protocolo de atendimento de musicoterapia improvisacional

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Protocolo de Atendimento de Musicoterapia Improvisacional

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  • Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n 18 ANO 2015. p. 104 a 117.

    104

    PROTOCOLO DE ATENDIMENTO DE MUSICOTERAPIA IMPROVISACIONAL MSICO-CENTRADA PARA CRIANAS COM

    AUTISMO

    MUSIC-CENTERED IMPROVISATIONAL MUSIC THERAPY TREATMENT PROTOCOL FOR CHILDREN WITH AUTISM

    Marina Freire1/ Aline Moreira2 / Arthur Kummer3

    Resumo - O presente trabalho investiga o protocolo de atendimento utilizado para avaliar o desenvolvimento do processo teraputico de 10 crianas autistas, com idade entre 03 e 06 anos, atendidas em sesses de Musicoterapia Improvisacional, no modelo Msico-centrado, durante um semestre. O objetivo auxiliar musicoterapeutas no decorrer das sesses a verificar o desenvolvimento do paciente e a propor intervenes assertivas. O protocolo identifica etapas do processo musicoteraputico, relacionadas com as tcnicas de deteco de Fragmentos de Tema Clnico (FTCs), construo de Temas Clnicos (TCs) e consolidao de suas Variaes. Os resultados mostram que a maior parte das crianas alcanou trs etapas propostas, em uma mdia estvel de sesses. O protocolo pode ser eficaz para pesquisas e prtica clnica em Musicoterapia. Palavras-Chave: protocolo de atendimento, musicoterapia improvisacional, musicoterapia msico-centrada, transtorno do espectro do autismo (TEA)

    Abstract - This work investigates the treatment protocol used to evaluate the development of the therapeutic process of 10 autistic children, aged between 03 and 06 years, attended in Improvisational Music Therapy sessions, on the Music-centered model, during a semester. The goal is to help music therapists in the course of proceedings to verify the development of the patient and to propose assertive interventions. The protocol identifies steps of music therapy process, related to the following techniques: detection of Clinical Theme Fragments (CTFs), construction of Clinical Theme (CTs) and consolidation of its Variations. The results show that most of the children reached three proposed

    1 Musicoterapeuta, Mestre em Neurocincias Clnicas Universidade Federal de Minas Gerais.

    Currculo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1301269894536856 2 Bacharel em Msica Habilitao em Musicoterapia Universidade Federal de Minas Gerais.

    Currculo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2506551167425234 3 Departamento de Sade Mental da Faculdade de Medicina Universidade Federal de Minas

    Gerais. Currculo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5470389577551840 Os autores tm interesse em pesquisas de eficcia de tratamento e de validao de escalas de avaliao em Autismo e/ou em Musicoterapia. E-mail para correspondncia: [email protected]

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    steps in a stable average number of sessions. The protocol can be effective for research and clinical practice in Music Therapy. Keywords: treatment protocol, improvisational music therapy, music-centered music therapy, autism spectrum disorder (ASD)

    Introduo

    O autismo, ou Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), um distrbio

    do neurodesenvolvimento que afeta precocemente habilidades de comunicao

    social e comportamentos. Os sintomas apresentados e os graus de

    comprometimento so muito variados, podendo-se destacar atraso de fala,

    agressividade, estereotipias e dificuldade de manuteno de relacionamentos.

    Estima-se que a incidncia na populao de uma em cada 68 pessoas,

    apresentando maior prevalncia no sexo masculino (DDMN-CDC, 2010).

    Pessoas com TEA demandam acompanhamentos teraputicos

    interdisciplinares para amenizao dos sintomas e desenvolvimento das

    habilidades acometidas (BERGER, 2003).

    A Musicoterapia Improvisacional aparece nesse contexto como uma

    possvel e ascendente forma de tratamento para essa populao. Por ser a

    abordagem mais recorrente em pesquisas sobre Musicoterapia e TEA, seus

    estudos indicam aproximao da pesquisa realidade clnica

    musicoteraputica (WIGRAM & GOLD, 2006; GATTINO, 2012). Trabalhando

    com o paciente de forma ativa, a Musicoterapia Improvisacional busca motivar

    o engajamento na experincia musical conjunta, estimulando o manuseio de

    instrumentos, a utilizao do corpo e da voz e o dilogo musical, visando,

    assim, ao desenvolvimento de comunicao e interao (BRUSCIA, 1987).

    Thompson e colaboradores (2013), indo ao encontro das investigaes

    de Geretsegger e colaboradores (2012), ressaltam a importncia dos mtodos

    improvisacionais flexveis de Musicoterapia na criao de oportunidades de

    interao e reciprocidade para crianas com TEA. De fato, so os ganhos na

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    comunicao e na interao que aparecem com mais frequncia nos relatos

    cientficos sobre a eficcia da Musicoterapia Improvisacional no tratamento de

    crianas com TEA (GATTINO, 2012). Sarapa & Katusic (2012) comprovam que

    a criao musical atravs da improvisao pode proporcionar comunicao

    musical, trazendo melhoras tambm em outros nveis de comunicao para

    essa populao. Outros resultados relevantes citados na literatura so:

    melhoras na ateno conjunta e na imitao, bem como diminuio de

    comportamentos indesejveis como choro e estereotipias vocais (WIGRAM &

    GOLD, 2006; KIM et al, 2008; KIM et al 2009).

    A improvisao musical tambm um recurso teraputico importante e

    frequentemente utilizado nos modelos de Musicoterapia Criativa (NORDOFF &

    ROBBINS, 2007) e de Musicoterapia Msico-centrada (BRANDALISE, 2001).

    Em ambos, o foco da improvisao est na msica e na musicalidade do

    paciente nas sesses e na experincia conjunta. Visando a sistematizar esse

    tipo de experincia improvisacional, El-Khouri (2003; 2006) sintetiza as 64

    tcnicas improvisacionais de Bruscia (1987) e prope as intervenes em

    improvisao musical clnica atravs de seis nveis de interao musical entre

    paciente e terapeuta, que so denominados: contato, espelhamento,

    sustentao, encorajamento, dilogo e improvisao livre. O objetivo principal

    sempre o fortalecimento do vnculo teraputico e o desenvolvimento da

    musicalidade e da expressividade (NORDOFF & ROBBINS, 2007). Vale

    ressaltar que esses objetivos se relacionam com interao e comunicao, que

    constituem as reas mais afetadas pelo TEA, e cujos avanos so os mais

    descritos na literatura de tratamentos em Musicoterapia Improvisacional.

    Partindo de conceitos de Nordoff & Robbins, a Musicoterapia Msico-

    centrada nomeia os materiais sonoros e pr-musicais dos pacientes como

    Fragmentos de Temas Clnicos (FTCs), e os contextos musicais constitudos

    de organizao mais formal como Temas Clnicos (TCs) (Brandalise, 2001).

    Tanto os FTCs como os TCs so entendidos como foras essenciais que

    representam o potencial de musicalidade e o potencial de melhora do indivduo

    (Ibid). No livro que marca a introduo do Msico-centramento no Brasil,

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    Brandalise (2001) apresenta como objetivo principal desse modelo a deteco

    de FTCs e TCs. No presente trabalho, no que diz respeito ao TC, o termo

    deteco substitudo por construo, no entendimento de que o

    musicoterapeuta detecta os FTCs e engaja o paciente no fazer musical para

    juntos criarem, construrem o TC.

    A Musicoterapia Improvisacional foi empregada neste estudo

    fundamentada pelo Modelo Msico-centrado e pelos Nveis de Interao

    Musical de El-Khouri. A partir de pesquisa, e indo ao encontro da necessidade

    de maior sistematizao do processo musicoteraputico, proposto o

    desenvolvimento de um protocolo de atendimento que relate componentes do

    processo musicoteraputico, e que possa ser utilizado tanto em metodologias

    de pesquisa quanto na prtica clnica que compartilhe dos fundamentos aqui

    proclamados.

    De acordo com o International Dictionary of Music Therapy, um protocolo

    definido como:

    As etapas ou componentes de uma interveno, tratamento, pesquisa clnica ou avaliao em Musicoterapia implementado devido a sua eficcia estabelecida ou antecipada e com base em pesquisas pr-existentes e / ou a prtica baseada em evidncias. (Kirkland, 2013, p. 103 traduo nossa)

    Seguindo esse conceito, no que diz respeito pesquisa clnica,

    Geretsegger e colaboradores (2012) expem um protocolo de ensaio clnico

    randomizado que contm o passo a passo da metodologia cientfica para

    anlise de eficcia da Musicoterapia Improvisacional no tratamento de crianas

    com TEA, apresentando objetivos e intervenes gerais na descrio do

    processo clnico improvisacional. Assim como o protocolo de pesquisa, faz-se

    necessrio buscar um protocolo de atendimento mais detalhado e que de

    alguma forma estruture as sesses, a interveno musicoteraputica e o

    desenvolvimento do paciente ao longo do processo musicoteraputico.

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    Devido heterogeneidade de manifestao dos sintomas e

    comportamentos no TEA, no se espera um protocolo com estgios fixos.

    Todavia, o conhecimento de uma mdia comum e ideal de desenvolvimento ao

    longo das sesses pode auxiliar o musicoterapeuta (pesquisador ou no) a se

    orientar e guiar suas intervenes no processo musicoteraputico em prol de

    tratamentos eficazes para pessoas com TEA.

    Metodologia

    Participaram deste estudo 10 crianas com diagnstico de TEA e idade

    entre 03 e 06 anos. Durante um semestre letivo, cada criana foi submetida a

    15 sesses individuais e semanais de Musicoterapia Improvisacional Msico-

    centrada, com 30 minutos de durao cada. Os pais/responsveis assinaram o

    Termo de Compromisso Livre e Esclarecido autorizando a participao na

    pesquisa e a utilizao das filmagens das sesses. A pesquisa foi autorizada

    pelo Comit de tica em Pesquisa da UFMG (CAAE: 03655112.3.0000.5149).

    As sesses foram realizadas em uma sala do servio de Psiquiatria

    Infantil do Hospital das Clnicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

    Utilizou-se um tapete desmontvel de EVA e os seguintes instrumentos

    musicais: voz, violo, teclado, flauta doce soprano e instrumentos de percusso

    de pequeno porte variados. Determinou-se a utilizao de cano de incio e

    cano de trmino de sesso, sendo que a mesma cano foi utilizada em

    todas as sesses, para todos os pacientes. Resultados de eficcia do

    tratamento podem ser encontrados em Freire (2014).

    Embasando-se nos fundamentos descritos na introduo deste artigo, o

    processo musicoteraputico improvisacional foi estruturado em etapas, de

    acordo com o engajamento musical do paciente em cada sesso e a fase de

    interveno em que o musicoterapeuta estava atuando. As etapas da

    interveno foram conduzidas empregando os cinco primeiros Nveis de

    Interao Musical de El-Khouri; contudo, o ponto determinante para designao

    de cada etapa foi a mudana do foco da experincia musical entre FTC, TC e

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    Variaes de TC. Dessa maneira, foram detectadas quatro etapas: (1)

    deteco de FTC; (2) criao e manuteno de TC; (3) variaes de TC; e (4)

    novo TC.

    Na primeira etapa, ocorrem contato, ambientao e explorao. O

    musicoterapeuta espera a iniciativa sonora da criana (os FTCs), e intervm

    musicalmente, convidando o paciente a engajar na atividade musical conjunta.

    Na segunda etapa, com o engajamento na experincia coativa, o

    musicoterapeuta sustenta a expresso musical da criana e conduz as

    improvisaes para que juntos construam o TC e para motivar o paciente a

    manter a comunicao musical e a retomar ao tema. Na terceira etapa, o

    encorajamento, a manuteno e a ampliao da experincia musical levam

    terapeuta e/ou paciente a proporem variaes do tema, que podem ser

    incorporadas ao TC, ampliando-o. Uma quarta etapa pode ocorrer, quando no

    h engajamento do paciente na retomada e ampliao do TC, necessitando a

    deteco de novos FTCs e consequente construo de novo TC.

    Para detectar as etapas em que se localizavam os pacientes ao longo do

    processo musicoteraputico, os sujeitos de pesquisa tiveram suas filmagens e

    anotaes de sesses analisadas pela pesquisadora. Foram procedidas

    somas, mdias e desvios-padro, atravs do Microsoft Office Excel 2007, a fim

    de encontrar um panorama geral que permitisse o desenvolvimento do

    protocolo. Os resultados so apresentados a seguir.

    Resultados

    Os sujeitos de pesquisa eram em sua maioria meninos (9:1) e tinham

    idade entre 03 e 06 anos, com mdia de 4 anos e 11 meses de idade.

    Conforme avaliao realizada atravs da Childhood Autism Rating Scale

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    (CARS)4, seis deles apresentavam caractersticas autsticas leves a

    moderadas, enquanto quatro apresentavam caractersticas graves.

    Como pode ser observado pela Tabela 1, todas as crianas

    completaram as Etapas 1 e 2 do processo musicoteraputico; 9 dentre as 10

    crianas alcanaram a Etapa 3; e apenas uma criana atingiu a Etapa 4.

    TABELA 1: Etapas do processo musicoteraputico de cada paciente em cada sesso Legenda: 1=Etapa 1; 2=Etapa 2; 3=Etapa 3

    OBS: a sesso 15 do paciente J no est preenchida devido a falta, tendo o paciente sido atendido por 14 sesses

    Atravs da anlise da Tabela 1, pode-se perceber que os pacientes

    seguiram a estrutura das etapas de forma ordenada, ou seja, todos comearam

    na Etapa 1 e no pularam etapa. Anlise tambm mostra que as crianas

    ficaram na Etapa 1 por uma mdia de 4 sesses, na Etapa 2 por uma mdia de

    6 sesses e na Etapa 3 por uma mdia de 5 sesses, sempre com desvio

    padro de aproximadamente 01 sesso. A contribuio de cada Etapa em

    relao ao total de pacientes pode ser visto no Grfico 1. O grfico tambm

    permite visualizar o movimento progressivo resultante das Etapas ao longo das

    sesses, que apresenta divisores de sesso mais marcados entre as Etapas 1

    e 2, e mais variantes entre as Etapas 2 e 3.

    4 A Childhood Autism Rating Scale (CARS) um instrumento de avaliao diagnstica em

    Psiquiatria Infantil composto por 15 itens que descrevem comportamentos autsticos com pontuaes entre 1 (dentro da normalidade) e 4 (sintomas graves). A pontuao total classifica a criana como no autista (15 a 30 pontos), autista leve a moderado (30 a 36 pontos) ou autista grave (36 a 60 pontos) (PEREIRA et al, 2008).

    Paciente Sesso1 Sesso2 Sesso3 Sesso4 Sesso5 Sesso6 Sesso7 Sesso8 Sesso9 Sesso10 Sesso11 Sesso12 Sesso13 Sesso14 Sesso15

    A 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3

    B 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 3 3 3

    C 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3

    D 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3

    E 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3

    F 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3

    G 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3

    H 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3

    I 1 1 1 2 2 2 2 2 3 3 3 4 4 4 4

    J 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 2

    Etapa em cada sesso

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    GRFICO 1: Total de pacientes por Etapa ao longo das sesses

    A partir das anlises descritas acima e da metodologia empregada nas

    sesses, proposto um protocolo de atendimento do processo

    musicoteraputico improvisacional msico-centrado de crianas com TEA

    (Quadro 1). O protocolo contempla as Etapas 1 a 3, j que a Etapa 4 foi

    alcanada apenas por um paciente. O protocolo estruturado a partir do tempo

    pr-determinado de durao do tratamento, de 15 sesses. Assim, vale

    ressaltar que a Etapa 3 no necessariamente se finaliza na sesso 15, em

    caso de continuidade das sesses.

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    QUADRO 1: Protocolo de Atendimento em Musicoterapia Improvisacional Msico-centrada de crianas com TEA

    Discusso

    Os resultados desta pesquisa apresentam o protocolo que prope

    Etapas de interveno em Musicoterapia Improvisacional Msico-centrada e

    uma mdia de sesses para cada Etapa. Apesar do pequeno nmero de

    sujeitos, os resultados so valiosos e promissores por seu ineditismo, sua base

    em evidncias de eficcia e sua abertura para possibilidades de aprimoramento

    em futuras pesquisas.

    O protocolo permite observar a evoluo das crianas atendidas ao

    longo das sesses, e atravs dessa observao pode-se sugerir a eficcia da

    Musicoterapia Improvisacional Msico-centrada, mesmo este no sendo o foco

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    do presente estudo5, uma vez que a expanso dos acontecimentos musicais ao

    longo das Etapas implica em desenvolvimento de habilidades e ampliao de

    comportamentos por parte do paciente. Por exemplo, a passagem do nvel pr-

    musical exploratrio (Etapa 1) para o engajamento na experincia musical co-

    ativa (Etapa 2) indica fortalecimento de vnculo teraputico e desenvolvimento

    de musicalidade.

    Mesmo as crianas que no acompanharam o tempo sugerido pelo

    protocolo seguiram a sequncia das Etapas estruturadas, de forma mais lenta

    ou mais rpida, o que implica na possibilidade de utilizao do protocolo como

    guia da evoluo do processo musicoteraputico. De acordo com a descrio

    de cada Etapa e sua mdia de durao, pode-se inferir que o paciente que

    demora mais sesses na Etapa 1 tem maior dificuldade para engajar na

    experincia musical coativa, e que o paciente que demora mais sesses na

    Etapa 2 tem maior dificuldade de propor Variaes de TC ou aceitar propostas

    de Variaes vindas do musicoterapeuta. Por outro lado, o paciente que

    demora menos na Etapa 1 estaria mais propenso a se engajar na interao e

    comunicao musicais, e o paciente que passa mais rpido pela Etapa 2

    permitiria uma mais rpida consolidao do TC, facilitando com segurana a

    introduo s Variaes.

    A ausncia da Etapa 4 no protocolo, devido mesma ausncia no

    processo musicoteraputico da maioria das crianas, poderia ser explicada

    pelo comportamento resistivo a mudanas tpico do TEA, que demanda a

    presena rotineira dos mesmos FTCs, TCs ou Variaes, em detrimento do uso

    de materiais sonoros para novos TCs. O musicoterapeuta pode usar essa

    caracterstica a favor do processo teraputico nas intervenes musicais,

    incentivando a criana a manter a interao e a comunicao musical ao

    retomar sempre o mesmo TC (Etapa 2). Contudo, se a Etapa 4 for alcanada

    por uma criana, o protocolo proposto pode continuar a ser utilizado, uma vez

    que essa etapa corresponde ao recomeo do processo de construo do TC

    (Etapas 1 e 2), estendendo o protocolo a novas sesses.

    5 Para estudo de eficcia, ver Freire (2014).

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    Em Musicoterapia Msico-centrada, Brandalise (2001) aponta uma

    mdia de 6 sesses para deteco de FTCs ou TCs. As crianas deste estudo

    demoraram at 6 sesses, porm em uma mdia de 4 sesses. Podem-se

    levantar futuras discusses sobre a diferena de durao na primeira Etapa,

    principalmente com relao ao pblico atendido (idade, patologia) e s

    experincias musicais utilizadas (improvisao ou outras). Outro ponto que

    pode ser levantado a partir de Brandalise (2001) so os conceitos de turning

    points e plats do processo musicoteraputico msico-centrado. Trazendo

    esses conceitos para o protocolo apresentado, os turning points

    corresponderiam s sesses limtrofes entre as Etapas, enquanto os plats

    constituiriam as sesses que se mantm ao longo de uma Etapa.

    Como j citado, este protocolo no est acabado. Pelo contrrio, uma

    proposta que visa a fomentar discusses e levantar ideias que venham no

    sentido de aprimorar os resultados aqui apresentados e aperfeioar o

    atendimento musicoteraputico de pessoas com TEA. Ser til para o campo

    das evidncias cientficas em Musicoterapia se futuras pesquisas puderem ser

    realizadas com maior nmero de sujeitos, alm de verificar correlao entre a

    durao das Etapas para cada paciente e seu comprometimento nos sintomas

    de TEA. Outros estudos podem tambm investigar a aplicao deste protocolo

    no tratamento de outras populaes (outras idades e outros diagnsticos).

    Este trabalho apresenta grande relevncia para a Musicoterapia no

    mbito da pesquisa, como um protocolo de investigao, e no mbito clnico,

    como protocolo de atendimento. No campo cientfico, levanta a importncia de

    ensaios clnicos com rigor metodolgico e reprodutibilidade, a fim de se

    comprovar a eficcia do tratamento musicoteraputico. Na prtica clnica,

    permite sistematizao das sesses e reflexo do musicoterapeuta sobre o

    andamento do processo. Dessa maneira, o conhecimento das tcnicas aqui

    discutidas e das Etapas propostas extremamente til para que o

    musicoterapeuta possa tomar decises e fazer uso de intervenes de forma

    consciente ao longo do processo musicoteraputico, independente da

    abordagem utilizada.

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    Concluso

    O processo musicoteraputico improvisacional msico-centrado pode se

    valer de protocolo apropriado para atendimento de crianas com TEA. O

    protocolo pode ser dividido em etapas de acordo com a interveno e o

    comportamento musical do paciente ao longo das sesses.

    A evoluo de Etapas compreende uma mdia de sesses definida, o

    que proporciona uma diretriz para o processo musicoteraputico da criana

    com TEA e permite avaliar sua evoluo teraputica. Os resultados

    demonstraram que as crianas migraram de uma Etapa para outra sem pular

    degraus, o que refora uma continuidade saudvel no desenvolvimento.

    So necessrias mais pesquisas para que o protocolo aqui apresentado

    seja testado em maior escala e para que outros protocolos sejam

    desenvolvidos, uma vez que o uso de protocolos devidamente analisados de

    suma importncia para auxlio de pesquisas e da prtica clnica em

    Musicoterapia.

    rgo financiador

    CAPES

    Agradecimento

    Ao Musicoterapeuta Professor Renato Tocantins Sampaio Projeto de

    Extenso Clnica de Musicoterapia da Escola de Msica da UFMG Curso de

    Bacharelado em Msica com Habilitao em Musicoterapia da UFMG

    Referncias

    BERGER, D. S. Music Therapy, Sensory Integration and the Autistic child. 2. London: Jessica Kingsley Publishers Ltd, 2003, 255p.

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    BRANDALISE, A. Musicoterapia msico-centrada: Linda 120 sesses. So Paulo: Apontamentos, 2001, 86p. BRUSCIA, K. E. Improvisational Models of Music Therapy. Springfield: Charles C. Thomas Publishers, 1987, 590p. DEVELOPMENTAL DISABILITIES MONITORING NETWORK (DDMN); CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Surveillance Year 2010: prevalence of autism spectrum disorder among children aged 8 years - autism and developmental disabilities monitoring network, 11 sites, United States. MMWR Surveill Summ, v. 63, n. 2, p. 1-21, 2014. EL-KHOURI, R. N. Music Therapy Education and Training: a study of the development of music skills for students within undergraduate music therapy programmes in Brazil. 137f. 2003. Dissertao (Master of Arts) Anglia Polytechnic University, Cambridge, 2003. EL-KHOURI, R. N. Uma Leitura Junguiana do Procedimento da Improvisao Musical Clnica em Musicoterapia. 63f. 2006. Monografia (Especializao em Psicologia Analtica Junguiana) Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas, 2006. FREIRE, M. H. Efeitos da Musicoterapia Improvisacional no Tratamento de Crianas com TEA. 74f. 2014. Dissertao (Mestrado em Neurocincias) Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, 2014. GATTINO, G. Musicoterapia aplicada avaliao da comunicao no verbal de crianas com transtornos do espectro autista: reviso sistemtica e estudo de validao. 180f. 2012. Tese (Doutorado em Medicina) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRS, Porto Alegre, 2012. GERETSEGGER, M.; HOLCK, U.; GOLD, C. Randomised controlled trial of improvisational music therapys effectiveness for children with autism spectrum disorders (TIME-A): study protocol. BMC Pediatrics, v. 12, n. 2, 2012.

  • Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVII n 18 ANO 2015. p. 104 a 117.

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    Recebido em 25/04/2015 Aprovado em 17/06/2015