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PRÁTICAS CORPORAIS E SUAS RELAÇÕES COM O CONTEXTO ESCOLAR NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
Angélica Jesus de Santana
Universidade Federal de Sergipe
O estudo objetivou compreender a cultura escolar através das práticas educativas
como: aulas de ginástica, festividades e desfiles cívicos, no intuito de perceber como tais
práticas eram articuladas visando imprimir nos corpos dos educandos aspectos cívicos, morais
e higiênicos disseminados durante período republicano através da instituição educacional, sob
a forma dos grupos escolares nas primeiras décadas do século XX. O recorte temporal para
esta pesquisa foi definido tendo em vista a inserção da Educação Física nos currículos das
escolas sergipanas em 1917 até 1930 tendo em vista a mudança de método de ginástica sueca
para a ginástica francesa, já que este último método não é contemplando aqui. Este estudo tem
como categoria de análise a infância e utiliza como fontes principais os recursos
iconográficos. Tais elementos constituintes da pesquisa estão respaldados por um referencial
bibliográfico que aborda a história da educação brasileira e suas relações sócio-políticas.
Os dados que compõem esta pesquisa abordam inicialmente a importância da
utilização dos recursos iconográficos como fontes da História da Educação e às dificuldades
de acesso a esse tipo de fonte. Já que segundo Dermeval Saviani1 “...as fontes são o ponto de
origem, a base e o ponto de apoio para a produção historiográfica que nos permite atingir o
conhecimento da história da educação brasileira...”. Durante muito tempo às imagens foram
utilizadas como ilustração sem explorar o conteúdo e as informações contidas nestas,
principalmente quando se referem à cultura escolar registrando momentos do cotidiano
educacional e especificidades das práticas educativas aqui elencadas para análise que muito
influenciaram na formação da população brasileira. Desta forma o recurso iconográfico
utilizado como fonte de pesquisa da cultura escolar que transcende a utilização das imagens
apenas de maneira ilustrativa pode ser considerado como uma tendência recente.
O trabalho com os documentos audiovisuais, em especial a fotografia, é importante no
sentido de fazer falar esta fonte de pesquisa que no primeiro momento pode ser considerada
como muda e estanque. Para tanto as fotografias precisam ser analisadas e trabalhadas não
apenas no sentido de abordar ou decifrar a imagem pela imagem, mas sim contextualizando-a
com a situação sócio-educacional do país e do Estado, levando em consideração a época em 1 SAVIANI, Dermeval. Breves Considerações sobre Fontes para a História da Educação. In: LOMBARDI, José Claudinei e NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. Fontes, História e Historiografia da Educação. Paraná: Autores Associados. 2004. p. 09.
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que foram produzidas. No entanto, ao elencar os recursos iconográficos como principal fonte
de estudo o pesquisador encontra grandes dificuldades que segundo os integrantes do Cpdoc
(Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da Fundação
Getulio Vargas “advêm, principalmente, da dispersão das fontes, da ausência de instrumentos
de pesquisa que informem sobre sua localização e do reduzido número de estudos sobre a
história da fotografia, afora as péssimas condições de preservação em que se encontram tais
documentos, na maior parte das vezes fadadas ao desaparecimento”2.
A escassez dos recursos iconográficos foi uma das principais dificuldades encontradas
para a construção deste artigo, a busca por acesso a tais fontes representou um trabalho árduo,
pois se tratando especialmente de imagens escolares, no nosso Estado percebesse a falta de
interesse pela produção e conservação de tais imagens. Somando-se ainda o fator cronológico,
principalmente por conta do período elencado que diz respeito às primeiras décadas do século
XX, pois como se sabe a utilização das máquinas fotográficas ainda não era muito difundida
no Brasil, especialmente em Sergipe, o que nos leva a inferir ser este um dos motivos
responsáveis pela presença reduzida dos registros fotográficos dentro do ambiente escolar.
No entanto uma preliminar pesquisa em acervos públicos e particulares revelou
algumas imagens da cultura escolar que se enquadra na padronização dos tipos de fotografias
escolares citado por Rosa Fátima de Souza: “...o gênero mais difundido é a fotografia de
classe (...). As fotografias do corpo docente incluem uma outra modalidade de fotografias
escolares. Além dessas são comuns as imagens das fachadas dos edifícios escolar, de festas e
solenidades, de aulas de educação física, exposições escolares, entre outras”3.
Compondo assim a coleção 40 fotografias pertencentes ao acervo do Museu do
Homem Sergipano (acervo particular de Rosa Faria), ao Instituto Tobias Barreto de Educação
e Cultura e ao acervo particular da Dra. Maria Bernadete G. S. Figueiredo. É valido ressaltar
que apenas 7 destas imagens serão utilizadas como fontes para produção deste artigo.
Não fugindo a regra da padronização citada acima, tais registros fotográficos referem-
se a fachadas dos grupos escolares, com ou sem alunos postados a sua frente e ao cotidiano
destes grupos, que podem ser aqui categorizadas como: fotos de atividades festivas dentro do
ambiente escolar; fotos de desfiles cívicos, geralmente ocupando as principais ruas e praças
2 LOBO, Lúcia Lahmeyer, BRANDÃO, Ana Maria de Lima e LISSOVSKY, Maurício. A fotografia como fonte histórica: a experiência do Cpdoc. Anais do V Congresso Brasileiro de Arquivologia. Rio de Janeiro. 1982. p. 43. 3 SOUZA, Rosa Fátima de. Um itinerário de pesquisa sobre a cultura escolar. In: CUNHA, Marcus Vinicius da (org). Ideário e Imagens da Educação Escolar. Campinas: Autores Associados; Araraquara, SP: Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, 2000. p. 20.
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da cidade; fotos de práticas de ginástica e fotos de práticas esportivas dentro e fora do
ambiente escolar.
Este artigo encontra-se dividido em dois tópicos, o primeiro intitulado ‘Educar para
Civilizar: Praticas Educativas e Cultura Escolar nos Grupos Escolares de Aracaju” contempla
os principais aspectos da infância e da cultura escolar conduzida à luz da influência médico-
higienista, no sentido de olhar a escola por dentro através da monumentalidade dos prédios
escolares, das festas, desfiles e aulas de ginásticas; O segundo tópico: “Abrindo o álbum da
cultura escolar” aborda a análise das séries iconográficas da cultura escolar, priorizando as
imagens compostas por crianças, durante as festas, desfiles e aulas de ginásticas, as análises
das imagens serão contextualizadas através de informações de autores que se debruçam sobre
a história da educação e da cultura escolar. Neste tópico ainda é contemplada a influência da
arquitetura escolar no processo de estruturação sócio-educacional.
Por último, sem a intenção de esgotar o assunto explanado é feito um breve apanhado
sobre o trabalho e as relações que refletem os interesses políticos nas instituições
educacionais, considerando estas enquanto local de formação da infância brasileira.
No emaranhado das relações sociais reúnem-se fotografias, registram-se momentos
que representam a história de vidas e das instituições, deixando marcado para sempre
lembranças, amizades, emoções, encontros e desencontros, que à luz das inferências históricas
tornam-se mais claras.
Desta forma o primeiro tópico vislumbra fazer uma pequena contextualização acerca
da expansão das instituições educativas no país e as respectivas influências médico-
pedagógicas, percebendo como os desfiles cívicos, as festividades, as aulas de ginástica e a
monumentalidade dos prédios escolares foram utilizados pelo governo republicano para
inculcar nas pessoas os princípios higiênicos e morais que determinaram, durante muito
tempo, o modelo de conformação educacional brasileiro.
1. EDUCAR PARA CIVILIZAR: PRÁTICAS EDUCATIVAS E CULTURA ESCOLAR NOS GRUPOS ESCOLARES Antes de adentrarmos no cerne da questão ao analisar os elementos da cultura escolar
é importante que se faça uma breve explanação acerca da conjuntura sócio-político-
educacional do Brasil ainda no século XVIII, juntamente com a influência da medicina nos
corpos pueris. Pois advêm deste século às preocupações desta área da ciência, voltadas para
os assuntos de ordem social, transcendendo apenas os cuidados clínicos com os corpos
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doentes, dedicando-se também aos espaços privados – religioso ou familiar4, debruçando-se
principalmente sobre a criança “...Todavia raramente um médico se atrevia a escrever sobre a
educação das crianças a partir dos dois ou três primeiros anos de idade e sobre aspectos que
não coincidiam com os cuidados inerentes ao desenvolvimento físico dos mais pequenos...”5.
Somente no final do século XIX é que ocorre um estreitamento das relações médico-
pedagógicas, através do emergente e amplo campo de intervenção: o higienismo que
vislumbrava uma mudança de hábitos relativa ao trato dos corpos infantis e adultos, e dos
espaços sejam estes privados como casas ou públicos como escolas e demais instituições e
vinham sendo disseminadas em vários países. Os médicos higienistas eram os principais
disseminadores da eugenia, porém para dar conta de civilizar e regenerar toda a nação não
estavam sozinhos nesta empreitada, contavam com apoio dos juristas, engenheiros,
antropólogos, escritores e intelectuais da educação e viam nas crianças o principal objeto de
atuação, já que quanto antes fosse debelado a praga da degenerescência nos corpos, nas
mentes e nos costumes, maiores eram as chances de formar uma nação de raça pura e
civilizada.
A palavra eugenia do grego eugéneia “ciência que estuda as condições mais propícias
à reprodução e melhoramento genético da espécie humana”6. Teve um significado bastante
forte e amplo na atuação dos médicos, que vislumbravam dar conta de todos os problemas
socias através das propostas e intervenções eugênicas. Segundo Cynthia Greive Veiga e
Luciano Mendes de Faria7 tais propostas eugenistas contemplavam desde a eliminação física
dos indivíduos com má formação biopsicológica, até a idéia de esterilização e o
encorajamento da reprodução apenas entre os indivíduos considerados superiores.
Todas estas intervenções da área médica frente ao contexto educacional, que vinham
sendo gestadas no século XVIII vão ter um amplo alcance social entre o final do século XIX
e início do século XX, época de institucionalização da escola pública brasileira, logo o ensino
deixava de ser ministrado no ambiente doméstico onde durante anos as primeiras escolas
foram instaladas ocupando o espaço da sala na residência dos próprios professores. Passando
agora a ocupar o ambiente dos Grupos Escolares, edifícios monumentais implantados
4 GONDRA, José. Medicina, higiene e educação escolar. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira, FILHO, Luciano Mendes de Faria e VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de educação no Brasil. São Paulo: Autêntica. 2003. p. 527. 5 FERREIRA, Antonio Gomes Alves. Modernidade, Higiene e Controle Médico da Infância e da Escola. In: ALMEIDA,Maria de Lourdes Pinto de. Escola e Modernidade: saberes, instituições e práticas. São Paulo: Alínea, 2004. p. 108. 6 HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio século XXI. Cd-rom. 2002. 7 VEIGA, Cynthia Greive e FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Infância no Sótão. Belo Horizonte: Autêntica. 1999.
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primeiramente no Estado de São Paulo em 18908 e gradativamente espalhados para os demais
Estados do país, no intuito de transmitir a população os ideais republicanos de educação,
ordem e civilização, tão propalados pelo novo regime. De acordo com Marta Maria Chagas de
Carvalho
Nessa estratégia republicana, o Grupo Escolar é a instituição que condensa a modernidade pedagógica pretendida e o “método intuitivo” a peça central na institucionalização do sistema de educação pública modelar. De sua conjunção, resulta o modelo paulista que será exportado para outros estados da federação. Ensino seriado, classes homogêneas e reunidas em um mesmo prédio, sob uma única direção, métodos pedagógicos modernos (...) e monumentalidade dos edifícios em que a Instrução Pública se faz signo do Progresso9
Ainda no tocante a educação ofertada pelos grupos escolares Saviani reforça a idéia de
que “Foi somente com o advento da República, ainda que na égide dos estados federados, que
a escola pública, entendida em sentido próprio (...) se fez presente na história da educação
brasileira. Com efeito, é a partir daí que o poder público assume a tarefa de organizar e manter
integralmente escolas tendo como objetivo a difusão do ensino a toda a população...”10
No intuito de legitimar o almejado projeto sócio-educacional investiu-se muitas cifras
no casamento dos principais ramos sociais: a educação e a medicina. Esta enquanto área do
conhecimento já definida e aceita socialmente utiliza os conceitos e princípios básicos da
higiene, que se referia às boas condições de limpeza e asseio, não só corporal como também
dos ambientes principalmente os domésticos e institucionais, atrelados aos já discutidos
princípios da eugenia, influenciando desde a arquitetura escolar até o comportamento corporal
dos indivíduos durante as práticas educativas. Desta forma os médicos adentraram no amplo
espectro de questões vinculadas à escola, além de assumir cargos importantes nos “negócios
da educação” como a Diretoria de Instrução Pública nos grandes centros urbanos a exemplo
de São Paulo, Rio de Janeiro e também em Sergipe.
No que tange a arquitetura escolar era necessário à passagem do espaço escolar
doméstico para um lugar11 pré-definido com arquitetura arrojada, como podemos constatar
nas palavras de Agustín Escolano
8 SOUZA, Rosa Fátima de. Op. Cit. p. 6. 9 CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Reformas da Instrução Pública. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira, FILHO, Luciano Mendes de Faria e VEIGA, Cynthia Greive. Op. Cit.. p. 226. 10 LOMBARDI, José Claudinei. SAVIANI, Dermeval. NASCIMENTO, Maria Isabel Moura (orgs.). A Escola Pública no Brasil: História e Historiografia. Campinas, SP: Autores Associados. 2005. p. 10. 11 Segundo FRAGO, Antonio Vinão e ESCOLANO, Agustín. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. “... o ‘salto quantitativo’ que leva do espaço ao lugar é, pois, uma construção. O espaço se projeta ou se imagina; o lugar se constrói...” p. 61.
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o espaço- escola também foi se regionalizando, emancipando-se primeiro da casa e de outros lugares nos quais se localizou, constituindo-se depois como habitação ad hoc especializada nas funções de instrução, inclusive com anexos complementares (reservados higiênicos, pátios, átrios, closets, bibliotecas e outras dependências), e diferenciando-se finalmente em salas de aula separadas por grau ou ciclos e sexos.12
Atrelada a arquitetura escolar, as intervenções médico-higienista ocupam-se também
“...do tempo e dos saberes escolares, da alimentação, do sono, do banho, das roupas, dos
recreios, da ginástica, das recepções, da inteligência, da moral, e inclusive das excreções
corporais...”13. As questões educacionais vêm imbuída de fatores que irão determinar os
comportamentos corporais e sociais, através das práticas educativas como aulas de ginástica
que visavam principalmente à correção postural e os exercícios militares através das
evoluções como evoluções que serviam para enquadrar o corpo na disciplina e ordem escolar.
Pretendia-se com isso formar um novo modelo de homem, condizentes com a
emergente necessidade do mercado capitalista, já que segundo Margarida Neves “Novas
engrenagens internacionais transformam a economia mundial, as grandes potencias
hegemônicas descobrem, nas áreas periféricas – inclusive no Brasil – , um mercado lucrativo
para aplicações financeiras (...) onde a mão-de-obra é barata, os direitos sociais estão longe de
serem conquistados e a matéria-prima é farta e disponível...”14. Portanto além de formar o
homem trabalhador, as práticas educativas também visavam cooperar com a modernização do
país e de suas cidades, ensinando bons habitus.
No tocante ao aspecto local, por volta das primeiras décadas do século XX, a cidade
de Aracaju começava a respirar os ares da “modernidade pedagógica”, já propalada por todo o
país, dando assim continuidade ao projeto de imponência arquitetônica com a construção dos
grupos escolares. Percebesse em Sergipe um aumento considerável das vagas e a edificação
de novos prédios para abrigar as instituições já existentes, a exemplo do Ateneu Sergipense,
tradicional estabelecimento de ensino criado ainda no Império (1870) e da Escola Normal
(1871), instituição educacional destinada à formação de professores, procurada
principalmente pelas moças que queriam continuar os estudos para além do primário – as
normalistas. Para os menos abastados foram criadas instituições voltadas para o ensino
profissional: Escola de Aprendizes e Artífices (1911), Liceu Profissional Coelho e Campos 12 Idem. p. 46. 13 GONDRA José. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira, FILHO, Luciano Mendes de Faria e VEIGA, Cynthia Greive. Op. Cit. p. 527. 14 NEVES, Margarida de Souza. Os Cenários da República. O Brasil na virada do século XIX para o século XX. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente – da proclamação da república à revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2003.p. 20.
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(1923), Instituto de Química (1923), Escola do Comercio Conselheiro Orlando (1926)15. Com
o objetivo de propalar o ensino profissionalizante, bem como atender aos menores que
apresentavam problemas de ajustamento social e emocional foi criada em São Cristóvão a
escola agrícola denominada Patronato São Mauricio (1924) e também a Cidade de Menores
Getúlio Vargas (1924). Já que as escolas públicas cobravam altas taxas de matrícula e exigiam
fardamento completo. Despesas estas que muitas vezes fugiam ao orçamento da grande
maioria da população.
A expansão do ensino em Aracaju também contou com a iniciativa privada, visando
atender a demanda das vagas, foram criados o Colégio Nossa Senhora de Lourdes (1903),
Grêmio Escolar (1909), Colégio Salesiano (1911) , Colégio Tobias Barreto (1913), dentre
outros. No interior foram fundados ainda colégios confessionais para meninas: Colégio Nossa
Senhora das Graças (Própria - 1915) e Colégio Imaculada Conceição (Capela - 1929).
É importante salientar que existe uma diferenciação terminológica no que tange as
instituições de ensino do inicio de século XX, sendo que a denominação Grupos Escolares era
destinada às instituições mantidas pelo serviço público e funcionavam em prédios suntuosos
que atendiam aos parâmetros de higiene e salubridade, ao contrario das Escolas Isoladas,
também mantidas pelo serviço público, que geralmente funcionavam na própria casa dos
professores e quase sempre se encontravam destituídas dos aparatos essenciais de uma escola,
a exemplo dos bancos e cadeiras, como mostra o trecho do relatório apresentado ao Presidente
do Estado em 30 de julho de 1915 pelo Diretor Geral da Instrução Publica, Helvécio de
Andrade
“...Salas acanhadas, escuras impróprias higienicamente, atravancadas de bancos grosseiros, enormes, promíscuos, construídos sem medida, em geral muito altos para crianças de baixa idade, cujos pés suspensos do solo chegam a inchar por compressão circulatória dos membros inferiores; crianças pálidas, tristes, curvadas sobre os joelhos onde depõem o livro, desgraciosas, sem atitude, candidatas à miopia, ás curvaturas da espinha, às moléstias da nutrição por deficiência de respiração e de exercícios; tal o aspecto das nossas escolas no interior e na capital, em sua grande maioria...”16
Já a instituição de ensino denominada Colégio encontrava-se sobre a tutela da iniciativa
privada.
15 DANTAS, Ibarê. História de Sergipe: República (1889 - 2000). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2004. p. 58. 16 Relatório apresentado ao Presidente do Estado em 30 de julho de 1915 pelo Diretor Geral da Instrução Pública Helvécio de Andrade. p. 6. In: OLIVEIRA. Dilma Maria Andrade de. Legislação e Educação: O Ideário Reformista do Ensino Primário em Sergipe na Primeira República – 1889/1930. 2004. 245 f. Tese (Doutorado) Universidade Federal de São Carlos – São Carlos/SP. p. 131.
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Especificamente sobre o atendimento das crianças pequenas em instituições públicas,
Aracaju foi palco de um cenário estritamente carente durante as duas primeiras décadas do
século XX, contando apenas com creches e casas maternais que segundo Rita de Cássia Dias
Leal “... ofereciam um atendimento voltado à assistência social, cuidando da alimentação,
saúde e higiene da criança, promovendo ensinamento religioso e atenção às necessidades da
família...”17.
Somente em 1932 foi criada a “Casa da Criança de Sergipe”, composta por um Jardim
de Infância e uma Inspetoria de Higiene Infantil, transformando-se em Jardim de Infância
Augusto Maynard apenas em 196318.
Com a efetivação dos grupos escolares e jardins de infância em todo o país houve a
necessidade de levar para além dos muros escolares a instituição de ensino através dos
desfiles cívicos bem como das festividades tão presentes no calendário escolar, com intuito de
constituir em toda nação brasileira uma identidade republicana, tais momentos festivos tinham
o poder de transmitir coletivamente o mesmo sentimento de civilidade e patriotismo através
da solenidade do evento, pomposidade dos trajes e da boa aparência dos corpos,
principalmente os infantis.
As comemorações festivas, os desfiles cívicos, as aulas de ginástica, a arquitetura dos
prédios escolares eram elementos da cultura escolar utilizados para disseminar nas crianças os
ideais republicanos. Os interesses políticos aliados a estas práticas escolares serão melhores
visualizados no próximo tópico através da análise das imagens que compõem o cenário da
cultura escolar nas primeiras décadas do século XX, tais análises priorizarão a infância
Sergipana.
2. ABRINDO O ÀLBUM DA CULTURA ESCOLAR
Festividades, desfiles cívicos e aulas de ginásticas, práticas educativas que a princípio
refletem um ar de ludicidade e descompromisso pedagógico, do ensinar e aprender através de
livros e lições são tidas nas primeiras décadas do século XX como o principal meio de para
disseminar os elementos que compunham o projeto político do país: civilidade, ordem e
progresso. As crianças eram vistas como disseminadoras dos princípios de higiene e
17 LEAL, Rita de Cássia Dias. O Primeiro Jardim de Infância de Sergipe: contribuição ao estudo da educação infantil (1932 - 1942). São Cristóvão. NPGED/UFS. 2004. (dissertação de mestrado). p. 21. 18 Idem. p. 14.
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civilidade para os familiares, e conseqüentemente para a população, abrangendo assim o ideal
patriótico para a formação da nação brasileira.
Ao abordarmos as práticas educativas escolares, partimos da categoria cultura escolar
que segundo Dominique Julia, significa
Um conjunto de normas que definem os saberes a ensinar e as condutas a inculcar e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses saberes e a incorporação desses comportamentos, saberes e práticas estão ordenadas de acordo com as finalidades que podem variar segundo as épocas, as finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização. Normas e práticas não podem ser analisadas sem levar em conta o corpo profissional, os agentes que são obrigados a obedecer a essas normas e, portanto, a pôr em obra os dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar a sua aplicação, a saber, os professores19
Adentrando este emaranhado da cultura escolar, as práticas educativas que se
inscrevem nos corpos desde a arquitetura dos edifícios escolares até as práticas corporais
através de exercícios físicos ou a formação moral com a participação em desfiles cívicos e
festividades, serão analisadas a partir das fontes iconográficas levantadas. Assim partiremos
do entendimento de Milton José de Almeida, para o qual “a forma imagem, com suas linhas,
superfícies, perspectivas, manchas, é também a forma de pensar o que a imagem mostra. Os
significados das imagens são também os significados de como elas se mostram. E aí as
imagens tornam-se signos. Então, também se lê uma imagem. Uma imagem é um texto”20.
Cabe então interagir com as fotografias de forma a fazê-las falar através dos seus
cantos, arestas e sombras, traremos a tona o texto que não foi escrito, mas sim impresso em
papel fotográfico.
2.1 ARQUITETURA ESCOLAR Juntamente com a proclamação da República o cenário sócio-político do Brasil sofre
alterações significativas, trata-se agora de um país “independente” que vislumbra reconstruir
uma identidade nacional própria. Já que de acordo com Mônica Pimenta ‘...a nacionalidade
passa a ser compreendida como matéria-prima, uma espécie de pedra bruta a ser trabalhada
pelo saber cientifico das elites intelectuais...”21. Com o intuito de massificar o ideário
nacionalista os governantes que se sucederam na presidência do Brasil especialmente durante
19 Dominique Julia apud SOUZA, Rosa Fátima de. Op. Cit. p. 04. 20 Milton José de Almeida apud SOARES, Carmem Lúcia. Imagens da Educação no Corpo. Campinas. SP: Autores Associados. 2002. (in prefácio). 21 VELOSSO, Mônica Pimenta. O Modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). Op Cit. p. 356.
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a primeira metade do século XX apostaram na estruturação da instituição escolar, entendendo
este lócus educativo como panacéia para as agruras sociais. Portanto cabia a escola de alguma
maneira por ordem no que estava “desestruturado”, sendo a solução mais cabível aplicar
imediatamente os, já vistos, princípios da eugenia e higiene atrelados à pedagogia da Escola
Nova, proposta educacional pautada no método cientifico deweyano, divulgada no Brasil por
Anísio Teixeira quando da sua atuação como diretor geral da instrução pública na cidade da
Bahia e posteriormente no Rio de Janeiro.
A pedagogia da Escola Nova ao ser incorporada por Anísio e implementada nos
grupos escolares trouxe uma contribuição bastante rica a educação brasileira, já que, em parte,
o renomado educador soube dar uma outra roupagem aos ensinamentos que tivera em terras
Norte-americanas, resignificando-os e adequando-os a realidade brasileira. No tocante a
educação da infância percebesse na pedagogia da Escola Nova “valorização da experiência
infantil por meio da investigação e da experimentação (...) defende também uma “...renovação
espiritual” na escola primária”22.
Paralelo a estas preocupações de ordem metodológica emergia com bastante enfoque
social o aspecto estrutural das instituições de ensino. Pautado no discurso médico higienista
de saneamento urbano-social e corporal. Tais preocupações refletiam o projeto de
modernidade pelo qual passava a sociedade brasileira, no intuito de copiar os paises europeus,
as cidades estavam sendo urbanizadas, praças edificadas, prédios sendo construídos, é o que
nos mostra Jaime Benchimol ao abordar a reforma urbana no Rio de Janeiro
Independentemente das razões invocadas para justificar cada um desses atos (o autor refere-se a alguns decretos implantados na capital que proibia por exemplo urinar e cuspir nas ruas; as crianças foram proibidas de soltar pipas para não embaraçar cabos elétrico, dentro outros), eles traduzem um discurso, uma mentalidade, um projeto moralizador e autoritário ao extremo: ao Estado cabia transformar na marra, a multidão indisciplinada de ‘pés descalços’ em cidadãos talhados segundo os estereótipos que serviam a burguesia européia para o exercício de sua dominação23
Para tanto o Governo Republicano começa a construir novos edifícios escolares, de
arquitetura monumental, transmitindo para a população a imponência e importância do seu
poder. Cabendo apenas a esta população, na sua grande maioria pobre e desfavorecida
22 NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Bragança Paulista: EDUSF, 2000. p. 168-169. 23 BENCHIMOL, Jaime. Rfeorma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). Op. Cit. p. 264.
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aplaudir e disciplinar-se contendo modos e costumes para que estes não viessem a trair a
elegância de tal instituição. Segundo Agustín Escolano
A arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e moral e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também ideológicos. Ao mesmo tempo, o espaço educativo refletiu obviamente as inovações pedagógicas, tanto em suas concepções gerais como nos aspectos mais técnicos...24
É o que mostra a imagem da fachada da Escola Normal construída em Aracaju,
inaugurada em 1911.
Figura 1 – Fachada da Escola Normal Rui Barbosa. Aracaju. s/d. Fonte: Acervo do Memorial de Sergipe. Autoria não identificada.
Desta forma fica evidente que o “novo” governo republicano pretendia contar a sua
História social através da História da Educação brasileira, atrelando educação à civilidade
vislumbrava uma nação forte, porém obediente. Consoante Rita de Cássia Dias Leal
24 FRAGO, Antonio Viñao e ESCOLANO, Agustín. Op. Cit. p. 26.
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Às reformas educacionais, com vistas ás noções de civilidade, sociabilidade, justiça, asseio, higiene, amor à família e à pátria estavam presentes no projeto civilizador do país. (...) um país com comportamentos uniformes, com a infância e a juventude com comportamentos padrões físicos e morais, favorecia a preparação de um povo sadio e com boas condutas de respeito, obediência.25
A construção monumental deveria representar a suntuosidade da República, era
preciso falar através da arquitetura, logo a monumentalidade dos grupos escolares transmitiam
os princípios de grandiosidade, civilidade e higiene. Tal instituição foi idealizada desde a sua
arquitetura até suas práticas pedagógicas com objetivo de educar e civilizar a população
brasileira.
2.2 AULAS DE GINÁSTICA A influência médico-higienista se fez presente tanto na Diretoria da Instrução Pública
atrelada às inspeções técnico-escolares, onde eram averiguados dentre outras coisas os
programas e horários de ensino, bem como na Inspeção Médico-Sanitária Escolar, criada
através do Decreto nº 867 do Regulamento da Instrução Pública com função de estabelecer a
inspeção médica dos alunos e do pessoal administrativo; vigilância higiênica das escolas e do seu material, especialmente sob ponto de vista ortopédico; a profilaxia das moléstias transmissíveis e evitáveis; ministrar preceitos elementares de higiene aos alunos, guiando os professores nesses misteres; superintender e ensinar educação física nas escolas; estudar as condições locais, topográficas e higiênicas das escolas, cuidando da sua localização; pedir ao diretor geral o fechamento das escolas por medida de higiene e decretar suspenso o funcionamento das mesmas em casos urgentes, dando comunicação àquela autoridade; prestar ao Governo e às demais autoridades superiores do ensino informes que fossem solicitados, a respeito de suas vistas ou inspeções (art. 47)26
Era comum a Inspetoria Escolar ser comandada por um médico a exemplo de
Helvécio de Andrade que durante a década de 1930 assumiu este órgão em Sergipe. A
presença de médicos em vez de professores para tratar diretamente de assuntos educacionais
demonstra a relação existente entre saúde e educação, no intuito de prevenir as moléstias
dentro do ambiente escolar. Algumas instituições de ensino exigiam inclusive atestados que
comprovassem o perfeito estado de saúde para que o aluno tivesse ingresso na mesma, a
exemplo do Ginásio Tobias Barreto: “(...) b) prova de sanidade física e mental, constituída por
25 LEAL, Rita de Cássia Dias. Op. Cit. p. 80. 26 OLIVEIRA, Dilma Maria Andrade de. Op. Cit. p. 162.
13
atestados médicos firmados por autoridades sanitárias competentes com firma reconhecida; c)
certificado de vacinação anti-variólica recente com firma reconhecida”27.
Visando atender tal preceito de saúde através da educação, coube então a Ginástica
adestrar e moldar os corpos para que se enquadrassem da melhor forma possível nos espaços e
tempos escolares. Como afirma Carmem Lúcia Soares
A instituição escolar, desde sua arquitetura, sua organização espacial, seus tempos, conforme tão bem estabelece Comenius com suas metáforas, como por exemplo a da tipografia, é expressão material da idéia de educação do corpo e da constituição de um projeto político da ordem. No espaço escolar, gestos, sentidos também são incorporados. Tornam-se parte dos corpos. ‘Ali se aprende a olhar e a se olhar, se aprende a ouvir, a falar e a calar; aprende-se a preferir’. Ali a Educação Física28, como conteúdo escolar, conquista lugar privilegiado para ensinar modos de olhar e de preferir29.
As práticas corporais dentro do ambiente escolar foram marcadas pela ginástica sueca,
exercícios militares com suas formações e evoluções, jogos e atividades recreativas, estas
últimas na sua maioria estavam destinadas à primeira infância, no entanto todas estas práticas
convergiam para obtenção de um só corpo: limpo, branco, saudável que segundo os princípios
higiênicos da medicina e as influências disciplinadoras do exército deveria se exercitar.
A importância da prática dos exercícios físicos já tinha sido contemplada por Rui
Barbosa desde o século XIX nos seus escritos sobre “Lições de Coisas”
“A primeira necessidade experimentada, na infância do indivíduo e na humanidade, é a da mais plena satisfação da vida física. A par das funções nutritivas, o apetite do movimento, a mais invencível tendência à atividade corpórea domina o homem neste período da vida. Daí a importância fundamental da ginástica, da música, do canto, no programa escolar” (X,II,62) Quanto ao sexo masculino, porém, a vossa comissão teve que ir mais longe, acrescentando à ginástica os exercícios militares (X,II,91)30
27 Edital n. 3 do Ginásio “Tobias Barreto”. Diário de Sergipe. Aracaju, 19 nov. 1951, p. 2. apud GRAÇA, Tereza Cristina Cerqueira da. Pés-de-anjo e letreiros de néon: ginasianos na Aracaju dos anos dourados. Sergipe: UFS. 1998. p. 66. 28 Segundo VAGO, Tarcísio Mauro. Cultura Escolar, Cultivo de Corpos: educação physica e gymnastica como práticas constitutivas dos corpos de crianças no ensino público primário de Belo Horizonte: EDUSF. 2002. “ É importante registrar uma transição que vai ocorrendo ao longo da década de 20 em torno do termo que designa essa disciplina, empregando-se cada vez mais o termo ‘educação física’. Não parece tratar-se de uma simples e mecânica mudança de nomes, mas de uma paulatina especialização de tarefas: se antes esperava-se que um conjunto de práticas presentes em várias cadeiras resultasse na ‘educação physica’ das crianças, o movimento parece ter sido o de atribuir a uma disciplina especifica do programa a responsabilidade por realizá-la, a ponto de assumir tal designação que vai perdendo seu sentido alargado, como antes, e assumindo um sentido restrito...” p. 351 29 SOARES, Carmem Lucia. Corpo e História. São Paulo: Autores Associados. 2004. p. 113. (a). 30 LOUREÇO FILHO, Manoel Bergstrom. A pedagogia de Rui Barbosa. Brasília: INEP/MEC. 2001. p. 140.
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Logo a pratica dos exercícios físicos presentes nas instituições de ensino brasileiras
desde o início do século XX, sendo inserido nos currículos das Escolas sergipanas em 191731
principalmente através da ginástica sueca que consoante Tarcisio Mauro Vago contribuiria
para “...educar o corpo das crianças na escola, com a racionalidade desejada, por suas
múltiplas propriedades, pedagógica, higiênica, educativa, social, corretiva, ortopédica,
enérgica, viril, social, patriótica, disciplinadora e formadora do caráter”32
Cabia aos exercícios físicos através da ginástica sueca corrigir e moldar não só o
corpo, mas também o caráter, desejava-se agora cidadãos com personalidade
indubitavelmente patriótica, dispostos a defender, a qualquer custo, o seu país e acima de tudo
o seu governo. O mesmo autor, nós lembra que os “Exercicios Physicos” através da
“Gymnastica” integraria os currículos dos grupos escolares do Brasil, tornando-se obrigatória
reservando-se, dentre outras coisas, tempo na grade de horário, construção de locais
apropriados para sua realização, separação por sexo e designação de uma pessoa responsável
pelo seu ensinamento, que na maioria das vezes era um general do quartel ou a própria
professora responsável pela sala de aula. É importante colocarmos aqui que os exercícios
físicos ministrados na grande parte dos referidos grupos escolares eram compostos por
exercícios calistênicos, que de acordo com Marinho
O Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa, de Laudelino Freire (s. d.), ... registra... o significado de Calistenia: “coleção de preceitos ginásticos para uso das crianças”. ... a calistenia tem suas origens na Ginástica Sueca e (compõem) ... os exercícios organizados em grupos, como, por exemplo: marchas; exercícios de braços e pernas; exercícios para a região póstero-superior do corpo; exercícios para a região póstero-inferior do corpo; exercícios laterais do tronco; exercícios de equilíbrio; exercícios abdominais; exercícios gerais de ombro e costas; pequenos saltos; corridas33
Desta forma fica claro que corpos infantis sejam eles femininos ou masculinos
deveriam ser moldados através das atividades físicas corretiva, voltadas para uma boa postura,
bom funcionamento dos aparelhos respiratório e circulatório. Segundo Tarcísio Mauro Vago
“os exercícios de gymnastica sueca comprehendem movimentos simples ou compostos de
cabeça, tronco e membros, que tornam o tronco flexível, corrigem os defeitos de posição,
31 GRUNENNVALDT, Ana Carrilho Romero. A educação física, as normalistas e as professoras: a educação física na Escola Normal de Sergipe. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 1999. (Dissertação de mestrado). p. 37. 32 VAGO, Tarcísio Mauro. Op. Cit. p. 247. 33 MARINHO, Inezil Penna apud VAGO, Tarcísio Mauro. Op. Cit. p. 263-264.
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augmentam a força de resistência, educam o systema nervos, fortificam os orgãos da
respiração e circulação”34. Como podemos perceber na imagem abaixo
Figura 2 – Aula de Ginástica, Grupo escolar General Siqueira. Aracaju. 1917. Fonte: Acervo do Memorial de Sergipe. Autoria não Identificada.
Segundo Carmem Lúcia Soares “os registros escritos e iconográficos sobre ginástica e
sua inserção na escola traduzem uma compreensão do corpo como objeto de intervenção da
ciência, como máquina a ser manipulada...”35 esta posição pode ser verificada nas imagens
fotográficas dos alunos do Grupo Escolar General Siqueira e da Escola de Menores Getúlio
Vargas em seção de Ginástica sueca, onde é importante atentarmos para a divisão de gênero,
logo os sexos não deveriam se misturar e tal separação simbolizava um dispositivo cuja
intenção era a ‘construção escolar das diferenças’36. Mesmo separadas por gênero as
fotografias ainda nos mostram distinções com relação ao posicionamento dos alunos, nas
34 VAGO, Tarciso Mauro. Op. Cit. p. 353. 35 SOARES, Carmem Lucia. Op. Cit. p. 113. (a). 36 LOURO, Guacira Lopes apud VAGO, Tarcísio Mauro.Op. Cit. p 103.
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primeiras fileiras encontram-se sempre alunos ou alunas brancos e de corpos esguios,
enquanto para as crianças negras e as mais robustas ficam reservadas as últimas fileiras.
Um outro questionamento levantado aqui é a similaridade destas imagens quando são
comparadas a outras seções de ginástica ministradas em outros Estados do Brasil37, tais fotos
vem carregadas de um significado simbólico, onde o corpo é registrado quase sempre na
mesma posição analítica – corpo ereto e braços na posição de envergadura. Atentemos ainda
para o local onde as práticas ginásticas estavam sendo ministradas, os alunos estavam
dispostos em uma área aberta sem cobertura ou calçamento, provavelmente nos fundos da
escola, o que vai de encontro às normas de salubridade tão divulgas pelos médicos higienistas.
Figura 3 – Aula de Ginástica Grupo Escolar General Siqueira. Aracaju. 1917. Fonte: Acervo do Memorial de Sergipe. Autoria não Identificada.
37 VAGO, Tarcísio Mauro. Op. Cit. Tal livro traz pelo menos 2 fotografias que representam sessões de ginástica sueca dos grupos escolares de Minas Gerais semelhantes a estas encontradas nos grupos escolares em Aracaju. p. 265.
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Outra informação que as referidas imagens propõem diz respeito aos trajes,
principalmente quando comparamos as duas primeiras fotografias que se referem ao grupo
escolar General Siqueira com a última da Escola da Cidade de Menores “Getúlio Vargas”.
Esta última imagem expressa nitidamente, que por se tratar de menores desvalidos, ou com
menor condição financeira, o fardamento não expressava a pomposidade dos uniformes
utilizados na grande maioria dos grupos escolares do Brasil e conseqüentemente de Sergipe
que procuravam aludir o respeito e a servidão a pátria. Principalmente no tocante as crianças
do sexo masculino que mesmo em sessões de exercícios físicos, onde se espera um uniforme
mais leve, apresenta-se em trajes mirim do exército ou marinha, a observação dos uniformes
nos leva a inferir sobre a influência dos militares dentro do ambiente escolar.
Figura 4 – Aula de Ginástica. Cidade de Menores “Getúlio Vargas”. Aracaju. s/d. Fonte: Acervo do Memorial de Sergipe. Autoria: Tosca Bahia.
Percebesse desta forma uma ordem interna estabelecida através da disciplina escolar e
refletida nos corpos das crianças, tal ordem se tornava cada vez mais passível de ser
disseminada a toda a população, já que de acordo com Cynthia Greive Veiga e Maria Cristina
Soares Goveia “...o tempo republicano brasileiro, ainda por ser consolidado, precisaria
constituir uma mentalidade cívica, pois a população, para viver a república e legitimá-la,
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deveria compreendê-la...”38 Perceberemos a partir do próximo sub-tópico como as
festividades e desfiles cívicos foram utilizados dentro do ambiente escolar para incutir na
população o amor e respeito à pátria, sendo as crianças os principais agentes disseminadores
de tais princípios.
2.3 FESTIVIDADES E DESFILES CÍVICOS
O Estado republicano valia-se das práticas educativas para disseminar nas pessoas, ou
seja, alunos e seus familiares os princípios da higiene e eugenia bem como os ideários cívicos
tão disseminados pela República, aulas de ginástica, aulas de religião, aulas de canto
orfeônico, festas cívicas tornaram-se medidas profiláticas para combater as eventuais idéias
comunistas tão presentes naquele período.
Logo houve a necessidade de levar para além dos muros escolares a instituição de
ensino através dos desfiles cívicos bem como das festividades presentes no calendário escolar,
com intuito de constituir em toda nação brasileira uma identidade republicana, já que tais
momentos festivos tinham o poder de transmitir coletivamente o mesmo sentimento de
civilidade e patriotismo através da solenidade do evento, pomposidade dos trajes e da boa
aparência dos corpos. Consoante Chamon
no momento em que a festa se realiza, os homens criam sentidos e significados para a vida em sociedade, eles imaginam simbolicamente o seu mundo (...) Por meio da elaboração de valores vitais, uma sociedade se pensa e se faz como essa sociedade e não outra, ou seja, é por meio deles que uma sociedade atribui significado ao mundo e aos seus atos e cria para si uma identidade39
As festividades escolares, além de todas as características citadas acima também
contavam com a presença de pessoas ilustres da sociedade, a exemplo de políticos e dirigentes
de órgão públicos. É o que se observa na fotografia abaixo, do Jardim de Infância, onde além
da boa aparência das crianças e professoras com trajes pomposos percebesse ao fundo,
formando algo similar a uma banca, pessoas que não deviam integrar o corpo docente ou
administrativo da escola, estando ali presente na condição de convidados para homenagear a
comemoração festiva do ambiente escolar.
38 VEIGA, Cynthia Greive. GOUVEIA, Maria Cristina Soares. Comemorar a infância, celebrar qual criança? Festejos comemorativos nas primeiras décadas republicanas. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 26, n. 1, jan/jun. 2000. p. 138. 39 CHAMON, Carla Simone apud MELO, Cristiana Ferreira de. Festa na Escola: As Formaturas da Escola Normal como Espaço da Memória e da História da Educação (1912-1945) São-Cristóvão/SE, 2004(monografia) p. 17
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Figura 5 – Alunos em Festividades. Jardim de Infância Augusto Maynard. Aracaju. s/d. Fonte: Acervo do Instituto Tobias Barreto de Educação e Cultura. Autoria não Identificada.
As comemorações escolares não eram poucas em Aracaju segundo Tereza Cristina
Cerqueira da Graça40 as festividades como: Festa da Paz, Sete de Setembro, Quinze de
Novembro, Páscoa, Festas de Férias, Formatura, Primeira Comunhão, Natal, São João,
Carnaval, Semana Santa, integravam o calendário escolar e provavelmente eram
comemoradas através de algum tipo de solenidade.
Além de datas específicas presentes no calendário da primeira infância como:
comemorações ao início da primavera, dia da árvore, aniversário da Revolução em Sergipe,
dia do soldado. Esta última encontra-se presente no calendário das comemorações escolares
atualmente e representa como a influência militarista com os seus vultos heróicos, que na
maioria das vezes eram ex-soldados do exército brasileiro, a exemplo de Duque de Caxias foi
incorporado pela escola sendo festejada até hoje. Estas e outras festividades integraram e
continuam integrando o calendário escolar da nossa cidade e geralmente eram noticiadas
40 GRAÇA, Tereza Cristina Cerqueira da. Op. Cit. p. 178.
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pelos meios de comunicação de massa com objetivo de chamar ao dever cívico toda a
população. De acordo com Cristiana Ferreira
As escolas sergipanas comemoravam ao longo do ano letivo inúmeras festividades, enfatizando através delas os principais ideais e virtudes que norteavam o Brasil e, conseqüentemente, a sociedade sergipana. As festas era amplamente divulgadas pela imprensa local, que tornava público a programação das mesmas, descrevendo detalhadamente todas as atividades desenvolvidas ao logo de sua duração. Muitas eram as palavras elogiosas ao ato festivo, aos professores e alunos41.
Assim como as festividades cívicas os desfiles infantis já aconteciam desde a mais
terna idade como nós mostra as imagens abaixo, das crianças do Jardim de Infância Augusto
Maynard, pois o desejo de civilidade deveria ser impresso nos corpos e nas mentes o quanto
antes, ainda de acordo com Cynthia Greive e Maria Cristina
Produzia-se para isso todo um ritual que ia da preparação à apresentação, tendo a festa neste contexto pedagógico, um significado de educação integral e permanente. Estes momentos, estiveram contidos numa perspectiva energética de mobilização em torno da necessidade do convencimento de que as pessoas, no caso, as crianças, eram atores do novo espetáculo - a república.42
41 MELO, Cristiana Ferreira de. Op. Cit. p. 19. 42 VEIGA, Cynthia Greive. GOUVEA, Maria Cristina Soares. Op. Cit. p. 142.
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Figura 6 – Desfile Cívico. Jardim de Infância Augusto Maynard. Aracaju. s/d.Fonte: Acervo do Instituto Tobias Barreto de Educação e Cultura. Autoria não Identificada
Percebemos desse modo que a obrigação cívica era também destinada às crianças e
vinha acompanhado dos ideários eugênicos. Assim como nas demais fotos, já apresentadas,
também era visível à presença de crianças brancas e belas à frente do pelotão. De acordo com
Cynthia Greive e Maria Cristina
A infância é também chamada a ocupar o seu papel numa sociedade eugênica. Ela deve se espelhar, em seu corpo belo e robusto, uma raça saudável, aprimorada pela prática constante de exercícios físicos. O corpo infantil deixa de pertencer a criança e passa a ser patrimônio da espécie43
Figura 7 – Alunos do Jardim de Infância Augusto Maynard. Aracaju. s/d. Fonte: Acervo do Instituto Tobias Barreto de Educação e Cultura. Autoria não Identificada.
Chamando atenção especialmente aos desfiles o dever cívico era considerado tarefa
importante para pais e alunos, não eram medidos esforços para comprar o uniforme, pois de
43 Idem. p. 152.
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acordo com Graça44 “os preparativos começavam dois ou três meses antes com os ensaios
dentro e fora da escola. Era preciso esmerar-se para não errar o passo, não desalinhar o
pelotão, mostrar garbo, elegância e ‘amor à pátria’!”. A referida autora relata ainda que aos
alunos sem condições financeiras de adquirir o uniforme eram dadas colaborações das
próprias escolas ou grêmios escolares, já que a suspensão as aulas era o castigo destinado aos
alunos que faltavam com esse compromisso cívico.
Através dos “flashes” localizados que retratam aspectos da cultura escolar é possível
perceber desde a monumentalidade dos edifícios dos grupos escolares até cultura escolar onde
se inserem as festividades e desfiles cívicos, as aulas de ginástica e as práticas esportivas.
As fontes fotográficas nos permitem revelações ímpares, pois registram o todo, algo
que não pode ser descrito ou lembrado, já que as lembranças memoriais, estão passíveis de
esquecimentos que as imagens jamais se negarão a registrar, principalmente quando se trata
de corpos intencionalmente redefinidos para atender os anseios de uma sociedade que se
desejava estruturar nos moldes cívicos, higiênicos e eugênicos. Pois se pretendia formar um
Estado forte que respondesse aos anseios internacionais, principalmente os Norte-americanos
e os europeus, não podemos esquecer o fato de que tais paises vislumbravam no povo
brasileiro mão-de-obra barata e disciplinada a fim de engrossar as cifras do capital
estrangeiro. A análise de algumas práticas educativas: aulas de ginástica, desfiles cívicos e
festividades, além da arquitetura escolar através das fontes iconográficas não teve a pretensão
de resumir a cultura escolar em tais momentos. Pois como foi mostrado neste trabalho a
categoria cultura escolar é formada por um emaranhado de relações, saberes e práticas
dispostas de acordo com as finalidades ou de acordo com as épocas.
Ao elencar tais grupos de praticas educativas vislumbrou-se abordar às finalidades
sócio-políticas e seus interesses na educação brasileira, inscritos em uma determinada época:
primeiras décadas do século XX.
Tais práticas educativas foram utilizadas pelo governo republicano para disseminar
nas pessoas o respeito e o amor à pátria visando um consenso social e político além de manter
uma estabilidade governamental. Utilizando-se da educação e conseqüentemente da
instituição escolar, desde a sua materialidade, com a construção de prédios monumentais,
lançou mão dos educandos, principalmente das crianças para disseminar os preceitos de
higiene, civilidade e patriotismo, que na maioria das vezes eram inscritos nos corpos e mentes
pueris através das práticas de ginástica, que a despeito do que afirmam pesquisadores do
44 GRAÇA, Tereza Cristina Cerqueira da. Op. Cit. p. 186.
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campo da Educação Física como Mauro Betti e Lino Castelani Filho o método utilizado nas
aulas não era o francês, mas sim o sueco, que segundo Tarcísio Mauro Vago visava à correção
postural, o aumento da força e o bom funcionamento dos órgãos da respiração e circulação.
Aos meninos ainda era ministrada a instrução militar também chamada de evoluções
militares, onde se ensinava as marchas militares. Qual o objetivo de ensinar especificamente
aos alunos do sexo masculino exercícios físicos militares? Senão ensinar a preferir desde cedo
uma carreira profissional que aludisse o amor, o respeito e a defesa a pátria. Tal
questionamento nos remete a também inquirir qual o objetivo de se comemorar o dia do
soldado principalmente na primeira infância? E porque não é comemorado também o dia do
médico, do engenheiro, do advogado e até mesmo em algumas instituições de ensino o dia do
professor? Tal reflexão nos leva a crer que as influências advindas da instituição militar se
faziam presente desde cedo moldando corpos e gostos.
As festividades e desfiles cívicos foram o meio encontrado para disseminar os
ensinamentos que ocorriam dentro da instituição escolar para toda a população. Era necessário
aceitar e incorporar a República, sem questioná-la e para tanto se utilizou de comemorações e
datas festivas para inscrever nos corpos o amor a pátria.
Tendo as crianças como atores principais do cenário de regeneração social e sob a
influência médica com os princípios da higiene e da eugenia a escolarização se
institucionalizou passando agora a integrar monumentais edifícios escolares, denominados de
grupos escolares, deixando a insalubridade do ambiente doméstico, sem espaço, sem
luminosidade, sem mobília adequada. A escola agora era um espaço definido de dependências
higiênicas e previamente pensado, pois era necessário educar os corpos não só com exercícios
ginásticos e comemorações, mas também levando em conta o espaço e o tempo.
Somadas a arquitetura e aos princípios médicos as influências pedagógicas, através das
práticas educativas foram muitas, principalmente aquelas que se inscreveram diretamente nos
corpos infantis como práticas de exercícios físicos e comemorações festivas e cívicas.
Este breve trabalho trouxe um pouco dos espaços e tempos, das festividades, das aulas
de ginástica que foram registradas em papel fotográfico, traduzindo interesses político e
revelando práticas educativas que moldaram corpos e gostos. Tenho clareza das limitações
quanto às fontes utilizadas e a superficialidade de algumas questões abordadas, bem como a
ausência de algumas abordagens. Porém acredito ter contribuído para a compreensão das
praticas educativas que permeiam a cultura escolar nos grupos escolares de Aracaju.
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