jesus Portuguese music theory heptachord French solmization.

    _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________* Fundao Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal. Endereo eletrnico: [email protected]

    Artigo recebido em 3 de setembro de 2010 e aprovado em 30 de setembro de 2010.

    Mariana Portas de Freitas*

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    1. INTRODUO: O TRATADO, SUA GNESE E CONTEXTOResultado de cruzamentos entre o Velho e o Novo Mundo, refletindo no seu

    percurso singular as trocas e influncias recprocas entre o reino de Portugal e oterritrio colonial da Bahia, a Escola de Canto de Orga do Padre Caetano de Melode Jesus surgiu como uma obra de vastas dimenses e de ambies que no tmparalelo na teoria musical luso-brasileira. Com os seus 1.240 flios manuscritosem caligrafia mida, integrando as Partes I e II, e um aparato bibliogrfico excep-cionalmente vasto, a envergadura desta obra tanto mais inusitada, quanto amaioria dos tratados de msica que circulavam nesta poca, incluindo os que sur-giram no Brasil a partir de 1760 at ao perodo da independncia, no ultrapassavamem quase todos os casos uma extenso de poucas centenas de pginas e um aparatobibliogrfico e terico em geral bastante menos ambicioso.1

    Quando nos debruamos sobre as obras de teoria musical produzidas no espaoluso-brasileiro dos sculos XVI a XIX, devemos distinguir fundamentalmente entreos tratados tericos aprofundados e sistemticos, inclinados especulao terica(tratados em sentido prprio), que so alis pouqussimos ou quase inexistentes,e os simples manuais de instruo prtica para os msicos e moos de coro (ma-nuais didcticos). A grande maioria das obras de teoria musical em lngua portu-guesa recaa nesta segunda categoria: tratava-se de textos muito sintticos, vocacio-nados essencialmente para a instruo prtica dos msicos: eram redigidos pararesponder s necessidades imediatas do ensino da solfa aos moos de coro ecantores das ss catedrais, igrejas e outras instituies musicais (Nery, 1998, p.XIII-XIV;2 e Binder e Castagna, 1996, p. 2-3 e nota 6).

    Como salientmos em outro artigo, a Escola de Canto de Orga constitui um dosraros exemplos de uma obra em lngua portuguesa que se pode enquadrar na pri-

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    1 Os tratados de msica surgidos no Brasil a partir de 1759 at ao perodo da independncia foram no essencialinventariados e descritos por Paulo Castagna e Fernando Pereira Binder (1996). Incluem os dois manuais de Luslvares Pinto (Arte pequena ou Arte de Solfejar, 1761; Arte grande ou Muzico e moderno systema para solfejar semconfuso, 1776), os tratados de Jos de Torres Franco (Arte de acompanhar, 1790), Andr da Silva Gomes (Arte ex-plicada de contraponto, ca. 1800), o mtodo de Jos Maurcio Nunes Garcia (Compndio de msica e mtodo depianoforte, 1821) e um annimo de Salvador da Bahia do incio do sculo XIX. Entre esses tratados, talvez a Artegrande de Luiz lvares Pinto ultrapassa em extenso umas poucas centenas de pginas manuscritas. O tratadode Andr da Silva Gomes, editado por Rgis Duprat et ali (1998), com extenso de quase duas centenas de pginas,constitui elaborao terica mais sofisticada; ver Landi (2006) para comentrio crtico sobre os princpios tericose composicionais do referido tratado do compositor portugus radicado em So Paulo.2 Durante toda a era do grande desenvolvimento da prtica polifnica em Portugal [...] os poucos tratados de Teo-ria Musical surgidos no nosso Pas [...] limitaram-se, de um modo geral, a propor mtodos de aprendizagem ele-mentar, mais ou menos eficazes, dos rudimentos do cantocho, do sistema modal, da notao mensural e do con-traponto. Elaborados, em alguns casos, sob o formato tradicional do dilogo instrutivo entre professor e aluno[como tambm o caso do tratado do P. Caetano], destinavam-se, todos eles, finalidade muito pragmtica defornecerem um mero apoio escrito ao trabalho formativo levado a cabo pelas escolas de Msica anexas aos gran-des centros da prtica polifnica, como as Ss de vora, Lisboa, ou Braga, por exemplo, onde os jovens coralistas,ao mesmo tempo que cantavam no coro as partes de Soprano de todo o repertrio litrgico de cantocho e de po-lifonia, recebiam uma instruo terico-musical bsica que os ajudava a solidificar a experincia prtica que iamdeste modo adquirindo [...]. (Nery, 1998, p. xiii-xiv)

    Entre o hexacorde de Guido e o solfejo francs: a Escola de Canto de Orga de (...) _ FREITAS, M. P.

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    meira categoria acima mencionada, a dos tratados de teoria musical em sentidoprprio.3 Com efeito, no se contentando com redigir um manual de instruo prticade solfejo e de iniciao aos rudimentos do canto de rgo e do contraponto, comosucedia com a generalidade das obras publicadas na metrpole ou redigidas noterritrio brasileiro, o Padre Caetano edificou um texto de uma envergadura poucocomum, dotado de um aparato bibliogrfico invulgar, o que denota o projecto deedificar uma grande obra enciclopdica, que compilasse todo o saber existente napoca sobre msica (Freitas, 2008).4

    Antes de centrarmos a ateno na anlise do tema nuclear deste artigo, mencio-namos apenas duas circunstncias relevantes relacionadas com a gnese e o percur-so da obra de Caetano de Melo de Jesus. A escassez da informao biogrfica exis-tente sobre o autor no nos permite dispor de muito mais do que as notcias quenos so fornecidas pelo prprio tratado. Desconhecem-se os detalhes da vida pessoale provenincia social deste ilustre eclesistico soteropolitano, segundo tudo indicaum mestre de capela eminente e considerado (Alegria, 1985, p. 2-5). Sabe-se tam-bm que nasceu no arcebispado da Bahia, que estudou com Nuno da Costa e Oliveira,mestre de solfa da Misericrdia da Bahia, entre 1715 e 1717 (Binder e Castagna,1996, p. 3), que foi ordenado sacerdote do hbito de So Pedro e exerceu o mestradoda capela da catedral de So Salvador num perodo situado pelo menos entre 1734e 1760.5 Presume-se que ainda estaria de boa sade e na posse plena das suas fa-culdades em 1760, altura em que concluiu as Partes I e II da obra, e que se teriamantido em funes na catedral possivelmente durante mais algum tempo. NoPrologo ao Leytor, o Padre Caetano anuncia expressamente a inteno de redigir

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    3 Os poucos tratados que se lhe podero comparar enquanto tentativas de elaborao terica mais aprofundada,por vezes original (nenhum deles alcanando as dimenses e aparato do manuscrito do Padre Caetano) so a Artede Musica de Canto dorgam e cantocham de Antnio Fernandes (Lisboa, 1626), os Discursos sobre a Perfeiam doDiathesaron, & louvores do numero quaternario em que elle se contem, de Joo lvares Frouvo (Lisboa, 1662), osdois tratados tericos de D. Joo IV (Defensa de la Musica moderna contra la errada opinion del Obispo Cyrilo Fran-co, Lisboa, 1649; Respuestas a las dudas que se pusieron a la Missa Panis quem ego dabo del Palestrina, Roma, 1655),o Tratado das Explanaes de Manuel Nunes da Silva (Lisboa, 1685, 1704 e 1725), a Nova Instruco Musical ou Theoricapractica da Msica Rythmica, de Francisco Ignacio Solano (Lisboa, 1764) e, j na 2 metade do sculo XVIII, O Eccle-sistico Instrudo Scientificamente na Arte do Canto Cha, de Frei Bernardo da Conceio (Lisboa, 1776) (Cf. Nery, 1998,p. xiv).4 certo que tambm a Escola de Canto de Orga contm (p. 43-59), como era tradio em todos os manuais did-ticos, uma sntese abreviada, Resvmo da Arte de Canto de Orga, Vulgarmente chamada Ma, para os Principian-tes, na qual as regras da solmizao so enumeradas sumariamente com vista instruo dos no iniciados namsica. A Mo de Guido encontra-se em quase todos os tratados de msica do Antigo Regime.5 O estudo publicado por Jos Augusto Alegria (1985) centra-se num conjunto de textos (exposio da polmica,respostas dos juzes e rplicas do autor) intitulados Discurso Apologtico Polmica Musical do Padre Caetano deMelo de Jesus, natural do Arcebi