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QUELÔNIOSCriação e Manejo de
no Amazonas
Organização:Paulo Cesar Machado Andrade
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Paulo Cesar Machado Andrade, Engenheiro A g r ô n o m o p e l a Universidade Federal do Amazonas-UFAM (1992), Mestre em Ciência Animal pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (ESALQ/USP). Em 1997, inicia grupo d e p e s q u i s a e m zootecnia e biologia de animais silvestres na UFAM, sendo professor r e s p o n s á v e l p e l o laboratório desta área. Em 1999, torna-se fundador do Programa “Pé-de-p incha” de manejo comunitário de quelônios, passando a atuar em 7 municípios e 86 comunidades. Trabalhou de 2001 a 2004 como chefe da Divisão de Fauna do I B A M A - A M , c o o r d e n a n d o a s atividades do Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN) no Amazonas. Há 15 anos trabalha com conservação e manejo de quelônios, capivaras e caitetus.
D e s d e 1 9 9 7 , a Universidade Federal do Amazonas desenvolve pesquisas nos criadouros registrados de animais silvestres no Amazonas. De 1998 a 2002, com o apoio do PTU/CNPq, um grupo de pesquisadores, coordenado pelo Dr. Luís M o n j e l ó , p a s s o u a desenvolver trabalhos sistematizados de manejo e n u t r i ç ã o , g e n é t i c a , fisiologia e bioquímica, parasitologia, ecologia reprodutiva, biologia do crescimento e estudos sócio-econômicos sobre os c r i a t ó r i o s ( p r o j e t o “Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres no Estado do Amazonas”),o que permitiu um grande avanço da queloniocultura no Estado e a formação de profissionais nesta área, como os pioneiros do Laboratório de Silvestres João Alfredo, Pedro, Paulo Henrique, Francimara e Sônia (acima) e a turma atual (abaixo) sem os quais este trabalho não seria possível
A Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e o Ibama iniciaram em 1997 o projeto “Estudos de Zootecnia, Biologia e Manejo de Animais Silvestres para a Região Amazônica” e, em 1998, o “Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres no Estado do Amazonas”, com apoio do Programa Trópico Úmido/CNPq. Através dessa parceria, um grupo de pesquisadores passou a desenvolver trabalhos de manejo, nutrição, genética, fisiologia e bioquímica, parasitologia, ecologia reprodutiva, biologia do crescimento e estudos socioeconômicos sobre os criatórios. Em visitas aos criadores, os resultados das pesquisas eram repassados, demonstrando a importância estratégica que a UFAM e o Ibama-AM conferiram à pesquisa com criação e manejo de animais silvestres. Hoje, o Amazonas possui um pacote tecnológico mínimo para servir de referência aos criadores de quelônios no Estado. Estas informações serviram de base científica, também, para um programa de manejo comunitário sustentável de quelônios, o Projeto “Pé-de-pincha”, que com apoio do ProVárzea, atualmente atinge 7 municípios e 86 comunidades do Médio-Baixo Amazonas. Este livro serviu de base de discussões durante o I Seminário de criação e manejo de quelônios, realizado em Manaus, em 2004. Através do ProVárzea, a edição deste trabalho tem por objetivo servir de material didático e de consulta para produtores, técnicos do setor primário e estudantes de graduação, ou cursos técnicos, que desejam obter informações compiladas sobre as técnicas de criação e manejo desse importante recurso faunístico das áreas de várzea, que são os quelônios, resultado dos estudos realizados com os queloniocultores do Amazonas, nos últimos dez anos.
Publicação:
AQUEAM
Apoio:
Coordenação:
Criação e Manejo de Quelônios no Amazonas
(Projeto Diagnóstico da criação de animais silvestres no Estado do Amazonas)
Organização:
Paulo César Machado Andrade - M.Sc.
Laboratório de Animais Silvestres - Ufam Coordenador do Projeto Pé-de-Pincha
Apoio: Programa Trópico Úmido/CNPq
Publicação:
Dr.Luís Alberto dos S.Monjeló- Ufam
Sônia Luzia de O.Canto, MSc. -SDS
CDU(2.ed.)639
Criação e Manejo de Quelônios no Amazonas. Projeto Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres no Estado do Amazonas.2008. I Seminário de Criação e Manejo de Quelônios da Amazônia Ocidental. Ed. Paulo César Machado Andrade. 2ªEdição. ProVárzea/FAPEAM/SDS.Manaus/AM. 528 p. Palavras-chave: Quelônios; Tartaruga; Criação ; Podocnemis
ii
C967 Criação e manejo de quelônios no Amazonas. / Paulo César Machado Andrade (coordenador) – Manaus: Ibama, ProVárzea, 2008.528 p. : il. color.;21 cm.
BibliografiaISBN 978-85-7300-262-1
1. Quelônios. 2. Tartaruga. 3. Manejo. 4. Criadouro. I. Andrade, Paulo César Machado. II. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. III. Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea. V. Projeto Pé-de-Pincha. VI. Título.
Catalogação na FonteInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Capa: Paulo Andrade
Foto da Capa: Jane Dantas - ProVárzea/Ibama
Foto Orelhas: Jane Dantas, Paulo Andrade
Revisão: Auristela Webster - Edições Ibama e Enrique Calaf Calaf - Edições Ibama
Normatização Bibliográfica: Helionidia C. Oliveira
Copyright@ProVárzea 2008
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Equipe do ProVárzea/IbamaAlzenilson Santos Aquino, Antônia Barroso, Anselmo de Oliveira, Arlene Souza, César Teixeira, Cleilim Albert de Sousa, Cleucilene da Silva Nery, Flávio Bocarde, Gionete Pimentel de Miranda, Kate Anne de Souza, Maria Luiza G. de Souza, Mário Thomé de Souza, Patrícia Maria Ferreira, Raimunda Queiroz de Mello, Tatiane Patrícia Santos de Oliveira, Tatianna Silva Portes, Valdênia Melo e Willer Hermeto.
ProVárzea/Ibama - Rua Ministro João Gonçalves de Souza, s/nº - Distrito Industrial - 69.075-830. Manaus, AM. Tel. (92) 3613-3083 / 6246 / 6754. Fax. (092) 3237-5616. Site: www.ibama.gov.br/provarzea
Ministério do Meio Ambiente – MMAMarina Silva
Secretaria ExecutivaJoão Paulo Ribeiro Capobianco
Departamento de Articulação de Ações da AmazôniaAndré Rodolfo de Lima
Programa-Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do BrasilNazaré Lima Soares
Instituto Brasileiro do Meio ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama
Bazileu Alves Margarido Neto
Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e FlorestasAntônio Carlos Hummel
Coordenação Geral de Autorização de Uso e Gestão de Fauna e Recursos Pesqueiros
José Dias Neto
Projeto Manejo dos Recursos Naturais da VárzeaCoordenador: Marcelo Bassols Raseira
Gerente Executivo: Manuel da Silva LimaGerente Componente Iniciativas Promissoras: Marcelo Derzi
Equipe GTZ: Viktor U. Dohms, Wolfram MaennlingAssessora de Comunicação: Jane Dantas
“Dona lebre só queria correr o dia inteiro,porém, dona Tartaruga andando chegou primeiro!”(La Fontaine)
Aos meus pais, Manuel e Regina,Por todo o incentivo, sempre!
À Ediana e ao Gustavo por todo amor e paciência!
Ao Rosinaldo da Costa Machado,Professor do Centro Agropecuário, UFPA e
Manuelino Bentes, “Seo” Mocinho Lobo, pelo exemplo de vida
(in memorian)
iv
Agradecimentos
Ao Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea –
ProVárzea/Ibama, pelo reconhecimento ao Programa Pé-de-Pincha como
iniciativa promissora para as várzeas amazônicas e por tornar real o sonho
desta publicação.
Ao Governo do Amazonas, que através da Fapeam e da Secretaria de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável apoiaram a realização do I
Seminário de Criação e Manejo de Quelônios da Amazônia Ocidental, em
2004, que deu origem a este livro.
Ao Programa Trópico Úmido, do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq, ao Ibama-AM e à
Universidade Federal do Amazonas pelos recursos financeiros, humanos e
logísticos empregados nesses nove anos de pesquisa, e pelo reconhecimento
da importância estratégica da fauna para a região amazônica.
Ao Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN) pela
trajetória de luta.
Ao coordenador do PTU/CNPq, Dr. Luís Alberto dos Santos Monjeló,
por todo o apoio, boa vontade e, fundamentalmente, otimismo, mesmo nas
horas mais difíceis.
Ao ex-Presidente do Ibama, Hamilton Casara, incentivador dos
trabalhos interinstitucionais e da pesquisa com fauna no Amazonas.
Ao sr. Geraldo Lima, nosso motorista, que vem acumulando
“milhas” de estrada e de biometria de tartaruga junto com a nossa equipe.
Aos técnicos do Ibama, acadêmicos da Ufam, bolsistas e voluntários
de todas as horas trabalhadas com quelônios (João, Pedro, Francimara,
Paulo Henrique, Francivane, Sandra, Renata, Luís, Kildare, Clóvis,
Anndson, Eleisson, Wander, Jonathas, Carlos, Hugo, Hellen, Cléo, Midian e
Vickson).
À Ediana e ao Gustavo, por terem conseguido suportar toda essa
loucura que foi acompanhar as pesquisas e editar este livro em três meses.
Ao Stones Júnior, pela paciência e horas de conserto dos
problemáticos computadores desta edição.
Aos meus pais, familiares e, sobretudo, à Deus!
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Sumário
Introdução........................................................................ 1 Capítulo 1: Manejo comunitário de quelônios – a parceria ProVárzea/Ibama – Pé-de-Pincha........................ 12
Capítulo 2: Revisão sobre as características das principais espécies de quelônios aquáticos amazônicos..................................................................... 24
Capítulo 3: Áreas de reprodução de quelônios protegidas pelo RAN-Ibama/Amazonas e Ufam.................
55
Capítulo 4: Ecologia de quelônios pelomedusídeos na Reserva Biológica do Abufari......................................
127
Capítulo 5: Genética molecular das populações das espécies de quelônios do gênero Podocnemis na Amazônia: resultados preliminares.................................
174 Capítulo 6: Fisiologia e bioquímica de quelônios e suas implicações para o manejo e a criação em cativeiro.........................................................................
193 Capítulo 7: Instalações para a criação de quelônios....... 222 Capítulo 8: Alimentação e nutrição de quelônios aquáticos amazônicos (Podocnemis spp.)........................ 259
Capítulo 9: Desenvolvimento de tartaruga-da-amazônia (P.expansa) e tracajá (P. unifilis) em cativeiro, alimentados com dietas artificiais em diferentes instalações.....................................................
287 Capítulo 10: Manejo em criações de quelônios aquáticos no Amazonas: adubação, densidade de cultivo, desempenho de diferentes espécies, populações e sexo..........................................................
329 Capítulo 11: Manejo reprodutivo, predação e sanidade.......................................................................
367
Capítulo 12: Caracterização socioeconômica e ambiental da criação de quelônios no estado do Amazonas e comercialização...........................................
408 Capítulo 13: Cultivo de tartaruga-da-amazônia (P. expansa): alternativa ecológica, técnica e econômica ao agronegócio amazônico..............................................
437 Capítulo 14: Abate experimental da tartaruga-da-amazônia (P. expansa) criada em cativeiro.....................
449
Referências bibliográficas........................................... 487
vi
Introdução
O homem da Amazônia sempre aproveitou os recursos da
fauna como alimento ou fonte de subprodutos (peles, penas, óleos,
etc.) para a venda. A proibição da caça, em 1967, não extinguiu
essa atividade, mas a reduziu drasticamente, retirando uma das
fontes de renda dos ribeirinhos.
Desde o século XVII que a região onde hoje se situa o estado
do Amazonas é conhecida como o grande berçário de quelônios de
água doce. A exploração realizada pelos portugueses trazia à
capitania de São José da Barra do Rio Negro, milhões de tartarugas
(Podocnemis expansa), tracajás (Podocnemis unifilis) e iaçás
(Podocnemis sextuberculata) para serem abatidos. Em 1792,
segundo relatos de Silva Coutinho apud Andrade (1988), registra-
se em apenas um ano o abate de 24 milhões de tartarugas na cidade
da Barra do Rio Negro, a futura Manaós. A primeira proibição surge
em 1849, restringindo a produção de manteiga de ovos e proibindo
o consumo de filhotes. Em 1855, surge a primeira Resolução de nº
54 protegendo os tabuleiros do Solimões, Amazonas, Urucurituba,
Negro e outros, pois as espécies, principalmente a tartaruga,
começavam a desaparecer. Todavia, na Manaus dos idos de 1950 e
1960, era comum vender tartarugas em carrinhos de mão pelas
ruas. No Mercado Adolpho Lisboa, o principal da cidade, havia uma
área com “curral” para armazenamento dos animais vivos que,
posteriormente, eram abatidos. No Careiro, Terra Nova e outras
áreas próximas a Manaus, eram mantidos grandes depósitos de
quelônios para abastecer a capital amazonense (Andrade, 1988)
. Antes da proibição total do comércio e captura de quelônios,
em 1967, o então presidente Castelo Branco publicou uma portaria
proibindo o comércio de tartaruga em feiras e mercados. Essa
medida criou uma situação de conflito no Amazonas, pois a
comercialização de produtos de animais silvestres constava,
inclusive, na pauta de cobrança de impostos da Secretaria da
Fazenda. Pelo transporte em embarcação fluvial de 20 tartarugas
adultas era cobrado Imposto de Circulação de Mercadoria (ICM) de
Cr$80,00 (oitenta cruzeiros) equivalente, hoje, a cerca de R$15,00.
Em Parintins, por onde passavam embarcações advindas do Pará,
trazendo tartarugas do rio Trombetas, Tapajós e do Xingu, houve 1problemas entre a coletoria do estado e a Delegacia local .
Com a Lei de Proteção à Fauna, Lei Nº 5.197 de 1967, o
comércio de quelônios foi oficialmente proibido, todavia, o mercado
clandestino vem tornando-se cada vez mais forte e organizado. Essa
mesma lei já previa em seu Artigo 6º, item b, a “construção de
criadouros destinados à criação de animais silvestres para fins
econômicos e industriais”. Em 1969, saiu a primeira portaria
tentando normatizar esse novo tipo de empreendimento, a Portaria
Nº 1.136/1969. Em 1973, com a Portaria Nº 1.265P, ficava
autorizada na Amazônia a implantação de criadouros da fauna. Um
dos primeiros grandes projetos de criação de quelônios da Amazônia
começou, na verdade em 1964, sendo, posteriormente,
acompanhado pelo extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
Florestal (IBDF). Foi o do Lago do Salé, em Juruti, em que filhotes de
tartaruga oriundos do rio Trombetas eram criados até atingirem 8 kg
1- Manuel Andrade, Gerente de Operações da A. Raposo e Cia. – Distribuidora de combustível no Baixo Amazonas, no período de 1960 a 1975. Informação pessoal.
1
2
com, aproximadamente, 6 anos de idade, quando eram
comercializados. O criatório pertencia ao sr. José Maria Vieira que,
segundo relatos, recebeu em um único lote 100.000
tartaruguinhas.
No Estado do Amazonas, as atividades do Projeto Quelônios
da Amazônia tiveram início em 1975 com trabalhos no rio Branco
(afluente do rio Negro) e em Codajás, sendo que em 1977 foram
criados oficialmente vários tabuleiros no Purus (Axioma, Santa
Luzia, Aramiã, e outros) e no Juruá (próximo a Carauari: Deus é Pai,
Pão, Pupunha, Manariã; e em Itamarati: Walter Buri, Marimari,
Iracema, etc.). Grande parte dessas áreas eram tabuleiros oriundos
do trabalho de conservação executado por grandes seringalistas
daquela região. O Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
(IBDF), com apoio dos proprietários locais e da experiência das
comunidades próximas, treinou pessoas e, já naquele ano, houve
produção de cerca de 55.000 filhotes nas áreas protegidas do Juruá
(RAN-AM, 2001). Em 1989, a proteção passou a ser realizada apenas
nos tabuleiros do Abufari (rio Purus) e em Walter Buri (rio Juruá),
sendo a produção desses dois tabuleiros estimada em 108.319
filhotes de quelônios. A partir de 1995, os trabalhos de proteção
passam a se concentrar na Reserva Biológica do Abufari (onde se
encontra o tabuleiro/praia de maior produção de quelônios no
Amazonas), em Walter Buri e na Reserva Extrativista do Médio Juruá
(maior área produtora de quelônios do estado). A produção da praia do
Abufari foi de 67.680 filhotes em 1977, subindo para 415.000 em
1994, caindo para 170.000 em 2000. Em 2003, a produção estimada
de filhotes de tartaruga em Abufari foi de 260.000 animais. A Resex do
Médio Juruá protege cerca de dez tabuleiros remanescentes das áreas
protegidas pelos antigos donos de seringais: Jacaré (seringal
Pupunha, comunidade Nova Esperança), Deus é Pai, Manariã, Ati
3
(comunidade do Roque), Gumo do Facão, Bauana, Bom Jesus, Marari
(comunidade do Pau-Furado), Itanga, Mandioca. A produção média é
estimada em 250.000 filhotes de tartaruga, tracajá e iaçá. Desde 2001,
o Ibama tem trabalhado em 73 áreas diferentes, em oito calhas de rio
(Juruá, Purus, Madeira, Negro, Uatumã, Amazonas, Nhamundá e
Trombetas), com uma produção média anual de 1.500.000 filhotes de
quelônios (Andrade, 2002).
A venda ilegal de quelônios capturados na natureza ainda é
extremamente elevada no Estado do Amazonas. A tartaruga e o tracajá
são as espécies mais procuradas para a criação comercial. A criação de
quelônios depende da retirada de milhares de filhotes dos tabuleiros
protegidos pelo Ibama. O principal fornecedor, de 1995 a 1998, era a
Reserva Biológica do Abufari, sendo que a retirada anual de filhotes
carecia de qualquer critério científico, com cotas arbitrariamente
estabelecidas. Não existiam informações ou qualquer investigação
sobre os estoques naturais. Nada se sabia sobre a abundância e
densidade, área de vida, uso de habitats, taxas de sobrevivência de
filhotes em diferentes estágios de vida (filhotes, jovens, subadultos e
matrizes). Hoje, os principais fornecedores de filhotes para os
criadores do Amazonas são os tabuleiros de Walter Buri, no rio Juruá,
monitorado pelo Posto de Eirunepé, e Sororoca e Toró, no rio
Branco/RR. No Estado do Amazonas existem aproximadamente 196
projetos de criação comercial de animais silvestres, em análise, junto
ao Ibama-AM, sendo que já encontram-se registrados 78 criadouros
em Manaus, 21,66%; Manacapuru, 21,66%; Itacoatiara, 21,7%;
Iranduba, 4,7%; Rio Preto da Eva, 21,66%; Lábrea, 4,7%; São Gabriel
da Cachoeira, 2%; e Urucará, 2% (Canto et al., 1999). Destes, 88,46%
são criatórios de tartaruga. O Estado é o que possui o maior número
4
de criatórios
crescente passando de 11 criadouros registrados, em 1997, para 33
criadouros em 2000, atingindo em 2001, 52 criatórios registrados.
Ao final de 2003 eram 69 criadouros com cerca de 400.000 animais
em cativeiro (Andrade et al., 2003).
Quanto ao potencial de mercado, os quelônios são,
freqüentemente, encontrados nas feiras e nas embarcações, em todo
o Amazonas, tendo como principal ponto de comercialização (90%),
Manaus, representando a ordem de animais mais apreendida, com
52,2%. A venda de quelônios (tartaruga e tracajá) sob encomenda
representa 22% do total de animais silvestres comercializados para
alimentação. Os municípios onde ocorre o maior número de
apreensões são Manaus (59%), Tefé (12%), Manacapuru (7%) e
Tapauá (2%). Na área urbana de Manaus o maior número de
apreensões incide em áreas de populações de baixa renda advindas
do interior (zona leste). A tartaruga (80%), a paca (33%) tracajá (30%)
são os animais silvestres de maior interesse para os restaurantes,
onde os preços variam de R$ 7,57 a 18,76/kg. Nas feiras, os preços
de venda ilegal da carne variam de R$ 2,00 a R$ 4,00/kg (Canto et
al., 1999).
O consumo de quelônios na Amazônia ainda é um hábito
arraigado na população local, o que tem levado à caça e
comercialização ilegal de ovos e de animais adultos. A criação
comercial, permitida pela Portaria Nº 142/92, ainda não consegue
atender o mercado e seus preços, ainda são elevados. A demanda por
filhotes para criação, também é grande e o Ibama não está
conseguindo atender a todos que querem criar, pois não possui um
número suficiente de tabuleiros protegidos (Andrade et al., 2003 e
1999). O esvaziamento do meio rural e a falta de incentivos para a
agricultura levaram a um quadro em que os que sobreviviam no
interior passaram a trabalhar quase que exclusivamente como
comerciais de quelônios do país, com uma demanda
5
vaqueiros na pecuária, na agricultura de subsistência ou como
pescadores. Como essas atividades não geram tanta renda, a
subsistência e a captação de recursos são conseguidas pela
exploração dos recursos naturais. Nesse contexto, entram a
castanha, a madeira e a fauna, em sua grande maioria exploradas
de maneira predatória e irracional (Smith & Pinedo, 2002).
Devido à caça de adultos e à coleta de ovos, as populações de
quelônios vêm desaparecendo. Adultos e ovos são coletados pelas
comunidades locais para consumo ou venda para Manaus. Em
Carauari, Juruá e Parintins/AM, todavia, algumas áreas foram
protegidas por iniciativa dos próprios produtores rurais e por
associações comunitárias ambientalistas. Desde 1999, a
Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e o RAN/Ibama-AM, com
o apoio das comunidades de Parintins, Nhamundá, Barreirinha,
Terra Santa, Juruti e Oriximiná, das prefeituras locais, CNPq,
Fapeam, Programa Universidade Solidária e ProVárzea vêm
realizando o manejo participativo de quelônios, tendo realizado as
seguintes atividades: Seminário Sobre Manejo Sustentável de
Tracajás (255 participantes) e reuniões (21.630 participantes);
Capacitação de 101 agentes ambientais; Curso e Reciclagem em
Educação Ambiental para 405 professores; Construção de
cercados nas áreas protegidas e transferência de ninhos; 5.
Fiscalização; Palestras nas escolas e comunidades (67.606
participantes) sobre meio ambiente e alternativas de
desenvolvimento; Minicursos (tecnologia do pescado, criação
caipira de galinhas, plantas medicinais, hortas comunitárias,
manejo de quelônios, etc., 1.021 participantes); Treinamento de
campo para 86 professores, 684 alunos e 238 comunitários, e visita
a campo com 660 participantes; Participação de 850 famílias,
envolvimento direto de 3.455 pessoas, e abrangência de 23.400
pessoas nas 83 comunidades e na sede. Nos primeiros anos, em
1999 - 2000, foram transferidos 1.847 ninhos, 38.229 ovos
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e soltos 29.476 filhotes na natureza (Andrade et al., 2001). O
número total de filhotes devolvidos à natureza de 1999 a 2007 chega
a 646.459 (74,4% tracajás, Podocnemis unifilis; 7,6% tartarugas,
P.expansa; 10,9% iaçás, P.sextuberculata; e 7,1% irapucas,
P.erythrocephala) em oito anos. Através deste programa de
conservação de recursos naturais e extensão, denominado “Pé-de-
Pincha”, o Ibama e a Ufam conscientizaram e capacitaram essas 83
comunidades de 7 municípios do Médio-Baixo Amazonas para o
manejo racional de quelônios.
Apesar de explorados de forma predatória, sem técnicas para
o extrativismo de forma sustentável, a tartaruga (Podocnemis
expansa), o tracajá (P. unifilis) e o iaçá (P. sextuberculata) têm ampla
distribuição e potencial reprodutivo, sendo uma alternativa real de
proteína (qualidade e quantidade) na dieta dos habitantes da
Amazônia. Contudo, para o uso desse recurso é necessário que seja
desenvolvido um programa de manejo para evitar uma
superexploração (Voigt, 2003). As taxas de exploração da
população, sua sobrevivência, recrutamento e tamanho podem ser
estimados através do estudo de dinâmica de populações. A
avaliação dos estoques (grupos discretos de animais com
parâmetros populacionais constantes na área de distribuição) tem
como finalidade fornecer orientações sobre o nível ótimo da
exploração desses recursos aquáticos renováveis (Ibama, 2003;
Bataus, 1998). A criação de quelônios em cativeiros licenciados
poderá, de certa forma, amenizar a situação desses animais quanto à
pressão de caça e à extinção. Através da Portaria nº 142/92 do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – Ibama, que normatiza a criação comercial da tartaruga-
da-amazônia e do tracajá, em cativeiro, o Governo brasileiro
pretendeu proporcionar ao consumidor de produtos da fauna, a
oportunidade de conseguir o animal para consumo, de forma legal,
7
contribuindo para a
espécies e para a diminuição da caça predatória, oferecendo uma
nova alternativa comercial para os produtores rurais locais (Duarte,
1998).
Hoje, a venda ilegal ainda é “quantitativa e qualitativamente”
uma forma de concorrência desleal para a queloniocultura
amazonense. Entretanto, espera-se que o aumento da oferta de
produtos oriundos de criadouros licenciados de animais silvestres
diminua a pressão de caça sobre os estoques naturais, cujo manejo
natural será um fator importante para manter a conservação das
espécies de elevado valor econômico.
Apesar da importância estratégica dessa atividade, até
meados da década de 1990, poucas pesquisas haviam sido
realizadas que pudessem oferecer subsídios científicos para
tecnologias adequadas e eficientes de manejo em cativeiro. Até bem
pouco tempo, não se tinha idéia de parâmetros como taxa de
crescimento, alimentação e exigências nutricionais, densidade da
criação, instalações, entre outros, para a criação em cativeiro (Silva,
1988; Cenaqua, 1994; Ferreira, 1994). A maioria das informações,
possivelmente geradas pelo Ibama, ainda não haviam sido
disponibilizadas em livros ou periódicos científicos para o público.
Hoje, na Amazônia brasileira, as espécies economicamente
expressivas e autorizadas pelo Ibama para criação comercial são a
tartaruga (Podocnemis expansa) e o tracajá (P. unifilis). Para
estimular a criação desses animais em cativeiro, o antigo Centro
Nacional dos Quelônios da Amazônia – Cenaqua, hoje RAN (Centro
de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios), criou os Núcleos
Experimentais de Tecnologia de Criação de Quelônios. No
Amazonas, esses núcleos não foram criados e os queloniocultores
conservação e a preservação de ambas as
8
pioneiros não tiveram
criações no conhecimento empírico e em algumas informações
repassadas pelo Cenaqua – Ibama, Amazonas (Duarte, 1998).
Diante da real situação da criação em cativeiro de tartaruga e
tracajá no estado do Amazonas, percebeu-se a necessidade de
determinar parâmetros zootécnicos para a queloniocultura e a partir
desse quadro, diagnosticado, propor formas de manejo para garantir
melhores desempenhos desses animais em cativeiro.
A Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e o Ibama
iniciaram em 1997 o projeto Estudos de Zootecnia, Biologia e Manejo
de Animais Silvestres para a Região Amazônica e em 1998 o
Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres no Estado do
Amazonas, com apoio do Programa Trópico Úmido/CNPq. Através
dessa parceria, um grupo de pesquisadores das duas instituições
passou a desenvolver trabalhos sistematizados de manejo, nutrição,
genética, fisiologia e bioquímica, parasitologia, ecologia reprodutiva,
biologia do crescimento e estudos socioeconômicos sobre os
criatórios. Em visitas bimestrais aos criadores, os pesquisadores
passaram a prestar assistência técnica repassando,
simultaneamente, os resultados das pesquisas que estavam
realizando. Além dessa atividade de extensão direta, os trabalhos do
grupo foram divulgados através da mídia, o que gerou uma procura
muito grande por implantação de projetos individuais e
comunitários, cursos e material bibliográfico.
A Ufam e o Ibama conseguiram, nos últimos nove anos,
aprovar projetos na área de criação e manejo de animais silvestres,
que totalizam R$ 827.828,19 destinados à pesquisa básica e
aplicada, sendo que a Ufam destinou recursos de capital e custeio
assistência técnica adequada, baseando suas
9
de mais de R$ 61.533,10 como contrapartida para o projeto
“Diagnóstico.../PTU” e para projetos PIBIC, e de R$ 65.000,00 para o
Projeto de Extensão “Pé-de-Pincha”, além da concessão de bolsas
institucionais de iniciação científica e de extensão, totalizando R$
58.560,00. As principais unidades de pesquisa com criação de
animais silvestres são a Fazenda Experimental da Universidade,
com criatórios comerciais de quelônios e capivaras, e científicos, de
caititus, queixadas, pacas, cutias e jabutis, e o Centro Experimental
de Criação de Animais Nativos de Interesse Econômico (Cecan), do
Ibama-AM. Além desses, completam as unidades de pesquisa os
laboratórios de criação de animais silvestres, de zoologia, de
parasitologia e de genética. O campus avançado de Parintins é a base
logística para os trabalhos com manejo participativo de quelônios,
por comunidades no Baixo Amazonas e oeste do Pará.
Essas informações demonstraram a importância estratégica
que a Universidade Federal do Amazonas e a Divisão de Fauna do
Ibama-AM conferiram à pesquisa com criação e manejo de animais
silvestres, sendo que, graças aos resultados alcançados, pode-se
dizer que, hoje o Amazonas possui um pacote tecnológico mínimo
para servir de referência aos criadores de quelônios, capivaras,
pacas e cutias no estado (densidade de cultivo; tipo de instalação;
alimentos preferidos; comportamento; desempenho de diferentes
populações; aspectos de nutrição; avaliação socioeconômica das
criações; índices zootécnicos; principais parasitas, local e época de
abate). Além da pesquisa aplicada, o projeto gerou inúmeras
informações sobre a variabilidade genética e citogenética de animais
silvestres, parâmetros fisiológicos dos animais pesquisados e sobre a
ecologia reprodutiva e predação de quelônios. O trabalho junto aos
criadores permitiu o repasse imediato dos resultados da pesquisa e
uma conseqüente melhoria nas técnicas de criação.
10
Os
congressos locais, nacionais e internacionais, através de periódicos,
fôlderes e, finalmente, em cartilhas.
Este livro serviu de base de discussões durante o I Seminário
de criação e manejo de quelônios da Amazônia ocidental, realizado
em Manaus, em 2004, pela Ufam, Ibama e Secretaria Estadual de
Desenvolvimento Sustentável (SDS). Com o apoio do
ProVárzea/Ibama, a edição deste trabalho tem por objetivo servir de
material didático e de consulta para produtores, técnicos do setor
primário e estudantes de graduação, ou cursos técnicos, que
desejam obter informações compiladas sobre as técnicas de criação e
manejo desse importante recurso faunístico das áreas de várzea, que
são os quelônios, resultado dos estudos realizados com os
queloniocultores do Amazonas, nos últimos dez anos.
resultados foram amplamente divulgados na mídia e em
11
12
Capítulo 1
Manejo comunitário de quelôniosA parceria ProVárzea/Ibama – Pé-de-Pincha
1Marcelo Derzi Vidal2Tiago Viana da Costa
A várzea
A várzea é um dos ecossistemas mais ricos da bacia
amazônica em termos de produtividade biológica, biodiversidade e
recursos naturais. Meio de vida para mais de 1,5 milhão de 2ribeirinhos, a várzea ocupa 300 mil km , ao longo da calha dos rios
Amazonas/Solimões e seus principais tributários, tamanho
equivalente a 6% da superfície da Amazônia Legal (Santos, 2004).
Seus rios e lagos, bem como outros corpos de água da Amazônia,
abrigam 25% das espécies de peixes de água doce do mundo e outro
número expressivo de anfíbios, répteis, aves e mamíferos que
interagem em um complexo e exuberante, porém frágil, ecossistema. Apesar de sua capacidade produtiva e resiliência natural, o atual
modelo humano de utilização dos recursos naturais está levando à
degradação progressiva de suas áreas. Entre as principais causas
desse processo podemos destacar (a) a gestão ineficiente; (b) a falta
de políticas específicas para promover o desenvolvimento
sustentável em seu ambiente – crédito, desenvolvimento tecnológico,
infra-estrutura e regularização fundiária; (c) a escassez de sistemas
1- Gerente do Componente Iniciativas Promissoras do ProVárzea/Ibama – [email protected] [email protected]
2 - Técnico do Componente Iniciativas Promissoras do ProVárzea/Ibama – [email protected]
13
efetivos de manejo dos recursos naturais; (d) a deficiência do sistema
de monitoramento e controle; e (e) a falta de uma estratégia de
conservação específica para o ecossistema de várzea (Santos, 2005).
O ProVárzea/Ibama
Visando atenuar a progressiva degradação nessa região,
considerada uma das mais vulneráveis da Amazônia, o Projeto
Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (Ibama, 2002) surgiu para
fomentar a conservação e o desenvolvimento sustentável da várzea,
incentivando a participação das populações tradicionais que nela
habitam. Vinculado ao Programa-Piloto para Proteção das Florestas
Tropicais do Brasil – PPG-7 e executado pelo Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, o
projeto tem como objetivo estabelecer as bases técnica, científica e
política para a conservação e o manejo sustentável dos recursos
naturais das várzeas da região central da bacia amazônica.
Uma das ações para o alcance de seu objetivo é o apoio a
projetos que desenvolvam sistemas inovadores de manejo dos
recursos naturais, que sejam sustentáveis dos pontos de vista
social, econômico e ambiental, e que possam ser multiplicáveis não
somente em outras áreas da várzea amazônica, mas também em
outras regiões do país. No período de 2002 a 2006, o
ProVárzea/Ibama, por meio do Componente Iniciativas
Promissoras, investiu um montante de R$ 8.451.456,57 em 25
projetos nas seguintes linhas temáticas: (a) manejo dos recursos
florestais; (b) manejo dos recursos pesqueiros; (c) agropecuária; e (d)
fortalecimento institucional. Desse total de recursos, uma
expressiva parcela foi destinada a atividades de capacitação,
monitoramento e manejo de recursos, e escoamento e
comercialização da produção. Ao todo, 115.486 pessoas foram
atingidas diretamente nos 38 municípios dos estados do Amazonas e
Pará, por meio dos projetos (Figura 1).
14
Fig
ura
1.
Mu
nic
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os pelo
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C
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a/Ib
am
a.
15
O Projeto Pé-de-Pincha
O Projeto Pé-de-Pincha surgiu em 1999 dentro da
Universidade Federal do Amazonas – Ufam, a partir da demanda de
alguns comunitários do município de Terra Santa, no Pará, que
solicitaram apoio para a realização de atividades que levassem ao
uso racional da fauna, com ênfase em quelônios, recurso outrora
abundante na região mas que, devido ao uso desregrado e
predatório, havia se tornado escasso.
Para iniciar as ações do projeto, os técnicos e professores da
Ufam firmaram parcerias com o Ibama, as prefeituras e os
comunitários. Atualmente, o Projeto Pé- de-Pincha é desenvolvido
por uma equipe multidisciplinar que integra professores, técnicos,
estagiários e voluntários de diversas instituições e comunidades.
Suas ações são executadas em 76 localidades nos municípios de
Parintins, Barreirinha e Nhamundá, no estado do Amazonas, e Terra
Santa, Oriximiná, Faro e Juruti, no estado do Pará.
Entre os objetivos do projeto, além da preservação de tracajás
(Podocnemis unifilis), pitiús (P. sextuberculata), tartarugas (P.
expansa) e irapucas (P. erythrocephala), pelos próprios
comunitários, estão presentes as possibilidades de utilização do
recurso para subsistência, a criação em cativeiro e a comercialização
de filhotes para criatórios autorizados. Soma-se a isso todo um
programa de educação ambiental com palestras, capacitação de
professores e alunos, formação de agentes ambientais voluntários,
atividades de incentivo ao ecoturismo e organização das
comunidades em associações e cooperativas.
A parceria
No ano de 2003, a Ufam, por meio da Fundação Rio Solimões
– Unisol, apresentou a proposta do Projeto Pé-de-Pincha no processo
seletivo de apoio a projetos de manejo dos recursos naturais do
ProVárzea/Ibama.
16
Em agosto de 2004, após uma seleção que contou com mais
de 27 propostas, o ProVárzea/Ibama iniciou o apoio às atividades do
projeto Manejo Sustentável de Quelônios (Podocnemis sp.) por
comunidades do Médio e Baixo Amazonas – Projeto Pé-de-Pincha. O
custo total do projeto é de R$ 482.921,00. Sendo R$ 338.130,00 de
recursos oriundos do ProVárzea/Ibama e R$ 144.791 fazem parte da
contrapartida da Ufam.
Aspectos ambientais
A estratégia de preservação adotada pelo Pé-de-Pincha é
baseada em diversas fases e atores que, sendo complementares,
resultam em ações significativas. Inicialmente, Agentes Ambientais Voluntários – AAVs credenciados
pelo Ibama e comunitários realizam, anualmente, no período de
desova a fiscalização das praias utilizadas para a nidificação dos
quelônios. O segundo passo é a identificação e transferência dos
ninhos das praias naturais para as artificiais, também denominadas
“berçários”, seguido do acompanhamento do nascimento dos
filhotes e da obtenção de dados biométricos (Fig. 2). Finalmente,
após três meses de nascidos, ocorre a soltura dos filhotes nas praias
originalmente utilizadas para desova e a distribuição de
aproximadamente 20% do número de nascidos para criadores
credenciados, sejam eles com fins comerciais ou de subsistência.No período de 2004 a 2006, as ações do Pé-de- Pincha
resultaram em uma elevação do número de filhotes devolvidos à
natureza, que representaram um aporte de 192 mil e 195 novos
indivíduos ao ambiente natural. Quando comparamos o número de
ninhos, o número de ovos e o número de filhotes devolvidos à
natureza (Fig. 3), podemos inferir que a permanência dos filhotes nos
berçários, por cerca de três meses após o nascimento, tem permitido
maiores chances de sobrevivência quando devolvidos ao ambiente
natural.
17
Figura 2. (A) Ninho de quelônio em praia natural; (B) Ninhos de
quelônios em praias artificiais; (C) Biometria de filhotes.
Devido às ações desenvolvidas pelo projeto, é provável que o
número de filhotes produzidos pelo Pé-de- Pincha seja superior em
relação ao que poderia ser produzido em ambiente natural. Isso é
ainda reforçado, segundo os comunitários, pela maior quantidade
de indivíduos adultos que vem sendo observada nas áreas
manejadas, o que há muito tempo não acontecia. Entretanto,
analisando por espécie manejada, pode-se verificar um grande
aumento no número de ninhos e ovos de irapucas, ao contrário das
demais espécies de quelônios trabalhadas pelo projeto que,
praticamente, mantiveram-se constantes ao longo de três anos
(Tab. 1). Esses valores podem estar relacionados à grande pressão
antrópica sobre espécies culturalmente utilizadas para consumo
A B
C
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
90.000
2004 2005 2006
Nº Ninhos Nº de Ovos Soltura
e que apresentam um valor comercial elevado, tais como a tartaruga e o tracajá.
Tabela 1. Acompanhamento das desovas de quelônios no período de 2004 a 2006.
Figura 3. Gráfico comparativo entre o número de ninhos, número de ovos e soltura no período de 2004 a 2006.
18
2004 2005 2006
Espécie Nº de ninhos
Nº de ovos
Nº de ninhos
Nº de ovos
Nº de ninhos
Nº de ovos
Tracajá 2.504 55.384 3.315 67.034 2.823 61.525 Pitiú 830 12.791 797 11.004 537 9.030 Tartaruga 83 5.964 39 3.888 64 6.331 Irapuca 70 597 282 2.059 755 5.838 Total 3.487 74.736 4.433 83.985 4.179 82.724
19
Aspectos sociais
Um fator de sucesso do Pé-de-Pincha é o excelente trabalho
de educação ambiental desenvolvido nas instituições de ensino dos
municípios abrangidos. O projeto consegue mobilizar professores,
técnicos e alunos de escolas municipais e estaduais, e os professores
têm se mostrado extremamente satisfeitos com os conhecimentos
adquiridos e materiais didáticos utilizados. As atividades realizadas com o intuito de promover a
educação ambiental foram baseadas em cursos, palestras, gincanas
e apresentações artísticas e culturais desenvolvidas pelos técnicos e
comunitários participantes do projeto. Até o momento, foram
realizadas 356 atividades de educação ambiental com uma
participação média de 4.179 pessoas por semestre e capacitando
252 professores nas diversas áreas de atuação do projeto.
O projeto conta ainda com uma excelente participação de
crianças e adultos nas atividades de transferência de ninhos e
soltura de filhotes, sendo este último um evento festivo e que
congrega representantes de diferentes idades, sexo, religião, classe
social e cor, e cria condições básicas para um trabalho de
conservação que apresenta retorno produtivo em médio e longo
prazo (Fig. 4).
O sucesso das atividades desenvolvidas pelo Pé-de- Pincha
também pode ser medido pela expectativa que tem gerado nos
municípios vizinhos, onde é visto como um exemplo de sucesso a ser
seguido, sendo os técnicos e monitores constantemente convidados
a proferirem palestras e cursos sobre a experiência desenvolvida.
Aspectos econômicos
A criação em cativeiro promovida pelo Pé-de- Pincha visa
suprir uma demanda cultural nas áreas de várzea –
o consumo de carne e ovos de quelônios – e ainda satisfazer as novas tendências dos mercados nacional e internacional, que cada vez mais têm procurado alternativas de produção que promovam e valorizem o manejo de fauna silvestre por populações tradicionais.
Nesse aspecto, até o momento, foram implementados 26 criadouros autorizados pelo Ibama (Fig. 5), distribuídos nos municípios de Barreirinha, Parintins, Terra Santa e Oriximiná, e alojados 8.187 animais. No entanto, a comercialização ainda não ocorreu, pois os indivíduos ainda não apresentam o tamanho de abate que requer o mercado.
A experiência da criação em cativeiro promove um aporte de informações biológicas (taxas de crescimento, densidade de indivíduos por área, recursos alimentares, doenças, entre outros) sobre as espécies manejadas e que podem ser comparadas com experimentos em condições melhores controladas e com dados obtidos a partir de animais provenientes de áreas naturais.
20
Figura 4. Soltura de filhotes no município de Terra Santa, Pará.
Figura 5. Modelo de tanque utilizado para a criação de quelônios em
cativeiro.
Disseminação
O projeto Pé-de-Pincha alcançou uma boa articulação e
parceria com instituições locais (associações, escolas, grupos de
jovens, etc.), prefeituras, organizações de ensino e pesquisa (Inpa,
Ufam, ONGs), de conservação e controle (Ibama) e tem utilizado um
amplo leque de instrumentos de difusão (rádio, matérias na
televisão, jornais, cartilhas, etc.), o que tem feito com que as ações
não somente sejam divulgadas em outras áreas, mas que ocorra a
replicação baseada nas experiências do projeto (Fig.6).
21
22
Outra relevante estratégia de disseminação é o intercâmbio das iniciativas promissoras. O evento, realizado anualmente desde 2002 pelo ProVárzea/Ibama, promove a troca de experiências entre técnicos, lideranças comunitárias e coordenadores dos projetos apoiados. O evento permite ainda ampliar a visão dos participantes, compartilhar avanços e dificuldades e criar laços de amizade e colaboração para a execução dos projetos.
Figura 6. Cartilha produzida a partir das experiências do Projeto Pé-de-Pincha.
23
Conclusão
Quando analisamos os avanços obtidos pela parceria
ProVárzea/Ibama – Projeto Pé-de-Pincha podemos concluir que a
iniciativa não é somente promissora. Hoje a parceria está
consolidada e promove um diálogo de saberes acadêmicos e
empíricos, diferentes sim, porém complementares.
Ao longo da parceria verifica-se a qualificação e o
aperfeiçoamento dos participantes que passaram a ter um
vocabulário mais rico, melhorando sua capacidade para transmitir e
adquirir informações de forma contínua. Muitos passaram a se
entender como pessoas, com uma riqueza de conhecimentos sobre
seu ambiente, o que lhes ajuda a viver e conviver com os limites do
ecossistema local, promovendo a busca de melhores metodologias, a
replicação de atividades bem-sucedidas e, principalmente, a
discussão de políticas públicas socioambientais mais efetivas e
adequadas ao cenário amazônico.
Capítulo 2
Revisão sobre as características das principais
espécies de quelônios aquáticos amazônicos
João Alfredo da Mota DuarteFrancimara Sousa da Costa
Paulo Cesar Machado Andrade
Os quelônios existem, aproximadamente, desde o Jurássico
(250 milhões de anos) até hoje, e possuem de 211 a 335 espécies de
água doce, salgada (8) ou terrestre (34) (Garschagen, 1995). Durante
o fim do Cretáceo e o começo do Paleoceno, os répteis sofreram uma
extinção, quando muitas tartarugas de diversas famílias foram
extintas.
No Cretáceo, o gênero Podocnemis existia na América do
Norte. Durante o Cretáceo superior e o Eocênico são encontrados
fósseis desse gênero na Europa e África. Hoje, esse gênero existe em
Madagascar (África) e na América do Sul, indicando ser bastante
antigo (Alho, Carvalho & Pádua, 1979).
Na Amazônia brasileira, os quelônios do gênero Podocnemis
são a tartaruga (Podocnemis expansa), o tracajá (P. unifilis), o iaçá ou
pitiú (P. sextuberculata) e a irapuca (P. erythrocephala) (Figura 1).
Sendo encontrados também outros quelônios como cabeçudo
(Peltocephalus dumerilianus), jabuti (Geochelone carbonaria e o G.
denticulata), matamatá (Chelus fimbriatus) muçuã (Kinosternon
24
scorpioides), aperema (Rhinoclemmys punctularia), jabuti-machado
(Platemys platycephala) e lalá ou cágado (Phrynops nasutus) (Molina
& Rocha, 1996).
Figura 1: Filhotes de tracajá (Podocnemis unifilis), irapuca (P. erythrocephala),
iaçá (P.sextuberculata) e tartaruga (P.expansa) (de cima para baixo, sentido anti-
horário).Foto: Pé-de-Pincha (Oliveira, P.H.).
Tartaruga (Podocnemis expansa)
No Estado do Amazonas há a ocorrência natural da
tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) que, na linguagem
indígena, é denominada por jurará-açu, araú e, provavelmente,
aiuçá para indivíduos novos (Figura 2). Sendo conhecida por tortuga,
tortue, tartarucha, turtle, schildkrote, tataroukhos, em espanhol,
francês, latim, inglês, alemão e grego, respectivamente (Garschasen,
1995). É encontrada na bacia Amazônica desde o leste dos Andes até
a bacia do Orinoco.
25
Figura 2: Tartaruga (P. expansa). Foto: RAN/Ibama-AM(Oliveira, P.H.).
A tartaruga-do-amazonas pertence ao filo Chordata, subfilo
Vertebrata, classe Reptilia, subclasse Anapsida, ordem Chelonia
(Testudinata), subordem Pleurodira, superfamília Chelonioidea,
família Podocnemidae, gênero Podocnemis e espécie P. expansa
Schweigger (1812) (Cenaqua, 1992).
O macho de Podocnemis expansa denomina-se comumente
por capitari ou capitaré, sendo, aproximadamente, duas vezes
menor em tamanho corporal do que a fêmea, segundo Coimbra Filho
(1967) apud Nogueira Neto (1973).
Sendo o maior quelônio de água doce da América do Sul, a
tartaruga (P. expansa) pode chegar a medir de 75 a 107 cm de
comprimento, sendo em média 91 ± 22,627 cm (Lima, 1967; Molina
& Rocha, 1996) por 50 a 75 cm de largura, com média de 62,5 ±
17,67 cm (Lima, 1967) pesando cerca de 60 kg de peso vivo (Smith,
1979).
26
Para o TCA (1997) a idade pode ser determinada a partir dos
anéis das placas da carapaça, sendo que uma fêmea com 45,2 cm de
carapaça apresentava oito anéis na placa dorsal da carapaça,
indicando, provavelmente, que teria oito anos de idade.
Tracajá (Podocnemis unifilis)
O tracajá (P. unifilis) – Figuras 3 e 4 – encontra-se distribuído
por toda a Bacia Amazônica. As fêmeas são maiores do que os
machos. Possui a forma ovalada, carapaça gris escura quando
molhada, com o plastrão de coloração escura. Apresenta patas
curtas e cobertas com pele rugosa, cabeça achatada e cônica, de
pequeno tamanho em relação ao corpo. Possui manchas amareladas
na cabeça, na parte dorsal. Os olhos, bastante juntos, são separados
por um sulco. Vive, principalmente, em lagos, rios e igarapés. Supõe-
se estar maduro sexualmente após os sete anos. Alimenta-se de
frutas, sementes, raízes, folhas e, ocasionalmente, de insetos,
crustáceos e moluscos (Reis, 1994). Procura desovar isoladamente
em barrancos, em covas de, aproximadamente, 30 cm de
profundidade onde coloca 35 ovos em média (Soini, 1995).
Figura 3: Filhotes de tracajá (Podocnemis unifilis), Piraruacá/Terra Santa-
PA. Foto: Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.).
27
Figura 4: Fêmea de tracajá (Podocnemis unifilis), Valéria/Parintins-AM. Foto:
Pé-de-Pincha (Oliveira, P.H.).
Os ninhos consistem de escavações com uma entrada quase
circular e uma câmara ligeiramente ovóide (Fig. 5). A profundidade
pode variar de 18 a 25 cm. O número de ovos por ninho varia de 9 a
40, com média de 28,8 ± 9,2 ovos. O tamanho médio dos ovos pode
variar de 42,2 x 29,5 mm e peso médio de 21,7 ± 2,1 g. A desova
ocorre principalmente à noite, dependendo do local, nos meses de
junho a agosto, no oeste do Amazonas; de setembro a outubro no
Baixo Amazonas; e em novembro no rio Negro e afluentes. O tamanho
médio da carapaça é de 40,9 ± 1,7 mm e peso de 14,7 ± 1,35 g (Terán
et al., 1995).
28
Figura 5: Ninho de tracajá (P.unifilis). Piraruacá/Terra Santa-PA. Foto: Pé-de-
Pincha (Andrade, P.C.M.).
O tracajá é encontrado na Amazônia brasileira vivendo nos
rios e lagos, dificilmente migrando aos tabuleiros de desova no
período de estiagem. Muitas fêmeas desovam duas vezes por
29
temporada, com intervalos observados de 9 e 10 dias. O número e o
tamanho dos ovos diminuem com o avanço da temporada de desova.
Os ovos possuem uma taxa de infertilidade de até 70% ao final da
desova. As fêmeas são maiores que os machos e chegam a medir
cerca de 50 cm de comprimento de carapaça e pesar até 12 kg (Soini,
1995).
Estudos realizados por Terán et al. (1992) sobre a
reprodução de P. unifilis em praias artificiais, em Iquitos, Peru, em
um período de cinco meses (junho a novembro), verificaram que
houve apenas 27,6% de eclosão (Fig. 6) e desenvolvimento completo
dos sobreviventes, fato ocorrido pela falta de fertilidade em 14,4%
dos ovos e morte prematura dos embriões. O pico de postura nessa
região ocorreu principalmente na segunda quinzena de julho.
As covas de tracajá são identificadas pelo monte de argila e
de capim umedecidos, com os quais a espécie fecha a cavidade da
postura (beiju) – Figura 7, não ocorrendo tal fato quando a desova é
em terreno não argiloso (Alho, 1986).
Figura 6: Eclosão de ovo de tracajá (P. unifilis). Foto: Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.).
30
Figura 7: Ninho e ovos de tracajá (P. unifilis) no barro. Observar ovos aderidos
ao tampão do ninho. Macuricanã/Nhamundá-AM. Foto: Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.).
Os ovos de tracajá (Fig. 7) são de forma elipsoidal, de casca
calcárea e de cor esbranquiçada. Quando estão recém-postos são
duros, transparentes e cobertos de um líquido ligeiramente viscoso.
No segundo dia de incubação a superfície dos ovos fica seca e
começa a ficar opaca. Ao decorrer da primeira semana de encubação
a casca está, na maioria dos ovos, completamente opaca e começa a
suavizar-se. Também se nota um ligeiro inchaço dos ovos que dura
até o final do período de incubação, resultando no aumento do
diâmetro dos ovos (Soini et al., 1997). A determinação de sexo em P.
unifilis depende da temperatura de incubação (Souza & Vogt, 1994).
Os tracajás parecem ser mais rústicos do que as tartarugas,
o que tem lhes conferido uma melhor adaptação ao cativeiro (Reis,
1994). Essa é uma espécie que pode ser manejada em cativeiro para
fins de repovoamento de áreas onde está em número reduzido, ou
para fins comerciais. Possui um grande potencial devido a algumas
vantagens como: fácil adaptação às condições bióticas e abióticas de
cativeiro, resistência à manipulação, elevada taxa reprodutiva em
31
cativeiro, fácil adaptação aos alimentos de origem animal e vegetal,
rápido crescimento inicial (Acosta et al., 1995), ovos e carne de boa
qualidade e boa aceitação pelos camponeses.
Observações realizadas por Terán (1993), sobre ensaios de
diferentes dietas em cativeiro de tracajás jovens e adultos,
identificaram um aspecto notável em relação à perturbação da água
e ao consumo dos alimentos. Efetivamente, observou-se que quando
uma pessoa entrava no tanque ou jaula e ficava perto do comedouro,
a água ficava turva, fazendo com que os animais não viessem comer
os alimentos disponíveis. Nesses dias o consumo reduzia bastante
(até 15% do total dos alimentos oferecidos). Uma situação
semelhante foi observada quando o tanque era esvaziado para
realizar as amostras mensais. Esse comportamento,
provavelmente, se deve ao fato de que o tracajá não se encontra em
lugares de águas turvas para evitar o ataque de predadores (guiam-
se principalmente pelo olfato e não pela visão). Através disso se
deduz por que o tracajá, em seu meio natural, habita águas de cor
escura.
Iaçá ou pitiú (Podocnemis sextuberculata)
A Podocnemis sextuberculata é denominada vulgarmente de
iaçá, pitiú e cambéua. Smith, 1979, cita que essa espécie é
encontrada somente nos rios de água barrenta como o Branco,
Solimões e Amazonas (Figuras 8 e 9). Essa espécie é também
encontrada nos rios Trombetas e Tapajós, considerados de água
clara. A fêmea possui manchas amarelas com dois barbelos embaixo
da boca. A carapaça tem cor marrom-claro e marrom-escuro. O
plastrão apresenta, principalmente nos indivíduos jovens, seis
pontas salientes de cor cinza ou marrom. A postura média é de 15 a
20 ovos de casca mole. O macho é chamado de anori e possui
tamanho menor que o da fêmea, conhecida como pitiú ou cambéua.
32
Figura 8: Fêmea de iaçá (P.sextuberculata). Xiacá/Terra Santa-PA. Foto: Pé-
de-Pincha (Andrade, P.C. M.).
O iaçá é de menor tamanho que o tracajá. Soini (1997)
sugere que essa espécie desova quase sempre em praias arenosas,
geralmente próximo da água. A desova ocorre geralmente à noite.
Em geral, os ovos de iaçá são pequenos e mais largos que os de
tracajá. A casca é mais clara, mais delgada e mais flexível.
Figura 9: Iaçá (P. sextuberculata). Foto: RAN-AM (Andrade, P.C. M.).
33
Estudos feitos por Pezzuti (1997), no rio Japurá (estado do
Amazonas), demonstraram que a altura do ninho tem efeito
pronunciado na discriminação dos ninhos em pontos aleatórios. As
fêmeas desovam em locais mais altos e distantes da linha da água. A
profundidade do ninho influi significativamente sobre o período de
incubação dos embriões. A data de oviposição influi no período de
incubação e na sobrevivência dos mesmos.
A eclosão dos ovos ocorre, geralmente, de 55 a 70 dias. As
crias eclodidas permanecem dentro da cova, normalmente, num
período de 1 a 4 semanas. Portanto, o período médio de nidificação
dura 69 dias. A saída dos filhotes ocorre geralmente à noite,
sobretudo após a queda de uma forte chuva (Soini, 1995).
Estudos feitos por Pezzuti (1998) na Reserva Biológica do
Abufari identificaram através de monitoramento de um único
transecto, um total de 3.135 ninhos de iaçá espalhados por toda a
praia do Abufari, produzidos em 1998. Registrou-se a predação de
145 ninhos por jacurarus (Tupinambis nigropunctatus, lagartos
grandes pertencentes à família Teidae). Comparando a distribuição
de ninhos predados e não predados, verificou-se que os primeiros são
os que se encontram mais próximos à vegetação. Embora não exista
o padrão de agregamento de ninhos, as fêmeas de iaçá mostram-se,
também, seletivas quanto à escolha do local de nidificação,
preferindo locais mais altos e distantes da água. O monitoramento de
219 ninhos permitiu estimar uma taxa de sobrevivência de 71,6% e
razão sexual de 28,5% de machos.
Os predadores de filhotes de iaçás identificados na Reserva
Biológica do Abufari, Amazonas, foram: Phractocephalus
hemioliopterus (pirarara), Osteoglossum bicirrhosum (aruanã),
34
Leiarius marmoratus (jandiá) e Sorubimichthys planiceps (peixe-
lenha) (Garcia, 1999).
O iaçá é, das espécies de quelônios, a mais consumida em
Manaus. Sua carne se encontra à venda, de forma ilegal, nas feiras a
R$ 3,59/kg (Canto et al., 1998).
Anatomia e fisiologia
Evaristo (1995) apud Duarte & Andrade (1998), cita que os
quelônios são répteis que possuem uma carapaça óssea que protege
os órgãos internos. Essa carapaça é formada pela fusão das
costelas, externo e vértebras. Em geral, denomina-se casco ao
conjunto das partes rígidas dorsal e peitoral. Contudo, a parte
superior denomina-se carapaça, sendo achatada, mais larga na
região posterior, com coloração marrom, cinza ou verde- oliva, e a
inferior plastrão, sendo ambos compostos por placas ossificadas
revestidas por uma camada queratinosa de forma convexa e
achatada, quase horizontal, unidas por uma estrutura óssea
conhecida por ponte (Alho, Carvalho & Pádua, 1979; Molina &
Rocha, 1996).
Na P. expansa, a carapaça (Fig. 10) é composta por 37
escudos (2 cervicais seguidos de 5 escudos vertebrais com duas
séries de 4 pleurais, no total de 8; no lado de fora dos pleurais e
estendendo-se pelos dois lados a partir dos cervicais há 22 escudos
marginais). Os escudos do plastrão são divididos em pares por uma
linha longitudinal. Anteriormente, há um escudo gular intercalado
por dois intergulares. Seguem-se um par de humerais, peitorais,
abdominais, femurais e anais, respectivamente, totalizando 13
35
escudos com possibilidade de haver variações em forma e número.
Os ossos do casco são cobertos por escudos córneos. A divisão entre
escudos adjacentes denomina-se costura, que poderia ser uma
espécie de sulco (Alho, Carvalho & Pádua, 1979; Molina & Rocha,
1996).
Figura 10: Desenho esquemático de carapaça de Podocnemis expansa.
Os quelônios apresentam um tubo digestivo completo, com
digestão extracelular, sendo o estômago uma dilatação do tubo
digestivo, terminando em um orifício denominado cloaca,
semelhante ao de ave, pelo qual desemboca a urina, fezes e material
seminal, ocorrendo também a vascularização nas paredes como
“brânquias cloacais” (essa região, possivelmente, realiza uma
respiração cutânea mínima: sangue-parede vascular-água). A
digestão é auxiliada pelo fígado e pâncreas, ocorrendo parcialmente
no estômago e finalizada no intestino, havendo, neste último, a
absorção do alimento digerido no duodeno. No intestino grosso
ocorre a formação de fezes. A circulação é fechada (vasos e veias),
36
ramificando-se até formar uma rede de capilares dupla e
incompleta. O sangue passa duas vezes pelo coração onde se
mistura o venoso e o arterial, devido a uma comunicação mediana
nas duas metades do ventrículo. O coração possui duas aurículas e
um ventrículo, parcialmente dividido em duas porções (Evaristo,
1995).
As espécies podem ser identificadas por características
externas da carapaça. O comprimento da carapaça pode ser medido
em linha reta, no ponto de maior amplitude entre a borda anterior e
posterior, e a altura pode ser medida transversalmente no ponto de
maior amplitude entre as placas marginais (Medem, 1976, apud
Duarte & Andrade, 1998).
As potentes patas podem ser recolhidas para dentro como
medida de segurança e descanso. São duas dianteiras de cores
escuras e cobertas com pele rugosa e cinco unhas largas, firmes,
semicurvadas e acanaladas na parte inferior, e duas traseiras com
quatro unhas e características idênticas, pois o nome genérico
atribui-se aos calcanhares das patas posteriores, dotados de unhas
para reptar e cavar (Lima, 1967; Nomura, 1977).
As tartarugas são ectotérmicas (heliotérmicas), como os
lacertílios e os crocodilianos e podem atingir um grau considerado
de estabilidade da temperatura corpórea por meio da regulação
através da troca de energia térmica com o ambiente
(termorregulação). A temperatura corporal de tartarugas que se
aquecem ao sol é mais elevada do que a temperatura da água e do ar
e pode acelerar a digestão, o crescimento e o desenvolvimento dos
ovos. Além disso, o aquecimento pela luz do sol pode auxiliar as
37
tartarugas aquáticas a livrarem-se de algas e sanguessugas (Pough,
Heiser & McFarland, 1993).
No comportamento social, as tartarugas podem empregar
sinais táteis, visuais e olfativos. Na época do acasalamento, os
machos nadam à procura de fêmeas e a cor e o padrão das patas
posteriores permitem que os machos as identifiquem. Utiliza-se
também o ferormônio para a identificação das fêmeas (Pough, Heiser
& McFarland, 1993).
Dácio, 1995, apud Duarte & Andrade (1998), ao estudar o
efeito da submergência de longa duração sobre o balanço
energértico dos diferentes tecidos e caracterizar os padrões
eletroforéticos da enzima lactato desidrogenase (LDH) de
Podocnemis expansa, bem como suas principais características
funcionais em 35 indivíduos (sendo 18 indivíduos para o balanço
energértico e 17 para os padrões eletroforéticos) com tamanho médio
de 9,114±0,081 cm e peso médio de 85,574±2,92 g, concluiu que a
tartaruga, provavelmente, usa a via glicolítica anaeróbica quando
submetida ao mergulho forçado, elevando sua taxa de lactato no
músculo e no cérebro, para manter suas funções metabólicas. Foi
observado que após 100 minutos de mergulho forçado o nível de
glicose aumentou significativamente, (P>0,05) sugerindo que há
uma mobilização do glicogênio do fígado para, provavelmente, suprir
a demanda inicial do metabolismo glicolítico anaeróbico nos tecidos
do cérebro e músculo. Isso indica que essa espécie detém
mecanismo de sustentação em períodos de anoxia semelhante às
tartarugas de região temperada.
38
Sexo e reprodução
O sexo nas espécies aquáticas do gênero Podocnemis pode
ser identificado pelo tamanho, altura da carapaça, forma do plastrão
e fenda da placa anal (formato de U para machos e de V para fêmeas
adultas) (Pritchard & Trebbau, 1984) – Figura 11.
Figura 11: Sexagem de jovens de tartaruga (P. expansa): macho (esquerda) e
fêmea (direita) Foto: RAN-AM (Andrade, P.C.M.).
Para Danni & Alho, 1985, apud Duarte & Andrade (1998)
não há dimorfismo externo em tartarugas jovens, antes da
maturidade sexual. A determinação sexual pode ser feita através do
exame dos órgãos reprodutores em amostragens dissecadas de
filhotes. No entanto, para Molina & Rocha (1996) há dimorfismo
sexual para Podocnemis expansa, pois os jovens apresentam
manchas amarelas na cabeça, o macho possui a cauda comprida e a
fêmea tem a cauda curta.
Diversos trabalhos sobre a determinação do sexo em
quelônios encontraram relação entre a temperatura e a razão sexual
do ninho, sendo que no caso de tartarugas, tracajás e iaçás,
temperaturas acima de 32ºC , ou ninho em locais com amplitude
39
térmica elevada (grande variação entre a temperatura umbral e a
máxima) determinam o nascimento de mais fêmeas (Bull & Vogt,
1979; Morreale et al., 1982; Vogt & Bull, 1982, 1984; Wilhoft et al.,
1983; Spotila et al., 1987; Souza & Vogt, 1994).
Segundo Alho & Pádua (1982) há uma sincronia entre o
regime de vazante e o desencadeamento do comportamento de
nidificação. É necessária uma observação no período reprodutivo,
proteção aos animais adultos em área de desova, captura de filhotes
(recém-nascidos) para criá-los em cativeiros e/ou soltá-los em lagos
naturais ou artificiais.
P. expansa tende a entrar na fase de reprodução entre
cinco e sete anos de idade, em condições naturais (Lima, 1967).
Para o Ibama (1989), a tartaruga (Podocnemis expansa)
apresenta a maior parte do desenvolvimento biológico entre 5 e 10
anos de idade. A maturidade sexual acontece aos 7 anos para os
machos e 11 a 15 anos para as fêmeas, aproximadamente,
realizando o acasalamento na água após a desova entre os meses de
janeiro e março. Após seis meses faz a postura na praia de desova,
denominada de tabuleiro, podendo estar acompanhada pelo
capitari.
O tempo de postura de P. expansa pode estar relacionado
diretamente com a idade do animal ou com a variação do fenômeno
de enchente e vazante do rio, no qual há uma combinação com o
desenvolvimento do processo de nidificação da tartaruga, que
cumpre o determinismo biológico de retornar ao mesmo local de
postura, podendo ser isolado ou em faixas marginais. (Pough,
Heiser & McFarland, 1993; Alho & Pádua, 1982).
40
Por ter um hábito gregário na época de desova, diferente do
tracajá, P. unifilis (que desova isoladamente em solo íngreme à
margem do rio, aproveitando local menos exposto) é nessa fase que a
tartaruga fica mais vulnerável à predação antrópica.
Os mecanismos de orientação que as tartarugas utilizam
para encontrar a área de oviposição são, provavelmente, os mesmos
utilizados para encontrar seu caminho entre área de forrageio e de
repouso. A familiaridade com sinais locais é um método eficiente de
navegação para as tartarugas que podem utilizar o sol como
orientador (Pough, Heiser & McFarland, 1993).
Nesse processo, os animais permanecem em “repouso” no
leito do rio durante 4,5±0,7 dias observando a praia de dentro
d'água, ou as fêmeas realizam 5,5±0,7 subidas na praia de desova
durante a noite, sem desovar. Depois fazem um “passeio” para
verificar os possíveis pontos de abertura da cova e formação do
ninho, cuja profundidade está relacionada com o lençol freático que
tem uma variação natural de 0,63±0,27 m, podendo ser depositados
de 50 a 136 ovos (Alho e Pádua, 1982) ou de 80 a 300 ovos (Lima,
1967; Nogueira Neto, 1973; Nomura, 1977; Pritchard, 1979; Smith,
1979).
Para Espriella (1972), o número aceitável para tartarugas
em cativeiro está numa média de 80 ovos, de forma esférica, com
peso médio de 39-43 g, que serão cobertos com areia, pela fêmea,
após a desova. A oviposição pode durar de 1,5 a 4 horas,
aproximadamente, sendo geralmente à noite e, ocasionalmente, à
tarde ou de manhã.
41
No período reprodutivo de P. expansa são observados os
mesmos comportamentos das tartarugas marinhas na fase de
desova (Vanzolini, 1967):
(1) Assoalhamento – essa etapa caracteriza-se pela
agregação dos animais em águas rasas, com subidas ocasionais na
margem do tabuleiro (praia de desova) para exporem-se aos raios
solares;
(2) Subida à praia para a escolha do local da cova;
(3) Deambulação ou caminhada de vistoria – nessa fase os
animais sobem a praia e exploram o tabuleiro à procura de um local
de postura;
(4) Escavação da cova – a primeira atividade é a limpeza da
areia solta com o auxílio das quatro patas, girando em torno de si
mesma. Quando atinge a profundidade de 30 cm a 40 cm passa a
usar as patas traseiras até que seu corpo atinja uma posição de 45 a
60 em relação à horizontal, fazendo uma câmara.
(5) Postura – nessa fase as tartarugas não mais se
importam com a presença de estranhos e podem ser tocadas sem
reação. O valor adaptativo da estereotipia durante a oviposição de P.
expansa está relacionado ao sucesso da estratégia evolutiva dessa
espécie. A evolução da eficiência crescente da técnica
estandardizada da postura de ovos resulta numa taxa de
reprodução melhor como conseqüência dos padrões motores
(trabalho muscular) de tal maneira a uniformizar o processo de
oviposição, independente da experiência ou aprendizado. O corpo
do animal move-se para frente e para trás e também executa uma
lenta rotação para a direita e a esquerda. Quando aumenta a
42
profundidade, as patas traseiras têm mais ação. Com as unhas para
baixo, uma pata é inserida na câmara de postura, em escavação,
fazendo pressão para o fundo e com uma ligeira rotação modela a
forma e tamanhos exatos da câmara, com 13-18 cm de altura e
diâmetro de 20-25 cm. A câmara é feita a uma profundidade de 50-
100 cm. Durante esse processo, as patas dianteiras ajudam na
sustentação do animal. O ato é repetido, inserindo a outra pata na
abertura da câmara de postura. Assim que ela estiver pronta, com o
ovipositor inserido e o corpo cobrindo a cavidade de postura, inicia-
se a oviposição. Cada fêmea deposita um ovo a cada 10-15
segundos. Durante a postura, o pescoço da tartaruga, se mantém
esticado formando junto com a cabeça um ângulo igual ao do corpo
em relação à horizontal. Há contrações peristálticas a cada 10-15
segundos seguidas de liberação de ovos e líquidos;
(6) Reenchimento da cova – assim que começa a escavação
os animais entram num processo de ritualização do
comportamento, com grande teor de estereotipia, fazendo
movimentos lentos no corpo para a direita e a esquerda, colhendo
areia com as patas dianteiras e traseiras, alternadamente. Em geral,
a carapaça, cabeça e os olhos ficam cobertos de areia lançada
durante o fechamento da cova;
(7) Retorno à água – quando a tartaruga deixa a cova,
normalmente faz uma trilha formada de secreção mucóide que
escorre da “cloaca” ao caminhar. A cauda posiciona-se para trás,
rastejando a ”cloaca” ainda em contração, sendo uma indicação da
postura realizada (marca da cauda arrastada entre as pegadas).
Soini (1997), no Peru, observou fêmeas de Podocnemis
expansa formando uma trilha pela liberação de secreção mucóide
antes e depois da desova, fazendo um sulco na areia. A caminhada
para a água é lenta devido ao cansaço, caminhando 3-4 m,
43
alternadamente. As patas traseiras podem sangrar devido ao atrito
na borda da carapaça, assim como na parte posterior da carapaça
durante a escavação. Após retornar à água, a população adulta
permanece nas cercanias da praia até o nascimento dos filhotes.
Nas horas mais quentes do dia pode-se observar as cabeças dos
adultos fora d'água.
Na época próxima à eclosão os adultos ficam cada vez mais
difíceis de serem vistos nas cercanias da praia (Vanzolini, 1967;
Alho & Pádua, 1979).
Os ovos de Podocnemis expansa ficam incubados de 40 a
70 dias, sendo em média 55 ± 21,21 dias e apresentam uma taxa de
fecundação de 85 a 98%, desde que permaneçam em equilíbrio a
umidade e temperatura na câmara de incubação, pois a
temperatura, umidade e as concentrações de oxigênio e dióxido de
carbono podem exercer efeitos profundos sobre o desenvolvimento
embrionário das tartarugas (Alho, Carvalho & Pádua, 1979; Alho &
Pádua, 1982; Santos, 1995; Ibama, 1989).
A temperatura do ninho afeta a taxa de desenvolvimento
embrionário e temperaturas excessivamente altas ou baixas podem
ser letais. A determinação do sexo dependente da temperatura foi
demonstrada em algumas, mas não em todas as famílias de
tartarugas, em duas espécies de lagartos e nos crocodilianos
(Pough, Heiser & McFarland, 1993).
Em estudos laboratoriais realizados por Vogt & Bull (1982)
em 14 gêneros e cinco famílias de tartarugas com temperatura de
25ºC e de 31ºC durante a incubação, produziu-se machos e fêmeas,
respectivamente. A mudança de um sexo para outro ocorre dentro
de um intervalo de 3ºC ou 4ºC, dependendo da espécie.
44
Nas tartarugas, o segundo terço do desenvolvimento
embrionário consiste no período crítico de determinação do sexo,
portanto, o sexo dos embriões depende da temperatura a que ficam
expostos durante essas poucas semanas (Pough, Heiser &
McFarland, 1993).
Quando os ovos são expostos a um ciclo diário de
temperatura, o ponto mais alto do ciclo é o mais crítico para a
determinação sexual, com a temperatura podendo diferir entre o
topo e o final do ninho (Pough, Heiser & McFarland, 1993).
Entretanto, em condições úmidas, produzem filhotes
maiores do que em condições secas, provavelmente, por que a água é
necessária para o metabolismo do vitelo (reserva nutritiva do
embrião até a eclosão). Quando a água é limitada, as tartarugas
eclodem mais cedo e com tamanho corporal reduzido e o seu
intestino contém uma quantidade de vitelo que não foi utilizado
durante o desenvolvimento embrionário (Pough, Heiser &
McFarland, 1993).
A profundidade da cova varia de 30 a 83 cm, com média de
56,5 ± 37,476 cm, fato relacionado à nebulosidade atmosférica
(Soini, 1997).
O transplante de ninhadas de tartaruga, tracajá e iaçá para a
incubação artificial dos ovos, em lugares protegidos, pode ser uma
medida importante para a conservação. Para conseguir ótimos
resultados os ovos devem ser extraídos, transportados e colocados
em ninhos artificiais, sem demora, mantendo sua posição original,
ou seja, sem revolvê-los. Exceto durante as primeiras horas depois
da desova, a manipulação e a rotação dos ovos afeta,
significativamente, a viabilidade deles. As condições térmicas do
45
ninho têm uma marcada influência sobre a duração do período de
incubação e sobre a viabilidade dos ovos. Os ovos incubados em
ninhos expostos à sombra requerem maior tempo de incubação e
têm menor porcentagem de viabilidade dos ovos em relação aos
ninhos expostos ao sol (Soini, 1997).
As tartarugas, por serem pecilotérmicas, apresentam
amplitude térmica de 22ºC a 32ºC, e ideal entre 27ºC a 30ºC, na qual
eclodem as crias medindo em torno de 50 mm de comprimento e 40
mm de largura. A atividade espontânea de alguns indivíduos põe o
grupo em movimento, uns rastejando sobre os outros, agindo sobre
os demais (Lima, 1967; Ferreira, 1994).
Todos os filhotes saem do ninho num período muito curto e
todos, de diferentes ninhos, deixam os ninhos numa mesma noite,
talvez porque seu comportamento seja estimulado. Sendo as
tartarugas auto-suficientes ao nascer, as interações entre os filhotes
são essenciais para permitir que abandonem o ninho. Os sinais
podem ser sonoros, táteis, visuais e/ou olfativos (Pough, Heiser &
McFarland, 1993).
Essa emergência simultânea é uma característica
importante para a reprodução. Nessa fase, os animais jovens estão
propensos à agressão em decorrência do equilíbrio biológico imposto
pela natureza. A ação dos animais aquáticos ou aves silvestres sobre
as crias chega a 80% de predação em alguns tabuleiros (Pough,
Heiser & McFarland, 1993).
Assim, a interferência do manejo para diminuir essa taxa
poderá beneficiar os estoques de tartaruga: (1) destinando uma
porcentagem das tartarugas eclodidas para criadouros
seminaturais; e (2) tornando compulsório que determinado número
46
de animais desses criadouros, um número predeterminado seja
restituído à natureza quando as tartarugas atingirem a condição
reprodutiva, acelerando o recrutamento nas populações naturais e
maximizando a taxa de natalidade (Alho & Pádua, 1984).
Na Reserva Biológica do Abufari/Tapauá – AM, o Ibama
desenvolve o programa de proteção às áreas de desova. Através do
Centro Nacional dos Quelônios da Amazônia – Cenaqua, atualmente
Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Afíbios – RAN, realiza-
se a proteção do tabuleiro (praia de desova) assim como das matrizes
e dos filhotes recém-nascidos. Sendo que estes filhotes, em sua
maioria de tartaruga, logo ao abandonarem as covas ficam retidos
em cercados de tela para serem apanhados, contados e
transportados para a base física. Posteriormente, é feita a soltura dos
animais em local com uma incidência, provavelmente, menor de
predadores naturais aquáticos (Armond & Armond, 1990, apud
Duarte & Andrade, 1998).
Essa atividade é realizada na Venezuela com certa
similaridade, como cita Ojasti (1995; 1967), assim como em outras
áreas de concentração de tartaruga que servem de referência a
programas de manejo, como no rio Trombetas, entre outros
(Nomura, 1977; Alho & Pádua, 1984; Pough, Heiser & McFarland,
1993; Ferreira, 1994; Soini, 1997).
Segundo Nogueira Neto (1973), é possível obter a
reprodução de tartaruga em cativeiro. Na prática, tem-se a
possibilidade da reprodução de quelônios em cativeiro, sem a
migração, desde que haja uma praia artificial para a desova.
47
Valor nutricional
Segundo Pádua (1981), Ibama (1989) e Cenaqua (1994)
citando estudos realizados por Ferreira e Graça (1961), Leunge e
Flores (1961) e Morrisson (1955), na carne da tartaruga-da-
amazônia, foram obtido um nível protéico de 88,03% a 94,68%.
Pelos valores citados, ao comparar-se com as carnes tradicionais
(frango 43,66% a 66,47%; Vaca 44,83%) percebe-se uma
superioridade protéica. Em análise realizada quanto à qualidade
protéica, em 100 g de proteína, apresentou: Lisina 7,70 g; Histidina
2,21 g; Arginina 4,11 g; Treonina 3,91 g; Ácido glutâmico 16,56 g;
Glicina 5,8 g; Valina 6,25 g; Isoleucina 5,41 g; Tirosina 10,64 g e
Metionina 5,32 g.
Aguiar, 1996, apud Duarte & Andrade (1998), obteve em
quatro análises realizadas em carne de Podocnemis expansa: 1,10 g
de lipídio/100 g; 21,17 g de proteína/100 g; 94,58 Kcal de
energia/100 g; 0,00 g de carboidrato/100 g; onde cita que em geral
a carne de animal silvestre é magra.
Maués, 1976, apud Duarte & Andrade (1998), ao comparar
os aspectos bromatológicos de ovos de galinha e codorna, ambos
oriundos de feiras livres de São Paulo, e tartaruga Podocnemis sp.,
oriundo de feiras livres de Bélem – PA, mostra que os ovos de
tartaruga pesaram em média 23,67 g, onde a gema, a clara e a casca
pesaram respectivamente 18,55 g; 3,74 g e 1,62 g, com um
percentual médio de 15,38% para a clara, 73,44%, correspondendo
à gema e 11,18% equivalente à casca.
O teor de lípides totais, verificado no ovo inteiro, clara e
gema em ovos de tartaruga é particularmente 7,92 mg/100 g; 0,08
mg/100 g e 18,26 mg/100 g; em ovos de galinha obteve-se 13,08 g/
48
100 g; 0,10 g/100 g e 28,70 g /100 g; e nos de codorna foram 10,30
g/100 g; 0,08 g /100 g e 24,03 g/100 g (Maués, 1976).
O teor de proteína no ovo de tartaruga na porção inteira,
clara e gema foi na ordem de 12,70 g /100g; 1,56 g/100 g e 20,58 g
/100 g, enquanto que nos de galinha foram 9,98 g/100 g; 9,28 g
/100 g e 16,19 g /100 g e nos de codorna obteve-se 9,78 g /100 g;
9,43 g /100 g e 12,07 g/100 g (Maués, 1976, apud Duarte &
Andrade, 1998).
A composição de cinzas no ovo de tartaruga na porção gema
foi superior (1,68 g/100g) ao de galinha (1,25 g/100 g) e codorna
(1,36 g/100g) (Maués, 1976, apud Duarte & Andrade, 1998).
O teor mineralógico de ferro e fósforo na porção gema nos
ovos de tartaruga foi superior (10,9 mg/100 g e 495 mg/100 g) ao de
codorna (8,2 mg/100 g e 415 mg /100 g) e galinha (5,0 mg/100 g e
260 mg /100 g) e com um teor de cálcio na gema inferior (120,19
mg/100 g) em relação ao de galinha (152,25 mg/100g) e codorna (
168,13 mg/100 g) (Maués, 1976 apud Duarte & Andrade, 1998).
O teor vitamínico de ß-caroteno foi baixo em ovo de
tartaruga (6,06 mg/100 g) relacionado ao de galinha (30,63 mg/100
g), e vitamina A (57,83 mg/100 g), contra os de galinha (69,87
mg/100 g) e codorna (73,95 mg /100 g). Em relação ao tocoferol
(total), o ovo de tartaruga estudado foi superior (2,78 mg/100 g) ao
de galinha (1,94 mg/100 g) e inferior ao de codorna (3,55 mg/100 g)
(Maués, 1976, apud Duarte & Andrade, 1998).
O teor de colesterol na porção clara mais gema, e gema no
ovo de tartaruga foi inferior (226,5 mg/100 g e 329,1 mg/100 g) aos
49
de galinha (682,0 mg/100 g e 1.018 mg/100 g) e de codorna (506,4
mg/100 g e 946,9 mg/100 g) (Maués, 1976, apud Duarte & Andrade,
1998).
Importância econômica
A tartaruga tem sido de grande importância para o homem
amazônico desde o período colonial. Santos (1995) cita que os
colonizadores espanhóis e portugueses relataram que os índios
durante a vazante capturavam um grande número de tartarugas.
Segundo Smith (1979), durante o século XVII as tartarugas
desovavam em um grande número de praias na área de
Itacoatiara/AM durante os meses em que o nível da água estava
baixo. Esse fenômeno atraiu comerciantes portugueses e uma praia
Real ficou estabelecida para alimentar os soldados do rio Negro,
enquanto outras praias foram exploradas por serem consideradas
grandes e abundantes, porém, até hoje, esses quelônios continuam
fazendo parte da dieta do interiorano. Historicamente, a tartaruga,
P. expansa, foi um quelônio de fácil captura para suprir a
alimentação do homem amazônida através de carne e ovos. Sendo
exportado, na época do Brasil Colônia, em 1719, pela capitania de
São José do Rio Negro 192 libras de “manteiga” de tartaruga. Ihering
(1968) cita que para produzir 1 kg de manteiga são necessários 275
ovos de P. expansa.
Alho, Carvalho & Pádua (1979) citam que o preço da
tartaruga em Manaus chegou a alcançar US$ 180,00, Pádua, Alho &
Carvalho (1983) citam que em 1980 um exemplar de 30 kg de peso
vivo chegou a custar cerca de US$ 200,00 em Belém.
Wetteberg et al. (1976) determinaram o mercado potencial
para espécies silvestres da fauna amazônica nos 23 restaurantes
50
existentes em Manaus, de 1974 a 1975, bem como tentaram
identificar mercados para as espécies em outras cidades brasileiras
ou no exterior. Esses autores citam que 78,78% dos restaurantes
expressaram interesse em vender carne de fauna silvestre, sendo
denotado interesse pelo público desses restaurantes, em primeiro
lugar, pela tartaruga (P. expansa) com peso médio de 28,82 kg e um
preço médio (estimado pelos restaurantes) que os clientes pagariam
por quilograma de US$ 21,81, com um lucro potencial por
quilograma para os restaurantes de US$ 19,31.
Espriella (1972) e Nomura (1977) citam uma grande
demanda comercial em países como os Estados Unidos e o Japão,
sendo a comunidade nipônica considerada a pioneira em criação de
tartarugas, desde 1866, por considerarem seu alto valor nutritivo.
Eles recomendam que os criadouros sejam uma das maneiras de
conservar e preservar a tartaruga ou o tracajá. Os criadouros podem
também fornecer filhotes para exportação e ovos para extração de
óleo, sendo que essa extração parece inviável porque o valor
comercial da tartaruga é elevado, embora 100 g de ovos produzam
cerca de 100 g de creme facial.
Segundo o Cenaqua (1994), na Amazônia um boi necessita
de 3-4 ha para produzir 40 kg de carne/ano. Enquanto que em 1 ha
de água pode-se criar até 4.500 tartarugas, com um mínimo de
1.800 kg/ano e um custo aproximado para cada quilo das carnes de
peixe, boi e tartaruga de US$ 1,00, US$ 2,30 e US$ 6,00,
respectivamente.
O Cenaqua (1994) cita que em 1991 as tartarugas com peso
médio de 25 kg tiveram preço médio de US$ 80,00. Indicando, por
esses valores, que a tartaruga constitui um item acessível à classe
alta.
51
O Sebrae (1995) admite uma relação de 65% do peso vivo
(PV) correspondente à carne, e 35% PV equivalente ao peso do casco.
No entanto, o Cenaqua (1994) menciona que um animal de 25 kg
fornece 13 kg de carne e vísceras, ou seja, 52% do peso vivo (P.V.) em
rendimento de carcaça.
Para o TCA (1997), o preço por tartaruga viva no Brasil,
Colômbia, Peru e Venezuela foi de US$ 97,00 a 122,00; US$ 5,00 a
61,00; US$ 8,00 a 20,00; US$ 18,00 a 47,00, respectivamente. Na
Colômbia o preço por um quilo é de US$ 4,80.
No Peru, devido aos ovos de Podocnemis expansa serem
apreciados para consumo humano, o preço por unidade chegou a
US$ 0,22 (TCA, 1997).
Para o TCA (1997), o preço de um exemplar adulto de
Podocnemis expansa varia, dependendo do local e tamanho do
animal. O preço pago nos centros urbanos amazônicos (Iquitos e
Manaus) é cerca do dobro do preço pago ao povo ribeirinho, e mais do
triplo do que recebe o trabalhador rural.
Segundo Terán et al. (1997), os quelônios foram e
continuam sendo uma das principais fontes de proteínas para os
índios e ribeirinhos em toda a Amazônia. Na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Brasil, onde realizou-se
entrevistas com 50 famílias e observações de campo, obteve-se o
consumo de quatro espécies de tartarugas na alimentação familiar,
como Podocnemis sextuberculata (68,2%), P. unifilis (27,1%),
Geochelone denticulata (4,3%), Chelus fimbriatus (0,4%).
Rebelo et al., 1997, apud Duarte & Andrade (1998) ao
mostrarem a evolução do consumo de animais de caça e a
determinação das populações de quelônios no Parque Nacional do
52
Jaú – Amazonas, concluíram que a mandioca (Manihot esculenta
Crantz) e o peixe são a base da alimentação dos moradores. Os
animais de caça (quelônios, mamíferos e aves) ocupam o quinto
lugar na citação. A criação doméstica foi citada em apenas 0,5% das
refeições. O monitoramento de longo prazo do consumo com
calendário de caça revelou que 50% dos animais caçados foram
quelônios aquáticos (Peltocephalus dumerilianus, Podocnemis
unifilis e Podocnemis erythrocephala), 38% mamíferos terrestres e
17% aves. Sendo o consumo médio de 24,3 animais/família/6
meses, ou 48,6 animais/família/ano.
Canto et al. (1999), ao realizarem um levantamento
preliminar da comercialização ilegal de produtos da fauna no estado
do Amazonas, registram que as classes mais apreendidas são
répteis (principalmente, quelônios) com 52,2%, mamíferos 30% e
aves 17,8%. Nas feiras, a maior comercialização de carne é para
mamíferos (68%), aves (19%) e quelônios (13%). Sendo os quelônios
(tartaruga e tracajá), mais apreciados, a comercialização feita sob
encomenda cuidadosa, representando 22% dos animais
comercializados para alimentação e o preço relativo por um
quilograma (peso vivo – PV) da tartaruga de R$ 30,00.
A carne de tartaruga-da-amazônia proveniente de
criadouros legalizados pelo Ibama, no Amazonas, foi vendida
inicialmente ao preço de R$ 12,00 a 18,00/kg de peso vivo em
supermercados de Manaus (A Crítica, 1996), sendo pago ao
produtor até R$ 13,00/kg. Hoje, os produtores estão
comercializando com preços que variam de R$ 8,00 a 12,00, por
quilograma de animal vivo.
Segundo Andrade et al. (2003), o custo com ração é de
US$ 1,45 para produzir um quilo de tartaruga e em um cultivo
superintensivo em tanques-rede pode-se obter renda líquida de
53
US$
os custos fixos em R$ 0,74 e os custos variáveis em R$ 2,19 para
produzir um quilo de tartaruga. Considerando os atuais preços de
venda do produtor, temos uma margem de lucro possível de
104,78% a 241,30%, o que caracteriza a queloniocultura como uma
atividade altamente rentável.
3246,24/m . Lima (2000), estimou, nos criadouros do Amazonas
54
Capítulo 3: Áreas de reprodução de
q u e l ô n i o s p r o t e g i d a s p e l o R A N -
Ibama/Amazonas e Ufam
Paulo Cesar Machado Andrade João Alfredo da Mota Duarte
Paulo Henrique Guimarães de OliveiraPedro Macedo da Costa
Agenor VicenteAnndson Brelaz
Carlos Dias de Almeida JúniorWander Rodrigues
Jonathas NascimentoHellen Christina Medeiros
Luiz Mendonça NetoSandra Helena Azevedo
José Ribamar da Silva Pinto
Quando chega o verão na Amazônia, a vazante se inicia e com
ela surgem milhares de praias ao longo dos rios. Sejam praias de
areia bem branquinha em rios de águas negras e claras, ou praias
amareladas em rios de águas barrentas, todas se transformam em
verdadeiros depositários de vida com o período reprodutivo de
quelônios (tartarugas, tracajás, iaçás, irapucas) e aves (gaivotas,
corta-águas, quero-queros, etc.). A gerência do Ibama no estado do
Amazonas, através do Centro de Conservação e Manejo de Répteis e
Anfíbios (RAN) tem desenvolvido uma série de atividades que visam a
conservação dos quelônios na região.
Esse trabalho envolve parceria com a Universidade Federal
do Amazonas (Ufam), comunidades e prefeituras dos municípios.
Em um primeiro momento, as comunidades são visitadas e
55
realizadas reuniões em que cada comunidade decide como poderá se
envolver no trabalho, que praias deverão ser protegidas e quais
pessoas formarão as equipes de campo. Depois, através dos técnicos
do RAN e da Universidade, são treinados agentes de praia que
atuarão no controle, monitoramento e fiscalização de cada praia de
desova de quelônios, os chamados tabuleiros.
O Projeto Quelônios ampliou, desde 2001, sua atuação para
os municípios amazonenses de Parintins, Juruá, Manicoré, Lábrea,
Borba, Tapauá, Eirunepé, Carauri, Barreirinha, Nhamundá,
Canutama, Barcelos, Novo Airão, Itamarati e São Sebastião do
Uatumã, atingindo 407.504 habitantes que constituem as
populações desses municípios. Atingimos, ainda, em parceria com a
Ufam, através do projeto de extensão de manejo sustentável de
tracajás, o Projeto Pé-de-Pincha, três municípios limítrofes no
Estado do Pará, Terra Santa (16.500 habitantes), Oriximiná (60.000
habitantes) e Juruti (20.000 habitantes).
Em cada município temos diretamente envolvidos com os
trabalhos de campo e os treinamentos as comunidades e os
professores da rede pública de ensino: 1) Em Parintins são 15
comunidades com cerca de 490 famílias e 62 professores em
treinamento e 26 agentes ambientais voluntários; 2) Em
Barreirinha, 12 comunidades com 160 famílias, 35 professores e 1
agente ambiental; 3) Em Nhamundá, são 10 localidades com 63
famílias; 4) Em Eirunepé e Itamarati, nas praias de Walter Buri,
cerca de 30 famílias; 5) Em Carauari, na Resex do Médio Juruá, em
10 tabuleiros, 200 famílias; 6) No Juruá, nos tabuleiros de Joanico,
Renascença, Antonina, Vai-quem-quer e Botafogo, 100 famílias; 7)
Em Manicoré, na praia do Nazaré, envolvendo 30 famílias que
trabalham no local; 8) Em Lábrea, nas comunidades do Buraco,
Luzitânia, Jurucuá, Bananal, Santa Cândida, Novo Brasil,
Porongaba e Realeza, 370 habitantes; 9) Em Borba, no rio Matupiri,
cerca de 100 habitantes; 10) Em Tapauá, na Rebio Abufari e nas
56
comunidades da praia da Enseada, Piranhas e Curuzu,
aproximadamente 80 famílias; 11) Em Canutama, nas reservas do
Jamanduá, Axioma e Seringal Nazaré, participação de cerca de 40
famílias; 12) Em Nova Airão, na praia da Velha, em frente ao Parque
do Jaú, cerca de 8 famílias; 13) Em Barcelos, na praia da Dulumina,
Ponta da Terra e campina do Careca; 14) Em São Sebastião do
Uatumã, no tabuleiro do Abacate, no Jarauacá e no Livramento,
atingindo cerca de 50 famílias; 14) Em Terra Santa (10
comunidades), Oriximiná (9 comunidades) e Juruti (19
comunidades) no Pará, cerca de 850 famílias e 7.500 habitantes,
sendo que lá já existem 78 professores treinados, 101 agentes
ambientais voluntários e 45 professores em treinamento.
Em todas essas áreas está sendo feita a proteção das matrizes
de tartarugas, iaçás e tracajás, durante a desova, sendo feito o
acompanhamento da postura até a eclosão, quando é desenvolvido o
trabalho de proteção e manejo dos filhotes. A fiscalização pelo Ibama
e pelos comunitários é bastante rígida nesses locais. Acompanhando
esses trabalhos de monitoramento e controle, é desenvolvida uma
estratégia de conscientização através da educação ambiental e da
discussão sobre alternativas de desenvolvimento. Nesse aspecto, a
parceria com a Universidade tem permitido ao Ibama levar cursos e
projetos de desenvolvimento para algumas comunidades como:
criação caipira de galinhas, beneficiamento de pescado, utilização
de plantas medicinais, piscicultura, criação de animais silvestres e
ecoturismo. O apoio das prefeituras tem sido fundamental para a
realização dessas atividades, que passam a se consolidar em cada
município como estratégias de conservação e possível geração de
renda no futuro, através da criação e manejo de quelônios e do
57
ecoturismo, entre outras.
Coroando os trabalhos de campo em 2001, nasceram e foram
soltos 1.077.768 de filhotes provenientes do monitoramento de
3.886 covas de tartaruga, 7.263 covas de tracajá, 42.606 covas de
iaçás e 4.671 covas de irapuca. O trabalho visa aumentar o número
de praias de desova de quelônios protegidas, ampliar o número
médio anual de filhotes soltos na natureza (Tabela 1), garantindo a
proteção de populações de quelônios de diferentes calhas de rios e
diferentes ecossistemas (Figura 1), permitindo que o trabalho de
conservação se baseie não somente em produção de filhotes, mas,
também, na variabilidade genética das espécies. E, além disso,
consolidar novos tabuleiros para o fornecimento de filhotes para
criadouros (Conservação ex situ). O RAN do Estado do Amazonas,
com apoio da Gerência Executiva e da Ufam, ampliou seu espectro
de ação e áreas protegidas, atingindo, praticamente, todos os
ambientes aquáticos do Amazonas, mesmo com toda a sua
dimensão territorial.
Áreas de Conservação de Quelônios
pelo RAN-Amazonas
210 11 1012
59 63
87
318 19 16
020406080
100
2000 2001 2002 2003
n
Rios
Localidades
Municípios
Figura 1: Ampliação das áreas de conservação de quelônios no Amazonas entre
2000 e 2003.
A Figura 1 apresenta os dados da ampliação das áreas
58
reprodutivas de quelônios protegidas pelo RAN- AM, em 2000-2003.
Esse avanço significativo só foi possível graças ao volume de
recursos destinados pelo RAN, em 2001, e pelas diversas parcerias
com a Ufam, prefeituras e a participação em editais de
financiamento de projetos científicos e de extensão. O número de
técnicos também foi ampliado (de dois para sete), graças à fusão do
RAN com o Núcleo de Fauna Silvestre, em uma única Divisão de
Fauna, no Ibama-AM.
O RAN-AM vem trabalhando com o monitoramento e a
conservação de populações de quelônios nas seguintes áreas:
Rio Purus
1) Tabuleiro do Abufari na Rebio Abufari, em Tapauá;2) Tabuleiros de Piranhas e Enseada, em Tapauá;3) Tabuleiro do Curuzu e Vista Alegre, em Tapauá;4) Reserva do Jamanduá, em Canutama; 5) Tabuleiro do Nazaré e Axioma, município de Canutama.
Rio Uatumã
1) Tabuleiro do Abacate /Balbina;2) Tabuleiros do rio Jarauacá/comunidade do Livramento,
Balbina;3) Rebio Uatumã e rio Pitinga: Ilha do Limão, do Bacaba, Sororoca,
Arapari, do Açaí, do Papagaio.
Rio Juruá
1) Resex do Médio Juruá/Carauari: 10 tabuleiros (Gumo do Facão,
Nova Esperança/Jacaré, Roque/Ati, Bauana, Deus é Pai, Bom
Jesus, Manariã, Monte Carmelo/Pau Furado, Itanga, Mandioca)2) Tabuleiro do Joanico e Renascença/Juruá;3) Tabuleiro de Botafogo, Antonina e Vai-quem-quer/Juruá;
59
4) Tabuleiro de Walter Buri/Itamarati-Eirunepé;5) Tabuleiros de São Francisco, Dois Irmãos, do Gado/Itamarati;
Rio Madeira
1)Praia do Nazaré/Manicoré;2)Rio Matupiri/Borba: diversos tabuleiros;
Rios Solimões-Japurá
1) Tefé – RDS Mamirauá: Pirapucu, Praia do Meio, Horizonte, Ingá;2) Coari: Ilha do Geral;
Rio Negro
1) Praia da Velha/Parna Jaú, Novo Airão;2) Praia do Cabuano/Parna Jaú/Novo Airão;3) Praia Dulumina/Barcelos.
Áreas do Programa Pé-de-Pincha: Médio-Baixo Amazonas
a) Rio Amazonas:Ilha de Vila Nova/Parintins.
b) Municípios do Amazonas:
1) Barreirinha: Piraí, Granja Ceres, Ipiranga, Tucumunduba, São
Francisco, São Pedro, Proteção Divina, Lírios do Vale, Matupiri,
Ariaú, Coatá, Ponta Alegre e Pindobal;
2) Parintins: Anhinga, Parananema, Macurani, Valéria, Murituba,
Laguinho, Maximo, Ze-Açu, Badajós, Terra-Preta, Tracajá, São
Pancrácio, Parintinzinho e Santa Lourdes do Mamuru;
3) Nhamundá: Fazenda Duas Bocas, Praia Boa Esperança, Boiador,
Galiléia, Espelho da Lua, Apéua, Sr. Santos, Castanhal,
Marcolino, São Francisco e Vista Alegre.
60
c) Municípios do oeste do Pará:
4) Terra Santa: Lago do Piraruacá (Aliança, Desengano, Itaubal,
Camaiateua), Lago Xiacá, Igarapé dos Currais (Pintado,
Tucunaré e Pirarucu), Igarapé do Nhamundá (Conceição Casa
Grande), Igarapé do Jamary (Alemá e Chuedá) e Lago do Abaucu
(Capote e Jauaruna).
5) Oriximiná: Região do Jarauacá, Acapu, Samaúma, Lago do
Sapucuá (Ascensão, Casinha, Barreto), Maria Pixi, Acapuzinho,
Cachoeiry;
6) Juruti: Maravilha, Santa Madalena, Açaí, Zé Maria, Caapiranga,
Surval, Uxituba, Prudente, Capelinha, Pompom, Ingrassa,
Capitão e Vila Muirapinima.
Na Figura 2 e na Tabela 1, observamos que, mesmo com
todos os recursos que o RAN-Cenaqua/NUC aplicava na Rebio
Abufari, em 2001-2002, ela perde o status de maior produtora de
quelônios do Amazonas para áreas com trabalhos comunitários em
tabuleiros pequenos e próximos, como é o caso das Resex do Médio e
B a i x o J u r u á , s e n d o q u e a s á r e a s c o m m a n e j o
comunitário/participativo de quelônios passaram a responder pela
maior parte da produção do Amazonas (60,01% = 646.848 filhotes)
em relação às áreas de proteção estrita do Governo (39,98% =
430.920 filhotes).
Esse envolvimento e conscientização comunitária
permitiram reduzir o custo médio por filhote protegido de R$ 0,37-
0,78/unidade para R$ 0,08/unidade. Todavia, o grande corte nas
verbas governamentais, destinadas ao trabalho com quelônios, a
partir de 2003, levou ao abandono de algumas áreas de reprodução
monitoradas em 2001 e 2002, registrando uma queda de 15,49% na
produção de filhotes. Em áreas de grande produção, como Abufari e
61
Walter Buri, com um trabalho de muitos anos de proteção, as
populações de quelônios parecem ter atingido certo equilíbrio e
estabilidade, não havendo grandes variações. Contudo, em outras
áreas, onde o trabalho havia iniciado há poucos anos, o impacto foi
muito mais significativo.
A situação foi mais grave ainda nas grandes áreas
produtivas onde o governo trabalhava em parceria com as
comunidades. A redução da presença e, em muitos casos, a
completa ausência de técnicos do Governo e de recursos,
amparando os ribeirinhos, levou desânimo ao trabalho
comunitário que, com a falta de incentivos, registrou uma queda de
646.848 filhotes, em 2001, para 343.679 em 2005, ou seja,
46,86%. Apenas em áreas de manejo comunitário, onde o governo
se fez presente através dos trabalhos da Ufam e recursos do
ProVárzea-Ibama, como as trabalhadas pelo Programa Pé-de-
Pincha, a produção comunitária cresceu mantendo o ritmo de
2001-2002 e permitiu a sistematização dos dados de produção.
Segundo Pinto & Pereira, 2004, que analisaram os
incentivos institucionais em áreas de manejo comunitário de
quelônios do Programa Pé-de-Pincha: “os locais onde os usuários
foram mais bem-sucedidos em criar e manter esquemas de manejo
conservacionistas correspondem àqueles cujas instituições são
mais efetivas e eficazes e possuem um melhor grau de
contribuição”. Eles sugerem, para efetivação de uma co-gestão dos
recursos pesqueiros, uma nova forma de incentivo às organizações
comunitárias através da institucionalização do “subsídio azul”,
definido como um recurso público a fundo perdido, destinado
àquelas comunidades devidamente regularizadas e
comprovadamente efetivas no manejo participativo da fauna
aquática e dos recursos hídricos. Outra forma de incentivo seria a
geração de renda através da criação comunitária semi-intensiva ou
62
Figura 2: Variação na produção de filhotes de quelônios em áreas protegidas pelo RAN/Ibama-AM em 2001 e 2005.
extensiva (prevista na minuta da nova portaria de criação de animais silvestres – Anexo VI – Quelônios – Item II) e/ou da venda de filhotes de áreas de manejo comunitário para criadores.
Principais tabuleiros
A) Rio Juruá:
A.1) Alto Juruá: tabuleiros de Walter Buri, Nova Olinda/São
Francisco, Matupá e outros.
Nesse rio de águas barrentas, estreito e cheio de curvas, no trecho
compreendido entre as cidades de Eirunepé e Itamarati, existem
diversas praias de desova de quelônios. Muitos desses tabuleiros
foram protegidos por antigos donos de seringais. O mais famoso
deles é o tabuleiro de Walter Buri, em italiano, o Castelo de Ouro,
localizado em frente à vila do seringal que tinha o mesmo nome.
Desde 1983, o então IBDF realiza o monitoramento, controle e
Produção de filhotes de quelônios em áreas protegidas no
Amazonas
0
50000100000
150000200000
250000
300000350000
400000
Pé-de
-pinch
a
Can
utam
a
Borba
Car
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i
Walte
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i
Juru
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Jaú
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Tefé-
Mam
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Coa
ri
Áreas
No
.
2001
2002
2003
2004
2005
63
manejo das populações de quelônios que desovam naquela área.
Entretanto, existem outras praias promissoras como a do tabuleiro
de Nova Olinda/São Francisco, praia do Gado, Dois Irmãos,
Matupá, Estirão do Óbito e São João (esta última a 30 minutos de
Eirunepé). Walter Burí situa-se a 416 km de Eirunepé (238 km em
linha reta), ou seja, a 8 horas de viagem em um bote com motor de
popa 60 HP (coordenadas: 6º28'10”S; 68º26'24”W; 120 m de
altitude). Essas áreas são controladas pelo Escritório do Ibama em
Eirunepé, através dos Agentes de Defesa Florestal João Dejacy e
Carlos Augusto Bié.
O RAN/Ibama possui um flutuante, reformado em maio de 2 2001, com bóias de ferro, uma balsa de 80 m de área e uma casa de
260 m de área construída (dois quartos, um banheiro, uma sala-
cozinha), toda mobiliada, e com gerador de energia a diesel. Essa
base, ancorada anualmente em frente ao tabuleiro de Walter Buri,
do outro lado do rio, próximo à vila, serve de alojamento para a
equipe de agentes de praia, chefiada pelo sr. Raimundo Nonato
“Curisco”, que é auxiliado pelos srs. Francisco Amâncio e Sílvio
Santos. Os trabalhos de proteção têm início em maio, quando os
quelônios saem dos lagos para o rio para reproduzirem-se. Nesse
período, a vigilância das “bocas” desses lagos é fundamental para
que os quelônios consigam chegar até as áreas de postura. Dois
lagos merecem especial atenção: o Lago do Tarira, de propriedade da
Empresa Macacuera, do sr. Naochi Kubota, vigiada há três anos pelo
sr. Amâncio; e o Lago do Maturani, vigiado há dois anos pelo sr.
Sílvio Santos. O trabalho se estende durante todo o período
reprodutivo (junho-setembro), passa pela eclosão e nascimento dos
filhotes (outubro-novembro) e vai até fevereiro, quando é necessário
vigiar novamente as bocas dos lagos, pois ocorre outra migração dos
quelônios, do rio para os lagos (de alimentação).
64
65
Figura 4: Base flutuante de Walter Buri – Rio Juruá/AM. Foto: RAN/AM.
(Andrade, P.C.M.).
O tabuleiro de Walter Buri tem fornecido filhotes para os
criadouros de quelônios do Amazonas desde 1999 (cerca de 25.000
filhotes de Podocnemis expansa/ano). Os demais filhotes de
tartaruga são soltos no lago da Cachoeira, lago do Maturani, igarapé
de Nova Olinda e, do outro lado do rio, próximo a Walter Buri, desde
que haja bastante capim. Tracajás (P. unifilis) e iaçás (P.
sextuberculata) saem espontaneamente de seus ninhos e correm
para a água (as covas de tartaruga são marcadas e manejadas; as
dos tracajás apenas contadas e as das iaçás são estimadas). Na
Tabela 2 apresentamos o georreferenciamento das praias de desova
de quelônios e dos lagos de alimentação.
66
Figura 5: Transporte de filhotes de tartaruga (P. expansa) de Walter Buri para criadores registrados no Amazonas, 2002. Foto: RAN/AM (Andrade, P. C. M.).
67
Tabela 2: Tabuleiros e lagos de alimentação de quelônios situados entre Eirunepé e Itamarati, no Alto rio Juruá
Local
Tipo
Coordenadas
Dimensões
da praia
Nº deninhos em 2001
Nº
de filhotes produzi_ dos ou soltos
Walter Buri
Tabuleiro de desova
6º28’54’’S;
68º25’54”W e 119 m dealtitude
4.000 m X 200 m
Tartaruga= 560
Tracajá=600
Iaçá=1000
72.588
São Francis_ co
Tabuleiro de desova
6º29’25” S;
68º31’56” W
4.500 m X 200 m
Tartaruga= 15
Tracajá=321
10.178
Matupá
Praia de desova
6º26’46”S;
68º29’16”W
4.000 m X 150 m
Tartaruga=2
Tracajá=23 Iaçá=125
2.885
Do Gado
Praia de desova
6º27’55”S;
68º27’29”W
Tartaruga=5
418
Maturini
Praia de desova
6º30’22”S;
68º27’29”W
1.000 m X 100 m
Tartaruga=1
84
Dos Dois Irmãos
Praia de desova
6º26’8”S;
68º28’55”W
1500 m X 80 m e2.800 m X 80 m
Tartaruga=5
418
TOTAL DE FILHOTES PRODUZIDOS EM 2001
86.571
Local
Tipo
Coordenadas
Espécie
Nº/espécie
Nº t otal de filhotes
Estirão do Óbito e SãoJoão
Potenciais praias de desova
30 minutos de Eirunepé, descendo o rio na margemdireita
Tartaruga
Tracajá
-
-
Lago do Maturani e doTarira
Lagos de alimenta_ção
6º30’37”S;
68º27’24”W
Tartaruga
2.300
2.300
Igarapé de Nova Olinda
Rota de migração
6º28’19”S;
68º 30’45”W
Tartaruga
1.000
1.000
Lago Cachoei_ ra
Soltura
-
Tartaruga
3.500
3.500
Walter Buri
Soltura
-
Tartaruga
Tracajá
Iaçá
1.031
31
16
1.078
FILHOTES SOLTOS EM OUTROS LUGARES EM 2001
7.878
68
A.2) Médio Juruá: Tabuleiros da Reserva Extrativista (Resex) Médio Juruá em Carauari/AM.
A atividade de produção de quelônios em praias manejadas está inserida no programa de manejo de uso múltiplo dos recursos da Resex, sendo mais uma alternativa de renda para as comunidades, ao mesmo tempo que conserva essas espécies que, na região, já estiveram bastante ameaçadas. Na Tabela 3, verificamos um aumento proporcional na produção de quelônios em relação ao tempo de criação da área de proteção, o que leva a crer que tal iniciativa pode estar proporcionando condições para melhorar a reprodução dos quelônios. As comunidades da Resex decidiram proteger particularmente a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), evitando a captura de adultos e a coleta de seus ovos, ficando o tracajá (P. unifilis) e o iaçá (P. sextuberculata) sob proteção relativa, posto que eles fazem parte do cardápio daquelas populações tradicionais durante a vazante do rio.
Figura 6: Tabuleiro Deus é Pai – Resex Médio Juruá/Carauari-AM. Foto: RAN/AM (Oliveira, P.H.G.).
69
Figura 7: Tabuleiro do Ati, comunidade do Roque, Resex Médio Juruá, Carauari/AM. Foto: RAN/AM (Andrade, P.C.M.).
Figura 8: Rastros de P. expansa, tabuleiro do Ati, Resex Médio Juruá, Carauari/AM. Foto: RAN/AM (Oliveira, P.H.G.).
70
Tabela 3: Produção de quelônios nas praias manejadas da Resex do Médio Juruá, no período de 1994 a 2006.
Fonte: Ibama/CNPT, RAN-AM (2003) e Andrade & Brelaz (2006).
Os tabuleiros da Resex são remanescentes das áreas
protegidas pelos antigos donos de seringais. São, ao todo, dez áreas:
Jacaré (seringal Pupunha, comunidade Nova Esperança), Deus é
Pai, Manariã, Ati (comunidade do Roque), Gumo do Facão, Bauana,
Bom Jesus, Marari/Pau-Furado (comunidade Monte Carmelo),
Itanga, Mandioca.
Oficialmente, pelo Ibama, o trabalho começou em 14 de
agosto de 1994 com registro da 1ª postura no tabuleiro do
Pupunhas. Naquele ano foram monitorados os tabuleiros Deus é Pai
ou Pão, Pupunha e Manaria pelo Agente do Ibama, sr. João de Deus
Coelho.
O tabuleiro do Jacaré, protegido pelos agentes da
comunidade Nova Esperança, está localizado no antigo seringal
Pupunha. Nele, o seringalista Basílio Coelho Bastos pagava vigias de
praia e recebia a produção de de filhotes no grande barracão.
71
Iaçá Tartaruga Tracajá ano filhote covas filhotes covas filhotes
vivo morto vivo morto 1994 150.000 465 43.721 - 1029 24.949 - 1995 - 249 28.418 - 1.033 33.572 - 1996 - 460 40.376 - 704 6.163 - 1997 98.781 - 43.046 - - 13.140 - 1998 121.666 542 58.804 174 666 25.949 100 1999 144.783 616 76.521 8.256 712 23.008 449 2000 165.530 876 101.644 - 946 29.882 - 2001 186.086 - 118.332 - 1106 36.313 - 2002 81.096 600 69.696 142 574 15.598 9 2003 89.656 679 78.784 140 976 27.345 120 2004 103.608 426 49.416 219 396 8.741 - 2005 70.230 426 42.531 - 735 13.709 - 2006 54.133 467 47.423 - 834 20.109 - Total 1265569 5341 798.712 8.931 11338 278.478 678
Soltava todos em um pequeno igarapé que permitia, quando enchia,
que os filhotes saíssem naturalmente para o rio Juruá. Depois, o
seringal foi vendido para a Maginco. Quando o IBDF assumiu a
proteção da área já havia o trabalho que foi mantido com o sistema
de contrato de agentes de praia, acampamento e marcação de
tartarugas. Tudo isso acompanhado pelo sr. João Tomaz/IBDF.
Com o tempo e o crescimento de Carauari, começaram a invadir o
tabuleiro, então ficou muito ruim até criarem a Resex. No Jacaré,
desovam 32 tartarugas. Segundo os agentes, em 2001 desovaram 24
tartarugas e 140 tracajás, em 2000, haviam desovado 34 tartarugas
e 130 tracajás. O período de boiadouro para iaçá e tracajá é em junho
e a desova destes ocorre em julho/agosto, já as tartarugas desovam
em agosto/setembro.
O tabuleiro do Ati também pertence à área do seringal
Pupunha, sendo manejado pela comunidade do Roque, que fica
distante da margem do Juruá (tem de entrar em um lago e caminhar
uma hora na mata de várzea até chegar à comunidade). Esse
tabuleiro é o que detém, hoje, a maior produção, cerca de 280 covas
de tartaruga. O Manariã é o segundo mais produtivo, entretanto é
manejado por uma só família. O terceiro em produção é o Mandioca,
seguido do Gumo do Facão ou do Bauana. No Marari, desovam mais
tracajás. A Tabela 4 apresenta as coordenadas e informações sobre
os tabuleiros.
O tabuleiro Deus é Pai já foi o mais produtivo na área do
antigo seringal Pão, todavia, houve o encalhe de uma balsa com
8.000 sacos de farinha e a movimentação das máquinas para
desencalhar a balsa e a dragagem da praia espantaram as
tartarugas. Hoje, a presença de gado na praia também prejudica.
No Jacaré, Manariã e Deus é Pai, os agentes de praia usavam o
capitari (macho da tartaruga) preso em um cercado como “indez”
ou“chama”. Na Fig. 9, a reprodução de aves nas praias da Resex.
72
Na mesma época da nidificação dos quelônios, os tabuleiros também são brindados com muitas aves reproduzindo nas praias como corta água, gaivotas e bacurau. Os filhotes lutam pela sobrevivência quando não são assados pelo sol abrasador ou servem de alimento para os jacarés, mucuras etc.
Os ovos do corta-água e gaivotas são tão camuflados que são confundidos com a coloração da área nos tabuleiros. Os filhotes também possuem uma pelagem inicial muito parecida com a areia da praia.São estratégias dos animais para se livrarem dos predadores.Os tabuleiros já estão também f a z e n d o u m c o n t r o l e d a ovoposição das aves e também das iguanas que desovam em grande quantidade, em algumas praias.
73
Tabela 4: Informações sobre tabuleiros e localidades referenciais na Resex Médio Juruá.
Tabuleiro/ localidade
Coordenadas Nº defamílias (nº hab.)
Pupunha (Jacaré)
5º8’51” S; 67º7’35”W à 1 .500 m de Nova Esperança (5º5’29”S; 67º10’5” W; alt.=74m)
27 (168)
Ati
5º10’57”S; 67º11’45”W
Praia
Porto do Roque
5º6’13”S; 67º11’59”W
59 (298)
Gumo do facão
5º4’33”S; 66º53’42”W -
alt.=74m
21(110)
Bauana
5º25’18.7’’S;
67º’17’12’’W
18(117)
Deus é Pai
5º42’44”S e 67º35’72”W-alt=64 m
3 (11)
Bom Jesus
5º22’37.9’’S; 67º12’55”W
22(143)
Mari-Mari
5º45’94”S e 67º45’04”W-alt.=68m
3(15)
Manariã
5º28’15”0S;
67º28’31”W-alt.=68 m
5(18)
Monte-Carmelo (Pau Furado)
5º53’70”S e 67º56’52”W-alt.=74m
9 (18)
Itanga
5º45’48’’S;
67º49’56’’W -
alt.=77m
13(67)
Mandioca
5º59’86”S e 67º58’55”W - alt.=73m
14(77)
O IBDF/Ibama administrava os tabuleiros dando para os agentes
rancho e combustível. No começo, eles não tinham motor, depois
conseguiram comprar motores tipo rabeta (apenas dois ou três
ainda não têm). Quando foi criada a Resex, o CNPT passou a pagar
um salário para duas pessoas (nesse período, contribuíram para os
trabalhos o Conselho Nacional de Seringueiros e o Greenpeace).
Hoje, os tabuleiros são administrados por associações da Resex,
como a Asproc (Associação dos Produtores Rurais de Carauari), que
paga R$ 200,00 para duas pessoas e fornece dez litros de gasolina,
durante seis meses. Ao todo, 27 famílias de agentes são beneficiadas
diretamente pelo recurso, embora em 2001 todos os agentes tenham
reclamado do atraso e no pagamento incompleto (só R$ 50,00 em
dinheiro e R$ 50,00 de rancho/pessoa). Os recursos são
provenientes de um projeto junto ao BNDS, coordenado pela Asproc.
Em maio foram liberados R$ 14.400,00 para pagamento
74
dos agentes. A Asproc também faz o escoamento dos principais
produtos agrícolas da Resex: farinha e banana (atualmente,
prejudicada pelo mal da Sigatoga Negra).Em 2003 o projeto de preservação dos tabuleiros teve
financiamento do Ministério do Meio Ambiente – MMA, através de
um trabalho técnico proposto pela Asproc, sendo as atividades
coordenadas por um membro da diretoria da associação, que atuou
como coordenador do projeto,Manoel Cruz “Manoelzinho”, e por
técnicos do Ibama, lotados na Resex do Médio Juruá, João de Deus,
Mônia e Aldízio Lima, respectivamente. Esse projeto previa auxílio
para os vigias na forma de alimentação, a cada mês, recursos para
viagens de monitoramento mensal das atividades dos vigias e
compra de equipamentos para a implementação das ações de
preservação dos quelônios.O trabalho de vigilância dos tabuleiros é realizado pelos
ribeirinhos, através da construção de uma base (normalmente uma
casa de madeira coberta de palha) na margem oposta do rio onde
está localizado o tabuleiro, dessa forma, os vigias possuem uma
base para que possam permanecer durante o dia e a noite. O
trabalho de preservação consiste na vigilância dos tabuleiros para
evitar a invasão por estranhos para a retirada de ovos e a coleta de
animais desovando, a marcação das covas dos animais para o
controle do número que desova em cada praia, e o controle da data
de eclosão dos filhotes. Também é realizado através de fichas: o
controle do número de animais que desovaram nas praias, o número
de filhotes que nasceram e que morreram e os ovos não eclodidos.
De 2004 a 2006, foi realizado um projeto na Resex Médio
Juruá pela Ufam e CNPT-Ibama, com recursos da Fapeam, para
estudar parâmetros de dinâmica populacional de tartaruga
(Podocnemis expansa), tracajá (Podocnemis unifilis) e iaçá
(Podocnemis sextuberculata) da região do Médio rio Juruá/AM,
75
através de manejo extensivo de ovos, filhotes e adultos, por
comunidade. Utilizou-se captura-marcação-recaptura, com
armadilhas/redes em diferentes microambientes e próximas às
áreas de nidificação. Os quelônios foram marcados com perfuração
de carapaça (Figura 10).
Figura 10: Captura de quelônios com rede trammel-net no sacado do Mari-Mari – Resex Médio Juruá, biometria, marcação, soltura e aplicação de questionários. Fotos: C.Dias A.Jr. (2005).
Foram aplicados 45 questionários em nove comunidades na Resex Médio Juruá. Foram identificadas oito espécies de quelônios : Podocnemis expansa ( 16 % ) , P. unifilis ( 16 % ),
76
P. sextuberculata (16%), Peltocephalus dumerilianus (4%), R.
punctularia (11%), G. denticulata (16%), G. carbonaria (5%) e C.
fimbriatus (16%). Os comunitários informaram que os quelônios
alimentavam-se principalmente de flores (21%), frutos (17%),
sementes (17%), insetos (15%) e peixes (13%). No Médio Juruá, as
principais espécies consumidas são P. unifilis (tracajá) 31%, P.
expansa (tartaruga) 26%, Geochelone spp. (jabuti) 17% e P.
sextuberculata (iaçá) 16%. Cerca de 28% dos moradores utiliza a
gordura de quelônios como remédio (Nascimento & Andrade, 2005).
Os apetrechos mais utilizados na “pescaria” de quelônios no
Médio Juruá são a malhadeira, o arrastão, o arpão e o jaticá (40%).
No Médio Juruá, o tracajá custa R$ 18,12 ± 5,9, a tartaruga R$ 90,0 ±
40,8, o iaçá R$ 3,75 ± 2,6 e o jabuti R$ 10,87 ± 5,3.
Há maior abundância de iaçás (Podocnemis sexturbeculata)
na Resex Médio Juruá (59%). O período com maior número de
capturas é à tarde. No fim da tarde e à noite, foram os momentos de
captura dos animais maiores em comprimento e peso. No período de
cheia dos rios os quelônios concentram-se nos lagos e na floresta
alagada, pela maior oferta de alimentos e proteção contra
predadores. Os aparelhos de pesca de maior eficiência para tracajás
e iaçás foram as caçoeiras, dos comunitários. E, para as tartarugas,
as malhadeiras. A comunidade Bom Jesus mostrou maior
quantidade de cascos utilizados em casas de farinha (para tirar a
massa) e em residências. Os cascos mais utilizados são os de iaçá,
talvez por serem quelônios em maior abundância na região, uma vez
que os comunitários preferem utilizar cascos de tracajá por serem
médios.
O maior pico de desova do iaçá ocorre no período de julho e
agosto. A tartaruga e o tracajá apresentam seu período de desova nos
meses de agosto e setembro . Os maiores tabuleiros : Deus
é Pai , Ati ( Roque ) e Monte Carmelo . As médias de
77
ovos por ninhos: tartaruga=122,5 ovos; tracajá=27,4 ovos; iaçá=7,9
ovos; cabeçudo=5 ovos; jabuti=8,8 ovos; matá-matá=12,5 ovos
(Nascimento & Andrade, 2005).
Os maiores quelônios foram capturados na seca. Na cheia, o
peso de animais capturados foi: tartaruga=1.652,32 1.619,81g,
idade=3,68 0,98 anos (100% fêmeas), tracajás=2.413,27 1.696,14
e idade= 6,25 1,95 anos (9,09% fêmeas), iaçás=637,58 535,32 g e
idade=2,91 1,25 anos (43,32% fêmeas). Na seca: tartaruga=4.355
7.635 g, idade=6,78 8,76 anos (máximo=30 anos) e 81,12% fêmeas,
tracajás=2.018 2.703,6g, idade=2,63 2,13 anos e 84,05% fêmeas; e
iaçá=612,1 324,2g, idade=5 1,5 anos e 65% fêmeas. O crescimento
médio de iaçás na natureza, com base na recaptura de animais
marcados, foi de 0,10 ± 0,95 g/dia (Almeida Jr. & Andrade, 2006).
A.3) Baixo Juruá: tabuleiros de Joanico, Renascença, Antonina e
Botafogo, em Juruá/AM
O município do Juruá (antigo Caetaú) possui tabuleiros
comunitários tradicionais como o da Antonina e Botafogo e
tabuleiros estabelecidos graças aos esforços da prefeitura daquela
cidade, através do sr. Tabira Ramos Dias Ferreira. O tabuleiro do
Joanico teve um trabalho de conservação iniciado em 1983, sendo
conduzido nos períodos de 1983 a 1988 e de 1996 até hoje. São
realizados trabalhos de proteção com o objetivo de manter o recurso
quelônio e recuperar as populações de tartarugas, tracajás e iaçás do
rio Juruá. Através da Secretaria de Meio Ambiente e Turismo (criada
em 1996) e de 36 agentes ambientais voluntários são realizados os
trabalhos de conservação.
O tabuleiro do Joanico mede 2.600 m x 200 m. O boiador
acontece da seguinte forma: 2ª quinzena de junho – iaçás;
78
tracajás; 1ª quinzena de agosto – tartarugas.
O período de desova vai de julho a setembro (julho-agosto, as iaçás;
agosto-setembro, tracajás e tartarugas). As iaçás põem de quatro a
nove ovos, os tracajás de 20 a 25, podendo chegar a 36 ovos, e as
tartarugas podem colocar de 120 a 230 ovos. Em 2001 foram
marcadas 195 covas de tartaruga e 165 de tracajá. No tabuleiro
Renascença, próximo ao Joanico, o agente registrou três covas de
tartaruga e 120 de tracajá. Os principais predadores de ovos são:
jacuraru, camaleão, urubu, gavião-de-bico-vermelho; os
predadores de filhotes são: urubu, gaivota, jacaré, gavião e peixes
lisos (bagres). A eclosão ocorre de outubro a novembro e os agentes
estimam como período de incubação: 60 dias para a tartaruga e o
tracajá e 90 dias para as iaçás (informações dos agentes).
2ª quinzena de julho –
Figura 11: Equipe do tabuleiro do Joanico, Juruá/AM, 2001. Foto: RAN/AM
(Andrade, P.C.M.).
O trabalho no Joanico consistiu em piquetear as covas de
tartaruga e tracajá, coletar filhotes e soltar no rio ou nos lagos. Em
2001, pela primeira vez, foram utilizados oito berçários de 1,5 m x
1,5 m x 1,5 m, de madeira, telado com sombrite. Antes, trabalhava só
um agente de praia, o sr. José de Nascimento Santana. Nos últimos
anos tem trabalhado uma equipe de fiscalização:
79
Coordenador/Secretário de Meio Ambiente e Turismo: 1º
Sargento PM Francisco Jesus Barbosa de Souza; Agentes
Ambientais Voluntários: GM Enéas Pereira da Silva; GM Damião
Cavalcante Oliveira; GM José Ilson Gomes da Silva; GM Luís Carlos
Gomes Ribeiro; GM Francisco Roberto Mesquita Cabral; GM
Francisco Deusimar da Silva; GM Antônio Israel de Araújo Filho; GM
Wagner Pedrosa da Silva Júnior; Antônio Maximiniano Mendonça
de Brito (Jabuti), agente de praia do tabuleiro da Renascença/Boca
do Breu.
A fiscalização começa em junho (saída dos quelônios dos
lagos de alimentação) e vai até o final de setembro. É feita em barcos
ou voadeiras e através de denúncias. Em 1999, a pressão sobre os
quelônios era grande pelos pescadores vindos de Manacapuru para
contrabandear quelônios. A equipe ambiental do Juruá realizou a
maior apreensão de quelônios do Brasil, em todos os tempos. Foram
44.000 animais apreendidos em oito barcos de Manacapuru, no ano
de 1999, sem nenhuma participação do Ibama. Os animais foram
colocados em uma balsa na frente da cidade, para que a população
visse e, então, soltos no rio Juruá. Algumas pessoas choravam na
multidão ao presenciarem a cena com muitos iaçás já mortos.
A.3.1. Tabuleiros de nidificação dos quelônios aquáticos na calha do
rio Juruá
O maior tabuleiro de quelônios é o tabuleiro do Joanico,
localização 3º51'21,0”S; 66º21'59,5”W. É um tradicional tabuleiro
com mais de 30 anos de conservação. No passado era controlado por
seringueiros e o único indicativo para impor certo respeito eram as
bandeiras (bandeira branca indica paz na praia e bandeira vermelha
indica perigo, área com grande concentração de ninhos). No ano de
2003, o tabuleiro tinha 1,7 km de praias com largura de 320m na
calha do rio Juruá.
80
Naquele mesmo ano, desovaram 251 tracajás (P. unifilis), 63
tartarugas-da-amazônia (P. expansa), centenas de aves que
encontraram no tabuleiro de Juanico um raro lugar seguro para
fazer seus ninhos, e as incontáveis iaçás (P. sextuberculata) lá
nidificaram. O tabuleiro de Joanico é a grande prova de que a vida
explode do calor do solo quando não é interrompida pela ganância
humana.
Nos tabuleiros protegidos nos impressionou a abundância de
pássaros nidificando, ocorrendo principalmente gaivota (Phaetusa
simplex e Sterna superciliaris), corta-água (Rynchops nigra),
maçarico (Charadrius collaris e Vanellus cayanus ) e bacurau
(Chordeiles rupestris). As praias protegidas ficam tomadas pelas
aves aquáticas e seus ninhos, provocando grande algazarra à medida
que chegávamos perto, tentando defendê-los, dando rasantes em
nossas cabeças e na dos predadores que ousam se aproximar.
Figura 12: Filhotes de trinta-réis (Phaetusa simplex). Fonte: Paulo
Henrique Oliveira.
A.3.2. Pressão de caça e predação
Detectamos algumas dezenas de praias, ao longo do caminho, que
pareciam desertas, inteiramente desabitadas e predadas, vítimas da
intensa predação, como a retirada de ovos das aves aquáticas e dos
81
quelônios, arrastões na margem das praias e coleta das fêmeas no
ato da postura. Os iaçás (P. sextuberculata) e tracajás (P. unifilis), que
ocorrem em maior freqüência, são os mais coletados.
A preferência alimentar pelas famílias usuárias da Resex do
Baixo Juruá são, respectivamente: tracajá (Podocnemis unifilis),
tartaruga (Podocnemis expansa), Jabuti-amarelo (Geochelone
denticulata), iaçá (Podocnemis sextuberculata), tartaruga de igapó
(Phrynops raniceps) e matá-matá (Chelus fimbriatus).
Os subprodutos utilizados na medicina tradicional são:
banha da tartaruga – para confecção de creme para a pele e o cabelo, 1rendidura e dor muscular; chá da escama da carapaça do jabuti –
para tosse, asma e assadura. Se o paciente for homem tem que ser
de jabuti fêmea e vice-versa; chá da escama assada da carapaça do 2matá-matá – para assadura; carapaça – capitari , fêmea do tracajá
3e iaçá e zé-prego - é usada como comedouro p/ animais domésticos
e principalmente para remover a massa de mandioca, para o forno,
na casa de farinha.
As espécies mais comercializadas na cidade de Juruá e na
Resex são: tracajá R$ 25-30,00, tartaruga R$ 200,00 ou R$ 4,00 o
quilo, iaçá R$ 5-6,00. Existem muitos regatões na margem do rio
Juruá navegando em chalanas. Eles transportam os quelônios para
comercializar nas cidades de Juruá, Fonte Boa, Tefé, Manacapuru e
Manaus-AM. Muitos comunitários também levam, há comércio nas
comunidades, mas não é tão intenso quanto na cidade.
¹Rendidura – hérnia escrotal;²Capitari – macho da tartaruga;³Zé-prego – macho do tracajá;
82
Figura13: Tracajá (P. unifilis) sendo comercializado na cidade de Juruá.
Fonte: P.H. Oliveira.
É freqüente o encontro com vários barcos peixeiros na calha do
rio Juruá, sempre acompanhados por muitas canoas e cheios de
caixas de isopor. Nas margens do rio observamos outras várias
caixas de isopor dispostas nos portos das casas. Não há controle do
fluxo de embarcações que navegam o rio Juruá. Com trânsito livre, a
região fica vulnerável e grande parte dos recursos da região é
retirada. Alguns exemplos que mostram o grau de predação: no ano
de 1999, a polícia de Juruá prendeu oito barcos que, juntos,
transportavam cerca de 44.000 quelônios e dois meses depois, mais
800 indivíduos. Por informações dos comunitários, sabe-se que no
ano de 2002 passaram 8.000 animais para o município de Alvarães,
pelo Igarapé do Breu.
São vários os predadores de quelônios encontrados nos
tabuleiros do rio Juruá na época da desova dos quelônios.
Predadores de ovos: homem, jacuraru (Tupinambis sp.), mucura
(Didelphis marsupialis), gavião-preto (Buteogallus urubitinga),
urubu (Coragyps atratus), paquinha (Orthoptera, Gryllotalpidae),
macaco-prego (Cebus apella). Predadores de filhotes: bagres em
geral e aruanã (Osteoglossum sp.), piranha (Pygocentrus nattereri),
pirarara (Phractocephalus hemioliopterus), jacaré (Caiman
crocodylus e Melanosuchus niger), corta-água (Rynchops nigra),
83
gaivota (Phaetusa simplex), gavião-preto (Buteogallus urubitinga),
urubu (Coragyps atratus ), gato-maracajá (Leopardus wiedii).
Relato da sra. Raimunda – comunidade do Socó: “O tracajá
aumentou, mas o iaçá diminuiu, os bichos de casco estão
diminuindo, tartaruga nem se vê falar meu irmãozinho”.
A.3.3. Envolvimento comunitário
Na região do Baixo Juruá, somente quatro praias possuem um
histórico de conservação: Tabuleiros de Joanico, Renascença,
Antonina e Botafogo. O sistema de vigilância das praias era feito por
revezamento entre os comunitários (um fica durante o dia todo e o
outro fica à noite). As praias não eram estáveis, todos os anos,
devido às correntes do rio e à inundação anual, as praias mudam de
forma (altura, largura e, muitas vezes, crateras são criadas ao longo
da praia). O sistema de sinalização das praias é herdado dos
seringais e tem uma bandeira como um marco indicando que a praia
é protegida. As áreas de uso e de conservação da praia eram
demarcadas na época de reprodução dos quelônios, usando
bandeiras brancas e vermelhas.
As comunidades Botafogo e Antonina têm um histórico de
mais de 15 anos de proteção dos tabuleiros, que eram saqueados por
índios da etnia Deni e Culina, no trajeto em direção à cidade de
Juruá, para receber benefícos do governo, como aposentadoria.
Essa falta de sintonia entre irmãos indígenas e ribeirinhos
enfraquecia as ações de conservação dos quelônios aquáticos.
A.3.4 Produção nos tabuleiros
A produção de filhotes no tabuleiro do Joanico cresceu
bastante de 1998 a 2002, como mostra a Tabela 5.
84
Tabela 5: Estimativa de filhotes nascidos no tabuleiro do Joanico de 1998 a 2002.
Ano
Espécie
Número de
ninhos
Filhotes soltos
1998
P. expansa
76
7.618
P. unifilis
132
3.571
P. sextuberculata
5.210
52.101
Total
5.418
63.290
1999
P. expansa
152
18.496
P. unifilis
157
4.782
P. sextuberculata
6.720
67.204
Total
7.029
90.482
2000
P. expansa
158
19.000
P. unifilis
160
4.986
P. sextuberculata
7.510
80.753
Total
7828
104.739
2001
P. expansa
170
21.490
P. unifilis
170
5.200
P. sextuberculata
8.075
80.735
Total
8.415
107.425
2002
P. expansa
185
27.900
P. unifilis
185
6.275
P. sextuberculata
10.050
100.500
Total
10.420
132.225
Fonte: Secretaria de Meio Ambiente e Turismo de Juruá-AM e RAN-
Ibama/AM, 2003.
O número médio de ovos foi: tartaruga=130 ± 30,8 ovos,
tracajás=29,11 ± 1,25 ovos e iaçás=8,33 ± 2,31 ovos (Andrade,
2001). O comprimento médio dos ovos ficou em torno de 40 mm para
o tracajá, 40,5 para a iaçá e a circunferência do ovo da tartaruga
ficou em torno de 41,5 mm. Quanto à largura: tracajá 28 mm e iaçá
26 mm.
85
O peso médio dos ovos de tartaruga ficou em torno de
37,46 g, tracajá 23,30 g, iaçá 22,40 g. Geralmente o ovo do
tracajá é mais pesado que o de iaçá. Essa diferença pode ser
pelo número pequeno de amostras dos ninhos. O número
médio dos ovos nos ninhos fica em torno de 25-30 ovos
(tracajá), 70-130 (tartaruga) e 9-12 (iaçá). A taxa de eclosão foi
de 88,56% para Podcnemis expansa, 96,4% para P.unifilis e
92,3% para P. sextuberculata (Andrade, 2001).
No tabuleiro de Renascença foram produzidos, em 2001,
273 filhotes de tartaruga (P. expansa), 360 de tracajá (P.
unifilis) e 5.441 de iaçá (P. sextuberculata).
A.3.5 Tabuleiros comunitários da Resex Baixo Juruá:
Botafogo, Antonina e Itaúna
A produção dos tabuleiros, dentro do que viria a ser a
Resex Baixo Juruá, foi estimada, por Andrade (2001), em
130.011 filhotes (1,30% P. expansa, 6,79% P. unifilis, 91,92%
P. sextuberculata). Isso foi equivalente a 65,81% dos filhotes
gerados em áreas protegidas no Baixo Juruá (Joanico e
Renascença produziram 67.520 filhotes). Observou-se um
aumento percentual em relação à participação dos tabuleiros
da Resex na produção total do Baixo Juruá, já que em 1995 o
tabuleiro de Botafogo colaborou com apenas 13,91% do total
produzido (231.902 filhotes de quelônios – 3,4% de
tartarugas, 5,16% de tracajás, 91,42% de iaçás) sendo o
restante oriundo do Joanico (Andrade, 2001). A Tabela 4
apresenta a produção de filhotes de quelônios em Antonina,
Botafogo e Itaúna, em 2001.
86
Tabuleiro Espécie Nº de Ninhos
Nº Médio de ovos
Nº Total de ovos
Nº Estimado de filhotes
Antonina
Tartaruga
6
125-133
800
780
(3º23’40”S e 66º4’18”W)
Tracajá
70
34
2380
1200
Iaçá
2600
10-11
27560
26000
Botafogo
Tartaruga
5
120-140 700
660
(3º20’8”S e 65º97’30”W)
Tracajá
170
30
5100
3400
Iaçá
9200
9-11
98924
92000
Itaúna
Tartaruga
2
110-142
284
250
(3º1’20”S e 65º54’24”W)
Tracajá
170
26
4.420
4230
Iaçá
213
10
2.130
1491
Total
12436
142394
130011
Obs. A área total dos tabuleiros é: Botafogo=3.600 m x 280 m, Antonina=
1.770 m x 150 m e Itaúna= 1.240 m x 239 m. Fonte: Andrade (2001).
A Figura 14 e a Tabela 7 mostram a evolução da produção
de quelônios nessas áreas da Resex. Observa-se uma tendência
gradual de aumento para cada ano de proteção, similar à
tendência observada por Andrade et al. (2006) para a Resex do
Médio Juruá e demais calhas de rios do Amazonas, onde ocorre o
trabalho de proteção, o que significa que poderemos utilizar o
modelo proposto para verificar a sustentabilidade das taxas de
extração anual.
87
Tabela 6: Produção de ninhos e filhotes de quelônios em
Antonina, Botafogo e Itaúna – Resex Baixo Juruá, 2001.
Produção de ninhos de quelônios em Botafogo
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Ano
N.T
raca
jás/
tarta
ruga
s
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
N.Ia
çás Tartaruga
Tracajá
Iaçá
Figura 14: Histórico da produção de ninhos de quelônios no tabuleiro
de Botafogo – Resex Médio Juruá. Fonte: Andrade (2001).
Em função dos trabalhos de proteção dos tabuleiros, os
comunitários conseguiram aumentar a produção em 3,75 vezes
para tartarugas, 4,4 vezes para tracajás e 9,4-17,7 vezes para iaçás,
ou seja, um aumento de 1.648% em 12 anos de proteção (1990-
2002).
A.3.6 Monitoramento de quelônios na Resex Baixo Juruá
Entre 2005 e 2006, o CNPT-Ibama/AM, Ufam e Inpa
realizaram, com recursos do Funbio e Arpa, o monitoramento de
quelônios para avaliar as populações de Podocnemis na Resex do
Baixo Juruá (Figura 15), através da aplicação de 51 questionários,
captura e marcação de indivíduos, em que foram obtidos dados
biométricos , razão sexual e outras informações sobre a
88
estrutura populacional dessas espécies. Essas informações
subsidiaram o plano de manejo da Resex. O monitoramento
contínuo fornecerá – associado aos dados de produção das áreas
reprodutivas – elementos sobre a dinâmica dessas populações, o
que nos permitirá analisar mais eficientemente os estoques e
verificar a sustentabilidade de taxas de desfrute anuais de ovos,
filhotes ou animais subadultos.
Tabela 7: Histórico da produção de quelônios em praias
protegidas na Resex Baixo Juruá.
Produção nos tabuleiros da Resex
Botafogo Ninhos Filhotes
Ano Tartaruga Tracajá Iaçá Tartaruga Tracajá Iaçá
1990 1 25 559 130 500 5.200
1991 2 52 1.075 265 1.040 10.000
1992 3 80 1.613 390 1.600 15.000
1993 4 93 2.151 520 1.860 20.000
1994 4 110 2.688 530 2.200 25.000
1995 4 120 3.175 536 2.400 29.530
1996 5 126 3.468 680 2.520 32.250
1997 5 134 4.970 680 2.680 46.220
1998 5 140 5.161 635 2.800 48.000
1999 5 148 5.726 642 2.960 53.250
2000 5 155 7.903 640 3.100 73.500
2001 5 170 9.892 660 3.400 92.000
Antonina Ninhos Filhotes
Ano Tartaruga Tracajá Iaçá Tartaruga Tracajá Iaçá
1998 2 35 2.400 220 860 24.000
1999 3 55 2.752 420 970 27.520
2000 4 65 2.600 662 1.100 26.000
2001 5 70 2.600 780 1.100 26.000
Fonte: Andrade (2001) e Secretaria de Meio Ambiente do Juruá (2002).
89
Figura 15: Locais de monitoramento de quelônios na Resex Baixo
Juruá – 2005/2006.
A.3.6.1 Informações baseadas nos questionários – espécies
de quelônios (habitat, alimentação, reprodução) e sua
utilização
Os comunitários identificaram dez espécies de quelônios
entre os animais mostrados nas pranchas coloridas: Podocnemis
expansa (tartaruga), Podocnemis unifilis (tracajá), Podocnemis
sextuberculata (iaçá), Peltocephalus dumerilianus (cabeçudo),
Rhinoclemmys punctularia ( perema ),
90
Platemys platycephala ( jabuti-machado), Geochelone
denticulata (jabuti-amarelo), Geochelone carbonaria (jabuti-
vermelho), Chelus fimbriatus (matá-matá) e Phrynops raniceps
(lalá ou tartaruga-de-igapó). Verificou-se que a designação ou
nomenclatura popular é diferenciada de outros locais da
Amazônia, pois chamam de perema a Phrynops nasutus, e lalá o
Platemys platycephala, tartaruga-de-igapó é a Phrynops
raniceps.
A alimentação desses animais é muito variada. Segundo
os comunitários, eles alimentam-se de frutos diversos,
inflorescências, sementes, animais em putrefação e algas. Os
alimentos disponíveis nos lagos e matas alagadas são bem
diversificados. Exemplo de frutos de igapó e matas alagadas:
abiorana, cajurana, caimbé, castanha, apuí, caxingubu, camu-
camu, socoró, marajá, muruxi, caimbé, tamaquari, jauari,
oxirna, bacuri e castanharana; macrófitas aquáticas e
gramíneas: canarana, mururé, mureru, taboca e capim-
membeca.
No Baixo Juruá, segundo os comunitários, os quelônios
alimentam-se de frutos (30,77%), plantas aquáticas (29,59%),
sementes (18,93%), peixes (14,79%) e flores (5,92%). Na Resex
Médio Juruá, segundo Andrade & Nascimento (2005), os
comunitários informaram que os quelônios alimentavam-se
principalmente de flores (21%), frutos (17%), sementes (17%),
insetos (15%) e peixes (13%).
Observou-se que, para os comunitários, a maioria das
espécies vive em rios, lagos, igarapés e cabeceiras (exceção do
jabuti que vive na floresta). Essa opinião é similar ao Médio
Juruá, onde, segundo os moradores, 66% dos quelônios
habitariam em lagos, rios e igarapés (Andrade & Nascimento,
2005).
91
Verificamos que os valores registrados para o número de
ovos não diferem significativamente dos encontrados por
Andrade (2001) para as principais espécies (tartaruga=130,8
ovos; tracajá=29,11 ovos; e iaçá= 8,33 a 11 ovos). No Médio
Juruá, Andrade & Nascimento (2005) registraram as seguintes
médias de ovos, por ninhos: tartaruga=122,5 ovos; tracajá=27,4
ovos; iaçá=7,9 ovos; cabeçudo=5 ovos; jabuti=8,8 ovos; matá-
matá=12,5 ovos. Essas médias foram inferiores às encontradas
no Baixo Juruá, principalmente, para os Podocnemis, o que,
provavelmente, resulta da influência maior, nessa região, de
quelônios do rio Solimões, que são animais muito maiores do que
a média dos animais da calha do Juruá (Andrade et al. 1999).
No Baixo Juruá, os quelônios preferidos para consumo são
os tracajás (43%), jabutis (15%), tartarugas e iaçás (12%), e mata-
matá (6%). No Médio Juruá, as espécies preferidas são: tracajá
(31%), tartaruga (26%), jabuti (17%), iaçá (16%). Verificou-se que
nas três regiões da Resex Baixo Juruá o preferido é o tracajá. Em
segundo lugar, dependendo da abundância ou não do recurso no
local, está a tartaruga. Em locais onde existem poucas
tartarugas, a preferência recai sobre o jabuti. O iaçá, apesar de
ser o mais abundante, não está entre os três preferidos.
Os apetrechos mais utilizados na captura de quelônios são:
a malhadeira (28,79%), o arrastão (18,18%), o jaticá (15,15%) e o
espinhel (9,09%). Andrade & Nascimento (2005) verificaram que
os petrechos mais utilizados na “pescaria” de quelônios no Médio
Juruá são a malhadeira, o arrastão, o arpão e o jaticá (40%).
A Tabela 8 apresenta o preço médio de venda das
principais espécies de quelônios, praticada nas comunidades
dentro da Resex (35%) e na cidade de Juruá (47%).
92
Os ovos de tracajá e iaçá são vendidos de R$ 15,00 a R$
20,00 , o cento.
Tabela 8: Preço médio de venda de quelônios e ovos na Resex
Baixo Juruá.
Espécie
Tracajá
Tartaruga
Tartaruga
Iaçá
Jabuti
(R$)
unidade
unidade
(kg)
unidade
unidade
Média
34,06
123,33
4,29
3,88
15,00
DP
8,41
66,53
0,70
1,32
3,54
Máximo
50,00
200,00
5,00
5,00
20,00
Mínimo
15,00
20,00
3,00
1,50
10,00
Observou-se que, assim como a carne de mamíferos e aves
silvestres, os preços de quelônios no Baixo Juruá são relativamente
mais caros quando comparados aos de outras regiões. No Médio Juruá,
o tracajá custa R$ 18,12 ± 5,9, a tartaruga R$ 90,0 ± 40,8, o iaçá R$
3,75 ± 2,6 e o jabuti R$ 10,87 ± 5,3 (Andrade & Nascimento, 2005).
Na Resex Baixo Juruá, 41,4% usam a banha de quelônios
como remédio e 48,3% usam o casco como pegador ou bacia, para
descansar a massa da farinha. Foi relatado que o casco do jabuti
torrado, diluído em água e tomado em jejum pela manhã,
combate a hemorróida. A banha da tartaruga é usada para
bronquite. No Médio Juruá essa utilização como remédio cai para
apenas 28% (Andrade & Nascimento, 2005).
A.3.6.2 Parâmetros de estrutura populacional de quelônios
na Resex Baixo Juruá
Na primeira excursão, no final da seca, foram capturados
115 indivíduos, dos quais: 26 eram tracajás (Podocnemis unifilis),
12 fêmeas e 14 machos; 84 iaçás (Podocnemis sextuberculata), 59
machos e 22 fêmeas e 3 indeterminados; 4 tartarugas (Podocnemis
expansa), 3 machos e 1 fêmea; e 1 Phrynops raniceps. Também
foram medidos 77 filhotes recém-eclodidos de tracajás e 4 filhotes
93
de tartaruga, de um mês, mantidos em cativeiro no igarapé do
Breu. O esforço de captura foi estimado em 0,5 quelônio/hora-
homem (76 horas, 3 pescadores, 3 redes). Na segunda excursão
foram capturados 67 iaçás (Podocnemis sextuberculata), uma P.
expansa, 1 P. unifilis e 2 Phrynops nasutus.
Na seca, 89,3% dos animais foram capturados à noite. Do
total de animais capturados, 68,5% eram machos. Quanto ao
local de captura, 67,5% foram capturados em enseadas, ressacas
ou remansos, em frente às praias de desova. Quanto à espécie, a
maior parte dos iaçás foi capturada à tarde (39%) ou à noite (49%),
sendo que 73% eram machos. Destes, 84% estavam em enseadas
ou ressacas na frente das praias, sendo que nesses ambientes,
58,3% foram machos. Na Tabela 9, apresentamos os dados
biométricos, razão sexual e média de idade dos animais
capturados e, na Figura 16 apresentamos as diferentes espécies
capturadas.
Tabela 9: Parâmetros biométricos, idade e razão sexual de
quelônios capturados no final da vazante, na Resex Baixo Juruá.
Parâmetro Tartaruga (P.expan-
sa)
Tracajá (P. unifilis)
Iaçá (P. sextuber_
culata)
Phrynops raniceps
Número de animais
4 26 84 1
Comprimento da carapaça (cm)
34,7±8,9 22,2±5,1 17,3±3,7 27,5
Peso (kg) 4,1±2,8 2,2±1,5 0,61±0,3 2,45 Idade (anos) 8 6,7±2,2 3,6±0,8 - Razão sexual 75%
Machos 53,8% machos
72,8% machos
1 fêmea
Esses valores são similares aos encontrados por Andrade et al. (2006) para quelônios capturados no início e no final da vazante, na Resex Médio Juruá, para comprimento de
94
carapaça (tartarugas= 21,0-29,59 cm; tracajás=21,27-5,96 cm;
iaçás=17,2-8 ,71cm) , peso ( tar tarugas=1,65-4 ,3 kg ;
t raca jás=2,01-2 ,41 kg ; iaçás=0,61-0 ,64 kg ) , idade
(tartarugas=3,68-6,7 anos; tracajás=2,6-6,25 anos; iaçás=2,91-5
anos) e razão sexual (tartarugas=18,2% machos; tracajás=90,9%
machos; iaçás=56,67% machos).
Figura 16: Quelônios capturados na Resex Baixo Juruá: a) Podocnemis
unifilis; b) Phrynops raniceps; c) Podocnemis sextuberculata; d) Podocnemis
expansa. Fonte: Vinicius T. Carvalho.
Os filhotes de tracajás, recém-eclodidos, apresentaram
média de comprimento da carapaça igual a 4,29 ± 0,26 cm, sendo
o peso médio de 15,18 ± 3,53 g. Filhotes de tartaruga encontrados
em cativeiro no igarapé do Breu apresentaram 5,65 ± 0,06 cm de
comprimento da carapaça e 31 ± 0,82 g de peso. No Médio Juruá,
Andrade & Nascimento ( 2005 ) encontraram filhotes de
95
tracajás com comprimento de carapaça igual a 5,4 ± 0,38 cm e peso
de 28,25 ± 5,6 g. Andrade et al. (2006) verificaram que no Médio
Juruá filhotes de tartaruga tinham comprimento de carapaça igual a
4,9 cm e peso médio de 22 g.
Na cheia, capturamos um espécime de Phrynops nasutus
infestado por mais de 200 sanguessugas no igapó do Socó, em águas
pretas. Andrade & Alves (2006) e Andrade & Rodrigues (2005) já
haviam relatado a infestação por sanguessugas em Podocnemis
unifilis e P. erythrocephala quando confinados em gaiolas ou
tanques-rede em ambientes rasos de água preta. A Figura 17
apresenta o Phrynops nasutus infestado.
Figura 17: Phrynops nasutus infestado por sanguessugas e
capturado no igapó do Socó, Resex Baixo Juruá, maio de 2006.
Fonte: Ermelinda Oliveira.
O levantamento da estrutura e dinâmica das populações de
quelônios das Resex do Médio e Baixo Juruá, através do projeto
com a Ufam, permitiu a criação de modelos que analisam as
possibilidades de manejo do recurso, apresentados no final deste
capítulo.
96
B) RIO PURUS
B.1) BAIXO PURUS: TABULEIROS DA RESERVA BIOLÓGICA
DE ABUFARI, PRAIA DO BANANAL NA COMUNIDADE DA
ENSEADA, PIRANHAS E OUTROS EM TAPAUÁ/AM
O tabuleiro do Abufari, na boca do igarapé de mesmo
nome, situado em área de Reserva Biológica, é monitorado desde
1976 pelo então IBDF, sendo seu controle sistemático iniciado a
partir de 1985. Através do Diagnóstico da Criação de Animais
Silvestres no Estado do Amazonas, o Ibama-AM, com apoio do
PTU/CNPq e parceria da Universidade Federal do Amazonas
(Figura 18) vêm realizando, desde 1998, diversas pesquisas
naquela área, monitorando não só a produção dos filhotes, mas,
também, o deslocamento dos adultos, as predações natural e
humana, índice fisiológico-bioquímico, parâmetros genéticos,
parasitológicos e populacionais do grupo de quelônios que
desova no tabuleiro. A sistematização das informações pela
Ufam, bem como um acompanhamento técnico mais
especializado, tem fornecido ao RAN melhores indicadores sobre
a situação daquele tabuleiro. No Capítulo 3, apresentamos
maiores informações sobre essa que é a maior praia de
reprodução de quelônios do Amazonas.
PROJETO FNMA “MANEJO SUSTENTÁVEL DE QUELÔNIOS
DA AMAZÔNIA”
Em 2001, através do projeto “Manejo Sustentável de
Quelônios da Amazônia”, aprovado pelo Fundo Nacional do Meio
Ambiente (FNMA), o Cenaqua/RAN disponibilizou recursos para
que trabalhássemos outras comunidades na calha do rio Purus.
Para a gestão do RAN-AM, foi estabelecida a comunidade
Piranhas, em Tapauá.
97
Figura 18: Tabuleiro do Abufari, Equipe da Ufam, 1998. Foto:
Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.).
Em julho daquele ano iniciamos os trabalhos em Tapauá
participando da primeira excursão o engenheiro-agrônomo Pedro
Macedo (RAN-AM), a bióloga Maria Gorete e a socióloga Sarah
(RAN Central). Nessa viagem foram feitas várias reuniões de
prospecção nas comunidades Enseada, Piranhas, Bem-te-vi,
Fazenda e Pupunhas. Ficou acertado então que a comunidade
Enseada trabalharia na proteção da praia do Bananal, com os
agentes Daniel, Noel, Isaquiel e Oziel. A comunidade Piranhas
também aceitou realizar os trabalhos. Na praia do Bananal, os
trabalhos de fiscalização e monitoramento de quelônios foram
realizados contando com o treinamento e o apoio por parte da
Rebio Abufari. Em 2002 e 2003, por falta de recursos, o trabalho
naquelas praias foi abandonado.
B.2) MÉDIO PURUS: TABULEIROS DA RESERVA MUNICIPAL
DO JAMANDUÁ, AXIOMA, NAZARÉ, CURUZU E PORTO ALEGRE,
EM CANUTAMA/AM
Os tabuleiros Curuzu, Nazaré, Axioma, Santa Bárbara
e Santa Cora, no trecho do barrento e enovelado
98
Purus, que vai de Tapauá a Lábrea, passando por Canutama, têm
recebido proteção desde 1984, pelo IBDF/Ibama-AM, tornando-
se áreas conhecidas pela produção de quelônios. Naquelas áreas
de antigos seringais, alguns herdeiros de seringalistas, como a
sra. Sebastiana Paixão Menezes, a sra. Dulce Bezerra Menezes
(Praia do Nazaré) e o sr. Damião Santos (Praia do Curuzu, Porto
Alegre e Aramiã), preocuparam-se em, anualmente, solicitar
autorizações para protegerem suas praias, o que tem sido feito
regularmente, sem acarretar gastos para o Ibama. Todavia, sem
uma presença mais efetiva do órgão federal de fiscalização e
controle ambiental, desde 1996, a situação tornou-se crítica. O abandono daqueles tabuleiros de Canutama levou a
prefeitura (Prefeito Raimundo Amorim) a criar reservas
municipais de quelônios, em Jamanduá e em Axioma. No
Jamanduá, a prefeitura mantém um flutuante e paga quatro
agentes de praia através da sua Secretaria de Meio Ambiente e
Turismo. Em Axioma, em 2000 e 2001, uma parceria com o Poder
Judiciário permitiu que um rancho mensal e bandeiras fossem
destinados para o trabalho de praia. A prefeitura arcava com o
salário de um agente.
Figura 19: Equipe da Reserva Municipal do Jamanduá, Canutama/AM. Foto: RAN/AM (Costa, P.M.).
99
Figura 20: Base do tabuleiro de Axioma, Canutama/AM. Foto: RAN/AM (Costa, P.M.).
Figura 21: Placa do tabuleiro de Axioma, Canutama/AM. Foto: RAN/AM
(Costa, P.M.).
Em 2001, com a predisposição do RAN-AM em aumentar
o número de populações de quelônios protegidas no Amazonas,
100
foram retomados os trabalhos em Canutama nas áreas do
Jamanduá, Axioma, Nazaré, Curuzu e Porto Alegre.
Figura 22: Ninho de tartaruga (P. expansa), Praia do Curuzu, Canutama/AM. Foto: RAN/AM (Costa, P.M.).
O Jamanduá é um tabuleiro que fica a 40 minutos, de bote com motor de popa 40HP, da sede do município e mede 1.500 m x 300 m. Seu monitoramento pela prefeitura começou em 1998 quando foram registrados 11 ninhos de tartaruga e 7 de tracajá. Em 1999, foram 56 ninhos de tartaruga e 27 de tracajá e, em 2000, 117 tartarugas e 100 tracajás desovaram naquela praia, o que demonstra mais uma vez que, se existe uma população boa de quelônios, na região, eles rapidamente ocupam o espaço, propício pelas áreas conservadas, tornando os resultados altamente positivos em curto espaço de tempo. A administração municipal do sr. Raimundo Amorim, com apoio do sr. Antônio Apolinário, da Funasa, possibilitaram o monitoramento do RAN-AM a partir de 2001. No tabuleiro Nazaré, que mede 800 m x 250 m, o apoio foi dado pela sra. Dulce Paixão.
B.3) ALTO PURUS
Os tabuleiros a partir de Lábrea/AM, no rio Purus, são monitorados pela equipe do RAN/AC, em função da maior proximidade daquelas áreas com a Gerex do Acre.
101
Mesmo assim, enviamos técnico do RAN-AM e do Esreg, de Boca do Acre e Lábrea, para acompanharem, em 2001, os trabalhos de execução do projeto FNMA, nas comunidades do rio Purus, no Amazonas.
Figura 23: Reunião com comunidades em Lábrea, Projeto
Quelônios, FNMA. Foto: RAN.
C) RIO MADEIRA
C.1) PRAIA DO NAZARÉ – MANICORÉ/AM
A praia do Nazaré está situada próxima à cidade de
Manicoré, no leito do rio Madeira. Essa praia servia de porto para
comunitários que trabalham grandes roçados na várzea.
Todavia, diversos quelônios dela se utilizam durante o período
reprodutivo. Através das informações do CNPT/AM fomos
orientados sobre a possibilidade de realizarmos o trabalho de
conservação de quelônios naquela praia, com o apoio do Esreg do
Ibama local. A Tabela 10 apresenta a evolução dos trabalhos de
conservação de quelônios naquela praia.
102
2001 2002 2003 Espécies
Ninhos Filhotes Ninhos Ovos Filhotes Ninhos Ovos Filhotes
Iaçá 140 681 1.252 18.200 17.565 1.338 21.595 18.516
Tracajá 25 103 71 1.980 1.620 71 2.206 1.737
Tartaruga
6
359
9
866
636
15
1.604
1.158
Total
171
1.143
1.332
23.076
19.821
1.424
25.405
21.411
Tabela 10: Histórico de produção de quelônios no Tabuleiro do Nazaré/Manicoré. Fonte: Esreg/Ibama Manicoré (2003).
A desova do iaçá inicia em junho e estende-se até setembro,
com o pico de desova em agosto (1.000 ninhos). Os tracajás desovam
de julho a setembro, com pico em agosto. Tartarugas desovam de
agosto a outubro, com o pico de desova em setembro.
Figura 24: Praia do Nazaré, Manicoré. Foto: Esreg/Ibama, Manicoré/AM.
103
C.2.) RIO MATUPIRI (afluente) – BORBA/AM: TABULEIROS DO
IGARAPÉ DO BOTO, IGARAPÉ DO MURUTINGA, IGAPÓ AÇU.
O rio Matupiri faz parte da bacia do rio Madeira, com águas
escuras e margens cobertas de folhiço, em um tipo de solo
encharcado onde a areia é coberta por uma espessa liteira e a
vegetação se assemelha à campinarana. Nesse ecossistema
diferenciado dos tradicionais tabuleiros de desova, com praias de
areia ou barrancos de várzea, tracajás (Podocnemis unifilis) e,
principalmente, irapucas (P. erythrocephala) desovam no meio do
folhiço úmido, como as muçuãs (Knosternon scorpioides) que
desovam no mangue.
As características diferentes desse sítio reprodutivo de
quelônios foram estudadas pelo RAN/AM naquela área,
monitorando-as e obtendo informações mais precisas sobre a
reprodução de tracajás e irapucas no rio Matupiri. Foram realizadas
três excursões para Borba, em 2001, com a produção de 31.041
filhotes de irapuca e 294 filhotes de tracajás monitorados. Por falta
de recursos, não houve continuidade nos trabalhos nos anos de
2002 e 2003.
Figura 25: Área de desova do rio Matupiri, Borba/AM. Foto: RAN/AM (A.Vicente).
104
D) RIO NEGRO
As praias do rio Negro, historicamente, abastecem a
cidade de Manaus com quelônios e seus ovos, seja para a
culinária ou, em tempos idos, até para a iluminação pública.
Durante os séculos XVIII e XIX, milhões de animais foram
capturados no rio Negro e abatidos em Manaus. Essa enorme
pressão levou a uma drástica diminuição dos estoques das
populações naturais. Hoje, no Médio e Baixo rio Negro, poucas
são as áreas de desova da tartaruga, que se refugiou nos
tabuleiros do rio Branco, tais como o de Sororoca, Toró e
Mussum.
Na tentativa de resgatar os tabuleiros do rio Negro, o
RAN/AM em parceria com os alunos e pesquisadores da Ufam,
Daniely Félix, Juarez Pezzuti e Jackson Pantoja, iniciaram os
trabalhos de proteção nas praias da Velha e da Dulumina, em
2001. Foram produzidos 4.353 filhotes de quelônios (12% de
tartarugas, 28,9% de tracajás, 15% de iaçás e 43,1% de
irapucas).
D.1) PRAIA DA VELHA – PARNA JAÚ – NOVO AIRÃO/AM
É uma praia situada próxima à base do Parque Nacional do
Jaú, em Novo Airão. Essa praia de areia branca e fina abriga os
sítios reprodutivos de gaivotas, corta-águas, iaçás, tartarugas,
irapucas e tracajás. Com recursos do RAN/AM, os técnicos da
Ufam contrataram dois agentes de praia na comunidade mais
próxima porque a praia já está bastante depredada, visto que,
além dos comunitários que tiram ovos e animais adultos, ela é
alvo de barcos de recreio ou de particulares que alcançam
facilmente suas margens, já que ela fica em área de tráfego fluvial
(canal navegável do rio), sendo rota obrigatória dos barcos que
sobem o rio Negro. Em 2000, foi registrado um ninho de tartaruga
na praia da Velha.
105
Em 2001, com o trabalho dos agentes, não houve predação
humana, entretanto, lotes de queixadas (Tayassu pecarie)
atravessaram a área diversas vezes e destruíram alguns ninhos,
duas tartarugas fizeram ninho. Os ninhos foram transferidos
para a ilha do Cauixi, mais próxima da base do parque, o que
permitiu um melhor controle, sendo, posteriormente, os filhotes
alocados em berçários na mesma ilha.
Figura 26: Placa da Praia da Velha, Parna Jaú, Novo Airão/AM. Foto: RAN/AM (D. Félix e
J. Pezzuti).
Em 2002, 10 tartarugas desovaram em Cauixi. A produção em
2003, foi de 171 ninhos de iaçá e 13 de tartaruga, com produção de
1.189 iaçás, 36 tracajás, 9 irapucas e 656 tartarugas, o que
demonstra, como comentamos anteriormente, a rápida recuperação
dos tabuleiros por meio de trabalhos efetivos de conservação. A
partir de 2003, foram protegidas outras praias no parque, como
Maquipana, do Boi, Traíra e dos Pretos, o que permitiu a proteção de
16 ninhos de tartaruga. Em 2004, 18 ninhos de tartaruga e 85 de
iaçás foram protegidos. Desde 2002 esses trabalhos vêm sendo
realizados pelos analistas do Parque Nacional do Jaú, como o
médico-veterinário Marcelo Bresolin.
106
Figura 27: Praia da Dulumina, Barcelos/AM. Foto: RAN/AM (D. Félix e J.
Pezzuti).
Em 2006, os trabalhos em Barcelos foram retomados pela Ufam.
O acadêmico de engenharia de pesca, Radson Rógerton Alves,
começou a desenvolver com a Secretaria de Meio Ambiente o
Programa Pé-de-Pincha com as comunidades de Ponta da Terra,
Campina do Quatro, Campina do Careca, Campina do Cairara e
Praia da Alegria. Foram transferidos 32 ninhos de tracajá e 50 de
irapuca, em um total de 1.200 ovos, dos quais 408 filhotes nasceram
e foram devolvidos à natureza.Em 2007, nasceram 1200 irapucas.
107
Figura 27.a: Transferência de ninhos na Campina do Careca- Barcelos. Foto: Radson Alves.2006.
E) RIO UATUMÃ
TABULEIROS DO ABACATE E REGIÃO DO JARAUACÁ, EM
PRESIDENTE FIGUEIREDO E SÃO SEBASTIÃO DO UATUMÃ/AM.
O tabuleiro do Abacate já foi monitorado, pelo então IBDF,
desde 1986, todavia, foi abandonado pelo Ibama a partir de 1996. A
Manaus Energia, através dos trabalhos do Centro de Preservação e
Pesquisa de Quelônios Aquáticos (CPPQA), na UHE de Balbina, tem
trabalhado na conservação e no monitoramento de quelônios a
montante e a jusante da barragem da hidrelétrica. Com o apoio do
RAN/AM (combustível, pagamento de agentes de praia, ranchos,
etc.) a bióloga Sandra do Nascimento treinou agentes de praia e
monitorou sítios reprodutivos de quelônios no igarapé do Jarauacá,
tabuleiro do Abacate e áreas de postura, dentro da Reserva Biológica
do Uatumã.
Figura 28: Praia artificial da UHE Balbina, Presidente Figueiredo/AM.
Foto: CPPQA/Rebio Uatumã.
Em 2003, conforme informação do CPPQA, foram soltos naquele rio
2.048 filhotes de P. unifilis e 1.421 de Podocnemis expansa,
108
20 de P. sextuberculata e 22 de P. erythrocephala, no Lago do Maracanã, nas praias artificiais de Balbina e no igarapé do Jarauacá.
Figura 29: Praia de reprodução de quelônios na Rebio Uatumã. Foto: RAN/NA (J.A.M. Duarte).
Figura 30: Praia de reprodução de quelônios na Rebio Uatumã. Foto: RAN/NA (J.A.M. Duarte).
109
Figura 31: Mapa das Áreas de reprodução de quelônios na Rebio Uatumã. Foto: Rebio Uatumã/Ibama-AM.
110
F) RIO AMAZONAS
MÉDIO AMAZONAS – TABULEIRO DE VILA NOVA, EM
PARINTINS/AM
O tabuleiro de Vila Nova é uma grande área de desova de
quelônios formada pela junção de praias de ilhas situadas no meio
do leito do rio Amazonas. Essas praias, juntas, possuem mais de 8
km de extensão e 1.500 m de largura. Durante o período da vazante
elas eram invadidas por pescadores e barcos de passeio de Parintins,
Urucurituba e até de Itacoatiara, em busca dos ninhos de iaçás que,
naquela região, são animais de porte bastante avantajado se
comparados aos do Purus e Juruá.
Figura 32: Rastro de tartaruga (P. expansa) no Tabuleiro de Vila Nova,
Parintins/AM. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (F. Clóvis).A comunidade de Vila Nova realizava na década de 1940 até
1960 a conservação da área, inclusive com marcação e manejo de
ninhos, manutenção de filhotes em berçários e festas de soltura. Com
o aumento da pressão da pesca e a coleta predatória sobre aquela
111
população de quelônios, a comunidade deixou de fazer o
trabalho. Todavia, eles procuravam o posto do Ibama, em
Parintins desde 1998, em busca de auxílio para reiniciar a
proteção do tabuleiro e para fiscalizar a área. Em 2000, com a
chegada do Projeto Pé-de-Pincha em Parintins, o Ibama e a Ufam
começaram a buscar parceiros para realizar os trabalhos de
conservação em Vila Nova e adjacências.
Figura 33: Placa de alerta do tabuleiro de Vila Nova,
Parintins/AM.Foto: Projeto Pé-de-Pincha (F.Clóvis).
O RAN/AM começou então a enviar equipes de fiscalização
a partir de abril de 2001. Em maio foi realizada reunião com as
lideranças comunitárias de Vila Nova e marcado o início dos
trabalhos para julho (treinamento de pessoal e monitoramento
de praia). Além das comunidades de Vila Nova, Ilha das Onças e
Guaribas, o trabalho conta com o apoio do sr. Dodó Carvalho,
empresário local e proprietário de parte da área.
O RAN/AM colocou 5 placas de 4 m x 2 m – que avisam
do tabuleiro e proíbem a pesca e caça no local – e
enviou fiscais e técnicos com o apoio da equipe de
112
professores e alunos do Projeto Pé-de-Pincha (Ufam), para realizar o
trabalho de proteção da área.A equipe de fiscalização foi constituída pelos srs. Salvador
Leal, José Ribeiro e Jailson Souza, os técnicos do Nufas/RAN, Paulo
Henrique Oliveira, Pedro Macedo e Lauri Corso, e o técnico da Ufam,
Francisco Clóvis. A Ufam cedeu seu bote de alumínio e o sr. Dodó
Carvalho cedeu um motor de popa de 15 HP e a casa da fazenda
como base. A produção em 2003 foi estimada em 11.088 filhotes,
sendo monitorada a soltura de 6.317 filhotes de ninhos transferidos
que foram mantidos em berçário.
Tabela 11: Produção de ninhos transferidos de quelônios no
tabuleiro de Vila Nova – Parintins.
Ano/ninho Pitiú Tracajás Tartarugas
2001 108 15 12
2002 120 16 12
2003 276 79 12
2004 186 13 13
2005 47 19 24
2006 217 54 35
Ano/ovos
2001 3.363 467 379
2002 3.615 502 944
2003 5.041 313 1.433
2004 3.120 438 1.116
2005 950 624 2.570
2006 3.472 1.134 3.850
Ano/filhotes
2001 3.610 160 750
2002 3.143 477 900
2003 4.536 281 1.289
2004 4.232 569 1.516
2005 1.990 411 1.667
2006 3.980 484 2.576
113
G) PROGRAMA “PÉ-DE-PINCHA” – MANEJO PARTICIPATIVO DE
QUELÔNIOS EM BARREIRINHA, PARINTINS E NHAMUNDÁ/AM
E TERRA SANTA, ORIXIMINÁ e JURUTI/PA (Zona Fisiográfica
Médio-Baixo Amazonas)
O “Pé-de-Pincha” vem sendo desenvolvido como Programa de
Extensão e Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam),
desde 1999, estimulando a conservação de quelônios através de seu
manejo participativo. Tendo como espécie focal o tracajá
(Podocnemis unifilis), recebeu o apelido de “pé-de-pincha”, devido às
pegadas desse animal na areia, que se parece com tampinhas de
refrigerante. Ufam e Ibama vêm trabalhando em 78 comunidades do
Médio Amazonas, nos municípios de Nhamundá, Parintins e
Barreirinha/AM e Terra Santa, Juruti, Faro e Oriximiná /PA. O
programa visa o manejo racional e sustentável de quelônios, pelas
próprias comunidades.
Figura 34: Rastro de tracajá (P. unifilis), pé-de-pincha no lago do Piraruacá, Terra Santa/PA. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.).
114
Figura 35: Equipe de campo (comunitários e universitários), lago do
Macurani, Parintins/AM. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Oliveira, P.H.G.).
Diversas comunidades rurais do Médio-Baixo Amazonas
que produziam juta, cacau, farinha, hortaliças, etc.,
abandonaram a agricultura, dedicando-se, principalmente, à
pecuária extensiva, à pesca e ao extrativismo, aumentando a
pressão sobre a fauna silvestre. Devido à caça predatória e à
coleta de ovos, as populações de quelônios vêm desaparecendo
desses municípios. Animais adultos e ovos são consumidos ou
vendidos para Manaus, Parintins e Santarém. Algumas áreas,
entretanto, foram protegidas pelos comunitários e por
associações, como o Granav (Grupo Ambientalista Natureza
Viva) e Asase-3, em Parintins, a Ascon/Acplasa/ARQMO, no
Lago do Sapucuá/Oriximiná, e ATAAV, em Terra Santa, com o
objetivo de conservar esse recurso natural.
115
Figura 36: Agente Ambiental retira filhotes de quelônios de berçário, para soltura, Aliança, Lago
do Piraruacá, Terra Santa/PA. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.).
Em 1999, o sr. Manuelino Bentes “Mocinho Lobo” e
comunitários de Terra Santa/PA procuraram a Universidade
Federal do Amazonas (Ufam) para obter informações sobre
conservação de quelônios. A Ufam reuniu-se com os produtores, o
Ibama e as prefeituras locais para a criação do projeto “Pé-de-
Pincha”. Inicialmente, foram trabalhadas áreas de Terra Santa e
Nhamundá. Em 2000 e 2001, o projeto foi ampliado para
Oriximiná/PA, Parintins/AM e Barreirinha/AM. E em 2004, para
Juruti, Boa Vista do Ramos e Faro. O plano inicial de ação foi
definido em maio de 1999, no I Seminário Sobre Manejo Sustentável
de Tracajás (255 participantes) em Terra Santa (Andrade et al.,
2005).
Foram capacitados 385 professores das escolas
municipais em educação ambiental; realizadas palestras nas
escolas e comunidades para mais de 67.606 ouvintes; treinados
49 agentes ambientais voluntários; realização de cursos de
alternativas para geração de renda (tecnologia do pescado, criação
caipira de galinhas, plantas medicinais, hortas comunitárias,
manejo de quelônios, etc.) para mais de 1.021 pessoas; e foram
116
instaladas mais de 20 unidades de criação comunitária com 9.339
quelônios (2003-2006) e implantação de aviário comunitário (1).
Treinamento de campo para 86 professores, 684 alunos e 238
comunitários, visita à campo para 660 participantes; três oficinas
com idosos, 61 participantes; sete gincanas ecológico-culturais;
divulgação nas rádios, jornais e televisões; com a participação de
850 famílias, envolvimento de 3.455 pessoas e abrangência de
23.400 pessoas nas comunidades e sede.
Desde 2004 o programa conta com o apoio do ProVárzea-
Ibama e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam).
Figura 37: Ninhos de quelônios protegidos em Aliança, Lago do Piraruacá, Terra Santa/PA.
Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.).
Na região foram identificadas 13 espécies de quelônios:
tartaruga (Podocnemis expansa), tracajá (P. unifilis), iaçá (P.
sextuberculata ) , irapuca (P.erythrocephala ) , cabeçudo
(Peltocephalus dumeri l ianus ) , perema (Rhinoclemmys
punctularia), lalá (Phrynops nasutus), muçuã (Kinosternon
scorpioides), jabuti (Geochelone denticulata e G. carbonaria),
matá-matá (Chelus fimbriatus), jabuti-machado (Platemys
platycephala) e Phrynops spp. De 1999 a 2006, o programa
devolveu à natureza 629.183 filhotes de quelônios (74,4%
tracajás; 7,6% tartarugas; 10,9% iaçás; e 7,1% irapucas),
provenientes de ninhos manejados,
117
com taxa de eclosão média de 81,97 ± 7,76% contra 54,51 ± 16,27%
de ninhos naturais. Os ninhos de tracajá possuíam 22,23 ± 4,93
ovos e as de iaçá 16,95 ± 3,53 ovos. A temperatura média nos locais
de transplante foi igual a 32,55º ± 3,17 º C. Os tracajás nasceram
pesando 14,89 ± 1,38 g, iaçás 14,26 ± 1,83 g, tartarugas 22,52 ±
1,43g e irapucas, 11,21 ± 2,57 g.
Figura 38: Eclosão em ninho de tracajá (P. unifilis), igarapé dos Currais, Terra Santa/PA. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.).
Figura 39: Técnico do RAN-AM e universitário coletam dados de ninhos de quelônios, lago do Piraruacá, Terra Santa/PA. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.).
118
Através do programa Jovem Cientista, da Fapeam, Oliveira
et al. (2006) registraram que os ribeirinhos observaram, no
Médio Amazonas, que os quelônios alimentavam-se de peixes
(23%), frutos (22%) e plantas (20%), ocupando maior diversidade
de habitats do que no rio Juruá, com uma predominância de
15,1% nos rios, 11,9% nos lagos e 11,5% nas florestas. Devido à
disponibilidade, os quelônios mais consumidos são os tracajás
(55%), jabutis (21%) e cabeçudos (10%), embora a preferência
seja pelo tracajá (31%), tartaruga (26%), jabuti (17%) e iaçá
(16%). Com uma maior diversidade de ambientes de captura,
como a captura em igapós, várzea baixa e capinzal, são
utilizados como apetrechos a malhadeira (27%), o espinhel
(17%) e o arpão (16%). Nessa região, apenas 47,73% dos
ribeirinhos afirmam comercializar esses animais, enquanto que
no Juruá, esse número pode atingir de 64-99%. O preço médio é
de R$ 20,17/tracajá e R$ 83,48/tartaruga, sendo que, além do
consumo de carne e ovos, os quelônios são utilizados como
remédio (banha, 36,99%) e artesanato (27,05%).
Desde 2004, entre os filhotes soltos foram marcados
28.303 animais com sistema de picos na carapaça (10% com
microchips) para monitoramento através de recaptura (CMR) e
estimativa da taxa de sobrevivência e crescimento. Dos filhotes
manejados, marcados e soltos, recapturamos 1,53% e estimou-
se em 5,74% a sobrevivência total até 12 meses. O maior índice
de recaptura foi o do tracajá, com 6,19%. A sobrevivência média
de tracajás na natureza, até 12 meses de idade, foi estimada em
17,76 ± 10,23%. A sobrevivência de P. erythrocephala foi
estimada em 12,5%. O recrutamento anual médio de fêmeas nas
áreas de reprodução aumentou 37,11 ± 55,83%.
119
Figura 40: Marcação de filhotes de tracajás, com microchips, por jovens cientistas – Fapeam, em Barreirinha-AM. Fonte: Jane – ProVárzea. 2007
120
Figura 41: Comunitários da Granja, Barreirinha-AM, soltando os filhotes de
quelônios resultado de seu trabalho. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (P.H.G.
Oliveira).
O custo médio do filhote, produzido nesse sistema de manejo
comunitário, é de R$ 0,71 ± 0,06. A rentabilidade para os
investimentos em conservação de quelônios foi estimada em
120,21%, em conscientização ambiental foi de 165,76% e em criação
de quelônios de 183,44%. Através desse programa de conservação
de recursos naturais e extensão, a Ufam tem conscientizado as
comunidades do Médio-Baixo Amazonas para o manejo racional de
quelônios, utilizando a metodologia de pesquisa participativa ou
pesquisa-ação. Os resultados alcançados mostram, a princípio, que
abordar a questão ambiental com a parceria da comunidade tem um
grande impacto na redução do problema, pela valorização do meio
ambiente, o que resultou em ações concretas para a melhoria da
qualidade de vida.
121
Figura 42: As diversas faces do Pé-de-Pincha. Educação Ambiental através de
fantoches e da dança com a Escola de Educação Especial de Terra Santa. Foto:
Projeto Pé-de-Pincha (2004-2005).
Hoje, em seu oitavo ano, o programa tem sido procurado por
inúmeras comunidades de diferentes municípios do estado do
Amazonas e do oeste do Pará, solicitando que seja implantado
também em suas áreas. Na busca de atender a esse anseio, o Ibama
e a universidade pretendem, através de novas parcerias,
redimensionar esse projeto e somar esforços a fim de treinar o
pessoal técnico e das comunidades (cursos teóricos e de campo,
cartilhas, implantação de unidades demonstrativas, etc.) em toda a
Amazônia. Dessa forma, vislumbramos que as instituições possam
interagir com as comunidades e que com o seu conhecimento
empírico somado ao domínio das técnicas, sejam capazes de, em um
futuro bem próximo, manejar sozinhos e racionalmente seus
recursos faunísticos, garantindo a sobrevivência das espécies e o
sustento do homem ribeirinho.
2.3. Modelos de crescimento populacional de quelônios, análise
da sustentabilidade e propostas de manejo racional
122
Andrade et al. (2006), tabularam e analisaram os dados de 23
anos do Programa de Conservação de Quelônios em diferentes
praias de reprodução no Amazonas (rios: Purus, Juruá, Negro,
Solimões, Uatumã e Médio Amazonas), em especial nas do Médio e
Baixo rio Juruá, verificando a regressão existente entre o tempo de
proteção e a produção de filhotes de cada praia. A análise da série
temporal do rio Juruá revelou que existe regressão entre as variáveis
ana l i sadas ( r eg ressão l inear= P<0 ,018 ; r eg ressão
quadrática=P<0,072). O melhor modelo de ajuste encontrado foi a 2regressão quadrática: P= - 108391+37439,3. t – 778,616. t , com
R2=38%. Na Figura 43, apresentamos o ajuste dos pontos e a curva
quadrática para a série temporal de produção no rio Juruá.
0 10 20
0
200000
400000
600000
800000
C11
C10
C10 = -108391 + 37439,3 C11
- 778,616 C11**2
S = 174695 R-Sq = 38,0 % R-Sq(adj) = 26,7 %
Regression Plot
Figura 43: Regressão entre o tempo de proteção de um tabuleiro e a
produção estimada de filhotes de quelônios no rio Juruá.
Andrade et al. (2006) estimaram, ainda, o melhor modelo de curva
para explicar o crescimento populacional de quelônios, em áreas -0,8313.tprotegidas, como sendo o de Von Bertallanfy, Yt= 187.014 (1- e ),
sendo o crescimento populacional máximo (k) estimado
123
em 207.889 animais (tartarugas, tracajás e iaçás), com taxa de
crescimento anual (r) igual a 0,8313. Quando esse modelo foi
comparado aos dados reais do rio Juruá, observou-se que mesmo
com falhas na proteção, em alguns anos, as populações mantêm
uma tendência de crescimento que se estabiliza em torno de 10 a 13
anos de trabalho.
Curva de Crescimento Populacional de Quelônios
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
140000
160000
180000
200000
1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25
Anos de Proteção
N.F
ilho
tes
Yt= 187014 (1 - e-0,8313. t
)
Figura 44: Modelo de curva de crescimento de Von Bertallanfy,
para a produção de filhotes de quelônios, pelo tempo de proteção da
área de reprodução.
Ao aplicar-se o referido modelo de crescimento
populacional à série histórica do Baixo Juruá (produção de
filhotes de Joanico, Botafogo e Antonina), notamos que a
produção máxima de filhotes no crescimento populacional
máximo (k) foi estimada em 540.507 filhotes, com uma taxa de
crescimento anual (r) igual a 0,09125. O modelo estimado de
produção de filhotes para a região do Baixo Juruá foi o seguinte: -0,09125 . tProdução de filhotes Y(t)= 540.507 (1 – e ).
Se somarmos a produção de filhotes dos tabuleiros de
Joanico, Botafogo e Antonina temos uma produção anual estimada
em torno de 262.236 filhotes de quelônios (76 a 91% de iaçás, 4,7 a
124
a 6,8% de tracajás e 1,3 a 21,1% de tartarugas), ou seja, 48,52% da
capacidade produtiva, prevista pelo modelo, para tabuleiros
conservados por cerca de 15 anos.
Deve-se considerar, contudo, que no primeiro ano de vida
existe uma elevada taxa de mortalidade. Andrade & Soares (2005) e
Andrade & Rodrigues (2005) verificaram que dos filhotes de
quelônios marcados e soltos em lagos naturais (Médio Amazonas e
Médio Juruá) foi estimada em 5,74% a taxa de sobrevivência total,
até 12 meses, sendo que para os tracajás (Podocnemis unifilis) a taxa
de sobrevivência média na natureza foi estimada em 17,76 ±
10,23%.
Se considerarmos o valor de k (constante de equilíbrio
populacional, valor populacional de produção máximo)= 262.236
animais no Baixo Juruá, e a taxa de crescimento anual média
estimada por Andrade et al. (2006) para a calha do rio Juruá, ou seja
r=0,8313, observa-se que, a cada ano, 217.997 animais deveriam
ser recrutados pela população. Todavia, a taxa de crescimento que
estimamos neste trabalho, para o Baixo Juruá, foi de r=0,09125,
logo, o número de indivíduos estimados para recrutamento cairia
para 48.646 animais (10.264 tartarugas, 2.286 tracajás e 36.971
iaçás).
Contudo, deve-se observar que as taxas de sobrevivência são
relativamente pequenas. Portanto, ao se considerar as taxas por
espécie (estimadas por Andrade & Soares, 2005, e Andrade &
Rodrigues, 2005), esse recrutamento anual cairá para 2.122 iaçás,
406 tracajás e 157 tartarugas.
Esses valores naturais de recrutamento impossibilitam a
extração de quelônios de forma racional, em vida livre, com o número
atual de praias manejadas, posto que, estima-se para a região do Baixo
125
Juruá, a extração clandestina de cerca de 8.000 quelônios/ano. Se
aumentarmos o número de praias conservadas e o número de rios
protegidos, possivelmente, elevaríamos a taxa de recrutamento e
com isso o número de animais adultos chegariam até o período de
desova. Somente isso, permitiria, em um período de 8 a 10 anos de
trabalho de proteção, atingir-se o máximo da capacidade produtiva e
com isso, a possibilidade de exploração racional de adultos de
espécies como o iaçá e o tracajá, em vida livre. Diante da
impossibilidade do manejo extensivo imediato, sugere-se algumas
propostas que possibilitarão a obtenção de renda a partir da
conservação de quelônios.
Para aumentarmos a taxa de recrutamento e gerarmos
quelônios excedentes para consumo ou geração de renda, quatro
medidas de manejo devem ser adotadas: a) Proteção dos ninhos
naturais e transferência de ninhos ameaçados; b) Manutenção de
filhotes recém-eclodidos de tartarugas e tracajás, em berçários, até o
segundo ou terceiro mês de vida; c) Soltura destes filhotes em lagos
ou lagoas centrais em locais de farta alimentação e abrigo (restart);
d) Criação comunitária em gaiolas ou tanques-rede. A extração de
ovos e de filhotes para criadores seria uma possibilidade de geração
de renda desde que adotado rigoroso controle sobre os tabuleiros e
sobre a captura ilegal de adultos e que fossem seguidas as quatro
sugestões de manejo propostas.
126
Cap í tu lo 4 : Eco log i a de que lôn ios
pelomedusídeos na Reserva Biológica do Abufari
Juarez Carlos Brito Pezzuti – NAEA/UFPADaniely Félix da Silva - MPEGJackson Pantoja Lima – Inpa
Alexandre Kemenes – InpaMarcelo Garcia - Ipaam
Norival Dagoberto Paraluppi - UfamLuiz Alberto dos Santos Monjeló - Ufam
A comunidade de quelônios aquáticos da bacia amazônica,
uma das mais diversas do mundo, sempre constituiu elemento
importante na dieta dos habitantes da região. A tartaruga,
Podocnemis expansa, espécie de maior porte e a mais abundante, era
rotineiramente consumida e também armazenada em currais, nas
aldeias indígenas, para ser utilizada na cheia quando os peixes eram
menos acessíveis.
oMesmo com a Lei de Proteção à Fauna (N 5.197/1967), essas
populações permanecem sujeitas à forte pressão de pesca
clandestina de animais adultos, e não somente durante o período
reprodutivo. Durante outras épocas, os sistemas aquáticos são
constantemente invadidos, e a sua extrema complexidade facilita
essa atividade. A conseqüência óbvia é o declínio populacional
evidente. No Trombetas, o número de fêmeas reproduzindo-se nos
tabuleiros vem diminuindo gradativamente. Na Rebio Abufari, a
despeito da presença mais constante da fiscalização, centenas de
animais adultos são capturados todos os anos por pescadores
financiados por traficantes de Manacapuru.
Os ovos também foram e ainda são, em algumas
localidades, uma fonte importante de proteínas para a população
local. , sugere que, possivelmente, a coleta da tartaruga e de seus
ovos é a atividade etnozoológica mais importante de toda a região
127
amazônica, vindo desde o período pré-colombiano até hoje, que
registrou a apreensão de 261 quelônios em operação de fiscalização
do IBDF.
Some-se a isso a ausência de informações básicas sobre a
ecologia desses animais, como área de vida e padrões migratórios. Os
esforços para a conservação de quelônios têm sido direcionados para
a proteção de ninhos e diversas espécies ameaçadas tiveram seu
manejo baseado num conhecimento incompleto da dinâmica
populacional, sem informações demográficas sobre classes de idade,
área de vida e padrões migratórios. No entanto, a aplicação de
programas de manejo, apenas recentemente, tem levado em
consideração aspectos básicos da biologia reprodutiva desses
animais. Um dos processos críticos é a influência da temperatura de
incubação sobre a determinação do sexo dos embriões, ainda mais
porque a metodologia, geralmente aplicada pelos programas de
conservação de quelônios no mundo, tem sido a de transplantar
ninhos para locais protegidos, sem a verificação do sexo produzido
pela incubação dos ovos em tais condições .
Na Amazônia, estudos sobre determinação sexual foram
desenvolvidos com Podocnemis expansa , P. unifilis e Peltocephalus
dumerilianus . Destes, apenas Valenzuela (2001) e Souza & Vogt
(1994) investigaram a relação entre as características de ninhos
naturais com a temperatura de incubação e outros parâmetros
físicos. As demais espécies amazônicas permanecem desconhecidas
quanto a esses aspectos de sua biologia reprodutiva. Os ninhos estão
ainda sujeitos à predação natural e a variações ambientais súbitas
128
como a repentina subida do nível do rio ; .
A tartaruga e o tracajá são as espécies mais procuradas na
Amazônia para criação com finalidade comercial. O fornecimento
aos criadores depende da retirada anual de milhares de filhotes
dos tabuleiros protegidos pelo Ibama, para formar o plantel das
criações comerciais, cujo número aumenta todo ano. O principal
fornecedor, até o ano de 1998, era o tabuleiro do Abufari, que se
situa na unidade de conservação que recebe o mesmo nome
(Reserva Biológica do Abufari).
Esses fatores, associados com a questão básica da
determinação do sexo pela temperatura em quelônios e suas
conseqüências para qualquer prática de conservação e manejo
desses animais, fazem com que seja imprescindível a
investigação dos aspectos mais elementares da ecologia das
espécies com que estamos lidando, sobretudo quanto ao processo
reprodutivo.
O quadro, portanto, é de franca carência de estudos sobre
esses valiosos recursos que vêm sendo milenarmente explorados
por populações indígenas, para subsistência, e há pelo menos 300
anos em intensa escala comercial rumo ao seu esgotamento. Diante
do exposto, a Universidade Federal do Amazonas, em cooperação
com o Ibama, realizaram estudos sobre a ecologia, fisiologia,
parasitologia e genética para a conservação dos quelônios da
Reserva Biológica do Abufari, com apoio financeiro do CNPq através
dos projetos “Diagnóstico da criação de animais silvestres no
estado do Amazonas” (Fase I/1998 e Fase II Proc. nº
49.9940/2000-0 PTU/CNPq). Subprojeto Ecologia Reprodutiva dos
quelônios da Rebio Abufari (Ibama Proc. nº 02005.002248/98-13).
As pesquisas continuaram com financiamento do Banco da
Amazônia (Basa) ao projeto “Bases Ecológicas para o manejo dos
quelônios no Estado do Amazonas”. Finalmente, em 2003,
contamos com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do
129
Estado do Amazonas (Fapeam) para a continuação das pesquisas
dessa equipe multidisciplinar, com a execução do Projeto “Ecologia
reprodutiva, dinâmica populacional, genética de populações e
manejo de quelônios na Amazônia”.
Portanto, este produto inclui o resultado de vários projetos
executados ao longo do período entre 1998 e 2004. O objeto principal
de estudo durante esses anos foram as populações de Podocnemis
expansa, P. sextuberculata e P. unifilis que se utilizam da Praia do
Abufari para reprodução. Investigamos aspectos básicos de ecologia
reprodutiva dessas espécies e investimos em um programa de
marcação para determinar a estrutura populacional, a área de vida e
a rotas migratórias sazonais de dispersão entre essa praia e as áreas
de alimentação. Ainda monitoramos a pesca clandestina de
quelônios aquáticos na Rebio. Muito ainda precisa ser feito,
sobretudo para conhecer os padrões anuais de movimentação dos
adultos e para isso daremos continuidade, em 2006, a essas
pesquisas, intensificando o programa de captura, marcação e
soltura de animais adultos e monitorando fêmeas adultas de P.
expansa, utilizando radiotelemetria.
O Tabuleiro do Abufari
A Reserva Biológica do Abufari situa-se no primeiro terço do
rio Purus, o último grande afluente do Rio Solimões antes do
encontro com o rio Negro, formando o Amazonas. Trata-se de um
típico rio de águas brancas e, portanto, carregadas de sedimentos
que depositaram-se ao longo do tempo formando os solos que
sustentam o ecossistema de várzea. A planície alagável, recortada
por um complexo sistema de corpos de água formado por paranás,
canos, ressacas e lagos, está sujeita a profundas alterações em
função da variação anual do nível da água (Figura 1). Durante a
cheia, esse conjunto torna-se um único corpo de água contínuo,
preenchido pela floresta inundada. Nessa região, o Ibama realiza
fiscalização direta, patrulhando os rios, canais, igarapés e lagos,
130
Reserva Biológica do Abufari (288.000 hectares)
apreendendo animais e aparatos de pesca.
Figura 1. Carta-imagem da Reserva Biológica do Abufari, rio Purus (em azul), município
de Tapauá, Amazonas, Brasil (Legenda: 1 – praia do Abufari; 2 – rio Abufari; 3 – complexo
de lagos do Chapéu; 4 – lago Macapá; 5 – Paraná do iragapé Chapéu; 6 – lago Panelão; 7 -
lago do Campina; 8 – lago Pupunha; 9 – igarapé Tauamirim; verde-escuro – floresta de
terra firme e verde-claro – planície de inundação).
Monitoramento das desovas
A praia anualmente é mapeada no seu comprimento
com estacas de 50 em 50 metros, dispostas paralelamente à
vegetação. Para fazermos as estimativas da quantidade de
ninhos depositados na praia do Abufari é necessário marcar
131
áreas de 10 metros de largura distantes umas das outras a cada 150
metros. Essas áreas são chamadas de transectos, que são locais
onde o monitoramento será intenso e todas as desovas ali existentes
serão monitoradas. Pelo conhecimento do número de ninhos de
iaçás e tracajás nestes locais, foi possível estimarmos o número de
ninhos existentes na praia e também o número de fêmeas dessas
espécies que ali subiram para desovar.
Como as tartarugas desovam em um grande agrupamento
(tabuleiro, Figura 2), o número total de ninhos é estimado dividindo-
se a produção de filhotes desse cercado e dos ninhos isolados pela
média de filhotes produzidos por ninho. Os números e as
respectivas densidades de ninhos da praia do Abufari, nos anos de
1999, 2000 e 2001 estão na Tabela 1.
Pelo esforço direcionado no estabelecimento e
monitoramento de transectos, ou seja, locais com área conhecida e
onde todas as desovas foram marcadas e mapeadas, foi possível
estimar o número total de ninhos e a densidade dos ninhos na praia
do Abufari.
Nossa equipe de trabalho todos os anos monitora o
tabuleiro do Abufari, a partir do mês de agosto, pois é o momento
em que as fêmeas já migraram dos lagos e paranãs para a praia.
Durante o período da desova, entre setembro e meados de outubro,
há um monitoramento noturno das desovas que são depositadas
ali. Além desse trabalho noturno, visitas diárias são necessárias,
pois a localização dos ninhos não encontrados durante a noite só
será possível com o solo recentemente perturbado com nítidos
rastros deixados na noite anterior e os ninhos cobertos
externamente com areia úmida removida pelas fêmeas (Souza &
Vogt, 1994; Fachin, 1992). Com esse monitoramento sistemático
dos transectos é possível detectarmos os ninhos predados ou
inundados pela subida repentina do nível da água do rio. Para cada
ninho encontrado registramos a data da postura, a distância do
132
ninho à parte mais alta da praia e até a margem do rio e a
profundidade do ninho. Os ninhos são marcados com estacas de
identificação numeradas. Com o monitoramento dos animais que sobem a praia para
desovar foi possível observarmos que a menor iaçá (P.
sextuberculata) que desovou na praia do Abufari tinha 24
centímetros de comprimento retilíneo da carapaça e 1,1 quilograma.
Dentre as tartarugas (P. expansa), o menor animal encontrado
desovando na praia tinha 61 cm de comprimento retilíneo da
carapaça e 22,0 quilogramas.
Tabela 1: Número e densidade de ninhos encontrados na praia do
Abufari, durante o monitoramento diário realizado no período de
agosto a dezembro de 1999, 2000 e 2001.
Espécie Número de ninhos Densidade (ninhos/m2)
1999 2000 2001 1999 2000 2001
Iaçá 9.054 3.900 5.782,74 0,019 0,02 0,014
Tracajá 238 195 337,57* 0,0005 0,0012 0,00084
Tartaruga 2.123 2.300 2.475 0,004 0,014 0,0061
Espécie
Total de filhotes
1999 2000 2001
Iaçá 88.004 37.908 75.523
Tracajá 5.983 4.900 9.829
Tartaruga 152.200 170.000 17.000
O processo de sexagem de filhotes
O monitoramento dos ninhos nos transectos nos permitiu
um acompanhamento completo do período de incubação. Ao
atingirem 40 dias de incubação, os ninhos passam a ser revisados a
cada dois ou três dias para a identificação de sinais indicando
133
a eclosão dos filhotes, ou seja, o nascimento dos filhotes. Esses
sinais são a casca do ovo quebradiça e um pouco transparente e a
presença de gotículas de água e pequenas rachaduras na sua
superfície.
Para cada ninho eclodido foram contados o número de
filhotes vivos, o número de ovos sem desenvolvimento aparente,
os ovos de gordura, o número de embriões mortos e, quando
possível, a causa da morte. Os filhotes vivos foram medidos,
pesados e posteriormente libertados na praia. Tendo em vista a
necessidade de sacrifício de filhotes para a identificação do sexo,
foi expedida uma autorização pela Direc/Ibama para a realização
dessa atividade (autorização nº 32/99, expedida pela
Direc/Ibama – DF, renovada em 2003). Em geral são sacrificados
10 filhotes por ninho, em média, 10 ninhos de cada espécie, com
injeção de 0,1 ml de Nembutal (substância que leva o animal a
uma parada cardíaca) por indivíduo. Esses filhotes foram fixados
em solução de formol tamponada (1 litro de formol a 10%, 4g de
H NaPO .H O, 6,05g de HNa PO .H O), para determinação do sexo 2 4 2 2 4 2
dos filhotes, realizado através do exame posterior das gônadas
com o auxílio de microscópio óptico (Figura 3).
A razão sexual foi determinada como sendo a proporção de
machos na ninhada (número de machos dividido pelo número de
filhotes vivos) e a sobrevivência como o número de filhotes
eclodidos vivos, dividido pelo número total de ovos. Na Tabela 2
estão os dados de número de ninhos amostrados e a média do
número de ovos coletados em setembro de 1999, 2000 e 2001.
134
Figura 3: Gônada masculina, em detalhe, no centro da figura.
O resultado da sexagem dos filhotes, a partir das amostras
coletadas, demonstra que no ano de 2000 houve um desvio
acentuado para a produção de fêmeas de tartaruga, no entanto, iaçá
teve um desvio para a produção de machos (Tabela 4). Infelizmente,
os dados de temperatura de incubação registrados pelos data-
loggers foram perdidos por falha nos aparelhos e, portanto, não
podemos testar quaisquer relações entre a temperatura média ou a
temperatura acumulada, com a razão sexual dos ninhos
monitorados. As gônadas masculinas (testículos) apresentam
formação cilíndrica e aspecto opaco com uma granulação
esbranquiçada, efeito provocado pelas circunvoluções dos ductos do
epidídimo. As gônadas femininas (ovários) têm um formato mais
alongado e o contorno mais irregular em relação às masculinas e não
apresentam granulações.
O estudo de marcação e recaptura dos quelônios (avaliação do
status populacional)
Estão sendo realizadas pescarias experimentais utilizando
redes de espera do tipo “capa-saco” e redes de cerco. A técnica de
captura chamada de capa-saco é bastante utilizada na região do
Purus. Esses apetrechos consistem de grandes redes de comprimento
médio de 60 metros e altura de 10 metros, que são instaladas nos
135
canais dos paranás, quando os animais estão migrando para o rio
ou mesmo retornando para os lagos. Essas redes também são
instaladas no canal do rio Purus. O esforço amostral de captura de
animais na área da Rebio vem sendo exercido sobre a calha principal
do rio Purus, nos lagos internos (lago Comprido – região do Chapéu e
lago do Almoço no sistema do rio Abufari) e os principais canais de
ligação entre ambos. Nos anos de 2006, 2007 e 2008 pretendemos
replicar as parcelas de pesca experimental durante as seguintes
fases do ciclo hidrológico anual: cheia (junho-julho), vazante
(agosto-setembro), seca (outubro-novembro) e enchente (dezembro-
maio).
Os dois primeiros aparelhos foram verificados de 3 em 3 horas,
minimizando a possibilidade de morte dos animais por afogamento,
conforme descrito em . As redes de cerco foram utilizadas
principalmente no canal do rio Purus, em números variados de
lances, dependendo das taxas de captura. Em cada pescaria foi
registrado o horário de saída, a embarcação e os equipamentos
utilizados, o tempo gasto para chegar até o local escolhido, o tempo
gasto na captura de animais, as características do habitat e
microhabitat onde o animal foi coletado, a profundidade, a
velocidade da correnteza e a temperatura do local. Os locais de pesca
foram georreferenciados com auxílio de GPS (Global Position
System).
Cada animal capturado foi identificado, medido
(comprimento retilíneo e curvilíneo da carapaça, comprimento do
plastrão, largura máxima da carapaça e largura da cabeça), pesado
e marcado com etiqueta numerada presa na carapaça através de
pequenos orifícios perfurados nos escudos marginais (técnica de
marcação permanente, padronizada e aplicada por estudiosos de
v á r i a s p a r t e s d o m u n d o , s e m c a u s a r d a n o s
136
aos animais). Posteriormente, os animais foram soltos no local de
captura.A abundância relativa de cada espécie foi determinada em
função do rendimento dos aparelhos de pesca utilizados, com base
no número ou biomassa dos animais, por pescaria, por dia de pesca.
Neste estudo a CPUE (captura por unidade de esforço) foi utilizada
como o índice de densidade populacional e foi calculada com base na
seguinte equação:
å= diaPescariaNCPUE //
Onde: ∑N = somatório do número de indivíduos capturados;
Pescaria = pescaria (em geral leva 15 a 20 minutos); dia de pescaria.
A estimativa de biomassa foi baseada na massa dos animais
capturados, dividida por pescaria e por dia.
Os habitats registrados foram: igapó, rio, lago (Figura 4); a
época do ano: enchente, cheia, vazante, seca. A profundidade nos
locais amostrados foi registrada com uma corda metrada e com
trena. Durante o período reprodutivo, que vem sendo
sistematicamente acompanhado pela equipe deste projeto, desde
1998, foi realizada a marcação de fêmeas durante a desova. Ao final
de cada noite de desova coletiva as fêmeas que acabavam de enterrar
seus ovos foram interceptadas para biometria, pesagem e marcação,
como descrito anteriormente.
137
138
CC
Figura 4. Vista aérea da praia do Abufari durante o período de descida do nível do rio em 2004 (A) e durante o período de seca do ano de 1999 (B). Habitat de lagos da Rebio Abufari, durante o período de enchente do rio Purus, janeiro de 2005. (C) (Foto: Jackson P. Lima).
Quelônios e seus predadores
O fenômeno da predação é comum nos quelônios amazônicos.
Foram encontrados diversos ninhos predados por jacurarus,
urubus e mucuras. Durante esses anos de estudo verificamos que
vários ninhos marcados são predados, mas somente uma pequena
porcentagem deles não é possível identificar o predador.
Gaivotas são excelentes predadoras. Essas aves são
observadas predando filhotes na praia tanto de dia como de noite, e
no rio durante o dia. Na praia, a estratégia mais comum é a gaivota
realizar vôos cada vez mais baixos sobre o filhote, até conseguir
apanhá-lo com as patas sem pousar na areia. Na água, as gaivotas
sobrevoam o local à espera que um filhote venha à tona. Quando isso
acontece, realizam uma descida rápida e capturam os filhotes com
as patas, erguendo-se novamente.
Durante as primeiras horas da manhã, é comum observarmos
repetidas vezes a presença de gaviões (várias espécies ainda não
identificadas), gaivotas e urubus atacando filhotes isolados e dentro
de cercados de tartaruga, mesmo quando já existem agentes e
estagiários trabalhando na retirada de filhotes. Gaviões e urubus
pousam próximo à presa e a seguram no solo, ao passo que as
gaivotas normalmente capturam os filhotes em vôos rasantes e os
levam consigo. Pudemos também observar interações agonísticas
(disputa) entre as aves.
Nas noites em que milhares de filhotes emergem
simultaneamente nos cercados, observamos que grupos de urubus
passam a noite dentro dos cercados alimentando-se deles. Nas
manhãs seguintes, centenas de cascos são encontrados dentro dos
cercados e nas imediações.
139
Jacarés-açus (Melanossuchus niger) e tingas (Caiman
crocodilus) investem em grupo de tartarugas que escapam dos
cercados e também sobre os cercados, quando estes estão próximos
à margem da praia. No período de emergência de filhotes, vários
cascos comidos por mucuras foram encontrados perto dos locais em
que eles foram capturados. Nesses cascos, havia marcas de dentes
que permitiram a identificação do predador.
A predação de filhotes na água também é um fenômeno
muito comum de ser observado na praia do Abufari. A aruanã
(Osteoglossum bichirrosum) é um dos principais predadores
aquáticos dos filhotes de quelônios que nascem na praia.
Ecologia reprodutiva
O principal local de nidificação dos quelônios na Rebio é a
praia do Abufari. A altura média da praia é de 4,5 m (±1,8m), onde
desovam em média 8.802 ±2.516 quelônios: tracajás, iaçás e
tartarugas.
Considerando os anos de 1997-2004, exceto 2002, a
produção média anual de filhotes de tartarugas na Rebio Abufari foi
de 177.000 ±53.250 (Figura 5). Rebêlo (1985) reporta que na praia
do Abufari foram produzidos cerca de 40 mil filhotes de tartarugas
no ano de 1984. Informações entre os anos de 1985 a 1997 e 2002
são escassas e duvidosas e, portanto, não estão sendo utilizadas
neste relatório.
Segundo dados diários da produção de filhotes de tartaruga
encontrados em planilhas do arquivo da Rebio, no ano de 1997 a
produção foi de 287.686 filhotes.
140
0
50
100
150
200
250
300
350
1984 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Anos
Pro
dução
de
Filh
ote
s(m
il)
Figura 5. Registros da produção de filhotes de tartaruga da Rebio
Abufari, Amazonas, Brasil (dados de 1984 obtidos em Rebêlo, 1985).
Pelo esforço direcionado no estabelecimento e
monitoramento dos transectos, ou seja, locais com área conhecida e
onde todas as desovas foram marcadas e mapeadas, foi possível
estimar o número total de ninhos e a sua densidade, na praia do
Abufari, para os anos de 1999, 2000 e 2001 (Tabelas 1 e 2).
No ano de 2004 a produção de filhotes na Rebio Abufari foi
menor em relação à média dos anos anteriores, devido à subida
rápida do nível do rio Purus (repiquete). Os tabuleiros de desova das
tartarugas são atingidos pelas águas do rio Purus, em anos
considerados normais, por volta da primeira quinzena de dezembro
e, no entanto, em 2004 eles foram inundados pelo menos 20 dias
antes, comprometendo a produção de filhotes. Mesmo depois de
eclodidos, os filhotes permanecem por, no mínimo, uma semana
enterrados absorvendo completamente o vitelo exposto. Somente
após a completa cicatrização do umbigo é que eles podem emergir.
Em várias ocasiões encontramos ninhos piquetados atingidos pela
água, desenterrando-os encontramos os filhotes afogados, mesmo já
eclodidos e fora da casca.
141
Tabela 2. Número médio de ovos, por ninho, na praia do Abufari, em setembro de 1999, 2000 e 2001.
Média nº
ovos /ninho
Média nº
filhotes /ninho
Espécie
1999 2000 2001 1999 2000 2001
Iaçá 13,31 13,87 12,82 9,72 10,52 11,16
Tracajá 30,00 30,71 29,12 25,14 14,89 27,00
Tartaruga
98,15 133,00 . 71,69 100,7 .
* Em 2000 e 2001 obtivemos um número amostral baixo (N=12 e 03, respectivamente).
Sobrevivência
Espécie
1999 2000 2001
Iaçá 0,730 0,749 0,910
Tracajá 0,838 0,502 0,920
Tartaruga* 0,730 0,735 .
No ano de 2000, encontramos em um ninho de tartaruga um
filhote albino. No ano de 2003, foram encontrados um filhote albino,
um melânico (carapaça e patas parcialmente brancas e olho de
coloração normal) e um com características mistas (metade albino e
metade normal) (Figura 6). Com relação à posição onde os ninhos
dos Podocnemis foram depositados na praia, os animais escolhem os
pontos mais altos. A distância dos ninhos em relação à vegetação é
muito similar entre tracajá e iaçá. Para as três espécies estudadas na
praia do Abufari a taxa de eclosão ficou em torno de 80% (Tabela 2).
142
Figura 6. Filhotes albinos e melânicos de Podocnemis expansa
encontrados na praia do Abufari em 2000 (acima) e 2003 (abaixo).
A escolha dos locais de nidificação é um fator importante no
sucesso da reprodução dos quelônios da Rebio Abufari. Verificamos
que a distância da vegetação influencia na perda de ninhos pelo
alagamento. Embora o resultado da regressão logística para a altura
dos ninhos alagados e eclodidos tenha sido superior a 5%, o valor
encontrado é bastante próximo. Assim, consideramos que a altura,
de fato, está relacionada com a probabilidade do sítio de desova ser
atingido pela água. No caso de Podocnemis unifilis não foi verificada
uma influência direta da perda de ninhos, pelo pulso de inundação,
em função da sua localização na praia.
143
Podocnemis expansa
O tamanho médio das fêmeas de P. expansa que desovaram
no Abufari entre os anos de 1998 e 2004 foi de 74,3 cm (±3,97 cm,
N=158; Figura 7), e o peso médio 37,4 kg (±6,8 kg; N=18; Figura 10).
A menor fêmea de tartaruga que registramos desovando na praia do
Abufari durante esse período mediu 61 cm de comprimento de
carapaça e pesou 22 kg.
O número médio de ovos depositados por essas fêmeas é de
96,89 ovos (± 31,2 ovos), no entanto, registros de 163 ovos/ninho já
foram observados na praia do Abufari. Em um ninho foi registrada
massa total dos ovos de 4,126 kg. O peso médio dos ovos de
tartaruga é de 36,48 gramas (± 6,38 gramas, N = 7 ninhos).
O número médio de filhotes de tartaruga produzidos por
ninho é de 64,38 filhotes (±40,47 filhotes; N = 103 ninhos), com
sobrevivência média de 77,8% (±34,3%; N = 144 ninhos). O
comprimento médio dos filhotes é de 39,24 mm (±04,98 mm; N = 18
ninhos) e o peso médio de 17,89 gramas (±2,38 gramas; N = 18
ninhos).
Foram encontrados em média 4 filhotes natimortos por ninho
(± 9, 5 filhotes; N=20 ninhos). O número máximo de natimortos por
ninho foi de 44 filhotes. Encontramos, em média, 10,4 ovos de
tartaruga por ninho sem sinais de desenvolvimento aparente (± 11,9
filhotes; N= 49 ninhos). Em 69 ninhos analisados registramos uma
média de 21,27 ovos em putrefação, por ninho (±24 ovos).
Provavelmente, são ovos fertilizados em que o embrião morreu, pois
ovos inférteis normalmente não apodrecem.
144
Figura 7. Distribuição de comprimentos de Podocnemis expansa
encontrados nidificando na praia do Abufari (L – comprimento de 50
primeira maturação).
Em oito ninhos foi verificada a presença de filhotes aleijados
ou deformados, com uma média de 4,62 filhotes/ninho (±4,59
filhotes).
A razão sexual (proporção de machos no total da ninhada) foi,
em média, 0,185 (18,5% de machos no total) para tartarugas, 0,378
para iaçás e 0,031 para tracajás. A proporção de filhotes fêmeas e
machos nos ninhos de tartaruga variou em função da sua 2profundidade (R = 0,348, N=15; p= 0,021; Razão Sexual (ln) = 0,366
– 0,014 profundidade; Figura 8).
145
20 30 40 50 60 70 80Nest deph (cm)
-1.0
-0.5
0.0
0.5N
est
sex
ratio
(ln
N.m
ale
s/N
.to
tal)
Figura 8. Relação entre a razão sexual dos ninhos de P. expansa em
função da variável independente – profundidade do ninho, monitorados
na Rebio Abufari.
A relação entre peso e comprimento dos filhotes de tartaruga é 2significativa (R = 0,469, N=18; p= 0,002; Peso = 1,367+0,143 *
comprimento).
Podocnemis sextuberculata
O comprimento médio dos iaçás que desovaram na Rebio
Abufari entre os anos de 1998-2003 foi de 28,34 cm (±3,39 cm). O
comprimento da carapaça de 50% das fêmeas que se encontravam
desovando na praia do Abufari foi de 27 cm (L ) - N=74; Figura 9.50
O número médio de ovos depositados pelas fêmeas de iaçá
na praia foi de 12,67 ovos / ninho (± 4,3 ovos ; N = 312 ) ,
146
sendo que o ninho mais numeroso continha 26 ovos. O peso médio
dos ovos foi de 16,67 gramas (± 3,13 gramas; N= 29 ninhos). O
número médio de filhotes por ninho foi 10,4 filhotes (±5 filhotes;
N=324 filhotes), e o peso médio dos filhotes de 13,1 gramas (± 2,36
gramas). O comprimento médio dos filhotes foi 31,8 mm (±05,4mm) e
a largura da carapaça 27,42 mm (± 05,74mm). O número médio de
ovos sem desenvolvimento aparente, por ninho, foi de 2,6 ovos (±3,2
ovos; N=86), e o número médio de filhotes natimortos foi de 2,2 (± 1,9
filhote; N= 86). A presença de filhotes deformados foi observada em
três ninhos (N= 86) e a de larvas em 08 ninhos (N=86).
A sobrevivência média dos ninhos de P.sextuberculata foi de
80% (± 29,5%; N=280 ninhos). A amplitude de sobrevivência
apresentou variação máxima, indo de 0 a 100%, ou seja, houve
ninhos em que nenhum ovo eclodiu e no outro extremo ninhos com
eclosão de todos os embriões. A razão sexual média (proporção de
machos na ninhada) foi de 0,348, portanto, temos predomínio de
fêmeas entre os filhotes desta espécie produzidos no local entre 1998
e 1999. A razão sexual dos filhotes de P. sextuberculata não diferiu
significativamente entre os anos 1998 e 1999 (t= - 0,586; G.L. = 27;
p=0,563), não apresentando relação com a altura onde o ninho foi 2depositado (R = 0,001; N=7; p= 0,952), com a distância do ninho até
2a vegetação (R = 0,021; N=17; p= 0,575) nem tampouco com a sua 2profundidade (R = 0,008; N=19; p= 0,723).
147
Figura 9. Distribuição de comprimento da carapaça das fêmeas de
Podocnemis sextuberculata que desovaram na praia do Abufari entre os
anos de 1998-2003 (L – tamanho de primeira maturação).50
A taxa de eclosão de Podocnemis sextuberculata foi diferente
entre os anos monitorados (KW=10,272; N=348; G.L. 4; p=0,036),
tendo sido menor em 2000 em comparação com o ano anterior e o
posterior. Esse dado também variou em função da profundidade do
ninho (rs= - 0,2213, t= -3,2177, N=203, p=0,0015, Figura 10), numa
relação inversa onde as menores taxas de sobrevivência de embriões
foram observadas em ninhos mais profundos. Entretanto, a taxa de
eclosão não foi influenciada pela altura do ninho em relação à água
(rs= 0,0294, t= 0,2681, N=85, p=0,7893), nem tampouco pela
distância da vegetação (rs= 0,1371, t= 1,4903, N=118, p=0,1388). O
tamanho da ninhada (número de ovos por ninho) influencia no peso 2total da ninhada em Podocnemis sextuberculata (R =0,977, N=28,
p<0,001).
148
2O peso médio do ovo foi influenciado pelo tamanho (R =0,43; 2N=17 ninhos; p=0,004) e também pelo peso da fêmea (R =0,285;
N=17 ninhos; p=0,027, Figura 11).
0 10 20 30Nest deph (cm)
0.0
0.2
0.4
0.6
0.8
1.0
1.2N
est
eclo
sio
nra
te(N
ha
tch
ling
s/N
eg
gs)
Figura 10: correlação entre a taxa de eclosão de ninhos de P. sextuberculata e a profundidade dos ninhos na praia do Abufari, rio Purus, Amazonas (taxa de eclosão = número de filhotes eclodidos vivos).
149
1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500female weight (g)
10
15
20
25
mean
eg
gm
as
pe
rne
st(g
)
Figura 11. Relação entre o peso das fêmeas e a massa média dos ovos,
por ninho, em Podocnemis sextuberculata na Rebio Abufari, entre os
anos de 1999-2003 (massa média ovo/ninho = 13,836+0,002(massa da
fêmea)).
Podocnemis unifilis
O número de tracajás que desovam na praia do Abufari é
muito reduzido em comparação com as duas primeiras espécies.
Foram capturadas somente cinco fêmeas nas praias durante os
períodos reprodutivos monitorados. Elas apresentaram um
comprimento médio de carapaça de 48,3 cm (±80,87 cm), sendo que
o menor indivíduo encontrado desovando tinha 29 cm de
comprimento. O peso médio desses indivíduos foi de 6,066 kg
(±1,677 kg; N=3).
150
O número médio de ovos de tracajás observados nos ninhos
encontrados dispersos pela praia foi de 29,6 ovos (±5,87 ovos; N=46
ninhos). A massa de um ninho foi de 1 kg e o peso médio dos ovos
desse ninho foi de 23,97 g. O número médio de filhotes produzidos
por ninho é de 20,2 filhotes (±11,04 filhotes/ninho; N=31 ninhos). A
sobrevivência média foi de 76,6% (±23,5%; N = 24 ninhos). A menor
sobrevivência encontrada para essa espécie foi de 30%. A média de
comprimento e de peso dos filhotes foi de 34,04 mm (±5,7 mm; N= 10
ninhos) e de 14,72 gramas (±2,75 gramas; N=10 ninhos),
respectivamente.
A razão sexual da pequena amostra dos ninhos de tracajá
depositados na praia do Abufari é desviada para a produção de
fêmeas, com um percentual médio de 3,1% de machos (±8,8%; N=8).
A razão sexual dos filhotes de P. unifilis que nascem na Rebio Abufari 2não sofreu influência da profundidade do ninho (R = 0,122; n=6;
p=0,497). Os dados não são conclusivos, pelo pequeno tamanho da
amostra, tanto para definir o que a praia está produzindo em termos
de proporção sexual dos filhotes como no tocante aos fatores que
influenciam no processo.
Os ninhos dessa espécie apresentaram em média 4,1 ovos
sem desenvolvimento aparente (± 4,3 ovos, N = 19) e 4 ovos em
putrefação (±4,3 ovos; N= 10 ninhos). A quantidade de filhotes
natimortos foi, em média, de dois indivíduos por ninho (±1,41 filhote,
N= 4 ninhos). Foi registrado um ninho com filhotes deformados e três
ninhos com presença de larvas de dípteros.
A taxa de eclosão de ovos de tracajá não foi influenciada nem 2pela distância da vegetação (R =0,215, N=11, p=0,150), nem pela
profundidade do ninho (Correlação de Spearman, coef. = 0,133; t =
0,571; p = 0,575).
151
Ecologia populacional
Abundância e densidade de quelônios nos ambientes da
Rebio
Durante todo o monitoramento da Rebio foram marcados
1.259 quelônios, de diversas procedências, como captura na praia,
captura com redes de cerco e redes do tipo capa-saco e animais de
apreensão. O número de tartarugas, iaçás e tracajás foi 524, 688 e
47 animais, respectivamente.
Redes de cerco são aparelhos de pesca bastante utilizados no
sistema de pesca ilegal e contrabando de quelônios na Rebio Abufari
durante a estação seca. Da mesma maneira, esse apetrecho é
utilizado pela nossa equipe para captura, biometria, marcação e
soltura de tartarugas, tracajás e iaçás. Realizamos pesca
experimental, com esse tipo de petrecho, em frente a praia do
Abufari e em trechos do Purus, logo acima e abaixo da praia, nos
meses de outubro, novembro e dezembro. Redes de cerco foram
utilizadas somente nesses meses por dois motivos: 1 – como medida
mitigadora dos impactos da pesquisa sobre o ciclo reprodutivo das
tartarugas, iaçás e tracajás, pois nesses meses os animais já
desovaram e a possibilidade de provocar estresse nos animais
durante o período reprodutivo é evitada; 2 – somente nesse período
do ano as populações de tartarugas, tracajás e iaçás estão
concentradas na calha principal do rio, quando são também alvo da
pesca ilegal.
A captura média de quelônios com arrastos feitos com rede de
cerco foi de 35,9 indivíduos/pescaria/dia (±35,6 indivíduos), sendo,
portanto, maior do que a CPUE média do capa-saco, que foi de 11,77
indivíduos/pescaria/dia (± 9, 20 indivíduos).
152
Estrutura populacional
Podocnemis expansa
Das 524 tartarugas marcadas na Rebio Abufari, 67 eram
machos e 457 eram fêmeas. Esta não é uma amostragem real da
proporção sexual dos animais, pois boa parte das fêmeas foi
capturada na praia, após a desova. O comprimento médio de machos
foi de 35,80 cm (±6,08 cm) e fêmeas de 56,34 cm (±19,57 cm; Figura
18). A menor fêmea mediu 55,10 cm, e a maior 82,50 cm. Os
tamanhos do menor e maior macho foram, respectivamente, de
14,09 e 49,20 cm. Machos capturados no estudo tinham, em
média, comprimento de carapaça de 35,47 cm (±5,68 N= 46
indivíduos). Machos apreendidos mediram em média 36,51 cm
(±6,96 cm; N= 21 indivíduos). O comprimento médio da carapaça de
fêmeas capturadas foi de 62,80 cm (±14,57 cm; N=297) e de fêmeas
apreendidas foi 44,34 cm (±21,92 cm; N= 160).
Female MaleSex
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
Str
ain
gh
tca
rapa
cele
ngth
(mm
)
Figura 12. Distribuição de comprimento de Podocnemis expansa
capturados e apreendidos na Rebio Abufari entre os anos de 1999 e
2004.
153
Tabela 3. Número de tartarugas (N), comprimento (média, desvio-padrão, mínimo e máximo) capturado na Rebio Abufari.
Ano Procedência Sexo N Média Desv. Pad. Min. Max
1998 desovando fêmea 24 69,57 3,37 64,52 78,47
1999 apreendido fêmea 13 64,42 8,82 41,00 78,00
desovando fêmea 114 70,27 3,97 57,33 79,01
2000 apreendido fêmea 23 61,22 15,79 26,90 78,00
apreendido macho 2 30,75 3,89 28,00 33,50
rede de cerco fêmea 21 58,56 16,91 23,50 82,50
rede de cerco macho 3 33,50 8,06 24,20 38,30
capa-saco fêmea 14 39,94 8,51 24,50 58,00
capa-saco macho 8 35,35 6,26 29,20 49,20
desovando fêmea 23 72,48 3,25 65,00 79,00
2001 apreendido fêmea 71 51,91 13,90 26,00 77,00
apreendido macho 9 39,06 2,81 35,50 43,00
rede de cerco fêmea 42 52,29 13,05 26,50 78,70
rede de cerco macho 14 33,33 7,69 14,09 45,30
desovando fêmea 12 67,83 3,80 61,00 73,50
2002 rede de cerco fêmea 1 66,20 0,00 66,20 66,20
capa-saco fêmea 4 45,63 17,26 30,00 70,30
capa-saco macho 3 38,40 3,29 34,60 40,30
2003 rede de cerco fêmea 15 46,07 18,26 29,80 79,40
rede de cerco macho 15 36,94 2,75 32,60 42,10
capa-saco fêmea 8 24,60 2,46 22,50 30,00
2004 apreendido fêmea 53 21,96 16,46 5,51 69,00
Apreendido macho 10 35,38 9,15 17,31 44,50
rede de cerco macho 2 36,70 1,70 35,50 37,90
capa-saco macho 1 39,40 0,00 39,40 39,40
Desovando Fêmea 19 72,03 3,42 66,00 78,50
Todos os grupos 524 53,71 19,64 5,51 82,50
154
A proporção sexual de animais apreendidos durante o 2período de enchente foi 0,769:1 ( = 0,3913, G.L.=1; p>0,05). Durante
o período de seca foi apreendido um total de 30 fêmeas de tartaruga e 2nenhum macho ( = 30; G.L.=1; p<0,001). Na época da vazante foram
apreendidos pelo Ibama 117 fêmeas e 11 machos de tartarugas, ou 2seja, uma proporção de 0,094:1 ( = 87,78, G.L.=1; p<0,001).
Portanto, entre os animais capturados na pesca ilegal, temos o
predomínio de machos durante a enchente e de fêmeas quando o rio
está secando.
A variação no incremento do peso de fêmeas adultas de P.
expansa nidificando na praia do Abufari está relacionada
positivamente com o incremento no comprimento da carapaça 2(R =0,744; N=18; p=0,000; Peso fêmea = -83703,7+168,379
*comprimento). A análise discriminante utilizada confirma a
existência de dimorfismo sexual de tamanho na tartaruga ( = 80149;
F (2,180)=22,291 p< 0,001), mas a mesma técnica não indica
diferença com relação ao peso.
Comparando as regressões entre o comprimento da carapaça
de machos e fêmeas de tartarugas e a sua massa corporal, observa-
se que o valor da inclinação dessas retas parece ser diferente (Figura
13), o que evidencia uma diferença também na forma ou no peso
específico entre os sexos.
A razão sexual de indivíduos de P. expansa capturados com 2redes de cerco foi 0,494:1; sendo, portanto, desviada para fêmeas ( =
14,226; G.L.=1; p<0,001). Fêmeas também predominaram nas
capturas realizadas com rede capa-saco, onde a razão sexual foi de 20,462:1 ( = 5,158; G.L.=1; p<0,05).
155
Carapace length (mm)
Weig
ht(g
)
0 100 200 300 400 500 600 700 800 9000
10000
20000
30000
40000
50000
60000
70000
80000
Female weight = 371,8954*exp(0,0063*x)
Figura 13. Relação entre o comprimento da carapaça e o peso de
tartarugas capturadas na Rebio Abufari entre os anos de 1999-2004 ( fêmeas: r = 0,9456: p = 0,000; machos: r = 0,9499, p = 0,000).
A temperatura cloacal de Podocnemis expansa variou em
função da temperatura da água onde os animais foram capturados 2(R = 0,718; N= 12; p =0,001).
Podocnemis sextuberculata
Foram marcados na Rebio Abufari 688 indivíduos de
Podocnemis sextuberculata, sendo 259 fêmeas e 429 machos. O
comprimento médio geral desses animais foi de 19,3 cm (± 3,6 cm).
O comprimento médio de fêmeas foi de 21,8 cm (±4,3cm) e o dos
machos 17,8 cm (±2,0 cm). Durante todo o estudo de marcação
foram registradas fêmeas com comprimento de carapaça entre
10,8 cm e 35,1 cm e machos com variação entre 14,1 cm
156
e 22,5 cm. Os machos de P. sextuberculata apreendidos em
acampamentos e embarcações dentro da Rebio mediram em média
16,6 cm (±22,0 cm; N=166 indivíduos). Machos capturados na nossa
pesca experimental mediram em média 18,6 cm (±13,0 cm; N=260
indivíduos). O comprimento médio da carapaça de fêmeas
apreendidas e capturadas pela nossa equipe foi de, respectivamente,
19,6 cm (±4,1 cm; N=118) e 23,6 cm (±3,5 cm; N=236).
A razão sexual dos indivíduos de P. sextuberculata
apreendidos nos vários acampamentos e embarcações de transporte
de cargas e passageiros dentro da Rebio Abufari durante o período de
enchente foi desviada em favor de machos (proporção sexual = 22,182:1; =19,314; G.L.=1; p<0,001). Durante o período de seca
foram apreendidas somente fêmeas (N=5). Na baixada das águas do
rio Purus, pescadores oriundos de comunidades ribeirinhas
próximas e de centros urbanos mais distantes, como Manacapuru,
vêm pescar clandestinamente para capturar centenas de animais
durante o período em que a água começa a correr dos lagos, do
interior da Rebio para a calha principal do Purus. É o período em que
o Ibama apreende um maior número de animais. Durante a vazante
de 2004, foram encontrados em um único acampamento 2.068
quelônios, sendo 1.156 machos e 681 fêmeas de P. sextuberculata, 2uma razão sexual de 1,697:1 ( = 128,2743; G.L.=1; p<0,001). Com
base nesses dados, podemos inferir que a proporção sexual dos
indivíduos de P. sextuberculata capturados pela pesca ilegal é
desviada para machos.
O mesmo padrão foi observado nas pescarias experimentais,
onde foram capturados 248 machos e 84 fêmeas nas redes de cerco, 2isto é, uma razão sexual de 2,952:1 ( = 81,012; G.L.=1; p<0,001). Ao
contrário do padrão encontrado nas capturas com redes de cerco,
nas capturas com redes do tipo capa-saco observamos que a razão
sexual dos animais capturados não difere da razão esperada de 0,5 2(RS capa-saco = 0,586:1; ( = 3,13; G.L.=1; p>0,05).
157
O aumento no peso das fêmeas de P. sextuberculata que
nidificaram na praia do Abufari está correlacionado positivamente
com o incremento do comprimento da carapaça desses indivíduos 2(R =0,896; N=50; p=0,000; Peso fêmea= - 4704,63+25,76
*comprimento).
Também com o emprego de análise discriminante foi possível
confirmar dimorfismo sexual de tamanho com fêmeas maiores para
P. sextuberculata ( = Wilks' Lambda = 0,56317; F (2,373) =144,66;
p<0,0000; Tabela 13). Tanto a variável comprimento como a variável
peso foram diferentes entre os sexos. A regressão entre o
comprimento da carapaça de machos e fêmeas de iaçá e a massa
corporal desses animais mostra que o valor da inclinação dessas
retas parece ser diferente.
A temperatura cloacal média de Podocnemis sextuberculata
foi de 29,3ºC (± 0,79ºC). A temperatura cloacal não sofreu influência 2da temperatura do meio onde os animais foram capturados (R =
0,085; N= 28; p =0,407).
Podocnemis unifilis
Durante o estudo na Rebio foram marcados 47 tracajás,
sendo 41 fêmeas e 6 machos. O comprimento médio de todos os
animais marcados foi de 36,2 cm (±5,4 cm). O comprimento médio
das fêmeas foi de 37,51 cm (±4,19 cm) e dos machos foi 27,28 cm
(±5,22 cm). A amplitude de tamanhos de machos e fêmeas foi de 14,2
cm e 18,9 cm, respectivamente.
158
O tamanho médio dos machos capturados com redes de
cerco e capa-saco foi de 25,7 cm (±1,54 N= 4 indivíduos) e dos
machos apreendidos 30,4 cm (±10,0 cm; N= 2 indivíduos). O
comprimento médio de fêmeas capturadas nas redes é de 37,7 cm
(±5,07 cm; N= 26 indivíduos) e das fêmeas apreendidas 37,2 cm (±2,0
cm; N=15). Com a mesma técnica que analisamos as diferenças entre
machos e fêmeas de tartarugas e iaçás, também confirmamos as
diferenças morfométricas entre machos e fêmeas de P. unifilis ( =
40311; F (2,30)=22,211 p< 0,001), tanto para peso como
comprimento. A regressão entre o comprimento da carapaça de
machos e fêmeas de tartarugas e a massa corporal desses animais
mostra uma boa relação para fêmeas, mas não para machos,
possivelmente, pelo número reduzido de machos para a realização
adequada do teste (Figura 14). A temperatura cloacal média de
Podocnemis unifilis foi de 29,4ºC (±0,7ºC). A temperatura média da
água foi de 29,3ºC (±0,3ºC), com uma variação pequena de 1ºC. Não
foi constatada a existência de relação entre a temperatura cloacal de
tracajás com a temperatura da água (R²= ,0564; N=18; p=0,342);
( fêmeas: r = 0,9486, p = 0,000; machos: r = 0,6814, p = 0,2053).
Carapace length (mm)
We
igh
t(g
)
0 100 200 300 400 500
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
14000
Figura 14. Relação entre o comprimento da carapaça e o peso de tracajás capturados em Abufari, de 1999-2004.
159
Pesca ilegal de quelônios
Mesmo com um monitoramento precário e insuficiente da
Rebio Abufari nos anos de 1999, 2000, 2001 e 2004, período no qual
estiveram como chefes da UC os senhores Gabriel Marchioro,
Alexandre Kemenes, José Ribamar da Silva Pinto e Jackson Pantoja
Lima, respectivamente foram apreendidos 6.406 quelônios em
embarcações e acampamentos dispersos pela floresta inundada,
próximo aos maiores afluentes na Rebio Abufari. Do total de animais
apreendidos, 5.647 (88,15%) pertenciam à espécie P.
sextuberculata, 635 (9,91%) a espécie P. expansa e somente 124
(1,94%) pertenciam à espécie P. unifilis. Na Figura 15 observamos a
existência de um padrão estritamente sazonal de apreensões, em
1999, que reflete a variação anual na atividade de pesca ilegal (P.
unifilis não aparece na figura devido à baixa presença de indivíduos
no total de apreensões). No período de vazante, ou seja, durante a
descida das águas, a atividade clandestina dos pescadores de
quelônios na Rebio Abufari se intensifica. Em 2004, justamente em
agosto, em um único acampamento, foram apreendidos 2.086
quelônios em currais de madeira na água (Figura 16). Deste
montante, 2.020 animais pertenciam à espécie P. sextuberculata.
160
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez
Núm
ero
de
quelô
nio
s
0
500
1000
1500
2000
2500
Cota
média
mens
al(c
m)
P. expansa P. sextuberculata Nível do rio
Figura 15. Padrão de exploração ilegal de quelônios na Rebio Abufari, em 1999.
Figura 16. Apreensão de 2.086 quelônios (esquerda) em currais de madeira (direita) no paraná do Chapéu, em agosto de 2004. (Fotos: Jackson Pantoja Lima).
161
Movimentos migratórios
Durante o período de seca, grandes aglomerações de
tartarugas e iaçás são observadas na frente da praia do Abufari. Os
animais concentram-se em alguns locais mais profundos da calha
do Purus, naquele trecho, denominados boiadouros. Alguns animais
também são avistados boiando em trechos a montante e a jusante da
praia (praia do Camaleão e praia do Bem-te-vi, respectivamente),
dentro de um trecho de rio de 15 a 20 km. Baseado no padrão do ciclo
de atividade de pesca ilegal e apreensão, assim como da natureza
dos artefatos de pesca utilizados nessa atividade, nos depoimentos
colhidos durante esses anos e do nosso esforço de captura (que
consideramos o ponto mais fraco da pesquisa até agora, pelo esforço
de captura desigual tanto espacialmente quanto temporalmente),
propomos a categorização do padrão sazonal de movimentos de
quelônios aquáticos na Rebio Abufari da seguinte maneira:
1 – No início da vazante, os quelônios adultos movimentam-se em
direção ao canal principal, deixando a planície de inundação, pelos
afluentes do rio Purus, como o rio Abufari e paraná do Chapéu,
ambos conhecidos como principais rotas migratórias dos quelônios
do Abufari. Acompanhando o pulso de vazante do próprio ciclo
hidrológico, animais adultos, principalmente indivíduos de P.
expansa e P. sextuberculata, e em menor escala, P. unifilis, descem
para a calha principal e lá permanecem em locais mais profundos,
aguardando a emersão dos bancos de areia que formarão as grandes
praias fluviais.
2 – No final da vazante e durante o período em que o rio atinge seu
nível mais baixo, milhares de quelônios desovam no tabuleiro do
Abufari. Após a desova, os animais permanecem na calha principal e
aguardam a enchente para retornar para os locais de alimentação
nas restingas e chavascais, nas planícies de inundação.
162
3 – Migrações do rio para lagos e floresta inundada (Figura 29).
Durante a enchente, os indivíduos que se encontravam no rio Purus,
principalmente tartarugas e iaçás, migram em direção aos lagos do
complexo do rio Abufari (pontos 6 e 9) e lagos da região do Chapéu
(p1-lago do Ati, p2 – lago Comprido, p3 – lago Sacopema), através dos
paranás e também pela planície de inundação da Rebio, pois
durante a enchente ela pode alcançar cerca de 30 a 40 quilômetros
de largura. Uma proporção, provavelmente, sai dos limites da Rebio
deslocando-se a montante e a jusante. Nessas áreas alagadas os
quelônios permanecem alimentando-se até o período de vazante e
seca para, então, reiniciarem os movimentos que antecedem a
desova em um novo ciclo anual.
Os canais anteriormente mencionados são apontados por
moradores da região como as principais rotas migratórias dos
quelônios da Rebio, e nelas, a pressão de pesca concentra-se
justamente durante o período de vazante. Nesses locais, o Ibama
apreende anualmente grande quantidade de quelônios, como já
demonstrado. O padrão de pesca ilegal, tanto em escala espacial
como temporal, corrobora o modelo proposto.
A captura de grande quantidade de fêmeas adultas nos
boiadouros, realizada entre os meses de novembro e dezembro, em
anos distintos, já no final da época de eclosão e emergência dos
filhotes, comprova que as fêmeas permanecem próximas aos locais
de reprodução, por vários meses, após desovarem. Nesse período, os
canais de drenagem encontram-se ainda com nível bastante baixo e
os lagos total ou parcialmente isolados. Constatamos esse período
de ausência de deslocamentos significativos em todos os anos
estudados, o que indica claramente a existência de um padrão.o oNo lago Comprido (ponto 2- S5 18'01''/ W62 58'55''), nas coletas
realizadas em novembro de 2001, período de enchente no rio
principal, mas ainda de águas baixas nos lagos da região do Chapéu,
foram encontrados indivíduos jovens de Podocnemis expansa e
Podocnemis sextuberculata e adultos de Podocnemis unifilis (Figura
17).
163
Com base no esforço de captura foi possível observar que
tartarugas e iaçás marcados, que estavam migrando da planície de
inundação da região do Chapéu, em agosto de 2004, foram
capturados por contrabandistas e depois apreendidos por fiscais do
Ibama.
Figura 17. Mapa resumido das possíveis rotas migratórias de quelônios
na Rebio Abufari (1 – lago do Ati; 2 – lago Comprido; 3 – lago Sacopema;
4 – lago Macapá; 5 – igarapé e lago do Tauamirim; 6 – lago do Almoço; 7 –
praia; 8 – paraná do Panelão; 9 – rio Abufari; 10 – lago Pupunha; setas
contínuas – movimentos migratórios durante a enchente; setas
pontilhadas – movimentos migratórios durante a vazante dos rios).
164
Com o registro de apreensões de animais marcados no canal
do igarapé do Chapéu e rio Abufari e também próximo à comunidade
Beabá, podemos inferir que a migração durante o ciclo anual pode
atingir 100 km ou mais de extensão. Temos, ainda, depoimentos
indicando que pelo menos uma tartaruga marcada na Rebio (com
furos codificados nas escamas marginais e etiquetas plásticas) foi
capturada próximo à sede do município de Canutama, situada no
médio rio Purus (rio acima), cerca de 550 km de distância, via fluvial,
da Rebio Abufari. Nessa área, há um pequeno tabuleiro, onde, em
1998, nidificaram cerca de 10 tartarugas. Também desovam
anualmente no local entre 100 e 200 tracajás e iaçás.
No Purus, observamos em mais de uma estação reprodutiva
que tanto a tartaruga quanto o tracajá e o iaçá começaram a desovar
bem antes de o nível do rio atingir a sua cota mínima. Em outros
anos, quando as águas do Purus baixaram ainda mais lentamente, e
as praias não emergiram a tempo, as tartarugas nidificaram em
áreas de barranco, onde o solo é diferente do que ocorre nas alvas
praias de areia preferidas por essa espécie. Também houve anos em
que as fêmeas das três espécies iniciaram a desova com o grande
tabuleiro completamente exposto, pois o rio secou rapidamente. Do ponto de vista de maximização das chances de
sobrevivência dos ninhos, as fêmeas esperarem o rio baixar
completamente não faz muito sentido, pois com isso, resta menos
tempo para que os embriões completem seu desenvolvimento,
eclodam e abandonem o ninho antes que a subida das águas os
atinja. Seguindo esse raciocínio, quanto antes desovarem, melhor,
pois isso minimiza as chances de que o ninho seja alagado pelo
repiquete. As fêmeas também necessitam, entretanto, de um tempo
determinado para que os ovos fecundados se desenvolvam
completamente para que possam ser depositados em uma cova.
No ano em que as águas baixam muito cedo ,
165
pode ser que a maior parte da população de fêmeas da praia ainda
não esteja completamente pronta para desovar. Esse pode ter sido,
na verdade, o caso particular observado, naquele ano, por Alho e
Pádua (1982). Além disso, se os animais esperam o rio atingir sua
cota mínima têm que percorrer uma distância bem maior (no caso do
Abufari, isso pode significar até 500 metros a mais), expondo-se aos
predadores.
A alta densidade de quelônios foi o motivo que levou o então
IBDF, hoje Ibama, a enviar o biólogo Glênio Bruck de Andrade ao rio
Purus, em novembro de 1980, para fazer o levantamento da
potencialidade biológica da então Rebio Abufari (Andrade, 1981).
Segundo relatos dos moradores locais da Rebio, a densidade de
quelônios no rio Purus era muito superior à que observamos hoje, e
não era concentrada somente nessa praia, mas em várias outras,
tanto a jusante como a montante. No entanto, o que se tem nos
registros do IBDF até 1980 é uma produção de cerca de 80 mil
filhotes de quelônios, por ano, somando as áreas do rio Purus e
Juruá. Esse fato parece ser verdadeiro, uma vez que Rebêlo (1985)
registrou a produção de filhotes de tartaruga no Abufari em
aproximadamente 40 mil no ano de 1984.
Podemos concluir que a produção anual aumentou daquele
período para a década de 1990 e para o início deste século. Saracura
(1995) comenta que a produção de filhotes nos tabuleiros do
Abufari, em média, é de 330.000 filhotes de quelônios por ano. Essa
informação parece ser aproximada quando somamos a produção
das 3 espécies (Tabela 1).
No caso do Abufari a razão sexual dos filhotes de tartarugas e
iaçás foi desviada para fêmeas, o que pode não ser um bom reflexo do
que acontece em outras praias do Purus, pois o tabuleiro do Abufari
é uma das praias mais altas da região, podendo atingir um máximo
superior a dez metros em anos de seca forte. Raeder ( 2003 )
166
demonstrou que em praias
curto, indicando temperaturas mais elevadas. O mesmo fator pode
significar maior produção de fêmeas em praias altas.
A variação na altura, entretanto, não explicou a variação entre
os ninhos em uma mesma praia, o que pode significar a existência
de um padrão realmente bem definido de desova nos locais mais
altos, com pouca variação entre as fêmeas que utilizam uma mesma
praia.
Em P. expansa, a profundidade do ninho influenciou
negativamente na razão sexual, ou seja, maiores profundidades
produzindo uma baixa razão sexual, o que quer dizer uma maior
produção de fêmeas. Possivelmente, em maiores profundidades, a
temperatura seja mais elevada ou então se mantenha mais
constante, não sofrendo diretamente com as mudanças do ciclo
diário (noite e dia). Por outro lado, ninhos mais superficiais
deveriam estar experimentando temperaturas de incubação mais
elevadas, pelo menos durante as horas mais quentes do dia. Outra
possibilidade é que o calor gerado pela grande quantidade de ninhos
que, na prática, formam um grande aglomerado de ovos, pode gerar
uma quantidade de calor metabólico que mascara o efeito da
temperatura. O monitoramento com coletores remotos de dados de
temperatura (data-loggers) em locais distintos, tanto na superfície
quanto junto aos ovos, e também entre ninhos isolados e no centro
do tabuleiro, seriam necessários para elucidar essa questão.
A posição dos ninhos de quelônios aquáticos é fator crítico
para o seu sucesso quanto às principais causas de perda, a saber:
predação e alagamento. Ninhos de quelônios amazônicos são alvos
de diversas espécies de animais, incluindo insetos, répteis, aves e
mamíferos (Soini, 1995, Batistella, 2003, Félix-Silva et al., 2003).
Em anos que o nível do rio desce de forma lenta,
geralmente observamos no Abufari a formação de um único
mais altas o período de incubação é mais
167
tabuleiro, o que aumenta a perda por reescavação. Não se tem ao
certo um valor da quantidade de ovos de tartarugas que são perdidos
dessa forma, a cada ano, pois após dias e dias de desovas em grupo o
que temos nos tabuleiros são grandes aglomerados de ovos em que
não há mais como individualizar os ninhos. Isso inviabiliza,
inclusive, a possibilidade de determinarmos com precisão o número
de fêmeas de tartarugas que desovam nos grandes tabuleiros.
Também não podemos contar simplesmente os ovos que são
arrancados pois, certamente, muitos são danificados e rompidos,
permanecendo enterrados. O material apodrecido no interior de um
ninho atingido pode provocar a perda de ovos nesse ninho e em
ninhos adjacentes.
Embora esse comportamento pareça ser desfavorável em
termos de produção de filhotes, seu significado adaptativo pode
estar relacionado com dois outros fatores: primeiro, após alguns
dias de intensa atividade escavatória, a areia do tabuleiro fica
completamente descompactada, facilitando a escavação e,
potencialmente, diminuindo o tempo de postura. Essa possibilidade
poderia ser testada quantificando-se as durações das posturas em
dias distintos, ao longo do período de posturas. Outro possível
componente adaptativo do comportamento de desova em grandes
grupos relaciona-se com a hipótese de saciedade do predador. A
oferta de centenas de milhares de presas, tanto na forma de fêmeas
adultas quanto de ovos e, posteriormente, filhotes, reduzem suas
probabilidades individuais de predação se essa oferta for
extremamente concentrada tanto espacialmente quanto
temporalmente.
Atualmente, no rio Purus existem dois grandes tabuleiros de desova
de quelônios. Um está situado no médio rio Purus, no município de
Canutama, na Reserva Ecológica do Jamanduá, onde desovam 350
tartarugas, 100 tracajás e 3.500 iaçás. O outro é no próprio Abufari.
168
Com relação à Podocnemis expansa, considerando o L como 50
medida base para distinguir uma população de fêmeas adultas de
uma população de fêmeas imaturas, podemos dizer que, do total de
indivíduos observados, 25,8% da população são fêmeas adultas. Se
considerarmos o tamanho da menor fêmea marcada na praia,
desovando, podemos concluir que 66,2% das fêmeas capturadas
estavam maturas.
No caso de Podocnemis sextuberculata, se também utilizarmos
o tamanho das fêmeas como indicador do tamanho médio da
população adulta, podemos dizer que, utilizando o L como medida-50
base, temos no Abufari 17,9% da população composta por fêmeas
adultas. No entanto, se considerarmos o tamanho da menor fêmea
marcada no estudo, podemos afirmar que 42,02% das fêmeas
capturadas são fêmeas maturas. Segundo Shine & Iverson (1995), o
padrão de maturidade sexual é de cerca de 70% do comprimento
máximo da carapaça. No nosso estudo, o comprimento estimado
para a maturidade de tartaruga corresponde a 66%, se utilizarmos o
tamanho da menor fêmea de tartaruga capturada na praia do
Abufari, e 90,2% se utilizarmos o valor do L , onde, 50% das fêmeas 50
com esse comprimento podem estar maduras ou não.
Segundo Gibbons (1990), a razão sexual desviada para
fêmeas pode estar associada às aglomerações da espécie nas
proximidades das áreas de nidificação. Essa hipótese é plausível se
observamos novamente a Figura 21, em que a maior proporção
capturada foi de fêmeas, para as três espécies, exceto quando
utilizamos a rede de cerco para a captura de iaçás que, ao contrário
das outras, mostrou uma maior captura de machos do que de
fêmeas. Esse efeito das aglomerações de fêmeas na praia pode ser
excluído quando analisamos a razão sexual dos indivíduos
capturados pela pesca ilegal, quando os animais estão migrando dos
lagos para o rio Purus. Nesse período de vazante, com base nos dados
de animais apreendidos, foi observada uma maior proporção de
169
fêmeas, tanto para tracajá como para a tartaruga, e uma maior
proporção de machos para iaçá. Portanto, tanto os resultados da
análise da proporção de sexos na pesca experimental quanto das
apreensões estão de acordo. São diversos os fatores que podem
influenciar nesse resultado, como a taxa de mortalidade natural
diferenciada e também o impacto da pesca ilegal.
A pesquisa desse grupo no Abufari iniciou-se em junho de
1998, com uma visita inicial do coordenador, que acompanhou as
atividades de fiscalização do Ibama, na época, coordenadas pelo
então chefe da Rebio, sr. Agenor Vicente da Silva. Foram percorridos
os principais canais de drenagem do complexo de lagos localizado
na margem esquerda do rio Purus. Esses canais são o do Abufari, do
Chapéu e do Panelão. Nessa época, ocorre a migração de animais
adultos para a calha principal onde, em breve, estarão expostas as
grandes praias fluviais utilizadas para a reprodução por quelônios
aquáticos. Descem principalmente tartarugas e iaçás, ao passo que
os tracajás apresentam comportamento mais diversificado,
desovando em ambientes variados que vão desde as praias arenosas
até os barrancos e folhiços.
Nesse período, pescadores clandestinos estão instalando
grandes capa-sacos para a captura dos animais que descem. Em
junho de 1998, o Ibama realizou três apreensões de animais e de
equipamentos, todas vinculadas à atividade. Nas duas primeiras
foram detectados e retirados os capa-sacos instalados com o
auxílio de poitas (âncoras de ferro com ganchos que se prendem
na corda superior do capa-saco submerso), exatamente nos
canais apontados por moradores da região como as principais
rotas de migração dos animais que desovam na praia do Abufari.
Numa dessas situações, no canal do Abufari, em cuja foz fica a
base flutuante do Ibama, além dos vários animais retirados dos
próprios apetrechos também foram encontrados acampamentos
170
com cerca de 350 animais mantidos em sacos e currais. Os
pescadores são, em sua maioria, provenientes de Manacapuru,
comprovando a forte pressão de pesca ilegal associada aos
movimentos migratórios que antecedem o início do período
reprodutivo.
Desde 1998 nossas at iv idades concentram-se
principalmente no período reprodutivo e num esforço concentrado
na captura, biometria, marcação e soltura de tartarugas, iaçás e
tracajás nas praias (após a desova), assim como nos boiadouros.
Dependendo do recurso disponível, também investimos na captura
de adultos, em outras épocas.
Pudemos também contar com depoimentos de antigos
moradores, nascidos na região e que continuam ali morando com
suas famílias, filhos e netos. Um deles, o sr. Julinho, morador da
comunidade do Bem-Te-Vi, já trabalhou na praia como vigia durante
doze anos, no período em que ela era de propriedade do seringalista
Abdom Said. Esse chefe local não permitia que se interferisse na
desova dos animais, mantendo proteção ostensiva e, eventualmente,
comercializando certa quantidade de fêmeas adultas com os
batelões aviadores. Julinho conta que, após o fim da atividade
seringueira, a proteção do grande tabuleiro do Abufari passou a ser
realizada pela comunidade que levava o mesmo nome, situada no
canal de drenagem de lagos internos, em frente à parte superior do
banco de areia e que também recebia este nome, Abufari. A
comunidade foi retirada na ocasião da criação da unidade de
conservação.
Em várias ocasiões, enquanto nos recebeu em sua casa, na
comunidade Bem-Te-Vi, assim como nas ocasiões em que nos
ajudou durante estudo realizado com os peixes predadores, o sr.
Julinho nos contou sobre as extensas áreas alagadas ao redor do
lago do Lira (ou do Ira), apontado como o “coração da reserva”. Outro
depoimento importante sobre o comportamento dos quelônios
171
aquáticos, nesse trecho do Purus, nos foi dado por um ex-morador
da comunidade Abufari, extinta com a criação da Rebio, como já
dito, o sr. Dudu Mangabeira, morador da atual comunidade
Fazenda. O sr. Dudu chegou a esboçar, em um desenho, um mapa
cognitivo com a rota migratória realizada anualmente pelos
quelônios aquáticos para dentro e para fora do sistema de lagos,
utilizando os três canais principais também já mencionados.
Existem evidências consistentes de que pelo menos P.
expansa é capaz de realizar longas migrações após a desova. O mais
provável é que tenhamos uma boa parcela dessa população
migrando para o sistema de lagos que se encontram dentro dos
limites da Rebio Abufari, e outra que migre pelo Purus a jusante e
ainda outra que sobe rio acima. Sobre o caso acima relatado, de um
animal marcado na Rebio e recapturado em Canutama, centenas de
quilômetros a montante, e considerando que marcamos animais
desde 1999 e a extensão percorrida, podemos levantar a
possibilidade da existência de fluxos de dispersão não
necessariamente relacionados com o pulso anual de migração entre
áreas de reprodução e alimentação, acima descritas. Uma parcela
da população pode estar simplesmente se dispersando.
Considerações gerais
É fundamental que se continue a monitorar anualmente os
tabuleiros. Em primeiro lugar, a variação climática anual pode
provocar, como já discutido, profundas mudanças nas taxas de
sobrevivência, na razão sexual dos filhotes e na proporção de ninhos
atingida pelo repiquete do rio. A continuação desse trabalho
possibilitará uma melhor compreensão desses fenômenos, suas
variações anuais e a potencialidade dos diversos fatores
influenciando a reprodução dos quelônios amazônicos. Além disso,
como avaliação do status populacional, a continuidade das atividades
permitirá que analisemos as tendências das populações.
172
Agradecimentos
Agradecemos ao Conselho Nacional de Pesquisas Científicas
e Tecnológicas/Programa do Trópico Úmido (Proc. 469940-00) e ao
Banco da Amazônia pelo suporte logístico para a realização deste
trabalho. Agradecemos também ao Doutor Luiz Alberto dos Santos
Monjeló, coordenador do Projeto de Diagnóstico da Criação de
Animais Silvestres. Somos muito gratos ao Ibama pelo apoio
logístico e de licenciamento da pesquisa. Agradecemos ao senhor
Júlio Ferreira e seus filhos, pelo suporte em campo.
173
174
Capítulo 5: Genética Molecular das Populações
das Espécies de Quelônios do Gênero
Podocnemis da Amazônia: Resultados
Preliminares
1Maria das Neves Silva Viana2Izeni Pires Farias2Rafaela Cardoso dos Santos3Maria Iracilda Sampaio2Luiz Alberto dos Santos Monjeló
INTRODUÇÃO
Os quelônios são os mais antigos répteis existentes.
Surgiram na era dos répteis, há milhões de anos, sendo de linhagem
mais antiga do que os dinossauros fósseis. De um modo geral, são
encontrados em locais diversos como lagos, rios, açudes, mares,
pântanos, desertos e florestas. Existem espécies adaptadas para
viverem exclusivamente em terra, enquanto outras passam a vida
toda nas águas dos rios ou mares. O tamanho do corpo é variável de
acordo com as espécies, encontrando-se formas de dois a três
metros de comprimento e também pequenas formas que atingem de
sete a doze centímetros.
¹Universidade Federal do Amazonas - Instituto de Ciências Biológicas – Laboratório de Bioquímica.² Universidade Federal do Amazonas - Instituto de Ciências Biológicas – Laboratório de Genética.³ Universidade Federal do Pará – Centro de Ciências Biológicas-Campus de Bragança.
Estudiosos citam que esses répteis têm vida mais longa que
qualquer outro vertebrado, podendo, as espécies terrestres, viver
mais de cem anos. No entanto, a maior parte do desenvolvimento
biológico desses animais só ocorre durante os primeiros 5 a 10 anos
de existência e, segundo pesquisas, a maturidade sexual só
acontece aproximadamente aos sete anos, para os machos, e 11 a 15
anos para as fêmeas. Muitas espécies de quelônios estão em vias de
extinção, conseqüência da perseguição desmedida do homem que
destrói os ovos e pratica a caça predatória na época de reprodução,
além de promover a destruição do habitat desses animais.
Família Pelomedusidae
Os representantes da família Pelomedusidae são
denominados de "tartarugas de cabeça escondida" porque recolhem
a cabeça dobrando-a lateralmente. Em muitos aspectos, esse
procedimento é considerado como mais primitivo e menos eficaz
para a defesa. Essa família é caracterizada pelo pescoço
lateralmente retrátil, apresenta especializações vertebrais
associadas, 13 escudos plastrais, pélvis fundida tanto à carapaça
quanto ao plastrão, a mandíbula é forte e tem a área articular
convexa (Pritchard & Trebbau, 1984).
São encontradas nas águas da África, Austrália e América
do Sul, existindo três tipos distintos: pelomedusa africana, que dá
nome à família; pelúsia, encontrada facilmente na África como
animal doméstico; e Podocnemis, encontrada nos rios da América do
Sul e de Madagascar. A razão dessa distribuição geográfica do
gênero Podocnemis parece ter como causa a dispersão ampla das
formas de seus antepassados, que se acredita terem sido animais
marinhos, de mares pouco profundos. Alguns taxonomistas
acreditam que o gênero Podocnemis e Peltocephalus constituem
uma família à parte, a Podocnemidae.
Na América do Sul, encontramos seis espécies do gênero
Podocnemis: Podocnemis vogli, P. lewyana, P. expansa, P. unifilis, P.
sextuberculata e P. erythrocephala; sendo as quatro últimas
175
Podocnemis expansa Schweigger, 1812
Podocnemis expansa (Figura 1), no Brasil e na Bolívia é
conhecida popularmente como tartaruga-gigante-da-amazônia;
arrau (Venezuela); charapa (Equador, Colômbia e Peru); chapanera,
sumarita (oriente da Colômbia). É o maior quelônio de água doce
encontrado na América do Sul. Apresenta uma ampla distribuição
na Amazônia que se estende desde a desembocadura do rio
Amazonas até pelo menos o rio Morona e rio Marañón, Peru. Sua
distribuição inclui também o rio Orinoco e rio Essequibo (Pritchard
& Trebbau, 1984). Está presente nos seguintes, países: Bolívia,
Brasil, Colômbia, Equador, Guianas, Peru e Venezuela. É
estritamente aquática e só sai da água para realizar a desova. Habita
os rios, lagos, pântanos, ilhas e bosques inundados. Durante a
estiagem dos rios, as populações encontram-se confinadas nos leitos
dos rios e lagos relativamente profundos. Durante a subida das
águas se dispersam pelas extensas áreas inundadas que rodeiam os
rios e outros corpos permanentes de água.
176
Figura 1. Exemplar de P. expansa.. Foto: RAN/AM (Andrade, P.C.M.)
Podocnemis expansa se reproduz tipicamente em grandes grupos de fêmeas, em determinadas praias tradicionais de desova. Em áreas onde a espécie é pouco abundante devido tanto a fatores naturais quanto à intervenção antropogênica, desovam principalmente em pequenos grupos dispersos e também solitariamente (Soini & Soini, 1995c).
Graças a um vigoroso programa de recuperação de P. expansa pelo IBDF, durante muitos anos, a população desovadora do Brasil está aumentando consideravelmente (Vogt, 1990). Como um notável exemplo de crescimento pode-se citar o caso da praia de Monte Cristo, do rio Tapajós, onde, mediante a proteção da praia assim como a implementação de algumas outras medidas de manejo, a população desovadora aumentou de 78 fêmeas, em 1969 (Alfinito et al., 1976a), para 1.600 fêmeas em 1988 (Vogt, 1990).
Podocnemis unifilis Troschel, 1848
Podocnemis unifilis (Figura 2), conhecida popularmente como
tracajá, possui a carapaça cinza-escuro quando molhada. Apresenta as
patas curtas e cobertas com pele rugosa, cabeça achatada e cônica, de
pequeno tamanho em relação ao corpo. Os olhos, bastante juntos, são
separados por um sulco. A fêmea adulta pesa em torno de oito quilos e
mede cerca de 38 cm. É uma tartaruga essencialmente aquática.
Pritchard & Trebbau (1984) e Iverson (1992) citam que essa espécie
pode ser encontrada nas bacias dos rios Amazonas e Orinoco e seus
afluentes, no norte da América do Sul, sendo considerada generalista.
Ocorre em rios de água preta, clara e branca, bem como em lagos e
reservatórios.
177
Figura 2: Exempla r de P. unif ilis . Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Oliveira, P.H.G.)
Essa é considerada a segunda espécie mais consumida na
região amazônica, parecendo possuir melhor adaptação em
cativeiro, por ser mais generalista que P. expansa. A fêmea do tracajá
procura desovar isoladamente em barrancos às margens dos rios e
lagos, geralmente antes das enchentes. As covas são de
aproximadamente 30 cm de profundidade, apresentando uma
média de 20 ovos por ninho. Estudos em cativeiro demonstram que o
número de ovos, por ninho, pode variar de nove a quarenta, com
uma média de 28,8 ovos. O período de incubação vai de 101 a 136
dias.
Podocnemis sextuberculata Cornalia, 1849
Podocnemis sextuberculata (Figura 3) é conhecida
popularmente como iaçá, pitiú ou cambéua (Smith, 1979). A
carapaça tem coloração que vai de marrom-claro a marrom-escuro.
O plastrão nos indivíduos jovens apresenta seis tubérculos de cor
cinza ou marrom, os quais conferem o nome à espécie (P.
sextuberculata), cuja função, provavelmente, seja para segurar o
animal em lugares onde existe muita correnteza. A fêmea possui
manchas amarelas com um par de barbelos logo abaixo da boca. A
média de postura vai de 20 a 25 ovos de casca mole. O macho é
menor do que a fêmea (Ibama, 1989).
Figura 3: Exemplar de P. sextuberculata Foto: RAN/AM (Andrade, P.C.).
178
Fonte: Turtle of the World
Sua distribuição geográfica abrange a drenagem do rio
Amazonas no Brasil, Peru e Colômbia (Iverson, 1992). No Brasil, é
encontrada em rios de água barrenta como Solimões, Japurá e
Branco e em rios de água clara como Trombetas e Tapajós (Cantarelli
& Herde, 1989). Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá-RDSM, é encontrada em águas pretas e barrentas, nos
canais dos rios, paranás, ressacas e lagos, sendo relativamente
abundante e constituindo uma importante fonte alimentar para a
população local.
Podocnemis erythrocephala Spix, 1824
Podocnemis erythrocephala (Figura 4), é a menor espécie do
gênero, facilmente distinguida de suas congêneres devido ao seu
pequeno tamanho (medindo menos que 32 cm. Geralmente, as fêmeas
medem em torno de 27 cm e os machos são menores ainda), a
coloração vai do marrom-escuro ao preto, a carapaça é expandida na
porção posterior; apresenta um par de barbelos embaixo do queixo e
uma faixa vermelha brilhante que se estende da parte de trás da
cabeça até os tímpanos.
179
Figura 4: Exemplares de P. erythrocephala em Barreirinha. Foto: Jane Dantas.
Vários autores, incluindo Williams (1954a) e Wermuth &
Mertens (1961), citam que P. erythrocephala ocupa uma grande área
ao norte da América do Sul, contudo, Mittermeier & Wilson (1974)
relatam que as amostras com informações de procedências seguras
foram todas coletadas no sistema do rio Negro. É quase
completamente confinada a rios de água preta e a maioria dos
exemplares conhecidos é proveniente do rio Negro, o maior
tributário de água doce do Amazonas. Dentro do sistema do rio
Negro, a espécie mostra preferência por pequenos lagos de água
preta e seus afluentes, sendo raramente encontrados no leito
principal do rio (Mittermeier & Wilson, 1974).
Essa espécie coloca seus ovos no período que vai do final do
mês de agosto até o início de novembro, nas praias do rio Negro,
sendo que o pico da estação de postura, aparentemente, ocorre entre
setembro e outubro. O número de ovos varia de 5 a 14 e a postura
ocorre geralmente à noite, na areia, em áreas chamadas de
campinas. Os ovos são brancos e alongados podendo apresentar a
casca dura ou levemente flexível. Apesar dessa espécie não ter muita
importância na economia, é intensamente caçada na região do rio
Negro para consumo de sua carne e seus ovos. A captura é feita por
arpão e linha de pescar e as fêmeas também são capturadas nos
locais de desova.
Os indivíduos adultos dessas quatro espécies são utilizados
tanto como fonte de alimento, para as populações ribeirinhas da
região amazônica, como para a venda no mercado negro, pelo alto
valor comercial, para consumo da carne ou como animal de
estimação. Conseqüentemente, essas espécies estão classificadas
como vulneráveis e dependentes de cuidados (Cites I e II). Em adição
aos dados ecológicos, são necessárias informações sobre estrutura e
variabilidade genética para dar suporte a programas de manejo
adequados para conservação de cada uma dessas espécies.
180
VARIABILIDADE GENÉTICA
A variação genética é uma condição fundamental para que
haja evolução adaptativa, uma vez que a seleção natural atua entre
as variantes que ocorrem dentro das populações, em função da
adaptação ao ambiente, convergindo essa variação entre populações
e, finalmente, para a variação entre espécies. Chetverikov (1926,
1927) foi pioneiro em mostrar que a análise genética de populações
naturais é necessária para revelar a quantidade de variabilidade
genética potencial de uma população.Marcadores moleculares
Marcador molecular pode ser definido como toda e qualquer
característica molecular proveniente de uma seqüência do DNA
(Ferreira & Grattapaglia, 1995). Quando seu comportamento
quanto à segregação segue os padrões mendelianos de herança, o
marcador é definido como "marcador genético". Quando usamos
marcadores genéticos estamos tentando estimar o número de
modificações (mutações) na seqüência de pares de bases que
constituem o DNA dos indivíduos. Existem numerosas técnicas
moleculares disponíveis para avaliar a diversidade genética entre
indivíduos e entre populações. Segundo Queller et al. (1983), o
marcador genético ideal para estudos em população seria um de
fácil uso e que distinguisse características que são determinadas por
uma combinação de fatores, que fornecesse valores não ambíguos e,
preferivelmente, com alta variação, como é o caso de genes do DNA
mitocondrial.DNA mitocondrial em estudos populacionais (DNAmt)
A mitocôndria é uma organela encontrada na maioria dos
organismos superiores e sua função nas células está relacionada
com a degradação de açúcares e gorduras importantes para o
fornecimento de energia para os seres vivos. O material genético da
mitocôndria constitui-se de seqüências de DNA que estão presentes
normalmente em cópia única e servem como códigos para a
formação das proteínas necessárias para a manutenção de suas
funções e para a expressão gênica.
181
O genoma mitocondrial (conjunto total do DNA da
mitocôndria) dos animais é uma molécula de DNA circular, de fita
dupla, pequena e contida em múltiplas cópias na mitocôndria. Seu
tamanho é relativamente estável para animais, em torno de 16 - 21
kilobases (kb) (Ray & Densmore, 2002).
Características particulares como a herança, geralmente
materna, ausência de recombinação (não há participação do
material genético do pai) e as altas taxas de variação, quando
comparadas com o material genético que se encontra no núcleo da
célula, fazem do DNA mitocondrial uma ferramenta muito
importante no estudo das relações evolutivas entre indivíduos,
espécies e populações (Avise, 1994).
Para determinar o grau de variação genética entre as
populações e dentro de cada população, nós utilizamos as pequenas
variações ou polimorfismos, que ocorrem especificamente na
seqüência de bases do DNA mitocondrial de cada indivíduo.
As seqüências de DNA que apresentam variação (mutações)
são classificadas como haplótipos, sendo que as que apresentarem
os polimorfismos mais semelhantes e mais antigos serão agrupadas
como um único haplótipo (representada em um cladograma por um
quadrado); as seqüências que apresentam polimorfismos muito
diferentes ou raros serão classificadas, cada uma, como um
haplótipo separado e são representadas no cladograma como uma
elipse. Nesse segundo grupo de polimorfismos cada haplótipo pode
conter um ou mais indivíduos, e isso será determinado pelo tamanho
da elipse. Cada população que apresentou estrutura genética
diferenciada das demais foi considerada como uma unidade de
manejo e conservação.
182
JUSTIFICATIVA
Com a publicação da Portaria do Ibama Nº 142/92-P,
regulamentando a criação da tartaruga-da-amazônia (P.expansa) e
do tracajá (P. unifilis) em cativeiro, houve um aumento na demanda
comercial dessas espécies, o que contrasta com o seu atual nível de
informação. O projeto “Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres
do Estado do Amazonas” PTU/CNPq reúne uma equipe
multidisciplinar e interinstitucional da Ufam/Ibama, que visa à
conservação e um possível manejo sustentável, de algumas espécies
silvestres do Amazonas, incluindo os quelônios P. expansa
(tartaruga-da-amazônia), P. unifilis (tracajá), P. sextuberculata (iaçá)
e P. erythrocephala (irapuca).
Este trabalho dará suporte ao projeto “Diagnóstico da
Criação de Animais Silvestres do Estado do Amazonas”,
proporcionando informações sobre o nível de variabilidade e
características da estrutura genética de populações locais das
espécies do gênero Podocnemis, contribuindo para estudos
posteriores relacionados ao impacto de manejo, reprodução tanto na
natureza como em cativeiro e outras informações que permitirão um
planejamento adequado em programas de melhoramento genético
em criadouros.
OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
O objetivo deste trabalho foi identificar unidades de
conservação e manejo de quatro espécies de tartarugas da Amazônia
(P. expansa, P. unifilis, P. sextuberculata e P. erythrocephala) através
do marcador molecular de DNA mitocondrial, para que os resultados
provenientes deste estudo possam dar suporte a programas de
manejo na natureza e aos criadores.
183
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
ØCaracterizar e analisar o grau de variação genética encontrada
dentro das populações naturais de quatro espécies de tartarugas
do gênero Podocnemis: P. expansa, P. unifilis, P. sextuberculata e
P. erythrocephala. ØDeterminar se os haplótipos do DNA mitocondrial estão
associados com a distribuição geográfica.
ØVerificar a ocorrência de estrutura populacional das diferentes
espécies usando a região controle do DNA mitocondrial.
METODOLOGIA
OBTENÇÃO DE AMOSTRAS DE SANGUE E EXTRAÇÃO DO DNA
As coletas foram realizadas com o apoio do Ibama. Utilizamos
indivíduos jovens, recém-eclodidos, de tartarugas com uma
amostragem em torno de 15-20 indivíduos provenientes das
seguintes localidades: (1) Uatumã, AM; (2) Abufari, rio Purus (AM);
(3) Itamarati, rio Juruá (AM); (4) Manicoré, rio Madeira (AM); (5)
Barcelos, rio Negro (AM); (6) Parque Nacional do Jaú, AM; (7) Terra
Santa, PA; Oriximiná, PA, e Jarauaca, em Oriximiná (PA),
(8)Parintins e Barreirinha(AM)(Figura 5).
Como o principal objetivo deste trabalho é a preservação das
espécies, nenhum animal foi sacrificado e foram retiradas amostras
de 0,1 ml de sangue, através de punção da veia femural. Esse sangue
foi preservado em álcool em temperatura ambiente até o momento da
extração do DNA. Em seguida, os animais foram devolvidos para a
natureza no local onde foram coletados.
184
Figura 5: Mapa dos locais de coleta.
O procedimento utilizado para a extração do DNA foi
baseado em protocolos específicos (método Fenol/Clorofórmio,
segundo Sambrook et al., 1989) com algumas modificações. Após a
extração o DNA foi amplificado, via PCR, utilizando-se iniciadores
específicos para a região controle do DNA mitocondrial de
Podocnemis. O produto do PCR foi então seqüenciado em
seqüenciador automático Megabace 1000 na Universidade Federal
do Amazonas – AM. Para a obtenção do cladograma de haplótipos
foi utilizado o programa TCS (Clemente et al., 2000). As análises
populacionais foram realizadas através do programa Arlequin
(Schneider et al., 2000).
185
RESULTADOS E DISCUSSÃOQuanto às localidades, as quatro espécies apresentaram uma
amostragem diferenciada. Para P. erythrocephala foram amostrados
indivíduos das localidades de Jaú (6), Barcelos (5), Oriximiná (8) e
Terra Santa (7); para P. unifilis foram coletados indivíduos de
Itamarati (3), Manicoré (4), Terra Santa (7), Oriximiná e Jarauacá (8);
para P. sextuberculata as localidades foram Abufari (2), Manicoré (4),
Terra Santa (7) e Oriximiná (8); e para P. expansa foram amostrados
indivíduos de Uatumã (1), Abufari (2) e Terra Santa (7).O alinhamento final das seqüências de DNA foi composto por
aproximadamente 580 pares de bases (com exceção de P. expansa,
que foi de 996 pares de bases) e definiu o número de haplótipos, que
está representado em forma de cladograma para cada espécie
(Figuras 6 a 9). Os resultados aqui apresentados devem ser
considerados como preliminares uma vez que apesar da ampla
amostragem, as espécies diferem nos locais de coleta. A continuação
do projeto visa ampliar os locais de coleta para evitar falha nas
amostragens. De uma maneira geral, as três espécies P. sextuberculata, P.
erythrocephala e P. unifilis apresentaram um padrão populacional
pan-mítico muito bem visualizado pelo cladograma dos haplótipos
(Figuras 7, 8, e 9), onde não se observa a presença de uma associação
entre os haplótipos com a distribuição geográfica. A presença de
populações diferenciadas (estrutura de população) foi observada
somente para os locais de Abufari (em P. sextuberculata), Jaύ (em P.
erythrocephala) e Itamarati (em P. unifilis), o que pode ser um artefato
de coleta causado pela ausência de locais intermediários não-
amostrados entre as localidades aqui analisadas. A falta de uma forte
estrutura de população favorece o manejo para essas espécies.Somente P. expansa apresentou uma forte estrutura de
população (todas as populações foram geneticamente diferenciadas),
como pode ser observado no cladograma (Figura 6). Os indivíduos, em
sua maioria, se uniram em grupos formando um haplótipo, por
localidade, com adicionais haplótipos raros.
186
Figura 6: Cladograma de haplótipos de P. expansa
187
Figura 7: Cladograma de haplótipos de P. unifilis.
188
Figura 8: Cladograma de haplótipos de P. sextuberculata
189
Figura 9: Cladograma de haplótipos de P. erythrocephala..
190
Na Tabela 1 podem ser observados os parâmetros
genéticos obtidos para todas as espécies e evidenciam bons níveis de
variabilidade genética.
Tabela 1: Parâmetros genéticos para as espécies de Podocnemis.
Nota: T. Santa = Terra Santa; PNJ = Parque Nacional do Jaú.
191
População N No. de haplótipos
Diversidade Gênica
Diversidade Nucleotídica
Podocnemis sextuberculata
Abufari 19 05 0,66±0,0744 0,0022±0,0016
T. Santa 12 02 0,30±0,1475 0,0005±0,0006
Manicoré 18 05 0,41±0,1428 0,0007±0,0008
Oriximiná 13 04 0,60±0,1306 0,0017±0,0014
Podocnemis erythrocephala
Barcelos 17 07 0,79±0,0783 0,0031±0,0021
PNJ 18 04 0,74±0,0596 0,0023±0,0017
T. Santa 14 04 0,49±0,1506 0,000972±0,0010
Oriximiná 15 04 0,47±0,1478 0,000910±0,001
Podocnemis unifilis
T.Santa 21 10 0,81±0,0809 0,0078±0,0044
Manicoré 15 06 0,74±0,0943 0,0058±0,0035
Itamarati 12 04 0,45±0,1701 0,0028±0,0020
Oriximiná 11 09 0,95±0,0659 0,0101±0,0059
Jarauacá 09 07 0,94±0,0702 0,0062±0,0039
Podocnemis expansa
Abufari 14 12 0,98±0,0345 0,0003±0,0003
Uatumã 17 17 1,00±0,0202 0,0015±0,0011
T. Santa 18 13 0,72±0,1198 0,0012±0,0009
CONCLUSÃO
ØO DNA mitocondrial mostrou ser um bom marcador
molecular para o estudo de populações de tartarugas.ØAs populações de tartaruga-da-amazônia (P. expansa), por
terem apresentado estrutura de população, devem ser
consideradas como unidades de manejo diferenciadas. Deve
ser evitado misturar animais de uma localidade com as
outras, tendo-se o cuidado de repovoar áreas com problemas
utilizando-se indivíduos de locais próximos da região
afetada.ØAs populações das outras três (com exceção daquelas que
apresentaram-se geneticamente diferenciadas) podem ser
consideradas como fazendo parte de uma única e grande
população pan-mítica, conseqüentemente, podem ser
manejadas sem restrição.
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer aos colegas que coletaram as
amostras de P. erythrocephala: Jackson Pantoja, Juarez Pezzuti e
Daniele Felix; aos colegas do Ibama: Paulo Henrique, Pedro, João
Alfredo e Paulo César Andrade, por todo o apoio desde o início do
projeto; e ao Dr. Richard Vogt, do Inpa. Agradecemos também ao Dr.
Tomas Herbek, da Universidade de Washington, pelo apóio técnico.
Este trabalho teve apoio financeiro da Universidade Federal do
Amazonas, do CNPq e do Ibama.
192
Capítulo 6: Fisiologia e bioquímica de quelônios
e suas implicações para o manejo e a criação em
cativeiro
1Jaydione Luiz Marcon2Michele Gonçalves da Silva2Gelson da Silva Batista3Raimunda de Souza Farias 3Leonardo Bruno Barbosa Monteiro
I - Introdução
Os quelônios do gênero Podocnemis são animais endêmicos
das bacias do Amazonas, do Orinoco e do Araguaia e historicamente
ligados aos hábitos culturais das populações humanas locais, que
utilizam a carne, a gordura e seus ovos como fontes de alimento
(Smith, 1979). Segundo informações obtidas na literatura, bem
como nos documentários de Silvino Santos, pioneiro no registro
cinematográfico da história e da cultura do Amazonas (Souza, 1999),
as populações desses quelônios eram enormes e se distribuíam ao
longo de toda a região amazônica. Entretanto, dois séculos de
intensa exploração foram suficientes para causar uma diminuição
significativa das populações naturais e, em alguns locais, o
¹Professor do Departamento de Ciências Fisiológicas. Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM. Fone: (92) 644-3359. e-mail: [email protected].² Bolsista do Pibic e Acadêmica do Curso de Engenharia de Pesca, da Faculdade de Ciências Agrárias. Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM.³ Bolsistas do CNPq e Acadêmicos do Curso de Engenharia de Pesca, da Faculdade de Ciências Agrárias. Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM.
193
desaparecimento completo desses animais, principalmente da
tartaruga-da-amazônia, Podocnemis expansa (Alho et al., 1979;
Smith, 1979), espécie de maior porte e muito visada pelo mercado
ilegal.
Apesar do quadro alarmante que se estabeleceu no início do
século passado, pouca atenção foi dada ao problema, até 1982,
quando o antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
(IBDF), hoje Ibama, passou a incentivar a criação da tartaruga em
cativeiro no estado do Amazonas, como forma de atenuar a pressão
exercida pela captura ilegal de exemplares da espécie na natureza
(Alho et al., 1979; Smith, 1979). Essa iniciativa se deu através do
fornecimento de tartarugas recém-eclodidas, oriundas dos
tabuleiros naturais da Reserva Biológica do Abufari (Tapauá, AM) e
do rio Branco (RR), para serem criadas em cativeiro em diversas
fazendas credenciadas naquela Instituição. No entanto, durante
esse período, os progressos tecnológicos obtidos no setor foram
tímidos e limitados pela carência de estudos técnicos e científicos
desenvolvidos no setor. Como conseqüência, houve pouca
integração dos órgãos de pesquisa e agentes financiadores,
presentes na região, com os criadores credenciados no Ibama.
Dentro do projeto “Diagnóstico da criação de animais
silvestres” nosso grupo procurou estabelecer as primeiras
informações sobre as características fisiológicas dos quelônios em
condições naturais, bem como da criar exemplares da tartaruga
(P.expansa) e do tracajá (P. unifilis) em cativeiro. Contudo, o que
podemos entender por características fisiológicas ou fisiologia?
De acordo com um dos pioneiros da fisiologia animal
comparada, Schmidt-Nielsen (1996), a fisiologia é o ramo da
biologia que estuda as funções dos organismos vivos, i.e., como eles
se alimentam, respiram, movimentam, reproduzem, etc. A fisiologia
também procura estabelecer os mecanismos que os animais
194
desenvolveram para interagir com as variações em seus ambientes e
entender as estratégias naturalmente adotadas para resolver os
problemas e assegurar a sua sobrevivência.
Uma estratégia eficiente utilizada por muitos animais,
inclusive quelônios, é promover ajustes no seu metabolismo, i.e.,
ajustar a relação entre a velocidade ou intensidade com que as
células consomem energia, para manterem seu funcionamento, e a
capacidade de gerar energia necessária para suprir essa demanda.
Em condições normais, geralmente, existe um equilíbrio entre a
quantidade gerada e gasta de energia pelo corpo, o que mantém o
seu funcionamento estável ao longo do tempo. A manutenção desse
equilíbrio depende, por sua vez, da necessidade rotineira da maioria
dos animais em realizar processos fisiológicos normais, tais como
ingerir alimentos, beber água, produzir calor, gás carbônico, suor,
excretas (fezes, urina), produzir células reprodutivas, entre outros.
Na natureza, os quelônios do gênero Podocnemis vêm sendo
expostos a pressões evolutivas distintas entre as espécies, que se
reflete em seus estilos de vida, seus padrões de distribuição, além de
mecanismos genéticos e comportamentais característicos. Estudos
enfocando a genética de populações das três espécies mais
importantes do gênero, a tartaruga, o tracajá e o iaçá (P.
sextuberculata), apresentados por Viana et al. (2004), ilustram de
forma inédita estes aspectos. De acordo com os resultados dessas
pesquisas, as populações naturais da tartaruga e do iaçá
apresentam amplo fluxo gênico, o que nos leva a supor que cada
uma dessas espécies apresenta uma única grande população
distribuída ao longo da bacia Amazônica. Já para o tracajá, as
populações naturais são distintamente estruturadas em cada um
dos diferentes locais estudados, sugerindo que se devem ter ações
específicas para a preservação de cada população dessa espécie.
Essas informações nos
195
alertam para a relevância de dispormos desse conhecimento para a
elaboração de planos de manejo, em populações naturais, ou ainda
para aplicação no melhoramento genético do plantel de animais
destinados à criação.
Entretanto, em cativeiro, as condições impostas ao animal
podem ser bastante diferentes daquelas encontradas nos ambientes
naturais e, muitas vezes, até desfavoráveis. Para manter uma
tartaruga em cativeiro, é necessário que o criador tenha à sua
disposição um conjunto mínimo de informações sobre a biologia e o
estilo de vida desse animal como, o que e quanto ele come, como ele
cresce, como ele se reproduz, como ele tolera as variações na
temperatura e na qualidade da água, entre outras. A princípio,
essas indagações parecem aspectos triviais e, teoricamente, fáceis
de serem resolvidas durante a rotina da criação. No entanto, o que
tem sido constatado, na prática, pelo menos no estado do
Amazonas, é que a carência extrema dessas informações
praticamente estagnou o avanço da criação de quelônios em
cativeiro nesses últimos dez anos. Os progressos existentes no setor
são resultados de esforços isolados de alguns criadores que
desenvolveram seus procedimentos de criação embasados na
observação e em suas próprias experiências.
Nesse sentido, é imprescindível que sejam disponibilizadas
aos criadores de quelônios informações técnicas e científicas
relacionadas não apenas com a densidade de estocagem e engorda e
com o padrão das instalações, mas, principalmente, informações
ligadas ao comportamento e às respostas funcionais que esses
animais manifestam nos ambientes de criação em relação à
qualidade nutricional (ainda um dos maiores desafios a serem
desenvolvidos), à temperatura e qualidade físico-química da água,
além da presença de parasitoses, de ocorrência comum nos
ambientes de criação. Esses fatores em conjunto podem
desencadear respostas negativas no processo de adaptação e no
196
crescimento dos quelônios e, em médio e longo prazo, podem se
traduzir no insucesso dessa atividade de agronegócio, quando se
considera a relação custo/benefício.
II - O sangue como parâmetro fisiológico e bioquímico de análise
Por que eleger o sangue como indicador de saúde ou do status
nutricional de um animal? A análise desse material biológico nos
oferece algumas vantagens e, talvez, a mais importante seja o fato de
que o animal não precisa ser sacrificado para se obter um
diagnóstico. Além disso, diferentes parâmetros podem ser
analisados em uma amostra de sangue. Esse aspecto nos permite
ter, em uma mesma amostra, acesso a um conjunto variado de
informações sobre a fisiologia e a bioquímica do animal.
Apesar de sua aparência líquida, o sangue é, na verdade, um
tecido complexo constituído por um conjunto de células em
suspensão (células vermelhas, células brancas e plaquetas) que
desempenham diferentes funções à medida que circulam no
organismo e por uma parte líquida, o plasma. Nos répteis, ao
contrário dos mamíferos, as células vermelhas ou eritrócitos são
bem maiores por apresentarem núcleo no seu interior (Figura 1).
Essas células são responsáveis pelo transporte dos gases
respiratórios (oxigênio e gás carbônico), enquanto as células
brancas ou leucócitos (Figura 1) atuam na regulação do potencial
imunológico e na manutenção da integridade dos tecidos contra
agentes infecciosos e corpos estranhos ao organismo. As plaquetas
participam do processo de coagulação sanguínea. No caso de
rompimento dos vasos, as plaquetas produzem uma substância que
dá início a uma cascata de reações químicas que resultam na
produção do fibrinogênio e da fibrina, responsáveis pela formação do
coágulo e posterior restauração do vaso.
197
Figura 1. Fotografia de esfregaço sanguíneo da tartaruga-da-amazônia,
mostrando as células vermelhas ou eritrócitos nucleados e, ao centro, um tipo
de célula branca, o eosinófilo.
O plasma, por sua vez, é constituído principalmente por
água, além de uma variedade de substâncias que incluem os sais
minerais (ex. sódio, potássio, cálcio e cloreto), os produtos finais da
digestão das proteínas (aminoácidos), açúcares (glicose) e lipídeos
(triglicerídeos e colesterol), vitaminas, hormônios, metabólitos,
gases, além de produtos de excreção, como a uréia, amônia e ácido
úrico, entre outros (Verrastro et al., 1998).
O sangue é responsável pela integração dos diferentes
sistemas de um animal, mantendo os líquidos que estão distribuídos
nos diferentes compartimentos do corpo em constante movimento. À
medida que o coração bombeia o sangue para os diferentes vasos, os
tecidos recebem os nutrientes, os sais minerais e o oxigênio
necessário para manter suas funções normais. Essas substâncias
em suspensão no sangue deixam os vasos através do movimento do
plasma, para os espaços entre as células (compartimento
198
extracelular), e se misturam aos líquidos ali existentes, passando a
se movimentar para o espaço existente no interior das células
(compartimento intracelular). Nas células, o oxigênio e os nutrientes
são consumidos para a produção da energia e, em contrapartida,
são formadas substâncias de excreção (gás carbônico e outros
metabólitos) que precisam ser transportados para fora das células e
posteriormente eliminados. Como o organismo da maioria dos
animais é formado por cerca de 60 a 75% de água (Aires, 1999;
Davies et al., 2002), esse movimento contínuo do sangue e dos
líquidos ao longo do corpo é responsável pela manutenção da
distribuição de água nos diferentes compartimentos e pelo
equilíbrio geral das funções do organismo.
Em humanos, exames de sangue envolvendo a análise da
série vermelha do sangue (hemograma) e dos metabólitos presentes
no plasma (análise bioquímica) já são feitos de forma rotineira em
laboratórios, que utilizam técnicas específicas bastante
desenvolvidas e, em sua maioria, automatizadas. Parte dessa
tecnologia vem sendo transferida para a aplicação em outros grupos
de animais como bovinos, eqüinos e caprinos, para o
estabelecimento de intervalos normais que servem como
referenciais no diagnóstico da saúde desses animais (Silva et al.,
1999; Sharma et al., 2000; Birgel Júnior et al., 2001). Mais
recentemente, diversos grupos de pesquisa científica e veterinária
distribuídos no país vêm padronizando técnicas de diagnóstico
clínico para animais silvestres mantidos em zoológicos e criados em
cativeiro, como jacarés (Kindermann et al., 2003; Marcon et al.,
2003) e quelônios (Mundim et al., 1999; Marcon et al., 2000).
As técnicas que avaliam o hemograma se baseiam na análise
de algumas propriedades do sangue conhecidos como parâmetros
hematológicos, que incluem o hematócrito, a concentração de
hemoglobina e o número de células vermelhas presentes no sangue.
199
O hematócrito representa a proporção de células vermelhas
ou eritrócitos sedimentados no sangue (Figura 2). Esse parâmetro
nos fornece indicações sobre a viscosidade (“consistência”, grau de
atrito que o sangue tem quando friccionado entre os dedos) e a
relação entre o volume total de sangue e a proporção de elementos
sólidos presentes, que estão sendo continuamente bombeados pelo
coração. Torna-se cada vez mais difícil para o coração bombear o
sangue, quanto maior for sua viscosidade. Nos quelônios, o sangue
circula dentro dos vasos fechados, de forma idêntica aos demais
vertebrados. Aumentos do hematócrito podem dificultar o fluxo do
sangue e, com isso, exigir mais do coração para que esse fluxo seja
mantido dentro dos níveis necessários para o bom funcionamento do
animal.
Figura 2. Obtenção do hematócrito por sedimentação ou centrifugação, a partir
de uma amostra de sangue.
Em humanos e outros animais terrestres sujeitos à
desidratação pode ocorrer uma concentração do sangue nos vasos,
200
como resultado da perda anormal de água, uma condição
clinicamente chamada de hemoconcentração e facilmente
diagnosticada pela análise do hematócrito. Este se mostra elevado
quando comparado com o de animais não sujeitos a esse tipo de
condição. Hematócritos diminuídos podem refletir, por exemplo, um
diagnóstico de anemia, distúrbio do sangue muito comum entre os
humanos causado por vários fatores, como desnutrição, carência de
ferro e, em alguns casos, por características determinadas
geneticamente, como a anemia falciforme, muito freqüente em
populações endêmicas do continente africano.
A concentração de hemoglobina reflete a capacidade que o
sangue tem de transportar o oxigênio, que é retirado da atmosfera
pelos pulmões para ser fornecido aos tecidos e, com isso, permitir
que eles possam produzir a energia necessária para manter suas
funções normais. A hemoglobina é uma proteína de estrutura
complexa que é produzida e confinada dentro do citoplasma das
células vermelhas do sangue. Cada molécula da hemoglobina pode
transportar até quatro moléculas de oxigênio que se ligam em locais
específicos chamados heme, onde há a presença do átomo de ferro
(Leninhger, 1984). Aliás, é graças à presença do ferro no interior das
células vermelhas ou eritrócitos (eritro = vermelho; citos = célula)
que o sangue dos animais tem coloração tipicamente vermelha. O
ferro é também responsável pelo aspecto corado da pele, observado
nos humanos saudáveis, não observado em pacientes portadores de
anemia, por exemplo, que normalmente possuem a pele de
coloração pálida (Verrastro et al., 1998).
O número de eritrócitos é também outro parâmetro do
sangue muito importante na avaliação do estado de saúde de um
animal. Ele retrata a estimativa do número de células vermelhas que 3 -6circulam em cada milímetro cúbico de sangue (1 mm equivale a 10
litros; quantidade menor do que uma gota). Nos mamíferos, os
eritrócitos não possuem núcleo e, por isso, possuem vida curta (120-
201
180 dias) e precisam ser constantemente repostos pelos tecidos que
produzem essas células, denominados tecidos hematopoiéticos. No
homem, eles se localizam na medula espinhal. Nos quelônios, como
já mencionado, os eritrócitos possuem núcleo e podem viver por
muitos anos na circulação no animal. Os tecidos hematopoiéticos
dos quelônios e répteis, em geral, estão situados no fígado, no baço e,
em menor proporção, na medula (Schmidt-Nielsen, 1996).
O número de eritrócitos, assim como a concentração de
hemoglobina, está geralmente correlacionado ao nível de atividade
do animal (Schmidt-Nielsen, 1996). Quanto maior a atividade do seu
metabolismo, mais oxigênio deve ser consumido para que as células
do organismo possam gerar a energia necessária. Essa necessidade
pode ser facilmente suprida pelo aumento do número de células
vermelhas (e de moléculas de hemoglobina), aumentando, com isso,
a oferta de oxigênio transportado, através do sangue, para os
tecidos. Em humanos e outros animais, o estabelecimento de um
quadro clínico de anemia geralmente está associado a uma
diminuição do número de eritrócitos presentes no sangue (Verrastro
et al., 1998; Davies et al., 2002)
A partir da obtenção dos parâmetros hematológicos descritos
acima, é possível calcularmos os chamados índices hematimétricos,
representados pelo volume celular médio (VCM), hemoglobina
celular média (HCM) e a concentração de hemoglobina celular média
(CHCM). Esses índices nos fornecem informações sobre o
comportamento do eritrócito diante de alterações no volume de água
no organismo, bem como na quantidade de íons como ferro, sódio + - 2+(Na ) potássio (K+), cloreto (Cl ) e cálcio (Ca ), entre outros.
O VCM representa o volume que uma única célula vermelha
pode apresentar no momento em que o sangue foi retirado do
animal. Se em uma dada condição o animal perder água
excessivamente, seu volume sanguíneo diminuirá e, com isso, as
202
células vermelhas do sangue podem murchar, causando
diminuições no VCM. Em situação oposta, se houver excesso de
água corpórea, o aumento do volume de sangue pode ser
acompanhado por um aumento do VCM. A análise desse parâmetro
hematimétrico é, portanto, uma ferramenta simples e rápida para
identificar se o animal está ou não em equilíbrio hídrico ou
eletrolítico.
Já, o HCM, representa a quantidade de hemoglobina presente
em um único eritrócito. Além de também fornecer indicações sobre o
comportamento do volume celular, que se reflete em maior ou menor
quantidade de hemoglobina no seu interior, para os eritrócitos
nucleados esse parâmetro pode ser importante, pois a síntese de
novas moléculas de hemoglobina pode ocorrer repetidas vezes,
dependendo das necessidades metabólicas do animal. Essas
características também podem influenciar o CHCM, que representa
a proporção de hemoglobina em relação ao volume do eritrócito.
Como o ferro é necessário para a síntese de hemoglobina, a carência
desse mineral também pode induzir a diminuições na CHCM.
Além do estudo da função dos elementos celulares do sangue,
a avaliação da composição química do plasma pode fornecer um
outro conjunto importante de informações sobre o estado de saúde e
das características nutricionais dos animais. Através da análise do
plasma é possível termos uma visão das quantidades dos principais
nutrientes exigidos e consumidos pelo organismo, como a glicose, os
triglicerídeos, o colesterol e as proteínas totais, além da quantidade + + -de íons (Na , K e Cl , entre outros) e produtos de excreção. Condições
ambientais e nutricionais variáveis ou desfavoráveis podem
provocar mudanças dramáticas na composição química do plasma,
que podem ser facilmente diagnosticadas através da análise desse
constituinte do sangue.
O estudo das características do sangue pode, portanto,
203
fornecer informações clínicas importantes para o entendimento do
estado geral de saúde e do próprio desempenho do animal, seja em
seu ambiente natural ou quando submetido aos procedimentos
inerentes da criação em cativeiro.
III - Procedimentos para coleta, armazenamento e análise do
sangue de quelônios
Como pudemos perceber, a análise do sangue se torna
vantajosa pela quantidade de informações que podem ser obtidas
para diagnosticar o estado de saúde de um animal. Entretanto, fora
do corpo, o sangue é um líquido muito suscetível à degradação e
alteração de suas propriedades. Para assegurar a qualidade desse
material, são necessários, portanto, observar alguns critérios de
procedimento que visam a praticidade e agilidade em todas as etapas
envolvidas na análise, i e., desde a etapa de captura do animal e
coleta do sangue até o seu tratamento e armazenamento. A seguir
são definidas as etapas e os principais procedimentos recomendados
para a aplicação em cada uma delas:
a) Captura: dependendo das dimensões e das condições dos açudes
e/ou tanques de criação (profundidade e transparência da água,
presença de paus e troncos no fundo, tipo de fundo, etc.), os animais
podem ser capturados com o auxílio de puçás, redes de cerco,
malhadeiras e até tarrafas (Figura 3). Essa deve ser feita
rapidamente e, dependendo no número de exemplares necessários,
em várias etapas.
204
Figura 3. Captura dos animais em uma das fazendas visitadas, utilizando
tarrafa.
b) Coleta da amostra: após serem capturados, os quelônios
devem ser retirados da água e rapidamente imobilizados, por
viração, para a coleta da amostra de sangue. É importante que esse
período de tempo não exceda o intervalo de 2 a 5 minutos para cada
animal, pois a partir daí, os hormônios de estresse começam a
exercer seus efeitos, que resultam em alterações nas propriedades
do sangue do animal. Por esses motivos, recomendamos que os
quelônios a serem amostrados sejam capturados paulatinamente e
de acordo com as possibilidades de trabalho da equipe, pois, à
medida que esperam, esses animais vão ficando estressados e,
conseqüentemente, inadequados para o diagnóstico do estado geral
de saúde daquele lote e/ou população de animais.
A punção do sangue pode ser feita a partir da veia femoral
(Figura 4), utilizando seringas plásticas descartáveis (volumes entre
1 e 5 ml), contendo heparina ou liquemina como substâncias
205
anticoagulantes. Em fêmeas grandes da tartaruga-da-amazônia, a
punção pode ser feita na veia caudal. Não recomendamos o uso de
EDTA em quelônios, anticoagulante utilizado em humanos e muito
comum em postos de saúde e laboratórios clínicos, pois
constatamos em trabalho realizado com tartarugas selvagens na
Rebio Abufari, que o EDTA causa alterações no volume do eritrócito
e principalmente hemólise (destruição dos eritrócitos e liberação de
hemoglobina no plasma), o que pode levar a interpretações errôneas
quando da análise do sangue.
Figura 4. Obtenção de amostras de sangue em uma tartaruga, através da punção da veia femoral.
Durante a coleta, é importante o uso de luvas de procedimento e jaleco (bata) para assegurar proteção contra a contaminação por eventuais agentes infecciosos presentes no sangue. Os quelônios não são considerados vetores de doenças para humanos e peixes. Entretanto, como os resultados obtidos são ainda escassos e inconclusivos, deve-se ter cautela e evitar contato direto com o sangue desses animais.
206
c) Medidas biométricas: normalmente essas medidas se baseiam no comprimento retilíneo e curvilíneo da carapaça, comprimento do plastrão, altura, peso e, pelo menos em animais de cativeiro, suas respectivas idades. É importante mencionar que os dados biométricos devem ser obtidos sempre após a retirada do sangue, pois, caso aconteça o inverso, a manipulação do animal durante a biometria poderá ocasionar alterações significativas em seus parâmetros hematológicos e metabólicos plasmáticos, o que pode levar a conclusões errôneas na análise dos resultados. Existem relatos científicos com uma espécie de tartaruga (Clemys insculpta), demonstrando que ela sofre uma condição de febre temporária (aumento rápido da temperatura corpórea) quando manipulada em condições de cativeiro (Cabanac & Bernieri, 2000). Aumentos da temperatura corpórea podem causar alterações nas propriedades do sangue.
d) Análise e armazenamento do sangue: durante a análise de suas propriedades, tanto no campo como nas fazendas de criação, o sangue deve ser mantido constantemente em gelo. A baixa temperatura deprime o funcionamento das células e contribui para preservar a composição química e hematológica do sangue.
Se a análise do sangue prevê a utilização do plasma, esse pode ser separado do sangue total por centrifugação, acondicionado em tubo apropriado e bem vedado, devidamente identificado e, finalmente, congelado em freezer -20ºC ou em nitrogênio líquido, mais adequado, já que promove o congelamento instantâneo da amostra a uma temperatura aproximada de -183ºC.
IV - Métodos analíticos aplicados à avaliação das propriedades do sangue em quelônios
Parâmetros hematológicos
Hematócrito (Ht): a proporção relativa (%) dos eritrócitos presentes no sangue pode ser determinada de acordo com o método que emprega o uso de tubo capilar (75 mm x 1 mm) de vidro, no qual um volume qualquer de sangue total é introduzido e centrifugado a 10.000 rpm, durante 5 minutos.
207
Concentração de hemoglobina sangüínea (Hb): é determinada por meio de uso de um método colorimétrico que emprega o uso de um reativo de cor especial (reagente de Brabkin) que reage diretamente com a hemoglobina presente no sangue. Com o uso de um aparelho denominado espectrofotômetro (que mede a intensidade de luz que passa pela solução de cor contendo hemoglobina), é possível quantificar a concentração (expressa em g/dl) desse pigmento, que tipicamente tem a coloração vermelha.
Contagem do número de eritrócitos (NE): a contagem do número total de células vermelhas presentes no sangue pode ser realizada pelo método de leitura em microscópio óptico, a partir da diluição de uma amostra de sangue total (10ml) em 2 ml de solução de formol-citrato (citrato de sódio e formol), utilizando a câmara de Neubauer, uma placa de vidro dividida em quadros milimétricos, nos quais as células são contadas. O resultado da contagem é expresso
6 3em milhões de eritrócitos (NE) por milímetro cúbico (10 /mm ) de sangue.
Índices hematimétricos: o volume corpuscular médio (VCM), a hemoglobina corpuscular média (HCM) e a concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) podem ser facilmente calculados a partir das relações entre os valores obtidos para os parâmetros do sangue, citados acima, por meio das seguintes equações:
3VCM (m ) = (Ht / nº de eritrócitos) x 10
HCM (pg) = ([Hb] / nº de eritrócitos) x 10
CHCM (%) = ([Hb] / Ht) x 100
Metabólitos plasmáticos
Glicose plasmática: os níveis (mg/dl) de glicose foram determinados por meio de uma reação enzimática, utilizando um kit. comercial (Glicose enzimática líquida, Doles reagentes, Goiânia-GO), seguido de leitura em espectrofotômetro a 510 nm.
Triglicerídeos: Os triglicerídeos (mg/dl) foram determinados através de um método enzimático colorimétrico (Triglicerídeos enzimático líquido, Doles reagentes, Goiânia-GO), que se baseia na
208
hidrólise com lipases. A leitura foi feita em espectrofotômetro a 510 nm.
Colesterol: Os níveis plasmáticos (mg/dl) de colesterol total foram analisados através de um kit. comercial enzimático-colorimétrico (Colesterol enzimático líquido, Doles reagentes, Goiânia-GO), com leitura em 510 nm.
Proteínas totais: As proteínas totais do plasma foram determinadas por meio de um teste colorimétrico em 540 nm, utilizando-se o reagente de Biureto (Doles, GO) e seus níveis expressos em g/dl.
Uréia plasmática: Os níveis de uréia (mM) foram determinados em 600 nm através de um kit. comercial enzimático-colorimétrico (Uréia enzimática líquida, Doles reagentes, Goiânia-GO).
V - Estudos de caso
Durante a apresentação de alguns estudos de caso desenvolvidos pelo grupo de fisiologia e bioquímica com quelônios em várias fazendas próximas a Manaus, o leitor vai ter uma visão de como as propriedades do sangue podem ser empregadas como ferramentas para diagnosticar a saúde, bem como o caráter nutricional de quelônios criados em cativeiro, utilizando a tartaruga-da-amazônia como objeto de estudo.
Três situações distintas: parasitismo, perda anormal de água por dessecação e o acompanhamento de tartarugas submetidas a diferentes métodos de criação, foram estudadas e parte desses resultados são mostrados a seguir:
Animais parasitados
Em 1999, os técnicos do Ibama-Manaus informaram aos
membros do projeto Diagnóstico que um lote de tartarugas
mantidas nas dependências daquele órgão estavam doentes. Os
209
animais estavam sendo mantidos em tanques de fibra de vidro de
1.000 litros, parcialmente preenchidos com água estagnada e de
qualidade precária. O diagnóstico foi realizado no local e
confirmou a presença de parasitismo múltiplo (Santos, 1999). As
tartarugas apresentavam pele ressecada, hematomas e sinais de
hemorragia no plastrão e nas patas, manchas e proliferação de
fungos ao longo da pele, na membrana timpânica e nos olhos.
Além disso, a autopsia realizada em nove exemplares
encaminhados ao Laboratório de Parasitologia, da Universidade
Federal do Amazonas, revelou quantidade muito elevada de
vermes helmintos aderidos às paredes internas do trato
gastrointestinal.
Com o objetivo de comparar o quadro diagnosticado nos
animais doentes, nove tartarugas consideradas saudáveis
também foram abatidas para autopsia e houve confirmação da
não incidência de parasitas gastrointestinais e cutâneos. Estes
animais serviram como grupo controle. A presença de helmintos
em quelônios amazônicos selvagens coletados na natureza já foi
descrita na literatura para a tartaruga e o tracajá (Gibbons et al.,
1997), contudo, a freqüência e o grau de infestação são
geralmente baixos.
Além dos sinais externos provocados pelo parasitismo
múltiplo, as tartarugas também apresentaram modificações
importantes nas propriedades do sangue. Diminuições
significativas (p<0,05) no hematócrito, na concentração de
hemoglobina e, principalmente, no número de eritrócitos foram
observados nas tartarugas parasitadas, em comparação ao
grupo-controle (Tabela 1), indicando a presença de um quadro
representativo de uma condição de anemia. De acordo com os
resultados obtidos, torna-se evidente que as tartarugas
parasitadas sofreram perda de seu volume sanguíneo provocado,
210
principalmente, pela elevada carga de helmintos presentes no
trato gastrointestinal. Em mamíferos em geral, esses parasitas
são reconhecidos por causarem, além da anemia, uma série de
distúrbios como letargia, morbidade (falta de estímulo e
movimento), parada no processo de crescimento e, em casos
extremos, a morte do animal. Os resultados também demonstram
que as tartarugas parasitadas respondem de forma semelhante
aos mamíferos, quando infestadas por helmintos. Como esses
parasitas não apresentam tubo digestivo completo, alimentam-
se por meio da sucção do sangue, contendo as células e os
nutrientes do plasma, absorvidos durante o processo digestivo,
aspectos que explicam os baixos valores observados em seus
parâmetros hematológicos.
211
Tabela 1. Efeito da infestação por parasitas sobre os parâmetros hematológicos e índices hematimétricos (média DP) obtidos no sangue de tartarugas-da-amazônia criadas em cativeiro.
* Indica diferença estatisticamente significativa (p<0,05) entre os animais sadios e os parasitados.
212
Animais controle Animais parasitados Parâmetro
28,14 ± 0,94 18,09 ± 0,74* Ht (%)
9,39 ± 0,40 5,84 ± 0,28* [Hb] (g/dl)
0,32 ± 0,02 0,20 ± 0,01* NE (106/mm3)
935.42 ± 65,31 930,09 ± 62,99 VCM (mm3)
298,87 ± 14,45 301,07 ± 23,18 HCM (pg)
32,45 ± 1,83 32,46 ± 1,31 CHCM (%)
O parasitismo não parece influenciar os índices
hematimétricos (VCM, HCM e CHCM) nas tartarugas estudadas
(Tabela 1). Geralmente, as alterações observadas nesses índices
estão relacionadas a distúrbios do balanço hídrico e eletrolítico do
organismo, como por exemplo, em animais sujeitos à perda anormal
de água ou acúmulo excessivo de sais.
Situações de infestação por parasitas podem ser muito
freqüentes em animais mantidos em ambientes de criação, por isso é
necessário que o criador observe o comportamento de seus animais
durante a criação e, periodicamente, realize exames parasitológicos
para evitar a possibilidade de infestação por helmintos ou outros
tipos de parasitoses.
Animais sujeitos à perda excessiva de água, por
dessecação
O diagnóstico de perda de água corpórea em exemplares da
tartaruga (P. expansa) foi obtido em duas fazendas de criação
situadas no município de Manacapuru-AM, durante os
procedimentos de despesca desses animais para acompanhamento
da biometria. No primeiro local de criação (fazenda A), os animais
foram capturados com rede de cerco, confinados em sacos de náilon
de 50 litros (n=10) e expostos ao ar por um período aproximado de 3
horas consecutivas, até a conclusão da biometria. As amostras de
sangue foram obtidas imediatamente após o término desse
intervalo. Paralelamente, outro lote de tartarugas (n=10) foi
capturado, mantido em água por um período máximo de 15 minutos
e, em seguida, amostrado para a obtenção do sangue. Esses
indivíduos foram analisados para servirem como controles em
relação aos animais expostos à dessecação. Na fazenda B, um grupo
de tartarugas (n=10) também foi submetido ao mesmo procedimento
de captura e confinamento, só que por um período aproximado de 6
horas consecutivas. A exemplo da fazenda anterior, um grupo de
213
tartarugas mantidas em água foi analisado para servir como
controle em relação aos animais dessecados.
Quando os animais sujeitos à dessecação são comparados
com seus respectivos grupos de controle, é possível observar que os
parâmetros hematológicos não sofreram variações nas tartarugas
da fazenda A (Tabela 2). Entretanto, nos animais da fazenda B,
expostos à dessecação durante 6 horas, já foi possível verificar
aumentos significativos na concentração de hemoglobina. Esse
aumento da hemoglobina no sangue é resultado da diminuição do
volume do eritrócito, que se refletiu nos baixos valores de VCM
(p<0,05) observados para ambos os grupos de tartarugas sujeitas à
dessecação (Tabela 2).
Tabela 2. Mudanças observadas (média DP) nos parâmetros hematológicos e
índices hematimétricos provocados pela perda de água corpórea em
exemplares da tartaruga-da-amazônia submetidos por três (fazenda A) e seis
* Indica diferença estatisticamente significativa (p<0,05) entre os animais dessecados e aqueles mantidos em água.
É importante mencionar que, pelo menos nas tartarugas
expostas à dessecação por 6 horas consecutivas, todos os índices
hematimétricos se mostraram alterados (Tabela 2), indicando que
esses animais estavam enfrentando uma situação de estresse
214
Parâmetro Fazenda A Fazenda B
Normais Dessecados Normais Dessecados
Ht (%) 23,9 ± 1,4 23,0 ± 1,8 28,5±1,6 25,9±1,1
[Hb] (g/dl) 6,7 ± 0,4 7,42 ± 0,5 7,0 ± 0,4 9,0 ± 0,5*
NE (106/mm3)
0,28±0,02 0,31 ± 0,02 0,31±0,02 0,34 ± 0,02
VCM (mm3) 859,5±27,3 745,7±35,0* 890,8±18,7 777,6± 31,1*
HCM (pg) 241,1±7,4 245,4± 16,5 226,9±6,1 269,1± 11,1*
CHCM (%) 28,1 ± 0,7 32,1 ± 1,6* 25,3 ± 0,7 34,6 ± 0,6*
hídrico intenso, pois a diminuição da quantidade de água corpórea
já vinha sendo acompanhada por um decréscimo da proporção de
líquido em relação à quantidade de elementos celulares, que leva os
eritrócitos a ficarem menos volumosos e com maior concentração de
hemoglobina em seu interior. Diminuições no volume dos
eritrócitos, bem como no volume sanguíneo total, foram também
observadas em porcos jovens sujeitos à deprivação de água por 12
horas consecutivas (Houpt & Yang, 1995), indicando que
mamíferos e quelônios sofrem os efeitos negativos da perda de água
corpórea, de maneira similar.
No caso dos quelônios, para reverter essa situação de
estresse, é necessário que após o manejo os animais sejam
rapidamente devolvidos à água, para que possam restabelecer o seu
equilíbrio hídrico. Nesse sentido, é importante que durante o
processo de criação os animais sejam mantidos fora da água, o
menor tempo possível, para que não sejam expostos a situações de
estresse hídrico e deprivação de água.
215
Animais submetidos a diferentes métodos de criação em
cativeiro
Como um dos objetivos principais do projeto era realizar um
diagnóstico das condições gerais de criação dos quelônios, entre os
anos de 1998 e 2000, as equipes do projeto promoveram visitas
periódicas em diversas fazendas de criação localizadas em Manaus e
municípios próximos. Inicialmente, a equipe de fisiologia selecionou
fazendas que haviam recebido lotes de recém-eclodidos provenientes
da Rebio Abufari, onde foram realizados os primeiros estudos com o
sangue de tartarugas selvagens, para a obtenção de valores de
referência para os parâmetros hematológicos e metabólitos do
plasma (Marcon et al., 2000). Com o intuito de preservar a
privacidade dos proprietários que apoiaram esse estudo, as fazendas
de criação foram aqui identificadas apenas por letras. Nesse sentido,
foram eleitas quatro fazendas: fazenda A (Manaus), fazenda B
(Iranduba), fazenda C (Manacapuru) e fazenda D (Rio Preto da Eva).
Paralelamente à coleta de sangue, foram realizadas
entrevistas com os proprietários e/ou responsáveis das fazendas,
com o objetivo de obter informações mais detalhadas sobre as
condições de criação, o tipo de tanque utilizado, alimentação (tipo e
quantidade), qualidade da água, relatos de parasitismo, etc.
As fazendas monitoradas neste revelaram procedimentos de
criação variados. Os animais da fazenda A estavam sendo criados em
tanques escavados (aprox. 20m x 40m), contendo água de coloração
barrenta. A alimentação era notoriamente insuficiente e consistia
basicamente da sobra de vegetais (alface picada, repolho e outros
tipos de verdura) obtidos em feiras. Na fazenda B, a alimentação se
resumia à oferta de uma macrófita aquática (mureru, Eichhornia
216
sp.), de restos de pão e, quando disponível, de ração comercial para
peixes. Em ambas as fazendas, os indivíduos amostrados estavam
magros e pequenos e apresentavam sinais claros de inanição, em
comparação aos indivíduos de mesma faixa etária, amostrados nos
outros dois criadores (Tabela 3).
Na fazenda C, os animais eram criados em um pequeno lago
contendo água preta e de boa qualidade. Os animais estavam sendo
alimentados com uma ração comercial à base de peixes, oferecida
em quantidades aparentemente suficientes e apresentavam aspecto
saudável. Já na fazenda D, as tartarugas estavam sendo criadas em
uma barragem, em consórcio com tilápias (Tilapia sp.) e pirarucus
(Arapaima gigas), com água também de coloração preta e de boa
qualidade. A alimentação, a exemplo da fazenda C, também
consistia na oferta de ração comercial à base de peixes. Entretanto,
além da ração, o criador fazia uma complementação alimentar diária
com macaxeira. Os animais estavam aparentemente saudáveis, com
peso e tamanho superiores ao observado nos animais analisados
nas demais fazendas (Tabela 3).
Esse histórico inicial é fundamental para entendermos como
as condições gerais de criação podem influenciar os parâmetros
hematológicos da tartaruga. Os resultados obtidos nas diferentes
fazendas revelam dois extremos importantes: os animais das
fazendas A e B apresentaram os parâmetros hematológicos
estatisticamente (p<0,05) inferiores aos registrados para os animais
da natureza (controle). Esse comportamento foi ainda mais evidente
na fazenda B (Tabela 3). Isso é um forte indicativo de que os
procedimentos empregados nas duas primeiras fazendas não
estavam sendo satisfatórios para propiciar um crescimento
adequado para a tartaruga em cativeiro.
217
Tabela 3. Biometria, hematologia e níveis dos principais metabólitos
plasmáticos (média DP) obtidos em exemplares (n=10) da tartaruga (Podocnemis
expansa) criados em 4 fazendas próximas a Manaus. * indica diferença estatística
(p<0,05) em relação aos animais controle.
Nota: 1) indivíduos selvagens (n=10) da tartaruga, provenientes da Rebio Abufari. PT = proteínas totais; TG = triglicerídeos; COL = colesterol total.
A avaliação das condições gerais dessas fazendas demonstra descaso com a alimentação e a manutenção da qualidade da água. Apesar de condizente com o hábito herbívoro atribuído à tartaruga-da-amazônia (Fachin et al., 1995; Soini et al., 1989), tanto a quantidade, como a qualidade (restos de feira e mureru) do alimento fornecido não pareciam estar satisfazendo as necessidades fisiológicas da espécie. Isso se reflete claramente no peso dos animais cultivados nessas fazendas: os quelônios analisados na
218
Parâmetro Animais controle 1
Fazenda A
Fazenda B
Fazenda C
Fazenda D
Hematologia
Ht (%) 28,1±4,2 19,6±3,8 18,6±3,3*
22,4±5,0 29,9±6,7
[Hb] (g/dl) 8,2±1,4 5,4±1,0* 5,5±0,7* 6,4±1,9 9,0±1,81 NE (106/mm3)
0,30±0,04 0,28±0,05 0,22±0,02*
0,27±0,08 0,41±0,07*
VCM (mm3) 803±144 722±199 847±157 893±249 728±104 HCM (pg) 249 ± 45 198±42* 249±33 248±91 221±36 CHCM (%) 31,2±2,2 28,5±8,1 29,8±4,6 28,4±3,4 30,8±6.5 Metabólitos PT (g/dl) 2,8±0,7 2,4±0,3 1,7±0,3* 1,5±0,3* 4,0±0,7* Glicose (mg/dl)
94,9±30,6 102,5±15,1 59,7±19,5*
90,1±16,0 86,7±15,7
TG (mg/dl) 31,3±20,9 53,6±61,0 69,2±33,6 18,6±11,7 209,4±98
COL (mg/dl)
38,3±38,6 31,4±8,4 27,8±7,7 33,3±12,4 26,1±7,9
Uréia (mM) 1,6±1,5 1,0±0,4 2,4±0,8* 2,5±1,6* 5,9±3,8* Biometria Carapaça (cm)
37,9±5,0 14,1±1,2 14,2±1,1 22,6±4,3 24,5±3,0
Peso (kg) 5,74±2,6 0,37±0,1 0.32±0,1 1,33±0,7 1,78±0,6 Idade (anos)
? 4,0±0 2,5±0,5 2,7±0,5 2,0±0
fazenda A possuíam uma faixa etária de aproximadamente 4 anos e um dos menores pesos registrados entre os diferentes locais. Situação semelhante pode ser observada nas tartarugas da fazenda B que, apesar de mais jovens, também revelaram pesos muito abaixo da média, observados para outras fazendas (Tabela 3), indicando que os animais dessas fazendas estavam sendo submetidos a uma dieta destinada tipicamente à manutenção de suas funções orgânicas e distantes daquela esperada para um bom crescimento em condições de criação.
A fazenda C e, especialmente a fazenda D, parecem estar
mais preparadas para a criação de P. expansa em cativeiro. A
manutenção desses animais em açudes de igarapé represados e/ou
lagos naturais, bem como a utilização de rações mais equilibradas e
ricas em proteínas, parecem ser procedimentos que melhor
satisfazem as necessidades naturais dessa espécie e se refletem
positivamente no crescimento dos animais (Tabela 3). Na fazenda C,
apenas os níveis de proteínas totais estiveram diminuídos em
relação aos animais de controle, enquanto que os níveis de uréia
encontraram-se aumentados. O proprietário da fazenda estava em
fase de negociação do imóvel durante o período de acompanhamento
219
e, provavelmente, deve ter reduzido a quantidade de ração oferecida
aos animais. Isso poderia explicar, em parte, a diminuição dos
valores de proteínas totais, observada no plasma. Já, as
propriedades do sangue das tartarugas criadas na fazenda D foram
semelhantes aos dos animais de controle, com exceção do número
de eritrócitos, bem como dos conteúdos de proteínas totais, uréia e,
principalmente, de triglicerídeos, provavelmente devido ao tipo de
complementação alimentar, à base de macaxeira, ingerido por esses
animais.
Informações obtidas em tartarugas selvagens (Marcon et al., 2000, Duncan et. al., 2001) indicam que esses animais são versáteis quanto ao uso de diferentes substratos energéticos, desde as primeiras fases de vida. Nesse sentido, é provável que o excesso de carboidratos ingeridos pelas tartarugas da fazenda D estariam sendo convertidos em triglicerídeos e transportados no plasma em grandes quantidades, por parte das proteínas aí presentes, até os diversos tecidos, onde podem ser metabolizados ou armazenados na forma de gordura. A quantidade de triglicerídeos foi tão expressiva nesse grupo, que dois indivíduos chegaram a apresentar 449 e 680 mg/dl, respectivamente, valores bem superiores aos considerados
220
normais para animais da natureza (Marcon et al., 2000). O resultado desse complemento alimentar se refletiu no peso médio atingido por esses animais, que supera os valores obtidos nas outras fazendas de criação. Entretanto, os níveis de triglicerídeos também indicam que esse procedimento de criação pode induzir as tartarugas a ficarem excessivamente gordas. Naquela oportunidade, foi sugerido ao proprietário da fazenda diminuir a oferta de macaxeira para balancear melhor a quantidade de alimento fornecido aos seus animais. Uma dieta mais equilibrada pode permitir que o animal converta a maior parte dos nutrientes absorvidos e metabolizados em massa muscular (carne) e não em gordura.
Por fim, torna-se evidente que o acompanhamento periódico das características do sangue pode se constituir em uma excelente ferramenta, tanto para o diagnóstico do estado de saúde como para o entendimento das necessidades nutricionais dos quelônios criados em cativeiro. Estudos complementares são ainda necessários para que possam ser definidos com maior adequação, critérios e procedimentos de acompanhamento das condições gerais de criação de quelônios no Estado do Amazonas.
221
Capítulo 7: Instalações para a criação de quelônios
Paulo César Machado Andrade
João Alfredo da Mota Duarte
Francimara Souza da Costa
Wander Rodrigues
Hugo R. Bezerra Alves
Anndson Oliveira Brelaz
Na criação comercial de quelônios em cativeiro, as o instalações precisam ser conforme exige o Ibama na Portaria n
142/92, para as fases de reprodução, cria, recria, alimentação e
manutenção, para que, ao submeter o animal a um ambiente
artificial, com características aproximadas ao habitat natural, se
consiga um crescimento satisfatório (Duarte, 1998).
As principais instalações para um criatório de quelônios são:
a) Berçário: Instalação onde os filhotes ficaram durante o
primeiro ano de vida, recebendo maior proteção contra predadores e
uma alimentação que propicie melhor crescimento inicial. Em geral,
são feitos de cercas de madeira em barragens, pequenos tanques
escavados, tanques em alvenaria ou tanques-rede. Em média, 2trabalha-se com uma área de 70-150 m para 4.000-4.500 filhotes
em berçários de cerca de madeira ou tanque escavado, ou de 35 3animais/m em tanques-rede ou gaiolas (Figuras 1, 2, 3).
222
Figura 1: Modelos de berçários de quelônios na fazenda experimental da Universidade Federal do Amazonas: a) Balsa com berçário em gaiolas flutuantes ou tanques-rede; b) Berçário com cercado de madeira. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.)
Figura 2: Berçário com cerca de madeira, cantos arredondados e plataforma de areia como solário. Fazenda Águas Claras, Manacapuru/AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.)
223
Figura 3: Berçário tipo gaiola em lagos naturais. Macuricanã, Nhamundá/AM.
Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.)
b) Tanque ou barragem de crescimento: Instalação para
onde os animais são transferidos após a saída do berçário. Em geral,
são tanques escavados ou barragens, onde os quelônios têm maior
espaço disponível para deslocamentos, permitindo um melhor
desempenho. Essa instalação serve para animais de 12 a 36 meses, 2e em geral trabalha-se com cerca de 1 animal/m , sendo, entretanto,
2possível, trabalharmos intensivamente com até 20 animais/m no
segundo ano (Figura 4).
Figura 4: Tanques de crescimento e barragem como área de reprodução com praia artificial. Novo Israel, Manaus/AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.)
224
c) Tanque ou barragem de reprodução: Esta instalação
destina-se aos reprodutores e matrizes, selecionados entre animais
acima de 4 anos ou 7 kg de peso vivo, no caso das tartarugas, e 4 anos
ou acima de 3 kg, no caso dos tracajás. Trabalha-se com uma 2densidade de um animal para cada 2,5 m , preferencialmente, em
barragens de um hectare ou grandes tanques escavados (acima de 21.000 m ). Em uma de suas margens deverá ser construída uma
praia artificial com areia fina ou média, com no mínimo um metro de
altura acima do nível d'água (Figura 5).
Figura 5: Tanque circular de reprodução de quelônios em alvenaria. CPPQA,
Balbina/AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.).
Outras instalações poderão ser construídas, como berçários
para animais com dois anos, tanques de engorda para animais
acima de três anos, que ainda não atingiram peso de abate, etc.
Quanto mais divididos forem os lotes, preferencialmente, por classe
de tamanho ou peso, menor a competição e mais uniformemente os
animais terão acesso ao manejo e alimentação oferecidos.
Todas as instalações deverão ser cercadas com cercas de
madeira, tela de alambrado ou mureta de alvenaria, com, no
225
mínimo, 60 cm de altura e com cantos arredondados. Este tipo de
estrutura evitará a fuga de animais (principalmente tracajás),
quando de eventuais problemas de secagem acidental dos tanques e
barragens (Figura 8).
Nos berçários, é recomendável que se coloque uma estrutura
de proteção para evitar predadores aéreos (gaviões, garças, socós,
etc.). Isso pode ser feito com redes de pesca, tela tipo sombrite ou fios
de náilon esticados (Figuras 6 e 7).
Figura 6: a) Berçário com cerca de madeira em barragem; b) Detalhe do sistema
de fios de náilon para proteger contra predadores aéreos. Vide praia de reprodução ao
fundo. Fazenda do sr. Chico Lima/Manacapuru-AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade,
P.C.M.).
226
Figura 7: Berçário de alvenaria redondo e com proteção contra predadores, feita com rede de pesca. Piraruacá, Terra Santa/PA. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.).
Figura 8: Detalhe de cerca de madeira em barragem com quelônios. Eirunepé/AM. Foto: RAN-AM (Duarte, J.A.M.).
227
A seguir, temos uma pequena revisão sobre dados de
instalações para quelônios e, posteriormente, apresentamos os
resultados de estudos realizados em instalações para
queloniocultura no Amazonas.
5.1. Instalações para quelônios: uma pequena revisão
Espriella (1972) indica algumas condições para a criação
em cativeiro, como a renovação de água (oxigenação); tamanho da
fonte de água, que deve ser adequado para fomentar a espécie, pois
cada tartaruga necessita, em função do manejo, de um espaço vital
de 2 m³ de água (2.000 litros) onde a água deve fluir tranqüilamente;
a elevação do nível da água não deve comprometer a barragem, com
profundidade de 1,0 m a 2,20 m; deve-se dispor de bosques, dentro
da área, com o objetivo de manter a presença de insetos ou outros
organismos úteis que possam fazer parte da alimentação; a
localização da praia de desova deve ser para o oriente, porque ao
nascer, os filhotes caminham nesse sentido até a submersão, e a
área de praia necessária para cada tartaruga é de 1m² numa
profundidade de 80 cm, com areia retirada de rio.
A areia da praia de desova não pode ser úmida (poços
d'água), pois a desova poderia ocorrer em terra firme, “compacta”. A
disponibilidade de plantas variadas através de cultivo ou não para
complementar a alimentação é muito importante. A ração deve
variar para permitir um maior crescimento corporal e produção de
ovos.
O tamanho da área física, recomendado por Morlock (1979)
para o funcionamento do cativeiro é de 1 m² para cada 1 cm de casco
de tartaruga. Sendo o proposto pelo Sebrae (1995), uma área de 2 1.250 m para 5.000 filhotes, de 1 kg cada animal,
aproximadamente, no período de adaptação.
228
O Cenaqua (1994) e o Ibama-AM recomendam por 1 ha de
lâmina d'água 4.500 e 4.000 indivíduos, respectivamente.
A princípio, para o investimento físico, é necessário o
levantamento topográfico da área escolhida, demarcação para
limpeza e construção de barragem. Na limpeza é importante que
sejam retirados troncos que correspondam a 20% da área a ser
inundada para a captura e nos 80% restante, corta-se rente ao solo
(Espriella, 1973; Sebrae, 1995).
Para Espriella (1972) e o Sebrae (1995), praias de desova 2devem margear o criatório e possuir 250 m , aproximadamente. O
uso de cercas, caso haja necessidade, deve ser feita após a
construção com mourões distanciados a cada 2,0 m. A
profundidade do mourão e da estaca deve ser de 30 cm, a uma
altura de 1,5 m e no caso da superfície da água deve estar a 1m
acima da superfície para evitar a entrada de animais indesejáveis ou
a saída das tartarugas do berçário ou represa. Por isso, não é
recomendado construir porta comum e, quando for o caso, o tipo
guilhotina seria o indicado, incluindo também rampa para acesso
dos animais, cultivos de plantas para ampliar/diversificar a
alimentação dos quelônios.
Alfinito, Viana & Silva (1976) enfatizam a importância do
berçário de tartarugas, na qual os animais confinados
desenvolvem-se satisfatoriamente, não sendo registrado perda
superior a 1%.
Recomenda-se a construção de berçário para diminuir ou
evitar o índice de mortalidade, nos primeiros meses de vida, dada às
adaptações naturais biológicas, com solário e comedouro
submerso, sendo o primeiro com 10 m x 8 m, comprimento e
largura, respectivamente, a uma profundidade de 1 m, ou menor,
229
podendo essas medidas variar segundo as circunstâncias de
disponibilidade, características técnica e econômica do material
encontrado no local, desde que não comprometam o crescimento do
animal, podendo ser coberto com tela de arame ou fio de náilon, a
fim de evitar o ataque de predadores avícolas silvestres. O solário e a
rampa de alimentação devem ter lâmina d'água para diminuir o
consumo de água de reposição no reservatório, controle de
alimentação e realizar a higienização diária (Alfinito, 1980).
Pela qualidade da água amazônica, em termos de sais
dissolvidos, ser pouco produtiva e com certa acidez, sendo causado
por fatores geológicos ou pelo índice pluviométrico, deve haver a
possibilidade de renovação para que a taxa de oxigênio dissolvido
esteja acima de 9,0 ppm (Sebrae, 1995).
Sobretudo o período após a alimentação dos quelônios,
para o Sebrae (1995), é extremamente essencial porque esses
animais necessitam de flutuadores (natural ou artificial) para,
através da sua exposição aos raios solares, acelerar seu
metabolismo e a digestão, após a alimentação em cativeiro.
Na barragem, o escoamento controlador do nível d'água
deve ser feito através de gravidade em direção do monge e
sangradouro, telados. Para facilitar a captura dos animais, a caixa
de coleta deve ser de 10% da área inundada com 0,75 m de
profundidade. Após o esvaziamento deve ser feita a calagem com
calcário dolomítico, em função da análise química d'água, com solo
úmido, sem nenhuma tartaruga, e após 7 dias, a barragem deverá
ser enchida e os animais colocados depois de 15 dias de espera
(Sebrae,1995).
Observações realizadas no Núcleo de Criação de Quelônios
em Cativeiro, na Fazenda Vale do Sol, em Goiás, demonstraram que
230
a baixa temperatura ambiente é um fator que causa a morte em
tartarugas jovens em cativeiro. Como conseqüência do frio, os
filhotes podem desenvolver um quadro de pneumonia, evidenciado
por sintomas como perda do apetite, presença de uma membrana
esbranquiçada cobrindo o globo ocular, secreção nasal com
obstrução das vias respiratórias, insuficiência respiratória
caracterizada pelo comportamento atípico dos animais, que
permanecem boiando com o corpo em posição inclinada, e
mortalidade (Ferreira, 1994). Isso indica que em locais com períodos
mais frios, além dos solários, os berçários podem receber cobertura
plástica para propiciar temperaturas maiores e mais constantes.
Para a criação de tartarugas é necessário que haja alguns
cuidados, principalmente em áreas adaptáveis ao seu habitat
natural como: a água deve ser renovável; o viveiro deve ser fertilizado
para que ocorra uma reprodução de microplâncton, útil ao equilíbrio
ecológico do açude; é necessária a construção de tanques de engorda
e crescimento inicial (Duarte, 1998).
Os criadouros comerciais de quelônios, instalados em
represa ou açudes, deverão apresentar sistema que permita seu
completo esvaziamento. Os criadouros instalados em braços de
lagos devem prever sistemas de captura dos animais através de
cercados ou redes, mediante condicionamento alimentar (Duarte,
1998).
Para a criação comercial de quelônios em cativeiro,
sugere-se a construção de um tanque e de um lago de barragem. Os 2lagos deverão ter 10.000 m , destinando-se aos últimos 36 meses de
engorda, de onde sairão 4.500 tartarugas adultas, pesando, no
mínimo, 25 kg a unidade (Sebrae, 1995).
Para implementar um criatório de quelônios, é necessário
231
dispor de uma área adequada que contenha igarapé com uma
lâmina de água não inferior a 1,0 ha (Duarte, 1998).
Os investimentos físicos para a implantação de um criatório
de tartaruga consistem em atividades da construção civil como:
seleção e demarcação da área, cuidado com a qualidade da água,
limpeza da área, praia de desova, cerca de proteção, sistema de
escoamento, monges, sangradouros, barragens, tanque de filhotes e
local de captura (Sebrae, 1995).
5.2 Instalações para quelônios no Amazonas: Etapa I:
diagnóstico da criação de quelônios no estado do Amazonas
Através do projeto Diagnóstico da Criação de Animais
Silvestres no Amazonas, a Universidade Federal do Amazonas e o
Ibama realizaram o levantamento dos principais tipos de instalações
de quelônios utilizadas no Amazonas.
5.2.1 Localização do diagnóstico
As propriedades visitadas, bimestralmente, foram os
criadouros registrados no Ibama-AM apresentados na Tabela 1.
5.2.2 Procedência dos animaisOs filhotes de tartaruga (Podocnemis expansa) foram doados
pelo Ibama-AM ao(s) queloniocultor(es), mediante a aprovação do
projeto para a criação comercial, sendo os animais provenientes,
inicialmente, da Reserva Biológica do Abufari (Lat. S 0451' – 0530' e
Long. W 6247' a 6322'; Criada pelo Decreto Federal nº 87.585 de
20/9/1982) no município de Tapauá (Lat. S 0545' e Long. W 6424') e
depois nos tabuleiros de Sororoca, Rio Branco, Roraima e Walter
Buri, Rio Juruá, Itamarati.
232
Propriedade Animais recebidos
Manoel Neuzimar Pinheiro - Sítio Vida Tropical 1.000
Carlos A. de Souza 835 José V. dos S. Lima 1.300
Águas Claras Piscicultura Ltda. 3.000 Agropecuária Exata Ltda. 22.100
Francisco de S. Campos 15.000 Antônio B. Penha 8.000 Manoel Neuzimar 1.000
Francisco O. Jordão - Agropecuária Punã Ltda. 19.433 Pedro de Q. Sampaio - Agropecuária PEC Ltda. 25.000
José da S. Vasconcelos 5000 Ocimar Lopes – Aq. Sypiri 2.000
Arlindo Apolinário Pereira 3.000 Ufam 1.200
Ivan Menezes – Fazenda D. Diego 2.000 José Itamar da Silva 4.000
José Bastos de Oliveira 4.000 Stênio Lima da Silva 5.000
Total (unidades) 122.868
5.2.3 Material para captura, biometria e pesagem dos
animais
Para a captura e biometria dos animais foram utilizados
puçá, rede de pesca (tipo tarrafa ou malhadeira), paquímetros
metálicos, plásticos e/ou de madeira, caçapas plásticas, trena,
coletor plástico para amostras, máquina fotográfica, etiquetas de
identificação, ficha de biometria de quelônios, prancheta, lápis,
borracha, papel-lenço, balanças com capacidade respectiva de
1,610 kg (graduação de 1g), 2,610 kg (graduação de 1g), 15 kg
(graduação de 5 g) e 50 kg (graduação de 100 g). Foram realizadas
biometrias e pesagens amostrais em 100 animais de cada criadouro,
bimestralmente.
233
Tabela 1: Criadouros de tartaruga (Podocnemis expansa) do Estado do Amazonas analisados e
total de animais recebidos do Ibama até 2000.
Figura 9: Captura para biometria de quelônios. Fazenda Chico Lima,
Manacapuru/AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.)
5.2.4 Metodologia do diagnóstico
Foram realizadas visitas bimestrais aos criadouros
licenciados pelo Ibama, no estado do Amazonas, onde foram
aplicados questionários para caracterizar os criadores através de
informações sobre questões referentes à qualidade da água, tipos e
dimensões de instalações, densidade de cultivo, etc. Para a coleta
dos dados, foi feita uma amostragem de 100 animais em cada
criadouro. Eles foram medidos e pesados (biometria)
bimestralmente. Após a biometria os animais eram submersos em
solução antifúngica em bacias plásticas de tamanho apropriado
para evitar quaisquer possíveis problemas fúngicos.
Posteriormente, eles eram soltos nos berçários.
Cada animal foi medido linearmente, com paquímetro. As
variáveis mensuradas foram comprimento e largura da carapaça e
234
do plastrão, altura e peso. Sistematicamente, na carapaça, mediu-
se o comprimento entre a união dos dois primeiros escudos/placas
laterais. Até os dois últimos e para a largura adotou-se como
referência a união dos sextos e sétimos escudos laterais.
No plastrão, o comprimento foi realizado na parte externa
do escudo/placa intergular, até o final da sutura médio-ventral, e a
largura mediu-se pelo centro dos escudos abdominais, coincidindo
com o sexto e sétimo escudos laterais.
A altura, envolvendo a carapaça e o plastrão, foi medida
com paquímetro inserido verticalmente na união do quinto e sexto
escudos laterais (ou marginais), na parte superior da carapaça e
inferior do plastrão.
5.2.5 Resultados e discussões
O tamanho das propriedades variou de 9 até mais de 5.000
hectares (ha). Sendo a maioria entre 9 –35 ha, com média de 22
18,38 ha (Figura 10).
As represas variaram de 0,1 a 6,0 ha, embora a maioria
estivesse entre 1 e 2 ha (Figura 11).
2 A área dos berçários foi, em maioria, de 30 m até mais de 2 1.000 m (Figura 14 a, b e c). A maior parte dos criadouros possui a
2densidade no berçário entre 0,5 e 5 indivíduos/ m (Figuras 12, 13 e
15).
235
Figura 10: Tamanho das propriedades (Duarte, 1998).
Figura 11: Tamanho das represas (Duarte, 1998).
236
Figura 12: Densidades de cultivo utilizadas pelos criadores do Amazonas (Duarte, 1998).
Figura 13: Número médio de animais, por criadouro, no Amazonas (Duarte, 1998).
237
Figura 14 b: Berçário de filhotes de Podocnemis expansa com área superior a 1.000 m². Fazenda Exata, Manacapuru-AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.).
Figura 14 a:Fazenda Águas Claras/Manacapuru-AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.).
2Berçário de filhotes de Podocnemis expansa com 30 m .
238
Figura 14 c: Equipe da Ufam/Ibama no diagnóstico dos criadouros de
quelônios no Amazonas. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.).
5.3 Instalações para quelônios no Amazonas: Etapa II:
experimento sobre os efeitos de três tipos de instalações sobre o
desempenho de filhotes de tartaruga (P. expansa) criados em
cativeiro
O experimento foi realizado em área de terra firme na fazenda
experimental da Universidade do Amazonas, localizada no Km 38 da
BR-174, Manaus-Boa Vista.
5.3.1 Instalações utilizadas e metodologia
Baias experimentais: Os filhotes utilizados no experimento
foram alojados em um berçário tipo tanque-rede colocado em um 2tanque escavado de 400 m de espelho d'água, na Fazenda
Experimental, conforme demonstra a Figura 15. O berçário tipo
tanque-rede se constitui em duas balsas de madeira de 2,40m x
1,80m, com dois flutuadores (camburões metálicos de 200 litros).
Cada balsa está dividida em 18 baias de 0,9m x 0,9m, sendo que
239
cada baia possui uma área para o banho de sol, uma abertura para
água, devidamente telada, com aproximadamente 0,9 m de
profundidade. As baias foram recobertas, sendo 50% cobertas com telas de
fio de náilon, para evitar ataque de predadores. As outras baias
foram cobertas com plástico para simular o efeito de uma estufa,
mantendo a temperatura mais elevada e constante. Foram utilizadas 3as seguintes densidades de estocagem: 30, 20 e 10 animais/m . Em
anexo, apresentamos o croqui das baias experimentais.
Figura 15: Baias experimentais destinadas a filhotes de tartaruga
(Podocnemis expansa), Fazenda Experimental-Ufam, Manaus. Foto: Projeto
Diagnóstico (Andrade, P.C.M.).
O berçário destinado aos outros filhotes de tartaruga,
provenientes de Abufari, foi um curral de estacas de madeira 2(berçário convencional) de 16 m situado no mesmo tanque escavado
2 de 400 m de espelho d'água, dentro da fazenda. O berçário
encontra-se recoberto por tela para evitar o ataque de possíveis
predadores, bem como possui pequenas balsas que permitem aos
240
filhotes a exposição ao sol.
Os animais foram medidos com paquímetros e pesados em
balança mecânica de prato, com capacidade para 1.610g e precisão
de 1g. Para medir a temperatura da água foram utilizados
termômetros de imersão. A temperatura do ar bem como a umidade
relativa foi obtida através de psicrômetro.
Neste experimento foram avaliados os efeitos de três tipos de
instalações (com e sem estufa em tanques-redes berçário), três 2densidades (12, 25 e 37 indivíduos/m ) e três níveis de energia bruta
(3.500, 4.000 e 4.500 kcal/kg) em ração utilizada na alimentação,
sobre o desempenho de filhotes de tartarugas (Podocnemis expansa)
em cativeiro. Os resultados sobre densidade de cultivo e nutrição são
apresentados em capítulos posteriores relativos ao tema. Foram
medidos os seguintes parâmetros: comprimento e largura da
carapaça, comprimento e largura do plastrão, altura, peso, ganho
diário de peso e conversão alimentar.
Os tratamentos foram distribuídos em um delineamento
inteiramente casualizado, com esquema fatorial 3x2x3, sendo 2consideradas três densidades (12, 25 e 37 indivíduos/m ), três
instalações (com e sem estufa e berçário) e três níveis de energia
bruta em rações (3.500, 4.000 e 4.500 kcal de EB/kg).
Foi considerada como parcela a densidade e como
subparcelas as instalações e os níveis de energia da ração. Foram
tomadas medidas repetidas ao longo do tempo, sendo cada período
de medição considerado uma repetição. As variáveis foram
analisadas pelo programa SAS, através da análise com aplicação da
Anova e LSMEANS (teste t).
Os animais da balsa (tanque-rede) foram comparados com os
animais do berçário através do teste t do LSMEANS.
241
O experimento teve duração de 422 dias. No início, os animais
foram separados e devidamente marcados, com esmalte e picos no
casco, indicando o seu número e o correspondente tratamento, para
não haver mistura entre as baias. Os tratamentos ficaram divididos
de acordo com alimentação, instalação e densidade.
Concomitantemente à biometria, foram tomadas as medidas
de temperatura da água e do ar e umidade relativa referente a cada
baia. Essas medidas serviram para se ter uma idéia das condições de
temperatura e umidade às quais os animais estavam submetidos.
5.3.2 .Resultados obtidos com os filhotes de tartaruga dos 3 aos
7 mesesO experimento conduzido na fazenda experimental sobre
densidade, tipo de instalação e nível de energia na ração durou, em
sua primeira fase, 153 dias, sendo iniciado com filhotes de tartaruga
provenientes da Rebio Abufari, Tapauá/AM, com 3 meses de idade e
peso médio de 45,66 3,63 g.
Além do experimento nos tanques-rede foram
acompanhados, também, 353 animais de diferentes populações
(Abufari, Rio Branco e Uatumã) colocados no berçário circular de
estacas de madeira com, aproximadamente, 16 m2 de área e 1 m de 2profundidade (Figura 1), na densidade de 22 animais/m .
As variáveis ambientais registradas para avaliar o efeito da
cobertura plástica (estufa) sobre metade dos tanques-rede foram a
temperatura do ar, a temperatura da água e a umidade do ar.
Com relação a essas variáveis foi observado que a
temperatura da água foi maior nas instalações ao ar livre (31,05
0,81C) do que nas instalações com estufa (30,52 0,90C). Já, a
temperatura do ar, foi maior nas instalações com estufa (33,5C) do
que nas sem estufa (31,82C). Isso pode ser devido ao fato de que o
242
plástico das estufas tornou-se opaco pelo acúmulo direto de sujeira,
o que, de certa forma, impediu a entrada total dos raios solares,
funcionando como uma espécie de sombreamento. Contudo, da
mesma forma que impediu a total irradiação solar, a estufa impediu
a rápida dissipação do calor nas instalações, o que foi verificado
através de uma menor variação de temperatura, dentro das
instalações, com uma menor amplitude térmica entre dia e noite, e
ao longo do dia, como pode ser observado na Figura 15.
A umidade relativa do ar foi maior nas instalações com
estufa, 76,25%, do que nas ao ar livre, 69,90%.
Temperatura da água nos tanques-redes ao longo do dia
27282930313233
10 11 12 13 14 15 16
horas
oC ar livre
estufa
oFigura 16: Variação da temperatura ( C) ao longo do dia nos tanques-rede do experimento (Costa & Andrade, 1999).
243
A Tabela 2 e as Figuras 17 e 18 apresentam os resultados encontrados para algumas das variáveis analisadas neste experimento (comprimento e largura de carapaça, comprimento e largura de plastrão, altura, peso e ganho diário de peso).
Tabela 2: Efeito do tipo de instalação sobre o comprimento e altura da carapaça (mm) de filhotes de tartaruga (P. expansa) de 4 a 7 meses (Costa & Andrade, 1999).
Tratamento\ idade 4 meses 5 meses 6 meses 7 meses Comprimento da carapaça (mm)
Tanque-rede sem cobertura plástica
82,7±0,1 99,2±1,8 107,2±4,2 109,8±4,3
Tanque-rede com cobertura plástica (estufa)
82,0±2,0 101,2±1,9 108,3±1,8 115,9±2,9
Altura da Carapaça (mm) Tanque-rede sem cobertura plástica
32,8±0,6 40,8±0,9 41,5±1,5 43,5±1,2
Tanque-rede com cobertura plástica (estufa)
32,4±0,6 41,2±0,9 41,3±1,3 44,9±0,3
As variáveis comprimento e largura de carapaça, altura, peso
e ganho médio diário de peso não apresentaram diferenças
significativas, ao nível de 5%, pelo teste F e teste t do LSMEANS, para
o fator tipo de instalação (análise do SAS). Todavia, conforme é
possível verificar nas Tabelas 2, 3 e 4, existe uma tendência para que
animais criados em estufa apresentem maior desenvolvimento
(GDP=0,91 g/dia) do que aqueles que foram criados ao ar livre. Isso
é, provavelmente, relacionado a uma maior estabilidade da
temperatura e à conservação do calor no ambiente, por mais tempo,
permitindo um taxa metabólica mais regular, visto que o
metabolismo destes animais é influenciado pela temperatura
externa (ectotérmicos).
244
Efeitos da densidade X energia bruta X tipo de instalação sobre o peso final (g)
050
100150200250
sest3500 sest4000 sest4500 cest3500 cest4000 cest4500
Tratamentos
gra
ma
s 10
20
30
Figura 17: Efeitos da densidade e do nível de energia bruta nas rações sobre o peso, aos
7 meses, de filhotes de tartaruga (P. expansa). (Costa & Andrade, 1999).**-Tanques-rede sem cobertura plástica (alimentados com T1=3.500 kcal de EB;
T2=4.000 kcal de EB; T3=4.500 kcal de EB); Tanques-rede com cobertura
plástica–estufa, (alimentados com T1=3500 kcal de EB; T2=4000 kcal de EB;T3=4500
kcal de EB.
Peso(g) X niveis de energia bruta X tipo de instalação
0
50
100
150
200
250
4 5 6 7idade (meses)
gra
mas
T1
T2
T3
T4
T5
T6
Figura 18: Efeitos do tipo de instalação e do nível de energia bruta nas rações sobre o peso, aos 7 meses, de filhotes de tartaruga (P. expansa). (Costa & Andrade, 1999).
245
Tabela 3: Efeitos do tipo de instalação e do nível de energia bruta sobre o ganho médio diário de peso (GDP) de filhotes de tartaruga (P. expansa). (Costa & Andrade, 1999).
Instalação/nível de Energia Bruta
3.500 kcal de EB/kg
4.000 kcal de EB/kg
4.500 kcal de EB/kg
Médias
Estufa 0,88±0,60 0,98±0,41 0,88±0,41 0,91
Ar livre 0,65±0,47 0,89±0,59 1,02±0,20 0,85
Médias 0,77 0,93 0,95
Com relação aos animais do berçário, nos sete primeiros meses de vida eles apresentaram maior ganho de peso do que os animais dos tanques-rede (1,52 0,79 g/dia contra 0,88 0,13 g/dia).
Tabela 4: Efeitos do tipo de instalação e da densidade sobre o ganho médio diário de peso (GDP) de filhotes de tartaruga (P. expansa). (Costa & Andrade, 1999).
5.3.3 Recomendação para berçário de filhotes de
quelônios nos primeiros 7 meses de vida:
a) Com base nos resultados deste experimento podemos
concluir que filhotes de tartaruga criados em tanques-rede com
cobertura plástica, simulando um efeito estufa, na densidade de 25 2animais/m podem alcançar um melhor desempenho.
b) Animais criados em berçários circulares de madeira
apresentam maior desenvolvimento do que os criados
intensivamente em tanques-rede.
246
Instalação/densidade
12 animais/m2
25 animais/m2
37 animais/m2
Médias
Estufa 0,91±0,44 1,04±0,46 0,79±0,39 0,91
Ar livre 0,86±0,44 0,85±0,38 0,91±0,28 0,87
Médias 0,88 0,94 0,85
c) A densidade e o tipo de alimento fornecido aos quelônios
são fatores limitantes. Um grande número de animais numa
pequena área diminui a taxa de crescimento e o ganho de peso. Nos
primeiros anos, o crescimento é melhor com o fornecimento de
alimentos à base de proteína animal. A densidade que propicia um 2maior desenvolvimento é a de 65-80 animais/m em berçário tipo
curral com estacas de madeira.
d) A espécie que obtém melhor ganho de peso nos primeiros
anos é o tracajá (Podocnemis unifilis).
5.3.4 Resultados obtidos com os filhotes de tartaruga dos
8 aos 16 meses
As Tabelas 5, 6, 7 e 8 e a Figura 19 apresentam os resultados
encontrados para algumas das variáveis analisadas neste
experimento (comprimento e largura de carapaça, comprimento e
largura de plastrão, altura, peso e ganho diário de peso).
Tabela 5: Efeitos dos níveis de energia bruta e tipo de instalação sobre a
variação no comprimento da carapaça (mm), peso (g) e ganho de peso (g/dia) de
filhotes de tartaruga – P. expansa.(Costa, 1999).
247
Tratam ento/idade 8 m eses 13 m eses 16 m eses Com prim ento de carapaça (m m )
Tanque-rede semcobertura p lástica
125,7±1 ,5 168 ,9±3 ,8 198 ,9±15
Tanque-rede comcobertura p lástica (estu fa )
121,4±3 ,7 166 ,2±7 ,5 179 ,6±13 ,9
Peso (g ) Tanque-rede semcobertura p lástica
248,0±7 ,7 619 ,1±1 ,8 851 ,2±98
Tanque-rede comcobertura p lástica (estu fa )
233,1±19 588 ,9±45 ,9 770 ,6±73 ,3
Ganho diário de peso (g/dia ) Tanque-rede semcobertura p lástica
1 ,2±0 ,2 2 ,1±0 ,4 1 ,3±0 ,1
Tanque-rede comcobertura p lástica (estu fa )
1 ,0±0 ,2 2 ,3±0 ,2 1 ,2±0 ,1
As variáveis comprimento, largura e altura da carapaça, peso
e ganho médio diário de peso para tartarugas dos 8 aos 16 meses,
também não apresentaram diferenças significativas, ao nível de 5%,
pelo teste F e teste t do LSMEANS, tanto para o fator densidade,
como tipo de instalação e nível de energia. Todavia, conforme é
possível observar-se na Tabela 6 e na Figura 19, existe uma
tendência para que esses animais criados em estufa apresentem
maior desenvolvimento (GDP=1,215 g/dia) do que aqueles que
foram criados ao ar livre.
Tabela 6: Efeito do tipo de instalação sobre o ganho diário de peso de tartarugas
(P. expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999).
Figura 19: Efeitos do tipo de instalação (CE=com estufa e SE=sem estufa) sobre o ganho diário de peso (g/dia) de tartarugas (P. expansa) criadas em cativeiro. (Costa, 1999).
248
Tipo de instalação /idade
6 meses
8 meses
13 meses
16 meses
Com estufa (g/dia) 0,45 1,68 2,39 1,25 Sem estufa (g/dia) 0,38 0,48 2,27 1,18
Efeitos do tipo de instalação sobre o ganho diário de peso de
tartarugas (P. expansa ) criadas em cativeiro
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
6 8 13 16Idade (meses)
GD
P(g
/dia
)
CE
SE
Não houve diferença significativa em crescimento e ganho de
peso relacionando-se animais alojados em berçário circular de
madeira e animais alojados em baias tipo tanque-rede, porém,
através da Tabela 7 observa-se que há uma tendência para que
animais alojados em baias tipo tanque-rede obtenham um melhor
desempenho na idade de 8 a 16 meses.
Tabela 7: Crescimento de filhotes de tartaruga (P. expansa) de acordo com o tipo
de instalação. (Costa,1999).
Variáveis/ Instalação
Balsa (Tanque-rede)
Berçário circular de m adeira
Com prim ento da carapaça(m m )
186,77 ± 15,92 167,85 ± 21,36
Altura dacarapaça (m m )
69,76 ± 5,84 61,71 ± 7,22
Peso (g)
810,87 ±141,80
754,71 ± 202,38
Ganho diário de peso (g/dia)
1,218 ± 0,65 1,200 ± 0,87
Tabela 8: Efeitos do tipo de instalação e densidade de cultivo sobre o ganho médio diário de peso (g/dia) de filhotes de tartaruga (P. expansa), aos 16 meses de idade (Costa, 1999).
Instalação/
Densidade de
cultivo
12
animais/
m 2
25
animais/
m 2
37
animais/
m 2
Médias
Estufa 1,2±0,6 1,2±0,4 1,3±0,4 1,2±0,5
Ar livre 1,1±0,5 1,2±0,2 1,1±0,2 1.2±0,3
Médias 1,2±0,5 1,2±0,3 1,2±0,3
5.3.5 Recomendações sobre instalações para filhotes até
os 16 meses: Com relação aos animais de 8 a 16 meses, há uma
tendência para que sejam alojados em baias tipo tanque-rede com
estufa para obter um melhor desempenho.
249
5.3.6 Criação em gaiolas ou tanques-rede em ambientes
naturais (lagos, rios)
Para tartarugas em vida livre Hernandez (1999) estimou que
animais que foram soltos com um ano de idade, pesando 358,30 g e
medindo 90,2 mm de comprimento de carapaça, chegavam aos
quatro anos com peso vivo de 4 kg.
Andrade et al. (2001) observou que crescimento em vida livre
de tracajás (P. unifilis), ao final de um ano, variava conforme a água e
o ambiente que se encontravam. Em águas pretas, atingiam aos 12
meses um peso médio de 87 a 103 g, com ganho diário de peso de
0,25 g/dia. Em águas barrentas, atingiam um peso bem superior,
de 108 a 125 g, com ganhos de peso de 0,3 g/dia.
Em tanques-rede de ambientes artificiais como barragens ou
tanques escavados, tartarugas atingem ao final de 12 meses peso
médio de 810,9 g (máximo=1.400g), em densidades de até 37 3animais/m , com ganho diário de peso (GDP) de 1,23 g/dia (Costa,
1999). Andrade et al. (2001) em estudo realizado com tracajás
criados em tanques-rede, em lagos de várzea ou margens de rio, a 3uma densidade de 22 animais/m , estimou o peso médio final
variando de 350 a 700 g, com ganho diário de peso de 3,8 g/dia, até
os três meses de vida.
Em 2002, foi realizado um estudo com modelos de gaiola ou
tanques-rede, à venda no mercado de Manaus, para a criação de
peixes. Foram montadas duas unidades demonstrativas, uma no
lago do Puraquequara e outra no rio Preto da Eva. Filhotes de P. 3expansa foram alojados na densidade de 30 animais/m e
alimentados com ração para peixe com 36% de PB, 3.800 kcal de
EB/kg e sangue bovino coagulado. Os animais foram monitorados
até os quatro meses de vida.
250
Ao final de 120 dias de cultivo os animais haviam atingido
84,51 ± 12,06 mm de comprimento de carapaça e pesavam, em
média, 153,54 ± 46,55 g (máximo=269 g; mínimo=45,9 g), com
ganho médio diário em peso de 1,06 ± 0,42 g/dia.
Esses valores, considerando-se que os animais não foram
acompanhados até um ano nem receberam ração regularmente, são
bastante promissores sobre o cultivo de quelônios nesse tipo de
instalação, em áreas naturais, o que poderá ser uma saída para
pequenos produtores e para as comunidades que ajudam na
conservação das áreas de reprodução de quelônios que, até o
presente, não podiam criar os animais que ajudavam a preservar,
pelo alto custo inicial para a implantação de tanques e barragens ou,
mesmo, por não possuírem documentação legal das terras que
tradicionalmente habitam.
5.3.7 Instalações em criações comunitárias de quelônios
Com o apoio do ProVárzea, através do Componente
Iniciativas Promissoras, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Amazonas (Fapeam), desde 2004, estão sendo realizados estudos
para analisar o potencial da criação comunitária de quelônios em
diferentes instalações, principalmente, em tanques-rede ou gaiolas.
A criação comunitária de quelônios é uma possibilidade de
exploração do recurso ex-situ, e sempre foi uma demanda daqueles
ribeirinhos que, tradicionalmente, protegem as praias de desova.
Através do Programa Pé-de-Pincha, 78 comunidades manejam, de
forma participativa, quelônios na região do Médio Amazonas. No
Baixo e Médio Juruá, as comunidades das reservas extrativistas
também protegem tabuleiros de desova. Contudo, embora essas
comunidades devolvam por ano, respectivamente, próximo a 100 e
200 mil filhotes de quelônios para a natureza, por se encontrarem
251
em área de várzea, em sua maioria não possuem documentação
legal da terra que habitam há muitos anos. Também não dispõem de
recursos para construção de tanques escavados ou barragens,
geralmente utilizados na criação comercial de quelônios. Dessa
forma, pela Portaria nº 142/92 de criação de quelônios, as
comunidades que protegem as praias de reprodução dessas
espécies jamais poderiam criá-las legalmente.
Em 2002, a Diretoria de Fauna e o RAN começam a elaborar a
minuta da nova instrução normativa de criação, onde está inserida a
questão da criação comunitária de quelônios. Como forma de
estimular esse tipo de criação pelas comunidades, implantamos as
primeiras unidades demonstrativas de criação com os quelônios
nascidos nas praias protegidas, utilizando diferentes tipos de
instalação: tanques de fibra, tanques de alvenaria, tanques
escavados e tanques-rede (Figura 20), e comparamos com o
desempenho dos filhotes soltos na natureza.
Foram marcados 7.960 filhotes, 2004-2005, sendo criados
2.305 (1.100 em tanque de fibra-alvenaria, 805 em tanque-rede e
400 em tanque escavado) e os demais soltos em lagos. Inicialmente,
os filhotes foram alojados em 14 unidades (três lagos, cinco
tanques-rede, cinco tanques de alvenaria-fibrocimento de 1,76 m3, 2um tanque escavado de 1.350 m ). Analisou-se comprimento,
largura e altura da carapaça, peso, ganho diário de peso (GDP) e
sobrevivência de filhotes de tracajá (Podocnemis unifilis), tartaruga
(P. expansa), iaçá (P. sextuberculata), irapuca (P. erythrocephala) e
cabeçudo (Peltocephalus dumerilianus) – Figura 21.
252
Figura 20: Diferentes instalações de criação comunitária: de cima para baixo – gaiola, tanque de piso de concreto e parede de cinta de borracha, e tanque de alvenaria (Foto: ProVárzea).
253
Figura 21: Diferentes espécies de quelônios utilizadas nas unidades
demonstrativas: irapuca (P. erythrocephala), iaçá (P. sextuberculata),
tracajá (Podocnemis unifilis) e tartaruga (P. expansa) – de cima para
baixo (Foto: Oliveira, P.H.).
Tartarugas e cabeçudos são as espécies que mais crescem
nos primeiros 16 meses (Figura 22). Todavia, a espécie
Peltocephalus dumerilianus (cabeçudo) é extremamente agressiva,
atacando e mordendo indivíduos de espécies diferentes, por isso
aconselha-se criá-los separados.
Os animais foram monitorados por um período de 28 meses,
sendo que os quelônios criados em tanques-rede demonstraram um
ganho diário de peso (GDP) superior (0,41g/dia) aos criados em
tanques fixos de alvenaria ou fibra (0,18g/dia). P. unifilis, em
tanques-rede apresentam, aos 16 meses, comprimento superior aos
dos animais criados em tanques de fibra (99,66 ± 6,14 mm vs. 70,37
± 10,07 mm), e inferior aos do tanque escavado ou lagos (181,42 ±
17,6 mm) – Figura 23.
254
Peso médio de quelônios
0,00
20,00
40,00
60,00
80,00
100,00
120,00
140,00
0mês
3mes
es
6mes
es
8mes
es
10m
eses
12m
eses
14m
eses
16m
eses
g
Tracajá
Tartaruga
Iaçá
Cabeçudo
Irapuca
Figura 22: Crescimento de tracajá (Podocnemis unifilis), tartaruga (P. expansa), iaçá (P. sextuberculata), irapuca (P. erythrocephala) e cabeçudo (Peltocephalus dumerilianus) durante 16 meses, em criações.
255
Crescimento em carapaça de tracajás em cativeiro e em vida livre
0
50
100
150
200
0 3 6 8 10 12 14 16
meses
mm
Trede
Natureza
Tfibra
Tescavado
Figura 23: Distribuição de crescimento em comprimento da carapaça (mm)
de tracajás (Podocnemis unifilis). criados em diferentes tipos de instalações
(tanque-rede, tanque de fibra ou alvenaria, tanque escavado e na natureza).
A melhor densidade de cultivo para esse sistema foi de 40-65 3indivíduos/m , sendo que a sobrevivência com um ano foi de 89,42 ±
10,56%, não havendo diferença entre instalações, sendo a espécie
com menor taxa a P. sextuberculata, com 76,92%. Os quelônios
foram alimentados com ração com 36% de proteína, obtendo melhor
desempenho que com alimentos alternativos (peixe, macrófitas
aquáticas, beldroega). Sanguessugas foram registradas parasitando
principalmente tracajás, em tanques-rede colocados em áreas de
água preta, com pouca movimentação e baixa profundidade.
Parasitas identificados em tanque-rede em água preta (sanguessuga)
e em ovos transferidos (larvas de Diptera, Ephydridae, 1%).
Animais alimentados com ração com 25% de proteína tiveram
melhor desempenho em GDP do que com alimentos alternativos
(peixe, macrófitas aquáticas, beldroega). A Figura 24 apresenta o
crescimento em peso, de tracajás em cativeiro comunitário, até os 28
meses. Tartarugas criadas em tanques-rede atingem, aos 28 meses,
média de peso de 1.537,6 g (mínimo= 937,33 g; máximo= 3.166,67 g).
Em 2005, com recursos do ProVárzea, adquirimos 10 tanques-
rede padrão, medindo 2 m x 2 m x 1,5 m (tela de alambrado,
estrutura em aço, Figura 25), os animais puderam ser colocados em
áreas mais profundas e com fluxo de água mais intenso,
proporcionando melhores condições e melhor desempenho do que
nas outras instalações (GDP= 0,488 ± 0,202 g/dia). Existe uma
tendência a um melhor desenvolvimento dos filhotes de tartarugas e
tracajás acondicionados em gaiolas do tipo tanque-rede na margem
de rios/lagos, pelo fato de apresentarem características mais
próximas do ambiente natural, como por exemplo, fluxo contínuo de
água, que acarreta uma maior circulação de nutrientes no ambiente
do cativeiro, e menor carga de estresse aos animais.Os 3.130
quelônios criados nesse sistema propiciaram em 16 meses de cultivo
uma produção total de 866 kg.
256
Peso médio do Tracajá/Instalação
0
50
100
150
200
250
300
350
0m
ês
3m
eses
6m
eses
8m
eses
10m
eses
12m
eses
14m
eses
16m
eses
22m
eses
24m
eses
28m
eses
g
T. Rede
T. Fibrocimento
Figura 24: Distribuição do peso da carapaça de tracajás (Podocnemis unifilis) criados em diferentes instalações no período de 28 meses.
Figura 25: Diferentes modelos de tanques-rede utilizados na criação de quelônios.
257
Em Terra Santa, a comercialização experimental de 10
unidades de criação comunitária alcançou o preço de venda similar
ao praticado em Manaus, ou seja, R$10,00/kg, contra o preço
clandestino que, na região, é de cerca de R$3,36-5,56 com potencial
de venda estimado em R$8.660,00. A construção de tanques-rede
com material local e a utilização de alimentos disponíveis na
comunidade como macaxeira, peixe, piracuí, beldroega ou erva-de-
jabuti, reduzirá os custos com instalações e alimentação,
aumentando a lucratividade, hoje em torno de 12,55%. A Tabela 9
apresenta os custos e receitas da criação comunitária de quelônios
para uma unidade familiar.
258
Tabela 9: Orçamento simplificado de unidade de criação familiar de quelônios.
O rç a m e n to – 1 6 m e se s d e c r ia ç ã o
C u s to s (R $ )
C u s to s f ix o s 2 1 6 ,9
C u s to s v a r iá v e is 2 7 6 ,2 6
C u s to s to ta is 4 9 3 ,1 7
R e c e ita (R $ )
N . a n im a is 5 0 0
B io m a s s a to ta l 1 5 5 ,9 2 k g
P re ç o / k g ile g a l 3 ,3 6 -5 ,5 6
P re ç o / k g c r ia ç ã o 1 0
R e c e ita b r u ta 1 .5 5 9 ,2 0
R e c e ita líq u id a 1 .0 6 6 ,0 3
A rentabilidade para os investimentos em manejo comunitário
de quelônios foi estimada em 120,21% e para a criação de quelônios,
pelo sistema de tanques-rede, em 183,44%. As unidades comunitárias
de criação de quelônios demonstram que esse sistema poderá,
perfeitamente, servir como modelo de manejo, tipo ranching, em que as
comunidades que protegem áreas de reprodução de quelônios
adquirem o direito de criar um percentual dos filhotes produzidos (30%
de tracajás e 10% de tartarugas). As instalações mais eficientes e
práticas são os tanques-rede, e a alimentação é produzida na própria
comunidade. Isso garantirá geração de renda aliada à conservação
dessas espécies.
Capítulo 8:Alimentação e nutrição de quelônios
aquáticos amazônicos (Podocnemis spp.)
Francimara Sousa da CostaJoão Alfredo da Mota Duarte
Paulo Henrique Guimarães de OliveiraPaulo Cesar Machado Andrade
O tipo de alimento fornecido aos quelônios para criação
em cativeiro é um fator decisivo para que os animais o peso vivo
mínimo de 1,5 kg para comercialização, conforme determinam as
Portarias Normativas Nº 142/92 (Criação) e Nº 70/96
(comercialização).
A alimentação de Podocnemis expansa é bastante variada,
sendo considerada por muitos autores como uma espécie onívora,
oportunista, ou seja, alimenta-se tanto de raízes, frutas, sementes e
folhas, quanto de crustáceos, moluscos e pequenos peixes
(Cenaqua, 1994).
Estudos feitos por Téran, Vogt e Gomez (1995), no rio
Guaporé – Rondônia, demonstraram que a principal fonte de
alimento nessa área, para esses animais, são matérias vegetais
incluindo-se sementes pertencentes às famílias Anonaceae,
Leguminosae, Sapotaceae e Rubiaceae e frutas (Leguminosae,
Euforbiaceae, Convolvulaceae).
Os frutos citados como alimento de tartaruga incluem as
seguintes espécies: Astrocarium jauari, Bactris spp., Spondias
mombin, Genipa americana, Inga spp., Hevea spp., Macrolobium
259
acaciaefolium, Symphonia globulifera, Tachigalia paniculata, e
espécies adicionais dos gêneros: Brosimum, Calophyllum,
Campsiandra, Curatella, Desmoncus, Gustavia, Lonchocarpus e
Sideroxylon (Soini, 1997).
Os estômagos de P. expansa adultas examinados na
temporada de reprodução, por Ramirez (1956) e Ojasti (1971), em
Orinoco, e Pádua e Alho (1984), em Trombetas, estavam vazios e
continham somente fragmentos de madeira decomposta, lodo e
areia, o que torna evidente que P. expansa experimenta um amplo
“cardápio” durante o período de estiagem. O estômago de uma
fêmea que morreu durante a desova no rio Trombetas continha
cascas vazias de ovos da mesma espécie (Pádua, 1981).
Portal et al. (2002), estudaram a alimentação natural de
tracajás (P. unifilis) na região do Pracuúba, Amapá, Brasil, e
encontraram 35 diferentes espécies vegetais, sendo a maioria de
leguminosas (22,81%) e gramíneas (8,57%). Das plantas
analisadas, 12 espécies apresentam teores de proteína superiores a
10%. Entre essas, oito espécies apresentam boa possibilidade de
servirem como ingredientes de uma ração regional, em função de
suas propriedades nutricionais e disponibilidade na natureza. São
elas: Commelina longicaulis (maria-mole) (20,78%); Polygonum
acuminatum (pimenteira-brava) (20,19%); Aschymene sensitiva
(corticeira)(19,93%); Macrolobium acaiaefolium (jandaruá)(17,06%),
Oryza glandiglumes (canarana-grande)(15,00%); Thalia geniculata
(14,14%); Nymphaea rudgeana (11,55%) e Hymenachne
amplexicaulis (10,11%).
Em cativeiro, essa espécie é eminentemente onívora. Aceita
uma grande variedade de produtos vegetais, pescado e carne picada
(Alho e Pádua, 1982; Terán et al., 1992, FPR, 1988). Os recém-
nascidos demonstram maior preferência pela dieta carnívora do que
os animais mais velhos (Ojasti, 1971).
260
Em geral, a tartaruga e o tracajá têm uma dieta herbívora
na natureza, mas em condições de cativeiro consomem carne e
peixe (Molina & Rocha, 1996).
Segundo Best & Souza (1984), pouco se conhecia sobre a
nutrição adequada dos quelônios em cativeiro, na fase de pós-
eclosão, até um ano de idade. Para Alfinito (1980), P. expansa
apresenta uma demorada digestão, justificando-se os jejuns
prolongados pelo qual o curso no trato digestivo é considerado
bastante significativo, e suas fezes são liberadas após 170 horas de
digestão, correspondendo a 7 dias, significando 5% do volume
alimentar, podendo o restante ser expelido até 880 horas,
equivalente a 36 dias. No habitat natural, o forrageamento
condiciona-se às contingências momentâneas.
Em condições de cativeiro, Espriella (1972) cita que o
alimento deve ser fornecido em pequenos pedaços ou amarrados e
suspensos, para facilitar a deglutição, onde um animal adulto pode
consumir 1.816g de alimento em 10 dias, repartidas entre 7:00 e
16:00 horas.
Para o Sebrae (1995), os filhotes devem receber uma
complementação de proteína à base de fígado e caramujos, no
entanto, não cita como seria feito o fornecimento. A partir do
segundo ano, deverá ser complementada com resíduos vegetais e
peixe, carne ou outros alimentos de origem animal, tratados e
fornecidos em pequenos pedaços, para facilitar a deglutição, com
preferência por palmito, vísceras, leguminosas e, naturalmente,
por frutos silvestres das margens dos rios.
Nos primeiros anos, o crescimento é melhor com o
fornecimento de alimentos à base de proteína animal,
provavelmente, devido a um maior nível protéico e uma
concentração de aminoácidos essenciais, superior.
261
Segundo Quintanilha et al. (1997), há indícios de que a
qualidade de proteína (origem animal e vegetal), influência no
desenvolvimento de P. expansa em cativeiro.
Cantarelli (1994), em experimento sobre metodologia
alimentar para quelônios em cativeiro, testou rações formuladas
com diferentes níveis de proteína bruta, 18, 21, 24, 27 e 30% de PB e
ração comercial para peixes com 30% de PB. Concluiu que há
indícios de que a qualidade da proteína (origem animal ou vegetal)
influencia no desenvolvimento dos animais e que os animais
crescem melhor, se alimentados com alta taxa de proteína bruta (27
a 30%).
Maria das Graças Houssaine-Lima (comunicação pessoal,
1999) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, testou
diferentes fontes de proteína (farinha de peixe e farelo de soja) na
dieta de tartaruga (P. expansa) nos primeiros anos de vida. Neste
experimento conduzido no Centro de Preservação e Pesquisa de
Quelônios Aquáticos (CPPQA) da UHE Balbina/AM, foram usadas
rações que variavam a fonte protéica em diferentes níveis de
substituição do farelo de soja por farinha de peixe (100% e 0%; 75% e
25%; 50% e 50%; 25% e 75%; 0% e 100%; respectivamente). Os
animais apresentaram maior crescimento em dietas com 100% de
farinha de peixe, contudo, também apresentaram uma maior taxa de
mortalidade, mesmo em animais acima de 1,5 kg. Concluiu-se que a
melhor ração foi aquela em que a fonte protéica tinha 50% de farelo
de soja e 50% de farinha de peixe.
Comparativamente, Viana & Abe (1998), ao avaliarem o
desenvolvimento de 198 filhotes de tracajá Podocnemis unifilis com
dieta de 21, 26 e 31% de proteína bruta - PB e isocalóricas (energia
bruta = 3.850 kcal/kg) durante 240 dias, obtiveram nos animais
alimentados com ração de 26 ou 31% de PB maior desenvolvimento.
262
Então, sugeriram utilizar ração com 21% de PB, até 8 meses de
idade, e com 26% de PB para filhotes até completarem 12 meses para
diminuir o custo com ração.
Esses dados são semelhantes aos encontrados por Best &
Souza (1984) ao testarem quatro rações peletizadas, com teores de
40%, 60%, 70% e 80% de proteína em matéria seca, e balanceada em
termos de energia, utilizando 60 tartarugas com peso médio 26,0g e
pesos médios finais, respectivamente, em relação aos teores de
proteína: 174,0 ± 39,9 g; 194,1 ± 58,1 g; 221,4 ± 67,3 g e 165,4 ± 62,7
g, onde o GDP para a ração com 70% proteica foi 0,71 g/dia, à base
de 2% do peso corporal, uma maior eficiência de utilização igual a
47,8 g de tartaruga/100g ração. Eles citam haver uma estreita
relação entre a quantidade de alimento fornecido e o crescimento das
tartarugas.
Na Venezuela, Hernandez et al. (1999) verificaram também
que filhotes de tartaruga cresciam mais com o fornecimento de
rações com maior nível protéico e sugerem que no primeiro ano seja
fornecida uma ração básica para peixes carnívoros com 48% de
proteína e que, no segundo ano, uma ração de crescimento para
peixes com 24% PB. Com essa dieta os animais atingiram, ao final de
um ano 90,2 a 143 mm de comprimento de carapaça e 100,6 a 358,3
g de peso, com uma conversão alimentar de 1:1, ou seja, para cada
grama de ração consumida os filhotes engordaram um grama.
De certa forma, deve haver uma complementação que
contenha cálcio para a formação do casco e deve-se ter atenção para
a alimentação dos animais jovens, mantidos em cativeiro, para
evitar a ocorrência de processos fermentativos (Lima, 1967; Morlock,
1979; Alfinito, 1980).
Estudos feitos por Terán (1993), testando o tipo de
alimentação para tracajá em cativeiro, demonstraram que uma dieta
263
onívora (constituída de espécies comuns de peixes, Curimatus
rutiloides, e folha de bananeira, Musa paradisiaca), influi
significativamente no crescimento de P. unifilis, durante os
primeiros 8 meses de vida. Isso reafirma o fato de que os indivíduos
jovens necessitam de uma abundante ração de proteína, cálcio e
carboidratos, que são usados na construção dos tecidos e como
combustível de crescimento. Essas dietas são de baixo custo e ideal
para serem usadas para a criação do tracajá em cativeiro. Folhas
frescas de puerária (Pueraria phaseoloides) não foram aceitas pelos
filhotes.
Estudos realizados por Navarro (1997), para determinar o
melhor tipo de alimentação para a criação de tracajá em cativeiro,
tiveram como fonte: peixes (Psectrogaster amazonica, Curimatus
rutiloides e Potamohrina altamazonica) e banana (Musa spp.)
Em condições de cativeiro Espriella (1972) cita que o
alimento deve ser fornecido em pequenos pedaços ou amarrados e
suspensos para facilitar a deglutição. Um animal adulto pode
consumir 1.816g de alimento, repartidos em 10 dias, de 7:00 às
9:00h ou às 16:00h.
Em cativeiro, os filhotes de tartaruga começam a se alimentar
com microorganismos gerados na flora bacteriana do tanque.
Entretanto, a alimentação deve ser complementada com
substâncias protéicas, principalmente à base de fígado de animais e
caramujos. É importante que, a partir do segundo ano a alimentação
seja complementada com resíduos vegetais e subprodutos de origem
animal (vísceras, sangue coagulado, restos de filetagem de peixes)
devidamente tratados e fornecidos com o uso de equipamentos
adequados, como cochos, caixas de madeira, canoas, pranchas
(Sebrae, 1995).Terán (1993), ao realizar estudos sobre diferentes dietas em
cativeiro, para tracajás jovens e adultos, observou um aspecto
264
importante com relação à perturbação da água e o consumo dos
alimentos. Efetivamente, verificou que quando uma pessoa entrava
no tanque ou jaula e ficava perto do comedouro, a água ficava turva,
fazendo com que os animais não viessem comer os alimentos
disponíveis. Nesses dias, o consumo reduzia bastante (até 15% do
total dos alimentos oferecidos). Uma situação semelhante foi
observada quando o tanque era esvaziado para realizar as amostras
mensais. Esse comportamento deve-se provavelmente, ao estresse
provocado por modificações no ambiente e manipulação do animal.
7.1 Tipos de alimentos fornecidos
A alimentação fornecida pelos criadores de quelônios do
Amazonas é variada sendo distribuída entre vísceras, verduras,
tubérculos e peixe, Figura 1 (Duarte, 1998). Desde 2000, muitos
criadores, sob orientação do RAN-AM e da Ufam têm dado mais
atenção à alimentação, no primeiro ano de vida dos filhotes,
fornecendo rações de crescimento para peixe com cerca de 25-30 %
de proteína bruta.
265
Figura 1: Tipo de alimento fornecido para P. expansa em cativeiro
(Duarte, 1998).
A Tabela 1 apresenta a média de crescimento de filhotes de
tartaruga conforme o tipo de alimentação fornecida. Esses dados
foram obtidos através de biometrias bimestrais, em onze
queloniocultores do Amazonas (Manacapuru, Iranduba,
Itacoatiara, Rio Preto da Eva e Manaus) (Duarte, 1998).
7.1.1 Alimentação desde o nascimento até 12 meses
Conforme observado na Tabela 1 existe crescimento
diferenciado entre os animais dos criatórios, ou seja, há animais
crescendo mais do que outros, apesar de terem a mesma
característica (idade e origem). Isso sugere que há um tipo de
alimento melhor que outro. Isso pode, também, estar sendo
influenciado pelo potencial orgânico e fisiológico de cada indivíduo,
pela densidade, pelo tipo de alimentação fornecida (qualidade) ou,
ainda, pela imprescindível necessidade de exposição dos animais ao
sol, que são fatores que influenciam diretamente no crescimento
diferenciado dos animais no cativeiro, obtendo-se assim um maior
ou menor crescimento.
266
Dieta VÍSCERAS BOVINAS
PEIXE VEGETAL
Inicial* Final** Inicial* Final** Inicial* Final**
Ccp¹ (mm)
69,0± 5,7
137,5± 14,8
81,4± 6,0 134,9± 18,5
57,0± 7,1
91,4± 8,8
Lcp¹ (mm)
60,6± 5,0
116,8± 11,52
66,1± 4,7 104,2± 12,9
48,8± 2,5
76,3± 6,4
Htp¹ (mm)
29,8± 2,3
52,5± 3,79
34,2± 2,8 51,7± 5,9
21,1± 1,3
35,7± 3,1
Peso¹ (g)
54,7± 12,5
281,5± 85,41
64,7± 14,2
261,0± 115,8
25,4± 3,55
103,3± 24,1
Tabela 1: Crescimento médio em função do tipo de alimentação fornecida para
Podocnemis expansa, em cativeiro, no primeiro ano de vida (Duarte, 1998).
* - Primeira biometria: animais com 4 meses de idade.** - Última biometria: animais com 16 meses de idade.
1- As variáveis referem-se: Ccp - Comprimento da carapaça; Lcp - Largura da carapaça; Hcp -
Altura da carapaça e plastrão; Peso.
De acordo com o diagnóstico dos criadouros de quelônios,
constatou-se que os animais alimentados com vísceras bovinas ou
peixe (proteína animal) apresentaram uma tendência a um melhor
crescimento e ganho de peso em relação aos que foram alimentados
basicamente com verduras e tubérculos (proteína vegetal). Observa-
se melhor desempenho em locais onde os animais são alimentados,
basicamente com proteína animal, em todas as variáveis analisadas,
como comprimento e largura de carapaça e plastrão, altura da
carapaça e peso.
As variáveis comprimento e largura de carapaça, altura, peso
e ganho de peso dos animais que receberam diferentes tipos de
alimentação, apresentaram, pela análise multivariada, uma
diferença significativa ao nível de 5% pelo teste F (P< 0,019; CV =
86,54%), entre aqueles criadores que alimentaram com maior
quantidade de proteína animal (pescado, GDP = 0,66 0,55g;
vísceras, GDP = 0,42 0,88g) do que com proteína vegetal (50% de
puerária, Pueraria phaseoloides mais 50% de pescado, GDP = 0,388
0,44g; “sobra ou resto verduras de feira”, GDP = 0,135 0,07g).
Esse fato pode estar ligado à digestibilidade das proteínas, em
função de que nos primeiros anos de vida os quelônios fazem melhor
digestão de proteínas de origem animal por não conseguirem, ainda,
fazer grande aproveitamento das fibras, o que reduz a digestibilidade
dos nutrientes em alimentos de origem vegetal.
É importante, porém, não privar os animais de alimentos à
base de proteína vegetal, visto que ela propicia a manutenção e
estimula a flora microbiana na mucosa intestinal. São esses
microrganismos que fazem a fermentação das fibras dos alimentos
de origem vegetal, o que tende a melhorar a eficiência digestiva das
tartarugas. Conforme crescem, esses animais assumem um caráter
mais onívoro e, além disso, os alimentos de origem vegetal, com
267
maior teor de fibra, em geral, são mais baratos para manter animais
em crescimento ou engorda. Pelos resultados apresentados do
crescimento médio em função do tipo de alimentação fornecida para P.
expansa em cativeiro, verifica-se uma superioridade desses se
comparados aos de TCA – SPT (1997) e Alho & Pádua (1982), que citam
que, em cativeiro, quando os animais são criados em condições
favoráveis, alcançam no primeiro ano de vida 85 mm de comprimento
da carapaça, com peso de 85g. As Figuras de 2 a 5 apresentam uma comparação entre dois
grupos de criadores distribuídos de acordo com o tipo de alimentação
que fornecem, ou seja, maior parte em vísceras de boi ou peixe
(proteína animal) ou a maior parte em verduras, raízes e restos de feira,
ou em puerária+pescado (proteína vegetal). Observa-se o melhor
desempenho dos criadores que alimentam os animais basicamente
com proteína animal, em todas as variáveis analisadas (comprimento,
largura e altura da carapaça e plastrão, e o peso).
268
Comprimento de carapaça X tipo de alimentação
0
50
100
150
0 4 6 8 10 12 14 16
Idade (meses)
mm
visc.bov.
pescado
pueraria+pesc
rest.feira
Figura 2: Crescimento de tartaruga (P.expansa) em comprimento de carapaça (mm), de acordo
com o tipo de alimentação (Duarte, 1998).
Alimentos de origem vegetal foram enriquecidos com farelo de
soja ou puerária para atingirem níveis similares aos alimentos de
origem animal, em teores de proteína bruta (PB), permitindo, assim, a
comparação entre dietas praticamente isoprotéicas, em torno de 45%
de PB.
Altura X tipo de alimentação
0
20
40
60
4 6 8 10 12 14 16
idade (meses)
mm visc.bov
pescado
pueraria+pesc
rest.feira
Figura 3: Crescimento de tartaruga (P.expansa) em altura da carapaça (mm),
de acordo com o tipo de alimentação (Duarte, 1998).
Figura 3: Crescimento de tartaruga (P.expansa) em altura da carapaça (mm),
de acordo com o tipo de alimentação (Duarte, 1998).
Peso (g) X tipo de alimentação
0
100
200
300
400
0 4 6 8 10 12 14 16
idade (meses)
gra
ma
s
visc.bov.
pescado
pueraria+pesc
rest.feira
Não houve diferença nas variáveis analisadas entre os
animais de criadores que alimentaram com pescado e vísceras
bovinas, contudo, tartarugas que se alimentaram com pescado
apresentaram uma tendência de maior peso e comprimento de
carapaça. A forma do casco desses animais, entretanto, é diferente.
Animais alimentados com vísceras bovinas são mais altos e animais
269
alimentados com peixe têm casco mais baixo e achatado (abaulado),
o que pode representar um menor volume interno no casco e,
portanto, um menor rendimento de carcaça.
Essa diferença no modo de desenvolvimento, conforme a
alimentação fornecida provavelmente relaciona-se ao fato de o
pescado conter maiores teores de cálcio e fósforo do que as vísceras
bovinas, permitindo que o organismo do quelônio invista mais no
desenvolvimento de tecido ósseo como o casco, gerando um
desenvolvimento mais acelerado da carapaça. Sob a ótica de que os
quelônios são comercializados vivos, animais alimentados com
pescado apresentam um maior atrativo visual por parecerem
maiores e mais pesados. Quando a comercialização for baseada
apenas no rendimento de carcaça, a alimentação com vísceras torna-
se mais interessante.
Observa-se, na Figura 4 (peso x idade x tipo de alimentação),
que os animais alimentados com puerária apresentam uma
tendência a ganho compensatório de peso, a partir dos 10 meses,
devido a uma mudança na proporção da dieta. Deste período em
diante foi fornecido, basicamente, pescado, o que garantiu maiores
ganhos diários de peso (GDP) aos animais, como podemos observar
na Figura 5. Observa-se também uma grande queda no GDP dos
animais alimentados com pescado a partir dos 14 meses. Esse fato
foi devido ao grande período de seca (efeito do El Niño) pelo qual
passou a região desse criador, o que o levou a transferir,
provisoriamente, seus animais de berçário, acarretando estresse e,
conseqüentemente, perda de peso. Contudo, na avaliação geral de
ganho de peso, tartarugas alimentadas com pescado apresentaram a
maior média.
270
Ganho diário de peso (g) X tipo de alimentação
0
0,5
1
1,5
2
4 6 8 10 12 14 16
idade (meses)
gra
ma
s
visc.bov.
pescado
pueraria+pesc
rest.feira
Figura 5: Ganho diário de peso em tartarugas (P. expansa), sob
diferentes tipos de alimentação (Duarte, 1998).
A análise dos dados coletados no diagnóstico, comparada
com os dados de biometria apresentado nos processos dos demais
criadores, nos permite observar que existe, realmente, uma
tendência de que animais alimentados com maior quantidade de
proteína animal apresentem maior ganho de peso do que aqueles
alimentados com proteína de origem vegetal, embora não haja
diferença estatística significativa pelo teste F. A Tabela 2 apresenta
esses resultados.
Isso se deve, provavelmente, não só a uma menor
digestibilidade de alimentos de origem vegetal, para as tartarugas de
um ano, como também devido a uma menor disponibilidade de
aminoácidos essenciais, de maior importância para quelônios em
crescimento, como a lisina. Animais alimentados com peixe
apresentaram desempenho superior àqueles alimentados com
vísceras e sangue coagulado.
271
Tabela 2: Ganho diário de peso (GDP) de tartaruga (P. expansa) sob diferentes dietas – Relatórios Ibama (Duarte, 1998).
Variáveis Proteína animal Proteína vegetal GDP médio (g) 0,554 ± 0,13 0,375 ± 0,31 GDP mínimo (g) 0,257 ± 0,17 0,02 ± 0,03 GDP máximo (g) 1,22 ± 0,62 0,489 ± 0,27 GDP do PV (% ) 0,402 ± 0,09 0,476 ± 0,34
Essa diferença de crescimento entre animais alimentados
com matéria de origem animal e vegetal também está ligada ao nível
protéico dos alimentos, muito superior nos de origem animal, como o
pescado utilizado (branquinha – Curimata spp.) com teores de
proteína (19,2 ± 2,545 g/100g), lipídio (15,95 ±0,636 g/100g),
quando comparado ao teor de proteína dos alimentos de origem
vegetal, como por exemplo, a batata-doce (Ipomoea batatas Lam.)
(0,94 g/100g) e o cará-roxo (1,24 g/100g) (Aguiar, 1996).
A Figura 6 ilustra bem essa tendência quando compara
filhotes de tartaruga, em que o animal de maior tamanho corporal
recebeu pescado, o médio, acima, recebeu vísceras bovinas e o
menor (abaixo do maior) recebeu proteína vegetal, todos com um ano
de idade. O lado direito do paquímetro é um animal de dois anos
alimentado com proteína vegetal.
7.1.2 Alimentação na recria (12 a 24 meses)
O tipo de alimento fornecido aos quelônios pode ser um fator
limitante para a produção comercial. Como reflexo do
acompanhamento bimestral, iniciado em 1997, e das orientações
técnicas dadas pelos pesquisadores da Ufam e do Ibama-AM,
durante essas visitas, houve uma modificação no tipo de
alimentação fornecida pelos queloniocultores do Amazonas, a partir
de 1999, quando registramos que entre eles 10% passaram a utilizar
ração para peixe, pelo menos no primeiro ano de vida ou
suplementarmente a outra alimentação fornecida.
272
Figura 6: Tartarugas (P.expansa) com crescimento diferenciado em função do tipo de alimento. Animais à esquerda do paquímetro têm 12 meses: o de cima foi alimentado com vísceras bovinas, o do meio com pescado e o de baixo com 70% de puerária e 30% de pescado; à direita, animal de 24 meses alimentado com puerária (Duarte, 1998).
Buscando maior crescimento dos filhotes, 40% passaram a
alimentar suas tartarugas com peixe, 10% com vísceras e 20%
forneceram uma proporção de 60-70% de peixe e 30-40% de
puerária. Apenas 20% mantiveram a dieta baseada em folhas,
verduras, tubérculos e frutas, obtidas em restos de feiras e
mercados (Costa & Andrade, 1999).De acordo com o observado no diagnóstico, pode-se constatar
que os jovens de tartaruga, até 24 meses, alimentados com vísceras
bovinas (GDP=0,3 g/dia) e peixe (GDP=0,421 g/dia), que são
alimentos à base de proteína animal, continuam apresentando
tendência a um melhor crescimento e ganho de peso em relação aos
demais tipos de alimentos fornecidos, sendo que as vísceras
bovinas(GDP= 1,818 g/dia) superam o peixe (GDP=1,168 g/dia) em
ganho de peso, no segundo ano.
273
A utilização de ração peletizada para peixes tem demonstrado
promover bom crescimento. Apesar dessa ração não ser balanceada
para quelônios, apresenta muitos nutrientes essenciais para o
crescimento e engorda de tartarugas. Em geral, utiliza-se a ração tipo
alevinagem (mais protéica – 36 a 42%PB – e com pellet menor) para
filhotes, no primeiro ano de vida, e a ração para crescimento para
animais com mais de 12 meses.
Os animais que recebem peixe + puerária também crescem de forma razoável. No caso dos criatórios analisados, observou-se que em determinado ponto os animais têm um ganho de peso compensatório, pois inicialmente os animais recebiam muita puerária e depois passaram a aumentar a quantidade de fornecimento de peixe em relação à puerária. Animais alimentados à base de verdura (proteína vegetal) demonstraram menor ganho diário de peso (0,211 g/dia) em relação aos outros tipos de alimentos.
Esses fatos podem ser observados na Figura 8 que demonstra uma comparação entre os criadores distribuídos de acordo com o tipo de alimentação que fornecem, entre eles: vísceras bovinas, peixe, restos de feira (principalmente verduras e tubérculos), ração e peixe + puerária. O fato de o alimento à base de proteína animal demonstrar melhor crescimento pode estar ligado, como já mencionamos, à digestibilidade das proteínas, sabendo-se que nos primeiros anos de vida os quelônios fazem melhor digestão de proteínas de origem animal. É importante, porém, ressaltar novamente que não se deve privar os animais de alimentos à base de proteína vegetal, pois possuem fibra, minerais e vitaminas (principalmente carotenóides) essenciais para um melhor desenvolvimento. Nesse caso, pode-se optar por produtos ou subprodutos baratos ou disponíveis na propriedade. Próximo à criação, recomenda-se plantar algumas das espécies vegetais de melhor palatabilidade e valor nutritivo, citadas na revisão do início deste capítulo.
A ração de peixe balanceada peletizada, como base alimentar, vem proporcionando um bom desempenho dos animais, talvez por conter os níveis nutricionais aproximados dos valores necessários para quelônios, dando ao animal os ingredientes essenciais para um bom crescimento.
274
A Tabela 3 apresenta uma comparação de médias de ganho
diário de peso (g/dia) relacionado ao tipo de alimento fornecido no
primeiro e segundo ano de vida.
Tabela 3: Médias de ganho diário de peso (g/dia) – GDP, em relação ao tipo de
alimento fornecido no primeiro e segundo ano de vida para filhotes de tartaruga
(P. expansa) (Costa & Andrade, 1999).
Tipo de alimento 1o ano GDP (g/dia)
2o ano GDP (g/dia)
Peixe 0,304 ± 0,29 1,315 ± 1,04 Ração (30% PB) 0,769 ± 0,71 1,061 ± 1,26 Peixe + puerária 0,296 ± 0,35 1,071 ± 1,3 Restos de feira (verdura) 0,121 ± 0,17 1,199 ± 1,27 Vísceras bovinas 0,30 ± 0,43 1,818 ± 0,97
275
Comprimento da carapaça ( mm )
0
50
100
150
200
250
0 4 6 8 10 12 15 17 19 21 23 25
Idade ( meses)
Co
mp
rim
en
tod
acara
paça
(mm
)
Peixe
Vísceras
Peixe +
puerária
Restos de
Feira
(verdura)Ração
Figura 8: Efeito do tipo de alimentação no crescimento de
comprimento de carapaça (mm) de tartarugas (Podocnemis expansa) criadas
em cativeiro no estado do Amazonas (Costa & Andrade, 1999).
PROGRAMA DE MANEJO ALIMENTAR
Recomenda-se ao queloniocultor que, sempre que possível,
para reduzir custos e utilizar subprodutos originados em sua
propriedade ou de fácil aquisição nas proximidades, seguir o
seguinte programa:
a) Horário de arraçoamento: uma vez ao dia, às 10:00h, ou duas
vezes ao dia, às 9:00h e às 15:00h.
b) Forma de fornecimento da alimentação: preferencialmente,
deve-se fornecer os alimentos sempre em um mesmo local. Esse
condicionamento alimentar facilitará, posteriormente, a captura dos
animais para atividades de rotina como biometria ou despesca.
Para animais pequenos e mesmo os adultos, a alimentação na
superfície da água é mais difícil de ser realizada, exigindo maior
esforço dos animais. Os alimentos devem afundar rapidamente e não
ser jogados a lanço, o que causa um maior desperdício. Pequenos
cochos de madeira colocados no fundo, em uma das margens do
berçário ou barragem, ou cochos suspensos que possam ser
afundados ou suspendidos através de fios e roldanas, também são
interessantes. Uma simples rampa de madeira em que se coloque o
alimento próximo à margem permitirá visualizar melhor os animais e
evitar o estrago dos alimentos.
Evitar fornecer alimentos contaminados por fungos ou
estragados, pois poderão causar doenças no plantel.
c) Alimentação inicial dos filhotes de quelônios: ao receber os
animais do Ibama, sugerimos que na primeira semana, forneça
fígado bovino moído ou gema de ovo cozida, misturada com pó de
casca de ovo, na proporção de 1 g por filhote. Essa alimentação
276
servirá para estimular o quelônio a comer e poderá servir para
condicioná-lo a comer em cochos ou rampas.
Quando os filhotes estiverem acostumados a comer, fornecer
ração balanceada para peixe, em alevinagem, com o menor tamanho
de pellet disponível e que afunde rapidamente, com cerca de 30-36%
PB e 4.000-4.500 kcal de EB/kg. Essa ração deverá compor 100% da
dieta nos 6 primeiros meses, posteriormente, poderá ser substituída
por 30% de subprodutos de origem animal e/ou 30% de
subprodutos de origem vegetal. Nesse período, o cálculo da
quantidade de alimento é feito com base em 5% do peso da
biomassa.
d) Acima dos 12 meses: a ração é fornecida suplementarmente e
trabalha-se com uma ração de crescimento (com 25-30% de PB).
Para baratear custos, pode-se ir cortando gradativamente o
fornecimento de ração até que ela represente apenas 10% da
quantidade diária fornecida. A partir dessa fase, o fornecimento é
com base em 3% da biomassa, passando a 1% da biomassa a partir
do quarto ano de cultivo. Lembrar que se desejar manter uma
alimentação 100% baseada em ração diminuirá o tempo de
produção, pois o animal crescerá mais rápido, o que acaba por
reduzir custos com mão-de-obra, equipamentos e instalações.
7.2 Exigências nutricionais
Além do horário de fornecimento, do tipo, da forma e da
quantidade de alimento fornecida, é de fundamental importância
para as criações de quelônios conhecer suas exigências nutricionais
específicas e por categoria de idade. A determinação dos níveis de
energia, proteína, cálcio, fósforo e demais minerais e vitaminas para
atender a demanda de filhotes, jovens e adultos reprodutores de
277
tartarugas e tracajás em cultivos comerciais, ainda é uma incógnita.
Alguns experimentos foram conduzidos para determinação,
principalmente, das exigências protéicas (origem e níveis). Contudo,
ainda faltam muitas pesquisas para que possamos chegar a uma
tabela de exigências nutricionais para as diferentes espécies (P.
expansa, P. unifilis e P. sextuberculata) e diferentes categorias de
quelônios aquáticos cultivados na Amazônia.
7.2.1 Energia bruta
A quantidade de alimento ingerida por um animal é em
função direta de sua necessidade energética, por isso,
primeiramente, devemos pensar no atendimento das exigências de
energia dos quelônios. No próximo capítulo, trataremos das
necessidades protéicas e suas inter-relações com a energia.
Através do Projeto Diagnóstico/PTU-CNPq foi realizado em
área de terra firme na Fazenda Experimental da Universidade do
Amazonas, localizada no Km 38 da BR-174, Manaus-Boa Vista,
experimento para determinar as exigências energéticas de filhotes
de tartaruga até os 16 meses.
Neste experimento foram utilizados 360 filhotes de tartaruga
(Podocnemis expansa), com 3 meses de idade. Esses animais foram
obtidos no Ibama/AM e são oriundos da Reserva Biológica de
Abufari, localizada no município de Tapauá/AM, tinham, ao nascer,
peso médio de 23,1 ± 3,07g, e foram alojados em baias em balsas tipo
tanques-rede. Outros filhotes de mesma origem foram alojados em 2um berçário circular de 16 m , feito curral de estacas de madeira.
Os filhotes foram alojados em berçário tipo tanque-rede 2colocado em um tanque escavado de 400 m de espelho d'água. Esse
278
berçário foi constituído de duas balsas de madeira de 2,40m x
1,80m, com dois flutuadores (camburões metálicos). Cada balsa foi
dividida em 18 baias de 0,9m x 0,9m, sendo que cada baia possuía
uma área para o banho de sol, uma abertura para água devidamente
telada, com aproximadamente 0,9 m de profundidade. Os
tratamentos foram distribuídos em um delineamento inteiramente
casualizado, com esquema fatorial 3x2x3, sendo considerados três 2densidades (12, 25 e 37 indivíduos/m ), 3 instalações (com e sem
estufa e berçário) e 3 níveis de energia bruta em rações (3.500, 4.000
e 4.500 kcal de EB/kg). Para a alimentação dos animais foi utilizada
ração experimental com três níveis de energia (3.500, 4.000 e 4.500
kcal de Energia Bruta/kg), conforme a Tabela 4:Tabela 4: Nutrientes e ingredientes da ração experimental utilizada
como alimento para os animais do experimento.
279
Nutrientes EB3.500 EB4.000 EB4.500 Berçário Umidade (%) 13 13 13 13 Proteína bruta (%)
38,75 38,75 38,75 32,33
Energia bruta (kcal/ kg)
3.629 3.985 4.302 3.432,8
Extrato etéreo (%)
3,33 8,8 13,68 3,66
Fibra bruta (%)
7 7 7 7
Extrato não-nitrogenado (%)
40,94 35,47 30,59 46,01
Matéria mineral (%)
9,98 9,98 9,98 11
Ca (%) 3,84 3,84 3,84 2,5 P (%) 0,83 0,83 0,83 0,7
Ingredientes
Ração Basal* 1 1 1 2 Óleo de soja (ml/100 kg)
0 6.000 12.000 0
* Ração Basal 1: Composta de 67,10% da ração comercial com 42% de proteína e 32,89% de ração
com 30% de PB; Ração Basal 2: composta de 66,66% de ração com 42% de PB e 33,33% de ração com
30% de PB. Os ingredientes dessas rações são os seguintes: farinha de peixe, milho, farelo de soja,
farelo de trigo, farinha de sangue, carbonato de Ca, sal, premix mineral e vitamínico.
Os filhotes utilizados no experimento, foram alojados nas
baias experimentais e, diariamente, foram alimentados. A
alimentação era fornecida mediante a deposição da ração dentro das
baias, no horário de 9:00h às 10:00h da manhã, numa quantidade
de 5% do peso vivo dos animais. O experimento conduzido na
fazenda experimental sobre o nível de energia na ração, durou 422
dias, sendo iniciado com filhotes de tartaruga da Rebio Abufari,
Tapauá/AM, com 3 meses de idade e peso médio de 45,66 3,63 g.
A temperatura da água medida nas instalações ao ar livre foi
de 31,05 0,81C e, em berçário com estufa de 30,52 0,90C. A
temperatura do ar foi nas instalações com estufa era igual a 33,5C, e
nas sem estufa de 31,82C. A umidade relativa do ar maior em
instalações com estufa, 76,25%, do que nas instalações ao ar livre,
69,90%.As Tabelas 5, 6 e 7 apresentam os resultados encontrados
para algumas das variáveis analisadas nesse experimento
(comprimento e largura de carapaça, comprimento e largura de
plastrão, altura, peso e ganho diário de peso).
Tabela 5: Efeitos dos níveis de energia bruta e tipo de instalação sobre a
variação no comprimento da carapaça (mm) de filhotes de tartaruga (Costa,
1999).
Tratamen to/idade
3 meses 5 meses 8 meses 13 meses 16 meses
T1 82,61 102,42 127,18 166,20 207,91 T2 82,59 110,35 124,23 167,34 207,12 T3 82,75 108,87 125,6 173,22 181,57 T4 83,11 110,36 118,28 161,45 165,96 T5 83,14 107,34 120,53 162,25 178,97 T6 79,67 107,29 125,51 174,9 193,76
* T1: CE x 3.500 kcal de EB/kg; T2: CE x 4.000 kcal de EB/kg; T3: CE x 4.500 kcal de
EB/kg; T4: SE x 3.500 kcal de EB/kg; T5: SE x 4.000 kcal de EB/kg; T6: SE x 4.500 kcal
de EB/kg; SE: instalações sem cobertura plástica; CE: instalações com cobertura
plástica.
280
Tabela 6: Efeitos dos níveis de energia bruta e tipo de instalação sobre a
variação do peso (g) de filhotes de tartaruga (Costa, 1999).
Tratamento/idade
3 meses 5 meses 8 meses 13 meses 16 meses
T1 32,12 40,73 256,63 617,07 855,46 T2 33,19 40,52 241,99 619,68 947,01 T3 33,04 43,22 245,45 620,44 751,1 T4 32,48 40,6 220,26 577,75 731,72 T5 32,97 40,54 224,47 549,55 724,87 T6 31,82 42,9 254,44 639,28 855,07
* T1: CE x 3.500 kcal de EB/kg; T2: CE x 4.000 kcal de EB/kg; T3: CE x 4.500 kcal de
EB/kg; T4: SE x 3.500 kcal de EB/kg; T5: SE x 4.000 kcal de EB/kg; T6: SE x 4.500 kcal
de EB/kg; SE: instalações sem cobertura plástica; CE: instalações com cobertura
plástica.
Tabela 7: Efeitos dos níveis de energia bruta e tipo de instalação sobre o ganho
diário de peso (g/dia) de filhotes de tartaruga (Costa, 1999).
Tratamen to/idade
3 meses 5 meses 8 meses 13 meses 16 meses
T1 0,696 0,770 1,466 2,263 1,335 T2 0,758 0,295 1,066 1,672 1,116 T3 0,727 0,450 1,209 2,372 1,311 T4 0,737 0,461 0,823 2,262 1,100 T5 0,666 0,578 0,825 2,067 1,082
T6 0,740 0,592 1,202 2,479 1,346
*-Mesmos tratamentos citados anteriormente nas Tabelas 5 e 6.
As variáveis comprimento, largura e altura da carapaça, peso
e ganho médio diário de peso não apresentaram diferenças
significativas, ao nível de 5%, pelo teste F e teste t do LSMEANS,
tanto para o fator densidade, como tipo de instalação e nível de
energia.
281
Tabela 8: Efeitos do tipo de instalação e do nível de energia bruta sobre o ganho médio diário de peso (GDP) de filhotes de tartaruga (P. expansa) (Costa, 1999).
Instalação /nível deEnergia
3.500 kcal de EB/kg
4.000 kcal de EB/kg
4.500 kcal de EB/kg
Médias
Estufa 0,88±0,60 0,98±0,41 0,88±0,41 0,91 Ar livre 0,65±0,47 0,89±0,59 1,02±0,20 0,85
Médias 0,77 0,93 0,95
Observa-se uma tendência linear de que tartarugas até os
sete meses alimentadas com rações com maior nível de energia
bruta apresentem maior ganho de peso (GDP3.500= 0,77 g/dia;
GDP4.000=0,93 g/dia e GDP4.500=0,95 g/dia). Não foi aplicada a
regressão linear para analisar o comportamento dos dados visto que
a Anova resultou não significativa.
Observa-se, também, para animais dos 7 aos 16 meses, uma
tendência de que ao serem alimentados com rações com maior nível
de energia bruta apresentem maior ganho de peso (GDP3.500=
1,217 g/dia; GDP4.000=1,099 g/dia e GDP4.500=1,328 g/dia),
conforme pode-se observar na Tabela 9 e Figura 11. Não foi aplicada
a regressão linear para analisar o comportamento dos dados visto
que a Anova resultou não significativa.
Tabela 9: Efeito do nível de energia na ração sobre o ganho diário de peso de
tartarugas (P. expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999).
Nível de energia (kcal de EB/kg) / idade
6 meses 8 meses 13 meses 16 meses
3.500 0,288 1,102 2,263 1,217 4.000 0,401 0,945 1,869 1,099 4.500 0,534 1,205 2,242 1,328
282
Figura 9: Efeitos do nível de energia bruta na ração sobre o ganho diário de peso
(g/dia) de tartaruga (P. expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999).
A Tabela 10 apresenta as interações entre o nível de energia
bruta na ração e o tipo de instalação, sendo que elas não afetaram
significativamente o ganho de peso de filhotes de tartaruga.
Tabela 10: Efeitos do tipo de instalação e nível de energia bruta sobre o ganho
médio diário de peso (g/dia) de filhotes de tartaruga (P. expansa), aos 16 meses
de idade. (Costa, 1999)
Instalação/ Nível deenergia bruta
3.500 kcal de EB/kg
4.000 kcal de EB/kg
4.500 kcal de EB/kg
Médias
Estufa 1,35±0,4 1,81±0,5 1,427±0,39 1,254±0,43
Ar livre 1,1±0,4 1,14±0,4 1,276±0,28 1,176±0,36
Médias 1,22±0,4 1,099±0,42 1,328±0,335
283
0
0,5
1
1,5
2
2,5
GD
P(g
/dia
)
6 8 13 16
Idade (meses)
Efeitos do nível de energia na ração sobre o ganho diário de
peso (g/dia) de tartaruga (P. expansa ) criadas em cativeiro
3500
4000
4500
Com base nos resultados destes experimentos, podemos
concluir que filhotes de tartaruga criados em instalações com
cobertura plástica (efeito estufa), com uma ração com 4.500 kcal de 2EB/kg, na densidade de 25 animais/m (tanques-rede) ou 40
2animais/m (berçário circular de madeira) podem alcançar um
melhor desempenho.
7.2.3 Análise econômica
O experimento teve duração de 422 dias, onde foi fornecida,
no total, a quantidade de 21 sacos de ração de peixe (saco de 25 kg)
para alimentar 360 animais. A análise econômica do experimento foi
baseada nos gastos com a ração fornecida para alimentação dos
animais e o óleo de soja que era adicionado de acordo com cada
tratamento, sendo um total de seis tratamentos.
Nos dois primeiros meses de condução do experimento, com
animais de idade entre 3 e 5 meses, foi fornecido inicialmente um
total de 21,12 kg de ração, por tratamento. Nos dois últimos meses, a
quantidade de ração fornecida foi de 40,04 kg, quando os animais
estavam com idade de 22 meses. Cada saco de ração custou R$
22,50, portanto, o gasto inicial por tratamento foi de R$ 19,01, com
total de R$ 114,048 e o final de R$ 36,036, com total de R$ 216,216.
Esses cálculos foram baseados na quantidade de fornecimento
diário de ração, por tratamento, nos dois primeiros meses (inicial) e
dois últimos meses (final).
O peso médio final dos animais, por tratamento, foi de:
T1:10.23,75 g ; T2: 9.33,33 g; T3: 1.168 g; T4: 9.55,83 g; T5: 1.292,5 g e T6: 1.017,5 g.
O custo total de ração mais óleo de soja adicionado, nos 16 meses de condução do experimento foi:
284
T1: ração basal = R$ 85,29
T2: ração basal + 600 ml de óleo de soja = R$ 92,1615
T3: ração basal + 1.200 ml de óleo de soja = R$ 99,028
T4: ração basal = R$ 85,29
T5: ração basal + 600 ml de óleo de soja = R$ 92,1615
T6: ração basal + 1.200 ml de óleo de soja = R$ 99,028
A receita líquida foi calculada baseando-se na venda dos
animais ao preço de R$13,00/kg de peso vivo. Através dos
resultados pode-se observar que o custo total de ração foi de R$
552,959, a renda bruta (peso médio/tratamento x 13,00) foi de R$
4.985,166 e a receita líquida total foi de R$ 4.432,207. Isso vem
demonstrar que é extremamente viável a criação de tartaruga
utilizando como alimentação ração disponível no mercado, para
peixes em crescimento, mesmo sem incluir nos custos os gastos
com mão-de-obra e instalações.
Muitos criadores vêm testando formulações diversas de rações balanceadas. Na Tabela 11 apresentamos a variação percentual dos ingredientes em algumas rações testadas.
Tabela 11: Variação percentual de ingredientes de rações testadas por alguns queloniocultores do Amazonas e Rondônia.
Ingredientes Valor máximo utilizado (%)
Valor mínimo utilizado (%)
Farelo de soja 54,1 31,0 Milho 49,1 29,0 Farinha de carne 12,0 0,0 Farinha de peixe 23,0 0,0 Fosfato bicálcico 2,0 0,0 Farelo de arroz 10,0 0,0 Sal 0,5 0,5 Premix mineral/vitamínico
0,4 0,4
B.H.T.(antioxidante) 0,03 0,03 Óleo de soja 4,0 0,0
**- Premix para peixes carnívoros (truta).
285
As rações com farinha de peixe e óleo vegetal (mais proteína e
energia) tiveram melhores efeitos sobre o desempenho de quelônios
aquáticos cultivados. Animais alimentados com rações com farelo
de arroz não tiveram bom crescimento.
Luz et al. (1993) compararam rações com 20 e 25% de
proteína bruta na alimentação de filhotes recém-eclodidos de
tracajás (P. unifilis), cultivados com uma densidade de 25 3animais/m , obtendo, ao final de 8 meses, animais com mais de 120
mm de comprimento de carapaça e de 200 a 280 g de peso, sendo que
houve uma tendência para que animais alimentados com ração com
25% de PB tivessem melhor desempenho. As rações utilizadas
tinham os seguintes ingredientes:
a) Ração com 20% de proteína e 4,71% de fibra: 38% de milho,
28,45% de farelo de soja, 18,55% de farelo de trigo, 5% de talo
e folha de mandioca, 1,5% de fosfato bicálcico, 8% de calcário
calcítico, 0,5% de premix.
b) Ração com 25% de proteína e 4,8% de fibra: 29,6% de milho,
43,9% de farelo de soja, 11,5% de farelo de trigo, 5% de talo e
folha de mandioca, 1,5% de fosfato bicálcico, 8% de calcário
calcítico e 0,5% de premix.
Conclusão
A alimentação representa entre 60 a 80% dos custos de
produção de tartarugas e tracajás cultivados. Enquanto não estão
totalmente definidas as exigências nutricionais por espécie e
categorias de idade e sexo, cada criador deverá buscar utilizar
aqueles alimentos que já foram testados e que apresentam melhores
efeitos no desempenho dos quelônios e, certamente, um menor
custo, a fim de baratear sua produção.
286
287
Capítulo 9: Desenvolvimento de tartaruga-da-
amazônia (P. expansa) e tracajá (P. unifilis) em
cativeiro, alimentados com dietas artificiais em
diferentes instalações
Francimara Sousa da CostaPaulo Henrique Guimarães de Oliveira
Paulo César Machado AndradePedro Macedo da Costa
Augusto Shynia Abe
Pouco se conhece sobre a nutrição adequada dos quelônios
em cativeiro na fase de pós-eclosão até um ano de idade (Souza,
1984). A importância de estudos morfológicos para as diversas áreas
de pesquisas em quelônios pode ser ressaltada através de alguns
exemplos, como o fato do comprimento do intestino ser, na maioria
dos casos, proporcionalmente maior em animais herbívoros quando
comparado aos carnívoros.
Em estudos realizados por Terán (1998), com animais de vida
livre, observou-se que não houve variação sazonal na alimentação
entre machos e fêmeas de P. unifilis. Sementes e frutos foram mais
consumidos por fêmeas, e talos, por machos. Houve aumento no
consumo de sementes e frutos em função do tamanho, sendo que o
volume de peixe consumido diminuiu com o tamanho do animal.
Também foi observada a influência da alimentação consumida em
função do tipo de habitat. Sementes e frutos foram consumidos na
floresta inundada do que nos lagos e no rio. Apesar de machos e
fêmeas de P. unifilis serem herbívoros, existem diferenças na
alimentação entre os sexos. As fêmeas consomem principalmente
sementes e frutos, e os machos, talos. Os exemplares menores
288
consomem proporcionalmente mais produto de origem animal do
que os maiores, ainda que em baixa proporção do volume total.
Mudanças na dieta de jovens e adultos são comuns nos quelônios.
Em geral, espécies onívoras tendem a ser carnívoras quando jovens
e herbívoras quando adultas.
Lima (1998) avaliou o efeito de dietas contendo diferentes
fontes de proteína na matéria seca (100% vegetal; 75% vegetal e 25%
animal; 50% vegetal e 50% animal; 25% vegetal e 75% animal; e
100% animal), como alimentação de filhotes de P. expansa em
cativeiro, pós-eclosão até 12 meses de idade, e observou que a ração
com 50% de proteína animal e 50% vegetal foi a que proporcionou
maior ganho de peso, 512,79% ± 12,48g, e melhor homeostase.
A principal dificuldade enfrentada pela queloniocultura é a
questão alimentar. Pouco se conhece sobre as reais exigências
nutricionais da tartaruga. Estudos têm indicado que 90% da
alimentação da tartaruga, em condições naturais, são compostas de
vegetais. O item alimentar mais utilizado na criação de tartaruga
tem-se constituído de ração para peixes, com níveis protéicos
variando de 28% a 30% de proteína bruta e é considerado o melhor
alimento disponível no mercado (RAN, 2001). Duarte et al., 1998, ao
fazer um diagnóstico da queloniocultura no estado do Amazonas,
verificaram que tartarugas alimentadas com ração para peixes
superaram em crescimento àquelas alimentadas com produtos de
origem animal e vegetal, tendo com este último produto, o pior
desenvolvimento dos animais.
Apesar de apresentar boas qualidades zootécnicas, poucos
são os conhecimentos tecnológicos disponíveis para o cultivo
intensivo de quelônios, havendo a necessidade de mais pesquisas
para que se viabilize sua produção em larga escala. As exigências
nutricionais elementares para quelônios, como as concentrações de
proteína e energia na dieta, são indicadas entre 20 e 40%, porém, é
necessário diminuir essa faixa visando minimizar os custos do
produtor com ração.
O objetivo deste trabalho foi estudar o efeito de diferentes
níveis de proteína e energia bruta em dietas artificiais no
desenvolvimento de tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) e
tracajá (Podocnemis unifilis). Avaliar a influência de tipos de
instalações no desenvolvimento: tanques-rede com e sem cobertura
plástica e tanque escavado.
Localização: Esse experimento teve duração de 14 meses e
foi conduzido na Fazenda Experimental da Universidade Federal do
Amazonas, localizada na BR-174, Km 37, Manaus/AM.
Animais: Foram utilizadas 270 tartarugas (Podocnemis
expansa) com comprimento médio inicial de 13,27 ± 2,0cm e peso
médio inicial de 320,05 ± 0,6g e 270 tracajás (Podocnemis unifilis),
com comprimento médio inicial de 9,58 ± 0,8cm e peso médio inicial
de 120,40 ± 1,5g, avaliados de 10 a 24 meses de idade, provenientes
da Reserva Biológica de Abufari, município de Tapauá/AM.
2A densidade de estocagem era de 15 indivíduos/ m .
2 Instalações: Em um tanque escavado de 120m de espelho 2d'água, foram depositadas quatro balsas de madeira de 9m , cada
uma com quatro flutuadores (camburões metálicos). Cada balsa 2estava dividida em 9 baias de 1,0m x 0,6m de profundidade, num
sistema de gaiolas tanques-rede flutuantes, sendo que do total de 36
baias, metade foi coberta com plástico transparente para simular o
efeito de uma estufa (com estufa), e a outra metade estava sem
cobertura plástica (sem estufa). Cada baia possuía uma área para
banho de sol, e as baias sem cobertura foram teladas para evitar o
ataque de possíveis predadores.
289
Para a análise da variação de temperatura nas baias, foram
utilizadas medidas de temperatura da água e do ar. A temperatura
ambiente foi medida por meio de um par de psicômetros, um de
bulbo seco e um de bulbo úmido, instalados dentro da baia. As
leituras foram feitas de 10:00h às 16:00h, em intervalos de uma
hora.
De 0 aos 10 meses de idade, as tartarugas e tracajás foram
alimentados com uma ração constituída de 60% da ração comercial
Nutripescado e 40% da ração comercial Nutritruta. Os ingredientes
dessas duas rações são: farinha de peixe, milho, farelo de soja, farelo
de trigo, farinha de sangue, carbonato de Ca, sal, premix vitamínico
e mineral. A Tabela 1 apresenta os nutrientes desta ração. Neste
período, os animais estavam depositados num tanque escavado de 2 2120 m , numa densidade de 9 animais/m .
Tabela 1: Nutrientes da ração fornecida aos animais de 0 a 10
meses de idade.
Nutrientes % Umidade (%) 13,0
Proteína bruta (%) 32,33 Energia bruta (kcal/kg) 3.432,80
Extrato etéreo (%) 3,66 Fibra bruta (%) 7,0
Extrato não nitrogenado (%) 46,01 Matéria mineral (%) 11,00
Ca (%) 2,50 P (%) 0,7
A alimentação dos animais durante o período experimental (10
a 24 meses), foi uma ração fabricada na Universidade Federal do
Amazonas, com três níveis de proteína bruta (20, 30 e 40% de PB) e
dois níveis de energia bruta (3.500 e 4.500 kcal de EB/kg). A Tabela
2 apresenta os nutrientes desta ração.
290
Tabela 2 - Nutrientes e ingredientes da ração experimental.
Ingredien tes (%)
20/3.500 30/3.500 40/3.500 20/4.500 30/4.500 40/4.500
Milho 63,81 37,03 12,936 63,81 37,03 12,936 F. soja 23,40 48,66 71,388 23,40 48,66 71,388 F. carne 6,25 7,76 9,126 6,25 7,76 9,126 F. trigo 5,00 5,00 5,00 5,00 5,00 5,00 F. osso 0,50 0,50 0,50 0,50 0,50 0,50 Calcário 0,50 0,50 0,50 0,50 0,50 0,50 Sal 0,30 0,30 0,30 0,30 0,30 0,30 Óleo - - - 5,8L 5,8L 5,8L Premix vit. Mineral
0,25 0,25 0,25 0,25 0,25 0,25
Total 100Kg 100Kg 100 Kg 100Kg 100Kg 100Kg Nutrientes (%)
ProteínaBruta
20,19 30,74 40,01 20,08 30,52 40,25
Energia Bruta
3.524 3.513 3.535 4.546 4.537 4.523
EE 4,56 5,25 6,34 4,98 5,70 6,86 Fibra 7,63 7,98 8,47 7,85 7,46 8,54 Cinzas 12,25 12,90 11,98 12,11 12,56 11,87 Cálcio 4,25 4,28 4,44 4,32 4,12 4,56 Fósforo 1,81 1,69 1,87 1,78 1,79 1,98
*PB(%)/EB(kcal/kg)
Delineamento experimental e análise dos resultados
Os resultados de crescimento foram obtidos através de biometria bimestrais. Todos os animais eram medidos e pesados. Os dados foram tabulados em planilha eletrônica Excel e submetidos à análise estatística no programa SPSS for Windows 8.0. Os dados foram tabulados por espécie, por nível de proteína e energia testados, e por tipo de instalação a que foram submetidos os animais. As variáveis analisadas foram comprimento da carapaça (cm), altura da carapaça (cm), peso (g), ganho diário de peso (g/dia) e rendimento de carcaça (%). Os tratamentos foram organizados em um delineamento experimental inteiramente casualizado. Os resultados foram submetidos à análise de variância (Anova) e as comparações foram realizadas através do teste t. O nível de significância utilizado em todos os testes estatísticos foi de P < 0,05.
291
As rações foram fornecidas na forma de péletes, por
promover maior facilidade no momento da apreensão. Proporciona
também maior estabilidade na água e maior agregação dos
ingredientes, já que o fornecimento da ração farelada promove
grande perda de alimento, pois os animais ao se alimentarem ficam
com a ração aderida ao corpo (Vianna, 2000).
Figura 1: Produção da ração experimental. Setor avicultura da FCA/Ufam, Manaus.
292
Tabela 3: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg) sobre o comprimento da carapaça (cm) de tartaruga (P. expansa), em tanques-rede.
Idade (mês)
TI 20/
3.500
30/
3.500
40/
3.500
20/
4.500
30/
4.500
40/
4.500
10 (T0) 13,27 ± 2,0
13,27 ± 2,0
13,27 ± 2,0
13,27 ± 2,0
13,27 ± 2,0
13,27 ± 2,0
12
CE
SE
14,53 ± 1,5
13,73 ± 2,3
15,02 ± 1,4
14,62 ± 1,6
16,27 ± 2,2
14,89 ± 2,0
15,08 ± 2,3
14,16 ± 1,1
14,96 ± 1,6
14,23 ± 1,3
15,54 ± 1,7
14,56 ± 1,3
16
CE
SE
15,48 ± 0,5
15,35 ± 1,2
15,80 ± 1,2
15,56 ± 0,7
16,35± 1,2
15,69 ± 1,0
15,85 ± 1,0
14,86 ± 1,1
15,16 ± 1,4
15,00 ± 1,0
15,85 ± 1,7
15,67 ± 0,5
18
CE
SE
15,71 ± 1,3
15,55 ± 1,4
16,43 ± 1,7
16,03 ± 0,6
17,63 ± 1,8
16,44 ± 1,2
15,69 ± 0,7
15,26 ± 0,4
17,05 ± 1,4
15,70 ± 1,1
17,05 ± 1,1
16,06 ± 1,5
20
CE
SE
17,79 ± 1,8
16,29 ± 1,7
18,08 ± 1,6
17,35 ± 1,0
18,65
± 1,8
17,67 ± 0,8
18,03 ± 0,8
16,84 ± 1,1
18,18 ± 2,0
17,13 ± 1,2
19,17 ± 1,2
18,27 ± 1,3
22
CE
SE
18,33 ± 1,3
18,21 ± 1,7
19,78 ± 1,8
19,17 ± 1,3
20,97 ± 2,8
20,69 ± 1,5
18,46 ± 1,3
17,49 ± 1,6
19,72 ± 1,6
18,06 ± 1,7
21,41 ± 1,3
21,19 ± 0,9
24
CE
SE
21,29 ± 2,4
20,22 ± 3,6
21,57 ± 2,0
21,12 ± 2,1
21,93 ± 2,0
21,45 ± 2,0
21,31 ± 1,1
20,64 ± 1,5
21,69 ± 0,6
21,19 ± 1,1
22,06 ± 2,3
21,76 ± 1,1
*TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: sem estufa (sem cobertura plástica).
293
Quanto ao comprimento da carapaça (Tabela 3), não houve
diferença significativa ao nível de P<0,05, do efeito dos níveis de PB e
EB testados, tanto para os tratamentos com animais confinados em
instalações com cobertura plástica (CE), quanto para os confinados
em instalações sem cobertura (SE). Porém, observa-se que dos 12
aos 18 meses de idade, ocorre uma tendência à obtenção de maior
crescimento em valores médios, com o fornecimento de ração com
40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg para as duas instalações testadas.
A partir dos 18 meses de idade, até o final do experimento, obteve-se
tendência para maiores valores de comprimento da carapaça,
aumentando-se o teor de energia bruta para 4.500 kcal de EB/kg,
em rações de 40% de PB.
Para a variável altura da carapaça também não foi observada
diferença significativa ao nível de P<0,05, do efeito dos níveis de PB e
EB testados para nenhuma das instalações. Observa-se, porém, que
aos 12 meses de idade a maior altura foi obtida nos animais
alimentados com rações de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg, tanto
para aqueles alojados em instalações com cobertura, quanto aos
alojados em instalações sem cobertura. Dos 16 aos 24 meses de
idade, observa-se que há tendência à obtenção de maior
desenvolvimento, com o aumento do teor de energia bruta associado
ao maior nível de proteína bruta (40% de PB e 4.500 kcal de EB/kg).
294
Tabela 4: Efeito do tipo de instalação e níveis de PB (%)/EB (kcal/kg) na ração, sobre o peso (g) de Podocnemis expansa em tanques-rede.
*TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: sem estufa
(sem cobertura plástica).
Analisando-se os dados de peso (Tabela 4), também não foi
encontrada diferença significativa ao nível de P<0,05. Pôde-se
observar, porém, que durante todo o período experimental animais
alimentados com rações de 3.500 kcal de EB/kg, tendem a superar
em desenvolvimento aqueles alimentados com rações de 4.500 kcal
de EB/kg, sendo que a maior média foi alcançada com o
fornecimento de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg. Em todos os
tratamentos, o maior peso e ganho diário de peso foram alcançados
com animais alimentados com rações de 40% de PB.
295
Idade (m ês)
TI
20/ 3 .500
30/ 3 .500
40/ 3 .500
20/ 4 .500
30/ 4 .500
40/ 4 .500
10 (T0 )
320 ,05 ± 0 ,6
320 ,05 ± 0 ,6
320 ,05 ± 0 ,6
320 ,05 ± 0 ,6
320 ,05 ± 0 ,6
320 ,05 ± 0 ,6
12 CE SE
465 ,41 ± 1 ,2
380 ,72 ± 2 ,4
488 ,87 ± 2 ,9
401 ,00 ± 2 ,2
539 ,33 ± 1 ,9
433 ,33 ± 3 ,6
453 ,02 ± 2 ,8
348 ,50 ± 3 ,8
483 ,50 ± 8 ,2
377 ,50 ± 2 ,8
525 ,93 ± 9 ,1
422 ,97 ± 7 ,1
16 CE SE
548 ,25 ± 2 ,0
470 ,00 ± 7 ,3
568 ,75 ± 1 ,4
481 ,25 ± 4 ,0
685 ,00 ± 1 ,3
502 ,61 ± 1 ,2
457 ,77 ± 2 ,6
421 ,60 ± 1 ,0
525 ,93 ± 6 ,8
507 ,85 ± 7 ,4
564 ,64 ± 4 ,1
526 ,33 ± 1 ,3
18 CE SE
641 ,53 ± 5 ,0
525 ,85 ± 1 ,8
648 ,41 ± 1 ,2
548 ,16 ± 5 ,0
748 ,75 ± 2 ,6
587 ,77 ± 2 ,0
483 ,88 ± 1 ,5
595 ,00 ± 3 ,8
579 ,12 ± 1 ,3
523 ,75 ± 5 ,7
701 ,25 ± 4 ,5
602 ,66 ± 7 ,1
20 CE SE
701 ,00 ± 2 ,5
576 ,87 ± 2 ,6
736 ,81 ± 9 ,6
648 ,41± 1 ,0
1 .217 ,3 ± 3 ,3
773 ,03 ± 1 ,9
600 ,00 ± 2 ,1
561 ,11 ± 1 ,8
762 ,54 ± 3 ,5
619 ,86 ± 1 ,2
773 ,67 ± 9 ,4
732 ,22 ± 8 ,2
22 CE SE
770 ,78 ± 1 ,6
708 ,57 ± 2 ,1
1 .051 ,3 ± 1 ,2
940 ,50 ± 2 ,0
1 .350 ,0 ± 2 ,1
1 .055 ,0 ± 2 ,5
778 ,33 ± 6 ,9
625 ,55 ± 1 ,7
978 ,68 ± 4 ,6
970 ,58 ± 2 ,0
1 .262 ,7 ± 1 ,3
1 .007 ,0 ± 1 ,5
24
CE SE
1 .124 ,4 ± 3 ,8
1 .046 ,3 ± 2 ,8
1 .378 ,2 ± 1 ,0
1 .305 ,0 ± 3 ,8
1 .542 ,4 ± 3 ,5
1 .435 ,0 ± 3 ,2
1 .116 ,4 ± 2 ,2 872 ,5 ± 1 ,3
1 .296 ,9 ± 6 ,7
1 .136 ,3 ± 1 ,8
1 .496 ,7 ± 4 ,8
1 .373 ,6 ± 2 ,1
A Figura 2 demonstra o peso dos animais aos 24 meses de
idade, alimentados com três níveis de proteína bruta em rações de
3.500 kcal de EB/kg, e a figura 3 compara os dois níveis de energia
de acordo com o tipo de baia. O efeito das baias cobertas e sem
cobertura não foi significativo ao nível de P<0,05. Porém, pode-se
observar que animais alojados em baias cobertas (CE) possuem peso
superior aos animais instalados em baias sem cobertura (SE), assim
como aqueles alimentados com rações de 40% de PB superam em
peso os animais alimentados com 20 e 30% de PB. O nível de energia
que teve tendência a proporcionar melhor resposta de crescimento
foi o de 3.500 kcal de EB/kg.
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
Pe
so
(g)
20 30 40
Proteína bruta (%)
Peso de tartaruga em diferentes instalações
CE
SE
Figura 2: Peso(g) de tartarugas criadas em tanques-rede alimentadas com
ração de 3.500 kcal de EB/kg.
296
Figura 3: Peso de tartarugas em tanques-rede alimentadas com ração de
40% de PB e dois níveis de energia bruta.
A Figura 4 compara os níveis de proteína bruta na ração de 3.500
kcal de EB/kg dos animais confinados nos tanques-rede com
cobertura plástica. Os resultados sugerem que a ração de 40% de PB
proporciona uma resposta de maior ganho diário de peso em relação
aos níveis de 20 e 30% de PB, durante todo o período experimental,
sendo que essa diferença não foi significativa ao nível de P<0,05. A
Figura 5 demonstra o ganho diário de peso (g/dia) de animais
alimentados com ração de 40% de PB e dois níveis de energia bruta
(3.500 e 4.500 kcal de EB/kg) confinados em baias com estufa.
Pode-se observar que o nível de 3.500 de energia bruta promove um
maior ganho diário de peso a partir dos 16 meses de idade.
Resultados semelhantes foram encontrados por Oliveira (2000),
inferindo que tartarugas criadas em gaiolas flutuantes
apresentaram maior desenvolvimento com rações de 40% de PB e
3.500 kcal de EB/kg, avaliadas no primeiro ano de vida.
297
Figura 4: Ganho diário de peso de tartarugas criadas em tanques-rede com estufa, alimentadas com ração de 20, 30 e 40% de proteína bruta.
0
0 ,5
1
1 ,5
2
2 ,5
3
3 ,5
GD
P(g
/dia
)
1 2 1 6 1 8 2 0 2 2 2 4
Id a d e (m e s e s )
G a n h o d iá r io d e p e s o d e ta r ta r u g a e m c a t iv e ir o
3 5 0 0
4 5 0 0 Figura 5: Ganho diário de peso de tartarugas criadas em tanques-rede
com estufa, alimentadas com ração de 3.500 e 4.500 kcal/kg.
Em resumo, no comprimento e altura da carapaça, a
tendência a um maior crescimento nos primeiros meses de
experimento é observada com o fornecimento de ração com 40% de
298
PB e 3.500 kcal de EB/kg, a partir dos 18 meses. Esse resultado é
alcançado aumentando-se o nível de energia bruta para 4.500 kcal
de EB/kg. A diferença nos resultados apresentados entre as
variáveis analisadas talvez indique um crescimento alométrico para
esta espécie, conforme sugerido por Vianna, 1999, para P. unifilis,
sendo que alguns autores indicam crescimento isométrico para
animais de carapaça externa. Pelas controvérsias, são necessários
estudos específicos complementares para confirmarem esses
parâmetros. Pode indicar também que sejam necessários maiores
níveis de energia bruta para o crescimento em comprimento já que
com o aumento do nível protéico da dieta ocorre uma redução na
energia não protéica disponível. Porém, como os quelônios são
vendidos por peso vivo esse resultado é irrelevante, sendo
importante considerar os resultados encontrados para peso e ganho
diário de peso e, para essas variáveis, o melhor desenvolvimento foi
alcançado com rações de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg, durante
todo o período experimental. Pode ser que as rações com 40% de PB
apresentem melhor perfil de aminoácidos essenciais, assim como
apresentaram melhores níveis de cálcio e fósforo, permitindo, dessa
forma, um maior atendimento das exigências nutricionais.
As variáveis ambientais registradas no experimento, a fim de
que se pudesse avaliar o efeito da cobertura plástica (estufa) sobre
metade dos tanques-rede, foram a temperatura do ar e a
temperatura da água. Com relação a essas variáveis, a temperatura
da água foi maior nas instalações com cobertura plástica (30,55
1,53 C) se comparada às instalações sem estufa (27,22 0,73 C),
assim como a temperatura do ar que, nas instalações com estufa, foi
de 33,5 2,98C e nas baias sem estufa foi de 28,82 2,47C. Isso pode
ser devido ao fato de que o plástico das estufas tornou-se opaco pelo
acúmulo direto de sujeira, o que, de certa forma, impediu a rápida
dissipação do calor nas instalações, provocando um efeito estufa.
299
É importante considerar que os animais alojados em baias
sem cobertura podem ter tido acesso a outro tipo de alimentação
diferente da ração experimental, como larvas, insetos e alguma
vegetação carreada pela chuva, sendo que nas baias cobertas esse
controle era mais rigoroso. Isso pode ter influenciado no menor
desenvolvimento dos animais nas instalações sem estufa, visto que
essa alimentação alternativa disponível poderia ser mais palatável e,
assim, ter desencadeado a preferência dos animais, levando ao
menor consumo voluntário de ração.
De um modo geral, não houve diferença significativa ao nível
de P<0,05 quanto ao efeito dos níveis de proteína e energia bruta
testados e o tipo de instalação. Porém, há uma tendência para que
animais instalados em baias com cobertura plástica superem em
desenvolvimento aqueles alojados em instalações sem cobertura
plástica, em todos os tratamentos e em todas as variáveis analisadas
(aos 24 meses, GDP=3,3 ± 1,8g/dia e GDP=2,815 ± 1,74g/dia,
respectivamente, para ração de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg).
Esses resultados corroboram com os encontrados por Costa
et al., 1998, onde P. expansa confinada em tanques-rede com
cobertura plástica, apresentou maiores valores de ganho diário de
peso em relação aos animais alojados em baias sem cobertura (1,37
0,36 g/dia e 1,08 0,48g/dia, respectivamente), com temperatura
ambiente em torno de 30C, acompanhados no primeiro ano de vida.
Oliveira (2000), estudando o desenvolvimento de P. expansa
em tanques-rede encontrou resultados semelhantes aos resultados
desse estudo. Aos 12 meses de idade, os animais apresentaram GDP
de 1,26 0,25, em baias cobertas, e GDP de 1,09 0,35 em baias sem
cobertura, explicando que a cobertura plástica proporciona maior
estabilidade da temperatura e conservação do ambiente, por mais
tempo, permitindo uma taxa metabólica mais regular, visto que o
metabolismo desses animais é influenciado pela temperatura
300
ambiente (ectotérmicos).
Como o consumo de alimento está diretamente relacionado
ao metabolismo dos quelônios, pode-se inferir que a cobertura
plástica promova um maior desenvolvimento dos animais, pela
manutenção de temperaturas mais altas dentro das baias. O baixo
desenvolvimento referente à menor temperatura, pode estar
relacionado à mudança de comportamento termorregulatório dos
animais.
Pouco se conhece quanto às exigências nutricionais de
quelônios, portanto, é necessário determinar a necessidade de
aminoácidos para cada fase de produção e a relação de aminoácidos
ideal em rações de baixo teor de proteína. A qualidade da proteína é
um fator a ser considerado para o fornecimento de ração aos
animais, visando oferecer os níveis de aminoácidos essenciais
adequados para atender suas necessidades iniciais. Duarte, 1998,
infere em estudos com Podocnemis expansa, que proteína de origem
animal (vísceras de peixe e bovina) proporciona maior ganho de peso
relacionado ao fornecimento de proteína de origem vegetal. As
matérias-primas de origem vegetal ou animal, usadas na fabricação
de ração comercial, possuem proteína variando entre 5 e 10%. Assim
como varia o teor de proteína bruta, também varia o teor de
aminoácidos que compõem cada uma dessas matérias-primas. No
entanto, essas variações não são lineares, ou seja, um ingrediente
mais rico em proteína não é necessariamente mais rico em todos os
aminoácidos essenciais.
Nos tanques-rede, os animais não têm acesso ao meio
ambiente e a ração é a única fonte alimentar. Por esse motivo, o
alimento deve ser de excelente qualidade, com o devido
balanceamento dos nutrientes necessários ao desenvolvimento do
animal. O nível protéico das rações para criação em tanques-rede
deve ficar entre 32% e 40% (RAN, 2001). Rações de maior nível
301
protéico são mais caras, mas esse custo se justifica, se o ganho de
peso for considerável. Vale ressaltar que os gastos com alimentação
nesse sistema situam-se entre 50% e 70% dos custos totais da
produção, porém, é imprescindível investir na dieta correta, pois a
resposta virá em produtividade e, conseqüentemente, em lucro.
Quanto aos níveis de proteína bruta e energia bruta
utilizados nas rações experimentais, de modo geral, observou-se
tendência das rações com 40% de PB proporcionarem maior
crescimento em todas as variáveis analisadas. É observado um
crescimento linear dentro de cada nível de PB e EB avaliado, de
acordo com o aumento da idade do animal, em todas as variáveis
analisadas. À medida que é aumentado o nível de proteína bruta,
observa-se também um aumento linear dentro das variáveis.
Costa et al., 1998, em estudos com P. expansa em cativeiro,
observaram que animais alimentados com 20% de PB obtiveram
melhor ganho de peso (0,523 ± 1,08 g/dia) em relação aos que foram
alimentados com 30% de PB (0,489 ± 0,89 g/dia) e 40% de PB (0,492
± 1,13 g/dia). Animais alimentados com 3.000 Kcal de EB/kg (0,536
± 1,16 g/dia) superam os animais alimentados com 4.000 Kcal de
EB/kg (0,466 ± 1,93 g/dia), no primeiro ano de vida. Esse resultado
pode indicar que essa espécie, no segundo ano de vida, necessite de
um maior teor de proteína bruta para atender à exigência dietética
por aminoácidos necessários ao seu crescimento máximo.
Como não houve diferença significativa no efeito dos níveis de
PB e EB testados, sugere-se a utilização de dietas com 30% de PB e
3.500 kcal de EB/kg, já que a ração de 20% de PB tende a
proporcionar desenvolvimento mais baixo. Para a criação de
tartarugas em tanques-rede pode-se optar pela utilização de
cobertura plástica, para conservar maior temperatura da água
dentro das baias, permitindo um metabolismo mais eficiente.
302
Rendimento de carcaça de P. expansa em tanque-rede
O abate foi realizado conforme os procedimentos sugeridos
por Silva Neto (1998). Para a insensibilização, os animais foram
colocados em um recipiente contendo água e gelo a uma
temperatura de 4ºC, durante 15 minutos. Inicialmente, foi realizada
a secção da cabeça. Após a retirada do plastrão, com auxílio de uma
serra elétrica, foi efetuada a retirada manual das vísceras do trato
digestivo, fígado, pâncreas, gordura, baço, pulmões, aparelho
excretor e órgãos reprodutores. Foram abatidos 5 animais de cada
tratamento, após a última biometria realizada (24 meses de idade).
303
Tabela 5: Rendimento de carcaça (%) de P. expansa de acordo com o tratamento.
Parte do corpo
TI 20/ 3.500
30/ 3.500
40/ 3.500
20/ 4.500
30/ 4.500
40/ 4.500
Carcaça CE SE
29,9 28,89
30,85 30,12
33,85 33,52
31,45 30,95
32,0 31,74
33,28 32,88
Vísceras CE SE
9,95 9,21
10,12 9,77
12,75 12,11
10,64 10,0
11,0 10,84
11,85 11,25
Gordura extra-muscular (não cavitária)
CE SE
5,01 4,95
5,10 5,0
6,1 5,87
5,26 5,12
5,56 5,23
5,95 5,85
Total (% ) CE SE
44,86 43,05
46,07 44,89
52,70 51,50
47,35 46,07
48,56 47,81
51,08 49,98
Carapaça CE SE
22,56 22,0
22,98 22,11
25,76 25,0
23, 97 23,0
24,46 23,54
25,24 24,56
Plastrão CE SE
8,78 8,23
8,93 8,65
10,4 10,0
9,0 8,8
9,45 9,2
9,98 9,6
*TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: em estufa (sem
cobertura plástica).
A Tabela 5 mostra o rendimento de carcaça (%) de P. expansa de
acordo com o tratamento. Observa-se que animais de maior tamanho e
peso (de acordo com as Tabelas 5 e 7), apresentaram maior rendimento
de carcaça e partes comestíveis do que animais de categorias menores.
Os resultados de rendimento de carcaça convergem com os
encontrados para as outras variáveis analisadas. Animais instalados
em baias com cobertura (CE), alimentados com ração de 40% de PB e
3.500 kcal de EB/kg tendem a obter maior rendimento em relação aos
animais instalados em baias sem cobertura (SE).
Valores aproximados foram encontrados por Gaspar &
Rangel-Filho (2001), verificando que depois da retirada dos ossos o
rendimento de carne de tartaruga foi de 30%, o conteúdo de proteína
e lipídio foi de 17,39 e 1,83%, respectivamente, com valor calórico
baixo (86,03 kcal/100 g carne). Estudos na China mostram que o conteúdo de proteína e
lipídio no músculo da tartaruga-chinesa-de-casco-mole (Trionyx
sinensis) foram 18,21 e 1,23%, respectivamente, e o conteúdo de
lipídio do bloco de gordura foi de 86,72% (Zhan et al., 2000).
Efeito do tipo de instalação e da ração experimental no
desenvolvimento de tracajá (Podocnemis unifilis) criados em
cativeiro
As Tabelas 6 e 7 apresentam resultados de crescimento para
peso (kg) e ganho de peso (g/dia) de tracajá (P. unifilis) criado em
gaiolas flutuantes.
Os animais foram alimentados diariamente com ração de 20,
30 e 40% de proteína bruta e 3.500 e 4.500 kcal de energia bruta/kg.
A ração experimental utilizada tem a mesma composição da ração
descrita no experimento com P. expansa.
As variáveis ambientais registradas no experimento, a fim de
que se pudesse avaliar o efeito da cobertura plástica (estufa) sobre
metade dos tanques-rede foram a temperatura do ar e temperatura
da água. Com relação a essas variáveis, a temperatura da água foi
maior nas instalações com cobertura plástica (31,5±2,22ºC)
comparada às instalações sem estufa (30,1±1,25ºC), bem como a
temperatura do ar, que nas instalações com estufa foi de
33,1±1,27ºC e nas baias sem estufa de 29,31±1,95ºC.
304
Tabela 6: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal/kg) na ração, sobre o peso (g) de tracajá (P. unifilis) em tanques-rede.
Idade
(meses)
TI
20/ 3.500
30/ 3.500
40/ 3.500
20/ 4.500
30/ 4.500
40/ 4.500
10 (T0)
120,40 ±0,3
120,40 ±0,3
120,40 ±0,3
120,40 ±0,3
120,40 ±0,3
120,40 ±0,3
12 CE SE
186,00 ±2,2
184,60 ±2,1
217,00 ±1,1
210,00 ±1,8
238,00 ±1,3
230,00 ±1,1
190,00 ±1,9
169,16 ±1,5
231,25 ±2,3
259,00 ±1,8
281,37 ±0,9 218,4 ±1,8
16 CE SE
289,60 ±1,4
255,00 ±1,0
332,00 ±2,1
263,33 ±1,3
384,00 ±1,3
332,50 ±1,2
333,33 ±2,1
250,00 ±2,2
376,25 ±1,4
373,75 ±1,7
348,00 ±1,4 341,00 ±2,1
18 CE SE
425,00 ±2,1
343,33 ±1,8
497,00 ±1,5
394,16 ±1,1
515,00 ±1,1
419,16 ±2,4
465,00 ±1,8
397,50 ±1,3
755,00 ±2,1
400,00 ±2,2
527,50 ±2,3 455,00 ±2,4
22 CE SE
628,70 ±0,9
530,00 ±2,5
706,00 ±0,9
628,33 ±1,5
775,00 ±2,1
752,50 ±2,2
581,66 ±1,4
562,50 ±1,7
785,00 ±2,3
660,00 ±1,9
617,50 ±1,7 610,00 ±1,8
24 CE SE
631,16 ±0,6
615,00 ±0,8
718,20 ±0,6
635,00 ±0,8
760,00 ±2,3
641,00 ±1,6
785,00 ±1,9
650,33 ±2,1
935,00 ±2,1
868,33 ±1,9
819,0 ±1,9
765,0 ±1,5
*TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: sem estufa (sem cobertura plástica);
305
Tabela 7: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal/kg) na ração, sobre o ganho de peso (g) de tracajá (P. unifilis) em tanques-rede.
Idade (meses)
TI 20/3.500
30/3.500
40/3.500
20/4.500
30/4.500
40/4.500
12 CE
SE
0,412 ±2,1
0,398 ±2,3
0,596 ±1,9
0,458 ±1,8
0,740 ±0,3
0,591 ±1,5
0,780 ±1,8
0,546 ±2,4
0,898 ±0,8
0,700 ±1,9
0,710 ±0,6
0,654 ±0,7
16 CE
SE
0,499 ±1,8
0,444 ±1,5
0,650 ± 2,1 0,586 ±2,2
0,850 ±0,6
0,812 ±1,8
0,980 ±1,9
0,673 ±1,6
1,214 ±1,4
0,956 ±1,6
1,123 ±0,5
1,055 ±1,6
18 CE
SE
1,224 ±1,4
1,112 ±0,9
1,680 ±2,3
1,416 ±2,7
1,720 ±1,7
1,444 ±2,4
1,530 ±1,1
1,437 ±1,5
1,990 ±2,1
1,890 ±2,3
1,800 ±2,1
1,720 ±2,3
22 CE
SE
1,470 ±1,3
1,391 ±2,5
1,730 ±2,4
1,472 ±1,6
1,890 ±1,9
1,567 ±1,4
1,740 ±1,3
1,585 ±2,8
2,420 ±1,4
2,150 ±2,2
2,100 ±1,8
1,960 ±1,5
24 CE
SE
1,620 ±1,1
1,5551±2,1
1,990 ±1,7
1,858 ±0,5
2,350 ±1,5
2,180 ±2,2
2,490 ±1,9
2,270 ±1,6
2,760 ±1,4
2,680 ±1,6
2,500 ±1,6
2,458 ±1,3
*TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: sem estufa (sem cobertura plástica);
De um modo geral, não houve efeito significativo ao nível de
P<0,05, dos níveis de proteína bruta e energia bruta utilizados nas
rações experimentais, para nenhuma das variáveis analisadas.
Porém, os animais confinados em instalações com cobertura (CE)
306
apresentaram um crescimento superior quando comparados aos
animais alojados em baias sem cobertura (SE), tanto para
comprimento e altura da carapaça, quanto para peso e ganho diário
de peso. Esse resultado corrobora com os encontrados para P.
expansa, confirmando que pelo fato da cobertura plástica
proporcionar maior estabilidade da temperatura e manutenção de
temperaturas mais altas, dentro das baias cobertas, considerando
que estes animais tinham dentro das baias uma rampa para
tomarem sol, provavelmente esse fator pode influenciar no
metabolismo de quelônios criados em cativeiro, por serem
ectotérmicos e, conseqüentemente, numa taxa de desenvolvimento
positiva.
Observa-se um aumento linear, nas rações com 3.500 kcal de
EB/kg, quanto ao aumento do nível de proteína bruta nas variáveis
estudadas, sendo que para o nível de energia bruta de 4.500 esse
resultado não foi observado. Comparando-se os resultados quanto
aos níveis de proteína bruta, as variáveis apresentaram maiores
valores quando referentes aos tratamentos com 30% de PB,
diferindo dos resultados encontrados para P. expansa, nesse
estudo, onde 40% de PB proporcionou melhor resposta em
desenvolvimento, em valores médios.
Oliveira (2000), em estudos com tracajás (P. unifilis), de zero a
um ano de idade, em temperatura ambiente em torno de 28C, cita
uma tendência para que animais alimentados com rações de 40% de
PB e 4.500 kcal de EB/kg tenham maior crescimento. Nesse estudo,
obteve-se como resultado para o segundo ano de vida, tendência a
maior desenvolvimento com 30% de PB, o que pode indicar que
ocorre uma diminuição da necessidade protéica dessa espécie, de
acordo com a fase de vida. No habitat natural, animais jovens
consomem mais proteína de origem animal do que os adultos (Teran,
1992).
307
Rendimento de carcaça de P. unifilis
O abate foi realizado conforme os procedimentos sugeridos
por Silva Neto (1998). Para a insensibilização, os animais foram
colocados em um recipiente, contendo água e gelo a uma
temperatura de 4ºC, durante 15 minutos. Inicialmente, foi realizada
a decapitação. Após a retirada do plastrão com auxílio de uma serra
elétrica, foi efetuada a retirada manual das vísceras do trato
digestivo, fígado, pâncreas, gordura, baço, pulmões, aparelho
excretor e órgãos reprodutores. Foram abatidos 10 animais de cada
tratamento, após a última biometria realizada (24 meses de idade).
Tabela 8: Rendimento de carcaça (%) de P. unifilis de acordo com o tratamento.
*TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: sem estufa (sem cobertura plástica);
A Tabela 8, mostra o rendimento de carcaça (%) de P. unifilis de acordo com o tratamento. Observa-se que animais de maior tamanho e peso apresentaram maior rendimento de carcaça e partes comestíveis do que animais de categorias menores. Os resultados de rendimento de carcaça convergem com os encontrados para as outras variáveis analisadas. Animais
308
Parte docorpo
TI 20/ 3.500
30/ 3.500
40/ 3.500
20/ 4.500
30/ 4.500
40/ 4.500
Carcaça CE SE
27,0 26,88
27,95 27,12
28,45 27,63
28,97 28,12
29,03 28,36
29,55 28,77
Vísceras CE SE
9,03 8,46
9,46 8,64
9,87 9,03
10,0 9,36
10,64 9,78
10,98 10,01
Gordura extra-muscular (não cavitária)
CE SE
4,35 4,02
4,87 4,42
5,10 5,0
5,36 5,15
5,55 5,20
5,72 5,42
TOTAL (%) CE SE
40,38 39,36
42,28 40,18
43,42 41.66
44,33 42,63
45,22 43,34
46,25 44,20
Carapaça CE SE
21,27 20,97
21,98 21,03
22,05 21,85
22,45 22,01
22,88 22,25
23,0 22,63
Plastrão CE SE
7,98 7,12
8,02 7,86
8,36 8,0
8,47 8,25
8,98 8,36
9,05 8,65
instalados em baias com cobertura (CE), alimentados com ração de 30% de PB e 4.500 kcal de EB/kg tendem a obter maior rendimento em relação aos animais instalados em baias sem cobertura (SE). Os resultados para rendimento de carcaça foram semelhantes aos encontrados para P. expansa, no experimento I, quanto ao tipo de instalação.
Desenvolvimento de duas espécies de Quelônios criados em Tanque-Rede
As Tabelas 9 e 10 comparam os valores médios de crescimento e altura da carapaça de tartaruga (Podocnemis expansa) e tracajá (P. unifilis), criados em tanques-rede (com cobertura plástica e sem cobertura) aos 24 meses de idade.
Tabela 9: Efeito da ração experimental e tipos de instalações sobre o comprimento da carapaça (cm) de duas espécies de quelônios.
*SE= tanque-rede sem cobertura plástica, CE= tanque-rede com cobertura plástica, TI= tipo de instalação.
309
Espécie TI
20/ 3.500
30/ 3.500
40/ 3.500
20/ 4.500
30/ 4.500
40/ 4.500
Tartaruga Tracajá
CE CE
21,29 ± 2,4 17,25 ± 0,8
21,57 ± 2,0
18,00 ± 2,3
22,06 ± 2,0
17,80 ± 1,4
21,31 ± 1,1 16,25 ± 1,9
21,69 ± 0,6
19,00 ± 1,8
21,98 ± 2,3
17,10 ± 2,3
Tartaruga Tracajá
SE SE
20,22 ± 3,6 15,90 ± 0,9
21,12 ± 2,1
16,62 ± 1,7
21,76 ± 2,0
17,66 ± 1,7
20,64 ± 1,5 16,10 ± 1,4
21,19 ± 1,1
18,50 ± 1,7
21,45 ± 1,1
16,90 ± 2,4
Tabela 10: Efeito da ração experimental e tipos de instalações sobre a altura da carapaça (cm) de duas espécies de quelônios.
*SE= tanque-rede sem cobertura plástica, CE= tanque-rede com cobertura
plástica, TI= tipo de instalação.
Comparando-se o crescimento das duas espécies de
quelônios estudadas em tanques-rede, não houve diferença
significativa ao nível de P<0,05 nas variáveis analisadas. Observa-
se, porém, que, de um modo geral, a tartaruga supera em
desenvolvimento (comprimento e altura da carapaça) em relação ao
tracajá, tanto nos animais alojados em baias com cobertura plástica
quanto nos alojados em baias sem cobertura. Tartarugas obtiveram
tendência a alcançar maior crescimento com a ração de 40% de PB e
3.500 kcal de EB/kg, já, entre os tracajás, esse resultado foi
alcançado com a ração de 30% de PB e 4.500 kcal de EB/kg.
Os mesmos resultados foram obtidos para peso (Figura 6) e
ganho diário de peso (Figura 7), em que tartarugas tendem a superar
os tracajás, tanto entre os animais confinados em tanques-rede, com
cobertura plástica, quanto nos animais confinados em tanques sem
cobertura. As tartarugas obtiveram maior ganho de peso com a ração
de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg, e os tracajás alcançaram
melhores resultados com a ração de 30% de PB e 4.500 kcal de
EB/kg.
310
Espécie TI 20/ 3.500
30/ 3.500
40/ 3.500
20/ 4.500
30/ 4.500
40/ 4.500
Tartaruga
Tracajá
CE
CE
8,07 ± 0,4
6,90 ± 1,8
8,18 ± 0,5
7,50 ± 2,7
8,60 ± 0,3
7,66 ± 2,6
7,80 ± 0,7
6,80 ± 2,3
8,04 ± 0,9
7,88 ± 2,2
8,42 ± 0,7
7,20 ± 1,6
Tartaruga
Tracajá
SE
SE
7,96 ± 0,4
6,20 ± 1,9
7,59 ± 0,7
7,00 ± 2,8
7,70 ± 0,9
7,12 ± 2,2
7,30 ± 0,6
6,70 ± 1,7
7,54 ± 0,6
7,73 ± 1,1
7,42 ± 0,6
6,90 ± 1,7
Figura 6: Peso de duas espécies de quelônios alimentados com ração
em tanques-rede com cobertura plástica.
Figura 7: Ganho de peso de duas espécies de quelônios alimentados com ração em tanques-rede com cobertura plástica.
311
Os resultados da comparação de crescimento das duas
espécies coincidem com os encontrados por Oliveira (2000), citando
que a tartaruga cresce melhor do que o tracajá, em cativeiro, tanto no
primeiro quanto no segundo ano de vida, citando GDP de 1,05 ± 0,14
para a tartaruga no primeiro ano e 1,97 ± 0,24 no segundo ano, e
para o tracajá 0,87 ± 0,15 no primeiro ano e 1,51 ± 0,27 no segundo
ano (Tabela 11).
Tabela 11: Comparação entre o peso, ganho diário de peso, ao final de 18 meses
de cultivo, entre três espécies de quelônios criadas em tanque-rede (tartaruga,
P.expansa; tracajá, P. unifilis; e iaçá, P. sextuberculata) (Oliveira, 2000)
Espécies Peso (g) GDP (g/dia) GDP (% do peso vivo)
Tartaruga 853 1,51 0,17
Tracajá 598 1,19 0,19
Iaçá 333 0,59 0,17
Neste experimento, Oliveira (2000) observou que o iaçá
apresenta, no primeiro ano, maior crescimento com rações de 3.500
kcal de EB/kg e 40% de PB (peso=340 g e GDP =0,38 g/dia). No
segundo ano, não há diferença significativa em termos de energia,
embora animais alimentados com rações de 4.500 kcal de Eb,
apresentem maior ganho de peso (GDP=0,83 g/dia). Existe uma
tendência, no segundo ano, de que animais alimentados com rações
com 20% de PB tenham maior crescimento (peso médio=370 g e
GDP=0,88 g/dia).
312
Estudo do desenvolvimento de tartaruga-da-amazônia
(Podocnemis expansa) alimentada com ração de três níveis de
proteína bruta e dois níveis de energia bruta, criadas em
tanque escavado.
Este experimento teve duração de 14 meses e foi conduzido
em criatórios comerciais de tartaruga, legalizados pelo Ibama/AM,
localizados na estrada AM 070, Km 26, Iranduba/AM e na rodovia
AM-010, Km 100, Rio Preto da Eva (Figuras 8 e 9).
Figura 8: Experimento em baias com cerca de madeira em tanque escavado em criadouro no Iranduba/AM. Foto: RAN/AM (Andrade, P.C.M.).
313
Figura 9: Experimento em baias com tela plástica em tanque escavado em
criadouro no Rio Preto da Eva/AM. Foto: RAN/AM (P.C.M. Andrade).
Animais: Foram utilizados um total de 3.600 tartarugas
(Podocnemis expansa), de 10 meses de idade, com comprimento
médio inicial de 13,27 ± 2,0cm e peso médio inicial de 320,05 ± 0,6g,
acompanhadas dos 10 aos 24 meses de idade. Os animais foram 2distribuídos numa densidade de estocagem de 75 indivíduos/ m .
Esses animais pertenciam ao mesmo lote dos animais utilizados no
experimento I.
Instalações: Os animais foram distribuídos em tanques 2cercados com madeira, tipo curral, de 48,0 m e 1,80m de
profundidade, situados em uma barragem de 1,5 ha de espelho 2d'água. Os tanques foram divididos com tela, em 6 baias de 8 m ,
sendo alojados 600 animais em cada baia. Sobre o tanque foram
colocados fios de náilon para evitar o ataque de predadores como
gavião (Spizastur sp.) e urubu (Coragyps atratus).
314
Alimentação: De 0 aos 10 meses de idade esses animais
foram alimentados com uma ração constituída de 60% da ração
comercial para peixe (Tabela 1). Nesse período, os animais estavam 2depositados num tanque escavado de 400m , numa densidade de 9
2animais/m .
A alimentação dos animais durante o período experimental
foi uma ração fabricada na Universidade Federal do Amazonas, com
três níveis de proteína bruta (20, 30 e 40% de PB) e dois níveis de
energia bruta (3.500 e 4.500 kcal de EB/kg). Os animais foram
alimentados com as mesmas rações utilizadas no experimento I
(Tabela 2).
O experimento foi dividido em seis tratamentos, de acordo
com o tipo de alimentação fornecida. Os animais eram alimentados
uma vez por dia, com base em 5% de seu peso vivo, sendo esse valor
ajustado bimestralmente, de acordo com os resultados da
biometria.
Para a definição dos teores de proteína bruta e energia bruta
utilizados nas rações experimentais, foram tomados por base teores
utilizados em outros experimentos realizados no estado do
Amazonas, onde foram testados 27 e 30% de PB e 3.000 e 4.000 kcal
de EB/kg (Lima, 1998). Os níveis de PB e EB das rações
experimentais também estão bem próximos dos níveis utilizados
nas rações comerciais para peixes. As rações foram fornecidas na
forma de péletes.
Delineamento experimental e análise dos resultados: Os
animais foram medidos e pesados bimestralmente, tirando-se uma
amostragem de 100 indivíduos/baia. Os dados foram tabulados em
planilha eletrônica Excel e submetidos à análise estatística no
programa SPSS for Windows 8.0. Os dados foram tabulados por
nível de proteína e energia testados. As variáveis analisadas foram
comprimento da carapaça (cm), altura da carapaça (cm), peso (g),
315
ganho diário de peso (g/dia), rendimento de carcaça (%). Os
tratamentos foram organizados em um delineamento experimental
inteiramente casualizado. Os resultados foram submetidos à análise
de variância (Anova), as comparações foram realizadas através do
teste t. O nível de significância utilizado em todos os testes
estatísticos foi de P < 0,05.
As Tabelas 12, 13, 14,15 e a Figura 10 apresentam resultados
de crescimento para comprimento de carapaça (cm), peso (kg) e
ganho de peso (g/dia). Os resultados foram analisados
bimestralmente utilizando como covariável os valores das
observações obtidas na medição anterior.
Tabela 12: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg)na ração, sobre o
comprimento da carapaça (cm) de tartaruga (P. expansa) em tanque escavado.
Idade (meses) 20/ 3.500
30/ 3.500
40/ 3.500
20/ 4.500
30/ 4.500
40/ 4.500
10 (T0) 13,27 ± 2,0
13,27 ± 2,0
13,27 ± 2,0
13,27 ± 2,0
13,27 ± 2,0
13,27 ± 2,0
12 15,03 ± 2,8
15,46 ± 2,0
15,26 ± 2,0
15,40 ± 1,8
15,60 ± 2,2
16,30 ± 1,9
16 16,82 ± 2,6
17,35 ± 1,9
17,62 ± 1,7
18,11 ± 1,4
18,35 ± 2,0
18,44 ± 2,2
18 17,06 ± 1,8
17,52 ± 2,6
17,97 ± 2,4
18,30 ± 1,6
18,80 ± 1,8
19,00 ± 1,4
22 17,75 ± 1,6
17,98 ± 1,6
18,10 ± 2,0
18,61 ± 2,4
18,90 ± 1,5
19,23 ± 1,8
24 18,07 ± 2,3
18,40 ± 1,9
19,33 ± 1,9
19,70 ± 2,2
20,00 ± 2,5
21,50 ± 1,7
316
Tabela 13: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg)na ração, sobre o
comprimento da carapaça (cm) de tartaruga (P. expansa) em tanque escavado.
Comparação das médias.
Efeito de níveis de proteína e energia no crescimento
em peso de tartarugas
0
200
400
600
800
1000
1200
10 (T0) 12 16 18 22 24
idade(meses)
Peso
(g)
20/ 3500
30/ 3500
40/ 3500
20/ 4500
30/ 4500
40/ 4500
Figura 10: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg)na ração, sobre o peso (g) de tartaruga (P. expansa) em tanque escavado.
Tabela 14: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg)na ração, sobre o peso(g) de tartaruga (P. expansa) em Tanque escavado. Comparação das médias.
317
Energia/Prot. 20%PB 30%PB 40%PB Médias
3.500 kcal de EB/kg
18,07 19,33 20,00 19,13±0,98
4.500 kcal de EB/kg
18,40 19,70 21,50 19,87±1,56
Médias 18,23±0,23 19,51±0,26 20,75±1,06
Energia/Proteína 20%PB 30%PB 40%PB Médias
3.500 kcal de EB/kg 752,61 790 836,46 793,02±42,0
4.500 kcal de EB/kg 932 1.030,6 1.081,4 1.014,6±75,9
Médias 842,30 ±126,8
910,27 ±170,09
958,93 ±173,20
Tabela 15: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg)na ração, sobre o ganho diário em peso(g/dia) de tartaruga (P. expansa) em tanque escavado. Comparação das médias.
20%PB 30%PB 40%PB Médias
3.500 kcal de EB 0,712 0,77 0,8102 0,76±0,05 4.500 kcal de EB 1,004 1,3626 1,5794 1,31±0,29 Médias 0,858±
0,206475 1,0663±
0,419031 1,1948±
0,543907
De modo geral, não houve diferença significativa ao nível de
P<0,05, dos níveis de proteína e energia bruta estudados. Observa-
se, porém, um aumento linear de crescimento, com o aumento dos
níveis de proteína e energia bruta para todas as variáveis analisadas.
O ganho diário de peso também foi crescente com o aumento da
idade dos animais. Não houve diferença significativa para
comprimento e altura da carapaça, porém, há uma tendência para
que os animais alimentados com rações de 40% de PB e 4.500 kcal
de EB/kg obtenham maiores medidas de carapaça. Esse resultado
também é observado para peso e ganho diário de peso, sendo que,
analisando-se a variável peso, apesar de não significativa ao nível de
P<0,05, ocorre uma maior variação dos valores médios entre os
tratamentos testados. Vale ressaltar que a temperatura média da
água ficou em torno de 29°C.
Os resultados encontrados neste estudo corroboram com os
encontrados para P. expansa no experimento I, com animais criados
em tanques-rede, em que observou-se tendência a um maior
desenvolvimento em animais alimentados com ração de 40% de
PB. Porém, diferem quanto ao nível de energia, pois, um maior
crescimento tende a ser alcançado com a ração de 4.500 kcal de
EB/kg. Talvez, animais instalados em tanques escavados
mantenham-se mais isolados e tenham mais espaço para se
movimentar, ocorrendo maior gasto energético e necessitando de
níveis mais altos de energia na ração para compensar essa perda.
318
0
0,5
1
1,5
2
2,5G
DP
(g/d
ia)
20/3500 40/3500 30/4500
Níveis de PB e EB
Ganho diário de peso de tartaruga em tanque
escavado
Figura 11: Ganho diário de peso de P. expansa alimentada com ração de três
níveis de proteína bruta e 3.500 e 4.500 kcal de EB/kg em tanque escavado.
A Figura 11 mostra o ganho diário de peso dos animais aos 24
meses de idade. Observa-se que há uma tendência de maior
desenvolvimento com a ração de 40% de PB e 4.500 kcal de EB/kg.
Peso de tartaruga em tanque escavado
0
500
1000
1500
12 16 18 22 24
I da de ( me se s)
20/4500
30/4500
40/4500
Figura 12: Peso de P. expansa alimentada com ração de três níveis de proteína
bruta e 4.500 kcal de EB/kg em tanque escavado.
319
A forma como os quelônios utilizam os nutrientes e a energia
que consomem, é um aspecto fisiológico ainda pouco estudado e tem
implicações importantes para a produtividade de animais
cultivados.
Desenvolvimento de tartaruga-da-amazônia (Podocnemis
expansa) criada em tanque-rede e tanque escavado
O tanque-rede é um conjunto flutuante que permite o
confinamento de animais aquáticos em quantidade planejada,
possibilitando maior produtividade e diminuindo o impacto
ambiental causado pela intervenção do homem. O material utilizado
na confecção do tanque deve seguir as orientações técnicas (telas,
armação de sustentação e bóias) para evitar danos ao meio
ambiente. Para tanto, o material deve resistir à corrosões, pressões,
choques mecânicos e predadores (Santos, 1995).
Neste capítulo, objetivou-se comparar os resultados de
crescimento para P. expansa em tanques-rede, com e sem cobertura
plástica e tanque escavado. A Tabela 16 compara os valores médios
de comprimento da carapaça.
Tabela 16: Comprimento da carapaça (cm) de (P. expansa) em tanque-rede e
tanque escavado.
*SE= tanque-rede sem cobertura plástica, CE= tanque-rede com cobertura plástica, TE= tanque escavado.
320
Instalações 20/ 3.500
30/ 3.500
40/ 3.500
20/ 4.500
30/ 4.500
40/ 4.500
CE 21,29 ± 2,4
21,57 ± 2,0
22,06 ± 2,0
21,31 ± 1,1
21,69 ± 0,6
21,98 ± 2,3
SE 20,22 ± 3,6
21,12 ± 2,1
21,76 ± 2,0
20,64 ± 1,5
21,19 ± 1,1
21,45 ± 1,1
TE 18,07 ± 2,3
18,40 ± 1,9
19,33 ± 1,9
19,70 ± 2,2
20,00 ± 2,5
21,50 ± 1,7
A comparação entre as instalações apresentou diferença
significativa ao nível de P<0,05. Animais alojados em tanque
escavado obtiveram menor resposta em relação aos animais
confinados em tanque-rede, em todas as variáveis analisadas. Para
comprimento e altura da carapaça, a ração que proporcionou
tendência a um maior desenvolvimento foi a de 40% de PB e 3.500
Kcal de EB/kg para as tartarugas em tanque-rede, e de 40% de PB e
4.500 kcal de EB/kg para os animais criados em tanque escavado.
Entre os animais confinados em tanque escavado, há um aumento
linear de acordo com o aumento de nível de proteína e energia bruta,
para comprimento e altura, já, nos animais em tanque-rede, esse
efeito só é observado comparando-se os níveis de energia bruta.
Quanto ao peso e ganho diário de peso (Figura 13), animais
confinados em tanque-rede obtiveram tendência a melhor
resultado, com a ração de 40% de PB, sendo que nesse tipo de
instalação, para essas duas variáveis, o melhor resultado tende a ser
alcançado com o menor nível de energia bruta estudado. Para os
animais estudados em instalações em tanque escavado, a ração que
tende a proporcionar melhor ganho diário de peso foi a de 40% e
4.500 kcal de EB/kg.
Praticamente, todos os organismos presentes em um viveiro,
contribuem para a alimentação de quelônios criados em cativeiro. A
maior ou menor quantidade desses organismos irá influenciar
diretamente a produção (Souza et al., 2003). No ambiente natural,
quelônios aquáticos têm nos alimentos naturais suas exigências
nutricionais atendidas, porém, em viveiros, para o aumento da
produtividade, a utilização de alimentos artificiais é imprescindível
(Sebrae, 1995).
Os animais alojados no tanque escavado podem ter tido
acesso a outro tipo de alimentação diferente da ração experimental,
como larvas, insetos e alguma vegetação carreada pela chuva,
321
apesar de ser efetuada a limpeza do tanque. Isso pode explicar a
tendência a melhor desenvolvimento com os maiores níveis de
proteína e energia bruta, pois essa alimentação alternativa,
disponível, poderia ser de menor teor nutritivo, porém, mais
palatável, e assim ter desencadeado a preferência dos animais,
levando ao menor consumo voluntário de ração.
Figura 13: Efeito do tipo de instalação (CE=tanque-rede com cobertura plástica;
SE=Tanque-rede sem cobertura; TE=tanque escavado) sobre o ganho diário em peso
(g/dia) de tartarugas em cativeiro.
Outro fator que pode ter influenciado a sugestão de que
animais em tanque escavado necessitam de um maior teor de
energia bruta na ração é a densidade utilizada. Costa et al., 1998,
citam que no caso de quelônios, um grande número de animais em
uma área considerada pequena, pode gerar competição por
alimento, espaço, entre outros, resultando em estresse, levando-os a
uma redução na taxa de crescimento e ganho de peso. Em
contrapartida, um pequeno número de indivíduos, numa grande
área, também pode comprometer o crescimento, pois os animais vão
demorar mais a encontrar o alimento. Existe, pois, uma densidade
322
ótima, em que os animais são distribuídos adequadamente na área
disponível e obtêm um bom desempenho no crescimento e ganho de
peso, não havendo grande competição para o animal encontrar o
alimento. Como não se tem parâmetros para a comparação de uma
densidade ótima, não podemos inferir corretamente até que ponto a
densidade utilizada, neste estudo, influenciou nos resultados
obtidos.
Quanto ao rendimento de carcaça, as tartarugas alojadas em
tanque-rede, com estufa (CE) e sem estufa (SE), obtiveram maior
rendimento em relação àquelas alojadas em tanque escavado (TE),
tendo os animais deste último, o rendimento mais baixo. A ração de
40% de PB e 4.500 kcal de EB/kg tende a proporcionar um melhor
resultado em rendimento de carcaça nas instalações em tanque
escavado e a ração de 30% de PB e 3.500 kcal de EB/kg tende a
proporcionar melhor resultado nas instalações em tanque-rede.
É importante salientar que antes da adoção da implantação
do sistema de tanques-rede para a queloniocultura, sugere-se um
estudo de mercado das características do sistema e de projetos de
implantação, buscando locais que possuam condições para fomento
técnico da atividade.
Análise econômica dos experimentos
A criação de quelônios em cativeiro é uma alternativa para o
produtor rural que planeja viabilizar economicamente sua
propriedade, através de uma diversificação, e que visa aproveitar os
recursos existentes (Quintanilha, 2003).
Os aspectos considerados para a análise econômica
simplificada foram a construção das instalações, os gastos com
alimentação e o combustível. Os custos são compostos de todos os
itens que entram direta ou indiretamente para a manutenção do
experimento, de forma a estabelecer os padrões necessários para a
323
avaliação dos resultados e foram classificados em custos fixos e
custos variáveis. Para o cálculo do custo variável consideram-se os
custos que variam em proporção à quantidade produzida em um
ciclo produtivo. Os custos fixos são todos os que incorrem sobre a
propriedade, independentemente de haver ou não produção (Souza
et al., 2003).
Para o cálculo da depreciação considerou-se 4% para as
instalações, 10% para máquinas e motores e 20% para veículos. A
taxa de manutenção foi estimada em 5% e os juros de 6% para
remunerar o capital estável, conforme modelo proposto por Lima,
2000. O tempo médio da mão-de-obra envolvida com a atividade,
por dia, é de duas horas. A participação dos custos variáveis é de 92%
devido, especialmente, aos gastos efetuados com ração.
O experimento I teve duração de 14 meses, sendo fornecido
um total de 190,24 sacos de ração de 21 kg. Os animais eram
alimentados numa quantidade baseada em 5% de seu peso vivo,
ajustada mensalmente de acordo com o crescimento. Quanto ao
experimento II, a Tabela 17 demonstra uma análise econômica
simplificada do experimento. Essa análise pretendia fornecer
subsídios aos produtores quanto ao modelo de manejo proposto
neste estudo, referente à alimentação e instalações a serem
utilizadas na produção de quelônios.
324
Tabela 17: Análise econômica simplificada dos custos do experimento I.
Discriminação Valor (R$)
Custos fixos
Depreciação, conservação e apetrechos 1.000,00
Eventuais 1.000,00
Instalações
Custos variáveis
Ração 4.438,89
Alimentação de pessoal 960,00
Combustível 1.600,00
Mão-de-obra 2.400,00
Total 11.398,89
O experimento II teve duração de 14 meses, sendo fornecido um total
de 1.564,30 sacos de ração de 21 kg, para alimentar 3.600 animais,
numa quantidade baseada em 5% de seu peso vivo, ajustada
mensalmente de acordo com o crescimento. A Tabela 18 demonstra
uma análise econômica simplificada do experimento.
Observa-se que até mesmo os custos com criação em tanque
escavado são mais elevados do que em tanques-rede. Lima (2000),
cita que em sistemas convencionais, admitindo-se um peso médio
de 2,66kg/animal, com cinco anos e meio de idade e preço de venda
de R$ 10,00 o quilo, a atividade proporcionará uma receita bruta de
R$ 25,00, por animal, e lucro unitário de R$ 10,00. Neste estudo, se
considerarmos o peso médio de 1,5 kg e venda a R$13,00 o quilo de
peso vivo, a receita líquida pode chegar a R$ 8,00/animal no sistema
de tanques-rede, com animais de apenas dois anos de idade.
325
Tabela 18: Análise econômica, simplificada, dos custos do experimento II.
Discriminação Valor (R$)
Custos fixos
Depreciação, conservação e apetrechos 1.300,00
Eventuais 1.100,00
Instalações
Custos variáveis
Ração 36.499,51
Alimentação de pessoal 1.025,00
Combustível 1.800,00
Mão-de-obra 3.000,00
Total 44.724,51
Considerações e conclusão
A partir do momento que aumentar o número de criatórios
intensivos, com baixo custo de produção, e oferta regular expressiva
do produto, a tendência será o crescimento do consumo e o fim do
preconceito em relação à opção alimentar com carne de tartaruga.
Sob o ponto de vista de mercado, a região Norte é a mais
indicada para a absorção do suprimento em demanda. É possível
optar por outros canais de escoamento da produção, principalmente
a venda in natura, simulando o sistema pesque-e-pague, e para o
consumo direto (mercado regional e supermercados). No caso de
venda in natura, o criador necessita oferecer preço, qualidade e
volume compensadores. Daí decorre a necessidade da organização
de queloniocultores em associações ou cooperatiavas, pois entre
outras, obtém-se vantagens na comercialização e na compra de
insumos, como também na implantação de infra-estrutura
adequada para atender às exigências de um mercado dinâmico.
326
Os produtos utilizados para a produção de rações podem ser
substituídos de acordo com a época do ano e disponibilidade no
mercado local, observando a não-alteração brusca, na composição
química, para não afetar o fornecimento dos nutrientes, bem como
suas quantidades. A quantidade de proteína bruta mínima na ração
de recria para quelônios deve ser de 25%.
A principal condicionante na comercialização de quelônios é
a qualidade do produto e a periodicidade do abastecimento. Um
produto de boa qualidade começa com jejum dos animais de dois
dias antes do abate, para limpar as vias digestivas. Os animais
devem ser transportados, de forma a não sofrerem danos físicos,
para agregar maior valor ao produto.
São necessários investimentos em estudos de nutrição de
quelônios, pois, essa é uma informação essencial para a produção
em cativeiro, já que o interessante para os criadores comerciais é
utilizar uma alimentação, com níveis nutricionais adequados, que
atendam às necessidades de desenvolvimento desses animais,
proporcionando um aumento da produção.
As conclusões desses experimentos com quelônios em
cativeiro foram:
? Não houve diferença significativa na influência dos níveis
de proteína e energia bruta estudados sobre o desenvolvimento de
tartaruga (Podocnemis expansa) e tracajá (P. unifilis), em animais
criados em tanque-rede.
? Apesar da não significância dos níveis nutricionais,
utilizados nas rações experimentais ao nível de P<0,05, há uma
tendência para que tartarugas criadas em tanque-rede obtenham
maior ganho de peso com rações de 40% de PB e 3.500 kcal de
EB/kg.
327
? Tracajás criados em tanques-rede tendem a obter maior
desenvolvimento com rações de 30% de PB e 4.500 kcal de EB/kg.
? Foi observada uma tendência de maior crescimento e ganho
de peso de tartarugas, quando comparado ao crescimento de
tracajás, criada em tanque-rede, em todas as variáveis analisadas e
em todos os níveis nutricionais testados.
? Não houve efeito significativo da cobertura plástica no
experimento com tanque-rede, porém, tartarugas e tracajás
confinados em tanques com cobertura plástica, simulando o efeito
de uma estufa, tendem a obter maior crescimento em todas as
variáveis analisadas e em todos os níveis nutricionais testados.
? Tartarugas criadas em tanque escavado tendem a um
melhor crescimento e ganho de peso quando alimentadas com
rações de 40% de PB e 4.500 kcal de EB/kg. Pôde-se observar um
aumento linear nas médias biométricas, com o aumento do nível de
proteína e energia, sendo que não foi observada diferença
significativa da influência desses níveis na análise estatística.
? Comparando-se as três instalações experimentadas, sendo
tanques-rede com e sem cobertura plástica e tanque escavado,
houve diferença significativa ao nível de P<0,05, em que tartarugas
confinadas em tanque escavado, obtiveram o pior desenvolvimento e
os animais alojados em tanques-rede cobertos obtiveram o melhor
desempenho das três instalações.
328
Capítulo 10: Manejo em criações de quelônios
aquáticos no Amazonas: adubação, densidade
de cultivo, desempenho de diferentes espécies,
populações e sexo
Paulo Cesar Machado AndradeJoão Alfredo da Mota Duarte
Sônia Luzia de Oliveira CantoPedro Macedo da Costa
Francimara Sousa da CostaAna Cristina Leite MenezesJosé Raimundo da Silveira
Os criatórios de quelônios têm suas vantagens e
desvantagens considerando os diferentes tipos e métodos de manejo
(Schulte, 1990). Quatro tipos e quatro subtipos podem manejar
répteis e anfíbios da fauna amazônica: o primeiro é o criatório
intensivo com dois subgrupos: um manejo sem rotação (A) e com
rotação (B). O segundo tipo é o criatório extensivo com dois
subgrupos: de limite aberto (A) e de limite fechado (B). O terceiro tipo
é a reserva extrativa e, o último, é o mais importante e conhecido, o
criatório sem reprodutores, usado em nível mundial para o resgate
de tartarugas marinhas, lagartos etc.
O manejo de animais silvestres, por ser uma das atividades
mais antigas no mundo, já trouxe benefícios para a conservação e
desenvolvimento de regiões utilizadoras desse recurso e no Brasil
percebe-se que ainda há pouco desenvolvimento referente a essa
atividade, principalmente, pela falta de pesquisas que possam
oferecer subsídios científicos para tecnologias adequadas e
eficientes de manejo (Magnusson & Mariano 1993). Não são
estudados parâmetros como: taxa de crescimento, alimentação e
329
exigências nutricionais, densidade de cultivo, instalações etc. (Silva,
1998; Cenaqua, 1994; Ferreira, 1994).
Os quelônios são os répteis mais antigos (surgiram há mais de
200 milhões de anos), possuindo diferentes estratégias
biocomportamentais para escaparem de inimigos naturais ou dos
rigores climáticos. São os únicos que possuem a carapaça como
instrumento de defesa. Podem recolher a cabeça, as pernas e a cauda
para o interior da carapaça, servindo de escudo de proteção, ou
possuem mandíbulas e fortes maxilares usados para morder
vorazmente o inimigo, ou ainda, desenvolvem um tipo de natação
muito rápida. O conhecimento dessas características biológicas é
fundamental para melhorar o manejo das espécies em cativeiro
(Cenaqua, 1994).
O Ibama fornece os animais ao criador registrado (Portaria Nº
142/92), destinando de 4.000 a 4.500 filhotes, por hectare, de área
alagada de cada projeto. Dos animais recebidos, 10% deverão ficar
para reprodutores e matrizes, podendo o restante ser
comercializado. O controle da venda é feito através de um lacre com
numeração seqüencial, número do registro, ano e logomarca do
Ibama. Esse lacre acompanha as tartarugas, praticamente, até a
mesa em que a carne será degustada. Os animais podem ser
comercializados quando atingem 1,5 kg de peso vivo.
Em cativeiro, a tartaruga pode ter seu crescimento acelerado,
dependendo do tipo de manejo utilizado e da disponibilidade de
alimento. Pode alcançar até 1,5 kg de peso vivo no primeiro ano de
cultivo (Costa, 1999; Duarte, 1998). A carne de tartaruga apresenta
de 88 a 94% de proteína, quantidade superior à encontrada na carne
bovina (44%), carne suína (44%) e de lagosta (82%)(Alho apud Portal
& Silva, 1996).
Para a criação de tartarugas é necessário ter alguns cuidados,
330
principalmente, em áreas adaptáveis ao seu habitat natural como: a
água deve ser renovável; o viveiro deve ser fertilizado para que ocorra
uma reprodução de microplâncton, útil ao equilíbrio ecológico do
açude; é necessária a construção de tanques de engorda e
crescimento inicial.
Os criadouros comerciais de quelônios, instalados em
represa ou açudes, deverão apresentar sistema que permita seu
completo esvaziamento. Os criadouros instalados em braços de
lagos devem prever sistemas de captura dos animais, através de
cercados ou redes, mediante condicionamento alimentar.
Através do projeto Diagnóstico/PTU-CNPq, a Universidade
Federal do Amazonas e o Ibama-AM realizaram o monitoramento
periódico dos criadores do estado e diversos experimentos que nos
permitem inferir sobre algumas práticas mais adequadas de manejo
para esses animais em cativeiro, tais como: o efeito da adubação da
água das instalações de cultivo sobre o crescimento dos quelônios; a
densidade de cultivo ideal; os índices zootécnicos de acordo com a
espécie cultivada; a população de origem do plantel e o sexo. Além
disso, o conhecimento dos índices médios das criações do Amazonas
possibilitou, também, a proposta de um plano básico de manejo e de
evolução do plantel mais adequado à realidade dos queloniocultores.
9.1 Efeitos da adubação da água de cultivo no
desenvolvimento de filhotes de tartaruga (P. expansa) em
cativeiro
Foi realizada uma pesquisa na fazenda experimental da
Universidade Federal do Amazonas, localizada no Km 38 da BR-174,
Manaus-Boa Vista. Foram utilizados 800 filhotes de tartaruga
(Podocnemis expansa), com dois meses de idade, obtidos junto ao
Ibama/AM, provenientes do tabuleiro do Abufari, rio Purus,
331
Tapauá/AM.
Esses animais foram alojados em tanques de fibro-cimento
com capacidade de 1.000 litros. Os filhotes foram divididos em
quatro tanques, em sistema superintensivo, onde cada tanque tinha
um total de 200 animais.
Para a alimentação dos filhotes, utilizou-se a ração comercial
para trutas que tem como ingredientes: farinha de peixe, milho,
farelo de soja, farelo de trigo, farinha de sangue, carbonato de Ca,
sal, premix mineral e vitamínico e é composta de 46% de proteína
bruta e 3.800 kcal de energia bruta/kg. Os animais eram
alimentados com uma quantidade correspondente a 5% do seu peso
vivo.
A avaliação foi realizada com filhotes dos 2 aos 9 meses de
idade, através da análise de ganho diário de peso (GDP), consumo
diário de alimento (CDR), conversão alimentar e medidas
morfométricas (comprimento, largura e altura da carapaça,
comprimento e largura do plastrão e peso).
O experimento foi acompanhado com medidas mensais dos
animais, em que os dados foram anotados e, posteriormente,
tabulados em planilha eletrônica. Os resultados foram analisados
através de medidas repetidas no tempo e comparados através do
teste t não pareado.
Os tratamentos foram divididos de acordo com a quantidade
de esterco bovino adicionado diariamente durante a troca de água 3 3 3dos tanques: 0 kg/m ; 7,37 kg/ m ; 14,75 kg/m ; e 22,12 kg de
3esterco/m .
Através das Figuras de 1 a 4, pode-se observar que não houve
diferença significativa quanto ao acréscimo de esterco, como
332
adubação na água de tanques destinados ao alojamento de filhotes
de tartaruga em cativeiro. Porém, é possível observar uma tendência
para que na idade de 7 e 9 meses a quantidade de 14,75 kg de 3esterco/m proporcione melhor desenvolvimento dos animais em
relação às outras quantidades utilizadas.
A Tabela 1 demonstra valores médios aos 9 meses de idade das
variáveis analisadas durante as biometrias.
Tabela 1: Efeitos da adubação com esterco de gado no crescimento de tartaruga
(P. expansa) em cativeiro, de dois aos nove meses de idade.
*Ccp: comprimento da carapaça; Lcp: largura da carapaça; Cpl: comprimento do plastrão; Lpl: Largura do plastrão; Alt: altura; GDP: ganho de peso.
Variáveis 0 kg de esterco /1.000 litros deágua
7,37 kg de esterco /1.000 litros deágua
14,75 kg de esterco /1.000 litros deágua
22,12 kg de esterco /1.000 litros deágua
Ccp (mm) 69,5 ±7,2 70,6±6,6 71,3±7,4 69,5±8,2 Lcp (mm) 60,9±5,9 61,9±5,4 61,9±5,8 61,4±6,4
Cpl (mm) 58,7±5,9 59,6±6,2 60,0±6,4 58,8±6,9 Lpl (mm) 28,3±2,5 29,1±3,8 28,7±2,9 28,3±2,9
Alt (mm 30,3±2,6 30,6±2,8 30,9±3,0 30,3±3,0 Peso (g ) 81,0±15,0 80,9±15,5 83,2±19,8 78,0±18,0 GDP (g ) 0,18±0,10 0,25±0,05 0,27±0,03 0,30±0,05
0
0,2
0,4
0,6
0,8
ga
nho
mé
dio
de
pe
so
(g)
5 7 9
idade (meses)
Ganho Médio de Peso de filhotes de tartaruga (Podocnemis expansa )
0 kg deesterco/m3
7,37 kg deesterco/m3
14,75 kg deesterco/m3
22,12 kg deesterco/m3
Figura 1: Efeitos da adubação no comprimento de carapaça (mm) de tartaruga (P. expansa) em cativeiro.
333
0
10
20
30
40
alt
ura
(mm
)
0 5 7 9
idade (meses)
Altura da tartaruga (Podocnemis expansa) 0 kg deesterco/m37,37 kg deesterco/m314,75 kg deesterco/m322,12 kg deesterco/m3
0
20
40
60
80
100
120
pe
so
(g)
1 2 3 4
idade (meses)
Peso de filhotes de tartaruga (Podocnemis expansa)
0 kg deesterco/m3
7,37 kg deesterco/m3
14,75 kg deesterco/m3
22,12 kg deesterco/m3
0
0,2
0,4
0,6
0,8
ga
nh
om
éd
iod
ep
eso
(g)
5 7 9
idade (meses)
Ganho Médio de Peso de filhotes de tartaruga (Podocnemis
expansa ) 0 kg deesterco/m3
7,37 kg deesterco/m3
14,75 kg deesterco/m3
22,12 kg deesterco/m3
Figura 2: Efeitos da adubação na altura (mm) de tartaruga (P. expansa) em cativeiro.
Figura 3: Efeitos da adubação no peso (g) de tartaruga (P. expansa) em cativeiro.
Figura 4: Efeitos da adubação no ganho diário de peso (g/dia) de tartaruga (P. expansa) em cativeiro.
334
De acordo com os resultados obtidos, pode-se observar que
não houve diferença significativa no crescimento dos animais em
relação à quantidade de adubo adicionada, porém, foi possível notar 3uma tendência para que a adição de 14,75 kg de esterco fresco/m
proporcione um melhor desenvolvimento dos animais (Peso aos 9 3 meses de idades: 0 kg de esterco fresco/m = 80,99 15,05g; 7,37 kg
3 3 de esterco fresco/m = 80,89 15,52g; 14,75 kg de esterco fresco/m3 = 83,17 19,76g; 22,12 kg de esterco fresco/m = 78,02 18,03g).
Essa quantidade de esterco é superior à proposta pelo Sebrae
(1995) que é de 2.000 kg por mês, ou 100 kg de esterco/hectare/dia,
em dias ensolarados, e de 40 kg/hectare/dia, em dias nublados.
335
9.2 Densidade de cultivo
A densidade e o tipo de alimento fornecido aos quelônios são
fatores limitantes. Um grande número de animais em uma pequena
área diminui a taxa de crescimento e o ganho de peso. O número de
indivíduos distribuídos por unidade de área pode influenciar no
crescimento dos animais em cativeiro.
Nos quelônios, um grande número de animais em uma área
considerada pequena pode levá-los à competição por alimento,
espaço, abrigo, entre outros, o que pode promover um estresse nos
animais, levando-os a uma redução na taxa de crescimento e ganho
de peso (Figura 5).
Em contrapartida, um pequeno número de indivíduos, em
uma área grande, também pode comprometer o crescimento, pois os
animais vão demorar mais a encontrar o alimento em virtude da
maior dispersão pela área das instalações. Os animais costumam se
movimentar em grupos e estabelecem comunicação. A comunicação
química e sonora parecem ser fatores importantes na agregação e
sentido de defesa dos filhotes. Se eles estão dispersos, a localização
do alimento fica prejudicada, acarretando menor desempenho.
Existe uma densidade ótima em que os animais são
distribuídos adequadamente na área disponível e obtêm um bom
desempenho no crescimento e ganho de peso, não havendo grande
competição e, sim, uma disponibilidade para o animal encontrar o
alimento. Os criadouros do Amazonas foram monitorados quanto ao
número médio de tartarugas que possuíam e as densidades de
cultivo que utilizavam (Figura 5). A Figura 6 apresenta o resultado da
análise da relação entre três grupos de densidades e ganho de peso,
referentes aos criadouros avaliados.
De 1976 a 1988, os criadouros de quelônios registrados pelo
então IBDF (Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal)
336
recebiam, para iniciar sua criação, matrizes e reprodutores de
tartarugas e tracajás. Esses animais deveriam se reproduzir em
cativeiro e os seus filhotes seriam engordados e vendidos. Em
função do desaparecimento dos animais adultos doados e da
inviabilidade econômica de projetos com esse sistema de criação
(tempo demasiadamente longo para os quelônios se acostumar ao
cativeiro, se reproduzir e seus filhotes atingir peso mínimo de abate
de 12 kg), esse tipo de criação foi substituído pelo de recria de
filhotes, estabelecido pela Portaria Nº 133 de 5 de maio de 1988
(substituída em 1992 pela Portaria Nº 142).
A Portaria Nº 133/88 trazia, além da novidade da recria de
filhotes, normas técnicas para sua criação, de acordo com a idade do
animal:
a) Filhotes de 0 a 2 anos: deveriam ser criados isolados de outros
animais (sem consórcio), em berçários de, no mínimo, um metro de
profundidade, com renovação constante de água, com áreas de sol e
sombra, pequena praia de areia (1/3 da área) e proteção contra 2predadores. As densidades foram estipuladas em 5 animais/m , no
2primeiro ano, e 2,5 animais/m , no segundo ano.
b) Jovens e adultos: para efeito de cálculo da lotação dos tanques e 2barragens, considerava-se como exigência mínima 5,2 m de
superfície de água/animal, com profundidade média superior a 2 3metros. Como volume mínimo por animal, prescrevia-se 15,81 m .
Só se considerava profundidade média entre 2 e 3 metros, sendo que
o excedente a 3 metros era desconsiderado. A fórmula proposta por
aquela portaria para o cálculo da taxa de lotação máxima
consentida era:LMC= (superfície x profundidade média)/15,81
337
A densidade de cultivo está relacionada às diversas variáveis
de cada sistema de criação (tipo de alimento, instalação, taxa de
renovação da água, etc.), sendo que o desempenho dos animais,
para uma determinada densidade, poderá ser melhor ou pior,
dependendo do criadouro. Para o Amazonas, como veremos a seguir,
esses valores de taxa de lotação são baixos, podendo a criação ser 2mais intensificada, com mais tartarugas/m .
2Figura 5: Berçários em alvenaria com densidade de mais de 100 filhotes/m . A
competição por espaço e água gera um estresse tão forte que os animais
preferem ficar fora da água tentando fugir, Manacapuru/AM. Foto: Projeto
Diagnóstico (P.C.M.Andrade).
338
Com os dados obtidos através dos questionários feitos aos
criadores, ou técnicos de cada propriedade, foi possível avaliar os
criadores quanto ao tamanho das propriedades, instalações
(barragens ou represas e berçários), número de animais de cada
criadouro e, conseqüentemente, da densidade de cultivo utilizada
por cada um deles, com a determinação da melhor.
Figura 6: Relação entre o ganho de peso e a densidade em criação
comercial de P. expansa (animais/m²).(Duarte, 1998).
Em alguns criadouros, há o consórcio de tartaruga (P.
expansa) com peixes (tambaqui Colossoma macropomum ou
matrinxã Brycon spp.). Ainda não há estudo da viabilidade técnica e
econômica de quelônios com peixes. No entanto, esse procedimento
parece ser desfavorável para a tartaruga e para o peixe, em relação à
apreensão do alimento, espaço físico, competição por alimento,
qualidade da água. Os peixes sendo mais ágeis na água do que os
quelônios comem mais rapidamente, deixando as tartarugas sem
alimento. Isso influencia no comportamento alimentar das
339
tartarugas, não sendo recomendado o consórcio pelo fato de que não
se sabe qual seria a influência no crescimento em peso da tartaruga
da criação junto com peixe, e vice-versa, em um mesmo ambiente
aquático, e também por não haver mecanismos eficientes para
separar a alimentação de ambos em consórcio.
Figura 7: Berçário com cerca de madeira medindo 800 220.000 animais (densidade=25 tartarugas/m ), em margem de barragem.
Para esse local foram trazidos os animais da Figura 5, quando então, bem alimentados, apresentaram melhor desempenho, Manacapuru/AM. (Duarte, 1998).
2m , para
Navarro & Dias (1997), ao realizar estudo para determinar a
melhor densidade em função do crescimento e incremento de peso
total, ao final do experimento, utilizando alimento de origem animal
e vegetal, testou para filhotes de Podocnemis unifilis, densidades de
4,8 e 12 animais/m², e constatou na proporção de 18 animais por
4,5 m² como sendo a melhor.
340
Portal & Silva (1996), em experimento realizado no Amapá, testaram
três densidades de cultivo (10, 20 e 30 animais/m²) para filhotes de
tartaruga, dos 8 aos 14 meses, que receberam dois tipos de alimento:
ração de 25% PB e 2.400 kcal e verduras (couve, Brassica oleracea;
alface, Lactuca sativa; repolho, B. oleracea capitata; e cariru,
Amaranthus sp.) com frutas (mamão, Carica papaya; e goiaba,
Psidium guayava). O ganho de peso em 6 meses foi maior para
animais alimentados com ração na menor densidade (Densidade
10=73,5 g/6 meses; densidade 20=67,6 g/6 meses; densidade
30=59,7g/6 meses), provavelmente, pelo acúmulo de excretas
nitrogenadas em instalações com densidades maiores. Em animais
alimentados com verduras e frutas, o melhor desempenho foi com a
densidade de 30 animais/m² (densidade 10=24,04 g/6 meses;
densidade 20=21,51 g/6 meses; densidade 30=33,16 g/6 meses).
2Figura 8: Berçário com cerca de madeira medindo 16 m , para 1.000 animais 2(densidade=62,5 tartarugas/m ), em margem de tanque escavado e com solário.
Instalação simples e animais com excelente desempenho. Manacapuru/AM (Duarte,
1998).
Analisando os dados obtidos encontrou-se a mesma
tendência de maiores ganhos de peso em criadores com uma
densidade no berçário entre 65-100 animais/m². O menor ganho
diário de peso de 0,034 g/dia, foi obtido com uma densidade acima
de 100 animais/m², representando 10% dos criadouros.
341
Esses resultados foram similares aos encontrados por
Hernandez et al. (1999), na Venezuela, onde testaram para filhotes
de tartaruga densidades de 10, 25, 50 e 75 animais/m². Verificaram
que no primeiro ano, por possuírem hábito gregário e se sentirem
mais seguros em grupo, desde que haja água limpa e em quantidade
adequada e boa alimentação, suportam grandes densidades de
cultivo, apresentando melhor desempenho com 75 filhotes/m².
Tabela 2: Relação entre densidade e ganho diário de peso em P. expansa em
Densidade (animal/m²) GDP (g)
0,5 – 5 0,454
5 – 65 0,438
65 – 100 0,678
Maior que 100 0,034
Em estudo realizado na fazenda experimental da Ufam,
BR-174, Manaus/AM, foram testadas 3 densidades de cultivo em
tanques-rede (12, 25 e 37 animais/m²) para 360 filhotes de
tartaruga, no período de três aos dezesseis meses de idade. Os
animais experimentais apresentaram efeito semelhante ao
encontrado nos resultados do diagnóstico realizado nos
criatórios de tartarugas do Amazonas, ou seja, em uma menor 2densidade (10 indivíduos/baia ou 12 animais/m ) os animais
permanecem muito isolados, tendo dificuldades em encontrar o
alimento (tartaruga possui hábito gregário na hora de localizar o
alimento, uma segue a outra, e o alimento é encontrado pela
olfação ou pela comunicação química enviada por outro animal,
como nos alevinos). À medida que a densidade foi aumentada 2para 25 animais/m , houve um aumento no GDP, 0,94 g/dia,
2todavia, quando se chega à densidade mais alta (37 animais/m )
o GDP cai para 0,85 g/dia, ressaltando o efeito da competição,
acúmulo de dejetos e estresse sobre esses animais (esses
342
resultados podem ser observados na Tabela 3 e Figuras 9 e 10).
Logo, a densidade apresenta uma tendência para um
comportamento quadrático, embora não tenhamos aplicado a
regressão em função da não significância do teste F.
Tabela 3: Efeito da densidade de cultivo sobre o ganho diário de peso (g/dia) de
tartarugas (P. expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999).
Densidade decultivo/idade
6 meses (g/dia)
8 meses (g/dia)
13 meses (g/dia)
16 meses
12 ind/m 2 0,389 1,136 2,484 1,205 25 ind/m 2 0,441 1,141 2,246 1,221 37 ind/m 2 0,333 0,976 2,231 1,219
peso (g) X densidade
0
50
100
150
200
250
3 4 5 6 7
idade (meses)
gra
ma
s 10
20
30
Figura 9: Efeitos da densidade sobre o peso, aos 7 meses, de filhotes de tartaruga (P. expansa). (Costa & Andrade, 1999).
343
As variáveis comprimento e largura de carapaça, altura, peso e ganho médio diário de peso não apresentaram diferenças significativas, ao nível de 5%, pelo teste F e teste t do LSMEANS/SAS, para o fator densidade.
0
0,5
1
1,5
2
2,5
GD
P(g
/dia
)
6 8 13 16
Idade (meses)
Efeitos da densidade sobre o ganho diário de peso de
tartarugas (P. expansa ) criadas em cativeiro
12
25
37
Figura 10: Efeitos da densidade de cultivo sobre o ganho diário de peso
(g/dia) de tartarugas (P. expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999).
A Tabela 4 apresenta o estudo das interações entre
densidade e tipo de instalação. As interações não foram
significativas (teste F, 5%).
Tabela 4: Efeitos do tipo de instalação e densidade de cultivo sobre o
ganho médio diário de peso (g/dia) de filhotes de tartaruga (P. expansa), aos 16
meses de idade (Costa, 1999).
Instalação \ Densidade de cultivo
12 animais/
m2
25 animais/
m2
37 animais/
m2
Médias
Estufa 1,2±0,60 1,19±0,41 1,31±0,41 1,25±0,47 Ar livre 1,1±0,47 1,24±0,20 1,13±0,20 1,18±0,29 Médias 1,2±0,53 1,22±0,30 1,22±0,30
Como não houve diferença significativa entre as densidades,
devemos utilizar a maior, a fim de reduzir custos com instalações.
344
Andrade et al. (2001), criando tracajás (P. unifilis) em gaiolas
nos lagos de várzea do Macuricanã, Nhamundá/AM, em uma 2densidade de 22 animais/m , obtiveram um ganho de peso de 3,8
g/dia nos três primeiros meses de vida.
Recomendações quanto à densidade de cultivo para
tartaruga (P. expansa)
a) Em berçários em tanques escavados, ou de cercados de
madeira em margem de barragem utilizar no primeiro ano de vida 265-80 animais/m . No segundo ano, reduzir para 30-40
2animais/m .
b) Em tanques-rede ou gaiolas, trabalhar apenas até os 18
meses de idade ou até atingirem o peso de 1,5 kg (peso de abate), em 3densidade de 25 a 37 indivíduos por m .
9.3 Índices zootécnicos de acordo com a espécie cultivada, a
população de origem do plantel e o sexo
A partir dos dados do diagnóstico dos produtores de
quelônios no Amazonas e de ensaios de competição entre tartaruga,
tracajá e iaçá, no Ibama-AM e fazenda da Ufam, podemos inferir
sobre qual das três espécies do gênero Podocnemis apresenta
melhor desenvolvimento. Os animais foram analisados também em
relação ao sexo, quanto ao desempenho de machos e fêmeas de
tartarugas em cativeiro e ao local de origem dos filhotes de cada
plantel.
9.3.1 Avaliação do desempenho de machos e fêmeas de
tartarugas (Podocnemis expansa) em cativeiro
Para Alho, Danni & Pádua (1984), não há dimorfismo sexual
em tartarugas antes da maturidade sexual. No entanto, Molina &
Rocha (1996) citam que há dimorfismo sexual em P. expansa, em
345
que os jovens apresentam manchas amarelas na cabeça, com o
macho tendo a cauda comprida e a fêmea a cauda curta.
A avaliação do desempenho de machos e fêmeas de
tartaruga em cativeiro foi feita através da análise dos dados obtidos
através de biometrias bimestrais em animais com idade de seis
meses, criadouros comerciais de quelônios legalizados no
Amazonas, durante os três primeiros anos de vida. Os animais eram
submetidos a diferentes tipos de alimento e densidades de cultivo.
Em relação ao ganho diário de peso de machos e fêmeas, na
análise geral dos dados de criadores não foi encontrada diferença
estatística significativa (machos = 0,94 ± 0,82 g/dia; fêmeas = GDP
= 0,89 ± 0,77 g/dia), ao nível de 5% pelo teste t não pareado e pelo
LSMEANS do SAS, durante os dois primeiros anos de vida.
Tabela 5: Ganho diário de peso (g/dia) em machos e fêmeas de tartaruga (P.
expansa), considerando o tipo de alimento fornecido.
Alimentação Machos (g/dia) Fêmeas (g/dia) Peixe 0,534 0,536 Vísceras bovinas 1,284 1,130 Peixe+puerária 1,032 0,966 Restos de feira(verduras, frutas e tubérculos)
0,925 0,921
Ração balanceada 0,877 0,995 Média 0,93±0,27 0,91±0,22
346
9.3.2. Avaliação do desempenho de três espécies de quelônios:
tartaruga (Podocnemis expansa), tracajá (P. unifilis) e iaçá (P.
sextuberculata), criadas em cativeiro.
A Tabela 6 compara a tartaruga (Podocnemis expansa
Schweigger, 1812), o tracajá (P. unifilis Trochel, 1848) e o iaçá (ou
pitiú) (P. sextuberculata Cornalia, 1849) em cativeiro. De acordo com
os dados, observa-se que a tartaruga tem maior peso, ao nascer, do
que o tracajá, porém, o ganho de peso por dia e o ganho de peso por
porcentagem do peso vivo é maior no tracajá. Esse é um fato de
grande importância e que deve ser levado em consideração pelos
criadores, já que se deseja que a espécie tenha crescimento e ganho
de peso mais rápido. O iaçá tem valores inferiores em relação às
outras duas espécies. O tracajá tem reproduzido eficientemente, em
cativeiro, em alguns criadouros visitados.
Tabela 6: Avaliação de três espécies de quelônios em cativeiro.
Espécies / Parâmetros
Podocnemis unifilis
P. expansa P. sextuber culata
Peso aonascer
13,27 ± 1,42 g 18,22 a 23,13 15,36 ± 2,05 g
GDP (g) 0,59 0,24 a 0,87 0,04
GDP (% do P.V.)
2,9 0,42 0,25
Taxa de eclosão em cativeiro
83,15 ± 11,06 %
- -
Ovos por cova
21,0 ± 6,0 - -
2meses 12 meses
PV¹ 1,7 PV¹ 4,7
Consumo aparente (g)
-
PA² 3,6 PA² 15
-
-Conversão alimentar
- PA² 15:1
PV¹ 14:1
-
1- PV = Proteína vegetal; 2 - PA = Proteína animal (Duarte, 1998).
347
A conversão alimentar verificada na Tabela 6, para tartaruga,
provavelmente, ocorreu em condições de dificuldade em adquirir o
tipo de alimento, a mudança ou diminuição da quantidade de
alimentação fornecida, a falta de solários, ou de um número
pequeno, para os animais exporem-se ao sol, em função do número
de animais na instalação, a falta de acompanhamento técnico em
alguns criadouros durante a realização deste trabalho, o horário
inapropriado de fornecimento da alimentação, para aproveitar o
horário de 10:00 às 15:00 horas, a variação no tipo de alimentação,
consórcio com peixes, o efeito do El Niño, etc.
Para avaliar o desempenho de três diferentes espécies de
quelônios: tartaruga, tracajá e iaçá, criadas em cativeiro, foram
realizadas biometrias bimestrais de 360 animais entre 4 e 14 meses
de idade, alojados em gaiolas experimentais tipo tanque-rede, de um
metro cúbico, com densidade de 25 animais/baia.
As Figuras 11 e 12 mostram a comparação entre as três
espécies analisadas, relacionando-se ganho médio diário de peso
(g/dia) e ganho de peso em percentual de peso vivo. De acordo com
as figuras, observa-se que a tartaruga tem maior ganho diário de
peso do que o tracajá e o iaçá, porém, o ganho de peso em percentual
do peso vivo é relativo, de acordo com a idade. Esse é um fato de
grande importância e que deve ser levado em consideração para
quem deseja uma criação comercial desses quelônios, já que se
deseja que a espécie tenha crescimento e ganho de peso mais
precoce.
348
Figura 11: Comparação de ganho diário de peso (g/dia) de três diferentes espécies de quelônios, criadas em cativeiro (Costa, 1999).
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
GD
P(
G)
4 6 14
Idade ( meses )
Ganho diário de peso ( g )
Tartaruga
Tracajá
Iaçá
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
GD
P%
PV
(g
)
4 6 14
Idade ( meses )
Ganho de peso em percentagem do peso vivo
Tartaruga
Tracajá
Iaçá
Figura 12: Comparação de ganho diário de peso em percentual do peso
vivo (%) de três diferentes espécies de quelônios, criadas em cativeiro (Costa,
1999).
349
9.3.2 Avaliação do desempenho em função da população de
origem do plantel
Os primeiros criadores de quelônios do Amazonas
recebiam filhotes de tartaruga oriundos do tabuleiro do Abufari,
Médio rio Purus. Em 1999, essa prática foi abolida pela Câmara
Multiinstitucional de Fauna, do Ibama-AM, justamente por
estar, aquele tabuleiro, em área de reserva biológica e que,
portanto, pela lei, deveria ficar intocado. Então, os
queloniocultores do estado passaram a receber filhotes do rio
Juruá (tabuleiros do Walter Buri, Joanico) e do rio Branco
(afluente do rio Negro), dos tabuleiros de Sororoca, Caracaraí,
Roraima, sendo transportados de avião e caminhão.
Já a partir de janeiro de 1998, os criadores
acompanhados pelo projeto Diagnóstico receberam animais
provenientes de Rio Branco-RR, o que nos permitiu avaliá-los
confrontando com os dados de animais recebidos anteriormente
(novembro de 1997), provenientes da Reserva Biológica do
Abufari, município de Tapauá-AM. A Tabela 7 compara os
valores de comprimento de carapaça (mm), peso (g) e ganho
diário de peso (g/dia) das duas populações de tartarugas criadas
em cativeiros.
350
Tabela 7: Comparação entre o comprimento da carapaça (mm), peso
(g) e ganho diário de peso (g/dia) de duas populações diferentes de tartaruga
em cativeiro (Abufari e Rio Branco). (Costa & Andrade, 1999).
As Figuras de 13 a 15 mostram a comparação de duas
populações de tartarugas (Podocnemis expansa) de 0 a 12 meses em
que os animais provenientes do Abufari demonstram em geral
valores maiores de peso e ganho de peso em relação aos animais
provenientes de Rio Branco-RR, sendo que os de Rio Branco têm
maior carapaça. Isso indica, provavelmente, maior rendimento de
carcaça dos animais provenientes do Abufari.
351
Comprimento da carapaça (mm) População 0 4 6 8 10 12
Abufari 56,7±2,5 66,1±5 67,2±5
78,7±7,2 85,0 ±9,1
89,4 ±11,4
Rio Branco
52,7 ±2,5 69,8 ±4,9
74,9 ±6,6
68,9 ±4,8 86,9 ±7,2
92,2 ±8,6
Peso (g) População 0 4 6 8 10 12
Abufari 34,5 ±4.6 49,2 ±10,1
90,5 ± 18,7
83,7 ± 19,3
110,2± 39,15
141,6 ±53,.4
Rio Branco
24,6 ±2,4 45,6 ±7,3
71,5 ±14,7
63,8 ±8,3 86,98 ± 22,2
108,4± 24,9
Ganho de peso (g/dia). População 0 4 6 8 10 12
Abufari 0,172 0,18 0,37 0,47 0,.48
Rio Branco
0,084 0.19 0,04 0,109 0,53
Figura 13: Comprimento de carapaça (mm) de tartarugas (Podocnemis expansa) criadas em cativeiro no estado do Amazonas, provenientes de duas populações (Costa & Andrade, 1999).
Figura 14: Peso (g) de tartarugas (Podocnemis expansa) criadas em cativeiro no estado do Amazonas, provenientes de duas populações (Costa & Andrade, 1999).
352
0
20
40
60
80
100
Ccp
(m
m)
0 4 6 8 10 12
Idade ( meses )
Comprimento da carapaça (mm)
Abufari
RioBranco
020406080
100120140160
Peso
(g
)
0 4 6 8 10 12
Idade ( meses )
Peso ( g )
Abufari
Rio
Branco
Figura 15; Ganho de peso (g) de tartarugas (Podocnemis expansa) criadas em
cativeiro no estado do Amazonas, provenientes de duas populações (Costa &
Andrade, 1999).
Um experimento foi realizado na Fazenda Experimental da
Universidade do Amazonas, onde foram utilizados 350 filhotes de
tartaruga (Podocnemis expansa) que foram alojados em um curral 2de estacas de 16 m , provenientes de três locais: Rio Purus, Reserva
Biológica do Abufari-Tapauá/AM; Rio Branco-RR; Rio Uatumã-
Balbina/AM. Com este estudo pôde-se fazer uma comparação, sob
as mesmas condições experimentais, do crescimento e ganho de
peso de animais originados de três diferentes populações, criadas
em cativeiro, verificando-se que os resultados obtidos em campo,
nos criadouros se repetiam.
As Figuras 16 e 17 demonstram a comparação de
crescimento de comprimento de carapaça (mm), peso (g) e ganho de
peso (g) das três populações. Não houve diferença significativa entre
o desempenho das tartarugas de diferentes populações.
353
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6G
DP
(g/d
ia)
0 4 6 8 10 12
Idade (meses)
Ganho de peso (g/dia)
Abufari
Rio
Branco
Comprimento da carapaça (mm)
0
50
100
150
200
0 2 4 6 12
Idade ( meses )
Ccp
(mm
)
Abufari
Rio
BrancoUatumã
Figura 16: Comparação de comprimento de carapaça (mm) de três diferentes populações de tartaruga (P.expansa) criadas em cativeiro (Costa & Andrade, 1999).
Peso ( g )
0
200
400
600
800
0 2 4 6 12
Idade ( meses )
Peso
(g)
Abufari
Rio
BrancoUatumã
Figura 17: Comparação de peso (g) de três diferentes populações de tartaruga (P. expansa) criadas em cativeiro (Costa & Andrade, 1999).
354
Através das figuras podemos observar que os animais
provenientes de Uatumã apresentaram uma ligeira tendência a um
melhor crescimento e ganho de peso em relação às outras
populações, porém, os animais do Abufari apresentam crescimento
maior em relação aos animais de Rio Branco, o que confirma os
dados dos criadores que apresentaram resultados semelhantes nos
primeiros 12 meses de vida.
As Figuras 18 e 19 demonstram a comparação de
crescimento de comprimento de carapaça (mm) e ganho diário de
peso (g/dia) das três populações até os 16 meses de vida.
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Cc
p(m
m)
0 2 4 6 12 16
Idade (meses)
Comparação de comprimento da carapaça (mm) de tartaruga
provenientes de diferentes populações
Abufari
Rio Branco
Uatumã
Figura 18: Comparação de comprimento de carapaça (mm) de três diferentes populações de tartaruga (P.expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999).
355
Figura 19: Comparação de ganho diário em peso (g/dia) de três
diferentes populações de tartaruga (P.expansa) criadas em cativeiro (Costa,
1999).
Apesar de não haver diferenças significativas (teste t não
pareado, 5%), é possível observar que os animais provenientes de
Uatumã apresentam melhor crescimento e ganho de peso em relação
às outras populações no primeiro ano, porém, os animais do Abufari
os superam em desempenho dos 12 aos 16 meses, embora animais
do Uatumã mantenham maiores incrementos em peso. Contudo,
mantém-se a tendência de animais do Purus apresentar crescimento
maior em relação aos animais de Rio Branco.
Sugere-se que o Ibama e os criadores procurem trabalhar
com filhotes de tabuleiros próximos à região do criadouro,
fomentando o trabalho de proteção nesses lugares (apoio aos
comunitários do local, criação de infra-estrutura básica,
alternativas de desenvolvimento com geração de renda, etc.).
Provavelmente, animais mais adaptados ao clima local tenham
melhor desempenho, como é o caso de animais do Uatumã (área de
356
terra firme similar à dos criadouros de Manaus) e do Abufari (clima
similar aos dos criadouros de Manacapuru, margem do rio Solimões,
onde deságua o rio Purus).
9.4 Roteiro básico para o planejamento do manejo em
criadouros de quelônios
9.4.1 DESCRIÇÃO DA ÁREA E INSTALAÇÕES: A área destinada à criação de quelônios deverá ser
apresentada ao Ibama em croqui ou planta detalhada do criadouro.
Recomenda-se que a propriedade possua um lago ou barragem de 1
a 2,5 ha, que será destinado a receber os animais após os dois anos,
matrizes e reprodutores. Essa área alagada poderá ser alimentada
por um igarapé com vazão média de 2 l/s, em área cercada por
floresta equatorial de terra firme, mata de capoeira ou pastagens. As
bordas da represa deverão ser inclinadas, em sua maior parte, com
declives de até 30%. O tipo de solo ideal é o latossolo para reduzir o
problema de perda de massa líquida, por infiltração, sendo que
poderá haver, próximo à barragem, manchas de podzóis com faixas
de terreno arenoso que poderá ser utilizado para a formação de uma
praia artificial para desova. O berçário I para receber os filhotes de tartaruga doados pelo
2Ibama deverá medir aproximadamente de 60 a 100 m , para lotes de
4.000 animais. A cerca do berçário será de aproximadamente 50 cm
de altura, feita em tela ondulada com malha de meia polegada, fio nº
12 ou com estacas de madeira. Recomenda-se que os animais no
segundo ano de vida sejam transferidos para um segundo berçário, 2com 500 a 1.000 m para lotes de 4.000 animais, cercado por campos
de puerária, gramíneas nativas ou implantadas, capoeira, mata e
fruteiras. Essa área receberá uma cerca de 1,80 m de altura total,
com metade em estacas de madeira (0,5 m) e o restante com arame
farpado ou tela de alambrado, para evitar predadores e furto de
animais.
357
9.4.2 ANIMAIS: quantidade e aquisição
Utiliza-se como base de cálculo um total de 4.000 animais
por hectare de espelho d'água, considerando-se a somatória das
áreas alagadas que, efetivamente, serão utilizadas na propriedade
para criar quelônios: lago ou barragem de reprodução (1,0-2,5 ha),
mais o tanque ou açude de crescimento e engorda (berçário II) e o
berçário I. O projeto deverá prever um total de 12.000 animais, para
3 ha de área alagada, a serem doados pelo Ibama em lotes anuais de
4.000 indivíduos, sempre que houver disponibilidade.
9.4.3 MANEJO
a) ALIMENTAÇÃO
A alimentação será fornecida a cada 24h, no horário entre 9 e
10 horas da manhã, em vista do metabolismo dos animais ser
favorecido nas horas mais quentes, aumentando sua eficiência
digestiva. O alimento será fornecido em cocho submerso a 50 cm do
nível da água, tendo por base de consumo 5% da biomassa total de
quelônios, para indivíduos até um ano, e de 3% da biomassa para
indivíduos acima de um ano.
O tipo de alimentação fornecida será ração, vísceras e sangue
coagulado de frango, suínos e bovinos, pescado moído, verduras e
frutas (resto de feiras) e macaxeira e milho (é interessante que seja
feito um roçado só para atender à criação). O alimento dependerá da
disponibilidade na propriedade e do custo.
b) RENOVAÇÃO DA ÁGUA, CONTROLE DE FUGA E DE
PREDADORES
A renovação de água na represa será feita conforme o fluxo de
água do igarapé e a vazão do excedente por tubos de PVC de 4
358
polegadas ou monge situados na barragem. Para evitar que a água
se suje rapidamente os excedentes de alimento nos cochos serão
removidos, diariamente, por volta das 17h.
Para evitar a fuga dos animais da represa serão construídas
cercas de estacas de madeira, com 50 cm acima do nível do solo.
Essas cercas não possuirão cantos (cantos arredondados) e terão os
mourões colocados pelo lado de fora. O controle de predadores na
represa será feito por um tratador que deverá residir próximo às
instalações, e poderá vigiar a criação dia e noite, evitando não só o
ataque de aves, jacarés e alguns mamíferos, mas o furto de animais.
Além disso, deve-se construir uma cerca de arame farpado de 1,80
m ao redor de todo o criatório o que deverá dificultar ainda mais o
furto. No caso específico de aves nos berçários (gaviões, garças etc.),
deve-se colocar uma rede ou fios de náilon para evitar o pouso de
predadores no local.
c) PROFILAXIA E TRATAMENTO
Os berçários e a represa serão vistoriados diariamente em
busca de animais doentes ou mortos. Animais doentes serão
isolados e submetidos à tratamento veterinário; animais
encontrados mortos serão necropsiados, imediatamente, pelo
técnico responsável. Não sendo possível, o animal será guardado em
freezer para posterior análise.
A renovação da água dos berçários e da represa,
periodicamente, também consiste em uma medida profilática para
evitar o acúmulo de sujeira e a proliferação de microorganismos que
possam adquirir caráter patogênico.
d) MARCAÇÃO, BIOMETRIA E CAPTURA DOS ANIMAIS
Os animais acima de três anos, selecionados para
359
reprodutores e matrizes, receberão uma plaqueta metálica na
carapaça constando as iniciais do proprietário, o número de registro
do criadouro, no Ibama, e o número do animal. A plaqueta será
presa por arrebites nas escamas caudais da carapaça.Animais para venda receberão o lacre plástico específico,
fornecido pelo Ibama, mediante solicitação do produtor, com pelo
menos um mês de antecedência. Hoje, o lacre custa R$1,10 a
unidade (aproximadamente, U$0,35).
As biometrias serão realizadas bimestralmente em animais
até um ano, e semestral ou anualmente nos demais animais.
Para a biometria os animais dos berçários serão capturados
com puçás ou com malhadeira. Os animais da represa serão
capturados com malhadeira após o seu esvaziamento, bem como
construiremos uma “manga de cerca” (espécie de labirinto com
estacas ou tela) em alguns pontos da cerca, de forma que, ao
esvaziarmos a represa, caso os animais tentem fugir durante a noite,
acabam ficando presos nesse artifício.
9.4.4 EVOLUÇÃO DO PLANTEL
Para efeito de planejamento do plantel, em um prazo de 5
anos, consideramos os seguintes aspectos: mortalidade em torno de
5% dos animais, no primeiro ano; comercialização de animais acima
de 1,5 kg (considera-se que a partir do terceiro ano, quando bem
alimentados, 50-65% dos animais atingiriam ou superariam esse
peso); seleção de 10% dos animais, acima de quatro anos, para
reprodutores e matrizes (em geral, os animais maiores são
separados e marcados com plaqueta metálica e rebite).
360
Figura 20: Evolução do plantel.
No que diz respeito à atividade de criação de quelônios, os
problemas começam no momento do planejamento, pois é realizada
sem critérios ou acompanhamento técnico, e sem a determinação de
um calendário prévio, que acaba por resultar em desperdícios de
recursos, tempo e sobrecarga dos órgãos licenciadores.
Nos criadouros, mesmo depois de implantados, deverão ser
realizados trabalhos de inventários para determinar qualitativa e
quantitativamente a viabilidade técnica e econômica, o potencial de
produção nos criadouros de quelônios para a certificação e posterior
comercialização racional dos produtos in natura e beneficiados,
agregando valores.
a) Metodologia para o monitoramento do plantel Para a realização dos levantamentos qualitativos e
quantitativos das áreas a serem manejadas será usada a
361
metodologia determinada pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis, que definiu o manejo simplificado coletivo para facilitar,
como apoio técnico para os criadores de quelônios, observando as
normas da Vigilância Sanitária da legislação estadual.
A amostra-padrão é a de um tanque que apresente um
ambiente de fácil observação e captura. O tamanho amostral vai
depender da área e do plantel a ser explorado, e será variável
conforme o tamanho da gleba do produtor (criador) a ser
inventariada.
Os animais serão distribuídos em tanques, de maneira a ter
fácil acesso no momento da captura, para posterior manejo,
análises e emplacamentos, sendo respeitados a quantidade para
cada lote e o tipo de procedimento aplicado.
Para a medição das amostras, será feita a captura no local de
criação, onde serão definidas as porcentagens de animais
distribuídos para os tanques, de acordo com a idade, peso, altura,
largura e comprimento para cada espécie.
Paralelamente, o modelo de projeto e inventário deverá realizar
observações quanto à maturação sexual dos animais, merecendo
especial atenção às espécies mais requisitadas no mercado
consumidor, para um melhor controle na reprodução e manutenção
do estoque natural. O material não identificado no local da captura
será coletado e posteriormente identificado em estudos de
laboratório.
362
b) Cronograma proposto para a evolução do plantel
Exemplo 1: Área alagada de 3,5 ha, considerando-se seleção para comercialização no quarto ano (65% dos animais atingiram o peso de abate) e seleção das matrizes e reprodutores (10%) a partir do terceiro ano.
b.1) Projeção dos gastos com ração para o plantel do exemplo 1,
considerando-se a taxa de 5% da biomassa para o arraçoamento no
primeiro ano, de 3% do segundo ano e 1% do terceiro em diante.
CUSTO COM RAÇÃO ANO 01
Nº DE ANIMAIS 3800
PESO (g) 361
% BIOMASSA 0,05
QUANT. ALIMENTO 68,59
CUSTO UNITÁRIO 1,15
CUSTO TOTAL DIÁRIO 79,01
CUSTO ANUAL R$26.547,36
363
EVOLUÇÃO DO PLANTEL
INSTALAÇÃO ANO 01
ANO 02
ANO 03
ANO 04
ANO 05 TOTAL
BERÇÁRIO 4000 5000 5000 0 0 0 TANQUE DE CRESCIMENTO 0 3800 4712 4712 0 0 TANQUE DE ENGORDA 0 0 2400 5552 6361 6361
REPRODUÇÃO 0 0 1400 1400 1400 1400
MORTOS 200 288 288 0 776
VENDA 0 0 1560 3903 5463
TOTAL GERAL 3800 8512 13224 10104 3858 14000
(Continuação) GASTOS COM RAÇÃO
CUSTO COM RAÇÃO ANO 02 ANO 01 TOTAL
Nº DE ANIMAIS 3800 4712 8512
PESO (g) 1100 361 -
% BIOMASSA 0,03 0,05 -
QUANT. ALIMENTO 125,40 85,05 210,45
CUSTO UNITÁRIO 1,15 1,15 -
CUSTO TOTAL DIÁRIO 144,21 97,81 242,02
CUSTO ANUAL R$ 48.454,56
R$ 32.864,16
R$ 81.318,72
CUSTO COM RAÇÃO ANO 03 ANO 02 ANO 01 TOTAL
Nº DE ANIMAIS 3800 4712 4712 13224
PESO (g) 2250 1100 361 -
% BIOMASSA 0,01 0,03 0,05 - QUANT. ALIMENTO 85,50 155,50 85,05 326,05
CUSTO UNITARIO 1,15 1,15 1,15 1,15 CUSTO TOTAL DIÁRIO 98,32 178,82 97,81 374,95
CUSTO ANUAL R$ 33.037,20
R$ 60.083,65
R$ 32.864,16
R$ 125.985,01
OBS.: Sugerimos que a ração deverá ser ministrada apenas no Ano
01, como única fonte de alimento, sendo nos anos subseqüentes
complementada com outras culturas (macaxeira, folhas de
hortaliças, etc.), devido ao alto custo, para não se tornar inviável a
produção de quelônios.
364
Exemplo 2: Área alagada de 3,0 ha, considerando-se a seleção para
comercialização no terceiro ano (50% dos animais atingiram o peso
de abate) e seleção das matrizes e reprodutores (10%) a partir do
terceiro ano.
c) Manejo dos animais por lote de tamanho ou peso, e seleção
para venda
Se os animais não recebem a quantidade adequada de
alimento vai ocorrer uma grande heterogeneidade no tamanho dos
animais do plantel. Uns crescem muito e outros não crescem nada.
Se esses animais são mantidos juntos, a tendência é aumentar essa
diferença. Portanto, é adequado que, quando da seleção de animais
para venda ou para o plantel de reprodutores, se aproveite a ocasião
para selecionar os animais pelo tamanho e colocá-los em tanques
diferentes. Com isso, passamos a ter maior controle sobre o número
e o peso dos animais em cada instalação e podemos melhorar o
controle no fornecimento adequado de alimentos. A Figura 21
mostra como é o processo de captura de animais para venda e
seleção de lotes por tamanho e plantel reprodutivo.
365
Item/Instalação 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano
Berçário I 3.500 4.000 4.500 -
Berçário II / Crescimento
3.325 3.800 4.275
Lago oubarragem (Matrizes /Reprodutores)
- - 350 750 1.200
Barragem outanque (animais para venda)
2.975 4.441 5.015
Mortos * 175 200 225 - -
Comercializados 1.934 3.251 3.676
TOTAL 3.325 7.125 9.466 6.215 2.539
Os animais que formaram o plantel de reprodutores e
matrizes deverão ser marcados com sistema codificado de furos na
carapaça e plaquetas metálicas rebitadas nas escamas caudais da
carapaça. Cada plaqueta deverá conter um número de série
identificador do animal e o número de registro do criador no Ibama.
Figura 21: Seleção de lote de 5 toneladas de quelônios para venda: a e
b) captura dos animais; c) lançamento de quelônios até o caminhão; d e
e) carroceria dividida para separar animais de diferentes tamanhos; f)
Separação de animal doente.
A B
C D
E F
366
Capítulo 11: Manejo reprodutivo, predação e
sanidade
Paulo Cesar Machado AndradeJoão Alfredo Mota Duarte
Maria Linda Flora de N. BenettonRaimunda Lenice da Silva
Francivane FernandesJosé Ribamar da Silva Pinto
Agenor Vicente da SilvaWelton Oda
Anndson BrelazWander Rodrigues
11.1 Manejo reprodutivo
As fêmeas de tartaruga têm condições de procriar entre 5 e 7
anos de idade. No início do verão, geralmente, nos meses de
setembro a novembro, machos e fêmeas sobem os rios em direção às
praias para reprodução, procedimento denominado “arribação”, em
que se aglomeram em frente às praias, observando o ambiente, e
passam algum período em processo chamado “assoalhamento”, que
é a agregação dos animais, em águas rasas, com subidas ocasionais
na margem do tabuleiro (praia de desova) para exporem-se aos raios
solares, para depois as fêmeas subirem às praias na busca do sítio
ideal de postura, considerando condições de temperatura e umidade
(Cenaqua, 1994).
A tartaruga-da-amazônia cumpre o determinismo biológico
de retornar à mesma área de desova. A desova é única e anual. Após
longa jornada de viagem ao tabuleiro, o bando ou cardume
permanece alguns dias em completo repouso, na parte mais funda
do rio, denominada de poção ou boiadouro (Alfinito, 1980).
367
Segundo Alho & Pádua (1982), há uma sincronização entre a
vazante e o desencadeamento do comportamento de nidificação da
tartaruga-da-amazônia. O comportamento de nidificação só começa
quando a água se estabiliza em seu nível mais baixo. A
imprevisibilidade dos níveis de água no Rio Trombetas, um
tributário do Amazonas, no Pará, é um fator seletivo importante que
influencia a data e a escolha do local da postura de P. expansa. A
cheia rápida e imprevisível (conhecida como repiquete) matou, em
1980, 99% dos embriões nos ovos em contraste com as estações de
nidificação de 1978, 1979 e 1981, quando 95% dos ovos eclodiram
com sucesso.
O cruzamento ocorre dentro da água. É fácil observar esse
movimento nas águas mais ou menos paradas, próximo às margens
dos grandes rios. Macho e fêmea passam horas juntos, vindo
freqüentemente à tona ora o macho ora a fêmea ou os dois juntos. O
acasalamento ocorre particularmente nos meses de maio e junho
(Ferrarini, 1980).
Após a seleção do sítio de postura, as tartarugas sobem à
praia, geralmente à noite, onde, após uma perambulação, escolhem
o local específico de desova, iniciando a abertura da cova,
alternadamente, jogando a areia para trás. Com movimentos do
corpo para a direita e para a esquerda, vão modelando aos poucos a
cova, encaixando a parte posterior no buraco e aumentando a ação
das patas traseiras. Preparada a câmara de postura, começam a
deposição dos ovos. Nessa etapa, elas tornam-se quietas, realizando
movimentos estereotipados, podendo até serem tocadas sem que
haja reação. Terminada a postura, as tartarugas iniciam o processo
de fechamento da cova, utilizando as patas traseiras. A seguir,
através de batidas com o plastrão, fazem a compactação da cova
(Alho, 1979).
368
Como camuflagem no momento da saída jogam areia nas
proximidades da cova (2 a 3 metros), iniciando, a partir de então, o
retorno ao rio, que é geralmente lento, fato que demonstra o cansaço
pelo esforço despendido. A quantidade de ovos por cova varia de 40 a
160, com média em torno de 100 (Cenaqua, 1994). As posturas
situam-se em torno de 75 ovos por cova, com variação mínima de 54
e máxima de 136. Os ovos são lançados no fundo da cova, ao acaso, e
sobre eles descarrega grande quantidade de muco misturado com
urina. Retornando à atividade, espalha bastante areia sobre a cova,
com ágeis movimentos sobre as patas anteriores e posteriores, como
também do plastrão (peito). A profundidade da cova oscila entre 44 e
83 cm, sendo a média de 54 cm, podendo, naturalmente, variar
esses limites. A concentração de covas nessas áreas, chamadas 2 tabuleiros, é, em média, de 4 a 7/m (Alfinito, 1980).
A cova pode ser identificada pela areia molhada, extraída
pelo animal, das partes mais profundas da cavidade, pelo rastro
deixado na areia, por ocasião da subida para a desova ou, ainda,
utilizando-se um estilete (varinha) que, introduzido na areia fofa,
penetre facilmente na cova (Pádua & Alho, 1982).
O período embrionário do ovo da tartaruga é de 45 dias,
permanecendo os filhotes no fundo da cova (câmara de incubação)
até completarem 60 ou 90 dias, prazo que coincide com a absorção
total da bolsa da gema, implantada na parte externa do plastrão, em
que se forma o umbigo. Os ovos mantidos em incubação natural são
85% gerados, desde que permaneçam em equilíbrio a umidade e a
temperatura (Pádua & Alho, 1982).
As tartaruguinhas que nascem estão sujeitas ao ataque
maciço dos inimigos naturais e dos predadores aquáticos, como a
piranha (Serrasalmus sp.), pirarara (Phractocephalus
hemioliopterus), tucunaré (Cichla sp.), traíra (Hoplias malabaricus) e
outros. Porém, trabalhos realizados em Fordlândia demonstraram
369
que filhotes lançados no rio, por ocasião de grandes cheias, não
sofriam os ataques intensivos dos predadores habituais (Alfinito,
Vianna, Silva, 1976).
Os adultos são de hábitos solitários. No entanto, durante a
temporada de reprodução tornam-se gregários em lugares
tradicionais de desova para realizar a cópula e a desova (TCA, 1997).
Em 1994, Meri Ushiñahua Alvarez calculou um custo de US$
5,00 por cada filhote de P. unifilis produzido na comunidade
ribeirinha de Manco Capac, na periferia da Reserva Nacional de
Pacaya-Samiria. Foram produzidos 2.197 filhotes e o manejo
utilizado foi transplantar as ninhadas de um banco de areia
construído na comunidade, no qual foram incubados ninhos quase
naturais, escavados à mão. Para P. expansa o custo seria muito
similar ao de P. unifilis. No Amazonas, o RAN-Ibama estimou o custo
de produção de filhotes em áreas protegidas em torno de R$0,16-
0,21 por unidade (U$0,07), isto ocorre em função do volume da
produção de filhotes do estado e, em parte, devido ao trabalho
voluntário de muitas comunidades.
O tracajá (P. unifilis) encontra-se distribuído por toda a bacia
amazônica, sendo as fêmeas maiores do que os machos (que
possuem manchas amareladas na cabeça), possuindo em torno de 8
kg e medindo cerca de 38 cm. Vivem em lagos, rios e igarapés e
desovam isoladamente em barrancos, em covas de,
aproximadamente, 30 cm de profundidade em que colocam, em
média, 20-30 ovos (Soini, 1995). Supõe-se estar maduro
sexualmente após os 7 anos e, alimentam-se de frutas, sementes,
raízes, folhas e, ocasionalmente, de insetos, crustáceos e moluscos.
Parecem ser mais rústicos do que as tartarugas, o que lhes confere
uma melhor adaptação ao cativeiro (Terán-Fachin, 1992).
A Podocnemis sextuberculata é denominada vulgarmente de
iaçá, pitiú ou cambeuá (Pezzuti, 1997). Smith, 1979, cita que essa
370
espécie é encontrada somente nos rios de água barrenta como o
Branco, o Solimões e o Amazonas, mas ela também é encontrada nos
rios Trombetas e Tapajós, considerados de água clara. A fêmea
possui manchas amarelas com dois barbelos embaixo da boca. A
carapaça tem coloração marrom-claro e marrom-escuro. A postura
média é de 15 a 20 ovos de casca mole. O iaçá é menor do que o
tracajá. Soini (1980) sugere que esta espécie desova quase sempre
em praias arenosas, geralmente próximo da água. A desova ocorre
geralmente à noite. Em geral, os ovos de iaçá são pequenos e
compridos, com a casca mais clara, mais delgada e mais flexível.
Recomendação para a reprodução natural em cativeiro
Os tanques ou represas em que ficam matrizes e
reprodutores devem ter constante renovação de água, ser limpos
sem tocos ou vegetação, que dificulte a locomoção, e com
profundidade média de 2 m. Ainda não se sabe a razão sexual mais
adequada para a reprodução em cativeiro. Segundo o Dr. Richard
Vogt/Inpa (informação pessoal), a proporção de machos e fêmeas
adultos também é variável na natureza, não podendo servir como
indicativo. Contudo, sabe-se que uma fêmea de tartaruga pode ser
coberta por vários machos, podendo apresentar ninhadas com
filhotes de diferentes pais. Portanto, sugere-se uma proporção de
reprodutores e matrizes que varie de 1 macho:1 fêmea até 1 macho:5
fêmeas.
Em cativeiro, as praias artificiais para tartarugas devem ser
feitas com areia fina ou média, ser colocadas à margem dos tanques e
barragens, ou ao centro, em forma de ilha (mais difícil manutenção e
reposição da areia perdida pela movimentação da água e dos
animais). A altura mínima deverá ser de um metro acima do nível da
água, entretanto, é preciso verificar até que altura a água do tanque
infiltra na areia. Deve haver uma faixa mínima de 30 cm isolando a
areia úmida do tabuleiro, separando-a do fundo do ninho. No caso da
371
2tartaruga, deve haver 1 m de praia para cada matriz em reprodução.
No caso de tracajás, podemos trabalhar a densidade de 5 2matrizes/m de praia.
10.1.1 Transferência de ninhos
Em situações de extrema predação humana dos ovos e
impossibilidade de fiscalização sistemática do tabuleiro ou, no caso
de perigo de inundação e perda dos ninhos, pode-se executar a
transferência dos ninhos para praias protegidas pelo Ibama ou pelas
comunidades. Em cativeiro, o mesmo pode ser feito quando há uma
predação natural (lagarto teiú, Tupinambis spp.; formigas; cupins,
etc.), acentuada, ou a praia artificial às margens do tanque ou
barragem não possua condições adequadas para a incubação dos
ovos.
Andrade et al. (2004) vêm desenvolvendo desde 1999, na
região do Baixo Amazonas (Parintins, Nhamundá, Barreirinha,
Terra Santa, Oriximiná e Juruti) um programa de manejo
comunitário participativo de quelônios. Nesse projeto, chamado de
“Pé-de-Pincha”, os comunitários são treinados para realizar a
transferência de ninhos de áreas muito ameaçadas.
Em setembro e outubro é realizada a transferência dos
ninhos. Essa atividade é feita por cinco equipes com o apoio de um
ou dois guias locais. O deslocamento é feito em botes de alumínio
com motor de popa 15-40 HP, ou motores tipo rabeta. A
transferência dos ninhos é um processo simples desde que se saiba
a idade dos ninhos (ela não pode ser executada com ovos entre o
terceiro e o vigésimo sétimo dia de incubação). Como é difícil
precisar a idade de covas mais velhas, trabalhamos com covas
novas.
372
Os ninhos são abertos e os ovos colocados em caixas de
isopor (24,5 e 37 l) forradas com areia. Ao transferir os ovos para a
caixa, eles são mantidos na mesma posição que estavam no ninho.
De cada cova encontrada, são registrados em fichas o número da
cova, a procedência, a espécie, a quantidade de ovos, a distância
para a vegetação e para a água, a profundidade, o diâmetro e a
temperatura delas e, a cada cinco covas, é feita a biometria dos ovos.
As covas artificiais são construídas de modo similar ao da
natureza, com uma câmara de ar e profundidade em torno de 30 cm.
Cada cova recebe uma estaca em que está escrito um número
indicando a ficha do ninho (na ficha estarão registrados dados como
o local de coleta, o número de ovos, a distância da água, o tipo de
solo, etc.) e a provável data de eclosão. Os locais de transplante
foram selecionados pela textura da areia ou argila, pela ausência de
pedregulhos e/ou raízes de árvores e vegetação abundante, pela
menor umidade, distância do lençol freático e temperatura. As
covas transplantadas ficam sob os cuidados dos proprietários ou de
comunitários. Foi feito também o registro da temperatura da área
onde foram implantadas as covas, a fim de avaliar, posteriormente,
a sua influência sobre o nascimento de machos e fêmeas. As
temperaturas foram registradas em termômetros de solo (10 por
área) colocados aleatoriamente em covas transplantadas, sendo as
leituras feitas de hora em hora, das 5:00h às 22:00h durante o
período de incubação.
Algumas covas naturais também são mantidas nas áreas
protegidas com cercas individuais com, aproximadamente, 60 cm
de altura, feitas de ripa, tela plástica e com bandeira vermelha de
marcação.
No período de transferência das covas, a equipe da Ufam e
Ibama escolhem uma área para receber a visita de alunos da rede
municipal de ensino, que vêm observar como é feito o trabalho de
373
campo, bem como ministrar palestras nos colégios locais. Os temas
são diversificados, de acordo com as especialidades do pessoal
envolvido no projeto (quelônios, ecologia, horticultura, pecuária,
criação de animais silvestres, parasitismo e profilaxia, uso de
agrotóxicos, plantas medicinais, criação caipira de galinhas, etc.).
Em novembro, com o início das eclosões e o nascimento dos
filhotes nas covas transplantadas, a equipe da Ufam retorna às
localidades para a construção dos berçários, o treinamento do
pessoal nos cuidados com os filhotes (alimentos, horário de
alimentação, conservação dos ovos não eclodidos e filhotes mortos,
etc.), coleta de dados de biometria e parasitologia e marcação dos
filhotes. Os filhotes são mantidos nos berçários até completarem
dois meses de idade, período em que já possuem cascos mais
resistentes, tornando-se, provavelmente, menos susceptíveis à 2predação. Cada berçário feito em alvenaria mede cerca de 100 m , já
os berçários tipo gaiola (madeira e tela) construídos de peças de 2madeira (itaúba) e tela, tipo galinheiro, têm em torno de 5-10 m . A
escolha do tipo de berçário depende do local onde ele é implantado e
do número de filhotes. Cada berçário é recoberto de fios de náilon
trançados, para evitar a predação dos filhotes por aves, e possui
pequenas balsas flutuantes de madeira que servem como solário,
além disso, são colocados aguapés e murerus que servem de abrigo
e alimentação para os filhotes.
Durante o processo de eclosão dos ovos são registrados os
considerados férteis, os inférteis (quando não se encontra sinais do
embrião na gema), os com fungos, os parasitados por larvas, os
gorados e os animais natimortos, bem como é feita, também, a
biometria dos animais vivos, sendo estes, posteriormente,
transferidos para as gaiolas e tanques. Nessa fase, eles são
alimentados por plantas aquáticas murerus, aguapés, vísceras de
peixes, pão e ração para peixes.
374
a) Resultados de transferência de ninhos pelo Projeto Pé-de-
Pincha
Foram monitoradas pela Ufam/Ibama-AM, em 1999, as
transferências de 306 ninhos, com um total de 6.426 ovos (79,96%
de tracajá, P. unifilis, e 20,04% de pitiú ou iaçá, P. sextuberculata).
Até o final do período de coleta, as comunidades e seus agentes
ambientais voluntários conseguiram transferir 654 ninhos, com um
total de 14.214 ovos (86,29% de tracajá, P. unifilis, 10,25% de pitiú
ou iaçá, P. sextuberculata, 2,59% de tartaruga, P. expansa, e 0,87%
de irapuca ou calalumã, P. erythrocephala), e realizaram a proteção
de 85 covas naturais. Em 2000, foram coletados 24.015 ovos,
21.482 de tracajá, 2.393 de pitiú, 20 de calalumã e 120 de tartaruga
(um total de 1.193 covas transferidas, sendo 89,45% de tracajás,
9,96% de pitiú, 0,5% de tartaruga e 0,08% de calalumã) e foram
protegidas 9 covas naturais.
A coleta dos ovos foi realizada, principalmente, nas horas
mais frias do dia, entre 6-9 h (74%), sendo feita em caixas de isopor
de 24,5 litros (cada caixa comportava de 3 a 4 ninhadas, dependendo
do número de ovos). Os ovos ficavam nas caixas até 16:00 horas,
quando eram transplantados para as covas artificiais nas áreas
protegidas. A temperatura média nos locais de transplante com 25
cm de profundidade = 33,62 ± 1,45º C, com 30 cm = 32,55ºC ± 3,17ºC
e com 50 cm = 31,69º ± 1,30ºC. A temperatura média na areia foi de
32,58 ± 1,94ºC e no barro foi de 35,83 ± 0,764ºC. As maiores
temperaturas foram registradas no período das 14 às 16:00 horas.
É importante verificar a influência da temperatura de
incubação sobre a determinação sexual dos embriões (Vogt, 1994).
Em programas de conservação de quelônios, como o "Pé-de-Pincha",
que trabalham com o transplante de ninhos, isso é extremamente
importante. A razão sexual é influenciada não somente pela
temperatura média de incubação, mas, também, pela temperatura
375
pivotal, oscilação ou amplitude térmica, local e período da desova.
Nas covas transplantadas para a areia, tivemos uma temperatura
média que poderia provocar o nascimento apenas de fêmeas,
entretanto, como a variação ao longo do dia foi pequena, existe uma
tendência de masculinização de alguns ovos.
Cerca de 50,12% das covas de tracajás foram transferidas da
areia com uma profundidade média de 17,2 ± 2,7 cm e largura de
12,2 ± 2,1 cm, com 22,3 ± 4,7 ovos (máximo=36 e mínimo=12),
pesando 24,5 ± 2,8 g. As covas retiradas do barro (49,88%)
apresentaram profundidade de 13,2 ± 2,1 cm e largura de 13,6 ± 2,9
cm, com 23,3 ± 5,4 ovos (máximo=34 e mínimo=10), pesando 23,7 ±
2,6 g. A distância das covas de tracajá da água variou de 18,4 ± 14,1
m na areia e 15,4 ± 16,1 m no barro, e a distância da vegetação variou
de 3,8 ± 6,7 m na areia e 2,2 ± 6,1 m no barro. As covas de pitiú foram
todas retiradas de praias e apresentaram, em média, 16,9 ± 3,5 ovos
(máximo=25 e mínimo=6), com peso de 20,8 ± 5,6 g, sendo
encontradas a 18,25 ± 20,89 m da vegetação, bem próximo à água
(em média 6 metros). A Tabela 1 apresenta os resultados da
transferência por área e espécie.
Fachin (1992) registrou que P. unifilis desova no Peru, no rio
Samiria, no período de julho e agosto em praias de areia (44,7%),
praias semi-arenosas (22,4%), praias com pedregulhos (17,6%) e
barrancos (15,3%).
Os tracajás podem desovar em praias ou no barro a até 15-50
metros da água em covas com, aproximadamente, 18-20 cm de
profundidade e 8-11 cm de diâmetro e uma média de 24,4 ovos
(Vanzolini, 1979; Paez, 1995). No rio Guaporé, os ninhos de P. unifilis
têm uma temperatura pivotal de 32,1ºC e uma média de 23,7 ovos,
sendo que, em condições de laboratório, ovos incubados a 31ºC
produziram 80% de machos (Souza e Vogt, 1994). Soini (1995)
estudou P. unifilis que desova de 2 a 12 metros da água, em covas
376
com 8 a 16 cm de profundidade, com uma média de 30,3 ± 7,27 ovos
com 83,3 ± 6,8 dias de incubação. Alho et al. (1984) encontraram
temperaturas médias de 34,5ºC em ninhos de P. expansa, no
Trombetas, com razão sexual média dos ninhos desviada para
fêmeas (0,033).
Para tracajás, na Venezuela, no rio Capanaro,
Thorbjarnarson et al. (1993) encontraram desovas médias de 23,3
ovos com um período de incubação de 60-65 dias. No Peru, no rio
Samiria, Terán-Fachin (1993) encontrou uma média de 31,3 ovos e
66,5 dias de incubação. Terán et al. (1995) encontraram covas de
tracajá no Peru com 28,8±9,2 ovos em covas de 21,4 ± 2,2 cm de
profundidade e tempo de incubação de 111,8 ± 13,5 dias.
Pezzuti (1997) observou que fêmeas de pitiú, no rio Japurá,
desovam nos locais mais altos e distantes da linha d'água,
entretanto, a temperatura média dos ninhos foi de 29,3ºC e do ºsubstrato de 29,8 C, o que resultou em um maior percentual de
machos (razão sexual=0,967). Os ninhos tinham em média 15,8 ±
4,99 ovos, pesando 19,49 ± 7,42 g e 17,5 cm de profundidade.
Pelos resultados, verificamos que os tracajás, ao desovarem
na areia, distanciam-se mais da água, chegando até próximo à
vegetação, fazem covas mais profundas e menos largas do que no
barro. Isto talvez se deva ao fato de a areia ser mais fácil para cavar,
bem como as covas serem mais distantes, para evitar a umidade, já
que a areia possuiria maior capilaridade. Elas são mais fundas para
garantir uma temperatura mais baixa. No barro, as covas são mais
próximas da água e da vegetação (na maioria dos casos, no meio do
capim-murim, Axonopus sp.), contudo, a argila retém melhor a
umidade. As covas rasas são para reduzir o aquecimento excessivo.
Na areia, os pitiús desovam em covas mais profundas do que as dos
tracajás, contudo, o fazem mais próximo da água, longe da
vegetação, por não possuírem as mesmas habilidades do tracajá,
377
para andarem em terrenos mais íngrimes.
Estudos feitos por Pezzuti (1997) com pitiú, no rio Japurá
(Estado do Amazonas), demonstraram que a altura tem efeito
pronunciado na discriminação dos ninhos, em pontos aleatórios. As
fêmeas desovam em locais mais altos e distantes da linha da água. A
profundidade do ninho influi significativamente sobre o período de
incubação dos embriões. A data de oviposição influi no período de
incubação e na sobrevivência dos embriões.
b) Eclosão e desenvolvimento dos filhotes
Os primeiros filhotes (18 pitiús) nasceram na área da Aliança
no Lago do Piraruacá. O tempo médio de incubação na areia foi: para
tracajás = 57,88 ± 2,68 dias (mínimo=54; máximo=65); para pitiús =
59,23 ± 3,34 dias (mínimo= 46; máximo= 66); e para tartaruga =
57,67 ± 5,69 dias (mínimo= 53; máximo= 64). No barro, os ovos de
tracajá tiveram um tempo de incubação de cerca de 63,85 ± 2,31 dias
(mínimo= 62; máximo=71). Pelos resultados, pode-se observar que
apesar da temperatura média do barro ser maior, devido a uma
maior umidade, o tempo de incubação para tracajás é maior no barro
do que na areia. O tempo de incubação é maior para pitiús do que
para tracajás e tartarugas.
Fergusson & Joanen(1983), Georges (1989), Lang (1987),
Webb et al. (1987), Packard et al. (1989), Rhen & Lang (1995) apud
Pezzuti (1997) verificaram que a temperatura de incubação
influencia também a termorregulação, o tamanho, o padrão de
pigmentação e a massa do filhote, ao nascer, e o crescimento.
Segundo Pezzuti (1997), a eclosão dos ovos de pitiú ocorre,
geralmente, de 55 a 70 dias. As crias eclodidas ainda permanecem
dentro da cova, normalmente, num período de 7 a 15 dias. Portanto,
o período médio de nidificação dura 69 dias. Esse autor encontrou
378
que a profundidade do ninho e o período de incubação são
inversamente proporcionais em pitiús. O mesmo comportamento
que podemos verificar entre os tracajás que desovaram na areia e no
barro, e entre tracajás e pitús, isto é, quanto mais rasas as covas
maior o período de incubação.
Os filhotes, ao nascerem (Figura 1), foram colocados em
berçários (tanque de alvenaria, gaiolas e tanques de alumínio),
sendo que a taxa de eclosão foi: para tracajás de 85,6 ±18,19%, para
pitiús de 73,7% e para tartarugas de 43,16%, na areia. No barro, a
taxa para tracajás foi de 53,68 ± 13,70%. A reduzida taxa de eclosão
no barro foi motivada pelo acúmulo de água no fundo das covas,
principalmente, no igarapé dos Currais, onde a argila era muito mais
fina. Os filhotes, muitas vezes, já estavam prestes a sair do ovo, mas
como as chuvas inundavam a cova os filhotes morriam afogados
dentro dos ovos. Alguns ninhos foram salvos, colocando-se capim e
folhas secas no fundo, e afofando-se novamente a terra. Em 2000, foi
feita uma praia artificial com uma camada de 40 cm de areia no local
de transplante dos ninhos no igarapé dos Currais, o que elevou a
taxa de eclosão para 80%.
379
Figura 1: Eclosão e filhotes de tracajá (Podocnemis unifilis) do igarapé dos Currais - Terra Santa/Pará.
As covas transferidas de tartaruga tiveram uma taxa de
eclosão baixa devido à profundidade da cova artificial ter sido muito
pequena. As covas ficaram pequenas e os ovos não puderam se
expandir, comprimindo e matando os embriões. Em 2000, o
problema foi solucionado com a divisão de cada cova natural, em
duas transplantadas. Encontramos duas desovas de tartaruga no
barro, na área do igarapé dos Currais. Cada cova possuía 60 ovos e,
em uma delas, devido à pouca profundidade da cova e ao trabalho de
compactação da fêmea, metade dos ovos estavam quebrados.
Covas naturais de tracajás e pitiús, na areia, tiveram uma
taxa de eclosão inferior (teste T, P<0,01) à das covas transferidas,
37,74 (n=61) e 55,55 % (n=18) contra 85,6 (n=103) e 73,7 (39)%,
respectivamente. Acredita-se que isso se deva, em parte, a uma noite
de pisoteio por búfalos no local onde se encontravam as covas
naturais protegidas e, em parte, à predação de ovos e filhotes por
larvas de dípteros (moscas) da família Sarcophagidae (foram
registradas duas espécies ainda em processo de identificação),
encontradas em vários ninhos naturais. No barro, a presença das
larvas se deu em número muito menor e não houve problema de
pisoteio, sendo a taxa de eclosão das covas naturais de 95,45%.
Pezzuti (1998) também encontrou filhotes de pitiú predados por
larvas dessas moscas.
O maior predador de ninhos naturais nas comunidades do
projeto, depois do homem, foi o jacuraru ou teiú (Tupinambis
teguixin). Nos ninhos transferidos, tivemos problema apenas com
um cachorro que entrou à noite no cercado de proteção da Aliança -
Lago do Piraruacá, e comeu os filhotes e ovos de duas covas, em
1999 e duas covas naturais em 2000.
Alho et al. (1984) e Vogt (1994) afirmam que a manipulação
dos ovos em programas de conservação alterariam as condições
380
microclimáticas dos ninhos, retardando a eclosão, aumentando a
mortalidade e influenciando a razão sexual com a masculinização
dos embriões. Isso, entretanto, não ocorreu na maioria das áreas do
projeto, onde as covas transferidas tiveram maior taxa de eclosão e
sobrevivência de filhotes do que as covas naturais. Quanto à
sexagem dos filhotes, embora sabendo que é extremamente
importante para determinar a razão sexual do que estamos
produzindo, ao transferir os ninhos, não realizamos por ser
extremamente difícil convencer os comunitários e colaboradores,
pelo menos nesse primeiro ano do projeto, da utilidade que teria
sacrificarmos alguns exemplares dos animais que estamos
querendo conservar. A sexagem será realizada nos próximos anos.
Os tracajás apresentaram uma taxa de ovos inférteis (sem
vestígios de embrião) de 3,44 ± 3,37% e os pitiús 4,22 ± 14,07%.
Quanto aos ovos gorados, os tracajás apresentaram uma taxa de
15,75 ± 12,80% e os pitiús, 22,17 ± 22,14%. A taxa de ovos inférteis
pode ser considerada normal, mas em alguns lugares como no lago
do Abaucu e no Macuricanã, onde foram próximas à 10%, podem
significar a falta de machos ou a desova por fêmeas muito jovens, o
que pode ser um indicativo de uma predação humana excessiva
sobre machos e fêmeas adultas. Em 2000, a taxa de ovos inférteis,
gorados e natimortos, foi superior à 1999 (teste T, P<0,05), o que
associamos a um atraso no período das chuvas. Os filhotes que
conseguiram eclodir nas covas naturais que acompanhamos, não
tiveram forças para sair da cova e acabaram sendo predados por
larvas de moscas (Diptera: Ephydridae).
Os esforços de conservação de quelônios nesses municípios,
entretanto, vêm sendo comprometidos em alguns lugares
(Oriximiná/PA: Lago do Sapucuá, Jarauacá, Igarapé dos Currais;
Parintins/AM: Valéria, Murituba), em função dos danos causados
pelas larvas desses dípteros pertencentes à família Ephydridae. O
381
adulto é uma mosca de coloração preto-metálico, medindo cerca de
três milímetros de comprimento. Essa mosca, por apresentar
hábitos muito variados, inclusive saprofíticos, ataca na fase de
maior suscetibilidade do ciclo evolutivo dos quelônios. As larvas
predam ovos e filhotes, sendo os adultos, provavelmente, atraídos
pelo odor característico de ovo, logo após o primeiro filhote eclodir,
ou pelo odor de putrefação de ovos contaminados por fungos ou
gorados.
Os tracajás (n=617) nasceram medindo o comprimento de
carapaça, 39,3 ± 1,7 mm, os iaçás (n=101) com 40,5 ± 2,4 mm e as
tartarugas (n=201) com 46,9 ± 1,4 mm. Os tracajás pesaram em
média 14,9 ± 1,4 g, iaçás 14,3 ± 1,8 g, tartarugas 22,5 ± 1,4g e
calalumãs (n=110) 11,2 ± 2,6 g. Os filhotes que nasceram em covas
transplantadas para o barro foram significativamente (teste T,
P<0,01) maiores (comprimento da carapaça = 39,8 ± 0,9 mm), mais
pesados (peso=15,6 ± 0,2 g) e menos pigmentados do que aqueles
que nasceram na areia (comprimento da carapaça=39,0 ± 2,2 mm;
peso=14,3 ± 1,7 g). Até os dois meses de vida, os tracajás que
nasceram no barro tiveram um ganho diário de peso (GDP) de 0,05
g/dia, enquanto que os que nasceram na areia tiveram um
GDP=0,08 g/dia. Os iaçás tiveram GDP=0,06 g/dia e as tartarugas,
GDP=0,15 g/dia. Ao completarem dois meses, os filhotes foram
soltos nos seus locais de origem, em áreas com menos predadores
e/ou lagos com bastante alimentação natural disponível.
10.1.2 Incubação artificial de ovos de Podocnemis expansa no
AmazonasComo o sexo dos filhotes de tartaruga, tracajá e iaçá são
determinados pela temperatura de incubação, os criadouros
poderiam, através da incubação artificial, estabelecer o sexo dos
filhotes que estivessem gerando em sua propriedade, optando por
produzir mais machos ou fêmeas.
382
Pensando nessa possibilidade e buscando adaptar a
tecnologia já existente ao material disponível no Amazonas, em
1999, a Ufam e, o então Cenaqua desenvolveram na sede do Ibama-
AM, Manaus, um experimento de incubação artificial de ovos de
tartaruga avaliando os efeitos de diferentes substratos (vermiculita e
serragem) e de diferentes temperaturas (27, 30 e 32ºC), no período
incubatório e no sexo e desempenho dos filhotes.
a) Procedência dos ovos de tartaruga (Podocnemis expansa)
Foram utilizados 316 ovos coletados por funcionários do 1Ibama/AM, localizado no tabuleiro da Reserva Biológica do Abufari
(Lat. S 04 51' – 05 30' e Long. W 6247' a 6322'; criada pelo Decreto
Federal Número 87.585 de 20/9/1982) no município de Tapauá
(Lat. S 05 45' e Long. W 64 24') administrada pelo Ibama no Estado
do Amazonas, em 1997.
b) Material usado para incubação artificial de ovos de tartaruga
Como incubadoras foram utilizadas 3 caixas de isopor de
170 litros cada, montadas com aquecimento interno automático.
Sendo necessário em cada incubadora 4 lâmpadas de 25 W, 1
termostato, 2 termômetros de solo, 1 psicrômetro, 1 visor de
vidro, 1 suspiro, 1 divisória interna de vidro, 1 placa de Petri,
substratos (vermiculita e serragem), fio paralelo, e para as três
incubadoras, 1 estabilizador eletrônico, 1 extensão elétrica, 1
balança de 1.610g (graduação de 1g), ovos de tartaruga.
1 - Termo utilizado para a praia de desova.
383
c) Montagem das incubadoras artificiais
Para a montagem de cada incubadora, gastou-se cerca de
2 horas, envolvendo as fases de instalação e teste. Inicialmente,
instalou-se as lâmpadas, o termostato, a divisória interna de
vidro, seguido do teste de funcionamento e identificação das
incubadoras. Após a instalação e teste, colocou-se 1,66 g de
vermiculita em 3 incubadoras e 0,021 m³ de serragem em 2
incubadoras Em ambas as condições foi utilizada a metade do
espaço físico interno das incubadoras para ambos os substratos,
devido à falta de recurso financeiro para aquisição de material e o
espaço físico para mais incubadoras. A serragem utilizada
passou por 3 lavagens, visando a retirada de possíveis compostos
químicos que poderiam ser prejudiciais durante a incubação dos
ovos, e após estar parcialmente seca foi colocada dentro das
incubadoras.
d) Transporte, biometria, pesagem e colocação dos ovos nas
incubadoras
O transporte dos ovos incubados na vermiculita foi
realizado numa caixa de isopor com areia da praia de desova para
evitar atrito e, principalmente, que eles virem dentro da caixa
durante o transporte. Entretanto, os ovos incubados na serragem
foram condicionados numa caixa de papelão contendo areia da
praia de desova. Comparando ambos, o primeiro mostrou-se
mais seguro.
A instalação do experimento consistiu de biometria dos
ovos e pesagem em balança de 1.610 g, com o cuidado de não girá-
los para evitar movimento precipitado do embrião, seguido de
delicada colocação em cada substrato.
384
e) Condução do experimento
No monitoramento da incubação dos ovos registrou-se a
temperatura interna e externa (acima) no substrato, a cada uma
hora, através de termômetros de solo para cada temperatura,
verificando-se a consonância com a temperatura predeterminada
no termostato.
Quando a temperatura interna, elevava ou abaixava além
do desejado, em cada substrato, diminuía-se ou aumentava-se o
indicador do termostato.
No início, após a colocação dos ovos em cada substrato,
distribuiu-se 1 litro d'água na vermiculita. Não foi necessário na
serragem porque o material estava úmido após três sucessivas
lavagens. Durante a condução do experimento, a umidade
interna foi mantida pela água, contida numa placa de Petri, ou
pulverizando-a sobre o substrato. O momento da manutenção da
umidade dentro desse sistema é determinado pela leitura do
psicrômetro interno (umidade relativa) observado pelo visor
externo em cada incubadora, a cada uma hora após a leitura da
temperatura no termômetro de solo em cada substrato.
f) Resultados e discussões
O peso médio dos ovos incubados na vermiculita foi de
28,5 2,629g a 27,5 3,034 g, na serragem 20,568 6,074g a
21,203 2,710g. No entanto, Espriella (1972) cita que o peso
médio para o criadouro deve ser de 43g e Maués (1976), ao fazer a
comparação bromatológica em ovos de Podocnemis sp., obteve
peso médio de 23,67g. Sendo o tamanho do ovo variável de 2,056
0,607 cm a 3,614 0,164 cm, para ambos os substratos.
385
Os substratos foram utilizados devido: (a) apresenta
menor tendência à compressão durante o desenvolvimento do ovo
e embrião; (b) identificar qual o substrato para incubação
artificial, pois, no caso da areia do tabuleiro poderia haver uma
compressão no ovo (embrião) durante o período de incubação; (c)
utilizar um material estéril (vermiculita), que é caro e não
acessível, e um material regional barato, que é a serragem. Na
incubação artificial deve-se observar o emprego e a
granulometria da areia para que não comprometa o
desenvolvimento do ovo e do embrião.
A temperatura média da incubação artificial, em função
das horas, oscilou em ambos os substratos, mantendo mais
constante na serragem em relação a vermiculita (Figura 2).
386
T e m p e r a t u r a m é d ia d e in c u b a ç ã o X H o r a s
2 6 , 5
2 7 , 5
2 8 , 5
2 9 , 5
3 0 , 5
3 1 , 5
3 2 , 5
3 3 , 5
06 :0007 :00
08 :0009 :00
10 :0011 :00
12 :0013 :00
14 :0015 :00
16 :0017 :00
18 :0019 :00
H o r a s
Tem
pera
tura
(oC)
V 2 7 V 3 0 V 3 2 S 3 0 S 3 2
Figura 2: Temperatura média de incubação em relação as horas do dia (Duarte, 1998).
Foram incubados 316 ovos. A taxa de eclosão, nos cinco
tratamentos foi de 66,1±27,817%; na vermiculita (V) registrou-se
75,912±34,279% e na serragem 51,380±4,781% (A taxa de eclosão foi
maior na vermiculita (V), sendo especificamente na V32ºC = 91,07%;
V30ºC = 36,67%; V27ºC = 100%, em relação a serragem (S), obteve-se
na S30ºC = 48,0%; S32ºC = 54,76 %.
Quanto às temperaturas a eclodibilidade a 27°C obteve-
se 100,0±0,0%; a 30°C, 42,33±8,01%; e a 32°C, 72,92± 25,67 %.
Na natureza a temperatura média de incubação é 23,3 a 37,6ºC,
sendo a taxa de eclosão entre 85% a 98% de eclosão (Morlock,
1979; Alfinito, 1980; Alho & Pádua, 1982; Alho, Danni & Pádua,
1984; TCA-SPT, 1997).
A contagem dos filhotes de tartaruga que nasciam por
período (dia ou hora), não foi possível por poder haver (1) o
comprometimento da vital absorção do vitelo (reserva nutritiva –
composta de gema, aderida ao plastrão por uma película); (2)
Perda do microclima interno em cada incubadora; (3) Estresse
aos animais e o (4) Empilhamento.
O período de incubação em função da temperatura de
incubação a 27°C foi de 43,00±0,0 dias; a 30°C, foi 42,0±7,07
dias; e 32°C,foi 40,71±7,07 dias. Sendo, de 39 dias, a 32ºC, na
vermiculita, 46 dias, a 30ºC, na serragem (Tabela 1), havendo
evidência da premissa de que quanto maior a temperatura,
menor será o período de incubação, resultado obtido no substrato
vermiculita. Em condições artificiais no Museu Goeldi, Alho,
Carvalho & Pádua (1979) observaram que esse período pode
ultrapassar 60 dias.
O fechamento do “umbigo” em filhotes de P. expansa
incubados artificialmente na vermiculita e na serragem ocorreu
no quarto e no sétimo dias de idade, respectivamente. O tempo de
absorção do vitelo foi menor na vermiculita ( 2,666 ± 0,288 dias) e
maior na serragem (4,0 ± 0,0 dias).
O percentual de natimortos foi pequeno, de 0% a 4,76%,
sendo maior na incubadora a 30ºC com substratos vermiculita e
serragem, V30ºC = 15,56% e S30ºC = 12% devido à presença do
387
fungo Aspergillus nigrans e nos ovos inviáveis houve influência
na taxa de eclosão.
Esse fungo envolveu toda a casca do ovo e durante a
incubação alguns ovos tinham sido forrageados por ácaro. A.
nigrans pode ser encontrado em outros ambientes (frutas e
verduras, geladeiras) e compromete o processo respiratório dos
filhotes e prejudica a troca gasosa nos ovos. Isso faz com que os
ovos estraguem, os embriões morram ou se desenvolvam com
deformações.
Os ovos inviáveis parecem contribuir bastante para a
contaminação dos ovos viáveis, por fungo, matando os filhotes
nos ovos ou após o nascimento e reduzindo a taxa de eclosão. O
que, provavelmente, está ligado a alguma substância que não é
liberada por ovos não fecundados e que atuaria como fungicida
natural.
A utilização dos ovos inviáveis serviu para comprovar a
importância da seleção dos ovos e suas conseqüências biológicas
para a criação comercial, em que os ovos de P. expansa devem ser
selecionados, visando o descarte de ovos inviáveis.
Na Reserva Biológica do Abufari – AM, também foi
observada a contaminação dos ovos por fungo durante o período
de incubação natural, na qual ocorreu a morte dos filhotes, nas
diferentes idades, aliada ao ataque de formigas ou de larvas de
moscas.
O custo da incubação artificial foi de R$ 400,00 para as
incubadoras, referente à aquisição do material supracitado (US$
133,33).
388
A temperatura recomendada para a queloniocultura
seria, inicialmente, para a formação do plantel de fêmeas, de
32°C e, posteriormente, para o plantel de machos, de 27°C, desde
que se tenha os cuidados básicos ao manejar o ovo,
movimentando-o lentamente, sem girar, devido ao embrião
aderir na parte superior da casca, por cima da gema. O controle
da temperatura de incubação é importante para determinação
sexual.
Figura 3: Vista externa das incubadoras com caixas de isopor de 170
litros, termostato (até 100ºC, graduação de 1ºC) e 4 lâmpadas incandescentes.
Foto: RAN/AM (Duarte, 1998).
389
Tabela 1: Dados sobre incubação artificial de ovos de Podocnemis expansa. (Duarte, 1998).
Itens \Tratamentos V 32ºC
*
V 30ºC
*
V 27ºC
*
S 32ºC
**
S 30ºC
** -Número de ovos 57 100 60 54 45 -Peso dos ovos 28,5 ±
2,6 - 27,5 ±
3,0 21,2 ±
2,7 20,3 ±
1,2 -Período de incubação (dias)
39 40 45 45 47
-Taxa de eclosão (% ) 91,07 36,67 100,00
54,76 48,00
-Número de ovosinférteis
1 10 1 12 -
-Natimortos (% ) 3,57 15,56 - 4,76 12,00 -Absorção do vitelo(dias)
3 2,5 2,5 4 4
-Fechamento do“umbigo” (dias)
4 4 4 7 7
-Peso ao nascer (g) 19,96 ±1,12
17,46 ±1,11
19,80 ± 1,08
18,49 ± 1,51
16,48 ±0,66
-Passagem para otanque (dias)
8 13 10 8 7
-Morte após colocação nos tanque.
2 3 1 - -
*V32°C/V30°C/V27°C = vermiculita a 32°C /30°C/27°C ** S32°C/S30°C = serragem a 32°C/30°C
390
Figura 4: Eclosão dos filhotes de Podocnemis expansa. Foto: (Duarte, 1998).
O peso ao nascer, dos filhotes, foi maior na vermiculita,
18,96±1,32 g, do que na serragem 17,13±1,00 g. A umidade variou
de 93,098 ± 0,300% a 93,00 ± 0,00%, com isto pode ter ocorrido uma
tendência para os animais serem mais pesados do que outros,
devido a um substrato reter mais umidade do que o outro. Embora
Morlock (1979) cite que deve-se umedecer os ovos para incubá-los,
na literatura citada não foram encontradas definições sobre a
influência da umidade na incubação e no desenvolvimento do
embrião e peso, ao nascer, do filhote de tartarugas como citam Vogt
& Villela (1986). A absorção do vitelo e o fechamento do “umbigo” foi
mais rápido nos filhotes nascidos na vermiculita, 3 e 4 dias,
respectivamente, em relação à serragem, 4 e 7 dias. Em seguida, os
animais foram medidos e pesados antes de serem levados para
tanques de 1.000 litros, após 7,5± 0,71 dias (serragem) a 10,33±2,52
dias (vermiculita) de nascidos. As mortes ocorridas foram de ordem
técnica no manejo dos animais.
Os animais nascidos a 32ºC apresentaram uma tendência a
um maior crescimento (ganho diário de peso, GDP = 0,24 g/dia), em
relação aos que nasceram a uma temperatura mais baixa, 27ºC,
GDP = 0,18 g/dia. No entanto, os animais obtidos na vermiculita
apresentaram maior GDP = 0,20± 0,03 g/dia do que os da serragem,
GDP = 0,10±0,0 g/dia. Os animais de 30ºC apresentaram maior
consumo diário de ração, CDR = 3,36±1,86 g/dia em relação aos de
32ºC, 1,83g/dia, e 27ºC, 1,19 g/dia. Os animais da vermiculita
apresentaram menor consumo, 1,66±0,43 g/dia, enquanto os da
serragem tiveram 3,28±1,97 g/dia. A umidade parece ter
influenciado no metabolismo dos filhotes. Filhotes nascidos na
serragem (ambiente mais úmido) demoraram mais para absorver o
vitelo, apresentaram menor GDP e maior consumo do que os da
vermiculita (menor umidade).
391
A sexagem dos animais foi realizada aos seis meses de idade,
em que verificou-se uma tendência para um maior número de
fêmeas nas temperaturas mais elevadas, 32ºC igual a 50,55%, 30ºC
igual a 41,15% e a 27ºC igual a 28,07%. Em relação aos outros
substratos, a vermiculita apresentou um maior número de fêmeas
47,16%, do que a serragem, 35%. A determinação sexual
dependente da temperatura ocorre no segundo terço do
desenvolvimento embrionário pelo efeito acumulativo da
temperatura de incubação, devido às tartarugas não possuírem
cromossomas sexuais heteromórficos (Vogt & Villela, 1986).
10.1.3 A reprodução de quelônios em cativeiro
Em 2005, os primeiros espécimes de P. expansa doados
pelo Ibama (em 1995), para criação, realizaram sua primeira
postura, completando assim, o ciclo de criação através da
reprodução em cativeiro. Entre as prioridades de pesquisa
elencadas foi queloniocultores fez-se necessário avaliar o
crescimento nas categorias de engorda e reprodução de animais
submetidos a diferentes tipos de alimentos, em complementação
aos primeiros estudos feitos nas fases de berçário e crescimento.
A avaliação dos parâmetros reprodutivos de quelônios em
cativeiro foi realizada em dois criadouros comerciais (Iranduba e
Manacapuru). Foram analisados os parâmetros e a eficiência
reprodutiva através das variáveis tamanho e idade das fêmeas em
postura; abundância e distribuição dos ninhos; número de
ovos/ninho.
A idade média do plantel reprodutivo nas primeiras desovas
em cativeiro foi de 8,57 ± 0,79 anos. Em animais alimentados com
proteína de origem vegetal (rações com farelo de soja, verduras e
frutas) o peso médio foi de 14,19 ± 2,29 kg nas fêmeas e 11,87 ±
2,06kg nos machos. O peso ao final de cinco anos de cultivo, que era
392
em média 2,66 kg em 1997, aumentou para 9,2 ± 2,25 kg em mais de
65% dos animais dos lotes comercializados.
Na criação com razão sexual de 4F:1M foram registradas
desovas desde 8 anos de idade, sendo que aos 7 anos alguns
animais “experimentaram” fazer ninhos na praia artificial. Em
2003-2004, foram conferidos mais de 20 ninhos com uma média de
70 ovos. Em 2005, registrou-se 5 ninhadas, com média de 73,80 ±
2,5 ovos, havendo predação por jacuraru (Tupinambis spp.). A taxa
de eclosão foi baixa, sobrevivendo apenas 150 filhotes. Em 2006,
foram produzidos 300 filhotes. Em criadouros cujos animais eram
alimentados principalmente por fontes de proteína animal (sangue
coagulado bovino, restos de filetagem de peixe), o peso médio dos
animais comercializados com 5 anos variou em média de 7,25 a
18,55 kg (158 animais comercializados).
No criadouro com razão sexual de 2,2F:1M, sendo o peso
médio das fêmeas=20,875 ± 11,91kg e machos =4,219 ± 0,787kg,
foram registradas desovas desde o ano de 2003. Alguns animais
subiram na praia de reprodução e formaram cardumes na margem
em comportamento similar ao da fase de boiadouro e
assoalhamento na fase reprodutiva em áreas naturais. Nenhuma
cova foi identificada embora suspeite-se que alguns a tenham feito.
Em 2005, foram identificados três ninhos com número médio de
ovos de 80/ninho. Houve uma taxa de eclosão de 90%, sendo
totalizados 216 novos filhotes de tartaruga no plantel. Em 2006,
foram registrados nove ninhos e nasceram 440 filhotes.
Em 2007, foram registrados o número, o peso, o diâmetro
de ovos em amostra de 5 ovos a cada 5 ninhos. Monitoramos os
ninhos. Após a eclosão, contamos o número de filhotes vivos,
número de embriões mortos e número de ovos sem desenvolvimento
aparente. Após a absorção total do vitelo, os filhotes foram medidos,
pesados e marcados com a biometria.
393
A razão sexual variou de 3:1 até 11:1, com matrizes
pesando entre 17,6 a 20,87 kg e reprodutores pesando entre 4,2 e
8,2 kg. Os ovos de tartaruga mediram 33,3 ± 3,54 mm e pesaram
19,8 ± 7,08 g, já os de tracajás mediram 34,3 ± 0,89mm e pesaram
16,4 ± 1,67g. O número médio de ovos de tartaruga por ninho(n=2)
foi de 60,5 ± 4,95 ovos, e o de tracajá foi de 26,43 ± 8,81 ovos (n=11).
Os ovos gorados em ninhos de tartaruga foram 21,05 %, e nos de
tracajá 25,52%. Foram predados por jacuraru 78,95% ovos de
tartaruga e 64,5 % de tracajá.
Figura 5: Biometria e marcação de plantel reprodutivo.
394
Figura 6: a e b) Ninho e praia de reprodução de tartaruga (P. expansa)
em criador de Manacapuru; c) Marcação com furos na carapaça; d) Comparação
entre a fêmea, matriz de tartaruga, e seu filhote; f)Ninho predado; g)Filhote
natimorto;h)Eclosão ninho de tracajá;i) Larvas de mosca no ninho predado.
395
A B
C D
F G
H I
10.2 Sanidade e predação10.2.1 Sanidade
A tartaruga Podocnemis expansa pode ser considerada
rústica em relação à incidência de doenças. Para a criação em
cativeiro, no estado do Amazonas, ainda estamos estudando quais
seriam os agentes microbiológicos e os fatores que poderiam causar
danos à biologia do animal e à produtividade.
Baixas temperaturas causam a morte de tartarugas jovens
em cativeiro. No frio, os filhotes desenvolvem um quadro de
pneumonia com sintomas de perda do apetite; presença de uma
membrana esbranquiçada cobrindo o globo ocular; secreção nasal
com obstrução das vias respiratórias; insuficiência respiratória
caracterizada pelo comportamento atípico dos animais em
permanecerem boiando com o corpo em posição inclinada e
mortalidade (Chelonia, 1994).
Análises necroscópicas realizadas em tartarugas jovens de
cativeiro constataram infecção bacteriana múltipla por Escherichia
coli, Klebsiella sp., Pseudomonas sp., Proteus sp. e Salmonella sp.,
que apresentaram no teste de antibiograma resistência antibiótica,
principalmente Pseudomonas sp. Entre os antibióticos
administrados, os do grupo quinolona apresentaram melhor
eficácia associados a medidas profiláticas como limpeza e
desinfecção dos tanques, banho dos animais com permanganato de
potássio, desobstrução nasal e a transferência dos animais dos
tanques de fundo de terra, pois, devido ao tratamento, houve uma
expressiva diminuição na taxa de mortalidade (Chelonia, 1994).
Alfinito (1980) cita a ocorrência do Micobacterium
tuberculosis chelonei isolado por Friedmam nos pulmões de
tartaruga de aquário, em Berlim.
396
Para Morlock (1979), as doenças de tartarugas em cativeiro
são provenientes de grupos formados indevidamente, sanidade no
local da criação, introdução de animais infectados.
Para Alfinito (1980), as principais causas de mortalidade
estão relacionadas aos estados de desidratação, inanição e asfixia,
podendo haver a possibilidade de albinismo (leucodermia congênita
e acromatose congênita) entre as tartarugas, sendo que estas devem
ser descartadas para evitar a multiplicação de animais albinos no
lote. O Ibama (1989) cita que a fotofobia e alteração congestiva,
em casos agudos, podem apresentar inflamações das pálpebras com
derrame purulento, sendo a mais temível doença, o moquilo que
parece ser vírus filtráveis e bactérias associadas. Os sintomas são
debilidade, perda do apetite, inflamação das pálpebras, úlcera na
córnea, lacrimejamento contínuo. Em sua etapa final, apresenta
uma secreção gastrointestinal aguda, defecando substância
semelhantes às que apresentam nas fossas nasais. Quando
acometido o animal não quer permanecer na água e busca sempre
proteger-se em local escuro e úmido.
Em relação à parasitologia, Paixão & Thatcher (1984), ao
analisarem alguns exemplares de tartaruga (Podocnemis expansa),
tracajá (P. unifilis) e iaçá (P. sextuberculata), provenientes da Reserva
Biológica do Abufari, AM, encontraram helmintos dos filos
Trematoda em tartaruga (Telorchis spp.; Nematophila grandis;
Braunotrema pulvinatum), tracajá (Nematophila grandis;
Braunotrema pulvinatum; Telorchis spp.; Haltrema avitelina) e iaçá
(Paramphistomiformes) e Nematoda em tartaruga (Paratractis sp.) e
tracajá (Ancyracanthus pinnatifidus) fixados à mucosa do estômago
e intestino, que se encontravam espessados com pontos
hemorrágicos nos locais de fixação.
397
Matos & Fedullo (1996) apud Duarte (1998), ao realizarem
exames bacteriológicos em amostras fecais de 60 quelônios para
detectar a presença de bactérias do gênero Salmonella, obtiveram
em filhotes de Trachemys scripta elegans, obtidos de feiras e lojas de
animais, maior índice de infecção, 23,07 %, enquanto filhotes de
Geochelone denticulata, da Fundação Rio Zoo, tiveram índice de 10%
e T. dorbignyi, Chrysemys picta picta, Graptemys pseudogeografica e
G. carbonaria oriundos de ambas as fontes, obtiveram resultado
negativo foram encontrados os sorovares Typhimurium, Albany,
Kottbus, Loanda e o sorovar 0:50 de S. enterica subespécie
houtenae. As visíveis implicações à saúde pública são discutidas em
virtude da crescente popularidade desses répteis como animais de
estimação.
a) Problemas de sanidade nos criadouros do Amazonas
Os técnicos do projeto Diagnóstico/PTU analisaram
material fecal, regurgitados e material do trato digestivo de
quelônios de cativeiro. As amostras foram coletadas em criadouros
em Manaus, Iranduba e Manacapuru.
As fezes e regurgitados foram coletados durante as
biometrias bimestrais realizadas nos criadouros. Foram coletadas
em vidro limpo com tampa rosqueável contendo conservante MIF.
Este material foi tamizado em cálice com formol a 10%. Após sua
sedimentação espontânea (método de Lutz), procedeu-se a leitura
em lâminas no microscópio ótico. Tomou-se uma fração do
sedimento em lâmina de vidro e acrescentou-se uma gota de lugol,
homogeneizando-se, cobrindo com uma lâminula. A leitura foi feita
em aumento de 100X e detalhada em aumento de 400X. As
estruturas parasitárias observadas (larvas, ovos de nematelmintos e
amebas) foram fixadas em lâminas semipermanentes, para posterior
identificação.
398
O conteúdo do trato digestivo foi obtido de tartarugas
abatidas oriundas de criadouro comercial em Manaus. Coletou-se
material do estômago, intestino delgado e grosso. O conteúdo dos
diversos segmentos foi colocado em solução aquosa e feita a leitura
do material a fresco. Foram preparadas lâminas semipermanentes
de algumas estruturas para confecção de fotografias e identificação.
O material foi fotografado em microscópio especial (Zeiss).O material do segmento estomacal apresentou uma
densidade parasitária imensa no estádio larval de nematelmintos,
em todos os estômagos analisados. À medida que progrediu-se no
sentido caudal do trato digestivo, a carga parasitária foi diminuindo
sensivelmente. No intestino delgado encontrou-se larvas em apenas
45% do material analisado (Tabela 2).
Tabela 2: Freqüência de parasitismo no trato digestivo em tartarugas
(P.expansa) de cativeiro, Manaus/AM.
Segmento do trato digestivo
nº pesquisado n º parasitado % deparasitados
Estômago 19 19 100 Intestino delgado
11 5 45
Intestino grosso
1 0 0
Os animais analisados em criadouros apresentaram mais
parasitas no período das chuvas (40,62 4,42%).
Em 1999, registramos em filhotes de tartaruga (P. expansa)
criados em tanques de fibra de vidro com 250 litros, na densidade de 3100 animais/m , alimentados com ração de peixe, 40% de proteína,
os seguintes sintomas: inchaço das membranas timpânicas, com
deformação da cabeça e olhos saltados; abcessos e feridas, de
aspecto caseoso (cor amarelada) nos membros posteriores próximos
às articulações femurais; derrame na parte inferior interna do globo
ocular seguido de embaçamento do olho; manchas avermelhadas
tendendo para o roxo no plastrão.
399
Os animais que foram acometidos desse sintoma estavam
em área mais exposta ao sol do que os outros tanques. Filhotes de
tracajá (P.unifilis) e iaçá (P. sextuberculata) que estavam em tanques
próximos não apresentaram esses sintomas.
Foi realizada punção timpânica em alguns animais
enfermos, a fim de coletar material para análise. Todavia, o material
que enchia a membrana não era secreção purulenta. Tratava-se de
gás acumulado que cedeu após a punção, desinchando. No dia
seguinte, os animais puncionados apresentavam novamente o
inchaço.
Os exsudatos recolhidos nos animais enfermos, bem como o
material retirado do sangue, fígado e rins de um animal doente, que
foi sacrificado, foram inoculados e analisados pelo Dr. Januário, do
Laboratório de Patologia da Universidade Federal do Amazonas. A
cultura dos exsudatos e do material recolhido dos tecidos revelou a
presença de bactérias do gênero Proteus e Citrobacter. Não foram
observadas alterações, em nível macroscópico no fígado, trato
gastrointestinal e rins do animal sacrificado. Cortes histopatológicos
não foram realizados.
O diagnóstico da doença foi feito a partir de revisão
bibliográfica (Murphy & Collins, 1982; Fowler, 1994) cruzada com o
resultado dos exames patológicos dos animais doentes.
Na bibliografia, encontramos que das quatro categorias de
patógenos causadores de infecções em quelônios (patógenos gram
positivos; bacilos gram negativos móveis que possuem citocromo
oxidase e que não possuem; bacilos gram negativos não móveis), os
gêneros Aeromonas e Citrobacter causavam sintomatologia similar
ao caso estudado.
400
O Aeromonas, bactéria gram negativa, causa a chamada
red leg, que são manchas avermelhadas nos membros com
ulcerações e equimoses, além de anemia macrocítica, leucopenia e
trombocitopenia (Murphy & Collins, 1982; Fowler, 1986).
O Citrobacter freundii é bactéria gram negativa que destrói
os glóbulos vermelhos, causando danos aos órgãos internos, perda
de apetite, letargia, ulcerações e necrose na pele e posterior
paralisia dos membros inferiores com multilação nos dedos, além de
filamentos de sangue que cobrem os olhos até atingir um quadro
fatal de septicemia, síndrome conhecida como SCUD (Scepticemic
cutaneous ulcerative disease), que acomete tartarugas aquáticas.
Nestes casos, o parasita pode ser isolado do fígado, coração, sangue,
rins. É uma doença transmitida pela água, sendo mais susceptíveis
tartarugas com escarificações (ferimentos) nas patas (Murphy &
Collins, 1982; Fowler, 1986).
Os tratamentos recomendados na literatura são:
Para Citrobacter:1) Glorioso et al. (1974): uma dose inicial de 8 mg/100g,
intramuscular de Kaba, quemicetina ou quemisulfan, continuando
o tratamento durante 7 dias, com duas doses de 4 mg.
2) Murphy & Collins, 1982: Clorafenicol foi usado
eficientemente em alguns casos com uma dosagem inicial de 6
mg/200 g de peso vivo, no primeiro dia, seguida por uma dosagem
de 3mg/200 g de PV por sete dias. Ou 250 mg de clorafenicol por 2,6
litros de água. Colocar nesta proporção na água do reservatório
duas a três vezes por semana, e melhorar a alimentação e exposição
ao s raios de sol (colocar solário).
3) Fowler, 1986: Aplicação de betadina ou iodina (iodo)
localmente, e clorafenicol parenteralmente.
401
Para Aeromonas:
1)Pode ser feito também um tratamento à base de
tetraciclina (5 mg em 2 ml de água destilada), via estômago, duas
vezes ao dia, durante 5 dias (Murphy & Collins, 1982; Fowler, 1980).
Entretanto, enquanto pesquisávamos o caso, voltamos a
adotar o mesmo procedimento utilizado para a água de filhotes
recém-chegados ao criadouro, ou seja, colocamos 10 gotas de
iodo/100 litros de água no tanque dos animais doentes.
Em 5 ou 7 dias houve uma redução progressiva dos
sintomas dos animais doentes. Animais aparentemente sadios que
foram separados para outro tanque, antes do início do tratamento,
apresentaram os sintomas naquela outra instalação (5 dias depois),
sendo imediatamente medicados.
Outro caso observado em criadouros de Itacoatiara foi o
aparecimento de ulcerações na carapaça de tartarugas juvenis
(Figura 5). Os animais foram trazidos ao Ibama, isolados e deixados
em recipiente com pouca água (para que o local da lesão se
mantivesse seco). Na lesão foi aplicado iodo e colocado unguento.
Foram feitas aplicações diárias até a perfeita cicatrização do local.
402
Figura 7: Jovem de tartaruga (P. expansa) de cativeiro com lesão na
carapaça causada por fungos e bactérias. Foto: RAN/AM (Oliveira, P.H.G.).
O mesmo tipo de lesão foi encontrado em dois exemplares
de P. expansa em criadouro no Iranduba. Um animal apresentava
uma única lesão na carapaça e outro apresentava várias lesões na
carapaça e no plastrão. Aplicou-se, o mesmo tratamento descrito
anteriormente mas, antes foi feita a raspagem do local e realizada
cultura do material biológico recolhido. Não houve resultados para
403
contaminação bacteriana e na análise micótica foi identificado
novamente o fungo Aspergillus niger. A Figura 8 apresenta os
animais com essas lesões.
Figura 8: Tartaruga, P. expansa com lesões na carapaça e plastrão,
provenientes do ataque de fungos (Fotos: Ikaro).
10.2.2 Predação
Como predadores em condições naturais, pode-se reunir
três categorias: (1) os que aproveitam os ovos, (2) os que consomem
os filhotes recém-nascidos e (3) os que consomem os adultos, em
decorrência do equilíbrio biológico natural e captura pelo homem
pois, em ambas o animal encontra-se nos cursos d'água ou na praia
de desova. A pior das predações parece ser apanhar os ovos, não
obstando que as demais não sejam prejudiciais. Entre os
predadores, tem-se formigas-de-fogo (Prenolepis sp.), jacuraru
(Tupinambis nigropuctatus, T. teguxin), aves (urubu, Coragypis
atratus ; gavião, Spazastur spp.; gaivota, Phaetusa simplex). Em
uma praia venezuelana, 6% das crias recém-eclodidas foram
predadas por aves, desde o momento de saída do ninho até
chegarem à água: peixes carnívoros (traíra, Hoplias malabaricus;
tucunaré, Cichla sp.; piranha, Serrasalmus sp.; pirarara,
Phractocephalus hemioliopterus; pirarucu, Arapaima gigas, aruanã
Osteoglossum bicirrhosum), lontra (Lutra platensis); ariranha
404
(Pteronura brasiliensis), sucuri ( Eunectis murinus), jacaré (Caiman
crocodilus), felinos (Leopardus pardalis e Panthera onca) e o homem
(Alfinito, 1980; TCA-SPT, 1996).
Figura 9: Urubus atacando filhotes de quelônios em Abufari, Purus,
Tapauá. Foto: Projeto Diagnóstico (Duarte, J. A.M.).
Na Reserva Biológica do Abufari – AM (Figuras 9 e 10), foram
observados, em 1998, pelos autores, predadores como aves (urubu e
gavião) e peixes (pirarara, etc.), com ambos realizando um tipo de
“vigilância” na praia onde desovam a tartaruga, o tracajá e o iaçá
(também conhecido por pítiú). No período de eclosão dos filhotes as
aves ficam 24 horas por dia na praia de desova para capturar os
filhotes logo que saíssem da cova. Sendo, no caso das aves, que o
primeiro comportamento observado é o decepamento dos filhotes
para depois forrageá-los. No caso dos peixes, estes ficam a margem
da praia de desova para forragear os filhotes logo que estes entram
na água, pois este caso ocorre com algumas covas distantes umas
das outras.
Na grande maioria, devido ao número de animais que
desovam ser elevado, é feita uma cerca circular, em que há um
considerado número de covas. No período da eclosão, os
405
funcionários da Rebio Abufari/Ibama-AM monitoram atentamente a
praia, vigiando as cercas de tabuleiros desde a madrugada, evitando
que os filhotes sejam predados ainda durante a noite, por aves que
dormem na praia. Nessa época, também realizam contagem (Figura
12) e, posteriormente, a transferência e a soltura dos filhotes. Esta
última é realizada em outra margem distante da praia, onde realizam a
soltura dos filhotes no meio de plantas aquáticas para reduzir a chance
da predação, por peixes, sobre os filhotes de tartaruga, tracajá e iaçá
(Figura 11).
406
Figura 10: Filhotes de tartaruga predados por urubu. Observe que só a parte dianteira foi consumida. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M., 1998).
Figura 11: Soltura de filhotes de tartaruga na reserva biológica do Abufari, rio
Purus. Observe que ela é feita a noite, no meio da vegetação e distante do
tabuleiro, para reduzir a predação. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.
1998).
Figura 12: Contagem de filhotes de tartaruga em cercado no tabuleiro do Abufari. Abaixo: equipe da Universidade Federal do Amazonas e Ibama na base flutuante da Rebio Abufari, rio Purus/AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M. 1998).
407
Capítulo 12: Caracterização socioeconômica
e ambiental da criação de quelônios no estado
do Amazonas e comercializaçãoAldeniza Cardoso de Lima
Paulo César Machado AndradeJoão Alfredo da Mota Duarte
Luiz Alberto do Santos MonjelóRichard Vogt
Janderson Rocha GarcezWander Rodrigues
Anndson BrelazIntrodução
Os quelônios são uma ordem de espécies silvestres da
Amazônia que, durante séculos, têm sido intensamente exploradas
para comércio e consumo humano, entre outras finalidades,
principalmente Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis
classificadas como espécies em estado vulnerável e de baixo risco,
respectivamente, dependente de estratégias de conservação (UICN,
1996).
Para contrapor essa superexploração e consciente de seu
potencial para o uso sustentável, implantou-se a criação artificial
com a finalidade de desenvolver a criação com finalidades comerciais
(Acosta, 1996; Vogt, 1990).
No Brasil, a criação de quelônios surgiu devido ao estímulo à
captura ilegal na natureza; à oferta de produtos e subprodutos; por
ser adaptada à condição ambiental; e aos resultados de trabalhos de
proteção e manejo nas áreas de desovas (Alfinito, 1980; Luz, et al.,
1994). Na Amazônia tiveram início ações para contrapor a
exploração com a finalidade de domesticar e obter excedentes que
permitam o repovoamento onde têm diminuído ou desaparecido as
espécies (Fachin, 1999).
408
No entanto, apesar de as estratégias de manejo estarem
sendo desenvolvidas desde 1986, o processo de criação animal em
sistema artificial foi implantado com práticas impróprias devido à
falta de conhecimentos adequados da biologia das espécies,
constituindo em ameaça (Soini, 1997). Por outro lado, não foram
estabelecidas políticas sustentáveis de manejo que se orientam
primordialmente a eliminar e/ou mitigar o impacto negativo das
ameaças ao ambiente.
Conforme a espécie explorada, a ação repercute na
incorporação direta e primária da natureza, em que não são medidos
por seus planejadores, o impacto direto e o indireto quanto ao
controle dos resíduos e ao uso dos recursos. Esses fatores são
essenciais para avaliar a viabilidade da atividade e articular as
relações econômicas, sociais e ambientais (Kubitza, 1998). Essas
relações com o meio ambiente são essenciais para o
desenvolvimento efetivo da gestão do meio ambiente.
A gestão do meio ambiente é um processo de mediação que
define e redefine, continuamente, a forma como as diferentes
organizações, através de suas práticas, alteram a sociedade, a
qualidade do meio ambiente e como se distribuem na sociedade os
custos e os benefícios decorrentes da ação desses agentes (Ibama,
1992). Para realizá-la é indispensável acompanhar e atuar sobre os
elementos envolvidos na transformação ambiental e realizar a
gestão de cada um deles (Macedo, 1995), podendo, com isso,
equacionar e/ou levantar os recursos/benefícios, reconhecer e
reavaliar o desenvolvimento dos animais e articular a participação
dos diferentes segmentos sociais, proporcionando o
comprometimento dos seus gerenciadores.
Para contextualizar a criação de quelônios em criadouros
licenciados, futuramente, exigirá a necessidade de estabelecer um
planejamento ambiental antes da sua implantação, priorizar
409
pesquisas, levantar estratégias zootécnicas, considerar os fatores
jurídicos e ambientais e proporcionar treinamentos para os
funcionários, com a perspectiva de que as relações e as
interferências sobre o ambiente tornem-se irreversíveis.
Em 1997, a Ufam e o Ibama, iniciaram um diagnóstico dos
criatórios de quelônios no Amazonas. Posteriormente, em 2000, foi
realizada a caracterização socioeconômica e ambiental dessas
criações comerciais de quelônios. Os resultados desses dois estudos
e as informações sobre a primeira comercialização ocorrida no
estado, em 1999, são apresentados neste capítulo.
11.1 Diagnóstico dos criatórios de quelônios no estado
do Amazonas
Com os dados obtidos nos questionários feitos aos criadores,
ou técnicos, de cada propriedade foi possível o diagnóstico da
situação quanto ao tamanho das propriedades, instalações
(barragens ou represas e berçários), densidade do berçário, número
de animais de cada criadouro, atividades do criador, tipo de
alimentação fornecida aos animais, doenças, predadores, etc.
Neste estudo foram acompanhados os criatórios de
tartaruga (P. expansa) e tracajá (P. unifilis), licenciados pelo Ibama
no estado do Amazonas até 1999, onde pôde-se fazer a análise dos
novos criatórios registrados e a avaliação do desempenho da nova
população explorada pelo Ibama para fornecimento dos filhotes
(Tabuleiro de Sororoca-Rio Branco/RR). Esse acompanhamento foi
feito através de biometrias bimestrais nos criadouros, onde
registrava-se, através de questionários específicos e entrevistas, as
características de cada sistema de produção, tais como:
alimentação, tipo e tamanho de instalações, densidade de cultivo,
características da água, manejo, equipamentos, etc. Os animais
foram medidos e pesados. Os dados obtidos foram sistematizados
410
para caracterizar a produção de quelônios no estado, o que serviu
para inferir sobre o melhor sistema de criação utilizado.
Quanto à localização, 21,66% dos criadores estão situados
em áreas do município de Manaus, 21,66% em Manacapuru,
21,66% em Iranduba, 21,66% em Rio Preto da Eva, 6,6% em
Manicoré, 3,7% em Itacoatiara, 1,8% em São Gabriel da Cachoeira e
1,8% em Lábrea.
O tamanho das propriedades variou de 8 a mais de 6.000 ha,
sendo a maioria entre 9–35 ha, com média de 22 18,384 ha (Figura
1). As represas variaram de 0,1 a 6,0 ha, embora a maioria estivesse 2entre 1 e 2 ha, e os berçários de 30 a mais de 1.000 m . A maior parte
dos criatórios possui densidade de berçário entre 0,5 e 5 2indivíduos/m .
Quanto às atividades dos criadores, têm-se a maior parte
exercendo a atividade de comerciantes, encontrando-se também
agricultores, advogados e donos de rede de hotelaria (Figura 2).
O número de animais por criador variou de 600 a mais de
22.000 indivíduos, sendo 60% com número de 1.000 a 5.000
indivíduos, o que é considerado um número pequeno para a
atividade comercial. A alimentação fornecida ficou distribuída entre
vísceras bovinas, restos de feira (verdura), peixe, peixe + puerária e
ração, sendo que a maioria fornece peixe, havendo uma tendência
para adotar ração, pelo menos na fase inicial, seguindo as novas
orientações técnicas fornecidas.
411
Quanto ao tipo de alimento fornecido, observou-se que
animais alimentados à base de proteína animal superam os
alimentados com proteína vegetal em ganho de peso. Observou-se 2 que a densidade de 78 indivíduos/m proporciona um bom
desempenho aos animais. A tartaruga (P. expansa) parece superar o
tracajá (P. unifilis) e o iaçá(P. sextuberculata) em ganho de peso.
Animais provenientes de Uatumã-Balbina/AM possuem tendência a
obter maior ganho de peso que os provenientes do Abufari- Tapauá/AM e Rio Branco-RR.
Figura 1: Tamanho das propriedades.
412
Atividades dos queloniocultores
30%
30%
10%
10%
20%Outras atividades
Comerciantes
Produtor Rural
Construtura
Hotelaria
Figura 2: Atividades dos queloniocultores.
11.2 Caracterização socioeconômica e ambiental das
criações comerciais de quelônios
Neste outro trabalho, iniciado em 2000, teve-se por objetivo
caracterizar as condições de funcionamento dos criadouros de
quelônios, através de um levantamento mais detalhado, como forma
de garantir novas alternativas de uso sustentável diante das atuais
técnicas de manejo dos recursos naturais, estabelecer o perfil
socioeconômico dos criadores/criadouros, identificar fatores de
impactos ambientais, bem como verificar a viabilidade econômico-
ambiental, a fim de propor um modelo de gestão socioambiental para
as atividades de produção animal.
Área de estudo
O Estado do Amazonas possui fortes tradições culturais, e por
dispor de recursos naturais diversos, as características de usos e
costumes de seus habitantes concentram-se nesses recursos.
Assim, os recursos da fauna amazônica vêm servindo a alimentação
humana há milhões de anos, com a alteração dos ecossistemas em
413
função de modelos de desenvolvimento exploratórios e predatórios.
As propriedades escolhidas para os estudos foram em função
dos criadouros licenciados pelo Ibama, localizados em Manaus e
municípios próximos.
Metodologia
Em um primeiro momento, foram realizados contatos iniciais
com os proprietários dos criadouros, a fim de solicitar autorização. A
partir daí iniciou-se o trabalho com observações diretas das
instalações, rede hidrográfica, dimensões dos viveiros e a
composição da vegetação, com a finalidade de realizar o diagnóstico
ambiental.
Entrevistas foram feitas com 13 criadores que detalharam
questões sobre o levantamento dos aspectos relacionados aos meios
socioeconômico e físico, a fim de estabelecer o perfil dos
criadores/criadouros. Também foi verificada a estrutura
operacional dos criadouros.
Posteriormente, definiu-se a análise da água para avaliar
entre os parâmetros químicos os efeitos de impactos diretos e
indiretos causados ao ambiente. Para isso, efetuaram-se medidas
no campo da condutividade elétrica, temperatura e oxigênio
dissolvido, utilizando um condutivímetro digital tipo WTW e
peagômetro tipo WTW, para determinar o pH.
Amostras de água foram coletadas em garrafas de polietileno
e frascos de vidro com tampa esmerilada. Análises foram realizadas
no Laboratório de Limnologia /Depesca/Ufam, segundo Golterman,
et al. (1978), para determinar os parâmetros químicos: DBO
(Demanda Biológica de oxigênio0, DQO (demanda química de
oxigênio), compostos nitrogenados: nitrato (N02), nitrito (N03) e
amônia, fósforo (P04) e dureza.
414
Os dados foram elaborados em uma planilha e aplicou-se
estatística descritiva com distribuição de freqüências e teste de
Kruskal-Wallis (P>0,05), a fim de comparar as variações dos
parâmetros encontrados entre os criadores e o padrão estabelecido
pelo Conama (1996) Resolução nº 020/96, para estabelecer o nível
de significância entre as médias e agrupar, entre os criadouros, os
que apresentam melhores condições de funcionamento.
Resultados e discussões
A criação de quelônios no estado do Amazonas é atualmente
composto por 33 criadouros legalizados, funcionando de acordo
com a disponibilidade dos recursos de cada um e a utilização de
práticas impróprias de manejo.
O perfil socioeconômico dos criadores revelou faixa etária em
torno dos 40 anos, grau de escolaridade no ensino médio,
profissões, com maior freqüência, de comerciante e de agricultor.
Dados consistentes com Costa (1999), renda familiar com maior
percentual na faixa de 5 a 10 salários mínimos (Tabela 1).
A estrutura operacional dos criadouros é, na maioria,
localizada em zona rural, abastecida de água de igarapé e energia
elétrica pelas Centrais Elétricas do Amazonas (Ceam). São, na
maioria, manejados por pessoas físicas (61,5%), com sistema de
criação do tipo semi-intensivo (69%), e objetivos de criar quelônios e
o comércio dos animais (84,5%). Não há normas para o
estabelecimento das dimensões e tipos de recintos, como tamanho
da área variando de 2.000,52 + 3.650,98m, represas de 1.430,9 +
1.304,42m, berçário de 1.027,89 + 2.212,87m e tanque de 421 +
384,43m (Tabela 2). Neste caso, a recomendação deveria estar
condicionada à qualidade de animais e fase de criação.
415
Tabela 1: Perfil socioeconômico dos criadores de quelônios.
FAIXA ETÁRIA
FREQ
%
NÍVEL ESCOLAR
FREQ.
%
20-39 anos 40-59 anos 60-79 anos
1 8
3
8,5 66,7
25,0
Semi-analf.
1ºGrau inc.
1ºGrau comp.
2ºGrau comp.
Sup. Inc.
Sup. Comp.
1
3
1
3
1
3
8,3
25,0
8,3
25,0
8,3
25,0
PROFISSÕES
FREQ.
%
RENDA FAMILIAR
FREQ.
%
Administrador Advogado Agricultor Aposentado Comerciante Engenheiro Pescador
1 1 3 1 4 1 1
8,3 8,3 25,0 8,3 33,3 8,3 8,3
1-10 SM 11-15 SM 16-20 SM
5 4 3
41,7 33,3 25,0
416
TAMANHO DA
ÁREA MÉDIA DP Mínimo Máximo N
BARRAGEM BERÇÁRIO TANQUE PROPRIEDADE
1.430,96 1.027,89
421 2.000,52
1.304,42 2.212,87 384,431 3.650,98
2,630 4,000 25 1,000
3.000 6.844
900 131,40
9 9 6 13
2Tabela 2 – Tamanho da área (m ) entre os criadouros.
A efetivação da criação de quelônios ocorreu por volta dos
anos de 1970, em função da implementação da primeira portaria,
registrando-se um interesse maior nos últimos cinco anos, maior
aprovação dos projetos técnicos nos anos de 1995/2004 (Tabela 3).
Tabela 3 – Intervalos de aprovação dos projetos técnicos entre os criadores.
APROVAÇÃO DOS
PROJETOS
FREQÜÊNCIA
(%)
1995-1996 1997-1998 1999-2000 2001-2004
4 4 5 33
8,7 8,7 10,9 71,7
O acompanhamento técnico foi efetuado por profissionais
indicados por pessoas ou órgão (Figura 3), apenas para efetivar a
aprovação do empreendimento, sem assegurar, no entanto, o seu
comprometimento para monitorar as atividades.
417
RESPONSÁVEL TÉCNICO
0
1
2
3
4
5
6
BIOLOGO
ENGPESCA
IDAM
UA
MÉD. VETERINÁRIO
TECNOLABORATÓRIO
Figura 3 – Responsável técnico
. A maioria dos funcionários foi selecionada principalmente
por indicação de outras pessoas, observando-se a não-exigência de
critérios e conhecimentos para o desenvolvimento das atividades,
assim como foi notada a falta de programas de treinamento e/ou
sensibilização dos funcionários.
Na avaliação dos custos, observou-se que não há registros
sistematizados dos fatos que ocorrem nas propriedades. Os dados
foram estimados com base em informações provenientes de
anotações e de estimativas. A participação dos custos fixos sobre
os custos totais é de 25,38% e os custos variáveis participam com
74, 62%. A alta participação destes últimos é a alimentação com,
a p r o x i m a d a m e n t e , 5 2 % . O g a s t o c o m r a ç ã o
(alimentação/ano/animal) ficou em torno de R$1,53. Resultado
consistente com o estudo realizado por Costa (1999), com 350
animais em cativeiro, que identificou um custo de
R$1,58/animal/ano, referente à alimentação.
Os dados representados no Quadro 1 mostram um custo
anual, por tartaruga, de R$ 2,93, indicando que em média uma
tartaruga com cinco anos de idade pode estar custando R$ 15,00,
aproximadamente.
418
Quadro 1 – Custos totais, médios e participação percentual da criação de
quelônios no estado do Amazonas, no ano de 1999.
CUSTOS FIXOS
CUSTOS VARIÁVEIS % PARTICIPAÇÃO S/ CUSTOS TOTAIS
ITENS
(R$) (%) (R$) (%) (%)
Depreciação Rem. Capital Mão-de-obra Alimentação Mão-de-obra Combustível Manutenção Transporte Outros Total %participação s/ custo total Custo médio
16,021,50 19.050,90 11.575,00 - - - - - - 46.647,40 25,38 0,74
34,35 40,84 24,81 - - - - - - 100,00 - -
- - -
96.047,25 7.871,50 10.644,00 14.773,25 5.970,00 1.817,20
137.123,20
74,62
2,19
- - -
70,05 5,74 7,76
10,77 4,35 1,33
100,00
- -
8,72 10,35 6,30
52,50 4,48 5,80 8,40 3,35 0,10
100,00
100,00
2,93
419
Entre as espécies doadas para criação verificou-se
Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis. O total de animais
recebido por criador variou de 7.392,15 + 7.522,68 animais (Tabela
4).
Tabela 4 – Números de animais doados para criação.
Número de animais doados
Média DP Mínimo Máximo
N
QUANTIDADE RECEBIDA QUANTIDADE ATUAL TEMPO DE RECEBIMENTO
7.392,15
7.979,15
1,9231
7.522,68 6.841,90 0,77595
835
835
1,000
25.000
21.000
5,000
13
13
13
Os meios utilizados para transportar os animais do tabuleiro
de desova para os criadouros foram barco e avião (Tabela 5).
Segundo os criadores, o avião parece ser o melhor meio, embora seja
o mais caro, sendo a melhor opção, pois, a mortalidade dos animais é
menor, em virtude do acondicionamento que deixa os animais
menos vulneráveis a doenças.
Tabela 5 – Meio de transporte dos animais dos tabuleiros para os criadouros.
TIPO FREQ. (%) TEMPO GASTO
FREQ. (%)
AVIÃO BARCO
3 10
23,1 76,9
DIAS
HORAS SEMANAS
7 3 3
53,8
23,1
23,1
420
Quanto à finalidade dos criadouros, para a conservação da
espécie, as respostas destacaram-se em ajudar na diminuição da
predação dos animais e a manutenção das matrizes, embora
verificou-se que 84% dos criadores ainda não construíram o sistema
para a reprodução dos animais, o que mostra o não atendimento da
exigência da Portaria N. 142/92 (Ibama, 1992b), art.7º, § 2º.
A opinião dos criadores sobre:
1) combate ao comércio ilegal de quelônios: sugeriram fiscalização
rigorosa envolvendo as forças do exército, marinha e aeronáutica. 2) a importância principal em criar quelônios é ganhar dinheiro.
Entre os criadores, um pretende, com a criação, saldar sua dívida
com um empréstimo realizado no banco.
Na avaliação ambiental observou-se o uso direto dos cursos
d'água nas instalações, que funcionam como meio de captação de
água e onde são lançados os efluentes que podem comprometer a
qualidade dentro e fora dos viveiros. Impor aos outros usuários uma
série de custos sociais, uma vez que as descargas dos restos
orgânicos são lançadas ao ambiente sem nenhum controle da
poluição (Quadro 2).
Quadro 2 – Instruções/procedimentos para a construção de barragens.
S=sim N=não
Nas últimas décadas, o crescimento das atividades de
produção e consumo e, conseqüentemente, o aumento de
lançamentos de resíduos nos meios receptores, bem como a
utilização excessiva
421
Itens (%) TIPOS F Á G U A
N=30,4 S=69,2
Escoamento/abastecimento Faz controle com cal Procurou conversar com engenheiro Renovação natural na barragem Usou saco de serrapilheira Construiu fora do leito do igarapé Aproveitou os mananciais Examinou a qualidade d’água antes de construir a barragem
1 1 1 1 1 1 1 1
S O L O
N=53,8 S=46,2
Escolheu o tamanho mínimo para escavação Foi aterrado, antes era encharcado Foi aterrado conforme recursos técnicos O solo foi analisado por técnicos da Emater
1 1 2 1
V E G E T A Ç Ã O
N=38,5 S=61,5
Deixou a vegetação natural ao redor da barragem Está plantando fruteiras para recuperar o local Manteve uma área com vegetação natural Acima da barragem onde há vários animais soltos Obedeceu recomendação de técnicos do Inpa Não respondeu
5 2 1 1 1 1
Resíduo Orgânico
N=92.3 S=7.7
Embora controlando, há poluição devido aos restos orgânicos
1
dos recursos, proporcionaram a criação de normas e legislação
ambiental que têm exigido das organizações de qualquer grandeza
ou tamanho a incorporação da variável ambiental na alocação de
recursos (Assayag, 1999). A não inclusão da internalização dos
efeitos externos ao meio ambiente, na ocasião da implantação do
criadouro, poderá, futuramente, comprometer a atividade e
inviabilizá-la devido à incorporação primária e direta da natureza. A
falta de normas na infra-estrutura do local pode implicar na
captação de água – o percurso do igarapé – com mortes ou aumento
de outros organismos, além do comprometimento da água usada
pela população circunvizinha.
A efetivação recente dos criadouros pode estar relacionada à
desburocratização do órgão fiscalizador que fomentou a atividade,
para que os que estivessem irregulares viessem para a legalidade
e/ou por ter despertado nos criadores uma nova opção de renda.
Para que seja uma atividade de perspectiva de renda deverá assumir
um compromisso com o melhoramento contínuo, considerando os
problemas reais e potenciais, conforme sugere a ABNT (1996). O
objetivo é proporcionar competências ao pessoal envolvido, com base
em educação, treinamento e/ou experiências apropriadas,
proporcionando compreensão, atitudes e valores.
A ABNT (1966) recomenda que as organizações estabeleçam e
mantenham procedimentos para identificar as necessidades de
treinamentos dos envolvidos. A criação de quelônio tem caráter
técnico e é necessário que o responsável e todos os envolvidos
recebam treinamentos para assegurar a qualificação, assim como é
preciso responsabilizar atribuições na área técnica e ambiental para
proporcionar melhor desempenho das atividades.
422
O acompanhamento dos custos é muito importante por
garantir compensações econômicas, além de diversas outras
vantagens. Para isso, é necessário que o criador conheça os custos
associados à implementação do criadouro, assim como os
benefícios obtidos para que sua propriedade torne-se competitiva
no mercado e possa proporcionar sustentabilidade ao
empreendimento.
A falta de conhecimento do número de animais a serem
doados para criação torna-se um fator negativo, pois não se sabe o
impacto que a retirada desses animais da natureza poderá
proporcionar ao ambiente, sem causar desequilíbrios nas
populações.
A implementação da criação de quelônios requer o uso de
mecanismos capazes de internacionalizar os custos dos recursos,
com base no princípio poluidor/pagador. De acordo com a ABNT
(1996), a exigência pela conservação ambiental faz com que os
empreendimentos implementem a gestão ambiental, com a
finalidade de equacionar as diferentes práticas com a qualidade do
meio ambiente e a internalização dos custos/benefícios para a
sociedade.
Considerções finais
A criação de quelônios surgiu a partir das condições que a
legislação criou, em que a questão ambiental foi tratada nos
empreendimentos apenas como uma exigência legal, tendo como
responsabilidade técnica apenas o caráter fiscalizador, não
contemplando ações educativas que proporcionem o
comprometimento de todos os participantes no processo.
Os criadores, por serem, na maioria, de outro estado,
possuem pouco conhecimento da realidade amazônica e apesar de
desenvolverem atividades com a criação animal, observou-se
423
que o interesse pela criação de quelônios é apenas um fator
econômico e , por tanto , não há compromet imento ,
conhecimentos básicos das espécies, dos custos, entre outros
aspectos, para a efetividade da sustentabilidade da atividade.
Os criadouros funcionam de acordo com a disponibilidade
do local e são implantados sem qualquer planejamento, controle
dos resíduos, condições ambientais e disponibilidade dos
recursos que atendam às recomendações das normas ambientais
(ABNT, 1996), e assim, proporcionem bom funcionamento aos
criadouros implantados ou que venham a ser implantados.Para a operacionalização recomenda-se a adoção efetiva
de um técnico habilitado, com o objetivo de disciplinar o
gerenciamento, supervisionar, planejar, bem como proporcionar
treinamento do pessoal envolvido, assegurando um desempenho
melhor das funções e evitando as conseqüências potenciais dos
procedimentos operacionais.
Recomendações
O órgão fiscalizador deverá propor mudanças de
comportamento passando de uma ação fiscalizadora para uma
gerenciadora do planejamento e administração, baseada em
compromissos ambientais e sociais.
Com base nas constatações realizadas, pode-se propor
que os estabelecimentos pesquisados propiciem a gestão
ambiental nos modelos propostos por Macedo (1995) e ABNT
(1996) visando maior sustentabilidade dos recursos e maior
produção, tendo como estratégias básicas:
424
1) Criar critérios técnicos ambientais para instalação para
estabelecer diagnóstico ambiental no sentido de prever
conseqüências potenciais necessárias para a instalação,
operação e manutenção das condições ambientais.
2) Desenvolver instrumentos e metodologias visando o
desenvolvimento de pesquisas sobre metodologias, materiais
educativos e outros instrumentos para a prática da criação
animal;
3) Implementar um de sistema de informação para estabelecer um
sistema de manutenção de informações para organizar a
documentação e todas as informações necessárias à execução da
atividade;
4) Proporcionar ações educativas e de capacitação visando
estimular e apoiar a participação dos responsáveis na
formulação de políticas para o meio ambiente, bem como a
concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade do
meio natural, social e cultural, através da implementação da
educação ambiental.
5) Controle operacional para estabelecer e manter instrumentos
para verificar, investigar e corrigir através de inspeções,
auditorias ambientais e ações corretivas e preventivas.Agradecimentos
Especial agradecimento à profa. Cassandra Guimarães de
Freitas, por acertadas críticas e sugestões valiosas, igualmente à
Fachin-Teran e aos professores Gilberto Peixoto, Ubirajara Boechar,
Andrea Waichman e Elizabeth Santos, pelo apoio e colaboração. À
todas as pessoas que colaboraram direta e indiretamente para a
realização deste trabalho. Ao programa do Trópico Ùmido-
PTU/CNPq, pelo apoio logístico.
425
11.3 Comercialização
Durante o diagnóstico da criação de quelônios um criador do
Puraquequara, Manaus, que recebeu 17.000 animais doados pelo
Ibama-AM, desde 1992, realizou a primeira comercialização de
tartarugas legalizadas no Amazonas, vendendo, em 17/07/1998,
parte dos animais recebidos (Podocnemis expansa), conforme prevê
a Portaria Nº 070/96 do Ibama, específica para a comercialização de
P. expansa e P. unifilis, oriundos de criadouro licenciado.
O processo de comercialização dos animais iniciou-se com o
queloniocultor, solicitando a liberação do estoque para venda
através de vistoria e de parecer técnico favorável do Ibama–AM, bem
como o fornecimento dos lacres de identificação para os animais que
seriam comercializados. Cada lacre plástico, em cores, que varia a
cada lote (verde, vermelho, branco), possui o número de registro do
criador, o estado de origem, a sigla Ibama e um número seqüencial.
Os lacres são vendidos ao criador a um preço de R$1,10
(aproximadamente U$0,36) a unidade.
Após a autorização da venda realizou-se a captura através de
redes de pesca (Tipo arrastão). Foi feita a biometria (carapaça e
plastrão), a pesagem dos animais em balanças de capacidade de 15
kg e de 50 kg, e posterior seleção dos animais que estavam com peso
vivo – P.V. acima de 1,5 kg, ou seja, o peso mínimo para venda,
conforme determina a Portaria Nº 070/96. Após selecionados, os
animais com P.V. inferior a 1,5 kg foram devolvidos à barragem
pelos trabalhadores do criadouro.
A seleção de 10% dos animais do lote para reprodução do
plantel, por ocasião da venda (Portaria Nº 142/92), se ainda não foi
feita, deverá ser realizada nessa ocasião. As matrizes e reprodutores
426
deverão receber marcação diferencial com plaquetas de alumínio de
4,0 cm X 1,5 e 2 mm de espessura. Esse material recebe o nome
Ibama, numeração seqüencial e registro do criadouro. Na plaqueta
são feitos dois furos através dos quais se passarão dois arrebites
para a fixação na carapaça do animal. Os furos e a colocação da
plaqueta são feitos com o auxílio de furadeira, nas escamas caudais
da carapaça.
O rendimento de carcaça (dianteiro, traseiro e lombo) foi de
32,83 ± 9,09% em relação ao peso corporal de 2,66 kg obtidos. Isso
difere do citado pelo Sebrae(1995), em que 35% do peso corresponde
ao casco e 65% à carne e que, ao final de 4 anos, a tartaruga estará
com 20 kg, crescimento e rendimento que verificou-se com base em
todos os estudos realizados, praticamente impossível de se obter nas
atuais condições tecnológicas de criação.
Hoje, o tamanho mínimo permitido deve ser esclarecido à
população para uma possível mudança no hábito alimentar, pois a 1tartarugada regional refere-se, em geral, a um animal de tamanho
grande.
Após a biometria, pesagem e seleção, cada animal com peso,
para venda, foi marcado pelo queloniocultor com um lacre oficial
(de material plástico), com identificação específica, adquirido no
Ibama-AM para ser fixado no escudo posterior da carapaça
(Figuras 4, 5 e 6).
¹Designação gastronômica para o preparo da tartaruga.
427
Figura 4: Tartaruga sendo comercializada com lacre plástico em aquário junto com peixes regionais (acima) e animal após a colocação de lacre plástico para venda. Fotos:P.C.M. Andrade.
Figura 5: Lacre plástico para venda de quelônios. Foto: Projeto Diagnóstico (P.C.M. Andrade).
428
Figura 6: Colocação do lacre plástico para a venda de quelônios com perfuração
da escama caudal da carapaça com auxílio de furadeira elétrica. Foto: Projeto
Diagnóstico (P.C.M. Andrade).
Após marcados, os animais foram vendidos vivos para um
supermercado local, que exibia os animais ao público em um grande
aquário, com uma placa com o registro do supermercado como
comerciante de produtos da fauna (Portaria Nº 117/97), a origem
dos animais e o número de registro/autorização do criador.
Acompanhou-se, ainda, a venda aos consumidores regionais, no
próprio supermercado, que era feita da seguinte forma: o
consumidor escolhia o animal, um atendente o capturava no
aquário com um puçá e ele era pesado em uma balança digital que
fornecia, imediatamente, uma etiqueta com o preço a ser pago.
Então o animal era levado em um carrinho de supermercado para
ser pago no caixa, sempre com o lacre identificador de sua origem
legal.
O comportamento dos animais dentro do aquário, no
supermercado, era bastante agitado, devido, provavelmente, à
climatização interna do supermercado, pois pela observação, a
natação era bastante rápida, como se fosse uma forma de
“aquecimento” corporal, seguido de algumas mordidas quando os
animais submersos tocavam-se.
429
A propaganda não deixou claro que os animais eram
provenientes de criadouro licenciado. Para uma atividade nova, em
termos legais é importante divulgar que os animais são de criadouro
licenciado, para dar suporte à queloniocultura regional. Foi
detectado (durante as observações dos animais no tanque) que
alguns clientes no supermercado, e outras pessoas em conversa
pessoal, deduziram, por equívoco, que os animais expostos estavam
liberados para venda como se fossem capturados da natureza, sem
autorização, como ainda ocorre no Estado do Amazonas.
O preço relativo pelo qual foi vendida, inicialmente, no
supermercado, de R$ 18,00 (US$ 6,00) por kg do peso vivo-PV de
tartaruga se comparado às carnes de peixe (tambaqui, cerca de R$
7,00/kg PV), frango e bovina, foi elevado para um produto
amazônico.
Existe uma tendência para que esse preço diminua com o
aumento do número de animais postos à venda por outros
criadouros licenciados. Caso contrário, o preço cobrado tende a
comprometer a venda legal, pois a forma de comercialização para
alguns possíveis compradores torna-se desinteressante pelo fato de
ter que pagar R$ 18,00/kg PV por uma parte do animal que não será
consumida (carapaça e plastrão).
Além disso, existe o problema da concorrência com o animal
de origem ilegal, cujo preço, hoje, está em torno de R$ 300,00
(U$100,00) para um animal com peso médio de 25-30 kg de PV, ou
seja, o produto clandestino está saindo cerca de R$ 10-12,00/kg
de PV (U$3,33-4,00). Muitos queloniocultores já reduziram seu
preço de venda para R$6,00 a R$10,00/kg, ou seja, um preço que
concorre com o produto ilegal. Todavia, os custos médios de
produção no Amazonas giram em torno de R$1,45 a 2,93 (conforme
430
foi demonstrado neste capítulo e no capítulo 8, deste livro), isto é,
reduzindo um pouco sua margem de lucro e melhor estratégia de
marketing e venda, os queloniocultores legalizados poderão
facilmente estabelecer preços mais competitivos e desbancar,
definitivamente, o produto ilegal.
A queloniocultura, provavelmente, deverá direcionar os
produtos e subprodutos em termos de qualidade e/ou quantidade,
em função do mercado, pois, historicamente, o hábito alimentar do
consumidor, em relação à tartaruga, refere-se (em geral) ao animal
com aproximadamente 25 kg PV. Sendo necessário, para isso, um
esclarecimento visando uma possível mudança no hábito, assim
como a forma de venda dos animais, a estrutura de abate, etc.
O empréstimo bancário para a queloniocultura deve ser
estudado em função das características da criação e ao período em
que atividade trará resposta do investimento, pois a linha de crédito
é um dos suportes para o desenvolvimento dessa atividade.
Durante a fase de comercialização, alguns animais
deixaram de apresentar, em uma das placas marginais, na parte
posterior da carapaça, o lacre plástico identificando que eram
provenientes de criadouro licenciado. Eles foram quebrados pelas 1patas posteriores dos animais (Kohashi ).
Recomenda-se que os animais sejam inspecionados para
consumo humano por terem sido encontrados, na amostra de
animais analisados para venda, endoparasitas.
Observou-se que os machos (comercializados) de P. expansa
apresentam a cauda mais comprida e espessa, a abertura “cloacal”
¹ Kohashi, Moysés. Administrador. Informação pessoal.
431
espessa, a abertura “cloacal” mais próxima da extremidade final da
cauda e sutura média no plastrão em formato em “U” e o tamanho
corporal menor se comparado à fêmea. A fêmea tem a cauda mais
curta e menos espessa em relação ao macho, a abertura “cloacal”
localiza-se medianamente na extremidade da cauda e a base e a
sutura médio-ventral no plastrão da fêmea tem formato em “V” e o
tamanho corporal é maior do que o macho. Antes de atingir de 2 a 3
anos de idade observou-se que a sutura médio-ventral no plastrão,
no macho, apresenta-se em “V” e na fêmea expressa-se em “U”.
Estes indicadores invertem-se em animais de 2,5 ± 0,71 anos de
idade.
Foi aplicado um questionário aos compradores dos
animais, no supermercado, visando saber qual a opinião do público
em relação ao sabor do animal de cativeiro, o seu tamanho, e o preço
por kg do peso vivo, forma de preparo, qual a freqüência de
consumir tartaruga, etc.
10.3.1 ANÁLISE DE CARCAÇA DOS ANIMAIS
COMERCIALIZADOS
Os animais apresentaram, em média, os seguintes valores:
Idade: 5,5 anos
Comprimento da carapaça: 29,56 cm
Largura da carapaça: 24,85 cm
Altura: 12,8 cm
Peso: 2,66 kg
Porcentagem Sexual: macho 55%; fêmea 45 %
432
Foram capturados 1.172 animais, sendo realizada a
biometria em 884 animais. Do total, 65% apresentavam-se abaixo do
peso mínimo para venda, ou seja: 1,5 kg PV. A distribuição em
categoria de peso pode ser observada na Figura 7.
Distribuição do peso em relação ao número
de indivíduos
0
100
200
300
400
500
600
700
0 -1 kg 1 - 5 kg 5 - 10
kg
10 - 15
kg
20 kg
Peso ( kg )
Ind
ivíd
uos
No. de Indivíduos
Figura 7. Distribuição, em peso, dos animais analisados pelo Ibama
para venda. (Duarte, 1998).
Quanto aos parâmetros de carcaça dos animais, foram
abatidos 5 de diferentes categorias, que apresentaram os valores de
rendimento percentual em relação ao peso corporal em jejum:
433
Sangue = 3,66 ± 0,79%
Carapaça = 23,11 ± 0,82%
Plastrão = 10,54 ± 1,17%
Cabeça = 3,94 ± 0,78%
Carcaça (dianteiro, traseiro e lombo) = 32,83 ± 9,09%
Vísceras = 7,96 ± 1,31%
Fígado = 1,48 ± 0,29%
Coração = 0,16 ± 0,03%
Quartos dianteiros = 15,24 ± 4,15%
Quartos traseiros = 17,56 ± 5,01%
Rendimento de partes comestíveis (sangue, carne, fígado,
rins, pulmão, coração) = 39,62 ± 9,63%.
Animais de maior tamanho e peso apresentam maior
rendimento de carcaça e partes comestíveis do que animais de
categorias menores (maior porcentagem de casco). Este fator pode
ser direcionado de acordo com o mercado consumidor.
Em alguns animais foram encontrados endoparasitas ao
longo do trato gastrointestinal. Eles foram coletados e fixados em
lâminas, para posterior identificação. Foram observados
nematelmintos (níveis elevados) principalmente no estômago, além
de protozoários e bactérias. Não foram encontrados parasitas
sangüíneos e nem sanguessugas.
434
Foi verificado o prolapso retal em alguns machos de P.
expansa separados para a venda (Figura 8). É possível que isso
esteja associado à traumatismo causado pela aglomeração dos
animais em ambiente seco, por tempo prolongado. A reversão
ocorreu em 3 dias. Este comportamento foi observado por Duarte
(1998) em alguns filhotes recém-nascidos, com 4 dias de idade (não
sexados) na Reserva Biológica do Abufari, em Tapauá, Amazonas.
Ele acredita ter sido ocasionado pelo estresse ao manejo de captura
e transporte, pelo atrito da cauda dos animais com superfícies
rígidas, pela mudança de ambiente, ou por agentes parasitológicos
que podem provocar mudança no sistema fisiológico do animal.
Figura 8: Prolapso retal verificado em alguns machos de
para venda. Fotos:Duarte, 1998;Ikaro,2006.
A expectativa com a criação licenciada e com o mercado pelos
queloniocultores, em geral, é que haja uma demanda significativa
dos produtos e subprodutos oriundos desses quelônios legalizados,
através de um monitoramento envolvendo os queloniocultores,
instituições de pesquisas, extensão rural, vigilância sanitária,
consumidores, mercado, etc., visando propiciar o desenvolvimento
P. expansa separados
435
da criação de quelônios, em cativeiro, na região.
Espera-se, também, a efetiva e necessária organização da
cadeia produtiva, principalmente, através dos itens: a) colocação do
produto no mercado; b) propaganda e marketing; c) construção de
abatedouro licenciado pela inspeção federal; d) definição das formas
de comercialização e abate; e) agroindústria agregada ao abate para
fabricação de cosméticos, farmacoterápicos e peças de artesanato.
Tudo isto, entretanto, deverá estar associado à manifestação real de
interesse e ao firme propósito dos possíveis órgãos fomentadores do
setor primário no Estado (Governo, Basa, Suframa-Distrito
Agropecuário). Hoje, podemos dizer que já existe uma tecnologia de
produção e, principalmente, um volume muito grande de produto
para ser colocado no mercado (estima-se hoje, no Amazonas, cerca
de 600.000 animais em cativeiro, dos quais 100.000 já estariam em
ponto de abate), faltando acertar detalhes da cadeia para que a
atividade rentável e viável seja uma alternativa produtiva para o
Norte do país.
Em 2005, os criadores do Amazonas, conseguiram vencer
um dos entraves na cadeia produtiva que era, justamente, a
comercialização, direta e em escala, de seu produto. Em função da
organização dos criadores em uma associação, e do fomento da
agência de agronegócios do Estado, a maior parte do plantel
produtivo dos criadores pioneiros (1995 e 1996) já foi comercializada
com o animal vivo em feiras, em 2005 e 2006, garantindo o retorno do
investimento com alta rentabilidade (375,4%), em que o custo de
produção médio foi de R$2,93/kg em peso vivo e receita com a venda
de R$11,00/kg. A média de peso dos animais comercializados subiu
para R$7,8±5,5 kg, com animais de 5 a 7 anos, o que demonstra um
avanço, também, na adoção das técnicas de manejo e alimentação
disseminadas pela Ufam desde 1997.
436
Capítulo 13: Cultivo de tartaruga-da-amazônia
(Podocnemis expansa): alternativa ecológica, 1técnica e econômica ao agronegócio amazônico
2Luiz Antelmo Silva Melo3Antônio Cláudio Uchôa Izel4Maria das Graça Hossaine-Lima5Agenor Vicente da Silva6Paulo Cesar Machado Andrade
Introdução
O hábito alimentar arraigado de consumir carnes de animais
silvestres nativos da região é inerente ao amazônida, pois seus
ancestrais já o praticavam. Dentre as espécies mais apreciadas por
essa população, destaca-se a tartaruga-da-amazônia, devido às
excelentes características organolépticas de suas partes
comestíveis, o que levou a espécie ao risco de extinção.
Considerando a conhecida dificuldade de mudança de hábito
alimentar de uma população, assim como a necessidade de
preservação da espécie e de recuperação do estoque natural, pode-se
afirmar que a criação comercial de tartaruga é uma alternativa
potencial para atender diversas situações.
¹ Os dados apresentados neste trabalho são oriundos da publicação Criacão de
tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa). 14 p., 2003. (Embrapa, Amazônia
Ocidental. Documentos, 26).2Engenheiro-Agrônomo M.Sc. – Embrapa Amazônia Ocidental.
3 Zootecnista M.Sc. – Embrapa Amazônia Ocidental. Bióloga M.Sc. – Seduc/AM. Biólogo B.Sc. – Ibama/AM. Engenheiro-Agrônomo M.Sc. – Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
4
4
5
6
437
O agronegócio amazônico, que apresenta reduzidas opções
de sistemas de produção animal sustentáveis, tem, com este
trabalho realizado pela Embrapa Amazônia Ocidental e seus
parceiros, ampliado o seu leque de alternativas.
Objetivos
Disponibilizar um sistema de produção de tartaruga-da-
amazônia técnica e economicamente viável, como uma nova opção
ao agronegócio amazônico.
Disponibilizar informações técnicas que, entre outros
fatores, permitam aumentar a oferta de tartaruga para atender à
demanda existente, diminuindo a pressão do extrativismo e
proporcionando o estabelecimento de políticas ambientais voltadas
para a conservação e a recuperação do estoque natural.
Materiais e métodos
Os estudos foram realizados em propriedade particular
parceira da Embrapa Amazônia Ocidental, para a realização de
atividades de pesquisa e desenvolvimento, desde 1994, localizada no
município de Rio Preto da Eva-AM, cuja atividade principal é a
piscicultura intensiva. A implantação da Unidade de Observação
(UO) foi em 1/7/1999 e o período de coleta de dados foi de 45 meses, 2utilizando um viveiro escavado em argila com área de 1.792 m com
cerca de contenção (distante 2 metros do corpo d'água), de tela
(sarão), com altura de 80 cm e enterrada 20 cm. O viveiro recebe
água por gravidade originária de igarapé de água preta, ácida (pH 5),
que apresenta baixa fertilidade natural. A renovação diária de água
no viveiro é da ordem de 2,5%.
438
Solo e clima
As condições edafoclimáticas predominantes na área são:
latossolo amarelo, textura muito argilosa, precipitação
pluviométrica anual de 2.400 mm, média de umidade relativa do ar
de 88%, temperatura média anual de 26,5°C, média diária de brilho
solar de 5,4 horas, velocidade média do vento de 0,7 m/s e altitude
de 50 m acima do nível do mar.
Tartarugas
Foram utilizadas, na fase de engorda, 896 tartarugas
oriundas da Reserva Biológica do Abufari-Tapauá/AM. As
tartarugas passaram por um período pré-experimental de dez meses
na Embrapa Amazônia Ocidental, sendo transferidas para dar início
à Unidade de Observação. Foram coletados os seguintes dados
biométricos: 1) carapaça: comprimento: 13,30 cm, 12,50 cm de
largura; 2) plastrão: 10,15 cm de comprimento e 10,10 cm de
largura; 3) peso vivo médio: 234 g.
Preparo e povoamento do viveiro
Após uma semana de exposição aos raios solares, aconteceu
a limpeza do fundo e das laterais do viveiro, deixando-o livre de
restos vegetais, materiais de construção, vidros, plásticos etc. Em
seguida, realizou-se o abastecimento do viveiro e o seu povoamento,
obedecendo à densidade de 1 tartaruga/2m² de área inundada
(5.000 tartarugas/ha).
439
Manejo alimentar
As tartarugas, nos primeiros treze meses de cultivo, foram
alimentadas duas vezes ao dia, às 11:00 e às 15:00h, sempre que
possível com ração comercial extrusada, recomendada para
alimentação de peixes onívoros, contendo 34% de proteína bruta e a
taxa de alimentação diária, nesse período, foi de no máximo 1,5% da
biomassa inicial do viveiro. Na segunda fase (13 a 45 meses), as
tartarugas foram alimentadas uma única vez ao dia, sempre às 15
horas, com dieta à base de ração extrusada contendo 24% de PB e a
taxa diária de alimentação de, no máximo, 1,0% da biomassa do
viveiro, observada no início dessa fase.
O fornecimento diário de rações obedeceu ao consumo
espontâneo das tartarugas, limitando-se, no máximo, às taxas
citadas anteriormente. Observou-se que nos dias nublados e de
temperaturas mais amenas as tartarugas ingeriam menores
quantidades de ração.
Biometrias
Durante todo o cultivo (45 meses), a cada período de 4 meses
foram realizadas avaliações biométricas utilizando-se uma amostra
de 10% do lote, com o objetivo de avaliar o desenvolvimento corporal,
ganho de peso, conversão alimentar do período e a presença de
ectoparasitas.
440
Determinação do sexo
A determinação do sexo foi realizada de acordo com a
metodologia descrita por Ibama (2001):
·Macho: apresenta a cauda mais espessa e comprida, com a
cloaca mais próxima da extremidade, e tamanho corporal
menor quando comparado ao da fêmea de mesma idade.
·Fêmea: tem a cauda mais curta e menos espessa enquanto a
cloaca se localiza intermediariamente entre a base e a
extremidade da cauda.
Análise de viabilidade econômica
A análise de viabilidade econômica seguiu a metodologia
adotada por Martin et al. (1995), Scorvo Filho et al. (1998) e Melo et
al. (2001), na determinação de custos de produção, rendas líquidas,
receitas, taxas internas de retorno (TIRs) e tempo de recuperação de
capital (TRC), para diferentes sistemas de produção e preços de
venda.
Resultados
Pela amplitude temporal do trabalho (45 meses) e o seu
pioneirismo, torna-se impraticável a comparação dos resultados
obtidos com os disponíveis na literatura para a mesma espécie, visto
que eles foram realizados sob condições de manejo alimentar,
441
instalações e tempo de duração completamente diferentes aos deste
estudo. Entretanto, as comparações serão realizadas com
resultados obtidos em cultivos comerciais, acompanhados pelo
Ibama. Os resultados observados sobre o desempenho zootécnico
são apresentados na Tabela 1.
Tabela 1: Desempenho zootécnico de tartaruga, após 45 meses de cultivo.
Início12 meses24 meses36 meses45 meses
Peso médio
(g)
2341.8533.6096.3388.480
Biomassa inicial (kg)
209,66209,66
1.658,443.230,065.690,41
Biomassa final(kg)
---1658,443230,065690,417589,15
Ganho deBiomassa
(kg)
---1.448,783.020,405.480,757.379,90
Produção/Unidade de Área (kg/ha)
---8.08516.75530.25041.230
Ração Consumida
(kg)
---3.1886.83413.08318.875
Conversão Alimenar
---2,202,262,392,56
Tempo de Cultivo(meses)
Comprimento(cm)
13,3023,1537,4842,0044,00
Largura(cm)
12,5020,3031,9235,0037,50
Carapaça
Esses resultados foram consideravelmente superiores
quando cotejados com os obtidos da análise dos cultivos comerciais,
registrados no Relatório Final 98-2000 do projeto: Diagnóstico da
Criação de Animais Silvestres no Estado do Amazonas –
Ufam/Ibama, conforme a Tabela 2.
442
Tabela 2. Parâmetros zootécnicos de tartarugas de diferentes cultivos.
Parâmetros
Tempo de cultivo (em meses)Densidade de cultivo (tartaruga/ha)Conversão alimentarComprimento de carapaça (cm)Largura de carapaça (cm)Peso médio (g)Produção/unidade de área (kg/ha)
Trabalho
455.0002,56:144,0037,508.48041.230
Cultivos Comerciais
665.00014:129,5624,852.66013.300
Observou-se também, após sexagem, que 17,41% dos
exemplares eram machos e 82,59%, fêmeas; os pesos médios para
machos e fêmeas foram 4,63 e 8,84 kg, respectivamente. Diante
dessa constatação, o interessante, quando possível, seria realizar a
sexagem antes do povoamento do viveiro de engorda, optando-se
pela criação de fêmeas. Neste caso, os machos deveriam ser
destinados à reprodução ou ao comércio ornamental.
A análise dos dados econômicos deve ser focada no mercado
existente para tartaruga, mesmo que ilegal, e no risco inerente à
atividade, comum a todas as outras do ramo zootécnico, quando
praticadas em cultivos de longa duração. Atualmente, o mercado
demanda tartarugas vivas com peso vivo acima de 15 kg
(preferencialmente) e paga de R$12,00 a R$15,00 o quilo,
dependendo da época do ano. Quanto aos riscos, aconselha-se não
estender por muitos anos o tempo de cultivo para que o produtor não
seja surpreendido por eventualidades, tais como: parasitas,
doenças, fugas, roubo, etc. Além disso, em qualquer atividade
econômica, quanto menor o tempo do giro do capital empregado
mais saudável é o negócio.
443
A duração do ciclo de cultivo deve ser aquela em que se
produza a tartaruga com o maior ganho de peso, pelo menor custo
total, para a obtenção de maior renda líquida por quilo de tartaruga
produzida. Quanto ao preço de venda, maior fator de competição de
mercado, o da tartaruga produzida em cativeiro deve ser bem inferior
aos praticados no mercado marginal, para que possa haver
competitividade.
Para fugir da comparação entre o tamanho de tartarugas
provenientes do comércio marginal e de cativeiro, estas,
preferencialmente, devem ser comercializadas abatidas, com cortes
selecionados, permitindo agregação de valor ao produto.
Os investimentos fixos para a criação de tartarugas são da
ordem de R$25.000,00/ha, conforme a Tabela 3.
Tabela 3. Investimentos fixos.
Discriminação
Construção CivilMovimentação de terraMongeCerca de proteção
Total
Unidade
m³um
---
Quantidade
10.0001
400
---
Valor Unitário(R$)
2,151.500,00
5,00
---
Valor Total(R$)
21,500,001.500,002.000,00
25.000,00
As tartarugas produzidas com 36 meses de cultivo
apresentaram melhores resultados quanto ao custo total de
produção, renda líquida e lucratividade, se comparadas com as
produzidas nos demais períodos de cultivo estudados. A
rentabilidade, mesmo inferior à alcançada com a produção de
tartaruga após 45 meses de cultivo, é excelente, pois para cada real
aplicado na produção de 1,0 kg de peso vivo houve um ganho de
R$1,54, conforme a Tabela 4.
444
O capital de giro necessário para a condução do criatório em
quaisquer dos períodos de cultivo é apresentado na Tabela 4.
Tabela 4. Parâmetros econômicos após 45 meses de cultivo de tartaruga, ao
preço médio de venda de R$6,00.
Discriminação
Rendimento (kg/ha) Preço médio de venda (R$/kg)Custo Operacional Efetivo (R$/kg)Custo Operacional Total (R$/kg)Custo Total de produção (R$/kg)Renda Líquida I (R$/kg)Renda Líquida II (R$/kg)Renda Líquida III (R$/kg)*Rentabilidade (%)**Lucratividade (%)Capital de Giro/Custeio (R$/ha) (1X3)
12 meses
8.0856,003,573,793,992,432,212,01
68,0636,83
28.863,00
24 meses
16.7556,002,662,963,233,343,042,77
125,5650,67
44.568,00
36 meses
30.2506,002,362,722,943,643,283,06
154,2454,66
71.246,00
45 meses
41.2306,002,342,823,043,663,182,96
156,4153,00
96.478,00
Períodos de Cultivo
12345
(2 - 3)(2 - 4)(2 - 5)
*Rentabilidade = renda líquida I / custo operacional efetivo.**Lucratividade = renda líquida II / preço médio de venda.
A Tabela 5 mostra a composição percentual do custo
operacional total para diferentes períodos de cultivo de tartaruga,
em área de 1 hectare, com densidade de 5 mil unidades. Ressalta-se
que em todos os períodos estudados o item ração desponta como o de
maior relevância, o que é comum em todos os criatórios de
monogástricos.
445
Tabela 5. Composição do custo operacional total da criação de tartaruga sob diferentes ciclos de produção.
Discriminação
FilhotesRaçãoMão-de-obraEncargos sociaisAdministração e logísticaManutençãoDepreciaçãoJuros de custeioCusto operacional total
12 meses(%)
32,6153,960,880,684,491,631,634,12100
20,0461,521,080,844,282,022,028,20100
12,1666,750,980,764,141,841,84
11,53100
8,6167,020,870,674,141,661,66
15,37100
24 meses(%)
36 meses(%)
45 meses(%)
Períodos de Cultivo
Na Tabela 6, são apresentadas as taxas internas de retorno (TIRs) e
tempos de recuperação do capital (TRCs).
Foi considerada como taxa de atratividade a de 15% a.a., que
seria um excelente ganho líquido (abatidos os impostos e taxas) para
aplicações no mercado de capitais. Para que o investidor faça a
opção de aplicar no agronegócio, a TIR a ser obtida deverá ser duas
vezes superior à taxa de atratividade, no mínimo.
446
Tabela 6. Taxa Interna de Retorno (TIR) e Tempo de Recuperação de Capital
(TRC).
Preço devenda(R$/kg)
4,005,006,007,008,00
TIR(%)
---10335984
TCR(ano)
---8643
TIR(%)
1535526782
TCR(ano)
104422
TIR(%)
2437496069
TCR(ano)
63333
TIR(%)
920293744
TCR(ano)
84444
12 meses 24 meses 36 meses 45 meses
Períodos de Cultivo
No teste de sensibilidade a diferentes preços de venda, que dá
segurança e poder de barganha ao produtor para enfrentar
quaisquer oscilações de mercado, observa-se que o cultivo realizado
em um período de 36 meses apresentou melhor desempenho que os
demais, com TIRs acima da taxa de atratividade, a partir de
R$4,00/kg, como preço de venda. Caso o criador venda o seu produto a R$4,00 o quilo, em dois cultivos (6 anos), ele recupera o
capital investido. A partir de R$5,00/kg, o tempo de recuperação de
capital será de 3 anos.
447
Conclusão
A criação de tartaruga-da-amazônia, em escala comercial, com ciclo de 36 meses é uma atividade técnica e economicamente viável e constitui-se em uma nova opção ao agronegócio amazônico.
O cultivo de tartaruga-da-amazônia é um dos mais promissores instrumentos para a sustentação de políticas ambientais voltadas à preservação e ao restabelecimento de estoques naturais da espécie.
448
Capítulo 14: Abate experimental da tartaruga-
da-amazônia (Podocnemis expansa) criada em
cativeiro
Alexander Dornelles & Leonardo Quintanilha
Trabalho requisitado pelo Centro Nacional de Manejo e Conservação
de Répteis e Anfíbios (RAN/Ibama-Goiânia), realizado pela empresa
Xamã Veterinária Ltda.
A tartaruga-da-amazônia tem uma carne muito apreciada na
região Norte, mas alcança o mercado das demais regiões. A produção
da tartaruga-da-amazônia, bem como dos demais animais silvestres
é regulamentada pelo Ibama.
O Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios
(RAN/Ibama), com o objetivo de gerar renda aos produtores rurais e
promover a conservação da tartaruga-da-amazônia (Podocnemis
expansa), vem incentivando e dando diretrizes para uma exploração
comercial visando ao atendimento desses mercados.
O primeiro criatório comercial de tartaruga-da-amazônia foi
registrado em 1993 no estado do Amazonas mas, somente em 1995,
os primeiros animais atingiram o peso permitido para o abate
(1,5kg), sendo comercializados vivos e abatidos, sem inspeção
veterinária. Somente no final de 2000, alguns animais foram
abatidos experimentalmente no matadouro de pequenos e médios
animais no município de Iguape, no interior de São Paulo.
A exploração comercial da tartaruga-da-amazônia, dentro da
atual visão do agronegócio, deve ser vista como uma cadeia
produtiva. Todos os elos dessa cadeia devem estar organizados e
449
Até recentemente, a experiência científica de abate se
resumia ao sacrifício de exemplares de porte maior, retirados da
natureza. A criação comercial foi um caminho obscuro para os
pioneiros. Não era conhecida a forma de se manejar em cativeiro e a
velocidade de crescimento, sem idéia do tempo necessário para que
os animais atingissem o peso para abate (1,5kg).
Os primeiros criadouros comerciais de tartaruga-da-
amazônia começaram a produzir e alguns animais atingiram o peso
de abate. A partir daí, ficou evidente a inexistência de uma
metodologia de abate que atendesse a todos os critérios higiênico-
sanitários e tecnológicos previstos na legislação.
Dessa forma, este trabalho teve por objetivo estudar e
estabelecer parâmetros para o abate visando atender aos requisitos
tecnológicos e higiênico-sanitários para um aproveitamento
racional e econômico da carne de tartaruga-da-amazônia para o
consumo humano.
Os trabalhos para a definição dos procedimentos básicos de
abate foram realizados durante o período compreendido entre os
dias 23 de outubro e 11 de dezembro de 2002. Foram abatidos um
total de 40 animais com o objetivo de estabelecer as etapas,
propondo uma metodologia de abate para a espécie Podocnemis
expansa (tartaruga-da-amazônia).
Os 40 animais foram divididos em seis episódios de abates
experimentais realizados no entreposto de pescados da empresa
Rander, localizada no Gama/DF e registrada sob o SIF nº 2840 na
Delegacia Federal de Agricultura do DF, do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O referido estabelecimento
destina-se, principalmente, ao abate da rã-touro-gigante (Rana
catesbeiana) para a obtenção de carne congelada.
450
Os 40 animais foram doados por três criadouros comerciais,
dois do estado de Goiás e um do Pará, ambos registrados e
autorizados pelo Centro de Conservação e Manejo de Répteis e
Anfíbios (RAN/Ibama).
14.1 Considerações gerais
O Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de
Produtos de Origem Animal (Riispoa) classifica os quelônios, na
denominação genérica de pescados, todavia, não existe uma
regulamentação específica para quelônios. Esse fato tornou o abate
experimental um tanto quanto empírico, pois não havia informações
preliminares que pudessem direcionar os primeiros passos do
abate.
Além disso, os quelônios são répteis singulares, com
características anatômicas e fisiológicas particulares que indicam a
necessidade de experimentações e estudos específicos para a
definição de uma metodologia de abate.
A inexistência de mecanismos intrínsecos de regulação da
temperatura corporal (heterotermia), a presença de esqueleto
externo (carapaça e plastrão) e o baixo metabolismo basal são
alguns dos pontos que influenciam e exigem diferenciação nos
procedimentos de abate.
Entre as espécies de pescados utilizadas comercialmente
temos a rã-touro-gigante (Rana catesbeiana) que foi a espécie que
mais se assemelhou biologicamente à tartaruga-da-amazônia. Por
isso, os padrões microbiológicos usados neste trabalho foram os
mesmos utilizados para a carne de rã, pelo Codex Alimentarius.
Devido às características do estabelecimento industrial em
que foram realizados os trabalhos de abate experimental, o produto
final obtido foi a carne de tartaruga-da-amazônia congelada.
451
As análises microbiológicas foram realizadas pelo
Laboratório de Higiene dos Alimentos da Faculdade de Ciências da
Saúde da Universidade de Brasília, e as análises físico-químicas pelo
Centro de Pesquisa em Alimentos da Escola de Veterinária da
Universidade Federal de Goiás.
Também foram realizadas avaliações parasitológicas e
histopatológicas pelo Departamento de Medicina Veterinária da
Upis – Faculdades Integradas do DF.
Os trabalhos foram acompanhados por médicos-veterinários
do Serviço de Inspeção Federal do Setor de Pescados do
Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
14.2 Descrição das instalações, equipamentos e
utensílios
Uma proposta de estabelecimento industrial destinado ao
abate e ao processamento de tartaruga-da-amazônia deve possuir
as principais dependências exigidas para o abate das demais
espécies utilizadas na alimentação humana, visando ao
aproveitamento sustentável e econômico dos produtos e
subprodutos oriundos do abate. As dependências exigidas são:
I - Área externa: próxima ao abatedouro, devendo estar, no
mínimo, a 10 metros de distância do prédio principal.
¹ É um código internacional de alimentos coordenado por comissões da Food and
Agriculture Organization (FAO) e Organização Mundial de Saúde (OMS).
452
1) Box de espera ou descanso: destinado a receber os
animais, provenientes dos criadouros, para um período de
descanso. 2) Box de observação: destinado a receber os animais que
apresentaram alterações clínicas nos boxes de espera.
3) Departamento de necropsia:
3.1 – Sala de necropsia: destinada à realização de necropsia em
animais que chegarem mortos, que morrerem nos boxes de espera
ou que apresentarem alterações clínico-patológicas que justifiquem
tais medidas.
3.2 - Forno crematório: destinado à cremação dos despojos animais
que foram a óbito ou que apresentem doenças infecto-contagiosas
que representem grave perigo à saúde humana ou animal.
453
Figura 1: Vista de um box de espera, vazio, com piso revestido em epóxi.
4) Dependências para a elaboração de subprodutos.5) Dependências para o tratamento dos efluentes: conforme
legislação específica (ambiental e sanitária, federal e estaduais).
II – Prédio principal: para o desenvolvimento das operações de abate,
propriamente ditas, que devem possuir gabinetes de higienização
(botas, braços e antebraços) nos locais de entrada das áreas de
processamento.
O prédio será composto pelas seguintes áreas ou salas:
1)Área suja: onde se realizam as etapas de pré-lavagem,
insensibilização, sangria e serragem das pontes (Figura 2).
Figura 2: Vista da área suja. Passagem do trilho da área suja para a área limpa.
2) Área limpa: onde se realizam as etapas de retirada do plastrão,
evisceração, esfola, toalete, pré-lavagem, retirada da carapaça,
embalagem e congelamento. Deve existir uma área equivalente a 5%
dessa área, para o Departamento de Inspeção Final (DIF), para a
avaliação minuciosa das alterações encontradas durante as
operações de abate.
454
3) Área de lavagem e guarda de caixas plásticas.
4)Área de lavagem e guarda de utensílios.
5)Área de armazenamento de embalagens.
6)Área de expedição: adjacente à estocagem, com porta de
saída para o exterior.
7)Área de produção e armazenamento do gelo: adjacente à
área limpa.
8)Área de estocagem: câmaras de congelamento.
9)Área para recebimento de pele, carapaça, plastrão e
resíduos.
10) Salas de máquinas: unidade de produção de frio
industrial.
III – Prédio administrativo:
1) Escritório.
2) Banheiros: masculinos e femininos.
3) Vestiários: masculinos e femininos.
4) Sede do Serviço de Inspeção: municipal, estadual ou
federal.
5) Lavanderia: higienização dos uniformes dos
manipuladores. 6) Almoxarifado.
Todas as edificações destinadas à elaboração de produtos e
subprodutos comestíveis devem possuir, nos locais de acesso de
pessoal, gabinetes de higienização. Os gabinetes de higienização
455
devem possuir boxes metálicos profundos para a higienização dos
braços e dos antebraços, bem como pedilúvio e lava-botas. Todas as
dependências que realizarem manipulação também devem possuir
boxes metálicos para a higienização de braços, antebraços e de
alguns utensílios.
O estabelecimento deve possuir localização estratégica
distante de quaisquer fontes contaminantes que possam
comprometer a qualidade dos produtos. Neste caso, o
estabelecimento deve seguir as boas práticas de fabricação, 2conforme a Portaria Nº 368/98 da SDA/Mapa .
Os equipamentos e os utensílios também deverão seguir a
portaria citada no que se refere à construção, manutenção e higiene.
Os trilhos devem ter aproximadamente 2,00 m de altura com
nora e ganchos metálicos resistentes para a fixação dos animais
durante as operações. Devem ser utilizados equipamentos para a
produção de gelo e calor, serra para a secção das pontes, compressor
para a produção de jatos de água, termômetros, cronômetros, mesas
metálicas com fixadores para os animais, durante as serragens,
mesas para pesagens, mesa para embalagem, forno crematório,
mesa para necropsia, esterilizadores (para serras, facas, fuzis,
tesouras e trinchantes), balanças, embaladoras, seladoras e
climatizadores de ambiente, paletes para caixas e câmaras de
estocagem.
2 Disponível em: http:// www.agricultura.gov.br.html.
456
Figura 3: Nora automática com ganchos sobre a bancada.
Os utensílios deverão ser de materiais plásticos resistentes
ou metálicos (aço inoxidável), de fácil higienização, para evitar as
contaminações cruzadas. Os principais são: facas exclusivas para
cada área ou operação, fuzis ou chairas, tesouras, trinchantes,
cestas ou caixas metálicas e monoblocos plásticos brancos e
vermelhos.
457
O Departamento de Inspeção Final bem como o
Departamento de Necropsias devem ser providos de mesas e
utensílios necessários (facas, fuzis, termômetros, tesouras de ponta
romba, frascos para coleta de material, etc.) aos trabalhos.
Todos os manipuladores deverão estar providos de dois
conjuntos de jalecos brancos, duas calças brancas, dois pares de
botas brancas de borracha, dois gorros com máscaras que devem
ser higienizadas diariamente em lavanderias, para evitar
contaminações durante as diversas operações.
14.3 Inspeção
A inspeção corresponde às atividades realizadas pelo serviço
veterinário oficial, que poderá ser municipal (Serviço de Inspeção
Municipal – SIM), estadual (Serviço de Inspeção Estadual – SIE) e
federal (Serviço de Inspeção Federal – SIF) que têm como missão
garantir que o produto de origem animal seja sadio, seguro e
confiável para o consumidor.
A atuação dos serviços de inspeção é fundamentada em
critérios higiênico-sanitários e tecnológicos, a fim de que a indústria
possa ofertar um produto adequado ao consumo. Entretanto, não é
responsabilidade exclusiva dos serviços de inspeção a garantia da
qualidade dos produtos. As empresas devem estabelecer seus
próprios sistemas de controle e garantia da qualidade, que devem
ser coordenados por profissionais capacitados à utilização das 3principais ferramentas . Dessa forma, todos os empreendedores
interessados em desenvolver a atividade de abate de quelônios
deverão seguir as orientações dos serviços veterinários oficiais,
desde a elaboração dos projetos até o seu funcionamento.
3Boas Práticas de Fabricação (BPF), Procedimentos Padrão de Higiene Operacional (PPHO) e Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC).
458
As atividades de inspeção deverão ser realizadas de forma
semelhante aos procedimentos adotados para as espécies
genericamente denominadas pescados e quando aplicável às
demais espécies animais.
A inspeção se divide em duas grandes etapas chamadas de
inspeção ante-mortem e inspeção post-mortem.
A inspeção ante-mortem compreende os trabalhos realizados
na recepção dos animais, na verificação da documentação, na
avaliação dos animais nos boxes de espera e observação, no
encaminhamento dos eventuais animais ao departamento de
necropsia, na realização das necropsias e no encaminhamento dos
materiais para avaliação laboratorial.
A inspeção post-mortem compreende todos os trabalhos
realizados antes, durante e após as operações realizadas na área
suja (pré-lavagem, insensibilização, sangria, lavagem e serragem
das pontes), na área limpa (retirada do plastrão, evisceração, esfola,
toalete, pré-lavagem, retirada da carapaça, embalagem e
congelamento) e nas demais áreas.
A visualização macroscópica das partes externas, internas,
bem como suas vísceras e órgãos celomáticos, durante a
evisceração, será fundamental para a verificação das possíveis
alterações patológicas que possam comprometer a qualidade do
produto final. É possível, a critério do médico-veterinário oficial,
após uma avaliação minuciosa no DIF, liberar, aproveitar
condicionalmente ou rejeitar as partes, o todo ou até mesmo um lote
de animais que apresentem alterações que impliquem em algum
prejuízo aos consumidores. Além disso, os veterinários oficiais
poderão auditar os sistemas de controle e garantia de qualidade,
implantados pelas empresas processadoras.
459
14.4 Operações pré-abate
As operações pré-abate acontecem desde os cuidados na
aquisição dos insumos, criação, transporte, recepção no
estabelecimento, encaminhamento para os boxes de espera ou
descanso, até o transporte para a edificação de abate. Assim sendo,
descreveremos os principais cuidados realizados durante os
trabalhos experimentais que foram e/ou devem ser adotados
durante o período de pré-abate. CRIADOURO – Os animais foram criados em conformidade à
regulamentação específica. Os criadouros estão estabelecidos em
ambientes que não possuam resíduos de contaminantes ambientais
(pesticidas e resíduos de agrotóxicos) que constituam risco à saúde
dos animais. Os ingredientes e as rações usadas na alimentação dos
animais devem ser elaboradas e armazenadas de forma a minimizar
os riscos para a saúde animal. As drogas veterinárias utilizadas
durante o período de criação devem respeitar as doses e os períodos
de tratamento preconizados, bem como o prazo de carência
específico para o aproveitamento humano dos produtos animais. Os
animais somente podem ser encaminhados ao abatedouro quando
apresentarem o peso vivo igual ou superior a 1,5 kg. Todos os
animais destinados ao abatedouro deverão proceder de criadouros 5registrados e autorizados pelo RAN/Ibama .
TRANSPORTE – Os animais foram acondicionados em
recipientes plásticos atóxicos, previamente higienizados, sem
qualquer tipo de contaminante, em condições de temperatura e de
umidade medianas.
Conforme a Portaria nº 142/92 de 30 de dezembro de 1992 do Ibama/MMA. 5
460
O transporte do criadouro ao abatedouro poderá ser
terrestre, aéreo ou fluvial, mas deve ser conduzido de maneira a
minimizar o estresse aos animais. Para o transporte, os animais
deverão possuir a autorização do Ibama.
RECEPÇÃO – Os animais foram recepcionados no abatedouro,
sendo realizados os procedimentos para a avaliação geral. Também
foi verificada a documentação do Ibama, sendo feito o
encaminhamento dos animais para os boxes de espera ou descanso.
DESCANSO – Os animais permaneceram nos boxes de espera ou 6descanso do abatedouro por um período específico . Os currais ou
boxes de espera devem ter água clorada corrente, a 5 (cinco) ppm de
cloro residual livre, para reduzir a carga de contaminantes e 7estimular a defecação .
14.5 Elaboração do fluxograma de processo
Inicialmente, o fluxograma foi estabelecido com base na
metodologia de abate usada atualmente por alguns
estabelecimentos que realizam abate para fins comerciais. Durante
os trabalhos realizados, algumas etapas foram modificadas e/ou
incluídas no processo. Entretanto, ainda há a necessidade de
utilizar métodos de validação dessas etapas aqui descritas.
A proposta de fluxograma foi realizada com o objetivo de
obter a carne de tartaruga-da-amazônia embalada e congelada com
as devidas características das instalações do estabelecimento onde
foram realizados os trabalhos experimentais.
Os trabalhos realizados não permitiram estabelecer o período de descanso adequado para essa espécie. As peculiaridades fisiológicas dessa espécie deverão ser mais estudadas para a obtenção dos resultados desejados nessa etapa. Como ocorre nas rãs, observamos que a presença de água corrente estimula a defecação das tartarugas.
6
7
461
RECEPÇÃO
DESCANSO
PRÉ-LAVAGEM
INSENSIBILIZAÇÃO
SANGRIA
LAVAGEM
SERRAGEM DAS PONTES
RETIRADA DO PLASTRÃO
PENDURA (POSTERIORES)
PENDURA (ANTERIORES)
PENDURA (POSTERIORES)
ESFOLA
EVISCERAÇÃO
TOALETE
PRÉ-LAVAGEM
RETIRADA DACARAPAÇA
EMBALAGEM
CONGELAMENTO
ESTOCAGEM
EXPEDIÇÃO
FLUXOGRAMA DE OBTENÇÃO DE CARNE EMBALADA E CONGELADA
462
14.6 Operações de abate e processamento
PRÉ-LAVAGEM – Os animais foram transportados dos boxes de
espera ou descanso em caixas plásticas previamente higienizadas
até a área suja, onde foi realizada uma pré-lavagem dos animais 8com jatos de água clorada a 5 ppm sob pressão de,
9aproximadamente, 3 atm para remover as sujidades maiores,
principalmente nas regiões da carapaça e do plastrão. Deve-se
tomar o cuidado de não utilizar pressão excessiva para não lesar o
epitélio, estressando os animais.
Figura 4: Pré-lavagem utilizando água clorada sob pressão.
Partes por milhão. Unidade de medida equivalente à mg/kg. Atmosfera. Unidade de pressão
8
9
463
INSENSIBILIZAÇÃO – Os animais foram insensibilizados sob a ação
do gelo em água, permanecendo em recipiente de plástico atóxico em
temperatura de 0 a 2ºC por um período de 15 minutos, quando se
obteve a flacidez e a ausência dos reflexos da cabeça e dos membros.
Figura 5: Recipiente com água e gelo utilizado para insensibilização. Animal sendo insensibilizado.
464
PENDURA – Os animais foram pendurados pelas membranas
interdigitais dos membros posteriores, nos ganchos dos trilhos com
nora, visando a facilitar a etapa de sangria, agilizando o processo.
Figura 6: Pendura dos animais através das membranas interdigitais dos
membros posteriores.
SANGRIA – Foram realizados testes através da secção total e da
secção parcial da porção anterior do pescoço. O melhor método foi a
secção parcial (como na maioria das espécies domésticas) com o
465
período de sangria de 15 minutos. Obteve-se melhor escoamento do
sangue, aparência menos avermelhada da musculatura e o volume
médio de sangue escoado foi de 3,11% do peso vivo dos animais.
Figura 7: Secção parcial dos vasos da porção anterior do pescoço.
LAVAGEM – Foi iniciada por um primeiro enxágüe com jatos de água
sob pressão com água clorada a 5 ppm, seguida por uma escovação 10(escova pequena) com detergente alcalino a 0,2% em todo o animal
e nas regiões axilares que não foram acessadas durante a pré-
lavagem. Finalmente, foi realizado o último enxágüe para a remoção
dos resíduos de sujidades com o detergente.
É sugerido o uso de luvas, pelo manipulador, para evitar a ação corrosiva dos detergentes alcalinos
10
466
SERRAGEM DAS PONTES – Na serragem, os animais foram
apoiados em decúbito dorsal, no suporte metálico, para facilitar a
operação e evitar acidentes com os manipuladores. As pontes foram 11serradas com o auxílio de uma serra elétrica manual . O disco da
serra deve ter aproximadamente 7 cm de raio. Foi usado um plano
paralelo com a superfície ventral do plastrão, serrando-se medial e
superficialmente para evitar a ruptura das vísceras e órgãos. Para a
desarticulação final das pontes utilizou-se um trinchante de ponta
romba.
Figura 8: Seqüência de operações de serragem e desarticulação das pontes.
PENDURA – Pendura-se pelos membros anteriores nos ganchos dos
trilhos com nora, passando à área limpa do abatedouro para a
retirada do plastrão.
RETIRADA DO PLASTRÃO – Dissecação do plastrão, no sentido
longitudinal, até a sua porção posterior.
Makita ¼” (6 mm): modelo 906 com potência de 240 w.11
467
Secciona-se a junção óssea da plastro-pelviana com o auxílio de tesouras metálicas.
Figura 9: Remoção do plastrão realizada na área limpa.
REVERSÃO DA PENDURA – Para facilitar a evisceração reverteu-se a posição do animal, tornando a fixá-lo nos ganchos dos trilhos da nora pelos membros posteriores.
EVISCERAÇÃO – Ao acessar a cavidade celomática pela incisão na
linha alba, seccionou-se uma porção transversal do fígado que
comunica as porções hepáticas direita e esquerda. Procedeu-se a
dissecação da porção terminal da cloaca junto à cauda, realizando-
se uma dissecação da porção terminal do trato digestivo, até os rins,
468
com o auxílio de facas (higienizadas a cada utilização). A partir daí,
procedeu-se uma retração manual de todo o trato digestivo até a
porção anterior (esofágica). Deve-se ter o cuidado de remover as
partes do fígado que permanecem bem aderidas lateralmente,
próximo à inserção dos membros anteriores e posteriores. Os
pulmões ficam bem aderidos à carapaça e também são retirados por
tração manual (arrancamento). A retração das vísceras
gastrointestinais deve ser realizada cuidadosamente para evitar a
ruptura e a contaminação da carcaça por conteúdo fecal. As facas
utilizadas nessa fase devem ser de uso restrito dos manipuladores
que trabalham nessa etapa do processo de abate.
Figura 10: Seqüência de operações para a remoção das vísceras.
469
DECAPITAÇÃO – Após a retirada das vísceras realizou-se a ablação
(retirada) da cabeça.
ESFOLA – Realizou-se, com o auxílio de uma faca, a esfola dos
membros posteriores e da cauda e reverteu-se a posição dos animais
nos ganchos. Eles foram fixados pelos membros anteriores para a
realização da esfola do pescoço e dos membros anteriores. Foram
feitos cortes das regiões metatarsianas e metacarpianas, separando
a pele do membro da pele da pata. Assim, seguiu-se com a
dissecação da pele dos membros até a completa retirada.
Figura 11: Remoção da pele.
TOALETE – Foram removidas as partes distais dos membros
(patas) pela secção do tarso e do carpo, da cauda e quaisquer
470
resquícios de fáscias musculares ou fragmentos que permaneceram
após as operações de evisceração e de esfola.
Figura 12: Remoção das patas.
PRÉ-LAVAGEM – Foi realizado um enxágüe com água clorada para
a remoção de pequenos resíduos que permaneceram na carcaça
durante as etapas anteriores.
Figura 13: Lavagem da carcaça.
471
FRACIONAMENTO – Podem ser realizados cortes na carcaça de
acordo com as necessidades do mercado, sob as mesmas condições
de higiene na manipulação e do ambiente climatizado (temperaturas
do ambiente menor ou igual a 15ºC) utilizadas na etapa anterior.
Figura 15: Carcaça sem a gordura extramuscular não cavitária
EMBALAGEM – As embalagens poderão ser de polietileno ou outro
material de embalagem que evite contaminação física, química ou
microbiológica dos produtos, que também devem ser rotulados,
conforme a legislação vigente.¹²
¹² Legislação da Anvisa. disponível em: http:// www.anvisa.gov.br/alimentos/legis/especifica/rotuali.htm
472
CONGELAMENTO – As carcaças foram congeladas em armários de
placas sob temperaturas de -25 a -40ºC, por um período de 2 a 6
horas.
Figura 17: Armário ou cogelador de placas.
ARMAZENAMENTO/ESTOCAGEM – Os produtos foram
armazenados e estocados em câmaras frigoríficas sob temperaturas
inferiores a -18ºC.
EXPEDIÇÃO – Os produtos foram expedidos em condições que
evitaram a elevação da temperatura do produto. A área de expedição
funcionou como antecâmara provida de portas de saída para a
expedição. As portas de saída foram providas de portais de
borrachas para permitir o embarque em veículos transportadores,
minimizando a elevação da temperatura dos produtos expedidos.
473
14.7 Resultados
Os principais parâmetros avaliados foram: as observações
macroscópicas dos tecidos durante o abate, as análises
microbiológicas, as análises físico-químicas, o volume sanguíneo e o
rendimento de carcaça e demais partes.
14.7.1 Necropsia, histopatologia e parasitologia
Os animais foram observados durante o período de descanso,
sendo detectado o óbito de um animal. A necropsia foi realizada em
local inadequado, pela inexistência de uma dependência específica
para essa finalidade e não foi possível observar qualquer alteração
macroscópica sugestiva da causa mortis.
No transcorrer das operações de evisceração dos 39 animais
foram detectadas alterações macroscópicas em 3 baços, 2 fígados,
nas mucosas estomacais e intestinais de alguns animais.
Os tecidos com as alterações foram encaminhados para uma
avaliação histopatológica que confirmou a suspeita de degeneração
gordurosa ou esteatose em dois fígados. Essa alteração
normalmente está relacionada a problemas metabólicos. Não foram
verificadas alterações histopatológicas nos baços e nas mucosas.
Também foram observadas infestações parasitárias por cestódeos e 13trematódeos (digenéticos) nos estômagos e intestinos dos animais.
14.7.2 Físico-química
Uma amostra de carne foi encaminhada para a realização das
análises necessárias à adequação das exigências das informações
nutricionais de rotulagem. Os resultados encontram-se na tabela
abaixo:
¹³Trematódeos que passam parte de sua fase larvária em hospedeiros intermediários, geralmente pequenos moluscos
474
Tabela 1: Resultados das análises físico-químicas da carne da tartaruga-da-amazônia
Os resultados das análises físico-químicas podem ser
utilizados como referência na elaboração dos dizeres de rotulagem
(composição centesimal e informação nutricional), conforme 14legislação vigente no país.
Tabela 2: Resultados das análises para a avaliação da composição química.
¹ Legislação de rotulagem. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br4
475
Análises Físico-químicas Resultados
Proteínas 22,0g/100g
Gorduras totais ou lipídeos 5,50g/100g
Gordura Saturada Mínima 2,68g/100g
Colesterol 68,0mg/100g
Carboidratos 0,0g/100g
Fibra Alimentar 0,0g/100g
Cálcio (Ca) 18,5mg/100g
Ferro (Fe) 1,60mg/100g
Sódio (Na) 46,3mg/100g
Composição centesimal da carne de tartaruga Parâmetros Valores Umidade (%) 78,80 (±0,16) Proteína (%) 17,39 (±0,80) Cinzas (%) 0,91 (±0,07)
Lipídeos (%) 1,83 (±0,75) Valor calórico (Kcal/100g) 85,99 (±5,72)
Valores médios; números entre parênteses representam o desvio-padrão. Fonte: Gaspar (1997).
Tabela 3: Comparação da composição química das carnes bovina e suína.
Composição química das carnes bovina e suína Componentes Carne bovina Carne suína Umidade (%) 76,77 71,20 Proteínas (%) 20,00 19,00 Lipídeos (%) 3,00 9,34 Cinzas (%) 1,09 1,00
Valor calórico (kcal/100g)
107 160
Fonte: Gaspar (1997). Obs.: valores médios.
Os valores demonstram que a carne de tartaruga apresenta
1,83% de lipídeos enquanto as carnes bovina e suína apresentam 3
e 9,34%, respectivamente. O valor calórico também é mais reduzido
para a carne de tartaruga (85,99%) do que o que foi obtido para a
carne bovina (107%) e suína (160%).
14.7.2.1 Potencial hidrogeniônico (pH)
Foram encaminhadas 14 amostras para avaliação do pH da
carne. Foram aferidos, aproximadamente, 6 e 24 horas após o
sacrifício dos animais.
Os valores citados de pH apresentaram uma média de 6,28 e
5,85 após 6 e 24 horas do sacrifício. Esses resultados mostram-se
favoráveis porque estão próximos dos valores utilizados como 15referência para os pescados e para as demais carnes .
14.7.3 Microbiologia
Foram enviadas 39 amostras da carne para avaliar a carga
microbiana. Pela inexistência de um padrão microbiológico para a
carne de quelônios, ficou estabelecido que para o estudo seriam
utilizados os critérios microbiológicos do Codex Alimentarius para a
carne de rã, conforme tabela a seguir.
JAY, J. M. Modern Food Microbiology. 199215
476
Tabela 4: Padrões microbiológicos utilizados como referência para a análise da carne da tartaruga-da-amazônia.
Entre as 39 amostras analisadas, somente 11 (28,2%)
atenderam aos padrões estabelecidos para os quatro parâmetros.
As conformidades e as não-conformidades para cada parâmetro
microbiológico apresentaram-se da seguinte forma:
Tabela 5: Proporção de carcaças obtidas conforme as exigências microbiológicas estabelecidas.
Nas amostras que apresentaram não-conformidades para o
parâmetro coliformes fecais (64,10%) foram encontradas 8 amostras
com as cargas máximas ( 2.400 NMP/g) para a metodologia analítica
utilizada (método do número mais provável) representando 20,51%
do total das amostras.
477
Parâmetro microbiológico
Padrão
Coliformes fecais (g) 10 Estafilococos coagulase positiva (g)
100
Contagem total de aeróbios mesófilos (g)
500.000
Salmonella sp. (g) Ausência
Parâmetros microbiológicos
% Amostras em conformidade
% Amostras em não-conformidade
Coliformes fecais (g) 35,90 64,10 Estafilococos coagulase positiva (g)
100 00
Contagem total de aeróbios mesófilos (g)
78,40 21,60
Ausência de Salmonella sp. (g)
100 00
Em relação aos parâmetros Estafilococos coagulase positiva
e Salmonella sp. todas (100%) as amostras apresentaram-se em
conformidade.
Nas amostras avaliadas para o parâmetro contagem total de
bactérias mesófilas, 21,60% das amostras se apresentaram não-
conformes aos padrões estabelecidos. Entre as 39 amostras, 4
apresentaram resultados incontáveis.
Também foram realizadas duas análises microbiológicas de
amostras de urina coletadas de dois animais distintos e os
resultados seguem conforme a tabela a seguir:
Tabela 6: Avaliação microbiológica da urina de dois animais.
As não-conformidades encontradas nas amostras de carne
podem estar relacionadas à metodologia de abate utilizada. Os
procedimentos de serragem das pontes bem como o acesso à
cavidade celomática levaram à ruptura da bexiga, na maior parte
dos casos, promovendo a contaminação da carne.
Os resultados indicam que a contaminação da carne, pela
urina, a torna inadequada ao consumo humano, por exceder os
padrões microbiológicos estabelecidos.
478
Resultados Parâmetro
microbiológico A B
Contagem total de bactérias mesófilas (UFC/ml)
520.000 1.200.000
Coliformes fecais (UFC/ml) Zero >2.400 Salmonella Ausência Ausência
Para avaliar a eficiência da primeira pré-lavagem e da
lavagem foram realizados um total de 8 swabs, sendo 4 para a pré-
lavagem e os outros 4 para a lavagem. Nos dois casos, foram
realizados dois swabs antes e mais dois após cada operação em dois
locais distintos. No caso da pré-lavagem as pontes direitas e
esquerdas foram escolhidas, enquanto na lavagem foram feitas na
pele junto à cauda.
Os resultados indicam uma redução da microbiota
equivalente a 11,76% da carga microbiana inicial, na região da
ponte direita. A redução foi de 33,33% na região da ponte esquerda.
Os resultados das análises microbiológicas dos swabs
realizados para avaliar a etapa de lavagem não foram adequados
por falha na coleta do material. Assim sendo, será necessária uma
reavaliação mais criteriosa dessa etapa.
14.7.4 Rendimento de carcaça e demais partes
Para efeito deste trabalho, considera-se carcaça o conjunto
formado pela musculatura, ossos dos membros, vértebras
coccígeas e cervicais. Também foram avaliados o rendimento de
carcaça e demais partes.
479
Tabela 7: Rendimento da carcaça e das principais partes obtidas durante o abate.
Partes do corpo Rendimento %
Carcaça 34,66
Carapaça 25,41
Vísceras 11,87
Plastrão 7,91
Gordura extramuscular (não cavitária)
5,54
Total 85,39
Os percentuais de 25,41% da carapaça e 7,91% do plastrão
perfazem um total de 33,32% do animal, similares aos 34,66% da
carcaça. Fato que demonstra a necessidade de se estabelecer um
aproveitamento comercial para o conjunto carapaça-plastrão.
Também deve-se considerar as demais partes como subprodutos
que devem ter um aproveitamento econômico sustentável.
14.7.5 Volume de sangue escoado
O escoamento sangüíneo é fundamental para a qualidade da
carne. O sangue possui o pH próximo da neutralidade e por ser rico
em nutrientes pode facilitar a multiplicação dos microrganismos
deteriorantes e/ou patogênicos. Assim sendo, foi avaliado o
escoamento em função do tempo e do método de sangria.
480
Tabela 8: Resultados obtidos na sangria por decapitação
Sangria por decapitação
Tempo de sangria % de sangue escoado
12 minutos 2,44
14 minutos 1,92
15 minutos 2,32
16Considerando que normalmente 8% do peso dos animais é
representado pelo seu volume sangüíneo; que uma boa sangria é 17aquela que remove até 50% do sangue; que o conjunto carapaça e
plastrão representam 33,32%; que o aspecto da carne obtida deve
ser rósea ou vermelho-claro (indicando pouco sangue na
musculatura); e que o pH final obtido está dentro de valores
aceitáveis, o melhor resultado foi obtido pelo período de 15 minutos,
obtendo-se 3,11% de escoamento de sangue pela secção parcial do
pescoço. Observou-se a coagulação sangüínea quando o período de
sangria foi maior do que 15 minutos. 14.8 Comentários e proposições
Os trabalhos de abate foram realizados e permitiram
evidenciar alguns aspectos importantes do processo de obtenção da
carne embalada e congelada para o consumo humano, que deverão
ser mais estudados. Os principais pontos são os seguintes:
1) Criadouros: o tipo de alimentação, a utilização de drogas
veterinárias, a qualidade da água e o nível de contaminantes
ambientais são importantes para a obtenção de animais e,
posteriormente, da carne, sem riscos para a saúde dos
consumidores. Tais aspectos têm influência direta no nível de
contaminação química, física e microbiológica dos animais enviados
Kolb, Fisiologia Veterinária. 1987. Pardi et al., Ciência, Higiene e Tecnologia da Carne. 2001.
16
17
481
ao abate. A carne oriunda de animais contaminados poderá
apresentar riscos para a saúde dos consumidores, fato que pode
comprometer a comercialização. Assim sendo, deve-se elaborar um
sistema de controle de qualidade da alimentação, dos
medicamentos veterinários usados e do nível de contaminantes
químicos e microbiológicos da água dos boxes de criação.
2) Descanso: esse período deve ser definido após a verificação do
tempo necessário para ocorrer o esvaziamento gastrointestinal e
vesical, visando a reduzir os riscos de ruptura dessas vísceras
durante as operações de evisceração. Os estudos mostraram que
animais em privação hídrica e alimentar de até 15 dias
permaneceram com suas bexigas repletas. Possivelmente, a
temperatura ambiental teve influência na fisiologia renal, sendo
uma variável importante a ser melhor analisada. Acreditamos que a
utilização de água corrente estimule a defecação, como é observado
nas rãs, embora possa contribuir para promover a repleção da
bexiga.
3) Pré-lavagem (pré-abate): essa etapa requer muito cuidado para
evitar o estresse dos animais, porque poderá influenciar
negativamente no pH final da carne. A água sob pressão não deve
exceder 3 atm. A pressão excessiva poderá, inclusive, remover o
epitélio do revestimento externo, provocando pequenas
hemorragias. Animais com alto nível de sujidades externas poderão
estimular o uso de água, sob pressões elevadas, que poderá
influenciar negativamente nos valores finais de pH, reduzindo a
vida útil da carne, por apresentar um pH elevado e adequado ao
desenvolvimento microbiano.
4) Insensibilização: a utilização do gelo durante 15 minutos nos
permitiu evidenciar que os animais apresentaram-se um estado de
torpor. Entretanto, foram observadas contrações musculares e
482
movimentos de pedalagem em alguns animais após o sacrifício e
durante a evisceração. Assim sendo, sugerimos que sejam
avaliados os resultados obtidos por outros métodos. A
eletronarcose é usada amplamente para as aves, de uma forma
mais eficiente e humanitária. A quantificação do cortisol
sangüíneo poderá ser analisado para avaliar o possível estresse
sofrido pelos animais insensibilizados pelos diferentes métodos,
nos trabalhos futuros.
5) Sangria: o método mais eficiente verificado nesse trabalho, tal
como nas espécies domésticas, foi através da secção parcial do
pescoço, mantendo-se a integridade da coluna cervical e da
medula espinhal. Essa integridade mantém por mais tempo a
função cardíaca, facilitando o escoamento sangüíneo. Sugerimos a
verificação da influência da eletronarcose como método de
insensibilização, para avaliar o gotejamento de sangue, com o
objetivo de reduzir o tempo e/ou verificar o aumento do volume
gotejado.
6) Lavagem: essa etapa deve ser reavaliada através da utilização
de swabs antes e após a lavagem, para uma avaliação da eficiência
do processo, visando a adequar as formas e as concentrações de
uso dos agentes detergentes utilizados.
7) Serragem das pontes: essa etapa é muito crítica porque a
utilização da serra pode causar acidentes nos manipuladores e
promover contaminação da musculatura pela ruptura das vísceras
e órgãos. Para evitar acidentes, os animais devem ser fixados em
suportes metálicos, antes do início da serragem. A serragem deve
ser realizada com uma serra com potência igual ou superior à
utilizada neste trabalho. O disco da serra deve ter,
aproximadamente, 7 centímetros de raio. A desarticulação da
483
junção óssea das pontes com o plastrão, em alguns casos, poderá
ser feita para completar a operação de serragem. Para essa
desarticulação, deve-se utilizar um trinchante de ponta rombuda,
evitando a ruptura da musculatura superficial, das vísceras e
órgãos.
8) Retirada do plastrão: a secção da junção plastro-pelviana foi
bastante difícil de ser realizada com tesouras, por isso sugerimos
uma utilização experimental de outra serra elétrica manual,
pequena, para facilitar essa operação. Todavia, a serra deve ser
usada com muito cuidado para evitar a ruptura da musculatura
superficial, bem como das vísceras e órgãos.
9) Retirada da carcaça da carapaça: o objetivo desse trabalho foi a
obtenção da carne embalada e congelada, devido ao fato de o
estabelecimento não possuir túnel de congelamento para promover
o devido abaixamento da temperatura do conjunto carapaça-
carcaça, no tempo adequado. Entretanto, para a elaboração do
produto final da carcaça-carapaça devem ser estudadas formas
mais eficientes para higienizar a carapaça, de maneira que ela não
represente contaminação para a carcaça. As áreas onde se realizam
essas manipulações devem ser climatizadas para evitar grandes
elevações de temperatura da carne.
10) Fracionamento e embalagem: essas etapas não foram bem
estudadas porque deve-se realizar um levantamento de mercado
para a verificação das porções cárneas preferidas, bem como o
método de embalagem mais adequado às exigências dos
consumidores. A rotulagem poderá ser feita com base na legislação,
seguindo-se os manuais de orientação das indústrias disponíveis
no site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(www.anvisa.gov.br).
484
11) Congelamento: esse trabalho foi realizado através do armário
ou congelador de placas, que é utilizado para porções cárneas com
espessura reduzida. Esse motivo estabeleceu que os trabalhos
deveriam ser realizados para a obtenção da carne embalada e
congelada. Para obter a carne congelada com a carapaça, o
estabelecimento deverá possuir túnel de congelamento para
promover o abaixamento da temperatura da carne, em tempo
adequado, para evitar a formação de grandes cristais de gelo e
prejuízos à qualidade final do produto.
12) Potencial hidrogeniônico (pH): sugerimos que sejam melhor
estudadas as variações de pH em função das manipulações dos
animais vivos, desde o transporte até a sangria. Essas
manipulações, principalmente, no período imediatamente antes do
abate, levam à mobilização excessiva do glicogênio muscular,
refletindo no pH final elevado e na conseqüente diminuição da vida
útil dos produtos cárneos.
13) Microbiologia: a ausência de Salmonella sp. nas carnes
indicou que os trabalhos foram realizados sob um bom nível de
higiene. Entretanto, a escassez de pessoal para auxiliar nas
diversas atividades de abate experimental pode ter influenciado
negativamente nos níveis de contaminação para os parâmetros
coliformes fecais e contagem total de aeróbios mesófilos. Os
resultados indicaram que a metodologia empregada no abate deve
ser mais estudada para evitar, principalmente, a contaminação da
carne pela urina. Também devem ser realizadas novas análises
microbiológicas para validar as duas pré-lavagens e a lavagem.
14) Rendimento de carcaça e demais partes: deve ser
considerado, na continuação dos trabalhos de pesquisa, o estudo de
viabilidade econômica do empreendimento, levando em conta a
485
utilização racional dos produtos bem como dos subprodutos do
abate que apresentem interesse comercial, evitando-se a produção
de resíduos possivelmente poluentes ao meio ambiente.
14.9 CONCLUSÃO
A metodologia de abate de tartaruga-da-amazônia ainda não
está bem estabelecida. O processo ainda requer mais estudos e
pesquisas visando a definir as condições e o período de descanso, o
melhor método de insensibilização, o tempo de sangria, a melhor
forma de remover o plastrão e o acesso à cavidade celomática, sem a
ruptura da bexiga.
Sugerimos que os estudos sejam continuados a partir das
informações e dos dados produzidos neste trabalho, visando a
estabelecer uma metodologia de abate que atenda a todos os
requisitos higiênico-sanitários e tecnológicos. Também sugerimos
que sejam realizados estudos de mercado para verificar as
necessidades e demandas que poderão nortear os trabalhos
futuros. Assim sendo, o trabalho desenvolvido foi importante para
delinear os principais pontos-chave no processo de abate,
fornecendo diretrizes para o desenvolvimento das próximas
pesquisas aplicadas para a exploração econômica dos produtos e
subprodutos da tartaruga-da-amazônia.
486
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QUELÔNIOSCriação e Manejo de
no Amazonas
Organização:Paulo Cesar Machado Andrade
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Paulo Cesar Machado Andrade, Engenheiro A g r ô n o m o p e l a Universidade Federal do Amazonas-UFAM (1992), Mestre em Ciência Animal pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (ESALQ/USP). Em 1997, inicia grupo d e p e s q u i s a e m zootecnia e biologia de animais silvestres na UFAM, sendo professor r e s p o n s á v e l p e l o laboratório desta área. Em 1999, torna-se fundador do Programa “Pé-de-p incha” de manejo comunitário de quelônios, passando a atuar em 7 municípios e 86 comunidades. Trabalhou de 2001 a 2004 como chefe da Divisão de Fauna do I B A M A - A M , c o o r d e n a n d o a s atividades do Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN) no Amazonas. Há 15 anos trabalha com conservação e manejo de quelônios, capivaras e caitetus.
D e s d e 1 9 9 7 , a Universidade Federal do Amazonas desenvolve pesquisas nos criadouros registrados de animais silvestres no Amazonas. De 1998 a 2002, com o apoio do PTU/CNPq, um grupo de pesquisadores, coordenado pelo Dr. Luís M o n j e l ó , p a s s o u a desenvolver trabalhos sistematizados de manejo e n u t r i ç ã o , g e n é t i c a , fisiologia e bioquímica, parasitologia, ecologia reprodutiva, biologia do crescimento e estudos sócio-econômicos sobre os c r i a t ó r i o s ( p r o j e t o “Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres no Estado do Amazonas”),o que permitiu um grande avanço da queloniocultura no Estado e a formação de profissionais nesta área, como os pioneiros do Laboratório de Silvestres João Alfredo, Pedro, Paulo Henrique, Francimara e Sônia (acima) e a turma atual (abaixo) sem os quais este trabalho não seria possível
A Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e o Ibama iniciaram em 1997 o projeto “Estudos de Zootecnia, Biologia e Manejo de Animais Silvestres para a Região Amazônica” e, em 1998, o “Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres no Estado do Amazonas”, com apoio do Programa Trópico Úmido/CNPq. Através dessa parceria, um grupo de pesquisadores passou a desenvolver trabalhos de manejo, nutrição, genética, fisiologia e bioquímica, parasitologia, ecologia reprodutiva, biologia do crescimento e estudos socioeconômicos sobre os criatórios. Em visitas aos criadores, os resultados das pesquisas eram repassados, demonstrando a importância estratégica que a UFAM e o Ibama-AM conferiram à pesquisa com criação e manejo de animais silvestres. Hoje, o Amazonas possui um pacote tecnológico mínimo para servir de referência aos criadores de quelônios no Estado. Estas informações serviram de base científica, também, para um programa de manejo comunitário sustentável de quelônios, o Projeto “Pé-de-pincha”, que com apoio do ProVárzea, atualmente atinge 7 municípios e 86 comunidades do Médio-Baixo Amazonas. Este livro serviu de base de discussões durante o I Seminário de criação e manejo de quelônios, realizado em Manaus, em 2004. Através do ProVárzea, a edição deste trabalho tem por objetivo servir de material didático e de consulta para produtores, técnicos do setor primário e estudantes de graduação, ou cursos técnicos, que desejam obter informações compiladas sobre as técnicas de criação e manejo desse importante recurso faunístico das áreas de várzea, que são os quelônios, resultado dos estudos realizados com os queloniocultores do Amazonas, nos últimos dez anos.
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