processo de industrializaÇÃo versus meio … · É um direito que tem como fundação o...
TRANSCRIPT
1
PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO VERSUS MEIO AMBIENTE: POSSÍVEIS SOLUÇÕES
Camila Saran Vezzani1
Danilo Saran Vezzani2
RESUMO:
Algumas normas jurídico-ambientais e até mesmo constitucionais da legislação brasileira apresentam contradições, que se tornam mais evidentes quando cruzadas com elemento geoquímicos-biológicos, econômicos e jurídicos, por exemplo.
O presente artigo visa discutir como os agentes do aparelho democrático (judiciário, legislador, executivo e cidadãos) podem juntos dar efetividade ao proposto na Constituição Federal.
Finalmente, busca-se, através do arsenal teórico de Bourdieu, uma solução de acordo com os interesses de um Estado Democrático de Direito, por meio da responsabilidade civil.
PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento. Sustentabilidade. Responsabilidade Civil. Industrialização.
INTRODUÇÃO
O meio ambiente, como um todo, é um direito fundamental garantido pela
Carta Magna de 1988, sendo assim, sua importância é ímpar e cabe ao Estado
Democrático brasileiro garantir aos cidadãos acesso a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Da mesma forma, a industrialização e o fomento a
pesquisa para o desenvolvimento de tecnologias integram a Constituição e assume
papel central dentro de uma economia capitalista como a brasileira.
Tais direitos, embora nem sempre se contrastem, por vezes são produtores de
litígios, os quais caberão ser solucionados pelo judiciário (artigo 5º, inciso XXXV, da
1 Mestranda em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp,
Campus Franca. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (F.D.F). E-mail: [email protected] 2 Graduando do curso de Direito da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho –
Unesp, Campus Franca. E-mail: [email protected]
2
Constituição Federal3); bem como tal embate deve guiar, quando necessário, a
produção de normas pelo legislador; além de ser observado pelo executivo para suas
ações; como também, importa aos cidadãos enquanto agentes políticos de uma
democracia.
Visto isso, o presente artigo, em um intercâmbio da ciência jurídica com as
ciências sociais (principalmente a sociologia e a ciência política), visa discutir como os
agentes do aparelho democrático (judiciário, legislador, executivo e cidadãos) podem
juntos dar efetividade ao proposto na Constituição e assinado em diversos tratados
internacionais.
Desse modo, o trabalho será estruturalmente dividido em: 1) incongruências
entre meio ambiente e industrialização; 2) consequências da dicotomia entre meio
ambiente e industrialização; 3) uma possível solução. Cabe ainda ressaltar a
importância de alguns autores chaves neste artigo, principalmente, Bourdieu, Paul
Feyerabend e José Eduardo Faria, que contribuirão amplamente com o arsenal teórico
utilizado para a avaliação e busca de uma solução de acordo com os interesses de um
Estado Democrático de Direito.
Por fim, o artigo apresentará um método lógico-indutivo, a partir da análise da
legislação Constitucional e do pensamento dos autores citados no ensejo de fornecer
sugestões e possibilidades diante do problema estabelecido, onde, buscar-se-á
adaptar a responsabilidade aos paradigmas ambientais previstos na Carta Magna,
garantindo efetividade aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.
1. INCONGRUÊNCIAS ENTRE MEIO AMBIENTE E INDUSTRIALIZAÇÃO
Não é estranho aos clássicos da sociologia (Durkheim, Marx e Weber) o estudo
da industrialização para as economias capitalistas; tal processo para cada um deles
são provas de mudanças econômicas, políticas e sociais, seja ela fruto de um
desenvolvimento natural da divisão do trabalho; ou de uma mudança da estrutura
econômica; ou ainda da racionalização do trabalho e da produção dentro do Estado.
Assim sendo, um possível ponto em comum entre essas três visões deste
processo, certamente é a importância da indústria dentro de um país capitalista. Tal
importância faz com que a indústria brasileira influencie e seja influenciada pelo
3 Art. 5º, XXXV. A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
3
restante das estruturas sociais; assunto que não é estranho a sociologia brasileira4,
pois:
O capitalismo não é apenas uma realidade econômica. Ele é também, e acima de tudo, uma complexa realidade sociocultural, em cuja formação e evolução histórica concorreram vários fatores extra-econômicos (do direito e do Estado nacional à filosofia, à religião, à ciência e à tecnologia). Na presente discussão, esse ponto de vista é aplicado à análise das influências estruturais e dinâmicas da ordem social global sobre a absorção e a expansão do capitalismo no Brasil, uma sociedade nacional do “mundo subdesenvolvido” (FERNANDES, 1975, p. 9).
Ou seja, estudar a indústria brasileira, bem como o processo de
industrialização permite com que se compreenda não apenas aspectos da economia,
mas também da cultura, da ciência, do Estado e do próprio meio ambiente.
São conhecidos como direitos de terceira dimensão, relacionado à
solidariedade, os direitos e interesses difusos. Dentre eles, evidencia-se o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, apto a garantir qualidade de vida a todos.
É um direito que tem como fundação o princípio da dignidade humana, estando
inclusive balizado em inúmeras ordenamentos internacionais.
O direito ao meio ambiente é um direito novo, com repercussão social e voltado
a garantir ao indivíduo uma vida sadia, sem, no entanto, impedir o avanço comercial e
industrial e outros elementos da vida em sociedade.
O caput do artigo 2255 da Constituição Federal de 1988 classificou o meio
ambiente ecologicamente equilibrado como direito a um bem de uso comum do povo,
exigível e exercitável em face do próprio estado, que também possui o dever de
protegê-lo. Assim, é “não suscetível de apropriação, disposição ou destruição, mas de
uso comum do povo, de fruição difusa e essencial à sadia qualidade de vida”
(ANDRADE e BONILHA, 2005, p. 215), que necessita ser velado para as atuais e
futuras gerações. A proteção ao meio ambiente equilibrado foi garantida por nosso
ordenamento através de uma série de instrumentos que tratam de sua tutela judicial,
4 Os exemplos não estão presentes apenas na sociologia brasileira, basta lembrar dentre
vários autores e obras célebres da literatura, o que aprende e passa a ensinar a personagem Pedro Bala de Jorge Amado no romance “Capitães de Areia”: “a greve é a festa dos pobres (2011, p. 270)”. Além disso, a exigência da leitura de tal obra em alguns dos vestibulares mais tradicionais do país da provas da importância do tema para o sistema educacional. 5 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
4
segundo explica Edis Milaré, “cria-se para o poder público um dever constitucional,
geral e positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, isto é, zelar pela
defesa (defender) e preservação (preservar) do meio ambiente”. (MILARÉ, 2005, p.
188).
Ainda pelo artigo 225, meio ambiente é um bem: a) que serve a todos da
sociedade; b) essencial para propiciar qualidade de vida saudável à coletividade; c)
cujo acesso é direito de todos; d) que deve permanecer em equilíbrio ecológico; e) que
deve ser protegido e preservado para que a geração presente e a futura possam
usufruir de qualidade saudável de vida. Desses aspectos, destacam-se as ideias de
mantê-lo ecologicamente equilibrado e sua relevância como forma de concretização
do direito à sadia qualidade de vida.
Quando se trata de meio ambiente ecologicamente equilibrado, é criterioso
lidar com conceitos não só econômicos, mas de termos ecológicos e de outros
correlatos. Não obstante, o vínculo existente entre meio ambiente ecologicamente
equilibrado e a garantia a sadia qualidade de vida, dirige-se e à vida de forma geral.
Logo, se há meio ambiente equilibrado, significa que há um equilíbrio entre flora,
fauna, as águas, a terra e o ar. Meio ambiente, classificar-se-ia, então, como “a
interação do conjunto de elementos naturais, artificiais, e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado de vida em todas as suas formas” (SILVA, 2009, p. 20).
A Lei Federal n.º 6.938/91, que versa sobre Política Nacional do Meio
Ambiente, em seu artigo 3º6, define meio ambiente sob o seu aspecto natural, como
sendo o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química
e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. A sua
degradação representa dano ambiental que enseja a devida responsabilização.
O grande problema é se os ecossistemas, ricos em diversidade biológica,
devem convir à situação econômica, inverte-se o sentido de preceitos fundamentais,
de forma que o valor essencial da diversidade biológica fica em segundo plano frente
ao contexto econômico.
É válido notar que a razoável interligação entre economia e ecologia não foi
imediata. A economia (neo)clássica não insere o meio ambiente em seus cálculo,
6 Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; (...).
5
considerando apenas os aspectos econômicos e monetários, numa visão utilitarista de
curto prazo que não inclui elementos sociais e ambientais7.
Bourdieu, em 1998, tratou sobre o mito da “mundialização” e da visão
neoliberal que se coloca como evidente e mantida por um trabalho de doutrinação
simbólica do qual participam alguns intelectuais, e cidadãos comuns de maneira
passiva, retransmitindo uma visão de mundo ardilosa e difundida por toda parte,
através de um jogo e conotações com as palavras que tendem a fazer uma mensagem
seja de libertação, tornando as políticas neoliberais inevitáveis e imprescindíveis.
(BOURDIEU, 1998, p. 44).
A globalização, ainda segundo Bourdieu (1998, p. 48), é um discurso poderoso,
uma ideia-força, uma ideia que realiza crença. E a arma principal das lutas contra as
conquistas do welfare state e tem por função instaurar uma reestruturação de um
capitalismo mais racionalizado e cínico. A globalização8 é, primeiramente, um mito
esclarecedor de um mercado financeiro dominado por países ricos, o que não
representa homogeneização, e sim, a extensão do domínio de um pequeno número de
nações dominantes sobre o conjunto das praças financeiras nacionais.
Disso decorre a “visão padrão” da questão ambiental, como observa BERÉ,
(2007), em que o meio ambiente não pode ser obstáculo ao desenvolvimento
econômico e o dano ambiental, caso venha a ocorrer, só deverá ser tratado
posteriormente.
Em oposição a uma ideia estática e consensual de meio ambiente, o campo
ambiental é arquitetado como um espaço social em que são empreendidas disputas
de poder entre os agentes que o estabelecem, levando a que grupos ou indivíduos
que ocupam posições distintas no interior deste campo se envolvam em conflitos com
o intuito de defender sua visão e seus interesses tanto materiais quanto simbólicos.
O poder do mito também tem atingido questões da sociedade contemporânea
como o mito do desenvolvimento sustentável9. E os conflitos em torno do avanço dos
7 ONU. Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL). Economía y Ecologia:
Dos Ciencias y uma responsabilidad frente a la naturaleza. División de recursos naturales y energia. IV Simposio Internacional de Turismo, Ecología y Municipio. Lima, Perú, 26 al 30 de septiembre de 1994. 8 “Não obstante as consequências desumanas da atual aceleração do processo de
globalização, devemos levar em conta que ele aponta, também, no sentido de criar as precondições para a superação do capitalismo, desde que haja a intervenção consciente e organizada da maioria dos seres humanos interessados na ultrapassagem da formação socioeconômica hoje vigente de modo avassalador. ( SOARES, 2005, p. 14). 9 A ideia de desenvolvimento sustentável foi primeiramente divulgada por Robert Allen no artigo
How to save the world (Como salvar o mundo), em 1980. Mais tarde, em 1987, o termo foi
6
processos de devastação do meio ambiente e da biodiversidade, desrespeitados pelos
países industrializados que possuem o domínio da biotecnologia e que não acordaram
para os problemas ambientais.
Embora a economia tente tratar preferencialmente dos aspectos econômicos e
monetaristas10, de certa forma passou a considerar algumas imperfeições do mercado,
trazendo, então, os aspectos ambientais. Surge em decorrência o conceito de
economia ambiental com um:
Enfoque majoritariamente reducionista e desconsidera o caráter dinâmico das interações ecossistêmicas e suas interfaces com o sistema econômico. Seu instrumental analítico se preocupa basicamente com o bem-estar dos indivíduos e com a alocação ótima dos recursos. Questões de sustentabilidade não são necessariamente satisfeitas e os conceitos de escala ótima e distribuição justa assumem um papel secundário em sua análise. O meio ambiente é visto como neutro e passivo e não representa um obstáculo ao crescimento econômico. (ANDRADE, ROMEIRO, 2011, p. 3-26).
Ocorre que dentro do contexto dessa economia estreita e de visão curta, o
desenvolvimento sustentável, e a proteção ambiental, só se dariam pela
implementação de uma dita “economia da felicidade” (BOURDIEU, 1998, p. 56).
Esse é um dos motivos para esse trabalho tratar de aspectos econômicos.
Algumas normas jurídico-ambientais e até mesmo constitucionais da legislação
brasileira apresentam contradições, que se tornam mais evidentes quando cruzadas
com elemento geoquímicos-biológicos, econômicos e jurídicos, por exemplo. A
natureza tem seu próprio ordenamento, e não está presa a conceitos econômicos, e
na se amolda facilmente a um determinado modelo econômico, assim:
A racionalidade utilitarista não guarda compromisso com a racionalidade subjacente à ideia de sustentabilidade. Como decorrência, observa-se uma não correspondência entre o “uso ótimo” (ótimo social intertemporal) determinado pela otimização neoclássica e o ”uso sustentável”, os quais em última instância são categorias que atendem a critérios distintos: o de eficiência e o de equidade, respectivamente. (AMAZONAS, 2009, p.183-212).
amplamente divulgado no Relatório Nosso futuro comum (Our common future) ou Relatório Brundtland 10
A teoria econômica não leva em conta, na avaliação dos custos de política, o que se chama de custos sociais (BOURDIEU, 1998, p. 55)
7
Portanto, é necessário compreender a questão do desenvolvimento
compreendendo todas as dimensões existenciais humanas, buscando identificar as
dificuldades envolvidas nas opções que impactam os meios de desenvolvimento
desde a instância nacional, regional, estadual e municipal.
2. CONSEQUÊNCIAS DA DICOTOMIA ENTRE MEIO AMBIENTE E
INDUSTRIALIZAÇÃO
O progresso desenfreado alastrou uma falsa ideia de que os ecossistemas
poderiam manter-se indiscriminadamente o crescimento econômico e que seriam
aptos a se recuperarem de todas as agressões provocadas pela produção ilimitada de
bens. Na medida em que se percebia a finitude dos recursos naturais, aumentava a
polarização entre setores pró e contra o desenvolvimento.
Dentro desse panorama a preocupação com o meio ambiente tomou
contornos em 1970, exigindo que a economia acompanhasse a mudança de
pensamento que ocorria, para que houvesse uma visão mais próxima entre economia,
economia ambiental e ecologia. Essa urgência obrigou que a economia a pensar como
um subsistema aberto dentro de um ecossistema finito, que denominou-se “economia
ecológica”. (CONSTANZA, 1991, p. 121).
No caso brasileiro, é a partir dos anos 70, e especialmente a partir da década
de 80, que se inicia um processo de identificação de ação social empresarial com a
expectativa de participação no desenvolvimento social do Brasil. Anteriormente, o
empresariado brasileiro não tinha sua proposta norteada em bases liberais, como a
defesa da livre iniciativa e do livre mercado, pois a intervenção estatal era intensa em
várias áreas da economia (BOSCHI, DINIZ, 1989, p, 1990). Assim, nos anos 80, a
internacionalização da economia e sua consequente abertura para um mercado
globalizado garantiram de forma rigorosa um modo de ser das relações econômicas:
Diante dessa nova organização empresarial global, as organizações privadas possuem uma nova diretriz nos rumos da obtenção do lucro, pois simplesmente as vantagens oferecidas em relação a valores (preços) não estão sendo suficientes para a obtenção de um mercado consumidor. Cadaz vez mais a qualidade do produto está relacionada à relação da empresa com a sociedade e seu comportamento ético e esses fatores determinam o comportamento dos consumidores. (PAES, 2003, p. 25).
8
A maioria dos países procura defender seus próprios interesses, sendo que as
nações menos favorecidas carregam o gravame de ter que zelar pelo patrimônio
mundial comum, sem, às vezes, terem condições de assumir os riscos decorrentes
dessas decisões. Os avanços tecnológicos, portanto, acrescentam vantagens e
desvantagens à sociedade, sendo que os conhecimentos não são adequadamente
efetivos para isentar de perigos e riscos durante o processo das tecnologias.
Segundo a Austrália and New Zealand Standard 11, compreende-se por riscos,
a possibilidade de que algo advirá e que proporcionará impactos nos objetivos.
Também é entendido como a chance de ocorrência de determinado efeito dentro de
um período específico ou em circunstâncias específicas. Já o perigo, por sua vez, é
uma situação potencial para ocorrências de danos ao indivíduo, à propriedade, ao
meio ambiente, ou até uma combinação destes12.
As empresas, através de condutas socialmente responsáveis, são poderosas
agentes de mudança ao assumirem parcerias entre o Estado e a sociedade, na
construção de um mundo economicamente mais próspero e socialmente mais justo.
A economia solidária aponta para a constituição de alternativas de geração de
trabalho e renda a partir do labor solidário e auto-gestionário em condições adversas
para o desenvolvimento sustentável.
Quando se trata de desenvolvimento sustentável, é preciso analisar o que viria
a ser desenvolvimento. VEIGA (2010, p. 83) classifica “desenvolvimento” três formas:
a) desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico; b) desenvolvimento
como um mito, então não se falaria em desenvolvimento sustentável, já que
desenvolvimento é uma quimera; e c) desenvolvimento como a interconexão (SEN,
2005, p.13-30) entre os diversos domínios do desenvolvimento (econômico, político,
social, por exemplo), ou seja, o desenvolvimento deve ser entendido como um todo e
cada parte deve ser interligada entre si.
Até a década de 1970, eram considerados como desenvolvidos os países que
obtiveram elevado nível de riqueza, em decorrência de seu elevado nível de
industrialização. Constatou-se que ainda que um país passasse por um forte processo
de desenvolvimento econômico, não havia necessariamente um maior acesso da
população a bens materiais e culturais, tal como se esperava frente ao incremento
industrial.
11
AUSTRALIA AND NEW ZEALAND STANDARD. Risk management guidelines: HB 426. Standard Association of Australia. Sidney, 2004. 12
BRITISH STANDART INSTITUTION. BS-8800. BSI, 2004.
9
O economista brasileiro, Celso Furtado, explica assim a diferença entre
“crescimento econômico” e “desenvolvimento”:
Para tracejar uma tentativa de resposta, não é demais relembrar certas ideais elementares: o crescimento econômico, tal qual conhecemos, vem se fundando na preservação dos privilégios das elites que satisfazem seu afã de modernização; já o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente. Dispor de recursos para investir está longe de ser condição suficiente para preparar um melhor futuro para a massa da população. Mas quando o projeto social prioriza a efetiva melhoria das condições de vida dessa população, o crescimento se matamorfoseia em desenvolvimento. (2004, p. 483-486).
É válido ponderar que mesmo o conceito de sustentabilidade também pode ser
encarado de maneiras distintas. Na ótica da sustentabilidade fraca se houve redução
do ativo artificial, deve haver a respectiva compensação pela soma em outro ativo – o
natural- e vice-versa. A ideia sustenta-se na troca perfeita entre as distintas formas de
capital. Já, no ponto de vista da sustentabilidade forte, a alteração do estoque de
patrimônio natural não pode convir de parâmetro para a compensação da variação do
estoque de capital artificial feita pelo homem.
Tanto a ideia de desenvolvimentos sustentável quanto a de economia solidária
suscitam novos princípios e valores, um contra-discurso, a construção de outros
paradigmas que venham nortear ações e práticas coletivas para uma nova
sociabilidade13.
A ideia de “desenvolvimento sustentável”, portanto, não está reduzida ao
conjunto dos conceitos de desenvolvimento e sustentabilidade, revestindo-se de
conceito mais amplo. São muitos os significados do desenvolvimento sustentável e da
economia solidária que se desejam em face da manifesta crise social e ambiental de
dimensão planetária.
O desenvolvimento sustentável, conforme apresentado no Relatório
Brundtland, da Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento da
Organização das Nações Unidas (ONU), esclareceu diretrizes de um desenvolvimento,
cujo modelo deveria ser focado no atendimento das necessidades da sociedade
presente, sem que haja comprometimento das necessidades da geração futura.
13
FEYERABEND (1977, p. 9-10) dirá que: O único princípio que não inibe o progresso é: tudo vale. Cabe, por exemplo, recorrer a hipóteses que contradizem teorias confirmadas e/ou resultados experimentais bem estabelecidos. É possível fazer avançar a ciência, procedendo contraindutivamente.
10
A Agenda 21, que é um programa global, elaborada e aprovada pela
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992,
no Rio de Janeiro (Rio 92), que estipulou o processo de desenvolvimento tendo por
base os princípios de sustentabilidade, significando que produtos sejam acessíveis de
forma que os recursos não renováveis, utilizados em sua produção, se mantenham
dentro da capacidade de suporte da Terra (LEFF, 2008), (YOSHIDA,2009, p. 80-83).
Além da Agenda 21, outro importante documento escrito na “Rio 92”, foi a
“Carta da Terra”, que traz importantes ressalvas sobre o meio ambiente, tendo sido
retificada pela UNESCO e aprovada pela ONU em 2002:
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações
14.
Desenvolvimento sustentável, logo, pode ser compreendido como a reunião de
instrumentos “preventivos”, utensílios que devem ser aplicados para conformar,
construir, estruturar políticas, que teriam como fundamento práticas econômicas,
científicas, educacionais, conservacionistas, voltadas à realização do bem-estar
completo de toda uma sociedade.
O direito ao desenvolvimento sustentável baseia-se essencialmente em normas
capazes de instrumentalizar políticas de desenvolvimento com base no aumento da
qualidade das condições existenciais dos indivíduos. Assim, políticas capazes de
reencontrar uma compatibilidade da atividade econômica com o aumento do potencial
humano e do meio natural, sem esgotá-los; sedimentadas por normas de incentivo à
pesquisa científica de proteção dos recursos naturais e de garantia de uma qualidade
ambiental.
Cruz (2009, p. 1-12) compreende que o cumprimento dos desígnios do
desenvolvimento sustentável é uma questão de responsabilidade socioambiental que
14
Carta da Terra – Organização das Nações Unidas, 2002.
11
clama por nova ética social amparada por instituto jurídico, permitindo acionar
mecanismos de responsabilidade civil, administrativa ou penal, na ocorrência de danos
variados.
Logo, o planejamento para a sustentabilidade requer uma mudança no modo
de compreender o desenvolvimento. Há uma necessidade evidente para um
pensamento mais estratégico, coeso e multidimensional, apto a assegurar a
compatibilidade dos interesses econômicos e ambientais. Trata-se de um processo
que comporta planejamento para a sustentabilidade das atividades econômicas,
combinado com ações estratégicas, objetivando otimização da qualidade de vida.
É fundamental atentar para fatores econômicos, e principalmente históricos e
culturais, visto ser impossível resolver a questão da sustentabilidade sem considerar
as decisões a nível internacional em relação à sobrevivência humana.
Essas estratégias devem ser aplicadas nas diversas estruturas da sociedade,
exigindo eficiência econômica e naturalmente definição sobre a finalidade da produção
(o que, e para quem produzir), avaliação de riscos e julgamentos éticos na distribuição
de custos e benefícios da atividade econômica, bem como opções políticas para
consecução de um conjunto de fatores convencionalmente chamados de bem-estar.
3. UMA POSSÍVEL SOLUÇÃO
A dimensão desse novo processo de desenvolvimento, em bases sustentáveis,
torna imprescindível a criação de condições materiais e subjetivas para um novo
projeto nacional articulado com uma estratégia alternativa de manejo das
possibilidades construídas a partir da crise da economia no mundo capitalista.
As mudanças existentes no ordenamento jurídico brasileiro, aplicadas para
proteção do meio ambiente, exigem uma reavaliação da forma de interpretação
empregada pelo aplicador da lei com o fim de garantir que a legislação protetora dos
bens naturais se adapte aos seus desígnios.
A adoção de certos posicionamentos, na atualidade, não se adéqua a uma
interpretação exclusivamente em sentido estrito. O adequado tratamento interpretativo,
baseado em princípios constitucionais, conduz a seguir o método de sentido amplo
das normas referentes ao meio ambiente, com destaque aos aspectos determinantes
de obediência integral aos ditames do respeito aos direitos dos homens,
especialmente os que consagram a força da cidadania e da dignidade humana, ao
lado dos demais valores que compõem o quadro fundamental protetor do ser social.
12
A interpretação adequada das normas que regulam as atividades relacionadas
ao meio ambiente devem alcançar o patamar de efetividade e de eficácia almejado
pelo legislador constituinte. Ela há de passar por processo de desenvolvimento situado
em campo formado por regras que estão postas, primeiramente, na Constituição
Federal como um todo e, sequencialmente, no Código Civil e na legislação específica
sobre o meio ambiente.
Bourdieu (2007) diz que o Estado não tem, necessariamente, de dar ordens, ou
de exercer coerção física, para produzir um mundo social ordenado. Enquanto puder
produzir estruturas cognitivas incorporadas que estejam em consonância com as
estruturas objetivas. A atuação do campo estatal tende a naturalizar diversas
dimensões da vida social, em especial no domínio da produção simbólica, no qual as
administrações públicas e seus representantes exercem papéis na produção de
problemas sociais, que a ciência social frequentemente apenas ratifica, retomando-os
por sua conta como problemas sociológicos.
A monopolização da verdade coletiva resulta dessa operação de imposição
simbólica, o que significa que o mandatário do Estado é, simultaneamente, construtor
e depositário do senso comum, tornado visão legítima. O monopólio, porém, jamais é
absoluto, proveniente sempre do conflito entre poderes simbólicos15, cujas lutas de
classe, antagonicamente ou não, delimitarão o seu espaço.
Quanto mais o Estado permite transparência aos administrados, o grau de
controle sobre este poder se alarga. Um Estado transparente só é possível em alguns
campos por via da luta simbólica, ou por meio da opinião pública e da publicidade,
como dizem os outros teóricos.
Na área ambiental, essa estrutura tende a se tornar mais invisível, tendo em
vista que existe flagrante tentativa de opacizar informações para atender a interesses
políticos e econômicos, acirrando, dessa forma, a luta simbólica entre os campos em
15
Quanto ao poder simbólico, Bourdieu explica que é: “esse poder invisível, o qual só não pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem (2007, p. 7-8). E ainda: “é próprio da eficácia simbólica, como se sabe, não poder exercer-se senão com a cumplicidade – tanto mais certa quanto mais inconsciente, e até mesmo mais sutilmente extorquida- daqueles que a suportam. Forma por excelência do discurso legítimo, o direito só pode exercer a sua eficácia específica na medida em que obtém o reconhecimento, quer dizer, na medida em que permanece desconhecida a parte maior ou menor de arbitrário que está na origem do seu funcionamento” (2007, p. 243).
13
conflito. Os instrumentos jurídicos esculpidos nas diversas leis16 podem ser armas
poderosas em especial para a defesa do direito à informação socioambiental.
A responsabilidade civil no Direito Ambiental, diferentemente da
responsabilidade do Direito Civil, não visa à satisfação exclusiva de um particular, mas
de grupos indeterminados de pessoas. E pode ser encarada como um meio, dentro da
luta simbólica bourdiniana, de garantir a sua permanência frente a outros campos.
O dano ambiental é uma agressão ao meio ambiente, “aos componentes
ambientais do ambiente natural, cultural e do trabalho, que lesa o direito da
coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (BECHARA, 2009, p. 50)”.
Desta forma, ocorrendo uma lesão que afete os elementos ambientais, configura-se,
violação do direito a meio ambiente sadio.
Cumpre salientar, no entanto, que pela interpretação legislativa pátria, também
há configuração de dano ambiental quando se altera adversamente a qualidade do
meio ambiente, ainda que não haja reflexos em interesses e direitos dos seres
humanos. A Resolução CONAMA n.º 01/1986, em seu artigo 1º17, estabelece que
impacto ambiental caracteriza-se por qualquer mudança de propriedades físicas,
químicas e biológicas do meio ambiente, acarretada por qualquer forma de matéria ou
energia resultante das atividades humanas, que direta ou indiretamente possam afetar
a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais ou
econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e a
qualidade dos recursos ambientais. Não obstante, também existem os danos
ambientais por ricochete, mas que não serão tratados aqui, por não tratarem de uma
agressão a direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
De tal forma, que “a responsabilidade civil por dano ambiental possui uma
função social que ultrapassa as finalidades punitiva, preventiva e reparatória,
16
A norma jurídica, quando consagra em forma de um conjunto formalmente coerente regras oficiais e, por definição, sociais, (...), os princípios práticos do estilo de vida simbolicamente dominante, tende a informar realmente as práticas do conjunto dos agentes, para além das diferenças de condição e estilo de vida: o efeito de universalização, a que se poderia também chamar efeito de normalização, vem aumentar o efeito da autoridade social que a cultura legítima e os seus detentores já exercem para dar toda a sua eficácia prática à coerção jurídica. (BOURDIEU, 2007, p. 246). 17
Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais.
14
normalmente atribuídas ao instituto18” (STEIGLEDER, 2011, p. 155). Salienta-se, nas
palavras de BROGIN:
não se trata de interferência da esfera penal na cível e vice e versa. O dano moral punitivo não é aqui encarado como pena no sentido trazido pelo Princípio da Reserva Legal. Sanção é uma medida estabelecida pelo sistema para reforçar a observância das normas. O entendimento aqui defendido é no sentido de dar um maior valor à indenização por danos morais tendo em vista a conduta grosseira ou de má-fé do agressor, conduta essa que se encontra em desacordo com o padrão mínimo de comportamento que o sistema exige das pessoas, que deve ser reprovado e desestimulado.(BROGIN, In: ALVARENGA, 2012, p. 69).
A leitura da teoria da responsabilidade civil necessita ser aplicada com os
princípios de Direito Ambiental, predominando o interesse coletivo frente a interesses
econômicos particulares, buscando a mais completa reparação do ambiente
degradado.
Aplicar indenização pecuniária como meio de responsabilizar aquele que
provocou o dano ambiental deve ser meio subsidiário de responsabilização, quando se
trata da responsabilidade ambiental. É necessário privilegiar a recuperação do meio
ambiente e só na impossibilidade desta, então, a reparação carece buscar o agente
indenizar a coletividade.
Também não se pode entender que o pagamento pecuniário torna permissiva a
atividade lesiva, pois sua finalidade é a punir o poluidor, de tal forma que desestimule
18
Ainda nesse sentido: “Indagar da função punitiva da responsabilidade civil, numa época em que se assiste à objectivação da responsabilidade civil, à socialização do dano, sendo maior a preocupação com o ressarcimento do lesado, e colocando-se num plano secundário a responsabilização do lesante, pode parecer um “anacronismo”, ou uma idéia retrógrada. No entanto, parece-nos que a socialização do dano agudiza o interesse pela investigação de outras funções da responsabilidade civil, pois a absorção da função reparatória deste instituto de Direito civil por sistemas de garantia acaba por colocar em risco a sua subsistência, caso se entenda que a responsabilidade civil depende, em exclusivo, do escopo ressarcitório. A reflexão acerca da ilicitude e da culpa do agente e, consequentemente, acerca do escopo preventivo e punitivo da responsabilidade civil, não deve ser entendida como o renascimento do sistema de vingança privada. Este precipitado pré-entendimento poderá, eventualmente, ter sido o responsável pela actual hipertrofia e ineficácia do Direito Penal e do Direito contra-ordenacional, no seio dos quais se tenta enquadrar novos ilícitos e “ilícitos mistos”, respectivamente, sem antes se esgotarem todas as potencialidades do instituto da responsabilidade civil, maxime a sua função punitiva. Ao supra exposto acresce a insuficiência da obrigação de indemnizar no seio do Direito Civil, pois sendo limitada pelo dano, a indenização não desincentiva a violação do direito, a prática da conduta ilícita e culposa, nem pelo próprio, nem por terceiros. Talvez tenha chegado o momento de abandonar o dogma da limitação do montante pecuniário a atribuir ao lesado, ao dano sofrido, que surgiu com o desenvolvimento do Direito canónico na Idade Média, e a proibição da usura, ou seja, um contexto que foi actualmente ultrapassado pelos novos desafios que a Ciência do Direito enfrenta”. (LOURENÇO, 2006, p. 15-16).
15
a ocorrência de condutas danosas, forçando a reparação do ambiente degradado de
forma a onerar a coletividade da menor maneira possível. Assim, não cabe à
afirmação comum “poluo, mas arco monetariamente com o dano”, pois o caráter ilícito
da conduta é reprovável e permanece, devendo a sanção civil, necessariamente evitar
tal assertiva, estabelecendo uma sensível e forte punição, de forma que desestimule a
conduta lesiva.
A evidenciar a correlação entre a função social da Responsabilidade Civil, seu
caráter profilático e a indução comportamental dos agentes em potencial, no
afunilamento investigativo, o poluidor também será afetado pelo sistema de
responsabilização civil19, e será em razão da possível – e previsível – recompensa ou
sanção, que tomará suas decisões negociais, escolhendo logicamente aquilo que lhe
viabilize maior lucro, ou seja, melhor eficiência econômica, denotando, desta forma,
que os instrumentos regulatórios e autorregulatórios exercem direta influência
econômica sobre o desenvolvimento da sociedade. Afinal, o empresário exerce seu
direito à livre iniciativa motivado pela obtenção de lucros; bem ainda, tendo pessoa
física e jurídica suas ações reguladas por lei, deverá – ou idealmente deveria –
coordenar tal obtenção de lucros segundo os limites de lei.
Porém, na prática, a teoria econômica comprova que o empresário, via de
regra, atuará não conforme ideais éticos ou morais e sim de acordo com a melhor
vantagem financeira obtenível in casu; e isto mesmo que sua conduta esteja em
desacordo com a legislação ou com os parâmetros do mercado, desde que a potencial
repercussão financeira do ilícito proporcionalmente compense a assunção do risco
legal ou mercadológico. Em palavras simples, equivale a pagar não “pelo erro”, mas
“para errar”, elidindo, assim, qualquer efeito pedagógico implícito na correção estatal
ou dos órgãos administrativos.
Assim, a função social da responsabilidade civil afeta à parte e ao todo, pois,
como ensina Bobbio (2007, p. 104), o próprio direito possui função para com o sujeito
e para com a sociedade.
Para alcança-ser esse objetivo, é preciso desenvolver linha de organização
administrativa e judicial. Sendo para qualquer que seja o ambiente, onde só serão
19
Poderá ser dito que um agente penalizado pela ordem civil nunca será igual, após cumprir a sentença condenatória, pois o efeito do pagamento forçado que o Estado lhe impôs, como resposta pela transgressão, ativa-lhe o cérebro, como se fosse um tônico contra perda de memória, de efeito prolongado. Errar sempre é um ultraje à inteligência, pelo que se acredita que a condenação integra a cartilha da escola que prepara o cidadão para uma atuação diligente, um crédito para a difícil arte de convivência entre os iguais, que são incrivelmente diferentes. (ZULIANI, 2006, p. 69)
16
possíveis a correção dos equívocos da norma ambiental, se afastadas as antinomias
nela existentes e os conflitos entre os princípios a que ela está subordinada.
CONCLUSÃO
Evidente que não se é contra ao desenvolvimento do país, porém se discute
até que ponto as implicações disso estão sendo suficientemente avaliadas dentro de
bases científicas.
Dessa forma, diante da contradição constitucional entre industrialização e meio
ambiente, é necessário voltar à raiz do problema a fim de identificar que medidas
podem ser feitas para que esta possa se tornar um eficaz meio de proteção ambiental.
Para tanto é substancial voltar os olhos para além da dogmática jurídica vislumbrando
assim a questão por meio da óptica das ciências sociais: enfim, como será possível
transformar essa lei em um utensílio adequado e concomitantemente eficaz ?
Ao tomar esta questão como ponto de partida, uma das preocupações centrais deste trabalho é a de demonstrar que, subjacente à decantada ideia de “crise” do direito está o inevitável problema do permanente desajustamento entre as crises sócio-econômicas e as instituições jurídico-políticas. Como o direito não é uma instância autônoma e subsistente por si mesma, porém dependente de outras instâncias que o determinem e o condicionem, do mesmo modo como também acabam sendo por ele determinadas e condicionadas, suas transformações podem – e devem – ser estendidas como produto do conflito hegemônico entre grupos e classes que procuram adaptar os mecanismos institucionais de controle, direção, regulação, organização e arbitragem a seus fins, impondo, mantendo e assegurando um padrão específico de relações sociais. (FARIA, 1988, p. 18).
O primeiro passo, portanto, seria enxergar sob uma perspectiva holística o
problema levantado, desfazendo assim as ilusões idealistas que envolveram a
dogmática jurídica, a qual representa muito mais do que um enfoque científico do
direito, sendo um verdadeiro “ethos” culturalmente específico que serve de
fundamento para que em prol de uma segurança jurídica abstrata e geral permita a
ciência do direito justificar a lei em si mesma (FARIA, 1988, p. 24). Em suma, para
transpor essa visão idealista, deve-se eliminar as pseudo soluções, tais como a mera
implantação de novas leis que reforcem a já existente. Além disso, inflamar o código
ambiental de legislações complementares a essa seria reafirmar a falsa pretensão de
que a mera descrição de todos os possíveis problemas se equipare, em termos
sociais, a solução de todos esses.
17
Desse modo, antes de se expandir o código ambiental é fundamental que seja
desfeita a ilusão de um sistema de normas circular e redundante. A quebra dessa
ilusão importará o efeito de que se possa olhar para o sistema sobre a perspectiva do
todo, a qual vai de encontro à divisão do saber jurídico especializado, desfazendo a
impenetrabilidade das disciplinas jurídicas entre si. Isso porque o direito é um só, e ao
se utilizar todas as suas estruturas é possível garantir credibilidade, unidade e
adequação axiológica ao sistema jurídico, o que é benéfico para a organização do
Estado Social Democrático de Direito, e, em linha direta para a sociedade.
Segundo passo seria justamente o de perceber as correlações da situação do
meio ambiente com a industrialização com outros vários problemas que persistem no
Brasil, tais como: os educacionais, sociais etc. Entender a correlação entre esses
inúmeros problemas permitirá a criação de políticas socioambientais mais eficazes ao
mesmo tempo que fará com que o direito ambiental avance em direção a um maior
entendimento da conduta real dos agentes sociais. Nesse sentido:
Afinal, a compreensão da organização e do funcionamento das estruturas sociais implica a percepção da totalidade de suas significações, sem o que não há como se descobrir o conjunto de elementos determinantes que explicam os comportamentos, hábitos, obediências, submissões – enfim, as diferentes formas de socialização e integração dos indivíduos, trivialização e neutralização das tensões, repressão e exclusão dos conflitos. (FARIA, 1988, p. 26-27).
Os sistemas de informações na área ambiental precisam de diagnóstico e
avaliação para auferir a acessibilidade dos serviços, bem como a usabilidade,
operacionalidade, funcionalidade, objetividade, clareza, veracidade, concisão,
continuidade, tempestividade, responsabilidade, completude, impessoalidade,
objetividade, etc. Da mesma forma, o Estado necessita promover maior comunicação
entre os órgãos públicos, com a integração dos sistemas existente (entre órgãos de
um mesmo poder ou mesmo entre várias esferas de poder e entes federativos).
O terceiro e último passo é formular ou reformular leis que permitam a evolução
da ciência do direito abarcando as novas descobertas sobre como promover e ampliar
o desenvolvimento sustentável.
Controle social constitui princípio fundamental para a democratização da
gestão pública ambiental, sendo imprescindível a efetividade do direito à informação,
18
que, em última análise, visa promover a busca do meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
O crescimento econômico e a política de preservação ambiental não podem ser
objeto apenas de especulação e disputa ideológica, e sim constituir objetivos
compatíveis e interdependentes entre si. Desse modo, a internalização das questões
ambientais pelo Estado refere-se à incorporação plena dos indivíduos no processo de
desenvolvimento, por meio do fortalecimento dos mecanismos democráticos para
formulação e implementação representativa e participativa das políticas públicas em
escala nacional e global.
As normas jurídicas democraticamente estabelecidas tem um papel de
relevância ao longo da caminhada rumo à nova formação socioeconômica e durante a
vigência dessa (SOARES, 2005, p. 18). Assim, estando caracterizado o dano
ambiental, é possível acionar o estado judicialmente, a fim de tutelar o direito em que
foi atingido.
As decisões judiciais assumem papel crucial no comportamento de
preservação ambiental. Se o Poder Judiciário oferecer a justa recompensa
jurisprudencial para essa conduta, ou, por via reversa, punindo com severidade, a
irresponsabilidade social, que é atentatória para a sustentabilidade, para o bem
comum e para o estabelecimento de uma sociedade livre, justa e solidária.
A alegada “indústria do dano moral” seria um fenômeno mal interpretado da
sociedade de risco e de consumo. A responsabilidade civil não se resume
exclusivamente à concepção material da reparação, uma vez que se encontra
vinculada a fins sociais, às exigências do bem comum. Promove-se como necessidade
de controle de conduta, objetivando que o indivíduo não se desligue das formas
normativas de Direito.
A aplicação da reparação civil serve como meio de garantir que a estrutura
ambiental demarque seu poder na conservação ou transformação do mundo social, de
forma que sua aplicabilidade não fique prejudicada para atender uma outra espécie de
conflito.
Importante, ressaltar que tal estudo não pretende ser a resposta definitiva, bem
como por fim a discussão da temática apresentada, sendo provável que seja
necessário o desenvolvimento de novas teorias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
19
Capítulos em coletâneas
BROGIN, Juliana Ferres. Fixação do dano moral e a teoria do valor do desestímulo. In: ALVARENGA, Maria Amália de Figueiredo Pereira (Org). Os novos parâmetros da responsabilidade civil e as relações sociais. Franca: Unesp, 2012.
BERÉ, Cláudia Maria. Direito à moradia e Direito ao Meio Ambiente. In: DISSINGER, Marisa Rocha Teixeira (coord). Temas de direito urbanístico 5. São Paulo: Imprensa Oficial: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2007.
BOSCHI, R.R; DINIZ, E. Empresários e constituinte: continuidade e rupturas no modelo de desenvolvimento capitalista no Brasil. In: CAMARGO, A.; DINIZ, E. (Org.) Continuidade e mudança no Brasil na nova república. São Paulo: Vértice: Revista dos Tribunais, 1989.
COSTANZA, R. et al. Goals, agenda and policy recommendations for ecological economics. In: COSTANZA, R. (Org.) Ecological economics: the science and management of sustainability. New York: Columbia University Press, 1991.
CRUZ, B. M. Introdução. Desenvolvimento sustentável e responsabilidade ambiental. In: MARQUES, J. R. (Org). Sustentabilidade e temas fundamentais de direito ambiental. São Paulo: Millennium, 2009.
SEN, Amartya. Prefácio- reforma jurídica e reforma judicial no processo de desenvolvimento. In: BARRAL, Welber (org.). Direito e Desenvolvimento: análise da ordem jurídica sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005.
SOARES, Alcides Ribeiro. Relações entre direito, sociedade e economia. In: ALVES, Alaôr Caffé; et. al. (Orgs). Direito, sociedade e economia: leituras marxistas. São Paulo: Manoele, 2005.
STÖHR, A. Ética e ecologia: um levantamento sobre os fundamentos normativos da ética ambiental. In: NOBRE, M; AMAZONAS, M. de C. (Org.). Desenvolvimento sustentável: a institucionalização de um conceito. Brasília: Edições IBAMA, 2002.
YOSHIDA, C. Y. M. Sustentabilidade em sentido literal, sustentabilidade ecológica exclusiva, sustentabilidade social limitada e coevolução sociedade-natureza. O desenvolvimento humano. In: MARQUES, J. R. (Org). Sustentabilidade e temas fundamentais de direito ambiental. São Paulo: Millennium, 2009.
Livros:
AMADO, Jorge. Capitães de Areia. 6. ed. Portugal: Bis, 2011.
20
ANDRADE, Filipe Augusto Vieira de; BONILHA, José Carlos Mascari. Responsabilidade civil ambiental do sistema financeiro. Manual prático da promotoria de justiça do meio ambiente. São Paulo: Imprensa Oficial: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2005. v. 1.
BECHARA, Erika. Licenciamento e compensação ambiental. São Paulo: Atlas, 2009.
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função. São Paulo: Manoele, 2007.
BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
______. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. 322 p.
FARIA, José Eduardo. Eficácia jurídica e violência simbólica: o direito como instrumento de transformação social. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1988.
FERNANDES, Florestan. Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento. Zahar Editores; 3º edição. Rio de Janeiro, 1975.
FEYERABEND, Paul. Contra o método. Tradução por: Octanny S. da Mota e Leonidas Hegenberg. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
LEFF, E. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. 6. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
LOURENÇO, Paula Meira. A função punitiva da responsabilidade civil. Coimbra, 2006.
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribuinais, 2005.
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
STOCCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
21
VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamonde, 2010.
Artigo:
AMAZONAS, Maurício de Carvalho. Valor Ambiental em uma perspectiva heterodoxa institucional-ecológica. Revista Economia e Sociedade. Campinas, abr/2009. v. 18, n. 1.
ANDRADE, Daniel Caixeta; ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Degradação ambiental e teoria econômica: algumas reflexões dobre uma “economia dos ecossistemas”. Brasília: Revista Economia, 2011. v. 12. n. 1. Jan/abr.
FURTADO, Celso. Os desafios da nova geração. In: Revista de Economia Política. v. 24. n. 4, out-dez, 2004.
ZULIANI, Ênio Santarelli. Responsabilidade civil e reparação de danos: raízes históricas função e objetivo. In: Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil. São Paulo, v. 7, n. 40, p. 54-74, mar.2006.
Fontes consultadas:
AUSTRALIA AND NEW ZEALAND STANDARD. Risk management guidelines: HB 426. Standard Association of Australia. Sidney, 2004.
BRITISH STANDART INSTITUTION. BS-8800. BSI, 2004.
ONU. Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL). Economía y Ecologia: Dos Ciencias y uma responsabilidad frente a la naturaleza. División de recursos naturales y energia. IV Simposio Internacional de Turismo, Ecología y Municipio. Lima, Perú, 26 al 30 de septiembre de 1994.
Legislações:
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
______. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
______. Resolução Conama n.º 1, de 23 de janeiro de 1986. Publicado no Diário Oficial da União 23 fev. 1986.
Trabalhos de conclusão,teses e dissertações
22
PAES, A. A responsabilidade social empresarial (rse): espaço de intervenção profissional do serviço social. 2003. Trabalho de conclusão de curso. Faculdade de Serviço Social da PUC-SP, São Paulo, 2003.