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25 Ano VII - Nº 7 - Outubro 2006 Webcomunicação: a comunicação pensada a partir da Web Resumo Este artigo se pauta numa pesquisa docu- mental e bibliográfica de obras que abordam o processo comunicacional no âmbito do ciberes- paço e do ambiente Web, pretendendo mostrar a construção de um conhecimento particular que anuncia a necessidade da afirmação de uma nova disciplina, a Webcomunicação. Esta demanda é afirmada mediante a configuração deste particular processo de comunicação como objeto de estudo, manifestado em obras de autores fundamentais, na maturação de linhas de pesquisa em programas de pós-graduação, de seções e grupos de pesquisa em associações científicas da área e de artigos em revistas cien- tíficas na área de comunicação e afins. * Adilson Cabral é professor do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense – UFF. Doutor e Mestre em Comunicação Social pela Umesp – Universidade Metodista do Estado de São Paulo Palavras-chave: Ciências da Comunicação Teorias da Comunicação Webcomunicação Adilson Cabral*

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Webcomunicacao: a comunicacao pensada a partir da Web

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Ano VII - Nº 7 - Outubro 2006

Webcomunicação: a comunicação pensada a partir da Web

ResumoEste artigo se pauta numa pesquisa docu-

mental e bibliográfi ca de obras que abordam o

processo comunicacional no âmbito do ciberes-

paço e do ambiente Web, pretendendo mostrar

a construção de um conhecimento particular

que anuncia a necessidade da afi rmação de

uma nova disciplina, a Webcomunicação. Esta

demanda é afi rmada mediante a confi guração

deste particular processo de comunicação como

objeto de estudo, manifestado em obras de

autores fundamentais, na maturação de linhas

de pesquisa em programas de pós-graduação,

de seções e grupos de pesquisa em associações

científi cas da área e de artigos em revistas cien-

tífi cas na área de comunicação e afi ns.

* Adilson Cabral é professor do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense – UFF. Doutor e Mestre em Comunicação Social pela Umesp – Universidade Metodista do Estado de São Paulo

Palavras-chave:

Ciências da Comunicação

Teorias da Comunicação

Webcomunicação

Adilson Cabral*

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Rastros - Revista do Núcleo de Estudos de Comunicação

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IntroduçãoEste artigo parte da necessidade de traçar

perspectivas de maturação de vertentes da Ciência

da Comunicação Social, a partir do desenvolvimento

de quatro grandes áreas, a saber: Comunicação de

Massa, Segmentada, Organizacional (contemplando a

vertente Comunitária), Grupal (contemplando a vertente

Interpessoal), tomadas como referência, a partir dos

macrodescritores disponibilizados pela Unesco em seu

Thesaurus de Comunicação e Informação, visando o

ajuste das subáreas analisadas na proposta de pesquisa

empírica.

O primeiro problema da proposta se evidenciou

diante da grade inicialmente apresentada: como en-

caixar, como dar visibilidade à abordagem da internet

e, em especial, do ambiente Web, no fazer comuni-

cacional? A comunicação produzida na internet e na

Web é destinada à massa? A qual segmento seria?

Quais organizações, comunidades, grupos e relações

interpessoais promovem? A busca por respostas a es-

sas perguntas ou a inviabilidade de suas formulações

é que tornou o trabalho mais fascinante, resultando no

desenvolvimento deste artigo.

A pergunta que não quer calarA internet potencializa uma nova forma de pensar

e fazer a comunicação na sociedade contemporânea.

Mais do que isso, trata-se de uma revolução paradig-

mática na comunicação, proporcionada a partir de um

avanço tecnológico, não de um novo postulado teórico

ou manifestação social, mas sim das características de

seu próprio suporte.

Não afi rmamos aqui a neutralidade da tecno-

logia a despeito do ser humano que a conduz, mas a

descoberta, a partir de sua crescente disseminação,

de usos que transcendem o controle daqueles que a

disponibilizaram. Comunidades, grupos, organizações

e também pessoas se formam a partir deste ambiente

comunicacional, afi rmando o sentido da rede na sua

formulação, na sua capacidade de formar interações dos

mais variados aspectos, abrangências e propósitos.

Os vários exemplos que poderíamos citar apenas

afi rmam o cenário traçado, evidenciando a simples

idéia de que, ao esgarçar as possibilidades existenciais

(constituição da massa, segmentos, organizações e

comunidades), a velha perspectiva de defi nições es-

quemáticas se estende e o sistema se rompe (v. CABRAL,

1999). Ao analisar a internet em geral e o ambiente

Web em particular devemos ter em mente a idéia de

que Massa, Segmentos, Organização e Comunidades,

Grupos e Interpessoalidade são permeadas pela pro-

dução e circulação de informações no contexto dessa

nova tecnologia.

A transversalidade de enfoques diz respeito à

redefi nição de aspectos relacionados à contemporanei-

dade no âmbito econômico, político, cultural e social,

abordados por autores como Pierre Lévy, Wilson Dizard,

John B. Thompson, Manuel Castells, dentre outros, que

passam a ser consumidos por professores e alunos nos

cursos de graduação em Comunicação Social. Relaciona-

se também com as alternativas de linguagem, produção

de conteúdo e perspectivas de interações que passam a

ser incorporadas por usuários de diferentes naturezas.

E assumem, em caráter irreversível, um novo modelo

de construção do conhecimento científi co relacionado

à Comunicação, que parte da concepção direcionada à

massa para assumir o seu caráter de rede, no qual a

World Wide Web tem um papel fundamental.

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Ano VII - Nº 7 - Outubro 2006

Diante do desafi o de formatar toda uma comple-

xa rede estrutural de áreas e subáreas no campo das

Ciências da Comunicação, em relação à qual a Capes

nos apresenta uma referência fundamental, uma per-

gunta que se faz necessária impulsiona a busca que

se pretende empreender neste artigo: como podemos

defi nir e incorporar a Webcomunicação diante desse

contexto?

Diga-me com quem andas...Em primeiro lugar é preciso dizer que associar

a Comunicação a uma área no sentido de formar uma

nova subárea não confi gura uma iniciativa pioneira.

No primeiro encontro acadêmico do qual participei

como ouvinte, ainda estudante, em 1989, o professor

Ismar de Oliveira Soares abordava interfaces entre a

Comunicação e a Educação, propondo um esboço do

que mais tarde passou a ser chamado de Educomuni-

cação, uma disciplina que tem em sua especifi cidade

o pensamento sobre o saber comunicacional com o

caráter educacional.

Outras disciplinas específi cas e subáreas surgem

nestas interfaces e caminhos que os vários objetos e

as várias linhas de pesquisa e áreas de concentração

vão apontando. A Folkcomunicação reaparece nesses

últimos anos com novo fôlego, mobilizando professo-

res e pesquisadores em encontros próprios, tal como

também acontece com a Comunicação para a Saúde;

a Comunicação Comunitária ressurge em disciplinas e

laboratórios de pesquisa e produção em várias universi-

dades do país e, na área da tecnologia e da informática

em geral e da internet em particular, se desenvolvem

variadas experiências e pesquisas destituídas de uma

defi nição conceitual e disciplinar mais organizada.

Cabe reconhecer que o nome e o trajeto da dis-

ciplina Webcomunicação não é tão popular quanto os

anteriormente citados. O próprio termo é mais utilizado

no âmbito comercial do que propriamente apresentado

no contexto acadêmico de interseção de uma disciplina

com um objeto de estudo. No contexto que buscamos

apresentar, trata-se mais de uma proposta de visibili-

dade comum às particularidades que vêm sendo anali-

sadas atualmente, buscando-se a afi rmação do termo

Webcomunicação.

Web quer dizer teia em inglês. O recurso da

internet disponibilizado em 1989 por Tim Berners-Lee

é denominado World Wide Web, que signifi ca, em

português, teia do tamanho do mundo, o que está

mais do que popularizado nas revistas segmentadas e

artigos. O resgate dessas defi nições se faz necessário

para evidenciar que o nome de batismo proposto para

esta disciplina não se refere a nada mais nada menos

do que aquilo que ela representa: a comunicação no

ambiente da Web, um ambiente diferente dos tradicio-

nais meios de comunicação de massa ou comunitários

de natureza analógica, que em geral são formados

por suportes palpáveis (impresso) ou efêmeros (ondas

eletromagnéticas). Diferente também da comunicação

possibilitada pelo advento da informática ou da internet

de um modo geral.

Recortamos aqui essa “grande área” com o intuito

de nos restringirmos ao que realmente nos diz respeito

e ao que ressalta evidências de real diferenciação em

relação aos outros processos comunicacionais pelos

aspectos inerentes ao seu suporte. Daí se descarta

nomes mais em evidência, como CMC (Comunicação

Mediada por Computadores) ou TICs (Tecnologias de

Informação e Comunicação), e busca-se diferenciar de

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Rastros - Revista do Núcleo de Estudos de Comunicação

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termos tais como Cibercomunicação ou Comunicação

Digital, por não se tratar da informática em geral, nem

mesmo de estar subsumida a ela.

Além disso, devemos salientar também que a

World Wide Web não é exatamente do tamanho do

mundo, e justamente por não ser e apresentar evidentes

e preocupantes disparidades em seu acesso é que se

abrem aspectos político-econômicos e sócio-culturais

relacionados à necessidade da inclusão digital, que

se entende pela oferta de possibilidades de acesso à

internet a um número cada vez maior de pessoas por

um custo cada vez menor.

A relevância e a emergência da visibilidade do

saber produzido em torno de uma disciplina é, portan-

to, mais do que válida, em virtude do surgimento de

articulações de pessoas, grupos e organizações das

mais variadas que produzem, na perspectiva da rede,

uma comunicação de diferente natureza, ressaltando a

necessidade de uma sistematização mais precisa.

Nesse sentido, defi nimos a Webcomunicação

como a comunicação produzida no ambiente da World

Wide Web, que possibilita o inter-relacionamento de

pessoas, grupos e organizações a partir dos mais va-

riados recursos, serviços e suportes oferecidos através

da rede.

... E com quem andouApesar da recente aplicação aos estudos dos

processos comunicacionais, a idéia de hipertexto é da-

tada de 1945, enunciada no artigo “As we may think”,

do físico e matemático norte-americano Vannevar

Bush, e cunhada posteriormente por Ted Nelson, em

1965, a partir da afi rmação do caráter associativo do

pensamento humano, formado, segundo Bush, por “tri-

lhas transversais e pessoais no imenso e emaranhado

continente do saber”.

Sua associação com a internet e, em especial,

com a World Wide Web, que impulsionou sua dimensão

comercial por oferecer um ambiente gráfi co agradável

e interativo com os usuários, vislumbrou novas possi-

bilidades de investigação teórica, resultando na elabo-

ração de paradigmas contemporâneos no campo da

comunicação, que viam no enredamento integrador de

várias pessoas e grupos um ambiente para a formação

de comunidades e a afi rmação de identidades.

A concepção de rede já estava contemplada nos

primórdios do seu desenvolvimento militar, ainda na

Arpanet, como uma integração entre computadores

que possibilitasse a circulação de informações em

longa distância, sem o conhecimento ou a intromissão

de inimigos existentes ou potenciais, concebida num

ambiente de trocas de informação descentralizado.

Mais tarde foi assimilada e dimensionada por

jovens especialistas de informática no início dos anos

70, principalmente na Califórnia, caindo nas graças de

alguns setores acadêmicos, que a incorporaram como

teia para circulação de informações, desenvolvimento

de pesquisas e maior articulação de pesquisadores, cujo

maior e mais recente trunfo foi o Programa Genoma

Humano, um consórcio mundial de pesquisadores que, a

partir de articulações via internet, vem se empenhando

no mapeamento do código genético de várias espécies,

dentre as quais o próprio homem.

Sua ampliação começou a ser ensaiada no come-

ço dos anos 90 e despontou no fi nal da mesma década.

Os principais fatores responsáveis pela motivação e

pelo descobrimento do potencial de mercado foram

a defi nição de uma interface gráfi ca, a expansão e o

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Ano VII - Nº 7 - Outubro 2006

barateamento de microcomputadores e softwares, o

desenvolvimento de recursos, serviços e aplicativos dos

mais diversos, além da entrada de empresas pontocom

e versões virtuais de empresas já existentes.

O incentivo à utilização pessoal da internet abriu

novas frentes no mercado de trabalho, oferecendo

novas oportunidades de formação profi ssional. Novas

redes interpessoais e interculturais se formaram, es-

tabelecendo tanto o entretenimento na própria rede,

como intensifi cando o entretenimento on-line, na versão

de jogos, gincanas, quiz (sites de perguntas), chats,

entre outros.

A diversifi cação de ofertas de produtos e serviços

por parte das empresas originou uma série de investi-

gações e o amadurecimento de refl exões e pistas nos

mais variados campos do conhecimento:

– a forma e a linguagem que proporcionassem

uma maior navegabilidade ao usuário orientaram es-

tudos de design aplicado à Web, ou, ainda, o já con-

solidado webdesign;

– a produção editorial e a de conteúdo também

levaram a um campo do conhecimento ligado às expe-

rimentações e tendências de construção de textos em

associação a outros suportes;

– num primeiro momento, a carência, e atual-

mente o franco e plural desenvolvimento nas perspecti-

vas dos estudos sobre o marketing na internet (chamado

de webmarketing ou marketing on-line);

– a ausência de estudos de atendimento e

planejamento como áreas de Publicidade, tendo em

contrapartida um avanço no estudo sobre a mídia e a

averiguação dos usuários, calcanhar de Aquiles para a

sustentação e legitimação da Web junto aos investidores

em potencial;

Além disso, possibilitou também as mais variadas

formas de comércio na e a partir da rede, como:

B2B – business-to-business, negócios entre

fi rmas, interesses de mercado e de apoio na infra-

estrutura;

B2C – o convencional business-to-consumer, no

qual as lojas vendem seu estoque pela internet;

C2C – os leilões virtuais são um dos principais

modelos de empreendimento consumer-to-consumer,

além das várias comunidades que se formam pela

própria rede, estabelecendo elos de relacionamento

diferentes e dispersos;

C2B – o público é quem fornece produtos e ser-

viços para as empresas;

P2P – perdem-se as noções de intermediário

e cliente, estabelecendo relações de troca e mútuo

atendimento de necessidades a partir da articulação de

usuários que trocam produtos, serviços, informações,

estabelecendo uma nova rede de escambo em escala

global.

Contexto/ conjuntura do conhecimentoA descoberta de novos e diferentes usos por

parte dos vários usuários em todo o mundo levou à

formação das mais variadas redes formais e informais,

de trabalho ou lazer, de afi nidades e/ou encurtamento

de distâncias entre pessoas e organizações das mais

diversas: o meio acadêmico, a sociedade civil organi-

zada, a conseqüente apropriação da internet por parte

das empresas e o empenho dos governos em sua dis-

seminação (ou limitação), os movimentos que surgem a

partir da afi rmação de liberdade de expressão e outros

aspectos próprios da internet ou mesmo num contexto

político mais geral.

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Rastros - Revista do Núcleo de Estudos de Comunicação

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Em contraponto, aspectos ligados à segurança

vêm à tona: os hackers, o ciberterrorismo e toda a

sorte de crimes virtuais, além do distanciamento e da

exclusão proporcionados pela indistinção entre o mundo

real e o mundo virtual, ou mesmo a substituição de um

pelo outro.

Estudos das mais variadas dimensões buscam

dar conta destas temáticas: linguagem, psicologia,

sociologia, direito, política e a própria comunicação

(seja através das concepções de design ou dos próprios

processos comunicacionais) apresentam um bom ma-

nancial para uma análise mais detida sobre essa varie-

dade de temáticas, oriundas da conexão hipertextual

de redes em todo o mundo.

A capacidade e o potencial que a comunicação

impõe nesse contexto é vital para o entendimento da

complexidade proporcionada pela internet, pois não se

trata de “saber se a comunicação pode corresponder a

um saber particular sem se reduzir aos conhecimentos

gerados a partir de outros saberes” (cf. MARTINO, L. C.,

2001) para a afi rmação de sua importância, mas sim

se a comunicação pode ser efetivamente autônoma a

despeito de outros saberes, mas podendo com estes

se articular.

Os dados coletados a seguir apontam, a despeito

do conhecimento produzido em outros campos, para o

surgimento de uma série de microáreas em torno do

tema da internet que buscam interfaces com outros

saberes, mas sem com estes se articular, afi rmando

o campo comunicacional numa perspectiva bastante

esclarecedora, não diretamente relacionada com os

meios de comunicação, mas sim com os processos de

construção de identidade e produção de sentido a partir

das mais variadas interfaces, dentre elas a internet.

Atravesse as ruas com cuidadoO momento pelo qual a academia atravessa

atualmente é tão delicado quanto próspero. A assim

chamada crise dos paradigmas proporcionou uma

refl exão sobre a contribuição e a prática científi ca em

dimensões nunca vistas na história da ciência. Obras

de referência e esboços de novos paradigmas em vá-

rias áreas do conhecimento vieram contribuir para o

enriquecimento desse debate.

O que prova que a prova é prova? A performance

é mais determinante da verdade do que a razão? Essas e

outras questões estão no cerne de um debate que movi-

mentou vários autores — Lyotard, Feyerabend, Thomas

Kuhn — e, a despeito de defi nir e afi rmar posiciona-

mentos, ainda prossegue demarcando ou expandindo

fronteiras sobre nossos espaços de atuação.

Na Comunicação o debate não poderia ser de

outra natureza. A começar pela idéia de que esta ciência

(ou saber? ou campo do conhecimento? ou objeto de

estudo?) é transdisciplinar por excelência. Tal forma de

ver, pensar e aplicar a Comunicação nos mais variados

contextos originou expressões tais como Teorias da

Comunicação, ou Ciências da Comunicação, indicando

um território neutro ou a total desterritorialização desta

matéria.

No caminho contrário, e em consonância com

certa linhagem de autores, acreditamos na essência

e na determinação da Comunicação como um campo

científi co próprio, cujo objeto fundamental se constitui

a própria natureza do processo comunicacional, ou

seja: a circulação de informações entre dois ou mais

agentes, visando a produção de sentido e a construção

de identidades.

Diante da necessidade manifesta de se aprofun-

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Ano VII - Nº 7 - Outubro 2006

dar na defi nição e na visibilidade desse campo e, por

conseqüência, na defi nição do processo comunicacio-

nal, os autores que se arriscavam nessa empreitada se

utilizaram de três saídas: o caminho da fuga para outro

ramo do conhecimento, evidentemente sem disputas em

virtude de seu caráter original (caso da Midiologia, de

Regis Debray); o caminho de afi rmação da transdisci-

plinaridade como componente da identidade do campo,

ressaltando seu caráter dinâmico; e, por fi m, o caminho

que busca afi rmar e delimitar seu objeto de estudo,

localizando-o no tempo e nos mais variados contextos

sócio-culturais, políticos e econômicos.

Há de se distinguir, entretanto, o termo comuni-

cação do termo mídia, no sentido da defi nição de seu

marco refl exivo original. Não podemos conceber uma

determinação pela técnica como introdutória dos estu-

dos desta área, pois seria a limitação do rico e amplo

processo comunicacional à dimensão da mídia, que seria

um aspecto dentro do contexto comunicacional.

Sendo assim, cabe buscar as origens e defi nições

de um objeto que é próprio de uma dada ciência, deno-

minada Comunicação, que estabelece relações de con-

tato com várias outras — Sociologia, Política, Psicologia,

Semiologia, Direito etc. — mas nelas não se dilui. A aqui

defi nida Comunicação no ambiente da Web vai incor-

porar a transdisciplinaridade própria da Comunicação e

trabalhar na perspectiva de seus mais variados estudos

visando à compreensão de fenômenos específi cos das

interconexões possibilitadas pela rede.

Devemos ressaltar também que, quando falamos

da utilização de imagens, sons e animações nos e-mails,

abordamos um recurso possibilitado pela linguagem

HTML, desenvolvida para a Web e incorporada pelos

programas e servidores de e-mail. Entendemos, portan-

to, que não se trata de outro aspecto que não aquele

que cabe ser tratado no âmbito dessa disciplina.

A afi rmação da internet como ambiente comuni-

cacional e sua disseminação em escala mundial redefi ne

os mais diversos setores sociais: economia, educação,

saúde, direito etc., trazendo a necessidade da afi rmação

de uma nova linha de estudos específi cos, que viesse

a despontar no campo da comunicação, questionando,

ao mesmo tempo, as fronteiras que demarcam as defi -

nições correspondentes às suas áreas.

Surgem termos como Nova Economia, Web-

marketing, Cibercultura, dentre outros que procuram,

de certa forma, refazer uma história do ponto de vista da

incorporação do suporte digital e das tecnologias e dos

trabalhos e projetos em rede. Logo surgem os contadores

dessa nova era na história da Comunicação, das mídias

e, por que não dizer, da própria humanidade, na medida

de sua profunda transformação nos variados setores.

Ocupam os mais diversos espaços para a disseminação

do saber no contexto da comunidade acadêmica e, lon-

ge de afi rmar um consenso em relação a pressupostos,

tendências, olhares sobre os diversos objetos, trazem em

suas pesquisas, nos espaços em que circula a produção

desse saber, a demanda por novos e mais precisos con-

ceitos, que refl itam especifi camente as transformações

em curso a partir da disseminação dos suportes digital

e virtual.

Olhe com quem está falandoNesse sentido, procuramos aqui relacionar sis-

tematicamente alguns desses espaços no Brasil e no

exterior, que buscam afi rmar aspectos metodológicos

e de caráter epistemológico nas pesquisas que so-

cializam, situando as novas tecnologias no campo de

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Rastros - Revista do Núcleo de Estudos de Comunicação

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conhecimento da Comunicação, a despeito da busca

determinada pela afi rmação de uma área do campo de

conhecimento comunicacional. Não cabe neste artigo

esgotar as referências possíveis, até porque o tempo

se encarrega de expandi-la, mas o propósito aqui é

justamente o de evidenciar o processo de maturação

desse conhecimento.

Dessa forma, tomando como ponto de partida as

ementas de grupos de pesquisa e setores de associa-

ções científi cas nacionais e internacionais que refl etem

diretamente essas interfaces, bem como os textos

disponíveis em suas bases de dados na própria Web,

chegaremos a evidenciar alguns autores e temáticas

que se afi rmam, construindo o caminho de consolidação

deste saber.

Entretanto, na medida em que se trata de uma

tecnologia com as mais variadas utilizações e apropria-

ções, percebe-se também uma preocupação de outros

grupos, a partir de seus temas geradores, em especial

nos GTs e seções relacionadas à teoria, metodologia e

epistemologia, no sentido de apreender sua importân-

cia para o campo, seja como ferramenta, seja como

objeto de estudo — o que demandaria uma pesquisa

mais extensa.

INTERCOM – http://www.intercom.org.br/

NÚCLEO DE PESQUISA

TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

Ementa: O Núcleo de Pesquisa sobre Tecno-

logias da Informação e da Comunicação tem como

objeto o desenvolvimento da Comunicação Mediada

por Computador (CMC) e seus efeitos sobre a indústria

de Comunicação e a sociedade. Uma primeira seção

temática concerne à internet e analisa a singularidade

de seu mecanismo de recepção e emissão, as novas

formas de mediação que autoriza e suas características

tecnológicas. A segunda seção concerne à sociabilidade

virtual, que analisa grupos de discussão, salas de bate-

papo, homepages e privacidade. A terceira seção é a

Hipermídia, que está focada no esforço social de cons-

truir a linguagem própria deste novo meio, analisando a

convergência, o hipertexto e a imersão. A quarta seção

discute abstratamente a relação entre tecnologias de

Comunicação e cultura, tomando como base a Comuni-

cação mediada por computador.

Seções temáticas: Internet; Hipermídia; Socia-

bilidade virtual; Tecnologia e cultura.

Palavras-chave: Internet; Mediação virtual;

Interatividade virtual; Comunidade virtual; Identidade e

cibercultura; Hipertexto; Imersão virtual; Convergência

tecnológica; Cibercultura (teorias e práticas); Mídias

digitais.

COMPÓS – http://www.compos.org.br/

GRUPO DE TRABALHO

COMUNICAÇÃO E CIBERCULTURA

Ementa: O GT Comunicação e Cibercultura

tem por objetivo debater trabalhos na interesecção da

comunicação e da cibercultura. Por cibercultura compre-

ende-se as relações entre as tecnologias informacionais

de comunicação e informação (TICs) e a cultura contem-

porânea, emergentes a partir da converggência informá-

tica/ telecomunicações. Busca-se, assim, compreender

o papel das TICs em interface com os problemas da

comunicação sob diversas perspectivas (histórica, so-

ciológica, fi losófi ca, política, estética, imaginária).

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Ano VII - Nº 7 - Outubro 2006

IAMCR – http://www.iamcr.net/

COMMUNICATION TECHNOLOGY POLICY SECTION (CTP)

Ementa: O foco desta seção é em Políticas de

Comunicação, com interesse especial em aspectos

sócio-econômicos das mudanças tecnológicas. A seção

acolhe pesquisas que fazem a ponte entre teoria e prá-

tica, e estudos teóricos e práticos, oferecendo refl exões

científi cas bem como linhas para ação política. A seção

não adere a simples escola fi losófi ca ou teórica, mas

encoraja pesquisas críticas e contra-intuitivas.

ALAIC – http://www.eca.usp.br/associa/alaic/

COMUNICACIÓN, TECNOLOGÍA Y DESARROLLO

As problemáticas do desenvolvimento e da mu-

dança social, vinculadas às transformações técnicas

e científi cas, e o papel instrumental da comunicação

têm seus antecedentes nos clássicos estudos de difu-

são de informações e processos de modernização. As

críticas ideológicas e epistemológicas a essa corrente

e o replanteio constante da teoria para dar conta da

dinamicidade desta problemática requerem renovados

esforços para que as críticas e propostas de conheci-

mento sejam signifi cativamente superadoras. Este GT,

não obstante reconheça uma ampla gama de temas e

problemas que podem ser incluídos, centrará sua pre-

ocupação nas investigações e estudos que permitam

a discussão e a renovação do difusionismo clássico;

os enfoques sócio-históricos e culturais na análise da

difusão, circulação de informações e inovações sociais;

o papel da tecnología e do conhecimento na mudança

social e suas conseqüências nas dinâmicas de partici-

pação e modifi cação do ambiente natural e social; as

críticas comunicacionais às experiências de intervenção

para o desenvolvimento; a comunicação nas práticas

extensionistas e de promoção social; as inovações em

contextos locais e globalizados; as ideologias e ressig-

nifi cações do velho e do novo; a teoria e a prática de

comunicar o novo; a comunicação de inovações e o

meio ambiente; responsabilidades públicas e privadas

diante da inovação e da mudança técnica e científi ca

como centro de difusão e adoção de inovações.

ICA – http://www.icahdq.org/

COMMUNICATION AND TECHNOLOGY DIVISION

A Divisão de Comunicação e Tecnologia é co-

metida à excelência no desenvolvimento teórico e de

pesquisas envolvendo as causas, conseqüências, e/ou

contextos das velhas, atuais e novas tecnologias da

comunicação. Os estudos podem focar a análise da

relação intraindividual ou interindividual em pequenos

grupos, organizações, Estados-nação ou relações inter-

nacionais. Não há a necessidade de limitação aos para-

digmas clássicos, sendo bem-vindas contribuições que

conhecidamente usem paradigmas que incluam, mas

não sejam limitadas, a economia, a psicologia, a socio-

logia, as ciências políticas, a história e a teoria literária.

Métodos podem incorporar as abordagens quantitativa,

qualitativa, histórica, crítica, marxista, institucional e

humanística. A Divisão de Comunicação e Tecnologia

está relacionada com as formas existentes e emergentes

de comunicação mediada pela tecnologia entre pessoas

e/ou pessoas e recursos de informação interativos. A

divisão investiga, desenvolve e compartilha idéias e

recursos relacionados a: afi rmação e desenho de me-

todologias, implementação de estratégias, implicações

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Rastros - Revista do Núcleo de Estudos de Comunicação

34

políticas e econômicas das necessidades dos usuários,

avaliação de sistemas em curso, efeitos e implicações

para negócios, a casa e a sociedade, incluindo a medi-

ção da produtividade e a qualidade de vida e a difusão

tecnológica. A divisão procura teóricos, investigadores

experimentais e de pesquisa, além de práticos.

AOIR – http://www.aoir.org/

A associação de pesquisadores da internet se reu-

nirá em outubro deste ano, em Toronto, Canadá, para

realizar sua Conferência Internacional e Interdisciplinar.

Debate o modo como as redes de comunicação digital

estão mudando a maneira de as pessoas interagirem,

com efeitos profundos nas relações sociais e institui-

ções. Busca-se considerar quem é incluído ou excluído

e o que efetivamente se sabe sobre a composição e as

atividades das comunidades on-line. O tema encoraja

a participação estreita de diversas disciplinas, comuni-

dades e pontos de vista que são colocadas de forma

tópica no site da associação.

Além dessas, está sendo fomentada no Brasil a

criação da Socib – Sociedade Brasileira para o Estudo

da Cibercultura.

Partindo do princípio de que as ementas dessas

associações funcionam como convites à comunidade

acadêmica para encorpar a produção e o debate em

torno de temas comuns, que formam identidade de

grupo, sistematizam e dão continuidade à produção

científi ca, além do tema central que aglutina todas as

contribuições, esses núcleos, grupos, divisões e seções

assumem alguns aspectos interessantes.

Em primeiro lugar, apresentam uma perspectiva

de abordagem histórica (“novas com velhas tecnolo-

gias”, “mediadas pelo computador com tradicionais”

etc.) que posiciona o advento do suporte digital e do

virtual no contexto do desenvolvimento midiático.

Além disso, incorporam uma perspectiva de

abordagem multidisciplinar, propondo o suporte de ou

a interface com outras ciências, em especial no campo

das Ciências Humanas e Sociais, além da Psicologia,

e mais recentemente das Ciências da Cognição e das

Neurociências.

Nesse sentido, a afi rmação de disciplinas nestes

moldes contribui para a criação de desenhos mais pre-

cisos no campo de abordagem onde outros enfoques

se inserem, realçando a relevância e a pertinência dos

debates sobre o ambiente da Web no campo comuni-

cacional.

ConclusãoNovas identidades surgem de várias formas e a

partir de vários contextos. Surgem também da vontade

política ou a partir das evidências proporcionadas pelo

coletivo. Ao reconhecer a necessidade da afi rmação de

um campo do conhecimento comunicacional que con-

solide e sustente as interfaces entre a Comunicação e o

suporte digital e virtual materializados pelo ambiente da

Web, esta proposta resulta num convite à abordagem de

uma série de temáticas e objetos afi ns que se perdem

no meio das nomenclaturas e conceitos atualmente

dispostos. Até porque, outras divisões, recortes, olha-

res e propostas possíveis surgirão neste campo que,

de forma mais abrangente, incorpora a informática e a

internet em sua relação com a Comunicação, que por

sua vez ainda vem sendo considerada, do ponto de

vista da visibilidade da produção do saber acadêmico,

no mesmo contexto das Tecnologias da Informação e

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Ano VII - Nº 7 - Outubro 2006

Comunicação, como se este fosse o locus mais apro-

priado para o debate.

Nesse sentido, nossa proposta é reivindicar aqui

um espaço mais pertinente para a abordagem da Co-

municação no ambiente da Web, que possibilita uma

nova dimensão de interatividade, de convergência de

suportes (texto e imagem, áudio, vídeo) e de efetiva

inter-relação entre agentes produtores de conteúdo

nunca vistos na história dos mídia. Tanto assim que a

internet promove o desgaste da própria idéia de meio

de comunicação, posto que se constitui num ambiente

comunicacional no qual a pessoa deixa de ser mero

espectador (leitor, ouvinte, telespectador) e passa a ser

usuário na medida de sua potencialidade de apropria-

ção, um dos temas centrais e de grande valia para o

entendimento e a afi rmação da Webcomunicação como

um possível e necessário encontro de preocupações

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