r. erikson y lenaerts, (mana 9-2, 2003, 204-206)

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CONKLIN, Beth A. 2001. Consuming grief. Compassionate cannibalism in an Amazonian society. Austin: Univer- sity of Texas Press. 285 pp. Els Lagrou PPGSA-IFCS-UFRJ O título do livro da antropóloga ame- ricana Beth Conklin, Consuming grief. Compassionate cannibalism in an Ama- zonian society, contém na sua primeira parte uma armadilha para o leitor e uma dúvida para o tradutor: deve-se traduzir consuming grief por “O luto (ou a dor) que consome” ou por “Con- sumindo o luto (a dor)”? A segunda par- te do título leva a supor que a segunda opção seja a mais correta, pois comple- ta o título explicitando que o livro tra- ta do “Canibalismo por compaixão em uma sociedade amazônica”. Só que a armadilha não parece ter sido colocada por engano; o livro quer exatamente mostrar que para o povo que se autode- nomina Wari’ (nós, gente) e que era co- mumente conhecido como Paaka Nova, a prática endocanibalística, de comer os próprios mortos, visava exatamente es- se efeito, o de transformar um luto de- vastador, um luto que consumia os vi- vos, em um consumo que ajudasse os enlutados e o próprio morto a lidar com a perda, a não se deixar levar pelo luto. A idéia expressa neste livro não deixa dúvida com relação à convicção RESENHAS MANA 9(2):201-222, 2003 wari’ de que era através da transforma- ção e aniquilamento ritualizado do cor- po do morto, vivenciado e visualizado por todos os parentes próximos e reali- zado como favor e com muita resistên- cia por afins próximos, que se operava antigamente (até o contato com os bran- cos, que se deu para alguns Wari’ so- mente a partir do final dos anos 50, iní- cio dos anos 60, para outros mais cedo) uma mudança profunda na relação en- tre o morto e os enlutados. Ver a pes- soa transformar-se em não-pessoa aju- daria os enlutados a aceitar a morte, pe- lo menos a encará-la como um fato in- contornável. Esse elaborado processo de fazer desaparecer o corpo da pessoa morta se situa em uma cosmologia que vê na destruição de um corpo morto a possi- bilidade de adquirir um novo corpo vi- vo. E não somente o corpo tinha que de- saparecer para a vida poder recomeçar, tanto para o morto quanto para os vivos, mas também todos os pertences do mor- to, todos os traços do morto, tudo que prenderia a memória dos vivos à antiga imagem do ente querido que se foi. Nesse sentido, o ritual funerário Wari’ pode ser lido como um exemplo extre- mo (mas não único, pois uma lógica si- milar informa o endocanibalismo gua- yaki, yanomami e pano) de uma regra generalizável para todos os ameríndios e que foi anunciada nos anos 70 por Pierre Clastres e Manuela Carneiro da Cunha: se o morto se torna Outro por-

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  • CONKLIN, Beth A. 2001. Consuminggrief. Compassionate cannibalism inan Amazonian society. Austin: Univer-sity of Texas Press. 285 pp.

    Els LagrouPPGSA-IFCS-UFRJ

    O ttulo do livro da antroploga ame-ricana Beth Conklin, Consuming grief.Compassionate cannibalism in an Ama-zonian society, contm na sua primeiraparte uma armadilha para o leitor euma dvida para o tradutor: deve-setraduzir consuming grief por O luto(ou a dor) que consome ou por Con-sumindo o luto (a dor)? A segunda par-te do ttulo leva a supor que a segundaopo seja a mais correta, pois comple-ta o ttulo explicitando que o livro tra-ta do Canibalismo por compaixo emuma sociedade amaznica. S que aarmadilha no parece ter sido colocadapor engano; o livro quer exatamentemostrar que para o povo que se autode-nomina Wari (ns, gente) e que era co-mumente conhecido como Paaka Nova,a prtica endocanibalstica, de comer osprprios mortos, visava exatamente es-se efeito, o de transformar um luto de-vastador, um luto que consumia os vi-vos, em um consumo que ajudasse osenlutados e o prprio morto a lidar coma perda, a no se deixar levar pelo luto.

    A idia expressa neste livro nodeixa dvida com relao convico

    RESENHAS

    MANA 9(2):201-222, 2003

    wari de que era atravs da transforma-o e aniquilamento ritualizado do cor-po do morto, vivenciado e visualizadopor todos os parentes prximos e reali-zado como favor e com muita resistn-cia por afins prximos, que se operavaantigamente (at o contato com os bran-cos, que se deu para alguns Wari so-mente a partir do final dos anos 50, in-cio dos anos 60, para outros mais cedo)uma mudana profunda na relao en-tre o morto e os enlutados. Ver a pes-soa transformar-se em no-pessoa aju-daria os enlutados a aceitar a morte, pe-lo menos a encar-la como um fato in-contornvel.

    Esse elaborado processo de fazerdesaparecer o corpo da pessoa morta sesitua em uma cosmologia que v nadestruio de um corpo morto a possi-bilidade de adquirir um novo corpo vi-vo. E no somente o corpo tinha que de-saparecer para a vida poder recomear,tanto para o morto quanto para os vivos,mas tambm todos os pertences do mor-to, todos os traos do morto, tudo queprenderia a memria dos vivos antigaimagem do ente querido que se foi.Nesse sentido, o ritual funerrio Waripode ser lido como um exemplo extre-mo (mas no nico, pois uma lgica si-milar informa o endocanibalismo gua-yaki, yanomami e pano) de uma regrageneralizvel para todos os amerndiose que foi anunciada nos anos 70 porPierre Clastres e Manuela Carneiro daCunha: se o morto se torna Outro por-

  • que a pessoa se situa, antes de mais na-da, no seu corpo que deixou de existir eno em alguma essncia interior e eter-na (a alma), insistir no luto significariauma ameaa sociedade dos vivos. Poresta razo, preciso ajudar o prpriomorto e os vivos a realizarem a ruptura,tornando-a explcita, em vez de neg-laao enfatizar a continuidade, como fa-riam os cultos aos ancestrais nas socie-dades africanas.

    Esta seria a interpretao clssica evlida at hoje do estatuto do morto en-tre os amerndios. Se o morto se trans-forma em Outro e a Alteridade implicainimizade, o endocanibalismo no se-ria seno um caso especfico do exoca-nibalismo (como sugerem Albert, Clas-tres, Viveiros de Castro e Vilaa). Comero outro seria o sinal e a afirmao da al-teridade entre quem come e o que co-mido. nesse contexto que se podeapreciar a originalidade da abordagemde Conklin e a contribuio inovadoraque ela traz ao debate. O livro vem emmomento oportuno retomar a possibili-dade de se pensar o endocanibalismoindependentemente do exocanibalis-mo. Os Wari praticavam os dois tiposde canibalismo e as diferenas entre otratamento ritual dado ao corpo do ini-migo e ao corpo do parente j tinhamsido elaboradas por Vilaa. Por essarazo, Conklin decide no trabalhar oexocanibalismo, a no ser de forma mui-to pontual para sinalizar o contrasteentre os dois fenmenos: onde se comeo inimigo com raiva e gula, come-se oparente chorando, com repulsa e segu-rando a carne desfiada entre pequenospalitos.

    Esse tratamento independente dosdois fenmenos me parece extrema-mente fecundo, mesmo se for precisoem um outro momento retomar a rela-o estrutural entre o ritual funerriotradicional e o tratamento antigamente

    dado pelos Wari aos outros, inimigos,mortos por eles. Poder-se-ia sugerir atuma inverso de perspectivas segundoa qual, como entre os Tupinamb, seprestava um servio ao inimigo (que noera outra coisa que um parente distante,de outra faco) quando este era mortoe consumido em mos alheias. estatambm a interpretao sugerida pelosnativos quando interrogados sobre anti-gas prticas canibalsticas: dizem prefe-rir ser comidos que o triste destino docorpo colocado embaixo da terra fria.

    O que me parece mais importante,no entanto, a ateno dada qualida-de emocional que informa as aes. Aanlise do endocanibalismo como umritual funerrio que lida com sentimen-tos de perda e apego era necessria eurgente porque a sombra da matriz ex-plicativa inspirada no exocanibalismono permitia que se escutasse com maiscuidado o ponto de vista do nativo quediz comer por compaixo. Esta mesmaexplicao para o endocanibalismo foiregistrada pelo missionrio Tastevin noincio do sculo XX com relao aos Ka-xinawa e foi reencontrada por mim nosanos 80 durante longas conversas como nico habitante da aldeia que me dis-se ter tido experincias endocaniba-lsticas na adolescncia, na dcada de40. O comer por compaixo tambm foio argumento usado pelos Guayaki aofalarem com os Clastres de sua reinci-dncia no endocanibalismo por ocasioda morte de um beb, nos anos 60. Pier-re Clastres, no entanto, no explorou opotencial explicativo dessa afirmaonativa.

    Segundo Erikson, o endocanibalis-mo pano teria sido um antiexocaniba-lismo, ou seja, a preocupao em comero corpo de um parente seria informadapela lgica da guerra: comia-se o pr-prio morto para que outros no o co-messem. Esta interpretao parte da l-

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    gica de uma economia simblica emque se supe que o canibalismo mo-tivado pelo interesse na incorporaode energias e foras vitais, evitando queestas passem para o inimigo, ou rein-corporando o que a sociedade perdeucom a morte de um membro ativo. Esteargumento, no entanto, no d contadas motivaes psicolgicas e dos as-pectos existenciais da prtica. Pois separecia absolutamente possvel aos es-tudiosos acima citados imaginar que secomesse um inimigo como expresso deraiva, denotando um estado de alteri-dade, objetivao e aniquilamento doOutro, no se tinha avanado muitoainda na explicao do que moveria umparente a querer cortar, cozinhar e co-mer o corpo de um ser amado.

    O mrito do trabalho de Conklin de ter tocado, analisado e contextuali-zado essa questo to sensvel de umamaneira extremamente sutil na melhortradio antropolgica de tornar o ex-tico familiar, s que dessa vez no atra-vs das razes impessoais de uma eco-nomia simblica que tem razes que ocorao desconhece, mas partindo doto invocado ponto de vista do nativopara propor uma outra explicao ana-ltica que tambm faz sentido dentro doscnones da nossa disciplina amerndia,alm de estar em total consonncia comdados de outras pesquisas recentes, co-mo os que dizem respeito ao endocani-balismo kaxinawa (os Kaxinawa desco-nhecem o exocanibalismo e entre eleseram os prprios parentes mais prxi-mos, os que conviviam com o morto epartilhavam da sua carne, que comiamo cadver, e no somente os afins).

    Assim, Conklin mostra que os Warino comem seus mortos apesar da im-portncia que do aos corpos que aju-daram a produzir, mas por causa dela.O corpo sofre um processo de transfor-mao na mo da comunidade que cor-

    responde violenta transformao quesua morte provocou. Essa operao, in-formada pela compaixo tanto pelo mor-to quanto pelos enlutados, no nega aconvico amerndia de que os mortosse tornam Outros e que, enquanto Ou-tros, podem representar um perigo paraos vivos, mas reala o carter proces-sual desse tornar-se outro.

    Tambm fica claro, atravs da exe-gese nativa dos processos de comer/sercomido, nutrir e ser nutrido, que existepara os Wari uma continuidade entrevivos e mortos expressa, em vez de ne-gada, mediante o processo de comer: osmortos nutrem os vivos por causa doamor que ainda sentem pelos seus, notanto durante o ritual funerrio, quandoso os vivos que reverenciam os mor-tos comendo sua carne ptrida, masdepois de terem se transformado emhabitantes do mundo subaqutico. Poisde l sairo a pedido dos vivos na for-ma de queixadas para alimentar os pa-rentes com a abundncia da sua carnealtamente apreciada por seu gosto, va-lor nutritivo e quantidade. E os Wariafirmam que os que vm, movidos pelocanto dos parentes, no so os ances-trais que h muito morreram e j se es-queceram dos seus, mas os recm-fale-cidos, que oferecem seus corpos dequeixada para continuar alimentandoos seus como o faziam antes, quandoainda estavam vivos.

    Este , portanto, um livro originalpor abordar o canibalismo sob a gidedo cuidar, da continuidade e da dor, docomer apesar de si e no apesar do ou-tro que comido, em vez de tomar co-mo dado o pressuposto que comer hu-manos necessariamente tem a ver compredao.

  • ERIKSON, Philippe e LENAERTS, Marc(orgs.). 2002. Ides bouturer. Ethno-cologie amazonienne. Nanterre: Com-mission Europenne, Universit Librede Bruxelles e Laboratoire dEthno-logie et de Sociologie Comparative.306 pp.

    Diego VillarCONICET, Argentina

    As mais de trezentas pginas de Ides bouturer. Ethno-cologie amazonien-ne renem os resultados finais do pro-jeto cientfico TSEMIM (Transmissionet Transformation des Savoirs sur l En-vironnement en Milieux Indignes etMtis). Este empreendimento, levado acabo entre 1997 e 2001 na regio defronteira entre Peru e Brasil, procurouapreender os diversos modos culturaisde transmisso e transformao do sa-ber sobre o meio ambiente amaznico.O TSEMIM pode ser acusado de qual-quer coisa, menos de no ser pluralis-ta. Participaram investigadores belgas,brasileiros, espanhis, franceses e pe-ruanos. Ademais, etnlogos, botnicos,fitossocilogos e especialistas em geo-processamento esforaram-se para su-perar oposies antigas e artificiais en-tre as cincias duras e as cincias hu-manas, procurando combinar a identifi-cao precisa das espcies botnicascom a sensibilidade antropolgica parao exame da vida social.

    Os escritos apresentados, com efei-to, procuram contextualizar as prti-cas produtivas e as representaes so-bre o meio ambiente no quadro das cos-movises e estruturas cognitivas queas acompanham. Fazem-no, precisodestacar, documentando suas imensasvariaes intra e intergrupais. A sele-o de casos etnogrficos to amplaquanto diversificada, compreendendo

    grupos Amahuaca, Yawanawa, Shipi-bo, Yaminahua, Chacobo, Yora, Chito-naua e Ashaninka. No obstante, tal-vez o mais interessante do volume sejaa incorporao na amostra de popu-laes mestias do Peru e de seringuei-ros brasileiros. Com freqncia igno-rados, as prticas e os conhecimentosmestios so protagonistas principaisda circulao e fluidez dos saberes ta-xonmicos e xamnicos; no somenteno dilogo entre grupos tnicos distin-tos, mas tambm diacronicamente nointerior do grupo, entre as distintas ge-raes. O fluxo instvel mas contnuode influncias e negociaes recprocasconstitui, pois, o circuito no qual deveser contextualizada qualquer reconstru-o do caudaloso trfico amaznico dealucingenos e plantas medicinais.

    Tanto a amplitude quanto a coern-cia da temtica so impressionantes.Ides bouturer contm textos sobre fi-tossociologia (Valencia-Chacn e Bal-den), narrativa (Balden, Malpartidae Beltrn) e etnobotnica comparativa(Albn Castillo e Salas-Zuluaga). Wig-dorowitz, de sua parte, descreve o con-texto poltico do xamanismo e traa umavvida resenha histrica dos Amahuaca,com seus contatos intertnicos, sua po-sio dentro do chamado macrocon-junto pano, suas turbulentas relaescom os brancos e seus vrios etnlogos.Carid Naveira e Prez Gil apresentam-nos aos perigos do xamanismo yamina-hua, sua utilizao de plantas e aluci-ngenos e transmisso de suas doutri-nas. Tello Abanto compe variaes so-bre o tema da variabilidade e legitimi-dade sociolgicas do conhecimento. Le-clerc, por sua vez, analisa os usos shi-pibo das plantas rituais, situando suastaxonomias em casos concretos de xa-manismo. Um dos organizadores do vo-lume, Philippe Erikson, utiliza uma a-nedota de campo para ilustrar a lgica

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    das relaes sociais que os Chacobomantm com o meio ambiente, concei-tualizadas em termos de reciprocida-de; j o outro organizador, Marc Le-naerts, examina as relaes da fauna eda flora com a mitografia, a cosmologia,a consanginidade e a lgica da clas-sificao. Moore e Pariamanu discrimi-nam, em um caso concreto, os compo-nentes micos e ticos da biodiversi-dade. Bilhaut ocupa-se do conhecimen-to da corporalidade e sugere vnculosinditos com o uso de certos minerais.Por ltimo, o estudo de Lienard ocupa-se de uma maneira que no desgosta-ria os fs do Anne Sociologique dosmestios brasileiros e sua administra-o da territorialidade, da memria lo-calizada, da topografia e das variaessazonais, todos componentes do con-texto em que devem enquadrar-se suastaxas etnobotnicas e etnozoolgicas.

    Um dos principais mritos deste vo-lume est em sua contribuio para ocombate a dois tipos de preconceitomuito difundidos, que poderamos qua-lificar quase que como complementares.O primeiro a imagem do mestio vi-do e inescrupuloso, que se apodera deconhecimentos indgenas to esquivosquanto esotricos. Mostra-se, ao contr-rio, que o saber mestio se estrutura emtorno de uma lgica prpria; lgica que preciso documentar e que, seja ditode passagem, se revela mais sistemti-ca no plano da etnozoologia e ecologiaanimal do que no da etnobotnica.

    O segundo preconceito consiste naidealizao cndida da vida indgena.Sem maior fundamentao, pressupe-se freqentemente uma espcie de con-comitncia ou correlao inversamen-te proporcional entre a intensidade docontato com o mundo urbano e a sofisti-cao do conhecimento etnolgico, et-nobotnico ou etnomedicinal; ou se sus-peita que o xam ostenta o grau mais

    alto e esotrico de conhecimento; ou sesupe existirem intermedirios nativosentre cada grupo indgena e os brancos.Pelo contrrio, se h algo que este livrodemonstra amplamente, a necessida-de de uma leitura mais atenta do querealmente ocorre na prtica cotidianase se deseja contribuir para a conser-vao ativa da biodiversidade. Essa lei-tura se revela imprescindvel, de fato,para o desenvolvimento de ferramentasconceituais e metodolgicas que possi-bilitem uma maior participao das co-munidades aborgines ou mestias naspolticas de gesto e administrao dosrecursos naturais. Nesse sentido, pois,os conhecimentos etnogrficos de ba-se fornecem o ponto de partida inelu-dvel para as reivindicaes dos direitosindgenas de propriedade coletiva.

    Outro ensinamento de Ides bou-turer que o olhar antropolgico, adespeito de uma familiaridade s ve-zes imperfeita com a lngua indgena ecom a lgica taxonmica nativa, devepermanecer muito atento ao contextode enunciao do dado. Metodologi-camente, preciso situar o conheci-mento de cada informante em seu subs-trato social correspondente, compreen-dendo sua representatividade, seu va-lor, seu prestgio relativo. necessriodiscriminar matizes sutis, variaes,graus, diferenas entre o saber dos in-formantes comuns e o dos quando osh especialistas. A etnografia, emsuma, deveria situar em seu contextocorrespondente de representativida-de o valor epistemolgico da informa-o. Ao mesmo tempo, deve ajudar oobservador naturalista a no recortararbitrariamente seu objeto de estudo,limitando sua investigao s plantasmedicinais ou ainda Flora consi-derada como um todo, espcie de m-nada auto-suficiente, discreta e homo-gnea. Pelo contrrio, devem ser inte-

  • grados anlise os dados relativos aosdiscursos simblicos, s prticas de pro-duo e s relaes sociais, que em nopoucos casos fornecem as chaves inter-pretativas das lgicas taxonmicas.

    Mas no s a etnobotnica que sebeneficia do contato com outras disci-plinas. Vrios trabalhos neste volumenos mostram como as relaes assim-tricas de transmisso de conhecimento por exemplo, de mestre a discpu-lo no se fundam em diferenas ob-jetivas nos nveis de conhecimento. En-tre o dado antropolgico, provenientedo imaginrio ou de uma representaosocial mais subjetiva das coisas, e odado etnobotnico rigoroso, existemcontradies, dissonncias e tenses.Trata-se de desajustes algumas vezessutis, outras clamorosos entre a auto-percepo simblica e a realidade cog-nitiva que apenas uma perspectivarealmente interdisciplinar pode eluci-dar adequadamente.

    No terreno propriamente etnolgi-co, para finalizar, esta obra corroboracertas proposies de numerosos pes-quisadores, os quais, com o correr dosanos, se cristalizaram em torno de umaespcie de dogma da antropologia a-mazonista: que o Eu se define no ape-sar mas por meio do Outro. Para almdos tumultuados processos histricos,desde os ocasionais emprstimos tec-nolgicos at os resultados desiguaisobtidos pelo trabalho missionrio aolongo dos anos, o estudo do imagin-rio e os simbolismos sobre o meio am-biente revelam uma trama fascinante ecomplexa, em que muitas vezes sobres-sai o papel desempenhado pelo Outro,o estrangeiro, o afim ou o branco. Sm-bolos de alteridade, fontes de ddivas etambm de perigo, o Inca dos Shipibo,os sacacaras dos Piro, os nawa dos pa-no ou o pishtaco de reminiscncias an-dinas evidenciam dramaticamente o

    fato de que o estranho e o estrangeiroso bons para pensar: figuras atrati-vas e maleveis em termos simblicos,mas ao mesmo tempo mantidas a dis-tncia dada a sua natureza inquietante,muitas vezes opaca e sempre ambiva-lente.

    FRADIQUE, Teresa. 2003. Fixar o movi-mento: representaes da msica rapem Portugal. Lisboa: D. Quixote. 225 pp.

    Ruy Llera BlanesInstituto de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa

    Fixar o movimento, de Teresa Fradi-que, o resultado de uma pesquisa rea-lizada no mbito do Mestrado em An-tropologia: Patrimnios e Identidades,do ISCTE. Realizada entre 1994 e 1998,teve como objetivo uma anlise apro-fundada das representaes e discursosconstrudos volta da msica rap e domovimento hip-hop durante aqueleperodo em Portugal.

    Prefaciada por Gilberto Velho, estaobra representa no s um passo emfrente no que diz respeito anlise decontextos e expresses musicais e cul-turais urbanas em Portugal e um ex-celente ponto de comparao para an-lises de outros contextos musicais e ur-banos , mas tambm um desafio aosprocessos de construo epistemolgi-ca das cincias sociais, s suas metodo-logias e conceitualizaes. Reconhecen-do a multiplicao de discursos e inter-pretaes publicitados, veiculados pelofluxo crescente de canais de comuni-cao e intercmbio (media), a autoraobriga-nos a refletir sobre o papel doantroplogo na construo e partilha deconhecimentos sobre os fenmenos cul-turais da contemporaneidade (urbana,

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    globalizada). Noutras palavras, reco-nhecendo que a produo das cinciassociais em si um discurso, a autorasubmete essa produo (e a si prpria) produo e circulao cultural, infor-mativa e publicitada que rodeia (des-creve, transforma) o objeto de anlisenuma polifonia de significados.

    Nesse contexto, o estudo da msi-ca enquanto cultura, ou seja, inseri-da em lgicas de ao, produo e sig-nificao que lhe transcendem, parti-cularmente ilustrativo: dada sua dimen-so coletiva, pblica e performatizada,ela encontra-se cada vez mais sujeita,por um lado, a discursos de identidadee legitimao, e, por outro, a processosglobais e industrializados de mercado-rizao (commodification) e etiqueta-gem. No entanto, como sugere TeresaFradique (na linha de Simon Frith), amsica tambm veculo de expe-rincias, construtora de alianas, gera-triz de narrativas individuais de desejoe emoo, criadora de espaos sociais,estilos de vida (:19-30)... nesse entre-cruzamento de processos e realidadesque a antropologia da msica dever si-tuar-se de forma a poder proporcionarreflexes socialmente relevantes.

    Portanto, Fixar o movimento procu-ra no uma anlise tcnica, musico-lgica, de um determinado gneromusical num contexto geogrfico cir-cunscrito o rap em Portugal , massim uma reflexo sobre os discursos,representaes pblicas, prticas, con-sumos e produes que o conformaramnum perodo especfico, entre os anosde 1994 e 1998, quando se verificouuma exploso musical, cultural e co-mercial do rap portugus (com a pro-liferao de edies, acontecimentos egrupos) e, sobretudo, uma exploso desua visibilidade, exposio miditicae posio como objeto discursivo e pu-blicitado.

    Assim sendo, Teresa Fradique pro-cura atravs de uma multisited ethno-graphy que acompanhava espaos deproduo cultural multifocalizados pensar o movimento rap e hip-hoppor meio de vrias problemticas: osprocessos por intermdio dos quais orap foi, no perodo em questo, legiti-mado por polticas socioculturais maisvastas que lhe conferiram visibilidadee hegemonia momentnea; nesta l-gica, os discursos e prticas que foramconsiderados socialmente pertinentes(ou consumveis); os processos, con-dies, estratgias e critrios que trans-formaram o rap num produto culturalde consumo mercadorizado e assimi-lado pelo main stream; o contexto so-cial, cultural, econmico e poltico por-tugus que envolveu esses processos(:31-35).

    Portanto, esta abordagem, tempo-ralmente situada, mas territorialmentemultifocalizada (embora centrada nocontexto portugus), remete para a di-menso processual, criativa e dinmicaque caracteriza o seu objeto de estudo da a necessidade de fixar o movimentoatravs das suas vrias vertentes e ei-xos, reconhecendo abertamente o car-ter fluido e polifocal da msica en-quanto fenmeno observvel.

    Com esta abordagem, a autora optainicialmente por uma reviso crtica daproduo literria e terica que acom-panhou o desenvolvimento da msicarap, desde a sua origem no Bronx nova-iorquino at sua expanso globalizada,confrontando aspectos musicais, espe-cificidades tcnicas, personagens, pr-ticas e dimenses expressivas, projetosideolgicos e mediatizaes com umaproduo terica cristalizadora, cons-trutora de temas recorrentes, historio-grafias e anlises contextuais (Captulo1) narrativas que antecedem e contex-tualizam o aparecimento do rap portu-

  • gus inserido numa cultura suburbanaportuguesa ps-colonial, marcada porexperincias quotidianas (a street...) eopes pessoais negociadas, dinami-zadas e sincretizadas, na qual a cul-tura hip-hop (e a msica rap) aparececomo fenmeno diasprico, pluriter-ritorializado, interclassista, multitni-co e transnacional (Captulo 2).

    A seguir, a autora percorre os espa-os pblicos de performance, consumoe produo do rap em Portugal din-micas de ao, tempo e espao que, porum lado, fomentam momentos de vi-sibilidade pblica e polissemias comu-nicativas (:89) e, por outro, constituempossibilidades experienciais, reflexivi-dades e representaes , partilhan-do com o leitor o seu dirio de bordo(Captulo 3). So precisamente essaspossibilidades experienciais (trajetosbiogrficos, vivncias, redes de sociabi-lidade, projetos identitrios etc.) que aautora procura retratar, discursos refle-xivos, afetivos e de auto-representaoque os atores partilham e cuja hete-rogeneidade ajuda a ultrapassar cate-gorias essencialistas freqentementeassociadas msica rap (negritude,africanidade etc.) (Captulo 4).

    Numa segunda parte do livro, aautora procede a uma desconstruodos discursos pblicos e polticas socio-culturais hegemnicas que enquadra-ram o aparecimento do rap na esferapblica e comercial portuguesa: as re-tricas da multiculturalidade, racismo eetnicidade (minoria tnica) que ca-racterizaram as agendas e linguagenspolticas, assim como um importante se-tor da produo das cincias sociais (Ca-ptulo 5); os media como veculos decultura, criadores de padres de repre-sentao cultural, prescritores de rea-lidades (com a circulao circular dainformao, tal como defendia PierreBourdieu) atravs de agendas jornals-

    ticas e processos de newsmaking, pro-duzindo associaes superficiais entrerap e criminalidade, violncia, raa ne-gra, juventude, subrbios etc. (Captulo6); a indstria musical portuguesa (edi-toras, msicos, imprensa), encarada co-mo promotora de culturas e produtosnacionais e nacionalizados, construtorade gneros musicais, partcipe deprocessos globais e comercializadorade prticas musicais (Captulo 7).

    Para concluir, a anlise de um fen-meno musical especfico como o dorap revela-se extremamente pertinente,no apenas pela abordagem compreen-siva, interpretativa e contextualizado-ra de um fenmeno sociocultural umfenmeno que nos familiar, reco-nhecido nos discursos pblicos , mastambm pelo reconhecimento (atravsde uma capacidade reflexiva notvel)de uma contemporaneidade social ecultural nos fenmenos musicais queobriga, como afirma a autora, a uma in-verso do processo antropolgico cls-sico (:210): no cabe j ao antroplogosistematizar e construir representaesde lgicas culturais outras, mas simaos indivduos que ele observa, queproduzem discursos, definies e mani-pulaes em relao s suas prpriasideologias e prticas, discursos essesque so freqentemente publicitados,chegando aos ouvidos do antroplogo,e muitas vezes veiculados como maissocialmente pertinentes (pelo seu ime-diatismo, pela autoridade conferidaao msico ou artista enquanto figurapblica) do que os do cientista social.

    Nesse contexto, uma obra como Fi-xar o movimento representa um passoem frente no que diz respeito (escas-sa) produo das cincias sociais emPortugal sobre a msica (pelo menosno que se refere a publicaes at estadata) e os seus contextos, constituindouma nova e necessria proposta meto-

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    dolgica nesse sentido, e ainda ofere-cendo um contexto de anlise e um con-tedo terico pertinentes e tambm ne-cessrios, sobretudo no que diz respeito descrio pormenorizada do fen-meno rap, abordagem crtica dosmedia portugueses e da indstria musi-cal e descrio dos contextos urba-nos que constituram focos de produ-o cultural.

    Por ltimo, Fixar o movimento im-plica tambm o preencher de uma la-cuna no que diz respeito produodas cincias sociais sobre o rap e o hip-hop, dando a conhecer um contexto queem termos globais ser perifrico,mas que encontra razes na transnacio-nalidade, irmanando-se assim em ter-mos de praxis e experincia com a ex-pressividade de outros contextos nacio-nais, tal como o brasileiro, que a autoratem como referncia pertinente: pelacarreira desenvolvida por Gabriel oPensador no seio da indstria musicalmundial (:194), pelo enquadramento ediscusso conceitual sobre raa, identi-dade e produo cultural, pela reflexosobre msica e cultura juvenil, tomandocomo exemplo o baile funk carioca

    GOMES, Denise Maria Cavalcante.2002. Cermica arqueolgica da Ama-znia: vasilhas da Coleo TapajnicaMAE-USP. So Paulo: FAPESP/EDUSP/Imprensa Oficial de So Paulo. 355 pp.

    Francisco Silva NoelliUniversidade Estadual de Maring

    A anlise de colees arqueolgicas um campo promissor de trabalho ar-queolgico no Brasil, por dois motivos.O primeiro a necessidade imperio-sa de se conhecer inmeros acervosacumulados nas instituies, esqueci-

    dos h dcadas. O segundo o baixocusto dessa modalidade de pesquisa,especialmente para a iniciao cientfi-ca, quando os recursos para ir a camposo escassos. Os dois motivos somadoscontribuem para a preparao de expo-sies, divulgao acadmica e abremespao para abordagens interdisci-plinares envolvendo a antropologia e ahistria, podendo ainda criar novos pon-tos de partida para a continuao ou re-tomada do trabalho em determinadasregies.

    Este o caso do livro em questo,um estudo bem-sucedido de Denise Go-mes sobre as vasilhas e os fragmentosda Coleo Tapajnica do Museu deArqueologia e Etnologia da Universida-de de So Paulo. A anlise da coleo,em paralelo com a pesquisa das fonteshistricas e a reviso crtica da biblio-grafia produzida por arquelogos des-de o sculo XIX, serviu para buscarsubsdios para a discusso dos princi-pais problemas e abordagens neste li-vro: a cronologia da rea Tapajs-Trom-betas e as hipteses de complexidadesocial em Santarm (:71). Alm disso,a autora procurou realizar outras incur-ses sobre a Coleo, especialmente nocaso do acesso privilegiado a um tipode cultura material, possivelmente as-sociada a funes ideolgicas e religio-sas (:16). Com essa perspectiva, Deni-se Gomes realizou uma anlise tecno-lgica, tipolgica, dos estilos decorati-vos e iconogrficos de uma coleo de8.516 peas adquirida de colecionis-tas amadores em 1971 pela USP, cujamaior parte foi coletada entre Santarme o rio Xingu ao longo de vinte anos.

    O resultado mais significativo do li-vro, alm da brilhante anlise da Co-leo, a mais completa sntese do quese pensou sobre a ocupao do baixoAmazonas por populaes ceramistasentre 400 e 1500 antes do presente. A

  • obra inicia com a histria da aquisiodo acervo e da seqncia das pesquisasarqueolgicas realizadas na rea Ta-pajs-Trombetas. Pode-se observar oque fizeram, onde trabalharam e comoos pesquisadores construram a pr-his-tria da regio. O segundo captulo dis-corre sobre os modelos tericos de de-senvolvimento cultural na amaznia,propiciando uma compreenso objetivae cabal de todas as idias, interpreta-es, perspectivas e debates gerados.Esses dois captulos convergem para acontextualizao da rea Tapajs-Trom-betas na arqueologia da regio amaz-nica. O grande mrito dessa primeiraparte a maneira como o intenso deba-te sobre a ocupao humana na Ama-znia, muitas vezes publicado de formaemocional, foi apresentado com habi-lidade e didatismo para informar o lei-tor, especialmente aquele que desco-nhece o contexto acadmico da histriadessas pesquisas. Ao mesmo tempo, soexpostas reflexes e crticas a respeitodos temas e pontos mais importantes dadiscusso entre os especialistas, acom-panhadas de vrias e pertinentes su-gestes para futuras investigaes.

    O terceiro captulo apresenta a me-todologia e os resultados da anlise daColeo, em que a autora identifica osestilos tecnolgicos das cermicas, clas-sificadas como Santarm, InflunciaSantarm, Konduri, Influncia Konduri,Globular, Barrancide, estilos no defi-nidos pertencentes Tradio Inciso ePonteada e, por fim, exemplares intru-sivos. Denise Gomes sugere que se em-pregue estilo em vez de cultura Ta-pajnica e Santarm, em razo da faltade resultados publicados que propiciema contextualizao acurada das evidn-cias. A partir de um rigoroso tratamentoestatstico, a Coleo foi analisada sobdiversos aspectos, tais como a composi-o do antiplstico, a classificao das

    formas, o tratamento de superfcie, vi-sando classificar as tcnicas decorativase iconogrficas, acompanhados de umareflexo sobre a funo das vasilhas. Pa-ra tanto, a autora seguiu a metodologiasugerida por Shepard e por Rye e a ter-minologia arqueolgica brasileira paraa cermica, bem como revisou e atua-lizou os esquemas classificatrios para37 formas propostas anteriormente.

    Com essa classificao, seu trata-mento estatstico e uma reviso biblio-grfica erudita, a autora elaborou noquarto captulo uma anlise interpreta-tiva das tcnicas decorativas e da ico-nografia, visando compreender o de-senvolvimento histrico dos modos(conjunto de atributos com sentido cro-nolgico), estilos e correlaes em re-lao a aspectos culturais, polticos e degnero, mas sobretudo no que se refere hierarquizao entre os produtoresdessas cermicas. apresentada umaseqncia hipottica da rea Tapa-js-Trombetas, com a presena de dozemodos decorao consecutivos, emque se prope o desenvolvimento cro-nolgico dos estilos decorativos e ico-nogrficos. So fornecidas dataes porAMS, que no deram certo, apesar dediversas tentativas, e por TL, que resul-taram em nove datas; a ausncia de in-formaes contextuais e de amostras desolo, no permitiram uma avaliaocompleta sobre a preciso destas data-es, consideradas tentativas (:131).

    O captulo 5 expe informaes his-tricas sobre o baixo Amazonas no pe-rodo colonial, tanto para retratar vriosaspectos da sociedade tapaj em dife-rentes momentos quanto para discutircom densidade e pertincia a questodos cacicados. Ao mesmo tempo, exa-mina a relao entre as abordagens ar-queolgica e etno-histrica e faz umadetalhada exposio das fontes hist-ricas conhecidas, alm de uma anlise

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    das relaes culturais na rea Tapajs-Trombetas com base nos diferentes es-tilos cermicos. Ainda nesta parte, sodiscutidas as tendncias interpretativasdo contedo simblico da cermica eseus possveis nexos com aspectos ideo-lgicos. aduzida uma curta, mas per-tinente, discusso sobre os limites im-postos pela ausncia de informaescontextuais da coleo tapajnica, es-pecialmente a concluso sobre a exis-tncia de uma grande cultura tapaj-nica que, segundo a autora, precisaser questionada.

    O livro encerra com um catlogo de163 pranchas coloridas, com fotogra-fias de vasilhas e fragmentos de vasi-lhas e apndices mais representativosda coleo tapajnica, acompanhadasda ficha tcnica descritiva. Digna denota a excelente editorao da obra,que, alm de muito bem redigida e or-ganizada, uma das mais belas e bemapresentadas da bibliografia arqueol-gica sobre o Brasil. Estas qualidades,somadas ao alto nvel cientfico da pes-quisa, transformam Cermica arqueo-lgica da Amaznia em obra de refe-rncia obrigatria para arquelogos,antroplogos e historiadores e em guiaindispensvel para iniciantes, inscre-vendo Denise Gomes entre os princi-pais especialistas da arqueologia ama-znica.

    LABATE, Beatriz C. e ARAJO, Wladi-mir S. (orgs.). 2002. O uso ritual da aya-huasca. Campinas, SP: FAPESP/Merca-do das Letras. 686 pp.

    Marco TromboniDoutorando, PPGAS-MN-UFRJ

    Esta bem-vinda coletnea organiza-da por Beatriz C. Labate e Wladimir S.

    Arajo rene uma produo expressivade pesquisadores dedicados ao estu-do da ayahuasca. So abordados seusaspectos farmacolgicos, biomdicos epsicolgicos; o uso tradicional da bebi-da por povos indgenas da Amazniaocidental, curandeiros mestios do so-p andino e comunidades de seringuei-ros no Brasil; ou ainda as novas reli-gies que projetaram seu emprego ri-tual para vrias capitais brasileiras emuitos outros pases. Trata-se de nadamenos que 25 artigos, distribudos por686 pginas, envolvendo o trabalho dequarenta pesquisadores de diversasreas do conhecimento: farmacologia,medicina, psicologia e, predominante-mente, antropologia, em um projetoeditorial ambicioso que pretendeu co-brir praticamente todo o espectro deabordagens contemporneas do fen-meno. O propsito principal dos organi-zadores, de fato, foi fornecer uma visode conjunto dessa produo de modo arevelar o estado-da-arte.

    O livro est dividido em trs partes:I) Ayahuasca entre os povos da flores-ta, com artigos atinentes s popula-es indgenas e a contextos mesti-os; II) As religies ayahuasqueirasbrasileiras, isto , a Unio do Vegetal,o Santo Daime e a Barquinha; e III) Osestudos farmacolgicos, mdicos e psi-colgicos da ayahuasca. A organizaoda primeira e terceira partes parece,no entanto, pensada em funo de suarelao indireta com o tema da segun-da, que ocupa metade do volume. Comefeito, sua temtica, na qual reside amaior contribuio do livro, fora at omomento a menos favorecida em ter-mos de publicao; os artigos aqui con-tidos derivam, em sua grande maioria,de dissertaes e teses produzidas nosvinte ltimos anos, facultando a um p-blico mais amplo o acesso ao resultadode trabalhos at agora inditos.

  • Se o livro de fato atinge plenamenteo objetivo de revelar o estado-da-arte nocampo, f-lo porm ao custo de sacrifi-car um pouco a unidade e homogenei-dade do conjunto. O desequilbrio resul-tante reflete o desigual investimento depesquisa despendido nos subcamposcobertos pelas diferentes partes. Na-quela voltada para os povos da floresta,os quatro artigos dedicados utiliza-o da ayahuasca por grupos indgenas(Luz, Langdon, Keifenheim e Zaluaga)figuram sobretudo como uma pequenaamostra de uma produo etnolgicaque, embora ainda longe de esgotada, certamente mais numerosa e antigado que todas as demais se pensarmosnos conhecidos trabalhos de GerardoReichel-Dolmatoff, Stephen Hugh-Jo-nes ou Pierre Chaumeil, entre outros.Trata-se de uma discusso de longa da-ta, beneficiria do dilogo com toda amassa crtica acumulada pela etnologiaindgena sul-americana, especialmenteaquela dedicada ao estudo do xamanis-mo, apenas discretamente representa-da no livro. Aparentemente, a intenodos organizadores ao incluir esses arti-gos foi a de, didaticamente, ofereceruma perspectiva mais ampla para osleitores primariamente interessados nasreligies descritas na segunda parte,obviamente o pblico-alvo principal dolivro, por suposto pouco conhecedor dosusos indgenas e mestios da bebida.

    Com efeito, o primeiro artigo, de Pe-dro Luz, oferece convenientemente umaespcie de resenha dessa produo, pro-curando classificar especificidades dosimbolismo associado ao uso da aya-huasca segundo se trate de povos delngua pano, aruak ou tukano, o que lheimps um grau elevado de generaliza-o. O artigo de Esther Jean Langdonfigura dentro da estratgia geral do li-vro como um exemplo de uso xamni-co indgena da ayahuasca. O texto de

    Barbara Keifenheim, que oferece umaperspectiva terica bastante inovadora,procura mostrar aspectos do uso da be-bida ligados no diretamente ao xama-nismo, mas sim a toda a cosmoviso dosKaxinawa, entendida enquanto uma ex-perincia sensorial do mundo intima-mente associada s alteraes percep-tuais induzidas pela ingesto da aya-huasca. J o artigo de Germn Zaluaga,mdico colombiano, destoa bastante doconjunto, exibindo porm uma preocu-pao que atravessa praticamente todoo volume, qual seja, a questo da legiti-midade do uso da bebida. O que lhe pa-rece ser uma apropriao indevida doconhecimento indgena constitui o focode sua preocupao, vazada em uma es-pcie de discurso antiassimilacionistaque, em contradio com o propsito ge-ral dos organizadores, revela uma maldisfarada rejeio pela utilizao dabebida fora dos contextos indgenas.

    Os trs artigos seguintes dessa par-te enfocam as tradies mestias. O tex-to do tambm mdico Jacques Mabitcaracteriza aspectos interessantes daproduo visionria da bebida, apon-tando suas potencialidades teraputi-cas, e prope o dilogo entre a medici-na e psicologia clnicas e as tcnicastradicionais dos curandeiros mestios.Algo contraditoriamente, porm, pros-segue na linha de condenao dos usosmais recentes, embora em tom maisdiscreto e mais generoso que Zaluaga,reservando aos mdicos e outros profis-sionais de sade o privilgio da inova-o inspirada nas prticas e conceitostradicionais amaznicos, em detrimentodo que lhe parece um esvaziamento deseus fins teraputicos por parte das re-ligies que perseguem, atravs da aya-huasca, novos caminhos espirituais. LuizEduardo Luna retoma a perspectiva an-tropolgica ao sustentar o dilogo coma literatura etnolgica sul-americana,

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    voltando sua ateno, porm, para ouso da bebida pelos vegetalistas, ter-mo que designa os curandeiros mesti-os dos stios urbanos da Amaznia pe-ruana. Sua preocupao particular mostrar o trnsito operado pelo vegeta-lista entre o mundo natural e o humano,apoiado em dados iconogrficos antro-pomrficos. O artigo de Mariana C. P.Franco e Osmildo S. da Conceio fazmuito bem a transio para a segundaparte: tratando do uso da ayahuasca porseringueiros do Alto Juru, aborda umcontexto muito prximo social e cultu-ralmente daquele em que se originaramas religies ayahuasqueiras brasileiras,proximidade esta que tem ensejado in-clusive um processo recente de introdu-o do Santo Daime na regio.

    Na segunda parte, o claro desequi-lbrio na quantidade de artigos dedica-dos ao Santo Daime, largamente favo-recido em relao Unio do Vegetal e Barquinha, reflete a realidade da pro-duo contempornea. Abre-se com umartigo de Beatriz Labate, que procurafazer o inventrio mais completo poss-vel da literatura dedicada a essas reli-gies, publicada ou no, incluindo tan-to a produo acadmica, classificadae comentada segundo os temas do sin-cretismo, xamanismo, cura e histriadas origens desses cultos, quanto umaflorescente literatura nativa, classifi-cada segundo a vertente religiosa aque pertence. Assim, o artigo funcionacomo uma espcie de segunda intro-duo, desta feita Parte II.

    Os sete artigos seguintes tratam doSanto Daime, a mais antiga e visveldentre as trs religies ayahuasqueirasbrasileiras, ocupando volta e meia es-paos na mdia. Os textos seguem apro-ximadamente o processo de sua expan-so, desde a fundao, pelo migrantemaranhense Raimundo Irineu Serra,Mestre Irineu, da comunidade religiosa

    do Alto Santo, em Rio Branco, no Acre,na primeira metade do sculo passado,e depois ao longo da histria da disse-minao, no Brasil e no exterior, do CE-FLURIS (Centro Ecltico da FluenteLuz Universal Raimundo Irineu Serra),dissidncia do Alto Santo, liderada porSebastio Mota Melo, o Padrinho Se-bastio, que introduziu algumas modi-ficaes mas manteve os principais ele-mentos doutrinrios e rituais da reli-gio criada por Mestre Irineu. A pers-pectiva dos artigos dessa parte emi-nentemente antropolgica, abordan-do, sucessivamente: os rituais entendi-dos como tcnicas corporais no sentidomaussiano (Arneide B. Cemin); a rela-o entre o tipo de comunidade forma-da em torno dessa religio e seu calen-drio ritual com o catolicismo popular eo estilo e esttica das festas de santos(Sandra L. Goulart); a caracterizaodesses rituais como uma inovadora for-ma de xamanismo coletivo, pensadoem termos de performance ritual (Fer-nando de la Rocque Couto); e uma ten-so latente entre a possesso como umaespcie de proto-influncia afro-brasi-leira sobre a formao desse culto e amirao, associada ao vo da alma,enquanto duas modalidades do xama-nismo clssico (Clodomir Monteiro daSilva). Inclui tambm um relato fenome-nolgico, em primeira pessoa, do conta-to do antroplogo Walter Dias Jr. com oSanto Daime, com o sugestivo ttuloDirio de viagem, no qual o autorprocura refletir sobre as possibilidadese os questionamentos abertos pelas ex-perincias msticas induzidas pelo usode substncias psicoativas sobre os pa-radigmas aceitos pela cincia conven-cional.

    J o texto seguinte, de Maria Cristi-na Pelaez, tambm mdica, retorna argumentao teraputica, desenvol-vendo a noo de cura espiritual. Re-

  • corre, para tanto, a conceitos da chama-da psicologia transpessoal, vendo nadoutrina e nos rituais do Santo Daimeum substituto religioso e legal para osexperimentos dos anos 60 e 70 com ouso teraputico de drogas psicodlicas,desde ento coibidas pelo establis-hment mdico e proibidas pelo Estado.Exceto talvez por seu tom alternati-vo, esse artigo tambm poderia figu-rar na parte III do livro. A questo daproibio das drogas pelo Estado opano de fundo do artigo do antroplogoEdward MacRae, que trata da ameaarepresentada por esse contexto socio-poltico para a manuteno da legalida-de da prtica dos rituais das religiesayahuasqueiras brasileiras. Ele apontapara os pontos de tenso existentes en-tre essas prticas e os valores ticos emorais dominantes tenso para cujasoluo pouco ajudam as dissensesentre os grupos religiosos ayahuasquei-ros, sempre tendentes exacerbao deseus sectarismos doutrinrios e tam-bm, por outro lado, para as falciasculturalistas contidas no discurso da-queles que defendem a restrio dapermisso do uso da ayahuasca apenasaos ndios e curandeiros mestios dossops andinos, supostamente mais tra-dicionais. Com efeito, esse artigo sin-tetiza a linha argumentativa implci-ta na estruturao de todo o livro pelosorganizadores, embora estes tenhamaberto tambm espao, como vimos,para vozes dissonantes. Essa dissonn-cia reaparece no artigo de Carsten Bal-zer, um estudo de caso de uma das ten-tativas de introduo do Santo Daimena Alemanha, a partir do contexto dasfeiras esotricas e workshops deterapias alternativas no estilo NewAge, o nico que aborda a introduorecente dessa religio em pases com-pletamente estrangeiros a suas origensindgenas e caboclas.

    O artigo de Wladimir S. Arajo onico no livro a tratar da Barquinha, amenor das trs religies ayahuasquei-ras em termos de adeptos (umas pou-cas centenas), praticamente restrita cidade de Rio Branco. Eminentementedescritivo e prximo das categorias na-tivas, funciona muito bem como primei-ra apresentao a uma religio at ago-ra praticamente desconhecida, pormmuito peculiar na combinao de ele-mentos do catolicismo popular, da reli-giosidade afro-brasileira e da mtica ca-bocla amaznica. Trs artigos tratam daUnio do Vegetal, que, embora muitomenos exposta opinio pblica que oSanto Daime, mais difundida e contacom maior nmero de adeptos. De fato,seus dirigentes, ao longo de seus cercade quarenta anos de existncia, pare-cem ter feito uma opo deliberada pe-la discrio, cautela que se refletiu tam-bm em um controle muito estrito sobreatividades de pesquisa independentes,uma poltica que s agora parece estarmudando de rumo. Este precisamenteo problema do primeiro desses artigos,que, embora informativo, excessiva-mente marcado por um tom de docu-mento doutrinrio oficial, ainda que opertencimento religioso de seus autoresno devesse em princpio constituir im-pedimento para um estudo mais impar-cial. O artigo seguinte, Jos Gabriel daCosta: trajetria de um brasileiro, mes-tre e autor da Unio do Vegetal, deSrgio Brissac, por outro lado, no sofredesse tipo de limitao, procurando ex-trair da biografia do fundador elemen-tos que permitem situar histrica e cul-turalmente o processo de constituiode seus fundamentos doutrinrios e ri-tuais. De fato, a recente dissertao demestrado da qual deriva esse artigo ,sem dvida, o primeiro estudo indepen-dente mais aprofundado acerca dessareligio, sendo contudo fundamental

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    que novos investimentos de pesquisasejam feitos para que se possa conhecermelhor essa que , dentre as trs reli-gies ayahuasqueiras brasileiras, amaior, mais organizada e de cresci-mento mais consistente. Por fim, o lti-mo artigo dessa parte, de Afrnio P. deAndrade, perde-se infelizmente em umemaranhado de peroraes teolgicas ejuzos de valor acerca do etnocentrismodoutrinrio da Unio do Vegetal, comose esta no fosse a virtude mais bem re-partida entre todas as religies.

    A parte III do livro compreende es-tudos farmacolgicos, mdicos e psico-lgicos da ayahuasca. Os trs primeirostextos derivam de um mesmo grandeprojeto de pesquisa encomendado pelaUnio do Vegetal e desenvolvido poruma equipe internacional de pesqui-sadores pertencentes a quinze institui-es brasileiras, americanas e finlande-sas, cujo objetivo maior foi apontar, pre-liminarmente, os possveis benefciose/ou malefcios fsicos e psicolgicosdo consumo contnuo e prolongado daayahuasca. De interesse lateral para aantropologia, esses artigos corroborama mencionada preocupao implcitados organizadores com a questo da le-gitimidade e legalidade do uso ritual daayahuasca. O quarto artigo dessa parte,A ayahuasca e o estudo da mente, deBenny Shanon, estuda a produo vi-sionria decorrente da ingesto da aya-huasca sob a tica da psicologia cogni-tiva, e pretende estabelecer um dom-nio especfico, qual seja, o das experi-ncias pessoais sob efeito da bebida,para a abordagem psicolgica, questio-nando os limites das abordagens pre-dominantes at o momento, isto , a an-tropolgica e a das cincias naturais.Embora seja duvidoso que o domniodas experincias pessoais esteja forado mbito das cincias sociais, assimcomo parea um tanto apressado o pro-

    posto universalismo dos parmetroscognitivos baseados em pressupostosbiolgicos, o artigo tem o mrito de in-dicar algumas contribuies possveisda ayahuasca para o estudo da mente,particularmente a possibilidade da e-xistncia do que o autor chama de co-munhes suprapessoais no contedodas vises. Finalmente, encerrando olivro, est o artigo de Jonathan Ott, oqual aborda a farmacodinmica de di-versos compostos produzidos a partirde dezenas de diferentes plantas quecontm os mesmos princpios ativos (einclusive de compostos de plantas jun-tamente com substncias sintetizadasem laboratrio) capazes de produzir oefeito ayahuasca, isto , presumida-mente, o mesmo efeito visionrio pro-duzido pela combinao das plantastradicionalmente usadas na preparaoda ayahuasca utilizada pelos gruposdescritos no restante do livro.

    No conjunto, o volume traz uma ava-lanche de informaes relevantes so-bre as temticas de suas diferentes par-tes, capaz de interessar leitores em v-rios domnios de conhecimento, consti-tuindo-se como uma obra de refernciasobre os usos rituais da ayahuasca, degrande utilidade para um pblico di-versificado.

    MONTEIRO, Simone. 2002. Qual pre-veno? Aids, sexualidade e gneroem uma favela carioca. Rio de Janei-ro: Editora Fiocruz. 148 pp.

    Jos Carlos RodriguesPUC-Rio

    O ponto de partida fundamental destetrabalho foi uma investigao de camposobre representaes e prticas associa-das sexualidade. A pesquisa envolveu

  • rapazes e moas de uma favela carioca,Vigrio Geral, e teve por foco principala questo da proteo sade.

    Na busca do entendimento de taismanifestaes, a autora procurou iden-tificar os ncleos simblicos do siste-ma de proteo nativo, almejandoobter informaes que contribussempara uma reflexo sobre os parmetrosa partir dos quais seria possvel esperara adeso dos jovens pesquisados ao dis-curso preventivo oficial.

    Os resultados da investigao reve-laram um aprecivel descompasso en-tre esse discurso preventivo, que nor-malmente orientado por um ideriomoderno no qual se sustenta uma re-lao simples e direta entre conheci-mento e prtica, por um lado, e os da-dos do contexto etnogrfico analisado,por outro, em que se observa o peso deuma viso de mundo tradicional, ba-seada na localidade, nas relaes de vi-zinhana e no parentesco.

    Segundo Simone Monteiro, as cam-panhas educativas de preveno contraa AIDS inspiram-se em geral na idiade igualdade de direitos individuais.Esta idia se materializa em propostasde planejamento e de negociao igua-litria entre os parceiros a respeito daprtica de sexo seguro, visando produ-zir acordo quanto ao uso de preservati-vos e/ou sexo sem penetrao. Contu-do, os dados da pesquisa apresentaramum quadro governado por valores bas-tante contrastantes com essas premis-sas: revelou-se um panorama de cren-as e prticas associadas ao conheci-mento do e confiana no outro, almde baseadas no vnculo amoroso, na cu-riosidade e na oportunidade.

    Pelos discursos dos informantes,prevaleceram as assimetrias de gnero.A maternidade e a paternidade mostra-ram-se valores extremamente impor-tantes, cruciais mesmo, para a definio

    das identidades de mulher e de ho-mem. Na prtica, essas concepes cor-respondem a relaes heterossexuais,em geral genitalizadas e desprotegidas.Materializam-se tambm, de modo coe-rente, em crticas ao auto-erotismo e emcondenaes homossexualidade, es-pecialmente feminina.

    Uma das teses centrais do trabalho a de que no campo da sade as prti-cas cotidianas no decorrem apenas dedecises individuais racionais, contro-ladas pelos indivduos como pressu-pe o discurso preventivo oficial , masdas condies simblicas e materiaisda existncia. Apoiando-se em conhe-cida distino sustentada por RobertoDaMatta, a autora afirma que a lgicade proteo nativa se ancora na com-binao das categorias casa, outromundo e rua que atuam na defini-o geral dos cuidados da sade, assimcomo na preveno de infeco porHIV em particular.

    Essas categorias definem a hierar-quia dos riscos. Nas relaes com al-gum da rua, os mtodos preventivosencontram chance maior de se fazerempresentes. Naquelas com algum dacasa (namorada, moa de famlia, co-nhecido), tornam-se praticamente ne-gligenciveis. Assim, a camisinha e ou-tros mtodos de proteo se fazem in-dispensveis no grupo pesquisado ape-nas quando o sexo concebido comoextremamente perigoso isto , quan-do praticado com algum muito distan-te da casa. Entretanto, mesmo nestecaso arriscado, ser sempre possvelcontar com a proteo das foras do ou-tro mundo.

    Estrategicamente, Simone Montei-ro optou pelo mtodo etnogrfico. Cer-tamente, este era o mais indicado e,mesmo, o mais necessrio, para o en-frentamento das questes que se colo-cou. Contudo, a exemplo do que se po-

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    de ver em muitos e muitos textos antro-pologicamente inspirados que derivamde teses sustentadas em instituies tra-dicionalmente pertencentes s reascientficas duras ou verdadeiras(no caso, de doutoramento apresentada Escola Nacional de Sade Pblica),constata-se aqui a dificuldade da auto-ra em levar o mtodo etnogrfico e, so-bretudo, a observao participante ssuas ltimas conseqncias.

    Uma resultante disso que a pes-soal, nica e insubstituvel experinciado pesquisador em sua relao direta,face a face e na primeira pessoa comseus informantes termina por se apre-sentar no texto disfarada como objeti-vidade neutra e distante e mascaradarepetidamente sob as formas lingsti-cas da voz passiva (descrevem-se aquias trajetrias...) e do sujeito indetermi-nado (constata-se que...). Desse mo-do, em vez de aproveit-la em sua posi-tividade, maquiam-se, mas apenas re-toricamente, os riscos de a subjetivida-de do pesquisador se insinuar.

    No obstante, muito alm dessa ob-servao pontual, de abrangncia bemmais ampla do que o texto em questo,as pginas de Qual preveno? nos fa-zem meditar sobre o alcance efetivo denossos mtodos e tcnicas de pesquisapara desvendar temas e problemas con-cernentes relao entre representa-es e prticas. Penso sobretudo nas di-ficuldades que encontramos quandotentamos investigar assuntos que arti-culam os universos do pblico, repre-sentado pelo pesquisador, e do privado,relativo a pensamentos, sentimentos eaes de seus informantes. Por exem-plo, no caso especfico do trabalho empauta para efeitos de compreenso et-nogrfica do grupo pesquisado e mes-mo para a eficcia dos projetos preven-tivos , at que ponto se pode conside-rar a ausncia de relatos de homoerotis-

    mo pelos informantes como significan-do inexistncia de prticas efetivas?Ou, quanto de credibilidade devemosatribuir s declaraes dos rapazes so-bre o nmero de suas parceiras sexu-ais? Ou s informaes verbais sobre afreqncia de suas relaes? Ou, ainda:que grau de realidade fornecer s a-firmativas dos jovens pesquisados quecondenam as prticas masturbatrias?

    Ao mesmo tempo, podemos fruirdeste livro como uma bela apreensosociolgica de um problema tcnico es-pecfico de interveno social. Por estecaminho, Simone Monteiro nos leva aespecular sobre dilemas interessantes,relativos aos limites ticos, tcnicos epolticos das cincias sociais aplicadas.Sua leitura ser certamente de granderelevncia para estudantes e profis-sionais que se dedicam ao estudo daantropologia do corpo, bem como paraaqueles voltados para a investigaodas questes atinentes comunicaono campo da sade coletiva.

    RIVAL, Laura M. e WHITEHEAD, Neil L.(orgs.). 2001. Beyond the visible andthe material: the amerindianizationof society in the work of Peter Rivi-re. Oxford: Oxford University Press.301 pp.

    Marcela Coelho de SouzaPPGAS-MN-UFRJ

    Os treze artigos reunidos neste volumeso um tributo a Peter Rivire. O pref-cio de David Parkin salienta as contri-buies do homenageado antropolo-gia em geral, mas o livro apresenta-sesem rodeios como uma explorao dasveredas abertas por seus trabalhos naselva sul-americanista. Como indica ottulo, trata-se de uma antropologia cu-

  • ja maior contribuio terica e meto-dolgica tem sido mesmo o amerin-dianizar entenda-se, deformar etno-graficamente a sociedade enten-da-se, o conceito antropolgico de so-ciedade.

    apropriado que este livro tenhacomo um de seus temas centrais o sig-nificado da afinidade e da consangini-dade para os povos das terras baixassul-americanas. Poucos fizeram tantoquanto Rivire para que compreends-semos o quanto a amerindianizao dasociedade passava por uma investiga-o profunda dessas categorias. O de-safio encarado de frente pelos doisprimeiros captulos, o de E. Viveiros deCastro e o de A.-C. Taylor.

    Estes autores convergem em ver naafinidade o esquema privilegiado da re-lao no universo amerndio e na con-sanginidade, uma no-relao (:25, 51,53). Essa proposio se enraza, no casode Viveiros de Castro, em um projeto deamplo escopo, do qual seu captulo nes-te livro representa uma apresentaomuitssimo compacta. Resumir projeto ecaptulo tomaria, no mnimo, toda estaresenha. Atenho-me a duas indicaes.Primeiro, quanto relao com a pro-duo anterior do autor, faz-se aqui aponte entre a reflexo sobre o parentes-co e aquela sobre a cosmologia pers-pectivista dos amerndios, reformulan-do o conceito de afinidade (potencial)como uma dimenso de virtualidade odado , cuja atualizao o que produz constri o parentesco ou consangi-nidade. A segunda indicao refere-ses possibilidades que este trabalho abrepara investigaes futuras: a metaes-trutura proposta feita para ser lida emduas direes a da atualizao da afi-nidade e construo do parentesco,aqui enfatizada, mas tambm na dire-o inversa, a de um contrafluxo []guiado pelo princpio dominante da afi-

    nidade (:29), a que se podem conectarrelaes, eventos e processos que reme-tem ordem do ritual (ver vrias dasaplicaes da estrutura sugeridas peloautor). A dinmica da conexo entre es-sas duas linhas aqui esboada ilumi-na muito a relao entre, de um lado, aconstruo da comunidade de parentesna vida diria e, de outro, o ritual, o xa-manismo e o mito entre o ordinrio eo extraordinrio, em suma, questo emtorno da qual os americanistas adora-mos polemizar.

    O artigo de Taylor expressa um pon-to de vista semelhante, mas a partir deuma anlise extremamente original dasconceitualizaes jvaro da conjugali-dade e da germanidade, da parentali-dade e da procriao (filiao). Focali-zando as representaes das formas re-lacionais subjacentes aos laos vividosdo parentesco, ela conduz uma discus-so fina e densa das atitudes ou dispo-sies afetivas (seduo, predao)subjacentes a esses laos, bem como domodo como se articulam a uma concep-o dividida da pessoa. Pessoa que serevela constituda a partir de uma rela-o interna com uma figura de alterida-de um inimigo, no caso masculino, umanimal, no feminino , um desdobra-mento que informa igualmente os mo-delos reprodutivos e a concepo da fi-liao. Da anlise decorrente, a autoraextrai a concluso de que a consangi-nidade s se torna propriamente social,isto , s deixa de ser uma auto ou umano-relao (clonagem), quando se ar-ticula afinidade (:53). No se trata deque as relaes de procriao no se-jam por si mesmas reprodutivas no sen-tido estrito, mas o que faz delas repro-duo de novas entidades, o que astorna dinmicas e introduz diferencia-o em um processo que de outra formaseria a replicao do mesmo [ liden-tique] (:53), a afinidade.

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    O captulo seguinte, de Laura Rival,contrape-se aos dois precedentes. Con-siderando a consanginidade amaz-nica menos bem compreendida que aafinidade, a autora explora as noesde procriao depreensveis das prti-cas agrcolas makuxi. A conexo queela procura assim fazer inegavelmen-te interessante, e sua descrio bastan-te rica. Mas seu esforo de mobiliz-laspolemicamente no to bem-sucedi-do. O objetivo claramente restabele-cer a dignidade ferida da consangi-nidade, salv-la da nothingness aque teria sido reduzida pelos estrutu-ralistas, restituir a centralidade das re-laes de procriao (em pelo menosum sistema de pensamento indgenaamaznico [:77]), reconhecer seu po-der de criar uma nova vida em vez deapenas replicar a do prprio sujeito(:77). Evitando o ar rarefeito em queplana Viveiros de Castro, Rival opta porenfrentar o problema contestando a as-sociao simblica proposta por Taylorentre a propagao da mandioca porclonagem e o modelo de engendramen-to do Mesmo que constituiria o resduono-afim da consanginidade, argu-mentando que as prticas agrcolas ma-kuxi envolvem uma clara nfase napreservao e fomento da diversidadeda mandioca via a fertilizao peridicadas linhas clonadas por plantas repro-duzidas a partir de sementes. O proble-ma que sua descrio da maneira co-mo os Makuxi asseguram essa diversi-dade pode ser lida no sentido contrrioao pretendido, i.e., como uma demons-trao da distino entre dois modelosreprodutivos e da necessidade de fazerintervir um princpio afim plantasselvagens vistas como o afim sem pa-rentes, improdutivo, infrtil que perdeutodo o potencial para a socialidade(:74), que devem ser devidamente do-mesticadas antes de poderem produzir

    alimentos , para que as plantas domes-ticadas (s vezes domesticadas demais,dizem os ndios) possam continuar ge-rando mais de si mesmas

    Enfim, talvez estejamos diante datradicional dificuldade de traduo en-tre as lnguas tericas faladas nos doislados da Mancha. A diferena no estna interpretao mais ou menos corretaque nos oferecida dos fatos, mas, pa-rece-me, no quanto se permite que es-tes venham amerindianizar nosso voca-bulrio. Mesmo nesses termos, possi-velmente, o julgamento das posiesem confronto depende de, digamos, gos-to. Permanece todavia o fato de que,diante do ataque conjunto dos dois pri-meiros artigos, a defesa de Rival revela-se insuficiente. Mas a bola continua emcampo.

    A questo dos significados da afini-dade e da consanginidade atravessapraticamente todos os captulos do volu-me, cuja diversidade de temas atesta avariedade de interesses do homena-geado. A dimenso simblica da culturamaterial (e a fecundidade do idioma bo-tnico) explorada por Chaumeil eErikson a partir das zarabatanas yaguae matis, respectivamente. O primeironos conduz da zarabatana a outros tu-bos ossos, flautas, palmeiras e, em l-tima instncia, pessoas , conectandocaa, guerra, xamanismo e iniciao pa-ra revelar um modelo pneumtico da(pro)criatividade, baseado na propaga-o de uma energia auto-reprodutivae em um princpio de clonagem, rele-vante para a compreenso da viso in-dgena da ancestralidade como uma re-lao de auto-identidade. Esse modelose ope a um modelo (heterossexual) dareproduo como uma exteriorizaode energia que envolve a abertura dostubos e a exposio a riscos exgenos(:97-98). V-se como essa descrio po-de ser conectada discusso anterior.

  • O objetivo de Erikson explicar areteno pelos Matis de uma tecnologiaabandonada por outros Pano seus vizi-nhos, e o uso da zarabatana examina-do em relao ao complexo da caa, daclassificao animal e de suas armas.Somos confrontados, mais uma vez, coma conexo zarabatana-palmeiras-an-cestrais, nos quadros de um dualismo(expresso no sistema de metades) queassocia esses valores ao interior e aomasculino e os ope ao exterior e ao fe-minino a que remetem os arcos e as re-laes com inimigos-estrangeiros. Maisuma vez, diferentes modos de relao ecriatividade: filiao/consanginida-de, conjugalidade/afinidade.

    As contribuies de rhem e Lea si-tuam-se em um registro mais imediata-mente sociolgico, tratando de compo-sies e histrias residenciais. Lanammo tambm, direta ou indiretamente,da noo lvi-straussiana de Casa. Paraanalisar a emergncia de uma catego-ria social e forma de organizao localnova entre os Makuna, a comunidadede aldeia, rhem, evocando as duas lei-turas da maloca ou casa-grande ba-rasana, a Descent House e a Consan-guineal House, identificadas por Ste-phen Hugh-Jones, supe a alternnciade dois modelos indgenas de sociali-dade, o da descendncia (patrilineari-dade, hierarquia, exogamia), cuja pre-valncia seria subjacente forma de or-ganizao centrada na maloca, e o daaliana (aliana simtrica, competioigualitria, endogamia local), que, rea-lizado tradicionalmente na forma dosgrupos locais de malocas aliadas, seconcretizaria hoje na comunidade dealdeia. A anlise da evoluo e compo-sio de diferentes comunidades maku-na permite ao autor demonstrar a cres-cente importncia dessa nova forma.

    Lea, por sua vez, reafirma o argu-mento de que as casas uxorilocais ka-

    yap consistem em entidades de car-ter corporado, detentoras dos nomes,ornamentos e prerrogativas rituais queconstituiriam os aspectos partveis dapessoa; sua complementaridade defi-ne a sociedade kayap como totalidadeideal e sua interdependncia matrimo-nial e ritual solda empiricamente as al-deias. Esse argumento, resolutamenteancorado nas preocupaes da antro-pologia feminista, se pretende uma cr-tica de interpretaes que como a deTerry Turner lem a uxorilocalidadecentro-brasileira em termos da domi-nncia exercida pelos sogros sobre osgenros atravs das respectivas filhas eesposas e procura restituir agncia fe-minina o lugar que essas perspectivaslhe teriam recusado. Vale sublinhar otrabalho diferente que a Maison cha-mada a desempenhar nos dois contex-tos, Noroeste Amaznico e Brasil Cen-tral. No primeiro caso, tratava-se depossibilitar a descrio do modo como aidentidade categorial de um ns ex-clusivo (descendncia) temperada(pela alternncia ritual e substituiohistrica) por um ns inclusivo (alian-a) que opera dissolvendo fronteiras es-sencializadas. No caso de Lea, quaseo oposto: constituintes da pessoa soerigidos em propriedade de grupos aque se quer restituir no apenas o car-ter corporado mas o estatuto de par-tes discretas de uma totalidade predefi-nida que seria a sociedade ideal. Emoutras palavras, a funo do conceito ,l, dissolver fronteiras; aqui, estabiliz-las ambigidade que alis pode serremetida ao desenvolvimento que oprprio Lvi-Strauss d ao conceito demaison, como notara alis Rivire ao to-mar a idia de Casa para pensar as so-ciedades das Guianas.

    Menos do que a adequao ou ina-dequao do conceito, interessa notarcomo sua mobilizao, sobretudo na

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    forma das leituras alternativas pro-postas pelos tukanlogos, responde necessidade de conceitualizar o modocomo consanginidade e afinidade o-peram articuladamente na constituiode coletivos na Amaznia. A questosubjaz aos captulos seguintes, centra-dos no ritual. Chernela discute uma for-ma de dilogo praticado em cerimniasde troca entre grupos locais (nos Wana-no e outros grupos tukano orientais) li-gados seja por afinidade, seja agnati-camente, para revelar como frontei-ras grupais concebidas como essenciaise permanentes so redefinidas por meiodesses ritos. Henley, abordando o papelque, no rito de iniciao masculina dosPanare (Guianas), desempenham os pa-nakon, visitantes de outra aldeia carac-terizados por um comportamento e pa-rafernlia especficos (e selvagem), mos-tra-nos o modo como a construo dapessoa depende das operaes rituaissobre o corpo, a centralidade dessesprocessos do ponto de vista da repro-duo social e, particularmente, a suadependncia da interveno de diver-sas figuras da alteridade.

    Entre estas ltimas emergem, alhu-res nas Guianas, os feiticeiros homici-das kanaima ou itoto. O captulo de ButtColson centrado no modo como os ho-micdios perpetrados por esses perso-nagens (em corpo ou esprito) operamna dissoluo de laos polticos e de pa-rentesco. Whitehead descreve o com-plexo dos Kanaim mais como um cultoxamnico da morte, do qual ele exploradois aspectos: primeiro, sua endose-miose, o simbolismo dessa forma demorte ritual e a desconstruo fsica docorpo que implica, como aspecto deuma economia poltica da morte que li-ga a sociedade a seus inimigos exter-nos; segundo, sua exosemiose, o mo-do como o culto remete a um campomais amplo de significao que envolve

    outros grupos amaznicos assim comoas sociedades nacionais que os cercam,revelando-o como sintoma da localiza-o da modernidade e permitindo versua violncia no apenas como destru-tiva, mas como constitutiva de um cer-to tipo de corpo poltico.

    O captulo de Thomas Griffiths, so-bre as relaes entre cosmologia e tra-balho entre os Uitoto, penetra um terri-trio relativamente pouco explorado: se,como ele mostra, as dimenses polti-cas e sociolgicas das atividades produ-tivas tm sido bastante tematizadas pe-la etnologia tropical, o modo como otrabalho (work) envolve as relaes en-tre humanos e no-humanos e os pro-cessos de diferenciao que sustentama identidade dos primeiros carece ain-da de maior ateno e sobretudo amerece. Tomando seriamente as afir-maes indgenas sobre o papel do tra-balho na manuteno e reproduo dascondies metafsicas e fsicas (ambien-tais) para a existncia humana, bem co-mo na criao e reteno de um corpo ede uma identidade humanas, sua dis-cusso um bem-vindo exemplo do ti-po de abordagem exigido pela adapta-o da noo de uma economia polticade pessoas a um universo como o ame-rndio, onde, como advertira no inciodo volume Viveiros de Castro, h maispessoas no cu e na terra do que so-nham nossas antropologias (:23).

    A contribuio de Lorrain, por fim,igualmente salutar, reflete sobre algu-mas questes epistemolgicas suscita-das pelo confronto do que chama ovis hierrquico e o vis igualitrionas anlises das relaes de gnero naAmaznia. O esforo por limpar um ter-reno to conturbado quanto j o foiaquele que vimos percorrendo at aquimerece ser continuado, para que aquesto do englobamento da hierar-quia pelo igualitarismo ou vice-versa,

  • levantada pela autora ao final, possa re-ceber uma resposta mais sofisticada,quer dizer, uma formulao mais inte-ressante, do que as disponveis at aqui.

    O captulo introdutrio dos organi-zadores, nem balano da obra de Rivi-re o que alis seria mesmo inapropria-do, uma vez que esta continua em de-senvolvimento nem reflexo originalsobre o estado atual do campo, poucotem a acrescentar. De todo modo, comono pode haver melhor testemunho dafecundidade de uma obra que a ampli-tude e riqueza dos interesses desperta-dos pelos objetos e conexes que pro-pe, esta coletnea contribui decidida-mente para ilustrar e manter vivo o im-pulso que o americanismo tropical re-cebeu e recebe da atividade incansvelde Peter Rivire.

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