ptsd in revista psicologia militar
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O autor, Psicologo Clinico, faz uma abordagem ao fenómeno da Perturbação de Stres Pós Traumático cujo tema, nunca tinha sido abordado na Revista de Psicologia Militar até essa altura em 1997.TRANSCRIPT
t t Srnnss TnetrnnÁuco t t
- FExoMENo, EuoLoGrA E TnareMnNror
Centos ANuwcuçÃo 2
Rrsunaoo outor do artigo "stress Traumdtico" é psicótogo crínico e, procuroufazer umaabordogem ao Dïstúrbio Pós-Stress Traumático (Posttraumatic Stress Disorder,PTSD) desde a origem histórica do conceito e das suas modìficações ao longo dostempos' Abordando sucintamente, as principais teorias explicativas dofeníorrno,fazendo uma descrição clínica do mesmo e consequentemente, da incapacidade,complicações e dos factores que lhe estão associados bem como, ctas múltiplasvariáveis que interagem para a sua etiologia e tratamento. Apresenta ainda atgunsestudos sobre o pTSD em diferentes contextos.
PnrÂvrnur,o
Ainda que existindotrabalho centra-se especialmente.
contexto da guerra.
diversos tipos de acontecimentos stressantes e traumáticos esteem acontecimentos causados deliberadamente pelo homem, no
ComorefereMacdonough(1991),citandoNovaco,Cook&Sarason,,,...oesfi,dodoStressnão tem melhor contexto para investigação do que o ambiente militar". os miliüaies são um grupo derisco em relação ao stress,em particular durante algumas actividades como, a instrução e, em especralno Teatro de operações já que neste, as múltiplas variáveis envolventes podem ser catalisadoras de umintenso stress e desencadear determinados acontecimentos traumáticos, resultantes por exemplo de,ferimentos e ÍÌmeaças de morte (ver fig. l).
I Artigo apresentado pelo autor no IV SIMPOSIFundação Calouste Gulbenkian em Novernbro de 19962 Psicólogo Clínico, Escola Superior politécnica do Exército
Rewsr,a oe Psrcotocu Mnnan, N" l0' (1997)
Ftcuna 1 - Facronns DE SrfltÍs RELATADoS
Morte de um camaradaCombate
FerimentosSede-Fome
Assassinato lT ortur aJY ioldção
Morte de mulher ou de criançaBombardeamento
MinasAcidentes
PrisãoIsolamento
NapalmMorte de inirnigo
Treino militar
I Segunclo o psìquiatro Afonso de Albuquerque
(1992,I994) os ex-contltatentes cla guerra colottial
cont PTSD relalanr ntais cl<t qtte um factor de stre-cs
e alguttssão caracierístic<ts da guerua de guerrÍlha,
conrc o assassinato, a |.orltra c tt t'iol.aÇão.
lNrnonuÇÃo
O STrcss Traumatico ou mais propriamente. a -Pefturbação ou Distirrbio Pós-Stress
Traurnático (PTSD)3 resulta de acontecimentos psicologicametúe iutensos. que geralmente estão para
alern daqueles que são considerados norrnais na vida do ser hunmno (não se incluindo as doenças
crônicas. falecimento de unÌ ente querido, insucessos financeiros ou problemas conjugais). e caracteriza-
se por unÌ corlunto de sirúomas- que são habituahuente hourogeneosì. eut sujettos que vivenciarÍuìì esses
acorúecinrentos Stressanles e Traumáticos como podeur ser as situações de guerra. O tipo de
acontecimentos traumáticos (ver fig.2) resultam de. Desastres Naturâis (inundações. sistnos, ttrões),
Desastres Acideltais (desastres degrandes prolrorções. nomeadametúe acidentes cle aviação. ferroviírios.
maritimos. incêndios e desabamento de grandes estruturas). e os Desastres causados cle modo
deliberado (combates. boprbardearÌrentos. tortura). O acontecirììento traulìrático pode ser viviclo
isoladamente ou em grupo.
I Do inslês Posttraurnatic Stress Disorder
148
Rrursra DE PsICoLoGaMund4 N" 10, (1997)
Frcuna 2
AcoNmcnnENTos TnauprÁrrcos
DrsnsrnBsNarunars
Dns,l.srnnsAcmExrArs
DnsasrnrsDBr,mn,nÀnos
SismosInundações
Ciclones
IncêndiosAcidentes de
viação,aéreos,
ferroviários oufluúais
Desabamento deestruturas
ViolaçãoAssaltosPrisão
TorturaBombardeamento
A sintomatologia do PTSD contempla, intensa ansiedade, frequentes pesadelos sobre o
acontecimento traumático. dificuldades de resposta, insónia, dificuldades de concentração e problemas
de memória, irritabilidade. hipervigilância e hipersensibilidade e ainda, por vezes, sintomas depressivos
com ideias suicidas frequentes.
Actualmente, existem centenas de trabalhos dedicados ao PTSD nas suas mais variadas
vertentes (raptos e üolações, homicídios, tortura, desastres de grandes proporções, calástrofes naturais
etc.). embora a maioria dos trabalhos incidam, em especial. sobre os Desastres causados de modo
deliberado, como o são as situações de guerra (particularmente após a II Guerra Mundial, na Guerra do
Vietnam, Guerra da Coreia, Guerra Israel-Arabe, na Guerra do Golfo e na actual Guerra da ex-
Juguslávia), porque no quotidiano não existem frequentemente situações de intenso S'lress que
ultrapassem a experiência normal do ser humano, enquanto que no contexto de guerra elas são frequentes
e contínuas.
Por exemplo, logo após a guerra do Golfo, um grupo de onze psicólogos, americalos.
canadianos e israelitas dedicou-se ao estudo do PTSD aquando do regresso a casa dos militares que
combateram na guerra, procurando elaborar estratégias com üsta u poàit-t. minimizar os efeitos
traumatizantes do S/ress (Hobfoll, S. E. & Spielberger, C. D. et col., 1991).
Hobfoll (1991) refere que, ainda que a guerra tenha sido ganha com relativa facilidade e
rapidamente devido à avançada tecnologia dos meios de combate, a possibilidade de efeitos psicológicos
negativos é bastante elevada. Segundo este autor eram patentes e comuns a muitos dos militares, reacções
de sentimento de culpa, de vergoúa, excesso de consumo de álcool e ou de drogas, choro frequente e
incontrolável, problemas de sono, depressão, ansiedade. raiva, queixas de dores fisicas frequentes,
t49
Rswsra ns PstcotocraMtrnln, No 10, (1997)
dificuldade em esquecer cenas da guerra, dificuldades de concentração, excessiva ruminação dos
acontecimentos, embotamento das emoções, retirada do meio social, fraca resistência, dificuldades em
completar tarefas, ideias de suicídio, adicionando-se também, sintomas caracterizados por Stress
familiar tais como, conflitos familiares, isolamento dos membros da família ou extrema dependência,
procura de um bode expiatório (geralmente um dos filhos) e problemas no trabalho.
Outros estudos, como os de Jordan (L992) relacionando familias de veteranos do Vietnam
com pTSD, encontraram nas mulheres desses, níveis mais elevados de problemas maritais e de
ajustamento familiar, quando comparadas com mulheres de veteranos sem o PTSD (Jordan. B. K.'
Marmar, C. R., Fairbaú, J. A., Schenger, W. E. et al, 1992).
Também Anunciação ( 1995), comparando ex-combatentes das antigas colónias com e sem
pTSD na avaliação de Ajustamento Marital , encontrou significativamente, mais problemas elÌl
diferentes áreas, nos sujeitos com o PTSD (Anunciação, C.' 1996).
E Carroll (1985), num estudo comparativo sobre a análise do ajustamento marital entre
sujeitos veteranosdo Vietnam com PTSD e outros grupos de sujeitos, tantbém veteranos do Vietnam sem
PTSD verificou que os sujeitos do grupo com PTSD apresentavam significativamente mais problernas
do que os outros grupos. (Carroll, E. M.,Rueger, D. 8., Foy,D. W. & Donahoo Jr., C. P.. 1985).
Com efeito, existem inúmeros estudos sobre o PTSD que abrangem diferentes veffentes.
que vão desde a etiologia ao fenómeno, passando pelas diferentes terapias propostas.O PTSD. apesar
da sua frequência depender de situações contingenciais de um intenso Stress, é catalisador de inúmero
sofrimento e conflito, em especial para o protagonista mas também, para todos aqueles que partilharn
a vida com eles.
Em Portugal, muitos dos trabalhos existentes sobre o PTSD estão relacionados com as
situação de guerra e são, na sua maioria, do Dro. Afonso de Albuquerque e da sua equipa no Serviço de
Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos, dedicados òinvestigação e terapia do PTSD
em ex-combatentes das antigas colónias. A maioria dos trabalhos publicados nesta área (Albuquerque.
Lggz,Igg4)tem incidido em aspectos particularmente importantes, como o diagnóstico e a psicoterapia
a ex-combatentes com o Disúrbio Pós-Stress Traumático.
Para que não fique a ideia de que o PTSD só ocorre em situações de guerra, citam-se alguns
estudos em diferentes contextos:
150
"Complicacões do luto no Síndroma pós-abortivo'r
um número indeterminado mas significante de mulheres após umaexperiência traumatica de aborto e gravidez indesejada so.frem de pTfiD
aquando do Síndroma pós-abortìvo. Nesses casos o trauma é revivenciadoempesadelos,flashbacks, reacções de pânico e pensamentos Ìntrusivos (...)
Pre-an-Peri-Natal-Psychology-Journal, 1993
Investigadas 22 crianças (l 0-l 2 anos) após 6-8 meses de terem presenciadotremores de terra, qpresentavam sintomas de stress traumatico (...)
Advances-in-Behaviour-Research-and-Therapy, I 99 I
"PTSD em mulheres vítimas de maus tratos"
Examinaram-se 26 mulheres vítimas de maus tratos Jísicos, através deentrevìsta clínica estruturada. os resultados ìndicaram que 45oÁ delaspreenchiam os critérios de diagnostico de PTSD do DSM-III-R (.. )
Journal-oÊInterpersonal-Violence, I 99 I
'fPTSD em vítimas de violação'r
Investigadas 29 mulheres vitimas de violação (l8-46 anos), apresentavamsintomas que incluíam o revivenciar do acontecimentct traumatÌco,de sinte re s s e por tudo, hiper-vi gi lidade, respos tas exage radaì, prob le masde sono, culpa de terêm sobrevivìdo, problemas de memoria e deconcentração,fobias... (Jsando instrumentos de diagnostico para determinara importância da sintomatologia, 25 das 29 preenchiqm os crÌtérìos dediagnóstico de PTSD (...)
Journal-of-Traumatic ó7ress. I 98 8
mesestt
Rswsrl DE PsICoLocIA Mnnen, No 10, (19971
A Cr,assmrcaÇÃo Do DrsrúRBro Pós-Srnnss Tru,ulrrirrco
Segundo o Manual de Diagnostico e Estatistica de Dìstúrbios Mentais (DSM-III-R),
refere o Disúrbio Pós-Traumático de Stress como:
"A caracterísfica essencÌal desta perturbação é o desenvolvimento de
sintomas característicos a seguÌr e um acontecimenío psicologicamente
perturbador, fora do âmbito da experiência humana habitual (isto e, forado âmbito das experìências comuns tais comofalecimento, doença crónica,
perdas fnanceiras e conflito marital). O acontecimento Stressor que
produziu o síndroma seria fortemente perturbador para quase.todos os
índivíduos e é habitualmente vivido com medo intenso, terror e incapacidade
de encontrar soluções ".
Também a versão europeia, no Manual de Classificação de Transtornos Mentais e do
Comportamento (CID-10) refere o Transtomo de Stress Pós-Traumático como sendo:
"Uma resposta protraída e/ou tardia a um acontecimento ou situação
stressante (de curta ou longa duração) de uma natureza excepcionalmente
ameaçadora ou catastróf ca, a qualprovavelmente òàusa angústiaìnvasiva
em quase todas as pessoas (p. ex. desastre natural ou feito pelo homem,
combate, acidente sério, testemunhar a morte violenta de'outros ou ser
vítìma de tortura, terrorismo, estupro ou outro crime...)".
Embora o Manual Americano nesta patologia seja mais específico, como se pode constatar.
também esta versão europeia contempla este tipo de acontecimentos, ainda que duma forma mais lata.
t52
Rswsre os PsrcoroclAMnnzn, No 10, (1997)
A Onrçnu Do CoNCErro DE Drsrúnrro Pós-STRESS TRAUMÁTrco
Segundo Andreasen (Andreasen, N., 1985) o conceito de Distúrbio Pós-Traumático ôe
Stress (PTSD), surgiu pela primeira vez em termos de categoria de diagnóstico na lu edição do DSÌ\4
em 1952, erqbora posteriormente tenha sofrido alterações ao longo dos tempos até que se tornou
reconhecido o síndroma, vindo a ser incluído em 1980 na 3" Edição do DSM e posteriores.
No entanto já em I 87 l, no American Journal of Medical ScÌenccs , um médico de origem
portuguesa, Da Costa, observara e relatou distúrbios homogéneos em soldados que viúam da liúa da
frente de combate aquando da guerra civil americana. Da Costa (Jacob Mendes Da Costa foi um rnédico
de Filadélfia descendente de judeus portugueses ) verificara que estes soldados apresentavam disúrbios
de ansiedade em consequência de factores de ,Srress muito intensos durante os combates e. veio a baptizar
esse distúrbio de doença do coração irritável (irritable heart)visto que os sintomas observados incluiam
perturbações do funcionamento cardíaco. Mais tarde, outros médicos vieram a encontrar sintomas
idênticos em combatentes na I Grande Guerra, dandolhe no entanto outras designações, tais como,"
Astenia neurocirculató,ria " e " Choque de abrigo ".
Quanto à etiologia, na altura esta era atribuída a lesões cerebrais originadas pelos gases
tóxicos de monóxido de carbono ou a mudanças de atmosfera na frente de batalha, nas trincheiras.
Depois, com o aparecimento da teoria Psicanalítica, muitos investigadores colocaram a ênfase nesta
teoria, procurando descobrir e tornar relevantes as experiências precoces corno sendo os factores
predisponentes para que o PTSD se manifestasse.
Durante os anos quarenta e cinquenta o PTSD continuou a ser estudado por investigadores
procurando uns, explicações etiglógicas fisicas e outros, explicações psicológicas. Depois da II Guerra
Mundial. o tema voltou a ser alvo de investigações já que muitos ex-combatentes apresentavam
perturbações cuja sintomatologia se inseria no quadro do PTSD, tendo sido dado diversos nomes ao
diStúrbio, taiS cOmo, " Neltrose traumatica de guerra "," Neurose de combate ", e"llrave reacção
de Stress "
As Pruxcrpars Tnonras soBRE o Drsrúnnro Pós-SrREss TRAUMÁTIco
Nos diversos estudos sobre a etiologia do PTSD destacam-se três teorias, as quais
procuratn explicar como é que as pessoas vivenciam os diferentes tipos de acontecimentos de S1rc.cs
l-53
Rdnsra nt Psrcorocu Mnntn, N' 10, (1997)
traumático: Das várias abordagens salientam-se a Teoria Psicanalitica. a Teoria Comportamental e a
Teoria da Personalidade que passaremos a enunciar sucintamente.
A Tronra PsrcaNar,Írrca
Tendo por base a psicanálise, esta teoria enfatizava o conflito psicológico resultando estede experiências precoces traumáticas (p. e*. a exposição à cena primitiva) que posteriormente ficariamrecalcadas duma forma inconsciente e que numa fase posterior aquando de um aconte cimento Stre,s.çanteintenso (p. e". gueÍTa, catástrofes) podiam reactivar a problemática inconsciente, dando assim origemà ansiedade daNeurose Traumatica. Segundo Laplanche e Pontalis (1990) estes referem NeuroseTraumáticacomo sendo'. " Um tipo de neurose em que o aparecimento de sintomas é consecuttvo a umchoque emotivo geralmente ligado auma situação emque o indivíduo sentiua suavida ameaçada(...) ".
A Trorun ConpoRrlN{BNTAL
Nesta, postula-se que o ser humano e os outros seres vivos, aprendem a organizar-se emdeterminados comportamentos que são do ponto de vista cognitivo, económicos e em termos filogenéticospermitiram a sobreúvência das espécies ao longo do tempo. Assim, os indivíduos tendem a aprender ea associar as respostas de,Slress em relação a certas situações. Frequentemente, as situações que sãosemelhantes no seu contexto onde teúa ocorrido determinado acontecimento traumático são geradora.sde medo intenso e de evitamento. Por exemplo, numa situação de combate onde um rnilitartenha sofridouma emboscada debaixo de uma ponte e tenha visto alguns companheiros serem mortos, sempre que vápassardebaixo deumapontepoderadesencadearumprocesso antècipatório de respostas psicofisiológicas,que o impossibilitem de continuar a percorrer esse caminho. Daí resultam alguns eomportamentos, d_ecertos pacientes em relação a algumas situações que os façam relembrar ou associar o acontecimentotraumático.
A Tnoma oa PnnsoNALTDADB
Esta teoria tem por base as múltiplas variáveis que interagem no ser humano. Por exemplo,alguns investigadores, como Friedman e Rosenman (1974), têm encontrado algumas característicasparticulares em determinados sujeitos que parecem ser mais susceptiveis de contraírem detenninadasdoenças, nomeadamente as vítimas de ataques de coração.
154
Éü;!i'c::::
Rsursre DE PsrcoLoGIA Mnntn, N" I 0, (1 997)
Determinadas variáveis tais como, uma história prévia de antecedentes psicopatológicos,
factores genéticos, o suporte social de cada indivíduo, a idade, contribuirão ou não para o aparecimento
do PTSD. Por exemplo, as crianças e os mais idosos, parecem ter mais dificuldades em lidar com os
acontecimentos traumáticos do que os adultos de idade média (Andreasen, 1985).
As pessoas que tenham mais dificuldades em lidar com a ansiedade e/ou a depressão,
parecerntambém sermais susceptíveis demanifestaremum quadro de PTSD depois deumacontecimento
traumático, do que outras que melhor lidam com a ansiedade e/ou com depressão. Também as pessoas
que são solteiras, viúvas ou divorciadas e que geralmente teúam uma rede de suporte social menor
parecem ser mais receptivas à manifestação sintomática do PTSD do que as que sejam casadas, teúam
filhos, amigos e possuam diversas ocupações.
Deste modo, os diversos factores da personalidade parecem ser relevantes e, sugerem que
possam contribuir para o aparecimento do PTSD se o indivíduo vivenciar um acontecimento traumático.
Dr,c.cr,rósrrco CLÍNrco Do Drsrúnnro Pós-STRESS TRAUMÁrrco
A sintomatologia do PTSD é vasta embora exista um quadro típico deste distúrbio em todas
as pessoas (crianças, adultos e idosos), que vivenciaram unl acontecimento de vida traumático. Em
muitas pessoas o distúrbio manifesta-se em poucas horas ou dias a seguir ao acontecimento traumático,
embora noutras possa ficar latente por meses e até anos. Frequentes pesadelos, que colocam o sujeito
num estado de terror, repetidas e intrusivas memórias do acontecimento sem que o indivíduo consiga
controlar e mesmo estados dissociativos (nos quais o sujeito comporta-se como se estivesse a decorrer
esse acontecimento) podendo durar desde alguns minutos, horas e até dias, são alguns dos sintomas
típicos sempre associados ao acontecimento traumático, que preenchem o quadro para o diagnóstico de
PTSD.
Muitos sujeitos mostram-se ainda com uma falta de energia vital, uma espécie de
embotamento ou mesmo anestesia afectiva, como se tivessem perdido a capacidade de gostar das coisas
que gostavam anteriormente ao acontecimento traumático (p. e*. desporto, hobbies e ate a própria
relação de intimidade com o cônjuge). A maioria dos sujeitos com PTSD apresentam um estado de
hipervigilância, respostas exageradas a certos estímulos e dificuldades de sono. Muitos queixam-se de
insónias, muitas das vezes precipitadas pelos pesadelos frequentes (ver fig 3)
, : - .1 : . : : . - : i : : - : i - ' - - - .
155
RBnsre os Pvcorocu Mnn,q.n. N" 10, (1997)
Frcuna 3
PTSD - PosüraumaÍic stress disorder
CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICODSM IV - Manual de Diaenóstico e Estatística de Distúrbios Mentais
9A ,C, pessoa esteve exposta a um Acontecimento Tmumático, no qual:
I - A pessoa experimentou, testemunhou ou foi confrontada com urn acontecitnento que etivolveu a mofie ou anteaça de
morte ou de injúria grave, ou a ameaça à integridade fisica do próprio ou de outras pessoas;
2 - A pessoa respondeu com medo intenso, desespero ou horror.
Em crianças, a resposta pode traduzir-se na expressão de comportamentos desorganizado ou agìtado.
bn. O Acontecimento Traumático é vivido de novo de uma (ou mais) maneiras:
I - Recordações angustiantes intrusivas e recorrentes, incluindo imagens, pensamentos ou percepções;
Em crianças muito novas, jogos repetitivos podem ocorrer nos quais expressem lemas ou aspecÍos do aconÍecimenÍoh'aumático.Sonhos sobre o acontecimento recorrentes e angustiantes;
Em crianças, podem ocorrer pesadelos sem coníeúdo reconhecível.
Comportar-te como se o acontecimento estivesse a ocorrer de novo (incluindo a sensação de voltar a vrver âexperiência, ilusões, alucinações, episódios dissociativos de flashback. incluindo os que ocorreln ao acordar ou sobefeito de intoxicação;Nas crianças pode ocorrer uma representação específica do aconlecinenlo traunntico.
Sofrimento psicológico intenso à exposição de pistas internas ou externas que sirnbolizenl ou se assemelhem a u r-raspecto do acontecimento traumático;
Reactividade fisiológica, que é a exposição a pistas iutemas ou extenras que sirnbolizer.Ì-Ì ou se assernelheur a un-rasoecto do acontecimento traumático.
5-
$C. Evitaçao persistente de estímulos associados com o Acontccimento Traumático e esfriamento da
capacidade geral de resposta (não presente antes do trauma) como indicado por três (ou mais) dos scguintcs:I - Esforços para evitar pensamentos, ernoções ou conversas associadas ao traurna;2 - Esforços para.evitar actividades, locais ou pessoas que despeúern ècordações do trauma;3 - Incapacidade para recordar um aspecto importante do trauma;4 - Diminuição acentuada do .interesse ou da participação em actividades signiÍicativas;5 - Sentimento de distanciamento ou desafecto em relação aos outros;6 - Diminuição da capacidade afectiva (p. ex. incapacidade de expressar sentimentos amorosos)l7 - Percepção de um futuro encurtado (p. ex. não esperar fazer carreira, casar,Jgl filhos ou uma duração de vida normal).
SD. Sioto-us persistentes de activação aumentada (não presente antes do trauma) como a indicada por dois ou
mais dos seguintes:I - Dificuldade em adormecer ou em manter-se a dornrir;
2 - Irritabilidade ou explosões de ira;3 - Dificuldades de concentração;4 - Hiper-vigilância;5 - Reacção de alarme exagerada.
M
9E. Duração da perturbação (sintomas em B, C e D) mais de um mês.
A perturbação provocâ sofrimento ou incapacidade clinicamente significativa rras áreas social, ooupacional ou outrasirnpoflanles para o funcionalì'Ìelìto.Se a duração dos sintomas for inferior a 3 tneses designa-se aguda ou se durar há mais tempo por crónica.Se o início dos sintomas teve lugar pelo tnenos 6 rneses após o trauma considera-se de inicio retardado.
156
3-
t :
i i . : .
INclpLcmaDE E coMPlrcAçÕns
Geralmente a sintomatologia característica do PTSD surge logo após o acontecimento
traumático. No entanto, aindaqueos sintomasdeevitamento, estejamlogopresentes após o acontecimento
traumático, pode decorrer um período de latência de meses e até anos (início retardado), antes que o
indivíduo comece a revivenciar o acontecimento traumático.
A incapacidade resultante do PTSD pode ser ligeira ou grave e nesta última, poderá
abranger todos os domínios do indivíduo, desde a vida afectiva familiar até à sua vida profissional. E
comumemindiúduos compTSD umaforte labilidadeemocional, sentimentosdedepressão (culpabilidade)
que podem convergir para comportamentos auto destrutivos, abuso de substâncias, como o álcool e ou
drogas.
Flcronns assocraDos E PRECTPITANTES
Em ex-combatentes da guerra colonial (tal como em muitos estudos sobre veteranos do
Vietnam) tem-se encontrado, associado ao PTSD, sihtomas de depressão, ansiedade e psicopatologia
geral. Assim torna-se imperioso que os clínicos em geral estejam particularmente atentos a sujeitos cuja
história clínica possa revelar que estes teúam vivenciado situações traumáticas anteriores-
Os estudos existentes são controversos. Muitos, revelam existirem antecedentes. de
condições psicopatológicas, por exemplo, Davidson (Davidson et al, 1985) num estudo com 36 sujeitos,
ex-combatentes do Vietnam. verificou que cerca de metade dos sujeitos tinharn atúecedentes
psicopatológicos. Enquanto que em outros estudos, não foram ençontradas condições previas de
psicopatologia, indicando que qualquer sujeito sem psicopatologia prévia pode desenvolver o PTSD'
desde que haja um acontecimento traumático'
EpmnuroLocrA
No que conceme à epidemiologia, ao invés de outras doenças o PTSD, só pode ocorrer se
houver uma situação precipitante inr,ulgar. O PTSD ocorre, quando se verifiquem situações nas quais
os acontecimentos sejam de tal maneira graves e nos quais o indivíduo sinta uma ameaça real. tais como.
por exemplo, as catástrofes naturais, os acidentes, as guerras, a violação e a tortura'
l5-
' : t: , t , .
, j ì i , r :i ì t i
Rsrtsra DE PsrcoLocrAMtrnen, N" 10, (1997)
Actualmente não existem dados concretos quanJo à epidemiologia, embora os que existem,sugerem que, sempre que se verifiquem acontecimentos traumáticos há a possibilidade de surgiremsujeitos com o PTSD. Por exemplo, num estudo do Center for Disease Control em 1988. citado porSonnenberg (Sonnenberg, S., et al 1989) aquando daguerrado Vietnam, sabe-se que dos ex-combatentesdesta guerra, cerca de 2íTomanifestaram sintomas psicopatológicos e que desses, 7%o apresentavam osíndroma de depressão major. Cerca de2TYodos prisioneiros de guerra foi-lhes diagnosticado doençaspsiquiátricas graves. Estima-se que cerca de 15% dos veteranos que combateram na guerra do Vietnamsofrem de PTSD desde o seu regresso a casa. O abuso de substâncias tóxicas, violência e problemasinterpessoais são frequentemente correlacionados com o pTSD (Idem e lbidem').
Numestudo deTl3homens,queserviramnaguerradoVietnam, I[%orelataramquetinhamproblemas nos estudos, no emprego e com os amigos deüdo ao álcool, 16%orelataramque tiúam sidopresos pelo menos vma vez e 44%o afirmaram ter ainda recordações da guerra que tentavam esquecer(Yager, T., Lalfer, R. & Gallops, M., 1984).
Error,ocra n TnnraunNTo
Os estudos que têm sido feitos, sugerem que a origem do PTSD seja multifactorial. paraque o PTSD se manifeste é necessário que ocorïa um acontecimento traumático. embora nem todas aspessoas queteúam vivenciado esse tipo de acontecimento manifestem adoençaportanto, o acontecimentotraumático é condição necessária mas não \suficiente para que ocorra o pTSD logo, os factores dapersonalidade, os factores genéticos, os factores fisicos, os factores psicológicos e o modo como cadaum lida e desenvolve estratégias em relação ao Stress traumático, assim como os factores sociais (redede suporte social) provavelmente interagem entre si, resultando assim a possibilidade de se desenvolvere manifestar o PTSD
No que concerne ao tratamento de pacientes com PTSD ele terá que ser realizado porpessoal adequado como sejam os psiquiatras e os psicólogos clínicos, especializados na problen-rática.A abordagemterapêutica é complexa, englobando desde medicamentação adequada acadacaso e apoiopsicoterapêutico. No que concerne a este último, a Terapia De Grupo parece ser a mais pragmática eaquela que tem dado resultados positivos. Isto porque os pacientes em conjunto encetam um processocatârtíco que os ajuda a superar as situações traumáticas latentes. A intervenção em suleitos quepresenciaram situações traumáticas deverá ser realizada nas primeiras 72 horas após o acontecimento.
t58
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CoNcr,usÃo
Em suma, o PTSD resulta de acontecimentos de üdaSrre ssantesetraumáticos como sejam
os desastres naturais, os desastres acidentais e os desastres causados de modo deliberado pelo homem
e que portanto, ultrapassam as experiências de vida do indivíduo consideradas normais, levando-os a
sentirem-se ameaçados no seu bem estar fisico e psicológico, podendo ür a repercutir-se em toda a esfera
do indivíduo afectado, nomeadamente ao nível pessoal, familiar e profissional.
A sintomatologia é vasta e vai desde o eütamento de acontecimentos que façam relembrar
o acontecimento traumático ( evitar falar e ver por exemplo filmes com cenas de guerra, no caso dos ex-
combatentes ) passando por um revivenciar do acontecimento traurnático (por exemplo, recordações do
episódio traumático sem o desejar e frequentes pesadelos) e um estado de embotamento geral e um
aumento da activação fisiológica (por um lado uma espécie de tristeza profunda, na qual o sujeito não
sente apetência para actividades que gostava bastante e por outro, um estado de aleha geral, suores. dores
musculares, entre outras, quando confrontado com um acontecimento que o faça recordar o trauma).
Contudo, nem todos os indivíduos que vivenciaram acontecimentos de vida S'lrcssantes e
traumáticos foram afectados pelo PTSD, assim como também, nem todos os sujeitos com o PTSD têm
antecedentes psicopatológicos nas suas vidas.
Verifica-se que nem sempre, os sujeitos utilizam as estratégias cognitivas mais adequadas
para lidar com os aèontecimentos Stressantes e traumáticos, com vista a minorarem o impacto destes
nas suas vidas e que, também não recorrem frequentemente, a ajuda especializada, como sejam os
psicólogos clínicos e psiquiatras.
Por último, já que o PTSD só pode resultar de acontecimentos stressantes e traumáticos não
existe uma prevenção para esta patologia. A única possibilidade, reside numa intervenção na crise (
preferencialmente até às 72 horas após o acontecimento) com vista a minimizar os efeitos psicológicos
negativos do acontecimento traumático através de equipas multidisciplinarès (psicólogos, psiquiatras e
enfermeiros especializados). No entanto, em determinados grupos profissionais. como o caso dos
militares, onde as situações de s/ress podem ser continuas, devem ser concebidos programas de
intervenção (como acontece com os militares de outros países da OTAN) com o objectivo. entre outros.
de se treinar as "estratégias de coping" de modo a que esses militares fiquem mais aptos para lidarem
com as situações stressantes ( e por vezes, até traumátieas), antes, durante e após determinadas missões
dePaz.
Reutsra ns Pstcotocu Mnm&
t59
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Revrsr,q, os PstcotocuMttnen, No 10, (1997)
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