prÁticas docentes na eja: alguns pressupostos...
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PRÁTICAS DOCENTES NA EJA: ALGUNS PRESSUPOSTOS FREIREANOS
NA/PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Rosimeri Maria Barbosa1-UNIGRANRIO/UNIABEU
Cristina Novikoff2-UNIGRANRIO
Resumo
Este trabalho, originário das discussões realizadas no Programa de Pós-graduação
Stricto Senso em Letras e Ciências Humanas, especialmente no Laboratório de Estudos
e Pesquisas em Representações Sociais na/para Formação de Professores (LAGERS-
UNIGRANRIO), tem como objetivo compreender os saberes docentes frente aos
pressupostos freireanos e as contribuições na/para a formação dos futuros professores,
mais especificamente dos que pretendem trabalhar com a Educação de Jovens e
Adultos. Documentos oficiais como a Constituição da República Federativa do Brasil
(1988), a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) e as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA (2000) deram sustentação a esta pesquisa,
bem como as obras de Arroyo (2007), Carvalho (2001), Di Pierro (2001), Freire (1979,
1996, 2000, 2009, 2011) e Gadotti (2011), entre outros. Estudo de natureza qualitativa
teve como lócus a Escola Municipal Professor Paulo Freire e, como sujeitos da
pesquisa, os professores que trabalhavam com a EJA, totalizando seis sujeitos. Foi
realizado Grupo Focal e aplicação de questionário contendo questões abertas e fechadas.
A análise dos dados coletados nos permitiu perceber que a Educação de Jovens e
Adultos ainda é vista como segunda oportunidade para aqueles que não puderam ou não
quiseram estudar na idade "apropriada" e não como um direito garantido por lei. Como
nenhum dos sujeitos da pesquisa teve em sua formação acadêmica disciplinas voltadas
para a EJA, Paulo Freire e seus pressupostos não são conhecidos por todos os
professores que faziam parte da EJA na escola que o tem como patrono.
Palavras-Chave: Educação de Jovens e Adultos. Paulo Freire. Práticas Docentes.
1Professora Mestre em Letras e Ciências Sociais – UNIGRANRIO. Atua nas Disciplinas Pedagógicas da
Rede Pública Estadual de Ensino - SEEDUC/RJ e do UNIABEU- Centro Universitário, Orientadora
Educacional da Rede Pública Municipal de Duque de Caxias, RJ. 2 PhD em Educação pela FEBFE/UERJ (2013). Doutorado em Educação (Psicologia da Educação) pela
PUCSP (2006). Atua na Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades e no Programa de
Pós-graduação no Mestrado Interdisciplinar em Letras e Ciências Humanas/Unigranrio. Coordenadora do
Laboratório do Grupo de Estudos e Pesquisas em Representações Sociais na/para Formação de
Professores - LAGERES/Unigranrio
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 103692
Introdução
A Educação de Jovens e Adultos - EJA, segundo Arroyo (2007), apesar de ter
uma longa história, ainda não se consolidou tanto nas pesquisas como nas políticas e
diretrizes educacionais. Os estudos evidenciam o descaso com que se estruturou a EJA
no Brasil, pois não havia uma legislação específica que a garantisse como um direito de
todos e apontasse um caminho, deixando-a por conta da boa vontade e, de certa forma,
do amadorismo, sem uma exigência específica quanto à formação profissional voltada
para este segmento.
Nesta perspectiva, intenta-se neste texto resgatar a memória educacional a favor
do não esvaziamento epistemológico e teórico dos saberes docentes, resgatando alguns
pressupostos freirenianos no enfrentamento da EJA.
A EJA despertou nosso interesse por estar ligada aos ideais de Paulo Freire, mas,
também, porque havia uma previsão de fechamento desta modalidade de ensino nesta
escola no ano de 2011 pela Secretaria Municipal de Educação. Não haveria EJA na E.
M. Prof. Paulo Freire a partir de 2012. Percebemos, então, que este seria o nosso desafio
e optamos por definir a EJA como o segmento ao qual dedicaríamos o nosso estudo.
É de conhecimento público a problemática que envolve a Educação de Jovens e
Adultos (evasão, repetência e o cansaço dos que estudam e trabalham, entre outras
questões), daí a importância de uma formação sólida dos profissionais que trabalham
com esta modalidade de ensino, sejam professores, orientadores educacionais,
orientadores pedagógicos ou diretores, para poderem lidar com as diferentes situações
que surgem.
Questionamo-nos se os/as professores/as que trabalham na EJA (Etapas IV e V)
conseguem perceber que estes jovens e adultos, seus alunos, são parte constituinte da
sociedade, mas que não exercem plenamente a sua cidadania, não têm voz nem acesso
aos bens e serviços básicos, como educação de qualidade, saúde, moradia, emprego e
lazer, entre outros e que, através da educação, eles poderão se apropriar das condições
necessárias para conquistar o seu espaço. Este poderá ser um ponto de partida
significativo para o trabalho consciente destes docentes.
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Eis aí a pertinência desta temática se solidificando e o objetivo primeiro deste
estudo: compreender de que forma os pressupostos freireanos podem contribuir na/para
a formação de docentes para trabalharem com a EJA.
Haddad (2011) sinaliza que o campo de estudos sobre a EJA é recente no Brasil,
que poucas foram as pesquisas e os pesquisadores voltados para esta temática nas
décadas de 1980 e 1990. O autor atribui à chegada de Paulo Freire do exílio e,
posteriormente, ao cargo de Secretário de Educação do município de São Paulo por ele
assumido, a visibilidade que esta temática voltou a ter, principalmente com a
implantação do MOVA (Movimento de Alfabetização). Segundo estudo publicado em
2002 (HADDAD, 2011), até 1998 "3% das dissertações e teses da área de educação
estiveram voltadas para o estudo da Educação de Jovens e Adultos".
Neste sentido, estruturamos o artigo, segundo as dimensões Novikoff (2010). No
primeiro tópico apresentamos a dimensão teórica em três tópicos. No primeiro,
contextualizamos, brevemente, a EJA; no segundo, demos ênfase ao estudo sobre os
pressupostos freireanos e, no terceiro evidenciamos a importância da formação e ação
docente, onde estudamos, analisamos, buscamos compreender os limites e
possibilidades das práticas docentes no cotidiano escolar da EJA.
Na dimensão técnica apresentamos o método de estudo eleito - pesquisa de
natureza qualitativa. Os dados foram analisados no entrelaçamento das dimensões
morfológica e analítico-conclusiva, ou seja, após a análise dos dados, retornamos às
dimensões anteriores onde confrontamos as informações obtidas com os objetivos
gerais e específicos desta pesquisa e com os pressupostos teóricos de Paulo Freire.
Consideramos importante destacar que a presente pesquisa foi submetida ao
Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) no dia 10/05/2012 e considerada aprovada em
17/05/2012 (Nº CAAE 03333712.9.0000.5283).
Breve contextualização da Educação de Jovens e Adultos
Ao aprofundarmos o estudo sobre a EJA, foi possível perceber que a mesma tem
a sua história própria dentro do contexto educacional, marcada por injustiças, interesses
e lutas, de acordo com o contexto político, econômico e social vivenciado no país, ou
seja, a história da educação brasileira como um todo, assim como a história da Educação
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de Jovens e Adultos, especificamente, sempre esteve sob a influência das questões
políticas e ideológicas próprias de cada período que constituiu e constitui a história do
Brasil.
A partir de levantamentos realizados em sites de instituições de Ensino Superior,
públicas e privadas, observamos que não há formação para os educadores que optam por
trabalhar com esta modalidade de ensino nos anos finais do Ensino Fundamental e no
Ensino Médio. Dos Cursos de Licenciatura pesquisados, não há disciplinas que
discutam a EJA (conceito, características, práticas docentes, avaliação e currículo, entre
outros aspectos elementares). O Curso de Pedagogia tem a disciplina Educação de
Jovens e Adultos ou algo similar, mas as demais licenciaturas, quando têm, a têm como
disciplina optativa.
Em relação à legislação, podemos dizer que a Educação de Jovens e Adultos
aparece de forma tímida, sem muita ênfase, demonstrando o descaso que foi dado ao
público ao qual está direcionada. Um pouco do início desta história é retratada por
Carvalho (2001), que fala sobre as dificuldades que envolvem o Ensino Noturno, alvo
do nosso estudo, pois embora saibamos que a EJA pode se fazer presente no diurno,
nossa pesquisa se deu em uma escola noturna.
Segundo Di Pierro, Joia e Ribeiro (2001), foi nos anos de 1940 que a EJA
tornou-se tema de políticas públicas educacionais, mesmo que a menção a esta
necessidade já se fizesse presente em textos normativos, como na Constituição de 1934.
No Parecer CNE/ CEB 11/2000 consta que, em 1960, surge o Movimento de
Cultura Popular, os Centros de Cultura Popular e o Movimento de Educação de Base,
porém, a principal referência quanto a uma nova concepção da EJA, estava relacionada
aos pressupostos de Paulo Freire, que se baseavam numa visão socialmente
comprometida. Tais pressupostos inspiraram os programas de educação popular no país,
no início dos anos de 1960. Dai a ideia freireniana discutida por Gadotti (1999, p 225)
de que "não basta saber ler mecanicamente que 'Eva viu a uva'. É necessário
compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para
produzir uvas e quem lucra com este trabalho".
De acordo com Freire, a Educação de Jovens e Adultos seria um passo
elementar para a libertação dos oprimidos. Libertação conquistada a partir da
conscientização, do discernimento das próprias possibilidades de construção do
conhecimento. Não seria este o objetivo primeiro da educação? Freire (1992, p.11)
reforça a importância da conscientização, da ampliação da visão de mundo, sinalizando
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que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura não
possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem
dinamicamente”.
Com o golpe de 1964, Paulo Freire, assim como outros educadores envolvidos
com as classes populares e com o trabalho de conscientização e politização, foi exilado.
O trabalho por ele desenvolvido era considerado contra a "ordem nacional", ou melhor,
ia contra os interesses dos militares que, naquele momento, estavam no poder.
Freire desejava ver uma sociedade mais humana, verdadeiramente inclusiva
onde todos os cidadãos, independentemente de classe social, etnia, religião e gênero
entre outras diferenças, pudessem viver e exercer plenamente a sua cidadania,
usufruindo dos bens e serviços (educação, saúde, lazer, emprego, moradia, segurança,
dignidade) disponíveis apenas para um grupo de privilegiados. Tal preocupação pode
ser sentida em sua fala quando diz que ser uma inquietação que o levava a se “entregar a
uma prática educativa e a uma reflexão pedagógica fundadas ambas no sonho por um
mundo menos malvado, menos feio, menos autoritário, mais democrático, mais
humano” (FREIRE, 2011, p. 24).
Retornando à legislação, a Constituição da República Federativa do Brasil
(1988), no art. 206, afirma que o ensino será ministrado tendo por base princípios como
a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. O art. 208 aponta que a
educação básica obrigatória e gratuita deve ser assegurada para todos, inclusive aos que
a ela não tiveram acesso na idade própria. Afirma, também, que o ensino noturno deverá
ser adequado às condições do educando.
O art. 4º da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9.394/1996) reforça a ideia contida na Constituição, acrescentando a garantia das
condições de acesso e permanência na escola aos que forem trabalhadores. Com a atual
LDB desaparece a noção de Ensino Supletivo existente até então e surge a denominação
Educação de Jovens e Adultos.
Ao lermos os artigos da legislação educacional brasileira acima relacionados e
analisarmos, como sinaliza Arroyo (2007, p. 30), "a longa, tensa e rica história" da EJA
no Brasil, podemos perceber a dicotomia entre a teoria (Legislação Educacional
Brasileira) e a prática (o que ocorre no cotidiano das escolas que oferecem a Educação
de Jovens e Adultos), começando pela garantia de acesso e permanência, pois é
significativo o número de alunos da EJA que se matriculam, iniciam o período letivo e
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abandonam ao longo do processo. Alguns fazem apenas a matrícula, porém não
comparecem às aulas. Algo falta para mantê-los perseverantes em seus estudos.
Arroyo (2007) ratifica a problemática acima mencionada quando aponta que
"os índices de abandono na EJA, que tenta se escolarizar ainda que com tímidas
flexibilizações, refletem que nem com um estilo escolar mais flexível eles e elas
conseguem articular suas trajetórias de vida e as trajetórias escolares".
Freire e alguns de seus pressupostos
Assim como Alvarenga (2002), muito nos preocupam as distorções e mal
entendidos presentes nas colocações feitas pelos que se dizem adeptos das propostas de
Paulo Freire, bem como nas dos que se dizem contra as mesmas, pois falam do que
muitas vezes desconhecem ou, pior, com base em leituras obrigatórias ou trabalhos
descontextualizados realizados no Curso Normal ou nos cursos de Licenciatura. Sem
falar naqueles que as utilizam para encobrir seus verdadeiros posicionamentos e serem
bem aceitos, afinal, Paulo Freire é o Patrono da Educação Brasileira.
A partir da leitura das obras de Paulo Freire, podemos destacar alguns
pressupostos básicos que serviram de âncora para suas convicções diante de tantas
dificuldades enfrentadas no Brasil e no exílio. Convicções que o mantêm vivo em nossa
memória e na história da educação brasileira.
Eis alguns de seus pressupostos teóricos:
É preciso olhar o aluno como pessoa, como um ser em construção, portanto,
inacabado, assim como nós, professores.
O conhecimento se constrói a partir da interação com o outro e com o mundo,
cabendo aos professores lançarem desafios, levando os alunos a pensar, inclusive sobre
a realidade vivida, sobre o contexto social e cultural em que estão inseridos.
Para que a educação seja transformadora, a escola deve incentivar a
participação dos alunos nas aulas, percebendo-os como sujeitos, protagonistas do
processo de aprendizagem, rejeitando a educação bancária, na qual o aluno é visto como
mero receptor de informações.
Os professores devem problematizar, provocar o pensamento crítico dos alunos
e evitar a mera reprodução de conhecimentos.
Uma escola que se propõe a ser libertadora acredita no inédito-viável, não
perdendo a esperança diante dos problemas sociais, pois não aceita o determinismo.
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O respeito dos alunos e a disciplina em sala de aula são conquistados
diariamente através do respeito mútuo, ou seja, respeitando-se os alunos, ouvindo-os,
negociando e compreendendo-os no ponto em que cada um se encontra em seu processo
de desenvolvimento humano. Com justiça e coerência entre as palavras e as ações fica
mais fácil obter um clima favorável à aprendizagem.
A relação dialógica é vista como base do processo ensino-aprendizagem.
Fica aqui o desejo de provocar, nos que tiverem acesso a este estudo, o
interesse e a curiosidade em aprofundar os conhecimentos sobre os pressupostos
freireanos, além do reconhecimento e respeito por este brasileiro que soube amar o seu
país e o seu povo. Um cidadão que sonhou com o dia em que as desigualdades sociais
seriam superadas a partir do processo de conscientização provocado por uma educação
que, verdadeiramente, liberta da opressão, promove a emancipação dos educandos,
sejam crianças, adolescentes, jovens ou adultos.
Práticas docentes na EJA: limites e possibilidades no cotidiano escolar
Pensando nos pressupostos freireanos, nos perguntamos de que forma estas
práticas podem contribuir no processo de conscientização dos alunos das classes
populares.
Ao abordar os limites e as possibilidades das práticas docentes no cotidiano da
EJA com vistas à conscientização, não temos a intenção de atribuir aos professores e
professoras a responsabilidade absoluta por este processo, mas repensar tais práticas no
dia a dia da sala de aula, a cada encontro, refletindo de que forma as mesmas podem
promover o despertar da consciência crítica dos alunos.
Também não se trata de uma visão ingênua que acredita ser a escola a
redentora, a instituição responsável por acabar com as injustiças sociais, ou ainda pensar
que a educação escolar é neutra, negando, assim, de uma forma ou de outra, a
responsabilidade do governo para com a educação escolar e a falta de políticas públicas
voltadas para este segmento, que é constituído por "pessoas" que, de alguma forma, já
foram excluídas do sistema escolar em algum momento de sua trajetória enquanto
estudante.
Freire (2000, p. 31) sinaliza que “se a escola sozinha não transforma a
sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Ou seja, é preciso ter consciência da
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realidade, dos possíveis entraves encontrados pelos docentes ao exercerem o seu fazer
pedagógico, mas com compromisso e respeito aos que dependem de seu trabalho; o
docente tem no cotidiano escolar, em seu contato direto com os educandos, a
possibilidade de fazer o seu melhor, de utilizar estratégias que driblem o sistema
vigente. Se há entraves, há também possibilidades de fazer a diferença na vida de seus
educandos em busca de uma sociedade mais justa, menos desigual. Para cumprir com
estes propósitos, Freire apostava no saber de que “como experiência especificamente
humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 1996, p. 110).
Nidelcoff (1987) propõe uma reflexão sobre a importância da prática docente
alegando que, apesar de não ter ocorrido a mudança global e profunda da sociedade e da
escola, o modo de agir dos professores, sua maneira de relacionar-se com os alunos, os
objetivos do trabalho, a maneira de enfocar os conteúdos podem fazer a diferença.
Compreende por práticas docentes as inúmeras ações que fazem parte do cotidiano dos
professores e professoras, desde a elaboração do Plano de Ensino (seleção crítica dos
conteúdos a serem trabalhados e a organização dos mesmos), passando pela forma com
a qual se comunicam com os/as alunos/as e com seus pares (colegas de profissão),
envolvendo também a maneira como elaboram os instrumentos de avaliação, aplicam os
mesmos e o uso que fazem dos resultados obtidos, lembrando-se das questões sociais e
políticas que envolvem esta prática.
Ser professor/a é ser um/a profissional da educação. Entendendo-se o termo
"profissional" associado a compromisso, seriedade, respeito, competência,
conhecimento, olhar crítico sobre as questões sociais, compreensão do contexto social,
econômico e político entre outras questões necessárias para que se atinja a almejada
"educação de qualidade" para todos. Embora haja teóricos como Romão (2011) que não
aprovam os termos "profissionais da educação" ou "profissionais do ensino", por
acreditarem que as mesmas fazem com que se perca a dimensão educativa do trabalho
do professor negando o seu papel social, não é este o enfoque aqui apresentado; pelo
contrário, o termo utilizado, longe de uma visão fria ou indiferente à dimensão
educativa e política, faz com que se reconheça e dê valor aos professores e professoras
que, por sua vez, devem ter consciência do papel social relacionado à profissão que
exercem e da importância do seu trabalho, do contrário, serão meros reprodutores do
sistema vigente.
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Não há espaço, nos dias atuais, para "profissionais" que veem a profissão
docente como um "bico", um complemento para a renda familiar ou qualquer coisa
neste sentido, pois um/a professor/a tanto pode contribuir para a formação de cidadãos
conscientes, críticos e melhores pessoas como, também, pode interferir negativamente
na formação dos mesmos, dependendo da percepção que tem da profissão, de si mesmo
como pessoa e profissional e do seu compromisso ético.
Infelizmente, ainda existem professores/as que optam por trabalhar com a EJA
por conveniência de horário, visto que, embora haja turmas de EJA no diurno, é
evidente que prevalecem, em sua maioria, no noturno. Professores que trabalham em
outras escolas ou mesmo em outras áreas, exercendo profissões diversas, recorrem à
EJA para acomodarem seus horários sem levarem em conta os anseios, os temores, as
dificuldades e os sonhos que envolvem os alunos. Ser professor/a é coisa séria, é lidar
com vidas, com sentimentos, com conhecimentos variados, pois cada um de seus alunos
encontra-se num determinado ponto em relação ao processo de aprendizagem, de acordo
com as experiências de vida como pessoa e de sucesso e/ou fracasso escolar.
Saviani (2010), também destaca o valor da prática docente, do fazer dos
professores e professoras no cotidiano escolar, apontando que "se a educação é uma
atividade específica dos seres humanos, se ela coincide com o processo de formação
humana, isso significa que o educador digno desse nome deverá ser um profundo
conhecedor do homem" (p. 423). Será que os educadores que trabalham com a EJA têm
este olhar? O senso de responsabilidade com seus alunos, seres em formação, em sua
incompletude, que dependem do seu trabalho consciente e da sua visão crítica sobre a
sua prática docente e sobre o ato político que é educar, como afirmava Paulo Freire?
Tais questões serão retornadas na análise dos dados obtidos neste estudo.
Dimensão técnica
Pesquisa qualitativa, no modelo das Dimensões Novikoff (2010) que,
independentemente da abordagem, passa por cinco etapas didaticamente organizadas
que auxiliam na orientação da pesquisa, desde o desenvolvimento até a apresentação
escrita da mesma. Para guardar validade epistemológica, a pesquisa usou a triangulação
como estratégia de coleta de dados. Assim fez uso de entrevista semiestruturada, técnica
do desenho e grupo focal.
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Dimensão morfológica e analítico-conclusiva
As respostas dadas pelos professores nos questionários, bem como as dadas no
Grupo Focal, foram analisadas na perspectiva de Bardin, segundo Franco (2003).
Dois dos seis professores afirmaram conhecer a legislação educacional sobre a
EJA, mas os que a desconhecem acreditam ser importante e gostariam de estudá-la.
Os professores reconhecem que há especifidades nesta modalidade de ensino
que exigem estudo, que é preciso compreender como ocorre o processo ensino-
aprendizagem nos jovens e adultos, mas tem dificuldades pedagógicas e relacionais com
os alunos.
Quatro optaram por trabalhar com a EJA para acomodar o seu horário e dois,
por acreditarem que seria uma clientela mais fácil de lidar.
No que se refere às disciplinas que abordaram o tema Educação de Jovens e
Adultos ao longo da formação acadêmica deles, nenhum dos professores teve
disciplinas específicas voltadas para a EJA.
Ao responderem como avaliam o conhecimento que possuem em relação aos
pressupostos teóricos de Paulo Freire, três avaliaram como bom e procuraram
demonstrar este conhecimento registrando algo relacionado ao educador Paulo Freire.
Um avaliou como regular, e justificou alegando nunca ter lido profundamente o teórico.
Considerações Finais
A partir do estudo realizado, foi possível perceber que nos últimos anos
ocorreram avanços relacionados à EJA, mas que ainda há uma longa caminhada para o
seu reconhecimento como um “direito” e não como um “favor" àqueles que não
cursaram o ensino fundamental e médio na infância e adolescência.
Os professores afirmam conhecer Paulo Freire e destacam Pedagogia do
Oprimido e Pedagogia da Autonomia como as obras por eles lidas. Nenhum dos
professores entrevistados teve alguma disciplina voltada para a Educação de jovens e
Adultos nos cursos de Licenciatura (Letras, História, Matemática...), o que nos leva a
acreditar que a EJA não fez parte da formação acadêmica dos professores que estão
trabalhando com a EJA. Daí a necessidade de formação continuada para os mesmos,
dentro e fora da escola. Dentro da escola, aproveitando os Grupos de Estudo e
Conselhos de Classe, que acontecem bimestralmente e o período de planejamento, no
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início do ano letivo e fora da escola, em Seminários e Jornadas Pedagógicas oferecidas
pela Secretaria de Educação, além do compromisso pessoal-profissional de cada um na
busca por novos conhecimentos. Porém, isso não substitui a importância da inclusão de
disciplinas voltadas especificamente para a EJA na Matriz Curricular dos cursos de
Licenciatura.
Retornando aos objetivos propostos inicialmente, acreditamos tê-los atingidos,
pois estudamos de forma comprometida a Educação de Jovens e Adultos, o processo
histórico no qual está inserida e a legislação vigente, assim como conseguimos
compreender o que significa a EJA para os professores da E. M. Prof. Paulo Freire e se
os pressupostos freireanos fazem parte do cotidiano da escola.
Quantos aos questionamentos presentes na introdução e ao longo dos capítulos,
todos foram estudados, discutidos e devidamente fundamentados.
Ao concluir este estudo, a sensação que fica é a de incompletude, visto que, a
cada leitura ou dado coletado, novas indagações surgiam e tivemos que nos conter para
não perder o foco da pesquisa. Certamente outras tantas virão, tendo como ponto de
partida a riqueza de possibilidades que a EJA nos proporciona e as lacunas ainda
presentes, há muitas questões para serem estudadas. Portanto, fica o desejo de despertar,
nos que tiverem acesso a esta pesquisa, a curiosidade e o interesse por esta temática.
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