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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA ESCOLAR E DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
RODRIGO PUCCI
O conceito de indivduo na obra de Theodor W. Adorno e suas relaes com o
pensamento de Sigmund Freud.
So Paulo
2011
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA ESCOLAR E DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
RODRIGO PUCCI
O conceito de indivduo na obra de Theodor W. Adorno e suas relaes com o
pensamento de Sigmund Freud.
Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de mestre em Psicologia.
rea de concentrao: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (PSA) / Instituies educacionais e formao do indivduo. Orientador: Prof. Doutor Jos Leon Crochk
So Paulo
2011
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AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogao na publicao Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo
Pucci, Rodrigo Marques.
O conceito de indivduo na obra de Theodor W. Adorno e suas relaes com o pensamento de Sigmund Freud / Rodrigo Marques Pucci; orientador Jos Leon Crochk. -- So Paulo, 2011.
85 f. Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em
Psicologia. rea de Concentrao: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo.
1. Adorno, Theodor Wiesengrund, 1903-1969 2. Freud, Sigmund,
1856-1939 3. Psicologia social 4. Psicanlise I. Ttulo.
B3199.A3
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FOLHA DE APROVAO
Rodrigo Pucci
O conceito de indivduo na obra de Theodor W. Adorno e suas relaes com o pensamento de
Sigmund Freud.
Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de mestre em Psicologia.
rea de concentrao: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (PSA) / Instituies educacionais e formao do indivduo.
Banca Examinadora:
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituio: _____________________________Assinatura: ___________________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituio: _____________________________Assinatura: ___________________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituio: _____________________________Assinatura: ___________________________
Dissertao defendida e aprovada em ______/______/______
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Dedico esta dissertao a trs pessoas muito
especiais: aos meus pais, Clvis e Snia, pela
formao, pelo apoio incondicional, pela
presena sempre carinhosa e compreensiva.
Vocs foram essenciais na elaborao de cada
linha dessa pesquisa. Obrigado! Dedico
tambm, in memorian, minha madrinha Luci,
apaixonada pelo conhecimento; sempre me
incentivou a imaginar um mundo diferente.
Produzir conhecimento uma forma de ser
imortal.
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AGRADECIMENTOS
Obrigado Leon, pela parceria, serenidade e dedicao. Aprendi muito com suas
reflexes precisas, sua exigncia justa, com sua orientao consciente e generosa. Obrigado
por me proporcionar e por compartilhar essa experincia intelectual inesquecvel e
fundamental minha formao como ser humano. Voc tem minha sincera admirao.
Agradeo ao professor Ari Maia, que nos tempos da graduao me apresentou
Adorno e sua obra. Ali foi inoculado o vrus da crtica, o interesse pela produo de
conhecimento e pela reflexo.
Obrigado Conrado Ramos pelas valiosas discusses travadas, pela simpatia,
disponibilidade e companheirismo. Muito do que sei sobre a relao da Teoria Crtica e
Psicanlise tem sua marca. Agradeo a suas enriquecedoras contribuies no exame de
qualificao; esse dilogo foi fundamental para a dissertao final.
Iray Carone pelas valiosas discusses que compartilhou comigo em sala de aula,
no caf, nos corredores. Fao um agradecimento especfico s suas contribuies no exame de
qualificao. Obrigado!
Um agradecimento muito especial a Giselle, pela parceria, companheirismo,
cumplicidade, carinho, pacincia e dedicao. Obrigado pela companhia indispensvel, pelas
horas de discusso, pelas reflexes e angstias compartilhadas. Suas contribuies esto em
mim.
Aos meus estimados amigos pela pacincia e ouvidos cuidadosos: Lauren, Filipe,
Reinaldo, Estevo, Polyana, Andr e Mara. Obrigado a todos que torceram por mim.
Aos meus irmos Bruno, Tlio e Murilo pelo apoio e pela compreenso dispensada.
Eles fazem a palavra irmo ter todo o nobre sentido que ela merece.
Obrigado tambm FAPESP, pela bolsa que proporcionou a dedicao necessria a
este trabalho.
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Navegar preciso
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
Navegar preciso; viver no preciso.
Quero para mim o esprito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver no necessrio; o que necessrio criar.
No conto gozar a minha vida; nem em goz-la penso.
S quero torn-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.
S quero torn-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essncia anmica do meu sangue
o propsito impessoal de engrandecer a ptria e contribuir
para a evoluo da humanidade.
a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raa.
Fernando Pessoa
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RESUMO
PUCCI, R. O conceito de indivduo na obra de Theodor W. Adorno e suas relaes com o
pensamento de Sigmund Freud. 2011. 85 f. Dissertao (Mestrado) Instituto de
Psicologia, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.
Com o advento da sociedade industrial do chamado capitalismo tardio, marcada por uma
forma de dominao calcada na racionalidade administrativa e tecnolgica, surge uma nova
maneira de configurao dos indivduos, representada por atitudes individuais padronizadas e
irracionais, assim como tambm por um ego frgil, pouco desenvolvido e facilmente cooptado
por movimentos sociais totalitrios e irracionais. Diante dessa situao faz-se necessrio
pensar uma Psicologia social, de base psicanaltica, ligada ao estudo da relao entre
indivduo e sociedade, unida a uma teoria social e considerada sempre dentro do movimento
histrico. Para contribuir com essa discusso, o objeto estudado desta pesquisa o conceito de
Indivduo na obra de Theodor W. Adorno, e, o objetivo, analisar suas relaes com o
pensamento de Sigmund Freud, importante terico que se props a estudar o indivduo e suas
atitudes irracionais. Vale ressaltar que a categoria indivduo uma das principais, se no a
principal, categoria terica da Psicologia como cincia, e apresenta-se, atualmente, como um
elemento indispensvel a qualquer tipo de transformao social ligada aos princpios de uma
sociedade autnoma. Os resultados da pesquisa apontaram que relevante a psicanlise de
Freud com certeza foi ao pensamento de Adorno, principalmente, em alguns temas
especficos estudados por ele, ou seja, em textos e pesquisas especficas que tinham como
reflexo a denncia de fenmenos irracionais presentes no sculo XX, assim como tambm
em estudos sobre os movimentos de massa contemporneos, a personalidade autoritria, os
fatores implicados no anti-semitismo e os efeitos psicossociais da indstria cultural. As
reflexes de Freud que estiveram mais presentes nesses estudos foram as que se referem
psicologia de massa, libido, complexo de dipo, id, ego, superego e narcisismo. Tais
reflexes foram utilizadas, no sem crticas, por Adorno para auxili-lo, dentro do escopo de
uma teoria social, a compreender o indivduo, inserido na sociedade de massa contempornea,
e suas atitudes irracionais.
Palavras-chave: Indivduo. Adorno. Freud. Psicologia Social. Psicologia de Massa. Psicanlise.
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ABSTRACT
PUCCI, R. The concept of individual in Theodor W. Adornos work and its relationship
with Sigmund Freuds thinking. 2011. 85 f. Dissertao (Mestrado) Instituto de
Psicologia, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.
With the industrial society advent within the so-called late capitalism, which is determined by
the dominance of administrative and technological rationality, a new manner of individuals
configuration emerged, being characterized by irrational standardized individual attitudes, as
well as by individuals with a fragile and less developed ego who are easily carried out by
irrational totalitarian social movements. In face of this situation, it is necessary to bear in
mind a psychoanalytic-based social psychology which must be related to the study of the
relation between the individual and society, and also linked to a social theory that is in
accordance with a certain historical movement. In order to contribute to the discussion of this
issue, the aim of this research is the concept of individual in Theodor W. Adornos work and
its objective is analyzing its relationship with Sigmund Freuds thinking, an important theorist
who proposed the study of individual and his irrational attitudes. It is worthwhile to stress that
the categorization of an individual is one of the main not to say the most important
theoretical category of Psychology as a science and is presented, nowadays, as an essential
element to any social transformation related to the principles of an autonomous society. The
results of this research proved undoubtedly that Freuds psychoanalysis was relevant to
Adornos thinking, mainly in some specific themes studied by the latter, that is, in both texts
and specific researches related to denouncing irrational social movements in the twentieth
century, as well as some other publications on contemporary mass movements, the
authoritarian personality, the factors implied in the anti-semitism and the socio-psychological
effects in the cultural industry. Some of Freuds reflections that were present in Adornos
thinking are those which refer to mass psychology, libido, Oedipian complex, id, ego,
superego and narcissism. Those studies were used by Adorno and somehow criticized by
him to develop his own ideas in the scope of a social theory to understand individuals
within the contemporary massified society and their irrational attitudes.
Keywords: Individual. Adorno. Freud. Social Psychology. Mass Psychology. Psychoanalysis.
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................ 9
PRIMEIRA PARTE ............................................................................................................... 14
1 A RELAO ENTRE TEORIA CRTICA E PSICANLISE: QUESTES HISTRICAS ................... 14
2 AS CRTICAS DE ADORNO AOS CONCEITOS DA PSICANLISE DE FREUD ............................. 17
2.1 O imperialismo da Psicanlise de Freud .................................................................. 19
2.2 A Psicanlise de Freud adaptativa? ....................................................................... 20
2.3 O anacronismo freudiano .......................................................................................... 24
2.4 A validade da concepo monadolgica de narcisismo ........................................... 26
2.5 A reduo ao natural .................................................................................................. 27
SEGUNDA PARTE ................................................................................................................ 36
3 A HISTRIA NO CONCEITO DE INDIVDUO .......................................................................... 37
4 A RELAO ENTRE INDIVDUO E SOCIEDADE .................................................................... 46
TERCEIRA PARTE ............................................................................................................... 51
5 SOBRE A RELAO ENTRE SOCIOLOGIA E PSICOLOGIA ...................................................... 52
6 O INDIVDUO E A PSICOLOGIA DE MASSA FREUDIANA ...................................................... 61
7 A RELAO DO CONCEITO DE INDIVDUO COM A PSICANLISE FREUDIANA NA PESQUISA SOBRE
A PERSONALIDADE AUTORITRIA ............................................................................................ 71
CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................... 79
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................... 84
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INTRODUO
Com o advento da sociedade industrial do capitalismo tardio, marcada por uma
forma de dominao calcada na racionalidade administrativa e tecnolgica, surge uma nova
maneira de configurao dos indivduos, representada por atitudes padronizadas e irracionais,
assim como por um ego frgil, pouco desenvolvido e facilmente cooptado por movimentos
sociais totalitrios e irracionais. Tal indivduo , simultaneamente, vtima e agente desse
processo, j que cooptado passivamente ao mesmo tempo que age ativamente a favor de sua
prpria opresso essa uma das contradies presentes na atual relao entre indivduo e
sociedade. Diante dessa situao, faz-se necessrio pensar uma Psicologia Social ligada ao
estudo da relao entre indivduo e sociedade, unida a uma teoria social e considerada sempre
dentro do movimento histrico.
A categoria indivduo uma das principais categorias tericas da Psicologia como
cincia, por isso conhecer os mecanismos psicolgicos individuais e os comportamentos
irracionais suscitados pela sociedade de massa contempornea torna-se, atualmente,
indispensvel a qualquer tipo de transformao social ligada aos princpios de uma sociedade
autnoma. Para contribuir com a construo desse conhecimento, o objeto de estudo desta
pesquisa o conceito de Indivduo na obra do socilogo alemo Theodor W. Adorno, e o
objetivo analisar suas relaes com o pensamento de Sigmund Freud, importante terico que
se props a estudar o indivduo e suas atitudes irracionais. Em ltima instncia a presente
pesquisa trata de como o indivduo, em seu processo de formao, se relaciona com a
sociedade, e para isso propomo-nos a estudar a experincia intelectual de um socilogo
estudioso da sociedade , que pensa o indivduo enquanto um conceito sociolgico em sua
relao com o conhecimento produzido por um psicanalista estudioso do inconsciente.
A discusso proposta pela presente pesquisa tem a inteno de refletir a relevncia
que a psicanlise freudiana teve na experincia intelectual adorniana, especificamente no que
se refere ao indivduo. Prope a anlise de estudos de Adorno sobre a subjetividade entendida
enquanto socialmente mediada, alm de procurar entender como ela se insere na discusso de
uma teoria social.
Devido atual dificuldade de modificar as condies sociais contemporneas, torna-
se imperante a defesa e o fortalecimento do sujeito para que este possa resistir violncia
direcionada contra ele, ou nele suscitada. Disso se depreende a importncia do estudo e do
desenvolvimento das implicaes sociolgicas do conceito de indivduo. E para abordar tal
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temtica faz-se necessria a construo de uma Psicologia que seja social para dar conta do
indivduo que socialmente mediado.
Mas de qual Psicologia Social estamos falando? Theodor W. Adorno (1955) defende
a Psicologia Social como uma disciplina sociolgica, responsvel pela relao entre o
indivduo e a sociedade, com uma especificidade que no deve coincidir nem puramente com
a Psicologia, nem exclusivamente com a Sociologia. Essa Psicologia Social acaba
representando uma crtica quelas sociologias que pensam a sociedade sem indivduos, assim
como tambm se coloca como um contraponto quelas psicologias que se voltam unicamente
ao seu objeto, o indivduo, ignorando que este se desenvolve socialmente e que so a
sociedade e a cultura que lhe permitem se constituir como tal.
A partir disso, tal Psicologia Social deve manter seus fundamentos sob constante
crtica para no se converter em sociologismo nem em psicologismo; deve preocupar-se
em no tornar a sociedade um elemento absoluto, e tampouco considerar o indivduo como
algo natural e universal, pois a relao entre indivduo e sociedade histrica, e o fato de o
indivduo ser mais ou menos diferenado, autnomo ou heternomo depende da configurao
social e de sua necessidade de reproduo. Tornar absoluta qualquer uma dessas dimenses
cristalizar o fenmeno e perder seu movimento histrico.
Vale notar que a sociedade no determina externamente a formao do indivduo,
mas, sim, de forma imanente. Esse movimento implica que uma dimenso passa pela outra,
mantendo a polaridade e o conflito que existe entre elas. Adorno enfatiza que a sociedade
produz os homens que necessita para se manter tal como .
Uma particularidade importante dessa Psicologia Social est pautada na constatao
objetiva de que, na atualidade, a sociedade tem primazia acerca da determinao do
comportamento individual, inclusive utilizando-se de estratgias repressivas que vo alm do
argumento racionalizado de manuteno da ordem e do bem-estar pblicos, descambando
para a dominao do homem pelo prprio homem.
Para Crochik (2008), o que distingue o objeto da Psicologia Social pensada por
Adorno daquele estudado pela Sociologia no a nfase no indivduo, o qual j deveria fazer
parte integrante da Sociologia, mas sim os comportamentos irracionais manifestados em
massas1. Como tambm no a preocupao com as massas que diferencia o objeto dessa
disciplina do que estudado pela Psicologia, e sim tipos de comportamentos padronizados
1 O termo massas aqui compreendido segundo os diversos sentidos atribudos por Freud em Psicologia de massa e anlise do ego, de 1923: multido, grupos, instituies.
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que so expressos em sentimentos, pensamentos e tendncias que levam a aes
uniformizadas.
A partir disso, a pergunta que a Psicologia Social, pensada aqui, deve responder:
Por que os indivduos agem contra seus prprios interesses racionais?. Sem, claro,
reduzir um fenmeno social a determinantes psquicos. Ou seja, Adorno defende que o objeto
de estudo da Psicologia Social seja o comportamento cada vez mais padronizado e irracional
dos indivduos, considerando que esses padres irracionais de comportamento so suscitados
pelo modo de produo irracional da sociedade capitalista contempornea.
Para Adorno (1955), a Psicologia Social deve ser de base psicanaltica freudiana,
porm sem se confundir com a Psicanlise e nem tampouco tentar compreender o objeto de
estudo orientando-se nica e exclusivamente por ela. Precisa basear-se em conceitos da teoria
da sociedade e orientar-se, quando necessrio, pelos cnones da Psicanlise freudiana. Seu
objeto relaciona-se claramente com a diminuio do espao psquico, com a atomizao
social do indivduo, que oprimido pelo intenso controle social age irracionalmente. A
Psicologia Social deve estudar o indivduo entendido como produto das pulses individuais e
da sociedade, deve entender a sua fragilidade ou sua possibilidade de resistncia.
Resumindo, para Adorno, a Psicologia Social deve ter como objeto de estudo os
comportamentos, sentimentos e pensamentos restringidos e contraditrios que expressam um
ego frgil e pouco desenvolvido, deve voltar-se para os mecanismos psicolgicos individuais
formados, suscitados e administrados pelo modo de produo capitalista contemporneo e
entender por que os indivduos agem a favor de sua prpria opresso. Diferencia-se de outras
concepes de Psicologia Social por destacar a importncia dos indivduos nos fenmenos de
massas. Essa Psicologia deve sempre procurar utilizar os mtodos de pesquisa mais avanados
desenvolvidos pela cincia para estudar seu objeto.
A partir disso, a presente pesquisa vem para contribuir com a produo desse
conhecimento, propondo um estudo sobre seu principal objeto, o Indivduo. Pesquisaremos
esse conceito na obra de Adorno, com o objetivo de compreender por que e como o
frankfurtiano orientou-se por categorias da Psicanlise de Freud para pensar a dimenso
individual da sociedade.
Para cumprir tal tarefa, nossa pesquisa se dividiu em trs partes inter-relacionadas.
Na primeira parte discorreremos sobre como se realizou historicamente a relao entre Teoria
Crtica e Psicanlise, abordando, especificamente, por meio da anlise de textos de
comentadores da obra de Adorno, como o frankfurtiano refletia tal relao. De uma forma
geral, o objeto de estudo desta pesquisa refere-se relao da Teoria Crtica com a
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Psicanlise. Vale destacar que a necessidade para tal relao terica ter ocorrido dependeu
intrinsecamente das condies sociais e objetivas presentes no momento histrico em que ela
surgiu; e, nesse sentido, torna-se fundamental que nossa anlise compreenda tais
determinantes. Seguindo nessa direo, na primeira etapa dessa primeira parte da pesquisa
foram destacados alguns episdios histricos relevantes para o surgimento do Instituto de
Pesquisa Social de Frankfurt. Ou seja, por meio da anlise da literatura produzida sobre o
tema, identificamos as demandas sociais e objetivas que levaram o Instituto, enquanto
instituio de pesquisa social, a recorrer a algumas categorias tericas da psicanlise de Freud
para abordar a forma contempornea de configurao individual, expressa por
comportamentos padronizados e contraditrios, suscitada pela sociedade totalitria e pela
cultura de massa. Feito isso, na segunda etapa dessa primeira parte abordamos quais foram as
necessidades histricas e objetivas que levaram especificamente Adorno, enquanto um
integrante desse instituto, a recorrer Psicanlise de Freud. Para cumprir tal tarefa,
analisamos textos de comentadores da obra do frankfurtiano que evidenciam quais so e como
se deram as crticas de Adorno s categorias psicanalticas freudianas, para assim
compreendermos como o terico crtico se relacionou com o pensamento do pai da
Psicanlise.
Na segunda parte tratamos diretamente do objeto de estudo por excelncia desta
pesquisa, ou seja, foram identificadas na obra de Adorno reflexes sobre o conceito de
Indivduo. Essa parte tambm se dividiu em duas etapas. Na primeira analisamos como
Adorno abordou o conceito de indivduo, nosso objetivo era identificar como ele entendia tal
conceito. Ou seja, examinamos a forma com que Adorno analisa o processo histrico da
humanidade representado no conceito de Indivduo. Para tanto, refletimos o retorno do terico
a perodos histricos em que esse conceito, e principalmente o objeto ao qual ele se referia,
apresentava-se apenas enquanto vestgio, como prottipo, como potncia histrica. Na
segunda etapa dessa parte da pesquisa refletimos como o frankfurtiano pensava a relao entre
indivduo e sociedade. claro que ambas as etapas so intrinsecamente vinculadas, ou seja, a
relao indivduo-sociedade depende diretamente das condies histricas e objetivas nas
quais ela est inserida.
J na terceira e ltima parte, foi analisada, especificamente, a relao do conceito de
Indivduo na obra de Adorno com a Psicanlise de Freud a partir de duas questes: por que
Adorno recorreu psicanlise freudiana, e como o frankfurtiano se utilizou das categorias
psicanalticas para refletir o conceito de Indivduo. Para responder a tais questes
selecionamos textos de Adorno nos quais a relao entre o conceito de Individuo e a
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Psicanlise evidente. Comeamos com a anlise da pesquisa sobre A personalidade
autoritria, de 1950, procurando responder por que e como Adorno, nessa pesquisa, se
orientou por categorias da Psicanlise freudiana. Nessa terceira parte outros dois textos
tambm foram selecionados e analisados, so eles: A teoria freudiana e o padro da
propaganda fascista (1951) e De la relacion entre sociologia e psicologia (2004). No texto A
teoria freudiana e o padro da propaganda fascista (1951) o objetivo era identificar como
Adorno entendia a relao entre o indivduo e a psicologia de massa e como o quadro de
referencial terico oferecido pela Psicanlise freudiana se insere nessa discusso. J no texto
De la relacion entre sociologia e psicologia (2004) procuramos desenvolver a discusso sobre
a relao entre essas duas disciplinas to caras presente pesquisa, pensando como o estudo
do conceito de Indivduo socialmente mediado depende do desenvolvimento de reflexes que
consideram o conflito entre o todo e a particular.
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PRIMEIRA PARTE
1 A RELAO ENTRE TEORIA CRTICA E PSICANLISE: QUESTES HISTRICAS
O surgimento do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, que em seus primrdios
era uma instituio de pesquisa social marxista e que, mais tarde, deu origem corrente de
pensamento conhecida como Escola de Frankfurt, teve como pano de fundo dois fatos
histricos relevantes. O primeiro foi a Revoluo Bolchevista, ocorrida na Rssia, em 1917,
onde, teoricamente, as condies objetivas para uma revoluo social ainda no estavam
postas, pois, nesse momento, o pas dos Czares, praticamente monarquista-feudal, com um
atraso econmico razovel, tinha uma classe operria pouco expressiva e um parque industrial
pouco desenvolvido, se comparado a outros pases da Europa. O outro fato histrico
importante era a aparente maturao das condies histricas e objetivas propiciadoras de
uma transformao social presentes em determinados pases europeus, tal como, por exemplo,
na Inglaterra, que teoricamente, segundo Marx, possua as condies objetivas e polticas
necessrias para realizar uma revoluo social, j que era um pas altamente industrializado e
possua um proletariado numeroso e com grande experincia de luta. Mas, mesmo com essa
aparente maturao do processo poltico, a Europa no foi capaz de realizar a revoluo
socialista, pelo contrrio, parcelas cada vez maiores do proletariado europeu assumiam
posies conservadoras, chegando, por exemplo, ao ponto dos alemes elegerem, de forma
democrtica, em 1934, Adolf Hitler como seu governante e o nazismo como seu sistema
poltico de governo. Como explicar tal contradio?
Tal contradio pode se referir irracionalidade produzida objetivamente por
determinada configurao grupal, a massa. Essa situao posta enquanto poltica de Estado
pode propiciar o surgimento de comportamentos individuais irracionais e contraditrios.
Dessa forma, mesmo que as condies objetivas para a revoluo estivessem aparentemente
maduras, a grande oportunidade nunca foi aproveitada efetivamente, pois faltava
compreender como os mecanismos sociais totalitrios determinam objetivamente as condies
scio-psicolgicas que podem impedir ou propiciar que a revoluo efetivamente ocorra. Nos
dois casos citados acima se revelou a fora de determinao das condies sociais e objetivas
sobre mecanismos scio-psicolgicos, gerando comportamentos irracionais e contraditrios.
Ou seja, na Rssia, as condies objetivas se impuseram sobre as condies scio-
psicolgicas, influenciadas pelo Partido Comunista Russo, que forou a queima de etapas
no processo revolucionrio. J na Alemanha, elas provocaram o recuo diante de uma
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conjuntura socioeconmica favorvel. No caso da Rssia, o desfecho foi, em princpio,
favorvel classe operria, que agira de acordo com seus interesses de classe e de forma,
aparentemente, racional. O problema maior estava na Alemanha, onde a situao se invertia,
pois, o proletariado, ao guinar-se para o conservadorismo e, mais tarde, colocar Hitler no
poder, agia num sentido diametralmente oposto aos seus interesses de classe, de maneira
irracional. Essa questo ilustra o problema terico da Escola de Frankfurt, ou seja, segundo
Jacoby (1977), ela tinha a necessidade poltica e intelectual de explicar por que a sociedade
burguesa sobreviveu s revolues socialistas do incio do sculo XX, apesar das condies
para o colapso do capitalismo j estarem presentes. Ou seja, faltava o desenvolvimento das
condies objetivas propiciadoras das condies scio-psicolgicas necessrias para que a
revoluo social ocorresse efetivamente. Em outras palavras, era necessrio analisar e
evidenciar a irracionalidade mobilizada nos indivduos pelas condies objetivas da sociedade
massificada e irracional do capitalismo avanado. Nesse processo de anlise da
irracionalidade, compreendida por meio de seus determinantes socias e objetivos, a Escola de
Frankfurt recorreu a uma teoria psicolgica: a Psicanlise freudiana.
Tanto Wiggershaus (2006) como Jay (2008) afirmam que, em sua fundao, o
Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt ainda no possua a abertura terica necessria para
se relacionar com o pensamento de Freud. No incio, o Instituto praticava um marxismo
ortodoxo, sob direo e influncia direta de Carl Grnberg. Nesse perodo, a instituio
interessava-se primordialmente pela anlise da infraestrutura socioeconmica da sociedade
burguesa e pela histria do socialismo e do movimento operrio. Nos anos posteriores a 1930,
a situao comea a mudar com a substituio da diretoria do Instituto, que de Grnberg passa
a ser dirigido por Max Horkheimer, fazendo com que o interesse do Instituto apontasse para a
superestrutura cultural da sociedade, alm, claro, da anlise da realidade social e objetiva.
Politicamente, Horkheimer foi um dos grandes responsveis pela abertura da Teoria Crtica
Psicanlise de Freud2.
Com as revolues burguesas do sculo XVIII se constituiu, histrica e socialmente,
a ideia de indivduo, que, no atual contexto de massificao, foi levado decadncia e
obsolescncia, tambm geradas por fatores sociais e histricos. Como escreveram Horkheimer
e Adorno (1973): A sociedade, que estimulou o desenvolvimento do indivduo, desenvolve-
2 Para saber mais sobre como a Teoria Crtica em geral e seus principais tericos se relacionaram com a psicanlise veja: 1) JAY, M. A imaginao dialtica: histria da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais (1923-1950). Rio de Janeiro: Contraponto, 2008; 2) ROUANET, S. P. Teoria crtica e psicanlise. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989; e 3) WIGGERSHAUS, R. A Escola de Frankfurt: histria, desenvolvimento terico, significao poltica. Rio de Janeiro: Difel, 2006.
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se agora, ela prpria, afastando de si o indivduo, a quem destronou. Contudo, o indivduo
desconhece esse mundo, de que intimamente depende, at o julgar coisa sua (p. 55). Devido
s constantes transformaes, faz-se necessrio que os conceitos tambm se transformem para
acompanhar tais mudanas que ocorrem em seu objeto. Para no permanecerem como
smbolos congelados e inexpressivos, os conceitos devem tambm modificar-se, a fim de se
adequarem realidade histrica. A teoria social v-se obrigada a reconhecer a subjetividade
no que ela tem de mais objetiva, a sociedade; ou seja, torna-se necessrio analisar
objetivamente por quais motivos um sujeito revolucionrio no age, nem aparece. Ou ainda,
por que o indivduo moderno age contra seus prprios interesses sociais, de forma irracional e
inconsciente.
Jay (2008) ressalta que as motivaes dos homens na sociedade contempornea
deveriam ser estudadas e compreendidas como ideolgicas, no sentido de Marx, e como
psicolgicas, no sentido freudiano. necessrio compreender o poder de permanncia das
formas sociais, uma vez que sua necessidade objetiva est ultrapassada.
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2 AS CRTICAS DE ADORNO AOS CONCEITOS DA PSICANLISE DE FREUD
A partir das consideraes anteriores, trataremos agora sobre como Adorno, em sua
obra, se relacionou com os conceitos psicanalticos freudianos. Para tal tarefa, foi realizada
uma reviso na literatura sobre o tema e chegou-se, principalmente, tese de doutorado
realizada por Gomide, em 2007, intitulada Um estudo sobre os conceitos freudianos na obra
de T. W. Adorno. A importncia de se recorrer a essa literatura deve-se ao fato de que
relevantes avanos na discusso sobre o tema devem ser considerados, que sejam para serem
incorporados ou criticados, para que, com isso, possamos contribuir com a construo coletiva
do conhecimento. Portanto, no que estamos deixando de estudar as fontes primrias, que,
no caso, so as obras de Adorno e Freud, mas sim estamos, neste momento da pesquisa,
fazendo acrscimos a um conhecimento j existente sobre o tema.
Gomide (2007) dividiu sua pesquisa em duas partes, a primeira foi chamada de As
crticas de Adorno psicanlise: os limites da mnada psquica, na qual destaca as crticas de
Adorno Psicanlise freudiana, j que assim, segundo a autora, ao apontar, por meio da
anlise histrica, os limites dos conceitos de Freud, o frankfurtiano buscava extrair os
elementos de verdade que se encontravam imanentes aos contedos desses conceitos, ou seja,
seus ncleos crticos. J na segunda parte, denominada Implicaes da psicanlise
freudiana no pensamento de Adorno, a autora desenvolve como o terico crtico se apropriou
da Psicanlise freudiana em seus estudos e reflexes sobre a sociedade.
A partir disso, iremos retomar algumas reflexes desenvolvidas por Gomide (2007)
para adiante pensarmos qual foi a necessidade histrica que obrigou Adorno a relacionar seu
conceito de indivduo s categorias psicanalticas freudianas. Porm, vale ressaltar o seguinte:
como a prpria autora destacou, Adorno, ao criticar os conceitos psicanalticos, j est
demonstrando como entendia tais conceitos e como pretendia utiliz-los em suas reflexes
sobre a sociedade, tornando-se, portanto, desnecessrio positivar a apropriao que esse
autor fez da Psicanlise. Ou seja, devido a uma escolha metodolgica, optamos por analisar,
nesse momento da pesquisa, as crticas de Adorno em relao Psicanlise freudiana
destacadas por Gomide. Isso porque Adorno, ao refletir seus objetos de maneira crtica,
procurava no sistematizar de forma afirmativa e positiva seu entendimento sobre o
fenmeno estudado. Pois, dessa forma, estaria incorrendo no risco de ficar na aparncia do
objeto, apenas em seu campo fenomenal, sem atingir sua estrutura imanente, podendo, assim,
no caso da Psicanlise freudiana, estar reificando determinados conceitos, petrificando-os,
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quando, na realidade, eles so datados e utilizados para um fim especfico, devido a uma
necessidade especfica e histrica. A Psicanlise de Freud, em si, no deu, nem vai dar conta
de explicar os fenmenos sociais abordados por Adorno; ela deve ser utilizada em conjunto
com uma teoria da sociedade e, principalmente, confrontada com a realidade social atual, e
s a partir dessa realidade que possvel recuperar sua dimenso de verdade. Nesse sentido,
portanto, procuraremos no utilizar reflexes afirmativas sobre a apropriao da Psicanlise
na obra de Adorno, pois essa apropriao ocorreu de forma negativa, como toda a formao
do pensamento adorniano. Sero valorizadas e utilizadas, pois, as crticas apontadas pelo
terico sobre a Psicanlise como estratgia para entendermos sua relao com o pensamento
freudiano.
Na obra de Adorno, a Psicanlise de Freud exerceu um papel relevante,
principalmente, e com maior evidncia, em textos e pesquisas especficas que tinham como
reflexo a denncia de fenmenos irracionais presentes no sculo XX, assim como em
estudos sobre os movimentos de massa contemporneos, a personalidade autoritria, os
fatores implicados no antissemitismo e os efeitos psicossociais da indstria cultural. Ou
melhor, devido s necessidades histricas impostas por um dos principais objetos de estudo de
Adorno, qual seja, as irracionalidades presentes nos movimentos de massas da sociedade
capitalista contempornea, os conceitos da Psicanlise freudiana foram utilizados pelo
frankfurtiano tanto em suas anlises tcnicas sobre objetos estticos, como a msica, como
tambm em seus ensaios tericos de crtica ideologia e cultura. Nesses ltimos, so
abordados e denunciados problemas referentes formao cultural dos indivduos expostos
situao de massa, problemas que se manifestam por meio de comportamentos, sentimentos e
pensamentos restringidos, padronizados, contraditrios, ou seja, irracionais.
Como dito anteriormente, essa relao da Teoria Crtica de Adorno com a Psicanlise
freudiana no foi incondicional, mas sim marcada por inmeras crticas. Gomide (2007)
destacou algumas dessas crticas, principalmente as que se referem s categorias formuladas
na segunda tpica freudiana e sua concepo monadolgica de indivduo. Dessa forma, ao
contrapor as categorias psicanalticas situao do sujeito contemporneo, fragilizado e
esmagado pelas tendncias sociais e objetivas do capitalismo de oligoplios, Adorno estaria
apontando a historicidade e o real contedo presente nessas formulaes. A autora situou
essas crticas em cinco pontos fundamentais: a reduo ao natural; o imperialismo da
psicanlise; a psicanlise adaptativa; o anacronismo freudiano e a crtica ao indivduo-
mnada e a sua fora de sugesto: a validade da concepo monadolgica de narcisismo. De
acordo com o objetivo desta pesquisa, vale a pena retomarmos e avanarmos a discusso dos
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pontos fundamentais que compem as crticas de Adorno Psicanlise de Freud, conforme
segue.
2.1 O imperialismo da Psicanlise de Freud
As consideraes da Psicanlise freudiana sobre arte e poltica figuraram como um
dos objetos da crtica de Adorno. Para o frankfurtiano, o principal equvoco da Psicanlise de
Freud ao analisar esses fenmenos tornar psicolgico algo que social. O pensamento
freudiano, ao tentar reduzir fenmenos primordialmente sociais e histricos s leis do
inconsciente naturalizado ou histria interna do psiquismo individual, acaba por tornar
subjetivo e abstrato algo que objetivo, ocultando assim a relao conflituosa desses
fenmenos com a realidade social e histrica na qual eles se constituem.
A partir da crtica de Adorno, elementos constitutivos da arte, como seu sentido
social e seu objetivo, so reduzidos e subsumidos pela aplicao de alguns argumentos da
Psicanlise freudiana anlise da psicologia do artista, com interpretaes psicolgicas que
priorizam a libido e as neuroses do autor. Um exemplo disso so as anlises psicolgicas,
realizadas por Freud, de autores como Leonardo da Vinci (Uma recordao da infncia de
Leonardo da Vinci, de 1910) e Dostoivski (Dostoivski e o parricdio, de 1928).
Negligenciando as mediaes sociais constituintes dessas obras, Freud buscou explic-las por
meio dos conflitos parentais vividos pelos artistas em suas infncias. Foi dada pouca ou
nenhuma nfase s determinaes sociais e culturais desses conflitos, que so menos
referentes dimenso particular e mais ligados s questes da totalidade social do momento
histrico em que aconteceram.
Ainda no campo da esttica e da arte, Adorno aponta o que h de falsidade e de
verdade no conceito freudiano de sublimao. De acordo com Freud (1929), sublimao o
movimento da pulso sexual desviada de seu objetivo original para um fim abstrato e
socialmente aceito. Reparem no detalhe dessa definio: desviado para um fim socialmente
aceito. Adorno questiona se a obra de arte, que segundo Freud produto do processo de
sublimao, deve ser, necessariamente, socialmente aceita. Para Adorno, o conceito de
sublimao at tem algum valor explicativo para a anlise esttica, mas, mesmo assim, seus
limites devem ser claramente marcados. Contraposto arte de vanguarda, o conceito de
sublimao mostra seus limites; nessa expresso artstica a obra de arte causa estranhamento
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na sociedade; no aceita por ela. A arte de vanguarda deve denunciar a ciso entre o sujeito
e a sociedade industrial ao romper com a vida uniformizada, causando, assim, desaprovao
social. Ou seja, ser aceita socialmente no caracteriza necessariamente o sentido social e o
objetivo da obra de arte legtima, por isso, nesse sentido, o conceito de sublimao freudiano
deve ser repensado.
Gomide (2007) tambm compilou as crticas de Adorno acerca das consideraes de
Freud sobre poltica. Os apontamentos do terico crtico denunciam os argumentos da
Psicanlise freudiana que enquadram os indivduos politicamente questionadores, os quais
possuem comportamentos de resistncia ordem social, como aqueles que resolveram mal
seu complexo de dipo, dessa forma, reduzindo ideais polticos, que poderiam transformar a
sociedade, a um simples processo patolgico. Esse tipo de raciocnio desloca as gneses da
insatisfao e da indignao do sujeito, que pertencem realidade social contraditria e
injusta, para o interior do sujeito, em seus conflitos edipianos primitivos. Para a Psicanlise,
a origem da indignao est no prprio sujeito que no resolveu bem seu complexo de dipo,
ocultando, dessa forma, a verdade social objetiva que determina esse sujeito e sua indignao.
Esse ponto nos leva ao prximo tpico: a Psicanlise freudiana adaptativa?
2.2 A Psicanlise de Freud adaptativa?
Essa questo visa delimitar a responsabilidade terica, clnica e tcnica da
Psicanlise freudiana, quer com a manuteno do status quo, quer com a resistncia
dominao social. Nesse sentido, as crticas de Adorno apontam para a segunda tpica
freudiana, especificamente, para o ideal de homem nela presente. A estrutura psquica
formulada por Freud (id, ego e superego) um constructo terico que tem como objetivo
clnico a busca do equilbrio de foras entre as trs instncias. Essa harmonizao de foras,
que so originalmente contraditrias e conflituosas na realidade social atual, configurou o que
Freud chamou de imagem analtica.
A personalidade equilibrada proposta como ideal pela Psicanlise freudiana, no se
sustenta na realidade social atual, posto que a possibilidade de ocorrer um equilbrio de foras
entre os anseios individuais e as presses sociais no existe na sociedade industrializada
contempornea, inclusive, ao contrrio, a desproporo de foras que constitui uma de suas
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principais marcas. Tal tentativa de harmonizao, devido sua impossibilidade objetiva de se
realizar, torna-se ideolgica, portanto, favorvel dominao social sobre os indivduos.
A Psicanlise de Freud, ao pressupor esse homem com a personalidade integral,
negligencia as condies sociais e objetivas que o determinam, alm de negar descobertas
anteriores da prpria Psicanlise, que denunciavam a opresso social sobre o indivduo e que
criticavam a represso pulsional da sociedade sobre o particular, ou seja, esse tipo de
equilbrio ignora contundentes argumentos de uma Psicanlise ilustrada que aponta a no
liberdade do homem. Nesse sentido, Adorno tem uma frase lapidar que ilustra bem essa
discusso: Toda imagem de homem, com exceo da negativa, ideologia (Adorno, 1955,
p. 175).
Ns concordamos com Gomide (2007) quando ela escreve que estabelecer um
modelo de homem caracterstico da sociedade atual, inerente doena social
moderna, na qual os sujeitos so cada vez mais invadidos por ideais reificados e totalizantes
que os integram autoritariamente vida social. O indivduo mutilado e adoecido levado a
querer ser cada vez mais doente. Atualmente, a doena e a irracionalidade consistem
precisamente no que considerado normal; o modelo de normalidade o sujeito sujeitado,
que defende cada vez com mais fora o agente patognico a sociedade totalitria; esse
comportamento irracional fruto de padres irracionais de funcionamento e de
(re)produtividade social que tem como pressuposto as leis do inconsciente.
Seguindo nesse sentido podemos dizer que, para Adorno, o inconsciente tornou-se
til sociedade, a antiga fronteira entre consciente e inconsciente hoje em dia ambgua, a
racionalidade do modo de produo atual irracional, o ajustamento irracionalidade objetiva
realiza-se custa da mutilao psquica do sujeito, que, inclusive, age a favor de sua prpria
mutilao. A integrao do indivduo sociedade significa a dissoluo autoritria do
particular na totalidade.
A terapia psicanaltica que voltada para os objetivos de ajustamento social do
indivduo, ao prometer ao seu paciente a felicidade e a adaptao ao mundo das coisas, s
reafirma a infelicidade objetiva, enquanto que, na realidade, deveria procurar trazer as pessoas
conscincia da infelicidade, tanto universal como individual, denunciando, assim, as
satisfaes ilusrias to basilares no mecanismo de funcionamento do capitalismo
avanado.
Para Adorno, Freud deixou de perceber a dialtica prpria do ego, que, ao mesmo
tempo, tem de se haver tanto com as pulses desejos individuais como tambm com as
exigncias sociais da objetividade , por meio de suas funes conscientes de adaptao
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cultura. Vale a pena lembrar que o ego deve atender a ambas as exigncias, mas no sentido de
fortalecer o princpio da realidade. Adorno afirma que Freud desconsidera essa dialtica ao
exaltar uma Psicologia do ego, que o considera como sistema autnomo, definido em
termos da imanncia psicolgica, uma estrutura abstrata independente das determinaes
sociais, ou seja, ele abstrado das condies objetivas, as quais tambm o originam. O ego
tem a funo de adaptao realidade, mas deve-se ter uma viso crtica diante disso, pois ele
tambm formado por esta mesma sociedade, com a qual deve mediar as exigncias
pulsionais, ou seja, ele no uma instncia autnoma como Freud chegou a defender. No
que a sada seja, pura e simplesmente, uma Psicologia do inconsciente, pois assim se recairia
numa outra abstrao, o psicologismo. A questo considerar a dimenso dialtica do ego,
ou seja, deve-se entend-lo em sua gnese pulsional, mas tambm em sua determinao
material; ao compreender essa dimenso preserva-se a dialtica do indivduo e da sociedade.
Mantendo essa linha de reflexo e considerando os fatores sociais objetivos presentes
na dialtica do ego, percebe-se que, com a passagem do capitalismo liberal para o capitalismo
avanado, ocorreu o enfraquecimento do ego mediante foras coletivas opressoras da
sociedade administrada; essa anlise nos faz entender melhor como se deu a transformao
histrico-social sofrida pelos indivduos do sculo XIX. O ego se nutre e se fortalece na
mediao conflituosa entre as demandas pulsionais e as exigncias sociais, quanto melhores
condies cognitivas por exemplo, pensamento e conscincia ele tiver, melhores sero
suas possibilidade na mediao desse conflito, e mais vivas sero as possibilidades de
resistncia dos indivduos aos ditames da sociedade totalitria. Porm, ter condies
cognitivas e consistentes para essa mediao depender de quais so as condies sociais e
objetivas presentes, se so propiciadoras ou aniquiladoras da formao do indivduo.
Lembrando que o ego se forma primordialmente sob a determinao objetiva do modo de
produo social, assim como tambm sob determinao subjetiva das foras pulsionais,
Gomide (2007) destaca bem as consequncias funestas, apresentadas por Adorno, da ciso
histrica do indivduo com a sociedade: atualmente, o que se percebe a presena de um ego
fragilizado e regredido, que no consegue se diferenar devido s foras desproporcionais e
esmagadoras da cultura de massa, situao que alimenta o sentimento de impotncia do
sujeito perante as exigncias sociais. O ego, esmagado pelas presses sociais totalizantes,
acaba se retraindo ao id, propiciando comportamentos irracionais, fundindo as funes
conscientes com as inconscientes, sob o primado de uma sociedade que se norteia por meio de
uma racionalidade produtiva pautada nas leis irracionais do inconsciente.
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Podemos afirmar que, sob a gide de uma cultura marcada pela padronizao e pela
presso totalitria dos movimentos de massa, as agncias de publicidade e seus mecanismos
de controle mobilizam e se apropriam dos comportamentos regredidos e dos impulsos
primitivos desses indivduos fragilizados, convertendo os comportamentos narcisistas em
modelos de comportamento, fechando dessa forma um crculo vicioso ao criar as formas de
adaptao social mais condizentes irracionalidade objetiva. Os mecanismos dessa
Psicologia autoritria que visa atender s necessidades mais regredidas dos sujeitos,
fortalecendo, assim, as formas narcsicas mais primitivas, mobilizam, reacionariamente, as
massas para dar ensejo s causas polticas e propagandas totalitrias. Dessa forma, os vnculos
que os indivduos estabelecem com a sociedade so de teor irracional, j que as leis do
consumo e as formas institucionalizadas de poder se apropriaram das leis do inconsciente.
Vale notar que a cultura atual que sustenta os comportamentos narcisistas, que
esvazia as funes egoicas e que contribui com a ciso do indivduo e da sociedade,
gerando o enfraquecimento e (de)formao do homem contemporneo. Essa situao
explicita a obsolescncia de alguns conceitos freudianos diante das transformaes
histricas sofridas pela sociedade e por seus indivduos. Ao apontar os limites da Psicanlise
de Freud diante do sujeito contemporneo com suas aflies psquicas e sua problemtica
social, Adorno utiliza a teoria freudiana para poder pensar o nazifascismo e os elementos
determinantes da fragilidade do indivduo e da fragilidade do ego, para tentar compreender a
obedincia das pessoas dominao. Com a debilidade das funes psquicas, funes
essas que deveriam ser exercidas pelo ego e que so encarregadas de estabelecer a mediao
com a realidade externa, as pessoas recaem na heteronomia e tornam-se mais susceptveis aos
regimes polticos fascistas.
Outra importante crtica de Adorno segunda tpica freudiana recai sobre sua noo
de superego, mais especificamente, apologia da conscincia moral internalizada. O
apontamento do frankfurtiano que Freud, ao formular a segunda tpica, desconsiderou
argumentos desenvolvidos por ele prprio nos primrdios da Psicanlise. Ou seja, Freud
perde o teor crtico de sua teoria ao estabelecer a distino entre superego neurtico, que
deve ser abolido pelo processo teraputico, e o superego saudvel que socialmente til.
A instncia superegoica, entendida dessa forma isolada e abstrada das contradies sociais
objetivas, consonante e necessria ao ideal de homem defendido pela Psicanlise adaptativa.
Mas, aqui, cabe uma ressalva, segundo Gomide (2007), Adorno afirma que a questo no
acabar com a conscincia moral internalizada, j que sua ausncia levaria barbrie, assim
como aconteceu no fascismo, sistema poltico no qual a conscincia moral dos indivduos foi
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aniquilada. Essa constatao levou Adorno, no seu texto A teoria freudiana e o padro da
propaganda fascista, a confirmar a relevncia do ideal de ego (termo freudiano usado antes
do termo superego) como a instncia psquica referente conscincia autnoma que poderia
dar condies resistncia do indivduo em relao aos movimentos coletivos totalitrios.
Sendo assim, a questo colocada por Adorno que a apologia da estrutura do superego
propicia a adaptao, mas o fim da conscincia moral internalizada levaria ao horror. Diante
dessa contradio, deve-se contrapor a estrutura superegoica s condies objetivas, contra
sua absolutizao, para, assim, evidenciar os elementos irracionais e a violncia social contida
na cultura.
2.3 O anacronismo freudiano
Nesse momento do trabalho, iremos tratar de uma questo fundamental colocada por
Adorno: a superao histrica da Psicanlise decorrente das transformaes econmico-
sociais ocorridas no sculo XX. Em consequncia dessas mudanas, uma importante
dimenso do objeto de estudo da Psicanlise, o indivduo, passou a ter sua existncia
ameaada pela prpria coletividade, num processo de extino da esfera particular em nome
da massa, situao que acabou provocando o anacronismo e a obsolescncia da teoria
freudiana.
As modificaes histricas sofridas pela individualidade so consequncias diretas
da transformao da estrutura social. Nesse processo histrico e social de transformaes
objetivas, o indivduo ameaado foi obrigado a desenvolver em si a racionalidade
instrumental, tornando-se um mero apndice da maquinaria, incorporando e defendendo a
objetividade que o oprime. Com o enfraquecimento do ego, os impulsos psicolgicos e as
pulses individuais, passaram a ser elementos totalmente integrados sociedade. Essa
regresso do ego ao id, fomentada pela fora da opresso social, deve ser estudada para
entendermos quais so os fatores ligados autossubmisso dos sujeitos cultura, que lhes
retira a possibilidade de autonomia.
Adorno destaca que tendncias fascistas, expressas por meio de propagandas
publicitrias ou mesmo de polticas fascistas, se utilizam da regresso do indivduo
contemporneo, apelando ao inconsciente e s heranas arcaicas do sujeito para aniquilar a
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reflexo e a racionalidade individuais que poderiam dar consistncia aos sujeitos, para que
estes resistam sociedade totalitria.
Adorno destaca que, devido s transformaes da estrutura social, o ego, que,
segundo Freud, a instncia mediadora do desejo e da realidade, passa a no ter condies de
exercer essa funo, visto que a formao social do capitalismo avanado no necessita, para
a adaptao social, desse tipo de agente mediador na esfera particular, pois, atualmente, esse
papel foi transferido da esfera individual para a esfera coletiva, ou seja, realizado
antecipadamente pela prpria sociedade administrada. A mediao que deveria ser exercida
por meio da reflexo e da razo pelo rgo da conscincia o ego agora realizada de
antemo pela prpria sociedade totalitria. Essa transformao histrica da sociedade mostra a
superao do ideal de indivduo liberal e a consequente obsolescncia da Psicanlise
freudiana.
Vale a pena insistir nesse ponto: na ordem social existente, as funes cognitivas do
ego por exemplo, pensamento e conscincia so reprimidas para que as pulses
individuais, atualmente dominadas e administradas pelo mercado, possam ser mais ou menos
liberadas para o consumo de objetos previamente produzidos para retroalimentar esse
processo. Dessa forma, os indivduos acabam aderindo, do seu ponto de vista, de maneira
aparentemente imediata, e no mais por meio da ponderao, aos elementos oferecidos pela
realidade circundante, como, por exemplo, as tendncias polticas nazifascistas e/ou aos ideais
coletivos e padronizados suscitados pela indstria cultural. Assim, as tendncias totalizantes
geradas pelas formas objetivas de produo social esto expropriando a Psicologia, os
recursos afetivos e intelectivos subjetivos, do indivduo que, dessa forma, est sendo
usurpado de sua capacidade de julgamento por meio dos imperativos produzidos pelas
agncias sociais.
Gomide (2007) ressalta algumas observaes feitas por Adorno e Horkheimer sobre
a configurao do indivduo no capitalismo liberal do sculo XIX: mesmo que o sujeito desse
perodo tenha sido submetido a uma formao autoritria e coercitiva, fruto de relaes
sociais estabelecidas dentro de princpios familiares e religiosos, sua constituio psicolgica,
ainda que conflituosa, possibilitava uma relativa autonomia enquanto sujeito frente s
condies sociais e econmicas de seu tempo, protegendo sua capacidade de resistir e
conflitar contra a sociedade que tentasse aniquilar seus interesses individuais. Diferentemente
da poca contempornea, que vive sob a gide de um capitalismo de oligoplios, a autonomia
individual extinta junto com o enfraquecimento psquico dos indivduos diante da
irracionalidade objetiva, tambm resultante do modo de produo do capitalismo avanado.
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Por outro lado, o indivduo da Psicanlise ilustrada e autntica representa, para
Adorno, uma imagem negativa de homem, pois trata de um sujeito que no mais existe, e
ao ter suas categorias contrastadas com a situao do indivduo contemporneo, os conceitos
de Freud mostram sua historicidade imanente. Gomide (2007) lembra que o pai da Psicanlise
formulou sua teoria no final do sculo XIX e incio do sculo XX, ou seja, ele estudou o
indivduo fruto do liberalismo econmico, especificamente na transio do capitalismo liberal
para o capitalismo de oligoplios, expressando, por meio de suas categorias, o incio das
modificaes que seu objeto sofreu em decorrncia das transformaes sociais e econmicas
em curso naquela poca. Lembrando que Freud o fez sem considerar as explicaes
econmicas e sociolgicas, no se preocupando diretamente com as modificaes sociais que
ocorriam.
2.4 A validade da concepo monadolgica de narcisismo
Freud, ao insistir na defesa da existncia atomstica do indivduo enquanto uma
mnada psicolgica, acabou atingindo, com suas categorias, a dimenso histrica da
dominao sobre o homem; ele alcanou a expresso social presente de maneira constituinte
na esfera individual. Podemos destacar dois exemplos desses condicionantes sociais da esfera
particular constatados pelo pai da Psicanlise na formao do carter: a proibio do incesto
e a interiorizao do superego. Porm, Adorno direcionou contundentes crticas a Freud por
sua concepo monadolgica de indivduo, afirmando que, dessa forma, a Psicanlise estaria
colaborando com uma teoria ideolgica sobre o sujeito.
A contradio do pensamento de Adorno ao acusar de ideolgica a mnada psquica
freudiana, ao mesmo tempo que a reivindica enquanto um elemento fundamental da anlise e
da reflexo sobre a sociedade de massas do capitalismo tardio, apenas refere-se contradio
presente no prprio conceito de mnada quando contraposto com os determinantes objetivos
da dominao social sobre o indivduo. Ou seja, a contradio no pensamento de Adorno no
apenas terica; ela se refere ao prprio objeto, ele em si compreende tal contradio.
Nesse sentido, para refletir e entender os mecanismos subjetivos envolvidos nos
fenmenos de massa da cultura capitalista contempornea, Adorno convoca a categoria que
teoriza a dinmica psquica dentro da Psicanlise freudiana: o conceito de narcisismo. Gomide
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(2007) defende, e ns concordamos, que as crticas adornianas mnada psquica atingem
fortemente o conceito psicanaltico de narcisismo formulado por Freud.
Segundo Freud, no texto Sobre o narcisismo, de 1914, essa uma importante
categoria para a compreenso da constituio individual, pois teoriza o movimento da pulso
que se retrai e se converte para o ego. Para o psicanalista, a libido se distingue em libido do
ego e libido objetal, e, de acordo com o movimento da pulso que caracteriza essa
diferenciao, o narcisismo se divide em: inicialmente, narcisismo primrio, que se
caracteriza pela indiferenciao do ego e do id; depois, narcisismo secundrio, no qual a
libido retirada dos objetos e investida no ego.
No texto A teoria freudiana e o padro da propaganda fascista, de 1951, Adorno
indica que Freud teorizou, por meio de vestgios j presentes na sua poca, a tendncia, que
veio a se realizar plenamente no capitalismo tardio, de que o ego enfraquecido retrocederia ao
id, regrediria ao narcisismo primrio e arcaico. Essa tendncia est presente hoje em dia e
transforma os indivduos hodiernos em indivduos mais susceptveis aos movimentos de
massas totalizantes e fascistas. Para Adorno (1951), pensando nas polticas fascistas, a teoria
do narcisismo foi a descoberta mais significativa de Freud. O processo de regresso a estgios
narcsicos mais arcaicos, caracterizados pelo narcisismo primrio e mobilizados pelos
movimentos sociais de controle da sociedade de massa, permite o ajustamento e o
conformismo dos sujeitos cultura totalitria.
2.5 A reduo ao natural
Horkheimer e Adorno (1973), com o objetivo de desenvolver as dimenses
sociolgicas do conceito de indivduo, por meio, por exemplo, da elucidao dos efeitos
subjetivos das formas irracionais de socializao objetivamente constitudas e impostas pelo
capitalismo avanado, voltam-se Psicanlise, confrontando a monadologia freudiana com o
sujeito contemporneo e suas aflies psicolgicas, originadas na objetividade das relaes
sociais atuais, para extrair o materialismo imanente ao pensamento psicanaltico. Essa
estratgia adorniana de criticar seu objeto para que dele surja sua verdade imanente, visa, no
caso da Psicanlise, evidenciar o quanto o objeto estudado por Freud se modificou mediante
as transformaes das foras econmicas e sociais representadas pelo capitalismo avanado. E
que, se ela a Psicanlise insistir em definir o indivduo e seus processos mentais de forma
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independente dessas determinaes sociais, ir contribuir e alimentar ainda mais a ideologia,
pois, ao tornar absoluto e naturalizar o indivduo em sua forma burguesa, omite que sua
configurao psquica encontra-se intrinsecamente relacionada aos determinantes sociais e
econmicos de uma poca especfica da histria humana.
Aqui, vale a pena operar uma preciso conceitual: o objeto de estudo, por excelncia,
da Psicanlise freudiana a distino entre consciente e inconsciente, o conflito entre a
conscincia e o inconsciente, entre os comportamentos racionais e os irracionais. A questo
que Freud realizou todo o seu estudo sobre o inconsciente voltando-se quase que
exclusivamente para a dimenso individual, fazendo a cincia do um-a-um. Por isso, no
podemos confundir o conceito de Indivduo com o de inconsciente. Apesar de o inconsciente
fazer parte do indivduo, a relao entre eles conflituosa pelos mesmos motivos que a
relao entre indivduo e sociedade tambm o . O inconsciente o todo se manifestando no
particular.
A obra de Freud, especialmente a segunda tpica formulao terica que estruturou
o aparelho psquico em id, ego e superego foi criticada por Adorno pela reduo ao natural
de aspectos humanos que so histricos e sociais. A prpria estruturao do aparelho psquico
em id, ego e superego implica a naturalizao e a universalizao de uma configurao
individual que, na realidade, histrica e social. Tal configurao refere-se diretamente a
determinado tempo e espao do processo histrico humano, objetividade que algumas vezes
omitida pela argumentao universalizante da Psicanlise freudiana.
Alm disso, a crtica tambm se refere ao carter adaptativo que o equilbrio entre as
trs instncias representa. A proposta de equilibrar as foras psquicas visa uma adaptao
ideolgica, j que ela no possvel nos tempos atuais por no ter condies objetivas de
acontecer.
Ao contrapor os conceitos psicanalticos de Freud sociedade, aos fenmenos
sociais e econmicos, aos fenmenos com razes objetivas, tais crticas adornianas permitem
revelar os motivos subjetivos que levam os atuais homens a aderirem e a defenderem as foras
sociais desumanas e irracionais que investem contra os seus interesses individuais. Dessa
forma, as categorias centrais freudianas, ao invs de serem reduzidas a um universal
natural, como fez o psicanalista em sua teoria das pulses, tm a condio e a possibilidade
de expor e expressar, dentro de seus limites, a faceta subjetiva da irracionalidade objetiva
presente na civilizao atual.
Ao mesmo tempo, Adorno sustenta que a teoria psicanaltica, ao preservar e valorizar
o indivduo na constituio de seu saber, contrape-se objetividade do aparato tcnico que
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visa extingui-lo, ou seja, ao defender a existncia do sujeito enquanto um espao psquico
extrassocial, diferenado do todo, a Psicanlise mostra seu potencial crtico de resistncia
s tendncias sociais totalizantes. E, nesse sentido, Gomide (2007) ressalta que os mesmos
componentes da teoria psicanaltica que foram objetos da crtica de Adorno, tambm
possuem, segundo o frankfurtiano, o potencial crtico necessrio para a denncia da situao
de misria e opresso que vive o indivduo hodierno. Essa contradio terica expressa a
contradio presente no objeto, que afirmado ideologicamente como sujeito sem ter
efetivamente condies objetivas de ser.
Outra categoria naturalizada e universalizada pela teoria freudiana o inconsciente,
que, de acordo com a segunda tpica, se caracteriza, por exemplo, como o material
sedimentado no id. Adorno aponta que a Psicanlise, ao afirmar que a histria humana se
reduz linguagem do inconsciente, ignora as relaes concretas que determinam a
subjetividade. Por meio dessas afirmaes ela perde a argumentao crtica que possua nos
seus primrdios, qual seja: de revelar os contedos inconscientes reprimidos, trazendo
conscincia o resultado histrico da dominao social objetiva.
Ns no podemos perder de vista que o inconsciente o grande mote dos estudos
freudiano. Essa categoria concentra em si o ncleo crtico da Psicanlise freudiana, ao mesmo
tempo que, tomada de maneira naturalizante e universalizante, se torna ideolgica.
Freud inverte o sentido da anlise: considera o mito do dipo, a proibio do incesto
e a rebelio autoridade desptica do pai como fatos histricos que ocorreram
universalmente com toda a humanidade e que cada indivduo, por sua vez, deve repeti-lo e o
experienciar psiquicamente em relao s figuras parentais, pois se trata de uma invarincia
estrutural que determina o destino de cada um. Em outras palavras, esses fatos histricos
(exemplo: parricdio na horda primeva, encontrado no livro Totem e tabu, e os mitos
freudianos que esto em Moiss e o monotesmo) so interpretados por Freud a partir de
fantasias do id, ou seja, de fantasias inconscientes individuais tomadas como verdades e fatos
histricos universais. Dessa forma, Freud, ao hipostasiar em determinao antropolgica a
no-liberdade humana desconsidera aspectos sociais concretos que constituem a origem do
material e do contedo sedimentado no id; ignora, por vezes, a dominao social, como a
gnese objetiva do inconsciente.
Adorno destaca que o principal perigo de se reduzir a no-liberdade humana s leis
abstratas do inconsciente e seu determinismo a impossibilidade de modificao e de crtica
condio de misria e infelicidade na qual o ser humano, de fato, est colocado atualmente,
determinado por uma cultura baseada na dominao.
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Gomide (2007) aponta que Adorno vai alm; para ele, Freud, ao dessubjetivar a
subjetividade abre mo do potencial crtico de sua teoria, que consiste na denncia da cultura
como repressora do potencial de liberdade presente na natureza das pulses humanas. O ser
humano caracteriza-se, dentro de seus limites, pela possibilidade de ser livre considerando
que toda ideia de liberdade ideologia. Freud, ao reificar e naturalizar a no liberdade,
separando-a de sua determinao objetiva, impede o homem de buscar a realizao de sua
potncia.
A consequncia de tornar o inconsciente uma categoria abstrata, isolada da realidade
objetiva, como uma configurao universal, a criao hipostasiada de um modelo de
homem. Como colocado acima, Adorno criticou de forma contundente o ideal de homem
construdo pela Psicanlise de Freud e defendido por alguns grupos de psicanalistas ps-
freudianos (por exemplo: o ideal de harmonizao das trs instncias psquicas id, ego e
superego). Nesse sentido, Adorno acusou Freud de ter se descuidado da espontaneidade de
seu objeto, petrificando-o.
O frankfurtiano entende o conceito de inconsciente de maneira diferente da forma
como Freud o entendia. Primeiramente, ele o desnaturaliza, ao afirmar que o inconsciente o
resultado histrico da dominao social objetiva e que seu contedo formado por restos e
vestgios expurgados da dominao da natureza, tanto humana como no-humana. Ele afirma
que o descompasso entre o consciente e o inconsciente ocorre devido s contradies
presentes na realidade social e aos vestgios decorrentes da dominao histrica sobre a
subjetividade.
O conceito de inconsciente possui um status importante no pensamento de Adorno, e
mais importante ainda em sua relao com o pensamento freudiano. Isso por que expressa os
resultados da dominao social objetiva e auxilia nas reflexes sobre o indivduo e a cultura
de massa. Para o terico crtico, seu contedo formado por tudo aquilo que teve de ser
reprimido ao longo do processo civilizatrio, por remeter s lembranas ancestrais humanas
que representam a natureza que deveria ser dominada. Os traos humanos que resistem ao
poder social, assim como tambm alguns membros da humanidade (por exemplo: os judeus,
as mulheres, as crianas e os loucos), cujas caractersticas remetem quelas lembranas
ancestrais associadas a algo de natural, devem ser dominados e negados em nome do
progresso. Nesse processo de dominao da natureza o ser humano acaba por dominar a sua
prpria natureza, a dominao chega aos impulsos instintuais. O que remete cada vez mais
natureza humana suspeito e, consequentemente, dominado. O que resta ou os vestgios desta
dominao a resistncia naturalmente humana, que acaba por retornar como contedo
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negado; esses materiais e contedos formados objetivamente como esplio do processo de
dominao social, dominao do homem pelo prprio homem, resulta no inconsciente
formado histrica e socialmente pela dominao social.
Jacoby (1977) afirma que a teoria de Freud tem condies de revelar um indivduo
entremeado por camadas sedimentadas de histria, que correspondem a lembranas e restos
de um conflito psquico, carnal e ertico de homens contra homens e de homens contra a
civilizao. Os fatores subindividuais e pr-individuais que definem o indivduo pertencem
ao reino arcaico e biolgico, mas no se trata de uma questo de natureza pura e sim de uma
segunda natureza, entendida aqui como a histria que se solidificou e transformou-se em
natureza. Atualmente, a ideia de indivduo segunda natureza e o que constitui a segunda
natureza do indivduo histria acumulada e sedimentada. Segunda natureza a histria
sedimentada da dominao social que, por muito tempo, no pde ser liberada,
monotonamente oprimida, chegando ao ponto de congelar e petrificar. Ou seja, algo que,
mesmo sendo histrico e socialmente constitudo, com o tempo e devido aos interesses
sociais, percebido como natural, se transformando em natureza. Esse material arcaico
formado pela histria da dominao no simplesmente natureza ou histria, mas histria
congelada que aflora sob a forma de natureza, segunda natureza.
Toda universalizao e naturalizao do inconsciente freudiano, por mais abstrato
que possa ter se tornado em relao objetividade social, acabou por ser confirmado pelo
mundo administrado, que, sob presso das mercadorias de consumo padronizadas que geram a
situao de massa, produz as aflies psquicas do sujeito e os comportamentos irracionais
que expressam a racionalidade econmica do capitalismo avanado. As irracionalidades
individuais so determinadas pelo todo atual, que irracional; nesse sentido, cada vez mais as
leis do inconsciente so tomadas pelo poder social. Essas irracionalidades perderam seu
carter particular e expressam, mais do que nunca, a objetividade do sistema poltico-
econmico totalitrio contemporneo, que tende a anular o indivduo e as suas necessidades.
O inconsciente e o que dele irracional ganham atualmente status de normalidade e padro
socialmente reproduzido e valorizado.
Adorno entende a Psicanlise freudiana enquanto uma cincia esclarecida, dentre
outros fatores, devido ao fato dela ter a primazia da razo na descoberta de contedos
inconscientes dos sujeitos e nos desmantelamentos de tabus sexuais, ou seja, a razo era
colocada por ela acima de qualquer irracionalidade. O frankfurtiano valoriza, principalmente,
os primrdios da teoria freudiana, quando ela buscava, incisivamente, converter o
inconsciente em conscincia, mostrando-se uma cincia emprica do inconsciente. Nesse
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sentido, defendemos, junto com Gomide (2007), que Adorno, atento aos aspectos
iluministas e s implicaes cognitivas da cincia psicanaltica, a utiliza, em suas anlises
sociais, para entender as dimenses subjetivas dos fenmenos da sociedade moderna que
usurparam a Psicologia individual dos sujeitos, gerando regresses individuais,
personalidades propensas a regimes totalitrios e a fenmenos como o antissemitismo, isso
claro, dentro de uma perspectiva que enfatizava as condies histricas objetivas que formam
a subjetividade.
De acordo com Adorno, no texto Sociologia e psicologia (1955), uma Psicologia
Social analiticamente orientada, ao utilizar categorias da teoria psicanaltica, pretende refletir
sobre a mediao social totalitria e injusta da Psicologia individual e, principalmente,
procurar entender os motivos subjetivos que esto na base da adeso cega dos sujeitos a
ideais irracionais suscitados por tendncias polticas totalitrias. O terico crtico afirma
ainda que, para ocorrer a adaptao dos homens sociedade massificada, necessrio que se
mobilizem comportamentos irracionais nos indivduos, que se convoquem foras emocionais
mais arcaicas para que estes aceitem sua cooptao pela massa. Por isso, Adorno pensa uma
interveno combinada dos conhecimentos dos determinantes sociais com o conhecimento
referente s estruturas psquicas pulsionais para abordar a problemtica da dominao social.
Nesse sentido, ele afirma a importncia de uma psicologia da libido para lidar com os
fenmenos de massa contemporneos e as regresses dos sujeitos. O valor crtico dessa
Psicologia est na sua capacidade de evidenciar as regresses, produzindo, com isso, uma
crtica cultura. Nessa direo, a teoria libidinal freudiana que produz o subsdio necessrio
s anlises sociais atuais, para que essas possam esclarecer quais mecanismos psquicos dos
sujeitos, predispostos ao fascismo, so manipulados e mobilizados pelas propagandas
fascistas, as quais, em termos das tcnicas e recursos utilizados, se assemelham muito s
propagandas publicitrias produzidas pela cultura de massa em nome do atual mundo dos
negcios e do consumo.
Para a Teoria Crtica adorniana, as formulaes de Freud sobre as pulses e as
prprias vicissitudes das pulses trazem consigo embutida a mediao social sobre o
indivduo, j que a satisfao das pulses tem por gnese a civilizao, ou seja, tudo o que
desejado como objeto de prazer produzido pela cultura. A pulso uma categoria que
impede a separao entre natureza e cultura, na medida em que aponta para as determinaes
histricas e culturais da sexualidade humana. Dessa maneira, Adorno nega as anlises que
consideram a pulso como tendo mera origem psicolgica, em sua imanncia psquica, sem
levar em conta as determinaes sociais e histricas da constituio desse fenmeno.
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A partir das discusses realizadas at aqui, pensando especificamente em nosso
objeto de estudo o conceito de Indivduo na obra de Adorno assim como em nosso
objetivo analisar a relao desse conceito com a Psicanlise de Freud podemos perceber
que Adorno, por meio dos estudos de teoria social, deparando-se com a esmagadora presso
social imposta pela cultura de massa aos indivduos modernos, se v obrigado por seu
objeto de estudo a recorrer Psicanlise enquanto conhecimento cientfico que contribuiu de
forma substancial para o estudo da massa e de sua irracionalidade. Isso para elucidar por que
o homem moderno se adapta passivamente a uma condio de irracionalidade destrutiva,
aderindo a movimentos cuja oposio aos seus prprios interesses evidente.
No captulo O indivduo, escrito por Adorno e Horkheimer no livro Temas bsicos
da sociologia, original de 1953, os autores incluem a noo de Indivduo entre os temas
fundamentais da teoria social que se queira crtica. Nesse captulo, os frankfurtianos refletem
as determinaes sociais do processo histrico e cultural que formou a ideia de indivduo,
porm, sem recorrer diretamente Psicanlise, o que nos faz afirmar que o conceito de
Indivduo adorniano sociolgico, e que, a princpio, no tributrio da teoria freudiana, a
cincia do particular. No entanto, as categorias psicanalticas fizeram-se necessrias quando
o indivduo moderno comea a apresentar comportamentos irracionais frutos de uma
formao social totalitria, cuja principal caracterstica ser uma cultura de massa. Ou seja,
na contraposio do conceito sociolgico de Indivduo com a situao de dominao social do
sujeito contemporneo, os autores percebem que o entendimento do seu objeto de estudo, no
caso a relao entre o indivduo contemporneo e a sociedade massificada contempornea,
pede o auxlio de uma teoria psicolgica.
No captulo A massa, tambm do livro Temas bsicos da sociologia (1973), Adorno
e Horkheimer utilizam, de forma explcita, a teoria psicanaltica para refletir seu objeto,
mostrando, dessa forma, que foram as necessidades de compreender as tendncias sociais de
massa que determinaram a aproximao da Psicanlise junto Teoria Crtica. A presena
desse conceito dentre os temas fundamentais da Sociologia justifica-se, evidentemente,
devido preponderncia da cultura de massa sobre os indivduos da sociedade atual. Para os
autores, os comportamentos especficos encontrados na massa so marcados pela
irracionalidade e, segundo eles, o crculo de problemas especficos ou um dos principais
objetos de estudo da Psicologia como cincia so os comportamentos irracionais. Ou seja,
Adorno e Horkheimer recorrem teoria psicolgica no caso, a Psicanlise para tentar
entender os comportamentos irracionais gerados pela tendncia de uniformizao e
massificao imposta pelo modo de produo irracional e padronizado praticado no
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capitalismo tardio. Dessa forma, a Psicanlise figura para os frankfurtianos como a cincia
do irracional.
Portanto, a relao do conceito de indivduo, na obra de Adorno, com o pensamento
de Freud ocorreu devido necessidade de explicao social que o terico enfrentou diante da
presena de comportamentos irracionais mobilizados pela cultura de massa contempornea.
Ou seja, diante de um modo de produo irracional que visa criar o padro de
relacionamentos grupais caractersticos das massas, por meio do imperativo de consumo de
produtos e ideais padronizados, os homens tendem a regredir a estados anteriores do
desenvolvimento semelhantes ao ser primitivo e criana. Horkheimer e Adorno (1973)
destacam como exemplos da irracionalidade das massas: desde o pnico numa sala de teatro
at as sublevaes de um povo inteiro, como no caso da Alemanha nazista. Chamar esses
comportamentos de irracionais deve-se ao fato deles se colocarem violentamente em
oposio razo e autopreservao.
O desdobramento dessa discusso para a presente pesquisa que, para se estudar as
determinaes sociais da irracionalidade tpica do homem moderno oprimido pela massa,
Adorno busca categorias psicanalticas, tais como a teoria da libido e a teoria do narcisismo,
uma vez que Freud (1921), para explicar as regresses dos indivduos coagidos pela situao
de massa, procurou esclarecer remontando a fonte libidinal do fenmeno. Ou seja, no texto
Psicologia de grupo e anlise do ego, de 1921, Freud mostra que os vnculos das pessoas nos
grupos so de natureza libidinal, pois apenas foras psicolgicas inconscientes, produzidas no
interior do grupo, poderiam explicar a transformao dos indivduos em massas.
Esta primeira parte da pesquisa teve um carter introdutrio; um dos seus objetivos
era resgatar as origens histrico-sociais da relao entre Teoria Crtica e Psicanlise. Analisar
o momento histrico em que ocorreu esta relao nos d condio de perceber seus motivos
objetivos. O momento histrico em que vivia a Europa no comeo do sc. XX, revoluo
socialista de um lado e regime fascista de outro, compe alguns dos elementos que
determinaram a surgimento da experincia intelectual conhecida como Teoria Crtica da
sociedade. E os movimentos de massa presentes nesse momento justificaram o interesse, por
parte de alguns tericos crticos, dentre eles Adorno, pela teoria freudiana. Esse esforo
histrico vem para mostrar que nada surge do nada, tudo tem determinaes sociais ligadas a
determinado momento histrico, e conhec-los importante para uma reflexo pertinente
sobre o objeto.
Esta primeira parte tambm tratou de como Adorno se apropriou dos conceitos
psicanalticos. Defendemos que a principal forma com que Adorno se apropriou da
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Psicanlise foi criticando-a. Ou seja, confrontando os conceitos psicanalticos freudianos
situao de dominao do indivduo contemporneo, o frankfurtiano destacou a dimenso de
verdade e de mentira de conceitos da Psicanlise de Freud. Tais crticas nos
proporcionam subsdios para discutir, no decorrer da pesquisa, como e por que Adorno
recorreu Psicanlise. Podemos perceber que conceitos psicanalticos como o de
inconsciente, irracionalidade e massa figuram destacada importncia dentro da reflexo
adorniana sobre o indivduo.
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SEGUNDA PARTE
Como foi indicado anteriormente, na Segunda Parte abordado o objeto de estudo
por excelncia desta pesquisa: o conceito de Indivduo na obra de Adorno. Esta parte foi
realizada em duas etapas: na primeira, analisamos a forma com que Adorno, em parceria com
Horkheimer (1973; 1985), refletiu o tema indivduo, ou seja, analisamos como Adorno
abordou a histria do conceito de indivduo; na segunda etapa, refletimos como Adorno
entendia a relao entre indivduo e sociedade. As duas etapas so intrinsecamente
vinculadas, pois a forma como a relao entre indivduo e sociedade se d depende
diretamente dos determinantes sociais e objetivos presentes no momento histrico no qual ela
ocorreu. Ou seja, vale salientar que a noo de indivduo entendida por Adorno enquanto
formada pela mediao social e histrica, e que surgiu devido s necessidades objetivas de
reproduo da sociedade. Para compreender a funo social que essa ideia, objetivamente
constituda, exerceu ao longo do processo histrico da humanidade, Adorno, em parceria com
Horkheimer (1973; 1985), reflete a histria presente nela; analisam os fatores histricos e
objetivos presentes na constituio da estrutura imanente desse conceito, o que dele se
manteve ao logo do processo histrico e o que se apresentava enquanto ruptura. Vinculado a
isso, eles analisam a relao entre indivduo e sociedade, mantendo o conflito que permeia e
marca tal relao.
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3 A HISTRIA NO CONCEITO DE INDIVDUO
A partir da crtica noo de Indivduo que conhecemos hoje, crtica que aponta a
violncia contra ele direcionada ou nele suscitada, analisaremos a forma como Adorno refletiu
as bases histricas de sua constituio imanente, ou seja, iremos refletir, por meio de texto do
frankfurtiano, alguns perodos histrico-sociais que esto representados de alguma forma
nesse conceito. Refletiremos a influncia de tais perodos na formao social da ideia de
indivduo e em sua principal propriedade: a individualidade. Recorreremos a perodos tais
como: a Grcia antiga, o Imprio Romano, Idade Mdia e, principalmente, o perodo no qual
ele veio a ter expresso social, a Modernidade.
Nesse percurso histrico o conceito de indivduo se mistura com a dialtica do
esclarecimento. Podemos dizer isso, pois h vestgios seus desde a mitologia grega, passando
pela Filosofia clssica, religio, Filosofia moderna e cincia. O fato do conceito de indivduo
estar presente, de diversas maneiras, em todas essas formas de esclarecimentos, mostra o tanto
que cada um desses tipos de conhecimento mantm em si algo do outro. E mostra tambm
que o processo de esclarecimento do ser humano se relaciona com a ideia de indivduo; isso
ocorre na medida em que para conhecermos o mundo temos que nos distanciar dele, nos
diferenciar, entender o que do sujeito e o que do objeto a ser conhecido. Claro que a
histria da ideia de indivduo no se confunde com a histria do esclarecimento, no a
mesma, mas elas se relacionam e se influenciaram mutuamente, alm de serem determinadas
por condies scio-histricas especficas.
Nesse sentido, iniciaremos analisando o Excurso I: Ulisses ou mito e esclarecimento,
que se encontra no livro Dialtica do esclarecimento (1985), no qual Adorno e Horkheimer
destacam, entre outras coisas, os vestgios histricos do conceito de indivduo burgus
presentes no mito grego.
Porm, antes de entrar especificamente na anlise desse texto, faz-se necessrio
perceber como Adorno entendia o conceito de histria. Em 1932, no texto La Idea de Historia
Natural, que se encontra no livro