publicaÇÃo quadrimestral editada pelo c · resenha fim de século: ainda manicômios? ......
TRANSCRIPT
PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL EDITADA PELO CEBES
Centro Brasileiro de Estudos de SaúdeAvenida Brasil, 4036 – sala 1010 – Fundação Oswaldo Cruz21040-361 – Manguinhos – Rio de Janeiro – RJTel.: (21) 590-9122 ramais 240/241Cel.: (21) 9695-7663 – Fax.: (21) 590-9122 ramal 241e-mail: [email protected]: http://www.ensp.fiocruz.br/cebes/cebes.html
DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 1998/2000)
Presidente
Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ)1O Vice-Presidente
João José Batista de Campos (PR)2O Vice-Presidente
Luis Cordoni Jr. (PR)3O Vice-Presidente
Waldir da Silva Souza (RJ)4O Vice-Presidente
Maria Inês Souza Bravo (RJ)1O Suplente
Carlos Otávio Ocké Reis (DF)2O Suplente
Jacob Augusto Santos Portela (RJ)
CONSELHO FISCAL
Edmundo de Almeida Gallo (PA), Vera Regina Gonçalves de Andrade (RJ) &Darli Antônio Soares (PR)
CONSELHO CONSULTIVO
Antônio Ivo de Carvalho (RJ), Antônio Sérgio da Silva Arouca (DF),David Capistrano da Costa Filho (SP), Emerson Elias Merhy (SP),Gastão Wagner de Souza Campos (SP), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP),Jorge Antônio Zepeda Bermudez (RJ), José Rubem de Alcântara Bonfim (SP),Roberto Passos Nogueira (DF), José Gomes Temporão (RJ),Luís Carlos de Oliveira Cecílio (SP) & Paulo Sérgio Marangoni (ES).
CONSELHO EDITORIAL
Coordenador
Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ)
Célia Maria de Almeida (RJ), Eduardo Freese de Carvalho (PE),Jairnilson da Silva Paim (BA), José Augusto Barros (PE), Sarah Escorel (RJ),Maria Cecília de Souza Minayo (RJ) Naomar de Almeida Filho (BA),Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo Capel Narvai (SP),Renato Peixoto Veras (RJ), José da Rocha Carvalheiro (SP) &Sebastião Loureiro (BA).
DIRETORIA NACIONAL
Av. Brasil, 4036 – Sala 1010 – ManguinhosRio de Janeiro – RJ – CEP 21040-361Fundação Oswaldo CruzTel: (21) 590-9122 ramais 240/241Cel.: (21) 9695-7663 – Fax.: (21) 590-9122 ramal 241e-mail: [email protected]: http://www.ensp.fiocruz.br/cebes/cebes.html
RESPONSÁVEL PELA EDIÇÃO
Ana Cláudia Gomes Guedes
DIGITAÇÃO
Ana Cláudia Gomes Guedes
REVISÃO DE TEXTO
Cláudia Cristiane Lessa Dias – portuguêsMaria Helena Lyra – inglês
FOTOS DA CAPA
Alvaro Funcia & Cid Fayão, modificadas e tratadas digitalmente porCarlos Fernando Reis da Costa.
REVISÃO TÉCNICA/SECRETARIA EXECUTIVA
Ana Cláudia Gomes Guedes
CAPA, DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa SDE/ENSP
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
???????
TIRAGEM
2.000 exemplares
Apoio:
Indexação:
Literatura Latino-Americana e do Caribeem Ciências da Saúde (LILACS)
A Revista Saúde em Debate é associada àAssociação Brasileira de Editores Científicos
Sistema de Avaliação eQualificação de Publicações da CAPES:
Circulação: Nacional – Categoria: A
CONVOCAÇÃOCONVOCAÇÃOCONVOCAÇÃOCONVOCAÇÃOCONVOCAÇÃO
A Diretoria Nacional do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), fazendo uso de seu
veículo de informação (Revista Saúde em Debate), vem convocar todos os seus sócios para
a Assembléia Geral OrdináriaAssembléia Geral OrdináriaAssembléia Geral OrdináriaAssembléia Geral OrdináriaAssembléia Geral Ordinária, no Centro de Convenções Salvador/Bahia, por ocasião
do VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva.
Data:Data:Data:Data:Data: dia 30 de agosto de 2000.
Horário:Horário:Horário:Horário:Horário: 19 horas
Local:Local:Local:Local:Local: Centro de Convenções, em sala a ser divulgada durante o Congresso.
PPPPPauta:auta:auta:auta:auta: 1. Avaliação da gestão com prestações de contas.
2. Eleição da nova diretoria.
3. Assuntos gerais.
Rio de Janeiro v.23 n.53 set./dez. 1999
ÓRGÃO OFICIAL DO CEBESCentro Brasileiro de Estudos de Saúde
ISSN 0103-1104
CONCEITUALMENTE A CAPA DESTA EDIÇÃO RETRATA O QUADRO DA
SAÚDE PÚBLICA NO FIM DO MILÊNIO: O MESMO DO INÍCIO.
2 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. XX-YY, set./dez. 1999
SUMÁRIO
EDITORIAL ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 3
ARTIGOS
A priorização da família nas políticas de saúdeThe priority of the family in health policy
Eymard Mourão Vasconcelos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 6
A descentralização e a autonomia na perspectiva das organizaçõesDecentralization and autonomy in the perspective of organizations
Virginia Alonso Hortale ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 20
Pensando mecanismos que facilitem o controle social como estratégia para amelhoria dos serviços públicos de saúdeCreating devices to enhance the social control of health services
Luiz Carlos de Oliveira Cecilio ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 30
Algumas considerações sobre o controle social no SUS: usuários ou consumidores?Some considerations concerning social control in the H.S.S.: users or consumers?
Geovani Gurgel Aciole da Silva, Maria Vitoria Real Mendes Egydio &
Martha Coelho de Souza ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 37
Avaliação e planejamento local: perspectivas gerenciais no âmbitodos distritos sanitáriosLocal evaluation and planning: management perspectives covering health districts
Serafim Barbosa Santos Filho & Sandra Maria Byrro Costa ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 43
O município e a nova lógica institucional do setor saúde: uma análiseempírica do cenário localThe municipality and the new institutional logic of health policy: an empiric analysis
of the local scenario
Rosângela Minardi Mitre Cotta, José Norberto Muníz, Fábio Faria Mendes &
José Sette Cotta Filho ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 54
O perfil epidemiológico e sua relação com o planejamento de ações odontológicasno Piese-Paulínia (SP)The Epidemiologic profile and the odontologic planning programme in the
PIESE-Paulínia (SP), Brasil
Antonio Carlos Pereira, Marcelo de Castro Meneghim, Patrícia Rodrigues Gomes, Sonia P. Oliveira,
Júlio C. Fortunato, Alexandre C. Brandt & Almir A. Yassuhara ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 63
Controle de custos em saúde: redução a qualquer preço ou racionalização na buscada eficácia? elementos para discussãoHealth cost control: reduction at any price or rationalizing toward efficiency? – elements
for discussion
Maura Taveira ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 68
Avaliação da qualidade em saúde: a contribuição da sociologia da saúde para asuperação da polarização entre a visão dos usuários e a perspectiva dosprofissionais de saúdeQuality assessment in health: the contribution of sociology of health to overcome the duality
between users and health professionals’ perspectives
Mauro Serapioni ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 81
ENSAIO
Como pensar ‘custo’ de forma mais abrangente no setor saúdeHow to think more comprehensively about costs
Leyla Gomes Sancho ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 93
RESENHA
Fim de século: ainda manicômios?Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa
Marisa Fefferman ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 95
SINOPSE DE TESES ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 99
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. XX-YY, set./dez. 1999 3
EDITORIAL
Nada melhor do que começar o Editorial da última
Saúde em Debate do século, com o primeiro pará-
grafo do Editorial da revista número 1. O CEBES, através
da Saúde em Debate, tinha consciência da importância
de seu papel histórico no campo da saúde. E foi a partir
desta firmeza que, apesar dos inúmeros obstáculos, tem
conseguido cumprir com o seu projeto.
Depois do surgimento de Saúde em Debate, o campo
da saúde no Brasil nunca mais foi o mesmo. Embora
não tenhamos sido os únicos responsáveis, sabemos de
nossa contribuição para que a Saúde deixasse de ser
relacionada à assistência médica, pura e simplesmente,
para tornar-se direito social, qualidade de vida, consci-
ência sanitária, democracia e transformação social.
Após um longo período de grandes dificuldades,
Saúde em Debate volta a ser distribuída aos associados
do CEBES. A transferência da Secretaria Executiva de Lon-
drina para o Rio de Janeiro foi um processo muito difí-
cil e prolongado. Mas, em momento algum achamos
que deveríamos entregar os pontos.
E assim não o fizemos, por sabermos do papel his-
tórico que Saúde em Debate ocupa na formação de opi-
nião e na produção de conhecimento no campo das polí-
ticas de saúde no País, explicitado no primeiro Editori-
al. Ainda mais neste instante, de virada de século e
milênio, que nos leva a inevitáveis e necessárias avali-
ações de nossa trajetória, e a reflexões sobre como con-
tinuaremos procurando intervir em nossos futuros.
Passados 20 anos da apresentação da proposta do
SUS pelo CEBES na histórica sessão do I Simpósio de
Políticas de Saúde da Câmara dos Deputados, e 10 da
inscrição do mesmo na Constituição Federal, neste fim
de século e milênio, o setor saúde ainda reivindica inú-
meras transformações e regulamentações, muito parti-
cularmente aquelas relacionadas à definição do financi-
amento do setor e à qualificação do controle e participa-
ção social no sistema.
No entanto, não é possível perder de vista alguns
avanços, decorrentes da verdadeira e profunda Refor-
ma do Estado que vem sendo operada a partir do SUS,
com a descentralização financeira e política, com o con-
trole e participação social.
Saúde em Debate continua, portanto, sendo o veículo
ao qual se propôs, de divulgação, de reflexão, de pro-
dução de pensamento crítico no campo da saúde. Por
isso, este número é especialmente dedicado a todos aque-
les que, ao longo destas duas décadas, contribuíram, e
vêm contribuindo, seja nas Diretorias do CEBES, seja no
Conselho Editorial e no Corpo de Pareceristas, seja como
autores, para o sucesso desta iniciativa.
A Diretoria Nacional
A análise do setor saúde como componente do processo histórico-social vem
sendo feita de forma freqüente por estudiosos, que nem sempre encontram os
veículos de divulgação mais apropriados. Saúde em Debate pretende ampliar e
levar adiante tais discussões, no sentido de reafirmar a íntima relação existente
entre saúde e a estrutura social. Nossos colaboradores, de várias maneiras, acumu-
lam experiências nessa área e têm, na defesa dos interesses coletivos, a regra
norteadora de suas realizações.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 3, set./dez. 1999 3
4 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. XX-YY, set./dez. 1999
QUEM SOMOS
Desde a sua criação, em 1976, o CEBES tem como centro de seu projeto a
luta pela democratização da saúde e da sociedade. Nesses 23 anos, como
centro de estudos que se organiza em núcleos, aglutinando profissionais e
estudantes, seu espaço esteve assegurado como produtor de conhecimentos
com uma prática política concreta, seja em nível de movimento social, das
instituições ou do parlamento.
Durante todo esse tempo, e a cada dia mais, o CEBES continua empenhado
em fortalecer seu modelo democrático e pluralista de organizações; em orientar
sua ação para o plano dos movimentos sociais, sem descuidar de intervir nas
políticas e práticas parlamentares e institucionais; em aprofundar a crítica e
a formulação teórica sobre as questões de saúde; e em contribuir para a
consolidação das liberdades políticas e para a constituição de uma nova
sociedade.
A produção editorial do CEBES tem sido fruto do trabalho coletivo de centenas.
Estamos certos que continuará assim, graças ao seu apoio e participação.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. XX-YY, set./dez. 1999 5
O céu embaçado por espessas nuvens, o silêncio da
dor, a separação dolorida, a chuva misturada às
lágrimas, a solidão mais profunda. Num dia assim te
perdemos, Aninha.
O céu, a chuva, a dor, tudo parecia sepultar a ale-
gria, murmurávamos, então: não partas agora, amiga,
espera o tempo da colheita. E, tu, que tanto plantastes,
mais uma vez, te oferecestes à solidão.
Nem todos gostam da solidão.Eu gosto.Na solidão alcanço utopias.A solidão faz sempre pensar no outro,Buscar compartilhar os sonhos com o outroAssim surge a comunhão... (Poema de Ana Ito)
Hoje, recolhemos os instantes em que estivemos jun-
tos. Tantos momentos de perfeita comunhão; tu deixas-
tes tantas fotos e melhor compreendemos os fragmen-
tos de nossas vidas. Impregnados nelas o sinal de tua
luz. De ramo em ramo, de pedaço em pedaço, de flor em
flor, todos unidos numa inefável comunhão.
Quando, sem aviso, uma lâmpada se apaga, desco-
brimos que a vida não se acaba na passagem. O rio flui
eternamente, cumprindo por inteiro sua tarefa, seu cur-
so incessante verte água continuamente. Sabemos onde
te encontrar, Ana. Basta mergulharmos nessa corrente-
za. Os pequenos valores, entretanto, nos aprisionam
nas margens e, receosos, apenas molhando os pés. Ves-
timos os adereços do transitório, dormimos em bran-
cos lençóis e perdemos o eterno. Preferimos precários
abrigos e permanecemos surdos à divina melodia da
existência. Somos pequenos camundongos à cata de res-
tos de alimentos que caem da mesa do grande banquete
da vida. Não percebemos o vôo das águias.
Há uma antiga alegoria oriental que bem identifica
as diferentes etapas de nossas vidas. Nos primeiros anos,
muito imaturos, somos tal qual camundongos. Entramos
e saímos de todos os lugares inconseqüentemente. Agita-
HOMENAGEM À ANA ITOIN MEMORIAM
dos e incontidos, estamos sempre à frente dos outros.
Mais tarde, nos transformamos em ursos e gostamos de
hibernar. Refletimos sobre nossos primeiros anos de vida
e rimos do camundongo que corre de um lado para o
outro. Já amadurecidos, somos búfalos que adoram va-
gar pelas pradarias. Analisamos a vida com mais sabe-
doria e esperamos um dia nos livrarmos da pesada car-
ga de nossos corpos que dificultam nossos movimentos.
Aspiramos, então, ser águias que pairam nas alturas,
acima no horizonte, não para ver as pessoas de cima,
mas para estimulá-las a olhar para cima.
Aninha, tua luz, teu exemplo, tua entrega incondici-
onal às causas da educação e da saúde nos obriga a
olhar para o alto, nos impõe a tarefa de defender as
causas da vida. Haveremos de manter acesa a tua cha-
ma. Oxalá, possamos conduzir com dignidade a luz que
nos confiastes.
Ana, Aninha, agora que tu és águia e nos faz olhar
para o alto, prometemos honrar teu legado. Cada so-
pro de vento, cada verso escondido, cada foto perdida,
cada sonho impossível nos fará voar para os limites
do improvável.
E, amanhã, se esse chão que eu beijeifor meu leito e perdãoVou saber que valeu delirarE morrer de paixãoE assim, seja lá como forVai ter fim a infinita afliçãoE o mundo vai ver uma florBrotar do impossível chão(Poema de Chico Buarque & Ruy Guerra)
Londrina, 3 de julho de 1999
José Eduardo de Siqueira
médico, docente de Bioética da Universidade
Estadual de Londrina (UEL) e amigo da Ana.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 5, set./dez. 1999 5
VASCONCELOS, E. M.
6 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999
ARTIGO
A priorização da família nas políticas de saúde
The Priority of the Family in Health Policy
Eymard Mourão Vasconcelos1
1 Professor do Departamento de Promoção
da Saúde da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), doutor em medicina
tropical pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG).
RESUMO
A priorização da intervenção no nível da família como forma de integração e
dinamização das diversas políticas sociais vem ganhando força em vários paí-
ses. O ano de 1994 foi definido pela Organização das Nações Unidas (ONU)
como Ano Internacional da Família. Este artigo busca refletir sobre as origens,
resistências, possibilidades e caminhos desta valorização da família no nível
das políticas sociais, que no setor saúde resultou no Programa Saúde da Família
apoiado pelo Ministério da Saúde (MS).
PALAVRAS-CHAVE: políticas de saúde; atenção primária à saúde; programa saúde
da família.
ABSTRACT
The priority given to intervention at family level has been gaining strength
in several countries. It aims at the integration and effectiveness of social policies.
1994 was proclaimed the International Year of the Family by the United Nations.
This study intends to reflect on the origins, resistance focuses, possibilities and
paths of the family valuation at social policy level. One of its consequences on the
health sector was the Family Health Program supported by the Health Ministry.
KEY WORDS: health policy; primary health care; family health program.
A Priorização da Família nas Políticas de Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 7
NO PRÉ-NATAL, A TRADIÇÃO
MÉDICA SE PREOCUPA, ESSENCIALMENTE,COM A GESTANTE, COMO SE TODA
A FAMÍLIA NÃO ESTIVESSE,DE ALGUMA FORMA,TAMBÉM GRÁVIDA.
INTRODUÇÃO
As políticas sociais, intervenções
estatais voltadas para modificar as
condições materiais e culturais de re-
produção da classe trabalhadora, só
começaram a se estruturar de forma
sistemática e contínua no Brasil, a
partir de 1923, com a lei Eloi Chaves
que regulamentou as caixas de apo-
sentadoria e pensão dos trabalhado-
res dos setores econômicos mais im-
portantes. Era o início do sistema pre-
videnciário e de assistência médica
de âmbito nacional. Desde então, as
políticas sociais vêm-se estruturando
de forma fragmentada em razão da
dinâmica que as tem gerado. Elas
têm-se expandido, de um lado, pela
luta de grupos organizados da popu-
lação por seus interesses, que são di-
versificados e variados. De outro
lado, as políticas sociais também são
expandidas como resposta parcial do
Estado a essas reivindicações, bus-
cando a adesão política da popula-
ção aos diferentes grupos que vêm-se
revezando no poder e, ao mesmo tem-
po, procurando a expansão do mer-
cado de bens e serviços para as em-
presas privadas que também têm uma
grande diversidade de interesses par-
ticulares. Resultou-se, assim, em uma
ampla variedade de instituições vol-
tadas para diferentes tipos de presta-
ção de serviço e para diferentes pú-
blicos. Trata-se de um sistema de
atendimento diferenciado e desigual
aos direitos sociais, segundo a im-
portância política e econômica dos
vários grupos.
Apesar de haver ocorrido vários
movimentos setoriais de racionaliza-
ção integradora das políticas sociais,
entre os quais se destacam a criação
do Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS) em 1966 (em substitui-
ção aos antigos institutos de aposen-
tadoria e pensão organizados por ca-
tegoria profissional) e do Sistema
Único de Saúde (SUS) em 1988, as
políticas sociais continuam fragmen-
tadas. Os vários direitos sociais da
mulher, da criança, do idoso e do tra-
natal, a tradição médica se preocupa,
essencialmente, com a gestante, como
se toda a família não estivesse, de
alguma forma, também grávida. Não
se pensa na preparação dos outros
familiares para o nascimento que ocor-
rerá. De forma semelhante, uma cri-
ança vivendo problemas familiares
graves é abordada, ao mesmo tempo,
mas de forma segmentada, pela pro-
fessora e a pela psicóloga da escola
preocupadas com o fracasso no apren-
dizado, pela delegacia de menores
devido aos seus pequenos delitos e,
ainda, por diferentes setores do siste-
ma de saúde em razão das várias pa-
tologias recorrentes.
O reconhecimento e a garantia de
direitos sociais, embora fruto de in-
discutível avanço da civilização, aca-
baram acontecendo dentro da lógica
individualista e fragmentada hegemô-
nica na sociedade: direitos de indiví-
duos isolados e direitos setorizados.
O indivíduo foi fragmentado em ca-
rências. Os direitos passaram a ser
consumidos e fornecidos de forma
separada. Neste contexto de indivi-
dualismo, assiste-se a um espantoso
crescimento da importância do dis-
curso centrado na subjetividade como
explicador dos problemas sociais.
A percepção da fragmentação das
políticas sociais vem propiciando o
surgimento de propostas e tentati-
vas de integração das várias ações
estatais no campo social. Mas como
fazer essa integração das várias
ações do Estado, transformando-as
em um todo articulado?
balhador nos campos da saúde, edu-
cação, lazer, segurança e meio ambi-
ente, geraram diferentes programas e
instituições, conflitando e competindo
entre si. A grande maioria se dirige
para o atendimento individualizado
das pessoas, desconsiderando o uni-
verso familiar e comunitário em que
vivem, o que reflete a ideologia mer-
cantil hegemônica, para a qual a ini-
ciativa individual em prol dos interes-
ses particulares é a base do progresso
e do bem-estar social. Assim, no pré-
VASCONCELOS, E. M.
8 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999
Vem crescendo internacionalmente
a visão de que as unidades de atua-
ção ‘família’ e ‘comunidade’ são
pontos importantes da estratégia de
integração das diversas políticas
sociais. A escolha do ano de 1994
como Ano Internacional da Família
pela ONU reflete este movimento de
priorização política da família (Car-
valho, 1994:34).
Com relação a valorização da
comunidade como espaço de articu-
lação e intervenção dos órgãos pú-
blicos, muito vem contribuindo o
crescimento dos movimentos asso-
ciativos de bairro e de pequenas co-
munidades rurais, que se multipli-
caram a partir do final da década de
70, no Brasil. Apesar de esta preo-
cupação não ter resultado em uma
reorientação muito profunda no mo-
delo de atuação das várias institui-
ções, o discurso que reconhece o va-
lor da abordagem de problemas es-
pecíficos a partir do seu enfrentamen-
to no nível comunitário se tornou
bastante difundido. Os conselhos lo-
cais de saúde, consolidados na es-
trutura jurídica do Sistema Único de
Saúde, têm representado uma instân-
cia de discussão dos problemas de
saúde onde a dimensão comunitária
tem sido ressaltada.
RESISTÊNCIA E VALORIZAÇÃO DA FAMÍLIA
Já a unidade família tem encon-
trado muitas resistências para ser
aceita como instância importante de
abordagem dentro das políticas so-
ciais. Historicamente, ela vem sen-
do objeto de duplo ataque. De um
lado, na prática social e na ideolo-
gia de muitos dos segmentos mais
intelectualizados da sociedade em
que se denunciam os aspectos re-
pressivos da organização familiar,
ressaltando seu papel de instrumen-
to de dominação dos homens sobre
as mulheres e dos adultos sobre os
jovens. De outro lado, ela é critica-
da na prática científica como uma
preocupação própria de pesquisado-
exemplo, a reforma agrária. Cam-
panhas do tipo Marcha da Família
com Deus pela Liberdade, nessa
época, constituem um exemplo cla-
ro (Costa, 1994:22). No setor saú-
de, entidades apoiadas pelos Esta-
dos Unidos da América e voltadas
para a implantação de programas
de controle da natalidade, a partir
de uma preocupação de prevenção
do risco de agitação social em regi-
ões pobres, foram as que mais vi-
nham enfatizando a discussão do
tema família, contribuindo, assim,
para aumentar a resistência dos in-
telectuais a esse tipo de abordagem.
Na história da América Latina,
no entanto, também ocorreram im-
portantes mobilizações de cunho pro-
gressista iniciadas no nível famili-
ar, como é o caso da luta das Mães
da Praça de Mayo, na Argentina, con-
tra a repressão da ditadura militar.
Segundo Durham (1980:201-211),
para muitos intelectuais brasileiros
progressistas tem sido decepcionan-
te constatar que os membros das
classes subalternas são extremamen-
te apegados à família. E mais: não
só os operários brasileiros teimam
em atribuir uma enorme importân-
cia à vida familiar, mas ainda ex-
pressam uma preferência generali-
zada pela divisão sexual do traba-
lho em moldes tradicionais e tendem
também a apreciar as virtudes tra-
dicionais de respeito e obediência dos
filhos para com os pais. Inúmeras
pesquisas feitas neste campo tendem
a interpretar esse interesse e apego
PARA MUITOS INTELECTUAIS
BRASILEIROS PROGRESSISTAS TEM
SIDO DECEPCIONANTE CONSTATAR
QUE OS MEMBROS DAS CLASSES
SUBALTERNAS SÃO EXTREMAMENTE
APEGADOS À FAMÍLIA.
res contaminados pela ideologia
burguesa e como uma categoria res-
saltada quando se quer ocultar a
luta de classes (Durham, 1980:201).
De fato, em muitos momentos de
ameaça de ruptura social na histó-
ria brasileira, como na luta pelas
Reformas de Base no início dos anos
60, as forças conservadoras soube-
ram mobilizar o sentimento famili-
ar da população contra mudanças
que pretendiam beneficiar os seg-
mentos mais oprimidos, como, por
A Priorização da Família nas Políticas de Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 9
pela família, existente no meio po-
pular, como conseqüência da hegemo-
nia burguesa e, particularmente, dos
ideais de classe média impostos atra-
vés da escola e dos meios de comuni-
cação de massa. Muitos estudos ten-
dem ainda a enfocar a família das
classes populares a partir de sua fun-
cionalidade à lógica capitalista, res-
saltando seu papel na reprodução da
força de trabalho disponível para as
empresas. Por muito tempo, os estu-
dos sociológicos de esquerda priori-
zaram a reflexão sobre o mundo da
produção, as lutas trabalhistas e o
embate político das classes sociais
nos âmbitos nacional e internacional.
Para esses estudos, o espaço da fa-
mília e da comunidade ocupava um
papel secundário na dinâmica políti-
ca de transformação da sociedade, na
medida em que seriam campo das
relações pessoais e afetivas distan-
tes do jogo de poder mais decisivo
(Arroyo, 1991:11).
Uma análise feita em outra pers-
pectiva pode, no entanto, ser impor-
tante para a compreensão dos mo-
vimentos sociais e da participação
política. A família significa para os
trabalhadores a realização de um
modo de vida. O cuidado com as cri-
anças e os idosos, o afeto familiar,
a busca do lazer, as relações de pa-
rentesco e as divisões de tarefa, de
forma alguma podem ser compreen-
didos por análises centradas apenas
na dinâmica econômica da socieda-
de. Se na fábrica, no ônibus, nos
serviços públicos, na rua e na rela-
ção com os dirigentes políticos, o
trabalhador é um indivíduo sem uma
identidade própria, é na família que
ele experimenta uma vivência de
coletividade e de liberdade. Suas
decisões sobre vestuário, lazer, uti-
lização dos recursos domésticos, es-
colarização dos filhos, poupança,
organização de uma festa ou de um
passeio, apesar de marcadas pela
carência, se realizam como ativida-
de livre tomada na, com e para a
em decorrência da falta de tradição
associativa, é na família que se ela-
bora, em grande parte, um conheci-
mento um pouco mais crítico sobre
a sociedade, uma avaliação das clas-
ses sociais, da conjuntura social pre-
sente e das condições para modifi-
cá-la. Em família se possui uma es-
tratégia de sobrevivência para o pre-
sente, se constrói um projeto para o
futuro e se avalia o que foi o passa-
do. Assim, a valorização da famí-
lia, tão forte nas classes populares,
é resultado do modo como os traba-
lhadores vivem sua condição de clas-
se, com seus desejos, projetos e li-
mites e não produto da imposição
de valores próprios de outras cate-
gorias e classes sociais (Durham,
1980:201-211).
Nesse sentido, a vida doméstica e
comunitária não são isoladas, mas
inseridas na dinâmica política e eco-
nômica da sociedade como um todo.
A família se apresenta como mescla
de conformismo às exigências soci-
ais e como forma fundamental de re-
sistência contra essa mesma socieda-
de. Mantém a subordinação femini-
na e dos filhos, mas protege mulhe-
res, crianças e velhos contra a vio-
lência urbana; cria condições para a
dominação masculina, mas garante
aos homens um espaço de liberdade
contra sua subordinação no trabalho;
conserva tradições, mas é espaço de
elaboração de projetos para o futuro;
é não só núcleo de tensões e de con-
flitos, mas também o lugar onde se
obtém prazer (Chauí, 1986:145).
família, em oposição às coerções do
mundo do trabalho.
A vida familiar constitui um es-
paço importante para a elaboração
de um destino comum, para o
amadurecimento de um saber sobre
o espaço, o tempo, a memória, para
a transmissão de conhecimentos e in-
formações e para a compensação da
pouca escolarização com outros
aprendizados transmitidos oralmen-
te e por contato direto. E, sobretudo,
A VALORIZAÇÃO DA FAMÍLIA, TÃO FORTE
NAS CLASSES POPULARES, É RESULTADO
DO MODO COMO OS TRABALHADORES
VIVEM SUA CONDIÇÃO DE CLASSE,COM SEUS DESEJOS, PROJETOS E
LIMITES E NÃO PRODUTO DA IMPOSIÇÃO
DE VALORES PRÓPRIOS DE OUTRAS
CATEGORIAS E CLASSES SOCIAIS.
VASCONCELOS, E. M.
10 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999
Apesar de valorizadas pelos tra-
balhadores, suas famílias vêm so-
frendo intenso processo de desgas-
te. A vulnerabilidade das famílias se
encontra diretamente associada à
sua situação de pobreza e ao perfil
de distribuição de renda do país. No
Brasil, como também em outros pa-
íses, os programas ditos de ajuste
da economia têm funcionado como
um fator desagregador. Tem-se veri-
ficado, por exemplo, um aumento
das famílias monoparentais (com
apenas um dos pais presentes), em
especial aquelas em que a mulher
assume sozinha a chefia do domicí-
lio; a questão migratória, por moti-
vos de sobrevivência, atingindo prin-
cipalmente os homens em idade pro-
dutiva, tem-se tornado importante
motivo de desestruturação das rela-
ções familiares. O domicílio sujeito
a ameaças freqüentes devido à de-
gradação do meio ambiente e à difi-
culdade de acesso ao emprego e aos
serviços públicos tem significado,
também, importantes causas de fra-
gilização da família popular (Ferra-
ri & Kaloustian, 1994:12).
Mesmo assim, as questões relati-
vas à família têm mostrado ser gran-
des desconhecidas nos serviços pú-
blicos. Foi na sociedade civil, princi-
palmente junto às igrejas, que se es-
truturaram e se consolidaram as pri-
meiras intervenções sociais, abordan-
do os problemas da família. A Socie-
dade São Vicente de Paula, os Cursos
de Noivos, o Movimento Familiar
Cristão, o Encontro de Casais com
Cristo e a Pastoral da Criança são al-
guns exemplos. Pelo lado das inicia-
tivas estatais, as associações de pais
e mestres (ligadas à rede de ensino)
e os centros sociais urbanos (com clu-
bes de mães e cursos para gestantes)
foram iniciativas pioneiras. No setor
saúde, o SESP (Serviços Especiais de
Saúde Pública), fundado na época da
2a Guerra Mundial, foi uma referên-
cia importante com sua tradição de
visitas domiciliares, apesar de seu
mília. Assim, na Constituição bra-
sileira de 1988 ficou assegurado às
crianças e adolescentes o “direito
à convivência familiar e comunitá-
ria” (artigo 227). A aprovação do
Estatuto da Criança e do Adoles-
cente e a conseqüente criação de
conselhos tutelares da criança e do
adolescente nos municípios vêm
significando um importante avan-
ço na discussão e abordagem de
forma um pouco mais contínua e
ampla dos problemas familiares.
Têm-se expandido muito os estu-
dos e a publicação de artigos so-
bre a família brasileira e o traba-
lho social com a mesma. Nesses
estudos, tem-se ressaltado a exis-
tência de algumas famílias nas
classes populares que vivem situ-
ações especiais de risco (pais do-
entes, desempregados, com confli-
tos conjugais intensos, envolvimen-
to em atividades ilícitas e perse-
guidas pela polícia, dependência de
drogas, distúrbios mentais etc.)
que as tornam incapazes de articu-
lar minimamente os cuidados de
seus membros e por isto necessi-
tando atenção diferenciada do Es-
tado para garantir os direitos de
cidadania das crianças, idosos e
deficientes físicos ali presentes. Em
alguns municípios brasileiros têm
sido organizados programas pio-
neiros de acompanhamento a es-
sas famílias em situação de risco
como uma estratégia de prevenção
e controle dos problemas de crimi-
nalidade trazidos por crianças e
caráter normatizador e autoritário.
Mas grande parte dessas iniciativas
se caracterizaram por serem circuns-
critas e descontínuas.
Na década de 80, o crescimento
dos movimentos de mulheres e do
Movimento Nacional de Meninas e
Meninos de Rua, bem como as re-
percussões dos problemas sociais
trazidos pelas crianças vivendo na
rua, foram trazendo para o debate
político as questões relativas à fa-
NA DÉCADA DE 80, O CRESCIMENTO DOS
MOVIMENTOS DE MULHERES E DO
MOVIMENTO NACIONAL DE MENINAS EMENINOS DE RUA, BEM COMO AS
REPERCUSSÕES DOS PROBLEMAS SOCIAIS
TRAZIDOS PELAS CRIANÇAS VIVENDO NA RUA,FORAM TRAZENDO PARA O DEBATE POLÍTICO
AS QUESTÕES RELATIVAS À FAMÍLIA.
A Priorização da Família nas Políticas de Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 11
adolescentes vivendo na rua. O sur-
gimento do Programa de Saúde da
Família na década de 90, apoiado
pelo Ministério da Saúde, reflete
esta tendência de valorização da
família na agenda das políticas
sociais brasileiras.
As atenções hoje prestadas à fa-
mília, entretanto, são ainda conser-
vadoras e pouco eficientes porque
estão presas a uma cultura tutelar
de relação com as classes popula-
res. Cuida-se, tomando conta e cri-
ando estratégias que cerquem os
possíveis desvios do caminho con-
siderado correto, não aceitando, as-
sim, a autonomia da família por não
confiar em sua capacidade. Essa pos-
tura resulta em aumento dos custos
dos programas, em expansão exa-
gerada da burocracia gestora e em
perda de qualidade. É por isto que
há tanta resistência a programas de
complementação da renda familiar,
já existentes há dezenas de anos em
vários países do mundo. Prefere-se
a distribuição de ajuda do tipo cesta
alimentar e enxovais de bebê, que
dificultaria o uso indevido do recur-
so despendido. Quando se distribui
alimentos, o produto escolhido é
definido segundo critérios técnicos
relativos a sua composição quími-
ca, mesmo que contrarie a cultura
alimentar da região e diminua a
adesão das famílias. É também níti-
da a preferência por abrigar crian-
ças abandonadas ou em risco de
abandono em orfanatos e casas-abri-
go. Programas de guarda de crian-
ças em famílias substitutas na pró-
pria comunidade são estratégias já
bastante experimentadas em outros
países, que evitam a perda dos vín-
culos comunitários e são mais bara-
tos, mas acabam sendo rejeitados por-
que se desconfia de que o subsídio
financeiro a ser entregue à nova fa-
mília, sob supervisão técnica, resul-
te em desvios. Há, também, uma des-
crença de que uma família pobre seja
capaz de ser responsável pela guar-
da da criança. Existe o temor, ainda,
a) programas de geração deprogramas de geração deprogramas de geração deprogramas de geração deprogramas de geração de
renda e emprego renda e emprego renda e emprego renda e emprego renda e emprego implementados
no nível local, destinados a famíli-
as sem acesso ao trabalho. Mas es-
ses programas têm uma repercussão
relativamente pequena na geração de
empregos para as famílias. As inici-
ativas políticas de âmbito nacional
e regional voltadas para o desenvol-
vimento econômico e para a regula-
mentação das relações entre capital
e trabalho são muito mais impor-
tantes. Uma medida de particular
alcance, nesse sentido, é uma am-
pla reforma agrária;
b) programas de complemen-programas de complemen-programas de complemen-programas de complemen-programas de complemen-
tação da renda familiartação da renda familiartação da renda familiartação da renda familiartação da renda familiar, já usu-
ais em vários países do mundo, são
destinados a grupos familiares sem
renda ou cuja renda é insuficiente
para garantir o mínimo necessário
à sobrevivência, priorizando fases do
ciclo de vida familiar geradoras de
situação de maior vulnerabilidade.
Devem estar integrados a serviços
locais que acompanhem a família.
Essa distribuição de benefícios em
dinheiro em substituição à distribui-
ção de cestas alimentares, ‘sopões’
e outros bens selecionados, ajuda a
superar a pedagogia de subalterni-
dade e tutela destas ações assisten-
ciais na medida em que se assenta
na noção de um direito social con-
quistado a partir do reconhecimento
pelo conjunto da sociedade, da im-
possibilidade de todos os cidadãos
terem acesso a uma vida digna nas
atuais condições em que a economia
está organizada;
de que as famílias passem a fazer da
guarda um comércio. Em decorrência
dessas desconfianças, nega-se o di-
reito das crianças à convivência fa-
miliar e comunitária, assegurada
constitucionalmente, submete-se a
criança a instituições desumanas, for-
talece-se a burocracia estatal e multi-
plica-se o custo dos programas.
A priorização da família na
agenda da política social envolve
três modalidades de ação (Carva-
lho, 1994:103):
EM DECORRÊNCIA DESSAS
DESCONFIANÇAS, NEGA-SE ODIREITO DAS CRIANÇAS ÀCONVIVÊNCIA FAMILIAR E
COMUNITÁRIA, ASSEGURADA
CONSTITUCIONALMENTE.
VASCONCELOS, E. M.
12 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999
c) rede de serviços comuni-rede de serviços comuni-rede de serviços comuni-rede de serviços comuni-rede de serviços comuni-
tários de apoio psicossocial etários de apoio psicossocial etários de apoio psicossocial etários de apoio psicossocial etários de apoio psicossocial e
cultural. cultural. cultural. cultural. cultural. Essa modalidade de ação,
mais importante na dinâmica da
atenção à saúde, será analisada de
forma mais detalhada.
SERVIÇOS COMUNITÁRIOS DE APOIOPSICOSSOCIAL E CULTURAL A FAMÍLIAS
Em muitos municípios brasilei-
ros, serviços locais de saúde, esco-
las e órgãos de assistência social li-
gados a igrejas, entidades filantró-
picas e organizações não governa-
mentais já vêm desenvolvendo pro-
gramas de acompanhamento e apoio
a famílias em situação especial de
dificuldade. Mas, em geral, são ini-
ciativas isoladas e descontínuas de
grupos de profissionais mais com-
prometidos das instituições públicas
ou atividades de entidades não go-
vernamentais voltadas para públi-
cos restritos. Nesse sentido, se dife-
renciam muito do que ocorre em pa-
íses europeus, como é o caso do Rei-
no Unido, onde se estruturou uma
complexa rede de assistência social
organizada a partir de distritos (di-
visão administrativa de um municí-
pio, compreendendo geralmente mais
de um bairro) que mapeia e acom-
panha as famílias em situação de
dificuldade. Na América Latina há o
exemplo de Cuba que, a partir dos
serviços de saúde, desenvolveu uma
rede de âmbito nacional de acompa-
nhamento das famílias.
A valorização da família nos ser-
viços públicos comunitários pode ser
implementada de dois modos:
a) abordagem aos problemas in-
dividuais, usualmente atendidos em
sua rotina, através da intervenção no
nível de suas origens e repercussões
familiares. Vários exemplos podem
ser citados: diante de um aluno que
passou a apresentar dificuldades de
aprendizado, investigar o que está
temas relativos à vida familiar; en-
volvimento dos pais no tratamento e
prevenção dos problemas dentários
das crianças. A consideração das di-
mensões familiares de cada proble-
ma individual atendido nos serviços
públicos locais é fundamental;
b) apoio intensivo a famílias vi-
vendo situações de crise que colocam
em risco a vida de seus membros.
Essa modalidade vem da constata-
ção de que as famílias em situação
mais precária tendem a ficar à mar-
gem dos serviços que orientam seu
atendimento pela demanda espontâ-
nea da população. Essas famílias po-
dem ser identificadas a partir de di-
ferentes indicadores: presença de des-
nutridos, recorrência de patologias
facilmente controláveis, fracasso es-
colar de seus membros, ocorrência
de óbitos por doenças tratáveis, en-
volvimento de crianças em ativida-
des ilícitas, violência contra membros
mais frágeis, percepção pelos vizinhos
de situações de negligência e crise
interna, crianças saindo para viver
na rua, presença de idosos com si-
nais de descuido, atritos freqüentes
com a vizinhança, repetição de pos-
turas prejudiciais à comunidade lo-
cal, doença incapacitante dos pais,
desemprego prolongado e separação
do casal. A presença desses indica-
dores apontam para a necessidade de
visitas e estudos para melhor carac-
terizar a situação e verificar a neces-
sidade de apoio sistemático que se
centra na dinâmica global da família
e não apenas em membros isolados.
EM MUITOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS,SERVIÇOS LOCAIS DE SAÚDE, ESCOLAS E
ÓRGÃOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL LIGADOS AIGREJAS, ENTIDADES FILANTRÓPICAS E
ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS JÁVÊM DESENVOLVENDO PROGRAMAS DE
ACOMPANHAMENTO E APOIO A FAMÍLIAS EM
SITUAÇÃO ESPECIAL DE DIFICULDADE.
acontecendo em sua família; no pré-
natal abordar, também, as dificulda-
des e preparativos dos outros mem-
bros da família para a chegada do
bebê; discutir com o paciente diabéti-
co as condições em sua casa para a
realização da dieta e para a guarda e
manipulação da insulina; o posto
policial do bairro deve buscar alia-
dos na família para o enfrentamento
de conflitos e pequenos delitos; orga-
nização de reuniões e discussões de
A Priorização da Família nas Políticas de Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 13
Se a progressiva valorização da
família na agenda das políticas soci-
ais brasileiras nos anos 90 vem sen-
do uma conquista que tem resultado
em aperfeiçoamentos, é importante
ter clareza de que, para muitos pro-
blemas, a família não é a instância
de atuação mais propícia. A partir do
processo de intensificação do indivi-
dualismo trazido pela modernidade,
cada vez mais o cidadão prefere re-
solver seus problemas de forma in-
dependente do seu grupo familiar. As
diferenças próprias de cada membro
de uma família fazem com que eles
tenham distintas preferências em re-
lação à forma de encaminhar seus
problemas pessoais a ponto de esco-
lherem diferentes profissionais ou
serviços. Os conflitos, existentes prin-
cipalmente para os membros viven-
do situações de subalternidade na
família, tornam constrangedora a
abordagem conjunta de alguns pro-
blemas. A família é apenas uma das
instâncias de resolução dos proble-
mas individuais e sociais. Os servi-
ços públicos devem ser flexíveis para
responder de forma diferenciada às
diversas formas de apresentação dos
problemas locais.
Apenas aqueles a quem interes-
sa esconder os conflitos de classe
social, de raça e sexo, negar a re-
lação fundamental dos problemas
pessoais com a forma de organi-
zação do Estado e da economia,
bem como diminuir a importância
das lutas dos movimentos sociais
e dos partidos políticos, é que bus-
cam colocar a família como centro
absoluto da abordagem dos proble-
mas sociais. O desafio é encontrar
formas de abordagem dos proble-
mas familiares integradas em ou-
tras dimensões da luta política dos
diversos movimentos sociais e,
assim, superar a tradição metodo-
lógica do serviço social norte-ame-
ricano que tanto tem sido irradia-
do internacionalmente.
Se o eixo da metodologia de abor-
dagem dos problemas familiares é a
simplificadas podem ser uma estra-
tégia de propagandear um caráter
inovador de governos que, dentro de
uma visão neoliberal e pressionados
por uma crise orçamentária, buscam
diminuir os gastos sociais. Desse
modo, a metodologia da educação
popular inova na medida em que não
separa as dimensões materiais dos
problemas sociais da cultura e do sa-
ber ao buscar relacionar problemas
específicos com o contexto político e
econômico geral.
Os serviços públicos comunitári-
os, na medida em que lidam com fa-
mílias extremamente fragilizadas,
necessitam repensar sua tradição
autoritária e normatizadora de rela-
ção com o mundo popular para não
as massacrarem. Em vez de estrutu-
rarem suas práticas no fornecimento
de serviços e bens que substituam as
iniciativas da família, devem centrar
suas ações no seu fortalecimento, ten-
tando apoiar a recomposição dos vín-
culos afetivos internos ameaçados e
a sua reintegração na rede de solida-
riedade social local. Para isso, é pre-
ciso superar a visão corrente entre os
profissionais locais e os gestores das
políticas sociais a respeito da inca-
pacidade dos pobres cuidarem de si
mesmos. É preciso, ainda, construir
educativamente na cultura institucio-
nal uma tolerância com a diversida-
de humana, de forma que os profis-
sionais compreendam as diferenças
de raça e de cultura presentes na so-
ciedade brasileira e, assim, as res-
peitem politicamente (Neder, 1994:44).
educação, isto não significa negar a
importância de suportes materiais. O
fornecimento de medicamentos, a
complementação da renda familiar,
a criação de creches, a ligação à rede
de água e esgoto e o fornecimento de
materiais de construção para melho-
ria da casa são exemplos de supor-
tes materiais que podem potencializar
a intervenção educativa. As iniciati-
vas de valorização da abordagem
familiar nas políticas sociais centra-
das apenas em práticas educativas
OS SERVIÇOS PÚBLICOS COMUNITÁRIOS,NA MEDIDA EM QUE LIDAM COM
FAMÍLIAS EXTREMAMENTE FRAGILIZADAS,NECESSITAM REPENSAR SUA TRADIÇÃO
AUTORITÁRIA E NORMATIZADORA DE
RELAÇÃO COM O MUNDO POPULAR
PARA NÃO AS MASSACRAREM.
VASCONCELOS, E. M.
14 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999
Neste sentido, as especificidades do
trabalho social com famílias em si-
tuação de risco, principalmente a sua
extrema fragilidade que torna total-
mente contraproducente qualquer
abordagem mais autoritária, podem
contribuir na reorientação das políti-
cas sociais em direção a práticas mais
integradas às iniciativas da socieda-
de civil. Tal redirecionamento aponta
para uma redefinição da relação en-
tre os serviços públicos e a vida pri-
vada diferente tanto das propostas ne-
oliberais, centradas fundamentalmen-
te no encolhimento do setor público,
como da social-democracia, voltada
para o provimento em larga escala
pelo aparelho estatal das necessida-
des da população, na medida em que
valoriza e articula as iniciativas da
sociedade civil sem, no entanto, utili-
zá-las para justificar a diminuição da
responsabilidade estatal com os pro-
blemas sociais.
Dentro dessa perspectiva, deve-se
concentrar menos em reformas de leis,
decretos, burocracias de cúpula e mui-
to mais em posturas e práticas inova-
doras, disseminação de experiências
alternativas que caminhem em dire-
ção à autonomia e à autoconfiança
desses sujeitos subalternos. As legis-
lações e instituições existentes com-
portam grandes avanços na prática
social dirigida às famílias. O maior
desafio é dar vida às leis e às institui-
ções através da busca e difusão de no-
vas posturas (Takashima, 1994:91).
Dessa forma, um eixo fundamental do
processo de expansão da valorização
da abordagem da família nas insti-
tuições públicas é a ação educativa jun-
to aos profissionais que atuam no ní-
vel das políticas sociais locais.
O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA DOMINISTÉRIO DA SAÚDE (MS)
O tema família tem sido motivo
de acirrada polêmica no setor saúde.
Já em 1963, a Organização Mun-
dial da Saúde (OMS) publicava um
documento sobre a formação do mé-
dico de família (Informes Técnicos nooooo
década de 70, este movimento se
espalhou com intensidade no Cana-
dá, México e alguns países europeus.
Contra a tendência mundial à hospi-
talização, ao aumento da complexi-
dade tecnológica e à fragmentação
do trabalho médico em especialida-
des e subespecialidades, surgia a
proposta do médico de família que,
na verdade, representava uma volta
ao passado, quando o médico libe-
ral cuidava dos problemas de saúde
de toda a família (mas não de todas
as famílias, uma vez que dependia
da capacidade financeira familiar
para remunerá-lo). Buscava-se com-
bater desajustes da prática médica
através da reorientação da formação
profissional do médico, sem se avan-
çar na discussão da reorganização
das instituições de saúde como um
todo (Paim, 1986).
Na América Latina, com o apoio
da OMS e de instituições estrangeiras
como a Fundação Kellogg, se organi-
zam, na década de 70, seminários,
consultorias e publicações com o ob-
jetivo de divulgar essa proposta prin-
cipalmente junto às universidades.
Em um contexto brasileiro de sectari-
zação do debate político próprio de
um país vivendo sob uma ditadura
militar, a origem norte-americana da
proposta e sua proximidade com o
modelo liberal de prática médica cau-
saram uma oposição intensa de se-
tores progressistas dos profissionais
de saúde. Intensificava-se, na época,
a discussão sobre a reorganização do
sistema de saúde brasileiro.
257), decorrente da crescente preo-
cupação com a superespecialização
do trabalho médico e suas conseqü-
ências: os altos custos financeiros e
a deterioração da relação humana
com os pacientes. Foi nos Estados
Unidos da América que a proposta
do médico de família mais se expan-
diu inicialmente. Em 1969, a medi-
cina familiar foi ali reconhecida como
especialidade médica e logo no ano
seguinte já haviam sido aprovados
54 programas de residência na área
e 140 submetiam-se à aprovação. Na
O MAIOR DESAFIO É DAR VIDA
ÀS LEIS E ÀS INSTITUIÇÕES
ATRAVÉS DA BUSCA EDIFUSÃO DE NOVAS POSTURAS.
A Priorização da Família nas Políticas de Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 15
Em 1974, o governo militar so-
frera sua primeira derrota eleitoral,
apesar de todo o controle dos meios
de comunicação de massa e da re-
pressão sobre lideranças mais atu-
antes. A insatisfação política da po-
pulação crescia com o aprofunda-
mento da desigualdade social. Uma
das denúncias difundidas pela opo-
sição foi o agravamento de indica-
dores de saúde (como a mortalidade
infantil) durante o período de maior
crescimento da economia, denunci-
ando o seu caráter injusto. O gover-
no militar, vendo sua sustentação
política ameaçada, passa, entre ou-
tras iniciativas, a buscar alternati-
vas ao modelo de saúde baseado no
atendimento em hospitais privados
financiado pela previdência pública
que dominava até então. Profissio-
nais de saúde de esquerda, alguns
dos quais envolvidos em experiên-
cias de saúde comunitária junto aos
novos movimentos sociais que emer-
giam com o apoio da Igreja Católi-
ca, encontram, nesse momento, es-
paço nas instituições públicas e nos
meios de comunicação de massa para
defender e difundir suas idéias. As-
sim, no final da década de 70, dife-
rentes propostas de reorganização do
sistema de saúde brasileiro são tra-
zidas para o debate político.
Internacionalmente, assistia-se a
uma progressiva valorização da prio-
ridade de expansão de serviços de aten-
ção primária à saúde como estratégia
de reorganização do setor saúde. A
Conferência do Fundo das Nações Uni-
das para a Infância (UNICEF) e da OMS
sobre Atenção Primária à Saúde, rea-
lizada em Alma-Ata, URSS, no ano de
1978, foi um marco político dessa ten-
dência. Refletindo esse movimento in-
ternacional, no Brasil vão-se constitu-
indo e se sucedendo uma série de pro-
gramas voltados para a multiplicação
de serviços de atenção primária à saú-
de, de uma forma inicialmente desar-
ticulada do restante dos serviços de
saúde, mas que, aos poucos, conse-
guem se integrar e reformular parci-
almente a lógica global de funciona-
mária à saúde deveria ser expandi-
do. De um lado, existia a proposta
do médico de família, que significa-
va uma atualização da medicina li-
beral do passado voltada para o
atendimento de famílias para o novo
contexto da atenção primária, trazen-
do, como conseqüência, uma centra-
lização do serviço na figura do mé-
dico. De outro lado, havia a propos-
ta trazida das experiências alterna-
tivas de saúde comunitária gestadas
nas décadas de 70 e 80 principalmen-
te junto à ação pastoral da Igreja
Católica em estreita relação com os
movimentos sociais emergentes, que
se baseavam no trabalho de equipe
e na relação educativa com a popu-
lação. Por serem experiências estru-
turadas inicialmente fora do apare-
lho do Estado (com exceção de expe-
riências levadas à frente, de forma
marginal, por algumas universida-
des e secretarias estaduais de saú-
de), caracterizavam-se pela falta de
recursos materiais e pela criativida-
de no uso de recursos locais, no que
eram criticadas como se propuses-
sem uma adaptação barata e sem
qualidade da medicina para os po-
bres, ajudando o Estado a justificar
os poucos recursos liberados para
esses serviços.
Entretanto, um terceiro modelo se
tornou hegemônico junto ao movi-
mento de profissionais envolvidos
com a reforma do sistema de saúde.
Esse modelo foi o defendido pelo
grupo que concentrava seus esforços
e interesses na reforma e na luta
mento do sistema, na medida em que
deslocam o eixo da assistência antes
centrada nos hospitais, possibilitam
uma maior integração entre ações pre-
ventivas e curativas e tornam mais pre-
mente a discussão sobre a hierarqui-
zação e a territorilização da atenção à
saúde. São os primórdios do Sistema
Único de Saúde (SUS).
Um dos debates políticos impor-
tantes que polarizou, na época, os
profissionais envolvidos no proces-
so de mudança do sistema de saúde
foi sobre que modelo de atenção pri-
NO FINAL DA DÉCADA DE 70,DIFERENTES PROPOSTAS DE
REORGANIZAÇÃO DO SISTEMA
DE SAÚDE BRASILEIRO SÃO TRAZIDAS
PARA O DEBATE POLÍTICO.
VASCONCELOS, E. M.
16 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999
política no âmbito das instâncias
administrativas das instituições de
saúde. Para esse grupo (constituído
majoritariamente por profissionais
que não tinham vivido experiências
significativas de atenção à saúde jun-
to às classes populares e que, por-
tanto, não colocavam como priori-
dade o investimento na reformula-
ção da profunda inadequação da prá-
tica médica tradicional no meio po-
pular) a prioridade estava na multi-
plicação dos serviços básicos, sua
integração junto aos serviços mais
sofisticados e não na busca de um
novo modelo de atendimento em ní-
vel local. Os novos serviços expan-
didos a partir dessa lógica eram es-
truturados a partir do planejamento
feito por profissionais situados fora
dos serviços locais. Apesar de incor-
porarem uma série de atividades
preventivas e de alcance coletivo, o
atendimento de problemas concretos
de saúde da população continuou a
ser abordado dentro do modelo mé-
dico tradicional com a participação
de, pelo menos, especialistas em
pediatria, clínica médica, ginecolo-
gia-obstetrícia e odontologia. A jus-
tificativa desse modelo é a comple-
xidade das patologias que predomi-
nam nos centros urbanos que exigi-
ria uma especialização da estrutura
de atenção médica. Médicos genera-
listas e agentes comunitários de saú-
de seriam inadequados para essa
realidade (Misoczky, 1994). Mas o
que mais contribuiu na consolidação
desse modelo nos serviços básicos
de saúde foi a difusão do padrão
especializado e tecnificado da medi-
cina, dominante no restante dos ser-
viços. A despreocupação com a bus-
ca de modelos alternativos de aten-
ção médica nos novos serviços, por
parte da maioria dos profissionais
envolvidos na reforma do sistema
de saúde, facilitou a incorporação do
padrão médico tradicional. Assim, os
centros de saúde que se expandiram
nas cidades têm no termo ‘policlíni-
sem acompanhamento dos pacientes
e com uma relação impessoal com a
clientela (Campos, 1994).
A disputa entre os defensores des-
ses modelos de organização dos ser-
viços básicos de saúde se arrastou
durante toda a década de 80, apesar
de o nítido enfraquecimento dos dois
primeiros grupos. Um campo impor-
tante desse embate foram os cursos
de especialização em medicina pre-
ventiva e social, que os defensores
das várias correntes buscavam ori-
entar segundo suas crenças. Em
1981, o Conselho Nacional de Resi-
dência Médica do Ministério da Edu-
cação aprovou a criação do curso de
especialização em medicina geral
comunitária que passou a se consti-
tuir em importante pólo de agluti-
nação de profissionais provenientes
das experiências alternativas de saú-
de comunitária. Anos depois, o Con-
selho Federal de Medicina aprovou
a medicina geral comunitária como
especialidade médica. Já os profis-
sionais ligados ao movimento da
medicina familiar não conseguiram
se institucionalizar significativamen-
te no Brasil. Esses dois movimentos
minoritários sobreviveram, tam-
bém, a partir de experiências transi-
tórias em alguns municípios.
Os anos 90 trouxeram para o se-
tor saúde uma revalorização do tema
família. A consolidação em Cuba, no
fim da década de 80, de uma ampla
reformulação do modelo de atenção
primária à saúde baseada no médi-
co de família foi muito importante
O QUE SE OBSERVA, NA MAIORIA
DOS SERVIÇOS, É O MODELO DO
‘PRONTO-ATENDIMENTO’, CENTRADO
ESSENCIALMENTE NO ATENDIMENTO
SINTOMÁTICO DOS PROBLEMAS,SEM ACOMPANHAMENTO DOS
PACIENTES E COM UMA RELAÇÃO
IMPESSOAL COM A CLIENTELA.
ca’ a melhor denominação para a
imagem que orienta o discurso da-
queles que ali trabalham; mas, na
prática concreta, a carência material
e o descaso político com que vêm
sendo operacionalizados, tem impe-
dido, até mesmo, a implantação des-
se modelo médico tradicional. O que
se observa, na maioria dos serviços,
é o modelo do ‘pronto-atendimento’,
centrado essencialmente no atendi-
mento sintomático dos problemas,
A Priorização da Família nas Políticas de Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 17
para quebrar resistências dos pro-
fissionais de saúde de esquerda às
propostas voltadas para repensar o
atendimento médico a partir das
unidades família e comunidade. Tam-
bém para outros setores da socieda-
de brasileira, o sucesso do sistema
de saúde cubano foi importante para
difundir o modelo.
Em 1984, quando se iniciou a im-
plantação em escala nacional do pro-
grama de médico de família em Cuba,
toda a população era atendida, no
nível primário, em policlínicas or-
ganizadas a partir das especialida-
des médicas e odontológicas básicas.
Foi buscando melhorar as relações
entre o conhecimento médico especi-
alizado e as atividades de preven-
ção e promoção da saúde que se ini-
ciaram experiências que culminaram
no programa de médico de família.
Hoje, cada policlínica (nas áreas ur-
banas) ou hospital rural conta com
cerca de 20 equipes de médico e en-
fermeira de família. Cada equipe fica
responsável por uma área, conten-
do entre 120 e 140 famílias (600 a
700 pessoas), atendendo em consul-
tórios que também são a residência
dos profissionais. As famílias são
acompanhadas de perto no que tan-
ge ao tratamento e prevenção dos
problemas de saúde, resultando em
acentuada melhoria das condições de
saúde da população (UNICEF, OPS/OMS,
CUBA, 1991).
O ressurgimento, nos anos 90,
do tema família no debate político
brasileiro, trazido, em parte, pelo
problema da criminalidade das cri-
anças e adolescentes vivendo na rua
e as reações violentas de setores da
sociedade aos mesmos, ajudou a cri-
ar o clima cultural propício à reori-
entação das políticas de saúde. As
epidemias de cólera e dengue con-
tribuíram, também, para evidenci-
ar as limitações dos novos serviços
de saúde expandidos, principalmen-
te no que tange à implementação de
delo médico tradicional, passam a
buscar novas formas de atuação.
Alguns governos municipais criam
condições para a ampliação insti-
tucional dessas experiências.
O Ministério da Saúde, em
1993, reúne alguns coordenadores
de experiências de atenção primá-
ria à saúde centradas nas dimen-
sões comunidade e família para
discutir um projeto nacional de re-
orientação dos serviços básicos de
saúde, sendo então lançado o Pro-
grama Saúde da Família. Incorpo-
ra a inovação de deslocar o eixo
de preocupação centrada na figura
do médico que marcava a propos-
ta da medicina familiar para uma
preocupação com toda a equipe de
saúde. Procura apoiar um modelo
de atuação em nível local, buscan-
do, no entanto, influenciar a tota-
lidade do sistema de saúde. Alguns
municípios são escolhidos como
campo de teste e aprimoramento do
Programa. Entre eles, Quixadá,
município do sertão cearense go-
vernado, na época, por prefeitura
ligada ao Partido dos Trabalhado-
res, teve um papel central no deli-
neamento e irradiação do modelo
que, posteriormente, passou a ser
expandido a outros municípios.
O Programa propõe a criação de
uma equipe de saúde composta de
um médico generalista, uma enfer-
meira, uma auxiliar de enfermagem
e seis agentes comunitários de saú-
de que se responsabilizaria por uma
área geográfica onde habitam entre
O MINISTÉRIO DA SAÚDE, EM 1993,REÚNE ALGUNS COORDENADORES DE
EXPERIÊNCIAS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA
À SAÚDE CENTRADAS NAS DIMENSÕES
COMUNIDADE E FAMÍLIA PARA DISCUTIR
UM PROJETO NACIONAL DE REORIENTAÇÃO
DOS SERVIÇOS BÁSICOS DE SAÚDE,SENDO ENTÃO LANÇADO O
PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA.
ações de promoção à saúde mais
integradas ao cotidiano da popula-
ção. Expande-se, neste contexto, o
Programa de Agentes Comunitári-
os de Saúde. Com o passar dos
anos, após a fase de implantação
mais intensa dos serviços de aten-
ção primária à saúde, vão-se acu-
mulando experiências de profissi-
onais envolvidos no atendimento
local que, angustiados com o mo-
VASCONCELOS, E. M.
18 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999
600 e 1.000 famílias. Os profissio-
nais devem residir no município e
trabalhar em tempo integral. O agen-
te comunitário de saúde deve residir
na área sob sua responsabilidade.
A implantação do Programa é de res-
ponsabilidade do município, mas
recebe o apoio de secretarias esta-
duais de saúde e do Ministério da
Saúde (BRASIL, 1996).
Um significado positivo do Pro-
grama Saúde da Família foi tornar
central no setor saúde a discussão
do modelo de atuação local, supe-
rando parcialmente a preocupação
quase absoluta com os aspectos do
planejamento e administração do
sistema. Visitando alguns municí-
pios que já implantaram o Progra-
ma, tenho notado, no entanto, que
não está ocorrendo ainda uma dis-
cussão aprofundada do modo de
relação entre os profissionais e a
população local. Em alguns muni-
cípios, o Programa significou mais
uma modificação institucional
(nova divisão de trabalho entre os
profissionais, deslocamento do lo-
cal de atuação, acréscimo na remu-
neração da equipe etc.) do que uma
maior aproximação com o cotidia-
no das famílias. Passa a se deno-
minar de saúde da família práti-
cas tradicionais de abordagem in-
dividual ou de relação com os gru-
pos comunitários. Qualquer tipo de
intervenção da equipe é considera-
do como familiar. Ao não ter clara
a distinção entre o que deve ser
abordado no nível do indivíduo, da
família ou dos diferentes grupos
comunitários, o termo família per-
de sua especificidade. Não se tem
mostrado clara a diferenciação en-
tre as várias situações de risco vi-
venciadas pelas famílias ou entre
os diversos contextos familiares
em que se situam os problemas de
saúde para, assim, distinguir as di-
ferentes metodologias de aborda-
gem necessárias. Isto ocorre por-
que o eixo que orienta a interven-
ção familiar são os programas de
saúde pública definidos e padroni-
não considerar e trabalhar com a
complexidade das manifestações
locais dos problemas de saúde.
O Programa Saúde da Família
tem-se expandido, principalmente,
em áreas onde ainda não existem cen-
tros de saúde bem-estruturados.
Suas unidades, muitas vezes, vêm-
se colocando como substitutas dos
mesmos. Um desafio central do Pro-
grama é mostrar sua capacidade de
integração com serviços locais de
saúde bem-estruturados, redefinindo
qualitativamente seu modelo de atu-
ação, mostrando, como aconteceu em
Cuba, que não é apenas uma pro-
posta de atenção simplificada e ba-
rata para áreas rurais e pobres do
País. Mostrar que, ao contrário de
simplificação, é um alargamento da
atenção primária à saúde em dire-
ção à incorporação de práticas pre-
ventivas, educativas e curativas
mais próximas da vida cotidiana da
população e, principalmente, dos
seus grupos mais vulneráveis. Pro-
var, portanto, que não é apenas uma
nova forma da proposta de atenção
primária à saúde seletiva, que se
atém à abordagem de problemas de
saúde delimitados, mas de grande
impacto na diminuição da mortali-
dade. Se antes essa atenção primá-
ria seletiva priorizava sua ação so-
bre doenças de fácil tratamento e
grande mortalidade, como a diarréia
e a pneumonia , no conjunto da po-
pulação, agora teria encontrado uma
nova forma de economia de recur-
sos ao concentrar sua intervenção
O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA
TEM-SE EXPANDIDO, PRINCIPALMENTE,EM ÁREAS ONDE AINDA NÃO
EXISTEM CENTROS DE SAÚDE
BEM-ESTRUTURADOS.
zados nas instâncias hierarquica-
mente superiores da burocracia do
setor saúde. A percepção e a inter-
venção dos profissionais locais ten-
dem, então, a ficar restritas. Nas
visitas às famílias, a atenção fica
muito dirigida aos aspectos que os
diversos programas priorizam,
como a amamentação, o uso de
rehidratante oral, o controle da hi-
pertensão etc. Se de um lado esta
padronização facilita a expansão
do programa, de outro lado, sim-
plifica e empobrece seu alcance por
A Priorização da Família nas Políticas de Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 19
basicamente sobre as famílias mais
vulneráveis ao adoecimento e à mor-
te, distanciando-se ainda mais da
perspectiva de uma atenção integral
a toda a população.
O futuro de um programa, as-
sim tão recente, será definido no
jogo político entre os atores envol-
vidos na sua operacionalização.
Mas, sem dúvida, ele representa
uma primeira tentativa significati-
va de reformulação, em escala na-
cional, do modelo de atenção pri-
mária à saúde. Desde os anos 70,
vêm ocorrendo uma série de expe-
riências isoladas de organização de
serviços locais de saúde bastante
integradas aos movimentos sociais
locais, onde surgiram iniciativas
muito criativas. A forte presença da
tradição da educação popular nos
trabalhos comunitários na Améri-
ca Latina tem sido importante para
dar a essas experiências um cará-
ter inovador em relação ao que vem
sendo realizado em outros países.
Há, portanto, no Brasil, um gran-
de número de profissionais e lide-
ranças de movimentos sociais de-
tentores de um significativo saber
sobre a condução criativa da aten-
ção primária à saúde. Mas não bas-
ta alguns profissionais e lideran-
ças saberem conduzi-las. É preciso
que este saber fazer se generalize
na instituição como um todo, des-
cobrindo os caminhos administra-
tivos de sua operacionalização
ampliada. Este é o desafio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARROYO, M. G., 1991. Apresentação.
In: DIAS, N. M. de O. Mulheres, Sa-
nitaristas de Pés Descalços. São
Paulo: Hucitec. p.11-15.
BRASIL, 1996. Saúde da Família: uma
estratégia de organização dos ser-
viços de saúde (documento preli-
minar). Brasília: Ministério da
Saúde, Coordenação de Saúde da
Comunidade.
CAMPOS, G. W. de S., 1994. A Saúde
Pública em Defesa da Vida. 2.ed.
São Paulo: Hucitec. 175p.
CARVALHO, M. do C. B. de., 1994. A
priorização da família na agenda
da política social. In: KALOUSTIAN,
S. M. (Org.) Família Brasileira: a
base de tudo. São Paulo: Cortez.
p.93-108.
CHAUÍ, M., 1986. Conformismo e Re-
sistência: aspectos da cultura po-
pular no Brasil. São Paulo: Brasi-
liense. 179p.
COSTA, A. C. G., 1994. A família como
questão social no Brasil. In: KA-
LOUSTIAN, S. M. (Org.) Família Bra-
sileira: a base de tudo. São Paulo:
Cortez. p.19-25.
DURHAM, E., 1980. A família operária:
consciência e ideologia. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, 23(2).
FERRARI, M. & KALOUSTIAN, S., 1994.
Introdução. In: KALOUSTIAN, S. (Org.)
Família Brasileira: a base de tudo.
São Paulo: Cortez. p.11-15.
MISOCZKY, M. C., 1994. A medicina de
família, os ouvidos do príncipe e
os compromissos do SUS. Saúde
em Debate, (42):40-44.
NEDER, G., 1994. Ajustando o foco das
lentes: um novo olhar sobre a or-
ganização das famílias no Brasil.
In: KALOUSTIAN, S. M. (Org.) Famí-
lia Brasileira: a base de tudo. São
Paulo: Cortez. p.26-46.
PAIM, J. S., 1986. Medicina familiar
no Brasil: movimento ideológico
e ação política. In: ___ Estudos
de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro:
Abrasco, n.4, p.11-25.
TAKASHIMA, G. K., 1994. O desafio da
política de atendimento à família:
dar vida às leis – uma questão de
postura. In: KALOUSTIAN, S. M. (Org.)
Família Brasileira: a base de tudo.
São Paulo: Cortez. p.77-92.
FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA/
ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE/
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE
(UNICEF/OPS/OMS), 1991. El Plan
del Médico de la Familia en Cuba.
Cuba: Ministerio de Salud Publica.
HORTALE, V. A.
20 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999
ARTIGO
RESUMO
Este artigo faz uma revisão das principais teorias e autores que desenvolve-
ram estudos críticos sobre as teorias organizacionais. A organização pública
de saúde foi o universo do estudo, no seu duplo aspecto: estrutura e dinâmica.
Foi apresentado o pensamento inovador de alguns autores dessa área, referido
às categorias descentralização e autonomia. Considerou-se que deveria existir
uma relação de interdependência entre a implementação de uma política pública
e a estruturação de uma organização. Concluiu-se que, para um Estado que se
visse cercado por um conjunto de situações novas quer no plano político quanto
institucional, tanto a descentralização quanto a autonomia apareceriam como
alternativas viáveis.
PALAVRAS-CHAVE: organizações; descentralização; autonomia.
ABSTRACT
This article reviews the main theories and authors that developed critical studies
on organization theory. Public health organizations are the universe of this study
in both aspects: structure and dynamics. Innovative perspectives are presented
with reference to decentralization and autonomy in this area. An interdependent
relationship among the implementation of a public policy an organization’s structure
and these categories is supposed to exist. The conclusion is that decentralization
and autonomy would be one of the possible alternatives for a State that were
experiencing new situations at both political and institutional level.
KEY WORDS: organizations; decentralization; autonomy.
A descentralização e a autonomia na perspectivadas organizações1
Decentralization and autonomy in the perspective of organizations
Virginia Alonso Hortale2
1 Este trabalho é uma adaptação do
capítulo II da Tese de Doutorado da autora:
Descentralização, Autonomia Gerencial e
Participação: alternativas à crise ou
transição para um sistema de saúde
diverso? Estudo de caso na região Emilia
Romana, Itália. Escola Nacional de Saúde
Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 1996.
2 Pesquisadora do Departamento de
Administração e Planejamento em Saúde
da Escola Nacional de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz.
Rua Leopoldo Bulhões, 1480
7o and., 21041-210, Rio de Janeiro.
Tel/Fax:(021)290-0993.
E-mail: [email protected]
A Descentralização e a Autonomia na Perspectiva das Organizações
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999 21
INTRODUÇÃO
Nas duas últimas décadas, as
propostas de descentralização e au-
tonomia de gestão das organizações
públicas, fazendo parte do processo
de construção do Estado democráti-
co, sempre estiveram na agenda po-
lítica dos setores hegemônicos e con-
tra-hegemônicos da sociedade. Vari-
aram, porém, as maneiras como es-
sas propostas foram implementadas,
quer em função das características e
peculiaridades de cada país, quer de
interpretações diferenciadas acerca
do significado dos termos descentra-
lização e autonomia.
O termo descentralização tem um
elevado grau de ambigüidade, dado
principalmente pela multiplicidade
de conceitos e pela heterogeneidade
social e política dos setores que a
estariam defendendo (Jacobi, 1990).
Já o termo autonomia pode ser defi-
nido como sinônimo de responsabi-
lidade, tanto individual quanto para
a organização (Tissier, 1988).
Visando contribuir para um me-
lhor entendimento das concepções te-
óricas que embasam essas idéias,
apresentaremos a seguir uma revi-
são das principais teorias e de auto-
res que desenvolveram estudos críti-
cos sobre as teorias organizacionais.
Nesse sentido, a organização pú-
blica de saúde foi o nosso universo,
em um duplo aspecto, ou seja, en-
quanto estrutura e dinâmica. Procu-
ramos resumir o pensamento inova-
dor de alguns autores dessa área,
principalmente por estarem referidos
a um processo de transformação. Sa-
bemos, porém, do risco de termos
sido pouco originais.
AS ORGANIZAÇÕES E SUAS TEORIASEM PERSPECTIVA
A evolução das diversas teorias or-
ganizacionais esteve principalmente
relacionada às características sociocul-
turais da sociedade no momento em
que foram propostas. O modelo clás-
sico, por exemplo, visou operaciona-
soal de tarefas, onde caberia aos agen-
tes adaptarem-se a essa padronização
(the one best way). Existiria, portanto,
uma autoridade centralizada e hierár-
quica, além de uma especialização de
funções (Motta & Pereira, 1986).
O modelo burocrático, variante
advinda dessa racionalidade, ressal-
taria a característica de impessoali-
dade da organização. O planejamen-
to nesses modelos seria de natureza
normativa, com ênfase na quantifi-
cação. A preocupação com a integra-
ção do operário na organização, sur-
gida com a mudança da correlação
de forças sociais envolvidas no pro-
cesso de produção, possibilitou o pos-
terior desenvolvimento desse mode-
lo, que foi subdividido em duas ver-
tentes: a de relações humanas (ênfa-
se no trabalho em grupo) e a com-
portamentalista (participação dos tra-
balhadores no processo decisório)
(Abreu, 1982; Uribe Rivera, 1991).
Na década de 60, a análise das
organizações incorporou a teoria
de sistemas, justificada pelo fato
de que não teria sentido estudá-las,
levando em consideração apenas os
comportamentos individuais. As
organizações seriam observadas à
luz dessa teoria enquanto sistemas
abertos e enquanto um conjunto de
subsistemas em constante intera-
ção. Possuiriam mecanismos de re-
troalimentação entre seus subsis-
temas internos com grande capaci-
dade de adaptação.
No entender de Uribe Rivera
(1991), o uso dessa teoria na análise
lizar a teoria da organização burocrá-
tica formulada por Max Weber, com o
objetivo de legitimar o capitalismo mo-
nopolista das grandes empresas cria-
das no século XX. Seus fundadores fo-
ram Taylor, nos Estados Unidos e
Fayol, na França. Esse modelo apre-
sentava como postulado básico o de
que o homem seria um ser eminente-
mente racional. Como conseqüência,
a organização seria um conjunto pro-
dutivo altamente normatizado, padro-
nizado através de um sistema impes-
O TERMO DESCENTRALIZAÇÃO TEM UM
ELEVADO GRAU DE AMBIGÜIDADE,
DADO PRINCIPALMENTE PELA MULTIPLICIDADE
DE CONCEITOS E PELA HETEROGENEIDADE
SOCIAL E POLÍTICA DOS SETORES
QUE A ESTARIAM DEFENDENDO.
HORTALE, V. A.
22 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999
das organizações teve alguns méri-
tos. Um deles foi o de ter possibilita-
do que as organizações fossem ana-
lisadas globalmente, já que essa teo-
ria estaria contemplando a existên-
cia de vários subsistemas (técnicos e
sociais, dentre outros). Porém, essa
teoria, por não possibilitar a identi-
ficação das variáveis que estariam
causando maior impacto na organi-
zação, lhe daria um caráter parcial e
inacabado. Um outro problema, tam-
bém apontado por Motta & Pereira
(1986), foi o de que as análises que
foram realizadas a partir de experi-
ências particulares fizeram generali-
zações que não puderam ser valida-
das em estudos posteriores.
As teorias que se seguiram –
contingencial e dinâmica –, apre-
sentadas enquanto variantes da te-
oria de sistemas, procuraram su-
prir suas lacunas dando ênfase às
variáveis que causassem maior
impacto no desempenho da orga-
nização. Uma delas seria a ambi-
ência externa enquanto variável de-
pendente da dinâmica das organi-
zações. Como conseqüência práti-
ca, o enfoque de planejamento ado-
tado seria o estratégico, permitin-
do adaptações às variações dessa
ambiência, dentre elas a adminis-
tração, que passaria a ser feita por
objetivos e através de estruturas
mais descentralizadas (estrutura
matricial) (Uribe Rivera, 1991).
Pettigrew et al. (1992), discutin-
do as diversas vertentes que sur-
giram decorrentes da teoria contin-
gencial, observaram que a questão
crítica central nessa teoria era a de
que ela não estaria levando em con-
sideração os determinantes sociais
e culturais das organizações. Es-
ses autores, mesmo críticos a essa
teoria, apontaram como principal
vantagem, o fato de ela não consi-
derar que devesse existir the one
best way, defendida pelo modelo
clássico. Ao contrário, a estrutura
da organização nessa teoria deve-
ria estar associada à natureza da
tarefa desempenhada.
Nesse modelo, ele discutiu algu-
mas hipóteses relativas, por um
lado, à interferência da ambiência
externa na definição da estrutura
da organização e, por outro, à dis-
tribuição de poder dentro dela.
Com relação à interferência da
ambiência externa nessa estrutura,
destacamos as cinco possibilidades
que caracterizariam a organização:
quanto mais dinâmico fosse o
ambiente, mais orgânica seria a es-
trutura, ou seja, teria maior capaci-
dade de adaptação;
quanto mais complexo fosse o
ambiente, mais descentralizada se-
ria a estrutura;
quanto mais uma organização
tivesse mercados diversificados,
maior tendência ela teria de se divi-
dir em unidades organizadas, base-
adas nesse mercado;
para uma situação em que o
ambiente fosse hostil, a organização
centralizaria temporariamente sua
estrutura;
caso existissem situações desi-
guais no ambiente, a organização
criaria constelações de trabalhos di-
ferenciados e descentralizaria suas ati-
vidades de forma seletiva na direção
dessas constelações.
Quanto à distribuição de poder
dentro da organização, enquanto
um fator de contingência, destaca-
mos três possibilidades:
quanto maior controle externo
fosse exercido sobre a organização,
Mintzberg (1982:248), que rea-
lizou estudos acerca da estrutura e
da dinâmica das organizações em
geral, baseou-se inicialmente na
abordagem sistêmica, superando-a,
porém, quando definiu a organiza-
ção como um conjunto de sistemas
interdependentes de fluxos de au-
toridade e de comunicação infor-
mal. Esse autor propôs um mode-
lo para sua análise, juntando ele-
mentos tanto da teoria contingen-
cial quanto da teoria dinâmica,
considerando-as complementares.
MINTZBERG DEFINIU A ORGANIZAÇÃO
COMO UM CONJUNTO DE SISTEMAS
INTERDEPENDENTES DE FLUXOS
DE AUTORIDADE E DE
COMUNICAÇÃO INFORMAL.
A Descentralização e a Autonomia na Perspectiva das Organizações
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999 23
mais centralizada e formalizada ela
seria. Esse controle poderia ser exer-
cido quando o gerente fosse direta-
mente responsável por tudo o que
ocorresse dentro da organização e
quando fossem impostas, de fora
para dentro, padronizações clara-
mente definidas. Em conseqüência,
a organização teria uma estrutura
mais burocrática;
a necessidade de poder deman-
dada pelos membros da organização
faria com que essa tivesse uma es-
trutura excessivamente centralizada;
existiria uma forma, seja es-
trutural ou cultural, que poderia fa-
zer com que as organizações se
adaptassem às situações, mesmo que
essas adaptações não fossem apro-
priadas para elas.
Assim, as organizações teriam
uma estrutura altamente lógica, no
que diz respeito à sua missão e à
sua especialização. Esses dois ele-
mentos se agrupariam para determi-
nar a distribuição de poderes de de-
cisão e fortalecer suas ligações late-
rais. O poder de decisão ao interior
de uma organização complexa po-
deria ser mais forte se ela fosse des-
centralizada e, como conseqüência,
com capacidade de responder rapi-
damente às condições locais.
A existência de uma estrutura
descentralizada foi, também, con-
siderada como um meio de moti-
vação dos agentes nessa distribui-
ção de poderes. Dessa forma, o pro-
cesso de decisão estaria totalmen-
te descentralizado se o gerente con-
trolasse somente as opções e tives-
se seu poder diminuído dentro da
hierarquia, em benefício dos que
detivessem a informação e execu-
tassem as ações.
Em síntese, os elementos que te-
riam uma importante influência na
estruturação da organização seriam
as necessidades de poder dos mem-
bros da organização e suas formas,
que fariam parte da cultura. Entre-
tanto, o próprio Mintzberg observou
apenas superestruturas, sistemas e
subsistemas a ser integrados. Nessa si-
tuação, o conflito entre a parte e o todo
só pode aparecer como disfunção, na
medida em que tudo é pensado em ter-
mos de uma harmonia universal.
A discussão das possíveis aborda-
gens no estudo das organizações foi
feita por Motta & Pereira (1986:212),
considerando que a concepção sistê-
mica suporia o estudo funcional. Lem-
braram, entretanto, que essas duas
formas não estariam separadas de um
estudo histórico.
As abordagens sistêmica e funci-
onal, métodos particulares de pes-
quisa, são consideradas como ele-
mentos, como aspectos, de um mé-
todo único de dialética materialista,
como particularidades concretas cu-
jas aplicações são definidas pela es-
pecificidade da matéria estudada.
A abordagem funcional concentra-
ria a atenção na especificidade do con-
teúdo da atividade da administração.
As formas, a estrutura, os métodos
e as funções de todo o sistema ad-
ministrativo seriam interdependen-
tes. A abordagem sistêmica, no en-
tanto, concentraria sua atenção na
estrutura interna do sistema, por
onde estaria circulando a atividade
administrativa.
Alguns estudiosos das organiza-
ções procuraram superar os limites
da teoria de sistemas, mesmo admi-
tindo sua importância. Esses autores,
entendendo que existiriam nela lógi-
cas “simultaneamente complementa-
res, concorrentes e antagonistas” (Uri-
O PODER DE DECISÃO AO INTERIOR
DE UMA ORGANIZAÇÃO COMPLEXA
PODERIA SER MAIS FORTE SE ELA
FOSSE DESCENTRALIZADA E, COMO
CONSEQÜÊNCIA, COM CAPACIDADE
DE RESPONDER RAPIDAMENTE
ÀS CONDIÇÕES LOCAIS.
que esses elementos poderiam enco-
rajar as organizações a adotarem
estruturas que não fossem apropri-
adas às exigências dos outros fato-
res de contingência, como a idade, a
dimensão da organização, o siste-
ma técnico e a ambiência.
Motta (1986:88) criticou a vi-
são sistêmica que, com a idéia de
integração, estaria escamoteando
a dominação:
Tudo se passa como se de fato não
houvesse dirigentes e dirigidos, mas
HORTALE, V. A.
24 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999
be Rivera, 1991:144), trouxeram à
discussão algumas novas aborda-
gens, que destacamos, a seguir.
Crozier & Friedberg (1977:21) de-
finiram as organizações como um sis-
tema complexo, passível de conflitos
ao seu interior. Adotando a aborda-
gem estratégica, discutiram como ca-
tegorias centrais o poder e a ação or-
ganizada dos homens, entendendo
que as organizações deveriam ser me-
diadoras dessa ação. A partir desse
recorte, fizeram um reflexão sobre as
relações entre o ator e o sistema, con-
siderando inicialmente que a organi-
zação, dentre uma variedade de es-
truturações possíveis de um campo
de ação, seria “a forma mais visível
e formalizada, aquela que é pelo me-
nos parcialmente instituída e contro-
lada de forma consciente”.
A partir desse pressuposto, as or-
ganizações seriam vistas como um
problema a explicar, ao contrário de
outros enfoques que as consideravam
como um dado natural: “Interrogar-
se sobre a organização como um pro-
blema é tentar elaborar um modo de
raciocínio que permita analisá-la e
compreender a natureza e as dificul-
dades da ação coletiva” (idem).
As formas de organização seri-
am soluções construídas pelos ato-
res para os problemas decorrentes
da ação coletiva e, portanto, artifi-
ciais. As soluções não deveriam ser
totalmente lineares, já que esse
tipo de organização estaria apre-
sentando, pelo menos, duas ques-
tões interdependentes, ou seja,
questões da ordem da cooperação
e da incerteza ou indeterminação.
Quanto à primeira questão, os ato-
res organizariam formas de integra-
ção que permitissem a necessária co-
laboração entre eles sem retirar sua
liberdade, ou seja, “a possibilidade de
perseguirem objetivos contraditórios”
(ibid., p.22). Quanto à segunda,
o que é incerteza do ponto de vista dos
problemas é poder do ponto de vista
dos atores: as relações entre os atores,
individuais ou coletivos, e seus proble-
am e exprimem, ao mesmo tempo,
uma nova estruturação do campo ou
dos campos” (ibid., p.35).
Para que a transformação pudes-
se ser viável, o ‘conhecimento’ pas-
sou a ter um papel particular:
a constituição desse conhecimento e
sua utilização cada vez mais indispen-
sável nas nossas ações de transforma-
ção, não é possível sem uma profunda
transformação da nossa forma de raci-
ocínio e do nosso método de ação. Essa
renovação conceitual e prática passa
pelo reconhecimento da realidade e da
conversibilidade dos fenômenos de po-
der que constituem o próprio funda-
mento da ação organizada. (ibid., p.37)
Discutindo a margem de liberdade
do ator nesse processo, Crozier & Fri-
edberg sintetizaram, de forma contun-
dente e crítica, as teorias tradicionais
da organização no que diz respeito à
relação entre o ator e a organização:
...o homem não poderia ser considera-
do somente como ‘uma mão’, que o es-
quema taylorista de organização impli-
citamente supunha, nem como ‘uma
mão e um coração’, como reclamavam
os defensores do movimento de relações
humanas. Nós destacamos que tanto
uns quanto os outros esqueceram que
ele é também ‘uma cabeça, uma liber-
dade’, ou mais freqüentemente, um
agente autônomo que é capaz de calcu-
lar e manipular e que se adapta e inven-
ta em função das circunstâncias e dos
movimentos dos seus pares. (ibid., p.45)
[grifos dos autores].
Daí a necessidade de que a análi-
se das organizações passasse a le-
“INTERROGAR-SE SOBRE A
ORGANIZAÇÃO COMO UM PROBLEMA
É TENTAR ELABORAR UM MODO
DE RACIOCÍNIO QUE PERMITA
ANALISÁ-LA E COMPREENDER A
NATUREZA E AS DIFICULDADES
DA AÇÃO COLETIVA.”
mas, inscrevem-se em um campo de de-
sigualdade, estruturada por relações de
poder e de dependência. (ibid., p.24)
O reconhecimento do caráter cons-
truído das formas de organização e
das formas de ação coletiva levaria,
também, ao reconhecimento do ca-
ráter construído da transformação,
pelo fato de ela não ser completa-
mente natural. A transformação se-
ria: “um processo de aprendizagem
coletiva que permite instituir novos
construtos da ação coletiva que cri-
A Descentralização e a Autonomia na Perspectiva das Organizações
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999 25
var em consideração o conjunto de
relações de poder, de influência, de
negociações e de cálculo.
A autonomia relativa dos atores
dentro da organização estaria longe
de ser total. Foi levado em conside-
ração que os grupos (os atores), da
mesma forma que a própria organi-
zação, são um construto humano, e
“não tem sentido a não ser na rela-
ção entre seus membros” (ibid., p.50).
O seu desenvolvimento se daria a
partir de uma ‘oportunidade’ e uma
‘capacidade’ dadas pela sua própria
prática ao interior da organização.
Quanto aos limites existentes en-
tre os diversos autores que têm utili-
zado a teoria contingencial, foi con-
siderado que aqueles ainda estariam
prisioneiros de uma concepção da
ambiência externa como um elemen-
to objetivo e impessoal, a qual esta-
ria sendo imposta de forma abrupta
e automática, presa às características
formais das organizações. Dessa for-
ma, essa teoria estaria sendo elabo-
rada e conduzida nos planos eminen-
temente econômico e técnico, vendo
somente na eficácia das organizações
a função de adequação das suas es-
truturas à situação.
A ambiência externa não seria
única nem homogênea, mas consti-
tuída de uma multiplicidade de cam-
pos fragmentados, às vezes diver-
gentes e contraditórios, que represen-
tariam um primeiro elemento de in-
determinação e, como conseqüência,
de liberdade e de opção na relação
existente entre a organização e seu
ambiente. Assim, o fenômeno orga-
nizacional apareceria, em última ins-
tância, enquanto um construto polí-
tico e cultural. As soluções para os
problemas advindos da relação en-
tre organização e ambiência externa
deveriam ser pensadas nesse plano.
Embora Crozier & Friedberg fos-
sem críticos ao enfoque sistêmico
contido na teoria contingencial, con-
sideraram necessária sua comple-
mentação com a abordagem estraté-
gica, argumentando que a análise es-
tratégica sem o raciocínio sistêmico
que os indivíduos adquiririam, utili-
zariam e transformariam, ao viverem
suas relações e suas trocas com os
outros. A análise cultural, permitiria,
assim, “compreender a utilização efe-
tiva pelos atores, das potencialida-
des e oportunidades de uma situação
e a diferente estruturação dos proble-
mas daí resultantes” (ibid., p.224).
Dalle & Bounine (1976), auto-
res que aceitaram, também com
críticas, a abordagem da teoria de
sistemas na análise das organiza-
ções, identificaram nela uma di-
cotomia, quando a questão da de-
cisão era tratada. Nessa teoria, a
decisão em matéria de gestão se-
ria descentralizada, e a decisão
estratégica centralizada. Estaria,
assim, sendo mantida a dicotomia
entre autonomia e responsabiliza-
ção. Uma organização onde os
profissionais tivessem reforçada
sua autonomia na tomada de de-
cisões referidas aos problemas que
enfrentassem, ou seja, em uma
estrutura descentralizada, seria
mais homeostática do que uma
organização centralizada. A des-
centralização foi, então, definida
como a responsabilização de cada
ator com sua missão, e que ela
seria a via mais adequada para
transformar a organização.
Eraly (1988), apresentando um
modelo teórico para o estudo da es-
truturação das organizações, conside-
rou, como ponto de partida, que a
reprodução e a transformação de uma
organização deveriam ser estudadas
não passaria de uma interpretação
fenomenológica. E que, no entanto,
sem a verificação estratégica, a aná-
lise sistêmica seria especulativa.
Sem o estímulo do raciocínio estra-
tégico ela se tornaria determinista.
Esses autores introduziram a aná-
lise cultural como uma outra face da
análise estratégica. A cultura seria
formada por um conjunto de elemen-
tos da esfera psíquica e mental, com
seus componentes afetivos, cogniti-
vos, intelectuais, relacionais. Seria
um ‘instrumento’,,,,, uma ‘capacidade’,
OS GRUPOS (OS ATORES), DA MESMA
FORMA QUE A PRÓPRIA ORGANIZAÇÃO,
SÃO UM CONSTRUTO HUMANO,
E “NÃO TEM SENTIDO A NÃO SER NA
RELAÇÃO ENTRE SEUS MEMBROS.”
HORTALE, V. A.
26 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999
em conjunto, já que a organização não
teria somente uma dimensão espaci-
al, mas também, “uma profundeza
temporal” (ibid., p.23).
Compreender uma organização no
tempo, por referência ao processo de
sua estruturação, nos permite evitar a
reificação: a estrutura não é um dado
formal ou natural, mas é uma constru-
ção passada, constantemente reutili-
zada no presente (ibid., p.25)
Existiriam quatro dimensões re-
lacionadas entre si que seriam fun-
damentais para a formulação des-
se modelo:
defasagem de absorção por par-
te do gestor, da complexidade do sis-
tema organizacional, face às suas
capacidades limitadas de percepção,
atenção e reflexão;
estruturas organizacionais cri-
adas e recriadas pelas ações e inte-
rações humanas, dependendo, como
conseqüência, destas;
o passado da organização, ou
seja, sua herança tanto mental, prá-
tica e material, criaria, ao mesmo
tempo, obstáculos e mediações ao
funcionamento atual;
os sujeitos, sociais ou individu-
ais, não criariam, consciente e deli-
beradamente, o conjunto de proprie-
dades estruturais da organização.
Considerando essas quatro dimen-
sões, a organização foi definida como
um arranjo social durável e localiza-
do, construído com um objetivo deter-
minado, um conjunto estruturado de
ações e interações relativamente hie-
rarquizadas, diferenciadas e interde-
pendentes em relação aos recursos e
finalidades (ibid., p.9).
A organização se distinguiria de
outros tipos de sistemas sociais pelo
seu alto grau de auto-regulação, prin-
cipalmente por ser um construto hu-
mano. Seria, ao mesmo tempo, pro-
duto de atividades repetidas e con-
dição para o desenvolvimento des-
sas atividades, enquanto uma estru-
dustrial para a pós-industrial e con-
siderou que elas seriam radicalmente
diferentes das precedentes. Ou seja,
as organizações que se adequassem
estruturalmente, quer nos processos
quanto tecnologias, teriam maiores
chances de sobrevivência do que
aquelas que não se adequassem. Na
medida em que essa ambiência ex-
terna às organizações estivesse se
caracterizando por apresentar mai-
or turbulência, complexidade e ne-
cessidade de conhecimento, tornar-
se-ia necessário a modificação des-
sas organizações, não só estrutural-
mente como também na natureza do
seu processo de decisão.
Uma organização que tivesse
como missão oferecer serviços que
se caracterizassem pela sua eficiên-
cia e eficácia e quisesse manter-se
viva deveria ter uma estrutura flexí-
vel que lhe permitisse uma resposta
adequada a essas exigências. Essa
flexibilidade poderia ser fortalecida
em uma estrutura organizativa au-
tônoma. E como suas decisões seri-
am de natureza complexa, tornar-se-
ia necessário que um maior número
de profissionais participasse para o
alcance dos resultados esperados.
Os modelos acima apresentados
poderiam, a nosso ver, ser enrique-
cidos pela abordagem dialética da
organização vista por Van de Ven
(1992) como pertencendo à família
das teorias processuais desenvolvi-
das nos últimos anos. Para ele, a or-
ganização estaria existindo em um
mundo pluralista de eventos, de for-
tura que não pode de forma lógica
ser separada das atividades huma-
nas. Enquanto um construto huma-
no, acrescentaríamos, referenciando-
nos em Flores (1993), que as orga-
nizações poderiam também ser vis-
tas como uma rede de conversações
que estariam articulando uma rede
de compromissos.
Demè (1988) discutiu, à luz des-
sas teorias modernas, as caracterís-
ticas das organizações em um con-
texto de transição da sociedade in-
COMPREENDER UMA ORGANIZAÇÃO NO
TEMPO, POR REFERÊNCIA AO PROCESSO DE
SUA ESTRUTURAÇÃO, NOS PERMITE EVITAR A
REIFICAÇÃO: A ESTRUTURA NÃO É UM DADO
FORMAL OU NATURAL, MAS É UMA
CONSTRUÇÃO PASSADA, CONSTANTEMENTE
REUTILIZADA NO PRESENTE.
A Descentralização e a Autonomia na Perspectiva das Organizações
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999 27
ças ou de valores intrinsecamente
contraditórios, que estariam em per-
manente colisão e que competiriam
uns com os outros, objetivando o do-
mínio e o controle.
Os momentos de estabilidade e de
transformação pelos quais a organi-
zação passasse, poderiam ser expli-
cados através da abordagem dialéti-
ca enquanto um equilíbrio relativo de
poder entre forças opostas. Esse equi-
líbrio poderia romper-se, movendo-
se a organização na direção da trans-
formação. A organização, nessa abor-
dagem foi definida por Uribe Rivera
(1991:129) como “um arranjo social,
sempre provisório, que se define a
partir da multiplicidade de interesses
contraditórios dos indivíduos e gru-
pos organizacionais, supondo a pos-
sibilidade do entendimento”.
O enfoque da gerência situacio-
nal apresentado por Tissier (1988)
estaria, a nosso ver, mais próxi-
mo da abordagem dialética. En-
quanto alternativa para a gerência
tradicional, seriam destacadas,
nesse enfoque, as categorias auto-
nomia e delegação. A ambiência in-
terna seria composta por vários
elementos, passíveis de influenci-
ar seja o estilo do gestor, a cultura
da organização, a natureza das ati-
vidades exercidas, as expectativas
dos profissionais, quanto a auto-
nomia dos colaboradores. A auto-
nomia profissional, por seu lado,
seria constituída de três elementos:
o objetivo, o conjunto de conheci-
mentos e experiências (‘competên-
cia’), e a ‘motivação’, ou seja, a
vontade ou o desejo de investir a
energia pessoal.
Existiriam quatro ‘leis’ para uma
gerência situacional eficaz:
a eficácia do gestor passaria
pelo desenvolvimento das pessoas
que ele coordena, de forma que esse
desenvolvimento assegurasse o al-
cance coletivo dos objetivos;
não seria recomendável que o
gestor tivesse a priori algum estilo
ções de saúde, consideramos que a
natureza dos problemas sociais se-
ria diferente da natureza dos proble-
mas objetivos ou bem-estruturados,
que normalmente predominam em
uma organização empresarial pro-
dutora de bens não diversificados.
A área da saúde apresentaria,
então, algumas características, con-
sideradas por Uribe Rivera (1995)
como “basilares”: demanda impre-
visível e compulsória; dificuldade
para ser normatizada enquanto uma
função técnica de produção; e simul-
taneidade entre produção e consumo,
levando a um processo interativo
entre o produtor e o consumidor.
No entanto, a descentralização,
enquanto componente predominan-
temente organizacional da imple-
mentação de uma política pública,
também deveria ser apreendida.
Uma política pública seria “o
produto da atividade de uma auto-
ridade investida de poder público
e legitimidade governamental”
(Mény & Thoenig, 1993:129). Toda
política pública diria respeito a
uma teoria de transformação soci-
al, quando introduzisse uma rup-
tura ou uma inflexão em relação à
situação anterior. Se uma política
pública for concebida como uma
variável dependente, ou seja, se sua
forma e conteúdo forem determina-
dos pelas instituições, pelos ato-
res políticos e pelas atitudes dos
governantes, estariam existindo
três imperativos diferentes, que po-
deriam ser mais ou menos confli-
ou temperamento em particular, mas,
dependendo da situação, sua eficácia
consistiria em adotar um estilo que
mais se adequasse à organização;
a eficácia do gestor se daria na
permanente avaliação da autonomia
das pessoas e dos grupos;
o papel do gestor seria o de cri-
ar as condições adequadas ao desen-
volvimento dessa autonomia.
Ao enfocarmos o campo da es-
trutura e da dinâmica das organiza-
A ORGANIZAÇÃO FOI DEFINIDA
COMO “UM ARRANJO SOCIAL,
SEMPRE PROVISÓRIO, QUE SE DEFINE
A PARTIR DA MULTIPLICIDADE DE
INTERESSES CONTRADITÓRIOS DOS
INDIVÍDUOS E GRUPOS ORGANIZACIONAIS,
SUPONDO A POSSIBILIDADE
DO ENTENDIMENTO”.
HORTALE, V. A.
28 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999
tantes entre si no processo de im-
plantação de uma política pública:
imperativos “legal, organizacional
e consensual”.1
O caráter permanentemente ins-
tável da implantação seria conseqü-
ência da difícil e incerta conciliação
entre esses três imperativos. Porém,
sua implementação dependeria, de
três elementos principais, colocados
em planos diferenciados, que seri-
am, em resumo: as características do
programa; o comportamento dos
agentes que irão implementar a po-
lítica; e as reações dos grupos-alvo.
Como contraponto, foram enumera-
dos alguns elementos que poderiam
dificultar a implementação de uma
política pública:
distanciamento entre aqueles
que tomassem as decisões daqueles
que as implementassem;
pouca clareza e precisão da po-
lítica a ser implementada;
reações hostis por parte da opi-
nião pública ou de grupos com inte-
resses contrários à política a ser
implementada;
baixo estímulo por parte da-
queles que implementassem as
políticas.
O que para nós imprimiria um
ritmo maior ou menor à implemen-
tação de uma política pública seria
como a organização que a imple-
menta está estruturada. Assim, a
descentralização poderia ser, ao
mesmo tempo, objetivo e resultado
da implementação de uma política
pública, dependendo do ângulo de
observação. Nesse sentido, a des-
centralização extrapolaria a esfera
administrativa para ganhar a esfe-
ra política e um modelo de análise
deveria levar em conta essas duas
faces da moeda.
CONCLUSÃO
Ao colocarmo-nos na perspecti-
va de que deveria existir uma rela-
ção de interdependência entre a im-
plementação de uma política públi-
ca e a estruturação de uma organi-
zação, consideramos que não seria
suficiente a existência de políticas,
definidas por Pettigrew et al. (1992)
como ‘corretas’, e que objetivassem
simplesmente a transformação, mas
a existência de uma capacidade or-
ganizacional. Tanto a descentraliza-
ção quanto a autonomia, para um
Estado que se visse cercado por um
conjunto de situações novas, quer
no plano político quanto institucio-
nal, apareceria como uma alterna-
tiva viável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, A., 1982. Novas reflexões
sobre a evolução da teoria admi-
nistrativa: os 4 momentos cruci-
ais no desenvolvimento da teo-
ria organizacional. Revista de Ad-
ministração Pública, 16(4):39-52.
CROZIER, M. & FRIEDBERG, E., 1977.
L’acteur et le Système. Paris:
Éditions du Seuil.
DALLE, F. & BOUNINE, J., 1976.
Démocratie dans l’entreprise et
démocratie dans la Cité. In: DALLE,
F. & THIÉRY, N. (Eds.) Dynamique
de l’auto-réforme de l’entreprise.
Paris: Masson. p.19-41.
DEMÈ, E., 1988. L’evoluzione delle teorie
organizzative e la progettazione
organizzativa nell’Unità sanitaria
locale. In: ___ L’Azienda Sanità.
Milano: Franco Angeli. p.73-88.
ERALY, A., 1988. La Struturation de
l’entreprise. Bruxelles: Université
Libre de Bruxelles. (Mimeo.)
FLORES, F., 1993. Inventando la Empresa
del Siglo XXI. 5.ed. (Colección
Hachette/Comunicaciones).
JACOBI, P., 1990. Descentralização
municipal e participação do cida-
dão: apontamentos para o deba-
te. Lua Nova, 2:121-143.
1 MÉNY & THOENIG definiram o imperativo ‘legal’ como o respeito que os atores tem à lei e à subordinação hierárquica aos superiores. O
imperativo ‘organizacional’, à ligação que os atores manifestam com relação às normas do serviço, a facilidade técnica, a moralidade
profissional etc. O imperativo ‘consensual’, a procura pelos atores de um nível considerado aceitável de consenso entre as partes influentes
na política implementada.
A Descentralização e a Autonomia na Perspectiva das Organizações
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999 29
MÉNY, Y. & THOENIG, J. C., 1993.
Politiques Publiques. Paris: Presse
Universitaire de France.
MINTZBERG, H., 1982. Structure et
Dynamique des Organisations.
Paris: Les Éditions d’organisation.
MOTTA, F. C. P. & PEREIRA, L. C. B., 1986.
Introdução à Organização Burocrá-
tica. 5.ed. São Paulo: Brasiliense.
MOTTA, P. R., 1994. Participação e des-
centralização administrativa: li-
ções de experiências brasileiras.
Revista de Administração Pública,
28 (3):174-194.
PETTIGREW, A.; FERLIE, E. & MCKEE, L.,
1992. Shaping Strategic Change.
London: Sage Publications.
TISSIER, D., 1988. Management
Situationnel: les voies de l’autonomie
et de la délegation. Paris: Insep.
URIBE RIVERA, F. J., 1995. Comunica-
ção e gestão organizacional por
compromissos. Revista de Admi-
nistração Pública, 29(3):211-30.
URIBE RIVERA, F. J., 1991. O Agir Co-
municativo e a Planificação Estra-
tégica no Setor Social (e Sanitário):
um contraponto teórico. Tese de
Doutorado, Rio de Janeiro: Escola
Nacional de Saúde Pública, Fun-
dação Oswaldo Cruz.
VAN DE VEN, A. H., 1992. Suggestions
for studying strategy process: a
research note. Strategic Management
Journal, 13:169-188.
CECILIO, L. C. de O.
30 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 30-36, set./dez. 1999
ARTIGO
Pensando mecanismos que facilitem o controle social como
estratégia para a melhoria dos serviços públicos de saúde
Creating devices to enhance the social control of health services
1 Médico-Sanitarista. Professor do
Departamento de Medicina Preventiva e
Social/FCM/Unicamp.
Luiz Carlos de Oliveira Cecilio1
RESUMO
O autor destaca os seguintes aspectos como dificultadores do processo de
controle social sobre os serviços públicos de saúde: a existência de múltiplas
racionalidades e projetos de saúde em disputa, de forma nem sempre explicitada;
a pouca clareza do conceito de qualidade em saúde; o modelo de gestão vertical e
pouco transparente adotado no setor público e o enorme poder médico que se
mantém fechado sobre si mesmo. Como alternativa aponta algumas possibilida-
des de modernização gerencial que se traduzam em maior democratização do
saber monopolizadas pelos profissionais, em geral, e pelos médicos, em particu-
lar, e na criação de mecanismos que possibilitem a explicitação de compromissos
das organizações de saúde, bem como formas concretas de avaliação dos resulta-
dos alcançados, por parte dos usuários do sistema.
PALAVRAS-CHAVE: controle social; qualidade em saúde; sistema de gestão.
ABSTRACT
The author highlights some features that hinder the social control of health
services: the existence of multiple rationalities and health projects called into question,
although not always in explicit ways; imprecision in the concept of quality in
health; the presence of a vertical, not very transparent management model which is
adopted in the public sector and the huge medical power that keeps addressing
itself. The author shows some management modernization alternatives which may
bring about a higher level of democracy in knowledge, which is now monopolized
by professionals in general and mainly by doctors. Another result could be the
creation of devices which would make it possible to define more clearly the
commitments of health organizations and to have more effective assessment of
results regarding the system’s users.
KEY WORDS: social control; quality in health; management system.
Pensando Mecanismos que Facilitem o Controle Social como Estratégia para a...
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 30-36, set./dez. 1999 31
OS SERVIÇOS DE SAÚDE FUNCIONAM COMO
VERDADEIRAS ‘CAIXAS-PRETAS’ QUANDO SE
PENSA O CONTROLE DOS USUÁRIOS SOBRE A
QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA PRESTADA.
UM PARADOXO A TÍTULO DEINTRODUÇÃO AO TEMA
À primeira vista, pelo menos no
senso comum, as duas proposições
contidas no título acima – melhoria
dos serviços e controle social – têm
tudo a ver uma com a outra, no sen-
tido de se reforçarem mutuamente.
Ainda mais se o serviço de saúde é
‘público’ e o usuário um cidadão pa-
gador de impostos. Seria de se supor
que haveria uma confluência entre o
interesse do usuário em cobrar, acom-
panhar e exigir uma boa qualidade
no atendimento, com o interesse do
serviço em ser informado sobre suas
falhas e inadequações, no esforço de
aprimorar, cada vez mais, seu funci-
onamento. Infelizmente, as coisas não
têm sido assim tão fáceis na realida-
de brasileira mais recente. Ao con-
trário. O que se nota, na prática, é
uma dificuldade imensa dos usuári-
os de exercerem qualquer controle
sobre o funcionamento de serviços
que permanecem, via de regra, fecha-
dos sobre si mesmos e regidos por
regras e códigos que o cidadão co-
mum não consegue decifrar. Os ser-
viços de saúde funcionam como ver-
dadeiras ‘caixas-pretas’ quando se
pensa o controle dos usuários sobre
a qualidade da assistência prestada.
Assim, não ocorre a ‘parceria’ apa-
rentemente tão lógica e esperada, en-
tre serviços e usuários, na busca da
qualidade do atendimento.
Para entender este paradoxo, é
necessário um certo esforço teórico e
de investigação para que algumas
questões, que não são tão visíveis à
primeira vista, tornem-se claras e
possam, de alguma forma, orientar
nossa atuação se nosso desejo é fa-
zer do controle social um aliado im-
portante dos esforços de melhoria da
qualidade dos serviços de saúde.
Ainda, e sob forma de introdução
ao tema, é bom que se esclareça que,
o que se entende como ‘controle soci-
al’, no decorrer do texto, são todos
os mecanismos e instâncias já pre-
vistas em lei, pelo menos desde a
Constituição de 1988 e da Lei Orgâni-
dos conselhos distritais de saúde. O
conceito de ‘participação’ é entendido
na sua conotação mais abrangente,
acontecendo através de múltiplas
possibilidades de organização autô-
noma da sociedade civil, através das
organizações independentes do Esta-
do, tais como as associações de mo-
radores, conselhos de saúde, associ-
ações de doentes, grupos de mulhe-
res, que poderão ou não confluir suas
intervenções para uma atuação dire-
ta junto aos órgãos de controle pre-
vistos em lei. Os mecanismos de con-
trole formal dos usuários sobre os
serviços, apesar de insuficientes, têm
amparo legal na legislação que regu-
lamenta o funcionamento do Sistema
Único de Saúde (SUS).
ALGUMAS EXPLICAÇÕES JÁ BEMCONHECIDAS PARA O PARADOXO
APONTADO NA INTRODUÇÃO
As organizações de saúde são
verdadeiras ‘arenas’ nas quais são
disputados vários ‘projetos políticos’
(Merhy, 1992); estes entendidos como
formas particulares de diferentes ato-
res pensarem a organização dos ser-
viços, a alocação de recursos finan-
ceiros e tecnológicos e uma série de
outros aspectos que são coerentes com
as visões dos mesmos, decorrentes
de suas inserções diferenciadas tanto
na sociedade como no espaço singu-
lar das organizações de saúde. As-
sim, o dirigente da organização tem
uma visão mais governamental, de
criação de legitimidade política; os
ca da Saúde de 1990, ‘que garantem
a presença de usuários, em parceria
com os trabalhadores de saúde e re-
presentantes governamentais, em
processos efetivos de formulação de
políticas, planejamento e gestão tan-
to dos serviços de saúde como dos
próprios órgãos governamentais, nas
várias esferas de governo’. Refere-se
aqui, especificamente, aos conselhos
gestores ao nível dos serviços de saú-
de, aos conselhos municipais e esta-
duais de saúde e seus corresponden-
tes em outros níveis, como é o caso
CECILIO, L. C. de O.
32 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 30-36, set./dez. 1999
trabalhadores de saúde estão interes-
sados em salários, em boas condi-
ções de trabalho e, para um número
expressivo deles, em seu aprimora-
mento profissional; os usuários es-
tão preocupados com o acesso aos
serviços, em serem bem-recebidos e
terem seus problemas resolvidos. A
coisa complica mais ainda quando
verificamos que o termo ‘trabalhado-
res de saúde’ comporta várias cate-
gorias profissionais, muito diferen-
ciadas entre si, com projetos políti-
cos, às vezes, conflitantes. Basta lem-
brar a distância que existe entre os
médicos e os auxiliares de saúde, tan-
to em termos de salários, como valo-
rização profissional, grau de autono-
mia para o desenvolvimento do tra-
balho e assim por diante. Portanto, o
que se pode depreender dessa obser-
vação é que falar de ‘serviço de saú-
de’ como se fosse uma coisa funcio-
nalmente única que ‘naturalmente’
deveria trabalhar em parceria com os
usuários, é uma maneira muito sim-
plista de se ver o problema. Mesmo
porque também sob a palavra ‘usuá-
rios’ abrigam-se múltiplos interesses,
expectativas, ‘projetos’, enfim, mui-
to diferenciados. Assim, dá para co-
meçar a perceber que o ‘paradoxo’
apontado na introdução talvez não
seja um paradoxo de fato.
As organizações públicas de saú-
de são ‘habitadas’ por distintos ato-
res que têm interesses e ‘projetos’
nem sempre coincidentes.
Esses atores que se entrecruzam
no espaço das organizações públi-
cas de saúde, além de projetos dife-
renciados, controlam recursos mui-
to diferenciados também. O represen-
tante governamental, que em geral
é o dirigente da organização de saú-
de, controla recursos financeiros e de
poder (definição de prioridades, alo-
cação de recursos, política de pesso-
al etc.). Os trabalhadores de saúde
controlam um recurso importantís-
simo que é o saber. Além do mais,
eles controlam o recurso ‘força de
trabalho’ que é, afinal, o que man-
ções entre a eleição de um candidato
com uma determinada plataforma
eleitoral e a tradução disso em reais
melhorias no atendimento, que o ci-
dadão comum, na condição de usuá-
rio do serviço, fica sem ter a quem
recorrer. São muitas as mediações
entre o processo de eleição dos diri-
gentes e a possibilidade efetiva de
controle dos usuários sobre os ser-
viços públicos de saúde.
O usuário, de uma maneira geral,
fica em uma situação muito inferiori-
zada perante os trabalhadores de saú-
de, mais do médico em particular,
quando o recurso comparado é o sa-
ber. Na tradição desenvolvida pela
medicina ocidental moderna, o paci-
ente (e o próprio nome o diz) é muito
mais ‘objeto’ do que sujeito das inter-
venções da equipe. Talvez seja esse o
ponto mais central na discussão que
será desenvolvida na seqüência:
como diminuir a distância que sepa-
ra o usuário da equipe de saúde em
relação ao domínio de saberes muito
específicos da área da saúde. E, aqui,
os saberes dizem respeito tanto àque-
les mobilizados na atenção ou cuida-
dos – individuais ou coletivos – como
àqueles referentes ao processo de ges-
tão das unidades. Pare alguém exer-
cer o ‘controle’ sobre alguma coisa é
necessário que tenha um bom conhe-
cimento sobre o objeto que pretende
‘controlar’. E isto, na saúde, nem sem-
pre é tarefa fácil!
Para encerrar este tópico, vale
deixar uma questão para ser res-
pondida mais adiante: afinal, será
tém o serviço em funcionamento. Não
é demais recordar que os médicos
são, por este prisma, os mais pode-
rosos dos trabalhadores de saúde,
pois eles já vêm para o serviço com
esse poder legitimado pela socieda-
de. E os usuários, que recursos con-
trolam? Com certeza, o poder políti-
co de eleger seus governantes a cada
eleição e pressioná-los para que se
comprometam com a melhoria do
funcionamento dos serviços. O dra-
mático disso é que há tantas media-
AS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS DE
SAÚDE SÃO ‘HABITADAS’
POR DISTINTOS ATORES QUE
TÊM INTERESSES E ‘PROJETOS’
NEM SEMPRE COINCIDENTES.
Pensando Mecanismos que Facilitem o Controle Social como Estratégia para a...
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 30-36, set./dez. 1999 33
que é possível fazer convergir pro-
jetos tão diferenciados de forma a
somar os recursos necessários para
a qualificação da atenção prestada
aos usuários?
O conceito de qualidade da
atenção à saúde nem sempre é mui-
to claro. Isto porque já há bastante
consenso entre os estudiosos do as-
sunto de que, para se avaliar a qua-
lidade da assistência, será inevitá-
vel ter de se levar em conta duas ca-
tegorias até certo ponto considera-
das opostas: opinião versus ciência
(Nogueira, 1994). No caso da primei-
ra, há por definição o reconhecimen-
to de um componente de subjetivi-
dade de cada pessoa, a partir de sua
experiência de vida, sua ideologia,
religião ou seja lá o que for, traduzi-
da na opinião que tem sobre deter-
minado tema. A opinião não seria,
necessariamente, comprometida com
a idéia da ‘verdade’. Esta seria apa-
nágio da Ciência construída dentro
dos cânones de uma certa racionali-
dade inaugurada por Descartes e tida
como a única possibilidade de obje-
tividade do conhecimento humano.
Pois bem, a avaliação feita pelos
usuários dos serviços de saúde, no
sentido de julgá-los bons ou ruins, é
tida como do domínio da ‘opinião’.
Caberia aos técnicos ou trabalhado-
res de saúde estabelecerem critérios
de qualidade que seriam mais cien-
tíficos, ou seja, construídos dentro
dos critérios da Ciência. Qual crité-
rio de qualidade seria o mais válido
então: aquele vivenciado (na própria
pele, para não dizer no próprio cor-
po...) pelo usuário, mas afinal de
contas ‘só’ uma opinião, ou os crité-
rios ‘científicos’ estabelecidos pelos
técnicos? A avaliação da qualidade
dos serviços deverá considerar tan-
to a opinião dos usuários como cri-
térios mais ‘científicos’ e ‘objetivos’
estabelecidos pelos técnicos.
Na prática, há um reconhecimen-
to de que a opinião das pessoas é,
cada vez mais, influenciada e forma-
da pela informação científica, de for-
foi ou deveria ter sido feito (dentro
do que estabelece a Ciência), embo-
ra, valha a pena ressaltar, alguma
diferença entre as duas categorias
sempre existirá, por suas próprias
naturezas.
Ainda em relação a este ponto, é
bom lembrar que a clientela dos ser-
viços públicos constitui o que se cos-
tuma designar como ‘clientela cati-
va’, no sentido de que não pode op-
tar, no limite, por outro serviço. Nes-
sa medida, um importante compo-
nente presente na lógica do merca-
do, que é a preferência do cliente
como potente – e determinante –
mecanismo de feedback, não alimen-
ta, ou alimenta muito pouco, o pro-
cesso gerencial no setor público. O
elemento de ‘opção’, tão importante
na lógica de mercado, é quase au-
sente nos serviços públicos.
O modelo de gerência adotado
no setor público, em geral, e no se-
tor saúde, em particular, é um outro
dado a ser considerado na presente
discussão, muito particularmente em
dois aspectos, sem dúvida, dificul-
tadores de qualquer veleidade de
controle social:
– não há tradição de se explicitar
claramente a missão da organização
e seu desdobramento em objetivos e
metas bem-estabelecidos;
– não existem mecanismos regu-
lares de avaliação de desempenho e
prestação de contas no interior das
organizações (sistema de baixíssima
responsabilidade) (Matus, s. d.).
A AVALIAÇÃO DA QUALIDADE
DOS SERVIÇOS DEVERÁ CONSIDERAR
TANTO A OPINIÃO DOS USUÁRIOS
COMO CRITÉRIOS MAIS ‘CIENTÍFICOS’
E ‘OBJETIVOS’ ESTABELECIDOS
PELOS TÉCNICOS.
ma que, progressivamente, elas es-
tariam preparadas para exercer, de
forma mais competente, o controle
sobre os serviços prestados. Esta en-
tão é uma outra indicação que deve
ser levada em conta no debate a res-
peito do papel do controle social so-
bre a melhoria do funcionamento dos
serviços: os usuários podem e de-
vem ser instrumentalizados para que
haja uma aproximação entre o sen-
tido/experimentado (traduzido em
uma opinião) e a consciência do que
CECILIO, L. C. de O.
34 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 30-36, set./dez. 1999
Essas duas características, que se
constituem quase uma regra de fun-
cionamento no interior das organiza-
ções de saúde, aliadas às dificulda-
des apontadas nos itens anteriores,
em particular a de se ter uma concei-
tuação mais precisa do que seja qua-
lidade na assistência, são potenci-
alizadoras de um outro obstáculo
quando o tema é o controle social: a
resistência dos médicos em aceitarem
qualquer processo de controle exóge-
no do seu trabalho (feito de fora da
corporação). Nos últimos séculos, os
médicos foram-se legitimando, soci-
almente, como os detentores do po-
der de curar. Este processo torna-se
ainda mais marcado a partir do rela-
tório Flexner (Estados Unidos, no iní-
cio do século XX), que coloca em ba-
ses mais definitivas o que seria afi-
nal a Medicina Científica e, portanto,
a única com legitimidade suficiente
para curar as pessoas. Um dos des-
dobramentos mais marcantes deste
movimento é que, além do monopó-
lio do saber e da prática da cura, os
médicos trouxeram para o interior da
corporação o controle final da quali-
dade dessas práticas (controle endó-
geno) (Nogueira, 1994). Essa carac-
terística da prática médica, no interi-
or das organizações de saúde é, sem
dúvida, um dos mais importantes
dificultadores (senão impedidores) de
qualquer possibilidade de controle
social. Reportando à discussão inici-
al a respeito de diferentes projetos no
interior das organizações de saúde, é
interessante lembrar que a defesa in-
transigente deste monopólio, tradu-
zido nos ideais do Liberalismo, é
muito forte no interior da corporação
médica e constitui parte importante
do seu ‘projeto político’ para a saú-
de. A forte tradição de autonomia e
do ‘segredo médico’ é um dificulta-
dor importante do controle dos usuá-
rios sobre os serviços de saúde.
Como resumo de tudo o que foi
visto, é possível dizer que será ne-
cessário enfrentar cada um dos pon-
tos anteriores se a proposta é fazer
do controle social uma estratégia
– todo o processo gerencial deve
ser repensado a partir da lógica das
equipes voltadas para o atendimen-
to de clientes. Clientes aqui entendi-
dos tanto como as equipes das áreas
assistenciais, que são os clientes in-
ternos ou os usuários dos produtos
das áreas de apoio técnico (raios X,
laboratório, serviço de nutrição e di-
etética etc.), como os clientes exter-
nos (os ‘pacientes’) (Campos, 1997);
– tanto a direção do hospital,
como cada unidade de trabalho, ex-
plicitam claramente suas missões e
objetivos a serem alcançados, da
forma mais precisa possível;
– todas as equipes, tanto das áre-
as de apoio, como da área assisten-
cial, pesquisam a satisfação dos
seus clientes de forma sistemática.
No caso da pesquisa de opinião dos
pacientes, está em jogo a apreensão
de um componente de subjetividade
que as avaliações ‘técnicas’ dos ser-
viços não conseguem apreender. E,
conquanto trabalhemos com ‘clien-
telas cativas’, poderão ser um me-
canismo importante de controle so-
cial sobre os serviços;
– tanto a direção geral do hospi-
tal, como das unidades de trabalho,
deverá ser feita na forma colegiado,
democratizando e horizontalizando
a relação entre os membros da equi-
pe (Cecilio, 1997);
– são explicitamente assumidos
e construídos espaços de controle
social, na forma dos conselhos ges-
tores das unidades, com atribuições
A FORTE TRADIÇÃO DE AUTONOMIA
E DO ‘SEGREDO MÉDICO’ É UM
DIFICULTADOR IMPORTANTE
DO CONTROLE DOS USUÁRIOS
SOBRE OS SERVIÇOS DE SAÚDE.
importante e efetiva de melhoria do
funcionamento dos serviços de saú-
de. O que não é tarefa fácil também!
ALGUMAS POSSIBILIDADES DEINTERVENÇÃO, VISANDO MELHORAR
O CONTROLE SOCIAL SOBREA QUALIDADE DOS SERVIÇOS
É necessário reformular o mo-
delo de gestão das organizações de
saúde. Para tanto, algumas indica-
ções podem ser úteis:
Pensando Mecanismos que Facilitem o Controle Social como Estratégia para a...
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 30-36, set./dez. 1999 35
bem-estabelecidas de deliberarem
ativamente sobre o processo de ges-
tão da unidade. É possível e neces-
sário experimentar modelos de ges-
tão que facilitem o controle dos usuá-
rios sobre os serviços de saúde.
Dessa maneira, todo o esforço
deve ser feito no sentido de se criar
um sistema de gestão que se deno-
mina de ‘alta responsabilidade’, no
qual todos prestam contas de suas
atividades no sentido de dar maior
visibilidade à gestão da unidade.
Não é preciso muito esforço para
compreendermos o quanto tal siste-
ma de gestão é facilitador do pro-
cesso de controle social e, no entan-
to, o quanto a maneira como é feita
a gestão hoje é dificultadora (senão
impeditiva) de qualquer controle por
parte dos usuários... Não há ‘con-
trole’ possível sobre organizações
‘opacas’, verticais, que não explici-
tam suas metas e seus critérios de
qualidade e nas quais não existe res-
ponsabilização pelos atos individu-
ais e de equipe.
É necessário recolocar o papel
do médico dentro da equipe de saú-
de. Tomando como princípio que a
autonomia é uma característica in-
dissociável do trabalho médico e que
a própria qualidade final do atendi-
mento depende, em grande medida,
da radicalidade com que essa auto-
nomia é assumida e exercida, cabe-
nos então pensar se e em que grau
esta autonomia poderá se submeter
a alguma forma de controle social
e, até por proximidade, por parte da
equipe. Ou, colocado de outra ma-
neira, será que é possível um certo
deslocamento da ‘lealdade’ dos mé-
dicos para com a profissão no senti-
do de uma maior ‘lealdade’ com a
sua equipe e com a organização?
Com certeza, é possível norma-
lizar o trabalho médico dentro de
duas lógicas:
– a primeira poderia ser chama-
da da ‘lógica da corporação’ ou in-
terna. Sua tradução mais clara seri-
mento dos prontuários e demais im-
pressos, de acordo com as normas
da organização ao cumprimento de
todas as normas e rotinas que são
afetas a toda a equipe, incluindo o
médico (horários de visita e pres-
crição, contato com os familiares,
agendamento do uso do centro ci-
rúrgico, cuidados de controle da in-
fecção hospitalar e assim sucessi-
vamente). É possível, mesmo res-
peitando a autonomia do trabalho
médico, normalizar sua prática pro-
fissional tendo em conta tanto as
regras da corporação como os inte-
resses da instituição.
A normalização do trabalho mé-
dico, seguindo as duas lógicas, mes-
mo com toda a radicalidade, não fere
a autonomia de sua prática profissi-
onal. Mesmo que aqui se introduzam
mecanismos de ‘controle’ que podem
ser uma arma muito eficaz para a
melhoria dos serviços. É claro que
os mecanismos de controle, em uma
e outra lógica, são diferenciados. No
caso da segunda, o controle será
exercido em nível da equipe e da ge-
rência da unidade. No caso da pri-
meira, o controle ainda é muito in-
terno à corporação, embora hoje já
exista algum consenso, inclusive
entre entidades médicas, de que o
cuidado ao paciente é de responsa-
bilidade da equipe e, nesta medida,
pode e deve ser avaliado no plano
da equipe. Assim sendo, os protoco-
los de cuidados do paciente não são
mais matéria exclusiva dos médicos,
mas da equipe como um todo.
am os protocolos de cuidados com
os pacientes, consensuados entre os
profissionais que atuam em mesmas
áreas assistenciais. Aqui, o critério
é o da eficácia da intervenção, base-
ada nos avanços diagnósticos e te-
rapêuticos que o conhecimento mé-
dico propicia;
– a segunda seria a ‘lógica da
organização’. Sua tradução seria o
compromisso do profissional médi-
co com o processo gerencial e com
o trabalho da equipe, do preenchi-
É POSSÍVEL, MESMO RESPEITANDO
A AUTONOMIA DO TRABALHO
MÉDICO, NORMALIZAR SUA PRÁTICA
PROFISSIONAL TENDO EM CONTA
TANTO AS REGRAS DA CORPORAÇÃO
COMO OS INTERESSES DA INSTITUIÇÃO.
CECILIO, L. C. de O.
36 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 30-36, set./dez. 1999
É necessário trabalhar, inten-
samente, com instrumentos de ava-
liação do desempenho das equipes,
que sejam uma tradução a mais fiel
possível tanto dos objetivos e me-
tas propostos, quanto do que se
supõe serem determinados padrão
de excelência para as várias áreas,
em especial nas assistenciais. É o
aspecto da ‘ciência’, em contraposi-
ção à idéia de simples ‘opinião’ dos
‘leigos’, conforme discutido anteri-
ormente. Essas planilhas de avali-
ação, construídas e consensuadas
pelos técnicos, representam instru-
mentos potentes de ‘decodificação’
do saber dos profissionais de saú-
de, colocando-o mais próximo e
acessível ao usuário. Só é possível
algum controle sobre um objeto se
for possível conhecer este objeto.
Como exemplo de esforço prático
nesta direção, podem ser citadas as
experiências da Secretaria Munici-
pal de Saúde de Piracicaba (SP) e
do Hospital Municipal de Volta Re-
donda (RJ), nos quais foram cons-
truídas planilhas de avaliação com
intensa participação dos trabalha-
dores e utilizadas tanto para o pa-
gamento de gratificação por desem-
penho como instrumento para faci-
litar o acompanhamento da perfor-
mance dos serviços pelos usuários
(Cecilio, 1997 & Cecilio, 1997). No
primeiro caso, por exemplo, o pro-
cesso de aplicação das planilhas, na
medida em que foi sendo aperfeiço-
ado, passou a envolver, de forma
progressiva os conselhos gestores
locais, que passaram a participar,
de forma direta, do processo avali-
atório. Pela lógica da construção da
planilha de avaliação, era possível
aos representantes da comunidade
ter acesso a informações estratégi-
cas sobre a qualidade de algumas
ações desenvolvidas pela unidade de
saúde, tais como os principais gru-
pos de risco trabalhados e as cober-
turas alcançadas, o grau de utiliza-
ção dos recursos existentes, através
da produtividade dos vários profis-
sionais, em particular dos médicos
e dos dentistas, além de outras in-
formações como os horários de aten-
dimento, a oferta de ações possíveis
e necessárias, entre outros aspectos.
A construção de indicadores de saú-
de pode facilitar o controle dos usu-
ários, melhorando a informação dis-
ponível para os conselhos gestores.
As ‘caixas-pretas’, que são ser-
viços de saúde, precisam ser, de al-
guma maneira, abertas para o con-
trole da sociedade. E esta concepção,
ou este ‘projeto’ não é consensual
entre os atores que estão no interior
das organizações. Tem sido muito
cômodo nos protegermos sob o man-
to seguro do ‘sigilo profissional’.
Darmos algum passo na direção de
tornarmos as práticas institucionais
em saúde mais transparentes, real-
mente mais ‘controladas’ pelos usu-
ários, não será tarefa fácil, conquan-
to fundamental tanto para a melho-
ria do funcionamento dos serviços,
quanto para a construção de um País
mais justo e democrático.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPOS, G. W. de S., 1997. O Anti-
Taylor: Cândido Relato de uma Ex-
periência de Reforma Institucional
ou sobre a Invenção de um Método
para Governar Produzindo Liberda-
de, Iniciativa e Capacidade de Es-
tabelecer Compromisso entre os Tra-
balhadores. Campinas. (Mimeo.)
CECILIO, L. C. de O., 1997. Indicado-
res de avaliação de desempenho:
um instrumento estratégico para
a administração gerencial dos hos-
pitais públicos. In: ___ Agir em
Saúde: um desafio para o público.
São Paulo: Hucitec.
CECILIO, L. C. de O., 1997. Inventando
a Mudança na Saúde. 2.ed. São
Paulo: Hucitec.
MATUS, C., (s.d.). Política, Planificaci-
ón y Gobierno. Caracas: Ilpes/Fun-
dación Altadir.
MERHY, E. E., 1992. A Saúde Pública
como Política. Campinas: Papirus.
NOGUEIRA, R. P., 1994. Perspectivas da
Qualidade em Saúde. Rio de Janei-
ro: Qualitymark.
Algumas Considerações Sobre o Controle Social no SUS
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999 37
ARTIGO
Algumas considerações sobre o controle social no SUS:
usuários ou consumidores?
Some considerations concerning social control in the H.S.S.: users or consumers?
1 Doutorando em Saúde Coletiva, DMPS/
FCM/Unicamp, médico-sanitarista, diretor
de saúde SMS, Vinhedo.
2 Enfermeira, coordenadora da Vigilância
Epidemiológica da Fundação Municipal de
Saúde, Rio Claro.
3 Doutoranda em Saúde Coletiva DMPS/
FCM/Unicamp, assistente social, CRP/INSS,
Campinas.
Geovani Gurgel Aciole da Silva1
Maria Vitoria Real Mendes Egydio2
Martha Coelho de Souza3
RESUMO
O processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS) no plano
constitucional e legal tem-se concretizado através de uma concepção de Estado
ampliado e democrático; no entanto, uma concepção antagônica a de Estado mínimo
tem norteado as Normas Operacionais Básicas (NOBs), instrumento de
operacionalização do SUS. Esse processo, focalizado sobre um dos pilares do SUS
que é o controle social, mostra a disputa estabelecida nesse âmbito: a ênfase na
cidadania versus a aposta no mercado; isso conduz, necessariamente, a uma
reflexão sobre o que queremos ser: ‘usuários ou consumidores?’
PALAVRAS-CHAVE: controle social; usuário; consumidor; participação popular.
ABSTRACT
The Health Single System (H.S.S.) implementation process at constitutional
and legal level has occurred under the conception of an amplified and democratic
State. On the other hand the Basic Operating Norms, which are the H.S.S. operating
instrument, have been guided by an antagonistic conception: the one of a minimum
State. This process is focused on social control, one of the H.S.S. pillars and it
shows the established dispute: the emphasis on citizenship against the bet on the
market. This leads necessarily to a reflection concerning what would we like to be:
system users or system consumers?
KEY WORDS: sssssocial control; system users; system consumers; popular participation.
SILVA, G. G. A. da; EGYDIO, M. V. R. M. & SOUZA, M. C. de
38 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999
ESPECIFICAMENTE NO SETOR SAÚDE,
OS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE REFORMA
SANITÁRIA CONSTRUÍRAM UM DESENHO
DE ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO PAUTADO
PELO PLURALISMO, PELA DESCENTRALIZAÇÃO
VIA MUNICIPALIZAÇÃO E PELO CONTROLE
SOCIAL VIA PARTICIPAÇÃO POPULAR.
INTRODUÇÃO
O que queremos comentar neste
espaço, e também levantar algumas
questões acerca do assunto para se-
rem debatidas, é a existência de um
fosso entre o sucesso do movimento
de Reforma Sanitária em ter logra-
do obter a definição constitucional e
legal do Sistema Único de Saúde
(SUS), mas ainda enfrentar muito
timidamente os percalços e obstácu-
los à sua operacionalização e efeti-
va implantação. Para tanto, focali-
zaremos nosso olhar sobre um dos
pilares do SUS que é o do controle
social como diretriz, já instituciona-
lizada, e utilizaremos as categorias
‘usuários’ e ‘consumidores’ como
analisadores deste processo.
Processo olhado pela perspecti-
va que coloca de um lado a constru-
ção constitucional e legal, dentro de
uma concepção de Estado ampliado
e democrático, e de outro, as suces-
sivas Normas Operacionais Básicas
(NOBs), instrumento de operaciona-
lização do SUS, dentro de uma con-
cepção antagônica, a de Estado mí-
nimo; ou seja, a ênfase na cidada-
nia, versus a aposta no mercado, o
que conduz a outra reflexão: quere-
mos ser usuários ou consumidores?
A resposta a esta questão passa
antes por explicitarmos, que aqui to-
maremos usuários, não no sentido
literal de quem usa alguma coisa ou
serviço, mas como sinônimo de cida-
dão, que pode lutar por algo, se mo-
bilizar, se organizar para definir o que
quer e como quer as políticas soci-
ais, exercendo, portanto, verdadeiro
controle social, enquanto que estare-
mos tomando a categoria consumi-
dor como aquele que se submete às
regras de mercado, em relações soci-
ais despolitizadas, presas à lógica
mercantilista e particularista.
Já ‘participação popular’ é aqui
entendida como se referindo aos ca-
nais institucionais de participação na
gestão governamental, com a pre-
sença de novos sujeitos coletivos nos
sociais e pela emergência de mo-
vimentos de reorganização da so-
ciedade civil, logrou obter não só
o fim das ditaduras militares na
América Latina em especial, como,
no caso do Brasil, inscrever na
constituição de 1988 avanços con-
sideráveis na área de políticas so-
ciais e de democratização do Esta-
do. Avanços ainda não de todo con-
solidados e já ameaçados pela in-
flexão neo-liberal, iniciada com o
governo Collor de Melo e que con-
tinua no governo do sociólogo Fer-
nando Henrique Cardoso.
Especificamente no setor saúde,
os envolvidos no processo de refor-
ma sanitária construíram um dese-
nho de organização da atenção pau-
tado pelo pluralismo, pela descen-
tralização via municipalização e
pelo controle social via participação
popular. Esse desenho trazia ainda,
no seu âmbito, uma estética de in-
clusão ancorada em princípios como
a universalidade, integralidade da
atenção e eqüidade, buscando rom-
per uma prática e uma cultura ins-
titucionalizada que sempre pautou-
se pela produção de excluídos.
A realização concreta de tal pro-
jeto implica constituir uma outra re-
lação entre Estado e Sociedade, que
passa pela democratização do pri-
meiro na medida em que o obriga a
se tomar permeável as injunções
demandadas pela segunda, uma vez
que o coloca a serviço de responder
e fomentar direitos de cidadania,
quando afirma, por exemplo, a no-
processos decisórios, não se confun-
dindo com os movimentos sociais
que permanecem autônomos em re-
lação ao Estado.
O SUS É PARTICIPAÇÃO POPULAR
Coroando uma luta de pelo me-
nos trinta anos, o processo de so-
cialização da política suscitado pe-
las sucessivas crises econômicas e
Algumas Considerações Sobre o Controle Social no SUS
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999 39
ção de “saúde como direito de todos
e dever do Estado”.
De fato, na definição de saúde
como direito, a VIII Conferência Na-
cional de Saúde, realizada em 1986,
já explicitava essa estética, como
podemos ver em alguns trechos ex-
traídos do seu Relatório Final, onde
se afirmava que:
a saúde é, antes de tudo, o resultado
das formas de organização social da
produção, as quais podem gerar gran-
des desigualdades nos níveis de vida;
a saúde define-se no contexto histó-
rico de determinada sociedade e num
dado momento do seu desenvolvimen-
to, devendo ser conquistada pela po-
pulação em suas lutas cotidianas;
o Estado deve assumir explicitamen-
te uma política de saúde conseqüente
e integrada às demais políticas sociais
e econômicas, assegurando os meios
que permitam efetivá-las. Entre outras
condições, isso será garantido median-
te o controle do processo de formula-
ção, gestão e avaliação das políticas
sociais e econômicas pela população;
desse conceito amplo de saúde e
desta noção de direito como conquis-
ta social emerge a idéia de que o ple-
no exercício do direito à saúde impli-
ca garantir ( ... ) participação da po-
pulação na organização, gestão e
controle dos serviços e ações de saú-
de; direito à liberdade, à livre organi-
zação e expressão; acesso universal
e igualitário aos serviços setoriais em
todos os níveis.
E, em sendo o Estado um espaço
privilegiado da luta social, configu-
ra-se a situação apontada por Couti-
nho (1992), para quem
onde o Estado se ‘ampliou’, as lutas
por transformações radicais travam-
se no âmbito da ‘sociedade civil’, vi-
sando à conquista do consenso da
maioria da população e orientando-se
para influir e obter espaços no seio
dos próprios aparelhos de Estado, já
que esses são agora permeáveis à ação
das forças em conflito.
Quase uma década depois, o SUS
encontra-se regulamentado e em
Vale dizer que nesse aspecto con-
cordamos com Giacomini (1991) para
quem “o generalizado atendimento à
norma nem sempre corresponderá a
organicidade social e tampouco refle-
tirá sua complexidade”, ao mesmo
tempo que advogamos que este pra-
ticar democrático, multifacetado e
processual poderá se constituir em
um dos caminhos que conduzirão à
democracia e ao exercício construti-
vo e constitutivo de cidadania, resul-
tante de lutas cotidianas que logram
alterações, seja de serviços e ações,
seja de modelos e propostas, ou mes-
mo obrigando as autoridades públi-
cas a implantar esses serviços com
qualidade e eficiência (Jacobi, 1989;
Smeke, 1989; L’abbate, 1990).
O SUS tem, , , , , portanto, uma con-
cepção, posto que se ancora na exis-
tência do controle social como nor-
ma, que compreende releituras pa-
radigmáticas do papel do Estado,
reconhecendo a necessidade da refor-
mulação de suas práticas. Empres-
ta, então, aos indivíduos que o jus-
tificam a definição de direito a saú-
de, que os qualificam como cidadãos.
Nesse sentido, outorga-lhes o com-
promisso de se organizar para am-
plificar e dar eco às suas reivindica-
ções, porém ultrapassando este li-
mite, na medida em que propõe um
‘controle’ não só fiscalizador, mas
também deliberativo e pluralista, o
que implica na construção de uma
prática que universalize o discurso
reivindicatório, ao mesmo tempo que
o submete a mediação da negocia-
“O GENERALIZADO ATENDIMENTO
À NORMA NEM SEMPRE CORRESPONDERÁ
A ORGANICIDADE SOCIAL E TAMPOUCO
REFLETIRÁ SUA COMPLEXIDADE.”
adiantado processo de implantação,
se tomarmos sob o ponto de vista
da municipalização das ações, e se
examinarmos sob o aspecto de or-
ganização e funcionamento de um
grande número de conselhos muni-
cipais de saúde, atendendo aos dis-
positivos legais das Leis nos 8.080
e 8.142. Entretanto, outros aspec-
tos fundamentais, como o do seu fi-
nanciamento continuam a sofrer de
toda sorte de entraves ou mesmo
nem chegaram a ter iniciado seu
processo de solução.
SILVA, G. G. A. da; EGYDIO, M. V. R. M. & SOUZA, M. C. de
40 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999
ção, superando o antagonismo inter-
no aí presente, e também se conta-
minando com outros discursos, como
o técnico, podendo resultar e tendo
como objetivo a formação do que
Berlinguer denominou de “consciên-
cia sanitária” (Silva, 1996).
Portanto, a participação popular
é a possibilidade de se estabelecer
democraticamente as regras, as nor-
mas, os modos de viver; é a produ-
ção das ‘necessidades’ da vida por
seus próprios protagonistas. É bus-
car a reforma do Estado, sua demo-
cratização, pela descentralização de
suas instâncias decisórias e pelo re-
conhecimento do poder político dos
movimentos sociais, rompendo com
o verticalismo e burocratismo que
aquele classicamente tem. É inver-
são de prioridades ou, ainda, o es-
tabelecimento dessas conforme o in-
teresse das classes subalternas, in-
clusive. É exercício de vivências co-
letivas, do sentido de coletividade,
e da solidariedade. É, acima de tudo,
partilhar poder. É a construção de um
processo político-pedagógico de con-
quista de cidadania e de fortaleci-
mento da sociedade civil.
Dessa forma, a proposta de um
SUS ancorado na institucionalização
do controle social, via participação
cidadã, se coloca contra a tendência
reinante, que em todos os aspectos
da vida social reforça uma cultura
de competitividade e consumismo,
produzindo no imaginário cotidiano
a idéia de que é preciso ter para se
poder ser.
Há, porém, que se reconhecer
que esta posição instituinte, por-
que colocada em busca de romper
situações cristalizadas, também
enfrenta o descompasso que se ve-
rifica entre a intenção e o gesto,
menos quando se examina o espa-
ço microcotidiano onde se verifica
o desenrolar de um processo mul-
EXAMINANDO O PROCESSO DEOPERACIONALIZAÇÃO PELAS NOBs
Uma rápida examinada sobre as
três NOBs editadas durante a curta
existência do SUS pode ser bastante
ilustrativa do efeito Jekill e Hide que
acomete o sistema. De fato, a NOB/
91 editada sob os auspícios do go-
verno Collor foi a mais explícita pe-
drada sobre o SUS, na medida em
que colocou, indistintamente, servi-
ços públicos e privados, sob a condi-
ção de prestadores e estabeleceu a
ditadura da tabela de procedimentos,
absolutizando a prática centralizadora
e potencialmente corruptora do mas-
todôntico INAMPS. Nesse sentido, prio-
rizou a lógica de consumidores. Po-
rém, esse governo vetou vários arti-
gos das Leis Orgânicas do SUS, mu-
tilando-as de forma quase irrepará-
vel, uma vez que vários destes vetos
ainda não foram derrubados.
Já a NOB/93, advinda dentro do
processo de derrubada do governo
corrupto, se constituiu em importan-
te reforço e estímulo à sobrevida do
SUS, quando se tentou corrigir algu-
mas lacunas importantes surgidas
dos vetos do governo deposto, ao
mesmo tempo em que estabeleceu
passos importantes para o rompimen-
to das praticas tutelares entre União
e municípios, possibilitando espaços
para a gestão autônoma, quebrando
a ditadura da tabela e privilegiando
o interesse público na gestão, inclu-
sive financeira, do Sistema. Pelo pe-
ríodo de sua vigência, possibilitou a
concretização de um razoável núme-
tifacetado porém rico, de concreta
construção do SUS e mais quando
se olha da perspectiva das suces-
sivas normas operacionais, cujo
efeito esperado teria sido o de ca-
minharem progressivamente para
a transmutação do direito procla-
mado em direito exercido.
A PARTICIPAÇÃO POPULAR É A
POSSIBILIDADE DE SE ESTABELECER
DEMOCRATICAMENTE AS REGRAS,
AS NORMAS, OS MODOS DE VIVER;
É A PRODUÇÃO DAS ‘NECESSIDADES’ DA VIDA
POR SEUS PRÓPRIOS PROTAGONISTAS.
É, ACIMA DE TUDO, PARTILHAR PODER.
É A CONSTRUÇÃO DE UM PROCESSO
POLÍTICO-PEDAGÓGICO DE CONQUISTA DE
CIDADANIA E DE FORTALECIMENTO
DA SOCIEDADE CIVIL.
Algumas Considerações Sobre o Controle Social no SUS
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999 41
ro de experiências municipais que
puderam comprovar a viabilidade do
SUS, especialmente quando se aliam
vontade política, condições e instru-
mentos operacionais facilitadores e
aposta em um modelo que é uma cla-
ra cunha frente aos interesses econô-
micos e politiqueiros mesquinhos.
Quanto à NOB/96, só podemos
concordar com as críticas feitas por
Bueno & Merhy (1997), quando apon-
tam, por exemplo, que
a NOB 96, apesar de ser um importan-
te instrumento na operacionalização
do sistema, apresenta alguns equívo-
cos no seu processo de construção que
poderão retardar efetivos avanços na
qualidade da assistência e na constru-
ção de um novo modelo assistencial
que privilegie a vida e a construção da
cidadania, fere a autonomia de gestão
dos municípios ao assumir claramente
posição pelos modelos de ação progra-
mática e vigilância à saúde, privilegi-
ando no financiamento os municípios
que desenvolverem os programas de
saúde da família e de agentes comuni-
tários de saúde.
Além disso, possui nítida conso-
nância com o espirito neo-liberal do
governo que a edita, ao estabelecer
‘cestas básicas’ de procedimento, re-
servando nichos de mercado aos in-
teresses econômicos e estimulando os
municípios que aceitarem sua lógica
de financiamento, priorizadora de
intervenções periféricas, de terem um
sistema de pobres para pobres, ali-
jando o espaço público do seu papel
de gestor integral e delegando ao
mercado, deus idolatrado, a tarefa de
regular o acesso a serviços e ações
de maior complexidade. É, portanto,
uma mal disfarçada subversão aos
princípios de universalidade, integra-
lidade da atenção e construção da
participação cidadã, pois reforça a
ênfase na pratica de consumidores,
ao mesmo tempo que abre espaços
uma lógica mercantilista e particu-
larista, sob o credo da globalização.
Mais do que emprestar às NOBs
um poder superlativo, queremos res-
saltar uma situação de luta que faz
produzir uma permanente tensão,
entre a luta pela efetivação e cons-
tituição de um Sistema forte, que ca-
minhe em direção ao alcance de me-
tas de resolutividade e eficácia, tra-
vada cotidianamente por inúmeros
atores sociais em, cada vez mais,
numerosos lugares, e os encastela-
dos no interior do aparelho estatal,
que tomado a serviço dos interes-
ses ideológicos dos que o assalta-
ram, produz obstáculos e gera con-
flitos a esse cotidiano, seja retar-
dando a regulamentação legal de
princípios constitucionais, seja di-
ficultando a resolução do financia-
mento deste mesmo sistema, seja
emitindo normas em claro descom-
passo ou mal disfarçada intenção
de ir de encontro aos princípios ima-
nentes de um Sistema de Saúde que
clama razões de humanidade e não
razões de economia.
Configura-se uma luta,
o centro da luta está na guerra de ‘po-
sições’, na conquista paulatina de es-
paços no interior da ‘sociedade civil’
e, através e a partir dela, no próprio
seio do Estado. Obrigado a negociar
para obter legitimidade, o Estado ca-
pitalista ampliado – a depender da cor-
relação de forças na ‘sociedade civil’ –
pode atender a importantes reivindi-
cações das massas trabalhadoras e or-
ganizadas. (Coutinho, 1992:36-3 7)
MAIS DO QUE EMPRESTAR ÀS NOBS
UM PODER SUPERLATIVO, QUEREMOS
RESSALTAR UMA SITUAÇÃO DE LUTA QUE
FAZ PRODUZIR UMA PERMANENTE TENSÃO,
ENTRE A LUTA PELA EFETIVAÇÃO E
CONSTITUIÇÃO DE UM SISTEMA FORTE,
QUE CAMINHE EM DIREÇÃO AO ALCANCE
DE METAS DE RESOLUTIVIDADE E
EFICÁCIA, TRAVADA COTIDIANAMENTE
POR INÚMEROS ATORES SOCIAIS.
perigosos para a retomada de ações
geradoras de exclusão.
Esses avanços do projeto neo-li-
beral de uma sociedade regida pe-
las leis de mercado, livre de formas
de controles políticos, ameaça não
só as políticas sociais como também
os avanços na democratização do
Estado, favorecendo relações sociais
despolitizadas, de consumidores em
SILVA, G. G. A. da; EGYDIO, M. V. R. M. & SOUZA, M. C. de
42 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999
CONCLUSÃO
Uma das saídas para o enfrenta-
mento a esta situação passa, no nos-
so entender, pelo que aponta Cam-
pos ao afirmar que
não há como fugir ao fato de que o
fator determinante para o sucesso da
Reforma Sanitária Brasileira é de na-
tureza política. 0 elemento decisivo
para esta vitória é a consolidação de
um bloco de forças sociais, capaz de
construir uma nova proposta de or-
denação dos modos de vida e de aten-
ção à saúde e de, ao mesmo tempo,
difundi-la, transformando-a em sen-
so comum, até o ponto em que ve-
nha a substituir o antigo modo de
prestação de serviços de saúde e a
consciência sanitária dos brasileiros.
Apostamos, portanto, na dinami-
cidade das relações sociais, ainda que
conflituosas, entre gestores, trabalha-
dores da saúde e sociedade civil, aqui
dita usuária, para elaborar uma al-
ternativa de construção do SUS, fazen-
do frente aos entraves operacionais
apontados, o que significa fazer, tam-
bém, um chamamento àqueles atores
sociais que, ocupando espaços insti-
tucionais, podem dar passos mais lar-
gos no processo, novamente, como
quer Campos, adotando
uma nova postura, mais afirmativa, no
sentido de, a partir das contradições
decorrentes da atual política de saúde
e de suas denúncias, construir-se um
projeto alternativo de práticas médico-
sanitárias capazes de galvanizar, ao
mesmo tempo, o interesse de trabalha-
dores de saúde e dos usuários, seja atra-
vés de seus sindicatos, movimentos ur-
banos, associações de consumidores ou
até enquanto opinião pública.
Ou seja, “necessitamos de um pro-
jeto estruturado e capaz tanto de aglu-
tinar forças potencialmente excluídas
do poder, como de estar sempre aber-
to a novas estruturações, através da
dinâmica decorrente da incorporação
de novos segmentos sociais e do em-
bate com o modelo conservador”.
Ainda que pareça para alguns uma
posição utópica, acreditamos firme-
mente que esta construção ‘externa’
do SUS passa pelo praticar a aproxi-
mação, a vivência e a contaminação
com a fala do ‘outro’, enquanto usuá-
rio, dada como parte do processo de
aproximação da realidade sob a qual
se quer intervir e atuar, na medida
em que esta prática é elemento im-
portante e fundamental para alimen-
tar mudanças e avanços ‘internos’,
além de se constituir em fonte de ali-
anças que possam fortalecer e corpo-
rificar uma cultura solidária que faça
frente aos valores quase hegemôni-
cos, hoje prevalentes, que reforçam
posturas individualistas e sectárias,
portanto, de consumidores.
Lutar por esta utopia, é lutar por
uma sociedade mais justa, porque
equânime!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUENO, W. S. & MERHY, E. E., 1997. Os
Equívocos da NOB/96: uma propos-
ta em sintonia com os projetos neo-
liberalizantes? (Mimeo.)
CAMPOS, G. W. S., 1994. A Saúde Pú-
blica e a Defesa da Vida. 2.ed. São
Paulo: Hucitec.
COUTINHO, C. N., 1992. Democracia e
Socialismo. São Paulo: Cortez. (Co-
leção Polêmicas do Nosso Tempo).
GIACOMINI, C. H., 1991. A Sociedade
Civil e a Conquista da Reforma Sa-
nitária em Cadernos da Nona. Bra-
sília: Universidade de Brasília
JACOBI, P., 1989. Movimentos Sociais e
Políticas Públicas. São Paulo: Cortez.
L’ABBATE, S., 1990. O Direito à Saúde:
da reivindicação à realização. Proje-
to de Políticas de Saúde em Campi-
nas. Tese de Doutorado, São Paulo:
Departamento de Sociologia, FFL-
CH, Universidade de São Paulo.
MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS). Normas Ope-
racionais Básicas 01/91, 01/93,
01/96. Brasília: Distrito Federal.
MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS), 1986. Rela-
tório Final da VIII Conferência Na-
cional de Saúde: saúde como direi-
to. Brasília: Distrito Federal.
SILVA, G. G. A., 1996. O Controle Soci-
al no SUS: uma conquista de cida-
dania? (Mimeo.)
SMEKE, E. L. M., 1989. Saúde e Demo-
cracia: experiência de gestão popu-
lar – um estudo de caso. Tese de
Doutorado, Campinas: Pós-Gradu-
ação em Saúde Coletiva, Univer-
sidade de Campinas.
Avaliação e Planejamento Local
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999 43
ARTIGO
Avaliação e planejamento local: perspectivas gerenciais no âmbitodos distritos sanitários
Local evaluation and planning: management perspectives covering health districts
Serafim Barbosa Santos Filho1
Sandra Maria Byrro Costa2
1 Médico-Sanitarista, mestre em Saúde
Pública/Epidemiologia/UFMG, técnico da
Secretaria de Saúde de Belo Horizonte.
2 Enfermeira-Sanitarista, especialista
em Desenvolvimento de Recursos
Humanos, técnica da Secretaria de
Saúde de Belo Horizonte.
RESUMO
Neste artigo foram feitas algumas reflexões acerca do processo de avaliação
de serviços de saúde, contextualizado no planejamento assistencial. Partiu-se do
acompanhamento de unidades básicas de atenção em um distrito sanitário de
Belo Horizonte, observando-se o seu funcionamento efetivo e a prática gerencial.
Simultaneamente, procedeu-se a uma revisão de literatura, tendo sido ressalta-
dos aqui os principais referenciais sobre qualidade e avaliação em saúde e as
principais limitações da prática dos serviços.
PALAVRAS-CHAVE: avaliação; qualidade; gerenciamento.
ABSTRACT
Some reflections are made in this article concerning the public health evaluation
process within health care planning. It started with the follow up of basic care
Units in a Health District of Belo Horizonte, watching its work procedures and
management practices. A literature review took place simultaneously, emphasizing
at this point the main references on quality and health evaluation and the main
limitations concerning the service practices.
KEY WORDS: evaluation; quality; management.
FILHO, S. B. S. & COSTA, S. M. B.
44 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999
É PAPEL PRIMORDIAL DO
GESTOR LOCAL INSTITUCIONALIZAR
PRÁTICAS DE ‘PLANEJAMENTO’DE AÇÕES, TENDO POR BASE
A SUA ‘AVALIAÇÃO’ CONTÍNUA.
INTRODUÇÃO
A dinâmica dos serviços de saú-
de tem revelado cada vez mais a
complexidade de questões ‘organi-
zacionais’ que interferem na sua ca-
pacidade de ‘respostas’, o que apon-
ta para a necessidade de melhor
compreender quais alternativas po-
dem ser colocadas à disposição para
se empreender um processo avalia-
tivo que possibilite o planejamento
de ações, assegurando respostas
mais efetivas.
À medida que a experiência em
campo suscita conflitos e necessida-
de de intervenção, surgem, no entan-
to, dúvidas e questionamentos de
ordem teórico-metodológica em tor-
no da compreensão e operacionali-
zação do que é ‘qualidade’ e ‘avali-
ação’ em saúde.
Este trabalho é o registro de al-
guns conceitos e observações de cam-
po acerca dessas questões. A partir
da aproximação e inserção no âm-
bito de unidades de atenção básica,
procurou-se recuperar o seu funcio-
namento efetivo e os mecanismos
que, possivelmente, revelariam o
seu real impacto. Ao mesmo tempo,
buscou-se levantar os aspectos con-
ceituais destacados na literatura so-
bre avaliação de serviços.
Com base nesses referenciais, pro-
curou-se observar, levantar dados e,
simultaneamente, discutir alternati-
vas de análise e avaliação das ações
no nível local, colocando-se essa ne-
cessidade no contexto do ‘papel ge-
rencial’. Isto é, resgatar a concepção
de que é papel primordial do gestor
local institucionalizar práticas de ‘pla-
nejamento’ de ações, tendo por base
a sua ‘avaliação’ contínua.
Essa discussão foi facilitada pelo
desenvolvimento de um curso de ge-
renciamento de serviços,1 cuja meto-
dologia previa a capacitação de ge-
rentes no próprio campo, trabalhan-
do com as demandas de sua rotina.
Horizonte, considerando-se suas li-
mitações atuais e as perspectivas
gerenciais na sua reorganização.
Nesse sentido, o substrato para a
caracterização de situações foram
as diretrizes do Planejamento Estra-
tégico Situacional (Matus, 1988;
Matus, 1991; Rivera, 1992), referen-
cial que permeou todo o processo
de levantamento de problemas, di-
agnósticos e destaque dos principais
pontos críticos.
DEFININDO QUALIDADEE AVALIAÇÃO EM SAÚDE
Donabedian é o autor cujos estu-
dos têm sido marco referencial nas
abordagens sobre qualidade e ava-
liação. O autor distingue dois mode-
los de se abordar qualidade: o mo-
delo industrial e o modelo dos ser-
viços de saúde (Donabedian, 1993);
este adapta algumas características
do modelo industrial, e se destaca
por: contemplar a maior complexi-
dade da relação consumidores-pres-
tadores, no âmbito da saúde; colo-
car a qualidade na perspectiva dos
usuários; prever seu acesso de for-
ma igualitária e sua participação,
assegurando o controle social. A re-
lação custo-benefício está implicada,
mas o aspecto financeiro não seria
o componente definidor da qualida-
de (Donabedian et al., 1982).
1 Curso de Gerenciamento de Unidades Básicas de Saúde/Projeto Gerus/Organização Pan-Americana de Saúde/Escola de Saúde de Minas
Gerais/Secretaria de Saúde de Belo Horizonte.
Alguns dos resultados dessas
discussões serão mostrados aqui,
na seguinte estrutura: inicialmente,
será feito um apanhado sobre o que
os autores têm levantado quanto
aos aspectos conceituais da avalia-
ção de serviços de saúde; em uma
segunda parte, serão feitas refle-
xões com base nos Serviços de Saú-
de de um distrito sanitário de Belo
Avaliação e Planejamento Local
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999 45
Para o autor, qualidade em servi-
ços de saúde significa oferta de cui-
dados em conformidade com padrões
preestabelecidos de acordo com os
valores e preferências da sociedade
para quem os serviços estão dirigi-
dos (Donabedian, 1990; Donabedian,
1978; Donabedian, 1982). A qualida-
de e as normas e padrões utilizados
para caracterizá-la, isto é, o proces-
so de avaliação, devem estar relacio-
nados com o modo de vida de cada
comunidade, com os recursos dispo-
níveis e clareza de objetivos defini-
dos para a assistência.
Outros autores destacam a rele-
vância do papel dos diversos atores
sociais envolvidos no processo de
avaliação. Ou seja, este deve ser visto
na perspectiva de quem avalia, con-
siderando suas dimensões e impli-
cações técnicas e políticas. Não é um
procedimento neutro. O ato de jul-
gar, além do subsídio técnico, está
orientado por uma visão de mundo,
de modelo assistencial e dos interes-
ses e objetivos de cada ator envolvi-
do – planejador, administrador, pres-
tador direto, consumidores etc (Do-
nabedian, 1992; Acúrcio et al., 1991;
OMS, 1991; Silver, 1992; Vuori, 1991;
Fekete, 1995). Ressalta-se, assim, a
dimensão político-social da avalia-
ção. O conceito de qualidade e de
avaliação ficam colocados em uma
relação direta com valores e metas
do sistema de saúde contextualiza-
do em uma dada sociedade.
A noção de julgamento de valor
é uma constante na concepção de vá-
rios autores em relação ao proces-
so de avaliação (Acúrcio et al.,
1991; OMS, 1991; Silver, 1992;
Akerman & Nadanovsky, 1992;
Omran, 1990). Pressupõe-se uma
formulação de juízo baseado em
uma análise cuidadosa e crítica de
situações específicas. Portanto, é
importante tomar como base infor-
mações válidas, pertinentes e sen-
síveis, conferindo o caráter de obje-
tividade ao processo.
É um processo que tenta deter-
minar o mais sistemática e objetiva-
mente possível a relevância, efetivi-
dade e impacto das atividades, tendo
em vista seus objetivos. É uma ferra-
menta orientada para a ação e a
aprendizagem. É um processo orga-
nizativo que visa tanto melhorar as
atividades em andamento quanto
planejar o futuro e orientar a tomada
de decisões. (OMS, 1991)
Tomando-se os princípios da Re-
forma Sanitária e a Lei Orgânica da
Saúde (Silver, 1992; Conferência
Nacional de Saúde, 1986), a avalia-
ção estaria identificada aos concei-
tos de qualidade propostos, isto é,
universalização, integralidade, regi-
onalização, hierarquização e descen-
tralização dos serviços, caracterizan-
do a acessibilidade aos mesmos,
nisto se aproximando da definição
social de qualidade em Donabedian.
Quanto aos componentes do pro-
cesso de avaliação, é este mesmo
autor quem propõe três aspectos cen-
trais – estrutura, processo e resulta-
dos –, tendo por base a teoria de sis-
temas (Donabedian, 1978; Silver,
1992; Vuori, 1991; Omran, 1990;
Reis, 1990; Donabedian, 1984;
Ibrahim, 1983), também referencia-
da por outros autores. A estrutura
inclui os recursos humanos, materi-
ais e organizacionais dos serviços. O
processo é compreendido como o con-
teúdo e dinâmica dos cuidados pres-
tados, as relações interprofissionais e
com os usuários. Os resultados (output)
significam o impacto alcançado junto
QUALIDADE EM SERVIÇOS DE SAÚDE
SIGNIFICA OFERTA DE CUIDADOS EM
CONFORMIDADE COM PADRÕES
PREESTABELECIDOS DE ACORDO COM
OS VALORES E PREFERÊNCIAS DA
SOCIEDADE PARA QUEM OS SERVIÇOS
ESTÃO DIRIGIDOS.
Outra idéia básica inerente à ava-
liação está relacionada à sua finali-
dade (OMS, 1991; Silver, 1992; Vuo-
ri, 1991; Akerman & Nadanovsky,
1992; Administrative Commitee on
Coordination, 1984). A avaliação é
parte de um processo mais amplo
de gestão e “visa assegurar que a
disponibilidade dos recursos neces-
sários, o trabalho realizado e os re-
sultados esperados desenvolvam-se
segundo o plano preestabelecido”.
FILHO, S. B. S. & COSTA, S. M. B.
46 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999
aos indivíduos e grupos em termos
de melhoria de sua situação de saú-
de e bem-estar, incluindo sua satis-
fação com os serviços. Há, necessa-
riamente, uma inter-relação entre os
três aspectos, sendo que espera-se
impacto mais contundente mediante
estrutura e processo adequadamen-
te organizados.
De outro modo, Hennigan et al.
distinguem três tipos de processos
avaliativos: a investigação avalia-
tiva, a investigação básica e a ava-
liação geral (Hennigan, et al., s.n.t.).
As duas últimas constituem pré-re-
quisitos para a investigação avalia-
tiva, entendida como o emprego de
métodos científicos, objetivando de-
finir associações causais ou outras
sobre a eficácia de serviços, equiva-
lendo-se qualitativamente à avalia-
ção de processo ou de resultados.
Apesar de serem multifacetadas
as visões e os conceitos de qualida-
de, com base nessas linhas metodo-
lógicas são propostos elementos que
facilitam a aproximação ao objeto a
ser estudado, possibilitando uma
análise sistemática. Donabedian de-
fine seis componentes fundamentais
desse processo, considerados como
“atributos” da qualidade (Donabedi-
an, 1992). São eles: eficácia, eficiên-
cia, otimização, aceitabilidade, legi-
timidade e eqüidade. A ‘eficácia’ está
relacionada ao alcance dos cuidados
propostos, isto é, a possibilidade de
realização daquilo estabelecido como
meta, levando-se em conta o conhe-
cimento e a tecnologia disponíveis –
o que efetivamente se realiza. A ‘efi-
ciência’ diz respeito à relação custo-
benefício, em que se pretendem me-
lhores resultados com os mais bai-
xos custos possíveis. Também im-
plicada na relação custo-benefício
está a propriedade de ‘otimização’;
por ela verificam-se quais os efeitos
resultantes de um serviço de saúde
e quais os benefícios financeiros des-
ses efeitos (caracterização do inves-
timento realizado) em relação aos
população, daí sua relação com a
acessibilidade. A ‘legitimidade’ se-
ria a conformidade dos serviços pres-
tados com o modo de vida do grupo
ou dos indivíduos, expresso em ter-
mos de princípios éticos, valores,
normas, leis e regulamentos própri-
os do grupo e indivíduos.
Essas características básicas e
outras semelhantes têm sido desta-
cadas, também, por outros autores
(Silver, 1992; Vuori, 1991; Akerman
& Nadanovsky, 1992; Omran, 1990;
Lebow, 1974), salientando diretrizes
importantes a serem consideradas,
como o princípio de flexibilidade: a
avaliação deve pressupor uma fle-
xibilidade, no sentido de incorporar
e adequar técnicas e variáveis perti-
nentes (Silver, 1992; Omran, 1990).
Definidos os atributos a serem
considerados de relevância para a
situação a ser analisada, o plane-
jamento da avaliação deve-se ori-
entar por passos fundamentais,
quais sejam: definição clara do ob-
jeto e fenômenos a serem avalia-
dos, de acordo com o que se quer
priorizar e escolha dos critérios e
indicadores representativos, procu-
rando cercar-se de informações so-
bre o alvo de atenção (Donabedi-
an, 1992; OMS, 1991).
Sobre os critérios e indicadores,
Donabedian (1992) ressalta a neces-
sidade de delinearem-se adequada-
mente as bases que subsidiam a de-
finição dos mesmos, seu caráter “im-
plícito e explícito” na visão dos dife-
rentes atores envolvidos na avalia-
custos do investimento. A ‘aceitabi-
lidade’ é definida na dependência dos
seguintes fatores: o acesso dos usu-
ários aos serviços; a relação estabe-
lecida entre os profissionais e os
usuários; o conforto e a comodidade
dos serviços; as preferências e con-
siderações dos usuários, ressaltan-
do-se sua satisfação com os resulta-
dos. A ‘eqüidade’ é definida como a
distribuição justa dos cuidados de
saúde entre os membros de uma
DONABEDIAN DEFINE SEIS
COMPONENTES FUNDAMENTAIS
DESSE PROCESSO, CONSIDERADOS
COMO “ATRIBUTOS” DA QUALIDADE.SÃO ELES: EFICÁCIA, EFICIÊNCIA,
OTIMIZAÇÃO, ACEITABILIDADE,LEGITIMIDADE E EQÜIDADE.
Avaliação e Planejamento Local
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999 47
ção, devendo, ainda, ser considera-
dos quanto à validade, confiabilida-
de, adaptabilidade, importância, re-
levância e praticabilidade.
Aspectos importantes a serem
ressaltados na investigação dizem
respeito à clareza que se deve ter em
relação ao impacto dos resultados
da avaliação para as próprias insti-
tuições e a continuidade do proces-
so. Ambos os pontos estão estreita-
mente vinculados a uma questão
mais ampla que pode ser colocada
do seguinte modo: ‘o que se espera
de uma avaliação e quem a deman-
da’. Esclarecida essa questão, deve-
se ter em mente que avaliar é um
processo contínuo, dinâmico e que
um dos seus objetivos é ‘propor al-
ternativas de trabalho’, resguardan-
do-se os atributos que definem a
qualificação/qualidade do serviço.
Embora haja um conhecimento
acumulado sobre avaliação em saú-
de, muitas vezes torna-se difícil a
adaptação dos modelos propostos a
realidades e sistemas mais comple-
xos. Nem sempre se dispõe de crité-
rios, indicadores e instrumentos pre-
cisos e validados de acordo com os
predicados técnico-científicos clássi-
cos. Porém, apesar da consolidação
das bases teóricas sobre avaliação
em saúde, a operacionalização dos
seus princípios conceituais não ocor-
re sem transtornos. O princípio da
flexibilidade permite adaptações às
diferentes situações, mas há dificul-
dade em se estabelecer estratégias
de adaptações.
Fekete, recorrendo a Barry (Feke-
te, 1995), faz a seguinte observação:
“se avaliar é atribuir valor, é deter-
minar se as coisas são boas ou más,
nem sempre se encontram suficien-
temente estabelecidos os critérios
pelos quais se determina este valor
e tampouco os objetivos que serão
valorizados”; muitas vezes
as avaliações, quando realizadas, pres-
tam-se muito mais a referendar as ati-
vidades previstas nos planos e legiti-
mar as ações da burocracia envolvi-
ção tradicionais. Também são conhe-
cidos os limites das abordagens es-
tatísticas sobre os dados de produ-
ção, que são insuficientes para dar
conta da realidade do serviço em
toda sua complexidade, sobretudo
com relação à organização e proces-
so de trabalho (Donabedian, 1992;
Fekete, 1995).
Técnicas qualitativas (Alves,
1991) colocam-se como alternativa
complementar aos estudos tradicio-
nais. Podem permitir abordagens
mais integrais, contextualizadas em
uma realidade mais ampla, a partir
de análises em profundidade.
Em síntese, o que se percebe, nes-
te momento, é a necessidade de se
aprofundar nos métodos disponí-
veis, utilizados racionalmente, de
acordo com sua especificidade e ca-
pacidade de auxiliar na avaliação
para uma efetiva reorganização dos
serviços e institucionalização da prá-
tica avaliativa.
DISTRITO NOROESTE: AS AÇÕES DE SAÚDENO ÂMBITO DAS UNIDADES BÁSICAS
Um dos desafios do Curso de Ge-
renciamento de Serviços Básicos
(Projeto GERUS) é fomentar no gestor
a compreensão da importância de se
conhecer e analisar a realidade em
que está inserido – dinâmica e ser-
viços oferecidos –, para que possa
reorientar sua prática, trazendo re-
sultados mais eficazes. Independen-
temente das técnicas utilizadas, tra-
TÉCNICAS QUALITATIVAS COLOCAM-SE
COMO ALTERNATIVA COMPLEMENTAR
AOS ESTUDOS TRADICIONAIS.PODEM PERMITIR ABORDAGENS MAIS
INTEGRAIS, CONTEXTUALIZADAS EM
UMA REALIDADE MAIS AMPLA, A PARTIR
DE ANÁLISES EM PROFUNDIDADE.
da, sendo predominantemente quan-
titativas, e raramente servem à retro-
alimentação do planejamento, inde-
pendente do nível de sofisticação que
apresentem.
Essas são questões que nos colo-
cam na rotina dos serviços, mostran-
do os limites e dificuldades em se
avançar na prática de avaliar servi-
ços. Estes, além de sua complexida-
de, freqüentemente não contam com
dados suficientes e representativos,
requeridos nos modelos de avalia-
FILHO, S. B. S. & COSTA, S. M. B.
48 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999
ta-se de um processo avaliativo (to-
mado em seu real objetivo que é sub-
sidiar planos de ação).
Nesse sentido o empreendimento
iniciado no âmbito das Unidades do
Distrito Sanitário (DISANO), tratando da
importância da avaliação, pode ser
aqui analisado sob três vertentes: em
relação aos aspectos estruturais e di-
nâmica de funcionamento do servi-
ço; em relação à existência, fidelida-
de e uso efetivo das informações so-
bre as atividades realizadas e resul-
tados obtidos; e em relação aos re-
sultados propriamente ditos. Não
vamos aqui fazer uma descrição des-
ses aspectos, mas através deles pro-
curar abordar as questões de ‘impac-
to’, ‘cobertura’ e ‘satisfação’, enquan-
to componentes inerentes da ‘avalia-
ção’. Evidentemente todos esses pon-
tos tangenciam a questão complexa
e polêmica do “processo de trabalho”
em saúde (Bruno, 1994), que por ve-
zes aparecerá entremeada na análi-
se, mas sem pretender nenhum apro-
fundamento.
O Distrito Sanitário Noroeste é um
dos nove distritos sanitários de Belo
Horizonte, sendo que o seu territó-
rio coincide com a divisão do muni-
cípio em regiões político-administra-
tivas (regionais).
O processo de distritalização deu-
se a partir de 1989, quando foi inici-
ada a discussão sobre estratégias de
descentralização dos serviços de saú-
de no âmbito do município, tanto no
que concerne ao acesso da popula-
ção, quanto à sua gestão. Propôs-se
a sistematização da oferta de servi-
ços de atenção primária em uma rede
de unidades básicas (Centros de Saú-
de), que deveriam ser coordenadas
por uma gerência local. Até aquele
momento algumas unidades ligadas
ao Estado, instituições religiosas e
mesmo ao município, já prestavam
serviços de saúde à comunidade, de
forma isolada. A implantação do sis-
tema de distritos veio-se consolidan-
do com estimativas do Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE)
a partir do censo de 1991. É também
o Distrito com maior número de uni-
dades assistenciais, compondo-se de
19 centros de saúde; duas unidades
de atenção secundária (ambulatórios
especializados) anteriormente vincu-
ladas ao antigo Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência
Social (INAMPS); e unidades de apoio e
ações intermediárias, como farmácia
distrital, laboratório, esterilização e
outros. Em sua área de abrangência
situam-se, ainda, o único hospital
público municipal (Hospital Odilon
Behrens) e cinco hospitais convenia-
dos ao SUS, além de clínicas fisiote-
rápicas e outras.
Observando-se o mapeamento des-
ses serviços, pode-se concluir que há
correspondência entre sua distribui-
ção geográfica e a distribuição da
população na região. Porém, ao re-
meter-se aos mecanismos de acessi-
bilidade aos serviços, desvendam-se
situações que mostram os limites e
dificuldades de cobertura. Em termos
de configuração de áreas de abran-
gência, é relevante a constatação de
que na maior parte da região exis-
tem áreas de risco, caracterizadas de
acordo com parâmetros de saneamen-
to básico e perfil epidemiológico, sen-
do que nem sempre a população des-
sas áreas está vinculada efetivamen-
te à unidade de referência. Isso por
motivos diversos, como o difícil aces-
so geográfico, transporte insuficiente
ou inadequado, inexistência ou insu-
do, orientando-se por estratégias
previstas na operacionalização do
Sistema Único de Saúde (SUS), cen-
tradas no modelo de Vigilância à
Saúde e planejamento de serviços
por áreas de abrangência – planeja-
mento local (Mendes, 1994).
No Distrito Noroeste concentra-se
o maior percentual da população de
Belo Horizonte, correspondendo a
cerca de 400 mil habitantes, de acor-
O PROCESSO DE DISTRITALIZAÇÃO
DEU-SE A PARTIR DE 1989,QUANDO FOI INICIADA A DISCUSSÃO
SOBRE ESTRATÉGIAS DE
DESCENTRALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS
DE SAÚDE NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO,TANTO NO QUE CONCERNE
AO ACESSO DA POPULAÇÃO,QUANTO À SUA GESTÃO.
Avaliação e Planejamento Local
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999 49
ficiência de atividades de acordo com
as demandas apresentadas, desco-
nhecimento do serviço, entre outros.
Isso acontece, também, com a popu-
lação dos bairros vizinhos, muitas
vezes não utilizando efetivamente os
serviços, dando uma idéia inicial da
dificuldade de avaliação da real in-
tervenção com base territorial.
Se considera-se que a parcela da
população que não está vinculada às
unidades locais deixa de ser atendi-
da em relação às suas demandas de
rotina e que, nas demandas mais
emergenciais, pode estar procuran-
do (e procura) atendimento direta-
mente na rede secundária ou terciá-
ria, constata-se a limitação dos ser-
viços quanto à sua própria cobertu-
ra. Isso se agrava na medida em que
neste momento, além da atividade
assistencial pontual, o que se procu-
ra são novas formas de trabalho, na
qual a ‘presença’ da comunidade jun-
to à unidade é importante no exercí-
cio de diversificados papéis, confi-
gurando a interação com o serviço
do ponto de vista da participação
popular e controle social. Outro agra-
vante é a constatação de que, mui-
tas vezes, o que contribui para a
unidade não ser ainda a efetiva re-
ferência para determinada área é o
total desconhecimento e desinforma-
ção da comunidade sobre a existên-
cia e modo de funcionamento daquele
serviço. Isso pode estar mostrando
a dificuldade da unidade em estabe-
lecer mecanismos eficazes de comu-
nicação com quem a utiliza.
Em relação às atividades desen-
volvidas, fatores de ordens diversas
limitam a capacidade de respostas.
Entre eles, a inadequação de recur-
sos materiais e tanto a disponibili-
dade de recursos humanos, quanto
a sua qualificação e processo de tra-
balho. A área física, em si, é um pro-
blema, mas merece ser contextuali-
zado, na medida em que já se obser-
va com clareza na rede que a resolu-
bilidade nem sempre está diretamen-
área de responsabilidade sanitária,
ponderar sobre as necessidades e
demandas reais da população e da
capacidade de atendê-las é adotar um
parâmetro fundamental na avalia-
ção. Aliado a isso, há também um
aspecto essencial a ser considerado,
que é a garantia de qualidade do
atendimento, o que está relacionado
à satisfação do usuário.
O que é a satisfação do usuário?
Qual o seu parâmetro de medida?
Quais os mecanismos de cruzamen-
to ou interpretação de informações
(respostas dos usuários e produtivi-
dade do serviço)? Com que freqüên-
cia escuta-se o usuário e como se dá
a sua acolhida? Essas são questões
centrais na ótica da participação po-
pular como componente indissociá-
vel da construção do SUS. Porém,
sabe-se da limitação na compreen-
são dessas questões, dos pontos de
vista político-ideológico, conceptual
e operacional. Como a unidade bá-
sica é o nível mais próximo, onde
devem estar ocorrendo esses levan-
tamentos, há que se ter clareza so-
bre mecanismos de assegurar infor-
mações novas e mesmo desafiado-
ras, indo além de inquéritos pontu-
ais com usuários na fila – a chama-
da ‘clientela viciada’. E é justamen-
te a partir da ‘fila de espera’ de aces-
so ao serviço que podem ser apreen-
didas as contradições na percepção
dessa clientela habitual. Na experi-
ência cotidiana depara-se com um
usuário que tem como principal de-
manda consultas médicas, reclaman-
te ligada ao tamanho e condições fí-
sicas da unidade, isto é, a esses com-
ponentes infra-estruturais. Mas além
desses aspectos, outro limitador sig-
nificativo relacionado às ações de-
senvolvidas é que as avaliações re-
alizadas (quando são realizadas) fi-
cam centradas somente nas ativida-
des oferecidas, não se analisando as
demandas gerais dos usuários.
Se pretende-se consolidar a pro-
posta de vigilância à saúde em uma
EM RELAÇÃO ÀS ATIVIDADES
DESENVOLVIDAS, FATORES DE
ORDENS DIVERSAS LIMITAM A CAPACIDADE
DE RESPOSTAS. ENTRE ELES,A INADEQUAÇÃO DE RECURSOS
MATERIAIS E TANTO A DISPONIBILIDADE
DE RECURSOS HUMANOS, QUANTO
A SUA QUALIFICAÇÃO E PROCESSO
DE TRABALHO.
FILHO, S. B. S. & COSTA, S. M. B.
50 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999
do muito do serviço por não conse-
guir ou tardar em conseguir ‘vaga’.
No entanto, esse mesmo usuário,
quando solicitado a opinar sobre o
serviço, freqüentemente centra-se nos
pontos positivos que encontra, con-
siderando, inclusive (e talvez princi-
palmente), os vínculos afetivos es-
tabelecidos com parte dos trabalha-
dores da unidade.
Diante desse posicionamento con-
traditório, torna-se mais difícil no
âmbito dos serviços vislumbrar que
a crítica feita pelo usuário estende-se
a todo o esquema de organização e
qualidade da atenção dispensada, e
não se reduz somente a um sentimen-
to de raiva ou tristeza por não obter
a vaga para consulta. Além disso,
procurar apenas absorver a deman-
da direcionada dessa clientela em um
arcabouço já previamente conforma-
do significa entrar em um círculo vi-
cioso de demanda e oferta de proce-
dimentos tradicionais, pouco se avan-
çando na mudança de modelo assis-
tencial. É assim que tem sido perce-
bida a dificuldade na implementação
de atividades que não sejam a oferta
de consultas médicas.
As situações abordadas acima
são nós críticos percebidos no dia-a-
dia do serviço, nem sendo sistema-
ticamente estimados, o que por si
mesmo traduz a ‘dificuldade de ava-
liar’, tanto os aspectos de cobertu-
ra, quanto relacionados a impacto.
Nesse sentido, parece-nos fundamen-
tal pontuar, neste momento de dis-
cussão de papel gerencial, os dois
outros aspectos, relacionados ao tra-
tamento das informações e resulta-
dos obtidos. Estes nos remetem à
observação da ‘inexistência de prá-
ticas de avaliação’ no nível local. E
uma das conseqüências disso é que,
como não há essa prática, desconsi-
dera-se ou atribui-se pouco valor ao
registro fiel dos dados de produção
do serviço e informações que subsi-
diariam a avaliação de resultados.
É freqüente remeter o problema
da dificuldade de avaliação à falta
ou inconsistência de dados e, mais
comunidade. Isso leva à coleta e re-
gistros mal notificados ou subnoti-
ficados, mesmo porque não se pro-
picia argumentação que justifique a
seriedade no manuseio dos mes-
mos. Ocorre, portanto, um círculo
vicioso, envolvendo sub-registro,
ausência de avaliação e utilização
efetiva das informações onde elas
são produzidas e onde deveriam
estar subsidiando programação.
Um outro aspecto importante é a
dificuldade no manuseio de técnicas
de avaliação e na interpretação de
resultados, atribuindo-lhes ‘sentido’
naquela realidade particular. De um
lado, há falta de instrumentalização
para lidar com informações, dando-
lhes caráter sistemático, seja do pon-
to de vista qualitativo ou quantitati-
vo; de outro, há uma visão muito
superficial e inconsistente sobre a di-
mensão qualitativa e uma ‘resistên-
cia’ em se aprender as técnicas quan-
titativas. Cabe ressaltar aqui que o
próprio sistema instituído é respon-
sável por parte dessa resistência,
uma vez que limita-se a criar e esti-
mular a criação de instrumentos de
coleta e análise baseados apenas em
produtividade, muitas vezes sem
uma lógica ordenada, informais e re-
petitivos. Chegou-se a levantar como
instrumentos do sistema de infor-
mação da instituição cerca de cem
formulários, incluídos os mais in-
formais até os mais padronizados
e informatizados.
Não obstante todos esses pontos
complexos vividos no âmbito da
UM OUTRO ASPECTO IMPORTANTE
É A DIFICULDADE NO MANUSEIO
DE TÉCNICAS DE AVALIAÇÃO
E NA INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS,ATRIBUINDO-LHES ‘SENTIDO’
NAQUELA REALIDADE PARTICULAR.
freqüente ainda, remeter a falta de
dados a instâncias externas ao ser-
viço. No entanto, a maior parte dos
dados é produzida no próprio ser-
viço, mesmo porque as ações que
os geram são fundamentalmente de-
senvolvidas ali, isto é, coincidem
com o próprio serviço. O que acon-
tece, então, é a não utilização ou
subutilização desses dados no ní-
vel local, não havendo preocupação
com a consolidação preliminar, aná-
lise e discussão do seu significado
no âmbito da equipe de trabalho e
Avaliação e Planejamento Local
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999 51
avaliação dos serviços básicos de
saúde, a existência dos mesmos ao
longo dos anos, certamente, tem tra-
zido algum grau de resposta. E isso
pode ser observado na própria mo-
vimentação em torno deles – deman-
das grandes, inquéritos pontuais
com respostas satisfatórias, adesão
a determinadas atividades etc. Po-
rém, algumas condutas iniciais tam-
bém ilustram a preocupação com
processos de avaliação e já mostram
resultados concretos em torno de
programas ou projetos. Por exemplo,
podem ser tomadas planilhas de dis-
pensação e consumo de medicamen-
tos, na sua relação entre centros de
saúde e farmácia distrital, atual-
mente subsidiando análises compa-
rativas e mostrando disponibilida-
de e racionalização do uso. Portan-
to, na percepção sobre os serviços
aparecem evidências de algum im-
pacto. Porém, este não é sistemati-
camente avaliado, observando-se
na rede atividades tradicionalmen-
te oferecidas, cuja dinâmica mais ele-
mentar, como cadastramentos, ain-
da não é padronizada.
Então, muito embora sejam vis-
lumbrados esses pontos positivos,
para efeitos de se ressaltar neste
momento a ‘avaliação no contexto do
papel gerencial’, foram salientados
os aspectos limitantes dos serviços.
Isto porque quer-se reafirmar a im-
portância da avaliação como eixo
central do planejamento de ações, cuja
implementação é uma atribuição do
gestor local, que deve se inteirar des-
se compromisso institucional e ins-
trumentalizar-se tecnicamente.
Por fim, fazer as considerações
acima significou, também, uma re-
flexão de forma mais madura em tor-
no de e envolvendo os outros níveis
institucionais da Secretaria, além do
local. Isto é, como assegurar de for-
ma sistemática a prática da avalia-
ção e planejamento dos serviços, pre-
parando-se e se disponibilizando
para acompanhar o gerente local.
locado o grande desafio de estarem
disponíveis para desencadear proces-
sos de mudança no sentido de tor-
nar as unidades básicas de atenção
como efetivas ‘portas-de-entrada’ do
sistema. E é por isso que considera-
mos pertinente pontuar a clareza que
se deve ter quanto ao papel gerenci-
al, uma vez que, no seu espectro, as
questões estão necessariamente re-
lacionadas não só a investimento
técnico, mas a projetos político-ide-
ológicos pessoais e institucionais.
Estamos tecendo tais comentári-
os porque não nos pareceu clara a
efetiva ‘assunção do papel instituci-
onal do gerente’, podendo-se obser-
var inicialmente que gerenciar limi-
tava-se à execução de algumas tare-
fas, na maior parte das vezes frag-
mentadas e assumidas fora de um
planejamento e contexto avaliativo.
Esclarecendo-se essa dimensão,
o desafio estende-se a questões de
ordem operacional. Na reorganiza-
ção dos serviços devem ser vislum-
bradas determinadas ‘estratégias
de condução do processo’, estraté-
gias estas que devem estar no âm-
bito da qualificação e potencial cri-
ativo do gerente. Para isso, preci-
sa estar apto a lidar com elemen-
tos, instrumentos e atores que ocu-
pam diferentes lugares e posições.
Nesse papel, dinâmico por excelên-
cia, alguns referenciais básicos
devem estar claros e consistentes:
o seu referencial de ‘problema’ pre-
cisa ser ampliado, alargando o
olhar sobre o conceito de saúde-do-
PAPEL GERENCIAL
A natureza complexa do proces-
so de reorganização dos serviços e
o esforço necessário ao seu empre-
endimento ressaltam bem a dimen-
são do compromisso e papel da ge-
rência em um momento de consoli-
dação da ‘descentralização’ de ações
e construção do SUS. Considerando-
se que esta é uma proposta ainda
em construção, aos gestores fica co-
A NATUREZA COMPLEXA DO PROCESSO
DE REORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS
E O ESFORÇO NECESSÁRIO AO SEU
EMPREENDIMENTO RESSALTAM BEM
A DIMENSÃO DO COMPROMISSO E PAPEL
DA GERÊNCIA EM UM MOMENTO DE
CONSOLIDAÇÃO DA ‘DESCENTRALIZAÇÃO’DE AÇÕES E CONSTRUÇÃO DO SUS.
FILHO, S. B. S. & COSTA, S. M. B.
52 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999
ença, mas ao mesmo tempo pro-
por sua operacionalização de for-
ma racional para ser efetiva; é ne-
cessário saber dos limites de sua
intervenção e governabilidade, ao
mesmo tempo em que deve ter cla-
reza sobre a inserção do serviço em
uma rede mais complexa e mesmo
em uma sociedade complexa – re-
conhecer a dimensão histórica e
social do homem e das instituições;
é preciso perder preconceitos em
relação à utilização de certas me-
todologias, procurando dominá-
las, inclusive para ser legítimo em
seu uso e críticas, ousando na bus-
ca de alternativas metodológicas
que ajudem a detectar problemas e
agir; é preciso contemplar ‘o ou-
tro’ (os atores) em sua dinâmica de
ação, entendendo-o nos seus diver-
sos tempos e níveis de demanda e
barganha, estabelecendo processos
de negociação claros e seguros. En-
fim, o ‘novo’ gerente, que já atua
arbitraria e esporadicamente nes-
sas bases, precisa consolidá-las de
forma a tornarem-se parâmetros e
critérios de programação habituais
na rotina das unidades. Ressalta-
se aqui a necessidade de manusear
e fazer o tratamento de dados no
próprio nível local, avaliando-se
desde sua coleta até as ações que
podem ser subsidiadas com sua con-
solidação e análise, isto é, o seu uso
para programação. Precisa, portan-
to, ser sujeito ativo na instituciona-
lização de práticas de avaliação e
planejamento, procurando-se metas
que garantam, processualmente,
mais satisfação e maior impacto.
A revisão deste artigo foi feita
por Maria Christina Fekete, assesso-
ra de planejamento e consultora do
NESCON/UFMG, a quem os autores
manifestam seu agradecimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACÚRCIO et al., 1991. Avaliação de
qualidade de serviços de saúde.
Saúde em Debate, (33): 50-53.
ADMINISTRATIVE COMMITEE ON COORDINATION
(ACC), 1984. Guilding principles
for the design and use of
monitoring and development in
rural development projects and
programmes. Roma: Tead.
AKERMAN, M. & NADANOVSKY, P., 1992.
Avaliação dos serviços de saúde
– avaliar o quê? Cadernos de Saú-
de Pública, 8(4):361-365.
ALVES, A. J., 1991. O planejamento
de pesquisas qualitativas em
educação. Cadernos de Pesquisa,
(77): 53-61.
BRUNO, R., 1994. Tecnologia e Orga-
nização Social das Práticas de
Saúde: características tecnológicas
de processo de trabalho na rede es-
tadual de centros de saúde de São
Paulo. São Paulo/Rio de Janeiro:
Hucitec/Abrasco.
CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1986.
Anais da 8a CNS. Brasília: Minis-
tério da Saúde.
DONABEDIAN, A., 1978. The quality of
medical care. Science, 200.
DONABEDIAN, A., 1982. The quality of
medical care: a concept in search
of a definition. J. Farm. Pract.,
9(10):975-992.
DONABEDIAN, A. et al., 1982. Quality,
cost, and health: an integrative
model. Medical Care, 20(10):1975-
1992.
DONABEDIAN, A., 1984. La Calidad de
la Atención Medica: definición y
método de evaluación. México: La
Prensa Médica Mexicana.
DONABEDIAN, A., 1990. La dimensión
internacional de la evaluación y
garantía de la calidad. Salud
Publica de Mexico, 32:113-117.
DONABEDIAN, A., 1992. Defining and
measuring the quality of health
care. In: ___ Assessing Quality
Health Care: perspectives for clini-
cians. Ed. Williams and Williams.
DONABEDIAN, A., 1993. Clinical
Performance and Quality Health Care.
University of Michigan: School of
Public Health, Ann Arbor, v.1, n.1.
FEKETE, M. C., 1995. Estudo da acessi-
bilidade na avaliação dos serviços
de saúde. In: Ministério da Saúde,
FNS, OPAS. Desenvolvimento Geren-
cial de Unidades Básicas de Saúde
do Distrito Sanitário. Brasília: Mi-
nistério da Saúde, FNS, OPAS.
HENNIGAN, K. M. et al. Esclarecimiento
de Conceptos y Terminos Usuales en
la Investigación Evaluativa,
(s.n.t.). p. 200-218.
Avaliação e Planejamento Local
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999 53
IBRAHIM, M. A., 1983. Epidemiology:
application to health services.
Journal of Health Administration
Education, 1(1):37-69.
LEBOW, J. L., 1974. Consumer
assessments of the quality of
medical care. Medical Care,
12(4):328-337.
MATUS, C., 1988. Política, Planificación
y Gobierno. Washington: Borrador.
MATUS, C., 1991. O Plano como apos-
ta. São Paulo em Perspectiva,
5(4):28-42.
MENDES, E. V. (Org.), 1994. Distrito
Sanitário: o processo social de
mudança das práticas sanitári-
as do Sistema Único de Saúde.
São Paulo/Rio de Janeiro: Huci-
tec/Abrasco.
OMRAN, A. R., 1990. Investigación
sobre sistemas de salud: métodos
y escollos. Foro Mundial de la Sa-
lud, 11(3):283-294.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS),
1991. Evaluación de los Programas
de Salud: normas fundamentales.
Genebra: OMS.
REIS, E. J. F. B. et al., 1990. Avali-
ação da qualidade dos serviços
de saúde – notas bibliográficas.
Cadernos de Saúde Pública ,
6(1):50-61.
RIVERA, F. J. U. (Org.), 1992. Planeja-
mento e Programação em Saúde:
um enfoque estratégico. São Pau-
lo: Cortez.
SILVER, L., 1992. Aspectos metodológi-
cos em avaliação dos serviços de
saúde. In: GALLO, E. et al. Planeja-
mento Criativo: novos desafios teóri-
cos em políticas de saúde. Rio de Ja-
neiro: Relume-Dumaré. p.195-210.
VUORI, H., 1991. A qualidade de saú-
de. Divulgação em Saúde para De-
bate, (3):17-25.
COTTA, R. M. M. et al.
54 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999
ARTIGO
O município e a nova lógica institucional do setor saúde: umaanálise empírica do cenário local
The municipality and the new institutional logic of health policy: an empiric
analysis of the local scenario
Rosângela Minardi Mitre Cotta1
José Norberto Muníz2 ,Fábio Faria Mendes3
José Sette Cotta Filho4
1 Professora-Assistente do Departamento de
Nutrição e Saúde da Universidade Federal
de Viçosa (UFV) – MG.
Área: Políticas Sociais, Políticas
Públicas de Saúde e Planejamento e
Administração em Saúde. Mestre em
Extensão Rural (UFV) – MG.
Professora Colaboradora da Universidade
de Valencia – España.
Doutoranda em Medio Ambiente e Saúde –
Universidade de Valencia – España.
2 Professor-Titular do Departamento de
Economia Rural da Universidade Federal
de Viçosa (UFV) – MG.
Área: Geração de Tecnologia, Sociologia
do Conhecimento e Metodologia de
Pesquisa I e II. Pós-Doctor: Sociologia do
Conhecimento Científico – University of
Kentucky – EUA.
3 Professor-Assistente do Departamento de
Economia Rural da Universidade Federal
de Viçosa (UFV) – MG.
Área: Estado e Políticas Públicas e
Sociologia Política – Doutorando: Ciência
Política – Iuperj – R.J.
4 Médico dos Serviços de Saúde da Região.
RESUMO
Este estudo tem como enfoque primordial a análise da forma como a “novalógica institucional”, prevista para o setor saúde, têm sido implantada ou, pelomenos, as inovações que têm sido aplicadas na “velha lógica institucional” preva-lente das ações e serviços de saúde em nível local.
Foram aplicados questionários com a população usuária e entrevistas foramrealizadas com profissionais e gestores de saúde.
O resultado deste estudo mostra que, além das ações do serviço de saúde nãoterem sido alteradas, de curativas-individuais para coletivas-preventivas, o se-tor público também passou a priorizar as intervenções curativas. O locus deprestação de serviços curativos foi transferido do hospital privado para os pos-tos de saúde públicos.
Em conseqüência, o setor público implementou os serviços que seguem a lógicada produção-produtividade. O importante, mais uma vez, é a quantidade emdetrimento da qualidade de atendimento a população.
PALAVRAS-CHAVE: política de saúde; municipalização de saúde; gestão em saúde.
ABSTRACT
This study focuses mainly on the analysis of the implementation of a “newinstitutional logic” applied to the health sector or, at least, on the innovationsthat have been applied to the “old institutional logic” still prevailing in healthactions and services at local level.
Questionnaires were applied to the user population and interviews were madewith health professionals and managers.
The result of this study shows that besides the fact that actions in the healthservices have not changed from individual/curative to collective/preventive, the publicservices are now giving priority to curative interventions. The locus of curativeactions has been transferred from private hospitals to health units.
Therefore, the public sector implemented services that follow the production-productivity logic. The important thing, again, is quantity to the detriment ofquality in the population health care.
KEY WORDS: health politics; health municipalization; health management.
O Município e a Nova Lógica Institucional do Setor Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999 55
IDENTIFICA-SE A SAÚDE
COMO DIREITO SOCIAL
UNIVERSAL, SENDO ACIDADANIA O PRINCÍPIO
ORIENTADOR PARA AORGANIZAÇÃO DAS AÇÕES
DO SETOR.
INTRODUÇÃO
Em tempos de crise, onde o Sis-
tema Único de Saúde (SUS) vive
momentos cruciais, torna-se neces-
sário analisar a real transformação
dos serviços de saúde dos municípi-
os, bem como as alterações na ofer-
ta e na demanda das diversas mo-
dalidades destas ações e serviços.
Para tal, buscou-se, neste estudo,
resgatar a experiência empírica. A
referência foi a regional de saúde de
Ponte Nova, que se situa na Zona da
Mata de Minas Gerais e é composta
por 26 municípios.
Destaca-se que o método amos-
tral utilizado para a seleção dos
municípios foi a “amostragem por
expert” (Babbie, 1983). Mais especi-
ficamente, Babbie (1983:178) ressal-
ta que: “A amostragem por ‘expert’
é selecionada, baseada no fato de
você possuir conhecimentos sobre a
população, os elementos e a nature-
za dos objetivos de sua pesquisa: em
resumo, fundamenta-se no seu jul-
gamento e nos propósitos do estudo
a ser realizado.”
Esse processo amostral permite ao
pesquisador identificar os “experts”
que possam fornecer informações
mais adequadas e relevantes para os
objetivos propostos no projeto de pes-
quisa (Warwick & Lininger, 1975).
Deve-se explicitar que essa estratégia
amostral foi também utilizada para
selecionar os atores inseridos no con-
texto de implantação e implementa-
ção do SUS a nível local, que seriam
entrevistados. Foram realizadas 49
entrevistas, destacando-se entre os
atores entrevistados os prefeitos, os
secretários municipais de saúde
(SMS), membros do Conselho Munici-
pal de Saúde (CMS), profissionais de
mediante identificação do cenário
mais abrangente e da análise da di-
nâmica das ações e dos serviços de
saúde nos municípios. Com isso,
pretende-se descrever os serviços
oferecidos pelas unidades de saúde
existentes, enfocando as dimensões,
as características e as transforma-
ções do sistema de saúde da região
em estudo. Os municípios serão de-
nominados de A, B, C e D.
Tendo como referência a incor-
poração na Constituição do concei-
to de seguridade social, expresso no
Artigo 194,1 identifica-se a saúde
como direito social universal, sen-
do a cidadania o princípio orienta-
dor para a organização das ações
do setor. Esse novo sistema de saú-
de passou a basear-se na descen-
tralização político-administrativa
da gestão, na universalização e
eqüidade da cobertura e do atendi-
mento, na reformulação do modelo
de saúde vigente e na participação
da comunidade. A proposta do Mo-
vimento Sanitário “implicava uma
nova lógica organizacional das
ações e serviços de saúde”, basea-
da na proposta contra-hegemônica
construída ao longo de quase duas
décadas (Rodrigues Neto, 1990).
Essa “nova lógica organizacional”
1 De acordo com o Artigo 194 da Constituição Brasileira (1988:120): “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo Único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I – universalidade
da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e
distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – eqüidade na forma de participação no
custeio; VI – diversidade da base de financiamento; VII – caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da
comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.”
saúde dos serviços público e priva-
do, diretores das unidades de saúde
públicas e privadas, dentre outros.
Nesse sentido, optou-se por ca-
racterizar o sistema de saúde local
COTTA, R. M. M. et al.
56 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999
deveria substituir a lógica prevale-
cente, isto é, aquela voltada para
as ações médico-curativas individu-
alizadas e centrada nos hospitais
privados, devendo passar a priori-
zar as atividades preventivo-coleti-
vas, privilegiando os serviços pú-
blicos de saúde.
Nota-se que essa estratégia im-
põe a combinação de conhecimen-
tos estratégicos específicos, com
uma atenção especial ao conheci-
mento local, derivado das experi-
ências dos vários atores inseridos
direta ou indiretamente no proces-
so de implementação da política
de saúde.
Este estudo, portanto, tem como
enfoque primordial, a análise da
forma como essa ‘nova lógica insti-
tucional’ tem sido implantada, ou
o que de novo tem sido aplicado na
‘velha’ lógica institucional prevale-
cente das ações e serviços de saúde
a nível local.
O SISTEMA DE SAÚDE LOCALE A IMPLANTAÇÃO DO SUS
Para a caracterização do sistema
de saúde local, levou-se em conside-
ração o porte do município (pequeno,
médio e grande), o tipo de gestão
municipal (NOB/SUS-93) em que se
encontra o município (parcial, incipi-
ente, semiplena ou não municipali-
zado), os tipos de unidades de saúde
existentes no município e os serviços
prestados por essas unidades.
Um aspecto importante a ser des-
tacado, conforme pode ser visuali-
zado no Quadro 1, é que o tipo de
gestão em que se encontra o muni-
cípio, não tem relação com o porte
nem com os aspectos demográficos
desses municípios. Na prática, os
municípios não apresentam a ten-
dência esperada de opção pela ges-
tão semiplena. Como na gestão se-
miplena o governo federal deve
transferir para o município o mon-
tante dos recursos designados e os
municípios devem assumir total-
mente o gerenciamento das ações e
dos serviços de saúde, o que se ob-
serva é que os municípios não se
têm empenhado para passar para a
gestão semiplena, pelo contrário.
De acordo com os gestores entrevis-
tados, “o governo federal não é con-
fiável”. Um dos secretários munici-
pais de saúde afirma que as prefei-
turas não têm incentivos suficien-
tes para assumir a gestão semiple-
na, pois, dada a incerteza quanto
ao respaldo de verba pelo governo
federal, resta ao governo municipal
‘se virar’ para pagar as contas. Ao
contrário, nas formas de gestões
parcial e incipiente, o município,
assim como os prestadores priva-
dos conveniados com o SUS e al-
guns médicos dos hospitais, rece-
bem os recursos financeiros direta-
mente do governo federal. Os cus-
tos políticos de uma crise no siste-
ma são, então, deixados para o
governo federal, pois, nessas duas
formas de gestão, existe o vínculo
direto dos prestadores, públicos e
privados, com o governo federal.
Outro aspecto importante a ser
considerado refere-se à caracteriza-
ção demográfica dos municípios em
estudo. Nesse sentido, o Quadro 1
apresenta informações sobre a po-
pulação e a respectiva distribuição
por zona urbana e rural, e o tipo de
gestão municipal.
Pelo Quadro 1, verifica-se que, no
menor dos municípios, o município
A, predomina a população rural
QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1 – População, distribuição por zona urbana e rural e tipo de gestão municipal.Municípios amostrados na regional de saúde de Ponte Nova, MG, 1996
Fonte: IBGE/Censo Demográfico, 1991.SUS/SES/SOS/Coordenadoria de Informação – Sistema e Controle da Municipalização, 1994.
Município A
(médio porte)
Município B
(pequeno porte)
Município C
(médio porte)
Município D
(grande porte)
População urbana 059% 018% 020% 081%
População rural 041% 082% 080% 019%
População total 100% 100% 100% 100%
Tipo de gestão Parcial Incipiente NãoMunicipalizado
Parcial
O Município e a Nova Lógica Institucional do Setor Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999 57
(82%). O mesmo acontece com um dos
municípios de médio porte, o muni-
cípio B, onde 80% da população re-
side na zona rural. No outro muni-
cípio de médio porte, município C,
a distribuição populacional quanto
a zona urbana e rural é relativamen-
te equilibrada, 59% e 41%, respecti-
vamente. Já no município de gran-
de porte, o município D, verifica-se
uma inversão, isto é, ocorre um pre-
domínio da população urbana
(81%). Com relação ao tipo de ges-
tão municipal, considera-se que a
trajetória em direção à gestão se-
miplena seria a ideal e o cami-
nho natural pelo qual deveriam pas-
sar os municípios.
Entretanto, na prática, tem-se
verificado que os gestores têm opta-
do por estágios intermediários de
gestão (Quadro 1). Dessa forma, eles
maximizam a obtenção de recursos
e minimizam as responsabilidades
(Wilson, 1973).
A análise do sistema local de saú-
de mostra que nos municípios estu-
dados, no que se refere à zona ru-
ral, não houve ampliação da rede
física, com a municipalização. Tam-
bém quanto ao atendimento médico
prestado, não houve mudanças, ou
seja, todos os postos continuam a
oferecer atendimento médico apenas
duas ou três vezes por semana, com
um número limitado de quinze con-
sultas por vez (30 a 45 consultas por
semana). Na realidade, esses pos-
tos de saúde continuam a funcionar
mediante execução de tarefas pelos
chamados ‘auxiliares de saúde’. Es-
ses ‘auxiliares de saúde’ são pesso-
as leigas da comunidade, sem qual-
quer tipo de qualificação para a exe-
cução dos serviços. Os auxiliares,
geralmente, são contratados para
tomar conta dos postos de saúde,
fazer faxina e prestar serviços como
aplicação de injeções, curativos e
campanhas de vacinação.
Nota-se, portanto, que, apesar da
implantação do SUS, a população da
zona rural continua desassistida em
bém o trabalho multiprofissional é
privilégio exclusivo das unidades de
saúde da zona urbana. Por exemplo,
no município D, pode-se supor, por-
tanto, que os 19% dos usuários resi-
dentes na zona rural precisam se des-
locar para as unidades de saúde da
zona urbana em busca de atendimento
médico, de exames laboratoriais e de
medicamentos. Neste município, são
oito as unidades de saúde localiza-
das na zona urbana. Elas são distri-
buídas da seguinte forma: um pron-
to-socorro municipal com funções se-
melhantes às dos postos de saúde,
cinco postos de saúde e dois hospi-
tais do município. Os dois hospitais
e três postos de saúde situam-se em
zonas centrais da cidade, enquanto
os outros três postos de saúde se si-
tuam em bairros da periferia.
Verifica-se que, além disso, todas
essas unidades de saúde já existiam
antes da municipalização, não haven-
do, portanto, ampliação da rede físi-
ca. As únicas alterações significati-
vas foram as novidades de atendi-
mentos oferecidos: a ampliação de
algumas especialidades médicas, a
criação dos serviços laboratoriais e
de alguns serviços especializados
como os de fisioterapia e de órtese e
prótese e a contratação de profissio-
nais de saúde não-médicos, entre es-
tes psicólogo, assistente social, nu-
tricionista, dentista e fisioterapeuta.
A reformulação administrativa ocor-
rida após a municipalização permi-
tiu, também, a especialização de al-
guns postos de saúde, em razão dos
relação à assistência médica. Além
das tarefas serem executadas por
pessoas sem treinamento para as fun-
ções, os médicos ‘visitam’ as zonas
rurais apenas duas ou três vezes por
semana, permanecendo pouco tempo
nos postos e atendendo a um número
limitado de pessoas. Além disso, não
foi implantado nenhum tipo de servi-
ço ou programa (como, por exemplo,
assistência materno-infantil, progra-
mas para grupos de risco etc), visan-
do assistir a população rural. Tam-
NA PRÁTICA, TEM-SE VERIFICADO
QUE OS GESTORES TÊM OPTADO
POR ESTÁGIOS INTERMEDIÁRIOS
DE GESTÃO. DESSA FORMA,ELES MAXIMIZAM A OBTENÇÃO
DE RECURSOS E MINIMIZAM
AS RESPONSABILIDADES.
COTTA, R. M. M. et al.
58 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999
tipos de atendimento. Um dos pos-
tos localizados na periferia foi desti-
nado, exclusivamente, ao atendimen-
to odontológico, enquanto outro, lo-
calizado no centro, foi destinado aos
programas de ‘saúde da mulher’ (gi-
necologia e obstetrícia, saúde mater-
no-infantil, vacinação etc).
Comprova-se, ainda, que, além
do oferecimento de consultas médi-
cas, foram estabelecidos alguns pro-
gramas de saúde no município D.
Dentre esses programas encontram-
se o Programa de Prevenção e Con-
trole da Hanseníase; o Programa de
Prevenção e Controle da Tuberculo-
se; o Serviço de Vigilância Epidemi-
ológica e Sanitária; o Programa de
Assistência à Mulher e à Criança; o
Programa de Prevenção e Controle
de Diabéticos e o Programa de Pre-
venção e Controle de Hipertensos. É
importante destacar que a maioria
desses programas já existia antes da
municipalização e continuam a ser
executados da mesma forma. Esses
programas consistem em consultas
médicas e distribuição de medica-
mentos (se disponíveis) àqueles usu-
ários que procuram o serviço, não
havendo nenhum tipo de controle,
trabalho educativo ou visita domici-
liar aos usuários que estão no pro-
grama e aos que não dão continui-
dade ao tratamento. Além disso, to-
dos esses programas são executados
em postos localizados na zona ur-
bana, o que demonstra que a reali-
zação de estudos endêmicos não é
objeto de preocupação dos gestores.
O estudo endêmico é importante, pois,
além de fornecer dados quantitati-
vos e qualitativos sobre determina-
da doença, serve de subsídio para a
viabilização de trabalho de acompa-
nhamento e orientação. O estudo
endêmico poderia servir de subsídio,
também, para a adequação das
ações e serviços de saúde às reais
necessidades dos cidadãos, isto é,
deveria propiciar a implantação de
novos programas e a transferência
dos programas já existentes para as
zonas endêmicas, sejam elas rurais
ou urbanas. (Rodrigues Neto, 1992)
aspecto fundamental na implemen-
tação de programas de saúde.
No que se refere à distribuição
da rede física instalada, tanto a po-
pulação residente na zona urbana
quanto a residente na zona rural são
contempladas. Entretanto, no que diz
respeito ao tipo de assistência ofe-
recida e à quantidade e qualidade dos
serviços prestados, observou-se que
a população usuária residente nas
zonas rurais não recebe assistência
em quantidade nem em qualidade
satisfatórias, necessitando deslocar-
se para a zona urbana em busca de
atendimento médico. Apesar de te-
rem sido implantados alguns progra-
mas de saúde multiprofissionais no
município D, não ocorreram mudan-
ças na prática das ações e serviços
de saúde oferecidas pelo SUS, quan-
do comparadas com as executadas
pelo INAMPS. Assim, tanto as zonas
rurais quanto a periferia das zonas
urbanas continuam sem assistência
qualificada em nível de atendimen-
to médico e os serviços continuam
concentrados nos centros da cidade.
Outro aspecto a ser destacado é o fato
de os serviços oferecidos continua-
rem a ser do tipo individualizado-
curativo, e não, conforme pretendia
o projeto de Reforma Sanitária, co-
letivo-preventivo. Para os gestores,
o mais importante é a quantidade
de serviços prestados, em detrimen-
to da qualidade e resolubilidade des-
ses atendimentos. Continuam a va-
ler, para o SUS, as mesmas regras
do extinto INAMPS.
PARA OS GESTORES, O MAIS IMPORTANTE
É A QUANTIDADE DE SERVIÇOS PRESTADOS,EM DETRIMENTO DA QUALIDADE E
RESOLUBILIDADE DESSES ATENDIMENTOS.
Desses programas, apenas os
destinados a diabéticos e hiperten-
sos foram implantados após a mu-
nicipalização. Esses programas con-
tam, além do atendimento médico,
com atendimentos realizados por
outros profissionais como psicólo-
gos, nutricionistas e assistentes so-
ciais, embora ainda não se possa
falar em trabalho interdisciplinar,
pois as atividades têm sido executa-
das de forma isolada e individuali-
zada pelos profissionais. Apesar de
a institucionalização da administra-
ção da interdisciplinariedade ser um
O Município e a Nova Lógica Institucional do Setor Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999 59
A implantação do SUS, na região
em estudo, tem demonstrado que o
processo de descentralização não
vem sendo acompanhado, conforme
esperado pelo Movimento Sanitário,
de um real avanço na conquista da
saúde como direito universal e igua-
litário. São os efeitos não antecipa-
dos quando da idealização do SUS,
decorrentes das limitações do mode-
lo pluralista como explicação dos
fenômenos políticos (Michels, 1982).
Na prática, a descentralização tem-
se transformado em um processo de
reconcentração do poder, ditado so-
bretudo por questões econômicas.
Trata-se de um processo regido pela
lógica da recentralização e da racio-
nalidade econômica (Cohn, 1994).
Mais especificamente, Cohn (1994:10)
ressalta que:
É freqüente equiparar-se, à área da
saúde, a racionalidade e a eficiência,
entendidas ambas como aumento da
produtividade dos serviços públicos de
saúde. De fato, os critérios de repasse
dos recursos dos níveis federal e esta-
dual para os governos locais vêm sen-
do crescentemente definidos pela pro-
dução de atos médicos, perdendo-se de
vista a questão fundamental da quali-
dade e do acesso aos serviços. É por
essa via que se vem reproduzindo a
idéia de descentralização.
Deve-se destacar, porém, que a
forma como se tem implantado o SUS
nos municípios estudados não é o
‘tipo ideal de municipalização’. Nota-
se que, nesses municípios, a muni-
cipalização não veio acompa-
nhada de aumento na quantidade e
na qualidade das ações e serviços
de saúde, nem em nível curativo,
muito menos em nível preventivo.
Pelo contrário, o que os atores en-
trevistados têm destacado é que,
após a municipalização, restringiu-
se o acesso a esses serviços tanto
para as camadas carentes da popu-
lação quanto para toda a sociedade
local e regional.
Para compreender os dados apre-
sentados até então, é interessante
zação, os prefeitos contrataram um
médico que atende uma vez por se-
mana nos postos da zona rural e
três vezes por semana no posto da
zona urbana.
Observa-se que o atendimento
relativo à saúde é voltado para o
nível curativo-individual, tendo
como única atividade a oferta de con-
sultas médicas. Não foi implantado
nenhum tipo de programa de saúde,
e não há nenhuma atividade volta-
da para a promoção e prevenção da
saúde. Deve-se destacar que, apesar
desses municípios serem predomi-
nantemente rural, as ações e servi-
ços de saúde nas zonas rurais são
em qualidade e quantidade insufici-
entes, concentrando-se a assistência
médica na zona urbana.
Para completar esses aspectos da
descrição e análise dos tipos de ser-
viços prestados e caracterização do
sistema de saúde local por municí-
pios, é importante que se faça a com-
paração entre esses sistemas. Em
todos os casos analisados, nota-se,
em relação às ações e serviços de
saúde, que os recursos continuam,
mesmo após a municipalização, sen-
do destinados, basicamente, às
ações individuais e curativas, em
detrimento das ações coletivas e pre-
ventivas. Pode-se inferir, portanto,
que ainda não se instituiu, confor-
me idealizado pelo Movimento Sa-
nitário, a preconizada “nova lógica
organizacional” (Rodriguez Neto,
1990). De acordo com esse autor,
para que a “lógica organizacional”
destacar as características dos outros
municípios em estudo, as dos muni-
cípios A, B e C. Nota-se que esses
municípios assumem alguns serviços
de saúde, como, por exemplo, os pos-
tos de saúde, mas os recursos finan-
ceiros continuam a ser providos pelo
governo federal diretamente aos pres-
tadores públicos ou privados.
Os municípios A, B e C possuem
unidades de saúde, sendo postos de
saúde localizados na zona urbana
e na zona rural. Após a municipali-
APÓS A MUNICIPALIZAÇÃO,RESTRINGIU-SE O ACESSO
A ESSES SERVIÇOS TANTO PARA
AS CAMADAS CARENTES DA
POPULAÇÃO QUANTO PARA TODA
A SOCIEDADE LOCAL E REGIONAL.
COTTA, R. M. M. et al.
60 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999
vigente seja revertida, é necessário,
em um primeiro momento, que se
faça o planejamento sanitário, levan-
do-se em consideração a realidade
sanitária do município.
Nesse sentido, um dado impor-
tante revelado nesse estudo é o fato
de o Plano Municipal de Saúde (PMS)
só existir no ‘papel’. Na realidade,
apesar de todos os municípios amos-
trados terem elaborado o PMS, ele
não tem sido utilizado como referên-
cia para o planejamento sanitário.
O que se verifica, na prática, é que
em todos os quatro municípios pes-
quisados, o PMS só foi elaborado
para cumprir exigências burocráticas
da Diretoria Regional de Saúde
(DRS), Secretaria Estadual de Saúde
(SES) e Ministério da Saúde (MS).
Segundo os gestores municipais en-
trevistados, ele não reflete a reali-
dade sanitária do município. A ela-
boração dos Planos Municipais de
Saúde (PMS) foi apenas um ato for-
mal para cumprir exigências legais
de repasse de verba. A inconsistên-
cia entre a estratégia de descentrali-
zação (fragmentação dos sistemas de
decisões) e os mecanismos de ope-
racionalização dessa estratégia evi-
dencia-se quando o SUS é colocado
em prática: a elaboração e a imple-
mentação adequadas do Plano Mu-
nicipal de Saúde dependem da capa-
cidade técnica de planejar segundo
critérios previamente estabelecidos,
o que, em municípios de pequena
escala, não estão disponíveis. A in-
coerência entre a estratégia de des-
centralização e os mecanismos en-
contrados para a operacionalização
do SUS emerge quando se identifica
que alguns desses gestores nunca
leram o PMS. Por exemplo, de acor-
do com um dos gestores municipais
entrevistados:
Nunca foi feito qualquer tipo de
programação ou planejamento. As
ações e serviços de saúde vão sendo
da Constituição Federal, os poucos
programas que foram implantados
demonstram o que Mendes (1994:27)
chamou de “entendimento reducionis-
ta da prevenção da saúde”. De acor-
do com esse autor: “Ainda prevalece
o entendimento reducionista da aten-
ção primária seletiva, especialmen-
te mediante programas de medicina
simplificada ou das estratégias de
sobrevivência de grupos de risco.”
Esse “entendimento reducionista”
pode ser visto pela forma como são
estruturados os programas de saú-
de. Com base unicamente na reali-
zação de consultas médicas e distri-
buição de medicamentos, esses pro-
gramas não são precedidos de estu-
dos de zonas endêmicas de patolo-
gias, que levem em conta os grupos
de risco da população identificados
sob critérios epidemiológicos e soci-
ais. Essa falta de planejamento da
forma de gestão com base exclusi-
vamente na “assistência espontânea
e compensatória” (SANTOS, 1994) aos
doentes tem levado à continuidade
da implantação dos programas ape-
nas nos postos de saúde da zona
urbana. Isso é confirmado em uma
das entrevistas de um profissional
responsável por um dos programas,
que comenta:
Há pouco tempo, recebemos a vi-
sita de um burocrata da SES, que dis-
se ter-se assustado bastante com o
número de pacientes que fazem he-
modiálise nessa região. Segundo esse
profissional, o índice é um dos mais
altos do estado. Outro aspecto que foi
NA REALIDADE, APESAR DE TODOS
OS MUNICÍPIOS AMOSTRADOS TEREM
ELABORADO O PMS, ELE NÃO TEM
SIDO UTILIZADO COMO REFERÊNCIA
PARA O PLANEJAMENTO SANITÁRIO.O QUE SE VERIFICA, NA PRÁTICA,
É QUE EM TODOS OS QUATRO
MUNICÍPIOS PESQUISADOS, O PMS
SÓ FOI ELABORADO PARA CUMPRIR
EXIGÊNCIAS BUROCRÁTICAS.
implantados de acordo com as necessi-
dades que vão surgindo, e conforme os
recursos disponíveis. Eu não tenho
dados que me permitam planejar, não
tenho tempo disponível para ler o Pla-
no Municipal de Saúde e não acredito
que ele possa ajudar.
No que se refere à promoção e à
prevenção da saúde, cujo princípio
está expresso no artigo 198, item II
O Município e a Nova Lógica Institucional do Setor Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999 61
destacado por ele é o fato de ser muito
baixo o índice de morte no nosso ser-
viço, o que sugere a possibilidade de
que a hemodiálise poderia ter sido evi-
tada para alguns pacientes. A partir
dessa visita, o Secretário Municipal
de Saúde (SMS) propôs a estrutura-
ção de um serviço a nível municipal
de controle de diabetes e de hiperten-
são arterial. O objetivo desses pro-
gramas seria diminuir gastos de in-
ternação com um atendimento a ní-
vel ambulatorial.
A redução dos gastos com inter-
nação hospitalar é um dado impor-
tante e deve ser levada em conside-
ração pelo gestor municipal, mas a
implantação de programas de saú-
de não deve ter como referência prin-
cipal esse tipo de critério. A implan-
tação de programas de saúde deve
ser precedida de um estudo epide-
miológico e demográfico do municí-
pio, levando-se em consideração
dados de morbidade, de mortalida-
de e de zonas endêmicas. Esses da-
dos devem estar contemplados no
Plano Municipal de Saúde, e o ges-
tor municipal deve fazer uma pro-
gramação a curto, médio e longo
prazos das ações e serviços de saú-
de a serem implantados e implemen-
tados (Tobar, 1993). A proposição
aqui desenvolvida é que a esfera
administrativa do Plano de Saúde
deva propiciar condições e direcio-
nar as atividades a serem implanta-
das e implementadas no município.
Podem-se identificar, também,
algumas tendências. Ao descentrali-
zar as ações e serviços de saúde, as
funções que, antes, eram executadas
basicamente pelos hospitais conve-
niados com o SUS estão simples-
mente sendo transferidas para os
serviços públicos municipais. Reti-
ra-se, então, parcialmente (conforme
previsto pelo Movimento da Refor-
ma Sanitária), dos hospitais a posi-
ção central que ocupavam na aten-
ção à saúde. Esperava-se, com isso,
que fosse revertida a lógica das ações
e dos serviços de saúde prevalecen-
tes até então. Entretanto, os dados
tada e sem garantia de qualidade, des-
locando o eixo deste modelo para a as-
sistência integral universalizada e equ-
ânime, regionalizada e hierarquizada, e
para a prática da responsabilidade sa-
nitária em cada esfera do governo, em
todos os pontos do sistema.
Com relação ao trabalho multi-
profissional (que, em alguns muni-
cípios parece ter sido implantado),
verifica-se que, com a municipaliza-
ção, houve a contratação, pelo ser-
viço público, de outros profissionais
de nível superior não-médicos. Mas,
esse estudo demonstra que, apesar
dessas contratações, “ainda não se
pode falar em uma institucionaliza-
ção da administração da interdispli-
nariedade” (Japiassu, 1992). As ati-
vidades continuam a ser executadas
de forma isolada, isto é, cada pro-
fissional faz seu trabalho individu-
almente. Mais especificamente, um
dos atores destaca que:
Na época do INAMPS, a enferma-
gem não podia convocar os pacientes
para fazer acompanhamento. Com o
SUS, apesar de os médicos não traba-
lharem de forma integrada, pois eles
são contratados apenas para prestar
consultas, e por isso não têm tempo,
nós temos autonomia para fazer gru-
pos de mães e dar as devidas orienta-
ções. Também a nutricionista, a assis-
tente social, o dentista e a fisiotera-
peuta trabalham de forma isolada.
Mesmo a nível da mesma categoria
profissional, não existe integração
quando o vínculo empregatício é dife-
rente. Por exemplo, quem trabalha na
referentes à caracterização das
ações e dos serviços de saúde aqui
apresentados, descritos anterior-
mente, demonstram que isso não
vem ocorrendo. A identificação des-
ses aspectos está descrita no docu-
mento Brasil (1993:2):
O objetivo mais importante que se
pretende alcançar com a descentraliza-
ção do SUS é a completa reformulação
do modelo assistencial hoje dominante,
centrado na assistência médico-hospi-
talar individual, assistemática, fragmen-
A PROPOSIÇÃO AQUI DESENVOLVIDA
É QUE A ESFERA ADMINISTRATIVA DO
PLANO DE SAÚDE DEVA PROPICIAR
CONDIÇÕES E DIRECIONAR AS ATIVIDADES
A SEREM IMPLANTADAS EIMPLEMENTADAS NO MUNICÍPIO
COTTA, R. M. M. et al.
62 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999
Diretoria Regional de Saúde (DRS)
não atua de forma conjunta com o
profissional da mesma categoria vin-
culado à Secretaria Municipal de Saú-
de (SMS).
Ainda com relação aos profissio-
nais de saúde de nível superior, des-
taca-se que a maioria, principalmen-
te os médicos, tem o serviço público
como atividade profissional secundá-
ria, sendo contratados para atender
um número limitado de fichas (e não
pacientes-cidadãos), geralmente entre
doze a quinze por dia. Na maioria
das vezes, a contratação do profissi-
onal ocorre de forma irregular, sem
vínculo empregatício e sem realiza-
ção de concurso público. Isso implica
oferta de serviços precários, tanto em
qualidade como em quantidade, o que
induz à inferência de que, apesar da
descentralização das ações e dos ser-
viços de saúde, a resolução do pro-
blema de saúde do paciente continua
a não ser o principal objetivo almeja-
do pelos gestores.
Por fim, cabe destacar que a ‘ló-
gica institucional’ aplicada no SUS,
parece não tender para o novo, pelo
contrário, mantém-se tão velha e
desatualizada como aquela aplica-
da na época do extinto INAMPS. É im-
prescindível, nesse momento, que
seja revisto o papel das organiza-
ções burocráticas do setor saúde
(MS, SES, DRS). Já é hora dessas ins-
tâncias passarem a exercer um pa-
pel mais ativo, transcendendo os li-
mites da fiscalização, capacitando e
assessorando as instancias locais,
tanto na formulação de Planos de
Saúde, quanto na avaliação da per-
tinência e na implantação e imple-
mentação desses planos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BABBIE, E., 1983. The Practice of Social
Research. 3nd. Belmont: Wadsworth
Publishing Company. 551p.
BRASIL, 1993. Ministério da Saúde.
Descentralização das Ações e Ser-
viços de Saúde – A ousadia de cum-
prir e fazer cumprir as leis. Brasí-
lia: MS/SUS. 68p.
BRASIL, 1993. Portaria GM no 545
(NOB/SUS – no 01/93). Diário Ofi-
cial da República Federativa do Bra-
sil, Brasília, 20(545):6.961-6.965.
BUSS, P. M. & LABRA, M. E. (Org.),
1995. Sistemas de Saúde – conti-
nuidades e mudanças. São Paulo:
Hucitec. 259p.
COHN, A., 1994. Descentralização,
saúde e cidadania. Lua Nova,
(32):5-16.
CORDEIRO, H., 1991. Sistema Único de
Saúde. Rio de Janeiro: Ayuri. 184p.
CRETELLA, J., 1993. Constituição Brasi-
leira de 1988. 2.ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária. 196p.
JAPIASSU, H. A., 1992. Atitude interdis-
ciplinar no sistema de ensino. Re-
vista Tempo Brasileira, 108: 83-95.
MELO, M. A., 1993. Anatomia do fra-
casso: intermediação de interes-
ses e a reforma das políticas so-
ciais na Nova República. Dados,
36(1):119-163
MENDES, E. V., 1994. Distrito sanitá-
rio – o processo social de mudança
das práticas sanitárias do Siste-
ma Único de Saúde. São Paulo:
Hucitec. 310p.
MICHELS, R., 1982. Sociologia dos Par-
tidos Políticos. Brasília: UNB.
243p.
RODRIGUES NETO, E., 1992. Políticas de
saúde no Brasil: a descentraliza-
ção e seus atores. In: CONFERÊNCIA
NACIONAL DE SAÚDE, Brasília. Cader-
nos... Brasília: Ministério da Saú-
de. v. 1, p. 43-59.
RODRIGUES NETO, E., 1990. Os Cami-
nhos do Sistema Único de Saúde
no Brasil: algumas considerações
e propostas. Brasília: NESP. 33p.
(Mimeo.)
SANTOS, L., 1994. Sistema Único de
Saúde – – – – – distribuição de competên-
cia no SUS: o papel das três esferas
de governo no SUS. Brasília: OPS/
MS. 56p. (Série Direito e Saúde, 3).
TOBAR, F. et al., 1993. Os caminhos
da descentralização no setor saú-
de brasileiro. Saúde em Debate,
(38):49-69.
WARWICK, D. & LININGER, C., 1975. The
Sample Survey: theory and practi-
ce. New York: MacGraw-Hill Book
344p.
WILSON, J. Q., 1973. Political Organi-
zations. New York: Basic Books.
O Perfil Epidemiológico e sua Relação com o Planejamento de Ações Odontológicas
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 63-67, set./dez. 1999 63
ARTIGO
O perfil epidemiológico e sua relação com o planejamento de
ações odontológicas no Piese-Paulínia (SP)
The Epidemiologic profile and the odontologic planning programme in the
PIESE-Paulínia (SP), Brasil
1 Professor do Departamento de
Odontologia Social, FOP-Unicamp.
Coordenador dos Estágios Extramuro,
FOP-Unicamp. Universidade de Campinas,
Av. Limeira, 901 – CEP: 13414-01,
Piracicaba, SP, Brasil.
Tel: (19)430-5209/430-5278
Fax: (19)430-5218
2 Professor do Departamento de
Odontologia Social, FOP-Unicamp.
Doutorando do Curso de Pós-Graduação
em Odontologia Preventiva e Saúde
Pública, FOAraçatuba-Unesp.
Universidade de Campinas,
Av. Limeira, 901 – CEP: 13414-01,
Piracicaba, SP, Brasil.
Tel: (19)430-5209/430-5278
Fax: (19) 430-5218
3 Cirurgiões-Dentistas, Coordenadores de
Programas do Departamento de
Odontologia da Secretaria de Saúde.
Prefeitura Municipal de Paulínia,
Centro Odontológico Municipal
Tel: (19)874-5676
Antonio Carlos Pereira1
Marcelo de Castro Meneghim2
Patrícia Rodrigues Gomes3
Sonia P. Oliveira3
Júlio C. Fortunato3
Alexandre C. Brandt3
Almir A. Yassuhara3
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi relacionar o perfil epidemiológico em saúde bucal
da cidade de Paulínia e o planejamento de ações junto ao PIESE-Paulínia (Progra-
ma Integrado de Educação e Saúde Escolar). Com relação ao perfil epidemiológi-
co, observou-se que o índice CPOD caiu de 8,2 para 2,1, aos 12 anos de idade, no
período entre 1980 e 1996. O número de crianças sem necessidade de tratamento
dentário subiu de 3,6% para 27,7%, entre 1984 e 1996, enquanto o ceo diminuía,
somente em quatro anos (1993 a 1996), de 3,07 para 2,10, em crianças de três
a cinco anos de idade. Com relação à produção do PIESE, verifica-se, em dentes
permanentes, que o número de restaurações diminuiu de 6.250 para 606, e as
extrações diminuíram de 84 para 9, entre os anos de 1984 e 1996. Em virtude do
exposto, conclui-se que, em razão da mudança do perfil epidemiológico, foi pos-
sível uma reestruturação no planejamento de ações, levando, assim, a um au-
mento da cobertura populacional.
PALAVRAS-CHAVE: estágio extramuro; epidemiologia de cárie dentária; planejamento
de serviço odontológico.
ABSTRACT
The aim of this study was to identify a possible relation between epidemiologic
profile and the planning of an odontologic program for schools in Paulínia-SP. It
was verified that DMFT (12 years old) decreased 8.2 to 2.1, from 1980 to 1996.
The number of children not needing odontologic treatment increased from 3.6 to
27.7%, between 1984 and 1996. In relation to the production of PIESE (Health and
Education Program for Schools)-Paulínia, it was verified that the number of
restorations in permanent teeth decreased 6250 to 606 and extractions decreased
from 84 to 9 between 1984 and 1996. In conclusion, a change of epidemiologic
profile made it possible to increase population coverage.
KEY WORDS: dental caries epidemiology; student training program; health service
planning in odontology.
PEREIRA, A. C. et al.
64 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 63-67, set./dez. 1999
OS ESTÁGIOS EXTRAMURAIS NAS FACULDADES
DE ODONTOLOGIA SÃO OBRIGATÓRIOS,
DE ACORDO COM O CURRICULUM MÍNIMO
DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO E ESTÃO
AMPARADOS PELA LEI FEDERAL NO 6.494
DE 07/12/1977, PELO DECRETO FEDERAL
NO 87.497 DE 18/08/1982 E PELAS
RESOLUÇÕES NO 04 DE 03/09/1982 E 116
DE 25/08/1984 DO CONSELHO FEDERAL DE
ODONTOLOGIA (CFO).
INTRODUÇÃO
Os estágios extramurais nas Fa-
culdades de Odontologia são obriga-
tórios, de acordo com o curriculum
mínimo dos cursos de graduação e
estão amparados pela Lei Federal no
6.494 de 07/12/1977, pelo Decreto
Federal no 87.497 de 18/08/1982 e
pelas resoluções no 04 de 03/09/1982
e 116 de 25/08/1984 do Conselho
Federal de Odontologia (CFO).
Em 1975 foi iniciado um progra-
ma de integração docente-assisten-
cial com a participação de estudan-
tes do curso de graduação (7o e 8o
semestres) da Faculdade de Odonto-
logia de Piracicaba-UNICAMP, na ci-
dade de Paulínia, Estado de São Pau-
lo, distante 60 km de Piracicaba.
Esse programa foi reformulado em
1980 e, posteriormente, em 1983,
quando surgiu o Programa Integra-
do de Educação e Saúde Escolar –
PIESE – (Moreira, Tumang & Olivei-
ra, 1985). Em 1985, houve modifi-
cações no equipamento simplifica-
do utilizado e, em 1996, todos os
equipamentos foram trocados para
standard. Esse programa é realiza-
do no Centro Odontológico Munici-
pal-Paulínia (COM).
Cada estudante de odontologia é
obrigado a cumprir 80 horas por se-
mestre nesses estágios; as equipes
são constituídas de sete estagiários
por semana, que trabalham auxilia-
dos por ACDs e THDs.
Alguns artigos sobre o assunto
já foram publicados e neles são ana-
lisados os tipos de estágios, os ob-
jetivos, forma de atuação e os da-
dos de produtividade (Moreira, Tu-
mang & Oliveira, 1985; Moreira &
Oliveira, 1987; Moreira & Oliveira,
1988; Moreira, Pereira & Oliveira,
1996; Oliveira, Miranda & Moreira,
1986; Pereira & Moreira, 1992).
Porém, nos últimos anos, obser-
va-se uma mudança no perfil epide-
miológico da cidade de Paulínia e
planejamento de ações em odonto-
logia no Programa PIESE-Paulínia.
MATERIAL E MÉTODOS
Neste trabalho foram utilizados
dados do Centro Odontológico Muni-
cipal de Paulínia, em cujas instala-
ções funciona o PIESE (Programa In-
tegrado de Educação e Saúde Es-
colar, implementado por graduandos
dos 7o e 8o semestres do curso de
odontologia da Faculdade de Odon-
tologia de Piracicaba-UNICAMP.
O PIESE trabalha no sistema in-
cremental de atendimento ao esco-
lar. A população-alvo é constituída
por crianças matriculadas nas 1a e
3a séries das escolas municipais de
Paulínia. São encaminhadas, sema-
nalmente, duas classes (uma de
manhã e outra à tarde), as quais fi-
cam acomodadas em uma sala de
aula localizada dentro do COM.
A infra-estrutura do Programa
conta com dois supervisores dentis-
tas, um THD, sete ACDs, quatro fun-
cionários para esterilização, limpe-
za, recepção e merenda; além disso,
as crianças passam por exames of-
talmológico e pediátrico.
Semanalmente são encaminha-
dos sete graduandos da FOP-UNICAMP
ao PIESE, os quais trabalham a qua-
tro mãos em equipamentos standard.
O tratamento curativo é realiza-
do por quadrante e as atividades
preventivas englobam as palestras
educativas, educação individual de
técnicas de escovação, aplicação de
isso está acarretando mudanças no
planejamento das ações em odonto-
logia em nível de saúde pública, in-
cluindo o PIESE.
OBJETIVOS
Demonstrar a relação entre o per-
fil epidemiológico e as mudanças no
O Perfil Epidemiológico e sua Relação com o Planejamento de Ações Odontológicas
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 63-67, set./dez. 1999 65
selantes ionoméricos e aplicação tó-
pica de flúor (Moreira & Oliveira,
1987; Moreira & Oliveira, 1988;
Moreira, Pereira & Oliveira, 1996;
Oliveira, Miranda & Moreira, 1986).
RESULTADOS
São apresentados, a seguir, os
dados referentes ao perfil epidemi-
ológico da cidade de Paulínia de
1980 a 1996, bem como a planilha
do número de alguns procedimen-
tos executados.
Perfil Epidemiológico
A Tabela 1 demonstra a queda do
índice CPOD, no período compreen-
dido entre 1980 e 1996, e esse índi-
ce teve uma diminuição de 74%.
Na Tabela 2 observa-se o percen-
tual de crianças sem necessidade de
tratamento, oriundas do PIESE, entre
os anos de 1984 e 1996, enquanto a
Tabela 3 apresenta o índice ceo mé-
dio e o percentual de crianças, de três
a cinco anos de idade, com necessi-
dade de tratamento.
Dados de Produção
A Tabela 4 apresenta a relação
entre o número de restaurações e
extrações de dentes permanentes e
o espaço intervalar de tempo entre
1984 e 1996.
A Tabela 5 demonstra que houve
um padrão de atendimento no PIESE,
visto a população-alvo, o sistema de
atendimento, e a capacidade produ-
TABELTABELTABELTABELTABELA 1A 1A 1A 1A 1 – Índice CPOD por componentes aos 12 anos, nos anos de 1980, 1994 e 1996 em Paulínia
* Referência: * Moreira, Pereira & Oliveira, 1996.
** Dados da Secretaria Municipal de Saúde – Paulínia.
Ano 1980* 1994* 1996**Componentes Média % Média % Média %Cariado 5,5 067,1 0,6 20,0 0,5 023,8ExtraçãoIndicada
0,4 004,9 – – – –
Extraído 0,5 006,1 – – – –Obturado 1,8 021,9 2,4 80,0 1,6 076,2CPOD 8,2 100,0 3,0 100,0 2,1 100,0
TABELTABELTABELTABELTABELA 2A 2A 2A 2A 2 – Percentuais de crianças sem necessidade de tratamento nos anos de 1984, 1987,1991, 1994 e 1996, em todas as idades, Paulínia
Ano1984 1987 1991 1994 1996
Percentual 3,6 6,8 12,9 27,2 27,7
AnoProcedimento 1984 1987 1991 1994 1996Restaurações 6250 5805 3306 879 606Extrações 84 46 46 14 9
TABELA 4TABELA 4TABELA 4TABELA 4TABELA 4 – Número de Restaurações e Extrações de dentes permanentes, nos anos de 1984,1987, 1991, 1994 e 1996, PIESE-Paulínia
* Crianças das EMEIS (Escolas Municipais de Educação Infantil).** Percentual de crianças com necessidade de tratamento.
Ano1993 1994 1995 1996
ceo 03,07 02,60 02,24 02,10** CNT (%) 55,22 35,61 28,39 25,63
TABELA 3TABELA 3TABELA 3TABELA 3TABELA 3 – Índice ceo médio e percentual com necessidade de tratamento, em relação a criançasentre 3 e 5 anos,***** nos anos de 1993, 1994, 1995 e 1996
PEREIRA, A. C. et al.
66 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 63-67, set./dez. 1999
tiva serem semelhantes, no período
compreendido entre 1984 e 1996.
DISCUSSÃO
A mudança no perfil epidemioló-
gico pode ser constatada se verifi-
carmos, na Tabela 1, que o índice
CPOD diminuiu cerca de 74%, vari-
ando de 8,2 a 2,1 (12 anos de ida-
de), entre 1980 e 1996, respectiva-
mente. Importante salientar que a
cidade de Paulínia já atingiu a meta
da Organização Mundial da Saúde
(OMS) para o ano 2000, ou seja,
CPOD menor ou igual a 3,0, aos 12
anos de idade e caminha a passos
largos para atingir a meta para o
ano 2010, que recomenda um CPOD
menor que 1,0, para a idade citada.
Analisou-se os componentes,
onde, em 1980, cerca de 67,1% do
índice era composto pelo componen-
te cariado e, em 1996, este percentu-
al situava-se em 23,8%, enquanto o
inverso ocorria com o componente
obturado, passando de 21,9% (1980)
para 76,2% (1996). Os componentes
extração indicada e extraído que jun-
tos somavam 11% do índice CPOD,
em 1980, praticamente são nulos nos
anos de 1994 e 1996.
Podemos citar, também, o au-
mento no número de crianças sem
nenhuma necessidade de tratamen-
to no PIESE, passando de 3,6% para
27,7%, entre 1984 e 1996, além da
diminuição do índice ceo nas crian-
ças das EMEIS (Escolas Municipais de
Educação Infantil), e o aumento no
percentual de crianças sem necessi-
dade de tratamento, passando de
45% para 75%, em apenas quatro anos
(1993 a 1996) (Tabela 3).
A queda nos índices de cárie
dentária, verificados na cidade de
Paulínia, está vinculada, principal-
mente, aos métodos preventivos
implementados em Paulínia, onde
destacamos a fluoretação das
águas de abastecimento, o aumen-
to na utilização de dentifrícios flu-
oretados e os programas preventi-
vos nas EMEIS e nas Escolas Muni-
cipais de 1o Grau. Vale destacar que
o PIESE foi o primeiro programa
odontológico estruturado, desen-
volvido nesta cidade, e as ativida-
des preventivas desenvolvidas pelo
programa são: ensino de escova-
ção; profilaxia e aplicação tópica
de flúor; selantes de fissuras; e
palestras sobre educação para a
saúde em odontologia.
Porém, essa mudança do perfil
epidemiológico tem uma estreita
relação com o planejamento de ser-
viços odontológicos. Isto é facilmen-
te observado na Tabela 4, onde o
número de restaurações dentárias
e extrações de dentes permanentes,
realizadas no PIESE, foi considera-
velmente reduzido, entre os anos
de 1984 e 1996; no ano de 1980
foram realizadas 6.250 restaura-
ções (incluindo amálgama, resina
fotopolimerizável e resina compos-
ta) e 84 extrações dentárias; e no
ano de 1996 houve uma diminui-
ção para 606 restaurações (amál-
gama de prata, restauração de re-
sina fotopolimerizável e ionômero
de vidro) e somente nove extrações.
A diminuição do número de extra-
ções de dentes permanentes, veri-
ficada principalmente a partir de
1991, ocorreu em razão da implan-
tação do serviço de endodontia ane-
xo ao PIESE.
Interessante esclarecer que a po-
pulação-alvo do PIESE foi a mesma
no período estudado, crianças de 1a
e 3a séries, atendidas em sistema
incremental, além do que o número
de tratamentos completados foi li-
geiramente aumentado, passando de
1.326 em 1984 para 1.429 em 1996.
Constata-se, também, através da
Tabela 5, que a relação Tratamento
Iniciado/Tratamento Completado
AnoTratamentos 1984 1987 1991 1994 1996Iniciado 1452 1529 1280 1397 1543Completado 1326 1459 1106 1223 1439TI/TC (%) * 91,3 95,4 86,5 87,5 93,2
TI/TC=Tratamento Iniciado/Tratamento completado
TABELA 5TABELA 5TABELA 5TABELA 5TABELA 5 – Número de tratamentos iniciados e completados e relação TI/TC, nos anos de 1984,1987, 1991, 1994 e 1996, PIESE-Paulínia
O Perfil Epidemiológico e sua Relação com o Planejamento de Ações Odontológicas
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 63-67, set./dez. 1999 67
(TI/TC) foi bastante linear, havendo
pequenas variações no período.
Diante dessa situação, começou a
ocorrer um aumento do tempo ocio-
so, sem contudo diminuir o número
de tratamentos completados, visto
haver um menor número de procedi-
mentos a serem executados, o que nos
encorajou a aumentar a população-
alvo para todas as séries do primei-
ro grau. Desse modo, duas classes
de 1a ou 3a séries são encaminhadas
por período (manhã e tarde), e estas
são atendidas de segunda à quarta-
feira, e às quintas e sextas-feiras são
encaminhadas somente crianças com
necessidade de tratamento, oriundas
das 2a ou 4a séries, acompanhadas
por uma professora da escola. Esse
foi o primeiro passo para um aumento
ainda maior da cobertura populacio-
nal do programa, baseado nas carac-
terísticas epidemiológicas vigentes na
comunidade pesquisada.
CONCLUSÃO
Baseado nos dados deste estudo,
é lícito afirmar que o perfil epidemi-
ológico é estreitamente relacionado
com o planejamento de serviços
odontológicos. Portanto, graças a
uma diminuição dos índices de cárie
(ceo e CPOD), bem como a mudança
do perfil epidemiológico, demonstra-
do principalmente pela diminuição
dos percentuais dos componentes dos
índices de cárie, surge a possibili-
dade de um aumento da cobertura
populacional, principalmente em ra-
zão de uma diminuição da demanda
operacional do PIESE-Paulínia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MOREIRA, B. H. W.; TUMANG, A. J. &
OLIVEIRA, S. P., 1985. Participação
de estudantes de odontologia em
programas de Integração Docen-
te-Assistencial. Revista Brasileira
de Odontologia, 42(4):30-36.
MOREIRA, B. H. W. & OLIVEIRA, S. P.,
1987. Integração Docente-Assis-
tencial. Análise dos resultados de
um programa. Revista Gaúcha de
Odontologia, 35(4):284-286.
MOREIRA, B. H. W. & OLIVEIRA, S. P.,
1988. Programa de Integração
Docente-Assistencial. II. Análise
dos resultados de 1985 e 1986.
Revista Brasileira de Odontologia,
45(3):24-32.
MOREIRA, B. H. W.; PEREIRA, A. C. &
OLIVEIRA, S. P., 1996. Avaliação
odontológica do Programa Inte-
grado de Educação e Saúde Esco-
lar (Piese) de Paulínia, SP. Revista
de Saúde Pública, , , , , 30(3):280-284.
OLIVEIRA, S. P.; MIRANDA, V. L. A. &
MOREIRA, B. H .W., 1986. Progra-
ma Integrado de Educação e Saú-
de Escolar. Revista Gaúcha de
Odontologia, 34(3):254-266.
PEREIRA, A. C & MOREIRA, B. H. W., 1992.
A utilização do auxiliar odontoló-
gico para o aumento da produtivi-
dade nos serviços públicos. Revis-
ta da Associação Paulista de Cirur-
giões-Dentistas, 46(5):851-854.
PEREIRA, A. C.; MENEGHIM, M. C. & HE-
BLING, H., 1995. Extensão Univer-
sitária: produtividade com qua-
lidade. Avaliação do estágio ex-
tramuro desenvolvido pela FOP-
Unicamp. Revta Clínica Odontol.,
1(2);16-20.
TAVEIRA, M.
68 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999
ARTIGO
Controle de custos em saúde: redução a qualquer preço ouracionalização na busca da eficácia? – elementos para discussão
Health cost control: reduction at any price or rationalizing toward
efficiency? – elements for discussion
Maura Taveira1
1 Docente de Planejamento e Programação
de Serviços, Daps/Ensp/Fiocruz.
RESUMO
O texto convida à discussão sobre aspectos metodológicos e práticos relativos
à aferição dos custos nos serviços públicos de saúde.
A relevância do debate deve-se ao momento de crise que atravessamos, em que
se convive com a tendência de crescimento dos gastos na área da saúde, aliada
às restrições orçamentárias do setor público.
PALAVRAS-CHAVE: custos; racionalidade; eficiência; eficácia; gerência dos serviços
públicos de saúde.
ABSTRACT
This article proposes a discussion on the cost of Brazilian public health servi-
ces, both in its methodological and practical aspects.
The author focuses specially on one of today’s major contradictions: health
cost going up and government budgets going down.
KEY WORDS: cost; rationalization; efficiency; efficacy; management.
Controle de Custos em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 69
A LÓGICA QUE DEVE NORTEAR
O SISTEMA É A DA SAÚDE ENÃO A LÓGICA CONTÁBIL.
1 Neste trabalho adotaremos a convenção de entender a ‘eficiência’ enquanto indicador que informa sobre a relação entre produto final/recursos
e a ‘eficácia’ como indicador que busca aferir o grau com que se atinge objetivos pré-definidos.
2 MARIO ROVERE, médico argentino, planejador em saúde.
INTRODUÇÃO
O ajuste estrutural, exigência da
nova ordem econômica e social dos
anos 90, vem provocando os mais
diversos tipos de repercussões, segun-
do a história e trajetória dos países
envolvidos. O privilegiamento de cor-
tes nas áreas de interesse social tem-
se mostrado como o lado mais polê-
mico do modelo, especialmente no
caso dos países em transição para o
desenvolvimento. A meta de redução
de custos a qualquer preço tem colo-
cado os condutores do Sistema de
Saúde diante de alternativas, às ve-
zes confusas, às vezes equivocadas
mesmo. A nova ordem nos traz o
imperativo da ‘eficientização’ dos
meios, sem no entanto responder
(pelo menos claramente) a uma ques-
tão que lhe tem óbvia anterioridade:
para atingir que fins? Considerando
que a racionalização econômica dos
meios com vistas aos fins só tem con-
sistência ‘se’ e ‘quando’ os fins per-
seguidos estão claramente definidos,
determinando os meios necessários,
pode-se dizer que a distorção hoje
observada na área da saúde é o fruto
natural da lógica contábil que vem-
se implantando e que tem orientado
algumas tentativas desastradas de
reorganização setorial. Segundo esta
lógica, ao melhor gestor de serviços
públicos de saúde deveriam ser atri-
buídos, massivamente, conhecimen-
tos próprios da contabilidade, já que
os de interesse da saúde pública se
tornariam supérfluos, desnecessári-
os mesmo. A avaliação econômico-
contábil não deve, nem pode substi-
tuir a avaliação de saúde. É consen-
so o aceite quanto ao imperativo da
racionalidade dos meios, instrumen-
talizando a gerência dos serviços pú-
blicos, mas não como tradução si-
multânea de racionamento. A expec-
tativa de êxito, em termos da me-
lhoria dos níveis de saúde pública,
JUSTIFICATIVA
O ‘modelo produtivista’ que tem
norteado as ações no setor saúde
tem-nos desafiado a tratar os servi-
ços como verdadeiras fábricas de
consultas, exames e altas hospita-
lares. Se ouvíssemos os usuários,
talvez chegássemos à conclusão de
que ao setor falta menos quantida-
de de serviços que capacidade reso-
lutiva dos mesmos. Quanto a esse
aspecto, Rovere2 constrói uma ima-
gem interessante, quando diz que o
setor saúde o faz recordar a defini-
ção de fanático (“fanática é a pessoa
que quando perde seus objetivos,
redobra os esforços”). O setor pare-
ce fanático porque, de forma prece-
dente à definição dos objetivos a
atingir, convoca à aceleração da
marcha. Em conseqüência, o que
parecia ser o paradigma da raciona-
lidade, talvez tenha-nos levado à ir-
racionalidade burocrática.
Acreditamos que na busca pela
racionalidade setorial (em que a efi-
ciência – ótica dos meios – esteja
subordinada à eficácia – ótica dos
fins), seja preciso recuperar o ‘sen-
tido do projeto setorial’. Quando se
tem um projeto é possível estabele-
cer, mais facilmente, articulações e
negociações intra-setoriais. E vale
lembrar que a negociação entre as
partes que compõem um processo
requer um novo tratamento aos pro-
blemas enfrentados, na perspectiva
de uma abordagem em que a ‘efici-
ência1 esteja subordinada à eficácia’,
rompendo, portanto, com a velha
lógica da sobreposição dos meios
em relação aos fins e ratificando, de
uma vez por todas, que a lógica que
deve nortear o Sistema é a da saúde
e não a lógica contábil.
TAVEIRA, M.
70 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999
produtivo (componentes esses que,
às vezes, estão fora de uma orga-
nização), pode provocar variações,
positivas ou negativas, quanto ao
valor final dos produtos.
Uma abordagem mais moderna
de custos (Shank & Govindarajan,
1996) pode nos trazer elementos im-
portantes para a análise da racio-
nalidade setorial. Nessa perspecti-
va de trabalho, a gestão estratégi-
ca de uma organização supõe a
combinação de algumas categorias
de análise:
1 .1 .1 .1 .1 . do ‘posicionamento estra-do ‘posicionamento estra-do ‘posicionamento estra-do ‘posicionamento estra-do ‘posicionamento estra-
tégicotégicotégicotégicotégico’ no mercado:’ no mercado:’ no mercado:’ no mercado:’ no mercado: do ponto de
vista empresarial, ao fazer sua op-
ção estratégica, o gestor conside-
ra, no mínimo, duas variáveis: o
custo do produto e sua diferencia-
ção no mercado.
Aparentemente, este modelo pro-
dutivista tem-nos levado, em mai-
oria, a tentar competir pelo baixo
custo; esquecendo que, em saúde, o
barato costuma sair muito caro. Ver
tabela abaixo:
2 .2 .2 .2 .2 . da ‘cadeia de valor’:da ‘cadeia de valor’:da ‘cadeia de valor’:da ‘cadeia de valor’:da ‘cadeia de valor’: a
gestão estratégica de custos exige
um enfoque amplo, abarcando, ne-
cessariamente, o âmbito externo à
organização. Porter chamou esta
abordagem de ‘análise da cadeia de
valor’. A cadeia de valor é constitu-
ída por um conjunto de atividades
criadoras de valor, desde as fontes
de matéria-prima até a conclusão
do produto final. Essa abordagem
enfatiza a necessidade de conside-
rar o âmbito externo a uma organi-
zação: cada organização é tratada
no contexto da cadeia global de ati-
vidades geradoras de valor, da qual
uma delas é apenas parte do todo.
Esse enfoque supõe o conhecimento
de todo o processo produtivo, para
estabelecer uma avaliação criterio-
sa quanto à adequação dos seus
componentes (já que é preciso iden-
tificar a possibilidade que eles têm
de agregar ou retirar valor do pro-
duto final),ou seja, o objetivo é es-
tabelecer uma caracterização, de
caráter qualitativo e quantitativo,
3 O processo produtivo de uma organização se traduz nas funções de produção desenvolvidas e sua determinação é útil para quantificar o efeito
econômico das diretrizes políticas implementadas e analisar as possíveis alternativas.
quanto à adequação dos componen-
tes, para saber ‘quando’ e ‘quanto’
é possível alterar o valor do produ-
to final.3
A transposição deste nível de aná-
lise para o campo da saúde traz ele-
mentos relevantes, que devem servir
como eixos norteadores na conforma-
ção setorial. Aceitando que ninguém
pode fazer tudo sozinho, que é preci-
so empreender um esforço conjunto,
o conceito de ‘rede de serviços’ passa
a constituir-se em desafio estratégi-
co. Se a administração tradicional tem
trabalhado a ‘rede’ como modelo or-
ganizacional, a partir da idéia de que
as grandes empresas precisam ma-
nejar produtos relativamente unifor-
mes em lugares totalmente heterogê-
neos (exemplo, rede Mac Donalds),
Rovere nos convida a construir uma
outra possibilidade para a área da
saúde, sob o argumento de que, nes-
te caso, a homogeneização é neces-
sariamente autoritária. É uma com-
pactação autoritária da diversidade;
portanto, é preciso tentar articular he-
terogeneidades.
A ‘rede’ deve ser trabalhada como
elemento interno da concepção de
‘sistema’. O ‘sistema’ como aparato
homogeneizador e a ‘rede’, ao con-
trário, parte da assunção da hetero-
geneidade: ‘rede’ não homogeniza,
assume a heterogeneidade e permi-
te imaginar heterogeneidades orga-
nizadas (Rovere, 1998).
CUSTO
DIFERENCIAÇÃO DO PRODUTO ALTA BAIXA
ALTO Pode competir
(ênfase na diferenciação)
Inviável
BAIXO Ideal Pode competir
(ênfase no baixo custo)
Controle de Custos em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 71
A idéia de ‘rede’ não é nova nas
organizações de saúde, no sentido
de que é a forma natural como já nos
articulamos. Partimos de um nível de
‘rede’ existente, ainda que não a con-
sideremos suficiente e que precisemos
incrementar suas conexões. Se o po-
der das organizações está nos seus
vínculos, é necessário enriquecer a
densidade de suas interconexões ou
vínculos setoriais.
3 .3 .3 .3 .3 . dos direcionadores de cus-dos direcionadores de cus-dos direcionadores de cus-dos direcionadores de cus-dos direcionadores de cus-
to:to:to:to:to: são constituídos por aqueles ele-
mentos capazes de influir, positiva ou
negativamente, na determinação do
custo final do produto.
Sabe-se que, até certo limite, três
fatores têm relação determinante no
custo dos produtos:
o volume de produção;
o aprendizado do processo pro-
dutivo (pela redução das falhas hu-
manas);
o nível de qualidade do produto.
O aprofundamento da análise na
gestão estratégica dos custos de
uma organização pode ser feita a
partir da seleção de alguns ‘direci-
onadores estruturais’, ou seja, aque-
les que refletem ‘escolhas instituci-
onais’, tais como:
3.1. a escala de produção:3.1. a escala de produção:3.1. a escala de produção:3.1. a escala de produção:3.1. a escala de produção:
este direcionador informa sobre o
grau de ‘integração horizontal’ de
uma organização. Transpondo para
a área da saúde, pode-se imaginar
que para maximizar o investimento
na instalação de um certo número de
leitos hospitalares, é preciso consi-
derar que a operacionalização dos
mesmos implicará determinado cus-
to fixo; e que este custo deverá ser
compatível com uma certa produção
potencial, de modo a justificar aque-
la aplicação de recursos. Em suma, o
nível mínimo de complexidade neces-
sário à instalação dos leitos precisa
manter uma adequada relação com a
produtividade esperada, sob pena de
incorrer em ociosidade dos recursos.
Como efeito desta análise, pode-
se perceber o sentido racionalizador
que vem orientando as organizações
e que tem-se manifestado como uma
tendência generalizada em fracionar
o escopo, estabelecendo ‘redes inte-
gradas’. Na área da saúde, é possí-
vel ver esse efeito traduzido em três
linhas de tendências:
redução no tamanho dos hos-
pitais;
integração ambulatorial-hos-
pitalar;
criação de centros de exames-
diagnóstico, conformando redes in-
tegradas de atenção à saúde.
3.2 a complexidade:3.2 a complexidade:3.2 a complexidade:3.2 a complexidade:3.2 a complexidade: este é um
direcionador de custo que propicia a
análise quanto à variedade de pro-
dutos realizados pela organização.
Em princípio, é possível dizer que
quanto maior a variedade de produ-
tos, maiores serão os custos. Isto
significa que, do ponto de vista dos
custos, é melhor reduzir a complexi-
dade. Esta diretriz complementa a
anterior e confirma o sentido racio-
nal na tendência observada em fra-
cionar escopo e reduzir a complexi-
dade nas organizações. Na área da
saúde, este aspecto só vem reforçar
a necessidade urgente de integração
e articulação entre os serviços, para
torná-los mais custo-efetivos.
SISTEMA DE CUSTOS EM SAÚDE
Diz-se que a definição do melhor
Sistema de Informações Gerenciais
3.2. o escopo3.2. o escopo3.2. o escopo3.2. o escopo3.2. o escopo: o objetivo neste
caso é aferir o grau de ‘integração
vertical’ da organização.
Seguindo com o exemplo anteri-
or, pode-se supor que na operacio-
nalização daqueles leitos serão de-
mandados vários serviços comple-
mentares (exames de raios X, pato-
logia clínica, ultra-som etc.). É pre-
ciso considerar que esses serviços,
por suas vezes, também precisam
atingir certo nível de produtividade
considerado aceitável.
SABE-SE QUE, ATÉ CERTO LIMITE,TRÊS FATORES TÊM RELAÇÃO
DETERMINANTE NO CUSTO DOS PRODUTOS:O VOLUME DE PRODUÇÃO; O APRENDIZADO
DO PROCESSO PRODUTIVO (PELA REDUÇÃO
DAS FALHAS HUMANAS) E O NÍVEL DE
QUALIDADE DO PRODUTO.
TAVEIRA, M.
72 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999
(SIG) constitui-se em parte inerente
e intrínseca ao processo de planeja-
mento, já que a função precípua do
monitoramento da intervenção pla-
nejada é a de oferecer informações
que subsidiem a gestão, identifican-
do ora os fatores que a facilitam, ora
aqueles que a restringem. Para cum-
prir adequadamente esta função, a
tarefa de acompanhamento e contro-
le, própria do planejamento, pressu-
põe a análise de uma série de variá-
veis que se articulam e complemen-
tam. Portanto, o processo de identi-
ficação e seleção daquelas informa-
ções que se fazem necessárias ao
monitoramento da ação deve ser
norteado por um ‘objetivo muito cla-
ro’, qual seja, o de ‘instrumentali-
zar a ação gerencial’.
O gestor precisa dispor de infor-
mações que lhe permitam responder
a qualquer instante sobre, no míni-
mo, dois aspectos básicos do seu
processo de condução: com que efi-
ciência os serviços vêm sendo ope-
racionalizados em seu estabeleci-
mento e qual o nível de eficácia atin-
gido pelos mesmos?
O avanço tecnológico, os custos
crescentes dos serviços de atenção
à saúde e a situação de escassez
aguda de recursos a que estão sub-
metidos os serviços públicos im-
põem aos seus dirigentes (principais
responsáveis pela condução de suas
organizações) procurar assegurar
que a utilização dos recursos exis-
tentes ocorra da forma mais racio-
nal possível, aceitando que a efici-
ência deva constituir-se em um dos
objetivos destas organizações. Isso
tem motivado uma importante de-
manda pela implantação de Siste-
ma de Apuração de Custos (SAC) nas
Unidades de Saúde, com a clara
perspectiva de complementar um
determinado elenco de informações
gerenciais necessárias ao processo
de tomada de decisões.
O SAC constitui-se em ferramenta
básica para o conhecimento, acom-
posta orçamentária do estabelecimen-
to. Em síntese, constitui-se em instru-
mento gerencial ‘facilitador’ para o
alcance da eficiência nas organizações.
METODOLOGIAS PARA APURAÇÃODE CUSTOS EM SAÚDE
Independentemente da metodolo-
gia escolhida, a implantação de qual-
quer sistema de informação sobre
custos requer o cumprimento de al-
guns pré-requisitos básicos:
1. É necessário estabelecer um
diagnóstico minucioso a respeito das
rotinas administrativas, dos insu-
mos consumidos, da mão-de-obra
utilizada, bem como dos produtos
intermediários e finais realizados
pela Unidade de Saúde. A correla-
ção entre as rotinas de trabalho, os
insumos e mão-de-obra utilizados
permitirá identificar as ‘funções de
produção’ relacionadas a cada um
dos produtos definidos.
2. É preciso identificar os ‘cen-
tros de custo’ que compõem o esta-
belecimento, entendendo como tal
um determinado espaço físico, onde
atua uma equipe de trabalho com
tarefas complementares, que conso-
mem recursos diversos para gerar
um ou mais produtos com caracte-
rísticas afins.
Do ponto de vista gerencial, pode
ser de interesse tratar a definição dos
centros de custo a partir da idéia de
estabelecer o ‘custeamento por respon-
sabilidade’. Para tal, é necessário que
panhamento e avaliação sistemática
das despesas e custos das diversas
atividades desenvolvidas pelas Uni-
dades de Saúde, representando, por-
tanto, uma significativa fonte de in-
formações para a tomada de decisão
na prática gerencial. Possibilita, por
um lado, a identificação de distorções
na estrutura das despesas e custos da
Unidade (propiciando, assim, a intro-
dução de medidas corretivas), e, por
outro, subsidia a elaboração da pro-
O GESTOR PRECISA DISPOR DE INFORMAÇÕES
QUE LHE PERMITAM RESPONDER A QUALQUER
INSTANTE SOBRE, NO MÍNIMO, DOIS
ASPECTOS BÁSICOS DO SEU PROCESSO DE
CONDUÇÃO: COM QUE EFICIÊNCIA OS
SERVIÇOS VÊM SENDO OPERACIONALIZADOS
EM SEU ESTABELECIMENTO E QUAL O NÍVEL
DE EFICÁCIA ATINGIDO PELOS MESMOS?
Controle de Custos em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 73
se estabeleça um grupamento das ati-
vidades da organização em centros
específicos, para melhor identificar as
responsabilidades, a autoridade, as
despesas e os objetivos e metas defi-
nidos. Neste caso, a Unidade de Saú-
de deverá ser desagregada em tantos
componentes quantos sejam necessá-
rios ao cumprimento dos objetivos e
a cada componente corresponderá um
responsável pela sua gerência. A res-
ponsabilidade deverá significar tanto
a delegação de autoridade para tomar
decisões, quanto a autonomia para
realizar os gastos necessários. Portan-
to, os centros de responsabilidade de-
vem ter duas características básicas,
relacionadas com:
o plano das decisões e execu-
ção do processo produtivo;
o plano das decisões e execu-
ção das despesas necessárias.
Desta forma, o desempenho indi-
vidual poderá ser aferido tanto em
termos da produção realizada, quan-
to em relação aos gastos efetuados.
Uma vez definidos os centros de
custo da Unidade de Saúde, estes se-
rão classificados em função das ca-
racterísticas dos seus produtos finais.
Assim, os centros de custo podem ser
grupados em três grandes blocos:
centros de custo final:centros de custo final:centros de custo final:centros de custo final:centros de custo final: en-
tendendo como tal, todos aqueles se-
tores que desenvolvem atividades di-
retamente relacionadas com a conse-
cução dos objetivos finais da organi-
zação. No caso da saúde, aqui se con-
centram todos os serviços que pres-
tam atenção direta aos pacientes; tais
como os ambulatórios e enfermarias
das várias especialidades médicas.
centros de custo interme-centros de custo interme-centros de custo interme-centros de custo interme-centros de custo interme-
diário:diário:diário:diário:diário: são aqueles que executam
atividades complementares às ativi-
dades desenvolvidas nos centros de
custo final, tais como os serviços de
apoio diagnóstico e terapêutico. Em
outras situações, essas atividades po-
deriam ser consideradas como finais.
centros de custo de ativi- centros de custo de ativi- centros de custo de ativi- centros de custo de ativi- centros de custo de ativi-
dades gerais:dades gerais:dades gerais:dades gerais:dades gerais: estes são setores cu-
modo tal que se possa dispor de re-
gistros confiáveis e atualizados roti-
neiramente sobre a área física, a mão-
de-obra utilizada, a área financeira
associada aos insumos consumidos,
bem como sobre os produtos realiza-
dos, o que permitirá identificar o va-
lor acrescido em cada etapa do fluxo
de produção dos serviços de saúde.
Com a finalidade de determinar
custos a contabilidade, tradicional-
mente, tem-se utilizado de dois sis-
temas básicos de custeamento de
produtos ou serviços:
• custeamento por ordem de
produção;
• custeamento por processo.
O ‘custeamento por ordem de pro-
dução’ é um sistema no qual cada ele-
mento do custo é acumulado separa-
damente, segundo ordens específicas
de produção. Enquanto o sistema de
‘custos por processo’ trata de acumu-
lar os custos, considerando uma pro-
dução padronizada, portanto, será
aplicável àquelas situações em que
não há interesse em individualizar o
custo por unidade de produção, mas
sim o custo médio dos produtos. O
custo unitário será, assim, determi-
nado a partir da divisão do total das
despesas acumuladas num dado pro-
cesso, durante certo período de tem-
po, pelo número de unidades produ-
zidas (resultantes desse processo pro-
dutivo), no mesmo período.
Considerando a complexidade do
processo produtivo das organizações
de saúde, a opção por um sistema de
jas atividades, caracteristicamente,
nem sempre são específicas da área
da saúde, tais como almoxarifado,
lavanderia, nutrição e dietética, ad-
ministração etc. Sua principal função
é a de oferecer uma estrutura de apoio
que possibilite o adequado desenvol-
vimento das atividades dos centros
de custo final e intermediário.
3. O terceiro pressuposto básico
para a implantação de um sistema
de custos refere-se à implementação
de alguns ajustes no sistema de in-
formações da Unidade de Saúde, de
A RESPONSABILIDADE DEVERÁ
SIGNIFICAR TANTO A DELEGAÇÃO
DE AUTORIDADE PARA TOMAR DECISÕES,QUANTO A AUTONOMIA PARA REALIZAR
OS GASTOS NECESSÁRIOS.
TAVEIRA, M.
74 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999
custeamento deve ser norteada pela
idéia de que os custos serão determi-
nados para atender a um uso final
específico. Dessa forma, classicamen-
te os sistemas de custeamento utili-
zados em saúde podem ser classifi-
cados em três grandes grupos (Medi-
ci & Marques, 1996). Vale, aqui, uma
breve síntese e alguns comentários:
• sistema de custeamento por
absorção;
• sistema de custeamento por
procedimento;
• sistema de custeamento por
patologia.
Sistema de custeamento por absorçãoSistema de custeamento por absorçãoSistema de custeamento por absorçãoSistema de custeamento por absorçãoSistema de custeamento por absorção
O sistema de custos por absor-
ção objetiva identificar centros de cus-
to, aos quais correspondem unidades
independentes de produção em um
estabelecimento de saúde. Para que a
produção seja realizada, cada um des-
ses centros de custo recebe insumos
vários: alguns que lhes podem ser di-
retamente atribuíveis, outros oriundos
de diferentes centros de custo da pró-
pria Unidade de Saúde e, até mesmo,
aqueles provenientes de fora do esta-
belecimento. Nesse sistema, o que se
busca identificar é quanto cada centro
de custo absorve, em valor, de outros
centros de custo, ou mesmo da área
externa à organização, para cumprir
seu processo produtivo. Desse modo,
o produto final gerado em cada centro
de custo poderá ser expresso por dois
componentes distintos: um valor que
é atribuído ao esforço produtivo do
próprio centro de custo (custo direto) e
um outro valor que será identificado
a partir do processo de absorção, con-
forme sua demanda de trabalho ex-
terno, seja de outros centros de custo
da Unidade de Saúde, seja da área
externa à organização (custo indire-
to). O somatório do valor absorvido
(custo indireto) com o que é gerado
pelo próprio centro de custo (custo di-
reto) corresponderá ao valor total
(custo final) do produto do centro de
custo em questão.
sistema de custeio por absorção uma
função básica de precedência para a
implantação de outros sistemas de
custeamento, seja para a identifica-
ção do custo por procedimento, ou
mesmo para a determinação do cus-
to por patologia.
O custo por procedimento é as-
sim chamado porque permite esta-
belecer uma associação direta com
um determinado tipo de interven-
ção em saúde, seja ela de caráter
clínico ou cirúrgico. Em algumas
situações, esses procedimentos po-
dem ser reconhecidos como produ-
tos finais dos centros de custo de-
finidos. Nesses casos, a apuração
dos seus custos torna-se relativa-
mente simples.
Esta concepção tem como pré-re-
quisito óbvio a necessária identifi-
cação e seleção daqueles procedi-
mentos com os quais se vai traba-
lhar. Uma vez estabelecida esta clas-
sificação, dever-se-á identificar a
‘função de produção’ própria a cada
procedimento definido, através do le-
vantamento de todos os seus com-
ponentes, com os respectivos insu-
mos necessários à realização dos
produtos finais.
Como característica particular,
pode-se dizer que esta linha de tra-
balho traz a possibilidade do de-
senvolvimento de linhas de inves-
tigação a respeito das tecnologias
consideradas mais ‘custo-efetivas’
nas intervenções em saúde frente
a um problema, dano ou enfermi-
dade pré-definidos.
A partir desta lógica de trabalho,
pode-se compreender um estabeleci-
mento de saúde enquanto um con-
junto de centros de custo que se arti-
culam, correlacionam e complemen-
tam em função da necessidade de
conformar um determinado proces-
so de produção para a realização dos
serviços de saúde.
Sistema de custeamento por procedimentoSistema de custeamento por procedimentoSistema de custeamento por procedimentoSistema de custeamento por procedimentoSistema de custeamento por procedimento
As experiências de apuração de
custos em saúde têm conferido ao
CLASSICAMENTE OS SISTEMAS
DE CUSTEAMENTO UTILIZADOS EM SAÚDE
PODEM SER CLASSIFICADOS EM TRÊS
GRANDES GRUPOS: SISTEMA DE
CUSTEAMENTO POR ABSORÇÃO; SISTEMA
DE CUSTEAMENTO POR PROCEDIMENTO; ESISTEMA DE CUSTEAMENTO POR PATOLOGIA.
Controle de Custos em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 75
Sistema de custeamento por patologiaSistema de custeamento por patologiaSistema de custeamento por patologiaSistema de custeamento por patologiaSistema de custeamento por patologia
Normalmente, a cada patologia di-
agnosticada corresponde um conjunto
de procedimentos necessários ao seu
tratamento. Portanto, o sistema de
custos por patologia, além de pressu-
por o conhecimento dos custos por
procedimento, requer o correlaciona-
mento de outras informações. Na ver-
dade, é preciso contar com a disponi-
bilidade e a integração das informa-
ções geradas pelo sistema de custea-
mento por absorção e por procedimen-
to, uma vez que, ao final, as informa-
ções serão consolidadas a partir de có-
digos atribuídos às diversas patolo-
gias selecionadas. Portanto, o ponto
de partida, neste caso, será a identifi-
cação e seleção das patologias, enfer-
midades ou diagnósticos com os quais
se vai trabalhar. Tradicionalmente tem
sido utilizado o Código Internacional
de Doenças (CID) como base para es-
tabelecer este grupamento.
O sistema de custos por patolo-
gia traz, de forma inerente à sua
própria concepção, uma série de di-
ficuldades de difícil enfrentamento.
Sabe-se que uma mesma patologia
pode ter uma infinidade de cursos
diversos, em função de característi-
cas intrínsecas a cada paciente por-
tador do problema. Assim, pode-se
atribuir a grande variação dos custos
para o tratamento de uma mesma
patologia a fatores como a idade, a
situação nutricional e imunológica, a
possibilidade de co-morbidades pré-
vias dos pacientes, entre outros. Por
esta razão, pode-se dizer que, como
tendência geral, as experiências de le-
vantamento de custos por patologia
têm sido reorientadas, no sentido de
priorizar a aferição do custo por paci-
ente, em detrimento do custo por di-
agnóstico ou enfermidade.
A identificação do custo por paci-
ente é feita através do acompanhamen-
to do seu trajeto no Sistema de Saúde.
Portanto, este sistema de custeamen-
to só poderá ser implantado ‘se’ e
nizações públicas de saúde foi desen-
cadeada no início da década de 80,
através de um projeto, sob coordena-
ção técnica do Prof. Adolfo Chorny,4
que objetivava a determinação de
custos nos hospitais do Ministério da
Saúde (do qual resultou a elaboração
do Manual de Apuração de Custos Hos-
pitalares do MS/1984). Este trabalho
foi potencializado com a implantação,
quase concomitante, de sistema de
custos nas Unidades Assistenciais da
Secretaria Municipal de Saúde do Rio
de Janeiro, contando com a mesma
coordenação e seguindo, portanto,
idêntica metodologia. Este fato tor-
nou-se particularmente interessante
porque inaugurou, naquele momen-
to, a chance de comparar custos das
atividades realizadas em diversas
Unidades Assistenciais públicas.
Atualmente, duas razões princi-
pais têm recolocado o tema na pauta
de debates. Por um lado, o apelo ge-
neralizado à eficientização no uso dos
recursos na área da saúde pública, e,
por outro, a necessidade de desenvol-
ver instrumentos de auxílio à ação
gerencial, criando, assim, uma enor-
me demanda pela implantação de
Sistema de Apuração de Custos (SAC)
nas Unidades Assistenciais.
O êxito quanto à efetiva imple-
mentação do SAC nas Unidades de
Saúde, talvez possa ser atribuído
a uma dinâmica de trabalho que
estabelece a aplicação, concomitan-
4 Professor-Titular de Planejamento em Saúde, ENSP/FIOCRUZ.
‘quando’ houver a disponibilidade de
um sistema de informações padroni-
zado, com a devida consolidação de
dados pré-definidos, para todas as
Unidades Assistenciais que compõem
o Sistema de Saúde, com seus dife-
rentes escalões de complexidade.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Nossa experiência com a implan-
tação de sistema de custos em orga-
O SISTEMA DE CUSTOS POR
PATOLOGIA TRAZ, DE FORMA INERENTE
À SUA PRÓPRIA CONCEPÇÃO, UMA SÉRIE
DE DIFICULDADES DE DIFÍCIL
ENFRENTAMENTO.
TAVEIRA, M.
76 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999
te, de conteúdos teóricos e práticos
ao interior daquelas organizações.
Muitos desses hospitais já dispõem
do Sistema informatizado (através
da utilização de planilhas Excel),
o que, naturalmente, tem contribu-
ído, em muito, para conferir agili-
dade e precisão ao processo de apu-
ração de custos.
O caráter público das organiza-
ções em questão e o uso gerencial
atribuído ao Sistema, direcionaram
à seleção de uma metodologia que
suprime a adoção de modelos rigi-
damente contábeis, que objetivam a
identificação dos custos para poste-
rior determinação de margens de
lucro e/ou preços de mercado para
os respectivos produtos.
O método aplicado pressupõe
uma terminologia e procedimentos
que lhe são próprios. Certamente,
existem muitos outros termos e
conceitos relativos aos diversos
métodos conhecidos para apuração
de custos; portanto, vale advertir
que a terminologia e os respecti-
vos conceitos aqui empregados
podem ser modificados quando re-
lacionados a outros métodos. Por
fim, cabe ressaltar que, em função
de todo o exposto, a metodologia
aplicada objetiva a determinação
de ‘custo por processo’, a partir da
utilização do ‘sistema de custea-
mento por absorção’.
Desse modo, pode-se resumir as
atividades cumpridas para a implan-
tação do Sistema de Apuração de
Custos em oito etapas básicas:
• definição da lista dos ‘centros
de custo’ que compõem a Unidade
Assistencial;
• identificação da ‘mão-de-obra’
por ‘centro de custo’ e alocação das
respectivas despesas;
• levantamento do ‘material de
consumo’ utilizado por ‘centro de
custo e alocação’ das despesas cor-
respondentes;
• identificação e alocação das ‘ou-
tras despesas correntes’ (serviços
O processo de implantação do SAC
em uma organização requer, neces-
sariamente, um certo ‘saneamento’
administrativo que lhe tem precedên-
cia, uma vez que são utilizadas in-
formações geradas nos diferentes se-
tores do estabelecimento. Nas diver-
sas experiências referidas, este ‘sub-
produto’ gerado pelo SAC, tem-se re-
velado como uma das facetas enri-
quecedoras do trabalho. Deste proces-
so tem resultado, não apenas o co-
nhecimento a respeito dos ‘reais me-
canismos de funcionamento’ das or-
ganizações, por parte dos responsá-
veis pelas mesmas, como também a
conseqüente identificação, mais pon-
tual, dos problemas observados. Por-
tanto, este ‘pré-diagnóstico’ adminis-
trativo da organização tem-se mos-
trado de grande auxílio aos dirigen-
tes, no sentido de corrigir as distor-
ções, inevitavelmente, detectadas.
Pode-se depreender a potenciali-
dade deste instrumento na prática
gerencial, através da apresentação,
a título de exemplo, de uma breve
síntese de alguns consolidados ge-
rados pelo Sistema.
1. Estrutura da despesa, segundo
o tipo de gasto (pessoal, material de
consumo e outras despesas correntes).
Nos serviços públicos de saúde,
a despesa com ‘pessoal’ tem mereci-
do uma atenção muito particular, por
duas razões principais:
• a primeira, porque ‘pessoal’
constitui-se em ‘custo fixo’ (independe
do volume de produção de serviços);
contratados, taxas, impostos etc.)
que são atribuíveis aos ‘centros de
custo’ definidos;
• determinação e quantificação
da(s) ‘unidade(s) de produção por
centro de custo’;
• cálculo dos ‘custos diretos’ por
‘centro de custo’;
• cálculo dos ‘custos totais’ por
‘centro de custo’ (apropriação dos
‘custos indiretos’ por absorção);
• ‘análise dos resultados’.
O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO
SAC EM UMA ORGANIZAÇÃO REQUER,NECESSARIAMENTE, UM CERTO
‘SANEAMENTO’ ADMINISTRATIVO QUE
LHE TEM PRECEDÊNCIA, UMA VEZ QUE
SÃO UTILIZADAS INFORMAÇÕES GERADAS
NOS DIFERENTES SETORES DO
ESTABELECIMENTO.
Controle de Custos em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 77
• e depois, porque o montante
deste tipo de despesa, habitualmen-
te, é o maior nestas Unidades Assis-
tenciais. Há cerca de dez anos atrás,
a segunda maior despesa referia-se
a ‘material de consumo’; no entanto,
hoje esta ordem foi invertida, graças
ao ‘fenômeno das terceirizações’.
2. Estrutura da despesa, segun-
do o tipo de centro de custo.
Embora existam lamentáveis ex-
ceções, normalmente são os ‘centros
de custo final’ aqueles que congregam
o maior volume de recursos nas Uni-
dades de Saúde. Isto é compreensível
e esperável mesmo, uma vez que ali
concentram-se todos os serviços res-
ponsáveis pelo cumprimento do ‘ob-
jetivo-fim’ do estabelecimento, qual
seja, a atenção direta aos pacientes.
3. Relação entre custo unitário di-
reto (CUD) e custo unitário total (CUT)
dos produtos.
No limite, pode-se dizer que o me-
lhor custo apurado é aquele em que
o custo direto representa o principal
percentual em relação ao custo to-
tal, ou seja, os custos indiretos de-
vem compor a menor parte do custo
final. Isto se torna fácil de compre-
ender se imaginarmos que um pro-
cedimento simplificado, quando re-
alizado em Unidade Assistencial
complexa, absorverá custos indire-
tos próprios da infra-estrutura de
apoio daquele porte de organização
(como a administração, a portaria,
a vigilância etc.). Por esta razão, fica
muito claro que, do ponto de vista
da eficiência, não se justifica reali-
zar atividades simplificadas em hos-
pitais complexos.
4. Análise da composição dos
custos indiretos dos produtos.
Uma vez que a lógica de repasse
dos custos indiretos tem como base
a definição de critérios de aproxima-
ção a respeito da apropriação de tra-
balho que uns ‘centros de custo’ fi-
zeram dos outros, este tipo de aná-
lise é interessante, como forma de
verificar a compatibilidade (qualita-
sada’ nas Unidades Assistenciais
públicas.
No caso dos ‘centros de custo in-
termediário’ e sua representação atra-
vés de custos indiretos, o peso relati-
vo varia um pouco conforme a espe-
cialidade do hospital, mas, no geral,
o Laboratório de Análises Clínicas tem
apresentado um peso significativo.
5. Correlação entre o custo unitá-
rio total de cada tipo de produto e
os respectivos indicadores de produ-
tividade observados.
Classicamente, o custo é um indi-
cador da eficiência; na verdade é a sim-
ples tradução da produtividade obser-
vada, através da sua mensuração em
valores monetários. Assim, até um
determinado limite, existe uma rela-
ção de inversa proporcionalidade en-
tre a produtividade e o custo unitário
do produto, ou seja, quanto maior a
produtividade atingida, menor será o
custo unitário do produto, até um de-
terminado ponto. No caso dos servi-
ços públicos de saúde, isto adquire
especial importância pelas caracterís-
ticas acima referidas de que ‘pessoal’
constitui-se em ‘custo fixo’ e é o mai-
or nas Unidades Assistenciais.
6. Análise da série histórica dos
custos unitários diretos e custos uni-
tários totais dos produtos.
A importância deste tipo de aná-
lise pode ser atribuída a três razões
principais:
• a primeira, porque possibilita
avaliar a consistência do próprio
tiva e quantitativa) na articulação
entre os ‘centros de custo’.
Normalmente, os ‘centros de
custo’ da área de internação têm no
serviço de ‘nutrição e dietética’ o
principal responsável por custos
indiretos repassados, dentre os
‘centros de custo de atividades ge-
rais’. A ‘administração’ também
tem sido responsável por parcelas
importantes de custo indireto; em
muitos casos, isto se deve a uma
estrutura administrativa muito ‘pe-
OS ‘CENTROS DE CUSTO’ DA ÁREA
DE INTERNAÇÃO TÊM NO SERVIÇO DE
‘NUTRIÇÃO E DIETÉTICA’ O PRINCIPAL
RESPONSÁVEL POR CUSTOS INDIRETOS
REPASSADOS, DENTRE OS ‘CENTROS DE
CUSTO DE ATIVIDADES GERAIS’.
TAVEIRA, M.
78 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999
processo de apuração: com inflação
relativamente estável, grandes osci-
lações observadas no custo sugerem
problemas no processo, seja por con-
ta de indevidas alocações de despe-
sas por ‘centro de custo’, seja pelo
inadequado levantamento da sua
produção de serviços;
• a segunda, é porque permite ti-
rar conclusões mais consistentes so-
bre o real ‘processo de produção (fun-
ções de produção)’ dos serviços no
hospital e, conseqüentemente, pos-
sibilita os respectivos ajustes;
• a terceira, porque através da
avaliação de uma série histórica,
podem ser definidos parâmetros de
referência (normas e/ou metas) con-
siderados mais adequados.
CONCLUSÃO
Os gestores das instituições pú-
blicas, há algum tempo, vêm iden-
tificando dois tipos principais de
obstáculos, de difícil superação,
para o aperfeiçoamento gerencial
nas organizações. O primeiro, re-
fere-se ao desafio de gerir institui-
ções qualificadas como de ‘baixa
responsabilidade’. Quanto a este as-
pecto, o Professor Carlos Matus5 nos
alerta para um risco importante e
que se pode configurar como obs-
táculo potencialmente crítico ao
aperfeiçoamento gerencial no ser-
viço público. Dizia o professor que
as instituições públicas, em gran-
de parte, são dotadas de um ‘sis-
tema de mediocridade ultra-está-
vel’ (é ultra-estável porque as ins-
tituições estão satisfeitas com ele
e continuamente o reforçam atra-
vés do estabelecimento de um ‘pac-
to de mediocridade’ implícito). Esta
‘ultra-estabilidade’ seria atribuída
a um ‘sistema imunológico’ muito
competente, gerador de ‘anticor-
pos’ ferozes, que reagem às mu-
mais, se aceitamos que a realidade é
caracteristicamente instável (no nos-
so caso, talvez ultra-instável), coeren-
temente, temos que concluir que a pro-
moção das adequações necessárias só
terá chance de aplicabilidade, enquanto
fruto natural de um processo dialético
de avaliações e reavaliações das ações
desenvolvidas. Assim entendida, a
‘responsabilização’ constitui-se em
condição sine qua non à prática da ge-
rência, quando se pretende algum ní-
vel de efetividade.
Se aceitamos que problemas com-
plexos demandam respostas comple-
xas, a crise atribuída à gestão dos
serviços públicos não seria o caso da
exceção que confirmaria a regra. En-
tão, para além da necessária ‘insti-
tucionalização’ de um processo de
‘responsabilização’ nas instituições
públicas (que contribuiria como ‘imu-
nossupressor’ ao referido ‘sistema de
mediocridade’), acreditamos ser fun-
damental o resgate, tanto ética quan-
to moralmente, do próprio ‘papel
atribuído a este serviço público na
nova ordem econômica e social’. Esta
parece ser uma questão relevante, na
medida em que é determinada e de-
terminante (ou pelo menos, condicio-
nada e condicionante) das práticas de
trabalho que se estabelecem.
O segundo obstáculo a ser supe-
rado estaria ligado ao melhor apro-
veitamento da atenção gerencial, ou
seja, à identificação do ‘valor dos
5 Economista chileno, formulador do método de Planejamento Estratégico Situacional (PES), em palestra no Seminário sobre Planejamento:
Tendências e Perspectivas, realizado na Ensp/Fiocruz, em outubro/94.
danças das práticas de trabalho já
instituídas. Em suma, é um siste-
ma medíocre, porém coerente, à
medida que evita contradições com
a gerência de rotina.
É certo que quando se pretende
imprimir alguma linha racionalizado-
ra ao nosso cotidiano tendencialmen-
te caótico, o aspecto da responsabili-
zação constitui-se em pré-requisito ine-
rente e intrínseco ao processo. Tanto
A ‘RESPONSABILIZAÇÃO’CONSTITUI-SE EM CONDIÇÃO
SINE QUA NON
À PRÁTICA DA GERÊNCIA,QUANDO SE PRETENDE
ALGUM NÍVEL DE EFETIVIDADE.
Controle de Custos em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 79
problemas’ que devem constar da
‘agenda’ de quem decide. A esta
questão, o professor Matus respon-
deu com dois postulados:
i. “Todo problema deve ser enfren-
tado em seu próprio nível de solução”
(pressupondo-se para tanto, a atribui-
ção da necessária competência) e
ii. “Ninguém deve tomar decisões
de baixo valor para si” (já que es-
tas, tendencialmente, implicariam
decisões de baixa qualidade).
Estes postulados nos remetem a
dois pressupostos básicos para a
eficácia gerencial, quais sejam: um
Sistema de Saúde configurado como
de ‘alta responsabilidade e des-
centralizado’, entendendo aqui a
‘centralização versus descentraliza-
ção’ enquanto um binômio dialéti-
co que não ‘pulveriza’ o Sistema,
mas sim o agiliza, conferindo-lhe
transparência, responsabilidade,
acessibilidade, eqüidade nas ações
desenvolvidas e, principalmente, a
possibilidade concreta do efetivo
controle social das referidas ações.
Por tudo isso, a experiência tem
mostrado que, ao gestor, não basta
simplesmente dispor de instrumen-
tos para facilitar a condução da sua
organização. No caso específico dos
custos, é preciso saber utilizá-lo atra-
vés, não só da adequada interpreta-
ção das informações oferecidas,
como também pela promoção de ses-
sões de apresentação e discussão,
sistemáticas, a respeito dos resulta-
dos encontrados. É recomendável que
a democratização destas informações
tenha um amplo espectro, alcançan-
do até os próprios executores dos
serviços prestados. A qualidade das
informações geradas pelo Sistema
tem uma relação de direta proporci-
onalidade à sua utilização: quanto
mais difundidas e analisadas, tanto
mais fidedignas tenderão a ser.
A tarefa de implantação do SAC
nos estabelecimentos públicos é im-
portante, mas não é suficiente para
o adequado desempenho gerencial.
Para tanto, é fundamental que o Sis-
de ‘petição e prestação de contas’ no
cotidiano dos serviços públicos, jul-
gamos que pode ser de grande valia
empreender esforços no sentido de
buscar estabelecer a coincidência
entre os ‘centros de custo’ definidos
e os ‘centros de responsabilidade’
observados na Unidade Assistenci-
al. A idéia norteadora é a de envol-
ver, compartilhar e co-responsabili-
zar, desde os gestores até os execu-
tores das ações produzidas nos ser-
viços, objetivando, assim, assegurar
a prática do monitoramento perma-
nente das atividades ali realizadas.
2. Quanto ao ‘monitoramen-2. Quanto ao ‘monitoramen-2. Quanto ao ‘monitoramen-2. Quanto ao ‘monitoramen-2. Quanto ao ‘monitoramen-
to dos custos’to dos custos’to dos custos’to dos custos’to dos custos’: para monitorar o SAC,
a partir da análise dos resultados ob-
tidos, atribuímos à aplicação dos prin-
cípios da ‘curva ABC’ um papel de
grande potencialidade. Considerando
que a ‘curva ABC’ é uma ferramenta
útil na promoção do ordenamento de
produtos, segundo sua importância
relativa e que pode ser aplicada nos
casos em que se observa uma gran-
de diversidade de produtos, julgamos
que a utilização desta técnica no acom-
panhamento e controle dos custos
pode contribuir, racionalizando a aten-
ção gerencial. Neste caso, a idéia que
orienta a proposta é a recomendação
aos gestores de que devam dedicar
atenção concentrada a poucas ativi-
dades, consideradas ‘críticas’ (portan-
to, merecedoras de tratamento dife-
renciado), uma vez que se acredita
que o ajuste das mesmas acarretaria
maior impacto na melhoria do desem-
penho da organização.
tema seja alvo de ajustes e reajus-
tes constantes, fruto da necessida-
de óbvia de adaptações diante das
mudanças, cotidianamente, promo-
vidas nas organizações.
Por causa desta necessidade per-
manente de imprimir aperfeiçoamen-
tos ao SAC, sugerimos ao debate
quatro grandes linhas de proposi-
ções, em virtude das demandas ge-
renciais hoje colocadas.
1. Quanto à definição dos1. Quanto à definição dos1. Quanto à definição dos1. Quanto à definição dos1. Quanto à definição dos
‘centros de custo‘centros de custo‘centros de custo‘centros de custo‘centros de custo’’’’’::::: na perspectiva
de ‘institucionalizar’ procedimentos
A EXPERIÊNCIA TEM MOSTRADO
QUE, AO GESTOR, NÃO BASTA
SIMPLESMENTE DISPOR DE
INSTRUMENTOS PARA FACILITAR
A CONDUÇÃO DA SUA ORGANIZAÇÃO.
TAVEIRA, M.
80 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999
Seguindo este princípio, os custos
de uma Unidade Assistencial poderi-
am ser grupados em três classes:
• Classe A:Classe A:Classe A:Classe A:Classe A: congregando os cus-
tos mais significativos da Unidade
e que, por esta razão, devem ser alvo
de tratamento privilegiado, motivan-
do procedimentos meticulosos em
função da atenção concentrada por
parte da gerência.
• Classe B:Classe B:Classe B:Classe B:Classe B: concentrando os cus-
tos considerados de média importân-
cia e que, portanto, justificam vigi-
lância gerencial moderada.
• Classe C:Classe C:Classe C:Classe C:Classe C: correspondendo a
aqueles custos considerados de me-
nor importância e que, por isto mes-
mo, são alvo de pouca atenção ge-
rencial, fazendo jus a procedimentos,
os mais expeditos possíveis.
3. Quanto à ‘3. Quanto à ‘3. Quanto à ‘3. Quanto à ‘3. Quanto à ‘reorganizaçãoreorganizaçãoreorganizaçãoreorganizaçãoreorganização
dos recursos’ que compõem osdos recursos’ que compõem osdos recursos’ que compõem osdos recursos’ que compõem osdos recursos’ que compõem os
custos:custos:custos:custos:custos: Pode-se dizer, trivialmente,
que um sistema de custeamento de
produtos pressupõe a identificação do
‘processo de produção’ que os origina
e faz a sua tradução simultânea, atra-
vés de valores monetários. Isto signi-
fica dizer que o custo final, seja ele
muito alto ou muito baixo, represen-
ta na verdade, a inadequada organi-
zação de recursos no ‘processo de pro-
dução’ em questão. Por esta razão, jul-
gamos que a aplicação de metodolo-
gias como a ‘instrumentalização’ (que
objetiva organizar os recursos, da for-
ma mais racional possível, para o
cumprimento de atividades pré-de-
terminadas) podem ser de grande au-
xílio. Esta concepção prevê não ape-
nas a identificação de uma composi-
ção de recursos considerada mais ade-
quada para cumprir um determinado
fim, mas enfatiza a importância de de-
terminar os custos a que corresponde-
ria a referida ‘função de produção’. Nes-
te sentido, esta questão está fortemen-
te articulada à que vem a seguir.
4. Quanto à determinação dos4. Quanto à determinação dos4. Quanto à determinação dos4. Quanto à determinação dos4. Quanto à determinação dos
‘custos padronizados’‘custos padronizados’‘custos padronizados’‘custos padronizados’‘custos padronizados’: a estima-
tiva do ‘custo padronizado’ ou ‘nor-
malizado’ pode ser estabelecida a par-
tir da análise de dados observados
em uma série histórica, que deve ser
submetida ao crivo de experts no as-
sunto, no sentido de se buscar uma
avaliação mais precisa e judiciosa
quanto à composição de recursos con-
siderada mais ‘custo-efetiva’ ante
cada problema de saúde pré-defini-
do. Naturalmente, estas estimativas
só têm valor por um determinado
espaço de tempo, uma vez que a com-
posição dos recursos (que determina
o custo final de cada produto) muda
constantemente, seja qualitativamen-
te (pelo rápido avanço tecnológico na
área da saúde), seja quantitativamen-
te (pela variação de preço dos insu-
mos que compõem o custo). Portan-
to, este procedimento precisa ser re-
feito periodicamente.
Julgamos que os ajustes propos-
tos podem contribuir para a supera-
ção de obstáculos, já cronicamente
apontados, ao adequado desempe-
nho gerencial: a ‘responsabilização
no trato da coisa pública’, a neces-
sária ‘eficientização dos meios, ar-
ticulando-os com os fins e a deter-
minação de parâmetros de desem-
penho’, fundamentais à prática do
planejamento, programação e ava-
liação dos serviços de saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LEONE, G. G., 1983. Custos: um enfo-
que administrativo. vol. I, 7.ed. Rio
de Janeiro: ed. FGV.
MEDICI, A. C. & MARQUES, R. M., 1996.
Sistema de custos como instru-
mento de eficiência e qualidade
dos serviços de saúde. Cadernos
Fundap, n. 19, São Paulo.
MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS), 1988. Manu-
al de Apuração de Custos Hospita-
lares. Brasília: Centro de Documen-
tação do Ministério da Saúde.
ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE/
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OPS/
OMS), 1994. Sistema de Información
Gerencial. Washington.
PORTER, M. E., 1985. Vantagem Compe-
titiva. Rio de Janeiro: Campus.
ROVERE, M., 1998. Redes en Salud.
Argentina: Secretaria de Salud
Pública, Rosario.
SHANK, J. K. & GOVINDARAJAN, V., 1996.
Gestão Estratégica de Custos. Rio
de Janeiro: Campus.
Avaliação da Qualidade em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 81
ARTIGO
Avaliação da qualidade em saúde: a contribuição da sociologiada saúde para a superação da polarização entre a visão dosusuários e a perspectiva dos profissionais de saúde
Quality assessment in health – the contribution of sociology of health to
overcome the duality between users and health professionals’ perspectives
Mauro Serapioni1
1 Coordenação do Curso de Especialização
em Gestão de Sistemas Locais de Saúde
Escola de Saúde Pública do Ceará
Av. Antonio Justa, 3161 – Meireles
CEP 60165-090 – Fortaleza
Tel.: (85) 242-1900
Fax: (85) 242-1890
E-mail: [email protected]
RESUMO
A avaliação dos serviços de saúde deve dotar-se de um enfoque conceitual
peculiar, diferente do utilizado para avaliar outros produtos e serviços. Nesse
contexto, é necessário relacionar diferentes atores com critérios próprios de juízo,
porque não é possível basear-se somente na avaliação exclusiva dos profissio-
nais ou dos usuários. Muitos estudiosos concordam que não se pode pôr em
dúvida a opinião do paciente, embora seja discutível a sua condição de distin-
guir a boa ou a má qualidade dos aspectos técnicos do tratamento. Concluindo,
recomenda uma abordagem ‘multidimensional’ da avaliação com a participação
dos diversos atores sociais envolvidos no sistema dos serviços de saúde e a
construção de espaços institucionais apropriados para desenvolver atividades
de controle da qualidade.
PALAVRAS-CHAVE: sociologia da saúde; avaliação da qualidade em saúde; satisfação
dos usuários; auto-avaliação dos profissionais.
ABSTRACT
The assessment of health services should adopt a specific conceptual focus,
different from the one used to evaluate other products and services. In this context,
it is necessary to relate different actors with specific judgement criteria, because
it is not possible to rely exclusively on the assessment of professionals or users.
Many experts agree that the patient’s opinion cannot be doubted, although his
capacity to distinguish the quality of technical issues of care may be argued. In
the conclusion, this study recommends a ‘multidimensional’ approach to
assessment, with the participation of all the social actors involved in the health
service system as well as the creation of appropriate institutional forums to
develop quality control activities.
KEY WORDS: sociology of health; quality assessment in health; consumer’s satisfaction;
professional self-evaluation.
SERAPIONI, M.
82 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999
E FINALMENTE, A EXIGÊNCIA DE
RECUPERAR A UNIDADE DO
PACIENTE – DEPOIS DE SUA DIVISÃO
MENTE-CORPO, PRODUZIDA PELO GRANDE
AVANÇO DA MEDICINA ESPECIALISTA ETÉCNICO-CIENTÍFICA – TEM CONTRIBUÍDO
IGUALMENTE PARA O RECONHECIMENTO DO
PONTO DE VISTA DOS USUÁRIOS.
INTRODUÇÃO
O interesse pela qualidade, cer-
tamente, não é um fenômeno novo
no âmbito dos serviços de saúde.
Procedimentos e mecanismos para
garantir e manter a qualidade exis-
tem, já há muito tempo, também
nesse setor. A novidade do movimen-
to contemporâneo, segundo Noguei-
ra (1994), é de colocar em primeiro
plano a opinião do usuário como um
aspecto determinante no julgamento
da qualidade. Nos últimos anos, di-
ferentes fatores e tendências contri-
buíram para aumentar o interesse
pela qualidade dos serviços de saú-
de. Em primeiro lugar, a crise fiscal
do estado social e a necessidade de
reduzir as despesas públicas têm es-
timulado, sem dúvida, um maior in-
teresse pela busca de modalidades
mais eficientes de uso dos recursos.
A redução da despesa pública tem,
também, aumentado a necessidade
de pedir a participação dos cidadãos
na contribuição do pagamento, par-
cial ou total, das prestações de saú-
de. Dessa forma, começou-se a reco-
nhecer a voz dos usuários, financei-
ramente mais envolvidos no siste-
ma de saúde pública. A necessidade
de reduzir as queixas e os procedi-
mentos judiciais encaminhados pe-
los pacientes insatisfeitos contribuiu,
também, para o crescimento da aten-
ção a respeito da satisfação dos usu-
ários. E finalmente, a exigência de
recuperar a unidade do paciente –
depois de sua divisão mente-corpo,
produzida pelo grande avanço da
medicina especialista e técnico-cien-
tífica – tem contribuído igualmente
para o reconhecimento do ponto de
vista dos usuários. Daí surgiram e
se multiplicaram, em contraposição
às avaliações da qualidade realiza-
das pelos profissionais de saúde, nu-
merosas pesquisas e experiências,
visando conhecer a satisfação dos pa-
cientes (‘consumer satisfaction’).
Este texto visa contribuir, na pers-
pectiva da sociologia da saúde (‘soci-
favorecer o diálogo e a responsabili-
zação de todas as partes em causa.
OS PRIMEIROS ESTUDOS SOBRE AQUALIDADE: O INTERESSE PELOS USUÁRIOS
A atenção pelo cliente é um fenô-
meno bastante novo no âmbito dos
serviços sociais. O movimento de
idéias e investigação sobre esse
tema pode ser considerado a primei-
ra etapa dos estudos sobre a quali-
dade dos serviços públicos. Esse
movimento surgiu nos anos 60, prin-
cipalmente nos Estados Unidos e na
Grã-Bretanha. Goffman (1969) foi o
primeiro a introduzir a categoria de
‘não-pessoa’ em relação aos pacien-
tes das ‘instituições totais de saú-
de’, ou seja, aqueles sujeitos que são
“tratados em sua presença como se
não estivessem presentes” (Ardigó
apud Goffman, 1996). Goffman cita-
va, como exemplo mais comum, os
doentes e os velhos dentro das insti-
tuições hospitalares. De fato, nos
hospitais, muitas vezes, os pacien-
tes sofrem um processo de desper-
sonalização, quando são identifica-
dos somente pelo número do leito
ou por suas patologias.
Os trabalhos de Etzioni represen-
tam, sem dúvida, estudos pioneiros
nesse setor. Etzioni (1967), depois de
haver constatado que “a idéia de ser-
viço público deriva diretamente do
ideal de que seja justo proporcionar
a máxima felicidade ao maior núme-
ro possível de pessoas”, pergunta se
as instituições públicas são realmen-
ology of health’), ao debate em curso
sobre a avaliação da qualidade dos
serviços de saúde, objetivando foca-
lizar a inadequação e improdutivida-
de da polarização hoje existente en-
tre as duas lógicas parciais: a auto-
referência do sistema sanitário e a
subjetividade dos usuários. De fato,
a abordagem sociológica a respeito
da qualidade visa estabelecer uma
‘ponte’ em grau de desenvolver in-
tercâmbio de comunicação e maior
‘controle de baixo’, de maneira a
Avaliação da Qualidade em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 83
te sensíveis às necessidades dos usu-
ários que são os principais beneficiá-
rios de suas atividades. Mas, na prá-
tica diária, continua Etzioni: “existem
algumas características intrínsecas às
organizações” que dificultam o ideal
do serviço público e, algumas vezes,
“tendem a favorecer a insensibilida-
de frente aos usuários”. Muitos em-
pregados, de fato, são orientados
“mais para a organização do que
para os usuários”.
É interessante, ainda, mencionar
as pesquisas de Blau (1965), reali-
zadas em um serviço social nos Es-
tados Unidos, quando identifica duas
categorias de assistente social, de
acordo com a maneira de atuar em
relação aos pacientes. Alguns deles,
preocupavam-se mais em resolver o
problema do usuário, enquanto que
outros eram mais atentos em respei-
tar os requisitos e os procedimentos
necessários para receber a assistên-
cia. Esta segunda categoria estava
mais integrada aos colegas e com a
organização geral.
A preocupação de Etzioni (1967)
sobre esses estudos era a constata-
ção de que os funcionários promo-
vidos no âmbito da organização
eram aqueles que negligenciavam
os interesses dos usuários: “ter
uma atitude excessivamente favo-
rável aos clientes e transmitir suas
reivindicações às esferas hierárqui-
cas superiores, pode constituir um
elemento negativo e uma experiên-
cia desagradável em muitas orga-
nizações públicas” (Etzioni, 1967).
A sensibilidade da organização pelo
usuário, segundo Etzioni, é maior
quando há uma relação paritária e
quando o cliente pode expressar sua
preferência pessoal: “a relação en-
tre empregado e cliente num correio
é muito impessoal, mas a relação
entre o alfaiate e seu cliente é mui-
to mais estreita” (Etzioni, 1967).
Em relação a esse aspecto, Hirsch-
man (1982) afirma que, nas orga-
gência, é difícil para o usuário uti-
lizar a arma da saída (Zani & Sera-
pioni, 1989).
O INTERESSE PELA QUALIDADE DOS SERVIÇOS
A partir dos anos 80, começa a
desenvolver-se um novo setor de es-
tudos e investigação que já não se
limita à análise dos custos das ativi-
dades no campo da saúde, mas pres-
ta muita atenção, também, ao con-
trole de qualidade e à satisfação dos
usuários. Depois dos trabalhos de
Donabedian (1980), considerado o
pioneiro dos estudos da qualidade,
no âmbito dos serviços de saúde,
sobre a qualidade do cuidado médi-
co, é importante mencionar o Relató-
rio Griffith de 1983 (durante o pro-
cesso de revisão do Serviço de Saúde
Nacional da Grã-Bretanha), que intro-
duziu pela primeira vez a práxis da
avaliação da qualidade dos serviços
como nova tarefa para os gerentes
do National Health Service (Relató-
rio Griffith apud Ardigó, 1997 a):
Averiguar como o serviço é desem-
penhado em nível local, obtendo expe-
riências e percepções dos pacientes e
das comunidades através do Conselho
de Saúde da Comunidade (Community
Health Council) e de outros métodos,
incluídas as pesquisas de mercado e as
experiências dos médicos de família e
serviços de saúde comunitária.
Assim, o interesse pela qualida-
de cresceu muito, sobretudo nos úl-
timos dez anos. Sem dúvida, a crise
nizações privadas, os usuários po-
dem controlar, através do poder de
exigência, a qualidade dos serviços,
e, em caso de insatisfação, podem
dirigir-se a outro serviço. “Essa
saída (‘exit’) poderia ser praticada
também pelos usuários dos servi-
ços públicos, mas somente se exis-
tissem outras opções e a capacida-
de individual de alcançá-las.” Cer-
tamente, no caso dos serviços de
atenção básica de saúde ou de emer-
A PARTIR DOS ANOS 80, COMEÇA
A DESENVOLVER-SE UM NOVO SETOR
DE ESTUDOS E INVESTIGAÇÃO QUE
JÁ NÃO SE LIMITA À ANÁLISE DOS
CUSTOS DAS ATIVIDADES NO CAMPO
DA SAÚDE, MAS PRESTA MUITA ATENÇÃO,TAMBÉM, AO CONTROLE DE QUALIDADE E À
SATISFAÇÃO DOS USUÁRIOS.
SERAPIONI, M.
84 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999
fiscal do Estado Social e a necessi-
dade de diminuir as despesas públi-
cas têm estimulado um maior inte-
resse sobre a investigação de moda-
lidades mais eficientes e eficazes na
utilização dos recursos.
Entre outros fatores, que certa-
mente contribuíram para o desen-
volvimento da avaliação da quali-
dade dos serviços de saúde, temos
que mencionar o crescimento das
queixas e dos procedimentos judici-
ais encaminhados pelos pacientes
insatisfeitos. Na Grã-Bretanha, Ale-
manha e Itália fizeram sensação
alguns erros graves, como as trans-
fusões sanguíneas infectadas pelo
vírus da AIDS ou grandes erros de
diagnóstico. A revista The Economist
divulgou um inquérito sobre um
patologista de Birmingham que di-
agnosticou para quarenta e dois
pacientes de câncer o tratamento
desnecessário de quimioterapia, re-
sultando de tal erro mortes prema-
turas. Segundo o Sindicato de Defe-
sa dos Médicos Britânicos (Medical
Defense Union), as denúncias con-
tra as autoridades médicas por ne-
gligência redobraram em somente
dois anos: 1991–1993.
AS DIFICULDADES DE DEFINIR O CONCEITODE QUALIDADE EM SAÚDE
A qualidade, segundo Eiglier &
Langeard (1988), é constituída por
dois elementos: um objetivo, relaci-
onado aos componentes físicos do
produto, e outro subjetivo, relacio-
nado à satisfação do usuário, do
ponto de vista da sua percepção e
das suas expectativas. No caso dos
serviços, não existe, segundo esses
autores, separação entre o momen-
to da produção e da distribuição. A
qualidade, portanto, se reduz à sa-
tisfação do cliente em uma determi-
nada situação. Essa conclusão não é
compartilhada por outros estudiosos
da qualidade que operam nos servi-
ços de saúde; segundo eles, no âm-
rapidez na resposta ao requerimen-
to de tratamento etc.
Para Donabedian (1980), “a bus-
ca de uma definição de qualidade
nas prestações de serviço em saúde,
requer a divisão operativa do con-
ceito de prestação em dois aspectos:
técnico e interpessoal”. O primeiro,
está relacionado à aplicação dos co-
nhecimentos e das tecnologias mé-
dicas e de outras disciplinas; o se-
gundo, está baseado na maneira de
gerir a interação social e psicológi-
ca entre o paciente e os profissionais.
Segundo outros estudos (Movimen-
to Federativo Democrático, 1992),
para a definição do cuidado, é pos-
sível considerar, além das categori-
as mencionadas por Donabedian, um
terceiro aspecto, que poderia ser de-
nominado como ‘nível de conforto’,
ou seja, todos os elementos que ca-
racterizam o ambiente de vida, onde
se desenvolvem as atividades de
saúde: leitos, higiene, refeições, ser-
viços acessórios, telefone etc.
Os conceitos de eficácia, eficiência,
aceitabilidade, eqüidade, adequação,
assim como a qualidade da relação
interpessoal e o nível de conforto dos
serviços, estão baseados também so-
bre juízo de valor. Em face dessa rea-
lidade, perguntar-se-ia: que atributos
da qualidade desejamos priorizar e
quem definirá a qualidade de um ser-
viço? Há diferentes grupos interessa-
dos nesse problema. Existem diferen-
ças, ainda, entre profissionais de saú-
de de áreas geográficas diferentes, no
desempenho das práticas médicas,
ENTRE OUTROS FATORES, QUE
CERTAMENTE CONTRIBUÍRAM PARA
O DESENVOLVIMENTO DA AVALIAÇÃO
DA QUALIDADE DOS SERVIÇOS DE SAÚDE,TEMOS QUE MENCIONAR O CRESCIMENTO
DAS QUEIXAS E DOS PROCEDIMENTOS
JUDICIAIS ENCAMINHADOS PELOS
PACIENTES INSATISFEITOS.
bito da avaliação da qualidade, a
satisfação do usuário, sem dúvida,
tem que ser considerada, mas junto
a outros elementos, como: a satisfa-
ção dos profissionais e a eficácia do
cuidado médico. Para esse fim é pre-
ciso considerar também outros fato-
res objetivos, como a aceitabilida-
de, a adequação do processo de di-
agnóstico e da terapia, o comporta-
mento dos médicos e dos outros pro-
fissionais diante dos pacientes, a
Avaliação da Qualidade em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 85
porque há também diferentes estilos
de prática (Robertson, 1995), e não se
pode desconhecer, segundo Akerman
(1996), “as especificidades de cidades,
serviços e pacientes”. De fato, ele des-
taca a importância dos fatores cultu-
rais na determinação do conceito de
qualidade. Para Vuori (1991),
a noção de qualidade varia com o inte-
resse de grupos diferentes (politíco de
saúde, administradores, prestadores de
serviço e os consumidores) que podem
ter diferentes pontos de vista sobre o
que constitui alta qualidade ou, pelo
menos, podem enfatizar aspectos da
qualidade da atenção, diferentemente.
Donabedian (1989) sugere que a
qualidade pode ser definida como o
grau de conformidade das ativida-
des terapêuticas em relação ao com-
portamento normativo. Mas, como
pode ser definido o conceito norma-
tivo nesse contexto?
A questão ainda a ser solucio-
nada, então, é a definição de méto-
dos apropriados para a avaliação
da qualidade dos serviços em saú-
de, a padronização e a construção
de indicadores específicos que pos-
sam traduzir todas as dimensões e
os aspectos da qualidade, anterior-
mente mencionados.
AVALIAÇÃO DOS USUÁRIOS VERSUSAUTO-AVALIAÇÃO DOS PROFISSIONAIS
Descobrir a importância da par-
ticipação dos pacientes no sucesso
das terapias foi o mérito do soció-
logo Parsons (1965), nos anos 50,
que, estudando a relação médico-
paciente, deu muita relevância à
aderência (‘compliance’) do pacien-
te durante o tratamento prescrito
pelo médico. De fato: “um paciente
insatisfeito” – escreve Williams
(1994) – “poderia não seguir as
prescrições médicas e até não ade-
rir ao tratamento”. Por essa razão
aumentou o interesse pela opinião
dos pacientes.
fissionais e o ambiente físico das
estruturas sanitárias.
Todos concordam que não se
pode pôr em dúvida as opiniões ex-
pressadas pelos pacientes. Para Vu-
ori (1991), de fato, mesmo haven-
do algumas limitações na percep-
ção da técnica dos procedimentos,
a satisfação dos pacientes com a
prestação recebida é um fator im-
portante no resultado final do tra-
tamento. Mas, segundo Hopkins
(1990), é discutível se os usuários
estão sempre em condição de dis-
tinguir a boa ou a má qualidade dos
aspectos técnicos do tratamento.
Pode ocorrer o risco dos pacientes
serem desviados, na avaliação, pela
quantidade de intervenções técnicas
recebidas (Hopkins, 1990).
A qualidade é o resultado de um
conjunto de fatores que o usuário,
nem sempre, está em condições de
julgar. Podemos ter uma intervenção
absolutamente ineficaz, mas que
satisfaz ao usuário porque a rela-
ção entre profissionais e pacientes
tem sido positiva, baseada no res-
peito e na cordialidade. Wan & Fer-
rero (1991) afirmam que os indica-
dores de satisfação “nem sempre
asseguram que o programa seja ca-
paz de melhorar a qualidade da vida
dos pacientes...”. Um estudo reali-
zado na Itália (Uderzo & Cipolla,
1990), por exemplo, evidenciou que
a opinião dos pacientes deve ser cor-
retamente avaliada, porque “em ge-
ral as respostas satisfatórias são
elevadas (80%–85%), até mesmo
Os resultados das pesquisas re-
alizadas nos últimos dez anos so-
bre a satisfação dos usuários mos-
tram que quem utiliza os serviços
valoriza muito a comunicação, as
informações recebidas, a qualidade
da relação médico-paciente (Calnan
et al., 1994), a maneira de ser do
médico e do enfermeiro, a capaci-
dade resolutiva do serviço (Halal et
al., 1994), a continuidade do trata-
mento por parte dos mesmos pro-
A QUESTÃO AINDA A SER SOLUCIONADA,ENTÃO, É A DEFINIÇÃO DE MÉTODOS
APROPRIADOS PARA A AVALIAÇÃO DA
QUALIDADE DOS SERVIÇOS EM SAÚDE,A PADRONIZAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DE
INDICADORES ESPECÍFICOS QUE POSSAM
TRADUZIR TODAS AS DIMENSÕES E OS
ASPECTOS DA QUALIDADE.
SERAPIONI, M.
86 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999
quando as expectativas são negati-
vas”. É importante, sugerem estes
autores, “avaliar, além do juízo glo-
bal, também as opiniões sobre as-
pectos específicos, onde a porcenta-
gem freqüentemente se reduz”. Na
mesma direção se colocam as consi-
derações de Katoka et al. (1997),
quando apresentando os resultados
de uma pesquisa realizada nos hos-
pitais de São Paulo, recomendam da
importância de comparar as respos-
tas abertas e fechadas do questioná-
rio, pois “é comum o usuário atri-
buir uma avaliação alta, na respos-
ta fechada e, na aberta, fazer obser-
vações, com restrições e recomenda-
ções sobre o mesmo item” (Katoka,
1997). É por essas dificuldades que
Atkinsons (1993) questiona o tipo de
pesquisa geralmente utilizada na
avaliação da satisfação dos usuári-
os, pois “as opiniões positivas e
negativas sobre os serviços de saú-
de, raramente, são expressas em ter-
mo de satisfação ou insatisfação”
(Atkinson, 1993).
A satisfação dos usuários, em-
bora determinante, é insuficiente
para a avaliação da qualidade dos
serviços, por diferentes razões: a
relação ímpar entre pacientes e pro-
fissionais, a desigualdade de infor-
mação entre eles e a constante pre-
sença de estereótipos e preconceitos
(Bertin, 1995). Nessa linha, Willia-
ms (1994) afirma que a realização
da satisfação pode significar tam-
bém a inexistência de opinião ou a
aceitação do paternalismo médico.
É por essa razão que Donabedian,
já em seus trabalhos publicados em
1980, recomendava que a avaliação
da qualidade fosse baseada, não só
na satisfação dos usuários, mas
também na satisfação dos profissi-
onais e em fatores objetivos. O juí-
zo da qualidade, portanto, implica
o confronto entre diferentes atores.
Um papel importante, por exemplo,
tem que ser atribuído aos profissi-
onais que através de suas experi-
ências podem representar um ins-
trumento útil para avaliar a quali-
melhor qualidade da relação com o
paciente...”.
Nessa mesma linha, Schraiber &
Nemes (1996) destacam que a avali-
ação de serviços de saúde deve “di-
alogar diretamente com a dimensão
interna do trabalho, buscando cons-
tituir-se em prática administrativo-
gerencial capaz de reinserir os pro-
fissionais nas questões de qualida-
de dos serviços...”.
A primeira fase da pesquisa ava-
liativa, porém, caracterizou-se pela
rígida divisão entre profissionais de
saúde e avaliadores externos, limi-
tando dessa maneira qualquer for-
ma de interação entre os dois papéis
e, por isso, a escassa utilização dos
resultados de pesquisas avaliativas
no âmbito dos serviços. Atualmen-
te, segundo Robertson (1995), exis-
tem algumas pistas para desenvol-
ver possíveis processos de auto-ava-
liação na prática profissional dos tra-
balhadores dos serviços sociais e de
saúde. Existe, por exemplo, o ‘dese-
nho do caso particular’ (‘single case
design’), que tem como objetivo ve-
rificar a incidência do tratamento
realizado sobre o caso examinado,
buscando através de observação so-
bre o ‘caso’, a relação entre o resul-
tado obtido e a intervenção realiza-
da. Existe também uma ‘auto-avali-
ação’, realizada através do confron-
to entre a maneira de trabalhar dos
profissionais e os ‘padrões’ estabe-
lecidos pela corporação desses pro-
fissionais ou pelos especialistas
(‘peer review’).
dade. De fato, como apontam Jun-
queira & Auge (1996), a qualidade
depende de diversos fatores, sobre-
tudo do reconhecimento das neces-
sidades dos funcionários no desem-
penho de suas funções. A mesma sa-
tisfação dos funcionários, enquan-
to clientes internos, é determinante
para a qualidade dos serviços. Por
outra parte, a satisfação do profis-
sional, como evidenciou a pesquisa
de Halal et al. (1994), realizada nos
serviços de assistência primária,
está “diretamente associada com a
A SATISFAÇÃO DOS USUÁRIOS,EMBORA DETERMINANTE,
É INSUFICIENTE PARA A AVALIAÇÃO
DA QUALIDADE DOS SERVIÇOS.
Avaliação da Qualidade em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 87
ALGUMAS ESTRATÉGIAS PARA MELHORARA COMUNICAÇÃO ENTRE USUÁRIOS
E SISTEMA DOS SERVIÇOS DE SAÚDE
Pode-se dizer, resumindo, que o
controle da qualidade do atendimen-
to em saúde tem passado por dife-
rentes fases nos últimos vinte anos.
A) Na primeira fase, quando a
avaliação da qualidade levava em
consideração somente o lado da
oferta dos serviços, baseada nos co-
nhecimentos dos profissionais de
saúde, ela era de conhecimento auto-
referencial. Esta avaliação, realiza-
da através de indicadores como os
‘Diagnósticos por Grupo Afim’ (Di-
agnosis Related Group), visava ao
estabelecimento de padrão por cada
diagnóstico e, portanto, à racionali-
zação econômica das atividades dos
serviços. Entretanto, tratava-se de
uma racionalização somente do lado
da oferta, sem levar em conta a sa-
tisfação dos usuários.
B) A essas experiências técnico-
científicas de controle da qualidade
(segundo a visão dos profissionais),
com vistas à otimização da oferta
dos serviços, há seguido uma segun-
da fase, a partir da metade dos anos
80, caracterizada por ações de de-
núncia e reivindicações dos usuári-
os e de suas organizações represen-
tativas. As associações de defesa dos
direitos dos doentes começaram tam-
bém a conduzir, embora de forma
muito empírica, experiências de ava-
liação do desempenho dos serviços
de saúde. Essa mudança de enfoque
foi favorecida, também, pela crise
fiscal dos serviços e pelo envolvi-
mento dos usuários no financiamento
das prestações em saúde. Assim, os
usuários, chamados a participarem
diretamente das despesas em saúde
e dos objetivos de racionalização da
mesma, começaram a expressar seus
juízos e a exigirem mudanças das
estruturas e da práxis dos serviços.
Nessa nova perspectiva, através
do controle da qualidade por parte
dos usuários, espera-se poder redi-
a atual fraqueza do sistema sanitá-
rio, que é forçado a redefinir sua fron-
teira e a restituir aos sujeitos soci-
ais (mundo da vida cotidiana) o es-
paço anteriormente invadido (Porcu
& Barbieri, 1997).
Entretanto, atualmente, ainda se
observa a tendência de dar ênfase à
qualidade na visão dos usuários,
mais do que desenvolver uma teo-
ria e uma prática da qualidade mais
abrangente. A produção, nos últimos
anos, de um número significativo de
estudos e pesquisas sobre a avalia-
ção da satisfação dos clientes, na
área da saúde, demonstra como é
ainda vigente uma lógica de contra-
posição entre ‘consumer satisfation’
e a qualidade na visão dos profissi-
onais. Embora esta contraposição
tenha sido produtiva para focalizar
as duas polaridades e para identifi-
car os respectivos limites e potenci-
alidades, no entanto, ela aponta tam-
bém para problemas e dificuldades
operacionais, à medida que continua
acentuando as diferenças entre as
‘duas qualidades’ e propõe nova-
mente a divisão entre diferentes
‘auto-referências’ que, pelo contrá-
rio, teriam que ser recompostas.
C) A terceira fase do controle da
qualidade visa, portanto, à acentua-
ção da práxis da comunicação entre
os representantes da oferta e da de-
manda, para superar a contraposição
entre as duas ‘auto-referências’. Em-
bora existam alguns problemas me-
todológicos, para integrar a avalia-
ção ‘objetiva’ dos médicos e dos en-
ATUALMENTE, AINDA SE OBSERVA
A TENDÊNCIA DE DAR ÊNFASE ÀQUALIDADE NA VISÃO DOS USUÁRIOS,
MAIS DO QUE DESENVOLVER UMA
TEORIA E UMA PRÁTICA DA QUALIDADE
MAIS ABRANGENTE
recionar a oferta de serviços segun-
do as necessidades da demanda e
relançar a participação dos cidadãos
nos processos de atendimento à saú-
de. Essa nova abordagem poderia
também contribuir, segundo Ardigó
(1997a), para recompor a fratura
dialógica entre o sistema sanitário
e os atores sociais, fratura causada
pela tradicional assimetria da rela-
ção entre médico e paciente. Em ou-
tras palavras, o reconhecimento do
ponto de vista do usuário evidencia
SERAPIONI, M.
88 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999
fermeiros com a avalição ‘subjetiva’
dos usuários, é necessário aproximar
gradualmente as distâncias entre os
dois pontos de observação da quali-
dade. É importante, por exemplo, que
do lado dos usuários e/ou de seus re-
presentantes, sejam avaliados, tam-
bém, os resultados do cuidado médi-
co no sentido profissional e científi-
co. É igualmente importante que a
avaliação realizada pelos profissio-
nais de saúde inclua a compreensão
da satisfação dos usuários, enquan-
to titulares de direitos de cidadania
(civis, políticos e sociais). Isso signi-
fica introduzir, no sistema de avalia-
ção dos serviços, indicadores que
possam medir os aspectos que defi-
nem a qualidade do cuidado do pon-
to de vista dos usuários.
INDICADORES DE QUALIDADE DO PONTODE VISTA DO USUÁRIO
A este respeito, é interessante
mencionar a recente reforma do Sis-
tema Sanitário Italiano (1992) que,
com o fim de garantir a constante
adequação dos serviços de saúde às
necessidades dos cidadãos, obrigou
a todos os gerentes dos sistemas lo-
cais de saúde e dos hospitais, a cri-
ação de um sistema de indicadores
para avaliar os seguintes aspectos
que, segundo o próprio Ministério de
Saúde, determinam a qualidade da
prestação de serviços em saúde (Ar-
digó, 1997a): 1) ‘personalização do
cuidado’, 2) ‘humanização da pres-
tação’ e 3) ‘direito à informação’.
Em relação à ‘personalização do
cuidado’, devem ser considerados
desqualificantes os serviços e presta-
ções que, embora válidos em termo
de qualidade técnico-científica, depri-
mem ou humilham a personalidade
do doente. Os indicadores de perso-
nalização/despersonalização deverão
portanto medir: i) o direito do doente
à privacidade, ou seja, ao máximo
de intimidade possível; ii) a qualida-
de das relações interpessoais entre
profissionais de saúde e pacientes; iii)
a possibilidade para o doente hospi-
de espaços físicos adequados, nível
de acesso para os familiares, presen-
ça de serviços, lanchonete, jornais,
telefone etc.), seja o sistema social
onde atuem os diferentes atores: ní-
vel de integração dos diferentes per-
fis profissionais, presença de pesso-
al qualificado para orientar os paci-
entes e seus familiares, tempo de es-
pera dos pacientes para aceder ao ser-
viço, presença de alguns métodos de
busca de insatisfação e de queixas dos
usuários etc.
O direito à informação é a base
para a formação de um autêntico
consenso do paciente a respeito das
intervenções diagnósticas, terapêu-
ticas ou cirúrgicas. Por isso, o aces-
so às informações representa um
importante aspecto da qualidade da
prestação de serviços em saúde. Os
indicadores do direito à informação
deveriam medir: i) a acessibilidade
do paciente às informações úteis
para resolver suas necessidades; ii)
a presença de recepcionistas qualifi-
cados nos diferentes serviços de saú-
de; iii) existência ou não de folhetos
informativos sobre as diferentes
prestações fornecidas pelos diversos
serviços, com localização, horários
e número telefônico para reservar ou
pedir informações; iv) a presença de
informações acerca dos custos das
principais prestações de serviço.
Nessa perspectiva de intercone-
xão entre os atores sociais e o siste-
ma de saúde, é interessante também
mencionar alguns trabalhos que já
tomaram essa direção: : : : : a pesquisa
talizado de manter os contatos com
pessoas de seu mundo vital.
“A humanização está relacionada
com os aspectos mais ‘soft’ ou ‘rela-
cionais’ do tratamento” (Ruta, 1993),
tais como o senso de confiança, cre-
dibilidade, confiabilidade a respeito
do serviços e de suas práticas sanitá-
rias. Os indicadores de humanização
deveriam medir se o ambiente dos
serviços de saúde é vivível, conside-
rando, seja o ambiente físico (presen-
ça de meios de transportes para paci-
entes dentro da estrutura, presença
O DIREITO À INFORMAÇÃO É A BASE
PARA A FORMAÇÃO DE UM AUTÊNTICO
CONSENSO DO PACIENTE A RESPEITO
DAS INTERVENÇÕES DIAGNÓSTICAS,TERAPÊUTICAS OU CIRÚRGICAS.
Avaliação da Qualidade em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 89
realizada por Atkinson (1993) no
Ceará (Brasil), com vistas a identifi-
car, “áreas de consenso e de possí-
vel mediação” entre a perspectiva dos
usuários dos serviços de saúde (‘lay
perspective’) e a perspectiva dos pro-
fissionais; o estudo de Newton (1996)
demonstra como o processo de au-
ditoria médica pode ampliar o “atu-
al modelo médico” para “incluir os
pontos de vista dos pacientes e de
seus principais problemas sociopsi-
cológicos”. Igualmente, Mark Avis
(1997) destaca a importância de con-
siderar a experiência terapêutica do
paciente como parte integral do pro-
cesso da auditoria médica.
RUMO À CONSTITUIÇÃO DE COMISSÕESMISTAS PARA A AVALIAÇÃO DA QUALIDADE
A fase mais avançada do proces-
so de integração entre os diferentes
sujeitos que operam dentro do siste-
ma de saúde é representada pela cri-
ação de ‘comissões mistas’, constitu-
ídas por usuários, profissionais e
outros atores sociais, nas diferentes
estruturas de saúde (hospitais, con-
sultórios, equipe de Saúde da Famí-
lia etc.) e nos diversos distritos. Es-
sas comissões poderiam trabalhar,
nos diferentes serviços, a identifica-
ção e a aferição de indicadores de
qualidade de ambos os lados e de-
senvolver uma abordagem de integra-
ção dos distintos pontos de vista dos
profissionais e dos usuários. Esta
perspectiva integracionista poderia
constituir uma estratégia fundamen-
tal para a superação seja da ‘auto-
referencialidade’ dos profissionais de
saúde e seja da tendência predomi-
nantemente remissiva ou reivindica-
tiva dos clientes e de seus represen-
tantes. Dentro desses grupos mistos
de trabalho, os usuários e seus re-
presentantes poderiam pressionar os
dirigentes para reorganizar os servi-
ços em função das necessidades dos
pacientes. Poderiam, por exemplo,
negociar com os profissionais de saú-
de produção-aquisição de prestação
de serviços fortalecerá, sem dúvida,
a comunicação e a interação e, em
última análise, contribuirá ainda para
remover as insatisfações dos usuári-
os e dos trabalhadores.
Interessantes experiências desse
tipo começaram a ser desenvolvidas,
nos últimos anos, em algumas cida-
des italianas. Em um grande Centro
Ortopédico de Bolonha, um centro
especializado de relevância nacional,
por exemplo, foi instituída a partir
do 1993, um “comitê misto”, compos-
to de dirigentes, organizações de tu-
tela dos direitos dos doentes e exper-
tos universitários, que começou a sua
atividade realizando uma ampla in-
vestigação sobre a qualidade, envol-
vendo profissionais do Instituto e
mais de 2.000 pacientes egressos do
hospital (Ardigó, 1997 b). Em outras
cidades italianas, as autoridades lo-
cais de saúde constituíram “grupos
de qualidade” formados por funcio-
nários, representantes dos usuários
e especialistas externos, com o fim
de “humanizar” o sistema dos servi-
ços hospitalares e distritais. Essas
experiências pioneiras de controle da
qualidade foram multiplicando-se nos
últimos três anos (Hanau C., 1996).
A atual organização do Sistema
Único de Saúde no Brasil apresenta
a grande vantagem de dispor já de
um órgão colegiado integrado por
representantes do governo, dos pres-
tadores de serviço, dos profissionais
de saúde e dos usuários. Trata-se dos
Conselhos de Saúde, instituídos para
de a melhoria do acesso dos serviços
ou tentar controlar as listas de espe-
ra, que geralmente representam uma
das mais prementes demandas de
qualidade por parte dos pacientes. As
comissões mistas certamente não aca-
barão com todos os conflitos e situa-
ções de não consenso entre os porta-
dores de diferentes interesses e direi-
tos, mas a existência de momentos
periódicos de confronto entre os dife-
rentes atores envolvidos no processo
A ATUAL ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE NO BRASIL APRESENTA
A GRANDE VANTAGEM DE DISPOR JÁDE UM ÓRGÃO COLEGIADO INTEGRADO
POR REPRESENTANTES DO GOVERNO,DOS PRESTADORES DE SERVIÇO, DOS
PROFISSIONAIS DE SAÚDE E DOS USUÁRIOS.
SERAPIONI, M.
90 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999
assegurar a participação da popula-
ção no controle do Sistema Único de
Saúde (SUS). Os conselhos municipais
e distritais representam uma grande
potencialidade para a experimenta-
ção e implantação de ‘comitês’ mis-
tos de avaliação da qualidade do aten-
dimento à saúde. A criação desses fo-
ros da ‘qualidade’ representaria, tam-
bém, uma estratégia para realizar
uma das principais funções dos Con-
selhos, prevista pela Lei Orgânica da
Saúde: “controlar e fiscalizar a exe-
cução da política de saúde”.
Entretanto, para evitar que esses
espaços de discussão e de confronto
sobre a qualidade se transformem
em ritualismos burocráticos ou em
reuniões exageradamente técnicas e,
ainda pior, em práticas mistificató-
rias de cobertura das tradicionais as-
simetrias de poder de negociação en-
tre os diferentes atores (Porcu & Bar-
bieri, 1997), é importante favorecer
a mudança das modalidades de re-
lações interpessoais, de maneira a
incentivar a comunicação e a empa-
tia entre profissionais e clientes. Para
este fim, a criação de comissão mis-
ta de avaliação deveria ser acompa-
nhada do desenvolvimento de ativi-
dades de auto-reflexão, atualização
e capacitação, tanto dos profissio-
nais, como dos usuários e seus re-
presentantes .
A experiência dos Conselhos Mu-
nicipais de Saúde, de fato, como de-
monstram os resultados de algumas
pesquisas (Ministério da Saúde,
1994; Secretaria de Saúde do Esta-
do de Bahia, 1996; Escola de Saúde
Pública do Ceará, 1997), ainda não
alcança superar a rotina burocráti-
ca e administrativa. Sobre os con-
selheiros estas pesquisas evidenci-
am: i) a não suficiente informação
para desempenhar seu papel, pois
as informações são concentradas
nos técnicos e não nos representan-
tes dos usuários; ii) a falta de co-
nhecimento de suas atribuições. Por
isso, é importante assumir como
prioridade a capacitação dos conse-
deve dotar-se de um enfoque con-
ceitual peculiar, diferente do utili-
zado para a avaliação de outros
produtos e serviços comerciais.
Nesse contexto, é necessário rela-
cionar diferentes atores com crité-
rios próprios de juízo, porque não
é possível basear-se somente na
avaliação exclusiva dos usuários
ou dos profissionais.
A avaliação da qualidade de um
serviço requer um processo de mul-
ticritérios, que implica o envolvi-
mento de diferentes atores (pacien-
tes, representantes dos usuários,
profissionais, administradores e es-
pecialistas), todos dotados de pers-
pectivas próprias de avaliação. Tam-
bém as organizações que represen-
tam os usuários de serviços devem
ocupar o centro do processo da ava-
liação, pois nem sempre os usuári-
os têm a capacidade de exigir os
seus direitos ou de julgar a quali-
dade dos serviços.
Essa abordagem, que Robertson
(1994) define como “democrática”,
recupera elementos próprios da
abordagem científica (que define a
qualidade de uma intervenção em
função de sua correspondência com
os padrões estabelecidos pela comu-
nidade científica dos profissionais),
e da abordagem dos usuários. Em
outras palavras, define-se que a ava-
liação da qualidade, sobretudo nos
serviços de saúde, deve basear-se
em um enfoque multidimensional,
que compreende: a) a avaliação da
satisfação dos usuários; b) a avali-
lheiros de saúde de forma a tornar
efetiva as suas atuações e a permi-
tir aos conselhos municipais e dis-
tritais exercerem as funções insti-
tucionais no âmbito dos Sistemas
Locais de Saúde.
CONCLUSÃO
Esta revisão das diferentes
abordagens e experiência sobre a
qualidade nos permite afirmar que
a avaliação dos serviços de saúde
TAMBÉM AS ORGANIZAÇÕES QUE
REPRESENTAM OS USUÁRIOS DE
SERVIÇOS DEVEM OCUPAR O CENTRO
DO PROCESSO DA AVALIAÇÃO, POIS NEM
SEMPRE OS USUÁRIOS TÊM A CAPACIDADE
DE EXIGIR OS SEUS DIREITOS OU DE
JULGAR A QUALIDADE DOS SERVIÇOS.
Avaliação da Qualidade em Saúde
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 91
ação técnica do processo de traba-
lho, pois não é possível pensar em
uma ‘qualidade’ desacompanhada
dos processos que determinam o
cuidado e a satisfação dos profissi-
onais diretamente envolvidos na
relação terapêutica; c) a avaliação
dos resultados realmente produzi-
dos na população beneficiária pela
intervenção.....
A constituição de ‘grupos de
qualidade’ dentro dos serviços de
saúde representam um espaço
apropriado onde usuários, profis-
sionais e outros atores sociais po-
dem confrontar-se, trabalhar para
melhorar a organização do siste-
ma de atendimento em saúde e, em
última análise, remover as insatis-
fações dos cidadãos.
AGRADECIMENTOS
O autor agradece o apoio recebi-
do pela equipe de Escola de Saúde
Pública (ESP) do Ceará e, em especi-
al modo, a colaboração de Zacharía
Bezerra da Área de Comunicação da
ESP e a disponibilidade de Cassia
Alencar, Paula Pinheiro, Heléna Car-
valhêdo, Santiago Martins e Nelson
Chaar do Centro de Documentação da
ESP. O autor agradece, também, ao
Professor Marcelo Gurgel da Univer-
sidade do Ceará (UECE), por suas pre-
ciosas sugestões, e à Professora Lú-
cia Freitas da Universidade Federal
do Ceará, por sua colaboração à edi-
ção do texto português.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AKERMAN, M., 1995. Proposta para
Avaliação da Satisfação dos Clien-
tes das Unidades Hospitalares da
Secretaria de Saúde do Estado do
Ceará. (Mimeo.)
AKERMAN, M., 1996. Gerência da qua-
lidade nos hospitais paulistas. Ca-
dernos Fundap, 19:79-87.
ARDIGÓ, A., 1997a. Societá e Salute.
Lineamenti di Sociologia Sanitaria.
Milano: Angeli Editore.
ARDIGÓ, A., 1997b. La qualitá del
servizio sanitario come percepita
dall’utente. In: TRABUCCHI, M. (Org.)
Rapporto Sanitá’97. I Nodi del
Cambiamento. Bologna: Il Mulino.
p.315-339.
ATKINSON, S., 1993. Anthropology in
research on the quality of health
services. Cadernos de Saúde Públi-
ca, 9 (3):283-299.
AVIS, M., 1997. Questioning patient
satisfaction: an empirical
investigation in two outpatient
clinics. Social Science & Medicine,
44(1):85-92.
BERTIN, G. (Org.), 1995. Valutazione e
Sapere Sociologico. Milano: Angeli.
BLAU, P. M., 1965. La Burocrazia nella
Societá Moderna. Roma: Armando.
CADERNOS DE SAÚDE PÚBLICA, 1996. Epi-
demiologia e Avaliação de Serviços
de Saúde, 12, supl.2.
CALNAN, M. et al., 1994. Major
determinants os consumer
satisfaction with primary health
care in different health system;
family practice. An International
Journal, 11:468-478.
DONABEDIAN, A., 1980. Explorations in
Quality Assessment and Monitoring,
1. The Definition of Quality and
Approaches to its Assessment. Ann
Arbor: Health Administration Press.
DONABEDIAN, A., 1989. The quality of
care. How can it be assessed? J.
American Medical Association,
5:260-275.
EIGLIER, P. & LANGEARD, J., 1988. Il
Marketing Strategico dei Servizi.
Milano.
ESCOLA de SAÚDE PÚBLICA do CEARÁ (ESP),,,,,
1997. Os Conselhos de Saúde no
Ceará e os Desafios da Capacita-
ção. Fortaleza. (Mimeo.)
ETZIONI, A., 1967. Sociologia
dell’organizzazione. Bologna: Il
Mulino.
GOFFMAN, E., 1969. La Vita Quotidiana
come Rappresentazione. Bologna: Il
Mulino.
HALAL, I. S. et al., 1994. Avaliação
da qualidade de assistência pri-
mária à saúde em localidade ur-
bana da região sul do Brasil. Re-
vista de Saúde Pública, 28:131-136.
HANAU. C., 1996. Qualitá percepita e
diritto degli utenti. In: TRABUCCHI,
C. (Org.) I Cittadini e il Sistema
Sanitario Nazionale. Bologna: Il
Mulino. p.117-151.
SERAPIONI, M.
92 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999
HIRSCHMAN, A. O., 1982. Lealtá, Defezione
e Protesta. Milano: Bompiani.
HOPKINS, A., 1990. Measuring the
Quality of Medical Care. London:
Royal College of Phisicians of
London.
KATOKA, F. et al., 1997. Avaliação pe-
los usuários dos hospitais parti-
cipantes do programa de qualida-
de hospitalar no Estado de São
Paulo, Brasil. Revista de Saúde
Pública, 31(2):171-177.
JUNQUEIRA, L. & AUGE A., 1996. Quali-
dade dos serviços de saúde e sa-
tisfação do usuário. Cadernos Fun-
dap, 19:60-78.
MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS), 1994. Incen-
tivo à Participação Popular e Con-
trole Social no SUS. Brasília.
MOVIMENTO FEDERATIVO DEMOCRATICO, 1992.
Rapporto Sullo Stato dei Diritti dei
Cittadini nel Servizio Sanitario
Nazionale. Roma: Il Pensiero
Scientifico Editore.
NEWTON, J., 1996. Patient’s involvement
in medical audit in general practice.
Health and Social Care in the
Community, 4 (3):142-149.
NOGUEIRA, R. P., 1994. Pespectivas da
Qualidade em Saúde. Rio de Janei-
ro: Qualitymark.
PARSONS, T., 1965. Il Sistema Sociale.
Milano: Ed. Comunitá.
PORCU, S. & BARBIERI, M. La sociologia
della salute e il paradigma
dell’interconnessione fra sistemi
sociali e soggettivitá. In: : : : : CIPOLLA,
C. & PORCU, S. (Orgs.) La Sociologia
di Achille Ardigó. Milano: Angeli.
ROBERTSON, A., 1994. Il Concetto di
Qualitá nella Valutazione delle
Politiche Sociali. Cagliari: Ed. Sois.
ROBERTSON, A., 1995. Definire e valutare
la qualitá nei servizi sanitari. In:
BERTIN, G. (Org.) Valutazione e Sapere
Sociologico Milano: Angeli.
RUTA, C., 1993. Sanitá e Management.
Razionalizzazione Strutturale e
Produttiva, Controllo dei Costi e del
Finanziamento, Umanizzazione e
Qualitá Totale. Milano: Etas Libri.
SCHRAIBER, L. B. & NEMES M. I., 1996.
Processo de trabalho e avaliação
de serviços em saúde. Cadernos
Fundap, 19: 79-87.
SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA/
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA/UFBA,
1996. Oficina de Avaliação do Projeto
de Incentivo à Participação Popular e
Controle Social no SUS-BA. (Mimeo.)
SILVA, L. M. & FORMIGLI, L. A., 1994.
Avaliação em saúde: limites e
perspectivas. Cuadernos de Saúde
Pública, 10:80-91.
THE ECONOMIST. Medical Malpractice,
Sue and run. 13 nov. 1993.
UDERZO, A. & CIPOLLA, L., 1990. L’opinione
dei pazienti. Un’esperienza di va-
lutazione di un reparto di ostetri-
cia e ginecologia. Quality Assuran-
ce, 1:25-33.
VUORI, H., 1991. A qualidade da
saúde. Divulgação em Saúde para
Debate, 3:17-25.
WAN, T. H & FERRARO K. F, 1991.
Assessing the Impacts of Community
Based Health Care Policies and
Programs for Older Adults. Journal
of Applied Gerontology, 10(1):35-52.
WILLIAMS, B., 1994. Patient Satisfaction:
A Valid Concept?. Social Science &
Medicine, 38(4):509-516.
ZANI, B. & SERAPIONI, M., 1989. Modelli
organizzativi e cultura dei servizi
pubblici nell’esperienza degli operatori.
In: CAMMELLI & MARIUCCI (Orgs.) Utenti,
Pubblica Amministrazione e Sindacato.
Bologna: Maggioli Editore. p.83-117.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 93-94, set./dez. 1999 93
ENSAIO
Como pensar ‘custo’ de forma mais abrangente no setor saúde
How to think more comprehensively about costs
Leyla Gomes Sancho1
1 Médica-Sanitarista – SMSA-BH/MG
Considerando o ‘trabalho em saú-
de’ enquanto um conjunto de ações,
as quais não guardam homogenei-
dade no seu modo de produção, seja
entre elas ou a uma especificamen-
te, torna-se difícil pensar a constru-
ção do denominado ‘Custo Padrão’.
Conseqüentemente, para avaliarmos
qual seria o valor mais adequado a
este custo, deve ser considerado, con-
comitantemente, outras variáveis.
Pontuaria, especialmente, a qualida-
de da ação prestada e a mensuração
quantitativa (produtividade).
A avaliação de qualidade ainda
é de difícil percepção pelo conjunto da
sociedade, ou seja, o balizamento do
nível de satisfação da população em
relação à prestação de serviços de
saúde. Isso ocorre muitas vezes, in-
clusive, pelo fato dessas ações não
apresentarem uma certa normaliza-
ção na sua execução. Nesse sentido,
e até parafraseando Donabedian,
um critério de qualidade do trabalho
em serviços de saúde seria a não su-
pressão da individualidade e da espe-
cificidade da situação de um ‘caso’ em
favor da norma rígida; nem, inversa-
mente, atribuída uma tal importância
às particularidades que as condições
normais previstas não as realizem.
Já a avaliação da produtividade,
estando atrelada a uma programa-
ção de metas e esta, elaborada a
partir de parâmetros diversificada-
mente consagrados nos diversos ser-
viços, inferirá um superávit ou défi-
cit na produção, independente do
produtivo e fragmentado modo de
produção taylorista comum nos ser-
viços de saúde. Esse ponto é de suma
importância, isto porque o superá-
vit, que tem como óbvia conseqüên-
cia a diminuição dos custos, poderá
sugerir, até paradoxalmente, uma
possível deterioração da qualidade
da prestação da ação. Já o déficit
ocasionará a ociosidade do serviço,
com um conseqüente aumento de
custo, que a bem da verdade não é
determinante de qualidade.
Como pode ser observado, existe
um paradoxo nessas colocações.
Entretanto, essas variáveis não po-
dem ser desprezadas, devendo, sim,
ser balizada a outras formas de apro-
ximação do melhor custo.
Tendo-se a possibilidade de
acesso às informações da compo-
sição dos custos das ações (ex: di-
ária, hora-cirurgia, consulta médi-
ca etc.) dos estabelecimentos que
compõem a rede de prestadores de
serviço ao atendimento dessa po-
pulação, de alguma maneira pode-
se, mesmo que de maneira rudi-
mentar e pouco específica, perceber
o processo de produção das mes-
mas. Vale ressaltar que existem
metodologias de apuração e não
propriamente de apropriação dos
custos, que despersonalizadas não
são indicativas do processo.
Cientificamente, em relação às me-
todologias de apropriação de custos,
pode-se construir os chamados ‘custos
por procedimentos’ (Accounting Basic
Costs) – clínicos ou cirúrgicos –, e
94 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 93-94, set./dez. 1999
ENSAIO
estes nos possibilitará um passo
maior no conhecimento de como o
processo de produção vem-se reali-
zando nos diversos estabelecimen-
tos prestadores de serviço, inclusive
subsidiando uma efetiva discussão
gerencial. Esta, certamente, é uma
metodologia que pressupõe uma re-
lação de causa e efeito.
Portanto, quando pensarmos na
utilização desse importante instru-
mento de planejamento para os pro-
cessos licitatórios de compra de
ações (serviço), deveremos ter cla-
reza da possibilidade da apresen-
tação de distintos valores pelos pos-
síveis fornecedores, posto que es-
ses estarão atrelados ao processo
de trabalho. Nesse sentido, não po-
deremos nos ater somente no crité-
rio do menor valor apresentado,
mas nos ater e pensar, não em um
custo padrão, mas em uma padro-
nização do custo, ou seja, uma ten-
tativa de formalização de protoco-
los flexíveis assistenciais, que as-
sociada à avaliação da qualidade e
da produtividade, nos indicará o
melhor custo e este, sim, ser o efe-
tivo balizador da contratação des-
ses serviços.
Esse processo será fundamental,
também, não só para o balizamento
dos atuais valores dos procedimen-
tos da tabela SIA/SIH/SUS, como tam-
bém nos auxiliará enquanto mais
um indicador na avaliação da quali-
dade da prestação do serviço. Se fi-
zermos uma avaliação, grosso
modo, dos atuais valores da tabela,
até mesmo pelo comportamento his-
tórico dos ajustes e pela não utiliza-
ção da ferramenta custo na sua con-
secução, nos indica possíveis distor-
ções. Pela nossa pequena experiên-
cia, o setor público, responsável pela
maioria da prestação das ações am-
bulatoriais, está percebendo receita
inadequada ao seu custeio.
Até mesmo pela demonstrada
vontade política de continuidade no
processo de descentralização finan-
ceira, através da gestão semiplena
aos municípios, há indubitavelmen-
te uma premente necessidade neste
processo do efetivo conhecimento do
real custo das ações e, nesse senti-
do, faz-se mister pensarmos como
alcançaremos este objetivo. Essa co-
locação pauta-se na percepção de que
este será um trabalho que deman-
dará um razoável tempo e que ne-
cessitará de uma equipe multidisci-
plinar à sua consecução.
O tempo expresso como neces-
sário à realização deste trabalho, de-
corre ao fato da significativa falta
de dados nas instituições para o sub-
sidiar. Quando este existe, o mesmo
não contém a necessária especifici-
dade. Outras vezes, o dado para ser
gerado depara com concretos empe-
cilhos, tais como: a questão da cul-
tura institucional e seus vícios.
A justificativa para a necessida-
de de uma equipe multidisciplinar
está reforçada pela observação de
que a diversidade de dados a ser tra-
balhada necessita de um grupo com
formação tanto na área administra-
tiva como na área assistencial, isto
é, pressupondo uma discussão de
gerência de custos.
CONCLUSÃO
Se é verdade, então, que existirá
uma necessidade de um trabalho co-
operado para uma maior agilização
na obtenção deste resultado, dever-
se-á ter em mente a existência de uma
efetiva diferença nos valores de cus-
to das ações de saúde nas diversas
regiões macroeconômicas em que es-
sas são produzidas. Nesta medida,
seria natural, no mínimo, pensarmos
em tabelas macrorregionais.
A bem da verdade, a produção
desse documento prende-se à idéia
de contribuir no concreto momento
de dificuldade orçamentária-financei-
ra do financiamento do setor saúde
que estamos vivenciando.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DONABEDIAN, A., 1991. Continuity and
Change in the Quest for Quality.
Tampa: Clinical Permormance and
Quality Health Care.
MARTINS, E., 1987. Contabilidade de
Custos. 3.ed. São Paulo.
NOGUEIRA, R. P., 1983. A força do tra-
balho. Revista de Administração
Pública.
NOGUEIRA, R. P., 1994. Perspectivas da
Qualidade em Saúde.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 95-98, set./dez. 1999 95
RESENHA
Fim de Século: ainda manicômios?Fim de Século: ainda manicômios?Fim de Século: ainda manicômios?Fim de Século: ainda manicômios?Fim de Século: ainda manicômios? Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa (Orgs.) Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa (Orgs.) Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa (Orgs.) Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa (Orgs.) Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa (Orgs.)
São PSão PSão PSão PSão Paulo: Instituto de Paulo: Instituto de Paulo: Instituto de Paulo: Instituto de Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Psicologia da Universidade de São Psicologia da Universidade de São Psicologia da Universidade de São Psicologia da Universidade de São Paulo (aulo (aulo (aulo (aulo ( IIIIIPUSPPUSPPUSPPUSPPUSP), 1999, 208p.), 1999, 208p.), 1999, 208p.), 1999, 208p.), 1999, 208p.
ISBN: 85-86736-02-3
Essa é uma indagação que se impõe no momento de mudança para uma nova era.
Se a história da psiquiatria é de um processo de asilamento, de medicalização do social, de exclusão, de segrega-
ção e de normalização do fenômeno do diferente, o Movimento da Luta Antimanicomial surge em contrapartida como
uma construção ativa da utopia ‘Por uma Sociedade Sem Manicômios’, na qual a desinstitucionalização do outro, do
desviante aparece como a possibilidade da produção de uma sociedade fundamentada no exercício pleno da cidada-
nia, na liberdade, na justiça social, na convivência dos diferentes. Essa concepção nos permite abordar o processo de
produção do sofrimento mental a partir dos processos desiguais de condições de existência.
O sentido do manicômio é amplo e pode ser pensado como o núcleo da questão. Esse termo é utilizado como uma
metáfora da violência contida em todas as relações de desigualdade e exclusão.
É nesse contexto que se insere o lançamento do livro Fim de Século: ainda manicômios?, resultado do simpósio
realizado durante a Semana de Luta Antimanicomial no ano de 1997, organizado pelo Laboratório de Estudos em
Psicanálise e Psicologia Social (LAPSO) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Centro Acadêmi-
co Iara Iavelberg, Coral Cênico de Saúde Mental com o apoio do Fórum Paulistano de Saúde Mental.
Livro instigante que nos remete a inúmeras questões e que apontam para algumas preocupações de estudiosos e
pesquisadores que pensam a subjetividade, a exclusão, neste contexto de fim de século. É um convite à reflexão da
nossa realidade atual sob o prisma da questão antimanicomial.
Os textos, nele reunidos, reivindicam cada um, à sua maneira, uma forma a enriquecer o que há de essencial no
tema; inscrevem-se sob o mesmo pano de fundo – a intolerância com os diferentes, a exclusão e a segregação – ora
explícito, ora implícito. Representam uma importante e consistente contribuição para o Movimento da Luta Antimani-
comial e proporcionam o questionamento de relações sociais e políticas e da subjetividade produzida neste fim de
século. Todavia vão além, questionam valores e práticas de saber e de poder, produzindo, como nos diz Adorno,
perspectivas “nas quais o mundo analogamente se desloque, se estranhe, revelando suas fissuras e fendas, tal como
um dia, indigente e deformado(....)”
Dividido em quatro partes, o livro inicia com uma bela homenagem, proferida pelo professor do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), João A. Frayse-Pereira, à precursora no Brasil de práticas inovadoras
no tratamento dos pacientes psiquiátricos: Nise da Silveira. O autor define de forma bastante significativa o Museu de
Imagens do Inconsciente como “museu vivo”, como “lugar onde criadores e criaturas podem realizar, sem que saibam
como, o mistério da criação”.
Na primeira parte, o livro discute a relação entre exclusão e cidadania na modernidade, as formas de subjetivação
produzidas nesse contexto e o lugar da Luta Antimanicomial. A professora Maria Inês Assumpção Fernades, do IPUSP,
96 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 95-98, set./dez. 1999
RESENHA
faz uma profunda reflexão sobre a complexidade da questão. Revela uma situação de vulnerabilidade dos protago-
nistas desse movimento, ao indicar a ambivalência entre os discursos e práticas: “a incorporação de um discurso e
a criação de novas modalidades de ação em saúde não garantem a extinção dos mecanismos de exclusão e segre-
gação”. Afirma, também, que a tarefa de pensar a subjetividade no contexto atual de fim de século é complexa, pois
a luta, hoje, é: “contra um modelo de desenvolvimento que transformou a subjetividade num processo de individu-
ação ... burocrática e subordinou a vida às exigências de uma razão tecnológica que converte na realidade o sujeito
em objeto de si próprio”.
A importância do processo da Luta Antimanicomial e a Reforma Psiquiátrica Brasileira no enfrentamento do
parque asilar, vem sendo objeto de sistemático estudo do Professor Paulo Amarante, do Laboratório de Estudos e
Pesquisas em Saúde Mental da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ). No seu artigo, procura desvendar o
feixe de relações existentes nesse fenômeno e nos chama a atenção para a complexidade dessa luta, ao destacar
quatro campos para a aproximação desse processo: teórico-conceitual, técnico assistencial, jurídico-político e sociocul-
tural. Reafirma a importância de combater a hegemonia hospitalocêntrica, e negar a sua legitimação como local de
cura ou de tratamento, “mas principalmente os poderes e saberes que o legitimam, desde o paradigma clínico até a
cultura manicomial, tendo como princípio básico a ruptura com a tradição científica positivista”.
Esta questão perpassa o texto da professora Olgária Matos, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da USP. Questiona a tradição científica positivista ao relativisar o conceito de progresso tecnológico e suas
conseqüências: “a idéia de progresso faz coincidir avanços tecnológicos e científicos com os da humanidade enquanto
tal, esquecendo as regressões da sociedade. Estas são consideradas acidentes de percursos no rumo a futuro glorioso.
Fala-se do progresso obliterando suas vítimas”.
Também é merecedora de destaque a segunda parte do livro em que os artigos apresentam uma discussão sobre
políticas públicas, neoliberalismo e movimento antimanicomial na América Latina. Os artigos apresentam temas que,
se pudermos generalizar, estão presentes na maioria dos textos deste livro. Os autores apontam para a relação entre
a realidade sociopolítica e a construção das subjetividades. Este trecho do Dr. Nacile Daud Júnior, médico psiquiatra,
apresenta de forma exemplar as questões discutidas: “O modelo perverso diz respeito a introjeção de componentes
ideológicos da tecnoburocracia e cria uma racionalidade que elimina o senso ético e os sentimentos.”
Na terceira parte, os autores discutem a formação acadêmica e procuram demonstrar e ilustrar que os mecanis-
mos de segregação, produtores de relações e práticas manicomiais, ocorrem em vários tipos de instituições. A
Professora Maria Helena Souza Patto, do Instituto de Psicologia da USP, faz um exame dos textos que estão na base
do movimento antimanicomial, entendendo que esses “autores operam uma ruptura radical, que tem no cerne o
desvelamento do arbítrio e do compromisso com o disciplinamento instalado no coração das instituições de preven-
ção e cura, a serviço de uma ordem social que vai ao encontro dos interesses do capital”. Patto, numa leitura crítica
da Universidade, coloca-a em um lugar de resistência, “uma resistência que assuma sobretudo a foram de insistên-
cia em pensar, de reflexão teimosa, que rejeite a burocratização do espaço universitário e sua administração
segundo critérios universais”.
Na quarta parte são abordados temas relacionados à saúde, em uma concepção que tem a cidadania como eixo
norteador. Saúde entendida de forma ampla, determinada socialmente e, portanto, fruto de políticas de governo que
promovam condições adequadas de vida ao conjunto da população, contrapondo-se à orientação neoliberal na qual
esta questão é pretensamente resolvida pelo mercado – “um neodarwinismo social que exalta, sem nenhum condici-
onamento, a sobrevivência do mais apto e a supremacia do egoísmo sobre o bem comum” (Berlinguer, 1993:162).
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 95-98, set./dez. 1999 97
RESENHA
É sob este eixo que a proposta antimanicomial, dentro do pressuposto do Sistema Único de Saúde (SUS), aparece
nos artigos de Isabel Cristina Lopes, Júlio Cézar Giúdice Maluf e Ianni Regia Scarcelli. Os artigos vão alinhavando uma
experiência, em que prática e teoria constituem-se dialeticamente.
Lopes faz uma breve consideração histórica da psiquiatria brasileira, e através da experiência dos Centros de
Convivência e Cooperativas (CECCO) aponta para a importância da experiência na produção da saúde e na construção das
subjetividades, “a produção de sentido requer inscrição subjetiva nesses corpos, requer apropriação da experiência,
pressuposto causal do pertencimento”. A autora aponta para a importância da garantir aos portadores de necessidades
especiais a retomada da cidadania. Demonstra uma experiência, onde articula arte e trabalho nesta perspectiva.
Sob a ótica do Estado público, o trabalhador passa a ser o agente, um elemento estratégico para a implantação e
manutenção do SUS, que preconiza como imprescindível o estabelecimento do vínculo entre os trabalhadores e a
população, propiciando a cidadania de todos os lados e a necessidade das equipes multiprofissionais para a susten-
tação do trabalho específico do setor, com a proposta de construir um conhecimento transdisciplinar que possibilite
uma maior aproximação da realidade social.
Essas questões nos remetem ao artigo em que Ianni Régia Scarcelli faz uma reflexão sobre as formas de
inserção dos trabalhadores em saúde mental na implantação da rede substitutiva paulistana. Busca desvendar a
grande diversidade de conflitos entre os trabalhadores decorrentes da prática, tema de sua dissertação de mestra-
do, apresentada na USP, no ano de 1998. É a partir desta busca que a autora aponta que a “circulação social das
idéias que justificam a exclusão é determinante na constituição da subjetividade e imprime na relação com o outro,
o medo do ‘diferente’, da loucura.” Discute a importância de lançarmos um olhar cuidadoso nas relações interpes-
soais, trazendo o quanto a exclusão, “se reproduz, cristaliza-se e realimenta a ideologia da normalidade no âmbito
das relações interpessoais”.
É este o movimento da maioria dos textos, esta relação do macro e do micro que se retroalimentam. Esta preocu-
pação com os detalhes, com as fissuras, que produzem o todo, e são parte constitutivas do mesmo.
Os artigos descrevem uma realidade que, por um lado, é resultante de uma atividade humana – de movimentos
populares, trabalhadores, usuários e familiares dos serviços de saúde mental –, todavia, por outro, pelas condições
adversas impostas pela política ‘neoliberal’, essa realidade pode aparecer como uma resultante que se autonomizou,
que muitas vezes escapa ao controle dos sujeitos desta atividade, considerando a universalização do princípio da
lógica da mercadoria na dimensão objetiva e subjetiva.
O livro aponta para a inquietação de revelar os mecanismos segregadores e a conseqüente violência decorrente
disso. Os artigos caminham na direção de “estabelecer estratégias de pensamento” para inserção social dos indivídu-
os como afirma Fernandes. Sempre na perspectiva de que estas questões – exclusão, diversidade, divergência – não
são naturais, mas histórica e socialmente produzidas, possuindo raízes profundas nas relações de poder constitutivas
das relações humanas e institucionais.
A relevância de debruçar-se sobre este tema, hoje é dada, considerando o advento das políticas neoliberais, que
produzem um processo de aprofundamento nas condições de pobreza e exclusão vividas pelas maiorias, em nome e
benefícios do mercado, o que resulta na mercantilização da vida social e na restrição do acesso da grande maioria da
população aos direitos básicos, gerando, desta forma, um quadro de exclusão social. Assim este fim de milênio produz
várias formas de exclusão: a desigualdade social, a injustiça e o sofrimento subjetivo proveniente desta realidade. Uma
realidade onde dimensão da cidadania é atrofiada e o único aspecto da subjetividade que passa, cada vez mais, a ser
considerado é o de consumidor. Homogeneizando-se os desejos e desqualificando-se qualquer diferença.
98 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 95-98, set./dez. 1999
RESENHA
Nessa medida, parece-me que estes princípios de exclusão, de opressão podem ser resumidos no conceito de
violência de Marilena Chauí (1985), quando a define “como conversão de uma diferença e de uma assimetria numa
relação hierárquica de desigualdade com fins de dominação, de exploração e de opressão, isto é, a conversão dos
diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e inferior. Em segundo lugar, como uma ação que
trata um ser humano não como sujeito, mas como coisa. (...) Quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou
anuladas há violência”.
Desta forma, a violência nas sociedades capitalistas se explicita por meio de relações assimétricas e conflitantes,
geradoras de tensões e antagonismos. Na medida em que os grupos dominantes legitimam as desigualdades, através
de coerções físicas e psicológicas, instituem um não lugar social, onde os não cidadãos disputam fragmentos de um
espaço de expressão inclusive através da delinqüência. O custo no plano social, decorrentes deste modelo assistencial
iatrogênico e segregador, são elevados.
Enfim, os textos deste livro nos remetem para a utopia de uma sociedade sem manicômios, com uma ordem social
mais justa, todavia destacam um obstáculo: o quadro das políticas públicas no neoliberalismo e na globalização.
É importante ressaltar que a importância deste livro está numa abordagem que desloca os termos como o portador
de sofrimento mental é percebido, colocando em foco o sentido histórico e político do desmanche dos direitos sociais
que vem ocorrendo nos tempos atuais.
Em todas essas questões há um conjunto de aspectos que desafiam, sem dúvida, o interesse de muitos. Estabelece-
se um novo nível de análise, baseado em grande medida na busca da superação da exclusão e na construção de um
outro lugar social para a loucura, para a diferença, para a diversidade, e para a divergência.
Estes textos podem servir de fonte para todos que se interessam em refletir estas questões, para se aprofundar
num pensamento, enfim pode tornar-se referência no debate contemporâneo.
Marisa Fefferman
Doutoranda em Psicologia no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Pesquisadora do Instituto de Saúde
Secretária Estadual de Saúde de São Paulo
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 99, set./dez. 1999 99
SINOPSE DE TESES
SSSSSOUZAOUZAOUZAOUZAOUZA, Waldir da Silva, 1999. , Waldir da Silva, 1999. , Waldir da Silva, 1999. , Waldir da Silva, 1999. , Waldir da Silva, 1999. Associações de Usuários e Familiares Frente à Implantação da Política de Saúde Mental no MunicípioAssociações de Usuários e Familiares Frente à Implantação da Política de Saúde Mental no MunicípioAssociações de Usuários e Familiares Frente à Implantação da Política de Saúde Mental no MunicípioAssociações de Usuários e Familiares Frente à Implantação da Política de Saúde Mental no MunicípioAssociações de Usuários e Familiares Frente à Implantação da Política de Saúde Mental no Municípiodo Rio de Janeiro (1991–1997) do Rio de Janeiro (1991–1997) do Rio de Janeiro (1991–1997) do Rio de Janeiro (1991–1997) do Rio de Janeiro (1991–1997) (José Mendes Ribeiro(José Mendes Ribeiro(José Mendes Ribeiro(José Mendes Ribeiro(José Mendes Ribeiro & & & & & P P P P Paulo Duarte de Carvalho Amarante, orientadoraulo Duarte de Carvalho Amarante, orientadoraulo Duarte de Carvalho Amarante, orientadoraulo Duarte de Carvalho Amarante, orientadoraulo Duarte de Carvalho Amarante, orientadoreseseseses). Dissertação de Mestrado,). Dissertação de Mestrado,). Dissertação de Mestrado,). Dissertação de Mestrado,). Dissertação de Mestrado,Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. 179p.Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. 179p.Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. 179p.Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. 179p.Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. 179p.
A presente dissertação analisa a ação política de três associações de usuários e familiares, do município do Rio de
Janeiro, a Sociedade de Serviços Gerais para a Integração pelo Trabalho (SOSINTRA), a Associação de Amigos, Familia-
res e Doentes Mentais do Brasil (AFDM), e a Associação dos Parentes e Amigos da Colônia Juliano Moreira (APACOJUM),
interpretadas enquanto grupo de interesses em uma arena específica, o Conselho Municipal de Saúde (CMS) do Rio de
Janeiro. As associações apresentam, como essência central, uma ação política na qual difundem a construção de
identidades democráticas no marco das instituições representativas, com a constituição de formas coletivas de solida-
riedade e de ajuda mútuas. Representam segmentos sociais que até então encontravam-se excluídos do debate, ou da
possibilidade de participar diretamente no processo decisório sobre a formulação e implementação das políticas
públicas de saúde/saúde mental, campo este largamente dominado pelo discurso técnico. Assim, em sua ação política,
tais grupos buscam influenciar na implementação e execução das políticas via a participação nas instâncias colegia-
das definidoras do rumo daquelas. Para isso apresentam propostas e defendem seus interesses, funcionando como
inputs para os formuladores das políticas.
SSSSSILVAILVAILVAILVAILVA, Ana Lúcia Abrahão da, 1999. , Ana Lúcia Abrahão da, 1999. , Ana Lúcia Abrahão da, 1999. , Ana Lúcia Abrahão da, 1999. , Ana Lúcia Abrahão da, 1999. Reforma dos Serviços de Saúde: um olhar sobre o Hospital Público Regional de BetimReforma dos Serviços de Saúde: um olhar sobre o Hospital Público Regional de BetimReforma dos Serviços de Saúde: um olhar sobre o Hospital Público Regional de BetimReforma dos Serviços de Saúde: um olhar sobre o Hospital Público Regional de BetimReforma dos Serviços de Saúde: um olhar sobre o Hospital Público Regional de Betim(Gastão Wagner de Souza Campos, orientador). Dissertação de Mestrado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas,(Gastão Wagner de Souza Campos, orientador). Dissertação de Mestrado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas,(Gastão Wagner de Souza Campos, orientador). Dissertação de Mestrado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas,(Gastão Wagner de Souza Campos, orientador). Dissertação de Mestrado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas,(Gastão Wagner de Souza Campos, orientador). Dissertação de Mestrado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas,Universidade Estadual de Campinas. 182p.Universidade Estadual de Campinas. 182p.Universidade Estadual de Campinas. 182p.Universidade Estadual de Campinas. 182p.Universidade Estadual de Campinas. 182p.
Esta pesquisa tem por objetivo identificar as inovações no campo gerencial e assistencial ocorridas no Hospital
Público Regional de Betim, a partir da implantação da proposta de “gestão democrática do trabalho em equipe”. Foi
desenvolvida na forma de estudo de caso, sendo analisada a experiência e as estratégias utilizadas para a implantação
do modelo. O modelo de gestão democrática do trabalho em equipe apresenta importantes contribuições para a gestão de
unidades de saúde, embora não dê conta de situações críticas relativas às especificidades dessas organizações. As
principais contribuições do modelo proposto por Gastão Wagner são: introdução de uma dinâmica de gestão colegiada;
ênfase na descentralização interna, com incentivo à comunicação lateral; organograma horizontalizado; ênfase na articu-
lação do modo de assistir e gerenciar; modo de trabalho centrado em equipe, com a participação da supervisão matricial.
Os resultados levantados revelam que a implantação do modelo gerencial, alicerçado no colegiado, consegue imprimir
importantes mudanças na dinâmica organizacional, tanto no âmbito da assistência, como na forma de gerir a unidade,
dentre as quais destacamos: descentralização e autonomia das unidades de produção; gestão colegiada, possibilitando
a explicitação dos conflitos internos à organização; aumento da integração entre os diversos setores do hospital.
SAÚDE EM DEBATE – Revista do
Centro Brasileiro de Estudos de
Saúde (CEBES), publicada quadri-
mestralmente em abril, agosto e
dezembro, é distribuída a todos os
associados em situação regular
com a tesouraria do CEBES. Aceita
trabalhos sob forma de artigos, si-
nopse de teses, eventos e resenhas
de livros na área da saúde coleti-
va que apresentam interesse aca-
dêmico, político e social.
Os textos enviados para pu-
blicação são de total e exclusiva res-
ponsabilidade dos autores.
É permitida a reprodução to-
tal ou parcial dos artigos desde que
se identifique a fonte e a autoria.
A publicação dos trabalhos
será condicionada a pareceres dos
Membros do Conselho Editorial e
do quadro de Conselheiros Ad Hoc.
Eventuais sugestões de modifica-
ções da estrutura ou do conteúdo,
por parte da Editoria, serão previ-
amente acordadas com os autores.
Não serão admitidos acréscimos ou
modificações depois que os traba-
lhos forem entregues para a com-
posição.
ARTIGOS
Seqüência de Apresentação do
Texto
1. Título em português e tí-
tulo em inglês.
2. Folha de apresentação com
nome completo do(s) autor(es), en-
dereço, e-mail e no rodapé as refe-
rências profissionais.
3. Resumo em português e in-
glês (abstract), em que fique clara
INININININSSSSSTRUÇÕES PARA COLABORADORESTRUÇÕES PARA COLABORADORESTRUÇÕES PARA COLABORADORESTRUÇÕES PARA COLABORADORESTRUÇÕES PARA COLABORADORESATENÇÃO: NÃO SERÃO ACEITOS TRABALHOS QUE NÃO ESTEJAM DE ACORDO COM AS INSTRUÇÕES PARA COLABORADORES!!
uma síntese dos propósitos, dos
métodos empregados e das princi-
pais conclusões do trabalho; pala-
vras-chave e key words, mínimo de
três e máximo de cinco palavras,
não ultrapassando o total de 700
caracteres (aproximadamente 120
palavras).
4. Artigo propriamente dito.
a) as marcações de notas de
rodapé e/ou de referências bibli-
ográficas no corpo do texto, de-
verão ser sobrescritas. Ex.:
municípios1.
b) para as palavras ou tre-
chos do texto que são destacados
a critério do autor, utilizar aspas
simples. Ex.: ‘estar gerente’.
c) os autores citados no cor-
po do texto deverão estar todos
em caixa alta e baixa (só a pri-
meira letra maiúscula). Ex.:
Motta, Dussault & Nogueira
(1996:87).
d) quadros e gráficos deve-
rão ser apresentados, tam-
bém, em folhas separadas do
texto, numerados e titulados
corretamente com indicações
das unidades em que se ex-
pressem os valores e fontes
correspondentes.
e) Fotos para ilustração do
artigo deverão ser em papel bri-
lhante e em preto e branco, con-
tendo no verso o nome do autor
da mesma.
5. Referências Bibliográficas
deverão ser apresentadas no final
do artigo observando-se as nor-nor-nor-nor-nor-
mas da ABNTmas da ABNTmas da ABNTmas da ABNTmas da ABNT (Edif. Central, sala
401 SCS – Brasília – DF – CEP:
70304-900. Fone: (61) 233-5590
Fax.: (61) 233-5710). A exatidão
das referências bibliográficas é de
responsabilidade dos autores.
As Referências deverão ser ci-
tadas sempre em ordem alfabé-ordem alfabé-ordem alfabé-ordem alfabé-ordem alfabé-
tica crescentetica crescentetica crescentetica crescentetica crescente. No caso de várias
obras do mesmo autor, ordená-las
em ordem crescente de acordo com
o ano da publicação (do mais anti-
go para o mais recente).
No texto, citar sobrenome do
autor e ano da publicação, como em
Lutz (1919) ou em Guimarães &
Pereira (1934).
Não devem ser abreviados tí-
tulos de periódicos, livros, edito-
ras ou outros.
Quando a obra tiver até três
autores – separar com ponto e vír-
gula. O penúltimo liga-se ao últi-
mo pelo símbolo &&&&&. Ex.: PEREIRA,
Luís Carlos; TESTA, Mario & MEN-
DES, Eugênio Vilaça.
Com mais de três autores – per-
manece o nome do primeiro e logo
após acrescenta-se et al.
Ex.: BERMAN, Silvia; VALLA, Vic-
tor; TESTA, Mario; MATUS, Carlos. [al-[al-[al-[al-[al-
tera-se para]tera-se para]tera-se para]tera-se para]tera-se para] BERMAN, Silvia et al.
Autor citado, com mais de uma
obra própria, do mesmo ano, se-
guir o exemplo: (Piaget, 1990:174),
(Piaget, 1990a:235), (Piaget,
1990b:43) – proceder igualmente
tanto no texto quanto nas Referên-
cias Bibliográficas.
No texto, quando citadas duas
ou mais obras distintas do autor,
simultaneamente:
(Piaget, 1980, 1991), (Berhinng,
1976, 1979, 1985)
SIGLAS: SIGLAS: SIGLAS: SIGLAS: SIGLAS: deverão ser esten-
didas sempre que surgirem pela pri-
meira vez no texto; depois, pode-
se continuar usando somente a si-
gla correspondente.
EX.: A Organização Mundial da
Saúde... (1a vez que aparecer)
A OMS... (2a vez que aparecer)
PPPPPara livro:ara livro:ara livro:ara livro:ara livro:
a) nome do autor por extenso;
b) data da publicação;
c) título da obra em itálico;
d) número da edição (se não for a
primeira);
e) local da publicação;
f) nome da editora;
g) páginas utilizadas.
Ex.: BELTRÃO, Luiz & QUIRINO,
Newton de Oliveira, 1986. Subsídios
para uma Teoria da Comunicação de
Massa. São Paulo: Summus. p.214.
Ex.: DA MATTA, Roberto, 1991. A
Casa e a Rua. Espaço, Cidadania,
Mulher e Morte no Brasil. 4.ed. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan.
P P P P Para capítulo de livro:ara capítulo de livro:ara capítulo de livro:ara capítulo de livro:ara capítulo de livro:
Ex.: CAMPOS, Gastão Wagner, 1994.
Considerações sobre a arte e a ciência
da mudança: revolução das coisas e
reformas das pessoas o caso da saú-
de. In: CECÍLIO, Luis Carlos de Oliveira
(Org.) Inventando a Mudança na Saú-
de. São Paulo: Hucitec. p.29-88.
Onde:
– Considerações sobre a arte e
a ciência... (é o capítulo do livro); e
– Inventando a Mudança na Saú-
de (é o nome do livro).
P P P P Para artigo:ara artigo:ara artigo:ara artigo:ara artigo:
a) nome do autor por extenso;
b) data da publicação
c) título do artigo;
d) nome do periódico em itálico;
e) número do volume;
f) número do fascículo;
g) páginas utilizadas.
Ex.: Minayo, Maria Cecília de
Souza, 1991. Abordagem antropo-
lógica para avaliação de políticas
sociais. Revista de Saúde Pública,
25(3):233-238.
P P P P Para tese:ara tese:ara tese:ara tese:ara tese:
Ex.: URIBE RIVERA, Francisco Ja-
vier, 1991. O Agir Comunicativo e
a Planificação Estratégica no Se-
tor Social (e Sanitário): um contra-
ponto teórico. Tese de Doutorado,
Rio de Janeiro: Escola Nacional de
Saúde Pública, Fundação Oswal-
do Cruz.
Onde:
– O Agir Comunicativo e a Plani-
ficação... (é o nome da tese).
EXTENSÃO DO TEXTO
O artigo propriamente dito deve
conter até 15 laudas.
Obs.: 1 lauda tem 1400 caracte-
res, portanto a cada 20 linhas de
70 caracteres resulta em 1 lauda.
Na carta de apresentação do arti-
go, o(s) autor(es) deve mencionar
o no de laudas do referido.
ENVIO DO ARTIGO
1. Os trabalhos para aprecia-
ção do Conselho Editorial devem
ser enviados à Secretaria Executi-
va do CEBES – Av. Brasil, 4036 –
sala 1010 – Fundação Oswaldo
Cruz – CEP: 21040-361 – Mangui-
nhos – Rio de Janeiro – RJ – Tel.:
(21) 590-9122 ramais 240/241 –
Cel.: (21) 9695-7663 – Fax.: (21)
590-9122 ramal 241.
2. Deverão ser apresentados
em três vias.
3. Devem ser enviados com uma
página de rosto, onde constará tí-
tulo completo, nome do(s) autor(es)
com endereço completo, telefone,
fax e e-mail de todos os autores.
4. O disquete será solicitado pela
Secretaria Executiva após a apro-
vação para publicação do artigo
encaminhado. Aceitaremos textos
no programa Word for Windows 7.0
em disquete 3.5.
5. Os gráficos e/ou tabelas de-
verão ser apresentadas em arqui-
vo separado, no mesmo disquete.
TESES
Dissertações e teses defendidas
nas principais instituições de pós-
graduação na área da Saúde Públi-
ca/Coletiva, informando título, autor
e endereço completo da instituição
que examinou o trabalho (observar
Revista Saúde em Debate no 49/50).
RESENHAS
Serão aceitas resenhas de livros
de interesse da área da Saúde Coleti-
va e Saúde Pública, a critério da Co-
missão Editorial. Devem conter até
três laudas (1 página de revista).
Devem dar uma noção do conteúdo
da obra, de seus pressupostos teóri-
cos e do público a que se dirige.
OBS.:OBS.:OBS.:OBS.:OBS.: para outras seções que
não constem nestas instruções, fa-
vor considerar as páginas 04-06 da
Revista Saúde em Debate, no 52.
ASSOCIE-SE AOASSOCIE-SE AOASSOCIE-SE AOASSOCIE-SE AOASSOCIE-SE AO C C C C CEBESEBESEBESEBESEBES E RECEBA AS NOSSAS REVISTASE RECEBA AS NOSSAS REVISTASE RECEBA AS NOSSAS REVISTASE RECEBA AS NOSSAS REVISTASE RECEBA AS NOSSAS REVISTAS
PREZADO (A) SENHOR (A),
O CEBES tem duas linhas editoriais: revista Saúde em Debate, que o associado recebe periodicamente, e Divulgaçãoem Saúde para Debate, cuja edição é feita sob encomenda.
QUEM SOMOS
Desde a sua criação, em 1976, o CEBES tem como centro de seu projeto a luta pela democratização da saúde e dasociedade. Nesses 23 anos, como centro de estudos que se organiza em núcleos, aglutinando profissionais e estudantes,seu espaço esteve assegurado como produtor de conhecimentos com uma prática política concreta, seja em nível demovimento social, das instituições ou do parlamento.
Durante todo esse tempo, e a cada dia mais, o CEBES continua empenhado em fortalecer seu modelo democrático epluralista de organizações; em orientar sua ação para o plano dos movimentos sociais, sem descuidar de intervir naspolíticas e práticas parlamentares e institucionais; em aprofundar a crítica e a formulação teórica sobre as questões desaúde; e em contribuir para a consolidação das liberdades políticas e para a constituição de uma nova sociedade.
A produção editorial do CEBES tem sido fruto do trabalho coletivo de centenas. Estamos certos que continuará assim,graças ao seu apoio e participação.
A ficha abaixo é para você tornar-se sócio ou oferecer a um amigo! Basta enviar a taxa de associação (anui-dade) de R$ 50,00 (cinqüenta reais) em cheque nominal e cruzado, junto com a ficha devidamente preenchida, emcarta registrada.
CORRESPONDÊNCIAS E VALORES DEVEM SER ENVIADOS PARA:
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de SaúdeCGC 48.113.732/0001-14 – Inscrição Estadual: isentoDiretoria Nacional Av. Brasil, 4036 – Sala 1010 – Manguinhos – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 21040-361Fone: (21) 9695-7663/590-9122 ramais 240/241 – Fax.: (21) 590-9122 ramal 24home-page – http://www.ensp.fiocruz.br/cebes/cebes.html, e-mail: [email protected]