processo de downsizing em empresas privatizadas: a

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PROCESSO DE DOWNSIZING EM EMPRESAS PRIVATIZADAS: A Percepção dos Participantes Ursula Wetzel Brandão Dos Santos Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração - COPPEAD Doutorado em Administração Orientadora: Angela da Rocha Professora Titular RIO DE JANEIRO Setembro de 2000

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PROCESSO DE DOWNSIZING EM EMPRESASPRIVATIZADAS: A Percepção dos Participantes

Ursula Wetzel Brandão Dos Santos

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJInstituto de Pós-Graduação e Pesquisa

em Administração - COPPEADDoutorado em Administração

Orientadora: Angela da RochaProfessora Titular

RIO DE JANEIROSetembro de 2000

ii

PROCESSO DE DOWNSIZING EM EMPRESASPRIVATIZADAS: A Percepção dos Envolvidos

Ursula Wetzel Brandão Dos Santos

Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pós-Graduação em Administração –COPPEAD da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitosnecessários à obtenção do grau de Doutor em Ciências (DSc).

Aprovada por:

Profa Angela da RochaCOPPEAD/UFRJ - Presidente da Banca

______________________________Prof. Agrícola BethlemCOPPEAD/UFRJ

_____________________________Profa Anna Maria Campos

_____________________________Prof. Paulo Fernando Fleury

_____________________________Profa Sylvia Constant Vergara

Rio de JaneiroSetembro de 2000

iii

Santos, Ursula Wetzel Brandão dos

Processo de Downsizing em Empresas Privatizadas: APercepção dos Participantes. Ursula Wetzel Brandãodos Santos. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2000.

Vii, 344 P.; il.

Dissertação (Doutorado) – Universidade Federal doRio de Janeiro, COPPEAD, 2000.

1. ... – Tese 2. – Tese

1. Título. II Tese (Doutor. UFRJ/COPPEAD)

iv

A meus filhos,Eduardo e Paula

v

AGRADECIMENTOS

Gostaria de, aqui, registrar agradecimentos às pessoas cujas ações e apoio permitiramque eu pudesse realizar este trabalho. Em primeiro lugar agradeço à minha orientadora,Profa Angela da Rocha, o tempo dedicado, a orientação e a disponibilidade nas horasmais difíceis e prementes. Sem ela não teria chegado ao final. Agradeço, ainda, à minhaamiga, Profa. Rebecca Arkader, por sua insistência em me lembrar a necessidade dededicação ao trabalho. Suas palavras foram fonte de ânimo e, mesmo, de consolo.

Agradeço, também, às empresas que abriram suas portas para a pesquisa epossibilitaram a realização de um grande número de entrevistas com seus funcionários.Agradeço, ainda, a todas as pessoas entrevistadas que abriram um espaço de tempo emsua agenda para me receber. E creio ser importante dizer que não se tratou apenas dededicação de tempo mas também de energia e disponibilidade emocional. Tenho certezade que o tema da pesquisa abordou eventos passados repletos de ansiedades e tristezas ede que, para alguns, a entrevista provocou momentos de difíceis recordações. A essaspessoas quero deixar meu carinhoso obrigado.

Por fim, agradeço o apoio institucional oferecido pela Secretaria Acadêmica e pelaBiblioteca. Ficou muito mais fácil realizar um trabalho desta monta dentro de umaorganização que acredita e investe em infra-estrutura para a pesquisa e que, na ação decada um, docente ou funcionário, busca diariamente e de forma consciente a excelênciado serviço prestado. Ao COPPEAD o meu sincero obrigado.

vi

SANTOS, Ursula Wetzel Brandão dos. Processo de Downsizing em empresasprivatizadas: A Percepção dos Participantes. Orientadora: Profa Angela daRocha. .Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2000. Dissertação. (Doutorado emAdministração)

RESUMO

Este trabalho teve por objetivo pesquisar como os remanescentes perceberam o processode downsizing - redução planejada de pessoal – de suas empresas. A partir do estudo detrês organizações brasileiras privatizadas no período entre 1996 e 1998 e da realizaçãode 58 entrevistas em profundidade, foi possível compreender que o downsizing aoencontrar-se inserido em um processo de mudança radical da organização – aprivatização – caracterizou-se por sua severidade e abrangência.

O downsizing no contexto da privatização tangibilizou uma mudança no contratopsicológico, passando os remanescentes a adotar, em seu discurso, a “lógica da empresaprivada”, mudando também suas atitudes diante das novas imposições organizacionais.Ocorreram alterações substanciais em seu trabalho, como o aumento da carga detrabalho, maior responsabilidade e autonomia na execução de tarefas,multifuncionalidade e postura pró-ativa na resolução de problemas. Alem disso, amudança no contrato psicológico, ao gerar insegurança e simbolizar a perda da proteção“maternal” da estatal, fez com que o funcionário se tornasse co-responsável pelo seuautodesenvolvimento. O processo de downsizing foi, também, percebido como abrindooportunidades de ascensão profissional.

Por outro lado, este processo não se fez sem ambigüidades na forma de ver a situação.Situações concretas de progresso e realizações profissionais no nível da organização etambém no nível individual foram, simultaneamente, acompanhadas de sentimentoscontraditórios que expressavam medo e orgulho, amor e angústia, satisfação e estresse.As contradições e ambigüidades presentes nos discursos contrapõem-se à clivagemencontrada na literatura específica de downsizing. De forma geral, os autores assumemposições polares em que procuram mostrar que o processo ou é danoso e temconseqüências negativas para a empresa e o empregado ou é benéfico para a empresa.Esta pesquisa avança o conhecimento existente no sentido de mostrar que o downsizingem empresas recém-privatizadas não assume um caráter único. Não é “bom” nem é“ruim” , são as duas coisas ao mesmo tempo. Assumir a crítica ou o elogio seriaprivilegiar apenas um lado da questão.

vii

SANTOS, Ursula Wetzel Brandão dos. Processo de Downsizing em empresasprivatizadas: A Percepção dos Participantes. Orientadora: Profa Angela daRocha. .Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2000. Dissertação. (Doutorado emAdministração)

ABSTRACT

The objective of this dissertation is the study of the perception of survivors ondownsizing processes implemented in privatized companies. Based on the cases of threeBrazilian companies privatized in the period between 1996 and 1998 and on 58 in-depthinterviews with survivors, it was possible to show that downsizing could not be seen asa distinct process and the perception on it was, in fact, embedded in a radicalorganizational change brought about by privatization.

One important consequence of the downsizing process was a change in thepsychological contract which led survivors to adopt a different work logic – the logic ofthe private company - as well as a different attitude due to a more demandingorganization. Major changes in the way people worked were identified: more workload;longer working hours; greater autonomy and responsibility; a need formultifunctionality; and a more proactive attitude toward problem solving. Downsizingwas also perceived as an opportunity for career leverage.

Ambiguity was also present in the process. While there existed concrete opportunitiesfor professional achievement, these were at the same time accompanied bycontradictory feelings such as, on one hand, proudness regarding the company andattachment in relation to the work done and, on the other, fear of losing the job andanxiety for not being able to satisfy the new requirements.

These findings add to the existing theory, which usually assumes downsizing either as apositive or a negative process. This investigation concluded that, for the survivingemployee, the process of downsizing in the context of privatization is, at the same time,a positive and a negative experience. Therefore, the usual assumption of a single-sidedperspective implies a poor perception of the process.

viii

Lista de Figuras

Figura 1 Tipologia de relações de trabalhoFigura 2 A proposta de Shaw e Barrett-Power para a análise do downsizingFigura 3 O modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra para a análise de um

processo de downsizingFigura 4 O modelo de Smeltzer para a comunicação de mudança

organizacional de grande impactoFigura 5 Processo de violação do contrato psicológicoFigura 6 Tipos de respostas de remanescentesFigura 7 Influência da confiança, da justiça, do empowerment e do redesenho

do trabalho na resposta dos remanescentesFigura 8 Estágios emocionais e físicos pelos quais os executivos passaram

depois de um programa de redução de pessoalFigura 9 Modelo conceitual para a análise do downsizingFigura 10 Diagrama das etapas de análiseFigura 11 Diagrama de organização dos dados no Nud*ist

ix

Lista de Tabelas

Tabela 1 Estratégias de downsizingTabela 2 Comparação entre as estratégias propostas por Cameron et al e

FleuryTabela 3 Abordagens ao downsizingTabela 4 Benefícios obtidos com o downsizing em empresas canadensesTabela 5 Problemas relacionados com o downsizing em empresas canadensesTabela 6 Aspectos a serem melhorados nos programas de downsizing em

empresas canadensesTabela 7 Impactos do downsizing nos luvros, na produtividade e no moral dos

empregados em empresas norte-americanasTabela 8 Efeitos após o downsizing, segundo pesquisa em empresas norte-

americanasTabela 9 Tipologia de contratos psicológicosTabela 10 Número de entrevistas por cargoTabela 11 Adesões ao PDV na ServA por grau de escolaridadeTabela 12 Adesões ao PDV na ServA por área funcionalTabela 13 Resultados da pesquisa de opinião sobre o programa de desligamento

voluntárioTabela 14 Preparação para a privatização segundo percepção dos empregadosTabela 15 Clima organizacional antes da privatização segundo percepção dos

empregadosTabela 16 Estratégias para a redução de pessoalTabela 17 Estratégias utilizadas pelas empresas segundo taxonomia de

Cameron, Freeman e Mishra (1991)Tabela 18 Estratégias utilizadas pelas empresas segundo taxonomia de Fleury

(1997)Tabela 19 Características da comunicação do planoTabela 20 Critérios para o desligamentoTabela 21 Críticas, elogios, ansiedades e comentários aos critérios para os

desligamentosTabela 22 Incentivos e apoio oferecidos nos planos de desligamentoTabela 23 Razões para a adoção dos programas de redução de pessoal segundo

percepção de seus funcionáriosTabela 24 Razões para a adesão ao programa de desligamento voluntário

segundo percepção dos empregadosTabela 25 Razões para a não adesão ao plano de desligamento voluntárioTabela 26 Papel do gerente no PDITabela 27 Destino dos empregados desligados segundo relato dos empregadosTabela 28 Fatores para o aumento na carga de trabalhoTabela 29 Estratégias para lidar com o aumento na carga de trabalhoTabela 30 Fatores para o aumento das horas de trabalho, segundo percepção

dos empregados

x

Tabela 31 Conseqüências das horas prolongadas de trabalho na vida pessoal efamiliar

Tabela 32 Outras alterações na forma de trabalhar, conforme percepção dosempregados

Tabela 33 Conceito de cobrança segundo percepção dos funcionáriosTabela 34 Outras novas práticas organizacionaisTabela 35 Sentimento de vulnerabilidade do emprego segundo percepção dos

remanescentesTabela 36 Requisitos para permanecer no emprego, segundo percepção dos

remanescentesTabela 37 Estratégias para se lidar com a insegurançaTabela 38 Construção do futuroTabela 39 Imagens negativas da mudança futura em empresa em fase de pré-

privatização

xi

Anexos

Anexo 1 Roteiro de entrevista para remanescentes sem cargo gerencialAnexo 2 Roteiro de entrevista para remanescentes com cargo gerencial

xii

Sumário

Pág.1 INTRODUÇÃO 11.1 OBJETIVO DA PESQUISA 11.2 RELEVÂNCIA DA PESQUISA 11.3 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA 41.4 DEFINICÃO DE TERMOS 51.5 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO 7

2 REFERENCIAL TEÓRICO 9

2.1 ANTECEDENTES DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EDOS EMPREGOS

9

2.1.1 Fase pré-industrial 92.1.2 Fase industrial ou fase burocrática 102.1.3 Fase pós-industrial 12

2.2 MUDANÇA NOS EMPREGOS E AS NOVAS RELAÇÕES DETRABALHO

13

2.2.1 Mudanças estruturais que afetaram os empregos e as empresas 132.2.1.1 Visão de Lester Thurow 142.2.1.2 Visão de Useem et al 152.2.1.3 Visão de Rifkin 17

2.2.2 Novas relações de trabalho 18

2.3 PROCESSO DE DOWSIZING 212.3.1 Conceitos básicos 212.3.2 Programas de desligamento voluntário - PDV 22

2.3.3 Estratégias de downsizing 232.3.3.1 A proposta de Cameron, Freeman e Mishra 232.3.3.2 A proposta de Fleury 242.3.3.3 A proposta de Tomasko 272.3.3.4 Estratégias de ação imediata 272.3.3.5 Estratégias de mais longo prazo 292.3.3.6 Simultaneidade na utilização das estratégias 29

2.3.4 Modelos existentes para a análise dos processos de downsizing 302.3.4.1 Proposta de Shaw e Barret-Power 302.3.4.2 Modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra 322.3.4.3 Atores do processo 32

2.3.5 Questões de motivação para o downsizing 332.3.5.1 Razões para a adoção do downsizing 33

xiii

2.3.5.2 Defesa do downsizing 352.3.5.3 Oposição ao downsizing 362.3.5.4 Downsizing como processo controverso 38

2.3.6 Questões de planejamento e implementação do downsizing 382.3.6.1 Características dos programas bem sucedidos 392.3.6.2 Melhorias previstas na repetição do programas de downsizing 432.3.6.3 Critérios para o desligamento 432.3.6.4 Benefícios oferecidos 442.3.6.5 Comunicação do plano 452.3.6.6 Percepção de justiça 482.3.6.7 Comportamento dos executores 49

2.3.7 Questões de pós-implementação 502.3.7.1 Ìmpacto na produtividade 502.3.7.2 Impacto nos remanescentes 522.3.7.2.1 Aumento das horas e da carga de trabalho 532.3.7.2.2 Comprometimento 542.3.7.2.3 Contrato psicológico 562.3.7.2.4 Estresse 632.3.7.2.5 Proposta de síntese de Mishra e Spreitzer 662.3.7.3 Impacto nos executores 70

2.4 QUADRO CONCEITUAL 73

3 METODOLOGIA 75

3.1 OBJETIVO, PERGUNTA E DELIMITAÇÃO DA PESQUISA 75

3.2 PARADIGMAS PARA A PESQUISA CIENTÍFICA 763.2.1 Dimensões características de um paradigma 763.2.2 Principais caraterísticas dos paradigmas 773.2.2.1 Paradigma pós-positivista 773.2.2.2. Paradigma construtivista 783.2.2.3 Paradigma da teoria crítica 783.2.3 Posicionamento nos paradigmas 79

3.3 TIPO DE PESQUISA 803.4 ESTUDO DE CASO COMO ESTRATÉGIA DE PESQUISA 813.5 GROUNDED THEORY COMO ESTRATÉGIA PARA A

ANÁLISE DE DADOS83

3.6 PAPEL DA TEORIA NO ESTUDO DE CASO E NAGROUNDED THEORY

84

3.7 UNIDADES DE ANÁLISE 853.8 SUJEITOS DA PESQUISA 86

3.9 COLETA DE DADOS 87

xiv

3.9.1 Entrevista como técnica de coleta de dados 873.9.2 Variáveis coletadas 88

3.10 TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS 893.10.1 Especificidade das empresas pesquisadas 893.10.2 Etapas do tratamento e da análise dos dados 903.10.3 Uso de software para a análise de dados qualitativos 903.10.4 Manutenção da confidencialidade dos depoimentos 92

3.11 LIMITAÇÕES DO MÉTODO 923.11.1 Limitações do método do caso 923.11.2 Limitações da técnica de entrevista 93

4 DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVA 94

4.1 BREVE HISTÓRICO DA SERVA 94

4.2 ANTES DA PRIVATIZAÇÃO: A SERVA COMO ESTATAL 994.2.1 Práticas organizacionais à época de estatal 994.2.1.1 Gestão 1004.2.1.2 Demissões 1004.2.1.3 Desenvolvimento de pessoal 1014.2.2 Representações da ServA 102

4.3 TRANSIÇÃO DE ESTATAL PARA PRIVADA 1044.3.1 Programa de Desligamento Voluntário – PDV no contexto de

uma empresa a ser privatizada104

4.3.1.1 Razões para o PDV 1054.3.1.2 Razões para a adesão ao PDV 1064.3.1.3 Razões para a não adesão ao PDV 107

4.3.2 Preparação para a privatização 1084.3.2.1 Descrença na privatização 1084.3.2.2 Preparação dos funcionários 1094.3.2.3 Representações da empresa privatizada 110

4.3.3 Programa de Desligamento Incentivado – PDI no contexto deuma empresa recém privatizada

111

4.3.3.1 Razões para o PDI 1124.3.3.2 Razões para a adesão ao PDI 1144.3.3.3 Razões para a não adesão ao PDI 1164.3.3.4 Clima organizacional durante o PDI 1204.3.3.5 Papel do gerente no PDI 1224.3.3.6 Comunicação do PDI 1244.3.3.7 Críticas e elogios ao PDI 125

xv

4.3.3.8 Funcionários que saíram no PDI 126

4.4 APÓS A PRIVATIZAÇÃO: CONSEQÜÊNCIAS DOPROGRAMA DE REDUÇÃO DE PESSOAL

128

4.4.1 Nova forma de trabalhar 1284.4.1.1 Alteração na quantidade de trabalho 1294.4.1.2 Implicações do aumento da carga de trabalho no horário e na

vida pessoal131

4.4.1.3 Estratégias pessoais para lidar com o aumento na carga detrabalho

132

4.4.2 Novas práticas organizacionais 1334.4.2.1 Cobrança de resultados 1334.4.2.2 Atenção para custos, lucro, cliente e concorrência 134

4.4.3 Alteração no contrato psicológico 1364.4.3.1 Sentimento de perda 1364.4.3.2 Estratégias para lidar com a insegurança 138

4.5 FUTURO 140

5 DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVB 142

5.1 BREVE HISTÓRICO DA SERVB 142

5.2 ANTES DA PRIVATIZAÇÃO: A SERVB COMO ESTATAL 1445.2.1 Demissões 1445.2.2 Comprometimento 1455.2.3 Condições de trabalho 1465.2.4 Avaliação de pessoal 1475.2.5 Comunicação 1475.2.6 Hierarquia e processo decisório 148

5.3 TRANSIÇÃO DE ESTATAL PARA PRIVADA 1485.3.1 Preparação para a privatização 1495.3.1.1 Sinais externos e falta de informação interna 1495.3.1.2 Representações da empresa privatizada e significados da

privatização150

5.3.2 Programa de Desligamento Voluntário – PDV no contexto deuma empresa a ser privatizada

152

5.3.2.1 Razões para a adesão ao PDV 1535.3.2.2 Papel do gerente no PDV 1545.3.2.3 Funcionários que saíram no PDV 155

5.3.3 Administração conjunta e primeiros meses da nova gestão 156

xvi

5.3.4 Programa de redução de pessoal no contexto de uma empresarecém privatizada

158

5.3.4.1 Demissão esperada 1585.3.4.2 Preparação dos funcionários pelas chefias 1595.3.4.3 Razões para o plano 1595.3.4.4 Critérios para as demissões 1605.3.4.5 Ato da demissão 1625.3.4.6 Reação dos remanescentes 1645.3.4.7 Funcionários desligados 165

5.3.5 Imagem do funcionário de público 166

5.4 APÓS A PRIVATIZAÇÃO: CONSEQÜÊNCIAS DOPROGRAMA DE REDUÇÃO DE PESSOAL

168

5.4.1 Nova forma de trabalhar 1685.4.1.1 Alteração na quantidade de trabalho 1685.4.1.2 Implicações do aumento da carga de trabalho no horário e na

vida pessoal170

5.4.1.3 Estratégias pessoais para lidar com o aumento na carga detrabalho

172

5.4.1.4 Multifuncionalidade 1735.4.1.5 Atitude pró-ativa 1745.4.1.6 “Estar sempre ligado” 1755.4.1.7 Responsabilidade e autonomia 1765.4.1.8 Comprometimento 177

5.4.2 Novas práticas organizacionais 1785.4.2.1 Cobrança de resultados 1785.4.2.2 Valorização do funcionário 1795.4.2.3 Meritocracia 1805.4.2.4 Comunicação mais ágil 1815.4.2.5 Maior atenção para custos, lucros e clientes 1835.4.2.6 Contratação de novos funcionários 184

5.4.3 Crescimento profissional 186

5.4.4 Alteração no contrato psicológico 188

5.4.5 Recomendações para novos planos 191

5.5 FUTURO 192

6. DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVC 195

6.1 BREVE HISTÓRICO DA SERVC 195

xvii

6.2 ANTES DA PRIVATIZAÇÃO: A SERVC COMO ESTATAL 198

6.3 TRANSIÇÃO DE ESTATAL PARA PRIVADA 200

6.3.1 Representações da privatização 200

6.3.2 Programas de redução de pessoal no contexto de uma empresarecém privatizada

203

6.3.2.1 Demissão sumária 2036.3.2.2 Plano de Desligamento Incentivado – PDI 2046.3.2.2.1 Razões para o plano 2046.3.2.2.2 Razões para a adesão ao PDI 2056.3.2.2.3 Razões para a não adesão ao PDI 2076.3.2.2.4 Clima organizacional durante o PDI 2106.3.2.2.5 Papel do gerente no PDI 2116.3.2.2.6 Comunicação do PDI 2126.3.2.2.7 Críticas e elogios ao PDI 2136.3.2.2.8 Funcionários que saíram no PDI 2166.3.2.3 Outros planos de desligamento 216

6.4 APÓS A PRIVATIZAÇÃO: CONSEQÜÊNCIAS DOPROGRAMA DE REDUÇÃO DE PESSOAL

217

6.4.1 Nova forma de trabalhar 2176.4.1.1 Alteração na quantidade de trabalho 2186.4.1.2 Multifuncionalidade 2206.4.1.3 Comprometimento 2206.4.1.4 Dificuldade de adaptação às novas exigências 2216.4.1.5 Mais facilidade para se trabalhar 2236.4.1.6 Procura pelo auto desenvolvimento 2236.4.1.7 Consciência da situação do mercado de trabalho 225

6.4.2 Novas práticas organizacionais 2266.4.2.1 Cobrança de resultados 2266.4.2.2 Investimento em novas tecnologias e equipamentos 2276.4.2.3 Desenvolvimento de pessoal 228

6.4.3 Alteração no contrato psicológico 229

6.4.4 Necessidade de renovação do quadro 234

6.5 FUTURO 235

xviii

7 ANÁLISE DE RESULTADOS 237

7.1 ANÁLISE DO PROCESSO DE DOWNSIZING NOCONTEXTO DA PRIVATIZAÇÃO

237

7.1.1 Preparação para a privatização 237

7.1.2 Transição de estatal para privada 2407.1.2.1 Plano de Desligamento Incentivado – PDI 2407.1.2.1.1 Estratégias para a redução de pessoal 2407.1.2.1.2 Comunicação dos planos 2437.1.2.1.3 Características dos planos 2457.1.2.2 Razões para o PDI 2527.1.2.3 Razões para a adesão ao PDI 2567.1.2.4 Razões para a não adesão ao PDI 2677.1.2.5 Papel do gerente no PDI 2607.1.2.6 Funcionários desligados 261

7.1.3 Após a privatização 2637.1.3.1 Nova forma de trabalhar 2637.1.3.1.1 Alteração na carga de trabalho 2637.1.3.1.2 Implicações do aumento na carga de trabalho no

horário, na vida pessoal e na vida familiar267

7.1.3.1.3 Outras exigências 2707.1.3.2 Novas práticas organizacionais 2747.1.3.2.1 Cobrança de resultados 2747.1.3.2.2 Outras novas práticas organizacionais 2767.1.3.3 Alteração no contrato psicológico 280

7.1.4 Construção do futuro 288

7.2 METÁFORAS E EMOÇÕES ASSOCIADAS AO PROCESSODE DOWNSIZING NO CONTEXTO DA PRIVATIZAÇÃO

289

7.2.1 História da privatização e do downsizing contada por metáforas 2897.2.2 Emoções associadas ao processo de downsizing no contexto da

privatização299

8 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARAFUTURAS PESQUISAS

306

8.1 SUMÁRIO 3068.2 CONCLUSÕES 3088.3 RECOMENDAÇÕES PARA PESQUISAS FUTURAS 318

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 320

xix

10 ANEXOS 337

1. INTRODUÇÃO

1.1 Objetivo da Pesquisa

A pesquisa objetiva estudar programas de downsizing adotados por empresas brasileiras,com vistas a identificar como tais processos são percebidos pelos diversos atoresenvolvidos.

Especificamente, o estudo pretende investigar, a partir das percepções de gerentes efuncionários remanescentes, as questões relativas às razões do downsizing, àscaracterísticas do plano, à sua comunicação e implementação, bem como aquelasquestões relativas ao período após a implantação.

1.2 Relevância da Pesquisa

A busca por competitividade, por meio de maior agilidade e menores custos, é umimperativo para a sobrevivência das empresas. A ameaça de um mundo emreorganização rompe com as práticas estabelecidas, questiona as verdadesadministrativas e exige dos executivos que encaminhem suas empresas - rapidamente -para um novo rumo.

As empresas passam, então, por mudanças as mais variadas: venda de unidades menosprodutivas, venda de negócios sem sinergia com o negócio principal, compra de outrasempresas, terceirização de funções, alianças com concorrentes, enxugamento daestrutura interna e downsizing, para citar apenas algumas.

Useem et al (1997) se perguntam se o downsizing seria um processo que se manifestauma única vez ou se seria um processo contínuo, em que as empresas reduzissempessoal, e, posteriormente, de acordo com as necessidades de mercado, adotassemnovamente programas semelhantes. No primeiro caso, as empresas voltariam a umsistema de emprego idêntico ao tradicional; no segundo caso, a mão-de-obra seriainterpretada como um recurso a ser administrado dentro do conceito just-in-time. Tratar-se-ia de uma grande rearrumação do mundo dos negócios que, uma vez terminada,resultaria em um sistema novamente estável, ou estar-se-ia lidando com uma mudançacontínua, a forçar um rearranjo permanente das competências?

A extensão em que a prática de downsizing tem sido utilizada revela que não se podefalar de um fenômeno passageiro. Em um estudo, verificou-se que 72% das empresasnorte-americanas fizeram redução de pessoal entre 1990 e 1993, e 44% adotaram algumtipo de aposentadoria antecipada (Cascio, 1993). Mishra, Spreitzer e Mishra (1998)indicam que mais de 3 milhões de empregos foram cortados desde 1989 nos EstadosUnidos, e, se considerado a partir de 1979, a perda montaria a 43 milhões de empregos.

2

A intensidade do movimento de downsizing poderia, também, ser comprovada pelo fatode que, mesmo em tempo de prosperidade econômica, os empregos se reduzem.Tradicionalmente, os empregos mais afetados referiam-se a empregados de fábrica(blue-collar), mas as reduções na última década afetaram, também, o pessoal deescritório, inclusive gerentes.

Diante de tal quadro, deve-se perguntar quais são as vantagens e desvantagens dosprogramas de downsizing. Há uma corrente de pesquisadores e praticantes que apontapara uma série de pontos positivos na adoção do processo (Bruton, Keels e Shock,1996). Dentre os ganhos mais citados, encontram-se: menor overhead, menosburocracia, processo decisório mais rápido, melhor comunicação, maior produtividade,maior freqüência de comportamento empreendedor interno à empresa e maiores lucros(Cascio,1993; Kets de Vries e Balazs, 1997).

Há, também, aqueles que acham que o processo traz em si embutido mais danos do quebenefícios. Tais autores preocupam-se, via de regra, com o moral, a confiança e ocomprometimento daqueles que permanecem na empresa após o programa de reduçãode pessoal. Preocupam-se, ainda, com o futuro dos que perderam o emprego. Advogamque, se o downsizing é bom para a empresa, não o é para as pessoas, e alertam para otrade-off entre os possíveis benefícios de curto prazo e os danos que podem surgir nolongo prazo (Mone, 1997). Vantagens e desvantagens não poderiam ser comprovados apriori e, provavelmente, apenas um distanciamento no tempo poderia indicar os erros eacertos dos diversos programas encerrados e em andamento. 1

Se alguns autores consideram o downsizing inevitável, há aqueles que consideram aforma como é conduzido o processo mais importante do que a decisão em si mesma(Burke,1997, Wallfesh, 1991). Uma implementação mal conduzida e falta de suportepor parte da companhia podem comprometer o processo (Wallfesh, 1991). Nestesentido, todas as etapas do processo - decisão, comunicação, seleção de benefícios aserem concedidos, ações para retenção de talentos, apoio para as vítimas - entre tantosoutros aspectos, devem ser objeto de escrutínio e análise cuidadosa. Detalhes,aparentemente triviais, podem ter enorme valor simbólico (Kets de Vries e Balazs,1997) e condições específicas da economia e das relações trabalhistas, por exemplo,podem afetar o processo.

A literatura sobre downsizing tem-se centrado nos benefícios e problemas do downsizing(Bruton, Keel, Shook, 1996), nas alternativas (Greenhalgh, Lawrence e Sutton, 1988;

1 A leitura dos jornais pode, entretanto, atestar que os alertas acerca de possíveis danos não têmimpedido as empresas de recorrerem, com freqüência, aos processos de redução de pessoal.Para se ter uma idéia, em outubro de 1998, o Jornal do Brasil informou que a indústria deautopeças planejava demitir, no Brasil, seis mil trabalhadores até o mês de novembro. ARaytheon planejava demitir 16% de seus empregados, a Gillette anunciou a intenção de demitirquatro mil funcionários em todo o mundo e tanto a Merryl Lynch como a Salomon SmithBarney pretendiam demitir cerca de 5% de seu contingente (Jornal do Brasil, 11/10/98, p. 23).

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Tomasko, 1990; Wallfesh, 1991); na forma como os processos devem ser conduzidos(Biteman e Leifer, 1991; Cameron, Freeman e Mishra, 1991; Martin, Parsons e Bennett,1995; Mishra, Spreitzer e Mishra, 1998); nos impactos na produtividade (Bruton, Keelse Shock, 1996; Cascio, 1993), nas recomendações para administrar a empresa e os quenela permaneceram uma vez encerrado o programa (Brockner et al, 1987; Kaye, 1998;Marks e Mirvis, 1992) e nos moderadores do processo (Brockner et al, 1993; Caldas,1998, 2000).

Os programas de downsizing não se encontram restritos a um grupo específico de países- desenvolvidos ou em desenvolvimento -, mas têm sido adotados globalmente. Noentanto, a quase totalidade da literatura disponível, publicada em revistas científicasinternacionais, relata situações de empresas ocidentais de países desenvolvidos,particularmente norte-americanas. Muito poucos são os estudos realizados em paísessul-americanos e no Brasil2. Além disso, a comparação de práticas de downsizing entrepaíses encontra-se ausente da literatura3. Algumas razões podem estar associadas ao fatode o downsizing ser um fenômeno razoavelmente recente e de a literatura pertinente serde natureza fragmentada.

A similaridade da ação não implica, entretanto, que sejam idênticos em sua consecuçãoou tenham efeitos aproximadamente iguais. A transposição de práticas gerenciais de umpaís para outro deve ser conduzida com cautela, uma vez que o sucesso em determinadopaís, com suas caraterísticas culturais, econômicas, sociais e legais, não garante osucesso em outro, cujas características sejam distintas.

Além disso, é provável que a hegemonia e o sucesso das teorias gerenciais norte-americanas, aliados ao sucesso empresarial do país, tenham levado a esquecer queanálises e recomendações não devem ser transpostas sem levar em conta ascaracterísticas próprias de cada sociedade. Muitas empresas de outros países, desejosasde obter fórmulas prontas e testadas, teriam importado conceitos e práticas gerenciaissem atentar para o ambiente em que as mesmas deveriam se inserir (Hofstede, 1990).

Trata-se, portanto, de um tema ainda insuficientemente pesquisado, mas cujasimplicações são bastante severas para todos os stakeholders: empregados, empresas esociedade. O estudo de tais processos poderá permitir mais profundo entendimento dosmesmos, em um nível de detalhe que se estenda para além de simples dados gerais enúmero de empregados desligados.

Além disso, via de regra, os estudos sobre o assunto seguem práticas metodológicas queprivilegiam a pesquisa por meio de experimentos ( Brockner et al, 1993) ou surveys

2 Um dos principais estudos sobre o assunto no Brasil foi realizado por Caldas (1998) emestudo sobre moderadores passíveis de atenuarem os efeitos negativos dos programas dedownsizing.3 Um dos poucos estudos encontrados foi o de Mroczkowski e Hanaoka (1997) comparandoestratégias de rightizising entre empresas norte americanas e empresas japonesas.

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(Brockner, Grover e Blonder, 1988, Brockner, Tyler e Cooper-Schneider, 1992). Háainda alguns relatos individuais de histórias de downsizing, como a realizada por Illes(1996) a respeito do fechamento de uma fábrica nos Estados Unidos.

Como o presente estudo parte de uma perspectiva interpretativa, procurando captar aspercepções dos atores envolvidos no processo, espera-se uma contribuição que descreva,esclareça e estabeleça relações entre significados, objetivando, assim, adensar o corpoteórico

Além disso, a realização de um estudo no Brasil sobre downsizing deverá contribuir paraentendimento mais profundo de como esses processos podem dar-se em empresasatuantes em nosso país. Pelas características peculiares, o estudo poderá constituir-se,ainda, em um primeiro passo para novas abordagens teóricas do tema no caso brasileiro,assim como proporcionar algumas indicações para a prática empresarial nesse ambiente.

1.3 Delimitação da Pesquisa

Entre as várias questões importantes tratadas pela literatura especializada sobre odownsizing, as questões de estratégias de implementação, impactos sobre osremanescentes e impactos sobre os empregados desligados recebem grande atenção. Aquestão dos desligados, embora importante para a compreensão do fenômeno em suatotalidade, não foi considerada pela dificuldade de acessibilidade aos sujeitos. Assim,ficou a pesquisa limitada à captura das percepções de executores, gerentes efuncionários ainda ativos na empresa e remanescentes do processo de downsizing.

Da mesma forma, embora funcionários admitidos após o programa possam ter uma vozimportante na percepção do processo pelo qual a empresa passou, também não foiintenção da pesquisa conversar e obter as percepções daquelas pessoas que, emboraativas na empresa, não tivessem diretamente vivenciado o fenômeno.

Uma abordagem possível ao tema poderia ser a normativa, propondo-se alternativas decondução de programas de downsizing. Thurow (1995) caracteriza nossa época comouma época de “equilíbrio interrompido” (p.19). O conceito, tomado da biologiaevolutiva, refere-se a mudanças rápidas que teriam ocorrido no ambiente e alterado deforma substancial as regras do jogo evolutivo. As condições ideais de sobrevivência naépoca anterior poderiam não mais ser adequadas para a sobrevivência na nova fase.Além disso, durante o período de equilíbrio interrompido, desmoronar-se-iam ascertezas passadas, enquanto as novas regras não fossem estabelecidas; a incerteza e odesequilíbrio seriam a norma. No caso das novas práticas empresariais, relativamente a seus empregados, não se podedizer que um novo padrão esteja emergindo. Um receituário estabilizado e eficaz para a

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necessidade de as empresas reduzirem seu pessoal não foi encontrado. Apesar deadmitir-se a importância de desenvolvimentos que possam auxiliar as empresas nesteprocesso, não pertenceu ao escopo deste trabalho propor fórmulas alternativas aosprogramas de demissão, dado o pouco conhecimento que ainda se tem de como osmesmos se desenvolvem e de seus impactos de curto e longo prazo. Outro enfoque à questão do downsizing seria aquele que considera as relações entrecultura organizacional e mudança. Na verdade, embora sejam inúmeros os estudos sobrecultura organizacional, poucos se dedicaram a estudar de que forma diferentes culturasorganizacionais lidam com o tema da mudança. O presente estudo também não pretendeinvestigar a relação entre cultura organizacional e diferenças em programas dedownsizing. Não fornece, desta forma, nenhum guia para a realização de mudanças comutilização de downsizing. 1.4 Definição de Termos

Downsizing

De acordo com Cameron apud Wagar (1997), downsizing pode ser definido como:

“um conjunto de atividades realizadas pelos gestores, objetivandomelhorar a eficiência, produtividade ou competitividade da empresa. Éuma estratégia implementada pelos gerentes que afeta o tamanho doquadro de pessoal, os custos e os processos de trabalho4”

Outros autores, no entanto, definem o downsizing de forma mais estreita, indicandotratar-se de um “processo de redução planejada de pessoal” (Cascio, 1993; Katz, 1997).Esta conceituação será a adotada neste estudo.

Inplacement

Segundo Latack (1990) apud Wagar (1997), inplacement refere-se à estratégia deabsorver empregados em excesso ou em funções inadequadas dentro da própriaorganização reestruturada.

4 Tradução livre.

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Outplacement

Segundo Latack (1990) apud Wagar (1997), outplacement refere-se ao oferecimento,aos empregados desligados, de aconselhamento e auxílio na procura de um novoemprego.

Reengenharia

Segundo Hammer e Champy (1993, p.32) reengenharia refere-se ao “repensarfundamental e ao redesenho radical dos processos de negócios de forma a conseguirmelhorias dramáticas em medidas contemporâneas de desempenho tais como custo,qualidade, serviço e rapidez”5. Segundo os autores, quatro palavras são importantes noentendimento do conceito de reengenharia: (1) fundamental; (2) radical; (3) dramático e(4) processo. Fundamental referir-se-ia ao questionamento das atividades realizadas pelaorganização, ignorando como são feitas para concentrar-se em como deveriam ser feitas.Radical indicaria que as mudanças não deveriam ser superficiais, devendo-se ignorar asestruturas existentes e inventando-se novas formas de realizar o trabalho. Dramático,indicaria que as melhorias não seriam apenas incrementais, mas deveriam almejaraumentos significativos e, finalmente, processo, referir-se-ia a (p.35) “uma coleção deatividades que, a partir de um ou mais tipos de entradas (inputs) cria uma saída (output)que tem valor para o cliente”.

Rightsizing

Rightsizing é definido, segundo Morrall Jr (1998, p.8) como uma “abordagem proativae contínua ao downsizing e à reestruturação das organizações”. Nesse sentido, segundo oautor, o rightsizing é atividade contínua que procura manter o número correto deempregados no presente e no futuro.

Programa de desligamento voluntário

São programas oferecidos pelas empresas com vistas a incentivar os empregados adesligarem-se voluntariamente. Podem ter diversas siglas, dentre as quais encontram-sePDV - Programa de Desligamento Voluntário e PDI - Programa de DesligamentoIncentivado.

5 Tradução livre do autor.

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Remanescente

Termo utilizado para identificar o funcionário que permanece na empresa após umprograma de downsizing. A literatura especializada utiliza, também, o termo“sobrevivente”, fazendo um paralelo com sobreviventes de guerras ou grandesdesastres6.

Síndrome do sobreviventeRefere-se ao conjunto de problemas apresentados pelos funcionários que permanecemna empresa após programas de redução de pessoal. Entre os problemas apresentados etratados pela literatura encontram-se ansiedade, tristeza, culpa, medo, menorcomprometimento com a empresa, insegurança e baixo moral (Boronson e Burgess,1992; Brockner, 1992; Marks e Mirvis, 1992; O’Neill e Lenn, 1995; Robbins, 1999).

VítimaTermo utilizado para identificar funcionários que foram desligados, voluntariamente ouinvoluntariamente, em programas de downsizing. Este termo contrapõe-se, via de regra,à categoria dos “sobreviventes” ou “remanescentes”.

1.5 Organização do Estudo

Neste capítulo, apresentam-se o objetivo e a relevância da pesquisa, a delimitação doestudo e, também, definicões de termos utilizados no decorrer da pesquisa. O Capítulo 2 - Referencial Teórico – apresenta, inicialmente, um breve relato sobre aevolução dos empregos. Posteriormente sintetiza as principais pesquisas sobre processosde downsizing, abrangendo as etapas de planejamento e implementação destesprogramas, bem como as principais questões associadas aos impactos do downsizingsobre executores e remanescentes, gerentes e não gerentes. O Capítulo 3 – Metodologia - tem por objetivo apresentar, inicialmente, a escolhaparadigmática que orientou as decisões metodológicas da pesquisa. Em seguida, sãoapresentados os principais aspectos relativos ao desenho da pesquisa. Os Capítulos 4, 5 e 6 descrevem, sucintamente, as histórias das três empresaspesquisadas – ServA, ServB e ServC -, e apresentam em profundidade as percepções 6 As metáforas utilizadas para ilustrar os sentimentos que envolvem ser um sobrevivente sãovárias: em um depoimento citado por Spaniel (1995), por exemplo, a comparação é feita com aqueda de um avião; para Noer (1993) pode se comparar ao sentimentos que ocorrem quandoda morte de pessoas queridas.

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dos atores sobre os processos de downsizing em suas respectivas empresas. Por umacoincidência, todas as empresas pesquisadas haviam sido privatizadas pouco tempoantes do programa de redução de pessoal, o que orientou a lógica narrativa dosdepoentes. Em vez de seguirem uma seqüência adequada aos relatos de processos dedownsizing, seguiram uma lógica temporal ligada ao evento da privatização. O Capítulo 7 – Análise de Resultados - na primeira parte, consolida e discute osresultados relativos ao processo do downsizing nas empresas pesquisadas. Na segundaparte apresenta uma análise de resultados desvinculada da lógica temporal, tendo porreferência aspectos simbólicos e emocionais associados ao fenômeno. O Capítulo 8 – Conclusões - apresenta as principais conclusões derivadas do estudo,bem como sugestões para pesquisas futuras.

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2 - REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Antecedentes da Organização do Trabalho e dos Empregos

Embora se pudesse identificar a origem do trabalho na pré-história, pode-se dizer que,na época moderna7, sua evolução e conceituação tem como ponto central o fenômeno daindustrialização. A enciclopédia Britannica (1990), por exemplo, em seu verbete Workand Employment, classifica a história do trabalho em duas fases: a pré-industrial e aindustrial. A fase pré-industrial inicia-se na pré-história e termina ao final do séculoXVII e a fase industrial inicia-se no século XIX e continua até hoje.

Howard (1995), por sua vez, procurando um referencial para analisar a mudança dotrabalho no ambiente norte-americano, elegeu a seguinte divisão: industrialização, quese iniciaria no século XIX e duraria até o início do século XX, burocracia, que passariaa florescer a partir da Segunda Guerra Mundial e era pós-industrial, que poderia seridentificada a partir das décadas de 70 e de 80.

2.1.1 Fase pré-industrial

A história da indústria têxtil proporciona um bom exemplo da evolução que caracterizoua entrada do trabalho na fase pré-industrial. Inicialmente, a fabricação do tecido ficavalimitada ao camponês, que, com instrumentos rudimentares, poderia percorrer todas asetapas do processo de produção, desde a limpeza das fibras do carneiro, até a fiação,tecelagem e tingimento (Britannica, 1990; Howard, 1995).

Com a demanda crescente por um produto mais sofisticado, a indústria saiu da esferafamiliar, passando a ser controlada pela figura do mercador que comprava a lã crua e aentregava aos camponeses para fiação e tecelagem. Esse tecido era, posteriormente,entregue a artesãos especializados que produziam um produto mais adequado. Embora ocamponês e sua família ainda permanecessem em sua terra, ele trabalhava, nessa novasituação, com matéria-prima que não mais lhe pertencia e se responsabilizava porapenas uma parte do processo. Ficava a cargo do mercador garantir que o produtopassasse pelos vários estágios de produção (Britannica, 1990).

A organização familiar do trabalho não permitia, entretanto, que o comerciantecontrolasse o ritmo de produção. Este estava sob domínio da família, que dividia tarefase horários conforme suas necessidades (Rousseau, 1995; Howard, 1995).

7 Moderna não tem aqui o sentido histórico. Para esta disciplina, embora sem acordo com relação àsdatas-limite, o termo é entendido como uma das divisões da história ocidental. Inicia-se no século XV etermina no século XVIII, quando começa a Idade Contemporânea.

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A demanda crescente fez com que surgissem as primeiras proto-fábricas. Estas secaracterizavam menos pela introdução de máquinas modernas e mais pela utilização dopoder gerado pela água e pelo vento e pela introdução de uma nova organização dotrabalho. As pessoas, saídas das suas fazendas, reuniam-se em um mesmo local físico - afábrica - o que tornava possível o controle sobre a produção e a qualidade e permitia umsuprimento mais regular ao mercado (Britannica,1990, Howard, 1995, Rousseau, 1995).

O início da produção em larga escala foi possibilitado, portanto, pela mecanização etambém por uma racionalização do processo, que incluía a divisão do trabalho eintroduzia a função de comando, separando o trabalhador do supervisor. O trabalho, emverdade chegou a tal nível de especialização que investigadores e estudiosos alertavampara o problema da alienação e desmotivação do trabalhador. Perdia-se o aspecto lúdicoe criador do trabalho (Albornoz, 1988, Morgan, 1996; Britannica, 1995).

A gerência média não se encontrava desenvolvida e a autoridade sobre os trabalhadoresencontrava-se, integralmente, nos supervisores de primeira linha (Howard, 1995). Estestinham poder de contratar, demitir e definir o pagamento dos empregados (Useem eCappelli, 1997). Aos trabalhadores impunham-se condições miseráveis de trabalho,jornada de muitas horas, tarefas fisicamente extenuantes e condições insalubres(Britannica, 1990, Howard, 1995).

Rousseau (1995) indica como principais características dos empregos nesta fase: localde trabalho centralizado; distinção entre trabalhador e supervisor; controle sobre otempo e ritmo de produção; propriedade dos meios de produção; controles hierárquicosforçando horas de trabalho regulares e relações supervisor-subordinado edesenvolvimento de contratos transacionais8.

2.1.2 Fase industrial ou fase burocrática

A fase seguinte, denominada industrial ou burocrática, refere-se a um período em que asempresas cresceram e se tornaram mais complexas. Era o início da produção em massa.A organização do trabalho se modificou em três importantes pontos. Em primeiro lugar,o trabalho foi dividido de forma a poder ser realizado mesmo por trabalhadores nãoqualificados, uma vez que boa parte da inteligência do trabalho encontrava-se embutidadentro da máquina. Em segundo lugar, o crescimento e a complexidade das operaçõescriaram a necessidade do emprego de especialistas tais como vendedores, contadores,químicos e engenheiros. Finalmente, para coordenar eficientemente essa força detrabalho e as operações da organização instalou-se uma hierarquia de gerentes esupervisores, criando-se, assim, a camada intermediária de gerentes, ou gerência média(Morgan, 1996, Rosseau, 1995, Useem e Cappelli, 1997).

8 A autora define contratos transacionais como aqueles que têm foco no curto prazo e nas trocasmonetárias.

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Com a finalidade de garantir o funcionamento da empresa, criou-se um mercado internode trabalho, isolado das flutuações externas, em que as pessoas desenvolviamhabilidades em trabalhar com a tecnologia e o sistema social específico daquelaempresa. Julgava-se que tal mercado garantiria mão-de-obra qualificada tanto para asoperações correntes quanto para as atividades futuras, e que os novos gerentes eexecutivos viriam dessa reserva interna. Em verdade, o pensamento, à época, era de quetal reserva de recursos humanos proporcionaria à empresa vantagem competitiva, alémde impedir o acesso da concorrência a esses mesmos recursos (Rousseau, 1995, Useem eCappelli, 1997).

Havia, portanto, uma “carreira a ser galgada” e uma expectativa de longo tempo derelacionamento entre empresa e empregado. Ao mesmo tempo, a organização exerciaum controle sobre as “oportunidades de carreira” do empregado, o que, de certa forma,fazia com que a empresa tivesse razoável influência sobre o seu comportamento. Ocontrato social implicava comprometimento de ambas as partes, pois, se de um lado osempregados esperavam oportunidades de desenvolvimento, de outro prometiamlealdade à organização. A história empresarial poderia ser contada por ambos: gerentes eempregados (Rousseau, 1995).

A fase burocrática baseava-se, portanto, em um mercado de trabalho interno e tinha porprincipais caraterísticas, segundo Useem e Cappelli (1997) e Rousseau (1995):

• a distinção entre os interesses do acionista e do gerente: os primeiros corriam osriscos de prejuízo e lucros, e os últimos tinham por objetivo reduzir a incerteza donegócio;

• uma divisão nas responsabilidade do gerente e do trabalhador: o primeiro fazia otrabalho de planejamento, organização, controle e o segundo apenas executava asordens;

• os principais critérios para decisões de emprego se baseavam em senioridade:julgamentos subjetivos, como os de mérito, por exemplo, eram menos utilizados;

• contratavam-se pessoas sem experiência para serem treinadas no trabalho; mesmo emcargos gerenciais, recrutava-se nas universidades e requeria-se para os primeirosníveis de gerências apenas a educação formal;

• o treinamento e desenvolvimento de pessoal eram realizados internamente, com oaprendizado no próprio trabalho, com cursos formais realizados pela própria empresaou ainda a rotação de funções;

• o sistema de promoções estava relacionado a treinamento e desenvolvimento; emalguns níveis, a promoção estava diretamente ligada à senioridade; em funçõesgerenciais, relacionava-se a mérito ou desempenho;

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• a estrutura organizava-se normalmente por funções, com as decisões limitadas aotopo; era comum encontrarem-se muitos níveis hierárquicos entre a altaadministração e os operários;

• a organização do trabalho era centrada em princípios da administração científica;com tarefas desmembradas em vários cargos, cargos esses detalhadamente descritos;também, em nível gerencial havia essa fragmentação, devendo cada gerente cuidar desua área, e assegurar que os procedimentos e normas da empresa fossem seguidas;

• no que se refere à segurança do emprego, havia uma distinção entre as práticasadotadas para os gerentes e para os trabalhadores: os gerentes tinham empregos maisgarantidos, os trabalhadores estavam mais sujeitos aos ciclos do negócio;

• de forma geral, garantiam-se os salários e os riscos cabiam apenas ao acionista; ostrabalhadores tinham um salário fixo que podia ser alterado em função do número dehoras extras; a gerência, por outro lado, poderia receber bônus variáveis em funçãodo desempenho geral da empresa; havia pouca associação entre desempenho daempresa e salários; os salários eram função da cargo e da senioridade.

Assim sendo, o mercado de trabalho, até o início da década de 80, trabalhava de formaisolada das pressões externas. Um dos objetivos de se internalizar esse mercado deveu-se à necessidade de reduzir a variabilidade e aumentar a predizibilidade, de desenvolverhabilidades específicas do trabalhador necessárias ao tipo de negócio e de reforçar ocomprometimento do trabalhador.

2.1.3 Fase pós-industrial

A fase pós-industrial refere-se ao presente e ao futuro e teve origem nas rápidasmudanças ambientais causadas pela tecnologia de informação, competição global einterdependência entre organizações e pessoas. Nessa situação, a flexibilidade tornou-semais importante do que a previsibilidade. As empresas foram forçadas a abandonar arotinização das burocracias e buscar flexibilidade por meio de estruturas mais soltas emaior autonomia individual. Considera-se que essa etapa ainda não está sedimentada,ainda ocorrendo transições nas hierarquias, nos relacionamentos e nos locais detrabalho9 (Howard, 1995; Rousseau, 1995).

Algumas características podem, entretanto, ser apontadas como descritivas da novaordem (Drucker, 1993, Howard, 1995, Rousseau, 1995): 9 Miles e Snow (1996), por exemplo, referem-se a uma ” terceira onda” e uma “quarta onda” nosrelacionamentos de trabalho e nas carreiras. A “terceira onda” abrangeria o período 1975-1995, tendo porprincipais características a mobilidade lateral dentro da empresa, a ênfase nas competências técnicas e decolaboração, definição de carreira em conjunto com empregador e mobilidade entre empregadores. A“quarta onda”, a iniciar-se no ano 2000, caracterizar-se-ia pelo conceito de empregado de si mesmo, deexpansão da expertise profissional e de total responsabilidade na definição de sua própria carreira.

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• dois tipos básicos de relacionamento dentro da empresa: os empregados principais(core employees) e os periféricos, cuja demanda flutua;

• carreiras com formatos diferentes: com menos mobilidade vertical, maior mobilidade

lateral, múltiplas carreiras ao longo da vida; • importância de um desenvolvimento continuado das habilidades do empregado, não

apenas em seus aspectos técnicos, mas também nas habilidades comportamentais10 egerenciais;

• local de trabalho menos limitado às fronteiras das organizações, podendo realizar-se

em outras empresas - clientes ou fornecedores, em escritório virtual ou mesmo emcasa. Van der Spiegel (1995), por exemplo, refere-se a um escritório global, quepermitiria o trabalho em qualquer local geográfico;

• formas de contrato variadas e variados graus de comprometimento do empregado

para com a organização e dela para com o empregado.

Delineou-se, assim, nos últimos anos da década de 80 e nos anos 90, um formato detrabalho significativamente diferente do que havia sido entendido como modelo idealaté então. Cabe então perguntar como e por que essas mudanças se engendraram eocasionaram uma realidade tão distinta.

2.2 Mudança nos Empregos e as Novas Relações de Trabalho

2.2.1 Mudanças estruturais que afetaram os empregos e asempresas

Não há um consenso acerca das razões para a reestruturação dos empregos. Thurow(1997) analisa as mudanças mundiais nas variáveis política, econômica, tecnológica edemográfica, relatando a partir das mesmas o impacto nos empregos. Useem et al(1995) indicam como principais fontes de pressão o ambiente de negócios e as políticaspúblicas. Rifkin (1995) atribui a radical mudança no número e qualidade dos empregosdisponíveis aos efeitos da tecnologia.

2.2.1.1 A visão de Lester Thurow (1997)

10 Vários autores vêm alertando para a necessidade das habilidades emocionais, não apenas no trabalho,como em nosso dia a dia. Gardner (1993) e Damásio (1996) tornaram suas pesquisas científicas acessíveisao grande público. Goleman (1995) fez do assunto um best-seller. Cooper e Sawaf (1997) transpuseram oconceito para o âmbito organizacional.

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Thurow, em seu livro O futuro do capitalismo, enxerga cinco grandes ameaças aocapitalismo em sua forma atual: (1) fim do comunismo; (2) tecnologia baseada noconhecimento; (3) demografia; (4) economia que se globaliza e (5) inexistência dedomínio por qualquer nação. Segundo o autor, essas ameaças seriam como as placascontinentais: movimentar-se-iam lentamente, de forma “quase imperceptível”, mascausariam mudanças estruturais de grande ordem.

Um dos impactos mais visíveis do movimento dessas “placas tectônicas” referir-se-ia aoemprego. As noções básicas de acesso, habilitação necessária, duração e remuneraçãodo trabalho estariam sendo questionadas. Uma nova ordem econômica, política e socialestaria afetando os empregos e novas regras estariam surgindo. Veja-se a análise dessasforças proposta pelo autor:

• A antiga União Soviética tinha um excelente sistema de ensino e pesquisa, tendo umnúmero de engenheiros e cientistas elevado. Com o fim do comunismo, essa mão-de-obra tornou-se disponível aos demais países.

• A tecnologia baseada no conhecimento estaria alterando o perfil do empregadodesejado, deixando de fora uma massa de trabalhadores não-qualificados.

• A facilidade de imigração estaria alterando o panorama demográfico e milhares detrabalhadores não-qualificados estariam procurando novas oportunidades nos paísesdesenvolvidos, justamente onde este tipo de trabalho estaria sumindo.

• A economia global fez com que as empresas pudessem localizar suas operações emquase qualquer lugar do mundo, deixando para trás países com altos salários elegislações trabalhistas rígidas. Além disso, se produtos intensivos em mão-de-obranão-qualificada se transferiram para países em desenvolvimento, então haveria umatendência a que os empregos com mão-de-obra não qualificada dos paísesdesenvolvidos sofressem uma redução real nos salários.11

Thurow se pergunta a razão para o que denomina de “onda de downsizing”, não aencontrando na tecnologia de informação, pois essa, já há muito, estaria presente naempresa. Tampouco credita o movimento aos conceitos de empowerment e trabalho em

11 A proposição de que o comércio internacional tem sido culpado pelo aumento de desemprego é refutadapor Krugman (1997). A noção de que o desenvolvimento de novos países se dá às custas dos demais équestionada, uma vez que capital e tecnologia não são fixos. Para Krugman, uma das explicações para odesemprego na Europa e as diferenças salariais nos Estados Unidos refere-se à tecnologia. EmboraKrugman não faça referência explícita, seus exemplos indicam que se refere à tecnologia de informática,de comunicação e a toda tecnologia que exija do trabalhador maior qualificação. Alerta, porém, que nãose pode extrapolar essa tendência. Exemplo disso seriam os “futuristas vitorianos”, que previam a reduçãodos trabalhadores a condições subumanas. Assim, de forma similar, não se poderia prever que osempregos estivessem destinados apenas àqueles com maior qualificação. A história do computador temmostrado, por exemplo, que tem sido possível realizar complexas operações - como ganhar um jogo dexadrez - com mais facilidade do que reconhecer rostos, habilidade essa presente em crianças de doisanos.

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equipe, uma vez que “essas mudanças poderiam e deveriam ter sido feitas há muitotempo” (p.46).

Uma das razões, segundo o autor, estaria no incorreto dimensionamento do downsizing,ou seja, o número de pessoas que deixaram de trabalhar não seria tão grande: se muitos,com altos salários, foram demitidos de grandes corporações, outros foram admitidos emempresas que absorveram o trabalho terceirizado, porém com remunerações inferiores.Outro argumento teria por base os altos impostos cobrados pelo governo para o trabalhoregulamentado. De um lado, as empresas procurariam fugir de altos encargos,localizando suas operações em outra parte do mundo. De outro, os próprios empregadosmuitas vezes optariam pelo emprego informal no qual não precisassem pagar impostos.

Paralelamente, teria ocorrido uma mudança no contrato social entre patrões eempregados. Após a Segunda Guerra Mundial, vigorou um contrato implícito, em que,para reter os melhores empregados, era necessário remunerar bem. Além disso, asdispensas limitavam-se ao operariado, e os gerentes e empregados burocráticosconfiavam em um emprego vitalício.

A perda de empregos, em determinada região poderia ser explicada pela incapacidade deregulamentação das empresas por parte do governo. Assim, em uma economiaglobalizada, as empresas poderiam mudar seu local de operação em busca de mão-de-obra mais barata e também em busca de legislações menos rígidas.12

2.2.1.2 A visão de Useem et al (1997)

Os autores analisam as mudanças do meio ambiente que forçaram as empresasamericanas a buscarem melhor desempenho:

• leis trabalhistas e políticas públicas - as mesmas leis que procuraram proteger otrabalhador, também, teriam sido responsáveis pela procura de novas práticas, quepermitissem às empresas evitar os custos associados à manutenção de empregadosnos moldes originais (Useem e Cappelli, 1997)13.

• aumento da competição: entre as razões para o aumento da competitividade estariama desregulamentação de vários setores, a concorrência de empresas internacionais

12 Exemplo citado é o da Europa, onde a legislação praticamente impede a demissão de funcionários.Assim, as empresas não despedem, mas também não criam novos empregos e preferem transferir e abrirnovas operações em outros locais.13 Thurow (1995) apresenta argumento semelhante ao apresentar o conceito de “cunha fiscal” (p.149), emque as empresas oneradas por salários, benefícios e impostos procuram transferir suas operações paralocais onde não existam tantas exigências. No caso brasileiro, Mailson da Nóbrega (1998) refere-se às leistrabalhistas como “arcaico arcabouço jurídico do trabalhismo brasileiro” que, junto com a reformapaternalista da Constituição de 1988, pensando estar protegendo os trabalhadores, em verdade, “osempurrou para a economia informal”. Pimentel (1998), ex-presidente do TST e ex-Ministro do Trabalhoindicou que a CLT, com seu paternalismo exarcebado e por “dificultar a vida empresarial”, maisprejudicou do que beneficiou os empregados.

16

com custos menores de mão-de-obra; a exposição a outros modelos de organizaçãodo trabalho. O aumento da competição teria sido responsável por muitos fracassosempresariais e, consequentemente, por muito desemprego.

• mudança nos mercados: uma forma de enfrentar a competição consistiria em atender

os mercados de forma mais flexível; monitorando o cliente mais de perto e adaptandoos produtos conforme o necessário. Nessa procura por flexibilidade, ocomprometimento de longo prazo com empregados seria encarado como custo fixo aser evitado. Argumentam os autores que a mudança de mercados e produtosrequeriria novas competências por parte da força de trabalho e que a contrataçãodessas novas habilidades, fora da empresa, seria menos onerosa do que seudesenvolvimento dentro da organização.

• reestruturação financeira: em décadas anteriores as empresas passaram por

movimentos de horizontalização - compra de empresas similares, verticalização parafrente e para trás, e pela criação de grandes conglomerados, com a compra deempresas não necessariamente relacionadas com a atividade principal. Na década de80 e 90, entretanto, houve um movimento em direção contrária, ou seja, venda deempresas que não estavam relacionadas ao negócio principal. Foi tambémcaracterístico dessas duas décadas o takeover hostil de empresas. Um dos fatorespara o preço prêmio das ações de empresas assim adquiridas viria do corte de custoscom pessoal. Uma forma encontrada pelas organizações, para se protegerem,consistiria em manter uma estrutura tão enxuta, que potenciais compradores nãovislumbrassem forma de aumentar a rentabilidade da companhia.

• pressão dos investidores: a posse das ações das empresas passou a concentrar-se,cada vez mais, em investidores institucionais. Esses grandes investidores teriampressionado as empresas mais problemáticas para mudanças na forma deadministração, muitas vezes com reestruturações organizacionais e cortes de pessoal.

• novas técnicas de gerência: A vinculação da remuneração dos executivos aodesempenho da companhia teria causado algumas distorções. Assim, na busca porminimização de riscos, boa parte da força de trabalho passou a ser contratada fora daempresa e a ser considerada como custo variável. A implantação de sistemas deinformação também teria sido responsável pela eliminação de parte dos postosgerenciais de nível médio. O movimento pela qualidade total fez com que secriassem equipes auto-gerenciadas, o que teria reduzido a necessidade de supervisãoe gerência de nível médio.

2.2.1.3 A visão de Rifkin (1995)

17

A grande razão para o desemprego, segundo o autor, decorreria da tecnologia14. Osaumentos de produtividade oriundos de inovações tecnológicas teriam permitido àsempresas produzirem mais bens e serviços com menos mão-de-obra. As máquinasestariam substituindo os homens em todos os setores. Mesmo o setor de serviços não seencontraria a salvo da ação do desemprego tecnológico e o único setor que poderiaacomodar nova força de trabalho - o setor de conhecimento -, não poderia fazê-lo emmontante suficiente para absorver os outros milhões que estariam sendo eliminados.

A lógica subjacente a tal movimento estaria em que, se a tecnologia permitisse àempresa produzir mais produtos com menos empregados, gerar-se-ia mais lucro. Olucro, entretanto, seria distribuído apenas aos acionistas. Aqueles que ficassemdesempregados perderiam seu poder de compra, reduzindo o tamanho do mercado, oque, por sua vez, diminuiria as vendas. As empresas, nessa nova situação, ver-se-iamobrigadas a novas demissões, o que agravaria ainda mais o quadro.

Nem mesmo a criação de novas indústrias seria capaz de resolver o problema, poisestas, além de trabalharem com mão-de-obra especializada, não poderiam absorver ostrabalhadores desempregados. A procura de novos mercados teria, por sua vez, poucosucesso, pois o desemprego tecnológico ocorreria em todos os países, afetando suaspopulações e seu poder de consumo. Programas de retreinamento estariam, também,fadados ao fracasso, pois não haveria como treinar trabalhadores sem qualificação paraassumirem postos de trabalho avançados, como os de engenheiros, biólogos, consultoresou outras ocupações caracterizadas pela manipulação simbólica15,16.

Os exemplos apresentados pelo autor contemplam os três setores. Em 1850, o setorprimário norte-americano empregava cerca de 60% da mão-de-obra; em meados dadécada de 90 esse percentual reduziu-se a 2,7%. No setor de manufatura, todas asgrandes indústrias - automobilística, do aço, borracha, utilidades domésticas, vestuário -realizaram cortes profundos. O setor de serviços não foi exceção. No setor varejista dosEUA, por exemplo, houve um corte de 400.000 empregos entre 1990 e 1993.

Em defesa da jornada de trabalho reduzida, o autor argumenta que os que trabalhassemteriam mais tempo para se dedicar às atividades pessoais e familiares e os que se

14 Rifkin utiliza a palavra tecnologia na acepção de inovação tecnológica.15 Uma das propostas governamentais para a redução do desemprego e melhoria da qualidade de mão-de-obra brasileira está em requalificar o empregado durante o tempo denominado “demissão temporária”. Aidéia é que, enquanto aguarda sua volta ao trabalho, o empregado invista parte de seu tempo emtreinamento. Este período limita-se, porém, ao tempo máximo de 5 meses, o que, de longe, mostra-seinsuficiente para qualquer mudança drástica na qualificação de qualquer pessoa.16 Krugman (1994) se pergunta se, realmente, a tecnologia premiará a crescente qualificação. A tecnologiapoderia, em verdade, aumentar a necessidade de mão-de-obra menos qualificada, como foi o caso daspessoas que manipulavam teares manuais - que exigiam alta habilidade - e foram substituídas por tearesmecânicos que podiam ser operados por quase qualquer um. Krugman especula que o futuro tenderá afavorecer as habilidades “comuns a todos os seres humanos” (p. 193), pois ainda está longe o tempo emque faxina, jardinagem e outras atividades possam ser efetuadas por máquinas. A desvalorização dotrabalho comum revelar-se-á, diz o autor, apenas “uma fase temporária” (p. 194).

18

encontrassem sem trabalho teriam uma oportunidade de ocupação. A alternativa seriasombria, pois a sociedade iria constituir-se de duas classes: a dos empregados e a dosdesempregados. Estes últimos, desesperados, formariam uma legião potencial derevoltados e criminosos, podendo levar a grandes problemas sociais.

2.2.2 Novas relações de trabalho

Muitas foram as modificações nas relações de trabalho nas últimas décadas. De umsistema estável e previsível, no qual os empregados tinham carteira assinada,trabalhavam de 8h às 17h e recebiam um salário fixo ao final do mês, passou-se a umamultiplicidade de opções na vinculação empregador-empregado.

Os novos arranjos incluem, por exemplo, a possibilidade de contrato por prazodeterminado, a demissão temporária, os contratos em tempo parcial e os contratos para arealização de um serviço, típico, por exemplo, dos consultores.

Uma forma de entender estas várias possibilidades de relação empregador-empregado éproposta por Rousseau (1995). A autora sugere que se classifiquem as relaçõescontratuais segundo duas dimensões: curto-prazo / longo-prazo e internalização /externalização.

No que se refere à dimensão curto prazo/longo prazo, a autora afirma que o tempo deemprego tenderia a ser longo se o empregador pudesse, de certa forma, antecipar ocomportamento do mercado e, também, se houvesse necessidade estratégica, por partedo empregado, de um conhecimento específico relacionado à tecnologia e cultura daempresa. Por outro lado, se o ambiente não fosse previsível, então rápidas adaptaçõesseriam necessárias e haveria uma tendência para empregos de menor duração.

A dimensão internalização/externalização referir-se-ia ao “grau em que o indivíduoencontra-se imerso na organização (status de empregado, socialização, treinamento edesenvolvimento)” (p.304). Os empregados internos comportar-se-iam de forma maisprevisível e operariam melhor nas tarefas nas quais houvesse interdependência comoutros. Por outro lado, seu treinamento e desenvolvimento onerariam a organização e ocomprometimento de longo prazo necessário constrangeria a flexibilidade.

A externalização da mão-de-obra teria sido provocada, entre outros, pelo movimento deoutsourcing. Nesse caso, a tarefa da organização seria realizada por pessoas externas,sem vínculo com a empresa.

Ao mapear as duas dimensões, obtém-se a Figura 1 a seguir:

FIGURA 1TIPOLOGIA DE RELAÇÕES DE TRABALHO

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Fonte: ROUSSEAU, Denise M.;WADE-BENZONI, Kimberly A .(1995)

Fixos. Seriam aqueles que estariam permanentemente na empresa. Sua existênciagarantiria a estabilidade organizacional bem como a continuidade e a assimilação decrenças de valores. Não avançariam, necessariamente, em termos hierárquicos, mas pormeio de diferentes papéis e trabalhos desempenhados. Deles esperar-se-iam lealdade ealto envolvimento com o trabalho. Seriam pessoas com elevada identificação emocionalcom a empresa.

Carreiristas e malabaristas. Os carreiristas seriam empregados que desejassem fazercarreira em uma indústria e não em uma empresa específica. Os malabaristas seriam osque não considerassem o trabalho como ponto central de suas vidas. Poderiam serestudantes ou mesmo pais com filhos pequenos. Seriam internos à organização, mas nãoassimilados à cultura, embora pudessem apresentar algum grau de conformidade com asregras organizacionais. As demandas sobre o comportamento dessas pessoas seriammenores do que sobre os empregados principais.

Pooled workers. Seria o caso de pessoas que trabalhassem apenas por um período naempresa, mesmo que por anos consecutivos. Muitas vezes seriam trabalhadores que seencontravam, anteriormente, em tempo integral e que, por alguma razão, tiveram quealterar seu compromisso com a empresa. Um exemplo seria o de enfermeiras,convocadas apenas em caso de necessidade.

Pooled Fixos

Independentes/ temporários

Carreiristas /malabaristas

Longo prazo

Curto prazo

InternoExterno

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Temporários e independentes. Seriam as pessoas que trabalham apenas por um tempona empresa, normalmente com baixa qualificação e podendo ser contratadasdiretamente ou por meio de agências. A autora questiona se a existência desse tipo detrabalhador na empresa não provocaria a criação de duas classes: uma de trabalhadoresque desfrutariam de certa segurança e bons salários e outra de trabalhadores esporádicoscom baixos salários. Os independentes seriam outra forma de relação externa e de curtoprazo. Seriam, ainda, pessoas que trabalhassem para si mesmas, como, por exemplo,consultores e contadores, oferecendo um serviço à empresa. A existência desse tipo detrabalhador permitiria à empresa contratar os mais diversos produtos e serviços seminvestimento em mão-de-obra.

Na tipologia de Rousseau (1997), os trabalhadores em tempo parcial não foramincluídos, pois poderiam encontrar-se em qualquer um dos tipos anteriormentepropostos, ou seja, em diferentes graus nas duas dimensões:internalização/externalização e duração do contrato de trabalho. Assim, pertenceriam àforça de trabalho principal da empresa mas, por alguma razão, que poderia ser atransição para a aposentadoria, ou mesmo o nascimento de algum filho, estariamtrabalhando em tempo parcial. Outros poderiam ser externos, trabalhando apenas partedo tempo, como, por exemplo, os professores horistas que, durante anos, lecionassem naUniversidade apenas por algumas horas. Rousseau (1997) sugere que, para entender ocaso dos trabalhadores temporários, seria necessário entender a natureza particular decada relacionamento.

Nem todos os autores classificam as relações de trabalho como Rousseau (1997). Pode-se dizer que grande parte deles se limita a uma classificação do tipo empregadosprincipais e trabalhadores contingentes. Thurow (1995) refere-se à força de trabalhocontingente, como aquela formada por pessoas que, involuntariamente, trabalham emtempo parcial, que trabalham com contratos temporários ou, ainda, fornecem serviçoscomo consultores autônomos. Do ponto de vista dos trabalhadores, tal sistemasignificaria menos benefícios, mais incerteza e menores salários; do lado das empresas,permitiria maior flexibilidade e menor custo de mão-de-obra.

Definição semelhante é adotada por Katz (1997), para quem o trabalhador contingentese constituiria em alternativa ao empregado em tempo integral, incluindo ostemporários, os que trabalham em tempo parcial e os que trabalham por empreitada(contract labor). Empregados contingentes poderiam ter as mais variadas qualificações,desde escriturários até engenheiros, desenhistas e mesmo executivos. Por outro lado,comparativamente, os salários dos trabalhadores contingentes não seriam,necessariamente, menores que os dos trabalhadores em tempo integral. A diferençaestaria nos benefícios, pois os trabalhadores contingentes raramente receberiambenefícios de saúde ou seriam incluídos em planos de aposentadoria. Além disso,haveria diferenças nas indenizações devidas em caso de rompimento do contratoacordado. Nos casos de empregados temporários ou subcontratados, o ônus pelorompimento seria, via de regra, muito menor (Katz, 1997).

21

As empresas teriam passado a considerar o trabalhador contingente uma alternativa parareduzir os custos fixos, evitar muitas das pressões de legislação e permitir flexibilidadenas operações. Se houvesse empregos em tempo parcial que fornecessem os mesmosbenefícios, proteções e oportunidades de crescimento que os empregos em tempointegral, essa não teria sido a regra.

Segundo Rifkin (1995), o salário-hora de um trabalhador em tempo parcial era cerca de20 a 40% menor do que o do trabalhador fixo. Em 1987, apenas 25% da força detrabalho em regime temporário tinham cobertura de seguro saúde, comparados com 88%dos empregados em tempo integral. Estavam disponíveis planos de aposentadoria para48,5% dos trabalhadores em tempo integral e para 16,3% dos trabalhadores em tempoparcial. Isto poderia ser interpretado como um movimento estratégico das empresas paraevitar custos com assistência médica, aposentadoria, férias e outros encargos sociais(Katz, 1997, Rifkin, 1995).

2.3 O PROCESSO DE DOWNSIZING

2.3.1 Conceitos básicos

Downsizing17 tem sido definido como uma eliminação planejada de postos de trabalho ede cargos (Cascio, 1993; Katz, 1997; Kets de Vries e Balazs, 1997). Poderia significardemissão de pessoas e poderia significar, também, uma reorganização do trabalho emque funções, níveis hierárquicos e mesmo unidades fossem eliminadas18. SegundoCameron (1994) apud Wagar (1998, p. 301) representaria “uma estratégia implementadapor gestores que afetaria o tamanho da força de trabalho, os custos e os processos detrabalho”. Não se incluiriam neste processo as demissões ou aposentadorias que,normalmente, ocorrem em uma organização (Cascio, 1993).

Cameron, Freeman e Mishra (1991) indicam que o declínio de organizações nãosignifica downsizing. Nos declínios organizacionais, perdem-se, involuntariamente,recursos. O processo de downsizing seria intencional e poderia ocorrer, quer a empresaestivesse crescendo ou diminuindo.

17Luthans e Sommer (1999) lembram que, por ter uma conotação negativa, podem-se encontrar outrostermos para o mesmo fenônomeno, como, por exemplo, reengenharia, rightsizing, reorganização erealocação.18 Não se inclui no conceito do downszing a alternativa de “suspensão temporária do trabalho”,recentemente discutida na mídia. Segundo essa proposta, o empregado ficaria com o contrato suspensopor até cinco meses. Durante esse tempo, o empregado receberia uma bolsa-qualificação, a ser financiadapelo Fundo de Amparo ao Trabalhador-FAT e faria um curso de qualificação profissional custeado pelaempresa. Poderia haver a manutenção da cesta básica e outros benefícios, desde que houvesse acordo paratal (Cavalcanti, 1998).

22

2.3.2 Programas de desligamento voluntário - PDV

São programas oferecidos pelas empresas com vistas a incentivar os empregados adesligarem-se voluntariamente. Podem ter diversas siglas19, dentre as quais encontram-se PDV - Programa de Desligamento Voluntário e PDI - Programa de DesligamentoIncentivado.

O desligamento voluntário seria uma forma de a empresa desligar pessoas sem ter quearcar com os ônus de um processo de demissão unilateral, como, por exemplo, adeterioração da imagem da empresa e o efeito negativo sobre o moral dos remanescentes(Balkin, 1991; Kuzmits e Sussman, 1988).

Programas de desligamento voluntário são normalmente oferecidos procurando atingiruma meta pré-determinada de número de pessoas (Guedes, Calado, Vieira, 1998;Pinheiro, 1998; Tomasko, 1990). Podem oferecer um pacote de benefícios que incluem,por exemplo, indenizações proporcionais aos anos de trabalho na empresa, prorrogaçãodo plano de saúde e alocação de verba para treinamento (Costa, 1998; D’Ambrosio eMello, 1998; Mattos, 1998).

Uma das principais questões levantadas refere-se à falta de controle da empresa sobre aqualidade e a quantidade de pessoas que se apresentam como voluntárias. Em algumasocasiões haveria excesso de desligamentos e funcionários imprescindíveis poderiamdeixar a empresa. (Kuzmits e Sussman, 1988; Tomasko, 1991)20.

Na opinião de DeWitt, Trevino, Mollica (1998) o desafio seria o de implementarprogramas que incentivassem a adesão dos empregados elegíveis e garantissem,paralelamente, o comprometimento e a baixa intenção de turnover dos remanescentes. Odesenho correto dos benefícios poderia, todavia, auxiliar a empresa nesta questão(Balkin,1991). Se o interesse se concentrasse em desligar os empregados mais velhos,por exemplo, então os benefícios deveriam incentivar a antecipação daqueles perto de seaposentar. Similarmente, se houvesse necessidade de uma redução mais ampla, então opacote poderia contemplar benefícios financeiros e auxílio para a recolocaçãoprofissional como, por exemplo, treinamento de pessoal e serviços de outplacement(Balkin, 1991).A questão da qualidade das pessoas a entrarem no plano poderia ser contornada por umamedida explícita que facultasse à empresa a retenção das melhores pessoas ou por meio

19 A Embratel batizou seu plano de PIRC- Plano de Incentivo à Rescisão Contratual (Gazeta Mercantil,15/10/98, p. C-3). A Petrobrás adotou o nome PIDV - Plano de Incentivo ao Desligamento Voluntário(Ordoñez, 1998).20 A título de exemplo, o autor cita o caso de uma empresa que implantou um programa de incentivo aantecipação da aposentadoria, tendo recebido um número muito superior ao estimado inicialmente. Aempresa teria sido obrigada a postergar o desligamento de alguns e, ainda, contratar outros comoconsultores.

23

de outras alternativas como, por exemplo, a contratação temporária dessas pessoas comoconsultoras até que outras pudessem ser treinadas (Balkin, 1991).

Se as adesões não fossem suficientes para atingir a meta estabelecida, a empresa poderiainiciar um processo de demissão sem qualquer oferecimento de benefícios adicionais(DeWitt, Trevino e Mollica, 1998; Tomasko, 1990). Tal prerrogativa seria entendida,muitas vezes, como uma coação sobre os funcionários, no sentido de forçá-los a aderirao plano (Balkin, 1991; Pinheiro, 1998).

Do ponto de vista do funcionário, as razões para a adesão seriam variadas. Para alguns,representaria a oportunidade de começar algo novo ou encerrar uma carreira queconsideram sem futuro. Para aqueles inseguros em seu emprego, representaria o “menorde dois males” (Tomasko, 1990, p.195).

Em pesquisa realizada com funcionários do Banco do Brasil no Estado de Pernambuco,Guedes, Calado e Vieira (1998) encontraram, de um lado, como os fatores de maiorimportância para a adesão, a falta de perspectiva na carreira, a insatisfação com aempresa e, ainda, a possibilidade de vir a ser transferido. De outro lado, segundo oestudo, questões como pressões familiares, existência de negócio próprio eendividamento do funcionário não se mostraram decisivos na escolha.

Outras críticas encontradas na literatura a esta estratégia são: o tempo para a adesão aoplano (Guedes, Calado e Vieira, 1998) – via de regra considerado curto-, falta de apoioaos desligados (Guedes, Calado e Vieira, 1998; Tomasko, 1990), discriminação dosfuncionários com mais tempo de empresa (Guedes, Calado e Vieira, 1998) e pressão porparte da gerência para a adesão ao programa (Guedes, Calado e Vieira, 1998).

2.3.3 Estratégias de downsizing

2.3.3.1 A proposta de Cameron, Freeman e Mishra

Cameron, Freeman e Mishra (1991) classificam as estratégias de downsizing em: (a )redução da força de trabalho; (b) redesenho organizacional21 e (c) sistêmica. A estratégiade redução da força de trabalho teria por objetivo atingir resultados rapidamente pormeio de demissões, incentivadas ou não, aposentadorias e transferências. Poderia haveroferecimento de incentivos financeiros, além das indenizações previstas por lei, bemcomo o oferecimento de outros benefícios. Seriam, via de regra, adotados como soluçãopara problemas de redução de custos.

21 Não confundir o termo redesenho organizacional, significando mudança no desenho das organizações,com o significado específico, dado pelos autores, a um tipo particular de downsizing. Emborarelacionados, redesenho organizacional, considerado em sua acepção genérica, não significa,necessariamente, que pessoas sejam desligadas.

24

O redesenho organizacional teria, por sua vez, o objetivo de cortar trabalho ao invés depessoas. Nesse caso, eliminar-se-iam funções, níveis hierárquicos, divisões e produtos.Por se tratar de estratégia de mais difícil implementação seria, tipicamente, de médioprazo.

A estratégia sistêmica, de longo prazo, teria por objetivo mudar a organização. Éentendida pelos autores como um esforço de transformação tanto dos valores como dacultura da organização. Nesse caso, o downsizing deixaria de ser um fato pontual nahistória da empresa e passaria a ser considerado como parte de um processo de melhoriacontínua (Cameron, Freeman e Mishra, 1991; Kets De Vries e Balazs, 1997). As trêsestratégias são resumidas na Tabela 1 a seguir.

2.3.3.2 A proposta de Fleury

Taxonomia semelhante à proposta por Cameron, Freeman e Mishra (1997) foi apontadapor Fleury (1997) em pesquisa com empresas brasileiras. Estudando a trajetória deajuste, na década de 90, em doze empresas industriais, Fleury (1997) identificou trêscategorias de ajustamento: enxugamento, racionalização e modernização.

O enxugamento seria um movimento defensivo, tendo como único objetivo a redução dedespesas. Não se pretenderia, neste caso, mudar a forma de gestão ou alterar a estruturaorganizacional. Cortes típicos seriam a demissão de empregados, o corte de algumasdespesas e o fechamento de fábricas. Segundo o autor, essas empresas não sepreocupavam em elaborar um plano estratégico e realizavam apenas um“emagrecimento forçado” (Fleury, 1997)

A racionalização, além de reduzir despesas, objetivaria, por meio de mudanças naestrutura, aumentar a eficiência organizacional. Algumas medidas típicas dessa forma deajuste seriam a racionalização da estrutura logística, a reestruturação das linhas deproduto e a centralização do sistema de distribuição.

TABELA 1ESTRATÉGIAS DE DOWNSIZING

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Redução de pessoal Redesenhoorganizacional

Sistêmica

Foco: Trabalhadores Cargos e unidades CulturaElimina: Pessoas Trabalho Processos estabelecidosTempo deimplementação

Rápido Moderado Longo

Objetivo temporal Payoff de curto prazo Payoff de médio prazo Payoff de longo prazoInibe Adaptabilidade no longo

prazoPayback rápido Redução de custo no curto

prazoExemplos: Attrition22

DemissõesAposentadoriasantecipadasBuyout packagesLayoff

Elimina funçõesFusão de unidadesRedesenho de trabalhoElimina níveishierárquicosElimina produtos

Envolve todosSimplifica tudoMudança deresponsabilidadeIncentivo a melhoria einovação contínuaDownsizing: um estilo devida

Fonte: Cameron, Freeman e Mishra (1991)

A modernização caracterizar-se-ia por implementar mudanças de natureza maisqualitativa, que envolvessem mudanças gerenciais ou tecnológicas. Almejar-se-iamelhorar a capacidade competitiva, ao invés de reduzir despesas.

A Tabela 2, adiante, sintetiza essas afirmações.

22 O termo é utilizado para representar desligamentos que naturalmente ocorrem ao longo do tempo, comodemissões e aposentadorias.

TABELA 2Comparação entre as Estratégias Propostas por Cameron et al e Fleury

Estratégia/Categoria de ajuste

Redução depessoal

(Cameron et al)

Enxugamento(Fleury)

RedesenhoOrganizacional(Cameron et al)

Racionalização(Fleury)

Sistêmico(Cameron et al)

Modernização(Fleury)

Objetivos Eliminar pessoas Reduzir despesas Eliminar trabalho Reduzir despesas eaumentar a eficiência

Eliminar processosestabelecidos

Aumentar acapacitação por meiode melhorias dedimensõescompetitivas

Ações • Demissões• Aposentadorias

antecipadas• Buyout package

• Demissão deempregados

• Fechamento defábricas

• Corte de despesas

• Fusão de unidades• Redesenho de

cargos• eliminação de

produtos• redução de níveis

hierárquicos

• Mudanças deestrutura:verticalização,desverticalização,reestruturação delinhas deprodutos,racionalização daestrutura logística

• Envolvimento detodos

• Mudança deresponsabilidade

• Incentivo àmelhoria einovação contínua

• Simplificação

• Modernizaçãotecnológica egerencial

• Melhorias dasprincipaisdimensõescompetitivas:custos, qualidade,flexibilidade,inovatividade eserviços

Fontes: Cameron, Freeman e Mishra (1991); Fleury (1997)

26

Página propositalmente em branco

2.3.3.3 A proposta de Tomasko

27

Tomasko (1991) classifica as estratégias de downsizing em dois tipos: “empurra” (push)e “puxa” (pull). Na estratégia do tipo “empurra” a empresa demitiria empregados; na dotipo “puxa”,haveria incentivos para que os funcionários saíssem voluntariamente. Nessecaso poderiam ser oferecidas aposentadorias antecipadas para os que tivessem maistempo de empresa e, para os demais, uma quantia a título de indenização. Muitas vezes,as estratégias do tipo “empurra” seriam combinadas com estratégias do tipo “puxa”.

Segundo Tomasko (1991), existem várias opções – conforme Tabela 3 - algumasextensivamente utilizadas, enquanto a maioria permanece subutilizada:23 A opção maissensata para cada situação dependeria da magnitude da redução e do tempo disponívelpara a implantação da estratégia.

2.3.3.4 Estratégias de ação imediata

Empresas que necessitassem de estratégias de ação imediata teriam, como opçãoprincipal, a demissão de pessoal (Greenhalgh, Lawrence e Sutton, 1988; Tomasko,1991). Embora tal opção não se fizesse sem outros custos, esta estratégia garantiria àempresa a certeza da redução na folha de pagamento.

Para Tomasko (1991) empresas que necessitassem de redução imediata, de mais de 15%nos custos da folha de pessoal teriam apenas uma opção: o corte generalizado depessoal24. Se a redução pretendida se encontrasse na faixa de 6 a 14%, então outrasopções estariam disponíveis, como, por exemplo, programas de incentivo à aposentariae programas de demissão voluntária. Caso se pretendesse diminuir a força de trabalhoem 1 a 5%, então, demissões ou programas especiais e seletivos poderiam ser adotados(Greenhalgh, Lawrence e Sutton, 1988; Tomasko, 1991)

TABELA 3Abordagens ao Downsizing

23 Deve-se lembrar que as opções têm sua viabilidade limitada pelas legislações trabalhistas de cada país.No caso brasileiro, por exemplo, não se permite a diminuição do salário dentro de um mesmo contrato detrabalho. O governo tem, entretanto, aliviado a rigidez com medidas provisórias que permitem o contratotemporário e a redução da jornada de trabalho acompanhada de redução equivalente no salário. Aeficácia de tais medidas não está, porém, comprovada. A experiência espanhola, relatada no CongressoInternacional Jurídico, realizado no Rio de Janeiro em 1998, indica que o contrato temporário não deucerto. Embora positivo no início, trouxe posteriormente instabilidade ao empregados, o que baixou amotivação e a produtividade. Outro fator negativo foi a reação do comércio, que parou de concedercrédito àqueles que trabalhavam neste regime, o que, por sua vez, causou queda no consumo econseqüente desemprego. A Espanha alterou a legislação de forma a que esta modalidade de contratoexistisse apenas em âmbito restrito e, mesmo assim, para casos especiais. (Jornal do Commercio, 2/9/98,p. B-8). As posições, quanto à eficácia do contrato temporário na Argentina, são contraditórias. De umlado, reclama-se de sua utilização abusiva, da alta rotatividade e da “precarização” do mercado detrabalho. De outro, argumenta-se que a medida foi responsável pela queda do desemprego (Folha de SãoPaulo, 21/6/98, p. 2-4).

24 Sparrow (1997) indica que, na França, a partir de 1993, o juiz tem o poder de anular programas deracionalização se considerar que lhes falta “substância” (p.38), o que obriga as empresas à utilização deoutras alternativas.

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Tempo para implementação

% deredução

Menos de 1 ano (resposta auma ameaça econômica)

1 - 3 anos 3 anos

15% + demissões em toda a empresa venda de unidades de negócio fechamento de unidades denegócios e transferência dos

empregados6 - 14% programa de incentivo à

aposentadoria antecipada ouprograma de indenizações

mobilizar as tropas perda de recursos humanos porsituações normais

(aposentadoria, pedidos dedemissão etc.)

trazer trabalho subcontratadode volta para dentro da firma

demissões seletivas eliminação de departamentosde apoio

redução no pagamento,mudança de empregados para

cargos com menorremuneração

retreinamento ou transferência

retreinamento e encontrarempregos fora da empresa

1%- 5% demissões seletivas perda de recursos humanos porsituações normais

(aposentadoria, pedidos dedemissão etc)

perda de recursos humanos porsituações normais

(aposentadoria, pedidos dedemissão etc)

programas direcionados deaposentaria antecipada e

demissão incentivada

converter staff em consultores

venda dos serviços de stafffora da empresa

Fonte: TOMASKO, Robert M (1991).

Embora não considerada por outros autores, a terceirização seria também uma estratégiaa ser considerada. Segundo Fleury (1997), seis das doze empresas estudadas reduziram,em média, 50% do seu efetivo de pessoal, o que correspondeu a 27.000 empregadosdespedidos. Desses, uma parcela significativa passou a trabalhar para terceiros. Em umadas empresas estudadas este percentual atingiu 33% do efetivo despedido.25

2.3.3.5 Estratégias de mais longo prazo

Segundo Tomasko (1991), opções por estratégias de mais longo prazo, embora nemsempre disponíveis, poderiam evitar processos dolorosos. Nesse caso, seria importante 25 Exemplos similares podem ser encontrados nos jornais recentes. Artigo na Gazeta Mercantil (30/9/98,p. C-1) relata que a Fiat do Brasil dispensou, desde o início do ano até setembro, cerca de 5,2 milfuncionários que foram, por sua vez, recontratados posteriormente por empresas fornecedoras de serviçosà montadora.

29

que a empresa dispusesse de um plano estratégico claro, que orientasse suas ações emantivesse um sistema de comunicação tal que os empregados não perdessem aconfiança no futuro. As opções variariam entre vender unidades, ou mesmo divisõesinteiras, implantar programas de incentivo à aposentadoria e à demissão, retreinarempregados para assumir vagas para as quais seriam necessárias contratações ou deixarque as aposentadorias e demissões normais reduzissem pessoal .(Tomasko, 1991).

Outras alternativas de longo prazo aos programas de redução de pessoal poderiam,igualmente, ser consideradas: a contratação de trabalhadores temporários ou em tempoparcial como proteção às flutuações nos negócios, congelamento de novas contratações,empregados multidisciplinares que possam ser alocados em outras tarefas, transferênciaspara outros locais ou funções, redução de horas-extra, diminuição da jornada detrabalho, diminuição da semana de trabalho e mesmo procura de novas atividades paratrabalhadores subutilizados (Greenberg, 1991; Greenhalgh, Lawrence e Sutton, 1988;Katz,1997).

Para certos autores, algumas das medidas anteriores, como o treinamento para tornarempregados capazes para maior número de tarefas ou a procura de trabalhos inovativospara os que estão subutilizados, poderiam dar às empresas maior flexibilidade interna efazer com que optassem menos pela flexibilidade externa. Além disso, a utilizaçãomaior ou menor dos recursos externos como forma de ajustar a empresa a variaçõeseconômicas, seria função, também, das restrições impostas pelas legislações e culturasdos vários países (Greenhalgh, Lawrence e Sutton; Katz, 1997, Osterman, 1997).Surpreende-se Katz (1997), entretanto, que, mesmo com esse leque de estratégias, asempresas continuem a fazer downsizing26.

2.3.3.6 Simultaneidade na utilização das estratégias

Os estudos indicam não serem as estratégias excludentes. Cameron, Freeman e Mishra(1991) observam que as empresas mais bem sucedidas implementavam todas asmodalidades, enfocando simultaneamente, portanto, o curto e o longo prazo, reduzindopessoal tanto de forma seletiva como de forma ampla e focando tanto os resultadosmensuráveis como os não mensuráveis. Fleury (1997), por sua vez, indica que cinco dasdoze empresas estudadas adotaram mais de uma estratégia de ajuste simultaneamente.

Tomasko (1990) aponta, igualmente, para o uso concomitante de estratégias do tipo“empurra” e “puxa” . O autor relata o caso de uma empresa que, ao mesmo tempo queofereceu um programa de incentivo à aposentadoria, também demitiu algumas pessoas.As pessoas teriam interpretado esse fato como uma ameaça e mais pessoas teriam se

26 No Brasil, empresas, sindicatos patronais e de trabalhadores e o governo, diante da crise, mobilizaram-se para encontrar soluções alternativas que vão desde redução na remuneração e na jornada de trabalho,flexibilização da jornada de trabalho através do mecanismo do banco de horas, até a criação de novasformas contratuais como o contrato temporário.

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candidatado ao programa do que havia sido inicialmente previsto. Em verdade, segundoTomasko (1990), a empresa apenas intencionava demitir pessoas com mau desempenhoque, em sua avaliação, não iriam aderir ao programa. O efeito, porém, teria sido outro eum clima de insegurança teria se instalado na empresa justificando o número de adesõessuperior ao estimado.

Por outro lado, Useem e Cappelli (1997) indicam que a escolha do downsizing estariaintimamente relacionada com a cultura da empresa e com os valores dos executivos detopo. Assim, o redesenho organizacional e a mudança sistêmica só poderiam seralcançados com forte comprometimento e “suporte tenaz” dos principais executivos(p.56).

2.3.4 Modelos existentes para a análise dos processos dedownsizing

2.3.4.1 Proposta de Shaw e Barrett-Power

Definindo downsizing como uma tentativa de aumentar a eficácia organizacional, Shawe Barrett-Power (1997) indicam que as medidas normalmente utilizadas, como lucro,produtividade, retorno sobre o investimento, burocracia e satisfação do consumidor, nãopoderiam ser diretamente aplicadas aos três níveis propostos: o da organização, o dosgrupos e o do indivíduo.

Os autores propõem, então, uma abordagem de análise do downsizing com base noconceito estresse, com o propósito de desenvolver um referencial que identifique asprincipais variáveis dependentes a serem analisadas.

O estresse no nível do indivíduo poderia ser definido como uma “uma relação particularentre a pessoa e o ambiente que é avaliada pela pessoa como excedendo seus recursos eameaçando seu bem-estar” (Lazarus e Folkman, apud Shaw e Barrett- Power, 1997,p.111). Esse conceito poderia ser transportado para o nível dos grupos e dasorganizações, pois processos similares seriam adotados para avaliar, lidar e se adaptarao ambiente.

De acordo com os autores, existiriam quatro categorias de variáveis dependentes quedeveriam ser monitoradas e previstas nos processos de downsizing: (1) a capacidade dea entidade27 coletar informação do ambiente com respeito a uma situação potencial dedownsizing; (2) a forma de utilização da informação; (3) a natureza das opçõesselecionadas para lidar com os fatores potenciais de estresse; e (4) a eficácia dessasatividades para lidar com o estresse no curto e no longo prazo.

27 Entidade foi o termo escolhido pelos autores para referir-se a qualquer um dos três níveis: aorganização, o grupo ou o indivíduo.

31

A eficácia, no longo e no curto prazos, dependeria das respostas às seguintes avaliações:(a) em que medida a entidade conseguiria sobreviver; (b) se as ações aliviariam a causado estresse; (c) se a estratégia conseguiria motivar as pessoas envolvidas em direção auma ação que lidasse com a situação; (d) se a estratégia manteria o equilíbriopsicológico; (e) se as ações melhorariam a eficácia da entidade; e (f) se as conseqüênciasnegativas seriam minimizadas.

FIGURA 2A Proposta de Shaw e Barrett-Power

para Análise do Downsizing

Fonte: Shaw e Barret-Power (1997)

Afirmam os autores que a questão crucial, quanto ao modelo proposto seria a mediçãode cada uma das variáveis propostas. Definir e operacionalizar essas medidas seriampontos cruciais de futuras pesquisas.

2.3.4.2 Modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra (1998)

Mishra, Spreitzer e Mishra (1998), por outro lado, ao estudarem empresas querealizaram downszing, sugeriram um modelo temporal em quatro estágios. O primeiro

Avaliação Eficácia da avaliação:• restrição de

processamento dainformação

• constrição (constriction)ao controle

• erros cognitivos

Ação:• individual vs coletiva• solução de problema /

controle• emocional / retirada• severidade• complexidade• flexibilidade

Eficácia para lidar com asituação:

• aliviar a causa doestresse

• motivar• manter o equilíbrio• melhorar a eficácia• minimizar conseqüências

negativas

32

estágio refere-se à decisão de se adotar um programa de downsizing, os estágiosseguintes, ao planejamento e comunicação do plano e, finalmente, a última etapa àimplementação.

Embutida no modelo, encontra-se a suposição de que se trata de um processo único, quese inicia e se encerra sem realimentação para iterações futuras. Isso não significaria queas empresas não repetissem o processo. Ao contrário, os autores apontam que cerca de67% das empresas que cortaram empregos num ano, voltariam a fazê-lo no anoseguinte.

FIGURA 3O Modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra

para a Análise de um Processo de Downsizing

Fonte: MISHRA e SPREITZER (1988)

2.3.4.3 Atores do processo

Embora toda a empresa - e mesmo a sociedade - seja afetada pelos processos planejadosde demissão, a literatura trata preferencialmente de dois atores: os remanescentes28 e osdesligados29. Remanescentes30 seriam aquelas pessoas que permaneceram na empresaapós o plano e desligados seriam aquelas que se haviam retirado da empresa. Outrosdois grupos de atores, todavia, poderiam ser considerados como fundamentais: osdecisores e os executores, encarregados de colocar o plano em execução. Note-se queexecutores poderiam estar incluídos na categoria de remanescentes ou desligados.

2.3.5 Questões de motivação para o downsizing

2.3.5.1 Razões para adoção do downsizing

28 Cunhou-se, em inglês, o termo survivor = sobrevivente.29 Cunhou-se, em inglês, o termo victim = vítima30 Brockner et al (1994), no entanto, subdividem a categoria em dois tipos: (1) remanescentes “normais” e(2) aqueles que ficaram na empresa após o downsizing, mas que já foram avisados que iriam sair emdeterminado prazo.

Decisão pelodownsizing

Planejamentodo downsizing

Anúncio dodownsizing

Implementaçãodo downsizing

33

Há, de certa forma, uma perplexidade acerca dos motivos que realmente incentivam asempresas a adotarem programas de redução de pessoal. Pergunta, por exemplo, Katz(1997): por que as empresas reduzem seu pessoal de forma tão drástica? Se asorganizações crescem, via de regra, por um processo cuidadoso e incremental, por que,então, agem de forma distinta? Segundo o autor, a razão mais provável para tal decisãodeve-se a pressões financeiras intensas que obrigariam a ações de rápido resultado.Além disso, como o processo enfrentaria grande resistência, as empresas normalmenteadiariam a decisão até quando a redução se tornasse inevitável.

De forma geral, as razões mais indicadas pela literatura são:

• A prática de benchmarking, que permitiu às empresas compararem seus custos deoverhead. Estes representavam cerca de 26% do custo de manufatura nos EstadosUnidos, enquanto na Alemanha essa proporção era de 21,6% e no Japão de 17,9%.(Cascio, 1993; Kets de Vries e Balazs, 1997);

• A tecnologia de informática, novas tecnologias de automação e de comunicação queincentivaram as empresas a dispensar empregados (Cascio, 1993; Greenberg, 1991;Kets de Vries e Balazs, 1997; Rifkin, 1995; Useem e Cappelli, 1997, Wallfesh,1991).

• A produtividade decrescente dos empregados de escritório. Segundo Cameron,Freeman e Mishra (1991), entre 78 e 86, a indústria americana de manufaturaaumentou o número de empregados de escritório em 21%, mas com decréscimo de6% na produtividade desse grupo;

• O alto índice de endividamento, que forçou as empresas a “passos dramáticos” paragarantir o pagamento de juros (Cascio, 1993, p.96);

• Mudanças nos mercados. Para Useem e Cappelli (1997), as mudanças no mercadoteriam provocado a procura por flexibilidade não apenas no processo de manufatura,mas, também, nas relações de trabalho. Assim, empregos com comprometimento delongo prazo passariam a ser encarados como custos fixos a serem evitados.

• O aumento da competição. Segundo Useem e Cappelli (1997), no caso americano,empresas que operavam em mercados protegidos pela regulamentação de preço emercado tiveram que se reestruturar, pois a desregulamentação teria produzido um“aumento dramático” (p. 27) na competição. Noer (1993) e Wallfesh (1991)apontam, similarmente, para o crescimento da concorrência internacional como umfator pressionador das reduções de pessoal.

• Fusões e aquisições (Burke e Nelson, 1998; Greenberg, 1991; Kuzmits e Ssussman,1988; Noer, 1993; Wallfesh, 1991). Segundo Kuzmits e Sussman (1988), nestescasos haveria a imposição de uma estrutura organizacional sobre outra, que resultariaem excesso de funcionários, via de regra, mais no nível gerencial que no nível

34

operacional. Justificar-se-ia, assim, a dispensa de uma camada da empresa antesprotegida dos movimentos de redução de pessoal.

• Pressões dos investidores. Para Useem e Cappelli (1997), parte da pressão para areestruturação adviria, no caso americano, de uma concentração de propriedade nasmãos de investidores institucionais, como, por exemplo, fundos de pensão ecompanhias de seguro. Estas estariam interessadas nos lucros a serem obtidospressionando a gerência das empresas a cortarem custos, aumentarem a produtividadee qualidade do serviço ou produto. A fórmula encontrada pelos gestores teria sido,segundo os autores, por meio de reestruturações organizacionais e de corte de postosde trabalho.

• Declínio dos negócios (Burke e Nelson, 1998; Greenberg, 1991)

• Melhor utilização da mão de obra (Greenberg, 1991)

Tomasko (1990) e Wagar (1997) indicam, ainda, que a existência de condições externasdesfavoráveis não seria necessária para justificar a redução de pessoal, pois esta poderiaocorrer ainda que com ambiente competitivo favorável e demanda crescente peloproduto ou serviço. Uma variedade de razões poderia explicar, nesses casos, a reduçãode pessoal, entre elas a opção por trabalhar com quadro enxuto, dentro do espírito leanand mean31 ou, ainda, um movimento de imitação das práticas de outras empresas queadotaram programas de downsizing.

Poder-se-ia esperar, dadas às inúmeras pressões, que o downsizing tivesse aceitaçãounânime entre pesquisadores e executivos. Não é o que ocorre: embora largamenteadotada pelas organizações, longe está de se chegar a um consenso acerca dos custosincorridos e dos benefícios obtidos. Para muitos, seria uma prática saudável, apenas malimplementada; para outros, não haveria como fugir dos danos infligidos à organização.Vejamos como cada uma dessas correntes se articula.

2.3.5.2 Defesa do downsizing

31 Lean and mean foi cunhado pela literatura de downsizing para designar empresas que optam portrabalhar com estrutura de pessoal enxuta (lean) mas que ao fazê-lo, são maldosas (mean) com seusempregados. Harrison (1994) indica que as empresas dentro do espírito lean and mean terminaram porimplantar programas de downsizing que ignoraram os efeitos sobre comunidades, carreiras e vidashumanas, tendo se tornado, assim, empresas “más”.

35

Os programas de downsizing seriam adotados, esperando-se tanto benefícios financeirosquanto organizacionais. Os benefícios financeiros relatados são menor custo deoverhead e maiores lucros ( Cascio, 1993).

Dentre os ganhos organizacionais mais esperados, encontrar-se-iam: menos burocracia,processo decisório mais rápido, melhor comunicação, maior produtividade e maiorcomportamento empreendedor dentro da organização. Com a eliminação de níveishierárquicos seria possível diminuir a burocracia e ganhar velocidade nas decisões e nacomunicação e obter maior produtividade (Cascio, 1993; Kets de Vries e Balazs, 1997).

Para Cascio (1993), os dirigentes enxergariam o downsizing como uma forma deredução de custos bastante atraente, por ser mais previsível do que o aumento do lucro.Para Tomasko (1991), ações de curto prazo seriam mais fáceis de ser quantificadas emtermos de custos e benefícios do que aquelas de longo prazo, que poderiam seravaliadas, muitas vezes, apenas em termos qualitativos.

Mesmo reconhecendo que o downsizing apresenta uma face dupla, em que a empresapode ser a beneficiada, mas o empregado não, ainda assim, considera-se que algunsbenefícios decorrem para o empregado. Entre os citados, encontram-se uma novaorganização do trabalho que incentiva maior responsabilidade, maior conjunto de tarefasrealizadas em equipes relativamente autônomas com relação a decisões que,anteriormente, eram da esfera da supervisão, além de maior liberdade na forma e fluxodo trabalho (Useem e Cappelli, 1997).

Mesmo no nível gerencial poderiam ser observadas melhorias. Relata-se o maior poderdiscricionário nas decisões para atender às necessidades dos clientes, maior participaçãoem equipes interfuncionais e maior controle sobre seu próprio trabalho.

Segundo pesquisa realizada em 1995, com 1034 empresas canadenses de todos ossetores, os benefícios obtidos com o downsizing foram (Burke e Nelson, 1998):

TABELA 4BENEFÍCIOS OBTIDOS COM O

DOWNSIZING EM EMPRESAS CANADENSES

Benefícios %Redução nos custos 85Maiores lucros 63Maior produtividade 58Melhor serviço ao cliente 36

Fonte: BURKE e NELSON (1998)2.3.5.3 Oposição ao downsizing

36

Todo esse movimento tem gerado pesadas críticas por parte de diversos autores. Aprimeira dela refere-se a todos os empregos perdidos, cuja perspectiva de recuperaçãoseria, no mínimo, duvidosa. Mesmo aqueles que conseguissem se colocar novamente nomercado, raramente o fariam com as mesmas vantagens anteriores.

Para aqueles que permanecessem, os efeitos perversos seriam múltiplos: carga detrabalho aumentada, implicando longas horas de trabalho; obrigação de realizartrabalhos para os quais não se teria sido treinado; elevado nível de estresse; e impactonegativo na produtividade. A confiança na relação empregado-empregador e a satisfaçãodo empregado se reduziriam, havendo, ainda, um medo latente de ser o próximo aperder o emprego. Também poderiam ocorrer fuga emocional, manifestações de cinismoe burnout (Kets de Vries e Balazs,1997; Mishra, Spreitzer, Mishra, 1998, Wagar, 1998).

Os efeitos não se fariam sentir apenas no nível operacional, mas também no nível dagerência. Alguns gerentes reportaram aumento da carga de trabalho, aumento daamplitude de controle, passando a supervisionar mais empregados, redução nasegurança do emprego, menos oportunidades de promoção e menor mobilidade. Tornar-se-iam mais críticos, alienados e mesmo apáticos, culpando-se pelos danos infligidos aoutros. Os críticos concluem que os gerentes, após a restruturação, passariam a dar maisênfase a sua carreira do que aos objetivos organizacionais. (Mishra, Spreitzer, Mishra,1997; Noer, 1993; Useem e Cappelli, 1997, Tomasko, 1990; Wagar, 1998).

Destruir-se-iam, assim, as qualidades mais necessárias - confiança e empowerment - aoambiente de alto envolvimento e de qualidade total de que as empresas necessitariampara construir e manter vantagem competitiva (O’Reilly, 1994; Wagar, 1997).

Do ponto de vista da empresa, as perdas também seriam significativas e alguns referem-se ao downsizing como uma estratégia superficial e de curto prazo que deixaria dequestionar a forma de a empresa conduzir os seus negócios.

Haveria perda de talentos e habilidades importantes na hora em que fossem maisnecessários; tornar-se-ia difícil recuperar-se a memória da empresa (Burke, 1997;Grossman, 1996). Em muitas situações, os primeiros a deixarem a empresa seriamjustamente os melhores empregados.

Como boa parte das empresas exageraria nas demissões, seriam obrigadas,posteriormente, a recontratar essas pessoas como consultores. Os empregados emfunção de staff, por exemplo, teriam que ser substituídos por consultores muito maiscaros; as unidades teriam que duplicar muitas funções antes atendidas pela matriz; asempresas teriam que investir no treinamento de supervisores para exercer atividades,também, antes executadas pela matriz. Em alguns casos, a empresa seria obrigada arecontratar funcionários demitidos, em tempo parcial ou tempo integral 32. O número de 32 Cascio (1993) cita um caso interessante de uma empresa que demitiu um contador que ganhava US$9,00/hora. Como boa parte da memória da empresa, “onde, porquê e como” (p.99) estava na cabeça deste

37

empregados contratados em tempo integral poderia diminuir, mas isso não significariaque as despesas com pessoas diminuíssem (Burke, 1997; Cascio, 1993).

Além disso, as empresas que passassem por processos de downsizing teriam,posteriormente, dificuldade em contratar novos profissionais, uma vez que ficariam com“má fama“ no mercado (Kets de Vries e Balazs, 1997; Mishra, Spreitzer, Mishra, 1998).

Para os acionistas a posição não seria melhor. Cascio (1993) cita estudo realizado com16 empresas, cujas ações encontravam-se tipicamente em baixa. No dia do anúncio doplano, as ações subiram, para depois iniciarem lenta descida. Dois anos após o anúncio,as ações de doze das dezesseis empresas estavam sendo negociadas abaixo da média daindústria em percentuais que variavam de 5 a 45%.

Conforme pesquisa realizada em 1995, com 1034 empresas canadenses, os principaisproblemas relatadas e relacionados aos empregados seriam, conforme Tabela 5 a seguir(Burke e Nelson, 1998):

TABELA 5Problemas Relacionados com o

Downsizing em Empresas Canadenses

Problemas com os funcionários %Decréscimo na moral 61Menor lealdade à empresa 50Menor satisfação no trabalho 37

Fonte: BURKE e NELSON (1998)

Alguns autores investigaram, ainda, a influência de moderadores nos processos dedownsizing (Armstrong-Stassen, 1993, 1998; Brockner et al, 1987; Brockner, Grover eBlonder, 1988; Caldas, 1999; Cameron, 1994b apud Wagar, 1998). Assim, efeitospositivos ou negativos do downsizing poderiam ser alterados em função de ações comocomunicação organizacional, justiça distributiva e processual ou em função de algumascaracterísticas individuais como ética para o trabalho ou grau de identificação com osdesligados. No entanto, como boa parte da literatura acadêmica relativa às implicaçõesdo downsizing relata experiências negativas, o estudo destes moderadores busca, emverdade, encontrar atenuantes a esses efeitos33.2.3.5.4 Downsizing como processo controverso

Com a presença de opositores e defensores, pode-se ver o quanto o processo dedownsizing é controverso. As evidências de melhorias para a empresa, em termos de

empregado, a empresa foi obrigada a recontratá-lo com o título de consultor ao preço de US$ 42,00 /hora.33 Ver, por exemplo, no caso brasileiro, a tese de doutorado de Caldas (1999).

38

estrutura e organização do trabalho, são bastante eloqüentes. As de melhoria dedesempenho são, contudo, variadas: algumas reportam aumento, outras diminuição.

As controvérsias não se resumem apenas à eficiência e produtividade da empresa, mastambém a questões de ordem estrutural como a relação – objetiva ou subjetiva – entreempregado e empresa. Cappelli (1997) indica algumas dessas contradições ocorridas nomercado interno de trabalho. Se, por um lado, empregados precisariam de maistreinamento e mais habilidades para executar as novas funções exigidas, por outro lado,haveria menos disposição das empresas em investir no treinamento e formação de suaforça de trabalho. A questão da autonomia e responsabilidade colocariam sobre oempregado demandas sobre a sua “consciência” 34 que seriam mais típicas de umrelacionamento mais estável com a empresa. Teria ocorrido, todavia, o movimentocontrário, em que as relações com a empresa seriam, em verdade, frágeis e atétransitórias.

Do ponto de vista do empregado, é vasta a literatura que relata os malefícios tanto paraos desligados quanto para os remanescentes, havendo, entretanto, uma parcela deautores que indica melhorias para os empregados remanescentes.

Ou seja, além de controverso, parece haver um paradoxo: é maléfico e, ao mesmo,tempo é benéfico. Relata Kilborn apud Useem e Cappelli (1993, p.60) que osempregados trabalhariam de “forma mais inteligente, mais arduamente, de forma maisflexível, mais cooperativamente... mas também com mais medo” .

Mishra e Spreitzer (1998) concordam que as pesquisas indicam direções diferentes eapresentam uma leque de contradições a serem resolvidas. Nesse sentido, sugerem ummodelo teórico para explicar as diferentes – e aparentemente contraditórias – reaçõesdos remanescentes aos programas de downsizing.

2.3.6 Questões de planejamento e implementação dodownsizing

Segundo Cascio (1993), em uma pesquisa conduzida pela American ManagementAssociation, com 1.142 empresas, cerca de 50% indicaram não se haver preparado paraas mudanças que ocorrem, inevitavelmente, nas relações de trabalho, após asreorganizações. Cita o autor o exemplo de empresas que cortaram pessoas ligadas aoplanejamento corporativo. Uma vez demitidas essas pessoas, a empresa esperava que osgerentes operacionais assumissem essas funções. Ocorreu, porém, que esses não haviamdesenvolvido as habilidades necessárias e não eram capazes, em sua maioria, de ter umavisão além daquela restrita a sua atividade. Por outro lado, se existissem ainda pessoasligadas à função de planejamento, estas se recusariam a colaborar com uma atividadeque poderia tirar seu próprio emprego. 34 Conscientiousness

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Um dos grandes problemas enfrentados pelos membros da alta administração residiriano fato de que, durante o processo, seriam obrigados a ir contra valores em queacreditavam. Muitos reagiriam ao estresse distanciando-se do processo, o que apenas osafastaria daqueles que ficaram, tornando-se assim, ainda mais isolados. A maior partedos executivos seniores falharia em reconhecer que a produtividade daqueles queficaram dependeria de detalhes aparentemente triviais, mas de enorme valor simbólico.Não estariam preparados para lidar com a ampla gama de reações psicológicas dosremanescentes (Kets de Vries e Balazs, 1997).

2.3.6.1 Características dos programas bem sucedidos

Se a sobrevivência da empresa estiver ameaçada e reduções de pessoal tornarem-senecessárias, então, ao menos, que a implantação de programas não só melhorem asituação dos negócios, mas respeitem a dignidade daqueles que perdem seus empregos(Tomasko, 1991).

A proposta de Cameron, Freeman e Mishra

Cameron, Freeman e Mishra (1991), a partir de um estudo que durou quatro anos eabrangeu 30 empresas norte-americanas do setor automobilístico, indicam as seismelhores práticas para o downsizing:

• O processo deveria ser iniciado pela alta gerência, mas recomendado e elaboradocom auxílio da base da pirâmide. Uma vez que a alta administração tivesse dadoinício ao programa, as equipes analisariam cargos redundantes, processos quepoderiam ser melhorados e dariam sugestões para a implementação do plano. Emuma das organizações, os empregados cujos cargos foram eliminados tiveram um anode salário garantido, sendo esse tempo dedicado a encontrar uma nova posição dentroda empresa que, efetivamente, adicionasse valor ou novo trabalho fora da empresa.

• Os processos poderiam ser de curto prazo ou de longo prazo; poderiam afetar toda a

empresa, ou poderiam ser seletivos. Os cortes de curto prazo e generalizados fariamcom que a empresa “acordasse” (p.61). Em uma das empresas, ofereceu-seaposentadoria antecipada a um grupo e, ao mesmo tempo, foram dados incentivospara que outro grupo permanecesse. Mas estratégias de redesenho e de mudançasistêmica eram, simultaneamente, adotadas.

• Dar-se-ia atenção a quem perdesse o emprego – utilizando programas deoutplacement, aconselhamento familiar, retreinamento, indenizações vantajosas - etambém a quem não perdesse. Garantir-se-ia a transição para aqueles quepermanecessem com amplo trabalho de esclarecimento das razões e circunstâncias do

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downsizing. Os remanescentes, por sua vez, seriam incentivados a informar e darfeedback sobre o processo.

• Seriam feitos cortes focados dentro da empresa, mas incluir-se-ia, também, a rede de

relacionamentos externos. Locais onde existissem ineficiência e excesso de custosseriam áreas-alvo para demissões. Muitas empresas reduziriam, o número defornecedores e distribuidores. Em vez de, por exemplo, trabalhar com 28fornecedores separados para a montagem de um componente elétrico, contratar-se-iaum único fornecedor para a entrega do sistema já montado.

• Os processos mais bem sucedidos resultariam em unidades semi-autônomas, com

poder de decisão sobre seus recursos. Poderiam decidir quais funções manter dentrode seu domínio, quais eliminar e quais contratar diretamente da matriz.

• As empresas mais bem sucedidas enfocariam o downsizing como objetivo de curto

prazo e, também, como parte de objetivo de melhoria contínua de longo prazo.

Uma das conclusões mais interessantes deste estudo reporta-se ao fato de que osprocessos mais bem sucedidos seriam contraditórios, duais e paradoxais, commovimentos realizados em um sentido e, ao mesmo tempo, em sentido contrário35.Curiosamente, os que procurassem harmonia no processo, não seriam tão bem sucedidosquanto aqueles que aceitassem a contradição.

A proposta de Mishra, Spreitzer e Mishra

Mishra, Spreitzer e Mishra (1997) indicam que as estratégias que visassem apenas àredução de pessoal no curto prazo tenderiam a ser menos efetivas que aquelas maisabrangentes, que identificassem redundâncias e ineficiências, e repensassem a cultura, aestrutura e os sistemas organizacionais. Para os autores, a implementação bem sucedidaseria aquela que preservasse a confiança e o empowerment, e fosse precedida deplanejamento detalhado.

O downsizing deveria ser o último dos recursos, a ser considerado apenas depois queoutras opções como a eliminação de bônus, o corte nos pagamentos, as restrições dehoras-extra, o congelamento de salários e as contratações fossem consideradas. Nãodeveria ser considerado como um objetivo de curto prazo, e deveria integrar-se dentrode uma visão que indicasse, claramente, como sua adoção poderia criar vantagenscompetitivas. Essa visão, por sua vez, proveria um direcionamento e sentido de futuroaos empregados.

35 Ë ilustrativo o exemplo da Embratel. A empresa esperava que cerca de 1,5 a 2 mil funcionáriosaceitassem entrar no plano de demissão voluntária. Objetivava-se atingir pessoas que trabalhassem emcargos extintos, em extinção ou terceirizados. Ao mesmo tempo, deveriam ser contratados cerca de 2 milnovos funcionários para atuarem nas centrais de atendimento (Costa, 1998).

41

Durante o planejamento, todas as partes afetadas deveriam ser consideradas:remanescentes, desligados e comunidade. Formar-se-ia uma equipe que representasse osdiversos interesses, composta, por exemplo, por pessoas da área de recursos humanos,de operações e de finanças. Os gerentes deveriam ser treinados para comunicar odownzising de forma empática e convincente, para lidar com as pessoas que iriam perdero emprego e também para lidar com aqueles que iriam permanecer.

Durante o anúncio do plano, seria fundamental: (a) honestidade ao apresentar as razõespara o downsizing; (b) comunicar a visão de futuro da organização e (c) o oferecimentode benefícios aos desligados.

A implementação do plano incluiria: (a) manutenção do nível de comunicaçãoconstante; (b) ajuda para conseguir outro emprego; (c) justiça no tratamento dosempregados; (d) permissão para o desligamento ou aposentadoria voluntária; (e)envolvimento dos empregados no redesenho de cargos e tarefas; (f) promoção deaconselhamento de carreira e (g) treinamento de supervisores para a nova situação.

A proposta de Feldman e Leana

Feldman e Leana (1989), por sua vez, indicam que, embora sempre doloroso, oprocesso de downsizing poderia ser conduzido com o objetivo de reduzir asconseqüências negativas para a empresa e facilitar os esforços - por parte dos desligados- na procura de um novo emprego. Sugerem oito cursos de ação:

• Comunicação do plano: Os gerentes prefeririam evitar o anúncio antecipado deprogramas de redução de pessoal com medo de sabotagem e queda de produtividade.Entretanto, se a economia atravessasse um período recessivo, os empregados nãoteriam outra alternativa a não ser continuar trabalhando. Além disso, se osempregados soubessem antecipadamente o que iria acontecer, teriam tempo hábilpara se habituar à mudança e poderiam se preparar para procurar um novo emprego.

• Pagamento de indenização por rescisão do contrato de trabalho e extensão debenefícios: A importância da indenização e da extensão de benefícios seriaclaramente a de oferecer ao empregado uma tranqüilidade para procurar um novoemprego, optar por retreinamento ou mesmo investir a quantia em um negóciopróprio.

• Serviço de outplacement: Outplacement seria um termo guarda-chuva para serviçosvariados que poderiam incluir, entre outros: auxílio para escrever um curriculumvitae, sessões de aconselhamento de carreira, treinamento para entrevistas,montagem de uma base de operações com salas, mesas e telefones que auxiliassemna procura de uma nova atividade ou na obtenção de outro emprego.

42

• Treinamento adicional: As empresas poderiam oferecer treinamento, o que seriaparticularmente importante para aqueles empregados que saíssem de indústrias emdeclínio. O redirecionamento da profissão seria necessário neste caso, poisprovavelmente um emprego similar ao perdido já não existiria mais. Além disso, otreinamento ocuparia parte do tempo do empregado, faria com que tivesse umaatividade rotineira, estruturasse o dia e proporcionaria mais oportunidades decontato social,

• Tratamento justo e cortês para os dispensados: Empregados dispensados deveriamreceber um tratamento justo e cortês. Dois aspectos mereceriam ser destacados: queo empregado recebesse uma explicação clara de quais critérios teriam sido adotadospara a seleção das pessoas a serem dispensadas e que fosse tratado com dignidade econsideração

• Tratamento construtivo para os remanescentes: O baixo moral e a produtividadedos remanescentes seriam problemas que a gerência teria que enfrentar. Poderiamocorrer sentimentos de raiva, culpando a supervisão pelas demissões ocorridas esentimentos de medo de ser o próximo a ser dispensado. Como, muitas vezes, osempregados demitidos teriam formado laços de amizade dentro da empresa, agerência deveria evitar fazer comentários desmerecedores sobre os mesmos.

• Trabalho cooperativo com os sindicatos: Os sindicatos deveriam compreender que,em horas difíceis, seria mais importante trabalhar junto com a empresa, de forma amanter empregos, do que permanecer na histórica posição de reivindicação demelhores condições e salários.

• Demonstração de responsabilidade social para com a comunidade: Mesmo que aempresa decidisse fechar determinada fábrica, ainda assim, deveria procurar açõesque minimizassem o impacto na comunidade local36.

2.3.6.2 Melhorias previstas na repetição de programas dedownsizing

As pesquisas indicam que empresas que já realizaram programas de downsizing têmuma grande probabilidade de realizar um novo programa nos anos seguintes. Assim,

36 Carroll (1984) sugere algumas alternativas como vender a fábrica aos empregados, doar terreno eequipamentos para a comunidade e até mesmo investir em empresas que se dispusessem a oferecerempregos para os desligados.

43

seria natural que melhorias estivessem previstas para os novos processos. Segundopesquisa realizada em 1034 empresas canadenses, intencionava-se alterar os seguintesaspectos (Burke e Nelson, 1998)

TABELA 6Aspectos a Serem Melhorados nos

Programas de Downsizing em Empresas Canadenses

Item a ser melhorado % de empresas que intencionamadotar a melhoria

Melhorar a comunicação 43Planejar, com mais cuidado, oscargos a serem eliminados

24

Selecionar, com mais cuidado, aspessoas a serem desligadas

24

Fazer o processo em menos tempo 11Aumentar o envolvimento e avisibilidade do nível gerencial

10

Fonte: Burke e Nelson (1998)

2.3.6.3 Critérios para o desligamento

Um das questões com que se deparam os responsáveis pela implementação dosprogramas, refere-se à seleção das pessoas a serem desligadas. As abordagens podem servariadas: a demissão orientada por um sistema de avaliação de desempenho, ofechamento de um local físico – uma planta ou um escritório -, a dispensa deempregados de um departamento, dispensa de todos em determinados cargos, umaseleção segundo critérios compatíveis com os valores da organização, o oferecimento atodos os empregados de um plano de demissão incentivada, o oferecimento do plano dedemissão incentivada a apenas algumas áreas, ou, então, uma combinação de opções(Grossman, 1996, Tomasko, 1991)37.

37 Algumas notícias recentes acerca de empresas brasileiras podem exemplificar. Segundo relato feito porD’Ambrosio e Melo (1998), a Santa Marina, tendo que demitir 6% de seu pessoal, considerou “aspectossociais” ao dispensar primeiramente os aposentados, seguidos dos solteiros e considerar apenas, emúltimo caso, os funcionários com famílias. No caso da Embratel, cujo plano foi anunciado em outubro de1998, objetivou-se atingir os cargos extintos ou em extinção como motoristas, auxiliar de serviços gerais emecânicos de automóveis. Outros cargos alvo do programa seriam aqueles inseridos em funções passíveisde serem terceirizadas (Costa, 1998). A Petrobrás, por sua vez, aplicou um plano de demissão voluntária,de maio a junho de 1998, apenas em áreas onde havia excedente de pessoal. As pessoas, que por eleoptaram, pertenciam às áreas de apoio administrativo e apoio operacional (Ordoñez, 1998).

44

Cada abordagem, entretanto, apresentaria problemas específicos. Demissões quelevassem em conta o desempenho do empregado, por exemplo, dependeriam de umsistema de avaliação eficiente e com dados confiáveis, o que nem sempre estariadisponível na organização (Grossman, 1996, Tomasko, 1991). Nos planos de demissãovoluntária não haveria como se controlar a saída de pessoas-chave para a empresa(Tomasko, 1991). Mesmo que se fizesse um esforço para sinalizar a importância deficarem, não se poderia garantir que permanecessem na empresa38.

A compreensão de como as pessoas deveriam ser selecionadas seria, também, fatorimportante a ser considerado pela empresa. O’Neill e Lenn (1995) indicam, porexemplo, que os gerentes de nível médio poderiam sentir dificuldade em aderir à novaestratégia da empresa, se os cortes não fossem entendidos e não tivessem um “sentidoestratégico” (p.26). Essa falta de informação abriria espaços para a falta de credibilidadenas ações da companhia e para a disseminação de segundas interpretações.

2.3.6.4 Benefícios oferecidos

Empresas que realizam programas de downsizing oferecem, via de regra, um conjuntode vantagens que se adicionam aos direitos previstos pela legislação trabalhista.Preocupação humanitária, desejo de evitar censura da comunidade e preocupação com omoral dos remanescentes seriam razões para o oferecimento destes benefícios(Tomasko, 1990).

Dentre os possíveis benefícios a serem oferecidos pelas empresas encontram-se(Greenberg, 1991; Rolfe, 1991; Tomasko, 1990):

• indenizações financeiras – normalmente proporcionais ao número de anostrabalhados na empresa;

• aconselhamento;• outplacement;• treinamento (in house e fora);• prorrogação de alguns benefícios;39

• possibilidade de continuar a contribuição no plano de seguridade social;• outros40.

Pesquisa da American Management Association, realizada em 1990, indicou que cercade metade das empresas que implantaram programas de downsizing ofereceram serviço

38 Ille (1997), a título de ilustração, relata que, com o fechamento da planta de Utah, os engenheiros foramconvidados a trabalhar na fábrica da Califórnia. O alto custo de vida do local fez, todavia, com querecusassem a oferta e aceitassem como alternativa apenas o estado do Novo México, mesmo assim comincentivos adicionais para a mudança.39 Por exemplo: plano de saúde.40 Por exemplo: auxílio à formação de pequenas empresas.

45

de outplacement, 37,2% ofereceram indenizações, 27,1% estenderam o plano de saúde e12,9% ofereceram treinamento (Wallfesh, 1991)41.Sugere-se que as empresas auxiliem na preparação de currículos, forneçam orientaçãode como se comportar em entrevistas e ofereçam a empregado cartas esclarecendo afuturos empregadores que a demissão vinculou-se à crise sem qualquer ligação com acompetência do empregado (D’Ambrosio e Melo,1998).

A empresa não poderia, entretanto, achar que o oferecimento de um amplo pacote debenefícios pudesse assegurar a resolução dos problemas associados ao downsizing.Armstrong-Sassen (1988) alerta, por exemplo, que a percepção de justiça, nestesprocessos, poderia variar de acordo com o nível hierárquico. Os remanescentes em nívelgerencial, em função de acesso a informações sobre a situação geral da empresa,tenderiam a achar a empresa mais justa do que os remanescentes no nível da produção.Haveria que se considerar que um pacote único de benefícios - mesmo que bemintencionado - poderia deixar de atender às necessidades de cada grupo afetado. Dentrodeste raciocínio, DeWitt, Trevino e Mollica (1998) indicam que, em programas deredução de caráter voluntário, o auxílio à recolocação estaria positivamente relacionadocom o comprometimento afetivo dos empregados, enquanto que o oferecimento depacotes de benefícios monetários ou de outra natureza não teria com ele nenhumarelação significativa.

2.3.6.5 Comunicação do plano

Outro ponto a ser considerado, no processo de downsizing, refere-se à comunicação doplano. A importância do entendimento correto da mensagem por parte de todos osempregados, a necessidade de se evitar rumores nocivos e a consideração com osempregados que poderiam não gostar da notícia mas, ao menos, saberiam da realsituação, justificariam o cuidado com essa etapa (Tomasko, 1990).

No contexto de uma mudança organizacional de grande impacto como o downsizing,Smeltzer (1991) propõe um modelo em que a natureza da mudança e a dinâmica daorganização deveriam orientar as decisões estratégicas de comunicação. Canal,

41 No caso brasileiro alguns exemplos podem ser ilustrativos. A BS Continental, multinacional alemã,fabricante de geladeiras e fogões ofereceu a extensão da assistência médica por um período de quatromeses e também mais quatro meses de cesta básica (Gazeta Mercantil, 28/07/98, p.C-1). A Santa Marinacortou, em agosto de 1998, cerca de 6% de seu pessoal. Ofereceu aos trabalhadores além dos direitostrabalhistas, 25% de salário por cada ano trabalhado, cesta básica por um período adicional de dois mesese prorrogação da assistência médica por dois meses. A Globo Cabo, antiga Net, por sua vez, ao demitir300 pessoas, instalou um centro de orientação de carreira, com o objetivo de fornecer informações sobre omercado de trabalho, atuar como apoio psicológico e ministrar seminários (D’Ambrosio e Melo,1998). AHP, com o objetivo de reduzir pessoal aplicará um programa de demissão incentivada, que, nos EstadosUnidos, oferecerá uma indenização de seis meses de trabalho e um pagamento adicional de 0,5 saláriospor ano trabalhado, limitado ao máximo de 12 meses de pagamento (Gazeta Mercantil, 5/10/98, p. C-2).

46

mensagem e o tempo certo seriam igualmente fatores a serem considerados naestratégia. Encontra-se, na Figura 4, o modelo proposto pelo autor:

FIGURA 4MODELO DE SMELTZER PARA COMUNICAÇÃO

DE MUDANÇA ORGANIZACIONAL DE GRANDE IMPACTO

Fonte: Smeltzer (1991)

A comunicação de uma mudança que afetasse grande contingente de empregadosdeveria ser tratada de forma diferente de outra cujos efeitos se fizessem sentir sobre umpequeno número de funcionários. Quanto maior a magnitude do efeito42, maisnegativamente seria encarada, exigindo, portanto, explicações mais elaboradas(Smeltzer, 1991). A esse respeito, por exemplo, Brockner et al (1987) indicam que noscasos de programas de redução de pessoal, haveria que ser ter especiais cuidados emcomunicar a toda a empresa o pacote de benefícios – serviços de outplacement,indenizações ou outros – oferecido aos desligados. Remanescentes reagiriam de formanegativa se, identificadas com os desligados, percebessem ter havido uma compensaçãoinadequada aos mesmos.

42 O modelo considera apenas mudanças consideradas negativas.

Natureza damudança

Dinâmicaorganizacional

Canal

MensagemEstratégia

Tempo

47

O autor sugere, também, que mudanças cuja natureza fosse controversa poderiam exigirexplicações persuasivas e se deveria oferecer diversas oportunidades para a colocaçãode perguntas e respostas43. Brockner et al (1990) apud Taylor e Giannantonio (1993),concordam, neste ponto, ao afirmar que as explicações para a necessidade de umprograma de desligamento seriam particularmente importantes, principalmente noscasos em que os remanescentes tivessem dúvida acerca de sua real necessidade derealização. Seriam importantes, também, nos casos em que os remanescentes achassemque novos desligamentos pudessem ocorrer ou, ainda, nas situações em que houvesseforte ligação entre remanescentes e desligados.

Também deveriam ser observados, no ato da comunicação, aspectos relativos àdinâmica da organização, tais como cultura e clima. Infringir padrões de comportamentopoderia provocar suspeitas e dar origens a boatos (Smeltzer, 1991)44.

Outros pontos relevantes seriam a mensagem, o canal e o tempo. O estilo da mensagem,nos casos de downsizing, teria, provavelmente, caráter mais autoritário e menospersuasivo, uma vez que a decisão já teria sido tomada. A escolha do canal seria funçãoda riqueza de comunicação necessária. Hauss (1993), por exemplo, sugere alguns tiposde comunicação em tempo de crise: edições especiais do jornal interno, video-tapes depalavras do principal executivo, reuniões de gerentes com suas equipes, visitas dosprincipais executivos às plantas para reuniões especiais. Illes (1996) sugere que umfolheto com respostas às perguntas mais freqüentes poderia ser de grande utilidade.Reuniões regulares seriam, segundo a autora, outra forma de manter os empregadosinformados, obter feedback acerca do que estivesse ocorrendo, além de servir comoforum para que frustrações e sentimentos negativos pudessem ser expressos.

O tempo certo para a comunicação seria outro fator a ser considerado, pois, nos casos dedecisões importantes, seriam freqüentes os rumores. O cuidado com a comunicaçãoseria particularmente importante nos casos em que a crise atingisse a mídia. Osempregados precisariam saber que poderia haver repercussão negativa nos meios decomunicação. Caso contrário, a gerência poderia perder a credibilidade, correndo o riscode ver informações incorretas serem disseminadas e de os empregados serem levados apensar que a gerência não confiava neles. Todo o processo poderia ser agravado se,ainda por cima, houvesse discrepância entre as notícias divulgadas internamente eaquelas disponibilizadas para o público em geral (Hauss, 1993; Illes 1996; McClelland1987; Smeltzer, 1991).

Todo cuidado seria necessário, pois a imprensa seria, via de regra, rápida em obterdados desta natureza. Illes (1996), por exemplo, relata que, minutos após a comunicação 43 Illes (1996), ao narrar sua experiência com o downsizing, indica que quando o presidente reuniu ecomunicou o fato -inesperado- de que a fábrica seria fechada, os empregados ficaram tão atônitos que nãoconseguiram colocar perguntas.44 Illes (1996) indica que o presidente tinha por hábito fazer visitas regulares à fabrica com reuniõesregulares para comunicações gerais. Quando estas visitas foram canceladas por um tempo, rumores seiniciaram com especulações diversas ocupando as conversas e reuniões.

48

do fechamento de uma fábrica, a mídia já tinha notícias a respeito e buscavaconfirmações do fato. Como as equipes de filmagem foram impedidas de entrar nafábrica, postaram-se do lado de fora para filmar e entrevistar empregados que saíam.

2.3.6.6 Percepção de justiça

A justiça associada às organizações poderia ser classificada em: justiça no procedimentoou justiça processual e justiça na distribuição ou justiça distributiva. A justiçaprocessual seria relativa aos meios usados para atingir determinados fins, e a justiçadistributiva relacionar-se-ia com os fins atingidos (DeWitt, Trevino e Mollica, 1998;Tang e Sarsfield-Baldwin, 1996).

Assim, no que se refere ao downsizing, justiça distributiva relacionar-se-ia, porexemplo, a auxílio na recolocação de empregados, indenizações monetárias ou outrosbenefícios (DeWitt, Trevino e Mollica, 1998). Justiça processual45 referer-se-ia aoprocesso de implementação do downsizing (DeWitt, Trevino e Mollica, 1998) epoderiam ser exemplificados por meio de programas realizados com objetividade, seminteresses espúrios, baseados em informações acuradas, com oportunidades para acorreção de erros, com representação de todas as partes interessadas e seguindo, por fim,padrões éticos e morais (Leventhal, Karuza e Fry apud Brockner et al, 1994; Leventhal,1980 apud DeWitt, Trevino e Mollica, 1998).

Variáveis relativas à interação foram também estudadas e consideradas importantes napercepção de justiça46. Assim, surgiriam questões como a clareza e adequação dasexplicações (Armstrong-Stassen, 1998; Bies, Shapiro e Cummings, 1988 apud Brockneret al, 1994) e ao grau de dignidade e respeito no tratamento dos empregados (Bies eMoag, 1986 apud Brockner et al, 1994; Shapiro, Buttner e Barry, 1994 apud DeWitt,Trevino e Mollica, 1998 ).

Empresas que realizam programas de downsizing sabem que estão dando más notícias aseus empregados. As reações negativas, que naturalmente surgem, amplificar-se-iam ouamortecer-se-iam de acordo com a forma pelo qual o processo fosse conduzido.Remanescentes e desligados reagiriam de forma mais favorável às conseqüênciasnegativas, nos casos em que houvesse percepção de justiça do que nos casos nos quaisse percebesse uma condução inadequada (Brockner et al; 1994; McFarlin e Sweeney,1992). Por exemplo, alguns estudos ( Brockner et al, 1987; DeWitt, Trevino e Mollica(1998) indica haver uma relação positiva entre atributos de justiça distributiva e justiçaprocessual e o comprometimento afetivo dos funcionários. 45 Em comentário posterior, DeWitt, Trevino e Moliica (1998) argumentam que, muitas vezes, as duasnoções se superpõem, indicando que parece ser de menor importância, nos casos de redução de pessoal,essa categorização.46 Também denominada justiça na interação (interactional justice) (Brockner et al, 1994). SegundoDeWitt, Trevino e Mollica (1998), tratar-se-ia de aspectos da justiça no procedimento, que receberia, noentanto, por vezes, a denominação, à parte, de interactional justice.

49

Em outras palavras, se os executores do processo comunicassem e justificassem adecisão com clareza, agissem sem segundos interesses, permitissem correções no rumodo programa, considerassem todas as partes afetadas, se pautassem pela ética,consideração e sensibilidade, então remanescentes e desligados teriam menos razõespara reagirem negativamente ao downsizing (Brockner et al, 1994).

Uma questão particular refere-se à percepção de justiça nos casos de programasvoluntários. DeWitt, Trevino e Mollica (1998), ao estudarem esta questão, depararam-secom algumas descobertas interessantes. Em primeiro lugar, levantaram a hipótese de aelegibilidade ser um fator moderador das reações dos empregados às questões de justiçaprocessual e distributiva. Em verdade, segundo a pesquisa realizada, as questões dejustiça explicariam melhor as reações dos empregados não elegíveis do que a doselegíveis. Por exemplo, a implementação de programas objetivos, consistentes e éticosseriam particularmente importantes aos empregados não elegíveis. As pessoas estariam,segundo os autores, interessadas não apenas naquilo que lhes ocorre, mas tambémnaquilo que ocorre com os demais. Se outras pessoas são tratadas de forma justa, entãopoder-se-ia esperar tratamento similar no futuro. Este raciocínio seria particularmenteimportante nos casos em que os empregados não elegíveis esperassem novas reduçõesna força de trabalho.

2.3.6.7 Comportamento dos executores

Os programas de redução de pessoal exercem grande pressão sobre os gerentes. Ademanda que a situação de dispensa coloca pode ser extremamente estressante. Alémdos papéis normais, gerentes executores são obrigados a lidar com um aumento da cargade trabalho e com a responsabilidade de conduzir seus subordinados durante o processo(Wright e Barling, 1998)

Estes poderiam, em função da situação estressante, agir de tal forma que a situaçãoficasse ainda pior, adotando, por exemplo, um distanciamento com relação aosempregados (Folger e Skarlicki, 1998).

Esse distanciamento poderia tornar-se evidente em um dos momentos mais críticos detodo o processo: a comunicação da dispensa. Ou seja, o gerente se distanciaria comrelação à situação e ao próprio empregado a ser dispensado.

Os autores estudaram este comportamento, enfocando o tempo que os gerentes dedicamaos empregados para comunicar as demissões. Se existisse um sentimento de que ademissão estaria ocorrendo por problema de competência gerencial, os gerentestenderiam a evitar a situação, o que se refletiria no pouco tempo dedicado àcomunicação da demissão, como forma de “escapar de situações adversas” (p.85).

50

As reações dos empregados, quer fossem remanescentes ou desligados, estariam ligadasà forma como os gerentes conduzissem as etapas difíceis. Se houvesse uma percepçãode que os gerentes ofereciam explicações adequadas, se preocupavam com o destino dosempregados e expressavam suas emoções, então as reações negativas à situação sereduziriam (Brockner et al, 1994).

2.3.7 Questões de pós-implementação

As principais questões abordadas pela literatura, relativas à fase posterior àimplementação de um programa de downsizing, dizem respeito ao impacto naprodutividade da empresa, ao impacto nos sobreviventes e ao impacto nos executores.

2.3.7.1 Impacto na produtividade

Vários estudos foram realizados para medir o impacto do downsizing sobre aprodutividade e o moral dos empregados. Entre eles, encontra-se o estudo realizadopela American Management Association realizado nos anos de 1993 e 1995, cujosresultados encontram-se na Tabela 7 adiante.

Cerca de 50% das empresas pesquisadas reportaram que ou houve perda ou não houveganho de produtividade. Além disso, cerca de 85% revelaram que o moral de seusempregados declinou após o downsizing. Mabert e Schmenner (1997) indicaram, combase no estudo de oito empresas, algumas categorias de benefícios e custos potenciais:

• Economizar salários seria um dos principais motivos para o downsizing. Se houvesse,porém, contratação de outro tipo de mão-de-obra para compensar a ausência dosempregados, então essa economia se perderia.

• Os principais custos diretos relativos ao downsizing seriam as indenizações pagasaos empregados. Porém, se a redução de empregados tivesse como conseqüência anecessidade de investimentos em automação ou em sistemas de informação, entãoesses deveriam ser considerados.

• O custo de se contratar consultores ou mesmo recontratar parte da mão-de-obradispensada é ponto normalmente desconsiderado.

TABELA 7IMPACTOS DO DOWNSIZING NOS LUCROS, NA PRODUTIVIDADE E NO

MORAL DOS EMPREGADOS DE EMPRESAS NORTE-AMERICANAS

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Aumentou Permaneceu constante DiminuiuPesquisa de 1993Lucro operacional 49,9% 27,4% 22,8%Produtividade doempregado

35,8% 40,8% 23,5%

Moral do empregado 2,4% 13,4% 84,1%

Pesquisa de 1995Lucro operacional 50,6% 29,1% 20,4%Produtividade doempregado

34,4% 35,5% 30,1%

Moral do empregado 1,9% 12,1 86,%Fonte: MABERT e SCHMENNER (1997).

• A produtividade por empregado tanto poderia crescer como poderia diminuir.Empresas, que fizeram uma análise de seus processos antes de demitir, foram as maisbem sucedidas em obter aumento de produtividade do empregado. Por outro lado,aquelas que optaram por demissões sem uma análise prévia de suas ineficiências,foram as que registraram maior queda da produtividade, tanto em função dashabilidades perdidas como pelo fato de que pessoas despreparadas executaram otrabalho.

• Haveria, também, uma gama de custos ocultos que deveria ser considerada como, porexemplo, o pagamento de horas-extra, o custo de oportunidades perdidas e mesmo ocusto de manutenção da qualidade, que exigiria um aumento no número de horas deretrabalho.

Outras pesquisas relatam resultados semelhantes no que se refere à produtividade e aoimpacto sobre as pessoas. Pesquisa realizada pela Society for Human ResourceManagement (Cascio, 1993) indicou que mais da metade das 1468 empresasconsultadas reportaram que a produtividade por empregado ou permaneceu igual oudiminuiu após o programa de downsizing. Muitas das empresas investigadas indicaram,ainda, deterioração, relativamente ao período antes da demissão, da qualidade, daprodutividade, da eficácia e dos indicadores de relações humanas.

Outro estudo, realizado pela American Management Association, com cerca de 700empresas que passaram por um ou mais processos de downsizing, no período de 1989 a1994, indicou que, se os lucros operacionais cresceram, o moral dos empregadosdiminuiu substancialmente, como pode ser verificado na Tabela 8

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TABELA 8EFEITOS APÓS O DOWNSZING, SEGUNDO PESQUISA

EM EMPRESAS NORTE-AMERICANAS

Diminuiu(%)

Permaneceuconstante (%)

Aumentou(%)

Lucros operacionais 20% 29% 51%Produtividade do trabalhador 30 36 34Moral do empregado 86 12 2Fonte: Katz (1997).

2.3.7.2 Impacto nos remanescentes

O conjunto de problemas relativos aos remanescentes é de tal ordem que se cunhou otermo “síndrome do sobrevivente” para referir-se aos inúmeros impactos sobre os queficaram (Noer, 1993). Estes efeitos não estão relegados ao nível dos operários e podemser observados em funções mais qualificadas e mesmo ao nível gerencial.

Uma das críticas mais contundentes refere-se ao fato de que as pesquisas sobredownsizing pouco se têm importado com a experiência emocional das pessoas. Elasteriam sido tratadas de forma muito abstrata nos estudos, “consideradas mais comopassivo do que como ativo” (Kets de Vries e Balazs, 1997), “custos a serem cortados,em vez de ativos a serem desenvolvidos” (Cascio, 1993, p. 101).

Os remanescentes sofreriam de um conjunto de problemas que incluiriam, depressão,ansiedade, perda de motivação para qualquer trabalho adicional, baixo moral,ensimesmamento, e aversão ao risco. Desenvolveriam um profundo sentimento deinsegurança quanto à estabilidade do emprego, ressentir-se-iam de serem obrigados atrabalhar maior número de horas, de assumir novos trabalhos - realizados anteriormentepelos que saíram - para os quais não haviam sido preparados. Gerentes senioresconsultados teriam relatado que seus subordinados estavam desanimados, temiam cortesfuturos e desconfiavam da gerência. Tais demandas provocariam estresse e frustração.alterando o sentimento de comprometimento com a organização (Cascio, 1993;Feldman e Leana, 1989; Katz, 1997, Noer, 1993).

Os remanescentes vivenciariam reações como ansiedade e medo de perder o emprego,baixo moral, culpa em relação aos que saíram, notadamente ao fazerem horas-extra e nahora de receberem seu pagamento (Brockner, Grover e Blonder, 1988; Cameron,Freeman e Mishra, 1991). Cameron, Freeman e Mishra (1991) relatam, também, ainveja dos remanescentes com relação aos desligados, pois os primeiros recebiam daempresa maior carga de trabalho, menores aumentos, rebaixamento de status. Impor-se-

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lhes-ia uma demanda para aprender novas tarefas e para assumir mais responsabilidades,enquanto colegas, ao saírem da empresa, receberiam atrativos pacotes de indenização.

Kets de Vries e Balazs (1997) apontam, de forma similar, para a “síndrome dosobrevivente”. Inicialmente, haveria um acréscimo de produtividade, mas, após algumtempo, as pessoas entrariam em um estado de medo do futuro. Sentiriam que deles sepedia um esforço adicional sem que nada lhes fosse dado em troca, e considerariam agerência culpada da situação em que se encontravam. Segundo os autores, o processo deatribuir culpas seria, em verdade, uma forma de escapar à culpa de se ser umremanescente. Dentre as possíveis reações dos remanescentes, encontrar-se-iam:afastamento dos desligados; afastamento da empresa; aumento da quantidade detrabalho como forma de reduzir a culpa, auto convencimento de que as demissõesseriam merecidas.

Há, portanto, ampla gama de fatores que podem auxiliar o entendimento das reações dosremanescentes. Alguns afetam as condições expressas de trabalho, de remuneração e desegurança do emprego; outros, mais sutis, referem-se a sentimentos que não podem enão devem ser expressos ou verbalizados. A literatura tem, todavia, tratado, com maiorfreqüência, de aspectos como horas prolongadas de trabalho, comprometimento,contrato psicológico, estresse e percepção de justiça.

2.3.7.2.1 Aumento das horas e da carga de trabalho

Nos casos em que a empresa não enfrenta uma declínio de suas atividades, a redução depessoal significa, via de regra, que os remanescentes deverão lidar com uma carga detrabalho maior o que implica horas prolongadas de trabalho.

Segundo Fisher (1992), em muitas empresas norte-americanas, as horas extras degerentes teriam se acumulado em função da redução de pessoal. Para um dosentrevistados de jornalista, o horário prolongado seria apenas uma coisa temporária que,no entanto, havia se estendido por mais tempo que o esperado, tornando-se uma “novanorma” (p.64).

Um estudo, conduzido pela American Management Association e citado por Fisher(1992), aponta que 41% dos gerentes relataram que teriam mais trabalho a ser feito doque tempo para realizá-los.

Uma outra razão para as horas prolongadas de trabalho estaria relacionada à insegurançano emprego e ao medo de ser mandado embora (Fisher, 1992). Nas palavras de Fisher(1992), o medo havia se tornado “endêmico” (p. 64) e, por isso, as pessoas ficariammais no trabalho.

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Em linha similar, Brockner (1988) e Brockner, Grover, Reed e DeWitt (1992),realizaram dois estudos acerca do esforço no trabalho por parte dos remanescentes. Noprimeiro (1988), o autor pesquisou a relação entre a ética de trabalho do funcionário eseu esforço, após um processo de desligamento, utilizando como variável moderadora aseveridade do corte de pessoal. A relação entre ética do trabalho e esforço empreendidoseria muito mais forte nos casos de cortes moderados do que nos casos de cortes severosde pessoal. Segundo o autor, o estresse poderia “tirar a atenção do trabalho” (p.441).

Na segunda pesquisa, Brockner, Grover, Reed e DeWitt (1992) estudaram o efeito dainsegurança do emprego no esforço para o trabalho no caso de remanescentes deempresas que adotaram programas de redução de pessoal. Segundo os autores, osesforços no trabalho aumentariam apenas para os empregados remanescentes quesentissem uma moderada insegurança no trabalho. Aqueles que percebessem baixainsegurança ou alta insegurança, não empreenderiam maior esforço. Essa reação seria,entretanto, moderada pela necessidade econômica do funcionário47. Assim, aqueles quedependessem do salário para a sobrevivência teriam demonstrado, independente dapercepção de segurança do emprego, altos níveis de esforço no trabalho.

As horas prolongadas de trabalho seriam, por fim, para uns, uma questão a ser resolvidano futuro, pois estariam à procura de uma vida em que família e trabalho estivessemmais equilibrados. Para outros, no entanto, haveria uma satisfação intrínseca com otrabalho realizado de tal forma que as horas adicionais não se constituiriam em umproblema. (Fisher, 1992).

2.3.7.2.2 Comprometimento

Genericamente, comprometimento pode ser definido como um sentimento que liga oempregado à empresa, de tal forma que ele não falta ao trabalho, trabalha as horasdevidas e, mais, protege seu patrimônio e apóia seus objetivos.

Diversas definições, várias vertentes teóricas e, conseqüentemente, várias estratégiaspara operacionalização do construto podem ser identificadas na literatura sobre oassunto (Bastos, 1993). Os estudos realizados indicam a existência de duas dimensõesimportantes na clarificação do conceito: a natureza do comprometimento e as entidadescom as quais as pessoas se comprometeriam (Meyer e Allen, 1997).

Meyer e Allen (1997) propõem três componentes para descrever a natureza docomprometimento: afetiva, de continuação e normativa. O componente afetivo referir-se-ia à ligação emocional, ao envolvimento e, mesmo, à identificação com aorganização. O comprometimento de continuação estaria ligado ao custo de saída doemprego e o comprometimento normativo estaria relacionado ao senso de obrigação dosempregados para com a organização. Os empregados com forte ligação afetiva 47 Medida pelo status de ser, ou não, o principal provedor da família.

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continuariam na empresa por assim desejarem, os com ligação normativapermaneceriam por dever e os com ligação de continuação permaneceriam pornecessidade.

As pesquisas têm procurado relacionar de que forma cada um dos componentes serelaciona com aspectos como absenteísmo, desempenho no trabalho, intenção de sair daempresa e bem estar. De forma geral, as pesquisas mais conclusivas referem-se àcomponente afetiva, indicando que comprometimento afetivo estaria positivamenterelacionado com a falta de vontade de sair do emprego, negativamente relacionado comabsenteísmo e positivamente relacionado com desempenho das atribuições (Loeb, 1996;Meyer e Allen, 1997).

Reichers apud Meyer e Allen (1997), por outro lado, sugerem que a entidade com a qualo empregado cria vínculos deveria ser entendida como um todo constituído de váriossegmentos. O foco do comprometimento poderia, portanto, ser a equipe, o supervisorimediato, o departamento, a alta administração e, até mesmo, a organização.Comprometimentos com domínios fora da organização seriam também possíveis, como,por exemplo, o sindicato ou a própria profissão. Deveria, assim, “ser visto como umacoleção de vários comprometimentos que podem ser, inclusive, conflitantes entre si”(Bastos, 1998)

O esforço empreendido, no estudo do comprometimento, tem sido intenso. Há,entretanto, uma questão primordial que se afigura dentro da nova ordem. Se do ponto devista das organizações48, podem ser adquiridas competências fora da empresa e alealdade dos empregados tem gerado, como contrapartida, um ônus - o da garantia deemprego - que não estão dispostas a pagar, pergunta-se: para que comprometimento?

Do ponto de vista da empresa, o empregado comprometido “cegamente” poderia perdersua habilidade de questionamento, de inovação e mesmo de adaptação a mudanças(Randall, 1987). Do ponto de vista do empregado, o comprometimento poderia facilitaruma certa inércia do empregado em desenvolver novas habilidades que o tornariamempregável em outras instituições (Meyer e Allen, 1997).

De outro lado, a lealdade dos empregados para com a organização teria se deteriorado apartir de uma série de eventos, dentre os quais o próprio downsizing, a quebra docontrato psicológico e a utilização, como mão-de-obra, de trabalhadores contingentes.As relações entre empresas e empregados teriam se tornado “menos aconchegantes,menos leais e menos familiares” (O’Reilly, 1994, p. 29). Como exigir comprometimentoe lealdade se a empresa pode demitir a qualquer momento?Se, há algum tempo atrás, as empresas conseguiam manter seus empregados por meio degarantia de emprego e políticas salariais vantajosas, hoje, o medo de perder o empregoseria a forma pela qual se manteria a cooperação e o comprometimento dos empregados 48 Meyer e Allen lembram, entretanto, o caso das organizações sem fins lucrativos. De fato, nestas alealdade de seus voluntários não tem como contrapartida a segurança de um emprego.

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(Thurow,1995). Instalar-se-ia, assim, uma relação assimétrica com empregados“confusos e temerosos” dependendo da empresa, sem que a recíproca fosse verdadeira(Noer, 1993, p. XV). A esse respeito, no entanto, Brockner et al (1987) têm uma visãodiferente. Segundo os autores, quanto mais as empresas mostrarem preocupação -oferecendo serviços de outplacement e pacotes de benefícios - com os empregadosdesligados, maior seria o comprometimento dos remanescentes. Tal resultado –paradoxal, reconhecem os autores – justificar-se-ia pelo processo de identificação dosremanescentes com os desligados. Assim, fazer um bem àqueles que foram desligadosfuncionaria como se esse bem tivesse sido feito aos próprios remanescentes.

Segundo Cascio (1993), a longo prazo, os efeitos negativos que os programas dedemissão poderiam ter sobre os remanescentes seriam muito maiores do que os ganhosde curto prazo. Um exemplo, citado pelo autor, refere-se a programas de melhoria deserviços e qualidade. Como a implementação destes programas dependia docomprometimento genuíno do empregado, cortar postos de trabalho seria incompatívelcom comprometimento por parte do empregado.

Meyer e Allen (1997) indicam que o assunto continua sendo relevante, pois mesmo queboa parte do trabalho seja terceirizado, ainda assim as empresas permaneceriam com umnúcleo de empregados fixos49 que se tornaria, nesta situação, ainda mais importantemanter.

Do ponto de vista teórico, as críticas também se fazem presentes. Para Rousseau (1997),por exemplo, os estudos sobre comprometimento enfocariam apenas a perspectiva doempregado e deixariam de compreender a relação bilateral que, em realidade, ocorreria.O comprometimento teria passado a ser entendido como algo desejável, tanto do pontode vista do empregado quanto do da organização, o que nem sempre seria verdade, hajavista a quantidade de relacionamentos transitórios que ocorreriam hoje.Comprometimento seria, portanto, apenas uma manifestação da ligação entreempregados e empresas e a natureza mais complexa dessas ligações deveria sercompreendida a partir dos estudos de contratos psicológicos.

2.3.7.2.3 Contrato psicológico

Podem-se classificar os contratos de trabalho em dois tipos: os formais e ospsicológicos. O contrato formal seria aquele escrito e assinado por empregador eempregado. O contrato psicológico seria a “crença acerca dos termos e condições de umacordo do qual o indivíduo faz parte” (Robinson, 1995, p.92), e teria por base aspercepções e as crenças individuais acerca do que fossem as obrigações mútuas(Robinson et al, 1994). Incluiria não apenas promessas futuras, mas também confiançana outra parte além de regras de consideração e respeito. Por se tratar de fenômeno em 49 O conceito de empregado fixo pode ser relacionado com o que Rousseau (1995) denomina de coreemployees.

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nível individual, as partes poderiam não ter as mesmas crenças e percepções acerca dostermos (Robinson,1995; Sparrow, 1998)50.

Há, entretanto, na literatura um questão pouco clara que se refere à questão de quem sãoas partes constituintes de um contrato psicológico. Para alguns autores (Herriot ePemberton, 1996; Robinson, 1995) o contrato existe de ambas as partes - empregado eempregador - sendo que ambos monitoram a execução do mesmo. Robinson (1997),mais recentemente, entretanto, alerta para o fato de que um contrato psicológico só podeexistir do ponto de vista do empregado. Organizações não poderiam perceber umcontrato, embora fosse plausível que estas percepções ocorressem por parte derepresentantes da organização (Rousseau (1989) apud Robinson (1997)). Para a autora,contratos psicológicos seriam, sempre, percepções do empregado acerca dos direitos eobrigações de ambas as partes.

Os contratos psicológicos poderiam ser classificados em dois tipos: transacionais erelacionais. Os transacionais envolveriam trocas específicas e quantificáveis entre aspartes e seriam, muitas vezes, de curta duração. Os contratos relacionais seriam abertos,menos específicos e incluiriam trocas que poderiam ser monetárias ou não. Noscontratos relacionais haveria, por parte do empregado, uma expectativa de recebertreinamento, oportunidade de desenvolvimento e um longo tempo de associação com aempresa (Robinson et al, 1994).

• A categorização de Rousseau e Wade-Benzoni

A classificação acima foi expandida por Rousseau (1995) que passou a categorizar oscontratos psicológicos segundo duas dimensões: tempo e requisito de desempenho. Otempo referir-se-ia à duração - de curto ou de longo prazo - do contrato entreempregador e empregado. Os requisitos de desempenho teriam duas característicasimportantes, segundo a autora: a primeira referente às condições sob as quais o contratopoderia ser interrompido e a segunda relativa às obrigações dos empregados.

Os quatro tipos de contrato psicológico poderiam, então, ser mapeados em uma matriz2 x 2, conforme Tabela 9.

TABELA 9TIPOLOGIA DE CONTRATOS PSICOLÓGICOS

Termos de desempenho

50 Sparrow (1998) vai além do nível individual, indicando que contratos psicológicos estão sujeitos ainterpretações mais amplas oriundas tanto da cultura organizacional como da cultura nacional. O autorpropõe um modelo no qual as normas culturais atuam como variáveis mediadoras no julgamentoadequado de comportamento.

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Termos de desempenhoEspecíficos Não específicos

Transacional Transicional(por exemplo, empregados no varejocontratados para a época de Natal)

(por exemplo, experiências deempregados durante uma retração daempresa, ou após um fusão ouaquisição)

• baixa ambigüidade • ambigüidade e incertezaCurto prazo • saída fácil • instabilidade

• baixo comprometimento • alto turnover• liberdade para assumir outros

contratos• baixa remuneração• integração/identificação fraca

Balanceado Relacional(por exemplo, equipes de alto-envolvimento)

(por exemplo, membros de umaempresa familiar)

• elevado comprometimento afetivo • comprometimento elevado econtínuo

Longo-prazo • alta integração/identificação • alto comprometimento afetivo• aprendizado elevado (high

learning)• forte integração/comunicação

• desenvolvimento contínuo(ongoing)

• suporte mútuo

Fonte: ROUSSEAU e WADE-BENZONI (1995)

Contratos transacionais teriam como pontos principais o curto prazo e trocasmonetárias. Seria o caso das pessoas que trabalham temporariamente como, porexemplo, enfermeiras e secretárias. Normalmente, o envolvimento seria baixo e se umadas partes violasse o contrato seria razão suficiente para término do mesmo. Assim,empregados incompetentes seriam facilmente demitidos e as empresas não confiáveisseriam abandonadas.

Contratos transicionais, por sua vez, seriam também de curto prazo e baixoenvolvimento. Nesse tipo de contrato, a empresa não se comprometeria com oempregado em função das incertezas ambientais. O empregado, por sua vez,

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consideraria este tipo de contrato como uma transição para outra forma de emprego maisestável.

Os contratos relacionais referir-se-iam àquelas relações de longo prazo queenvolveriam investimentos emocionais e econômicos de ambas as partes: empregador eempregado. Normalmente, a empresa ofereceria amplo treinamento e apoio, e oempregado, de sua parte, desenvolveria habilidades ligadas à empresa e esperaria umdesenvolvimento em sua carreira. Se uma das partes violasse o contrato, a outra reagiriacom aborrecimento, mas permaneceria na relação. Seriam contratos mais difíceis deserem rompidos, pois haveria alto envolvimento e alta a barreira de saída.

Contratos balanceados seriam aqueles em que a relação entre empregador e empregadose caracterizaria por muitas trocas. O empregado ofereceria tempo, esforço, contribuiçãoe desenvolvimento e a empresa se comprometeria a utilizar essas habilidades eincentivar seu desenvolvimento continuado.

• Alteração no contrato psicológico

Um contrato psicológico se manteria se as partes cumprissem ou excedessem os termosdo acordo (Robinson,1995). Segundo Morrinson e Robinson (1997), o desenvolvimentodo sentimento de violação de um contrato psicológico desenvolver-se-ia por meio deuma dinâmica que envolveria três estágios: percepção de promessas não cumpridas,quebra do contrato e sentimento de violação do contrato.

Cada um desses estágio poderia, ou não, ocorrer, dependendo da ação de variáveisintervenientes, conforme se pode verificar na Figura 5. Muitos fatores poderiamcontribuir, para que o empregado, mesmo na presença de promessas não concretizadas,não percebesse nenhuma alteração do contrato psicológico. Se tal fato ocorresse, entãoos estágios seguintes não se desenvolveriam.

A passagem para o estágio de percepção de quebra de contrato dependeria, também, deum processo de comparação. Dessa forma, a passagem da situação de “percepção de quepromessas não foram cumpridas” para situação de “percepção de quebra do contrato”não seria imediata. Viéses e efeitos de fronteira poderiam influir nessa passagemgerando ou, mesmo, impedindo, a percepção de quebra naquilo que, segundo oempregado, teria sido acordado.

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Má vontade (unwillingness)-assimetri e poder- comport ento do empregado- tipo de t a

Recu

Incongru

Esquem- di- so

Comple- pr- pr- ela

Comun- en

re- tro- sim

Efeitos de fronteira- sensibilidade à eqüidade- tipo de troca- assimetria de poder

Atribuições- confiança- accounts

Julgamento de justiça- procedimentos formais- justiça da interaçãoTamanho

mportânciaitidez (vividness)

a damroc

sa

ência

as divergentesstância culturalcialização

xidade e ambigüidadeomessas implícitasomessas incompletaspsed time

icaçãotrevistas de trabalhoalistasca líder-empregadoilaridade percebida

V

-IN

Percepção depromessas não

cumpridasPercepção de quebra decontrato Violação

Processo decomparação

Contrato social- base rate- tipo de troca

Processo de interpretaçãoSaliência

igilância

Incerteza- novidade- mudança

Natureza do relacionamento- troca transacional- confiança

Custos percebidos- alternativas de emprego- opções de redirecionamento- auto-estima Fonte inson e Robinson (1997)

: Morr

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Os autores distinguem, ainda, os conceitos de quebra e violação de um contratopsicológico. O primeiro referir-se-ia à compreensão de forma cognitiva, apenas, de quea empresa não cumpriu parte do acordo. Violação, por sua vez, incluiria experiênciasemocionais negativas, entre as quais sentimento de traição, raiva e ressentimento. Apercepção de violação dependeria do processo de interpretação, de parte do empregado,acerca da razões e condições de quebra do contrato.

Assim, algumas variáveis intervenientes seriam importantes neste último estágio, entreelas julgamento de justiça no procedimento, a confiança preexistente na relaçãoempregador-empregado, o tipo de contrato – transacional ou relacional – e asimplicações de uma quebra contratual (Morrinson, Robinson, 1997). Para Noer (1993),no entanto, a percepção de violação relacionar-se-ia diretamente com o grau deconfiança pré-existente na relação entre o empregado e a empresa.

Violações em contratos transacionais gerariam no empregado uma sensação de que seusbenefícios teriam sido reduzidos, podendo-lhe produzir, sentimentos de injustiça etraição. Por ter um caráter de troca econômica, o empregado tentaria reequilibrar asituação, entendendo que suas obrigações, em relação ao empregador, seriam, agora,menores.

Violações em contratos relacionais, por sua vez, poderiam implicar a mudança daprópria natureza da relação. Por envolver fatores emocionais como confiança e crençaem boa vontade e tratamento justo, a violação poderia desgastar as obrigações maiscentrais nesse tipo de relacionamento. O empregado sentir-se-ia desabrigado à lealdadee aos esforços extras, uma vez que as dimensões relacionais do contrato não mais seriamválidas (Robinson et al, 1994).

Acordos violados afetariam, portanto, a confiança, e esta se relacionaria com o declíniona qualidade da comunicação, da cooperação, do processo decisório e do desempenho.Se alguns dos pontos esperados da relação se referissem a aspectos de trabalho, entãouma violação implicaria em que o empregado teria menos motivos para dele obtersatisfação. Ao entender que a empresa não valoriza sua contribuição, poderia incorrerem comportamentos de absenteísmo, declínio de atitudes positivas em relação àorganização e mesmo troca de emprego (Robinson, 1995).

A grande pressão competitiva, ao obrigar as empresas a rapidamente mudarem suasestratégias, tanto externas quanto internas, teria levado as mesmas a romperem parte doacordo psicológico que governava suas relações com os empregados. Diante demudanças nas condições, Robinson (1995) recomenda às empresas ações derenegociação, pois, ignorar ou mesmo violar os termos do acordo, teria conseqüênciasnegativas não desejadas.

O’Neill e Lenn (1995), por exemplo, ao entrevistarem gerentes de nível médio, apósexperiências de downsizing, constataram um sentimento de raiva contra a “condenação

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do passado” (p.25). Os depoimentos revelaram ressentimentos contra um discurso“moderno” que se havia instalado na empresa, com palavras de ordem do tipo: “nãotrabalhe mais, trabalhe de forma mais inteligente” e “a mudança é sua amiga”.Embutidas nas palavras, haveria mensagens de demérito contra ações do passado - açõesessas derivadas de orientações da própria administração - que passaram a ser julgadascomo insuficientes ou ultrapassadas.

Para evitar interpretações erradas teria sido prática de muitas empresas a reuniãoperiódica com empregados com vistas ao esclarecimento de como o novorelacionamento deveria se desenvolver, e como isso afetaria o desenvolvimento dacarreira e a segurança do emprego. Mas mudar esse contrato não teria sido uma tarefafácil e, segundo alguns executivos, algumas pessoas - notadamente os empregados maisantigos - ficaram “emocionalmente e intelectualmente bloqueadas” (O’ Reilly, 1994,p.30).

A mudança e renegociação de um contrato psicológico poderiam ser realizadas por meiode duas estratégias: acomodação e transformação. Na acomodação, os termos docontrato seriam “modificados, clarificados, substituídos ou expandidos” permanecendo-se porém, ainda, dentro do espírito do antigo contrato. (Rousseau, 1996, p. 50)

Na transformação, as mudanças seriam radicais e esperar-se-ia que todo um novoconjunto de expectativas passasse a vigorar (Rousseau, 1996). Incluir-se-iam, porexemplo, questões mais localizadas como uma nova forma de trabalhar(multifuncionalidade, responsabilidade sobre a tarefa, trabalho em equipe), bem comoquestões mais amplas como o direito e a garantia ao emprego.

A transformação do contrato psicológico, se bem conduzida, poderia levar a uma novabase de relacionamento e comprometimento. Rousseau (1996) sugere que a modificaçãodo contrato psicológico se ampare na teoria sobre o processo psicológico de busca deinformações, indicando que informações antigas devem ser “descongeladas” antes queum novo quadro mental possa ser criado. A autora propõe, assim, um processo emquatro estágios:

(1) Ameaça ao contrato antigo – Neste estágio, as bases do contrato vigentes sãoquestionadas e sofrem uma ameaça. É preciso que as razões que afetam a mudançado contrato sejam percebidas, por parte dos empregados, como sendo legítimas . Oentendimento da situação facilita a aceitação das modificações necessárias;

(2) Preparação para a mudança – Nesta fase, os sinais da mudança se fazem presentes,as pessoas sentem que o antigo contrato deixa de vigorar e formam-se as bases paraum novo relacionamento. Três aspectos são importantes neste estágio: sinais e açõessimbólicas de que o velho contrato acabou, compreensão de que, neste estágio, asperdas percebidas são maiores do que os ganhos futuros e implantação, senecessário, de estruturas e esquemas transitórios para facilitar a mudança;

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(3) Criação de um novo contrato – Esta é a hora em que o futuro deve orientar asexpectativas, ações e compromissos. Premissas do passado deixam de vigorar;empregados antigos devem se comportar, no que se refere às regras da empresa,como se fossem empregados novos;

(4) Vivência no novo contrato – Nesta etapa, o novo contrato sofre alguns testes. Aempresa deve mostrar, com ações e comunicações consistentes, não ser possívelvoltar ao modo antigo de ser e pensar.

• Contrato psicológico e “síndrome do sobrevivente”

Noer (1993) indica que o entendimento da transformação do contrato psicológico estána base da solução para o problema da “síndrome do sobrevivente”.

Um dos aprendizados mais importantes a serem realizados por aqueles que trabalhamem empresas que implantaram programas de redução de pessoal, seria, segundo a autor,a compreensão de que as regras da relação mudaram. O empregado deveria, diante danova realidade, desenvolver “conexões mais empreendedoras51 e menos dependentes”com a organização (p. XVIII)

A compreensão da mudança do contrato ajudaria empregados a romper com as amarrasde uma relação desatualizada de dependência mútua “recapturando” sua auto-estima. Doponto de vista da empresa, esta precisaria atingir seu pleno potencial para entrar no novaera competitiva. Rousseau (1995), de forma similar, indica que as mudanças recentes nomundo dos negócios têm forçado as empresas a modificarem a relação com oempregado. Ressalta ela que apenas uma transformação bem conduzida poderia evitar osentimento de violação, tão danoso para ambas as partes.

2.3.7.2.4 Estresse52

Embora a origem do conceito remonte ao século XIV, quando estresse era entendidocomo adversidade e aflição, sua acepção atual deriva do conceito de esforço físico quedeterminadas construções, tais como pontes, arcos, prédios, deveriam suportar. Passou aser entendido, portanto, como uma demanda que o ambiente colocaria sobre sistemasbiológicos, psicológicos e sociais (Lazarus e Lazarus, 1994).

51 Entepreneurial52 Arroba e James (1988) consideram que o estresse pode ser observado em todos os níveis daorganização: o indivíduo, o grupo e a firma como um todo. Ao nível do grupo, alguns sintomasindicadores seriam a perda de tempo com represálias ou omissão nas discussões. Usar-se-ia o erro parapunir as pessoa, e instalar-se-ia uma competição não saudável. Ao nível da organização como um todo,sintomas reveladores seriam: as greves, a sabotagem, a ausência, o baixo nível de esforço e o baixo nívelde contato interpessoal.

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Grande parte do interesse sobre estresse remonta às duas guerras mundiais. Na PrimeiraGuerra Mundial, as desordens emocionais teriam sido atribuídas à “fadiga da batalha”,tendo, portanto, uma explicação física. Na Segunda Guerra Mundial, o assunto teria setornado ainda mais importante devido ao grande número de soldados, que por conta deproblemas emocionais, ficaram impossibilitados de combater (Lazarus e Lazarus, 1994).

O assunto teria passado, após as guerras, a fazer parte do elenco de preocupações demédicos e psicólogos. A questão seria entender o que causava, como as pessoas reagiamao mesmo e também, explicar diferenças entre as pessoas para lidar com o estresse. Seuestudo é, hoje, fundamental no âmbito da organizações uma vez que pessoas estressadasteriam queda acentuada de produtividade, adoeceriam mais, mostrar-se-iam menosmotivadas e mais propensas a deixarem o emprego (Cummins, 1990; Gomes, 1997).

Para Arroba e James (1988), o estresse seria uma resposta a um nível de pressãoinadequado; se a pressão se encontrasse fora de um nível desejável - para mais ou paramenos - resultaria no estresse. Poderia ser definido como um desequilíbrio que existiria,na percepção das pessoas, entre as demandas a ela colocadas e sua capacidade,habilidade ou recursos para atendê-las (Cox,1978 apud Nakayama e Bitencourt 1998,Lazarus e Lazarus, 1994). Esse desequilíbrio poderria ocorrer de forma positiva ounegativa, e diferiria de pessoa para pessoa (Arroba e James, 1988). Quando a pessoativesse excessos de recursos relativamente às demandas, instalar-se-ia um sentimento deenfado e carência de desafio, vivenciado como estressante. Da mesma forma, se osrecursos que a pessoa percebesse dispor fossem escassos para atender à demanda, ela sesentiria pressionada e estressada.

As fontes de estresse, por sua vez, poderiam ser físicas ou psíquicas. O estresse físicodecorreria de demandas sobre o corpo, similares as que ocorreriam em competiçõesesportivas. O estresse psíquico teria sua origem em pensamentos e emoções. Emboraambas possam se superpor, em grande parte das situações, seria importante manter adistinção entre as duas (Lazarus e Lazarus, 1994). As manifestações do estressepoderiam, por sua vez, ser classificadas em físicas e psíquicas. As físicas incluiriamextremidades frias, taquicardia, insônia e mesmo infartos. Os sintomas psicológicosincluiriam, entre outros, irritação, apatia, ansiedade ou depressão53.

Poder-se-ia, também, classificar o fenômeno tendo por referência o ambientedeflagrador dos sintomas. Como as pessoas passam boa parte de suas vidas entretrabalho e família, convencionou-se denominar o estresse associado às atividades detrabalho de estresse ocupacional54. As demandas estressantes que se colocaram para o

53 Bernardi (1997) indica, por exemplo, que o excesso de demandas, a dificuldade cultural em demonstrarfraquezas, a solidão e a ausência de válvulas de escape têm feito com que a incidência de suicídios entreexecutivos se elevasse de forma acentuada.54 Arroba e James (1988) apontam para uma relação interessante entre estresse e cultura organizacional.Em algumas empresas, estar estressado é um símbolo de status, pois parte-se da suposição de quantomaior o nível na hierarquia, maior a pressão a que está submetido. Em outras empresas, manifestar

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empregado poderiam ser classificadas em várias categorias, algumas das quais sãolistadas a seguir (Arroba e James, 1988; Couto,1980 apud Nakayama e Bitencourt,1998; Cummins, 1999; Gomes,1997; Lazarus e Lazarus, 1994):

• excesso de trabalho: muitas tarefas a serem realizadas em curto espaço de tempo,muitas interrupções, datas-limite a serem cumpridas;

• ambigüidade de papel: sem definição clara de responsabilidades, prioridades e compouco feedback;

• incerteza sobre o futuro: insegurança sobre o emprego, sobre o futuro da empresa esentimento de impotência diante dos fatos;

• falta de autoridade para o trabalho a ser realizado;• dificuldades técnicas para realizar o trabalho ou mesmo a tensão de se manter

atualizado com as mudanças tecnológicas;• relações inadequadas com colegas e superiores;• reestruturação ou reorganização.

Para Selye (1956) apud Nakayama e Bitencourt (1998) poder-se-iam identificar trêsfases distintas associadas ao estresse: uma fase inicial ou de alerta, em que algunssintomas físicos como boca seca ou diarréia passageira e sintomas psíquicos comoaumento da motivação, entusiasmo repentino poderiam surgir55; uma fase intermediáriaou de resistência, que poderia ter como sintomas físicos adicionais: perdas de memória,mudança de apetite, cansaço constante, problemas dermatológicos, hipertensão arterial eúlcera, entre outros, e como sintomas psíquicos, a sensibilidade excessiva, obsessão porum único assunto, ou irritabilidade acentuada. Na fase denominada final, ou deexaustão, poderiam ocorrer, do ponto de vista físico, manifestações como: náuseas,dificuldades sexuais, diarréia freqüente, e, do ponto de vista psicológico, apatia,depressão, angústia ou perda do senso de humor.

Alguns pesquisadores têm procurado estabelecer a relação entre estresse e downsizing.Segundo os estudos de Brockner (1988), o processo de downsizing geraria um estressesobre os remanescentes que teria como conseqüência uma modificação em seucomportamento e em suas atitudes. A ameaça constante de perda de emprego produziriaum efeito de deterioração psicológica, que conduziria, entre outros, a doenças decoração e úlcera. Excesso de horas de trabalho seriam, também, razão para o estresse.Empregados remanescentes seriam obrigados a jornadas mais longas, muitas vezes emtarefas para os quais não haviam sido preparados.

O aumento da produtividade e o downsizing teriam afetado a jornada de trabalho deduas formas: os que permaneceram empregados seriam forçados a trabalhar por maishoras, pois haveria menos empregados na empresa; os contingentes, muitas vezes,assumiriam dois ou mais empregos simultaneamente para compensar as perdas o que

problemas física ou emocional derivada de excesso de pressão pode ser encarado como uma fragilidadedo profissional e um sinal de fracasso pessoal.55 Selye distingue entre estresse negativo e estresse positivo. A este último denominou de eustresse.

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também ocasionaria uma jornada maior, e os desempregados, simplesmente, não teriamjornada, estando ociosos (Rifkin, 1995).

2.3.7.2.5 Proposta de síntese de Mishra e Spreitzer

Conforme a revisão já realizada, pode-se observar o quanto as questões relativas aosremanescentes encontram-se ainda em estágio incipiente do ponto de vista teórico.Apenas alguns poucos estudos desenvolvidos tratam da relação entre fatores doprograma de downsizing e o respectivo impacto sobre os remanescentes.

Mishra e Spreitzer (1998) vêm de certa forma resolver esta questão com uma propostade modelo de sintetiza boa parte das questões até aqui levantadas. Seu modelodesenvolve-se em dois estágios: no primeiro, sugerem uma tipologia de reações dosremanescentes e, no segundo, relacionam questões como confiança, justiça,empowerment e redesenho do trabalho à tipologia anteriormente definida.

Os autores iniciam seu modelo teórico com uma proposta de quatro tipos de respostasdos remanescentes que se alinham ao longo duas dimensões da reação humana: adimensão construtiva – destrutiva e a dimensão ativa – passiva. No que tange àdimensão construtiva - destrutiva, indicam os autores, que remanescentes poderiamreagir de forma construtiva se entendessem que o downsizing não lhes causaria nenhumdano. Se, entretanto, avaliassem o programa de forma negativa estariam menospropensos a colaborar na implementação do plano e poderiam, até, manifestar reaçõesmais violentas.

No que se refere à dimensão ativa – passiva, remanescentes ativos perceberiam em simesmos uma capacidade para lidar com a situação e tomariam posições pró-ativas.Remanescentes, cuja auto-avaliação lhes indicasse nada poderem fazer quanto àsituação, colocar-se-iam numa situação passiva e aguardariam as instruções de seussuperiores.

Mapeando-se as duas dimensões em eixos perpendiculares, conforme a Figura 6 aseguir, obtêm-se quatro tipos de respostas dos remanescentes: a medrosa, a obsequiosa(obliging), a cínica e a esperançosa.

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FIGURA 6TIPOS DE RESPOSTAS DE REMANESCENTES

Fonte: Mishra e Spreitzer (1998).

Resposta temerosa – seria típica daqueles remanescentes que percebem o downsizingcomo uma ameaça para a qual estão despreparados. Vivenciariam o plano comsentimentos de medo e ansiedade, apresentando redução na concentração e sensação deperda de controle. Reagiriam à situação com procrastinação do trabalho, impontualidadee absenteísmo.

Resposta obsequiosa – tenderia a ser a resposta de remanescentes que, identicamenteaos da resposta medrosa, se percebessem impotentes diante da situação. Por outro lado,não encarariam o plano de redução de pessoal como uma séria ameaça aos seusinteresses e estariam, portanto, prontos para fazer o que deles se pedisse. Esta visão dasituação permitir-lhes-ia reagirem de forma calma e serena. Seriam, se acordo com osautores, “construtivos, porém passivos nas suas respostas” (p.570).

Resposta cínica – remanescentes que desenvolvem respostas cínicas sentir-se-iamameaçados pelo programa de downsizing, mas deteriam mecanismos para lidar com asituação. Sentiriam uma indignação moral que se manifestaria, muitas vezes, na formade raiva e ressentimento. Ações destrutivas, incluindo desde críticas ativas ao programaaté ações mais radicais como o vandalismo e a sabotagem, seriam formas de lidar com asituação.

Resposta esperançosa– remanescentes que acreditassem que o programa nãorepresentaria uma ameaça pessoal e considerassem poder contribuir para o futuro daempresa, reagiriam de forma auspiciosa, pois sentiriam confiança no futuro eacreditariam poder construí-lo.

Respostaesperançosa

AtivaPassiva

Construtiva

Destrutiva

Respostacínica

Respostamedrosa

Respostaservil

68

Em um segundo estágio de sua proposta, os autores relacionam os fatores confiança,justiça, empowerment e redesenho do trabalho aos arquétipos apresentados,anteriormente, por meio de um conjunto de proposições:

- remanescentes que confiam na administração antes do downsizing, provavelmenteexibirão respostas construtivas (esperançosas ou obsequiosas);

- remanescentes que avaliam o programa de redução planejada de pessoal como sendojusto em sua forma distributiva, provavelmente apresentarão respostas construtivas (esperançosas ou obsequiosas);

- remanescentes que avaliam o programa de redução de pessoal justo em seuprocedimento, provavelmente apresentarão respostas construtivas (esperançosas ouobsequiosas);

- remanescentes que avaliam o programa de redução de pessoal como sendo justo nainteração, provavelmente apresentarão respostas construtivas (esperançosas ouobsequiosas);

- remanescentes que se sentem com autonomia (empowered), antes do programa dedownsizing, provavelmente apresentarão respostas ativas (esperançosas ou cínicas);

- mudanças no desenho do trabalho, durante o programa de downsizing, queimpliquem variedade de trabalho e autonomia aumentam a probabilidade derespostas esperançosas;

- mudanças no desenho do trabalho durante o programa de downsizing, que aumentema sobrecarga de papéis e reduzem a autonomia aumentam a probabilidade derespostas temerosas.

69

Apresenta-se, na Figura 7, o modelo proposto pelos autores:

FIGURA 7INFLUÊNCIA DA CONFIANÇA, DA JUSTIÇA, DO EMPOWERMENT E DOREDESENHO DO TRABALHO NA RESPOSTA DOS REMANESCENTES

Fonte: Mishra e Spreitzer (1998).

Os autores sugerem, de um lado, que confiança e justiçconstrutivas e, empowerment e redesenho do trabalho incePor outro lado, percepção de desconfiança e ausência de jusdestrutivas, assim como um declínio na autonomia do trtrabalho gerariam uma tendência para reações de passividade

Respostas esperançosas adviriam de confiança e justiça na imde redução de pessoal, bem como de um desenho de traautonomia e oportunidades profissionais. Se, ao contrápercepção de injustiça fossem acompanhadas de sobrecargana autonomia, então, as respostas cínicas seriam as mais prov

Confiança

Justiça

Avaliação dograu deameaça

Passiva Ativa

Construtiva

Destrutiva

Obsequiosa Esperançosa

Temerosa Cínica

Empowerment

Recursos paralidar com a

situação

am gerariam reações maisntivariam respostas ativas.tiça propiciariam respostasabalho e a sobrecarga de.

plementação do programabalho que incluísse maiorrio, reduzida confiança e no trabalho e insuficiênciaáveis de se manifestarem.

Redesenho dotrabalho

70

2.3.7.3 O impacto nos executores

Raros são os estudos acerca do impacto que os programas de redução de pessoal têmsobre os executores. Wright e Barling (1998), por exemplo, ao entrevistaremdezgerentes encarregados de desligar funcionários obtiveram, como resultado de suapesquisa, um quadro de pessoas que passaram por intensa demanda física e emocional.O estereótipo de “executores”, que carregam uma machadinha em sua mão poucocorresponderia à situação por eles encontrada.

Os estágios emocionais e físicos, pelos quais os executores passaram depois do anúnciode um programa de redução de pessoal, estão esquematizados na Figura 8.

FIGURA 8ESTÁGIOS EMOCIONAIS E FÍSICOS PELOS QUAIS OS EXECUTIVOS

PASSARAM DEPOIS DE UM PROGRAMA DE REDUÇÃO DE PESSOAL

Fonte: Wright e Barling (1998)

Em um primeiro momento, de acordo com Wright e Barling (1998) haveria umasensação de culpa que adviria, principalmente, do fato de serem obrigados a dispensarbons funcionários, não merecedores de uma demissão. Mesmo a dispensa de mausfuncionários implicariam em mal-estar, por ser percebida como uma forma fácil de lidarcom a questão da incompetência. Acrescer-se-ia, ainda, a consciência de que as famíliastambém seriam afetadas. Gerentes executores ficariam, ainda, com a sensação poderemter evitado todo o processo Além disso, como conseqüência da demissão defuncionários, gerentes executores estariam submetidos a uma sobrecarga de trabalho(Wright e Barling, 1998).

Em uma etapa posterior, sinais de mal estar físico e emocional intensificar-se-iam emfunção da demanda colocada pela situação. Alguns dos entrevistados relataram

Anúncio dodownsizing

Vivências dos executores

PrimeiraFase

Culpa

Sobrecargade papeis

Segunda fase

Conflitotrabalho-família

Exaustãoemocional

Diminuição nobem-estar

Terceira fase

Solidão

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alterações no sono e em seu bem estar físico, havendo a necessidade de apoio medicinal.Suas vidas familiares teriam sido, igualmente, afetadas em função da sobrecarga detrabalho e do estado de cansaço. As horas prolongadas de trabalho impediriam uma vidafamiliar mais participativa. Mesmo se presentes fisicamente em casa, os executoresestariam, indicam os autores, “exaustos demais para fazer qualquer coisa” (p.350).

Todos esses fatores, culpa, sobrecarga de trabalho, conflito familiar e mal estar físicolevariam os executores à exaustão emocional. Por sentirem-se com dificuldade de lidarcom a situação de forma adequada, começariam a isolar-se, fisica e emocionalmente, deseu ambiente de trabalho e da vida social – família e amigos - como um todo.

Esse desenrolar das etapas poderia, entretanto, ser amenizado, indicam Wright e Barling(1998) pelo sentimento de justiça. Se os executores percebessem terem feito tudo ao seualcance, se julgassem terem mantido a dignidade e o respeito no processo e terem sidohonestos com as pessoas, então esse sentimento funcionaria como um alívio e umapossibilidade de recuperação de um processo exaustivo e doloroso.

Kets de Vries e Balazs (1997) indicam, de foram similar, que o processo de downsizingdeixaria “marcas indeléveis” – negativas - nos executivos condutores do processo.Segundo os autores, uma das razões referir-se-ia ao fator lex talionis, ou seja, à crençapresente no inconsciente coletivo e individual de que aquilo feito a outros, reverteria,posteriormente, ao autor original da ação. Assim, os responsáveis pelos processos dedemissão sofreriam de um medo subliminar de retaliação.

De um ponto de vista mais pragmático e operacional, Cascio (1993) aponta que, muitosgerentes remanescentes, sofreriam, ainda, pelo fato de que as pessoas que saíram,levaram consigo muito da memória dos procedimentos da empresa e, com isso, o acessoa informações vitais. Além disso, ver-se-iam na situação de gerenciar maior número desubordinados, lidar com maior carga de trabalho o que os obrigaria ao aumento dashoras de trabalho.

Se Wright e Barling (1998) contribuíram, teoricamente, com a apresentação de umscript do processo pelo qual passam os executores, Kets de Vries e Balazs (1997), porsua vez, ao estudarem o impacto nos condutores do processo, propuseram umataxonomia com cinco categorias de personalidade de executivos, a saber:

O executivo compulsivo - Personalidades compulsivas caracterizar-se-iam pelo excessode preocupação com a ordem e a perfeição. Seriam pessoas que se preocupariam comdetalhes, teriam alto grau de exigência consigo mesmo e demonstrariam preocupaçãocom o controle do ambiente. Essas pessoas, se encarregadas de programas dedownsizing, planejariam tudo antecipadamente e nos mínimos detalhes e demonstrariampouca tolerância para flexibilização posterior. Por terem medo de críticas e castigos,esforçar-se-iam por fazer tudo da forma mais correta. Suas emoções raramente

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apareceriam, uma vez que, na tentativa de implementar um programa “justo”,despersonalizariam o processo.

O executivo abrasivo - Em busca da perfeição, tentariam eliminar a distância entre o quefossem e o que idealizariam ser. Como este objetivo seria, via de regra, frustrante,sentimentos agressivos surgiriam de forma compensatória. Apesar de inteligente, comalta capacidade de resolver problemas, apresentar-se-ia de forma impaciente e arrogante.Como gerentes, destruiriam a confiança de seus subordinados, inibindo suas iniciativas.Sentiriam ter direito a tratamento especial e as regras comuns não se lhes aplicariam.Quando responsáveis por programas de downsizing, criariam uma mentalidade nós-eles,em que eles – os desligados - teriam sido responsáveis pelo atual estado de coisas naempresa, já devendo ter saído há muito tempo.

O executivo dissociado - A dissociação seria um mecanismo defensivo que previniriaemoções dolorosas e conflitos psicológicos. As pessoas com essas característicasdistanciar-se-iam da realidade, e ver-se-iam como espectadores de si mesmos, agindocomo autômatos.

O executivo adormecido56- As pessoas ditas adormecidas teriam dificuldades dereconhecer e descrever as próprias emoções, seriam pouco dadas a fantasias e suaorientação cognitiva basear-se-ia na realidade. Por serem incapazes de reconhecer aspróprias emoções, facilmente somatizariam as dificuldades emocionais. Se responsáveispor programas de downsizing, poderiam assumir atitudes semelhantes a de um robô,aparentando não ter nenhuma emoção associada ao processo

O executivo depressivo - O estado depressivo teria gradações diversas. Poderiamanifestar-se como leve depressão, geralmente passageira até uma situação mais graveem que a pessoa desejasse se suicidar. Executivos deprimidos sentiriam perda de ânimoe de energia, dormiriam mal, sentir-se-iam exaustos pela manhã, veriam a vida de formaapática e teriam tendência a enxergar apenas o lado negro das coisas. Se envolvidos emprogramas de downsizing, poderiam culpar-se pelo dano infligido a outros.

Há, certamente, uma carência de maior pesquisa no assunto uma vez que, comparando-se o estudo de De Vries e Balazs (1997) com o de Wright e Barling (1998), observa-seuma predominância do tipo depressivo. Haveria que se entender em que circunstânciasos demais tipos emergem.

Noer (1993), por sua vez, alerta não apenas para o impacto pessoal no executor, masindica que gerentes têm que lidar, primordialmente, com duas questões delicadas nosprocessos de redução. A primeira delas referir-se-ia ao fato do gerente, executor ou não,

56 Termo traduzido de forma livre. No original, os autores usam os termos alexithymic e anhedonic.Alexithymic vem do grego e significa, indicam De Vries e Balazs, “sem palavras para as emoções”.Anhedonia é, segundo o dicionário Webster (1996) “falta de prazer ou da capacidade de vivenciá-lo”(p.58)

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ter, muitas vezes, que lidar com a sua própria insegurança no emprego. A segundareferir-se-ia à questão da mudança no contrato psicológico existente. Caberia ao gerentenão apenas sinalizar e fazer compreender que as regras se alteraram, mas tambémconduzir a empresa por esse processo de forma tranqüila e segura.

2.4 Quadro Conceitual

Tendo por base a revisão de literatura realizada, pode-se chegar ao quadro conceitualorientador da coleta, da análise e da interpretação dos dados.

Inicialmente, o downsizing foi examinado segundo uma perspectiva temporal. Paratanto, uma adaptação do modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra (1998) foi utilizada. Osestágios de comunicação e implementação do plano foram reunidos em uma etapadenominada Comunicação e Implementação do Plano.

A revisão de literatura revelou, também, uma quantidade relevante de pesquisas que sevoltaram para a fase pós-implementação do downsizing. Esses estudos realizaram-setendo por foco não apenas a organização como um todo, mas também o indivíduo.Optou-se, portanto, por adicionar ao modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra uma etapaadicional denominada Pós-implementação.

Outra consideração a ser feita refere-se ao fato de que processos organizacionaisencontram-se imersos em dois níveis de ambiente: um interno à empresa que seconfigura como a cultura organizacional e outro externo à empresa, composto de fatorescomo tecnologia, economia, legislação, cultura, política e aspectos sócio-demográficos.Nenhum desses níveis foi objeto de revisão de literatura de forma direta, mas estiverampresentes de forma indireta. Por exemplo, os fatores do ambiente externo foramconsiderados como os principais motivadores para o processo de downsizing. Alegislação trabalhista é, para citar outro exemplo, importante condicionador da estratégiade downsizing e fator a ser considerado no elenco de benefícios a ser oferecido aosdesligados. Cultura e clima organizacional apareceram, de forma tangencial, emaspectos como comunicação, seleção de pessoas a serem incluídas no downsizing,contrato psicológico e estresse.

FIGURA 9

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MODELO CONCEITUAL PARA A ANÁLISE DO DOWNSIZINGAmbiente externo à empresa: concorrência, tecnologia, economia, política, legislação etc.

Adaptado de: Mishra, Spreitzer e Mishra (1998)

Considera-se que as principais questões a serem investigadas são:

• Motivações para o downsizing

Entendimento, do ponto de vista dos atores, das motivações para a realização dodownsizing, das alternativas que se ofereciam, da comparação com outras experiências,dos custos e dos benefícios esperados e do alinhamento do plano com a estratégiaempresarial.

• Planejamento do downsizing

Obtenção das características do plano como, por exemplo, os benefícios oferecidos, aseleção de pessoas a serem incluídas no plano, e o apoio aos remanescentes. Captação,do ponto de vista dos atores, do processo de planejamento como, por exemplo, aformação da equipe e a manutenção da confidencialidade.

• Implementação do downsizing

Entendimento do processo, do ponto de vista dos atores, da comunicação do plano, dajustiça no procedimento e do comportamento dos executores. Também serão colocadasalgumas perguntas adicionais acerca de possíveis imprevistos ocorridos durante aimplementação.

• Pós-implementação

Captação da percepção, do ponto de vista dos atores, da modificação na organização dotrabalho e da modificação no comprometimento para com a empresa. Investigação sobrepossíveis alterações físicas e psicológicas que caracterizem o estresse ocupacional.Perguntas com respeito ao relacionamento que, porventura, mantêm com os desligados etambém, com respeito à percepção acerca de seu futuro pessoal e do futuro da empresasão, também, pertinentes.

Planejamentodo

downsizing

Motivaçõespara o

downsizing

Períodopós-

implantação

Ambiente interno à empresa: cultura e clima

Comunicação e implementaçãodo downsizing

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3. METODOLOGIA

Este capítulo apresenta as principais orientações metodológicas assumidas no trabalho.Primeiramente, reapresenta-se, de forma sucinta, o objetivo da pesquisa, seguido dasperguntas e da definição dos contornos assumidos. Na segunda parte, questões geraissobre paradigmas de pesquisa e posições paradigmáticas são discutidas. Na terceiraparte, apresentam-se e discutem-se as principais decisões acerca de estratégia depesquisa, unidades de análise, sujeitos da pesquisa, coleta, tratamento e análise dosdados e, por fim, limitações do método.

3.1 Objetivo, Pergunta e Delimitação da Pesquisa

Como já explicitado, a pesquisa objetiva estudar programas de downsizing adotados porempresas brasileiras, com vistas a identificar de que modo tais empresas vêmconduzindo esses programas, na percepção dos atores envolvidos no processo.

A seguinte pergunta de pesquisa orienta este estudo:

De que forma os diversos atores envolvidos perceberam o processo de downsizing nasempresas pesquisadas?

Esta pergunta pode, por sua vez, ser desdobrada em outras questões que orientam aconsecução dos objetivos do estudo:

• Quais as motivações que inspiraram a adoção de programas de downsizing, segundoas percepções dos atores envolvidos no processo?

• De que forma foi realizado o planejamento dos programas de downsizing?• Como se realizou a implementação desses programas?• O que ocorreu na fase pós-implementação?

Assim, o objetivo do trabalho encontra-se na obtenção das percepções de pessoas que,de alguma forma, vivenciaram o processo de downsizing. Suas histórias, suas análises econclusões foram o foco pretendido. A literatura especializada, porém, aborda a questão do downsizing a partir de váriasóticas e cabe delinear, portanto, condições de contorno mais nítidas de forma a evitarexpectativas que não possam ser concretizadas. Em primeiro lugar, o modelo de Shaw e Barret-Power (1997) aponta para a necessidadede se considerar o downsizing em todos os níveis: indivíduo, grupo e organização. Nãofoi possível, entretanto, encontrar estudos que relacionassem o downsizing e ocomportamento de grupos. Assim, considerou-se o processo apenas no nível doindivíduo e no nível da organização.

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A categoria dos desligados não foi considerada por razões metodológicas. Não sepoderia garantir o acesso à ex-funcionários, especialmente nos casos de empresas comsede fora do Estado de residência da pesquisadora. Outra questão, ainda, refere-se ao caráter do trabalho, que se desvinculou de qualquerobjetivo normativo, no sentido de obter um conjunto de melhores práticas para odownsizing. Pretendeu-se que o estudo contribuísse para a compreensão das importantesquestões do fenômeno dentro de uma perspectiva interpretativa, ou seja, partindo-se dodiscurso e do entendimento dos próprios atores do processo. A medição de variáveisdependentes, independentes, intervenientes ou ainda, o estudo do impacto de possíveismoderadores não pertenceram, por conseqüência, ao escopo deste trabalho.

3.2 Paradígmas para a Pesquisa Científica

Paradigmas formariam, de acordo com Guba (1990), um “sistema básico de crenças”(p.18) que funcionaria como um guia para a ação na pesquisa. Representaria uma visãode mundo a ser aceita baseado em ato de fé, por não haver como estabelecer sua verdadeúltima (Guba e Lincoln, 1994).

O paradigma positivista teria sido o sistema básico de crenças dominante na pesquisacientífica. Sua incapacidade, contudo, para lidar com as várias manifestações, tanto nocampo das ciências exatas quanto no campo das ciências sociais, teria dado espaço àemergência de paradigmas alternativos, cada um com seus pressupostos e sua visão demundo (Guba, 1990).

Guba e Lincoln (1994) indicam a existência de três paradigmas alternativos – além dopositivista - para a pesquisa qualitativa: o paradigma pós-positivista, sucessor imediatodo positivista, o paradigma construtivista e o paradigma da teoria crítica.

3.2.1 Dimensões características de um paradígma57

Paradigmas para a pesquisa científica poderiam ser caracterizados, de acordo com Guba(1990), por meio das seguintes dimensões básicas: a ontologia, a epistemologia e ametodologia. A dimensão ontológica faria referência à natureza da realidade, à essênciado real. Segundo Firestone (1990), teria o pesquisador duas posições a assumir. Aprimeira acreditaria na existência de uma realidade “lá fora”, mensurável e para a qualse poderiam estabelecer relações entre os fenômenos existentes. A segunda acreditariaser a realidade socialmente construída, sendo papel do pesquisador apreendê-la e relatá-la.

57 Adotou-se a proposta de Guba (1990) e Guba e Lincoln (1994) para a definição dos eixos fundamentaisde um paradigma para pesquisa científica.

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A dimensão epistemológica referir-se-ia à natureza da relação entre pesquisador epesquisado. Duas posições seriam encontradas: (a) a do pesquisador que sabe não serpossível atingir a neutralidade absoluta, mas que procura meios para atingi-la e (b) a dopesquisador que considera ser o conhecimento relativo a um determinado espaço-tempo– impregnado de valores – sendo impossível, desta forma, qualquer tipo de neutralidade(Guba, 1990).

A dimensão metodológica, por fim, faria referência ao processo de busca doconhecimento. Para Guba (1990), a metodologia seria uma conseqüência das posturasadotadas em relação às dimensões ontológica e epistemológica. Assim, pesquisadores,para quem a realidade social fosse concreta e a neutralidade possível, poderiam optarpelo método experimental. Pesquisadores, por sua vez, comprometidos com outrosposicionamentos optariam por tradições de pesquisa mais voltadas para a captação dodiscurso e das vivências do outro, como por exemplo, a etnografia, a fenomenologia e ahistória de vida.

3.2.2 Principais características dos paradígmas

Apresentam-se nesta seção as principais características dos paradigmas pós-positivista,construtivista e da teoria crítica.

3.2.2.1 Paradigma pós-positivista

O pós-positivismo seria, segundo Guba (1990), uma versão modificada do paradigmapositivista, não perdendo, porém, sua principal característica de intencionalidade dapredição e do controle.

Se o positivismo se caracterizou por acreditar na existência de uma realidade a qualbastava observar para dela retirar a verdade científica, o pós-positivismo teria seafastado desta postura adotando um posicionamento denominado realismo crítico,reconhecedor de que os mecanismos humanos para a apreensão da realidade sãoimperfeitos, passíveis, portanto, de gerar distorções (Guba, 1990).

Na visão positivista, a ciência teria base empírica, apoiando-se em fatos e preocupando-se com fenômenos observáveis e mensuráveis para, a partir deles, aceitar ou rejeitarteorias científicas. Estas experiências teriam terminado, todavia, por demonstrar que osdados coletados eram, em verdade, afetados pela vivência e pelos pressupostosimplícitos dos pesquisadores. O pós-positivismo teria respondido a esta questãopropondo que descobertas e teorias fossem abertas à discussão na comunidade científica(Guba, 1990). Segundo Popper (1968), a objetividade da ciência seria resultado decríticas dos pares e não estaria limitada ao cientista individualmente.

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Como conseqüência natural dos pressupostos ontológico e epistemológico, o paradigmapós-positivista recomendaria a adoção de múltiplos métodos58 como forma de evitardistorções na interpretação da realidade.

3.2.2.2 Paradigma construtivista

Comparando o paradigma pós-positivista e o construtivista, pode-se dizer que oprimeiro almejaria encontrar leis imutáveis na natureza – generalizáveis, portanto, – ena forma de relações de causa e efeito. Para o segundo, o conhecimento apresentar-se-iasob a forma de teorias e hipóteses condicionadas ao espaço-tempo de sua formulação(Lincoln, 1990).

Para o paradigma construtivista, a realidade não existiria como uma verdade única “láfora” a ser observada e medida. Ao contrário, seria socialmente construída, commúltiplas formas e dependente das pessoas que as enxergassem. Decorreria daí, aconclusão de que a realidade seria apenas apreendida, não podendo ser repetida,controlada ou, ainda, generalizada (Lincoln, 1990).

Epistemologicamente, o pesquisador que se situasse nesse paradigma não adotaria umaposição neutra e independente, o que exigiria, se possível fosse, que estivesse fora deseu tempo e de seu contexto e até “fora de si mesmo como pessoa” (p.70). Considerar-se-ia estar o pesquisador imerso em um todo, sendo a investigação o resultado de umprocesso de interação entre o pesquisador e o pesquisado (Lincoln, 1990).

Metodologicamente, o paradigma posicionar-se-ia a favor de pesquisas conduzidas emambiente natural e não em gabinetes ou laboratórios. Haveria, também, a preferênciapelos métodos qualitativos (Lincoln, 1990).

3.2.2.3 Paradigma da teoria crítica

Segundo Guba (1990, p.23), uma denominação mais adequada ao paradigma da teoriacrítica seria “pesquisa ideologicamente orientada”, já que incluiria não só a teoria críticada Escola de Frankfurt, mas também, o néo-Marxismo, o materialismo, o feminismo,entre outros.

Ontologicamente, o paradigma posicionar-se-ia a favor de um realismo crítico,rejeitando a falsa consciência, aquela que não se sabe condicionada.

58 Brockner et al (1987), por exemplo, realizaram um experimento laboratorial e um estudo de campo(survey) objetivando estudar a reação dos sobreviventes aos programas de redução de pessoal. Segundo osautores, a adoção de métodos múltiplos seria importante para a pesquisa organizacional, pois problemasmetodológicos encontrados em algumas estratégias de pesquisa poderiam ser resolvidas por meio dautilização de outras estratégias.

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Epistemologicamente, os pesquisadores deste paradigma descartariam a objetividade eadotariam a postura de uma pesquisa não só conscientizadora, como tambémproporcionadora de oportunidades para a transformação da realidade opressiva.Metodologicamente, o paradigma adotaria a perspectiva de metodologiasintervencionistas que possibilitassem a mudança proposta (Guba, 1990).

3.2.3 Posicionamento nos paradigmas

Para alguns autores, a existência de vários paradigmas não isentaria o pesquisador derealizar uma escolha e de se posicionar dentro de um deles, nem mesmo sob aargumentação da inexistência de um que fosse universalmente aceito. Conforme atestaGreeen (1990, p.229), “a integridade epistemológica permite que pesquisassignificativas sejam realizadas de forma correta”. Para Huberman e Miles (1994, p. 429)seria “saudável” que pesquisadores tornassem suas opções claras indicando sua visão deconstrução do mundo social e sua forma de expressá-la.

Essa não seria uma escolha fácil e evidente; não seria, necessariamente, uma escolhadefinitiva e, algumas vezes, nem mesmo seria única. Greene (1990, p.229), porexemplo, confessa que suas “lealdades paradigmáticas” encontram-se“problematicamente divididas”. A autora relata ter rejeitado “substancialmente” oparadigma convencional, sem ainda “ter prestado juramento de lealdade” a outroparadigma.

Outros autores, entretanto, a exemplo de Gioia e Pitre (1990), defendem a adoção demúltiplos paradigmas como forma de avançar o conhecimento, ganhar insight aosproblemas e gerar novas teorias. Os autores afirmam que múltiplos paradigmas podemgerar um conhecimento mais completo que a perspectiva obtida com uma única posiçãoparadigmática. Hassard (1991), embora indicando algumas dificuldades metodológicas,adota posicionamento idêntico e afirma que esse pluralismo aponta para uma “posiçãomais democrática na análise organizacional”.

De outro lado, autores como Jackson e Carter (1991) e Lincoln (1990) defendem aescolha de um único paradigma sob a alegação de serem esses incomensuráveis. ParaLincoln (1990, p.81) os compromissos emocionais e políticos para com um paradigmaseriam tão fortes, que a adoção de uma estratégia que considerasse os diversosparadigmas teria grandes possibilidades de produzir uma “dissonância interna” noprocesso de pesquisa e uma “incoerência discursiva” que poderia tornar a pesquisainútil.

A autora deste trabalho não pode, portanto, por tudo que foi apresentado, fugir àresponsabilidade de esclarecer os pressupostos orientadores desta pesquisa. Egressa deuma formação positivista, ligada às ciências da natureza, encontrou, em seu percursopessoal e profissional, sérios problemas com os preceitos daquele paradigma. A vida

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não se mostrou passível de ser entendida por falsos e verdadeiros, nem por leis queencontram tantas variáveis que a tentativa de administrá-las, todas, seria uma tentativa,no mínimo, ingênua. E não se pode dizer que vida pessoal, opção profissional eparadigmas de pesquisa estejam dissociados. Um mínimo de coerência há que se ter e,conscientemente, praticar.

Assim, quando um caminho ou uma visão de mundo não conseguem abranger, darconta, resolver, explicar, fazer entender ou qualquer outro termo análogo, então, porpura necessidade, faz-se a hora de mudar. Caminhos alternativos, nesta hora, não podemser avaliados por relações de custo-beneficio, por recomendações alheias e, muitomenos, por modismo científico. A opção, em instâncias dessa ordem, deve ser norteadapor “vozes internas” que expressam a trajetória já passada e falam de sonhos, aquiloque, em vida, ainda se espera realizar. Essas vozes indicaram ser a previsibilidade umailusão e, talvez mesmo, um brutal empobrecimento da vida. A distância do outro, aneutralidade, refletiu-se, por sua vez, apenas em distância de si mesmo. A partir daí,surgiu o desejo da compreensão, da interação e da construção com o outro.

Encontra-se, assim, a autora deste trabalho, em um paradigma cujos pressupostosincluem uma visão de realidade construída a partir de conceitos que emergem dainteração, de forma indutiva, dependente do contexto em que se insere. Podendo,portanto, ser construída e reconstruída, lida por diversos ângulos, a partir de váriascamadas de interpretação.

3.3 Tipo de Pesquisa

Segundo taxonomia proposta por Vergara (1997), a pesquisa pode ser definida quantoaos fins e quanto aos meios.

No que se refere aos fins, a pesquisa poderia ser do tipo exploratória, descritiva,explicativa, metodológica, aplicada ou intervencionista. Estudo exploratório seria o quese realizaria nos casos em que houvesse pouco conhecimento do assunto. A pesquisadescritiva pretenderia apenas descrever certo fenômeno ou população, podendo atéestabelecer certas correlações acerca dos fenômenos sem implicar, entretanto,causalidade. As relações de causa e efeito seriam objeto das pesquisas explicativas(Vergara, 1997).

Embora haja uma tendência de se classificar as pesquisas em ordem de importância,considerando as menos importantes as do tipo exploratória e as mais importantes asexplicativas e de geração de teoria (Gummersson, 1991; Yin, 1984), para Gummersson(1991), essa hierarquização seria difícil de ser compreendida, pois estudos exploratóriose descritivos, por exemplo, poderiam gerar teoria ou, ainda, descrições poderiam gerarpesquisas explanatórias.

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Assim, tendo por base a tipologia proposta por Vergara (1997), pode-se caracterizar opresente estudo como tendo tripla finalidade: exploratória, descritiva e de geração deteoria. No primeiro momento, caracteriza-se como exploratória por ser o fenômenoainda desconhecido no âmbito brasileiro e estar parcialmente pesquisado e documentadoem outros países. Em um segundo momento, a pesquisa caracteriza-se como descritiva,por pretender relatar o processo de downsizing em empresas recém privatizadas. Noterceiro momento, caracteriza-se como de geração de teoria, por objetivar a emergênciade conceitos que possam, em passo posterior, permitir a geração de um modelopreliminar para a compreensão do fenômeno em estudo. Esta preocupação é consistentecom a proposta de Glaser e Strauss (1967) que criticam os pesquisadores preocupados,apenas, em testar teorias existentes, colocando a geração de teoria em segundo plano.

No que se refere aos meios, ainda segundo Vergara (1997), as pesquisas podem serclassificadas como de campo, de laboratório, telematizada, documental, bibliográfica,experimental, ex-post facto, participante, pesquisa-ação e estudo de caso. Para esteestudo, duas classificações se aplicam: estudo de caso e de campo. De campo, por terrealizado entrevistas com os principais atores do processo - decisores, planejadores,executores e sobreviventes; e bibliográfica, por ter partido de conhecimento obtido naem fontes como livros e periódicos especializados.

O estudo de caso, no entanto, é considerado, segundo Yin (1994), como umametodologia abrangente que inclui a pergunta da pesquisa, prossegue com a coleta e aanálise de dados e termina com as conclusões e a redação final da pesquisa.

3.4 Estudo de Caso Como Estratégia de Pesquisa

Parte da importância do estudo de caso deve-se à sua utilização, no início do século,pela Escola de Sociologia de Chicago. Chicago era, à época, uma cidade em crescimentodesordenado e alvo de movimentos migratórios. Problemas decorrentes, comosubemprego, pobreza e violência ensejaram uma série de pesquisas desenvolvidas emcontato direto com as populações. A Escola de Chicago passou, por conta dessaspesquisas, a ser referência nos estudos de caso nos Estados Unidos (Hamel, Dufour eFortin, 1993).

No meio da década de 30, surgiu, na Universidade de Columbia, um movimentodefensor dos métodos estatísticos e contrário ao estudo de caso como método válido depesquisa. No entender dos investigadores de Columbia, o método do caso carecia dequalquer forma possível de controle, estando sujeito aos viéses decorrentes do processode coleta de dados, introduzidos tanto pelo investigador quanto por seus informantes.Uma nova corrente formou-se, defensora do método dedutivo com base em trabalhoestatístico, adequado para validar as grandes teorias sociológicas, e contrário aoprocesso indutivo inerente ao método do caso. Este perdeu terreno como método depesquisa ficando relegado ao papel de instrumento útil para investigações exploratórias

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(Hamel, Dufour e Fortin, 1993). Gummesson (1991), entretanto, indica que estaestratégia de pesquisa tem sido, cada vez mais, utilizada na Europa, a exemplo dosestudos de marketing realizados por pesquisadores escandinavos e, mesmo nos EstadosUnidos, parece haver uma tendência de maior utilização do método.

O estudo de caso passou, de uma forma geral, no entanto, a ser visto como um métodoadequado à pesquisa exploratória por permitir a identificação de variáveis erelacionamentos ainda não realizados. Por propor-se a estudar de forma “exaustiva”(Gil, 1987, p.78) alguns poucos fenômenos, deveria ser utilizado quando se quisesseobter dados em profundidade e com muitos detalhes acerca de um assunto sobre o qualhouvesse pouco conhecimento. Neste sentido, o principal produto deste tipo de pesquisaseria o de gerar idéias acerca de um assunto complexo e hipóteses a serem testadas emestudos subseqüentes (Gil, 1987; Simon, 1969; Tull e Hawkins, 1976).

A visão do estudo de caso, como estratégia limitada aos estudos exploratórios, tem sidoquestionada por outros autores (Eisenhardt,1989; Gummesson,1991; Yin,1984).Segundo o preceito da hierarquização de pesquisas, indica Yin (1984), estudos de casoseriam adequados às pesquisas exploratórias, surveys seriam apropriados para aspesquisas descritivas e os experimentos indicados para os estudos explicativos. Para oautor, todavia, o estudo de caso adequar-se-ia aos três casos: exploratório, descritivo eexplicativo.

Outros autores se alinham com a crítica de Yin (1984). Para Gummesson (1991), porexemplo, o estudo de caso adequa-se, igualmente, aos objetivos de geração de teoria einiciação de mudança e para Eisenhardt (1989) estudos de caso são indicados para adescrição de fenômenos, para o teste de teorias ou, mesmo, para a geração de teoria.

No que se refere às vantagens e desvantagens das estratégias de pesquisa, segundo Yin(1989), estas dependem de três condições59: o tipo de pergunta da pesquisa, o controleque o investigador tem sobre os eventos e se o foco se direciona para fenômenoscontemporâneos ou históricos.

Quanto à pergunta da pesquisa, aquelas do tipo como e porquê sinalizariam aconveniência do estudo de caso; as do tipo qual, poderiam indicar survey, experimentoou estudo de caso60 A questão do controle seria fundamental para diferenciar oexperimento dos demais tipos de pesquisa, pois apenas aquele permitiria ao pesquisadoralgum tipo de controle sobre os eventos. A contemporaneidade do fenômeno, por suavez, seria importante para distinguir a história do estudo de caso, pois, neste, as pessoas

59 É preciso registrar que as estratégias consideradas pelo autor são: experimento, survey, análisedocumental (archival analysis), história e estudo de caso. Não há indicação se essas mesmas perguntasseriam adequadas a um elenco maior de estratégias que incluiria, por exemplo, a etnografia, a pesquisa-ação e a grounded-theory.60 Se a pergunta do tipo qual pede resposta que indicam quantidades ou padrões, então as estratégias desurvey e experimentos são melhores.

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que participam ou participaram do fenômeno estariam vivas e, naquele, apenasdocumentos e objetos estariam disponíveis (Yin, 1994).

A utilização de estudos de caso em organizações recebe, o apoio de outros autores.Segundo Berg (1998) estudos de caso seriam adequados à pesquisa em organizações porpermitirem tanto o seu estudo genérico em que os vários aspectos tivessem peso similarquanto o estudo com ênfase em determinada área ou situação.

Assim, considerando que o objetivo desta tese foi o de se obter uma contribuição teóricaao estudos de downsizing fundamentada (grounded) em pesquisa de campo e dado queas perguntas eram do tipo como, adotou-se, por ser o mais adequado, o método deestudo de caso como estratégia de pesquisa.

3.5 GROUNDED THEORY como Estratégia para a Análise deDados Qualitativos

A grounded theory foi, originalmente, desenvolvida por dois sociólogos americanos:Anselm Strauss, da Universidade de Chicago e Barney Glaser, da Universidade deColumbia. De acordo com Strauss (1987), o nome justifica-se por ser uma abordagemaos dados qualitativos cuja ênfase encontra-se tanto na geração de teoria quanto nosdados, nos quais a teoria se baseia (is grounded).

Para Strauss (1987), não se trata de um método específico ou de uma técnica mas, sim,de um “estilo” (p.5) para realizar a análise qualitativa de dados. O princípio básico dagrounded theory seria o de que a teoria deveria emergir a partir de dados observadospelo pesquisador.

A grounded theory funcionaria como um guia e não como uma regra metodológicainvariável, uma vez que o pesquisador estaria limitado às contingências dos váriosambientes sociais que afetariam a coleta dos dados e, também, a sua análise. Assim, emvirtude da diversidade de situações sociais, das circunstâncias variadas de pesquisa edos diferentes objetivos e estilo dos pesquisadores, não haveria como estabelecer regrase procedimentos fixos, tal como ocorreria com a análise de dados quantitativos (Strauss,1987).

Outra questão refere-se ao achado de novos dados e novas situações. Em uma estratégiacujo objetivo fosse testar hipóteses, uma exceção à regra seria, em princípio, suficientepara que a teoria tivesse que ser revista61. Na grounded theory e no método de caso, oraciocínio seria de outra ordem: uma exceção ou uma situação não prevista teriam opapel de enriquecer a teoria existente (Glaser e Strauss, 1967, Gummerson, 1991). Nas

61 Este argumento tem por objetivo, apenas, mostrar a lógica inerente ao teste de hipótese. Não sepretende contrapor qualquer argumento à pesquisa de Kuhn (1990) acerca de ciência normal e aosexperimentos e testes a ela relacionados.

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palavras de Gummerson (1991, p.79) “novos dados nunca são desconfortáveis, nunca‘destroem’ uma teoria existente, eles a expandem e melhoram”.

3.6 Papel da Teoria no Estudo de Caso e na Grounded Theory

O papel da teoria é considerado de forma diferente, conforme a estratégia de pesquisa(Yin,1984). Na grounded theory, diferentemente da prática comum a outros métodos, ofenômeno não deveria ser abordado tendo-se um quadro teórico por referência eorientação; partir-se-ia do princípio que, com procedimentos sistematizados e utilizandoos dados coletados, a teoria surgiria de forma indutiva (Glaser e Strauss, 1967; Strauss,1987). Para Yin (1994), entretanto, seria um erro iniciar uma pesquisa – de teste ougeração de teoria – sem um quadro teórico inicial. Se tal não fosse, como poder-se-ia,apenas a título de exemplo, selecionar os sujeitos da pesquisa? A esse respeito,Eisenhardt (1989) assume uma posição intermediária sugerindo que os pesquisadorespartam de um problema de pesquisa e algumas variáveis, possivelmente, importantessem, no entanto, especificar antecipadamente os relacionamentos entre as mesmas.

No caso deste estudo, algumas questões devem ser esclarecidas. Primeiro, não foiencontrada, na literatura, uma teoria desenvolvida sobre downsizing, embora existamaspectos do fenômeno que são estudados pelos diversos autores, como, por exemplo,características de estratégias bem sucedidas de redução de pessoal (Cameron, Freeman eMishra, 1991; Feldman e Leana, 1989; Mishra, Spreitzer e Mishra, 1997), efeitos dodownsizing nos sobreviventes (Cascio, 1993; Feldman e Leana, 1989; Katz, 1997; Ketsde Vries e Balazs, 1997; Noer, 1993) ou ainda, efeitos do downsizing nos executores(Kets de Vries e Balazs, 1997; Wright e Barling, 1998).

Assim, a elaboração do referencial teórico procurou obter um quadro conceitual quepudesse abranger de forma coerente estes vários fragmentos. A perspectiva de Mishra,Spreitzer e Mishra (1998) serviu, por conseqüência, ao propósito de reunir sob umaúnica lógica – a temporal -, boa parte dos trabalhos apresentados na literatura específicade downsizing.

Outra questão refere-se ao papel da literatura na análise dos dados. Seria com ummovimento de vai-e-vem entre os diversos casos, entre os casos e o referencial teóricoque conceitos emergeriam e poderiam ser continuamente elaborados. Assim, a papel doreferencial teórico seria o de fornecer pontos de coincidência e pontos de discrepânciaque possibilitariam o refinamento da teoria em elaboração (Eisenhardt, 1989).

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3.7 Unidades de Análise

De acordo com Yin (1994) os estudos de casos podem limitar-se a uma ou a váriasunidades de análise. Estudos de um único caso adequar-se-iam, quando representassemuma oportunidade de se estudar uma situação extrema, única ou, ainda, crítica. Havendopossibilidades materiais, humanas e de tempo, a lógica da replicação62 indicaria autilização de estudo de múltiplos casos, como é o caso desta pesquisa.

Outras questões de ordem mais práticas também se apresentaram. Uma deles referiu-seao tipo de organização a ser selecionada como objeto de estudo. De acordo comEisenhardt (1989), a pergunta da pesquisa deve ser orientadora dos critérios de seleção.Assim, considerando que o objetivo principal do estudo foi o de se obter as percepçõesdos empregados acerca do planos de downsizing, dois desafios se apresentaram:primeiro, a empresa deveria ter passado por um processo recente63 - no máximo, hácinco anos - de redução planejada de pessoas e, segundo, haveria que se obter permissãode acesso a um número razoável de empregados ativos na empresa.

Por se tratar, na percepção da pesquisadora, de pesquisa cujo tema poderia serconsiderado delicado - portanto, passível de receber um alto índice de recusa-,elaborou-se, inicialmente, a partir de informações colhidas com professores, alunos, ex-alunos e material publicado na imprensa, uma lista de empresas potencialmentepesquisáveis. Esta lista deveria ser exaustivamente utilizada, até que duas64 empresasacordassem com a realização da pesquisa.

Para as duas primeiras empresas contactadas, marcou-se uma entrevista com o principalexecutivo de Recursos Humanos ou com pessoa de alto nível gerencial que detivesseinformações acerca do processo de redução de pessoal. Os objetivos desta entrevistainicial foram: (a) obter dados a respeito do programa implantado e (b) entregar umacarta proposta para a realização da pesquisa na empresa. Em ambos os casos, obteve-seautorização para a realização da pesquisa. Posteriormente, uma terceira empresa foicontactada, não colocando empecilhos para o estudo.

62 Segundo o autor não se deve considerar a utilização de mais de uma caso dentro da lógica deamostragem. Esta está preocupada com a generalização de uma hipótese, ou seja, procura ir do particularpara o universo. A lógica da replicação seria similar à lógica dos experimentos, na qual espera-se quedeterminado resultado ocorra em todos os casos. Caso isso ocorra poder-se-ia dizer ter havido replicaçãodos resultados.

63 A razão para a limitação do horizonte de tempo deveu-se à possibilidade de o distanciamento no tempoafetar a acuidade dos relatos dos entrevistados, ou mesmo, provocar distorções na memória (Hoopes,1979).

64 O projeto inicial de pesquisa previa o estudo de dois casos. O terceiro caso foi adicionado,posteriormente, por uma questão de oportunidade. Segundo Eisenhardt (1989) tal procedimento temsentido nas situações em que novos dados podem fundamentar (ground) melhor a teoria existente ou emconstrução.

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Há que se registrar que a concessão de autorização, quase que imediata, causou surpresa,uma vez que havia a expectativa, conforme já comentado, de se encontrar dificuldadesno processo. Um fator que parece ter sido importante, nestes casos, refere-se ao fato deos executivos de mais alto nível entrevistados considerarem o programa implantado emsuas respectivas empresas uma experiência bem sucedida.

Um segundo aspecto pode, igualmente, ter sido relevante no processo: os executivoscontatados conheciam, direta ou indiretamente, a instituição a que a pesquisadora estavavinculada.

Poder-se-ia, assim, considerar que a permissão para a pesquisa foi influenciada por, pelomenos, dois fatores: o sucesso, segundo percepção dos executivos inicialmenteentrevistados, do programa implementado e a influência de pessoas que conheciam oInstituto patrocinador da pesquisa. Este último aspecto não deve ser consideradoestranho em um sociedade considerada relacional, como a brasileira, na qual as ligaçõesentre as pessoas podem assumir um importante papel na realização de negociaçõesempresariais e, porque não, também no desenvolvimento de pesquisas.

3.8 Sujeitos da Pesquisa

Tendo em vista a compreensão do processo de downsizing como um fenômeno cujosprincipais atores são os decisores, executores e remanescentes, definiram-se os sujeitosda pesquisa em função dessas categorias. No caso de sobreviventes, foram criadas duassubcategorias: os que tinham função gerencial e os que não tinham. A razão foi clara,pois os gerentes sobreviventes podem ter sido, também, executores do processo. Por setratar de pesquisa realizada após o fenômeno e limitada à fronteira da organização, nãofoi considerada a categoria dos empregados desligados.

Segue-se a Tabela 10, com detalhamento por cargo, das entrevistas realizadas em cadauma das empresas:

TABELA 10NÚMERO DE ENTREVISTAS POR CARGO

Cargo ServA ServB ServCDiretor de Recursos Humanos ougerente de alto nível

2(*) 1 1

Gerentes intermediários ousupervisores

11 10 8

Funcionários sem cargo gerencial 9 10 6Total por empresa 22 21 15Entrevistas descartadas 2 1(*) Foram entrevistados o diretor de Recursos Humanos da holding e o diretor de Recursos Humanos daServA

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Os contatos iniciais com as empresas iniciaram-se em janeiro de 1999, sendo que asentrevistas foram realizadas entre maio de 1999 e outubro de 1999.

Três das 61 entrevistas realizadas não puderam ser consideradas. Em um dos casos, ofuncionário pesquisado permitiu a gravação da entrevista mas, a certa altura, solicitouque o gravador fosse desligado e as informações e opiniões relatadas a seguir nãofossem utilizadas na pesquisa. Nos outros dois casos, houve problemas com a fita aponto de não ser possível a transcrição.

Outra questão refere-se ao número de entrevistas em pesquisas que objetivamcontribuição teórica fundamentada nos dados coletados – grounded -, segundoterminologia de Glaser e Strauss (1967). O número ideal não poderia ser determinadoantecipadamente, sendo obtido, ao longo da pesquisa, na medida em que houvesse sechegado à saturação teórica (Glaser e Strauss, 1967) ou se estivesse “saturado dasituação” (Simon, 1969, p. 277). Como as duas empresas, inicialmente contactadas,localizavam-se fora do Estado de residência da pesquisadora, foi necessário e, porquenão, prudente – antecipar, na proposta de pesquisa, o número de pessoas a serementrevistadas.

No caso deste estudo, não havia, portanto, um número ideal a ser escolhido a priori.Assim, o bom senso para o que seria um tempo razoável de permanência na empresa -uma semana com a estimativa de realização de quatro entrevistas por dia - guiou aproposta de pesquisa.

3.9 Coleta de Dados

3.9.1 Entrevista como técnica de coleta de dados

O principal meio de coleta de dados foi a entrevista, pois esta permitiria, segundo Patton(1980) identificar o que a outra pessoa pensa, dando acesso a “sentimentos,pensamentos e intenções” ( p.6). Por meio do relato, poder-se-ia saber como o atororganiza e atribui significado ao processo no qual está ou esteve envolvido65. Dar-se-iaoportunidade ao entrevistado de explicar as razões pelas quais as ações, sentimentos epensamentos relatados ocorreram, relacionando sua experiência vivencial a um contextoorganizacional e social mais amplo (Lee, 1993; Patton, 1980). Patton (1980) indica existirem três enfoques para se coletar dados com a utilização deentrevistas: (a) a conversa informal; (b) a entrevista guiada e (c) a entrevista aberta, 65 Poder-se-ia considerar que parte do presente estudo utiliza a estratégia da história oral. História oralpodeira ser classificada como um método de pesquisa que procura entender – por meio do relato depessoas que participaram ou foram testemunhas dos eventos de interesse - acontecimentos ocorridos nasociedade, em grupos sociais, grupos profissionais e instituições. Seria uma forma de recuperação dopassado da instituição com toda a multiplicidade de pontos de vista (Thompson, 1978) e conforme“concebido por quem viveu” as situações (Alberti, 1989, p.5).

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porém padronizada. O que distinguiria um enfoque do outro seria o grau de preparoprévio das questões. Na conversa informal, não existiria nenhuma pergunta elaboradapreviamente e as que ocorressem seriam resultado do fluxo normal da conversa. Naentrevista guiada, um elenco de itens seria previamente preparado pelo investigador.Embora as perguntas não tivessem que ter formulação padrão e a ordem de enunciaçãodas mesmas não tivesse importância, a lista serviria, ainda assim, como um guia. Naentrevista padronizada, as questões seriam previamente formuladas e ter-se-ia porintenção percorrê-las de forma ordenada e padronizada com todos os entrevistados. Sem a rigidez de um questionário fechado nem a aleatoriedade existente em umaconversa informal, a entrevista guiada permitiria obter pontos de vista diferentes acercadas mesmas questões, sem impedir que novos aspectos do problema fosseminvestigados se a oportunidade para tal surgisse. Haveria a oportunidade para seencorajar o relato de incidentes críticos, solicitar detalhes e clarificações que, emquestionários fechados, não seriam possíveis (Patton, 1980; Rubin e Rubin, 1995;Santos, 1994). No que se refere, especificamente, ao estudo de caso, Yin (1994) indica que três tipos deentrevista podem ser utilizados: (a) entrevista aberta (open-ended); (b) entrevista focada(focused) e (c) entrevista com questões estruturadas. Na entrevista aberta, as perguntaspoderiam incluir dados e opiniões acerca de determinados eventos e poder-se-ia obterdos respondentes insights acerca de determinadas ocorrências. O segundo tipo deentrevista – focada – seria uma importante fonte de coleta de informações, quandohouvesse pouco tempo, por exemplo apenas uma hora, para o encontro entrepesquisador e pesquisado. Nestas situações, seria natural a utilização de um conjunto dequestões derivadas do planejamento do estudo de caso. Por fim, o terceiro tipo –entrevista com questões estruturadas - seria adequado se houvesse necessidade de serealizar um estudo semelhante ao das pesquisas quantitativas, orientadas porprocedimentos de amostragem. Assim, seguindo as orientações, elaborou-se um roteiro – ver Anexo 1 - dentro doespírito da entrevista focada, tendo por base a revisão de literatura e o objetivo dapesquisa. 3.9.2 Variáveis coletadas Há que se preocupar o pesquisador com a amplitude do estudo a ser desenvolvido.Como entrar em uma organização sem, ao menos, saber o que deverá ser observado eperguntado? Neste ponto, a revisão de literatura é orientadora, pois aponta para asprincipais questões associadas ao fenômeno. Dela decorreu a orientação básica para aformulação de perguntas.

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No caso de downsizing, pode-se, portanto, entender que os principais aspectos dofenômeno estudados seguiram uma lógica temporal e uma lógica no nívelorganizacional. Assim, estudou-se o fenômeno supondo uma dinâmica no tempo, comconseqüências nos níveis individual e organizacional.

Para o modelo temporal, adotou-se, como já explicado no capítulo 2, variação domodelo proposto por Mishra, Spreitzer e Mishra (1998), composto pelas seguintesetapas: (1) razões para o downsizing, (2) características e implementação e (3) fase pós-implementação.

3.10 Tratamento e Análise dos Dados

3.10.1 Especificidade das empresas pesquisadas

As empresas pesquisadas foram aquelas que deram acesso para a coleta de dados.Houve, entretanto, uma coincidência: todas haviam sido privatizadas em passadorecente. Tal fato teve implicações não esperadas.

Embora, teoricamente, as questões de privatização e downsizing possam ser tratadas deper se, na prática, este dois eventos estavam, na percepção dos entrevistados,intrinsecamente ligados. Um ponto bastante indicativo deste fato revelou-se na formacomo a pesquisadora era apresentada aos funcionários: “A professora veio fazer umapesquisa sobre a privatização”. A despeito de todo um processo de formalização dapesquisa, junto à diretoria, e a despeito da insistência da pesquisadora em esclarecer oobjetivo do estudo, a comunicação informal dentro das empresas já havia divulgado sero objeto da pesquisa o processo de privatização.

Pelo menos duas razões parecem justificar tal fato: (a) o edital de concessão, nos casosda ServA e da ServB, indicavam que possíveis programas de desligamento em massaestariam sujeitos a regras determinadas; (b) as histórias de privatizações, ocorridas noBrasil, indicavam que programas de desligamento eram comuns no instante posterior àprivatização.

Este reflexo pôde ser sentido nas respostas às perguntas feitas. A tal ponto, os dois fatosse entrelaçaram, que a análise dos dados revelou ser artificial dividir a reta do tempo emplanejamento do programa, implementação do programa e período pós-implantação,conforme havia sido planejado. A coleta de dados indicou, inicialmente, e a análiseapenas ratificou ser a divisão temporal período-de-estatal, período-de-transição eperíodo-de-empresa-privada mais adequada à expressão das experiências individuais.

Assim sendo, a discussão de resultados levará em consideração esta peculiaridade dasempresas pesquisadas.

90

3.10.2 Etapas do tratamento e da análise dos dados

Esta etapa foi dividida em três fases. Na primeira, analisou-se cada empresaseparadamente, permitindo a emergência de temas e conceitos específicos de cadasituação. Na segunda etapa, procedeu-se à descrição de cada um dos casos tendo porbase a lógica temporal e codificação realizada na primeira fase. Na terceira etapa,realizou-se a análise simultânea das três empresas pesquisadas a partir de duasperspectivas: uma processual, em que os temas e conceitos comuns às dinâmicaspercorridas pelas empresas foram identificados e analisados e uma segunda, em que seprocurou representações desvinculadas no eixo temporal e das questões tratadas narevisão de literatura.

FIGURA 10DIAGRAMA DAS ETAPAS DE ANÁLISE

3.10.3 Uso de software para análise de dados qualitativos

Dados qualitativos referem-se, na maioria das vezes, a narrativas, materializadasinicialmente na forma de entrevistas, gravadas que são, posteriormente, transcritas parao papel. Vê-se o pesquisador, após esta fase de transcrição, com grande volume de papela ser analisado.

Como as entrevistas duraram, em média, uma hora, gerando cerca de 20 páginas detranscrição cada uma, a pesquisadora viu-se, ao início da etapa de análise, com cerca de1200 páginas de texto. Segundo Pettigrew (1988) apud Eisenhardt (1989), corria-se orisco de “morte por asfixia de dados”.

Codificaçãoindividual dos

casos

Descriçãoindividual dos

casosAnálise dosresultados

Lógica doprocesso dedownsizing

“Cortetransversal”dos dados

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Diante de tão volumoso material, optou-se pela utilização de software específico para aanálise de dados qualitativos. Estes apresentam as seguintes vantagens (Creswell,1998)66:- organizam e arquivam o material;- permitem rápida recuperação de partes específicas, idéias, frases ou palavras;- eliminam as operações de “corte e cola”;- forçam uma análise do texto que, de outra forma, poderia ser realizada

superficialmente.

A utilização do software auxilia, ainda, nas seguintes tarefas (Creswell, 1998):- pesquisa de conceitos e temas;- cruzamento de temas ou conceitos;- visualização da codificação através de diagramas.

Este estudo utilizou-se do software Nud*ist, criado por Thomas e Lyn Richards ecomercializado pela empresa Sage. Os dados forma organizados de forma compatívelcom o estudo de casos e similar à proposição de Creswell (1998):

FIGURA 11DIAGRAMA DE ORGANIZAÇÃO DOS DADOS NO NUD*IST

Ao final, pode-se dizer que a tarefa teria sido imensamente dificultada, caso asentrevistas tivessem que ser manipuladas apenas com papel ou com editor de textos. Osoftware liberou a pesquisadora de grande parte do trabalho manual, permitindo a

66 Os comentários do autor referem-se ao software Nud*ist.

ServX

Pré-privatização Transição

Pós-privatização

Tema 1 Tema N Tema 1 Tema N Tema 1 Tema N

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organização e a associação de dados que facilitaram e incentivaram a reflexão sobre ofenômeno67.

3.10.4 Manutenção da confidencialidade dos depoimentos

Todas as entrevistas foram conduzidas garantindo a confidencialidade da empresapesquisada, do nome e do cargo do entrevistado. Assim, todas as citações diretasapresentadas nos resultados da pesquisa utilizaram nomes - pessoais e de cargos –fictícios. As empresas, por sua vez, foram denominadas ServA, ServB e ServC

Com o objetivo de resguardar os pesquisados, sem perder informações relevantes para apesquisa, optou-se pela utilização de duas categorias de identificação: nível hierárquico(diretor, gerente, supervisor e funcionário) e área funcional (administrativa, comercial eoperacional).

3.11 Limitações do Método

3.11.1 Limitações do método de caso

Uma das primeiras questões a que se expõe aquele que adota método do caso trata daimpossibilidade de se generalizar os resultados da pesquisa. Este assunto tem sido palcode debates e controvérsias e, para aqueles que partem de uma lógica estatística, o estudode um único caso traria em si a grave limitação de não certificar se o caso estudado é,realmente, representativo do universo do qual ele seria uma amostra (Blalock e Blalock,1975; Gil, 1987).

Outros autores enfocam a questão de ponto de vista diferente, assinalando que o estudode caso não teria a intenção de ser um exemplo típico de uma população (Glaser eStrauss, 1967, Gummersson, 1991; Yin, 1994). O método do caso permitiria que segeneralizassem os achados para uma proposição teórica e não para uma população deentidades ou sujeitos estudados (Gummersson, 1991; Yin, 1994). Glaser e Strauss(1967) indicam que mesmo um único caso pode revelar uma categoria ou propriedadeconceitual, sendo que casos adicionais podem confirmar a indicação.

É bastante elucidativo o comentário de Normann (apud Gummersson, 1991, p. 78):

“Se você tem uma boa linguagem descritiva ou analítica por meio da qual vocêpode, realmente, apreender a interação entre as várias partes do sistema e a suascaracterísticas importantes, as possibilidades de generalizar a partir de poucos

67 Outros softwares para análise de dados qualitativos são comercializados. A pesquisadora não teve aoportunidade de trabalhar com nenhum deles. Esta tese de doutorado foi, também, sua primeiraexperiência com o Nud*ist.

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casos, ou mesmo a partir de um único caso, podem ser razoavelmente boas. Talgeneralização pode ter um caráter particular: pode ser possível generalizar umaafirmativa do tipo: ‘um sistema do tipo A e um sistema do tipo B juntosformam um mecanismo que tende a funcionar de uma determinada forma’. Poroutro lado, não se pode fazer quaisquer generalizações acerca de quão comumsão esses tipos de sistema e padrões de interação. Mas as possibilidades degeneralizar, a partir de um único caso fundamentam-se na abrangência dasmedidas que tornam possível atingir uma compreensão fundamental daestrutura, processo e força de ação em vez do estabelecimento superficial deuma correlação ou relação de causa e efeito”.68

3.11.2 Limitações da técnica de entrevista

A opção por entrevistas em profundidade traz, também, problemas. Um deles refere-seao fato de que, se a entrevista destina-se a recuperar parte do passado da empresa, entãoo pesquisador não tem como visitar este passado e pode, apenas, ajudar o entrevistado alembrar de fatos ocorridos e encorajar o relato dos eventos e dos sentimentos associados(Hoopes, 1979). Trata-se de situação em que o pesquisador está limitado àquilo que oentrevistado consegue lembrar ou deseja revelar.

Mesmo que a entrevista inquira sobre dados pessoais do empregado, ainda assim, éfalha como instrumento de coleta de dados. Ao se investigar, por exemplo, o estresse emdownsizing, chega o pesquisador, quando tudo já se passou. Fica impossibilitado dequalquer tipo de observação, sujeito, por conseqüência, às possíveis falhas de memória e“distorções defensivas” do entrevistado (Lazarus e Lazarus, 1994, p.232).

As múltiplas entrevistas podem, entretanto, fornecer material para que o pesquisador,com habilidade e respeitando limites éticos, confronte relatos e abra oportunidades paraesclarecimentos que, de outra forma, ficariam intocados. Este procedimento foiparticularmente importante nas perguntas que abordaram questões de cunho maissubjetivo como, por exemplo, o impacto após a implantação.

68 Tradução livre.

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4 DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVA

4.1 Breve Histórico da ServA

A ServA, estatal do setor de serviços com sede na Região Sudeste, era tida, dentro deseu âmbito de atuação, como uma empresa modelo. As demais empresas estaduais domesmo setor estavam longe de atingir o seu nível de desempenho, ao ponto de, quandohouve a privatização, ser considerada um benchmark nacional tanto em termosgerenciais como em termos técnicos e operacionais.

Em 1996, já se preparando para a iminente privatização do setor, a empresa ofereceu umprimeiro Plano de Desligamento voluntário – PDV69, que obedecia a determinadasregras impostas pela diretoria.

Genericamente, essas regras diziam respeito à elegibilidade para a adesão ao plano e aosbenefícios a serem oferecidos. O plano estaria aberto, apenas, para pessoas que tivessemmais de 20 anos de trabalho e, ainda, não tivessem atingido plenas condições deaposentadoria.

Além de um incentivo monetário que variava, conforme o número de anos de trabalho, aempresa oferecia uma extensão de 18 meses do plano de assistência médica e, também,do seguro de vida em grupo, este sem qualquer ônus para o empregado.

No que se refere ao fundo de pensão, era prática da empresa participar com dois terçosda contribuição, ficando sob a responsabilidade do empregado um terço do valor. Paraaqueles empregados sem os requisitos mínimos para o direito à complementação daaposentadoria pelo fundo de pensão da empresa e que aderissem ao plano, a empresacontinuaria a contribuir com a sua parte, durante um período máximo de 60 meses,desde que o empregado entrasse com um terço do valor.

Como os recursos para o pagamento de indenizações eram limitados, estabeleceu-seuma meta de desligamentos e a empresa preparou-se para um eventual excesso depedidos. Caso isso acontecesse, alguns critérios previamente estabelecidos seriamadotados, como, por exemplo, dar-se prioridade àqueles funcionários que estivessemlotados em áreas com maior probabilidade de terceirização. No entanto, não houvenecessidade de se entrar nesse tipo de consideração, uma vez que o número de adesõesficou muito aquém daquele previsto originalmente.

69 Utilizaram-se o nome Programa de Desligamento Voluntário e a sigla PDV para o plano oferecidoquando a empresa era, ainda, estatal. O nome Plano de Desligamento Incentivado e a sigla PDI foramutilizados para o plano oferecido após a privatização. Ambos os planos foram voluntários e a diferença desiglas e nomes dos planos foi adotada para facilitar o entendimento dos fatos.

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Em verdade, a empresa tinha como objetivo original atingir cerca de 800 pessoas, sendoque, apenas, 430 funcionários aderiram. Apesar disso, nenhuma outra ação foi realizadapara reduzir pessoal como, por exemplo, uma reedição do plano, ou mesmo uma atitudeunilateral da empresa no sentido de demitir os empregados.

O PDV encerrou-se em meados de 1997. Em 1998, a empresa foi, finalmente, vendida epassou a fazer parte, junto com outras empresas estaduais igualmente privatizadas, deum grupo maior, cuja holding se localizava na Região Sudeste.

Em uma primeira etapa, contratou-se uma grande consultoria para auxiliar noestabelecimento dos cursos de ação da holding. Assim, empresas internacionais foramutilizadas como benchmark não só para a avaliação operacional, mas também paraestimar o volume de mão-de-obra necessário para o atingimento das metasestabelecidas. Delineou-se, entre outras medidas, a terceirização de algumas atividadesmenos ligadas ao negócio principal e, também, uma redução de pessoal.

As diretrizes passaram, portanto, a ser dadas, deste momento em diante, pela matriz.Inclusas estavam as questões referentes aos recursos humanos e, mais especificamente,à questão de implantação de um plano de demissão.

De acordo com o edital de concessão, qualquer demissão em massa dentro dosprimeiros 180 dias da privatização, deveria ser feita na forma de um plano dedesligamento incentivado, sendo que a empresa teria total liberdade para estabelecer osseus critérios.

A holding optou, após várias análises e simulações de custo, por realizar um plano dedesligamento ainda dentro dos seis meses iniciais, plano esse que tinha por principaiscaracterísticas: (a) o pagamento de incentivo financeiro proporcional ao número de anosde serviço, estimulando aqueles que tivessem maior tempo de empresa; (b) amanutenção do plano de assistência médica por mais 90 dias, e (c) uma cesta básica,que poderia ser convertida em dinheiro. A tabela de incentivo financeiro obedecia àseguinte regra: até quinze anos de empresa, receber-se-ia 0,3 salários por ano; de quinzeaté vinte e cinco anos, 0,5 salários por ano e acima de vinte e cinco anos, 0,6 saláriospor ano trabalhado na empresa.

Segundo orientações da matriz70, as diversas empresas do Grupo – das quais a ServAera uma – poderiam reservar-se o direito de não aceitar o pedido de desligamento deum funcionário, caso o considerassem imprescindível para a continuidade do trabalho.

O programa foi lançado, simultaneamente, em todas as empresas da holding, cerca detrês meses após a privatização. As pessoas tinham cinco dias para decidir, sendo aadesão de caráter voluntário. Se, porém, até determinada data, o número desejado não

70 Neste contexto, o termo matriz e holding são usadas como sinônimos.

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fosse atingido, a empresa poderia, posteriormente, efetuar demissões, aplicando, nessescasos, um redutor de 30% sobre o incentivo financeiro.

Uma das questões levantadas pelos novos gestores referiu-se à possibilidade de adiar oplano de redução de pessoal pois, segundo o edital de privatização, passado o períodode 180 dias da data de privatização, a empresa adquirente poderia proceder às demissõespagando apenas o previsto pela legislação trabalhista, sem a obrigatoriedade deconcessão de qualquer benefício adicional.

A decisão por um plano de desligamento incentivado, logo ao início da nova gestão,deveu-se, principalmente, à necessidade de sinalizar, tanto para a sociedade em geral,quanto para o público interno, o início de uma fase diferente. Nas palavras do diretor deRecursos Humanos da nova holding:

“A principal questão foi a de tornar a empresa mais ágil, dar uma mensagempara o mercado da mudança. A gente sabia que qualquer mudança, que nãoestivesse associada logo a este período, seria muito mais difícil de acontecer.Porque as pessoas naquele momento sabiam que a mudança era inevitável”.

Mas as mudanças não foram fáceis de serem aceitas. Muitas pessoas achavam que iriase reverter a privatização e que o programa de demissão não poderia ser realizado.Ainda nas palavras do diretor de Recursos Humanos da holding:

“Muitas pessoas não acreditavam que isso ia ocorrer. Não aceitaram numprimeiro momento. ...’Isso não vai acontecer. Eles não vão poder fazer isso’. Osindicato veio e falou que não iam poder demitir, que a privatização ia sercancelada, que nós enquanto controladores, não íamos poder contar comrecursos jurídicos”.

A implantação do programa contou com o suporte de uma empresa especializada e como envio de consultores a todos os Estados para orientar a negociação com os sindicatose auxiliar no planejamento da comunicação do plano.

A comunicação do plano teve como alvo não apenas o público interno, formado porgerentes e funcionários, mas também os públicos externos, como a imprensa, governosestaduais e federal, órgãos reguladores, clientes, acionistas e, mesmo, a sociedade emgeral.

Para atender ao público interno, elaborou-se uma cartilha contendo: (a) uma explicaçãodos objetivos do plano; (b) indicação de quais empregados não seriam abrangidos peloplano, (como, por exemplo, aqueles que estivessem com o contrato de trabalho suspensoem decorrência de acidente de trabalho ou auxílio doença); (c) informações sobre asdatas para a adesão; (d) incentivos oferecidos pelo plano e (e) uma sessão comperguntas e respostas, procurando esclarecer as dúvidas mais freqüentes.

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A ServA por estar, dentre as demais empresas formadoras da nova holding, em estágiotecnológico mais avançado, utilizou-se, ainda, de meios eletrônicos para a comunicaçãodo plano. Assim, o processo foi comunicado por terminais de computadores onde osempregados podiam obter os dados relativos ao seu caso e, também, fazer algumassimulações. A adesão poderia ser realizada pelo terminal. Nas palavras dosentrevistados, “bastava um enter” para se entrar no plano.

Curiosamente, essa facilidade de comunicação fez com que as pessoas deixassem suadecisão para – literalmente - a última hora. Segundo depoimento de gerente de áreaadministrativa:

“Cinco dias. A adesão maior ela ocorreu no último dia. As pessoas estudaram,pensaram e aí na última hora, na última hora de fato, às cinco horas era a últimahora, de quatro às cinco horas foi uma adesão maciça, quer dizer, isso foicolocado no terminal. ...Se você entrasse no terminal a cada cinco minutos paraver como estava a adesão, veria que o número [subia a] uma velocidade bemgrande”.

Segundo o diretor de Recursos Humanos da ServA, seria obrigação da empresadisponibilizar todas as informações ao empregado, deixando claro quantias, prazos,situação no INSS, decisões, enfim, relevantes para a decisão a ser tomada. Assim, umasérie de ações foram tomadas de forma a facilitar a decisão do funcionário. A empresadisponibilizou um espécie de plantão com pessoas da área de Recursos Humanosdestinada a tirar dúvidas dos empregados ou realizar cálculos de interesse do interessedo funcionário, como, por exemplo, tempo para a aposentadoria. Além disso, a empresatinha um convênio com o INSS, que garantia a existência de um posto avançado doInstituto dentro da empresa.

Se desenho e estrutura do plano foram idealizados pela matriz, algumas decisõesficaram, entretanto, a cargo das unidades71. No caso da ServA, a principal questãoreferiu-se à possibilidade de se recusar uma adesão. No plano original, as empresaspoderiam recusar um pedido se julgassem necessário.

A ServA optou por aceitar todos os pedidos de desligamento, não havendo nenhumaação para se reter pessoas consideradas estratégicas ou tidas como talentos.Considerava-se que, ao recusar um pedido de saída, a empresa passaria a ter que daruma reciprocidade não prevista pelos planos de recursos humanos. Nas palavras dodiretor de Recursos Humanos da unidade:

“O plano tinha uma remuneração até bem atrativa para quem fosse sair. Então,na medida em que você não deixasse a pessoa sair, e ela continuava a trabalhar,continuava com o seu salário, ela iria falar: ‘E agora? Eu fico e você não querdeixar eu sair. Mas o que eu vou ganhar?’ Vai continuar trabalhando no mesmo

71 Usar-se-á, neste texto, os termos empresa do grupo e unidade como sinônimos.

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lugar e ganhando a mesma coisa enquanto para sair ia ganhar tantos mil reais.Isso eu chamo de compromisso”.

Outra questão referia-se à competição do setor. Na ocasião, a concorrência estavaapenas se iniciando e a demanda por profissionais especializados, ainda, estava baixa.Um cenário de concorrência diferente, entretanto, poderia ter alterado a decisão daunidade, conforme relato do mesmo diretor de Recursos Humanos:

“O mercado não estava, naquele momento, tão demandador como está hoje. Seisso acontecesse...a gente acredita, eu pelo menos acredito, que hoje a decisãofosse outra”.

Com essa decisão, algumas áreas ficaram carentes de mão de obra especializada. Aalternativa encontrada pela ServA foi a de reter alguns funcionários de setores maisestratégicos através de contrato temporário, com um salário menor e por um períodopré determinado. Nesse ínterim, a empresa tentaria substituir os profissionais através deprocesso interno ou, mesmo, com contratação de mão-de-obra terceirizada.

Haveria, é claro, a possibilidade de que estes empregados – cerca de 30 - a quem seofereceu um contrato temporário se recusassem a continuar por esse período. Emverdade, apenas uma pessoa recusou-se a continuar dentro desse acordo. A aceitação dovínculo temporário deveu-se, na opinião do mesmo diretor, à cultura de estabilidade doemprego: “Não era muito comum sair de uma empresa estatal. O vínculo de empregoera no padrão japonês. Ficava-se uma vida aqui dentro”.

Além disso, havia na empresa um espírito de equipe e de responsabilidade muitogrande. Nas palavras do diretor: “Não era problema trabalhar mais dois ou três meses.Foi muito em [função] de não deixar, não largar o serviço pelo meio, no espírito deresponsabilidade, que sempre foi muito forte aqui na ServA, sempre foi muito forte”.

Mesmo assim, algumas áreas se viram, repentinamente desfalcadas de mão de obra, oque gerou ansiedade nos respectivos gerentes. A situação agravou-se, ainda mais, pelatransferência de alguns funcionários para outras empresas do grupo.

Essa situação permitiu, por sua vez, que novas lideranças surgissem e assumissem oespaço vazio deixado pelos que saíram. Segundo depoimento do diretor de RecursosHumanos da ServA, “a empresa, simplesmente, deu a volta por cima; criou novaslideranças; talentos que saíram foram repostos... Tivemos a oportunidade de que muitaspessoas ascendessem, inclusive gerencialmente”.

No caso da ServA, 1074 pessoas saíram no plano, tendo idade média de 47 anos e médiade 22 anos trabalhados na empresa. Na avaliação do diretor de Recursos Humanos, estaadesão foi surpreendente, pois se esperava, em função de simulações realizadas, umvolume bem menor, em torno de 700 a 800 adesões.

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Para que se tenha uma idéia do perfil das pessoas que optaram pelo plano, apresentam-se, a seguir, duas tabelas. Uma indica o nível de escolaridade dos funcionários queaderiram e a outra discrimina as adesões por departamento. A divisão por escolaridadepode ser verificada na Tabela 11 a seguir:

TABELA 11ADESÕES AO PDV NA SERVA POR

GRAU DE ESCOLARIDADE

Grau de escolaridade No de adesõesPrimeiro Grau Completo 387Segundo grau completo 447Superior completo 240Total 1074

Fonte: Documento interno da ServA

No que se refere à divisão por área, as maiores adesões ocorreram no departamento demanutenção, totalizando 571 empregados. Pode-se supor que o grande número deadesões nessa área tivesse origem na grande possibilidade que se via, à época, de aatividade ser terceirizada.

TABELA 12ADESÕES AO PDV NA SERVA POR ÁREA FUNCIONAL

Áreas da empresa No de adesõesÁreas de manutenção 571Áreas administrativas 295Áreas de negócios 208Total 1074

Fonte: Documento interno da ServA

4.2 Antes da Privatização: A ServA como Estatal

4.2.1 Práticas organizacionais à época de estatal

Cada empresa do Grupo adquiriu, ao longo de sua existência, um conjunto de práticasque se tornaram características da organização. No caso da ServA, algumasrelacionavam-se à imagem de uma típica empresa estatal; outras, por sua vez, estavammais próximas de uma administração de empresa privada.

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4.2.1.1 Gestão

A gestão, pautada em decisões e indicação de cargos por interesses políticos, era umacaracterística da ServA que incomodava alguns funcionários da empresa. Viam pessoasexternas serem indicadas para diretorias e funcionários alçados a cargos de gerência semque tivessem condições técnicas ou mesmo uma história de comprometimento com aempresa.

“Então ... era muito voltado para essas orientações governamentais... umapoliticagem danada. Todo mundo aqui político mesmo, diretoria política,muitos gerentes eram designados politicamente... Presidente da empresa dopartido tal, o diretor de Recursos Humanos era do partido tal. ... Nós tivemosaqui dentro do próprio departamento duas pessoas recomendadas pelodiretor...Apesar de ótimos colegas não tinham qualquer perfil gerencial ...tinham dificuldade até no operacional ... quanto mais gerenciar pessoas.”(gerente de área administrativa)

Segundo um dos depoimentos, a questão ligava-se ao mérito da indicação, à falta deembasamento técnico e à ausência de comprometimento com o longo prazo, vistoscomo necessários para a tomada de decisões. Na percepção dos entrevistados, seriamrepresentantes de partidos políticos, não estando a sua função conectada com o futuro daorganização.

“A questão não é só ligação política. A questão é que a indicação política prevêque a pessoa está ali para exercer um cargo político. ... Então o negócio fica umpouco complicado porque, na maioria das vezes, você precisa de uma decisãotécnica também, tem que ter um suporte técnico do seu diretor. O diretor temque conhecer também. ....E às vezes isso não era possível, não pela má vontade,não é isso, nós sempre tivemos um quadro de diretores muito bons, mas faltavao arcabouço técnico e a questão do envolvimento. A pessoa que está ali sabeque ela depende do presidente indo, do governador que está saindo... o objetivodela é estar ali representando o governador, o grupo político de interesse. Edepois dali ela sabe que vai sair...” (gerente de área administrativa)

Planos internos, considerados estratégicos para o sucesso da empresa, teriam deixado deser executados por não atenderem a interesses estranhos à empresa o quecomprometeria, segundo um depoimento, a competência e a lógica da organização.

4.2.1.2 Demissões

A representação das demissões, no caso da ServA, não surgiu de forma nítida. Para umdos entrevistados, a empresa sempre demitiu e manteve-se enxuta ao longo dos anos:“acho que foi em 77, 78.....foram umas 300 demissões” (funcionário de área

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administrativa). Ou, ainda, nas palavras de outro depoente: “Desde a época da estatal,eu acho que sempre convivemos com isso, o fantasma do desemprego”.

Outros, porém, indicaram que a empresa quase não demitia. Segundo um dos gerentes, aempresa tratava seus funcionários como “uma mãe” que, em caso de falha, poderiarepreender, mas nunca demitir.

“A estatal tinha todo um aparato... a minha percepção era de que, para aempresa enxugar um quadro de estatal era muito difícil, muito difícil, e aempresa privada não tem essa dificuldade, eu não vejo essa dificuldade.”(gerente de área .operacional)

“Até então era a mãe... que era o seguinte: ela vai no máximo puxar as orelhas,mas não vai dar um pontapé, me botar na rua.” (gerente de área administrativa)

No entanto, a ausência de demissões não significava, para alguns, necessariamente, quea empresa estivesse com quadro de pessoal excessivo. Um dos entrevistados, porexemplo, indicou que a empresa procurava sempre trabalhar com o quadro “ajustado”.

“O quadro da ServA era um quadro até ajustado. A ServA sempre se preocupouem enxugar seu quadro. Por isso que eu.... quando assumi a folha de pagamento,nós tínhamos treze pessoas lá trabalhando...no meu tempo de gerência nósreduzimos pessoas. E em vários setores, a empresa sempre, de um modo geral,se preocupou em ajustar seu quadro. Então a ServA sempre teve o quadro bemajustado.” (técnico de área administrativa)

4.2.1.3 Desenvolvimento de pessoal

Uma das práticas que mais se destacou, no discurso dos entrevistados, refere-se aotreinamento e desenvolvimento de pessoal oferecido pela empresa, anteriormente àprivatização. Abrangeria todos os níveis organizacionais e as várias áreas funcionais econtemplaria não apenas o desenvolvimento tecnológico, mas também o pessoal ecomportamental.

“Eu sempre achei que havia uma preocupação da ServA, empresa estatal, muitogrande com relação ao desenvolvimento pessoal e profissional dos empregados.... Desde o diretor até o empregado mais simples da empresa, no menor cargo,eles todos foram envolvidos em programas de desenvolvimento pessoal eprofissional. Foi uma coisa bastante significativa, muito significativa”.(funcionário de área administrativa)

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Na percepção dos entrevistados, existia, na ServA, uma cultura que não apenas permitia,como também incentivava os funcionários a realizarem cursos e a estudarem. Em algunscasos autorizava-se o uso do horário de trabalho para esse desenvolvimento.

“Então a gente estudava, tinha tempo, o próprio gerente designava para a genteestudar e de uma maneira assim bastante interessante. Eu achava que osgerentes, nessa época, estimulavam todos a estudarem.” (funcionário de áreaadministrativa)

Essa ênfase percebida no treinamento poderia dever-se, em parte, ao fato de a empresa,além de atuar em ramo com tecnologia específica e altamente dinâmica, ser monopolistano setor. Não haveria, segundo um dos entrevistados, disponibilidade, na região, decursos que preparassem o corpo técnico nas habilidades necessárias à operação diária daempresa. A empresa precisaria, por conseqüência, formar sua própria mão de obra,investindo, para esse fim, elevada e continuamente, no treinamento de seusfuncionários.

“Aqueles equipamentos mais antigos foram ficando para trás e semprerenovando os equipamentos, sempre substituindo por equipamentos maismodernos. E toda essa revolução tecnológica que teve, o treinamentoacompanhou essa revolução tecnológica.” (supervisor de área operacional)

“Quando eu entrei para a ServA não tinha curso técnico, fui formado no antigocurso científico. Foi todo um trabalho de formação, curso, curso, para se formaras pessoas dentro da empresa. E empresa procurou formar seus profissionais...No mercado lá fora não existia essa especialização.” (gerente de áreaoperacional)

Todo esse cuidado teria formado um quadro de pessoal altamente capacitado, motivo deorgulho de muitos e expresso no discurso de alguns:

“Muitos cursos, bastante cursos. Eu não saberia falar quantos já fiz... perdi aconta. ... Todos os profissionais que estão aqui, durante esses anos, ele forammuito bem treinados.” (supervisor de área operacional)

4.2.2 Representações da ServA

Observou-se, de forma geral, no discurso dos entrevistados, grande respeito e orgulhopela ServA. Consideravam a empresa dinâmica e avançada; técnica e operacionalmentemuito melhor do que suas similares no país.

Para um dos entrevistados, um dos grandes méritos, ainda como estatal, encontrava-sena postura participativa que a empresa adotava, em relação a seus funcionários e à

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comunidade em geral. Para outros, a empresa distinguia-se por sempre ter investidomuito no desenvolvimento de seus empregados construindo um centro de treinamento“modelo para o país” e formando um corpo técnico que “nada deixava a desejar apessoas que chegavam de fora”

“A ServA sempre foi uma empresa que nós consideramos de vanguarda, porqueela sempre foi uma empresa que saiu na frente. ... Ela sempre procurou estarenvolvendo seus empregados. Envolvendo a comunidade também naquilo que énegócio dela.” (funcionário de área administrativa)

“Nós tínhamos uma empresa modelo, em nível Brasil, uma empresa quefuncionava maravilhosamente bem.” (funcionário de área administrativa)

Para outros, ainda, a ServA era uma empresa conceituada no seu setor que, emboraestatal, não “agia como estatal”, diferenciando-se, assim, das demais.

“A ServA, mesmo como empresa estatal, ela tinha algumas boas postura não sóem nível de ações, mas ao nível de seu corpo gerencial. Algumas ações que adiferenciavam.” (funcionário de área administrativa)

“A ServA era uma empresa altamente conceituada nesse mercado... muitoconceituada. ... A ServA, apesar de ser uma empresa estatal, ela não agia comoestatal, ela não agia nunca como estatal.” (funcionário de área administrativa)

Outro entrevistado considerava que, embora administrada por políticos, quem “tocava”a empresa era uma equipe técnica de alta qualidade. Tal equipe teria conseguido manterum padrão de competência e prestar serviço de qualidade, segundo outro relato.

“A ServA foi uma grande empresa mesmo na época em que os políticos aadministraram, porque eles também tiveram uma postura de fazer com que ostécnicos ‘tocassem’...” (gerente de área administrativa)

“Mesmo sendo estatal, ela conseguiu um nome, uma competência, prestar umserviço de qualidade. ” (gerente de área administrativa)

Uma perspectiva diferente foi apresentada por um gerente de área administrativa. Paraele, a empresa encontrava-se em um dilema de papéis: tanto deveria proteger osinteresses de seus acionistas – embora o governo fosse majoritário, havia acionistasminoritários – como teria, também, a função de arrecadador de tributos. Defender estesdois papéis “antagônicos” seria um dos problemas enfrentados.

“Então como defender esses dois interesses que são absolutamente antagônicos?Então é complicado. ... São antagônicos os interesses do acionista minoritário eos interesses do governo. Mas cada um tem seu papel. ... Eu acho que vi passar

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por aqui muitas dessas, vamos chamar assim, muitas dessas contradições nesseperíodo todo que a gente está aqui.” (gerente de área administrativa)

4.3 Transição de Estatal para Privada

Considerou-se, como transição, o período que foi de 1996, quando foi oferecido oprimeiro plano de desligamento voluntário, até os primeiros meses de 1999, quandoterminaram os primeiros seis meses da nova gestão. Esse período foi decisivo naorientação pessoal e profissional dos empregados da estatal. Muitos puderam seaposentar nos dois planos (1996 e 1998), outros encontraram oportunidades em outrasempresas ou atividades, mas a maioria permaneceu na ServA.

4.3.1 Plano de desligamento voluntário – PDV no contexto deuma empresa a ser privatizada

O Programa Nacional de Desestatização tinha como objetivos desonerar o governo deinvestimentos em áreas estratégicas para as quais não havia recursos monetáriossuficientes e permitir que, com aportes da iniciativa privada, as empresas pudessemobter maior eficiência e agilidade operacional.

Dentro deste contexto, fez parte do programa de governo que as empresas a seremprivatizadas passassem por processos de reformulação de seus quadros de pessoal,implementados, via de regra, na forma de planos de desligamento incentivados.

Com a ServA não foi diferente. Em 1996 – dois anos antes, portanto, da efetivaprivatização - foi oferecido, conforme já relatado, um Plano de DesligamentoIncentivado – PDI, que tinha por objetivo estimular o desligamento de funcionários commuitos anos de serviço e próximos da aposentadoria.

Uma das principais características do plano referia-se às condições de elegibilidade: osfuncionários não poderiam ter, ainda, atingido as plenas condições para a aposentadoriapelo sistema de previdência oficial, e deveriam, também, ter pelo menos 20 anos detrabalho. Assim, a possibilidade de adesão ao plano estava limitada a funcionários quetivessem menos de 35 anos de trabalho, no caso dos homens, menos de 30 anos detrabalho, no caso das mulheres e, ainda, que tivessem pelo menos 20 anos de trabalho.

Um aspecto peculiar ocorreu, entretanto, na implantação do programa: a flexibilidadepara arrependimentos. Empregados que haviam aderido ao plano puderam, em algumascircunstâncias, voltar atrás. O mesmo ocorreu para pessoas que não tinham optadodentro do prazo estipulado: permitiu-se-lhes a adesão mesmo após o encerramento dasinscrições.

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Essa flexibilização causou, segundo depoimento de um gerente da área de recursoshumanos, uma série de inconvenientes operacionais, uma vez que prazos legais depagamento de indenizações e tributos deveriam ser obedecidos nos casos dedesligamentos.

“Mas a empresa, ela começou a flexibilizar. Às vezes a pessoa tinha aderido,depois se arrependia e voltava atrás. Depois ele cismava, entrava de novo. Oque não quis aderir, quis depois e a diretoria aceitou essa flexibilização até pelopróprio momento. Isso tornou a coisa muito difícil de trabalhar.” (gerente deárea administrativa)

Esse entra-e-sai originava-se, segundo o mesmo gerente, da grande ansiedade que seinstalou no grupo-alvo do programa:

“A ansiedade desse grupo que entra, que está entrando num processo desses,mesmo que tenha as condições prévias, a ansiedade é muito grande e ainsegurança é muito grande.” (gerente de área administrativa)

4.3.1.1 Razões para o PDV

Necessidade de enxugamento, preparação para a privatização, uma forma de dardinheiro para as pessoas que saíssem foram os motivos apontados pelos entrevistadospara o plano de desligamento oferecido pela ServA.

Dentro da perspectiva de conceder um auxílio financeiro àqueles que aderissem, duasinterpretações ocorreram. Um entrevistado creditou a generosidade do plano a umamanipulação que beneficiava, principalmente, aqueles em posição de comando. Paraoutro, a concessão desses benefícios tinha por motivo ajudar as pessoas a iniciaremoutra atividade fora da empresa.

“Eu entendi, na época, que já tivesse sido uma... uma preparação para essemomento de privatização. ‘Vamos aproveitar e fazer isso aqui agora, porque nahora da empresa privada chegar, não sei se eles vão querer fazer’. .. Então,assim, um ‘ajeitamento de bola’ para aquelas pessoas que durante muitos anosse dedicaram. ... Aí saiu muita gente do topo da pirâmide. Queriam sair assimcom um dinheiro maior... prêmio pelos bons serviços prestados.” (gerente deárea administrativa)

“Eu acho ... que é uma oportunidade também que se dá, àquele colaborador,àquele empregado para que ele possa estar montando, possa estar procurandoalguma coisa fora ... daquela atividade que ele vem exercendo há mais tempo.”(funcionário de área administrativa)

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Para outro entrevistado, a questão se resumia a diminuir o quadro de pessoal tendo emvista a privatização, incentivando pessoas mais velhas e com salários maiores a sedesligarem. Dentro ainda da perspectiva da privatização, um outro ainda considera quese tratava de diminuir o quadro de uma empresa que estava “inchada”.

“Bem, eu percebo o seguinte: ela [a empresa] precisa enxugar o quadro depessoal e eu senti, bem no fundo, eu senti que ela precisava ficar livre daquelepessoal que já estava mais próximo de aposentar, pessoal com mais tempo decasa e com o salário mais alto.” (funcionário de área administrativa)

“Eu acho que era com vistas à privatização. Eu achei que já se falava emprivatização e acho que sempre houve uma cobrança da comunidade, de formageral... de empresas estatais. Então, se aproveitou as duas coisas e se tentouconciliar isso aí. ‘Eu vou precisar reduzir esse quadro, eu tenho que venderessas empresas, não posso vender inchadas e também para dar uma satisfaçãopara a sociedade ainda enquanto empresa estatal’.” (funcionário de áreaadministrativa)

A questão da idade reapareceu em outro depoimento. Nesse caso, havia umanecessidade de se ter um quadro mais jovem em função de algumas atividades que aempresa exercia. Além disso, com a terceirização de alguns trabalhos, ter-se-ia criadoum excesso de contingente.

“Eu acho que a empresa precisava diminuir um pouco o quadro de funcionáriosdela em função de algumas coisas que foram desativadas, em função daempresa terceirizar alguns trabalhos. Em função também do pessoal, de algunstipos de serviço que necessitavam de pessoas mais jovens. E para as pessoassaírem melhor... muitos estavam querendo recomeçar com outra coisa. Entãoseria um recomeço para eles.” (funcionário de área operacional)

4.3.1.2 Razões para a adesão ao PDV

As adesões se fizeram, segundo os depoimentos, majoritariamente, por pessoaspróximas à aposentadoria. Além disso, nessa época, duas questões se apresentavam nocenário nacional: a mudança da legislação da previdência social e a própria privatizaçãoda empresa. Assim, proximidade da aposentadoria, insegurança com relação àlegislação previdenciária, possibilidade de privatização e, também, a existência dealguma atividade paralela fora da empresa teriam sido os principais fatores a contribuirpara a adesão ao plano.

“Então, a maioria das pessoas que saíram, pelo menos no meu conhecimento,foram pessoas que estavam já para se aposentar ou pessoas que já tinhamalguma atividade fora da empresa. ... eu acredito que 80% das pessoas que

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saíram já tinham se preparado, mesmo porque, na época ainda de empresaestatal, nós .... nós já dávamos alguns seminários e cursos, já preparando aspessoas para a aposentadoria.” (funcionário de área administrativa)

“Então houve aquilo, um momento de pré privatização. ‘Vai privatizar. O quevai ocorrer?’ Um momento de mudança na legislação ...o que poderia ocorrercom a mudança da lei de Previdência Social. Então isso empurrou o grupo aaderir. Mas no geral, a adesão maior foi de pessoas que tinham mais tempo parase aposentar. ... e também empurrou algumas pessoas que já tinham algumacoisa aí fora, em termos de estrutura profissional e pessoal fora da empresa.”(gerente de área administrativa)

A realização deste plano serviria, segundo um depoente, como um alerta para aprivatização o que estimularia as pessoas mais inseguras a aderirem. A empresa,todavia, não teria sinalizado desta forma e as pessoas também não teriam interpretadoassim.

“Eu tinha o seguinte raciocínio; esse PDI deve ter sido um grande sinalizadorpara pessoas de que as coisas estavam para, para mudar. Eu achei que ele seriainterpretado por várias pessoas como uma grande sinalização: ‘Olha, nós vamosprivatizar mesmo. A privatização está chegando, tanto é que estão oferecendo oPDI’. Mas não foi isso que eu percebi de forma geral. Isso não apareceu. ... Eupercebo o seguinte, não teve, não foi colocado assim, a coisa com essa intenção,ou seja, ninguém explicitou este objetivo ‘Olha vai privatizar e já é o começo’.Não teve isso... Eu tenho a impressão, de uma maneira geral, que elas sóacreditaram mesmo, para valer, na questão da privatização no momento em queela ocorreu.” (gerente de área administrativa)

4.3.1.3 - Razões para a não adesão ao PDV

Quatro pontos parecem predominar nas justificativas daqueles que poderiam ter entradono plano e optaram por não fazê-lo: (a) a falta de tempo para ter direito à aposentadoriaplena; (b) o incentivo monetário insuficiente para justificar o pedido de desligamento;(c) a ausência de oportunidades de ocupação - um novo emprego ou um negócio próprio– fora da empresa e (d) o sentimento de que se estava seguro e satisfeito pessoalmentecom o trabalho.

“Era um plano modesto. Nada que desse uma segurança.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Não tinha o tempo para aposentar nem nada. Financeiramente eu não estouestável, nem nada. ... Conversei com minha mulher e achamos melhor... não

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tivemos muita opção lá fora para poder sair da empresa. O dinheiro não eracompensador. .... Aqui no Brasil você tem que se aposentar e continuartrabalhando com outra coisa.” (funcionário de área administrativa)

“A situação que nós vivemos, não é de agora, neste país, a questão dodesemprego. Você está bem, está empregado, está prestigiado, está fazendo umtrabalho que você gosta, não tinha sentido, não tinha porque você pensar numdesligamento.” (funcionário de área administrativa)

Percebe-se um sentimento de que a saída só seria vantajosa se se pudesse obter acomplementação de aposentadoria fornecida pelo fundo de pensão, se não em seu valorpleno, pelo menos com um valor próximo ao máximo. Tal raciocínio devia-se, emparte, ao fato de que o fundo de pensão só complementava pelo teto aqueles quetivessem, pelo menos, 57 anos de idade. Um percentual proporcional à fórmula (57anos menos a idade da pessoa) era descontado das pessoas que optassem por seaposentar antes dos 57 anos.

“Naquela época, eu não achei interessante porque eu estava com 48 anos e nãotinha tempo para me desligar. Interessante seria se eu me aposentasse. E nóstemos o sistema de fundo de pensão, que complementa o nosso salário. E se eume desligasse com 53 anos de idade eu perderia muitíssimo. No mínimo, 8%em cada ano que faltasse para completar os 57.” (funcionário de áreaoperacional)

“Eu, particularmente, não tive o menor interesse de entrar nesse programaporque não tinha tempo para estar me aposentando, não tinha perspectiva deestar montando nada para mim.” (funcionário de área administrativa)

“Porque o ideal é você sair com incentivo mas se aposentando. Porque você sairsem se aposentar não é o ideal.” (supervisor de área operacional)

4.3.2 Preparação para a privatização

4.3.2.1 Descrença na privatização

Embora o Programa Nacional de Desestatização já estivesse em andamento, há váriosanos, e uma série de empresas já tivessem sido privatizadas, na ServA havia uma certadescrença de que isso pudesse acontecer com a própria empresa.

Vários depoimentos apontam para esse comportamento de negação da possibilidade daprivatização. Dentre os motivos elencados pelos sobreviventes para a descrença,surgiram como principais: (a) a esperança de que as eleições para Presidente da

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República pudessem dar um curso diferente ao Programa de Privatização; (b) aexpectativa de que, dado o porte da empresa, não haveria grupo algum com dinheiropara adquiri-la; (c) a esperança de que a população se levantasse contra a privatizaçãoe, mesmo, (d) a crença de que o “jeitinho brasileiro” entraria em ação para evitar avenda.

“Por que também dependia muito de se o governo ia ganhar, se ia ganhar aseleições ou não... porque a oposição era contrária à privatização.” (funcionáriode área operacional)

“O pessoal não acreditava, porque era muito dinheiro... não tinha grupo quecomprasse isso, não. Apareceu, tudo bem, difícil de acreditar...” (funcionário deárea administrativa)

“Acho que a gente tem que ter um pouco de esperança de que o povo vai ter, nomomento, uma reação contrária... a gente achava sempre que era uma coisanossa. Que podia até privatizar outras coisas, mas que isso aí, de alguma forma,o povo, em algum momento ia reagir, como tentou reagir um grupo pequeno...”(funcionário de área administrativa)

“Eu acho que o pessoal achava que não ia acontecer, porque, no Brasil, semprese dá um jeitinho. Na última hora, não ia privatizar, ia acontecer alguma coisaque ia impedir isso. ...Eu não acreditava que o pessoal achasse que realmente acoisa ia ser efetivada não. Achava sempre que ia ‘terminar em pizza’ e que, nofinal, ia dar um jeitinho brasileiro e não ia privatizar.” (funcionário de áreaadministrativa)

4.3.2.2 Preparação dos funcionários

A administração da ServA, consciente de que o processo de privatização seriainevitável, iniciou um trabalho de preparação dos funcionários, que se concretizou comuma série de palestras ministradas, não apenas na capital, mas em várias localidades dointerior do estado.

“Então, com relação a esse processo de privatização, uns três anos antes ... nósestávamos sempre presentes informando desse processo de privatização quetodo o país e todo o mundo passava, nesse processo de globalização. Então nóssempre procurávamos estar no interior, nos parques, mesmo nos prédios maiscentralizados, informando de que esse processo era inevitável.” (funcionário deárea administrativa)

“Essa preparação veio através de vários treinamentos que nós recebemos,através de várias palestras que nós tivemos, através de vários

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seminários...seminários em que se envolveram várias empresas da iniciativaprivada.” (gerente de área administrativa)

Ações individuais das chefias, no sentido de conscientizar os funcionários daprivatização iminente, também estiveram presentes:

“Eu atuei na função gerencial e com o grupo conversava muito sobre essascoisas, exatamente para as pessoas entenderem de que essa coisa de estatal eprivatização tem algo muito mais complexo por trás disso tudo, que é o sistemacapitalista.” (funcionário de área administrativa)

Se de uma forma geral, por parte dos funcionários, não se acreditava na privatização,ainda assim alguns, preocupados com seu futuro, empreenderam ações que os tornarammais bem preparados para esse futuro.

“Antes de privatizar muita gente começou a entrar em curso de italiano, cursode espanhol...Este tipo de colocação mostra que a pessoa quer buscar crescer....A pessoa enxerga, se eu estiver em cima, for um funcionário competente,atender àqueles requisitos de tecnologia... eu vou alcançar e vou melhorar aminha vida.” (diretor de Recursos Humanos)

Um fato curioso se deu quanto à questão dos cursos de idioma. Muitas vezes a escolhapelo aprendizado de uma nova língua, foi orientada pelo que se imaginava pudesse ser oidioma do acionista controlador. Assim, se houvesse uma expectativa de que espanhóisadquirissem a empresa, esta seria a língua escolhida para ser estudada.

“Então o pessoal começou a fazer curso de inglês, curso de espanhol, ou fazerum curso a mais de extensão, procurar aprimorar seus conhecimentos.” (gerentede área comercial)

4.3.2.3 Representações da empresa privatizada

Muito mais do que passar o controle acionário do governo para a iniciativa privada, aprivatização veio carregada de significados simbólicos que a fizeram ser objeto detemor, de um lado, e de esperanças ,de outro.

A questão mais importante, sem dúvida, que se configurava na cabeça dosentrevistados, era a estabilidade do emprego. Havia uma consciência de que as práticasde retenção de emprego das empresas privadas seriam diferentes daquelas das estatais.Assim, para alguns, a privatização era sinônimo de demissão.

“Qual é o grande temor da privatização? Na visão de quem está dentro de umaestatal, é perder o emprego. ... A ... privatizou, ficou com a metade das pessoas;

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a ... privatizou, também ficou com a metade das pessoas. ...Então o sinalizadormais forte das pessoas era que a privatização significaria, num primeiromomento, perda do emprego.” (gerente de área administrativa)

“Não existia a palavra enxugamento, não existia a palavra demissão. Vamoscompor equipes, que a empresa está crescendo, temos desafios pela frente. ...Aí, na década de 90 se começou a falar em privatização. Aí o pessoal jácomenta: isso é sinônimo de enxugamento.” (supervisor de área operacional)

“Viam a privatização como um monstro, que vai acabar com tudo, vai demitirtodo mundo.” (gerente de área operacional)

“Naquela época, privatizar significava enxugamento. Eles sabiam que aquelemodelo não ia continuar. Eles sabiam que aquele modelo privatizado seria bemdiferente do modelo estatal. ... E sendo diferente, haveria enxugamento, de umamaneira ou de outra.” (supervisor de área operacional)

Para outros, a privatização representava oportunidades que não estavam disponíveis naempresa estatal, como, por exemplo, o desenvolvimento de novos projetos e, mesmo, apossibilidade de uma promoção.

“Eu acho que ela dá muito mais oportunidade às pessoas delas mostrarem aquiloque aprenderam, o desenvolvimento que tiveram durante o seu período devida.” (funcionário de área administrativa)

“Eu achava que se privatizasse, ia melhorar. Eu acreditava que realmente eu iapoder deslanchar. Eu sempre me senti muito preso. E eu tenho um sem númerode projetos, que eu passei para o meu gerente, que nunca saíram da gaveta.... Decerta forma, eu me acostumei com isso.” (funcionário de área administrativa)

“Porque eu gosto de mudanças, então eu estava querendo uma coisa assim.Porque quando era pública, todo mundo dava a desculpa: ‘A gente não pode darpromoção, porque nós não temos autonomia, o governo não deixa’. Aí eu falei:vai privatizar, vai ficar melhor. Eles vão ter autonomia para reconhecer a gente.Mas ainda não aconteceu.” (funcionário de área administrativa)

4.3.3 – Programa de desligamento incentivado – PDI nocontexto de uma empresa recém privatizada

Como já relatado, a ServA veio a ser privatizada em meados de 1998. De acordo com oedital de concessão, caso houvesse demissão em massa nos primeiros 180 dias, aempresa deveria fazê-la na forma de um plano incentivado. Ciente de que este seria o

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momento adequado para sinalizar mudanças, a direção da ServA optou por lançar umPlano de Desligamento Incentivado – PDI logo nos primeiros meses de sua nova gestão.

4.3.3.1 – Razões para o PDI

Como empresa privada, a ServA deparava-se com cenário de negócios substancialmentediferente daquele que enfrentara como estatal. Do ponto de vista do meio ambiente,vários foram os desafios a serem enfrentados. De um lado, a entrada de concorrentesdiretos em seu ramo de atuação, de outro, a emergência de novas tecnologias, as quaisnão dominava e que substituiriam a forma mais tradicional de atender o cliente.

Além disso, como monopolista em um mercado com elevada demanda, a empresa nãovia a necessidade de vender o seu produto. Na nova configuração ambiental, teria deconcorrer com outras na conquista do cliente e na manutenção de sua rentabilidade.

A implantação do plano de redução de pessoal foi encarada por seus funcionários apartir de várias óticas. O entendimento mais comum foi o da necessidade de redução decustos, tanto para se chegar ao nível de gastos de uma empresa concorrente do mesmoramo, como para conseguir maiores lucros.

“Após a demissão, quanto se vai economizar por mês? Eram as informações quenos eram solicitadas pelos novos acionistas. Qual vai ser a economia mensal?Então, foi muito focado em cima de custos.” (gerente de área administrativa)

“Olha, na minha opinião, foi para diminuir custos, porque a empresa privada,ela visa muito esse lance de lucro. E quando você tem recurso humano, ele éalto.” (supervisor de área operacional)

“Diminuir cada vez mais os custos, o custo com pessoal para que os lucrossejam cada vez maiores.” (supervisor de área operacional)

Se a percepção de que os acionistas desejariam maiores lucros foi encarada como umaforte razão, há que se observar o quanto os empregados entendiam haver a necessidadede se estar apto para enfrentar a concorrência. Assim, no entender de alguns, o mercadose teria alterado de forma substancial, obrigando a empresa a tomar medidas paraenfrentar essa situação.

“Na minha opinião, é porque o custo de pessoal, comparativamente comempresas semelhantes, estava muito alto. Então, por que ela fez? Pelanecessidade de já ir trabalhando na redução de custos, dentro do enfoque de sepreparar para o mercado competitivo, para se tornar uma empresa competitiva....Se eu fosse o empresário, estava também trabalhando da mesma forma,dimensionando bem os meus custos para ser competitivo no mercado. Um

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mercado que ainda não está agressivo mas que vai ser agressivo.” (funcionáriode área administrativa)

“A questão é que se precisava fazer um ajuste. Os números da empresa,comparados com números internacionais ... estava acima e existia a necessidadede fazer essa adequações. Nesse mercado competitivo que a gente estáenfrentando já e vai enfrentar, as empresas que não tiverem demitido não vãorealmente conseguir colocar o serviço no mercado a um preço competitivo. Aparte de custos com pessoal é um fator importante.” (gerente de áreaoperacional)

Uma outra linha de interpretação foi a de que os benefícios oferecidos no planofuncionaram como uma compensação/incentivo aos que optaram pelo desligamento,permitindo uma saída menos traumática ou funcionando como um estímulo àqueles queestavam perto da aposentadoria e desmotivados para continuar trabalhando em um ritmoque se afigurava, no futuro, muito mais intenso.

“Quando privatizou, as pessoas que estavam próximas de se aposentar, elas sesentiram desmotivadas. Uma coisa que parece até natural. Sabia-se que tinhaum processo de competição na empresa privada, a pressão é maior sobre aspessoas e, às vezes, elas não estão preparadas para serem pressionadas depois detanto tempo.” (gerente de área comercial)

“A pessoa queria sair e não tinha coragem, não tinha incentivo. Então eu achoque o significado do plano foi esse: dar uma oportunidade às pessoas queestavam aqui de sair.” (funcionário de área administrativa)

Por fim, havia por parte de alguns funcionários a percepção de que, além de todos osmotivos já apresentados, o quadro de pessoal seria, realmente, excessivo, havendooportunidade para enxugamento.

“A empresa tinha o objetivo de reduzir o quadro, Já era um objetivo definido.Então, ela tinha que reduzir o quadro dela e aí ela lançou o plano.” (gerente deárea administrativa)

“Ela ainda tinha alguns excessos.... Ela realmente não tinha, dentro do contextopolítico [de estatal] ela não tinha como fazer, chegar aqui e falar: ‘Eu vou pegaraqui 500 pessoas e vou demitir’. Isso, politicamente, seria inviável fazer.”(gerente de área administrativa)

As razões, para alguns, se juntaram e se sobrepuseram, com entrelaçamento de causas econseqüências, formando, assim, um complexo conjunto de forças.

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“Primeiro, a necessidade de já ir trabalhando na redução de custos, dentro desseenfoque de ir se preparando para o mercado competitivo, para se tornar umaempresa competitiva. E por que ela fez o incentivo e não demitiu? Exatamenteno sentido de não criar até um clima de total insegurança na força de trabalhodos que ficam. Isso é muito grave...em empresa que não cuida dessas questõescom cuidado.” (funcionário de área administrativa)

4.3.3.2 Razões para a adesão ao PDI

Conforme já relatado, o prazo para a adesão foi de apenas cinco dias. Os funcionáriosforam informados do plano através de uma carta e através da rede interna decomputadores. Puderam, através de terminais, acessar as informações pertinentes ao seucaso e, com base em sua vida profissional e em características específicas do plano,decidir sobre a conveniência – ou não – do pedido de desligamento,

As razões mais apontadas para a adesão referiram-se à proximidade da aposentadoria, àincerteza das leis do INSS, ao recebimento do incentivo monetário. A existência deatividades profissionais paralelas e, mesmo, a percepção de falta de qualificação foramoutros fatores citados.

Aqueles que estavam perto de se aposentar e que teriam direito à complementaçãointegral ou proporcional do fundo de pensão teriam ficado “eufóricos”, pois, além dagarantia de uma boa renda, receberiam, ainda, um incentivo monetário para sedesligarem. Assim, segundo depoimento de um gerente de recursos humanos, ospedidos de aposentadoria quintuplicaram de um mês para o outro.

“Houve assim um clima de euforia. De uma parte, houve um certo clima deeuforia. Porque falaram assim: ‘Era a chance que eu precisava para ir embora.Estou perto de aposentar, com mais um ano de contribuição eu aposento’.”(gerente de área administrativa)

Para outros, o plano gerou incerteza, pois, à época, uma nova lei de aposentadoriaestava sendo votada no Congresso. As pessoas tinham medo de que, com a alteração dalei, fossem obrigadas a trabalhar anos adicionais para terem direito à aposentadoria.

“Muita gente tinha receio. Primeiro, mudança de legislação do INSS. Então,gente que já tinha 28 anos de contribuição ficava com receio de mudar a lei eele ter que trabalhar mais tantos anos. Esse era um outro receio, então seria umaoportunidade. Ainda aliava o fato de, às vezes, a pessoa já ter uma idade maior epoder aposentar proporcional pela fundação. ... Então esses, nessa categoria, foiuma alegria geral... pessoal muito entusiasmado.” (diretor de RecursosHumanos)

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“Uma coisa que ficou clara para mim, que me marcou bastante, é que saírampessoas sem plenitude para se aposentar. Ou seja, homens com trinta anos deserviço, de quarenta e poucos anos de idade. Quer dizer, ele não tinha nem osrequisitos para entrar no fundo de pensão, porque de uma faixa etária para baixovocê não recebe praticamente nada do fundo, e a aposentadoria com trinta anosde serviço, a pessoa recebe setecentos e poucos reais. Quer dizer, eu acho quepessoas abriram mão de coisas... contentando com aquele pouco ali,... e o futuroincerto da aposentadoria.” (gerente de área administrativa)

Outros, ainda, manifestaram uma insegurança relativa ao seu futuro na empresa privada.Cientes de que as condições e as exigências seriam maiores, sentiam-se despreparados etinham medo de serem demitidos no futuro. Para esses, embora o desligamento nãofosse a situação ideal, a possibilidade de ter que sair da empresa sem incentivo, apenascom os direitos trabalhistas, teria funcionado como estímulo à adesão.

“Teve um grupo de pessoas que estava com medo, com medo da qualificaçãoprofissional, pessoas que já estavam sentindo para onde que estava indo aempresa privada. A competição que estava entrando, a concorrência que estavaentrando, a qualificação que estava sendo demandada, quer dizer, o perfil doprofissional novo, do profissional de uma nova empresa privada. As pessoasviam que podiam, de uma hora para outra, não ter mais um papel importante naempresa e vir até a ser demitido sem nenhum incentivo. Então, uma boaquantidade também aderiu em função desse receio.” (diretor de RecursosHumanos)

“Ele falou que ele estava percebendo que ele estava ficando obsoleto. ... Entãoele começou a perceber que por mais que ele soubesse, a meninada que estáchegando aí, está chegando muito pronta. Então aquilo tudo que ele aprendeu avida inteira nessa área de ciência da computação, que ele carregou com ele,aquela bagagem enorme, não estava valendo porcaria nenhuma.” (funcionáriode área administrativa)

Um dos gerentes indicou que, em função da onda de privatizações e de demissões nopaís, algumas pessoas começaram a se preparar, iniciando atividades profissionaisparalelas. Para estas, o plano seria uma oportunidade de sair da empresa, dedicar-semais ao outro trabalho e, ainda, obter um adicional monetário.

“E tem problema também de pessoas que já vinham, em função desse processode 90 para cá, se estruturando aí fora. Muitas pessoas já saíram com a vida maisou menos estruturada, com alguma atividade que faria. Aí, elas só pegaram ejuntaram o útil com o agradável.” (gerente de área administrativa)

Embora fosse um plano de adesão voluntária, alguns chefes aproveitaram a ocasião erecomendaram a determinados funcionários – aqueles menos preparados para as novas

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exigências ou menos dispostos a acompanhar o novo ritmo - que aderissem, sob pena depoderem, posteriormente, ser demitidos.

“Eu vou te dar um exemplo: eu tinha seis pessoas que teriam que sair. Eucomo....como macaco velho, esperei até na segunda-feira que elas aderissem. Seelas não aderissem, eu conversaria com elas dizendo que era recomendável queelas aderissem. Como meu santo é forte, todas as seis que eu precisava fazercom que aderissem, todas as seis entraram. ...Uma ficou para o último dia.Depois do almoço, ela aderiu. Se ela não tivesse aderido, eu chamaria e diriapara ela: ‘Olha, eu sugiro que você faça a adesão, porque amanhã eu já nãoposso garantir a sua sustentação aqui’.” (gerente de área administrativa)

“Ele [o plano] foi aberto e se queria também um máximo possível de saídas.Queria –se que todo aquele que tivesse o desejo de sair, saísse. Mas houve umaparcela... que a empresa tinha colocado como desejáveis de sair. Elas foramestimuladas a sair. Ou seja, chegava-se nessas pessoas e colocava-se: ‘Olha, euacho que se eu fosse você eu aderia a esse plano, porque se passar esse planovocê pode ser dispensado sem o incentivo que ele está te dando agora’. Entãoisso foi feito também. Ainda assim, algumas pessoas ainda resistiram. Aí, numperíodo logo após o fechamento das adesões, foram feitas demissões com umincentivo até menor.” (gerente de área administrativa)

“Foi um susto. Eu vi gente chorando, desesperada, pessoas que nem sonhavamque iam ser demitidas naquele momento. Achavam que no plano entrava quemquisesse e se viram acuadas com o gerente convidando elas a sair da ServA. Eumesma tenho uma colega que foi convidada a participar e foi um trauma paraela muito grande. Sem renda nenhuma porque não pode se aposentar. ... Semperspectiva de trabalho aí fora, o trabalho aí fora está uma loucura. Eu não vi sóessa moça, como eu vi muitos pais de família sendo convidados a aderir.”(funcionário de área administrativa)

“Porque o plano não foi tão voluntário assim, não. Antes do plano já havia umalista de demissões. A verdade é essa. Já havia uma lista de demissões onde elesdemitiriam 890 pessoas. Esta lista estava pronta.” (gerente de áreaadministrativa)

4.3.3.3 – Razões para a não adesão ao PDI

Os principais fatores citados pelos entrevistados para a não adesão foram: o tempo quefaltava para se aposentar pelo INSS, tempo que faltava para se aposentar pela fundação,percentual a ser recebido pela fundação em caso de aposentadoria proporcional, situaçãodo mercado de trabalho, situação familiar, valor do incentivo monetário, tempo para

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recuperação do valor do incentivo, oportunidades dentro da ServA, gosto pelo trabalhoque faziam e, por fim, o vínculo afetivo com a empresa.

Para aqueles que desejavam permanecer na empresa, um cálculo havia de ser feito.Quanto tempo seria necessário ficar para contrabalançar o valor do incentivo monetárioa ser recebido de uma só vez, caso aderisse ao plano? Esta era a questão crucial. Se apessoa se sentisse segura o suficiente para assegurar seu emprego por esse tempo, entãovaleria a pena correr o “risco de ficar”.

“Aí eu pensei assim: eu me considero um bom funcionário, uma pessoa quesempre trabalhou com espírito, não de empresa estatal, sempre trabalhei deforma que eu acho.... que a minha consciência manda eu trabalhar. Aí, eu falei:‘Não vou arriscar não. Vou ficar e quem sabe se eu ficar aqui mais um ano,nessa empresa privada, ou mais dois anos, esse dinheiro retorna para mim dealguma forma. Não na mão de uma vez, mas ao longo desse tempo’. E resolvicorrer o risco de ficar.” (funcionário de área administrativa)

Para um outro funcionário o cálculo do “risco” envolvia questões como o valor doincentivo financeiro, o gosto pelo trabalho, a auto avaliação da importância de seutrabalho para a ServA e as vantagens financeiras oferecidas na manutenção do emprego.

“Tinha um sistema disponibilizado com computador central que a pessoaentrava e via a simulação. Aí, por curiosidade eu entrei, olhei e falei: ‘Por essevalor eu não saio da empresa. Por esse valor eu arrisco a continuar aqui”. Eupensei da seguinte forma: ‘Eu trabalho na ServA porque eu gosto. Eu gosto dotrabalho que eu faço’. Eu poderia estar fazendo esse trabalho lá fora? Poderia.Eu poderia estar no mercado. ... Por que eu não faço isso? Por todas ascomodidades que o emprego me dá. ... por exemplo, um plano de saúde, acerteza do salário no final do mês. Na verdade eu nunca tive coragem assim deenfrentar o mercado. .. Eu achei que não valia a pena. E ao mesmo tempo eupensei comigo: ‘O meu trabalho é importante para a empresa. Tenho certeza deque eu não vou ser demitido porque eu tenho consciência da importância queesse trabalho representa na empresa.” (funcionário de área administrativa)

Em outro caso, aliado ao mercado de trabalho que, na época, não absorveria o pessoalespecializado da ServA, o entrevistado afirmou ter pesado a motivação para o trabalho ea expectativa de melhoria da empresa.

“Eu não via o mercado aí fora para trabalhar...até então era monopólio, só tinhaa ServA, essa era uma razão. Outra, em termos de motivação, eu estava e estouextremamente motivado para trabalhar. Não penso em aposentar...eu aindaestou longe. Eu tenho vinte e dois anos de empresa, são os meus únicos vinte edois anos e eu tenho quarenta e quatro anos de idade. Então eu tenho muitotempo pela frente...eu acho que trabalhar é uma referência na vida pessoal. Para

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mim não tem essa: ‘Eu estou louco para aposentar para ficar quieto em casa’,igual tem uns aí que saíram, não fazem nada, dormem o dia inteiro, bebem. Issopara mim não é vida, não. ... Porque eu acredito no meu trabalho...eu tenho aexpectativa de que a empresa vai melhorar.” (gerente de área comercial)

Um dos depoimentos colhidos apontou para a consideração simultânea de quase todosos fatores indicados. Embora não se possa inferir uma fórmula de cálculo, depreende-seuma complexidade de pensamento e de considerações de prós e contras.

“Aqui dentro eles estavam pagando um pouco mais do que o mercado pagava.Então eu achei temeroso eu aderir para me capitalizar agora e depois, em poucotempo, eu me descapitalizar ...Não ter onde entrar, porque eu não estou perto deaposentar, ainda falta bastante coisa. ...Eu não aderi porque eu não senti muitamotivação, entre o valor que eu ia receber em dinheiro para as perspectivas queeu tinha no mercado e perspectivas de crescimento que poderiam ser abertasapós a saída de algumas pessoas aqui dentro. ... Eu encaro isso como umaoportunidade. ...Eu acho que eu posso ter uma perspectiva de crescimento maioraqui porque começam a abrir espaços... começam a sair as pessoas de cima, odebaixo sobre, o outro sobe e a gente vai ocupando espaços. ... Eu comecei apensar o seguinte: eu sou separado, mas meus dois filhos moram comigo. Entãoeu tenho um volume X de gastos, X por mês. Eu calculei pelo que eu ia receber,eu conseguiria ficar ainda... se não entrasse nada, talvez uns dois anos e meio atrês anos aí sem precisar me preocupar.... Em dois anos e meio ou três anos, euachei complicado. Porque qualquer coisa que eu iniciasse. ... eu achei que eunão conseguiria fazer a coisa decolar...Então foi isso. Uma coisa foi movidapela cautela, outra foi movida pela vontade de ver mais o que vai acontecer.Mais ou menos isso.” (gerente de área administrativa)

A maior parte dos depoimentos coletados apontou, portanto, para múltiplas razões paraa não adesão ao plano. A decisão, via de regra, parece ter decorrido de uma reflexão emque vários aspectos foram considerados para se chegar ao resultado final.

Poder-se-ia perguntar, no entanto, se algumas das considerações tiveram um peso maiordo que outras. Em verdade, não há como se garantir que um determinado fator tenhatido preponderância sobre os demais, mas pode-se, pela repetição dos argumentos,sugerir uma tendência para a maior importância de alguns fatores.

No caso da ServA, três argumentos apareceram com mais ênfase: o tempo para se terdireito à complementação do fundo de pensão, as perspectivas do mercado de trabalho ea situação relativa ao trabalho atual dentro da empresa.

A questão do tempo, para se ter direito à complementação de aposentadoria se afiguroucomo crucial para os entrevistados, pois, segundo as regras do fundo de pensão,aposentadorias anteriores à idade de 57 anos sofreriam um redutor da ordem de 8% ao

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ano. Assim, segundo os depoimentos, alguém que optasse por se aposentar com 52 anosreceberia apenas 60% da complementação a que teria direito.

“Faltam oito anos para eu me aposentar na proporcional. Então, sair por sair, sópara pegar aquele dinheiro e depois...não valeria a pena.” (supervisor de áreaoperacional)

“Eu vou fazer 52 anos, eu tinha 51 anos, e a minha aposentadoria pelo fundo depensão, mais a do INSS, ficaria bem reduzida. Eu perco de remuneração quase50% daquilo que eu ganho hoje, por causa da idade.” (gerente de áreaadministrativa)

É claro que este argumento se vinculou a outros para a decisão final. Por exemplo, aperspectiva da dificuldade de se prosseguir com a vida profissional fora da empresa foivista com muito pessimismo pelos entrevistados. As possibilidades de conseguir umnovo emprego, abrir um novo negócio ou mesmo exercer uma atividade de consultorianão ofereciam um incentivo à adesão.

Para aqueles que tinham se especializado nas atividades típicas do setor, o mercadoainda não estava atrativo o suficiente; para os que exerciam atividades administrativas, apercepção era de que o mercado já estava saturado. A mesma consideração – excesso deoferta – foi feita por aqueles que pensaram em prestar serviços de consultoria. Os queconsideravam a possibilidade de ter um negócio próprio reconheciam que não estavampreparados para tal ou que o valor do incentivo não fora suficiente para iniciar umempreendimento próprio.

“O desemprego é algo assustador. Eu tenho na minha família dois irmãos, paisde família, desempregados. Então, é muito complicado.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Está brabo o mercado de consultoria. Está complicado e tem muita gente aí sefazendo passar por consultor e fazendo uns trabalhos mais ou menos e cobrandomais ou menos, só para se manter.” (gerente de área administrativa)

Por outro lado, os entrevistados referiram-se com muita ênfase e freqüência à satisfaçãoque tinham com a atividade que exerciam. Veriam sua tarefa dentro da empresa comonão estava terminada e teriam, ainda, muito a contribuir.

“Só que não era a hora. Só por causa disso. Porque eu acho que eu ainda tenhomuita coisa para fazer aqui. Eu tenho uns projetos, inclusive eu tive um projetoque foi premiado...” (gerente de área operacional)

“Eu achei assim: primeiro eu estava bem , estou bem. Na época que me sentiarealizada com o meu trabalho e também me sentia útil, me sinto útil e com

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certeza eu não sei só fazer isso dentro da empresa.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Eu pensei da seguinte forma: eu trabalho na ServA porque eu gosto. Eu gostodo trabalho que eu faço. Eu poderia estar fazendo esse trabalho lá fora? Poderia.Poderia estar no mercado.” (funcionário de área administrativa)

“Eu não via o mercado aí fora para trabalhar. Até então era monopólio, só tinhaa ServA mesmo, essa era a razão. Outro: em termos de motivação, eu estava eestou extremamente motivado para trabalhar. Não penso em aposentar. Muitosdos que saíram na época foi para poder se aposentar, eu ainda estou longe.”(gerente de área comercial)

Para outros, ainda, havia a questão dos laços afetivos criados com a ServA e com oscolegas de trabalho que teriam, na percepção de um entrevistado, cegado a lógica depessoas que deveriam ter aderido e não o fizeram.

“Existe um certo, apego não é uma palavra boa, mas existe uma certa ligação,amor ou vínculo. Qualquer desses nomes, que eu acho que tende a cegar umpouco a lógica. Então, pessoas que podiam tomar a decisão mais acertada desair não o fazem. Não o fazem porque a vida aqui dentro, a vida da pessoa seresume a vir para o serviço, ficar o dia inteiro, almoçar no restaurante daempresa com os colegas, muitos até bastante amigos, voltar para casa e, no diaseguinte, vem de novo.” (diretor de Recursos Humanos)

Por fim, outro fator apontado por um entrevistado foi o valor do incentivo financeiro,considerado insuficiente para a adesão e justificando o “risco” de ficar na empresa.

“Tinha um sistema disponibilizado com computador central que a pessoaentrava e via a simulação. Aí, por curiosidade, eu entrei nessa simulação. Olheie falei: ‘Por esse valor eu não saio da empresa. Por esse valor eu arrisco acontinuar aqui’.” (funcionário de área administrativa)

4.3.3.4 - Clima organizacional durante o PDI

De uma forma geral, os entrevistados relataram um clima bastante conturbado nos diaspara a adesão ao plano. Uma das razões teria sido a incerteza acerca do futuro geradopelas mudanças.

“O clima era de incerteza com toda a mudança. As pessoas ficam assim: ‘Eagora o que vai acontecer?... Como é que vai ser de agora para a frente?’ Comcerteza formou-se um ambiente de mais incerteza.” (supervisor de áreaoperacional)

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A insegurança decorria da sinalização de que, se a meta de adesões não fosse atingida,poderia haver demissões numa etapa posterior.

“Aí a empresa quase parou. Houve uma ansiedade total. Houve uma turbulênciamuito grande, porque já tinha na empresa sintomas de que ela faria demissões.”(gerente de área administrativa)

Para aqueles que ainda não tinham tempo de aposentadoria a questão tornou-se aindamais difícil, uma vez que tiveram de optar entre sair e receber um incentivoimediatamente ou ficar e estar arriscado a ser mandado embora posteriormente. Outros,curiosamente, apostaram na possibilidade de que um plano melhor viesse a se lançado,o que justificaria a não adesão do momento.

“Outros falaram: ‘Não , espera que vai ter um melhor’. E teve gente que nãoentrou nesse último, esperando, achando que ai ter outro melhor ainda. Só queeu acho isso não aconteceu e nem vai acontecer... Aí o clima era esse ‘Será quefulano entrou? Beltrano entrou? Você não vai entrar?’.” ( funcionário de áreaadministrativa)

Casos houve de pessoas que, arrependidas, procuraram, junto à gerência e à diretoria,modificar sua decisão. Um funcionário, por exemplo, após aderido ao plano, teriatentado voltar atrás por graves problemas familiares causados pela sua decisão. Seguerelato da situação, conforme depoimento do diretor de Recursos Humanos:

“Um sujeito chegou aqui, o plano tinha acabado na véspera. No dia seguinte, demanhã, chegou um funcionário... chorava de molhar a mesa.- ‘O que é que houve?’- ’Minha mulher vai se separar de mim’.- ‘Porque ela vai separar de você?’- ‘Porque eu aderi ao plano’- ‘Mas você não conversou com ela?- Conversei, Estou conversando com ela desde o dia em que saiu a

documentação do plano.- E ela? , perguntei.- Ela sempre foi contra. Falou que eu não devia sair, mas eu acho que eu

tenho que sair, eu tenho oportunidade fora, eu ganho pouco.E aquele receio que existia da parte de muitos, quando privatizasse o que iaacontecer? Já estava privatizado...- E aí?- Aí eu fiz o seguinte: entrei no plano, aderi ao plano. Assinei ontem.E chorando, chorando.- Mas e então? eu disse.- Ela me botou para dormir na sala. De ontem para hoje eu passei a noite na

sala. Ela falou que eu posso pegar minhas coisas e ir embora, que eu larguei

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a melhor empresa que eu podia trabalhar. Então estou aqui para pedir peloamor de Deus para cancelar a minha inscrição, que a mulher vai se separarde mim.

- Você acha que isso aí é a solução? Eu falei.- Eu sei que não é, ele falou... Eu sei que não é. Sei que a solução aí era eu

sair de casa mesmo, largar ela para lá e resolver minha vida. Só que tem queela falou tanto e falou tanto, que eu estou realmente convencido, ela meconvenceu que eu não posso sair no plano, que eu tenho que ficar, que eutenho que continuar trabalhando aqui, que eu vou sair dessa empresa e voupara uma outra começar a vida de novo.

Aí que ele chorava outra vez. ‘Eu amo a minha mulher’ e por aí afora”.

Verifica-se, portanto, que foram dias de muita apreensão dentro da companhia. Decisõesque, para boa parte dos funcionários, significavam alterar o rumo de sua vidaprofissional, tiveram que ser tomadas neste curto espaço de tempo.

4.3.3.5 Papel do gerente no PDI

Embora a empresa tivesse apresentado o plano em primeira mão para os gerentes, nãohouve uma preparação formal dos mesmos no sentido de um comportamento gerencialuniforme a ser adotado. Cada gerente exerceu o papel que achava ser mais adequado.

Para alguns, a tarefa do gerente consistiu em ouvir desabafos e depoimentos deangústias e incertezas; para outros o principal papel foi o de informar sobre a situaçãogeral em que a empresa se encontrava.

“Eu conversei com as pessoas, muitas horas. As pessoas vinham a mim jásabendo de tudo, tanto quanto eu, talvez um pouco mais, porque a vida de cadaum pertence a cada um. Mas elas queriam que alguém as ouvisse: ‘ Eu queroque alguém me ouça, porque a minha mulher não entende nada disso’.” (gerentede área administrativa)

“Meu papel mais importante foi de informar as pessoas sobre o todo o processo.Nós fizemos várias reuniões, informando as pessoas com muita lealdade, commuita honestidade. Eu usei bem este papel com muita tranqüilidade, com muitahonestidade e lealdade aos meus colaboradores, informando a eles não sóaquelas informações referentes ao plano, como também ao cenário do futuro.”(gerente de área administrativa)

Em uma linha de ação diferente, um entrevistado, adotando uma postura maisparticipativa, relatou que chegou, algumas vezes, a dar conselhos explícitos a seusfuncionários. Em sua avaliação, teria sido “menos gerente e mais ser humano”.

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“Eu recomendei que não saísse, se fosse por problema financeiro. Porque ele iapegar o dinheiro, pagar a dívida, ia ficar sem a dívida mas sem empregotambém. Eu falei: ‘É preferível você ter emprego e ter dívida. Porque comemprego você consegue administrar isso, vai rolando essa dívida’. . .. Acho quefui menos gerente e mais ser humano”. (gerente de área comercial)

O diretor de Recursos Humanos, por sua vez, considerava a decisão algo de cunhopessoal a ser tomada, portanto, junto a familiares, esposa e filhos. Este diretor, noentanto, relatou um caso – o único, segundo seu depoimento – em que, contrariandosuas convicções, aconselhara uma funcionária, com longos anos de empresa, a entrar noplano ora oferecido.

“ ‘O dia em que você quiser me mandar embora’, isso ela dizendo para mim,‘estou sendo sincera, não vou aderir. O dia que você quiser me mandar emboranão precisa se preocupar que eu não aderi há X meses ou anos atrás. Pode memandar embora que eu não vou brigar com você’. Eu falei: ‘Tá bom’. E nãomandei mesmo não, ela foi continuando... Ela fazia o trabalhinho dela lá, nãoera nenhuma coisa maravilhosa não, mas ela fazia o trabalhinho que erarequerido ela fazer. Aí quando chegou nesse plano agora, ela me procurou....virou e falou assim: ‘Você acha que eu devo sair? Eu falei para ela: ‘Eu achoo seguinte...o plano melhorou muito... melhorou muito. E o seu espaço diminuiumuito, diminuiu muito. Eu vou ser franco, se você não sair nesse plano’ – foi aúnica pessoa que eu falei desse jeito – ‘se você não sair nesse plano você vai serdemitida’. Aí ela falou: ‘Eu gosto tanto daqui’ ... Aí ela pegou e saiu. Saiu edepois veio aqui. Estava numa alegria, pegou o dinheiro dela, comprou umcarro, aprendeu a dirigir, saiu feliz da vida”.

Outros ainda, entendiam ser sua postura de fundamental importância para manter aserenidade do grupo.

“Eu coloquei isso na minha cabeça, que eu, eu preciso ser um ponto dereferência para o grupo. Se o gerente está estressado, imagina os outros. Nãoficar todos [estressados]? Ele não vai estressar todo mundo?” (gerente de áreaadministrativa)

Por fim, um dos gerentes sugeriu ter sido um processo rico por ter lhe dado aoportunidade de ouvir dúvidas e reflexões de tantos funcionários:

“Você vivencia o drama das pessoas, dúvidas que as pessoas têm. Elas teprocuram, conversam. O que você acha, o que você não acha? Quando você sai,acho que isso acaba te enriquecendo muito.” (gerente de área administrativa)

Observa-se, assim, que na ausência de uma orientação geral da companhia, ficou acargo de cada gerente a interpretação de seu papel frente aos seus subordinados. De uma

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forma geral, na percepção dos gerentes, abrir um espaço de reflexão, dar apoio ecompreensão aos funcionários seria mais importante e mais próprio do que auxiliar nadecisão final propriamente dita.

4.3.3.6 - Comunicação do PDI

A comunicação do plano ocorreu em todos os níveis da ServA e através de váriosmeios. Emitiu-se um comunicado escrito para cada funcionário, mas o principal meio decomunicação foi estabelecido através da rede interna de computadores. Nela, cadafuncionário, através de uma senha, podia ter acesso aos dados relativos ao seu processo,inclusive o valor do incentivo monetário a que teria direito caso aderisse ao programa.

“A empresa soltou um comunicado em cada mesa de cada funcionário. O queele tinha, o direito que ele tinha e o que ela estava oferecendo. E deu um prazopara esse funcionário no terminal. Soltou, em papel , o comunicado por escrito esoltou, também, em nível de sistema.” (funcionário de área administrativa)

A adesão também deveria ser feita pelo terminal, o que permitiu à gerência acompanharem tempo real a evolução dos pedidos na empresa por área.

A área de Recursos Humanos, em função dos pedidos de informação por parte dosinteressados, realizou algumas reuniões para explicar o plano em mais detalhe e,também, para permitir que dúvidas fossem tiradas. Alguns departamentos fizeramreuniões com seus funcionários e alguns gerentes tomaram a iniciativa de reunir seussubordinados para conversas mais francas.

“Algumas pessoas queriam saber mais sobre o plano e a própria área deRecursos Humanos promoveu algumas reuniões explicando como é que era oplano e tal. As pessoas vinham participar disso aí.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Teve uma reunião assim, ao nível de departamento que eu achei que essa foiboa, foi interessante. Deixou o departamento aberto para quem quisesse fazeralguma coisa, algum questionamento sobre a situação da empresa, como é queseria enfim, e sobre a situação do plano. Essa reunião foi boa. Mas ao nívelsetorial, assim, de sessão mesmo foram poucas.” (funcionário de áreaadministrativa)

A comunicação informal funcionou de duas formas. Primeiro, como uma rede desuporte, consulta e mesmo de pressão entre colegas acerca da decisão que cada umdeveria tomar.

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“Eu percebi que o pessoal, os colegas entre si trocavam idéias o tempo todosobre isso. Inclusive nós tentamos, nosso grupo tentou convencer um colega anão entrar no plano. ... Nós ficamos em volta dele, tentando fazer ele não entraraté no último momento. Então houve uma liberdade entre a equipe trocar idéiasassim. Não havia interferência da gerência não. Não houve interferência.”(funcionário de área administrativa)

“Eu senti que foi pessoal, senti que as pessoas procuravam os outros. O pessoaltrocou muita idéia entre si. As pessoas, acho que isso ficou aberto...o pessoalprocurou as pessoas de mais confiança, pessoas com mais experiência...Colegas,um ou outro aconselharam: ‘Se eu fosse você eu sairia’. Isso foi muitoconversado...Mas foi uma coisa com a empresa à parte. Nem gerente não.Gerente também caiu na mesma situação, que ele também poderia aderir. Então,muitas vezes, gerente trocou idéia conosco.” (funcionário de área operacional)

Segundo, a comunicação informal também funcionou como uma rede informaçõesacerca do processo de adesões. Alguns boatos também circularam, notadamente umacerca de demissões que poderiam acontecer, posteriormente, caso as pessoas com maistempo de empresa não aderissem. Como antes da implantação do plano, a empresahavia realizado, através de suas chefias, uma avaliação dos funcionários72, temia-se queas pessoas com as piores avaliações pudessem ser demitidas.

“Vazou e eu achei muito interessante é quando vazou essa informação [daavaliação], já havia a informação do plano. Porque parece que os camaradasrelaxaram um pouco na guarda dessas informações. E aí as pessoas já ficaramsabendo: ‘Que letra que você é? E começou aquele papo de letra para cá, deletra para lá. Isso aí era inevitável.” (gerente de área administrativa)

Em verdade, algumas pessoas relataram que a empresa já tinha, com base nessaavaliação, uma lista de demissão com cerca de 800 pessoas. Entretanto, a orientação daholding para a implantação do plano de adesão voluntária teria tornado esta listadesnecessária.

4.3.3.7 Críticas e elogios ao PDI

Uma das críticas mais comuns ao plano referiu-se ao caráter de adesão voluntária, o queimpossibilitou à empresa controlar os desligamentos. Na perspectiva da maioria dos

72 Segundo um dos entrevistados, letras foram atribuídas ao desempenho de cada funcionário. Assim, aletra A indicaria o funcionário estratégico para a empresa. A letra B indicaria o bom empregado, a letra Caquele que ainda não estaria bom, mas teria potencial para melhorar. A letra D seria subdividida em doistipos: D+ e D-. Aqueles com D+ teriam que ser dispensados e suas posições seriam repostas, os com D-seriam dispensados sem reposição das vagas. A letra R estaria reservada àqueles passíveis de seremremanejados.

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entrevistados, este aspecto foi falho, pois muitos funcionários consideradostecnicamente competentes saíram e outros – não tão competentes – permaneceram.

“Quem quisesse entrar [no plano], saía, não segurou ninguém. Então, por isso éque eu acho a dispensa burra. Porque quem precisava que ficasse, saiu, e quemtinha que sair, está aqui até hoje.” (gerente de área comercial)

“Tem um paradoxo nisso aí. Tem pessoas aqui hoje que saíram incentivadas eque hoje estão trabalhando na empresa ... estão aqui prestando serviço ... Agente, às vezes, questionava: ‘Mas se esse cara é assim, porque você estáincentivando ele a sair?” (gerente de área administrativa)

Outra crítica referiu-se ao tempo para a adesão. Na opinião de um funcionário, essetempo teria sido muito curto para se tomar decisão tão importante, o que teria geradouma grande ansiedade.

“Justamente, por não ter esse tempo para a pessoa avaliar... as pessoas estãodecidindo a vida delas, não estão decidindo se vão comprar uma calça ou não. Ea pessoa ter cinco dias para decidir isso... então algumas pessoas ficaram doidasmesmo. Foi uma loucura, ninguém trabalhou esses dias.” (gerente de áreacomercial)

“Eu achei pouquíssimo. Como é que você vai planejar uma vida que você tevecomo funcionário...A ServA só deu cinco dias para a pessoa decidir.”(funcionário de área administrativa)

Outro, ainda, reclamou que a indenização recebida independia da produtividade dapessoa. Sentia-se, com isso, igualada aos piores, pois estaria recebendo o mesmo queaqueles que menos produziam.

“Quer dizer, a pessoa que tenha um compromisso ou não com a empresa e noentanto estão oferecendo para ela, em termos proporcionais o mesmo dinheiroque estão oferecendo para mim. Sendo que eu sou uma pessoa que batalhei avida inteira, me esforcei a vida inteira, então eu acho que isso nesses programasé uma coisa muito séria.. Eu acho que isso ai uma coisa que também machucapara caramba.” (funcionário de área administrativa)

4.3.3.8 Funcionários que saíram no PDI

Segundo um dos entrevistados, as pessoas que saíram no programa estavam, via deregra, com a vida bem encaminhada. Os com formação técnica teriam ido trabalhar emempreiteiras, dando, portanto, seguimento à sua carreira profissional. Aqueles de área

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administrativa tinham, em sua maioria, se aposentado. Para esse depoente, os fracassosde pessoas que tinham saído no plano oferecido na época de estatal teriam servido comoalerta àqueles que se desligaram no PDI:

“Normalmente as pessoas têm ido trabalhar em empreiteiras. Principalmente opessoal técnico tem ido para empreiteiras. As outras pessoas que trabalhavam naárea administrativa saíram; a grande maioria saiu para se aposentar mesmo. Eelas estão bem. Não tem nenhum que está mal. Nesse programa [PDI] não tevemuito problema não. Agora, nas demissões anteriores [PDV], a gente vê quemuitas pessoas estão penando. ...Eram adesões voluntárias, mas se pensou quelá fora estava muito bom. ‘Vou montar o meu negócio’. O negócio não deucerto. Muitas pessoas até tentaram voltar para a empresa. ... Agora a gentesentiu isso no PDI: o pessoal já estava muito mais consciente.” (funcionário deárea administrativa).

Ao discorrer sobre aqueles que se desligaram, surgiu, de forma espontânea, nodepoimento dos entrevistados, a questão da ligação afetiva com a empresa. Esse vínculoteria se manifestado não apenas na hora de decisão de adesão ao plano mas, igualmente,nos rituais de despedidas organizados pelos funcionários.

Segundo um dos depoimentos, decidir pelo desligamento eqüivaleria a separar-se de ummarido ou de um filho. A vinculação afetiva decorreria de um longo período em que ir evir do trabalho teria estruturado a vida não apenas em termos das rotina diárias, comotambém, em termos de amizades e lazer.

“Tem gente que nem muitas férias gostava de tirar.... Esse é um lado dadependência, que a pessoa se liga na empresa e acha que só existe aquelaempresa ali. Então para ela decidir sair da empresa, largar aquilo, é quase iguala decidir se separar do marido, ou separar do filho, ou qualquer coisa que ovalha.” (diretor de Recursos Humanos)

Rituais de despedida ocorreram, sendo interpretados de forma diferentes. Segundo umgerente, muitas festas foram realizadas o que indicaria haver o plano transcorrido deforma tranqüila, sem ter se caracterizado como um momento traumático, fato que seriacomum em outras empresas. Para outro entrevistado, as despedidas ocorreram comlágrimas e emoções, justificadas pelos laços criados em anos de trabalho conjunto. Aconsiderar a idade média de tempo de empresa, pode-se depreender que boa parte davida profissional dessas pessoas desenrolou-se dentro da empresa, gerando, portanto, oreferido vínculo.

“Então teve área ... área que teve festa. Festa de despedida, café da manhã dedespedida, jantar não sei onde. Então teve de tudo. Então foi um momento quemuitas empresas... pode vir a ser traumático, pode ser complicado. Mas aqui,

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especificamente na ServA, não foi não. Foi uma tranqüilidade.” (gerente de áreaadministrativa)

“O ser humano é muito emotivo. ...A gente que trabalha há muitosanos...chorando assim, praticamente chorando, emocionados de deixar oscolegas... muitos anos juntos... é complicado mesmo. Mesmo a pessoa tendouma certa estrutura até mesmo financeira... tem uma coisa que chama o emotivodela...por mais que ela trabalhe esse emotivo dela, ela não consegue, abre e nahora certa ela desaba mesmo.” (funcionário de área administrativa)

Havia, segundo um gerente entrevistado, um sentimento de desorientação, por partedaqueles que estavam se aposentando, por não saberem o que fazer de suas vidas. Nãoteriam sido preparadas para a aposentadoria e para uma vida fora da empresa:

“Mas a maioria não estava preparada para se aposentar...Acho que para seaposentar você tem que ter todo um processo de preparação. Para ir sepreparando, desacelerando e falar: ‘Agora eu vou aposentar’. Ir programando oque você vai fazer quando estiver aposentado. E não se teve esse tempo: vocêtem cinco dias para decidir se vai ficar ou não na empresa. ...Então chorarammuito. Choraram por essa incerteza: ‘O que é que vai ser da minha vida? Depoisque eu estiver aposentada o que é que eu vou fazer?’ Porque se aposentaramnovas, com 48 ou 49 anos. Quer dizer, eu considero uma pessoa para seaposentar nessa idade muito jovem ainda.” (gerente de área operacional)

4.4 Após a Privatização: Conseqüências do Programa deRedução de Pessoal

Privatização e redução de pessoal não se fazem sem impactos na organização. No casoda ServA, as conseqüências mais evidentes, segundo as entrevistas realizadas, disseramrespeito à nova forma de trabalhar, às novas práticas organizacionais e à alteração nocontrato psicológico de trabalho.

4.4.1 Nova forma de trabalhar

As mudanças mais relatadas relacionaram-se com a alteração na quantidade de trabalhoe nas implicações dessa alteração no horário e na vida pessoal de cada um. Porconseqüência, algumas estratégias para se lidar com o aumento de serviço tiveram queser adotadas.

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4.4.1.1 Alteração na quantidade de trabalho

A diminuição do contingente de pessoas para uma carga de trabalho que aumentou foi orelato mais freqüente. A demanda de trabalho teria crescido, de acordo com osdepoimentos colhidos, basicamente, em função da expansão das atividades da empresa eda redução de pessoal. Para as áreas que coletavam e processavam informaçõescorporativas, uma parte de demanda teria se originado em pedidos da matriz.

“O trabalho é flagrante. Aumentou muito, aumentou muito. Não só para umcerto grau de pessoas, nível hierárquico de pessoas, que é mais natural queaumente mesmo, mas para o empregado de um modo geral, ele aumentoumuito. A gente sente que a carga, muito por essa redução do efetivo, é um dosmotivos. O nível de exigência também aumentou muito, a empresa continuacrescendo, o volume de implantação nosso está acelerado, com menos vinteporcento do quadro, ou seja, a gente está num crescendo, então a cargaaumentou.” (diretor de Recursos Humanos)

“O nível de controle que a gente tem que exercer sobre o processo, sobre asinformações, é infinitamente maior .... o volume de serviço, principalmente paraatender à Matriz, é uma loucura. Primeiro e mesmo antes da privatização, nósestávamos preparando para a privatização. Isso demandou um volume detrabalho enorme.... Um ano antes da privatização já começamos trabalhandonesse ritmo e, nesse ritmo, está até hoje. É um volume de trabalhoextremamente grande.” (gerente de área administrativa)

“Mas o que mudou mais para a gente foi, assim, o serviço, porque hoje aspessoas aposentaram e eles não colocaram pessoas. Colocaram o contratado, ouseja, quando o contratado.. eles terminam o contrato e eles não reformam. Vocêfica desesperado, porque você está fazendo o serviço de duas pessoas, o seu emais um. .. Tem dias que eu saio dez horas, tem dias que eu saio nove.”(funcionário de área administrativa)

“Nós estamos sendo simplesmente massacrados pelo trabalho. Eu chego emcasa, não consigo me desligar do trabalho. Ontem eu fiquei até onze horasdigitalizando imagens que eu precisava para hoje. Trabalhei em casa, de graça.... Não dei conta. Ainda fiquei mais frustrado porque não dei conta de fazertudo.” (funcionário de área administrativa)

Dois gerentes de área operacional expressaram ter sentido a saída de pessoasexperientes de seu grupo. Como muitas pessoas se desligaram no PDI, uma dasalternativas foi a contratação de empreiteiras que passaram a suprir a falta de mão deobra. Ocorre que essa mão de obra nem sempre tinha o preparo e a qualificaçãonecessários adicionando, assim, uma sobrecarga aos supervisores e gerentes de áreasoperacionais.

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“Eu tinha doze pessoas, essas doze saindo, teve que ser suprido porempreiteiras... a qualificação da mão-de-obra da empreiteira ela não [é] amelhor possível. ... E isso foi difícil para a gente, para mim principalmente,porque treinar esse pessoal, orientar, conversar, cliente reclamando.....Então omodo continua, mas a carga e a quantidade de serviço aumentou. Porque vocêhoje, não tem mais uma equipe. Minha equipe, eu treinei, eu montei. Então vocêsabia quem era o melhor, de quem você precisaria. Você canalizava a coisamais rápido. Hoje você tem que tentar escolher; às vezes é você que vai fazer,então você deixa de passar para a pessoa, porque tem que executar esseserviço.” (supervisor de área operacional)

“A nível de trabalho não mudou muito não, porque eu sempre trabalhei demaisda conta. Mas aumentou um pouquinho mais a carga de trabalho. Com certeza,aumentou. Por quê? Porque saíram pessoas e não foram repostas estasvagas...você tira pessoas que trabalhavam lá há vinte anos e põe pessoascomeçando do zero, não precisa dizer que vai aumentar o trabalho dosupervisor.” (gerente de área operacional)

Algumas áreas, porém, fizeram o caminho inverso e perceberam uma diminuição nacarga de trabalho. Um dos gerentes apontou, por exemplo, que as área de planejamentotiveram redução no serviço, pois boa parte havia sido absorvida pela Matriz, que passaraa ficar responsável por políticas, diretrizes e estabelecimento de metas.

“São vários aspectos que têm que ser analisados nessa questão aí. Nas áreas desuporte, tipo a nossa, na área assim de retaguarda, nós tivemos um momento,principalmente nas áreas que trabalhavam mais com planejamento estratégicona antiga estatal, nós tivemos uma diminuição na carga de trabalho. Por quê?Todas as políticas, diretrizes, metas que a gente emanava daqui, não são maisdaqui. Foram deslocadas para a matriz. Então eu aproveitei essa oportunidadeque mudou e fizemos, também, uma redução nesse quadro de pessoas quetrabalhavam nisso aí.” (gerente de área administrativa)

Para um dos entrevistados, ter-se-ia atingido maior equilíbrio na quantidade de trabalho,pois na época de estatal havia, em verdade, excesso de pessoas. Assim, em sua área, ashoras de trabalho prolongadas seriam uma exceção e atingiriam apenas algumaspessoas.

“Só algumas pessoas [fazem hora extra]. A maioria mantém-se dentro dohorário. ... Não é que a carga aumentou. Eu diria que a carga anterior não eraaquela que a pessoa deveria ter. ... as pessoas eu acho que estão hoje bemdimensionadas. Dessas trinta e cinco, uma três ou quatro é que têm necessidade,às vezes, de prolongar a sua jornada de trabalho, ou trabalhar aos sábados, coisaassim.” (gerente de área administrativa)

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4.4.1.2 Implicações do aumento da carga de trabalho no horário ena vida pessoal

O aumento da demanda de trabalho ocasionou um prolongamento do horário detrabalho, o que, por sua vez, impactou a vida pessoal e familiar das pessoas. Para umdos entrevistados, a jornada transformou-se em um período de cerca de doze horas, nãosendo incomum o fato de ficar trabalhando até de madrugada. Finais de semana teriamsido, também, dedicados ao trabalho.

“Normalmente, eu chego por volta de oito horas e o horário de sair é sete emeia, oito horas da noite. Isso aí é o horário normal de trabalho ... Alguns finsde semana a gente tem que levar trabalho para casa para poder dar conta...haviapicos que obrigavam... Após a privatização isso se tornou uma constante. Pelomenos na minha área, exatamente uma conseqüência da redução do quadro.Reduziu o quadro, aumentaram as exigências.” (gerente de área operacional)

Outro entrevistado relatou que o horário prolongado o impedia de fazer qualquer tipo deatividade física. Embora não apresentasse nenhum sintoma físico, sabia que estaria“cavando um buraco” no futuro. Outro, ainda, mostrou-se preocupado com o excessode carros no estacionamento à noite, por indicar pais fora do convívio familiar. Outro,por fim, indicou que a família – mulher e filhos - cobravam sua presença, pois nãoconseguia mais chegar no horário antigo.

“Cansa. Cansa. Você dorme, você descansa, mas não tem outras atividades.Quer dizer, uma atividade de lazer, noturna . Uma aula, por exemplo, você nãotem. Um curso a mais, uma coisa diferente para você freqüentar. É impossíveluma caminhada depois do expediente, não existe. Antes do expediente muitomenos. ... eu hoje não tenho atividade física nenhuma. ...Eu já saí daqui duashoras da manhã, três horas da manhã. Então está puxado para caramba. A gentevai ficando um pouco cansado... eu sei que eu estou agindo errado do ponto devista de saúde. Hoje, se você me perguntar, eu não sinto nada, tenho umadisposição para o trabalho enorme, mas estou cavando o buraco lá na frente.”(gerente de área administrativa)

“Outro dia uma colega minha teve que ficar aqui até meia noite, ela saiu daquiàs dez para meia noite por causa de um trabalho que ela tinha que fazer.... Elafalou: ‘Você tinha que ver a quantidade de carro que tinha lá noestacionamento’. ... Isso são pais de família que não estão em casa com asfamílias e a gente sabe que aqui ...a gente tem uma grande quantidade de pais deadolescentes, pela faixa etária que a gente percebe... Esses carros que estão aquiembaixo, os proprietários estão deixando de cumprir outro papel lá fora, que éestar acompanhando os filhos, estar junto com a mulher, com a família deles.”(funcionário de área administrativa)

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“Eu entro aqui às oito da manhã e fico até às oito horas, sete horas da noite.Então você fica quase que doze horas aqui dentro da empresa. Eu sou umapessoa casada, tenho filhos.... Então, de certa forma, houve uma mudança naminha vida. Na minha vida particular houve uma mudança. Então, há hoje umacerta cobrança da esposa e dos filhos, todos em idade pequena, de que, nomomento em que chegava todos os dias, horário determinado... de repentehouve uma mudança significativa.” (gerente de área administrativa)

4.4.1.3 Estratégias pessoais para lidar com o aumento na carga detrabalho

Uma das conseqüências do enxugamento com caráter voluntário referiu-se ao fato de asaída de pessoas não poder ser controlada. Assim, em algumas áreas, houve um númeropequeno de adesões e, em outras, esse número chegou a assustar alguns gerentes queficaram temerosos com a impossibilidade de manter o desempenho mínimo requerido.Um deles relatou, por exemplo, que, para equilibrar a mão de obra, fora obrigado atransferir pessoas de um local físico para outro, mesmo com impactos em sua vidapessoal.

“As equipes de manutenção tiveram que se organizar de tal forma para poderatender àquelas localidades [em que houve grande número de adesões] também.Agora, em outras áreas, houve realmente prejuízo mesmo, houve queda mesmona qualidade do trabalho em função disso.... porque você enxuga de maneirageneralizada e esse corte não é homogêneo, porque um programa desse não éhomogêneo...Teve área que saiu dez porcento e teve área que saiu cinqüentaporcento.” (gerente de área administrativa)

“Nós tivemos que fazer uma reestruturação interna, porque nós tivemosalgumas perdas bem pontuais. Algumas área nós tivemos que remanejar. Eu tiveque me reunir com todos os gerentes e falar: ‘Esquece a área que você atua.Vamos enxergar tudo aqui’. Para redistribuir essa mão de obra...Aí temproblemas: fulano tem que sair lá do bairro X e vir para o bairro Y. ‘Não posso,porque meu filho estuda lá, já estou lá..’ Aquela confusão toda. Aí você tem queadministrar isso tudo.” (gerente de área comercial)

Outros depoimentos apontaram para a rápida absorção do trabalho pelos remanescentes,sem criar grandes transtornos. Um dos entrevistados reconheceu que a implantação denovas tecnologias, tanto de informática quanto de automação de processos, possibilitoua redução de pessoal. Outro, no entanto, indicou que, por ter o volume de serviçocrescido muito, encontrava-se no seu limite de trabalho.

“Você vê assim uma organização que tem 6.000 empregados, aí saem derepente 1.100 pessoas, correspondente a mais de vinte porcento do quadro. Aí

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você imagina ‘Teve um transtorno incrível na empresa’. Não teve nada disso...um processo de ajustamento rápido. ... lógico que aliado a isso nós não podemosesquecer que a tecnologia, a informatização da empresa, contribuiu, sem dúvida,para esse ajustamento. Não só a tecnologia com relação a processosadministrativos... [outros processos] que foram automatizados contribuírampara que ... fosse ajustado rapidamente.” (gerente de área administrativa)

“No primeiro momento ... a minha área tinha 37 pessoas, passou a ter trinta.Você podia dizer: ‘Tinha sete ociosos’. Que eram ociosos ou tem alguma coisaacontecendo aí. Nos primeiros meses, talvez 60 dias, eu achei que nós tínhamosfeito uma grande vantagem, porque essas pessoas não me fizeram tanta falta.Agora, hoje, passado aí mais meses, nós estamos trabalhando no limite. A áreaestá sentindo necessidade de recursos e a tendência é de não ter mais recurso.....A gente tem consciência com os empregados que tem que trabalhar dentrodesse limite. Não há perspectiva de você crescer quadro, você tem que ajustar.”(gerente de área administrativa)

Em algumas áreas, a mão de obra foi substituída por empreiteiras que, embora nãotivessem o padrão de qualidade da mão de obra interna, estavam sendo treinadas eajustadas para atender às necessidades de atividades que deixaram de ser executadaspela ServA. Em outros casos, houve a necessidade de recontratação de pessoas,estratégia essa que estava sendo praticada, segundo um dos gerentes, de forma“parcimoniosa”.

4.4.2 Novas práticas organizacionais

As principais mudanças relatadas pelos funcionários referiram-se à cobrança deresultados e à atenção exigida para com custos, lucros, clientes e concorrência.

4.4.2.1 Cobrança de resultados

Os entrevistados relataram que maior cobrança se fez presente. Passou-se, segundoalguns depoentes, a exigir resultados e respostas rápidas, principalmente daquelespedidos que se originavam na matriz. A pressão competitiva, a expansão das atividades,uma nova visão de negócios com grande preocupação com a qualidade e presteza deatendimento ao cliente teriam dado origem a demandas que deviam ser prontamenterespondidas.

“Realmente, a gente sente agora que está começando a gerenciar como sempredeveria ter sido. Porque nunca havia sido feito, porque a gente nunca eracobrado. Então, basicamente o que mudou, é que você é cobrado hoje.Antigamente, você não era cobrado. A maioria dos diagnósticos que as

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consultorias fazem conosco aqui é esse. ‘Vocês são muito bons no operacional,mas vocês falham no controle’.” (gerente de área administrativa)

“O tipo de cobrança hoje, a rapidez das informações... é devido ao enxugamentode pessoal, esse pessoal que ficou, ficou com carga de trabalho maior. Tudo temque ser para ontem. Então a própria história da empresa privada, da competição....A cobrança é muito maior. Porque diminuiu o número de funcionários, oserviço aumentou... mais clientes são atendidos. .. A gerência exige maisrapidez nas ações... você tem que traçar metas para entregar aquele trabalho”.(supervisor de área operacional)

4.4.2.2 Atenção para custos, lucros, cliente e concorrência

Orçamentos foram elaborados e controles implantados. Despesas acima de determinadovalor passaram a ter que ser aprovadas pela matriz. No entanto, egressos de umaadministração com razoável autonomia em suas decisões, alguns funcionáriosexpressaram uma certa reação à perda de independência.

“Antes o que é que acontecia? Isso aqui tem que mandar para Brasília. Mas aítinha um diretor mais esquentadinho e falava: ‘Não, nós vamos fazer...’. Hoje,isso não acontece. ‘Isso nós temos que mandar para a holding’. Qualquer coisa,passou de quarenta mil reais, a holding é que tem que decidir. Então, essascoisas atrapalham. Emperrou um pouquinho o processo decisório.” (funcionáriode área administrativa)

“Nós tivemos um período após a privatização em que eu senti assim umaditadura do custo. O custo, o que você fazia, quanto custava. Então sentavamem cima do cofre e a gente com projetos parados porque não eram aprovados.Tudo tinha que passar pela matriz. Eles tinham que aprovar qualquercontratação acima de dois mil reais.” (gerente de área administrativa)

Observou-se, por sua vez, uma preocupação dos empregados com a eficiência e asobrevivência da empresa. A ServA procurava, segundo um entrevistado, não apenasaumentar a sua base de negócios, como também, impedir que a concorrência avançasseem sua fatia de mercado.

“Ela vai trabalhar com uma competição acirrada. Cada vez mais visando,querendo o cliente, ter o cliente com todas as suas forças. Porque se ela nãofizer isso a concorrente vai pegar. As concorrentes estão cada vez mais fortes...Então cada vez mais o corpo de funcionários da empresa, ele tem que estarpreparado para competição, como se fosse diária.” ( funcionário de áreaoperacional)

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Um dos entrevistados, elaborando uma cadeia de raciocínio, concluiu que a redução decustos implicaria em preços mais competitivos, o que, por sua vez, garantiria maisclientes e, finalmente, por conseqüência, o próprio emprego.

“Então, o que a gente precisa? Nós precisamos reduzir os nosso custos,precisamos fazer com que os nossos serviços ... que eles estejam competitivos,para que a gente possa continuar ganhando a confiança de nossos clientes, paraque a gente possa ter o mercado e, como via de conseqüência, ter o nossoemprego.” (gerente de área administrativa)

Um outro, ainda, sentia-se responsável e mesmo orgulhoso de divulgar a imagem daempresa. Entendia que apenas “defendendo com garra” e divulgando a imagem daempresa, poderia ela prosseguir em mercado tão competitivo, garantindo, com isso, seuemprego.

“Ela está no mercado aí, de competição. Que vença a melhor. ...Nós agoratemos que competir. Se a gente não der o máximo da gente, a empresa vaiquebrar. Ao invés de demitir, vai ter que mandar todo mundo embora. Então,com isso, as pessoas que ficaram, elas têm que se dedicar para dar conta....Fazbem para a gente competir. Eu tenho que correr atrás daquilo, eu tenho quesegurar, eu tenho que defender aquilo com toda a garra... Eu tenho que vender aimagem da minha empresa. Então, tanto que nós ficamos esses dois últimosmeses realmente vendendo a imagem da empresa. Eu me senti, assim,orgulhosa... .. mas eu faço isso com amor, porque hoje ela que me mantém.”(funcionário de área operacional)

Para outro entrevistado, a ServA teria que fazer ajustes pois, sendo uma empresa commais tempo de operação, tinha, naturalmente, formado um quadro de pessoal maior doque as concorrentes - empresas novas - que estavam se estruturando a partir do zero.

“Eu acho que custo se reduz numa série, com uma série de atitudes: você seorganiza melhor, você se planeja melhor, você faz uma otimização em termosde informática. Porque a empresa já evoluiu nisso, mas o custo hoje vai serfundamental para a empresa suportar essa concorrência. As empresas que estãoentrando no mercado hoje são muito mais enxutas. Já se estruturaram maisenxutas. E essa empresa que existe aqui, a ServA, ela foi montada ao longo detantos anos e acaba criando um corpo maior.” (gerente de área administrativa)

Os depoimentos coletados indicaram, portanto, que os funcionários, cientes de que oambiente de negócios da empresa muito se modificara, sensibilizaram-se para asnecessidades de contenção de custos, de conquista de clientes, de ampliação da parcelade mercado e da necessidade de aporte de tecnologias, voltadas para o atendimentoexterno e poupadoras de mão de obra.

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4.4.3 Alteração no contrato psicológico

Sem dúvida, a grande mudança que se processa, durante e após um plano de redução depessoal, refere-se à alteração das bases sobre as quais o contrato de trabalho repousa. NaServA não foi diferente, e os funcionários, de uma forma geral, passaram a compreenderque o contrato em vigor à época de estatal não teria mais validade.

4.4.3.1 Sentimento de perda

Reagiu-se, entretanto, de maneira diversa a essa alteração. Para alguns, houve umsentimento de perda e de ruptura, para outros, a compreensão de que algumas trocas –direitos e deveres das partes - ter-se-iam modificado; para outros, ainda, a sensação deque o contrato ter-se-ia alterado de forma mais profunda.

A percepção de quebra do laço contratual, de que a promessa de segurança do empregonão mais seria válida, deu origem a um sentimento de perda e de vínculos desfeitos. Aempresa seria a namorada, mulher perdida após tantos anos de relacionamento.

“[ o acordo que eu tinha com a empresa] era do tipo escrito, formal, abençoadopelo padre, do tipo até que a morte os separe. E esse era o casamento doempregado com a empresa e da empresa com o empregado. Aí o casamento sedesfez. Aquele sentimento de perda. Sentimento de que você perdeu algumacoisa mesmo. E perdeu mesmo.” ( funcionário de área administrativa)

Outro sentimento manifesto refere-se à perda de identidade ocorrida quando a ServApassou a fazer parte de uma holding cujo nome não guardava qualquer relação com o daServA estatal. Havia, segundo o depoimento do diretor de Recursos Humanos daholding, a percepção de que a empresa teria perdido status e, por conseqüência, osfuncionários teriam deixado de desfrutar desta situação.

“Elas eram um benchmark interno, principalmente a ServA...Então elas tinhamum problema muito sério de não querer de alguma forma fazer uma integraçãocom as outras empresas, porque ia estar deteriorando o nome delas. Osfuncionários achavam a mesma coisa. ‘Só uso o meu crachá aqui, eu nãopreciso de carteira de identidade, preciso de nada. Sou [da] ServA’.”

Embora vários aspectos tenham se modificado, a principal mudança realizada nocontrato psicológico referiu-se, segundo as entrevistas realizadas, à segurança eestabilidade do emprego. Como estatal, havia uma percepção de que as demissões erammais difíceis de ocorrer. Nas palavras de um gerente da área de recursos humanos: “paraser demitido, [precisava ocorrer] um desvio de comportamento muito forte”. Gerou-senos empregados, uma expectativa e mesmo uma promessa, mesmo que implícita, de queo caminho natural seria a aposentadoria pela empresa.

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“Eu entrei para a empresa, nunca pensei no dia em que ia sair da empresa. Eusempre pensei que ia me aposentar aqui e essa continua sendo a minhaexpectativa.” (funcionário de área administrativa)

Na nova situação, o sentimento mais geral era de que tinham um emprego vulnerável enão havia, da parte da empresa, a mesma garantia de permanência. Se antes aestabilidade estava razoavelmente assegurada na maioria das situações, independente donível de desempenho do empregado, agora a percepção era de que o requisito para sepermanecer estaria na competência, na performance e no desenvolvimento profissional.

“Acho que todo mundo que trabalha hoje em iniciativa privada, acho queninguém tem seu emprego garantido..... Desde que façam o seu trabalho comcompetência, desde que estejam acompanhando a evolução do mundo em todosos sentidos, eu acho que as pessoas têm todas as condições de continuartrabalhando aqui dentro. É lógico que eu acho que ninguém tem empregogarantido.” (gerente de área administrativa)

“A empresa, hoje, se ela tem um bom resultado, seremos recompensados; masse os resultados forem ruins e a empresa tiver que fazer uma adequação a essenovo cenário, certamente o pacto não vai ser da mesma forma como era naestatal.” (gerente de área operacional)

A relação de dependência, entretanto, não era vista apenas do lado do empregado.Alguns entendiam que a empresa também precisava da especialização, da lealdade e docomprometimento do empregado, raciocínio este reforçado tanto pelo grandeinvestimento realizado no desenvolvimento profissional dos funcionários, quanto pelafalta de profissionais especializados no mercado.

“Você tem que pagar um salário melhor, você tem que oferecer algum benefíciopara reter....Na hora ‘H’ eles sempre estão querendo que você seja um poucomais leal, defenda mais a empresa. Isso eu acho que não acaba não. ... Emalguns segmentos se tem excesso de profissionais, mas em alguns segmentosvocê tem profissionais que só existem aqui dentro, você não tem no mercado.”(gerente de área administrativa)

“A empresa precisa da gente também. Ela não é boba de investir tanto numapessoa durante tantos anos, depois que essa pessoa está pronta... ela vai quererdispensar? ... A necessidade é de mão dupla.” (supervisor de área operacional)

No que se refere à remuneração, havia um temor de que os salários praticados pelaempresa – mais altos do que o mercado - fossem uma possível razão para a demissão.Além disso, em algumas áreas, notadamente as administrativas, a oferta de mão de obrano mercado apenas aumentou o medo da demissão. Entrelaçou-se a este raciocínio, o

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temor da idade, uma vez que pessoas mais velhas poderiam não ter a mesmo disposiçãopara trabalhar.

“Hoje, mesmo que a pessoa cumpra bem as suas funções, ela tem essa sensaçãode que a qualquer momento, ela pode ser demitida. Porquê? A gente acha que ossalários influenciam nisso. Pessoas que ganham muito tendem a ser substituídaspor pessoas que ganham menos. Então, o mercado é um mercado farto deprofissionais jovens que estão desesperados, querendo trabalhar.” (funcionáriode área administrativa)

4.4.3.2 Estratégias para lidar com a insegurança

Se o emprego não estava assegurado, quais seriam as formas para lidar com isso? Estaera uma questão que se apresentava, se não de forma direta ao menos de forma indireta,no discurso dos entrevistados.

Dedicação e comprometimento, autodesenvolvimento e polivalência foram algumas dasestratégias citadas para aumentar a probabilidade de se permanecer no emprego. Umdos entrevistados, por exemplo, estava procurando trabalhar junto a uma equipediferente da sua. Outro sugeriu que se deixasse a especialização de lado e seprocurassem outras habilitações. Segundo este entrevistado, haveria uma diferença deconscientização segundo o grau de formação do empregado e o tempo de empresa.Aqueles com menor grau de instrução e mais tempo de casa estariam menos preparadospara as mudanças e, se despedidos, levariam “um choque”.

“Porque, no meu emprego, de alguma forma, eu estou procurando ser melhorainda. Me dedicar mais, me preparar mais, ser mais, um pouco mais polivalente,procurar outro espaço também. ... isso aconteceu comigo, eu estou trabalhandoagora metade no Recursos Humanos e metade com outro grupo de trabalho.”(funcionário de área administrativa)

“As pessoas que estão, vamos dizer, num nível acadêmico inferior, elas nãoestão pensando muito... estão pensando para ver o que dá ainda. Mas quem tem,assim, nível acadêmico .. acho que a gente tem consciência de que não tem maisisso aí. Mas muitas pessoas mais velhas, com mais de quinze de empresa, aindanão sentiram isso não. Eu acho que vai ser um choque. Quando acontecer vaiser um choque muito grande... o cara não pode ser especialista só de Fundo deGarantia...ele tem que saber um pouco mais de outras coisa também.”(funcionário de área administrativa)

Dentro deste espírito, um dos gerentes relatou ter orientado seus funcionários no sentidode tomarem ações que aumentassem a chance de permanecer na empresa.

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“Então, eu estou vendendo essa idéia, [que é] o seguinte: você tem mais chancede permanecer na organização, quanto mais você for competente, continuarestudando, continuar se autodesenvolvendo, continuar se comprometendo com oseu trabalho, fazendo o seu melhor.” (gerente de área administrativa)

De forma contrária aos depoimentos anteriores, um dos gerentes sugeriu que, se otrabalho estivesse sendo realizado de forma correta, se agregasse valor, então nãohaveria razões para a insegurança.

“As pessoas que são comprometidas, que são competentes, estão trabalhandonuma visão da empresa, com o compromisso com a empresa, elas estão vendoque esse temor da perda do emprego, ele na realidade ele não existe. Se vocêestá trabalhando direito, se você tem condições de contribuir, se o seu trabalhoagrega valor na empresa, você não tem que temer perda de emprego.” (gerentede área administrativa)

Apenas um dos entrevistados expressou claramente a questão de que nem mesmo umbom desempenho garantiria o emprego. Performance e bom trabalho seriam condiçõesnecessárias, porém não suficientes para a manutenção do emprego.

“O cenário é totalmente diferente, quer dizer, a empresa hoje, se ela tem umbom resultado, obviamente que nós trabalhamos para isso, seremosrecompensados. Mas se os resultados forem ruins e a empresa tiver que fazeruma adequação a esse novo cenário, certamente o pacto não vai ser da mesmaforma como era na estatal.” (gerente de área operacional)

Há que se registrar, ainda, a percepção do paradoxo que a mudança trouxe. Se, por umlado, a segurança seria algo cômodo, uma necessidade quase que natural do ser humano,teria propiciado, por outro lado, uma certa estagnação profissional. A mudança, apesarde mais estressante, “movimentaria e excitaria”.

“É outra questão polêmica, essa de segurança. Muito polêmico isso. Se por umlado você está com segurança, você está na sua área de conforto, você não seestressa. Porque isso, a insegurança, a incerteza ela te estressa. Mas ela temovimenta também, ela, de uma certa forma, ela te excita.” (funcionário de áreaadministrativa)

Assim, alguns empregados procuraram, segundo depoimento de um gerente da área deRecursos Humanos, “ adquirir outras habilidades, mudar de área, caçar o rumo dentroda empresa ou, então, produzir mais”.

Uma nova abordagem para a situação surgiu, também, quando um dos funcionários,apesar da insegurança percebida, indicou que o importante seria “estar bem consigo

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mesmo... produtivo, sentindo que está dando a sua contribuição”, pois esta atitudepropiciaria segurança.

4.5 Futuro

O discurso, acerca do futuro profissional individual, mostrou-se amplo nas opções,genérico nas intenções e, muitas vezes, difuso e pouco claro.

As opções que cada um dos entrevistados percebia para si mesmo no futuro variaramdentro de uma faixa muito ampla que ia desde a intenção de sair da empresa, naprimeira oportunidade, até a espera pela aposentadoria.

Algumas estratégias relatadas pelos entrevistados incluíram: (a) reconhecimento deestar acomodado profissionalmente, sendo que, para vencer essa acomodação, haveriaque se sacrificar parte de sua vida pessoal; (b) planejamento do que fazer quando aaposentadoria chegasse; (c) espera de uma definição da empresa no que se referia atreinamento; (d) espera de uma oportunidade para sair e (e) uma expectativa pessimistade que, no futuro, haveria mais demissão.

“Estou meio acomodada... se eu for tudo aqui no meu trabalho, eu estouperdendo isso que eu dou tanto valor, que é esse relacionamento de poder pararde vez em quando, pegar o telefone, ligar para casa, ver como estão os meusfilhos... Então eu não estou a fim de abrir mão de tudo da minha vida pessoalem função da minha profissão.” (funcionário de área administrativa)

“O meu futuro, o meu futuro já está definido... Vou ficar administrando o meusalário ali, enquanto eles trabalham. Mas minha meta é essa, que eles passem naUniversidade Federal...” (funcionário de área operacional)

“Eu acho que o meu futuro vai depender do que a empresa vê de mim, quer demim. ... Se ela não investir em mim eu não vou ter futuro nenhum, não adianta,eu não acompanho.” (funcionário de área administrativa)

“Na primeira chance, eu estou indo embora.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Quando eu entrei, entrei renovando. Hoje eu preciso ser renovado. Tempessoas para trabalhar aqui no meu lugar, fazer o que eu faço...pagar a metadedo que eu ganho. Então, eu acho que, a empresa, ela vai nesse caminho deredução.” (gerente de área administrativa)

Outras estratégias incluíram declarações de intenções de comportamento decompetência, de investimento em crescimento profissional e de desejo em contribuir

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para o sucesso da empresa até uma avaliação de oportunidades em outras áreas dentroda empresa.

“Então vou ser o mais competente possível. Dar o melhor resultado possível.Estou apostando nisso, porque eu acredito que só através disso as oportunidadesvão surgir.” (gerente de área administrativa)

“Eu penso em investir, fazer a minha parte, investir no meu crescimento. Esperoter oportunidade de dar uma contribuição maior dentro dessa organização.”(funcionário de área administrativa)

“Eu vejo oportunidades em outras áreas também... eu posso contribuir na áreade negócios... Eu vejo várias possibilidades.” (gerente de área operacional)

“Eu tenho muita esperança nesse negócio. Dessa empresa ser uma grandeempresa...Eu gostaria de estar nessa empresa e ter sucesso junto com ela.”(gerente de área administrativa)

Ressalte-se, por fim, a quase ausência de preocupação das pessoas com eventuaisfuturos planos de redução de pessoal. Não foi possível perceber - talvez por conta dessacrença na permanência dentro da empresa - a busca de outras alternativas de ocupação esobrevivência. Não existiu, tampouco, uma preocupação de se preparar para aaposentadoria. Considerando-se a idade mínima para o direito à complementação pelofundo de pensão – 57 anos – pode-se imaginar que grande parte das pessoas estaria seaposentando ainda com capacidade de trabalho.

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5 DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVB

5.1 Breve Histórico da ServB

A ServB é uma empresa prestadora de serviços com âmbito de atuação na Região Suldo país. Seguindo o programa brasileiro de privatização, foi adquirida, em 1997, porum consórcio de sócios majoritariamente nacionais, sendo hoje, na Região Sul, líder demercado em seu segmento de atuação.

Ainda como estatal e tendo em vista a preparação para a privatização, a empresaofereceu, ao final de 1996, um plano de demissão voluntária. Em verdade, dadas asrestrições orçamentárias à época e, também, a preocupação com a continuidade dasoperações, estabeleceu-se uma cota para as adesões. Nem todos aqueles que seinscreveram puderam participar do plano. Em uma das regiões geográficas da estatal,por exemplo, tinha-se como o número ideal de adesões cerca de 3.500 pessoas. Como onúmero de interessados foi muito maior, cerca de 600 pessoas não tiveram seu pedidoaceito.

Ao ser anunciado o ganhador do leilão de privatização, em final de 1996, iniciou-se umafase de transição, com cerca de dois meses de duração, em que se realizou umaadministração conjunta da estatal e do consórcio adquirente. Nessa época, os novosadministradores montaram uma equipe responsável pela transição, que definiu, entreoutras coisas, as linhas da nova estrutura administrativa e, também, um plano deredução de pessoal a ser imediatamente implantado.

No início de 1997, finalmente, a nova direção assumiu, realizando logo no primeiro dia,um grande volume de demissões, com cerca de 2.500 pessoas dispensadas.

Com o intuito de auxiliar as pessoas demitidas, a ServB ofereceu um pacote combenefícios financeiros que incluía, além de todas as verbas rescisórias previstas em lei,uma indenização monetária proporcional ao tempo de serviço na estatal. Além disso, deacordo com o edital de concessão, a ServB deveria implantar um programa de incentivoà formação profissional para todas as pessoas desligadas sem justa causa, no primeiroano de privatização.

Assim, a empresa fechou parcerias com o Sebrae, Senac e Senai para o oferecimento decursos. Como a massa de empregados desligados estava dispersa em três diferentesEstados, optou-se pelo envio de carta com lista dos cursos a serem realizados e,também, com os formulários para a inscrição. Os cursos seriam realizados nas cidades,segundo a disponibilidade dos vários parceiros e as despesas decorrentes dedeslocamento e hospedagem seriam pagas pela ServB.

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Durante os primeiros 12 meses da privatização, a ServB enviou a correspondênciarelativa a esses cursos para cerca de 3.200 pessoas73, das quais cerca de 600 pessoas seinscreveram. Realizaram o curso, no entanto, apenas 300 pessoas, ou seja, menos do que10% das pessoas inicialmente comunicadas.

Segundo avaliação das pessoas responsáveis pelo programa de formação profissional,algumas razões contribuíram para a baixa presença: (a) o início da realização dotreinamento com um certo atraso, ou seja, cerca de seis meses após o PDI; (b) vergonha,por parte do empregado, da própria falta de escolaridade; medo, portanto, de se expor e(c) identificação com a atividade da ServB, obstruindo mudança de ramo profissional.

O plano de redução de pessoal, orientado por benchmarks nacionais e internacionais,incluía todas as área da companhia: administrativa, operacional e comercial. Previa-se,porém, uma redução maior na área operacional, pois algumas atividades seriamterceirizadas e outras eliminadas, através da otimização de processos e procedimentos.

A estatal tinha escritório em dois Estados, o que gerava duplicidade de funções, como,por exemplo, as de recursos humanos, contabilidade e orçamento. Planejava-se, assim, afusão das duas unidades e a concentração das atividades em apenas um dos locais,ficando o outro apenas com a parte operacional da região e um pequeno departamentode apoio. Todas essas medidas, na opinião da nova direção, justificavam a eliminaçãode um grande número de postos de trabalho.

Para que esse contingente de pessoas a ser desligado pudesse ser selecionado, coube ànova administração preparar os gerentes, através de palestras, para a tarefa. Como aempresa em sua época de estatal, realizava demissões, faltava-lhes, segundo o diretor deRecursos Humanos, o “preparo” para realizar tal tarefa:

“... nós fizemos palestras em toda a empresa, preparando essas pessoas (oslíderes) para o processo de demissão. Que muitos desses nunca demitiram umasó pessoa. Porque uma característica da empresa pública era que tinha aestabilidade. Eles não estavam preparados para demitir. Então nós tivemos quefazer um trabalho de preparação: que a demissão era uma coisa necessária e elaviabilizava a empresa. Sem as demissões, a empresa era inviável. ...Então nóspreparamos os líderes para o processo de demissão”.

Outros planos seguiram-se. Ao longo de 1997 e de 1998, outras reduções substanciaisde pessoal foram realizadas, como, por exemplo, em junho de 1997, quando cerca de600 pessoas foram demitidas; em março de 1998, mês em que foram desligadas,aproximadamente, 200 pessoas; e em outubro de 1998, quando mais 500 foramdispensadas.

73 Este dado refere-se aos desligamentos realizados nos primeiros 12 meses de empresa privatizada. NoPDI, foram desligadas cerca de 2.000 pessoas. As demais foram desligadas em meses posteriores.

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Do período de março de 1997 até maio de 1999 – mês da realização desta pesquisa – aempresa passou de 6.300 para 2300 funcionários, fazendo, portanto, uma redução de,aproximadamente, 63% em seu quadro de pessoal.

5.2 Antes da Privatização: A ServB como Estatal

A partir de uma visão retrospectiva, os entrevistados relataram as principaiscaracterísticas de funcionamento da estatal. Esta era vista como uma organização cujosprincipais defeitos consistiam em: (a) dificuldade para se demitir alguém; (b) baixocomprometimento de muitos funcionários; (c) falta de condições para o trabalho; (d)igualdade na remuneração e promoções, independentes de produtividade, o queproduzia, por conseqüência, desmotivação para o trabalho; (e) comunicação pouco ágile (f) estrutura demasiadamente hierárquica causando lentidão nas decisões.

5.2.1 Demissões

Não havia cultura de demissão na estatal. Aquelas chefias que tentassem desligar umfuncionário enfrentavam não apenas um trâmite burocrático pesado, mas também forçaspolíticas internas e externas. As forças internas estavam representadas pela própriainércia da organização e pela atuação de assistentes sociais que procuravam sempreencontrar uma solução para manter o funcionário. Externamente, a força política dosindicato impedia, também, que se realizassem demissões. Nas palavras de um chefe deárea operacional, o processo transformava-se um uma “via crucis” a ser seguida:

“Para mandar uma pessoa embora na estatal, dava serviço, porque você tinhaque provar, você tinha que conhecer seu chefe... Depois você tinha o RH, depoistinha o serviço social, que queria tentar tudo antes e, depois, tinha o problemajurídico e, depois ainda, com tudo isso envolvido, às vezes politicamente nãoera interessante porque você ia pegar uma guerra com o sindicato.... então paravocê conseguir mandar uma pessoa embora que estava causando problemasaqui, era uma via crucis.” (gerente de área operacional)

“Na época de estatal, você pegava o cara no flagrante e fazia um termo, ... dealcoolismo e essas coisas. Mas aí, você tinha que comunicar o sindicato,assistência social, a chefia e tudo o mais. No dia seguinte estava o sindicato,assistente social, todo mundo atrás desse cara. Pegavam essa cara, levavam paraa capital, tratavam dele dois, três meses lá, tudo por conta do governo. O caravinha de lá com viço, bonito, vistoso. Então eu digo, e agora? Agora ele vai,agora ele está. Dava um mês, dois, de novo. O cara caía de bêbado, de farra, dejogatina e isso tudo, mas existia a assistente social que tentava recuperar apessoa.” (supervisor de área operacional)

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Segundo os depoimentos obtidos, os entraves ao processo de demissão eram tantos queos próprios empregados, acreditando na inabilidade da empresa, chegavam a afrontar emesmo a desafiar suas chefias.

“Só poderia demitir se fosse por justa causa, então você tinha que fazer umasérie de procedimentos até que essa pessoa fosse demitida por justa causa. Masisso você sabe que o tempo vai passando, você às vezes consegue provar,acontece até alguma falha no meio do processo, a pessoa já muda de área,depois começa tudo de novo. Então era muito difícil. Eu peguei alguns casosbem difíceis que as pessoas tinham muitos problemas e elas diziam mesmo paranós que elas não iam ser demitidas, que elas sabiam que ia ser difícil serdemitida e você acabava tendo que conviver com elas.” (gerente de áreaoperacional)

5.2.2 Comprometimento

A ausência de pressão para o desempenho ocasionava a baixa produtividade de muitosempregados. Havia, na opinião de alguns entrevistados, uma cultura paternalista, emque os interesses pessoais se sobrepunham aos interesses da organização, produzindoempregados pouco comprometidos com o trabalho.

“Antigamente eles batiam o cartão às sete e vinham do vestiário às oito. Aí,depois, eles iam tomar café, daí nós íamos conseguir fazer eles trabalhar comum tapinha nas costas. Quem sabe, por favor, vai lá e faz isso para nós? ‘Ah,mas a minha mulher está doente, eu tenho que ir para casa, olhar meus filhos, eera assim que era. Hoje, não. Só que, naquela época, nós tínhamos 50 a 70 carasaqui dentro. Hoje nós temos 34. Não tem mais febre, não tem mais nada”.(supervisor de área operacional)

Em algumas áreas geográficas, entretanto, a produção atingia um nível que, secomparado com outras áreas da estatal, era considerado superior à média nacional. Oorgulho por esse desempenho pode ser constatado no discurso de um supervisor de áreaoperacional:

”É que, no tempo de estatal, nós aqui nos pátios, sempre foi isso que é hoje.Uma alta produção... ,mesmo na época de empresa estatal. Isso aqui sempre foium pátio modelo, sempre foi alta produção“ (supervisor de área operacional).

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5.2.3 Condições de trabalho

As condições para o trabalho eram consideradas inadequadas. Na área operacional, porexemplo, havia constante falta de peças para o conserto de máquinas, sendo que,algumas vezes, chegava-se a reciclar peças que já haviam sido descartadas. Por faltatotal de peças, os funcionários eram obrigados, muitas vezes, a interromper o trabalho.Tal situação, segundo o relato de um funcionário, desmotivava os empregados, fazendocom que se sentissem “desgostosos” com o trabalho.

“Muitas vezes tinha o serviço mas faltavam peças, ou, então, para você fazer umserviço mal feito justamente por não ter peças. Então, profissionalmente, a gentese sente um pouco ruim com essa situação. Porque você sabe que cada um temum determinado potencial, cada um quer dar o melhor de si. E, às vezes, vocêsabe que não está fazendo, porque a empresa não dá condições de fazer. Erampeças reutilizadas, muita coisa que estava, muitas vezes na lata do lixo, tinhaque ir lá buscar, para reutilizar, porque não tinha peça. Você tinha duas opções:ou você deixava a máquina parada ali no pátio, ou fazia uma tentativa de pegaruma peça já sucateada e colocar na máquina. Isso aconteceu várias vezes...Então, a qualidade da manutenção caiu uma barbaridade. E tudo isso aí fazia agente ficar desgostoso de trabalhar numa firma estatal. Então, até pensei emsair, em voltar a novamente trabalhar na iniciativa privada, mas foi passando otempo e acabei desistindo da idéia e ficando aqui mesmo.” (funcionário de áreaoperacional)

“Porque você estava vendo na estatal que o patrimônio estava terminando,coisas assim. Não tinha incentivo de trabalhar.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Para você ter uma idéia, faltava lápis para se escrever. Então o pessoal nãotinha como [trabalhar], não tinha copo, não tinha bulufas nenhuma.”(funcionário de área operacional)

Havia uma preocupação com as condições de segurança dos empregados. Semfornecimento de roupas e equipamentos adequados para o trabalho, sentiam-se, emalguns casos, obrigados a arcar com despesas de uniformes. O sentimento de descasocom os funcionários e com o patrimônio da empresa expressou-se no seguintedepoimento:

“Eu mesmo, eu ficava revoltado e a turma também. Então, nós parávamos detrabalhar, que os caras não se preocupavam com segurança de trabalho. Eles nãodavam luvas, não davam botinas para nós. Eles não davam nada para nós.Roupa, roupa a essa altura do serviço, nós é que pagávamos. Nós é quepagávamos a nossa roupa. E os contracheques, tem época que eles não

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entregavam no dia certo. Então, não era justo, então, o pessoal se revoltava comaquela situação.” (supervisor de área operacional)

5.2.4 Avaliação de pessoal

Sem um processo de avaliação individual que alimentasse o sistema de remuneração, osempregados da estatal recebiam aumentos independentes de sua produtividade. Em umprocesso de comparação indicavam que, se outro funcionário não trabalhasse, estereceberia um aumento da mesma forma. Verificava-se, assim, que as práticas derecursos humanos desestimulavam os funcionários que desejavam produzir.

“O plano de cargos e salários e de merecimento era igual para todos. Se vocêfosse um bom funcionário ou fosse ruim, você recebia a mesma coisa. Não tinhauma meritocracia. A pessoa recebia igual, você trabalhava e trabalhava eganhava a mesma coisa. Se você ficasse o dia inteiro lendo e eu ficasse fazendotudo, seria a mesma coisa. Você não era reconhecido e eu também não, tudobem, ficava por isso mesmo. Hoje não, hoje as pessoas que demonstram alguminteresse a mais, elas são reconhecidas.” (gerente de área operacional)

5.2.5 Comunicação

Com uma estrutura extremamente hierarquizada, a estatal tinha, também, um sistema decomunicação vertical que dificultava o acesso aos níveis superiores da empresa edistorcia a informação. Os entrevistados fazem, por exemplo, referência a secretáriasque organizavam a agenda da chefia e à disposição física das salas de trabalho, aspectosesses que entravavam, mais ainda, o fluxo e a rapidez das informações na empresa.

“Era muito, muito difícil. Para você telefonar e falar com o superior, você tinhaque passar toda a hierarquia primeiro até chegar. Se não, era falta grave.”(funcionário de área administrativa)

“Na estatal, era tudo salas reservadas, escritórios fechados. Para você conversarcom o diretor, tinha que ficar marcando na agenda com ele.” (funcionário deárea administrativa)

“Antigamente, era muito difícil. Eu tinha que ir no gerente. Esse gerente ia nooutro e ia no outro e ia no outro. ... Muitas vezes, até alguma coisa que vocêfazia, que chegava no último já não era mais assim.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Era uma sala separada, fechadinha e ali estava o superintendente, estava oassessor, estavam todas as pessoas assim. Você tinha que se anunciar para falar.

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Você não chegava a ter um diálogo aberto, os problemas você tinha, às vezes,que passar para outra pessoa, aquela outra pessoa ia falar.” (funcionário de áreaadministrativa)

No nível operacional, havia queixas quanto ao desconhecimento dos objetivos daorganização. A operação diária na produção era dificultada pela compartimentalizaçãoda informação.

“Em tempo de estatal, as coisas eram todas chaveadas, tudo no cadeado. Cadaarquivo, cada equipamento tinha um dado e era tudo chaveado. Fulano não podeficar sabendo disso aí, fulano não pode saber disso aqui.” (funcionário de áreaoperacional)

“No tempo da estatal não havia esse envolvimento. Não se conhecia muito quaiseram os objetivos, onde nós queríamos chegar.” (gerente de área operacional)

5.2.6 Hierarquia e processo decisório

Outra queixa relativa às práticas da estatal, refere-se à hierarquia e às dificuldadesencontradas para a tomada de decisões. Em contraste com a empresa privatizada, aexistência de vários níveis hierárquicos emperrava o processo decisório e mesmoaquelas decisões ditas “menores” demandavam um tempo que poderia chegar asemanas.

“Para você ter uma definiçãozinha de algumas coisas, você demorava atésemanas. Fazia um despachozinho para o teu chefe, teu chefe mandava para ochefe dele e mandava para o chefe.... Tinha supervisor de grupo, de núcleo,gerência da seção, gerência do setor, gerência da unidade, depois chegava aocargo de diretor. Então nós tínhamos cinco gerentes antes de chegar ao diretor.”(funcionário de área administrativa)

“Eu lembro que da estatal até ... que eu aprendi a escrever. Que, na estatal, agente tinha que escrever muito. ... Escreve, escreve. Daí passava para um,passava por outro, até que aquele processo retornasse para você demorava umasemana, duas, e você não tinha esse acesso que nem a gente tem aqui.” (gerentede área administrativa)

5.3 Transição de Estatal para Privada

As entrevistas realizadas apontam para um período de transição que abrange não apenasalguns meses antecedentes à privatização propriamente dita, mas também os meses deadministração conjunta da estatal com os novos administradores, bem como osprimeiros meses de gestão como empresa privatizada.

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5.3.1 Preparação para a privatização

5.3.1.1 Sinais externos e falta de informação interna

O processo de privatização chegou, paulatinamente, ao conhecimento e à consciênciados funcionários da empresa. Rumores sobre a possibilidade de privatização iniciaram-se anos antes da concretização real do fato. Entretanto, segundo depoimento de umfuncionários, apenas com o tempo, incorporou-se a consciência de que o processo seriainevitável.

“Começou falando bem pouquinho e tal. Vagarosamente, a gente até não ligavamuito ou não dava muita importância na época, porque parecia uma coisa queera falada, mas que, na verdade, não ia acontecer... Eu, pelo menos não davamuita importância para o assunto e tanto que não me inteirei muito do assunto.E na verdade, eu só comecei a me dedicar mais, a ler mais sobre asprivatizações e foi quando realmente eu vi que ia acontecer. ... Mas, de início,eu não me incomodei muito com isso não.” (funcionário de área operacional)

A conscientização da proximidade do fato era alimentada por notícias na imprensa epela intensificação nos rumores internos. Outros sinais eram, também, captados pelosfuncionários. Um dos gerentes, por exemplo, indica que, nos dois anos anteriores àprivatização, houve desaceleração dos projetos internos, ficando as atividades restritas àrotina diária.

“Em 95/96 esses rumores da privatização se concretizaram: o leilão tem datamarcada, a data do pessoal assumir. Daí começou a criar dentro da própriaempresa um clima de apreensão. Ninguém sabia o que ia acontecer. Asinformações, elas não eram muito bem concretas. Uns diziam, ‘vão mandar todomundo embora’; ‘vai colocar todo mundo novo’; ‘não, vão mandar algunsembora’. Então eram rumores o tempo todo.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Toda vez que a gente acordava de manhã, tinha uma notícia no jornal. Vai serprivatizada, não vai ser privatizada. As coisas pararam durante esse tempo, pelomenos uns dois anos não se fazia muita coisa. Qualquer plano que a gente tinhaaqui não ia muito para a frente, porque daí o pessoal já pensava, mas aí vem aprivatização e a gente não sabe o que vai acontecer. Então as coisas pararammuito aqui nos dois anos que antecederam à privatização... A gente só fazia,praticamente, a rotina, não houve investimento nem nas pessoas e nem nosativo”. (gerente de área administrativa)

Além dos rumores da privatização havia uma carência de informação por parte dadireção da empresa. Os funcionários ressentiam-se de falta de informação oficial emesmo a atuação do sindicato era percebida como precária.

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“Porque eles não davam informação para a gente, eles não transmitiam o que iaacontecer na empresa e à família, diretamente... a mulher se preocupavamesmo....perder o emprego. ... Então 96, foi o pior ano da minha vida na estatal.Nunca vou esquecer disso, porque ninguém te dava a informação correta,ninguém te dizia nada”. (supervisor de área operacional)

“Daí eles já falaram que ia rolar cabeça. Que ia ter demissões, iam renovar osfuncionários... Mas isso era papo que rolava entre a gente, não tinha nada oficialnão. Ninguém sabia nada direito. Sindicato, a gente nunca teve sindicato.Sindicato nunca ajudou nem a informar a gente sobre isso”. (funcionário de áreaoperacional)

5.3.1.2 Representações da empresa privatizada e significados daprivatização

Como, para a maior parte dos respondentes, a estatal havia sido seu único ou principalemprego, havia, por parte dos mesmos, uma falta de experiência com empresasprivadas. Em seu imaginário, a empresa privada iria demitir a todos e trabalharia,primordialmente, com empresas terceirizadas.

“Aí, depois, veio aquela história de privatização: ia ser privatizado. Aí você ficanaquela, não sabe o que vai ser. ... sempre todo mundo comentava: vai ummonte de gente para a rua, isso aí com certeza. Isso aí a gente tinha certeza quemuita gente iria...” (funcionário administrativo)

“Que vai todo mundo para a rua...começaram a vir informações da Argentina.Começaram a vir informações de outras empresas que já tinham sidoprivatizadas.... Ficou um clima meio complicado para trabalhar.” (funcionáriode área administrativa)

Outras imagens e opiniões se apresentaram. Para um dos entrevistados, a diferença naforma de trabalhar entre a empresa estatal e a privada seria uma dificuldade a sertransposta; para outro, uma oportunidade a ser perseguida; para outro ainda, haveriamelhorias; e para outro, por fim, a privatização seria necessária, sob pena de a empresatornar-se inviável a curto prazo.

“Sou oriundo da estatal e hoje tenho quase 16 anos entre estatal e privada e,quando houve a mudança da concessão, eu já estava com 14 anos de estatal.Então, a gente já vinha de uma certa experiência, de um certo regime, regimeestatal. Então, para a gente, à primeira vista, parecia um desafio intransponível

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essa mudança do serviço público para a iniciativa privada.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Eu, particularmente, fiquei satisfeito com a privatização. Desde o início, fiqueimuito satisfeito com a privatização. Eu acho que foi uma oportunidade que agente estava precisando. Eu, pelo menos, estava precisando.” (gerente de áreaoperacional)

“Na época, o chefe aqui era uma pessoa que pediu para a gente ficar porque eletinha algum contato, alguma coisa com o pessoal aqui da privatização. Ele falouque ia melhorar... que a gente ia se dar bem ... então ele apoiou a gente nessesentido e pedindo para ficar, que pelo menos déssemos um tempo para ver que atransição ia ser legal. Então, para mim pelo menos, particularmente, claro queeu fiquei preocupado... mas achava que ia melhorar, ainda mais tendo ainformação desse ex-chefe aqui. ” (funcionário de área operacional)

“A única coisa que eu acho importante, eu acho até que a parte que eu meconformei mais... é que eu acho que a privatização ela foi necessária...lamentavelmente foi necessária. ... na situação em que nós estávamos, incentivonenhum, todo o pessoal desmotivado. Eu acreditava que mais uns seis meses,ali, uns dez meses ninguém ia receber mais... eu entendo que foi uma dasmaneiras de salvar a ServB foi essa.” (funcionário de área administrativa)

Os meses que precederam à privatização foram, segundo os entrevistados, de intensaexpectativa e insegurança por parte de funcionários e de gerentes da estatal. Dúvidas,especulações e incertezas acerca do futuro faziam parte da rotina diária de cada um. Oleque de preocupações abrangia o medo de vir a ser mandado embora, o receio de nãose adaptar à nova organização e a apreensão acerca do futuro.

“Era o medo de você não conseguir se adaptar. Você não conseguiracompanhar a mudança, essa transformação, e aquela história de você perder oseu emprego. Afinal, isso é complicado para qualquer pessoa. Então, a gente játinha aquela certa, entre aspas, estabilidade. Não existia oficialmente, mas, naempresa, era. A estatal não ia demitir alguém nunca. A gente sabia que, com amudança, isso certamente ia acontecer. Todo mundo era consciente disso.Então, isso assustava um pouco. Essa coisa pegava mesmo.” (funcionário deárea administrativa)

“O maior medo, evidente, da privatização, isso em qualquer lugar do mundo, éo medo da dispensa. É evidente, você sai de uma estatal, do Governo Federal,para uma empresa privada, é evidente que isso gera um pouco mais de medo emtodo mundo, em qualquer lugar no Brasil vai acontecer isso. O pessoal, noinício, ficou com um pouco de medo.” (funcionário de área operacionalpromovido a gerente)

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“A gente não sabia direito o que ia acontecer. Sabia-se que a empresa, numprimeiro momento, ia enxugar o quadro, isso era uma coisa já que estava nacabeça de todo mundo. Mas ninguém sabia onde seria, como seria. Não sabia,por exemplo, nem se a sede ia ser aqui.” (funcionário de área administrativa)

No processo de venda da empresa muitos executivos de outras empresas visitaram aServB, muitos estrangeiros entraram nas instalações e esse fluxo de pessoasdesconhecidas colaborou para gerar insegurança.

“Quando realmente já tinha a data marcada [para o leilão], já existiam pessoasvindo aqui conhecer a empresa, para saber. Vieram argentinos, americanos, paraver como é que era. Foi complicado.” (funcionário de área operacional)

5.3.2 Programa de Desligamento Voluntário – PDV no contextode uma empresa a ser privatizada

Fazia parte da estratégia de privatização o oferecimento de planos de desligamento como objetivo de reduzir o contingente de pessoal das estatais, tornando-as mais enxutas e,por conseqüência, mais atrativas para a venda.

O plano de desligamento, oferecido na ServB ao final de 1996, ocorreu em ummomento em que os funcionários estavam já mais conscientizados de que a empresaseria, efetivamente, vendida para o setor privado. A privatização assumiu, assim, atravésdo PDV74, contornos mais nítidos e mais sólidos, servindo, ainda, para tangibilizar asmudanças vindouras.

Um dos problemas encontrados pela estatal referia-se à limitação financeira para opagamento das indenizações e dos benefícios oferecidos. Houve uma expectativa, porparte da alta gerência, que o número de adesões representasse um valor superior aoorçado. Assim, a regra de seleção baseou-se na ordem de chegada dos pedidos; aquelesque primeiro aderissem teriam prioridade sobre os demais.

“A gente esperava um número acima do necessário. Tanto é, que a gente tomouessa precaução de estabelecer muito bem que seria por ordem de adesão. Tantoé, que no dia, no início, tinha fila para aderir. Chegou muito cedo porque queriagarantir a sua adesão para sair.” (funcionário de área administrativa)

74 Plano de Desligamento Voluntário

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5.3.2.1 Razões para a adesão ao PDV

Como esperado, o número de adesões superou a verba disponível e muitos não puderamparticipar do plano. O grande número de inscrições deveu-se, segundo os entrevistados,principalmente ao benefício financeiro oferecido, ao medo do futuro, às percepções deoutras oportunidades de sobrevivência fora da empresa e, também, à proximidade daaposentadoria.

Aqueles que se desligaram, neste plano, receberam, além de todas as verbas rescisórias,um incentivo financeiro proporcional ao número de anos na empresa, que poderiachegar a seis salários. Este valor monetário constituiu, na opinião de algunsentrevistados, um atrativo irrecusável para a adesão ao plano, principalmente paraaqueles que estavam em dificuldades financeiras.

“Quem fica só pensando em emprego é quem tem uma situação estável, ascontas estão em dia, a família não está passando necessidade e você tem essachance de dizer não, eu não vou querer sair...Agora quem está com a luzatrasada, ameaçada de cortar a luz, não tem água, o filho não está estudando naescola, passando necessidade com criança doente, não tem assistênciamédica....Tirar o teu Fundo de Garantia no ato e ainda receber um prêmio parair embora, para quem está apertado, ele não pensa em dois meses depois...Ninguém que está no deserto quer uma piscina, ele quer um copo de água. É umcopo de água que tinha valor para eles. E isso aconteceu muito na estatal.”(gerente de área operacional)

Havia, também, uma incerteza muito grande acerca do futuro e assim, para alguns, aadesão seria a única forma de garantir o incentivo financeiro no presente, pois não sesabia se haveria outra oportunidade igual. Aliado a isso, algumas pessoas teriamencarado o plano como uma oportunidade para realizar outras atividades, abrindo umnegócio próprio, ou mesmo dando continuidade a uma atividade já iniciadaparalelamente.

“Muita gente saiu para trabalhar por conta [própria], se empolgou com o valorfinanceiro que ia receber. E outros, já com receio do processo, como é que seria,como é que agiria a empresa que ia assumir.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Muitos, o que acontecia? Muitas pessoas dentro da ServB, elas tinhamempresas com as esposas. Então, digamos, alguém tinha uma malharia juntocom a esposa, então a esposa tocava a malharia e ele trabalhava aqui dentro daempresa.” (funcionário de área administrativa)

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Teria contado também, como fator incentivador para algumas pessoas a proximidade daaposentadoria ou mesmo o direito a ela. Nesses casos, além do dinheiro asseguradopela aposentadoria, existia um benefício financeiro maior do que para os demais, por sercalculado proporcionalmente ao número de anos de empresa.

5.3.2.2 Papel do gerente

Na ocasião, os gerentes intermediários viram-se no difícil papel de motivar seusfuncionários a despeito da falta de informações e da insegurança que pairava no ar.Alguns indicaram ter começado a preparar seus funcionários para uma nova gama devalores organizacionais, tendo como foco central a questão de que a manutenção doemprego estaria ligada à produtividade e ao valor individual de cada empregado.

“Eu dizia: ‘pessoal, pense bem se vai aderir ao PDV, pense bem’. Eu entendoo seguinte, sempre entendi e passava isso: em qualquer empresa e não só aqui,se você estiver agregando valor, você tem o seu espaço. Basta você saberconquistar e saber se aquilo que está fazendo está agregando valor ou não.”(gerente)

“Então, eles tinham esse temor [de serem demitidos] e o que a gente sempredisse, para poder manter o pessoal, é que, se houvesse espaço para alguémtrabalhar, sempre iria ser para os melhores. Que procurassem sempre se manteros melhores para poder um dia encontrar o seu espaço. E o que aconteceria?Isso a gente não sabia. Isso era uma coisa que a gente não tinha conhecimento,podia até imaginar.” (gerente)

Cercados de incertezas e falta de informação, os gerente percebiam-se preocupados emmanter os melhores empregados, tentando convencê-los a não aderir ao plano. Segundoindicaram, acreditavam que, após a redução de pessoal, precisariam desses funcionáriospara manter o ritmo e a qualidade do trabalho.

“Na época, eram ótimos funcionários, ótimos funcionários. Profissionais demão cheia. Faltou argumentos para convencer eles a não saírem. ... Então agente tinha aquele ritmo forte. ... A gente tentava segurar os bons profissionais,não deixar ir embora. Conscientizar eles e não deixar eles irem embora. Masnão teve jeito.” (supervisor de área operacional)

“Começamos a incentivar eles para não entrar, porque eles eram bons demais noserviço. Foi uma perda, assim, irreparável. Os caras [eram] bons mesmo deserviço, porque eles tinham um conhecimento geral sobre tudo. E elesacabaram, ‘não, não, vamos tentar a vida aí fora’.” (supervisor de áreaoperacional)

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5.3.2.3 – Funcionários que saíram no PDV

Uma das percepções comuns aos funcionários entrevistados referia-se às dificuldadesenfrentadas pelos que deixaram a empresa na época. Conforme os relatos, muitos teriamsido os fracassos de quem havia utilizado o dinheiro recebido no desligamento parainvestir em um negócio próprio ou mesmo para dele tentar sobreviver. Parte dosinsucesso era explicado pela falta de experiência empresarial, falta de preparo parainiciar seu próprio empreendimento e mesmo falta de noção do valor do própriomontante recebido. Este valor recebido de uma só vez, parecia alto, mas seria, naverdade, apenas uma “ilusão”. Assim, alguns teriam perdido tudo, sendo obrigados aaceitar condições piores do que aquelas que tinham quando estavam na estatal. Asituação seria agravada, ainda, pela pouca oportunidade que estas pessoas teriam devoltar ao mercado de trabalho.

“Agora, o que muita gente quebrou a cara é que achava que com o dinheiro nobolso ele resolvia a situação. Então, tinha vários colegas que compraramcaminhões.... para fazer transporte, para ser o dono da própria firma. Alguns sesaíram bem, outros quebraram a cara.” (gerente de área operacional)

“Uns estão trabalhando de serviço de pedreiro, vigilante, auxiliar de motorista,assim...Uns saíram, foram embora, a gente não sabe até hoje onde eles estão.Mas olha, eu digo para você, 90% deles quebraram a cara. Infelizmente, porqueo mercado de serviço não está absorvendo eles... o mercado já estava inchado.Então eles saíram para um negócio próprio... eles não souberam levar, foi-se odinheiro, foi-se tudo e aí eles tentaram entrar no mercado. Só que o mercadoestá inchado.” (supervisor de área operacional)

Do ponto de vista dos entrevistados, não bastaria o recebimento de dinheiro paragarantir a vida “lá fora”. Muitos teriam fracassado por não terem sido preparados paraseguir por conta própria. Acostumados a receber um salário garantido ao final do mês,não teriam sabido reconhecer os riscos e oportunidades de aplicação do dinheiro e nemexercitar o lado empreendedor.

“Muitas pessoas se deixaram levar por esse capital que ela teria. Ela achou queseria muito fácil, simplesmente sair daqui e ali abrir uma portinha, umcomérciozinho qualquer e, nessa, seus problemas iam se resolver. Quando agente soube de outros casos que não foi assim. Não tiveram um preparo. Temque estar preparado para isso. Fica difícil, muito difícil se aventurar”.(funcionário de área administrativa)

“Muitos voltaram para o interior, para tentar uma outra coisa lá, porque odinheiro acabou e (ele) acabou não fazendo nada. Porque era uma ilusão: ‘Vocêvai ganhar R$30.000,00’. O cara ganhava R$ 300,00 por mês, olhava R$30.000,00 era muito dinheiro... se largava naquilo ali. O que aconteceu? Acabou

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não tendo onde aplicar realmente o dinheiro. O dinheiro na mão...”. (funcionáriode área administrativa)

Por outro lado, há registros de pessoas que tiveram sucesso após o desligamento. Asexperiências bem sucedidas, no relato dos entrevistados, estão associadas àquelaspessoas que já tinham um negócio paralelo em andamento ou às pessoas que investiramem sua própria formação.

“Teve um que saiu daqui... era auxiliar de serviços gerais. Ele trabalhava lá nolaboratório. E lá no laboratório o chefe sempre incentivava a estudar. Daí ele fezo curso de Técnico de Química... entrou para a Empresa X... hoje em dia já estáfazendo Faculdade de Engenharia Química. Então esse tá legal.” (funcionário deárea operacional)

“Então existiam essas atividades paralelas, outros tinham restaurante, outrostinham lanchonete que uma outra pessoa da família tocava e às vezes, essapessoa auxiliava. Então eles resolveram pegar esse dinheiro e aplicar tudo lá esaíram e foram trabalhar só lá.” (funcionário de área administrativa)

5.3.3 Administração conjunta e primeiros meses da novagestão

Uma vez realizado o leilão, a ServB passou por cerca de três meses de umaadministração de transição, em que conviveram gerentes da estatal e da nova empresa.Essa fase foi descrita como sendo de muito trabalho e com muitas incertezas.

“Foi um trauma. Foi um trauma porque...assumir essa transição entre aprivatização, o leilão e [os novos acionistas] assumirem. Houve um prazo, umatransição em que as pessoas começaram a entrar aqui. E veio um americano ...dar uma consultoria operacional. Esse cara me apertou, me apertou porque eutinha na área mais de 140 pessoas, mais ou menos. . ... O cara passava e faziaassim (sinal de pescoço cortado). Assim o cara fazia, ainda gozava.” (gerentede área operacional)

Alguns gerentes e supervisores afirmaram terem se sentido obrigados a alertar seusfuncionários acerca de novas regras e posturas que passariam a ser cobradas. Um dossupervisores de área operacional, por exemplo, relatou que se iniciaram ações nosentido de mudar o comportamento dos operários com relação à higiene e àmanutenção de limpeza de banheiros e vestiários. Outro afirmou ter aconselhado seussubordinados a esquecer o passado e agir como se estivessem em uma nova empresa.

“Por exemplo, na época da transição, nós tivemos que fazer conversação sobrecomo se comportar dentro do banheiro. Como se comportar dentro de uma

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cozinha. Muitas vezes um mecânico acha que, só porque está sujo e engraxado,ele acha que pode fumar em qualquer lugar, ele pode se comportar...podevulgarizar um pouco.” (supervisor de área operacional)

“O pessoal que ficou se conscientizou e se esqueceu. Eu digo: ‘Esqueçam aépoca de estatal. Esqueçam. Foram todos demitidos da estatal e entraram numanova (empresa). Eu pus isso na minha cabeça’, eu falava para eles. ‘Esqueçam opassado’.” (supervisor de área operacional)

Logo aos primeiros meses da nova administração – e, portanto, já passado o primeiroplano de redução de pessoal na empresa privatizada – foram realizadas uma série dereestruturações organizacionais e de mudanças nas atividades. Estes meses foramdefinidos como de “acomodação”, pois processos e procedimentos passaram a serquestionados, revistos e redefinidos.

“Foi um período de muito trabalho... porque ainda estavam se fazendo muitosajustes na empresa. A gente mudou e reestruturou aqui o nosso departamento,mudamos o local, muitas coisas foram abandonadas que eram feitas na época deestatal... o modo de trabalhar, como uma readequação grande nesse sentido.”(funcionário de área administrativa)

“Houve basicamente duas fases. Teve uma fase que foi a fase inicial daprivatização, eu diria que foi um mês ou dois meses antes de ser [privatizada].Janeiro e fevereiro e os primeiros meses de 97. Porque foram meses deacomodação. Você tinha que reestruturar tudo novamente, tinha que repensarseu quadro de pessoas, a sua maneira de fazer e priorizar o serviçonovamente...Elas têm que aprender a priorizar, isso foi difícil no começo,porque as pessoas não estavam acostumadas com aquela redução. A redução [depessoal] foi bastante grande assim no começo.” (gerente de área operacional)

Segundo depoimentos colhidos, algumas pessoas teriam tido dificuldades em se adaptarà nova lógica de trabalho. Não se teriam dado conta de que a forma de trabalhar eraoutra e outro era o ritmo a ser empreendido.

“Não conseguiram enxergar que estavam numa outra empresa. Ainda ficaramguardando bloquinho e rascunho da época de estatal. ... E a gente dizia “Isso éprimitivo, joga esse bloco fora. Vive numa nova empresa. Sai desse marasmo’.Tem pessoas que não conseguiram ver mesmo. Não entraram no pique daServB, porque a ServB tem um pique totalmente diferente.” (funcionário deárea administrativa)

Com o decorrer do tempo, porém, algumas pessoas teriam começado a perceber queseria possível acompanhar as mudanças, passando a ter confiança em si mesmas eperdendo, aos poucos, o medo. As metas e a orientação da empresa teriam passado,

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também, a ser de conhecimento das pessoas, conferindo, segundo um dos entrevistados,“maior tranqüilidade.”

“A gente começou a ficar mais confiante e vendo que o potencial que a gentetinha era suficiente. Que não era alguma coisa ... que não estivesse ao seualcance. ... Porque muita coisa não mudou, era exatamente da mesma formacomo a gente fazia, mas a gente perdeu essa referência. ... mas depois a gentefoi vendo que não era assim, a gente tinha capacidade, a gente conseguiaatender àquilo que a nova empresa ia precisar.” (funcionário de áreaadministrativa)

“À medida que o tempo vai passando... você já vai conhecendo mais ou menoso processo, vai conhecendo as pessoas que estão entrando, você começa a ....condicionar a tua cabeça junto com o que a empresa está definindo como meta.Você começa a conhecer as metas da empresa, sabendo o que você pode e o quevocê não pode fazer. Então isso começa a te dar um pouco mais detranqüilidade para você saber se está afinado ou não está afinado.” (gerente deárea operacional)

5.3.4 Programa de redução de pessoal no contexto de umaempresa recém privatizada

Terminado o período de administração conjunta, a nova direção assumiu plenamente assuas funções. A lista das pessoas a serem desligadas havia sido preparada durante osmeses de transição – dezembro de 1997, janeiro e fevereiro de 1998. Esse processo jáera esperado pela grande maioria das pessoas e, em primeiro de março, ocorreu odesligamento.

5.3.4.1 Demissão esperada

A demissão não foi, na percepção dos depoentes, um evento inesperado. Ao contrário,as pessoas tinham plena consciência de que a probabilidade de ocorrência era alta. Nãosabiam quando ou como, mas sabiam que ocorreria. A própria comunicação informalcuidava de espalhar essa possibilidade.

“A gente não sabia. A gente imaginava. Era praticamente um consenso quehaveria redução de quadro, até porque a gente sabia que na nova empresa ia setentar modernizar muitas atividades...A gente sabia que ia reduzir, mas a gentenão sabia se ia ser na área operacional, se ia ser na área administrativa... a gentenão sabia se iria e em que nível e nem quando.” (funcionário de áreaadministrativa)

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“A ‘rádio peão’ que funcionava dentro da empresa. A gente sabia que ia haverdemissões grandes. Iam ser de uma hora para outra, ao assumir. Como foi,assumiram no sábado, na segunda-feira quem tinha de ser demitido foidemitido. Você chegou na segunda-feira e já não viu muita gente que vocêconhecia.” (funcionário de área administrativa)

“A gente tinha certeza de que ia muita gente embora. A estatal já estavaimplantando um sistema ... então a gente sabia que só daquilo ali já ia sair ummonte... ia ser demitido muita gente.” (supervisor de área operacional)

5.3.4.2 Preparação dos subordinados pelas chefias

Segundo alguns relatos, algumas chefias, preocupadas com o cenário de demissão,começaram a conscientizar seus subordinados e a alertá-los para uma mudança a ocorrerem suas vidas, comunicavam que ninguém estava imune ao desligamento, nem elesmesmos.

“As pessoas já vinham sendo preparadas que alguma coisa podia acontecer eessa coisa podia ser uma demissão. A gente procurava conversar bastante comeles durante as inspeções que a gente fazia, conversava com as pessoas, já iapreparando. ‘Olha, ninguém sabe exatamente o que vai acontecer, mas tem queestar preparado para uma mudança na tua vida daqui para a frente. Então já sepreparem, ninguém sabe qual é a filosofia dos novos donos, mas fiquempreparados’. Eu acho que isso ajudou muito.” (gerente de área operacional)

“Na verdade todo mundo sabia que ia ter um grande corte. Todo mundo sabia,eu sempre deixei isso bem claro para as pessoas. Inclusive eu deixava bem claroque eu podia ser um deles, perfeitamente. Poderia ter acontecido.” (gerente deárea operacional)

5.3.4.3 Razões para o plano

Perguntados sobre as razões para a realização do desligamento, os entrevistados listaramas mais variadas: necessidade de eliminar duplicidade de funções, novas tecnologias quetornaram alguns serviços desnecessários, necessidade de reduzir custos, existência deum quadro de pessoal “inchado” na época de estatal, necessidade de oxigenação e, porfim, terceirização de atividades. Pode-se imaginar que todas elas, em maior ou menormedida, tenham contribuído para a realização do enxugamento.

“Estava tendo um processo de enxugamento do quadro porque a empresa estavacom a folha de pagamento muito alta e tinham processos que tinham mudado,que tinham ido para outro Estado... Então tinham atividades que eram paralelas,

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que eram iguais. Então, não tinha como manter.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Sempre tecnologia. Telefone celular hoje, você fala onde você estiver.Antigamente, tinha que prender a pessoa num lugar que tinha um fio detelefone. Então hoje eu não preciso só dentro dessa sala. Pego o celular e saiopor aí e converso com você onde estiver. Antes não, você tinha que ter um carapara fazer o serviço externo e um cara para ficar para responder ...” (gerente deárea operacional)

“Primeiro lugar, acho que era assim um número muito grande de pessoas ainda,um quadro além da capacidade da ServB. Acho que isso foi o grande motivo.Eu não vejo razão para uma empresa chegar e demitir um número desse depessoas, simplesmente por demitir.” (funcionário de área administrativa)

“A gente via que aquilo ali era a tendência normal. Porque era muita genterealmente que tinha. Era muita gente mesmo. Só naquele prédio...você entravanaquelas salas tinha vinte, trinta pessoas numa sala. Tinha uma ou duas ou trêspessoas trabalhando, só. Uma velharada fazendo tricô, crochê, lendo jornal. Aspessoas não queriam se aposentar nunca.” (supervisor de área operacional)

5.3.4.4 Critérios para as demissões

Como foram selecionadas as 2.500 pessoas desligadas? Ao assumir, os novosadministradores selecionaram, primeiramente, aquelas pessoas em nível gerencial e deliderança que iriam continuar - ao menos no primeiro momento- na empresa. A essesdelegou a tarefa de, com base em dimensionamento realizado, escolher os funcionáriosa serem demitidos. Estes gerentes, por sua vez, junto com alguns de seus subordinadosimediatos, analisaram a mão de obra existente e fizeram as suas seleções.

“Se tentou fazer o critério o mais justo possível. Mas devido ao pouco tempoque você tem para conhecer, e você tem às vezes mil e trezentas, mil equinhentas pessoas aqui, você não consegue conhecer todas elas rapidamente.Então cada um, cada engenheiro desses, junto com seus supervisores, iamdeterminando as pessoas abaixo. Por exemplo, eu determinei os cincoengenheiros que ficavam comigo. Eles, com seus supervisores, escolhiam asdemais pessoas que iriam ficar. Eles determinavam os supervisores e junto comesses supervisores eles determinavam as pessoas que ficavam. É claro que comoeu conhecia boa parte da região, eu também opinava. Mas não dá para vocêpegar todas, digamos mil e poucos empregados e você determinar.” (gerente deárea operacional)

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“Dia 28 (de fevereiro de 1997), veio a ordem de fazer a lista de pessoal. Daíveio a ordem, o gerente... que estava aí com nós pegou e me chamou, assim: ‘Eunão conheço o pessoal aí. Não sei quem é bom, quem é ruim, quem são osprofissionais. É contigo a bronca, é contigo aí. E nós temos que entregar essalista até dez para o meio-dia lá no edifício’. ” (supervisor de área operacional)

Dois enfoques foram relatados: o enfoque dos que iriam ficar e o enfoque dos quedeveriam sair. No primeiro caso, selecionavam-se aqueles que haviam demonstradomais vontade e mais interesse no trabalho. No segundo caso, o processo de eliminação,indicava-se para desligamento do pior para o melhor, até atingir a cota necessária.

“Eu tentei escolher aquelas pessoas que tentaram demonstrar, o tempo quefiquei com elas, vontade de fazer algo mais do que aquilo que elas faziam. Nãoapenas aquelas pessoas que cumpriam apenas a sua função, bem ou mal, masaquelas que tinham, que demonstravam interesse em fazer algo mais. Quedemonstravam interesse de crescer, de produzir algo mais, que não se atinhamapenas às suas funções.” (gerente de área operacional)

“Numa primeira fase você tem aquelas pessoas que você gostaria de demitir,que eu acho que é a parte mais fácil. Pessoa que você tem motivos... Mais fácileram aquelas pessoas que não valia brigar [por elas]. Então essas pessoas foramas primeiras a encabeçar [a lista]. Depois disso aí, foram pessoas médias. Atéaqueles que colaboraram menos e dessa forma que foi. E puramente, vamosdizer, escolher as pessoas em que a gente pudesse acreditar.” (gerente de áreaoperacional)

“Era pelo cargo A, ou cargo B. Tinha que haver equilíbrio, não podia mandartodos do cargo A embora e ficar com os do cargo B. ... Você vê que aqui eucortei pouco, em relação aos outros, porque já era um lugar enxuto. Mas foi poruma ficha de avaliação pessoal, por sentimento, eu mais um outro supervisor.Temos que cortar tanto, então é esse aqui. Mas a gente podia parar aqui,... epara alguns (outros cargos) a gente dizia, podia pegar mais três aqui. Não haviaum equilíbrio.” (gerente de área operacional)

A questão da justiça, na seleção daqueles que seriam desligados, parece ter sido umapreocupação recorrente para parte dos entrevistados. Um depoente, por exemplo,afirmou poder ter havido uma seleção injusta ou equivocada de pessoas e um dossupervisores relatou uma certa ansiedade na escolha. Tinha medo de ter escolhido aspessoas erradas e procurou, posteriormente, ouvir a opinião de outros para confirmar oudesconfirmar seus receios.

“No meio dessas pessoas que trabalhavam na estatal tinha muita gente boa. ...Mas tinha muita gente ruim. ..tinha gente que não queria realmente nada, masnada. ... Como as pessoas que ficaram foram, naturalmente, devem ser as

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melhores. É claro que alguns erros aconteceram, sem dúvida ... eu não imaginoque eu tenha escolhido as trinta e três melhores pessoas. Seria um absurdo se eupensasse dessa forma. Mas devo ter escolhido pelo menos uma grande parte dasmelhores.” (gerente de área operacional)

“Eu fui um cara bem consciente. Não protegi ninguém, não protegi ninguém e,em certos momentos, até falei depois com mais gente. ... Chegou uma épocaque eu precisei falar com outras pessoas, assim, de Recursos Humanos, paraeles me orientarem. Fiquei muito... será que eu não fiz a coisa errada? Não fizcom dor de consciência? Daí comecei a conversar com esse pessoal que já tinhapassado por aqui, os chefes que passaram por aqui, e conversar: ‘O que vocêacha do fulano? Qual era a tua opinião deles?’ Porque é muitaresponsabilidade... para mim, eu que indiquei eles.” (supervisor de áreaoperacional)

Para aqueles que não tiveram a incumbência de selecionar ninguém, a percepção foi deque algumas pessoas teriam sido demitidas injustamente. As referências se fazem apessoas consideradas competentes e a pessoas que teriam se dedicado à empresa.

“Problema que eu acho nisso tudo, são as pessoas que saíram nesse período.Muitas saíram arrasadas, menosprezadas. ...Que a princípio as pessoas.. queeram competentes saíram arrasadas. A auto-estima lá embaixo. Então isso é quea gente ficava até chateado. Conhecer uma pessoa dez anos, .... trabalhandojunto e tal. Está vendo que a pessoa era competente.” (funcionário de áreaadministrativa)

5.3.4.5 Ato da demissão

As formas de comunicar a demissão variaram de área para área. Em um dos locais oengenheiro ficou no escritório e o supervisor buscou aqueles a serem dispensados. Emoutro caso, o gerente reuniu todos em uma sala e leu a lista dos que iriam permanecer.Em outro ainda, o gerente reuniu na sala apenas os que iriam ser desligados.Independentemente da forma escolhida pela gerência, todos os demitidos receberamuma carta comunicando a dispensa.

“Então a pessoa estava trabalhando lá... Daí uma pessoa aqui do escritóriochegava lá na pessoa: ‘Ó, é para você ir lá para falar com o fulano’. .. Foi fogoaquele dia... Volta e meia entrava uma pessoa aqui do escritório, chamava ofulano lá.” (funcionário de área operacional)

“Então, eu tinha gente que estava terminando a escala de serviços e eu tinhagente que ia iniciar a escala de serviços e tinha gente de folga que ia pegar nooutro dia às sete. Então mandei reunir todo mundo. Expliquei para eles, porque

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afinal das contas eu estava numa situação de carrasco, mas não tinha nadapessoalmente contra eles, e até por bom relacionamento eu não tive nenhumtipo de problema. ... Expliquei para eles que o que estava sendo feito era umaalguma coisa que todo mundo estava esperando, que havia uma relação depessoal que ia sair e a gente ia comunicar na seqüência, que eu pedia que elesusassem o bom senso e que sabia que eles sabiam o que iam receber eaproveitassem a oportunidade e a experiência deles para procurar um emprego.... Uma relação, e aí fui lendo. Pessoal, eu vou ler o nome de quem vai ficar. Dequem vai ficar. Depois, qualquer dúvida, vai ficar o nome dos estão ali. Então:fulano, fulano, fulano.” (gerente de área operacional)

“Normalmente numa sala, no próprio local, na sede deles, onde elestrabalhavam. Chegavam no local, reunia com essas pessoas numa salareservada, explicava para eles o que aconteceu, mais ou menos qual foi ocritério que a gente utilizou para fazer as demissões e tentar passar para eles, aí,alguma mensagem de otimismo, para que eles pudessem voltar para casa e atéconfiar que amanhã ou depois eles poderiam retornar para algum serviço oucom a ServB ou com alguma empreiteira, ou até um outro trabalho fora.”(gerente de área operacional)

A tarefa de demitir não foi fácil para alguns. Um dos relatos conta a história de umgerente que se comoveu muito após a demissão. Outro discursou sobre a importância dese preservar a dignidade da pessoa que estava sendo desligada. Para um dossupervisores, o difícil seria chamar a pessoa de dentro de seu ambiente de trabalho parao escritório onde se faria a comunicação da demissão.

“Eu soube de uma coisa que aconteceu... Foi quando esse engenheiro que teveque desligar esse volume de mais ou menos trinta, quarenta pessoas num sódia... Ele explicou o quê estava acontecendo, toda aquela situação, queinfelizmente ele teve que optar por alguns nomes, eles é que tinham sido osescolhidos e ele teria que demitir. Depois quando ele terminou de falar comtodo o pessoal que estava, parece que no refeitório, entregou as cartas, opessoal assinou e algumas pessoas vieram agradecer: ‘Olha doutor, muitoobrigado. O senhor sempre foi muito bom conosco’. Ele disse que quase morreude tanto chorar depois.” (funcionário de área administrativa)

“Eu acho que a pior situação é da pessoa que vai ser demitida. Acho que nãoexiste uma situação pior do que uma pessoa estar sendo demitida. Mesmoaquela pessoa que você possa ter algum motivo para demitir, nessa hora vocêtem que ter a hombridade e a dignidade de não expor mais a pessoa. ... Apessoa já está completamente arrasada, então eu acho que [deve] ser o maisdigno possível com a pessoa.” (gerente de área operacional)

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“Ele [o engenheiro] ficava lá no escritório esperando o operário e eu ia buscarele lá dentro da oficina. Pior coisa que tinha era buscar os caras lá dentro daoficina. Foi triste, foi triste, porque teve gente que nunca, tinha pessoas quenunca esperavam ser demitidos. Sempre achavam que nunca iam ser demitidos,não ia ser a vez deles, iam outros no lugar deles.” (supervisor de áreaoperacional)

5.3.4.6 Reação dos remanescentes

Passados mais que dois anos do primeiro programa de demissão, uma certa distânciaemocional se faz presente. Embora se reconheça a dificuldade da situação, dois relatos,pelo menos, indicam que o trabalho já realizado ou, ainda, por ser realizado na empresa,funcionou como foco de atenção e mesmo de satisfação, deixando o episódio dasdemissões no passado.

“Só quem passou assim... é complicado. Eu estou falando aqui, parece que éuma coisa distante. Realmente é uma coisa complicada de passar porque sãocolegas de trabalho.. um monte de tempo com a gente. ... É tipo umaconvivência de dezoito anos não vai ser jogado fora assim. Mas ao mesmotempo... aconteceu e vamos tocar para a frente.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Então a gente sentiu, acho que foi um misto assim de sentimento de traição, detristeza, porque perdemos os nossos chefes... Então foi uma semana assim muitodifícil. ... Então esse sentimento foi muito ruim na primeira, segunda e terceirasemana. Depois as coisas já foram, já começaram a se organizar e a gente foificando... Quando a gente olha para trás e viu tudo que a gente já fez. ... Eutenho muita crença, porque eu acho que a gente tem muita coisa para fazer.”(gerente de área operacional)

Um dos gerentes apresentou de um ponto de vista diferente. Observando a reação deseus subordinados remanescentes– e não a sua própria – acreditava que teriam ficadocom medo e estariam dispostos a tudo fazer para evitar sua própria demissão. Seriam,também, aquelas pessoas mais dispostas ao trabalho.

“Quem ficou, se eu dissesse que era para lavar o chão, lavava. Se eu dissesseque era para lamber, lambia. Porque estava aquele pandemônio. Eu tentei incluirtodo mundo que eu sabia que queria sair por algum motivo, eu tentei incluir nalista. Agora, havia um temor muito grande. Se eu dissesse: ‘Ó você tem queespanar o teto, atender o telefone, correr lá fora e voltar aqui’, o cara fazia. Elejá tinha perdido a chance de pedir a conta, de ser mandado com coisa75. Daqui

75 Coisa = benefício monetário e outros adicionais que faziam parte do pacote de indenização, além dasverbas trabalhistas no PDV ao final da gestão da estatal.

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para a frente a pessoa estava aqui e realmente estava querendo ficar.” (gerentede área operacional)

Um dos supervisores relatou que, em sua área, os operários se reuniam em grupos paracomentar as demissões, ratificando as escolhas.

“Depois do acontecido os caras começaram a conversar. A comentar emgrupinhos dentro da oficina... eles começaram a conversar e eu sempre penetreibastante na turma, sempre convivi bastante com eles. Eles me disseram, eramesses mesmos aí que tinham que ir. Eles estavam todos conscientes. Realmente,graças a Deus o pessoal hoje que está aí, estão aí, porque são bons mesmo.”(supervisor de área operacional)

5.3.4.7 Funcionários desligados

Alguns gerentes indicaram a inexistência de reações violentas, como explosões deraiva, ou recusas a assinar a carta de desligamento. Ao contrário, relataram uma certapassividade e mesmo iniciativas de agradecimento. O diretor de Recursos Humanosnarrou o episódio de um operário que, ao saber que seria desligado, foi para casa evoltou vestido de terno para assinar a demissão. Perguntado da razão de tal ato, teriajustificado que, após trabalhar mais de vinte anos na empresa, não poderia assinar acarta se não estivesse vestido de forma decente.

“Algumas reações muito estranhas. Por exemplo, as pessoas vindo se despedir,deixando o telefone, agradecendo o tempo que a gente trabalhou junto. É umacoisa bastante difícil. Não há dúvida, ninguém é tão frio assim a ponto deimaginar que foi fácil. Mas era uma missão que tinha que ser feita. As pessoastinham que ser desligadas.” (gerente de área operacional)

“Naquela época eu não tive problemas, porque todo mundo estava esperando. Oambiente era de mandar embora.” (gerente de área operacional)

“É triste ver as pessoas. Algumas pessoas até, na sua frente, seguram a barra e,vamos dizer, de uma certa forma aceitam passivamente, aparentemente. Outrosreagem um pouco mais. Eu não tive nenhum caso de reação, injustiça, não sei oquê. Nessa fase eu não tive. Tive noutras depois. Mas nessa eu não tive não. Aspessoas, realmente, algumas choravam, que botaram toda a sua vida ali,realmente, é verdade. Mas de uma certa forma, não sei se pela clareza eobjetividade com que isso foi colocado, dizer que não era ali um problemapessoal, e não era mesmo. Nesse caso não era. Era uma atividade que iaencerrar, as pessoas acabaram recebendo com uma relativa e aparenteserenidade. Não tive nenhum problema de não aceitar assinar a carta dedesligamento.” (gerente de área operacional)

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Em pelo menos um dos casos, ocorreu uma reação de rancor. Um dos supervisores,responsável pela seleção de pessoas a serem desligadas, comentou ter ouvido de algunsfrases rancorosas desejando que o próximo a ser desligado fosse ele. Teria sido acusado,também, de que os remanescentes seriam, em verdade, seus apadrinhados, ou seja, deque o critério de decisão de desligamento ter-se-ia baseado mais em motivos pessoais.

“Eles não me acusavam diretamente. Eles diziam que eu ia pelo mesmocaminho deles. ‘Hoje eu estou indo, amanhã vai você. O que é seu estáguardado, não adianta ficar com seus afilhados aí’.” (supervisor de áreaoperacional)

Pessoas que não podiam perder seu emprego teriam tentado conseguir transferência paraoutro local. Desesperadas, ligavam para a sede administrativa da empresa, na esperançade conseguir realocação.

“A gente já sabia que aquelas pessoas sairiam mesmo. E uma menina ...trabalhou comigo... ela soube naquele dia que ela seria desligada. Daí ela meligou: ‘Pelo amor de Deus, me arruma um lugar aí, que eu não posso ficar sememprego, me arruma uma colocação, me arruma outra área’. Então issoaconteceu direto. As pessoas vinham chorando: 'Não me deixe, não me deixeser mandado embora’. ‘Mas eu não posso fazer nada’. E a gente não podiamesmo. Eram as gerências que faziam isso.” (funcionário de áreaadministrativa)

De forma geral, portanto, os depoimentos apontam para um processo que, emboradoloroso, ocorreu sem maiores perturbações. Segundo um dos gerentes, poder-se-iaatribuir tal fato ao clima de expectativa de demissões presente à época. Quando vieram,não teria sido surpresa para ninguém.

5.3.5 Imagem do funcionário público

Uma das questões com que os funcionários que permaneceram na empresa tiveram quelidar foi com a imagem que os novos dirigentes tinham do funcionário público. Egressosde uma empresa reconhecidamente ineficiente, os entrevistados ressentiam-se de queesse estereótipo tivesse sido estendido para todo e qualquer funcionário da estatal. Osempregados entrevistados vinham, entretanto, de uma área geográfica da estatal que, secomparada com as demais, era a que obtinha os maiores índices de produtividade elucratividade. Assim, a pecha de funcionário ineficiente e preguiçoso parece ter sidomotivo de mágoa para alguns.

“Quando foi privatizado, quem veio trabalhar com a gente, na parte decomando, presidente e coisa, tinha uma idéia de estatal. E a idéia não era boa.

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São todos ineficientes, generalizado. Tinha de tudo? Claro que eu concordo quetinha de tudo. ... Mas não era generalizado. Porque aquilo que te falei, aquelefuncionário de estatal no Brasil inteiro tem uma fama muito pior do que nóstínhamos aqui. E vieram nivelar por baixo. E vieram achando que quem estavaaqui tinha que mandar embora e coisa.” (gerente de área operacional)

“Até onde que nós vamos ter que carregar o estigma de ter trabalhado numaestatal? Quando é que nós vamos conseguir provar que nós somos bonsprofissionais?” (funcionário de área administrativa)

Há indicações de que os estereótipos negativos do funcionário de estatal percebidos nosnovos dirigentes tenham levado os sobreviventes a se sentirem na obrigação de desfazertais estereótipos e de provar a própria competência. Achavam que tinham que trabalharmais do que os recém-contratados para mostrar que podiam desempenhar tarefas eassumir responsabilidades.

“Eu acho que o funcionário de estatal infelizmente aparece na imprensa, nojornal, é que ele não trabalha. O que eu acho que não é só isso. Eu acho que ofuncionário de estatal trabalha e muito, só que ele não é valorizado. A gente vêcom professores, várias classes. Existe, claro, aqui dentro da empresa, existegente que está encostada no outro. O outro trabalhando e ele ganhando.... entãoo funcionário público quando é privatizado tem que mostrar. ‘Ó, realmente eutrabalho, realmente eu produzo’.” (funcionário de área administrativa)

”Você veio de uma empresa estatal, então já existe aquele rótulo de funcionáriopúblico, apesar que eu não me julgava funcionário público. Acho que mesmoantes eu trabalhava também bastante. Então o pessoal de fora, nesse meio tempojá contratando algumas pessoas e tal... então você tinha que se desdobrar aomáximo e provar que você... tirar aquele rótulo que existia. Então, você tinhaque trabalhar bem mais do que as pessoas que estavam entrando. Paracomprovar que você também tinha competência. ... trabalhar, provar para agerência, para todos os dirigentes na época, que você também tinhacompetência. Mesmo vindo de uma empresa estatal, você também tinhacompetência. Não era, simplesmente, você pegar uma pessoa no mercado eachar ‘esse é bom; esse aqui é de uma empresa estatal, vamos deixar de lado’. ..Essa foi a dificuldade maior que eu senti, ou seja, você tinha que trabalhar odobro para você provar sua competência. ... Isso perdurou um bom tempo.”(funcionário de área administrativa)

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5.4 Após a Privatização: Conseqüências do Programa deRedução de Pessoal

A privatização e a drástica redução de pessoal não passaram sem conseqüências.Emergiu, no discurso dos entrevistados, uma percepção de profundas mudançasocorridas na forma de trabalhar, pois as práticas da nova empresa mostraram-se muitodiferentes das da estatal. A vida pessoal e familiar de cada um foi, também, afetada pelamudança e as expectativas para o futuro passaram a seguir um curso muito distintodaquele de anos anteriores.

5.4.1. Nova forma de trabalhar

Na percepção dos entrevistados, toda uma nova forma de trabalhar foi se instalando naempresa privatizada. Os depoimentos dos empregados apontam para questões comomaior quantidade de trabalho acompanhado de maior responsabilidade e autonomiasobre a tarefa, além de forte cobrança dos resultados. Percebiam iniciar-se, assim, acultura da multifuncionalidade, a valorização do desempenho pessoal e a abertura nacomunicação vertical. Todas essas práticas contrastam com aquelas da época de estatal,que operava com grande divisão de tarefas, responsabilidade e autonomia limitadas,pouca preocupação com a cobrança de resultados, além de adotar uma comunicaçãorestrita pela hierarquia.

5.4.1.1 Alteração na quantidade de trabalho

O aumento na quantidade de trabalho foi consistentemente relatado por todos osentrevistados. As razões para este aumento na carga foram tributadas a várias causas:dinamização da atividade da empresa, reestruturações organizacionais e implantação denovas tecnologias em curto espaço de tempo, além da escassez de pessoal para realizartodas as tarefas.

“Era a minha folga sábado passado ou retrasado. Eu fui chamado, passei o dialá.... Eu trabalhei de manhã das sete até às 11 aqui, peguei o carro aqui, fui paraCuritiba, trabalhei até às três da tarde. Fui almoçar, me chamaram de voltaporque tinha uns problemas e cheguei às seis da tarde aqui. No meu dia defolga. Agora trabalhei sábado e domingo. ...Só que você fica naquela, quem euvou mandar? Eu tenho que assumir.” (gerente de área operacional)

“Juro para você, teve dia em que eu saía de casa seis e meia da manhã e voltavapara casa três e meia, quatro horas da manhã. No dia seguinte às sete da manhãvocê estar aqui de volta, no final de semana você está igual a um zumbi. ....aquela redução de pessoal, o pessoal bom tinha saído, a maioria deles, nósficamos com pouco pessoal aí para manter...” (funcionário de área operacional)

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“Bastante difícil, porque é muito trabalho. É muito complicado, muita mudança,muita reestruturação. Nós tivemos a implantação de novos sistemas, inclusivesistema de RH. Aconteceu logo depois, os novos donos assumiram em março,em setembro as pessoas já trabalharam na migração do novo sistema, quemudou completamente... um outro sistema, um outro sistema. Gráficos bemmodernos em relação ao que a gente utilizava. ... Transformar todos osarquivos, históricos financeiros, históricos salariais, então um trabalho muitogrande. Então a gente sempre trabalhou muito. Muito, muito, muito...”(funcionário de área administrativa)

A falta de pessoas para o realizar o trabalho é descrita em depoimentos expressivos,sendo tida como uma das principais causas para o excesso de trabalho com que sedeparam diariamente. Outros fatores também contribuíram para essa sobrecarga.Segundo um dos entrevistados, a informatização e o correio eletrônico, ao invés defacilitar suas tarefas, teria, em verdade, causado um aumento de trabalho. Outrofuncionário ainda, atribuiu a sobrecarga às atividades extras que seus funcionários eramobrigados a executar como, por exemplo, carregar e descarregar caminhão ou fazerreforma no prédio onde trabalhavam.

“Hoje tem correio eletrônico,. Recebo 1400 mensagens a cada três meses, tenhoum contador. Me deixa louco, aquele troço. Se eu sentar lá para responder tudoque preciso, dentro do expediente eu não faço nada. Então eu trabalho de noite,final de semana. Eu trabalho aqui em sistema de plantão. Então eu trabalhoSegunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado, Domingo, Segunda, Terça,Quarta, Quinta e Sexta. Daí eu tento folgar Sábado e Domingo. Eu não ganhonada por isso. Nada além. Só que, para eu folgar, um outro tem que fazer oplantão. Eu tinha um cara que me ajudava, ele é um nível mais baixo, eu queriapagar esse plantão. Só que para eu pagar para ele, o salário dele em termos dedinheiro, é curso ou eu vou ter que dar folga. Só que dar folga no meio dasemana para ele, nós já temos pouca gente, não dá.” (gerente de áreaoperacional)

“Eu acho que não tem mais como demitir ninguém. Está apertado mesmo, estáfaltando gente. Porque esse pessoal que está aqui dentro nos meus setores, elesnão consertam só máquinas. No papel, no gráfico da ServB esta lá: turma doAndré e do José é para consertar máquina. Mas não existe um quadro lá extra,que diz que carrega caminhão e descarrega caminhão. Não existe um quadro láque diz que tu desmancha parede e levanta parede. Não existe esse quadro. Mastudo isso aí nós fizemos. Não existe um quadro lá de lavar máquinas... masexiste o quadro de meta de máquinas, consertar máquinas. Mas construir paredede alvenaria, fazer reforma, tudo isso não existe, mas esse número [de pessoas]que restou faz tudo isso.” (supervisor de área operacional)

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Ambigüidades encontram-se presentes nos discursos quando se trata de falar da carga detrabalho. Um dos entrevistados reconheceu o aumento salarial que recebeu masconsiderou que as horas dedicadas à empresa, em certa medida, excediam o benefíciorecebido.

“Eu acho que já passei por uma melhoria de salário substancial em relação aoque era. A única coisa que a gente se ressente é a forma de trabalhar. Vocêtrabalha com muito menos pessoas hoje. Por um lado a privatização ela é muito,ela é muito prática, ela te valoriza, mas por outro lado ela te cobra e essasmedidas eu acho que nem sempre são iguais ... ” (gerente de área operacional)

5.4.1.2 Implicações do aumento da carga de trabalho no horário ena vida pessoal

Na percepção dos entrevistados, um reflexo do aumento no volume de trabalhoocorreria no cumprimento do horário de trabalho: Se no tempo de empresa estatal haviauma certa flexibilidade quanto ao início da jornada, na empresa privatizada asexigências se estenderiam a minutos.

“O que nós fazíamos na estatal nós fazemos hoje com menos gente. Porquehoje, o pessoal que trabalhar hoje, eles vêm aqui para consertar máquinas. ...Eles vêm aqui com uma finalidade: de pegar às sete da manhã, não é às sete emeia, não é as quinze para às oito e não é às oito horas. É pegar às sete damanhã e largar às quinze horas. Com uma hora de intervalo, das onze ao meiodia. Esse é o regulamento da coisa. Às sete da manhã eles têm que botar ocapacete na cabeça, têm que estar de botina, fardadinho.” (supervisor de áreaoperacional)

Segundo os depoimentos colhidos, as implicações pessoais fizeram-se, também,presentes. Para poderem realizar o volume de trabalho por que ficaram responsáveis,teriam sido obrigados a dilatar o horário de trabalho. Horários de almoço e de saída,feriados, fins de semana e mesmo férias teriam sido sacrificados pelo objetivo darealização das tarefas.

“Mas já falei para ele: ‘Vocês estão esticando o elástico. Daqui a pouco alguémvai errar por cansaço, fadiga ou vai ficar doente. Ou vai ter um enfarte. Depoisde enfartado não adianta’. ... Vou aprender que não vou poder mais ficar todosábado e domingo aqui. Fora o horário que eu chego. Hoje eu pego às sete, setee quinze, conforme o dia e não tenho hora para chegar em casa. É sete e trinta, éoito é nove (horas). Horário de almoço não sei mais o que é ir meio-dia paracasa. Tem que voltar uma e trinta, é claro tem uma certa elasticidade. Só que euaproveito a hora de almoço para ir no banco para a empresa, para pegar dinheiropara pagar as contas. Eu não tenho aquele rigor de ter que estar à uma e trinta,

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bater cartão aqui. Se eu chegar às duas horas ninguém vai me puxar a orelha.Mas eu não me sinto bem chegando fora de horário e eu estou de celular, porquea pessoa pode me ligar. Sete e pouco ontem... tinha um telefonema para falarcom meu chefe. Eu fui para casa e conversamos à noite, eles me ligam à noite.”(gerente de área operacional)

Essa ampliação do horário de trabalho teria implicado, também, rearranjos familiares,com pessoas da família passando a colaborar em tarefas antes da atribuição dosfuncionários. A atenção dispensada à família também se teria alterado, sobrando menostempo para cônjuges e filhos. Em alguns casos, o empregado encontrar-se-ia tãocansado, ao final do dia ou da semana,que não teria tempo ou forças para o lazerfamiliar.

“Quando houve a privatização, mudou completamente a nossa forma de estarem casa. Isso aí mudou, quer dizer, no tempo de estatal eu saía às seis, seis emeia e eu até saía tarde, eu ainda era o último a pegar minha filha na escola, seise meia da tarde. Era um absurdo, viravam para mim ‘Não vai buscar tuafilha?’...Hoje eu nunca vou buscar, lógico. Eu já digo que eu não vou porque seeu falar em sair às seis e meia, é um absurdo, eu não vou sair. Lógico que eunão vou sair.” (gerente de área operacional)

“Você se entrega tanto para a coisa que faz, que você chega em casa cansado. ...eu dou um exemplo, domingo agora eu trabalhei. Semana passada eu trabalheidas sete às sete, todo dia das sete às sete, até sábado. Porque um colega entroude férias. Então cheguei em casa às oito horas da noite. Cansado, mas daí amulher queria sair. Queria ir no Parque, ela queria sair. ‘Ah, não Hoje de casaeu não saio, de casa não saio’. Dormi domingo até meio-dia, comprei comida,comprei comida e ‘de casa hoje não saio’. Porque segunda-feira tinha que pegarcedo de novo.” (supervisor de área operacional)

“O número de horas aumentou, com certeza. Hoje a gente trabalha das sete às20 horas sem se aperceber. Antes a gente, na verdade na época de estatal, quemlevava a sério também tinha, na época de estatal, nem todo dia, mas eu entravaàs oito, às vezes às sete e meia, saía às 18 horas, às vezes às 19 horas. Masquando eu saía às 19 horas eu achava que estava saindo bem tarde. Hoje a genteacaba saindo às 20 horas e acha que daria para ficar um pouco mais, ou precisaficar um pouco mais. Então isso exige um pouco mais de compreensão dafamília, dos filhos. Final de semana também não dá sempre para a gente estarcurtindo a família.” (gerente de área administrativa)

“Sábado e domingo não existe mais. Também feriado. ‘Ah, no feriado vou meprogramar, vou sair com a minha esposa e meus filhos para passear’. Não, nãoexiste nada disso.” (funcionário de área operacional)

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5.4.1.3 Estratégias pessoais para lidar com o aumento na carga detrabalho

Lidar com um grande aumento na carga de trabalho parece ser uma necessidade naServB, uma vez que a empresa não apenas diminuiu o seu quadro de pessoal em cercade 40 porcento, como também dinamizou muito a sua atividade.

Alguns gerentes afirmaram terem “saído a campo” para conscientizar seus empregadosde que uma carga maior de trabalho deveria ser realizada com menos gente. Ao mesmotempo, teriam buscado ensinar a seus funcionários a necessidade de reconhecer osserviços mais importantes daqueles menos importantes, dando aos primeiros aprioridade de execução. Essa orientação teria sido passada aos funcionários e praticadapelos próprios gerentes.

“Nos adaptamos, então tivemos que nos adaptar rapidamente, porque no dia 1o

de março as coisas já tinham que estar acontecendo. E foi isso que foi feito. Nodia 1o de março, nós saímos a campo, fizemos as demissões e conversamos comas pessoas explicando para ela como que seria o processo dali para a frente,como é que elas teriam que trabalhar. Mas você tem que ver o que eles vãofazer e começar a priorizar o serviço. Estão acostumados a fazer uma série deserviços e agora você diz: ‘Olha, com esse número de pessoas você não vaiconseguir fazer tudo isso. Então aprende a priorizar o que você tem’.” (gerentede área operacional)

“A minha parte pessoal eu vejo que depende da minha energia e essa eu voucontinuar dando. Vou otimizar, vou priorizar cada vez mais, isso é o que eu voufazer. Como já tenho feito. Eu, no meu dia a dia, eu priorizo muito as coisas,muitas coisas infelizmente vou deixar de responder. Quanto estiver pronto euvou mandar. Por quê? Porque é uma questão de prioridade e isso vai ser cadavez mais importante.” (gerente de área operacional)

Outras iniciativas individuais, também, auxiliaram a lidar com a sobrecarga. Um dosgerentes, por exemplo, afirmou ter procurado forma mais amadurecida e maisequilibrada de lidar com o seu trabalho. Um funcionário de área administrativa sugeriuque se encontrassem formas mais inteligentes de realizar o mesmo trabalho. Outro,ainda, observou ter encontrado na organização do próprio trabalho a solução para lidarcom a demanda.

“Mas eu acho que eu sou uma pessoa que eu tenho muita garra, eu me sintoassim, eu me sinto com gás, com dinamismo. Mas talvez eu não soubessetrabalhar isso muito bem, esse dinamismo, essa garra. Ou talvez ... a ansiedadefosse muito grande. Hoje eu sei trabalhar melhor com a ansiedade e isso ajuda acontrolar... Mesma coisa que se, por exemplo, tiver que trabalhar muitas horas.Não é tão correto assim você trabalhar muitas horas, então acho que isso educa

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você a trabalhar melhor em menos tempo. Então eu acho que a garra, a vontade,a garra e o dinamismo, esse tipo de coisa, talvez ele tivesse aliado com muitaansiedade. Hoje eu sei trabalhar melhor essa ansiedade, o que me dá maisequilíbrio nas decisões. Eu acho que isso foi uma grande lição.” (gerente de áreaoperacional)

“Para quem fica realmente, fica assoberbado. Então ele tem que trabalhar nosentido de vislumbrar meios de tornar esse trabalho mais fácil. De otimizar essetrabalho de forma que você possa desenvolver atividades que a outra pessoavinha desenvolvendo e que consiga dar conta das duas coisas, não só dasatividades que ele já tinha, mas também das atividades que foram repassadas emfunção da saída do outro empregado. Então ele tem que arranjar uma forma, umartifício que facilite o trabalho dele.” (funcionário de área administrativa)

“Eu continuo fazendo o meu serviço que eu fazia, continuo fazendo mais outrascoisas e tudo se encaixa direitinho. Eu acho que é também a maneira de apessoa se organizar. Porque se você se organizar com um determinado trabalho,vai conseguir fazer aquele trabalho”. (funcionário de área administrativa)

5.4.1.4 Multifuncionalidade

A multifuncionalidade foi outra característica da nova forma de trabalhar,consistentemente relatada pelos entrevistados. Ao invés de estrita divisão do trabalho,os funcionários teriam passado a trabalhar com escopo menos nítido, a realizar tarefasacessórias às suas tarefas principais, a aprender o ofício de outro especialista ou mesmosubstituir empregados desligados, em treinamento ou em férias. Alguns empregadosteriam reagido a essa nova ordem, acostumados que estavam às práticas da época deestatal.

“Então talvez pela quantidade de pessoas, eu tinha três pessoas na rescisão decontrato. Hoje eu tenho uma só que domina. Eu tenho uma outra que conhece,mas ela conhece porque ela é backup do outro. Elas não ficam fazendo asmesmas coisas. Um faz a rescisão e o outro conhece porque, numaeventualidade, ele cobre a ausência do outro.” (gerente de área administrativa)

“Porque antigamente você não estava nem aí ... você fazia o seu serviço, sealguém chegasse você ouvia, porque eu fiz a minha parte, eu fiz e tal. Hoje não,hoje você já tem que ser mais útil, funcional, você tem que estar sempre fazendoalguma coisa ... Porque na época de estatal você já tinha pré-estabelecido assuas atribuições e como tinha bastante gente e sempre tinha pessoas que seencostavam, você acabava fazendo uma atribuição ou se negava a fazer. Hojenão existe mais essa definição do que você faz. Você tem que estar ali parafazer, independente...” (funcionário de área administrativa)

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“É alguma coisa que a gente percebe dentro da multifuncionalidade. A parte demecânica também. A parte de mecânica tem lá, o especialista mecânico e oespecialista elétrico. Na época de estatal, o especialista elétrico era umespecialista. O especialista elétrico só fazia aquilo ali. O mecânico não, só faz aparte mecânica. O elétrico tem que chamar o outro para fazer. Hoje já a genteconsegue, estamos desenvolvendo que o elétrico está aprendendo a partemecânica e o mecânico a parte elétrica.” (gerente de área administrativa)

“Até que, aos pouquinhos, a gente foi se ajustando. ... Por exemplo, eutrabalhava com mais duas pessoas, meu grupo de trabalho. Nós fazíamosrescisão de contrato, averbação de tempo de serviço e fazíamos anotação emcarteira e mais controle das rescisões, alguns relatórios gerenciais também. ....Quando houve a privatização, as duas pessoas que trabalhavam comigo, uma seaposentou e a outra acabou saindo no plano. E assumi o serviço deles, comeceia fazer admissão, comecei a fazer controle de férias, comecei a fazer um serviçodigamos assim, considerando a época de estatal, de pelo menos três ou quatropessoas.” (funcionário de área administrativa)

Parece ter havido uma preocupação da empresa em estimular essa atitude demultifuncionalidade em tarefas operacionais e na manutenção de seu próprio ambientede trabalho.

“Nós tínhamos homens especializados só para cuidar de ferramentas, só paracuidar de almoxarifado e hoje não. Hoje quem trabalha nas máquinas, o cara vailá dentro, pega a ferramenta que ele quer, vai lá e conserta a máquina, limpa asferramentas e guarda no lugar de novo. Antigamente tinha um homem só paraisso. Banheiro mesmo e vestiário, vestiários e banheiro, teve uma época natransição [de estatal para privada] que nós não tínhamos serviços gerais paralimpar, nós mesmos tivemos de limpar. Era uma novidade para nós. Nóstivemos que limpar, nós tínhamos que limpar. Não podia viver naquela sujeira.Então tinha pessoas que não aceitavam isso aí. Pessoas que não aceitavam queisso aqui era uma empresa privada...” (supervisor de área operacional)

5.4.1.5 Atitude pró-ativa

Além da mudança para uma prática de multifuncionalidade, os depoentes relataram,ainda, o estímulo, por parte da gerência, para a adoção de atitudes pró-ativas. Segundoos entrevistados, procurava-se estimular o pensamento crítico e a busca por alternativasmais inteligentes de se realizar um trabalho.

“A gente sabe que a empresa hoje é outra. A gente tem que questionar tudo.Tem sempre que ver se não tem uma alternativa, uma forma melhor de operar.Estas são coisas que surpreendem realmente.” (gerente de área administrativa)

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“Então a gente acertou... primeiro é o seguinte: nós vamos ter que fazer, dartreinamento 5S para todo o pessoal aqui. Foi o que a gente fez, um treinamentogeral para todo mundo. Vamos mudar a cabeça do pessoal, vamos fazer comque eles mesmos tenham a iniciativa de fazer e aprender que o mais importantenão é limpar, o mais importante é não sujar. E a partir daí a gente estáconseguindo uma evolução. Olha, eu fico até emocionado de ver a evolução quea gente tem no dia a dia, o pessoal limpando... A mudança que dá realmente éfantástica, na cabeça das pessoas.” (gerente de área administrativa)

Ter-se-ia compreendido, relatam alguns, que as tarefas deveriam ser realizadasindependente de orientação ou ordem do superior. Empregados teriam passado aassumir suas responsabilidades e a tomar a iniciativa de realizar as tarefas necessárias.

“Então diz: ‘Tem que fazer uma seleção no outro Estado’. Então tem que verprova, tem que ver sala, tem que ter convocação, tem que corrigir, tem que fazerentrevista, então...se não sair, não sai. Eu tenho uma estrutura... Mas assim, temcoisas que dependem de mim, de eu tomar a iniciativa, vai ter que convocar, vaiter que ver sala, vai ter que fazer divulgação, vai ter que chamar candidato, vaiter que ver, senão a coisa pára, não sai.” (funcionário de área administrativa)

5.4.1.6 “Estar sempre ligado”

Um outro aspecto que surgiu nas entrevistas refere-se ao fato de as pessoas estaremsempre “ligadas na ServB”, mesmo fora de seu horário de trabalho. De acordo com osdepoimentos, muitas vezes esse elevado nível de atenção e preocupação teria sidolevado para dentro de casa.

“A gente conversa com os companheiros e até a experiência da gente mesmo. Avida particular, ela fica muito complicada. Porque você leva toda essa ansiedadepara dentro da sua casa. Você não consegue se desligar, então acaba muitasvezes discutindo em casa ou você acaba não dando a atenção devida em casa,porque muitas vezes você tem que ficar ligado aqui na empresa. A ansiedade,será que eu fui para casa, será que eu tinha que ficar até às sete horas, até àsoito, até às dez? Essa ansiedade de você não largar da empresa, eu acho,prejudica um pouco em casa. Você não consegue se desligar mais. Muita genteestá ficando doente por causa disso aí. A ansiedade e o estresse são muitodesgastantes. Se sai de férias, não consegue se desligar mais; [a pessoa] nãosabe o que vai acontecer quando voltar das férias.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Não, não consegue se desligar. Depois que inventaram o celular então, aí...Você fica com celular direto, direto ligado. Então as pessoas ficam, a gente atépassa uma certa preocupação até no aspecto familiar a gente para eles assim,

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uma preocupação que alguma coisa pode acontecer errado, você pode serchamado de uma hora para outra.” (gerente de área operacional)

5.4.1.7 Responsabilidade e autonomia

Responsabilidade e autonomia sobre as tarefas foram percebidos como outra novidadepara os empregados da ServB. Nas entrevistas realizadas, esse assunto surgiu comfreqüência e o discurso era semelhante nos mais variados níveis. Segundo os relatos,resultados seriam cobrados e subterfúgios não seriam aceitos. Em contraste com aexperiência no tempo de estatal, consideravam que não poderiam mais esperar ordens edecisões de seus superiores, uma vez que a autonomia para boa parte das decisõesestaria em suas próprias mãos.

“Mas hoje a gente às vezes é obrigado a estender um pouquinho mais o horáriodo que ... Na estatal não, na estatal você podia... Na estatal era assim: você ànoite, acabou. Eu desligava a máquina, desligou. Na ServB não, é umpouquinho diferente, você é exigido um pouco mais. Você tem umaresponsabilidade, você precisa entregar seu trabalho. Não que alguém vá dizer‘Você não sai hoje enquanto não estiver pronto’. Não é. Mas a sua consciênciaprofissional diz: você tem que terminar isso, deixar pronto, tem reunião amanhã.Porque o prazo é amanhã, então você tem que terminar hoje.” (funcionário deárea administrativa)

“Na estatal eu tinha uma pessoa responsável, depois eu tinha outra e tinha outra.Hoje não. Hoje coisas importantes aqui param em mim e depois tem minhachefe e depois, pronto: é a diretoria.” (funcionário de área administrativa)

“As pessoas respeitam e eu acho que ela sabem até onde que elas têm queresolver as coisas que são responsabilidade delas, que não adianta jogar omacaquinho para as costas dos outros. Elas têm que resolver o problema, nãoadianta trazer para cá achando que o diretor vai dar. Não é. Hoje cada um de nóstem responsabilidade sobre uma boa parte daquilo que nós decidimos.” (gerentede área administrativa)

As reações foram variadas. Uma das pessoas sentiu-se confortável com a ampliação deresponsabilidades, pois pôde, assim, pôr suas próprias idéias em práticas. Outra relatouo sentimento de realização que a tarefa lhe trouxe. Outra, ainda, indicou que o aumentonas responsabilidades representou, em verdade, um aumento de estresse.

“Eu acho que também as minhas responsabilidades, hoje, são maiores do queeram na época. As minhas responsabilidades hoje são maiores. ...Eu acho que [aautonomia] é muito boa. Eu pude fazer... Eu vim para cá em outubro, de lá para

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cá eu pude fazer as alterações que eu queria fazer.” (gerente de áreaoperacional)

“No tempo de estatal você trabalhava, trabalhava, trabalhava, mas nunca tinhaoportunidade de estar fazendo um trabalho, de ser o responsável por aqueletrabalho. Esteja certo ou não, mas aquilo ali satisfaz. Esse trabalho aí compete amim e eu quero que esse trabalho saia assim..... É muito gratificante.”(funcionário de área administrativa)

“É estressante porque ela [a empresa] transferiu muita responsabilidade para oslíderes, para mim, para a turma da oficina. Aquela responsabilidade que nãotinha em 97. Os líderes eram líderes, mas tinha mais gente para definir. Hojenão, hoje eles transferiram mais para nós, e nós decidimos mais as coisas.”(supervisor de área operacional)

5.4.1.8 Comprometimento

A palavra comprometimento esteve presente nos discursos dos empregados e dosgerentes. Em verdade, comprometimento representava coisas diferentes para diferentespessoas. Para um, indicava uma atitude; para outro, horário de trabalho estendido, paraoutro, ainda, compromisso com a geração de lucro.

“As pessoas que ficaram, elas sentiram que houve uma grande mudança, não hádúvida que sentiram que foram escolhidas para ficar. ... Eu acredito que elassentiram-se valorizadas, prestigiadas por isso e houve um comprometimentomuito grande.” (gerente de área operacional)

“Hoje não, hoje você ganha oito para trabalhar, trabalha oito e você fica maisuma ou duas de graça para a empresa aqui dentro. Porque você se comprometemuito com a situação. Se compromete muito com a situação. E hoje a empresanão admite hora extra. Não pode ter hora extra, tem que cumprir seus deveres.”(supervisor de área operacional)

“Eu não digo que todo mundo, mas eu digo que a grande maioria está dentrodesse processo. A grande maioria da empresa, hoje, com certeza, está dentrodesse processo de comprometimento, a grande maioria. Se tem um ou outro, sãopoucos. Acho que a grande maioria hoje está muito comprometida com aempresa, com o resultado, com a geração de lucro, com a imagem. Isso eu vejocomo uma coisa positiva. Mesmo que isso cause, digamos assim, um certotranstorno na vida pessoal.” (gerente de área operacional)

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5.4.2 Novas práticas organizacionais

Mudanças nas práticas organizacionais foram, também, percebidas pelos pesquisados.As principais alterações relatadas referem-se: (a) à cobrança de resultados; (b) àvalorização dos funcionários; (c) à avaliação de pessoal pelo critério de mérito; (d) a umprocesso de comunicação mais ágil; (e) a maior atenção à custos, lucros e clientes e (f) àcontratação de novos funcionários.

5.4.2.1 Cobrança de resultados

A cobrança de resultados apresentou-se no depoimento de quase todos os funcionários,se não de forma explícita, pelo menos de forma implícita. Os exemplos citados fizeramreferência às seguintes cobranças: (a) uma forma mais inteligente de trabalhar; (b) maiorprodutividade (c) trabalho contínuo sem interrupções para cafezinho e (d) conversasdesnecessárias.

“De rever todos os processos e todas as atividades que a gente fazia. A gentesempre foi muito questionado, porque se faz, como se faz. Porque não fazerdiferente, fase de questionamento, de adaptação. Aí o patrão tinha mudado, nãoadiantava dizer: ‘Porque eu fazia assim’. Não que alguma coisa fosse imposta,não foi, nada foi, tem que ser feito assim. Mas você tem que justificar a maneiracomo você faz e para que você faz as coisas.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Acho que nós tivemos um aumento de produtividade muito grande. Mesmo aspessoas que apertavam apenas um parafuso, hoje elas sabem que ... elas têm queapertar dez. Então elas mesmos estão se condicionando a produzir mais. E issojá foi colocado para as pessoas, que elas têm que produzir mais e em níveis tãobons quanto qualquer empresa privada.” (gerente de área operacional)

“Todas as atitudes das pessoas são cobradas. A performance também, odesempenho, a produtividade. Isso realmente é cobrado, porque, claro, a ServBestá fazendo o mesmo trabalho e talvez até mais do que fazia antes com menospessoas.” (gerente de área operacional)

“Antes tinha... o pessoal parava para tomar café. Tipo, tinha a reunião doslíderes de manhã das sete às sete e meia, era um horário que quase o pessoal nãotrabalhava, ficavam tomando cafezinho, depois paravam para tomar café evoavam para caramba. Hoje em dia não, o cara, você tem que entregar o seuserviço, você tem que entregar no final do expediente ou se passam um serviçogrande, até o final de semana, até lá você tem que entregar mesmo.”(funcionário de área operacional)

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O maior instrumento de cobrança, entretanto, parece ter sido as metas. Estas foramestabelecidas para todos os níveis da empresa, da presidência até a seção de mais baixonível na hierarquia. Em cada local de trabalho, a empresa expunha um quadro com alista de metas do setor e uma avaliação do atingimento das mesmas. Um sinal verdeindicava que as metas teriam sido atingidas com sucesso, amarelo, que a meta requeriaatenção e vermelho acusava insucesso em seu atendimento. Passou a haver, portanto,uma divulgação pública do desempenho de cada setor. Mesmo a diretoria e apresidência exibiam seus quadros. Essa preocupação refletiu-se no discurso dosempregados.

“Existem metas a serem cumpridas. Coloca isso como o item número um. Temprazo, você negocia o prazo. Agora, depois de negociado o prazo, aí é suaresponsabilidade cumprir o prazo.” (funcionário de área administrativa)

“As pessoas são cobradas pelas metas individuais. Eu tenho uma metaindividual que eu tenho que alcançar um valor X de vendas. Se eu não alcançaresse valor X, eu tenho uma nota mais baixa, digamos eu não ganho[participação nos lucros].” (funcionário de área administrativa)

“Mudou a forma de trabalhar, a forma de cobrança. Hoje aqui todos têm metasde produção, todas as gerências têm metas. Então hoje todos os funcionáriosestão envolvidos com metas. Qualquer mecânico que você chegar lá dentro evai perguntar quais são as metas aqui da oficina, eles vão saber dizer. Talveznão todas, mas sabem dizer algumas.” (gerente de área operacional)

Há que se observar que, em alguns casos, as pessoas apontavam para um processo deinternalização de cobrança, sem que a gerência precisasse ficar “discursando”.

“Hoje as coisas não se alteraram tanto assim em termos de processos, mas agente percebe que as pessoas começaram a querer fazer cada vez mais. Entãoquem era dono de um processo, quis virar dono de dois ou três processos. Porquê? Porque aí o tempo ficava mais preenchido, a pessoa de certa forma, erauma forma de se segurar dentro da companhia. ... E as pessoas, não foi precisoalguém ficar falando ou discursando muito. Isso foi muito, as pessoas forampercebendo...” (gerente de área administrativa)

5.4.2.2 Valorização do funcionário

Revelou-se, também, freqüente no relato dos entrevistados a questão da valorização daspessoas pela nova administração. Os empregados declararam sentir seu trabalhoacompanhado e valorizado.Uma das grandes modificações, introduzidas pela ServB, segundo os entrevistados,referiu-se, especificamente, à valorização dada às pessoas da área operacional. Os

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exemplos citados referiram-se às ações de alto valor simbólico - como o presidentevestir um uniforme e ir conversar com os funcionários - e às ações concretas, como apromoção de uma pessoa da área operacional ao nível de gerência, fato este, até então,inédito na empresa.

“É uma empresa privatizada, com uma visão diferente. Eles tiveram essa idéiade valorizar as pessoas da base. Como eles sempre falam: nosso maiorpatrimônio são as pessoas. E a gente sente, através desse projeto meu e dasconversas que a gente tem, que vão tentar trazer mais pessoas. Eles estãovalorizando muito o pessoal. ... Então a gente nota isso, uma valorização depessoas, a diretoria valoriza muito quem faz o serviço.” (funcionário de áreaoperacional promovido a gerente)

“As pessoas estão muito valorizadas, principalmente na área operacional.Porque percebeu-se que, para cuidar de um negócio como o da gente, mais nonível técnico, no nível intermediário, a gente não encontra no mercado umapessoa com tanta experiência. ... Então eu acho que as pessoas, principalmenteda área operacional foram muito valorizadas.” (gerente de área administrativa)

A delegação de tarefas, os treinamentos ministrados e o desejo de ouvir as opiniõesforam percebidos como manifestações da valorização da contribuição e do trabalho dosfuncionários..

“Eu domino hoje muito bem a informática também. E é a sua satisfação pessoalmesmo. Eu acho que hoje eu sou muito mais valorizado, do que eu era antes,isso com certeza. Sou muito mais ouvido.” (funcionário de área administrativa)

“Quer ver uma satisfação que eu fico, é quando a Márcia ou o próprio Andrépedem para elaborar, fazer, e aquilo sai assim como eu imaginei e como elesimaginaram. Então você se sente assim, que você é útil para a empresa e isso dáuma satisfação muito grande.” (funcionário de área administrativa)

5.4.2.3 Meritocracia

A avaliação e a conseqüente valorização das pessoas basearam-se, na percepção dosentrevistados, no abandono da supervalorização das realizações passadas em prol de umcomprometimento com realizações futuras. O mérito principal estaria naquilo quepoderia ser realizado para a frente. O discurso da meritocracia pregado pela novaadministração contrastou, portanto, do ponto de vista dos remanescentes, da avaliaçãopraticada no tempo de empresa estatal.

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“Hoje a empresa tem uma política de meritocracia. Você propõe as coisas, elassão analisadas e, se elas forem boas, com certeza serão implantadas. E você émedido por isso, por esse retorno que você dá. E isso não acontecia na estatal.Não é que não existissem, mas não eram nesse nível. Existiam outrasinfluências... Hoje não, hoje é pelo que você pode dar de retorno para aempresa. Mesmo o nosso diretor de R.H. diz que a gente é medido não pelo quejá fez, e sim pelo que pode fazer ainda. Com isso, o que você fez serve dereferência para o que você ainda pode fazer. Mas o que você fez, está feito.Muito bom, muito legal, mas interessa o que a gente pode fazer daqui para afrente.” (funcionário de área administrativa)

A empresa ofereceria, segundo relato dos entrevistados, oportunidades para ocrescimento na carreira e estímulo para o desenvolvimento profissional. O crescimentoindividual dependeria, ainda segundo a percepção dos remanescentes, do esforço edesempenho de cada um.

“Depende muito da gente. Quase que exclusivamente. De você ser um bomprofissional. ... eu acho que a visão dos administradores da ServB é muito deobservar as pessoas, de reconhecer e dar possibilidade da pessoa crescer emtodos os níveis.” (funcionário de área administrativa)

5.4.2.4 Comunicação mais ágil

Os depoimentos obtidos indicam a preponderância de mudanças na comunicaçãopessoal - tanto vertical quanto horizontal - e na comunicação formal dentro da empresa.

Segundo a percepção dos entrevistados, a comunicação pessoal vertical seria maisrápida se comparada com aquela existente na época de estatal. Tal filosofia teriaagilizado o processo decisório e facilitado o trabalho daqueles que dependiam de umainformação ou decisão superior.

“Hoje as coisas vão mais rápido. Por quê? Se eu preciso resolver algum assunto,eu ligo para a secretária do diretor de R.H., digo: ‘eu preciso marcar uma horaque eu preciso resolver um assunto com ele’. E ele dá valor àquilo que eu tenhoque falar com ele. Ele me atende. Na estatal já era mais difícil, porque vocêtinha que respeitar muito, a hierarquia era muito rígida. Então mandava vocêpara aquele, ele tinha que dar o parecer dele, daí mandava para outro, quetambém tinha que dar o parecer, e até que chegasse no superintendentedemorava uma semana.” (funcionário de área administrativa)

“A única coisa que mudou muito, a gente nota bastante diferença, é o acesso.Por exemplo, na estatal para você falar com o Superintendente, era muito difícil.Você tinha que passar, quase que marcar uma audiência para falar com ele. Só

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se fosse assim muito urgente. Agora, se tivesse um problema e precisasse falarcom ele, era muito difícil. E hoje, não, hoje, se eu precisar falar com opresidente, se ele estiver ali, posso entrar, sentar na mesa dele e conversar comele. Mais aberto.... a gente vê que é uma filosofia da empresa. Nem todas asempresas são assim.” (funcionário de área administrativa)

Os empregados entrevistados percebiam que o acesso a todos os níveis hierárquicos eraestimulado pela alta gerência da empresa. Os empregados indicavam, também, que acirculação física das chefias contrastava com o que ocorria na estatal.

“Diminuíram os níveis hierárquicos ...as conversas são mais francas, nos doissentidos. Há uma quebra de divisão, de barreira, enorme, enorme. Há umabusca, realmente, de se dar a oportunidade para todas as pessoas de poderemenfrentar o problema e vir conversar com o chefe.” (gerente de áreaoperacional)

“O Lúcio que o chefe vem aí e conversa conosco. A própria Maria, entra naoficina e cumprimenta todo mundo, mesmo de salto alto, toda bonitona, do jeitoque ela vem. Não tem receio de apertar a mão de ninguém. Sabe por que não eraassim? Porque as pessoas tinham receio de serem maltratadas. A cultura nossa,o convívio ...nós tínhamos vários tipos de gente... você ia ter receio de entrardentro da oficina e cumprimentar as pessoas. Porque se você cumprimentasse erecebesse um palavrão? Se vulgarizassem contigo? Isso acontecia.” (supervisorde área operacional)

Um dos entrevistados indicou ainda, que, na sua percepção, a circulação horizontaltambém teria se agilizado muito se comparada com a estatal. As informações solicitadasseriam, segundo o depoimento obtido, prontamente fornecidas:

“Porque às vezes na estatal, para vir um documento de freqüência, para saber seo empregado tinha hora extra ou não, você ligava e pedia e aquilo demoravauma semana para vir. Hoje, saiu a carta de demissão lá no campo,automaticamente, no mesmo dia, chegam todas as informações para a gente. Agente não precisou fazer muito para isso. As pessoas verificaram a necessidadee foram fazendo. Eu não sei porquê. Se você me perguntar porque não se faziaantes, eu não sei dizer. Eu não sei porque tanta dificuldade em se realizar umprocesso. ... Até um processo, uma sindicância, para apurar uma justa causa,demorava 30 dias. E ainda assim, a gente tinha que, às vezes, perdoar a dívidaporque demorava mais que 30 dias, daí o juiz não deixava fazer a demissão. Eunão sei dizer exatamente porque os processos eram tão morosos.” (funcionáriode área administrativa)

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As informações oficiais eram, segundo os depoimentos obtidos, divulgadas por sistemainterno de correio eletrônico, por informativos anexados ao contracheque, por sistemade cartazes e por reuniões com subordinados .

“Eles sempre passam o resultado do mês. A gente tem correio eletrônico, entãose informa como foi o desempenho da empresa, qual vai ser a meta do próximomês ... E, sempre, se colocando à disposição para quem quiser [tirar] dúvidas.”(funcionário de área administrativa)“Hoje em dia, a gente recebe ... sempre quando vem o holerite, vem um boletimsobre a empresa, o que está acontecendo. São pessoas inovando a empresa,algum acontecimento assim. Através disso a gente fica sabendo, a gente discute,ali, conversa com os chefes, para saber se os chefes sabem de alguma coisa.”(funcionário de área operacional)

Na percepção de dois dos entrevistados, esse sistema de livre comunicação e,principalmente, a informação sobre o atingimento das metas da empresa, funcionariamcomo motivador para a base – operacional e administrativa - da empresa. Na percepçãode um deles, a divulgação das metas dar-lhe-ia, não apenas um incentivo mas, também,um senso de direção.

“A motivação aumenta, justamente, porque existe uma informação para a gente,dos resultados alcançados pela empresa. Isso eu acho que é muito importante.Existe uma circulação dizendo que a empresa, realmente, está conseguindocumprir as metas devidas. Ou, não. Quando não consegue, também existe essainformação. Então, esse tipo de motivação ocorre, na minha opinião, por causadisso, justamente porque a informação, assim, não fica somente na cúpula. Vaipara a base, para o pessoal da oficina ..a motivação, assim, ocorre, tanto que jáforam realizados muito mais serviços nesse período de empresa privatizada doque, eu acho, em todo o tempo em que eu trabalhei na estatal.” (funcionário deárea operacional)

“Hoje você vê que nós temos uma meta visível para todo mundo ...Então, isso éum ponto forte. No tempo de estatal, o que é que nós tínhamos de meta? Nãosei. Não tinha: produzir tanto. Esse ano, nós sabemos: nós temos que produzir ...nós sabemos quanto que nós temos que gerar de receita, nós sabemos. Entãoisso te dá um horizonte para você tentar.” (funcionário de área administrativa)

5.4.2.5 Maior atenção para custos, lucros e clientes

Segundo percepção dos pesquisados, a empresa privatizada teria estimulado a atenção,por parte dos funcionários, para questões como lucro, custos, clientes e concorrência.Para um dos depoentes, a empresa teria passado a trabalhar com orçamento rígido, paraoutro, haveria a necessidade de se captar clientes, ganhar dinheiro e reduzir custos:

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“Hoje, a gente trabalha com um orçamento bem rígido. Se você precisa comprarum computador, tem que fazer a programação para isso, tem que ter umajustificativa”. (funcionário de área administrativa)

“Ela [a empresa] entrou aprendendo a trabalhar dentro de uma realidade. Asempresas particulares, elas têm que dar lucro. Se não der lucro, vai fechar aporta. Se isso aqui não der lucro, tem que entregar a chave... e ir embora. Paradar lucro o que tem que fazer? Tem de captar bastante cliente, ganhar dinheiro egastar pouco. Essa que é a realidade. Então isso está sendo incutido. O pessoaltem feito umas tarefas, aí, passando essas informações para o pessoal e opessoal tem assimilado bem.” (funcionário de área administrativa)

Esses aspectos teriam sido, segundo um dos depoimentos colhidos, negligenciados pelaadministração da empresa estatal o que teria, por sua vez, causado a falta de atenção dospróprios funcionários para essas questões.

“Hoje eu acho que o cliente espera que nós tenhamos uma [produção] maiseficiente .... Então hoje uma palavra que se fala muito na empresa é lucro,porque em isso, não puxa as outras coisas. A gente sabe que não puxa. Mas notempo da estatal não se cobrava. ... Tem que ser eficiente, mas tem que dar lucrotambém. Então, nós temos que ter essa visão. Então, essa mudança foi umamudança muito grande que a gente teve. Nós não estávamos acostumados, porexemplo, na área de manutenção, em pensar em custo. Quanto custava? Nãoimportava quanto custava, nós só falávamos em quanto precisava. ‘Eu precisodisto’. Não me importava se custava 10, 20 ou 100, eu precisava. Hoje, não,custa 10, mas eu tenho um que é mais barato, vende por cinco, talvez atenda àmesma coisa, ou, talvez, em comprando por 15 me dê uma vida útil maior doque o de dez. Então, nós temos que fazer essa comparação para poder definir oscustos, e a palavra custo é muito grande.” (funcionário de área administrativa)

5.4.2.6 Contratação de novos funcionários

Com a nova administração, algumas pessoas provenientes de outras empresas foramcontratadas. Em um primeiro instante, os funcionários da estatal sentiram-sedesprestigiados, com dúvidas sobre seu próprio futuro dentro da empresa.

“No início nós achávamos assim um pouco, como começaram a vir pessoas quenão eram da estatal, nós de uma forma geral sentíamos um poucodesprestigiados. Porque parecia que nós não tínhamos condições de assumirdeterminadas funções e tudo o mais e com o transcorrer dos meses e do ano quejá passou, muitas pessoas da estatal tiveram muitas oportunidades e as pessoas

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cresceram. Eu, particularmente, sinto que eu cresci muito em contato com essaspessoas que já eram de outro mundo.” (gerente de área operacional)

A contratação de trainees foi um processo especialmente problemático para os antigosfuncionários. Segundo depoimentos, nas contratações das primeiras turmas de trainee,teria havido excessiva valorização desta mão de obra em detrimento daquela que vinhada época de estatal. Nas palavras de um dos entrevistados, seriam vistos como“salvadores” da organização. Isto teria causado um certo mal estar, levando osremanescentes a se sentir desvalorizados e, mesmo, ameaçados em seus postos detrabalho. Temiam, ainda, que esses jovens pudessem tomar seu lugar e seu emprego.

“A gente teme por outro lado, a gente teme que amanhã ou depois eles metamum guri novo, que não entenda bulufas do serviço como já está acontecendo emalguns setores... Eu já tive a impressão,... que a ServB mais cedo ou mais tarde,ela não vai ficar com um sequer remanescente da estatal.” (funcionário de áreaoperacional)

“Teve colega meu que, quando foi feito o primeiro programa de trainee, achouque o trainee era uma ameaça mortal, que era o trainee ser contratado que ele iaser mandado embora.” (gerente de área operacional)

Teria chegado a haver, dentro da empresa, um rumor de que as pessoas egressas daestatal estariam, segundo expressão de um dos entrevistados, “carimbadas”. Perante anova administração não seriam boas o suficiente, daí a contratação dos novosfuncionários.

“O que realmente houve é que a primeira leva de trainees, eles foram vistoscomo salvadores da ServB. Todos que vieram da estatal tinham um carimbo,não serviriam.” (gerente de área operacional)

A experiência mostrou que não houve a troca de pessoas antigas por mais novas naforma como havia sido temerosamente imaginada. Para alguns, passaram a ser vistosmenos como uma ameaça ao emprego e mais como jovens sem experiência, que muitoprecisariam aprender para entender os meandros da organização e do trabalho correto.Para outros, a contratação de trainees indicaria uma valorização da educação formal emdetrimento da experiência na organização.

“Olhando assim, esse pessoal, esses trainees novos que estão entrando e estãovirando engenheiros, esse pessoal, eles são muito inexperientes na área daServB. Na área da ServB eles são muito inexperientes de trabalho, mas eles sãomuito avançados no outro lado, na cultura, comportamento pessoal...”(supervisor de área operacional)

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“O que a gente fica chateado é que estão contratando gente de fora, que nãoconhece nada e todos esses contratados por eles, o salário são duas vezes onosso. E isso a gente vê. Há uma supervalorização de pessoas semconhecimento, mas com cursos... E você é obrigado a treinar essas pessoas edizer para o cara: é assim, assim, assim.” (gerente de área operacional)

Para um dos entrevistados ainda, os trainees seriam as pessoas que a empresa teriaescolhido para serem os novos gerentes. Atingir os melhores cargos não seria, porém,tarefa fácil: teriam que “concorrer” com aqueles que vieram da estatal. Na percepção deum entrevistado, a questão decidir-se-ia com base no mérito e não com base na origemde contratação.

“Eu estou enxergando que eles vão ser as pessoas que vão ser preparadas paraserem os próximos gerentes, os chefes. Mas eles vão ter que realmenteconcorrer com as pessoas que estão aí. E já não são aqueles pré-escolhidos. Elesvão ter realmente a oportunidade se estiverem indo bem, se tiverem mérito. Maso que existe hoje é que já não estão pré-escolhidos como estavam os outros. Oprimeiro grupo foi chocante.” (gerente de área administrativa)

Outro, ainda, considerava-os como uma oportunidade de “oxigenar” as idéias daempresa e auxiliar na consecução das metas.

“Eu não tinha nenhuma preocupação com eles. Eu acho que eles iamdesenvolver um trabalho ótimo, que iam somar, que iam oxigenar a cabeça daspessoas que estão aí, que iam empurrar todo mundo para um caminho melhor.Mas não que eu em algum momento pensasse que ele estava entrando para ficarno meu lugar. Isso não me passava pela cabeça.” (gerente de área operacional)

5.4.3 Crescimento profissional

A experiência de crescimento profissional foi apontada por muitos dos entrevistados.Embora os relatos indiquem que a forma de perceber esse desenvolvimento tivesse sidodiferente para cada um, percebe-se a convergência das diferentes experiências para umsentimento agregado de crescimento profissional.

Para um dos depoentes, seria como se tivesse passado, em termos profissionais, de umafase de adolescência para uma fase adulta. Para outro, o aprendizado seria provenienteda necessidade de organizar o seu trabalho. Outro, ainda, aponta o crescimentoprofissional como uma compensação para o excesso de horas trabalhadas.

“Eu cresci muito. Cresci muito. É como se eu tivesse da fase, não vou dizer dafase de infância, da fase de adolescência para a fase adulta. ... Se fosse fazer um

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comparativo, eu passei da fase de adolescência para a fase adulta.” (gerente deárea operacional)

“O ritmo de trabalho era o mesmo...Eu me vejo mais organizado. Eu aprendimuito agora com essa nova empresa, eu aprendi muito.” (supervisor de áreaoperacional)

“Que a gente está trabalhando mais, com certeza. Eram 6.000, hoje está com3.000, alguém está fazendo o serviço. A gente está trabalhando muito mais, estáse desgastando mais. O estresse é muito grande, mas profissionalmente eucresci muito. Isso vale muito também.” (funcionário de área administrativa)

Alguns indicam que o importante teria sido a oportunidade de entrar em contato com oambiente externo, de ser responsável por um processo inteiro e de fazer a ligação entreorganizações externas e a ServB.

“Me agrega mais conhecimento. ... Porque, em reuniões, eu vou nas faculdadesquando tem programa de estagiário, ... eu aplico prova, faço entrevista, eu voupara o Senai, eu vou para participar das reuniões no Senai, eu vou no interior,aplico prova... entro em contato com outras empresas, com pontos detreinamento...Estou com mais conhecimento, mais maduro como pessoa e comoprofissional, melhor.” (funcionário de área administrativa)

“Porque a gente está mais atualizado no mercado do que estava há quase doisanos e meio atrás. Hoje, por exemplo, a gente tem contatos com n empresas...Hoje nós temos muitas empresas que prestam serviços, muitas atividades queeram, são da ServB, mas que são terceirizadas. Então você tem contatos, trocaidéias com outras empresas.” (funcionário de área administrativa)

“Eu cresci muito. Eu acho que cresci bastante. O João de 96, além de ele estarmuito preocupado com o que seria o futuro dele, ele também tinha muitaslimitações. Hoje ele cresceu bastante, ele conheceu mais gente, entrou muitomais no mercado...” (funcionário de área administrativa)

Outros, ainda, fizeram referência a esse desenvolvimento como uma vantagem em casode saírem da ServB e procurarem outro emprego. Sentiam que o esforço empreendidolhes teria acrescentado uma experiência que poderia ser valiosa em outros locais.

“Mas eu acho, e tudo isso que eu passei nesses dois anos assim, eu digoprofissionalmente, se eu tivesse que sair hoje da companhia, eu diria que estoumuito mais completo do que estava há dois anos atrás. Pelo menos eu estoumais, vamos dizer, com os pés no chão do que é o mundo profissional. ... Euentendo que meu crescimento agora, de onde eu vim, para onde eu estou hoje,eu considero um crescimento fantástico.” (gerente de área administrativa)

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“Mas hoje eu estou muito mais seguro. Talvez eu esteja mais estabilizado nesteemprego, uma outra cabeça, uma cabeça que diz, amanhã pode aconteceralguma coisa e eu sair daqui. Eu já tenho uma experiência muito maior do queeu tinha antes com dezoito anos de estatal. Em dois anos eu adquiri muito maisexperiência do que eu tinha antes.” (funcionário de área administrativa)

“Eu estou muito contente de trabalhar na ServB. Cresci um monte, eu vim daestatal como agente de administração... eu tinha pouco tempo de ServB para seranalista de..... Isso aí para mim foi assim uma maravilha, foi um momento queeu vou te dizer, é um reconhecimento, entende? Tudo que eu posso fazer paraque a empresa cresça eu não meço dificuldade nenhuma. Porque eu acho que seestou aqui é porque eu mereço e porque a empresa está confiando em mim.”(funcionário de área administrativa)

5.4.4 Alteração no contrato psicológico

Dentre todos os temas que emergiram dos depoimentos dos entrevistados, aquele que serevelou mais constante foi o da alteração na estabilidade do emprego. Enquanto que naépoca de estatal havia, conforme já relatado anteriormente, quase que umaimpossibilidade de alguém ser demitido, na nova organização os funcionáriospercebiam uma ausência de estabilidade do emprego.

“Porque hoje não tem mais estabilidade. Na estatal se tinha estabilidade, hojeem dia você não tem mais. Aqui está todo mundo sujeito, está sujeito a sermandado embora, a hora que eles quiserem. Se chegar no final do mês e cortarmais cabeças, eu posso estar junto.” (funcionário de área administrativa)

Os requisitos para a permanência atingiam um leque amplo, e incluíam, segundo osdepoimentos, a necessidade de mostrar produtividade, de “estar alinhado” com osobjetivos da organização, de “acreditar”, de estar comprometido e de estar “no espírito”da empresa privada.

“O dia em que eu parar de trabalhar, o dia em que parar de ser dedicado, o diaem que eu resolver trabalhar só as minhas oito horas, eles vão me mandarembora. Enquanto eu estiver trabalhando mas minhas 12 horas, 13 horas, duasou três de graça, estou legal. Mas o dia em que [alguém disser]: - ‘a partir dehoje só vou trabalhar das 7 às 11 e do meio dia às 15, ganho para isso, a minhacarteira está assinada assim, não quero conversa’ – o camarada não vai servirmais para eles. A verdade é essa.” (funcionário de área operacional)

“Eu trabalhei muito pouco tempo na iniciativa privada, mas quero acreditar que,todas as empresas, elas têm a sua própria filosofia e gostam daqueles que aliestão trabalhando, acreditando nisso. Então esse é um dos valores mais fortes

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que nós pregamos, nós temos que acreditar muito, que se a gente não acreditar,como é que a gente vai investir numa coisa em que a gente não acredita? Comoé que você vai levantar de manhã, fazer o seu trabalho aqui se você não estáacreditando? É complicado. Então a crença é um dos primeiros requisitos para agente permanecer aqui.” (gerente de área administrativa)

“Nesse aspecto, se eu for bom, eu não saio, mas com todo mundo [é assim], senão for bom, sai. Se repente não adianta você querer ficar com quem realmentenão incorporou o espírito. Se tem alguém ainda que não incorporou o espírito daprivatização, não tem jeito, não.” (funcionário de área operacional promovido agerente)

Um dos entrevistados fez referência à acomodação que se tinha na época da estatal. Nanova ordem, sem a segurança do emprego, criara-se para ele uma motivação paratrabalhar mais e para se desenvolver. Sentia ter havido maior união entre ostrabalhadores, todos motivados pelos mesmos objetivos.

“Eu acho que motiva, porque você trabalha mais. Não, não trabalha mais,trabalha melhor, trabalha o mesmo tanto. Tenta desenvolver cada vez melhor,aprender mais aqui dentro para segurar o emprego. Daí, acho que incentiva maisvocê trabalhar. É aquele negócio, é a mesma coisa que deixar você solto. Vocêjá está contratado, você tem estabilidade no emprego, daí você faz o teu serviço,vai dar uma volta ali para bater um papo. Agora assim, você tem emprego, senão trabalhar você é mandado embora. Incentiva mais o povo a trabalhar. Euacho que é assim, por isso que te falei que o pessoal ficou mais unido...tá todomundo trabalhando bem, um ajuda o outro. Nessas partes, ficou bom.”(funcionário de área operacional)

A insegurança do emprego foi, para algumas pessoas, entretanto, um fator gerador depreocupação. As pessoas percebiam que seu emprego não estava, assegurado e que nemmesmo um bom desempenho e a “doação de si mesmo” seriam garantias suficientespara a sua manutenção. Seus relatos indicam que podiam ser dispensadas por motivosalheios ao seu desempenho, como por exemplo, pela terceirização de uma atividade ou,mesmo, como conseqüência de mudanças na economia.

“Nós temos exemplos de pessoas que estavam trabalhando muito pela empresa,deixando totalmente o seu lado particular em prol da empresa, de repente, ela édesligada da empresa. Então você não sabe mais se somente você se doar para aempresa é suficiente. Você começa a ter dúvidas. Houve muita demissão, muitagente que foi demitida dessa maneira.” (funcionário de área administrativa)

“Eu estou aqui hoje. De repente, minha área ou meu trabalho deixa de existir.Digamos que a empresa, pelo planejamento da empresa deixou-se de executaraquela atividade e eu sobrei.” (funcionário de área administrativa)

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Algumas estratégias pareciam ser utilizadas para lidar com a sensação permanente deinsegurança, com o medo de poder ser desligado a qualquer hora. Para um dosentrevistados, não haveria nada a se fazer, seria como a morte, que não se sabe quandovem, sabe-se apenas que vem. Outro considerava o medo como algo que deveria serenfrentado. Outro, ainda, considerava a preocupação permanente uma “neura”. Paraoutro, por fim, o fato de saber que teria condições de encontrar um outro emprego, tirar-lhe-ia o medo.

“Não tem o que fazer. Continuo trabalhando da mesma maneira, procurandosempre fazer o meu serviço o melhor possível, sempre trabalhando direitinhoali, operando para a empresa, para a empresa progredir. Não tem muito o quefazer. É que nem a morte, você sabe que uma hora vem, não sabe a hora quechega. E aqui o que a gente tem feito é procurado, pelo menos eu tenho feitoisso, tenho procurado me mostrar mais no mercado.” (funcionário de áreaadministrativa)

“Na época de estatal ... era difícil ser mandado embora. Depois que privatizou agente já viu aqueles amigos sendo mandados embora, outras pessoas, e você jáperde o medo. Começa a enfrentar. É mais fácil enfrentar do que ficar tenso,ficar com medo de ser mandado embora.” (funcionário de área administrativa)

“Mas eu nunca tive essa neura ‘Será que eu vou estar aqui amanhã? Será que eunão vou ficar?’ E eu conheço bem as minhas limitações, eu tenho assim muitaconsciência até do que o mercado está oferecendo e eu conheço bastante do queeu posso estar oferecendo para a companhia. Mas talvez eu tenha conseguidomelhorar bem o meu trabalho, em função de que eu não fico, assim, tentandopensar que eu vou ser descartada daqui a um tempo.” (gerente de áreaadministrativa)

“Eu acho que não nasci aqui, não é meu único potencial, eu acho que eu tenhocondições de fazer outras coisas em outras companhias. Eu acredito nisso, tenhocerteza disso. Então, porque eu vou ter medo da demissão? De forma nenhuma.Eu não tenho receio, apesar de saber que ela pode acontecer.” (gerente de áreaoperacional)

As práticas da estatal estavam na memória das pessoas, mas não pareciam fazer maisparte do seu elenco de expectativas. Assim, por exemplo, segundo um dos funcionáriosentrevistados, a questão da vulnerabilidade do emprego estaria incorporada à sua vidaprofissional.

“Eu acho que depende da cabeça de cada um. Acho que nessa parte dainsegurança, pelo que eu vejo, vou ter que conviver com ela enquanto estiveraqui dentro, vou ter que conviver com ela. Não existe segurança na vida. Emque existe segurança hoje em dia? Iniciativa privada não dá segurança nenhuma.

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O país não dá segurança nenhuma. Então vou ter que trabalhar neste sentido.Acho que segurança, eu não tenho a segurança que eu tinha na época em que eutrabalhava numa empresa estatal, eu não tenho aquela segurança mais.”(funcionário de área administrativa)

O discurso de um dos gerentes pertencentes à área de Recursos Humanos ilustra bem aquestão da ausência de garantia do emprego:

“Essa dúvida [acerca da possibilidade de novas demissões] vai ser difícil devocê tirar das pessoas. Eu acho que não tem como, primeiro porque nós nãopregamos a estabilidade. ...Você é importante na companhia, mas a gente nãoquer dizer que você vai ser importante para sempre. Porque não depende só dagente, tem uma série de coisas que interferem dentro da organização de umaempresa. ... Mês passado mesmo, em função da saída de um gerente de uma dasunidades, gerou-se mais 50 demissões. Por quê? Como ele não vinha dandobom resultado, a companhia preferiu então que ele saísse. Com isso nós fomosverificar o quadro dele de pessoal e o novo gerente que assumiu entendeu que oquadro dele estava muito inchado. Então, tivemos mais 50 demissões no mêspassado.” (gerente de área administrativa)

5.4.5 Recomendações para novos planos

Outros planos de desligamento aconteceram com certa freqüência na empresa. Aexperiência pela qual a empresa passou fez, entretanto, com que alguns gerentesrefletissem acerca daquilo que consideravam fundamental em um plano dedesligamento.

Do ponto de vista da seleção das pessoas a serem desligadas, um dos gerentes indicouque as pessoas a permanecer seriam aquelas com mais vontade de trabalhar e de crescer,mesmo que em detrimento de pessoas com grande conhecimento, mas sem vontade detrabalhar.

“Você tem que realmente selecionar aquele pessoal que tem conhecimento etem vontade. Principalmente vontade. Muitas vezes não adianta a pessoa ter oconhecimento e não ter a vontade. Eu acho que é importante daí, fazer umaseleção daqueles que têm vontade de continuar e querem continuar. Muitasvezes podem até ter certa dificuldade de conhecimento, de atividade técnica,mas a partir daí você pode, com um treinamento realmente forte, acabaraproveitando a experiência desse profissional.” (gerente de área operacional)

Do ponto de vista dos critérios e dos procedimentos para o desligamento, outro gerenteconsiderou que os critérios para a seleção deveriam ser extremamente claros eequânimes, para que não houvesse injustiças e favorecimentos. Um cuidado, também

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apontado, referiu-se aos sobreviventes. Estes deveriam ser comunicados acerca dodesligamento e das razões que levaram a empresa a tal ato. Haveria, também, que se terum processo digno, correto, simples e sem arrogância com os demitidos.

“Eu acho que tem que usar critérios muito claros. Mesmo que você vá pedirpara a [outra] pessoa fazer dimensionamento, deixar critérios muito claros...Quando você for escolher as pessoas, acho que o mais importante é realmenteescolher tendo justiça, ser o mais justo possível. Você realmente ficar comaquelas pessoas porque são pessoas importantes para o seu trabalho. Nuncaescolher pela cor dos olhos, pela aparência que a pessoa tem, escolher realmentepelo valor das pessoas... E cuidar das pessoas que ficam. Depois de todo oprocesso, reunir as pessoas que ficam, esclarecer o que aconteceu, dar osmotivos principais... Fazer esse processo com dignidade, correção, clareza,simplicidade, sem arrogância, mas depois disso cuidar dos outros...” (gerente deárea operacional)

Quanto ao tempo para a execução do plano, um dos gerentes apontou que deveria serfeito o mais rápido possível e em curto espaço de tempo. O prolongamento do processocausaria ansiedades e expectativas que poderiam interferir no rendimento do trabalho.

“Se tiver que fazer uma adequação no seu quadro, não demore para fazer: façarápido e de uma vez só, se possível. É menos doloroso. Porque a expectativaque se cria quando você não faz o processo de uma vez só é muito grande.Porque as pessoas ficam sempre imaginando.... as pessoas não têm a segurançade ficarem trabalhando.” (gerente de área administrativa)

5.5 Futuro

De forma geral as pessoas se viam como tendo atrelado o seu futuro ao da companhia.Para algumas, havia expectativa de crescimento tanto em termos de cargos quanto emtermos de conhecimento. Esperavam que a empresa crescesse e, junto com ela,esperavam crescer também.

“O meu futuro, como eu vejo? Eu vejo um desafio muito grande, de eucomplementar esse conhecimento que eu não tenho. Isso para mim é umaoportunidade que eu estou tendo hoje. Então, realmente, dominar a área deoperação, isso eu acho que vai me capacitar para ser uma pessoa para, lá nafrente, ter uma oportunidade melhor na empresa, que eu acho que tenhocondições de ter.” (gerente de área operacional)

“Hoje não, hoje, com a privatização, com a oportunidade que a companhia estádando para as pessoas da base... minha oportunidade de crescer, dentro da

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companhia, depende só de mim, mas é muito grande. É enorme, meu campo éenorme, meu cargo é enorme... não tinha aquela esperança de um dia ter umcargo de chefia. Hoje, não, hoje eu tenho a esperança de um dia ter um cargomaior do que [aquele em que] eu estou, de subir dentro e com os meuscompanheiros, vendo eles crescerem.” (funcionário de área operacionalpromovido a gerente)

“A ascensão profissional, eu nunca estou satisfeito. Eu acho que ninguém está.Sempre [se] quer buscar mais. Evidente que eu estou sempre vislumbrando umaoportunidade de crescer dentro da empresa. Não só profissional, mas também naquestão da remuneração. Acho que tem ser uma constância isso em qualquerprofissional. A não ser que o profissional esteja estagnado e eu não estouestagnado. Eu acho que eu tenho plenas condições de crescer mais ainda, não sónesse cargo, mas também numa outra oportunidade, um outro cargo melhor.Evidente que se você perguntasse ‘O que você quer ser?’ Quero ser gerente e seestivesse como gerente ia querer ser diretor. É uma coisa que a gente sempreestá buscando.” (funcionário de área administrativa)

Dois gerentes, bastante sobrecarregados em termos de trabalho, expressaram o desejo decontinuar crescendo e, ao mesmo tempo, conseguir maior equilíbrio entre a vida pessoale profissional. Gostariam de, no futuro, ter mais tempo para o lazer e para a família.

“Em termos pessoais eu gostaria de ter um pouquinho mais de lazer. Talvez nosfinais de semana, pelo menos. Espero montar uma estrutura para isso. Emtermos profissionais claro que todo mundo quer alguma outra coisa. Eu querouma outra coisa. Não quero ser sempre o gerente dessa área em que eu estou. Eugosto dela, quero transformá-la, sei que vou ter um tempo útil ali dentro... masvai chegar a um nível que eu vou querer uma outra área, uma outra coisa, igualou mais diferente ou maior, claro.” (gerente de área operacional)

“O que a gente sente é que trabalho não me assusta, só que não posso ficartrabalhando o resto da vida, não no ritmo em que estou trabalhando, nem eu,nem os outros que estou vendo por aí. Eu queria, pelo menos, ter, quando for afolga, eu poder sair. Poder compensar a minha família de uma forma ou deoutra...” (gerente de área operacional)

Dois funcionários de área operacional, no entanto, expressaram uma visão diferente.Para eles, não haveria espaço para crescimento dentro da empresa.

“Aqui na ServB? Não tem muita perspectiva. Que nem eu te falei, vai seseguindo assim, esperar, se der para você conseguir aposentar, beleza, mas senão conseguir e eles mandarem embora, você tem que conseguir outra coisapara fazer.” (funcionário de área operacional)

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“Eu entrei como técnico e acho que vou sair como técnico. No meu casoparticular eu acho que não. Porque digamos, não tem uma seção técnica quehouvesse uma pessoa acima de mim que eu pudesse almejar o cargo com opassar do tempo ... Então, para mim, não houve como evoluir profissionalmentena empresa. Nem antes, nem depois.” (funcionário de área operacional)

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6 DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVC

6.1 Breve Histórico da ServC

A ServC é uma empresa prestadora de serviços na Região Sudeste do País, atuando hámais de 100 anos na prestação de serviços ao público. Privatizada em 1996, foiadquirida por um consórcio formado por empresas nacionais e internacionais de duasdiferentes nacionalidades.

Suas práticas antes da privatização pouco diferiam das práticas de tantas outrasempresas estatais: gestão baseada na conveniência de políticos, acentuada divisão detrabalho, dificuldade para demitir, processo decisório lento e burocrático, ausência deinvestimentos e defasagem tecnológica, entre outros.

Carente de investimentos e defasada tecnologicamente, a ServC estava longe dospadrões de eficiência do setor. Uma de suas primeiras providências foi a realização deestudos comparativos com outras empresas que deram origem a um conjunto de metas aserem atingidas, entre elas a relação cliente/empregado. De uma forma geral, a relaçãoconsiderada ideal no setor era de cerca de 700 a 800 clientes por empregado. Na épocada realização desta pesquisa, a relação na empresa estava em torno de 480 empregadospor cliente, longe, ainda, daquela estabelecida como meta.

Outro problema encontrado pela nova direção referia-se à idade do quadro de pessoal.Com a dificuldade de contratação própria das empresas estatais, a idade média daspessoas e seu tempo de serviço na empresa tornaram-se muito elevados, formando umquadro dito “envelhecido”.

O plano estratégico, a relação ideal do índice cliente/empregado e a alta idade médiados funcionários deram, assim, origem a uma série de programas incentivados dedesligamento, iniciados logo após a privatização e continuados até a época da realizaçãodesta pesquisa, ou seja, desde 1996 até final de 1999.

Entretanto, logo após a privatização e antes de qualquer plano de desligamentoincentivado, a empresa demitiu sumariamente cerca de 340 empregados, sem direito anenhum benefício adicional além dos estipulados em lei. Segundo depoimento dealguns entrevistados, tratava-se de funcionários com história de problemas na empresa.

Cerca de uma semana mais tarde, a empresa lançou seu primeiro Plano de DesligamentoIncentivado – PDI, oferecido, sem exceção, a todos os empregados da empresa. Há quese observar que, na opinião de algumas pessoas, a demissão sumária de 340 pessoas emprazo anterior ao lançamento do PDI teve como efeito um aumento no volume deadesões. O fato teria sinalizado a possibilidade de outras demissões, rompendo, assim, a

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prática de não desligamento da época de estatal. Segundo as palavras de um gerente daárea de Recursos Humanos:

“Causou um impacto e quem ficou, ficou com medo. Ou eu aceito isso, que derepente eu estou levando algum dinheiro, ou quando acabar o programa... elesvão fazer o que fizeram com os outros lá: vão botar na rua. Então as pessoasaderiram em massa. Deu esses 4500 aí.”

Assim, neste primeiro plano, todos os funcionários receberam uma carta comunicando oplano e informando os valores do incentivo monetário a ser recebido em caso de adesão,além de um formulário próprio para o requerimento de desligamento. Àqueles queassim desejassem, bastaria assinar o formulário e entregá-lo à chefia. A empresareservava-se, entretanto, o direito de aceitar, ou não, o requerimento de adesão com“ponderação, a seu exclusivo critério, das necessidades e conveniências da Empresa.”76

A empresa circulou, também, um informativo no qual constavam as regras do plano e ooferecimento de incentivos financeiros e sociais. O prazo para a adesão foi de umasemana. Caso a meta estabelecida não fosse atingida, a empresa intencionava proceder ademissões, sem concessão de qualquer benefício adicional.

O plano oferecia um incentivo monetário proporcional ao número de anos de trabalhona empresa e a continuidade do plano de saúde da empresa por mais 12 meses. Alémdisso, como a empresa patrocinava, junto com o sindicato, uma escola de primeiro grau,os empregados que tivessem filhos matriculados teriam a manutenção do estudogarantido até a conclusão do curso.

Outro benefício referia-se ao fundo de pensão. Pelas regras vigentes, o empregado teriadireito à complementação da aposentadoria aos 55 anos de idade. A partir dos 50 anos,porém, teria direito à complementação proporcional. Para os funcionários com mais de50 anos, aos quais faltassem menos do que 60 meses para a aquisição do direito integral,a empresa pagaria a contribuição relativa às parcelas do empregador e do empregado aofundo de pensão. Entre a adesão ao plano e os 55 anos, o empregado teria que viver deseus próprios recursos, sem direito a qualquer tipo de aporte ou auxílio do fundo depensão.

Para aqueles que tinham tempo suficiente para requerer aposentadoria junto ao INSS, aempresa colocou à disposição a sua estrutura administrativa e jurídica, de forma quebastava ao empregado entregar a sua documentação e a ServC cuidava dos trâmitesburocráticos.

A adesão a este primeiro plano foi da ordem de 4.000 pessoas o que obrigou a empresaa processar um alto volume de desligamentos em curto espaço de tempo, de forma queos prazos impostos pela legislação trabalhista não fossem ultrapassados. 76 Fonte: Comunicado interno da empresa

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Com o intuito de auxiliar a continuidade da vida profissional dos optantes, a empresadisponibilizou um local de fácil acesso onde bancos montaram postos para orecebimento de aplicações e para a concessão de empréstimos e onde foram, também,ministradas palestras pelo Sebrae. Disponibilizaram-se, ainda, material sobrefranchising e sobre empresas de recolocação de mão de obra, além de um breve manualensinando a escrever um curriculum vitae:

“Houve também uma preocupação quanto àquelas pessoas que tinham interesseem sair da empresa e montar seu próprio negócio... Tiveram algunstreinamentos junto ao Sebrae... Foi centrado nas pessoas com potencial deaposentadoria, já próximos da aposentadoria, ou aquelas que, por iniciativaprópria, queriam sair da empresa e montar seu próprio negócio.” (funcionário deárea administrativa)

Ocorreu, no entanto, que o oferecimento de cursos não teve o sucesso desejado. Foibaixo o número de inscrições para os cursos oferecidos e mais baixo ainda o númeroreal de participantes. Um gerente atribuiu esse fato à cultura existente anteriormente,que pouco estimulava o empreendedorismo dos funcionários.

Encerrado este primeiro plano, outros foram oferecidos aos empregados, agora maisvoltados àqueles com tempo ou idade para a aposentadoria. Assim, por exemplo, em1997 ofereceu-se um programa possibilitando aos empregados que tivessem completadoos requisitos para a aposentadoria junto à Previdência Oficial se desligarem emcondições especiais. Este plano foi elaborado para um ajuste do quadro de pessoaltendo em vista atender pedidos de funcionários preocupados com a mudança a serrealizada pelo governo federal nas regras para a aposentadoria

Nos anos de 1998 e de 1999, mais dois planos de incentivo à aposentadoria foramoferecidos. Ambos incluíam benefícios adicionais aos previstos pela leis trabalhistas. Secomparados, porém, com o primeiro plano de 1996, os programas seguintes ofereciambenefícios progressivamente menores.

A ServC desligou entre 1996 e 1990 cerca de 45% do seu quadro de pessoal, passandode aproximadamente 11.000 empregados para 6.000 empregados. Admissões, todavia,foram realizadas e, em um único departamento, quase 1000 pessoas foram contratadasneste período.

Há que se comentar, entretanto, que se na alta administração houve grande mudançacom a entrada dos novos donos, em nível da média gerência quase não houvemodificação. A maioria da camada média era composta de gerentes egressos do tempode estatal. Assim, novas políticas e práticas tornaram-se de difícil implementação, umavez que existia, na expressão de um gerente, um “colchão que amortece”:

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“Você tem uma determinação lá de cima, os caras que pensammaravilhosamente bem, são instruídos pelas empresas de origem deles, sãoempresas de sucesso, trazem tudo para cá, mas chega aqui esbarra numa culturacorporativa muito grande, muito forte ao nível gerencial.... Então, não setrabalhou a cultura dessas pessoas. Eles não têm uma cultura de mudança, entãoé complicado fazer programas...” (gerente de área administrativa)

As mudanças, entretanto, foram muitas: departamentos unificados, transferidos ou,mesmo, extintos, sendo muitas funções terceirizadas. Houve uma inversão de capitalsignificativa em equipamentos e novas tecnologias. Um novo sistema de informática foiimplantado na empresa, possibilitando a modernização do processo de trabalho emvárias áreas.

6.2 Antes da Privatização: A ServC como Estatal

Na percepção dos empregados a ServC, como empresa estatal, enfrentava uma série dedificuldades que impediam seu funcionamento efetivo. Do ponto de vista técnico eoperacional, a empresa necessitava de aportes substanciais de capital para melhorar eexpandir seus serviços. Do ponto de vista de recursos humanos, estava limitada nacontratação de novos funcionários. Por outro lado, por ser empresa estatal, governadaem parte por interesses políticos e, ainda, por conta da atuação de um forte sindicato, aempresa tinha dificuldades para dispensar os maus funcionários:

“Ela não tinha uma cultura de desligamento. Para você desligar uma pessoaaqui, era melhor dar um tiro na cabeça, porque você não conseguia desligarninguém, por força do sindicato, força política. Uma empresa estatal tem todaessa história.” (gerente de área administrativa)

“Estatal para você ser mandado embora tem que fazer uma besteira muitogrande, xingar o presidente, coisas desse tipo. Todo mundo tem sempre isso emmente. Você trabalhar normal, não precisa ser nenhum gênio, mas se você fizero teu feijãozinho com arroz, você vai fazer. Ninguém, a princípio, ninguém erademitido. Nesse sentido, a menos que a besteira fosse muito grande.” (gerentede área operacional)

“A empresa estatal tem uma série de regras e de coisas. Primeiro, você nãoconsegue demitir....não tinha admissão, mas também não tinha demissão.”(gerente de área administrativa)

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Além disso, segundo depoimentos, muitas pessoas eram indicadas para os cargos poruma questão política.

“Antes da privatização, os cargos eram políticos. Então tinha uma conotaçãopolítica no cargo. A área técnica não estava envolvida.” (gerente de áreaoperacional)

Esse caráter político de recursos humanos teria criado uma empresa “inchada”. Algunssetores estavam, em verdade, com excesso de pessoal, o que provocou, por sua vez, aociosidade de muitos:

“A gente conversando: ‘Está inchado. Passa por aí tem gente lendo jornal a tortoe a direito. A gente está um pouquinho inchado’.” (gerente de áreaadministrativa)

“Eu não sei, eu não tenho condição de dizer qual é o número adequado deempregados que tem que ter na ServC. Mas tem um número e [este número] nãoé aquele do passado: 12.000. Não é aquilo, aquilo era um absurdo.” (gerente deárea administrativa)

Em função disso, achava-se que a valorização das pessoas que trabalhavamprodutivamente ficava prejudicada, uma vez que se dava valor igual para todos,premiando até quem não trabalhava. Isso teria gerado uma falta de motivação paramelhorar, já que não havia reconhecimento do esforço:

“O valor que se dava era igual para todos. Se o cara trabalhasse ou nãotrabalhasse. O que não trabalhava era promovido. Isso é uma coisa louca. Issoacaba com o ser humano. Isso destrói o ser humano completamente. Aí nissovocê destrói aqueles que, às vezes, se não estivessem passando por isso, teriamforças. Porque tem gente que não tem força para trabalhar mais, porque é tantainjustiça, que ele perde aquele negócio...” (gerente de área administrativa)

Outra questão levantada referiu-se à divisão de trabalho. Um dos entrevistados indicouhaver má distribuição da carga de trabalho, gerando excesso para alguns, enquantooutros faziam muito pouco. Alguns citaram a existência de cargos – como, por exemplo,o de secretárias e de contínuos - que terminaram por se mostrar obsoletos e foram oueliminados ou ocupados por menos pessoas em função da implantação de ferramentasde informática:

“Então, eu acho que a distribuição de tarefas ao longo do tempo era mal feita.Tinha pouca gente trabalhando de verdade e muita gente fazendo nada,trabalhando nas costas dos outros.” (gerente de área administrativa)

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“Aqui nesse andar, cada gerente tinha uma secretária. Para quê? Para atender otelefone, passar a ligação, agendar uma reunião e datilografar uma carta. ... Paramandar [uma correspondência] você precisava do contínuo... o contínuo pegavao carro aqui e rodava toda a nossa região para pegar papel...” (gerente de áreaoperacional)

A organização hierárquica da empresa foi, também, objeto de crítica. Com vários níveise com alta formalização da estrutura, as comunicações eram menos diretas, tornando oprocesso decisório menos ágil:

“Eu não tinha o acesso que eu tenho hoje aos meus superiores hierárquicos... emvinte anos eu fui talvez a uma reunião com o diretor. Depois da privatização, eujá fui a várias. Com o superintendente é quase todo dia. Não era uma coisanormal. As coisas eram mais estanques. ...” (gerente de área operacional)

Muitas dessas práticas foram alteradas com a liberação da sujeição à legislaçãoespecífica que regia as empresas estatais e à influência política do governo. Antesporém que a nova direção assumisse, a ServC passou por uma fase na qual aprivatização que se avizinhava assumia caráter ambivalente: de ameaça e de esperança.

6.3 Transição de Estatal para Privada

6.3.1 Representações da privatização

Embora o Programa Nacional de Desestatização já estivesse em pleno andamento, aprivatização foi considerada um processo inevitável apenas para alguns. A grandemaioria dos funcionários operacionais não acreditava que o governo conseguisseconcretizar o processo e a camada gerencial, por sua vez, dividia-se entre acreditar e nãoacreditar:

“É igual a Aids, só se acredita que ela existe quando vem em alguém pertinhode mim. ... Acontece na casa dos outros, mas na minha não vai acontecernunca.” (funcionária de área administrativa)

“Foi uma época muito complicada. Você tinha algumas [pessoas] queabsolutamente não acreditavam que era possível a ServC ser privatizada. Nãoacreditavam. Só passaram a acreditar quando ela foi vendida e, assim mesmo,ainda tinham expectativa de que aquilo pudesse ser revertido.” (gerente de áreaadministrativa)

Segundo os depoentes, o sindicato pouco atuou no sentido de esclarecer ouconscientizar os funcionários do processo em andamento. Ao adotar uma postura de

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negação, perdeu, segundo a opinião de alguns, a oportunidade de esclarecer e preparar abase operacional da empresa:

“... [o sindicato] adotou uma postura radical. ‘Não, não vai acontecer.’ E não seestruturou, não divulgou informação. ... Teve um dia em que rompeu o dique e aágua entrou... Poderia ter havido um preparo maior. O clube que foi montadopelos empregados para comprar o seu quinhão de ação, foi montado pelapresidência da ServC. Ao invés de ser um movimento do sindicato. ... Osindicato que podia ter feito, não fez. Ficou naquele negócio que o câncer só dáno vizinho, não dá aqui em casa. Eles poderiam ter preparado melhor o povo.”(gerente de área operacional)

“O operacional não [acreditava] ... o sindicato teve um papel muito importantenesta história, porque ele não acreditou que o governo ia conseguir privatizar...O sindicato teve um papel muito importante porque ele não acreditava que se iaconseguir, e o governo conseguiu que se aprovasse a privatização.” (funcionáriode área técnica)

A privatização era fator ameaçador para grande parte dos funcionários, uma vez que, aexemplo da experiência de outras empresas anteriormente privatizadas, havia grandepossibilidade de demissão em massa de funcionários. O grande temor, agravado aindapor boatos internos e mesmo reportagens na mídia, dizia respeito à possibilidadeimediata de perda do emprego:

“O que se espera numa privatização? ... O que eu pensava e o que –conversando com as pessoas de mesmo nível ou pessoas em geral – as pessoaspensavam? A ServC vai ser privatizada. ... Quando ela privatizar, o que vaiacontecer quando o novo [dono] chegar? Vai passar a ripa, vai demitir todomundo, vai demitir e vai fazer o capeta.” (gerente de área administrativa)

“As pessoas [estavam] com medo, muito medo de desemprego. E do que viria aípela frente.” (gerente de área administrativa).

“Quando se considerou as outras privatizações, de repente chega lá e olha essasemana, não tem mais ninguém. Corta tantos porcento. Esse foi o histórico dasprivatizações.” (funcionário de área operacional)

O cenário, em geral pessimista, originou ações e comportamentos diferenciados. Embusca de melhor qualificação e tentando prever a nacionalidade do comprador, muitosprocuraram cursos de idiomas, acreditando que dominar o idioma do futuro dono seriauma forma de garantir o emprego. Na percepção de outros, iniciou-se um clima decompetição, no qual as pessoas procuravam mostrar-se profissionalmente competentescomo proteção contra uma possível demissão futura:

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“Então começa a criar uma série de apreensões e desestabilizações nas pessoas,de forma a ser tornarem competitivas, a mostrarem o seu valor, coisa que nãoera necessária antes, na época de estatal. ... Mas o que passou, foram as pessoasdisputando o mesmo lugar, porque sabia-se que ia ter redução de quadro... nãotem lugar para todo mundo, a gente saiu de 12.000 para 6.000, metade.”(gerente de área operacional)

“O que havia muito era pedido de curso de línguas. Porque se fosse compradopor americanos ou franceses, as pessoas queriam cursos de idiomas.” (gerentede área administrativa)

Algumas chefias, conscientes das mudanças iminentes, começaram a alertar seusfuncionários, não só quanto à possibilidade de demissão, mas também quanto areestruturações que poderiam alterar a função de cada um dentro da empresa. Ospróprios funcionários passaram a estimular seus colegas a procurar melhor qualificação:

“Tem que se preparar. Sempre digo isso para meus colegas: vocês têm que sepreparar. Porque não faz o curso assim? Vamos fazer o tal curso? ” (funcionáriode área administrativa)

“Então eu vinha alertando, em 96, quando a empresa privatizou, eu disse: olha,vou falar uma coisa para vocês. Vocês só têm emprego para dois anos. Vocêsnão, eu e vocês. Nós só temos emprego para mais dois anos. A nossa não é umaatividade da empresa que ganha dinheiro, é uma atividade meio. A empresapode terceirizar, a empresa pode fazer o que ela quiser. Pode reduzir, podedescentralizar... Como é que você está hoje na empresa? O que você fez para asua vida futura? Então você tem dois anos para correr atrás do que você quer navida. Daqui a dois anos não vem me aporrinhar o juízo dizendo ‘eu fui mandadoembora, e agora o que é que eu faço?’. ” (gerente de área administrativa)

“Era engraçado porque, quando eu assumi a gerência em 93, a ServC jáconstava do Programa de Desestatização. E uma das coisas que eu conversei nasprimeiras reuniões, foi que a gente tinha que começar a se preparar para amudança. Nós íamos ter que deixar de ser aquelas pessoas que fazem tudointernamente, nós íamos ter que nos tornar consultores internos. Esse era ofuturo.” (gerente de área administrativa)

Para alguns, a perspectiva parece ter sido de otimismo. Cansados das políticas deempresa estatal, vislumbraram na empresa privatizada reconhecimento, valorização emelhor remuneração de pessoal:

“Agora sobreviver, ah, quem sobreviver, empresa privada ganha bem, éreconhecido, vai ser avaliado o potencial de cada um, as pessoas vão serrecompensadas pelo trabalho.” (gerente de área administrativa)

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“Um plano de carreira definido... na época a expectativa era essa. Vamos ter umplano de avaliação profissional... uma avaliação de desempenho formalizado...uma política de recursos humanos mais transparente”. (gerente de áreaoperacional).

Se a valorização do empregado era esperada, alguns expressaram a consciência de que anova administração traria, da mesma forma, uma forte cobrança de desempenho ededicação ao trabalho. Além disso, em casos de redução de pessoal, a melhor forma degarantir o espaço estaria não apenas em produzir mais, mas, igualmente, mostrar aossuperiores ser seu desempenho melhor do que o do colega. Havia, assim, umaexpectativa de continuidade, na empresa privada, do clima de competição ressaltadoanteriormente:

“...a imagem que as pessoas fazem da firma particular... como é que fica a firmaparticular? Quem produz tem lugar, quem não produz não tem. Então eu tenhoque mostrar que eu produzo mais do que os outros. Isso é elementar na cabeçasdas pessoas. É uma coisa natural. Tem que produzir.” (gerente de áreaoperacional)

De acordo com as expectativas, a empresa, logo após ser privatizada, implementou umasérie de programas de redução de pessoal. Sem o caráter de um ato de demissãounilateral, optou por realizar sucessivos planos de desligamento voluntário comconcessão de uma série de benefícios financeiros e sociais. Realizou demissõessumárias apenas nos casos mais graves e, mesmo assim, em quantidadesubstancialmente menor, se comparado com o número de adesões aos planos dedesligamento incentivado.

6.3.2 Programas de redução de pessoal no contexto de umaempresa recém privatizada

Ao invés de um único plano de desligamento voluntário, a ServC optou por ofereceruma seqüência deles, sendo que no período de 1996 até a data da realização da pesquisa– julho de 1999 - pelo menos três planos foram implementados

6.3.2.1 Demissão sumária

Logo após a privatização e cerca de uma semana antes de ser comunicado o primeiroPlano de Desligamento Incentivado – PDI, a ServC demitiu sumariamente cerca de 340empregados. Tratava-se de pessoas que já tinham um histórico de problemas edificuldades com a empresa e, na opinião dos entrevistados, foi um processo justo e

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merecido. Formou-se quase que um consenso de que estas pessoas mereciam serdesligadas.

“Uma semana antes da ServC implantar esse programa, ela pegou 340 casos edesligou sem direito a nenhum benefício. Fez a demissão sumária, mandousuperintendente para a rua, mandou diretor para a rua, mandou funcionário,mandou embora. Pegou a carta entregou numa sexta-feira, ‘toma está demitido’.Acabou. E uma semana depois ela solta o programa de incentivo.” (gerente deárea administrativa)

“Mas sempre aquele pessoal que realmente é improdutivo. Que você vê que nãotem como. Como diz o pessoal: ‘nem com ferrão’.” (funcionário de áreaadministrativa)

6.3.3.2 Plano de desligamento incentivado - PDI

O PDI foi o primeiro de uma série de planos implantados pela ServC. O presente estudoaprofundou-se, no entanto, apenas no primeiro deles, implantado cerca de dois mesesapós a privatização. Os demais foram considerados apenas naqueles aspectos relevantespara o entendimento do objetivo da pesquisa.

6.3.2.2.1 Razões para o plano

Uma das razões mais mencionadas para o programa de redução de pessoal referiu-se aoquadro de pessoal envelhecido. Havia, então, segundo os entrevistados um contingentegrande de pessoas com muitos anos de empresa que deveria ser desligado e havia,também, a necessidade de se oxigenar as idéias através da contratação de novas pessoas:

“Tem muitas pessoas já com muito tempo de empresa, já com idade... um dosfatores que foi colocado é porque ela está com quadro envelhecido.”(funcionário de área administrativa)

“Eu acho até que a ServC não era uma empresa tão inchada quanto muitasoutras. Mas de qualquer forma tinha de haver. Muitas coisas podiam serterceirizadas, muitas coisas podiam ser aprimoradas. Eles iam ter que colocargente nova aqui, para trazer sangue novo para a empresa.” (gerente de áreaadministrativa)

Além desses motivos, outros justificaram o desligamento de funcionários, como asexigências, por parte dos novos acionistas, de maiores lucros e de corte de despesas, anecessidade de reestruturação organizacional, a necessidade de se atingir índices

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cliente/empregados competitivos e a aquisição de tecnologias que poderiam dispensarparte da mão da obra.

“Primeiro o dinheiro. Uma forma de você [aumentar o dinheiro] é reduzir oquadro. Você diminui a sua folha. Assim, você aumenta o seu lucro.” (gerentede área administrativa)

“Renovar o quadro, otimizar. Acho que ela tinha muita dificuldade, umaestrutura muito grande, com muitos níveis hierárquicos. Então era um negóciomuito complicado para atuar.” (funcionário de área administrativa)

“A folha de pagamento é muito pesada. Muito pesada e eu acredito que tenhasido isso. É uma forma de reduzir custo para que se tenha uma rentabilidademaior. Nós tínhamos uma relação cliente/funcionário muito alta. Eles trouxeramo padrão de relação que existe na Europa e é um valor, uma taxa muito menor.”(funcionário de área administrativa)

“Porque vai informatizando. O que dez faziam, dois podem perfeitamentecontinuar fazendo. Aí ficou estabelecido, com x empregados você podecontinuar trabalhando normalmente”. (funcionário de área administrativa)

A redução de pessoal foi esperada por conta dos exemplos de outras privatizações járealizadas no país e dos motivos anteriormente citados, pela percepção de que o quadrode funcionários poderia e deveria diminuir.

“Nós esperávamos. Todos nós sabíamos que a empresa era muito grande, eraum número excessivo de funcionários e nós sabíamos que isso ia ocorrer.”(funcionário de área operacional)

6.3.2.2.2 Razões para a adesão ao PDI

Um dos grandes motivadores para a adesão parece ter sido a proximidade daaposentadoria. Boa parte dessas pessoas já tinha direito à complementação deaposentaria integral ou mesmo proporcional oferecida pela fundação de seguridadesocial associada à empresa. Para esses, o desligamento teria sido um bom negócio.Assim, a proximidade da aposentadoria proporcional ou integral funcionaria com umestímulo à adesão, uma vez que garantiria alguma renda. Acresce-se, ainda, o própriocálculo do incentivo financeiro do plano77. Aqueles com maior tempo de empresatinham um incentivo proporcionalmente maior, o parece ter funcionado, por sua vez,como reforço à adesão:

77 O cálculo do incentivo financeiro embutia um multiplicador que aumentava conforme o número deanos trabalhados.

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“Ele ia receber acho que uns trezentos ou quatrocentos mil reais....para ele eraum negócio da China! Um negócio da China! ... tinha mais tempo de ServC ...tinha um salário altíssimo, estava com cinqüenta e dois anos ou cinqüenta e três... bastante próximo de fazer os cinqüenta e cinco, que era o que permitiria aaposentadoria...” (gerente de área administrativa)

Em alguns casos, esta aposentadoria ocorria ainda com a pessoa muito jovem, uma vezque uma legislação específica sobre insalubridade garantia uma aposentadoria especialcom apenas 25 anos de trabalho. Assim, alguns puderam se aposentar ainda bem jovens,a partir dos quarenta anos:

“Muita gente podia se aposentar. ... Eram agraciados, na época, pelaaposentadoria especial, 25 anos de trabalho. Como esse pessoal começa muitocedo, então o pessoal com 40, 42 anos, ou saía na proporcional, ou saía naintegral.” (gerente de área operacional)

A insegurança acerca do futuro parece ter sido, também, um forte motivador. Aderir aoplano garantiria, naquele momento, além dos benefícios previstos em lei, um incentivofinanceiro e social adicional. Como havia uma expectativa de reestruturação daempresa, com muitas atividades a serem terceirizadas, aqueles que se encontravam emfunções mais ameaçadas sentiram-se compelidos a desligar-se.

Em outros casos, o montante a ser recebido em dinheiro - somadas as verbas rescisóriase o incentivo financeiro - apresentou-se bastante atrativo, permitindo às pessoas desde aquitação de dívidas até a abertura de negócio próprio:

“Ao medo. Ao medo em boa parte e um pouco, evidentemente, a ver com algumdinheiro na mão e achar que aquele dinheiro tinha algum peso, porque estavasendo visto de uma vez só. Pessoas que nunca receberam aquela quantia de umavez só, de repente, terem aquilo e acharem que era alguma coisa.” (gerente deárea administrativa)

“Muitas pessoas acharam que podiam ser ‘patrão de mim mesmo’. Essa foi umacoisa muito forte para os que saíram”. (funcionária de área administrativa)

Em outros casos, pessoas que já tinham algum tipo de atividade paralela aproveitaram asituação para se desligar e continuar com sua atividade fora da empresa:

“Você tinha a faixa do grupo que sabia que não ia dar para eles na empresa.Porque até eram pessoas que tinham atividades fora. Elas perceberam que omelhor era pegar o que tinha, que era uma oportunidade e foram.” (gerente deárea administrativa)

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A adesão ocorreu, também, por uma recomendação direta ou indireta da chefia. Umgerente relatou ter enviado recado para seus funcionários mais fracos, pois, antecipandouma forte cobrança de trabalho e de resultados por parte da nova administração, sabiaque não teriam perfil para atender às novas demandas:

“No nosso caso, teve pessoas que eu mandei recado. Outras eu deipessoalmente, do tipo, ‘aproveite a chance e vai embora porque você não vaiespaço na nova empresa privada’, por causa de desempenho, por causa de garra,por causa de perfil... Uma boa parte foi porque achava que queira ir mesmo,devia ir. Pega um dinheiro, sempre se acena com algum dinheiro e algumaspessoas estão sempre precisando de dinheiro.” (gerente de área operacional)

Outro gerente, ainda, relatou que o medo da demissão era tamanho que mesmo pessoascompetentes desligaram-se da empresa:

“E, na ocasião, dos 12 funcionários, sete saíram na demissão incentivada. Ouseja, a divisão acabou. E não pensa que foram os funcionários, vamos dizerassim, os piores funcionários. A gente perdeu ali, na ocasião, três funcionáriosexcelentes. E exatamente por acharem que, de repente, poderiam sofrer algumasanção, acharam que seria a hora de procurar o mercado. E saíram.” (gerente deárea operacional)

Outro ainda, mais veemente, indicou ter a adesão involuntária criado um clima de terrordentro da empresa. Cada gerente havia recebido a ordem de diminuir seu quadro em dezporcento, o que teria forçado a recomendação de adesão aos piores funcionários.

“Porque o clima era esse mesmo. Era: ou você aceita o PDI agora, ou você vaiser demitido depois sem nada. Era uma opção, entre aspas, mas era entendidomais como uma coação. ... Bom, você pega o PDI agora, se você não [pegar]agora você vai ser demitido depois sem ganhar nada. Era assim que a coisafuncionava. Era esse o terror.” (funcionário de área operacional)

6.3.2.2.3 Razões para a não adesão ao PDI

O compromisso e o gosto pelo trabalho realizado, a esperança de uma empresa comnovos desafios, impedimentos de ordem familiar e financeira, tempo para adquirir osmínimos direitos à aposentadoria e, mesmo, o adiamento de sonhos de abrir umempreendimento próprio foram as principais razões apontadas pelos entrevistados para anão adesão.

Parte dos entrevistados indicou, ainda, o prazer pelo trabalho realizado como um dosfatores essenciais para a permanência na empresa:

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“Não estava dentro das minhas expectativas. Eu não tinha condições de sair daServC, não queria sair. Quando eu vim para cá, houve um investimento muitogrande em cima, não só de mim mas, também, do grupo em que a gentetrabalhava... A gente fazia aquilo com muito prazer, com muito gosto. ... Entãoem nenhum momento eu pensei em aderir. Eu falei, ‘O que eu vou fazer comtodo esse conhecimento que eu adquiri?’ ”(funcionário de área administrativa)

“Olha, eu estou com 53 anos, sempre trabalhei em ‘área osso’, estouacostumado com ‘osso’. Gosto do que eu faço, vou sair daqui, claramentefalando, chutado. A hora em que chegarem para mim e disserem ‘Olha eu não teagüento mais”. Aí, então, eu vou sair daqui. Chutado no bom sentido dapalavra, porque não vou me mumificar aqui e me planejo para sair, estouplanejando, estou preparado para isso. Mas não estou querendo e não pretendo,não. Acho que ainda tenho muita coisa para construir. Vou na hora que os carasdisserem: ‘Vai porque você já encheu’. Então aí eu vou.” (gerente de áreaoperacional)

Para outros, havia a expectativa de que a empresa privatizada ofereceria maioresoportunidades e desafios. Consideravam-se com o perfil adequado para o trabalho emuma empresa privada e não se viam ameaçados pela nova dinâmica de trabalho:

“Eu [aderir]? Nunca! Agora que eu achava que ia ficar bom. Eu, nunca. Nuncapassou isso pela minha cabeça. Eu achava que ia melhorar. ... Porque eu achavaque eu era bom. Continuo achando. Eu nasci para trabalhar em empresa privada,num ritmo forte. Se tiver que tomar decisão rápida, pressionado o tempo todo,eu tinha o perfil.... Porque o meu perfil é de empresa privada. Nada me magoouneste processo, eu fiquei completamente à margem do processo.” (gerente deárea administrativa)

Por ser a ServC uma empresa com tradição de serviços essenciais prestados àpopulação, empregados e gerentes tinham consciência da importância de sua atividade.O orgulho e a certeza da importância de seu trabalho transformaram-se em motivadorespara a permanência na empresa:

“E até porque a gente acreditava muito naquilo que a gente fazia e naorganização que a gente tinha. ... Para você ter uma idéia, nós acreditávamosque a pessoa que chegasse, os controladores que chegassem, teriam um respeitomuito grande, porque isso aqui é uma atividade complicadíssima... é umaatividade muito essencial, uma coisa fundamental. ... Nós acreditávamos ... queseríamos ouvidos.” (gerente de área operacional)

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Uma das considerações mais freqüentes referiu-se ao tempo para a aposentadoria.Normalmente, quanto mais tempo faltasse para a pessoa se aposentar, menos ela levariaem consideração a opção de adesão78.

“Não, não pensei em aderir ao plano. Eu estava bem colocada, permanecia como interesse em continuar na empresa. ... Eu não tinha tempo para aaposentadoria, nem na proporcional. Talvez se eu tivesse tempo para meaposentar proporcionalmente, eu teria saído. Mas como eu não tinha, meinteressou permanecer na empresa. Não fiquei preocupada.” (funcionária deárea administrativa)

Questões pessoais e de ordem familiar se apresentavam na hora de decidir pela adesão.Em um dos casos pesou o fato de o cônjuge trabalhar também para a ServC. A partir deuma análise da vulnerabilidade das respectivas funções, decidiram não aderir ao plano.

“Olha, na época em que foi colocado, não vou dizer para você que eu nãopensei. Mas foi um pensamento muito rápido. Eu pensei com uma preocupação,porque no meu caso particular, o meu marido também é da SerC. ... Trabalhanuma área que provavelmente será terceirizada a médio prazo.... Então, eufiquei muito preocupada, mas eu logo desisti porque eu pensei o seguinte: eletinha mais chances, exatamente pelo tipo de atividade que ele fazia, de serdispensado. E eu acho que pelo histórico de trabalho que eu tenho na ServC, eucom certeza não seria a pessoa a encabeçar qualquer lista de demissão. Um diavai chegar a minha vez, com certeza, mas eu acho que antes que eu vá, aindatem um bom número de pessoas para irem antes de mim. ” (gerente de áreaoperacional)

Um dos entrevistados relatou que uma discussão com a chefia quase o levou a aderir aoplano. Julgando, porém, que no futuro as coisas iriam se modificar, optou por ficar.

“No PDI eu pensei uma única vez. Eu discuti com o meu chefe dedepartamento. ... O meu chefe de departamento fez algumas coisas que meirritaram profundamente. Então teve uma hora que eu disse ‘Mas o que é queestou fazendo aqui? Vou sair agora. Saio, acabou, vou procurar outra coisa’.Então pensei até em sair. ..Quer saber de uma coisa? Não vou assinar não,porque ele vai sair. Ele vai sair, ele vai sair. ... Demorou oito meses, depois doPDI, mas ele foi mandado embora. Eu disse ‘Ainda bem que eu não saí’. Foi aúnica vez.” (gerente de área administrativa).

78 Segundo as regras vigentes para se ter direito à complementação integral pelo fundo de pensão, um dosrequisitos era que a pessoa tivesse pelo menos 55 anos de idade. A complementação proporcional seriaconcedida apenas a partir dos 50 anos de idade.

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6.3.2.2.4 Clima organizacional durante o PDI

O clima durante o plano foi de apreensão. Embora a adesão tivesse sido voluntária,muitos boatos circularam pela empresa e muita insegurança se fez presente. De formageral, a dúvida referiu-se a duas alternativas que se apresentavam: (a) manter o empregoe correr o risco de ser demitido posteriormente, sem nenhum incentivo financeiro ou (b)aderir ao plano, recebendo incentivos financeiros e sociais, mas ficar sem o emprego:

“Era voluntário, não era obrigatório. Por outro lado, ele achava que se elesaísse, aquilo ali não ia dar certo. Apesar de toda aquela conversa que foipassada, ele não estava a fim de se aposentar. Então ele ia ficar, mas ele tambémtinha medo de continuar e já estar na reta final e sair depois, perder aquelaoportunidade. Foi criado todo um clima que deixou as pessoas meiocomplicadas. Foi meio difícil.” ( funcionário de área administrativa)

“Na ocasião, o pessoal ficou muito preocupado, teve gente muito desolada,porque houve, assim, um boato de que a empresa mandaria pessoas embora.Quem não tinha, assim, um bom desempenho no trabalho, eles iriam aproveitara oportunidade, mas foi tudo boato.” (funcionário de área administrativa)

O clima de apreensão foi agravado, não apenas por rumores internos como também pornotícias veiculadas pela mídia:

“Essa fase de transição, porque o clima... não importava muito o que rolassedentro da empresa, também vinha o que estava por fora. A mídia, toda a mídiaescrita, falada... as projeções que eram feitas, a informação que chegava paratodo mundo e os boatos sempre foram, nessa época, piores do que estava....Então pessoal estava muito aflito. ... O índice de apavoramento foi umnegócio assim incrível.” (gerente de área operacional)

Em pesquisa realizada pela empresa, cerca de dois meses após o encerramento do plano,e divulgada por informativo interno, conforme Tabela 13, as opiniões dosremanescentes acerca das demissões podem indicar como ficou o clima durante o planoe apontar a percepção que dele ficou.

Segundo ainda o informativo, “na ServC sempre se teve consciência de que asdemissões iam acontecer. Por isso ela se preocupou um criar o PDI, para amenizar osseus efeitos e retribuir a contribuição das pessoas que foram desligadas”.

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TABELA 13RESULTADOS DA PESQUISA DE OPINIÃO SOBRE O PROGRAMA DE

DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO

90,7% dos pesquisados acham que o processo de redução de pessoal foitraumático

65,2% pensam que isso era necessário para fortalecer a empresa e que oincentivo à demissão amenizou o impacto

74,8% acham que os desligamentos foram feitos de forma fria e insensívelFonte: Comunicado interno da ServC

6.3.2.2.5 Papel do gerente no PDI

No contexto de insegurança vivenciado naquela época, muitos funcionários teriamprocurado conselhos com seus gerentes, tentando deles obter uma segurança deemprego. Cientes do potencial de seus empregados, limitados pela ética e incertos,também, de seu próprio futuro, dois gerentes informaram que procuraram sinalizar aosbons funcionários as possibilidades de crescimento e, aos demais, a pouca probabilidadede continuar na empresa:

“Eu procurei ser bastante honesto das coisas que estavam acontecendo. Essapessoas que eu achava que tinham o perfil, dentro da empresa, na nova empresa,vamos dizer assim, de chance grande de continuar e até de crescer, na minhamaneira de ver, eu colocava isso para eles. Eu só não colocava o seguinte: queeu não podia efetivamente garantir que eles permaneceriam. Mas, pelo que euconhecia deles, pelo que eu estava sentindo que era a postura da nova empresa,na minha ótica, eles tinham tudo para continuar. De qualquer jeito, essa decisãotinha que ser deles. Para os demais, para os que eu sabia que não teriamrealmente nenhuma chance em qualquer redução que se tivesse que fazer, pormenor que já fosse o quadro, eles com certeza não teriam chance de continuar,eu não falei isso para eles. Eu não sei se foi errado ou não. ... quando elesvinham comentar isso comigo, eu simplesmente colocava que a nova filosofiada empresa era isso, isso e isso e você tinha que fazer desse jeito e que cada umde nós tinha que decidir o que era melhor para nós. Quer dizer, eu demonstravaqual era a filosofia, tentando fazer com que eles próprios enxergassem que, derepente, naquele momento, para eles era melhor sair. Mas eu não falei isso emmomento algum. Eu tentei demonstrar sem falar e no momento em que elespediam ‘mas você me garante?’ Não, não posso garantir. Não sei nem se euestou garantido.” (gerente de área operacional)

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“Onde eu gerenciava a colocação que nós tivemos, eu e meus gerentes, foi essa:‘Vamos ser sinceros com as pessoas’. Porque existe a possibilidade de ir e nãoir. E não indo com isso [incentivos financeiros e sociais], pode ir sem issoamanhã. Então vamos passar isso para a pessoa, sobre o posicionamento dela.Pelo menos dentro da nossa expectativa. ‘Eu acho que você pode optar, entre irou ficar, você tem chance aqui, tá nos planos.’ Para outros você diz: ‘Olha nonovo modelo, eu acho que talvez, se eu fosse você, optaria por sair agora ’.”(gerente de área operacional)

Outro, por sua vez, entendeu o seu papel apenas como o de ouvinte, evitando qualquertipo de sinalização quanto à probabilidade de permanecer ou não na empresa:

“Eu não vejo nenhum motivo para bloquear [a saída] se a pessoa estava sesentindo ameaçada, ou achando que era um bom negócio. Até porque eu nãopodia garantir para nenhuma delas nada. ... Eu não podia passar essa decisão,tomar essa decisão pelos outros. O máximo que eu podia fazer era conversarcom as pessoas.” (gerente de área administrativa)

Outro, ainda, relatou a dificuldade de inibir a adesão de funcionários que a empresaconsiderava importantes. Como nada poderia garantir a permanência no emprego dessaspessoas, sentiu que bloquear sua saída seria uma atitude complicada:

“A prerrogativa de não deixar aderir...é muito complicado numa hora dessas,porque quando uma pessoa, um bom empregado, diz que quer sair, que queraproveitar aquele dinheiro, é muito complicado você chegar para ele... Você nãopode garantir nada. Não podia nem garantir o meu cargo. ... Perdi alguns [bonsfuncionários], mas foram poucos. Eu posso dizer que a grande maioria era depessoal mediano para baixo.” (gerente de área operacional)

6.3.2.2.6 Comunicação do PDI

O plano foi amplamente comunicado, tanto por informativo interno, quanto por cartapessoal, recebida por todos, com os valores e benefícios a que teriam direito casoaderissem. Tinham, portanto, os funcionários, todas as informações necessárias para adecisão. A empresa colocou telefones internos à disposição para o esclarecimento dedúvidas:

“Nos passaram a informação com um comunicado interno.... Aí nessecomunicado vinha explicando que a gente ia receber um contracheque no qual agente ficava sabendo antecipadamente quanto tinha direito. Ele vinha em viadupla. ... E ali vinha tudo escrito bonitinho, quanto você tinha para receber e foiassim que foi notificado.” (funcionário de área operacional)

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O prazo para a adesão de uma semana foi considerado por alguns um tempo muitopequeno, uma vez que envolvia decisões que modificavam radicalmente suas vidas.

6.3.2.2.7 Críticas e elogios ao PDI

As ações empresariais podem ter os mais diversos julgamentos e, no caso dos planos deredução de pessoal, as interpretações foram, também, diversas. As percepções sobre oplano diferiram conforme a abordagem de análise da situação.

Uma das críticas relatadas referiu-se ao pouco tempo que a nova direção tivera paraelaborar o plano. Segundo um dos depoimentos, passados apenas dois ou três meses daprivatização, a nova direção não teria tido tempo suficiente para conhecer a empresa eseus empregados. A prova desse erro seria o fato de que pessoas aderiram ao plano etiveram que ser recontratadas depois:

“Privatizou em maio. Aí foi aquele período angustiante, ninguém sabia, todomundo desnorteado, porque eles efetivamente só chegaram em julho, agosto,por aí... E quando foi em outubro é que foi o PDI. O período que eles chegaram,de julho até outubro, foram três meses... Eu acho que poderia ter um tempomaior, até para eles conhecerem um pouco mais, porque na maneira como foifeito....aderiram ao PDI funcionários que fizeram falta depois,. ... tanto assimque estão recontratados.” (funcionário de área operacional)

Talvez a crítica mais contundente, no entanto, tenha se referido aos critérios para aseleção das pessoas a serem incluídas nas listagens de computador. Para um dosgerentes, a listagem, ao invés de gerar cartas aos funcionários, deveria ter servido comoinstrumento de decisão do superintendente. Na mesma linha, outro gerente indicou quegostaria de ter escolhido as pessoas com base em desempenho e garra, por serem estesos valores da organização:

“Eu diria que estamos sendo tratados como números... Tudo bem, tira umalistagem, manda para o superintendente, o superintendente analisa, chama aspessoas e analisa. Chega no chão de fábrica, analisa e vê: fulano vai, fulano nãovai, fulano vai, fulano não vai. Ia demorar o quê? Três ou quatro dias a mais? Oque se perdeu? Nada. Mas agora a gente perdeu um funcionário que eraimportante no processo, porque mandou duas vezes a mesma carta para ele.”(gerente de área operacional)

“O ideal era a empresa chegar para mim: ‘tem que ser feito um plano’. Aí eupergunto: ‘o que você quer reduzir? O que a empresa pretende?’ ‘Eu pretendoquinze porcento’. ‘Então deixa, eu vou botar a lupa aqui nos meus gerentes evou tirar pessoas independentemente do tempo de casa’....Interessa

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desempenho, interessa garra enfim. São os princípios e valores que a gentetem.” (gerente de área operacional)

Outro ponto criticado referiu-se ao preparo de substitutos, principalmente daquelescargos mais críticos para a organização. Não teria havido uma preocupação em prepararpessoas para assumir o trabalho daqueles que se desligaram. Essa questão foi ainda maiscrucial no caso dos planos voluntários, pois pessoas importantes aderiram, sem que paraelas houvesse substitutos:

“A gente não é uma padaria, a gente não é um botequim que você tira qualquerpessoa que trabalha lá, bota uma plaqueta na porta e amanhã tem fila. Qualquerum que você pegar ali vai fazer, pode não fazer na mesma qualidade, mas vaifazer. O nosso não, tem área que a gente treina um técnico quatro ou cinco anos.Tem área nossa, que para o engenheiro pegar, para começar a fazer aquilo, elepassa por uma experiência de cinco anos. ...Então, se você faz um programacom vendas nos olhos, sem conhecer o campo e causando uma certainsegurança, vai aderir ao programa quem não devia aderir, quando o programaé voluntário.” (gerente de área administrativa)

“Porque existem funcionários operacionais e existem funcionários que têminfluência, não vou dizer que tenham influência na decisão, mas têm peso. Sãofuncionários que trabalham com a cabeça. E para esses funcionários, eu achoque devia ser feito um tratamento, deixar por algum tempo... para absorver oserviço. Por exemplo, nesse mês, agora mesmo, recente, saiu um funcionário láque trata de todo o trâmite de processos de compra de diversos componentes eespecificação de equipamentos...Não deixou outro funcionário trabalhando comele para poder pegar a bagagem e dar continuidade. Abruptamente cortou.”(funcionário de área operacional)

Dentro da perspectiva de redução da idade média do quadro de funcionários, os relatosapontam para uma percepção de legitimidade do plano, pois ter-se-ia que daroportunidade a pessoas mais novas do mercado de trabalho:

“Porque, se você já está prestes a uma aposentadoria, é porque você já estárealmente com uma idade de começar a pensar em descansar um pouco. Cuidarde netos e, também, dar a vez. Eu penso assim, se você está com tempo para seaposentar, você tem que sair para dar a vez para os mais novos trabalharem.”(funcionário de área administrativa)

“Eu acho o seguinte: a vida está difícil, o mercado está cheio de gente novaquerendo trabalhar. Tem uma legislação dizendo que a pessoa se aposenta comaquele tempo... o ser humano não pode pensar só nele não. Então tem que seaposentar. ... E as pessoas que estão lá fora, que não conseguem emprego com22, 23 anos? Algum jeito tem que dar nisso aí.” (gerente de área administrativa)

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No que se referiu à demissão sumária de alguns empregados, os depoimentos obtidosapontaram para o consenso de justiça. Foram vistas como merecidas e justas e deveriamter sido realizadas há mais tempo. Apenas não o foram por razões políticas e por causada cultura de não desligamento da época de estatal.

“Essas pessoas [desligadas], o pessoal quando se reunia para um chope dizia:‘Alguém passou as informações...’ Porque era de uma justiça quase que total,era uma unanimidade [que mereciam ser demitidas].” (gerente de áreaoperacional)

A sucessiva implementação de planos tornou-se um fato inquietante para aqueles que seaproximavam da idade de se aposentar. O recebimento das cartas gerava umdesconforto em todos. Alguns, entretanto, consideraram receber “cartinha a toda hora”ser algo desrespeitoso para com o empregado. Para um dos entrevistados, os valores deaposentadoria informados na carta simbolizariam o valor que ele representaria para acompanhia:

“Bem o que estou valendo? Eu estou com 28 anos de empresa praticamente, nãosou sócio fundador da Fundação, então por isso eu pago menos. Emcontrapartida, vou receber menos, lógico. Eu estava valendo na época, nessaépoca, aí em junho, mil reais de INSS, não saía com mil e duzentos. Mais mil epouquinho da Fundação. Então eu estava valendo dois mil reais. Guardei, está láem casa guardadinho. ....É lógico que isso não diminui em nada o meu ritmo.Até pelo tempo que eu estou nisso, pelo tanto que eu trabalho, eu não vougostar, meu ritmo, eu não diminuo. ... Você olha assim para a empresa com umacerta... Caramba! Está faltando respeito aí pela coisa.” (gerente de áreaoperacional)

De forma geral, entretanto, parece ter havido um entendimento de que a empresarespeitava os empregados e procurava ampará-los dentro do que era possível. Além deserem negociados com o sindicato, os planos procuraram evitar demissões, reduzindo oquadro através do desligamento de pessoas aposentáveis e, sempre, oferecendo algoalém dos direitos previstos em lei:

“Em nenhum momento, isso é um ponto que eu acho importante na ServC. Emnenhum momento ela faz as coisas para prejudicar ninguém. Ela não soltaninguém assim sem ter uma coisa direcionada. No primeiro plano ... fizemosum trabalho grande com o Sebrae. Proporcionando condições de fazer um cursopara pessoas que queriam se realocar no mercado de trabalho, para abrir o seupróprio negócio. E a ServC fez um trabalho interessante com eles, para ajudar.Hoje quando ela faz esses planos, ela não faz nada assim da pessoa sair e ‘bum’,acabou. Ela sempre dá alguma coisa .. E as pessoas não têm, eu acho que nãotêm, motivo para reclamar; eu acho que não têm.” (funcionário de áreaadministrativa)

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“Olha, eu achei um plano bom. Eu não sei se foi um dos melhores, mas foi umplano bom. Para quem estava próximo da aposentadoria, eu acho que foi umprêmio, eu diria que foi um prêmio.... Então eu acho que, em termos de plano,foi bom.” (funcionário de área administrativa)

6.3.2.2.8 Funcionários que saíram no PDI

Os relatos sobre a situação das pessoas que se desligaram versaram, via de regra, sobreo insucesso na abertura de novos negócios. A experiência de colegas que saíram daempresa, iniciaram seu próprios negócios e, depois, fracassaram, assustou aqueles queficaram:

“O dinheiro foi bom. O dinheiro do PDI foi bom. ... Ele saiu, comprou uma van.Acabou, torrou a van, perdeu. Está trabalhando em enterro. O que a gentepercebe, também, é isso, a gente fica impressionado de ver, se metem em coisasque muitas vezes não dão certo.” (funcionário de área operacional)

“Outro dia eu encontrei o Marcos. Ele abriu uma casa lotérica ... Está bem, estásatisfeito. O que ele está ganhando está dando para ele viver, manter as criançasna escola, está se dando bem. Mas, de modo geral, isso não acontecia. De ummodo geral, as pessoas se deram mal por falta deste preparo.” (funcionário deárea operacional)

Reconhecia-se que a própria cultura pregressa da empresa, pautada por relaçõeshierárquicas e políticas, não havia estimulado o lado empreendedor de seusfuncionários.

“Então não se via no grupo espírito empreendedor, o indivíduo voltado parachegar e se estabelecer. ... Muita gente achava que podia abrir um restaurante,um negócio de pãozinho de queijo, uma coisinha disso e daquilo lá. Muitoscolegas nossos abriram e fecharam.” (gerente de área administrativa)

6.3.2.3 Outros planos de desligamento

A partir de 1996, novos planos de redução de pessoal foram implementados, todosincentivando o desligamento daqueles que já tinham condições de adquiriraposentadoria parcial ou integral.

Essa freqüência de implementação de planos gerou nos empregados um desconfortocom a proximidade da aposentadoria. A partir de critérios estabelecidos, emitia-se umalistagem de computador com o nome das pessoas que poderiam aderir aos planos.

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“Daqui a pouco sou eu, eu não tenho dúvidas. Daqui a pouco sou eu. Tem váriaspessoas aí assim: ‘Quando é que é o próximo plano? Quando chega a minhacarta? Ou não vai ter carta? ....Eu diria que estamos sendo tratados comonúmeros. O computador lê lá, emite cartas para quem tem 55 anos.” (gerente deárea operacional)

No caso do último plano lançado pela empresa e acompanhado por este trabalho, umacaracterística diferente se apresentou: a adesão ao plano foi compulsória. Se antes aaposentadoria era opcional e o programa tinha o caráter de um incentivo, neste caso, nãohavia escolha: o desligamento era obrigatório, o que muito assustou funcionários egerentes. Os primeiros, obviamente, pela obrigatoriedade de terminar um longo períodode relacionamento com a empresa; os últimos, por perderem, em alguns casos, uma mãode obra considerada importante. Essa questão, aliás, foi de certa forma contornada porum mecanismo de troca. Os gerentes podiam reter 20% dessas pessoas listadas desdeque oferecessem outras em troca. Este procedimento parece ter grande desconforto nãoapenas à gerência mas, também, àqueles escolhidos para ficar, pois sabiam que outrosestava indo em seu lugar: “Como é que você se vê sendo trocado por outro? Mal, mal.”(gerente de área operacional)

6.4 Após a Privatização: Conseqüências do Programa deRedução de Pessoal

Uma privatização, seguida de redução de cerca de 35% da força de trabalho, não se fazsem conseqüências para a empresa e para todos que nela permaneceram. As principaisefeitos de toda essa mudança puderam ser sentidos através das novas práticasempresariais, da nova forma de trabalhar, da alteração do contrato psicológico, e daexpectativa que as pessoas tinham do futuro.

6.4.1 Nova forma de trabalhar

As demandas de rentabilidade por parte dos acionistas, a necessidade de atendimentocom qualidade aos clientes, as exigências de órgãos reguladores, a reestruturaçãoorganizacional com significativa redução de pessoal e o investimento em novosequipamentos e tecnologias teriam demandado da empresa um dinamismo refletidosobre os empregados através de forte cobrança de resultados, aumento da carga detrabalho, adaptação a novas ferramentas de trabalho e cobrança de multifuncionalidade.

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6.4.1.1 Alteração na quantidade de trabalho

Uma das conseqüências mais evidentes encontrou-se no aumento da carga de trabalho.Em alguns setores, o contingente seria, já antes da redução de pessoal, insuficiente paraa carga de trabalho. Com a adesão de pessoas ao plano de desligamento incentivado,essa situação ter-se-ia agravado ainda mais:

“Porque a gente já tinha um quadro, até um quadro bastante defasado para asatribuições que a gente tem. As pessoas já cantavam, assobiavam e chupavamcana. E tiveram que passar a escovar os dentes juntos. Quer dizer, então,realmente, está sendo bastante complicado.” (gerente de área operacional)

As novas exigências organizacionais, a reestruturação da organização e a dinamizaçãoda própria atividade teriam gerado, por conseqüência, o acúmulo de serviço. Afacilidade de comunicação por correio eletrônico também teria ocasionado uma cargaextra de dedicação. Longas horas de trabalho passaram a ser comuns para alguns setorese também para o nível gerencial:

“Aqui eu recebo em média 20 a 30 e-mails por dia. Quando eu dou conta, temmais de 100, tem 160 para eu poder abrir. É uma loucura você colocar aquiloem dia. Aí o que acontece? Tenho que vir sábado para ficar abrindo e dandoprosseguimento aos assuntos.” (funcionário de área operacional)

“Na parte de escritório você tem muita, mas muita gente trabalhando aqui até àsnove horas da noite, dez horas da noite. Dias afim, sem qualquer tipo de coisa.Se te ligam e não te encontram, acham que é estranho. ‘Como não está? Oitohoras da noite e já foi embora?’ Então tem esse tipo de coisa, que é umamudança muito grande.” (gerente de área administrativa)

“Isso permanece até hoje. Isso levou a um aumento de carga de trabalhoenorme, muito grande. Ninguém consegue trabalhar oito horas. Quando eu digoninguém, são os gerentes, não é o pessoal operacional. O pessoal operacionalvai e trabalha se precisar, eles ganham a hora extra deles. ...O grupo de gerentesestá muito sobrecarregado, bastante sobrecarregado.” (funcionário de áreaoperacional)

As conseqüências do aumento na carga de trabalho fizeram-se sentir na esfera dotrabalho e em outras áreas da vida pessoal. Segundo o depoimento de alguns, a vidaparticular, principalmente a familiar, foi afetada pela nova dinâmica da empresa:

“A gente trabalha o normal nosso para conseguir dar conta de muitas coisas etrabalha muito além do horário e isso prejudica o outro lado. Profissionalmentea gente se dá bastante, mas se você for olhar, está todo mundo deixando de ladouma série de coisas pessoais. Então, hoje pelo menos, por enquanto, as pessoas

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ainda estão colocando o trabalho como uma coisa importante. Então, estão sededicando a isso, mas deixando outras coisas de lado.” (gerente de áreaoperacional)

Algumas medidas buscaram equilibrar a maior demanda de trabalho com a drásticaredução de pessoal. As principais ações organizacionais foram a contratação de serviçosde terceiros e a implantação de ferramentas de informática. A tecnologia de microinformática, aliada a softwares modernos foi a ferramenta que permitiu, internamente, aracionalização das atividades não terceirizadas. Segundo um dos depoimentos, tamanhofoi o aumento de produtividade que a ausência da grande massa de desligados quase nãose fez sentir. Além disso, em alguns casos, antigos funcionários foram contratadostemporariamente:

“Uma coisa interessante é o seguinte: como é que a ServC perdeu 6.000funcionários, 5.000 em um ano e continuou trabalhando? A gente entrou comprocesso de terceirização muito pesado.” (gerente de área operacional)

“Então hoje uma ferramenta tipo Notes substitui uma secretária. Só o Notes. Eununca mais fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisa foi racionalizadapor conta da tecnologia.... Tinha um trabalho muito grande aqui. Precisava detodas as pessoas mesmo. Só que, agora, você tem tudo ali, não precisa de muitagente mesmo. Você migra um arquivo do grande porte, trabalha numa planilha.Antes você tinha que trazer em papel, digitar. É um negócio complicado. Euacho que a tecnologia foi realmente... Tecnologia, uma gerência, umaredefinição das tarefas, eu acho que foi fundamental para esses 4.000 ficaremquase que imperceptíveis.” (funcionário de área administrativa)

A ação gerencial foi considerada, também, como fator alavancador de motivação eprodutividade:

“Como é que você continua? Gerenciando melhor. Eu diria que gerenciandomelhor, distribuindo melhor as tarefas, premiando. Tem formas de vocêincentivar o empregado e fazer com que ele se supere. Claro, tem um limite.”(funcionário de área administrativa)

“Ele tem que entender que o tempo dele vai mais ocupado com o trabalho emenos, talvez, no telefone, menos no almoço. Mas o gerente é que tem queprovocar isso no empregado. Ele tem que ter essa capacidade de provocar isso,sem ameaça. Tem que ser sem ameaça, porque aí não há confiança.” (gerente deárea administrativa)

Do ponto de vista individual, uma das estratégias mais freqüentemente citadas para lidarcom o aumento de tarefas foi rever o próprio processo de trabalho. Assim, funcionários

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que assumiram a carga de duas ou três pessoas viram-se forçados a reavaliar osprocedimentos e a buscar formas de racionalizar suas atividades:

“A gente vive assim meio que sufocado de tanto trabalho. Mas por outro lado,isso não é tão ruim porque fez com que algumas pessoas começassem a pensarem determinadas coisas que eram feitas. Numa empresa grande com nfuncionários alocados a um órgão, você tinha um funcionário só para arquivar,outro só para desarquivar, um para fazer o documento, outro para conferir odocumento. Então, você imagina quantas pessoas não tinha. Então, é lógico,aquilo era fácil. Hoje, o que aconteceu? Saíram essas pessoas, reduzimos oquadro e aí as pessoas começaram a repensar aquelas atividades que eram feitas,o que gerou uma série de transformações dentro dos órgãos”. (funcionário deárea administrativa)

6.4.1.2 Multifuncionalidade

Era característica do trabalho na estatal, segundo percepção dos pesquisados, a extremadivisão do trabalho, com funcionários especializados em tarefas de escopo restrito. Umanova mentalidade, centrada no aumento de produtividade e na ampliação de tarefas eresponsabilidade, apoiadas por ferramental de informática, teria feito com que funçõesde escritório se tornassem desnecessárias ou, pelo menos, muito menos importantes.Assim, a multifuncionalidade teria afetado a base operacional e a camada gerencial, quese viu diante da necessidade de escrever cartas, atender telefone e agendar reuniões.

“Por exemplo, aqui neste andar cada gerente tinha uma secretária. Para quê?Para atender o telefone, passar a ligação, agendar a reunião, datilografar umacarta. Hoje, a gente está com a Maria para quatro gerentes. Por quê? Porquevocê agenda a sua reunião no Notes, não existe mais correspondência interna. Opróprio gerente vai no Notes e manda para lá, manda para cá e tal e resolve asituação toda ali. Não tem carta, carbono. Naquele tempo tinha. Quando euentrei lá ainda tinha papel de seda e tinha um salão de secretárias para fazercarta. Um pool de secretárias. Hoje não tem mais isso.” (gerente de áreaoperacional)

6.4.1.3 Comprometimento

Se a cobrança, por parte da empresa, tornou-se mais forte, os entrevistados perceberamque, do lado do empregado, houve mais empenho no cumprimento das metasestabelecidas. Duas linhas de interpretação se apresentaram. Na primeira delas, supõe-seter havido da parte do empregado a conscientização de que o sucesso da empresadependeria do empenho de cada um:

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“Eu vi muitas pessoas que não eram comprometidas, hoje estaremcomprometidas. Isso já vem acontecendo, esse tipo de mudança. ...Hoje você vêas pessoas completamente comprometidas e na minha equipe aqui, eu acho quesó dá para trabalhar se estiver comprometido.” (gerente de área administrativa)

Na segunda linha de interpretação, sugeriu-se que o maior comprometimento derivariado medo de ser mandado embora. Estando em uma nova cultura na qual a demissãopassara a ser um fato possível, o empregado se esforçaria para não dar razões para o seudesligamento:

“Eles estão trabalhando mais, se comprometendo mais. ... Porque acho que apartir do momento que você trabalhar menos e produzir menos, a empresa nãovai querer contar mais com você no quadro. Ela precisa de um quadro depessoas que estejam aptas, que estejam produzindo. Não de pessoas que nãoestejam produzindo. Se você não quer produzir, você fica em casa.”(funcionário de área administrativa)

“Todos os níveis [estão comprometidos], mas eu diria mais no níveloperacional. O empregado faltava, pegava uma licença, arranjada ou compradaou falsa, sei lá, ficava em casa fazendo um bico, complementando o salário.Constatado várias vezes.... Agora isso acabou, pelo menos diminuiu.Empregados que usavam doenças, tipo psicológicas, estresse e depressão, eraum negócio muito alto. Hoje tem, mas foi feita uma auditoria médica quereduziu em 98% os problemas graves de licença. ... A gente nota emdeterminados trabalhos que foram feitos, que havia um certo abuso. Essaspessoas hoje, com certeza, devem estar com medo.” (funcionário de áreaadministrativa)

6.4.1.4 Dificuldade de adaptação às novas exigências

A nova situação teria imposto aos empregados uma necessidade de adaptação que nemtodos estavam preparados para acompanhar. Em algumas situações, o novo ritmo daempresa, a cobrança por maior produtividade, a necessidade de resultados rápidos nãoteriam encontrado respostas naqueles funcionários com hábitos formados ao longo deanos de trabalho na estatal:

“Você dá tarefas e dá prazos e mostra na realidade o que você espera comaquela tarefa, a importância da tarefa, e a pessoa faz naquele ritmo que fazia hácinco ou seis anos atrás, sem se preocupar. E outras, que você mostra e diz:‘Olha eu preciso disto para amanhã’ , e a pessoa antes do final do dia já está lheentregando, preocupada se é exatamente aquilo, se precisa ainda fazer algumaalteração.” (gerente de área operacional)

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“Então, isso mudou realmente. Hoje as pessoas, o nível de produtividade éoutro, o nível de cobrança é outro. A gente está, cada vez mais, trabalhando commetas mais explícitas, quantificadas, cobradas e com responsabilidade...Algumas pessoas estão entendendo, outras, sinceramente falando, muitas daspessoas ficaram atrofiadas pela empresa, por anos de estatal, não têm maiscondição de resposta.” (gerente de área operacional)

Em outras situações, a dificuldade se relacionaria à adoção de novas tecnologias. Paraalguns funcionários, computadores e ferramentas de informática transformaram-se emempecilho à realização das atividades. Alguns gerentes teriam sido obrigados a realizarremanejamentos internos em suas áreas de forma a suprir a carência de mão de obramais qualificada e a não dispensar aqueles com maiores dificuldades:

“A gente está com o SAP em RH. Quem vai fazer Recursos Humanos é opessoal daqui. ... O Recursos Humanos enxugou e aí jogou a responsabilidadepara cá e a gente teve que pegar pessoal aqui e treinar. Por exemplo, o Sr. Almirestá com cinqüenta e poucos anos e não tem condições de eu treinar o Sr. Almirpara fazer este tipo de serviço. Então a gente bota ele para fazer outro tipo deserviço. E aí a gente tem que substituir o que era e não se adaptou por um garotonovo que já nasce com esse processo. É duro. A privatização pegou aí o pessoalrealmente...” (gerente de área operacional)

Mesmo os funcionários mais capacitados apresentaram sua parcela de resistência. Naausência de secretárias e contínuos, empregados mais graduados, teriam reagido ànecessidade de executar tarefas de arquivamento, por considerá-las uma atividademenor:

“Hoje, quando você diz para um engenheiro que ele tem que arquivar a cartaque ele recebeu do cliente, ele fala assim: ‘Mas eu arquivar! Eu souengenheiro!’ Como se dissesse assim: “Que absurdo, eu, engenheiro,arquivando papel...’ Então isso não é uma coisa ainda... À medida em que elevai vendo que não tem ninguém para fazer, ele acaba fazendo.” (funcionário deárea administrativa)

Houve um reconhecimento de que a mudança viria apenas com o tempo. Ainformatização de uma série de atividades, a descentralização de outras, como a deRecursos Humanos, por exemplo, e a exigência de maior produtividade teriam passadoa exercer pressão para a adaptação ao novo conteúdo e contexto de trabalho:

“As pessoas ainda não têm aquela cultura de eliminação de papel. A gente tem nrecursos, nós temos modem, temos intranet, mas as pessoas continuam enviandopapéis por via de remessa.... Isso aí vai levar um tempo ainda para corrigir.Também não vamos querer em tão pouco tempo resolver todas essas coisas...”(funcionário de área administrativa)

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6.4.1.5 Mais facilidade para se trabalhar

A facilidade de trabalhar não se referiu apenas à agilidade nas decisões e na autonomiapara o trabalho. Incluiu, igualmente, uma nova mentalidade e postura com relação apráticas e conceitos mais modernos de administração, como, por exemplo, o daqualidade.

Segundo o relato de uma funcionária que, em época de estatal, trabalhava em um grupopara a implantação dos conceitos ligados à qualidade, a cultura da empresa estaria, apósa privatização, mais propícia ao discurso e à aceitação destes programas:

“Mudei de área, vim trabalhar na área comercial. Hoje estou aqui fazendo omesmo trabalho que um dia eu esperei poder fazer, com muito mais facilidade.Hoje, na empresa privada, a gente consegue com muito mais facilidade, atéporque, hoje, a cultura é essa... a cultura de qualidade tem que estar embutidaem você.” (funcionário de área administrativa)

6.4.1.6 Procura pelo autodesenvolvimento

As principais motivações para a procura pelo auto desenvolvimento deviam-se,conforme os depoimentos, à percepção de defasagem no conhecimento, à preocupaçãocom a empregabilidade, à comparação com outros profissionais e mesmo à preocupaçãocom a implantação de um novo plano de cargos e salários.

Durante o período de empresa estatal, boa parte dos funcionários administrativos tinhaapenas o segundo grau e não se interessava em continuar a estudar. Com uma certaestabilidade assegurada e sem pressão por parte da empresa para a atualização, nãohavia estímulo para o investimento no desenvolvimento próprio:

“Classificando os administrativos, você verifica a maior parte terminou osegundo grau e parava. Cursos? Aqueles que a ServC passava, oferecia aosempregados. Mas aquele desenvolvimento por si só, de você mesmo procurarmelhorar e ter novos conhecimentos, isso é um pouquinho difícil de vocêverificar a disponibilidade do próprio empregado, a não ser que a ServC mesmooferecesse o curso.” (funcionário de área administrativa)

Por atuarem em empresa estatal, limitada nas contratações de novos funcionários eserviços, os empregados da ServC tinham uma exposição limitada a novas metodologiase tecnologias de trabalho. Após a privatização, no âmbito do trabalho administrativo,por ter havido forte investimento em sistemas de informática, integrando váriosprocessos da empresa, aqueles que não sabiam lidar com esta tecnologia, encontraramdificuldades em realizar seu trabalho. Teria se gerado, assim, necessidade e motivaçãopara o aprendizado dessas ferramentas:

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“Então, com essa informatização, com esses novos programas que a empresavem comprando e vem colocando em prática, quer dizer, o trabalho que se fazia,não se pode fazer ... está tudo voltado para a informática. Então as pessoas sepreocupam: ‘Se eu sair daqui, se a empresa não precisar mais dos meusserviços, o que eu vou fazer no mercado de trabalho aí fora’? Essa é a grandepreocupação.” (funcionário de área administrativa)

Paralelamente, a empresa estava estudando um novo plano de cargos e salários, que era,à época da pesquisa, ainda desconhecido das pessoas. Havia uma preocupação quantoao enquadramento da própria qualificação nesse plano. A qualificação e o preparoindividual eram também fatores de preocupação no caso de eventual desligamento daempresa. Havia consciência de que, no mercado altamente ofertante de mão de obra, aabsorção de pessoas com apenas primeiro grau e segundo grau seria mais difícil:

“A ServC está para colocar em prática um plano de cargos e salários....querdizer, a gente não sabe ainda como está esse plano. Só determinadas pessoastêm acesso. ... Então, as pessoas também estão se preocupando: ‘Como está esseplano? Será que, de acordo com a nova ... a minha escolaridade vai se adequar?’Então, é uma visão preocupante.” (funcionário de área administrativa)

Além disso, com a contratação de novos profissionais e de consultorias, surgiramoportunidades de comparação da própria qualificação com a de pessoas vindas de fora ede aprendizado de novas técnicas e metodologias:

“Hoje o empregado corre atrás. Está mais atento também a quem está entrando.Aqueles que entram são parâmetro de comparação e de estímulo. Pode serameaçador também e mobiliza a pessoa a buscar um espaço, acorda a pessoapara o momento que está vivendo.” (funcionário de área administrativa)

“Então, eu tenho tido um crescimento. Eu acho que, de certa forma, eu tenhoaprendido muita coisa e tenho tido de ter um contato diferente, novo, pois aServC tem trabalhado muito com consultoria, ...é interessante conhecer essasmetodologias, esse trabalho dessas pessoas. Eu tenho tido um crescimentoprofissional com isso.” (funcionário de área administrativa)

As principais estratégias dos funcionários para melhorar sua qualificação foram,segundo os relatos, a procura por cursos oferecidos pela empresa, a troca deconhecimento com os colegas e a contratação, por conta própria, de professores e decursos:

“Esses que estão mais conscientes, e sentem essa mudança, você sente tambémque eles estão mais ávidos por aprender e crescer e se instruir. Fazer cursos e talpara desenvolver mais o seu potencial, ter um currículo melhor. Isso eu sinto.As pessoas vêm conversar nesse sentido: ‘será que eu vou ter chance de fazer

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um curso assim e assim? Eu quero fazer desse jeito, mas não consigo, porexemplo, fazer um gráfico maravilhoso, porque eu não tenho muitoconhecimento de Excel, o que eu sei, eu aprendi sozinho’. E não é só buscandocurso no sentido de diploma só, não. No sentido, também, de procurar o colegaque tem aquele conhecimento para tentar trocar e isso eu sinto muito aquitambém.” (gerente de área operacional)

“Atualmente até, eu tinha formado uma turma para a gente colocar o nossoinglês em prática. ... Arrumamos uma professora e contratamos com ela. Noprimeiro dia, a turma estava toda presente.... No segundo dia de aula, cada umtinha um problema: um com problema financeiro,... outro falou, ‘eu tambémestou com probleminha, fulano vai entrar de férias’... Aí finalizou que eu fiqueisozinha no curso.” (funcionário de área administrativa)

6.4.1.7 Consciência da situação do mercado de trabalho

As questões relativas ao mercado de trabalho faziam parte das preocupações dosempregados da ServC. Diferentemente da situação tranqüila de estatal, monitoravam oambiente e estavam conscientes das dificuldades de recolocação e do desempregoexistente no país.

As disponibilidades para a recolocação profissional diferiam, entretanto, segundo aqualificação e área de atuação do funcionário. Para algumas funções muitos específicasligadas à atividade da empresa, o mercado de trabalho apresentava-se mais restrito. Omesmo acontecia para as funções administrativas, já que, neste caso, a informatização ea racionalização de procedimentos permitira às empresas a dispensa de muitosempregados da área.

Para aquelas funções técnicas de segundo grau mais genéricas, havia uma grandedemanda por mão de obra qualificada em função das várias privatizações no setor emesmo da expansão de outros setores de serviço:

“O desemprego hoje está muito grande, então as pessoas acabam secomprometendo e vestindo até mais a camisa, não só pela empresa em si, maspelo fato de que sabe que, se perder esse emprego, o mercado está muito difícil.Por mais talentoso que você seja, não é só no seu talento que você tem queacreditar para sair daqui e conseguir uma coisa lá fora. Você até pode conseguir,mas aí o fator sorte também tem que estar muito agregado ao seu talento.”(gerente de área operacional)

Por outro lado, com a desregulamentação do setor, algumas profissões começaram aficar mais valorizadas no mercado. Segundo depoimento de um gerente da área deRecursos Humanos, os concorrentes poderiam tirar pessoas da ServC:

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“Então já é uma categoria com mercado bastante dinâmico. A gente tem tomarcuidado com as investidas dos concorrentes que desejam tirar pessoas daqui.Então, engenheiros, da mesma forma. Evidentemente que o engenheiroespecializado tem um mercado mais restrito. Na medida em que as empresasvão sendo privatizadas, fica muito mais dinâmico esse mercado.”

6.4.2 Novas práticas organizacionais

As principais mudanças relatadas pelos funcionários referiram-se à cobrança deresultados, ao investimento realizado em novas tecnologias e equipamentos e àpreocupação com o desenvolvimento de pessoal.

6.4.2.1 Cobrança de resultados

A cobrança de resultados se fez presente em grande parcela dos depoimentos coletados.Os funcionários sentiram grande modificação na exigência da qualidade e rapidez comque resultados deveriam ser entregues.

Para um dos entrevistados, não haveria mais lugar para justificativas e desculpas paratrabalhos não realizados. Não completá-los seria uma ameaça ao emprego. Para outro, oritmo mais intenso estaria sendo exigido mesmo daqueles que não tinham o trabalho,segundo palavras de um gerente, na “massa do sangue”. Para outro, ainda, a cobrançaviria acompanhada de maior autonomia e responsabilidade:

“E você tem que dar solução para as coisas e não tem muita maneira de corrercom desculpas, justificativas... O que se tinha muito eram justificativas. A genteia para uma reunião na estatal, as pessoas não percebiam que estavamjustificando o tempo todo e hoje você não consegue começar. Se você começara justificar alguém vai cortar você numa reunião.” (gerente de áreaadministrativa)

“As cobranças são maiores. Então, antes existiam as metas, existiam osresultados e tal, mas as pessoas algumas pessoas já trabalhavam num ritmoparecido, mas por ser característica das pessoas, não por ser exigência doempregador. Hoje mesmo quem não tinha isso, vamos dizer, na massa dosangue, está sendo forçado a fazer desse jeito porque tem que apresentarresultado. Você tem que mostrar e chegar aos resultados que eles esperam devocê.” (gerente de área operacional)

“Então eu vejo muito maior autonomia tanto no lado técnico quanto no ladogerencial. Eles querem ver resultado. Então eu contrato isso, contrato aquilo,

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executo isso, executo aquilo, o problema é meu. Tem que ter resultado nisso aí.”(gerente de área operacional)

6.4.2.2 Investimento em novas tecnologias e equipamentos

Redução de pessoal e contratação de novas tecnologias, notadamente aquelaspoupadoras de mão de obra, são eventos que, via de regra, andam juntos. Na ServC, nãofoi diferente. Com o aporte de capital pelos novos donos foi possível a compra demodernos sistemas de informática e também de tecnologias que permitiram aautomação de processos com grande redução de pessoal:

“Rede interna não existia. Então hoje uma ferramenta tipo Notes substitui umasecretária. Carta interna eu não recebo. Nunca mais eu recebi uma carta interna... só o Notes. Eu nunca mais fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisafoi racionalizada por conta da tecnologia.” (funcionário de área administrativa)

“Já tem centros de atendimento ... em que eu tenho equipamento automatizado eque esses centros operam... porque, se não, isso aqui era da ordem desetecentos, lá naquele passado que eu te disse, tinha mil [funcionários]. Entãohoje tem quatrocentos e trinta e dois. .... Agora nessa primeira etapa eu caio dequatrocentos e trinta e dois para trezentos e vinte e quatro.” (gerente de áreaoperacional)

No entanto, a disponibilidade de capital para investimentos esbarrou em dois fatores queimpediram o seu imediato aproveitamento. O primeiro ocorreu na área operacional: osfornecedores não tinham capacidade produtiva disponível para atender às encomendasinicialmente feitas pela ServC. O segundo fato ocorreu na área administrativa. Apesarda implantação de um moderno sistema de informática, a empresa deparou-se com afalta de cultura e experiência de uso destas ferramentas:

“Os investimento eram baixíssimos porque o governo sabia que ia se desfazerda empresa. Esse ônus a gente pagou no ano passado...estava plantado há dezanos atrás. Não adianta o cara entrar [e dizer] ‘Eu vou botar [tantos milhões]’.Se ele botasse trezentos milhões não se conseguiria gastar. A gente gastou olimite. ... Inclusive a gente teve problemas de fornecimento de material, tevecoisas que os fornecedores, o mercado não atendeu. Falou: ‘Infelizmente agente não tem capacidade fabril de mandar para vocês, a gente está com oparque cheio’. ” (gerente de área operacional)

“Há quatro anos atrás... quem tinha um micro era uma beleza. E, de repente, ...estou falando isso também para mostrar quais são as conseqüências damodernização da ferramenta ... A ServC investe ... vinte milhões de dólares, quefaz toda a parte financeira, controladoria, materiais, recursos humanos, o SAP.

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E, de repente, ... todo mundo tem acesso a um meio digital... Qual adificuldade? Nós não tínhamos essa cultura na empresa ... então tem uma certacarência do pessoal voltado para essa parte da informatização.” (gerente de áreaoperacional)

6.4.2.3 Desenvolvimento de pessoal

O desenvolvimento de pessoal na época de estatal era uma atividade bastante restritadevido às limitações de gastos. Na nova empresa, por sua vez, houve preocupação em serealizar um grande investimento na melhoria da qualificação das pessoas, desde o nívelmais baixo até o nível gerencial. O espectro de cursos era, igualmente, abrangente:desde o de informática até alguns tecnicamente mais específicos:

“Existem três tipos de plano. Existe o treinamento de gerente, que é umtreinamento gerencial. A própria empresa se encarrega de programar ... Existe otreinamento que é o treinamento de informática que é para todos osfuncionários, para poder capacitar ... Hoje em dia você tem um micropraticamente na mesa de cada funcionário. Na época de estatal, nem pensar, eraum micro para cada cem funcionários. ... Em função disso o pessoal teve que sertreinado. Houve um treinamento maciço em informática... E tem umtreinamento, que é um treinamento voluntário. O engenheiro sabe que vai terum curso sobre ...ele me procura, eu coordeno... eu controlo a verba disso.”(funcionário de área gerencial)

“Eu cheguei aqui, quase ninguém tinha treinamento de informática. Eu boteitodo mundo e depois o pessoal começou a entrar e depois a me pedir, eu precisodisso, eu preciso daquilo e eu fui na onda... Com tanto serviço para fazer. É porisso que eu digo que tudo tem solução: um monte de serviço para fazer e aindaconsegui treinar um monte de gente.” (gerente de área administrativa)

“Desses 136 eu coloquei 71 operadores de primeiro grau. Já mandei fazer umlevantamento com eles, de quem está fazendo curso técnico, quem não está,justamente para ver o aproveitamento em outras carreiras e eles sabem disso.Uns estão estudando, outros que estão comigo como técnicos, nós estamosfazendo cursos de treinamento intensivo à noite. Quando é que estatal ia fazerisso sem pagar hora extra? Tem uma salinha ali de treinamento, eu contratei atéum engenheiro nosso com experiência em determinada área de trabalho e eleestá dando aula aí para o meu pessoal. É à noite, de seis às oito da noite, duasvezes por semana, três vezes...” (gerente de área operacional)

Uma das dificuldades encontradas por algumas áreas referiu-se à adesão ao plano dedesligamento daquelas pessoas mais bem preparadas. Como não havia uma previsão de

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substituição, as pessoas que ficaram estavam despreparadas para assumir as novasfunções:

“O treinamento na estatal era muito restrito, até há um tempo. E, via de regra,na minha maneira de ver, saiu muito mais gente, vamos dizer um percentualmuito grande de pessoas qualificadas nesses planos. Onde tinha ocorrido uminvestimento em cima da pessoa, essas pessoas saíram. Então, algumas pessoasque ficaram, não foram preparadas para assumir as posições em que estão hoje.Quer dizer, falta um treinamento maciço aí.” (gerente de área operacional)

6.4.3 Alteração no contrato psicológico

Além das mudanças já mencionadas relativas ao conteúdo e contexto do trabalho, umadas principais conseqüências da série de planos de desligamento realizada pela ServCfoi a alteração na segurança do emprego e na certeza da continuidade do trabalho até aaposentadoria.

Egressos de uma empresa estatal, cujas práticas não consideravam a demissão defuncionários como fato normal da vida organizacional, os empregados tinham porexpectativa sair da empresa apenas quando fosse época de se aposentar. Um funcionáriorelatou que, ao trocar oportunidades melhores no mercado de trabalho pela estabilidadeoferecida pela ServC, sentia-se “pagando a conta”:

“Eu tenho uma cultura de estatal... eu vim para a estatal por causa daestabilidade, eu não tenho dúvida disso. Eu trabalhava na.... me desfiz do outrolado e vim para cá. Por causa da estabilidade, não foi por outra coisa não. E tiveofertas de emprego, durante os anos dourado, para sair daqui e ganhar mais láfora. Mas a estabilidade sempre foi um peso muito grande. Hoje eu estoupagando a conta de perder a estabilidade.” (funcionário de área operacional)

Até há alguns anos atrás, empregados que já tinham mais do que o direito adquiridopara requerer aposentadoria continuavam a trabalhar normalmente. Chegou-se aextremos de se ter funcionários que, com mais de 60 anos de empresa, aindacompareciam diariamente.

A realização do PDI e de outros planos de incentivo à aposentadoria gerou umamudança radical na expectativa de continuidade do trabalho. Os empregados, na novafase, conscientizaram-se das mudanças e que, mais cedo ou mais tarde, teriam quedeixar a empresa. Aqueles que se aproximavam do tempo necessário para atender aosrequisitos mínimos de aposentadoria começaram a se preocupar com a vida futura, poissabiam que, dentro da ServC, sua carreira estaria, muito provavelmente, encerrada.

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Mesmo para aqueles que se consideravam competentes e produtivos, o horizonte depermanência na empresa alterou-se sobremaneira. Se antes não se preocupavam com aaposentadoria e a idade, precisavam, na nova situação, de preparar-se para odesligamento por tempo de serviço. A própria rotina da empresa de lançar sucessivosplanos de incentivo à aposentadoria não permitia que os empregados se esquecessemdeste fato.

Alguns depoimentos mostram que certos empregados ficaram bastante incomodadoscom as cartas que recebiam. Uma certa ansiedade se formou antes mesmo decompletarem o tempo para receber a primeira comunicação.

“Para você ter uma idéia, nessa última relação... o computador pega todo mundoe eu já começo a fazer parte da lista do computador. É uma coisa gozada porquehá alguns anos atrás eu não me importava muito com essas coisas, relatórios deaposentáveis. Agora, quando aparece, eu digo: ‘Ih, já estou chegando perto!’”(gerente de área operacional)

Gerou-se, também, uma grande preocupação com a idade e o tempo de serviço. Pormedo de revelar esses dados, o assunto teria virado, ao mesmo tempo, tabu e alvo debrincadeiras dentro da empresa. Segundo depoimento de um dos entrevistados, aspiadas seriam uma forma de relaxar a tensão existente em torno do tema:

“Uma característica do brasileiro é fazer ironia consigo mesmo. E o empregadoda ServC faz isso com muita naturalidade. Então eles ironizam. Isso hoje já nãoé uma coisa doída não, isso hoje eles já levam na esportiva. Ficam assim: ‘Olhanão confio em ninguém com mais de 45 anos. Não confio em ninguém commais de 30 anos de serviço. Não confio em ninguém...’ Então isso virou, assim,quase que uma brincadeira. ‘Eu tô aqui hoje, mas não sei se estou amanhã...’.Quando não é assim eles falam: ‘Quantos anos você tem de serviço? Ah, agoraninguém mais quer dizer quanto tempo tem de serviço..’ Isso virou tabu aqui naempresa, ninguém mais quer dizer quanto tempo tem de serviço. ... Mas issovirou uma coisa de brincadeira.” (funcionária de área administrativa)

“As pessoas têm pavor quando falam em idade. Pavor. Tem gente que ficaescondendo a idade, escondendo tempo de serviço. ... É muito complicado.”(gerente de área administrativa)

Alguns gerentes informaram terem se sentido no dever de conscientizar seussubordinados para a nova relação entre empresa e empregado. Teriam passado aconversar com seus funcionários, procurando esclarecer que a ServC não deveria maisser vista como a empresa na qual as pessoas terminariam sua vida útil:

“O que a gente está tentando é fazer ver aos funcionários que continuamtrabalhando na ServC que eles tenham essa visão de que o emprego não é para

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toda a vida. Ele é uma etapa da vida e se encerra e você ou tem que arranjaroutro emprego, ou você realmente se aposenta.” (gerente de área operacional)

Desempenho e produtividade seriam condições necessárias para a manutenção doemprego. Demitir não mais seria um tabu, um fato político a ser evitado a todo custo,como na época de estatal. As pessoas se convenceram de que seriam feitas cobranças e,se não atendidas, poderiam gerar punições. Um dos gerentes afirmou que, no seu caso, arelação passara a ser de interesse mútuo, pois a empresa precisava dele tanto quanto eleprecisava da empresa:

“A relação de mercado mudou. A empresa precisa de mim tanto quanto eupreciso dela. Se estiver bom para mim, ótimo, eu fico. Se não estiver, umabraço, eu vou embora. Vamos tentar o mercado. Não vou esperar que ela diga‘não, obrigada’ para você e eu fiquei despreparado. Então a relação é aberta. ...Como empresa privada, a filosofia é essa. Eu estou saindo daqui hojeempregado, amanhã não sei se estou empregado. Por ser empresa privada, afacilidade de desligamento é muito grande. Mas não é cultura da empresa.”(gerente de área administrativa)

“Eu vejo as pessoas muito inseguras... Sempre pensou que a ServC não iamudar nunca. ‘Vou entrar na ServC e me aposentar’. Então era assim,antigamente entrava para a empresa e aquilo era ad eternum. Então isso acaboue agora a pessoa se preocupa. Não está tão certo, já fica duvidoso. ‘Por quantotempo será que vou permanecer aqui? Será que a empresa vai trazer novosempregados, substituir os antigos?’ Então as pessoas ficam assim.” (funcionáriode área administrativa)

Além disso, a relação passava a ter um cunho mais profissional e menos sentimental,principalmente para os novos admitidos. Se, para grande parte dos antigos funcionários,a ligação com a ServC ainda seria muito afetiva, para alguns, notadamente para osrecém-admitidos, a ligação teria passado a ser mais profissional e persistiria enquantofosse do interesse de ambas as partes.

“A relação deste novo funcionário não é mais afetiva como nos antigos. Ela émais profissional com uma clareza maior para ambas as partes: empregado eempresa. Não tem mais aquela mistura.” (funcionário de área administrativa)

As principais estratégias para garantir o emprego centraram-se em busca deaperfeiçoamento e em nova postura com relação a assiduidade, horário ecomprometimento com o trabalho.

Pessoas com o segundo grau incompleto procuraram terminá-lo, outros buscaram cursosde idiomas e outros, embora já com o terceiro grau completo, procuraramaperfeiçoamento em cursos de pós-graduação:

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“Porque nós temos muitos colegas de trabalho... a gente vê o pessoal muitopreocupado. Tem alguns que agora estão preocupadíssimos em tirar o segundograu, um supletivo. ... Pelo menos as pessoas com quem eu trabalho, de 40 anospara cima, estão preocupadas, para poder se manter na ServC atual, que a ServCque está procurando pessoas com uma boa formação, com bons conhecimentos.Avisando isso. Para você permanecer na empresa, você tem que estarfamiliarizado com a nova imagem que a empresa está passando.” (funcionáriode área administrativa)

“Eu tive até algumas surpresas. Há três meses eu tive umas três ou quatrosurpresas. Gente que está fazendo supletivo de segundo grau e eu não sabia.Pessoa que tinha o primário, entrou na ServC e ficou, ficou. De repente a pessoa[diz]: ‘Estou precisando dar uma fugidinha para estudar para a prova’. ‘Queprova?’ ‘Estou fazendo o supletivo, o meu segundo grau’. ‘Maravilha. ...’ Entãoeu tive essas surpresas, as pessoas estão se preparando e foram pessoas que eunão esperava. ... Tem gente que está fazendo curso de inglês. Por quê? A gentenão tem mais emprego garantido. Embora a ServC seja bem soft, bem soft, aspessoas internamente estão dizendo: ‘eu não estou mais garantido’. Então, se eunão estou mais garantido, deixa eu correr atrás enquanto eu tenho dinheiro parapagar os cursos.” (gerente de área administrativa)

Para algumas pessoas trabalhar até mais tarde e comprometer-se mais com os resultadosseriam formas de garantir o desempenho, a produtividade e, por conseqüência, oemprego. Parte do medo de ficar desempregado originar-se-ia da dificuldade de serecolocar no mercado de trabalho:

“Eu tenho certeza que as pessoas estão num novo contrato de trabalho. Ocontrato de trabalho formal, é o que você trabalha de 8h30min às 17h, que é omesmo de antes. Mas o que acontecia antes é que as pessoas chegavam às8h30min e saíam às 17h, hoje não. Tem alguma coisa pelo próprio trabalho eoutra coisa pelo medo, as pessoas vão ficando.” (gerente de área administrativa)

“Já vi muitos comentários: ‘O fulano não queria nada com a hora do Brasil,agora está ralando’. São os comentários que a gente escuta. ‘Quem te viu equem te vê. Já viu fulano? Como está trabalhando? O que a gente não faz paramanter o emprego?’ A pessoa sabe que está difícil arrumar, conseguir algumacoisa, uma colocação no mercado. Você vê tantas pessoas formadas procurandoemprego e sem ter uma colocação. O pessoal começou a se preocupar. ... Avisão atual é essa. As pessoas têm que trabalhar muito para continuar no seuemprego.” (funcionário de área administrativa)

A cultura da empresa, no entanto, não era de demissão. Mesmo no PDI, as pessoaslotadas em seções a serem extintas não eram mandadas embora. Se não quisessem aderir

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ao programa, deveriam encontrar uma posição em outro local da empresa. Assim, emmuitos casos, pessoas que não entraram no PDI transferiram-se para outros órgãos.

Desligar-se da empresa teria sido, para alguns, um processo extremamente doloroso.Muitas pessoas já haviam incorporado em sua rotina diária a ida para o trabalho ecustaram a modificar este hábito. Muitos foram os relatos de pessoas que, mesmo tendose aposentado, continuaram a freqüentar a empresa como se nada tivesse acontecido,exigindo das chefias medidas mais drásticas.

“A ServC sempre teve uma longevidade muito grande no seu quadro. A gentechegou a ter empregados aqui com 60 anos de ServC. Sessenta anos de ServC,não queria ir embora, não queria ir embora. Essa pessoa até se aposentou ... enão saía da ServC. Entrou para uma associação aqui e ficava aí, vinha todo dia,de terno, direitinho. Então, a ServC tem muito isso. É uma empresa que prendemuito.” (gerente de área administrativa)

“Hoje nós temos aqui o Sr. José que tem 52 anos de ServC, temos o Sr. Mário,que é um outro gerente nosso que deve ter uns quarenta e poucos anos deServC. Se ele quiser fazer uma negociação com a ServC, porque ele ainda temaquele tempo antes de Fundo [FGTS], ele sai com uma grana legal e, se morrer,ele perde e a família não ganha. Mas, para ele, isso não o abala. Ele quercontinuar trabalhando.... É a mesma coisa com o Sr. José aqui, inabalado.‘Sr.José, vai para casa, pega o seu dinheiro’. ‘Não, meu filho, eu acordo, querovir para cá’. ” (gerente de área operacional)

“O Sr. Adilson, por exemplo, ele morava aqui no Lins, acordava às cinco horas,chegava lá as sete, sete e meia, lia o jornal dele e começava a trabalhar. Saía,tomava uma cervejinha e chegava em casa oito horas. Ele se aposentou, eu achoque a mulher só veio a saber que ele tinha se aposentado, três meses depois.Porque ele continuou fazendo exatamente as mesmas coisas durante três meses.Só que ele não entrava na ServC, ele ficava andando pela cidade. O pessoal,quando saía para almoçar ele ia e aí comia. Depois o pessoal achou ele no bar,bebendo de tarde e aí foram lá [e disseram]: ‘Vai para casa. Você já almoçouaqui com a gente’. ‘Mas eu estou esperando para tomar uma cervejinha no finalda tarde’. ‘Não, vai para casa, depois você volta’... Eram vários. Nós estamoscom um caso aí agora, que o Sebastião se aposentou agora.... Fomos aqui para adespedida. Ele está todo dia lá, senta na mesa dele e continua trabalhando. Eudisse: ‘ Não pode. Dá um jeito de tirar a mesa dele de lá’.... ‘Mas é porque eudeixei um trabalho aqui para fazer’. ... Porque senão ele não se desliga. Estáaposentado.” (gerente de área operacional)

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6.4.4 Necessidade de renovação do quadro

À época do PDI, o tempo médio de trabalho na empresa era da ordem de 20 anos, umnúmero considerado muito alto, principalmente levando-se em conta a atividade daempresa, que exigia de seus funcionários operacionais, além de esforço físico, cuidadosespeciais com a segurança. Assim, uma das preocupações dos novos acionistasconcentrou-se em diminuir não apenas o contingente, mas também a idade média de seuquadro de funcionários:

“Para você ter uma idéia, quando a ServC foi comprada, foi privatizada, elatinha em torno de 20 anos de idade média [tempo de serviço na empresa]. Entãoé um negócio alto. Hoje está em torno de 16, 15, que ainda é uma coisa alta,mas é mais aceitável.” (funcionário de área administrativa)

“A empresa atual, ela busca muito estar com a mão de obra mais nova, não compessoas já de idade. Então, nós tínhamos antes da privatização, a nossa média deidade eu acho que ela variava em torno de 47 anos. Atualmente parece que estáem torno de 39 anos.” (funcionária de área administrativa)

Na busca por uma renovação do quadro, a empresa contratou novas pessoas. Entre osbenefícios citados encontravam-se a renovação de idéias e a aquisição de novosconhecimentos. Teria havido, por outro lado, um temor de que essas novas pessoasviessem a tomar o lugar daqueles que já estavam na companhia há mais tempo. Teriamexercido, portanto, uma pressão psicológica, pois vinham muitas vezes com melhorformação e mais preparados para novas tecnologias:

“Porque a ServC, assim como ela está reduzindo o quadro, ela também tem feitovárias admissões. E essas admissões é de um pessoal novo no mercado, umpessoal recém-formado. Então, quer dizer, ela está oxigenando, está trazendonovos conhecimentos, pessoas novas. E a gente, o pessoal que está com umcerto tempo de empresa, vai se sentindo pressionado.” (funcionário de áreaadministrativa)

Outra preocupação manifestada referiu-se ao preparo técnico dos recém-contratados.Havia, segundo a percepção de alguns, a necessidade de longo tempo de treinamentopara que se pudessem absorver as peculiaridades de algumas funções. Como muitosestavam perto de se aposentar, havia que se preparar novas pessoas para assumiremessas responsabilidades:

“O corpo está envelhecendo, mas não quer dizer que ele não esteja seatualizando. Eu hoje, para botar gente aqui, para trabalhar no ritmo que está setrabalhando aqui, eu acho que, com a qualidade técnica desse pessoal, eu achoque a gente leva uns cinco a seis anos para pegar um engenheiro recém formado[e preparar] ...” (gerente de área operacional)

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“Dentro do que é a ótica da empresa, é um quadro envelhecido. Por exemplo, eucompleto 25 anos de trabalho com 46 anos. Então com 44 anos, como eu estouagora, quer dizer já sou envelhecido, porque daqui a dois anos eu estouaposentado. Então tem mais é que treinar alguém para entrar no meu lugar.”(gerente de área operacional)

Parece haver-se estabelecido, também, um entendimento tácito de que pessoas acimade certa idade não deveriam mais aspirar a crescimento na carreira na empresa. Assim,aqueles que não tivessem chegado aos 50 anos em cargo gerencial perderiam aexpectativa de ser promovidos. Os que já estavam em cargo gerencial deveriam, por suavez, preparar-se para a aposentadoria que se aproximava:

“Quem está no cargo, permanece. Mas não é bem assim, porque você recebealgumas sinalizações que é melhor você sair da linha e pegar uma assessoria etal e ir pensando na aposentadoria. A idéia é essa. Acima dos 50 anos, vocêdeve ir pensando na aposentadoria ... Não é explícito, não. É pelo que a gentevê, ou seja, as pessoas que estão em cargo gerencial acima de 50 anos, elas jáestavam antes e estão num processo de substituição. E não são muitos, não.”(gerente de área operacional)

6.5 Futuro

A visão de futuro profissional incluiu perspectivas de curto e de longo prazo. Na visãode curto prazo, duas questões se apresentaram: o resultado que deveriam apresentar paraa empresa e a proximidade da aposentadoria. Um dos entrevistados supôs que acontinuidade na empresa dependeria de “fazer acontecer”:

“Eu sou gerente...ou você decola, ou você ... sai da empresa... Eu acho que eutenho uma sobrevida de três anos. Ou eu faço acontecer nos próximos três anose, como mérito, eu subo, ou eu vou ser demitido.” (gerente de área operacional)

Outros se preocupavam com obrigações familiares ainda pela frente e faziam cálculosde idade e probabilidades de continuar na empresa. Trabalhavam, mentalmente, com oconceito de vida útil dentro da empresa. Sabiam que a época de desligamento seaproximava:

“Eu acho preocupante. Porque a nossa geração é uma geração onde as pessoastodas, vamos [dizer] assim, constituíram família com mais idade do que naépoca dos nossos pais....Então, hoje eu tenho 44 anos e meu filho mais velhotem 15. Quer dizer, daqui a três anos, quando eu for aposentável, ele vai estarentrando para a universidade, provavelmente. Quer dizer, é uma coisapreocupante.” (gerente de área operacional)

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“E espero continuar pelo menos mais quatro anos. Minha filha se forma esseano em medicina; medicina está ruim pra caramba. Vai fazer 24 anos. ...Meufilho está em engenharia, primeiro ano. Só tem mais quatro anos.... Agora, maisquatro anos eu vou estar com quanto? Cinqüenta e sete. Mas esse cara tem garraainda, não tem dúvida não. Mas eu não acredito que vá muito além disso.”(gerente de área operacional)

A vida depois da ServC também foi foco de reflexão. Alguns tinham já em menteatividades que poderiam exercer; para outros esse futuro era mais nebuloso.Preocupavam-se, portanto, com o destino que dariam às suas vidas depois de sair daempresa:

“Eu gosto do que eu faço. Eu gosto muito do que eu faço... eu não consigo mever sem estar fazendo este trabalho que eu faço. Não sei, é muito, muitocomplicado para mim. Eu sei que vai chegar o momento em que eu vou ter quepensar nisso. Já está chegando, mas eu não sei como é que eu vou resolver issonão. Por isso, nem passou pela minha cabeça aceitar o PDI. Não passou, não.”(funcionário de área administrativa)

“Eu sou muito tranqüilo, quero dizer, com relação a isso. Eu gosto de dar aula,já dei 11 anos de aula em faculdade. Quer dizer, já estou até fazendo algunscontatos. Tem colegas meus que... nós temos oportunidade de abrir uma firmade consultoria...”(gerente de área operacional)

Uma das considerações feitas por alguns dos entrevistados referiu-se à falta de preparopara o mercado de trabalho, ou mesmo para a aposentadoria. Este deveria ser umprocesso mais trabalhado, pois envolveria um redirecionamento da vida profissional e,mesmo, da vida particular:

“Então isso as pessoas se preocupam: ’se eu sair daqui, se a empresa nãoprecisar mais dos meus serviços, o que eu vou fazer no mercado de trabalho aífora?’ Essa é a grande preocupação. Então, se você tem uma determinadaformação, pelo menos você pode se voltar para aquela formação que você tem.Agora, quem não tem formação nenhuma, essa é que é a preocupação.”(funcionário de área administrativa)

Alguns tinham ainda uma visão mais profissional da relação com a empresa. Nãoesperavam a aposentadoria, pois o desligamento poderia acontecer a qualquer hora,como um fato normal da vida:

“Eu não vou sair para me aposentar. ... Se em dois anos eles quiserem que eusaia.... porque se eu recebo uma proposta, eu vou avaliar essa proposta e, se forinteressante, eu saio e vou fazer outra coisa aí fora.” (funcionário de áreaadministrativa).

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7 ANÁLISE DE RESULTADOS

7.1 Análise do Processo do Downsizing no Contexto daPrivatização

Este item consolida e discute dados e percepções acerca do processo de downsizing nastrês empresas pesquisadas. Os dados factuais referem-se, basicamente, às estratégiasutilizadas pelas empresas para realizar a redução de pessoal, à comunicação do plano eàs principais características dos programas do downsizing. As percepções referem-se àsrazões para o plano, às razões para a adesão ao plano, ao clima durante o plano, à formade trabalhar, às práticas organizacionais, ao contrato psicológico e à construção dofuturo.

7.1.1 Preparação para a privatização

A questão da preparação para a privatização foi motivo de muitos comentários. Segundoas entrevistas realizadas, os únicos funcionários que se sentiram preparados para oprocesso de privatização foram os da ServA. A empresa realizou palestras, convidoupessoas de outras empresas e também consultores, procurando atingir não apenas aspessoas da sede, mas também aquelas lotadas em áreas mais distantes, onde o acesso àinformação fosse mais difícil. Essa preparação parece ter ajudado os funcionários apensar sobre seu futuro, sobre o que seria a vida profissional em uma empresaprivatizada.

As empresas ServB e ServC, por sua vez, de acordo com os relatos, pouco sepreocuparam em preparar seus funcionários para o processo. As únicas ações relatadasforam de gerências que, individual e isoladamente, procuraram informar e alertar seussubordinados sobre as mudanças vindouras.

Um ponto em comum, entretanto, pôde ser encontrado nas três empresas, conformeTabela 14. Aqueles funcionários cientes das mudanças vindouras começaram a procurarcursos de idiomas, outros cursos externos e mesmo aprendizados diferentes dentro daprópria empresa. Criou-se, portanto, segundo os depoimentos, um movimento de auto-desenvolvimento com o objetivo de assegurar seu lugar no futuro.

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TABELA 14PREPARAÇÃO PARA A PRIVATIZAÇÃO

SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS

ServA ServB ServCEmpresa estava presente naslocalidades do interior doEstado para informar sobre aprivatização, principalmenteonde o acesso à informaçãoera mais difícil

Empresa não preparou osfuncionários para aprivatização. Queixas foramfeitas por não se saber osignificado de pertencer a umaempresa privada

Empresa não preparou osfuncionários para aprivatização

Funcionários sabiam pelamídia impressa, sobre as idas evindas do processo deprivatização.

Funcionários sabiam pelamídia impressa, sobre osestudos de avaliação daempresa

Empresa ofereceu treinamentoe palestras com pessoas dainiciativa privada.Consultores foram chamados amostrar o que aconteceu emempresas privatizadas

Funcionários se queixaram defalta de informação “concreta”por parte da administração

Alguns gerentes trouxerampessoas de fora para falarsobre privatização

Alguns gerentes conversaramcom seus subordinados sobre aprivatização

Alguns gerentes conversaramcom seus subordinados sobre aprivatização

Alguns gerentes conversaramcom seus subordinados sobre aprivatização

Alguns gerentes sugeriram aosfuncionários tentar sequalificar e realizartreinamentos enquanto aindaestivessem na estatal

Alguns funcionários iniciaramcursos de idiomas

Alguns funcionários procuramampliar seu leque deconhecimentos dentro daempresa

Alguns funcionários iniciaramcursos de idiomas

Alguns funcionáriocomeçaram a pensar emalternativas de sobrevivênciafora da empresa.

Algumas pessoas evitavam sepreparar para a privatização,achando que pensar no eventocontribuiria para o seuacontecimento.

Psicólogos fizeram trabalhoscom grupos sobre mudança

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O clima organizacional antes da privatização, por sua vez, ficou bastante conturbado nastrês empresas pesquisadas (Tabela 15). Embora a ServA houvesse preparado seusempregados para esta realidade, as entrevistas indicam que, ainda assim, a insegurançapermaneceu no dia-a-dia dos funcionários.

Na ServB e na ServC, o clima não foi melhor. Na ServB, por exemplo, uma queixafreqüente referiu-se à falta de informação sobre o processo da privatização, estando osfuncionários limitados àquelas notícias veiculadas pela mídia. Esta situação tem sidomotivo de constante alerta por parte dos estudiosos (Feldman e Leana, 1989; Hauss,1993; Illes, 1996; Smeltzer, 1992). Indicam alguns autores que a comunicação oficial demudanças por parte da gerência seria fonte valiosa de auxílio no preparo dosfuncionários para situações futuras, evitando, ainda, que perdessem a confiança naadministração.

TABELA 15CLIMA ORGANIZACIONAL ANTES DA PRIVATIZAÇÃO

SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS

ServA ServB ServCVisita de pessoas estranhas,normalmente estrangeiros, àempresa

A família se desgastava, juntocom o funcionário, com a faltade informação

Clima de ansiedade, originadopela falta de informação

Funcionários sentiam-seincertos quanto à novafilosofia de trabalho, quanto àentrada de novas pessoas, equanto à adoção de novastecnologias poupadoras demão-de-obra

Funcionários sentiam incertezasobre o futuro, se seria bom ouruim

Alguns aderiram ao PDV commedo de não se adaptar à novaordem

Funcionários sentiam-seincertos quanto ao seu próprioemprego.

Funcionários sentiam-seincertos quanto ao seu próprioemprego

Funcionários especulavamsobre as características deprováveis planos de reduçãode pessoal

Disputa de poder. Muitosjulgaram que as vagas futurasseriam escassas

Pessoas disputavam o mesmolugar.

Temor de demissão em massa Boatos sobre o processo deprivatização e redução depessoal em outras empresas

Temor de ser despedido com aprivatização

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Houve, ainda, na ServB e na ServC, relatos de início de disputa pelo poder. Sabedoresque as vagas futuras seriam poucas, alguns funcionários teriam começado umacompetição interna. É de se perguntar até que ponto a passagem de empresa estatal paraempresa privatizada, sujeita a novas regras e à concorrência, como, por exemplo, asobrevivência do mais forte, do mais competente e do mais preparado, não teria sidointernalizada pelos empregados, transformando-se em uma corrida individual. Nessasituação, cada empregado estaria competindo com o colega ao lado e com todos osprofissionais do mercado de trabalho. Em reforço a essa conjetura, há que se observar,ainda, a ausência de menções a posturas de solidariedade e de preocupação com osdemais. Assim, a mesma preocupação que a empresa passara a ter no nívelorganizacional poderia ter passado para o nível individual.

7.1.2 Transição de estatal para privada

Foram considerados nesta subitem as principais questões, nas três empresas estudadas,associadas à transição de empresa estatal para empresa privada.

7.1.2.1 Plano de Desligamento Incentivado – PDI

Os principais pontos considerados para a análise foram as estratégias adotadas pelasempresas para a redução de pessoal, a comunicação dos planos e, também, as principaiscaracterísticas dos planos.

7.1.2.1.1 Estratégias para a redução de pessoal

Uma das primeiras questões que se apresentam na análise das estratégias escolhidaspelas empresas pesquisadas refere-se à limitação que lhes foi imposta, pelo edital deconcessão. Possivelmente, para permitir que a força de trabalho desligada dispusesseum tempo para se readaptar e se recolocar no mercado, o governo incluiu nos editais,conforme indicado na Tabela 16, algumas condições específicas para a realização deredução de pessoal. Assim, por exemplo, no caso da ServA, qualquer desligamento emmassa nos primeiros seis meses como privatizada deveria ser realizado na formaincentivada, com critérios a serem estabelecidos pela própria empresa. Após esse prazo,a empresa poderia proceder a demissões, pagando apenas os direitos previstos em lei. AServB, por sua vez, deveria oferecer um programa de formação profissional para todosos demitidos sem justa causa no primeiro ano. No caso da ServC, não houve registro delimitações às ações de redução de pessoal.

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TABELA 16ESTRATÉGIAS PARA A REDUÇÃO DE PESSOAL

ServA ServB ServCTipo de plano Desligamento

voluntárioDemissão incentivada Demissão de alguns

seguido dedesligamentovoluntário

Edital de concessão Plano incentivado sehouvesse demissão emmassa nos primeiros180 dias

Programa de incentivoà formaçãoprofissional durante 1ano para todos aquelesdesligados sem justacausa

Percentual de mão-de-obra desligada noprimeiro plano deredução

20% 40% 35% a 40%

As empresas realizaram, além da redução de pessoal propriamente dita, outrasmudanças que incluíram reestruturações organizacionais com eliminação de níveishierárquicos, fusões de departamentos, terceirização de funções, revisão no processo detrabalho, aquisição de novas tecnologias e modernização de equipamentos. Mesmo naárea comportamental, as mudanças se fizeram presentes: cobrou-se uma atitude decomprometimento com o trabalho, com as metas e com questões antes distantes do dia-a-dia da estatal como lucro, custos, clientes e concorrência. Seguem-se, nas Tabelas 17e 18, as estratégias utilizadas pelas três empresas, respectivamente, segundo astaxonomias de Cameron, Freeman e Mishra (1991) e de Fleury (1997).

Analisando-se o espectro das medidas tomadas pelas empresas em questão e lembrandode seu passado de empresa estatal, pode-se observar que adotaram não apenas aquelasestratégias de curto prazo mas também aquelas que a literatura sobre downsizingrelaciona como de médio ou longo prazo, como o redesenho organizacional e amudança sistêmica (Cameron., Freeman e Mishra, 1991) ou de racionalização emodernização (Fleury, 1997).

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TABELA 17ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELA EMPRESAS SEGUNDOTAXONOMIA DE CAMERON, FREEMAN E MISHRA (1991)

ServA ServB ServCRedução de pessoal (foco: eliminarpessoas)

✔ ✔ ✔

Redesenho organizacional (foco:eliminar trabalho)

✔ ✔ ✔

Sistêmico (foco: eliminar processosestabelecidos)

✔ ✔ ✔

TABELA 18ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELA EMPRESAS

SEGUNDO TAXONOMIA DE FLEURY (1997)

ServA ServB ServCEnxugamento (foco: reduzirdespesas)

✔ ✔ ✔

Racionalização (foco: reduzirdespesas e aumentar a eficiência)

✔ ✔ ✔

Modernização (foco: aumentar acapacitação através de melhorias dedimensões competitivas)

✔ ✔ ✔

Poder-se-ia considerar ter havido - dado que as empresas adotaram estratégias de todo otipo - uma falta de foco nas escolhas das ações tomadas. Dois aspectos devem, todavia,ser considerados. Em primeiro lugar, segundo Cameron, Freeman e Mishra (1991), asempresas mais bem sucedidas nas implementações de programas de downsizing seriamaquelas que empreendessem ações consideradas duais e mesmo paradoxais. TambémFleury (1997) aponta casos de empresas que adotaram mais de uma estratégia de ajustesimultaneamente. Assim, tudo indica que a adoção de estratégias mistas pelas empresasestudadas não deve ser vista como falta de direção, mas como tentativa de lidar, aomesmo tempo, com as questões mais fundamentais à sobrevivência de curto e de longoprazo e ao alcance da eficiência da empresa.

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Em segundo lugar, não se pode esquecer que as empresas estudadas vieram, segundo osrelatos obtidos, da condição de estatais, sendo limitadas: (a) na contratação e demissãode pessoal; (b) na realização de investimentos e (c) na execução de práticas voltadaspara atender aos interesses do governo. Pode-se inferir que as empresas adquirentes,libertas das restrições anteriores e procurando tornar suas empresas mais eficientes nomenor espaço de tempo possível, adotaram ações que pudessem alcançar os várioshorizontes temporais – curto, médio e longo – e atacar, simultaneamente, problemasrelativos a pessoas, trabalho, processos, despesas, eficiência e capacitação.

7.1.2.1.2 Comunicação dos planos

Comparadas as ações das empresas (Tabela 19), nota-se, nos casos da ServA e daServC, mais semelhanças do que dessemelhanças. A ServB diferencia-se totalmente porter sido um plano de demissão realizado logo ao primeiro dia da nova gestão. Nestecaso, por ter sido um plano de desligamento involuntário, planejado de forma a que aschefias diretas comunicassem a seus empregados, é provável que ações para adivulgação do plano e para o esclarecimento de dúvidas fossem menos necessárias,comparativamente aos casos da ServA e da ServC.

Tendo em vista que as duas empresas ofereceram programas que incentivavam a adesãodos funcionários, é razoável supor que a comunicação procurasse: (a) utilizar meios decomunicação com ampla cobertura; (b) deixar claro os direitos de cada funcionário,tanto em termos legais quanto no que se referisse ao pacote de incentivos (c) abrissecanais para dúvidas.

De acordo com o estudo de Smeltzer e Zener (1992), os primeiros sinais do downsizingnão surgiriam com o anúncio oficial do plano. Eventos anteriores, indicam os autores,via de regra, sinalizariam aos empregados a possibilidade de reduções. No caso dasempresas estudadas, de acordo com os depoimentos, a própria privatização funcionoucomo o evento sinalizador de mudanças e conseqüentes desligamentos. A redução depessoal era algo esperado dos funcionários: sabiam que viria, apenas não sabiam quandoe de que forma seria implantada79. A rede informal preocupava-se, segundo asentrevistas realizadas, mais com o tipo de plano a ser implantado do que propriamentecom sua existência. Este fato é semelhante ao relatado por Smeltzer e Zener (1992) emsua pesquisa com empresas norte americanas. Além disso, nos casos da ServA e daServC, houve um intervalo de meses entre a data da realização do leilão e acomunicação oficial do plano. É de se supor que, nesse ínterim, os funcionáriosestivessem aguardando – e comentando – o então futuro plano.

79 Veja-se o seguinte comentário de um funcionário de área administrativa da ServA: “a gente não sabiase vinha assim ou assado, mas que vinha, a gente sabia”.

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TABELA 19CARACTERÍSTICAS DA COMUNICAÇÃO DO PLANO

ServA(plano de desligamento

voluntário)

ServC(plano de desligamento

voluntário)

ServB(demissão)

Precedido de demissãosumária de cerca de 340empregadosRede interna decomputadores +comunicado impresso paracada funcionário

Informativo interno + cartapessoal aos funcionáriosinformando os valores a queteriam direito

Gerentes e supervisorescomunicavam diretamenteaos funcionários

Área de Recursos Humanosatendia a dúvidas

Telefones internos paraesclarecimentos de dúvidas

Cartilha com principaisdúvidas

Informativo tirava asprincipais dúvidas

Departamentos e chefiasfaziam reuniões comsubordinados

Chefias faziam reuniõescom subordinados

Comunicação e rede desuporte informal

Comunicação e rede desuporte informal

Sem problemas com aimprensa local

Muitas notícias na mídialocal

Boatos precederam o plano Boatos precederam o plano Boatos precederam o plano

No caso da ServA, especificamente, outro fato ajudou a alimentar a rede informal decomunicação. A empresa havia feito, antes do lançamento pela holding do PDI, umaavaliação de desempenho de seus funcionários, objetivando a redução de pessoal. Ainformação a respeito desse plano, no entanto, vazou para os funcionários e deu origema uma série de boatos internos. Ao final, porém, o PDI tornou as demissõesprogramadas desnecessárias.

Outros aspectos merecem, também, ser comentados. Primeiro, em casos de privatizaçãohá uma mudança na composição acionária da empresa e, provavelmente, também na altagerência80. Segundo, é igualmente razoável que a estrutura da empresa seja modificadacom a entrada dos novos sócios. Diante deste quadro – novos acionistas e reestruturaçãoiminente - pode-se considerar natural que os funcionários se sentissem incertos quantoàs decisões da nova administração e utilizassem intensamente a rede informal comomeio de comunicação. 80 Nos casos da ServA e da ServC, há que se lembrar que as gerências intermediárias quase não sealteraram, permanecendo composta por funcionários da antiga administração, ou seja, da época de estatal.

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7.1.2.1.3 Características dos planos

Consideram-se, para efeito desta análise, como características do programa os seguintesitens: tempo para a adesão (nos casos de programas voluntários), medidas em caso denão atingimento das metas (nos casos de programas voluntários), benefícios oferecidos(financeiro, social e previdenciário), critérios para a seleção e medidas de apoio aosdesligados.

Tempo para a adesão

Nos dois casos de programas com caráter voluntário – ServA e ServC – o tempo para aadesão ao programa foi de cinco dias. Não há sentido falar-se deste tempo para a ServB,uma vez que se tratou de processo de demissão.

A questão do tempo para a adesão não foi uma questão que tivesse surgido com ênfasenas entrevistas. Ainda assim, as opiniões foram divergentes. Olhando para a situação doempregado, alguns acharam pouco o tempo para decidir, uma vez que estaria se lidandocom opções com implicações não apenas na vida profissional do empregado, mastambém em sua vida pessoal e familiar. Outros, por sua vez, acharam que mais tempotornaria o processo menos traumático, mas, ao mesmo tempo, mais estressante, pois apessoa teria que conviver com a dúvida por um período mais longo. Na opinião de umentrevistado, isto tornaria a vida do empregado “um inferno”. Do ponto de vista daempresa, por sua vez, o tempo se justificaria, pois senão o empregado poderia desistirde aderir.

Medidas em caso de não atingimento das metas previstas

Tanto a ServA quanto a ServC, ao implantar seus programas, comunicaram a seusempregados que, em caso de não atingimento das metas previstas, a empresa poderiaproceder a demissões após o encerramento do plano. No caso da ServA, entretanto, umestágio intermediário foi implementado. Após o fechamento do primeiro prazo para asadesões, a empresa procedeu a demissões aplicando um redutor de 30% no incentivofinanceiro. Passados 180 dias da data da privatização, as demissões realizadas dariamdireito apenas às indenizações previstas em lei.

Observa-se, portanto, que em casos de planos voluntários, nos quais a empresa não temcontrole sobre o número de adesões, parece haver a necessidade de se estabelecermedidas adicionais a serem tomadas no caso de não atingimento das metas. De fato,alguns autores (Tomasko,1990; Balkin, 1991) indicam serem estas medidas adotadas emalgumas das empresas norte-americanas por eles pesquisadas.

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Essas medidas foram interpretadas, em conformidade com o trabalho de Balkin (1991)e a reportagem de Pinheiro (1998), por alguns dos funcionários entrevistados comouma coação à adesão: “Era: ‘ou você aceita o PDI agora, ou você vai ser demitidodepois sem nada’. Era uma opção entre aspas, mas era entendido como uma coação”.

Critérios para o desligamento

Os critérios utilizados pelas duas empresas que optaram por um programa dedesligamento voluntário foram muitos semelhantes (Tabela 20). Serv A e ServCidealizaram planos abertos a todos os funcionários, oferecendo um incentivoproporcionalmente maior àqueles com mais tempo de empresa. Em ambas as empresas,houve casos de a gerência recomendar a adesão a alguns funcionários, alertando-os paraos riscos de uma possível demissão posterior. No caso da ServA, que havia realizadopouco tempo antes do PDI uma avaliação de seus funcionários, a maior incidência derecomendações para a adesão recaiu sobre aqueles com as piores avaliações. Na opiniãode um dos gerentes, este teria sido um procedimento correto, pois estas pessoas, além denão produzirem, prejudicavam, também, o dia-a-dia da empresa.

A diferença mais marcante entre os dois planos voluntários referiu-se à decisão daServA de aceitar todas as adesões, enquanto que a ServC reservou-se o direito derecusar o pedido de desligamento daqueles funcionários que considerasseindispensáveis.

No caso da ServB, algumas demissões foram orientadas pela extinção de departamentose redução do número de pessoas em determinados cargos. Para as outras áreas, delegou-se ao gerente a seleção das pessoas. Assim, considerando-se a tipologia proposta porTylcsak (1991), pode-se dizer que a ServA e a ServC optaram por critérios baseados nasenioridade e a ServB utilizou-se de um misto de vários critérios, entre eles,produtividade, cargo e órgão funcional.

No que se refere às percepções dos empregados com relação aos critérios ( Tabela 21),as maiores incidências de comentários ocorreram nos casos dos planos voluntários. Nocaso da ServB as maiores incidências de comentários ocorreram por parte dos gerentesencarregados de selecionar as pessoas a serem desligadas. Funcionários nãoresponsáveis pelo processo de seleção pouco se manifestaram a respeito.

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TABELA 20CRITÉRIOS PARA O DESLIGAMENTO

ServA ServB ServCAberto a todos osfuncionários

Aberto a todos osfuncionários

Empresa optou por aceitartodos os pedidos de adesão.

Não se aplica. Pessoas consideradasindispensáveis poderiam tersua adesão recusada.

Incentivo financeiroproporcionalmente maior paraempregados com mais tempode casa.

Sem registro. Incentivo financeiroproporcionalmente maior paraempregados com mais tempode casa.

Algumas chefiasrecomendaram a adesãoàqueles funcionários passíveisde serem demitidosposteriormente.

Gerentes selecionaram seuspiores funcionários. Osprincipais critériosrelacionados foram:

• Desempenho nopassado;

• Interesse pelaempresa;

• Comprometimento.

Algumas chefiasrecomendaram a adesãoàqueles funcionários passíveisde serem demitidosposteriormente.

Algumas áreas foram extintase as respectivas pessoas foramdesligadas.Alguns cargos sofreramcortes, havendo redução emseu efetivo.

Uma possível razão para este fato poderia ser atribuída aos sentimentos negativos querondam este tipo de redução de pessoal. Segundo Kets de Vries e Balazs (1997), seriamcomum remanescentes terem que lidar com culpa, angústia, ansiedade e, mesmo, alívio.Assim, a escassez de depoimentos acerca dos critérios do plano, comparativamente àServA e à ServC, podem indicar uma tentativa de evitar essas questões81.

Outro aspecto também pode ser considerado. Como na ServB a lista de demitidos foiimposta aos empregados, os remanescentes talvez considerassem o evento umafatalidade da vida, um fato sobre o qual não tinham nenhuma possibilidade de ação ou

81 A título de ilustração, um dos funcionários indicou sentir-se privilegiado por ter ficado, uma vez quecolegas tão ou mais competentes do que ele teriam sido demitidos. “Eu sou até um privilegiado. Comtodas essa mudança toda eu estou aqui com meu emprego, com atividades mais importantes, com umreconhecimento profissional melhor. Mas eu sinto também pelos colegas [que saíram]”.

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influência. Essa atitude contrasta diametralmente com o comportamento dosfuncionários nas duas empresas em que o plano foi voluntário. Nestas, as pessoasprocuravam umas às outras em busca de opiniões e apoio para sua decisão, tendo havidocasos de tentativa de influência sobre a decisão do outro.

As principais críticas referem-se à falta de controle sobre as pessoas que saíram nosplanos. De acordo com Kuzmits e Sussman (1988) e Tomasko (1991), esse seria umponto negativo neste tipo de estratégia, o que se confirmou no depoimento de algunsdos entrevistados (Tabela 21). Para Balkin (1991), esta questão poderia ser contornadacom um desenho correto dos incentivos, o que foi feito nos casos da ServA e da ServC,ao embutirem no desenho do plano um benefício financeiro proporcionalmente maiorpara aqueles com mais tempo de casa.

O problemas parecem, no entanto, não terem sido completamente resolvidos. Tanto naServA quanto na ServC, alguns gerentes indicaram ter perdido pessoas importantes noprocesso, que, em alguns casos, não puderam ser repostas. Na percepção de um dosgerentes, a seleção deveria ter sido delegada às chefias e, se não houvesse confiança emsuas opções, que fossem demitidas82,83.

No caso da ServA, por sua vez, a opção por aceitar todos os pedidos de desligamento,parece ter causado um “paradoxo” na cabeça de alguns gerentes, pois foram obrigados arecontratar pessoas que se haviam desligado no plano84.

Para Schirato (1999), no entanto, programas de desligamento voluntário não existiriam,pois ao implantar um programa dessa ordem a empresa já teria, antecipadamente,decidido quantos e quais deveriam ser demitidos. Essas pessoas teriam apenas duasopções: sair com incentivo ou ser demitido depois sem nenhum benefício adicional. Poressa ótica de análise, pode-se dizer que, realmente, tanto na ServA quanto na ServC,havia um grupo de pessoas que já estavam, senão escolhidas formalmente, pelo menosem uma lista mental de seus gerentes.

82 Observe-se que esta estratégia recomendada por um dos gerentes da ServC foi exatamente a estratégiaadotada pela ServB. Não se pode esquecer, porém, que a ServB passou por um período de transição emque, durante dois a três meses, gerentes da empresa adquirente e gerentes da estatal realizaram umagestão conjunta. Este tempo deve ter possibilitado aos administradores da empresa adquirente conhecer osgerente da ServB.83 A esse respeito, parece ter surgido na ServC uma questão acerca da confiança nas eventuais escolhasdos gerentes. Um deles, por exemplo, comentou, que o plano voluntário incentivando o desligamento dosmais senior seria a única forma possível de os novos gestores realizarem a redução de pessoal, pois nãotinham como conhecer todos os gerentes em tão pouco tempo.84 Segundo um dos gerentes entrevistados, essa questão não seria assim tão fácil de ser resolvida, pois sea empresa optasse por bloquear a saída de alguns, estes poderiam se sentir “injustiçados” e poderiam“mudar de atitude” com relação à empresa. Seria natural, prossegue o gerente em seu raciocínio, que apessoa que tivesse o desligamento bloqueado exigisse uma compensação. Este raciocínio tem maissimilaridade com as representações mais comuns de uma cultura de estatal, que procura “compensar” seusfuncionários por eventuais prejuízos, do que com as representações da empresa privada, mais afeita aosimples cumprimento das leis trabalhistas.

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TABELA 21CRÍTICAS, ELOGIOS, ANSIEDADES E COMENTÁRIOS AOS

CRITÉRIOS PARA O DESLIGAMENTOServA ServB ServC

Críticas Saíram tanto os “bons”quanto os “ruins”

Saíram tanto os “bons”quanto os “ruins”

Saída de algumas pessoasboas prejudicou oandamento do serviço

Não deixar aderir eracomplicado

Perdeu-se gente excelenteque depois não seconseguiu repor

O programa não devia servoluntário – o gerentetinha que fazer a seleção;se não se confiava nogerente, que fossedemitido

Algumas pessoas queaderiram foramrecontratadas – isso seriaum “paradoxo”.Em algumas áreas aadesão foi grande,havendo sobrecarga paraos que ficaram.

Elogios Era uma forma de apessoa sair com umdinheiro a mais.

Era certo os mais velhossaírem para dar espaçoaos mais novos – erapreciso renovar e oxigenaro quadro de pessoal

Ansiedades Consciência de que,dentre tantosselecionados, algumas“injustiças” poderiam terocorrido.Avaliação foi muito por“sentimento”.Supervisor conversavacom outras pessoas parase certificar das correçãodas decisões tomadas.

Comentários Algumas pessoas foramincentivadas a aderir.

Algumas pessoas foramincentivadas a aderir.

Fácil indicar osfuncionários “ruins”; maisdifícil cortar os “bons”.

Segundo a literatura especializada (Kuzmits e Sussman, 1988; Tomasko, 1990), a opçãopor um plano de desligamento voluntário seria vantajoso para a empresa, pois ajudaria a

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preservar a sua imagem. Do ponto de vista do funcionário seria, também, positivo poisdar-lhe-ia espaço de escolha (Howard, 1988, Tomasko, 1990). Os depoimentos colhidosno presente estudo, no entanto, indicam que, para os gerentes, esta opção pode trazerproblemas, pois seriam responsáveis por continuar seu trabalho, com uma equipe cujacomposição, em grande parte, lhes teria fugido ao controle. Segundo Kuzmits eSussman (1988), perder-se-ia, neste tipo de plano, de 10% a 20% de empregados que,de acordo com a preferência da gerência, deveriam ter ficado.

Benefícios e apoio concedidos aos desligados

Os benefícios oferecidos incluíram, conforme sistematizado na Tabela 22, basicamentetrês tipos de incentivos: monetários, sociais e previdenciários. Os incentivos financeiros,nas três empresas, foram calculados com base no número de anos que o empregadotinha na empresa. No caso da ServA e da ServC, que implementaram programas deadesão voluntária, o incentivo financeiro previsto foi proporcionalmente maior paraaqueles com mais tempo de serviço, indicando, claramente, o interesse de que estaspessoas se desligassem.

As empresas ServA e ServB relataram, também, o oferecimento de incentivoprevidenciário. Assim, no caso da ServA facultou-se ao empregado continuarcontribuindo – pagando a parte do empregador e do empregado - para a fundação deseguridade social até que as carências fossem atendidas. No caso da ServC, a empresaofereceu-se para pagar a contribuição – parte do empregador e do empregado – àquelescom mais de 50 anos a quem faltassem menos de 60 meses para atingir o direito àsuplementação.

Além dos benefícios concedidos, as empresas preocuparam-se, ainda, com outrosaspectos relativos à recolocação dos funcionários desligados. Todas as três empresas,por exemplo, fizeram parcerias com o Sebrae para ministrar cursos para a abertura denovos negócios. A ServB, por força de seu edital de concessão, fechou tambémparcerias com o Senai e Senac para a formação profissional de seus empregadosdesligados. A ServC, ainda, deu uma orientação para a confecção de currícula vitae eapoio para a criação de cooperativas de ex-funcionários.

De acordo com DeWill, Trevino e Mollica (1998), os benefícios e apoio concedidos aosempregados desligados relacionam-se com a justiça distributiva do downsizing. Essaquestão seria igualmente importante para os empregados remanescentes, pois, a partirdas ações presentes da empresa, julgariam suas ações futuras.

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TABELA 22INCENTIVOS E APOIO OFERECIDOS NOS PLANOS DE DESLIGAMENTO

Tipo deincentivo

ServA ServB ServC

Incentivofinanceiro

Indenização proporcionalao tempo de serviço:• Até 15 anos = 0,3

salários por ano• De 15 a 25 anos = 0,5

salários por ano• Acima de 25 anos =

0,6 salários por ano

Indenização proporcionalao tempo de serviço:• Cerca de 0,75 salários

por ano comlimitadores

Indenização proporcionalao tempo de serviço:• 20% do salário base

mais adicional portempo de serviço,computados de 0 a 4anos

• 30% de 5 a 9 anos• 40% de 10 a 14 anos• 50% de 14 a 19 anos• 60% a partir de 20

anosIncentivosocial

Manutenção da assistênciamédica por mais 90 dias

Cesta básica que poderiaser convertida em dinheiro

Manutenção do plano desaúde por mais algunsmeses

Plano de saúde por mais12 meses

Empregados edependentes matriculadosna escola patrocinada pelaempresa junto com osindicato: assegurada amanutenção até aconclusão do respectivocurso

Incentivoprevidenciário

Empregado podecontinuar a contribuir parao fundo de previdência -pagando a parte doempregador e doempregado – até atenderintegralmente as carênciaspara a aposentadoria

Sem registro Empregados com idadeigual ou superior a 50anos de idade que faltar60 meses de tempo deserviço para a aquisiçãodo direito desuplementação daaposentadoria e que quiserpermanecer vinculado aofundo de previdência teráassegurado o pagamentopela ServC da parcelacorrespondente

Apoio Programas de treinamentojunto ao Sebrae

Programas de treinamentojunto ao Sebrae, Senac eSenai85.

Programas de treinamentojunto ao Sebrae.Orientação para aconfecção de curriculumvitae e para a realizaçãode entrevistas.Apoio para a criação decooperativas de ex-funcionários.

85 Dada à dispersão geográfica dos empregados, a empresa arcou com despesas de deslocamento e hotel.

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Os estudos relativos à justiça distributiva merecem cautela ao serem transpostos para ocaso de empresas privatizadas. Estas, ao menos no início da gestão, nos casos dedemissão em massa, são obrigadas a oferecer algum tipo de indenização aosempregados desligados. Trata-se de imposição e não de opção.

Por exemplo, no caso da ServA o edital de privatização previa um plano incentivado sehouvesse demissão em massa nos primeiros seis meses. A partir daí, todas as demissõespoderiam ser realizadas atendendo apenas à legislação trabalhista. Nada se pode inferir,portanto, acerca do oferecimento de novos planos incentivados ou mesmo acerca debenefícios adicionais. A ação passada da empresa não poderia, nestes casos, ser tomadacomo orientadora de ações futuras.

O caso da ServB é, também, ilustrativo desta questão. Se, no primeiro ano daprivatização, se ofereceu aos desligados ampla oportunidade de treinamento, com vistasà requalificação e recolocação, demissões posteriores não foram contempladas com taisbenefícios.

A ServC distingue-se das demais por ter oferecido uma seqüência de planos dedesligamento incentivados. Se o primeiro plano foi aberto a todos os funcionários, osdemais foram focados naqueles com mais tempo de empresa. O último plano oferecido,porém, considerada a data desta pesquisa, foi, em verdade, um programa dedesligamento forçado. Houve, portanto, uma mudança importante neste aspecto: devoluntário passou a involuntário. Pode-se conjeturar que tal decisão tivesse sido tomadacomo medida para acelerar o desligamento daqueles funcionários mais seniores.

Por fim, pode-se dizer que o oferecimento de pagamento de indenizações, extensão debenefícios e treinamentos adicionais, são, segundo Feldman e Leana (1989) e Mishra,Spreitzer e Mishra (1997), condizentes com as melhores práticas de implantação deprogramas de downsizing.

7.1.2.2 Razões para o PDI

As razões para a adoção de o Plano de Desligamento Incentivado – PDI, encontram-sesistematizadas na Tabela 23.

A preocupação com o meio-ambiente foi expressa, como fator motivador para a reduçãode pessoal, por funcionários da ServA e da ServC. No caso da ServA, há que se lembrarque a empresa estava prestes a enfrentar concorrência acirrada em seu mercado,perdendo a sua condição de monopolista. A percepção de um ambiente de concorrênciamais agressivo fez-se presente em vários momentos das entrevistas e seria razoável,portanto, que reduções de pessoal com vistas a tornar a empresa mais enxuta e maiscompetitiva estivessem no elenco de justificativas de seus empregados.

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No caso da ServC, o atingimento de um índice ideal, em verdade, procurava fazer comque a empresa se igualasse às melhores no mercado internacional, segundo informaçõesdos empregados. Esses índices foram obtidos através de estudos de empresas deconsultoria à época da privatização. Deve-se observar, porém, que a ótica colocadapelos funcionários referiu-se apenas ao atingimento de um patamar de eficiência ideal,sem referência à concorrência, como ocorreu no caso da ServA. Tal fato se justificapois, em 1996, quando a ServC implementou o plano de redução de pessoal, a ameaçada concorrência ainda não se afigurava como um cenário próximo. Assim, embora nocaso da ServA e da ServC adotar padrões externos como referência de eficiência fossemrazões para a redução de pessoal, a interpretação dada a esse mesmo fato diferiu emcada uma das empresas.

As preocupações com as tecnologias como ferramentas de informática (SAP, Notes ououtros) ou mesmo a automação de processos produtivos foram razões citadas porempregados da ServB e da ServC. Tendo-se um vista a situação da ServA comoempresa estatal produtiva e moderna, é razoável que seus funcionários não tenhamcitado a aquisição de novas tecnologias como uma razão para o downsizing. No caso daServC e mais fortemente da ServB, uma das reclamações dos funcionários referia-se àfalta de modernidade e deterioração do patrimônio da estatal. Assim, é natural queinvestimentos nesta área adquirissem proeminência, na ótica dos empregados, dentre asrazões para a redução de pessoal. Por outro lado, sendo a ServA um benchmark tanto naárea operacional quanto na área gerencial, seria natural que esse fator não fossepreponderante na eliminação de postos de trabalho.

Questões como aumento dos lucros e diminuição dos custos estiveram presentes nasinterpretações dos funcionários das três empresas. Em verdade, para eles, a lógica daempresa privada era gerida pela procura do lucro o que, por si só, justificaria as medidaspara a redução de pessoal.

A questão do oferecimento de um plano de redução de pessoal, como ação deresponsabilidade social que permitiria às pessoas saírem da empresa com “um algo amais”, esteve presente apenas nas entrevistas realizadas na ServA, o que se coadunacom a imagem positiva que os empregados tinham da empresa na época de estatal,como uma empresa preocupada com o bem-estar de seus empregados.

A preocupação com a estrutura organizacional foi relatada por empregados da ServB eda ServC. A ServB, por ter adquirido a concessão para a operação nos Estados do sul dopaís, encontrou duplicidade de funções o que teria gerado a necessidade de fechamentode determinadas área e a concentração das mesmas na sede da empresa. Assim, é naturalque a reestruturação organizacional estivesse na mente das pessoas entrevistadas,notadamente daquelas que se encontravam nos Estados fora da matriz.

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Tabela 23RAZÕES PARA A ADOÇÃO DOS PROGRAMA DE REDUÇÃO

DE PESSOAL SEGUNDO PERCEPÇÃO DE SEUS FUNCIONÁRIOS

ServA ServB ServCPreocupação com o

meio ambiente(concorrência /

benchmark)

Tornar-se uma empresapreparada para a

competição

Necessidade de atingiro índice

cliente/funcionáriotomado comobenchmark

Preocupação com omeio ambiente

(tecnologia)Novas tecnologias Novas tecnologias

Preocupação com alucratividade

Aumento nos lucros Aumento nos lucros Aumento nos lucros

Redução de custos Redução de custos Redução de custosResponsabilidade

socialBeneficiar as pessoas,proporcionando uma

oportunidade parasaírem com um

adicionalPreocupação com a

estruturaorganizacional

Necessidade deeliminar duplicidades

de órgãosTerceirização de

atividadesTerceirização de

atividadesPreocupação com oquadro de pessoal

Redução da idademédia dos funcionários

Oxigenação do quadro Oxigenação do quadroQuadro “inchado” Quadro “inchado” Quadro “inchado”

A terceirização de atividades foi lembrada por funcionários da ServB e da ServC.Ambas empresas terceirizaram grande parte de sua atividade de manutenção o quejustifica a lembrança. Embora tal fato tenha ocorrido também na ServA, não foramencontradas razões que pudessem indicar a ausência desta justificativa nos relatos deseus empregados.

Aspectos diferentes relativos ao quadro de pessoal estiveram presentes nos relatos dosfuncionários das três empresas. O problema de redução da idade média dosfuncionários, embora presente nas três empresas, surgiu apenas na ServC. Umaexplicação pode ser encontrada na seqüência de planos de desligamentosimplementados pela empresa. Como o PDI foi apenas o primeiro de uma série de planospara incentivar a aposentadoria, é natural que, em uma visão retrospectiva, os

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funcionários considerassem o quadro envelhecido como uma razão para o desligamento.Fica em aberto, todavia, a pergunta se este fator estaria presente caso este estudo tivessesido realizado em 1996, quando ocorreu o primeiro plano.

No que se refere ao item oxigenação do quadro, no caso da ServB, os funcionáriosconsideravam a empresa estatal razoavelmente impermeável ao meio ambiente. Assim,o quadro de funcionários pouco estava exposto a novas idéias e práticas de outrasempresas. No caso da ServC, a necessidade de oxigenação ocorreu, segundo apercepção de seus funcionários, pelo fato de estar com um quadro envelhecido e,portanto, também menos disposto a novidades e, ainda, pelo fato de que pouco seinvestiu no treinamento e desenvolvimento de sua mão-de-obra.

Tomando-se, ainda, por base as considerações feitas pelos empregados da ServB e daServC, pode-se inferir que a questão de oxigenação do quadro não surgiu como razãopara os funcionários da ServA pelo fato de a empresa ter investido muito na formaçãode pessoal, inclusive criando capacitações não existentes no mercado. Assim, a ServAera, em verdade, uma referência na região e a necessidade de oxigenação não teria,dentro desta perspectiva, razão de ser.

Por fim, a existência de um quadro “inchado” foi relatada como item motivador dosdesligamentos nos três casos. Considerando-se que todas as empresas relataram a gestãode recursos humanos voltada para interesses políticos e a dificuldade para se demitir,como práticas comuns na estatal, pode-se inferir uma percepção coerente com o relatoda história das empresas.

Observando-se as justificativas atribuídas pelos entrevistados, percebe-se um elenco deracionalizações ligadas à produtividade e competitividade típicas do discurso daempresa privada. Não foram relatadas posições contrárias ou antagônicas ao objetivo deaumento do lucro, redução dos custos ou redução no quadro de pessoal.

Duas vertentes puderam ser observadas: uma de funcionários que, totalmente engajadosna nova lógica, consideravam as ações empresariais mais do que justificadas e outra, defuncionários que relataram as razões com relativa neutralidade, aparentando ser um fatonormal da vida.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que são semelhantes, são também diferentes. Aforma como os entrevistados apreendem, analisam e expressam os fatos está embebidade uma lógica que se ampara na história específica de cada empresa e no contextoparticular de cada uma. Exemplificando, a preocupação com o fator meio ambiente,mais especificamente, com a variável concorrência, só teria sentido para a ServA, poisdentre as três, era a única que se deparava, no curto prazo, com forte entrada de outrasempresas em seu mercado.

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7.1.2.3 Razões para a adesão ao PDI

Esta questão fazia sentido apenas para aquelas empresas que implementaram programasde desligamento voluntário (Tabela 24), pois, neste tipo de programa, a decisão dedesligamento partia do empregado e não da empresa.

TABELA 24RAZÕES PARA A ADESÃO AO PROGRAMA DE DESLIGAMENTO

VOLUNTÁRIO SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS

ServA ServCIncerteza sobre a nova lei deaposentadoriaExigências de qualificaçãoExistência de atividade paralela Existência de atividade paralelaProximidade da aposentadoriacom direito `a complementação– parcial ou integral – pelo fundode seguridade social

Proximidade da aposentadoriacom direito à complementação –parcial ou integral – pelo fundode seguridade social

Recebimento de incentivomonetário

Recebimento de incentivomonetário

Insegurança sobre o futuro Insegurança sobre o futuroRecomendação da chefia Recomendação da chefia

As principais razões atribuídas às adesões foram, nos casos da ServA e da ServC,bastante similares. Em primeiro lugar, como foram planos que estimulavamfinanceiramente aqueles com mais tempo de casa, é compreensível que as pessoas,nessas condições, optassem pelo desligamento. Além disso, ambas as empresas tinhamum fundo de pensão que proporcionava a complementação do valor do INSS. Seobservadas as características do benefício previdenciário oferecido, pode-se inferir que,mesmo aqueles que ainda não tinham os requisitos para a aposentadoria integral, masperto dela estavam, tinham um estímulo para a adesão.

Em ambos os casos, o próprio valor do incentivo financeiro funcionou como estímulo,notadamente para aqueles que tinham dívidas a quitar ou queriam começar ou mesmodar continuidade a um negócio próprio.

A insegurança, acerca do futuro, teria funcionado como elemento motivador. Estareação parece natural uma vez que ambas as empresas comunicaram claramente que, senão atingida a meta desejada, poderia haver demissões em fase posterior. Gerentes deambas as empresas relataram adesões de pessoas que, dada a sua competência, não

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deviam ter aderido. Medo do futuro e receio de poder vir a ser demitido depois e ficarsem o incentivo foram as interpretações relatadas para esse fato.

No que se refere à ServA, outra insegurança se somou à situação. O prazo final para aadesão ao plano foi fixado em data anterior ao da decisão de mudança nas regras para aaposentadoria pelo INSS. Assim, na opinião de alguns, a adesão ao plano ocorreu pormedo de que se fosse obrigado a trabalhar anos adicionais para se ter direito àaposentadoria do sistema oficial.

Há que se observar, ainda, que, no caso da ServC, houve a demissão de cerca de 340pessoas uma semana antes de o plano ser oferecido. Segundo percepção de um gerenteligado à área de Recursos Humanos, este evento teria implicado um volume superior deadesões - cerca de 4.000 – se comparado com a meta inicial de aproximadamente 2.500pessoas. Situação similar ocorreu em uma empresa norte americana, na qual o volumede adesões foi, também, superior ao pretendido inicialmente. Tal fato teria ocorrido,segundo Tomasko (1990), por ter-se demitido algumas pessoas em data imediatamenteanterior ao lançamento do plano de desligamento voluntário, gerando assim insegurançanos funcionários.

No entanto, outro gerente entrevistado considerou que tal fato não teria afetado adecisão de seus subordinados, uma vez que as demissões teriam incluído apenas pessoascom graves problemas em sua história profissional, caso que não ocorria em sua área,pois todos seriam funcionários extremamente competentes.

Por fim, dois pontos devem ser comentados. De um lado, essas são interpretações dosremanescentes acerca das decisões das pessoas que saíram. Como não se realizou umapesquisa direta com as vítimas, não se pode, portanto, afirmar que as razões einterpretações das pessoas desligadas coincidam com aquelas relatadas por seus chefes,colegas ou subordinados. Como permaneceram na empresa, pode ter havido associaçãocom sentimento de culpa face aos que saíram, levando à adoção de motivos racionaispara explicar suas ações. Por outro lado, mesmo que sujeitos a racionalizações aposteriori, não se pode esquecer que remanescentes são observadores privilegiados doprocesso, sendo seus depoimentos, portanto, importantes para este trabalho.

7.1.2.4 Razões para a não adesão ao PDI

Analisando-se a Tabela 25, pode-se observar que há, novamente, uma grandesimilaridade nas razões apresentadas para a não adesão ao plano. Dado que a ServA e aServC tinham planos para complementação de aposentadoria, é natural que osfuncionários se preocupassem com o tempo para a aquisição dos requisitos mínimospara essa suplementação. Questões de ordem pessoal e familiar também estiverampresentes nos depoimentos dos funcionários das duas empresas.

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TABELA 25RAZÕES PARA A NÃO ADESÃO

AO PLANO DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO

ServA ServCFalta de tempo para o direito àaposentadoria

Falta de tempo para o direito àaposentadoria

Crença na melhora da empresa Expectativa de maioresoportunidades na empresa

Motivação para o trabalho Compromisso e gosto pelotrabalho

Despesas correntes (por exemplo:dívidas com aquisição de casaprópria, despesas com filhos)

Questões de ordem pessoal efamiliar (por exemplo: filhosainda não encaminhados)

Acreditar no próprio valor; tercontribuição a dar

Acreditar no próprio valor, tercontribuição a dar.

Valor do incentivo financeiro erabaixoEscassas oportunidades fora daempresaSem preparo para sair da empresa

Acreditar na organização.Orgulho da empresa

Motivação para o trabalho e acreditar no próprio valor foram, igualmente, fatores quepesaram na decisão dos dois grupos pesquisados. Uma consideração a ser feita e quetem por base o próprio depoimento de algumas pessoas refere-se à essencialidade doserviço prestado. Assim, nota-se no discurso dos empregados um orgulho pela atividadeexercida e confiança no valor de seu trabalho.

Os depoimentos colhidos, nas duas empresas, apontam para raciocínios que incluemmais do que um dos fatores indicados. Embora não se possa inferir um padrão deraciocínio realizado pelas pessoas, depreende-se a consideração simultânea de múltiplosfatores intervenientes e de análises de prós e contras, como no exemplo a seguir:

“Aqui dentro eles estavam pagando um pouco mais do que o mercado pagava.Então, eu achei temeroso eu aderir para me capitalizar agora e depois, em poucotempo, eu me descapitalizar ...Não ter onde entrar, porque eu não estou perto deaposentar, ainda falta bastante coisa. ...Eu não aderi porque eu não senti muitamotivação, entre o valor que eu ia receber em dinheiro para as perspectivas queeu tinha no mercado e perspectivas de crescimento que poderiam ser abertasapós a saída de algumas pessoas aqui dentro. ... Eu encaro isso como umaoportunidade. ...Eu acho que eu posso ter uma perspectiva de crescimento maior

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aqui porque começa a abrir espaços... começam a sair as pessoas de cima, odebaixo sobre, o outro sobe e a gente via ocupando espaços. ... Eu comecei apensar o seguinte: eu sou separado, mas meus dois filhos moram comigo. Então,eu tenho um volume X de gastos, X por mês. Eu calculei pelo que eu ia receber,eu conseguiria ficar ainda... se não entrasse nada, talvez uns dois anos e meio atrês anos aí sem precisar me preocupar.... Em dois anos e meio ou três anos, euachei complicado. Porque qualquer coisa que eu iniciasse. ... eu achei que eunão conseguiria fazer a coisa decolar...Então foi isso. Uma coisa foi movidapela cautela, outra foi movida pela vontade de ver mais o que vai acontecer.Mais ou menos isso.”

A permanência, na empresa, raramente foi relatada como estando baseada em um únicomotivo. Percebe-se uma composição de diversos argumentos, o que apontaria para umadecisão complexa, que envolveu não apenas a situação vigente à época mas também aavaliação de probabilidades acerca do que poderia ocorrer no futuro.

Fazia parte do pensamento de muitos a idéia de que só valeria a pena sair da empresaem caso de aposentadoria. Alternativas como obter outro emprego, abrir novosnegócios, ou mesmo tomar novos rumos para a vida pessoal, antes da aposentadoria,quase não surgiram nas entrevistas. Dentro desta perspectiva pode-se conjeturar que amelhor alternativa possível era o desligamento seguido de imediata aposentadoria. Estavisão pode indicar a existência de um contrato psicológico fortemente enraizado, noqual o funcionário, de sua livre vontade, só sairia se fosse para se aposentar.

Além disso, pode-se considerar que pessoas que trabalharam grande parte de sua vidaprofissional dentro da mesma empresa e nela esperavam se aposentar não tivessem sepreparado suficientemente para uma vida “fora”. Paralelamente, outra questão deve,também, ser considerada. Segundo Schirato (1999), funcionários que tivessem umagrande ligação com a empresa teriam perdido a noção de quanto valeriam no mercado,não sabendo o que “poderiam oferecer” (p.12). Esta ótica é merecedora de atenção, poisalgumas pessoas, ao receberem o valor da benefício a que tinham direito em caso deadesão, consideraram aquele o valor de referência, não considerando a possibilidade deque o mercado talvez tivesse uma avaliação diferente. Poder-se-ia conjeturar que ainstituição abrangia de tal forma a vida do funcionário que este desconsiderava apossibilidade de vida fora dela.

Outros fatores podem também ser considerados. De acordo com DeWitt, Trevino eMollica (1998), alguns fatores também podem influenciar a adesão a programasvoluntários. Segundo os autores, há uma tendência para que as pessoas mais velhas ecom mais tempo de empresa sintam maior ligação com a organização por possuíremhabilidades e conhecimentos específicos à empresa. Além disso, pessoas mais velhastêm, via de regra, menor mobilidade para trocar de emprego. o que justificaria a menorintenção de sair.

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Por fim, há que se considerar a questão das ligações afetivas que se formam ao longo detantos anos de trabalho. Muitos consideraram a empresa uma “família” da qual seriadifícil se separar. Outros encontram na empresa sua identidade, e deixar a empresasignifica, entre outras questões, perder parte desta identidade. Para outros, a rotina diáriaconfere à vida uma dignidade que se perde na ausência de emprego estável. SegundoSennett (1999, p. 14), a estabilidade social, aí incluída a estabilidade no emprego,permite às pessoas narrarem de forma “linear” sua própria história de vida, conferindo-lhes “um senso de respeito próprio”. Para o autor, a forma de sobreviver na economiamoderna colocaria a vida emocional das pessoas “à deriva”(p.19), pois não se poderiadesenvolver uma identidade e história de vida a partir de “episódios e fragmentos”(p.27).

A partir desta perspectiva, seria razoável considerar que o desligamento da empresaconstitui-se uma ameaça à sobrevivência sadia da vida emocional dos funcionários. Taisconsiderações amparam-se não apenas na literatura crítica já citada, mas também nosdepoimentos coletados acerca do comportamento de pessoas que, mesmo tendoadquirido o tempo necessário para a aposentadoria, recusam-se a abandonar a rotinadiária de ida ao trabalho86.

7.1.2.5 Papel do gerente no PDI

A circunstância de uma empresa recém-privatizada impôs aos gerentes a tarefa depreparar seus funcionários para o início de uma nova fase com exigências diferentesdaquelas encontradas na época de estatal (Tabela 26)

O papel do gerente diferiu no caso dos planos voluntários e do plano involuntário. Nosplanos voluntários, por não ser a decisão de desligamento escolha do gerente, via-se esteem papel acessório, com a função maior de apoio e auxílio aos funcionários. Emalgumas situações, perguntado por seus empregados sobre a possibilidade depermanecer no emprego, via-se obrigado a dizer que esta garantia não poderia seroferecida uma vez que ele, gerente, também não estava assegurado na nova empresa87.Em outros casos, servia apenas como alguém disposto a ouvir e refletir acerca dadecisão a ser tomada. De forma geral, os gerentes indicavam ser a decisão de caráterpessoal podendo ser tomada apenas pelo funcionário.

Em algumas situações, porém, os gerentes aproveitaram a ocasião para aconselhar àspessoas sem o perfil adequado para continuar na empresa que aderissem ao plano. 86 Dois casos podem ilustrar essa questão: ( a) a do funcionário que, mesmo tendo se aposentado, levoucerca de três meses para comunicar à esposa sua aposentadoria, tendo continuado a sair e chegar em casano mesmo horário, como se nada tivesse acontecido e (b) a do funcionário que, após a festa de despedida,continuou a trabalhar normalmente, a ponto de o chefe ter que retirar sua mesa de trabalho.87 Há que se refletir, nesses casos, acerca da incapacidade de compreensão da situação por parte dosfuncionários: seria um mecanismo defensivo, uma alienação ou mesmo falta de preparo por parte daempresa e gerência?

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Nestes casos, as estratégias variaram: alguns enviaram recados pela rede informal aosseus subordinados, indicando não haver “espaço” para eles dali em diante; outrosconversaram diretamente com os funcionários; outros, ainda, utilizaram-se de umdiscurso indireto88 para esta sinalização.

No caso da ServB, cujo plano foi involuntário, o papel do gerente ateve-se mais àsquestões da escolha dos funcionários e ao ato da demissão propriamente dito. Questõescomo critérios para a seleção, explicação das razões para o desligamento, comunicaçãoda demissão propriamente dita, foram as principais preocupações dos gerentes. Viram-se posteriormente, também, envolvidos com a necessidade de tranqüilizar ou“remobilizar” os empregados remanescentes89.

Essas questões estão bem de acordo com Noer (1993) para quem as questões da própriainsegurança no emprego e a tarefa de transmitir tranqüilidade, ao mesmo tempo em quedevem fazer com que todos compreendam as novas regras, impõem aos gerentes grandesobrecarga psíquica e emocional.

7.1.2.6 Funcionários desligados

Indagados sobre o destino dos desligados, os entrevistados relataram, basicamente, asseguintes situações: funcionários que exerciam cargos técnicos encontraram empregosem outras empresas, algumas das quais empreiteiras; alguns abriram negócios próprios– com casos de sucesso e casos de insucesso -; outros foram recontratados,temporariamente, com duração variada entre três meses e dois anos; outros ainda -notadamente os da área administrativa – se aposentaram. No caso da ServC, algunsforam trabalhar em cooperativa de ex-funcionários. Houve ainda, casos de empregadosque, não tendo encontrado emprego, tentaram voltar para a empresa (Tabela 27).

88 Como, por exemplo, indicar as exigências e habilidades profissionais exigidas no futuro, procurando,assim, sinalizar ao funcionário a baixa probabilidade de permanecer na empresa.89 Um dos gerentes indicou que tinha que fazer ver aos empregados que, embora menores em número,eram capazes de dar conta das tarefas. Outro, por sua vez, relatou que, após o programa, os funcionáriosremanescentes ficaram tão aflitos com a própria segurança que se “dissesse para lavar o chão, lavava; seeu dissesse para lamber, lambia. ....Se eu dissesse ‘tem que espanar o teto, atender o telefone, correr láfora e voltar aqui’, o cara fazia.... Daí para a frente, a pessoa estava aqui e realmente estava querendoficar”.

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TABELA 26PAPEL DO GERENTE NO PDI

ServA(plano voluntário)

ServB(demissões)

ServC(plano voluntário)

Informar Informar sobre o queocorria no Brasil e nomundo

Conscientizar Conscientizar que omomento era outro(perdas de benefícios)

Conscientizarremanescentes sobre anova forma de trabalhar

Conscientizar pessoasque o trabalho não eratudo na vida, era umafase que se encerrava

Alertar que asdemissões seriam umarotina; não se estavamais em uma estatal

Conversar eouvir

Estar aberto a ouvirhistórias

Ouvir as histórias e osdramas pessoais

Alertar que adecisão deadesão erapessoal

Mostrar que a decisãoera pessoal

Mostrar que a decisãoera pessoal

Dar conselhos Alguns davamconselhos pessoais

Dartranqüilidade

Ser um ponto dereferência para o grupo,estar tranqüilo

“Recomendar”a adesão

Alguns“recomendavam” aadesão

Sinalizar aos “ruins”que deveriam aderir;“recomendar adesões”

Posicionar aspessoas

Sinalizar aos “bons, semgarantir emprego, quetinham perfil paracontinuar

Selecionar aspessoas

Selecionar as pessoas aserem desligadas

Explicar asrazões do plano

Indicar que era questãode sobrevivência daempresaMotivo não era pessoal,o mundo teria mudado

Dignidade nademissão

Tentar passar mensagemde otimismo para osdemitidosTer dignidade e respeitono ato da demissão

Elevar o moral “Remobilizar” osremanescentes

Ações desegurança

Verificar e garantir quenão houve represálias

263

TABELA 27DESTINO DOS EMPREGADOS DESLIGADOS

SEGUNDO RELATO DOS EMPREGADOS

ServA ServB ServCEmprego em outrasempresas

✔ ✔ ✔

Negócio próprio ✔ ✔ ✔

Aposentadoria ✔ ✔ ✔

Recontratadostemporariamente

✔ ✔

Cooperativa de ex-funcionários

Tentativa de voltarpara a empresa

✔ ✔

7.1.3 Após a privatização

As principais questões, surgidas nos relatos dos funcionários remanescentesentrevistados acerca do período após a privatização, dizem respeito, basicamente, àsnovas exigências que alteraram a forma de trabalhar, às novas práticas organizacionaisque influenciaram a vida profissional em seu dia-a-dia e ao contrato psicológico detrabalho, consideravelmente alterado, se comparado com aquele vigente na época deestatal.

7.1.3.1 Nova forma de trabalhar

As mudanças mais relatadas, acerca da nova forma de trabalhar e acerca das exigênciasque a empresa privada impôs ao corpo de trabalhadores, dizem respeito a: alteração nacarga de trabalho, horas prolongadas de trabalho, exigência de multifuncionalidade,maior responsabilidade e autonomia para a execução das tarefas, maior atenção para asquestões de lucro e custos, maior atenção para o negócio e meio ambiente da empresa,além de maior consciência do mercado de trabalho.

7.1.3.1.1 Alteração na carga de trabalho

O relato mais freqüente (Tabela 28) e, também, mais contundente dos entrevistadosrefere-se à alteração na carga de trabalho. Com exceção de algumas áreas da ServA queviram sua carga de trabalho diminuir em função da centralização de tarefas na holding,a grande maioria relatou aumento na quantidade de trabalho.

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A drástica90 redução no efetivo das empresas aliada a maior cobrança por parte dadiretoria implicou para os funcionários um aumento substancial na carga de trabalho.Em geral, a categoria dos gerentes foi a que mais se sentiu afetada, mas mesmo o níveloperacional indicou em seus depoimentos, grande alteração na quantidade e no ritmo detrabalho91.

Outros fatores contribuíram, também, para esse aumento. A prática damultifuncionalidade, por exemplo, exigiu que se executassem tarefas antes deresponsabilidade de outras pessoas. No caso da ServC, o exemplo mais citado referiu-seàs atividades típicas de secretárias, que passaram a ser exercidas pelos própriosgerentes. No caso da ServB, a cultura da multifuncionalidade perpassou todos os níveishierárquicos, desde a gerência até o nível administrativo e operacional.

Embora a tecnologia tenha sido citada como a grande aliada da produtividade,curiosamente, vários gerentes da ServB e da ServC indicaram que a implantação docorreio eletrônico lhes havia criado uma preocupação a mais. Para responder a toda essacorrespondência seriam obrigados a ficar além do expediente e até a trabalhar nos finaisde semana. Parece, neste caso, que a facilidade de comunicação criou uma demandaantes obstruída pela burocracia ou pela distância física92.

Kanter (1997) relata situação similar. Segundo a autora, organizações de alta atividadeque valorizam o acesso à informação, geram e circulam essas informações em ritmorápido, obrigando os funcionários a lidar com carga muito maior de correspondência,notadamente a enviada por correio eletrônico.

A terceirização de atividades, por sua vez, deveria reduzir a quantidade de trabalho nasmãos de funcionários da empresa. No entanto, nos casos da ServA e da ServC, houveindicação que a contratação destes serviços teria aumentado a carga das pessoasresponsáveis pela supervisão dos serviços executados. Uma das razões alegadas estariano despreparo de parte das empresas terceirizadas em executar o serviço contratado, nãoatendendo às exigências de qualidade da empresa contratante.

Outro fator mencionado foi o ambiente externo, mais especificamente a concorrência eas agências reguladoras que teriam imposto maior pressão à empresa e,conseqüentemente, aos seus empregados.

90 A literatura considera severas reduções que atingem mais do que 15 a 20% do pessoal. Nos três casosestudados, como já relatado, a menor redução atingiu cerca de 20% do efetivo (ServA) e a mais severaatingiu, aproximadamente, 40% do quadro de pessoal (ServC).91 Na ServB, alguns relatos indicaram a existência de uma estrutura tão enxuta que não haveria nenhumafolga para as eventualidades, exigindo, nestes casos, esforço adicional ao já realizado.92 É de se pensar em que medida o correio eletrônico passou a servir de meio para a comunicação demensagens ou perguntas relevantes. Pode ser, também, que boa parte da correspondência recebida, emverdade, não agregasse valor algum ao trabalho das partes.

265

TABELA 28FATORES PARA O AUMENTO NA CARGA DE TRABALHO

ServA ServB ServCRedução depessoal

Redução de pessoal Redução de pessoal Redução de pessoal

Maior cobrança Nível de exigênciaaumentou

Maior cobrança Maior cobrança

Crescimento daempresa

Crescimento daempresa

Demanda pelo serviçoda empresa aumentou

Multifunciona-lidade

Cultura damultifuncionalidade

Cultura damultifuncionalidade

Tecnologia E-mail E-mailNovas tecnologiasgeravam mais trabalhono início

Solicitações da matrizReestruturações Empresa em fase de

reorganizaçãoContratação deserviços terceirizadosaumentava trabalho dosupervisor

Contratação deserviços terceirizadosaumentava trabalho dosupervisor

Ambienteexterno

Empresa enfrentavaconcorrência

Maior controle deórgãos externos

Falta de espíritode equipe

Falta de espírito deequipe

Passado Muitas providênciasdeveriam ter sidotomadas no passado

Com o aumento da carga de trabalho, empresa e empregado buscaram formas deaumentar a produtividade e racionalizar o trabalho (Tabela 29). A implantação detecnologia de informática e automação de processos foram estratégias adotadas pelastrês empresas pesquisadas. Curiosamente, a tecnologia foi relatada como causa e,também, como solução para a redução de pessoal. Em todas, a automação permitiu adispensa de empregados e, em todas, auxiliou os que ficaram a otimizar o trabalho.

As empresas ServB e ServC, por não terem cultura de informática investirampesadamente na compra de equipamentos e treinamento de pessoal. Os relatos indicam,no entanto, que muitas pessoas tiveram dificuldade em se adaptar a esta nova forma detrabalho tendo, algumas vezes, que ser deslocadas para outras funções. Na ServA nãohouve registro deste tipo de dificuldade, provavelmente, em função da estrutura deinformática já existente na empresa.

Do ponto de vista do funcionário, muitos buscaram melhorar seu próprio processo detrabalho, repensando suas atividades, verificando atividades desnecessárias, eliminandoetapas ou simplesmente aprendendo a priorizar suas tarefas. Os funcionários da ServB

266

foram particularmente enfáticos em relatar que esta seria uma atitude cobrada pelaprópria empresa, que estaria permanentemente estimulando seus empregados abuscarem formas mais produtivas de trabalhar.

Atitudes internas foram citadas como estratégias para lidar com a questão. Umempregado da ServB, por exemplo, indicou que controlar sua ansiedade seria sua formade obter tranqüilidade para tomar melhores decisões. Outro empregado da ServC, porsua vez, apontou que teria que aprender a trabalhar sob pressão, uma vez que esta seriauma realidade dali para diante.

Posturas gerenciais seriam, também, necessárias para lidar com o aumento naquantidade de trabalho. Com estruturas mais horizontais, os gerentes teriam sidoobrigados a delegar mais e a exercer mais o papel de gerenciador de recursos humanos.

TABELA 29ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM

O AUMENTO NA CARGA DE TRABALHO

ServA ServB ServCTecnologia Implantação de

tecnologiaGanhos deprodutividade comtecnologia

Implantação detecnologia

Automatização dotrabalho

Abandonar a cultura dopapel, usar modem,Notes

Terceirização Terceirização deatividades

Contratar serviçoterceirizado

Terceirização deatividades

Inteligência na formade trabalhar

Racionalizar trabalho,deixar de fazertrabalhos

Repensar o trabalhopara fazer de formamais inteligente

Aprender a priorizar oserviço

Analisar o processo ever se pode eliminaretapas

Repensar o serviçoOrganizar o trabalho

Equilíbrio pessoal Melhorar a ansiedadepara ter mais equilíbrionas decisões

Aprender a trabalharsob pressão

Gerência Remanejamento depessoas

Aprender a delegar Redistribuindo melhoras tarefas e premiando

Contratação de pessoas

267

Os principais fatores contributivos, portanto, para o aumento das horas de trabalhoestariam no aumento da carga de trabalho, notadamente por força da redução de pessoal,no medo de ser mandado embora, o que implicaria em horas adicionais de trabalho,além de uma postura pró-ativa, segundo a qual, atividades seriam iniciadas tendo emvista melhorar o desempenho da empresa (Tabela 30).

TABELA 30FATORES PARA O AUMENTO DAS HORAS DE TRABALHO,

SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS

ServA ServB ServCAumento nacarga de trabalho

Aumento na carga detrabalho

Aumento na carga detrabalho

Aumento na carga detrabalho

Medo de sermandado embora

Cumpria-se horário eficava-se até mais tarde

Medo de ser mandadoembora

Matriz trabalhava atémeia-noite.

Diretor da área ficavaaté as 11 h da noite echegava às 7 h damanhã

Postura pró-ativa Postura pró-ativa: otrabalho devia ser feito

Postura pró-ativa: otrabalho devia ser feito

7.1.3.1.2 Implicações do aumento na carga de trabalho no horário, na vidapessoal e na vida familiar

Não obstante, as estratégias utilizadas por gerentes e funcionários para otimizar otrabalho, ainda assim grande parte dos empregados aumentou o número de horastrabalhadas Essa modificação no horário de cada um, com jornadas mais longas,trabalho nos finais de semana, trabalho levado para casa, ausência de férias,impossibilidade de programação dos feriados, disponibilidade para a empresa, mesmoestando em casa, teve efeito sobre a vida diária e familiar de cada um.

Os relatos mais comum, conforme Tabela 31, fazem referência ao cansaço físico e aoestresse. Alguns funcionários, notadamente na ServB, indicaram estarem tão cansadosnos finais de semana e nas folgas que lhes faltaria forças para o lazer com a família.Esta situação teria exigido da família maior compreensão, pois, muitas vezes, o passeioprogramada não poderia ser realizado. Lidar com a pressão, com a decepção familiarpor causa da ausência e ainda com a própria culpa seriam questões enfrentadas poraqueles com jornadas mais longas. Alguns registraram, também, preocupações com asaúde no presente e no futuro.

268

Alterações, na rotina diária e familiar teriam sido necessárias como forma de permitir ashoras adicionais no trabalho. Funcionários com filhos pequenos teriam abdicado dealgumas tarefas, como apanhar os filhos na escola, tendo sido obrigados a repassá-las aoutras pessoas. Alguns registraram, ainda, que atividades paralelas, como um curso ouum hobby, tiveram que reduzir ou cancelar o tempo a elas dedicado.

As muitas horas de trabalho teriam como conseqüência, também, um estresse derivadodo fato de a pessoa não conseguir se desligar dos problemas da empresa. Na ServB, porexemplo, algumas pessoas, por força de suas atividades, tinham aparelho celular cedidopela empresa e estavam sempre à disposição, mesmo nos finais de semana e demadrugada. Haveria assuntos urgentes que obrigariam a interrupção da folga e mesmodo sono.

As questões relativas à tensão entre família e trabalho foram abordadas por váriosautores (Barling e Sorensen, 1995; Hage, 1995; Kanter, 1997, Osterman, 1997). ParaKanter (1997), teria havido uma “invasão” (p.292) na vida pessoal que poderia ameaçaros relacionamentos familiares. A questão não se referiria apenas à quantidade de horas,mas também à energia emocional dedicada ao trabalho, correndo o risco de o mesmotornar-se o “centro da vida emocional” (p.287). A multifuncionalidade, a ênfase notrabalho em equipe, o encorajamento à inovação e ao comprometimento com as metasempresariais teriam contribuído para essa dedicação emocional.

A questão da vida emocional dedicada à empresa pode ter uma análise diferente no casobrasileiro. Os registros de funcionários resistentes à aposentadoria indicam, entre outrascoisas, que parte da vida social do funcionário se construía dentro da empresa com seuscolegas. A postura paternalista da empresa estatal incentivou o simbolismo de uma“grande família” sendo natural, então, que, neste ambiente, grande parte da vida social eemocional do funcionário aí se tivesse desenrolado. Acresce-se, ainda, a naturezarelacional de nossa sociedade, que pode ter contribuído para que as relações pessoaisdesenvolvidas na empresa adquirissem caráter de maior importância. Não se podeesquecer, ainda, nos casos da ServB e da ServC, os registros de famílias inteiras – pais,irmãos e tios - trabalhando para a mesma empresa. Por conseqüência, vida familiar evida empresarial, possivelmente, se confundiram.

De outro lado, a empresa privada alterou sobremaneira a estabilidade do emprego.Assim, o medo de perder o emprego e a ansiedade com a precariedade da situação,relatados com ênfase e freqüência nesta pesquisa, passaram a ser uma constante na vidados funcionários. Assim, pressões se fizeram no sentido da necessidade de provar arelevância de sua contribuição93. Portanto, parece razoável supor que a mudança deestatal para privada tenha contribuído para o consumo adicional da energia emocionaldo empregado.

93 A necessidade de provar que o trabalho agrega valor é também levantada por Kanter (1997) em relaçãoao que denomina de o “local de trabalho pós-empresarial” (p.273).

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TABELA 31CONSEQÜÊNCIAS DAS HORAS PROLONGADAS DE TRABALHO NA VIDA PESSOAL E FAMILIAR

ServA ServB ServCSaúde eestresse físico

Cansaço físico. Cansaço físico; Cansaço físico

Sem forças físicas nofim de semana paraoutras atividades

Excesso de trabalhopoderia causarproblemas de saúde nofuturo

Medo de errar porfadiga

Sem tempo paraatividade física, nempara caminhar

Medo de ter um enfarte

Estressemental

Não conseguir sedesligar do trabalho

Estar sempre pensandono trabalho

Muita pressão:preferível perder oemprego a morrer

Poder ser chamado aotrabalho a qualquerhora, à noite, demadrugada e nos fins desemana

Família Falta de tempo paralazer com a família

Sem tempo para lazercom a família nos finaisde semana;

Trabalho nos fins desemana – menos lazercom a família

Filhos em casa semassistência.

Outras pessoas tinhamque dar assistência aosfilhos

Família ficava de lado

Decepção da famíliaquando se trabalhava nafolgaFamília tinha que termais compreensãoNervosismo descontadona família

Outros Falta tempo paraestudar.

Outras atividadesparticulares bandonadas

270

7.1.3.1.3 Outras exigências

O aumento das horas de trabalho foi apenas uma das mudanças enfrentadas pelosfuncionários remanescentes. Um estudo da Tabela 32 indica que outras modificaçõesocorreram na forma de os empregados trabalharem. Sem uma regra seguida igualmentepor todas as empresas, observa-se, no entanto, que escopo e conteúdo do trabalhoaumentaram, significativamente, para grande parte dos funcionários.

Na ServB e na ServC os funcionários passaram a trabalhar com uma gama maior detarefas. Na ServB, a prática institucionalizou-se em todos os níveis organizacionais,desde a base até a alta gerência. Na base, os operários relataram que, além de suastarefas normais, podiam fazer pequenas reformas em seus ambientes de trabalho. Nonível administrativo, os funcionários relataram dominar tarefas antes daresponsabilidade de duas ou três outras pessoas. Mesmo no nível gerencial, aboliram-seas secretárias e os gerentes passaram a cuidar de sua própria correspondência etelefonemas.

Na ServC, por sua vez, duas mudanças foram relatadas nas entrevistas realizadas: adescentralização das atividades da área de Recursos Humanos, e a dispensa demensageiros e secretárias. Assim, cada área passou a realizar as tarefas típicas deseleção, contratação etc. Engenheiros e gerentes tiveram, também, que passar a seresponsabilizar por seus arquivos, correspondência e telefonemas.

Na ServA, por sua vez, não houve registro deste tipo de mudança. Uma semana deentrevistas e visitas, aos várias locais de trabalho da empresa, revelou uma estruturamais tradicional de operação, com secretárias atendendo as gerências e contínuosrealizando serviços de entrega.

De uma outra perspectiva, pode-se supor, ainda, que a prática da multifuncionalidadetenha sido adotada, também, por outras razões além daquelas anteriormente citadas.Tanto a ServB quanto a ServC realizaram enxugamento da ordem de 35% a 40% de seuquadro. Seria natural que, com este nível de redução, sobrasse mais trabalho para osremanescentes.

Outra questão pode, ainda, ser levantada. Se, de um lado, a ampliação do escopo econteúdo do trabalho se alteraram como conseqüência de uma ação empresarial – aredução de pessoal – houve, por outro lado, um movimento de aceitação deste novoestado de coisas pelo próprio funcionário. Pode-se conjeturar que a insegurança e omedo da dispensa tivessem contribuído para que os empregados aceitassem novasfunções, procurando, desta forma, tornar-se mais indispensáveis aos olhos da empresa94.

94 Um depoimento de um gerente da ServB pode ilustrar essa questão: “A gente percebe que as pessoascomeçaram a querer fazer cada vez mais. Então, quem era dono de um processo quis virar dono de doisou três processos. Por quê? Aí o tempo ficava preenchido. A pessoa, de certa forma, era uma forma de sesegurar dentro da companhia”.

271

A alteração, no grau de responsabilidade e autonomia, foi relatado em todos os trêscasos estudados. Na ServB e na ServC, os registros apontaram para o aumento deresponsabilidade, com maior autonomia de ação para os empregados. Assim, resultadosteriam que ser mostrados. No caso da ServB, particularmente, os empregados relataramque as soluções para os problemas deveriam ser criadas por eles mesmo e não adiantariapedir para o chefe dar a solução. No caso da ServA, naquelas áreas responsáveis pordecisões mais estratégicas, os relatos apontam para uma diminuição da autonomia, umavez que muitas decisões passaram a ser tomadas pela holding.

A palavra comprometimento foi, também, bastante citada pelos funcionários da ServB eda ServC. Embora com interpretações diferentes por parte de cada empregado,significava, via de regra, empenho no atingimento das metas empresariais.Comparando-se as três empresas pesquisadas, observa-se que na ServB, a questão tinhamaior destaque. Faziam parte do discurso dos funcionários o empenho, a dedicação e ocomprometimento.

Algumas questões devem ser comentadas. É possível que o comprometimento relatadose relacionasse com a cobrança de resultados realizada nas empresas. Na ServB, comojá relatado, o atingimento de metas da empresa e de cada departamento e seção eradivulgado publicamente e acompanhado diariamente. Assim, o comprometimento maisenfaticamente relatado na ServB pode ter derivado de uma cultura mais agressiva emtermos de cobrança e atingimento de desempenho.

Receita, custos e lucros passaram, da mesma forma, a ser foco de atenção dosempregados das três empresas, com maior destaque, porém para a ServA e a ServB. Ocuidado com o custo apresentou-se nos relatos de funcionários da ServA, sendo quealgumas despesas passaram a ter que ser autorizadas pela matriz. No caso da ServB, osrelatos indicam preocupação com a geração de receita, uma das principais finalidades daempresa privada, segundo os funcionários.

A preocupação com o meio ambiente evidenciou-se nas entrevistas realizadas na ServA.Nesta empresa, grande parte dos funcionários remanescentes realçou a importância dese prestar atenção à imagem da empresa, aos clientes e à concorrência. Como járelatado, a ServA, antes monopolista no setor, estava, à época desta pesquisa, entrandoem mercado altamente competitivo, tendo que lutar para manter e mesmo aumentar suabase de clientes e garantir sua rentabilidade. A ServB e a ServC não enfrentavam estetipo de problema, sendo natural, portanto, que a preocupação com fatores ambientaisnão estivessem presentes nos relatos coletados.

272

TABELA 32OUTRAS ALTERAÇÕES NA FORMA DE TRABALHAR,

CONFORME PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS

ServA ServB ServCMultifuncionalidade Multifuncionalidade nos níveis

operacional, administrativo e gerencialMultifuncionalidade nos níveisadministrativo e gerencial

Não existia definição clara do que cadaum faz

Responsabilidade eautonomia

Algumas área sentiam perda deautonomia, pois parte das decisõespassou para a holding

Atribuições e responsabilidades muitomaiores

Maior autonomia para o nível gerencial epara o nível técnico

Pressa das chefias com trabalho reduziuautonomia do empregado

A consciência profissional indicava quese devia terminar o trabalho

Princípio da autoridade porresponsabilidade

Cobrança aumentou a responsabilidade Negociado o prazo era daresponsabilidade de cada um cumpri-loNão adiantava pedir para o chefe dar asoluçãoAchatamento hierárquico dava maisautonomia e responsabilidade às pessoas

Comprometimento Funcionário não demitidos sentiram-seprivilegiadas e se comprometeram com aempresa

Medo de perder o emprego fez com queas pessoas se envolvessem e secomprometessem com os resultados

Desejo que a empresa desse certo criavacomprometimentoComprometer-se significava trabalharmuito, estar empenhado em atingirresultados, gerar lucros e cuidar daimagem da empresa

Maior atenção parareceitas, custos e

Custo era fundamental para enfrentar aconcorrência

Empresa privada sem lucro fecharia

273

lucrosNão se podia mais fazer estoque, Ofornecedor trazia na medida em que sepedisse

Para dar lucro tinha que ter cliente egastar pouco

era preciso cuidar da receita Falava-se muito de lucro na empresaGastos eram medidos e calculados Custo era analisado sempreDevia-se respeitar o orçamento Trabalhava-se com orçamento rígido Trabalhava-se com orçamentoA parte social era importante, mas não sepodia ter prejuízo

Maior atenção onegócio da empresa

Empregado tinha que entender donegócio da empresaTodo empregado era responsável pelaimagem da empresaEmpregado tinha que saber darinformação

Maior atenção paraa concorrência

Tinha-se que estar preparado para acompetição como se fosse diáriaConcorrente novo no mercado não tinhacusto de pessoal

Quem fosse o mais rápido e mais ágil iriasobreviverË bom competir.

Maior atenção parao cliente

Cliente tinha ser tornado mais exigente Cliente tinha ser tornado mais exigente Cliente estava mais ciente dos seusdireitos

Com a concorrência , tinha que oferecerserviço com qualidade melhor, senãoperdia o cliente

Cliente influenciava a imagem daempresa

Com a concorrência, o cliente tinhaalternativas e não precisava ficar preso àServA

274

De forma geral, pode-se dizer que as modificações que foram introduzidas na forma detrabalhar nas três empresas estudadas apontam para a mesma direção que as indicadasem pesquisas realizadas nos Estados Unidos (Kanter, 1997; Mohrman e Cohen, 1995)Kanter (1997), por exemplo, indica que, em organizações pós-empresariais, asmudanças mais comuns foram: a criação de estruturas horizontais enxutas, funcionárioscom múltiplas habilidades, aumento das responsabilidades individuais e configuraçõesde equipes. Nesta pesquisa, a questão do trabalho em equipe foi o única que não surgiunas entrevistas.

7.1.3.2 Novas práticas organizacionais

As novas práticas organizacionais dizem respeito, principalmente, à intensa cobrança deresultados, à contratação de novos funcionários, à política de valorização dosempregados, à mudança na comunicação no processo decisório e, também, à aquisiçãode novas tecnologias.

7.1.3.2.1 Cobrança de resultados

O registro mais enfático por parte dos entrevistados, referiu-se à forte cobrança deresultados que passou a haver depois da privatização (Tabela 33). Percebiam essacobrança através da necessidade de prolongamento do horário, da necessidade deexecução de atividades paralelas, na forma como o atingimento de metas passou a sercobrado, na necessidade de cumprimento do prazos, na demanda por maior quantidadede tarefas, nos questionamentos dos trabalhos realizados, na menor tolerância com erroe no sentimento de estar sendo permanentemente avaliado.

As reações a essa cobrança manifestaram-se de formas variadas: sentimento de falta desensibilidade da gerência nos casos de prazos exíguos, vigília sobre o próprio trabalho,sentimento de sobrecarga e, principalmente, estresse.

Em algumas situações, notadamente na ServB, empregados indicaram suas posturasfrentes às necessidades do trabalho eram tal que fariam tudo que fosse necessário semque alguém necessitasse ficar cobrando. Dentro de uma postura crítica, poder-se-ia dizerque boa parte desses funcionários, em verdade, internalizou uma cobrança existente aonível empresarial.

275

TABELA 33CONCEITO DE COBRANÇA SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS

ServA ServB ServCHorário Atividades particulares

devem ser realizadasfora do horário detrabalho

Respeitar horário deentrada

Ficar depois do horário Ficar depois do horário Ficar, muitas vezes,depois do horário

Atividadesparalelas

Fazer atividadesparalelas, fora de suaárea de atuação

Fazer atividadesparalelas, fora de suaárea de atuação

Fazer atividadesparalelas, fora de suaárea de atuação

Metas Trabalhar com metas Trabalhar com metasexplícitas equantificadas

Trabalhar com metasexplícitas equantificadas

Cumprimento deprazos

Fazer as coisas maisrápido e com maispressa

Exigência decumprimento dosprazos estabelecidos

Prazos menores paracumprir

Produção Maior quantidade deserviço

Maior quantidade deserviço

Maior quantidade deserviço

Insensibilidade - fazer otrabalho de umasemana em um dia

Ganha oito horas etrabalha mais uma ouduas de graça.

Responsabilidadee atitude pró-ativa

Mais responsabilidade Mais responsabilidade. Mais responsabilidade.

Dar sugestões Ter iniciativa; ser maispró-ativo

Questionamento Atividades realizadasdevem ser justificadas

Qualidade notrabalho

Exigência de qualidade Exigência de qualidade

Menor tolerânciacom o erro

Menor tolerância com oerro

Menor tolerância com oerro

Crescer É necessário crescer É necessário crescerPermanenteavaliação

Avaliação permanente

Seguirregulamentos

Padrões e regulamentosoperacionais devem serseguidos

276

7.1.3.2.2 Outras novas práticas organizacionais

Outras alterações em práticas organizacionais foram relatadas pelos entrevistados: acontratação de novos empregados, a política de valorização do funcionário,comunicação mais ágil e mais aberta e investimento em novas tecnologias (Tabela 34).

A contratação de novos funcionários foi assunto relevante, embora por razõesdiferentes, nas empresas ServB e ServC. No caso da ServB, grande parte dosentrevistados fez referência ao programa de trainees. Inicialmente visto pela altagerência como “salvação da pátria”, fez com que, em um primeiro momento,funcionários remanescentes tivessem a sensação de formação de uma casta privilegiadade empregados. Assim, os trainees constituíram-se, na percepção dos remanescentes,em grande ameaça, uma vez teriam entrado para assumir todas as posições principais.Na época da realização desta pesquisa, esse sentimento não havia ainda de tododesaparecido e parte dos entrevistados acreditava que futuras posições gerenciaisestariam reservadas para eles. Para alguns dos entrevistados, porém, as promoçõesdeixariam de privilegiar os novos funcionários e passariam a ser decididas com base nomérito.

Na ServC, por sua vez, a questão de contratação de novos empregados, em verdade,servia para ressaltar a questão da idade de seus funcionários. Na opinião de alguns,haveria necessidade de oxigenação, e a entrada de novos seria, neste sentido, muito bemvinda. Na ServA, por fim, esta questão não surgiu nas entrevistas, provavelmente emfunção do baixo volume de contratação realizado pela empresa95.

Outra questão levantada pelos empregados referiu-se ao reconhecimento e à valorizaçãodos empregados. Este assunto foi positivamente abordado apenas pelos funcionários daServB. Estes sentiam haver uma grande diferença neste aspecto em relação à prática daestatal. Em um dos locais visitados, entretanto, o sentimento era inverso: trabalhava-semuito e nunca se recebia sequer um elogio. Isto pode apontar para uma diversidade deestilo gerencial dentro da empresa. Assim, embora a maior parte indique melhoria nestesentido, algumas áreas podem ter tido prática diversa.

Na ServA, como alguns benefícios foram reduzidos ou até retirados96, a sensação deperda estava presente do depoimento dos entrevistados. Ainda assim, havia umaexpectativa de que a seqüência de cortes destes benefícios viesse a ser compensada poruma nova política de valorização dos funcionários. De forma geral os empregadosestavam cientes de que futuras promoções ou aumentos seriam concedidos em funçãodo desempenho individual, sem influência de amizade ou parentesco. De forma similar,na ServC, a privatização trouxe uma expectativa de reconhecimento do trabalho que,segundo alguns entrevistados, não havia, ainda, se concretizado.

95 Com a exceção, conforme já relatado, de área novas como telemarketing, que exigiu a admissão de umgrande volume de novos funcionários.96 Como por exemplo: redução da gratificação de férias de 70% para 30% e retirada do anuênio.

277

A questão da comunicação e agilidade do processo decisório foi assunto relevante nocaso da ServB. Segundo os entrevistados, a empresa teria se alterado muito nesta parte.Fisicamente, teria havido mudança no leiaute de forma a haver menos paredes eobstruções no campo visual. O acesso aos níveis superiores da empresa teria sidofacilitado e a circulação de informações intensificada e estimulada. Reuniões periódicascom empregados seriam realizadas em todos os níveis, sendo que pessoas de todas aslocalidades eram às vezes chamadas para encontros no prédio sede da empresa. Todasessas modificações foram consideradas radicais se comparadas com a empresa estatal,na qual o acesso aos níveis superiores era regido, segundo percepção dos funcionários,por intensa cultura hierárquica.

Na ServC, houve, igualmente, registro de intensificação da comunicação na empresa,sendo que seriam mais freqüentes reuniões com gerentes e o acesso aos níveissuperiores da empresa teria sido facilitado. Algumas pessoas indicaram, também, que omaior fluxo de informação e maior contato com outras pessoas teria permitido que seconhecesse outros funcionários da empresa. Esse registro de mudança parece naturalconsiderando-se as novas admissões e a implantação de sistema de correio eletrônico.

Na ServA, não houve registro relevante de alteração no processo de comunicação. Oprocesso decisório foi percebido como tendo se tornado mais moroso em função deperda de poder decisório para a matriz. Como já relatado, grande parte do corpogerencial da empresa permaneceu o mesmo. Além disso, como pessoas novas não foramcontratadas, e o sistema de informações da empresa já estava em operação desde otempo de estatal, é razoável supor que a dinâmica da organização pouco tenha sealterado neste aspecto.

Por fim, a questão de novas tecnologias foi, também, objeto de comentários por partedos entrevistados. Com exceção da ServA, as empresas ServB e ServC vieram deadministrações com pouco investimento em tecnologia. Assim que foram privatizadas,receberam grande aporte de capital para investimento tanto em equipamentos e softwarede informática quanto para equipamentos de automação do processo de produção deseus serviços. Esse investimento teria causado grande procura por cursos de informáticae treinamento nos software específicos da empresa.

278

TABELA 34OUTRAS NOVAS PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS

ServA ServB ServCContratação denovos funcionários

Contratações eram realizadas,parcimoniosamente, com exceçãodaquelas realizadas para áreas novas.

No início, trainees eram vistos pela altagerência como os “salvadores da pátria”

Foram contratados 1350 funcionários nobiênio 97/98 – cerca de 20% do quadromédio – em todos os níveisorganizacionais

Sem perspectiva de crescimento do quadro Alguns trainees conseguiram espaçodentro da empresa, outros saíramTrainees estavam sendo preparados paraserem os próximos gerentes, mas tinhamque concorrer com os funcionários antigosTrainees eram inexperientes na área denegócios da empresaO trainee devia ao empregado antigogrande parte do que sabia sobre a empresaPessoas ficavam com medo do traineetirar seu lugarEntre um funcionário novo e um antigo, ofuncionário novo era o promovidoCom os trainees havia oxigenação naempresa e também troca de informações

Pessoas novas traziam novosconhecimentos e oxigenavam a empresa

Valorização dofuncionário

Expectativa de política de valorização ereconhecimento

Em geral, os funcionários sentiam-sevalorizados

A privatização gerou expectativas quenão foram atendidas

Em pelo menos uma das áreas, pessoassentiam falta do reconhecimento de seuesforçoQuem demonstrava maior interesse eramais reconhecidoPessoas eram ouvidas e respeitadas emsuas colocações

279

Pessoas passariam a ser avaliadas por seuresultado

Política de meritocracia: era-se avaliadopelo retorno que se dava

Valorização na empresa privada nãodependia de amizade ou parentesco

Comunicação eprocesso decisório

Processo menos ágil; algumas decisõestinham que passar pela holding

Processo decisório ágil Processo decisório ficou mais ágil

Em caso de necessidade de algumadecisão, bastava ligar para o superiorAcesso à diretoria era imediato Acesso mais fácil à diretoria

Mais agilidade nas questõesadministrativas

Presidente da empresa circula e conversacom funcionários

Maior interação com os gerentes

Diálogo era estimuladoAs pessoas ficavam mais conhecidasdentro da empresa

Reuniões periódicas na sede comempregados de toda a empresa

Reuniões com as chefias eram constantes

Reuniões de 5 a 10 min no níveloperacionalCada setor tinha seu desempenhodivulgado em painéis de fácil visibilidade

Novas tecnologias Houve um grande investimento emtecnologia

Houve um grande investimento emtecnologia

Implantação de correio eletrônico Implantação de correio eletrônicoImplantação do SAP em várias áreas daempresa

Implantação do SAP em várias áreas daempresa

Modernização de equipamentos Modernização de equipamentos

280

7.1.3.3 Alteração no contrato psicológico

Sem dúvida, uma importante questão enfrentada pelos remanescentes foi a alteração docontrato psicológico. Na estatal, dois fatores geravam tranqüilidade aos empregados: aquase certeza da estabilidade no emprego e a expectativa de complementação deaposentaria pela fundação de seguridade associada à estatal. Assim, empregados deempresas estatais trabalhavam com a perspectiva de continuidade dentro da empresa até,pelo menos, a data da aposentadoria.

Com a passagem para a empresa privada através do processo de privatização, essesempregados viram-se, em curto espaço de tempo, sem a estabilidade do emprego e,conseqüentemente, com a complementação de aposentaria ameaçada. A precariedade doemprego e o sentimento de vulnerabilidade puderam ser constatados nas entrevistas dastrês empresas pesquisadas (Tabela 35).

Algumas questões abordadas mostraram-se comuns a todas as três empresas. A primeiradiz respeito ao temor da possibilidade de novas reduções em função da reestruturaçõesorganizacionais sejam elas centralizações, descentralizações ou terceirizações. Emverdade, este temor é plenamente justificado, uma vez que as pesquisas indicam queempresas que realizaram programas de enxugamento têm maior probabilidade derealizar novas demissões no futuro.

O segundo aspecto faz referência aos salários recebidos. Alguns entrevistados relatarampreocupação com seus salários pois a empresa poderia contratar outros profissionais nomercado com remuneração bem menor. Esta preocupação procede. Pesquisas realizadasnos Estados Unidos (Downsizing of America, 1996) indicam que a proporção depessoas desligadas, com salários mais altos, aumentou muito desde a década de oitenta.

A terceira questão relaciona-se com a qualificação e a formação. Para os remanescentesda ServA e da ServB, as preocupações relacionaram-se com a falta de qualificação paraatender às exigências futuras da empresa. Tal temor teria gerado intensa procura porcursos de línguas e informática.

No caso da ServB, a questão da qualificação se apresentou de forma diferente. Nestecaso, alguns funcionários demonstraram preocupação com a boa formação dos novoscontratados, muitos dos quais fizeram cursos de especialização e de pós-graduação,oportunidades essas, em geral, não disponíveis àqueles oriundos da estatal.

Embora não se possa medir o grau de segurança/insegurança das empresas, pode-se, apartir das entrevistas realizadas, inferir o grau de preocupação em cada empresa. Nocaso da ServA, as pessoas entendiam que o contrato tinha se alterado e demissõespoderiam ocorrer por necessidade de reestruturação da empresa. É possível que, no casoda ServA, parte da insegurança decorresse por terem as decisões estratégicas passado

281

para a holding. Além disso, muitos funcionários da empresa foram transferidos paraoutras regiões, o que pode ter aguçado o sentimento de vulnerabilidade.

Na ServB, pode-se inferir a partir das entrevistas, um sentimento de insegurança maisagudo, uma vez que a empresa tem realizado ajustes com certa freqüência, muitos delesenvolvendo um grande número de pessoas. Por outro lado, é exatamente na ServB queos empregados relataram maior crescimento profissional e maior esforço de valorizaçãodo empregado. Assim, muitos entrevistados, ao mesmo tempo que indicaram apossibilidade de serem mandados embora a qualquer instante, afirmaram, também, queprocuram não pensar nisso por estarem envolvidos com os desafios diários de seustrabalhos. Outra questão bastante presente nos depoimentos dos entrevistados referiu-seà ameaça que os trainees representavam para os remanescentes. Junte-se a isso, ainda, asensação de sentirem-se estigmatizados por terem vindo de uma empresa estatal.

Na ServC, houve, também, a consciência de um contrato que se modificou. Mas deforma geral, a insegurança maior estaria, segundo os depoimentos, mais ligada à idadedas pessoas. Assim, pessoas perto dos 50 anos sabiam que o convite à antecipação daaposentadoria se aproximava.

Quais os requisitos, então, para a permanência no emprego? Como se poderia lidar comquestão da precariedade do contrato de trabalho? De forma geral, os entrevistadosrelataram que os novos requisitos incluiam a aceitação de novos trabalhos, de novashabilidades relativas à empresa, de jornadas mais longas, de agregação de valor.Acresce-se, ainda, a necessidade de comprometimento no sentido de estar envolvidocom as metas da empresa, alinhado com seus objetivos, contribuindo constantementepara o seu sucesso (Tabela 36).

Além disso, percebia-se a necessidade de um esforço no sentido de desenvolver-seprofissionalmente com novos cursos, estar informado da situação da empresa e,também, ser capaz de perceber as mudanças de rumo que ocorressem dentro daempresa. Assim, o empregado teria que perceber os novos requisitos exigidos para nãoser surpreendido com um perfil defasado daquele desejado pela empresa.

Estas questões convidavam à reflexão, pois, tratava-se, segundo os relatos, muitasvezes, de qualificações não exigidas no tempo de empresa estatal. Os empregados,pode-se inferir, foram, portanto, obrigados a incorporar novas habilidades, novosconhecimentos e novas atitudes em curto espaço de tempo.

Pode-se perguntar, por exemplo, o quanto as pessoas, em seu passado recente, tinham apercepção da necessidade destas mudanças. É motivo para reflexão o seguintedepoimento de um dos entrevistados: “Porque o ser humano, a pessoa que está aqui há24 anos, 25 anos, ela não tem culpa de hoje eles descobrirem que ele é um mauprofissional. Foram descobrir depois de 25, 26 anos?”

282

TABELA 35SENTIMENTO DE VULNERABILIDADE DO EMPREGO

SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS REMANESCENTES

ServA ServB ServCGrau deinsegurança

Garantia do emprego estava perdida, masnão era intenção da empresa fazer ofuncionário sentir-se descartável

Ninguém podia se sentir imune; muitagente nova já tinha ido embora

A média de insegurança na empresa erabaixa

Reestruturações Uma reestruturação da empresa podiacausar demissão

A atividade podia acabar, podia deixar deexistir

A empresa podia fazer o que ela quisesse:podia terceirizar, podia descentralizar,podia reduzir

Uma área podia ser terceirizada e aspessoas podiam perder o emprego

Salários altos Salários mais altos assustavam pois haviapessoas dispostas a trabalhar o mesmo pormenos

Alguns funcionários estavam com altossalários

Com o salário de um, podia-se contratardois ou três no mercado

Qualificaçãoprofissional eformação

Preocupação com a qualificação e aformação frente às novas necessidades daempresa

Novos contratados vinham com boaformação

Temor de não ter a qualificação exigida

Demissão aqualquer hora

Não se sabia o que se passa na cabeça daspessoas

O perfil adequado para a empresa podiasofrer modificações

A demissão podia ocorrer em 10 anos, em10 meses, em 10 minutos

Mesmo sendo bom podia-se ser mandadoembora

Não se sabia se se estaria empregado nodia seguinte

Desligamentoscausavamintranqüilidade

Não se parava de demitir Sucessivos programas de incentivo àaposentadoria causavam desconforto

Grandes turmas foram mandadas embora(500, 700 pessoas)

Estigma de ter sidoda estatal

Quem veio da estatal era mais vulnerável,estava sempre preocupadoSentimento de que se tinha um “carimbo”na testa

283

Mais cedo ou mais tarde não iria ficar umNão se queria nenhum traço do passado nanova empresa

Idade e tempo deempresa

A idéia era colocar gente nova A empresa procurava empregados maisnovosIdade era um fator de preocupaçãoTer muito tempo de empresa era um fatornegativoA carta (de convite à aposentadoria) deviaestar a caminho

Quebra no contratopsicológico

O que mais assustava era a quebra dorelacionamento

284

TABELA 36REQUISITOS PARA PERMANECER NO EMPREGO,SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS REMANESCENTES

ServA ServB ServCMultifuncio-nalidade

Saber fazer mais coisasna empresa

Ser responsável pormais processos

Não pode serespecialista de umacoisa só

Aceitar maistrabalho

Aceitar trabalhar nafolga era imperioso

Ficar trabalhando atémais tarde

Se trabalhar só oitohoras ao invés de dozeou treze podia sermandado embora

Agregar valor Contribuir, agregarvalor

Tornar-se indispensável

Apresentarresultados

Ou a pessoa davaresultado ou estava fora

Se não “desse conta dorecado” era mandadoemboraCumprir metas

Comprometi-mento ededicação

Necessidade de maiordedicação

Necessidade deincorporar o “espírito daprivatização”

Necessidade de melhordesempenho no trabalho

Envolvimento com asmetas

Envolvimento com asmetas

Contribuição aotrabalho

Motivação Alinhamento com osobjetivos da empresaSem dúvidas sobre osucesso da empresa

Competência Trabalhar comcompetência

Garantia aumenta comcompetência

Autodesenvolvimento

Necessidade de auto-desenvolvimento

Aprendizado contínuosobre o trabalho

Completar educaçãobásica (segundo grau)

Fazer cursos paraaprender mais

Desenvolver-se Treinamento eminformátiva

Adaptabilidade Ter percepção aguçadadas mudançasIr se adaptando

Ser beminformado

Acompanhar aevolução do mundo

As estratégias para lidar com a insegurança no trabalho incluem modificações na formade pensar e sentir, ações de desenvolvimento profissional, maior esforço de trabalho eprocura de alternativas fora da empresa (Tabela 37)

285

Várias formas de se lidar com o aspecto cognitivo da situação foram apresentadas. Umadelas referiu-se à estratégia de não ficar pensando no assunto a toda hora ou, então,procurar esquecer o problema, reunindo-se e brincando com colegas na mesma situação.Desconsiderar a possibilidade de a demissão acontecer seria, também uma estratégiasimilar. Assim, mecanismos de negação e fuga podiam servir ao intento de lidar com osentimento de insegurança.

Lidar com sua própria emoção seria, segundo relato de um entrevistado, outra forma deenfrentar a situação. Segundo vários depoimentos, grande parte dos funcionários daestatal tinha com ela forte ligação afetiva. Na nova ordem, seria necessário, então,“deixar o coração de lado” e usar mais a razão. Dentro desta perspectiva, não haveriaespaço na empresa privatizada, para sentimentos e emoções.

Racionalizações, também, foram utilizadas. Assim, uma das lógicas seguidas diziarespeito ao fato de que, se o empregado precisava da empresa, esta por sua vez,precisava dele. Não haveria, portanto, em sendo um bom funcionário, porque temer ademissão. Pensar em situações familiares confortáveis, como ser solteiro ou não terfilhos, também traria mais tranqüilidade.

Ações práticas seriam, também, uma forma de enfrentar a insegurança. Estas poderiamser direcionadas a atender necessidades da empresa como, por exemplo, trabalhar mais eter a certeza de agregar valor. As pesquisas indicam que esta tem sido uma estratégiacomum adotada pelos trabalhadores nos Estados Unidos, que estariam dispostos atrabalhar mais horas, tirar menos férias e mesmo aceitar menos benefícios com oobjetivo de manter seus empregos (Downsizing of America, 1996).

Pensar em alternativas fora da empresa seria, do mesmo modo, uma forma de buscarsegurança. Assim, opções de emprego ou ocupações alternativas foram cogitadas pelosentrevistados. Observe-se que as opções, fora da empresa, foram tratadas ou com poucaênfase ou antecipando muitas dificuldades. Por exemplo, viver de atividades deconsultoria ou abrir seu próprio negócio foram vistos como alternativas arriscadas, umavez que alguns colegas já as haviam tentado, sem grande êxito.

Por fim, para algumas pessoas, não haveria muito o que fazer a não ser continuartrabalhando, pois o desligamento viria em pouco tempo. Na visão de um dosentrevistados, seria como a morte, que viria não se sabe quando.

As questões relativas às necessidades do novo local de trabalho foram abordadas porKanter (1997). Para a pesquisadora, as oportunidades que se apresentam aosempregados são múltiplas e “sedutoras”, mas viriam com o que denomina de “etiquetade preço” (p.273). Assim, para se avaliar o quanto de trabalho e esforço seria suficiente,o padrão seria, segundo a autora, o “limite da resistência humana” (p.274).

286

A questão da motivação para o trabalho árduo não estaria ligada a um problemapsicológico, denominado vício no trabalho – workaholism – ou a uma dependênciacriada, em que empregados necessitados do emprego, de sua remuneração erecompensas estariam dispostos a trabalhar tudo o que pudessem. A principal questãoestaria ligada à sedução e ao envolvimento resultantes dos desafios e oportunidades doambiente de trabalho. Segundo a autora, “quando o trabalho é mais excitante, as pessoasquerem realizá-lo por mais tempo” (p.278).

No caso das três empresas pesquisadas, entretanto, os depoimentos pouco apontam paraesse envolvimento de sedução. Maior coerência parece haver com a pesquisa deBrockner (1992), para quem, em empresas que passaram por enxugamentos, o esforçoassociado ao trabalho se relacionaria com a percepção de insegurança no trabalho,especialmente nos casos em que o funcionário fosse o principal provedor de sua família.Esse relacionamento teria a forma de uma curva em U invertido. Nos casos de baixainsegurança percebida, não haveria razões para grande esforço no trabalho por razõesóbvias. Nos casos de alta insegurança, o empregado interpretaria que qualquer esforçoseu seria insuficiente para evitar uma futura demissão. Quando houvesse percepção demoderada insegurança, o empregado empreenderia maior esforço por achar que essaação poderia alterar sua probabilidade de ser demitido.

O resultado da pesquisa de Brockner (1998) parece se relacionar, ao menosparcialmente, com as variações de estratégias adotadas para lidar com a insegurança e avulnerabilidade do emprego nos casos da ServA, ServB e ServC. Adicione-se, ainda, ofato de que quase todas as pessoas entrevistadas relataram sentir-se responsáveis porsuas famílias.

Uma das pessoas entrevistadas, na ServA, porém, indicou não estar disposta a assumircompromissos adicionais no trabalho por medo de sacrificar o tempo dedicado àfamília. Como essa pessoa relatou claramente não ser o principal provedor familiar, estefato estaria, também, em conformidade com a teoria de Brockner (1998), que indicounão haver relações significativas entre insegurança do emprego em empresas quepassaram por downsizing e esforço para o trabalho para remanescentes que não fossemo principal provedor familiar.

287

TABELA 37ESTRATÉGIAS PARA SE LIDAR COM A INSEGURANÇA

ServA ServB ServCLidar com opensamento

Não ficar imaginandoisso toda manhã

Não ficar pensando quepode ser mandadoembora

Esquecer “outrascoisas” e sair paraalmoçar; “aproveitar”

Desconsiderar apossibilidade de sermandado embora

Mais razão,menos emoção

Colocar o coração delado, colocar a razãoacima de tudo

Empresa tambémprecisa doempregado

Empresa precisa doempregado eempregado precisa daempresa

Confiar em si Ter certeza da própriacapacidade de trabalho

Estar seguro de suacapacidade profissional

Trabalhar mais Fazer o trabalho deduas ou três pessoas

Fazer o trabalho deduas ou três pessoas

Trabalhar mais

Trabalhar e mostrarpara outras pessoas

Agregar valor Importante ésentir queestá sendo produtivo

Continuar trabalhando

Procurar dedesenvolver

Procurar fazer cursos Aprender cada vez maissobre tudo para garantiremprego fora

Aprender coisas novas

Planejar para ofuturo

Preparar para sair oupara se aposentarTer planejamento“interno” e “externo”

Alternativas forada empresa

Montar um restaurante Dar aula

Ir trabalhar noconcorrente, em outraempresa

Condiçõesfamiliares

Não ter filhos davamais tranqüilidade

Ser solteiro

Ausência dealternativas

Mesmo trabalhando, ademissão viria empoucos anos.

Continuar trabalhando,pois a demissão viria deuma forma ou de outra.

Só se tinha empregopara mais dois ou trêsanos.

288

7.1.4 Construção do futuro

Se perguntados acerca de seu futuro, as respostas dos entrevistados enquadraram-se emduas grandes categorias: estratégias ativas e estratégias passivas97 (Tabela 38). Pode-sedizer que as estratégias ativas estiveram mais presentes do que as passivas. Dentre asestratégias ativas relatadas, encontraram-se intenções de comportamento decompetência, desejo de investir no crescimento profissional e pessoal, procura de novasoportunidades em outras áreas dentro da empresa. Havia, ainda, o desejo de alguns deconseguir estruturar seu trabalho de tal forma que houvesse, no futuro, maior tempopara o lazer e para a vida pessoal e familiar.

As estratégias passivas declaradas pelos entrevistados incluem: esperar pelaaposentadoria, aguardar por decisões da empresa para o futuro ou, ainda, continuartrabalhando sem previsão de ação especial.

TABELA 38CONSTRUÇÃO DO FUTURO

ServA ServB ServCEstratégias ativas Investir no crescimento,

procurar se aprimorarQuerer ascenderprofissionalmente dentroda empresa

Ascender em três anos;crescer dentro da empresa

Contribuir, sercompetente

Alcançar cargo degerência

Procurar oportunidadesem outras áreas daempresa

Completar conhecimentoda empresa (outras áreas)

Ir embora na primeiraoportunidade

Procurar outrasoportunidades fora

Voltar a estudar paraacompanhar as mudanças

Investir em treinamento(terminar faculdade)Mais tempo para lazer efamília no futuro

Estratégiaspassivas

Esperar a aposentadoria Só sair, se for mandadoembora (gosta da empresae do que faz)

Acomodação, sem quererabdicar da vida pessoal

Esperar mais dois anospara se aposentar; depoispensar em outra coisa

Aguardar a empresainvestir no empregado

Continuar (mas com medoda idade)

Esperar pela demissão Continuar a trabalhar semesperanças de serpromovido

97 Estratégias ativas são aquelas em que as pessoas procuram se antecipar aos eventos futuros, por meiode ações que as coloque em melhores condições. Neste caso, a pessoas tenta, ativamente, influenciar emoldar seu futuro. Estratégias passivas são aquelas em que apenas se aguarda a chegada do futuro,adotando uma postura reativa, se necessário, ao desenrolar dos acontecimentos. Nesse caso, as pessoasnão acreditam que podem – ou não têm vontade – de alterar o curso dos eventos em seu próprio benefício.

289

7.2 Metáforas e Emoções Associadas ao Processo deDownsizing no Contexto da Privatização

Este subitem apresenta duas análises decorrentes de “cortes transversais” nos dados. Aprimeira diz respeito ao simbolismo dos eventos no processo de privatização edownsizing e a segunda relaciona-se com as emoções e sentimentos que se associam aofenômeno.

7.2.1 A história da privatização e do downsizing contada pormetáforas

Metáforas são uma forma simbólica e concisa de se expressar a respeito de eventos esituações. Segundo Morgan (1996), seria um “modo de pensar e uma forma de ver”(p.16)98 as várias experiências que vivemos no mundo. Usar a metáfora, prossegue oautor, significa que tentamos “compreender um elemento da experiência em face deoutro”(p. 16). Implicaria ressaltar, por força da comparação, determinados aspectos emdetrimento de outros. Assim, a compreensão mais ampla de um fenômeno demandariaa habilidade de reconhecer os várias aspectos que poderiam existir de “formacomplementar ou até mesmo paradoxal” (p.17).

Ao longo das entrevistas realizadas para esta pesquisa, as imagens e metáforas foramnaturalmente surgindo. Emergiram como um atalho comunicativo, uma tentativa deilustrar uma situação ou um sentimento. Coletadas e analisadas verificou-se quecontavam a história da privatização e do downsizing pela ótica subjetiva dos atores. Ahistória por metáforas difere, assim, pelo denso conteúdo simbólico, capaz de expressarsentimentos e emoções que a racionalidade empresarial provavelmente embota e,mesmo, obstrui (Figura 7.1).

Uma visão geral da história por metáforas

A história da empresas pesquisadas pode ser sucintamente narrada da seguinte forma:

“Vivia-se em família, em um mundo de paz e tranqüilidade, quando surgiram asprimeiras ameaças de privatização. Ficou-se com o mesmo medo que se tem dedoenças mortais, ainda sem cura, ou de monstros e fantasmas contra os quaisnão se sabe como lutar.

98 Grifo do autor

290

FIGURA 12A HISTÓRIA DA PRIVATIZAÇÃO E DO DOWNSIZING CONTADA POR METÁFORAS

EstatalAproximação daprivatização

“mãe”“família”“casa”“Éden”“Ilha daFantasia”

“câncer”“AIDS”“monstro”“fantasma”

Privatização com desligamento voluntário

(sobre o relacionamento)

“casamento desfeito” “namorada perdida” Empresa privada

Privatização com demissão

(sobre a 1a demissão)

“terremoto que passou”“guilhotina”

(sobre as demais ondas de demissão)

Mundo real vs“ilha da fantasia”“outro mundo”

“não é família”

“guerra, com morto depois de morto”

(sobre o relacionamento)

“divórcio”

“não é uma ilha”

“é que nem a morte:sabe que vem, mas nãosabe a hora”

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Encerrada a privatização, aqueles que permaneceram na empresa que implantouum programa de desligamento incentivado, sentiram como se um longorelacionamento amoroso tivesse se encerrado.

Os remanescentes da empresa que implantou o programa de demissão, por suavez, relataram a passagem de uma grande guilhotina ou, talvez, de um terremotoque deixou em seu rastro um grande número de mortos.

Estabelecidos na empresa privada, reconheceram terem vivido por muito tempoem um ‘mundo irreal’, um ‘outro mundo’, que lhes fez crer ser a empresa umamãe e uma família. Nada disso. Acordados deste ‘sonho’, compreenderam quevivem, hoje, em um mundo competitivo, no qual cada um deve cuidar de si,sem tutela nem amparo.”.

Mãe, família, “casa” e “rua”

Imagens sobre mãe e família são, geralmente, poderosas para o ser humano. Mãe éaquela que, nos primeiros meses de vida, assegura a sobrevivência do bebê e duranteparte da vida do ser humano, via de regra, cuida da alimentação, da higiene, dovestuário e da medicação em caso de doença.

A família, por sua vez, é o espaço mais amplo, além da mãe, na qual a criança cresce,encontra seu ponto de referência e forma seus primeiros valores. Mãe e família são,portanto, metáforas de uma estatal zelosa que, em casos de apertos financeiros, dava umjeitinho e adiantava alguma coisa, providenciava treinamento e, se necessário, pagavapsicólogas para os filhos. Mesmo o poder punitivo era suavizado e advertênciastornavam-se meras admoestações.

“Eu acho que a gente não acostumou com isso até hoje. ... Você está apertado,está sem dinheiro, vai ter um jeitinho. ... Porque a ServA sempre dava umjeitinho.”

“Eu acho que a empresa foi muito paternalista, muito mãezona nisso aí. Então,ela pegava o empregado, punha na sala de aula e pagava psicólogos eprofissionais dessas área.”

“E ficava por isso mesmo. Aí falavam: ‘Da próxima vez você faz melhor’.Coisas de mãe.”

Mas o conceito de família não pode ser analisado isoladamente, fora do contextocultural em que se insere. Cabe, portanto, falar um pouco da família brasileira. Esta tema peculiaridade das sociedades coletivistas, com extensões que incluem não apenas pai,mãe e filhos, mas também avós, tios, primos, compadres, serviçais e agregados.

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Da Matta (1991) indica que a família brasileira, com seu poder formador da história dasociedade brasileira, só pode ser plenamente compreendida segundo os conceitos de“casa” e “rua”. Casa seria o espaço do parentesco e dos relacionamentos pessoais, dacalma, da tranqüilidade, do amor, do carinho e do consolo. A família estaria dentro da“casa”, mas a “casa” poderia, dependendo do ponto de referência, compreender mais doque a família. Poderia ser uma rua, uma organização, uma cidade e, até mesmo, umpaís. Estes limites móveis só seriam passíveis de serem compreendidos se comparados econtrastados com o conceito de “rua”.

“Rua” seria, portanto, o espaço fora de “casa”, onde cada um estaria por si,individualizado, um “local perigoso” (p.63), onde o código seria da “letra dura da lei, daemoção disciplinada” (p.22). Neste espaço, as pessoas transformar-se-iam emindivíduos, onde tudo lhes poderia acontecer, fruto da falta de identidade e do vínculoque a “casa” oferece. (DaMatta, 1991)

Com esses conceitos em mente, podemos voltar à análise das empresas estatais. Umareferência, freqüentemente encontrada nas entrevistas e indicadora da inserção daempresa no espaço da “casa”, refere-se à expressão “tempo de casa”, indicando o tempode trabalho do funcionário na empresa. Neste mesmo sentido, surgiu, também, aexpressão “pessoa da casa”, indicando a pertinência daquele funcionário à empresa, nosentido, de ser conhecido e fazer parte da “família”, e não uma pessoa vinda da “rua”,um desconhecido.

“o efetivo da empresa tinha uma média, tanto de tempo de casa quanto deidade, muito elevada”.

“o diretor de suporte era o diretor da casa”

No espaço da “casa”, a harmonia seria imperiosa, as contradições deveriam ser banidase manifestações de competição e conflito não seriam bem vistas. Segundo Da Matta(1991), a intensidade emocional deste espaço seria alta, pois a “emoção é englobadora,confundindo-se com o espaço social que está de acordo com ela” (p.22).

“Antigamente, na ServA, você fazia trabalhos de grupo maravilhosos. Eramtrabalhos de equipe que a gente saía de lá, assim, encantada. Vocêencontrava com a pessoa, você abraçava a pessoa no corredor, você ligavapara a pessoa: ‘Que saudade de você!’. Era um espírito, assim, uma coisafortíssima. Agora, não. É todo mundo correndo, ninguém nem vê um aooutro. Assim: ‘Você trabalha aqui ainda?’ ... ‘Quanto tempo que eu não tevejo!’ Então, assim, cada um no seu pedaço, na sua mesa, trabalhando iguallouco e sem enxergar que tem um colega do lado.”.

A “casa” é, também, definidora da identidade da pessoa. Segundo DaMatta é,exatamente através das relações existentes na “casa” que uma pessoa se define nasociedade brasileira. Estar despojado dessa identidade é para a pessoa um sinal dedesvalimento e importância menor. Assim, não é de se estranhar que funcionários não

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quisessem se aposentar e tivessem grande ligação afetiva com a empresa. Sair da “casa”ou dela ser convidada a sair, seria como perder um conjunto de referências queconstituem a identidade da pessoa. Pessoas que fazem da empresa sua família e sua casasentem, ao sair, dentro desta perspectiva, uma perda e uma dor legítima.

“Veja o exemplo das pessoas que se aposentaram. Elas sabiam que iam seaposentar e diziam: ‘Quando eu for embora vai ser tão bom’. Na hora agá, deassinar, elas choravam copiosamente, pois a ServC foi a vida delas. Era umrelacionamento mais afetivo do tipo: ‘A ServC é a minha casa’.”

Por outro lado, pertencer à “casa” de uma empresa estatal prestigiosa em sua região,transfere ao empregado a respeitabilidade, ao ponto de o crachá da empresa dispensar ofuncionário da apresentação de qualquer outro documento.

“Então elas tinham um problema muito sério de não querer, de alguma forma, fazer umaintegração com as outras empresas, porque ela vai estar deteriorando o nome dela. ‘Eusó uso meu crachá aqui ... Eu não preciso de carteira de identidade, não preciso de nada,sou ServA’.”

Schirato (1999) relata situação semelhante em sua pesquisa. ao indicar que o cracháteria se tornado um instrumento de identificação, um sobrenome. Segundo a autora, esteseria um grave problema, pois os limites entre empresa e funcionário se fundiriam,perdendo o empregado, com isso, a “cidadania civil” para tornar-se um “cidadão daempresa”99.

Éden e ilha da fantasia

A imagem do Éden, por sua vez, traz outras conotações. Éden pode ser entendido comoo paraíso ou, ainda, como um “lugar de delícias” segundo o dicionário Michaelis. Aíreinaria a “tranqüilidade”, não haveria pressa nem desgaste, pois sabia-se poder ficar alipara sempre.

“... andaram por aí, por vários empregos, até que descobriram o Éden, atranqüilidade...”

Ocorre, no entanto, que Adão e Eva foram expulsos do paraíso por terem comido damaçã. Seu pecado colocou-os no mundo real, cheio de incertezas e sofrimentos. E este

99 Há que se observar, no entanto, que a autora usa o termo cidadania em seu sentido sociológico maiscomum, indicando que o cidadão está em pé de igualdade com os demais cidadãos, sem privilégios aosquais possa recorrer em detrimento de outrem. Seu comportamento é regido pelas leis da sociedade emque vive. Assim, segundo Schirato (1999), tornar-se cidadão da empresa é dela fazer seu ponto dereferência para comportamentos e cobrança de direitos e deveres. Por outro lado, o termo cidadão nosentido antropológico proposto por DaMatta, aplica-se apenas àquele indivíduo que está na rua,despersonalizado por estar despojado de suas relações sociais.

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sentimento de expulsão parece estar presente na metáfora do Éden, com a diferença queo convite para sair da empresa não se deu por nenhum pecado cometido. Se a empresaestatal foi obrigada a abandonar seu local no paraíso, assim ocorreu por uma situaçãofora do controle dela e de seus funcionários. Causas externas, como a globalização e aconcorrência, obrigaram os funcionários a abandonar seu território paradisíaco paraentrar no mundo dos mortais comuns.

A imagem da ilha da fantasia, também, surgiu no discurso dos funcionários. Este seriaum local mágico onde cada um poderia realizar seus desejos mais secretos, onde seestaria protegido das intempéries e desgraças que podem destruir o ser humano.

“Antes da privatização, nós vivíamos numa ilha da fantasia. Nós passamosao largo das crises econômicas do país... Tinha inflação alta, para nós erabom, porque todas as leis para combater a inflação eram aplicadas aqui paraa gente. Então, as perdas salariais que tiveram no Plano Cruzado, no PlanoBresser, no Plano Collor, todas elas o sindicato entrava na justiça e nósrecebemos. Recebemos aquela bolada toda. ... Nós recebemos tudo. Então,realmente, a gente vivia numa ilha da fantasia. ... Crise não nos abalava,desemprego não nos abalava. E agora, nós estamos à mercê do mercado.Toda a variação que tiver na Rússia, na Coréia vai refletir na gente agora. Eisso algumas pessoas não conseguem enxergar e sofrem por causa disso.”

A chegada da privatização

A privatização foi fortemente associada com imagens negativas como doenças quecorroem e destroem a imunidade do ser humano e prenunciam a morte (câncer, AIDS),com entidades desconhecidas, sem um rosto definido, mas com potência para assustar,matar e destruir (fantasma, monstro) e, por fim, com a morte propriamente dita.

“Viam a privatização como um monstro. Que vai acabar com tudo, vaidemitir todo mundo.”

Essas imagens além de indicarem ser a privatização um prenúncio de algo ruim poracontecer, apontavam também para a demissão (morte), o que, em verdade, reforça asuposição de que privatização e downsizing formam um conjunto, um “pacote único” naimaginação dos funcionários de empresas estatais. Privatização viria, desta forma,sempre acompanhado de demissão.

Silva e Vergara (2000), em pesquisa realizada em empresa estatal em fase de pré-privatização, através de dinâmica de construção coletiva de imagens, relataram terencontrado um conjunto de imagens negativas associadas às possíveis mudançasfuturas. Pelo menos três delas se assemelham às metáforas desta pesquisa, conforme sepode verificar na Tabela 39 a seguir:

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TABELA 39IMAGENS NEGATIVAS DA MUDANÇA FUTURA

EM EMPRESA EM FASE DE PRÉ-PRIVATIZAÇÃO

Aspectos negativos Exemplos de imagensO rompimento de uma relação entre as pessoase a organização, antes sólida.

Mãe que chora por não mais poder amamentarseus filhos. Filhos que choram por não maisalcançarem o seio da mãe.

A ameaça de rompimento de uma relaçãosólida entre as pessoas, em função daexpectativa de cisão da empresa.

Amantes que, acorrentados, são obrigados aseguir por caminhos distintos.

A sensação de que a mudança está sendoimposta por uma grande ameaça externa.

Furacão, tempestade.

Fonte: Silva e Vergara (2000)

Como pode ser observado, a imagem da mãe é bastante consistente nas duas pesquisas,sendo a empresa a grande mãe e os funcionários seus filhos de quem terá que se separar.Note-se ainda, a imagem dos filhos ainda bebês, o que pode indicar a falta de preparodos funcionários em seguirem suas vidas de forma autônoma. Schirato (1999) fazobservação semelhante. Em pesquisa em empresa brasileira de aviação, constatou que aempresa ao agir como grande mãe, gerava “filhos dependentes” (p.11) que seriamdevotos à empresa, porém “imaturos para o mercado” (p.11).

Há, ainda, uma peculiaridade a ser comentada. As imagens de doença, como câncer eAIDS, foram referenciadas em contexto de reprovação às pessoas que não acreditavamna privatização. Para esses, a privatização aconteceria apenas em outras empresas e nãonaquelas em que estavam trabalhando, indicando um comportamento de negação darealidade.

“Ficou aquele negócio que o câncer só dá no vizinho, não dá aqui em casa”.

“É igual a AIDS, só [se] acredita que ela existe, quando vem em alguémpertinho de mim. Até então [era]: ‘Isso é coisa da televisão. Isso nãoacontece aqui, perto de mim, não’. Então, com a privatização da ServC, era amesma coisa”.

Um dos gerentes da ServB relatou que a demissão, que se seguiu à privatização era maisdo que esperada, mas ainda assim, teria causado surpresa, assim como a morte, que seriaum fato racionalmente esperado por todos, mas emocionalmente evitado.

“Desde o início da privatização, ficou claro para todos nós que, com certeza,iríamos ter pessoas desligadas. ... Estavam conscientes, não foram pegas...Quando eu digo, no início, que eles tiveram uma reação de surpresa, [é]porque é natural: as pessoas morrem, mas elas não acreditam que vão morrerum dia”.

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Privatização com redução voluntária: o namoro desfeito

Remanescentes de empresas, com programas de redução voluntária, referem-se a umrelacionamento que “quebrou”, um “casamento desfeito” ou uma namorada “perdida”.Há que se observar que neste caso a relação com a empresa deixa de ser definida comorelação entre mãe e filho, passando a ser vista como um relacionamento marital que seencerrou.

“Vamos dizer assim: você namorou, casou e vai separar da mulher. ... O queassusta mais é esse quebra de relacionamento. ... só aquelas pessoas que nãotêm sangue nas veias que não sentiram. Porque eu tenho 26 anos de empresa.É a namorada que eu tenho há 26 anos”.

Uma possível explicação para a redefinição do relacionamento pode estar naimpossibilidade de se continuar com a metáfora materna e familiar justamente pelacaracterística de perenidade desta relação. Mãe continua mãe para sempre. Assim,namoros e casamentos permitem que se continue referenciando uma relação afetivaocorrida no passado, sujeita a rompimentos e separações e às conseqüentes dores daperda.

A pesquisa de Silva e Vergara (2000) indica imagem semelhante no casos de pessoasque temem separar-se umas das outras em função de possível cisão futura da empresa.Embora haja diferenças nas situações específicas das duas pesquisas, o sentimento quetransparece é o de quebra de relacionamento e de perda.

Privatização com demissão: uma separação traumática e uma possível culpados que “morreram”

As metáforas, no caso da privatização seguida de demissão, variam conforme o evento aque se referem. No caso da ServB, o primeiro grande plano (PDI), no qual 2.000pessoas foram demitidas, foi retratado como um “terremoto” e uma “grande guilhotina”.São imagens, utilizadas por um gerente, que remetem a um grande volume de pessoasmortas.

“Vamos dizer que um terremoto tenha passado ou uma grande guilhotina depessoas...”

Alguns pontos merecem ser comentados. Guilhotinas estão, provavelmente, associadasa mortes de pessoas que passaram por um processo de julgamento. Possivelmente, aimagem se fundamenta na história da empresa, uma vez que, na ServB, as demissõesocorreram com escolha por parte das chefias. Implícito, na metáfora, está o processo deculpabilização daqueles que saíram, “decapitados”, após julgamento que os declarouculpados. Imagem semelhante é utilizada pelo mesmo gerente ao se reunir comremanescentes:

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“É a figura, assim, de que, quando cada um recebe seu salário, estárecebendo uma fatia de um bolo. Se você tem pessoas que estão tirando a suafatia e não estão ajudando o bolo a crescer, são pessoas que estãoprejudicando a tua fatia. ... Ou seja, as pessoas que, realmente, faziam o bolocrescer é que tinham ficado. ... Isso se usou muito”.

Por outro lado, terremotos, quando terminados têm como conseqüência, umaacomodação de camadas, em que aquele que estava em cima pode, ao final, estarembaixo e vice-versa. Além disso, terremotos são pouco previsíveis e podem ocorrernovamente a qualquer hora.

As ondas seguintes de demissão foram retratadas como uma guerra, em que há “mortoatrás de morto”. Nestas situações, seria normal perder-se a sensibilidade e a visão detantos mortos já não causaria tanto dor e sentimento de perda.

“Fazendo um comparativo, assim, bem forte. Quando você está numa guerrae começa a ver morto atrás de morto, você deixa de ter aquela sensação deperda. ... Engraçado, mas isso acontece. Então, quando aconteciam asdemissões, eu ficava, assim: ‘Mais 100, mais 200, mais 50’ ... Certo que éum número extremamente significativo, mas você viu que já foramdemitidos 2.000 e, agora, demitindo 500, 100 ou 50 você não vai...”

A imagem contém traços do que a literatura crítica denominou de “banalidade do mal”.O termo é utilizado quando as situações ruins se repetem de tal forma que as pessoas seinsensibilizam às mesmas, passando a achá-las banais. Para Déjours (1998), osofrimento no trabalho, comum nas empresas, seria fruto desta banalização e deveriaser imputada aos objetivos econômicos das empresas.

Empresa privada: o “mundo real”

A maior riqueza de imagens surgiu na referência à empresa privada. Algumas pessoasreferiam-se à empresa privada em contraposição à empresa estatal. Esta faria parte deum “mundo de fantasia”, de um “outro mundo”. Assim, estatal e privada seriam doismundos completamente diferentes, e os remanescentes, embora egressos deste “outromundo”, estariam, agora, no verdadeiro mundo, o mundo “real”.

Essa mudança foi penosa para muitos, sendo que alguns ainda não teriam compreendidoa nova realidade.

“Ainda tem gente que não se conscientizou da mudança que a empresa estápassando. O mundo está passando e [a pessoa] continuou ainda, assim, meiono mundo da fantasia. Você às vezes chama essas pessoas, conversa, tentamostrar, olha, sacudir e mostrar: ‘Tenta ser diferente, porque daqui a pouco otrator vai estar passando em cima de você.’ Mas algumas pessoas aindacontinuam meio perdidas.”

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Passar para este novo mundo significa que se tem que acordar e descobrir ter estadosonhando, pois o mundo da fantasia não existe. Pode até ser necessário que se tenha que“sacudir” a pessoa, para que ela acorde deste estado de sono e viva em mundo mais“elétrico” .

“Nós estamos nos adaptando a este momento, estamos nos adaptando a estanova realidade. Então, esta questão de estar eletrizado faz com que hajamaior desgaste pessoal. Mas, ao mesmo tempo, naquele mundo que a gentevivia, eu diria que era um mundo também irreal.”

Para outros, a empresa deixara de ser a “família”, que tomava conta de seus filhos.Outro, ainda, declarou que nunca havia considerado a empresa uma família, pois ossentimentos dedicados a cada um tinham que ser de ordem diferente:

“Nunca considerei que a empresa fosse família. Empresa é empresa. Famíliaé em casa e tal.... Porque o sentimento que você tem que ter pela empresanão pode ser o mesmo que você tem pela família. Se não a família dança. ...Empresa não é família, por quê? Quando a coisa aperta na sua casa, você nãopõe ninguém para fora não. Você pode até apertar o orçamento ali, mas todomundo vai continuar ali dentro. ... Então, fazendo essa analogia a gente vêclaramente que empresa não é família. Empresa é diferente, o tratamento édiferente, é um tratamento de competição. Principalmente empresa grande,onde há competição.”

Em consonância com esta imagem, um dos entrevistados indicou que teria que passar a“caçar o rumo” dentro da empresa. Aparentemente, estas duas imagens se completam,pois na ausência de família, há que se ir caçar, em busca do próprio alimento.

Por fim, para um dos entrevistados, o destino dos remanescentes seria o da morte.Sentia que, mais cedo ou mais tarde, todos os funcionários oriundos da estatal seriamsubstituídos por funcionários mais novos. Sem muito o que fazer, continuaria a trabalharesperando a sua hora:

“Não tem o que fazer. Continuo trabalhando da mesma maneira, procurandosempre fazer o meu serviço o melhor possível, sempre trabalhando direitinhoali, operando para a empresa, para a empresa progredir. Não tem muito o quefazer. É que nem a morte, você sabe que uma hora vem, não sabe a hora quechega”.

Observam-se, portanto, relatos que apontam para um mundo organizacional – subjetivo- além das racionalizações puramente instrumentais. Um espaço subjetivo dos atoresorganizacionais que funciona como um mundo paralelo ao da vida real, e encontra suaexpressão no denso – e, talvez, por isso mesmo fragmentado - discurso das metáforas.

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7.2.2 Emoções: prazer e sofrimento no trabalho

Percorrer a história das três empresas privatizadas significou deparar-se com discursosentrelaçados de fatos objetivos e vivências subjetivas. Vivências que se revelaram deforma entrecortada, fragmentada, presente as vezes apenas nas entrelinhas, em mãoscrispadas e até em lágrimas. Por vezes revelou-se, também, na altura do tom de voz, nospequenos gritos de entusiasmo, na fala firme da determinação e em olharesesperançosos de um futuro melhor.

Estas experiências subjetivas não devem, porém, alerta Déjours (1998), ser confundidascom “fantasioso ou arbitrário” (p.50). Para o autor, relatos objetivos dos fatos edescrição subjetiva são formas diferentes de descrever a mesma organização dotrabalho. Além disso, sentimentos como sofrimento, dor ou prazer não seriam visíveis eos estados afetivos não seriam mensuráveis. Nada disso, porém, legitimaria, que se lhe“negue a realidade nem que se despreze os que dela ousam falar de modo obscurantista”(Déjours, 1998, p.29).

Ocorre, porém, que a descrição objetiva tende a ter preponderância nos estudosadministrativos, tendo sido a vivência subjetiva relegada a disciplinas específicas como,por exemplo, a psicologia do trabalho, sem que houvesse verdadeira integração com ocorpo teórico principal da Administração. Não é por outro motivo que as dimensõespsíquicas e afetivas tenham sido incluídas por Chanlat (1992) como parte daquelasdimensões humanas “esquecidas” pela teoria administrativa, que tem “preferido asvisões que lhe são menos incômodas” (p. 23).

Assim, entrevistar os remanescentes das empresas privatizadas significou ter acesso àante-sala deste mundo emocional, em grande parte reprimido pelo discurso formal eobjetivo da organização. As forças mostraram-se presentes e se uma porta, por pequenaque fosse, se abriu, então puderam emergir e assumir a verdadeira importância quemereciam.

Segundo Flam (1994), quando emoções são estudadas, elas normalmente têm comofoco de atenção, a satisfação, o entusiasmo para o trabalho e o sentido de atualização.Emoções negativas, como medo e culpa, não teriam recebido a atenção merecida.Assim, um dos objetivos deste “corte transversal” nos dados é, justamente, o de revelaruma faixa mais larga de sentimentos, incluindo, por exemplo, o medo e o amor.

Leitmotiv: o medo

Se um motivo condutor tivesse que ser escolhido para o conjunto de experiências deentrevistas – diadicamente construídas -, este motivo seria o medo. Medo que foiprontamente reconhecido, negado, subjugado, racionalizado ou projetado em outros,mas que, firmement,e surgiu como nota dominante nos relatos.

Seu primeiro sinal surgiu com a notícia da privatização, vista tanto como uma ameaça àestabilidade do emprego quanto à forma “tranqüila” com que se desenrolava o trabalho

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na empresa estatal. Como já comentado, as associações da empresa estatal com a figurada mãe e da família, justificam a esse temor.

“Porque quando foi feito esse negócio [a privatização], as pessoasficaram com medo, com muito receio.”

“Então quando começou isso ... tinha gente que simplesmente tinhamedo como o diabo da cruz.”

“Se a gente fosse escolher um sentimento ... na minha visão, seria omedo. Insegurança com a privatização, por causa da mudança.”

Pagès et al, ao estudarem uma grande empresa multinacional na França, depararam-secom um vínculo semelhante entre a empresa-mãe e os empregados-filhos. Amultinacional oferecia bons salários e boas oportunidades de crescimento na carreiramas exigia, em contrapartida, adesão à sua filosofia e forma de trabalho. O filho sentia-se obrigado à atender às exigências sob pena de perder o amor desejado. Nas palavrasdos autores:

“A organização ... está associada a uma imagem inconscientefeminina. O motor de sua dominação psicológica é a oferta de retiradade amor, bem mais que a coerção, a interdição, a castração, diriam ospsicanalistas. ... Mas ele só pode ser livre ao abrigo da organização,aderindo às suas regras e à sua filosofia. Sua liberdade tem porcontrapartida e por condição uma regressão mais profunda, umadependência em relação à organização mãe; uma demanda de amorinsatisfeito pela mãe, e um medo de perder seu amor, constantementecultivado pela organização.” (p.37)

No caso brasileiro, todavia, a empresa estatal exercia seu papel de mãe de formaincondicional, sem exigência de contrapartida. Assim, não havia nenhuma vinculaçãode dependência pelo medo. É razoável, portanto, por esta perspectiva, que essesentimento estivesse ausente nas referências ao tempo de estatal e estivesse fortementeassociado ao evento da privatização, por implicar a perda desta mãe magnânima.

Posteriormente, já perto da privatização, tensão, ansiedade e medo estiveram presentesnas decisões de adesão ao plano de desligamento voluntário. Para ilustrar, houve casosde funcionários que, em tendo aderido, tentaram voltar atrás, para depois, novamente,optar pelo desligamento, indicando fortes dúvidas associadas à decisão tomada.

“Às vezes a pessoa aderia, depois se arrependia e voltava atrás. Depoiscismava, entrava de novo. ... Porque a ansiedade desse grupo queentra, a ansiedade é muito grande e a insegurança é muito grande.”

“Eu cheguei a aderir ao plano, mas desisti depois. ... A empresa estavapassando por uma fase tensa. Todos os empregados estavam numasituação que teriam que optar se sairiam, ou não, da empresa naquelaocasião.”

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Iniciado o processo de privatização, instalou-se uma insegurança, agora associada àspossibilidades de programas de enxugamento e às mudanças vindouras. Muitos medos,expressos por motivos diversos, alguns claramente definidos, outros desconhecidos, masnem por isso, menos presentes: medo de não se adaptar, medo do despreparo para onovo, medo da falta de qualificação, medo da mudança. Nas palavras de um dosentrevistados, havia uma “ansiedade coletiva”.

“Teve um grupo de pessoas que estava com medo, com medo daqualificação profissional. ... A qualificação que estava sendodemandada. ... Podiam, de uma hora para outra, não ter mais um papelimportante na empresa e vir a ser demitido sem nenhum incentivo.”

“A gente achava que era uma mudança assustadora, até para ser bemfranco, assustadora para a gente. ... Então a gente foi vendo que nãoera bem aquilo; era uma coisa complicada, mas não era esse bicho desete cabeças que todos faziam. Essa era uma coisa mais ou menosgeral: todo mundo tinha muito medo.”

Veja-se a similaridade destes relatos com a pesquisa de Déjours (1998, p.28), para quemhaveria um “sofrimento por trás das vitrinas” dos que temiam não satisfazer e estar àaltura das imposições da organização, como por exemplo,

“de horário de trabalho, de ritmo, de formação, de informação, deaprendizagem, de nível de instrução e de diploma, de experiência, darapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos e deadaptação à ‘cultura’ ou à ideologia da empresa, às exigências domercado, às relações com os clientes, os particulares ou o públicoetc.”

Já privatizada, as empresas implantaram severos programas de redução de pessoal. Noscasos dos programas voluntários, embora não houvesse o trauma do corte involuntário,acumulavam-se dúvidas e ansiedades associadas aos riscos da decisão.

“Eu achava que era um risco também. Eu, amanhã, podia não querersair no PDI, mas a empresa podia me mandar embora ... Mas é umrisco que a gente corre. A gente não sabe o que está passando pelacabeça das pessoas.”

“Algumas pessoas estavam literalmente apavoradas ... O medo era,inclusive, de alguém tentar [fazer ele] mudar de idéia. Por isso,esconderam a decisão até o último minuto.”

Por fim, passado um tempo da privatização, os sentimentos de medo e incertezapermaneceram. Com tantos anos passados na empresa estatal, sem a experiência detrabalho na empresa privada, sem referências que servissem de orientação, muitossentiram angústia e ansiedade na busca do comportamento “correto” na empresaprivada.

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“Você leva toda essa ansiedade para dentro da sua casa. Você nãoconsegue se desligar, então acaba, muitas vezes, discutindo em casaou você acaba não dando a atenção devida em casa. Porque muitasvezes, você tem que ficar ligado aqui na empresa. A ansiedade, seráque eu tinha que ficar até as 7 horas, até às 8, até às 10?”

A precariedade do emprego desnorteia o empregado mais simples, aquele que estavaacostumado a saber que seu emprego dependia de esforço e diligência. A nova empresatrouxe uma série de exigências sem a contrapartida de requisitos mínimos que pudessemorientar o comportamento do funcionário.

“Então não existe mais tranqüilidade para nós, hoje, aqui. Existiriatranqüilidade se algum deles viesse lá de recursos humanos ... edissesse: ‘Se você é bom, está fazendo por merecer, se você estádando produção para a nossa empresa, se você está ... não tem porquete mandar embora. Temos que segurar você, porque você é bom!’ Maspor mais que o cara seja bom ...”

Conscientizaram-se de não estarem sozinhos, pois esta condição seria inerente àempresa privada e todos que nela trabalhassem assim se sentiriam. Tentativas deenunciar os requisitos para a permanência do emprego mostraram que os funcionáriosimpunham-se exigências desmesuradas, ilustradas pela frase “acompanhar a evoluçãodo mundo em todos os sentidos”.

“Acho que todo mundo hoje em iniciativa privada, acho que ninguémtem seu emprego garantido. Eu diria que ... desde que façam o seutrabalho com competência, desde que estejam acompanhando aevolução do mundo em todos os sentidos, eu acho que as pessoas têmcondições de continuar trabalhando aqui dentro. ... É lógico que euacho que ninguém tem emprego garantido. Ninguém tem ... em termosda iniciativa privada, em lugar nenhum."

“Todos nós temos medo de perder o emprego. Todos nós temos.”

Outros medos se somaram ao medo de poder ser mandado embora a qualquer hora. Deuma forma geral, a idade tornou-se uma grande ameaça, algumas vezes diretamentesinalizada como no caso da ServC, com seus freqüentes planos de incentivo àaposentadoria, ou indiretamente sinalizada, como no caso da ServB, com prestígioconcedidos aos novos em seus programas de trainees.

“Então no início é um terror. ... mas para mim, pessoalmente, eu jánão me sinto tão afetado. Tenho engenheiros que trabalham comigoque sentem isso. Te confesso que sentem. Mais velhos do que eu, deidade e tudo isso.”

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“Dá medo ... essa coisa da idade é um negócio que dá medo. Atéporque eu tenho 48 anos de idade, então, é óbvio, que para mim ... acoisa parece bastante próxima.”

“Acho que agora eu tenho mais medo de ser mandado embora do queeu tinha na época. Não pode ser mandado embora por incompetênciaou qualquer coisa assim. Porque eu acho que o momento atual daempresa está complicado, está meio difícil. ... Acho que eles vãoacabar buscando muita gente lá fora para conseguir pegar de novo.”

Há que se observar, ainda, como alguns discursos apresentam característicasesquizofrênicas, no sentido que parecem referir-se, ao mesmo tempo, a dois mundos quenão se comunicam. De um lado, apresentam-se as teorizações sobre os requisitosnecessários para se permanecer no mundo da segurança - desde que se faça isso e sefaça aquilo - e, simultaneamente, aponta-se para a realidade de um mundo que nãopromete qualquer tipo de estabilidade - “em termos de iniciativa privada ninguém tememprego garantido” -, onde a empresa pode, segundo outro entrevistado, “fazerqualquer coisa”, pouco restando ao campo de ação do empregado.

Amor: desejável ou desprezível?

A ligação afetiva também esteve presente nos discursos. É razoável que remanescentescom tantos anos de trabalho na empresa tenham algum tipo de ligação emocional com aorganização, sentindo-se parte da mesma. Um dos entrevistados, por exemplo,manifestou sentir-se responsável, junto com sua equipe, pelo sucesso da empresa.

“Eu tenho um amor muito grande por essa empresa. Eu tenho certezaque muito do que ela é, é fruto do meu trabalho com a minha equipe.”

“O amor à empresa, de qualquer um que você vá conversar na parte docampo, independente da classe e da profissão, é muito forte.”

“De modo geral, a experiência que eu tenho, é que as pessoas sempretiveram muito respeito com a empresa, muito amor à camisa, mesmo.”

Além de amor pela empresa, havia também aqueles funcionários que mostravam umgrande apreço pelo trabalho realizado e um amor pela profissão que passaria de pai parafilho. A ligação entre o funcionário e a profissão e a empresa seria tão vital, ao ponto deser hereditária e as pessoas terem a atividade no “sangue”. Faria, assim, parte da próprianatureza do funcionário, ao invés de ser o resultado de uma escolha profissionalmenteorientada.

“Nós temos ... [a atividade] no sangue, ... ele realmente tem amor peloque faz. ... Meu pai faleceu, eu nem cheguei a conhecer ele. Eu tinhatrês anos, ele era ... isso é hereditário, isso passa de pai para filho.”

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“Eu trabalho porque realmente eu tenho amor pelo trabalho.”

“Neste momento, eu visto a camisa da empresa dia e noite e eu gostodo que faço. É uma coisa realmente, amor por aquilo que a gente faz.”

O amor manifestou-se, também, na forma de gratidão. Em alguns casos pode-seperceber uma ligação decorrente de um agradecimento por ainda estar na empresa e delaprover o sustento.

“Eu faço isso, mas eu faço isso com aquele amor, porque hoje é elaque me mantém.”

Esta ligação afetiva pode, por outro lado, ser considerada uma patologia, umcomportamento não recomendado, em um mundo onde as pessoas são avaliadaspositivamente por terem posturas racionais e “profissionais’.

“ Esses outros [remanescentes] têm uma ligação com a empresa, queainda está mal resolvida. ...Estão ligadas ... Quase como se fizessemparte de uma família.”

‘A relação desse novo funcionário não é mais afetiva como nosantigos. Ela é mais profissional, com uma clareza maior para ambas aspartes: empregado e empresa. Não tem mais aquela mistura.”

Poderia ser de tal forma absorvente, ao ponto de a pessoa deixar de tomar decisõesadequadas para si mesmo, pois a lógica estaria cega. Invertendo-se o objeto da cegueirae recorrendo-se ao dito popular “cego de amor”, poder-se-ia inferir que o amor pelaempresa teria como efeito impedir o raciocínio correto. Seria, portanto, um sentimentocondenável por seu caráter irracional.

“Existe uma certa ligação, amor ou vínculo, qualquer nome desse, queeu acho tende a cegar um pouco a lógica. Então, pessoas que podiamtomar uma decisão mais acertada em sair, não o fazem. ... Tem genteque nem muitas férias gostava de tirar.”

Orgulho e satisfação

Orgulho pela empresa e satisfação com o trabalho realizado estão, também, presentesnas entrevistas. De uma forma geral, o orgulho pela empresa deriva da importância doserviço prestado à população, da consciência da importância de seu trabalho na vidadiária das pessoas.

“Nós ficamos esse período aí, esses dois últimos meses realmentevendendo a imagem da empresa. Eu senti, assim, orgulhosa. ... Estouvendendo a imagem da empresa em que eu trabalho com orgulho.”

“Tenho orgulho de trabalhar nessa empresa.”

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“O indivíduo que trabalha na ServC, ele é visto na sociedade de formaespecial, como alguém que trabalho numa empresa que presta umserviço público, portanto presente ... todos os cantos. Tem essesentido. ... amor próprio do trabalhador da ServC. Isso acontece muitona empresa.”

A satisfação no trabalho pode ser basicamente ligada à autonomia para a realização deuma tarefa e ao sentimento de realização ao final da mesma:

“Aí você chega, e você tem autonomia de dizer: ‘Não, isso não éassim. A gente quer que isso seja assim, assim e assim’. E as pessoasfazem, isso aí dá uma satisfação. Você não chega como um chefe‘Não, eu quero isso, eu quero aquilo’. Mas você sabe uma maneiraboa de falar com as pessoas. E até porque você tem autoridade defalar, as pessoas entendem. É gratificante.”

Assim, medo, amor, orgulho gratidão e satisfação são alguns dos sentimentossubjacentes ao desenrolar da privatização e do downsizing. Se associados às metáforaspodem em muito esclarecer sobre o mundo subjetivo dos atores. É da multiplicidadedos enfoques, das leituras do simbólico, do acesso às emoções, dos “cortes transversais”enfim, que a análise dos fenômenos organizacionais pode ganhar maior densidade eriqueza.

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8 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARAPESQUISAS FUTURAS

Este capítulo apresenta as conclusões da pesquisa realizada e levanta questões parapesquisas futuras.

8.1 Sumário

A pesquisa teve por objetivo investigar a percepção dos atores no processo dedownsizing em três empresas brasileiras. O fenômeno do downsizing, definido como aredução planejada de pessoal, tem sido palco de debates na mídia popular e tema deestudo na comunidade acadêmica, por seu impacto na vida empresarial e, também, navida pessoal e familiar dos funcionários remanescentes e dos funcionários desligados.

Tendo em vista a complexidade e contemporaneidade do fenômeno e o tipo de perguntada pesquisa, optou-se pelo método do casos, utilizando como técnica de coleta de dadosa entrevista em profundidade. O estudo é, quanto aos seus fins, do tipo exploratóriodada a natureza recente do fenômeno e a escassez de estudos no Brasil e em outrospaíses. É, também, do tipo descritivo, por ter relatado minuciosamente, a partir daspercepções dos atores envolvidos, o processo de downsizing. Por fim, propiciou ageração de teoria por ter trazido contribuição teórica ao estudo do fenômeno emempresas brasileiras.

A pesquisa foi conduzida em três empresas que realizaram importantes processos dedownsizing nos anos de 1996, 1997 e 1998, sendo que duas tinham sede na RegiãoSudeste e uma tinha sede na Região Sul do Brasil. Por uma coincidência de pesquisa,todas haviam sido privatizadas em período imediatamente anterior à realização dosprogramas de redução de pessoal, o que teve influência na pesquisa e terminou porcaracterizá-la como um estudo do processo de downsizing no contexto da privatização.

Foram realizadas 58 entrevistas em profundidade com funcionários em todos os níveisorganizacionais das empresas, incluindo executivos importantes da área de RecursosHumanos, gerentes de nível médio e do nível de supervisão, funcionários técnicos eadministrativos e funcionários da base operacional.

As entrevistas tiveram duração média de uma hora, gerando cerca de 58 horas degravação e 1.200 páginas de texto transcrito. Os dados foram analisados seguindo ospreceitos da Grounded Theory com auxílio de software adequado ao tratamento dedados qualitativos.

A ServA, empresa do setor de serviços com sede na Região Sudeste, era tida, dentro deseu âmbito de atuação, como uma empresa modelo. Em 1996, já se preparando para aiminente privatização, ofereceu um primeiro plano de desligamento voluntário. Em

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1998, foi vendida, e junto com outras empresas estaduais, igualmente privatizadas,passou a fazer parte de um grupo maior, cuja holding se localizava na Região Sudeste.

De acordo com o edital de privatização, qualquer demissão em massa realizada nosprimeiros 180 dias após a data da privatização, deveria ser feita na forma de um planoincentivado, sendo que ficaria a cargo da empresa o estabelecimento dos critérios domesmo.

A matriz optou por oferecer, então, ainda dentro dos primeiros seis meses, um plano dedesligamento voluntário aberto a todos os funcionários. Na unidade pesquisada, ServA,o plano contou com a adesão de 1074 pessoas com idade média de 47 anos e média de22 anos de trabalho na empresa. Na avaliação do diretor de Recursos Humanos, estevolume de adesões foi surpreendente, pois se esperava, em função de simulaçõesrealizadas, um volume bem menor, da ordem de 700 a 800 adesões.

A empresa ServB é uma empresa prestadora de serviços com âmbito de atuação naRegião Sul do país. Seguindo o programa brasileiro de privatização, foi adquirida, em1997, por um consórcio de sócios majoritariamente nacionais.

Ainda como estatal e tendo em vista a preparação para a privatização, a empresaofereceu, ao final de 1996, um plano de demissão voluntária, a todos os empregados.Dadas as restrições orçamentárias à época, estabeleceu-se uma cota para as adesões enem todos que se inscreveram puderam participar do plano.

Ao ser anunciado o ganhador do leilão em final de 1996, iniciou-se uma fase detransição, que durou cerca de dois meses, durante a qual se realizou uma administraçãoconjunta da estatal e do consórcio adquirente. Nessa época, os novos administradoresmontaram uma equipe responsável pela transição, que definiu, entre outras coisas, aslinhas da nova estrutura administrativa, além de um novo plano de demissão a serimediatamente implantado.

No início de 1997, a nova diretoria assumiu, realizando, logo no primeiro dia, cerca de2.000 demissões, sendo que, ao longo de 1997 e de 1998, outras reduções substanciaisforam realizadas.

A ServC é uma tradicional prestadora de serviços da Região Sudeste. Em junho de1996, foi adquirida por um consórcio formado por empresas estrangeiras e nacionais.Logo depois de privatizada, demitiu cerca de 300 empregados. Algum tempo depois,ofereceu um plano de desligamento incentivado aberto a todos os funcionários, ao qualaderiram cerca de 4.500 empregados.

Outros planos de desligamento foram realizados ao longo dos anos, voltadosespecificamente, para os funcionários que tivessem condições de aposentar pelaprevidência oficial. A adesão ao plano era voluntária e aqueles que quisessem continuartrabalhando na empresa poderiam fazê-lo. No início de 1999, no entanto, ofereceu um

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plano que, ao contrário dos anteriores, caracterizou-se pela obrigatoriedade daaposentadoria.

8.2 Conclusões

De uma forma geral, a literatura específica pressupõe que planos de redução planejadade pessoal se realizem em empresas fora do contexto da privatização. O fato de odownsizing ocorrer neste contexto específico, tem implicações que ampliam e, emalguns casos, diferenciam as características e conseqüências dos programascomparativamente àqueles normalmente relatados pela literatura.

1. Os processos de downsizing em empresas recém-privatizadas, encontram-seinseridos em um processo de mudança radical da organização, caraterizado poralterações na composição acionária, na alta administração, na tecnologia, nos valorese nas práticas organizacionais.

Os processos de downsizing estudados, ao inserirem no contexto da privatização,inseriram-se, também, em um conjunto de mudanças que ocasionaram a completatransformação da empresa. Em primeiro lugar, ao ser vendida, muda-se a composiçãoacionária da empresa, que deixa de ser regida pelos interesses, normalmente políticos,do governo para ser regida pelos interesses econômicos dos novos acionistas. Comoconseqüência, há, via de regra, alterações na alta administração da empresa, comrepresentantes das empresas adquirentes.

Por outro lado, normalmente as estatais realizaram em seus últimos anos, por conta daredução de gastos do governo federal, poucos investimentos na modernização deequipamentos e na tecnologia típica da empresa. Com a privatização, foi normal oaporte de novo capital e sua aplicação na modernização tecnológica, com vistas arecuperar este atraso do passado. Assim, nas empresas estudadas, particularmente naSerB e na ServC, foram grandes os investimentos na modernização dos processosadministrativos e produtivos.

Valores e práticas organizacionais também se alteraram. Se a empresa foi adquirida porempresa com forte cultura corporativa, esta transferiu seus valores e práticas para a novaorganização, provocando alterações substanciais no dia-a-dia dos funcionários. Se aempresa foi adquirida por um consórcio em que os novos acionistas estão trabalhandojuntos pela primeira vez, novos valores e práticas demoram mais a ser assimilados pelosfuncionários.

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2. Os processos de downsizing em empresas recém-privatizadas caracterizam-se porsua severidade e abrangência e por restrições governamentais.

Em empresas não privatizadas os programas de downsizing têm grande variabilidade,podendo atingir apenas um local, uma fábrica, uma função terceirizada ou ainda, toda aorganização (Katz, 1997; Tomasko, 1990). Os processos de downsizing estudados nestapesquisa, porém, caracterizaram-se por ser abrangentes, incluindo todas as áreasgeográficas onde a empresa estava presente, todos os níveis operacionais e todos osprocessos. A amplitude do plano de downsizing, no caso de empresas privatizadas, temsua razão de ser em um quadro de pessoal excessivo, ocasionado principalmente pelaadministração política e pela cultura de não demissão da estatal. Assim, é razoável que aempresa adquirente optasse pela implantação de um programa de redução de pessoalque procurasse diminuir o contingente existente. Os níveis de redução praticados pelasempresas estudadas – 20% no caso menos severo e 40% no caso mais severo – indicama intensidade deste corte.

Acresce-se, ainda, que, o fato de o governo brasileiro ter, nos últimos anos, em funçãode contenção de gastos, limitado o número de concursos públicos, implicou umcontingente de pessoal com alta idade média e próximo da aposentadoria. Assim, outroobjetivo do downsizing foi o de reduzir o tempo médio de trabalho do corpo defuncionários.

Em empresas não privatizadas, a data e as características do plano são deresponsabilidade da própria empresa, encontrando suas principais limitações nalegislação trabalhista do país onde está sendo implantado e nas questões internas àprópria organização. No caso das empresas privatizadas, duas delas tiveram restriçõesquanto à implantação do plano impostas pelo próprio edital de privatização.

Outro aspecto refere-se à população de funcionários que a empresa enfoca em seusplanos de redução. Duas das empresas pesquisadas realizaram planos voluntáriosprocurando incentivar os funcionários com mais tempo de empresa e perto daaposentadoria. Esse tipo de plano é favorecido no caso de empresas estatais, pois estas,geralmente, têm um fundo de pensão que complementa a aposentadoria concedida pelosistema de seguridade oficial do governo. Assim, há um estímulo maior destesempregados em aderir aos planos voluntários, pois sabem que terão sua renda ao menosparcialmente garantida. Trata-se, portanto, de uma nítida vantagem das empresasestatais, em relação àquelas que não têm fundo de pensão, no atingimento das metas deredução.

Assim, o fato de a redução de pessoal ocorrer no contexto de empresas recém-privatizadas se relaciona com planos severos em seu grau de redução, amplos naabrangência, limitados a eventuais regras do edital de privatização e atingindo, nos

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casos de planos de desligamento voluntário, preferencialmente, funcionários com maistempo de empresa.

A ocorrência de um plano de redução de pessoal, com as características anteriormenterelatadas, em empresa recém-privatizada implica vários aspectos dos quais os principaissão: (a) percepção, por parte dos remanescentes, de que a privatização e o downsizingentrelaçam-se formando eventos que andam juntos; (b) alteração nas práticasorganizacionais e na forma de trabalhar; (c) mudança no contrato psicológico e (d)alteração na construção do futuro dos remanescentes.

3. O impacto do downsizing sobre os gerentes difere daquele relatado na literaturaespecífica de downsizing

Para Wright e Barling(1998) os executores passariam por fases de culpa, sobrecarga depapéis, conflito trabalho-família, exaustão emocional, diminuição do bem-estar e porfim solidão e isolamento. Segundo esta pesquisa, as vivências de sobrecarga de papéis econflito trabalho-família foram plenamente confirmadas. Não estavam, todavia,limitadas aos gerentes, tendo sido igualmente encontradas nos funcionários sem cargogerencial.

As vivências de exaustão emocional – no sentido de isolamento físico e emocional doambiente de trabalho e da vida social -, diminuição do bem estar e solidão não foramencontradas nesta pesquisa. É provável que se tenha uma explicação a partir daperspectiva cultural, sendo, possivelmente, o isolamento descrito pelos autores maistípico de sociedades individualistas do que de sociedades relacionais como a brasileira.

Dada à abrangência do programa de downsizing e o processo de privatização a quetodos foram simultaneamente submetidos, é razoável inferir que gerentes encontraramamplo espaço e mesmo estímulo para a partilha de suas vivências. O fato de osremanescentes, gerentes ou não, terem sido colegas de trabalho, por muitos anos, naestatal, provavelmente, facilitou a troca de experiências evitando, assim, a distânciasocial e emocional no ambiente de trabalho relatada por Wright e Barling (1998).

4. O contexto da privatização em que se inserem os planos de downsizing faz com que aprivatização e o downsizing sejam percebidos como causa e efeito pelos participantes.

Do ponto de vista dos atores, privatização implica demissão em massa, sendo que essesprocessos se entrelaçam e quase não se distinguem na percepção dos envolvidos. Emsendo aceita a hipótese de privatização, os funcionários concebem-na como sinônimo dedemissão.

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5. Por conta disso, a comunicação do plano de downsizing não cumpre o objetivo deinformar, mas adquire um significado simbólico, de demarcar a mudança do contratopsicológico.

A ocorrência de um plano de redução de pessoal não é surpresa, portanto, para osfuncionários de estatais em que houve anúncio de privatização. O programa se antecipano horizonte muito antes da data da privatização. Os empregados podem não acreditarna privatização, como de fato ocorreu nas três empresas pesquisadas, mas, uma vezaceita a sua inevitabilidade, a preocupação voltou-se para o “quando” e o “como” doplano a ser implantado.

A comunicação do plano por parte da empresa já privatizada tem dois objetivos, umprático e outro simbólico. Do ponto de vista prático, as ações de comunicaçãopretendem informar as razões para o plano e as características dos mesmos. Nos casosde planos voluntários, comunicam-se as condições de adesão e os benefícios oferecidose, no caso de plano involuntário (demissão), tem-se por finalidade informar osselecionados para o desligamento.

Do ponto de vista simbólico, sinaliza a alteração de um ponto fundamental no contratopsicológico. A estabilidade, assegurada na época de estatal, deixa de existir e todospodem, daquele ponto em diante, perder seu emprego.

6. A implantação de planos de desligamento, voluntários ou involuntários, tangibiliza amudança do contrato psicológico.

A mudança de estatal para privada e o programa de downsizing modificaram, destaforma, substancialmente o contrato psicológico do empregado. Segundo Rousseau(1996) na fase de preparação para a mudança do contrato psicológico, sinais e açõessimbólicas de que o velho contrato acabou são de primordial importância.

Na empresa estatal, havia a certeza da não demissão e mesmo comportamentosdesviantes não eram motivo suficiente para o desligamento. A cultura da empresa, asquestões políticas e a pressão do sindicato eram as causas dessa prática. Com a chegadada privatização e a implantação dos planos de redução de pessoal, voluntários ouinvoluntários, essa certeza se desfez e o empregado passou a sentir seu empregoameaçado.

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7. A partir daí, identifica-se um processo de adesão à “lógica da empresa privada”presente no discurso dos participantes e nas atitudes diante das novas imposiçõesorganizacionais.

Conforme as entrevistas realizadas pôde-se constatar que os remanescentes do processode privatização e downsizing aderiram de forma bastante consistente à lógica daempresa privada.

Os argumentos utilizados pelos funcionários espelham essa posição. Ao relatarem asmudanças ocorridas em seu dia-a-dia, a forma mais comum de argumentação baseava-sena contraposição das práticas da empresa estatal frente às práticas da empresa privada.Via de regra, o quadro excessivo de pessoal, a impossibilidade de demissão, a ausênciade política de méritos, a burocracia na comunicação, o difícil acesso aos níveissuperiores da empresa, o lento processo decisório, a falta de contato com o mundo“real” e o descuido com o cliente, foram motivos de crítica por parte dos funcionáriosda ServB e da ServC. Pôde-se perceber que, quanto maior a adesão à nova lógica, maiorera a crítica ao passado. A exceção, como já relatado, refere-se à ServA, vista por seusfuncionários remanescentes como altamente eficiente, produtiva, tecnológica egerencialmente exemplar.

As exigências da empresa privatizada que passou a operar em outro ambiente denegócios foram, portanto, incorporadas pelos funcionários. Assim, segundo seusdepoimentos, uma empresa privada deve dar lucro senão fecha, deve atender bem seusclientes para poder gerar receita e não perdê-los para o concorrente, deve trabalhar comuma estrutura de pessoal enxuta, de forma a ter vantagem competitiva, deve agir edecidir rapidamente de forma a ganhar agilidade, deve dispor de um corpo de pessoalcapacitado a aceitar novos desafios, deve cumprir suas metas, mesmo que para issosejam necessárias longas horas adicionais de trabalho, deve ter boa imagem no mercadoe deve estar tecnologicamente atualizada. Exigências típicas de uma empresa privada,distantes do discurso e das práticas da empresa estatal.

Há que se conjeturar como foi possível a adesão a uma realidade tão diferente. Ahipótese assumida neste trabalho é que a transformação do contrato psicológico foi abase fundamental para a mudança de atitude do funcionário e para sua adesão à novalógica.

Esta transformação, por sua vez, pôde ser realizada basicamente por força de trêsfatores: a privatização seguida do downsizing, pressões da diretoria e da nova culturaorganizacional e pressões do meio ambiente específico da empresa.

A privatização, plenamente anunciada e discutida publicamente e entendida comosinônimo de demissão em massa, surgiu como a primeira ameaça ao contrato vigente naestatal. Os planos de desligamento tangibilizaram a mudança nas regras do contrato. O

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novo contrato psicológico foi sendo, então, construído e sedimentado por meio dasnovas regras de trabalho e pelas práticas e pressões da organização privada e de seuambiente externo.

O ambiente externo tem influência na transformação do contrato psicológico, na medidaem que se constitui em alternativa para o empregado sair da empresa, caso não concordecom as mudanças em curso. Assim, via de regra, em mercados com grande oferta demão de obra, funcionários de área administrativa, notadamente aqueles com baixo nívelde escolaridade, percebem existir poucas oportunidades de encontrar um novo emprego.

Da mesma forma, engenheiros e técnicos com especialização específica à empresapodem encontrar maior dificuldade de emprego caso se desliguem da empresa. Emalguns casos uma nova colocação só seria possível se se dispusessem a mudar de Estadoou mesmo de região.

Assim, à medida em que o contrato psicológico foi sendo transformado, passou a haveruma adesão às novas regras de relacionamento entre empresa e empregado.

8. Ao adotar a lógica da empresa privada, a relação percebida da empresa com oambiente se modifica, passando a ser mais permeável.

Observou-se nas empresas pesquisadas maior atenção ao cliente e ao serviço prestado.Cientes de que, em ambiente competitivo, o cliente tem outras alternativas decontratação de serviço, os funcionários passaram a se preocupar com a presteza e aqualidade do serviço prestado, o que difere da postura do funcionário na época deestatal, quando esta questão tinham menos importância.

A concorrência tornou-se motivo de atenção e preocupação, pois esta poderia avançarna fatia de mercado da empresa, diminuir seus lucros e, por conseqüência, ameaçar aempresa e o emprego.

Algumas delas passaram, também, a ser fiscalizadas por órgãos reguladoresgovernamentais o que lhes impôs uma pressão adicional.

Funcionários de áreas tipicamente de fronteira, isto é, em contato com o ambienteexterno como compras ou recrutamento e seleção sentiram algumas modificações. Se aestatal tinha impedimentos e regras rígidas na contratação de produtos, serviços e mão-de-obra, o que lhes impunha um certo isolamento, as privadas, por sua vez, mantêm,comparativamente, contatos mais freqüentes com pessoas e com empresas externas.

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9. O processo de downsizing, inserido na privatização da empresa, leva a alterações naforma de trabalhar que são aumento na carga de trabalho, maior responsabilidade eautonomia na execução das tarefas, multifuncionalidade e postura pró-ativa naresolução de problemas.

Outras implicações se fazem presentes e dizem respeito à alteração na forma detrabalhar dos empregados. Uma das primeiras alterações relatadas refere-se à carga detrabalho, aumentada substancialmente em função da redução de pessoal e implicandojornadas diárias estendidas para além do horário comercial e incluindo, também, finaisde semana.

Outras questões contribuíram, ainda, para o aumento na quantidade de trabalho. Asempresas adquirentes investiram grande volume de capital, modernizando máquinas eequipamentos e investindo fortemente em sistemas de informação, o que, no início,acarretou esforço adicional, tanto na implantação dessas tecnologias, quanto noaprendizado das ferramentas. Assim, funcionários de empresas estatais com tecnologiasatrasadas foram obrigados, em curto espaço de tempo, a aprender a operar novasmáquinas e a lidar com a tecnologia de informática. Novamente, o impacto sobre osremanescentes, nestes casos, difere daquele ocorrido em empresas que encerram outerceirizam parte de suas atividades ou apenas diminuem o contingente de mão de obra.

Outro ponto, ainda, contribuiu para o sentimento de sobrecarga. Muitos empregadosprocuraram, com a mudança na estabilidade e o medo de perder o emprego, aumentarsuas próprias atividades de forma a “mostrar-se” mais atraentes para a empresa e,eventualmente, tornar-se imprescindíveis. Assim, além de fatores objetivos,interpuseram-se fatores psicológicos que contribuíram para o aumento na quantidade detrabalho dos remanescentes.

A passagem de estatal para empresa privada, seguida de processo de downsizing, teve,ainda, outras implicações para os empregados. Estes viram-se com autonomia eresponsabilidade significativamente aumentadas. Uma das razões decorreu doenxugamento da estrutura organizacional que, com menos chefias intermediárias,delegou mais poderes aos funcionários das camadas mais baixas, aumentando suaautonomia e responsabilidade. A empresa privada também passou a cobrar dofuncionário a prática da multifuncionalidade, implicando o aprendizado e a realizaçãode tarefas antes executadas por outros empregados. Por fim, uma postura pró-ativa naantecipação e resolução de problemas passou a ser cobrada. Tarefas e processospassaram a ser priorizados e mesmo questionados, na busca de maior produtividade eeficiência. Esta postura, parte cobrada e parte espontânea, tem sua razão de ser derivadada necessidade de se realizar maior quantidade de trabalho em menor espaço de tempo.

Há que se lembrar que estes funcionários vieram de empresas com estruturashierárquicas pesadas, com lentidão no processo decisório e rigidez na definição decargos e tarefas. A passagem para uma filosofia de responsabilidade e autonomia,

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postura pró-ativa e ampliação do leque de tarefas significou alteração substancial nodia-a-dia do trabalho. Acresça-se a isto a drástica redução de pessoal e as pressões porresultados típicas da empresa privada e pode-se inferir o quanto mudou o cenário detrabalho do empregado.

10. A mudança no contrato psicológico, ao gerar insegurança e simbolizar a perda daproteção “maternal” da estatal, faz com que o funcionário se torne co-responsável peloseu autodesenvolvimento.

O empregado da estatal delegava à empresa a responsabilidade pelo seuaperfeiçoamento profissional. Assim, se a empresa investisse na formação de seusempregados teria um corpo de profissionais altamente qualificado. Não fazia parte dacultura da empresa, no entanto, estimular e mesmo exigir de seus funcionários umapostura pró-ativa na própria formação. Com isso, muitos funcionários de estatal, emboracom grande experiência, tinham formação incompleta e insuficiente para as demandasna empresa privada.

A empresa privada, por sua vez, passou a exigir de seus funcionários maioreshabilidades e conhecimentos que assustaram muitos dos funcionários remanescentes.Muitos voltaram a estudar, procurando completar sua formação básica ou mesmoaprimorar os conhecimentos já obtidos. Outros manifestaram a intenção de voltar aestudar por compreenderem que a constante atualização passara a ser uma exigência daempresa privada.

11. A entrada de novos funcionários, após a privatização e o downsizing, exacerba adistinção entre o grupo de dentro – os antigos funcionários – e o grupo de fora – os“novos” -, fazendo em alguns casos ressaltar o estigma de ter sido funcionário deestatal.

A contratação de novos funcionários foi outro ponto de impacto para os funcionáriosegressos da estatal. Acostumados a trabalhar sempre com as mesmas pessoas tiveramque se adaptar a novos colegas e, eventualmente, a novas chefias, ao mesmo tempo queperdiam antigas lideranças e colegas de muitos anos de convivência.

A entrada de novos funcionários representou ameaça ao funcionário da estatal, porquestões salariais, formação, preparo e mesmo prestígio. Aqueles com salários maisaltos temiam ser substituídos por profissionais com salários mais baixos. Essa é umaquestão importante, pois as estatais concederam a seus funcionários uma série deaumentos e benefícios que as empresas privadas, mais pressionadas por eficiência ebusca de lucro, não puderam ou não quiseram conceder.

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Naquelas empresas onde as contratações foram mais freqüentes, criou-se uma clivagemna percepção de origem do empregado. Aqueles oriundos das estatais formaram o grupode dentro e os recém-admitidos formaram o grupo de fora, os “novos”. Em algunscasos, o grupo de dentro, de certa forma, rejeitou o grupo de fora e sentiu-se, também,por ele rejeitado.

Esta percepção pode ter se intensificado pelo sentimento de ter havido, por parte danova administração, nos primeiros momentos da privatização, uma certa desconfiançado funcionário da estatal, estigmatizado como menos competente e menos disposto aotrabalho.

12. O processo de downsizing, por meio da redução de pessoal, é percebido comoabrindo oportunidades de ascensão profissional.

Por outro lado, as oportunidades também surgiram. Com reestruturações internas,algumas pessoas foram promovidas sentindo-se valorizadas pela nova administração.Muitos realizaram treinamento de informática, cursos de idiomas, treinamento técnico egerencial. Em alguns casos a empresa privada auxiliou financeiramente o empregadoem cursos superiores e cursos de especialização. Surgiram oportunidades de realizartrabalhos novos e desafiadores. Deste ponto de vista, muitos relatam terem tido umgrande crescimento profissional e oportunidades de realizar trabalhos gratificantes quenão seriam possíveis no tempo de estatal.

É razoável que a pressão por resultados, a demanda por funcionários com maiorautonomia e habilidade de decisão, o investimento em sistemas de informação e naformação de pessoal tenham resultado em um conjunto de funcionários maisqualificados.

13. As representações simbólicas da empresa estatal e da “nova empresa”(privatizada)refletem alguns conflitos, contradições e ambigüidades gerados por esta mudança.

Uma gama de sentimentos pôde ser observada nos depoimentos coletados. Da paz etranqüilidade da empresa estatal passou-se ao ritmo de constante mudança quecaracteriza a empresa privada.

Houve um grande salto da metáfora da mãe-empresa para a metáfora do mundo real,aquele que não é o mundo da fantasia. Essa mudança implicou, conforme já relatado nahistória por metáforas, “namoros e casamentos desfeitos” e sofrimentos com“guilhotinas” que deceparam a cabeça de muitos. Implícitos, nestas passagens, estãosentimentos de perda e, principalmente, de medo.

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A vivência dos funcionários entrevistados, no momento da realização desta pesquisa,foi, então, de estarem vivendo em um mundo agora “real”, tendo sido aquele outro – oda estatal – um mundo “irreal” e da “fantasia”.

Os sentimentos subjacentes a este novo estado de realidade expressam uma profundaambigüidade na forma de ver a situação. Situações concretas de progresso e realizaçõesprofissionais no nível da organização e, no nível individual são, simultaneamente,acompanhadas por sentimentos contraditórios que expressam medo e orgulho, amor eangústia , satisfação e estresse.

A empresa privada, ao mesmo tempo que traz satisfação por apresentar novos desafiosde trabalho, exige do empregado uma longa jornada a ponto de interferir em sua vidapessoal e familiar. Ao mesmo tempo que promete reconhecimento e valorização combase nos resultados, amedronta pela possibilidade de poder demitir a qualquer hora. Aomesmo tempo que propicia desenvolvimento profissional, assusta pela demanda denovos conhecimentos e novas habilidades. Ao mesmo tempo que produz orgulho pelosucesso e metas alcançadas, estressa pelo esforço exigido. Ao mesmo tempo que seduz,também angustia e amedronta.

Há que se esclarecer, ainda, que não se encontraram diferenças entre o discurso dosgerentes intermediários e o discurso dos demais funcionários. Seus relatos revelaram asmesmas satisfações, motivações, dúvidas e contradições. Em alguns casos, no entanto,pode-se dizer que os gerentes estavam submetidos a pressões maiores, pois, além deterem que lidar com a sua própria situação, sentiam-se responsáveis por seussubordinados.

As contradições e ambigüidades presentes nos discursos, contrapõem-se à clivagemencontrada na literatura específica de downsizing. De forma geral, os autores assumemposições polares em que procuram mostrar que o processo ou é danoso e temconseqüências negativas para a empresa e o empregado ou é benéfico para a empresa.Esta pesquisa avança o conhecimento existente no sentido de mostrar que o downsizingem empresas recém-privatizadas não assume um caráter único. Não é “bom” nem é“ruim”, são as suas coisas ao mesmo tempo. Assumir o viés da crítica ou do elogio seriaprivilegiar apenas um lado da questão.

Pagès et al (1990), em sua pesquisa em multinacional na França, relatam de formasimilar a existência de contradições e ambigüidades no discurso dos empregados. Apartir de referências teóricas marxistas e psicológicas e de estudos de poder, concluíramque os discursos dos funcionários apenas reproduzem as contradições existentes nasociedade. Além disso, segundo os autores, os mecanismos de poder da sociedadecapitalista possibilitaram a manipulação do inconsciente. A dominação seria, destaforma, o “produto de uma mescla de coerção e aceitação”, sendo que “este últimoelemento talvez seja o mais forte”(p.227).

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8.3 Recomendações para Pesquisas Futuras

Esta pesquisa investigou o processo de downsizing em três empresas recém-privatizadas, de grande porte e relevantes no cenário regional e mesmo no cenárionacional.

A continuidade desta pesquisa, em outras empresas do mesmo porte permitiriaenriquecer o entendimento do processo de downsizing em empresas de grande porteprivatizadas. É possível que o processo e conseqüências, aqui apontados encontremsimilaridade nesses outros casos, o que daria maior peso aos resultados desta pesquisa.É possível, também, que diferenças se evidenciem, o que traria riqueza ao quadroteórico proposto.

Uma pesquisa que se realizasse em empresas de menor porte, com programas dedownsizing inseridos nos processos de privatização, poderia oferecer uma perspectivacomplementar a este estudo. É possível que as condições ambientais e organizacionaissejam diversas. Nesse caso, seria produtivo registrar e analisar as diferençasencontradas.

A condução desta pesquisa, em empresa privatizada que não tivesse realizado, em seusprimeiros anos, processo de downsizing, permitira melhor compreender as questões deda privatização e da transformação do contrato psicológico. É possível que, nestescasos, a dinâmica da transformação apresente diferenças elucidativas do processo deadesão à lógica da empresa privada.

No que tange aos aspectos comportamentais, futuras pesquisas poderiam aprofundar aquestão das contradições e ambigüidades, contrapondo-as com movimentos dedownsizing em empresas multinacionais e empresas familiares. Dadas às característicasdestas empresas, uma comparação entre os processo e as conseqüências do downsizingpoderia adensar o corpo teórico existente.

Ainda dentro do âmbito dos estudos comportamentais, seria útil o aprofundamento dasquestões que impedem a adaptação de alguns funcionários à forma de trabalho naempresa privada. Este estudo poderia esclarecer e, talvez, desfazer o estigma queperpassa os funcionários egressos de empresa estatal. Além disso, poderia auxiliar noplanejamento de futuras privatizações e mesmo na concepção de planos de redução depessoal, se fosse o caso.

No que tange ao universo dos funcionários desligados, seria interessante a comparaçãodas diferenças entre o bem estar de empregados desligados de empresas estatais edaqueles desligados de empresas privadas, também consideradas paternalistas. Estapesquisa poderia ampliar a compreensão da metáfora empresa-mãe, verificando a

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longevidade de sua proteção e comparando-a com a de outras empresas, tambémreconhecidamente protetoras em relação a seus funcionários.

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343

10 ANEXOS

ANEXO 1Roteiro de entrevista para remanescentes sem cargo gerencial

RAZÕES PARA O PLANO E CARACTERÍSTICAS DO PLANO• Na sua percepção, quais as razões para a redução de pessoal?• Quais as principais características do plano?

COMUNICAÇÃO DO PLANO• Como o plano foi comunicado?• Você sabia, antes da comunicação oficial, que o plano iria acontecer?

CLIMA• Como, na sua percepção, ficou o clima nessa época (antes/durante?)

DURANTE A IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO• Qual sua reação quando você soube do plano?• Como você reagiu durante a implantação?• Por que você não saiu?• Na sua percepção, por que as pessoas se desligaram?• que você achou do plano? Foi um plano justo?

DEPOIS DO PLANO IMPLANTADO• O que aconteceu depois da implantação do plano?• Você acha que a sua relação com a empresa mudou?• O seu trabalho mudou? Em que sentido?

FUTURO• Como você vê a empresa no futuro?• Como você vê o seu futuro dentro da empresa?• Existe alguma coisa importante que eu não tenha perguntado e que você gostaria de

comentar?

344

ANEXO2Roteiro de entrevista para remanescentes com cargo gerencial

RAZÕES PARA O PLANO E CARACTERÍSTICAS DO PLANO

• Na sua percepção, quais as razões para a redução de pessoal?• Quais as principais características do plano?• Qual número de desligamentos se pretendia atingir?• Quais os critérios adotados para a seleção das pessoas?

COMUNICAÇÃO DO PLANO• Como o plano foi comunicado?• Como foi mantida a comunicação durante o processo?

CLIMA• Como, na sua percepção, ficou o clima nessa época (antes/durante?)

DURANTE A IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO• Qual a reação de seus funcionários?• Qual foi o seu papel como gerente?• Na sua percepção quais as razões para a adesão ou não adesão ao plano? (em caso

de desligamento voluntário)• Como você julga a justiça do processo?

DEPOIS DO PLANO IMPLANTADO• O que aconteceu após o plano?• O trabalho mudou? Em que sentido?• Se você pudesse voltar no tempo, o que faria diferente?• Você acha que a sua relação com a empresa mudou?

FUTURO• Como você vê a empresa no futuro?• Como você vê o seu futuro dentro da empresa?• Existe alguma coisa importante que eu não tenha perguntado e que você gostaria de

comentar?