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PRÁTICAS AVALIATIVAS EM PROCESSOS FORMATIVOS DE PROFESSORES DE
MATEMÁTICA NA MODALIDADE A DISTÂNCIA
Universidade Federal do Pará (UFPA)
Eixo 8 - Educação a distância na formação de professores
1. Introdução
Este relato de pesquisa faz parte da investigação realizada no doutorado, cujo
objetivo é analisar e refletir sobre as práticas avaliativas na ação dos professores
formadores e dos tutores presenciais no curso de Licenciatura em Matemática na
Modalidade a Distância, no âmbito da Universidade Federal do Pará em consórcio com a
Universidade Aberta do Brasil. O programa é mantido pelo governo federal que articula
as instituições de ensino superior e os governos estaduais e municipais com vistas a
atender às demandas locais por educação superior, por meio da modalidade da
educação a distância. Além da UAB, a UFPA mantém um consórcio com o Centro de
Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro (CEDERJ) para a produção do
material didático utilizado no curso.
Para melhor compreensão dos objetivos do relato da pesquisa, estruturei o texto na
seguinte ordem: num primeiro momento faço a contextualização da pesquisa, para
melhor compreensão da temática. Em segundo, faço uma síntese dos fundamentos
teóricos de práxis e seus níveis, mediação didático-pedagógica e avaliação da
aprendizagem. Em terceiro, trato dos fundamentos metodológicos da pesquisa; em
quarto, apresento os resultados parciais da pesquisa e por último, as Considerações
Aproximativas/Conclusões.
Contextualização da pesquisa
A pesquisa em foco está sendo desenvolvida com professores formadores e tutores
presenciais que atuaram nas turmas que ingressaram em 2009, presentes em nove
polos, o que representa uma presença significativa em várias microrregiões do Estado do
Pará, cuja extensão territorial é de 1.247.954,32 Km². Inserido neste contexto, o curso
tem ampliado as oportunidades de acesso à educação superior aos que residem em
áreas centrais e remotas da Amazônia Paraense. Minha atuação no curso se deu a partir
de 2007, após 25 anos na docência presencial, o que me motivou realizar a pesquisa
doutoral, à medida que buscava respostas a algumas questões que foram se tornando
inquietantes. Uma delas e foco deste relato é sobre quais referenciais estão presentes
nas práticas avaliativas do curso. Mais objetivamente identificar como se constitui e como
se revela a prática avaliativa de professores formadores e de tutores presenciais, sem
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desconsiderar a inter-relação que a avaliação mantém com os demais elementos do
processo didático.
De acordo com o Projeto Pedagógico (PP), o enfoque do curso está baseado no
modelo construtivista proposto por Vygotsky (1987), que concebe o processo de aprender
como uma prática social na qual cada sujeito constrói significados e representações da
realidade de acordo com suas experiências em diferentes contextos. O papel das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s), contribuem para mediar a busca pelo
conhecimento que as linguagens e os signos possibilitam como ferramenta para
intensificar as interações e o aprendizado. Assim sendo, esta breve contextualização
aponta para as possibilidades e os desafios de formar professores de matemática na
modalidade a distância na Amazônia Paraense.
Fundamentos teóricos
As discussões teóricas da pesquisa estão baseadas nos conceitos de práxis e os
níveis da práxis em Vázquez (2011), Freire (1997); e mediação didático-pedagógica, em
Vygotsky (1987), Veiga (1994) e educação a distância; Moran (2000), e avaliação da
aprendizagem em Vasconcellos (1994); para identificar os referenciais aplicados aos
contextos da formação inicial de professores de Matemática na Modalidade a Distância.
O ponto de partida para analisar as práticas avaliativas do curso tem como
pressuposto que o trabalho do professor é constituído por uma práxis orientada pela
relação teoria e prática e pela reflexão. Nesse sentido, o conceito de atividade é de
fundamental importância pelo fato de ser parte integrante da dinâmica da práxis
pedagógica transformadora. Uma vez que o homem, para constituir-se como sujeito
histórico deve agir sobre a realidade, mediada por instrumentos e signos produzidos
culturalmente, a atividade, segundo Vázquez (2011), representa “um conjunto de atos em
virtude dos quais um sujeito ativo (agente) modifica uma matéria-prima dada” (p. 221).
Em termos da prática docente, significa que a idealização do trabalho está no plano
teórico, enquanto que, para a realidade ser transformada, é necessária a prática, no
sentido da ação que modifique, que produza uma nova realidade. Por esta razão, a
afirmativa do autor, de que, “toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis” faz
sentido em presença da ação-reflexão-ação permeando a práxis. Elas revelam
conhecimentos, pensamentos, desejos, intencionalidades e necessidades, por isso é
considerada teleológica, ao buscar os fins e o propósito das ações. Nesse sentido, “se a
práxis é ação do homem sobre a matéria e criação – através dela – de uma nova
realidade, podemos falar de diferentes níveis da práxis de acordo com o grau de
consciência do sujeito ativo no processo prático e com o grau de criação ou humanização
da matéria transformada destacado no produto de sua atividade prática” (op.cit.p.267).
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Aplicadas no contexto da formação de professores de Matemática na Modalidade a
distância, essas premissas possibilitam identificar elementos das práticas, nas acepções
formuladas pelo autor, que podem estar num nível e outro (práxis criadora; reiterativa ou
imitativa; espontânea e reflexiva) durante a experiência docente, se revezando, se
alternando e se modificando. De qualquer modo, o mais relevante na práxis docente, é a
necessidade da presença de um alto grau de consciência para uma ação
correspondente. Nesse sentido, a mediação didático-pedagógica no contexto da
educação a distância, adquire novas configurações e estabelece o modo como os níveis
das práticas se desenvolvem pelas ações definidoras dos professores e tutores.
Dentre as condições necessárias à realização dos processos formativos figuram as
questões didáticas da organização e da sistematização das situações pedagógicas (Altet,
1998) que se traduzem pelo planejamento dos conteúdos, dos recursos didáticos, dos
procedimentos e instrumentos de avaliação, para que a mediação ocorra num clima de
definições antecipadas, mas ao mesmo tempo flexíveis. Não se concebe a efetivação de
uma prática pedagógica à revelia de uma certa organização e sistematização, uma vez
que, segundo Veiga (1994) o trabalho na sala de aula não é um processo espontâneo,
natural, mas intencional e sistemático.
Essa premissa da organização, da sistematização e dos compromissos assumidos por
cada um no contexto de curso na Modalidade a Distância, são cruciais, uma vez que se
desenvolvem em tempos, espaços e recursos que mesclam encontros presenciais, o uso
de tecnologias digitais para a comunicação e a informação entre alunos, tutores
presenciais e professores formadores, com diferentes histórias de vida, material impresso
– de tal modo que se torna um processo mais complexo que demanda a orientação das
práticas em novas bases conceituais. No que diz respeito ao modo de condução dos
processos formativos, Gomes (2009, p. 84) nos adverte sobre “o paradigma de cursos a
distância serem pautados em requisitos tais como a ” flexibilidade de gestão espacial e
temporal”[...], modelos pedagógicos diversificados”, “situações de aprendizagem
colaborativa e cooperativa” [...] “desenvolvimento de “competências e “adoção de
comportamentos de aprendizagem ao longo da vida.”
Os processos de ensino e aprendizagem a distância, segundo a autora, pressupõem
uma diversidade de contextos, recursos e pessoas, conforme foi abordado anteriormente,
mas sobretudo que, as realidades de cada polo ou salas de aula onde se realizam as
tutorias, requerem olhares diversificados, em que pese o planejamento ter sido pensado
para todos os polos. Para o atendimento adequado, serão necessários rituais que reflitam
as demandas daquela comunidade de estudantes.
Coerente com o referencial adotado nessa investigação, que considera os processos
de ensinar e aprender como práticas sociais e a mediação didático-pedagógica na
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perspectiva da lógica dialética, a avaliação é parte integrante da “mobilização,
construção e a elaboração da síntese do conhecimento,” a partir do movimento do
pensamento abstrato ao concreto em relação com o contexto social mais abrangente
( Vasconcellos, 1994, p. 46,47). Esse processo ocorre em presença da problematização,
que estimula o pensamento crítico do aluno, tornando os conteúdos e os recursos como
meios para proporcionar experiências significativas, à elaboração de soluções e a
estabelecer novas relações a cada contradição colocada nas situações de aprendizagem.
Nesse sentido, a avaliação cumpre um papel substancial de conceber uma postura
reflexiva e crítica, emancipatória, em presença de um ensino passivo, repetitivo e
alienante. (Vasconcellos, 1994, p. 55). Complementarmente às pretensões de ensinar, os
mediadores devem se preocupar com a aprendizagem que seja guiada pelo diálogo
(Freire, 1997), para instaurar a comunicação e a objetivação daquilo que se pretende na
prática pedagógica.
Por “processo de ensino”, compreendo a prática educativa do professor permeada por
um referencial que orienta a tomada de decisões sobre a organização e a condução das
atividades e as experiências de aprendizagem dos alunos. Nesse “processo de ensino”
entram em ação os procedimentos avaliativos que viabilizam e colocam em operação os
referenciais do método de ensino adotado.
Posto que aprender é um processo inalienável, em que participam conjuntamente
alunos e professores, tal como disse Freire (1981), ninguém educa ninguém, como
tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão,
mediatizados pelo mundo. Da mesma forma, Perez e Castillo (1999, p. 10) acentuam
que:
A mediação pedagógica busca abrir um caminho a novas relaçõesdo estudante: com os materiais, com o próprio contexto, comoutros textos, com seus companheiros de aprendizagem, incluídoo professor, consigo mesmo e com seu futuro.
Na perspectiva das interfaces dos sujeitos com as tecnologias, os conceitos e os
objetivos da mediação acontecem na maneira de agir do professor, na forma de abordar
os conteúdos da formação, na colocação do papel da avaliação como um processo de
feedback ou de retroalimentação contínuos (Moran, 2000), que põe em evidência não
apenas as informações e os conhecimentos adquiridos ou não, mas também os
desempenhos qualitativos de ambos, alunos e professores; no modo de estabelecer
relacionamento entre os alunos, e deste com o contexto maior.
Fundamentos metodológicos da pesquisa
Para o desenvolvimento da pesquisa adotei os fundamentos teórico-metodológicos da
abordagem histórico-dialética, cujos pressupostos auxiliam na compreensão da realidade
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e na interpretação dos significados dos fenômenos formativos. Para tanto, busquei na
modalidade qualitativa (Bogdan & Biklen, 1994) os referenciais para realizar a
investigação em educação matemática (Bicudo, 2010) e no curso ofertado na modalidade
a distância sem desconsiderar a realidade social mais ampla na captura das múltiplas
determinações
Utilizei a entrevista semiestruturada e a análise documental para o processo de coleta
de dados por considerá-los importantes parâmetros para a compreensão da prática
avaliativa a partir das falas dos professores e dos tutores presenciais e das fontes
documentais que compõem o arcabouço legal e pedagógico do curso. O procedimento
utilizado para a categorização e interpretação dos dados foi a técnica de análise de
conteúdo, a partir do que propôs Bardin (2011) e Franco (2008) a partir de três polos
cronológicos: a pré-análise, a exploração do material para definição das categorias e o
tratamento dos resultados.
A abordagem histórico-dialética, compreende o processo educacional inserido na
realidade social, política, econômica e cultural, condicionando-o de um lado, em razão
dos processos históricos da formação da sociedade em bases capitalistas, mas de outro,
promovendo sua transformação ao protagonizar intervenções individual e coletivamente,
fazendo frente aos desafios impostos, produzindo novas sínteses no devir humano.
O contexto histórico é, portanto, o núcleo central para a compreensão do conflito de
interesses envolvidos na realidade investigada, indo do empírico real – caótica e
sincrética – ao concreto – crítica e orgânica na enunciação e nas discussões das
categorias e abstrações a serem analisadas em face da tensão dialética presente nesta
modalidade. Segundo Cheptulin (2004, p. 338) “a realidade é o que existe realmente e a
possibilidade é o que pode produzir-se quando as condições são propícias.” Para isso, a
busca por compreender as práticas avaliativas do curso perpassa pelo par dialético
realidade/possibilidade de transformá-las rumo a emancipação.
Os sujeitos da pesquisa formam dois grupos: cinco professores formadores -
vinculados ao quadro de servidores efetivos da UFPA, e cinco tutores presenciais que
atuam nos municípios polos para o período de duração do curso, nas áreas específica e
pedagógica do curso. Em todo o percurso da investigação tomei os cuidados éticos de
acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 196/96 (Brasil, 1996),
que trata dos procedimentos utilizados com pesquisas que envolvem seres humanos. Os
sujeitos foram selecionados intencionalmente por constituírem casos ricos em
informações pelo fato de estarem inseridos no maior número de disciplinas e polos onde
o curso é ofertado.
Resultados (parciais) da pesquisa
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Nos termos deste relato, apresento os resultados parciais da pesquisa que enfatizam
as principais características das práticas avaliativas no contexto da EAD, isto é, como os
professores formadores e os tutores presenciais perceberam os traços próprios e
específicos dos referenciais no desenvolvimento do seu trabalho no curso em que
atuaram. A categoria trabalho na perspectiva dialética (Marx, 1983; Enguita, 1989; Arroyo,
1991) é determinante na explicitação dos processos formativos, posto que atua como
princípio articulador em todas as práticas do curso ao “possibilitar a produção de
conhecimento, e em tal movimento, cria possibilidades de transformação das condições
em que se realiza”, conforme Freitas (1996, p.19).
Nesse sentido, a avaliação é um componente do trabalho pedagógico de grande
relevância para o acompanhamento acadêmico-pedagógico dos processos de
aprendizagem dos alunos e a aferição da qualidade do curso. A dinâmica da avaliação,
conforme está previsto no PPC (2004, p. 21, 22) são de várias ordens: “ser contínua,
dinâmica e coletiva”; deve ocorrer em “cada disciplina”; ser flexível e contextualizada.
Estes requisitos inferem que a avaliação pode ser configurada como recurso
metodológico de reorientação do processo de ensino e aprendizagem (Vasconcellos,
1994).
Entretanto, o PPC (2004, p. 21, 22) estabelece o número mínimo e a forma de
avaliação: exercícios avaliativos, duas avaliações a distância e uma presencial. Esta
determinação dos instrumentos e procedimentos a serem utilizados, acaba por se tornar
contraditória com a perspectiva metodológica dialética de construção de conhecimento
para o ensino baseada no protagonismo do aluno como autodidata e construtor do seu
percurso formativo.
Decorrente dessa realidade, analisarei como tem ocorrido os processos avaliativos
para que se tenha uma compreensão da sua extensão e profundidade em relação ao
proposto no PPC e à perspectiva dialética do trabalho como princípio educativo do
professor formador e do tutor presencial.
As concepções de avaliação, uma das categorias explicativas surgidas durante as
entrevistas, foram explicitadas pelos professores formadores (PF) e os tutores
presenciais (TP),quando assumiram modos de ver o que realizaram no curso. A primeira
delas é vista como “processo de acompanhamento dos alunos” anunciados (sujeitos PF1,
Pf2, PF3, PF4 PF5; TP1; TP3, TP5); a segunda como “realização de atividades para
comprovação do conhecimento adquirido” (sujeitos. PF1; PF2; PF3; PF4; PF5; TP1; TP2;
TP3; TP5); a terceira como “mecanismo para identificar se o aluno aprendeu ou não”
(sujeitos PF1; PF2; PF4; TP1;TP3; TP5); e por fim, avaliação como “momento de reflexão
sobre sua prática” (sujeitos PF2;PF4 TP3; TP5).
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A categoria explicativa “procedimentos e instrumentos avaliativos para atribuição de
notas” se divide em avaliação presencial e a distância. Na presencial, a prova figura
como a mais frequente em todos os polos e disciplinas (sujeitos PF1, Pf2, PF3, PF4 PF5;
TP3, TP5; TP1; TP2; TP3; TP4; TP5); seguida pelo seminário (nas disciplinas de
Matemática o seminário acontece quando os alunos vão à lousa resolver exercícios e nas
pedagógicas são grupos de alunos que pesquisam e apresentam a partir de critérios
estabelecidos pelo professor formador)(sujeitos PF2; TP1;TP3; TP5); e em terceiro,
foram mencionados os debates, painéis, júri simulado e pôster( sujeitos PF2; TP3; TP5),
mais predominantes nas disciplinas pedagógicas. A Avaliação a distância teve na “lista
de exercícios” o mais proeminente instrumento avaliativo (sujeitos PF1, PF3, PF4 PF5;
TP1; TP2; TP4), seguido pela “pesquisa bibliográfica, roteiros de estudo, resenhas;
pesquisa de campo, entrevistas, visitas; relatórios e elaboração de projetos” (sujeitos
PF2; TP3; TP5).
Os professores formadores e os tutores presenciais foram unânimes em confirmar os
valores atribuídos de 30% da nota para a realização de atividades a distância, e de 70%
para as presenciais, confirmando o que consta no PPC (2004). Nas avaliações
realizadas a distância e presencialmente, dentro dos 30%, o tutor, em alguns casos
(polos), têm autonomia para elaborar, aplicar e corrigir as atividades.
Aparentemente, o fato de terem sido fixadas no mínimo duas avaliações que vou
denominar de “intervalares”, pelo fato de ocorrerem entre as provas, faz crer que a
avaliação é contínua e sistemática, não fossem sua ênfase recair na repetição, na
memorização e no automatismo.
O PF2 enumerou as práticas avaliativas que considera tradicionais, como: prova,
teste, exercícios, e à par dessa reflexão, mencionou outras alternativas como portfólios,
seminários, pôster e atividades extensionistas que não tradicionais, mas diante das
dificuldades dos alunos, não é possível avançar. Destacou ainda que por essa razão
“coexistem outras práticas com as tradicionais que estão um pouco mais à frente, como o
uso da plataforma, o uso de trabalho colaborativo pela plataforma, de grupos de estudo
dentro de plataformas de salas de aulas virtuais, uso de fóruns, de chats.”
A perspectiva apontada pelo PF2 está coerente com o PPC de que as avaliações a
distância, “sempre que possível, devem conter trabalhos ou questões a serem resolvidas
por grupos de alunos, estimulando o processo autoral cooperativo”, mas a precariedade
de conexão de internet; as distâncias geográficas entre os alunos, e destes com o
professor formador e o tutor presencial, somadas a cultura instalada no curso de “avaliar”
para fins de memorização e atribuição de nota, contradiz com a característica da
avaliação a distância de ser “essencialmente de caráter formativo” (p.21)como apregoa o
PPC. Em relação aos outros 70% da nota, advém predominantemente da realização de
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provas escritas presenciais, cuja elaboração é de responsabilidade do professor
formador, tomando como base os conteúdos distribuídos no cronograma da disciplina.
Vasconcellos (1994, p.43) chama atenção para a necessidade de distinguir ‘avaliação
e nota’: Avaliação é um processo abrangente da existência humana, que implica uma
reflexão crítica sobre a prática, no sentido de captar seus avanços, suas resistências,
suas dificuldades e possibilitar uma tomada de decisões sobre o que fazer para superar
os obstáculos. A nota, seja na forma de número, conceito, ou menção, é uma exigência
formal do sistema educacional.
À par da exacerbação com os mecanismos de avaliação que toma a nota como
métrica para aprovar e reprovar, o rigor com a segurança da prova até o seu destino final,
o polo, é cercado de cuidados para evitar “vazamento de informações”, chegando a
envolver os professores formadores em viagens até os polos para fazer a aplicação das
provas de conhecimento Matemático e áreas afins, de modo a garantir a “lisura” do
processo. Nesse processo o tutor presencial fica relegado a assistir o movimento de idas
e vindas das provas sem que ao menos soubesse a ênfase e o grau de dificuldades
colocadas nas questões, em total desvinculação com o que foi trabalhado por ele durante
as tutorias.
A constatação desse modus operandi em relação à prova, faz crer que pode haver
certa hierarquização na práxis que separa de um lado os que pensam e os que executam
a atividade docente. Ao professor formador cabe “pensar” o planejamento, a metodologia,
os recursos, a avaliação, e ao tutor presencial cabe o papel de executar, mediar, facilitar,
orientar e acompanhar o processo de ensino e aprendizagem dos alunos. O tutor é
diretamente afetado pela divisão das funções didático-pedagógicas do curso, uma vez
que a execução do trabalho pensado por outrem, pode não haver coincidência de
enfoque como gostaria o professor formador e por ser culpabilizado pelo baixo
rendimento do aluno Essa fragmentação do trabalho docente na EaD, remete ao
taylorismo e ao fordismo, que tem seu nascedouro no sistema de produção capitalista e
aplicado à educação, ocorre quando um professor-autor pensa a disciplina, e os demais
da “linha de produção” executam a tarefa até chegar ao aluno.
Essa forma de controle excessivo com o aparato de segurança com as provas, do meu
ponto de vista, secundariza sua finalidade como recurso metodológico de (re)orientação
do processo de aprendizagem dos alunos, em relação à decisão do que (conteúdos) e
como (abordagem) incluir na prova. Ao final da disciplina o aluno deverá acumular três
notas oriundas da realização de atividades a distância e presenciais, que vai resultar
numa média aritmética que corresponderá a um conceito ( Excelente, Bom, Regular,
Insuficiente ) segundo a métrica da UFPA para a avaliação, previsto pelo Regimento em
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seu Cap. IV, Art. 178 e pelo Regulamento de Graduação ( Resol. N. 4.399, de 14/05/013)
para os cursos presenciais e na modalidade a Distância.
O tema da avaliação do desempenho dos alunos, tem sido recorrente nas reuniões do
colegiado do curso, em especial por ocasião da proximidade dos períodos de avaliação
agendados nos cronogramas das disciplinas. Uma tônica das manifestações dos
professores formadores era a “cola”, que segundo eles ocorria, quando as provas eram
aplicadas pelos tutores presenciais, hipotetizada pelas “boas notas” obtidas pelos alunos.
No outro extremo, quando as notas eram sofríveis, havia a responsabilização do
fracasso, motivado pela falta de “domínio dos conteúdos” do tutor presencial e dos
alunos. Este cenário tem se configurado mais fortemente nas disciplinas de Matemática e
denota que nessa ótica a baixa remuneração do tutor, pode ser justificada pela falta de
vínculo institucional e a parcelarização do trabalho docente. Em todo o percurso dessa
investigação, as questões avaliativas da aprendizagem me possibilitaram muitas
reflexões sobre práxis reiterativas ( equivalentes a práticas tradicionais que valorizam a
memorização por meio de provas e listas de exercícios para quantificar o conhecimento e
classificar o aluno), presentes em uma parcela significativa do corpo docente que
convivem com práxis criativas e reflexivas ( valorizam os saberes dos alunos e
possibilitam formas alternativas de expressar o conhecimento, na busca por sua
autonomia e auto-confiança do aluno).
A esse respeito, Melo (2006, p. 60) contribui denominando esse modelo de
“Frankstein” de avaliação por abrigar posturas da pedagogia tradicional,
concomitantemente com novas abordagens, a exemplo da avaliação contínua. Segundo
o autor, esse modelo decorre muitas vezes, “em decorrência do modelo tradicional que
permeou a formação do professor.”
Considero que a avaliação mal orientada, figura entre as causas da evasão e da
reprovação em massa no curso de Matemática na Modalidade a Distância da UFPA,
razão pela qual concluem o curso, em torno de 20% dos alunos em relação aos
ingressantes. Nesse sentido, o papel do professor formador como mediador na
organização do trabalho pedagógico, é incentivar o aluno a buscar informações, dados e
materiais; a selecioná-los, problematizá-los, organizá-los, compará-los de modo a
aprender a fazer suas próprias sínteses e aplicações, contextualizando-as com o
conhecimento adquirido.
Tal orientação possibilita o favorecimento da compreensão dos conceitos e princípios
matemáticos, a raciocinar claramente e comunicar ideias matemáticas, reconhecendo
suas aplicações no mundo. Isto é, a mediação bem orientada favorece o aparecimento de
novas zonas de desenvolvimento proximal em que o aluno não é deixado sozinho no
processo de aprender.
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Conclusões Aproximativas
Identifiquei nos conteúdos das entrevistas transcritas, algumas características nas
práticas avaliativas no curso de Licenciatura em Matemática na Modalidade a Distância
da UFPA que possibilitaram aproximações conceituais com dois níveis de práxis
(Vázquez, 2011) no processo avaliativo do curso: a práxis reflexiva e a reiterativa ou
imitativa. O que as diferencia (ou o que as complementam) é o grau de consciência do
sujeito ativo no processo prático.
A avaliação reiterativa ou tradicional, tende a ser somativa, com ênfase na valorização
da nota e na classificação do aluno, em detrimento da aprendizagem. Enquanto que, na
perspectiva da avaliação formativa, as informações servem de base para a tomada de
decisão para rever os processos e considerar o erro na perspectiva construtivista. Esses
processos incidiram nas mediações didático-pedagógicas desenvolvidas em diferentes
momentos do curso e adquiriram características nem sempre condizentes com as
perspectivas do sociointeracionismo (Vygotsky, 1987), conforme anuncia o Projeto
Pedagógico do Curso.
Além dessas características, compreendo que a presença de diversos e diversificados
instrumentos de avaliação não expressam necessariamente uma concepção
emancipatória na maneira de (re)olhar e analisar a prática educativa. Nesse sentido,
tenho observado que podem ocorrer práticas avaliativas com características
predominantemente prescritivas e mecânicas a partir de orientações técnicas, reduzidas
a rituais esvaziados de significados sociais que ultrapassem a neutralidade e a
fragmentação dos conteúdos.
A aparente contradição entre a práxis vivida por professores formadores e tutores
presenciais, e as concepções anunciadas no PPC, revelam a existência de complexas
relações de sentido que possibilitam o processo de (re)construção de suas próprias
experiências e de uma leitura de mundo que tenha a teoria e a prática como pontos de
partida e de chegada da formação do educador matemático.
Os dados proporcionaram a compreensão dos processos formativos do curso por meio
de diferentes níveis de práxis na avaliação, o que do meu ponto de vista, abrem espaços
para a práxis criativa, protagonizada por tutores e alunos na busca pela superação dos
desafios que enfrentaram cotidianamente nos polos onde viveram e estudaram os alunos.
As possibilidades metodológicas da avaliação na EaD, permitem reconhecê-la como
meio para instigar a capacidade autoral e criativa dos alunos, e para o professor, a
reflexão crítica sobre a prática e o acompanhamento dos avanços e das dificuldades do
ato de aprender. Neste sentido, concluímos que uma formação que objetive a práxis
emancipatória, perpassa pela ressignificação dos procedimentos habituais de avaliação
que obstaculizam as mudanças rumo à libertação.
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