questÕes epistemolÓgicas e …pepsic.bvsalud.org/pdf/jp/v39n70/v39n70a07.pdf · tada por algumas...

27
Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 105 QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS EM PSICANÁLISE Fernando Aguiar * RESUMO Este artigo discorre sobre alguns elementos que interessam à epistemologia da psicanálise, e que foram antes objeto de reflexão sistemática da parte de autores em psicanálise. O artigo é assim um compte rendu do estado atual das discussões que giram em torno da cientificidade da psicanálise. O lugar da clínica na pesquisa psicanalítica. Quando e sob que forma se pode falar de pesquisa no domínio da psicanálise. O lugar ocupado por tal pesquisa no seio da comunidade científica, em particular a universitária. As interações da psicanálise com outros campos do saber. O método psicanalítico de pesquisa. Palavras-chave: Psicanálise. Epistemologia. Metodologia de pesquisa. Em resumo-comunicação de sua tese de doutorado (Paris VIII), Micheli-Rechtman (2002) defende a urgente necessidade de examinar o lugar da psicanálise no campo social e de questi- onar, mesmo sustentar, sua epistemologia. Esta urgência se deve a que a psicanálise estaria hoje à mercê de três grandes perigos que, internamen- te, podem afastá-la de suas perspectivas origi- nais. O primeiro refere-se às tendências à psicologização, revelada, por exemplo, quando se considera a psicanálise uma psicoterapia. O se- gundo perigo — a inclinação hermenêutica, ado- tada por algumas correntes contemporâneas (em particular, a IPA) — partilharia com uma terceira tendência — a tentativa de cientificidade e seu corolário metodológico — uma mesma vontade de limitar o campo teórico próprio da psicanálise freudiana e lacaniana. * Doutor em filosofia pela Université Catholique de Louvain (Bélgica), é pro- fessor no Departamento de Psicologia e no PPG em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Upload: docong

Post on 26-Sep-2018

218 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 105

QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS EMETODOLÓGICAS EM PSICANÁLISE

Fernando Aguiar*

RESUMO

Este artigo discorre sobre alguns elementos que interessam à epistemologia dapsicanálise, e que foram antes objeto de reflexão sistemática da parte de autores empsicanálise. O artigo é assim um compte rendu do estado atual das discussões quegiram em torno da cientificidade da psicanálise. O lugar da clínica na pesquisapsicanalítica. Quando e sob que forma se pode falar de pesquisa no domínio dapsicanálise. O lugar ocupado por tal pesquisa no seio da comunidade científica, emparticular a universitária. As interações da psicanálise com outros campos do saber.O método psicanalítico de pesquisa.

Palavras-chave: Psicanálise. Epistemologia. Metodologia de pesquisa.

Em resumo-comunicação de sua tese dedoutorado (Paris VIII), Micheli-Rechtman (2002)defende a urgente necessidade de examinar olugar da psicanálise no campo social e de questi-onar, mesmo sustentar, sua epistemologia. Estaurgência se deve a que a psicanálise estaria hojeà mercê de três grandes perigos que, internamen-te, podem afastá-la de suas perspectivas origi-nais. O primeiro refere-se às tendências àpsicologização, revelada, por exemplo, quando seconsidera a psicanálise uma psicoterapia. O se-gundo perigo — a inclinação hermenêutica, ado-tada por algumas correntes contemporâneas (emparticular, a IPA) — partilharia com uma terceiratendência — a tentativa de cientificidade e seucorolário metodológico — uma mesma vontadede limitar o campo teórico próprio da psicanálisefreudiana e lacaniana.

* Doutor em filosofia pela UniversitéCatholique de Louvain (Bélgica), é pro-fessor no Departamento de Psicologia eno PPG em Psicologia da UniversidadeFederal de Santa Catarina (UFSC).

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.106

Do lado “de fora”, sabe-se que apsicanálise — à sua revelia, ainda quedesde sempre às voltas com a resistên-cia, e com a vexação psicológica doshomens diante de seus desejos inconsci-entes (Laplanche & Pontalis, 1973) — éparte integrante de inúmeros e instrutivoscapítulos da história e filosofia das ciênci-as, nos quais, pelos mais variados moti-vos, Wittgenstein e Popper, Sartre eMerleau-Ponty, Lévi-Strauss, Althusser,Habermas, Deleuze, Derrida e Badiousão (apenas) alguns dos personagens maisimportantes. Para K. Popper, seu maisconhecido crítico, a disciplina freudianarepresentava tudo o que a ciência seproíbe, já que seus argumentos seriamtais que nenhum fato empírico pode refutá-los. Por sua vez Althusser, um amigo dapsicanálise, situava sua função no eixo dapluridisciplinaridade e no campo das ciên-cias humanas, e a partir da questão assimdesdobrada por Naveau (2004): onde sesitua a psicanálise? Qual é seu lugar elocalização num espaço que ainda nãoexiste? Quais são suas não-fronteirascom disciplinas existentes?

Para o autor, tal é a questão quepersegue constantemente a reflexão deLacan e, não seria exagerado dizer, areflexão de Freud. Impressiona em am-bos o paradoxo manifestado em duplapreocupação: separar radicalmente a psi-canálise da disciplina que se apresentacomo a mais próxima dela, a psicologia; e,ao contrário, tentar aproximá-la de outrasque, aparentemente, dela estão afasta-das, como a sociologia, a antropologia, a

etnologia. Lacan teria respondido aAlthusser, em 1970 (talvez em “Liminaire”,de Scilicet 2/3, Naveau não referencia),que a articulação da psicanálise com asciências humanas se faz pela via da lin-güística e da lógica. Mas os pesquisado-res que trabalham neste enquadramento— assim constituído a partir de umapluralidade de abordagens disciplinares— partilham uma preocupação comum,sustentada menos na psicanálise comoprática do que na nova relação com ossaberes implicados em sua invenção.Neste sentido, dar conta do corte episte-mológico introduzido pela disciplina freu-diana significa tornar legível esta novarelação com os saberes.

Sabemos que a psicanálise nasceudo interesse de Freud por diversos cam-pos do saber, que está na origem, porexemplo, de sua defesa intransigente, em1926, de uma “psicanálise laica”, e a idéiade “interação” com outras disciplinas seráretomada na última parte deste artigo. Emcontrapartida, para as ciências humanas,parece a Naveau (2004) “demonstrável”que nenhuma delas “escapa ao fato de serimpossível não se posicionar em relação aesse corte epistemológico”. Experimen-tado por cada um de nós, a existência deum corte inaugural entre o signo e osentido produz uma divisão do sujeito:“Pode-se aceitar ou recusar tal corte,pode-se optar por ignorá-lo, desdenhá-lo,mas não se pode evitar tomar posição,subjetivamente, em relação a ele” (s.p.).

R. Mezan (2002), em “Sobre aepistemologia da psicanálise”, abordou

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 107

com concisão e clareza admiráveis o queparece pertinente sobre o tema. Ele co-meça por assinalar como nessa discussãosobre a cientificidade da psicanálise estãoembutidos inúmeros pressupostos, sobreos quais “reina uma considerável confu-são”. Ao tentar formulá-los mais precisa-mente, diz ele, “percebemos que o maisdas vezes os interlocutores não se enten-dem porque não falam a mesma língua —termos como ‘ciência’, ‘realidade’, ‘ver-dade’ e outros significam coisas diversaspara cada um deles”, e o resultado “é ababel que conhecemos” (p. 436). Mezanapóia-se no artigo “L’idée d’épistémo-logie”, do filósofo Gerard Lebrun, no qualo autor francês sugere em que consiste aespecificidade da abordagem epistemo-lógica. Segundo Lebrun, cada ciênciaconstrói a sua própria racionalidade,e isso se diferencia profundamente daidéia de uma razão universal que se ex-pressaria em todas as construções inte-lectuais realizadas pelo homem.

A esse tipo de abordagem, Lebrundenomina “reflexão racionalista sobre asciências”, e afirma que a epistemologianão trabalha da mesma forma. Ele postulaque a originalidade de um saber implicauma racionalidade própria àquele saber, edeseja precisamente pôr a nu as estruturasdaquela racionalidade [...]. É o caráterautóctone dessa montagem, implicandodecisões e escolhas, que permite determi-nar objetos até então inéditos, tornando-os passíveis de serem conceituados pornoções igualmente inéditas, as quais sedisporão em enunciados cujo conjunto

forma as teorias próprias àquela disciplina(Mezan, 2002, p. 438).

Este artigo visa destacar algunselementos que interessam à epistemolo-gia e à metodologia psicanalíticas, e queforam antes objeto de reflexão sistemáti-ca da parte de autores. Como tal, ele tema função e a estrutura de um compterendu (não-exaustivo) do estado atualdessas discussões. Essas discussões in-dagam sobre o lugar da clínica na pesqui-sa psicanalítica. Verificam quando e sobque forma se pode falar de pesquisa nodomínio da psicanálise, e indagam sobre olugar ocupado por tal pesquisa no seio dacomunidade científica, em particular auniversitária. Examinam as bases dasinterações da psicanálise com outros cam-pos do saber, e o método próprio psicana-lítico de pesquisa.

Primeiras delimitações

Para Freud, como se sabe, aWeltanschauung da psicanálise é cientí-fica. Ele quis mesmo registrar sua disci-plina no quadro das ciências da naturezade seu tempo, as Naturwissenschaften— na divisão clássica de T. Droysen, em1854, as que pretendiam explicar, e que seopunham às ciências do espírito, asGesteswissenschaften, que pretendiamcompreender. A partir da asserção deAssoun, que associa às ciências do espí-rito uma “valorização dos fatos” e àsciências da natureza “juízos de realida-de”, Mezan (2002) entende a recusa de

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.108

Freud em incluir a psicanálise entre asprimeiras, em parte porque era “seu obje-tivo [...] descrever uma região da realida-de (o inconsciente, tal como ele se apre-senta nas condições do setting analítico),e nessa condição está implícita a neutra-lidade em relação à natureza desses pro-cessos”. Por outro lado, ele acrescenta,“a interpretação — ferramenta psicana-lítica por excelência — consiste numaexplicação (...) e de forma alguma numexercício de compreensão” (p. 483).

Inscrevendo-se na subversão ci-entífica operada no início do século XX, ofundador da psicanálise professou umagnosticismo radical. Segundo Marie(2004), seu agnosticismo foi ao mesmotempo uma posição técnica — essaneutralidade que o psicanalista deve as-sumir e que o obriga, na clínica, a abster-se de todo julgamento de valores — e umaposição epistemológica — a renúncia aqualquer concepção do homem e do mun-do, preservando-se de qualquer pressu-posto metafísico.

Lacan, com sua hipótese — o in-consciente estruturado como uma lingua-gem —, também chegou a pensar emsustentar a psicanálise, no campo dasciências, como “ciências conjecturais”(De Neuter, 1988). A posição conjecturaldiz respeito a uma asserção hipotética e,de fato, “uma hipótese como a do incons-ciente não está de modo algum na mesmasituação epistemológica de um postulado:a hipótese é um operador técnico, o pos-tulado, um princípio que governa certarepresentação do mundo” (Marie, 2004,

p. 132). Mais tarde Lacan optaria porsituar a psicanálise num lugar específicofora da ciência, o que não quer dizer forade rigor (De Neuter, 1988). Enfim, apsicanálise foi tomada por uma herme-nêutica (Paul Ricoeur é disso o exemplomais ilustre) e até por uma ética — aindaque, alheia a uma visão de mundo e umavisão do homem (Marie, 2004), ela nãopossa fazer mais do que se alinhar a umaética que leve em conta a hipótese doinconsciente.

Há de outra parte aqueles queacusam os psicanalistas de praticar uma“ciência secreta” (Geheimwissenschaft)(Assoun, 1997). De fato o próprio Freud,imbuído da idéia de um “movimento”,teria utilizado a expressão Geheim-bündler para nomear os psicanalistas; ouseja, membros de “associações secretas”(Geheimbünden), associações de indiví-duos unidos por “objetivos” comuns —sendo que o termo pode mesmo conotar aidéia de conspiração. Geheimwissens-chaft designa assim um saber ou umadoutrina (Geheimlehre) que não é desti-nada à divulgação, mas antes reservadaaos “iniciados” (Eingeweihten). Ora,para ele, muito ao contrário, tornar públi-cas as aquisições psicanalíticas (e, porconseguinte, validá-las) foi uma de suastarefas mais constantes, e com o afinco e ozelo próprios e legítimos de um fundador.

A prática psicanalítica, embora eli-tista no que se refere aos custos de umaformação e tenha sua representação po-pular confundida com a do psicólogo, dopsiquiatra ou, mais particularmente, com

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 109

a do psicoterapeuta, é de domínio públicoe regulada intramuros desde 1920; e umséculo de exposição crítica talvez semparalelo na história não se coaduna com ologro intelectual, que comumente ca-racterizou, junto ao côté elitista, as ditasciências secretas. Enfim, o itinerário freu-diano é emblemático dessa transitorieda-de própria do conhecimento científico.

Eis alguns exemplos notáveis: arenúncia à teoria da “sedução real”; oCaso Dora, que se constituiu, apesar de“fracassado”, num modelo de relato decaso, e admirável em suas possibilidadesheurísticas; o enfrentamento das insufici-ências de sua teoria, que leva Freud arevisá-la periodicamente (aparelho psí-quico, teoria das pulsões, narcisismo, fun-ção da transferência na análise, fim daanálise...); as inúmeras notas de rodapéque, a cada edição, vão sendo acrescen-tadas aos Três ensaios sobre a teoriada sexualidade... Considere-se aindaque, de maneira singular, a construçãodessa teoria nos é apresentada de duasmaneiras: obviamente, através dos textospublicados, e através de sua enorme egenerosa literatura epistolar — ou cartasque obviamente não foram escritas paraser publicadas. Enfim, se nos textos, comose espera, Freud desempenha o papel “doexpert que tem alguma coisa a comunicare busca convencer”, ele põe em cenaainda um outro papel, o de um “interlocu-tor imparcial”, “que manifestamente eleinventou para colocar a crítica e lhe per-mitir argumentar sobre sua própria posi-ção” (Delattre & Widlöcher, 2003, pp.

12-13). A condição iniciática da psicaná-lise refere-se antes ao fato de a pesquisaem psicanálise ser tributária da experiên-cia analítica, e à recomendação (irritan-te para muitos epistemólogos) de o pes-quisador colocar-se a si próprio comoobjeto de investigação. Canônica e axio-mática, a recomendação faz parte do atofundador da disciplina quando, único ana-lista, Freud empreende sua auto-análise.Com a experiência analítica, pretende-segarantir a irredutibilidade de um saberverdadeiro que, no limite, pode somenteser indutivamente apropriado por quemtenha vivido, através da análise, certasexperiências sobre sua própria pessoa.O argumento é que, embora construindoconceitos, como a filosofia ou o discursomatemático, e criando “os objetos com osquais vai trabalhar”, a psicanálise não éapenas discursividade: ela tem a “ambi-ção não só de descrever ou de inventaralguma coisa no plano ideal, mas tambéma pretensão de intervir nesse real e demodificar alguma coisa dele” (Mezan,1994, p. 59); e é na experiência analíticaque isso primeiramente acontece.

Em suma, disciplina especulativa e“criadora de teorias” como a filosofia, apsicanálise é uma forma de investiga-ção e, ao mesmo tempo, uma interven-ção clínica. Para Freud (1912/1998),“um dos títulos de glória” de sua disciplina“é que nela, pesquisa e tratamento coinci-dem” — feita a ressalva, fundamental, deque o trabalho científico pressupõe, emparticular, “recompor a arquitetura [docaso], querer adivinhar sua progressão e

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.110

fazer, de tempos em tempos, os relatos dasituação presente” (p. 152). Nesse senti-do, após certo ponto, a “técnica” exigidapelo trabalho científico opõe-se àquelarequerida pelo tratamento. A distinçãoentre as duas “atitudes” só deixaria defazer sentido se o trabalho psicanalíticotivesse alcançado “todo o conhecimento(ou, pelo menos, o conhecimento essenci-al) sobre a psicologia do inconsciente e aestrutura das neuroses”.

Na clínica, ele prossegue:

Os casos mais bem-sucedidos sãoaqueles em que se avança, por assim dizer,sem qualquer intuito em vista, em que sepermite ser tomado de surpresa por qual-quer nova reviravolta, e enfrentando-ossempre sem prevenção e sem pressuposi-ção. Para um analista o comportamentocorreto consistiria em passar num impul-so, de acordo com a necessidade, de umaatitude psíquica a outra, em não especularnem ruminar sobre os casos enquanto elesestão em análise, e em somente submetero material obtido a um trabalho de pensa-mento após a análise concluída (Freud,1912/1998, p. 152)1.

Por um lado, tal posição metodoló-gica permite levar radicalmente em con-ta, e a cada vez, o que há de singular nosujeito sob investigação, antes de consi-derar o que nele é pertença universal. Poroutro lado, nesse processo em que coinci-dem pesquisa e tratamento a pesquisapsicanalítica, conduzida pelo psicanalista

e sua escuta, visa a priori à função detratar, num compromisso ético que sesobrepõe aos interesses propriamente ci-entíficos. “Não é bom elaborar cientifica-mente um caso com o tratamento aindaem andamento”, insiste Freud junto aospraticantes da psicanálise. “Sofrem emseu resultado os casos destinados a prio-ri à exploração científica, e tratados se-gundo as necessidades desta” (p. 153).

Enfim, por ser a investigação suacondição essencial, o tratamento não émera aplicação técnica — pelo menosnão da maneira como faz o engenheirocivil que ao construir uma ponte “aplica”seus conhecimentos das ciências mate-máticas e físicas. Em contrapartida, tam-bém por ser essencialmente uma investi-gação, deve ser exercido sem qualquer“orgulho terapêutico”, como o fundadorda psicanálise recomenda, citando a má-xima atribuída a Antoine Paré: “Je lepansai, Dieu le guérit” (apud Freud, 1912/1998, p. 149); e como, ao longo de suaobra, Lacan sublinha com seu aforismo: apsicanálise cura... em acréscimo.

Pesquisa psicanalítica no espaçouniversitário

Na universidade, o pesquisador empsicanálise é convocado a afirmar, cotidi-anamente, a irredutibilidade da experiên-cia analítica, sua constituição como umcampo epistemológico específico e autô-nomo, com suas problemáticas próprias e

1 Deve-se ao Autor a tradução de trechos de obras referidas em língua estrangeira.

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 111

seu método. Por um lado, ele deve reafir-mar que a pesquisa em psicanálise, con-temporânea ao tratamento, é parte inte-grante da formação e da atividade clínicado psicanalista. Por outro lado, deve levarem conta que, na academia, a atividade depesquisa adquire por inúmeras razõesoutros significados: nesse caso, contrari-amente ao que ocorre no setting analítico,em que “o psicanalista não explicita nadaalém de que ele é um psicanalista, [...] énecessário que ele acrescente especifici-dade e clareza em sua atividade de pes-quisa” (Berlink & Magalhães, 1997, p. 3).Esta é a tradição universitária.

A teoria em psicanálise possui umestatuto próprio: ela é ao mesmo temposaber constituído e saber sempre sujeito aremanejamentos. Toda investigação psi-canalítica é de tipo qualitativo, e é estaimersão profunda “na singularidade deum caso que permite extrair dele tanto oque lhe pertence com exclusividade quantoo que compartilha com outros do mesmotipo”; como tal, “o caso ganha um valorque se pode chamar de exemplar” (Me-zan, 2001, p. 157). Disciplina que lida comfenômenos ou processos que não se apre-sentam de maneira unívoca e comportamdiferentes apreciações, a psicanálise tra-balha igualmente no plano da singulari-dade, segundo o ponto de vista de que “o‘caso’ singular é ao mesmo tempo oacesso ao universal e seu ‘avalista’(garant)” (Assoun, 1997, p. 14). Talposição certamente não exclui um efeitocumulativo. Apenas na aparência um“pequeno novo fragmento da teoria” se

baseia numa única observação, lembraFreud (1913/1973) em “A predisposiçãoà neurose obsessiva”, de 1913, preocupa-do em diferenciar sua invenção das dissi-dências adleriana e jungiana: “Na realida-de, [este pequeno novo fragmento dateoria] concentra um grande número deimpressões mais antigas, cujo sentido sóadvém depois da última experiência” (p.192). O conhecimento psicanalítico dá-se, portanto, a posteriori — isto é, nosentido clássico, filosófico, como resulta-do da experiência ou dela dependente.

Contudo, recomenda-se ler os pa-rágrafos iniciais de “Pulsões e destinos depulsões”, de 1915, apontados por Assoun(1981) como a plataforma epistemológicada psicanálise freudiana, e onde se podeobservar o caráter relativo, nuançado ejamais ingênuo e fundamentalista de suaopção empirista. Ali, amparado em E.Mach (cf. Mezan, 2002), Freud afirmaque a ciência começa por observar fenô-menos e descrevê-los, para em seguidatentar explicá-los por meio de “idéiastiradas daqui e dali”, que aos poucos vãoformando um sistema, por definição pro-visório e aberto às modificações impostaspela experiência, pois, se a imaginaçãoespeculativa sugere nexos e relações “quenão se reduzem apenas à experiênciaatual” (Freud, 1915/1988), o primado per-tence ao teste de realidade (que ele, nacorrespondência com Ferenczi, chamade “crítica impiedosa”). Na pesquisa psi-canalítica trabalha-se assim no plano dageneralidade, num “processo de cons-trução do conhecimento por generaliza-

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.112

ção crescente”, e cuja organização se dáem três planos: para o próprio indivíduo,para um grupo de indivíduos e, mais adi-ante, para toda a humanidade (Mezan,2001, p. 161).

Ainda assim, parece-me que, maisimportante do que o próprio saber, é a viapara se chegar até ele, tal como Freudsustentou com os sonhos. O maior valorencontra-se antes em explicar o trabalhode condensação, deslocamento, figurabi-lidade e elaboração secundária a que ospensamentos oníricos são submetidos, doque em eventualmente interpretá-los.

Tais postulados epistemológicosrepercutem inevitavelmente na questãodo método. “As condições de domínio ede método têm de ser definidas a cadavez” (Laplanche, 1998, p. 15). Em nossaspesquisas (em, sobre ou com a psicaná-lise), cada tipo de questão pressupõe umaforma particular e única de organizar osdados e pensar os problemas (Mezan,1998) — logo, um modus operandi pró-prio, e no sentido preciso de um esforçopara atingir um fim. Mas esse programade pesquisa, sem renunciar ao rigor (querdizer, fundamentação e contextualiza-ção), é avesso à regulação prévia e defi-nitiva de uma seqüência de operações aexecutar, salvo no limite e em caráterestratégico: os progressos táticos se fa-zem no devir cotidiano. Além disso, nessepercurso, se tentamos evitar o erro comoprincípio, tampouco o desprezamos, nãofosse a noção de ato falho uma invençãofreudiana — e uma subversão après-

coup, nesses tempos em que se assiste aum forte recrudescimento da ideologia daperformance no campo científico(Stechen, 2003).

Sobretudo, sustentando o desejono centro de toda atividade humana, apesquisa psicanalítica jamais pode garan-tir a priori um resultado determinado.Seu programa está antes subordinado àmontagem paulatina de uma questão e àprópria construção da pesquisa, visto que,ao contrário do que ocorre, por exemplo,nas ciências naturais, essa questão “con-siste em muito mais do que o seu simplesenunciado” (Mezan, 1998, p. 105).

Tratamento da alma, a psicanálisedispõe de um protocolo muito estrito: aregra estrutural da livre associação parao analisando, e a neutralidade do analista,que lhe possibilita uma escuta (livremen-te) flutuante; uma teoria clínica precisa,assentada no conceito de resistência (oequivalente na clínica ao conceito meta-psicológico de recalcamento) e no derepetição; e um processo constitutivo,chamado transferência, pelo qual os de-sejos inconscientes do analisando se re-petem, no quadro da relação analítica,sobre a pessoa do analista, colocada naposição de diversos objetos exteriores(Roudinesco & Plon, 1997).

O protocolo é a psicanálise, ele ésua condição de possibilidade e de legiti-midade (Marie, 2004). No limite, é oprotocolo que faz a psicanálise, e não ateoria (por definição, sempre provisória)que eventualmente lhe acrescentamos.Por um lado, temos a associação livre,

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 113

que, na situação de (neurose de) transfe-rência, impele o paciente a expor seuspensamentos, inclusive aqueles ordinari-amente censurados; por outro, a atitudede neutralidade do analista: nem simpa-tia compreensiva, nem moralização, nemrepresentação de um terceiro, reveladoou não. Em contrapartida, como o anali-sando crê que o analista sabe decifrar ocaráter enigmático de seus sintomas e lheindicar a solução, é esta expectativa crédu-la, mola da transferência, a causa do desdo-bramento de suas produções inconscientes.

A psicanálise é definida como ummétodo de investigação que busca evi-denciar o significado inconsciente de todae qualquer produção imaginária, seja elaindividual seja coletiva (Laplanche &Pontalis, 1973). Ora, no estudo dos pro-cessos psíquicos e das operações do es-pírito, o método próprio da psicanálise —cito Freud em “Convém ensinar psicaná-lise na universidade?”, de 1919 — é nãosomente “aplicado ao funcionamento psí-quico patológico, mas também à soluçãode problemas artísticos, filosóficos e reli-giosos...” (Freud, 1919/1996, p. 113).Como se sabe, suas incursões nessesdomínios resultaram em obras capitaispara o desenvolvimento da própria teoriapsicanalítica: por exemplo, no terreno dasexualidade, com o estudo sobre Leonar-do, sobre o fenômeno totalitário; em Psi-cologia das massas e análise do eu; enão se limitando às referências etnográ-ficas em Totem e tabu (Roudinesco &Plon, 1997, p. 827).

Dito de outra maneira, o exercícioda interpretação analítica, como Freudpretendeu desde o livro dos sonhos, seulivro inaugural, não se restringe às condi-ções “ideais” proporcionadas pelas livresassociações dos pacientes, estendendo-se também às produções humanas emque tais condições não estão presentes demaneira genuína. Ora, se as mesmasforças que “animam toda e qualquer pro-dução mental, individual ou coletiva, po-dem ser detectadas não apenas na situa-ção clínica, mas também nas produçõessecundarizadas” (Mezan, 1994, p. 67),segue-se necessariamente que a operacio-nalidade dessas noções e sua imbricaçãorecíproca não se restringe à situaçãoclínica, e se estende também a outraspráticas psicanalíticas.

Tomemos o conceito de transfe-rência (mas poderia ser algum outro con-ceito-chave, como os de repetição, deretorno do reprimido, de posterioridade),que amiúde costuma chocar os defenso-res da objetividade experimental. Revela-da de maneira privilegiada na clínica comomanifestação de apelo a um sujeito su-posto saber (Lacan, 1968) que dá senti-do à privação, a transferência diz respeitoa um “fenômeno humano geral” (Freud,1924/1992, p. 89), e, como na própria vida,também se manifesta em nossas ativida-des de pesquisa. Munido do conceito detransferência, quero supor que a pesquisapsicanalítica é capaz de suportar a díadeinteração mais influência (logo, suges-tão), freqüentemente associada ou atri-buída à investigação dita “qualitativa”; e

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.114

se diferencia radicalmente, como investi-gação sujeito-sujeito, do modelo experi-mental, por sua vez assentado numa in-vestigação sujeito-objeto. Mas tambémse distingue da dita pesquisa qualitativa,da qual ela faz parte, no sentido de queessa interação e essa influência são mo-duladas pela “neutralidade analítica” —que, avancemos mais um pouco, diz res-peito à recomendação de no limite manterem suspenso sua própria subjetividade,eivada de valores religiosos, morais esociais, e de se abster de qualquer conse-lho. Neutralidade quanto às manifesta-ções ditas transferenciais, quanto ao dis-curso do analisando e, sobretudo, no sen-tido de “não privilegiar a priori, em fun-ção de preconceitos teóricos, um deter-minado fragmento ou um determinadotipo de significações” (Laplanche & Pon-talis, 1973, p. 263).

“Como ciência”, Freud (1915-17/2000) escreve nas lições introdutó-rias, “a psicanálise é caracterizada nãopela matéria que ela trata, mas pelatécnica com a qual trabalha” (p. 402).A psicanálise é assim antes de tudo onome de um método, vale insistir. Ométodo da psicanálise é interpretativo.Decifrar, traduzir, interpretar é algoque sempre foi feito, mas Freud inven-tou um método de interpretação pró-prio, assentado na livre associação doanalisando, só possível pela via da trans-ferência e mediante a escuta (livre-mente) flutuante do analista, como con-seqüência da exigência técnica da neu-tralidade.

Na universidade em particular, aaposta encontra-se, no limite, na transpo-sição desse método interpretativo para odomínio da leitura de textos.

Da leitura de textos

Por que ressaltar a leitura de tex-tos? Porque a pesquisa universitária tra-balha com textos escritos (Garcia-Roza,1994). O que é fazer uma pesquisa emcima de textos? O que eu busco no texto?O que eu espero do texto? Que tipo depergunta ali está presente? Nesse senti-do, depois de lembrar o primeiro passo deuma pesquisa séria, em psicanálise e emqualquer disciplina (conhecer sua histó-ria, o que existe, como foram surgindo osproblemas, as soluções propostas, os no-vos problemas), Mezan (1993) descreveo método proposto por Laplanche (cf.1978 e 1998) como sendo uma leiturahistórica, problematizante e interpretativados textos psicanalíticos.

[Laplanche] pretende mostrar que épossível ler os escritos analíticos de ummodo analítico, não interpretando as fan-tasias de seus autores, mas utilizandocomo instrumento o método psicanalíticoe suas categorias heurísticas: a atenção aodetalhe dissonante, a reconstrução docontexto, a temporalidade própria instau-rada pela psicanálise, com seus conceitos-chave de repetição, de retorno do reprimi-do, de a posteriori. O objeto da pesquisa[...] é aqui constituído por textos, e não poraquilo que se costuma designar como“material clínico”. Mas se trata de textos

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 115

bem particulares, na medida em que bus-cam descrever, conceituar e explicar umuniverso de fenômenos que, em últimainstância, remetem à — quando não dire-tamente originados pela — situação ana-lítica (Mezan, 1993, p. 89).

Segundo Laplanche, o objeto (a“coisa”) e o discurso que dela fala sãoigualmente processos, o que sustenta en-tre eles um paralelismo comum: “As arti-culações complexas da ‘coisa’ — o in-consciente, digamos — são transpostasno e pelo discurso; este reflete e refrataaquela, como um prisma. É evidente queeste sistema de correspondências é com-plexo; o termo paralelismo não deve sertomado ao pé da letra”. Evoluindo em seumeio próprio, ou seja, a linguagem e oraciocínio, o discurso “capta diferentesaspectos da coisa estudada; mas esta temsua dinâmica própria, seus pontos de in-flexão ou de impasse, e tudo isso é repro-duzido de um modo ou de outro no níveldiscursivo”. A conclusão de Mezan(1993): “É este encadeamento constritivodo pensamento pelo seu objeto que, naótica de Laplanche, torna possível e legí-timo o emprego do método analítico paraestudar os escritos analíticos”. Nas pala-vras do professor francês, “percorrer aobra em todos os sentidos, sem nadaomitir e sem nada privilegiar a priori,talvez seja para nós o equivalente daregra fundamental do tratamento” (apudMezan, 1993, p. 89).

Seria assim todo um programa,enunciado para justificar a pesquisa his-

tórica e crítica do pensamento freudiano.Como em Hegel, a exigência é a noçãocentral de seu procedimento: exigênciado pensamento no sentido não apenas derigor na formação das hipóteses e norespeito ao pensamento do autor estuda-do, mas, sobretudo, “captação das dire-ções em que este pensamento é impelidopor suas afirmações de base, por seuspostulados e, em última análise, pela teo-ria da verdade que o anima e que,explícita ou implicitamente, ele visa de-monstrar” (Mezan, 1993, p. 89). No casoda teoria psicanalítica, supõe-se que todofenômeno psíquico — inclusive ela pró-pria — é determinado por um “domínioheterogêneo e não-paralelo à consciên-cia”, o inconsciente. A regra metodológi-ca de Laplanche assenta-se na idéia deque parte das “elaborações secundárias ecamuflagens do ego” deposita-se na su-perfície legível dos enunciados, o quepermite tomá-los pelo avesso e delesdestacar outras redes de significações.Pensar esses enunciados psicanalitica-mente é o que ele denomina “desmantela-mento” ou “aplainamento” (mise à plat)dos enunciados textuais. “Achatar” oselementos do texto significa conferir ên-fase e valor idênticos a qualquer uma daspartes e ao conjunto delas: não há rela-ções de subordinação da parte ao todo,um detalhe recebe a mesma atenção(eqüiflutuante) que o todo da narrativa.

Esta posição não é mais do queuma variante, no plano do texto escrito, danoção freudiana de neutralidade analíti-ca. A neutralidade analítica é, no limite,

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.116

uma atitude de abandono de todo a priorie de suspensão de todo julgamento e detodo saber — ainda que, paradoxalmente,jamais nos seja possível desembaraçarmo-nos completamente de nossos partis pris,opiniões, preconceitos, limites (Beau-champ, 1991).

A neutralidade que define o analistanão é uma disposição psicológica, umaespécie de sabedoria adquirida pela ade-são a um código de conduta. Ela reenvia auma verdadeira instrumentalização doanalista, elaborada ao longo de uma forma-ção específica, da qual o resultado é apossibilidade da atenção flutuante. Essaneutralidade é uma conversão interiorobtida no término de um processo, do qualnão é possível prever em seu início se eleé susceptível de ser atingido, mas quepermite ao analista ocupar este lugar. Es-ses dois critérios, a regra da associaçãolivre e a neutralidade, conferem de imedi-ato a essa experiência um caráter extra-mundano, já que nada é mais estranho àrelação dos homens que dizer tudo que seapresenta em seu espírito ou se preservardos preconceitos teóricos, referênciasmorais e sentimentos nos propósitos quelhes são colocados (Marie, 2004, pp. 149-150).

Essa posição de neutralidade, naclínica ou na leitura de um texto, não éobviamente uma atitude “natural” (não éuma espécie de disposição psicológica),posto que nossa “escuta” é seletiva: ten-demos a privilegiar o que conhecemos deantemão, a representação familiar, a idéiado momento. “Proteger-se da evidência,

não temer a contradição, o estranho ouo desconcertante não é uma coisa natu-ral” (Beauchamp, 1991, p. 70). Emcontrapartida, “o conhecimento (...)nem sempre tem um efeito de abertura— ele também reforça a resistência...”(Beauchamp, 1991, p. 97).

Considera-se assim que toda equalquer pesquisa em psicanálise sebeneficia — a rigor, talvez seja mesmosua condição — da experiência analíti-ca, e esta ocorre de maneira privilegia-da no tratamento; mas não de modoexclusivo, afirma Laplanche (1998), queagrupa, além dela, a psicanálise expor-tada (psicanálise aplicada; psicanáliseem extensão; interação da psicanálise),a teoria e a história como lugares eobjetos dessa experiência (Erfahrung).No fim das contas, o pesquisador empsicanálise, como o analista praticiende maneira radical, não tem senão uminstrumento de trabalho: seu próprioinconsciente. Ora, “o inconsciente [...]é o nome de uma região de realidade daqual não podemos conhecer senão asmanifestações; não é um homúnculoescondido que impõe à nossa reveliaseus desejos; isso se passa na relaçãocom o Outro”. Em uma palavra: “os‘significantes’ surgem na transferên-cia, ‘causados’ pela função e pela rea-lidade daquele a quem nos dirigimos”(Marie, 2004, p. 156).

No que diz respeito à pesquisauniversitária, dirigimos-nos ao autor quepesquisamos, aos colegas, orientandose alunos com quem dialogamos, ao Pro-

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 117

grama que nos acolhe, à comunidadecientífica de um modo geral. Para ospós-graduandos, em particular, deve-se mencionar o lugar ocupado pelosorientadores (“transferência na orien-tação”) que maneja (manobra?), ummisto explosivo de poder real, confe-rido pela instituição, e poder imaginá-rio, conferido pelo orientando (Mezan,2001) — e tantas vezes, inadvertida-mente ou não, assumido por nós própri-os, orientadores. Herrmann (1994) falaainda em “transferência na pesquisa”.

A notar essa obviedade de que acriação de uma variante da “neurose detransferência” não é exclusiva das pes-quisas psicanalíticas2 — a diferença éque a psicanálise dispõe de um aparatoconceitual que a evidencia, para even-tualmente dar conta dela e mesmo con-tar com ela a seu favor. A realização deuma pesquisa, psicanalítica ou não, serásempre uma experiência transforma-dora.

Os desafios e as possibilidadesda pesquisa psicanalítica

na universidade

Ainda não foi avaliado de que ma-neira o campo psicanalítico vem se cons-tituindo na universidade brasileira, embo-ra se possa observar que os analistas têm-se voltado com crescente interesse paraa universidade na esteira da estrutura depós-graduação montada no Brasil ao lon-go dos últimos vinte ou trinta anos. Esteprocesso, de maneira paulatina mas con-sistente, ampliou o espaço de atuação dapsicanálise para além de seu ensino con-vencional nos cursos de graduação empsicologia. Em uma palavra, com a pós-graduação, a pesquisa em psicanálise vemse instalando palmo a palmo no seio dauniversidade, por sua vez, tradicional-mente o lugar da pesquisa em sua associ-ação com o ensino dito “superior”. Deve-se registrar (e conferir) que em fevereirode 2005 foi enfim concedida pela CAPES

2 A implicação transferencial do pesquisador em psicanálise na sua pesquisa, se intensa, não chega a sernecessariamente uma experiência tão dramática como a descrita pelo historiador inglês Anthony Beever,na revista Veja (04/05/2005), a respeito de suas pesquisas sobre a Segunda Guerra e, em particular, sobre“as atrocidades cometidas pelo soldado comum”. “Quando estava analisando um documento histórico,eu me concentrava em fazer uma seleção não emocional das informações que podiam servir ou não parao livro. Só no dia seguinte à noite, às 3 ou 4 horas da madrugada, eu acordava subitamente angustiado pelalembrança dos horrores sobre os quais eu tinha lido, e não conseguia voltar a dormir. Isso acontecia commaior freqüência quando eu lia sobre as descrições dos casos de canibalismo. Em Stanlingrado [SãoPetersburgo], os soldados alemães deixavam os prisioneiros russos sem comida e eles tinham de comercarne humana para sobreviver. Às vezes, eu me sentia mal no almoço ou no jantar só de olhar para a comidae imaginar o que seres humanos foram forçados a fazer para não morrer de fome. Tive a mesma reação quandofiz a pesquisa sobre a queda de Berlim. Ao terminar o livro, eu estava próximo de um colapso nervoso”(p. 137). A noção (clínica) de “neurose de transferência” talvez fosse a mais adequada para descrever taisexperiências — mas sua condição (de grau), parafraseando Freud, depende dos fenômenos transferenciaispossíveis em cada caso.

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.118

a rubrica “psicanálise” entre os camposdo saber praticados pelos professoresuniversitários em nosso país. Seja comofor, não é evidente o lugar ocupado pelapsicanálise na universidade.

Historicamente, registra-se o com-bate militante travado por Freud para quea admitissem e reconhecessem como umadisciplina em toda sua extensão. Se hojenão há por parte da psicanálise a reivindi-cação de ser uma ciência (há mesmo acolocação em questão de o que é ciência),sem dúvida Freud obedeceu a uma lógicade exposição que é uma lógica científica(Conrath & Winter, 2006). Houve a recu-sa que de dentro da universidade ao me-nos em parte lhe opuseram: deve-se lem-brar que, na Universidade de Viena, ofundador da psicanálise não passou dacondição de Professor Extraordinarius.Como resultado afirmou-se entre os pró-prios psicanalistas, que por sua vez jamaisdeixaram de aceitar as regras da raciona-lidade, uma vontade sempre renovada deextraterritorialidade, fundada sobre a na-tureza mesma de seu objeto, o inconsci-ente (Mijolla-Mellor, 2004).

O termo “extraterritorialidade” éde J. Laplanche, e remonta pelo menos a1974 quando, ao criar um DEA (Diplômed’études approfondies) de psicopatolo-gia clínica e de psicanálise, pioneiro nauniversidade de seu país, o professorfrancês definiu-se por “uma política denoyau dur e de descentramento da psi-canálise no interior da pluridisciplinaridade”(Roudinesco, 1986, p. 556). Laplanche(1980) defende então a idéia de uma

“extraterritorialidade” (extraterritorialitéde la psychanalyse) pela qual a psicaná-lise não deveria estar no centro de umaformação: no caso da universidade, oensino do freudismo deveria ser exterioraos outros domínios. Para ele, o analistanasce e se desenvolve apenas na margi-nalidade e na ruptura, e não se podegarantir senão preservando “todo um jogode extraterritorialidades” em todos osníveis: marginalidade da cura em relaçãoàs instâncias da “vida cotidiana”; margi-nalidade da análise pessoal em relaçãoaos requisitos e inquisits das sociedadesde analistas; marginalidade do exercícioda análise em relação às profissões reco-nhecidas (médico ou psicólogo); margi-nalidade das instituições analíticas emrelação às instituições e aos reconheci-mentos oficiais, etc. “Como analistas,como pesquisadores e como universitári-os”, escreve o professor francês, “afir-mamos [...] que a experiência analíticaconstitui um campo epistemológico espe-cífico e autônomo, que não poderia ser achasse gardée de um indivíduo ou deuma instituição” (p. 8).

Na universidade impõe-se assimretomar questões jamais resolvidas, poiselas tocam o coração mesmo do objeto dapsicanálise, e que são assim formuladaspor Mijolla-Mellor (2004): quando e sobque forma pode-se falar de pesquisa nes-te domínio? Como esta pesquisa se orga-nizou inicialmente em torno de Freud?Que lugar ocupa tal pesquisa no seio dacomunidade científica, em particular auniversitária? O que se espera da clínica:

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 119

emergência de um questionamento?Colocação à prova de uma hipótese? Ou,mais radicalmente, adubo do qual a teoriatenta extrair-se, permanecendo ao mes-mo tempo o mais próximo do exemplo queé “a coisa mesma”? (p. 28).

Segue-se uma tradução resumida,quase editada, de parte do artigo (aindarecente) de Mijolla-Mellor (2004), no qual,além de formular as questões acima, aprofessora francesa de Paris VII comelas propõe esclarecimentos preciosos.Parece-me também relevante retomarum texto publicado em revista, em seuprimeiro número (ainda que herdeira dePsychanalyse à l’Université) e em lín-gua estrangeira — e ao qual, talvez, nemtodos entre nós tiveram acesso.

Mijolla-Mellor define “pesquisa”como um conjunto de trabalhos quevisam o aprofundamento de um campodo conhecimento, por meio tanto dedescobertas novas, como de uma refle-xão histórica e epistemológica no domí-nio concernente. Ela propõe retomar adistinção que faz Freud (1996), em“Convém ensinar psicanálise na uni-versidade?”) entre:

— Aprender a psicanálise, isto é,a prática efetiva da psicanálise e, emprimeiro lugar, a experiência que delapodemos fazer no tratamento;

— Aprender algo sobre a psica-nálise;

— Aprender algo provenienteda psicanálise.

A autora entende o “sobre” a psi-canálise como o fato de se informar docontexto histórico de sua descoberta e desua elaboração, assim como noções quecompõem os aparelhos psíquicos, indisso-ciáveis das condições práticas de suaformação no próprio tratamento. Mas,simultaneamente, ela sublinha que esteensino, se verdadeiramente recebido, ope-ra uma subversão nas referências habitu-ais conscientes de quem as recebe. Nestesentido, um ensino sobre é sempre umensino proveniente da psicanálise. Emconsonância com a natureza da transmis-são de um objeto científico vivo, estaperspectiva defende a idéia segundo aqual quem transmite não tenha apenas umsaber livresco, mas também uma prática.

Tais considerações freudianas so-bre o ensino podem ser transpostas parao domínio da pesquisa. A pesquisa “so-bre” parece implicar uma posição deexterioridade, mas que não deve ser con-fundida, neste caso, com uma extraterri-torialidade. Isso não quer dizer que opesquisador “sobre” a psicanálise possaficar imune e colocar seu objeto à distân-cia; contudo, é-lhe também necessáriodesprender-se desse objeto para interrogá-lo, relativizá-lo, colocá-lo em questão, semconcessão nem conivência. Não se podepesquisar “sobre” sem vir a ser de umamaneira ou de outra, e nos limites da própriaanálise, um pesquisador “em” — isto é,um pesquisador da singularidade dos meca-nismos inconscientes, tal como o tratamen-to revela (Mijolla-Mellor, 2004, p. 29).

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.120

A autora não hesita em sublinhar aquestão que cabe aqui ser formulada: apesquisa em psicanálise corresponderiaentão à idéia de que não há verdadeirapesquisa em psicanálise que não sejaaquela conduzida pelo analista no próprioespaço analítico, constituído como umaespécie de “laboratório in vivo”? Quer-se dizer com isso que tal pesquisa deveriaentão respeitar a especificidade de seumétodo, ou seja, a livre associação, queresponde mais à lógica da descoberta, e nãose ater a um objetivo previsto na esteira deum programa preestabelecido — tal comoocorre nas pesquisas ditas quantitativas.

Esta perspectiva — a verdadeirapesquisa como sendo aquela realizadanos consultórios — seria sedutora, poiscoloca o método em harmonia com seuobjeto; contudo, pode-se questioná-la devárias maneiras. Em primeiro lugar, con-vém não confundir o movimento de inves-tigação do analista às voltas com a psica-nálise de um paciente com a pesquisa empsicanálise que inclui necessariamenteoutras dimensões — não fosse a própriaconfrontação com a teoria —, enquantodurante a escuta a teoria está suposta-mente “em suspensão” ou “flutuante”.

Por outro lado, se o sentido é en-contrado e se desvela na sessão, estedesvelamento é, entretanto, tributário deuma busca — e não se pode esquecer queem todo domínio, científico ou outro, “pes-quisa” e “descoberta” são duas facesdiferentes da mesma medalha: é precisopesquisar para descobrir, mas não sedescobre forçosamente o que se pro-

curava, argumenta Mijolla-Mellor. En-fim, se o processo da pesquisa em análiseé endógeno e não se confunde com anecessidade de provar diante do mundo— não-analítico — o bom fundamento deuma descoberta analítica, tampouco sepode esquecer que essa necessidade foipara Freud um elemento motor, e que nóslhe devemos ao mesmo tempo a profun-didade de sua argumentação e a clarezade seu estilo.

Ainda assim a questão insiste sobum outro ponto de vista: poder-se-ia entãodizer, além disso, que a necessidade deuma unidade profunda entre o observadore o observado torna necessário que apesquisa em psicanálise não abandone oterreno do tratamento? Este argumento,ela concede, se é justificado, não é espe-cífico — dá-se o mesmo com as ciênciashumanas em geral —, nem totalmentepertinente. Com efeito, quem afirmariaser uma mesma coisa quando se escutaum paciente e quando se redige um artigoou um livro, com o pensamento voltadopara a maneira como ele vai ser recebido,entendido, discutido...? Enfim, se as “des-cobertas novas” são inseparáveis da clí-nica, isso não quer dizer que elas possamse limitar à clínica. Primeiro porque aprópria clínica só é fecunda na medida emque se apóia numa “teorização flutuante”:não há clínica sem teoria e vice-versa.Segundo, porque essas “descobertas no-vas” em psicanálise não são indissociá-veis de uma reflexão histórica e episte-mológica no domínio concernente, logo,uma pesquisa “sobre” a psicanálise.

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 121

Em outros termos, se todo analistano exercício de suas funções utiliza sua“pulsão de pesquisar”, isso não faz deleum “pesquisador”. Assim, conforme seuexemplo, a “descoberta” por Winnicottda “transicionalidade” não é somente oresultado da observação do uso de umacriança de seu ursinho de pelúcia. Muitopelo contrário, se Winnicott pôde obser-var este fenômeno, é porque ele já pos-suía uma teoria sobre a relação entre oexterno e o interno, o Eu e o não-Eu.

Cabe aqui uma digressão pertinen-te. Se a clínica é o lugar próprio, originale por excelência da investigação analíti-ca, na universidade parece haver umapredominância de pesquisas ditas de psi-canálise aplicada e histórico-concei-tuais. “Psicanálise aplicada” neste senti-do, que remonta aos primeiros psicanalis-tas, de mostrar que as mesmas forças que“animam toda e qualquer produção men-tal, individual ou coletiva, podem ser de-tectadas não apenas na situação clínica,mas ainda nas produções secundarizadas”(Mezan, 1994, p. 70). “Histórico-concei-tuais”, porque nelas a teoria psicanalíticaocupa um papel de maior relevo.

Na universidade, seriam mais ra-ras as pesquisas com material clínico(Mezan, 2001), e pode-se presumir quemesmo entre os clínicos de origem oscandidatos a mestres e pesquisadoresoptam, em sua maioria, por trabalhos depsicanálise aplicada ou histórico-concei-tuais — o que faria dessas variantes depesquisa a vocação natural da psica-

nálise universitária. Embora não seja aúnica explicação, parece determinante ofato de que a realização de uma pesquisacom material clínico, como assinala Me-zan (1994), demanda do pesquisador umgrau necessário “de familiaridade com aclínica, com a teoria, com o método, comseu próprio funcionamento enquanto in-vestigador, enquanto estudioso, enquantoterapeuta...” (p. 66), logo, demanda anosde experiência profissional. Estaríamosassim diante do paradoxo apontado porFédida (1997): “Aquele que pode consti-tuir um discurso que se origina de suaprática psicanalítica é quem tem muitosanos de prática e, geralmente, quando setem muitos anos de prática, não se fazisto” (p. 67). Sem negar a contradição, épreciso também afirmar que a opção poruma pesquisa não originária diretamentedo material clínico não desmerece por simesma a psicanálise universitária.

Sabe-se da importância das inú-meras incursões freudianas para além daclínica de origem. Sem abdicar da prerro-gativa de aplicar o método psicanalíticoaos domínios literário, artístico, mitológicoe histórico, Freud tampouco permaneceuna aplicação pura e simples, buscandosempre extrair subsídios desses seus tra-balhos para avançar teoricamente. “Ofuturo julgará verdadeiramente que a sig-nificância da psicanálise como ciência doinconsciente [Wissenschaft des Unbe-wubten] ultrapassa de longe sua signifi-cância terapêutica”, escreve Freud (1926,p. 291), em “A questão da psicanáliseleiga”. Mas o “homem imparcial” — para

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.122

usar a referência ao fictício e céticointerlocutor de Freud — não deve aqui seprecipitar e ler a afirmativa como mais umindício do conhecido “pessimismo tera-pêutico” freudiano. A questão não é clíni-ca, mas epistemológica: tivesse a psica-nálise o poder de curar todas as formas depatologia mental, ainda assim seu julga-mento e reconhecimento viriam de suacontribuição ao saber enquanto ciênciados processos inconscientes — escreveAssoun (1997), sem dúvida inspirando-sena frase de Freud citada acima.

Fechando o parêntese, retomo o ar-tigo de Mijolla-Mellor para recolocar aquestão: como situar, reciprocamente, clíni-ca e teoria no movimento da pesquisa? Elanão evita precisar os termos.

Por “clínica”, podemos entendercoisas muito diferentes: o processo de umtratamento (prólogo, início, o próprio trata-mento), o momento hic et nunc do encon-tro: tempo de uma sessão, momento inter-pretativo, etc., ou bem o tempo reflexivoque se segue (a situação de supervisão), eeventualmente o tempo de sua colocaçãoem forma escrita.

Podem-se entender por “teoria” coi-sas muito diferentes: um modelo etiológicoque dá conta de um quadro sintomático(teoria da histeria, da neurose obsessiva,etc.), uma reflexão sobre o processo analí-tico, ou bem hipóteses metapsicológicas(ciência conjectural) que “nascem do apeloà ‘feiticeira’ quando falta a teoria no sentidoexperimentalista” (Mijolla-Mellor, 2004).

Esses diferentes níveis jamais po-dem ser separados, nem pensados sepa-radamente. Conscientes disso, insiste aautora, compreendemos que “a multidire-cionalidade da teoria torna impossível (ouabsurda) uma ‘aplicação’ na clínica”. Aclínica é, portanto, “o lugar onde seredescobrem e se colocam à prova e emato as hipóteses teóricas múltiplas queesta mesma clínica conduziu o analista aelaborar para poder dar um sentido ao‘isso fala’ do inconsciente” (Mijolla-Mellor, 2004, p. 30). Essa teoria (ou aomenos seu fundamento, ou seja, o incons-ciente) constitui a hipótese fundamentalcomum entre o analista e o analisando,sem o que não haveria análise. O “saber”do analista sobre a teoria e sua “experiên-cia” clínica seriam vazios e inoperantessem o saber do “analisando” sobre suahistória, seus sintomas e o que ele aceitadeixar aparecer na transferência.

Mas o exercício clínico só darálugar à pesquisa — “pesquisa” nessesentido de produção de novas hipótesesteórico-clínicas — na medida em que ateoria foi trabalhada, investida e interro-gada previamente. Se não é assim, “apli-ca-se” mecanicamente a teoria à clínica,e com isso não fazemos nenhuma clínica.Ora, esse saber é também aquele queherdamos (e que chamamos acima de“efeito cumulativo” da ciência) em maisde um sentido: “Somos tributários nãosomente dos conteúdos a que chegaramas pesquisas precedentes, mas também,mais obscuramente, da maneira pela qual

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 123

essas pesquisas foram conduzidas, edos afetos que nelas se manifestaram”(Mijolla-Mellor, 2004, p. 31).

Aqui a autora dá ao termo “pes-quisa” uma significação restritiva e li-mitada a um projeto que se dá porobjetivo propor novos modelos parapensar uma dada questão, a partir doconhecimento das hipóteses maioressobre a mesma questão. Esta restriçãoseria necessária, por mais que se queiraobjetar que a confrontação entre a te-oria e a clínica, presente em todo mo-mento de uma sessão, já é em si umapesquisa, e é uma pesquisa porque nãohá jamais aplicação da teoria, mas aocontrário “suspensão da teoria, coloca-da na latência necessária à escuta”.Também não haveria “um hiato entreessa pesquisa empírica permanente e aPesquisa [com p maiúsculo], que pro-cede sempre à maneira do título muitoconhecido do artigo de Freud ‘Um casode... que contradizia a teoria de...’”(Mijolla-Mellor, 2004, p. 37).

Mas, conclui a autora, o que dis-tingue uma pesquisa de uma elabora-ção teórico-clínica é o tempo passadopelo pesquisador a ler, avaliar, discutiro que outros puderam escrever sobre otema que é o seu. A comunidade cien-tífica virtual é por isso muito vasta e sótende a crescer com o aperfeiçoamen-to dos instrumentos da pesquisa ligadaà informática e aos novos meios decomunicação que abolem a distância,ao menos na aparência.

As interações da psicanálise

Privilegio ainda no artigo de Mijolla-Mellor uma questão que me parece ser(como é a clínica psicanalítica na institui-ção, nesses tempos de franco recuo daclínica privada) a vocação e o futuro dapsicanálise (não apenas) universitária.Trata-se da noção de pluridisciplina-ridade, ou seja, a (re)combinação dossaberes especializados, como define Fi-gueiredo (2004).

Mas a noção de pluridisciplinaridadenão se limita, para Mijolla-Mellor, a umajustaposição de disciplinas separadas quemutuamente se ignoram, ela antes acen-tua seu caráter plural, isto é, um grupoheterogêneo, como falamos de “maioriaplural”. A pluridisciplinaridade implicaria,portanto, alguma complementaridade deseus componentes, eles próprios indepen-dentes segundo um outro ponto de vista.Encontrar essa complementaridade “nãoé evidente nem em política, nem no domí-nio da política científica das disciplinas”;mas ela pode ser esquadrinhada de ma-neiras diversas.

Eis seu raciocínio: podemos noscolocar, por exemplo, numa perspectivainterdisciplinar, isto é, nos situar nosinterstícios das disciplinas, em seu pontode contato. Mas o ponto de contato étambém o lugar de uma separação. Estarno interdisciplinar consiste, portanto, emfazer ressaltar a diferença das aborda-gens disciplinares frente a um mesmoobjeto. Ela exemplifica: a noção de vio-

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.124

lência pode ser o objeto de abordagenshistóricas, sociológicas, antropológicas,psicológicas, filosóficas, etc. Cada disci-plina descortina sua definição dessa no-ção e o que disso decorre.

Para ressaltar essa diversidade,podemos tentar uma abordagem transdis-ciplinar. Aqui não se está interessadonos interstícios e pontos de contato, mastenta-se tomar como objeto uma superfí-cie que possa atravessar várias discipli-nas. Outro exemplo: a noção de autorida-de pode constituir um analisador que per-mite atravessar os diferentes campos in-vocados acima. Recolhe-se assim sobreessa noção uma somatória de abordagensdiversas, mas sem se furtar à indagaçãose é bem da mesma coisa que se falanessas travessias diversas.

Pluri ou multidisciplinar, interdis-ciplinar e transdisciplinar: a autora sepergunta o que acrescentaria um quartotermo, o de “interações da psicanálise”,por ela proposto ao criar, em 1990, umaequipe interdisciplinar na UniversidadeParis 7. Sua justificativa faz uso de umasérie de considerações.

Para a autora, a perturbação fe-cunda que representa a introdução doinconsciente não mais no campo do trata-mento, mas nas relações com as outrasdisciplinas, as ciências humanas e tam-bém a arte, a literatura, a medicina, odireito e outras, permite que se amarremnovas e inesperadas conexões. Deve-seperguntar como fazer e qual método se-guir para alcançar tais aproximações e,

sobretudo, permitir alguma fecundidade.Deve-se perguntar como fazer, por exem-plo, para que “o ponto de vista da psicaná-lise não seja pura e simplesmente rejeita-do como não-pertinente, mesmo comoimpertinente — isto é, que pretende umimperialismo do saber assentado sobreuma linguagem esotérica, como tantos‘cientificistas’ não cansaram de alardearao longo da história da psicanálise”(Mijolla-Mellor, 2004, p. 42).

Para tentar responder a esta per-gunta, a autora retoma a significaçãomesma do termo “psicanálise”: um pro-cedimento de investigação e um méto-do aplicável em diversos campos.

Comecemos pelo procedimento.Trata-se, diz Freud, de um procedimentode investigação para processos mentaisque são mais ou menos inacessíveis deoutra maneira. O procedimento é a aná-lise, isto é, a decomposição (analuein:desamarrar, desfazer os nós) de umasubstância em elementos. Mas aqui ametáfora reenviaria à química. Trata-sede encontrar os elementos ativos quecompõem a substância. A substância nocaso pode ser um sonho, um sintoma, oumesmo o comportamento. “As associa-ções livres sobre um elemento particularprolongam-no em linhas emaranhadas,com pontos de interseção nodais. Há umarecomposição, portanto, depois da de-composição, mas não se chega à mesmacoisa” (Mijolla-Mellor, 2004, p. 43).

Chegamos assim ao processo, istoé, a conjuntos de fenômenos que sãoativos e organizados no tempo. No exem-

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 125

plo da autora: compreende-se a angústiade pegar o avião ou o elevador como oresultado de certo número de mecanis-mos que organizam uma angústia relativaa outra coisa que não os elevadores ou osaviões. Neste caso, o procedimento (aassociação livre das idéias) leva a decom-por e recompor um processo no interiorde um comportamento (evitar o eleva-dor, mesmo sendo preciso subir ao déci-mo andar). Este processo é um conjuntode forças e de contraforças: as pulsões eas defesas contra as pulsões. Os proces-sos são inconscientes, a análise faz comque eles se manifestem graças às associ-ações dos pacientes.

O procedimento de investigaçãofunda um método, isto é, uma démarcheque se apóia sobre um conjunto de regrase de princípios. O método vai ser umaaplicação, uma aplicação dos procedi-mentos num certo objetivo, sendo o maisevidente o objetivo terapêutico. “Esseobjetivo exige considerar a situação psí-quica do paciente e não formular a inter-pretação senão nos termos que lhe pos-sam ser úteis. O método é a interpreta-ção, mas uma interpretação controlada eformulada em função do objetivo procu-rado, isto é, a melhora do estado desofrimento psíquico do paciente” (Mijolla-Mellor, 2004, p. 44). Procedimento deinvestigação, método de tratamento sãoas duas fontes a partir das quais se cons-titui a teoria psicanalítica. Compreen-de-se por que a teoria psicanalítica não sereduz a um conjunto de leis teóricas, massempre se apresenta como um “teórico-

clínico” aberto à investigação e adaptávelàs situações clínicas.

Mas voltemos ao ponto que nosconcerne na universidade: o método nãose aplica somente à terapia do sofrimentopsíquico (“terapia” aqui no sentido dediminuição do sofrimento psíquico, masparece-me necessário acrescentar, porminha conta e risco, que o termo équestionável em mais de um sentido empsicanálise). O método psicanalítico, comojá observado anteriormente, é de fatoaplicável aos fatos humanos, sejam elesindividuais ou coletivos. Para Freud, logoficou claro que a psicanálise, como teoriado inconsciente, se tornaria indispensávela todas as ciências que se ocupam dagênese da civilização humana e de suasgrandes instituições como a arte, a reli-gião, ou a ordem social. Ele pensavamesmo, conforme também já referido,que a utilização da psicanálise para aterapia das neuroses era apenas uma desuas aplicações, e que talvez o futurodemonstrasse não ser a mais importante.Em “O interesse da [ou na] psicanálise”(Freud, 1913/1984), Freud mostra em quea psicanálise poderia interessar a psicolo-gia, as ciências da linguagem, a filosofia,a biologia, a história da civilização e,enfim, a estética.

A autora coloca sem pudor o dedona ferida: ao falar do interesse que teriamesses campos do saber em utilizar osdados da psicanálise, Freud pode dar aimpressão de ser imperialista, enquanto,de fato, ele não faz mais do que prolongaro que foi o movimento mesmo de seu

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.126

próprio pensamento, “interessado” portodas essas disciplinas. “A aplicação dapsicanálise fora do campo do tratamentoparece-lhe então quase natural. Assim,quando escolhe trabalhar sobre Leonardoda Vinci, como dissemos, Freud está emvia de refletir sobre as ‘teorias sexuaisinfantis’ e os efeitos de inibição que elascomportam” (Mijolla-Mellor, 2004, p. 44).Diversas fontes coincidem para levá-lo atrabalhar sobre este pintor: primeiro, seuinteresse pela inibição, que não é jamaisuma falta de desejo, mas o resultado deum conflito de desejos (para Leonardo, oconflito entre a arte e a ciência). Segundo,seu encontro com um paciente que separece com Leonardo, ainda que, comoele escreve a Jung, sem ter o gênio domestre italiano.

A aplicação da psicanálise a Leo-nardo da Vinci não é gratuita, afirma aautora. Há uma lógica que impele Freudpara este trabalho, e por isso ele ocupa umlugar nos prolongamentos da teoria freu-diana. Mas há mais do que isso. “É prová-vel que Freud, como descobridor, sentisseafinidades profundas com Leonardo daVinci, assim como dizia de Copérnico oude Darwin, que, como ele próprio, infligi-ram grandes feridas narcísicas à humani-dade com suas descobertas” (Mijolla-Mellor, 2004, p. 44). Tais afinidades, maisainda a dimensão narcísica nelas implica-das, diriam respeito a esta dimensão auto-analítica indissociável de toda pesquisaem psicanálise.

A argumentação da autora é preci-sa: “Leonardo da Vinci, ou Michelangelo,

não têm evidentemente nada a fazer comas interpretações de Freud. Em troca, ateoria psicanalítica tem muito a ganharcom o que Freud nos fala deles, e nãoapenas de seus pacientes, porque, frentea Leonardo ou Michelangelo, nós esta-mos na mesma situação de exterioridadeem que se encontrava o próprio Freud”.Como resultado, o estudo de uma obra dearte ou de uma obra literária desenvolvee coloca à prova o método psicanalíti-co. “Ela o impele aos limites de suacompreensão, mas também o torna maisfacilmente comunicável que um caso clí-nico, por definição, apenas conhecido peloanalista que fala dele” (Mijolla-Mellor,2004, p. 45).

Eis então uma das razões pelasquais Mijolla-Mellor propõe o termo “in-terações da psicanálise”, diferente de“aplicações” da psicanálise. O termo “in-teração” sublinha que, antes de interessaros outros campos do saber ou da cultura,a própria psicanálise está interessadanesses campos, na medida em que elessão parte constitutiva dela própria. Toma-da assim, a aplicação da psicanálise forado campo do tratamento não é uma ocu-pação estéril ou um exercício arriscado eperigoso no qual não se encontraria nadaalém do já posto desde o início.

A autora considera que se pode irainda mais longe. Ela retorna ao já refe-rido sobre inter ou transdisciplinaridadepara afirmar que se pode tomar um objetode estudo — um fato de sociedade, ouuma noção geral — e examiná-lo atravésdos pontos de vista específicos de diver-

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 127

sas disciplinas. Teremos assim um escla-recimento multifocal, mas disso não seretiraria muita coisa, salvo o interrogarsobre as aproximações possíveis entreesses esclarecimentos. Por “interações”da psicanálise, a autora entende a con-frontação dos discursos mantidos por di-versas disciplinas sobre um mesmo obje-to, de tal forma a permitir destacar asespecificidades de cada uma. Não setrata de buscar uma unidade dialógica, aseu ver ilusória, mas ao contrário permitira cada disciplina desalojar reais espe-cificidades, às vezes mesmo oposições,por trás de aparentes similitudesnocionais.

Essa confrontação deve tambémpermitir precisar os métodos utilizados.Poderíamos assim trabalhar os emprésti-mos de modelos de uma disciplina a outrae a penetração recíproca dos conceitos.Um exemplo poderia ser a noção jurídicade processo, presente inúmeras vezesna obra de Freud. Ou ainda a noçãofilosófica de “coincidência dos opos-tos”, que pode ser aproximada àquelado sentido oposto das palavras primiti-vas, tal como o lingüista Abel a definiu.A psicanálise retoma a idéia de queuma mesma imagem possa exprimirduas coisas opostas, e isso vai servir-lhe para precisar o funcionamento dosonho que ignora o não (negação), erepresenta um elemento pelo desejo deseu oposto. Segundo a autora, os exem-plos poderiam se multiplicar, e seriamem número correspondente ao de obje-tos de tese potenciais.

Visto de maneira ampla, a compe-tência psicanalítica se apoiaria sobre trêselementos: “o que a própria análise doanalista lhe ensina sobre o funcionamentode seu inconsciente; o que seus pacienteslhe ensinaram do funcionamento do in-consciente deles; o que ele aprendeu nostextos psicanalíticos, quer se trate declínica quer de teoria, ambos não sendojamais dissociáveis” (Mijolla-Mellor, 2004,p. 46). A autora não hesita em dizer queas interações da psicanálise constituemuma quarta fonte de abordagem. Ela seriaprecisa no tanto em que permite precisare relativizar o saber analítico e seu méto-do, comparando-os e confrontando-os comoutros campos. Enfim, não somente apesquisa sobre a psicanálise teria tudo aganhar com sua integração ao vasto do-mínio das Ciências do Homem, mas apesquisa em psicanálise pode se ver reno-vada e provocada de maneira fecundapelos resultados provenientes dessas inte-rações.

A universidade seria uma base pri-vilegiada para pôr em obra e na práticaessas interações, acrescentando à pes-quisa “em” psicanálise (diríamos: metap-sicológica e clínica) e “sobre” a psicaná-lise (histórico-epistemológicas) a dimen-são de uma pesquisa “com” a psicanálise(interações da psicanálise). Lembro quena universidade Freud pretendia, muitomodestamente através de cursos elemen-tares, a “fecundação [pela psicanálise] dealguns ramos das ciências” (ele cita: his-tória da literatura, filosofia, mitologia, his-tória das civilizações, da religião), “[crian-

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.128

do] um vínculo mais estreito, no sentido deuma universitas literarum, entre a medi-cina e os ensinamentos reagrupados nafilosofia” (Freud, 1913/1984, p. 113). Asituação hoje da psicanálise na universi-dade, que inclui, para além de cursoselementares, uma prática efetiva de pes-quisa, deveria tornar virtualmente maispróximo o sonho freudiano.

REFERÊNCIAS

Assoun, P.-L. (1981). Introduction àl’épistémologie freudienne. Paris:Payot.

Assoun, P.-L. (1997). Psychanalyse.Paris: PUF.

Beauchamp, N. (1991). Cursus etformation. In S. Leclaire (Org.),États des lieux de la psychana-lyse (pp. 67-107). Paris: AlbinMichel.

Berlink, M. T. & Magalhães, M. C. R.(1997). Editorial. Boletim de No-vidades da Livraria Pulsio-nal,10, 3-8.

Birman, J. (1994). A clínica na pesquisapsicanalítica. Psicanálise e Univer-sidade, 2, 7-37.

Conrath, P. & Winter, J.-P. Entretienavec Jean-Pierre Winter. La véritéda la psychanalyse. Le Journal desPsychologues, 235, 42-45.

Delattre, N. & Widlöcher, D. (2003). Lapsychanalyse em dialogue. Paris:Odile Jacob.

De Neuter (1988). Préface (pp. 7-8). InDe Neuter, P. & Florence, J. (Dir.).Sciences et psychanalyse. Bru-xelles: De Boeck-Wesmael.

Fédida, P. (1997). Entrevista. Psicanáli-se e Universidade, 6, 57-71.

Figueiredo, L. C. M. (2004). Revisitandoas psicologias. Da epistemologiaà ética das práticas e discursospsicológicos. Petrópolis: Vozes.

Freud, S. (1973). La disposition à lanévrose obsessionnelle: Une contri-bution au problème du choix de lanévrose. In S. Freud. Névrose,psychose et perversion. Paris: PUF.(Trabalho original publicado em 1913.)

Freud, S. (1984). L’interêt de lapsychanalyse (1913). In S. Freud,Résultats, idées, problèmes, I(1890-1920). Paris: PUF. (Traba-lho original publicado em 1913.)

Freud, S. (1988). Pulsions et destins depulsions. In S. Freud, Oeuvrescomplètes (Vol. 13, pp. 161-185).Paris: PUF. (Trabalho original publi-cado em 1915.)

Freud, S. (1992). Autoprésentation. InOeuvres complètes (Vol. 17, pp. 51-

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 129

122). Paris : PUF. (Trabalho originalpublicado em 1924.)

Freud, S. (1994). La question de l’analyseprofane. In Oeuvres complètes (Vol.18, pp. 1-92). Paris: PUF. (Trabalhooriginal publicado em 1926.)

Freud, S. (1996). Faut-il enseigner lapsychanalyse à l’université?. In S.Freud, Oeuvres complètes (Vol. 15,pp. 109-114). Paris: PUF. (Trabalhooriginal publicado em 1919.)

Freud, S. (1998). Conseils au médecindans le traitement psychanalytique.In S. Freud, Oeuvres complètes(Vol. 11, pp. 143-154). Paris: PUF.(Trabalho original publicado em1912.)

Freud, S. (2000). Leçons d’introduction àla psychanalyse. In S. Freud,Oeuvres complètes (Vol. 14). Paris:PUF. (Trabalho original publicadoem 1915-1917.)

Garcia-Roza, L. A. (1994). A pesquisa dotipo teórico. Psicanálise e Univer-sidade, 1, 9-32.

Herrmann, F. (1994). Problemas na ori-entação de teses de psicanálise. Psi-canálise e Universidade, 1, 33-49.

Lacan, J. (1968). Proposition du 9 octobresur le psychanalyste de L’École.Scilicet, 1, 14-30.

Ladrière, J. (1988). Les scienceshumaines et le problème de lascientificité. In De Neuter, P. &Florence, J. (Dir.). Sciences etpsychanalyse (pp. 9-27). Bru-xelles: De Boeck-Wesmael.

Laplanche, J. (1978). La enseñanza delpsicoanálisis em la Universidad. InInterpretar [con] Freud y otrosensayos (pp. 97-112). Buenos Ai-res: Nueva Visión.

Laplanche, J. (1980). Un doctorat enpsychanalyse. Psychanalyse àl’Université, 6(21), 5-8.

Laplanche, J. (1998). Problemáticas I: Aangústia. São Paulo: Martins Fon-tes, 3ª ed.

Laplanche, J. & Pontalis, J.-B. (1973).Vocabulaire de la psychanalyse.Paris: PUF.

Marie, P. (2004). Psychanalyse,psycothérapie: quelles différen-ces? Paris: Flammarion.

Mezan, R. (1993). Que significa “pes-quisa” em psicanálise? In: A som-bra de Don Juan e outros ensaios(pp. 85-117). São Paulo: Brasi-liense.

Mezan, R. (1994). Pesquisa teórica empsicanálise. Psicanálise e Univer-sidade, 2, 51-75.

Fernando Aguiar

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.130

Mezan, R. (1998). Escrever a clínica.São Paulo: Casa do Psicólogo.

Mezan, R. (2001). Psicanálise e pós-graduação: Notas, exemplos, refle-xões. Psicanálise e Universidade,14, 121-162.

Mezan, R. (2002). Sobre a epistemologiada psicanálise. In: Interfaces da psi-canálise. São Paulo: Companhia dasLetras.

Micheli-Rechtman, V. (2002). Le statutde l’interprétation freudienne etsa critique dans l’épistémologiefreudienne. Thèse de doctorat,Université Paris 8, Paris. Texto re-cuperado em 13 julho 2006 em : http:// r e c h e r c h e . u n i v - p a r i s 8 . f r /thes_fich.php?ThesNum=464.

Mijolla-Mellor, S. (2004). La rechercheen psychnalyse à l’université.

Recherches en Psychanalyse, 1,27-47.

Naveau, P. (2004). L’enjeu épistémolo-gique: Pas de science sans épisté-mologie. Texto recuperado em 13 junho2006 em: http://recherche-en-shs.apinc.org/article.php3?id_article=49.

Roudinesco, E. (1986). La bataille decent ans. Histoire de la psycha-nalyse en France (Vol. 2, 1925-1985). Paris : Seuil.

Roudinesco, E. & Plon, M. (1997).Dictionnaire de la psychanalyse.Paris: Fayard.

Stechen, R. (2003). Rencontres avecl’altérité: Autre culture, autre texte,autre savoir. In J. Florence (Org.),La psychanalyse et l’université:L’expérience de Louvain. Louvain-la-Neuve: Academia Bruylant.

Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 131

SUMMARY

Epistemological and methodological issues in psychoanalysis

The article deals with some elements that concern to epistemology of psycho-analysis, and that are usually object of systematic reflection in psychoanalysis. Thearticle is a compte rendu of the present state of discussions about the scientific statusof psychoanalysis. The role of clinic in psychoanalytic research. When and how can wespeak about research in the psychoanalytic domain. The role of that kind of researchin the center of the scientific community. The interactions of psychoanalysis with othersareas of knowledge. The psychoanalytic research method.

Key words: Psychoanalysis. Epistemology. Research methodology.

RESUMEN

Cuestiones epistemológicas y metodológicas en psicoanálisis

Este artículo discurre sobre algunos elementos que interesan a la epistemologíadel psicoanálisis y que antes fue objeto de reflexión sistemática por parte de autorespsicoanalíticos. El artículo es, por lo tanto, un compte rendu del estado actual de lasdiscusiones con relación al cientificismo del psicoanálisis. ¿Cuál es lugar de la clínicaen la investigación psicoanalítica?. ¿Cuándo y bajo qué forma se puede hablar deinvestigación en el dominio del psicoanálisis?. ¿Cuál es el lugar que ocupa este tipo deinvestigación en el seno de la comunidad científica, particularmente, la universitaria?.¿Cuáles son las interacciones del psicoanálisis con otros campos del saber?. ¿Cuáles el método psicoanalítico de investigación?.

Palabras-llave: Psicoanálisis. Epistemología. Metodología de investigación.

Fernando AguiarR. do Calafate, 79/204 — Pantanal

88040-008 Florianópolis, SCE-mail: [email protected]

Recebido em: 15/04/06Aceito em: 01/06/06