processo e tutela específica do direito à saúde

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Page 1: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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Page 2: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

Brandão, Carlos Gomes Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde: Carlos Gomes Brandão – Cuiabá: 2006 152p ISBN XXXXXXXXXXX 1. Direito processual Constitucional 2. Direito da Saúde. 3. Eficácia processo. I Título CDU XXXX

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Page 3: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

CARLOS GOMES BRANDÃO

PROCESSO E TUTELA ESPECÍFICA DO DIREITO À SAÚDE

CUIABÁ/MT 2006

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Page 4: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

DEDICATÓRIA

Aos assistidos da Defensoria Pública, que representam

a imensa maioria do povo brasileiro, vítimas de um

sistema político-econômico e social gerador de

profundas desigualdades, fonte inspiradora de nossas

incansáveis horas dedicadas ao estudo, na busca de

aprimoramento do nosso conhecimento e de

mecanismos idôneos para a tutela dos direitos

prometidos.

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Page 5: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

EPÍGRAFE

Quem transforma o mundo não são as maiorias

acomodadas mas, sim, as minorias determinadas.

(Maurice Duverger).

O processo deve dar, enquanto praticamente

possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e

precisamente aquilo que ele tem direito de

conseguir, isto é, o optimum da funcionalidade da

execução consiste no assegurar ao titular do direito

o mesmo bem que ele teria conseguido se

inexistisse o fato antijurídico cuja remoção postula.

(Chiovenda)

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Page 6: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

RESUMO

Processo e a tutela específica do direito à saúde é um de estudo de natureza

qualitativa, que teve como base pesquisa exploratória, desenvolvida sob o método

dedutivo e análise de casos concretos. O estudo trata do processo como

instrumento para a tutela dos direitos não patrimoniais, entre os quais o direito à

saúde, e das técnicas processuais mais adequadas para a tutela efetiva e célere de

tal direito fundamental, protegido pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.

Para tanto, o direito à saúde foi caracterizado como obrigação de fazer, que vincula,

por um lado, o Estado devedor ao cidadão credor, quando se trata de assistência

pelo Poder Público e, por outro lado, nas relações privadas, como devedores os

fornecedores dos planos e seguros de saúde e, na condição de credores, os

usuários consumidores. Nesse sentido, a utilização das tutelas específicas,

especialmente as ações mandamentais fundadas nos artigos 461 do Código de

Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, se constituem em técnicas

processuais aptas e idôneas para a tutela do direito à saúde. Não obstante o

reconhecimento de que tais ações são as mais idôneas para a tutela do direito à

saúde e a sensibilidade no Poder Judiciário no que tange a tais demandas, a

Fazenda Publica tem sido recalcitrante no descumprimento das ordens judiciais.

Assim Também é abordada a temática da tutela jurisdicional do direito à saúde e o

(des)cumprimento das decisões judiciais, com o estudo de casos concretos e a

indicação de possíveis soluções.

Palavras-chave: Saúde, direito fundamental subjetivo: obrigação de fazer;

Processo: tutela específica; ações mandamentais; eficácia e cumprimento das

decisões judiciais.

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Page 7: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

SUMÁRIO

Introdução..................................................................................................................8

1 A saúde como direito social fundamental..........................................................13

1.2 Teoria Jurídica dos direitos fundamentais..................................................14

1.3 Direito fundamental à saúde no ordenamento jurídico brasileiro .............20

2 A assistência à saúde como obrigação de fazer ...............................................25

2.1 A saúde como direito público subjetivo do cidadão e dever (obrigação) Estado...................................................................................................................26

2.2 A saúde como obrigação de fazer nas relações de consumo ...................31

3 O processo e a tutela dos direitos fundamentais..............................................36

3.1 Processo e tutelas específicas dos direitos................................................52

4 O processo e a tutela específica do direito à saúde .........................................62

4.1 Tutelas específicas do deito à saúde como obrigação de fazer................62

4.1 Tutela específica do direito à saúde em face do Poder Público................72

4.2 Tutela do direito à saúde nas relações de consumo..................................88

4.3 Modelos de petição inicial – casos concretos ............................................96 4.3.1 Ação de obrigação de fazer para fornecimento de medicamento ............96 4.3.2 Ação de obrigação de fazer - internação em UTI ..................................104 4.3.3 Ação de obrigação de fazer contra operadora de plano de saúde.........112

5 A tutela jurisdicional do direito à saúde e o cumprimento das decisões judiciais..................................................................................................................120

6 Considerações finais .........................................................................................138

Bibliografia.............................................................................................................147

Anexos – Principais dispositivos legais do direito à saúde..............................151

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Page 8: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

8

Introdução

O presente trabalho foi elaborado para atender a requisito parcial para a

conclusão do curso de especialização lato sensu em Direito Civil e Processo Civil,

ofertado pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, sob a Coordenação

Administrativa da ATAME - Mato Grosso.

O problema estudado foi escolhido a partir da dúvida de como escolher as

tutelas jurídico-processuais mais adequadas para a garantia do efetivo cumprimento

do direito fundamental à saúde no sistema jurídico-processual brasileiro.

A hipótese levantada, inicialmente, foi de que o sistema jurídico-processual

brasileiro dispõe de formas de tutelas específicas, além de outros mecanismos que

podem ser manejados para a obtenção da efetiva tutela do direito à saúde, de modo

a conduzir a um resultado prático igual, ou no mínimo equivalente, àquele que

deveria ter sido espontaneamente cumprido pelo obrigado à prestação. Para

alcançar tal escopo, a proposta foi atingir os seguintes objetivos:

1. Demonstrar que o direito à saúde é direito público

fundamental e subjetivo do cidadão e, nesse sentido, permite ao

titular desse direito exigir do Poder Público (saúde pública) e do

setor privado (contrato de plano de saúde) prestações materiais

positivas de assistência à saúde;

2. Identificar e examinar as formas de tutelas específicas e de

urgência aptas à proteção do direito à saúde no sistema jurídico-

processual brasileiro;

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Page 9: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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3. Avaliar casos concretos onde as decisões judiciais não foram

efetivamente cumpridas ou tiveram o seu cumprimento protelado

pelo obrigado ao cumprimento;

4. Identificar e analisar casos concretos cujos conteúdos

decisórios apontaram caminhos efetivos de cumprimento das

decisões judiciais de tutela do direito à saúde;

5. Apontar os mecanismos existentes no sistema jurídico pátrio

que possam assegurar o efetivo e célere cumprimento das decisões

judiciais garantidoras do direito à saúde.

A escolha do assunto a ser tratado deve-se a nossa atuação como Defensor

Público titular do Núcleo de Proteção à Saúde e ao Idoso, da Defensoria Pública do

Estado de Mato Grosso. Isto porque na labuta diária nos defrontamos com pessoas

carentes que necessitam se socorrer da via judiciária para ter garantido o acesso à

assistência médica e farmacêutica por parte do Sistema Único de Saúde e, bem

como no que concerne às obrigações descumpridas pelas operadoras de planos de

saúde que atuam no mercado privado.

Destarte, no manejo das ações judiciais concernentes aos casos atendidos,

nem sempre foi fácil escolher a medida mais adequada; mesmo quando a escolha

pareceu correta, várias decisões judiciais ficaram desprovidas de conteúdo que

pudessem garantir o seu imediato e efetivo cumprimento, principalmente quando

destinadas ao Estado-Administração, de forma que o descumprimento ou a

protelação do cumprimento tem causado danos irreparáveis ao jurisdicionado.

Várias questões processuais podem ser levantadas no que se refere às

demandas judiciais de tutela do direito à saúde, especificamente no que diz com a

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Page 10: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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escolha dos meios processuais adequados e à eficácia concreta das decisões

judiciais que concedem à tutela jurisdicional pleiteada.

Para o cumprimento de tão importante e fundamental direito substancial

(constitucional e infraconstitucional), mister se faz que o direito processual disponha

de instrumentalidade para garantir uma efetiva, tempestiva e adequada tutela

jurisdicional.

É possível afirmar que o sistema processual brasileiro coloca, à disposição do

jurisdicionado, diversos procedimentos que podem ser manejados na proteção do

direito à saúde, seja do ponto de vista das ações individuais, seja no que tange às

ações coletivas. A título de exemplo podem ser citados: ação ordinária, ação

sumária, ação civil pública, mandado de injunção, mandado de segurança, etc.

Diante de tal situação é que o estudo e a sistematização das tutelas

específicas e de urgência, além de outros mecanismos jurídico-processuais aptos à

garantia da eficácia das decisões judiciais assecuratórias do direito à saúde, se torna

extremamente importante, pois o operador do direito e mesmo o jurisdicionado

poderá dispor de material de fácil consulta para a escolha do melhor caminho a

seguir.

O estudo teve como base a pesquisa exploratória, desenvolvida na

perspectiva da abordagem qualitativa e com a utilização do método dedutivo na

análise de dados, os quais foram coletados em fontes bibliográficas, sites jurídicos e

correlatos, artigos científicos, revistas especializadas e outras obras doutrinárias já

elaboradas e pertinentes ao tema. Também foram pesquisados casos concretos e

jurisprudência, referentes ao assunto.

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Page 11: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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O trabalho foi dividido em seis capítulos: no primeiro trata da saúde como

direito social fundamental do homem, protegido nos diversos ordenamentos

jurídicos, nos tratados internacionais e positivado no sistema jurídico brasileiro como

um dos principais direitos fundamentais; no capitulo seguinte, a abordagem é a

caracterização do direito à saúde como obrigação de fazer, que vincula, por um lado,

o Estado devedor ao cidadão credor, quando se trata de assistência do Poder

Público, e os fornecedores dos planos e seguros de saúde, como devedores, e os

usuários consumidores, nas relações negociais privadas; no quarto capítulo volta-se

à teoria dos direitos fundamentais, dessa feita para a análise de que o processo,

visto sob esta ótica, deve servir de instrumento para a proteção dos direitos,

especialmente os direitos fundamentais ínsitos no ordenamento constitucional pátrio,

com ênfase na abordagem sobre a tutela específica no sistema processual

brasileiro; no quinto capítulo chega-se a análise mais pormenorizada das tutelas

específicas do direito à saúde caracterizado como obrigação de fazer, onde se

pretende demonstrar que as ações mandamentais fundadas nos artigos 461 do

Código de Processo Civil (CPC) e 84 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) se

constituem em técnicas processuais aptas e idôneas para dar guarida a um dos mais

importantes direitos fundamentais do homem, haja vista se tratar de dispositivos

legais que permitem uma variada gama de poderes atribuídos ao juízo, os quais

permitem a otimização e concretização dos mandamentos judiciais concessivos de

tutela específica do direito à saúde, inclusive com a antecipação de tutela

liminarmente ou no curso do processo, uma vez que assistidos de meios de coerção

que podem reforçar a exeqüibilidade da prestação específica e abreviar o acesso à

satisfação do direito material violado; no sexto capítulo é abordada a temática da

tutela jurisdicional do direito à saúde e o (des) cumprimento das decisões judiciais,

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Page 12: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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com o estudo de casos concretos e a indicação de possíveis soluções para a

concretização dos provimentos judiciais.

Destarte, o direito processual moderno deve ser voltado para dar efetividade

ao direito substancial. Nesse sentido, é preciso que sejam delineadas tutelas que

sejam capazes de fazer frente a essa necessidade de resultado efetivo e tempestivo.

Luiz Guilherme Marinoni, Cândido Rangel Dinamarco, Araken de Assis, Humberto

Teodoro Júnior e Kazuo Watanabe, dentre outros processualistas pátrios que estão

entre aqueles que mais têm estudado a questão inerente à instrumentalidade do

processo como meio de garantia e eficácia dos direitos substanciais, sevem de

marco teórico para a abordagem da tutela específica do direito á saúde no sistema

processual pátrio.

No caso em tela, para o delineamento das técnicas processuais que podem

ser consideradas mais adequadas e efetivas para garantir o cumprimento do direito

material à saúde, partiu-se do entendimento de que o direito à saúde é direito

fundamental subjetivo e, dessa forma, permite que sejam exigidas prestações

materiais positivas do Poder Público e do fornecedor particular.

Por certo que o tema apresenta invulgar importância na atualidade, e

qualquer que seja o prisma a ser considerado, demanda ampla reflexão. No caso em

tela a temática pertinente à tutela do direito à saúde como dever do Poder Público,

especialmente, e nas relações de consumo, será abordada quanto às técnicas

processuais e outros meios legais aptos para garantia de efetividade e

tempestividade, especificamente no que tange à tutela do direito individual.

E isto porque muitos estudos abordam a temática do direito à saúde no sistema

jurídico pátrio, mas é relativa a ausência de trabalhos que tratem especificamente

das técnicas processuais de tutela desse direito.

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Page 13: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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1 A saúde como direito social fundamental

Qualquer estudo que se pretenda empreender no que diz com o direito à

saúde não pode prescindir de sua análise como direito social fundamental da pessoa

humana, reconhecido e positivado nos mais diversos ordenamentos jurídicos, em

vários deles como mandamento constitucional; este é o caso da Magna Carta

Brasileira, onde é possível afirmar que se trata do principal direito fundamental social

albergado pela nossa Constituição.

No plano internacional, a própria Declaração Universal da Organização das

Nações Unidas (ONU), de 1948, declara expressamente que a saúde e o bem-estar

da humanidade são direitos fundamentais do ser humano. No mesmo sentido, nas

convenções e nos tratados internacionais, reconhecidos e ratificados pelo Brasil,

também são encontradas referências ao direito à saúde como direito social

fundamental.

Não obstante aqueles que questionam a constitucionalização do direito à

saúde, muitas vezes até negando a sua condição de direito fundamental, a

constituição brasileira, afinada com o ordenamento jurídico internacional, agasalha a

saúde como direito social fundamental, de modo que a tutela de tal direito encontra

em nosso ordenamento dupla proteção, formal e material, como se verá mais

adiante.

Antes, porém, para que se compreenda o direito à saúde, assim como os

demais direitos sociais, como direitos fundamentais, mister se faz a conceituação

dos direitos fundamentais, o que será visto no item seguinte.

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Page 14: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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1.2 Teoria Jurídica dos direitos fundamentais

Não é tarefa fácil estabelecer uma conceituação única e definitiva para o que

convencionou denominar de direitos fundamentais, pois a definição desses direitos

varia de lugar para lugar, de momento histórico para momento histórico e,

principalmente, de ideologia para ideologia. Yeda Tatiana Cury leciona que “Direitos

fundamentais – em sentido estrito podem ser conceituados com o conjunto de

normas que cuidam dos direitos e liberdades garantidos institucionalmente pelo

direito positivo de determinado Estado”. 1

Ingo Sarlet ensina que os direitos fundamentais podem ser abordados a partir

de diversas perspectivas, dentre as quais enumera três: a) perspectiva filosófica (ou

jusnaturalista), a qual cuida do estudo dos direitos fundamentais como direitos de

todos os homens, em todos os tempos e lugares; b) perspectiva universalista (ou

internacionalista), como direitos de todos os homens (ou categorias de homens) em

todos os lugares, num certo tempo; c) e perspectiva estatal (ou constitucional), pela

qual os direitos fundamentais são analisados na qualidade de direitos dos homens,

num determinado tempo e lugar. Tais perspectivas não esgotam o elenco de pontos

de vista a partir dos quais se pode enfrentar a temática dos direitos humanos, nem

podem ser abordadas com exclusividade, pois se interagem e se completam. 2.

1 CURY, Ieda Tatiana. Direito fundamental à saúde: evolução, normatização e efetividade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 01.

2 SARLET, Ingo Worfgan. A Eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:Livraria do Advogado,

1998, p.25

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De acordo com Barreto “o termo direito fundamental pode ser empregado

para designar certos direitos que reconhecem e garantem a qualidade de pessoa ao

ser humano”. 3. Prosseguindo, o citado doutrinador assevera que

[...] dentro de uma interpretação ética dos direitos humanos, fundada em valores intrínsecos à racionalidade humana, deve-se compreender os direitos sociais como direitos essenciais e inafastáveis, por conseguinte fundamentais. A partir dessa eticidade dos direitos humanos, pode-se falar em direitos fundamentais sociais, quais sejam, aqueles que, em vez de serem direitos contra o Estado, se constituem em direitos através do Estado, exigindo do Poder Público certas prestações materiais [...]. 4.

Não obstante as diversas designações existentes, haja vista que a doutrina

não é uníssona, direitos fundamentais do homem parece ser a expressão mais

adequada, porque além de referir-se a princípios que resumem a concepção de

mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada

para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que

concretizam a garantia de uma convivência digna, livre e igual para todas as

pessoas.

A evolução do que hoje se denomina direitos fundamentais, teve início na

antiga Grécia, onde, de forma embrionária, havia o direito de cidadania. Na idade

média, o reconhecimento de alguns direitos individuais religiosos, principalmente

pela doutrina dos direitos materiais, também foi importante para a evolução dos

direitos fundamentais. Finalmente vieram as fases da teorização e da

constitucionalização desses direitos. A primeira se caracterizou pela elaboração

teórica racional e serviu de base para as declarações formais de direitos. A segunda

se caracteriza pela positivação, ou seja, pelo surgimento de leis de direitos

3 BARRETO, Vicente Paulo. Reflexão sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 123. 4 Ibid., p. 124.

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Page 16: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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fundamentais. Segundo as lições de Yeda Tatiana Cury, “Os direitos sociais

surgiram da tentativa de mitigar as desigualdades sociais, assumindo, o Estado, a

responsabilidade de promover o mínimo necessário à sobrevivência dos indivíduos

no mundo civilizado.” 5.

Nesse sentido, além de caber ao Estado garantir o exercício dos direitos

fundamentais, ao mesmo tempo, as pessoas têm o direito de exigir desse mesmo

Estado uma prestação positiva ou negativa concernente ao direito à saúde. Assim,

não pode “o poder estatal deixar de desenvolver esforços para atender à população

mais carente que não tem recursos para pagar um plano privado de saúde, pois

essas pessoas acabam sendo ameaçadas diretamente no seu direito à vida e à

integridade física.” 6.

Nessa perspectiva, vale consignar que parte considerável da doutrina, que

trata dos direitos sociais fundamentais, afirma que a obrigação do Estado no que

concerne à garantia destes direitos se relaciona ao denominado mínimo existencial.

Ricardo Lobo Torres, por exemplo, afirma que não há de se confundir os

direitos sociais e econômicos com o mínimo existencial. Estes devem ser

assegurados pelo Estado, gratuitamente, apenas para alguns e mediante receita

oriunda dos impostos. Já os direitos sociais e econômicos os próprios titulares

devem contribuir para a sua manutenção. Assim, o Estado Democrático de Direito

passa a garantir o mínimo, deixando a questão da segurança dos direitos sociais

5 CURY, Ieda Tatiana. Direito fundamental à saúde: evolução, normatização e efetividade. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 25.

6 BARRETO, Vicente Paulo. Reflexão sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 130.

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para o sistema securitário o contributivo, baseado no princípio da solidariedade. No

Brasil há um misto dos dois modelos, principalmente no que tange a questão da

saúde, onde a gratuidade e a universalidade, como princípios do sistema,

asseguram todas as prestações de saúde a todas as pessoas. Na verdade o

Sistema Único de Saúde (SUS), não tem paralelo em todo o direito comparado. 7

Assim leciona o citado Autor:

O Estado Democrático de Direito passa a garantir o mínimo, deixando a questão da segurança dos direitos sociais para o sistema securitário o contributivo, baseado no princípio da solidariedade” (pág. 27)

[...]

Dessa forma, para a legitimação dos direitos sociais fundamentais stricto senso (mínimo existencial), mister se faz a conjugação de alguns princípios, destacando-se: a) a ponderação no sentido de equilibrar os princípios fundamentais; b)razoabilidade, para buscar soluções proporcionais e equilibrados.

8

Também sobre o tema, assim se pronuncia Ingo Sarlet:

A primeira dificuldade com a qual nos deparamos na tarefa de averiguar a possibilidade do reconhecimento de um direito subjetivo individual a prestações na área da saúde reside, portanto, na forma pela qual o direito à saúde (a exemplo da maior parte dos direitos sociais prestacionais) foi consagrado pelo Constituinte. Além disso, a exemplo dos demais direitos sociais de cunho positivo, também o direito à saúde tem sido considerado (entre nós e no direito comparado, muito embora e felizmente, cada vez menos) como dependente de intermediação legislativa, de tal sorte que não são poucos os que lhe negam a sua plenitude efícacial. Outro aspecto que merece ser destacado diz com o conteúdo de um direito subjetivo nesta esfera, já que o leque de necessidades é de tal forma amplo, que dificilmentepoderá ser abrangido por qualquer normalização constitucional ou infraconstitucional.

9

7 TORRES, Ricardo Lobo. A metamorfose dos direitos sociais em mínimo existencial. In: SARLET,

Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

8 Ibid., p. 27

9 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 1998, p. 314 e segs.

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Page 18: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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Contrapondo-se à tese acima esposada, Vicente Paulo Barreto afirma que o

Estado democrático de direito adotou como valores supremos o exercício dos

direitos sociais e individuais.

Nesse sentido, o constituinte considerou os direitos sociais como categoria

jurídica da mesma hierarquia dos direitos civis e políticos, uma vez que todos se

incluem na categoria jurídica essencial ao regime adotado.

Assim, não haveria razão para negativa de efetividade dos direitos sociais,

atribuindo-lhes a categoria de meras pautas programáticas. Aliás, essa idéia

repercute no processo judicial, pois parte da magistratura nacional interpreta a

Constituição a partir de uma exegese dogmático-positivista.

Também é nesse sentido que ganha corpo, na doutrina constitucionalista

brasileira, a idéia do mínimo existencial, no sentido de que o indivíduo somente tem

direito público subjetivo de exigir do Estado o necessário para uma existência

mínima digna. Essa teoria contribui para a interpretação restritiva quanto à aplicação

dos direitos sociais, esvaziando sua amplitude. Para esses doutrinadores, a

aplicação máxima dos direitos sociais redundaria no sacrifício do mínimo assistencial

diante da carência de recursos, de modo que o Estado ficaria impotente para

garantir aquele mínimo. 10 Interessante observar que tal forma de interpretação

jamais foi utilizada quando se trata dos direitos civis e políticos.

Ademais, não se pode olvidar de que os direitos fundamentais básicos estão

cada vez mais dependentes de prestações positivas do Poder Público. Nesse

sentido, Barreto afirma ainda que “os direitos sociais fundamentais encontram

10

BARRETO, Vicente Paulo. Reflexão sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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Page 19: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

19

fundamento ético na exigência de justiça, na medida com que são essenciais para a

promoção da dignidade da pessoa humana, indispensáveis para a consolidação do

Estado Democrático de Direito”. 11.

Destarte, a interpretação mais coerente com os desígnios do Estado

Democrático de Direito é aquela que reconhece e garante a qualidade de pessoa ao

ser humano, ou seja, os direitos sociais encontram fundamento ético na exigência de

justiça e de promoção da dignidade do ser humano, pois, como reconhece o próprio

Ingo Sarlet:

Embora tenhamos que reconhecer a existência destes limites fáticos (reserva do possível) e jurídicos (reservas parlamentares em matéria orçamentária) implicam certa relativização no âmbito da eficácia e efetividade dos direitos sociais prestacionais, que, de resto, acabam conflitando entre si, quando se considera que os recursos públicos deverão ser distribuídos para o atendimento de todos os direitos sociais fundamentais básicos, sustentamos o entendimento, que aqui vai apresentado de modo resumido, no sentido de que sempre que nos encontrarmos diante de prestações de cunho emergencial, cujo indeferimento acarretaria o comprometimento irreversível ou mesmo o sacrifício de outros bens essenciais, notadamente em se cuidando da saúde, da própria vida, integridade física e dignidade da pessoa humana, haveremos de reconhecer um direito subjetivo do particular à prestação

reclamada em juízo. 12

Sarlet, no artigo citado, afirma que apesar da Magna Carta não ter definido o

objeto do direito à saúde, e que tal definição constitui dever do legislador Federal,

Estadual e Municipal, não deixa de reconhecer que também o Judiciário tem a

11

BARRETO, Vicente Paulo. Reflexão sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 130. 12 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico. Salvador. CAJ – Centro de Atualização Jurídica. nº 10. Janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 15 de fev. 2006 [capturado], p. 13.

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Page 20: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

20

incumbência de interpretar as normas constitucionais, definindo o alcance e a

concretude do direito à saúde. 13.

Na análise do direito à saúde como direito fundamental chama a atenção a

necessidade de maior efetivação no cumprimento da prestação positiva à saúde,

pois este é o principal direito fundamental social previsto na carta Magna do Brasil.

É nessa perspectiva que direitos fundamentais são considerados no presente

trabalho, visto que o direito à saúde e sua proteção pelo direito processual, que

constitui o tema estudado, não pode prescindir da proteção do Estado.

Assim, para proteção e efetivação dos direitos fundamentais, ressalta-se a

importância do Poder Judiciário, que para a efetivação destes direitos deve-se mirar

apenas na Constituição, de modo que se a lei lhe for contrária, ou ainda a falta de

lei, não pode servir de óbice para que os juízes façam cumprir os mandamentos

constitucionais.

1.3 Direito fundamental à saúde no ordenamento jurídico brasileiro

Conforme asseverado, linhas atrás, a Constituição da República Federativa

do Brasil, na esteira dos mais modernos ordenamentos jurídicos mundiais, dispõe,

em seu artigo 6º, que “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer,

a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Já o artigo 196 da

Magna Carta assevera que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e

13 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico. Salvador. CAJ – Centro de Atualização Jurídica. nº 10. Janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 15 de fev. 2006 [capturado].

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Page 21: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua

promoção, proteção e recuperação”. O artigo 198 determinou a criação do SUS que

é a rede regionalizada e hierarquizada para cumprir o leque de atribuições antes

enumeradas.

Todavia, a organização das ações e serviços públicos de saúde no Brasil é

muito recente, e, no plano constitucional, somente a partir da Constituição de 1934 é

que se começou a tratar do assunto.

No período Colonial a ação do Estado nesse campo foi insignificante, e

durante quatro séculos a assistência à saúde era prestada pelas Santas Casas de

Misericórdia.

A partir de 1923, quando foi criada a Caixa de Aposentadoria e Pensões para

os ferroviários e outras que lhe seguiram, iniciou-se um longo período no qual a

assistência à saúde somente era assegurada aos trabalhadores assegurados das

diversas caixas de assistência.

Somente em 1975, com a Lei 6.229/75, que constituiu o Sistema Nacional de

Saúde, foi que se iniciou o processo em que as atividades de promoção, proteção e

recuperação da saúde passaram a ser obrigação do Estado.

Várias conferências e outros eventos foram organizados para debater a

questão da saúde no Brasil, até que a 8ª Conferência Nacional de Saúde deu início

ao processo que culminou com a inclusão dos atuais dispositivos constitucionais e,

posteriormente, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

A proteção que a ordem jurídico-constitucional brasileira dispensa ao direito à

saúde pode ser estudada sob os mais diversos aspectos, ganhando relevo á ótica

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Page 22: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

22

da saúde com direito fundamental da pessoa humana, que tem implicação direta

com no que diz com sua eficácia e efetividade.

Nesse sentido, a fundamentalidade situa a saúde no topo do ordenamento

jurídico brasileiro, dotando tal direito de hierarquia superior. Ademais, por se tratar

de direito fundamental, é diretamente aplicável e vincula tanto entidades estatais

como particulares.

Destarte, no que concerne à assistência pública à saúde, pode-se afirmar que

prestações positivas defluem não apenas dos mandamentos constitucionais, mas

também dos comandos legais que estruturam o SUS e demais mecanismos

reguladores da assistência à saúde (Lei nº 8.080, de 19.09.90, Lei nº 8.142, de

28.12.90 e Atos Normativos Complementares), além de algumas legislações

especiais protetoras de portadores de determinadas patologias como a AIDS (A Lei

nº 9.313/96), Câncer e doenças mentais (Lei 10.216/2001). O Estatuto do Idoso (Lei

10.741/2003, arts. 8º, 9º, 15 e segs.) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

8.069/90, art. 7º e segs.) também possuem comandos legais específicos

garantidores do acesso integral à saúde. Do mesmo modo, em vários estados

brasileiros existem Leis específicas asseguradoras de assistência à saúde da

população, não sendo diferente no Estado de Mato Grosso.

Outrossim, mister se faz asseverar que no Brasil vigora atualmente um

sistema misto de assistência à saúde, uma vez que se o art. 196 da Constituição

Federal de 1988 (CF/88) assegura que saúde é direito de todos e dever do Estado, o

art. 199 da Lei maior também assegura à iniciativa privada a participação no setor.

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Page 23: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

23

A criação do SUS foi fruto, conforme visto, de várias reformas setoriais

ocorridas nos anos 80, visando o acesso universal e integral às ações da promoção

e proteção à saúde.

No entanto, estudiosos afirmam que devido ao relativo insucesso do SUS foi

que o mercado privado (operadoras de planos e seguros de saúde) logrou enorme

expansão. Com efeito, assim leciona Ieda Tatiana Cury:

“Como visto, as mazelas verificadas no sistema público de saúde geram grande dependência de parcela da população aos serviços privados de assistência à saúde: Hoje milhares de empresas oferecem serviços limitados a preços altos e impõem aos usuários condições abusivas e ilegais”.

14

A participação da iniciativa privada na assistência à saúde é facultada pela

Constituição Federal de 1988, não obstante a Magna Carta ter elevado a saúde à

condição de direito social, com a garantia de acesso universal e gratuito aos serviços

públicos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde. De acordo com Antônio Joaquim

Fernandes Neto

No plano fático, ambos os sistemas apresentam dificuldades. O serviço público enfrenta escassez de recursos e a necessidade de planejamento e gestão eficientes, enquanto os serviços privados, orientados pela fome de lucros, não se adequam à sua evidente função social.

15.

De fato, as operadoras de planos de saúde, ao lado do Estado, são

essenciais à implementação dos objetivos da República no que tange a saúde da

população, uma vez que o modelo constitucional adotado para a promoção da

saúde, considera tal direito como direito público subjetivo e fundamental. Antônio

Joaquim Fernandes Neto leciona que

14

CURY, Ieda Tatiana. Direito fundamental à saúde: evolução, normatização e efetividade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 98.

15 NETO, Antonio Joaquim Fernandes. Plano de Saúde e o Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 03.

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Page 24: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

24

Pode-se afirmar, com fundamento das normas que protegem os direitos fundamentais, que a principal justificativa para a intervenção do Estado é a natureza do bem jurídico alcançado pelas atividades de assistência à saúde. A atividade financeira, que sempre envolve riscos para o poupador, destina-se à proteção de bens de personalidade a vida, a integridade psíquica e corporal e o Estado não pode deixar de garantir o cumprimento das obrigações assumidas.

16.

Os conflitos referentes à exclusão de cobertura de determinadas doenças ou

exames por parte das operadoras, fortalecem a idéia de que o plano de saúde deve

oferecer cobertura para todo e qualquer gasto com a assistência à saúde do

consumidor, sendo essa posição defendida até mesmo pelo Conselho Federal de

Medicina. 17.

16 NETO, Antonio Joaquim Fernandes. Plano de Saúde e o Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 53-54. 17

Ibid.

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Page 25: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

25

2 A assistência à saúde como obrigação de fazer

Para efeitos dos objetivos almejados no presente estudo, no que concerne à

tutela jurisdicional específica do direito à saúde e à concretização das decisões

judiciais concessivas das tutelas reclamadas, é importante que a relação jurídica

subjacente seja caracterizada como obrigação de fazer, vinculando o cidadão como

credor e, como devedores, o Estado (gênero) e as operadoras de planos e seguros.

Para que tal desiderato possa ser alcançado, não se pode ainda prescindir do

conceito de obrigação. Para tanto, trazemos à baila o ensinamento de José Tavares,

para quem

na mais lata acepção significa toda a espécie de vinculo ou sujeição de pessoa, qualquer que seja a sua fonte ou causa, ou o seu conteúdo.E assim, por um lado, compreende todo o dever imposto pela moral, pelos usos sociais (dever moral); e, por outro lado, todo dever imposto pelas normas jurídicas, quer de direito público, quer de direito privado (dever

jurídico). 18

.

O vocábulo obrigação significa o vínculo que consiste ou tem por objeto uma

prestação de dar, fazer ou não-fazer, que tanto pode ser estabelecido por relações

obrigacionais contratuais como por imposição legal.

Carreira Alvim ensina que, no que concerne às obrigações de fazer ou não-

fazer resultantes diretamente da lei, a tutela específica não se distingue das

obrigações convencionais, como se deflui de suas palavras, in verbis:

Primeiro porque o art. 461 do código não distingue entre obrigação convencional ou legal, [...] segundo, porque essa sempre foi a tradição do nosso direito processual, admitindo código de Processo Civil de 1939 (art. 302, XII), ação cominatória a quem, por lei ou convenção, tivesse o direito de exigir de outrem quase abstivesse de ato ou prestasse fato dentro de certo

18 TAVARES, José. Apud BRASIL, Deilton Ribeiro Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p. 83.

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Page 26: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

26

prazo. Inúmeras outras hipóteses previstas nesse artigo tinham suporte em autênticas obrigações legais.

19 .

Dessa forma, é possível afirmar quer as obrigações de fazer ou de não-fazer

podem decorrer não somente de relações contratuais (obrigações convencionais),

mas também aqueles resultantes da lei. Em ambas, conseqüentemente, é possível a

concessão de tutela específica. Assim, tanto os entes públicos quanto os privados

podem ser sujeitos passivos nas ações fundadas nos arts. 461 e 461-A do Código

de Processo Civil (CPC), como se verá mais adiante, já que a Administração Pública

não pode deixar de cumprir especificamente suas obrigações, sejam elas legais ou

convencionais.

2.1 A saúde como direito público subjetivo do cidadão e dever (obrigação)

Estado

Reconhecido o direito à saúde como direito fundamental consagrado no

ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, pode-se afirmar que tal direito

constitui também dever do Estado (gênero), como se deduz do disposto no artigo

196 da Magna Carta (... a saúde é direito de todos e dever do Estado...); destarte,

configura, assim, verdadeira obrigação para o Poder Público e direito subjetivo para

o cidadão.

Dessa forma cabe ao Estado garantir o exercício de tal direito, ao mesmo

tempo, que as pessoas têm o direito de exigir desse mesmo Estado uma prestação

19 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3

ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 25.

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Page 27: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

27

positiva ou negativa. Em monografia de conclusão do curso de especialização em

direito sanitário para membros da magistratura e do Ministério Público Federal, o juiz

George Marmelstein Lima enumera algumas das situações que configuram

prestações matérias positivas (obrigações) do Estado, no que concerne ao direito à

saúde. Eis suas considerações, in verbis:

Podem ser enumeradas, sem pretender esgotar todas as situações, as seguintes obrigações positivas (que implicam em obrigações de fazer) decorrentes do direito à saúde: (a) editar normas em defesa da saúde, sobretudo as constitucionalmente exigidas – art. 7º, incs. IV e XXII, art. 197, art. 220, § 3º, inc. II; (b) fornecer medicamentos a quem necessitar; (c) custear tratamentos médicos; (d) aplicar, no orçamento, os percentuais constitucionalmente exigidos no setor de saúde; (e) construir a infra-estrutura necessária à prestação dos serviços médico-hospitalares (postos de saúde, pronto-socorros, consultórios, enfermarias, clínicas de recuperação de dependentes químicos, hospitais); (f) demolir ou interditar instalações que ponham em risco a saúde pública (matadouros, estábulos ou qualquer outro que não ofereça condições adequadas de higiene); (g) exercer com eficiência as ações de vigilância sanitária; (h) oferecer serviços de saneamento básico; (i) elaborar e executar campanhas de prevenção e educação popular em saúde, entre inúmeras outras.

20.

No entanto é preciso ressaltar que apesar de os direitos sociais, como a

saúde, estarem expressamente previstos nas constituições da América Latina, da

Espanha e de Portugal, muitos têm defendido a tese de que tais direitos não passam

de normas programáticas e, portando, não se trata de direitos subjetivos que podem

ser deduzidos pela via judiciária.

Contra la exigibilidad de los derechos sociales, aun quando tengan reconocimiento constitucional, se dice que como se trata de derechos que establecem obligaciones positivas, su complimiento depende de la disposición de fondos públicos, y que por ello el Poder Judicial no podría imponer al Estado el cumplimiento de conductas de dar o hacer.

21 .

20 LIMA, George Marmelstein. Efetivação do direito fundamental à saúde pelo poder judiciário. Monografia de conclusão do curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. Universidade de Brasília:Faculdade de Direito. Disponível em: <http://www.georgemlima.hpg.com.br> Acesso em: 23 jun. 2004 [capturado], p. 48. 21

ABRAMOVICH, Victor y COURTIS, Christian. Apunte sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 137.

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Page 28: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

28

Tal distinção não procede, já que todos os direitos, civis, políticos,

econômicos ou culturais têm um custo, e prescrevem tanto obrigações positivas

quanto negativas.

Um orçamento público, quando não atende aos preceitos da Constituição,

pode e deve ser corrigido mediante alteração, logicamente com a devida

condenação do Poder Público para a prestação de determinado serviço público

básico, ou o pagamento de serviço privado.

Na verdade, também os direitos civis exigem prestações positivas do Estado,

bastando relembrar a grande quantidade de recursos gastos com a proteção da

propriedade, mormente com as atividades policial e judicial.

Partindo da premissa de que o direito à saúde é dever do Estado, verdadeiro

vínculo obrigacional legal entre o Estado-devedor e o cidadão-credor, é permitido a

este exigir que o Poder Público seja impelido, pela via judiciária se necessário, a

realizar prestações materiais positivas, como atendimento médico-hospitalar,

fornecimento de medicamentos, realização de exames, dentre outros.

Da mesma forma, é preciso esclarecer que muitos dos direitos sociais

também exigem obrigações negativas por parte do Estado, de modo que o Poder

Público fica obrigado a se abster de determinadas condutas que possam afetá-las.

Basta pensar, a titulo de exemplo, no direito à folga, ou dia de descanso, e no direito

a negociação coletiva, relações trabalhistas que requerem expressamente a

abstenção do Estado, que não pode interferir.

De acordo com o desenho institucional das democracias modernas, os

poderes encarregados de cumprir a maioria dos direitos são os poderes políticos,

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Page 29: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

29

mas ao Poder Judiciário cabe um papel subsidiário, no sentido de atuar quando os

demais Poderes não cumpram com as obrigações a seu cargo.

O reconhecimento dos direitos sociais como direitos fundamentais não se

efetivará enquanto não forem superadas as barreiras que tentam impedir que se

possa reclamá-los perante o Judiciário.

Lo que calificará la existencia de un derecho social como derecho pleno no es simplesmiente la conducta cumplida por el Estado, sino tambien la posipilidad de reclamo ante el incumplimiento: al menos en alguna medida – el titular / acreeor esté en condiciones de producir mediante una demanda o queja, el cumplimiento de la obligación generada por su derecho.22.

Germano Schwartz afirma que “[...] a saúde é direito público subjetivo,

tornando possível ao cidadão-credor exigir do Estado-devedor a devida prestação

sanitária, seja por meio judicial ou administrativo, desde que o Estado não cumpra

com o dever a ele imposto” 23.

Ainda de acordo com o citado estudioso, entender a saúde como direito

público subjetivo é uma das hipóteses viáveis para a resolução do problema

sanitário brasileiro, no sentido de que torna possível a aplicação de medidas judiciais

ou administrativas para a sua efetivação. E havendo omissão do Estado para a

efetivação desse direito, cabe ao judiciário atuar na sua proteção.

O autor sustenta a idéia de que a saúde é um direito público subjetivo

oponível ao Estado se no caso concreto estiver em jogo a própria vida do sujeito do

22

ABRAMOVICH, Victor y COURTIS, Christian. Apunte sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 144.

23 SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: livraria do Advogado. 2001, p. 25.

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Page 30: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

30

direito, condicionando ainda à existência de prova de que ele não possui condições

financeiras para arcar com as despesas.

Confirmando a tese de que o direito à saúde se insere no rol dos direitos

públicos subjetivos, o autor afirma que é obrigação do Estado agir e prestar o serviço

necessário para a sua efetivação. Eis suas palavras, literalmente aqui trazidas à

colação:

Resulta desse direito público subjetivo da saúde que há um vínculo jurídico entre o Estado-devedor e o cidadão-credor, gerando obrigação positiva e negativa em relação às prestações sanitárias, o que também é fator possibilitador da atuação do Judiciário/administrativo na resolução destas questões, de acordo com os remédios jurídicos existentes”. 24 .

Dessa forma, é possível afirmar que se o direito à saúde consiste na

prestação sanitária; na verdade, trata-se de uma obrigação de fazer (positividade) e,

também, de não fazer (negatividade) por parte do Estado em relação ao cidadão

e/ou estrangeiros residente no país. Nesse sentido, George Marmelstein Lima

lembra que

ressalvados alguns julgados isolados, quase a totalidade dos tribunais pátrios tem entendido que o direito à saúde, consagrado no art. 196, da CF/88, confere ao seu titular a pretensão de exigir diretamente do Estado que providencie os meios materiais para o gozo desse direito, como, por exemplo, forneça os medicamentos necessários ao tratamento ou arque como os custos de uma operação cirúrgica específica.

25.

O fato de a Constituição Federal de 1988 ter elevado a saúde à condição de

direito social fundamental, significa que a Administração Pública tem o dever e

24 SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre:

livraria do Advogado. 2001, p. 79

25 LIMA, George Marmelstein. Efetivação do direito fundamental à saúde pelo poder judiciário. Monografia de conclusão do curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. Universidade de Brasília:Faculdade de Direito. Disponível em: <http://www.georgemlima.hpg.com.br> Acesso em: 23 jun. 2004 [capturado], p. 52.

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Page 31: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

31

responsabilidade de elaborar e implementar programas operacionais que garantam

a atenção e a assistência à saúde de toda a população. Também significa que a

população, individual ou coletivamente, pode exigir a consecução desse direito,

ainda que tenha de se valer da via judiciária. Tal entendimento decorre do princípio

da universalidade (art. 196 da CF/88 c/c o art. 7º, I, da Lei 8.080/90) pelo qual o

Estado deve dispensar a atenção necessária à saúde de todos os brasileiros e

estrangeiros residentes no Brasil, na medida de suas necessidades. 26

Ademais, pelo princípio da integralidade, o cidadão tem o direito de ser

atendido e assistido sempre que necessitar, em qualquer situação ou agravo (art.

198, II da CF/88 e art. 7º, II da Lei 8.080/90), de modo que o atendimento deve ser

definido em razão da necessidade da pessoa. E, finamente, pelo princípio da

igualdade (art. 196 da CF/88 e art. 7º, IV da Lei 8.080/90), fica o Poder Público

obrigado a oferecer atendimento igual para todos, sem qualquer privilégio, devendo,

as prioridades, serem pautadas pela necessidade das pessoas. 27

2.2 A saúde como obrigação de fazer nas relações de consumo

Ao contrário do direito à saúde no âmbito do Sistema Público, no setor

privado a sua caracterização como relação obrigacional não oferece maiores

dificuldades, uma vez que se trata de relação contratual.

26 BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública. Márcio Iorio Aranha (org.). Brasília:Ministério da Saúde, 2003.

27 Ibid.

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Page 32: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

32

De acordo com Antônio Joaquim Fernandes Neto, a principal característica

dos contratos de saúde é a natureza decorrente da prestação atribuída à operadora

de planos de saúde. Trata-se de um contrato de prestação de serviços que

prepondera a obrigação de fazer, com sua peculiar complexidade. Destarte, afirma o

citado autor, “à obrigação do consumidor, que deve pagar mensalmente as

prestações pecuniárias devidas à operadora de plano de saúde, corresponde à

obrigação desta de prover assistência à saúde nos termos previstos nos contratos.”

28.

De fato, tanto no que se refere aos seguros quanto aos planos de saúde, o

que importa não é a diferença de atendimento (livre escolha com reembolso, no

primeiro caso, e escolha de profissionais credenciados, no segundo). Na verdade,

em ambos o objetivo específico com que se lida é a obrigação, à qual se vincula o

fornecedor de seguro ou plano de saúde, de dar cobertura financeira ao tratamento

das enfermidades e acidentes físicos e seus respectivos danos sofridos por outrem

que, em contrapartida, compromete-se ao pagamento de uma prestação mensal em

dinheiro.

Os contratos nas relações de consumo versam sobre obrigações de fazer, às

quais se vinculam os fornecedores, que, no caso específico dos planos e seguros de

saúde, vendem segurança de ter a assistência à saúde do consumidor contratante

ou de sua família, nos momentos de infortúnio. Contratos, portanto, que lidam com

bens que até algum tempo atrás, não tinham o relevo de que hoje se revestem, e

que se espraiam para o futuro, pois implicam num fazer que pode levar uma vida

inteira, de modo que o consumidor passa a depender dessa segurança.

28

NETO, Antonio Joaquim Fernandes. Plano de Saúde e o Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 141.

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Page 33: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

33

Ademais, o direito à saúde está intimamente vinculado ao direito à vida, à

integridade corporal e à psique, possuindo caráter extrapatrimonial. Destarte, se

ocorre violação do direito à saúde do consumidor não há como voltar ao statu quo

ante, de modo que as tutelas jurídicas adequadas são as tutelas preventiva e

inibitória, as quais vêm conjugadas com técnica mandamental consistente na

emissão de ordem de fazer ou não fazer. Nesse sentido, afirma Clayton Maranhão:

Na perspectiva da tutela preventiva do direito à saúde nas relações de consumo, a tutela inibitória revela-se como uma forma de tutela jurisdicional específica, efetiva e adequada diante das práticas mercadológicas cada vez mais insensíveis com a dignidade da pessoa humana [...]

29

Calvão da Silva, citado por Clayton Maranhão, ao asseverar que a satisfação

do interesse do credor deve ser o escopo da obrigação, ensina que:

A relação obrigacional traduz-se basicamente num direito do credor à prestação e um correlativo dever de prestar a cargo do devedor. Do ponto de vista prático, ao atribuir um direito subectivo e ao impor um dever jurídico temos a prevalência do interesse do credor sobre o interesse do devedor, com a relação creditória a proporcionar uma vantagem ao se titular activo à custa do titular passivo. A vantagem do credor será, justamente, a satisfação do se (prevalente) interesse. [...] O interesse do credor, representando o fim ou a função da obrigação e a sua razão existencial, desempenha papel de grande relevo na disciplina da relação obrigacional. Desde logo, a constituição do vínculo obrigacional, o interesse do credor deve ser digno de proteção legal, não necessitando, todavia, de ter natureza patrimonial. 30

De acordo com o citado doutrinador português, é necessário que o

ordenamento jurídico disponha de meios apropriados colocados à disposição do

credor para a garantia especifica de seu direito, ainda que se trate de prestações de

cunho não patrimonial, como é o caso da assistência à saúde nas relações de

consumo.

29

MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil –v. 7), p. 220.

30 SILVA, Calvão. Apud MARANHÃO. Op. cit. p. 209-210.

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Page 34: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

34

Isto porque, ao contrário do que preconiza a doutrina mais conservadora, é

cada vez mais assente a tese de que nem todas as obrigações têm cunho

patrimonial, situação que vem sendo chamada de despatrimonialização do direito

privado. Trata-se de movimento que vem na esteira de que o ressarcimento pelo

equivalente monetário não se mostra o mais adequado para a tutela dos novos

direitos, entre os quais certamente se encontra o direito à saúde por parte do setor

público e os contratos de assistência à saúde nas relações de consumo. Aqui, o que

o consumidor almeja é o cumprimento específico do contrato (assistência à sua

saúde) no momento que for necessário, uma vez que descumprida a prestação,

dificilmente se poderia retornar ao status quo ante.

Ancorado nos ensinamentos de Calvão da Silva, Clayton Maranhão afirma

que nas relações de consumo o mercado livre deve ceder lugar aos valores sociais

em ascensão, os quais, por estarem ligados à dignidade da pessoa humana, o ter

deve ser resgatado pelo ser. (grifos do autor). 31

Dessa forma, é possível afirmar que no que se refere aos contratos de

prestação de assistência a saúde há prioridade para garantir-se o cumprimento

específico da prestação, em detrimento do ressarcimento pelas perdas e danos,

porque o direito à saúde tem caráter não patrimonial, de modo que é possível a

tutela de adimplemento específico da obrigação. Clayton Maranhão adverte que “é

preciso investigar formas jurisdicionais de tutela específica do direito à saúde do

consumidor nas relações de consumo, objetivando medidas corretivas das falhas de

mercado, em especial as externalidades negativas.” 32

31 MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil – v. 7), p. 212. 32 MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil – v. 7), p. 217.

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Page 35: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

35

Daí a importância de se pensar nos contratos de prestação de assistência à

saúde como obrigação de fazer, cujos mecanismos de proteção previstos nos artigos

84 do Código de Defesa do Consumidor e 461 do Código de Processo Civil, se

constituem nos dispositivos que se mostram mais aptos à tutela adequada e

específica de tal direito.

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Page 36: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

36

3 O processo e a tutela dos direitos fundamentais

Por imposição do seu próprio modo de ser o direito processual tente ao

isolamento, desconsiderando a realidade da vida e do homem comum, o que

contribui para a descrença na justiça e para a acomodação a um sistema que é

isento de crítica dos próprios resultados que ele é capaz de oferecer aos

consumidores dos serviços jurisdicionais. Segundo Leonardo Greco

No Estado Democrático Contemporâneo, a eficácia concreta dos direitos constitucional e legalmente assegurados depende da garantia da tutela jurisdicional efetiva, porque sem ela o titular do direito não dispõe da proteção necessária do Estado ao seu pleno gozo.

A tutela jurisdicional efetiva é, portanto, não apenas uma garantia, mas, ela própria, também um direito fundamental, cuja eficácia irrestrita é preciso assegurar, em respeito à própria dignidade humana.

33.

Destarte, de acordo com o moderno direito processual, que rompe com o

sistema tradicional imune à crítica, qualquer estudo que se pretenda empreender

envolvendo este ramo da ciência jurídica deve partir do reconhecimento de sua

imersão no universo axiológico da sociedade que ele representa e, ao mesmo

tempo, reconhecer que não tem natureza e objetivo puramente técnico. Para que tal

escopo seja atingido, Antonio Carlos Marcato aduz que

Tornou-se então inevitável a revisão do sistema jurídico-processual, com a mudança da perspectiva de seus escopos e a criação de novas técnicas para tanto eficientes, dando vida às denominadas ondas renovatórias, movimentos direcionados ao acesso efetivo à justiça e caracterizados, cronologicamente, pela assistência judiciária aos necessitados, pela representação dos interesses supra-individuais, pela necessidade de reformas estruturais, orgânicas e funcionais no conjunto geral de instituições judiciárias, nos mecanismos idôneos à obtenção de provimentos jurisdicionais e no direito material, culminando, agora, com os

33 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo. Disponível em: <ww.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 01/05/2006.

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Page 37: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

37

esforços de implementação de técnicas e instrumentos adequados à obtenção de tutela jurisdicional efetiva.

34.

Assim, o processualista moderno deve pensar na instrumentalidade como

núcleo e síntese dos movimentos de aprimoramento do sistema processual, pois,

como adverte Dinamarco, “é indispensável que também o intérprete fique imbuído

desse novo método de pensamento e sejam os juízes capazes de dar ao seu

instrumento de trabalho a dimensão que os tempos exigem”. 35

Críticos não faltam à tese de que o processualista moderno deve ter como

núcleo de seu pensamento a instrumentalidade, que deve ser o norte para a busca

de aprimoramento do sistema processual. Como exemplo cita-se Calmon De

Passos, para quem:

Um desses frutos perversos, ou peçonhentos gerados pela "instrumentalidade" foi a quebra do equilíbrio processual que as recentes reformas ocasionaram. Hipertrofiaram o papel do juiz, precisamente o detentor de poder na relação processual, portanto, o que é potencialmente melhor aparelhado para oprimir e desestruturar expectativas socialmente formalizadas em termos de segurança do agir humano e previsibilidade de suas conseqüências. Privilegiaram, de outra parte, o autor, justamente aquele a quem cabe o dever ético e político de comprovar o inelutável da sujeição do outro à sua pretensão. Numa total inversão de valores, tem-se como "dado" o que jamais pode ser entendido nesses termos antes de comunicativa e intersubjetivamente produzido. Esses erros levaram a que as reformas, em lugar de resolverem a crise da Justiça, agravassem-na e o fizessem progressivamente, até atingir o intolerável, que determinará o indesejável – a implosão, quando se queria e se necessitava apenas de reformulação.

36

Com a devida vênia da abalizada visão do citado doutrinador, a postura

metodológica que se denomina direito processual constitucional constitui importante

instrumento de aprimoramento do sistema processual; a idéia síntese dessa visão

34

MARCATO, Antonio Carlos. Considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada. Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br/Doutrina>. Acessado em 01/05/2006. 35 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12 ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 25. 36 PASSOS, J. J Calmon de. Instrumentalidade do processo e devido processo legal. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil – Nº 7 – Set-Out/2000 – Doutrina, p. 14

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Page 38: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

38

metodológica consiste na concretização dos valores assegurados na Constituição,

pois, conforme ensina Dinamarco, “a tutela constitucional do processo tem o

significado e o escopo de assegurar a conformação dos institutos do direito

processual e seu funcionamento aos princípios que descendem da própria ordem

constitucional”. 37.

Fala-se em jurisdição constitucional, ou seja, o processo como instrumento a

serviço da ordem constitucional. Assim, além dos mecanismos destinados ao

controle da constitucionalidade das leis, alguns países também se preocuparam com

a criação de tutelas jurisdicionais diferenciadas e fortes para a proteção de certos

direitos, especialmente aqueles fundamentais para a pessoa humana. De acordo

com Leonardo Greco

Foram a constitucionalização e a internacionalização dos direitos fundamentais, particularmente desenvolvidas na jurisprudência dos tribunais constitucionais e das instâncias supra-nacionais de Direitos Humanos, como a Corte Européia de Direitos Humanos, que revelaram o conteúdo da tutela jurisdicional efetiva como direito fundamental, minudenciado em uma série de regras mínimas a que se convencionou chamar de garantias fundamentais do processo, universalmente acolhidas em todos os países que instituem a dignidade da pessoa humana como um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

38.

Streck, analisando o papel da jurisdição constitucional na realização dos

direitos sociais fundamentais, mormente no que tange ao papel do Judiciário na

realização e efetivação desses direitos, afirma que o simples fato de tal assunto

ainda ser objeto de debates redunda da dedução de que há uma inefetividade

constitucional e, sendo assim,

37 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12 ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p, p. 27.

38 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo. Disponível em:<

www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 01/05/2006.

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Page 39: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

39

[...] em havendo inércia dos Poderes Públicos na realização/ implementação de políticas públicas para a efetivação dos direitos sociais-fundamentais assegurados pela Lei Maior, é possível (e necessária) a intervenção da Justiça Constitucional. 39.

Ainda de acordo com o citado autor, com o surgimento do Estado

Democrático de Direito, superando o Estado Liberal burguês, foi engendrada uma

nova legitimidade constitucional, da qual emerge o Direito como instrumento de

transformação social, principalmente diante da crise do modelo social que coloca em

risco a realização dos direitos sociais fundamentais.

Para tanto, o direito de ação deve ser pensado como direito fundamental à

efetividade da tutela jurisdicional. Assim, o legislador tem a obrigação de traçar

técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos.

Também a concepção do direito à ação como direito fundamental deve servir

de valor ou de norte para a atuação do Juiz diante do caso concreto e das

necessidades do direito material. Viana assevera que “é justamente no âmbito da

atuação jurisdicional onde, nitidamente, destaca-se essa qualidade especial dos

direitos fundamentais.” 40

Nesse sentido, deve o magistrado buscar na norma processual a técnica que

se mostre mais apta e idônea para outorgar a máxima efetividade à tutela

jurisdicional pleiteada. Isto permite o alargamento do campo de proteção processual,

de modo a atender a todas as situações carecedoras de tutelas jurisdicionais. De

acordo com as conclusões de Marcato

39 STRECK, Lenio Luiz. O papel da jurisdição constitucional na realização dos direitos sociais-fundamentais. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 170.

40 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São Paulo:

Dialéitica, 2003, p. 224.

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Page 40: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

40

Decorre, do exposto, a necessidade (não apenas jurídica, mas sobretudo de pacificação de conflitos) de o Estado-juiz conceder ao interessado uma tutela jurisdicional efetiva, até porque, vedando ele a realização da justiça pelo particular e assumindo, correlatamente, o poder-dever de prestá-la através do devido processo legal, de modo algum se justifica, principalmente sob o ponto de vista do destinatário da tutela, um resultado que não atenda ao seu reclamo - abstraídas, evidentemente, circunstâncias alheias ao processo, como, por exemplo, a insolvência do devedor diante de uma sentença de condenação. Se é certo que todos têm o direito de propor demandas (correspondente ao direito de acesso à jurisdição) e, ainda, que somente têm direito à obtenção do provimento jurisdicional se e quando preenchidas as condições da ação (direito instrumental de ação), mais certo, ainda, é que o direito à tutela jurisdicional efetiva só o têm aqueles que estejam efetivamente amparados no plano do direito material. 41

Mais uma vez cumpre ressaltar as críticas de Calmon de Passos à tese da

instrumentalidade e efetividade do processo. Assim leciona o professor de Minas

Gerais:

Associando efetividade da tutela jurídica a efetividade do que for decidido na sentença, estamos incidindo no grave erro de perspectiva denunciado por HANNAH ARENDT, buscando emprestar significância ao que apenas é útil e de utilidade, vale enfatizar, só referível ao poder, jamais reportável ao usuário, mesmo quando este, ocasional e indiretamente, venha a obter alguma vantagem material daquele ato de poder. Se desejamos restabelecer a dimensão humanística filosoficamente adequada para nosso pensamento e a dimensão democrática politicamente correta para nossa convivência, teremos que direcionar a reflexão para o em nome de quê se deve postular a efetividade da tutela, antes de equipará-la à efetividade da decisão do magistrado. Se assim o fizermos, observaremos quanto é equivocado e socialmente perigoso deslocar-se o enfoque para o produto – o para quê (a sentença) – quando o social e politicamente relevante, humanística e democraticamente, é o em nome de quê se postula essa efetividade, vale dizer, a garantia de que já não mais nos submetemos a homens, sim a normas. Se afirmarmos que todo ato de poder traz em si, necessariamente, a exigência de sua efetividade, nosso discurso versará sobre o despotismo, não sobre algo compatível com cidadania, essencial a toda organização política democrática.

42.

Todavia, não obstante a autoridade dos argumentos expendidos pelo citado

doutrinador, não se pode olvidar de que além da relação entre as necessidades do

direito material as técnicas processuais a proteção dos direitos, é preciso pensar o

41

MARCATO, Antonio Carlos. Considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada. Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br/Doutrina>. Acessado em 01/05/2006. 42 PASSOS, J. J Calmon de. Cidadania e efetividade do processo. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil – Nº 1 – Set-Out/1999 – Doutrina, p. 32.

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Page 41: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

41

processo à luz dos direitos materiais fundamentais, como os direitos do consumidor,

o direito ambiental e o direito à saúde. Cita-se a lição resumida, porém

esclarecedora, de Barbosa Moreira:

Efetividade do processo é expressão que, superando as objeções de alguns, se tem largamente difundido nos últimos anos. Querer que o processo seja efetivo é querer que desempenhe com eficiência o papel que lhe compete na economia do ordenamento jurídico. Visto que esse papel é instrumental em relação ao direito substantivo, também se costuma falar da instrumentalidade do processo. Uma noção conecta-se com a outra e por assim dizer a implica. Qualquer instrumento será bom na medida em que sirva de modo prestimoso à consecução dos fins da obra a que se ordena; em outras palavras, na medida em que seja efetivo. Vale dizer: será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material. .

43

As premissas acima, além de incidirem em face do legislador, exigem do

judiciário a prestação da adequada tutela Jurisdicional. Como advertiu o Ministro

Carlos Velloso, então na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF):

Cedo, muito cedo, perceberam os homens que não bastam as "Declarações". A existência de mecanismos que tornem efetivos os direitos declarados, assim tornando realidade a limitação do poder, foi bem cedo considerada necessária. Surgiu, então, a idéia das garantias de direito, que consubstanciariam remédios contra a violação destes. Também compreenderam os homens que a garantia maior dos direitos viria mediante a atuação do Judiciário, com a criação de medidas judiciais. 44.

O processo, para atingir os seus escopos de tutela efetiva dos direitos, deve

predispor de meios para a obtenção dos resultados almejados, ou seja, deve ser

dotado de instrumentos para a consecução dos objetivos a serem atuados. Nisso

consiste o que se denomina, no direito processual moderno, de “técnicas

processuais”. Daí a afirmação de Marcato, no sentido de que há

[...] necessidade de adoção de técnicas adequadas à obtenção de tutelas jurisdicionais diferenciadas, que levam em conta a efetividade do resultado

43 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Por um processo socialmente efetivo. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil – Nº 11 – Mai-Jun/2001 – Doutrina, p. 05.

44 VELLOSO, Carlos Mario da Silva. Judiciário, fortaleza dos direitos. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil – Nº 8 – nov-dez/2002 – Estudos Jurídicos, p. 128.

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Page 42: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

42

desejado pela parte e os instrumentos para tanto necessários, na medida em que a coincidência do resultado de um trabalho com o propósito para o qual foi desenvolvido depende sempre da adequação dos meios ao fim. Afinal, se o bom senso indica a diversidade de objetivos a serem alcançados pela prestação jurisdicional, esta, tanto quanto os instrumentos necessários à sua concretização, não podem ser unitários. 45.

Não se pode olvidar de que a visão puramente técnica do processo se

encontra superada na processualística moderna, haja vista que os escopos do

processo não podem mais estar dissociados dos valores sociais e políticos adotados

pela sociedade, de modo que a técnica processual deve ser norteada, também, por

esta visão. Dinamarco aduz que “quando os tribunais interpretam a Constituição ou

a Lei, eles somente canalizam a vontade dominante, ou seja, a síntese das opções

axiológicas da nação.” 46. Nesse sentido, afirma o citado autor: “é conciliar o

aspecto instrumental do processo, que é realidade Ética porque permeado dos

valores substanciais eleitos pela nação, com a necessidade de operacionalizar

meios para a consecução do que se deseja”. 47.

A técnica processual vai sendo desenvolvida no sentido de adaptar-se

às novas exigências sociais e aos novos direitos, atuando sobre o direito processual

e lhe cobrando o compromisso que deve cumprir perante a sociedade onde está

inserido. A tendência metodológica do direito processual civil moderno é de busca

incessante pela efetividade do processo, que deve ser apto para cumprir

integralmente a sua função.

45 MARCATO, Antonio Carlos. Considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada. Disponível

em <http://www.mundojuridico.adv.br/Doutrina>. Acessado em 01/05/2006

46 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12 ed., São Paulo: Malheiros,

2005, p. 48

47 Ibid., p. 275.

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Page 43: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

43

É preciso implantar novo método de pensamento, ou, mais precisamente,

uma mudança de mentalidade, abrindo os olhos para a realidade da vida

extraprocessual, pois, como assevera Dinamarco

É imprescindível que o sistema esteja preparado para produzir decisões capazes de propiciar a tutela mais ampla possível aos titulares de direitos reconhecidos pelo juiz [...] Onde for possível produzir precisamente a mesma situação que existiria se a lei não fosse descumprida, que sejam proferidas decisões nesse sentido e não outras meramente paliativas. 48.

Ocorre que não é mais possível pensar no sistema processual estruturado

independente do direito substancial, uma vez que o processo deve servir à efetiva

tutela dos direitos. Marinoni afirma que “o processo deve ser estruturado de acordo

com as necessidades do direito material, além de ser compreendido pelo Juiz, como

instrumento capaz de proteção às situações carentes de tutela” 49 ,pois conforme

continua citado Autor [...] “diante da integração direito material-processo, as

necessidades do primeiro devem conduzir a interpretações que abram

oportunidades para a máxima efetividade do segundo” [...]. 50.

Isto significa que o processo precisa ser empreendido a partir do

conhecimento das necessidades do direito material, no sentido de que estes direitos

sejam efetivamente protegidos.

Para tanto, o direito de ação deve ser pensado como direito fundamental à

efetividade da tutela jurisdicional, de modo que o legislador tem a obrigação de

traçar técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos.

48 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12 ed., São Paulo: Malheiros,

2005, p 365.

49 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 28.

50 Ibid., p.29.

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Page 44: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

44

Também a concepção do direito à ação como direito fundamental deve servir

de valor ou de morte para a atuação do Juiz diante do caso concreto e das

necessidades do direito material. Nesse sentido, deve o magistrado buscar na norma

processual a técnica processual apta e idônea a outorgar máxima efetividade à

tutela jurisdicional pleiteada. Isto permite o alargamento do campo de proteção

processual, de modo a atender a todas as situações carecedoras de tutelas

jurisdicionais.

Nesse sentido, os artigos 461 do CPC e 84 do CDC instituem verdadeiras

‘cláusulas gerais’ destinadas a definir a medida adequada e necessária ao caro

concreto, portas à disposição do Juiz, como forma de lhes outorgar parcela de poder

que lhes permitam estabelecer a tutela adequada diante do caso concreto. Marinoni

adverte que se o legislador eventualmente se esquecer de prever a técnica

processual adequada [...] “o juiz tem o dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva...

ao considerar as necessidades de tutela dos direitos.[..].” 51.

Sendo assim, se ao analisar o caso concreto a conclusão for no sentido de

que a técnica processual posta pelo direito processual não se a figura como a mais

adequada, deverá demonstrar que existem técnicas processuais realmente efetivas

à outorga de tutela dos direitos.

Não é mais possível pensar no processo e nos poderes do juiz de acordo com

a concepção do Estado Liberal Clássico, o qual foi marcado por uma rígida

delimitação dos poderes de intervenção na esfera jurídica privada, onde o

magistrado estava vinculado exclusivamente ao texto exato da lei. De acordo com tal

concepção, Marinoni afirma que

51

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 33.

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Page 45: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

45

[...] o Estado Liberal não se preocupava em proteger os menos favorecidos e em promover políticas públicas para uma organização comunitária mais justa, mas apenas em manter em funcionamento os mecanismos de mercado, sem qualquer preocupação com as diferenças sociais, qualquer interferência do Estado junto aos particulares era vista como uma intromissão indevida. 52.

Assim, devido à restrição dos poderes do judiciário, o juiz apenas proclama os

direitos, mas fica impedido de exercer o império necessário para dar efetividade às

decisões judiciais. Também como decorrência de tal doutrina, ficava impedida ou

proibida a tutela fundada em juízo de verossimilhança, em nome da liberdade dos

cidadãos e da segurança jurídica. O direito no Estado Liberal deveria interferir o

mínimo possível na esfera dos particulares.

Porém, a transformação da sociedade e do próprio estado (agora democrático

e social) fez emergir os direitos fundamentais às prestações sociais, à proteção e à

participação, assumindo relevo a necessidade de estruturação de técnicas

processuais idôneas e efetivas à tutela dos novos direitos. Nesse sentido, destaca-

se a importância da tutela específica, como meio de dar aos cidadãos o que

efetivamente lhe é proporcionado pelo direito material, mormente quando a sentença

condenatória não é suficiente para a guarda dos novos direitos.

Ademais disso, também existe o dever de proteção contra condutas contrárias

ao direito e lesivas de determinados bens e situações. Assim são as normas de

proteção à saúde e ao consumidor.

No caso específico do Brasil, não se pode olvidar de que o Estado Brasileiro

tem o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República,

garantindo ainda a inviabilidade dos direitos da personalidade e o direito de acesso à

52 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 41.

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Page 46: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

46

justiça. Daí ser imprescindível a estruturação de formas ou técnicas processuais que

possam garantir a eficácia dos direitos não patrimoniais, pois, conforme ensina

Marinoni, “o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva- garantindo pelo art. 5º,

XXXV, da CF – obviamente corresponde, no caso de direito não patrimonial, ao

direito a uma tutela capaz de impedir a violação do direito.” 53.

Àqueles que se opõe às teses transformadoras, nunca é demais lembrar que

se até mesmo a propriedade conta com técnicas processuais idôneas e efetivas para

a sua proteção, não haveria qualquer sentido negar igual formatos aos direitos da

personalidade.

Aliás, a mudança do perfil do Estado Liberal Clássico para Estado Social

Democrático de Direito, deve refletir na predisposição de tutelas jurisdicionais

adequadas e, sobretudo, na mentalidade dos processualistas e dos operadores do

direito, no sentido de que o processo moderno deve pensado e interpretado à luz de

valores ínsitos na Constituição.

Sendo assim, o Estado tem o poder-dever de dar proteção aos direitos,

predispondo de procedimentos processuais capaz de efetivá-los, mesmo perante o

próprio Estado, como acontece com o mandado de segurança, mas também contra

atos de particulares. Neste caso, é necessária a existência de procedimentos que

tenham a mesma eficácia do mandado de segurança, pois o Estado tem o dever de

dotar o particular de instrumentos processuais idôneos e efetivos contra todos.

Marinoni esclarece que

[...] não é necessário dizer que o mandado de segurança compreendido como direito-garantia previsto na Constituição, deva ser estendido aos particulares. Basta afirmar que o particular deve ter à sua disposição, para usar contra o particular, em procedimento da espécie daquele desenhado

53 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 82.

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Page 47: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

47

na lei do mandado de segurança, sob pena de não existir procedimento efetivo contra o particular ou de se concluir que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva somente incide em relação aos Estado, e não diante dos particulares. 54.

A transformação do Estado e a evolução das necessidades sociais

culminaram com a consciência de que determinados bens são fundamentais para

uma adequada organização social. Nesse sentido, a existência de Técnicas

processuais efetivas é imprescindível para a adequada proteção destes direitos,

De modo que a resposta do juiz não é apenas uma forma de dar proteção aos direitos fundamentais, mas sim uma maneira de se conferir tutela efetiva a toda e qualquer situação de direito substancial, inclusive os direitos fundamentais que não requerem proteção, mas somente prestações fáticos do Estado (Prestações em sentido estrito ou prestações sociais). 55.

A necessidade de tutela jurisdicional adequada para a proteção dos direitos

não patrimoniais, especialmente aqueles que exigem a conduta de fazer ou de não-

fazer, ou seja, que visam à realização do direito por meio da atuação sobre a

vontade do devedor, fez surgir a tutela mandamental. Para tanto, as sentenças

mandamentais vieram conjugadas com a técnica coercitiva da multa, a qual implicou

na quebra da regra, oriunda do Estado Liberal Clássico, de que o Judiciário não

poderia exercer poder de imperium.

Em se tratando de obrigações de fazer, a tutela específica constitui afirmação

da autoridade do próprio ordenamento jurídico-material, uma vez que conduz à

satisfação pela obtenção do próprio bem devido ou outro equivalente.

Não se pode imaginar o direito à tutela jurisdicional como simples direito de

ação, sem a coexistência de técnicas processuais e de procedimentos que sejam

54 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 87.

55 Ibid., p. 187

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Page 48: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

48

efetivos para a proteção e promoção do direito material reclamado, sob pena de

ofensa ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.

Ademais, a tutela jurisdicional efetiva deve ser pensada de acordo com a

realidade social, considerando as desigualdades dos sujeitos da relação jurídica,

uma vez aqueles que merecem técnicas ou procedimentos processuais

diferenciados são exatamente aqueles que possuem dificuldade de enfrentar as

dificuldades dos procedimentos comuns.

Também não se pode olvidar de que existem diferentes situações de direito

substancial, carecedoras de proteção jurisdicional, que necessitam de técnica

processuais diferenciadas.

A suposição de que um único procedimento poderia atender a todos, independentemente das suas diferenças, para que então fosse possível uma melhor sistematização técnica e teórica, implica em uma absurda superposição da teoria sobre as necessidades concretas dos homens, e assim – na melhor das hipóteses – pode ser vista como um desejo egoísta. 56

.

Outrossim, não obstante a tutela ao bem da vida procurado pelo autor de uma

demanda judicial ser, geralmente, concedida somente ao final do procedimento, não

se pode esquecer que o jurisdicionado tem direito à tutela antecipatória que, quando

cabível, deve ser efetiva.

Como não tem sentido falar em direito sem pensar em meios processuais

adequados para a sua efetivação, ganha importância os provimentos mandamentais,

os quais conferem maior extensão e potencialidade de efetivação da tutela

jurisdicional, haja vista que o direito de ação significa o direito à efetivação concreta

da tutela buscada. É o caso, no direito brasileiro, dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC,

56 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 196.

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Page 49: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

49

os quais conferem ao juiz o poder e os mecanismos necessários para a utilização no

caso concreto, capazes de atender ao direito à tutela jurisdicional.

A plasticidade desses procedimentos, bem como a possibilidade da concessão de provimento (ou meio executivo) diverso da solicitado e da imposição de meio executivo diferente daquele que não conduziu ao resultado objetivado, deve ser compreendida a partir da necessidade de se conferir ao juiz poder suficiente à efetivação da tutela jurisdicional.

57.

A escolha dos provimentos ou dos meios executivos vai depender da

adequação e da idoneidade para a efetividade do direito, não se olvidando de que,

sempre que possível, o meio escolhido deve ser o menos grave possível para o

demandado, ou seja, a execução precisa estar adequada ao caso concreto. Como

bem pondera Marcelo Lima Guerra “o juiz tem o poder-dever de, mesmo e

principalmente no silêncio da lei, determinar as medidas que se revelem necessárias

para melhor atender aos direitos fundamentais envolvidos na causa, a ela submetida

[...].” 58.

Isso significa dizer que a técnica processual é imprescindível para a

efetividade da tutela dos direitos, e mesmo quando a técnica positivada não se

mostrar idônea diante do caso concreto, é preciso que o juiz dê à técnica processual

a interpretação que garanta a máxima efetividade à tutela jurisdicional, partindo do

pressuposto de que o objeto a ser tutelado está diretamente vinculado com a

realidade social.

Neste caso, vale lembrar que a melhor interpretação deve partir dos princípios

a serem considerados em face do caso concreto. “Quando há colisão de princípios,

um deve ceder diante do outro, conforme as circunstâncias do caso concreto”. [...]

57

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 211. 58 GUERRA, Apud MARINONI, op. cit., p.217

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Page 50: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

50

“Esse juízo, pertinente ao peso dos princípios, é um juízo de ponderação, que assim

permite que os direitos fundamentais tenham efetividade diante de qualquer caso

concreto, considerando os princípios que como eles possam colidir.” 59.

Assim, considerando que os direitos fundamentais têm natureza de princípios,

é válido afirmar que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, assim como

os demais direitos fundamentais, são princípios que constituem verdadeiros

mandados de otimização que deve ser realizado diante do caso concreto,

dependendo apenas da harmonização com outros princípios colidentes; constitui

dever do juiz conformar o procedimento adequado ao caso concreto, fazendo uso da

técnica processual capaz da garantir à efetividade à tutela do direito.

Para tanto, e para se chegar à técnica processual adequada à situação

concreta, além de partir da premissa do direito fundamental como princípio, mister se

faz considerar previamente as necessidades concretas das partes e a tutela

prometida pelo direito material. Diante do caso concreto, se o juiz chegar à

conclusão de que a técnica ou regra processual, ou mesmo a omissão legislativa,

impedir a concretização da tutela judicial, mister se faz que ele (magistrado)

interprete o sistema processual à luz dos princípios constitucionais visando tutelar

efetivamente direito material reclamado. Novamente mister trazer à colação o

ensinamento de Marinoni:

“Na hipótese que o Estado se omite em editar técnica processual adequada à efetiva prestação da tutela jurisdicional, o juiz deve justificar que a sua aplicação é necessário em face da necessidade, do direito material (das tutelas que devem ser prestadas para que ocorra a efetividade do direito). Partindo da premissa de que não há dúvida de que o juiz deve prestar a

59

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004., p. 266-227.

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Page 51: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

51

tutela efetiva, é fácil justificar, em conformidade com a constituição, que determinada técnica é imprescindível à tutela da situação concreta.

60.

A outorga de poder para que o juiz possa conceder tutela antecipada no

processo de conhecimento, em como para que possa determinar as medidas

executivas necessárias e adequadas diante do caso concreto, apontam para a idéia

de que a tipificação legal das técnicas processuais pode não ser a melhor solução

para a prestação jurisdicional. Este é o fundamento das previsões dos arts. 273,

461,461-A do CPC e 84 do CDC, que se constituem em ferramentas adequadas

para que o juiz cumpra com o seu material prometido pelo legislador. Cabe ao

magistrado proceder à adequação da técnica processual diante das necessidades

do direito substantivo e do caso concreto.

Assim, qualquer que seja a situação concreta, o juiz não pode se esquivar do seu dever de determinar o meio executivo adequado, cruzando os braços diante da omissão legislativa ou de falta de clareza da lei, como se o dever de prestar a tutela jurisdicional não fosse seu, mas estivesse na exclusiva dependência do legislador. 61.

Como se pôde ver, o sistema processual tradicional, engendrado sob a ótica

do Estado Liberal, não é suficiente para dar efetiva proteção aos novos direitos,

especialmente àqueles direitos de cunho não patrimonial, sociais e fundamentais,

para os quais o tradicional processo de conhecimento, ordinário, não se mostra mais

adequado. Destarte, a nova mentalidade dos processualistas modernos vem

resultando na busca de aprimoramento do sistema processual, buscando a

idealização de técnicas processuais que sejam realmente idôneas para a tutela dos

direitos, como é caso, no Brasil, das reformas implementadas a partir de 1994,

60

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 233

61 Ibid., p. 235.

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Page 52: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

52

especialmente as tutelas específicas dos artigos 461 e 461-A, do CPC, juntamente

com o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor.

3.1 Processo e tutelas específicas dos direitos

Para a tutela dos direitos de caráter não patrimonial, onde é relevante a

proteção das necessidades básicas inerentes à dignidade da pessoa humana, como,

por exemplo, a proteção do consumidor usuário de planos de saúde diante de

cláusulas contratuais abusivas de cujo conteúdo ele não participou; ou mesmo do

cidadão diante da inércia ou da negativa do Estado em tornar efetiva a prestação

social material prometida, é importante que o sistema processual disponha de tutela

jurisdicional específica, que pode ter função preventiva ou repressiva.

Destarte, sendo o processo instrumento da jurisdição, toda a atividade estatal

no que diz com a prestação jurisdicional deve ser orientada no sentido de se obter o

máximo de resultado com o menor custo. Daí ser o processo dominado pelo

princípio da efetividade, ou seja, o processo deve ser apto para criar soluções e

estar adequado à realidade social na qual ele será aplicado.

Nesse sentido, o rito ordinário não atenderia ao princípio da efetividade se

não dispusesse, por exemplo, de técnicas antecipatórias quando a parte carente de

tutela jurídica propor demanda fundada numa alegação verossímel e com risco de

dano iminente ou de difícil reparação, ou ainda num relevante fundamento. Daí a

importância das tutelas de urgência. Nesse sentido leciona Carreira Alvim:

O princípio do acesso à justiça dá também o tom das tutelas de urgência, em particular das consagradas nos arts 273, 461 e 461-A do CPC, porquanto não antecipar um provimento tutelar indispensável ao direito da

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Page 53: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

53

parte é o mesmo que obstaculizar-lhe o acesso à justiça, ou não lhe proporcionar o adequado acesso.

62.

Isto porque o processo deve ser suficientemente útil no sentido de conferir ao

jurisdicionado aquilo que lhe é prometido pelo direito, independente do apego

excessivo as peculiaridade do caso concreto, ou seja, a decisão judicial é o elo entre

o conteúdo jurídico e o mundo dos fatos, sendo capaz de propiciar a entrega do bem

da vida reclamado. No mesmo sentido, Deilton Ribeiro Brasil :

“O devido processo legal, assegurado como instrumento indispensável à composição dos litígios em juízo, não é visto apenas como uma simples forma de obter o provimento judicial.Somente entende como tal aquele que se organize e se desenvolva de maneira a cumprir a tarefa que lhe foi reservada, ou seja, a de proteger o direito subjetivo individual de qualquer lesão ou ameaça” 63 .

Ocorre que o processo, em seu atual estágio de evolução, além de sua

natureza jurídica se apresenta como meio de pacificação social e, nesse sentido,

também deve ser preocupado com a questão de tempo, procurando compatibilizar-

se com uma justiça mais célere e justa, na medida do possível. De acordo com

Marcelo Lima Guerra

Em primeiro lugar, observa-se que, na sociedade contemporânea, a multiplicação das formas de prestações de serviços, fruto da revolução tecnológica operada a partir do pós-guerra, levou a que fosse quebrada a secular hegemonia das obrigações de prestação de coisa, mantida ainda nas codificações modernas, assumindo um papel proeminente a disciplina jurídica das obrigações de prestação de fato.

Por outro lado, têm crescido, igualmente, o reconhecimento e a proteção aos chamados “novos direitos”, isto é, situações não enquadráveis no clássico catálogo de direitos subjetivos[3]. Esses novos direitos, apesar de bastante diversificados, apresentam importantes características comuns, a saber:

a) o conteúdo desses direitos corresponde, freqüentemente, a prestações de fazer e de não fazer de trato sucessivo, isto é, que se realizam continuamente através de um período de tempo mais ou menos longo;

b) a violação deles conduz, quase sempre, a uma lesão irreparável (ou de difícil reparação);

62 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 5.

63 Brasil, Deilton Ribeiro. Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Belo Horizonte:

Del Rey. 2003, p. 20,

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54

c) revela-se totalmente inadequada, para a proteção de tais direitos, a chamada tutela ressarcitória, genérica ou por equivalente, que consiste, como se sabe, na condenação ao pagamento de determinada quantia em dinheiro, ou seja, equivalente pecuniário da prestação inadimplida.

Compreende-se, assim, que esteja adquirindo uma relevância sempre maior a problemática da tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer, isto é, da satisfação in natura dessas obrigações, quando não cumpridas pelo devedor. Não é mais admissível que, na ausência de realização espontânea dessas obrigações, a única tutela concretamente viável no ordenamento jurídico seja a condenação do devedor ao pagamento de uma soma em dinheiro, equivalente pecuniário da obrigação inadimplida (tutela ressarcitória, genérica, ou por equivalente).

64.

Partindo da ótica chiovendiana de que o processo deve dar a cada um precisa

e exatamente a aquilo que lhe é de direito, pode-se afirmar que a tutela do artigo

461 do CPC deve ser analisada sob essa ótica, pois confere ao credor à

possibilidade de obter a tutela específica do seu direito. Viana, discorrendo sobre o

assunto, assevera que

À luz de tal entendimento é possível definir tutela específica como um conjunto de remédios e providências que visam dar especificamente aquilo que a parte tem direito, conjunto de providências que visam proporcionar o preciso resultado prático atingível por meio do adimplemento, isto é, a não violação do direito ou do interesse tutelado.

65.

Do ponto de vista histórico e na perspectiva do direito romano, não se

concebia a execução destinada à entrega coisa certa ou a prestação de fazer e não

fazer, mas apenas era proporcionada, ao credor, a conversão em pecúnia.

No entanto, a situação evoluiu e no próprio direito romano, no período

conhecido como direito justianeu, derradeiro período jurídico do direito de Roma,

surgiu a execução pela forma específica ou in natura. Na idade média houve

64 GUERRA, Marcelo Lima. Inovações na execução direta das obrigações de fazer e não fazer. Disponível em <www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 01/02006.

65 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São Paulo:

Dialética, 2003, p. 248.

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55

retrocesso, com a admissão da execução pessoal mediante aprisionamento do

devedor. Teodoro Júnior, assevera que

Na plenitude do liberalismo, então, não havia lugar, em princípio, para a execução específica das prestações de fazer e não fazer. Por ser intocável o devedor em sua liberdade pessoal, uma vez recalcitrasse em não cumprir esse tipo de obrigação, outro caminho não restava ao credor senão conformar-se com as perdas e danos. Teria de apelar para a execução substitutiva ou indireta. 66.

Modernamente, ainda sem o alcance que tem no direito atual, a tutela

específica tem origem no antigo direito português.

No Brasil, a tutela específica surgiu, de maneira acanhada, no CPC de 1939,

no que tange a obras ou serviços que podem ser executados por terceiros (art.

1000) e condenação a emitir declaração de vontade (art. 1006). Tal orientação

predominou também no código de 1973, nos arts. 632, 633, 639,641 e 642.

Sobreveio alteração substancial, no que tange às obrigações de fazer ou de não-

fazer, com a reforma introduzida, no art. 461 do CPC, pela Lei 8.952/94, pela qual

novos poderes foram concedidos ao juiz para conceder tutela específica.

Posteriormente, e tutela específica também foi estendida às ações que tenham por

objeto às obrigações de entregar coisa certa, por conta da introduzida, pela lei

10.444/02, do artigo 461-A ao CPC.

A adoção da Tutela Específica na Reforma Processual de 1994 veio suprir,

em parte, a ineficácia jurisdicional, na medida em que tal tutela busca dar ao cidadão

aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-

abstrato da norma e inserindo-o especificadamente ao caso concreto; a tutela

66 TEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Jus Navigandi, n.56. Disponível em: http://www1.jus.com.br/. Acesso em: 23 de jun. de 2004 [capturado].

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56

específica garante a mesma coisa que seria obtida pelo adimplemento voluntário,

enfatizando o cunho da substitutividade processual em função do cumprimento da

obrigação in natura. Assim, assegura a prestação judicial em sua integralidade e não

apenas parte dela, que seria prestada em caso de conversão pecuniária de perdas e

danos.

Entre as técnicas de tutelas específicas dos direitos, especialmente daqueles

de cunho não patrimonial, se destacam a tutela inibitória e a tutela de remoção do

ilícito, ambas de natureza mandamental e que possibilitam a antecipação de tutela.

A tutela inibitória é de ação de conhecimento de natureza preventiva, que tem

a função de impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito. Marinoni

ensina que

A ação inibitória se funda no próprio direito material. Se várias situações de direito substancial, diante de sua natureza,são absolutamente invioláveis, é evidente a necessidade de admitir uma ação de conhecimento preventiva. Do contrário, as normas que proclamam direitos, ou objetivar proteger bens fundamentais, não teriam qualquer significação prática, pois poderiam ser violadas a qualquer momento, restando somente o ressarcimento do dano. 67.

A tutela inibitória, como corolário de novo perfil do Estado Democrático e

Social de Direito, serve às novas situações de direito material, especialmente

àqueles de conteúdo não patrimonial, no sentido de conferir verdadeira tutela

preventiva à estes direitos.

A ação inibitória nem mesmo sequer a probabilidade de dano, bastando a

simples probabilidade de ocorrência de ato contrário ao direito, pois se há um direito

que exclui um fazer ou uma norma definindo algo que deve ser feito, a simples

67

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 253.

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possibilidade da prática de ato contrário a estes direitos, é suficiente para a tutela

inibitória.

O grande problema atinente à tutela inibitória é a questão da prova da

ameaça. Quando se trata de ilícito já praticado fica mais fácil demonstrar que outro

ilícito poderá ser praticado ou mesmo que o ilícito praticado tenha continuidade. De

qualquer forma, a dificuldade da prova não pode obstaculizar a ação inibitória.

Vale consignar que a ação inibitória não tem como objeto apenas impor uma

abstenção ou um não praticar um ato contrário ao direito, mas também visa a evitar

o ilícito seja ele comissivo ou omissivo. Assim, por meio da tutela inibitória tanto é

possível exigir uma abstenção (não-fazer), como uma ação positiva (fazer).

Também não se pode esquecer que se existe uma norma que define um

dever de prestação fática ao Estado, principalmente quando se trata de direitos

fundamentais que exigem prestações materiais, estes gêneros de direitos estão

incluídos nos direitos à proteção. Nesse sentido, a ação processual deve evitar que

a omissão ilícita do Estado ao seu dever de fazer, isto é, de assegurar a prestação

material fática, se perpetue como fonte de danos. Assim, de acordo com Marinoni

[...], as costumeiras alegações de conveniência e oportunidade são mais do que descabidas, e a mera afirmação de indisponibilidade orçamentária não pode desonerar o Estado do seu dever, sob pena de admitir que ele pode entender que não deve dispor de dinheiro para evitar a degradação de um direito afirmado inviolável pela própria Constituição Federal.

68.

A tutela de remoção do ilícito tem por direito a remoção dos efeitos de uma

ação ilícita já praticada, uma vez que existem certos ilícitos cujos efeitos se

propagam no tempo produzindo ou podendo produzir danos. Sendo assim, não seria

68

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 267.

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correto pensar que nestes casos somente seria cabível ação ressarcitória ou de

reparação de danos. Segundo Marinoni, “a ação de remoção do ilícito,como já

adiantado, não se dirige contra um agir continuado, mas sim contra uma ação que se

exauriu enquanto agir, mas cujos efeitos ainda se propagam no tempo.” 69.

Deve ser consignado que apenas quando o ilícito se prolonga no tempo e traz

probabilidade de produção de dano é que há interesse de se utilizar tutela de

remoção. Isto porque o ilícito não se confunde com o dano, pois constitui degraus no

caminho que pode gerá-lo. A remoção do ilícito é a supressão da causa do eventual

dano.

Outrossim, conforme afirmado, considerando a natureza e a finalidade das

ações inibitórias e de remoção do ilícito, é imprescindível a existência da técnica

antecipatória para a estruturação de um procedimento que seja efetivamente idôneo

à tutela do direito, inibindo ou removendo o ato ilícito.

Nesse sentido os arts. 461 do CPC e 84 do CDC permitem ao juiz conceder a

tutela liminarmente ou após justificação prévia, nas ações que tenham por objeto o

cumprimento das ações de fazer ou não-fazer.

Aqui deve ser esclarecido que a tutela antecipada não subordina a

probabilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, bastando a probabilidade

que venha a ser praticado atos ilícitos, no caso da tutela inibitória, ou que tenha sido

praticado o ato ilícito, na tutela de remoção. Tais dispositivos colocam a

disposição do juiz os instrumentos ou técnicas processuais idôneas para as tutelas

inibitórias e de remoção do ilícito.

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 276.

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Page 59: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

59

A obtenção do resultado específico, ou de resultado prático equivalente, pode

ser obtido pelo provimento mandamental, pelo executivo lato sensu, ou, ainda, pela

conjugação de ambos.

O provimento mandamental consiste na ordem de fazer ou de não fazer, a

qual vem conjugada de medidas coercitivas indiretas, como a multa e a possibilidade

de prisão pela prática do crime de desobediência. De acordo com Marinoni

Na sentença mandamental, o juiz atua sobre a vontade do demandado, ordenando sob pena de multa ou sob pena de prisão. Ou seja, a peculiaridade da sentença (Técnica mandamental está na coerção indireta, vale dizer, na força que visa convencer o demandado a observar o conteúdo da sentença).

70.

O que característica da ação mandamental é a previsão de técnicas

processuais que possibilitam a realização prática do direito reclamado no próprio

processo de conhecimento, sem a necessidade de propositura de ação autônoma de

execução. O cumprimento das decisões (interlocutórias e sentenças) se dá mediante

execução ou ordem. Sobre a ação mandamental, o Ministro Luiz Fux, do STJ,

afirmou que

Afina-se essa forma de tutela com os casos de periclitação, como só ocorre com a tutela de segurança. A mandamentabilidade está na "preponderância da ordem sobre o julgamento", isto é, a declaração do direito precede, mas a eficácia que se busca é a ordenatória e não a condenatória, como imaginam aqueles que não concebem emita o juiz ordens. Essa mandamentabilidade das sentenças verifica-se pela sua pronta realizabilidade prática. Esse aspecto mandamental faz do provimento "execução para segurança" e não "segurança para execução", na expressão de Pontes de Miranda. O reconhecimento desse tipo de tutela é decorrência do poder necessário à efetividade dos provimentos judiciais sob pena de grave desprestígio para a função jurisdicional. 71

70

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 290. 71 FUX, Luiz. O descumprimento das decisões judiciais e a criminalização do processo civil: breves considerações. Revista de Direito Renovar, n. 26, p. 39-44, maio/ago. 2003.

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Page 60: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

60

De certo modo pode-se afirmar que a ação mandamental se assemelha ao

mandado de segurança, especialmente pela particularidade de que a execução da

ordem contida nas sentenças mandamentais se efetiva mediante ato oficial da

autoridade competente. Segundo Mesquita, a diferença entre as sentenças

condenatórias e as sentenças mandamentais, foi feita em 1995, por Kazuo

Watanabe, da seguinte forma:

Quando o juiz condena, dá nascimento a um título executivo que propicia o acesso a uma outra ação, que é a ação de execução. E quando o juiz manda, o provimento deve ser cumprido no mesmo processo, tal como ordenado pelo juiz, sob pena de desobediência e, conforme o caso, até de configuração de crime de responsabilidade (em se tratando de ordem dirigida à autoridade pública)”72.

O provimento executivo lato sensu consiste na possibilidade se utilizar outros

meios de atuação, que sejam adequados e juridicamente possíveis para garantia da

execução do comando judicial, sem a necessidade de ação autônoma de

conhecimento. Watanabe ensina que “resultado prático equivalente poderá ser

obtido, também, através de outros atos executivos praticados pelo próprio juízo, por

meio de seus auxiliares, ou de terceiros, observados sempre os limites da

adequação e das necessidades.” 73.

De fato, quando se pensa em técnicas necessárias para tutelar o direito do

autor, deve-se pensar em termos de necessidade, adequação proporcionalidade.

Necessidade significa que o meio escolhido deve ser o mais idôneo e que cause a

menor restrição possível ao réu. Quanto à adequação, a técnica escolhida deve ser

apta a proporcionar o direito do autor e a necessidade relaciona-se com saber se a

72

MESQUITA, José Ignácio Botelho. Sentença Mandamental. Academia Brasileira de Processo Civil. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/textos/artigos/ >. Site visitado em 04/05/2006. 73 WATANABE, Kazuo. In: CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: Comentado pelos autores do anteprojeto. GRINOVER, Ada Pellegrini et al., 8 ed., Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2004, p.846.

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Page 61: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

61

ação (técnica) é necessária ou se pode ser substituída por outra que tenha a mesma

eficácia, mas seja menos restritiva a esfera jurídica do réu. Somente o caso concreto

é que vai indicar a medida mais adequada e de menor restrição possível. De

qualquer forma, seja qual for a medida executiva escolhida, é imprescindível que o

juiz justifique (fundamente) a sua escolha, para demonstrar a perfeição do raciocínio

utilizado e a necessidade da medida, de acordo com os parâmetros da adequação,

da menor restrição possível e da proporcionalidade.

Assim, o meio utilizado pode ser a multa, a execução direta ou a prisão,

sempre em conformidade com as regras da adequação e da necessidade. Caso a

sentença ou a ordem judicial seja descumprida, o juiz pode alterar a medida

coercitiva imposta, substituindo a multa pela execução direta ou até mesmo pela

prisão, desde que necessária para a tutela do direito material violado, como é o caso

da tutela do direito à saúde.

Vale relembrar, conforme antes afirmado, que o legislador tem o dever de

criar técnicas e procedimentos processuais que sejam eficazes à tutela dos direitos

substantivos. Porém, considerando a impossibilidade do legislador prever quais

seriam as técnicas processuais ideais para a resolução de todos os conflitos, a

solução foi estabelecer regras que conferissem ao juiz a margem de poder

necessário para adequar o processo ao caso concreto, a exemplo do que se

encontra nos artigos 84 do CDC e 461 do CPC, os quais permitem que o magistrado

com conceda tutela específica que assegurem um resultado prático equivalente nas

ações destinadas ao cumprimento das obrigações de fazer descumpridas.

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Page 62: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

62

4 O processo e a tutela específica do direito à saúde

Do exposto já foi possível concluir que o direito à saúde se insere o rol dos

direitos fundamentais da pessoa humana e, como tal, encontra ampla proteção no

ordenamento jurídico nacional; tal proteção e aplica tanto no que se refere ao direito

público subjetivo do cidadão, que pode exigir que o Estado lhe assegure as

prestações materiais prometidas, como no que diz com a assistência a saúde objeto

de relação obrigacional nos contratos de consumo.

Foi afirmado ainda que o processo moderno não pode estar desvinculado dos

valores axiológicos da sociedade no qual está inserido; nesse sentido, não podem

faltar técnicas adequadas para efetiva tutela dos direitos, especialmente aqueles de

cunho não patrimonial, como é o caso do direito à saúde.

Finalmente foi abordado o direito à saúde como obrigação de fazer que

vincula, na esfera pública, o cidadão credor ao Estado devedor, e, nas relações de

consumo, o consumidor e o fornecedor dos planos de e seguros de saúde, de modo

que as novas técnicas processuais engendradas nos artigos 461 do CPC e 84 do

CDC se configuram como as mais adequadas para a tutela de tais direitos, conforme

se verá a seguir.

4.1 Tutelas específicas do deito à saúde como obrigação de fazer

Pelo que se viu é factível perceber que o instituto da tutela específica, nada

mais é do que o resgate finalístico do processo, no sentido de fazer atuar o que a

norma material estabelece, de modo a respeitar ao máximo o direito do credor,

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Page 63: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

63

proporcionando-lhe a efetivação da obrigação que lhe é devida, do mesmo modo

que ela seria obtida se não fosse necessário recorrer às vias judiciais. Sendo o

modo mais eficaz do Estado substituir o inadimplemento do devedor recalcitrante e

satisfazer o direito do credor, Leonardo Greco aduz que

O processo somente constituirá garantia da tutela efetiva dos direitos se for capaz de dar a quem tem direito tudo aquilo a que ele faz jus de acordo com o ordenamento jurídico. Por isso, a moderna concepção da efetividade do processo impõe o adequado cumprimento das sentenças judiciais, inclusive contra a Administração Pública, a oportuna proteção das situações jurídicas suficientemente fundamentadas contra os riscos da demora na prestação jurisdicional (tutela da urgência ou tutela cautelar) e a tutela específica do direito material, especialmente no âmbito das obrigações de dar coisa certa, de fazer e não fazer.

74.

No que tange às relações contratuais, quando a obrigação apesar de

inadimplida, o seu cumprimento ainda interessa e é útil para o credor, a tutela

jurisdicional pode ser prestada de forma específica. Da mesma forma se o seu

cumprimento foi imperfeito ou defeituoso.

Também nas obrigações de trato sucessivo é possível que a obrigação

violada volte a se repetir, sendo necessária uma tutela jurisdicional inibitória para

impedir o inadimplemento.

Há muito se reclamava a agilização procedimental e tratamento legal às

tutelas de urgência, haja vista a inexistência de técnicas processuais aptas à

resolução eficaz das demandas dessa natureza. No que tange às obrigações de

fazer ou de não fazer, onde a precariedade era mais notória, o advento do artigo 461

do CPC, especialmente pelo disposto no seu parágrafo 3º que possibilita a

antecipação da tutela específica reclamada, representou grande avanço no sistema

processual brasileiro, no sentido de dar resposta rápida às situações ou demandas

74 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo. Disponível em:<

www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 01/05/2006

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Page 64: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

64

com fundamento na urgência, como via de regra ocorre com as ações onde se

busca a tutela do direito à saúde.

Como corolário do Estado Social de Direito a tutela específica surge como

reflexo da tomada de consciência de que o direito processual de priorizar o

cumprimento específico ou equivalente, da obrigação assumida pelo devedor. É

imprescindível dar ao credor o bem da vida contratado e não o seu equivalente em

dinheiro. Nesse sentido, Marinoni assevera que

A tutela específica, como é óbvio, é a tutela ideal do direito material,já que confere à parte lesada o bem ou o direito em si, e não o seu equivalente.É apenas mediante a tutela específica que o ordenamento jurídico pode assegurar a prestação devida àquele que possui a expectativa de receber um bem. Não é por outra razão que os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, demonstrando uma verdadeira obsessão pela tutela específica, afirmam que a obrigação somente se converterá em perda e danos se o autor requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. 75.

Importante esclarecer, como adverte Carreira Alvim, que as obrigações de

fazer ou de não-fazer podem decorrer não somente de relações contratuais

(obrigações convencionais), mas também aqueles resultantes da lei. Em ambas,

conseqüentemente, é possível a concessão de tutela específica. No que concerne

Às obrigações de fazer ou não-fazer resultantes diretamente da lei, a tutela

específica não se distingue das obrigações convencionais. Diz o citado doutrinador:

Primeiro porque o art. 461 do código não distingue entre obrigação convencional ou legal, [...] segundo, porque essa sempre foi a tradição do nosso direito processual, admitindo código de Processo Civil de 1939 (art. 302, XII), ação cominatória a quem, por lei ou convenção, tivesse o direito de exigir de outrem que abstivesse de ato ou prestasse fato dentro de certo prazo. Inúmeras outras hipóteses previstas nesse artigo tinham suporte em autênticas obrigações legais.

76. (pág.25)

75 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 385.

76 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3

ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 25.

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Page 65: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

65

A tutela específica é imprescindível principalmente em se tratando dos direitos

de conteúdo não-patrimonial, onde o dano pode ser expresso em dinheiro, e,

conforme visto exige técnica processual que possa ordenar sob pena de multa.

Neste sentido, os arts. 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC viabilizam o uso da

multa e de outras medidas que podem ser decretadas pelo juiz para dar efetividade

à tutela jurisdicional. Esses artigos têm por objeto dar tutela às obrigações de fazer,

não-fazer e de entrega de coisa, e vêm conjugados com técnicas processuais

idôneas para a consecução dos seus objetivos. Os citados artigos permitem a tutela

do direito independentemente da ação de execução e, nesse sentido, elimina a

necessidade do procedimento traçado para as obrigações de fazer.

A razão da inserção de tais técnicas de tutela no direito processual pátrio

decorre do fato de que a transformação do Estado liberal clássico para Estado social

de Direito redunda na tarefa de criar mecanismos práticos de operação dos direitos

fundamentais.

Nesse sentido, sobressai a função política do Processo, que, de certa forma

implica no fato de que o estudioso do direito processual e o aplicados das normas

processuais deve ultrapassar a interpretação dogmática, pois somente assim

conseguirá dar ao processo a força de garantia dos direitos na vida social, uma vez

que o direito existe para ser realizado. De acordo com Deilton Brasil

O devido processo legal, assegurado como instrumento indispensável à composição dos litígios em juízo, não é visto apenas como uma simples forma de obter o provimento judicial.Somente entende como tal aquele que se organize e se desenvolva de maneira a cumprir a tarefa que lhe foi reservada, ou seja, a de proteger o direito subjetivo individual de qualquer lesão ou ameaça. 77. (pág. 20)

77

BRASIL, Deilton Ribeiro Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p. 20.

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Page 66: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

66

Deve ser observado que a natureza jurídica da ação de comprimento dos

atuais arts. 461 e 461-A do CPC é típica ação de preceito, ou seja, visa ao

cumprimento específico ou in natura.

Tanto os entes públicos quanto os privados podem ser sujeitos passivos nas

ações fundadas nos arts. 461 e 461-A do CPC, já que a Administração Pública não

pode deixar de cumprir especificamente suas obrigações, sejam elas legais ou

convencionais, pois, conforme lembra Carreira Alvim, “a outorga da tutela

específica, inclusive initio litis, tratando-se de obrigação legal de fazer, revelar-se a

única forma de satisfazer inteiramente o interesse privado violado pela inadimplência

dos agentes administrativos.” 78.

Também é necessário distinguir os dois modos de cumprimento das

obrigações, previsto no arts 461 do CPC: a tutela específica e a tutela pelo

equivalente. A primeira se trata de modalidade de cumprimento in natura, ou seja,

concede ao credor o resultado prático igual ao que teria obtido com o cumprimento

da obrigação pelo obrigado. No segundo caso, e cumprimento ocorre por meio de

providência que leve ao resultado prático correspondente ao adimplemento. A

conversão em perdas e danos é faculdade do credor ou alternativa diante da

impossibilidade do cumprimento nas formas anteriores. “A exegese correta do

dispositivo deve ser esta: se impossível a tutela específica da obrigação, o credor

pode optar entre a obtenção do resultado prático equivalente em a conversão (da

obrigação) em perdas e danos”. 79.

78 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 30.

79 Ibid., p.79.

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Page 67: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

67

Considerando a supremacia do interesse do credor na prestação in natura do

fato pelo devedor, ou na abstenção de prática do ato, buscam-se meios de coação

que sejam capazes de influir sobre a sua vontade.

Nesse sentido, no direito anglo-americano, as execuções específicas onde o

devedor fica submetido ao poder disciplinar do juiz, de forma que o descumprimento

da ordem judicial constitui desobediência e ofensa à própria jurisdição (contemp of

court), cabendo ao juiz agir de ofício.

No direito alemão a solução para os casos de desobediência é a prisão ou a

imposição de pena pecuniária, dependendo do pedido do credor.

Carreira Alvim afirma que no direito brasileiro, a pena pecuniária foi também

solução preferida pelo legislador, como meio de estimular o cumprimento da

obrigação (arts. 287, 644 e 645 do CP), tendo sido também a técnica preferida pela

reforma processual (art. 461, parág. 4º, do CPC), inexistindo entre nós instituto

similar ao contempt of court do direito inglês. Todavia, de certo modo foi adotada a

linha seguida pelo direito alemão no que tange à possibilidade de prisão civil, como

ocorrem com o devedor alimentos e o depositário infiel. 80. De fato, ensina o citado

autor que [...] “o nosso ordenamento processual é bastante amplo em termos de

técnica de construção da vontade, atuando sobre a mente o bolso e até sobre o

corpo do devedor, com apoio constitucional (art 5º LXVII).” 81.

DEILTON BRASIL, por seu turno, assevera que parece inegável que o

legislador brasileiro se inspirou no sistema do direito anglo-saxônico da contempt of

80 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003.

81 Ibid., p. 51.

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Page 68: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

68

court, onde mesmo a prisão pode ser decretada diante do descumprimento de

ordem judicial. 82.

Muito se tem discutido sobre a possibilidade do uso da prisão como meio de

persuadir ao cumprimento das decisões judiciais. Nesse sentido, a prisão seria

decorrente da incidência do art. 330 do código penal, pois o agente estaria

praticando o crime de desobediência.

Todavia, deve ser advertido que nem sempre a inobservância da decisão

judicial caracteriza o crime de desobediência, pois o crime somente se configura

quando o provimento jurisdicional for prevalentemente uma ordem ou um

mandamento. Assim, o descumprimento de uma sentença condenatória, por

exemplo não caracteriza o crime, mas apenas sujeita o patrimônio de devedor.

Nesse sentido, não se pode olvidar de que é cada vez, maior o número de

tutelas jurisdicionais às quais se atribui eficácia mandamental, como o mandado de

segurança, as ações possessivas e as tutelas específicas das obrigações de fazer e

de não fazer do art. 461 do CPC. Assim, ganha cada vez mais faro a discussão

acerca da constitucionalidade da prisão daquele que descumpre a ordem judicial.

Pontes de Miranda, citado por Deilton Brasil, era taxativo ao admitir a sua

possibilidade, pois, segundo este autor “o que a constituição proíbe e a pena de

prisão por não-pagamento de dívidas”, e, sendo assim “a prisão civil por

inadimplemento de obrigações, é sempre possível na legislação.” 83. Alexandre

Freitas Câmara, também citado pelo autor acima referido, admite que “é possível e

82 BRASIL, Deilton Ribeiro Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Belo Horizonte: Del Rey. 2003

83 MIRANDA,Pontes de, Apud BRASIL, Deilton Ribeiro Tutela Específica das Obrigações de Fazer

e Não Fazer. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p. 204.

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Page 69: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

69

deve ser determinada quando imprescindível para assegurar a efetividade da

prestação jurisdicional.” 84.

A prisão por descumprimento de ordem judicial, assim, seria considerada civil

e sua aplicação encontra guarida no parágrafo 5º, do art. 461, do CPC, podendo ser

então determinada pelo próprio juízo que proferiu a ordem ou o mandamento, tão

logo fique comprovado o descumprimento.

No mesmo sentido é a opinião de Adugar Quirino, o qual afirma que o

Judiciário precisa estar dotado de instrumentos processuais hábeis e eficazes para a

garantia de que a tutela jurisdicional reclamada, quando procedente, deve ser

concretamente obtida. Assim, conclui o citado Juiz paulista, não se pode prescindir

da possibilidade de utilizar a prisão civil como meio de garantia do cumprimento das

decisões judiciais, como ocorre em vários Estados Democráticos contemporâneos,

como EUA, Inglaterra, dentre outros. 85.

A multa é uma sanção processual derivada ou similar às astreintes do direito

francês, e tem por escopo pressionar psicologicamente o devedor a cumprir o

preceito ou a obrigação inadimplida. Todavia, adverte Carreira Alvim, “apesar de

visar, aparentemente, à realização do direito do credor, dado que procura obter uma

atividade (ou emissão) do devedor, a multa tem, na verdade, o escopo direto de

obter o cumprimento do mandado judicial, que, enquanto expressão da jurisdictio

imperium do Estado, não pode ser descumprido.” 86.

84 CÃMARA, Alexandre Freitas. Apud BRASIL, Deilton Ribeiro Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p. 205

85 SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.

86 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3

ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 96.

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Page 70: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

70

Ademais disso, a multa pode ser fixada em decisão interlocutória (liminar) ou

na sentença de modo que poderá ser exigida na medida em que a decisão que a

proferiu possa ser efetivada, ou seja, desde que não seja atingida por eventual efeito

suspensivo, pois neste caso, não produzirá efeitos senão depois do trânsito em

julgado.

Também não se pode olvidar que a multa prevista no art. 461, parágrafo 4º,

do CPC, assim como aquela do art. 287 do mesmo Diploma Legal, pertence

exclusivamente ao credor. Do contrário, seria absolutamente inócua quando a

Fazenda Pública figurar como ré, no fato passivo da demanda.

Para conseguir a efetivação da tutela específica o julgador é aparelhado por

diversos instrumentos, além da multa, que deverão compelir o devedor ao

adimplemento; caso a multa não surta efeitos, o juiz poderá buscar o resultado

prático equivalente com espeque no parágrafo quinto do artigo 461 do CPC, cujo rol

de medidas de apoio tem caráter exemplificativo e que poderão ser concedidas

tanto de ofício como atendendo a pedido da parte. Tais medidas, consistem, entre

outras: em busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de

obras, impedimento de atividades nocivas e até reforço policial, de forma que a

conversão em perdas e danos é a última opção.

Ademais disso, o parágrafo terceiro do artigo 461 do CPC autoriza a emissão

de mandado para execução específica e provisória da tutela de mérito ou de seus

efeitos, consistindo tal determinação em medida antecipatória da tutela em relação

as obrigações de fazer e não fazer, regulamentada de modo diferenciado em relação

aos demais tipos de obrigações, que estão abarcadas genericamente no artigo 273

do CPC.

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Page 71: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

71

Os requisitos para a antecipação da tutela específica das obrigações de fazer

ou de não fazer são a relevância do fundamento da demanda e o receio de

ineficácia do provimento final. Nesse sentido, o receio de ineficácia relaciona-se

mais diretamente ao perigo na demora na prestação jurisdicional.

A concessão da medida antecipatória poderá ser inaudita altera parte ou,

caso o juiz entenda necessário, depois de verificada a justificação prévia. Em caso

de concessão inaudita altera parte existe uma postergação ao direito do réu de

contraditar e de se defender, a qual deverá ser concedida quando a urgência for de

tal ordem que não se possa esperar a citação e resposta do réu ou quando a citação

possa tornar ineficaz a medida. Carreira Alvim aduz que “o receio de ineficácia do

provimento traduz uma situação de perigo (real ou temido), pelo que deve vir

acompanhado de circunstâncias fáticas, a demonstrar que a falta de liminar poderá

comprometer o provimento final.” 87. Assim, o fundado receio que alude o dispositivo

legal significa o temor demonstrado com fatos e circunstâncias que possam ser

objetivamente demonstrados.

Também é importante ressaltar que a antecipação de tutela pode ser

concedida e qualquer tempo, no início da lide ou no decorrer do processo, mas

sempre antes da sentença. No entanto, a doutrina majoritária entende que mesmo

após a sentença a tutela antecipada pode ser deferida.

Tratando-se de tornar efetivo o provimento liminar, o provimento de urgência

apresenta uma intrínseca executividade, ou seja, apresenta aptidão para produzir

efeitos imediatamente, sem necessidade de propor ação de execução. Nesse

87 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003,p. 120.

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Page 72: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

72

sentido, o modo de satisfação do provimento deve ser o mais idônea possível atingir

o seu objetivo. Carreira Alvim chama a atenção de que “deve o juiz estabelecer a

forma e os meios pelos quais se cumprirá o provimento liminar, intimando o réu para

cumpri-lo,se depender de atividade sua; se não, será intimado aquele de quem

dependa.” 88.

4.1 Tutela específica do direito à saúde em face do Poder Público

Conforme ressaltado ao longo deste trabalho, na análise do direito à saúde

como direito fundamental chama a atenção para a necessidade de maior efetivação

no cumprimento da prestação positiva à saúde, pois este é o principal direito

fundamental social previsto na carta Magna do Brasil.

Também foi asseverado que o reconhecimento dos direitos sociais como

direitos fundamentais não se efetivará enquanto não forem superadas as barreiras

que tentam impedir que se possa reclamá-los perante o Judiciário, principalmente

quando se trata de descumprimento estrito, pois no caso e descumprimento geral e

absoluto de determinada obrigação decorrente de direitos sociais, fica muito difícil

promover o seu cumprimento por meio de ações judiciais.

Maselli, em estudo sobre o dever estatal de fornecer medicamentos, conclui

que entre as diversas ações que tramitam perante as Varas das Fazendas, Públicas

se encontram aquelas que visam compelir a Administração Pública à realização de

prestações positivas de dar e de fazer, versando sobre os direitos sociais

88 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003,p. 215.

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Page 73: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

73

fundamentais ínsitos na Constituição, com destaque para os direitos prestacionais

relacionados à saúde, especialmente no que se refere ao fornecimento de

medicamentos. 89.

De fato, nem poderia ser diferente, uma vez que tem se tornado lugar comum

a negativa do Estado em fornecer medicamentos, especialmente drogas novas que

não constam dos chamados “protocolos clínicos” 90 elaborados pelo Ministério da

Saúde e, em alguns Estados, também pelas Secretarias Estaduais de Saúde.

Também tem sido freqüente o não fornecimento de remédios porque faltam no

estoque ou porque são prescritos para enfermidades que não constam dos citados

protocolos.

E não é somente no que tange ao fornecimento de medicamentos que o

Estado (gênero) tem falhado. Não obstante os avanços visivelmente alcançados ao

longo dos últimos dez ou quinze anos, o SUS ainda está longe de propiciar

atendimento integral e gratuito com a qualidade e a eficiência prometidas pelo

legislador. A falta de recursos e, muitas vezes, o excesso de burocracia, aliados à

falta de reconhecimento dos avanços da ciência médica que a cada dia cria

tratamentos mais sofisticados e eficazes, faz com que diversos procedimentos e

atendimentos médico-hospitalares não sejam assegurados aos usuários do Sistema

(e, diga-se de passagem, é a maioria do povo brasileiro). Outras vezes é a demora

no atendimento que acarreta danos sérios e, não raro, irreversíveis, quando não leva

à morte prematura por falta de assistência à saúde do usuário.

89 GOUVEIA, Marcos Maselli. Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: GARCIA, Emerson (Coord). A efetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004, p. 199-254.

90 Protocolos clínicos são diretrizes fixadas por profissionais da saúde vinculados ao SUS, que têm

por principal escopo gerenciar a aquisição e a dispensação dos medicamentos.

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Page 74: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

74

Portanto, é imprescindível que o processo possa ser eficaz na proteção do

direito do usuário diante da obrigação estatal de prestar a devida assistência à

saúde. Assim, não se pode prescindir das técnicas predispostas no ordenamento

jurídico para que o Poder Público seja impelido a cumprir o mandamento

constitucional que assegura o direito a saúde como direito de todos e dever do

Estado.

Em razão das transformações sociais e da própria evolução do Estado social

de Direito, o processo não poderia ficar inerte. Daí o surgimento das tutelas

jurisdicionais diferenciadas para a efetiva resposta ou prestação de justiça aos

anseios e pretensões deduzidas em juízo.

Entre as tutelas diferenciadas surge a tutela mandamental, ou seja, aquela

pela qual o juiz vai além da simples declaração e da condenação, para emitir um

provimento judicial dotado de ordem que implica no seu imediato cumprimento, uma

vez que tal ordem vem conjugada com medidas coercitivas a serem aplicadas ao

demandado que a descumprir.

No estudo já citado, Maselli entendeu que não existem ações judiciais

especialmente engendradas para dar efetividade aos direitos sociais, sendo que o

interessado pode deduzir sua demanda por meio de ação ordinária ou mandado de

segurança. Assevera que mesmo se a via eleita for a da ação ordinária, o

provimento judicial proferido terá natureza mandamental. Destaca que se deve fazer

uso das ações coletivas quando houver uma coletividade de pessoas prejudicadas

pela omissão Estatal. Nesse sentido, destaca a atuação do MP, das associações e

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Page 75: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

75

da Defensoria Pública, que no seu entendimento também está legitimada para a

propositura de ações civis públicas. 91.

Afirma ainda o cabimento da tutela de urgência, que deve observar o caráter

essencial do provimento, relacionando-se com a noção de mínimo existencial. Nesse

sentido, observa que o preceito do art. 2º da Lei8.437/92, que determina a

manifestação do ente público antes da análise do pedido de liminar, deve ser

avaliado no sentido de analisar se o estado saúde do autor comporta tal oitiva. 92.

Via de regra os tribunais pátrios têm sido francamente favoráveis à tutela

jurisdicional do direito à saúde, mesmo no que tange à possibilidade de concessão

de medidas de urgência, liminarmente, contra o Poder Público. No Superior Tribunal

de Justiça (STJ), a orientação recente é amplamente favorável ao reconhecimento

do direito à saúde como obrigação do Estado. No mesmo sentido tem sido o

entendimento do Supremo Tribunal Federa (STF).

A questão é que até recentemente, antes das reformas processuais iniciadas

a partir de 1994, não havia no sistema processual pátrio uma tutela jurisdicional que

fosse adequada, apta e idônea para tutela eficaz dos direitos de cunho não

patrimonial, como o direito à saúde.

De fato, devido à falta de técnicas especificas para a tutela do direito à saúde,

era comum a utilização do mandado de segurança e de ações cautelares, muitas

delas cunhadas de preparatórias, mas cujo provimento, quando deferido, tinha

caráter satisfativo.

91 GOUVEIA, Marcos Maselli. Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: GARCIA, Emerson (Coord). A efetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004, p. 229-230.

92 Ibid., p. 232.

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Page 76: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

76

Germano Schwartz, afirma que para fazer valer tal direito, existe no

ordenamento jurídico uma gama variada de meios para que os cidadãos possam

fazer valer seus direitos. Nesse sentido, são válidas todas as garantias individuais na

busca da efetivação do direito à saúde, mediante a oposição de um vínculo

obrigacional entre o cidadão-credor e o Estado-devedor. 93.

Todavia, as novas técnicas introduzidas no sistema jurídico pátrio,

especialmente aquelas que visam à obtenção da tutela específica da obrigação de

fazer, as quais foram estudadas nos capítulos anteriores, parecem ser as mais

adequadas e idôneas para a tutela do direito à saúde, mesmo quando se trata de

demanda contra a Fazenda Pública.

Isto porque não é mais possível que continuem a ser utilizadas medidas

cautelares cujo provimento requerido é total ou parcialmente satisfativo, como vinha

ocorrendo na prática forense diante da falta de tutelas diferenciadas e efetivas de

determinados direitos que não poderiam aguardar a longa tramitação do processo.

Por outro lado, embora o mandado de segurança seja o remédio que se

mostrou mais eficaz na tutela do direito líquido e certo violado pelo Poder Público em

detrimento do particular, é bastante discutível a sua juridicidade no caso de tutela do

direito à saúde; isto porque geralmente o direito é indiscutível, mas os fatos muitas

vezes demandam instrução probatória que não cabe na ação especial do

mandamus.

Na prática, porém, o judiciário vinha acolhendo os mandados de seguranças

impetrados contra o Poder Público visando ao fornecimento de medicamentos e

outras prestações na área de saúde; no entanto, conforme frisamos, era feito devido

93 SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: livraria do Advogado. 2001.

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Page 77: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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à falta de tutelas jurisdicionais adequadas, o que entendemos não ser mais possível

diante do disposto no artigo 461 do CPC, que também admite antecipação de tutela

específica, liminarmente ou após justificação prévia, e cujos provimentos (liminar e

final) são essencialmente mandamentais ou executivos lato sensu.

Ocorre que as reformas engendradas no sistema processual brasileiro

trouxeram importantes inovações; dentre elas se destaca a tutela mandamental, pela

qual o juiz vai além da simples declaração e da condenação, para emitir provimentos

judiciais dotados de ordens que implica no seu imediato cumprimento, uma vez que

o mandamento vem conjugado com medidas coercitivas a serem aplicadas ao

demandado que a descumprir. De acordo com Adugar Quirino

Ao comando emergente constante da sentença mandamental normalmente vem imposta uma medida coercitiva a ser aplicada no caso de remitência do demandado de apoio, como,por exemplo, astreintes, crime de desobediência ou crime de responsabilidade, em caso de a inércia ser oriunda de autoridade pública. 94.

Nesse sentido, é possível afirmar que a tutela prevista no art. 461 do CPC é

mandamental, pois permite ao juiz expedir ordens para o cumprimento das

obrigações de fazer e de não fazer, as quais, se descumpridas, farão configurar o

crime de desobediência e darão ensejo ao uso de outros meios coercitivos e

executivos tendentes a tornar efetivo o mandamento jurisdicional.

É verdade que muito se tem discutido acerca da aplicação do artigo 461 do

CPC em face da Fazenda Pública. Nesse sentido, no que concerne a caracterização

da prestação prometida pelo Estado como obrigação de fazer, Carreira Alvim

assevera que

94

SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 32.

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78

A obrigação legal, que embasa a tutela específica (art. 461), se apresenta munida de todos os elementos configuradores: um credor (o sujeito ativo), um devedor (e sujeito passivo) e um objeto (a prestação). Assim, se a lei assegura ao servidor a sua passagem para a inatividade, atendidas determinadas condições, cabe à Administração, um vez satisfeitas, operar ex vi legis essa transferências não o fazendo, fez nascer para o servidor o poder de exigi-la da Administração, com base no art. 461, inclusive com pedido de tutela específica liminar.

95.

Maselli, embora tenha concluído que não existe uma ação especialmente

engendrada para a tutela do direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro,

reconhece que a as ações judiciais relacionadas com o fornecimento de

medicamentos são caracterizadas pelo inegável conteúdo mandamental. 96.

Ainda de acordo com o citado autor, entre as medidas que entende serem

úteis passa a efetivação do direito à saúde (no caso o fornecimento de

medicamentos) está a autorização para que terceiros cumpram a prestação faltante.

No entanto, o próprio autor reconhece que dificilmente uma empresa particular

concordaria em cumprir com a prestação para receber posteriormente do Estado.

Também haveria a problemática da escolha da empresa, ficando a sugestão de que

o próprio autor pudesse comprovar e indicar de menor custo, uma vez que a própria

Lei de licitações permite a contratação com dispensa do certame licitatório em

situações de urgência (Lei 8.666/93, art. 24, IV).

Cita ainda a coerção indireta com a nomeação de administrador judicial, mas

com a ressalva de que se trata de meio excessivamente invasivo e o judiciário não

se encontra vocacionado para tarefa de administrar. Nesse sentido, talvez a

aplicação de multa (astreintes) seria mais conveniente. Todavia, no que tange à

Fazenda Pública tal medida traria pouco ou nenhum impacto, uma vez que mesmo

95 SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 79.

96 GOUVEIA, Marcos Maselli. Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: GARCIA,

Emerson (Coord). A efetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004, p. 232.

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79

de admitindo a sua imediata exigência, as execuções contra o Poder Público deve

seguir o sistema no parágrafo único do art. 14 do CPC seria inócua, uma vez reverte

para o próprio Estado.

Afirma que a prisão seria a modalidade que melhor serviria para dar

efetividade aos direitos sociais oponíveis ao Estado. No entanto, adverte para a

inexistência da prisão civil por descumprimento da ordem judicial, de modo que se

têm opiniões no sentido da possibilidade de persecução criminal, para a apuração

dos crimes de desobediência ou de prevaricação (arts. 330 e 319 do C. P). No

entanto, chama a atenção para as dificuldades de se enquadrar a conduta dos

agentes públicos nas figuras típicas penais antes referidas, e ainda ao fato de que

tais crimes, por serem de menor potencial ofensivo, não demandara prisão em

flagrante. Diante da improvável possibilidade de que uma condenação por

desobediência ou prevaricação acarrete a prisão do autor do ilícito, ressalta o valor

de aprofundar-se a discussão acerca da incorporação de uma prisão processual

civil, como a contempt of court, em nosso sistema. 97

Concluindo, afirma o promotor público do Rio de Janeiro, que sumarizando o

procedimento de imposição de tutela ora proposto, verificado o descumprimento da

ordem judicial e a inexistência de remédios que pudessem ser apreendidos nas

unidades farmacêutica do SUS, a execução da obrigação de fazer valer-se-ia, nem

primeiro momento, da aplicação de astreintes. Evidenciada a insuficiência da

medida, o juiz determinaria que o ente Público réu usasse, em caráter emergencial,

os recursos de fundos criados para essas situações, ou que terceiro realizasse a

prestação em questão às expensas do Erário. Em último caso, tratando-se de direito

97 GOUVEIA, Marcos Maselli. Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: GARCIA, Emerson (Coord). A efetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004, p. 234.

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Page 80: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

80

prestacional fundamental, poderia o juiz decretar a prisão processual civil do

administrador negligente, desde que se demonstrasse cabalmente tal essencialidade

do medicamento em questão. Assevera ainda que o descumprimento de ordem

judicial configura crime de responsabilidade, nos termos do art. 85, VII e 111 da

constituição, com a possibilidade de suspensão dos direitos políticos e intervenção,

mas lembra que tais medidas possuem diminuta eficácia. 98.

Ora, toda a análise acima referida, embora tenha sido elaborada com base na

Lei da Ação Civil Pública, são perfeitamente aplicáveis às demandas do particular

em face do Estado, com fulcro no artigo 461 do Código de Processo Civil. Nesse

sentido, o juiz paulista Adugar Quirino assevera que

A Fazenda Pública, em face da impenhorabilidade de seus bens, não está sujeito à execução forçada (execução contra devedor solvente) obedecendo a execução contra ela ao disposto nos arts. 730 e 731. No entanto, relativamente à tutela específica das obrigações de fazer, e não fazer, está tanto quanto qualquer particular, sujeita à incidência da regra do art. 461, inclusive para fins de medida liminar .

99.

Conforme já frisado no início do capítulo, Carreira Alvim afirma que, no que

concerne as obrigações de fazer ou não-fazer resultantes diretamente da lei, a tutela

específica não se distingue das obrigações convencionais, já que o art. 461 do CPC

não distingue entre obrigação convencional ou legal; ademais disso, porque essa

sempre foi tradição do nosso direito processual, e inclusive constava do Código de

Processo Civil de 1939 (art. 302, XII), que assegurava a ação cominatória a quem,

98 GOUVEIA, Marcos Maselli. Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: GARCIA, Emerson (Coord). A efetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004,, p. 247.

99 SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de

coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 54.

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Page 81: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

81

por lei ou convenção, tivesse o direito de exigir de outrem que abstivesse de ato ou

prestasse fato dentro de certo prazo. 100.

Também Marinoni assevera que tanto os Entes Públicos quanto os privados

podem ser sujeitos passivos nas ações fundadas nos arts. 461 e 461-A do CPC, já

que a Administração Pública não pode deixar de cumprir especificamente suas

obrigações, sejam elas legais ou convencionais. Assim, “a outorga da tutela

específica, inclusive initio litis, tratando-se de obrigação legal de fazer, revela-se

única forma de satisfazer inteiramente o interesse privado violado pela inadimplência

dos agentes administrativos.” 101. Alguns exemplos podem elucidar a questão e

facilitar o entendimento de que a ação mandamental fundada no artigo 461 do CPC é

a mais adequada para a tutela do direito à saúde.

Imagine o caso de um cidadão, que vem sendo atendido pelo SUS, acometido

de doença ainda não corretamente diagnosticada, tendo o médico solicitado exame

especializado que geralmente não é fornecido pelo Sistema. O Poder Público nega

a autorização sob o argumento de não ser o procedimento o mais indicado para o

caso e que existem outros exames regularmente assegurados que podem suprir

aquele solicitado, como a mesma eficiência. O médico que atente o paciente, porém,

é enfático ao afirmar que o exame é necessário.

Em casos como estes, comuns e objeto de inúmeras demandas (ao menos no

que tange à Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso), o SUS não autoriza o

exame sob o argumento de que existem outros disponíveis e eficazes. Também

geralmente não toma qualquer providência no sentido de orientar o paciente e 100 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 25.

101 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p.

30.

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82

encaminhá-lo para outro profissional, até para que o doente possa saber se o exame

oferecido pode ser realmente eficaz. Se o caso é de urgência, é preciso que

medidas judiciais também urgentes possam ser utilizadas para a garantia da

assistência à saúde do cidadão.

Nestes casos não caberia medida cautelar, uma vez que o que se pretende

não é a segurança de um futuro processo de conhecimento, mas sim a própria

providência reclamada, isto é, a determinação para que o Estado seja compelido a

autorizar o exame solicitado ou adotar outras medidas que garantam a assistência à

saúde do paciente, com a mesma ou com melhor eficácia.

Poderia ser pensado, e assim ocorreu durante muito tempo e ainda vem

ocorrendo (no nosso ponto de vista equivocadamente) no manejo do mandado de

segurança. Todavia, embora seja certo o direito do cidadão (assegurado pela

Constituição Federal, por muitas Constituições Estaduais e pela legislação

infraconstitucional), o fato é que existe controvérsia no que tange ao exame

requerido.

Não obstante, o médico do paciente pode elaborar um laudo circunstanciado

justificando a necessidade do exame e que sua substituição não seria adequada

para o caso. Também é possível pesquisa em literatura médica no sentido de

demonstrar a verossimilhança da alegação de que o exame é o mais idôneo para o

diagnóstico da doença que acomete o autor. Laudos de outros especialistas também

poderiam instruir a petição inicial, ou, se necessário, serem posteriormente juntados

aos autos.

Assim, temos que a opção pela ação mandamental fundada no artigo 461 do

CPC seria a mais adequada para o caso exemplificado e os demais relacionados

com as ações de saúde em face do Poder Público. Primeiro porque com o laudo

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Page 83: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

83

médico e as pesquisas na literatura ficaria demonstrada a relevância do fundamento

da demanda, bem como o receio de ineficácia do provimento final; desse modo seria

possível obter a antecipação de tutela específica (art. 461, § 3º do CPC), cujo

provimento poderia vir conjugado de técnicas coercitivas indiretas como a multa, o

mandamento sob pena de prisão por descumprimento de ordem judicial ou mesmo a

determinação de bloqueio de numerário da conta do tesouro, do valor necessário

para dar efetividade à demanda. Segundo porque poderiam ser utilizadas as

medidas de apoio previstas exemplificativamente no § 5, do artigo 461 do CPC,

inclusive a determinação de que o Estado possa encaminhar imediatamente o

paciente para outro médico especialista que poderá orientá-lo quanto à viabilidade

dos outros exames existentes e, caso haja concordância, possa ser substituído o

exame inicialmente requerido. Terceiro porque possibilita produção de novas provas,

de modo que pode ficar demonstrada a necessidade do exame (inclusive por perícia)

e ser concedida a antecipação da tutela específica no curso do processo.

No caso exemplificado acima foram vistos os dois modos de cumprimento das

obrigações, previstos no arts 461 do CPC: a tutela específica e a tutela pelo

equivalente. A primeira trata de modalidade de cumprimento in natura, ou seja,

concede ao credor o resultado prático igual ao que teria obtido com o cumprimento

da obrigação pelo obrigado (a realização do exame requerido). No segundo caso, o

cumprimento ocorre por meio de providência que leve ao resultado prático

correspondente ao adimplemento, ou seja, o encaminhamento do doente para um

médico especialista que o esclarecerá quanto ao exame substituto, de modo que

havendo livre concordância este possa ser realizado.

Obviamente, partimos do pressuposto de que o caso era urgente, mas

possibilitava as providências exemplificadas. Caso fosse necessário realizar

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Page 84: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

84

imediatamente o exame, certamente a antecipação de tutela deveria ser cumprida

especificamente, de modo que na decisão interlocutória o juiz apontasse os meios

que levassem à concretização da ordem.

Isto porque, tratando-se de tornar efetivo o provimento liminar, o provimento

de urgência apresenta uma intrínseca executividade, ou seja, apresenta aptidão

para produzir efeitos imediatamente, sem necessidade de propor ação de execução.

Nesse sentido, o modo de satisfação do provimento deve ser o mais idôneo possível

para atingir o seu objetivo, pois, conforme assevera Carreira Alvim, para a efetivação

da tutela específica, “deve o juiz estabelecer a forma e os meios pelos quais se

cumprirá o provimento liminar, intimando o réu para cumpri-lo, se depender de

atividade sua; se não, será intimado aquele de quem dependa.” 102.

Questões que têm suscitado dúvidas e controvérsias na doutrina e na

jurisprudência, no que tange à aplicação do artigo 461 do CPC em face da Fazenda

Pública, é a possibilidade de fixação de multa e a antecipação de tutela.

De acordo com Adugar Quirino, o próprio STJ já reconheceu a possibilidade

da aplicação da multa em face do Poder Público, como se pode ver da seguinte

ementa:

A multa pecuniária imposta como meio coercitivo indireto para que o devedor cumpra a obrigação de fazer ou não fazer no prazo assinalado pode ser fixada de ofício pelo juízo da execução ou a requerimento da parte, mesmo que seja contra a Fazenda Pública (Resp. nº 279.475 – SP, 6ª T – Rel. Ministro Vicente Leal, p em 04.12.2000).

103.

102 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 215.

103 SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p 111.

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Page 85: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

85

Quanto à antecipação de tutela, há de ser ressaltado que a Lei. 9.427/97, a

qual disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, dispõe

expressamente, no seu artigo 1º, que é vedada as antecipações previstas nos

artigos 273 e 461, ambos do CPC, em desfavor do Poder Público. Tal Lei é objeto

de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC nº 04), cujo mérito ainda pende

de julgamento no STF, mas tendo sido deferida liminar para determinar a suspensão

da tutela antecipada em face da Fazenda Pública.

Diante da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior

Tribunal de Justiça firmou entendimento de que não é possível a antecipação de

tutela contra o Poder Público enquanto não for julgado o mérito da ADC nº 04.

De acordo com Adugar Quirino, não obstante as decisões acima

mencionadas, em determinados casos não há como deixar de antecipar tutela

desfavorável ao Poder Público, como nos casos de assistência à saúde. O citado

autor cita o exemplo de um portador de HIV, carente, que necessita de remédios que

não estão sendo fornecidos pelo SUS:

O fato de necessitar a pessoa, teoricamente pobre e doente de AIDS, de tratamento inadiável, disponível no mercado e que revela essencial à preservação de sua própria vida, aliado ao impostergável dever do Estado, aqui incluído o município, de assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde (art. 6º, 30, inc. VI e 196 da CF), justificaria a concessão de tutela antecipada impondo ao Ente Público a obrigação de fornecer os medicamentos capazes de evitar-lhe a morte e, se for o caso, custear o tratamento adequado, ainda que no exterior.

104.

De acordo com Viana, a Lei 9.434/97, apesar de sua abrangência, não

engloba todas as hipóteses de antecipação de tutela em face do Estado, de modo

que se a demanda não estiver no raio de incidência da citada norma, será possível a

104 Ibid., p.93.

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antecipação de tutela, desde que preenchidos os requisitos legais.105 No mesmo

sentido os julgados seguintes:

Tutela antecipada – Direito à vida – Medicamentos a aidético – Decisão que, em ação ordinária movida por portadores de Aids contra o Estado, defere a tutela antecipada aos autores para que recebam os medicamentos necessários. Não viola o art. 1º da Lei 9.434/97, nem se rebela contra o decidido pelo STF na Ação Declaratória 4, a decisão que, em tal caso, concede a tutela antecipada. Direito à vida. Arts. 196 da CF e 284 da CE. Alcance da decisão da Corte. Sustação de tutelas antecipatórias de benefícios e vantagens pleiteados por funcionários públicos, de indenização e de outras postulações que possam acarretar imediato prejuízo à Fazenda Pública. (Ac. Da 17ª Câm. Civ., Publ. 27.8.98 – AI 98.016-1.849 – Rel. Des. Fabrício Bandeira – Coad-NTm, n. 51/98, verbete 85.784)

Cominatória – Obrigação de fazer – Fornecimento de medicamento especial – Ajuizamento contra a Fazenda Pública – Tutela antecipada – Cabimento – Relevância do fundamento da demanda e presença do fumus boni júris e periculum in mora. A tutela antecipada contra a Fazenda Pública é, em tese, admitida, somente não podendo vulnerar a sistemática própria da execução que se faz por meio de precatórios. (TJSP – AgIn. 48.042-5/1998 – Rel. Santi Ribeiro).

Tutela Antecipada – Concessão. Pedido contra a Fazenda Pública. Obrigação de Fazer. Fornecimento de medicamento especial. AIDS. Cabimento. Recurso não provido. Recurso. Agravo de instrumento. Duplo Grau de jurisdição. Concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Decisão interlocutória. Não sujeição ao reexame obrigatório. Tutela antecipada.Concessão. Fornecimento, pelo Estado, de medicamento para tratamento de AIDS.Imposição que decorre do texto da Constituição da República e do Estado e da Lei Federal n. 8.080, de 1990. Violação ao princípio da separação de poderes e ao artigo 273 do Código de Processo Civil. Inexistência. Recurso não provido. Tutela antecipada. Concessão. Fornecimento, pelo Estado, de medicamento para tratamento de AIDS. Perigo de irreversibilidade da medida. Judiciário que, na aferição dos valores, não pode hesitar, dando preferência ao bem maior, que é a vida, deixando de lado o formalismo da possibilidade fática irreversível. Recurso não provido. (TJSP – AgIn. 86.815-5/1998 – Rel. Des. Toledo Silva).

Também não pode constituir óbice para a concessão da tutela antecipada a

questão do reexame necessário previsto no artigo 475 do CPC e, tampouco, o

sistema de pagamentos por meio de precatórios instituídos pelo art. 100 da

Constituição Federal de 1988 (CF/88).

105 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São Paulo: Dialética, 2003, p. 218.

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Page 87: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

87

Isto porque, de acordo com Adugar Quirino, a antecipação de tutela (art. 273

do CPC) ou a tutela específica antecipada (art. 461, § 3º do CPC), não se tratam de

sentenças, mas sim de decisões interlocutórias. Assim, não se sujeitam ao disposto

no artigo 475 do CPC e nem ao sistema de precatórios engendrado pelo art. 100 da

CF/88. 106. No mesmo sentido é o entendimento de Viana, in verbis:

Estamos, assim, diante de um conflito de valores: de um lado, o valor segurança, titularizado pelo Estado, representado pela necessidade do instituto do reexame necessário; e, de outro, a efetividade do processo, pertencente ao cidadão para a tutela de direitos absolutamente verossímeis, devendo, a nosso sentir, ao final, prevalecer o segundo. 107.

Ainda de acordo com Viana, o argumento dos precatórios não pode servir de

óbice para a antecipação de tutela porque somente as obrigações de pagar quantia

certa é que estariam jungidas ao citado sistema, não abrangendo as obrigações de

fazer e de entregar coisa certa.108 Ademais, no caso da obrigação reclamada for de

assistência à saúde,com muito mais razão há ser deferida a tutela específica

antecipada, pois, conforme aduz o citado autor, “impõe-se concluir que existirão

situações concretas nas quais estarão envolvidos certos tipos de direitos e

interesses que, por sua grandeza e relevância, terão que receber pronta e efetiva

tutela da parte do Poder Judiciário (v.g. , vida, saúde).” 109.

Ocorre que na antecipação de tutela, especialmente a tutela específica do

artigo 461 do CPC, o Juiz emitirá sua decisão determinando (emitindo uma ordem)

106

SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.

107 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São

Paulo: Dialética, 2003, p. 158.

108 Ibid., p. 184

109 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São

Paulo: Dialética, 2003, p. 191.

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Page 88: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

88

para que o Poder Público cumpra com a obrigação de fazer ou de não fazer, sob

pena de multa diária e da utilização de outras medidas de apoio, conforme previsão

dos §§ 3º, 4º e 5º do citado artigo.

Assim, de acordo com Adugar Quirino, o descumprimento da ordem judicial

possibilitaria a aplicação dos meios necessários para a efetividade da decisão,

“inclusive o seqüestro de valores encontrados em conta bancária, por exemplo, para

a constituição de um depósito a disposição do juízo [...]”, que poderia liberar o

necessário para o atendimento das necessidades do autor. 110.

Ocorre que o cotejo de valores em conflito somente pode levar à conclusão

de que em determinados casos é preciso abrir mão do sistema de precatórios,

especialmente quando da demanda for pertinente aos direitos fundamentais, com é

o caso da assistência à saúde assegurada pela Constituição Federal.

4.2 Tutela do direito à saúde nas relações de consumo

Num contrato de seguro ou plano de saúde, o que o consumidor busca é a

garantia de cobertura para os eventos adversos à saúde sua ou de sua família, de

acordo com a promessa dos fornecedores, de modo que a oferta feita por estes os

vincula por força da lei, ao apresentá-la ao consumidor. E é exatamente isto, ou seja

garantia de cobertura (obrigação de fazer), de assistência médica e hospitalar, que o

consumidor entende haver contratado.

Dessa forma, se nessas relações contratuais, a obrigação apesar de

inadimplida, o seu cumprimento ainda interessa e é útil para o credor, a tutela

110

SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 110.

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Page 89: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

89

jurisdicional pode ser prestada de forma específica. Da mesma forma se o seu

cumprimento foi imperfeito ou defeituoso.

Também, em se tratando de obrigações de trato sucessivo é possível que a

obrigação violada volte a se repetir, sendo necessária uma tutela jurisdicional

inibitória para impedir o inadimplemento.

Não há mais dúvida que os direitos fundamentais não mais se resume a

direito de defesa contra a interferência estatal na esfera jurídica particular. Sabe-se,

atualmente, que os direitos fundamentais também conferem aos particulares direitos

de proteção, direitos à organização e ao procedimento e direitos a prestações

sociais.

O art. 5o, XXXII da Constituição Federal elevou o direito do consumidor à

condição de direito fundamental, afirmando expressamente "que o Estado

promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". Diante disso, e em razão do

art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, editou-se o Código de

Defesa do Consumidor.

A participação da iniciativa privada na assistência à saúde é facultada pela

Constituição Federal de 1988, não obstante a Magna Carta ter elevado a saúde à

condição de direito social, com a garantia de acesso universal e gratuito aos serviços

públicos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde.

De fato, as operadoras de planos de saúde, ao lado do Estado, são

essenciais à implementação dos objetivos da República no que tange a saúde da

população, uma vez que o modelo constitucional adotado para a promoção da

saúde, considera tal direito como direito público subjetivo. Antônio Joaquim

Fernandes Neto afirma que

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Page 90: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

90

Embora se trate do financiamento privado da assistência à saúde, o caráter público dos interesses envolvidos é reconhecido pela ciência jurídica. Por essa razão, as regras estabelecidas são de natureza cogente e restrigem a liberdade dos agentes econômicos que atuam no financiamento privado da assistência à saúde para sociais que objetivam, em última análise, a realização dos direitos fundamentais da pessoa humana. 111.

Nesse sentido, verifica-se a importância da intervenção estatal na

regulamentação do setor, uma vez que o sistema privado deve funcionar de forma

integrada ao público, em face da relevância peculiar e da natureza do interesses

protegidos, pois, conforme frisa o autor citado acima

Pode-se afirmar, com fundamento das normas que protegem os direitos fundamentais, que a principal justificativa para a intervenção do Estado é a natureza do bem jurídico alcançado pelas atividades de assistência à saúde. A atividade financeira, que sempre envolve riscos para o poupador, destina-se à proteção de bens de personalidade a vida, a integridade psíquica e corporal e o Estado não pode deixar de garantir o cumprimento das obrigações assumidas. 112.

Não se pode olvidar que os planos de saúde podem estabelecer limites

quantitativo e qualitativo quanto à cobertura a ser prestada, e, não raro, de tal

possibilidade decorrem inúmeras práticas abusivas que deixam o consumidor sem a

necessária assistência a sua saúde no momento que mais necessita.

Ademais disso, vale relembrar que uma das principais características dos

contratos em exame decorre da natureza da prestação atribuída à operadora de

planos de saúde. Trata-se de um contrato de prestação de serviços que prepondera

a obrigação de fazer, com sua peculiar complexidade, o que confirma a assertiva de

que a tutela específica é a mais idônea para garantir o adimplemento das obrigações

oriundas da relação obrigacional.

111

NETO, Antonio Joaquim Fernandes. Plano de Saúde e o Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 48-49.

112

NETO, Antonio Joaquim Fernandes. Plano de Saúde e o Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 53-54

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Page 91: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

91

Como corolário do Estado Social de Direito a tutela específica surge como

reflexo da tomada de consciência de que o direito processual de priorizar o

cumprimento específico ou equivalente, da obrigação assumida pelo devedor. É

imprescindível dar ao credor o bem da vida contratado e não o seu equivalente em

dinheiro. Marinoni aduz que

A tutela específica, como é óbvio, é a tutela ideal do direito material,já que confere à parte lesada o bem ou o direito em si, e não o seu equivalente.É apenas mediante a tutela específica que o ordenamento jurídico pode assegurar a prestação devida àquele que possui a expectativa de receber um bem. Não é por outra razão que os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, demonstrando uma verdadeira obsessão pela tutela específica, afirmam que a obrigação somente se converterá em perda e danos se o autor requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

113. (pág. 385)

Nesse sentido, a tutela específica das obrigações inadimplidas não é possível

por meio das tradicionais sentenças condenatória e executiva, sendo necessária

Técnica Processual que possa atuar sobre a vontade do devedor. Assim, a técnica

processual que se afigura mais idônea é Técnica mandamental.

Ocorre que na sociedade de consumo é relevante a tutela das necessidades

básicas inerentes à dignidade da pessoa humana, como, por exemplo, a proteção do

consumidor usuário de planos de saúde diante de cláusulas contratuais abusivas de

cujo conteúdo ele não participou.

Outrossim, não se pode olvidar de que mesmo sob a ótica privada, o direito à

saúde enquadra-se entre os direitos de personalidade, uma vez que está

intimamente visando ao direito à vida, a integridade corporal e à psique, possuindo

caráter extrapatrimonial. E é sob essa ótica que se deve interpretar o objeto dos

contratos de planos de saúde, uma vez que estes visam à cobertura dos gastos com

113 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo:Revista dos

Tribunais, 2004, p. 384.

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Page 92: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

92

a assistência à saúde. Isto porque se ocorre violação do direito à saúde do

consumidor não há como voltar ao status quo ante, de modo que a tutela jurídica

adequada é a ação cominatória preventiva ou a ação cominatória para

adimplemento específico.

Diante da natureza dos bens protegidos pelos contratos firmados entre as

operadoras e os usuários de planos privados de assistência à saúde, a

jurisprudência apontou a ocorrência de cláusulas abusivas de suspensão de

cobertura, influenciando na regulamentação do setor.

Ta entendimento significa que no que se refere aos contratos de prestação de

assistência à saúde há prioridade para garantir-se o cumprimento específico de

prestação, em detrimento do ressarcimento pelas perdas e danos, já que o direito à

saúde tem caráter não patrimonial. De acordo com Clayton Maranhão “como o

direito à saúde é não patrimonial, a conjugação de formas de tutela específica com

formas jurisdicionais de tutela resulta em formas de tutela jurisdicional específica

podem ter função preventiva ou repressiva.” 114.

Entre as tutelas preventivas encontra-se a tutela inibitória, a qual vem

conjugada com técnica mandamental consistente na emissão de ordem de fazer ou

não fazer. Clayton Maranhão afirma que “na perspectiva da tutela preventiva do

direito à saúde nas relações de consumo, a tutela inibitória revela-se como uma

forma de tutela jurisdicional específica, efetiva e adequada diante das práticas

114

MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil –v. 7), p. 219.

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Page 93: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

93

mercadológicas cada vez mais insensíveis com a dignidade da pessoa humana...”

115.

Além das tutelas preventivas, pode o consumidor valer-se da tutela do

adimplemento na forma específica, tanto para prevenir a ocorrência do dano,

quanto para exigir o cumprimento de prestação, mormente se trata de direito não

patrimonial, pois, conforme preconiza Clayton Maranhão

Já se afirmou que os direitos não patrimoniais, como o direito à saúde humana, são valores essenciais que estão fora do comércio jurídico e, portanto, não têm valor mensurável em pecúnia. É inconcebível a alocação (rectius: expropriação) do direito absoluto à saúde, inerente que é à dignidade da pessoa humana, mediante o pagamento de soma em dinheiro por parte do causador do dano. Por isso, mesmo no caso de dano consumado à saúde, há uma prioridade natura, lógica e jurídica de tutela ressarcitória na forma específica sobre a tutela ressarcitória pelo equivalente monetário. Naturalmente que isso pressupõe um dano à saúde ainda reparável, portanto possível que por isso opte o lesado. 116. (grifos do autor).’

O citado autor, ainda abordando a questão da prioridade que deve ser dada à

tutela específica do direito à saúde em detrimento do ressarcimento pecuniário,

apresenta o seguinte exemplo:

"O dano à saúde decorrente de erro médico tem sido muito freqüente. Uma dessas situações refere-se ao esquecimento de instrumentos cirúrgicos no corpo do paciente, havendo um caso real, já apreciado pela jurisprudência, em que foram necessárias cinco cirurgias, a última delas estética reparadora de deformidade. No caso concreto, a paciente foi submetida a uma simples cirurgia para retirada de cálculos na vesícula, recebendo alta cinco dias depois. Sentindo fortes dores, retirou de seu abdômen um objeto metálico da dimensão de uma agulha, reinternando-se por quatro vezes sucessivas no mesmo hospital, onde foi submetida a tantas intervenções para retirada de objetos esquecidos em seu abdômen na primeira cirurgia. Por conseqüência, contraiu deformidades estéticas que exigiram uma sexta intervenção cirúrgica reparadora. Não bastasse, apresentou problemas de locomoção em razão de mais um erro profissional: a enfermeira quebrara a agulha quando aplicava uma injeção. Diante de tanta negligência, demandou em face do hospital e da equipe médica. Como arcou com todas as despesas, pleiteou indenização pela soma em dinheiro correspondente. Contudo, poderia muito bem ter invocado o art. 84, §§ 3o, 4o e 5o, para pleitear ressarcimento na forma específica, com pedido de antecipação de tutela, consistente: i) na ordem

115 MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil –v. 7), p. 220.

116 Ibid., p. 284.

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Page 94: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

94

de fazer dirigida ao hospital, sob pena de multa, sem despender qualquer soma em dinheiro, pois tudo deveria correr às custas do referido estabelecimento; ou então ii) na ordem de fazer dirigida ao hospital, no sentido de entregar soma em dinheiro diretamente a outro hospital e equipe médica de confiança, indicados pelo consumidor lesado, e nomeados pelo juiz, nos valores que se fizessem necessários para a realização das cinco cirurgias reparadoras do dano biológico, incluído o dano estético.

117.

Daí a importância dos artigos 461 do CPC e 84 do CDC, os quais autorizam

o juiz não apenas impor um fazer ou um não fazer, como substituir um pelo outro

quando for mais adequado do caso concreto. Isto porque as regras dos dispositivos

mencionados conferem ao juiz o poder-dever de adequar a medida executiva (fazer

ou não-fazer) ao caso concreto que exige uma tutela jurisdicional.

Embora existam, entre os arts. 81 a 104 do CDC, uma série de importantes

normas para a proteção do consumidor na esfera jurisdicional, particularmente é

importante, diante do objeto de estudo, o art. 84 do CDC, como dispositivo

destinado à tutela das obrigações de fazer e de não-fazer derivadas das relações

de consumo, especialmente no caso dos serviços de assistência à saúde,

fornecidos pelo setor privado.

Nesse sentido, Marinoni afirma que “essa norma processual, como é óbvio,

deve ser pensada como instituidora de técnicas processuais efetivas para a

proteção do consumidor e, assim, deve ser interpretada não só à luz do direito

fundamental à efetividade da tutela jurisdicional (art. 5o, XXXV CF), mas também do

direito fundamental do consumidor”. 118. É preciso, pois, o direito fundamental

saúde, também no caso o direito do consumidor, tenha tutela jurisdicional efetiva.

117

MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil –v. 7), p. 301.

118 MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela específica do consumidor . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 251, 15 mar. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4985>. Acesso em 01 mai. 2006.

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Page 95: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

95

Assim, em princípio ambos ou qualquer deles poderia ser invocado como

fundamento das ações de saúde que visem à tutela jurisdicional da obrigação de

fazer. No entanto, Marinoni adverte que não obstante a identidade de conteúdo entre

os dispositivos, mister se fez esclarecer ambos possuem funções distintas, pois o

art. 84 do CDC destina-se à tutela dos direitos do consumidor e a quaisquer direitos

difusos, coletivos e individuais homogêneos, cabendo, no caso de tutela individual, a

invocação do artigo 461 do Código de Processo Civil. Assim aduz o citado

doutrinador:

Ainda que o art. 84 do CDC também tenha sido pensado para dar tutela aos direitos individuais do consumidor, o posterior surgimento do art. 461 do CPC, por ser capaz de dar tutela a qualquer espécie de direito individual, tornou-se desnecessária a invocação do art. 84 do CDC para a tutela dos direitos individuais do consumidor.

119.

Kazuo Watanabe, por sua vez, comentando o artigo 84 do CDC, afirma que

tal dispositivo foi praticamente transmudado para o artigo 461 do CPC, de modo que

a disciplina de ambos é a mesma. Tanto assim, que reproduziu nos comentários ao

dispositivo do CDC, aquilo que já havia comentado em relação ao dispositivo do

CPC. 120. De acordo com o citado doutrinador, “valeu-se o legislador, no art. 461 do

CPC, da conjugação de vários tipos de provimentos, especialmente do mandamental

e do executivo lato sensu, para conferir a maior efetividade possível à tutela das

obrigações de fazer ou de não fazer”. Segundo Teodoro Júnior

O que, em primeiro lugar, visou o legislador, no novo texto do art. 461, foi assegurar para o credor um julgamento que lhe propiciasse, na medida do possível, a prestação in natura, e ainda no âmbito do processo de

119 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p.

288.

120 WATANABE, Kazuo. In: CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: Comentado

pelos autores do anteprojeto. GRINOVER, Ada Pellegrini et al., 8 ed., Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2004, p. 844.

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Page 96: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

96

conhecimento, obter medidas de tutela diferenciada, que, diante de particularidade do caso concreto pudessem reforçar a exeqüibilidade da prestação específica e, se necessário, abreviar o acesso à satisfação de seu direito material. 121.

Divergências doutrinárias à parte, o que interessa do ponto de vista prático é

a possibilidade da invocação de qualquer um dos citados dispositivos legais, com a

utilização dos inegáveis benefícios que eles trazem para quem busca a tutela

específica das obrigações de fazer ou de não fazer, especialmente no que diz com a

tutela do direito à saúde, decorrente dos contratos de consumo ou do dever Estatal,

haja vista se tratam de técnicas processuais capazes de lhe dar concreta

efetividade.

4.3 Modelos de petição inicial – casos concretos

A seguir, para elucidar, trazemos à baila alguns modelos de petições iniciais

de ações cominatórias para cumprimento de obrigação de fazer, com pedido de

tutela específica de urgência. São casos concretos, onde houve o deferimento da

tutela de urgência liminarmente.

4.3.1 Ação de obrigação de fazer para fornecimento de medicamento

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª VARA ESPECIALIZADA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CUIABÁ – MATO GROSSO

URGENTE, RISCO DE MORTE!

121 TEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Jus Navigandi, n.56. Disponível em: http://www1.jus.com.br/. Acesso em: 23 de jun. de 2004 [capturado].

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Page 97: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para o seu problema. (Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde – Portaria nº 675,

de 30 de março de 2006, Ministério da Saúde)

XXXXXXXXXXXXXXXXX, brasileira, separada judicialmente, do lar, portadora

do documento de identidade RG n XXXXXXXX SSP/MT e CPF n.º XXXXXXXXXXX,

residente e domiciliada nesta cidade e comarca de Cuiabá – Mato Grosso, na Rua

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO,

cujo Defensor Público no uso de suas atribuições institucionais de assistência

jurídica a esta subscreve (intimações, e demais comunicações processuais de praxe,

para o órgão de atuação perante este juízo – gabinete no Núcleo Cível da

Defensoria Pública junto ao Fórum), com fundamento nos artigos 5º, caput

e inciso VI, 196 e 197, todos da Constituição Federal, artigos 273 e

461 do Código de Processo Civil; Leis 8.080/90 (Lei Orgânica da

Saúde) e Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), sem excluir outros

dispositivos legais, constitucionais e infraconstitucionais,

pertinentes à matéria, vem à presença de Vossa Excelência propor AÇÃO

COMINATÓRIA PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (COM

PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA) em face do ESTADO DE MATO

GROSSO (que por meio da SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE

detém a gestão estadual do Sistema Único de Saúde), pessoa

jurídica de direito público, representado pelo seu Procurador Geral, o

qual pode ser encontrado na Procuradoria Geral do Estado, no Centro

Polít ico Administrativo – CPA - Cuiabá – Mato Grosso, estando a ação

arrimada nos argumentos de fato e de direito adiante aduzidos.

I - DOS FATOS

A Autora é portadora ARTRITE REUMATÓIDE (CID10 R 05.9), associada a

outras doenças como Cardiopatia Hipertensiva Grave, Dislipidemia Mista e

PLAQUETOPENIA SEVERA. Para o tratamento desta última patologia

(plaqutopenia) e da artrite reumatóide, necessita usar continuamente, por

tempo indeterminado, o medicamento RITUXIMAB (Mabthera) ampola, na dose

de 1000 mg, duas vezes ao dia, de quinze em quinze dias. O medicamento é

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Page 98: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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imprescindível, pois a doença se mostrou refratária a todos os outros

esquemas terapêuticos propostos, como corticóides, imunussupressores e

imunoglobina, de modo que o quadro clínico da autora atualmente é bastante

grave, pois a quantidade de plaquetas em seu organismo é inferior

14.000/mm3, quando os valores de referência devem se situar entre 140.000 e

450.000 .

O número normal de plaquetas no sangue periférico varia de 150.000 a

450.000 plaquetas/mL, e em geral os indivíduos hígidos apresentam flutuações

mínimas neste número durante o dia. A plaquetopenia é definida como um número

anormalmente baixo de plaquetas circulantes. As plaquetas são componentes do

sangue responsáveis pelo processo de coagulação. A falta deste elemento pode ser

causada pela própria doença, bem como pelo tratamento de quimioterapia, podendo

causar sangramentos, hemorragias, hematomas e petequias (pequenas manchas

vermelho-arroxeadas, produzidas por vazamentos do sangue das veias para os

tecidos).

Por causa das doenças que lhe acometem, especialmente devido à

plaquetopenia que afeta bastante o seu sistema imunológico, impedindo o

avanço no tratamento das outras patologias, a autora se encontra muito fraca,

com fortes dores e praticamente paralisada, com risco de vir à óbito

prematuramente se não receber o tratamento adequado.

O medicamento prescrito trata-se de único fármaco de indicação precisa e

bastante eficaz no tratamento da doença e não tem substituto no mercado. De fato,

o Rituximab é uma nova medicação aprovada inicialmente para o tratamento do

linfoma do tipo B, mas que devido se tratar de um anticorpo bastante poderoso, seu

desenvolvimento abriu a possibilidade de ser útil no tratamento de outras

enfermidades auto-imunes refratárias, como a plaquetopenia que acomete a autora.

Da mesma forma, é comprovada a eficácia do fármaco para o tratamento da artrite

reumatóide.

Trata-se de medicamento que controla os sintomas clínicos, melhora a

qualidade de vida e aumenta a sobrevida dos pacientes; o remédio deve ser

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Page 99: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

99

utilizado por toda a vida da autora, de modo que é bastante difícil para ela

adquiri-lo por conta própria, visto que sua renda mensal é de apenas um

salário mínimo, ao passo que o preço do fármaco no mercado privado é

superior a R$ 7.000,00 (sete mil reais) a dose de 500 mg.

Assim, resolveu se socorrer do Sistema Único de Saúde (SUS),

protocolizando requerimento junto a Coordenadoria de Assistência

Farmacêutica (Farmácia de Alto Custo), da Secretaria de Estado de Saúde, mas

o pedido foi indeferido sob a alegação de que o medicamento não está

assegurado pelo SUS para o tratamento da doença que acomete a autora;

assim, embora o próprio médico regulador (que também é superintendente de

regulação) tenha confirmado a correção da prescrição do medicamento para o

caso em tela, houve o indeferimento por conta de que não estaria assegurado

pelas portarias 1.318 GMMS/2002 nem pela portaria 2287 GS/SES/2004. Isto

quer dizer que o pedido foi negado não por argumentos técnicos e científicos,

uma vez que se trata de fármaco adequado e insubstituível para o caso em

tela, mas por razões burocráticas.

Ao procurar resolução pela via administrativa, a Autora não obteve êxito,

de modo que não lhe restou alternativa que não fosse buscar o judiciário para fazer

valer o direito constitucional, fundamental e indisponível de ter a devida assistência a

sua saúde.

II – DOS DIREITOS

A saúde é direito de todos e dever do Estado (gênero), erigida pela Magna

Carta à categoria de direito social, fundamental, inalienável e indisponível, com

inúmeras conseqüências práticas, sobretudo no que tange à sua efetividade. Assim,

logo no art. 6º aparece o direito à saúde como postulado fundamental da ordem

social brasileira. Os arts. 196 a 200 trazem ínsitos os devidos esclarecimentos

quanto ao papel reservado ao Estado no que tange ao direto de assistência à saúde,

cabendo destacar que o art. 198 define o Sistema Único de Saúde -SUS.

Nesse diapasão, a lei 8.080/90 (LOS – Lei Orgânica do SUS) delineia os

princípios do sistema de saúde nacional e, em seu art. 2°, reconhece o direito à

saúde como direito fundamental do ser humano, "devendo o Estado prover as

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Page 100: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

100

condições indispensáveis ao seu pleno exercício" e logo a seguir, no art. 6°, I,

inclui, de modo peremptório, no campo de atuação do SUS "a execução de ações de

assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica".

Entre os princípios que regem o SUS, de acordo com a lei

supramencionada, estão: universalidade de acesso; a integralidade de assistência; a

preservação da autonomia das pessoas; a igualdade; o direito à informação; a

divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua

utilização pelo usuário e a resolubilidade.

A integralidade de assistência deve ser entendida como um conjunto

articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e

coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema.

O SUS deve garantir ao cidadão o direito de atenção à sua saúde, desde as ações

de promoção da saúde, prevenção de doenças até os tratamentos especializados e

de recuperação, quando exposto a qualquer tipo de doença ou agravo (Art. 198, II

da Constituição Federal, Brasil, 1998 e Art. 7º, II da Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da

Saúde - LOS).

De acordo com o princípio da resolubilidade, se por acaso uma determinada

unidade da rede não tiver condições de solucionar uma dada situação, ela saiba

exatamente onde resolver, seja capaz de viabilizar o acesso do usuário, ter resposta

satisfatória por parte do usuário e tê-lo de volta reencaminhado ao território de

referência com seu problema solucionado (Art. 7º, XII da Lei 8.080/90 -Lei Orgânica

da Saúde – LOS).

No caso em tela, é importante aduzir, o direito da Autora encontra ampla

guarida também na novel Lei Federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que em

consonância com os dispositivos constitucionais e com a Política Nacional do

Idoso, traz dispositivos específicos (artigos 15 e seguintes) referentes à ampla

proteção à saúde do idoso, dispondo especificamente no artigo 15, parágrafo

2º, que “incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente,

medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses,

órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação”.

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101

A jurisprudência pátria há muito vem reconhecendo o direito subjetivo

fundamental à saúde, sendo vários os casos em que os tribunais pátrios

resolveram tomar uma postura ativa e efetiva na concretização desse direito,

consoante se deflui dos julgados a seguir:

“O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O poder público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República”. (STF – Rext. N° 241.630-2/RS – Rel. Min. Celso de Melo – Diário da Justiça, Seção 1,3 abr. 2001, p. 49)

“OBRIGAÇÃO DE DAR COISA CERTA – TRANSPLANTE - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – PRESERVAÇÃO DA VIDA – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS – LEI N. 8080, DE 1990. PREVIDÊNCIA SOCIAL. SAÚDE PÚBLICA - Pac iente submetido a transplante de rim, sem recursos f inanceiros para comprar medicamento de custo elevado, indispensável para evitar a rejeição do órgão e o comprometimento das funções renais. O direito à vida e à saúde é público subjetivo, assegurado pela Constituição Federal a todos os cidadãos, principalmente àqueles que são carentes. A saúde está incluída entre os direitos sociais, sendo dever comum à União, Estado, Distrito Federal e municípios, entes políticos que têm responsabilidade solidária. Este conjunto de ações e serviços do Poder Público constitui o Sistema Único de Saúde - SUS. Entre os direitos fundamentais inscreve-se o de receber os medicamentos indispensáveis à sobrev ivência das pessoas que não têm meios para comprá-los. Inteligência dos arts. 6º, 23, II, 24, XII, 30, VII, 194, 195, 196 e 198 da CF, 284 da Constituição Estadual, 2º, 4º e 6º, I, d da Lei n. 8.080/90. Provida parc ialmente a apelação do Estado para exclu ir do decreto condenatório o pagamento de honorários advocatícios . Improv ida a do Município. (AC 2000.001.11485 - TJRJ - SETIMA CAMARA CIVEL – Rel. Des. CARLOS C. LAVIGNE DE LEMOS. Julgado em 13/02/2001).”

III – DA TUTELA DE URGÊNCIA

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Page 102: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

102

A gravidade da situação de saúde da Autora exige providências

imediatas, exatamente por se tratar de direito à saúde, que não pode esperar

diante do risco iminente de morte se ela não receber o tratamento mais

adequado para o seu caso, no menor espaço de tempo possível,

especialmente o medicamento prescrito. Diante disso, se impõe a efetivação

imediata da providência requerida, por meio de provimento judicial

acautelatório, com a utilização de medida judicial de urgência, principalmente

a concessão da tutela específica, nos moldes do disposto no artigo 461,

parágrafo 3º, do Código de Processo Civil.

Infelizmente tem se deparado com decisões judiciais denegatórias da tutela

de urgência, ou mesmo protelatória no que concerne ao pedido de tais tutelas, sob o

manto da lei 8.437/92, em analogia uris, relegando o direito e deixando a saúde e,

muitas vezes, a vida de pacientes sem a necessária guarida. A vedação de

concessão de liminares em face do Poder Público, conforme estabelecido

naquela e em outras leis, não se pode aplicar em casos como estes. Mister se

faz repensar tais interpretações dogmáticas, pois, conforme leciona o Ministro Luiz

Fux, do STJ:

A vedação, como é possível se entrever evidente, pode frustrar o dever de prestar jurisdição, consagrado constitucionalmente, por isso que a regra deve ser interpretada cum granu salis, posto, apesar de considerada constitucional pelo STF, restou recomendada a sua exegese à luz da valoração de interesses em jogo em cada caso, notadamente os direitos fundamentais, como tem ocorrido nas liminares de proteção imediata à vida e à saúde do povo. 122

Destarte, este é o caso, onde risco de morte representa, sem sombra de

dúvida, evidente perigo na demora em se aguardar a decisão judicial pleiteada

somente após a exaustão do processo de conhecimento, na via ordinária. Tal

razão, por si, já seria suficiente para a concessão da tutela de urgência.

IV - DOS PEDIDOS

Pelo exposto, pede inicialmente tutela específica de urgência, no sentido

de determinar que o Requerido forneça, incontinenti, o medicamento

RITUXIMAB (Mabthera) ampola, na dose de 1000 mg, duas vezes ao dia, de

quinze em quinze dias, por tempo indeterminado (a critério médico), ainda que

122 FUX, Luiz. O novo microssistema legislativo das liminares contra o poder público. Revista de direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 29, p. 13-32, maio/ago. 2004.

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Page 103: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

103

seja necessária a contratação no regime de urgência, com dispensa de

licitação; pede, finalmente, a total procedência do pedido, para que o requerido

seja obrigado a fornecer o medicamento prescrito na quantidade e pelo prazo

definidos pelo médico, requerendo ainda:

a) A gratuidade das custas processuais, nos termos da lei e da declaração de hipossuficiente inclusa;

b) A cominação de multa diária no valor R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em caso de descumprimento dos termos da tutela;

c) Caso o Requerido não cumpra, incontinenti, a ordem judicial, que sejam adotadas outras providências para a efetivação da tutela específica, a exemplos daquelas previstas no parágrafo 5º do art. 461 do CPC ou outras que se fizerem necessárias, como, por exemplo: a prisão do responsável, em caso de descumprimento reiterado; busca do medicamento no eventual estoque existente na Farmácia de Alto Custo; multa pessoal ao agente que descumprir a ordem judicial; bloqueio de numerário da conta do tesouro, em quantia suficiente para a aquisição do medicamento, dentre outras necessárias.

d) A citação do Requerido na pessoa de seu representante legal e no endereço referido no início, para contestar a presente ação no prazo legal, sob pena de revelia;

Finalmente requer a intimação pessoal do Defensor Público que oficia

perante este juízo para todos os termos e atos do processo (artigo 128, inciso I,

da Lei Complementar Federal 080/94 e art. 5º, parágrafo 5º, da Lei Federal nº

1060/50).

Protesta pela produção de todas as provas admitidas em direito,

especialmente pelos documentos inclusos e, se for necessário, realização de perícia

médica. Atribui à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Termos em que pede e espera deferimento.

Cuiabá – Mato Grosso, 30 de maio de 2007.

___________________ Carlos Gomes Brandão Defensor Público do Estado

1ª Defensoria de Atendimento e Proteção à Saúde e ao Idoso

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Page 104: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

104

4.3.2 Ação de obrigação de fazer - internação em UTI

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª VARA ESPECIALIZADA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CUIABÁ – MATO GROSSO

URGENTE, RISCO IMINENTE DE MORTE!

Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para o seu problema. (Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde – Portaria nº 675, de 30 de março de 2006, Ministério da Saúde)

XXXXXXXXXXXXXX, brasileiro, solteiro, vendedor autônomo, portador do

documento de identidade – RG n.º XXXXXXXXX e do CPF XXXXXXXXXX, residente

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO, cujo

Defensor Público no uso de suas atribuições institucionais de assistência jurídica a

esta subscreve (intimações e demais comunicações processuais de praxe para o

órgão de atuação perante este juízo – Gabinete no Núcleo Cível da Defensoria no

Fórum), com fundamento nos artigos 5º caput , 6º caput, 196 e 197,

todos da Constituição Federal; artigo 461 do Código de Processo

Civil; Leis 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), sem excluir outros

dispositivos legais constitucionais e infraconstitucionais,

pertinentes à matéria, vem à presença de Vossa Excelência propor

AÇÃO COMINATÓRIA PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA)

em face do ESTADO DE MATO GROSSO (que por meio da

SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE detém a coordenação regional

estadual do o Sistema Único de Saúde), pessoa jurídica de direito

público, representado pelo seu Procurador Geral, o qual pode ser

encontrado na Procuradoria Geral do Estado, no Centro Polít ico

Administrativo – CPA, com fulcro nos argumentos de fato e de direito adiante

aduzidos.

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Page 105: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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I - DOS FATOS

O autor foi v ít ima de acidente com automóvel ( foi atropelado) e se

está internado no Hospital e Pronto Socorro Municipal de Cuiabá,

entubado, com respiração mecânica. Seu quadro clínico é bastante

grave, com risco de morte, pois o acidente provocou TRAUMATISMO

CRÂNIO-ENCEFÁLICO, ALÉM DE DIVERSAS OUTRAS LESÕES, de

modo que ele deve ser transferido urgentemente para uma unidade

de terapia intensiva (UTI), sob pena de vir a óbito prematuramente

devido à falta de adequada assistência médico-hospitalar.

Sucede Excelência, que não obstante o atendimento pelo Pronto

Socorro ter s ido se suma importância para os primeiros socorros após o

acidente, o quadro clínico do autor inspira cuidados especiais,

requerendo internação em Unidade de Terapia Intensiva. Todav ia,

apesar do pedido de internação em UTI ter sido efetuado desde a

data de ontem, a verdade que ele permanece no Pronto Socorro à

espera de vaga para transferência.

Segundo informações da Central Estadual de Regulação, setor de

urgência e emergência SUS, órgão da Secretaria de Estado de Saúde

responsável pela regulação de vagas nos leitos de UTI, no momento

todos os leitos de UTI nos hospitais conveniados destinados a atender

o Sistema Único de Saúde es tão lotados. Ev identemente que tal

s ituação impõe a necessidade de determinar a internação do

Requerente em hospital público, se possível, ou mesmo particular,

ainda que seja necessária ordem judicial de pagamento pela tabela de

honorários médicos da AMB/CIEFAS (Tabela de Convênio Particulares)

ou outro valor compatível com o mercado privado.

Ora, se os hospitais conveniados ao SUS na capital do Estado

não dispõe de leito de UTI para receber o paciente, cabe aos gestores

do Sis tema prov idenciar a internação do Requerente ainda que seja

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Page 106: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

106

em hospital particular, ou, se houver tempo hábil, transferi-lo para

hospital conveniado nesta ou em outra unidade da Federação.

Insta ressaltar que o Autor e sua família não possuem recursos econômicos

para arcar com despesas do tratamento, tanto que ele está sendo atendido pelo

Sistema Único de Saúde (SUS). O pedido de AIH (Autorização de Internação

Hospitalar) foi efetuado no dia de ontem, em regime de urgência, mas até o

momento ele não foi transferido para leito de UTI, como é necessário.

Sem contar com solução administrativa para o seu problema, e dada à

urgência do caso, não lhe resta alternativa se não a de se socorrer da via judiciária

para ver valer o seu direito fundamental subjetivo de assistência integral à sua

saúde.

II – DOS DIREITOS

A Constituição de 1988 reservou um lugar de destaque para a saúde, erigida

à categoria de direito social, fundamental, inalienável e indisponível, com inúmeras

conseqüências práticas, sobretudo no que tange à sua efetividade. Assim, logo no

art. 6º aparece o direito à saúde como postulado fundamental da ordem social

brasileira. Os arts. 196 a 200 trazem ínsitos os devidos esclarecimentos quanto ao

papel reservado ao Estado no que tange ao direto de assistência à saúde, cabendo

destacar que o art. 198 define o Sistema Único de Saúde -SUS. Ademais, de acordo

com o artigo 196, a saúde passou a ser considerada como direito de todos e dever

do Estado, sendo que o artigo 197 reconheceu que as ações e serviços de saúde

são de relevância pública.

A lei 8.080/90 delineia os princípios do sistema de saúde nacional e, em

seu art. 2°, reconhece o direito à saúde como direito fundamental do ser

humano, "devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno

exercício" e logo a seguir, no art. 6°, I, inclui, de modo peremptório, no campo de

atuação do SUS "a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive

farmacêutica".

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Page 107: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

107

Também não se pode olvidar de que o Título I da Lei n° 8.080/90 delineia

os princípios do sistema de saúde nacional e, em seu art. 2°, reconhece o direito à

saúde como direito fundamental do ser humano "devendo o Estado prover as

condições indispensáveis ao seu pleno exercício"; logo a seguir, no art. 6°, I, inclui,

de modo peremptório, no campo de atuação do SUS "a execução de ações de

assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica".

Ademais, a Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), em seu art.7º,

estabelece que as ações e os serviços públicos de saúde obedecerão, dentre

outros, ao seguinte princípio: "(...) II - integralidade de assistência, entendida como

um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos,

individuais e coletivos, exigidos para cada caso e em todos os níveis e complexidade

do sistema." Quer isto dizer que o serviço dever ser integral, contínuo e, se

necessário for, também individual, independentemente das políticas públicas

de caráter geral. Isso significa que enquanto existir tratamento específico para

determinado paciente, deve ele ser ministrado.

Entre os princípios que regem o SUS, de acordo com a lei

supramencionada, estão: universalidade de acesso; a integralidade de assistência; a

preservação da autonomia das pessoas; a igualdade; o direito à informação; a

divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua

utilização pelo usuário e a resolubilidade.

A integralidade de assistência deve ser entendida como um conjunto

articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e

coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema.

O SUS deve garantir ao cidadão o direito de atenção à sua saúde, desde as ações

de promoção da saúde, prevenção de doenças até os tratamentos especializados e

de recuperação, quando exposto a qualquer tipo de doença ou agravo (Art. 198, II

da Constituição Federal, Brasil, 1998 e Art. 7º, II da Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da

Saúde - LOS).

De acordo com o princípio da resolubilidade, se por acaso uma

determinada unidade da rede não tiver condições de solucionar uma dada

situação, o Sistema deve ser capaz de viabilizar o acesso do usuário à outra

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Page 108: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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unidade de atendimento, de modo que ele tenha seu problema solucionado

(Art. 7º, XII da Lei 8.080/90 -Lei Orgânica da Saúde – LOS).

Finalmente, a nossa Constituição tutela a "dignidade da pessoa humana"

(art.1º, III, C.F.) como princípio-mor do ordenamento jurídico pátrio, de modo que a

tutela do direito à saúde deve ser vista, também, sob a ótica de tal princípio.

A jurisprudência pátria há muito vem reconhecendo o direito subjetivo

fundamental à saúde, sendo vários os casos em que os tribunais pátrios resolveram

adotar postura ativa na concretização desse direito, consoante se deflui dos julgados

a seguir:

“O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O poder público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República”. (STF – Rext. N° 241.630-2/RS – Rel. Min. Celso de Melo – Diário da Justiça, Seção 1,3 abr. 2001, p. 49)

“OBRIGAÇÃO DE DAR COISA CERTA – TRANSPLANTE -

FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – PRESERVAÇÃO DA VIDA –

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS – LEI N. 8080, DE 1990. PREVIDÊNCIA

SOCIAL. SAÚDE PÚBLICA - Paciente submetido a transplante de rim, sem

recursos financeiros para comprar medicamento de custo elevado,

indispensável para evitar a rejeição do órgão e o comprometimento das

funções renais. O direito à vida e à saúde é público subjetivo, assegurado

pela Constituição Federal a todos os cidadãos, principalmente àqueles que

são carentes. A saúde está incluída entre os direitos sociais, sendo dever

comum à União, Estado, Distrito Federal e municípios, entes políticos que têm

responsabilidade solidária. Este conjunto de ações e serviços do Poder

Público constitui o Sistema Único de Saúde - SUS. Entre os direitos

fundamentais inscreve-se o de receber os medicamentos indispensáveis à

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Page 109: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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sobrevivência das pessoas que não têm meios para comprá-los. Inteligência

dos arts. 6º, 23, II, 24, XII, 30, VII, 194, 195, 196 e 198 da CF, 284 da

Constituição Estadual, 2º, 4º e 6º, I, d da Lei n. 8.080/90. Provida parcialmente

a apelação do Estado para excluir do decreto condenatório o pagamento de

honorários advocatícios. Improvida a do Município. (AC 2000.001.11485 -

TJRJ - SETIMA CAMARA CIVEL – Rel. Des. CARLOS C. LAVIGNE DE

LEMOS. Julgado em 13/02/2001).

III – DA TUTELA DE URGÊNCIA

A gravidade da situação de saúde do Autor, somado à falta de recursos

para custear o tratamento pela rede particular, exigem providências imediatas,

exatamente por se tratar de direito à saúde, que não pode esperar. Diante

disso, se impõe a efetivação imediata da providência requerida, por meio das

denominadas medidas de urgência, principalmente a concessão da tutela

específica, nos moldes do disposto no artigo 461, parágrafo 3º, do Código de

Processo Civil.

Infelizmente tem se deparado com decisões judiciais denegatórias da tutela

de urgência, ou mesmo protelatória no que concerne ao pedido de tais tutelas, sob o

manto da lei 8.437/92, em analogia uris, relegando o direito e deixando a saúde e,

muitas vezes, a vida de pacientes sem a necessária guarida. A vedação de

concessão de liminares em face do Poder Público, conforme estabelecido

naquela e em outras leis, assim como a oitiva prévia do Ente Público, não se

pode aplicar em casos como estes, onde a urgência requer tutela jurídica

imediata, sob pena de colocar em risco a vida de pacientes. Mister se faz

repensar tais interpretações dogmáticas, pois, conforme leciona o Ministro Luiz Fux,

do STJ:

A vedação, como é possível se entrever evidente, pode frustrar o dever de prestar jurisdição, consagrado constitucionalmente, por isso que a regra deve ser interpretada cum granu salis, posto, apesar de considerada constitucional pelo STF, restou recomendada a sua exegese à luz da valoração de interesses em jogo em cada caso, notadamente os direitos fundamentais, como tem ocorrido nas liminares de proteção imediata à vida e à saúde do povo. 123

123 FUX, Luiz. O novo microssistema legislativo das liminares contra o poder público. Revista de direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 29, p. 13-32, maio/ago. 2004.

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Page 110: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

110

Em resumo, o quadro clínico do paciente, somado ao fato incontestável de

que ele precisa ser transferido imediatamente para uma Unidade de Terapia

Intesiva, sob pena de vir a óbito por falta de adequada assistência médico-

hospitalar, certamente basta para demonstrar a relevância do pedido e o perigo

na demora de se aguardar a decisão judicial final do processo na via ordinária.

Tais razões, por si, já seriam suficientes para a concessão da tutela de urgência.

IV - DOS PEDIDOS

Diante do exposto, espera, inicialmente, a concessão de tutela liminar

específica e mandamental de urgência no sentido de determinar que o

Requerido adote, imediatamente, todas as providências necessárias para que

o Autor seja transferido para um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI),

ainda que seja necessária a contratação de fornecedor particular (sem

licitação); pede ainda, que se necessário for, seja providenciada a remoção ou

a transferência para hospital ou clínica nesta ou em outra unidade da

Federação, mesmo particular, com suporte de UTI móvel ou aérea, sob pena de

cominação de multa diária e outras medidas de coerção, além de eventuais

medidas executivas lato sensu (art. 461, par. 5º do CPC); pede finalmente a

total procedência do pedido no sentido de determinar ao requerido que preste

a necessária assistência à saúde do autor, transferindo-o para um leito de UTI

e assegurando a continuidade do tratamento, requerendo ainda:

b) A gratuidade das custas processuais, nos termos da lei e da declaração de hipossuficiente inclusa;

c) Antes mesmo de que se proceda à intimação do representante legal do requerido, que seja intimado o Superintende da Central Estadual de Regulação para que adote todas as providências necessárias para o imediato cumprimento da ordem judicial; determinando que o oficial de justiça de plantão, ou outro designado, acompanhe o cumprimento da ordem, requisitando força policial se necessário, bem como informando a este juízo eventuais embaraços ao cumprimento da determinação, para que sejam adotadas providências destinadas a dar efetividade à decisão judicial e garantir a assistência à saúde do autor.

d) A cominação de multa diária no valor R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em caso de descumprimento dos termos da tutela;

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Page 111: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

111

e) Caso o Requerido não cumpra, incontinenti, a ordem judicial, que sejam adotadas outras providências para a efetivação da tutela específica, dentre aquelas previstas no parágrafo 5º do art. 461 do CPC ou outras que se fizerem necessárias, como, por exemplo: a prisão do responsável, em caso de descumprimento reiterado; multa pessoal ao agente que descumprir a ordem judicial; determinação de internação em hospital particular e o necessário bloqueio de numerário da conta do tesouro, em quantia suficiente para o pagamento das despesas;

f) Para que não se venha alegar falta de previsão orçamentária a impedir o pronto atendimento à decisão judicial que conceder a tutela jurisdicional aqui pleiteada, que seja determinado, por este juízo, que o Requerido seja obrigado a remanejar ou transferir recursos orçamentários destinados a outras categorias orçamentárias menos importantes (art. 36, par. 2º, da Lei 8.080/90) do que a saúde (corolário do direito à vida), como, por exemplo, a propaganda institucional do governo, para solucionar o problema de saúde do Autor.

g) A citação do Requerido na pessoa de seu representante legal e no endereço referido no início, para contestar a presente ação no prazo legal, sob pena de revelia;

Finalmente requer a intimação pessoal do Defensor Público que oficia

perante este juízo para todos os termos e atos do processo (artigo 128, inciso I,

da Lei Complementar Federal 080/94 e art. 5º, parágrafo 5º, da Lei Federal nº

1060/50). Protesta pela produção de todas as provas admitidas em direito,

especialmente pelos documentos inclusos e, se for necessário, realização de perícia

médica. Atribui à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Termos em que pede e espera deferimento.

Cuiabá – Mato Grosso, 30 de maio de 2007.

_____________________________ Carlos Gomes Brandão

Defensor Público do Estado 1ª Defensoria de Atendimento e Proteção à Saúde e ao Idoso

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Page 112: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

112

4.3.3 Ação de obrigação de fazer contra operadora de plano de saúde

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE CUIABÁ – MATO GROSSO

URGENTE!

CARMOSINA DORILEO CALDAS (80 anos), brasileira, viúva, do lar,

portadora do RG nº 22.834-6 SSP/MT e do CPF nº 021.972.051-70, residente e

domiciliada na Avenida Deputado Milton Figueiredo, Bloco 04, Apartamento 202,

Setor Norte, Bairro Morada do Ouro - Cuiabá – Mato Grosso, pela DEFENSORIA

PÚBLICA DO ESTADO, cujo Defensor Público no uso de suas atribuições

institucionais de assistência jurídica a esta subscreve (comunicações processuais de

praxe para o órgão de atuação peratne este juízo – gabinete no Núcleo Cível da

Defensoria Pública no Fórum) vem à presença de Vossa Excelência propor

AÇÃO COMINATÓRIA PARA CUMPRIMEINTO DE OBRIGAÇÃO DE

FAZER (COM PEDIDO DE TUTELA ESPECÍFICA DE URGÊNCIA)

em face da UNIMED CUIABÁ – COOPERATIVA DE TRABALHO

MÉDICO – pessoa jurídica de direito privado, inscri ta no CNPJ sob o

nº. 03.533.726/001-88, cuja sede se localiza na rua Barão de Melgaço,

2.713 – Centro Sul, Cuiabá – Mato Grosso, estando a ação arrimada nos

argumentos de fato e de direito adiante aduzidos.

I - DOS FATOS

A Autora é cliente consumidora do Plano de Saúde UNIMED CUIABÁ,

operacionalizado pela Ré, há vários anos, sendo certo que durante todo este tempo

sempre cumpriu fielmente com suas obrigações, concernente ao pagamento das

prestações mensais.

Ao aderir o citado plano a Autora tinha a expectativa de assegurar pleno

atendimento médico-hospitalar quanto aos eventos futuros e incertos envolvendo a

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Page 113: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

113

sua saúde, especialmente diante do colapso do Sistema Único de Saúde instituído

pelo governo brasileiro.

Ao firmar o contrato a Autora o fez imbuído de boa fé, pois acreditava que

pagando religiosamente em dia suas prestações mensais, de altíssimo valor, diga-se

de passagem, teria a necessária cobertura em qualquer evento futuro envolvendo a

sua saúde, ainda mais diante da propaganda ostensiva e da reputação que goza a

Operadora de Planos de Saúde que contratou.

A Autora apresentou fratura do fêmur no mês de janeiro de 2005,

ocasião em que foi realizado procedimento cirúrgico especializado

(oesteossíntese com placa reforçada de 4,5 mm), tudo com a pronta cobertura

por parte do plano de saúde operacionalizado pela ré.

Ocorre que o quadro evolui com RETARDO DE CONSOLIDAÇÃO e

posteriormente com PSEUDOARTROSE DE FÊMUR e falha do material de

osteossíntese, com fratura da placa em 15/03/2007; como a paciente é idosa e

acometida também de osteoporose, a realização de novo procedimento

cirúrgico para a correção da patologia seria muito agressivo, uma vez que

seria necessário proceder à retirada de todo o material utilizado na cirurgia

anterior e fixar outra placa especial, de modo que, considerando o quadro

clínico da paciente, a melhor indicação para o seu caso é a realização de

terapia extra corpórea por ondas de choque, consoante se deflui do relatório

médico anexo.

O retardo da consolidação pode ser definido como a falha de união

óssea após de três a seis meses após a fratura e a pseudoartrose está

definida como a ausência de união óssea após um período de seis

meses ou mais. Dentre os fatores que influenciam negativamente na cura da fratura

incluem a idade avançada e a osteoporose, os quais são fatores adicionais

negativos para a cura da fratura.

As ondas de choque são ondas acústicas de alta energia, que se traduz em

forma de tratamento que vem sendo aplicando em doenças ortopédicas crônicas

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Page 114: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

114

com excelentes resultados, especialmente quando se trata de pacientes que já

tenham se submetido aos tratamentos convencionais como medicação, fisioterapia e

retardo na consolidação das fraturas com peseudoartrose, como é o caso da autora.

Ademais disso, trata-se de procedimento que é realizado ambulatorialmente, em

necessidade de internação, praticamente sem riscos para o paciente e de baixo

custo benefício, se comparadoa uma cirurgia tradicional.

Pseudoartrose é a falta de união óssea após uma fratura ou cirurgia ortopédica. Essa dificuldade se caracteriza por dor no local acometido, em função de movimentos dos fragmentos ósseos. De difícil solução, os pacientes geralmente submetem-se a várias cirurgias e passam por longo período de imobilização do membro afetado. A aplicação de Ondas de Choque estimula a neoformação do tecido ósseo, através do aumento da irrigação sanguínea local, podendo levar à consolidação óssea. 124.

A Sociedade Brasileira de Terapia por Ondas de Choque (SBTOC) e a ISMST, recomendam o tratamento convencional dessas patologias, por exemplo: medicamentos, fisioterapia, palmilhas, aparelhos de imobilização, conforme o caso; e, geralmente, após um período de 6 meses, sem obter resultado satisfatório, é que utilizam TOC. Assim, tem-se evitado uma série de cirurgias desde que se iniciou com a TOC. 125.

Apesar de se ser procedimento já amplamente reconhecido como

tratamento médico especializado, inclusive contando com a cobertura

voluntária de diversos planos de saúde, dentre eles as congêneres Unimed’s

de outras unidades da Federação, a Ré simplesmente não autorizou tratamento

requerido pelo médico da autora; a negativa de cobertura se deu sob o

fundamento de o contrato não cobre o procedimento (terapia por ondas de

choque em partes ósseas), asseverando que a restrição encontra guarida na

cláusula VII, itens 7.3 e 7.3.1; afirma ainda que previsão de cobertura é

somente para o rol de procedimentos do Conselho Nacional de Saúde

Suplementar – CONSU, e que o procedimento solicitado não estaria incluído

no referido rol (documento anexo).

124 Disponível em < http://www.ondasdechoque.com.br/> , site visitado em 08/05/2007.

125 TERAPIA POR ONDAS DE CHOQUE (TOC), disponível em < http://www.abcdasaude.com.br>,

site visitado em 08/05/2007

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Page 115: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

115

Ora, ao aderir ao plano de saúde, por meio de contrato de adesão, a Autora

não tinha conhecimento de que a cobertura somente se daria para os procedimentos

referidos no citado rol; nem seria lógico que ela estivesse disposta a pagar um plano

particular de saúde durante tanto tempo para depois, no momento mais difícil, ficar

sem a cobertura necessária para os infortúnios que lhe comprometem a saúde.

Logo, considerando que o consumidor é parte vulnerável nos contratos típicos

de adesão, como é o caso em tela, o Judiciário não pode fechar os olhos e deixar de

tutelar o bem jurídico (a saúde e a vida), que se busca proteção.

Assim, se sentindo totalmente prejudicada pela Operadora, que insiste

em negar a cobertura para o tratamento, a Autora não teve alternativa que não

fosse se socorrer da via judiciária, como única forma de obrigar a Ré a cumprir

com a sua obrigação.

III – DOS DIREITOS

O direito da Autora se encontra protegido pela própria Lei das Leis, uma vez

que a Constituição de 1988 reservou um lugar de destaque para a saúde, erigida à

categoria de direito social, fundamental, inalienável e indisponível, advindo, de tal

posicionamento, inúmeras conseqüências práticas, sobretudo no que tange à sua

efetividade.

É de se ver que a relação jurídica entre as partes, no caso em apreço, por

obediência à Constituição de 1988 e ao Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º

8.078/90, art. 1.º), caracteriza-se como uma relação de consumo, disciplinada por

normas de ordem pública e interesse social.

Ademais disso, deve ser consignado que o contrato estabelecido entre as

partes se caracteriza como Contrato de Adesão e, dessa forma, subordina-se agora

também às normas protetoras do consumidor, parte vulnerável da relação contratual,

o qual deve ser protegido em seus direitos fundamentais de cidadão, principalmente

quando se trata do direito à vida e à saúde. Assim, a interpretação de tais contratos

deve ser feita com a observância de princípios obrigatórios para o efetivo equilíbrio e

harmonia da relação, v.g., a boa-fé. (art.4.º, caput, e seu inciso III do CDC), eis que o

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Page 116: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

116

consumidor é induzido a pensar que terá integral cobertura para os eventos futuros e

incertos envolvendo a sua saúde. Do contrário, seria mais conveniente se socorrer

do SUS e poupar o valor pago mensalmente ao setor privado.

Discorrendo sobre a caracterização dos contratos de planos de saúde,

ensina Antônio Joaquim Fernandes Neto (Plano de Saúde e Direto do Consumidor,

Belo Horizonte, ed. Del Rey, 2002, pag. 137) que:

“De forma semelhante à observada na maior parte dos contratos de consumo, os planos de saúde também são formalizados mediante adesão da parte consumidora às cláusulas e condições estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor. Não existe, como nos contratos paritários, possibilidade de discussão ou questionamento das regras por parte do consumidor”.

Deve ser observado que estes contratos se baseiam muito na confiança

depositada pelo consumidor em relação à Operadora de Planos de Saúde

contratada, e trazem sempre implícita enorme expectativa de cobertura contra os

riscos que se obrigou a contratar. Nesse sentido, o autor citado acima (ob. cit. Pág.

145) ensina que:

“Os serviços de assistência à saúde são cada vez mais caros e complexos, inacessíveis à renda da maior parte dos indivíduos e famílias, que é obrigada a confiar nas promessas de segurança contra os riscos que a levou a contratar um plano de saúde”.

Na mesma esteira dos ensinamentos acima esposados, não poderia deixar

de trazer a colação o entendimento moderno e predominante dos tribunais pátrios

quanto ao pedido que aqui se apresenta, a exemplo dos julgados a seguir:

“CLÁUSULA CONTRATUAL QUE EXCLUI COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO-HOSPITALAR – ABUSIVIDADE – INCIDÊNCIA DO CDC – A empresa que explora plano de assistência médica e recebe contribuições mensais de associados, sem submetê-lo a prévio exame, não pode escusar-se ao pagamento de sua contraprestação, alegando existência de doença preexistente, que nem mesmo o segurado tinha conhecimento. Tem-se como abusiva cláusula contratual de plano de assistência médico-hospitalar que exclui tratamento de moléstia grave, devendo o plano de saúde ressarcir o consumidor das despesas decorrentes de internação e tratamento de câncer. (TAMG – AC 0335319-9 – 4ª C.Cív. – Rel. Juiz Alvimar de Ávila – J. 23.05.2001”’.

“COOPERATIVA MÉDICA – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – NÃO COBERTURA DE TRATAMENTO –

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Page 117: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

117

APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – O contrato adesivo que coloca no mercado planos de saúde, avença regulada através de um contrato de prestação de serviços médicos, na sua execução, está sujeito à aplicação do estatuto consumerista, posto evidenciada a condição de fornecedora de serviços da cooperativa contratada, tendo figurado como destinatária a consumidora final, elementos que caracterizam uma relação de consumo, nos moldes dos arts. 2º e 3º do CDC. A saúde, bem relevante à vida e à dignidade da pessoa humana, foi elevada na atual Constituição Federal à condição de direito fundamental, não podendo ser, portanto, caracterizada como simples mercadoria e nem pode ser confundida com outras atividades econômicas. Sendo detectada a natureza abusiva de cláusula contratual, possibilita ao Judiciário declarar a sua ineficácia, ainda mais se se apresenta com uma obrigação excessivamente onerosa, quando a parte ao assumi-la não possuía prévio conhecimento da dinâmica e dos termos do contrato de prestação de serviços médicos, com contornos de adesão, que excluía a realização de tratamento de doenças específicas. (TAMG – AC 0324266-6 – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Duarte de Paula – J. 14.02.2001)

III – DA TUTELA DE URGÊNCIA

A gravidade da situação de saúde da autora, somada à injustificada

negativa de cobertura da assistência médico-hospitalar pela ré e a relevância

da demanda, exige providências urgentes, exatamente por se tratar de direito à

saúde, que não pode esperar, impondo-se a efetivação imediata do requerido,

por meio de medida de urgência, principalmente pela concessão da tutela

específica, nos moldes do disposto no artigo 461, parágrafo 3º do CPC e ainda

pelo disposto no artigo 84, parágrafo 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Ambas estas técnicas de tutela, como afirma J. E. Carreira Alvim, "são

modalidades de tutela diferenciada, cujo objetivo é satisfazer uma pretensão material

que, de outro modo, estaria comprometida pela natural demora na conclusão do

processo".

Além disso, a negativa de cobertura por parte da Requerida constitui evidente

ofensa à cláusula geral da boa-fé objetiva, adjacente à relação contratual. Nesse

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Page 118: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

118

sentido, adverte Clayton Maranhão (Tetela Jurisdicional do Direito à Saúde, Coleção

Temas Atuais de Direito Processual Civil – Vol. T, São Paulo, ed. Revista dos

Tribunais, 2003, pág. 269):

“Tal ameaça do inadimplemento de uma obrigação ofende a cláusula geral da boa-fé objetiva, diante das circunstâncias apresentadas. A tutela jurisdicional específica é efetivada mediante a conjugação das técnicas mandamental e de coerção indireta, isto é, ordem de não interrupção do fornecimento do medicamento sob pena de multa”.

Não bastasse isso, a verossimilhança do alegado se encontra demonstrada

pelas próprias razões do pedido e pelas provas que o instruem, sendo indubitável,

ainda, o direito que dá suporte ao pedido da autora.

De fato a tutela de urgência é incontestável diante do quadro clínico da

paciente e pela negativa de cobertura do tratamento por parte da Ré, não sendo

crível ela se veja alijada de ter garantido o seu direito constitucional fundamental de

assistência à saúde.

Daí se torna necessária tutela de urgência (tutela específica), de cunho

mandamental, com determinação de que a Requerida preste imediata assistência à

saúde da Autora, adotando todas as medidas que se fizerem necessárias,

principalmente autorizando o uso procedimento médico indicado e demais

despesas conseqüentes do tratamento demandado.

IV - DOS PEDIDOS

Diante exposto pede a concessão liminar de tutela específica e

mandamental, de urgência, no sentido de determinar que a ré autorize,

imediatamente, o tratamento por meio de TERAPIA POR ONDAS DE CHOQUE

EM PARTES ÓSSEAS, de acordo com a prescrição médica, sob pena de

cominação de multa diária e outras medidas de coerção, além de eventuais

medidas executivas lato sensu (art. 461, par. 3º e 5º do CPC e artigo 84,

parágrafos 3º e 5º do CDC) que se fizerem necessárias; pede, por fim, que o

presente pedido seja julgado totalmente procedente confirmando-se a liminar

deferida nos termos acima solicitado, requerendo ainda:

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Page 119: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

119

h) A gratuidade das custas processuais, nos termos da lei e da declaração de

hipossuficiente inclusa;

b) A cominação de multa diária no valor R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em

caso de descumprimento dos termos da tutela;

c) Caso o Requerido não cumpra incontinenti a ordem judicial, que sejam

adotadas outras providências para a efetivação da tutela específica (medidas

executivas lato sensu), a exemplos daquelas previstas no parágrafo 5º do

art. 461 do CPC ou outras que se fizerem necessárias como, por exemplo, o

bloqueio de numerário em conta bancária da requerida, na quantidade

suficiente para a realização do tratamento;

d) A citação do Requerido na pessoa de seu representante legal e no

endereço referido no início, para contestar a presente ação no prazo legal,

sob pena de revelia.

e) A prioridade na tramitação processual, nos termos do Estatuto do Idoso;

Finalmente requer a intimação pessoal do Defensor Público que oficia

perante este juízo para todos os termos e atos do processo (artigo 128, inciso I,

da Lei Complementar Federal 080/94 e art. 5º, parágrafo 5º, da Lei Federal nº

1060/50). Protesta pela produção de todas as provas admitidas em direito,

especialmente pelos documentos inclusos e, se for necessário, realização de perícia

médica. Atribui à causa o valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais).

Termos em que pede e espera deferimento.

Cuiabá – Mato Grosso, 30 de maio de 2007.

___________________ Carlos Gomes Brandão Defensor Público do Estado

1ª Defensoria de Atendimento e Proteção à Saúde e ao Idoso

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Page 120: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

120

5 A tutela jurisdicional do direito à saúde e o cumprimento das

decisões judiciais

A problemática pertinente à efetividade das decisões judiciais é tarefa que

preocupa e que se revela amiúde quando se trata das decisões judiciais concessivas

de liminares, sendo a ordem dirigida aos particulares ou, principalmente, à

Administração Pública. Basta lembrar, por exemplo, o pagamento dos precatórios

pela Fazenda Pública.

No que tange aos particulares, no caso específico do presente estudo as

empresas fornecedoras de planos de assistência médico-hospitalar, temos que a

tutela específica que imponha e determine o cumprimento da obrigação de fazer se

mostra adequada e apta a tutela do direito reclamado.

A aplicação da multa, quando em montante razoável e de acordo com a

urgência do caso, geralmente é meio idôneo a exercer a pressão psicológica

necessária para o cumprimento do mandamento judicial.

De qualquer modo, é importante frisar que o magistrado, nas ações de saúde

e considerando a urgência do caso, além da multa pode utilizar outros mecanismos

como a prisão por crime de desobediência ou o seqüestro de valores constantes das

contas bancárias da citada empresa. Também poderia ser autorizado o atendimento

por outros fornecedores do mercado privado às expensas do réu.

Não obstante o empenho dos processualistas modernos na defesa da idéia

da efetividade do processo, no Brasil ainda se enfrentada alguns obstáculos para o

alcance de tais desideratos, especialmente quando se trata do cumprimento de

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Page 121: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

121

decisões e ordens judiciais por parte do Poder Público, até mesmo quando se trata

de tutelas de urgência, como é o caso do direito à saúde.

De acordo com Adugar Quirino “o não cumprimento de decisões judiciais

revela o enfraquecimento da Democracia, do Estado Democrático de Direito e do

acesso ao Judiciário Público, e há afronta inequívoca à separação de Poderes.” 126.

Ocorre, que não raro a Administração Pública é recalcitrante no

descumprimento das decisões judiciais, de modo que é preciso encontrar fórmulas

de resolver os entraves que levam ao triste quadro de descumprimento impune das

ordens judiciais.

Destarte, a questão no Brasil apresenta peculiaridade que representa

verdadeiro paradoxo: de um lado, na esteira da tendência mundial, a possibilidade

de concessão de medidas de urgência, liminarmente, em face da Fazenda Pública

passou a constar de diversos procedimentos, como o mandado de segurança, a

ação popular e a ação civil pública; por outro lado, e contra a tendência anterior,

iniciou-se um movimento por parte do Poder Executivo no sentido restringir a

concessão de liminares em face do Poder Público.

No entanto, conforme visto no capítulo anterior, é preciso interpretar cum

grano salis 127, os dispositivos legais que vedam a concessão de liminares em face

da Fazenda Pública, especialmente quando do cotejo entre os bens em jogo, a

saúde e a vida das pessoas estiverem sob risco. Nesse sentido, os principais óbices

geralmente apresentados por aqueles que justificam o tratamento diferenciado e

126 SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 1

127 Expressão latina, que traduzida literalmente significa “com uma pitada de sal” e que aqui foi

utilizada no sentido de que a interpretação deve se nortear pela razoabilidade, pela necessidade e pela proporcionalidade.

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Page 122: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

122

privilegiado que é dado ao Poder Público nas demandas propostas por particulares

já foram analisados nos capítulos anteriores, especialmente no capítulo 4.

Também nos capítulos antecedentes ficou evidenciado que o particular pode

utilizar-se da ação mandamental prevista no artigo 461 do CPC para exigir o

cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, dentre elas a assistência à

saúde, por parte do Poder Público.

Aliás, foi de acordo com esses princípios que se instituiu a reforma processual

recente, especialmente no que diz com a tutela de urgência satisfativa, para cujo

cumprimento o legislador aumentou o rol dos deveres das partes para, prevendo,

entre outros, o de "cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar

embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final",

consoante disposto no inciso V, do artigo 14 do Código Processual Civil.

Nesse sentido, vale trazer a colação a opinião de Araken de Assis, que

estudando a influência do instituto jurídico do “contempt of court”, do direito anglo-

americano, no sistema processual civil brasileiro, afirma que

[...] o art. 14, V, e parágrafo único, da Lei 10.358, de 27.12.01, generalizou a sanção por contempt of court. De fato, previu a imposição de multa no caso de descumprimento dos provimentos mandamentais, de modo similar ao que acontece com a injunction norte-americana, sancionando, além disto, a criação de “embaraços à efetivação dos provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final”. Podem ser sujeitos passivos da multa as partes e todos aqueles que de qualquer forma participam do processo (art. 14, caput). 128.

Observamos que a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 461 do CPC

tem pequena ou quase nenhuma possibilidade de servir como meio coercitivo no

sentido de forçar o Poder Público a cumprir as decisões judiciais. Assim, há quem

128 ASSIS, Araken. O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Academia Brasileira de Processo Civil. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/textos/artigos/ >. Site visitado em 04/05/2006.

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Page 123: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

123

entenda que a aplicação de multa pessoal ao agente público que descumprir a

ordem judicial seria mais idônea. De acordo com Araken de Assis

no caso de descumprimento à ordem judicial, travestida de provimento mandamental (art. 14, V), o servidor e o agente públicos sujeitam-se à pena do art. 14, parágrafo único. Arruda Alvim percebeu, corretamente, que a sanção se dirige ao “destinatário precípuo da ordem”. Ora, tais pessoas, cujo comportamento se subordina ao princípio da legalidade (art. 37, caput, da CF/88), se revelam suscetíveis à ameaça da multa. É pouco provável que desafiem o órgão judicial, arrostando a conseqüência de se verem apenados. Razões individuais, a exemplo da promoção iminente e o amor próprio, tornam o servidor apegado à rotina inflexível do cumprimento espontâneo. Depois, transitada em julgado a decisão, a inscrição da multa como dívida ativa do Estado ou da União, e, em seguida, a execução da respectiva certidão, constituem atos de competência de outros servidores, nada propensos a deixar de praticar atos de ofício para eximir colegas desconhecidos, ainda mais sob a fiscalização sempre aterrorizante do Ministério Público. Assim, a ameaça é real e efetiva, atingindo os objetivos da técnica de pressão psicológica. 129.

Dissertando sobre a efetividade do processo em face da Fazenda Pública,

Viana afirma que o ideal é a mudança de foco no que concerne à aplicação da

multa, pois o melhor seria que elas recaíssem diretamente sobre o agente público de

que deveria cumprir a ordem judicial. Todavia, adverte o autor, seria necessária uma

reforma legislativa no sentido de viabilizar tal possibilidade, a qual não é possível no

sistema atual. Também de acordo com o citado autor, a utilização de outras

medidas de apoio previstas exemplificativamente no § 5º , do art. 461 , do CPC,

devem respeitar certos limites políticos existentes no sistema quando se trata e

analisar a sua utilização contra a Fazenda Pública130.

Na prática o que temos observado, ao menos nas ações propostas visando à

tutela do direito à saúde, é que o Judiciário tem sido bastante sensível às demandas

129 ASSIS, Araken. O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Academia Brasileira de Processo Civil. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/textos/artigos/ >. Site visitado em 04/05/2006.Ibid.

130 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São Paulo: Dialética, 2003.

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Page 124: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

124

propostas, haja vista que na quase totalidade dos casos é deferida tutela antecipada

específica liminarmente.

Todavia, em determinadas situações o Poder Público cumpre quando quer, e

muitas vezes não cumpre, a decisão judicial, sem que os magistrados tenham feito

uso efetivo das técnicas predispostas no ordenamento jurídico (art. 461 e art. 14 do

CPC, por exemplo) para a efetiva tutela do direito à saúde. A análise de alguns

casos concretos dará a dimensão da problemática:

Caso 1: A. C. R., motorista, 37 anos, foi acometido de tumor cerebral, com

evolução rápida (seis meses). O tumor maligno foi diagnosticado após ele ter sido

submetido à cirurgia para retirada de um outro tumor que se pensava ser benigno.

Como não obteve sucesso no procedimento cirúrgico anterior e ainda por ter

sido constatado que o caso era de tumor maligno, a terapêutica escolhida para o seu

tratamento foi radioterapia, combinada com quimioterapia, neste último caso fazendo

uso do medicamento denominado TEMODAL, cujo princípio ativo é temozolomida.

O tratamento com o medicamento prescrito custa cerca de R$ 100.000,00

(cem mil reais) por ano, de modo que restou praticamente impossível para o

paciente custear o tratamento por conta própria.

Assim, ele tentou obter o fármaco junto ao Sistema Único de Saúde, no caso

especificamente junto à Coordenadoria de Assistência Farmacêutica, órgão

vinculado à Secretaria de Estado de Saúde, de Mato Grosso, mas não obteve êxito,

haja vista que o pedido foi indeferido sob a costumeira alegação de não se tratar de

medicamento constante das listas padronizadas do Ministério da Saúde ou mesmo

de medicamento assegurado diretamente pelo governo estadual, que neste Estado

tem protocolos complementares àqueles estabelecidos pelo gestor federal do SUS.

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Page 125: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

125

Depois de peregrinar pelas diversas instâncias administrativas estaduais sem

encontrar solução para o seu problema, o paciente recorreu ao Núcleo de Proteção

à Saúde e ao Idoso, da Defensoria Pública do Estado, onde se decidiu pela

propositura de ação cominatória de obrigação de fazer, com pedido de tutela de

urgência (antecipada e específica), visando compelir o Estado a fornecer o

medicamento. Eis o resumo do processo:

Comarca de Cuiabá, processo civil nº 3573/2005, juízo da Quarta Vara

Especializada da Fazenda Pública:

1. 22/7/2005. Distribuição do Processo: Distribuído urgente em 22/7/2005 às 16:33

Horas para QUARTA VARA ESPECIALIZADA DA FAZENDA PÚBLICA Com o

Número: 2005/3573.

2. 26/7/2005. Despacho do juiz: Vistos. Antes de apreciar o pedido de

liminar, opto em determinar a intimação do requerido para que no prazo de 72

(setenta e duas) horas, preste informações acerca do caso versando. Com ela nos

autos, ou certificado o decurso do prazo, cls. com URGÊNCIA.

3. 31/8/2005. Novo despacho: Vistos. Diante das informações prestadas pelo

Estado de Mato Grosso, no sentido de que já foram ultimadas as providências

necessárias ao tratamento do autor, determino a sua intimação para manifestar o

seu interesse no prosseguimento deste processo.

4. 1/9/2005. Juntada de Petição do Autor e documentos, manifestando no sentido

de que o Estado não estava fornecendo o medicamento reclamado e que o

tratamento que estava sendo oferecido não dispensava o uso do fármaco. Pede

ainda apreciação do pedido de tutela de urgência.

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Page 126: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

126

5 . 29/09/2005. Decisão Interlocutória (dispositivo): Posto isto, concedo a tutela de

urgência requerida, DIANTE DO QUADRO CLÍNICO DO REQUERENTE,

DETERMINANDO ao requerido que no prazo máximo de 15 (quinze) dias, forneça

para o autor ou a seu representante legal, o medicamento TOMODAL, princípio ativo

TEMOZOLOMIDA, na quantidade de 30 cápsulas de 100 mg e 60 cápsulas de 20

mg, no primeiro mês, e 5 cápsulas de 250 mg e 5 de 100 mg no 2° ao 11° meses,

ainda que se proceda a contratação em regime de urgência; sob as penas da Lei.

Arbitro a multa diária de R$ 5.000,00 (Cinco mil Reais), em caso de descumprimento

injustificável da medida. Cite-se o requerido, através do seu representante legal.

Intimem-se. Cuiabá, 29 de setembro de 2005.

6. 7/11/2005. Juntada de mandado de cumprimento de liminar e citação Juntada

(AR/Auto/Mand./Carta) JUNTADA Nesta data, juntei a estes autos nº 3573/05 o

Mandado de Cumprimento de Liminar e Citação de fls. 731/732, protocolado em

29/09/05. Cuiabá - MT, 7 de novembro de 2005. Oficial Escrevente

Comentários: inicialmente insta salientar que o Estado não cumpriu a decisão

judicial, interpondo agravo de instrumento junto ao Tribunal de Justiça do Estado de

Mato Grosso (RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - 45468/2005 - SEXTA

CÂMARA CÍVEL), obtendo suspensão da liminar em 24/11/2005. No entanto, apesar

da suspensão da liminar, o Estado começou a fornecer o medicamento no dia

14/12/2005. Por esta e outras razões (controvérsias e divergências sobre a eficácia

do medicamento), no mérito, o recurso foi improvido em 15 de março de 2006, tendo

o Estado interposto Recurso Especial ao STJ e Recurso Extraordinário ao STF,

ambos aguardando prazo para contra-razões do Recorrido.

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Page 127: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

127

No caso em tela, como nos demais atendidos pela Defensoria Pública do

Estado de Mato Grosso, foi proposta ação de obrigação de fazer com pedido de

tutela específica, antecipada inclusive, com fundamento no artigo 461 do CPC.

Como de praxe foram juntados documentos médicos comprobatórios da

doença, bem como da necessidade e imprescindibilidade do medicamento para o

seu tratamento, caracterizada ainda a urgência.

Ainda assim, a liminar não foi deferida de plano, eis que o ilustre magistrado

titular da vara onde tramita o feito optou pela oitiva da Fazenda Pública no prazo de

setenta e duas horas, mas na prática, a liminar somente foi deferida depois de mais

de sessenta dias, redundando em enorme prejuízo para o tratamento do autor, haja

vista que devido ao alto custo do medicamento, foi impossível adquirir o necessário

para o início da terapêutica.

De qualquer modo, deferida a tutela específica antecipada o Estado não a

cumpriu inicialmente, conforme já exposto, preferindo tentar a suspensão pela via do

agravo de instrumento e, pasmem, conseguindo êxito uma vez que o relator do

agravo entendeu que havia dúvida quanto à eficácia do medicamento. Tal dúvida

adveio de um parecer emitido por médicos do próprio SUS, no sentido de que não

havia prova científica da eficácia do remédio.

Vale esclarecer que a inicial da ação de obrigação de fazer foi instruída com

laudos médicos de três especialistas (oncologistas), também do SUS e,

principalmente, dos médicos que tratavam do paciente, no sentido de que o

medicamento é adequado para o tratamento do tumor, pois ainda que não

garantisse a cura, poderia prolongar a vida e amenizar o sofrimento do doente.

Destaca-se ainda que nas contra-razões do recurso o autor juntou novos laudos

médicos de especialistas, um deles de renomado hospital do Estado de São Paulo,

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Page 128: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

128

de modo que o recurso foi indeferido pelo mérito. Importante ainda esclarecer que o

Estado iniciou o fornecimento do medicamento mesmo depois de obter a suspensão

da decisão da tutela antecipada, mas com a improcedência do agravo, interpôs

recursos extraordinário e especial.

Aqui cabe chamar a atenção para a importância da opção pela ação de

obrigação de fazer com fulcro no artigo 461 do CPC, no sentido de que se optasse

pelo mandado de segurança provavelmente o juízo entenderia que não estaria

configurado direito líquido e certo, já que havia certa controvérsia sobre a eficácia do

medicamento para o caso do autor. Assim, a possibilidade de apresentação de

novas provas foi importante para o deferimento da antecipação de tutela específica e

para o julgamento do agravo de instrumento.

Também é interessante notar que o Estado não cumpriu a decisão concessiva

de antecipação de tutela, mas posteriormente iniciou, por conta própria, o

fornecimento do fármaco, como que a demonstrar desrespeito à decisão judicial e

decidir quando e como forneceria o medicamento. Tanto que depois de perder o

agravo de instrumento resolveu interpor recursos para as cortes superiores.

Cabe ainda analisar a decisão concessiva da tutela antecipada à luz dos

poderes concedidos ao juiz pelo artigo 461 do CPC. Neste caso, a tutela específica

antecipada somente foi deferida depois de mais de sessenta dias da propositura da

demanda e, ainda assim, o juízo concedeu prazo de quinze dias para o seu

cumprimento pelo réu. Ademais disso, arbitrou multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)

para o caso de descumprimento injustificado da medida.

Ora, já estava mais do que demonstrado que o Estado não pretendia fornecer

de pronto o medicamento, haja vista que havia juntado informações no sentido de

que o autor teria sido encaminhado para tratamento fora do domicílio quando, na

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Page 129: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

129

verdade, este tratamento não dispensava o uso do fármaco e, ao contrário, sua

necessidade foi reforçada. Além disso, nas informações prestadas o Estado afirmava

que não havia prova científica da eficácia do remédio, ainda que este tivesse sido

prescritos por especialistas do SUS.

Assim, temos que a decisão concessiva da tutela antecipada deveria,

inicialmente, estabelecer prazo menor para o cumprimento da decisão judicial, haja

vista que o autor já estava com o tratamento bastante atrasado e a doença

avançava num ritmo acelerado.

Também seria ideal que o magistrado, com fundamento no § 5º, do art. 461

do CPC, já estabelecesse outros meios de tornar efetiva a decisão judicial. Assim,

poderia estabelecer que a aquisição fosse realizada em regime de urgência e com

dispensa de licitação e aplicar multa pessoal ao agente público responsável pelo

cumprimento da ordem (no caso em tela o Secretário de Estado de Saúde). Também

poderia autorizar a o remanejamento de verbas de outras fontes orçamentárias

menos importantes ou sugerir a suplementação de verbas, se o orçamento da saúde

não fosse suficiente para a aquisição. Se ainda assim a decisão não fosse cumprida

no prazo estipulado, que fosse determinado o depósito de numerário a disposição do

juízo, o qual poderia liberar o necessário para o tratamento inicial enquanto o

Estado adotasse as providências necessárias. Finalmente, se as providências

exemplificadas acima não se mostrassem efetivas, haveria a possibilidade de

determinação da prisão por descumprimento de ordem judicial ou o seqüestro de

dinheiro, existente em contas bancárias do Ente Público, em quantia suficiente para

a aquisição do medicamento.

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Page 130: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

130

Caso 2: F. C. P. B, estudante, 22 anos, foi acometida de câncer de pulmão,

com evolução rápida de metástase. Tentou todas as formas de tratamento possíveis,

mas a doença avançava rapidamente. Tomou conhecimento de um novo

medicamento IRESSA (GEFITINIB), já utilizado com relativo sucesso nos Estados

Unidos da América e em alguns países da Europa, com reconhecimento e

autorização dos órgãos de controle sanitário daqueles Estados, mas ainda não

introduzido no Brasil. De comum acordo com seu médico, o medicamento foi

prescrito.

Todavia, trata-se de medicamento de alto custo e que precisava ser

importado, de modo que autora não dispunha de recursos para adquiri-lo por conta

própria ou com a ajuda de familiares. Assim, tentou de todas as maneiras obter o

fármaco do Sistema Único de Saúde, tendo inclusive encaminhado carta ao

Governador do Estado, mas não obteve êxito. Os argumentos dos Entes Públicos

foram aqueles referidos no caso anterior, somando-se ainda o fato de que, segundo

a Secretaria de Estado de Saúde, a aquisição não poderia ser realizada porque o

medicamento ainda não estava autorizado no Brasil. Vindo à Defensoria Pública,

buscou-se a tutela judicial por meio da ação cominatória fundada no artigo 461 do

CPC. Eis o resumo do processo:

Comarca de Cuiabá, processo civil nº 2177/2004, juízo da Terceira Vara

Especializada da Fazenda Pública:

6/10/2004. Distribuído urgente, com carga para o juiz no mesmo dia.

6/10/2004. Decisão interlocutória (dispositivo): No caso versando, se nos depara

hipossuficiente, portadora de câncer de pulmão com metástase, a carecer, sob pena

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Page 131: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

131

de perseverar em padecimento inefável, com premência, de medicamento idôneo a

mitigar-lhe o sofrimento. Assentes, pois, os pressupostos referentes à antecipação

da provisão jurisdicional, concedo-a nos moldes e para os fins instados na página

capitular [alínea “a” - fls. 15]. Cumpra-se incontinenti, requisitando-se força policial se

mister [o fato reclama estima axiológica bastante à aparição de norma especial a

regulá-lo]. Expeça-se o necessário e cite-se. Cuiabá, 06 de outubro de 2.004.

10/12/2004. Mandado Expedido Mandado Genérico ME053 Mandado

de:INTIMAÇÃO Advertências, se houver: Objeto do Mandado:Proceder a

INTIMAÇÃO do Procurador do Estado BRUNO HOMEM DE MELLO, ou quem suas

vezes fizer, E DA SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DE MATO GROSSO,

para QUE EFETIVE A AQUISIÇÃO IMEDIATA DO MEDICAMENTO GEFITINIB (

IRESSA 250 mg), em lote não inferior a 60 (sessenta) comprimidos.

Decisão/Despacho:Mercê da gravidade da moléstia que vem de acometer a

requerente, cuido imperioso inocorrer solução de continuidade em seu tratamento.

Logo, determino ao requerido que efetive a aquisição imediata do medicamento

GEFITINIB (IRESSA 250 mg), em lote não inferior a 60 (sessenta) comprimidos.

23/2/2005. Mandado Expedido Mandado Genérico ME053 Mandado

de:INTIMAÇÃO Advertências, se houver: Objeto do Mandado:Proceder a

INTIMAÇÃO do SECRETÁRIO DE ESTADO DE SAUDE DO ESTADO DE MATO

GROSSO, bem como do PROCURADOR GERAL DO ESTADO, ambos com

endereço no Centro Político Administrativo, Cuiabá-MT; para que cumpra a decisão

judicial já proferida nos autos, ou seja, forneça à requerente F. C. de P. B (omitimos

o nome da autora), o medicamento IRESSA 250 MG, na quantidade e tempo

prescrito pelo seu médico, no prazo improrrogável de 48 (quarenta e oito horas), sob

pena de se instaurar procedimento criminal a fim de apurar responsabilidade pela

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Page 132: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

132

desobediência da ordem judicial. Decisão/Despacho:RH. Atenda-se conforme

instado.

28/3/2005. Mandado Expedido Mandado Genérico ME053 Mandado

de:INTIMAÇÃO Advertências, se houver: Objeto do Mandado:Proceder a

INTIMAÇÃO do SECRETÁRIO DE ESTADO DE SAUDE DO ESTADO DE MATO

GROSSO, bem como do PROCURADOR GERAL DO ESTADO, ambos com

endereço no Centro Político Administrativo, Cuiabá-MT; para que cumpra a decisão

judicial já proferida nos autos, ou seja, forneça à requerente Fernanda Cristina de

Paula Braga, o medicamento IRESSA 250 MG, na quantidade e tempo prescrito pelo

seu médico, no prazo improrrogável de 48 (quarenta e oito horas), sob pena de se

instaurar procedimento criminal a fim de apurar responsabilidade pela desobediência

da ordem judicial. Decisão/Despacho:RH. Atenda-se consoante instado. Cuiabá,

22de março de 2005.(a) Alberto Ferreira de Souza - Juiz de Direito.

16/11/2005. Despacho RH. Suspenda-se de consonância, com o art. 265, I do CPC.

Intime-se o eminente Defensor Público para manifestar-se acerca das petições de

fls.348/354 que noticia o passamento. Cuiabá, 16 de novembro de 2005.

Comentários: Não é preciso dizer, até pelo que se vê dos despachos acima,

que o Estado jamais cumpriu a decisão judicial concessiva de tutela antecipada, que

no caso em tela foi liminar. Na realidade o Estado interpôs agravo de instrumento,

não conseguindo suspensão da liminar, sendo que o mérito do recurso não chegou

a ser julgado, uma vez que a autora faleceu antes.

Lamentável que no caso em tela nenhuma providência concreta foi tomada

pelo juízo para tornar efetiva a ordem judicial. Nem mesmo multa foi arbitrada como

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Page 133: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

133

meio de coerção, quanto mais a utilização de outras medidas de apoio fundadas no

§ 5º do art. 461 do CPC.

Limitou-se o juízo a ordenar, inicialmente, determinado a requisição de força

policial, que não era a medida adequada, exceto se tivesse havido a ordem de

prisão por desobediência ou se o medicamento estivesse disponível nos estoques

da Farmácia do SUS, quando então poderia ser determinada busca e apreensão,

quando então o concurso de força policial poderia ser necessário.

Posteriormente, ante a insistência do Estado em descumprir a ordem judicial,

o juízo se limitou a determinar o cumprimento sob pena de instauração de inquérito

para a apuração de crime de desobediência, quando já se sabe que tal medida não

tem se mostrado como meio apto a pressionar a Fazenda Pública ao cumprimento

das ordens judiciais, pelas razões antes estudadas. Aliás, apesar das determinações

judiciais no sentido de sejam extraídas cópias de peças do processo e seu

encaminhamento para o Ministério Público, não temos notícias de que o MP tenha

proposto ações penais nestes casos.

Dessa forma, depois de mais de um ano da propositura da ação e da

obtenção da medida liminar de antecipação de tutela específica, lamentavelmente a

jovem autora faleceu sem receber uma dose sequer do medicamento que poderia ter

lhe prolongado à vida ou, ao menos, ter-lhe amenizado o sofrimento nos seus

últimos dias.

Passaremos agora a exposição de um caso conhecido nacionalmente, onde a

decisão judicial foi mais consentânea com a busca de eficácia dos provimentos

judiciais dirigidos à Fazenda Pública.

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Page 134: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

134

Trata-se de caso ocorrido no início do ano de 2003, na cidade de Fortaleza –

Ceará, onde aumentou a demanda por leitos hospitalares e, em decorrência, a fila

nos hospitais públicos não parava de crescer devido à falta de leitos de UTI

(Unidade de Tratamento Intensivo) em hospitais públicos. Diante de tal situação o

Ministério Público Federal ingressou com uma ação civil pública, com pedido de

liminar, requerendo que o Município de Fortaleza, o Estado do Ceará e a União

providenciassem o internamento das pessoas que estavam na fila da UTI em

hospitais particulares, mesmo não conveniados ao SUS. A liminar foi deferida, sendo

fixada multa no valor de cem mil reais por dia de descumprimento da medida. Como

os Entes Públicos não cumpriam a liminar, o Ministério Público pediu que fosse

aumentado o valor da multa. O caso foi então apreciado pelo Juiz Federal George

Marmelstein Lima 131, que oficiava em substituição processual ao juiz que havia

deferido a liminar, e pedimos vênia para reproduzir aqui, parcialmente, os seus

comentários, invertendo a ordem do artigo e citando primeiro o dispositivo da

decisão interlocutória e posteriormente os seus comentários:

Ante o exposto, DEFIRO O PEDIDO DE FLS. 58/76 e, com base no poder geral de cautela, bem como no art. 461, §5º, do CPC, determino o que se segue:

a) os hospitais conveniados aos SUS – Sistema Único de Saúde, indicados às fls. 65/66, ficam obrigados a receber os pacientes que se encontram à espera de leitos de UTIs na rede de hospitais públicos, devendo correr as despesas respectivas à conta dos recursos orçamentários do SUS, mediante a apresentação dos respectivos comprovantes;

b) na hipótese de inexistência de verba orçamentária do SUS ou de embaraços por parte das autoridades públicas para providenciar o pagamento na forma do item “a”, fica autorizado aos referidos hospitais efetuar a compensação fiscal dos gastos efetuados no custeio dos tratamentos com tributos federais, estaduais ou municipais. Determino ainda que os Órgãos de controle interno e externo (Tribunal de Contas, Ministério Público, Fazendas Públicas, Ministérios Federais, Secretarias Estaduais e Municipais etc) façam o devido controle dos gastos efetuados, a fim de evitar enriquecimento ilícito por parte dos hospitais particulares;

131

LIMA, George Marmelstein. A Efetivação Judicial do Direito à Saúde: decisão comentada. Disponível em: <http://www.georgemlima.hpg.com.br> Acesso em: 23 jun. 2004 [capturado].

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Page 135: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

135

c) caso se esgotem todos os leitos dos hospitais particulares conveniados ao SUS, os hospitais particulares de Fortaleza, mesmo não conveniados ao SUS, ficam obrigados a receberem pacientes oriundos dos hospitais públicos e para os quais não existam mais leitos nos hospitais conveniados ao SUS, prestando-lhes todo o atendimento necessário, correndo as despesas à conta dos entes públicos demandados, aplicando-se-lhes a mesma regra prevista no item “b”;

d) a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará deverá criar uma central de leitos, a exemplo da que funcionou no caso da UTI Neo-Natal da MEAC, como forma de viabilizar que os pacientes sejam encaminhados aos hospitais que disponham de vagas;

e) o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza ficam obrigados a remanejar ou transferir os recursos orçamentários destinados à propaganda institucional do governo para solucionar o problema de saúde do Município de Fortaleza;

f) no caso de descumprimento de qualquer das ordens acima, fica automaticamente aplicada a multa de R$ 10.000,00 aos responsáveis pelo descumprimento da decisão judicial, ou seja, ao Ministro da Saúde, ao Secretário Estadual de Saúde e ao Secretário Municipal de Saúde, conforme respectivas atribuições, com base no parágrafo único do art. 14, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 10.358/2001.

Intimem-se o Ministério Público Federal, a União, o Estado do Ceará, o Município de Fortaleza, os hospitais listados às fls. 65/66, o Ministro da Saúde, o Secretário Estadual de Saúde e o Secretário Municipal de Saúde do inteiro teor da presente decisão.

Expedientes necessários com a MÁXIMA URGÊNCIA.

Fortaleza, 23 de abril 2003

GEORGE MARMELSTEIN LIMA

Juiz Federal Substituto da 4ª Vara, respondendo pela 3ª Vara

[...] Lembrei do art. 461, §5º, do CPC: “na ação que tenha por objeto o

cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela

específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará

providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do

adimplemento. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do

resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento,

determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por

tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,

desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário

com requisição de força policial”.

[..] Com amparo legal, pude colocar em prática duas idéias fundamentais

que havia desenvolvido na especialização: a transferência de verbas de

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Page 136: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

136

uma rubrica orçamentária menos importante para a saúde, e a autorização

para que os hospitais particulares procedessem a compensação fiscal dos

gastos efetuados com as internações.

As medidas têm funções distintas, embora o interesse principal seja

sempre proteger a vida e a saúde das pessoas necessitadas.

A transferência de recursos (no caso, da propaganda institucional do

governo para a saúde) resolveria dois problemas: (a) primeiro, o problema

de dinheiro, na medida em que informa de onde sairão os recursos para o

cumprimento da liminar; (b) segundo, aumentaria a força retórica da

decisão, já que ninguém questiona que a saúde e a vida são mais

importantes do que as propagandas institucionais do Governo,

especialmente aqui no Ceará, onde era nítido que a propaganda estava

sendo utilizada para auto-promoção dos governantes.

Uma crítica que pode ser feita a esse ponto da decisão foi não ter sido

dada uma maior liberdade para o administrador na escolha da rubrica

orçamentária de onde sairiam as verbas para o cumprimento da liminar. O

melhor teria sido apenas determinar que o administrador deveria retirar a

verba de alguma rubrica, exemplificando a propaganda institucional do

governo.

A autorização para que os hospitais particulares procedessem a

compensação fiscal dos gastos efetuados também tinha dupla função: (a)

proporcionar mais uma fonte de recursos para o cumprimento da decisão e

(b) dar uma garantia aos hospitais particulares de que eles não teriam

prejuízo e, portanto, não precisariam colocar empecilho para o

cumprimento da decisão (veja-se que eles sequer eram partes no

processo). Esse ponto era fundamental, pois era justo o receio dos

hospitais particulares de que a conta jamais seria paga, como efetivamente

não vinha sendo.

Foi omitido, propositadamente, na decisão, qual seria o valor que os

hospitais particulares poderiam cobrar pelos serviços. A minha intenção,

naquele momento, era internar as pessoas que estavam precisando

urgentemente de internamento em UTI. Os valores seriam discutidos

posteriormente, com mais calma.

[...]

Uma outra falha da decisão, que somente pôde ser constatada

posteriormente, foi não ter sido determinada, oficialmente, uma prévia

audiência com todos os envolvidos no processo para que fosse fiscalizado

o cumprimento da liminar, bem como para que fossem discutidas as

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dificuldades para se colocar em prática as determinações judiciais. De

qualquer modo, essa falha serve de lição para que, no futuro, em outra

situação semelhante em que forem impostas ordens de difícil cumprimento,

haja um maior diálogo entre os envolvidos e o Poder Judiciário.

Por fim, é preciso informar que a liminar vigorou por cerca de dez dias.

Nesse período, mais de vinte pessoas foram beneficiadas pela decisão

judicial.

A liminar foi suspensa pela Presidência do Tribunal Regional Federal da 5ª

Região, em sede de suspensão de liminar, sob o argumento de que a

competência seria da Justiça Estadual.

Como se pôde observar, com fundamento no artigo 461 do CPC,

especialmente os parágrafos 4º e 5º, o magistrado apontou todas as soluções que

entendeu possíveis naquele momento para a efetivação da decisão judicial, nos

mesmos moldes que poderiam ser utilizados nos casos anteriormente analisados.

Embora as providências acima apontadas para dar efetividade à tutela

jurisdicional não sejam unânimes na doutrina, havendo vozes autorizadas e

balizadas discordantes, entendemos que não é concebível que em casos como

estes, onde a saúde e a vida do cidadão estão em jogo, que a decisão judicial que

lhe dá guarida seja descumprida pelo Estado. Afinal, qual a razão da existência do

próprio Estado? Por acaso não seria o bem do povo?

Como afirmou o Min. Celso de Mello, “entre proteger a inviolabilidade do

direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela

própria Constituição da República [art. 5º, caput], ou fazer prevalecer, contra essa

prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado - uma vez

configurado esse dilema - razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só

e possível opção: o respeito indeclinável à vida”. 132.

132

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 273.834/RS, Rel. Min. Celso de Mello.

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Page 138: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

138

6 Considerações finais

O presente estudo partiu da necessidade de melhor reflexão sobre

como escolher as tutelas jurídico-processuais mais adequadas para a garantia do

efetivo cumprimento do direito fundamental à saúde no sistema jurídico-processual

brasileiro.

Conforme frisado na introdução, a escolha do tema deveu-se a nossa atuação

como Defensor Público, onde diariamente nos defrontamos com pessoas que

necessitam se socorrer da via judiciária para ter garantido o acesso à assistência

médica e farmacêutica, negada pelo Sistema Único de Saúde, ou mesmo pelas

operadoras de planos de saúde que atuam no mercado privado.

Mesmo com a opção pela ação mandamental fundada no artigo 461 do CPC,

diante da Fazenda Pública, e 84 do CDC, em face dos fornecedores de planos de

saúde, os provimentos judiciais concessivos da tutela específica antecipada não

vinham conjugados com outras medidas de apoio ou executivos lato sensu que

pudessem concretizar a decisão, que não raro são descumpridos especialmente

pela Fazenda Pública.

Assim, nossa postura metodológica foi no sentido de que o processo, para

atingir os seus escopos de tutela efetiva dos direitos, deve predispor de meios para a

obtenção dos resultados almejados, ou seja, deve ser dotado de instrumentos para a

consecução dos objetivos a serem atuados. A tendência metodológica do direito

processual civil moderno é de busca incessante pela efetividade do processo, que

deve ser apto para cumprir integralmente a sua função. Isto significa que o processo

precisa ser empreendido a partir do conhecimento das necessidades do direito

material, no sentido de que estes direitos sejam efetivamente protegidos. Para tanto,

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Page 139: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

139

o direito de ação deve ser pensado como direito fundamental à efetividade da tutela

jurisdicional, de modo que o legislador tem a obrigação de traçar técnicas

processuais adequadas à tutela dos direitos.

Para tanto, pretendeu-se demonstrar que o direito à saúde é direito público

fundamental e subjetivo do cidadão e, nesse sentido, permite ao titular desse direito

exigir do Poder Público (saúde pública) e do setor privado (contrato de plano de

saúde) prestações materiais positivas de assistência à saúde.

Partindo da postura metodológica de que o processo também é direito

fundamental, procurou-se apontar as técnicas processuais que se mostram mais

adequadas para a tutela do direito à saúde, bem como os mecanismos de efetivação

das decisões judiciais concessivas de tal direito. Na análise do direito à saúde como

direito fundamental chama a atenção a necessidade de maior efetivação no

cumprimento da prestação positiva à saúde, pois este é o principal direito

fundamental social previsto na carta Magna do Brasil.

A necessidade de tutela jurisdicional adequada para a proteção dos direitos

não patrimoniais, especialmente aqueles que exigem a conduta de fazer ou de não-

fazer, ou seja, que visam à realização do direito por meio da atuação sobre a

vontade do devedor, fez surgir a tutela mandamental. Em se tratando de obrigações

de fazer, a tutela específica constitui afirmação da autoridade do próprio

ordenamento jurídico-material, uma vez que conduz à satisfação pela obtenção do

próprio bem devido ou outro equivalente.

Não se pode imaginar o direito à tutela jurisdicional como simples direito de

ação, sem a coexistência de técnicas processuais e de procedimentos que sejam

efetivos para a proteção e promoção do direito material reclamado, sob pena de

ofensa ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.

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Page 140: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

140

Para a tutela dos direitos de caráter não patrimonial, onde é relevante a

proteção das necessidades básicas inerentes à dignidade da pessoa humana, como,

por exemplo, a proteção do consumidor usuário de planos de saúde diante de

cláusulas contratuais abusivas de cujo conteúdo ele não participou, ou mesmo do

cidadão diante da inércia ou da negativa do Estado em tornar efetiva a prestação

social material prometida, é importante que o sistema processual disponha de tutela

jurisdicional específica, que pode ter função preventiva ou repressiva.

Daí a importância dos artigos 461 do CPC e 84 do CDC, os quais conferem

ao juiz o poder e os mecanismos necessários e que permitem atender ao direito à

tutela jurisdicional efetiva; vale relembrar que os citados artigos permitem a tutela do

direito independentemente da ação de execução e, nesse sentido, elimina a

necessidade do procedimento traçado para as obrigações de fazer, o que é fator de

suma importância para a tutela do direito à saúde.

De fato como corolário do Estado Social de Direito a tutela específica surge

como reflexo da tomada de consciência de que o direito processual de priorizar o

cumprimento específico ou equivalente, da obrigação assumida pelo devedor, de

modo que a obrigação somente se converterá em perda e danos se o autor requerer

ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático

correspondente.

Nesse sentido, além da pesquisa exploratória na doutrina e na jurisprudência,

foi importante a análise de casos concretos para a melhor compreensão da

problemática da tutela específica do direito à saúde, especialmente no que tango ao

entendimento e efetiva aplicação dos novos poderes concedidos aos magistrados

por força dos dispositivos acima referidos.

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Page 141: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

141

A função do juiz não pode ser resumida à simples tarefa de dar mera resposta

jurisdicional ao caso concreto, pois é preciso que ele zele pela idoneidade da

prestação jurisdicional, no sentido de torná-la efetiva, buscando na regra processual,

interpretada à lei à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional, a máxima eficácia

possível para a tutela dos direitos.

Para efeitos dos objetivos almejados no presente estudo, consistentes

principalmente no que concerne à tutela jurisdicional específica do direito à saúde e

à concretização das decisões judiciais concessivas das tutelas reclamadas, foi

importante caracterizar tal relação jurídica como obrigação de fazer, tendo o cidadão

como credor e, como devedores, o Estado (gênero), quando se trata da saúde

pública, e as operadoras de planos e seguros de saúde, no caso das relações de

consumo no mercado privado.

Para se chegar a tal conclusão partiu-se do estudo do direito à saúde como

direito fundamental social, no sentido de que se constituem em verdadeiros direitos

públicos subjetivos que permitem ao cidadão-credor, exigir do Estado-devedor,

prestações materiais de assistência à saúde; do mesmo modo, por ser direito

fundamental, também encontra ampla proteção no que diz com a tutela dos usuários

de planos e seguros de saúde, cuja relação obrigacional gera um vínculo que obriga

o fornecedor a cumprir com a promessa de prestar a devida assistência médico-

hospitalar ao consumidor. sto porque no Brasil a assistência à saúde é dever do

Estado, mas é aberto à iniciativa privada, ou seja, há um misto dos dois modelos, de

modo que as operadoras de planos de saúde, ao lado do Estado, são essenciais à

implementação dos objetivos da República no que tange a saúde da população, uma

vez que o modelo constitucional adotado para a promoção da saúde, considera tal

direito como direito público subjetivo e fundamental.

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142

A caracterização foi importante porque demonstrou que relação obrigacional

traduz-se basicamente num direito do credor à prestação e, do ponto de vista

prático, ao atribuir um direito subjetivo e ao impor um dever jurídico de cumprimento

específico, haja vista a prevalência do interesse do credor sobre o interesse do

devedor.

Destarte, foi possível verificar que não obstante o sistema processual

brasileiro colocar à disposição do jurisdicionado, diversos procedimentos que podem

ser manejados na proteção do direito à saúde, seja do ponto de vista das ações

individuais, seja no que tange às ações coletivas, a tutela específica com

fundamento nos artigos 461 do CPC e 84 do CDC são aquelas que se mostram mais

aptas para a tutela das obrigações da fazer consistentes na prestação de assistência

à saúde, seja no âmbito do serviço público seja no mercado privado.

Dessa forma, temos que restou evidenciado que não obstante a existência de

diversos meios processuais e extraprocessuais dispostos no ordenamento jurídico

brasileiro, as novas técnicas introduzidas a partir da reforma processual iniciada em

1994, especialmente aquelas que visam à obtenção da tutela específica da

obrigação de fazer, fundadas nos artigos 461 do CPC e 84 do CDC, parecem ser as

mais adequadas e idôneas para a tutela do direito à saúde, mesmo quando se trata

de saúde pública.

Isto porque, como demonstrado, tais dispositivos encerram verdadeiras ações

mandamentais, que permitem o provimento de tutela específica liminarmente,

inclusive, mas também permite a produção de novas provas e antecipação de tutela

no curso do processo. Porém, o fundamento maior reside nos diversos mecanismos

ínsitos nos citados dispositivos que possibilitam a célere e eficaz tutela das

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Page 143: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

143

obrigações de fazer consistente na prestação de assistência a saúde não cumprida

pelo mercado privado ou pelo sistema público.

Todavia, conforme ficou demonstrado, não raro a aplicação do artigo 461 do

CPC em face da Fazenda Pública não tem se mostrado eficaz, talvez pela timidez

dos juízes em fazer uso dos diversos mecanismos e dos poderes que lhes foram

outorgados para o efetivo cumprimento dos provimentos judiciais, ou talvez porque

ainda há bastante controvérsia no que tange à aplicação desse dispositivo em

desfavor do Poder Público.

Neste último caso, temos que ao longo do trabalho foi possível verificar que

os óbices geralmente apontados para a não aplicação do citado dispositivo legal em

face da Fazenda Pública não podem prevalecer, principalmente quando em conflito

com direitos fundamentais da pessoa humana, como é o caso do direito à saúde.

Verificou-se que na prática, ao menos nas ações propostas visando à tutela

do direito à saúde, o Judiciário tem sido bastante sensível às demandas propostas,

haja vista que na quase totalidade dos casos é deferida tutela antecipada específica

liminarmente.

Nesse sentido, a análise dos casos concretos foi suficiente para evidenciar

que o Judiciário tem como possível a aplicação do artigo 461 do CPC contra os

Órgãos Públicos, especialmente no que diz com a tutela do direito à saúde, tanto

que são aplicadas multas como forma de pressão psicológica visando ao

cumprimento das decisões judiciais.

Todavia, ao que parece a utilização dos demais mecanismos ou medidas de

apoio, constantes do citado dispositivo legal, especialmente aquelas

exemplificativamente referidas no § 5º, precisam ser compreendidas e

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Page 144: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

144

adequadamente manejadas, principalmente quando se trata de direitos não

patrimoniais e que requerem tutelas urgentes, como a vida e a saúde.

O não cumprimento de decisões judiciais, nestes casos, não revela apenas o

enfraquecimento da Democracia, do Estado Democrático de Direito e do respeito ao

Judiciário Público, pois há afronta inequívoca à proteção da vida humana, uma vez

que o direito à saúde sem dúvida alguma protege diretamente a vida.

Nesse sentido, mister se faz que as decisões judiciais que concedam, quando

devidas, tutelas específicas do direito à saúde, no âmbito do mercado privado ou do

Sistema Único de Saúde, sejam adequadas para dar concretude ao provimento

concedido.

No que se refere à Fazenda Pública é preciso, pois, repensar a aplicação da

multa processual para que além daquela prevista no art. 461, § 4º, do CPC, seja

também dirigida diretamente ao responsável pelo cumprimento da decisão judicial,

com fulcro no § V, do art. 14 do citado diploma legal; também é mister se pensar na

utilização de outras medidas de apoio, como o seqüestro de valores ou a

determinação de depósito a disposição do juízo, para que este adote as

providências necessárias; pode se pensar ainda na determinação de que o Ente

Público possa remanejar verbas de outras rubricas orçamentárias ou proceda a

suplementação do orçamento para o cumprimento da decisão judicial. Enfim, é

imperioso que os magistrados façam efetivo uso dos poderes que lhes foram

ampliados a partir da reforma processual iniciada em 1994, especialmente dos

mecanismos que propiciem a adequada, efetiva e tempestiva tutela dos direitos não

patrimoniais, urgentes e fundamentais, como é o caso do direito à saúde, adotando

todas as medidas possíveis para a concretização dos provimentos judiciais

concessivos de tais tutelas.

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Page 145: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

145

Todavia, não podemos olvidar de que o tema da efetividade das decisões

judiciais em face da Fazenda Pública, especialmente, é bastante polêmico e está

longe de atingir unanimidade na doutrina e na jurisprudência, principalmente no que

concerne às tutelas antecipadas e aos mecanismos de concretização das decisões

judiciais.

Monografistas que estudaram a fundo e com propriedade o tema da

efetivação das decisões judiciais em face da Fazenda Pública têm sugerido que a

reforma da legislação é o único caminho possível para contornar a situação, de

modo que o Poder Público seja compelido a cumprir tempestivamente os

provimentos judiciais; esses doutrinadores defendem a tese de que é necessário

avançar no sentido de introduzir no sistema processual pátrio medidas como o

contempt of court do direito anglo-americano, uma vez que embora este instituto

tenha inspirado o legislador brasileiro nas recentes reformas processuais

engendradas, as medidas mais incisivas, como a prisão civil por descumprimento de

ordens e decisões judiciais, não foram adotadas no Brasil; também defendem a

criminalização da conduta de descumprimento de ordem judiciais por parte dos

agentes públicos, uma vez que a conduta destes dificilmente se subsumiria às

figuras típicas geralmente invocadas (arts. 319 e 330 do Código Penal).

Por outro lado, parcela considerável da doutrina, especialmente os

processualistas comprometidos com a postura metodológica da busca constante de

aprimoramento do sistema processual e como processo de resultados, afirmam que

os mecanismos atualmente existentes, principalmente aqueles destinados à tutela

das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa certa, fundados nos artigos 461 e

461- A do Código de Processo Civil, se interpretados à luz dos valores consagrados

pelo ordenamento constitucional brasileiro, especialmente quando se trata da tutela

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Page 146: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

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dos direitos fundamentais, são suficientes para a efetivação dos direitos que por eles

podem ser tutelados, entre os quais, o direito à saúde.

Em nosso modesto ponto de vista a segunda corrente é a que mais se

coaduna com os escopos da processualística moderna e, por conseguinte, a tutela

das obrigações de fazer e de não fazer, especialmente quando se trata da tutela de

direitos fundamentais, como a assistência à saúde.

Isto porque a garantia do direito de ação expressa no art. 5o, inc. XXXV, da

Constituição Federal, assegura a obrigação do Estado de tutelar de forma concreta o

direito conferido pela ordem jurídica de forma abstrata, A apreciação na visão

instrumentalista do processo é legitimada pelos objetivos eleitos na Constituição e

pelos resultados concretos que dele advém.

Nesse sentido, o credor do direito à saúde, seja na esfera pública, seja na

esfera privada, tem o direito à obtenção do resultado específico da obrigação por

parte do devedor. Não cumprida voluntariamente a obrigação, o processo deve

dispor de técnicas destinadas a substituir a atuação do devedor ou de pressioná-lo a

cumprir o dever, de forma a obter o resultado específico ou equivalente,

praticamente como se a obrigação tivesse sido voluntariamente cumprida.

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Page 147: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

147

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Page 151: Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde

151

Anexos – Principais dispositivos legais do direito à saúde

1. �Declara��o Universal dos Direitos Humanos, que assumiu posi��o solene em

favor do direito à saúde, conforme consta do seu artigo 25:

"Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua

família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto a alimenta��o, ao vestuário, ao

alojamento, a assistência médica e ainda quanto aos servi�os sociais necessários; e

tem direito a seguran�a no desemprego, na doen�a, na invalidez, na viuvez, na

velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunst�ncias

independentes da sua vontade".

2 . �Pacto Internacional de Direitos Econ�micos, Sociais e Culturais, de 1966, artigo

12: "Os Estados-partes no Presente Pacto reconhecem direito de toda pessoa de

desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental."

3. �Pacto de San José da Costa Rica – Artigo 5� : "Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral". 4. Constitui��o Federal de 1988: "a dignidade da pessoa humana" (artigo 1o, inc. III); "inviolabilidade do direito à vida" (artigo 5�, caput) a "saúde como direito de todos e dever do Estado, de acesso universal e igualitário às a��es e aos servi�os para sua promo��o, prote��o e recupera��o (art. 196) e atendimento integral (art. 198, II).

5. LEI 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990, apelidada de "Lei Org�nica da

Saúde", pela abrangência do seu conteúdo normativo. Referida lei disp�e sobre o

Sistema �nico de Saúde (SUS), previsto no artigo 198 da Constitui��o Federal,

dando-lhe a necessária implementa��o para funcionamento garantidor da prote��o à

saúde.

6. Lei 9.273/96, que torna obrigatória a inclus�o de dispositivo de seguran�a para

evitar a reutiliza��o das seringas descartáveis;

7. Lei 9.313/96, sobre distribui��o gratuita de medicamentos aos portadores e

doentes de AIDS;

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152

8. Lei 9.431/97, relativa a programas de controle de infec��es hospitalares;

9. Lei 9.434/97, sobre remo��o de órg�os e transplantes;

10. Lei 9.797/99, estabelecendo obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora da

mama pela rede do SUS;

11. Lei 10.216/01 , sobre prote��o às pessoas portadoras de deficiências mentais;

12. Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso (arts. 15 e seguintes);

13. Lei 8.069/90 – ECA (art. 7� ao 15) ;

14. Lei 8078/90 – CDC (especialmente artigos 6� e incisos; 51 e incisos; 83; 84 e

parágrafos);

15. Lei 9.656 – Lei de Plano Privado de Assistência à Saúde (diversas vezes

modificadas por medidas provisórias).

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