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Quando a física vai ao campo: as pesquisas do Pe. Francisco X. Roser SJ sobre radioatividade natural Marcos P. C. Martinho 1 [email protected] IFRJ – Campus Engenheiro Paulo de Frontin Antônio A. P. Videira 2 [email protected] UERJ Bruno Nobre 3 Universidade Católica Portuguesa Resumo Nesta comunicação, é nosso objetivo descrever as pesquisas de campo realizadas pelo físico e jesuíta Francisco X. Roser (1904-1967) sobre radioatividade natural, um dos precursores dessas pesquisas no Brasil. Como resultado subsidiário, pretendemos questionar a tese, muito difundida na história e filosofia da física, de que o físico experimental trabalha em laboratórios. Uma das “máximas”, constituinte do chamado método científico, afirma que as hipóteses físicas devem ser passar pelo crivo da experiência controlada, o que, em geral, significa que o local apropriado para a verificação do valor de verdade de tais afirmações hipotéticas é o laboratório. Este último é percebido como um local com características arquitetônicas, entre outras, peculiares e ausentes das situações da vida comum. A natureza, ou ainda o meio ambiente, não é considerada como um local adequado para o teste das hipóteses. O estudo da natureza não ocorre nela, mas em ambientes artificialmente construídos e controlados. A física situar-se-ia nos antípodas de outras ciências como a geologia ou a botânica. O incômodo causado pelas afirmações acima deve-se a certo exagero que elas contêm. A rigor, elas não são erradas. Caso o físico se dirigisse para o ambiente ar livre, essa situação seria temporária; lembremo-nos das investigações sobre raios cósmicos ou sobre estrelas. Há, contudo, um terceiro domínio, no qual a natureza, como local da prática do físico, não pode ser abandonada. Referimo-nos aos estudos sobre radioatividade natural. No Brasil dos anos 1950, pesquisas nesta área natural foram desenvolvidas em várias regiões toríficas, como Guarapari (ES). Roser interessava-se pelos estragos que o resíduo das explosões de testes nucleares poderia causar nos seres 1 Docente do IFRJ e Doutorando de Ensino e História da Física e da Matemática -PEMAT/UFRJ. 2 Departamento de Filosofia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Doutor em Filosofia e o autor agradece pela bolsa de Produtividade do CNPq. 3 Docente de Filosofia na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (FFCS) da Universidade Católica Portuguesa e colaborador do Centro Académico de Braga (CAB).

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Quando a física vai ao campo: as pesquisas

do Pe. Francisco X. Roser SJ sobre radioatividade natural

Marcos P. C. Martinho1 [email protected]

IFRJ – Campus Engenheiro Paulo de Frontin Antônio A. P. Videira2

[email protected] UERJ

Bruno Nobre3 Universidade Católica Portuguesa

Resumo

Nesta comunicação, é nosso objetivo descrever as pesquisas de campo realizadas pelo físico e jesuíta Francisco X. Roser (1904-1967) sobre radioatividade natural, um dos precursores dessas pesquisas no Brasil. Como resultado subsidiário, pretendemos questionar a tese, muito difundida na história e filosofia da física, de que o físico experimental trabalha em laboratórios. Uma das “máximas”, constituinte do chamado método científico, afirma que as hipóteses físicas devem ser passar pelo crivo da experiência controlada, o que, em geral, significa que o local apropriado para a verificação do valor de verdade de tais afirmações hipotéticas é o laboratório. Este último é percebido como um local com características arquitetônicas, entre outras, peculiares e ausentes das situações da vida comum. A natureza, ou ainda o meio ambiente, não é considerada como um local adequado para o teste das hipóteses. O estudo da natureza não ocorre nela, mas em ambientes artificialmente construídos e controlados. A física situar-se-ia nos antípodas de outras ciências como a geologia ou a botânica. O incômodo causado pelas afirmações acima deve-se a certo exagero que elas contêm. A rigor, elas não são erradas. Caso o físico se dirigisse para o ambiente ar livre, essa situação seria temporária; lembremo-nos das investigações sobre raios cósmicos ou sobre estrelas. Há, contudo, um terceiro domínio, no qual a natureza, como local da prática do físico, não pode ser abandonada. Referimo-nos aos estudos sobre radioatividade natural. No Brasil dos anos 1950, pesquisas nesta área natural foram desenvolvidas em várias regiões toríficas, como Guarapari (ES). Roser interessava-se pelos estragos que o resíduo das explosões de testes nucleares poderia causar nos seres 1 Docente do IFRJ e Doutorando de Ensino e História da Física e da Matemática -PEMAT/UFRJ. 2 Departamento de Filosofia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Doutor em Filosofia e o autor agradece pela bolsa de Produtividade do CNPq. 3 Docente de Filosofia na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (FFCS) da Universidade Católica Portuguesa e colaborador do Centro Académico de Braga (CAB).

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humanos. Procurava compreender qual o mecanismo de transição dos isótopos radioativos sobre o solo, às plantas e os animais, sobre os processos metabólicos em organismos e sobre a acumulação final em partes do corpo humano. Para a realização de tal estudo o padre Roser organizou uma rede de estações, espalhadas por alguns estados brasileiros, para a análise de locais com irradiação radioativa natural. Palavras-chave: Física Experimental, Radioatividade natural e Universidade Católica.

Introdução

Em 7 de agosto, de 1962, O padre Francisco Xavier Roser S.J, Doutor em Física,

em colaboração com o também padre e Doutor na mesma área, Thomas Lynch Cullen

S.J, finalizam seu primeiro relatório sobre a radiação natural em regiões brasileiras e,

oferecem uma dedicatória em forma de agradecimento ao notável físico e ganhador do

prêmio Nobel de física em 1936, Victor Franz Hess, descobridor dos raios cósmicos.

Hess foi professor e orientador de ambos em tempos diferentes, Dr. Roser em meados

dos anos 30, e Dr. Cullen no início dos anos 50. No pequeno texto dedicado ao mestre,

eles exaltaram as descobertas realizadas 50 anos antes, mostrando a importância dos

estudos iniciais de radiação natural que levaram a grande descoberta dos raios vindo do

espaço (ROSER e CULLEN, 1962).

O professor Hess, em 1912, trabalhava na Universidade de Viena e se interessou

por um problema que intrigou seus contemporâneos, a radioatividade. Pensava-se que a

radiação medida na superfície terrestre era provocada pela presença de materiais

radioativos presente no solo e, à medida que subissem essa radiação iria diminuir. Hess

achava que não, que a atmosfera iria contribuir mais com a ionização do que o solo.

Para confirmar sua hipótese ele subiu em um balão e com um eletroscópio preparado

para grandes altitudes, ao passo que o balão se afastasse do solo percebeu que a

ionização aumentava, contrariando todas as hipóteses. Hess fez o experimento a noite e

durante eclipses obtendo os mesmos resultados. Os refinamentos feitos pelo Dr. Hess e

outros acrescentaram ao conhecimento inicial sobre a radiação recém-descoberta, que

foi batizada treze anos depois por Robert A. Millikan de radiação "cósmica". (TIMES,

1964)

A radiação foi o principal campo de trabalho do Dr. Roser, primeiro os raios

cósmicos e, a partir de meados dos anos 50, dedicou-se inteiramente ao entendimento

dos efeitos da radioatividade ionizante sobre os organismos vivos fazendo uma série de

estudos em regiões de intenso campo de radiação, em cooperação com outras

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instituições nacionais e internacionais (VIDEIRA e NOBRE, 2018). Nesse período, o

mundo estava ainda estarrecido com as bombas lançadas no Japão e preocupado com os

crescentes testes nucleares praticados pelos países impulsionados pela guerra fria. Além

disso, as radiações ionizantes eram muito utilizadas na sociedade civil através da

medicina e da indústria. O comitê cientifico norte-americano e a Organização Mundial

de Saúde (OMS) tinham urgência em informações sobre os efeitos biológicos devido a

exposição de baixa radiação por longos períodos (OMS, 1955). O padre Roser

enxergava esse campo de investigação como frutífero e promissor. Entendia que a

natureza poderia ser um bom laboratório de radiação natural para a aprendizagem sobre

os efeitos somáticos e genéticos produzidos sobre plantas, animais e seres humanos

presentes em regiões radioativas, tais como Morro do Ferro e Araxá (MG) e Guarapari

(ES). Para Roser, esses estudos em colaboração com outros países poderiam produzir

uma base de dados maior e, assim uma análise mais abrangente e confiável (ROSER e

CULLEN, 1962).

Nossa pesquisa busca compreender o que levou o Pe. Roser às pesquisas sobre a

radioatividade natural na última década de sua vida e em que contextos ela se

desenvolveu? Que contribuições suas pesquisas forneceram área de conhecimento?

Quais foram as pessoas e instituições que colaboraram com o desenvolvimento deste

campo científico em nosso país? A pesquisa em andamento está na fase inicial de

análises documentais e busca novas fontes que nos permita significar o legado deixado

por Roser. Nesta primeira etapa já foi possível levantar informações sobre sua trajetória

científica, conforme já discutido na referência (VIDEIRA e NOBRE, 2018). A partir

deste estudo preliminar percebemos que muitos pontos da trajetória do Roser devem ser

investigados. Aqui nos ateremos às pesquisas precursoras de Roser sobre radioatividade

natural que começam a partir de 1956, período em que o instituto de física da PUC é

criado, e vai até a morte do Padre, em 1967. Essas pesquisas constituem um bom

exemplo como investigações da física podem ser realizadas em campo aberto,

desmistificando o conceito estereotipado da física como ciência praticada em lugares

fechados e controlados, como ‘laboratórios’.

A estrutura deste trabalho segue a seguinte sequência: Vamos dividir a história

da radioatividade no Brasil em duas fases, antes e depois de 1956. Na primeira parte

mostraremos o resultado de nossa investigação sobre primeiros personagens brasileiros

que se interessaram por esse campo do conhecimento e quais trabalhos foram realizados

por eles. Na segunda parte, apresentaremos de forma breve os dados biográficos de

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Roser e de seu principal parceiro cientifico, o Pe. Cullen, e também as pesquisas

realizadas por ambos em relação a radiação natural, a partir da criação do Instituto de

Física da PUC. Procuramos também incluir nesta parte outras pesquisas realizadas no

mesmo período para mostrar quais trabalhos nesse campo do conhecimento foram

realizados e como se relacionam com os estudos de Roser e Cullen. Finalmente

descreveremos os métodos e resultados do primeiro relatório publicado por Roser e

Cullen, em 1962, sobre as pesquisas realizadas em territórios de jazidas de minerais

radioativos em algumas regiões brasileiras, destacando o trabalho desenvolvido em

Guarapari-ES, depois apresentamos algumas considerações finais e os novos

encaminhamentos de nossa pesquisa.

Um breve histórico da radioatividade no Brasil entre1895 e 1956.

Desde que Wilhelm Röntgen descobriu os raios X em 1895, e Henri Becquerel,

no ano seguinte, descobriu que os raios urânicos eram capazes de imprimir imagens em

chapas fotográficas. A radioatividade passou a ser um campo de pesquisa para as

ciências físicas. Muito rapidamente as descobertas correram o mundo, chegando no

Brasil já em 1897, os primeiros usos dessa descoberta foram na Medicina. Segundo

Videira, O primeiro trabalho científico sobre os raios X se deve ao engenheiro Henrique

Morize para obtenção da cátedra de física experimental e meteorologia, da Escola

Politécnica do Rio de Janeiro (VIDEIRA, 2012). Já Moreira destaca que o aspecto mais

interessante da tese de Morize é a descrição de alguns experimentos que realizou e de

outros que propunha que fossem feitos, especialmente na investigação dos raios X e de

seus usos. Infelizmente ele não conseguiu dar conta de realizar os experimentos

propostos por falta de recursos (MOREIRA, 2003).

Para completar o quadro de pesquisas realizadas após a tese de Morize,

consultamos duas publicações importantes neste período através da Hemeroteca digital

da Biblioteca Nacional: O Anais da Academia Brasileira de Ciências (ABC) com

publicações desde 1929 e a Revista Ciência e Cultura, a partir de 1949. Fizemos a busca

utilizando as palavras chaves como, radioatividade, radioatividade natural, urânio, tório,

radiação, ionizantes e outras. Desta busca montamos a tabela 1 que mostra quais

pesquisas no campo da radioatividade foram realizadas desde 1929 até 1956. O objetivo

deste levantamento é verificar quem eram os cientistas e o que buscavam compreender

através dos estudos realizados.

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Para Joaquim da Costa Ribeiro, a primeira fase das pesquisas em radioatividade

se referia a medidas de fontes ou minerais. Ele inclusive cita as medidas da

radioatividade das águas na região de Poços de Caldas em 1913, pelo químico Alfredo

Scheaffer como a referência mais antiga que conhecia (RIBEIRO, 1956).

A partir da busca realizada contabilizamos 23 pesquisas no período que vai de

1929 a 1955. Percebemos que inicialmente os trabalhos estavam associados a

mineralogia e a petrografia. O Engenheiro Djalma Guimarães muito destacado nesse

campo e publicou alguns trabalhos sobre suas descobertas e análises em jazidas

minerais em Minas Gerais e em outros estados da federação. Neste período os estudos

geológicos e mineralógicos no Brasil tiveram um grande desenvolvimento, podemos

verificar nas referências (LEONARDOS, 1955) (FRANCO, 1979 ) e destacar as

descobertas de muitos materiais radioativos como a eschwegeíta e a djalmaíta. No

entanto, esses autores apenas apontam as descobertas sem nenhum aprofundamento da

natureza desses materiais. Um estudo mais detalhado é encontrado na comunicação

apresentada por Caio Pandiá à ABC conforme Tabela 1. Ele realizou uma análise

completa do material incluindo medições cristalográficas, do índice de refração, fez

ensaios para determinar a composição química e das propriedades físicas do material.

Ele conclui que o material deveria ser considerado um tantalato de urânio.

No início dos anos 40, o engenheiro Joaquim da Costa Ribeiro iniciou pesquisas

em busca de um novo método para medir a radioatividade. Este método media

ano título autores fonte1929 Sobreoprocessodeseparaçãodourânio,dozircônio... DjalmaGuimarães AnaisdaABC1930 AmemóriasobreHenriqueMorizepresidenteefundadordaAcademia vários AnaisdaABC1931 MagmaBasálticodoBrasilMeridional- DjalmaGuimarães AnaisdaABC1939 Djalmita,umnovomaterialradiotivo CaioPandiá AnaisdaABC1940 sobrearadiotividadedealgunsmineraisbrasileiros- JoaquimdaCostaRibeiro AnaisdaABC1940 Notapréviasobreoelevadoteoremradiumdeummineralbrasileiro JoaquimdaCostaRibeiro AnaisdaABC1940 existênciadeumasegundaseriedeTierrasraras GEVIlar AnaisdaABC1942 RecorrênciadeMineralizaçãoemdepósitoscaledonianos. CaioPandiá AnaisdaABC1943 Uranitaemminasgerais- WillerFlorêncioeCelsodeCastro AnaisdaABC1946 BatolitoegranitoestradaRio-Baía. LucianoJaquesdeMoraes. AnaisdaABC1947 RadioatividadedoSamário CuereLattes AnaisdaABC1947 ..prospecçãodemateriaisradioativos- JoaquimdaCostaRibeiroeWillerFlorêncio AnaisdaABC1947 ...prospecçãodeurâniocomcontadoresGeigerMuller JoaquimdaCostaRibeiro AnaisdaABC1947 ...SobrearadioatividadedasnascentesdotúneldaMoeda– Cintraprado AnaisdaABC1950 AjazidadeDjalmaíta,deVoltaGrandeRiodasMortes,MinasGerais. DjalmaGuimarães AnaisdaABC1951 Usodeisótoposradioativosnaquímicaanalítica; FaustoWLimaUSP CiênciaeCultura1952 NovavariedadedaZirconita- WillerFlorêncio AnaisdaABC1952 -ProblemasdaCronogeologia-F.PeixotoeD.Guimarães F.PeixotoeD.Guimarães AnaisdaABC1953 Antagonismeentreleformiate....microrganismesirradies– LRCaldas,CAElias AnaisdaABC1954 MineraisRdiotivosnoNordestedoBrasil- LucianoJaquesdeMoraes AnaisdaABC1955 EstudodasreaçõesKeCl- Goldeberg,DammyeBorello AnaisdaABC1955 Açãodasradiaçõesultravioletassobreapele- ManoeldaFrotaetal AnaisdaABC

Tabela 1-Lista de autores e pesquisas sobre radioatividade nas publicações do período de 1929 e 1955.

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correntes de ionização através da queda de tensão com a passagem da corrente que

atravessa uma alta resistência (RIBEIRO e GROSS, 1940), a técnica foi aplicada a

diversos materiais radioativos brasileiros. O trabalho recebeu a colaboração do Dr. Caio

Pandiá que lhe cedeu amostra de uranita e Dr. Viktor Leins (Universidade do Distrito

Federal) que lhe cedeu uma amostra análoga. O procedimento experimental consistia

em medir a radioatividade dos materiais disponibilizados e compara-los com a curita,

mineral do Congo Belga e muito utilizado para a produção do rádio. Os resultados

apresentados mostravam que a uranita tinha valores radioativos equivalentes à curita.

Neste mesmo ano Costa Ribeiro desenvolve ainda mais dois ensaios sobre a

radioatividade, conforme encontrados nas seguintes referências (RIBEIRO, 1940)

(RIBEIRO, 1940).

Através dos exemplos dados podemos caracterizar a colaboração entre grupos de

pesquisa que buscavam a partir de um mesmo objeto encontrar novos conhecimentos e

também que as pesquisas foram desenvolvidas em laboratórios. Em nossa opinião,

Joaquim da Costa Ribeiro inicia um novo campo de pesquisa dentro da Física brasileira

nos anos 40 estabelecendo um novo método para medidas radioativas que poderiam ser

usadas, por exemplo, em conjunto com os cientistas do Serviço Geológico nacional.

Mas, apesar da sua contribuição para os estudos de radioatividade mineral, o próprio

Costa Ribeiro em seu texto sobre a história da Física no Brasil não dá importância a

esse campo do conhecimento, pois nem suas pesquisas são relatadas por ele nesta obra,

a única menção é dos estudos realizados por Cintra Prado sobre a radioatividade das

fontes hidrominerais (RIBEIRO, 1955), que pode ser consultado no artigo publicado na

ABC (PRADO, 1947).

Nesta primeira fase o campo da radioatividade não parece promissor no Brasil,

poucas pesquisas foram realizadas de forma espaçada por motivos diferentes, como

exemplo temos as comunicações realizadas em 1947, (LATTES e CUER, 1947)

(RIBEIRO e FLORÊNCIO, 1947), (RIBEIRO, 1947), (PRADO, 1947) que sugerem ter

sido motivadas pela recém criada Comissão de Estudos e Fiscalização de Materiais

Energéticos que concedeu recursos para o desenvolvimento de pesquisas sobre física

nuclear e radiação (ANDRADE, 1999). Na próxima seção discutiremos os novos rumos

para a radioatividade no Brasil a partir de 1956.

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A radioatividade natural como campo de pesquisa no Brasil

Na segunda metade da década de 50, três fatores encadeados provocam um

aumento da produção científica brasileira no que tange aos estudos sobre radiação: O

movimento "átomos para a paz" iniciado pelo governo americano, a necessidade de

estudos sobre os efeitos biológicos da radiação deflagrada pela Organização Mundial de

Saúde (OMS) e o "Ano Geofísico". Em 1957 no Brasil, é criado o instituto de Física da

PUC pelo Pe. Roser, no mesmo ano chega ao Brasil o norte-americano Pe. Cullen que

seria seu parceiro nas pesquisas sobre a radioatividade natural.

O padre Francisco Xavier Roser S.J (1904-1967) nascido em Saint Martin

(Áustria), concluiu seus estudos formais em 1924 num colégio jesuíta em Viena. Neste

mesmo ano chega ao Brasil para completar sua formação religiosa e vai direto para o

noviçado da cidade de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Neste período os superiores

religiosos percebem nele uma vocação científica e o incentivam a percorrer esse

itinerário formativo paralelamente a formação religiosa, então em 1933, Roser retorna a

Áustria Para estudar Teologia e Física e em 1938 conclui seu doutorado em Física na

Universidade de Insbruck, com Victor Hess, ganhador do prêmio Nobel em física dois

anos antes, defendendo uma tese sobre os raios cósmicos. Ao regressar ao Brasil foi

professor de física nos colégios católicos Anchieta e Santo Inácio ambos no Rio de

Janeiro. No fim dos anos 40 recebe a missão de criar o Instituto de Ciências na

Universidade Católica ciente que precisava se reciclar porque com o pós-guerra os

campos de estudo da Física ganharam novos rumos, viaja para os Estados Unidos para

se aprimorar na Física Experimental e Teórica.

A estadia de Roser nos EUA foi bastante profícua como podemos ver nas

palavras de Videira e Nobre: São várias as indicações que comprovam que Roser foi bem-sucedido nos anos que passou nas Universidades de Chicago, Santa Clara, Stanford e Fordham. A sua pesquisa deu origem à publicação de vários artigos científicos. Além disso, assistiu a cursos, visitou laboratórios, adquiriu equipamentos científicos, redigiu planos de estudos e projetos de pesquisa para o futuro Instituto de Física na Universidade Católica, detalhando quais deveriam ser as qualidades intelectuais e humanas dos jovens jesuítas e leigos que o integrariam. Desenvolveu uma rede significativa de contatos e de colaboradores tendo em vista os seus planos para o Instituto de Física. Envolveu-se, também, numa intensa atividade pastoral, celebrando missas, batizados e orientando retiros espirituais (VIDEIRA e NOBRE, 2018)

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ano título autores fonte1956 AUtil izaçãodaEnergiaNuclearnoBrasil JCRibeiro CênciaeCultura1956 MedidasdaradioatividadenaturalnoRiodejaneiro- GunterKegel(INT) AnaisdaABC1956 Açãodasradiaçõesdosseresvivos- Karl.Wilbur AnaisdaABC1956 Absorptioncurveoffaloutproducts- ArthurAron-INT AnaisdaABC1956 Measurementoflong-rangefalloutinriodejaneiro- G.Kegel AnaisdaABC1957 Sobreolevantamentodosníveisradiométricosemcertasregiõesbrasileiras Pe.Roser CênciaeCultura1957 Determinaçãodoestrôncioemmateriaisbiológicos PennaFranca CênciaeCultura1957 Câmerasdeionizaçãonoinstitutodefísica-Roser-Notíciadeaquisição Pe.Roser CênciaeCultura1957 Estudossobrearadioatividade. GrossePe.Roser CênciaeCultura1957 Notapréviasobreaocorrênciadeautunitanaserradamoeda- FAMagalhãesGomes AnaisdaABC1957 Medidasderadoneteronnoarriodejaneiro23/07 Pe.Cullen AnaisdaABC1957 MeasurementeTneRndecayproductsbyfi ltermethod- PeCullen AnaisdaABC1957 Rochasalcalinasdaregiãodopãodeaçúcarefechodosmorros,nosuldeMatoGrosso.LucianoJaquesdeMoraes AnaisdaABC1957 Dterminaçãodoestrôncio90emmateriaisbiológicos- PennaFrancaeCarlosChagas AnaisdaABC1957 Umasingularvariedadedeescranito- D.Guimarães AnaisdaABC1958 Observaçãosobrearadioatividadedoarproduzidaporexplosõesnucleares. B.Gross AnaisdaABC1958 Sobreaassimilaçãoderadiotivosnaturaispelasplantas- Pe.Roser CênciaeCultura1958 Examepreliminardaradioatividadedacastanhadopará. PennafrancaeCarlosChagas AnaisdaABC1958 Radiotividadedabaixaatmosfera–esteartigoéapreparaçãoparaestudosAEC Pe.Cullen AnaisdaABC1958 Sobreanaturezadepartículasativasdetestesnucleares- Pe.Roser AnaisdaABC1959 Sobreacorrelaçãoentreacontaminaçãoradioativadaatmosferaeosfatoresmetereológicos.Pe.RosereA.Olinto AnaisdaABC1959 Radioatividadenaturaldaatmosfera- Pe.Cullen CênciaeCultura1960 AsituaçãodafísicaexperimentalnoBrasil- J.Goldemberg CênciaeCultura1960 Sobreaemanaçãodegasesradioativosnosolo- Pe.Cullen CênciaeCultura1960 Sobreacorrelaçãoentreacontaminaçãoradioativadaatmosferaeosfatoresmetereológicos.Pe.RosereA.Olinto CênciaeCultura1960 Efeitosgenéticosdaradiação(textodeOsvaldofrotapessoa:genéticahumana:Estadopresenteeperspectivas)O.Pessoa CênciaeCultura1960 Sobresexratioefeitodasradiaçõessobrehomem. O.Pessoa CênciaeCultura1961 Falloutmeasurementsinriodejaneiro(1956-1960)- G.KegeleB.Gross AnaisdaABC1961 Vistadoconjuntomedidasdefallout...58a60, Pe.Cullen AnaisdaABC1961 AphysicalmethodoofmeasuringtheMsThBodyBurden-. Pe.CulleneS.S.Barros AnaisdaABC1961 Variaçãodaconcentraçãoradioativaatmosféricacomoalgunsparâmetrosmeteorológicos-Pe.RosereA.Hdacosta CênciaeCultura1961 NíveisanômalosderadiaçãoemalgumaszonasradiotivasdoBarsil. Pe.CullenePe.Roser AnaisdaABC1962 RadiotionlevelsinselectedregionsofBrazil-croser Pe.CullenePe.Roser AnaisdaABC1965 Espectrometriagamadeplantasesolosdealtaradioatividadenatural. Isar,NeylaeHarry CênciaeCultura1965 MarineIsopdsfromhighlyradioctiveplaces- J.Loyola AnaisdaABC1966 RadiochemicaldeterminationofRa226inhumantoothandurine. Pennafranca AnaisdaABC1967 Estudodacomposiçãodovenenodoescorpiãoemáreasdeelevadaradiação, Pennafranca CênciaeCultura

Tabela 2- Listas de autores e pesquisas realizadas sobre radioatividade no período entre 1956 e 1967.

Neste momento da nossa pesquisa temos poucas informações biográficas sobre o

Padre Thomas Lynch Cullen S.J (1917-1985). Nós apenas sabemos que ele também foi

aluno do Victor Hess na Universidade de Fordham, EUA, e que veio para o Brasil em

1957 trazido por Roser para colaborar nos estudos da radioatividade do ar,

contaminação da atmosfera por fissão provenientes de explosões nucleares,

determinação dos níveis de radioatividade natural em diferentes áreas do território

nacional e medidas das radiações cósmicas. Alguns desses estudos seriam parte da

contribuição brasileira para o Ano Geofísico. Cullen também recebeu bolsa para

trabalhar junto ao Dr. Carlos Chagas com pesquisas sobre efeitos biológicos da

radiação. Essas informações estavam disponibilizadas na Revista Ciência e Cultura (vol

IX. Nº 1, 1957) na seção destinada ao CNPq.

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Figura 1- Pe.Roser e Pe.Cullen no Morro do Ferro-MG, com um jeep Willys. Fotos do Acervo do Departamento de Física - cg0072_001

As pesquisas realizadas pelo Padre Roser nesse período, e também pelo Padre

Cullen mostram engajamento de ambos na investigação da radioatividade, seus

interesses se situavam no entendimento das radiações oriundas das explosões nucleares

(fall-out) e assim dividiram seu projeto de pesquisa com estudos da contaminação da

atmosfera e do solo através de medidas de Radon com a utilização de filtros de ar

(CULLEN, 1957), (CULLEN, 1958) (ROSER, 1958), (ROSER e OLINTO, 1960)

Levantamentos radiométricos também foram realizados em diversas regiões brasileiras

a fim de verificar como a radioatividade natural oriunda de fontes minerais poderiam

produzir efeitos biológicos, para essas pesquisas utilizaram câmeras de ionização

(ROSER, 1957), (ROSER, 1957), (CULLEN, 1960), (ROSER e CULLEN, 1962).

Como é possível ver através da Tabela 2, as contribuições de Roser e Cullen

num período de 10 anos foram expressivas (a partir das fontes consultadas), produziram

cerca de 40 % naquele período das pesquisas sobre radioatividade desenvolvidas no

Brasil. E muitos destes estudos foram realizados com colaboração de outras instituições

como o Instituto Nacional de Tecnologia e Instituto de Biofísica Carlos Chagas que

produziram resultados complementares.

Estes trabalhos comunicados aos Anais da ABC e a revista Ciência e Cultura

revelam um pouco itinerário científico produzido por Roser e Cullen até o

desenvolvimento do primeiro relatório sobre a radioatividade de áreas brasileiras na

década de 1960. Cada publicação mostra os métodos, técnicas e instrumentos para as

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medidas de radiação em várias regiões, como poderemos verificar na próxima seção as

investigações realizadas em Guarapari-Es contidas no primeiro relatório.

Uma descrição dos métodos e resultados das pesquisas sobre a radioatividade

natural do Pe. Roser em Guarapari-ES.

O interesse do Padre Roser pelo estudo

da radiação natural, por hipótese, se inicia por

duas razões, a primeira por influência do Victor

Hess e a segunda pelo clamor deflagrado pelo

Comitê Científico das Nações Unidas sobre os

efeitos da radiação atômica nos organismos

vivos. Naquele momento era premente a

necessidade de informação sobre como os

efeitos biológicos dessas radiações ionizantes

em pequenas doses intermitentes ou de baixa

radiação contínua poderiam afetar os seres

humanos.

O objetivo deste estudo, intitulado de

ENVIRONMENTAL RADIOACTIVITY IN HIGH BACKGROUND AREAS OF

BRAZIL, era colaborar com os avanços deste campo do conhecimento cooperando com

outros grupos de pesquisa contribuindo de forma mais objetiva as questões

apresentadas, conforme destacado por Roser na introdução de seu relatório:

A study of the somatic and genetic effects produced on the plant animal and human population is possible. Yet because only a limited human population inhabits the more radioactive regions, it does not seem feasible that one study in one country should produce definitive results. Better results could be expected from a synoptic type of investigation in which several countries cooperate. It is therefore the hope of the Brazilian group that their study program shall be linked with those of other countries, such as India, in the over-all research project The full research project requires a joint venture of physicists, geneticists, radio-chemists and biophysicists. The program for the physicists is straightforward and can be completed within a predicted period of time. The program of the geneticists and the biophysicists„ however sby its very nature of greater complexity, cannot have a predicted time limit. (ROSER e CULLEN, 1962)

Dentro deste emaranhado de pesquisas que deveriam ser realizadas, o grupo de

física da Universidade Católica, liderados pelo Padre Roser, por 4 anos (desde 1958)

Figura 2-Capa do relatório concluído em 1962.

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implementaram os seguintes estudos em regiões radioativas brasileiras, utilizando

algumas cidades como laboratórios a céu aberto: a) a avaliação da contaminação

radioativa no solo, abastecimento de água e no ar; b) a determinação dos níveis de

radiação produzidos por esta contaminação, tanto interna como externamente.

O estudo empreendido pelo grupo de física foi uma investigação da radiação

ionizante externa sobre as pessoas residentes em locais de alta contaminação natural

provenientes do chão e do ar. Foi realizado um sério levantamento dessas áreas que

mediram não apenas os níveis radiométricos locais como pesquisas para diagnosticar

contaminação por radiação em humanos a partir da respiração.

Equipe, colaboradores e parceiros

Este trabalho foi feito em conjunto com o Padre Cullen que nesta época

pertencia a Universidade de Fordham, Nova York, EUA, mas apesar da equipe reduzida

eles contaram com a colaboração pontual de diversas pessoas ao longo do

desenvolvimento do projeto, como por exemplo: A física Susana de Souza Barros que

ajudou com as medidas de respiração. O engenheiro de minas Dr. Resk Frahya que

pertencia ao Departamento Nacional de Produção Mineral e era uma autoridade em

minerais radioativos (ref). Outros colaboradores foram, o então estagiário, Antônio

Olinto e Júlio Baldomero, com as medições radiométricas, e Professor Karl. H.

Juergensen, do Technische Hochschule de Stuttgart, com os experimentos em

eletricidade atmosférica.

O trabalho recebeu apoio da Comissão Nacional de Energia Nuclear que tinha

interesses em estudos das áreas de ocorrências radioativas e do Conselho Nacional de

Pesquisas que apoiavam com bolsas os desenvolvimentos da pesquisa. Para realização

das investigações os padres contaram com o empréstimo de cristais de iodeto de sódio e

o desenvolvimento de filmes pelo Laboratórios de Saúde e Segurança da Comissão de

Energia Atômica americana. Outra parceira foi a L.A.S.A Company, que cedeu algumas

informações para o desenvolvimento da pesquisa.

A estrutura do relatório:

Após a dedicação a Victor Hess nas primeiras páginas do relatório, a primeira

seção apresenta uma introdução sobre a geologia dos lugares investigados. Em seguida

descreve todos os instrumentos e técnicas de usos, e a partir disso descreve os

experimentos realizados em todas as regiões. Por fim apresenta alguns apêndices

metodológicos que foram necessários para a obtenção dos resultados.

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Figura 3- Sobre o levantamento dos níveis radiométricos em certas regiões brasileiras; Anuário da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 1958 - eg0060_003

Instrumentos, técnicas e métodos

Roser faz uso de cinco tipos de equipamentos para o desenvolvimento das

pesquisas, são eles:

Câmera de ionização: A câmara de ionização é usada para estabelecer pontos de

referência na região a ser investigada e

capaz de níveis de medidas precisas de um

microrontgen por hora. A câmara tem

formato quadrado que funcionava em

conjunto com um eletrômetro de palheta

vibrante projetada por Hess e seus colegas

de trabalho em Fordham para medir

radiação gama a partir do solo e radiação

beta no ar. Para medir em campo externo

de radioatividade ambiental o

procedimento mais eficiente e exato

envolve a combinação uso de câmara de

ionização e cintilômetros portáteis.

Cintilômetros portáteis: São equipamentos

mais simples e de fácil manuseio e permitiam medidas em lugares inacessíveis. Seu

fundo de escala era de 0,01 mr / hr até 5 mr / hr.

Filtros de ar: Por um período de quatro anos, a Universidade Católica de Rio de Janeiro

realizou experimentos utilizando filtros de ar (OLINTO e ROSER, 1959). Este é uma

técnica bem conhecida para estudar partículas radioativas no ar como o radon e o

thoron. Sobre regiões naturalmente radioativas, é de se esperar que a atmosfera

contivesse concentrações mais pesadas de radon e thoron e seus produtos de

decaimento.

Pacotes de filmes de cristais: É um dispositivo que integra a dose recebida por uma

pessoa em um dia inserida num campo variável de radiação. Os pacotes de filmes para a

medição de radiação têm uso em laboratórios de radioatividade, mas o limite leitura é

baixo. Assim eles não são sensíveis o suficiente para registrar a radiação ambiental. No

entanto, na época, Roser usou técnicas recém descobertas o uso de um fosfato NaI (TL)

como um amplificador de densidade para campos de raios gama com baixa intensidade

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(Ref). O Cristal é colocado num cinto preso a uma pessoa por 24 horas. Roser comenta

que esta técnica é um pouco dificultosa para aquisição dos dados devido ao fluxo de

radiação que chega ao filme. Como o processo ainda estava em fase de

desenvolvimento, todos os filmes foram enviados para o Laboratório de Saúde e

Segurança de Nova York da AEC, onde as densidades foram medidas em um

densímetro. Para Rosere as leituras realizadas não poderiam representar uniformemente

a população. Era preciso selecionar amostras representativas de diferentes distritos,

assim poderia alcançar uma média ponderada das medidas realizadas.

Análises da respiratórias para detecção de Thoron: Em regiões contaminadas, é

provável que algumas das contaminações radioativas sejam atribuídas pelo ciclo

alimentar-água, e através da respiração. O mesotório (MsThl) é semelhante ao cálcio e

também possui alta eficiência radiobiológica, portanto pode ao ser ingerido se

concentrando em tecidos orgânicos e na medula óssea. É possível avaliar a carga

corporal do mesotório, porque o thoron, um dos elementos produzidos na série, é um

gás. O processo utilizado por Roser para medir a concentração desse gás consistia em

uma pessoa respirar através de um recipiente coletor de 40 litros por uma hora, o thoron

exalado e o produto decai rapidamente produzindo átomos de recuo carregados

positivamente. Estes são coletados eletrostaticamente sobre um disco de metal e

colocados dentro de um recipiente e mantido em um potencial negativo de 10 000 volts.

O disco é coberto com uma camada de cristais de sulfeto de zinco e colocado na frente

de um tubo fotomultiplicador similarmente revestido. A atividade alfa é contada durante

um período de vinte horas.

O aparelho tem uma sensibilidade equivalente à de um contador de corpo inteiro,

é relativamente barato e transportável. Os sujeitos repetiram seus valores medidos em

30%. A eficiência de expiração é definida como a porcentagem do toron produzido

dentro do corpo que é exalado. Quando o mesotório está localizado no baço, a eficiência

de exalação 8%. Enquanto que para concentrações ósseas a eficiência é de 0,1%. Roser

sabia que a literatura sobre o assunto trazia divergências sobre a interpretação dos

resultados, conforme podemos verificar na explicação que fornece no laboratório. There is a divergence of opinion however 9on the distribution of this contamination within the body which introduces a great uncertainty into our results. Muth, et al., estimate that 75% of the mesothorium is found in tissue while 25% is found in bones. Hursch, on the other hand, estimates 20% in tissue and 80% in bones. Stover injecting MsTh into geagle dogs, reports that 99% is deposited in the bones. The distribution probably depends on whether the contamination is

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absorbed rapidly or over a long period. It likewise depends on the chemical form of the contaminant and whether it enters the body in food or through the lungs. (ROSER e CULLEN, 1962)

Ao analisarmos as referências dadas por Roser sobre as técnicas usadas na

utilização dos equipamentos percebemos que os estudos que nortearam suas pesquisas

eram recentes, o que corrobora para a ideia que seu estudo estava na vanguarda daquele

campo do conhecimento, e que seus resultados eram muito importantes para

confirmações de leis e teorias.

Locais da pesquisa

Guaraparí

Litoral do Espírito Santo com 4600 habitantes e no verão a cidade recebe cerca

de 10 000 turistas. A areia existente da região contém cerca de 25 a 35% de monazita. A

monazita é uma mistura de rara de fosfatos da terra, com 4-6% de impurezas de tório.

As pesquisas nesta região foram realizadas através de levantamentos com o auxílio de

todos os equipamentos citados anteriormente. Roser e Cullen fizeram medidas em 23

pontos de referências. Cada estação de medida de raios gama com câmara de ionização

e estavam a altura de 1 m. Também foram realizada pesquisas percorrendo as ruas, praia

e construções (prédios e casas), com o auxílio dos cintilômetros portáteis e detectaram

várias anomalias, pontos cujas medidas continham pontos de elevadas radiação,

chamando-os de "hot spot".

Em particular, medidas realizadas dentro das edificações tiveram grande

relevância, porque os valores medidos dentro de algumas casas eram maiores do que

fora, para Roser isso poderia ser devido a duas causas a blindagem devido a construção

ou a própria construção ser feita com materiais radioativos. Foram colocados três filtros

em Guarapari. Dois desses filtros foram expostos a uma altura de seis metros em

extremidades opostas na rua principal. A esta altura os filtros não ficavam entupidos

com poeira e poderiam ser utilizados com pouca mudança na velocidade do ar. A

atividade dos filtros foi medida ao longo de uma península onde o background de

radiação era baixo. O resultado das atividades devido aos produtos radon e decaimento

do thoron foram usados para calcular a concentração de radon e thoron no ar. O terceiro

filtro foi exposto na sala de separação Monazítica de Mibra (Monazita Ilmenita do

Brasil, empresa de extração de minério francesa), aqui os produtos de decaimento do

thoron são muito maiores e de radon foram nulos. Os emblemas com filme de cristais

foram distribuídos cada dia para as pessoas que vivem ou trabalham na cidade de

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Guarapari. Assim foram feitas tentativas de fazer medições dos homens que trabalham

na fábrica Mibra e depois de pessoas que vivem em casas com maior nível de radiação e

níveis de radiação mais baixos. Roser conta que, para evitar a suspeita do povo,

geralmente alguém da equipe de trabalho (Baldomero, Olinto, Pe. Cullen), carregavam

um dos pacotes preso ao corpo. Como a equipe trabalhou em diferentes partes da cidade

estes resultados também podem ser tomados com representativos da dose recebida pelo

povo. A intenção que tinham é que as pessoas carregassem o pacote de filme por um

período de 24 horas. Em alguns lugares a radiação era bastante elevada o que

comprometeria os emblemas com superexposição prejudicando a medida, então nesses

lugares as pessoas ficavam com os emblemas num tempo menor.

Finalmente, os últimos estudos foram as análises da respiração, os testes foram

realizados na Universidade Católica do Rio de Janeiro, como amostras pegaram pessoas

que viveram na cidade de Guarapari por um período de 10 anos, e de pessoas que

trabalharam direto em empresas de extração da areia monazítica por um período

superior a sete anos. Os testes não foram conclusivos, a interpretação adequada desses

dados dependeria de novos testes sobre a distribuição da contaminação no corpo, porque

os estudos da época sobre o assunto eram divergentes, como comentado por Roser no

relatório (1962).

O relatório analisado ainda possui estudos em mais sete municípios sendo três

no Espírito Santo e um em São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Como já explicado

optamos em fazer uma discussão mais detalhada em Guarapari, porque foi a região em

que as pesquisas duraram mais tempo e também onde se utilizou o maior número de

tipos de coleta de dados. Nos demais munícipios apenas alguns instrumentos foram

aplicados pois a geografia do lugar não permitia a utilização de todos os instrumentos

de medida, como por exemplo, no Morro do Ferro (MG) foram feitos levantamento

radiométricos e análises de radiação no ar com uso de filtros. Em Cascata (SP) o

levantamento radiométrico só pode ser feito com os aparelhos portáteis. Já em

Cumuruxatiba (BA) foi utilizado os emblemas de filme de cristais após uso da câmara

de ionização em pontos da cidade.

Considerações finais

Apresentamos a trajetória do Pe. Francisco Xavier Roser S.J, Doutor em Física

pela Universidade de Insbruck, em 1938 para, a partir dela, mostrar que a Física

considerada uma ciência de laboratório também pode ser desenvolvida como uma

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ciência de campo. Podemos através dessa pesquisa preliminar perceber que as pesquisas

de Roser sobre a radioatividade são um divisor neste campo do conhecimento. Este

personagem apresenta uma perspectiva através da qual é possível compreender o papel

de um grupo de pesquisa que não trabalha isolado dentro de seu projeto de pesquisa,

mas além de colaborar com outras instituições também formava novos pesquisadores.

Estamos numa fase inicial deste projeto de pesquisa que a cada passo nos colocamos

diante de novas possibilidades, que nos permitem construir novas hipóteses sobre a

trajetória deste Jesuíta amante da Ciência e, em especial da Física. Quisemos aqui

apresentar um aspecto da vida científica de Roser e mostrar o quão profícuo foi seu

trabalho na radioatividade natural, e que mesmo depois de sua morte o seu legado

continuou a reverberar pelas instituições brasileiras e internacionais. Nossa pretensão é

estender o trabalho e apresentar novos aspectos da trajetória científica de Roser e sua

significação para sua época.

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