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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMIÁRIDO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DCSA CURSO DE DIREITO CAMILA MEDEIROS BASTOS DA COSTA PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A LEI Nº 12.654/2012 MOSSORÓ/RN 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMIÁRIDO

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – DCSA

CURSO DE DIREITO

CAMILA MEDEIROS BASTOS DA COSTA

PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A LEI Nº

12.654/2012

MOSSORÓ/RN

2018

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CAMILA MEDEIROS BASTOS DA COSTA

PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A LEI Nº

12.654/2012

Monografia apresentada ao Departamento de Ciências

Sociais Aplicadas da Universidade Federal Rural do

Semiárido, Campus Mossoró para obtenção do título de

Bacharela em Direito.

Orientador: Prof. Msc. Wallton Pereira de Souza Paiva.

MOSSORÓ/RN

2018

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© Todos os direitos estão reservados a Universidade Federal Rural do Semi-Árido. O conteúdo desta obra é de inteiraresponsabilidade do (a) autor (a), sendo o mesmo, passível de sanções administrativas ou penais, caso sejam infringidas as leisque regulamentam a Propriedade Intelectual, respectivamente, Patentes: Lei n° 9.279/1996 e Direitos Autorais: Lei n°9.610/1998. O conteúdo desta obra tomar-se-á de domínio público após a data de defesa e homologação da sua respectivaata. A mesma poderá servir de base literária para novas pesquisas, desde que a obra e seu (a) respectivo (a) autor (a)sejam devidamente citados e mencionados os seus créditos bibliográficos.

O serviço de Geração Automática de Ficha Catalográfica para Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC´s) foi desenvolvido pelo Institutode Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (USP) e gentilmente cedido para o Sistema de Bibliotecasda Universidade Federal Rural do Semi-Árido (SISBI-UFERSA), sendo customizado pela Superintendência de Tecnologia da Informaçãoe Comunicação (SUTIC) sob orientação dos bibliotecários da instituição para ser adaptado às necessidades dos alunos dos Cursos deGraduação e Programas de Pós-Graduação da Universidade.

C837p Costa, Camila Medeiros Bastos da . Pós-modernidade sistêmica sob a ótica garantistae a Lei nº 12.654/2012 / Camila Medeiros Bastosda Costa. - 2018. 76 f. : il.

Orientador: Wallton Pereira de Souza Paiva. Monografia (graduação) - Universidade FederalRural do Semi-árido, Curso de Direito, 2018.

1. Risco. 2. Presunção de inocência. 3. Nemotenetur se detegere. 4. Garantismo Penal. 5. Leinº 12.654/2012. I. Paiva, Wallton Pereira deSouza, orient. II. Título.

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CAMILA MEDEIROS BASTOS DA COSTA

PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A LEI Nº

12.654/2012

Monografia apresentada ao Departamento de Ciências

Sociais Aplicadas da Universidade Federal Rural do

Semiárido, Campus Mossoró para obtenção do título de

Bacharela em Direito.

APROVADA EM: __/__/__

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Prof. Msc. Wallton Pereira de Souza Paiva – UFERSA

Presidente

____________________________________________

Prof. Msc. José Albenes Bezerra Júnior – UFERSA

Primeiro Membro

_____________________________________________

Prof. Msc. Ulisses Levy Silvério dos Reis – UFERSA

Segundo Membro

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A quem do plano espiritual, que ultrapassa o

nosso vão entendimento, e da minha alma me

guia, protege, guarda e encoraja, à minha avó

que estará sempre presente.

Aos que me dão a certeza e renovo diário de

que estão e estarão sempre aqui, no coração,

na memória e em cada passo que eu der. Aos

que são morada, ponto de partida e de

chegada. Aos que em mim fazem morada, casa

de bons sentimentos e de um amor que não

tem fronteira física nem temporal. Aos meus

pais, à minha irmã, a quem tudo devo, ainda

que nada me cobrem além da busca insistente

pela felicidade e realização plena.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, por terem investido tempo, dinheiro e dedicação na minha vida, por

acreditarem, apoiarem e guiarem cada pequeno e grande passo. Por sempre me empoderarem

ensinando a diferença entre respeito e temor, por a partir disso me encorajarem a sempre

buscar a minha melhor versão, a incessantemente buscar o conhecimento e usar a minha voz

para declarar aquilo que acredito. O exemplo de vida e valores de vocês me fazem cada vez

mais forte e certa de onde quero chegar. Obrigada por me darem voz!

À minha irmã, por ser sempre um ponto de apoio, um porto seguro, por com suas palavras em

meio a distância sempre ter me regado com tanto amor, cuidado e lealdade, por terem me

levado ainda que no campo da pura imaginação para casa em alguns momentos. Ser

alimentada e encorajada pela sua torcida e pela sua força sempre serão o melhor lembrete de

que sempre terei você ao meu lado. Obrigada por me inspirar ainda quando nem desconfia.

Aos meus tios, Maria de Jesus e Fernando, pela acolhida e todo suporte dado nesses mais de

cinco anos de convívio diário, muito provavelmente sem eles o início e conclusão desse ciclo

não teria sido possível. Obrigada pelas portas abertas, toda a minha gratidão e

reconhecimento! Aqui estendo ao meu primo Fernando Neto, que por coincidência do destino

se tornou também meu colega de sala e companheiro de faculdade. Apesar dos aperreios, a

caminhada foi bem mais divertida com você, que a nossa lealdade persista.

Aos meus tios e primos, grata por todo o incentivo, colaboração e torcida, o amor e a união

que emanam da nossa família sempre me inspiraram e assim continuarão. A força de cada um

de vocês me impulsiona e me orgulha!

À minha avó que sempre será uma lembrança de amor e força, a quem dedico todos os meus

êxitos por saber que de onde estiver se orgulha. A sua presença será para sempre real e eterna.

Ao meu avô Gerardo por há muitos anos ter plantando a sementinha do Direito em mim e,

infelizmente, não poder estar aqui presenciando o seu sonho se concretizar.

Às minhas companheiras de vida, Jade, Jéssica, Jamille, Lígia e Mariana, por darem sentido a

palavra amizade e por compartilharem comigo a essência de quem somos. A distância não foi

capaz de enfraquecer os sentimentos que nos unem, tão pouco impediu que vocês

participassem de tantos momentos importantes nos últimos anos. Obrigada pelo sempre.

Às minhas amigas, que há algum tempo considero irmãs, Carolina Rêgo e Karoline Jales, por

estarem presentes, de corpo e alma, em todos os melhores e piores momentos dessa jornada,

compartilhando conhecimentos da academia e sobre a vida, trocando experiências,

construindo memórias, transformando-se em um lar longe de casa. Com vocês a Universidade

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se tornou um lugar para além do crescimento profissional, são, acima de tudo, prova de que

nessa estação da vida formam-se laços que levaremos por toda ela, muito mais valiosos que

qualquer título.

Aos amigos mais chegados, Rhianna, Carla, Alice, Nhayara, João Paulo, Pedro Ramon e

Lairson, o companheirismo de vocês foi fundamental em todos os momentos da rotina

acadêmica. Sou grata por essas relações terem rompido os muros da Universidade e por terem

se tornado parceiros de vida.

Aos colegas e amigos reconhecidos nos estágios na AGU e CEJUSC, em especial Evelane,

Ítalo, Joelma, Paula Roberta, Paula Jeany, Raíssa e Amanda, obrigada pela companhia na

caminhada, pelo aprendizado profissional e pessoal, por todos os bons sentimentos aflorados e

trocados.

Ao meu orientador e professor, Wallton Pereira de Souza Paiva, por toda paciência e

conhecimento compartilhados, por me auxiliar e guiar nessa árdua tarefa que é construir uma

monografia, mas na mesma intensidade muito prazerosa e recompensadora. Devo a ele a

minha paixão pelo Direito Penal e, consequentemente, o tema desse trabalho. Que a sua

docência continue a inspirar muitos outros assim como me inspirou. Obrigada pela amizade e

mentoria.

Ao atual coordenador do curso de Direito da UFERSA, José Albenes Bezerra Júnior, que

sempre quando necessário abriu as portas da sua sala para colaborar nas mais diversas

demandas por mim levadas.

A Escola Vila, nas pessoas de Fátima Limaverde, Valéria Pinheiro e Sérgio Néo, onde

comecei a me construir como cidadã, onde dei os primeiros e mais importantes passos na

construção de uma visão crítica do mundo a minha volta, nunca esquecendo que sou parte

integrante e, nessa condição, responsável por lutar por ele. Desconfio que muitas que as ideias

e raciocínios explanados no presente trabalho, bem como o sentimento que acompanha cada

palavra, tiveram lá o seu nascedouro.

Aos amigos da vida, obrigada por sempre acreditarem e torcerem tanto, eu sempre senti daqui

toda essa força, tê-los é nunca esquecer quem sou, de onde vim e para onde caminho.

Obrigada pela contribuição e amizade de cada um.

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“A menos que modifiquemos a nossa maneira

de pensar, não seremos capazes de resolver os

problemas causados pela forma como nos

acostumamos a ver o mundo”.

(Albert Einstein)

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RESUMO

A partir do contexto social, político e jurídico brasileiro atual e da teoria do

risco sob a ótica da pós-modernidade, o presente trabalho tem por objetivo analisar a Lei nº

12.654/2012 a partir dos princípios constitucionais, em especial o da presunção de inocência e

o nemo tenetur se detegere. Na primeira etapa, o objeto inicial é a concepção de risco através

dos conceitos estabelecidos por Ulrich Beck e Niklas Luhmann. A partir disso procura-se

relacionar estes conceitos com as manifestações populares que clamam por medidas relativas

a segurança pública e a criminalidade, analisando a influência dos veículos de comunicação

em massa diante desse cenário. Discute-se também a respeito do Princípio da Presunção de

inocência e o impacto que este sofre através do contexto da sociedade da informação e desta

como produto. Na segunda etapa, relaciona o Princípio Nemo tenetur se detegere às respostas

legislativas apresentadas com o intuito de dar respostas à população, assim como apresenta os

riscos frente ao Estado de Direito das medidas tomadas. Nesse sentido, o Garantismo Penal de

Luigi Ferrajoli informa a respeito da atuação estatal na esfera penal, os riscos que o

estabelecimento de um Estado Penal traz aos princípios tutelados na Constituição Federal. A

terceira etapa se dedica apresentar e analisar a Lei nº 12.654/2012, sob a ótica constitucional,

com ênfase nos princípios já discutidos. Expõe argumentos que o meio jurídico tem se

pautado para discutir o texto legal e a privação de alguns direitos com a edição dessa lei.

Pode-se perceber através da pesquisa e da análise desses elementos que o ordenamento

brasileiro está se encaminhando para o estabelecimento de um Estado Penal, colocando em

risco os preceitos informadores do Estado de Direito e assegurados na Constituição Federal de

1988, consequentemente, colocando em cheque o bem-estar social da população.

Palavras-Chave: Risco. Presunção de inocência. Nemo tenetur se detegere. Garantismo

Penal. Lei nº 12.654/2012.

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SUMÁRIO

1 Introdução ............................................................................................................................ 10

2 A presunção de inocência e o combate à criminalidade sob a ótica pós-moderna ........ 13

2.1 O risco na Pós-modernidade e o Direito Penal .............................................................. 15

2.2 Presunção de inocência como direito constitucional e a insegurança da massa ......... 19

3 Limitação constitucional – o Princípio Nemo tenetur se detegere e o Garantismo Penal

.................................................................................................................................................. 25

3.1 Princípio Nemo tenetur se detegere no inquérito policial em garantia do investigado.

.................................................................................................................................................. 26

3.2 Os limites do Garantismo Penal na atuação estatal na esfera penal............................ 35

4 Lei nº 12.654/2012 como resposta legislativa ao clamor popular .................................... 40

4.1 Breve análise da Lei nº 12.654/2012 sob a perspectiva dos princípios constitucionais

.................................................................................................................................................. 41

5 Considerações finais ............................................................................................................ 49

Referências .............................................................................................................................. 52

ANEXO A – Lei Nº 12.654/2012 ............................................................................................ 56

ANEXO B – Projeto de Lei nº 93/2011 ................................................................................ 57

ANEXO C – Parecer do relator Senador Demóstenes Torres a respeoto do PLS nº

93/2011 ..................................................................................................................................... 58

ANEXO D – Parecer do Deputado Vicente Cândido a respeito do Projeto de Lei nº

2458/2011 ................................................................................................................................. 59

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por principal objetivo analisar a Lei nº 12.654/2012 a

partir do contexto da sociedade brasileira atual sob um forte clamor popular a respeito dos

autos índices de criminalidade, somado a sensação de insegurança gerada e a cobrança por

responsabilização penal daqueles que cometem atos ilícitos. Diante desses fatores, a

supramencionada lei apresenta-se como resposta do legislador ao cidadão que compreende ser

a adoção mais dura de medidas penais a resposta para a redução ou ao menos contenção da

criminalidade, refletindo assim na diminuição da insegurança sentida pela população.

O inquérito policial, em meio ao grande volume de crimes cometidos e a

deficiência material e humana no cumprimento de diligências, se mostra cada vez mais

precário no que tange a apresentar resultados e informações valiosas para o esclarecimento de

delitos. Frente a esse cenário, somado à pressão popular por ações estatais, o problema

concentra-se em avaliar possível vício de constitucionalidade na supramencionada Lei,

através do estudo dos direitos e princípios tutelados na Carta Maior, bem como da análise das

consequências que esse texto legal poderá trazer para a vida em sociedade. Para chegar até ela

necessário será discutir a sociedade pós-moderna, a frequente pressão popular a respeito dos

altos índices de criminalidade, e os papéis dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Na primeira etapa abordará a concepção de risco a partir de Ulrich Beck e

Niklas Luhmann, sob a ótica da pós-modernidade, em meio ao uma sociedade que clama por

um Direito Penal cada vez mais presente e expandido, discutindo, em contrapartida o

Princípio constitucional da Presunção de inocência. O Estado, frente a pressão popular por

respostas legislativas acaba por optar por adotar medidas na esfera penal que podem gerar na

população uma ideia mais imediata de ação estatal, que o poder público está trabalhando na

área da segurança pública, porém, como discutido no decorrer do trabalho, as soluções para a

problemática da criminalidade vão mais além do que o endurecimento do Direito Penal. O

papel dos meios de comunicação será apontado como um dos fatores que impulsionam a

sensação de insegurança nos populares, proporcionando, muitas vezes, uma falsa ideia da

realidade ao vislumbrar, antes de tudo, a audiência e o consequente lucro causado pelo

sensacionalismo.

Como consequência, há um aspecto de desinformação nas informações

veiculadas, que além de não terem como compromisso principal o compartilhamento da

verdade factual, acabam criando um cenário de terror ao transmitir em massa dados e notícias

a respeito de crimes, não atentando para o esclarecimento técnico destes, criminalizando

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indivíduos antes mesmo destes terem sentença condenatória publicada. Nesse passo, há uma

forte violação do princípio da presunção de inocência, onde aquele que tem os seus dados,

nome ou imagem, informados conquistam no imaginário popular o lugar de criminoso e

inimigo do povo.

Na segunda etapa, a análise será feita com base no Princípio Nemo tenetur se

detegere, dando destaque a sua abrangência que vai além do direito ao silêncio do acusado,

recaindo sobre a produção de provas invasivas ainda na fase de investigação policial. A partir

do Iluminismo, analisará de maneira breve a evolução histórica do princípio e de como houve

mudanças quanto a participação do indivíduo no processo penal, onde antes o mesmo era

visto como objeto e hoje como parte processual detentora de direitos que buscam limitar a

atuação estatal. O princípio tratar-se-á com enfoque no inquérito penal e de que maneira a sua

adoção trará consequências às diligências e no decurso dessa fase preliminar, afastando a

concepção de que, no uso de seu direito, o investigado poderá ser enquadrado no crime de

desobediência a autoridade policial. A falsa ideia de que o gozo deste direito contribui para o

estabelecimento da impunidade será enfrentada, demonstrando que o respeito aos direitos

fundamentais não pode ser flexibilizado ou ignorado frente ao argumento de que o interesse

da coletividade está sendo violado, quando na verdade o principal objetivo é proteger o

indivíduo de práticas abusivas advindas do poder público.

Apresentar, de maneira breve, o Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli, buscando

demonstrar as suas premissas e o que ele nos informa e contribui para a análise do contexto

atual no Brasil e as suas consequências no ordenamento penal.

Na terceira etapa, concentrar-se-á na análise da Lei nº 12.654/2012, com ênfase

nas modificações que traz à Lei nº 12.037/2009, sob a ótica dos princípios constitucionais, em

especial o da presunção de inocência e o nemo tenetur se detegere, demonstrando e discutindo

se há violação destes e, consequentemente, da integridade física do indivíduo. Sob uma ótica

também garantista avaliar se a Lei está alinhada a ideia de um Estado de direito, limitando a

atuação estatal no Direito Penal, bem como buscando evitar abusos por parte desta,

compreendendo que a proteção do texto Constituição é vital para a construção de uma

sociedade democrática. Através da análise da justificação no Projeto de Lei nº 93/2011, que

deu origem a presente lei, observar se há realmente uma razão de ser e se possui mecanismos

suficientes para cumprir aquilo a que se propõe: diminuir a impunidade, a criminalidade e

aumentar a eficiência do inquérito policial. Discutirá os pontos e consequências desfavoráveis

que esse texto legal traz fundamentando-se naquilo que versa a Carta Magna e o que objetiva

o processo penal.

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Para abordar a problemática deste trabalho fundamentar-se-á naquilo produzido

pelos pensadores da ciência jurídica e sociológica, bem como da legislação referente à

temática, mais especificamente a análise da Lei nº 12.654/2012, artigos científicos e obras

doutrinárias. No que concerne aos métodos utilizados para abordar o tema, ora será adotado o

método dedutivo, quanto à análise do da lei em comento, ora o de caráter empírico e

qualitativo, através de um estudo exploratório e de exame das consequências da mesma no

ordenamento jurídico.

A importância da discussão, pesquisa e reflexão sobre o tema se dá tanto para

aquele que se relaciona de maneira profissional com o Direito, para a academia, quanto para a

população de modo geral, ao a partir do contexto social-político abordar sobre uma Lei que

trará impactos sérios ao processo penal e que coloca em discussão princípios e garantias

constitucionais de máxima importância. Através do esclarecimento sobre a diferença do status

do indivíduo que é alvo de investigação policial e daquele que já possui sentença

condenatória, demonstrando que a ele, em cada fase, deve ser dado o direito ao gozo de suas

garantias tuteladas pela Constituição Federal. No mesmo passo, discutir a respeito da

flexibilização de direitos constitucionais se mostra imprescindível para que a coletividade

compreenda que preservar os seus direitos fundamentais individuais é, para além de

compreender o indivíduo como cidadão, uma luta em prol também dos direitos da

coletividade e do Estado democrático de direito.

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2 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O COMBATE À CRIMINALIDADE SOB A

ÓTICA PÓS-MODERNA

As transformações vivenciadas no contexto atual, das mais diversas naturezas,

considerando aqui principalmente as mudanças políticas, sociais e tecnológicas, ocasionam a

geração de um grande volume de informações que tem por objetivo propagar os

acontecimentos como também nortear aqueles que tem acesso a elas. Diante dessa

configuração, faz-se necessária uma reflexão relativa a esse montante buscando a partir desta

o entendimento e a compreensão das raízes desses acontecimentos, de que modo refletem na

vida individual e, de maneira mais direta, na vida em coletividade. A consciência desse

panorama, através de um olhar crítico, também traz ao indivíduo a consciência de ser cidadão,

detentor de deveres e possuidor de direitos, dentre eles o de cobrar dos poderes públicos que

atuem de modo a garantir o bem-estar social. Diante dessas novas configurações não há como

o Direito se manter indiferente e inerte já que está na sua alçada auxiliar a sociedade a

conviver de maneira mais harmônica e equilibrada, legislando e se flexibilizando, sem se

sobrepor aos princípios constitucionais, direitos e garantias fundamentais, com o fito de dar

respostas e se adequar às peculiaridades e novas realidades fáticas.

Dessa maneira, faz-se imprescindível, inicialmente, contextualizar a

problemática e sob a ótica em que será abordada. Dada a pós-modernidade, em que há

sociedades cada vez mais globalizadas e conectadas, nas quais o acesso às informações

propicia ao cidadão comum a ideia de apropriação e, diante disso, como parte interessada e

integrante da sociedade em que habita. A vista disso, o indivíduo se sente apto e amparado

pelo Direito, muitas vezes no dever, aqui muito mais relacionado às questões morais, de

opinar sobre o que se passa ao seu redor, traçar críticas, cobrar ações e mudanças daquilo que,

na sua avaliação, é incorreto, imoral, injusto. Vale ressaltar, que a definição desses adjetivos,

dados os diferentes contextos culturais de acesso aos canais de informação, de expressão de

opiniões, mostra-se variável de um indivíduo para outro, ainda se levando em conta a

perspectiva factual e que lugar este cidadão ocupa na estrutura social.

Nesse contexto, as incertezas sobre os meios nos quais se tem acesso às

informações, que interesses estes representam ao veicular a notícia da maneira e linha em que

assim fazem, sobre que parâmetros e que fontes foram estabelecidos os gráficos, estatísticas e

números que divulgam, em que contexto estes se baseiam, toda essa gama de particularidades

que estão entre o informador e o espectador alimentam falsas certezas e uma falsa, ou ao

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menos deturpada, visão da(s) realidade(s). Neste sentido, aponta Ana Paula Scudeler

Vedovello (2014, p. 85/86, grifo da autora), a partir de Jésus-Maria Silva Sánchez:

[...] a própria diversidade e complexidade social, com sua enorme pluralidade de

opções, com a existência de uma abundância informativa a que se soma a falta de

critérios para a decisão sobre o que é bom e o que é mau, sobre em que se pode e em

que não se pode confiar, constitui uma fonte de dúvidas, incertezas, ansiedade e

insegurança. A revolução das comunicações dá lugar a uma perplexidade derivada

da falta, sentida e possivelmente real – de domínio do curso dos acontecimentos. A

vivência subjetiva dos riscos é claramente superior à própria existência objetiva dos

mesmos. Expressando de outro modo, existe uma elevadíssima “sensibilidade ao

risco”.

Fica claro quanto o desenvolvimento das tecnologias ligadas à informação na

mesma medida em que propicia avanços à vida em sociedade também gera ruídos ao passo

em que a informação se transformou em mercadoria. Sob essa perspectiva, a geração de lucro

e a cadeia econômica em que se insere esta questão faz com que outros interesses, para além o

de informar, passem a influenciar na sua transmissão. Nesse passo, o sentimento gerado pelas

notícias veiculadas passa a ser vivenciado pela população em massa causando insegurança e

incerteza quanto a realidade em que vivem, quem deve se responsabilizar pelos danos

causados e quem tem a competência de buscar saná-los.

Esse grande montante de informações que circula através dos meios de

comunicação, muitas vezes, de maneira sensacionalista, objetiva, mais que a veracidade das

notícias, a audiência, que por sua vez acarreta em lucro e ganho econômicos, corroborando

com a lógica pós-moderna na qual a informação é transformada em produto. Dentre outros

efeitos, esse fato ocasiona a sustentação de uma sensação de insegurança ao relatar uma série

infindável de crimes todos os dias, na maioria das vezes com grande violência empregada. No

mesmo passo, e somado a este pânico desproporcional causado no cidadão comum, faz ecoar

uma cobrança por mudanças mais duras e intolerantes, aparentemente mais rápidas e eficazes,

na legislação penal alimentado pelo desconhecimento da grande massa frente a essa matéria.

Intolerantes na medida que desconsidera o contexto no qual o delito foi cometido, a

veracidade das informações a que tem acesso, a ampla defesa do acusado e a

proporcionalidade da pena. Eficaz, sob a ótica do senso comum, seriam as ações do Estado

que garantissem a prisão do autor do crime não permitindo a volta do seu convívio em

sociedade por um longo espaço temporal.

Diante desse contexto, evidenciado pelo acesso às informações de maneira

mais volumosa e rápida, em uma sociedade pautada por valores que tem se modificado,

amedrontada pelos altos índices de criminalidade veiculados, por instituições públicas cada

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vez mais desacreditadas. No qual há um clamor popular que cobra ações que modifiquem o

cenário atual, no mesmo passo em que de maneira geral a grande massa não tem a

compreensão mínima do aparelho do Estado, sua competência e limites. Nesse passo, faz-se

necessário, o esclarecimento do paradigma da sociedade pós-moderna a ser adotado e os

outros que dele derivam e com ele se relacionam, de maneira direta ou indireta, com a

finalidade de tentar compreender de que modo se relaciona e interfere no ordenamento

jurídico, de maneira mais específica na esfera Penal.

2.1 O RISCO NA PÓS-MODERNIDADE E O DIREITO PENAL

A concepção de risco vem se modificando no decorrer das fases pelas quais a

sociedade passa. Ele é fruto dos valores de uma dada sociedade, do seu contexto,

principalmente, histórico, político, econômico e social e tende a acompanhar essas mudanças,

transformações, visto ser resultado da soma destas características, a ótica sob a qual uma dada

comunidade enxerga a si e o mundo a sua volta. Vedovello (2014) estabelece que a origem da

ideia de risco se deu ainda a época das antigas viagens marítimas na qual se apresentava como

risco o perigo concreto advindo da natureza, aqui não havendo estabelecida ainda uma

conexão entre a ação do homem e os fenômenos naturais. Porém, dada a problemática do

estudo em questão, faz-se necessário um recorte temporal mais próximo quanto ao conceito

de risco no decorrer da história, nesse sentido nos informa José Manuel Mendes citando

Patrick Peretti-Wattel (2015, pg. 15, grifo nosso): “A criação do conceito de risco, na sua

aceção moderna e do ponto de vista social, é reportada convencionalmente à análise dos

acidentes de trabalho no século XIX e a necessidade de atender a esse problema social”.

Ao citar François Ewald, Mendes (2015) alega que a transformação do risco

profissional em risco social ocorreu de maneira lenta, diferente do que se possa imaginar dada

a sociedade atual em que, em regra, tudo parece se transformar e se modificar de maneira

acelerada. A correlação feita, entre um dado acontecimento e os danos que o mesmo pode

causar, baseando-se nesse binômio, somente foi associada ao conceito de risco e assumida de

maneira integral na década de 1970. Nesse sentido, Ulrich Beck, segundo Mendes (2015),

visualizou o risco como um fenômeno que definia um novo tipo de modernidade,

consagrando o risco como um fenômeno característico de uma mudança social de grande

impacto, criando-se assim a concepção do que ele deu o nome de sociedade de risco.

Mendes (2015, p. 24), refletindo a respeito dos ensinamentos de Beck, assim

escreve “[...] Ulrich Beck não sucumbe ao pessimismo, e propõe-nos uma radicalização da

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racionalização, uma radicalização baseada no papel do conhecimento científico. [...] E as

sociedades só evoluem tornando-se reflexivas”. Nesse sentido, ainda segundo Mendes (2015,

p. 24), Beck ensina que, “[...] consciência dos riscos tem que ser analisada como uma luta

entre afirmações concorrentes ou sobrepostas de racionalismo”. Logo, além de apontar uma

saída demonstrando uma forma de lidar com os riscos, demonstra que os estudos dos riscos,

suas origens, consequências e amplitudes devem levar em conta além de outros fatores,

também observar a visão das mais diversas áreas da ciência, sendo essa interdisciplinaridade

essencial.

Relacionando com o tema do presente artigo, percebe-se que a análise e

modificação das legislações penais devem atender aos princípios apontados na CF/88, visto

que todo o ordenamento jurídico deve respeitar aquilo que ela prevê, partindo dela as

diretrizes para a construção legislativa. Bem como, deve observar os princípios específicos

em que cada área do direito se baseia, atentar-se ao contexto social, político e econômico no

qual está inserido, posto que deve atender a essas necessidades e ser reflexo das mesmas,

observando da mesma forma as consequências que a edição de uma lei ou norma trará ao

ordenamento como um todo e a vida em sociedade. A legislação não deve se limitar apenas a

enxergar uma necessidade de ação estatal momentânea ou emergencial, mas sim deve ter a

capacidade de prever as consequências diretas e obter mecanismos para com elas lidar,

estabelecendo estes, quando possível ou ainda não contemplados previamente em lei, nos

novos dispositivos editados.

Günther Jakobs citado por José Carlos de Oliveira Robaldo; Vanderson

Roberto Vieira (2017), aponta que, “[...] não é possível uma sociedade sem riscos” assim

como se constata no decorrer da história da humanidade, ainda que em graus diferentes, o

risco sempre esteve presente, seja identificado na fragilidade humana frente aos eventos da

natureza, seja na relação entre o trabalho e o que esse meio pode causar em danos ao

trabalhador. Mendes (2015) informa que, na modernidade, os estudiosos, dado um contexto

no qual o otimismo imperava e havia uma convicta confiança em um futuro melhor, afastaram

o uso da palavra risco e todos os seus significados, posto que não mais se encaixava naquilo

que se vislumbrava. Com a entrada no século XX, a palavra risco retorna ao vocabulário e

desta vez com sentidos variados, refletindo aqui o desenvolvimento científico e técnico desta

época.

O risco passou na modernidade a ter uma proporção maior tendo como

exemplo o surgimento de epidemias onde a falta de higiene pessoal, como também a ausência

da percepção estatal para ações públicas voltadas nesse sentido, provocaram surtos de

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17

doenças, atingindo assim toda uma cidade ou região. Ao chegar à pós-modernidade, a

dimensão do risco se alargou ainda mais, tomando dimensões regionais e até globais, na qual

também por influência da globalização, e da consequente produção em massa, dos meios de

produção e dos tipos de fonte de energia utilizados, que têm proporcionado desequilíbrios não

somente ambientais, mas sociais, ocasionando que o risco atinja para além do local em que o

mesmo originalmente teve início. Diante dessas afirmações e do contexto no qual a sociedade

hoje está inserida, um emaranhado de conexões culturais, econômicas, políticas, sociais, no

qual acontecimentos, ainda quando distantes geograficamente, refletem na comunidade

regional e/ou mundial, fica claro compreender o porquê das grandes proporções ganhas a

fatos até então atinentes há um individual, tornando, simultaneamente todo o globo reflexo e

refletor.

Nesse sentido, Niklas Luhmann trata a ideia de risco de maneira diferente de

Ulrich Beck, ainda que não de maneira completamente oposta. Mendes entende (2015, p. 27)

que, “[...] os danos são consequências de decisões tomadas voluntariamente pelos atores

sociais”, ainda que reforce a concepção de que o risco, dado o contexto social, torna-se

ingerível e incontrolável com relação ao ato que gerou o risco. Logo, considerar-se que os

riscos são resultados de ações ou pela inércia desses sujeitos, como também do Estado,

usando como mecanismo o Direito, no seu papel de gerir e atender aos anseios da sociedade,

bem como dar condições básicas para que ela se desenvolva e busque o equilíbrio social.

Nessa perspectiva, relacionando a ideia da sociedade de risco e o Direito Penal,

segundo Vedovello (2014, p. 84): “A sociologia criminal deve ir adiante de uma problemática

teórica, indo além das teses positivistas e problematizar a questão fática da ordem social”. A

necessidade de problematizar não significa apontar problema em todos os fatores ou tornar

todos os atores sociais culpados, mas sim enxergar a problemática, de uma maneira ampla de

modo a ver a suas diversas faces e, automaticamente, buscando respostas que vão além do

direito já positivado. Dessa maneira, Mendes (2015) informa a relação que Luhmann

estabelece entre o ato, o ator e o risco causado parece mais adequada ao estudo em questão,

posto que a participação da sociedade na construção de alterações ou edições legislativas, bem

como a responsabilidade do Estado sobre estas como representante do povo, estão entre os

objetos aqui analisados.

Como um dos resultados de todo esse processo pós-moderno, está a necessária

adaptação do Direito Penal, que ao se deparar com novas realidades necessita também dar

diferentes respostas, devendo se atualizar e, dentro da sua competência, abarcar as novas

lógicas da vida em sociedade. Porém, observando questões para além da esfera efetivamente

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jurídica. Acerca dessa perspectiva vale refletir, a partir da ideia de Vedovello (2014, p. 84,

grifo da autora):

Nesse contexto, é sabido ademais que as conquistas tecnológicas e políticas das

últimas décadas influenciaram um novo modo de vida das pessoas. Vivemos uma

configuração de sociedade tecnológica, com índole extremamente competitiva,

defrontada com situações limite, optou por deixar na marginalidade grande parte de

pessoas que de uma forma ou de outra demonstram que não se encaixam a esse

padrão de convívio. Essas pessoas são encaradas com potencialidade de riscos

sociais e econômicos, ou melhor, patrimoniais, o que justifica, em grande parte, a

sua denominação de “sociedade de risco”.

Aqui, percebe-se que sobre o indivíduo acaba recaindo o reflexo das mudanças

na sociedade pós-moderna e dentro de toda a sua competitividade, desequilíbrio social, de

oportunidades e acesso às garantias fundamentais, aquele que não é assistido pelas políticas

públicas se torna um problema social. Nesse passo, esse cidadão se transforma em perigo aos

olhos de grande parte da população ao associar que a sua condição social, frágil, torna-o mais

vulnerável a transgredir as normas estabelecidas. Como maneira de defesa, o clamor popular

passa a ser, de maneira mais concentrada, de endurecimento da penalização desses

transgressores do que efetivamente da prestação de serviços e respeito aos direitos

fundamentais por parte do poder público.

O desprestígio do Estado e, consequentemente, de suas instituições, alimenta a

descrença do cidadão para com o seu papel, frente a uma ausência de serviços básicos

prestados, ausência de representatividade política, leis que legislam a respeito de uma

realidade não mais atual, acarretando que haja, Vedovello (2014, p. 88), “[...] o sentimento de

que o Estado não consegue êxito no desenvolvimento de um modelo mínimo de políticas

públicas fundamentais”. Em contrapartida, o Poder Legislativo, e em alguns momentos o

Executivo, a quem compete a atualização e edição de leis e normas, parece ignorar que o

simples fato de agravar as penas associadas a atos delituosos não é solução suficiente para os

problemas apontados. Luís Roberto Barroso (2014, p. 307), nesse sentido, informa-nos que,

“[...] consuma-se a desconstrução do Estado tradicional, duramente questionado na sua

capacidade de agente do progresso e da justiça social”. Observamos aqui um resumo de como

se visualiza os poderes estatais e como o seu desvio de finalidade, posto que não atendem de

maneira satisfatória aos interesses da coletividade, além de não acompanhar as

transformações da vida em sociedade, os enfraqueceu.

O reflexo no Direito Penal se caracteriza pela tentativa de expansão daquilo

que, originalmente, não está sob a sua alçada sendo assim cobrado do mesmo ações e

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resultados que não lhe competem. A urgência na tomada de decisões frente acarreta sérios

danos ao ordenamento jurídico penal, assim como observa Edilson Mougenot Bonfim citado

em Vedovello (2014, p. 90) que, “[...] levados pela urgência pelo ineditismo das novas

situações, não encontram outra resposta que não seja a conjuntural (‘reação emocional

legislativa’), que tende a ser de natureza ‘penal, dependendo dos benefícios eleitorais que

possa alcançar”. Dessa forma, é necessária uma análise principiológica na ótica do Direito

Penal, principalmente, nesse momento, da presunção de inocência, bem como os limites que

deve observar ao atender ao clamor popular que pede ações efetivas na esfera legislativa e o

estrito cumprimento das leis.

2.2 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO DIRETO CONSTITUCIONAL E A

INSEGURANÇA DA MASSA

A dimensão cada vez maior dos riscos não somente conecta a sociedade diante

das suas consequências, como torna os problemas enfrentados pelo Poder Público cada vez

mais relacionados com questões que devem ir além da esfera dos interesses políticos, que

devem se fundamentar no social e nas garantias básicas e fundamentais a serem prestadas ao

cidadão. As discrepâncias sociais, de condições de vida, de acesso a serviços básicos e à

informação, são agravantes que influenciam diretamente sob qual ótica o indivíduo enxergará

aquilo que acontece ao seu redor. Dessa forma, a opinião, muitas vezes fruto do senso

comum, utiliza-se a palavra opinião por compreender que a utilização da nomenclatura

conhecimento seria equivocada, posto que o primeiro se baseia, muitas vezes, naquilo

transmitido pelo veículo de comunicação. Essa percepção não toma como fonte informadora

entendimento da raiz dos problemas, nem de seus “porquês”, tornando-se viciada, resultando

na busca de soluções aparentemente efetivas, mais rápidas, mas que na verdade se mostram

atentados a direitos e princípios basilares, em especial o princípio da presunção de inocência

ou não culpabilidade previsto na Constituição Federal vigente.

O artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988),

prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória”, logo se compreende, a partir dessa máxima, que a liberdade é a regra devendo

ser defendida por todos os meios de prova e procedimentos processuais previstos em lei,

sendo a condenação à privação da mesma decorrente da ausência total de dúvidas, por parte

da autoridade judicial responsável, da culpabilidade do acusado. Conforme nos informa

Nelson Nery Junior ao citar Stübel (2016, p. 338), “[...] a formulação moderna do princípio da

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não culpabilidade foi engendrada pela doutrina alemã do século XIX” e consiste em, citando

aqui Claus Roxin (NERY JUNIOR, 2016, p. 338), “[...] princípio fundamental do Estado de

Direito”. Apesar de possuir exceções, como os motivos legais que fundamentam as prisões

provisória e preventiva, a privação de liberdade somente, em geral, deverá ser devidamente

provada pelo acusador a quem recai o ônus da prova, cabendo a este o convencimento quanto

à culpa do réu.

A observância desse princípio é da competência de todos aqueles que integram

o processo penal, devendo ser respeitado pelo legislador ao propor a edição de uma nova lei,

pelo advogado ao atuar no processo e, principalmente pelo Juiz ao conduzi-lo e ao receber as

peças, provas e argumentos apresentados pelas partes da lide. Partindo disso, Napoleão Nunes

Maia Filho (2012, p. 20) reflete a respeito da aparente urgência em condenar e privar a

liberdade do investigado ainda mesmo antes do devido processo legal: “parece que há uma

ânsia de todos em imputar ilícitos, em acusar as pessoas e prendê-las imediatamente, tão logo

se inicie a investigação, sem maiores preocupações em justificar a prisão, e muito menos

ainda a submissão da pessoa aos vexames do processo-crime”. Aqui fica claro que uma

generalização paira sobre o período de investigação, quando ainda não estão sendo colhidas

provas, mas apenas informações que poderão instruir uma posterior ação penal. Por sua vez,

essa generalização resulta na crença na culpa do acusado ainda no decorrer do processo penal,

ignorando que somente a partir desse estágio o réu terá direito de exercer o contraditório.

Maia Filho (2012, p. 21), diante desse cenário aponta que “[...] o grande

problema da presunção de inocência está mesmo é na cabeça dos Juízes, porque eles – nem

todos, é verdade – eles simplesmente não acreditam na presunção de inocência”. O autor

retrocitado, assim conclui partindo do ponto de vista de que a denúncia criminal é a peça mais

importante do processo penal visto que a partir dela se desenrola a lide, logo o recebimento de

uma denúncia que não esteja composta por indícios seguros, que aproximem o julgador da

verdade quanto ao acontecimento do fato, as suas condições e autoria, injustifica a submissão

de um indivíduo “[...] aos vexames e estrépitos de uma ação penal” (MAIA FILHO, 2012, p.

31). Dessa forma, “[...] a denúncia criminal não se contenha com possibilidades, mas exige

plausibilidades”, devidamente instruída de maneira razoável, indicando minuciosamente o

crime imputado, informando quanto ao tempo, lugar e modo que fora pratica (MAIA FILHO,

2012, p.33).

O cidadão comum não costuma compreender a máxima do princípio em

debate, não consegue estabelecer uma diferença entre investigado, acusado e culpado,

entendendo que a partir do momento em que um indivíduo passa a ser investigado já basta

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para ser apontado como culpado de ato ilícito. A partir do estudo do processo penal fica claro

que há muito mais a ser considerado que apenas o simples fato de ser submetido a uma

investigação. A sociedade como um todo reflete na construção de seus conceitos as

características da pós-modernidade, dessa forma não poderia ser diferente quando o assunto é

criminalidade, segurança e Direito Penal, sendo, inclusive, a associação direta e superficial

feita entre esses três componentes fruto da deturpação e incompreensão de conceitos. Nesse

ínterim, analisa Vedovello (2014, p. 91, grifos nossos):

As principais premissas de uma era globalizada – sociedade moderna, pós-industrial,

novas demandas diante de novas vítimas, globalização econômica, sociedade de

risco, criminalidade de massa, aumento da sensação social de insegurança,

desprestígio das instituições – acabam por gerar uma busca desmedida por medidas

legislativas, o que denuncia o desprezo pelo sistema racional, condição essa que

deveria guiar toda evolução do Direito Penal.

Conduzido pela sensação de insegurança, alimentada pela violência, crimes e

estatísticas noticiadas pelos veículos de comunicação, o indivíduo se reconhece impotente de

maneira individual, ou até mesmo coletivamente organizado, de agir de maneira a se defender

ou mudar o quadro de violência noticiado, responsabilizando o Estado, por entender ser de

sua competência, e o único capaz de dar fim ao problema. É importante esclarecer que as

informações compartilhadas pelos meios não são, na sua totalidade, fantasiosas ou irreais,

muitos menos retira a grande parcela de culpa do poder público, porém, a maneira com que

são veiculadas e expostas, o fato de comporem boa parte dos noticiários, sejam da mídia

escrita ou televisionada, transmitem a sensação que de estes são os únicos ou principais

assuntos do momento. O clamor por “justiça”, aqui considerando a privação de liberdade

como único tipo de pena viável e eficaz para que a justiça seja feita, segundo o senso comum,

leva em conta também os aspectos morais comuns à sociedade, o apego a propriedade

privada, a relativização do direito à vida e as condições sub-humanas do sistema carcerário.

Diante desse cenário, ocasionado pela ineficiência dos setores públicos,

negligência e carência de políticas públicas, a solução vislumbrada recai automaticamente

sobre a legislação penal, o apelo pelo endurecimento de suas penas e a condenação de um

número maior de condutas, ampliando a sua alçada e entendendo ser de sua competência a

garantia da segurança e ordem pública. Porém, o Direito Penal se trata da última ratio, não

tem como objetivo solucionar os problemas da segurança pública e sim, quando houver o

cometimento de ato ilícito, penalizar aquela ação, aquele fato e não frente a condenação de

um delito instalar a paz e sensação de plena segurança onde anteriormente reinava o contrário.

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O poder deste Direito é o de coerção puramente do ator do delito, que muitas vezes é

resultado de um Estado ausente que não garantiu direitos e serviços básicos, como acesso à

educação e saúde de qualidade, oportunidades de emprego.

A prevenção do risco, aqui compreendido como a criminalidade, cabe tão

somente aos poderes públicos, de maneira alguma à legislação penal, que é consequência e

alternativa para os casos onde a ordem pública é quebrada, quando um indivíduo comete ato

que está em desacordo com aquilo que a lei permite, considerada conduta penalmente

condenável. A legalidade é uma forma pela qual o Estado se manifesta a fim de regular essas

condutas, essas novas demandas, de maneira que as leis sejam reflexo das necessidades do

contexto em que se inserem e que devem ser cumpridas por todos os envolvidos de maneira

igual sob pena de quebra da ordem e devida penalização. Mister frisar que deve observar os

parâmetros constitucionais, logo não pode se manifestar de qualquer modo. Essa legalidade

deve ser exercida compreendendo, conforme Joseph Raz citado em Vedovello (2014, p. 84)

que, “[...] um sistema legal é uma intricada rede de leis interconexas, cuja estrutura deve-se

analisar para se chegar à definição de uma lei”, desse modo a lei deve observar as conexões

sociais que lhe cercam e atender aos princípios que regem o ordenamento jurídico brasileiro.

Vedovello (2014, p. 88), ao refletir a respeito do contexto da sociedade pós-

moderna alerta:

A consequente irracionalidade dessa situação, já nesse estudo citada, é uma afronta a

postulados e dogmas político-criminais de um Direito Penal Iluminista, clássico, tais

como a intervenção mínima, subsidiariedade, fragmentariedade e os princípios

fundamentais de um Estado Democrático de Direito, correlato a um Direito Penal do

cidadão, como, a saber, legalidade e dignidade da pessoa humana.

A reflexão deixa claro que as respostas dos poderes estatais ao clamor popular

devem se basear não apenas na urgência por resultados, muito menos na imediaticidade, mas

sim em fundamentos racionais, em estudos a cerca das ações a serem realizadas, das soluções

que apresentarão mais resultados positivos que consequências negativas. É necessário um

balanceamento nas decisões tomadas, para que sejam respeitadas a proporcionalidade e a

legalidade, porém sendo ponderados os demais princípios que informam o Estado

Democrático de Direito, cujo o papel estatal é de proteção ao cidadão a garantir a dignidade

humana e não, de maneira estrita, tornar-se inimigo do indivíduo ao ver no Estado apenas

aquele que pune, que se apropria apenas da sua competência de penalizá-lo. Para isso é

necessário que a cada poder seja dada a responsabilidade sobre aquilo que verdadeiramente é

de sua competência, destacando-se aqui a do Poder Legislativo de legislar de forma a atender

não somente os anseios populares, mas sim de maneira a garantir a proteção aos direitos e

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garantias fundamentais, a preponderância dos princípios constitucionais e a privação de

liberdade como última alternativa. Neste mesmo passo cabe ao Poder Judiciário garantir o

cumprimento das leis e normas, bem como levar em consideração as peculiaridades do caso

prático, garantindo o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, de maneira a

garantir a liberdade do indivíduo caso a sua privação não se mostre devida, em observância

aos comandos da matriz constitucional.

José Cirino dos Santos ao citar Peter-Alexis Albrecht (2014, p. 459), sintetiza o

que a busca por encontrar na ampliação do Direito Penal a solução para as problemáticas aqui

levantadas na realidade acarreta: “A legitimação do Direito Penal pela criação de símbolos no

imaginário popular é simbólica, porque a penalização das situações problemáticas não

significa solução social do problema, mas solução penal para satisfação retorica da opinião

pública”. O enfoque dado na esfera penal denuncia um Estado pouco preocupado com a raiz

dos problemas sociais, quando ao invés de falar e investir em políticas públicas relacionadas a

educação, saúde, ocupação dos espaços públicos por parte da população, oportunidades de

emprego, prefere investir no que podemos chamar de “política pública para a privação de

liberdade”. Parece mais conveniente encarcerar o cidadão quando ele se torna fruto de uma

sociedade desigual, aprisionando-o para afastar do convívio desta mesma sociedade, que

garantir, no que lhe cabe, uma vida digna à população e evitar atos ilícitos.

Por fim, Santos (2014, p. 459) alerta quanto ao custo do discurso de

endurecimento legal, entoado e ecoado no atual momento da sociedade, “[...] o discurso

eficientista da prevenção geral positiva permite justificar a redução ou exclusão de garantias

constitucionais de liberdade, de igualdade, de presunção de inocência e outras garantias do

processo penal civilizado”. Ao menor sinal de descumprimento de preceitos constitucionais é

necessário que se repense qualquer que seja a estratégia, visto que ignorar estes é o mesmo

que ignorar o próprio Estado de Direito sendo isto inadmissível posto que todos os direitos a

ele inerentes, destacando-se aqui a garantia da liberdade, da dignidade humana, da presunção

de inocência não podem ser relativizadas ao alto custo. A sensação de insegurança gerada na

população, pelos motivos reiteradamente explanados, não pode justificar a quebra do Estado

de Direito e a criminalização em massa.

Vale ressaltar aqui, o destaque dado ao Princípio da Presunção de inocência e,

a partir daqui, ao Princípio Nemo tenetur se detegere, que prevê o direito do indivíduo de não

produzir prova contra si mesmo e os reflexos deste especialmente no processo penal. Em

comum ambos os princípios se relacionam diretamente com o devido processo legal, assim

como tratam-se de direitos fundamentais de primeira geração que buscam limitar o poder

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estatal, requerendo deste uma ação negativa, um não-fazer, tendo como corolário a garantia da

liberdade do indivíduo. Objetiva ainda atender ao contraditório e a ampla defesa, dentro,

porém, dos limites que acarretam as garantias fundamentais individuais, não pretendendo a

qualquer custo a comprovação da inocência do investigado, mas sim a utilização dos

mecanismos de acusação e defesa conforme prevê o ordenamento.

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3 LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL – O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE

DETEGERE E O GARANTISMO PENAL

Faz-se necessário nesse momento destacar o que seria um princípio, ainda que

sem a pretensão de esgotar tamanho conceito, para que se estabeleça o que se quer dizer e

invocar ao utilizar essa nomenclatura. Nery Junior, ao transcrever Robert Alexy (2016, p.37),

informa: “Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida

possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”. Logo, servem de norte ao

Estado e à sociedade ao analisar o caso concreto, não sendo as leis já postas sua única fonte de

interpretação e aplicação frente ao fato. Com relação a utilização desses em casos

classificados como difíceis, o autor supramencionado cita Lênio Luiz Streck (2016, p.40),

“[...] tem o condão exatamente de evitar a discricionariedade/arbitrariedade judicial”. Dessa

forma, os princípios também se mostram como limitadores do julgador que fará a leitura do

fato, do delito, do crime, sendo a utilização deles de extrema importância para a resolução de

cada caso de acordo com as suas particularidades e contexto.

Conforme é de conhecimento quase geral, no que tange ao menos ao meio

jurídico, a Carta Magna funciona como um manual a ser observado por todos os cidadãos, e

em especial na tarefa de legislar a ser exercida pelo Estado, servindo como guia e limitador

deste poder, bem como dando diretrizes a serem respeitadas no decorrer de todo o processo

legislativo e por todo o ordenamento jurídico. Dessa forma, são traçados nas mesmas

princípios que buscam garantir principalmente ao cidadão a segurança de que àqueles que

exercem poder disporão deste de maneira razoável, proporcional, com ênfase no interesse

público buscando preservar e atender à dignidade da pessoa humana, primordialmente. De

acordo com o anteriormente exposto, buscam evitar os excessos estatais no uso de suas

prerrogativas.

Em contrapartida, ressalta-se que dentre os direitos e garantias fundamentais

levantados não há nenhum de caráter absoluto, não havendo hierarquia entre eles, logo há de

ser feita uma ponderação no caso de conflito entre ambos, como é comum no caso daqueles

atingem as garantias individuais e as coletivas. Nesse ínterim, destacaremos nesse momento o

Princípio Nemo tenetur se detegere como um limitador constitucional e mais um a ser

observando durante todo o decorrer do processo penal, em especial no que tange a fase

investigatório no inquérito policial e seus reflexos na condução desta.

Busca, a partir do contexto da pós-modernidade, clareado no capítulo inicial,

demonstrar as consequências negativas da possível lesão dos princípios constitucionais em

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razão de atualização da legislação penal que se mostre, acima de tudo, mais dura quanto às

penas culminadas e menos razoável no que se refere àqueles. Nesse sentido, refletir a cerca da

responsabilidade do poder público em não se deixar influenciar por questões circunstanciais e

muitas vezes vistas de maneira urgente, sem o devido zelo e interdisciplinaridade,

privilegiando muitas vezes o imediatismo em detrimento da segurança jurídica e primariedade

pela liberdade.

A partir das conexões estabelecidas, abordar o Garantismo Penal, em especial

sob a ótica de Luigi Ferrajoli (2014), com o intuito de desmistificar a ideia de que se procura a

qualquer custo a vitimização daquele submetido a uma investigação criminal ou posto no

banco dos réus, porém demonstra a devida importância de tais limitações e direitos como

proteção a todo e qualquer cidadão, ponderando para além do frágil binômio sensação de

insegurança versus impunidade legal.

3.1 PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE NO INQUÉRITO POLICIAL EM

GARANTIA DO INVESTIGADO

Ainda que o conhecimento de seus primeiros traços e registros sejam

anteriores, a consagração do Princípio Nemo tenetur se detegere vem no período do

Iluminismo, assim informa Calçado (2014), época em que a construção e o reconhecimento

das garantias penais e processuais penais, ainda hoje negligenciadas e mal interpretadas,

assegurando ao interrogado o direito de se resguardar, reflexo da mudança de concepção do

acusado, onde passa de objeto de prova a sujeito detentor de direitos. Há, já nesse período,

uma superação da ideia de que o silêncio do investigado recairia em confissão de culpa sobre

a acusação que paira sobre o indivíduo, sendo oportunizada a sua escolha de omitir-se diante

de um interrogatório ou depoimento. Porém, como esperado, dado o caráter moral e político

que envolve o tema em questão, a concepção do princípio não ocorreu de maneira pacífica e

uníssona, assim como hoje ainda se visualiza uma certa dificuldade de compreensão e prática

deste não somente na seara jurídica, como também no que se refere ao cidadão comum.

Conforme Calçado (2014), a evolução desse preceito gerou uma série de outras

implicações no que hoje chamamos de processo penal, no qual a defesa por meio de advogado

foi oportunizada, sem o significado que esta tem atualmente, acarretando posteriormente no

direito do advogado em sua atuação dirigir-se diretamente aos jurados, valorizando-se assim o

papel da defesa e o direito do réu em apresentar contraditório. Fazendo um recorte temporal e

regional, na América, dando destaque a Declaração de Direitos da Virgínia de 1776, nos

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Estados Unidos, encontra-se previsão legal ao Princípio do Devido processo legal, o direito

do réu de produzir provas que o favoreçam, que ao final do processo o seu julgamento seja

realizado por um julgador imparcial, bem como a proteção ao seu silêncio garantindo que não

seja obrigado a produzir prova contra si mesmo. Ao analisar esses fatos históricos, fica

perceptível o quanto os direitos do réu, aquele que se encontra em posição desvantajosa no

processo, foram lentamente construídos, sempre enfrentando certas barreiras para serem

estabelecidos e reconhecidos, havendo, ainda que maneira silenciosa, uma sombra de

culpabilidade que acompanha o indivíduo. Destaca-se que o princípio, no seio estadunidense

de sua elaboração ficava restrito ao interrogatório, a formas orais de expressão, não

abrangendo provas que tenham o seu corpo como objeto.

No Brasil, o primeiro registro anotado pela doutrina, conforme informa Paulo

Mário Canabarro Trois Neto ao ser citado por Calçado (2014, p.14), remete a “[...] 1514, com

as Ordenações Manuelinas, o Brasil já detinha o direito ao silêncio em favor do acusado, em

seu Livro III, Título XL: ‘no feito crime não é a parte obrigada a depor aos artigos que contra

ela forem dados’”. Porém, apesar da previsão, na prática o princípio não era respeitado, visto

que o réu, no caso de negativa, era submetido a torturas, como também penalizado em

pecúnia, com o objetivo de fazê-lo falar, confessar, situação esta que foi proibida na

Constituição de 1824, na qual a tortura foi extirpada do ordenamento jurídico, sob influência

do liberalismo inglês. Na Constituição de 1891, época em que a competência de legislar sobre

a matéria não era da União, mas sim dos estados membros, era garantida à defesa a utilização

de todos os meios que dispusesse, inclusive o direito ao silêncio por parte do interrogado, não

se fazendo necessário o juramento em que se compromete a dizer toda a verdade. Segundo

Calçado (2014), somente em 1941 com a edição do Código de Processo Penal, ainda vigente,

essa matéria foi uniformizada. A incorporação do nemo tenetur se detegere veio com a sua

menção na Constituição Federal de 1988 que o elencou no rol de direitos e garantias

fundamentais postos no artigo 5º, traduzindo-se em uma das suas modalidades de aplicação.

Há aqui uma ampliação do preceito que não apenas prevê o silêncio como uma alternativa a

sua escolha, mas também a assistência de advogado e da família, conforme inciso LXIII do

mesmo dispositivo (BRASIL, 1988).

Brunna Laporte Cazabonnet e Chiavelli Facenda Falavigno (2013), informam

que o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, conforme instituiu o

Decreto nº 678/1992, prevê expressamente o direito a não autoincriminação, e pelo fato de

dispor sobre matéria de direitos humanos não poderá ser editada lei no país que vá de

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encontro ao que o Pacto dispõe. Prevê o seu artigo 8, 2, g (DECRETO Nº 678/1992, PACTO

DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA em anexo, BRASIL, 1992):

Toda pessoa acusada de um delito a que se presuma sua inocência, enquanto não for

legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em

plena igualdade, às seguintes garantias:

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;

e.

Percebe-se que no decorrer da história há uma evolução no que remete ao

corpo do indivíduo, a sua relação com a prova e a investigação criminal. Inicialmente era

visto apenas como um objeto de prova, sobre o qual a busca por informações seria realizada

da maneira que melhor fosse para a sua coleta, não se levantando a legitimidade do ser sobre

o próprio corpo e o seu direito de escolha sobre os limites do seu uso. Porém, o conceito se

modificou onde o indivíduo não é mais visto apenas como um corpo, um objeto, mas sim um

ser detentor de direitos e dentre eles o de dispor sobre a sua colaboração em procedimentos

criminais e até que ponto o seu corpo poderá ser utilizado. A respeito desse novo tratamento

resume Bianca Tossi Schneider (2016, p.15) que, “[...] tratando o acusado com respeito e

dignidade, considerando que este deixa de ser um mero objeto do processo, assumindo a

posição de legítima parte da ação penal”.

Em tradução literal, nemo tenetur se detegere significa que ninguém é

obrigado a se revelar. A partir disto, percebe-se que, com o fulcro de proteger aquele que

estará em posição mais frágil na relação processual, o investigado ou acusado, o legislador

atribui a liberalidade do mesmo permanecer em silêncio e de maneira não colaborativo

naquilo que poderá revelar a sua culpa no fato delituoso. Não é demais destacar que sobre este

indivíduo recaem sérias consequências pessoais e sociais, dado o caráter criminalizador que

ser parte de um processo penal automaticamente fazem recair sobre aquele que está sob

suspeita, ainda que não haja elementos suficientes que o condenem, muito menos sentença.

Dessa forma, tem por objetivo, conforme anota Renato Brasileiro de Lima ao citar Maria

Elizabeth Queijo (2017, p.69):

[...] proteger o indivíduo contra excessos cometidos pelo Estado, na persecução penal,

incluindo-se nele o resguardo contra violências físicas e morais, empregadas para

compelir o indivíduo a cooperar na investigação e apuração de delito, bem como

contra métodos proibitivos de interrogatório, sugestões e dissimulações.

Page 30: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

29

Na linha dos direitos fundamentais de primeira geração, como o é, baseia-se

em ações negativas por parte do poder estatal, buscando limitar seus poderes e impedir que o

exercício de um direito por parte do cidadão não acarrete em abuso e excessos por parte do

Estado, dada a sua escolha em não colaborar naquilo que leve-o a incriminar-se.

Contextualizando, a Constituição Federal, em resposta a um período anterior de completo

desrespeito as garantias fundamentais e de repressão àqueles que persistiam em cobrar e lutar

pelo pleno exercício destes, procura estabelecer limites na atuação do poder público,

permitindo a utilização plena dos mecanismos de defesa e sobre aquilo que apenas ao

indivíduo cabe decidir e usufruir.

Conforme leciona a Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso LXIII: “o preso será

informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a

assistência da família e de advogado”. A partir de uma interpretação estritamente formal e

literal do texto do dispositivo, subtrai-se apenas que o preso deverá ser comunicado, dentre

outros direitos, de que poderá se manter calado, não havendo qualquer indicação de

penalização frente ao seu silêncio ou não colaboração em responder aquilo que for indagado.

A esta previsão chama-se o direito ao silêncio, que é apenas uma das impressões deste

princípio dentro do ordenamento jurídico brasileiro, contudo não se faz cabível sua

interpretação restritiva. A órbita de proteção que esse preceito abrange vai além, tanto quanto

ao sujeito deste, quanto sobre que procedimento na esfera processual penal recai. Nessa linha,

defende Lima (2017, p.70, grifos nossos):

A doutrina mais aceita, contudo, é a de que o dispositivo constitucional em destaque

se presta para proteger não apenas quem está preso, como também aquele que está

solto, assim como qualquer pessoa a quem seja imputada a prática de um ilícito

criminal. Pouco importa se o cidadão é suspeito, indiciado, acusado ou

condenado, e se está preso ou em liberdade. Ele não pode ser obrigado a confessar

o crime.

Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios

policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem,

dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito

de não produzir prova contra si mesmo.

Logo, trata-se de um direito do indivíduo, de quem quer que seja este, que

necessitar ser tutelado por esse direito, não havendo razoabilidade em limitar o seu exercício

àqueles que se encontrar presos ou que já se encontram na fase da ação penal como parte ré. A

finalidade não é proteger aquele já privado de liberdade, mas sim evitar que todo o qualquer

cidadão tenha a sua privação por meio de prova produzida por si contra ele mesmo. O

conhecimento disto é necessário para que se compreenda que apesar de sua previsão

Page 31: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

30

constitucional e o dispositivo não explicitar legalmente quais os limites e dimensões do

princípio, ele vai muito além do direito ao silêncio por parte do réu, resguardando-o no

momento da colheita de elementos informativos e da produção de provas que requerem a

participação positiva do mesmo. Nesse ínterim, expõe Calçado ao mencionar Trois Neto

(2014, p.18): “Nem a literalidade, nem a maior ou menor clareza vocabular do dispositivo

transcrito autorizam uma concepção restritiva do tipo normativo do direito a não contribuir

para a própria condenação”. Para tanto também não importa o tipo de processo ou

procedimento ao qual o indivíduo é submetido, a garantia alcança inclusive as Comissões

Parlamentares de Inquérito (LIMA, 2017).

O fato de ser dado ao acusado o direito ao silêncio, de não cooperar, não

poderá acarretar na violação da sua cidadania, privando-o dos demais meios e mecanismos de

que dispõe e aos quais tem direito no decurso do processo penal, pois, no contrário, o

indivíduo estaria sendo punido pelo simples fato de usufruir de um direito a ele resguardado.

Nessa linha, também não há o que relacionar o silêncio à culpabilidade ou confissão de culpa,

visto não importar o silêncio em ônus ao acusado, quanto mais prova de sua culpabilidade. O

indivíduo não pode sofrer, sob o discurso do interesse coletivo, lesão aos seus direitos

fundamentais, posto que o contrário disso também é lesar o interesse coletivo.

É inconteste que, diante do cenário atual e de tamanho clamor popular à

inibição de cometimento de crimes e ferrenha responsabilização penal, falar a respeito dos

garantias do investigado ou acusado soa como discurso na contramão da realidade. Porém, é

mister informar e esclarecer que essas garantias abrangem todo e qualquer cidadão que venha,

ainda que ocasionalmente, envolver-se em alguma investigação criminal ou ação, tendo como

maior objetivo o esclarecimento de dado fato a partir do respeito aos direitos de ambas as

partes envolvidas defenderem-se através dos meios de provas que possam produzir. Aqui não

há privação de produção de prova, mas sim possibilitar que aquelas que se basearem em uma

declaração condenatória, ou prova que beire a confissão comprovada da autoria, possam não

contar com a ação do réu. Logo, há uma limitação quanto a participação ativa do investigado,

consequentemente na produção de provas contra si, que poderá escolher de que maneira se

comportará durante a persecução penal, nesse sentido aponta Lima (2017.p.73):

[...] se mostra inadequado acreditar que o direito de permanecer calado somente

confere à pessoa a garantia de que ela não pode ser obrigada a falar. O que o

constituinte diz, quando ele assegura o direito de permanecer calado, é que a pessoa

não pode ser obrigada a se incriminar ou, em outras palavras, que ela não pode ser

obrigada a produzir prova contra si. Aliás, essa última forma de revelar o conteúdo

Page 32: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

31

do preceito constitucional soa mais feliz, uma vez que consegue tornar mais clara a

mensagem do constituinte.

A finalidade não está em resguardar a mentira ou total negativa, omissão do

indivíduo, nem de preservar a todo custo a sua liberdade, mas sim a de oportuniza-lo traçar a

sua própria linha de defesa de modo a não se incriminar a partir de declarações, provas,

adquiridas a partir da autorização do investigado quando puder optar pelo silêncio ou negação

em colaborar. Esse direito deve acompanha-lo por todas as fases que prevê o Código de

Processo Penal, quando ainda na condição de investigado, até a efetiva produção de provas ao

longo do processo criminal, não podendo ser enquadrado tal comportamento como desacato

ou desobediência à autoridade policial ou judicial. Do mesmo modo não há com a defesa do

seu exercício a automática defesa de possibilitar que a sua conduta passiva resulte em

cometimento de outros delitos.

Não há a pretensão na presente pesquisa de propor ou expor o Princípio Nemo

tenetur se detegere como absoluto, ao ponto de transformá-lo em um verdadeiro entrave na

investigação criminal, muito menos tornar o interesse público prevalente frente às garantias

fundamentais individuais. Porém, há uma latente necessidade de ponderação dentre esses

interesses, de modo a não permitir o uso, de maneira abusiva, do poder estatal, tornando o

indivíduo investigado objeto manejado de forma indiscriminada durante a colheita das

informações. Assim, com o objetivo de preservar o inquérito policial e buscar cada vez mais

mecanismos que o efetive, não se faz razoável, dentro do Estado Democrático de Direito em

questão, obrigar o indivíduo a incriminar-se de maneira tão inequívoca, a ponto de não caber

prova para convencimento do contrário.

Dado o objeto do trabalho, a concentração e conexões feitas entre os princípios

abordados, o contexto social, serão diretamente estabelecidas com a fase do inquérito policial,

posto que a Lei nº 12.654/12, a ser devidamente analisada, recairá imediatamente sobre este.

O inquérito policial, conforme conceitua Lima (2017, p.105), trata-se de:

Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade

policial, o inquérito policial consiste em um conjunto de diligências realizadas pela

polícia investigativa objetivando a identificação das fontes de prova e a colheita de

elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal, a fim

de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.

Não tem por finalidade a sanção ou necessária interposição posterior de ação

penal, objetivando esclarecer as informações a cerca de fato delituoso sobre o qual a

autoridade policial teve conhecimento por meio de noticia crime. Conforme Lima (2017), tem

Page 33: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

32

dupla função, a de garantir que a instauração de um processo criminal não esteja baseada em

fatos infundados, a ponto de colocar em risco a liberdade do indivíduo sem que haja qualquer

indício de culpabilidade; e a de preparar os elementos de informação que, eventualmente,

podem se perder no tempo, quando presentes, para o ingresso em juízo de ação. Nessa fase

ainda não há partes, não há acusado, não há lide de fato para que se faça uso, por exemplo, da

ampla defesa e do contraditório, que somente será garantido as partes em momento posterior

quando em sede de processo.

É um instrumento do qual se utiliza o Estado com o intuito de investigar,

esclarecer informações básicas quanto ao crime, não podendo recair nesse momento qualquer

que seja a penalização sobre aquele que está sob suspeita, não há criminalização ou

responsabilização, tratam-se de procedimentos prévios. Cabe ressaltar algumas características

desse procedimento, quais sejam: escrito; dispensável posto que nem toda ação penal deve ser

antecedida por este; sigiloso com o fulcro de preservar as informações coletadas e os

indivíduos envolvidos; inquisitório onde não há a presença do contraditório e da ampla

defesa; temporário. Por fim, tem caráter discricionário, pois não há um rigor quanto a como

funcionarão as investigações, nem em que ordem serão realizadas, partindo esses

encaminhamentos da autoridade policial.

Diante do exposto, é necessário estabelecer a diferença entre os elementos

informativos e as provas, destacando desde então que os primeiros são colhidos em sede de

inquérito policial e os últimos no decorrer da ação penal. Os elementos informativos são

colhidos sem que haja a necessidade da participação das partes e “[...] tais elementos

informativos são de vital importância para a persecução penal, pois, além de auxiliar na

formação da opinio delicti do órgão da acusação, podem subsidiar a decretação de medidas

cautelares pelo magistrado” (LIMA, 2017, p.107). No que tange as provas versa Schneider

(2016, p.21):

A expressão ‘prova’ só seria utilizada para mencionar os elementos de convicção

produzidos, em regra, no curso do processo judicial, observando o contraditório e a

ampla defesa, de modo que o contraditório judicial se torna condição de existência e

validade das provas.

Essa diferença é de importante absorção, posto que desconstrói a utilização

equivocada da nomenclatura prova ao fazer referências às informações colhidas no decurso do

inquérito policial, onde não há, como foi destacado, o contraditório e a ampla defesa, logo

sendo questões passíveis de questionamento e “contraprova”. Destaca-se ainda, que em sede

de investigação, as informações colhidas não têm apenas caráter subsidiária, buscando

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33

esclarecer as dúvidas sobre possível delito e que ao depender dos resultados poderá ensejar

futura ação penal. Esse caráter subsidiário aqui levantado se relaciona com o contencioso

judicial, fase em que provas serão produzidas em juízo e a partir dela deve ser extraído aquilo

que fundamentará a acusação, a defesa e a decisão do juiz.

Partindo do pressuposto que o processo penal tem por objetivo encontrar a

“verdade”, ou melhor dizendo encontrar a clareza indiscutível dos fatos, sobre o ato ilícito,

sua autoria, de que forma foi realizado, necessário se faz dar o mesmo grau de importância a

todas as fases da esfera processual, do inquérito à execução da pena a ser cumprida por réu

comprovadamente culpado. Dessa forma, salienta-se a importância da decorrência lícita e

alinhada aos princípios e normas constitucionais, consequentemente a serem observadas na

esfera penal, do inquérito policial que, caso contrário, poderá acarretar uma ação penal

descabida no seu ensejo. Nesse ínterim, partindo da lógica de fatos derivados de outros, uma

frágil investigação criminal anterior poderá acarretar um processo falho no qual o resultado

poderá ser a condenação de réu que ainda no início dos procedimentos teve as suas garantias

fundamentais violadas, culminando na pior delas, a privação de liberdade.

Dentre as provas há a classificação a respeito de que modo são colhidas no

corpo do indivíduo, de que modo a intervenção no corpo do indivíduo ocorre, dividindo-se em

não invasivas e invasivas. As não invasivas, com o nome revela, tratam-se daquelas que são

produzidas sem que haja penetração no corpo físico do réu, implicando em intervenção

corporal, porém não de maneira invasiva, como são exemplos, conforme dispõe Renata

Jardim Fraga ao citar Queijo (2010, p.4), “[...] os exames de DNA realizados a partir de fios

de cabelo e pelos, os exames de matérias fecais; as identificações dactiloscópica, de

impressões dos pés, unhas e palmar, bem como as radiografias”. Fraga (2010) aponta que, no

contrário, as provas invasivas são aquelas produzidas mediante intervenção corporal no

indivíduo por meio de penetração no organismo humano, seja por instrumentos ou

substâncias, das quais são exemplos os exames de sangue, o exame ginecológico, a

identificação dentária, a endoscopia.

Previamente, em momento anterior a coleta de provas, é direito do investigado

e dever da autoridade que realizará tal que seja feita a comunicação do direito daquele de não

colaborar com a produção naquilo que diretamente possa comprometê-lo criminalmente.

Assim, alerta Lima (2017, p.77):

Havendo o consentimento do sujeito passivo da medida, após prévia advertência do

direito de não produzir prova contra si mesmo, a intervenção corporal poderá ser

realizada normalmente, seja a prova invasiva ou não invasiva. A Carta Magna não

Page 35: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

34

estabeleceu a reserva de jurisdição para a determinação das intervenções corporais.

Logo, não há necessidade de prévia autorização judicial para a realização dessas

medidas, as quais podem ser determinadas inclusive pela autoridade policial.

Aqui a desnecessidade de autorização judicial não poderá resultar em casos de

constrangimento por parte da autoridade policial afim de que o investigado se submeta a

qualquer tipo de intervenção, sendo a anuência necessária para a realização, sendo esta

autorização desencadeadora da intervenção quando necessária. A liberdade probatória

prevista no Código de Processo Penal, mais precisamente em ser artigo 155, parágrafo único,

reverbera a mesma intenção que há em não haver necessidade da autorização mencionada

anteriormente, porém as liberdades devem estar sempre no mesmo passo que os princípios

constitucionais e suas garantias.

Devido ao objeto da presente pesquisa, faz-se necessário um certo enfoque no

que diz respeito as provas invasivas, posto que o banco de dados genéticos criado pela Lei nº

12.654/12 importará na produção cada vez mais constante desse tipo de prova. A respeito

delas informa Lima (2017, p.78):

[...] em se tratando de prova invasiva ou que exija um comportamento ativo, não é

possível a produção forçada da prova contra a vontade do agente. Porém, se essa

mesma prova tiver sido produzida, voluntária ou involuntariamente pelo acusado,

nada impede que tais elementos sejam apreendidos pela autoridade policial. Em

outras palavras, quando se trata de material descartado pela pessoa investigada, é

impertinente invocar o princípio do nemo tenetur se detegere.

Sobre este tipo de prova recaem os mesmos limites tragos pelo nemo tenetur se

detegere, contudo a utilização de provas descartadas parece ser uma lacuna deixada pelo

legislador. Nesse passo, o prejuízo a ser proporcionado por tal situação poderá oportunizar

uma tentativa de burlar aquilo previsto em lei ainda que não a desrespeitando diretamente,

posto que não haveria na colheita desse tipo de prova, necessariamente, a ilegal obrigação,

constrangimento, coação, do indivíduo para a sua produção. De toda forma, mostra-se como

uma alternativa de buscar resultados mais seguros no curso da persecução penal.

Diante do exposto, vale destacar uma reflexão traga por Gracimeri Vieira

Soeiro de Castro Gaviorno ao citar Fauzi Hassan Choukr (2006, p.128): “Quando o Estado se

nega a reconhecer no investigado o ‘outro’ da relação persecutória, antes de proteger a

cidadania da matriz acusatória, protege a si mesmo, fomentando a falecida estrutura

inquisitiva e o autoritarismo que a sustenta”. Nesse passo, é mister que não haja nenhum tipo

de flexibilização ou espaço que propicie o desrespeito aos preceitos fundamentais, sob o risco

de atentar contra a dignidade da pessoa humana e todos os demais direitos básicos dos quais o

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35

cidadão é titular, em defesa deste diretamente, mas também de toda a coletividade que terá

segurança jurídica nas decisões a serem tomadas pelo Estado. Da mesma forma, tratando o

investigado na sua condição de participante de um procedimento investigatório, não como

alguém que possui sentença condenatória ou réu de uma ação penal, o poder público estará

demonstrando aos populares a grande diferença que há entre as duas condições e que em

ambas o indivíduo terá todas as suas garantias atendidas. Daí o perigo de uma lei com

aparente lacuna, ou que a sua interpretação ou não proibição escrita de tal conduta possa abrir

margem para adoção de práticas legais, porém não necessariamente em concordância

principiológica.

3.2 OS LIMITES DO GARANTISMO PENAL NA ATUAÇÃO ESTATAL NA ESFERA

PENAL

Conforme já devidamente apontado, o legislador, de maneira geral, com

urgência em corresponder as expectativas populares no quesito criminalidade e

responsabilização penal, acaba por violar os preceitos constitucionais, ignorando garantias

básicas que devem ser atendidas em todas as áreas do ordenamento jurídico brasileiro. Além

disso, não costuma dar respostas efetivas, no que se refere a resultar em diminuição aparente

da criminalidade e punição de todo e qualquer cidadão que inflija a lei. Os princípios devem

ser vistos pelo Poder Legislativo como um guia no qual estão presentes as finalidades a que

uma norma deve se propor, buscando a eles estar alinhada, bem como sob que premissas deve

se basear, que bens deve tutelar.

O recorte teórico realizado com base na obra “Direito e Razão – Teoria do

Garantismo Penal” (2014), de Luigi Ferrajoli, justifica-se por ser esta a principal obra sobre o

tema e na qual bebem quase que obrigatoriamente todos aqueles que pesquisam, pensam e

escrevem sobre o assunto, ainda que não em concordância plena com os seus termos, mas

sempre a utilizando como parâmetro para abordagem ao menos como ponto de partida. Assim

como propõe, também, a presente pesquisa, o supramencionado jurista entende que a

liberdade é e deve ser o centro das sociedades democráticas, no qual a sua privação é a

exceção, não a regra ou objetivo, há uma finalidade, um fundamento na pena, não o caráter de

vingança. Há aqui a necessidade da racionalização do Direito Penal, não o seu afastamento, o

Garantismo não se propõe a isso, mas dar a este o lugar e a proporção que lhe é devida, que

seja um mecanismo racionalizado, pensado, estudado, debatido, não apenas posto e imposto à

sociedade. Nesse ínterim, concentra-se nas ações estatais negativas, em limitar o seu poder de

punição, não se fundamentando ou buscando discutir as ações positivas do Estado.

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36

Os dez axiomas apontados por Ferrajoli, nos quais o mesmo transformou em

princípios, tanto servem de parâmetros para a construção de sociedades garantistas, Estados

de Direito, quanto identificam aquelas sociedades que já alcançaram esse patamar. Do mesmo

modo, aquelas que assim não os refletem demonstram haver abuso estatal e/ou

extrapolamento dos limites da sua atuação na esfera penal. Deles derivam os princípios,

garantias penais e processuais, que caracterizam o Garantismo Penal, como assim expõe

Ferrajoli (2014, p.91):

[...] 1) princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao

delito; 2) princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio

da necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da

ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou da exterioridade da ação;

6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princípio da

jurisdicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8) princípio

acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio do ônus da prova ou

da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade.

Tais princípios são herança do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e

XVIII na busca de limitar o poder penal para que o mesmo não se tornasse absoluto e

posteriormente incorporados nos textos constitucionais dos modernos Estados de direito.

Ferrajoli (2014) também os nomeia como modelo de responsabilidade penal, dado o caráter

de dever do Estado para com os seus cidadãos, sendo ele responsável por orquestrar e

mensurar o ordenamento penal. Percebe-se, ao tomar conhecimento dos axiomas, que o

ordenamento jurídico brasileiro, ao menos no quesito teórico-legal, está em consonância com

algumas dessas características, porém não é exagero ressaltar que há uma distância entre

aquilo que prevê o texto legal e o que é vivenciado e aplicado na prática.

Ferrajoli atribui três significados diferentes ao Garantismo, o primeiro indica

um modelo normativo de direito, “[...] dotado de meio de invalidação de cada exercício do

poder em contraste com normas superiores postas para a tutela de direitos fundamentais”

(2014, p.811). O segundo trata-se de uma teoria jurídica da validade e da efetividade, em que

o autor resume como, “[...] uma aproximação teórica que mantém separados o ‘ser’ e o ‘dever

ser’ no direito” (2014, p.786) e esta aproximação propõe a análise de uma “[...] questão

teórica central, a divergência existente nos ordenamentos complexos entre modelos

normativos (tendentemente garantistas) e práticas operacionais (tendentemente

antigarantistas)” (2014, p.786). Aqui, demonstra a diferença que muitas vezes há entre o

discurso e a prática, ainda mais enraigado na complexidade de alguns ordenamentos, expondo

aqui uma crítica a estes no sentido de que não há razão de ser em um conjunto de leis que

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37

apenas prevê, mas não concretiza as suas garantias, determinações, normas, regras, onde não

há prática não há direito efetivado e efetivo, há apenas fumaça de um e isso por si só não

basta.

Ao terceiro e último significado, o jurista aponta tratar-se de uma filosofia

política que, “[...] permite a crítica e a perda da legitimação desde o exterior das instituições

jurídicas positivas, baseadas na rígida separação entre direito e moral, ou entre validade e

justiça” (FERRAJOLI, 2014, p.812). Nesse ínterim, há uma busca pela diferenciação entre

conceitos e consequente demonstração que a ocorrência de um não indica necessariamente a

existência do outro, ao passo em que o distanciamento desses pares, que deveriam caminhar

lado a lado, se mostra como entrave ao estabelecimento de um Estado garantista.

Dito isso, não há o que se falar em Garantismo estabelecendo princípios e

diretrizes apenas na esfera virtual, ou apenas na perspectiva individual e ignorar a

responsabilidade estatal para com a coletividade, posto que não há, ou não deve haver a

defesa de um em detrimento do outro, caso contrário haverá clara e alarmante contradição.

Aqui mora um dos, se não o maior problema na interpretação e aplicação do Garantismo no

ordenamento jurídico, o direito individual sendo encarado fora de uma visão coletiva, como se

ao garantir um automaticamente o outro fosse negado ou privado. Nesse sentido, alerta

Guilherme Madeira Dezem (2016, p.58):

É preciso que seja superada esta visão extremada e apaixonada do direito de se olhar

o fenômeno jurídico unicamente por um ângulo. O fenômeno jurídico lida, acima de

tudo, com pessoas que merecem do operador visão mais ampla de mundo do que a

míope lente de apenas um dos vetores. Só assim o Direito conseguirá cumprir

efetivamente sua função de resolução dos conflitos e de distribuição de justiça.

O mesmo Estado que tem o dever para com os seus membros de garantir os

seus direitos fundamentais também possui o poder-dever de puni-lo quando transgredir norma

jurídica, porém dentro dos mesmos limites constitucionais. Esses limites devem ser

observados tanto no processo legislativo quanto na operacionalidade e utilização desses

dispositivos, postos que são um conjunto para que aquilo que está em consonância com a

Carta Magna se faça presente no dia a dia dos cidadãos, bem como do Judiciário ao aplicar a

lei. A construção de um Estado garantista é possível somente a partir da colaboração dos

Poderes que o compõe para que as suas práticas reflitam os seus princípios e não apenas

sejam vistas como práticas que destoam do que propõe a lei maior deste.

A defesa do cumprimento das garantias penais e processuais em nada se filia

com um discurso em prol da impunidade, não há semelhança alguma e o que faz crer no

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38

contrário baseia-se na falta de conhecimento ou, no mínimo, superficialidade sobre o assunto.

Propiciar que leis sejam cumpridas e que no seu processo legislativo seja observado aquilo

que prima a Constituição Federal e endossar os valores de uma sociedade democrática, que

visualiza de maneira igualitária os seus componentes e entende que a todos eles devem ser

adotadas as mesmas medidas, que se sujeitem às mesmas penas e procedimentos quando do

cometimento de mesmo ato delituoso. Nesse sentido, alerta Fernando da Silva Albuquerque e

Ana Cláudia Bastos de Pinho (2017):

É frequente a ideia de que a teoria garantista corresponde a um apelo à impunidade.

Desde o ponto de vista lógico, é no mínimo, contraditório que uma tese legitimadora

do direito penal e que, portanto, compreende a punição a partir de alguma finalidade,

signifique, ao mesmo tempo a defesa da impunidade.

Em que pese tal afirmação decorrer muito mais de discursos político-criminais de

baixíssima densidade teórica, é necessário esclarecer que a formulação de critérios

de vinculação e de controle do sistema penal na tentativa de dotá-lo de uma melhor

racionalidade não significa impunidade, exatamente porque sequer se está a tratar de

um modelo teórico que afaste o direito penal, enquanto mecanismo legitimado de

intervenção, mesmo no interior dos Estados Constitucionais.

É de suma observância que para a interpretação do caso prático e da lei nunca

desconsiderar a intencionalidade posta pelo legislador, que princípios norteiam a práxis, que

limites devem ser impreterivelmente observados para garantir um julgamento igualitário no

que tange aos mecanismos oportunizados para utilização, bem como pena proporcional ao que

dita o ordenamento e o delito praticado. O Garantismo, ao que parece, procura, como um

lembrete, reforçar aquilo que muitas vezes já preveem os dispositivos legais, mas que

encontra dificuldades e desvios ao serem aplicados. Há na verdade uma exigência de

consonância entre aquilo que aquela sociedade democrática diz ou objetiva ser e aquilo que

ela demonstra ser, já que não existe razão lógica em leis vazias de utilização prática e

desligadas dos princípios que regem uma sociedade.

Dezem ao citar Alberto Silva Franco (2016, p.56), refletindo a respeito do

Garantismo de Ferrajoli sobre a atuação do juiz traz:

“[...] a interpretação judicial da lei é também sempre um juízo sobre a própria lei,

relativamente à qual o juiz tem o dever e a responsabilidade de escolher somente os

significados válidos, ou seja, compatíveis com as normas constitucionais

substanciais e com os direitos fundamentais por elas estabelecidos”.

Aqui, o autor supracitado destaca o grande papel que a autoridade julgadora

possui na construção dessa sociedade garantista, posto que cabe a ela a sua aplicação a partir

daquilo que obteve de provas e convencimento durante o processo penal, tornando-se assim

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39

capaz de estabelecer um juízo. A maneira como o realiza e sobre que parâmetros a estabelece

devem estar sempre alicerçados naquilo que as normas constitucionais preveem. Esta

observância não deve ser diferente da pretendida no ato de investigar por parte do Estado,

“quando noticiada a ocorrência de um crime, há o dever legal do Estado de investigar este

crime e efetivar inquérito eficaz com processo que, respeitadas as garantias constitucionais,

assegure a punição do responsável pelo crime” (DEZEM, 2016, p. 57). O autor supracitado

discute que a aplicação da legislação, bem como sua interpretação, devem observar a máxima

eficácia com o máximo garantismo, compreendendo que não há controvérsia ou contradição

nesse binômio, mas sim a necessidade do cumprimento da lei aliado a garantia dos direitos

constitucionais.

Dessa forma, fica clara a necessidade inconteste de toda a estrutura do meio

jurídico observar a lei quanto posta, mas também dos legisladores ao editar novas leis, nunca

desconsiderando a Carta Maior sobre a qual devem partir as intenções e interpretações dos

dispositivos legais. Nela devem beber todos, sejam integrantes do poder público, sejam os

cidadãos, esses últimos, dada a falta de conhecimento da grande maioria com relação ao

ordenamento pátrio, devem ter naqueles que os representam, guardiões de seus direitos e

garantias fundamentais. É nesse sentido que passa a tratar a análise da Lei nº 12.654/12 que

prevê, dentre outras disposições, a criação de um banco de dados genéticos a partir das

informações daqueles que forem condenados, discutindo-a a partir de uma perspectiva

constitucional e garantista.

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4 LEI Nº 12.654/2012 COMO RESPOSTA LEGISLATIVA AO CLAMOR POPULAR

A legalidade é uma forma pela qual o Estado se manifesta a fim de regular as

condutas, de maneira que as leis sejam reflexo das necessidades do contexto em que se

inserem e que devem ser cumpridas por todos os envolvidos de maneira igual sob pena de

quebra da ordem e devida penalização (VEDOVELLO, 2014). Importante frisar que deve se

observar os parâmetros constitucionais, logo não pode se manifestar de qualquer modo, o

exercício da legalidade não pode, por si só, justificar toda e qualquer edição legal por parte do

poder público, posto que a justificação deve encontrar na realidade daquela sociedade a sua

razão de ser. Vedovello, ao citar Enrico Pessina, aponta que, “[...] não existe contra Direito,

pois um ato querido, consentido ou imposto pelo Direito, não poderia ser contrário a esse

mesmo Direito: não poderia ser a negação do Direito” (2014, p.81).

Neste sentido, não poderá o Direito Penal estar desconectado com os

pressupostos constitucionais, sendo estes os parâmetros a serem utilizados e fundamento de

toda e qualquer espécie de legislação sobre matéria penal. Nesse passo, ao citar Alf Rossi,

refletindo a respeito dos ensinamentos de Luhmann, a autora supracitada coloca que o

ordenamento jurídico é “um corpo integrado de regras que determina as condições sob as

quais a força física será exercida contra uma pessoa”. Contextualizando, seria a força do

Estado, ou a força das restrições a direitos. Agindo contrário ao ordenamento haveria um

“enfraquecimento da cidadania” (2014, p.83).

A ineficiência da elucidação de crimes, sejam no curso do inquérito policial,

seja com a total falta de investigação de alguns casos, não justifica, por si só, a necessidade da

criação de um banco de dados, posto que há muitas outras razões que ocasionam essa

situação. A falta de estrutura dada à autoridade policial para a prática da investigação e

diligências, o número reduzido de material humano para poder realizar essas ações e

consequentemente esclarecer um maior número de crimes. Há ainda o viés político-social,

dado que os agentes que compõe o fato delituoso geralmente não interessam socialmente,

logo, além de consequentemente não haver clamor e pressão popular ou por serem menores,

não é dada a devida importância e cuidado. O mesmo também acontece quando há a suspeita

de envolvimento de que o indivíduo autor do fato delituoso tem prestígio político ou social,

podendo este com receio de sua honra ser atingida e denegrida usar essa característica para

livrar-se de investigação policial e eventual responsabilização penal. É necessária a

elucidação desses fatos para que a justificação da ineficiência não seja analisada como um

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41

problema apenas de mecanismos ou da falta deles no decurso do inquérito policial, pois há

muitos outros fatores que propiciam essa realidade.

4.1 BREVE ANÁLISE DA LEI Nº 12.654/2012 SOB A PERSPECTIVA DOS

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

De antemão, faz-se necessária a diferenciação da identificação criminal e

qualificação do investigado no processo penal. Em resumo, Lima define que “[...] diz respeito

à identificação datiloscópica, fotográfica e genética” (2017, p.143), caso este tratado pela Lei

nº 12.654, que busca, a partir da identificação genética, a formação de um banco de dados

com esse material. A qualificação do investigado se trata de uma identificação menos precisa,

compreendendo “[...] sua individualização, através da obtenção de dados como nome

completo, naturalidade, filiação, nacionalidade, estado civil, domicílio, etc” (LIMA, 2017,

p.143), como se pode perceber está mais sujeita a falhas, visto a possível incidência de

homônimos, bem como do indivíduo poder repassar informações equivocadas ao seu respeito,

podendo fundamenta-las até em documentos falsos, tudo com o intuito de dificultar o trabalho

da autoridade policial. Quanto à pessoa que será responsável por estes procedimentos, pode-se

perceber que para a realização do primeiro necessário se faz um conhecimento técnico, logo

será necessário que um profissional o realize, diferentemente da qualificação do investigado

(LIMA, 2017).

A Lei nº 12.654/2012 é fruto do Projeto de Lei, PLS 93/2011, apresentado pelo

Senador Ciro Nogueira, apresentado em 17 de março de 2011. Foi defendida sob a

justificativa, conforme consta no texto do projeto, o reforço de um processo já existente no

Brasil que objetiva a criação de um banco de perfis de DNA, que o senador diz ocorrer já de

forma tardia, com o fulcro de auxiliar às investigações de crimes violentos contra a pessoa ou

hediondos. Indica que esse banco será alimentado pelas perícias estaduais através de dados

colhidos por meio de informações genéticas encontradas no local do crime, vai além e

defende também a criação de um banco de dados genéticos de indivíduos já condenados,

alegando que traria uma maior otimização na investigação criminal. Nogueira (2011),

argumenta o fato do DNA poder ser extraído de uma série de fluidos e tecidos humanos e

apontado como um ponto importante para dar ainda mais utilidade a adoção desse tipo de

investigação, ressaltando que tal prática já está presente em outros países do globo e trazem

real efetividade ao que se propõem, levanta ainda a respeito da facilidade de manejar esse

material. Por fim, julga ser uma medida necessária e urgente, tanto para demonstração de

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42

culpabilidade dos indivíduos, bem como para afastar a mesma elucidando o fato investigado,

assim como a sua autoria.

Em resumo, o projeto apresentado tem por objetivo alterações tanto na lei de

investigação criminal, Lei nº 12.037/2009, quanto na Lei de Execução Penal, nº 7.210/1984 e

possuía cinco artigos. Encaminhado para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania na

mesma casa, o relator, então Senador Demóstenes Torres, diz não haver vícios de

constitucionalidade, sendo a União competente para legislar a respeito dessa matéria,

classificada como assunto científico. Na mesma linha do autor do projeto, o relator, Torres

(2011), defende e demonstra a importância que a utilização do DNA ganhou na investigação

criminal, apontando inclusive o sistema estadunidense como exemplo. Aponta-o como um

mecanismo à combater a impunidade e promover a justiça, trazendo dados quanto aos altos

índices de criminalidade no Brasil. Por fim, propõe a alteração da redação do projeto,

prevendo a identificação genética apenas nos casos de crime cometido com violência de

natureza grave contra pessoa, vota pela sua aprovação e apresenta o texto do PLS com a

devida emenda.

Com o texto devidamente aprovado no Senado Federal, inclusive a

modificação proposta pelo relator, o projeto seguiu para a Câmara do Deputados para, em

caso de aprovação, ser enviada para ser sancionada ou vetada pelo Chefe do Executivo

Federal. Na Câmara, agora sob o nº 2.458/2011, a proposta tramitou em regime de urgência e

teve como seu relator o Deputado Vicente Cândido que, em resumo, destacou não ter

visualizado nenhum tipo de vício de constitucionalidade, juridicidade ou de técnica

legislativa, consubstanciando o seu entendimento e voto favorável a aprovação da lei através

da citação de especialistas em matéria criminal. Posteriormente, foi encaminhado, foram

apresentados parecer tanto da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, quanto da

Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da presente casa, ambos

favoráveis. Desta forma, ao ser aprovada em votação na Câmara o projeto seguiu para a

Presidente para sanção, sendo assim realizada.

Faz-se necessária, ainda que de maneira breve, a disposição da tramitação do

então projeto de lei até a sua sanção, ganhando assim caráter de lei, para desde logo observar

sobre que argumentos se pautou a aprovação do texto legal, assim como de que maneira os

agentes legislativos avaliaram os aspectos técnicos e constitucionais envolvidos. Como se

pôde perceber, não houve sequer em algum momento, argumento ou parecer, o levantamento

de uma suposta quebra com os preceitos constitucionais, sendo a lei considerada como uma

medida necessária as deficiências e problemas encontrados na investigação penal, diante dos

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43

altos índices de criminalidade. Há um interesse e crença claros por parte do legislador de que

o endurecimento da legislação penal é a melhor resposta para lhe dar com o cometimento de

tantos crimes e, na proporção inversa, uma precária e infrutífera persecução penal no que

tange a coleta de informações suficientes para elucidar os principais aspectos do caso. Como

veremos mais a frente, o custo é alto e equivale a restrição e retirada de direitos fundamentais

constitucionais.

Diante do contexto discutido no decorrer deste trabalho, será dada atenção

especial aos artigos 1º e 2º da lei apresentada, dado o fato de que os mesmos alteram a Lei nº

12.037/2009 que trata a respeito da investigação penal, um dos pontos centrais da pesquisa. O

artigo 1º adiciona ao artigo 5º desta lei um parágrafo único e passa a conter o seguinte texto:

“Na hipótese do inciso IV do art. 3º, a identificação criminal poderá incluir coleta de material

biológico para a obtenção do perfil genético” (BRASIL, 2012). O mencionado artigo 3º prevê

as hipóteses em que a identificação através da apresentação de documentos por parte do

investigado não será suficiente, podendo acarretar uma identificação criminal. A hipótese

destacada no artigo que altera a lei ocasionará esse tipo de identificação quando for

demonstrada a sua essencialidade para o decurso das investigações policiais, autorizada

mediante despacho da autoridade judiciária que poderá decidir de ofício ou diante de

representação policial, do Ministério Público ou da defesa (BRASIL, 2012). Logo, o artigo 1º

tem por objetivo de estabelecer uma identificação criminal por meio da coleta de material

biológico para a obtenção do perfil genético do investigado caso a apresentação de

documentos não satisfaça a qualificação do indivíduo.

A respeito desse critério estabelecido, Juliana Leonara Martinelli Giongo

comenta: “Quanto ao critério que define as hipóteses em que a identificação genética será

empregada, qual seja, a essencialidade às investigações conforme autorização judicial

fundamentada, tem-se que este é um critério subjetivo” (2016, p.380). A lei trata essa questão

de uma maneira completamente subjetiva, não indicando que características, ainda que não de

maneira a instituir um rol taxativo de possibilidades em que podem ocorrer essa identificação,

sobrando o risco de o poder estatal possa se dar de maneira abusiva e/ou irrazoável. Assim

como foi abordado anteriormente, principalmente ao citar Maia (2012), os juízes hoje têm

traçado uma cultura de criminalização, não de inocência e preservação da liberdade, logo no

meio a toda subjetividade traga pelo texto legal não é exagero temer que tal decisão possa

estar embasada por razões que se fazem necessárias para autorizar a extração de material

genético. Explanando a cerda do assunto, Celso Ricardo Martins, coloca que uma das “[...]

alterações promovidas na lei 12.037/09, foi instituída a possibilidade de se identificar

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44

criminalmente um indivíduo por meio genético, na hipótese de essencialidade à investigação

criminal” (2013, p.35/36). A essencialidade trata-se de um conceito subjetivo, não havendo na

lei o esclarecimento e determinação de quais seriam as situações nas quais esse tipo de

identificação criminal se justificasse.

Giongo, ao citar Aury Lopes Jr, revela que “o fornecimento do material

biológico poderá ser voluntário ou coercitivo, mas sempre observado o emprego de técnica

adequada e indolor” (2016, p.381). Não é difícil perceber que há aqui uma quebra direta com

aquilo que resguarda o Princípio Nemo tenetur se detegere ao desrespeitar a vontade do

indivíduo em colaborar com a coleta desse material, posto que ao mesmo é dado o direito de

não somente escolher de que maneira se portará frente a essa situação como também que a sua

decisão, a sua escolha deva ser respeitada pela autoridade responsável. Não há o que se falar

em coleta compulsória ou coercitiva, já que ao negar-se o investigado não estará

descumprindo aquilo previsto constitucionalmente, somente gozando de direito garantido por

lei. O fato de ser uma extração compulsória por si só basta para configurar desrespeito aos

princípios constitucionais, pois o fato de ser utilizado método indolor apenas atenua visto que

não haverá lesão ao corpo do indivíduo, porém não afasta o rompimento com a constituição.

O artigo 2º da Lei nº 12.654/2012 adiciona à Lei nº 12.037/2009 os artigos 5º-

A, 7º-A e 7º-B, ambos tratando a respeito do banco de dados de perfis genéticos a ser criado.

Ao instituir o artigo 5º-A o legislador determina onde estes dados genéticos colhidos do

investigado serão guardados, no mencionado banco de dados e que a sua administração ficará

a cargo de uma unidade oficial de perícia criminal. Seguindo a análise do texto legal, no §1º

deste dispositivo prevê que não haverá no banco informações genéticas que digam respeito a

fatores somáticos ou comportamentais das pessoas, sendo seguidas as normas da Constituição

Federal, assim como as normas internacionais que tratam sobre direitos humanos, genoma e

dados genéticos (BRASIL, 2012). Em seguida, é ressaltado o caráter sigiloso do banco de

dados ao qual somente poderão ter acesso aqueles autorizados pela lei ou decisão judicial,

caso contrário haverá responsabilização civil, penal e administrativa do qual será alvo aquele

que não estiver agindo de acordo com a previsão legal. Ao final, ainda relativo ao artigo 5º-A,

o legislador destaca que as informações obtidas a partir dos cruzamentos dos dados desse

banco e aqueles colhidos com o intuito de comparação em sede de investigação serão

realizadas por perito oficial habilitado.

O artigo 7º-A, adicionado à lei de investigação criminal, assevera que a

exclusão desses registros do banco de dados somente será em prazo igual ao estabelecido

legalmente para a prescrição do delito. Quanto a esse momento do descarte do material

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45

coletado, é discutível o fato da lei prever apenas o prazo igual ao de prescrição que a lei prevê

para cada crime, posto que há situações em que não há apresentação de denúncia ao fim do

inquérito policial. Nesse sentido Lopes Jr, mencionado pelo autor supramencionado,

argumenta que (2016, p.381):

No caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é

facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou

trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do

inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil.

Não há razão para manter esses dados em poder do Estado já o seu único

intuito e finalidade, segundo a própria lei, é colaborar com a persecução penal, a fim buscar

resultados mais confiantes no que tange a sua veracidade, bem como em um lapso temporal

menor para que se corra menos riscos de que as informações a serem colhidas se percam no

tempo e no espaço. Por fim, ainda retorna à oitiva e importância da vontade do indivíduo, que

entendendo por certo e em interesse próprio poderá requerer o descarte possa assim o fazer.

Tanto na doutrina como entre pesquisadores, juízes e componentes do universo

jurídico, não há um entendimento, uma opinião uníssona a respeito da lei objeto do presente

trabalho, dado que as suas alterações, ainda que possam parecer apenas criar um banco de

dados, um novo procedimento e mecanismo de investigação, na verdade abre um debate a

respeito dos princípios constitucionais e como o ordenamento jurídico pátrio tem lhe dado

com eles. Frente a uma realidade que amedronta a sociedade como um todo, seja a realidade

sensacionalista veiculada pelas meios de comunicação, seja aquela vivenciada diariamente

pelo cidadão, o pedido de medidas eficazes se torna pulsante e unânime, enquanto na

perspectiva de quem tem a competência legal de usar da máquina pública para assim

responder o maior e principal alvo se mostra ser o alargamento do Direito Penal. Nesse

sentido, reflete Natália de Andrade Magalhães ao citar Sánchez (2014, p.40, grifos nossos):

[...] A visão do Direito Penal como único instrumento eficaz de pedagoga político-

social, como mecanismo de socialização, de civilização, supõe uma expansão ad da

outrora ultima ratio. Mas, principalmente, porque tal expansão é em boa parte inútil,

à medida que transfere ao Direito Penal um fardo que ele não pode carregar.

Aqui fica claro que a utilização do Direito Penal como única forma de

resolução e apaziguamento da alta criminalidade com a qual convive a sociedade brasileira é

colocar sobre os ombros de quem não tem competência para tanto esperanças de mudança de

toda uma população.

Page 47: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

46

Martins, ao expor o posicionamento de André Luís Alves de Melo dispõe que

“[...] a lei 12.654/12 é constitucional e já existe em outros países, não sendo discriminatória,

mas apenas acrescentadora de um dado identificador a mais, o que poderá concorrer para a

diminuição de erros judiciários, uma vez que evitará uma condenação sem provas” (2013,

p.43). Ressalva-se, primeiramente, que o fato de existirem leis no mesmo sentido em outros

países por si só não comprovam sua eficiência e legitimidade, dado o fato de cada sociedade

possui as suas particularidades e aquilo que cabe em um contexto poderá não caber em outro,

tanto no que tange a estar alinhado com a Constituição pátria, quanto a execução das práticas

legais previstas. É equivocado basear a razão de ser de tal lei ao argumentar que a mesma

busca evitar uma condenação sem provas, posto que não deve haver em situação alguma

condenação nesse sentido, já que a mesma deve sempre estar baseada em provas inequívocas

da culpabilidade do acusado, não necessitando de um novo mecanismo que não permita uma

condenação sem convencimento probatório suficiente posto que essa deve ser regra. Muito

mais lógico seria que os juízes, ao estabelecerem suas sentenças, tenham sempre na memória

aqueles princípios dos quais não poderá abrir mão, bem como impedir o gozo por parte do

indivíduo, já que nada mais significa que o cumprimento da legalidade e atenção a todos os

direitos e garantias constitucionalmente previstos.

O autor supramencionado, traz ainda que em defesa do argumento de que a

presente lei não fere o nemo tenetur se detegere encontra defensores que alegam haver uma

dimensão demasiada, extensa, deste princípio e que esse é um dos motivos que acarretam em

dificuldades na investigação penal (MARTINS,2013). Giongo, ao expor entendimento de

Queijo, informa (2016, p.391):

[...] compreende que a Lei n.º 12.654/2012 deve ser declarada inconstitucional em

decorrência da garantia contra a autoincriminação. Esclarece que, diferentemente do

que consta no diploma legal, a finalidade da coleta de material biológico não é a de

mera identificação criminal, mas sim de comprovação da autoria ou da participação

da pessoa em algum delito, seja em persecução penal futura ou em andamento;

portanto, o objetivo é probatório.

Percebe-se ser perigoso um discurso em sentido contrário, visto que baseado no

objetivo de responsabilização penal, a autoridade judicial poderá ou, porque não, deverá

desconsiderar preceito constitucional dado o seu objetivo estar acima do mencionado

princípio. Que limites há para o legislador quando o mesmo encontra amplificadores para as

suas propostas legislativas que acreditam que os fins justificam os meios, ou seja, que o

anseio em punir o indivíduo investigado o mesmo possa ser despido dos seus direitos como

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47

cidadão e encontrar no Estado, ao contrário do que a sua natureza requer, um acusador e não

protetor.

O ponto de vista de Mauro Otávio Nacif, como bem menciona Martins (2013),

parte do pressuposto que a Lei nº 12.654/2012 se justifica, pois visa atender a um apelo de

segurança pública, estando este acima do interesse do particular. Dar o nome de interesse a

um direito parece ter o intuito de demonstrar que não passa de mera vontade do indivíduo

sendo posta acima de um direito coletivo, quando na verdade trata-se de direitos

constitucionalmente previstos do quais o investigado poderá gozar quando assim couber e

desejar. Defender direitos individuais, e não interesses como o criminalista chama, vai além

de pretensões pessoais confrontadas com o interesse da coletividade, é permitir que todo e

qualquer indivíduo tenha os seus direitos garantidos, bem como o seu gozo, com base no que

prevê a lei, não havendo abuso na sua prática, muito menos oposição frente à coletividade, já

que as garantias e direitos fundamentais individuais devem ser de completa e total defesa por

parte da sociedade como um todo.

Como brevemente discutido em momento anterior no presente trabalho, a

identificação criminal do investigado traz uma série de consequências negativas ao seu

convívio social, posto que o simples fato de ter o nome atrelado a qualquer tipo de crime já

estigmatiza o cidadão, transformando-o, aos olhos dos outros indivíduos, em um inimigo

social e com o qual deve ser evitado o contato. Essa confusão feita popularmente a respeito da

culpabilidade e do indivíduo que comprovadamente foi demonstrado ser culpado por meio de

sentença condenatória, torna ainda mais perigosa a edição de leis como a aqui estudada, posto

que poderá antecipar, principalmente aos olhos do povo, ainda sem ação penal aberta e

devidamente finalizada, o estigma da culpa, colocando sobre o investigado o rótulo de

condenado.

Alinhado aos argumentos desfavoráveis a não mais tão nova lei levantam uma

série de questões sobre as quais deve estar atenta toda a sociedade, em especial o meio

jurídico. Sobre o entendimento de Lopes Jr, revela o risco quanto ao fato da autorização para

coleta de dado genéticos partir de decisão judicial, podendo acarretar o decisionismo, além de

dar a possibilidade de o juiz agir de ofício, o que significaria afronta a imparcialidade e desvio

das funções e competências da autoridade judicial no andamento do processo penal, passando

este a ser titular da produção probatória. Argumentos nesse mesmo sentido também são

levantados por Giancarlo Silkunas Vay, José Rocha Silva e Rogério Sanches Cunha

(MARTINS,2013).

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48

Por fim, Lima informa através do entendimento do STF que “o mesmo já se

manifestou no sentido de que o acusado não é obrigado a fornecer material para realização de

exame de DNA. Todavia, o mesmo Supremo também tem precedentes no sentido de que a

produção dessa prova será válida se a coleta do material for feita não invasiva” (2017, p.148).

No mesmo sentido já defendido, o Tribunal entendeu não ser razoável ou legal a coleta

compulsória do material genético, confirmando que o contrário poderá ocasionar dano à

garantia do cidadão de não aceitar produzir prova que possa levar a sua culpabilidade. Com

relação as provas classificadas como descartadas, conforme explicação no capítulo anterior,

há o entendimento do STF de que a utilização delas não violaria o Princípio da Não

Autoincriminação, posto que não houve nenhum tipo de indução ou constrangimento para que

o investigado pudesse colaborar com a coleta da prova.

Diante de todo exposto, vale refletir sobre quais são os reais interesses em um

alargamento do Direito Penal, os porquês que são utilizados pra lhe justificar e,

principalmente, de que maneira e sobre quem recairá as consequências advindas dessa

tendência. Magalhães reforça o alerta ao destacar (2014, p.91, grifos nossos):

Diante deste quadro, procura-se assinalar em que medidas a utilização do Direito

Penal como instrumento de controle social por ocasião das crises fomentadas pelo

abandono do modelo do Welfare state (Estado do Bem-estar Social) são

instrumentos legítimos diante do contexto vivenciado, ou se, conforme preceitua

Wacquant (1999), o que as premissas do Estado Penal propõem nada mais é do que

legitimar a arbitrariedade estatal por meio de um discurso imbuído de uma

credibilidade que não lhe é atribuída por qualquer teoria criminológica.

A autora supramencionada deixa claro sobre o que se pautam essas

intervenções na legislação penal e frisa que há cientificamente o entendimento que abrir

espaço para um Estado Penal as custas da depredação do Estado de Bem-estar Social não

indica evolução ou melhoramento de uma sociedade, muito menos aponta para resultados

exitosos, mas sim baseia-se em uma tática falha e que não se demonstra apta a acabar com os

problemas a que se propõe. As características da pós-modernidade e o enfretamento do risco,

tornam-se desafio central, endossado por todo o clima de terror criado a partir das

informações veiculadas em massa a respeito de crimes ocorridos, tendendo a sociedade a

estabelecer estratégias que, ao menos teoricamente, poderão fazer a paz social reinar.

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49

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi analisado, algumas considerações podem ser estabelecidas e,

infelizmente, os apontamentos não são dos melhores. A influência da mídia sobre a massa é,

sem sombra de dúvidas, um dos maiores agravantes presenciados no contexto social, político

e jurídico atual, e reforça, diariamente, o temor causado pelas notícias, na sua maioria a

respeito de crimes violentos contra pessoa, bem como o discurso de que a solução para esse

problema está no endurecimento do ordenamento penal. Em meio ao grande fluxo de

informações, diante de uma população que não tem, de maneira generalizada, acesso à uma

educação formal e crítica, levantar bandeiras como esta torna-se cada vez mais perigoso,

acaba recaindo sobre direitos básicos dos quais o cidadão não pode abrir mão e encontra

nesses indivíduos o eco necessário para propagar essa ideia.

A sensação de insegurança naturalmente provoca na sociedade a

responsabilização do Estado como um todo, já que a mesma, na sua maioria, desconhece as

competências de cada um dos três Poderes, cobrando que alguma resposta seja dada e alguma

medida apresentada. Destaca-se que além de todo o cenário de terror criado pelos meios de

comunicação, alguns programas desses veículos têm como maior atrativo o completo

desrespeito e humilhação aos quais são expostos os indivíduos encontrados em situação de

flagrante, ou na condição de investigados, imbuindo o telespectador a essa prática, a enxergar

da mesma forma desonrosa o cidadão que cometeu ato delituoso. Diante disso, aquela que

mais rapidamente for exposta e tenha como objetivo principal a privação da liberdade

daqueles que são vistos como inimigos da sociedade certamente ganhará o apoio popular.

Há sobre o tema, muitas vezes a ideia deturpada de conflito entre interesses

individuais e interesses coletivos. De antemão, parece pejorativo, nesse ínterim, utilizar a

nomenclatura “interesse”, posto que pode transmitir a ideia de que se tratam de meros desejos

ou preferências de ambos, quando na verdade se discute a respeito de direitos legalmente

previstos no ordenamento jurídico brasileiro, com destaque naquilo tutelado pela Constituição

Federal. É mister frisar que ambos os direitos, individuais e coletivos, não se tratam de

interesses concorrentes, posto que proteger e assegurar o gozo das garantias legais do

indivíduo é garantir segurança jurídica à coletividade que poderá, a partir dessa máxima,

confiar de que a todos os outros serão propiciadas as mesmas oportunidades e direitos. Dessa

forma, não se deve alimentar essa falsa concorrência, entendendo que assim fazer é colocar o

cidadão contra o cidadão, é fazê-lo achar que possui enquanto comunidade mais direitos do

que aquele então compreendido como indivíduo, devendo ser regado e defendido o senso de

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50

coletividade que gerará na sociedade uma consciência e negação a todo e qualquer abuso e

negligência que possa cometer o Estado.

Nesse contexto, falar apenas em medidas legislativas denuncia um completo

desvio da competência do Direito Penal, dado que a este Direito não cabe solucionar ou

responder todas as questões sociais, já que estão nelas a raiz da problemática da

criminalidade, muito menos ser a primeira e única alternativa estatal. A ele se deve recorrer

como a última ratio, diante do fato de que não pode ser o primeiro objetivo penalizar aquele

que descumprir a lei, no seu corpo privando da sua liberdade ou no seu patrimônio. O que

transparece, e na realidade vem acontecendo, é que as instituições públicas estão

completamente enfraquecidas, sendo incapazes de exercer as suas funções básicas e garantir

políticas voltadas a toda população com o fulcro de dar condições básicas de vida em

sociedade. Ao concentrar em somente um Poder todas as expectativas a cerca de um problema

que atinge e incomoda toda a massa, o Estado assina o seu atestado de incompetência e

negligência frente as questões sociais e demonstra completo despreparo racional para lidar

com elas. Espera-se muito mais do que medidas emergenciais, urgentes, exige-se que sejam

traçados ações e resultados, que seja visualizado diante de cada demanda de que forma será

melhor, coletivamente e para a coletividade, não agir aplicando equações prontas

fundamentando-se no discurso de que elas garantirão um resultado positivo e igualitário para

todos.

Todo esse imediatismo e irracionalidade ao tratar e discutir meios que possam

atenuar os problemas existentes na sociedade brasileira, leva, em forma de texto legislativo, a

uma quebra com os princípios constitucionais e, consequentemente, com a ordem

democrática, ao em busca de demonstrar atividade o legislador edita normas em completo

descompasso com o texto constitucional, desrespeitando direitos fundamentais. Dessa forma,

o até então proposta construção de um Estado de Direito caminha para o estabelecimento do

oposto, um Estado Penal, onde o ordenamento jurídico penal é utilizado quase como um

manual de como apaziguar tensões sociais, por conseguinte, insegurança jurídica. Não há

como justificar ou defender texto legal que visível e claramente desrespeita de maneira direta

a Carta Maior, sendo de conhecimento geral, no universo jurídico, que a ela devem atender

todas as outras normas editadas, sob pena de serem declaradas inconstitucionais. O único

caminho para tanto é alegar utilização de um direito de maneira demasiada ao ponto de

desprivilegiar e dificultar o atendimento aos interesses coletivos, demonizando aquilo que

deveria ser defendido a todo custo por qualquer indivíduo que conheça, ainda que de maneira

básica e superficial, o Direito.

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51

O juiz, como última instância desse “processo legislativo”, compreendendo que

a sua edição por si só não é um fim em si mesma, já que a sua efetivação é o real, ou deve ser,

o principal objetivo, é necessário que esteja a par da mesma na mesma proporção que deve

estar no mesmo passo que a Constituição, cumprindo assim aquilo que é de competência do

Judiciário. Ao invés disso, têm-se transformado na figura de acusadores, que ao invés de

garantirem que não será privado de liberdade nenhum cidadão até que se comprove, sem que

restem dúvidas, a sua culpabilidade em crime previsto em lei. A função do juiz, para além de

guiar todo o decurso do devido processo legal, garantindo que à ambas as partes sejam

oportunizados o contraditório e a ampla defesa, porém a tendência tem sido diversa a

presunção de inocência, recaindo sobre o réu a incumbência de provar a sua inocência,

iniciando como culpado até que se prove o contrário. Não há o intuito de generalizar esse tipo

de prática, porém na esfera penal ao menor sinal de que estas estão sendo adotadas é

suficiente para que se rediscuta e relembre as verdadeiras competências da autoridade judicial

e se rechace conduta oposta, alertando e denunciando a existência dessas práticas.

O Garantismo Penal, mostra-se como uma maneira de racionalizar a edição de

leis, assim como a sua aplicação, limitar a atuação estatal a fim de evitar abusos desta em

todos os sentidos que vierem de encontro aos preceitos estabelecidos constitucionalmente.

Além disso, estabelece sobre que princípios deve se fundamentar e atingir para que uma

sociedade seja considerada garantista e democrática, primando sempre em estabelecer

garantias ao indivíduo e deixar clara a utilização do Direito Penal como última alternativa,

caso contrário corre-se o risco de estabelecer um Estado Penal.

Nesse passo, baseando-se nos argumentos manifestados, a

inconstitucionalidade da Lei nº 12.654/2012 é um caso real, desde a coleta compulsória de

material biológico para a formação de um banco de dados até o prazo estabelecido para o

descarte daquele, e encontra respaldo não somente no texto legal como em parte da

comunidade jurídica. Os posicionamentos favoráveis à mesma demonstram completo

desrespeito aos princípios elencados no texto constitucional, relativizando a gravidade que é

não os atender, tanto na esfera individual, quanto para a coletividade. A supressão de um

direito individual nunca poderá servir de fundamento, muito menos respaldar, um discurso

que se diga em prol da coletividade, posto que há completa incoerência em tal, já que a

sociedade que não protege o seu cidadão como indivíduo será incapaz de protegê-lo em sua

vida em coletividade. Para além de vício de constitucionalidade, há um vício de ótica, sobre o

qual paira a equivocada e limitada análise apenas do fato ou ato isoladamente, ignorando

ativamente as consequências e aqueles que elas atingirão.

Page 53: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

52

Enquanto os aspectos da vida em sociedade continuarem sendo visualizados,

discutidos, pensados, problematizados de maneira isolada, ignorando a interdisciplinaridade

necessária para a sua compreensão, bem como as particularidades dos diversos grupos que a

compõem, e junto a eles suas ideias, ideologias e interesses, nenhum mecanismo ou proposta

de solução, quiçá uma lei, serão suficientes para garantir uma vida equilibrada. Primeiro que

não se trata de uma formula mágica sobre a qual se encaixarão todas as realidades e todas as

problemáticas. A partir disso, é necessário pensar a partir do caso concreto, levando em

consideração todos os aspectos que o compõe e a partir daí estabelecer metas, métodos e

mecanismos que serão capazes não somente de harmonizar o caso em questão, mas também o

manterá alinhado aos preceitos que regem toda a sociedade. De fato, não é fácil estabelecer e

implantar essa concepção, dadas todas as questões elencadas aqui, porém não significa ser

algo inatingível, mas na mesma proporção das dificuldades é necessária uma mudança de

ótica do cidadão, da sociedade e do Estado, um para com o outro. E que ao final disto ambos

compreendam que fazem parte de um mesmo sistema e que o mesmo deve ser colaborativo,

cooperativo, nas suas pretensões, atitudes e objetivos, no sentido de que as leis devem valer

para todas na mesma medida, mas que também ao serem editadas devem ser pensadas para

todos. Respeitando assim aquilo que estabelece a Constituição Federal, dentre os quais,

principalmente, os seus princípios, garantias e direitos fundamentais, base sólida para um

Estado Democrático de Direito

REFERÊNCIAS

Page 54: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

53

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_______. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Diário Oficial da União, Poder

Executivo, Brasília, DF, 13 out. 1941.

_______. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana

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Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 9 nov. 1992.

_______. Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificação criminal do

civilmente identificado, regulamentado o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal. Diário

Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 2 out. 2009.

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e 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, para prever a coleta de perfil

genético como forma de identificação criminal, e dá outras providências. Diário Oficial da

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CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS. Anexo ao Decreto que

promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa

Page 55: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

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Rica) – MRE. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-

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(Doutorado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São

Paulo, 2015.

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ANEXO A – LEI Nº 12.654/2012

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26/03/2018 L12654

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm 1/2

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 12.654, DE 28 DE MAIO DE 2012.

VigênciaAltera as Leis nos 12.037, de 1o de outubro de 2009, e 7.210,de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, para prever acoleta de perfil genético como forma de identificação criminal,e dá outras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o O art. 5o da Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafoúnico:

“Art. 5o .......................................................................

Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir acoleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.” (NR)

Art. 2o A Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:

“Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados embanco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.

§ 1o As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos nãopoderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinaçãogenética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitoshumanos, genoma humano e dados genéticos.

§ 2o Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso,respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover suautilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial.

§ 3o As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão serconsignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.”

“Art. 7o-A. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término doprazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.”

“Art. 7o-B. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso,conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.”

Art. 3o A Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art.9o-A:

“Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de naturezagrave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético,mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.

§ 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso,conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.

§ 2o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no casode inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.”

Art. 4o Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias da data de sua publicação.

Brasília, 28 de maio de 2012; 191o da Independência e 124o da República.

DILMA ROUSSEFFJosé Eduardo CardozoLuiz Inácio Lucena Adams

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26/03/2018 L12654

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm 2/2

Este texto não substitui o publicado no DOU de 29.5.2012

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ANEXO B – PROJETO DE LEI Nº 93/2011

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ti 2010-1080

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº , DE 2011

Estabelece a identificação genética para os

condenados por crime praticado com violência

contra a pessoa ou considerado hediondo.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Esta Lei trata da identificação genética dos condenados

por crime praticado com violência contra a pessoa ou considerado hediondo.

Art. 2º Serão submetidos à identificação genética obrigatória,

mediante extração de DNA por técnica adequada e indolor, os condenados por

crime praticado com violência contra a pessoa ou por qualquer dos crimes

previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.

Art. 3º A identificação genética será armazenada em banco de

dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.

Art. 4º A autoridade policial, federal ou estadual poderá requerer

ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de

dados de identificação genética.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O presente projeto de lei vem para reforçar um processo já em

andamento no Brasil. Nosso País deverá contar, em breve, e já tardiamente,

com um banco de perfis de DNA nacional para auxiliar nas investigações de

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ti 2010-1080

crimes praticados com violência. O sistema, denominado CODIS (Combined

DNA Index System) é o mesmo usado pelo FBI, a polícia federal dos Estados

Unidos, e por mais 30 países. O processo para a implantação do CODIS

começou em 2004. O banco de evidências será abastecido pelas perícias

oficiais dos Estados com dados retirados de vestígios genéticos deixados em

situação de crime, como sangue, sêmen, unhas, fios de cabelo ou pele.

O CODIS prevê ainda um banco de identificação genética de

criminosos, que conteria o material de condenados. Todavia, a sua

implantação depende de lei. É do que trata o presente projeto. De fato, uma

coisa é o banco de dados operar apenas com vestígios; outra é poder contar

também com o material genético de condenados, o que otimizaria em grande

escala o trabalho investigativo.

A determinação de identidade genética pelo DNA constitui um

dos produtos mais revolucionários da moderna genética molecular humana.

Ela é hoje uma ferramenta indispensável para a investigação criminal.

Evidências biológicas (manchas de sangue, sêmen, cabelos etc.)

são frequentemente encontradas em cenas de crimes, principalmente aqueles

cometidos com violência. O DNA pode ser extraído dessas evidências e

estudado por técnicas moleculares no laboratório, permitindo a identificação

do indivíduo de quem tais evidências se originaram. Obviamente que o DNA

não pode por si só provar a culpabilidade criminal de uma pessoa ou inocentá-

la, mas pode estabelecer uma conexão irrefutável entre a pessoa e a cena do

crime. Atualmente os resultados da determinação de identificação genética

pelo DNA já são rotineiramente aceitos em processos judiciais em todo o

mundo.

O DNA pode ser encontrado em todos os fluidos e tecidos

biológicos humanos e permite construir um perfil genético individual. Além

Page 63: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

ti 2010-1080

disso, características moldadas ao longo da história evolutiva dos seres vivos

adaptaram o DNA para ser uma molécula informacional com baixíssima

reatividade química e grande resistência à degradação. Essa robustez da

molécula faz com que o DNA seja ideal como fonte de identificação resistente

à passagem do tempo e às agressões ambientais frequentemente encontradas

em cenas de crimes.

A determinação de identidade genética pelo DNA pode ser usada

para muitos fins hoje em dia: demonstrar a culpabilidade dos criminosos,

exonerar os inocentes, identificar corpos e restos humanos em desastres aéreos

e campos de batalha, determinar paternidade, elucidar trocas de bebês em

berçários e detectar substituições e erros de rotulação em laboratórios de

patologia clínica.

Julgamos tratar-se de medida necessária e urgente, para a qual

peço o apoio dos meus ilustres Pares.

Sala das Sessões,

Senador CIRO NOGUEIRA

Page 64: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

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ANEXO C – PARECER DO RELATOR DEMÓSTENES TORRES A RESPEITO DO PLS

Nº 93/2011

Page 65: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

SSEENNAADDOO FFEEDDEERRAALL

GGaabbiinneettee ddoo SSeennaaddoorr DDEEMMÓÓSSTTEENNEESS TTOORRRREESS

PARECER Nº , DE 2011

Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO,

JUSTIÇA E CIDADANIA, em caráter

terminativo, sobre o Projeto de Lei do Senado nº

93, de 2011, do Senador Ciro Nogueira, que

estabelece a identificação genética para os

condenados por crime praticado com violência

contra pessoa ou considerado hediondo.

RELATOR: Senador DEMÓSTENES TORRES

I – RELATÓRIO

Vem a esta Comissão, para análise e decisão terminativa, nos

termos dos arts. 91 e 101, II, d, do Regimento Interno do Senado Federal, o

Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 93, de 2011, do Senador Ciro Nogueira,

que visa estabelecer a identificação genética para os condenados por crime

praticado com violência contra pessoa ou considerado hediondo.

O PLS determina nos seus arts. 2º ao 4º o seguinte:

Art. 2º Serão submetidos à identificação genética obrigatória,

mediante extração de DNA por técnica adequada e indolor, os

condenados por crime praticado com violência contra a pessoa ou

por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25

de julho de 1990.

Page 66: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

2

Art. 3º A identificação genética será armazenada em banco

de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder

Executivo.

Art. 4º A autoridade policial, federal ou estadual poderá

requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o

acesso ao banco de dados de identificação genética.

O autor justifica que

O presente projeto de lei vem para reforçar um processo já

em andamento no Brasil. Nosso País deverá contar, em breve, e já

tardiamente, com um banco de perfis de DNA nacional para

auxiliar nas investigações de crimes praticados com violência. O

sistema, denominado CODIS (Combined DNA Index System) é o

mesmo usado pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, e por

mais 30 países. O processo para a implantação do CODIS começou

em 2004. O banco de evidências será abastecido pelas perícias

oficiais dos Estados com dados retirados de vestígios genéticos

deixados em situação de crime, como sangue, sêmen, unhas, fios de

cabelo ou pele.

O CODIS prevê ainda um banco de identificação genética de

criminosos, que conteria o material de condenados. Todavia, a sua

implantação depende de lei. É do que trata o presente projeto. De

fato, uma coisa é o banco de dados operar apenas com vestígios;

outra é poder contar também com o material genético de

condenados, o que otimizaria em grande escala o trabalho

investigativo

Não foram oferecidas emendas até o presente momento.

II – ANÁLISE

Não verifiquei vícios de constitucionalidade, porquanto a

matéria trata de ciência, cuja competência para proporcionar os meios de

acesso pode ser da União, por iniciativa de qualquer membro do Congresso

Nacional, tendo em vista o disposto nos arts. 23, V, e 48, ambos da

Constituição Federal.

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3

Quanto ao mérito, destaque-se que, de acordo com estudo de

Sérgio D. J. Pena, intitulado Segurança pública: determinação de

identidade genética pelo DNA, do ponto de vista social, a determinação de

identidade genética pelo DNA (ácido desoxirribonucléico) constitui um dos

produtos mais revolucionários da moderna genética molecular humana. Em

menos de 20 anos ela se tornou uma ferramenta indispensável em

investigação criminal.

A determinação de identidade genética pelo DNA é uma

técnica muito superior a todas as técnicas preexistentes de medicina

forense, inclusive às impressões digitais clássicas. O DNA pode ser

encontrado em todos os fluidos e tecidos biológicos humanos. Além disso,

os estudos dos polimorfismos de DNA (regiões do genoma nas quais

existem variações entre pessoas sadias) permitem construir um perfil

genético de cada indivíduo.

O primeiro banco de dados de perfis genéticos de criminosos

foi criado na Inglaterra, mas sem dúvida o banco mais importante, criado

pelo FBI nos Estados Unidos (EUA), é o Sistema de Índice de DNA

Combinado (CODIS – Combined DNA Index System).

O CODIS começou como um projeto piloto em 1990 e ganhou

impulso com o DNA Identification Act de 1994, que deu ao FBI a

autoridade de estabelecer um banco de dados em nível nacional para fins de

investigação criminal.

De acordo com III Congresso Brasileiro de Genética Forense,

realizado entre 10 a 13 de maio deste ano em Porto Alegre – RS, o Brasil,

nos últimos anos, num esforço dedicado a combater as nossas altas taxas de

violência e de criminalidade, criou, com o uso da Genética Forense, uma

rede organizada de laboratórios periciais criminais e vem implantando o

Banco Nacional de Perfis Genéticos (em Rede Integrada de Bancos de

Perfis Genéticos e a implantação do CODIS no Brasil, de Aguiar, S. M. e

outros).

Tendo em vista que a tecnologia de bancos de perfis genéticos

já se mostrou extremamente eficaz em vários países, notadamente nos EUA

e Reino Unido, o seu impacto na promoção da justiça e combate à

impunidade tem sido fator determinante para sua implantação no Brasil.

Page 68: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

4

Os esforços visando o desenvolvimento da Genética Forense

no cenário nacional resultaram, em 2009, na assinatura do Termo de

Compromisso para utilização do software CODIS, programa de

gerenciamento de perfis genéticos desenvolvido pelo FBI, como já

informado. Em 2010, foi feita a maior instalação do programa CODIS fora

dos EUA, incluindo 15 laboratórios estaduais, um laboratório federal, mais

os bancos nacionais, tanto do CODIS 5.7.4 (criminal), quanto do CODIS

6.1 (pessoas desaparecidas). Essa estrutura de laboratórios e bancos foi

batizada como Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG).

Ainda, em conformidade com o recente Congresso, estudos

recentes apontam o Brasil como o sexto País do mundo em taxa de

homicídios (26,4 homicídios em 100.000 habitantes/ano) e destacam uma

situação igualmente grave em relação aos crimes sexuais. As taxas de

elucidação desses delitos são baixas, com menos de 10% dos homicidas

apropriadamente identificados e condenados, devido à ausência de prova

material; tal fato tem causado comumente o arquivamento de vários

inquéritos e denúncias.

A efetiva atuação da Rede Integrada de Bancos de Perfis

Genéticos certamente diminuirá esses índices alarmantes de violência.

Todavia, a legislação em vigor não obriga os condenados por crimes graves

a fornecer amostras biológicas de referência.

Entendo, portanto, que a presente proposição ofertará mais

eficiência ao banco de dados de identificação de perfil genético, ao permitir

a colheita de DNA por procedimento não invasivo, não ofendendo, por

conseguinte, os princípios de respeito à integridade física e à dignidade

humana.

Cumpre ressaltar que o conceito de crime praticado com

violência contra a pessoa abrange a lesão corporal leve, parecendo

exagerado submeter o agressor, nesse caso, à identificação genética. Por

isso, proponho a alteração da redação do projeto para crime praticado,

dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa.

Haja vista que o PLS cuida de identificação genética de

condenados, proponho, também, que a sua redação refira-se à

Page 69: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

5

“identificação do perfil genético”, para guardar coerência com os termos

constantes do sistema em implantação no Brasil.

Ademais, dada a afinidade temática, entendo que tal forma de

identificação deva constar da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11

de julho de 1984) e não de lei autônoma.

II – VOTO

Diante dessas considerações, opino pela aprovação do Projeto

de Lei do Senado nº 93, de 2011, na forma do seguinte substitutivo:

EMENDA Nº – CCJ (SUBSTITUTIVO)

Projeto de Lei do Senado nº 93, de 2011

Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei

de Execução Penal), para estabelecer a

identificação do perfil genético de condenados

por crime praticado com violência contra a pessoa

ou considerado hediondo.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de

Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9º-A:

Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente,

com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos

crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990,

Page 70: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

6

serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil

genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucléico),

por técnica adequada e indolor.

§1º A identificação do perfil genético será armazenada em

banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo

Poder Executivo.

§2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá

requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o

acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala da Comissão,

, Presidente

, Relator

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59

ANEXO D – PARECER DO DEPUTADO VICENTE CÂNDIDO A RESPEITO DO

PROJETO DE LEI Nº 2458/2011

Page 72: PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A …

CÂMARA DOS DEPUTADOS

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA

PROJETO DE LEI Nº 2458, DE 2011

(Apensados: PL 2458/2011, PL 1820/1996, PL 417/2003, PL 188/1999,

PL 4335/2008, PL 4487/2008, PL 2371/2011, PL 2624/2011)

Altera as Leis nº 12.037, de 1º de outubro de 2009, e nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal, e dá outras providências.

Autor: Senador CIRO NOGUEIRA

Relator: Deputado VICENTE CÂNDIDO

I – RELATÓRIO

Trata-se de projeto de lei, de autoria do Senador CIRO NOGUEIRA, que intenta

regulamentar a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal.

A proposição define que os dados relacionados a essa coleta:

“deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos,

gerenciado por unidade oficial de perícia criminal”;

“não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais ds

pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as

normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos,

genoma humano e dados genéticos”;

“terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e

administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização

para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial”;

“deverão ser consignados em laudo pericial firmado por perito

oficial devidamente habilitado”;

serão armazenados em “banco de dados sigiloso, conforme

regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo”;

serão excluídos dos bancos de dados quando do “término do prazo

estabelecido em lei para a prescrição do delito”.

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O PL ainda propõe a participação da Lei de Execução Penal no trato do assunto.

Por meio dela, o Projeto explicita que serão submetidos, obrigatoriamente, à

identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucleico),

por técnica adequada e indolor, os condenados por crime praticado, dolosamente, com

violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art.

1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. No mesmo lugar, o Projeto determina que

“A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso

de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil

genético”.

Em sua justificação, o autor aduz sobre um processo já em andamento no Brasil,

devendo ser formado, em breve, um banco de perfis de DNA nacional para auxiliar nas

investigações de crimes praticados com violência.

Ao PL 2458/2011foram apensados os Projetos de Lei nºs PL 1820/1996, PL

188/1999, PL 4335/2008, PL 4487/2008, PL 2371/2011, PL 2624/2011 e PL 417/2003.

O Projeto de Lei nº 1820/1996, de autoria do ex-deputado Max Rosenmann,

propõe que as pessoas indiciadas em inquérito policial pela prática dos crimes

previstos na Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, serão obrigatoriamente identificados

pelo processo previsto na Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. A esse projeto foram

apensados o PL 417 / 2003 e o PL 188 / 1999.

O Projeto de Lei nº 417, de 2003, de autoria do ex-deputado Wasny de Roure,

propõe que o preso em flagrante delito, o indiciado em inquérito policial, aquele que

pratica infração penal de menor gravidade (art. 61, caput e parágrafo único do art. 69

da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995), assim como aqueles contra os quais

tenha sido expedido mandado de prisão judicial, desde que não identificados

civilmente, serão submetidos à identificação criminal, incluindo a de DNA.

O Projeto de Lei nº 188/1999, de autoria do ex-deputado Alberto Fraga, propõe

que os denunciados em crimes hediondos sejam submetidos à identificação genética

obrigatória e, se necessária, coercitiva.

A esta proposição foi apensado o PL 4335/2008, de autoria do deputado Ratinho

Júnior, que propõe a criação de banco de DNA para o cadastramento de acusados em

crimes sexuais e pedofilia.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

A este Projeto foi apensado o PL 4487/2008, de autoria da deputada Sandra

Rosado, que propõe a criação do cadastro nacional de pedófilos. A ele foram

apensados o PL 2371/2011 e o PL 2624/2011.

O Projeto de Lei nº 2371/2011, de autoria da deputada Lilian Sá de Paula,

propõe a criação do Sistema Nacional de Combate à Pedofilia e à Exploração Sexual

Infanto-Juvenil. Sobre a iniciativa, o documento registra que a União manterá, no

âmbito do órgão competente do Poder Executivo, a base de dados do Sistema

Nacional de Combate à Pedofilia e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil, a qual conterá

dados relativos ao registro e às características de autores de crimes de pedofilia e

outros crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes registrados junto aos

órgãos estaduais de segurança pública.

E finalmente, o Projeto de Lei nº 2624/2011, de autoria dos deputados Fernando

Francischini e Antonio Imbassahy, define os crimes de pedofilia dentro da legislação

pertinente e cria o Cadastro Nacional de Pedófilos e Criminosos Sexuais, relacionado

aos crimes previstos no Capítulo II do Título VI do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de

dezembro de 1940 – Código Penal e aos arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C, 241-D,

241-E e 241-F da Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do

Adolescente e inciso VI do art. 1º da Lei nº 8.072 de 25 de julho de 1990.

Cabe lembrar que as proposições em exame estão sujeitas à apreciação do

Plenário. A este relator foi instado o posicionamento pertinente ao mérito, à

constitucionalidade e juridicidade da matéria.

É o relatório.

II – VOTO DO RELATOR

Compete a esta Comissão a análise de projetos, emendas e substitutivos

sujeitos à apreciação da Câmara e suas Comissões, sob o ponto de vista da

constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, nos moldes do art. 32, IV, alínea

a, do Regimento Interno.

Não observei vícios de constitucionalidade, juridicidade ou de técnica legislativa

na matéria abrangida pelo PL 2458/2011. Tampouco posso dizer que haja qualquer

discordância do Projeto para qualquer dos preceitos listados no inciso IV do artigo 32

do RICD. Assim sendo, amparado por uma profunda reflexão, transversal às matérias

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de direito e de ciências naturais, registro a seguir um texto emblemático da conclusão a

que chegamos após estudo detido acerca da matéria. O escrito é um notável trabalho

acadêmico produzido sobre o assunto. Na publicação embasada em bibliografia

consistente e amparada pela Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de

Janeiro, o Juiz Federal Carlos Henrique Borlido Haddad, mestre e doutor em ciência

penal, conclui:

“A admissão do exame de DNA compulsório no processo penal

brasileiro, posto que seja uma novidade em relação ao tipo de prova que

disponibilizará, não representará nenhuma inovação acerca das

restrições e bens jurídicos que já suporta o acusado. A pena privativa de

liberdade, a prisão provisória de finalidade instrutória indireta, o

monitoramento ininterrupto de diálogos, a sanção capital e a medida de

segurança de caráter indeterminado são superlativamente mais lesivos

do que a colheita do material orgânico, mormente em relação àquela que

não possui o caráter de invasividade. É preciso apenas voltar os olhos

para as provas e sanções atualmente existentes no processo penal e

lembrar-se da existência de medidas de caráter restritivo para superar a

cultura de intangibilidade absoluta do acusado.

O exame de DNA compulsório é adotado em Estados do civil e

do common law, e tem-se mostrado como importante instrumento para a

melhor elucidação dos fatos no processo penal. Conquanto limite e

restrinja alguns bens jurídicos dignos de tutela, não suprime ou ofende

os direitos do acusado no processo.

A incorporação do exame de DNA obrigatório no processo penal

brasileiro ainda não se verificou, porque depende de lei específica que

preveja as hipóteses em que pode ser compulsoriamente executado, em

que condições será realizado, bem como de quais direitos e

prerrogativas dispõe o réu e quais medidas de proteção da informação

deverão ser adotadas. Atualmente, em face da lacuna legislativa, é

indispensável o consentimento do réu para a realização do exame sobre

o material orgânico dele originado. A regulamentação das intervenções

corporais deve ter por norte o cânone de proporcionalidade e prever a

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submissão obrigatória quando nenhum meio menos gravoso para o

acusado revele-se eficaz no esclarecimento dos fatos. A consecução

coercitiva da extração de amostras de material orgânico, ao mesmo

tempo em que obsta que sejam adotadas as temerárias presunções de

culpabilidade, não acrescenta nova acusação ou punição pela recusa

injustificada do acusado. Ademais, o recurso às intervenções corporais

compulsórias propicia maior segurança no julgamento através da

apresentação de prova embasada em preceitos científicos irrefutáveis”.

Em outro texto, o diretor da Diretoria Técnico-Científica da Polícia Federal, Paulo

Roberto Fagundes, consolida a discussão sobre banco de dados de perfil genético de

forma objetiva:

“A utilização do DNA como instrumento de investigação e prova é

uma realidade nos laboratórios oficiais do Brasil. Contudo, os exames

são realizados apenas quando se têm amostras suspeitas e amostras

referências para comparação - os chamados casos fechados. A eficácia

na utilização do DNA na investigação criminal pede a implantação de um

Banco de Dados de DNA Criminal no país, no qual serão armazenados

perfis de DNA coletados em cenas de crimes para as mais diversas

comparações possíveis no intuito de esclarecimento de autoria de tais

crimes. Para a implantação de um sistema desse tipo existem algumas

condições a serem cumpridas (...), do ponto de vista estratégico, a

aprovação de um projeto de lei que estabeleça condições de

armazenagem de perfis de DNA é o primeiro passo para a implantação

gradual do banco de dados. (...) As demais condicionantes serão

paulatinamente ajustadas desde que essas condições essenciais sejam

garantidas.”

Com essas reflexões em mente, é o meu voto: pela constitucionalidade,

juridicidade e boa técnica legislativa do Projeto de Lei 2458/2011, e de todos os seus

apensados.

No que diz respeito ao mérito, observamos que o PL 2458/2011, reúne – por

meio do pensamento de madura estrutura institucional – o espírito de ideias e esforços

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presentes nas notáveis iniciativas do PL 1820/1996, do PL 417/2003, do PL 188/1999,

do PL 4335/2008, do PL 4487/2008, do PL 2371/2011 e do PL 2624/2011.

Diante dessas considerações e dos termos regimentais pertinentes, voto pela

aprovação do texto contido no Projeto de Lei nº 2458/2011 e pela rejeição do PL

1820/1996, do PL 417/2003, do PL 188/1999, do PL 4335/2008, do PL 4487/2008, do

PL 2371/2011 e do PL 2624/2011.

Deputado VICENTE CÂNDIDO Relator