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Proteção e atenção às crianças e adolescentes em meio à

violência comunitária

Renata P. PesceSimone G. Assis

Joviana Q. Avanci

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Índice

Apresentação 5

Capítulo 1: O que é violência comunitária? 7

Capítulo 2: Crianças e adolescentes expostos à violência na comunidade 13

Capítulo 3: Violência comunitária e problemas de saúde em crianças e adolescentes 29

Capítulo 4: Quando a família e a comunidade protegem a criança e o adolescente da violência da comunidade 45

Capítulo 5: Violência na comunidade: possibilidades de prevenção e de intervenção 53

Referências 72

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Pesquisadores

Simone G. Assis (coordenação)Joviana Quintes AvanciRenata Pires PesceRaquel de Vasconcelos Carvalhaes de OliveiraLiana Furtado XimenesGabriela Franco Dias LiraThiago de Oliveira PiresFabiana Braga SilvaRosemary Emerich Pereira de Souza

Este texto é fruto de pesquisas financiadas pelo Conselho Nacional Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Contou ainda com bolsistas do Programa PIBIC (CNPq/Fiocruz) e do Programa de Técnicos/Tecnologistas (Fiocruz/Faperj). Este material é continuidade de um trabalho sobre problemas de comportamento desenvolvido pelo Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli.

Capa, projeto gráfico e editoração: Carlota Rios

Ilustrações: Marcelo Tibúrcio

Revisão: Mara Lúcia Pires Pesce

GruPo de recePção

Professores de escola da rede municipal de São Gonçalo

aPoio Técnico

Luciene Patrícia Câmara Marcelo da Cunha PereiraMarcelo Silva da Motta

aPoio à documenTação e normaTização da BiBlioGrafia

Adriano Silva

aGradecimenTos

À Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo-RJAos diretores e professores da Escola Municipal Ernani Faria, que contribuíram com seus comentários sobre este material.Às crianças, adolescentes, suas mães, pais e outros responsáveis que contribuíram com seus depoimentos à origem do livro.

P473 Pesce, Renata Pires. Proteção e atenção às crianças e adolescentes em meio à violência comunitária. / Renata Pires Pesce; Simone Gonçalves de Assis; Joviana Quintes Avanci. — Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ ENSP/ CLAVES/ CNPq, 2013.

80p. (Série Violência e Saúde Mental Infanto-Juvenil).

ISBN: 978-85-88026-70-4

1. Violência. 2.Violência na família. 3. Saúde mental — Criança e adolescente . I. Assis, Simone Gonçalves. II. Avanci, Joviana Quintes. III. Fundação Oswaldo Cruz. IV. Título.

CDU 362.76

Ficha catalográfica

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Apresentação

Este livro fala sobre o impacto da violência comunitária na saúde mental de crianças e adolescentes e das possibilidades de proteção e apoio que podem ser utilizadas. Aborda também as fortes relações entre a violência nos ambientes comunitário, urbano e social mais geral com a que ocorre no contexto familiar. Tem como foco a violência comunitária decorrente da criminalidade urbana (especialmente do tráfico de armas e drogas, das milícias e resultante das ações poli-ciais) e das frequentes e graves violações de direitos humanos que comprometem a consolidação da democracia brasileira.

Nosso objetivo é sensibilizar os profissionais de saúde e de educa-ção para o melhor conhecimento dos efeitos da violência comunitária na saúde mental de crianças e adolescentes, contribuindo para que sejam capazes de identificar sinais emocionais e no comportamento, que impedem o desenvolvimento saudável de seus pacientes e alunos. Esses profissionais são parceiros fundamentais no reconhecimento, no atendimento e no encaminhamento de crianças e adolescentes que participam, sofrem e/ou testemunham violência em suas comunidades. Para tanto, é importante que estejam atentos e instrumentalizados para identificar e lidar com crianças e adolescentes com possíveis problemas de saúde mental decorrentes dessa exposição. Além disso, é essencial que estejam sensíveis a desenvolver um trabalho ativo de prevenção da violência comunitária em sua área de atuação, assim como aptos a intervir nos problemas decorrentes desse fenômeno, que se expressam em seu âmbito profissional.

Ao longo deste livro citaremos dados de pesquisas realizadas entre os anos de 2004 e 2011 no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, com crianças e adolescentes estudantes de escolas da rede pública e particular deste município. A maior parte dos dados

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e das falas é originado de um estudo longitudinal que vem acompa-nhando 500 crianças em um período de 6 anos (2005-2011), tendo como tema fundamental os efeitos de diferentes formas de violência no desenvolvimento de problemas de saúde mental na infância e na adolescência. Mas, também trazemos dados de uma pesquisa reali-zada também em São Gonçalo/Rio de Janeiro, no ano de 2004, com adolescentes entre 12 e 16 anos, quando buscamos entender sobre o potencial de superação ou resignificação positiva das adversidades vivenciadas, incluindo diversas formas de violência. Além destes, ou-tros estudos realizados pela equipe do Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde são citados ao longo do texto, como por exemplo uma investigação realizada em dez capitais brasileiras com o objetivo principal de gerar conhecimento estratégico sobre o tema da violência no namoro e no “ficar” dos adolescentes brasileiros. Todos esses estudos trazem contribuições e reflexões relacionadas ao problema da violência comunitária.

Conforme ressaltaremos ao longo deste livro, a violência na comunidade costuma ocorrer em conjunto a outras adversidades vivenciadas na infância e adolescência, o que torna o problema ainda mais prejudicial e complexo. Por tudo isto, o profissional que lida com crianças e jovens precisa estar atento aos fatores relacionados ao fenômeno e que podem potencializar o adoecimento de meninas e meninos expostos a violência comunitária.

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Capítulo 1

O que é violência comunitária?

Definir violência comunitária não é uma tarefa fácil!

São várias as definições existentes, impossibilitando que tenha-mos um conceito claro ou universalmente aceito. De forma geral, podemos considerar a violência comunitária como aquela que restringe o foco de atenção para o espaço físico dos locais próximos às moradias da população (Assis e Marriel, 2010). No contexto da violência comunitária semeiam-se conflitos nas relações familiares e interpessoais de vizinhança, com desfechos potencialmente prejudiciais à saúde humana. A violência comunitária é um recorte específico da violência urbana, entendida como expressões de violên-cia que ocorrem no espaço sócio-geográfico das cidades e que estão associadas à sua formação histórico-social, remetendo a problemas como o estresse e a deterioração geral da ‘urbanidade’ ou ‘civilidade’ no ambiente de uma grande cidade contemporânea (Souza, 2005).

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Consideramos violência comunitária como um fenômeno que se origina e que se reflete nas relações interpessoais mais próximas do espaço físico dos bairros e às moradias das crianças e adolescentes, estendendo-se a espaços socializadores como a escola.

A violência comunitária afeta a vida da família e do grupo de pares — fundamentais para o desenvolvimento de um comportamento de risco na infância e adolescência.

A criminalidade, além de pobreza, infraestrutura inadequada dos bairros, alto índice de desemprego, desigualdade social e pouco apoio da rede social de proteção estão associados fortemente à violência comunitária.

Quando falamos em violência comunitária, costumamos asso-ciar as violências típicas dos espaços geográficos das cidades, onde a vulnerabilidade social é mais visível, ou seja, as áreas mais pobres. Nessas localidades, o tráfico de drogas e as milícias habitualmente se instalam, gerando conflitos armados e imposições que cerceiam o direito de ir e vir dos moradores. No comércio de drogas a violência é a forma usualmente adotada para resolver discrepâncias e expan-dir a participação no mercado. Também a violência policial é fonte de insegurança e alimenta a escalada da violência. Há também uma escassez significativa de equipamentos sociais. Contudo, embora as áreas mais pobres das cidades sejam mais suscetíveis, a população de toda a cidade, incluindo os bairros com população de maior poder aquisitivo, vive e sente os efeitos da violência comunitária.

A violência comunitária que ocorre próxima ao acesso à escola ou dentro da escola é aspecto a ser destacado, repercutindo sobre a vida de crianças e adolescentes. É comum ver jovens e adultos traficando drogas e outros crimes nas portas das escolas.

Em muitos lugares do mundo são elevados os níveis de crimi-nalidade urbana, assim como da violência social e interpessoal. No Brasil e em muitas capitais, as taxas de criminalidade violenta são surpreendentes. Por exemplo, no Rio de Janeiro e em São Paulo os percentuais são superiores a algumas metrópoles norte-americanas e europeias.

A extensão da violência contra a criança e o adolescente é um pouco mais conhecida em termos de violência física dos pais contra os filhos do que a cometida no espaço comunitário. No entanto, dados hoje existentes sobre violência social e urbana evidenciam elevados índices, atingindo diretamente crianças e adolescentes.

A violência comunitária atinge todos os estratos sociais, com características específicas de acordo com a localidade.

No município de São Gonçalo, pertencente a região metropo-litana do Rio de Janeiro, pesquisa com 500 crianças da rede pública de ensino entre 6-12 anos, revelou que: 11,3% já testemunharam alguém gravemente ferido, 11,4% já presenciaram alguém roubando ou atirando em outras pessoas e 12,1% já viram pessoas sendo as-sassinadas ou mortas (Avanci, Assis e Oliveira, 2008). Cardia (1999) constatou em dez capitais brasileiras que 16% dos jovens já haviam sido ou tinham um parente próximo ameaçado de morte e 12% tinham sofrido agressão física na comunidade onde moram.

Estudo feito com amostra representativa de adolescentes de re-des públicas e particulares de ensino — distribuídas em dez cidades localizadas nas cinco regiões brasileiras — comprova a gravidade dessa situação (Minayo, Assis e Njaine, 2011): 18,1% dos estudantes já foram furtados em suas comunidades. Meninas dizem mais que são humilhadas na comunidade (18%) que os meninos (12,2%). Os me-ninos referem mais: terem sido ameaçados (21,2%), terem tido algo danificado de propósito (14,7%), terem convivido com pessoas que carregam armas brancas (17,9%), terem tido algo furtado (22,6%) e

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Em muitos lugares do mundo são elevados os níveis de crimi-nalidade urbana, assim como da violência social e interpessoal. No Brasil e em muitas capitais, as taxas de criminalidade violenta são surpreendentes. Por exemplo, no Rio de Janeiro e em São Paulo os percentuais são superiores a algumas metrópoles norte-americanas e europeias.

A extensão da violência contra a criança e o adolescente é um pouco mais conhecida em termos de violência física dos pais contra os filhos do que a cometida no espaço comunitário. No entanto, dados hoje existentes sobre violência social e urbana evidenciam elevados índices, atingindo diretamente crianças e adolescentes.

A violência comunitária atinge todos os estratos sociais, com características específicas de acordo com a localidade.

No município de São Gonçalo, pertencente a região metropo-litana do Rio de Janeiro, pesquisa com 500 crianças da rede pública de ensino entre 6-12 anos, revelou que: 11,3% já testemunharam alguém gravemente ferido, 11,4% já presenciaram alguém roubando ou atirando em outras pessoas e 12,1% já viram pessoas sendo as-sassinadas ou mortas (Avanci, Assis e Oliveira, 2008). Cardia (1999) constatou em dez capitais brasileiras que 16% dos jovens já haviam sido ou tinham um parente próximo ameaçado de morte e 12% tinham sofrido agressão física na comunidade onde moram.

Estudo feito com amostra representativa de adolescentes de re-des públicas e particulares de ensino — distribuídas em dez cidades localizadas nas cinco regiões brasileiras — comprova a gravidade dessa situação (Minayo, Assis e Njaine, 2011): 18,1% dos estudantes já foram furtados em suas comunidades. Meninas dizem mais que são humilhadas na comunidade (18%) que os meninos (12,2%). Os me-ninos referem mais: terem sido ameaçados (21,2%), terem tido algo danificado de propósito (14,7%), terem convivido com pessoas que carregam armas brancas (17,9%), terem tido algo furtado (22,6%) e

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terem tido dinheiro roubado (10,3%). Na escola, o padrão é similar, porém com percentuais um pouco distintos: 28,1% foram furtados e 15,5% humilhados. Entre os meninos, 8,9% referem já ter convivido com pessoas com arma de fogo na escola.

Existem normas sociais e culturais que ajudam a criar um clima de certa naturalização da violência comunitária. A manutenção das desigualdades sociais, a precariedade das políticas sanitárias, educa-cionais, econômicas e sociais sobre certos grupos e a violência gerada pelas dificuldades socioeconômicas desestabilizam famílias, escolas e outros meios sociais, deixando a criança e o adolescente em situação vulnerável e sem condições adequadas de formação e desenvolvimen-to, afetando o acesso ao lazer, à educação e a cidadania (Carinhanha, 2009). Nesse contexto, a violência comunitária encontra solo fértil.

Eu gosto do lugar [da comunidade], só que minha mãe e meu pai ficam reclamando, querendo sair da casa. O telhado que está furado, um buraquinho lá, pinga dentro e tal. Umidade na parede. Sempre tem esses problemas na casa.

(menino, 14 anos, rede pública de São Gonçalo)

Eu não gosto muito de lá não [comunidade]. Eu nem conheço muita gente lá. As pessoas são meio estranhas. Porque é um lugar que as pessoas são muito humildes, não tem como conversar, até sobre um livro que vê, sobre um filme que vê, alguma coisa assim, ninguém pode fazer isso, os pais não têm condições. Às vezes eu vou chamar alguém para ir no cinema comigo, aí os pais não têm condições. Aí eu não tenho muito assunto. Eu moro lá, mas meu ciclo de amizades é aqui na escola.

A violência comunitária é alimentada pela violência estrutural existente na sociedade brasileira. Pobreza, miséria e desigualdade não explicam a delinquência. No Brasil, condições socioeconômicas

desfavoráveis associam-se à violência, tais como a existência de mo-radia inadequada, a precariedade escolar, o desemprego e outros fatores associados à pobreza, que contribuem para aumentar o risco do envolvimento como vítima ou como agente de transgressões. A precária capacidade de consumo pode facilitar, em algumas situações, que pessoas muito jovens se envolvam com a criminalidade.

A violência estrutural se aplica tanto às estruturas organizadas e institucionalizadas da família e escola como aos sistemas econômicos, culturais e políticos que conduzem à opressão de determinadas pessoas a quem se negam vantagens da sociedade, tornando-as mais vulneráveis ao sofrimento e à morte. Essas estruturas determinam igualmente as práticas de socialização que levam os indivíduos a aceitar ou a infligir sofrimentos, de acordo com o papel que desempenham.

(Neto e Moreira, 1999)

Para enfrentamento do problema da violência comunitária e da urbana de forma mais geral, o governo brasileiro tem investido em várias ações, seja através de benefícios sociais como os que melhoram a renda das famílias, seja por meio de investimento em infraestrutura das áreas mais vulneráveis ou através de políticas públicas como, por exemplo, o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direi-to de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006). Um exemplo é a iniciativa de implementação de Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP) em algumas comunidades da cidade do Rio de Janeiro/RJ, a partir de 2008. As UPP têm como lógica a conquista do território, recuperando o espaço físico, dominado pelo tráfico e pela milícia, para a população moradora da comunidade. Nesse sentido, avanços têm sido observa-dos, embora situações de confronto e de corrupção envolvendo as forças de segurança pública, traficantes e milícias ainda permaneçam. Também o investimento em infraestrutura e outras melhorias sociais

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desfavoráveis associam-se à violência, tais como a existência de mo-radia inadequada, a precariedade escolar, o desemprego e outros fatores associados à pobreza, que contribuem para aumentar o risco do envolvimento como vítima ou como agente de transgressões. A precária capacidade de consumo pode facilitar, em algumas situações, que pessoas muito jovens se envolvam com a criminalidade.

A violência estrutural se aplica tanto às estruturas organizadas e institucionalizadas da família e escola como aos sistemas econômicos, culturais e políticos que conduzem à opressão de determinadas pessoas a quem se negam vantagens da sociedade, tornando-as mais vulneráveis ao sofrimento e à morte. Essas estruturas determinam igualmente as práticas de socialização que levam os indivíduos a aceitar ou a infligir sofrimentos, de acordo com o papel que desempenham.

(Neto e Moreira, 1999)

Para enfrentamento do problema da violência comunitária e da urbana de forma mais geral, o governo brasileiro tem investido em várias ações, seja através de benefícios sociais como os que melhoram a renda das famílias, seja por meio de investimento em infraestrutura das áreas mais vulneráveis ou através de políticas públicas como, por exemplo, o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direi-to de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006). Um exemplo é a iniciativa de implementação de Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP) em algumas comunidades da cidade do Rio de Janeiro/RJ, a partir de 2008. As UPP têm como lógica a conquista do território, recuperando o espaço físico, dominado pelo tráfico e pela milícia, para a população moradora da comunidade. Nesse sentido, avanços têm sido observa-dos, embora situações de confronto e de corrupção envolvendo as forças de segurança pública, traficantes e milícias ainda permaneçam. Também o investimento em infraestrutura e outras melhorias sociais

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ainda é pequeno, em resposta a necessidades colossais historicamente existentes nas comunidades pobres brasileiras. Esses são exemplos de ações sociais necessárias para reduzir a ocorrência de violência na comunidade onde vivem as crianças, adolescentes e suas famílias.

Outro aspecto cultural importante de ser abordado refere-se a questão de gênero. A predominância dos garotos como vítimas da violência na escola e na comunidade indica a maior proximidade com situações perigosas no espaço extrafamiliar, o que culturalmente faz parte da socialização masculina. Reflete, portanto, a maior exposição masculina a fatores de risco individuais, familiares e socioculturais (American Psychiatric Association, 2002). Além de os rapazes serem mais expostos à violência, também tendem a reagir com mais ímpeto aos problemas e provocações e a adotar mais estratégias internas para lidar com tais situações, como, por exemplo, ruminar os problemas silenciosamente, não buscando apoio no meio. As meninas tendem a exteriorizar mais seus sentimentos, lidando mais diretamente com as adversidades. A capacidade de externalizar sentimentos e de buscar apoio social pode moderar a exposição à violência (Assis, Pesce e Avanci, 2006).

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Capítulo 2

Crianças e adolescentes expostos à violência na comunidade

Em vários países, estudos sobre o desenvolvimento de crianças e adolescentes têm enfatizado a influência das relações com a comu-nidade nas quais nasceram e vivem. A compreensão da criança e do adolescente em seu contexto sociocultural proporciona um enten-dimento mais integral, com suas múltiplas influências vividas. Desde que nasce, a criança sofre influência do ambiente de sua casa, da sua creche ou escola, dos seus amigos e da vizinhança onde vive; todos relacionados uns aos outros e organizados em termos de valores e ideologias dominantes da cultura.

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O modelo ecológico do desenvolvimento humano que Bronfenbrener (1995) desenvolveu dá importância aos objetos aos quais a criança responde, às pessoas que interagem com ela face a face, às conexões entre outras pessoas presentes no ambiente, à natureza dos vínculos e às influências indiretas que a criança recebe a partir das mudanças ocorridas nos indivíduos que com ela interagem.

As interconexões de ordem ecológica podem ser estabelecidas dentro do ambiente imediato da criança (microssistema), entre os ambientes em que ela participa diretamente como família e escola (mesossistema) ou entre os ambientes nos quais ela talvez nunca participe, mas onde ocorrem eventos conjunturais que afetam seu ambiente imediato (exossistemas). Esses sistemas encaixados e interconectados são referidos como macrossistema, que define as propriedades dos contextos sociais mais amplos para o desenvolvimento humano. As estruturas ecológicas encaixam-se umas nas outras influenciando o desenvolvimento individual. Tais interconexões têm impacto sobre as forças que atingem o crescimento psicológico. A interação da pessoa nesses ambientes possibilita descobertas, sustentações ou alterações de suas propriedades pessoais.

O ambiente precisa ser valorizado conforme ele é percebido pelo indivíduo e não conforme ele existe na realidade objetiva.

(Bronfenbrener, 1995)

Outros autores referem o espaço da criança ou adolescente na comunidade como um nicho desenvolvimental, que engloba três componentes: contexto físico e social em que vive, práticas educacio-nais e culturalmente determinadas de criação dos filhos na sociedade e características psicológicas dos pais da criança (Super e Harkness, 1997). Estas descrições revelam oportunidades e dificuldades das crianças e adolescentes e como as circunstâncias podem ser mudadas para estimular o seu desenvolvimento (Cole e Cole, 2003).

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Nesta linha, durante muito tempo, estudos nacionais e interna-cionais têm se dedicado a compreender de que forma a violência, especialmente a familiar, afeta o desenvolvimento de crianças e ado-lescentes. Mas, pouco se sabe sobre a extensão e as consequências da exposição da violência na comunidade na vida deles. Menos ainda é conhecido sobre a coexistência da violência que ocorre no espaço intra e extra-familiar.

Investigações têm apontado que a existência de níveis altos de crianças e adolescentes expostos à violência urbana, tanto enquanto vítimas como quanto testemunhas, tendem a desenvolver alterações fisiológicas, psicológicas e no relacionamento interpessoal (Malik, 2008).

Perto da minha casa tinha uma boca de fumo, um monte de coisa. Já mataram um cara atrás da minha casa e tudo. Pegaram o cara atrás da minha casa. Aí mataram ele encostado com a cabeça no banheiro, atrás do carro. Eu vi de longe porque eu não gostava muito de ver. Ele ficou um bom tempo atrás de casa. A gente dormiu lá e ele atrás da casa, morto. Cheio de gente lá olhando e a gente dentro de casa, cheio de medo. Tiraram ele já era quase de manhã já.

A convivência diária com tiroteios, agressões físicas e verbais, assaltos, estupros, observação de pessoas mortas ou feridas nas ruas e tráfico de drogas pode causar graves danos às famílias e a vida das crianças e adolescentes, que, por estarem em processo de desenvolvi-mento, estão mais vulneráveis. As altas prevalências desses episódios são ainda mais preocupantes quando se constata a sua associação com uma série de consequências negativas para o desenvolvimento da criança e do jovem, sejam físicas, sociais, emocionais ou compor-tamentais (Henrich e colaboradores, 2004).

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A violência comunitária em diferentes locais

Estudos realizados com jovens em diversos países indicam que mais de 70% já testemunharam violência na comunidade.

(Phelps e colaboradores 2002)

Entre crianças nos EUA, estima-se que entre 30% a 70% assistem a uma variedade de eventos ameaçadores e perigosos no lugar em que vivem.

(Malik, 2008)

Entre crianças moradoras de uma comunidade dos Estados Unidos com altos níveis de violência, Osofsky e colaboradores (1994) constataram forte relação entre a exposição à violência crônica na comunidade e as reações de estresse, entre as quais estão preocupações com segurança, dificuldades de dormir, recorrência de pensamentos negativos e sentimentos de solidão.

Bell e Jenkins (1993), em estudo com crianças no sul da cidade de Chicago/EUA, observaram que testemunhar tiroteios ou conflitos com punhais ou facas está associado a brigas entre alunos em escolas de localidade considerada de risco.

Adolescentes americanos expostos a altos níveis de violência na comunidade relataram significativamente mais sintomas de ansiedade e depressão, quando comparados a jovens menos expostos a violência comunitária.

(Martinez e Richeter, 1994).

Crianças que passam por vários eventos potencialmente traumá-ticos apresentam mais elevadas chances de desenvolverem sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), se comparadas a crianças que nunca passaram por tais situações adversas. Dentre as crianças da rede pública de São Gonçalo com sintomas de TEPT destacam-se as que foram vítimas de roubo na comunidade e na es-cola e que viveram situação de risco na vizinhança. Também aquelas

que foram testemunhas de roubo ou de pessoas feridas por arma de fogo mostraram mais chances de se tornarem sintomáticas (Ximenes, Oliveira e Assis, 2009).

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático – TEPT é um dos problemas de saúde mental mais associado à violência. Atinge crianças, adolescentes e adultos após experiência pessoal, testemunho ou conhecimento de eventos que põem em risco à vida ou integridade física, própria ou de outros.

(APA, DSM-IV, 2002)

Três grandes grupos de sintomas são apontados pela APA (Associação de Psiquiatria Americana de TEPT): (1) Revivência do evento traumático (lembranças aflitivas, intrusivas e recorrentes do evento, sonhos com o evento, episódios onde a pessoa age ou sente como se o episódio estivesse ocorrendo novamente, entre outros; (2) Esquiva persistente de estímulos associados ao evento (esforços para evitar pensamentos, sentimentos e conversas associadas ao evento, evitar pessoas, ações e tudo o que lembre o evento; (3) Excitabilidade aumentada (hipervigilância, dificuldade de manter o sono, surtos de raiva e irritabilidade, dificuldades de manter a concentração.

Para caracterizar TEPT, os sintomas devem causar sofrimento e prejuízo significativo em áreas importantes da vida e estar ocorrendo a mais de um mês.

(APA, 2002)

Entre crianças e adolescentes mais novos o TEPT pode se manifestar de forma distinta: comportamento desorganizado ou agitado; sonhos amedrontadores, por exemplo, sonhos com monstros e de salvamentos de si próprio ou de outros; reencenação do evento traumático; sintomas físicos como dores estomacais e de cabeça.

Além dos efeitos concretos da convivência diária em áreas de elevado risco, o medo originado pelo descontrole e insegurança

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que foram testemunhas de roubo ou de pessoas feridas por arma de fogo mostraram mais chances de se tornarem sintomáticas (Ximenes, Oliveira e Assis, 2009).

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático – TEPT é um dos problemas de saúde mental mais associado à violência. Atinge crianças, adolescentes e adultos após experiência pessoal, testemunho ou conhecimento de eventos que põem em risco à vida ou integridade física, própria ou de outros.

(APA, DSM-IV, 2002)

Três grandes grupos de sintomas são apontados pela APA (Associação de Psiquiatria Americana de TEPT): (1) Revivência do evento traumático (lembranças aflitivas, intrusivas e recorrentes do evento, sonhos com o evento, episódios onde a pessoa age ou sente como se o episódio estivesse ocorrendo novamente, entre outros; (2) Esquiva persistente de estímulos associados ao evento (esforços para evitar pensamentos, sentimentos e conversas associadas ao evento, evitar pessoas, ações e tudo o que lembre o evento; (3) Excitabilidade aumentada (hipervigilância, dificuldade de manter o sono, surtos de raiva e irritabilidade, dificuldades de manter a concentração.

Para caracterizar TEPT, os sintomas devem causar sofrimento e prejuízo significativo em áreas importantes da vida e estar ocorrendo a mais de um mês.

(APA, 2002)

Entre crianças e adolescentes mais novos o TEPT pode se manifestar de forma distinta: comportamento desorganizado ou agitado; sonhos amedrontadores, por exemplo, sonhos com monstros e de salvamentos de si próprio ou de outros; reencenação do evento traumático; sintomas físicos como dores estomacais e de cabeça.

Além dos efeitos concretos da convivência diária em áreas de elevado risco, o medo originado pelo descontrole e insegurança

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limita o convívio social e é fonte importante de sofrimento. Essa limitação social é bastante prejudicial à saúde mental, tão quanto os reais eventos ocorridos. Sabe-se que crianças expostas à violência na comunidade têm, muitas vezes, dificuldade de acesso à escola e vivenciam empecilhos ao pleno desenvolvimento. Sofrem pela amea-ça, exposição e testemunho de situações que as deixam vulneráveis emocionalmente e, mais ainda, aprendem que situações de violência fazem parte de sua vida, banalizando-as e podendo repeti-las em suas relações atuais e futuras. Nesse contexto de exclusão e sendo alvo de ações violentas, a saúde pode ficar comprometida física e mental-mente (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2001).

O testemunho da violência comunitária também pode interferir na saúde mental de crianças e adolescentes. Essa forma de vitimização pode ser tão danosa quanto à violência diretamente dirigida a eles.

Assim, dependendo do significado dado pela criança ou adolescente ao testemunho de violência comunitária, as consequências podem até ser mais graves do que a violência física ou verbal direcionada a elas.

(Evans, Davies e Dilillo, 2008)

A Violência na Escola

Estudos no Brasil vêm mostrando que as raízes da violência na escola estão também na violência no bairro, na família e em condições estruturais como a pobreza e a privação (Cárdia, 1999; Candau, 1999; Guimarães, 1996; Ristum, 2001). Nos Estados Unidos, dados de um estudo em escolas mostram que a vitimização de jovens neste local é frequente: 30% dos meninos e 16% das meninas relataram já ter sofrido algum furto na escola ou nas proximidades, e dois terços dos entrevistados já presenciaram agressões verbais e físicas no ambiente escolar (Elliott, Hamburg e Williams, 1998).

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Em estudo em São Gonçalo (Assis, Pesce e Avanci, 2006) cons-tatou-se que um em cada quatro adolescentes teve objetos pessoais furtados na escola, 13.9% tiveram objetos como roupa, livros e reló-gios danificados propositalmente e 2,5% tiveram dinheiro ou outras coisas roubadas à força. Vários adolescentes conviveram na escola com pessoas que carregam arma branca (6%) e arma de fogo (4,9%), além de serem vítimas de agressões intensas a ponto de necessitarem cuidados médicos (2,1%).

Já a pesquisa em dez capitais do Brasil (Minayo, Assis e Njaine, 2011) aponta algumas diferenças entre os jovens que estudam nas escolas públicas e particulares no que se refere a: ter sido ameaçado na escola, mais relatado pelos primeiros (15,4% versus 8,5%); convi-ver com pessoas que usam armas brancas na escola (14,5% dos que estudam no ensino particular contra 9,2% dos que estão no ensino público); e ter sido humilhado, que também é mais frequente entre alunos do ensino particular (19,6% versus 14,1%).

Sposito (2001) tece uma interessante reflexão sobre a relação entre jovens mais des favorecidos socialmente e violência escolar, criticando a tendência de se igualar pobreza e violência e de se con-siderar que os atos de violência que atingem a unidade escolar ou que nela ocorrem são uma expressão direta da situação de miséria. Os dados por nós encontrados na pesquisa e em outros trabalhos anteriores (Assis, Pesce e Avanci, 2006) nos levam a concluir que há mais similaridades do que diferenças entre estudantes das duas redes no que se refere à violência escolar, desmistificando uma pos-sível relação direta entre pobreza e violência escolar. Vale lembrar que existem muitas esco las situadas na periferia das grandes cidades (áreas de grande pobreza) que têm poucos episódios de violência em seu interior; e várias escolas particulares que atendem jovens de estratos sociais altos ou médios que convivem com ocorrências cotidianas de violência.

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Nosso colega foi até expulso da escola. Um rapaz da outra sala agrediu a irmã dele. Quando ele viu, ele saiu correndo, pegou uma cadeira e tacou nas costas do menino. O garoto caiu no chão. Ele começou a cobrir o menino de porrada. [...] As meninas chorando, ele chorava também de raiva, que o menino tinha agredido a irmã dele.

(menino, 16 anos, escola pública de Manaus)

Nas muitas escolas de todo o país em que pesquisamos o tema da violência nos últimos 20 anos (Minayo e colaboradores, 1999; Minayo, Assis e Njaine, 2011; Assis e colaboradores, 2011; Minayo, Njaine e Assis, 2004), ouvimos os relatos dos educadores sobre os compor-tamentos agressivos dos estudantes entre si e com a equipe escolar, a percepção de ocorrência de violência interpessoal que ocorre no nível familiar e comunitário, e a presença de violência no entorno da escola e da moradia dos alunos. Também presenciamos os cadeados nos portões e os seguranças escolares. A presença da violência na escola e na localidade em que vivem crianças e adolescentes limita as relações sociais e o potencial de aprendizagem ali desenvolvidos.

Falas dos pesquisadores nas visitas às escolas (Minayo, Assis e Njaine, 2011)

Na hora do intervalo, o portão não é aberto como medida de segurança, o que parece contradizer toda a tranquilidade do local. O discurso [e a aparência] parecem confirmar que ‘para lá’ [além da escola] há violência no bairro.

(Manaus)

Um dos meninos que participou da entrevista me contou que a região melhorou muito com a presença das milícias. Disse que a comunidade paga uma taxa, mas que esse dinheiro realmente é convertido para benefício da comunidade. Por exemplo, ele disse

ter uma ‘lan house’ disponível para os moradores, serviços de atendimento médico e dentário pela associação da comunidade, e o parque da região está sempre limpo e conservado. Existe ainda incentivo para prática de esportes.

(Rio de Janeiro)

O bairro em que a escola se situa é considerado violento, e os moradores, através de manifesta ções formais e de passeatas, reivindicam segurança. Recentemente, escolas do bairro fecharam suas portas por um dia, por terem recebido ameaças de bandidos. Entregadores de pizzas, de medicamentos, de telemensagens e até taxistas não aceitam atender pedidos quando o endereço é este bairro. O bairro também fica próximo ao presídio.

(Cuiabá)

Na escola as relações interpessoais são estabelecidas durante um longo período da vida. Logo, experiências positivas são de extrema importância para proteger o indivíduo de vivenciar riscos, oferecen-do oportunidades de sucesso social e acadêmico e a participação em atividades extracurriculares que o fortaleçam perante condições difíceis de vida (Trombeta e Guzzo, 2002). Possui importante papel para a proteção, ao favorecer a autoestima e por ser um ambiente onde o aluno pode contar com pessoas significativas como professo-res ou funcionários que reforcem ou promovam aspectos positivos de personalidade (Garmezy, 1996; Werner e Smith, 2001). Muitas vezes, a violência que ocorre na escola é uma continuidade de outras adversidades vivenciadas em distintas situações da vida da criança ou adolescente, em casa ou na rua.

Eu brigo em casa, aí eu venho pra escola e alguém fala alguma coisa comigo. Eu vou e discuto com a pessoa, ou então eu falo alto, mais ou menos assim. Eu brigo, eu tenho alguma discussão em algum lugar e venho pra escola e venho descontar nas pessoas.

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ter uma ‘lan house’ disponível para os moradores, serviços de atendimento médico e dentário pela associação da comunidade, e o parque da região está sempre limpo e conservado. Existe ainda incentivo para prática de esportes.

(Rio de Janeiro)

O bairro em que a escola se situa é considerado violento, e os moradores, através de manifesta ções formais e de passeatas, reivindicam segurança. Recentemente, escolas do bairro fecharam suas portas por um dia, por terem recebido ameaças de bandidos. Entregadores de pizzas, de medicamentos, de telemensagens e até taxistas não aceitam atender pedidos quando o endereço é este bairro. O bairro também fica próximo ao presídio.

(Cuiabá)

Na escola as relações interpessoais são estabelecidas durante um longo período da vida. Logo, experiências positivas são de extrema importância para proteger o indivíduo de vivenciar riscos, oferecen-do oportunidades de sucesso social e acadêmico e a participação em atividades extracurriculares que o fortaleçam perante condições difíceis de vida (Trombeta e Guzzo, 2002). Possui importante papel para a proteção, ao favorecer a autoestima e por ser um ambiente onde o aluno pode contar com pessoas significativas como professo-res ou funcionários que reforcem ou promovam aspectos positivos de personalidade (Garmezy, 1996; Werner e Smith, 2001). Muitas vezes, a violência que ocorre na escola é uma continuidade de outras adversidades vivenciadas em distintas situações da vida da criança ou adolescente, em casa ou na rua.

Eu brigo em casa, aí eu venho pra escola e alguém fala alguma coisa comigo. Eu vou e discuto com a pessoa, ou então eu falo alto, mais ou menos assim. Eu brigo, eu tenho alguma discussão em algum lugar e venho pra escola e venho descontar nas pessoas.

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A análise das causas e das relações que propiciam condutas vio-lentas demanda reconhecimento e compreensão de processos mais abrangentes que produzem a violência como um componente da vida social nos dias que vivemos. Embora pareça evidente que “violência gera violência”, sabe-se também que são diversas as variáveis que interferem positiva ou negativamente nas vivências de violência pela criança e adolescente. São combinações de fatores que se entrelaçam e moldam a criança frente a essas vivências adversas.

Experiências desfavoráveis de vida, como por exemplo a vio-lência, têm potencial para consequências destrutivas ao desenvol-vimento infanto-juvenil. Por seu lado, vivências positivas, como o apoio existente na família ou na escola, podem minorar esses efeitos. Observamos que, com frequência, pessoas significativas na vida das crianças e adolescentes tornam-se para elas fortalezas, mesmo nos mais adversos contextos de vida.

A violência na comunidade e o relacionamento com amigos e namorados

Especialmente na fase da adolescência as amizades são funda-mentais, principalmente porque influenciam a forma de o jovem agir e reagir em diversas situações de vida. A escolha do grupo de amigos pode favorecer a competência social dos adolescentes, por estimular a aquisição de habilidades que propiciam a socialização e o desenvolvimento cognitivo e emocional. Além disso, esses relacionamentos, quando saudáveis, contribuem no aumento da capacidade do jovem para enfrentar positivamente as transforma-ções inerentes a essa fase da vida e às adversidades do dia-a-dia (Cecconello e Koller, 2000).

Como vimos até aqui, a revitimização em outros ambientes é um fato comum em uma criança e adolescente com vivência de violência no contexto da comunidade, não raro estando exposta também a vitimização no ambiente doméstico e escolar. Tal fato sugere que a violência é de certa forma aprendida e, portanto, poderia é repro-

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duzida nas relações entre os colegas, com adultos e nas relações afetivas em geral.

Se a pessoa está acostumada a ver violência por parte dos pais acontecer no lar ou no lugar onde ela nasceu e cresceu, ela tem uma tendência fortíssima a agir daquela forma, como se fosse natural.

(rapaz, escola pública de Teresina)

Nosso estudo com crianças do município de São Gonçalo-RJ, mostrou claramente a coocorrência de violências em diferentes contextos da vida delas, constando-se que meninos e meninas que sofrem violência nos seus lares se mostram mais propensos a se-rem vitimizados na comunidade, na escola e na relação entre pares (Pesce, 2009).

No estudo que realizamos com adolescentes em dez capitais brasileiras (Minayo, Assis e Njaine, 2011), visando avaliar a qualidade dos relacionamentos juvenis, perguntamos a eles de que forma costu-mam resolver os conflitos quando estão no convívio com seu grupo de amigos. Quase todos afirmam conversar com os amigos sobre os problemas (99,2%). Ratificando esse dado, 93,4% dos jovens, sem diferença de sexo e inserção em rede de ensino (pública ou privada), informam ter bom relacionamento com amigos.

Embora exista esse relato de bom relacionamento por parte dos jovens entrevistados nesse estudo, essa situação não é permanente, e existem momentos e situações mais conflituosas e mesmo de violência que se manifestam de forma psicológica (xingar e humilhar) e física (ba-ter ou empurrar). Esta última forma é mais comum entre os garotos.

Segundo seus próprios depoimentos, os jovens das escolas parti-culares se utilizam mais de agressões psicológicas contra os membros de seu grupo nos momentos de conflitos (59,3%) do que os do ensino público (40,4%). O comportamento mais agressivo no namoro foi

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demonstrado por jovens do sexo masculino, fato influenciado pela cultura machista, pela pressão existente entre pares e pela necessidade de se sentirem parte da turma.

Em outro estudo sobre superação de adversidades, incluindo violências entre adolescentes de escolas públicas e privadas de São Gonçalo, observamos que aqueles que se mostram mais capazes de enfrentar os problemas da vida têm mais amigos e apresentam bom relacionamento. Ao contrário, os que têm um círculo de amizade res-trito, apresentam uma relação menos interativa, são mais reservados e têm mais dificuldade para enfrentar os conflitos, sobretudo os que ocorrem no convívio diário (Assis, Pesce e Avanci, 2006).

Geralmente traficantes da comunidade são pessoas conhecidas, amigas. O menino que era traficante e que morreu estudou comigo, foi meu amigo de infância, que eu brinquei de pique, pulei corda. As senhoras, às vezes eles recorrem: Pô, tia, me deixa esconder, me esconde. Então geralmente são crianças que nós vimos crescer, são nossos amigos, são nossos vizinhos.

(jovens que trabalham – município do Rio de Janeiro)

Por todas as razões apontadas, é preciso apoiar as crianças e adolescentes para que elas consigam estabelecer relações significativas e construtivas com seus pares.

A violência na comunidade e a família

Ao refletir sobre a violência comunitária, outro aspecto a ser avaliado pelo profissional de saúde e educação é sua associação com a violência familiar, o que pode agravar ainda mais os impactos sobre o funcionamento e o desenvolvimento infanto-juvenil.

A venda de drogas, os assaltos e roubos, os sequestros, os assas-sinatos, a violência policial e os conflitos armados afetam significati-

vamente as famílias e contribuem para a ocorrência da instabilidade e desorganização na família, além da violência.

Por outro lado, a violência no ambiente familiar favorece a ex-posição da criança à violência no entorno da comunidade, incluindo envolvimento inadequado com colegas e práticas de violência (Cichetti e Lynch, 1993; Luthar e colaboradores, 2000). Ou seja, os conflitos e a desestruturação familiar, bem como a falta de supervisão da criança ou adolescente, favorecem a permanência deles por mais tempo na rua e a busca de alternativas de convívio, estando mais vulneráveis e expostas à vitimização e/ou a participação em atividades transgres-soras na comunidade.

Famílias mais envolvidas afetivamente com os filhos, internamente mais organizadas e com capacidade de supervisão são mais capazes de protegê-los da violência na comunidade.

A associação entre fatores comunitários (recursos físicos, amea-ças ambientais e eficácia da coletividade) presentes na vida de 53.023 crianças e adolescentes norte americanos (6-17 anos) e suas condi-ções de saúde reforça a importância da forma como os pais agem na educação dos filhos e dos cuidados familiares. Todos os três fatores comunitários estudados mostraram-se associados diretamente as condições gerais de saúde infantis, sendo, porém, mediados pela forma como a família funciona, ou seja, pelos relacionamentos estabelecidos no âmbito familiar. Logo, apenas atuando sobre ambos – comunidade e família – é possível melhorar as condições de saúde de crianças e adolescentes. Os autores desse estudo (Fan e Chen, 2012) afirmam que é mais essencial enfocar em programas comunitários que reduzem os estressores ambientais e que aumentam a coesão da vizinhança do que meramente aumentar a infraestrutura da comunidade.

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vamente as famílias e contribuem para a ocorrência da instabilidade e desorganização na família, além da violência.

Por outro lado, a violência no ambiente familiar favorece a ex-posição da criança à violência no entorno da comunidade, incluindo envolvimento inadequado com colegas e práticas de violência (Cichetti e Lynch, 1993; Luthar e colaboradores, 2000). Ou seja, os conflitos e a desestruturação familiar, bem como a falta de supervisão da criança ou adolescente, favorecem a permanência deles por mais tempo na rua e a busca de alternativas de convívio, estando mais vulneráveis e expostas à vitimização e/ou a participação em atividades transgres-soras na comunidade.

Famílias mais envolvidas afetivamente com os filhos, internamente mais organizadas e com capacidade de supervisão são mais capazes de protegê-los da violência na comunidade.

A associação entre fatores comunitários (recursos físicos, amea-ças ambientais e eficácia da coletividade) presentes na vida de 53.023 crianças e adolescentes norte americanos (6-17 anos) e suas condi-ções de saúde reforça a importância da forma como os pais agem na educação dos filhos e dos cuidados familiares. Todos os três fatores comunitários estudados mostraram-se associados diretamente as condições gerais de saúde infantis, sendo, porém, mediados pela forma como a família funciona, ou seja, pelos relacionamentos estabelecidos no âmbito familiar. Logo, apenas atuando sobre ambos – comunidade e família – é possível melhorar as condições de saúde de crianças e adolescentes. Os autores desse estudo (Fan e Chen, 2012) afirmam que é mais essencial enfocar em programas comunitários que reduzem os estressores ambientais e que aumentam a coesão da vizinhança do que meramente aumentar a infraestrutura da comunidade.

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Uma vez eu estava voltando da casa do meu primo, que eu tinha ido lá pegar o porta CD. Ele mora no condomínio aqui na frente, e quando eu estava voltando, fui abordado. O pivete estava com a mão assim, levaram o porta CD, aí foram embora. Aí depois eu fui, liguei pra minha casa, avisei minha mãe. Ela veio de carro e me pegou e me levou pra casa. Isso foi bem chato mesmo.

(menino, 12 anos, escola pública, São Gonçalo).

Tem pessoas que acabam se tornando violentas porque sofreram algum tipo de violência. Fica remoendo o passado. Sofre um abuso na infância, aquilo fica guardado na mente e chega uma hora, e chega um ponto em que ela se revolta contra todo mundo, aí pode cometer violência contra ela própria ou contra os próximos.

(aluno, escola pública)

Um filho, pode ser de qualquer classe social, o pai bebe, chega em casa, bate na mãe, a pessoa vai viver com trauma

A violência na comunidade deve ser pensada junto a uma coexistência de condições de risco que interferem diretamente nas consequências à saúde das crianças e jovens. A revitimização de crianças e adolescentes em vários contextos tem alto potencial de causar danos ao desenvolvimento, uma vez que o acúmulo de experiências adversas aumenta as chances de manifestar problemas emocionais e comportamentais.

(Rutter, 1979; Sameroff, 2000).

Observamos na pesquisa com as crianças em São Gonçalo-RJ, que há mais agressão verbal entre os pais e mais violência física do

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pai contra a mãe entre crianças vítimas de violência na comunidade. Constatamos ainda a associação entre violência na comunidade e uso de drogas do pai, o que por sua vez, pode potencializar a violência na família. Também observamos que tipos diferentes de violências ocorridas na família, escola e comunidade tendem a se agrupar, permi-tindo inferir que crianças que sofrem violência em um ambiente, têm maior tendência a vitimização em outros contextos, caracterizando o ciclo da violência.

Entender o processo de reocorrência de violências na infância implica em considerar a vitimização como uma condição, e não como um evento individual ou um trauma vivenciado particularmente. Não sendo uma simples repetição de situações violentas, é possível refletir por que muitas crianças ficariam “aprisionadas” na condição de vítimas não apenas do mesmo, mas possivelmente de diferentes tipos de violência. Ressaltamos que é necessário aprender com os exemplos de tantas outras crianças e adolescentes que, por processos sociais, familiares e individuais, conseguem interromper a condição de vitimização.

Lá na minha casa é assim, se eu quiser discutir com minha mãe, ela me baixa a porrada, me desculpe a palavra. Lá é superautoritário. Mais de tapas, não é de matar, mas também... Hoje em dia eu já apanhei tanto quando era pequeno... Eu já apanhei com tudo que estava na mão da minha mãe. Minha mãe já me amarrou no pé da mesa. Eu não tiro a razão deles não. Quando é preciso, eu acho que tem que bater mesmo. Agora, eu acho também, que tem gente que já abusa do direito de bater. Deixa a criança quase morta, a criança tem que ficar toda roxa. Eu, as vezes, ficava marcadinho, assim. Meu irmão criou um couro. Hoje em dia bate e nem dói de tanto que ele já apanhou.

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Capítulo 3

Violência comunitária e problemas de saúde em crianças,

adolescentes e suas famílias

Conforme já ressaltamos, alguns problemas de saúde decorrem da exposição de meninos e meninas à violência nas proximidades de suas casas e escolas. Mas, não podemos deixar de apontar que, ainda que a violência na comunidade seja fator potencialmente prejudicial, a percepção que cada um tem sobre essa forma de violência interfere positiva ou negativamente nos efeitos dessa violência. Ou seja, há mecanismos individuais que são capazes de potencializar ou atenuar as

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consequências dessa exposição. Nesse sentido, damos como exemplo a existência de apoio social e o potencial de resiliência de cada um e aquele provido pelo apoio social encontrado no meio em que se vive. Também é importante apontar que a criança e o adolescente são influenciados pelas percepções que seus pais e amigos têm, moldando assim sua própria visão acerca da realidade.

Resiliência é definida como a capacidade, de pessoas ou grupos, enfrentar as adversidades da vida com êxito, e até sair fortalecidos delas.

(Mellilo e Ojeda, 2005)

Apoio Social está relacionado com a informação que leva o indivíduo a acreditar que é querido, amado e estimado, e que faz parte de uma rede social com compromissos mútuos (Cobb, 1976). Segundo Bowling (1997) trata-se do grau com que relações interpessoais correspondem a determinadas funções (por exemplo, apoio emocional, material e afetivo), com ênfase no grau de satisfação do indivíduo com a disponibilidade e qualidade dessas funções.

Além das circunstâncias que o ambiente comunitário, social e familiar provêm, existem fatores individuais (sexo, idade, cor da pele, temperamento, autoimagem, autoestima) e conjunturais (organização familiar, rede de proteção) que se entrelaçam e moldam o estado emocional de uma criança frente a essas vivências adversas.

A despeito da capacidade individual de significar as adversidades enfrentadas, os atos violentos nas comunidades têm potencial para desencadear distúrbios psicológicos, lesões físicas graves e óbito. As consequências podem ser imediatas ou aparecerem ao longo do tempo, o que faz com que aumente a preocupação com a saúde da criança, do adolescente, da família e do ambiente que estão inseridos, já que é preciso considerar o que ainda pode vir a acontecer. Partindo desses princípios, apresentamos a seguir alguns problemas de saúde em crianças e adolescentes decorrentes da violência comunitária.

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Problemas físicos

São os jovens que estão mais expostos a situações violentas tanto como vítimas diretas, quanto como testemunhas ou perpetradores da violência. A linha que separa essas formas de vitimização é tênue, existindo, muitas vezes, uma sobreposição dos papéis assumidos pelo adolescente (Phebo e Moura, 2005).

As principais lesões físicas encontradas envolvem a cabeça, pes-coço e extremidades, apresentadas como contusões, lacerações, traumatismos crânio-encefálicos e fraturas. As lesões que resultam de agressões físicas e assaltos são mais leves e evoluem menos com necessidade de internação (Sege e colaboradores, 2002). Quando os atos violentos envolvem o uso de armas de fogo, a situação se agrava, com necessidade de atuação mais especializada. Os adolescentes estão mais frequentemente envolvidos nessas situações mais graves, com maior risco para evolução de lesões fatais na emergência, ou antes mesmo de aí chegar (Gofin e colaboradores, 2000).

A taxa de homicídios é alta no Brasil e o perfil das vítimas prefe-renciais é bem delineado: jovem, do sexo masculino, de cor preta ou parda (Souza, 2005). Na década de 1980, os jovens de 15 a 24 anos foram os responsáveis pelo maior incremento das taxas de homicídio do Brasil (Yunes e Rajs, 1994). Em 2000, os jovens continuaram sendo os principais alvos: os homicídios foram responsáveis por 39% das mortes da população de 15 a 24 anos e por 4,7% dos óbitos quando considerada a população total do país (UNESCO, 2002). A magni-tude e crescimento dos homicídios entre os jovens têm um grande impacto no capital humano do país. Como constatam Reichenheim e Werneck (1994), a morte, quando ocorre na etapa de vida de alta energia criativa e produtiva, não só penaliza o próprio indivíduo e o grupo que lhe é próximo, como também priva toda coletividade de seu potencial econômico e intelectual.

Além da distribuição desigual dos homicídios segundo critérios demográficos, alguns estudos mostram diferenças relacionadas aos indicadores de desenvolvimento social (Beato Filho e colaboradores,

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2001; Lima e Ximenes, 1998), com piores indicadores de desenvolvi-mento sociais em áreas com elevadas taxas de homicídio. Entretanto, a relação entre mortes por homicídio e condições socioeconômicas não é simples. Não se pode afirmar que haja uma relação direta entre pobreza e criminalidade, e nem tampouco apoiar a adoção de interpretações extremas nas quais o meio socioeconômico determina fatalmente o comportamento individual (Minayo e Deslandes, 1998). A pobreza em si não explica o excesso de risco de homicídio em grupos mais vulneráveis.

Mais importantes que a renda são a desigualdade social, a injus-tiça e a exclusão, problemas relacionados ao tamanho e distribuição populacional. O tráfico de drogas e armas, assim como a ausência de Estado que promova relações saudáveis entre as pessoas e que pos-sibilite avanços sociais, são considerados responsáveis pelo aumento dos homicídios no Brasil (Zaluar, Noronha e Albuquerque, 1994). O risco de homicídio é, portanto, o produto da ação de determinantes macroestruturais e comportamento de risco específico (Peres, 2004).

Vale a pena ressaltar a relevância do uso das arma de fogo no país: mata mais adolescentes do sexo masculino que qualquer doença ou outra causa externa. Não existe bactéria, vírus ou veículo a motor que mate mais os adolescentes no Brasil do que o projétil da arma de fogo. Dentre os adolescentes de 15 a 19 anos que morreram em 2002, 39% foram vítimas de arma. A falta de perspectivas de realiza-ção pessoal, profissional e social, traduzida como a impossibilidade de ter sonhos e poder realizá-los, gera uma sensação de impotência e baixa autoestima. Essa impotência afeta principalmente os homens jovens, os quais terminam por usar a violência armada como forma de expressão (Unesco, 2002). Características inerentes aos jovens, como a impulsividade, a necessidade de experimentação e a sensação de invulnerabilidade, os tornam ainda mais suscetíveis. Conclui-se que a esperança de vida dos jovens vem diminuindo paralelamente à esperança na vida.

A disponibilidade da arma de fogo, aliada ao seu uso indiscrimina-do como possível alternativa para a impotência, levam a esse quadro extremamente grave e preocupante.

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Eu só tenho medo de uma bala perdida, alguém chegar atirando e eu lá no meio. Meu irmão levou um tiro na perna. Ele estava num ônibus e o fiscal mandou os caloteiros descer. Aí, um puxou a arma e começou a atirar.

(aluno, escola particular, município do Rio de Janeiro)

Um policial já quebrou meu braço uma vez, sabe, no maracanã, olha que absurdo! Ele me puxou do nada, começou a bater nos meus amigos, a gente não estava entendendo, do nada... Mas quebrou meu braço, sabe, muito sinistro.

(aluno, escola particular, município do Rio de Janeiro)

Os problemas de comportamento internalizantes

Os problemas de comportamento internalizantes referem-se as dificuldades comportamentais que são interiorizadas no indivíduo, tais como depressão, ansiedade ou queixas somáticas. São distúrbios das emoções e do humor (Zahn–Waxler e colaboradores, 2000). Atingem altas prevalências entre o público infanto-juvenil, em vários países.

Estudo realizado na Austrália, com mais de 4 mil crianças de 4 a 17 anos, constatou que 12,8% apresentavam problemas internalizan-tes (Sawyer e colaboradores, 2001). Outra pesquisa, com crianças escolares de Hong Kong, viu que os problemas internalizantes estavam presentes em 11,8% das 1.598 crianças escolares (SIU, 2008).

Em nosso estudo com as 500 crianças de São Gonçalo — RJ, 15,7% das crianças investigadas apresentavam sintomas de problemas internalizantes (Assis e colaboradores, 2009), trazendo prejuízos significativos em suas vidas, afetando o seu desenvolvimento e fun-cionamento na família, na escola e nos demais grupos sociais em que convivem.

É muito frequente que as crianças tenham ao mesmo tempo sintomas de ansiedade e de depressão (entre 20 a 50% de comor-

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bidade destes dois tipos de transtornos, segundo Malik, 2008). Os transtornos ansiosos podem frequentemente preceder e predizer os transtornos depressivos em crianças e adolescentes (Zahn–Waxler e colaboradores, 2000). As crianças com problemas internalizantes também podem apresentar comorbidade com outros transtornos como os problemas de comportamento externalizantes (Zahn– Waxler e colaboradores, 2000), descritos mais adiante.

Sintomas de ansiedade: sensações físicas e mentais, como aceleração do batimento cardíaco, mudança no direcionamento do fluxo sanguíneo, aumento da transpiração, estado de alerta da atenção, desejo enorme de fuga da situação, desejo de agredir, entre outras reações.

Sintomas de depressão: transtorno afetivo caracterizado por humor deprimido ou perda de prazer. Inclui pensamentos depressivos como pessimismo com relação ao futuro ou ideações suicidas, além de queixas somáticas e retraimento social e sintomas biológicos como acordar muito cedo, ter apetite reduzido e perda de peso.

Queixas somáticas: sintomas físicos em resposta a sobrecargas emocionais que atingem múltiplos sistemas do organismo (por exemplo, dores e sintomas gastroinestinais), sem que haja doença orgânica conhecida.

(American Psychiatric Association, 2000).

Estudos sobre os efeitos da violência familiar em crianças mostram associação com vários problemas de saúde mental, dentre eles os internalizantes (Malik, 2008). Em nosso estudo com as crianças de São Gonçalo (Assis e colaboradores, 2009), percebemos que aquelas que sofriam violência física severa da mãe, apresentavam mais sintomas de problemas internalizantes do que as que não eram vítimas dessa violência.

Em relação à violência comunitária, diversos estudos mostram sua relação com sintomas de depressão, ansiedade e queixas somáticas.

Investigação realizada por Malik (2008) com 117 crianças de origem multiétnica, constatou que a violência comunitária esteve associada aos problemas de comportamento internalizantes e externalizantes. Contudo, alguns estudos denotam a falta de clareza desta relação (Fowler e colaboradores, 2009).

Salzinger e colaboradores (2002) afirmam que os efeitos da violência comunitária não podem ser entendidos se não for levado em conta o contexto (pessoal e ambiental) em que a exposição da violência comunitária ocorre.

Banalização da violência

Jovens cronicamente expostos à violência comunitária podem se dessensibilizar a esse fato e apresentar menos sintomas de problemas internalizantes. Ou seja, esses jovens apresentariam sintomas internalizantes quando a situação fosse nova ou inesperada. Mas, posteriormente, com a exposição crônica da violência, eles se habituariam, e passariam a não apresentar mais esse tipo de sintomas (Renner e Slak, 2006). Mais pesquisas são necessárias para identificar esse processo e para investigar diferenças individuais na forma de lidar com a violência comunitária.

Nas crianças de São Gonçalo expostas à violência comunitária notamos maior chance de apresentar sintomas internalizantes, quando comparadas às que não vivenciam essa violência, independente do estrato socioeconômico que pertençam ou da existência de violência familiar.

O desafio de futuras investigações é conhecer a relação entre o desenvolvimento de problemas internalizantes com os aspectos sócio-culturais em que vive a criança/adolescente e a sua vivência da violência comunitária, assim como o nível de exposição dessa e outras violências. Para uma criança com características emocionais já instáveis, como é o caso da depressão, crescer num ambiente violento pode ser ainda mais danoso, sendo um solo fértil a outras vitimizações.

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Investigação realizada por Malik (2008) com 117 crianças de origem multiétnica, constatou que a violência comunitária esteve associada aos problemas de comportamento internalizantes e externalizantes. Contudo, alguns estudos denotam a falta de clareza desta relação (Fowler e colaboradores, 2009).

Salzinger e colaboradores (2002) afirmam que os efeitos da violência comunitária não podem ser entendidos se não for levado em conta o contexto (pessoal e ambiental) em que a exposição da violência comunitária ocorre.

Banalização da violência

Jovens cronicamente expostos à violência comunitária podem se dessensibilizar a esse fato e apresentar menos sintomas de problemas internalizantes. Ou seja, esses jovens apresentariam sintomas internalizantes quando a situação fosse nova ou inesperada. Mas, posteriormente, com a exposição crônica da violência, eles se habituariam, e passariam a não apresentar mais esse tipo de sintomas (Renner e Slak, 2006). Mais pesquisas são necessárias para identificar esse processo e para investigar diferenças individuais na forma de lidar com a violência comunitária.

Nas crianças de São Gonçalo expostas à violência comunitária notamos maior chance de apresentar sintomas internalizantes, quando comparadas às que não vivenciam essa violência, independente do estrato socioeconômico que pertençam ou da existência de violência familiar.

O desafio de futuras investigações é conhecer a relação entre o desenvolvimento de problemas internalizantes com os aspectos sócio-culturais em que vive a criança/adolescente e a sua vivência da violência comunitária, assim como o nível de exposição dessa e outras violências. Para uma criança com características emocionais já instáveis, como é o caso da depressão, crescer num ambiente violento pode ser ainda mais danoso, sendo um solo fértil a outras vitimizações.

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É importante que profissionais que lidam com crianças e adoles-centes estejam atentos a alguns indicativos de depressão nesta faixa etária: 80% dos jovens deprimidos apresentam humor irritado, perda de energia, apatia, desinteresse, sentimentos de desesperança, culpa, perturbações do sono, perda de apetite e peso, isolamento e dificuldade de concentração. Especialmente na escola pode-se observar prejuízos no desempenho escolar, baixa autoestima, alterações nos relaciona-mentos e até mesmo aumento de ideias e tentativas de suicídio.

Mais importante ainda é sabermos que nem toda criança que vi-vencia eventos violentos na comunidade irá desenvolver problemas de comportamento internalizantes, pois existem diversos outros fatores relevantes relacionados à criança, ao seu ambiente familiar, escolar e social, bem como outros eventos difíceis que tenham vivenciado ao longo da vida. É importante ressaltar que vivenciar situações de violência pode elevar as chances de desenvolvimento dos problemas internalizantes; mas não pode determiná-las.

Aí ela fica com medo dele. De maconha. Às vezes usa cola também [o pai]. Ela fica com medo de sair na rua com ele, fica chorando num canto. Fala para ele parar, fica chorando. Ele fala que quando estiver na hora, ele para. Ela pergunta: — só quando o Sr. morrer? Ele fica assim, olhando pra ela, vira a cara e não fala nada. Ela fica chorando em cima da cama. Depois que ela soube que o pai dela usava droga. Ah! Ficou triste.

(mãe de menina 8 anos, escola pública, São Gonçalo)

Problemas de comportamento externalizantes

Os problemas de comportamento externalizantes referem-se a atos expressos pela criança ou adolescente diretamente no ambien-te, incluindo o comportamento agressivo e de violação de regras. Contrapõem-se aos comportamentos internalizantes apresentados anteriormente, interiorizados no indivíduo (Achenbach, 1991).

O comportamento agressivo (relacionado aos transtornos de conduta — DSM IV, 2002) que se inicia na infância tende a ser mais sério, com mais alto nível de agressão e podem persistir na idade adulta. A prevalência, especialmente em áreas urbanas, oscilando de menos de 1% a mais de 10% (Pesce, 2009). São mais presentes no sexo masculino.

Já o comportamento de violação de regras (relacionado ao Trans-torno Desafiador Opositivo — DSM IV, 2002), ao se apresentar na infância, torna-se preditor do comportamento transgressor em jovens. Caracteriza-se por comportamento negativista, desafiador e hostil para com figuras de autoridade. É mais prevalente em homens do que em mulheres antes da puberdade, mas as taxas são provavelmente iguais após a puberdade, oscilando entre 2% e 16%.

Comportamentos disruptivos (DSM-IV)

Transtorno de Conduta (DSM-IV, 2002): atos agressivos a pessoas ou animais, além de destruição a propriedades, defraudação ou furtos e sérias violações de regras sociais.

Transtorno Desafiador Opositivo (DSM-IV, 2002): comportamento negativista, desafiador e hostil para com figuras de autoridade.

Os profissionais envolvidos com crianças e adolescentes mostram grande dificuldade para lidar com esse comportamento, pois trata-se de uma alteração de comportamento que habitualmente apresenta evolução constante e demonstra resistência às tentativas de controle por parte da família e da escola. Também provoca estranheza nos profissionais, que muitas vezes têm dificuldade em reconhecer o problema e em cuidar eficazmente de crianças e adolescentes com essas manifestações.

Embora o senso comum frequentemente associe a criança e o adolescente com comportamento agressivo e de violação de regras com a presença de conflitos no seu contexto de vida, essa relação

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O comportamento agressivo (relacionado aos transtornos de conduta — DSM IV, 2002) que se inicia na infância tende a ser mais sério, com mais alto nível de agressão e podem persistir na idade adulta. A prevalência, especialmente em áreas urbanas, oscilando de menos de 1% a mais de 10% (Pesce, 2009). São mais presentes no sexo masculino.

Já o comportamento de violação de regras (relacionado ao Trans-torno Desafiador Opositivo — DSM IV, 2002), ao se apresentar na infância, torna-se preditor do comportamento transgressor em jovens. Caracteriza-se por comportamento negativista, desafiador e hostil para com figuras de autoridade. É mais prevalente em homens do que em mulheres antes da puberdade, mas as taxas são provavelmente iguais após a puberdade, oscilando entre 2% e 16%.

Comportamentos disruptivos (DSM-IV)

Transtorno de Conduta (DSM-IV, 2002): atos agressivos a pessoas ou animais, além de destruição a propriedades, defraudação ou furtos e sérias violações de regras sociais.

Transtorno Desafiador Opositivo (DSM-IV, 2002): comportamento negativista, desafiador e hostil para com figuras de autoridade.

Os profissionais envolvidos com crianças e adolescentes mostram grande dificuldade para lidar com esse comportamento, pois trata-se de uma alteração de comportamento que habitualmente apresenta evolução constante e demonstra resistência às tentativas de controle por parte da família e da escola. Também provoca estranheza nos profissionais, que muitas vezes têm dificuldade em reconhecer o problema e em cuidar eficazmente de crianças e adolescentes com essas manifestações.

Embora o senso comum frequentemente associe a criança e o adolescente com comportamento agressivo e de violação de regras com a presença de conflitos no seu contexto de vida, essa relação

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ainda é pouco clara. Ainda mais incerta é a associação entre exposição à violência na comunidade e comportamentos externalizantes, embora estudos apontem nessa direção tanto no Brasil (Pesce, 2009; Mazza e Reynolds, 1998; Voisin, 2003, 2005), quanto em outros países como os Estados Unidos (Ozer, Kristen e McDonald, 2006). Esses estudos encontraram relação entre a vivência de violência na comunidade e a violência praticada pelo público infanto-juvenil.

Uma pesquisa indicou que 76,3% dos jovens norte americanos detidos por praticar violência estiveram expostos a pelo menos uma forma de violência nos locais em que vivem, com mais comportamento autodestrutivo, maior uso de maconha e álcool e mais manifestações de comportamento agressivo e depressão do que os que não sofreram violência comunitária (Voisin e colaboradores, 2007).

Muitos estudos investigam a agressão como uma forma de reação aos maus-tratos sofridos no ambiente doméstico (Cardoso, 1999; Meneguel, 1996). Para Jaffe, Wolfe e Wilson (1990), pais que utilizam a violência como forma de punição estão mostrando a seus filhos que essa é a forma de proceder frente ao mundo. Da mesma forma, Bee (1986) ressalta que o comportamento das crianças é reflexo de seu relacionamento com pessoas significativas e que é na observação e reforçamento direto que a criança aprende padrões agressivos.

Teorias recentes sobre maus-tratos na infância abordam a trans-missão do abuso entre gerações, sendo esta uma das hipóteses mais aceitas para a etiologia da violência contra a criança no contexto familiar (Engelamd e Susman-Stillman, 1996). Assim, crianças mal-tratadas na infância teriam maiores chances de tornarem-se adultos violentos com seus filhos.

O Lucas apanhou muito. O Lucas chegava na minha casa todo arranhado, ensanguentado mesmo, de crianças com a unha enorme. Eu questionei a escola como é que deixa entrar com uma unha desse tamanho. Eu tive muito problema com essa escola no começo. As crianças são crianças que também têm

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problemas, mas que os pais acham que é normal. Não é normal uma criança espancar a outra, enfiar a unha no rosto. Meu filho ia pra casa marcado. O Lucas apanhou a Alfa inteira, quando chegou no meado da primeira série, o Lucas começou a agredir. Aí eu comecei a ser chamada, porque de agredido ele passou a ser agressor. A dificuldade do Lucas começou aqui, com relacionamento na escola.

(mãe de menino, 8 anos, São Gonçalo)

Eu dou a educação aos meus filhos do jeito que dá para eu dar, só não posso fazer mais. Eu sinto que ele é assim [comportamento agressivo] porque ele não tem tudo. Ele entra na casa dos colegas ele vai para o quarto, vê tudo o que os colegas têm. Então, para mim ele deve achar o quê? Meus colegas têm isso, meus colegas têm aquilo e eu não tenho. Eu não tenho condições de dar tudo.

(mãe de menino, 11 anos, São Gonçalo).

Consequências na aprendizagem

Um dos indicativos de que crianças e adolescentes estão passan-do por dificuldades emocionais é o aparecimento de dificuldades de aprendizagem, manifestas na escola. Os professores mais facilmente percebem que uma criança passa por adversidades quando ela evi-dencia dificuldade de concentração, problemas de leitura, capacidade reduzida de aquisição de conhecimentos, entre outras limitações.

Pouco ainda se sabe acerca do impacto da violência na comunidade sobre o desempenho escolar. Outras formas de violência, como, por exemplo, a familiar, são mais comumente associadas às dificuldades de aprendizagem: crianças tendem a manifestar declínio no funcio-namento acadêmico após episódios de maus-tratos, conflitos entre os pais e outras formas de violência doméstica (Margolin e Gordis, 2000). Da mesma forma, vitimizações físicas e verbais por pares podem

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também predispor a baixa performance escolar (Juvonen, Nishina e Graham, 2000).

Temos como hipótese que alguns problemas emocionais decorrentes ou potencializados pelo convívio em comunidades com elevados níveis de violência podem ser mediadores das dificuldades escolares manifestadas por

Sintomas de depressão e outras formas de problemas internalizan-tes associados à violência comunitária podem resultar em problemas relacionados a perda de energia, de motivação e de concentração, interferindo negativamente na capacidade de aprendizagem na infância e adolescência. No outro extremo, crianças que foram expostas a esse tipo de violência podem manifestar raiva, irritabilidade e agres-sividade, sentimentos que também podem mediar as dificuldades de aprendizagem nessas fases da vida.

Um estudo desenvolvido com 237 crianças do estudo fundamental comprovou a associação entre violência na comunidade e proble-mas escolares, com indicativo de mediação decorrente de sintomas de depressão e de comportamento disruptivo, caracterizado por manifestações de hiperatividade, agressividade e violação de regras (Schwartz e Gorman, 2003).

Outro estudo investigou os efeitos a longo prazo da exposição a violência na comunidade e desempenho acadêmico com cerca de 1000 estudantes do ensino médio nos Estados Unidos. Considerou que o suporte dos pais é um fator que protege os efeitos dessa exposição. Nessa pesquisa, testemunhar violência comunitária associou-se com baixos níveis de desempenho acadêmico ao longo do tempo. Com o passar do tempo, os efeitos da violência comunitária sobre o de-sempenho acadêmico não foram mediados por sintomas depressivos ou agressivos e nem amenizados pelo suporte parental, o que pode significar efeitos mais permanentes da violência comunitária sobre o desempenho acadêmico durante a vida (Heidi e colaboradores, 2009)

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Embora Carolina tenha 17 anos, é uma menina muito magrinha e pouco desenvolvida. A aluna disse que está estudando a noite porque a escola que fica próximo à sua casa não recebe alunos com a sua idade. Ela falou que sabe fazer umas contas, mas, que tem muita dificuldade pra ler. A mãe já a levou ao médico para uma avaliação e a encaminharam para uma instituição onde recebem crianças com problemas psicomotores e cognitivos. Lá não puderam receber a menina, pois estava com idade além dos critérios da instituição. Carolina respondeu as perguntas sem dificuldade até eu perguntar sobre um momento difícil na vida. Ela falou que foi quando o pai dela ficou desempregado e teve que catar lixo pra vender. Nesse momento a menina começou a chorar e colocou a mão em cima do gravador.

(relato da pesquisadora sobre entrevista com menina,

A violência na comunidade e a saúde dos membros da família

A convivência com a violência na comunidade repercute sobre a saúde mental de todos: homens, mulheres, idosos, jovens e crian-ças que cotidianamente presenciam ou são diretamente afetados pelas situações adversas já descritas neste livro. Portanto, os pais / responsáveis, avós, irmãos e outros familiares mais próximos que estiverem comprometidos física e mentalmente poderão influir no desenvolvimento de crianças e adolescentes, podendo comprometer também a sua saúde mental.

Foram comuns entre os meninos e meninas entrevistados em São Gonçalo, relatos mencionando que pais e irmãos, especialmente do sexo masculino, haviam sido presos ou até mesmo assassinados devido a questões relacionadas à violência nas comunidades. Os motivos incluíam envolvimento com o tráfico de drogas, em roubos

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e furtos e em outros crimes. Relatos sobre familiares dessas crianças com problemas físicos decorrentes desse tipo de violência também não foram raros. Os próprios efeitos psicossomáticos gerados pela convivência com a violência repercutem sobre a saúde física dos integrantes da família, propiciando, por exemplo, dificuldade para dormir, irritação e dores decorrentes de estresse.

Um dos meninos integrantes de nossa pesquisa (com 14 anos), ao ser perguntado sobre o pai, disse que ele estava encarcerado por denúncia de estupro e roubo, mas que seria solto em breve. Ele relatou que o pai já esteve preso e foi solto.

Observamos ainda que, especialmente as mães das crianças, principais respondentes do estudo, revelaram altos índices de so-frimento psíquico em suas vidas manifestados através de ansiedade exacerbada, tremores nas mãos, problemas com o sono, cansaço, desânimo, dores somáticas entre outros sintomas (Tomasi, 2010). A Organização Mundial de Saúde (WHO, 2001) considera que a violência é a principal causa de problemas de saúde mental entre mulheres, o que aumentaria o consumo de tranquilizantes e antidepressivos (Ruiz-Perez e Plazaola-Castaño, 2005).

Estima-se que aproximadamente 70% dos 1,2 bilhões de pessoas que vivem em condições de pobreza são mulheres que vivem com crianças dependentes ou sozinhas (Stewart, Ashraf e Munce; 2006). Em geral, as mulheres estão em dupla ou tripla jornada de trabalho, tendo um acúmulo significativo de responsabilidades e funções. Para a mãe, o contexto de vida pode se tornar ainda mais difícil, quando vive em precárias condições de vida e em ambiente violento.

Entre mulheres brasileiras de 20-49 anos, as violências e os acidentes são a terceira causa de doenças e mortes. Dentre as violências e os acidentes, as agressões são as principais causas de morte entre as mulheres cariocas (32,8%), sendo ainda mais fre-quente no município de São Gonçalo (40,5%), por nós estudado (Datasus, 2010). A situação é mais grave quando se estima que 55% das mulheres vivenciaram alguma forma de violência em sua vida (Tjaden e Thoennes,1998).

Desde a infância, a violência é muito presente na vida das mulhe-res, com uma estimativa que gira em torno de 7% a 40% (Croswell e Burgess, 1996; Plichta e Falik, 2001). Na vida adulta, os estudos têm destacado o impacto sobre a saúde da violência cometida pelo companheiro. Estima-se que 10% a 56% das mulheres sofram vio-lência física do seu parceiro pelo menos uma vez na vida (Kumar e colaboradores, 2005; Watts e Zimmerman, 2002).

Quase 31% das mães de São Gonçalo pesquisadas comentam que, quando eram crianças, testemunharam violência entre seus pais, 68,5% que seus pais lhe batiam e 14,8% que já sofreram espancamentos nesta época da vida. Na fase adulta, 6% delas já sofreu chutes, mordidas ou murros, espancamentos, ameaças ou uso de arma ou faca do seu parceiro íntimo e 24,1% possuem familiar envolvido com drogas. Observamos que mães que são vítimas de grave violência do seu companheiro apresentam mais chances de ter problemas de saúde mental do que aquelas que não sofrem esta violência em seus lares.

No Brasil, embora avanços significativos tenham ocorrido no enfrentamento da violência contra a mulher, inclusive na esfera legis-lativa, muitos profissionais de saúde ainda se mostram pouco sensíveis a esse atendimento, o que contribui para a gravidade de seus efeitos. O fracasso dos sistemas de proteção, com a predominância da falta de assistência dos serviços de saúde às situações de violência e da falta de cuidado às suas possíveis consequências, contribui muito aos efeitos negativos da violência (Koss, e colaboradores, 2007).

Tanto a violência que é testemunhada quanto a que é vivida dire-tamente (em casa ou na comunidade) produz impacto na saúde das mulheres, que pode se apresentar logo após a situação violenta ou em anos futuros. Para a mulher, a vivência da violência no período de gravi-dez e do puerpério são os momentos da vida particularmente sensíveis.

Os problemas de saúde mental das mães e as violências que sofrem acarretam problemas aos seus filhos na medida em que difi-

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Desde a infância, a violência é muito presente na vida das mulhe-res, com uma estimativa que gira em torno de 7% a 40% (Croswell e Burgess, 1996; Plichta e Falik, 2001). Na vida adulta, os estudos têm destacado o impacto sobre a saúde da violência cometida pelo companheiro. Estima-se que 10% a 56% das mulheres sofram vio-lência física do seu parceiro pelo menos uma vez na vida (Kumar e colaboradores, 2005; Watts e Zimmerman, 2002).

Quase 31% das mães de São Gonçalo pesquisadas comentam que, quando eram crianças, testemunharam violência entre seus pais, 68,5% que seus pais lhe batiam e 14,8% que já sofreram espancamentos nesta época da vida. Na fase adulta, 6% delas já sofreu chutes, mordidas ou murros, espancamentos, ameaças ou uso de arma ou faca do seu parceiro íntimo e 24,1% possuem familiar envolvido com drogas. Observamos que mães que são vítimas de grave violência do seu companheiro apresentam mais chances de ter problemas de saúde mental do que aquelas que não sofrem esta violência em seus lares.

No Brasil, embora avanços significativos tenham ocorrido no enfrentamento da violência contra a mulher, inclusive na esfera legis-lativa, muitos profissionais de saúde ainda se mostram pouco sensíveis a esse atendimento, o que contribui para a gravidade de seus efeitos. O fracasso dos sistemas de proteção, com a predominância da falta de assistência dos serviços de saúde às situações de violência e da falta de cuidado às suas possíveis consequências, contribui muito aos efeitos negativos da violência (Koss, e colaboradores, 2007).

Tanto a violência que é testemunhada quanto a que é vivida dire-tamente (em casa ou na comunidade) produz impacto na saúde das mulheres, que pode se apresentar logo após a situação violenta ou em anos futuros. Para a mulher, a vivência da violência no período de gravi-dez e do puerpério são os momentos da vida particularmente sensíveis.

Os problemas de saúde mental das mães e as violências que sofrem acarretam problemas aos seus filhos na medida em que difi-

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cultam o cuidado e o relacionamento com eles. Essas mães tendem a ter dificuldade para supervisionar, costumando usar a punição como forma de educar ou de serem permissivas, deixando para os próprios filhos a decisão da melhor forma de agir. Mães de São Gonçalo cujos filhos apresentam problemas de saúde mental mostram mais indícios de problemas do mesmo tipo do que as que não apontam esses pro-blemas em seus filhos. Esta estreita relação evidencia a importância de se cuidar da saúde das mães, o que reverte na saúde de seus filhos.

Quando os problemas de saúde mental das mães se mantêm, ou vão e vem em ciclos, expõem a criança à problemas por um longo prazo. Nestes casos, a presença de outros adultos que dêem apoio às mães e aos seus filhos é muito importante (Carro, 1993). Aliás, a presença de fatores positivos contrabalançam muito os efeitos das adversidades presentes na vida das crianças e suas famílias, como é o caso da violência em casa, na comunidade ou os problemas ma-ternos, minimizando ou até mesmo não acarretando consequências indesejáveis à criança.

É porque em 2008, eu comecei entrar em depressão, mas em 2009 eu surtei mesmo. Aí, a minha irmã mesmo que sabe falar, que sabe contar o que aconteceu comigo, porque eu não lembro muita coisa que aconteceu comigo. Eu entrei em depressão, só vivia chorando, chorava muito. Aí os anos foram passando. Foi aí que eu tomei um remédio pra emagrecer, quase morri também com esse remédio. Depois desse remédio que eu tomei, eu fiquei com depressão. Eu me trato com psiquiatra e tomo remédio controlado para dormir, porque eu fiquei agressiva. Eu batia nele [filho] a ponto de agredir não só ele, mas todo mundo. Eu agredia a minha família toda devido aos problemas. Porque eu criei ele desde pequenininho, sozinha, sem o apoio de ninguém, sem mãe, sem pai, então a gente fica muito carente.

(mãe de menino de 14 anos)

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Capítulo 4

Quando a família e a comunidade protegem a criança da

violência da comunidadeCrianças pobres que vivem em comunidades violentas vão melhor

quando estão em um ambiente familiar estável e seguro

(Glicken, 2006, p.188)

A família é o principal sistema de apoio para a criança e o adoles-cente. As variações nos tipos de apoio que as famílias proporcionam a eles estão associadas à capacidade deles em se oporem às ameaças de sua vida e ao seu desenvolvimento (Cole e Cole, 2003).

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Algumas características de famílias que vivem sob difíceis con-dições de vida e que conseguem proteger os filhos são: (Werner e Smith, 2001):

•• famílias menos numerosas (com até quatro filhos);

•• mais de dois anos de intervalo de nascimento de um filho para outro;

•• presença de cuidadores alternativos, que não a mãe (pai, avó ou irmãos mais velhos);

•• inexistência de excessiva carga de trabalho da mãe;

•• comportamento atencioso dos cuidadores durante a fase de bebê;

•• presença de irmão como cuidador ou confidente durante a infância;

•• estabelecimento de regras durante a adolescência;

•• coesão familiar;

•• existência de rede informal de parentes e amigos durante a adolescência;

•• inexistência de grande número de outros eventos de vida estressantes e crônicos, como a doença na família e o desemprego.

•• visão positiva e realista dos cuidadores, demonstrando otimismo e confiança frente às situações difíceis;

•• sentido de transcendência e espiritualidade;

•• existência de suporte e colaboração dentro da família e fora dela.

Dois principais processos estão presentes nestas famílias: (1) o ajustamento, que inclui o potencial dos fatores positivos existentes na família para mobilizar os seus esforços na manutenção de sua in-tegridade e funcionamento, e contribuindo para o desenvolvimento adequado do comportamento quando as situações difíceis ocorrerem; e (2) a adaptação, que inclui a recuperação das situações vividas e à normalização, permitindo a família continuar seu percurso.

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Os pais que combinam afeto e estabelecimento de limites firmes, que monitoram suas crianças em casa e fora dela, que encorajam o en-volvimento dos filhos em atividades, que valorizam suas competências e que os estimulam para a tomada de decisão e a responsabilidade, de acordo com sua maturidade, tendem a proteger melhor seus fi-lhos e desenvolver neles o potencial para superar as adversidades, a exemplo da violência que vivenciam nas localidades a que pertencem.

Como a violência da comunidade é muito encrustada às normas e valores locais, é importante que a criança, desde cedo, seja estimulada a adquirir autonomia em seus pensamentos e ideias, conseguindo, portanto ter posicionamento crítico frente à sua realidade.

É importante ressaltar o papel fundamental da família e do cui-dador, pois, desde o início do desenvolvimento de uma criança, são eles que filtram e moldam na medida do possível as situações adversas enfrentadas, como é o caso da violência comunitária, fazendo com que sejam sentidas como mais ou menos ameaçadoras.

Bolwby (1998), um importante psicólogo, médico e psicanalista britânico, explica que uma das primeiras tarefas das crianças é reco-nhecer o perigo e aprender a lidar com ele. O medo, por exemplo, não está relacionado ao perigo real, mas a falta de segurança. Neste sentido, tanto a falta quanto o excesso de proteção da criança às situações adversas prejudicam o seu desenvolvimento, porque a mensagem registrada para ela é a de que o mundo é perigoso e é difícil lidar com ele. Sobre isto, Bolwby (1998) faz uma analogia com os militares de guerra, que se preparam não apenas para o ataque direto, mas para a manutenção de contato com sua base de apoio.

Isso remete aos valores que a família e os cuidadores têm e a forma como lidam e transmitem os sentimentos decorrentes da violência co-munitária aos filhos. O alto nível de ansiedade durante e principalmente após o momento violento aumenta ainda mais o medo e o pânico, podendo desencadear dores, problemas físicos e emocionais (Werner e Smith, 2001). Esta situação vulnerabiliza a criança e o adolescente, propiciando que se tornem mais frágeis para lidar com as várias formas de violências frequentes no dia-a-dia de muitos bairros.

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Com isso, queremos reafirmar que a violência na comunidade pode produzir efeitos danosos na vida de milhares de crianças e famílias, que vão desde a morte aos problemas físicos e emocionais. Por isso precisa ser enfrentada e prevenida!

Mas, chamamos também a atenção para a necessidade de fortalecer as famílias, em especial os cuidadores, para que se tornem mais seguros frente à situações muito difíceis como a violência da comunidade, conseguindo, portanto, cuidar de seus filhos de forma mais protetora.

A responsabilidade de outras instituições sociais como escolas, igrejas, movimentos comunitários e sociais, governos, ONG e a sociedade civil em geral se faz premente, visando oferecer às crianças e adolescentes, assim como suas famílias, um ambiente comunitário mais saudável e protetor.

Conscientização e educação, desde que a pessoa nasce. Você não só vai evitar a violência, como vai sanar vários outros problemas da sociedade. Toda regra tem exceção, mas quando a criança é bem educada desde pequena, ela não vai se desviar do caminho. Ou então ao inverso, num prognóstico negativo. Se a criança vive numa casa onde o pai é alcoólatra, bate na mãe, passa fome e miséria, ela vai ser violenta. Os pais tem que passar limites, dizer para as crianças o que é certo e o que é errado.

(alunos, escolas públicas – município do Rio de Janeiro)

Quando a comunidade protege a criança da violência na própria comunidade

A comunidade pode oferecer proteção às suas crianças, adoles-centes e famílias através do oferecimento de serviços públicos como educação, saúde e segurança. Na infância e juventude, as atuações de

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prevenção da violência com ênfase em fatores protetores demonstram ter os melhores resultados na prevenção à violência juvenil e na saúde de uma forma global. A presença de políticas públicas sociais completa o cenário de proteção que pode ser disponibilizado às crianças e suas famílias para que cresçam e se desenvolvam plenamente. Estudos têm mostrado que quanto mais os programas voltados para a criança e o jovem incluírem os atores familiares e comunitários, melhores serão os impactos alcançados (Acosta e Vitale, 2003).

Durante toda a vida, iniciando desde o nascimento até mesmo na gestação, há fatores que funcionam como uma espécie de “muro de contenção”, por meio do qual as pessoas se tornam mais prote-gidas às situações difíceis da vida. O bebê ainda no ventre até o seu nascimento está recebendo estímulos através de sua mãe biológica. Nesse momento inicia-se uma ligação afetiva vital. Quanto mais afeto e segurança nesta fase da vida, mais ele estará fortalecido e protegido. Como forma de apoio e suporte, o acompanhamento do bebê no pré-natal e da saúde materno-infantil pelo profissional de saúde são recursos protetores importantes (Cyrulnik, 2004).

A partir do nascimento, outros fatores de proteção entram em cena, já que há uma ampliação das interações e estimulações. Na infân-cia, a maior parte dos fatores que protegem está na família, instituição responsável pelo desenvolvimento inicial das capacidades individuais da criança; consciência, autoestima, sentimento de confiança (em si e no mundo), autonomia, aprendizado dos limites e potencial de re-siliência começam a ser estruturados nessa fase. O cuidado caloroso, afetuoso e respeitoso dado à criança é um privilegiado fator protetor que desenvolve essas características primárias do ser humano.

Neste sentido, instituições de saúde e educação são fundamentais enquanto agentes de prevenção da violência e de promoção da saúde dentro das comunidades. Educadores, médicos, psicólogos, enfermei-ros entre outros profissionais que lidam com crianças, adolescentes e suas famílias no dia-a-dia precisam adotar estratégias para fortalecer os jovens e as famílias, promovendo o autocuidado e ajuda mútua e assim, favorecendo o grupo social a adotar um estilo de vida mais saudável.

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Como já falamos, a presença de violência na vida das crianças e adolescentes não é fator determinante para a ocorrência de muitos dos problemas que descrevemos. A existência de um ambiente afetivo e de apoio material é um dos aspectos mais importantes para protegê-los das violências e outras adversidades que enfrentam. Quando a mão protetora da escola e dos serviços de saúde estão presentes, as con-sequências indesejáveis da violência podem ser minimizadas. Quando uma criança ou adolescente consegue tocar a vida pra frente, cons-truindo caminhos positivos apesar das adversidades, está sinalizando que consegue captar a ajuda do meio em que vive (principalmente de apoio vindo da família, da escola e da comunidade como um todo).

A fala de um profissional de saúde sobre a força que algumas crian-ças desenvolvem ao longo da vida para enfrentarem positivamente as dificuldades, nos mostra que o apoio afetivo é um determinante para a saúde mental.

A gente sempre fala assim: é do indivíduo! Mas dá uma impressão quase, como se fosse uma coisa natural. Nasci com essa capacidade. Eu acho que não é assim, que isso é construído ao longo da vida por essas outras coisas que estão em volta. É porque de repente eu tive uma família afetuosa, tive limites, onde eu encontrei espaços, onde eu pude ter relações favoráveis que eu construí esse indivíduo forte, capaz de superar as coisas. Porque senão fica parecendo que fulano nasceu forte e fulaninho nasceu fraco. Eu não acredito nisso. Nessa natureza humana. Eu não. Eu particularmente não acredito.

(Profissional de saúde de Centro de Apoio Psicossocial Infantil, Duque de Caxias-RJ.)

A igreja é outra instituição que pode oferecer apoio a crianças e jovens vítimas e perpetradores e violência. Apesar de existirem diversas atividades e práticas de apoio social nas comunidades, a questão religiosa como uma forma de apoio social vem sendo enfa-

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tizado devido à busca crescente das classes populares nessa direção (Valla, 2001; 2002). A procura pelas religiões populares pode estar sinalizando a constituição e formação de redes de apoio social, como forma de se defenderem de um sistema econômico e político, que tende a excluí-los da sociedade mais ampla (Parker, 1996; Valla, 2001).

Tendo em vista que as pessoas estão expostas a diferentes tipos de situações estressantes e impasses na sua vida diária, a forma como a sua rede social está estruturada vai influenciar diretamente os recursos de apoio social que fluem por meio da rede e os ajudam a lidar com as oportunidades e contingências do sistema social (Pearlin, 1985; Lacerda e colaboradores, 2006).

Diversas ações de promoção da saúde, de prevenção da violên-cia e de recuperação e reabilitação do envolvimento com o crime são desenvolvidas por igrejas. Há exemplos em diversas esferas, como na educação infantil, na criação de espaços de lazer e cultura, em serviços prestados na área de capacitação de trabalhadores e na sua inserção no mercado de trabalho, entre outros. Diante da escassez, da falta de continuidade e da efetividade na distribuição de políticas públicas sociais, a religião, de certa maneira, toma forma de política na medida em assume funções que deveriam ser realizadas por instituições governamentais ou que as executam complementariamente ao Estado. É em especial nos territórios de muitas favelas que a presença do Estado se dá através de institui-ções de segurança pública, pela ótica policial e por ações sociais assistencialistas descontinuadas.

Nesse sentido, conforme discutido por Silva e colaboradores (2004), os agentes comunitários – e poderíamos acrescentar os pas-tores que convivem com a população — não seriam apenas elos de ligação entre a comunidade e o sistema de saúde, no sentido de ser um veículo de comunicação, mas sim laços, quando a relação predo-minante é fundamentada no respeito e no diálogo.

As ações religiosas podem dar início a um processo de trans-formação individual que culminará no abandono do crime ou em combinações mais flexíveis. Neste caso, é importante refletirmos em

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que medida as igrejas atuam de fato como meio de transformação social e de recuperação e reabilitação de pessoas.

A escola poderia ajudar. Professores, diretores, pedagogas, quando vêem que a pessoa está mal, conversar. Hoje deve ter algum aluno aqui que está com algum problema ou que está triste dentro da sala. Eu acho que deveria ter algum apoio na escola, uma psicóloga ou alguma coisa parecida, para estar alertando.

(adolescente mulher, escola pública, Manaus)

Ressaltamos que uma das formas de proteger as crianças e de evitar os efeitos nefastos da violência é ajudá-las a desenvolver os seus próprios mecanismos de resiliência. A violência que se exerce sobre as crianças, seja comunitária ou familiar, abrupta ou crónica, mani-festa ou escondida, diz respeito não só aos profissionais e às famílias, mas também à sociedade em geral, que deve tomar conhecimento da gravidade do problema e participar nas medidas de proteção às crianças e jovens.

Portanto, neste domínio, e para combater este fenômeno, é necessário que os investigadores, os clínicos e os profissionais da saúde infantil reúnam os seus conhecimentos e os seus esforços num trabalho comum multidisciplinar que envolva os governantes e a sociedade civil num mesmo objetivo: um futuro mais seguro para as gerações que virão.

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Capítulo 5

Violência na comunidade: possibilidades de prevenção

e de intervenção

Neste capítulo refletimos sobre possíveis ações que os profissio-nais que atuam nos setores de saúde e educação podem espelhar-se no atendimento e convívio com crianças e adolescentes. Prevenir e tratar os problemas que andam juntos à violência comunitária transcende o papel atribuído aos professores e profissionais de saúde. Exige a união de diversos atores, dentre eles o governo, família, escola e serviços de saúde. Cada um tem um papel importante e cada um deles pode ajudar a garantir a saúde dos meninos e meninas e da família como um todo.

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Essas atuações vão desde a ação individualizada, do trabalho em equipe/grupos, até estratégias coletivas e participativas que podem ser incorporadas no cotidiano do trabalho. Segue abaixo alguns exemplos que visam o enfrentamento das situações de violências na comunidade (Brasil, 2011):

•• Incentivo a prevenção das violações dos direitos humanos de crianças e adolescentes;

•• Fortalecimento da participação de crianças e adolescentes nos espaços sociais, com o intuito de desenvolver a autonomia, a cidadania e a promoção da cultura de paz.

•• Promoção de capacitações pelos profissionais, incluindo o estímulo ao desenvolvimento de suas competências e habilidades pessoais;

Uma importante estratégia de prevenção e combate à violência comunitária é a implementação de um processo contínuo e bem es-truturado de políticas públicas capazes de melhorar as condições de vida dos cidadãos. Essas políticas devem envolver educação, saúde, assistência social, trabalho, habitação e saneamento e precisam focali-zar criticamente a situação da população infanto-juvenil, que, por sua vez, devido a condições sociais e psicobiológicas, são extremamente dependentes de pais, professores, profissionais de saúde.

Ainda no sentido de estratégias mais amplas de prevenção à violência comunitária, a escola e os serviços de saúde e assistência social têm papel indiscutível na formação de consciência crítica ca-paz de formar cidadãos, que lutam por seus direitos e que buscam a superação dos seus problemas.

Alguns exemplos internacionais apontam formas de prevenção da violência comunitária. Sherman e colaboradores (1997) realizaram ampla revisão de programas voltados para prevenção do crime e da violência nos EUA, indicando como muitos vêm conseguindo reduzir delitos envolvendo jovens por meio do fortalecimento dos vínculos familiares, escolares e comunitários de crianças, adolescentes e seus

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responsáveis. Segundo esses autores, embora esses programas ainda careçam de uma visão mais compreensiva sobre os fatores estruturais que propiciam a violência e sejam muito focalizados, os que se mos-tram mais promissores são os que possuem pessoas de referência (mentores) atuando com os adolescentes; os que se voltam para a redução da coesão nas gangues juvenis; e os que oferecem atividades recreativas para os jovens após o período escolar, quando contam com adequada orientação e supervisão dos participantes. Nesse modelo, voltado exclusivamente para os ambientes mais próximos dos jovens que praticam violências, as medidas são restritas ao nível familiar, escolar e comunitário.

Destacam ainda que a redução de fatores de risco e aumento de fatores de proteção, levando em conta o conhecimento e o respeito às culturas locais podem contribuir efetivamente para a diminuição de crimes e violências em comunidades.

Outro exemplo refere-se a um plano integral de prevenção à violência desenvolvido em Cali e Bogotá, na Colômbia. Abrange todos os setores da sociedade por meio de intensa campanha de educação para a cidadania. Trata-se de uma proposta ampliada de melhorias sociais diretamente ligada à prefeitura das cidades. São mudanças ao mesmo tempo estruturais e também individuais, e não dirigidas especialmente para jovens que praticam violências, e sim para toda a população. Portanto, é definido como um programa que envolve políticas públicas de segurança, convivência e paz, de caráter global, que se orienta por uma investigação sistemática e uma prática política, cultural, educativa e democrática. Busca educar comunitariamente com base em direitos humanos, democracia e paz; estimular a orga-nização e o diálogo entre os diferentes setores da sociedade e destes com as organizações governamentais. Estimula o desenvolvimento de atividades culturais e lúdicas que fortaleçam a identidade comunitária, o uso criativo do tempo livre, particularmente entre setores menos favorecidos socioeconomicamente. (Guererro, 2003). Este é um exemplo de programa de prevenção primária e promoção da saúde que organiza-se em torno de seis estratégias:

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•• Investigação sistemática: trata-se de um sistema de vigilância epidemiológica das lesões fatais, com registro diário dessas ocorrências, criando uma base de dados confiável. Busca-se amplia-lo para abranger as lesões interpessoais.

•• Fortalecimento democrático institucional: trata-se da aplicação de programas municipais orientados para que o exercício do poder, da força e da justiça se ajustem à normatividade e aos princípios ético-sociais da Constituição Nacional, dando prioridade à instância civil.

•• Fortalecimento democrático comunitário: busca divulgar e promover o exercício dos direitos humanos, a paz e a democracia, com diferentes pedagogias e formas, organizadas segundo setores sociais. Atualmente se desenvolve por meio das seguintes atividades: microcentros nas escolas com videoteca de caráter didático; subprogramas para jovens nos centros educativos; encontros comunitários em comunidades em situações críticas para fortalecer a unidade cívica e a convivência cidadã; subprogramas de lazer com festival de música e reuniões sobre direitos humanos na zona rural do município; oficinas de direitos humanos em organizações cooperativas e sindicais; estímulo a mesas de trabalho e foros de debates sobre o tema da paz; e coordenação da rede municipal de direitos humanos com a participação de 17 organizações governamentais e não governamentais.

•• Setores sociais e urbanos prioritários: orienta ações e investimentos nas áreas e setores sociais menos privilegiados do município e com alta incidência de violência e insegurança. Desenvolvem atividades ligadas a jovens em alto risco, integrantes de gangues juvenis, oferece alternativas de trabalho com capacitação profissional, recreação e esporte. Estimula e oferece oportunidade de voltar a estudar aos jovens saídos das gangues e guerrilha. Atua junto aos negros e índios para reinserir aqueles que abandonaram os movimentos guerrilheiros.

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•• Cultura e comunicação para a paz e a convivência: estimula atividades artísticas, culturais e comunitárias pela vida. Educa o cidadão em relação à ética e ao respeito aos direitos humanos. Propicia o uso e a qualificação do espaço público como espaço civilizado. Desenvolve atividades como o foro permanente de “diálogo para fazer cidade”, a fim de sensibilizar a cidade sobre a necessidade de convivência e contra a violência nas relações urbanas; apoia formas comunitárias de comunicações; participa de programas culturais de reconhecimento e valor do espaço público; publica livros, folhetos e material audiovisual sobre a cidade, a paz e a convivência.

•• Diálogo para a paz e a convivência: estimula a participação da sociedade civil na construção de uma solução política negociada para o conflito social e armado entre a guerrilha e o Estado. Para isto, promove a realização de encontros, mobilizações e jornadas pela paz; apoia as diferentes iniciativas de paz que se dão na Colômbia; apoia ações de mediação e negociação entre setores em conflito, mesmo armado. Uma comissão para a paz global urbana promove a participação de todos os setores sociais (Espitia, 1997).

No Brasil, Mesquita e colaboradores (2004) apontaram, a partir de revisão nacional e internacional, que as intervenções que mais têm contribuído para o êxito de alguns programas de prevenção a violência praticada por jovens são: aquelas desenvolvidas na gravidez e na primeira infância, sobretudo para crianças de famílias em situa-ção de risco; treinamento para pais; programas em escolas visando a prevenção primária dos crimes e da violência; intervenções pre-coces para jovens infratores. Os autores ressaltam que essas ações, também restritas aos ambientes mais próximos dos jovens, precisam ser continuadas.

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Fatores de risco relacionam-se com toda a sorte de eventos negativos de vida que, quando presentes, aumentam a probabilidade de o indivíduo apresentar problemas físicos, sociais ou emocionais.

(YUNES; RAJS, 1994)

Fatores de proteção são definidos pela literatura como as influências que modificam, melhoram ou alteram a resposta de uma pessoa a algum perigo que predispõe um estado de não adaptação. Estes mecanismos de proteção são tanto os recursos familiares e sociais que estão disponíveis para as pessoas quanto as forças e características internas que estas possuem para lidar com a inevitável adversidade na vida.

(GARMEZY, 1996)

Há evidências de que intervenções precoces em crianças e adoles-centes em situação de desvantagem social são imperativas como foco das ações de proteção e prevenção. Sendo assim, é prioritário nessa intervenção, promover estratégias de acolhimento e empoderamento dos parceiros e familiares das crianças e adolescentes, de forma que sejam participantes e co-construtores de uma rede de apoio que possa facilitar e contribuir para melhoria da qualidade de vida. Para isso, o estreitamento do vínculo entre profissionais e esses atores também precisa ser promovido e incentivado, humanizando e qualificando o atendimento prestado às crianças, adolescentes e demais familiares.

No Brasil, um programa pioneiro, denominado Primeira Infância Melhor (PIM), vem sendo implementado no Rio Grande do Sul com o objetivo de orientar as famílias, através de visitas domiciliares, tendo como base sua cultura e experiências. Propõe a promoção do desenvolvimento integral das crianças desde a gestação até os seis anos de idade. Inspirado em modelos internacionais, foi implantado em 2003 e é coordenado pela Secretaria de Estado da Saúde em par-ceria com vários setores do governo. A intersetorialidade, enquanto um dos eixos estruturantes do PIM pressupõe o compartilhamento

e a articulação de programas, projetos e serviços de promoção do desenvolvimento integral de 0 a 6 anos.

O Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo desenvolveu um programa de visitação doméstica, focando, particularmente, mães adolescentes e suas crianças. Os três eixos principais da proposta são: promoção e acesso a direitos, prevenção de maus-tratos e desenvolvimento saudável da criança.

Programas com foco direto sobre as famílias precisam ser difundi-dos no país, com profissionais capacitados para compreender e atuar na esfera da violência e suas consequências sobre a saúde.

Ainda estamos em busca de mecanismos de prevenção de um tema tão complexo – a violência comunitária. Em especial os setores de saúde, educação, assistência social e segurança pública precisam refletir sobre possíveis respostas ao problema, a despeito da sensação de impotência e de imobilismo que são parceiras frequentes dos profissionais que atuam no atendimento direto das crianças, dos adolescentes e suas famílias.

Estratégias de Intervenção

É comum na sociedade a ideia que a maioria das estratégias de enfrentamento da violência que ocorre nas cidades está na esfera das políticas de segurança. Queremos apresentar, a seguir, uma síntese mais ampliada de estratégias possíveis de serem empregadas, desde o nível mais ampliado – social, até o nível individual. Nenhuma dessas estratégias esgota o leque de possibilidades de ações possíveis de se-rem feitas nos setores de saúde e educação e nem é exclusiva destes setores. O compartilhamento do cuidado entre governo, sociedade e família deve ser sempre buscado.

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e a articulação de programas, projetos e serviços de promoção do desenvolvimento integral de 0 a 6 anos.

O Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo desenvolveu um programa de visitação doméstica, focando, particularmente, mães adolescentes e suas crianças. Os três eixos principais da proposta são: promoção e acesso a direitos, prevenção de maus-tratos e desenvolvimento saudável da criança.

Programas com foco direto sobre as famílias precisam ser difundi-dos no país, com profissionais capacitados para compreender e atuar na esfera da violência e suas consequências sobre a saúde.

Ainda estamos em busca de mecanismos de prevenção de um tema tão complexo – a violência comunitária. Em especial os setores de saúde, educação, assistência social e segurança pública precisam refletir sobre possíveis respostas ao problema, a despeito da sensação de impotência e de imobilismo que são parceiras frequentes dos profissionais que atuam no atendimento direto das crianças, dos adolescentes e suas famílias.

Estratégias de Intervenção

É comum na sociedade a ideia que a maioria das estratégias de enfrentamento da violência que ocorre nas cidades está na esfera das políticas de segurança. Queremos apresentar, a seguir, uma síntese mais ampliada de estratégias possíveis de serem empregadas, desde o nível mais ampliado – social, até o nível individual. Nenhuma dessas estratégias esgota o leque de possibilidades de ações possíveis de se-rem feitas nos setores de saúde e educação e nem é exclusiva destes setores. O compartilhamento do cuidado entre governo, sociedade e família deve ser sempre buscado.

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Intervenções baseadas na resiliência comunitária

Estratégias e intervenções coletivas baseadas na resiliência têm sido utilizadas especialmente em projetos identificados na América Latina, e variam em função das diferentes realidades sociais e étnicas. O Brasil e a Argentina têm acumulado experiências e materiais para a capacitação de pessoal e para inclusão dos grupos familiares, em função de promo-ção de atitudes resilientes em termos individual e comunitário. Melito e Ojeda (2005) afirma que atualmente pode-se considerar a resiliência como ferramenta de genuíno cunho latino-americano, que pode ser utilizada na luta contra a pobreza e a desigualdade.

Existe um crescente interesse pelo estudo da resiliência e sua aplicação no campo da prevenção e promoção da saúde tendo como base o indivíduo, a família, a escola e a comunidade. Essa nova ten-dência no campo da saúde pública reflete o progressivo abandono da abordagem centrada nos fatores de risco e em contrapartida, o cres-cimento da ênfase dada aos fatores positivos que levam um indivíduo a superar a adversidade. Esse novo paradigma é certamente otimista, principalmente por acreditar que é possível, através de ações e pro-gramas, promover o bem estar do indivíduo e da comunidade através do fortalecimento e desenvolvimento de competências pessoais e comunitárias que proporcionem resiliência (Munist e colaboradores, 1998; Bloom, 1996).

Como se pode chegar a esse fortalecimento comunitário? Se pensarmos que é possível reconhecer e impulsionar as competências individuais e grupais e que os recursos sociais podem reforçar as resi-liências de pessoas, famílias, comunidades e culturas, então exercitar um permanente olhar sobre as competências é uma ação que deve ser constante no campo da saúde e da educação.

Em um nível relacional, uma escuta e um acolhimento mais cuida-doso à criança, ao adolescente e à sua família por parte do profissional de saúde e educação é essencial tanto na prevenção quanto no cuidado das pessoas e suas histórias de violência. Para acolher as crianças e os adolescentes em situação de violências de forma participativa, é necessário (Brasil, 2011):

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•• valorizar os relatos de casos sofridos ou presenciados de violência;

•• estimular a criação de espaços de encontros e socialização;

•• apoiar o desenvolvimento de iniciativas próprias de comunicação através de várias mídias;

•• orientar para que se tornem promotores da cultura de paz junto aos seus colegas;

•• incentivar sua participação em debates, fóruns e conferências.

Acionar a rede social existente no caso da suspeita de agravos a saúde física e mental relacionados à violência na localidade de crianças e adolescentes é outro passo importante a ser dado pelos profissionais.

A atuação da Estratégia de Saúde da Família mostra grande poten-cial de ação em nível comunitário, à medida que suas equipes possam se preparar para lidar com esses tipos de problemas. Trabalhar a família como foco da atenção tem sido uma estratégia para interrom-per a vulnerabilidade de seus membros e também das comunidades, uma vez que elas têm responsabilidade e potencial para atuar frente aos problemas dos locais em que vivem, tais como marginalidade e violência. Agregar o enfoque de família/agente significa viabilizar ações através de seus recursos próprios.

Vale apontar que a despeito da violência na comunidade se mos-trar um fenômeno potencialmente prejudicial à saúde dos indivíduos, especialmente de crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento, a percepção desse tipo de violência pode ser alterada positivamente quando o sujeito dispõe de mecanismos protetivos capazes de atenuar as consequências dessa exposição. E que crianças providas de meca-nismos de proteção tornam-se menos vulneráveis às consequências negativas da violência urbana, quer durante a infância, quer durante a adolescência e vida adulta.

O´Donnel, Schwab-Stone e Muyeed (2002), investigando resiliên-cia entre três grupos de crianças (vítimas de violência na comunidade, testemunhas dessa forma de violência e outras sem contato algum com

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violência) verificaram que o suporte da família e da escola associou-se positivamente a resiliência em crianças que foram expostas a violên-cia na comunidade. A influência dos colegas em relação ao abuso de substância e ao comportamento inadequado ou agressivo na escola associou-se negativamente com a resiliência, principalmente entre as crianças vítimas da violência, seguido pelas crianças testemunhas de violência na comunidade.

Para intervir em contextos comunitários de modo a propiciar algum grau de resistência a adversidades, os projetos precisam: estar baseados na comunidade ou ligados a ela; reagir a fatores de risco locais; estar integrados e personalizados; incluir contra influências as influências (riscos), oferecendo outros modelos e valores; envolver membros próximos das famílias; integrar crianças e jovens envolvi-dos e não envolvidos em transgressões; combinar a educação com o acesso ao mercado de trabalho, de modo a permitir a ascensão social (Dowdney, 2005).

Destacamos que em um nível macro social, intervenções baseadas na comunidade devem ser coordenadas conjuntamente por governo, polícia e organizações da sociedade civil; e precisam ser integradas a macro programas que visem tratar diretamente de adversidades estruturais e ambientais.

Se o governo chegasse e investisse para ajudar as crianças pobres. O governo tem recurso para isso. Eles não querem. Vão deixar de comprar as coisas para eles pra ajudar a quem nunca viram na vida? O governo só liga pras pessoas em época de eleição.

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Intervenções baseadas em atividades esportivas e culturais

Alguns programas que têm mostrado eficácia na prevenção da violência na infância e adolescência adotam como estratégia a interse-ção de atividades esportivas com outras atividades culturais, buscando construir possibilidades de promoção e refletir sobre a questão da cidadania e da autoestima de jovens, especialmente aqueles que vivem em comunidades com baixo investimento social e que vivenciam no seu cotidiano violências variadas.

A oferta de projetos atrativos para os jovens como por exemplo o Luta pela Paz na Maré (RJ) e o grupo cultural Afro-Reggae (RJ), introduz oportunidades de lazer para crianças e adolescentes, que podem praticar algumas modalidades esportivas e profissionalizantes, promovendo o convívio mais pacífico na comunidade e mais solidário para com o próximo.

Esses projetos têm como missão oferecer aos jovens, alternativas ao crime e ao emprego no tráfico de drogas através da inclusão social pelo esporte, educação, atuação social, promoção da cultura de paz e acesso ao mercado de trabalho. Os conceitos/valores chaves que norteiam essas iniciativas são autoestima, resiliência e protagonismo juvenil.

O protagonismo juvenil é um passo para comprometer o adoles-cente com a perspectiva de mudança da realidade social em que ele está inserido, assumindo seu papel de protagonista dessa mudança.

Profissionais que lidam com crianças e adolescentes expostos a violência na comunidade precisam estar articulados formando parceria com projetos dessa natureza, com postos de saúde da co-munidade, Centros de Defesa de Direitos, escolas, ONGs e serviços universitários. Conhecer a rede, podendo tecer uma articulação com instituições governamentais e não-governamentais que atuam na área é imprescindível no atendimento à meninos, meninas e famílias vulneráveis a violência.

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Intervenções nos serviços de saúde

Antes de mais nada, é importante que o serviço de saúde iden-tifique as nuances das violências que acontecem na localidade e que atingem crianças e adolescentes atendidos no serviço, bem como a percepção deles sobre esse problema. É também fundamental reconhecer o modo como os casos de violência contra crianças e adolescentes chegam às unidades de saúde, como eles são tratados pelos profissionais e se há algum encaminhamento para a rede de cuidados e de proteção existente no território.

Compartilhar experiências é fundamental para a criação de recursos de enfrentamento das situações de violências. Essa estratégia propicia às crianças, os adolescentes e suas famílias encontrarem caminhos para sair da condição de vítima ou de perpetrador de violência, na medida em que podem expressar suas dificuldades relacionais e pessoais, buscando apoio e aprendendo com os demais. O compartilhamento de experiências potencializa a mobilização de recursos institucionais e a articulação de redes de enfrentamento à violência. A atuação conjunta dos profissionais de saúde com os demais atores da rede de promoção e proteção a crianças e adolescentes, como por exemplo os conselhos tutelares e a escola, precisa ser constantemente buscada, visando fortalecer o atendimento oferecido nos serviços de saúde, bem como os profissionais neles inseridos.

Nos serviços onde os profissionais criam espaços de encontro e de comunicação e compartilham as dificuldades e soluções para problemas do cotidiano, as equipes se fortalecem para fazer frente aos desafios surgidos na prática de cuidados com crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências. Profissionais que exercitam a par-ticipação em seu serviço conseguem também, com maior facilidade e segurança, promover a participação de outros profissionais, dos usuários e da comunidade.

A promoção de espaços participativos que envolvam conjuntamente profissionais, crianças, adolescentes e suas famílias pode facilitar o es-tabelecimento de vínculos de confiança com os profissionais e com os serviços. Dessa forma, esse público tem melhores condições

para revelar as circunstâncias das situações de violências vividas, que dificilmente seriam relatadas ou identificadas pelo serviço. O com-partilhamento constitui-se também como estratégia de prevenção, já que a forma participativa é a melhor maneira de envolver os sujeitos na reflexão sobre os temas e as situações de violências.

A participação das crianças, dos adolescentes e de suas famílias nas decisões sobre suas vidas é um passo importante para que se sintam autoconfiantes e capazes de buscar soluções para seus problemas. O tratamento de uma questão tão grave como a violência, quando bem conduzido, pode contribuir para o resgate da autoestima, para a valorização da pessoa, de sua rede social e de seus direitos.

Para saber mais sobre as estratégias de intervenções nos serviços de saúde, leia:

1) BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

2) Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Metodologias para o cuidado de crianças, adolescentes e famílias em situação de violências: orientações para profissionais de saúde/Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção á Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.

Intervenções na escola

A escola possui funções que vão além da produção e reprodução do conhecimento. A criança e o adolescente são ali preparados para a vida. Os exemplos e os incentivos que recebem são importantes para a formação do indivíduo. Portanto, investir na escola como espaço

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para revelar as circunstâncias das situações de violências vividas, que dificilmente seriam relatadas ou identificadas pelo serviço. O com-partilhamento constitui-se também como estratégia de prevenção, já que a forma participativa é a melhor maneira de envolver os sujeitos na reflexão sobre os temas e as situações de violências.

A participação das crianças, dos adolescentes e de suas famílias nas decisões sobre suas vidas é um passo importante para que se sintam autoconfiantes e capazes de buscar soluções para seus problemas. O tratamento de uma questão tão grave como a violência, quando bem conduzido, pode contribuir para o resgate da autoestima, para a valorização da pessoa, de sua rede social e de seus direitos.

Para saber mais sobre as estratégias de intervenções nos serviços de saúde, leia:

1) BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

2) Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Metodologias para o cuidado de crianças, adolescentes e famílias em situação de violências: orientações para profissionais de saúde/Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção á Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.

Intervenções na escola

A escola possui funções que vão além da produção e reprodução do conhecimento. A criança e o adolescente são ali preparados para a vida. Os exemplos e os incentivos que recebem são importantes para a formação do indivíduo. Portanto, investir na escola como espaço

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que contribui também para a promoção da saúde, qualidade de vida e bem-estar dos indivíduos que dela fazem parte é um caminho para a prevenção de agravos à saúde.

A promoção da saúde e da qualidade de vida nas escolas está relacionada a ideia da prevenção da violência. Ultrapassa essa proposta pois visa fortalecer os fatores de proteção perante as adversidades da vida, a estimular as potencialidades de cada aluno e a promover o auto-cuidado e a ajuda mútua.

Como já ressaltamos algumas vezes neste texto, a presença de violência da vida das crianças e jovens não é determinante para a ocorrência dos problemas que descrevemos. A existência de um ambiente afetivo e de apoio material é um dos aspectos mais impor-tantes para proteger o estudante que enfrenta adversidades. Quando a mão protetora do educador e da escola estão presentes, os efeitos danosos da violência podem ser reduzidos.

É claro que o professor e funcionários da escola precisam estar atentos a comportamentos aqui descritos, sejam mais introspectivos ou mais agressivos, além de marcas físicas muitas vezes deixadas por episódios de violência. Esses sinais e sintomas são muitas vezes sina-lizadores – e até mesmo denunciadores – da convivência do aluno com violência.

A possibilidade de atuar junto com os pais, atraindo-os e compro-metendo-os no processo de desenvolvimento dos filhos, gera efeitos sociais muito positivos. De acordo com alguns estudos (Melillo; Ojeda, 2005) prova-se que as transgressões juvenis diminuem à medida que aumentam as possibilidades de desenvolvimento sadio na infância, sobretudo quando envolvem os pais.

A união de profissionais na escola frente aos casos de violência, a ajuda da Secretaria de Educação e o trabalho em conjunto a outros órgãos da rede de promoção e proteção a crianças e adolescentes se fazem cruciais, para enfrentar a questão da violência que as atinge, bem como as suas famílias.

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Intervenções terapêuticas com foco comunitário

A Terapia Comunitária foi criada e aprimorada pelo psiquiatra Dr. Adalberto Barreto da Universidade Federal do Ceará que partiu da premissa de que o povo tem o sofrimento e também as respostas para esse sofrimento. Busca unir o saber acadêmico ao saber popular numa perspectiva de complementaridade, de modo a ampliar as possibili-dades de resolução dos problemas vividos no cotidiano. Tem como alicerces cinco eixos teóricos: o pensamento sistêmico, a teoria da comunicação, a antropologia cultural, a pedagogia de Paulo Freire e a resiliência (Barreto, 2008).

O sucesso da terapia comunitária se deve, dentre outras coisas, ao fato de ser viável para se trabalhar em grandes grupos e sem ne-cessitar de muitos recursos materiais. Consiste na reunião de pessoas da comunidade para partilha de problemas e experiências, visando à compreensão do problema e, com isto, a possibilidade de cada pes-soa, e do grupo, encontrar alternativas viáveis para melhor lidar com suas vivências e seus sofrimentos. O foco é no sofrimento e não na doença. Essa metodologia tem como base de sustentação o estímulo para o desenvolvimento ou a criação de uma rede de solidariedade. A ideia de rede é central na prática da Terapia Comunitária e a teia de aranha aparece como símbolo da proposta de trabalho.

É um procedimento terapêutico em grupo com finalidade de pro-moção da saúde e atenção primária em saúde mental. Funciona como fomentadora de cidadania, de redes sociais solidárias e da identidade cul-tural das comunidades, através de equipes institucionais públicas, privadas ou trabalho voluntário. Os encontros ocorrem em espaços comunitários, como centros sociais, igrejas, centros de saúde, sindicatos, etc.

Os princípios da terapia comunitária são:

•• desenvolver atividades de prevenção e inserção social de pessoas que vivem em situação de crise e sofrimento psíquico;

•• promover a integração de pessoas e comunidades no resgate da dignidade e da cidadania e contribuir para redução de qualquer tipo de exclusão;

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•• promover encontros interpessoais e intercomunitários objeti-vando a revalorização de suas respectivas histórias, o resgate da identidade, a restauração da estima e da confiança de si;

•• ampliar a percepção dos problemas e possibilidades de resolução.

A criação dessa metodologia está embasada e motivada pela constatação de que as pessoas vivenciam diariamente problemas variados e que elas possuem riqueza nas possibilidades de soluções.

A Terapia Comunitária é realizada em cinco etapas: acolhimento; escolha do tema; contextualização; problematização e encerramento.

As Rodas de Terapia são coordenadas por duas pessoas — tera-peuta e co-terapeuta, que não precisam ser profissionais com nível superior, mas que estejam capacitados para trabalhar com a técnica. Têm duração aproximada de uma hora, dependendo da demanda do grupo; quanto mais heterogêneo, mais rica é a discussão.

Para saber mais sobre a metodologia ler:

BARRETO, A. Terapia Comunitária passo-a-passo, 2008. Fortaleza, Grática LCR, 2005 p. 335.

Pesquisa realizada em 2005/2006 com base em 12.000 rodas de terapia comunitária identificou vários benefícios propiciados pela participação nos grupos. Destacou-se dentre os dados levantados que das situações problema trazidas pelos participantes apenas 11,5% necessitaram encaminhamento para serviços especializados, ou seja, 88,5% encontraram resolutividade na própria terapia comunitária e nos recursos locais como grupos de ajuda-mútua, vizinhos, entre outros, evidenciando a força de auto-cuidado existente na própria comunidade.

(Barreto, 2005)

A pesquisa mostrou que os grupos sociais têm iniciativa nos seus processos de cuidado, não ficando a cargo somente de serviços especializados. Outra reflexão que reforça a concepção da capacidade de auto-cuidado dos grupos é a constatação de que a promoção de redes sociais que resultem em vínculos de solidariedade entre as pessoas constitui-se num fator de promoção à saúde individual, familiar e coletiva.

A utilização e o aprimoramento dessa metodologia ao longo dos anos têm demonstrado, por meio de pesquisas, resultados muito relevantes na atuação junto às comunidades, em especial com maiores vulnerabilidades sociais. Tais resultados possibilitaram que a Terapia Comunitária adquirisse status de política pública em âmbito municipal, estadual e federal.

(Camarotti; Gomes, 2008).

Intervenções terapêuticas com foco no indivíduo

Técnicas cognitivo-comportamentais

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma abordagem psicoterápica, estruturada, direcionada a resolver problemas atuais, modificando pensamentos e comportamentos disfuncionais. Propõe que a avaliação realista, com modificação de crenças disfuncionais, produz melhoras emocionais e comportamentais. Alguns mecanismos utilizados são:

•• imaginação repetida revivendo o trauma promove a habituação e reduz a ansiedade associada com a memória traumática. Também corrige a ideia errônea que a ansiedade permanece para sempre, se a pessoa não conseguir escapar da situação;

•• confrontar deliberadamente memórias de medo bloqueia o re-forço negativo que acontece quando a pessoa sente alívio ao fugir de pensamentos e sentimentos relacionados ao trauma;

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A pesquisa mostrou que os grupos sociais têm iniciativa nos seus processos de cuidado, não ficando a cargo somente de serviços especializados. Outra reflexão que reforça a concepção da capacidade de auto-cuidado dos grupos é a constatação de que a promoção de redes sociais que resultem em vínculos de solidariedade entre as pessoas constitui-se num fator de promoção à saúde individual, familiar e coletiva.

A utilização e o aprimoramento dessa metodologia ao longo dos anos têm demonstrado, por meio de pesquisas, resultados muito relevantes na atuação junto às comunidades, em especial com maiores vulnerabilidades sociais. Tais resultados possibilitaram que a Terapia Comunitária adquirisse status de política pública em âmbito municipal, estadual e federal.

(Camarotti; Gomes, 2008).

Intervenções terapêuticas com foco no indivíduo

Técnicas cognitivo-comportamentais

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma abordagem psicoterápica, estruturada, direcionada a resolver problemas atuais, modificando pensamentos e comportamentos disfuncionais. Propõe que a avaliação realista, com modificação de crenças disfuncionais, produz melhoras emocionais e comportamentais. Alguns mecanismos utilizados são:

•• imaginação repetida revivendo o trauma promove a habituação e reduz a ansiedade associada com a memória traumática. Também corrige a ideia errônea que a ansiedade permanece para sempre, se a pessoa não conseguir escapar da situação;

•• confrontar deliberadamente memórias de medo bloqueia o re-forço negativo que acontece quando a pessoa sente alívio ao fugir de pensamentos e sentimentos relacionados ao trauma;

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•• reviver o trauma em um ambiente terapêutico e de apoio incor-pora informações de segurança à memória do trauma;

•• focar na memória traumática sobre o evento por um período prolongado ajuda o paciente a diferenciar o evento traumático de outros, não traumáticos. Busca situar o trauma como um evento específico, minimizando a ideia de que o mundo é perigoso;

•• revivência imaginária ajuda a mudar o significado dos sintomas e a sensação de incompetência pessoal para um signo de poder e coragem;

•• revivência prolongada e repetida do trauma permite a oportu-nidade de focar os detalhes centrais de avaliações negativas e modifica-las.

Em crianças, mesclam-se técnicas cognitivas e comportamentais, incluindo exposição, relaxamento/manejo de ansiedade e correção de atribuições imprecisas em relação ao trauma:

•• Exposição controlada a pistas traumáticas: alguns autores re-comendam exposição gradual sistemática, pois muitas crianças hesitam falar sobre o trauma e isto pode torná-las mais sinto-máticas durante intervenções de exposição.

•• Estratégias de manejo da ansiedade: recomendado que o relaxa-mento muscular progressivo, a parada de pensamento, as imagens positivas e o controle da respiração sejam ensinados previamente às crianças, antes das discussões detalhadas sobre o trauma.

•• Técnicas de terapia cognitiva: além da reestruturação cognitiva em relação à avaliação exagerada do risco e super-responsabi-lização frente ao trauma, foca-se na avaliação e reconsideração de suposições negativas que crianças podem fazer em relação ao evento traumático, tais como: “foi minha culpa” e “nada nunca mais será seguro”.

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Abordagens psicanalíticas/psicodinâmicas

A abordagem psicanalítica está indicada para pessoas que viven-ciam violência comunitária pelo fato de que a experiência originada pelo trauma psíquico rompe os mecanismos de defesa do ego e mo-biliza uma série de defesas psicológicas como repetição compulsiva, negação, dissociação, projeção e identificação com o agressor.

Há pouca evidência que a psicoterapia psicodinâmica é efetiva em crianças com sequelas de traumas graves. Porém, uma variedade de autores defende intervenções psicanalíticas para crianças trau-matizadas como intervenção primária. Estudos de caso reportam o impacto do trauma e a resposta ao tratamento com referência a relações objetais, o uso de mecanismos de defesa e resistência. A terapia individual é usada como veículo para processar o impacto e significado do evento traumático.

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