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Rafael Santos Silva Praça da Liberdade: 1700-1932 Uma história de Arquitectura e Urbanismo no Porto Volume 1 Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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Rafael Santos Silva

Praça da Liberdade: 1700-1932 Uma história de Arquitectura e Urbanismo no Porto

Volume 1

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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‘Dons, riquezas de prata,

esta arca oferta ao povo,

derramando os seus tesouros.

Funde-se em rio

o seu cristal alvíssimo.

Sequioso, aproxima-te

e não temas a linfa deleitosa’

Excerto da inscrição latina da Fonte da Arca, traduzida em

‘O Tripeiro’, 6ª série, ano IX, 1969, p.112

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Agradecimentos

Ao longo deste trabalho, foram algumas as pessoas que contribuiram para o

seu sucesso. Nisto, o papel da orientação do Dr. Jaime Ferreira-Alves mostrou-se

importantíssimo, quer pelo seu enorme conhecimento na área, quer pelo seu

entusiasmo e afabilidade demonstrados desde o início desta aventura.

Ao Dr. Manuel Joaquim Rocha o meu agradecimento pelo elevado empenho

na fase curricular do curso e nos raros encontros seguintes pela sua grande

disponibilidade e sentido de ciência.

Não poderia deixar de mencionar o companheirismo do meu colega José

Carlos Ribeiro da Silva pela camaradagem e troca de ideias geradas que

conseguimos incrementar no decorrer dos nossos estudos.

De forma semelhante, mas um pouco mais abrangente, fica aqui o meu

agradecimento aos vários colegas que tive, pelas suas sugestões e contributos que

me fizeram sentir bem acolhido num meio que não dominava por inteiro. Este

sentimento alastra-se aos variados contactos tidos nos arquivos consultados, em que

a persistência por eles demonstrada foi importante em determinados aspectos do

trabalho.

Por fim, o meu sincero agradecimento à familia e aos amigos e amigas pelo

suporte que demonstraram constituir num trabalho como este, em que a intimidade

me impede de ir mais além.

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Índice

Agradecimentos 3 Introdução 5 1. O Campo das Hortas e o auspício de uma Praça 8 1.1 Enquadramento 9 1.2 A Fonte da Arca 11 1.3 A Congregação do Oratório 16 1.4 A formação da Praça 22 1.5 As casas nobres 25 2. A Praça Nova e a centralidade emergente 30 2.1 Enquadramento 31 2.2 A ampliação da Congregação do Oratório 34 2.3 A ampliação da Congregação de Santo Elói 37 2.4 O Tanque da Praça Nova: projecto e obra 40 2.5 A instalação dos Paços do Concelho 42 3. Da Praça Nova à Praça de D. Pedro 47 3.1 Enquadramento 48 3.2 A extinção do Convento do Oratório 49 3.3 A extinção do Convento de Santo Elói 52 3.4 A Natividade: a fonte, o mercado e a demolição 54 3.5 Em busca do monumento 57 3.6 As reconfigurações da Praça 62 3.7 A concretização do monumento 66 3.8 As habitações da Praça 74 4. Da estética romântica à dissolução da Praça 77 4.1 Enquadramento 78 4.2 Uma nova estética para a Praça 79 4.3 A proposta de Carlos de Pezerat 81 4.4 A acção de Barry Parker: consequências 83 4.5 As arquitecturas para a Praça 87 Conclusão 97 Bibliografia 104

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Arquivos consultados AHMP – Arquivo Histórico Municipal do Porto

ADP – Arquivo Distrital do Porto

ANTT – Arquivo Municipal da Torre do Tombo

BN – Biblioteca Nacional

BPMP – Biblioteca Municipal Pública do Porto

CPF – Centro Português de Fotografia

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Introdução A praça, sempre constituiu, por tradição, um espaço congregador e

polarizador da vida urbana, onde com frequência foram encontrados os principais

edifícios, fossem eles públicos ou religiosos, e também monumentos.

Paralelamente, funcionando como cenário urbano, eram as fachadas delimitadoras

que a definiam, estabelecendo uma ordem visual, no que se tornaria uma recorrente

valorização estética das cidades. As fachadas autonomizavam-se como elemento

urbano, assumindo-se como componente importante na caracterização da praça pela

sua própria composição, pautando o lugar com suas proporções, simetrias e ritmos.

Afastando-se da ideia de largo, por norma espaços mais resultantes do

encontro de ruas e de feição mais irregular, a praça assume-se por variadas vezes

como manifestação de poder, onde os processos de crescimento são variados.

Espaços criados dentro das muralhas ou localizados nos seus arrabaldes, fruto de

vontades politicas de incremento urbano e estético das cidades, eles surgiam

geometricamente elaborados com suas fachadas criadas criteriosamente, naquilo que

viria a constituir um espaço fulcral no urbanismo europeu desde o Renascimento.

Será nessa altura em que o urbanismo criará dentro da cidade antiga espaços

cartesianos frequentemente pautados pela presença de palácios com os quais era

criada uma nova relação entre arquitectura e espaço urbano. Realizações italianas

que seriam difundidas como gesto urbano, dando origem a espaços de elevada

depuração, como a Place Royale, em Paris, realizada em 1605-1612, caracterizada

por um programa habitacional na sua concretização.

Espaços à semelhança deste iriam despontar pela europa, acompanhando as

ideias da época, numa difusão que traria à Praça um papel fulcral no urbanismo

europeu. Realizações como as praças espanholas, tais como a Plaza Mayor (1617-

1621), em Madrid e a de Salamanca (iniciada em 1728) marcam, entre outras

realizações, o panorama urbanístico da península, ao qual o objecto deste estudo não

iria ficar alheio. Mais tarde, como resposta ao terramoto de 1755, seria a vez de

Lisboa ser o local de outra grande realização urbana, onde marcaria presença a

Praça do Comércio – espaço de grandes dimensões e sobriedade, fruto, como toda a

realização envolvente, de processos de construção estandardizada.

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Caracterização diferente teve o objecto deste estudo, a Praça da Liberdade,

de crescimento sedimentado ao longo dos tempos. As suas várias designações, de

Campo das Hortas a Praça Nova e ainda Praça de D. Pedro, atravessam distintos

periodos da vida da cidade, espelho das distintas realidades que a envolveriam.

Percorrer o percurso lavrado pela Praça da Liberdade ao longo do tempo é

estudar a história de um dos espaços de maior importância na história das praças

portuenses. Para tal, o periodo de tempo escolhido para o seu estudo abarca desde os

seus momentos iniciais até à época em que ela atinge a sua configuração de base

com que chega aos nossos dias. Em tempos idos a mais importante praça do Porto,

tem aqui a sua narração organizada por distintos enquadramentos das configurações

da mesma e de suas fachadas, assim como de elementos marcantes, resultante da

diversidade encontrada na pesquisa inerente ao trabalho.

É assim a história de um lugar, de marcado valor artístico e simbólico ao

longo do tempo, que aqui nos aprontamos a contar.

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1. O Campo das Hortas e o auspício de uma Praça

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Fig. 1 – Vista da cidade do Porto desde Gaia. Aguarela de Pier Maria Baldi datada de 1669. 1. 1 – Enquadramento No início de setecentos, Portugal acabava de receber a primeira de uma série

de remessas de ouro do Brasil1, e assinava anos depois o Tratado de Methuen2 que

permitiria um enorme incremento na produção de vinhos do Porto. Será o reinado

iniciado em 1705, por D. João V, que beneficiará desta condição económica, tal

como da nova condição política3 iniciada há menos de uma década, em 1698.

Neste enquadramento, o Porto aparece como cidade mercantil de comércio

internacional progressivo em que a muralha, mais do que defender, começa a

espelhar a diferença entre a cidade e o campo, num retrato anos antes conseguido

mediante a aguarela de Pier Maria Baldi.

Numa estruturação marcada pela forte topografia, sendo mais uma aplicação

do arquétipo radiocêntrico de carácter medieval, algumas das ruas existentes

desembocam em largos e praças, na sua grande maioria de forma irregular. A elas se

associavam normalmente igrejas, conventos, casas nobres e chafarizes, sendo palco

de váriadas feiras, procissões e em alguns casos de paradas militares, o mesmo que

se passava nos largos em redor da muralha, junto a algumas. das principais portas.

Será entre um dos seus postigos e uma das portas que localizar-se-ia o então

antecessor da Praça da Liberdade, entretanto chamado de Campo das Hortas.

1 Iniciada em 1699, ‘durou meio século e (...) veio modificar o valor do ouro na Europa.’ SARAIVA, Hermano José – História de Portugal. 6ª ed. Lisboa: Publicações Europa-América, 2001.p. 240. 2 Vigoraria até 1836, receberia o nome do diplomata inglês que ‘exerceu toda a sua influência’ para a sua assinatura em Lisboa, a 1703, assumindo importância capital na economia do país (OLIVEIRA, Manuel A. - Lexicoteca, tomo XIII). 3 ‘É costume situar-se no reinado de D. Pedro II o estabelecimento da monarquia absoluta no nosso país, porque foi então que pela última vez se reuniram as Cortes em Portugal.’ SARAIVA, Hermano – Idem, ibidem, p. 229.

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O Campo das Hortas integrava-se num conjunto de áreas que se haviam

desenvolvido aglutinadas em torno do muro da cidade, grupo no qual estavam

incluídos os largos da Batalha e do Olival, com os quais partilhava funções distintas

assim como o estacionamento de veículos, apesar das especificidades que

caracterizavam cada um. Largos beneficiados sob admnistração filipina4, viriam a

constituir espaços dinamizadores de desenvolvimento urbano, incorporando as

importantes estradas para norte, ou relacionando-se com elevada proximidade face

às mesmas5.

Entre estes, o largo estudado distinguia-se pela sua inserção no vale do rio

de Vila, zona central do arrabalde portuense, assumindo uma forma regular, ‘tam

ameno, dezafogado, e fértil, que pella abundância de hortalice que produzia (…) se

chamava o Campo das Hortas’6.

O espaço do largo, como os terrenos com ele confinados, propriedade do

Cabido da Sé, tinha ainda escassas arquitecturas. A fonte da Arca, construída em

16827, estreitava o contacto entre o largo e o arruamento a sul, proporcionando um

motivo de visita ao largo pela função e estética introduzidas, às quais se juntaria o

lúdico. Sensivelmente perto da sua conclusão, em 1680, havia sido iniciada a

importante obra da Igreja e Convento da Congregação do Oratório, formando a

frente nascente e constituindo o arranque do quarteirão que alí seria formado.

Desta feita, fonte e conjunto oratoriano constituíam arquitecturas que

haviam alterado a feição do largo no entrar de setecentos. A estas poderemos

adicionar ainda, apesar de escassa, a que tenha eventualmente resultado da acção de

João Antunes no ‘programa da porta nova da cidade’8, no contexto de uma

remodelação urbanística do Campo das Hortas, já no fim da última década de

seiscentos.

Na outra frente do largo oposta ao Convento do Oratório, subsiste alguma

escassez de informação que nos permita identificar de forma sustentada a sua

4 REAL, Manuel e TAVARES, Rui – Bases para a Compreensão do Desenvolvimento Urbanístico do Porto. 1ª ed. Lisboa: Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressões Portuguesas, 1987. p.401. 5 Junto ao Campo das Hortas, a estrada para Guimarães partia desde a Porta de Carros.

6 BPMP, Ms. 1337, fl. 7 ANTT, Ministério do Reino Cx.346, Mç. 260-261, nº 352, fl.1. 8 SERRÃO, Vítor – O Barroco. 1ª ed. Lisboa: Presença, 2003. p.164.

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configuração. Uma vez que as vias de acesso a norte eram as vizinhas ruas das

Hortas e da Porta de Carros, respectivamente a poente e a nascente, ficava ausente

do interior do largo qualquer eixo de travessia nessa direcção. Sem edificação

documentada, este lado poente seria composto por terras de cultivo9, tendo como

cenário de fundo as edificações da rua das Hortas alinhada com o postigo de Santo

Elói, na muralha. Esta enquadrava a sul o cenário do largo, a par do alinhamento de

álamos entre a fonte da Arca e os congregados10. Fortificação ameada possuindo

passeio no topo, apenas ali cortada pela Porta de Carros, a muralha fora reconstruída

em 151811. Gesto urbano de um propósito que, somando mais de trezentos anos,

levemente iniciaria decadência, a muralha continuava, agora menos, a diferenciar o

campo da cidade, garantindo contudo a ideia de segurança e salvaguarda no seu

interior, o burgo portuense.

1.2 – A fonte da Arca

Perto da muralha e ainda no largo, localizava-se a ‘celebre Fonte da Arca,

obra deste género (...) o milhor do Reino’12, com a sua frente alinhada com o renque

de choupos plantado no largo em quinhentos13, e que seguia desde o pátio do

Oratório14. A fonte encontrava-se próxima ao início da rua das Hortas, formando a

frente sul do largo, o que o definia melhor, desligando-o, com o auxílio do

alinhamento arbóreo, do arruamento a sul.

9 ADP, Cabido da Santa Sé, Livro 2, Prazo das Hortas, manuscrito solto, fl. 3.

10 Memórias da Casa da Congregação do Oratório citado por ALVES, Joaquim Jaime Ferreira – Elementos para a História da Construção da Casa e Igreja da Congregação do Oratório. Porto: separata da ‘revista da Faculdade de Letras’, 1993. p.402. 11 REIS, Henrique Duarte e Sousa – Apontamentos para a verdadeira História Antiga e Moderna na Cidade do Porto, vol. 1. Porto: BPMP, 1984. p.69 e 74.

12 FERREIRA-ALVES, Jaime B. – Elementos para a História e da Construção da Casa e Igreja da Congregação do Oratório do Porto, p.40. - Ms. 1337, fl.39. 13 PEREIRA, Firmino – O Porto d’Outros Tempos’, p.259 e NOVAIS, Manuel Pereira de - Anacrisis Historial. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto, 1913. p.43. 14 A construção deste já obrigara ao abate de um deles e à ponderação de outro. BASTO, Artur de Magalhães – Silva de História e Arte. Porto: Progredior, 1945. p. 201.

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Contemporânea da Fonte das Virtudes15, a Fonte da Arca teve o padre

Pantaleão da Rocha de Magalhães16 contratado para autoria do desenho daquilo

que terá sido a sua reformulação17. De seguida, a obra sofreu uma série de

arrematações para a sua execução, a primeira das quais em 167718, tendo a última

incluído também a demolição de uma torre da muralha que por ali existia,

estorvando a envolvente à fonte. Concluída a obra, realizou-se vistoria19 no ano de

1680, na qual é declarado que a obra responde às premissas do desenho esboçado.

Entre as descrições mais próximas à época com que nos conseguimos

deparar, encontram-se a Anacrisis Historial de Manuel Pereira de Novais e um

manuscrito de meados do séc. XIX20. Começando por este, podemos aceder a uma

breve descrição da obra em causa.

‘A frontaria formava três diferentes corpos, sendo eles distintamente divididos por

cornijas largas, e menos mal lavradas; assentava a primeira sobre o principal corpo do

edifício e por conseguinte corria ao nível do solo da Praça, ficando lhe inferiores quatro

carrancas de granito, que pelas suas bocas lançavam, dentro de hum largo tanque fabricado

no pátio, grandíssima quantidade de água, da qual se servião os próximos moradores

descendo pelas duas escadarias, que já mencionei.

A segunda destas cornijas ficava pouco mais ou menos na altura de quinze palmos

assente sobre o segundo corpo (...) Sobre este segundo corpo se levantava no meio da

semicircular (sic) frontaria hum grande nicho, ou oratório todo de pedra lavrada, aonde

estava adornado pela parte exterior com duas colunas de granito, as quais assentavam nos

lados de uma varanda de ferro, que tinha nos extremos duas grandes laternas com luzes

constantemente alimentadas pela devoção dos fieis; o cimo deste oratório era rematado pela

terceira cornija, que de tão alta posição vinha em forma curva, como deslisando, finalizar

nas extremidades do frontispício’

15 Mandada construir em 1619 sob desenho de Pantaleão de Seabra e Sousa (...) JFA. 16 AHMP, Livro do Cofre nº 6, fl.330, citado por JFA em ‘Aspectos da actividade arquitectónica no Porto na segunda metade do séc. XVII. Porto, Universidade do Porto, 1985. 17 Em 1597 houve obra arrematada. COUTINHO, Xavier – Fontes e chafarizes do Porto – Boletim Cultural Vol. XXXII 1969, p.429.

18 FERREIRA-ALVES, Jaime B. – Elementos para a História e da Construção da Casa e Igreja da Congregação do Oratório do Porto,p.40. 19 Idem, ibidem. 20 BPMP, Ms. 1295

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Fig. 2 – Estrutura da fonte da Arca extraída do esquema publicado na Borboleta Constitucional nº 147, em 2 de Julho de 1822, quando a fonte se encontrava rodeada de construção.

Fig. 3 –Uma das carrancas da fonte da Arca que alimentavam o manancial. Coexiste com uma outra nos jardins do Palácio de Cristal, no Porto.

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A obra de Novais, redigida em espanhol21 enquanto este foi monge no

convento de S. Martinho de Compostela, é o outro testemunho encontrado para

descrição da Fonte da Arca, pelo que é feita aqui a transcrição da passagem à fonte

dedicada, em tradução livre.

‘Não é de menor lustre e grandeza desta nossa cidade o majestoso e magnífico da

obra da Fonte da Arca, que agora modernamente se executou. Pelos anos de 1684, com

tanto primor no método e modelo da arquitectura que não inveja nenhuma obra da

antiguidade romana, donde o engenhoso das ideias dos mestres antigos desta arte puderam

delinear plantas de fachadas e execuções da disposição, assim de óptica e perspectiva em

suas linhas visuais e de simetria em suas ajustadas proporções, como nos cortes e medidas

das bases, plintos e capiteis das colunas e nas arquitraves, frisos e cornijas da cúpula e

coroação, sendo tudo um admirável pasmo ao engenho mais versado na arquitectura, e onde

podem vir a tomar novas lições desta ciência os antigos arquitectos do orbe, um

Chersiphron para o levantamento das colunas do templo de Diana em Epheso e ainda

Hermedoro para a elevação de seus obeliscos, e juntamente aquele grande mestre que, no

tempo do imperador Júlio César, como refere Dion, se atribuia a restituir á primeira forma

um alpendre inteiro que em Roma ameaçou ruína, como fez apertando-o com cordas e

soberbos sacos de lã e tirantes, e em peso se levantou e reduziu á primeira forma e estado. E

assim mesmo pode estudar nesta obra Spintaro, arquitectónico (sic) do templo de Delphos,

os rasgos desta arte, como se lê em Pausanias.

Enfim, é esta obra uma das mais perfeitas desta cidade, em matéria de fachada e

frontispício. Pelos anos do senhor de 1608, se começou a adornar esta, de salutar, com um

modo de frontispício burleco pelo arquitecto Manuel Garcez, que estava edificando a obra

de Santo Elói, templo e torre, e a compôs, mas sem espassar-se em composturas de adorno,

apenas fazer aquele frontispício com aquela fachada e grades que vimos, em aqueles

tempos, pouco depois de sua obra. (...)

21 Alberto Pimentel levanta suspeitas sob a descrição, pelo facto de Manuel Novais redigir o texto em Espanha tendo nascido setenta anos antes da configuração por ele defendida para a fonte se ter levado a cabo. PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: Renascença Portuguesa, 1916.

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Mas, como esta prodigiosa fonte, súbtil, delgada e frigidíssima ao extremo, é

considerada com esse efeito, era estimada e de muito concurso, sendo assim que os efeitos

só eram dessa Arca, e por isso se estima, e tinha o dito apreço, considerando os senhores

regedores o muito concurso de fidalgos e cavaleiros que, pelo verão, acorriam ali perto, a

tomar o fresco da época, pelas tardes, naquele espaço que ia da ponta da rua de Carros e da

igreja de Santo António, que hoje é o convento dos padres da Divina Providência de São

Caetano (sic), até à dita fonte da Arca, por comodidade dos assentos que ali existem

debaixo daqueles copiosos choupos, ali plantados, há mais de cento e trinta anos e, como a

frescura nesse tempo de muito recreio, o senado da Câmara, para conceder mais perfeição

ao passatempo com a comodidade da fonte que ali fica muito próxima, decidiu beneficia-la

com o aditamento do magnífico e grandioso da obra, e assim determinou fazer em esta

potente obra, para que o todo fosse mais agradável para toda a cidade. Primeiro, mandou-se

derrubar uma torre de muralha que ali pendia sobre a fonte, aplanando o pavimento que

carecesse de capacidade para passar todo o género de carroças e aros, sem impedimento ao

trânsito da fonte, e houvesse mais espaço para a largura da fonte e espaço para as escadas

de ir buscar a água.

E dispôs-se desta forma a fachada que, naquilo que antes eram três fontes se

fizeram quatro, que cospem (sic) a água pelos rostos de quatro selvagens com seus canos de

bronze, entre os pedestais das colunas de que se forma o retábulo, adornado com suas

cartelas, festões e folhagens de grande labor e admiração. No meio delas, em forma

quadrangular, um nicho em que uma placa de mármore vermelho, como o da Fonte das

Virtudes, onde estão escritos uns versos em que se manifesta a ordem da obra. No segundo

nível com outras colunas são vistas as armas da cidade, que são a santíssima Maria, com o

seu soberano filho nos braços, entre duas torres e, por remate, as armas reais, encostadas a

um hábito de cristo e coroadas com a coroa serrada, que dispôs nas do Reino o senhor rei

Dom Sebastião de lamentável memória. Disposeram-se espaldares nos assentos, com sua

coroação de pirâmides, sobre pilastras com estrias nos lados das escadas, tudo com uma

distribuição magnificente segundo a arte, e finalmente é uma das mais e melhores

excelências que se podem ver em cidades populosas como é esta nobilíssima cidade do

Porto, e de que mais se pode admirar e estimar nela pelo estraordinário da obra.

Os versos, que dizem estar escritos nesse mármore e se me foi remetido, dizem assim, na fé

com que chegaram à minha mão, se estão graduados com a certeza:

Divitias offert, argentea munera fundit,

Thesauros populo consecrat arca suos,

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Solvitur in liquidum christalus candida flumen.

Qui sitit accedat: non nocet unda, bibat.

Hoc opus egregium cura obsequiosa Senatu..

Extulit, excelsus Thronus ut esset aquis.’

O verso era rematado pelo ano romano de 1682, embora a vistoria final date

de 1680.

A obra da fonte da Arca apresentava-se assim como uma obra anterior,

segundo nos diz Novais, da autoria de Manuel Garcez, a que se seguiria uma

profunda remodelação entre 1677 e 1680 sob desenho do padre Pantaleão da Rocha

de Magalhães, na qual foram realizadas as introduções que vieram magnificar a

fonte à época. Esta, dotada de sentido urbano e com uma presença polarizadora,

conformava a sul a frente do largo enquadrando-o com o Convento do Oratório, e

contribuía para a definição do espaço canal entre esta e a muralha, no seguimento

daquilo que viria a ser a calçada dos Clérigos.

Capaz de servir bem a sua função, a ela juntava-se o ócio que ali fora

incrementado pelos assentos e pelas sombras e ambiente fresco proporcionado pelos

choupos que haviam sido plantados, tornando-a cómoda e ‘estimada e de muito

concurso’ por cavaleiros e fidalgos, num cenário então verdadeiramente único na

cidade, que potenciaria mais tarde a adesão de novas prácticas.

A Fonte, a par da função e de importantes dinâmicas de recreio, ostentava

uma estética de destaque abarcando vários elementos desde pilastras, pirâmides,

festões e nichos, carrancas com desenho maneirista, elementos depurados para a

obra maior de uma das mais frequentadas e notáveis fontes da cidade.

1.3 – A Congregação do Oratório

Numa altura em que a cidade tinha já um grande número de conventos

instalados, a Congregação do Oratório chega à cidade, em 1680, presenteada22 então

com a Capela de Santo António da Porta de Carros pelo Senado da Câmara. Desde

22 A.D.P., Secção Notarial, Po-8, nº 69, fls. 56-59v, citado por ALVES, Joaquim Jaime Ferreira – Elementos para a História da Construção da Casa e Igreja da Congregação do Oratório. Porto: separata da ‘revista da Faculdade de Letras’, 1993. p.383.

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esse momento, foi intenção dos oratorianos sediarem-se na área da doação, o que

não aconteceu de imediato pelo facto dos proprietários das casas junto à capela não

estarem dispostos a cedê-las. Sendo assim, decidiram iniciar a construção das suas

instalações23 nesse mesmo ano, trabalhos que progrediriam a partir de 1683 sob

desenho de Domingos Nunes24 e desde 1694 até 1703 com nova campanha que

concluiria os trabalhos já com o padre Pantaleão da Rocha Magalhães25 como autor

do projecto da igreja.

Teve assim curso a obra do conjunto oratoriano, seguindo o ritmo dos

recursos existentes para a concretização de uma obra que teve um impacto notável

no Campo das Hortas, atribuindo-lhe a novidade de cunho urbano pelas suas

fachadas construídas. Estas caracterizaram o espaço, pautando-o com seus ritmos e

forma, o que lança aqui o seu estudo.

A fachada conventual estabelecia no espaço, na sua essência de cultivo, uma

matriz de sobriedade que, cerca de um século depois, formava ainda ‘um agradável

prospecto’26. De facto, a construção contígua e agregadora das fachadas do

convento e igreja constituía um meio da caracterização urbana do Campo das

Hortas. Obra de telha, pedra e cal27, estabelecia pela disposição no terreno uma

dualidade que a fazia de cara voltada para a cidade, pela sua fachada principal, e

vocacionada para sincopar o largo a nascente, com sua longa frontaria lateral

composta de três níveis.

Todo o frontispício era composto por cantaria nos cunhais, pilastras,

entablamento e restantes guarnições das aberturas, contribuíndo para um resultado

final de grande equilíbrio. O primeiro nível, diferente dos restantes dois, marca o

relacionamento do largo com o convento. Este processava-se mediante janelas

elevadas em relação ao solo, formando com os restantes níveis o cenário nascente

do espaço. Nesta ordem, o segundo nível era composto por varandas de sacada e o

23 Memórias da Casa da Congregação do Oratório citado por ALVES, Joaquim Jaime Ferreira – Elementos para a História da Construção da Casa e Igreja da Congregação do Oratório. Porto: separata da ‘revista da Faculdade de Letras’, 1993. p.384. 24 A.D.P., Secção Notarial, Po-4, nº 76, fl. 110v 25 A.D.P., Secção Notarial, Po-8, nº 102, fl. 127.

26 COSTA, Agostinho Rebelo da – Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto. 3ª ed. Lisboa: Frenesi, 2001.p.50. 27 ANTT, Congregação do Oratório do Porto, L.3, fl.14.

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terceiro novamente por janelas, todos intercalados por seis pilastras, quatro das

quais gémeas.

No alçado principal, virado para a Porta de Carros, a fachada do convento

compunha-se igualmente de três níveis de proporções semelhantes, nos quais o

inferior possuia dois portais gradeados pelos quais se acedia ao convento,

intercalando três postigos elevados. No nível acima, e no alinhamento dos portais,

encontravam-se duas varandas de sacada com um nicho interposto envolto por

aletas nos lados e frontão curvo no topo. No nível superior, outra vez duas varandas

de sacada, agora com o espaço intermédio ocupado por brasão de armas.

Terminando toda esta frontaria, guarnecida de cunhal, entablamento e outros

elementos em pedra, encontrava-se frontão triangular pontuado por óculo elíptico.

Articulando as distintas volumetrias do Convento e Igreja, pela sua

disposição, encontrava-se a torre quadrangular sediada em meia água do Convento,

na frente deste e adossada à Igreja. Este campanário, com pirâmides nos ângulos e

quatro vãos sineiros entre entablamentos, era avistado desde todo o largo, e

facilitava a referenciação do complexo do Oratório nas vistas da cidade, conforme

as posteriores vistas desenhadas o vieram comprovar28.

A fachada da Igreja apresentava dois níveis, o primeiro de cantaria e pouco

elevado dispondo de três portais, um central, mais largo, de arco de volta perfeita e

ladeado por pilastras, e os laterais, também ladeados de pilastras mais baixas - todas

assentando em estereóbato - também suportando frontões, estes, interrompidos, e

proeminentemente abatidos, sob ondulação proto-barroca ladeando o pináculo

central do frontão. O portal central é sobrepujado por frontão interrompido, este

mais abatido, com remate central mediante brasão alusivo à Virgem, guarnecido

lateralmente por aletas. Nas laterais do frontão, estavam acrotérios suportando

pirâmides rematadas superiormente por esferas.

No nível superior, respeitando o eixo destes portais, rasgavam-se três

esguios janelões, sendo os laterais mais estreitos, todos envoltos por molduras, uma

adjacente e outra mais afastada, esta última com os centros dos vários lados

28 A vista de H. Duncalf datada de 1736 e a de Teodoro de Sousa Maldonado, de 1789, são disso exemplo.

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Fig. 4 – Alçado principal do convento e igreja da Congregação do Oratório. O átrio, com três ordens de

escadas, ocasionava que os frontispícios comungassem do mesmo espaço, residindo na torre a sua articulação vertical.

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marcados por cartelas em pares. Fechando esta composição, o conjunto do janelão

central é terminado mediante frontão triangular baixo e os janelões laterais por

frontões curvos abatidos. Separando estes janelões surgiam pilastras toscanas,

gémeas nas extremas e que percorrem todo este nível, separado do inferior por

entablamento e suportando o grande frontão que finaliza a composição de toda esta

frontaria.

O frontão triangular, rematando a cobertura e o alçado da Igreja, é

guarnecido em cada extremidade por acrotério suportando três pirâmides, as de

maior dimensão da composição, emergindo como prolongamento das pilastras

gémeas no nível anterior. O tímpano possui pequeno nicho com a representação do

santo patrono, ladeado por pilastras e terminado em cima por frontão de arco

abatido. Logo a seguir, nos lados, pequenos postigos que separam o conjunto do

nicho das urnas laterais, envolvidas neste pequeno todo compositivo por cantaria

lavrada, esta elevada sobressaindo do frontão que se remata superiormente por cruz.

Fig. 6– Planta do átrio de acesso da Congregação do Oratório.

Diante desta importante fachada, o adro lajeado, para acesso à igreja e

convento - os preparativos da construção datam de 171229 - tratava-se de um espaço

‘mui dilatado e espaçoso (...) tem de comprimento 150 palmos, e de largura 67;

sobe-se para ele por três ordens de escadas, as do meio de notável largura, e as dos

lados mais estreitas, e todas elas assim como o patio, ou adro, guarnecidas de grades

de ferro sustentadas em grossos pilares de pedra, que rematão em grandes bolas.

29 BASTO, Artur de Magalhães – Silva de História e Arte. Porto: Progredior, 1945. p.200.

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Obra foi esta do eminentíssimo senhor D. Tomás de Almeida’30, então bispo da

cidade. Esta construção lançava os pavimentos do conjunto conventual para o

exterior, constituindo espaço preambular no acesso a ele. Pela direção da sua

escadaria, parecia vocacionar o conjunto conventual para a cidade, protegendo os

conventuais, e os que ali acediam, do trânsito que passava pela Porta de Carros, uma

das mais importantes da cidade á época.

O conjunto estudado, de feição maneirista e protobarroca – mais patente na

fachada da Igreja – é deste modo responsável pelo verdadeiro arranque do processo

de urbanização do Largo das Hortas. Simultaneamente, assumiu-se como pólo de

renovação espiritual e cultural no período pós-restauração31, no Porto.

1.4 – A formação da Praça.

As praças que em seiscentos surgiram, praças como a Royal em Paris (mais

tarde de Vosges), em 1605, e a praça maior de Madrid, em 1621, constituíam, à

semelhança do que se passava pela Europa, a emergência urbana de dotar a cidade

de um espaço aglutinador que, simultâneamente, fosse produto do pensamento

cartesiano com que se encaravam os espaços representativos da cidade. No espaço

portuense, essa vontade traduziu-se numa proposta, já em 1687, para o vale do rio

de Vila, no centro da cidade antiga. Visando o arranjo da área, entretanto carecendo

de urbanidade, a proposta não gorou pela simples razão dos proprietários recusarem

o sacrifício dos seus jardins para a construção de novas frentes nas traseiras dos seus

terrenos, conduzindo ao abandono do plano.

Não seriam necessários muitos mais anos para que o desafio de uma praça

nova se fizesse de novo sentir. 1691 seria o ano em que o desejo da mesma regressa

ao Porto, levando a escolha da câmara a cair agora fora das muralhas, no Campo das

Hortas. As negociações com o Cabido tiveram lugar com vista à construção do novo

espaço para a cidade, bem mais ambicioso, entusiasmado pelas proporções e

30 Memórias da Casa da Congregação do Oratório citado por FERREIRA-ALVES, Jaime B.– Elementos para a História da Construção da Casa e Igreja da Congregação do Oratório. Porto: separata da ‘revista da Faculdade de Letras’, 1993. p.400. 31 Maia, Cristina Ribeiro – A Livraria da Congregação do Oratório do Porto: 1765’, dissertação de Mestrado em História Moderna na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1998. p.97.

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configuração das praças em Espanha. O processo arrastar-se-ia e seria retomado

mais tarde, com um novo bispo na cidade, que viria a ser uma personalidade chave

em todo o processo.

Em 1709, D. Tomás de Almeida32 é bispo do Porto, num momento

particularizado pela recente ocupação, em virtude da participação na Guerra da

Sucessão, de Madrid pelas tropas portuguesas. As esperanças alimentadas pela

empreitada foram no sentido da anexação de territórios, possívelmente galegos, que

desencadeariam na cidade uma estatuto de capital do norte33. Esta eminência de

reforço de poderes acabaria por ver aumentado o desejo de ver criado um espaço

representativo para a urbe, pelo que a praça seria monumental, constituíndo um

quadrado de 120m de lado – próximo à praça de Vosges (140m) e ainda mais à

praça maior de Madrid (120 x 94m) – naquilo que seria uma das maiores praças

europeias. Seria uma residência aristocrática34 que caracterizaria tal espaço,

formando uma unidade morfológica urbana, de três pisos, distinta e desligada da

cidade construída, mas capaz de se assumir como geradora da expansão da cidade a

norte. Alegadamente, por não se encontrarem construtores em número suficiente,

isto a par de falta de apoio da municipalidade35, a empreitada viu-se gorada,

certamente pela percepção do inusitado da proposta, que obrigaria a enormes

desnivelamentos de terra que alterariam radicalmente a topografia, com questões de

acertos por esclarecer.

Mais tarde seria lançado um novo projecto pelo Cabido para o Campo das

Hortas, desligado da solução aristocrata anteriormente preconizada, e apresentando-

se menos ambiciosa e desenvolvendo uma relação mais natural com a topografia,

capaz de captar o investimento da classe burguesa com grande realismo. Isto

passou-se já sem a presença de D. Tomás de Almeida, assumindo no entanto o

Cabido a decisão acerca das parcelas, ruas, fachadas e prazos de construção, entre

outros aspectos36.

32 Amigo de D. Pedro II, o seu bispado caracterizou-se pelo fausto e poder, quando chega a acumular as funções temporarias de Governador civil e militar. 33 MANDROUX-FRANÇA, Marie-Thérèse – Quatro Fases da Urbanização do Porto no séc. XVIII. Porto, Câmara Municipal do Porto, 1986.p.241. 34 Idem, ibidem. p.242. 35 idem, p.243. 36 idem, p.245.

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Fig. 7 - B.P.M.P.– Pasta 24 (2). Planta do Campo das Hortas e áreas adjacentes em finais do séc. XVIII (c. 1787). A planta apresenta um estado evolutivo mais avançado, mas que em poucos anos fora atingido no Campo das Hortas (aqui sob a designação de Praça Nova). O conjunto oratoriano (A), vocacionado, pela sua orientação, para a cidade murada constituía, juntamente com a Fonte da Arca, os elementos físicos mais antigos do Campo. Posteriormente, a poente, os quarteirões formavam-se aglutinando as novas construções ás existentes na rua das Hortas. Mais tarde, as casas nobres delimitariam a Praça a norte.

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O primeiro vestígio que se conhece referente a pretensões de construção no

Campo das Hortas, trata-se duma ‘escritura feita na nota do tabelião d’esta cidade

Gonçalo Luiz em 29 de Julho de 1710, para que o reverendíssimo Cabido e seus

sucessores possam fazer prazos nos ditos campos e pertenças d’eles a quem quiser

fazer casas n’elles e quintais por haver mais de dez anos que os ditos campos se não

cultivam’37. Posteriormente seguir-se-iam mais38, alguns com a obrigação de

construir ‘no termo de dois anos’39, num processo de emprazamentos que duraria

até 1721. A urbanização do Campo das Hortas, alicerçada fundamentalmente até

aqui no lado poente, foi objecto de um projecto normalizador que, contudo, não

chegou a ser realizado40, num cenário de momentos construtivos que terminaria em

1725, após ter tido início sete anos antes. Pelo meio, em 1721, o Cabido cedia à

cidade o terreno de que ainda dispunha ao largo para ser aplicado a uma praça

pública, numa demonstração do que já ali se passava, com o perspectivar de

arquitecturas.

A ocupação dos lotes do sector poente foi ocasionada antes da que sucederia

na frente norte. A tipologia adoptada fora a de habitação unifamiliar dotada de

logradouro41 e de relação com o lote idêntica à existente na cidade, enquanto que as

principais componentes das fachadas seguiam uma regra de composição não

alterada, fruto de um saber alcançado por anos de experiência.

1.5 – As casas nobres.

A casa Morais Alão-Amorim da Gama Lobo, introduziu no início de setecentos, e

pela primeira vez, o palácio ou residência nobre na Praça Nova. A sua fachada

37 A.D.P., Cabido da Santa Sé, Livro 2, Prazo das Hortas, 14-516, manuscrito solto, fl.2. 38 Vistoria das ‘ obras de casas e quintais’– A.H.M.P., Vereações, L.70, FLS. 348-348v. 39 A.D.P., Cabido da Santa Sé, Livro 2, Prazo das Hortas, 14-516, fl.3. 40 MANDROUX-FRANÇA, p. 245. 41 A referência a ‘casa e quintal’ é recorrente no livro de prazos consultado - A.D.P., Prazo das Hortas, 14-517.

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horizontal de dois níveis, composta por pilastras e vários frontões, viria a criar na

Praça uma nova frente distinta das demais, relacionando-se com ela mediante um

lote marcadamente mais largo que os das restantes habitações, cuja ocupação

constituía afirmação de prestígio e nobreza. Esta construção viria a ser parte

importante do que desencadearia, a futura constituição de uma frente principal para

a praça42. ‘A imagem da fachada, que chegou até nós, através de velhas fotografias,

apresenta cinco panos de parede criados pelas quatro pilastras que a dividiam

verticalmente e onde se rasgaram as aberturas correspondentes ao rés-do-chão,

sobreloja e andar nobre. No pano central, uma portada, ladeada por dois óculos

circulares e encimada por pedra de armas, dava acesso ao interior da casa, abrindo-

se ao nível do andar nobre duas janelas de sacada, rematadas por dois frontões

triangulares. Lateralmente este conjunto é ladeado por dois panos de parede

simétricos, o primeiro com duas aberturas em cada piso (quatro janelas de peitoril e

duas de sacada) e o segundo, mais estreito, com uma por andar (duas janelas de

peitoril e uma de sacada).’43 A construção formava assim uma parte importante do quadro urbano

desencadeado pelo edificado na praça, atribuindo a este importante valor simbólico

e artístico, ocupando assim nele lugar especial. Contrariamente à casa Morais Alão-Amorim da Gama Lobo, em que a

fachada se enquadrava numa esquematização de seiscentos, a vizinha casa Monteiro

Moreira, a ela justaposta, foi construída sob uma linguagem que marcaria, de forma

progressiva, a arquitectura na cidade do Porto ao longo do século XVIII. O contrato

para sua construção data de 172444 , e em 1727 a casa era já descrita de modo

elogioso – ‘com nobilissima fronteira; (...) e acabada que seja he a milhor que se

acha nesta cidade’.

‘O frontispício dividia-se em cinco panos de parede, como vimos na Casa Morais

Alão-Amorim da Gama Lobo, formados através de pilastras. No centro, uma larga

42 No emprazamento referente ao terreno da construção, surge a designação de praça 43 FERREIRA-ALVES, Jaime B.– A Casa Nobre do Porto na Época Moderna. Porto: Inapa, 2001.p.73. 44 A.D.P., Secção notarial, Po-1º, 4.ª série, nº262, fls.68v-69v, idem.

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portada, que dava acesso ao pátio interior, era ladeada por duas janelas de peitoril,

por cima das quais se abriam duas janelas da sobreloja. Neste corpo central, ao nível

do andar nobre, havia três janelas de sacada, rematadas por frontões curvos

interrompidos, decorados na parte central. Este corpo era enquadrado por dois panos

de parede. O primeiro, com duas portadas, duas janelas de peitoril e duas janelas de

sacada, e o segundo com uma abertura em cada piso.’45 No topo, a platibanda

terminava superiormente a composição. Além desta fachada, a casa tinha outra

voltada para a cerca do Convento dos Congregados, na qual integrava-se uma

capela, reforçando o simbolismo religioso à praça, presente além do convento

cofrontante, mediante os vizinhos convento de Santo Elói e mosteiro de S. Bento de

Avé Maria.

Esta casa nobre impunha uma nova e diferente ordem visual na praça,

apresentando-se nesta e também na cidade, como uma superação das formas

arquitectónicas precedentes, isto além dos aspectos de simetria, ritmo e proporção,

que faziam dela um edifício singular, o de mais depurado efeito cénico na praça.

O par de casas nobres que corporizava desta forma a frente norte da praça,

sem que sejam conhecidos os seus autores46, compunha um cenário, mediante os

seus semelhantes atributos, gerador de forte carga simbólica e artística,

revitalizando a faceta aristocrática que compunha o anterior plano para a praça, e

constituindo uma relação com a mesma que vem a ser herdeira do Renascimento.

Juntas e partilhando a sua mesma ordem material – a cal e as guarnições em

granito – as construções viriam a ter duradoura presença na praça, registando as

suas mutações através da sua própria utilização e transformação ao longo do tempo.

45 idem, p.76. 46 Jaime Ferreira-Alves refere a hipótese de ter sido riscada pelo próprio José Monteiro Moreira, ‘insigne arquitecto, homem de muitas prendas e virtudes’, conforme citação de Artur de Magalhães Basto. FERREIRA-ALVES, Jaime B. – A Casa Nobre noPorto na Época Moderna. Porto: Inapa, 2001. p.76.

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2. A Praça Nova e a centralidade emergente

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2.1 – Enquadramento

Com a construção das casas nobres, a Praça atinge uma configuração de base

que persistiria durante mais de meio século, corolário de cinco décadas de

consolidação formal.

Nos anos que se seguiriam, de aumento no país da receita pública e privada,

a cidade desenvolver-se-ia, duplicando de habitantes47. Era construída a torre dos

Clérigos e a cidade alargar-se-ia para norte, ultrapassando a muralha e envolvendo a

Praça por completo. A inovação da balística e a movimentação do teatro de guerra

na Europa da cidade para os campos tornam a fortificação existente inútil,

registando-se o aproveitamento de áreas por ela ocupada para habitação.

Neste cenário, e com D. José no poder, é criada a Companhia Geral da

Agricultura de Vinho do Alto Douro e, no ano seguinte, em 1757, João de Almada

chega à cidade onde anos depois era criada a Junta de Obras Públicas. Abria-se

desse modo um ciclo auspicioso para a cidade, ao qual a Praça não ficaria alheada,

reflectindo-se nela, novamente, as pulsações politico-sociais da cidade.

Fig. 10 – Vista do Porto desde Gaia por Teodoro de Sousa Maldonado, em 1787. A cidade densificada onde os campanários das igrejas recortam a sua silhueta.

47 De cerca de 25 mil habitantes em 1732, passaria acima dos 50 mil em 1787. RAMOS, Oliveira – História do Porto. 3ª ed. Porto: Porto Editora, 2000. p.265.

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O desenvolvimento urbanístico da área envolvente à Praça Nova definia, na

segunda metade do século XVIII, uma zona consolidada a norte e estabelecia dois

braços viários a nascente e a poente, respectivamente, a calçada dos Clérigos e a rua

de Santo António.

Com o intuito de regularizar a expansão da cidade a norte, foi executada

uma planta perto de 176148, da responsabilidade de Francisco Xavier do Rego, que

definia o desenvolvimento urbano desse sector, conhecido por ‘Laranjal’, que teria

juntamente com a calçada dos Clérigos, em 178849, dos primeiros passeios pedonais

instalados na cidade. Nessa planta era visível o traçado da rua do Almada, que se

assumia como o prolongamento da rua das Hortas e grande eixo estruturador da

cidade a norte, à volta do qual todo o desenho na planta parece existir.

A rua do Almada teria a sua construção iniciada em 1761, em obras que

teriam maior celeridade a partir de 1763, ficando concluída em 1764.50 A este

empreendimento encontrava-se associado outro, o da regularização do largo de

Santo Elói, decretada em 1764 mediante escritura pública51 com o objectivo de alí

ser criada uma praça - este espaço receberia um dos primeiros passeios para peões

na cidade do Porto, em 1787. Entre o largo de Santo Elói e a rua do Almada, o

postigo de Santo Elói na muralha medieval havia sido substituído por outra

construção, a Porta do Almada, em 1766, com risco de Francisco Pinheiro da

Cunha52. Esta assumia elevado valor simbólico, culminando o trajecto descendente

da rua do Almada. Com duas portas rasgadas na muralha, a de Carros e a de

Almada, a Praça tinha agora uma maior facilidade de ligação à cidade fortificada,

essa grande e densa mancha urbana. No seu interior e junto às portas indicadas, dois

largos subsistiam: o de Santo Elói e o de São Bento, espaços complementares à

Praça e pelas feiras e religiosidade marcados.

Na praça, a fonte da Arca recebe lageamento em 1761 e, mais tarde, em

1784, é aprovado e ordenado executar um projecto de reforma do edifício da

48 A.H.M.P., Livro de Plantas 1, fl.14. 49 FERREIRA-ALVES, Jaime B. – O Porto na Época dos Almadas. Arquitectura, Obras Públicas. Porto: Camara Municipal do Porto, 1988-1990. p.258. 50 Idem, ibidem. p. 205. 51 Idem, p. 208. 52 Idem, p. 207.

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Natividade, prevendo-se circuitar o que sobrava do velho edifício com um novo,

sem ocupar demasiada área que criasse transtorno na praça.

Em 1795, era encomendado a António Pinto de Miranda a ‘planta baixa da

praça nova, e o prospecto dos quatro lados da mesma’, ao mesmo tempo que ‘um

risco para reformar o chafariz da mesma Praça.’53 Esta encomenda permite

compreender as pretensões e a vontade política da Junta das Obras Públicas para

com a Praça Nova, particularmente da ideia reguladora para as suas fachadas, o que

permite aferir da sua importância.

Um dos eixos que acompanhava de perto a Praça Nova e constituiria um

legado setecentista era a calçada dos Clérigos, junto ao exterior da muralha. Este

eixo revestiu-se de notabilidade quando no seu topo foi construída a igreja dos

clérigos, construção que se arrastaria de 1732 a 177354, coroando o seu nível mais

elevado. Cinco anos após dá-se a demolição da muralha à calçada dos Clérigos55,

dando-se como consequência natural a construção de casario nesta frente sul,

desenhada em 1793 por Teodoro de Sousa Maldonado56. Os proprietários das casas

que se encontravam encostadas à muralha foram autorizados a expandi-las,

sujeitando-se a que a frente por elas formada seguisse o plano aprovado.

A rua de Santo António, aberta em 1785, ligava a área da Porta de Carros ao

largo da Batalha e à igreja no seu topo, formulando algo semelhante ao ocorrido na

calçada dos clérigos. Esta igreja, de Santo Ildefonso, seria construída entre 1730 e

173757, em substituição de uma anterior que na época estava em ruínas. O

arruamento, integrando o plano de melhoramentos de 1784, estabaleceria relação de

comunhão com o eixo da calçada dos clérigos, ligando-se duas zonas ‘altas’ da

cidade – Batalha e Cordoaria. Dois anos após o desenho de Maldonado para a frente

dos Clérigos, o mesmo autor esboçaria novo alçado para o meio da rua de Santo

53 MEIRELES, Maria Adelaide – Catálogo dos Livros de Plantas. Porto: Arquivo Histórico da Câmara Municipal do Porto, 1982. p.18. 54 FERREIRA-ALVES, Jaime B. – O Porto na Época dos Almadas. Arquitectura, Obras Públicas. Porto: Camara Municipal do Porto, 1988-1990. p.85. 55 Antes, em 1766, era arrematada a calçada entre a Praça Nova e a rua do Almada. A.H.M.P., A-PUB-1266, 90-90V. 56 A.H.M.P., Livro 1 de plantas, nº.164 e 165.. 57 FERREIRA-ALVES, Jaime B. – O Porto na Época dos Almadas. Arquitectura, Obras Públicas. Porto: Camara Municipal do Porto, 1988-1990. p.84.

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António58, no âmbito do processo de reconversão das frentes após a demolição da

muralha. No mesmo ano seria criado um remate monumental à rua através da

alteração da escadaria da igreja de Santo Ildefonso, num gesto colateral com a

escadaria dos Clérigos, do qual faria parte um pódio balaustrado no centro do qual

fora levantado um obelisco, colmatando a orientação rigorosa da igreja em relação á

rua, no que consistia em mais uma peça dessa conjugação de grande efeito

cenográfico composto pelas duas artérias a ladear a Praça Nova a sul.

2.2 – A ampliação da Congregação do Oratório.

Na segunda metade do século XVIII, a Congregação do Oratório contribuía

significativamente para a cultura citadina com suas aulas públicas de retórica,

filosofia e teologia, onde com alguma frequência ultrapassavam os duzentos alunos

estranhos à Congregação, na sua maior parte constituída por nobres.59 Esta valência,

a par das normais necessidades internas, levaram os oratorianos a ampliar as suas

instalações, ocupando a área a nascente da igreja.

A abertura da rua de Santo António, cortando o pátio de entrada da igreja e

convento, desencadearia um processo de reformulação que viria a alterar a

configuração do frontispício conventual. Entre a Câmara e o Oratório é discutida

uma proposta que este apresenta, no sentido de edificar a nascente da igreja uma

frente do convento idêntica à existente a poente, o que seria recusado pelas

repercussões danosas para a largura da rua do Bonjardim.60 O consenso chegava

com a segunda proposta que os padres apresentariam, ajustando a implantação da

fachada com um recuo do seu cunhal, acedendo a Câmara a disponibilizar o terreno

da rua e casas que estavam junto à igreja de modo a que a obra se concretizasse.

O projecto teria a autoria a cargo do Padre Joaquim Teixeira Magalhães61,

preconizando como alinhamento regulador o da nova rua de Santo António,

demolindo-se assim o pátio de acesso à Congregação para dar lugar a uma breve

escada, e servindo de limite de ocupação a sul pela ampliação oratoriana. O desenho

58 A.H.M.P., Livro 1 de plantas, nº 121. Um ano antes, em 1794, António Pinto de Miranda realizava um desenho para a mesma frente da rua – Livro 1 de plantas, nº 156. 59 CRUZ, A. – O Porto no primórdio de setecentos, p.27 60 NONELL, Anni Gunther – Porto, 1763-1850: A Construção da Cidade entre Despotismo e Liberalismo. Porto: FAUP, 2002. p.207. 61 AHMP, Obras Públicas 2279A, fl.263.

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demarcava também as construções a serem alvo de demolição, assim como a nova

configuração para o início da rua do Bonjardim, visivelmente estrangulada no seu

perfil.

Protegidos pelo bispo D. Tomás de Almeida na sua chegada à cidade, os

padres oratorianos gozavam ainda de complacência institucional que lhes permitia

construir um ‘obstáculo’ a ultrapassar entre a Porta de Carros e a rua do Bonjardim,

na altura o ‘coração da cidade’ e o ‘mais frequentado’.62 A obra iniciar-se-ia um ano

após o projecto, em 178863, gerando protestos variados64, o que viria a desencadear

o seu embargo, suspensão que seria levantada posteriormente.65

Fig. 11 – Desenho de Joaquim Vitória Vilanova representando a frente da congregação do Oratório em 1833, já depois das obras de ampliação.

Concluída dezasseis anos após ter iniciado, a obra transportava para o lado

da rua do Bonjardim a frente conventual concluída no início do século, seguindo

uma lógica de aparente simetria que atribuía ao conjunto uma reforçada afirmação

na cidade, diante do ponto nevrálgico que a Porta de Carros nela constituía.

62 A.H.M.P., Vereações 90, fl.180. 63 ALVES, idem, p.119. 64 A.H.M.P., Obras Públicas Livro 2, fl. 37 65 AHMP, Obras Públicas Livro 2, fl. 37V.

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Fig. 12 – A.H.M.P., 2279-A, fl.263. Planta aprovada pela Junta das Obras Públicas em 1787, que alteraria o projecto aprovado em 1784. Autoria de Joaquim Teixeira Guimarães.

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2.3 – A ampliação do Convento de Santo Elói.

Quando em 176466 a Câmara, mediante certas compensações cede aos

padres lóios o corredor de Santo Elói67, o que estava escondido atrás das muralhas

era uma antiga estrutura conventual, iniciada em 149068. O Convento de Santo Elói,

‘o mais pequeno e velho da cidade’69, tinha na igreja do primeiro quartel de

seiscentos a sua construção mais recente, o que por si só não a livrara de grave

prejuizo no terramoto de 175570. Tratava-se então duma estrutura envelhecida numa

época em que emergiam as dinâmicas de renovação arquitectónica.

Após o aviso régio de Março de 1788, respeitante à demolição das muralhas,

os padres lóios movimentam-se no sentido de tirar partido das condições nele

estabelecidas e lançar uma nova construção que colmatasse as deficiências das

instalações conventuais. Nesse sentido, em Setembro de 1790 sucede-se uma

‘Escriptura de Obrigação e Contrato’71 entre os padres lóios e a Junta das Obras

Públicas, cujo conteúdo reune importância para a compreensão do processo da

demolição da muralha à implantação da construção vindoura.

Nesta escritura é feita referência à licença régia para demolição do muro da

cidade, válida também para a frente que a cerca do Convento tinha para a praça

onde se achava ‘hum grande angulo que deturpava todo o prospecto publico’. No

sentido de contrariarem-no, disponibilizava o convento o terreno que fosse

necessário para a dita obra, sendo pedido à junta o exame ao ‘risco da nova obra da

sua Igreja e Convento’, constituindo ‘hum grande ornamento a esta cidade’ para

respectiva aprovação.

66 A.D.P., Monástico (...) K-25-73, cx.5 pq(1) 67 Espaço entre a muralha da cidade e o muro da cerca do convento de Santo Elói. Durante séculos havia estabelecido comunicação entre o largo de Santo Elói e o de São Bento das Freiras, dentro das muralhas. 68 REIS, Henrique Duarte e Sousa, IV volume, p.131. 69 Agostinho Rebelo da Costa, p. 105 70 FERREIRA-ALVES, Jaime B. – O Porto na Época dos Almadas. Arquitectura, Obras Públicas. Porto: Camara Municipal do Porto, 1988-1990., p. 92. 71 A.H.M.P., Livro 12 de compras, fls. 192 a 210v.

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Anteriormente à escritura indicada, os padres haviam apresentado uma

planta á qual fazem referência. Nela estaria já representado um edifício ‘em recta

direcção’ que cedia ‘alguns palmos’ ao domínio público junto à Porta de Carros,

‘para formozear o alinhamento da mesma obra, cuja extensão melhor poderia

explicar o Sargento Mor Engenheiro, por ser o que fez a dita planta’, ao que tudo

indica, Champalimaud de Nussane.

Como contraponto a esta proposta, havia sido elaborado um ‘segundo

projecto, que consistia em hum corpo saliente no meio, com duas linhas obliquas

que dele decorrião para as ditas Portas d’Almada e de Carros’. Esta versão, que

seguia um traçado mais próximo do ocupado pela muralha, acabaria por ser

preterida em função do primeiro projecto, ‘mais decorozo’ para a cidade.

Delineandos que ficavam os alinhamentos a seguir na obra, os padres lóios

comprometem-se ainda a demolir a torre e parte da igreja, vindo esta a ser

reformulada em função da ‘nova rua para a das Flores, que alinhasse com a das

Hortas’, atravessando o largo de Santo Elói para o qual ficaria voltada a nova igreja

conventual72.

A construção que os padres lóios pretendiam levar a cabo a norte da área por

eles ocupada consistia num longo edifício que constituiria uma frente inédita para a

Praça Nova, substituindo a muralha73. O edifício denunciava, pela orientação do

principal alçado, a assimilação definitiva do espaço exterior à muralha pela cidade.

Notabilizava-se pela localização, extensão e escala, apresentando uma série de

linhas horizontais reguladoras da sua afirmação visual unidas em perspectiva,

desencadeando um efeito intensificado pelo largo comprimento da construção. Esta

pode ser observada nos desenhos de Joaquim Cardoso Vitória Vilanova, registando

a evolução da construção e a pretensa finalização da mesma.

A alteração do complexo conventual por parte dos lóios era reveladora da

sensibilidade para a transformação que a cidade sofria na época. A reforma urbana

empreendida alicerçava-se numa nova ordem cartesiana de disposição das

componentes conventuais, renunciando à geometria medieval que a muralha e o

anterior desenvolvimento do convento havia prosseguido ao longo dos tempos.

72 A.D.P., Monástico (...) K/19/6-37 73 Na escritura solicitava-se toda a pedra do muro para a dita obra.

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Fig. 13 –Desenho de Joaquim Vitória Vilanova, exibindo o convento se Santo Elói nas suas obras de ampliação, em 1833. O estaleiro, visível na representação, ocuparia caoticamente parte da Praça Nova durante os trabalhos de construção.

Fig. 14 –Desenho do mesmo autor, representando o frontispício à Praça Nova da ampliação de Santo Elói, conforme havia sido preconizado. De realçar, a grandiosidade do projecto, não se cingindo à escala da praça mas se notabilizando também na cidade.

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2.4 – O Tanque da Praça Nova: projecto e obra.

Na mesma ordem que a fonte da Arca, também o tanque que a Junta das

Obras Públicas decide erguer na Praça Nova vem a constituir forte vestígio da

gramática arquitectónica que se desenhava na época. Desenhado por

Champaulimaud de Nussane em 179474, o projecto apresentava um enorme tanque

de laterais côncavas e espaldar de grandes dimensões. A obra pretendia-se com uma

fonte no tardós, voltado para o exterior da praça, e nas laterais do alçado principal

seriam instalados assentos. Na frente, um painel central saliente envolvendo o bocal,

com gotas nas laterais e varrido a moldura como em todo o espaldar. Sobre este e ao

centro, frontões partindo de pináculo rematam o alçado. Este, pela sua

grandiosidade, impunha-se como uma fachada, pela inserção a que se destinava,

colmatando o recuo alí existente na frente poente da praça. Toda a obra projectada

inseria-se num contexto de contemporaneidade no desenho, enquanto expressão

arquitectónica.

A construção decorreu entre 1794 e 1797, da qual resultou uma obra que

difere a determinados níveis do projecto original. Seguindo no entanto a sua

estrutura base, tanque e espaldar, este último com mais bocais agora, acabaria por

ser-lhe atribuída uma configuração aparentando menor contemporaneidade nas

formas da estética final.

O alçado era agora dividido em cinco panos mediante pilastras rusticadas

numa atitude que apenas encontra paralelo, na cidade, na contemporânea fonte das

Taipas. A cada pilastra sobrepunha-se uma urna, tendo os panos intercalados florões

ao centro ornando os bocais, com excepção do central que se encontrava inserido

em carranca. Este pano ostentava ainda o painel saliente do projecto atrás referido,

agora rematado por urna elevada e distinta das restantes, totalizando sete no total.

A fonte e tanque salientava-se pela sua grandeza de excepção, constituindo

um novo pano de fachada para a praça, ao nível do respeitante à fonte da Arca, mas

mais vocacionada para o combate a incêndios e servir as gentes e animais que por

ali passavam, caracterizando assinalavelmente o espaço público.

74 A.H.M.P., Livro 1 de Plantas, nº 64.

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Fig. 15 – A.H.M.P., Livro de plantas 1, nº 64. Projecto para ‘fonte’, por ordem da Junta das Obras Públicas e executado por Champalimaud de Nussane, em 1794.

Fig. 16 – Desenho de Joaquim Vitória Vilanova em que surge representado o tanque em 1833. De notar as cumplicidades e discrepâncias com o desenho original.

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Fig. 17 – Á esquerda, localização do tanque na Praça Nova. O seu enorme espaldar assume-se como uma nova fachada, delimitando a praça numa forma mais regular. Fig. 18 – Á direita, aspecto do chafariz das Taipas, com o qual a obra executada na Praça Nova apresenta cumplicidade no tratamento formal.

2.5 – A instalação dos Paços do Concelho.

As instalações camarárias merecem, por razões naturais, entre o que de

melhor a cidade tem para dar. Contudo, em 1793, a casa-torre quatrocentista onde

estavam sediadas encontrava-se em ruína progressiva, razão pela qual aparece o

interesse na Casa Monteiro Moreira para albergar os Paços do Concelho à Praça

Nova. Esta ambição, reiterada no ano seguinte num pedido feito a Sua Majestade,

acabaria por apenas para evitar que a Admnistração do Tabaco levasse adiante o

intento de nela instalar ‘suas fornalhas e fábrica’75. Depois de em 1814 o palácio se

encontrar á venda, sem que se concretizasse o negócio, dois anos depois o mesmo

dá-se com a Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro que, após receber

ofício da Câmara, vem a vender a esta pelo valor dispendido, para nunca mais

mudar de proprietário. Consumava-se uma velha ambição municipal, trocando a

área antiga onde se situavam os Paços do Concelho pela Praça Nova, o novo centro

cívico e simbólico para a cidade.

Para adaptação do edifício seriam necessárias obras de adaptação, que

ficariam a cargo do vereador José de Sousa Melo. Nelas, seriam introduzidas

algumas alterações à configuração da casa e da fachada. Estas passaram pela

75 BASTO, Artur de Magalhães Basto – Os diversos Paços de Concelho da Cidade do Porto. Porto: Gabinete de História da Cidade, 1937. p.39 e 42.

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inclusão de escudo oval sobre a entrada principal com a inscrição Domus

Municipalis. A.D. 1817, pela construção de frontão sobre o corpo central com as

armas da cidade ao centro e guarnecidas lateralmente por festões, pela estátua do

Porto sobre o novo frontão, e por um conjunto de seis urnas rematando o topo da

nova composição, seguindo o alinhamento das pilastras da fachada principal. Três

anos volvidos, em Agosto de 1819, a Câmara instala-se, apesar das obras não

estarem totalmente concluídas. Este resultado da intervenção está presente no

resultado final, descrito por Henrique Duarte e Sousa Reis, que passamos de seguida

a citar76.

O belo edifício dos Paços do Concelho, sito na Praça de D. Pedro, tem um único

andar nobre atravez de toda a sua fachada, que é como dividida entre si por quatro pilastras

lisas e seus necessários remates, as quais desde a cornija geral que o atravessa vem finalisar

no pavimento de calçada. Contém este andar nove janelas de sacada na frente sendo a do

centro mais extensa e mais saliente, que as quatro que lhe ficam a cada lado, com suas

soleiras direitas e uniformes no alinhamento, e sobre elas montadas lindíssimas varandas de

ferro batido, floreadas em feitios engraçados e cheias de peças douradas e pirâmides para

mais abrilhantarem este formoso prospecto; as padieiras das oito janelas laterais tem

superiormente pequenas empenas enxeridas no frontispício, rematadas no centro por pinhas

e conchas de pedra, que as torna elegantes e esbeltas a par da majestade infundida pela vista

geral da frontaria, e são de tal forma divididas pelas quatro pilastras que aparenta ela formar

cinco corpos distintos, pertencendo aos dois extremos uma só janela de sacada, aos dois

imediatos outras duas por cada um deles, e finalmente ao central as três janelas restantes,

comportando no meio a principal e diversa nas dimensões e feitio, e está em perfeitíssima

harmonia com o risco da porta principal dos Paços do Concelho.

A porta principal é larga e alta, como requeria o grandioso do palácio Monteiro

Moreira, e estão as suas ombreiras mais recolhidas da linha perpendicular do edifício, por

isso que nela forma outras ombreiras mais largas e altas com cortes recolhidos junto da

padieira, figurando um outro pórtico majestoso; ocupa o vão recolhido existente entre as

duas padieiras um escudo oval, talhado em pedra aonde se lê: Domus Municipalis. A.D.

1817. A varanda do centro abrange com a sua soleira as duas janelas imediatas, e se mostra

mais volumosa pelo ressalto que tem, e a sua grande forma pedia, por isso a grade e peitoril

dela vem a ser a mesma; as ombreiras desta janela são aos lados seguidas de uma

76 Idem, ibidem, p.54.

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Fig.

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9.

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faxa larga de pedra, que vem junto da soleira finalizar em rafaelas a ambas as duas

partes; sobre a padieira há a empena semi-circular cortada no centro, aonde está assente

outro escudo de feitio arbitrário e de fantasia, creio que destinado para alguma inscrição,

que não chegou a lavrar-se. Remata este corpo uma empena triangular, que tem no tímpano

as Armas da Cidade ordenadas pela carta régia de 13 de Maio de 1813, de cujo escudo

partem para os lados festões para encherem todo o vão do referido tímpano, e ergue-se no

alto desta empena, sobre a respectiva base, e guerreiramente vestido, a belíssima estátua do

Porto, feita duma só pedra, tendo na mão esquerda o broquel com as primitivas Armas da

Cidade Portucalense, de que fala Bluteau na Palavra Porto Cidade de Portugal, e na direita

empunha uma lança; esta estátua é admirável pela sua atitude na acção e foi calculada a

óptica tam perfeitamente que a altura a que se acha ainda lhe aumenta o merecimento. Foi

feita a estátua do Porto pelo Mestre pedreiro João da Silva, tomando-a de empreitada pela

quantia de Rs. 243$200, paga em duas parcelas. Tem mais, sobre a cornija, peitoril e vasos

de pedra.

Forçoso será dizer que a referida estátua77 valia mais pela importância

simbólica e pela presença no conjunto que integrava que propriamente pelo seu

valor artístico, enaltecendo mesmo assim a fachada da Câmara com elevada carga

representativa.

Ainda no ano de 1819, o mesmo em que a Câmara ocupou a casa à Praça

Nova, é elaborado um projecto78 de ampliação para as novas instalações por João

Francisco Guimarães. Tal projecto criava uma novo acesso aos Paços do Concelho

desde a rua dos Três Reis Magos, ao lado da capela homónima. O frontispício, de

dois níveis, coroados por frontão e com aparelho rústico no pano de entrada, visava

enobrecer a frente que a parcela do edifício da Câmara possuía para a dita rua. Por

razões que se desconhecem, talvez prendendo-se com questões económicas, o

projecto não foi logrado, ficando o registo da ambição ainda mais reformuladora da

casa em função do novo desígnio que se lhe afigurava.

77 No seu lugar chegara a estar previsto, no primitivo projecto de adaptação, uma jarra de pedra.VITORINO, Pedro – O Porto da Praça Nova. Porto: Marânus, 1940. p.8. Cf. acerca da autoria da estátua BASTO, Artur de Magalhães Basto – Os diversos Paços de Concelho da Cidade do Porto. Porto: Gabinete de História da Cidade, 1937.p. 52 com VITORINO, Pedro – O Porto da Praça Nova. Porto: Marânus, 1940. p.10. 78 A.H.M.P., Livro de plantas 2, nº. 9 a 11.

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Fig. 20 – A.H.M.P., Livro de Plantas 2, nº 9. A ampliação planeada apresenta uma configuração neopalladiana no seu frontispício.

A utilização da casa Monteiro Moreira pela Câmara viria a requerer, pelos

tempos fora, algumas adaptações79, chegando a culminar na vontade em adquirir a

vizinha casa nobre a poente, em 30 de Junho de 185980. A mesma traduzir-se-ia

mais tarde na compra, o que compunha, em definitivo, o cenário cívico e

institucional à Praça Nova, iniciado com a migração dos serviços minicipais em

1819.

79 A.H.M.P., Livro 109 de Vereações, fl. 25. 80 A.H.M.P., Livro 116 de Vereações, fl. 127v.

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3. Da Praça Nova à Praça de D. Pedro

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3.1 – Enquadramento

A instalação dos Paços de Concelho à Praça Nova havia dado um novo lugar

cívico à cidade, no sentido de ideia agrupadora de simbolismo e representatividade,

substituindo a cidade velha pela Praça fora das muralhas. Será na varanda da

Câmara que em 24 de Agosto de 1820 a Junta Provisória do Governo Supremo do

Reino é proclamada, com o encargo de convocar as cortes para elaboração da

constituição.

O Porto era pioneiro, e o restante do país aderiria nas semanas que se

seguiriam, num crescendo despique entre liberais e absolutistas que passaria pelo

cerco do Porto e pela enfatização histórica de D. Pedro IV, trazendo mudanças

toponímicas à Praça. O triunfo liberal consuma-se em 1834, ocasionando a extinção

das ordens religiosas cujas repercussões far-se-iam sentir na Praça Nova, o espaço

cívico de um Porto cada vez maior e mais numeroso, uma cidade que deixaria de

estar presa ao rio e se expanderia para norte a rumo ao mar, e onde o comércio de

rua esboçava cedências aos novos espaços comerciais que apareciam.

Fig. 21 – A ‘Planta redonda’ de George Balck, de 1813, fixa o Porto de inícios de novecentos, em que as expansões da cidade para norte, nascente e poente relegam a malha rural para segundo plano. Na área central da planta, a Praça constituía local priveligiado face às possibilidades viárias na época.

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3.2 – A extinção do convento do Oratório.

Por ocasião do cerco do Porto, o convento da Congregação do Oratório e sua

igreja foram utilizados para fins inusitados – a sua igreja serviu de hospital de

sangue e o convento de arsenal de guerra. A remoção da pólvora, em Julho de 1834,

armazenada no ‘arsenal militar dos congregados’, e depois transportada para o paiol

da Afurada, fora das primeiras preocupações tidas com o então extinto convento,81

enquanto que a igreja em Abril desse ano regressava ao culto, sendo designada

desde então como Igreja de Santo António dos Congregados. As restantes medidas

para com o imóvel seguir-se-iam, sendo a demolição do pátio de acesso frontal ao

extinto convento delineada em auto de vereação,82 para construção de nova

escadaria ‘de pedra e de balaustres’, segundo estipulado dias depois.83

Em 1837 é enviada à Câmara um risco da fachada designado ‘planta do

edifício dos extintos congregados que faz frente para a Praça de D. Pedro, pelo qual

se devem regular os arrematantes, a fim de ver se a Câmara o aprovava’,84 o que

viria a acontecer, naquilo que conduziria ao posterior fraccionamento da fachada.

No seguinte ano, num ‘ofício da Admnistração Geral remetendo a planta da

alteração e regularidade que deve ter a frente do extinto convento dos congregados

sobre a Praça de Dom Pedro, a fim de que a Câmara interponha um parecer a

respeito da mesma planta, deliberou-se que o arquitecto da cidade fosse ouvido a tal

respeito, expondo a conveniência ou defeitos que a planta levasse’.85

Nesse ano é lançada a proibição das fábricas de tabaco dentro da cidade,

impedindo que viesse a ser instalada uma fábrica no extinto convento dos

Congregados, o que já revela o cuidado em proteger a Praça. No fim deste ano,

outro ofício da Admnistração Geral, remetia ‘a planta da frente do edifício dos

congregados para a Câmara dar a sua opinião, tendo em conta as reflexões

81 A.H.M.P., Livro 34 de Próprias, fls.311 e 320. 82 A 31 de Outubro de 1836. A.H.M.P., Vereações 107, fls. 213v e 214. 83 A 4 de Janeiro. Idem, fl.232v. 84 Idem, ibidem, fl. 272. 85 A.H.M.P., Vereações 108, fls. 90v e 91.

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expressas,86 o que regista o controlo municipal sobre o destino a conferir à antiga

frente conventual.

Quando em 1842 dava-se a ‘continuação da obra da Praça de D. Pedro junto

do edifício dos extintos congregados’, já este possuía portas rasgadas no nível

térreo, onde os lojistas queixavam-se então dos trabalhos em curso.87 Estas lojas

eram arrendadas ‘por conta da Fazenda Nacional’ e criavam uma relação de

utilização da Praça radicalmente distinta da anterior.

Em 1843 o nome de Manuel José Duarte Guimarães ligava-se à

‘reedificação da propriedade dos extintos congregados’ ao afirmar, em carta

redigida à Câmara, pretender continuar a obra em conformidade com a planta em

poder da Câmara,88 obra que viria a alterar significativamente a fachada voltada á

Porta de Carros, namesma frente em que a ampliação sofrida pelo convento em

finais do século anterior sofreria acréscimo de piso no topo, ocultando-se o seu

frontão e sendo arrendada para habitação, com alteração nos vãos térreos que

serviriam comércio.

É neste contexto que a Junta das Obras Públicas cria em 1844 dois

prospectos distintos para a frente do extinto convento à Praça D. Pedro. O

preterido89 (embora recebesse aprovação) demarcava-se por ter mais um nível nas

extremas e cinco águas-furtadas na cobertura. O desenho seleccionado90 trazia o

menor número de alterações à fachada, demarcando desde logo os lotes futuros.

No seguinte ano de 1845, a Câmara decide enviar um ofício a ‘S. Ex.ª o

Governador Civil, pedindo-lhe a planta do prospecto do edifício que foi dos extintos

congregados e que o falecido proprietário tinha adoptado seguir, para à face dela se

combinar com a que apresenta a viúva.’91 de Manuel Guimarães. Foi neste ano que

se realizaram grandes obras no extinto convento que faceia a Praça.92 De tais obras

terá resultado a subdivisão do edifício em parcelas de habitação, as quais, pela sua

autonomia, viriam posteriormente a receber revestimentos distintos e alguns

86 Idem, fl. 125v. 87 A.H.M.P., Vereações 109, fl.354v. Neste ano, o campanário do extinto convento for a demolido. 88 A.H.M.P., Plantas de Casas 7, fl.154v. 89 A.H.M.P., Livro Plantas 3, nº2. 90 Idem, ibidem, nº3. 91 A.H.M.P., Vereações 110, fl.168v. 92 BASTO, Artur de Magalhães – O Porto do Romantismo. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1932. p.217.

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aditamentos na cobertura, o que contribuiu para o fraccionamento da leitura

horizontal do frontispício para a Praça de D. Pedro voltado, já desligado do interior

da igreja que, em 1866, via serem anunciadas duas novas torres,93 das quais apenas

uma seria concretizada, no ano seguinte. As frentes conventuais para a Praça e a

Porte de Carros haviam-se convertido em habitação, com comércio no piso térreo,

gerando uma relação corpórea nova com a Praça.

Fig. 22 – A.H.M.P., Livro de Plantas 3, nº 2. O prospecto, preterido embora viesse a receber aprovação, respeita a matriz de vãos da anterior frente conventual, acrescentando-lhe portas no piso térreo e acrescentando um nível nas extremas, entre as quais uma série de águas-furtadas preenche o vazio, tudo sob uma simetria que é mantida.

Fig. 23 - Fig. 22 – A.H.M.P., Livro de Plantas 3, nº 2. O desenho do alçado apresenta-se muito próximo ao que terá sido a anterior frente conventual. Revela-se menos interventivo que o anterior, apenas dilata as anteriores aberturas do nível térreo para portas todas elas iguais, registando-se na mesma o traçado simétrico. 93 O Comércio do Porto, ano XIII, nº 192, p.2.

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3.3 - A extinção do convento de Santo Elói

Com os liberais no poder, no momento da extinção das ordens religiosas, a

obra94 de redefinição conventual confrontante com a Praça estava ainda inacabada,

com os prejuizos para o prospecto público que tal representava para a Praça. Gorada

a função para a qual estivera a ser construída, e uma vez que a massa construída era

já enorme, havia que formular um novo programa de ocupação e concluir a obra.

É nesse sentido que uma portaria do Ministério dos Negócios do Reino ordena

uma comissão no sentido de examinar o convento, de acordo com a Admnistração

do Correio, para ser averiguada a possibilidade de instalação do dito Correio no

convento. A primeira observação realizada 95 indica a avultada despesa que isso

acarretaria, pelo que as casas do rebelde José Cardoso de Carvalho, também

examinadas, melhor serviriam esse fim. Dias depois, uma nova observação surge no

sentido de que o convento ‘pode muito bem ser aproveitado pelo estado com maior

vantagem sua para Quartel da Tropa’.96

Em Novembro de 1832, era dado conta de que ‘em vista da grande ruína, que

ameaçava a torre da igreja e convento abandonado de Santo Elói, por se achar aberta

por todos os lados, se demolisse até à sua cimalha da mesma torre’97. Era já

conhecido há vários anos o plano de abertura da rua que faria a ligação entre o

Largo de Santo Elói e a Rua das Flores, pelo que a frente conventual para este largo

seria assinalavelmente alterada pelos alinhamentos preconizados.

Posteriormente, o edifício cuja obra se encontrava por concluir seria adquirido

por Manuel Cardoso dos Santos, um dos contratadores de tabaco da cidade já

envolvido anteriormente em negócios de aquisição com o Cabido da Sé98, sendo-lhe

vendida a obra por ‘oitenta contos de reis, impondo-lhe a obrigação de o

concluir segundo o antigo projecto.’99 A obra prosseguiria, embora sem os

94 Acerca das obras do convento foi encontrada referência a um ‘Livro da Arca das Obras do Convento’, por sua vez não localizado em nenhum dos arquivos trabalhados. A.N.T.T., Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Convento de Santo Elói do Porto, cx.2245, nº 319, fl.10. 95 A.N.T.T., Ministério do Reino, cx.346, mç.260-261, nº108. 96 A.N.T.T., Ministério do Reino, cx.346, mç.260-261, nº165. 97 A.N.T.T., Ministério do Reino, cx.346, mç.260-261, nº354. 98 A.D.P., I/34/5, cx.90, Livro 396, fl. 127 e 128. 99 BASTO, Artur de Magalhães – O Porto do Romantismo. Coimbra, Imp.Universidade, 1932, p.29.

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espaldares existentes nas extremas da platibanda do principal prospecto, e já com

um óculo no tímpano do frontão.100

Com o decorrer dos trabalhos, em 1840, Manuel Cardoso dos Santos decide

ampliar a edificação no lado poente, apresentando um risco101 para um alçado

justaposto ao topo da obra aí em construção, e com a qual se harmonizava no

alinhamento dos vãos e nas tipologias, formando como que uma extensão do alçado

que a obra então em curso traçaria.

Os trabalhos de conclusão do edifício ultimavam-se em 1851102 , edifício esse

que viria a ser conhecido como das Cardosas, em virtude da morte de Manuel

Cardosos dos Santos que deixava a viúva D. Laura e sua filha como proprietárias103.

Possuindo no seu tardós um corredor público designado como cerca dos lóios,

ao qual Armando Pimentel faz referência104 aludindo à data de 1860, o edifício

notabilizava-se pela sua inserção na Praça, escala e estética depurada, vindo a

albergar, em todo o seu piso térreo, dos estabelecimentos comerciais mais em voga

na época.

3.4 – Natividade: a fonte, o mercado e a demolição.

A forte acção exercida pelo crescimento da cidade nas suas zonas centrais,

com o aumento do tráfego e da área urbana, obrigaria a alterações no seu

envelhecido tecido urbano. A demolição da Porta de Carros em 1827105 motivada

pelas exigências do tráfego seria o mote para a demolição de uma importante

estrutura na Praça D. Pedro – a fonte da Arca. Esta havia-se convertido num

importante local de devoção a N.ª S.ª da Natividade, a par de acolher no seu interior

100 A identificação das diferenças face à fachada preconizada tem por base o desenho de Joaquim Vitório Vilanova. 101 A.H.M.P., Livro de Plantas de Casas 4, fl.192. 102 A.H.M.P., Livro de Plantas de Casas 14, fls. 35 a 37. 103 AURORA, Conde de– Itinerário Romântico do Porto. Porto: Domingos Barreira, 1962, p. 29. 104 PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: Renascença Portuguesa, 1916. p.124. 105 COSTA, Américo - Dicionário Corográfico de Portugal Continental e Insular. Porto: Civilização, 1947. vol. IX, p. 445.

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e exterior variadas barracas de venda, atraídas pela localização e importância do

edifício. Para melhor compreensão da sua configuração, é aqui transcrito um excerto

do manuscrito oitocentista106 que exprime a arrumação da fonte da Arca antes de

uma demorada demolição:

‘Sobre este segundo corpo se levantava no meio da semicircular frontaria hum

grande nicho, ou oratório todo de pedra lavrada, aonde estava colocada a imagem de Nossa

Senhora da Natividade, donde provem o mome, porque era conhecido este estabelecimento.

Este oratório estava adornado pela parte exterior com duas colunas de granito, as quais

assentavam aos lados de uma varanda de ferro, que tinha nos extremos duas grandes

lanternas com luzes constantemente alimentadas pela devoção dos fieis; o cimo deste

oratório era rematado por terceira cornija que de tão alta posição vinha em forma curva,

como deslisando, finalizar nas extremidades do frontispício, que posto não ser e quase

sempre estar a alvenaria toda caiada a branco com mistura das duas cores preta e vermelha,

das quais tanto uso fazem os nossos trolhas, não deixaria de ser interessante, por indicar o

gosto singular de nossos antepassados, que tendo talvez a lembrança de formar hum bazar,

destinaram a principal parte dele para oratório e colocação de imagens, pois não era só a da

Padroeira que ali estava, porem muitas outras de barro mal trabalhadas, pousadas cá e lá em

toda a extenção da cornija final, e mesmo da segunda, e de tal forma dispostas que

mostravão ser o mau gosto o presidente das decorações ou ornatos desta obra.

As lojas eram dispostas nas costas desta frontaria ficando divididas em duas alas:

uma encostada a ela, e por conseguinte á parte do sul, e a outra á parede exterior do edifício

recebendo toda a luz por frestas praticadas no fundo ou costas das mesmas lojas, e por

clarabóias que igualmente a davam ao corredor, que separava pelo meio estas duas alas, e

para o qual se entrava por duas portas abertas nos dois extremos desta galeria e quase a par

das duas cancelas de ferro acima lembradas: eram adornadas estas portas com pirâmides de

pedra, iguais às que guarneciam a parte superior de todo este bazar; das portas havia chaves

dobradas, ficando huma para a serventia e uso dos lojistas, e outra para o senado da

camara.’

Em Fevereiro de 1833 havia sido aprazado já o dia ‘para se começar na

demolição das pequenas casas, lojas ou barracas que existem dentro, fora e em volta

do sítio dito da Natividade na Praça Nova’.107

106 BPMP, Ms. 1295 107 A.N.T.T., Ministério do Reino, cx.346, mç.260-261, nº 659.

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‘Demolido finalmente em Fevereiro de 1833 este antigo edifício, fonte,

bazar e mais pertences, depois de tantos pleitos, veio a Camara a conseguir esse fim,

que posto ser justo e de utilidade geral tanto se demorou, influindo até nesta

demolição as revoluções políticas porque tem passado esta invicta cidade.’108

‘As três carrancas desta fonte foram levadas para a da Praça de Santa Teresa.

E ali existem talvez para sempre, faltando uma delas que ignoro o caminho que

levou, e as duas colunas do oratório estão presentemente no quintal de um particular

nos suburbios desta cidade, e assim acabou um edifício conhecido por todos os

portugueses’.109

Fig. 25 – Planta da Fonte da Natividade publicada na Borboleta Constitucional, nº 147, 1822, p.4.. A antiga Fonte da Arca rodeada por tendas de comércio e corredor para seu acesso, era já uma amálgama indistinta na paisagem da Praça. Na esquerda encontra-se assinalada a mancha ocupada por casas particulares que formavam com as construções a poente a rua de Entre Vendas.

Assim terminava a presença na Praça desta construção, fonte onde o

ambiente bucólico de setecentos, incrementado pelos assentos e pelo ambiente

fresco que as sombras proporcionavam, daria lugar a um frenezim comercial em

torno das lojas em seu torno constituídas, sem nunca deixar de cumprir o seu

desígnio original – o de fonte. Secundarizado pelo tanque da Praça e sua eficácia,

pois o acesso á água por homens e animais era francamente melhor, à fonte da

Natividade, velhinha fonte da Arca, estava ainda presente uma estética original dos

finais de seiscentos.

108 BPMP, Ms. 1295, fl.123. 109 BPMP, Ms. 1295, fl.125.

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3.4 – Em busca do monumento.

O monumento, lugar de significação, constitui uma reivenção renascentista

para a cidade e será nas praças que ele encontrará o posicionamento adequado para

o seu sentido conceptual e plástico. Por natureza evocativo e de pendor memorial,

no caso da Praça em estudo, mais político que belicista, o monumento sofrerá várias

tentativas de inserção, que o espírito da época buscará traduzir escultoricamente, no

caso, o marco que a revolução liberal constituiria.

Havendo triunfado a revolução, iniciada no Porto em 1820, o governo

determina numa portaria de Dezembro desse ano ‘que no lugar mais acomodado da

dita Praça se levante um monumento executado em pedra com desenho que melhor

possa exprimir tão grande acontecimento’. Para a presente missão, a Camara

incumbe o artista Joaquim Rafael, que meses depois, já em 1821, apresenta o

primeiro desenho.

Um folheto existente na Biblioteca Nacional110 intitulado ‘Descrição do

modelo para o monumento que deve erguer-se na Praça da Constituição da Cidade

do Porto em memória do glorioso sucesso de 24 de Agosto de 1820’ transmite a

ideia do artista.

‘O monumento em toda a sua elevação tem 82 palmos; a configuração da sua planta

é circular, de circunferência de 110 palmos; nesta assentam seis degraus guarnecidos por

uma gradaria alta, que é repartida em distâncias iguais por três pilastras com os seus

remates; esta grade serve para adornar e defender ao mesmo tempo a obra do monumento, a

qual se acha modelada da forma seguinte.

A sua primeira base é um soco redondo, que recebe sobre o seu centro um pedestal

dórico. O soco é cingido por uma liga, para se gravarem na mesma os nomes de todos

aqueles que forem declarados beneméritos da Pátria.

O pedestal sustenta uma pirâmide egipcia de três faces, em forma de agulha; nas

três faces desta pirâmide e sobre o pedestal encostam os escudos dos três Reinos Unidos –

Portugal, Brasil e Algarve. (...)

A pirâmide na suia altura aparece dividida por uma faixa que tem a seguinte

inscrição – Religião, Constituição, Rei – e serve-lhe de remate um radioso círculo.’

110 B.N., cod.10706, fl.247.

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Em Agosto do mesmo ano – 1821 – surge um novo projecto da

responsabilidade de João Baptista Ribeiro. Este propunha ‘no meio da Praça uma

escadaria quadrangular; no patamar dela uma grade de bronze cercando um

pedestal, ornado competentemente, sobre o qual se alçarão as estátuas dos seis

militares’.111 Afirmava ainda prescindir ‘do uso de obeliscos, pirâmides, colunas e

outros monumentos equívocos e cheios de ambiguidade’. O artista censuraria na

imprensa o trabalho de Joaquim Rafael que chegaria a receber crítica impressa de

Garrett e alteraria o seu projecto, apresentando um outro em Novembro.

Mas em Agosto de 1821 o mais relevante foi o breve monumento instalado

na Praça, comemorativo do primeiro aniversário da Revolução, do qual se

transcreve uma descrição encontrada na imprensa.112

‘Logo que anoiteceu se começou a acender a magnífica peça elevada no centro da

Praça da Constituição, cuja particular descrição é a seguinte.

A Cidade do Porto para mostrar o apreço em que tem este dia, simbolizou-se numa

torre em comemoração do adorno de suas Armas.

Fechou-se por uma teia de madeira de altura de meio corpo, um espaço de 70

palmos em quadro. Dentro deste se formou um palanque de 10 palmos de altura com 58

palmos de frente. Foi sobre esta base que se levantou o rústico da torre de altura de 30

palmos, com uma porta para cada lado e sobre que havia uma tarja em que se escreviam

dísticos alusivos ao objecto da Regeneração.

Sobre o rústico havia uma varanda em cujos ângulos sobre pedestais, estavam em

vulto as figuras das quatro Virtudes – Justiça, Fortaleza, Prudência e Temperança. Estas

figuras eram bem distintas pelos emblemas que empunhavam: a balança, a cabeça do javali,

o espelho e o freio.

Em cima do rústico se elevava uma base de 15 palmos de alto, como soco em que

assentava o chão do Templo da Memória que tinha de vão 25 palmos e 15 de cúpula. O

templo tinha oito portas ou arcos, a que serviam de ornato dezasseis colunas da ordem

jónica, sobre que assentava o zimbório em perfeito semicírculo, com oito janelas redondas

correspondentes aos vãos dos arcos. Rematava toda a peça o escudo das Armas Reais

Portuguesas com altura de 10 palmos, fazendo o geral da altura de toda a peça erigida 90

palmos.’

111 Patriota Portuense, nº 180, p.2. 112 Borboleta Constitucional, nº 173, p.7.

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Fig. 26 – O monumento efémero levantado na Praça, da autoria de Joaquim Rafael, de elevadas dimensões, conseguia, com sua escala e sentido polarizador, constituir uma elemento de diálogo arquitectónico com as restantes frentes.

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Todo o artefacto desta máquina era de madeira forrada de panos pintados e

transparente, de maneira que pelo depósito de muita luz que havia em mecanismo interno,

apareciam as cores de que foram pintadas as diversas configurações desta peça, cujo claro

escuro e engraçado desenho se devem ao conhecido professor o Sr. Joaquim Rafael,

concorrendo em grande parte para o bom efeito optico a construção do madeiramento pelo

hábil Mestre o Sr. Manuel Moreira da Silva, tudo debaixo do risco esboçado pelo cidadão o

Sr. António Luís d’Abreu.’

Em 1822 a Camara decide abrir concurso para que fossem apresentados os

trabalhos para o monumento a erguer na Praça para o monumento. Em sessão da

Camara113 são apresentados dois projectos de Joaquim Rafael e um de João

Francisco Guimarães, também portuense, sendo seleccionado o primeiro de

Joaquim Rafael.

Em seguida, é aprovada na Camara uma planta114 intitulada ‘Plano da Praça

da Constituição levantado para designar o lugar em que se há-de colocar o

monumento designado a perpetuar o fausto dia 24 de Agosto de 1822’, da autoria de

Joaquim da Costa Lima Sampaio, na qual se ‘deve levantar o monumento aprovado

e mandado executar.’ A planta apresenta a Praça envolvida por uma geometrização

desenhada de elevada regularidade, representando as linhas de vista tidas por quem

se aproxima da Praça. Demarca o ponto central desta como o escolhido para a

colocação do monumento. É lançada na data a que a planta alude a primeira pedra

do monumento, que não chegaria a ser concluído, sendo os seus alicerces

desmantelados em 1823, em virtude da queda do regime liberal.

Nos anos seguintes, não se ouviria mais falar em monumento para a Praça,

regressando esta vontade depois de 1834, com a vitória final dos liberais. Nesse

período e ‘para solenizar o aniversário de D. Pedro, levantaram os liberais uma

coluna de pasta de cartão, de noite iluminada internamente. Este canudo

permaneceu meses depois.’115

113 A.H.M.P., Vereações 103, fl.60. 114 A.H.M.P., Livro de Plantas 1, nº 106. 115 Passos, Carlos de – Guia Histórico e Artístico do Porto. Porro: Figueirinhas, 1935.

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Fig. 27 – A.H.M.P., Livro de Plantas 1, nº 106. A planta de Joaquim da Costa Lima Sampaio, mostrando a localização central para o monumento, vendo-se bem o desencontro de planos então existente na frente poente (em cima), separados pela viela Polé. A planta apresenta uma matriz de geometria aplicada sobre o espaço, alicerçada na regularidade da frente dos Paços do Concelho (á direita), frente do extinto convento dos Congregados (em baixo) e alinhamento do tanque. Evidenciava-se desde logo o estorvo da Fonte da Natividade na regularidade espacial em redor do monumento.

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Já em 1837, aprova-se116 que seja levado a cabo um novo monumento dedicado

a D. Pedro IV, herói do cerco à cidade e líder da derradeira vitória liberal. Este seria

composto por uma ‘coluna colossal’, sobre a qual estaria ‘uma estátua do Sr. D.

Pedro, a qual será de bronze’. O monumento ‘será erigido nesta cidade, na Praça de

D. Pedro, colocado ao centro, e deixando-se simplesmente em volta o necessário

espaço para o trânsito, se colocará em toda a extensão uma respeitável gradaria, e o

recinto será guarnecido de passeios largos, de arvoredo baixo, taças e de tudo que

possa embelezar um tão respeitoso lugar.’ O dispendioso da operação acabaria por

adiar esta vontade da cidade, que só decadas depois regressaria com novo fôlego

para erguer em definitivo um monumento na Praça.

3.6 – As reconfigurações da Praça.

Fig. 28 – Planta Topográfica da Cidade do Porto, de Joaquim da Costa Lima Sampaio, de 1839. Aspecto da envolvente à Praça de D. Pedro. 116 A.H.M.P., Vereações 107, fls.264 e 264v.

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Em 1839, quando é aprovada a planta para a Praça D. Pedro117, esta estava já

cercada de construções que a delimitavam assim como aos arruamentos que a

ligavam à cidade. O seu enquadramento urbano era já de maior densidade, menos

difuso, com a rua D. Pedro118 a ligá-la directamente a norte, e a abertura da rua Sá

de Bandeira a ligá-la à rua de Bonjardim, arruamentos que reforçavam a estrutura

viária que envolvia já a Praça.

Depois de três anos antes ter sido ‘calçada em volta e em quadro na forma

que foi verbalmente declarado ao Mestre das Obras’,119 a Praça nos anos seguintes

recebe várias beneficiações em virtude da sua localização de excepção. Com o

edifício do antigo Convento dos Congregados, os Paços do Concelho e a ampliação

do extinto Convento de Santo Elói, a Praça apresentava uma traça arquitectónica de

assinalável interesse onde predominava a horizontalidade e o desenho depurado das

fachadas. Restava a poente uma frente de planimetria irregular cujo alinhamento o

tanque de água parecia alongar.

Gorada que fora o projecto de António Pinto de Miranda composto de

‘planta baixa da praça’ e ‘prospeto dos quatro lados da mesma’120 de finais de

setecentos, a Praça não detinha uma total consonância arquitectónica com a sua

regular quadratura, na qual os Paços do Concelho assumiam, pela singularidade na

fachada e na função, uma maior expressividade.

A planta121 desenhada em 1839 por Joaquim da Costa Lima Júnior, reiterava

a geometria que em 1836 a calçada em volta da praça havia estabelecido. Esta

geometrização saía reforçada agora por arborização que delimitava uma placa

central. A esta plataforma estava subjacente uma organização do trânsito em redor,

já então intenso, e que articulava a praça com os arruamentos envolventes como que

prolongando-os em redor dela. Em simultâneo, a praça era dotada de um espaço

central destacado da condição viária a que esta estava sujeita – um lugar

117 A.H.M.P., Vereações 108, fl.190. 118 Constituía o alargamento da rua do Bispo. 119 A.H.M.P., Vereações 107, fl.150v. 120 MEIRELES, Maria Adelaide – Catálogo dos Livros de Plantas. Porto: Arquivo Histórico da Câmara Municipal do Porto, 1982. p.18. 121 A.H.M.P., Livro de Plantas 2, nº 79.

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Fig. 29 – A.H.M.P., Livro de Plantas 2, nº 79. Planta e perfil por Joaquim da Costa Lima Junior, em 1839. A Praça deixa de ser o vazio espacial entre fachadas e torna-se um objecto produto do pensamento oitocentista. Estética e ordenamento do tráfego conjugados, dando a placa central, nova materialização da Praça.

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intencional, suporte do acontecimento e da manifestação urbana, demarcado

conforme o perfil sob a planta acaba por indicar no mesmo documento. Este

projecto afasta a Praça da ideia de terreiro, atribuindo-lhe uma nova e interior

fachada arbórea, que pela sua disposição conduzia a uma leitura mais regular do

vazio urbano que constituía a própria Praça. Regista-se no início de 1840 que

‘autorizou-se o senhor vereador fiscal para mandar plantar de novo as árvores na

Praça.’.122 É um tanto ou quanto no seguimento destes trabalhos que em 1842

´deliberou-se também que o centro da Praça D. Pedro fosse formado de argamassa

de pedra miúda e saibro, segundo a leitura de macadame’.123

Em forma de uma providencial organização espacial, e face ao valor já

condensado no interior da Praça, no mesmo ano ‘deliberou-se pôr-se em praça um

gradeamento na Praça de Dom Pedro a quem por menos o fizesse segundo modelo

que existe nos Paços do Concelho, com a diferença que em lugar de lanças deveriam

ser pinhas conforme se achava designado em parte do mesmo modelo, e com a

condição de serem mais elevadas’.124 Esta formalidade camarária de rodear a Praça

com o gradeamento com abertura nos quatro ângulos, ‘acordando-se que a pintura

fosse de verde bronze’,125 retrata a estima126 com que a Câmara, após as

beneficiações, encarava a Praça de Dom Pedro, espaço cívico da cidade, ao qual

seguir-se-ia um pensamento de conforto ao ‘mandar fazer bancos de ferro’,127 no

ano seguinte, em 1844.

Em 1851 ‘resolveu-se que no centro da Praça de Dom Pedro se construísse

uma cruz de pedra de granito na configuração chamada de Santo Inácio,

atravessando a praça, e que a circunferência desta fosse calçada a mosaico, e os

122 A.H.M.P., Vereações 109, fl.6. 123 Idem, fl. 369v. Macadame consiste num sistema de pavimentação por meio de brita e saibro compactados através de um cilindro, sendo o nome originário do engenheiro escocês J. MacAdam (1756-1836). Acerca das críticas feitas na época ao macadame ver o periódico A Carapuça, Outubro de 1851, p. 33 a 35. 124 A.H.M.P., Vereações 110, fl. 55v. 125 Idem, fl.99. 126 Em Maio de 1848, a Câmara manda colocar ‘duas sentinelas rondantes nos lados da Praça de Dom Pedro para manter a limpeza e polícia necessária’. A.H.M.P., Vereações 111, fl. 68v. 127 A.H.M.P., Vereações 110, fl.110.

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ângulos em vãos do centro feitos de relva.’,128 obras que em 1852 progrediam e em

que ‘as cintas de mosaico laterais estavam quase concluídas.’

3.7 – A concretização do monumento

A obstinação demonstrada pela cidade do Porto em levantar um monumento

ligado à causa liberal durava desde 1820129, ano em que nela o país veria aparecer o

Liberalismo130. Sucederam-se várias tentativas, goradas por razões de vária ordem

(da reacção miguelista à falta de verbas), no levantamento de um memorial que a

partir dos anos 30 é já pretendido para D. Pedro IV. Seria num ambiente de maior

consolidação política e de marcas de um determinado progresso (realizava-se no

Porto a Exposição Industrial em 1861), que a ideia de erguer o monumento ganhou

consequência através de um movimento expontâneo de cidadãos131, que conseguiria

mobilizar a Câmara e demais forças para materializar aquilo há muito esperado

nesta cidade132.

Nomeou a Câmara a 20 de Junho de 1862 que se instala-se uma comissão

auxiliadora, ‘com todos os poderes, não só para approvar a planta do dito

monumento, mas tambem para designar o local e promover uma subscripção’133, o

que atraiu a atenção do meio artístico não apenas da cidade, beneficiando tal da

propaganda que o acto de lançamento da primeira pedra, a 9 de Julho seguinte, veio

a constituir134.

Desta forma, são apresentadas de modo voluntário algumas propostas, das quais

uma chegou até nós e que, embora sem qualquer vínculo contratual, apresenta

conteúdos que viriam a apresentar-se bastante significativos. Em menos de um mês

após a cerimónia de lançamento da primeira pedra, Joaquim Antunes dos Santos,

128 A.H.M.P., Vereações 112, fl.120v. 129 Borboleta Constitucional, nº 137, p.1. 130 É proclamada no Porto, a 24 de Agosto, a Junta Provisória de Governo, com a missão de convocar as cortes que iriam elaborar a Constituição, num movimento a que Lisboa associar-se-ia a 15 de Setembro. SARAIVA, Hermano José – História de Portugal. Sintra: Europa-América, 2001, p.586. 131 B.P.M.P., Reservados, Ms. 1285, fl.95. 132 ‘mais de trinta anos na esperança de chegar a ocasião de se considerarem quites dessa pesadíssima dívida’, op. cit., fl.144. 133 Idem, Ibidem, fl.103v. 134 Idem, fl.102.

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‘com officina de canteiro em Lisboa e depozito no Porto’135 e Pedro Carlos dos

Reis136 ‘estatuario e socio de merito da Academia das Belas Artes de Lisboa’,

decidem então ‘oferecer á apreciação dos portuenses’ um projecto de monumento a

Dom Pedro IV, ‘com o modelo junto na escalla de um por desasseis’. O presente

texto137, de que citamos a descrição do modelo, constitui um primeiro programa

formal para a estátua de D. Pedro IV então pretendida e que seria mais tarde alvo de

concurso.

‘Estatua equestre do libertador, fundida em bronze, o qual está revestido de

todas as insignias de general, coroado de louros, e brandindo a espada em defeza

das prerrogativas constitucionaes. Na frente do corpo do pedestal um baixo relevo

com o amor da patria, apresentando á invicta cidade do Porto o estandarte da

liberdade, e a agricultura, o commercio e a industria, offerencendo-lhe o seu franco

auxilio para o triumpho da causa que disso da claramente sustento no memoravel

cerco.

No lado opposto, as provincias do reino, interpretes dos sentimentos liberaes dos

seus habitantes, e tendo em subido apreço os feitos heroicos do Mindello, coroam a

constituição.

Nas faces lateraes dois tropheus de armas, recordando as acções valorosas do rei

soldado. No pedestal inferior lê-se a seguinte inscripção em letras de bronze

ao immortal

Dom Pedro IV, Duque de Bragança

os portuenses liberaes

Uma gradaria de ferro fundido colocada sobre um passeio de 1,10m de

largura, fechará o recinto do monumento.

Aprezentamos a estatua equestre por entender-mos que é mais nobresa e

mais condigna de um imperador, e attendendo a que a cidade do Porto já tem uma

estatua pedestre, e que pela difrença do preço não valle a penna aprezentar o

valoroso monarcha a pé, mas se por circunstancias for preferivel a estatua pedestre

135 A.H.M.P., 4321 (16) fl.1. 136 Idem, Ibidem. 137 A.H.M.P., 4321 (16).

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damos tambem um preço servindo este mesmo projecto se com o tornar defeituoso

ou acanhado tendo para esse fim que sofrer as alterações necessarias.

Os abaixo assignados tomam sob sua responsabilidade a execução, e bom

desempenho do prezente projecto pela quantia de quarenta e cinco contos de

reis, e sendo a estatua pedestre trinta e oito contos de reis, e com as

condições que serão reguladas n’um contrato especial.’

Apesar de bem sucedida na defesa da variante equestre, e do canteiro ter

vindo a ficar ligado à execução do monumento, a proposta não passaria do papel,

limitando-se a constituir uma espécie de estudo programático que viria a influenciar

o programa de concurso, a seguir transcrito na totalidade, que a Câmara lançou

cerca de um mês depois138.

‘Tendo a cidade cidade do Porto resolvido erguer um monumento ao

immortal duque de Bragança o senhor D. Pedro IV, que perpetue a gratidão dos

portuenses á memória d’este grande rei, pela outorga da Carta Constitucional e pela

inabalavel constancia com que depois assegurasse á nação portugueza a fruição de

tão preciosa dadiva; e que recorde tambem o especial amor que a esta heroica

cidade merecera tão glorioso príncepe, que lhe legou o seu magnanimo coração: a

Camara Municipal do Porto conjuntamente com a comissão incumbida de a

coadjuvar no desempenho desta divida sagrada, convidam os artistas nacionaes e

estrangeiros que queiram propôr-se á execução do referido monumento, a

apresentarem-se ao concurso que se vai abrir para a adjudicação desta obra, com as

condições seguintes:

1º - O monumento constará de uma estátua equestre em bronze,

representando o immortal libertador, sobre um pedestal de pedra de lioz.

2º - Este pedestal, além dos ornatos de esculptura apropriados, terá nas

faces lateraes dous baixos relevos em marmore branco de Carrara, dos quaes um

representará o desembarque do mesmo principe nas praias do Mindello á frente da

expedição libertadora, e será o assumpto do outro a solemne apresentação á Camara

Municipal do Porto da urna que encerra o precioso legado.

138 O Comércio do Porto, 27 de Agosto de 1862, nº 197, p.3

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3º - O monumento será collocado na praça de D. Pedro, e toda a sua altura

desde o solo até á sua extremidade superior não excederá a 10 metros, nem será

inferior a 9.

4º - O custo de toda a obra, excluindo alicerce, grades de defeza e trabalhos

de collocação, não será superior á quantia de 30 000$00 réis.

5º - Os concorrentes apresentarão na secretaria da excelentissima Camara

Municipal dentro do prazo de 60 dias, a contar desde o 1º de Setembro até 30 de

Outubro inclusivé, os seus modelos de vulto em gesso, acompanhados da sua

respectiva descripção. As propostas serão feitas em carta fechada.

6º - Os modelos, incluindo as grades de defeza, supposto esta s que não

fiquem a cargo do concorrente, representarão o monumento nas proporções da

decima parte da sua ulterior execução.

7º - O artista que obtiver a adjudicação da obra terá de prestar fiança idonea

á perfeita execução do seu contracto, como no mesmo foi estipulado.

8º - A aprovação do modelo será feita por maioria de votos pela comissão

composta dos vereadores da excelentissima Camara Municipal e dos mais vogaes

da comissão auxiliadora.

9º - A adjudicação será feita em conformidade dessa votação por meio de

um contracto legal, celebrado entre o artista preferido e a excelentissima Camara

Municipal em sessão pública.’

Diz-nos a imprensa da altura que apresentaram-se quatro concorrentes, que

são identificados como ‘os srs. Fonseca, Amatucci e Almeida Costa, d’esta cidade, e

o sr. Calmels de Lisboa’139, aos quais se juntaria poucos dias depois o do ‘sr.

Azevedo’140, com propostas que viriam a ser avaliadas pela comissão, ficando os

modelos de gesso expostos no paço municipal. Seria a 22 de Novembro que a

comissão iria decidir qual o aprovado, ficando, aprovado o modelo numero do sr.

Calmels»141. Esta proposta, reunindo mais votos que o restante concurso, iria ser

seguida como que na íntegra por Calmels na execução do monumento. O escultor

apresentava-se inteirado de vários aspectos ligados à figura de D. Pedro IV, como

139 O Comércio do Porto, 5 de Novembro de 1862, nº258, p.2. 140 O Comércio do Porto, 24 de Novembro de 1862, nº274, p.1. 141 Idem, Ibidem.

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podemos aferir pela descrição que transcrevemos a seguir e que acompanhava o

modelo a concurso142.

‘Monumento a ellevar a gloriosa memoria de Sua Majestade

o senhor Dom Pedro IV

Duque de Bragança

Descripção do projecto nº

Um monumento commemorativo serve para transmitir á posteridade o motivo da

sua erecção. Ora qual era o sentimento que dominava as pessoas que primeiro tiveram o

pensamento d’erigir um monumento ao immortal Duque de Bragança? Era sem dúvida o

pagar um justo tributo de gratidão ao regenerador das liberdades portuguezas. Não he nem

ao Imperador nem ao Rei que elles quizeram levantar aquelle monumento, mas sim ao

immortal auctor da carta constitucional, aquelle que foi acclamado na praia do Mindello e

cuja entrada no Porto foi um verdadeiro triumpho.

Eis a razão que levou a adoptar a estatua equestre um trajo que recorde mais

particidarmente aquella epoca.

O monumento compõe-se, segundo os termos do programma, d’uma estatua

equestre e d’um pedestal ornado com dous baixos relêvos, as armas das casas de Bragança e

da invicta cidade do Porto.

A estatua esta collocada sobre um pedestal de estylo severo sem outro ornato alem

das armas de Bragança e das do Porto. Este pedestal assenta sobre um socco collocado

sobre um degráu ellevado sobre a plataforma.

Na disposição da architectura procurei o sahir da rutina ordinaria sem todavia

m’afastar das regras que os artistas da antiguidade nos legarão.

O baixo relevo, a direita da estátua equestre representa o momento em que Sua

Majestade, depois do seu feliz desembarque, entrega ao commandante dos voluntarios a

bandeira bordada pelas senhoras da cidade do Fayal. O da esquerda representa a entrega do

coração de Sua Majestade. Neste fui obrigado a afastar-me da verdade attribuindo o porte

142 A.H.M.P., 4321, espécie 26.

S. M. o senhor Dom Pedro IV achou-se representado com uniforme de Caçadores

5, trajando por cima, segundo o uso por elle adoptado durante o cerco do Porto, uma sobre-

casaca chamada polaca, com a mão esquerda dá a rédea ao cavallo que raspa no chão; e

com a mão direita apresenta a carta constitucional, seu principal tributo ao reconhecimento

national.

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d’uma urna ao coronel Pimentel com o commandante dos Caçadores 5 em logar do caixão,

porem a esculptura assim como a poesia, tem certas licenças que são permettidas quando

tem por objecto o tornar mais claro um facto, sobretudo quando se trata d’uma acção

historica que deve ser comprehendida por todos.

Achando-se doente quando o programa do concurso se publicou, só no 1.º de

Outubro pude dar começo ao meu trabalho; por este motivo o meu projecto esta em geral

um pouco incompleto, particularmente no que respeita ao esboço do baixo relêvo e as armas

collocadas sobre o pedestal.

As informações sobre o trajo da estatua equestre foram-me dadas por pessoas que

accompanharam S. M. o senhor D. Pedro na epoca do cerco do Porto.

No caso do meu projecto ser adoptado, qualquer erros de trajo, ou defeitos que me

forem apontados, serão emendados na execução.

Qualquer que seja a decisão da Comissão é indispensável que a mesma indique

d’um modo positivo qual é o retrato que ha de ser consultado ou copiado, para a execução

da cabeça da estatua equestre, por isso que existem diversos retratos de S. M. o senhor D.

Pedro que fazem entre si grandes diferenças.’

Sem adiantar muitos pormenores acerca da sua proposta, uma vez que

acompanhava um modelo em apreciação, a peça de Calmels limita-se a pouco mais

do que identificar algumas obrigatoriedades constantes do programa, a que o artista

fizera questão de demonstrar o seu cumprimento. Justifica a escolha do traje para o

estatuado, e descreve alguns detalhes do trabalho, a par de mostrar preocupação

quanto a certos aspectos de rigor, nomeadamente quanto ao traje e, sobretudo, no

que concerne á cabeça do monarca.

Celebrada a escritura pública, semanas depois, ‘a 18 de Dezembro de 1862,

relativa á obra d’esculptura do monumento’143, constituída por estátua equestre e

baixo-relevos, havia que acertar o modo como a obra do pedestal se processaria.

Nesse sentido, a Câmara decide ‘fazer a sua custa e do modo que melhor entender o

alicerce e obra d’architectura do pedestal, ficando comtudo obrigado o proponente a

dar o risco e a marcar as dimensões’144. Neste sentido, em carta dirigida ao

presidente da municipalidade145, Calmels afirma que, conforme fora convencionado

143 A.H.M.P., 4316, fl.227. 144 A.H.M.P., 4321, espécie 31. fl.1. 145 A.H.M.P., 4321, espécie 28..

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no momento em que fora chamado, ‘o snr. Costa Lima, architecto da Camara, seria

encarregado da parte architectonica’, onde, a par de ‘respeitar o talento deste

honrado artista’, diz que ‘não devia fazer proposta relativas a esta parte do

monumento’, comprometendo-se, entretanto, a ‘dirigir, de concerto com o Il.mo snr.

Costa Lima, 1º architeto da Ex.ma Camara, a collocação da estatua de bronze’146.

Para execução desta obra de pedraria foram abertas duas propostas em carta

fechada, sendo aceite a de Joaquim Antunes dos Santos147 que teria como encargo a

‘obra d’architectura, padroes d’armas e respectivos ornatos, para o ornamento de

sua majestade’148, obra que seria iniciada em 11 de Abril de 1864149.

Num trabalho complexo em que a excelência era algo desde o início

desejada, a Câmara tomaria providências no sentido de que o monumento, nas suas

diversas componentes, fossem submetidos a aprovação, na ideia de assegurar a

elevada qualidade artística das mesmas. Para tal, chega a recorrer à Comissão

Artística de Lisboa para examinar os baixo-relevos e padrões de armas, e a solicitar

ao o cônsul português em Paris no sentido de nomear uma ‘comissão de pessoas

entendidas’para realizarem idêntica tarefa com os modelos da estátua, restando o

pedestal sob controlo municipal.

O relacionamento da obra com o espaço da praça seria cercado por

gradeamento, cuidando da integridade física do monumento, que acabou por

conferir-lhe algum misticismo pela intocabilidade gerada. Tal como a estátua, viria

a ser da autoria de Calmels, que após a cerimónia de inauguração apresentou á

Camara os modelos em madeira, a 26 de Dezembro de 1867150, sem que existisse

qualquer obrigação contratual nesse sentido - revelador do envolvimento do artista

com o projecto151. Esta oferta é respondida com agradecimentos e aprovação

unânime, dando-se a arrematação da obra em Agosto de 1868 pela Fundição do

Ouro152. Este processo culminaria com a sua definitiva instalação na praça, em

146 A.H.M.P., 4321, espécie 30.. 147 B.P.M.P., Reservados, ,Ms.1285, fl.120. 148 A.H.M.P., 4321, espécie 44, fl.22. 149 B.P.M.P., Reservados, Ms. 1285, fl.124. 150 B.P.M.P., Reservados, Ms. 1285, fl.154. 151 Semanas depois, Calmels enviaria um ofício à Camara sugerindo o alargamento da Praça para execução da grade para o monumento. – A.H.M.P., Vereações, 122, fl.38. 152 B.P.M.P., Reservados, Ms. 1285, fl.154v.

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1869, ano em que a municipalidade aprova o projecto para iluminação do

monumento153.

Culminaria assim, após tentativas que duraram vários anos, o processo de

introdução do monumento na Praça, reforçando o seu simbolismo mediante uma

sensibilidade neoclássica que desde então marcaria a Praça.

Fig. 30 – C.P.F., Arquivo Alvão, cx.198, nº59. O Monumento a D. Pedro IV, já sem a gradaria em redor que marcava o relacionamento da obra com a Praça. O Monumento conferiu um simbolismo reforçado à Praça, dando-lhe a segunda estátua equestre no país. 153 A.H.M.P., Vereações, 123, fl. 8-9v.

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3.8 - As habitações da Praça

Quando a Praça se estabelecera nos primórdios de setecentos, a frente poente

fora levantada ao ritmo individualizado das parcelas que a constituíam, demorando

cerca de uma década a completar-se. Isto faz pensar numa certa homogeneidade

linguística na leitura dos alçados, animados pelo recorte dos pisos. Tratavam-se de

edifícios com duas frentes e paredes de meação e logradouro, construídos sempre na

extremidade do lote adjacente à rua, e onde a porta de entrada situava-se junto a

uma das paredes de meação. Corporizavam assim o tipo de lote e construção

encontrado nas artérias da cidade, contrariamente às restantes frentes da Praça, mais

particularizadas e de desenho notabilizado.

Estas arquitecturas foram alteradas com o passar dos anos, em especial através

do acréscimo de pisos, num processo frequente e que prosseguiu no século XIX154,

onde na segunda metade viriam a ser colocadas instalações sanitárias nas suas

traseiras.

No lado oposto da Praça o cenário diferia em determinados aspectos. A

construção do já extinto convento dos congregados tinha dado origem a uma série

de habitações demarcadas verticalmente na sua fachada, apresentado estas uma

crescente autonomia plástica. Aqui, a aplicação do azulejo, que surge na cidade no

início dos anos 40,155 assume particular importância dado a variedade de padrões

utilizados, mas também o acréscimo de pisos assim como a formalização de

aberturas destes em arco de ogiva, dissonância formal de cariz neo-gótico.

Em comum com a construção do extinto convento dos lóios (agora designado de

edifício das ‘cardosas’), construção que contrariamente ao extinto convento dos

congregados, não viu a sua fachada fraccionada plasticamente, existiam diversas

lojas de importância marcada pela sua excelência que as diferenciava das existentes

na cidade. Estas frentes dos extintos conventos à Praça eram produto de meados do

século XIX, pelo que as instalações ali levadas a cabo a nível de habitação e de

comércio eram bastantante recentes e de conforto assinalável. 154 A.H.M.P., Livro de Plantas de Casas 1, fls. 4 e 5. 155 FRANÇA, José-Augusto – O Pombalismo e o Romantismo. Lisboa: 2004. Presença. p.118.

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Fig. 31 – A.H.M.P., Livro de Plantas de Casas 1, fl. 5. Acréscimo em edifício da Praça, datado de 1823. Edifício de lote estreito e paredes de meação e logradouro, consonante com o tipo de construção encontrado nas ruas da cidade, em oposição às restantes frentes da Praça.

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Na época, e contrariamente a estas duas frentes, ao ‘lado occidental da Praça de

D. Pedro têm passado desapercebido os melhoramentos municipais; os edifícios

aqui fazem notável contraste com os outros, pela maior parte novos ou reedificados,

em quanto estes conservam todas as formas da primeira fundação.’156 Por aqui

paravam os coches e os animais ainda saceavam-se no tanque público, numa

vivência consonante com o meio físico deste lado da Praça, plataforma urbana

diversa nas fachadas e nos hábitos diante das distintas habitações.

156 AMORIM, F. Gomes, - O Porto em 1852: Fragmentos de uma viagem ao Minho, ‘O Tripeiro’, 1909, 1ª série, p. 117.

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4. Da estética romântica à Praça da Liberdade

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4.1 – Enquadramento

A instalação da estátua equestre na Praça havia reforçado o seu simbolismo,

transportando consigo uma didáctica liberal evocativa. A figura de D. Pedro IV

ficaria – já o era na toponímia – indissociável da Praça. A mesma assistiria a várias

transformações, às quais não ficaria alheada, fruto de uma crescente incúria que a

dado momento se faria notar.

O Porto de então abarcava novas freguesias e incrementava a utilização dos

transportes públicos. Ligava-se a norte e a sul por ferrovia, aumentando-se a área de

representatividade da Praça. A cidade densificava-se e o tráfego seria cada vez

maior, componente com a qual a Praça debeter-se-ia para manter de forma

equilibrada a sua vocação, a de ser a mais importante Praça da cidade.

Fig. 32 – O Porto que se preparava para entrar no século XX, em que a área da Praça se tornava cada vez mais pequena para constituir o centro cívico e representativo máximo da cidade.

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4.2 – Uma nova estética para a Praça

Foi em 1842 que o general Eusébio Candido Cordeiro orienta o

revestimento da parada do batalhão de Caçadores nº 5, em Lisboa, urilizando para

tal pequenas pedras de calcário e basalto, justapostas em faixas de cor alternada. A

cidade havia de reconhecer o virtuosismo da solução, efectuando o mesmo tipo de

revestimento na área central do largo do Rossio, em 1848, num elegante movimento

ondulado. O revestimento vinha aumentar as possibilidades de uma arquitectura de

espaços públicos de recursos modestos, dando origem a que outros espaços

citadinos fora da capital recebessem a mesma ordem de pavimento.

Será neste contexto que em 1872 a Camara do Porto recebe informações que

havia solicitado à Camara Lisboeta ‘acerca do fornecimento da pedra para

mosaico’.157 Tal daria origem a um concurso para o calcetamento, realizado em

1881, onde apareceriam cinco propostas158. Seria aceite a de José Ferreira da Silva

‘por ser a mais barata’,159 sendo-lhe adjudicada a empreitada, que contaria com

artistas vindos de Lisboa.160

O desenho formado pela pavimentação passaria a estruturar visualmente a

Praça, conferindo-lhe um animado grafismo que, inédito na cidade, particularizaria

a Praça, originando um equilibrado enquadramento ao monumento, cujo pedestal

partilhava o calcário como material utilizado. A obra decorreu até 1882161, ano em

que seriam encomendados candeeiros ‘de Paris’, ‘equivalendo o poder iluminante

de cada um deles a oito dos adoptados’,162 transportando também para a noite toda a

imagética da Praça cuja nova configuração marcaria o imaginário romantico

portuense.

157 A.H.M.P., Vereações 124, fl. 60. 158 A.H.M.P., Vereações 128, fl. 146. 159 Idem, fl. 147v. 160 BASTO, Artur de Magalhães – O Porto do Romantismo. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1932. p.41. 161 O que vem põe de lado a tese de que a pavimentação fosse obra dos anos 60 em FRANÇA, José Augusto – História da Arte em Portugal: O Pombalismo e o Romantismo. Lisboa: Presença, 2004. p.117. 162 A.H.M.P., Vereações 129, fl. 68.

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Fig. 33 – A.H.M.P., D-TGA-CMP-2-102-001.

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4.3 – A proposta de Carlos de Pezerat

Na década de oitenta do século XIX o Porto, cidade pela economia

impulsionada, era a cabeça de uma região a ele ligada por importantes vias de

comunicação. A própria cidade havia estabelecido importantes ligações que,

apontando para a Praça, como as ruas de Camões163 e de Mouzinho da Silveira164 e

a ponte D. Luís,165 vincavam o papel da Praça de D. Pedro enquanto centralidade

representativa de uma área já bastante superior daquela que fora no início do século.

Sentia-se então o desejo de que a cidade dispusesse de um espaço que acomodasse o

emergente sector de serviços, sendo ambicionadas obras de transformação que

transportassem para a cidade o cunho das grandes iniciativas urbanísticas que eram

registadas na Europa. Ambição desmesurada ou não, será da colisão entre esta

vontade criada pelo crescimento da cidade e o seu consolidado centro cívico que se

fará a história seguinte da Praça.

No ano de 1889, em sessão da Camara,166 é referido que ‘a actual casa dos

Paços do Concelho era insuficiente para acomodação dos diversos serviços’, o que

marcava desde logo a obsolência funcional do edificado norte da Praça naquela

função. As mesmas casas, referências de plasticidade nos alçados da Praça, ficariam

votadas a uma situação de grande fragilidade nos planeamentos que desde então

seriam realizados para a área.

No espaço de um mês, Carlos de Pezerat, ‘com responsabilidades no

urbanismo da cidade’,167 e após tomar conhecimento das vontades da Camara,

apresenta por iniciativa própria um ‘Projecto d’embelezamento da cidade do Porto

para servir a edificação dos novos Paços do Concelho e outros edifícios públicos’,

que seria radical para com o edificado da Camara, consistindo a proposta na criação

de uma avenida ligando as praças de D. Pedro e da Trindade, mais a norte.

A proposta de Pezerat, no que concerne à Praça, pois é o objecto do presente

trabalho, retirava à sua estrutura de base o edificado camarário, desestruturando a 163 Projectada cerca de 1866. 164 Projectada em 1872. 165 O concurso para a sua execução for a lançado em 1880. 166 A.H.M.P., Vereações 132, fl.50v. 167 TAVARES, Rui – Da Avenida da Cidade ao Plano para a Zona Central . A Intervenção de Barry Parker no Porto. Separata do Boletim Cultural da Camara Municipal do Porto. Porto, 1986.

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Fig. 34 – A.H.M.P., MNL 2A’-031. Extracto da planta de Carlos de Pezerat, na qual a Praça é rasgada para ser absorvida pela nova avenida, sem qualquer espécie de transição formal planeada. A proposta aumentava a placa central para norte e diminuía-a a poente para envolver-se pela franca circulação existente em redor.

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Praça, absorvendo-a na avenida então proposta. Com preocupações de maior escala,

a par de arranjar local para os novos Paços do Concelho, Carlos de Pezerat

negligenciara qualquer espécie de tratamento formal à Praça, que mantinha na sua

proposta a envelhecida frente poente intacta.

A proposta acabaria por não ter qualquer seguimento, mas a necessidade de

novas instalações para a Camara vão manter-se. Assim, em 1891 é criada uma

comissão para escolher o local mais conveniente para tal edifício, constando do seu

relatório final que ‘talvez o novo edifício ficasse bem situado na Praça de D. Pedro,

local a que se prendem gloriosas tradições, e que, desde longos anos, é considerado

o forum da cidade do Porto’. A Praça mantinha desta forma a sua configuração

salvaguardada, saindo ilesa à primeira proposta que surgia para a sua dissolução.

4.4 – A acção de Barry Parker: consequências.

Após a percursora proposta de Pezerat, em 1889, a avenida entre as Praças

da Liberdade e da Trindade figura, entre 1907 e 1910, nos 50 quilómetros de

avenidas principais pensados para a cidade.168 Em 1910, ainda antes da implantação

da República, seria aprovada a modificação da placa central da Praça, cujo projecto

de 1912 exibe um enorme sentido disciplinador de tráfego, encurtando bastante e

alterando significativamente a delimitação da placa central. A Praça iniciava assim

um período de permeabilidade face às pressões que a rodeavam.

Sem qualquer projecto para uma avenida central desde a acção de Pezerat, a

Camara, em 1915, e sob a orientação de Elísio de Melo, elabora um processo

designado ‘Praça da Liberdade e Trindade. Projecto de uma avenida ligando estas

Praças’, que vem a ser aprovado. Com uma estruturação de base um tanto ou quanto

familiar à de Pezerat, a proposta concebe uma avenida ligeiramente mais estreita

que a Praça da Liberdade, em que os gavetos de transição eram tratados de forma

distinta. Este projecto seria apresentado a uma comissão onde, a par Ventura Terra e

168 TAVARES, Rui – Da Avenida da Cidade ao Plano para a Zona Central . A Intervenção de Barry Parker no Porto. Separata do Boletim Cultural da Camara Municipal do Porto. Porto, 1986. p.277.

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Fig. 35 – A.H.M.P., D-TGA-CMP-2-102-018. A alteração da placa central e pavimentos envolventes representa a submissão da arquitectura do espaço público à engenharia de tráfego. A necessidade de raios de curvatura exigidos pelos carris vão estar na base da configuração dada.

Marques da Silva169 figuraria Barry Parker, arquitecto inglês convidado pela

Camara do Porto.

Posto isto, dava-se início a um processo que, sob a responsabilidade de

Parker, viria a ultrapassar o projecto aprovado pelo município e que abrangeria uma

área maior, integrando igualmente a Sé, e que viria a ser desenvolvido e discutido

em 1915. Este, segundo o inglês, teria o programa de ‘abrir e alargar uma parte da

cidade que está muito congestionada (...) abrir uma avenida larga que deverá ser,

antes de tudo, muito dignificante (...) rasgar o centro da cidade e criar um

verdadeiro centro cívico e um centro de estabelecimentos.170 A proposta expressaria

uma ideia da época de que a Praça D. Pedro seria já um espaço insuficiente para

acolher tal programa.

Parker revela a preocupação com o relacionamento com a Praça da

Liberdade quando diz que sentiu ser seu dever ‘melhorar e não destruir a boa forma

e as proporções das vossas Praças da Liberdade e Trindade, aumentando mesmo em

cada uma delas a impressão de encerramento e protecção a que os planeadores de

169 Membro da Comissão de Estética. 170 Idem, p. 281 e 282.

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Fig. 36 – A.H.M.P., MNL 2 A’. A proposta de Barry Parker patenteia a vontade en conciliar a nova avenida com a Praça. Mantinha intacta a frente nascente da rua de D. Pedro e toda a travessa dos Congregados, articulando com elas a nova implantação de cércea idêntica. Esta deixava um espaço de comunicação entre a avenida e a Praça bem mais reduzido que a proposta de Pezerat, diminuindo a diluição da Praça que via a sua irregular frente poente dar lugar a uma construção que constituiria a nova frente do quarteirão.

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cidade dão tanta importância, quando tratando de Praças como estas.’171 A forma

como Parker se refere à Praça – ‘a vossa bem proporcionada Praça da Liberdade’172-

revela uma interpretação que daria origem a uma primeira proposta que recuperava

a configuração de base para a Praça.

Nesse primeiro projecto para a então designada ‘Avenida da Cidade’, Parker

substituía os edifícios dos Paços do Concelho por um novo que separava a avenida

da Praça. Este edifício, já capaz de acolher a complexa função dos Paços do

Concelho, era atravessado por um arco central que permitia o avistar do monumento

a D, Pedro IV desde a avenida, relacionando este com a mesma. Esta proposta,

conciliando o encerramento da Praça com a avenida projectada, viria a ser

ultrapassada por outra. Essa nova proposta já não incluiria qualquer separação física

entre Praça e avenida, mas em contrapartida possuiria uma transição mediante um

estreitamento do contacto entre os dois espaços. Perdia-se deste modo a definição

espacial que a Praça tinha desde a sua constituição, aspecto que marcaria as

decisões futuras para a área. A proposta receberia aprovação em Novembro de 1915

e com ela ficaria encerrada a primeira fase da acção de Barry Parker na cidade. A

Comissão Executiva encontrava-se autorizada a proceder às alterações que julgasse

necessárias e que forçariam a uma maior comunhão espacial entre avenida e Praça.

Um novo projecto se seguiria, desligando-se do de Parker em vários aspectos – as

cérceas seriam aumentadas, a par da alteração da planimetria - sendo as obras

iniciadas no primeiro dia de Fevereiro de 1916, ‘arreando-se a primeira pedra do

cunhal sudoeste do edifício que tem servido de Paços de Concelho’, trabalhos que

manteriam inalterada a placa central, só reconfigurada sob forma elíptica em 1930.

4.5 – As arquitecturas para a Praça

Na transição para o século XX, enquanto a Praça ostentava a sua recente

estética de pavimento, as alterações nas arquitecturas resumiam-se a acréscimos de

pisos e a escassas construções novas que, pontualmente, refaziam o tecido urbano

em torno da Praça. Esta, no lado poente, já não possuía nas casas os logradouros

171 PARKER, Barry – Memórias sobre a projectada Avenida da Cidade. Porto,: Camara Municipal do Porto, 1915. p.8. 172 Idem, ibidem, p. 5.

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Fig.38 – A.H.M.P., D-CMP-2-155-047. O projecto de reformulação da Praça, datado de 1929, submetia a placa central à condição de rotunda e dispunha os restantes elementos sob a disciplina do tráfego.

Fig.39 – C.P.F., cx.166 alv42. A envolvente monumental e uma transição excessivamente permeável integravam a Praça na ideia de avenida, retirando coesão à definição da Praça.

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com que a ‘génese’ da Praça as consagrara – ‘chão para casa e quintal’- mas

sim uma resolução espacial em que o tardós ou constituía frente para a rua do

Almada173 ou era era cego e justaposto a traseiras desta rua, apresentando assim

uma única frente.174

Uma dissonância no panorama projectual para a Praça viria a ser obtida pelo

edifício destinado a habitação e hospedaria datado de 1898.175 O edifício

apresentando uma estética ‘chalet’, remetendo a um gosto de origem estrangeira,

mostrava-se em projecto discrepante, não apenas pelas suas formas mas também

pela sua relação com o lote, rompendo esta proposta com o estabilizado

relacionamento entre edificado e Praça ao ter a volumetria recortada em planimetria,

às quais se acrescentavam escadas no plano recuado. Tratava-se de uma

arquitectura que levemente se implantara na cidade em algumas áreas de expansão

nobres como a avenida da Boavista e a marginal marítima, em lotes maiores com

jardim rodeando o edificado. Esta situação não se verificava na Praça, onde a

tipologia do lote e da implantação era substancialmente diferenciada e a proposta

não passaria do papel.

O rasgamento da nova Avenida da Cidade seria responsável pela ruptura

espacial da Praça e por novas arquitecturas, que para ela transportariam a escala da

avenida rasgada. Entre estes edifícios, dois assumem particular relêvo ao

materializarem o par de gavetos que estabelecem relação entre a Praça e a avenida.

O edifício de A Nacional, a poente, apresentava-se com cinco níveis, cércea

que ficara estabelecida para a avenida, e enfatizava o gaveto por meio de um torreão

rematado por cúpula terminada por relógio elevado. Nesta obra, da autoria de

Marques da Silva, o «torreão de ângulo, acimas das lucarnas, é de betão armado e a

cobertura dos telhados é de ardósia e telha. Segundo o arquitecto, porque o edifício

ocupava uma posição de destaque, procurava valorizá-lo em função do seu destino e

pensa que ‘os seus elementos deveriam conjugar-se com a feição arquitectónica

mais preponderante no Porto. Daí a justificação para o remate da construção.

(...) Queria, pois, o arquitecto fazer passar uma ideia que lhe era cara, isto é,

a de que um edifício de ângulo deve ser mais alto do que os contíguos. Mostrava,

173 A.H.M.P., Livro de Plantas de Casas 161, fls.255 a 259. Data de 1900. 174 A.H.M.P., Livro de Plantas de Casas 158, fl.216; 160 fl. 118; 161, fl.13.Datam de 1899 e 1900. 175 A.H.M.P., Livro de Plantas de Casas 151, fls. 37 a 42.

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neste caso, uma consciência do local e as relações que se estabeleciam, quer para o

lado da rua do Almada, quer da avenida, com o pavimento das ruas a subir

consideravelmente.» 176

«O alçado tem uma nítida composição vertical tripartida, da base ao

coroamento, com uma zona de transição, das lucarnas aos vãos amansardados, e, no

seu ordenamento, há na base um desenho mais seco nas lojas comerciais a que se

seguem os andares de escritórios, rematados pelo entablamento, e um quarto andar e

mansarda destinados a habitação.

Os quatro andares são legíveis na fachada, mas a ênfase do desenho, no

corpo central, rematado pelo torreão com lanternim, vai para os três andares de

escritórios de tripla fenestração, com o forte desenho de uma zona de intercolúnios

com colunas jónicas, adossadas, sobre plintos, ao nível dos dois andares rematados

por consolas historiadas, com cabeças de leões de fortes jubas, suportando o

entablamento por um frontão de volutas, interrompido por uma cartela com as

armas e a esfera armilar – um todo sobrepujado pelo símbolo da instituição – o

Génio da Independência – e duas figuras femininas reclinadas sobre o frontão,

simbolizando Seguro e Vida, Acidente de trabalho»177

A Comissão de Estética julga o projecto ‘excelente’ e este é aprovado em

Câmara, em 12 de Junho de 1920, e embora não se resolvesse «o intimismo que

Parker parecia desejar para a Praça de D. Pedro, há uma valorização do

estrangulamento, como intuição urbanística, que a solução proporciona, com a

consolidação dos dois edifícios, o de A Nacional no alinhamento ocidental e o

prédio de Pinto Leite, no oriental.»178

O edifício de Pinto Leite complementava com o de A Nacional a passagem

da Praça para a avenida, marcando de igual forma monumental o gaveto existente,

como que assinalando a entrada no novo espaço urbano que a avenida constituía.

Possuía os mesmos níveis e a mesma estruturação morfológica que o edifício do

gaveto acima descrito, repetindo o mesmo programa, ‘com lojas comerciais no

176 CARDOSO, António – O Arquitecto José Marques da Silva e a arquitectura no norte do país na primeira metade do séc. XX. 2ª ed. Porto: FAUP, 1997. p.264 e 265. 177 Idem, ibidem, p. 266. 178 Idem, p. 265.

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Fig. 40 – C.P.F., Arquivo Alvão cx.198 alv061 – Os edifícios de A Nacional e de Pinto Leite de autoria de Marques da Silva com os seus gavetos enfatizados verticalmente, aparentam ter como propósito assinalar mais o início da avenida do que obter uma definição de conjunto para a Praça. Ao fundo, os Paços do Concelho, excessivamente recuados, deixariam a Praça totalmente desguarnecida na sua frente norte.

rés-do-chão, quatro andares de escritórios e habitações nos vãos dos telhados.’

O requerimento, apresentado à Camara em 1922, acompanhava-se do

projecto e memória descritiva, com ‘plantas, dois alçados e cortes’. «Com a

aquisição do prédio pelo Bank of London & South America, realizam-se obras de

ampliação e transformação, após Março de 1930, adaptando as instalações dos

escritórios ao banco, sem reflexos na imagem inicial proposta por Marques da

Silva.»179 O edifício do Banco de Portugal, da mesma época, viria a transportar para a

Praça a plasticidade encontrada nas arquitecturas da avenida, impondo na Praça uma

nova monumentalidade. Com autoria de Ventura Terra e preenchendo uma área

considerável de terreno, o edifício ocupava sensivelmente metade da frente poente

da Praça e possuia também frentes para a ruas do Almada e Dr. Artur de Magalhães

179 Idem, p.272.

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Basto, a norte, tratando-se de um edifício de grandes dimensões para a consolidada

arquitectura da Praça.

A sua fachada principal, de três níveis e voltada para a Praça, tem a sua

composição centralizada, mediante um plano central destacado e sobrepujado de

frontão com figuras escultóricas no tímpano e sobre acrotérios laterais. O frontão,

sobre o qual e um pouco atrás um enorme lanternim de pedra clara prolonga a

verticalidade presente, está sobre entablamento que no restante do edifício aparece

preenchido por festões. Neste corpo centralizado, o entablamento sob o frontão

aparece suportado por dois pares de colunas jónicas. Entre estas, varanda

balaustrada sobrepõe-se ao acesso principal com arco de volta perfeita suportado

por colunas toscanas e ladeado por entablamento rústico que marca presença em

todo o primeiro nível. Toda a fachada principal aparece ritmada com pilastras

jónicas, sobre rusticado no primeiro nível e dando origem a taças sobre a platibanda

que remata o entablamento.

Fig. 41 – Fachada do Banco de Portugal para a Praça. Preconizada para ser a fachada mais nobre da Praça, reflecte o peso institucional pela escala e composição apresentadas.

Esta arquitectura não se impôs na Praça pela altura mas sim pela extensão da

fachada que corresponde a vários lotes, assim como pelo dimensionamento das suas

aberturas que apresentam grandes proporções face ao verificado na já secular

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arquitectura da Praça. O edifício possui um enorme destaque na Praça, gerando uma

atenção assimétrica face ao que a geometria da Praça até então ocasionara,

rompendo com ela e com as proporções dos cheios e vazios das arquitecturas da

Praça, preconizadas para a função habitacional. Edifício proeminente, marcaria com

a ampliação do Banco Nacional Ultramarino a alteração de escalas nas arquitecturas

da Praça, motivada pela necessidade do Porto acomodar na sua area mais

representativa o emergente sector de serviços.

Construído em finais do século XIX, o edifício do Banco Nacional

Ultramarino, no gaveto sudeste da Praça, apresentava uma linguagem mais eclética

do que os restantes edifícios da mesma frente poente da Praça, cujos alçados

herdavam ainda a estrutrutura compositiva do extinto convento dos Congregados.

O edifício possuía as duas fachadas idênticas e três níveis, tendo o primeiro

destes os vãos rematados por arco abatido, sendo o central mais estreito. No

segundo nível, com varanda central, os vãos eram sobrepujados por frontão curvo

no vão central a por frontões curvos interrompidos nas laterais. O ultimo nível

repetia os vãos do nível imediatamente inferior, ostentando apenas um frontão

triangular

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Fig. 42 - C.P.F. Cliché 420 O edifício do Banco Nacional Ultramarino, no ângulo sudeste da Praça, apresentava cércea igual às vizinhas construções, diferenciando-se delas pela construção da fachada totalmente em cantaria, composição dos vãos e linguagem.

Fig. 43 – Ampliado, o edifício do Banco Nacional Ultramarino abria caminho para a alteração da escala da frente nascente da Praça, numa expansão marcada pelo uso da repetição que viria a constituir, juntamente com a edifício do Banco de Portugal, as novas frentes mais extensas da Praça.

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acima do vão central. Sobre o edifício, platibanda balaustrada com espaldares

centrais.

Com o rasgamento da Praça pela avenida, os interesses do Banco seriam de

expansão física do edifício, adquirindo para tal dois lotes vizinhos para realizar o

intento. Este,180 traria ao edifício, a par da sua expansão para norte, mais um nível e

uma mansarda (adulterada posteriormente) ao longo da cobertura que completava a

obra. A intervenção colonizaria todo o novo edificado sob a linguagem

arquitectónica do antigo edifício, de tal modo que se viria a tornar difícil a

identificação do antigo edifício na nova massa aglutinadora que a intervenção de

forma monumentalizante havia criado.

A par desta tendência de monumentalização que a arquitectura da Praça

sofria, aparece em 1932 a reforma de um espaço comercial no edifício das Cardosas

que viria a introduzir a linguagem modernista até então inédita na Praça. «A

imagem da modernidade da nova ‘Vitália’, na qual uma estrutura linear preenchida

por superficies acristaladas contrasta, na sua transparência, com a composição

novecentista, granítica, do edifício das Cardosas, parece-nos bastante ousada no

sentido em que realiza uma alteração importante da relação do estabelecimento com

a rua»181. Esta remodelação da farmácia Vitália, com autoria de Amoroso Lopes e

Manuel Marques, tratava-se de um arranjo no interior e fachada, onde a cruz era o

elemento gerador da composição. Não se tratava de um caso isolado de desenho

modernista, mas contemporâneo a algumas intervenções na área em redor, casos da

garagem O Comércio do Porto, de 1930,182 e da antiga loja Pinto Camiseiro, de

1931,183 intervençóes que marcavam a introdução da estética modernista abstracta

na cidade do Porto, impulsionada pela exposição de arquitectos modernistas na

cidade, ocorrida em 1931.

O processo de monumentalização da arquitectura da Praça iria prolongar-se

pela década de quarenta, continuando a destituição da sua equilibrada configuração,

180 A.H.M.P., Licença de obra 365 de 1919. 181 PACHECO, Alexandra Trevisan – A Arquitectura Artes Déco no Porto. Dissertação de mestrado em História da Arte em Portugal apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Porto. 1996. p.96. 182 Na rua do Almada no nº 128, com autoria de Baltasar de Castro e Rogério de Azevedo. 183 Na rua dos Clérigos no nº 23, com autoria de Jorge M. Viana

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elogiada por Parker, que o rasgamento da avenida ocasionara na sua espacialidade, e

que agora continuava com a grave alteração nas frentes que corporizavam a Praça.

Fig. 44 – A.H.M.P., LO 326/1932, lic.533, fl.163. Este novo projecto para a farmácia Vitália, com uma estrutura compositiva alicerçada na cruz e superficies transparentes, rompe com a regularidade histórica presente no edifício das Cardosas, agora portador de uma dissonância linguística, uma novidade sobre um passado cada vez mais distante.

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Conclusão

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Inserida na família de praças, a Praça da Liberdade não pertence ao grupo

daquelas que foram criadas de raiz. O então designado Campo das Hortas era um

mero espaço exterior à muralha de onde partia, desde a Porta de Carros, o trânsito

em direcção a norte. A primeira existência notável de arquitectura com que o largo

contaria seria a da ‘célebre Fonte da Arca’, obra dos finais de seiscentos, rica pela

sua estética, sentido utilitário e dinâmicas de recreio que ali se sucederam. A obra

apresentava-se deslocada do centro do Largo, fechando mais o Largo a sul,

apresentando-se como elemento polarizador gerado pela sua valência.

A partida para a real conformação da Praça seria dada pela instalação da

Congregação do Oratório no local, em que a Praça seria caracterizada pela

composição da fachada que constituiria toda a sua frente nascente. Instalava-se

assim no local uma fachada conventual com o seu natural equilíbrio de proporções a

reverter para a definição da estética da Praça.

Antes mesmo da obra de instalação da Congregação do Oratório estar

concluída, um espaço bem mais ambicioso se projectaria para o local. Um processo

que arrastar-se-ia e seria retomado anos mais tarde. 1709 é o ano em que tropas

portuguesas ocupam Madrid, e a possibilidade de anexação de territórios galegos

faria projectar na cidade o estatuto de capital do norte. A consequente

representatividade faria surgir uma ideia de praça de grande monumentalidade, à

semelhança das praças espanholas naquilo que seria uma das maiores praças

europeias, corporizado por residências aristocráticas, naquilo que seria uma unidade

morfológica bem demarcada na cidade, capaz de assumir-se como geradora da

expansão da cidade para norte. A proposta gorar-se-ia, certamente pela percepção

do inusitado da proposta que obrigaria a grandes desnivelamentos de terra, com

questões de acertos por esclarecer.

Esta ideia seria amadurecida e enquadrada às condições naturais e

construtivas por ali existentes, já desligada da solução aristocrática anteriormente

preconizada, agora bem menos ambiciosa e capaz de captar com grande realismo o

investimento da classe burguesa. No primeiro quartel do século XVIII seria

edificada a frente poente da Praça, assim como a frente norte, esta corporizada por

duas casas nobres que viriam manter as suas frentes inalteradas durante três séculos.

Estas casas, juntas e partilhando a mesma ordem material, compunham um cenário

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onde de forte carga artística, revitalizando a componente aristocrática que integrava

o anterior plano para a Praça, e assumindo o remate final na edificação definidora da

Praça, num corolário de cinco décadas , o que permite-nos identificar como a

primeira fase de consolidação formal da Praça.

Meio século após esta consolidação, tomam início as ampliações

conventuais. A Congregação do Oratório, marcante valência na cidade, reduz a

dimensão do seu escadório que obstruía o crescente trânsito junto à Porta de Carros,

e acrescenta novo edificado a nascente da igreja, numa composição de simetria que

duraria dezanove anos, reforçando os seus espaços bibliotecários e pedagógicos na

cidade. O Convento de Santo Elói, escondido da Praça até finais do século XVIII

atrás da muralha da cidade que até então demarcava a frente sul da Praça, lançaria

um projecto de reforma geral das suas instalações, segundo uma lógica cartesiana

em que seria projectado um ‘grande ornamento a esta cidade’. O plano apresentava

um novo edifício que, substituindo a muralha, formaria uma nova frente para a

Praça, a única até então ainda não habitada, assimilando ali o espaço exterior da

muralha pela cidade. O edifício iria notabilizar-se pela localização, extensão e

escala, revelando também a sensibilidade dos lóios para o período de transformação

que a cidade vivia na época, tendo a Praça desde então todas as frentes urbanizadas.

Será nesta lógica transformadora que a cidade vivia que a Praça recebe mais

um elemento que a pontuaria. Trata-se do tanque de água que a Junta das Obras

Públicas, empenhada nos melhoramentos da cidade, decide erguer na Praça,

reforçando com este as rotinas diárias de que a praça era suporte, a par de feiras e

mercados.

Este período de carácter empreendedor a nível urbano vivido na cidade e que

na Praça se faria sentir, sobretudo, pelas ampliações conventuais, concluir-se-ia com

o sentido da Praça ser não apenas uma centralidade de vizinhança mas acima de

tudo à escala da cidade. Trata-se da instalação dos Paços do Concelho na Praça, um

desejo já anterior ao ano de 1819, data da instalação numa das casas nobres da Praça

dos serviços municipais, num processo que concluir-se-ia em 1859 com a ocupação

da casa nobre vizinha.

Por ocasião do triunfo do Liberalismo, consumado em 1834, e em que a

cidade fora pioneira, a extinção das ordens religiosas trouxe repercussões que se

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fizeram sentir na Praça. O Convento do Oratório teria a sua igreja autonomizada dos

restantes espaços que seriam convertidos em habitação, sendo a construção

confrontante com a Praça subdividida em parcelas de habitação, as quais pela sua

autonomia viriam posteriormente a receber revestimentos distintos, o que contribuiu

para o fraccionamento das leitura do frontispício para a Praça. Esta mudança de

função para a de habitação com comércio no piso térreo geraria uma nova relação

com o espaço da Praça, em que a fachada não apenas contém mas sim torna-se num

plano permeável, com consequências dinâmicas para o espaço da Praça.

A par desta mutação, o edifício que os padres lóios ergueram na Praça estava

ainda inacabado, havendo então que formular um novo programa de habitação e

concluir a obra. Após algumas indecisões, o edifício seria adquirido por um

particular com a obrigação de conclui-lo respeitando o projecto já parcialmente

executado. O edifício seria concluído e, tal como o Convento do Oratório,

convertido em habitação com comércio no piso térreo, onde receberia os mais

modernos estabelecimentos da cidade.

Entre estas conversões conventuais, dá-se a demolição da Fonte da Arca,

uma construção com uma presença já muito diferente daquela com que a Praça fora

brindada em finais de seiscentos. Rodeada por lojas e barracas no seu exterior e

interior, a fonte, ultrapassada na sua função básica pelo Tanque da Praça, viria a ser

demolida, numa perspectiva de abertura franca da Praça, agora com as lojas

disciplinadamente instaladas nas antigas frentes conventuais.

Com a Praça liberta da obstrução criada pela Fonte da Arca, transformada

agora num amplo e espaçoso lugar, já com os Paços do Concelho instalados na

frente norte, são lançadas ideias para a construção de um monumento para a Praça,

numa pequena série de iniciativas constantemente adiadas.

Enquanto a concretização do monumento não vingava, a Praça recebe na

década de quarenta de oitocentos uma placa central arborizada em redor, que vinha

disciplinar o tráfego, e apresentar um interior suporte do acontecimento urbano,

assim como que uma nova fachada arbórea que pela sua disposição conduziria a

uma leitura mais regular do vazio urbano, isto a par da instalação de macadame na

pavimentação do interior da Praça. A valorização da Praça passaria pelo

gradeamento que a rodearia e com abertura nos ângulos, completando uma série de

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acções que transformaram a Praça num local único e distinto da cidade, uma

necessidade dada a representatividade com que a cidade nela se revia – o espaço

mais importante da cidade.

Com a Praça valorizada e priveligiadamente tratada, a obstinação

demonstrada pela cidade em levantar um monumento à causa liberal regressa, com a

consolidação política e as marcas de progresso (em 1861 realizava-se no Porto a

Exposição Industrial). Calmels seria o escultor escolhido pelo concurso, ficando o

pedestal a cargo de Costa Lima, architecto da Câmara. A obra, de estética

neoclássica, relacionar-se-ia com a Praça por um gradeamento envolvente, o que

conferia algum misticismo pela intocabilidade gerada. A Praça via a sua dimensão

simbólica reforçada com uma obra que constituía a primeira equestre do norte do

país.

A cidade de finais de oitocentos densificar-se-ia e o tráfego seria cada vez

maior, algo com que a Praça debater-se-ia para manter equilibradamente a sua

vocação. É nesta altura que a Praça recebe uma forte alteração da sua imagem com a

instalação da calçada á portuguesa, cujo desenho ondulado passava a estruturar

visualmente a Praça, conferindo-lhe um animado grafismo inédito na cidade, que a

particularizaria dando origem a um equilibrado enquadramento ao monumento, cujo

pedestal partilhava o calcário como material utilizado. Esta imagética seria

transportada para a noite mediante a instalação de novos e mais potentes candeeiros,

marcando o imaginário romântico portuense.

Entretanto, passados poucos anos, a câmara admite que as suas instalações

eram insuficientes para acomodação dos diversos serviços, um prenúncio de uma

suposta obsolência formal funcional do edificado norte da Praça. Estas duas casas

de fachada nobre ficariam votadas a uma situação de grande fragilidade nos

planeamentos que desde então seriam realizadas nesta área.

O primeiro destes, projectado por Carlos de Pezerat, viria ligar a Praça de D.

Pedro à da Trindade, situada mais a norte, por uma avenida a ser rasgada, o que

desestruturava a Praça e desencadeando a absorção desta pela avenida. A proposta,

que não teria qualquer seguimento, não conferia qualquer tratamento formal à Praça,

mas a necessidade de novas instalações camarárias irá manter-se, sendo criada uma

comissão em 1891 para escolher o local mais conveniente, cuja escolha final

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recairia na ‘Praça de D. Pedro, local a que se prendem gloriosas tradições’. A Praça

manteria desta forma a sua configuração salvaguardada, não tombando à primeira

proposta para a sua dissolução.

Após a percursora proposta de Pezerat, de 1889, a avenida entre a Praça de

D.Pedro e a da Trindade figurava, entre 1907 e 1910, nos cinquenta quilómetros de

avenidas principais pensados para a cidade. Em 1910, ainda antes da implantação da

República, seria aprovada a modificação da placa central da Praça, cujo projecto

exibe um sentido disciplinador de tráfego, encurtando bastante e alterando

significativamente a delimitação da placa central. A Praça iniciava assim um

período de permeabilidade face às pressões que a rodeavam.

Seria em 1915 que a Câmara, sob a orientação de Elísio de Melo, iria

elaborar um processo designado ‘Praça da Liberdade e Trindade. Projecto de uma

avenida ligando estas praças.’, o qual receberia aprovação. A proposta concebe uma

avenida mais estreita que a Praça, acção esta que viria a ser liderada

projectualmente por Barry Parker.

Parker revelaria a início, uma enorme preocupação com a Praça, quando

refere que sentiu ser seu dever ‘melhorar e não destruir a boa forma e as proporções

das vossas praças da Liberdade e Trindade’. A forma como Parker se refere à Praça

revela uma preocupação que daria origem a uma proposta que recuperava a

configuração de base para a Praça. Seria esta proposta ultrapassada por outra que

possuiria uma transição entre as praças mediante um estreitamento do contacto entre

ambas. A proposta, lesiva para a Praça por retirar a sua frente norte, seria aprovada

em 1915, incluindo desenhos para as fachadas criadas e para a então frente poente

da Praça. Com a frente poente nobre desaparecida, o encerramento inerente à

condição de praça desaparece, deixando a estátua equestre incapaz de assegurar o

carácter contido que a Praça possuía.

A demolição dos Paços do Concelho e o rasgamento da nova avenida viriam

conduzir, por comunhão de espaços vazios, à alteração das arquitecturas da Praça,

sofrendo influência dos novos edifícios que configurariam a avenida criada, em que

a farmácia Vitália constitui a ruptura plástica da estética que por ali acabaria por ser

recorrente. Desligada da sua configuração urbana secular, o espaço urbano da Praça

seria ainda o espaço de centralidade cívica durante os anos que se seguiram, com a

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presença da avenida retirando-lhe todo o protagonismo urbano, e fazendo apagar

uma história que no presente trabalho nos contentamos em mostrar: uma praça que

acolhera nos seus momentos altos das arquitecturas que de melhor se fizeram na

cidade emoldurando um espaço que acolheria também as alterações que o tempo

desencadearia.

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Bibliografia

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Códice 10 706

BPMP - Biblioteca Pública Municipal do Porto Manuscritos e desenhos: Ms. 1285 Ms 1286 Ms. 1292 Ms. 1295 Ms. 1337 Pasta 24 (2)

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O Comércio do Porto - 1861, 1866, 1881, 1891, 1905, 1915, 1916, 1917, 1932.. O Occidente - 1885, 1886 e 1888. O Portugal – 1852. O Tripeiro - 1909 a 1969.

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