questão ambiental urbana: oportunidade ou ameaça para ... · urbana tem frequentemente se...
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Questão Ambiental Urbana: Oportunidade ou Ameaça para
Cidades mais Justas?
Clarissa F. Sampaio Freitas
Arquiteta, mestre Professora do curso de Arquitetura do UNICEUB
Doutoranda no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UNB.
Resumo
O processo de esverdeamento dos conflitos urbanos foi diagnosticado no presente trabalho com o
objetivo de verificar até que ponto a ascensão das preocupações com o meio ambiente na cidade
tem conseguido aliar-se ao projeto de redistribuição do território urbano contido na legislação
urbana federal. Para responder a esta questão o artigo avalia as bases conceituais e ideológicas
dos dispositivos legais que limitam usos urbanos na APA do rio São Bartolomeu (DF). A
importância desta questão está no fato de que tais dispositivos possuem desdobramentos diretos
no processo de exclusão territorial, seja determinando a oferta de terras urbanizáveis de modo
geral, seja decidindo a oferta de terras para cada classe social por meio da adoção de parâmetros
urbanísticos mínimos. Utilizando-se das correntes do ambientalismo definidas por Alier (2007), o
artigo defende que a noção de meio ambiente prevalente nas regulações avaliadas tem oscilado
entre o paradigma preservacionista e o paradigma conservacionista. O terceiro paradigma da
justiça ambiental, que trata da distribuição social dos riscos e benefícios do desenvolvimento
[urbano], ainda não foi incorporado pelas regulações estudadas. O caso estudado nos remete à
possibilidade de usar o conceito de justiça ambiental para legitimar regulações que visem
aumentar a oferta de lotes populares em terrenos mais favoráveis à urbanização, como uma forma
de conter a pressão sobre a ocupação de ecossistemas frágeis. Desta forma, a inserção da
variável ambiental no processo de produção e regulação do meio ambiente urbano pode constituir
uma oportunidade para unir o direito ao meio ambiente e o direito à cidade.
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01 – Introdução
Nas proximidades de Natal, um projeto de 35 mil casas, maior do muitas cidades do Rio Grande
do Norte, foi questionado pelo Ministério Público sob o argumento de que o empreendimento pode
afetar uma duna. A reportagem da Folha de São Paulo que trata do assunto tem como título
“Megaresort ameaça duna”. Ela esclarece que a promotoria do Ministério Público investiga se o
empreendimento irá trazer “além do desaparecimento da duna, o esgotamento da infra-estrutura
local e o acirramento das diferenças sociais” (Magalhães, 2008). Certamente, há trinta anos atrás,
os impactos sociais do projeto teriam primazia sob o impacto ambiental. Quem sabe o impacto
ambiental não seria nem mesmo identificado, como ocorreu na ocasião do arrasamento dos
morros do Rio de Janeiro no início do século XX.
Em Fortaleza, o empreendimento Iguatemi Empresarial, apesar de aprovado pela gestão
municipal anterior, foi questionado pela atual gestão com base no impacto ambiental sobre o
mangue do Rio Cocó. O grupo Jereissati, proprietário do empreendimento, se viu obrigado a
realizar uma campanha na mídia divulgando todas as suas ações de recuperação do mangue, de
modo a conquistar a opinião pública sobre o caso. Há cerca de 20 anos, o mesmo grupo construiu
um shopping center, de proporções bem maiores que o questionado empreendimento, localizado
no mesmo terreno, sem que tivesse havido nenhum protesto de cunho ambiental por parte da
sociedade.
Em Brasília, uma reportagem no portal eletrônico de um importante jornal local denuncia um
“crime ambiental”: o parcelamento irregular de uma chácara e sua transformação em um
condomínio residencial (Castro, 2007). O empreendimento estaria ameaçando um córrego que
abastece a vizinhança. A Secretaria de Meio Ambiente do DF foi acionada. A reportagem não
menciona qualquer órgão local de planejamento urbano. O leitor acaba a matéria com a sensação
de que quem controla a expansão do tecido urbano do DF é o órgão de meio ambiente.
Não existisse o córrego, a duna ou o mangue, os projetos mencionados não produziriam
descontentes? Acredito que não. Os casos acima, e tantos outros facilmente identificados na
mídia não passam de conflitos urbanos ambientalizados, dado o enorme apelo político da
proteção ambiental. Na conjuntura político-ideológica urbana atual, defender a proibição ou
implantação de um projeto sem apelar para o discurso ambiental parece uma estratégia política
fadada ao fracasso. Esta crescente legitimidade da questão ambiental no processo de produção
do espaço urbano foi diagnosticada por Topalov ainda em 1984. O autor defende o nascimento de
um novo paradigma de ação sobre a cidade, onde “o meio ambiente tem se tornado o problema
central em torno do qual, daqui em diante, todos os discursos e projetos sociais devem ser
reformulados para serem legítimos” (1997 (1984): 24).
Esta reformulação de discursos é fundamental para o estudo da atual política urbana mundial.
Obviamente, discursos e idéias, por si só, não mudam a realidade. No entanto eles legitimam
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regulações, políticas públicas e ações do Estado que podem alterar ou acentuar o padrão de
diferenciação social urbano vigente. Não existe transformação social sem que haja, primeiro, uma
mudança de paradigmas ideológicos. Os discursos sobre meio ambiente, em particular, tem se
mostrado com alto grau de aceitação e legitimidade política no dias de hoje, além de um enorme
fôlego para combater o modelo de desenvolvimento estabelecido.
O esverdeamento dos conflitos urbanos representa uma mudança de paradigmas na dimensão
político-ideológica do processo de produção das cidades que possui claras implicações sócio-
espaciais. Cabe aos estudiosos do urbano investigar o potencial de transformação social de tal
mudança. Esta agenda de pesquisa é particularmente relevante visto que a proteção ambiental
urbana tem frequentemente se associado a objetivos de manutenção do status-quo dominante.
Ao contrario das políticas ambientais, as políticas urbanas brasileiras têm sido forçadas a
responder demandas distribuição social da cidade, impulsionadas pelo marco legal do
planejamento urbano federal. Ele sugere o combate a um modelo de ordenamento territorial
prevalente na maioria das cidades que exclui a maior parte da população da porção da cidade
com padrões aceitáveis de qualidade ambiental. Alguns autores têm denunciado que este projeto
de redistribuição da cidade contido na legislação federal tem encontrado na questão ambiental um
poderoso obstáculo (i.e. Compans, 2007). No entanto, se os urbanistas conseguirem demonstrar
que a adoção de políticas de habitação social é o meio mais eficaz de evitar a pressão por
ocupação dos ecossistemas frágeis urbanos (Martins, 2007), a sensibilização da sociedade pela
questão ambiental pode constituir uma importante oportunidade no projeto de construção de
cidades ecologicamente sustentáveis e socialmente justas.
Assim, de modo a verificar o impacto social / distributivo do ambientalismo – uma poderosa força
político-ideológica agindo sobre o processo de produção da cidade - o artigo inicia-se com uma
breve descrição de algumas das narrativas ambientais prevalentes na sociedade atual enfatizando
a influência de cada uma delas sobre a regulamentação ambiental/urbana brasileira. Em seguida,
o artigo analisa as bases conceituais dos zoneamentos de usos e ocupação do solo da APA da
Bacia do Rio São Bartolomeu no Distrito Federal, tentando verificar a influência de cada narrativa
ambiental previamente descrita.
O caso escolhido confirma o enorme peso da questão ambiental nas decisões quanto à gestão do
território do DF, e fornece uma base empírica para o argumento de que tem havido uma seletiva
incorporação das necessidades sociais no desenvolvimento das regulações ambientais de uso e
ocupação do território. No entanto tal seleção ainda não incluiu a questão de universalização do
acesso à qualidade ambiental urbana e o atendimento aos direitos sociais urbanos.
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02 – Três narrativas ambientais
A denúncia cada vez mais freqüente dos efeitos regressivos das legislações ambientais quando
aplicadas ao espaço urbano1 nos remete a uma análise das bases conceituais contidas em tais
regulações. Considerando que as normas são meios encontrados pela sociedade para solucionar
os problemas da forma como eles são percebidos, se a legislação ambiental tem tido pouco
potencial de redistribuição social, isso se deve ao fato de que as correntes ideológicas
ambientalistas dominantes também falham neste aspecto.
Diversas análises das correntes ideológicas do ambientalismo comumente identificam apenas
duas formas de definir a questão ambiental (ver, por exemplo, Diegues, 2000): o
Preservacionismo e o Conservacionismo. Recentemente, uma terceira corrente tem sido
identificada por alguns estudiosos e batizada por diversos nomes: Ecologismo dos Pobres, Justiça
Ambiental, Ecologia da Libertação, Livability (destacam-se Acselrad, 2001 e Alier, 2007). Apesar
de várias características divergentes, as duas primeiras correntes são omissas com relação à
capacidade do ambientalismo de melhorar o acesso de grupos sociais desprivilegiados ao meio
ambiente. Este é exatamente o foco de atenção da terceira corrente. Segue uma breve exposição
de cada uma delas.
2.1 – Preservacionismo – “Culto ao silvestre”
Esta primeira corrente ambientalista se caracteriza por uma atitude biocêntrica ante a natureza. A
natureza é aqui definida em oposição à sociedade daí a dificuldade de apropriação das questões
sociais por grande parte dos ecologistas. Estes, por não possuírem formação sobre a dinâmica
social, reduzem as questões sociais a especificidades da espécie humana e, portanto, fora de seu
escopo de atuação.
Outra característica desta corrente - que Alier (2007) denomina “culto ao silvestre” - refere-se à
incomensurabilidade dos valores relativos à natureza. Determinadas espécies, ou determinados
ecossistemas devem ser preservados por uma questão ética de respeito a valores não-humanos,
e não pelo fato de que o esgotamento dos recursos ambientais pode prejudicar de alguma forma a
espécie humana. Assim algumas espécies possuem indiscutível direito à vida, cabendo aos
homens assegurar tais direitos. Na prática, este modo de definir a questão ambiental pressupõe
uma profunda reestruturação do sistema econômico dominante e por isso tem frequentemente
combatido pela opinião publica dominante.
O principal mecanismo de atuação desta corrente é a criação de reservas do que resta da vida
selvagem fora da influência do mercado. A aplicação deste instrumento tem causado muitas
controvérsias, principalmente pelo fato da natureza, sob o olhar humano, ser sempre socialmente
1 Esta denúncia estava latente em grande parte das discussões de um seminário recente sobre o tratamento de áreas de preservação
permanente em meio urbano e restrições ambientais ao parcelamento do solo, promovido na USP em 2007.
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delimitada (Smith, 1984; Diegues, 2001). Na escala urbana a tentativa de preservar a natureza
intocada dentro da cidade tem apresentado efeitos sociais claramente regressivos. Dentre eles,
destaca-se o encarecimento dos preços dos lotes devido à escassez de terras urbanizáveis. Se a
terra urbana é mais cara, os mais afetados são exatamente as classes sociais mais baixas que
não consegue ter acesso ao mercado formal e resta a opção de ocupar loteamentos clandestinos
em áreas protegidas ambientalmente.
A experiência brasileira com a adoção de tais políticas revela que a existência da lei não garante a
efetiva proteção dos ecossistemas. Muitas vezes, impedir a ocupação de determinados
ecossistemas acaba tendo um efeito reverso: a degradação ambiental conseqüência da ocupação
ilegal e, portanto sem a infra-estrutura sanitária básica capaz de garantir a proteção ambiental.
Visto que a capacidade de fiscalização da ocupação do solo por parte do Estado é limitada, e que
esta tende a priorizar os bairros mais centrais, os ecossistemas em lugares menos visíveis para a
classe dominante acabam virando reservas de terra para a população excluída do território urbano
legal e infraestruturado. Este fenômeno da proteção ambiental seletiva foi diagnosticado por
Maricato:
“Muitos são os fatores que determinam a aplicação da lei. Um nos parece principal.
Quando a localização da terra ocupada por favela é valorizada pelo mercado imobiliário, a
lei se impõe. Lei de mercado, e não norma jurídica determina o cumprimento da lei. Não é
por outra razão que as áreas ambientalmente frágeis, objeto de legislação preservacionista
“sobram” para o assentamento residencial da população pobre. Nessas localizações, a lei
impede a ocupação imobiliária: margens de córregos, áreas de mangues, áreas de
proteção ambiental, reservas. Mesmo quando se trata de áreas públicas, priorizadas nos
assentamentos de favelas, sua proteção contra a ocupação depende de sua localização
em relação aos bairros onde atua o mercado imobiliário legal, privado. (2004:226).”
2.2 –Conservacionismo – ou o “Evangelho da Ecoeficiência”.
Opondo-se ao romantismo e à atitude biocêntrica de muitos preservacionistas, os
conservacionistas apresentam uma visão instrumentalista da natureza. Possuem como
pressuposto o fato de que a natureza só tem valor se for utilizável pelo homem. Alier resume o
utilitarismo dos conservacionistas em uma frase de efeito: “eles falam de natureza, mas referem-
se a recursos naturais” (2007:27). Ou, nas palavras críticas de Harvey (1996): “O pensamento
iluminista submete a questão cósmica da nossa relação com a natureza a um discurso técnico,
que se preocupa com a alocação apropriada dos escassos recursos naturais para o benefício da
humanidade”.
Se, para os conservacionistas, a natureza digna de conservação é aquela passível de ser
transformada em recurso, o projeto de expansão capitalista não se opõe ao projeto ambientalista.
Deste modo, crescimento econômico e conservação ambiental tornam-se perfeitamente
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compatíveis, pois eles defendem a capacidade do sistema capitalista de internalizar os custos de
conservação recursos naturais. O progresso tecnológico e o desenvolvimento da ciência são
considerados aliados nesse processo de compatibilização dos dois projetos.
Recentemente esta corrente tem ganhado força diante da percepção de que os recursos naturais
não são ilimitados. A valoração econômica dos recursos naturais tem sido vista como a única
estratégia possível de proteger o meio ambiente. Termos como desenvolvimento sustentável,
modernização ecológica, ecoeficiência, são usados para defender a possibilidade de ganhos
econômicos e ecológicos (win-win situations).
Aos poucos, as regulamentações ambientais estatais têm incorporado mecanismos de valoração
dos recursos naturais, na tentativa de compatibilizar demandas socioeconômicas com a proteção
ambiental. Mecanismos de compensação ambiental, e de mensuração dos custos e benefícios de
determinados projetos estão previstos no arcabouço legal brasileiro, e têm sido aplicados à
regulação do espaço urbano com freqüência cada vez maior. Outros exemplos são: a mensuração
de serviços ambientais, e a isenção tributária à preservação de áreas particulares de relevante
valor ecológico. Assim, uma das principais características da ideologia preservacionista, a
incomesurabilidade de valores, é deixada de lado por influência do conservacionismo.
Sob o ponto de vista da distribuição social dos recursos ambientais, a intenção de atingir níveis
crescentes de racionalização dos recursos naturais é extremamente positiva. No entanto, o
discurso da racionalização e da eficiência tem historicamente obscurecido a questão da
distribuição social e equidade. Neste sentido destaca-se a teoria da “tragédia dos comuns” que
defende que a única estratégia possível de racionalizar o uso dos recursos naturais é a sua
privatização.
No que se refere ao acesso aos recursos ambientais urbanos a tendência de obscurecer as
questões de equidade social das políticas conservacionistas também se revela. O mercado
imobiliário sempre apresentou uma enorme capacidade de valorizar os recursos naturais da
cidade. Este processo pode ser diagnosticado, por exemplo, na valorização dos lotes lindeiros a
recursos naturais protegidos, como praias e parques. Com a ascensão das preocupações com o
meio ambiente, esta tendência ganho um novo fôlego. Ela tem sido denominada pela literatura
brasileira de mercantilização da natureza (Costa, 2007). Infelizmente este processo não
contribui para a redistribuição social dos recursos ambientais dentro da cidade. Pode-se inclusive
argumentar que ele tem exacerbado as diferenças sócio-ambientais urbanas, pois o mercado
imobiliário tem sido capaz de valorizar apenas os ecossistemas bem localizados no contexto da
cidade (Freitas, 2004). Se determinados ecossistemas são valorizados, apenas os ricos podem
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pagar para ter acesso a eles. Algumas reportagens na mídia destacam o fato de que o acesso a
áreas com matas preservadas e privatizadas tem se tornado um luxo2.
Na verdade a valoração dos recursos ambientais pode ser capaz de garantir a racionalização dos
recursos, mas não garante a equidade de acesso a eles. Esta tem sido a conclusão de uma série
de autores interessados nos efeitos sociais da ascensão do discurso de modernização ecológica.
(i.e. Desfor and Keil, 2004). Gibbs e Jonas (2004) mencionam que uma aliança do ambientalismo
com a ideologia do empresarialismo urbano tem constituído uma nova narrativa ambiental. Tal
narrativa defende a proteção de ecossistemas valiosos no interior da malha urbana com o objetivo
de contribuir para a construção de uma imagem de cidade consciente ecologicamente e, portanto
capaz de atrair recursos externos e gerar empregos para a economia local. No entanto, apesar
deste discurso ter uma grande aceitação pela opinião pública, algumas análises defendem que os
reais ganhos econômicos e sociais prometidos pela narrativa não tem se concretizado na prática
(Para o caso do Reino Unido ver Whatmore and Boucher,1993).
Além disso, dificuldades de mensurar custos e benefícios de determinados projetos, e a
complexidade de atribuição de valores, que nunca são absolutos e dependem dos interesses
materiais dos grupos sociais responsáveis por tais definições contribuem para que a estratégia de
valorizar recursos ambientais urbanos não internalize a variável distributiva. Assim, a valoração
econômica dos recursos ambientais não garante equidade de distribuição de custos e benefícios
da proteção ambiental.
2.3 – Ecologismo dos pobres – Justiça Ambiental
Assim como o conservacionismo, a terceira corrente ambientalista incorpora alguns objetivos
sociais em seu discurso. No entanto, o ecologismo dos pobres coloca como problema central a
desigualdade de acesso aos recursos naturais, e não a compatibilização da questão ambiental
com o projeto de acumulação capitalista. O eixo principal do ecologismo dos pobres não é uma
reverência sagrada à natureza entendida como oposta à sociedade, mas o interesse material pelo
meio ambiente como fonte de condição de subsistência (Alier, 2007).
Longe de ter a visão conciliadora dos conservacionistas, o ecologismo dos pobres reconhece que
o crescimento econômico implica em maiores impactos no meio ambiente. Seus adeptos partem
do entendimento de que os custos ambientais devem ser produzidos não apenas de forma
eficiente, mas principalmente de forma eqüitativa entre os diversos grupos sociais (Alier, 2007).
Apesar de muitos dos movimentos desta corrente ambientalista não usarem a retórica ambiental
(daí a dificuldade de identificação desta corrente) suas lutas por uma melhor distribuição dos
recursos naturais promovem a conservação de determinados ecossistemas. Este é o caso, por
exemplo, da luta dos pescadores artesanais contra a pesca industrial que simultaneamente destrói
2 Um bom exemplo é a reportagem da folha de São Paulo em 08/07/2007 intitulada “Bosque particular vira sonho de consumo”.
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sua fonte de sustento e esgota os bancos pesqueiros; ou movimentos contrários às minas e
fábricas por parte de comunidades afetadas pela contaminação do ar ou da água (Alier, 2007: 35).
Assim, contradizendo o senso comum que insiste na identificação dos danos ambientais causados
pela pobreza, o ecologismo dos pobres ressalta o fato de que os pobres, com freqüência,
favorecem mais a conservação dos recursos naturais.
Os adeptos desta corrente denunciam que a alocação espacial dos custos e benefícios ambientais
do desenvolvimento econômico é desigual e injusta. Esta é uma de suas características mais
relevantes para o presente artigo: o DESLOCAMENTO GEOGRÁFICO das fontes de recursos e
das áreas de descarte dos resíduos.
O argumento de que os países pobres estão sobrecarregados com o fardo de preservar os
ecossistemas valiosos remanescentes no planeta reflete esta questão geográfica na escala global.
Os países do sul estão impedidos de transformar seus ecossistemas em recursos devido a sua
escassez na escala global. O fato de esta escassez ter sido produzida pela extinção dos
ecossistemas relevantes dos países ricos, justificaria uma espécie de redistribuição de riquezas
entre nações. Este argumento tem sido denominado de “divida ecológica” (Alier, 2007).
Na escala local (urbana) este deslocamento geográfico é um argumento ainda menos difundido,
mas igualmente relevante porque o processo de urbanização altera o padrão de distribuição
geográfica de determinados desastres ambientais (Torres, 2000). As enchentes, por exemplo,
ocorrem com mais freqüência em determinados lugares da cidade do que em outro por que se
decidiu alocar infra-estrutura de drenagem em determinados espaços em detrimento de outros. Do
mesmo modo, as ações de controle da invasão de ecossistemas destinados à preservação são
mais eficientes em alguns bairros do que na média da cidade. Assim, no meio urbano, o acesso
às amenidades bem com a sujeição aos riscos ambientais são desigualmente distribuídos. Isto se
deve, em grande medida, a mecanismos de mercado que impedem o acesso dos grupos sociais
vulneráveis aos bairros de maior qualidade ambiental e menor incidência de riscos.
Esta noção de proteção ambiental aliada a questões distributivas tem um enorme potencial de
legitimar políticas urbanas mais includentes, tendo em vista que a solução do problema ambiental
urbano passa pela universalização do acesso a terra urbana infraestruturada. No entanto esta
questão ainda possui uma enorme invisibilidade política. Na maioria das cidades brasileiras,
proteção ambiental e acesso à moradia ainda constituem dois objetivos auto-excludentes.
Heloisa Costa (2007:121) argumenta que a emergência de conflitos socioambientais politizados
em torno do acesso à terra urbana depende da identificação dos atingidos, ou seja, dos grupos
sociais que perdem com determinado modelo de urbanização baseado na lógica de mercado.
Assim a aliança entre ambientalismo e o movimento de moradia, depende, em grande medida, da
identificação dos impactos socioambientais do modelo de urbanização brasileiro que, a despeito
9
dos avanços obtidos pela legislação urbanística nacional, ainda não tem conseguido incorporar
mecanismos capazes de conter a valorização imobiliária ampliando o acesso à cidade legal.
Ao discutir o caso da expansão da malha urbana do DF na direção da bacia do rio São
Bartolomeu, a próxima secção argumenta que o conflito entre proteção ambiental e direito à
moradia se deve, em grande medida, à incidência de regulamentações ambientais de caráter
socialmente regressivos. O objetivo do estudo de caso é destacar os efeitos sociais das normas
de uso e ocupação do solo contidas nos zoneamentos ambientais da APA, e a possível influência
de cada uma das narrativas ambientais anteriormente descritas. Interessa-nos identificar as
formas dominantes e emergentes do ambientalismo local, buscando questionar em que medida as
concepções de meio ambiente que embasam as regulações ambientais tem internalizado a
variável da distribuição social dos custos da proteção ambiental.
3.0 Ocupação urbana na bacia do Rio São Bartolomeu e a criação da APA.
A bacia do Rio São Bartolomeu possui uma área de drenagem de cerca de 1500 km2 o que
corresponde a 23% de todo o território do Distrito Federal. Ela localiza-se imediatamente a leste
da bacia do Lago Paranoá, que abriga o Plano Piloto de Brasília. Trata-se de uma área
historicamente protegida do processo de urbanização devido à limitações de ordem sanitária, e
particularmente a previsão de criação de um reservatório para abastecimento de água do Distrito
Federal. Assim, do mesmo modo que a preocupação com a qualidade da água do lago Paranoá
tem justificado a imposição de limites à ocupação urbana do entorno do Plano Piloto, aqui também
a preocupação com a eutrofização de um corpo d’água tem sido o principal argumento para impor
limites bastante restritivos a urbanização. A questão é ainda mais complexa, pois os pontos de
captação previstos inicialmente na década de 70 não foram executados, e esta indefinição
contribuiu por muito tempo para o estabelecimento de limites ainda mais restritivos utilizando-se
como argumento o princípio da precaução.
A criação da APA em 1983 foi parte desta estratégia de limitar a expansão urbana do DF na
direção leste do Plano Piloto. Os limites da APA englobam 841 km2, cerca de 50% da área da
bacia do São Bartolomeu. Neste período, sua população urbana era praticamente inexistente e
prevaleciam os usos de chácaras de lazer e agropecuários. Seus limites tangenciavam as cidades
satélites de Planaltina e Sobradinho, a norte, e o Lago Sul e Lago Norte a oeste da APA. O padrão
de urbanização destes núcleos urbanos localizados no entorno imediato da APA é bem diverso
entre si visto que elas resultam de processos de produção do espaço bastante heterogêneos.
Enquanto Planaltina expande-se a partir de um núcleo urbano tradicional, espontâneo, típico do
século XIX, Sobradinho foi uma das três primeiras cidades satélites, planejadas pelo Governo do
DF ainda em 1960. Os bairros do Lago Sul e Lago Norte são expansões de Plano Piloto de
Brasília com um padrão de alta renda, lotes unifamiliares de grandes dimensões, vias sem saída e
baixas densidades populacionais o que confere características muito semelhantes aos subúrbios
norte americanos.
10
Contradizendo todas as diretrizes de expansão urbana estabelecidas nos planos assim como os
sucessivos zoneamentos ambientais da APA, a área vem sofrendo um rápido processo de
urbanização apresentando altos índices de crescimento demográfico nos anos recentes. Se, em
1988 o primeiro zoneamento ambiental estimou a população em cerca de 20 mil habitantes, em
2000, de acordo com dados do censo do IBGE, a APA já possuía 158.036 moradores, ou seja, um
crescimento médio anual de 18,8%.
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Preto
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Descoberto
Corumba
Sao Marcos
Preto
Sao Bartolomeu
Maranhao
Lago Paranoa
Descoberto
Corumba
Sao Marcos
MAPA 01: Bacias hidrográficas e distribuição populacional do DF. 1 ponto para cada 100 habitantes.
Hachura corresponde à APA do São Bartolomeu. FONTE: IBGE 2000, Seduma.
O crescimento populacional desta área periférica acima da média do DF representa uma
tendência de espraiamento do tecido urbano do DF já detectada pela literatura em outras
metrópoles brasileiras. Ela é caracterizada, em sua maioria, pela criação de uma periferia de
assentamentos de baixa renda com pouca infra-estrutura e com uma taxa de crescimento superior
aos bairros centrais3 . Mas essa periferia não é homogeneamente precária. Em geral existe um
setor da cidade que responde à demanda por moradia da classe média alta, em lotes maiores e
lugares mais afastados das zonas de concentração de emprego (em Belo Horizonte ver Costa,
2007). No DF a bacia do São Bartolomeu parece abrigar esta dupla tendência de dispersão
urbana, tanto das classes média e alta, e como das classes populares.
Dois fatores são determinantes para explicar os padrões de localização espacial das classes
sociais dentro do território da APA: o fator localização e o fator fragilidade ambiental. No que se
refere ao fator localização, enquanto os assentamentos populares tendem a se localizar nos
3 A esse respeito, ver a reportagem de capa da revista Veja em 24/1/2001, intitulada “O cerco da periferia: o que fazer com a miséria
que cerca as nossas cidades”. Disponível em: http://veja.abril.com.br/240101/p_086.html último acesso 21/01/2008
11
espaços mais afastados do Plano Piloto como a periferia da cidade de Planaltina, os bairros de
classes superiores ocupam as áreas mais próximas ao limite oeste da bacia. Organizadas na
forma de condomínios horizontais, as maiores concentrações das classes médias e altas no
interior da APA estão nas regiões contíguas aos bairros de mais alta renda do DF. Destaca-se
particularmente o Jardim Botânico, próximo ao Lago Sul, e os condomínios de Sobradinho,
próximos ao Lago Norte.
Existem, no entanto, enclaves de baixa renda próximos ao limite oeste da Bacia do São
Bartolomeu, que é a área mais valorizada. Neste ponto é importante ressaltar o fator fragilidade
ambiental: enquanto as invasões de baixa renda tendem a ocupar áreas de maior restrição físico-
ambiental, os condomínios localizam-se em terras mais propícias à ocupação urbana,
reproduzindo a tendência à desigualdade ambiental urbana também observada em outras cidades
(para o caso de São Paulo ver Torres, 2000).
As cidades do Itapuã e de São Sebastião constituem os enclaves de baixa renda em áreas
relativamente bem localizadas dentro da área de estudo por possuir melhores relações de
proximidade com o Plano Piloto. Ambas possuem grandes restrições ambientais.
A cidade de São Sebastião ocupa um espaço de grande fragilidade ambiental por se constituir de
solos susceptíveis a processos erosivos em função da pouca profundidade (<10m)4. Ela surgiu a
partir de uma invasão de trabalhadores vinculados às atividades cerâmicas e olarias na época da
construção de Brasília. Oficialmente a cidade foi criada em 1993 a partir da remoção das invasões
de baixa renda ao longo do Córrego Mata Grande e Ribeirão Santo Antônio da Papuda. Ainda
hoje é uma das cidades satélites mais carentes em termos de infra-estrutura sanitária básica,
tendo sido foco de doenças relacionadas à falta de saneamento com a hantavirose em 2004. Tem
sofrido um processo de incremento populacional devido à proximidade com os condomínios de
classes média e alta do Jardim Botânico e com o Lago Sul.
A cidade do Itapuã localiza-se em um território de menores fragilidades ambientais, mas de
grandes restrições legais de cunho ambiental por estar inserida na poligonal de uma área de
proteção de manancial (APM) cujas normas não permitem o adensamento urbano. Trata-se da
maior invasão do DF, com uma população estimada de 55 mil habitantes apesar de ter sido
iniciada em julho de 2001. Foi reconhecida como cidade satélite5 em 2005, e possui
provavelmente os maiores índices de precariedade sócio-ambiental de toda a bacia devido à
combinação de ausência de infra-estrutura sanitária e densidades populacionais relativamente
altas. Localiza-se na área de expansão do Paranoá, uma cidade satélite de perfil de renda media
e baixa situada na bacia do Paranoá.
4 O documento de rezoneamento ambiental o caracteriza dentro do sistema de terras 3 - latossolos coluvionares dos pediplanos
(IEMA/ENGEVIX/IBAMA, 1994 vol 4 pp 127).
5 Na estrutura administrativa local, cidades satélites são as sedes das regiões administrativas. Atualmente o DF conta com 29 R.A.s.
12
Mapa 2: Distribuição de renda por setores censitários 2000. Manchas verdes possuem renda acima da
média da amostra, manchas vermelhas setores que possuem renda abaixo da média da amostra. Limite da
APA em preto. FONTE: IBGE 2000, Seduma.
4.0 As restrições ambientais à urbanização no interior da APA
O processo de regulamentação do uso e ocupação do solo no interior da APA tem sofrido
sucessivas revisões através da atualização do zoneamento ambiental. O primeiro zoneamento,
elaborado em 1988, não destinou nenhuma área para a ocupação urbana. Ele possui um caráter
claramente preservacionista que será analisado na próxima secção. O segundo zoneamento,
realizado em 1996, já possui maior influência da corrente conservacionista tentando compatibilizar
demandas socioeconômicas por urbanizar determinadas porções no interior da APA, com os
objetivos de proteção ambiental. Não existe, no entanto, preocupação em assegurar que parte
desta terra disponibilizada seja acessível à população de baixa renda. Atualmente, em 2008, a
área sofre um segundo processo de revisão das diretrizes de uso e ocupação. A Secretaria de
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente propõe ampliar a mancha passível de urbanização e
utilizar mecanismos de valoração dos atributos ambientais para assegurar sua proteção
ambiental. A adoção de densidades muito baixas nestas manchas funcionará como mecanismo de
assegurar que esta terra seja acessível apenas para as camadas sociais mais altas.
4.1 Zoneamento de 1988: PRESERVACIONISMO.
Desconsiderando a demanda socioeconômica por alternativas de moradia próximas ao Plano
Piloto, e às cidades satélites de Sobradinho e Planaltina já existente em 1988, o primeiro
zoneamento da APA trabalha com a hipótese de “urbanização zero”. Ele parte de uma definição
de sistemas de terras que consideram apenas aspectos relacionados ao meio físico e à vegetação
natural.
São Sebastião
Jardim Botânico
Itapuã
Paranoá
Sobradinho
Planaltina
Lago Norte
Lago Sul
Plano Piloto
13
O documento técnico que justifica a adoção da regulamentação (Brasil, 1988) revela uma atitude
claramente biocêntrica em diversas passagens. Na própria estrutura do documento percebe-se
esta atitude: a dinâmica socioeconômica do território está muito pouco analisada. As poucas
páginas que tratam da questão encontra-se em dois subitens intitulados “2.6 aspectos humanos” e
“2.7 aspectos de uso da terra” dentro do capítulo “2.0 Aspectos ambientais”. Elas reduzem os
processos socioeconômicos de uma zona peri-urbana a “questões humanas”. Esta denominação
retira o aspecto político resultante dos conflitos de interesses entre os diversos grupos sociais.
Além disso, o documento confere às questões humanas o mesmo grau de importância que aos
aspectos climáticos, geomorfológicos, hídricos, de vegetação e de fauna.
A análise do discurso do documento também revela que as “necessidades humanas” são sempre
colocadas como potencialmente ameaçadoras de um meio natural de grande riqueza ecológica. O
estado de equilíbrio da natureza corre risco com a presença do homem na APA que já é
considerada demasiada, naquela data. O mito da natureza intocada, e as preocupações com o
incremento populacional revelam-se em diversas passagens:
“Estima-se que a população residente da APA seja da ordem de 20.000 pessoas, e a não-residente,
principalmente aos sábados domingos e feriados, pelo menos o dobro. [...] A densidade
populacional varia, portanto de 23,78 hab/km2 a 47,56 hab/km2, valores relativamente altos para
uma área que abriga zonas rurais e ambientes naturais com grande riqueza de flora e fauna”
(1988,24).
Ou ainda:
“Portanto, pode-se fazer a afirmação de que o fluxo energético material da APA responde
diretamente a pressões ecológicas geradas por esse modelo [de base econômica não-cooperativa
que rege a relação homem-natureza], por conta, sobretudo da expansão demográfica do Distrito
Federal [...]. De fato, os churrascos do homem urbano de Brasília, por exemplo, criam uma grande
demanda por carvão vegetal; este por seu turno é produzido por carvoeiras da APA, com uma
tecnologia das mais simples, que remonta aos tempos antigos, mas que exige, cada vez mais, que
o cerrado seja desmatado, e assim por diante.” (1988,25).
Este viés biocêntrico do primeiro zoneamento ambiental se revelou bastante inadequado para
proteger a diversidade biológica pretendida. Ao confirmar a ineficácia das diretrizes do primeiro
zoneamento da APA, Bezerra (1996:172) as qualifica como irrealista, “por não ter partido da
identificação das tendências de evolução da situação ambiental de então, procurando definir um
cenário que pudesse servir como parâmetro aceitável [...]”. A hipótese de urbanização zero era tão
irrealista, que o próprio governo do Distrito Federal rejeitou-a ao criar a cidade de São Sebastião
no interior dos limites da APA em 1993, apenas cinco anos após a aprovação do zoneamento.
4.2 O Rezoneamento de 1996: CONSERVACIONISMO.
A atitude biocêntrica dos preservacionistas ortodoxos não prevalece entre a enorme gama de
atores que possuem algum poder de influência sobre as regulações de uso e ocupação do solo.
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Na verdade, a principal justificativa para restringir o avanço da ocupação urbana sobre a Bacia do
São Bartolomeu - a preservação de mananciais para o abastecimento da população do DF -
possui um caráter indiscutivelmente antropocêntrico. Limita-se a urbanização, não por razões de
culto ao mundo silvestre, ou de preservação da fauna e flora. O principal objetivo de proteção
desse ecossistema não é o fato de ele ser particularmente valioso ou raro, do ponto de vista
ecológico. Isto é tão claro que a APA possui como co-gestor a Companhia local de águas e
esgotos.
Contraditoriamente, apesar das influências da corrente preservacionista destacadas
anteriormente, o principal objetivo da instalação de uma Área de Proteção Ambiental – APA é a
compatibilização da proteção dos recursos naturais com o atendimento da dinâmica sócio-
econômica. Trata-se da única unidade de conservação ambiental no sentido conceitual do termo
(Bezerra, 1996). Este caráter compatibilizador da corrente conservacionista claramente não foi
cumprido pelo primeiro zoneamento da APA do São Bartolomeu, que não apresentou nenhum
movimento no sentido de compreender a dinâmica socioeconômica da área, mas sim restringi-la,
baseada em parâmetros ideais de uso e ocupação sob o ponto de vista da manutenção das
características naturais existentes (Bezerra, 1996). Na verdade nos parece bastante factível o
argumento de que a escolha do tipo de unidade de conservação recaiu sobre a APA, não pela
intenção de permitir a compatibilização com interesses da população local, mas sim para
contornar o problema da desapropriação de uma grande parte da área que ainda permanecia de
propriedade particular6.
Se a característica principal da corrente conservacionista é a busca pela racionalização dos
recursos naturais pode-se dizer que o rezoneamento da APA aprovado em 1996, apenas oito
anos após o zoneamento original, possui esse espírito. A revisão da regulação original
intencionava a racionalização do uso do solo no sentido de não comprometer a possibilidade de
utilização da água como recurso natural para abastecimento. A citação a seguir, retirada do
estudo que embasa o decreto de rezoneamento, demonstra esse caráter conservacionista:
“As pressões de urbanização a partir de núcleos urbanos já consolidados dentro da área de estudo
(Sobradinho/Planaltina/Vila São Sebastião e Vale do Amanhecer) bem como do Plano Piloto, estão
sendo analisadas no sentido de se identificar até que ponto elas podem ser absorvidas sem
comprometer o nível de qualidade dos recursos naturais, particularmente dos recursos hídricos, cuja
preservação é um dos objetivos fundamentais da APA”. (/IEMA/ENGEVIX/IBAMA, 1994 vol 2 tomo
I:102)
Assim, em 1996 o rezoneamento da APA é aprovado. Suas regulações partem de um “cenário de
urbanização controlada”, e não da simples evolução descontrolada da situação da época. Tal
cenário admite a manutenção do uso urbano nas sub-bacias já urbanizadas, a manutenção de
6 Antes da construção do Plano Piloto grande parte das terás do Distrito Federal foram desapropriadas.
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determinadas condições de saneamento e adensamento do entorno da bacia, particularmente a
bacia do Paranoá (tributária do São Bartolomeu). Com relação à expansão urbana no interior da
bacia o cenário prevê:
- aumento da mancha urbana da ordem de 30% para Sobradinho e Planaltina e de 50% para São Sebastião;
- transformação de 180 ha de loteamentos não consolidados da sub-bacia da papuda, e de 300 ha da sub-bacia da Taboca em áreas de núcleos urbanos consolidados, com densidade de 60 hab/há.
(IEMA/ENGEVIX/IBAMA, 1994 vol 2 tomo I:186)
Mapa 3: zoneamento da APA de 1996. Em vermelho as zonas passíveis de urbanização. Fonte: (IEMA/ENGEVIX/IBAMA, 1994).
A identificação deste “cenário de urbanização controlada” foi necessária para que o estudo
realizasse uma previsão dos níveis de fósforo na água em dois pontos de captação possíveis de
serem utilizados pela CAESB. A definição da mancha passível de urbanização na APA teve como
critério principal o controle dos níveis de eutrofização da água a ser usada para abastecimento.
Em 1997 o governo local elabora um novo Plano Diretor de Ordenamento Territorial, cujo
documento técnico descreve o rezoneamento da APA como o “instrumento que abre caminhos
para a regularização de loteamentos irregulares”. O PDOT de 1997 incorpora as diretrizes do
rezoneamento da APA ao classificar como “zonas de urbanização controlada” a porção
urbanizável da APA delimitada pelo rezoneamento. Esta zona é definida como “de uso
predominantemente habitacional de baixa densidade, sujeita a critérios específicos de ocupação,
no qual se desestimulará a expansão do uso urbano em razão, principalmente, das restrições
ambientais” (Distrito Federal, 1997). Ou seja, ainda persiste a noção de que a cidade não deve
crescer nesta direção.
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É interessante ressaltar que o fato de o Plano Diretor ter acatado as recomendações do
zoneamento ambiental em sua totalidade ilustra o argumento de que o processo de decisório
sobre o destino das cidades está em grande medida nas mãos das regulações ambientais.
Acselrad (apud, Compans, 2007) denomina este processo “reestruturação ecourbana”, onde o
saber ecológico estaria induzindo a produção de um novo modo de organização e gestão erudita
do território, a se falar de uma nova ordem urbana regida pelo ecologismo.
A mudança de concepção de meio ambiente, diagnosticada entre o primeiro e o segundo
zoneamento da APA, resulta de uma disputa ideológica entre grupos de atores urbanos que
possuem projetos futuros de cidade distintos. A narrativa conservacionista, prevalente na década
de 90, adaptava-se melhor ao objetivo social de uma parte importante da classe formadora de
opinião. Possivelmente, se a irregularidade urbanística não abrangesse uma parcela tão
considerável da classe media urbana, não haveria tamanho esforço em adaptar as regulações
ambientais no sentido de compatibilizar os objetivos da preservação com a demanda por área
urbanizável. Esse pode ser o caso, por exemplo, da excessiva rigidez da legislação ambiental de
proteção aos mananciais que abastecem a cidade de São Paulo.
Atualmente, 12 anos após o rezoneamento e o PDOT de 97 um terceiro zoneamento ambiental da
APA e um novo projeto de plano de ordenamento territorial encontram-se em fase de elaboração.
Dentre as propostas inovadoras, a tendência é que se avance no sentido de valorizar as
amenidades ambientais e quantificar os custos associados à preservação7. Dentre outros
instrumentos, discute-se a transferência do direito de construir de áreas de propriedade particular
onde a legislação ambiental incide de forma a inutilizar a utilização do terreno com qualquer
finalidade econômica. O discurso oficial defende tal estratégia argumentando que tais
instrumentos seria uma forma de compensar o proprietário, para que ele não arque sozinho com
os custos de um projeto de preservação cujos benefícios serão socializados por toda a
coletividade.
Esta questão - da distribuição social dos benefícios advindos das políticas de proteção ambiental -
nos remete à discussão da terceira corrente ambiental, o ecologismo dos pobres. Ao avaliar os
efeitos sociais/distributivos das regulações de uso e ocupação vigentes, a próxima secção revela
que os custos de não disponibilizar uma grande quantidade do território para urbanização não tem
sido suportado igualmente por todas as classes sociais. E este argumento ainda é mais
contundente quando consideramos que as recorrentes propostas8 no sentido de aumentar a
7 Esta afirmação baseia-se numa palestra proferida pelo Secretario de Desenvolvimento urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal,
Sr Cássio Taniguchi, em Outubro de 2007 na Semana de Arquitetura do UNICEUB.
8 A proposta de revisão do PDOT 1997, em processo de discussão na câmara legislativa, prevê o aumento da mancha urbana no
interior da APA. Classificado como “zona de contenção urbana” de densidade demográfica muito baixa. “Nesta zona se pretende
garantir a preservação e manutenção das suas características naturais por meio do estabelecimento de parâmetros de uso e ocupação
do solo restritivos”. A proposta está disponível em: http://www.seduh.df.gov.br/003/00318002.asp?ttCD_CHAVE=7234
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mancha urbanizável no interior da APA são sempre acompanhadas da adoção de parâmetros
urbanísticos excludentes, inacessíveis a população de baixa renda.
4.2.3 ECOLOGISMO DOS POBRES: a possível convergência entre proteção
ambiental e direito a moradia.
Bezerra (1996) argumenta que o primeiro zoneamento não mensura os custos da proteção da
Bacia do Rio São Bartolomeu. Dentre eles, destaca-se o custo de não disponibilizar nenhuma
porção da enorme área da APA para usos urbanos no contexto territorial do DF onde a Bacia do
Paranoá também sofre enormes restrições à ocupação urbana.
Este trabalho defende que rezoneamento de 1996 também não considera os custos sociais da
preservação corretamente. Ele admite que o benefício da preservação do corpo hídrico é de
interesse da coletividade9, e tenta minimizar os custos sociais no que diz respeito a pouca
disponibilidade de terra urbanizável no DF. Infelizmente, nem o rezoneamento, nem nenhuma
outra regulação urbanística e ambiental posterior, tem considerado a incidência do custo social da
preservação de modo desigual sob as diversas classes sociais.
Até hoje, nenhuma regulação de uso e ocupação do território urbano no DF tentou aplicar
instrumentos capazes de garantir que a oferta de terras disponibilizadas na APA atenda às
classes sociais mais carentes. Ao não incluir esta demanda por habitação de interesse social na
região, as restrições de ocupação acabam funcionando como um importante fator de ilegalidade
urbanística e conseqüente de degradação ambiental, tendo em vista que a falta de infra-estrutura
dos assentamentos ilegais já foi diagnosticada como o maior fator de degradação ambiental no
meio urbano (Moretti, 2000).
Ao não reservar previamente espaços urbanos infraestruturados a preços acessíveis às camadas
populares, o governo local se vê obrigado a correr atrás do prejuízo regularizando assentamentos
em lugares inapropriados do ponto de vista ambiental. Este foi o processo que gerou a criação do
assentamento de São Sebastião, e a provável regularização do Itapoã, a despeito de todos os
custos ambientais de regularizar estes espaços. A estratégia de melhorar as condições de
habitabilidade e da não-expulsão tem sido adotada, não como paliativo a uma situação
excepcional, mas como a regra da política habitacional local.
Tais políticas de regularização de assentamentos de baixa renda, que na prática possuem efeitos
sociais/distributivos extremamente positivo, têm sido combatidas pelos movimentos ambientalistas
locais. Tais atores, por possuírem uma visão estática do processo de produção do espaço urbano,
9 “Sem entrar no mérito da discussão de qual será o próximo grande sistema produtor de água [do DF] que será implantado e de se
e/ou quando se promoverá o aproveitamento do Rio São Bartolomeu, parece constituir-se em avaliação consensual, tanto de técnicos
quanto de responsáveis políticos, que a preservação deste manancial para abastecimento deve ser assegurada para as gerações
futuras. Deve-se, assim, buscar coibir a ocorrência de atividades e de processos revestidos de caráter irreversível, suscetíveis de
inviabilizar o uso do São Bartolomeu como sistema produtor” (pp.170).
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defendem a não regularização das invasões de baixa renda. E, em contraste, apresentam menor
resistência ao outro padrão de urbanização, mais característicos dos bairros ricos. Percebe-se
assim com a ideologia ambientalista local acaba se colocando contrária ao projeto de
redistribuição da cidade, reproduzindo uma tensão já diagnosticada em outras cidades brasileiras.
De fato, a ideologia ambientalista local tem tido pouco potencial transformador, defendendo
regulações de uso e ocupação com claros efeitos de segregação socioespacial, que reservam as
terras mais valorizadas para a população de alta renda. O “crescimento desordenado” é
frequentemente apontado pelos ambientalistas como o principal fator do quadro atual de
comprometimento dos ecossistemas locais. No entanto, tal afirmação desconsidera o fato de que
a causa do problema não é a falta de ordem, mas a existência de uma ordem urbanística (cada
vez mais apoiada em argumentos ambientais) que exclui a maior parte dos habitantes do acesso
à terra urbana infraestruturada.
Esta questão aponta para uma possível convergência entre o movimento de moradia e o
movimento de ecologismo dos pobres. Para ambos, a forma mais eficiente de proteger o meio
ambiente seria diminuir a pressão de ocupação urbana das áreas mais frágeis ambientalmente
por meio do aumento da oferta de terras em locais de boa localização e menor fragilidade
ambiental. Este é exatamente o argumento central da manifestação de algumas ONGs vinculadas
à rede de Justiça Ambiental cujas partes estão reproduzidas a seguir:
“A contaminação dos mananciais já atinge níveis críticos e é resultado de anos de omissão por parte dos municípios, e governos estadual e federal, em que se deixou de dar prioridade a duas questões importantes: a proteção das áreas de mananciais da RMSP para garantir a produção de água; e a garantia de moradia digna em locais adequados para grande parcela da população, em especial para os setores mais pobres. O resultado é perverso: a principal fonte de poluição dos mananciais é o esgoto produzido pela urbanização precária no entorno das represas. [...] Um dos principais pilares [...] (da nossa) plataforma é a articulação de políticas públicas para reverter a tendência de crescimento da ocupação nos mananciais, por meio de estímulos e ações que garantam moradias em áreas centrais dotadas de infra-estrutura, e com isso, diminuam a pressão sobre as áreas ambientalmente sensíveis. Importante ressaltar que a especulação imobiliária e a valorização da terra em áreas mais centrais e dotadas de infra-estrutura, contribuiu, e continua contribuindo, para a expulsão da população de baixa renda para áreas periféricas, entre elas os mananciais. Este processo, associado à ausência de políticas habitacionais, especialmente para os setores mais pobres da população, está entre as principais causas do adensamento das favelas e dos assentamentos precários nas áreas de mananciais.” (Manifesto de ONGs vinculadas a rede de justiça ambiental: Chega de assentamentos precários e usos insustentáveis nas áreas de mananciais. 11/05/2007)
Esta passagem revela que, se o conflito entre meio ambiente e direito a moradia é evidente em
situações de remediação do passivo socioambiental através da regularização fundiária de
assentamentos precários, ele não é necessário em outros casos. Em ocasiões onde se define
para onde a cidade deve crescer, como no caso da APA do São Bartolomeu no Distrito Federal, a
proteção ambiental só se realiza com a proteção dos direitos à cidade da população carente.
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5.0 Conclusão
A dimensão ambiental tem um enorme peso nas decisões sobre a definição das áreas de
expansão da malha urbana do Distrito Federal. Resta-nos indagar quais objetivos sociais a
dimensão ambiental está disposta a compatibilizar. Esta rápida análise do caso do São
Bartolomeu no permite tirar algumas conclusões preliminares.
A primeira, mais pessimista, é a omissão da ideologia ambientalista dominante quanto à questão
da igualdade no acesso ao meio ambiente urbano equilibrado. As concepções de meio ambiente
contidas nas regulações sobre ocupação do solo têm tentado incorporar algumas demandas da
sociedade, mas tem deixado de lado os objetivos de distribuição social do meio ambiente. Ao
desconsiderar esta questão, tais correntes ambientalistas abrem espaço para regulações de
caráter elitistas capazes de alimentar processos de segregação social e desigualdades sociais.
Isso nos leva à segunda observação de caráter mais positivo: o dinamismo das ideologias e a sua
influência nas regulações urbano/ ambientais. Tal dinamismo sempre deixará espaço para uma
transformação positiva do meio ambiente urbano. Se a legitimidade das regulações urbanísticas e
ambientais será decidida por meio de embates político-ideológicos com defende Acselrad (2001),
e considerando que para sensibilizar a opinião pública dominante os projetos urbanos devem
demonstrar viabilidade ambiental (Topalov, 1996) a única forma de implementar o projeto de
redistribuição social da cidade contida no Estatuto da Cidade (LC 10.257 de 2001) é demonstrar
que ele não contradiz o projeto ambientalista. Ao contrário do senso comum que defende a
oposição entre objetivos distributivos e ambientais, o ecologismo dos pobres defende que a
distribuição ambiental e a equidade social andam juntas.
Esta constatação abre a possibilidade de utilizar o apelo político da proteção ambiental para
questionar o modelo de urbanização que gera a irregularidade, e não combatê-lo sem apresentar
soluções para conter a raiz do problema. Desta forma as correntes ambientalistas que se
preocupam com questões de distribuição social, como a Justiça Ambiental e o Ecologismo dos
Pobres, deixam de constituir ameaças ao projeto de distribuição social da cidade, e tornam-se
uma importante oportunidade.
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