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Procuradoria-Geral de Justiça Coordenadoria de Recursos Criminais 1 HABEAS CORPUS N. 825907-6, DA 1ª CÂMARA CRIMINAL DO TJPR PACIENTE: MORIVAL FAVORETO RELATOR ORIGINÁRIO: JUIZ NAOR R. DE MACEDO NETO RELATOR DESIGNADO: DESEMBARGADOR JESUS SARRÃO Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná O Ministério Público do Estado do Paraná, por sua Subprocurado- ria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, secundada pela Coordenadoria de Recursos Criminais, que atua por expressa delegação de poderes do Exmo. Sr. Procurador-Geral (resolução PGJ n. 1185/2012, anexa por cópia), inconformado com o acórdão de fls. 639/667 – TJPR (complementado pelo de fls. 739/753 - TJPR), da 1ª Câmara Criminal do TJPR, que, por maioria de votos, concedeu or- dem de habeas corpus para trancar a ação penal n. 1998.004-3, da Comarca de Loanda, instaurada em desfavor de MORIVAL FAVORETO, vem, tempestivamen- te, interpor RECURSO ESPECIAL com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a da Constituição Federal, por ter o referido acórdão contrariado o artigo 68, § 1º c. c. artigo 28, § 2º de tra- tado internacional (Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San

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Procuradoria-Geral de Justiça Coordenadoria de Recursos Criminais

1

HABEAS CORPUS N. 825907-6, DA 1ª CÂMARA CRIMINAL DO TJPR

PACIENTE: MORIVAL FAVORETO

RELATOR ORIGINÁRIO: JUIZ NAOR R. DE MACEDO NETO

RELATOR DESIGNADO: DESEMBARGADOR JESUS SARRÃO

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

O Ministério Público do Estado do Paraná, por sua Subprocurado-

ria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, secundada pela Coordenadoria de

Recursos Criminais, que atua por expressa delegação de poderes do Exmo. Sr.

Procurador-Geral (resolução PGJ n. 1185/2012, anexa por cópia), inconformado

com o acórdão de fls. 639/667 – TJPR (complementado pelo de fls. 739/753 -

TJPR), da 1ª Câmara Criminal do TJPR, que, por maioria de votos, concedeu or-

dem de habeas corpus para trancar a ação penal n. 1998.004-3, da Comarca de

Loanda, instaurada em desfavor de MORIVAL FAVORETO, vem, tempestivamen-

te, interpor

RECURSO ESPECIAL

com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a da Constituição Federal,

por ter o referido acórdão contrariado o artigo 68, § 1º c. c. artigo 28, § 2º de tra-

tado internacional (Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San

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José da Costa Rica) e dispositivos da legislação federal (artigos 18, 647 e 648, I do

Código de Processo Penal), consoante se demonstrará na petição em anexo,

contendo (na forma do artigo 26 da lei 8038/90) a exposição dos fatos e do Direi-

to, a demonstração do cabimento do recurso interposto e as razões do pedido de

reforma da decisão recorrida.

Requer seja a petição recebida, intimando-se o recorrido para, no

prazo legal, apresentar suas contrarrazões e, confirmada a admissão do recurso,

sejam os autos remetidos ao Superior Tribunal de Justiça, nos termos dos arti-

gos 26 e 27 da Lei 8038/90.

Requer ainda a regular juntada aos autos da cópia da denúncia que

se encontra apenas grampeada na contracapa.

Curitiba, 11 de junho de 2012, segunda-feira.

Samia Saad Gallotti Bonavides

Subprocuradora-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos

Eliezer Gomes da Silva

Promotor de Justiça do Estado do Paraná Coordenador de Recursos Criminais (com delegação de poderes do PGJ)

Resolução n. 1185, de 20 de abril de 2012, baixada pelo Procurador Geral de

Justiça, cuja cópia é anexada à presente petição de interposição.

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Procuradoria-Geral de Justiça Coordenadoria de Recursos Criminais

1

RECURSO ESPECIAL NO HABEAS CORPUS N. 825907-6, DA 1ª CÂMARA CRIM. DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

PACIENTE: MORIVAL FAVORETO

RELATOR ORIGINÁRIO: JUIZ NAOR R. DE MACEDO NETO

RELATOR DESIGNADO: DESEMBARGADOR JESUS SARRÃO

Egrégio Superior Tribunal de Justiça

Colenda Procuradoria-Geral da República

O Ministério Público do Estado do Paraná, por sua Subprocura-

doria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, secundado por sua Coordenado-

ria de Recursos Criminais, que ordinariamente atua por expressa delegação de

poderes do Exmo. Sr. Procurador-Geral (resolução PGJ n. 1185/2012, anexa por

cópia), inconformado com o acórdão de fls. 639/667 (complementado pelo de

fls. 739/753), da 1ª Câmara Criminal do TJPR, que, por maioria de votos, conce-

deu ordem de habeas corpus para trancar a ação penal n. 1998.004-3, da Comar-

ca de Loanda, instaurada em desfavor de MORIVAL FAVORETO, vem, tempesti-

vamente, interpor

RECURSO ESPECIAL

com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a da Constituição Federal,

por ter o referido acórdão contrariado o artigo 68, § 1º c. c. artigo 28, § 2º de

tratado internacional (Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de

San José da Costa Rica) e dispositivos da legislação federal (artigos 18, 647 e

648, I do Código de Processo Penal), consoante se demonstrará na petição em

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anexo, contendo (na forma do artigo 26 da lei 8038/90) a exposição dos fatos e

do Direito, a demonstração do cabimento do recurso interposto e as razões do

pedido de reforma da decisão recorrida.

1 – DA EXPOSIÇÃO DOS FATOS E DO DIREITO (ANTECEDENTES PROCES-

SUAIS E CONTEXTO RECURSAL)

Em 27 de novembro de 1988, na cidade de Querência do Norte,

Comarca de Loanda, Estado do Paraná, e a partir da prisão em flagrante delito de

AILTON LOBATO (já falecido – fl. 538 - TJPR), instaurou-se inquérito policial pa-

ra apurar a prática dos crimes de homicídio, formação de quadrilha e porte ile-

gal de arma de fogo, tendo em vista os fatos ocorridos na Fazenda São Francisco,

de copropriedade de MORIVAL FAVORETO. É que na data já referida, por volta

das 5 horas da manhã, um grupo de aproximadamente vinte pessoas, em regra

encapuzados e armados, confrontou integrantes locais do MOVIMENTO DOS

SEM-TERRA, um grupo com dezenas de famílias que ocupavam referida fazenda.

O bando armado efetuou disparos de arma de fogo e ordenou ao

grupo de acampados que saíssem do interior dos barracos instalados no acam-

pamento, se dirigissem ao centro do acampamento e ali permanecessem deita-

dos no chão. Um dos disparos veio a atingir SÉTIMO GARIBALDI, do grupo de

ocupantes da fazenda, quando saía de um dos barracos. Em consequência do

ferimento, SÉTIMO GARIBALDI veio a falecer, no mesmo dia. Tais fatos se encon-

tram descritos no auto de prisão em flagrante de fls. 25/27-TJPR.

Em 12 de maio de 2004, a Promotoria de Justiça da Comarca de Lo-

anda requereu o arquivamento do inquérito policial, pelas seguintes razões:

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Durante o procedimento inquisitivo foram ouvidas várias pessoas do Movimento dos Sem-Terra, os quais se encontravam acampadas na Fazenda São Francisco.

Todos os assentados ouvidos são unânimes em mencionar que es-tavam ocupando a Fazenda São Francisco, quando, no dia e hora acima mencionados, foram acordados por um grupo de pessoas, desfechando tiros e produzindo tumulto, solicitando para que todos saíssem de seus barracos e casas, aglomerando-se no centro do as-sentamento, momento em que houve um disparo de arma de fogo por uma pessoa encapuzada, que veio a acertar a pessoa de Sétimo Garibaldi, que, não sendo socorrida a tempo, veio a óbito quando chegaram ao local com dois caminhões e uma camionete, as quais eram pertencentes aos proprietários da Fazenda São Francisco.

As testemunhas Atílio Martins Mieiro (fls. 09), Carlos Valter da Silva (fls. 10), Nelson Rodrigues da Silva (fls. 11) e Edvaldo Rodrigues Francisco (fls. 23) mencionam que, dentre os invasores, encontra-vam-se as pessoas do proprietário Morivaldo Favoreto e de seu ca-pataz Ailton Lobato.

Os demais integrantes do MDT não mencionam ter visto referidas pessoas.

No Auto de Prisão em Flagrante Delito, colacionado às fls. 02/04, os dois milicianos que efetuaram a prisão de Ailton Lobato mencio-nam que, logo após os fatos, este estava se dirigindo com uma ca-mionete da sede da Fazenda Mondai, no sentido da cidade de Santa Cruz de Monte Castelo.

Morival Favoreto nega a participação nos fatos, aduzindo que se encontrava na cidade de São Bernardo do Campo, encaminhando e acompanhando seu irmão Darci Favoretto, em tratamento médico.

O médico Flair José Carrilho confirma a presença de Darci Favoret-to em seu consultório, na cidade de São Bernardo do Campo, no dia dos fatos.

Ailton Lobato nega a prática de qualquer fato, embora perante a au-toridade policial tenha se reservado no direito de permanecer ca-lado.

A própria autoridade policial, através do escrivão de polícia Cezar Napoleão Cosimir Ribeiro, às fls. 100/101, menciona as divergên-

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cias nas declarações dos integrantes do MST, assim como das ra-zões que originaram o acontecimento dos fatos.

De acordo com o que restou apurado, ficou certo que foi uma pes-soa encapuzada que efetuou o disparo de arma de fogo na vítima Sétimo Garibaldi, e que esta pessoa não se tratava de Morival Favo-reto ou Ailton Lobato.

Referida pessoa que efetuou o disparo que vitimou Sétimo Garibal-di não foi até o presente momento identificada. Os integrantes do MST somente mencionam ter identificado as pessoas de Morival Favoreto e Ailton Lobato, não tendo apontado qualquer dado para identificação de outras pessoas que participaram dos fatos (?).

Por outro norte, não se pode inferir que os demais participantes da invasão tenham anuído na prática do homicídio pela pessoa ainda não identificada, tanto que às fls. 27 a testemunha Francisco Mos-covito disse que, em referência ao disparo de arma de fogo em face da vítima Sétimo Garibaldi, um dos invasores chegou a dizer: “Está vendo a cagada que você fez”.

Não se pode olvidar também que o disparo, embora efetuado a cur-ta distância, foi realizado na perna da vítima Sétimo Garibaldi, o que pode se levar à conclusão de que efetivamente o atirador não teria a intenção de matá-la. Sua morte sobreveio por falta de aten-dimento e por hemorragia intensa.

Ademais, os invasores abandonaram o local logo após o disparo que vitimou Sétimo Garibaldi.

Não restou amplamente demonstrado que os veículos utilizados na invasão fossem, à época dos fatos, de propriedade de Morival Favo-reto.

Ademais, o processo já percorre longos 04 anos e não vislumbra-mos um caminho a ser percorrido para o esclarecimento da autoria delitiva.

E, no presente caso, não se pode falar em formação de bando ou quadrilha, posto que não se tem qualquer elemento norteador de que os integrantes tenham se reunido para o fim de cometer vários outros crimes.

O delito de porte de arma de fogo praticado pela pessoa de Ailton Lobato encontra-se prescrito.

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Assim, o Ministério Público requer a Vossa Excelência o ARQUIVA-MENTO do presente Inquérito Policial, comunicando-se à Autori-dade Policial do Município de Querência do Norte e ao distribuidor desta comarca, ressalvando-se, ainda, o disposto nos artigos 18 e 28, ambos do Código de Processo Penal. Loanda, 12 de maio de 2004 (fs. 227/229-TJPR)

O inquérito foi então arquivado, com o seguinte pronunciamento da

Juíza de Direito da Comarca de Loanda:

Acolho o r. parecer retro e, via de consequência, determino o arqui-vamento destes autos, com as anotações de praxe. Loanda, 18 de maio de 2004 (f. 230-TJPR)

Contra a decisão da Juíza de Direito da Comarca de Loanda que,

acolhendo manifestação da Promotoria de Justiça, determinou o arquivamento

do inquérito policial, IRACEMA CIANOTTO GARIBALDI, viúva de SÉTIMO GARI-

BALDI, impetrou mandado de segurança junto ao Tribunal de Justiça do Estado

do Paraná, o qual restou indeferido nos seguintes termos:

Após discorrer longamente sobre o andamento do Inquérito, ins-taurado há quatro (4) anos, a Impetrante inquina de manifestamen-te ilegal a decisão judicial que ordenou o arquivamento, bem como o r. parecer ministerial. Ambos pecariam pela absoluta ausência de fundamentação, em ofensa ao art. 93, inc. IX, da Constituição Fede-ral.

Aduz que o fato foi noticiado à Organização dos Estados America-nos – e por isso se torna imperativa a continuidade do Inquérito.

II – Inexiste o alegado direito líquido e certo, tutelável na via pere-grina do mandado de segurança. Nada impede que, em havendo novas provas, o Inquérito seja reaberto, a teor da Súmula n. 524, do Supremo Tribunal Federal – e dos artigos 18 e 28, do Código de Processo Penal, expressamente ressalvados no r. parecer do Minis-tério Público.

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O pronunciamento do “Parquet” ostenta adequada fundamentação (fls. 212-214), expressamente adotada pela MM. Juíza – de modo a espancar, vez por todas, qualquer alegação de vício pertinente à motivação do ato judicial.

Doutro vértice, a circunstância de se noticiar o ocorrido a organis-mos internacionais, por óbvio, em nada repercute no âmbito deste “writ”.

Ementa lavrada pelo Ministro FÉLIX FISCHER deita pá de cal na questão:

O mandado de segurança não comporta dilação probatória. A ação mandamental pressupõe prova pré-constituída, devendo o direito exsurgir límpido e inquestionável. (RMS n. 4512-SC – DJU 6.10.97 – Seção I – p. 50.010).

Aqui, para demonstrar eventual ilegalidade da decisão, far-se-ia ne-cessário revolver o material probatório, mediante indicação, clara, de quais providências teriam sido negligenciadas pela autoridade policial – ou pelo Ministério Público – a ponto de caracterizar omis-são ou incúria dos responsáveis pela investigação. Ausentes tais subsídios, o provimento requerido pela Impetrante mostra-se abso-lutamente incompatível com o âmbito cognitivo do “mandamus”, a exigir prova pré-constituída.

IV – A inicial desta segurança, portanto, está fadada ao indeferimen-to, porquanto, para a constatação da matéria deduzida no “writ”, reclamar-se-ia aprofundamento probatório incompatível com a na-tureza do remédio heroico – circunstância que subtrai certeza ao direito alegado.

Irremediavelmente ausente o direito líquido e certo, erigido em condição da ação de pedir mandado de segurança, pertinente ao in-teresse de agir – e aqui invocado sem a devida comprovação de qualquer lesão ou efetiva ameaça a direito titularizado pela Impe-trante, a segurança não pode prosperar.

V – Posto isso, com fulcro no art. 5º, inciso LXVIII, da Carta Política – e nos artigos 6º, 7º, inciso II, e 8º, da Lei n. 1533/51 – INDEFIRO, desde logo, a inicial deste mandado de segurança.

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Dê-se ciência à douta Procuradoria Geral de Justiça e ao r. Juízo de origem. Após, ao arquivo. Curitiba, 17 de setembro de 20 de setem-bro de 2004. (fls. 234-235-TJPR)

Em 17 de abril de 2009, o Exmo. Sr. Procurador Geral de Justiça

oficia à Promotoria de Justiça de Loanda, enviando cópia da demanda apresen-

tada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos contra a República Fe-

derativa do Brasil, referente ao caso aqui tratado (caso n. 12478 – “Sétimo Gari-

baldi”) e, ressalvando o respeito à independência funcional, “princípio reitor da

atuação do Ministério Público Brasileiro” (fl. 256-TJPR), solicita estudo e delibe-

ração da Promotoria de Justiça sobre a possibilidade de reabertura da investiga-

ção, desarquivando-se o inquérito policial. Colhe-se do referido ofício:

(...) A demanda acusa o Brasil de violar os arts. 8º (direito às garan-tias judiciais) e 25 (direito à proteção judicial) da Convenção Ame-ricana de Direitos Humanos, “com relação às obrigações gerais de respeito e garantia estabelecidas no artigo 1.1 do mesmo instrumen-to, bem como o dever de adotar medidas legislativas e de outra natu-reza no âmbito interno estabelecido no art. 2 do tratado”, tomando em conta as diretrizes do art. 28 do Tratado. Fá-lo por articulado, com base nos fatos deduzidos nos números 52 a 58, que historiam os eventos que eclodiram com a morte de SÉTIMO GARIBALDI, e 59 e 77, que relatam a investigação que se sucedeu.

(...) Referidos fatos foram objeto do Inquérito Policial 179/98 (Fó-rum de Loanda) ou 49/98 (Delegacia de Polícia de Querência do Norte), que se iniciou com o auto de prisão em flagrante de AILTON LOBATO, f. 02-04 do IP, por porte ilegal de arma de fogo e formação de quadrilha, efetuada pelos policiais militares ADEMAR BENTO MARIANO e FÁBIO DE OLIVEIRA. Ambos narram a tentativa de ex-pulsão dos assentados, o disparo fatal dado em SÉTIMO GARIBAL-DI, bem como o uso do caminhão VW placa AEW 7629 para trans-porte da milícia encarregada da retirada dos “sem-terra” da fazen-da. Ainda, acrescentaram que obtiveram, no acampamento, infor-mações de que o capataz da Fazenda Mondai, AILTON LOBATO, bem como o proprietário MORIVAL FAVORETTO, estavam no grupo

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paramilitar, tendo retirado os capuzes que cobriam seus rostos. Por fim, relata que foram á Fazenda Mondai e localizaram AILTON LO-BATO com um revólver 38 Taurus, número 2016798, com cinco projéteis intactos e um deflagrado.

Conquanto tenha havido, ab initio, identificação do proprietário da área e seu capataz como envolvidos diretos na tentativa de expul-são efetuada clandestinamente, o Promotor de Justiça (...) houve pelo arquivamento dos autos, em 12 de maio de 2004, fundado (...)

Em 16 de abril de 2009, a Divisão de Direitos Humanos do Ministé-rio das Relações Exteriores enviou à Procuradoria Geral de Justiça ofício encaminhando duas declarações e uma perícia acostadas ao caso 12478 (Sétimo Garibaldi) pelos demandantes. A primeira de-claração, de VANDERLEI GARIBALDI, filho da vítima, dá conta – dentre outros aspectos não constantes do IP arquivado – de que “um companheiro, conhecido como Barriga, contou ao declarante que reconheceu a voz de Ailton, administrador da fazenda, entre os encapuzados, porque ele declarante já havia trabalhado ali na fa-zenda e conhecia bem a voz dele”, bem como que “um companheiro, conhecido como “Lelê” foi espancado, muitos outros foram agredidos a coronhadas e pontapés”, e ainda que “um dos encapuzados falou “capitão fizeram besteira, atingiram uma pessoa”, aspecto que con-firma um diálogo ouvido entre um encapuzado e um sargento, acer-ca do mesmo aspecto, que já está registrado no I.P. (depoimento de Francisco Moscovito, f. 25-28).

A segunda declaração, de GIOVANI BRAUN, diretor do Depto. de Agricultura da Prefeitura de Querência do Norte, lança fato novo, consistente na ligação do episódio Sétimo Garibaldi com a atuação de milícias particulares armadas, na mesma época e região, para a expulsão clandestina de outros acampados, citando ocorrências semelhantes dadas nas Fazendas Boa Sorte, Santo Ângelo e Assen-tamento Pontal do Tigre, dentre outros.

As declarações, colhidas recentemente, em fevereiro de 2009, adi-cionam fatos novos àqueles que constam do I.P. que apurou o fato. Nos termos da súmula 524, STF, permitem a reabertura da investi-gação, desarquivando-se o inquérito. Em respeito à independência funcional, princípio reitor da atuação do Ministério Público brasi-leiro, enviam-se as provas novas a Vossa Excelência para que deli-bere acerca das medidas que considerar adequadas e, coincidindo

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com a percepção ora exarada, requeira o desarquivamento do I.P. 179/08, para o prosseguimento das investigações tendentes à apu-ração da morte de Sétimo Garibaldi. (fs. 252/256 – TJPR).

Em 20 de abril de 2009, a Promotoria de Justiça da Comarca de Lo-

anda requereu o desarquivamento do inquérito policial (fs. 246/249 – TJPR),

reportando-se às supervenientes declarações juramentadas, prestadas por

VANDERLEI GARIBALDI e GIOVANI BRUNO, acostadas aos autos que tramita-

vam perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso 1248 – “Sétimo

Garibaldi”), já referidas no mencionado ofício do Exmo. Sr. Procurador Geral.

Tais declarações, oficialmente encaminhadas pela própria Corte Interamericana

de Direitos Humanos aos organismos oficiais brasileiros e por estes repassados

à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Paraná, foram juntadas às fs.

257/272. Também foi juntada aos autos (fs. 282/332), ainda que com algumas

páginas faltantes, cópia da demanda apresentada perante a Corte Interamerica-

na de Direitos Humanos.

O pedido de desarquivamento do inquérito policial foi aceito pela

Juíza de Direito da Vara Criminal da Comarca de Loanda, que se pronunciou nos

seguintes termos:

Segundo lição doutrinária e jurisprudencial, três são os requisitos necessários à caracterização da prova autorizadora do desarqui-vamento de inquérito policial, segundo o instituído no artigo 18 do CPP: a) que seja formalmente nova, isto é, sejam apresentados no-vos fatos, anteriormente desconhecidos; b) que seja substancial-mente nova, isto é, tenha idoneidade para alterar o juízo anterior-mente proferido sobre a desnecessidade da persecução penal; c) se-ja apta a produzir alteração no panorama probatório dentro do qual foi concebido o acolhido o pedido de arquivamento.

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Nos documentos colacionados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO há decla-rações de pessoas que não foram ouvidas durante a pretérita inves-tigação policial, as quais trazem elementos novos em relação ao que já foi produzido para apurar a morte de Sétimo Garibaldi, em 27/11/1998, no Município de Querência do Norte.

Destarte, merece acolhimento a promoção ministerial baseado em fatos novos, posto que o advento de novas provas, permite o desar-quivamento do inquérito policial consoante disciplina o artigo 18 do CPP: “Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela auto-ridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade po-licial poderá proceder a novas pesquisa, se de outras provas tiver no-tícia.”

No mesmo sentido dispõe a Súmula 524 do Supremo Tribunal Fe-deral: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a reque-rimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas.”

Com efeito, “o despacho que determina o arquivamento do inquéri-to não se reveste propriamente de eficácia de coisa julgada materi-al, mas somente pode ser desarquivado diante de novos elementos probatórios (RT 627/357, 607/315, 605/424, 570/429, 565/412, 559/299) (NOGUEIRA, Paulo Lúcio, Curso Completo de Processo Penal, Saraiva, p. 45).

Diante do exposto, nos termos do art. 28 do CPP, DETERMINO O DESARQUIVAMENTO do presente inquérito policial.

Cumpram-se as diligências indicadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO na cota retro. (...) Loanda, 20/04/2009(fs. 334/335 - TJPR).

Em 9 de fevereiro de 2010, a Secretaria Especial dos Direitos Hu-

manos, vinculada à Presidência da República, comunica ao Procurador-Geral do

Estado (ofício n. 29/0120, de fls. 381/382) que a Corte Interamericana de Direi-

tos Humanos proferiu, em 23 de setembro de 2009, sentença contra o Estado

Brasileiro, referente ao caso “Sétimo Garibaldi”, agregando a informação de que

o Estado Brasileiro foi notificado em 5 de novembro de 2009. Extraem-se do

aludido ofício os seguintes excertos:

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Em sua decisão, a Corte concluiu “que as autoridades estatais não atuaram com a devida diligência no Inquérito da morte de Sétimo Garibaldi, o qual, ademais, excedeu um prazo razoável” (para. 140 da sentença), entendendo, assim, que o Estado brasileiro violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial reconhecidos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, combinado com o arti-go 1.1 da mesma, em prejuízo dos familiares da vítima.

Como consequência, a Corte determinou ao Estado brasileiro que promova a reparação pelos danos causados, conforme se verifica do Capítulo VIII e do dispositivo da sentença.

Chamo a atenção, no que compete às atribuições do Estado do Pa-raná pertinentes ao cumprimento da presente sentença, para a de-terminação de pagamento de reparação por danos materiais e ima-teriais aos familiares das vítimas, no prazo de um ano; a obrigação de publicar integralmente a sentença em website oficial do Estado do Paraná, no prazo de dois meses; a obrigação de publicar partes da sentença em jornal de grande circulação no Paraná, no prazo de seis meses; o dever de conduzir eficazmente e dentro de um prazo razoável o Inquérito e qualquer processo que chegar a abrir, como consequência deste, para identificar, julgar e, eventualmente, san-cionar os autores da morte do senhor Garibaldi; e o dever de inves-tigar e, se for o caso, sancionar as eventuais faltas funcionais nas quais poderiam ter incorrido os funcionários públicos a cargo do Inquérito. (fls. 381/382 – TJPR)

A sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos vem

acostada às fs. 383/439 dos presentes autos.

Em 30 de junho de 2011, a Promotoria de Justiça da Comarca de

Loanda ofereceu denúncia contra MORIVAL FAVORETTO (promoção de fs.

560/561 – TJPR), atribuindo-lhe a seguinte conduta delituosa:

Na madrugada de 27 de 1998, por volta das 05h00min, em “Acam-pamento do MST” situado na Fazenda São Francisco, município de Querência do Norte, nesta Comarca de Loanda/PR, o denunciado MORIVAL FAVORETO, juntamente com a pessoa de AILTON LOBA-

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TO (já falecido), bem como cerca de vinte homens por ele contrata-dos (capangas) fortemente armados, chegaram ao local, com a fina-lidade de efetuar a desocupação forçada de referida fazenda, que era de propriedade do denunciado Morival Favoreto e de seus familia-res e, há certo tempo, havia sido ocupada por integrantes do “MST”, que haviam montado acampamento no local.

Durante o despejo forçado, referidos homens armados ordenavam que as pessoas saíssem dos barracos de imediato e fossem para o centro do acampamento, onde deveriam deitar-se no chão. Sendo que momento em que a vítima SÉTIMO GARIBALDI saiu e seu barra-co foi atingida por disparo de arma de fogo, o qual lhe causou lesões descritas no laudo de fls. 13/14, as quais foram causa de sua morte por hemorragia aguda.

O denunciado MORIVAL FAVORETO e os integrantes de referido grupo, mesmo constatando que a vítima foi atingida pelo disparo e agonizava, não a socorreram e nem deixaram que fosse socorrida pelos companheiros. Sendo que somente foi encaminhada para hos-pital depois que referido grupo armado deixou o local.

Consta que o disparo foi efetuado por um dos homens encapuzados que haviam sido contratados pelo denunciado MORIVAL FAVORETO para efetuarem a desocupação forçada da Fazenda, o qual até o momento não foi identificado.

Assim, constata-se que o denunciado MORIVAL FAVORETO, agindo com dolo eventual, concorreu para morte da vítima SÉ-TIMO GARIBALDI, vez que, pretendendo recuperar a posse de sua propriedade, contratou e levou até referida Fazenda banco armado e encapuzado para efetuar o despejo forçado.

O denunciado MORIVAL previu que um resultado morte ocorreria, tanto que determinou que os homens estivessem com rosto coberto com o fim de não serem identificados. Sendo que, na época, havia clima de ameaças entre fazendeiros e integrantes do Movimento dos Sem-Terra e, inclusive, já haviam ocorrido mortes em outras Fazen-das ocupadas da região.

Ou seja, mesmo sabendo e prevendo que as consequências de tal ato seriam fatais, não se importou com a vida e integridade física das pessoas que ali se encontravam, assumindo o risco de produzir tal resultado (morte de um dos ocupantes).

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O crime de homicídio foi praticado com recurso que impossibilitou a defesa da vítima, vez que se tratava de grande número de pessoas fortemente armadas que chegaram ao local de madrugada quando a maioria dos integrantes de referido acampamento ainda dormia e não tinha condições de esboçar qualquer reação ou defesa.

Com tal conduta, o denunciado MORIVAL FAVORETO incorreu nas disposições contidas no art. 121, § 2º, inciso IV do Código Penal, mo-tivo pelo qual se oferece a presente denúncia, que pede seja recebi-da, citando o acusado para responder por escrito no prazo de 10 di-as. (....)

Rol de testemunhas e informantes:

1. EDEVALDO RODRIGUES FRANCISCO, vulgo “Barriga”(...); 2. MAR-CELO LUIZ DE SANTANA (...); 3. IRACEMA CIDTAO GARIBALDI (...); 4. VANDERLEI GARIBALDI (...) ; 5. DARCY GHIOTTI (...); 6. GIOVANI BRAUN (...); 7. NELSON RODRIGUES DOS SANTOS (...); 8. CARLOS VALTER DA SILVA (...); 9. ATILIO MARTINS MIERO (...); 10. TEOTO-NIO LUIZ DOS SANTOS, vulgo “Lelê” ou “Nenê” (...); 11. CESAR NA-POLEÃO CASIMIR RIBEIRO (...);12. JOSÉ APARECIDO DE PAULA (...); 13. FRANCISCO MOSCOVITO (...); 14. FRANCISCO CARLOS AGUIAR (...); 15. ADEMAR BENTO MARIANO (...); 16. FABIO DE OLIVEIRA (...). (cópia da denúncia apenas grampeada à contracapa dos autos e transcrita na decisão liminar de fls. 593/597)

Em 08 de julho de 2011, a denúncia foi recebida pelo Juiz de Direito

da Comarca e Loanda (“fazendo-se uma análise perfunctória dos fatos narrados,

bem como das provas apresentadas, percebe-se prima facie a inexistência dos re-

quisitos impeditivos do art. 395 do CPP” – fl. 563), na mesma decisão em que de-

clarou extinta a punibilidade de AILTON LBOATO, diante da certidão de óbito de

fl. 538-TJPR.

Em 02 de setembro de 2011, o advogado DOUGLAS BONALDI MA-

RANHÃO impetrou ordem de Habeas Corpus em favor de MORIVAL FAVORETO,

objetivando o trancamento da referida ação penal. Os fundamentos da impetra-

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ção vêm assim relatados na decisão monocrática de fs. 593/597, cujos relevan-

tes excertos transcrevemos, por brevidade:

Narrando que o Paciente foi denunciado incurso no art. 121, §2º, IV, do Código Penal1, alega que nem mesmo o desarquivamento do procedimento investigatório poderia ter sido realizado, porque (a) ausentes as hipóteses que o autorizavam (art. 18, CPP e Súmula 524 do STF), pois "não era possível apontar o fato novo suscetível de al-teração do panorama fático anterior, simplesmente porque os de-poimentos não trouxeram absolutamente nada que representasse uma inovação"; de qualquer modo, os relatos recolhidos em nada comprometem o acusado, mas unicamente o coindiciado Aílton Lo-bato, já falecido; (b) carente de "nexo o depoimento do Sr. Giovani com o fato que ora se apura, de modo que tal circunstância, por si só, faz com que não exista qualquer modificação do panorama fáti-co"; (c) existente um conflito entre as declarações dos integrantes do "Movimento Sem Terra" e "todo o conjunto probatório, na medi-da em que restou demonstrado, inclusive, que o ora paciente se-quer se encontrava na cidade no dia do ocorrido, haja vista que es-tava acompanhando seu irmão em tratamento médico na cidade de São José dos Campos/SP"; (d) presente um ponto de convergência na prova oral amealhada, no tocante ao autor do disparo de arma de fogo que causou a morte da vítima ter sido "um certo baixinho encapuzado" e não o Paciente; (e) decorrente (o desarquivamento) de "única e exclusiva pressão exercida pelos organismos internaci-onais - Corte Interamericana de Direitos Humanos - que, contrari-ando todo nosso ordenamento jurídico, fez nascer um processo pe-nal eivado de vício desde sua origem"; a própria Corte Interameri-cana, aliás, reconheceu a inexistência de qualquer prova nova no caderno investigativo, o que, por si só, obstaria a reabertura do procedimento; (f) desrespeitadas garantias individuais, visto que se objetivou apenas "responder, prontamente, aos anseios externos", tudo para "encontrar culpados, expiar culpa e alcançar a Justiça"; (g) desacompanhado de elementos probatórios que pudessem permitir as investigações, "quanto mais a formalização da acusação com a propositura de uma Ação Penal", eis que nem sequer foram previamente cumpridas as inúmeras diligências solicitadas pelo Representante Ministerial.

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Afirmando, ainda, que é assustador o desrespeito às garantias cons-titucionais em razão da utilização do direito penal "como forma de resgate a uma falsa moral, em nome de um ideário de Justiça", con-clui que o ato atacado "ofende os Direitos Humanos - suscetível, in-clusive, de nova punição do Estado Brasileiro pela Corte Interame-ricana - na medida em que submete o cidadão/paciente ao enfren-tamento de uma ação penal sem que haja um só indício plausível de que tenha ... participado do delito". Pede, então, o deferimento limi-nar da ordem para que seja sobrestada a persecutio criminis, pois "carente de condições essenciais" e, afinal, a concessão definitiva do writ, para que seja trancada a Ação Penal, tudo para evitar "desne-cessária movimentação da máquina judiciária" e infundado sofri-mento do paciente, "que enfrentará, em comarca diversa da que re-side, o pesado fardo de uma persecução penal, absolutamente ín-via" (f. 02/22) [fls. 593/594]

Ao denegar a liminar requerida no Habeas Corpus, distribuído à 1ª

Câmara Criminal, assim se pronunciou o relator, ilustre Juiz de Direito Naor R.

de Macedo Neto:

Antes de formulada a acusação, o procedimento investigatório ha-via sido arquivado (f. 230), o que resultou no inconformismo de familiares da vítima, que denunciaram o caso à Corte Interamerica-na de Direitos Humanos.

Referido Organismo Internacional concluiu "que as autoridades es-tatais não atuaram com a devida diligência no Inquérito da morte de Sétimo Garibaldi, o qual, ademais, excedeu um prazo razoável, ...entendendo, assim, que o Estado brasileiro violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial reconhecidos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, combinado com o artigo 1.1 da mesma, em prejuízo de familiares da vítima. Como consequência, a Corte Interamericana determinou ao Estado brasileiro que promo-va a reparação pelos danos causados, conforme se verifica do Capí-tulo VIII e do dispositivo da sentença", além de impor, dentre ou-tras determinações, "o dever de conduzir eficazmente e dentro de um prazo razoável, o Inquérito e qualquer processo que chegar a abrir, como consequência deste, para identificar, julgar e, eventu-

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almente, sancionar os autores da morte do senhor Garibaldi..."[Em nota de rodapé: “Ofício encaminhado pelo Secretário-Adjunto da Secretaria Especial dos Direitos Humanos ao Procurador-Geral do Estado do Paraná (f. 381/382).]

Analisando os elementos de convicção carreados ao procedimento instaurado perante a Corte Interamericana, o Representante do Mi-nistério Público em 1º Grau entendeu existirem novas provas a au-torizar o desarquivamento do Inquérito policial (art. 18, CPP), o que foi acatado pela Dra. Juíza, gerando o ato coator.

Para tanto, destacou-se os relatos de Vanderlei Garibaldi (filho da vítima) e de Giovani Braun, não ouvidos na Delegacia de polícia. O primeiro informa a presença de Ailton, administrador da fazenda de propriedade do paciente, no local; enquanto o segundo tam-bém "lança fato novo, consistente na ligação do episódio Sétimo Ga-ribaldi com a atuação de milícias particulares armadas, na mesma época e região, para expulsão clandestina de outros acampados" (f. 255).

E não foi só.

Na oportunidade, foram deferidas demais diligências, como a ouvi-da da viúva da vítima; de Darci e Marcelo, cunhados de Vanderlei Garibaldi ("que também estavam presentes no local dos fatos e po-dem ter presenciado o momento dos disparos, bem como, con-firmar ou não informação de que dois dos invasores retiraram os 'capuzes' em certo momento") e de "Chiquinho" ("mencionado no depoimento de Edvaldo Rodrigues Francisco ... o qual teria dito que 'Chiquinho também teria escutado os gritos de Morival Favoreto no local'").

Como se vê, o caso é complexo, envolvendo diversos relatos teste-munhais, muitos até mesmo considerados contraditórios entre si, o que teria motivado o anterior arquivamento do Inquérito policial. Entretanto, havendo elementos novos que possam auxiliar na busca da verdade real, descabe cogitar, desde logo, de constrangimento ilegal decorrente da retomada da persecução penal.

E a pretendida conclusão acerca da não caracterização da novidade da prova demandaria cotejo e exame aprofundado de tudo o que foi produzido durante as investigações, o que, como se sabe, é inviável na via estreita e sumária do habeas corpus. Basta, neste momento

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inicial, verificar que nenhuma daquelas testemunhas haviam sido, ainda, ouvidas e que o conteúdo de seus relatos parece, de fato, re-levante ao deslinde da causa. O mesmo se diga quanto às demais di-ligências requeridas, que indicam não ser graciosa a imputação di-rigida ao réu.

Tal quadro se reforça pelo contido no próprio pedido de arquiva-mento do procedimento investigativo ["as testemunhas Atílio Mar-tins Mieiro (fls. 09), Carlos Valter da Silva (fls. 10), Nelson Rodri-gues da Silva (fls. 11) e Edvaldo Rodrigues Francisco (fls. 23) men-cionam que dentre os invasores encontravam-se as pessoas do proprietário Morival Favoreto e de seu capataz Ailton Lobato"] e do relatório ulterior do Delegado de Polícia: "É difícil colher ele-mentos probatórios depois de tanto tempo. Todavia, pelos elemen-tos contidos nos autos do inquérito policial, por óbvio, que o maior interessado na desocupação da fazenda era o Senhor Morival Favoreto, não tenho dúvidas disto. A presença do Senhor Morival Favoreto no dia dos fatos está devidamente comprovada (fls. 10 e 11) ... Ademais, os elementos probatórios trazidos pelo Senhor Mo-rival Favoreto são por demais frágeis. Notadamente a oitiva do mé-dico Flair (fls. 175) e do primo do indiciado (fls. 152)" (f. 500).

Diante, portanto, da complexidade do caso, seja em razão das cir-cunstâncias que nortearam a prática delituosa; do tempo decorrido; do número de pessoas envolvidas (vários invasores encapuzados) ou da repercussão que gerou no cenário internacional; não parece ilegal a decisão atacada, que - mediante fundamentação suficiente e idônea - apenas observou a legislação pertinente (art. 18, CPP), dando curso à persecução penal, tudo em prol da própria socieda-de, que merece atuação estatal efetiva na apuração, prevenção e re-pressão de crimes, o que não se confunde com arbítrio.

Na espécie, ademais, não se verifica, de imediato, a alegada violação às garantias asseguradas ao paciente; a Autoridade apontada coato-ra, ao revés, parece observar o devido processo legal, tudo a invia-bilizar a entrega da tutela de emergência postulada, que reclama prova inequívoca da coação ilegal.

Indefiro, pois, a liminar pleiteada.

Requisitem-se informações à Autoridade impetrada, a serem pres-tadas com a urgência devida, a qual deverá, ainda, dar ciência ao

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Representante do Ministério Público desta impetração.

Com as informações, abra-se vista dos autos à Procuradoria de Jus-tiça. Curitiba, 16 de setembro de 2011. (fs. 595/598 – TJPR)

Em parecer subscrito pelo ilustre Procurador de Justiça Reginaldo

Rolim Pereira (fs. 608/616 - TJPR), o Ministério Público do Estado do Paraná se

manifestou pela denegação da ordem pleiteada.

Após o indeferimento (f. 623 – TJPR) do pedido de reconsideração

da decisão que denegou a liminar (fs. 634/636- TJPR), o Habeas Corpus foi colo-

cado em pauta para julgamento, sendo, por maioria de votos, concedida ordem

para “trancar o processo da ação penal n. 1998.0004-3, da Comarca de Loanda,

instaurada contra o paciente Morival Favoretto, sem prejuízo de que, surgindo

provas, formal e substancialmente novas, que alterem o conjunto probatório exis-

tente por ocasião do arquivamento do inquérito policial, seja oferecida nova de-

núncia” (fl. 667- TJPR). A decisão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça

do Estado do Paraná vem assim ementada:

‘HABEAS CORPUS’. HOMICIDIO QUALIFICADO. ART. 121, § 2º, IV DO CP. DESARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL E OFERE-CIMENTO DE DENÚNCIA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE PROVAS FORMAL E SUBS-TANCIALMENTE NOVAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCI-ADO. ORDEM CONCEDIDA.

- A pretensão de trancamento da ação penal exige que se verifique se houve alteração do panorama probatório dentro do qual fora concebido e acolhido o pedido de arquivamento do inquérito poli-cial (STJ, RHC 18561, DJ de 01/08/2006), a autorizar o ofere-cimento da denúncia criminal contra o ora paciente, ou seja, se foi produzida prova formal e substancialmente nova, amparada em fatos anteriormente desconhecidos, que tenha idoneidade para alterar o juízo precedente proferido sobre a desnecessidade da

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persecução penal (cfme. Tourinho Filho, Código de Processo Penal Comentado, vol. 1, 4ª Ed., Saraiva, 1999, p. 89/90).

- Para tal finalidade, é necessário verificar se as “novas provas” constituem base empírica apta para alterar o conjunto probató-rio existente por ocasião do pedido de arquivamento de modo a suportar, com justa causa, o oferecimento de denúncia, pois, como tem decidido o colendo Supremo Tribunal Federal, “As “novas pro-vas” serão aquelas capazes de autorização do início da ação penal, com alteração do conjunto acolhido no arquivamento (RTJ 91/831; 32/35; 63/620;40/111; 47/53; 188/200; 185/970; 186/624)” (Ro-berto Rosas, Direito Sumular, 13ª edição, Editora Malheiros, 2006, pág. 267).

- Desse modo, em que pese tenham alguns dos assentados reco-nhecido o paciente dentre as pessoas que invadiram o acam-pamento do MST no dia dos fatos (cfme. declarações contidas no inquérito antes do arquivamento), tendo o Dr. Promotor de Justiça apresentado argumentos que, a par destes reconhecimentos, con-duziram à conclusão de que não se produziram elementos para esclarecer a autoria delitiva e tendo requerido o arquivamento do respectivo Inquérito Policial, o que foi acolhido pela MMª Juíza de Direito, a posterior instauração de persecução penal contra o indi-ciado só poderia ocorrer se tivessem surgido “novas provas” capa-zes de modificar o panorama probatório anterior, o que não ocorreu, como se demonstrou pela análise dos novos elementos colhidos após o desarquivamento.

- Não havendo, no caso, a produção de “novas provas” que modifi-cassem a matéria de fato e autorizassem o oferecimento de de-núncia em desfavor do paciente, é de rigor que se reconheça es-tar sofrendo constrangimento ilegal.

- O oferecimento de denúncia, com fundamento em base empírica existente em inquérito policial arquivado, a pedido do Ministério Público, constitui constrangimento ilegal e viola o princípio consti-tucional da segurança jurídica, pois, se assim não for, o investigado a qualquer momento, antes de consumado o prazo prescricional, poderá ser submetido a processo penal, independentemente de no-vas provas, o que é inadmissível, nos termos do art. 18 do Códi-go de Processo Penal e do enunciado da Súmula 524 do egré-gio Supremo Tribunal Federal. (fls. 639/667 – TJPR)

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Ao tomar ciência do acórdão de fs. 639/667- TJPR, o Ministério Pú-

blico do Estado do Paraná, por sua Coordenadoria de Recursos Criminais, repre-

sentada pelo preclaro Procurador de Justiça Silvio Couto Neto e pelos ilustres

Promotores de Justiça Paulo César Busato e André Merheb Calixto, opôs Embar-

gos de Declaração (fs. 681/708 – TJPR). Apontando incongruências (contradi-

ções e obscuridades) entre o conjunto fático do caso e o enunciado sumular in-

vocado para o trancamento da ação penal [súmula 524 do STF], pleitearam fosse

o acórdão aclarado nos seguintes termos:

a) Se ao afirmar “pelo que se viu das declarações e demais elemen-tos produzidos depois do desarquivamento dos autos, ficou eviden-te que o quadro probatório manteve-se inalterado. As declarações prestadas à autoridade policial e já mencionadas, não forneceram elementos diferentes daqueles já produzidos anteriormente no in-quérito policial para identificação dos autores do fato descrito na denúncia (...)” (fl. 659 - TJPR), a Corte quer dizer que as provas que compunham o inquérito policial antes de seu desarquiva-mento não podem ser levadas em consideração a efeitos de sus-tentarem o recebimento da denúncia; e

b) Se ao afirmar “pode-se dizer até mesmo que os elementos pro-duzidos posteriormente ao desarquivamento do inquérito policial são substancialmente de menor valor do que aqueles produzidos antes do arquivamento” (fls. 659 – TJPR) a Corte quer dizer que a prova colhida após o inquérito policial ser desarquivado, deve ser qualitativamente superior àquela contida no acervo probató-rio que determinou o arquivamento, para que possa determinar o recebimento da denúncia. (fls. 706/707 – TJPR).

Conhecendo os Embargos de Declaração opostos pelo Ministério

Público do Estado do Paraná, a douta Primeira Câmara Criminal do Tribunal de

Justiça do Estado do Paraná os rejeitou, em acórdão assim ementado:

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Inexistindo obscuridade ou contradição no acórdão embargado, é de rigor a rejeição dos embargos declaratórios.

Só é admissível a modificação do julgamento, em sede de embar-gos de declaração, quando do suprimento de omissão, eliminação de contradição ou esclarecimento de ambiguidade e obscuridade, decorrer, como consequência, a alteração do julgamento, ou, en-tão, quando houver erro material ou manifesta nulidade do acór-dão, hipóteses que não ocorrem no presente caso. (f. 739 - TJPR)

Inconformado com a solução do caso penal, pela douta Primeira

Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (quer em seu acór-

dão principal, de fs. 639/667- TJPR, quer no acórdão que o complementou, ao

julgar os Embargos de Declaração – fs. 739/753 – TJPR), interpõe o Ministério

Público do Estado do Paraná o presente recurso especial, com fundamento no

artigo 105, inciso III, alínea a da Constituição Federal, por ter o referido

acórdão contrariado o artigo 68, § c.c. artigo 28, § 2º de tratado internacional

(Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa

Rica) e dispositivos da legislação federal - artigos 18, 647 e 648, I do Código de

Processo Penal.

Após essa involuntariamente longa exposição dos fatos e do direito,

exigência legal (artigo 26 da lei 8038/90), seguem, nos tópicos seguintes, a de-

monstração de cabimento do recurso interposto e as razões do pedido de re-

forma da decisão recorrida.

2 – DA TEMPESTIVIDADE DO RECURSO

O recurso é tempestivo. Consoante certidão de f. 754, o órgão do

Ministério Público foi pessoalmente intimado do acórdão recorrido em

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25/05/2012 (sexta-feira), iniciando-se o prazo de 15 dias para o recurso especi-

al em 28/05/2012 (segunda-feira), a vencer em 11/06/2012 (segunda-feira).

3 – DO CABIMENTO DO RECURSO

Cabível a interposição do recurso especial, pelo Ministério Público

do Estado do Paraná, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea“a” da

Constituição Federal, para demonstrar que o acórdão recorrido, julgando o

Habeas Corpus, contrariou o artigo 68, § 1º c.c. artigo 28, § 2º de tratado interna-

cional (Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa

Rica) e dispositivos da legislação federal - artigos 18, 647 e 648, I do Código de

Processo Penal.

Trata-se de matéria eminentemente jurídica (questão predomi-

nantemente de direito, e não de fato) relacionada ao caráter supralegal de trata-

do internacional vigente (Convenção Americana de Direitos Humanos) como

fonte de interpretação e aplicação da legislação interna (mormente quando há

uma decisão condenatória específica, diretamente afeta ao presente caso, pela

Corte Interamericana de Direitos Humanos), e também relacionada à correta

interpretação e aplicação dos artigos 18, 647 e 648, I do Código de Processo Pe-

nal.

3.1 – Cabimento da alegação de contrariedade à Convenção Americana dos

Direitos Humanos

A começar pela alegada contrariedade à Convenção Americana

dos Direitos Humanos (também conhecida como “Pacto de San José da Costa

Rica”), o cabimento do recurso encontra-se expressamente previsto no artigo

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105, III, a da constituição Federal, quando se refere ao julgamento, pelo STJ, de

recurso especial, em causas decididas, em única ou última instância, entre ou-

tros, pelos Tribunais dos Estados, quando a decisão recorrida “contrariar trata-

do ou lei federal, ou negar-lhes vigência”. E antes que se argumente que “con-

venção” (termo específico) não é “tratado” (termo genérico utilizado no permis-

sivo constitucional), antecipamo-nos em colacionar os escólios dos internacio-

nalistas:

Na definição de Louis Henkin: “O termo ‘tratado’ é geralmente usa-do para se referir aos acordos obrigatórios celebrados entre sujei-tos de Direito Internacional, que são regulados pelo Direito Inter-nacional. Além do termo ‘tratado’, diversas outras denominações são usadas para se referir aos acordos internacionais. As mais co-muns são Convenção, Pacto, Protocolo, Carta, Convênio, como tam-bém Tratado ou Acordo Internacional. Alguns termos são usados para denotar solenidade (por exemplo, Pacto ou Carta), ou a natu-reza suplementar do acordo (Protocolo).

Henkin, International law, p. 416. No mesmo sentido, afirma Re-becca M. M. Wallace: “O termo tratado é um termo genérico, usa-do para incluir as convenções, os acordos, os protocolos e a troca de instrumentos. O Direito Internacional não distingue os acor-dos identificados como tratados, dos outros acordos. O termo es-colhido para se referir a um acordo não é em si mesmo im-portante e não apresenta maior consequência jurídica” (Interna-tional law: a student introduction, p. 197). [nota de rodapé]

(...) A necessidade de disciplinar e regular o processo de formação dos tratados internacionais resultou na elaboração da Convenção de Viena, concluída em 1969, que teve por finalidade servir como a Lei dos Tratados. Contudo, limitou-se aos tratados celebrados entre os Estados, não envolvendo aqueles dos quais participam organiza-ções internacionais. Como atenta Rebecca M. M. Wallace: “Para os fins da Convenção, o termo ‘tratado’ significa um acordo internaci-onal concluído entre Estados, na forma escrita e regulado pelo Di-reito Internacional”.

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Rebecca M. M. Wallace, International law, p. 197. No dizer de Ar-naldo Süssekind: “A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tra-tados conceitua o tratado como o ‘acordo internacional celebra-do por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, constante de um instrumento único ou de dois ou mais instru-mentos conexos e qualquer que seja sua denominação particular’ (art. 2º, n. I, alínea ‘a’) (Arnaldo Süssekind, Direito internacional do trabalho, p. 38). (...) Na visão de João Grandino Rodas: “Dos inúmeros conceitos doutrinários existentes sobre tratado inter-nacional é particularmente elucidativo o fornecido por Reuter: ‘uma manifestação de vontades concordantes imputável a dois ou mais sujeitos de Direito Internacional e destinada a produzir efeitos jurídicos, segundo as regras do Direito Internacional’ (Tratados internacionais: sua executoriedade no direito interno brasileiro, Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, n. 21, p. 313).1 [nota de rodapé]

Portanto, se nenhuma dúvida há de que a “Convenção Americana

de Direitos Humanos” (também conhecida como “Pacto de San José da Costa

Rica”) está abrangida na referência genérica a “tratado”, prevista no artigo 105,

III da Constituição Federal, convém registrar a plena executoriedade de tal con-

venção, no âmbito interno, e sua plena aplicabilidade à hipótese dos autos, in-

clusive no que tange aos efeitos da sentença que, pelos fatos subjacentes a estes

autos, condenou o Estado brasileiro.

Lembre-se que a Convenção, de 22 de novembro de 1969 (cópia

em anexo), foi aprovada pelo Congresso Nacional em 26 de maio de 1992 (de-

creto legislativo n. 678, anexo por cópia), consoante dispõe o artigo 49, inciso I

da Constituição Federal, com depósito da carta de adesão em 25 de setembro

de 1992 (quando passou a viger no âmbito internacional) e promulgação, via

1 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional.

12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 96. [Sublinhamos alguns trechos].

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decreto presidencial n. 678, de 6 de novembro de 1992, publicado no Diário Ofi-

cial em 09 de novembro de 1992 (anexo por cópia), quando passou a viger no

âmbito interno, completando-se assim o complexo processo de conclusão e

aperfeiçoamento do referido tratado internacional.

Ademais, em 4 dezembro de 1998, com a publicação do decreto

legislativo n. 89 (anexo por cópia), o Congresso Nacional aprovou a solicitação

de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Di-

reitos Humanos. E a partir de 10 de dezembro de 1998, com o depósito junto à

Organização dos Estados Americanos do documento de adesão, passou a ter

plena eficácia a competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos

Humanos em todos os casos relativos a interpretação ou aplicação da Convenção

Americana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir de seu reconheci-

mento. A propósito, aceitando apenas parcialmente a exceção de incompetência,

ratione temporis, oposta pelo Estado brasileiro, no caso “Sétimo Garibaldi”, as-

sim decidiu a Corte Interamericana:

22. As partes coincidem que a morte do senhor Garibaldi ocorreu em 27 de novembro de 1998, ou seja, com anterioridade ao reco-nhecimento da competência contenciosa da Corte por parte do Es-tado. A privação da vida do senhor Garibaldi, a qual foi executada e se consumou de maneira instantânea nessa data, está fora da com-petência do Tribunal, pelo que não se analisará a alegada responsa-bilidade estatal por esse fato. Pela mesma razão, está fora da com-petência do Tribunal a suposta violação ao direito à integridade pessoal em razão do alegado sofrimento prévio ao falecimento que teria afetado o senhor Garibaldi, assim como qualquer outro fato anterior ao reconhecimento da competência contenciosa da Corte por parte do Estado (infra par. 147).

23. Por outra parte, a Corte é competente para analisar os fatos e possíveis omissões relacionadas com a investigação da morte do

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senhor Garibaldi que ocorreram sob a competência temporal do Tribunal, ou seja, posteriormente a 10 de dezembro de 1998, à luz dos artigos 8 e 25, com relação aos artigos 1.1, 2 e 28 da Convenção. De igual modo, o Tribunal teria competência para examinar esses fatos à luz da obrigação processual derivada do dever de garantia emanada do artigo 4 da Convenção, com relação ao artigo 1.1 desse instrumento. Com efeito, o Brasil ratificou a Convenção Americana em 1992, seis anos antes da morte do senhor Garibaldi. Portan-to, o Estado encontrava-se obrigado, desde essa data, a cumprir a totalidade das obrigações emanadas da Convenção, entre outras, a obrigação de investigar e, de ser o caso, sancionar a privação do di-reito à vida, ainda que este Tribunal não tivesse competência para julgá-lo por supostas violações à mesma. Entretanto, a Corte pode examinar e pronunciar-se sobre o eventual descumprimento dessa obrigação convencional a respeito dos fatos e supostas omissões relativos à investigação a partir de 10 de dezembro de 1998, quan-do o Estado aceitou a competência contenciosa do Tribu-nal.[Sublinhamos]

In casu, o tema recursal só passa a ter relevância a partir da data de

arquivamento do inquérito policial (em 18 de maio de 2004 – f. 230) e seu pos-

terior desarquivamento (em 20 de abril de 2009 – fs. 334/335), portanto bem

após a inequívoca competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos

Humanos sobre a interpretação da Convenção pelo Estado brasileiro.

Destarte, considerando a plena vigência, no âmbito interno, da refe-

rida Convenção e a submissão do Brasil à competência da Corte Interamericana

de Direitos Humanos, desde 10 de dezembro de 1998, a sentença da Corte In-

teramericana de Direitos Humanos, no caso “Sétimo Garibaldi” (precisamente

sobre os fatos versados nestes autos), datada de 23 de setembro de 2009 (com

notificação do Estado Brasileiro em 5 de novembro de 2009) se aperfeiçoa

como de plena aplicabilidade e executoriedade, em relação aos fatos versados no

subjacente Habeas Corpus. Mormente porque o objetivo do presente writ (tran-

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car ação penal por pretensa ilegalidade no desarquivamento do inquérito poli-

cial) e seu resultado (a ação penal foi efetivamente trancada por decisão da Pri-

meira Câmara Criminal do TJPR, com o que o Ministério Público manifesta seu

inconformismo no presente recurso) guarda inequívoca vinculação com o tema

decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, inclusive no tocante a

uma de suas sanções:

7. O Estado deve conduzir eficazmente e dentro de um prazo razo-ável o Inquérito e qualquer processo que chegar a abrir, como consequência deste, para identificar, julgar e, eventualmente, san-cionar os autores da morte do senhor Garibaldi. Da mesma manei-ra, o Estado deve investigar e, se for o caso, sancionar as eventuais faltas funcionais nas quais poderiam ter incorrido os funcionários públicos a cargo do Inquérito, nos termos dos parágrafos 165 a 169 da presente Sentença. (dispositivo de n. 7 – f. 53 - grifamos)

Nesse contexto, a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça

do Estado do Paraná, já devidamente ciente da sentença condenatória de fs.

383/439, datada de 23 de setembro de 2009 (com a notificação do Estado brasi-

leiro em 5 de novembro de 2009), desrespeitando sentença da Corte Intera-

mericana de Direitos Humanos, especificamente direcionada para o caso em

exame, julgou habeas corpus em 1º de dezembro de 2011 (confirmando o

acórdão, em 19 de abril de 2012) em sentido diametralmente oposto à deter-

minação da Corte internacional. Afinal, enquanto a Corte Interamericana de-

terminara que “O Estado deve conduzir eficazmente e dentro de um prazo razoá-

vel o Inquérito e qualquer processo que chegar a abrir, como consequência deste,

para identificar, julgar e, eventualmente, sancionar os autores da morte do senhor

Garibaldi”, a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Pa-

raná, por maioria de votos, e contrariando manifestação do Ministério Público

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em 2º grau, determinou o trancamento da ação penal por suposta ilegalidade,

encerrando o voto vencedor nos seguintes termos:

O oferecimento de denúncia, com fundamento em base empírica existente em inquérito policial arquivado, a pedido do Ministério Público, constitui constrangimento ilegal e viola o princípio consti-tucional da segurança jurídica, pois, se assim não for, o investigado a qualquer momento, antes de consumado o prazo prescricional, poderá ser submetido a processo penal, independentemente de no-vas provas, o que é inadmissível, nos termos do art. 18 do Código de Processo Penal e do enunciado da Súmula 524 do egrégio Supremo Tribunal Federal. (fl. 667 - TJPR)

Cabível, destarte, com fundamento no artigo 105, III, “a” da Consti-

tuição Federal), a alegação contida no presente recurso especial de violação ao

seguinte artigo da Convenção Americana de Direitos Humanos:

Art. 68, § 1º. Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo o caso em que forem partes. E nem se diga que a responsabilidade, perante a Corte Interameri-

cana, pelo cumprimento da decisão, caberia exclusivamente à União, pois a pró-

pria Convenção Americana de Direitos Humanos pressupõe a corresponsabi-

lidade e complementariedade dos Estados-membros, quando se tem uma estru-

tura federada de governo. A propósito, a “cláusula federal” da convenção (artigo

28 da Convenção), também mencionada na decisão da Corte Interamericana de

Direitos Humanos e que, em seu § 2º, entendemos concomitantemente contra-

riada:

Artigo 28 – Cláusula federal

§ 1º. Quando se tratar de um Estado-parte constituído como Estado federal, o governo nacional do aludido Estado-parte cumprirá todas

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as disposições da presente Convenção, relacionadas com as maté-rias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial.

§ 2º. No tocante às disposições relativas às matérias que corres-pondem à competência das entidades componentes da federação, o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinen-tes, em conformidade com sua Constituição e com suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Conven-ção. [sublinhamos]

In casu, a partir do momento em que o Estado do Paraná, pelas di-

versas esferas de poder aqui implicadas (Poder Executivo, Poder Judiciário e

Ministério Público) tomou conhecimento oficial da decisão da Corte Interameri-

cana de Direitos Humanos (“definitiva e inapelável”, sem prejuízo da eventual

oposição de Embargos de Declaração, nos termos do artigo 67 da Convenção),

conforme ofícios de fls. 240/241, 252/256 e 378/382, cada instituição integran-

te do sistema de justiça criminal tornou-se obrigada a cumprir, nas respectivas

esferas de especialização, a decisão da Corte Interamericana. Sob pena de con-

trariedade ao artigo 68 da Convenção, passível de controle judicial (no plano

internacional) por procedimentos de supervisão de cumprimento de sentença e

de controle judicial interno, entre outros mecanismos, em sede de recurso espe-

cial (artigo 105, III, “a” da Constituição Federal).

Demonstrado o cabimento do recurso especial, por fundamento na

contrariedade ao artigo 68 da Convenção, postergamos para a seção seguinte

(que trata do próprio mérito do recurso) a discussão sobre o caráter supralegal

das disposições da referida Convenção tendo em vista as disposições internas

soberanas da legislação infraconstitucional brasileira.

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3.2 – Cabimento da alegação de contrariedade a dispositivos da legislação

processual penal (artigos 18, 647 e 648, I do CPP)

Aqui não se faz necessária exposição tão longa quanto a do item an-

terior, porque de maior frequência (e de mais simples demonstração) o cabi-

mento do recurso especial por contrariedade a dispositivos da legislação federal

(in casu, os artigos 18, 647 e 648, I do CPP).

O recurso especial demonstrará que a solução do caso penal, pelo

Tribunal de Justiça do Paraná, desrespeitou o preciso comando do artigo 18 do

CPP, que trata do desarquivamento do inquérito policial, bem como dos artigos

647 e 648, I do CPP, que versam sobre a concessão de habeas corpus para tran-

car ação penal por falta de justa causa. A correta interpretação e aplicação dos

referidos artigos (notadamente quando orientados por normas e decisões de

direito internacional dos direitos humanos, como é o caso da Convenção já refe-

rida, e em obediência a decisão específica da Corte Interamericana de Direitos

Humanos) norteará o enfrentamento do tema recursal, na medida em que, por

suposta coação ilegal (pretensamente ilegal desarquivamento do inquérito poli-

cial e consequente oferecimento da denúncia) trancou-se ação penal em sede de

habeas corpus.

3.3 – Prequestionamento

Tanto a contrariedade à Convenção quanto a contrariedade aos artigos 18, 647

e 648, I do CPP foram temas devidamente prequestionados no Tribunal a quo.

Vejamos:

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O artigo 18 do CPP foi expressamente abordado na decisão recorri-

da, por exemplo, nos seguintes excertos:

Nos termos do art. 18 do Código de Processo Penal “depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia”, ou seja, há previsão legal para o desarquivamento de autos de in-quérito policial se surgirem “novas provas”, “porquanto a decisão de arquivamento cuja fundamentação contemple a hipótese de insu-ficiência de base para a denúncia não gera coisa julgada material” (cfme. STJ, 5ª T., RHC 25.278/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 24/05/2010).

No caso em julgamento, deve-se perquirir se houve alteração do panorama probatório dentro do qual fora concebido e acolhi-do o pedido de arquivamento do inquérito policial (STJ, RHC 18561, DJ de 01/08/2006), a autorizar o oferecimento da denúncia criminal contra o ora paciente, ou seja, se foi produzida prova formal e substancialmente nova, amparada em fatos anteriormen-te desconhecidos, que tenha idoneidade para alterar o juízo pre-cedente proferido sobre a desnecessidade da persecução penal (cfme. Tourinho Filho, Código de Processo Penal Comentado, vol. 1, 4ª Ed., Saraiva, 1999, p. 89/90).

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no exercí-

cio de sua jurisdição, no que tange à interpretação e à aplicação da Convenção

in casu, também foi expressamente mencionada na decisão recorrida, viabili-

zando, portanto, a alegação de contrariedade ao artigo 68, § 1º c.c. artigo 28, §

2º da Convenção, que trata especificamente do cumprimento, pelos Estados-

partes (inclusive, in casu, pelos órgãos integrantes do sistema de justiça criminal

paranaense), das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A

propósito, colhe-se da decisão recorrida:

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Havia “elementos suficientes para sustentar a ‘opinio delicti’, e por-tanto, não arquivar o inquérito”, conforme consta do item 105 da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 23 de setembro de 2009, no caso “Sétimo Garibaldi”, que tem o seguinte teor:

“105. Quanto à reabertura do inquérito, os representantes c onsi-deraram que a mesma constitui uma mostra adicional das irre-gularidades do procedimento, toda vez que as supostas novas pro-vas já constavam do expediente. Essa ação do Estado confirma que existiam elementos suficientes para sustentar a ‘opinio delicti’, e portanto, não arquivar o inquérito, destacaram que nenhum fa-miliar de Sétimo Garibaldi foi chamado a prestar testemunho pe-rante a polícia, pelo que o desarquivamento do inquérito não é mais que uma manobra do Estado para eximir-se das violações ocorridas neste caso. Em razão do anterior, solicitou à Corte que declare que o Estado violou o direito à proteção e às garantias ju-diciais em prejuízo aos familiares de Sétimo Garibaldi” (f. 424, vol. 03/03). [fs. 665/667 – TJPR]

Finalmente, quanto aos artigos 647 e 648, I do CPP, a matéria foi

debatida no acórdão, que concedeu habeas corpus para trancar ação penal por

vislumbrar ausente a justa causa, numa equivocada interpretação do artigo 18 e

em desrespeito ao caráter supralegal da Convenção e seu artigo 68, § 1º c.c. arti-

go 28 § 2º). A propósito, colhem-se da decisão recorrida os seguintes excertos:

Assim, conforme julgamento da Primeira Turma do excelso Su-premo Tribunal Federal, “O exame do mérito da prova nova, que motivou o desarquivamento, a fim de verificar ausência de justa causa para a denúncia de pronúncia, não se coaduna com a cogni-ção sumária do remédio constitucional, salvo quando evidente que o quadro probatório permaneceu inalterado” (STF, HC 90292-8/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 08/05/2007). [f. 656 – TJPR]

(...)Por último, não se pode negar, a meu ver, que os elementos probatórios existentes nos autos de inquérito policial arquivado

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eram suficientes para suportar o oferecimento, com justa causa, de denúncia contra o paciente. [f. 665 – TJPR]

Sem embargo, ainda que nem sempre se denote, na decisão recor-

rida, expressa referência aos artigos da lei (ou, no caso, também do tratado),

basta, para fins de prequestionamento, que os correlatos temas tenham sido de-

batidos pelo Tribunal a quo. É o chamado “prequestionamento implícito”, admi-

tido sem divergência no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, como nos dão

conta os seguintes julgados, de ambas as Turmas de Direito Penal:

Esta Corte admite o prequestionamento implícito nos casos em que as questões debatidas no recurso especial foram decididas no acórdão recorrido, sem a explícita indicação dos artigos de lei que fundamentam a decisão. AGRG nos EDCL nos EDCL no RESP 1160719/PE, 5ª Turma do STJ, Relator Ministro Jorge Mussi, jul-gado em 01/03/2011, publicado no DJe de 14/03/2011.

Esta Corte já pacificou o entendimento, segundo o qual, não é ne-cessário o prequestionamento explícito dos dispositivos legais apontados como malferidos nas razões recursais, sendo suficiente a apreciação do tema objeto do recurso especial pelo Tribunal de ori-gem, ou seja, o prequestionamento implícito da questão federal suscitada. [AGRG no AG 1007092/SP, 6ª Turma do STJ, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 01/12/2011, publicado no DJe de 14/12/2011]

3.4 – Não incidência da súmula 7 do STJ

Antes que se invoque, sem razão, a súmula 07 do Superior Tribunal

de Justiça, para obstar o conhecimento do recurso, adiantamo-nos em esclarecer

que, em se tratando de contrariedade ao artigo 18 do CPP (“Depois de ordenado

o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a

denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras

provas tiver notícia.”) revela-se aqui inevitável uma perfunctória e objetiva aná-

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lise da “existência de notícias de outras provas”, com o que não se confunde um

amplo e aprofundado exame das provas, este sim não apenas vedado, pela sú-

mula 07 do STJ, no âmbito do recurso especial, como defeso no âmbito dos es-

treitos limites cognitivos do habeas corpus. A propósito, a sempre lúcida distin-

ção empreendida pela doutrina de GRINOVER et alii:

A consequência mais elementar dessas observações está no impe-dimento da utilização dessas impugnações para reexame de ques-tões de fato, cujo deslinde esteja limitado à avaliação de provas. Se isso fosse possível, os recursos em análise se transformariam em uma segunda apelação, o que evidentemente contraria sua natureza e destinação. É o que afirmam, com inigualável clareza, a Súmula 279, do Pretório Excelso – “Para simples reexame de prova não ca-be recurso extraordinário” – e a Súmula 7, do Superior Tribunal de Justiça – “A pretensão de simples reexame de prova não enseja re-curso especial”.

Observe-se que nem sempre é nítida a distinção entre questão de fato e questão de direito: para chegar a uma conclusão a respeito da pretensão que lhe é apresentada, deve o juiz, num primeiro momento, verificar a ocorrência do acontecimento histórico que é colocado como base do pedido: isso se faz através da análise do material probatório que está nos autos. Todavia, é bem de ver que já nessa fase a avaliação judicial pode estar condicionada a certas regras legais, tendo-se então questões de direito atinentes à prova. A segunda tarefa do julgador consistirá na qualificação desses mesmos fatos, à luz do ordenamento: aqui também se tem uma questão de direito, embora intimamente relacionada aos fa-tos tidos como comprovados.

Assim, nos recursos extraordinário e especial, o que não se admite é o simples reexame de provas, como enfatizam as duas súmulas mencionadas. Isso implica em que o STF e o STJ não avaliam mais as provas que foram aceitas ou rejeitadas pelo órgão inferior como base da decisão recorrida. Não se exclui, entretanto, a reapreciação de questões atinentes à disciplina legal da prova e também à quali-ficação jurídica de fatos assentados no julgamento de recursos or-dinários.

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Exemplo dessa distinção, no primeiro caso, pode ser encontrado em julgado do STJ, a respeito de decisão de pronúncia, na qual fi-cou assentada a admissibilidade do recurso especial pela má va-loração da prova negativa da materialidade do delito, diante das regras dos arts. 158 e 162 CPP, e, ao mesmo tempo, a inadmissi-bilidade do mesmo recurso para deslinde da controvertida prova de autoria (RESP 3829-RJ, RSTJ 21/324): “O erro sobre critérios de apreciação da prova ou errada aplicação de regras de experi-ência são matérias de direito e, portanto, não excluem a possibi-lidade de recurso especial” (STJ, RT 725/531).

Quanto à induvidosa existência de quaestiones iuris atinentes à qua-lificação jurídica de certos fatos, bastaria lembrar as hipóteses em que se debate o correto enquadramento de uma conduta, cuja exis-tência e características já ficaram claramente assentadas pela pro-va. Veja-se, a propósito, a discussão jurisprudencial a respeito da configuração de roubo ou furto (arts. 155 e 157 CP) nos casos da denominada “trombada” (RT 562/357, 574/376, 582/347) 604/360 etc.).2 [Sublinhamos e grifamos o adjetivo “simples”]

A propósito, o ilustre Juiz Naor R. de Macedo Neto, relator originá-

rio do acórdão recorrido, ao negar a liminar pleiteada, delimitou com precisão

cirúrgica os limites de cognição do habeas corpus (nesse aspecto coincidentes

com os limites de cognição do próprio recurso especial) diante da alegação de

contrariedade ao artigo 18 do CPP:

E a pretendida conclusão acerca da não caracterização da novidade da prova demandaria cotejo e exame aprofundado de tudo o que foi produzido durante as investigações, o que, como se sabe, é inviável na via estreita e sumária do habeas corpus. Basta, neste momento inicial, verificar que nenhuma daquelas testemunhas haviam sido, ainda, ouvidas e que o conteúdo de seus relatos parece, de fato, re-levante ao deslinde da causa. O mesmo se diga quanto às demais di-

2 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES,

Antônio Scarance. Recursos no processo penal. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 203.

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ligências requeridas, que indicam não ser graciosa a imputação di-rigida ao réu. (fl. 596- TJPR).

Portanto, se o acórdão recorrido, em seu voto majoritário, acabou

por indevidamente adentrar o aprofundado exame das provas, desconsiderando

os estreitos limites de cognição do habeas corpus, não cabe agora (ao TJPR ou ao

STJ) obstar o seguimento ou conhecimento do recurso especial interposto, por

simples invocação da súmula 07 do STJ, quando um dos temas do recurso (tanto

no que concerne ao artigo 18 quanto aos artigos 647 e 648, I do CPP) é exata-

mente a extrapolação cognitiva do TJPR ao trancar ação penal, por falta de justa

causa, com amplo e aprofundado exame, comparação e hierarquização das pro-

vas coligidas na fase investigativa, antes e após o arquivamento. Por isso, a invo-

cação da súmula 07 do STJ, no presente caso, para obstar o conhecimento do

recurso especial, consubstanciaria teratologia que, temos certeza, não incidiria a

douta Presidência do TJPR, no juízo prévio de admissibilidade, tampouco o

egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Empreendida, até aqui, a demonstração dos fatos e do direito, da

tempestividade e do cabimento do recurso especial interposto, no tópico seguin-

te serão apresentadas as razões para a reforma da decisão recorrida.

4 – DAS RAZÕES PARA A REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA

4.1 – Da contrariedade aos artigos 68, § 1º, c.c. 28, § 2º da Convenção Ame-

ricana de Direitos Humanos

Rezam os artigos 68, § 1º e 28, § 2º da Convenção:

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Art. 68, § 2º. Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes.

Art. 28, § 2º. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da fede-ral, o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas per-tinentes, em conformidade com sua Constituição e com suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Convenção.

Por outro lado, consta como uma das determinações da sentença da

Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil no caso “Sé-

timo Garibaldi”:

7. O Estado deve conduzir eficazmente e dentro de um prazo razo-ável o Inquérito e qualquer processo que chegar a abrir, como consequência deste, para identificar, julgar e, eventualmente, san-cionar os autores da morte do senhor Garibaldi. Da mesma manei-ra, o Estado deve investigar e, se for o caso, sancionar as eventuais faltas funcionais nas quais poderiam ter incorrido os funcionários públicos a cargo do Inquérito, nos termos dos parágrafos 165 a 169 da presente Sentença. (dispositivo de n. 7 – f. 53 - grifamos)

Cotejando-se a decisão da Corte Interamericana, a que o sistema de

justiça criminal paranaense também está obrigado (consoante artigo 28, § 2º

da Convenção) com a decisão recorrida, revela-se a frontal contrariedade ao

disposto no artigo 68 da Convenção. Afinal, enquanto a Corte Interamericana

determina que “o Estado deve conduzir eficazmente e dentro de um prazo razoá-

vel o Inquérito e qualquer processo que chegar a abrir, como consequência deste,

para identificar, julgar e, eventualmente, sancionar os autores da morte do senhor

Garibaldi” (item 7 da disposição da sentença da Corte Interamericana, acima

transcrito), a Primeira Câmara julgadora do Tribunal de Justiça do Estado do

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Paraná decide – mesmo ciente do teor da decisão, contemplada nos autos – tran-

car ação penal em sede de habeas corpus, por pretensa ausência de justa causa,

apegando-se a interpretação equivocada do artigo 18 do CPP e da súmula 524

do STF.

Sem embargo, da interpretação equivocada do artigo 18 do CPP e

da súmula 524 do STF trataremos no tópico seguinte. Na presente seção, procu-

raremos demonstrar que a doutrina especializada e a jurisprudência do STJ e do

STF são hoje unânimes em reconhecer o caráter supralegal dos tratados a que

o Brasil se vinculou (e desde que cumprido o complexo processo de conclusão e

aperfeiçoamento do ajuste internacional, que, no caso da Convenção, encontra-

se em plena vigência, nos planos interno e externo, como demonstrado no item

3.1 supra). A propósito, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Re-

curso Extraordinário n. 466343-1, em 03/12/2008, em que se decidia sobre a

prevalência do disposto no artigo 7º, § 7º da Convenção (que veda a prisão por

dívida) sobre o dispositivo previsto na Constituição brasileira (artigo 5º, LXVII,

que expressamente admite a prisão em hipótese de depositário infiel), decidiu

que os tratados internacionais de direitos humanos têm o condão de “paralisar”

a eficácia jurídica de qualquer dispositivo de lei interna que eventualmen-

te conflite com o tratado. Colhe-se do ilustrado voto do Ministro Gilmar Men-

des:

Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados inter-nacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difí-cil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer discipli-na normativa infraconstitucional com ela conflitante.

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(...) Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normati-vos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. É o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil (Lei n. 10406/2002), que reproduz disposição idêntica ao art. 1287 do Código Civil de 1916.

Sobre o julgado do STF, assim se manifestou PIOVESAN:

O julgado proferido em dezembro de 2008 constitui uma decisão paradigmática, tendo a força catalizadora de impactar a jurispru-dência nacional, a fim de assegurar aos tratados de direitos huma-nos um regime privilegiado no sistema jurídico brasileiro, propici-ando a incorporação de parâmetros protetivos internacionais no âmbito doméstico e o advento do controle da convencionalidade das leis. Como enfatiza a Corte Interamericana de Direitos Huma-nos: “Quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus juízes, como parte do aparato do Esta-do, também estão submetidos a ela, o que lhes obriga zelar que os efeitos dos dispositivos da Convenção não se vejam mitigados pela aplicação de leis contrárias a seu objeto, e que desde o início care-cem de efeitos jurídicos (...) o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de ‘controle da convencionalidade das leis’, entre as normas jurídicas internas que aplicam nos casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nesta tarefa, o Poder Judiciário deve ter em conta não somente o tratado, mas também a interpre-tação que do mesmo tem feito a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana.3

Na esteira desse leading case do Pleno, decidiu a Segunda Turma do

STF, no julgamento do HC 96772:

3 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional.

12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 130.

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TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA.

- A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de di-reitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pes-soa humana.

- Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções inter-nacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Preceden-tes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade?

- Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hie-rarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos.

A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO.

- A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumen-to juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A le-gitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciá-rio, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exi-gências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.

HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVO-RÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.

- Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade inter-pretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico bá-sico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Ame-ricana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica.

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- O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela previs-ta no tratado internacional como a que se acha positivada no pró-prio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas insti-tucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteri-dade humana tornarem-se palavras vãs.

- Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano. (HC 96772/SP, 2ª Turma do STF, Relator Ministro Celso Melo, julgado em 09/06/2009, publicado no STF, publicado em 20/08/2009)

Por sua vez, a Corte Especial do STJ também aderiu à tese da supra-

legalidade dos tratados internacionais e a prevalência da proteção internacional

aos direitos humanos (quando em eventual conflito com a legislação nacional):

PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45/2004. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NOVEL POSICIONAMENTO ADOTADO PELA SUPREMA CORTE.

1. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 7º, § 7º, vedou a prisão civil do depositário infiel, ressalvada a hipótese do deve-dor de alimentos. Contudo, a jurisprudência pátria sempre direcionou-se no sentido da constitucionalidade do art. 5º, LXVII, da Carta de 1.988, o qual prevê expressamente a prisão do depositário infiel. Isto em razão de o referido tratado internacional ter ingressado em nosso ordenamento jurídico na qualidade de norma infraconstitucional, porquanto, com a promulgação da constituição de 1.988, inadmissível o seu recebimento com força de emenda constitucional. Nesse sentido confiram-se os se-guintes julgados da Suprema Corte: RE 253071 - GO, Relator Ministro MOREIRA ALVES, Primeira Turma, DJ de 29 de junho de 2.006 e RE

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206.482 - SP, Relator Ministro MAURICIO CORRÊA, Tribunal Pleno, DJ de 05 de setembro de 2.003.

2. A edição da EC 45/2.004 acresceu ao art. 5º da CF/1.988 o § 3º, dis-pondo que "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos hu-manos que forem aprovados , em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais", inaugurando novo panorama nos acordos internacionais relativos a direitos humanos em território nacional.

3. Deveras, "a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva do pacto In-ternacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Ameri-cana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, (art, 7º, 7), ambos do ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do de-positário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento ju-rídico, estando abaixo da constituição, porém acima da legislação infra-constitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código civil de 1916 e com o Decreto-Lei 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do novo Có-digo Civil (Lei 10.406/2002)." (voto proferido pelo Ministro GILMAR MENDES, na sessão de julgamento do Plenário da Suprema Corte em 22 de novembro de 2.006, relativo ao Recurso Extraordinário n.º 466.343 - SP, da relatoria do Ministro CEZAR PELUSO).

4. A Constituição da República Federativa do Brasil, de índole pós-positivista, e fundamento de todo o ordenamento jurídico, expressa, co-mo vontade popular, que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, consti-tui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus fun-damentos a dignidade da pessoa humana como instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade justa e solidária.

5. O Pretório Excelso, realizando interpretação sistemática dos direitos humanos fundamentais, promoveu considerável mudança acerca do te-ma em foco, assegurando os valores supremos do texto magno. O Órgão Pleno da Excelsa Corte, por ocasião do histórico julgamento do Recurso Extraordinário n.º 466.343 - SP, Relator MIn. Cezar Peluso, reconheceu que os tratados de direitos humanos têm hierarquia superior à lei ordi-nária, ostentando status normativo supralegal, o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade, máxime em face do efeito pa-ralisante dos referidos tratados em relação às normas infra-legais autori-zadoras da custódia do depositário infiel. Isso significa dizer que, no pla-

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no material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade. (RESP 914253/SP, Corte Es-pecial do STJ, Relator Ministro Luiz Fux, julgado em 02/12/2009, publi-cado no DJ de 04/02/2010).

Com efeito, a recente posição do STF e do STJ, não apenas sobre a

força vinculante dos tratados internacionais de direitos humanos como também

sobre sua prevalência sobre dispositivos da legislação interna, amolda-se a anti-

ga regra, prevista no artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Trata-

dos:

Uma parte não pode invocar disposições de seu direito interno como justificativa para o não cumprimento do tratado.

Portanto, parece não restar dúvidas de que a douta maioria da 1ª

Câmara Criminal do TJPR contrariou o disposto no artigo 68, § 1º, combinado

com o artigo 28, § 2º da Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Afinal,

embora ciente do contido na sentença condenatória da Corte Interamericana de

Direitos Humanos (especialmente o item 7 do seu dispositivo, acima transcrito),

inclusive aquiescendo, de forma expressa, com avaliação da Corte Interamerica-

na de Direitos Humanos, quanto ao precipitado arquivamento do inquérito poli-

cial, ancorou-se tão somente na interpretação e aplicação do artigo 18 do CPP e

da súmula 524 do STF, para coarctar o derradeiro impulso oficial para o cabal

esclarecimento dos fatos envolvendo a morte de SÉTIMO GARIBALDI. Seja por

censurar o desarquivamento, seja por trancar ação penal, mesmo admitindo, de

forma expressa, que a denúncia possuía justa causa (o que será abordado na se-

ção seguinte). A um só tempo, o TJPR nem se esforçou para cumprir a parte que

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lhe cabia na execução da sentença da Corte Interamericana, nem se esforçou pa-

ra harmonizar a aplicação e a interpretação do direito interno (artigo 18 do CPP

e súmula 524 do STF) com o inteiro teor da sentença da Corte Interamericana.

Ainda que a Câmara julgadora estivesse correta (e não estava, como

veremos adiante), em relação à interpretação e à aplicação que deu ao artigo 18

do CPP e à Súmula 524 do STF, a decisão da Corte Interamericana de Direitos

Humanos (e o artigo 68, § 1º c.c artigo 28, §2º da Convenção) obrigaria o Tribu-

nal a quo a ajustar a interpretação e aplicação do citado dispositivo da legisla-

ção interna (ou da referida súmula) de modo a dar máxima executoriedade à

decisão da Corte Interamericana de que fosse cabalmente concluído, em prazo

razoável, o inquérito e, caso viável, iniciada a ação penal envolvendo os fatos

relacionados à morte de Sétimo Garibaldi.

Portanto, jamais poderia a douta Câmara Julgadora do TJPR coarc-

tar o andamento da ação penal já instaurada, tendo por fundamento não a pró-

pria justa causa (que a própria Câmara julgadora reconhece existente), mas uma

pretensa limitação ao desarquivamento do inquérito policial fixado no artigo 18

do CPP (ou na súmula 524 do STF). É que, como vimos, os tratados internacio-

nais de direitos humanos prevalecem sobre dispositivos da legislação infracons-

titucional interna. Se não com o status de verdadeira emenda constitucional,

como reza o artigo 5º, § 3º da Constituição Federal (e desde que cumpridos os

requisitos especiais de aprovação previstos no dispositivo constitucional), ou

como defende significativa parte da doutrina especializada, ao menos com o sta-

tus de lei de hierarquia superior às leis internas (sejam elas ordinárias ou com-

plementares), como decidiu o Pleno do STF, ao julgar, em 03/12/2008, o Re-

curso Extraordinário n. 466343-1.

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4.2 – Da contrariedade ao artigo 18 do CPP; da inadequada leitura da sú-

mula 524 do STF; da contrariedade aos artigos 647 e 648, I do CPP

Se a simples observância do artigo 68, § 1º c.c. artigo 28, § 2º Con-

venção, nos termos preconizados pela doutrina e pela jurisprudência recente do

STF e STJ, já proporcionaria ao tribunal paranaense a solução adequada da ques-

tão, abstendo-se de trancar a ação penal por conta de uma suposta ilegalidade

do desarquivamento (ainda que, contraditoriamente, afirmando que o inquérito

não deveria ter sido arquivado e que havia justa causa para a denúncia), uma

interpretação razoável do direito interno (notadamente no que tange ao alcance

do artigo 18 do CPP e à súmula 524 do STF) também levaria o Tribunal para-

naense a denegar a ordem de habeas corpus.

É bem verdade que a situação de arquivamento – art. 18 do CPP –

comporta reversão somente quando surgem notícias de novas provas, segundo a

voz do dispositivo legal. No entanto, tal situação aconteceu nos presentes autos,

sendo fato reconhecido pelo acórdão, quando menciona que, com base em de-

clarações de pessoas que não teriam sido antes ouvidas, o Ministério Público

pleiteou e obteve, perante o Judiciário, o desarquivamento da investigação. O

acórdão chega a afirmar que, “os informes destacados serviram como notícias

de provas novas a autorizar o desarquivamento do inquérito policial,

conforme bem destacou o eminente Relator, Dr. Naor de Macedo Neto, Juiz

Substituto em Segundo, em seu voto proferido no dia 03/11/2011” [fs. 649/650 –

TJPR].

De fato, a partir do desarquivamento do inquérito, foram tomados

novos depoimentos, inclusive de pessoas que não tinham sido ouvidas antes no

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caderno investigativo arquivado e outras tantas em retificação e complemento

de seus depoimentos anteriormente prestados. Também aqui há reconhecimen-

to expresso no acórdão (vide parágrafos de fs. 650 a 654 do acórdão recorrido,

onde o relator elenca, exaustivamente, todas as diligências realizadas após o de-

sarquivamento), ao que se somam as valiosas ponderações do Ministério Públi-

co em 2º grau, da lavra do eminente Procurador de Justiça Reginaldo Rolim Pe-

reira:

No presente caso, todavia, denota-se que não apenas houve notícia de novas perspectivas à investigação por meio das declarações de Vanderlei Garibaldi (fls. 261/264), como foram trazidas provas no-vas, consistentes nas declarações de Giovani Braun (fls. 268/272), que acarretaram alteração no panorama probatório dentro do qual foi acolhido o pedido de arquivamento do inquérito policial.

No tocante às declarações de Vanderlei, denota-se que este indicou novas testemunhas que poderiam fornecer indicativos mais concre-tos sobre o envolvimento do paciente na empreitada delitiva.

Logo, evidentemente, vislumbrou-se das declarações de Vanderlei que as diligências para elucidação da ocorrência não haviam sido esgotadas, existindo testemunhas que poderiam prestar informa-ções sobre provável autor do delito.

Apesar de se ter concluído, posteriormente, que as testemunhas por ele apontadas (“Barriga” e “Lelê”) correspondiam a Edvaldo Rodrigues Francisco e Teotônio Luís dos Santos, os quais já haviam sido inquiridos às fls. 51 e 53, respectivamente, só seria possível averiguar a identidade de tais testemunhas e colher seus depoi-mentos (que poderiam trazer novos elementos de convicção) com o prosseguimento das investigações.

Ademais, Vanderlei também asseverou que a vítima estava na com-panhia de Darcy e Marcelo quando dos fatos, testemunhas essas que ainda não haviam sido ouvidas.

Colhidos os depoimentos de Marcelo Luiz de Santana (fls. 347) e Darcy Ghiotti (fls. 346), bem como de Vanderlei (fls. 345), obteve-se

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êxito na diligência, haja vista que apontaram para o paciente como um dos autores do crime.

Aliado a isso, extrai-se das declarações de Giovani Braun, o qual também foi inquirido pela autoridade policial (fls. 343/344), que o paciente ao menos assumiu o risco de que aquele resultado poderia ocorrer, pois aparentemente o mesmo grupo armado já havia inva-dido outros assentamentos e praticaram agressões contra as famí-lias que ali acampavam, inclusive fazendo vítimas fatais, o que pre-judicou as declarações de Francisco Moscovito prestadas às fls. 55, com base nas quais se havia arquivado o inquérito policial por au-sência de comprovação do liame subjetivo entre Morival e o execu-tor do crime.

Em sendo assim, não há dúvida de que houve notícia de prova nova apta a determinar o desarquivamento policial, bem como foram produzidos elementos de prova que inovaram o panorama proba-tório, consistentes, precipuamente, nas declarações de Giovani. (fs. 612/614)

Nota-se, portanto, que foram produzidas provas diferentes e inova-

doras em face do acervo probatório existente antes do desarquivamento, não

havendo como negar que as provas colhidas são formalmente e substancialmen-

te novas, segundo o próprio emprego que o acórdão faz das lições doutrinárias e

jurisprudenciais que colaciona. A propósito, Paulo Rangel, ao tratar do tema, di-

ferenciando a hipótese de desarquivamento (de que trata o artigo 18 do CPP) da

hipótese versada na súmula 524 do STF (que se refere à própria justa causa para

o oferecimento da denúncia), destaca: “Por novas provas, entendemos as que já

existiam e não foram produzidas no momento oportuno, ou provas que surgiram

após o encerramento do inquérito policial”.4 Afinal, preenchendo uma lacuna da

legislação penal adjetiva (que só trata do desarquivamento no artigo 18), a sú-

4 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2009, p. 201-202.

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mula 524 do STF apenas veda o oferecimento de denúncia com as mesmas pro-

vas já coligidas no caderno investigativo arquivado.

Em nenhum momento do artigo 18 do CPP, ou da súmula 524 do

STF, que preenche a lacuna legislativa, vem determinado que os elementos ca-

racterizadores da justa causa, na hipótese de inquérito policial desarquivado,

tenham que ser completamente novos, ou que se proíba, como fundamento fáti-

co-probatório da denúncia, utilizar-se, também, de elementos de provas coligi-

dos no inquérito policial antes de seu arquivamento. No entanto, em inadequada

aplicação e interpretação do artigo 18 do CPP e da súmula 524 do STF, o acórdão

consigna o entendimento de que as provas coligidas após o desarquivamento do

inquérito deveriam ser “melhores” que as provas produzidas antes do arquiva-

mento do inquérito. Mais que isso, exigiu o Tribunal paranaense que as novas

provas, após o desarquivamento, devessem, a título próprio, sustentar toda a

acusação, e não simplesmente complementar o acervo probatório já constituído

antes do arquivamento.

O seguinte excerto do acórdão bem registra esse entendimento

equivocado, data venia, da douta Câmara julgadora, a bem caracterizar a contra-

riedade ao artigo 18 do CPP (e mesmo à súmula 524 do STF, que procura com-

plementá-lo):

(...) Por último, não se pode negar que os elementos probatórios existentes nos autos de inquérito policial arquivado eram suficien-tes para suportar o oferecimento, com justa causa, de denúncia con-tra o paciente.

Ocorre que o Órgão do Ministério Público equivocou-se ao requerer o arquivamento dos autos de inquérito policial (fls. 227/229), equí-

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voco que se repetiu com o Órgão Jurisdicional ao deferir o arqui-vamento pela decisão de fl. 230.

Havia “elementos suficientes para sustentar a ‘opinio delicti’ e, por-tanto, não arquivar o inquérito”, conforme consta do item 105 da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 23 de setembro de 2009, no caso “Sétimo Garibaldi”, que tem o seguinte teor (...)

Pertinente a proficiente argumentação deduzida nos próprios Em-

bargos de Declaração de fls. 681/708, subscrito por ilustres integrantes da Co-

ordenadoria de Recursos Criminais do MPPR, Drs. Silvio Couto Neto, Paulo César

Busato e André Merheb Calixto:

Visto isso, não há como interpretar a exigência do enunciado sumu-lar n. 524 do STF de forma diversa do que a exigência pura e sim-ples de que a prova constituída seja nova. Aliás, não é outra coisa que se extrai do seu texto: “Arquivado o inquérito policial, por des-pacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas”.

Ora, de modo insofismável é forçoso concluir pela existência de no-vas provas constituídas no Inquérito Policial que deu lastro à de-núncia contra o paciente.

Não obstante, o acórdão entendeu impertinente o recebimento da denúncia, aparentemente porque considerou que a par da condição de nova prova, outros aspectos deveriam estar presentes para dar lastro ao recebimento da denúncia, a saber: 1) que fossem capazes, sozinhas, de determinar indícios suficientes de autoria do paciente; e 2) que as provas produzidas fossem qualitativamente melhores para indicar a autoria do paciente do que aquelas que já a indica-vam no conjunto probatório por ocasião do arquivamento.

Daí deriva a obscuridade da decisão.

É que estes requisitos não constituem, s.m.j., exigências da súmula invocada e nem tampouco são exigíveis pela lei, a teor dos arts. 452 e 396 do Código de Processo Penal.

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Quanto ao primeiro requisito, de que as provas constituídas após o desarquivamento do inquérito devam sozinhas sustentar a impu-tação contra o paciente, isto não faz o menor sentido, nem jurídico nem lógico.

Não faz sentido jurídico, simplesmente porque, uma vez desarqui-vado o inquérito, este se presta em sua totalidade a emprestar subsídios para a imputação. O inquérito desarquivado está em mo-vimento, compõe acervo probatório em seu conjunto. Apenas como argumento, vale referir que, de não ser assim o laudo pericial que atesta o homicídio, porque constante do acervo probatório do in-quérito original, seria imprestável como prova da materialidade! Ora, a regra que vale para a materialidade tem que valer para a au-toria! (f. 703 – TJPR)

O trecho do acórdão acima transcrito revela que a Primeira Câmara

Criminal do TJPR não tinha dúvidas de que 1) desde os elementos probatórios já

coligidos no inquérito policial arquivado, já existiam elementos para “suportar o

oferecimento, com justa causa, de denúncia contra o paciente” (fl. 665 – TJPR) e

que 2) a decisão de arquivamento fora inadequada (“havia ‘elementos suficientes

para sustentar a ‘opinio delicti’ e, portanto, não arquivar o inquérito”– fl. 665 –

TJPR).

Ora, na medida em que o TJPR reconhece que o arquivamento fora

inadequado, porque havia justa causa para a ação penal e, por óbvio, as novas

provas produzidas após o desarquivamento agregam-se às provas que já se en-

contravam no caderno investigatório (diversamente do que intuiu a Câmara5),

parece evidente que, assim decidindo, o Tribunal paranaense também contra-

riou, confessadamente, os artigos 647 e 648, I do CPP, os quais preveem a pos-

5 “(...) pode-se dizer até mesmo que os elementos produzidos posteriormente ao

desarquivamento do inquérito policial são substancialmente de menor valor do que aqueles produzidos antes do arquivamento” (fl. 659 – TJPR)

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sibilidade de eventual concessão de ordem de habeas corpus somente quando o

Tribunal vislumbra coação ilegal, ao se ver diante de ações penais despidas de

justa causa (o que não era o caso dos autos, segundo o próprio Tribunal).

Em suma, a douta Câmara julgadora, ao sopesar o artigo 18 do CPP

com o artigo 647 e 648, I do CPP, resolveu dar primazia ao primeiro, reputando

mais importante preservar eventual interesse individual do indiciado de não

mais se ver às voltas com a retomada da investigação (o TJPR chega a aludir a

“princípio constitucional da segurança jurídica” - fl. 667 – TJPR) do que o inte-

resse público (certamente bem mais relevante) de evitar o cabal esclarecimento

de um crime doloso contra a vida, mais importante dos direitos humanos. Isso

quando a própria Corte Interamericana de Direitos Humanos, em processo de

jurisdição contenciosa específica, não apenas trouxe a lume os erros e omissões

na investigação dos fatos, como determinou uma eficaz e breve apuração do

crime, que a todos deve interessar como uma das garantias de proteção judicial.

Em sentido contrário ao pensamento da douta maioria do órgão

julgador, assim se pronunciou o Juiz Naor R. de Macedo Neto, em seu voto ven-

cido:

Diante, portanto, da complexidade do caso, seja em razão das cir-cunstâncias que nortearam a prática delituosa, do tempo decorrido, do número de pessoas envolvidas (vários invasores encapuzados) ou da repercussão que gerou no cenário internacional, não é ilegal a decisão atacada que – mediante fundamentação suficiente e idônea – apenas observou a legislação pertinente (art. 18, CPP), dando cur-so à persecução penal, tudo em prol da própria sociedade, que me-rece atuação estatal efetiva na apuração, prevenção e repressão de crimes, o que não se confunde com arbítrio. (fl. 674 – TJPR)

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Por fim, é de se concluir esse já longo arrazoado com uma reflexão

teórica e doutrinária também importante para o deslinde desse prisma de ar-

gumentos recursais. Referimo-nos ao conceito de prova, que se bem entendido

em sua acepção mais ampla (e não apenas como sinônimo de “elementos de pro-

va”, concepção estreita a que parece ter se apegado o acórdão recorrido), prova-

velmente não teria levado a douta Câmara julgadora do TJPR a conceder a or-

dem de habeas corpus para trancar a ação penal, invocando o artigo 18 do CPP

ou a súmula 524 do STF.

A moderna doutrina processual realça a necessidade de um concei-

to dinâmico (e não estático) de “prova”; não como sinônimo de referência a este

ou àquele documento, a uma ou outra declaração, perícia, mas à própria cons-

trução intelectual dos operadores do Direito quanto à suficiência persuasiva de

um conjunto de inferências, deduções, indícios potencialmente capazes de ates-

tar certos fatos. A propósito, MARINONI e ARENHART, em densa obra monográ-

fica, define “prova” nos seguintes termos:

Cumpre reconhecer que o fenômeno probatório assume, atualmen-te, um caráter multifacetário, capaz de imprimir à figura, conforme o prisma através do qual se observa, diferentes nuances. Escolhido, arbitrariamente, o ponto de vista da decisão judicial – eleito por ser, afinal, o escopo do processo de conhecimento, e o principal as-pecto de preocupação do processualista neste campo – tem-se que a prova pode resumir-se em um aspecto argumentativo-retórico, apto a justificar a escolha de uma das teses apresentadas pelas par-tes no processo. Como diz TARUFFO, a prova “assume a função de fundamento para a escolha racional da hipótese destinada a consti-tuir o conteúdo da decisão final sobre o fato”.

Nessa perspectiva se retorna à definição que já lançamos, e que pa-rece refletir, razoavelmente, a natureza da prova, como se pretende denotá-la: a prova, em direito processual, é todo meio retórico, regu-lado pela lei, e dirigido, dentro dos parâmetros fixados pelo direito e

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de critérios racionais, a convencer o Estado-juiz da validade das pro-posições, objeto de impugnação, feitas no processo.

Nota-se, nesse esboço de definição, a tônica no aspecto dialético e no método argumentativo (como elemento inerente ao processo). De outra parte, a noção apresentada parece ajustar-se aos contor-nos dados à prova pelo direito, seja o que se refere à liberdade do juiz na valoração da prova, seja no que atine à regulamentação es-pecífica de alguns temas probatórios pela lei.6

Em sentido análogo, algumas conceituações da doutrina processual

penal:

O objetivo ou finalidade da prova é a formar a convicção do Juiz so-bre os elementos necessários para a decisão da causa. Para julgar o litígio, precisa o Juiz ficar conhecendo a existência do fato sobre o qual versa a lide. Pois bem: a finalidade da prova é tornar aquele fa-to conhecido do juiz, convencendo-o de sua existência. As partes, com as provas produzidas, procuram convencer o Juiz de que os fa-tos existiram, ou não, ou então de que ocorreram desta ou daquela maneira.7

Finalmente, a prova pode ser identificada com o resultado probató-rio, isto é, o convencimento que os meios de prova geram no juiz e nas partes.8

Com a costumeira precisão de seus conceitos, ARAGONES ALONSO nos ensina que o conceito de prova está vinculado ao de atividade encaminhada a conseguir o convencimento psicológico do juiz. 9

6 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011, p. 59.

7 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 561.

8 BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus, 2012, p. 269.

9 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucio-nal. Vol. I. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.114.

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A prova, assim, é a verificação do thema probandum e tem como principal finalidade (ou objetivo) o convencimento do juiz. Tornar os fatos, alegados pelas partes, conhecidos do juiz, convencendo-o de sua veracidade. Portanto, o principal destinatário da prova é o juiz; porém, não podemos desconsiderar que as partes são também interessadas e, consequentemente, destinatárias indiretas das pro-vas, a fim de que possam aceitar ou não a decisão final como justa.10

Nessa moldura conceitual, quando a súmula 524 do STF, suprindo

lacuna do artigo 18 do CPP e parametrizando eventual aplicação dos artigos 647

e 648, I do CPP, exige “novas provas” para o recebimento da denúncia, em con-

texto de inquérito policial desarquivado, há de ser entendido como “novos ele-

mentos de persuasão, de convencimento” do Juiz, novas “evidências”, diferentes

das explicitadas quando do arquivamento do inquérito policial (e não meios de

prova “inéditos”, “originais”), como exigido na decisão recorrida.

Para concluir, se o desarquivamento do inquérito policial não ape-

nas se ajustava ao artigo 18 do CPP (que exige apenas “notícias de provas”, far-

tamente agregadas aos autos), como também a dispositivo específico da senten-

ça proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (item 7), e serviu

para convencer o próprio prolator da decisão recorrida de que “os elementos

probatórios existentes nos autos de inquérito policial arquivado eram suficientes

para suportar o oferecimento, com justa causa, de denúncia contra o paciente” (fl.

665- TJPR), de que “havia elementos suficientes para sustentar a opinio delicti e,

portanto, não arquivar o inquérito” (fl. 665- TJPR), as provas carreadas nos autos

(antes ou depois do arquivamento do inquérito policial) cumpriram sua finali-

10RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2004, p. 405.

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dade precípua de convencer o julgador da plausibilidade da acusação for-

mulada.

Só não se sabe por qual razão, embora convencida da plausibilidade

da denúncia e da legalidade do desarquivamento do inquérito policial, decidiu a

douta Primeira Câmara Criminal do TJPR conceder ordem de habeas corpus para

trancar a ação penal, em decisão flagrantemente contraditória, que a um só

tempo contrariou os artigos 68, § 1º c.c. 28, § 2º da Convenção Americana

de Direitos Humanos e os artigos 18, 647 e 648, I do Código de Processo

Penal brasileiro.

5– DO PEDIDO

Por todo o exposto, o Ministério Público do Estado do Paraná confia

no conhecimento e provimento do presente recurso, com a consequente re-

forma do acórdão da 1ª Câmara Criminal do TJPR.

Curitiba, 11 de junho de 2012, segunda-feira.

Samia Saad Gallotti Bonavides

Subprocuradora-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos

Eliezer Gomes da Silva

Promotor de Justiça do Estado do Paraná Coordenador de Recursos Criminais (com delegação de poderes do PGJ)

Resolução n. 1185, de 20 de abril de 2012, baixada pelo Procurador Geral de

Justiça, cuja cópia é anexada à presente petição de interposição.