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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Stricto Sensu em Direito Trabalho de Conclusão de Curso MARCOS TEÓRICOS PARA REFLEXÃO SOBRE DIREITO & DESENVOLVIMENTO Brasília - DF 2011 Autor: Rafael Amorim de Amorim Orientador: Dr. Ivo Gico Teixeira Junior Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Stricto Sensu em Direito Trabalho de Conclusão de Curso MARCOS TEÓRICOS PARA REFLEXÃO SOBRE DIREITO & DESENVOLVIMENTO Brasília - DF 2011 Autor: Rafael Amorim de Amorim Orientador: Dr. Ivo Gico Teixeira Junior

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e PesquisaStricto Sensu em Direito

Trabalho de Conclusão de Curso

MARCOS TEÓRICOS PARA REFLEXÃO SOBRE DIREITO & DESENVOLVIMENTO

Brasília - DF2011

Autor: Rafael Amorim de AmorimOrientador: Dr. Ivo Gico Teixeira Junior

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e PesquisaStricto Sensu em Direito

Trabalho de Conclusão de Curso

MARCOS TEÓRICOS PARA REFLEXÃO SOBRE DIREITO & DESENVOLVIMENTO

Brasília - DF2011

Autor: Rafael Amorim de AmorimOrientador: Dr. Ivo Gico Teixeira Junior

RAFAEL AMORIM DE AMORIMRAFAEL AMORIM DE AMORIM

MARCOS TEÓRICOS PARA REFLEXÃO SOBRE MARCOS TEÓRICOS PARA REFLEXÃO SOBRE DIREITO E DESENVOLVIMENTODIREITO E DESENVOLVIMENTO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito.

Orientador: Dr. Ivo Gico Teixeira Junior

Brasília2011

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

A524m Amorim, Rafael Amorim de Marcos teóricos para reflexão sobre direito e desenvolvimento. / Rafael

Amorim de Amorim – 2011.126f. 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2011.Orientação: Gico Teixeira Junior

1. Direito. 2. Desenvolvimento econômico. 3. Estado de direito. I. Teixeira Junior, Gico, orient. II. Título.

AGRADECIMENTO

Agradeço aos professores e aos alunos do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília o convívio durante o período de Mestrado e as lições aprendidas antes, durante e depois das aulas, principalmente a seu Coordenador, Professor Dr. Antônio de Moura Borges.

Agradeço ao meu orientador, Professor Dr. Ivo Gico Teixeira Junior, a paciência e compreensão em relação às dificuldades enfrentadas por este orientando, bem como o constante estímulo aos estudos e às pesquisas, sempre instigando um novo olhar e uma nova visão do fenômeno jurídico.

Agradeço aos meus amigos e familiares o convívio ao longo dos anos e os ensinamentos de vida. Agradeço, em especial, àqueles que, ao acompanharem minha trajetória pessoal, acadêmica e/ou profissional, torceram, e ainda torcem, pela realização de todos os meus projetos.

Agradeço, principalmente, aos meus pais, Gilberto Antonio da Silva Amorim e Maria Margarete de Amorim Amorim, o exemplo de caráter e dignidade em relação à vida e o amor e generosidade em relação a seus filhos. Agradeço a meus irmãos, Marcos Daniel Amorim de Amorim e Vanessa de Amorim Amorim.

Agradeço, por fim, a Luciana Gottschald Ferreira o convívio e os momentos divididos ao longo dos últimos anos. Sem dúvidas, os bons momentos vivenciados a seu lado tornaram meus dias bem mais agradáveis e contribuíram para superação das dificuldades enfrentadas neste trabalho.

“Este regresso ao passado é uma viagem sem retorno? Falando francamente, não parece haver, hoje, condições de oferecer respostas precisas para esta indagação. Qualquer iniciativa nesse sentido seria possível, quando muito, sob a forma de novas questões; estas, por sua vez, poderiam ser respondidas apenas por meio de novas perguntas, e assim sucessivamente”. José Eduardo Faria

RESUMO

Referência: AMORIM, Rafael de Amorim. Marcos Teóricos para Reflexão sobre Direito e Desenvolvimento. 2011. 126 págs.. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, Brasília, Distrito Federal, 2011.

Em linhas gerais, o presente trabalho dedica-se, em uma perspectiva histórica, ao estudo dos marcos teóricos da relação entre sistema jurídico e processo de desenvolvimento, disciplina, de caráter interdisciplinar, envolvendo áreas correlatas ao Direito e à Economia, que objetiva orientar e explicar os programas de reformas que procuraram alterar os sistema legais em nome do desenvolvimento, nas suas perspectivas econômica, política e social. Proceder-se-á, antes de iniciar o debate principal ora proposto, à apresentação dos referenciais teóricos que influenciaram, direta ou indiretamente, as discussões sobre sistemas legais e desenvolvimento. Com tal desiderato, os pressupostos teóricos que permeiam o campo da “Economia do Desenvolvimento” serão, inicialmente, apresentados, privilegiando-se, sobretudo, os paradigmas que mais impactaram no campo do Direito e Desenvolvimento. Para enriquecer as discussões específicas sobre sistema jurídico e processo de desenvolvimento, prosseguir-se-á com a apresentação das correntes teóricas que explicitam o papel de variáveis alternativas no desenvolvimento dos países (p. ex. aspectos geográficos, fatores culturais e a origem do sistema legal). Logo depois, delimitar-se-á o referencial teórico de Max Weber, teórico social que mais influenciou o campo do “Direito e Desenvolvimento”, desvelando, ao estudar a ascensão da civilização industrial europeia, o Direito como um fator determinante no processo de desenvolvimento, contribuindo, assim, para aumentar a consciência acerca do papel social do direito. Aprofundando o debate específico ora proposto, serão apresentados o Movimento “Direito e Desenvolvimento” e o Movimento “Estado de Direito”, buscando-se, então, sistematizar e conferir certa racionalidade ao arcabouço teórico existente, privilegiado-se, para tanto, os consensos acerca da utilização do direito como instrumento de promoção do desenvolvimento. Por fim, serão delineadas as linhas principais do novo Movimento em Direito e Desenvolvimento que está em formação, o qual tende a conciliar os erros e os acertos pretéritos, conformando um programa consentâneo aos desafios postosà sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Direito e Desenvolvimento. Revisão Histórica. Marcos Teóricos. Movimentos Acadêmicos. Programas de Reformas Jurídicas.

ABSTRACT

Reference: AMORIM, Rafael de Amorim. Theoretical Guides for Reflection on Law and Development. 2011. 126 sheets. Dissertation submitted to the Pos-graduate studies in Law at Catholic University of Brasilia, Brasília, Federal District, 2011.

In general, this paper focuses on a historical perspective to the study of theoretical frameworks of the relationship between legal system and process development, discipline, interdisciplinary, involving areas related to Law and Economics, which aims to guide and explain the reform programs that sought to change the legal system on behalf of the development in their economic prospects, political and social.Will proceed, before starting the main debate is now proposed, the presentation of theoretical frameworks that have influenced, directly or indirectly, discussions of legal systems and development. With this aim, the theoretical assumptions that underlie the field of "Development Economics" will be initially presented, focusing, above all, the paradigm that most influenced the field of Law and Development. To enrich specific discussions on the legal system and the development process, will proceed with the presentation of theoretical perspectives that explain the role of alternative variables in developing countries (eg. Geography, cultural factors and the origin of the legal system). Soon after, it will outline the theoretical framework of Max Weber, social theorist who most influenced the field of “Law and Development”, unveiling, to study the rise of European industrial civilization, the law as a determining factor in the development process, contributing, thus, to raise awareness about the social of Law. Deepening the specific debate is now proposed, will be presented the Movement "Law and Development" and the Movement "Rule of Law", seeking, then, organize and give some rationality to the existing theoretical framework, privileging, to this end, the consensus about using the Law as an instrument for promoting development. Finally, are outlined the main lines of the new Law and Development Movement who is in training, which tends to reconcile the errors and correct past tense, forming a program commensurate to the challenges contemporary society.

Keywords: Law and Development. Historical Review. Theoretical framework. Academic movement. Legal Reform Programs.

SUMÁRIO SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................09

2 MARCOS TEÓRICOS INICIAIS DO DEBATE SOBRE DESENVOLVIMENTO....14

2.1 A Economia do Desenvolvimento.....................................................................16

2.2 As Explicações Alternativas..............................................................................21

2.2.1 As Influências Geográficas..............................................................................22

2.2.2 As Influências Culturais....................................................................................27

2.2.3 As Influências da Origem Legal.......................................................................36

2.3 As Contribuições de Max Weber.......................................................................40

2.3.1 A Classificação Weberiana dos Modelos Jurídicos.........................................42

2.3.2 Os Requisitos da Racionalidade Lógico-Formal Weberiana...........................44

2.3.3 A Explicação Weberiana para a Ascensão Econômica Weberiana.................46

2.3.4 O Direito Moderno Weberiano e o Processo de Desenvolvimento.................48

3 MOVIMENTOS TEÓRICOS SOBRE DIREITO E DESENVOLVIMENTO............51

3.1 Movimento Direito e Desenvolvimento.............................................................51

3.1.1 Síntese das Influências Teóricas.....................................................................55

3.1.2 O Modelo Jurídico Concebido…......................................................................61

3.1.3 Relação entre o Modelo Jurídico Concebido e as Experiências Práticas.......68

3.1.4 A Crise do Movimento Direito e Desenvolvimento….......................................74

3.2 Movimento Estado de Direito............................................................................82

3.2.1 Síntese das Influências Teóricas......................................................................87

3.2.2 O Modelo Jurídico Concebido..........................................................................92

3.2.3 Relação entre o Modelo Jurídico Concebido e as Experiências Práticas.......97

3.2.4 A Crise do Movimento Estado de Direito…................................................... 103

3.3 Novo Movimento em Direito e Desenvolvimento..........................................108

4. CONCLUSÃO......................................................................................................114

9

1. INTRODUÇÃO

Do ponto de vista teórico, o estudo sobre a relação entre Direito e

Desenvolvimento remonta, pelo menos, ao século XIX, atraindo, desde então, o

interesse de inúmeros pesquisadores. Do ponto de vista prático, sobressaem,

também, da mesma época, os primeiros esforços para implementação, sob

influência do Direito e Desenvolvimento, de projetos voltadas para o progresso dos

países pobres (TRUBEK; SANTOS, 2006).

Por certo, isso não significa que existam respostas definitivas para todos os

problemas, teóricos e práticos, provenientes da relação entre Direito e

Desenvolvimento. De maneira geral, o tema sujeita-se a muitas controvérsias,

levando, inclusive, algumas linhas teóricas a questionar se os sistemas legais

exercem mesmo alguma influência nos processos de desenvolvimento e outras

correntes teóricas a suscitar outras variáveis ao debate (p. ex. cultura, religião etc.).

Neste contexto, o aprofundamento das investigações é fundamental, de modo

a consolidar um campo de pesquisa, de caráter interdisciplinar1, focado na realidade

contemporânea e capaz de responder aos desafios enfrentados pelos países em

desenvolvimento. Na ocasião, o objeto central do debate será a relação entre Direito

e Desenvolvimento, abordando-se, com o propósito de enriquecer as discussões

propostas, explicações teóricas que destacam variáveis alternativas.

Pressupõe-se, desde logo, que o direito é uma variável decisiva no

desenvolvimento dos países, reconhecendo-se, todavia, dada a complexidade

subjacente ao debate, que tal variável não é a única a ser sopesada. Em outras

palavras, Karl Polanyi (1944[2000]) defende que o desenvolvimento resulta da

interação de um grande número de fatores, ressalvando, contudo, que o sistema

legal é um dos fatores determinantes no processo de desenvolvimento.

1 “A interdisciplinaridade é o princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão dos seus limites, mas, acima de tudo, é o princípio da diversidade e da criatividade” (ETGES, 1993, p. 18).

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Com esteio na literatura acadêmica, constata-se que, ao longo do período, a

relação entre Direito e Desenvolvimento passou por diferentes fases, explicitando-se

o término da II Guerra Mundial e a independência das colônias europeias como

propulsores de estudos e, também, de práticas relacionados à temática, em

decorrência da incorporação de tal problemática nos programas das agências de

desenvolvimento, principalmente nos programas de reformas jurídicas:

[O estudo da relação entre] Direito e Desenvolvimento orienta e explica a prática corrente daqueles que procuram alterar os sistemas legais em nome do desenvolvimento [...]. (TRUBEK e SANTOS, 2006, p. 3, tradução nossa)

Em linhas gerais, o estudo da relação entre sistemas legais e

desenvolvimento perpassa questões relacionadas à teoria econômica, à teoria

jurídica e às práticas institucionais correlatas, que influenciam e são influenciadas

mutuamente2. Sistematizar e conferir certa racionalidade ao arcabouço teórico

existente é um enorme desafio, visto que é necessário trabalhar, simultaneamente,

com pressupostos diferentes e potencialmente contraditórios.

Dessa forma, os movimentos acadêmicos dedicados ao estudo da relação

entre sistemas legais e desenvolvimento também foram constituídos, implicando, em

virtude de influências políticas e econômicas distintas, o surgimento de abordagens

diferentes. Em que pese ter sofrido influências dos movimentos mencionados, o

Brasil ainda não constituiu um campo próprio de pesquisas na área, evidenciando,

assim, a necessidade de os acadêmicos pátrios refletirem sobre o tema.

Para subsidiar tal reflexão, propõe-se, na ocasião, a revisão teórica dos

movimentos acadêmicos do Direito e Desenvolvimento, adotando-se, para tanto,

um enfoque retrospectivo histórico. Por oportuno, salienta-se, desde logo, que os

movimentos acadêmicos sobrevieram de intensos debates e consolidaram, em cada

período histórico, consenso intelectual sobre algumas questões, persistindo, claro,

divergências teóricas em outros aspectos.

2 O “Direito e Desenvolvimento” relaciona-se a um debate acadêmico mais abrangente, denominado “Direito e Economia”, destacando-se, também, a partir da década de 1950, em especial nas universidades norte-americanas as escolas “Law and Economics” e “Critical Legal Studies”.

11

Proceder-se-á, porém, antes de iniciar o debate principal ora proposto, à

apresentação dos referenciais teóricos que influenciaram, direta ou indiretamente, as

discussões sobre sistemas legais e desenvolvimento. Com tal desiderato, os

pressupostos teóricos que permeiam o campo da “Economia do Desenvolvimento”

serão, inicialmente, apresentados, privilegiando-se, sobretudo, os paradigmas que

impactaram o campo do Direito e Desenvolvimento.

Para ilustrar o debate, prosseguir-se-á com a apresentação das correntes

teóricas que explicitam o papel de variáveis alternativas no desenvolvimento dos

países, oferecendo-se, então, um diálogo (di + a = dois ou mais; logos = lógica ou

modo de pensar) com diferentes disciplinas. Certamente, muitas polêmicas

permeiam as correntes teóricas alternativas, aproveitando-se, todavia, seus insights

para enriquecer o debate específico sobre Direito e Desenvolvimento.

Logo depois, delimitar-se-á o referencial teórico de Max Weber, teórico social

que mais influenciou o campo do “Direito e Desenvolvimento”, desvelando, ao

estudar a ascensão da civilização industrial europeia, o papel então desempenhado

pelo sistema jurídico. Posteriormente, promover-se-á, enfim, a apresentação dos

movimentos acadêmicos que se dedicaram ao estudo do Direito e Desenvolvimento

e, assim, pautaram o debate a respeito do tema em âmbito mundial.

O Movimento “Direito e Desenvolvimento” foi o precursor dos projetos

acadêmicos na área, consolidando, entre as décadas de 1950 e 1970, sob a

influência da teoria da modernização, os primeiros trabalhos voltados a compreender

a relação entre direito e desenvolvimento, entrando em colapso, pelo fato de as

reformas jurídicas prescritas não terem alcançado os resultados esperados, no final

do período mencionado.

Devido ao fracasso das reformas propostas, as pesquisas foram reduzidas

bruscamente, configurando, na década de 1980, uma autêntica letargia no campo

ora discutido. Depois disso, os estudos foram retomados e, sob a influência de

teorias liberais e humanistas, consolidaram, entre o final da década de 1980 e a

década de 1990, o Movimento “Estado de Direito”, que propugnava a limitação da

intervenção estatal e, ao mesmo tempo, a promoção das liberdades individuais.

12

Infelizmente, as reformas jurídicas prescritas também não alcançaram os

resultados esperados, sobressaindo, no final da década de 1990, como sucedâneo

do programa propugnado pelo Consenso de Washington, problemas graves nos

países, que contribuíram para crise do Movimento “Estado de Direito”, fato decisivo

para necessária reflexão acerca do autêntico papel da ordem jurídica nos processos

de desenvolvimento dos países.

Sob influências das críticas teóricas e dos problemas práticos observados nos

movimentos acadêmicos precedentes, exsurge, atualmente, embora de forma não

muito clara, um novo Movimento em Direito e Desenvolvimento, o qual, na leitura de

David Trubek, busca conciliar os erros e os acertos pretéritos e delinear

conscientemente um programa consentâneo aos desafios postos à sociedade

contemporânea. Dado o quadro fático, importa observar que:

As teorias não evoluem gradualmente, ajustando-se a fatos que sempre estiveram à nossa disposição. Em vez disso, surgem ao mesmo tempo em que os fatos aos quais se ajustam, resultando de uma reformulação revolucionária da tradição científica anterior – uma tradição na qual a relação entre o cientista e a natureza, mediada pelo conhecimento, não era exatamente a mesma. (KUHN, 2000, p. 179)

Parafraseando Brian Tamanaha (1995), explicita-se, portanto, que a revisão

dos diferentes movimentos acadêmicos ora proposta é oportuna, devendo ser

privilegiados os consensos acerca da utilização do direito como instrumento de

promoção do desenvolvimento. Desse modo, o presente trabalho, além de contribuir

para evitar a repetição dos erros já cometidos no passado, contribuirá, talvez, para a

evolução do campo do Direito e Desenvolvimento.

Nas palavras de Alan F. Chalmers (2009, p. 135), “o conhecimento científico

cresce continuamente à medida que observações mais numerosas e mais variadas

são feitas, possibilitando a formação de novos conceitos [...] e a descoberta de

novas relações […]”. Por certo, o debate acerca do Direito e Desenvolvimento, que,

por sinal, moldou políticas públicas de âmbito nacional e internacional, relaciona-se

a questões fundamentais para o futuro dos países em desenvolvimento.

13

Nesse sentido, destaca-se, para fins didáticos, que quase metade da

população mundial – mais de 3 bilhões de pessoas – sobrevivia, segundo dados do

Banco Mundial referentes ao ano de 2005 (SHAH, 2010), com menos de $ 2,5

dólares por dia, e, desse total, quase um sexto da população mundial –

aproximadamente 880 milhões de pessoas – sobrevivia com menos de $ 1,0 dólar

por dia, demonstrando, enfim, a importância do diálogo ora proposto.

Para resolver o problema, Dani Rodrik (2003) assevera que é necessário

repensar as estratégias de desenvolvimento, as quais, até o presente momento,

inobstante inúmeras iniciativas, não foram suficientes para melhorar, de forma

acentuada, as condições de vida da população mundial. A propósito, o presente

trabalho não irá, obviamente, solucionar o problema mencionado, espera-se

somente que contribua, de alguma forma, para o aprofundamento do debate.

14

2. MARCOS TEÓRICOS INICIAIS DO DEBATE SOBRE DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Nos últimos 60 anos, agências governamentais de países desenvolvidos (p.

ex. Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional – USAID),

fundações privadas (p. ex. Ford), organismos internacionais (p. ex. Grupo Banco

Mundial) e, claro, os próprios países em desenvolvimento (p. ex. Brasil) têm

investido vultosos recursos em projetos de reformas jurídicas, sem contar, porém,

com um referencial teórico robusto na área de Direito e Desenvolvimento.

Pelo fato de não serem fins em si mesmos, os projetos de reformas jurídicas

estiveram, desde o início, inclusos em projetos de assistência internacionais mais

abrangentes, objetivando, sob influência direta dos diferentes momentos históricos,

potencializar o progresso econômico e social dos países pobres. Depreende-se,

assim, a influência dos fatos históricos nos projetos de reformas jurídicas, com

impactos diretos na própria área do Direito e Desenvolvimento.

Em que pese terem empreendido diversos estudos e pesquisas voltados para

a temática, obtendo, inclusive, significativos financiamentos para seus projetos de

pesquisa, as universidades e os teóricos não consolidaram um referencial teórico

proporcional aos esforços práticos realizados no período. Por essa razão, observa-

se, coincidentemente, a “persistência com a qual seus participantes têm-se

declarado estar 'em crise'” (TAMANAHA, 1995, p. 188).

Houve, a rigor, significativo desapontamento em relação aos projetos de

assistência internacionais, os quais não propiciaram, nas últimas décadas, o

desenvolvimento esperado, hipótese reforçada, em larga medida, pela literatura

acadêmica (DAM, 2006). Burnside e Dollar (2000, p. 864, tradução nossa), por

exemplo, asseveraram: “Em consonância com outros autores, descobrimos que a

assistência internacional teve, na média, pouco impacto sobre crescimento”.

Burnside e Dollar (2000) sustentaram, então, que os projetos de assistência

alcançaram melhores resultados em países que contavam com boas instituições e,

15

ao mesmo tempo, seguiam boas políticas. Easterly, Levine e Roodman (2004)

demonstraram, porém, com base em dados mais consistentes, que os economistas

não podiam ser tão otimistas quanto aos potenciais resultados dos projetos de

assistência internacional.

David Landes (1998, p. 523, tradução nossa), por sua vez, é mais categórico:

“A história demonstra que as soluções mais bem sucedidas para pobreza provieram

de dentro”. Nessa leitura, entende-se que os projetos de assistência internacionais

podem ajudar, mas, pelo fato de desencorajarem os esforços próprios, também

podem prejudicar, deixando uma sensação paralisante de incapacidade na

população dos países auxiliados3.

Inobstante as polêmicas teóricas e práticas, que serão posteriormente

retomadas, David Trubek, em entrevista concedida em 2007, incluída no livro “O

Novo Direito e Desenvolvimento: Presente, Passado e Futuro” (2009), destacou que

a academia até exerce certa influência nos projetos voltados para o desenvolvimento

dos países pobres, sendo, porém, o trabalho mais significativo da área feito, a

contrario sensu, por economistas, com pouca participação de operadores jurídicos.

Em outras palavras, David Trubek, teórico cuja produção confunde-se com a

própria ascensão, morte e revitalização do campo do Direito e Desenvolvimento

(RODRIGUEZ, 2009), entende que as faculdades de direito ainda não deram

atenção suficiente à temática, deixando, por isso, prevalecer, nos últimos 60 anos,

teorias e práticas com a visão dominante dos economistas, que foram, por sinal,

responsáveis pela inclusão das reformas jurídicas na agenda política.

Posto isto, sobreleva-se, naturalmente, a necessidade de apresentar as

teorias econômicas que perpassam o debate, explicitando-se, na ocasião, os

paradigmas subjacentes que influenciaram os diferentes movimentos acadêmicos do

Direito e Desenvolvimento. Pelo fato de o foco deste trabalho estar restrito aos

movimentos acadêmicos inspirados pela escola norte-americana “Law and

Development”, alguns recortes teóricos serão oportunamente realizados.

3 David Landes (1998, p. 523, tradução nossa) complementa: "A mão que recebe está sempre debaixo da mão que dá."

16

2.1 A Economia do Desenvolvimento

Os estudos sobre sistemas legais e processos de desenvolvimento foram

influenciados e, possivelmente, impulsionados pelos economistas, que constituíram

a denominada “Economia do Desenvolvimento” ou, como alguns preferem, “Teoria

do Desenvolvimento Econômico”, objetivando compreender as causas do

desenvolvimento de alguns países, com vistas a definir os instrumentos capazes de

potencializar o crescimento dos países pobres.

Em termos práticos, reconhece-se, assim, inobstante os esforços teóricos a

serem empreendidos neste trabalho para diferenciar as contribuições das duas

disciplinas, que o debate sobre ordem jurídica e desenvolvimento estava, em um

primeiro momento, direta e/ou indiretamente, inserto em um debate mais amplo,

conduzido no âmbito da disciplina da “Economia do Desenvolvimento”, o que traz,

logicamente, pontos de intersecção entre os dois campos4.

Do ponto de vista metodológico, a técnica de investigação adotada pelos

economistas para enfrentar os desafios teóricos explicativos relacionados ao

desenvolvimento econômico também influencia o campo do Direito e

Desenvolvimento. Para fins ilustrativos, recorre-se a Celso Furtando, que, em sua

obra “Direito e Subdesenvolvimento” (1961 [2009], p. 25), esclareceu que a tarefa

explicativa dos economistas projeta-se em dois planos, a saber:

O primeiro – no qual predominam as formulações abstratas – compreende a análise do mecanismo propriamente dito do processo de crescimento, o que exige construção de modelos ou esquemas simplificados dos sistemas econômicos existentes [...]. O segundo – que é o plano histórico – abrange o estudo crítico, em confronto com uma realidade dada, das categorias básicas definidas pela análise abstrata.

Em outras palavras, Celso Furtado (1961[2009]) sustenta que não basta

construir um modelo abstrato e elaborar a explicação do seu funcionamento. Em

termos práticos, isso significa que qualquer abstração teórica só será válida se,

4 Miguel Reale (2002, p. 21), por exemplo, sustentou que existe “uma interação dialética entre o econômico e o jurídico, não sendo possível reduzir essa relação a nexos causais”.

17

depois de confrontada com a realidade histórica, tiver comprovada sua eficácia

explicativa, promovendo-se, depois disso, dadas as limitações inerentes a qualquer

abstração, as modificações necessárias:

[...] o problema que se nos apresenta é duplo: primeiro, saber até que ponto é possível generalizar para outras estruturas observações feitas em uma; segundo, definir relações que sejam suficientemente gerais para ter validez no curso de determinadas modificações estruturais. (FURTADO, 1961 [2009], p. 26)

Com efeito, o problema metodológico decorrente da natureza abstrata e

histórica não é exclusivo dos economistas, relacionando-se, a priori, a todos os

teóricos preocupados com o desenvolvimento dos países, que observam, em suas

análises, problemas comuns e específicos em cada nação, explicitando-se, assim,

que cada fenômeno histórico de desenvolvimento é relativamente singular, hipótese

que enfraquece, ex ante, os modelos abstratos universais.

Observar-se-á, posteriormente, o impacto das limitações metodológicas

supracitadas nos estudos sobre ordem jurídica e desenvolvimento, destacando-se,

desde logo, suas influências decisivas nas crises finais do Movimento Direito e

Desenvolvimento e do Movimento Estado de Direito. Sem adentrar em maiores

polêmicas, apresenta-se, agora, de modo bastante breve, os pressupostos teóricos

que permeiam o campo da “Economia do Desenvolvimento”.

Com tal desiderato, adota-se a classificação proposta por Kenneth Dam

(2006), que defende que a produção do campo da “Economia do Desenvolvimento”,

com reflexos no campo do “Direito e Desenvolvimento”, perpassa três estágios

diferentes. Nessa concepção, os economistas clássicos - Adam Smith, David

Ricardo, J. Stuart Mill etc. - não são abordados5, privilegiando-se, dessa forma, os

referenciais mais proeminentes no período posterior à II Guerra Mundial.

5 Celso Furtado (1961/2009, p. 30-31), após advertir que a teoria do desenvolvimento é, principalmente, uma teoria da produção, sustentou que economistas clássicos “não só não se preocuparam com o processo produtivo, como algumas vezes declararam explicitamente que estes escapam aos objetivos da ciência econômica”.

18

De maneira geral, a literatura do pós-guerra focou, inicialmente, em uma

proposição simples: produção era função das variáveis capital e trabalho. Sob

enfoque macroeconômico, os teóricos macroeconômicos do desenvolvimento

preconizaram, ao observarem o excesso de trabalho e a escassez de capital, a

simples transferência desta última variável para os países pobres, com vistas a

aumentar sua produção e a propiciar o seu desenvolvimento (DAM, 2006).

Em outros termos, os teóricos compreendiam que o desenvolvimento decorria

do aumento da produção, que, por sua vez, dependia de maior incorporação das

variáveis capital e trabalho ao processo produtivo. Para viabilizar os investimentos

necessários para expansão do processo produtivo, era, então, diante da escassez

de capital acumulado, necessário deslocar capitais para os países em

desenvolvimento (FURTADO, 1961 [2009]).

A propósito, o setor privado dos países pobres era ainda incipiente e não

contava com capital acumulado suficiente e com conhecimento apropriado para

promover a expansão da produção. Diante dessa situação fática, o setor público

assumiu, por um lado, a dianteira dos investimentos produtivos necessários para

promover o desenvolvimento, contraindo, para tanto, empréstimos significativos, e,

por outro lado, estimulou a instalação de empresas estrangeiras em seu território.

Corroborando os fatos históricos relatados, Kenneth Dam (2006) salienta que

não ocorreu, devido aos postulados da Teoria Macroeconômica do Desenvolvimento,

a simples transferência de capital para os países pobres, sobressaindo, também,

uma forte política de intervenção estatal no domínio econômico, com investimentos

estatais diretos e com a concessão de subsídios a novas indústrias, o que, na sua

opinião, decorreu de leituras precipitadas do modelo teórico ora examinado.

Confrontada por inúmeros problemas, a “Economia do Desenvolvimento” foi,

nesse meio tempo, objeto de uma intensa disputa teórica, sobressaindo, à época,

trabalhos teóricos robustos (p. ex. Modelo de Solow, Modelo de Schumpeter etc.).

Não obstante, seu segundo estágio é sintetizado por Kenneth Dam, ciente das

dificuldades inerentes a qualquer simplificação teórica, pela prevalência dos

postulados neoclássicos, a saber:

19

[...] no segundo estágio do pensamento sobre desenvolvimento econômico, os insights da política econômica neoclássica deveriam ser aplicados, não apenas mediante a abertura dos mercados domésticos para as importações e a liberação dos controles de preços, mas, além disso, especialmente mediante a estabilização macroeconômica. (2006, p. 4, tradução nossa).

Propugnava-se, assim, no seu segundo estágio, conhecido como Teoria

Neoclássica do Desenvolvimento, que o setor privado era o motor do progresso

econômico, defendendo-se que os empresários poderiam, por meio do sistema de

créditos e de capitais, financiar os seus investimentos, cabendo ao setor público a

função de prover ao setor privado as condições estruturais necessárias para o seu

pleno desenvolvimento (FURTADO, 1961[2009]).

Por consequência, as denominadas “reformas estruturais” foram propaladas

em âmbito mundial, com a vinculação de empréstimos destinados aos países em

desenvolvimento à implementação das medidas de ajustes estruturais propugnadas,

incluindo-se, logo após, no receituário preceituado, algumas reformas

microeconômicas (p. ex. privatizações, reformas trabalhistas, reformas no sistema

financeiro etc. [DAM, 2006]).

No contexto descrito, inúmeros países enfrentaram crises econômicas

severas, que sucederam a implementação das medidas supracitadas. Por essa

razão, o terceiro estágio da “Economia do Desenvolvimento” amplia, consoante

Kenneth Dam (2006), o escopo de sua análise, privilegiando, então, a realidade e,

principalmente, os problemas dos países em desenvolvimento, com foco destacado

para as suas diferentes instituições:

[…] atualmente, a ideia que instituições, em especial instituições legais, são cruciais no processo de desenvolvimento econômico é amplamente aceita nas universidades e nos departamentos de pesquisa das instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial. (DAM, 2006, p. 5, tradução nossa)

Nessa linha, exsurge a denominada Teoria Neoinstitucional do

Desenvolvimento, a qual representa, sob influência dos trabalhos de Ronald Coase,

20

uma evolução da teoria neoclássica, sendo acrescidos os custos de transação às

variáveis que compõem a função produção. Sob a perspectiva microeconômica,

sobreleva-se o impacto das instituições jurídicas nos custos de transação e,

sobretudo, no desenvolvimento, hipótese até então ignorada pelos neoclássicos.

Superada esta breve apresentação preliminar, reitera-se que o campo do

“Direito e Desenvolvimento” sobreveio dos trabalhos da “Economia do

Desenvolvimento, subsistindo, certamente, pontos de convergência e divergência

entre as duas disciplinas. Como já noticiado, a relação entre direito e economia

influenciou as escolas “Law and Economics”, “Critical Legal Studies” e “Law and

Development”, sendo esta última o foco dos escritos subsequentes.

Parafraseando David Trubek (2006), adverte-se, desde logo, que, inobstante

as contribuições propostas por economistas, os operadores jurídicos devem

comprometer-se ainda mais com as pesquisas afetas ao desenvolvimento dos

países, de modo a consolidar uma teoria robusta de caráter interdisciplinar,

caracterizada como uma autêntica “Doutrina do Direito e Desenvolvimento” e capaz

de direcionar os rumos dos programas de reformas jurídicas.

Por certo, isso não significa que David Trubek compreenda o Direito e

Desenvolvimento como uma área exclusivamente jurídica. Pelo contrário, o teórico

deixa claro, em sua obra “O Novo Direito e Desenvolvimento Econômico – Uma

Abordagem Crítica” (2006 [tradução nossa]), organizada em parceria com Álvaro

Santos, que o campo provém da intersecção do Direito, da Economia e do estudo de

Instituições, sobressaindo, mais uma vez, seu caráter interdisciplinar.

Consoante Kenneth W. Dam (2006), o sistema legal é uma variável crucial no

processo de desenvolvimento, ressalvando-se, porém, que o termo crucial não

sinaliza que o direito é mais importante do que outras variáveis. Nessa linha, Dam

(2006) ilustra que, assim como os dedos de uma mão, as diferentes variáveis se

complementam, explicitando-se, assim, a importância da apresentação de teorias

que evidenciam o papel desempenhado por variáveis alternativas.

21

2.2 As Explicações Alternativas

Dada a complexidade subjacente ao debate ora proposto, que, por sinal,

evidencia que não existe uma resposta única para os problemas correlatos, importa

agora, antes de iniciar as discussões específicas acerca da relação entre ordem

jurídica e processo de desenvolvimento, discorrer sobre as correntes teóricas que se

dedicaram ao estudo do desenvolvimento e, ao final, concluíram que outras

variáveis foram decisivas para o progresso das nações.

Observando a complexidade inerente aos problemas relacionados aos

diferentes níveis de desenvolvimento dos países, David S. Landes (1998) refutou a

adoção de visões simplistas, que concedem importância excessiva a uma única

variável. Propugnou, porém, ao explicitar exemplos de mudanças positivas, que o

domínio das explicações alternativas pode potencializar a capacidade de os teóricos

proverem as soluções necessárias para alavancar o progresso dos países.

Kenneth Dam (2006, p. 24, tradução nossa) reforçou esse entendimento: “as

explicações alternativas sobre as diferenças no desenvolvimento dos países

possuem alguns méritos”. Na sua leitura, as diferenças geográficas e culturais, por

exemplo, parecem, a priori, ter algum reflexo no desenvolvimento dos países,

ressalvando-se, todavia, que, até o momento, as explicações alternativas não

ofereceram insights suficientes para a (re)formulação dos projetos de assistência.

Nessa linha, Dani Rodrik (2007) constata, após analisar os índices de

crescimento econômico dos países em desenvolvimento, que existe uma variedade

significativa no desempenho dos países, ressaltando, logo depois, que as diferentes

experiências dos países em desenvolvimento podem contribuir para a definição das

melhores “estratégias de crescimento”6. Portanto, as explicações alternativas

enriquecerão, certamente, os debates subsequentes.

6 Dani Rodrik (2007, p. 15, tradução nossa) entende que “estratégias de crescimento” de países em desenvolvimento compreendem “políticas econômicas e arranjos institucionais que objetivam alcançar a convergência econômica com os padrões de vida prevalecentes em países avançados”.

22

Brian Tamanaha (2010, p. 178) propugna, então, que “a sociedade é o centro

de gravidade absoluto do Direito e Desenvolvimento” e esclarece, em seguida, que

“o termo 'sociedade' é aqui usado em um sentido amplo, abrangendo a totalidade da

história, a cultura, os recursos humanos e materiais, as composições religiosas e

étnicas, a demografia, o conhecimento, as condições econômicas e a política”,

características que devem, na sua opinião, ser consideradas7.

2.2.1 As Influências Geográficas

A partir do século XVIII, a influência dos aspectos geográficos no

desenvolvimento dos países passou a ser amplamente debatida. Montesquieu foi,

sem dúvida, o precursor das discussões teóricas sobre o impacto das variações

geográficas, vez que, no capítulo XIV de sua obra clássica “O Espírito das Leis”,

analisou a influência das variações climáticas nas atividades humanas, inaugurando,

então, as polêmicas que permeiam tal explicação alternativa (DAM, 2006).

Contemporaneamente, Jeffrey Sachs, por meio dos working papers

“Subdesenvolvimento Tropical” (2001, tradução nossa) e “Instituições não

prevalecem: efeitos diretos da geografia sobre a renda per capita” (2003, tradução

nossa), reacendeu o debate sobre o impacto dos fatores geográficos e ecológicos

(p. ex. clima, doenças e distância da costa), no desenvolvimento dos países,

investigando, em linhas gerais, os desafios enfrentados pelos países.

Para tanto, Jeffrey Sachs (2001/2003) recorre a sistemas de informações

geográficas e identifica que países situados em zonas tropicais são, na sua maioria,

pobres, enquanto países situados em zonas temperadas são, na sua maioria ricos

(ver Figura 1). Para fins exemplificativos, Sachs (2001) assinala que das 30 (trinta)

economias classificadas pelo Banco Mundial como de alta renda apenas 2 (duas) –

Hong Kong e Cingapura – estão situadas em zonas tropicais.

7 Tamanaha entende que “nenhum aspecto do Direito e Desenvolvimento opera ou pode ser entendido isoladamente em relação a esses fatores circundantes. As qualidades, o caráter, os efeitos e as consequências do direito são completa e inescapavelmente influenciados pela sociedade circundante”. (2010, p.178)

23

Figura 1 - Efeitos Diretos da Geografia sobre a RendaFonte: Jeffrey Sachs (2001, p. 37)

Jeffrey Sachs (2001) demonstra, na figura 1, que a maioria dos países pobres

concentra-se próximo à linha do equador, excepcionando-se as nações pobres

comunistas e os países pobres com extremo isolamento geográfico localizados na

região temperada. Diante disso, Sachs (2001, p. 3, tradução nossa) preconiza:

“talvez a relação empírica mais robusta relacionada à pobreza e à riqueza dos

países diz respeito a regiões geográficas e renda per capita”.

Para ilustrar a sua tese, Sachs (2001) recorre, ainda, aos grandes países, que

possuem extensão territorial significativa. Destacou, por exemplo, o caso do Brasil,

onde a zona tropical possui nível de renda inferior à zona temperada.

Possivelmente, os problemas enfrentados pelas regiões situadas na zona tropical

são, na sua opinião, decorrentes do atraso tecnológico, da baixa produtividade, da

falta de inovação, da dinâmica social, e de fatores geopolíticos.

Neste contexto, depreende-se que os fatores geográficos podem, como

demonstram inúmeros estudos, até não ser determinantes primários do

desenvolvimento dos países, mas, certamente, aquelas regiões situadas próximas à

linha do equador possuem um desafio adicional para alcançar o desenvolvimento,

24

hipótese corroborada, inclusive, pelos teóricos que refutam a teoria que privilegia o

papel dos fatores geográficos (DAM, 2006).

Por meio do working paper “Instituições não prevalecem: efeitos diretos da

geografia no rendimento per capita”, Jeffrey Sachs (2003) reforçou seu entendimento

quanto à importância das variáveis geográficas e ecológicas nos níveis de renda per

capita e de crescimento econômico, refutando, ao final, a linha teórica que sustenta

que a situação atual dos países é reflexo de uma complexa interação entre as

variáveis geográficas e ecológicas e as instituições e políticas outrora adotadas.

Acemoglu, Johnson e Robinson (2001), Easterly e Levine (2002) e Rodrik,

Subramanian e Trebbis (2002) entenderam, ao refinarem a teoria ora analisada, que

os níveis de renda e de crescimento teriam decorrido, na verdade, das escolhas

institucionais pretéritas, que, por sua vez, teriam sido influenciadas pelos fatores

geográficos e ecológicos. Rodrik, Subramanian e Trebbis apresentaram

posicionamento bastante esclarecedor:

Uma vez que as instituições são controladas, fatores geográficos têm, na melhor das hipóteses, efeitos diretos fracos sobre a renda, embora tenham um forte efeito indireto, influenciando a qualidade das instituições. (2002, p. 01, tradução nossa)

Inobstante a linha teórica adotada, constata-se, em última análise, que os

fatores geográficos influenciaram, nessa concepção, direta e/ou indiretamente os

níveis de desenvolvimento dos países. Por um lado, Sachs (2001/2003) entende que

as variáveis geográficas são determinantes primárias do nível de renda e de

crescimento; por outro lado, os teóricos citados compreendem tais variáveis como

determinantes secundárias do desenvolvimento dos países.

Com o propósito de explicar as diferenças de prosperidade entre os países

ricos e pobres, Daron Acemoglu, no artigo “Causas Fundamentais: Uma Abordagem

Histórica para Avaliar o Papel das Instituições no Desenvolvimento Econômico”

(2003, tradução nossa), procurou investigar o porquê de os países localizados na

zona tropical não terem implementado as condições estruturais e institucionais

25

necessárias para o seu desenvolvimento econômico.

Por relevante, Acemoglu (2003) reforçou que, embora exista correlação entre

geografia e prosperidade, os fatores geográficos não são influências primárias do

desenvolvimento. Em complemento, o teórico preconizou que, se os fatores

geográficos fossem determinantes por si só, os lugares que já eram ricos antes da

colonização permaneceriam ricos e os lugares que já eram pobres, por sua vez,

permaneceriam pobres, hipótese não corroborada pelos fatos históricos.

[...] não é possível que o clima, a ecologia, ou as doença presentes nas áreas tropicais condenaram estes países à pobreza hoje, pois essas mesmas áreas com o mesmo clima, ecologia e doenças foram mais ricas que as zonas temperadas há 500 anos. (ACEMOGLU, 2003, p. 28, tradução nossa)

Para resolver a questão, Daron Acemoglu (2003) sustentou, então, com base

em evidências históricas, que os fatores geográficos influenciaram apenas a

definição da estratégia de colonização adotada pelos europeus, a qual determinou

as características das instituições implementadas, que, aí sim, impactaram

decisivamente no desenvolvimento de cada colônia. Nessa perspectiva, Acemoglu

(2003, p. 28, tradução nossa) contextualizou:

Em um extremo, os europeus estabeleceram instituições exclusivamente extrativistas, exemplificadas pela colonização belga do Congo, as plantações com a utilização de escravos no Caribe, e o sistema de trabalho forçado na minas da América Central. Essas instituições não protegiam os direitos de propriedade dos cidadãos comuns e não restringiram o poder das elites. No outro extremo, os europeus fundaram colônias onde estabeleceram sociedades de colonos, repetindo e, muitas vezes, melhorando instituições europeias que protegem a propriedade privada. Os principais exemplos deste modo de colonização são Austrália, Canadá, Nova Zelândia e os Estados Unidos. Nessas sociedades, os colonos também conseguiram impor restrições significativas às elites e aos políticos, embora tenham tido que lutar para alcançar esse objetivo.

Acemoglu (2003) não avançou no seu trabalho, explicitando apenas que os

fatores geográficos teriam sido decisivos para a definição das estratégias de

colonização e para a implementação das escolhas institucionais. Jeffrey Sachs

26

(2003), por sua vez, consignou que os prováveis fatores que influenciaram a

estratégia de colonização foram a adaptação ao clima, os riscos de doenças e os

riscos de sobrevivência. Kenneth Dam explica:

Em regiões apropriadas apenas para a exploração mineral ou para agricultura e onde os europeus não poderiam sobreviver facilmente devido às doenças tropicais, os europeus escravizaram a população indígena e não estabeleceram assentamentos permanentes. Mas em terras mais pobres, como Nova Inglaterra, onde os nativos não eram facilmente escravizados e onde havia forma de organizar atividades de exploração de massa, os europeus foram forçados a estabelecer seus próprios assentamentos. (2006, p. 58, tradução nossa)

Sustenta-se, enfim, nessa concepção, que os fatores geográficos e

ecológicos, apesar de não condenarem à pobreza e não garantirem à riqueza,

impactaram possivelmente na definição da estratégia de colonização, que foi

responsável pelas escolhas institucionais definidas para cada colônia. Supõe-se,

dessa forma, que os níveis de renda e de crescimento podem ter decorrido da

interação entre geografia, políticas e instituições (EASTERLY e LEVINE, 2002).

Figura 2 – Interação entre Geografia, Políticas e InstituiçõesFonte:Rodrik, Subramanian e Trebbis (2002, p. 24)

Como demonstrado, as explicações geográficas não devem ser consideradas

isoladamente, sendo, por isso, necessário relacioná-las a outras variáveis,

27

compatibilizando-as, em especial, com as explicações institucionais. Afinal, se os

fatores geográficos fossem as únicas variáveis determinantes, seria impossível

explicar, por exemplo, as diferenças significativas no nível de renda e de

crescimento do Chile e da Argentina (DAM, 2006).

2.2.2 As Influências Culturais

Os trabalhos que relacionam as variáveis culturais aos diferentes níveis de

desenvolvimento não são recentes. Contaram, geralmente, com contribuições de

cientistas sociais e historiadores, os quais introduziram ao debate, nas décadas de

1940 e 1950, diversas variáveis culturais (valores, práticas, símbolos, crenças, etc.),

concluindo, mesmo diante de críticas robustas, que os fatores culturais faziam toda

diferença no processo de desenvolvimento dos países (DAM, 2006).

Neste contexto, Kenneth Dam (2006) alertou que explicações culturais para

os diferentes níveis de desenvolvimento não são fáceis de refutar ou confirmar

porque cultura é difícil de definir e medir, fato que impactou na decisão de alguns

economistas que preferiram evitar tais explicações. A cultura constitui-se dos valores

que orientam as atitudes da população, que determinam, de maneira geral, o

comportamento e as escolhas de indivíduos que compõem certo grupo social.

Sob outra perspectiva, David Landes afirmou, como o próprio nome do seu

artigo sugere – “Cultura Faz Quase Toda a Diferença” (2000, p. 1, tradução nossa) –,

“se aprendemos alguma coisa na história do desenvolvimento econômico, é que

cultura faz quase toda a diferença”. Nessa linha teórica, sobreleva-se, em especial, a

obra “Cultura Importa: Como os Valores Definem o Progresso Humano” (2000,

tradução nossa), editada por Lawrence Harrison e Samuel Huntington.

Com o propósito de explicitar a influência dos fatores culturais, os teóricos

recorrem a experiências históricas de países multiculturais, onde certas minorias

alcançaram, atuando em condições análogas ao restante da população, maior

progresso econômico (DAM, 2006). Para fins ilustrativos, destacam-se, no caso

28

brasileiro, os seguintes exemplos: imigrantes europeus na região sul, imigrantes

japoneses na região sudeste etc.

Segundo David Landes (2000), alguns teóricos sustentaram a ilusão de que

um bom motivo seria o suficiente para explicar as diferenças entre o

desenvolvimento dos países, considerando, dessa forma, certa variável, por si só,

determinante de algo tão complexo. Diante de críticas robustas, as explicações

culturais perderam forças nas décadas de 1960 e 1970, retomando-se, apenas na

década de 1980, o interesse por tal debate.

Com efeito, adverte-se que, ao ser sobrevalorizada a importância de fatores

culturais no desenvolvimento econômico, transmite-se, implicitamente, a ideia de

imutabilidade da situação econômica e social dos países, isto é, a ideia de que

certos países estariam fadados eternamente ao subdesenvolvimento devido a

fatores culturais que orientam sua população, reforçando-se, com isso, tacitamente,

uma possível supremacia da cultura de alguns povos.

Diante disso, Landes (2000, p. 1, tradução nossa) afirma: “os determinantes

de processos complexos são invariavelmente plurais e inter-relacionados”,

explicitando-se, assim, que a cultura não é a determinante única do processo de

desenvolvimento. Para fins exemplificativos, o teórico recorre a minorias expatriadas

(p. ex. gregos) que alcançaram significativos resultados em países estranhos,

enfrentando, porém, resultados precários nos seus países.

Os fatores culturais apenas influenciam o desenvolvimento, deixando-se,

claro, com o exemplo supracitado, que outros fatores também exercem influências

significativas. Afinal, se a cultura fosse o fator determinante, o que explicaria o fato

de os gregos terem alcançado maior progresso econômico em países estranhos do

que em seu próprio país? Vislumbra-se, então, a provável influência de outras

variáveis, refutando-se, por isso, as teses radicais em defesa dos fatores culturais.

De todo modo, os fatores culturais devem ser analisados, desvelando sem

exageros sua eventual influência. Huntington (2000), por exemplo, ao comparar o

progresso econômico da Coreia do Sul e de Gana nos últimos 30 (trinta) anos,

29

sustentou, de forma completamente desproporcional, que os melhores resultados

alcançados pela Coreia do Sul decorriam de diferenças culturais entre os dois

países, subestimando a influência de todos os demais fatores envolvidos, a saber:

[…] pareceu-me que a cultura tinha de ser uma grande parte das explicações. Os sul-coreanos valorizavam a poupança, o investimento, o trabalho, a educação, a organização e a disciplina. Os ganeses tinham valores diferentes. (HUNTINGTON, 2000, xiii, tradução nossa)

Aconselha-se evitar, atualmente, visões míopes de um processo de tamanha

complexidade. Deve-se considerar, a princípio, a cultura apenas uma das variáveis

que devem ser sopesadas. Com o avanço das técnicas e a disposição de dados

mais consistentes, os economistas podem identificar de forma sistemática as

diferenças nas preferências e crenças das pessoas e testar suas influências no

desenvolvimento (GUISO, SAPIENZA E ZINGALES, 2006).

Como já noticiado, alguns economistas, em decorrência das dificuldades para

definir e medir tais variáveis, preferiam, até pouco tempo, evitar explicações

culturais, desconsiderando, por isso, a influência dos fatores culturais no progresso

dos países. A tendência atual é um debate mais amplo, com diálogo permanente de

teóricos de diferentes áreas, que devem identificar instrumentos capazes de remover

ou alterar eventuais obstáculos culturais que dificultem o progresso dos países.

Nessa linha, observa-se, por exemplo, Kenneth Dam (2006) que alertou que a

cultura pode ser considerada não apenas um suporte para o Direito mas também um

substituto parcial, principalmente na área de execução contratual. Em termos

práticos, Dam (2006) sustentou que o cumprimento dos contratos não pode

depender exclusivamente da execução judicial, destacando-se também a

importância de fatores culturais para a execução voluntária dos contratos firmados.

Percebe-se, portanto, que os fatores culturais podem afetar de diferentes

maneiras o desenvolvimento. Dam (2006) propugna, inclusive, que projetos que não

atentem para as variáveis culturais tendem a não alcançar bons resultados, hipótese

que evidencia, enfim, a necessidade de os projetos de assistência considerarem a

30

influência dos fatores culturais, preocupando-se, também, conforme propõe Harrison

(2000), com sua relação com outras varáveis (p. ex. instituições).

A propósito, o termo “cultura”, a depender da disciplina e do contexto, pode ter

múltiplos significados, sendo adotado em alusão a diferentes aspectos que norteiam

a vida em sociedade. Preocupar-se-á, a seguir, com os fatores culturais que podem

afetar o desenvolvimento dos países, adotando-se uma definição subjetiva de

cultura, prevalecendo, por isso, as variáveis culturais que influenciam os valores,

atitudes, orientações e crenças da população (HUNTINGTON, 2000).

2.2.2.1 Religião

Max Weber, em sua obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”,

publicada originalmente em 1904-19058, trouxe ao debate sobre desenvolvimento a

variável religião, investigando as influências das religiões protestante e católica no

progresso dos países. Na sua leitura, o protestantismo calvinista, pelo fato de

possuir uma ética que conduzia e estimulava o sucesso econômico, contribuiu para

a ascensão do capitalismo industrial.

Para Weber (1905[2005]), algumas características da ética protestante

contribuíram para a generalização entre seus seguidores de racionalidade, ordem e

diligência, levando-os, à época, a assumir os papeis de liderança da sociedade

capitalista emergente. Por um lado, os protestantes estimulavam a instrução e a

alfabetização e, por outro lado, conferiam uma importância significativa ao tempo,

formando, portanto, nos seus seguidores uma personalidade diferenciada.

Blum e Dudley, no working paper “Religião e Crescimento Econômico: Weber

Estava Certo?” (2001, tradução nossa), refutaram, todavia, a tese de Max Weber, e

sustentaram, em síntese, que o progresso do noroeste europeu não pode ser

atribuído ao comportamento econômico dos adeptos das religiões protestantes,

8 Max Weber sempre privilegiou os estudos necessários para robustecer sua teoria da ação social, utilizando de sua metodologia compreensiva para investigar diferentes fatores históricos e sociais, que impactaram na seara econômica, política e jurídica. .

31

devendo ser explicado pelo avanço da tecnologia de transportes e pela facilidade de

acesso ao Oceano Atlântico, hipótese que reforça as explicações geográficas.

Não obstante, os debates sobre os reflexos da religião no comportamento

econômico foram propalados por economistas, sociólogos, cientistas políticos etc.,

com intensa produção acadêmica evidenciando a correlação entre religião e fatores

institucionais que favorecem o desenvolvimento econômico, justificando, em tese, o

progresso vertiginoso alcançado por alguns países e a persistente pobreza

observada em outras nações, a saber:

Apesar de os teóricos evitararem correlacionar diretamente religião com prosperidade econômica, eles relacionam religião a instituições que têm se mostrado fundamentais para o crescimento econômico. (GUISO, SAPIENZA E ZINGALES, 2003, p. 226, tradução nossa)

Nesse sentido, os teóricos fornecem evidências convincentes, demonstrando

a correlação entre algumas crenças religiosas e certas instituições favoráveis ou não

ao desenvolvimento. Robert D. Putnam (1993), por exemplo, ao analisar as

diferenças de renda per capita e de progresso econômico entre regiões da Itália,

asseverou que a ascendência católica no sul do país desestimulava a cooperação

entre os agentes econômicos, com reflexos diretos no desenvolvimento da região.

Guiso, Sapienza e Zingales (2003), embora tenham ressaltado a possibilidade

de a influência religiosa ser mitigada, apresentaram mais evidências acerca das

influências da religião nas atitudes dos seus seguidores. Robert Barro e Rachel

McCleary (2003) propugnaram que as crenças religiosas influenciam as

características individuais que aumentam o desempenho econômico, sobressaindo,

então, a seguinte conclusão:

[…] as crenças religiosas estão associadas a boas atitudes econômicas, compreendendo-se “bom” como favorável a uma maior renda per capita e a um maior crescimento econômico. (GUISO, SAPIENZA E ZINGAELES, 2003. p. 225, tradução nossa)

32

Após revisitar a literatura atual, Eelke de Jong (2008) esclareceu que as

religiões influenciam as sociedade de duas formas: primeiro, as atividades religiosas

potencializam as relações sociais, facilitando a formação de redes que podem ser

úteis para as atividades econômicas; segundo, cada crença religiosa incute um

conjunto de valores nos seus seguidores, influenciando seus comportamentos, com

impactos nas suas atividades econômicas.

Por relevante, Guiso, Sapienza e Zingales (2003) defenderam que as religiões

cristãs estimulam comportamentos mais favoráveis ao crescimento econômico,

ressalvando, porém, que subsistem diferenças entre as crenças religiosas cristãs.

Os católicos apoiam mais a propriedade privada e a concorrência; enquanto os

protestantes confiam mais nas pessoas e instituições e têm menos disposição para

sonegar impostos e aceitar propinas.

Diante disso, os teóricos esclareceram que ainda não é possível definir qual

crença religiosa mais favorece o crescimento, pois existem aspectos positivos e

negativos em qualquer religião. Nesse sentido, Eelke de Jong (2008, p. 1, tradução

nossa) asseverou que “os resultados não indicam que uma religião em particular é

sempre mais pró-crescimento que as outras”, alertando, em seguida, que líderes

políticos tentam manipular a interpretação religiosa de forma perniciosa.

Inobstante a necessidade de mais pesquisas na área, Kenneth Dam (2006)

assinalou, porém, ao observar o resultado dos trabalhos de Guiso, Sapienza e

Zingales (2003), a importância da correlação descoberta entre religião e obediência

às normas. Como já noticiado, a religião é compreendida como uma fonte importante

de valores, que moldam o comportamento dos seus seguidores, com impactos no

desenvolvimento dos países (JONG, 2008).

2.2.2.2 Confiança ou Capital Social

Segundo Rafael La Porta et al. (1997), a confiança, ou como alguns preferem

o 'capital social9', caracteriza-se, em síntese, como a propensão de as pessoas em

9 Conforme Knack e Keefer (1997), “capital social” é um termo mais abrangente utilizado por

33

certa sociedade cooperarem para produzir resultados socialmente eficientes. La

Porta et al. (1997) procederam à análise detalhada de diferentes dados estatísticos,

explicitando, ao final, que existe correlação entre o nível de confiança entre a

população e o desempenho público e privado do país.

Compreende-se, portanto, confiança como uma variável indispensável para

assegurar cooperação em sociedade complexas ou, como outros sugerem, em

organizações de grande porte (p. ex. mercado etc.), em que prevalecem relações

entre estranhos, isto é, entre pessoas que não têm, a priori, qualquer relação. Para

La Porta et al. (1997), maior nível de confiança acarreta, em síntese, maior eficiência

do governo e melhor performance do mercado.

Em outras palavras, isso significa que a confiança entre os agentes promove

maior cooperação, melhorando, enfim, o desempenho das diferentes organizações

que compõem certa sociedade e promovendo, por isso, o desenvolvimento dos

respectivos países. Robert Putnam (1993) defendeu, ao analisar o desempenho de

diferentes regiões da Itália, que confiança é um hábito, o qual decorre das relações

horizontais de associação formadas entre as pessoas ao longo do anos.

Neste contexto, La Porta et al. (1997) evidenciou, em consonância com a tese

inicial defendida por Putnam (1993), que níveis de confiança mais baixos são

encontrados em países e regiões com religiões dominantes hierárquicas (católica,

protestante e islâmica), que privilegiam relações verticais assimétricas,

desestimulando, em tese, relações horizontais cooperativas, essenciais para o

aumento dos níveis de confiança.

Stephen Knack e Philip Keefer (1997) reconheceram a importância do nível

de confiança para o desempenho dos países, refutando, porém, a correlação entre

relações horizontais associativas e desempenho econômico, propugnando, em

seguida, que a confiança é mais forte em países com instituições formais que

efetivamente protegem os direitos de propriedade e os contratos, e em países que

possuem menos polarização de classe ou de etnia.

diferentes teóricos, que abarca variados conceitos, tais como honestidade, confiança e normas de comportamento cívico, que promovem cooperação, sendo, porém, tal diferenciação, na ocasião, desnecessária.

34

Em termos práticos, Knack e Keefer (1997) compreendem a confiança como

elemento essencial para o bom funcionamento das sociedades, com impactos

significativos sobre a atividade econômica agregada. Exsurgiu, em síntese,

controvérsia sobre como a confiança pode ser fortalecida, privilegiando-se, na

ocasião, mecanismos capazes de evitar a erosão da confiança, em detrimento do

fortalecimento das relações associativas.

Sobreleva-se, portanto, que a confiança pode complementar ou, em alguns

casos, substituir os mecanismos formais de coordenação (p. ex. leis, contratos etc.),

contribuindo para o melhor funcionamento dos mercados e dos governos. Fukuyama

(2001) preconiza, enfim, que a confiança reduz, na esfera econômica, os custos de

transação associados aos mecanismos formais e promove, na esfera política, um

tipo de relação associativa necessário para o sucesso dos governos.

2.2.2.3 Normas Sociais

No artigo “Normas Sociais e Teoria Econômica” (1989), Jon Elster esclarece

que o termo “normas sociais” está diretamente associado ao “homo sociologicus”

pensado por sociólogos (p. ex. Durkein e Weber) em contraponto ao “homo

economicus” propugnado por Adam Smith. Nessa perspectiva, as normas sociais

orientariam o “homo sociologicus”, enquanto o “homo economicus” seria orientado

pela racionalidade econômica instrumental.

O “homo economicus” seria puxado pelas recompensas futuras, adaptando-se

às circunstâncias sempre em busca de melhorias, e o “homo sociologicus” seria

empurrado por forças quase inerciais, aderindo ao comportamento prescrito

(ELSTER, 1989). Jon Elster (1989), ao refinar a teoria precedente, defendeu, porém,

que as ações são normalmente influenciadas tanto pela racionalidade econômica

quanto pelas normas sociais.

De maneira geral, as normas sociais são constituídas pelas crenças, valores,

atitudes e comportamentos compartilhados, de forma implícita ou explícita, por certo

grupo social e transmitidos de modo informal, sustentando-se pela aprovação ou

35

desaprovação desse mesmo grupo social (ELSTER, 1989). Para ilustrar, Kaushik

Basu (1998, p. 1, tradução nossa) propugnou que “como as vacas, as normas

sociais são mais fáceis de ser reconhecidas do que definidas”.

Não obstante, Dam (2006) propugna que as normas sociais desempenham

um papel importante no comportamento dos agentes econômicos, sustentando, em

seguida, que as normas sociais atuam, em alguns aspectos, de forma semelhante

às normas legais. Garretsen, Lensink e Sterken (2004) defenderam, também, que as

normas sociais exercem influência semelhante às normas legais no comportamento

dos agentes econômicos, não podendo, por isso, ser negligenciadas.

Essas normas não-legais e obrigações são seguidas e cumpridas porque sua inobservância acarreta ao transgressor sanções sociais, com sentimentos induzidos de culpa ou vergonha, fofocas […], ostracismo e, não raro, a violência. (O'DONNELL, 2007, p. 1, tradução nossa)

Kenneth Dam (2006, p. 66, tradução nossa), por sua vez, esclareceu:

“Normas legais são normas promulgadas e executadas pelo Estado. Normas sociais

provém de indivíduos da sociedade, que as executa mediante pressões sociais e

sanções sociais”. Por oportuno, Eric Posner (2000) explicou que existem normas

sociais boas e ruins, ou melhor, desejáveis e indesejáveis, cabendo ao Direito

estimular as normas sociais boas e desestimular as ruins.

Depreende-se, portanto, que existem normas sociais e legais que, amparadas

por sanções sociais e judiciais que punem comportamentos não cooperativos, se

reforçam e se complementam; subsistindo, porém, normas sociais e legais que são

mutuamente excludentes. Diante disso, Eric Posner (2000) alerta que a

regulamentação adequada das normas sociais é uma tarefa delicada e complexa, e

que a atual compreensão das normas sociais ainda é insuficiente.

Conclui-se, enfim, que as normas sociais, assim como confiança, capital

social e religião, constituem os principais fatores culturais compartilhados por certa

sociedade, os quais influenciam o comportamento econômico das pessoas (DAM,

2006). Sob influência dos teóricos neoinstitucionalistas, as normas sociais adquirem

36

relevância significativa, constituindo ao lado das normas jurídicas, como apregoa

Douglas North (1990), “as regras do jogo”.

Por essa razão, Kenneth Dam (2006) enfatiza que os fatores culturais, em

decorrência de sua influência nos projetos de reformas jurídicas, devem ser levados

a sério pelos teóricos do Direito e Desenvolvimento, evitando-se, assim, que tais

fatores obstaculizem as reformas necessárias para promover o desenvolvimento dos

países pobres. Em última análise, os fatores culturais de um país contribuem

decisivamente para a formação da própria cultura jurídica de sua população.

2.2.3 As Influências da Origem Legal

A origem legal do país constitui a última explicação alternativa que será

abordada. Compreende-se, em linhas gerais, que a origem legal adotada pelos

países tem relação direta com as taxas de crescimento econômico observadas10.

“Common Law” e “Civil Law” são as duas famílias legais comentadas, evidenciando-

se as características de cada modelo jurídico e os eventuais impactos na

governança e no desenvolvimento econômico dos países.

O Direito recebe, dessa forma, maior atenção, sendo considerado elemento

central do processo de desenvolvimento. Reconhece-se, assim, que as leis dos

diferentes países não foram escritas do zero, mas decorreram, em síntese,

voluntariamente ou não, do Common Law, de origem inglesa, ou do Civil Law, de

origem romana. A “Civil Law” possui 3 (três) famílias jurídicas distintas - francesa,

germânica e escandinava (LA PORTA et al, 1998).

10 Kenneth Dam (2006) explica que a Teoria da Origem Legal utiliza métodos econométricos regressivos para demonstrar que a tradição jurídica (“Common Law” ou “Civil Law”) adotada repercute no crescimento econômico dos países.

37

Figura 3 – A Distribuição das Origens Legais Fonte: La Porta et al (2007, p.79)

Caracteriza-se, em síntese, o “Common Law” como o direito propugnado

pelos juízes, constituído, na prática, por sucessivas decisões judiciais concernentes

a casos concretos, que formam precedentes aplicados a casos semelhantes.

Privilegia-se, por sua vez, no “Civil Law” o direito codificado, quer dizer, escrito, sob

influência do primígeno direito romano e/ou do código civil napoleônico, em códigos

e leis abstratas e genéricas, que são depois subsumidas aos casos concretos.

Rafael La Porta et al (1998), ao reconhecerem que as leis de cada país

refletem a influência da tradição jurídica adotada, foram os precursores do debate

sobre origem legal e desenvolvimento, desvelando, inicialmente, ao examinar como

o Direito protege o investidor em 49 (quarenta e nove) países, a relação entre

origem legal e finanças e identificando os impactos potenciais no progresso

econômico dos países investigados.

Neste contexto, Rafael La Porta et al (1998) concluíram que o “Common Law”

oferecia maior proteção aos investidores e, também, às propriedades e executava as

leis e os contratos de forma apropriada e a “Civil Law francesa” propiciava menor

proteção e executava as leis e os contratos de modo insatisfatório, restando os

países de “Civil Law germânica e escandinava” em um nível intermediário de

proteção e de adequação da execução de leis e contratos.

38

Levadas em conjunto, essas evidências demonstram um link entre sistema legal e desenvolvimento econômico. É importante lembrar, entretanto, que, embora as deficiências de proteção dos investidores descritos neste trabalho pareçam ter consequências nefastas para o desenvolvimento financeiro e para o crescimento, é pouco provável que seja um gargalo intransponível. França e Bélgica, afinal, são dois países muito ricos. (LA PORTA et al, 1998, p. 1137, tradução nossa)

Rafael La Porta et al (1998) defenderam, ao final, em consonância com os

trabalhos de King e Levine (1993), Levine e Zervos (1997), Rajan e Zingales (1997)

e La Porta et al (1997), que o desenvolvimento dos mercados de crédito e de

capitais contribuem para o desenvolvimento econômico, reforçando, sobretudo, a

influência da tradição jurídica adotada por cada país nas características do seu

respectivo sistema financeiro.

A literatura sobre as influências da origem legal tornou-se, com o tempo, mais

abrangente. Para Beck, Kunt e Levine (2002), a literatura passou a explorar as

diferenças na capacidade de adaptação de cada tradição jurídica às mudanças

circunstanciais econômicas. Propugnaram, então, que os sistemas legais que

supriam mais rapidamente às necessidades legais das transações econômicas

favoreciam o desenvolvimento financeiro.

Para Kenneth Dam (2006), compreende-se, nessa linha, que os países com

tradição jurídica proveniente do “Common Law” possuem um arcabouço legal

favorável ao desenvolvimento financeiro e, por isso, apresentam maior crescimento

econômico. Observando outra linha teórica, que também identificou maior progresso

econômico nos países de “Common Law” do que nos países de “Civil Law”,

visualiza-se, todavia, conclusão um pouco diferente:

[...] a diferença [entre os níveis de desenvolvimento] reflete uma maior orientação da Common Law para a atividade econômica privada e uma maior orientação da Civil Law para a intervenção governamental. (MAHONEY, 2000, p. 3, tradução nossa)

Mahoney (2000) reconhece, em seguida, que suas conclusões são

influenciadas pelos trabalhos primígenos de Hayek, que propugnava a superioridade

39

da tradição jurídica inglesa, alegando, para tanto, que a ordem espontânea

decorrente da jurisprudência construída de forma descentralizada pelo “Common

Law” era mais coerente com a liberdade individual, o que, nessa leitura, poderia ter

contribuído para o progresso econômico superior observado:

Ao longo do período 1960-1992, os países de Common Law tiveram, em média, crescimento real do PIB per capita um pouco mais de meio por cento superior do que países de Civil Law [...]. Este resultado não é uma demonstração definitiva da superioridade da Common Law. Como consequência da colonização, Common Law ou Civil Law foram transplantadas juntamente com outros atributos. (MAHONEY, 2000, p. 29, tradução nossa)

De todo modo, resta a dúvida, como o próprio Mahoney (2000) assinala, se as

diferenças nítidas entre o Common Law e o Civil Law traduzem-se em diferenças

institucionais que afetam os resultados econômicos. La Porta et al (2007, p. 64,

tradução nossa) tornaram, por sinal, mais incisivas suas posições, preconizando,

então, que a origem legal “tem consequências significativas para o arranjo legal e

regulatório da sociedade, bem como para os seus resultados econômicos”.

Rafael La Porta et al (2007) compreendem que a origem legal adotada

determina o modelo jurídico de cada país, constituindo, ao final, um sistema

altamente poderoso de controle da vida econômica. Nesse passo, Beck, Kunt e

Levine (2002, p. 1, tradução nossa) destacam que há, implícito ao debate,

diferenças quanto à ênfase dada pelas tradições jurídicas ao Estado e aos

indivíduos, com reflexos potenciais no desenvolvimento alcançado pelos países.

Há evidências que sinalizam que os países de tradição Common Law

alcançaram, em regra, progresso econômico mais acentuado, subsistindo, porém,

inúmeras exceções (ver figura 3). Exsurgem, por isso, críticas consistentes às ideias

elencadas, questionando os pressupostos e a própria metodologia dos trabalhos

apresentados, evidenciando, em síntese, a fragilidade das conclusões da Teoria da

Origem Legal (DAM, 2006).

Feitas estas considerações, sobressai, enfim, a necessidade de focar, ainda

mais, o debate sobre Direito e Desenvolvimento. Como já noticiado, o debate

40

proposto possui caráter interdisciplinar, que possibilita o diálogo com diferentes

áreas do conhecimento, existindo, por isso, inúmeros teóricos que possivelmente

influenciaram, direta ou indiretamente, os movimentos acadêmicos constituídos ao

longo das últimas décadas.

Sobreleva-se, porém, como referencial teórico consensual em Direito e

Desenvolvimento, tendo em vista a relevância das suas contribuições, o trabalho de

Max Weber, que explicitou a possível relação entre instituições jurídicas e

desenvolvimento, influenciando, desde então, em maior ou menor extensão, os

teóricos que constituíram os movimentos acadêmicos subsequentes e os programas

de assistência internacionais (TRUBEK, 2006).

Por essa razão, evidencia-se, enfim, a necessidade de ser delimitado o

principal referencial teórico que perpassa o debate, explicitando, também, os

paradigmas subjacentes que influenciaram os diferentes movimentos acadêmicos.

Socorre-se, na ocasião, a Chalmers (2009, p. 124), esclarecendo-se, para evitar

equívocos, que “um paradigma é composto de suposições teóricas gerais e de leis e

técnicas para a sua aplicação adotadas por uma comunidade científica específica”.

2.3 As Contribuições de Max Weber

Como já noticiado, Max Weber pode ser considerado o referencial teórico

consensual em Direito e Desenvolvimento. Por meio do artigo “Max Weber sobre

direito e ascensão do capitalismo”, David Trubek (1972a) explicita uma leitura

diferenciada da obra de Weber, mostrando suas influências no campo do Direito e

Desenvolvimento, provenientes dos seus estudos da ascensão do capitalismo, em

que identificou o direito como um fator determinante do desenvolvimento.

Por certo, o artigo de David Trubek consubstancia uma análise valorosa do

trabalho de Max Weber (RODRIGUEZ, 2009). Max Weber, teórico social que mais

influenciou os movimentos acadêmicos dedicados ao Direito e Desenvolvimento,

analisou, embora de forma um pouco dispersa, na obra Economia e Sociedade,

41

publicada postumamente em 1920, por sua esposa, Marianne Weber, o papel do

direito moderno no desenvolvimento ocidental:

[...] a obra de Weber é ponto de partida essencial para trabalhos posteriores. Nenhum outro autor conseguiu igualar ou exceder a abrangência e a força de suas análises. Sob sua prosa difícil e sua terminologia pouco familiar, encontram-se trabalhos tão atuais quanto a literatura contemporânea e, geralmente, mais esclarecedores. (TRUBEK, 1972a, p. 3)

Max Weber empreendeu esforços teóricos significativos para explicar a razão

de o capitalismo industrial ter surgido no mundo ocidental. Por essa razão, Gordon

Barron (2005) é enfático ao afirmar que Max Weber foi o primeiro acadêmico que

demonstrou interesse teórico na relação entre Direito e Desenvolvimento. Com

efeito, observa-se, todavia, na sua própria obra Economia e Sociedade (1920

[1994a], p. 227), o seguinte posicionamento:

Do ponto de vista puramente 'conceitual', […] o Estado não é necessário para a economia. Mas, sem dúvida, o funcionamento de uma ordem econômica do tipo moderna não é possível sem uma ordem jurídica de caráter muito especial, a qual, na prática, só pode ser uma ordem 'estatal'.

A rigor, Max Weber compreendia a importância do direito moderno para a

economia ocidental, reconhecendo, porém, sua dispensabilidade para a economia

então considerada tradicional. David Trubek (1972a, p. 5) contextualiza: “Embora

Weber acreditasse que o direito ocidental tivesse características particulares que

ajudavam a explicar por que o capitalismo surgira primeiro na Europa, ele não

pensava que apenas no Ocidente existisse algo chamado 'direito'”.

Não obstante, Max Weber adotou, embora implicitamente, influências da

teoria da modernização, que preconizava que as sociedades evoluiriam em direção

a estágios altos de desenvolvimento, cujo ápice coincidia, ao final, com a economia

industrial europeia. Para tanto, era indispensável uma ordem jurídica moderna,

construída de modo racional, com fundamento em regras formais e universais,

aplicadas sem qualquer particularismos (BARRAL, 2006).

42

Neste contexto, sociedades tradicionais eram, à época, associadas a ordens

jurídicas tradicionais, que coincidiam com o modelo dos países em desenvolvimento,

enquanto sociedades modernas eram associadas a ordens jurídicas modernas, que

coincidiam, por sinal, com o sistema jurídico dos países industrializados. Presumia-

se, assim, que as sociedades tradicionais tinham que adotar o modelo jurídico

moderno para avançar para estágios superiores de desenvolvimento.

2.3.1 A Classificação Weberiana dos Modelos Jurídicos

Pode-se dizer, em síntese, que Max Weber desenvolveu uma classificação

para diferenciar o sistema jurídico europeu do arranjo jurídico de outras civilizações,

desvelando, com o propósito de evidenciar que o direito europeu coadunava-se às

necessidades do sistema econômico capitalista, os elementos diferenciadores dos

modelos jurídicos analisados. Em termos práticos, Max Weber buscava, de maneira

geral, responder as seguintes indagações:

[…] a organização do direito era algo diferenciado ou algo intrínseco à administração política e à religião? O direito era visto como um corpo de regras criadas por mãos humanas ou como um conjunto de tradições imutáveis? As decisões jurídicas eram determinadas por regras gerias prévias ou no afã de um momento? Ainda, as regras eram aplicadas universalmente a todos os membros de uma organização política ou havia diferentes classes de direito para diferentes grupos de pessoas? (TRUBEK, 1972a, p. 7)

Para Trubek (1972a, p. 13), a classificação weberiana (a) sob a perspectiva

formal, irracional ou racional; e b) sob a perspectiva material, irracional ou racional)

“evidencia [...] as diferenças existentes entre o modo com que os sistemas jurídicos

lidam com os problemas pertinentes à formulação de normas dotadas de autoridade

(criar normas) e à aplicação de tais normas a casos concretos (aplicar as normas)”,

relacionando-se à formalidade e à racionalidade:

[...] 'formalidade' pode ser definida como 'empregar critérios de decisão intrínsecos ao sistema de direito' e, portanto, a formalidade mede o grau de autonomia do direito. Por outro lado, 'racionalidade' significa 'seguir

43

alguns critérios de decisão aplicáveis a todos os casos' e, portanto, a racionalidade mede a generalidade e a universalidade das regras empregadas pelo sistema. (TRUBEK, 1972a, p. 14)

Depreende-se, portanto, que as variáveis formalidade e racionalidade,

fundamentais da classificação weberiana, mantêm relação direta com as

características diferenciação e generalidade. David Trubek (1972a, p. 15), após

análise exaustiva dos trabalhos de Max Weber, propõe, então, de modo bastante

didático, a seguinte classificação dos sistemas de direito com as variáveis e

características mencionadas:

Tabela I – Classificação dos Sistemas de Direito pela Formalidade e Racionalidade do Processo de Tomada de Decisão

Grau de Generalidade das Normas

Alto Baixo

Grau de Diferenciação das Normas Jurídicas

Alto Racionalidade Lógico-Formal Irracionalidade Formal

Baixo Racionalidade Substancial Irracionalidade Substancial

Consoante Trubek (1972a), as decisões irracionalmente formais apresentam

baixo grau de generalidade, visto que não trabalham com o conceito de regras

gerais; as substancialmente racionais possuem baixo grau de diferenciação, vez

que, embora baseadas em regras (p. ex. religiosas), não possuem a autonomia

necessária, pautando-se em elementos extrínsecos ao direito; e as irracionalmente

substanciais carecem de generalidade e de diferenciação.

Nessas circunstâncias, tais decisões não apresentam uma previsibilidade

consentânea com o direito moderno, estando, ao certo, impregnadas de elementos

(p. ex. religião, ética etc.) que não se coadunam com a racionalidade e/ou

formalidade intrínsecas ao direito moderno. De modo contrário, a decisão

racionalmente lógico-formal, associada por Weber ao direito europeu, possui alto

grau de diferenciação e generalidade, a saber:

44

O pensamento jurídico é racional, pois remete a alguma justificativa que transcende o caso concreto e se baseia em regras existentes e claramente definidas; é formal, pois os critérios de decisão são intrínsecos ao sistema de direito; e lógico, pois as regras e os princípios são deliberadamente construídos por formas especializadas de pensamento jurídico, baseados em uma classificação altamente lógica […]. (TRUBEK, 1972a, p. 16)

Por corolário, o modelo racionalmente lógico-formal explicitaria regras

coerentes e universais, elaboradas e aplicadas por uma classe profissional

especializada e autônoma. Pelo fato de a estrutura de dominação e o sistema

jurídico serem mutuamente determinantes, o modelo weberiano não poderia ser

visto de forma independente da estrutura política, vinculando-se ao tipo ideal de

dominação legal, inerente ao estado burocrático moderno.

2.3.2 Os Requisitos da Racionalidade Lógico-Formal Weberiana

Certamente, Max Weber compreendeu que o estado burocrático moderno,

baseado em uma estrutura de dominação legal (amparada por um conjunto de

regras logicamente consistente, elaborado de forma especializada e aplicado de

forma geral), ofereceria as condições apropriadas ao desenvolvimento da

racionalidade lógico-formal, que, na concepção weberiana, era característica

essencial do direito moderno, responsável pela ascensão industrial europeia.

O modelo jurídico weberiano, ao destacar a importância da racionalidade

logicamente formal, privilegiou a autonomia do direito, ligada ao aspecto formal, e a

necessidade de sua prevalência sobre outras fontes de controle social, ligado ao

aspecto racional, que pressuporia a generalidade e a universalidade das regras

jurídicas. Para Max Weber (1920[1994b], p. 143), o modelo jurídico moderno,

pautado na racionalidade lógico-formal, poderia perpassar as seguintes etapas:

O desenvolvimento do direito e do procedimento jurídico, dividido em 'etapas de desenvolvimento' teóricas, conduz à revelação carismática do direito por 'profetas jurídicos' – por meio da criação e aplicação empírica do direito por honoratiores jurídicos (criação de direito cautelas e de

45

direito baseado em precedentes) –, à imposição do direito pelo imperium profano e por poderes teocráticos e, por fim, ao direito sistematicamente estatuído e à 'justiça' aplicada profissionalmente, na base de uma formação literária e formal lógica, por juristas doutos (juristas especializados).

Neste contexto, explicita-se, no modelo weberiano, a relevância de uma

profissão altamente especializada, capaz de fomentar e manter os atributos

necessários ao direito moderno. David Trubek (1972a, p 28) asseverou que o

modelo weberiano pressupunha “a existência de [...] grupo de notáveis, treinados em

métodos de análise jurídica, que possibilitou a codificação e a racionalização do

direito, requerida por vários grupos políticos e econômicos”.

Max Weber (1920[1994b]) acentuou, enfim, ao observar a experiência

europeia, a importância de uma profissão jurídica diferenciada, fundada em

educação formal, prestígio ocupacional e/ou estilo de vida distinto. A priori, os

profissionais jurídicos especializados tinham sido fundamentais para o surgimento

da racionalidade jurídica lógico-formal, característica central do modelo weberiano e,

também, fundamental do desenvolvimento então observado, a saber:

Estas exigências crescentes de experiência e conhecimentos especializados entre os práticos jurídicos e, com isso, o impulso para a racionalização do direito em geral parte, quase sempre, da importância progressiva da troca de bens e daqueles interessados no direito que nela participam, pois nessa esfera surgem problemas cuja solução requer especialização profissional [...]. (WEBER, 1920[1994b], p. 85)

Nessa linha, compreendia-se, portanto, que o direito moderno, com os

elementos necessários para potencializar o desenvolvimento, somente poderia

surgir onde a profissão jurídica se diferenciasse, tese que explicita, desde logo, os

desdobramentos teóricos e práticos que sobrevieram dos movimentos voltados ao

Direito e Desenvolvimento. O direito moderno e, claro, o respectivo desenvolvimento

dependiam, na perspectiva weberiana, dos profissionais jurídicos:

[…] sua forma racional e, sobretudo, a necessidade de colocar nas mãos de especialistas racionalmente instruídos (e isto significa: formados nas universidades […]) a realização dos processos judiciais, em face do procedimento probatório racional exigido pelos casos

46

concretos cada vez mais complexos e pela economia crescentemente racionalizada, em lugar da primitiva averiguação da verdade, universalmente existente, mediante revelação concreta ou fiança sacra. Esta situação estava naturalmente, em alto grau, condicionada, entre outras coisas, pela estrutura transformada da economia. (WEBER, 1920[1994b], p. 214).

2.3.3 A Explicação Weberiana para a Ascensão Econômica Europeia

Como demonstrado, Max Weber objetivava explicar a ascensão econômica

europeia, buscando, por isso, ao se concentrar em aspectos intrínsecos da Europa,

descobrir a razão de o capitalismo ter surgido naquela localidade (TRUBEK, 1972a).

Certamente, Max Weber entendeu, após minuciosa análise, que o direito moderno,

pautado pela racionalidade lógico-formal, havia contribuído para o desenvolvimento

europeu, apresentando, assim, os seguintes argumentos:

[...] a velocidade das transações modernas exige um direito que funcione de maneira rápida e segura – isto é, que seja garantido por um poder coativo o mais forte possível […]. O domínio universal da relação associativa de mercado exige, por um lado, um funcionamento do direito calculável segundo regras racionais. Por outro lado, a expansão do mercado […] favorece, em virtude de suas consequências imanentes, a monopolização e regulamentação de todo poder coativo 'legítimo' por uma instituição coativa universal [...]. (WEBER, 1920[1994a], p. 226-227)

Diante disso, Weber (1920[1994a]) assinalou que o desenvolvimento

demandaria a destruição de todas as estruturas coativas particulares, baseadas, à

época, em monopólios tradicionais. Por essa razão, David Trubek (1972a) destacou

que os trabalhos de Max Weber subsidiaram a produção teórica subsequente sobre

direito e desenvolvimento (alguns teóricos adotaram a denominação direito e

modernização), destacando o que segue:

[…] o direito europeu desenvolveu corpos de regras aplicadas por meio de procedimentos formais, garantindo que tais regras serão obedecidas em todos os casos. […] ele restringe ações arbitrárias dos grupos dominantes e, em parte como resultado disso, torna-se altamente previsível. Assim, no direito europeu, as regras que governam a vida econômica são facilmente determinadas; este tipo de ordem jurídica

47

elimina um elemento de incerteza econômica. A calculabilidade do direito europeu foi sua maior contribuição para a atividade econômica capitalista. (1972a, p. 23)

Para Max Weber, o direito europeu, ao contrário dos sistemas jurídicos de

outras grandes civilizações, era altamente racional, possibilitando o surgimento do

capitalismo industrial moderno. Como já noticiado, o modelo jurídico sob análise

apresentava, em síntese, as seguintes características: autonomia em relação às

outras esferas da sociedade; elaboração de regras de forma consciente; e aplicação

de normas de modo coerente a todos os casos semelhantes.

De modo didático, Max Weber (1920[1994a], p. 21) assinalou que: “Uma

ordem é denominada […] direito quando está garantida externamente pela

probabilidade de coação [...] exercida por [...] quadro de pessoas, cuja função

consiste em forçar a observação dessa ordem ou castigar sua violação”. Para David

Trubek (1972a, p.10), a discussão weberiana acerca do direito pressupunha, ao

final, coação organizada, legitimidade e normatividade, e, claro, racionalidade:

[...] no esquema weberiano, o direito é uma subclasse de uma categoria chamada de organizações legítimas ou normativas. Todas estas organizações devem ser (1) sistemas socialmente estruturados que contêm (2) conjuntos de proposições normativas que (3) são, até certo ponto, aceitas pelos membros de um grupo social como definidos para o seu próprio bem, independentemente de estimativas puramente utilitaristas sobre a probabilidade da coação.

Desse modo, Weber estava preocupado com a efetividade das regras

jurídicas, que não deveriam apenas existir, mas também ser aplicadas de forma

geral e universal por agentes especializados, a quem caberia empregar, quando

necessário, sanções coercitivas. Sob a ótica de Max Weber, explicitava-se, em

síntese, a importância da autonomia, da intencionalidade, da generalidade e da

universalidade do arranjo jurídico europeu (TRUBEK, 1972a).

Em complemento, Weber sustentou que as seguintes características do

sistema jurídico favoreceram o desenvolvimento: “(1) seu relativo grau de

calculabilidade e (2) sua capacidade de desenvolver provisões substantivas –

48

principalmente relacionadas à liberdade de contrato – necessárias ao funcionamento

do sistema de mercados” (TRUBEK, 1972a, p. 30). Max Weber (1920[1994b], p.

144) concluiu, em última análise, o seguinte:

[...] a racionalização e a sistematização do direito significaram, em termos gerais e com a reserva de uma limitação posterior, a calculabilidade crescente do funcionamento da justiça – uma das condições prévias mais importantes para empresas […] de tipo capitalista, que precisam de segurança jurídica.

Na leitura de David Trubek (1972a), o modelo weberiano compreendia que o

Direito era o único meio de prover o grau de certeza necessária para o sistema

capitalista. Na linha proposta por Max Weber, um sistema jurídico nos moldes

daquele encontrado na Europa seria o motivo de apenas os países europeus terem

desenvolvido o capitalismo moderno e industrial, fato histórico determinante para a

evolução ocidental.

2.3.4 O Direito Moderno Weberiano e o Processo de Desenvolvimento Capitalista

Max Weber (1920[1994a]) destacou, enfim, dois aspectos potencialmente

contraditórios, que evidenciavam, por sinal, a indispensabilidade do direito moderno,

inerentes ao modelo capitalista competitivo: por um lado, a presença de vontades

egoístas conflitantes; por outro lado, a necessidade de certa cooperação entre os

agentes econômicos. Para facilitar a compreensão dos pressupostos weberianos,

David Trubek (1972a, p. 32) apresentou os seguintes esclarecimentos:

No capitalismo de mercado […], cada participante é obrigado a levar seus interesses adiante às custas de todos os outros participantes do mercado. […] Assim, os participantes não têm preocupações quanto aos desdobramentos de suas ações sobre o bem-estar econômico dos outros. Ao mesmo tempo, os atores econômicos desse sistema são necessariamente independentes. Nenhum participante do mercado consegue atingir seus objetivos sem obter poder sobre as ações dos outros.

49

Infere-se, nessa perspectiva, que os agentes econômicos, em decorrência de

vontades egoísticas que os impelem a obter o maior lucro possível no menor tempo

disponível, podem ter incentivos para não cooperar, notadamente naquelas

situações em que o comportamento oportunista acarreta lucros superiores àqueles

provenientes do comportamento cooperativo, explicitando-se, assim, inúmeras

incertezas quanto à cooperação entre os agentes econômicos.

Observado o individualismo metodológico, vislumbra-se que comportamentos

oportunistas podem, no curto prazo, ser considerados racionais do ponto de vista

individual; porém, devem, no longo prazo, ser considerados absolutamente

irracionais do ponto de vista individual e, também, coletivo. Comportamentos

oportunistas tendem a comprometer a cooperação dos agentes econômicos,

trazendo incertezas à economia, com prováveis reflexos no seu desenvolvimento.

Em termos práticos, David Trubek (1972a) preleciona que os agentes

econômicos tendem a fazer o que for preciso para obter o maior lucro possível e

descumprem, quando necessário, acordos realizados, acarretando, em virtude da

não cooperação e das respectivas incertezas, prejuízos ao funcionamento da

economia moderna. Do referencial teórico subjacente ao modelo weberiano,

sobrelevam-se algumas questões relevantes:

Como um participante da economia capitalista, em um mundo cheio de egoístas em busca de lucro, pode reduzir o número de incertezas que ameaçam roubar do sistema capitalista seu evidente poder produtivo? O que permite a um agente econômico prever com relativa certeza qual será o comportamento das outras pessoas ao longo do tempo? O que controla a tendência a instabilidade? (TRUBEK,1972a, p. 33)

Sobreleva-se, desde então, o papel fundamental desempenhado pelo direito

moderno na economia capitalista, vez que os contratos seriam os elementos

capazes de reduzir as incertezas no ambiente de negócios e potencializar a

cooperação entre os agentes econômicos. Em última análise, o direito moderno e

suas respectivas sanções desestimulam comportamentos oportunistas e, assim,

aumentam a previsibilidade do ambiente de negócios.

50

Nessa linha, David Trubek (1972a, p.35) explicita, ao considerar o ritmo da

atividade econômica e o tipo de cálculo racional característico, a importância da

previsibilidade para o capitalismo moderno, acrescentando, dessa maneira, que “a

capacidade de prever comportamentos está intimamente ligada à certeza de que

instrumentos de coação podem ser invocados na eventualidade de um

comportamento diferente do esperado”.

Para tanto, o modelo weberiano privilegia, nos termos já assinalados, a

racionalidade jurídica lógico-formal, que consubstancia um sistema de direito

organizado para aplicar, mediante processos lógicos, formais e autônomos, coação

em consonância com regras racionais, gerais e universais, apresentando, ao final,

resultados altamente previsíveis. Sublinha-se, dessa forma, o seguinte pressuposto

do modelo weberiano:

Isto requeria que o estado, como organização jurídica, fosse fortalecido para que tomasse o lugar de outras fontes de controle social e, ao mesmo tempo, que fosse limitado, para que não invadisse as áreas de ação econômica. O estado seria responsável por fornecer tal ordem formal, ou estrutura simplificada, na qual os agentes econômicos livres poderiam operar. (TRUBEK, 1972a, p.37)

O modelo weberiano preconizava, em última análise, que o direito moderno,

conduzido por profissionais especializados, seria o instrumento apto para

desestimular comportamentos oportunistas, diminuindo as incertezas ambientais, e,

ao mesmo tempo, em decorrência da previsibilidade e da calculabilidade

subsequentes, para facilitar a cooperação entre os agentes, aumentando as

transações econômicas e, logo, potencializando o desenvolvimento.

Por corolário, observa-se que o direito moderno, denominado de “legalismo”,

determinante para o desenvolvimento europeu na concepção weberiana, deveria

apresentar as seguintes características: “[...] autonomia em relação a outras

estruturas sociais, regras sistematicamente observáveis e construídas

intencionalmente, regras aplicáveis com consistência de forma a produzir um

sistema previsível, sistemático, racional e autônomo [...]” (BARRAL, 2006, p. 15).

51

3 MOVIMENTOS TEÓRICOS SOBRE DIREITO E DESENVOLVIMENTO

3.1 Movimento Direito e Desenvolvimento

Os estudos e as práticas relacionadas ao Direito e Desenvolvimento ficaram

interrompidos por muitos anos, sendo retomados, de forma gradativa, com a

confluência de alguns fatores históricos: o término da II Guerra Mundial, o início da

Guerra Fria e a independência das colônias europeias na África e na Ásia. Sob

influência dos paradigmas weberianos, trabalhos focados na relação entre direito e

desenvolvimento começaram a ser apresentados.

De maneira geral, o Movimento D&D foi, à época, constituído por

pesquisadores e universidades dos Estados Unidos, que pretendiam, a partir de

experiências práticas de programas de assistência internacional voltados para

países em desenvolvimento, consolidar um arcabouço teórico robusto, com vistas a

explicar a relação entre direito e desenvolvimento e a identificar os instrumentos

jurídicos apropriados. David Trubek e Marc Galanter esclarecem:

Embora alguns acadêmicos norte-americanos já estudassem o direito dos países do Terceiro Mundo antes da década de 1960, neste período pode-se assistir à expansão substancial deste esforço: uma preocupação explícita com a relação entre o direito e o processo de desenvolvimento e uma tentativa de organizar esforços distintos em uma espécie de 'campo' acadêmico. (1974, p. 127)

Para evitar equívocos, David Trubek, em seu artigo “Para uma teoria social do

direito: um ensaio sobre o estudo de direito e desenvolvimento”, publicado

originalmente em 1972 (b, p. 52), com críticas ao mainstream então dominante,

sintetizou que o Movimento D&D buscou compreender a função do direito nos

países de “Terceiro Mundo”, a saber: “aquelas nações que ainda não alcançaram,

mas aspiram, de modo geral, ao crescimento econômico autossustentável.”

52

Duncan Kennedy (2006, p. 19) propugnou, então, que “a questão era como as

reformas legais poderiam contribuir para a alavancagem do crescimento

autossustentável [...]”. Pode-se dizer, a propósito, que existia certa ingenuidade nos

acadêmicos envolvidos, que, sem uma compreensão mais acurada do período

histórico vivenciado, acreditavam que os ideais subjacentes ao Movimento D&D

visavam, exclusivamente, ao desenvolvimento das nações periféricas.

Neste contexto, explicitou-se, a propósito, que o esforço dos acadêmicos

norte-americanos em delimitar um campo específico de pesquisas foi decisivamente

impulsionado pelos projetos conduzidos por agências do governo dos Estados

Unidos e por fundações privadas norte-americanas focadas, em tese, no

desenvolvimento, que expandiram seus programas de assistência internacional para

diversos países menos favorecidos:

A assistência ao desenvolvimento teve início em um período de ascensão da retórica e da política da Guerra Fria. A elite norte-americana e os responsáveis por formular as políticas que orientaram as ações na arena internacional viam o […] direito […] como uma das características fundamentais que distinguiam os Estados Unidos das nações comunistas. (TRUBEK; GALANTER, 1974, p. 159-160)

Para viabilizar seus projetos, as agências e as fundações buscaram suporte

prático e teórico nas universidades norte-americanas, potencializando o interesse de

inúmeros acadêmicos pela área. Nesse período, tais instituições financiaram e

apoiaram diversos projetos acadêmicos, incentivando economistas, cientistas

políticos e, depois, juristas a se envolverem em matérias correlatas aos seus

programas de assistência.

Em virtude de fatores internos e externos, o envolvimento dos operadores

jurídicos e das faculdades de direito não foi, porém, imediato, visto que reformas

jurídicas não foram, imediatamente, priorizadas pelos projetos de assistência. Desse

modo, o interesse acadêmico dos juristas norte-americanos ficou voltado, por muito

tempo, exclusivamente, para seu próprio ordenamento. David Trubek e Marc

Galanter (1974, p. 129) contextualizam:

53

As faculdades de direito eram, basicamente, voltadas para a formação de profissionais de direito e, além disso, adotavam um ponto de vista restrito ao seu próprio país. As atividades relacionadas ao direito e desenvolvimento tinham pouca ou nenhuma relevância para os operadores do direito nos Estados Unidos e, além disso, havia pouco espaço nas universidades para qualquer pesquisa social sistemática sobre o direito de outras sociedades. […] Ao mesmo tempo, como as agências davam [no início] pouca ênfase ao 'desenvolvimento jurídico' do Terceiro Mundo, não faziam pressão sobre as faculdades de direito para que fizessem pesquisas ou atividades nessa área.

Por certo, tal situação começou a mudar com programas de reformas do

ensino jurídico que contaram com a participação de juristas, destacando-se, à

época, projetos na África, Ásia e América Latina, financiados por diferentes

instituições (p. ex. Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional11,

Fundações Ford e Rockefeller e Associação Internacional de Desenvolvimento do

Banco Mundial). David Trubek e Marc Galanter (1974, p. 144) esclareceram:

Os acadêmicos do desenvolvimento jurídico produziram análises críticas das faculdades de direito [...], argumentando que, ao treinar juristas que pensassem de maneira mais instrumental, as faculdades poderiam iniciar uma mudança que diminuiria a distância entre o desempenho atual das profissões jurídicas e suas possibilidades, relacionadas ao desenvolvimento.

Em termos práticos, os projetos de reforma do ensino do direito explicitaram

outros problemas no ordenamento jurídico dos países então denominados de

“Terceiro Mundo” e, ao mesmo tempo, aproximaram os juristas e as universidades

dos agentes e das instituições dedicadas ao desenvolvimento. Nessas

circunstâncias, sobrelevam-se, consoante lição de David Trubek e Marc Galanter

(1974, p. 131), as seguintes consequências:

Os acadêmicos […] perceberam que não havia um corpo explícito de conhecimento capaz de relacionar sistemas de direito e mudanças sociais, políticas e econômicas no Terceiro Mundo. Alguns deles começaram a articular e pressupor teorias que fundamentassem seus esforços de assistência e a conduzir pesquisas mais avançadas sobre

11 No caso da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional, o Congresso Norte-Americano tinha, no título IX do Ato de Assistência Estrangeira de 1966, enfatizado a necessidade de promoção das democracias locais e das instituições governamentais locais, com vistas a promover a máxima participação das pessoas dos países pobres nas tarefas de desenvolvimento econômico dos seus respectivos países (FRANCK, 1972 [1992]).

54

tais assuntos. Ao mesmo tempo, os agentes do desenvolvimento perceberam que o direito poderia atrasar ou impedir suas ações e passaram a ter interesse em esforços acadêmicos que investigassem os mistérios do direito e desenvolvimento.

Diante disso, constata-se que os programas de assistência contribuíram para

criar um ambiente favorável, vez que os acadêmicos vinculados ao Movimento D&D,

além de obterem financiamentos, compreendiam que seus trabalhos eram

importantes para as políticas adotadas. Preocupavam-se, em regra, com o papel

que o sistema legal, bem como seus agentes intervenientes, deveria desempenhar

no processo de modernização dos países periféricos (GREENBERG, 1980).

Segundo Brian Tamanaha (1995), a maior parte dos artigos sobre o tema foi

publicada entre 1965 e 1975, período que o Movimento D&D entrou, efetivamente,

em curso, expandindo seus projetos de pesquisa pelas principais universidades

norte-americanas (p. ex. Harward, Stanford etc). Como já noticiado, os acadêmicos

e, por óbvio, as agências internacionais objetivavam institucionalizar um campo de

pesquisa capaz de potencializar os programas de assistência internacional.

Por essa razão, o Movimento D&D relacionava-se diretamente aos projetos

de assistência ao desenvolvimento conduzidos pelas agências internacionais e por

fundações privadas, tendo obtido, nos termos já assinalados, incentivos de tais

instituições para suas pesquisas, fato, por óbvio, decisivo para o incremento da

produção teórica e para a própria consolidação do campo. Corroborando tal

hipótese, David Trubek e Marc Galanter (1974, p. 125) asseveram:

Muitos dos primeiros estudos publicados sobre o tema resultaram diretamente de atividades de assistência; além disso, muitos especialistas começaram a se interessar pelo assunto durante estas atividades. No entanto, com o passar do tempo e com o crescimento do interesse pela área, pessoas que não haviam se envolvido em tais atividades passaram a fazer parte desse campo de estudo.

Neste contexto, David Trubek (1972b) reconheceu, por um lado, que a

produção teórica sobre direito e desenvolvimento era relativamente fragmentada e

assistemática e, por outro lado, que um conjunto de ideias e crenças ferozmente

55

sustentadas estava por trás dos projetos de pesquisa e dos programas de

assistência empreendidos à época, com auxílio de operadores jurídicos provenientes

dos países já desenvolvidos.

Posto isto, observa-se, em síntese, que o Movimento D&D, constituído por

advogados e cientistas sociais, com predominância norte-americana, entendeu que

o Direito seria um instrumento capaz de acelerar a convergência social, política e

econômica dos países do “Terceiro Mundo” com os países do Ocidente (BARRON,

2005), esforçando-se, por isso, para oferecer soluções legais ocidentais para os

problemas enfrentados pelos países em desenvolvimento.

Olhando de forma retrospectiva, constata-se que o Movimento D&D buscou,

na verdade, explorar estratégias não comunistas para o desenvolvimento das

nações recém independentes da África e da Ásia e dos países da América Latina

(GREENBERG, 1980). Independente dos resultados alcançados, visualiza-se,

claramente, que o Movimento D&D conseguiu, ao menos, inserir a questão de como

o direito se relaciona com o desenvolvimento na pauta intelectual (TRUBEK, 2006).

3.1.1 Síntese das Influências Teóricas

De maneira geral, a produção teórica do Movimento D&D era relativamente

fragmentada e assistemática, sobressaindo consensos em relação a alguns

pressupostos teóricos e, ao mesmo tempo, persistindo posicionamentos divergentes

em relação a certos aspectos. Considerando o propósito do presente trabalho,

privilegiar-se-ão os consensos teóricos do Movimento D&D, reconhecendo-se,

desde logo, a existência de dissensos em algumas questões.

O Movimento D&D, ao perceber que o direito resultava da interação entre

muitas forças, recorreu a diferentes referenciais teóricos para compreender a

relação entre as ordens jurídica, social, política e econômica, com o propósito de

desvelar as possíveis contribuições que o direito poderia dar ao desenvolvimento.

Por isso, é oportuno, antes de iniciar o debate principal que ora proposto, apresentar

56

as teorias que influenciaram seus trabalhos.

Como já mencionado, os estudos sobre desenvolvimento foram

impulsionados por agências do governo dos Estados Unidos e por fundações

privadas norte-americanas focadas no desenvolvimento, que buscaram, suporte

para seus programas de assistência internacional nas universidades, contando, à

época, com a adesão inicial de economistas, de cientistas políticos, de sociólogos e,

por último, de operadores jurídicos.

Neste contexto, os operadores jurídicos, inobstante as contribuições

precedentes de Max Weber, foram influenciados, quando se incorporaram às

discussões sobre desenvolvimento, por referenciais teóricos construídos por

acadêmicos estranhos ao direito (p. ex. economistas do desenvolvimento,

sociólogos do desenvolvimento etc), que, em tese, conferiam à ordem jurídica um

papel acessório ao processo de desenvolvimento.

O Movimento D&D adotou, por exemplo, consoante Brian Tamanaha (1995),

os pressupostos da teoria da modernização, concebendo, no início, a história como

uma série de estágios idênticos repetidos em todas as sociedades, hipótese que

levava a uma crença em um inevitável processo evolucionário, que produziria

instituições semelhantes às ocidentais, baseadas no sistema de livre mercado, em

instituições políticas democráticas e no arcabouço jurídico ocidental:

[...] haviam utilizado um modelo linear de desenvolvimento. Nesse tipo de modelo, presumia-se que todas as nações passavam por estágios semelhantes a caminho de um fim comum, representado nesse tipo de pensamento pelas estruturas legais econômicas e sociais dos Estados Unidos e da Europa. (TRUBEK, 2006, p. 194)

A teoria da modernização pautou, a propósito, na década de 1950 e início da

década de 1960, os movimentos acadêmicos do período, levando teóricos a externar

significativa confiança no desenvolvimento dos países do “Terceiro Mundo”. Sob

influência dos seus postulados, W. W. Rostow, em sua obra “Etapas do

Desenvolvimento Econômico”, publicada originalmente em 1956 [1978], apresentou

os estágios que seriam ultrapassados pelos países em desenvolvimento.

57

Para Rostow (1956 [1978]), subsistiria, no início, a sociedade tradicional,

caracterizada pela agricultura de subsistência; na segunda etapa, ocorreria a

'decolagem' econômica (take-off), com suporte de forças exógenas; após,

sobressairia o desenvolvimento industrial, com acentuado crescimento; na quarta

etapa, haveria produtividade econômica sustentável e integração na economia

internacional; e, no último estágio, seria a fase de grande consumo de massa.

Os teóricos da modernização compreendiam a história como resultado de

etapas uniformes, onde o desenvolvimento era visto como um processo orgânico,

que pressupunha o avanço dos países por diferentes estágios até alcançarem o

pleno desenvolvimento. Em última análise, os teóricos sustentaram, inicialmente,

que os países do “Terceiro Mundo” repetiriam necessariamente a experiência

ocidental de desenvolvimento (TRUBEK, 1972b).

Nessas circunstâncias, os operadores jurídicos precisaram conciliar os

pressupostos evolucionistas ao seu próprio trabalho, fato que levou à incorporação

imediata do referencial teórico weberiano, que entendia que um sistema legal

racional, universal e autônomo tinha sido, consentânea a experiência pretérita

analisada, essencial para o desenvolvimento europeu, disponibilizando as estruturas

jurídicas necessárias para a ascensão capitalista industrial (GREENBERG, 1980).

O Movimento D&D preconizou, então, que o direito moderno – aquele

encontrado no Ocidente, com as características explicitadas por Max Weber – seria

essencial para o desenvolvimento dos países. O papel do Movimento D&D cingia-se,

por isso, a implementar um sistema jurídico baseado em regras universais, aplicadas

por agências especializadas de modo universal e uniforme em todos as regiões e

em todos os estratos sociais (TRUBEK, 1972b).

Em última análise, as reformas jurídicas propaladas objetivavam remover

eventuais barreiras e/ou acelerar o processo de modernização dos países do

“Terceiro Mundo”. David Trubek (1972b, p. 76) sustentou que “a ideia de atrasos e

barreiras mant[inha] a necessidade de esforços conscientes para identificá-los e

superá-los. […] ao mesmo tempo, esses conceitos pressup[unham] que h[avia]

algum processo 'normal' de mudança que est[aria] sendo frustrado”.

58

Inobstante a fé inicial no processo evolucionário, o Movimento D&D avançou,

ao se deparar com a realidade fática dos países, em direção a outros referenciais,

tentando, logicamente, explorar estratégias não comunistas para o desenvolvimento

das nações. Trubek e Galanter (1974) destacaram, à época, que o desafio principal

enfrentado pelos teóricos do Movimento D&D era a relação entre o modelo inicial

concebido, o conceito de desenvolvimento e os problemas do “Terceiro Mundo”.

Sob a perspectiva histórica, o Movimento D&D coincidiu com o auge da

Guerra Fria, ocasião em que os Estados Unidos admitiram e, até mesmo,

incentivaram a intervenção estatal para promover o desenvolvimento dos países

periféricos aliados, com vistas a prevenir e a afastar a ameaça comunista que

rondava as nações de sua zona de influência12. Pressupunha-se, a rigor, que regiões

com subdesenvolvimento acentuado seriam mais suscetíveis à ameaça comunista.

Eric Hobsbawm (1996, p. 273, tradução nossa), ao analisar a situação da

época, preconizou, então, que “[…] todos estavam preparados para atingi-lo [o

desenvolvimento], se necessário fosse, por meio do controle e gerenciamento

governamentais de economias mistas [...]”. O medo do comunismo levou, portanto, a

a maior atuação estatal, sobressaindo o Estado do Bem-Estar Social com o

desiderato de neutralizar revoluções comunistas.

Para suprir lacunas teóricas existentes e ultrapassar às limitações conceituais

até então vigentes, o Movimento D&D passou, logo depois, também a adotar, nas

décadas de 1960 e 1970, teorias mais próximas à realidade dos países em

desenvolvimento. Em termos práticos, isso significou que as ideias preconizadas

pelo Movimento D&D não se restringiram à tentativa de implementação do modelo

jurídico weberiano, pautado na racionalidade lógico-formal.

Influenciados por problemas da teoria da modernização, alguns teóricos

sociais entenderam, no final, após análise de diversas nações, que os pressupostos

evolucionistas não se coadunavam com a história dos países em desenvolvimento,

hipótese que ocasionou a aceitação de teorias que refletiam à realidade dos países

12 Os Estados Unidos lançaram, por exemplo, na gestão do Presidente John F. Kennedy, o programa Aliança para o Progresso, que, entre 1961 e 1970, buscou promover o progresso da América Latina, com auxílios financeiro e técnico para projetos de desenvolvimento.

59

então considerados de “Terceiro Mundo”, com prejuízos à visão evolucionária

unilinear (GREENBERG, 1980):

É possível criticar este esquema com certo fundamento segundo dois pontos de vista. De um lado, os conceitos [...] não são bastante amplos para abranger de forma precisa todas as situações […] existentes, nem permitem distinguir entre elas os componentes estruturais que definem o modo de ser das sociedades analisadas e mostram as condições de seu funcionamento e permanência. Tampouco se estabelecem, por outro lado, nexos inteligíveis entre as diferentes etapas econômicas […] e os diferentes tipos de estrutura social que pressupõe as sociedades 'tradicionais' e as 'modernas'. (CARDOSO; FALETTO, 1970, p. 17)

Percebe-se, em síntese, que a teoria da modernização não considerava os

fatores históricos e sociais subjacentes aos países de “Terceiro Mundo”,

propugnando medidas, ao adotar de forma mecânica os estágios propostos por W.

W. Rostow, dissociadas da realidade das nações pobres, incapazes de transformar

as denominadas sociedades tradicionais em sociedades modernas, com reflexos

teóricos explícitos nas limitações do modelo jurídico preconizado.

Trubek e Galanter (1974) assinalam que o Movimento D&D tentou, por isso,

realizar pesquisas instrumentais destinadas a definir as transformações jurídicas

necessárias para viabilizar o desenvolvimento. O Movimento D&D compreendeu,

então, já em sua fase final, que era necessário superar algumas limitações

baseadas em um etnocentrismo exacerbado, procurando instrumentos jurídicos

alternativos, capazes de potencializar a industrialização dos países:

Se quisermos desenvolver ideias mais precisas e concretas sobre direito e desenvolvimento, devemos ir além […]. O evolucionismo não contém nenhuma ideia coerente sobre as relações causais entre fenômenos legais e sociais, o pensamento do direito moderno nunca apresenta com clareza qual fator causa o outro. (TRUBEK, 1972b, p. 82)

Com a devida cautela, pode-se dizer que as teorias da Comissão Econômica

para a América Latina e o Caribe (CEPAL)13 passaram, de certo modo, a ser

13 A CEPAL, vinculada à Organização das Nações Unidas, tem contribuído para o desenvolvimento econômico e social dos países da América Latina e do Caribe, com destaque para os trabalhos publicados nas décadas de 1950 a 1970.

60

admitidas, configurando autêntica resposta aos problemas teóricos constatados na

teoria da modernização, visto que as origens do subdesenvolvimento deveriam,

consoante Tamanaha (1995), ser encontradas na própria história dos países e na

estrutura do sistema capitalista. Brian Tamanaha (1995, p. 198) complementou:

Colonizadores exploraram os recursos naturais e o trabalho das áreas colonizadas, venderam seus produtos a estas, restringiram as colônias de competir com produtos produzidos pelos países colonizadores e, além disso, estabeleceram e protegeram corporações, plantações e encraves de colonizadores brancos em colônias, frequentemente acompanhados de licenciamento exclusivo, direitos de comércio e regimes jurídicos das colônias. O fim da colonização não pôs fim a esse sistema de exploração. Países em desenvolvimento foram incorporados ao sistema de mercado mundial em evidente desvantagem; esses países careciam de uma base industrial estabelecida e de uma tecnologia atualizada de transporte e infraestruturas de comunicação.

Sob influência das teorias cepalinas, Brian Tamanaha (1995) destacou que a

realidade dos países em desenvolvimento era bastante complexa, evidenciando-se

um centro constituído pelos países desenvolvidos e uma periferia em

desenvolvimento, em que a riqueza do primeiro era baseada na manutenção do

último em um estado de permanente dependência e subdesenvolvimento, hipótese

que justificava uma forte atuação econômica estatal para corrigir tais distorções:

Pressupõe-se que as prescrições da sociedade tradicional são moldadas a partir da história e do costume. […] o direito moderno é consciente e racional; e uma vez que foi construído conscientemente, ele deve ter necessariamente algum propósito consciente de si mesmo. […] O direito moderno é visto também como um instrumento mediante o qual várias metas sociais possíveis podem ser alcançadas. […] sem um Estado forte e relativamente centralizado, as regras do direito não moldarão e determinarão a vida social. (TRUBEK, 1972b, p. 58-59)

Abstraindo-se algumas polêmicas, Bresser-Pereira (2010) esclarece que a

CEPAL propugnou, como sucedâneo de críticas à teoria da modernização iniciadas

por Raul Prebisch (1949), a teoria da dependência, no seio do denominado

estruturalismo cepalino, preconizando que o desenvolvimento seria produto da

industrialização, que decorreria, por sua vez, de uma estratégia nacional conduzida

pelo Estado, com auxílio do seu sistema jurídico e de sua burocracia.

61

Com o propósito de contribuir para o desenvolvimento dos países menos

favorecidos, os teóricos do Movimento D&D redirecionaram, então, seus projetos

acadêmicos para os paradigmas mencionados, reconhecendo, em síntese, a

importância de um sistema normativo pautado na racionalidade lógico-formal e, ao

mesmo tempo, articulando instrumentos jurídicos capazes de potencializar a

intervenção econômica estatal (TRUBEK, 2006).

Convém lembrar que os teóricos do Movimento D&D adotaram, inicialmente,

os pressupostos da teoria da modernização em suas formulações teóricas, sem

adentrar em questões históricas e sociais subjacentes; porém, à medida que foram

“perdendo à inocência”, passaram a ser influenciados em suas experiências práticas

pelos pressupostos das teorias intervencionistas, mais próximos da realidade dos

países em desenvolvimento.

3.1.2 O Modelo Jurídico Concebido

Embora os teóricos tenham tentado consolidar uma teoria do Direito e

Desenvolvimento bastante robusta, o Movimento D&D não alcançou seu objetivo de

forma plena, restando, a rigor, na produção teórica do período, inúmeras

inconsistências. David Trubek, por exemplo, um dos acadêmicos que mais contribuiu

para o campo do Direito e Desenvolvimento, apresenta, a contrario sensu,

controvérsias significativas nos seus próprios textos.

Possivelmente, isso aconteceu porque o Movimento D&D foi, inicialmente,

impulsionado por programas de assistência internacionais voltados para o

desenvolvimento dos países menos favorecidos, atrelando, por essa razão, seus

esforços teóricos aos desafios práticos enfrentados pelas agências e fundações

norte-americanas, hipótese que justifica a confusão entre questões teóricas e

práticas encontrada na produção teórica subsequente.

Na ocasião, apresentar-se-á o modelo teórico inicial concebido pelo

Movimento D&D, ressalvando, desde logo, que os projetos de reformas jurídicas

62

então implementados foram além da base teórica inicial. Por oportuno, esclarece-se

que o Movimento D&D concebeu, inobstante os pressupostos evolucionistas

adotados, as reformas jurídicas como um esforço para acelerar as forças da história.

Welber Barral (2003, p. 18), ao analisar o contexto fático da época, sustentou:

[…] a ordem jurídica poderia ser utilizada como mecanismo para mudança e que os processos jurídicos existentes nos países em desenvolvimento poderiam ser alterados de forma a promover desenvolvimento econômico.

Para David Trubek (1972b), o Movimento D&D adotava, primeiro, um conceito

implícito de desenvolvimento que o equiparava à evolução gradual na direção das

nações industriais e, segundo, devido à noção de desenvolvimento adotada,

considerava o direito moderno igual às estruturas e culturas jurídicas ocidentais,

hipóteses que justificavam a implementação do direito ocidental nos países em

desenvolvimento. Nesse sentido, David Greenberg (1980, p. 90) preleciona:

[...] apesar das diferenças de ênfase e de perspectiva, eles [teóricos do Movimento D&D] compartilhavam um consenso de que reformas jurídicas tinham um papel importante a desempenhar no desenvolvimento econômico e político dos países menos desenvolvidos e que a direção dessas reformas deveria ser no sentido de conferir a eles sistemas legais semelhantes aos encontrados no mundo ocidental. (tradução nossa)

Thomas Franck (1972 [1992]) reconhece, a propósito, que, nos projetos de

pesquisa por ele conduzidos, partia-se do pressuposto que os países desenvolvidos,

principalmente os Estados Unidos, tinham uma ordem legal que, embora imperfeita,

tornava o sistema normativo importante para o processo de desenvolvimento

econômico, pressuposto teórico que instigava seus adeptos a tentar transplantar tal

modelo jurídico para os países de “Terceiro Mundo”.

Nessa linha, explicitam-se, ainda mais, as influências dos trabalhos de Max

Weber, referencial teórico central do modelo jurídico propugnado. David Trubek

(1972b, p. 57) delineou, então, os fundamentos iniciais do pensamento jurídico

preconizado pelo Movimento D&D: “é primariamente um sistema de regras; é uma

63

forma de ação humana intencional; e é simultaneamente parte do Estado-nação,

embora autônoma”.

Nas palavras de Marc Galanter, observadas no artigo “A Modernização do

Direito” (tradução nossa), publicado originalmente em 1966, o direito moderno,

presente nas sociedades industriais do século XX, tinha algumas características

básicas. De modo didático, Marc Galanter (1966, p. 154-156, tradução nossa)

esclareceu que a implementação e a expansão de modelos jurídicos modernos

envolveriam, em maior ou menor extensão, os seguintes aspectos:

Primeiro, o direito moderno consiste em regras que são uniformes, com aplicação invariável. […] Segundo, direito moderno é transacional. Direitos e obrigações são partilhados como resultado de transações (contratual, delituosa, criminal, e assim por diante) entre agentes […]. Terceiro, normas jurídicas modernas são universais. […] Quarto, o sistema é hierarquizado. […] Quinto, o sistema é organizado burocraticamente. […] Sexto, o sistema é racional. […] Sétimo, o sistema é conduzido por profissionais. [...] Oitavo, como o sistema tornou-se mais técnico e complexo, surgiram profissionais especializados intermediários entre os tribunais e as pessoas que têm que enfrentá-los. […] Nono, o sistema é alterável. [...] Décimo, o sistema é político. O Direito é tão entrelaçado com o Estado que este possui o monopólio sobre controvérsias jurídicas dentro de sua jurisdição. […] Décimo primeiro, a função de descobrir o direito e aplicá-lo ao caso concreto é diferenciada em pessoal e técnicas de outras funções governamentais. [...]

Em complemento, Marc Galanter (1966) destacou que o direito moderno tinha

iniciado, no final do século XVIII, na Europa, propagando-se, depois disso, para

outras partes do mundo. Considerando as diferentes características do modelo

jurídico moderno, Marc Galanter (1966, p.157, tradução nossa) defendeu, à época,

que o processo de modernização deveria ser expandido em países já desenvolvidos

e implementado em países em desenvolvimento, a saber:

Este tipo de modernização continua hoje em novos e velhos estados. Deve-se enfatizar que o processo de modernização prossegue no ocidente. […] Nosso modelo de direito moderno privilegia a unidade, uniformidade e universalidade. Nosso modelo esboça um mecanismo para a imposição severa de regras e procedimentos centrais sobre tudo que é local, paroquial e desviante.

64

De maneira geral, Marc Galanter (1966) sustentava que o processo de

modernização deveria ser direcionado para alcançar as características preconizadas

na sua totalidade. O Movimento D&D, ao compreender o direito como algo

consciente e racional, construído deliberadamente para alcançar objetivos

específicos, adotou uma visão instrumental do direito e presumiu que ele seria capaz

de moldar o mundo. David Trubek (1972b, p. 58) complementou:

O direito moderno [...] consiste de regras gerais aplicadas por agências especializadas de modo universal e uniforme em todas as regiões e a todos os estratos sociais. O direito moderno é também relativamente autônomo de outras fontes de ordem normativa. [...] O direito moderno é visto também como um instrumento mediante o qual várias metas sociais possíveis podem ser alcançadas.

Defendia-se, em virtude da concepção etnocêntrica adotada, que o direito

moderno, baseado no modelo norte-americano, seria essencial para a superação

dos problemas e que sua implementação promoveria necessariamente o

desenvolvimento dos países (CARTY, 1992). O Movimento D&D entendia que as

sociedades tradicionais alcançariam a ordem através do direito moderno e, assim,

passariam a ser sociedades modernas. Trubek e Galanter (1974) sintetizaram:

Em primeiro lugar, a sociedade é formada por indivíduos, grupos intermediários organizados voluntariamente pelos indivíduos, e o Estado, o centro primário de controle supra-individual e, desta forma, suas atividades envolvem a coerção dos indivíduos. […] Em segundo lugar, o Estado exerce seu controle sobre indivíduos por meio do direito […]. Em terceiro lugar, as normas são elaboradas deliberadamente para que determinados objetivos sejam realizados ou para que princípios sociais básicos sejam efetivados. […] Em quarto lugar, quando as normas elaboradas por este processo são aplicadas, referem-se igualmente a todos os cidadãos [...]. Em quinto lugar, as instituições que compõem o sistema jurídico aplicam, interpretam e modificam as normas universais. […] Finalmente, o comportamento dos participantes da sociedade tende a se ater às normas: os juízes são orientados pelas normas […]. Um grande número de normas será internalizado pela maioria da população. Quando isto não acontecer, ações oficiais compulsórias garantirão o comportamento conforme as normas. (1974, p. 137-140)

Preocupado com a superação definitiva da sociedade tradicional, David

Trubek (1972b) alertou que o direito moderno só teria condições de afetar a ordem

65

social se tivesse por trás um estado forte e relativamente centralizado para

implementar um sistema normativo viável, com capacidade de moldar e determinar a

vida social. Com o propósito de delimitar o caminho a ser percorrido na

implementação do modelo jurídico propugnado, David Trubek contextualizou:

O Estado cria o sistema de regras, os tribunais e outras instituições que fazem, aplicam e impõem a lei; a ascensão do direito moderno suplanta as forças locais, 'particularistas' e tradicionais, e desse modo, é o veículo por meio do qual o Estado substitui a autoridade comunal ou tradicional. (1972b, p. 59)

Implicitamente, sobreleva-se, como já noticiado, a influência do modelo

weberiano, sobressaindo a presença de seus pressupostos básicos: formalidade

(diferenciação) e racionalidade (generalidade). Trubek e Galanter (1974) explicaram,

em relação às instituições que compõem o sistema jurídico, que as funções de

legislar seriam executadas por legislaturas, enquanto as funções de aplicar e

interpretar seriam realizadas pelo judiciário.

No modelo proposto, os órgãos judiciais manifestariam, a rigor, o

entendimento final acerca do significado das leis, definindo, então, os efeitos das

normas e dos conceitos jurídicos. Para tanto, Trubek e Galanter (1974) alertaram

que decisões judiciais deveriam ser fundamentadas em um complexo de

interpretações e justificativas independentes de influências externas (e, também,

consentâneas com os objetivos e com as intenções dos legisladores).

Igual ao modelo norte-americano, as instituições legais e, lógico, seus

agentes intervenientes também assumiriam papel de destaque no processo de

desenvolvimento dos países de Terceiro Mundo (FRANCK, 1972 [1992]). A

propósito, os advogados, em especial, desempenhariam diferentes papeis,

sobressaindo, nessa perspectiva, funções bastante diferenciadas, tais como:

engenheiros sociais, decisores políticos, conciliadores etc.

Neste contexto, David Trubek e Mark Galanter (1974) notabilizaram a

expressão “liberalismo legal” e David Greenberg (1980) utilizou a expressão

“difusionismo legal”, denominando, dessa maneira, o conjunto tácito de suposições,

66

baseados nos valores liberais norte-americanos, que era compartilhado por teóricos

do Movimento D&D e por especialistas de agências e fundações norte-americanas,

influenciando a produção teórica e os programas de assistência subsequentes.

Como demonstrado, o Movimento D&D entendia que o direito moderno, “ao

professar ser a manifestação da razão e tratar todos os homens como iguais”,

fortaleceria, em certa perspectiva, o próprio Estado, a saber: “o direito moderno

legitima o Estado e, assim, reforça sua capacidade de impor normas, regras ou

objetivos substantivos específicos” (TRUBEK, 1972b, p. 59). Confrontando a

literatura sobre o tema, Greenberg (1980, p. 91) apresenta o seguinte complemento:

[...] a substituição de instituições jurídicas pluralistas tradicionais por um sistema legal centralizado pode ajudar a unificar a nação […] e enfraquecer elites tradicionais que preservam seus privilégios obstruindo a […] industrialização. […] [A]lém disso, […] o direito moderno pode promover a democracia política facilitando a participação popular nas instituições políticas e protegendo os cidadãos de arbitrariedades e da privação de suas liberdades civis [...]

Embora fosse possivelmente contraditório, o modelo jurídico do Movimento

D&D preconizava, por um lado, a centralização do poder no Estado e o

enfraquecimento das elites tradicionais e, por outro lado, a consolidação da

democracia e o fortalecimento dos direitos individuais (GREENBERG, 1980).

Observados os pressupostos citados, o programa de reforma jurídica dos países de

“Terceiro Mundo” proposto pelo Movimento D&D poderia ser assim sintetizado:

Primeiro, o direito que já se encontra nos livros deve ser aperfeiçoado. Regras substantivas 'modernas' [...] devem ser adotadas, se necessário, importando códigos estrangeiros. Essas regras precisam ser realmente universais; os particularismos residuais devem ser eliminados; o direito consuetudinário e especial devem dar lugar ao direito moderno 'racionalmente' promulgado. As regras no papel devem se tornar regras de fato; a aplicação imparcial precisa tornar-se uma realidade. Os legisladores em órgãos mais ou menos representativos devem aprender a formular regras que sejam imparciais, mas, ao mesmo tempo, que alcancem metas prioritárias de desenvolvimento. Os advogados devem aprender a argumentar e os juízes a raciocinar em termos dessas regras e dos objetivos que estão por trás delas. (TRUBEK, 1972b, p. 63-64)

67

De maneira geral, observa-se que o Movimento D&D prescrevia,

independentemente da diversidade de tradições legais e culturais presentes, o

mesmo receituário para todos os países, fato que levou os teóricos a propalarem a

exportação de modelos jurídicos idênticos para países completamente diferentes do

“Terceiro Mundo”, com estímulos exógenos para adoção da agenda de reformas

jurídicas preconizada, a saber:

[...] Esta literatura concentrava-se nos órgãos superiores do sistema jurídico e demonstrava pouco interesse por formas de organização social e jurídicas não estatais. […] A literatura inicial presumia que mudanças no direito transformariam também o comportamento social. […] Além disso, esta literatura presumia que profissões jurídicas eram, ou se tornariam, representantes do interesse público […] Finalmente, a literatura tinha como certa a existência de uma tendência natural dos sistemas jurídicos do Terceiro Mundo em evoluir na direção ao modelo ideal [...]. (TRUBEK; GALANTER, 1974, p. 149-150)

Com efeito, os operadores jurídicos eram vistos como “solucionadores de

problemas úteis e pragmáticos que facilitariam o desenvolvimento [...]” (TRUBEK,

2006, p. 187). Nesse sentido, Trubek e Galanter (1974) sustentaram que eles

deveriam comparar a realidade jurídica dos países do 'Terceiro Mundo' com o

modelo jurídico ocidental e, ao identificar a ausência de alguma característica,

propor sua modificação para adaptá-la fielmente ao modelo adotado.

Os teóricos do Movimento D&D explicitaram, nesse meio tempo, alguns

obstáculos à modernidade jurídica dos países do “Terceiro Mundo”, destacando-se,

principalmente, segundo Trubek (2006), o fato de que as culturas jurídicas dessas

nações eram excessivamente formalistas, isto é, as regras eram criadas,

interpretadas e, às vezes, aplicadas sem uma atenção cuidadosa com os objetivos

das políticas públicas. David Trubek (2006, p. 188) então sintetizou:

Eles alegavam que professores formalistas ensinavam que o direito era um sistema abstrato a ser aplicado por rígidas regras internas, sem preocupação com sua relevância e seu impacto sobre as políticas; legislaturas formalistas copiavam modelos estrangeiros ou seguiam princípios abstratos, em vez de estudar o contexto social e moldar regras para fins operacionais; juízes formalistas aplicavam regras de maneira rígida e mecânica, em vez de aceitar primeiro o inevitável arbítrio que a sentença acarreta e depois olhar para as metas políticas por trás das regras para orientá-los na aplicação desse arbítrio; e

68

advogados formalistas mantinham-se distantes dos objetivos tanto da lei como de seus clientes, emitindo interpretações baseadas em algum sistema lógico abstrato ou aplicação mecânica de fórmulas que mais impediam do que promoviam o progresso.

Preocupava-se, portanto, com o “gap“ (lacuna) existente entre as leis (dever-

ser) e a realidade (ser), ou melhor, com a incompatibilidade entre as leis formais e

aquilo que era necessário para promover o progresso dos países em

desenvolvimento. Propunha-se, em algumas situações, alterações nas leis

existentes, com o intento de promover as mudanças comportamentais desejadas,

consentâneas às necessidades de desenvolvimento (BARRON, 2005).

Em outras situações, era necessário transformar a cultura jurídica dos países,

reformando-se, por isso, a educação jurídica dos países em desenvolvimento para

ensinar o novo direito aos operadores jurídicos locais, com vistas a incutir entre eles

as ideias implícitas às reformas preconizadas e a possibilitar, logo depois, com o

suporte de uma cultura jurídica mais operacional, a implementação das respectivas

medidas (GREENBERG, 1980).

3.1.3 Relação entre o Modelo Jurídico Concebido e as Experiências Práticas

Os esforços teóricos não são fins em si mesmos (TRUBEK, 1972b). Tal

pressuposto coaduna-se, sobretudo, com o Movimento D&D, cujos teóricos tinham

estreita relação, em muitos casos simultânea relação, com projetos de pesquisa e

com programas de assistência internacionais voltados para o desenvolvimento dos

países pobres, levando, por exemplo, Trubek e Galanter (1974, p. 124) a referirem

que seu trabalho tratava “da relação entre pesquisa e ação”.

Por essa razão, sobrelevam-se diferenças importantes entre os postulados

teóricos iniciais do Movimento D&D, os quais previam, em regra, sob influência de

Max Weber e da teoria da modernização, o simples transplante do modelo jurídico

ocidental, e aqueles decorrentes das experiências práticas, as quais levaram

adiante, sob influência de teorias intervencionistas, iniciativas muito mais ousadas,

conferindo as reformas jurídicas um papel mais abrangente.

69

Feito o alerta inicial, reitera-se que o Movimento D&D compreendeu,

inicialmente, sob influência da teoria da modernização, que deveria estimular a

adoção do direito moderno, pautado na racionalidade lógico-formal, com a

prevalência de instrumentos jurídicos de direito privado (contrato, direito de

propriedade etc.), de modo a retirar eventuais barreiras do processo evolucionista e,

também, a manter as condições necessárias para o livre mercado.

Nesse passo, o Movimento D&D estimulou os programas (alguns contaram,

inclusive, com a participação dos próprios teóricos) voltados para reforma da

educação jurídica, para modernização das instituições e das profissões jurídicas, e

para reformas dos sistemas de assistência jurídica aos mais necessitados, que

deveriam ser conduzidos sob a lógica do modelo jurídico ideal, presumindo-se,

assim, que seus objetivos seriam, logo depois, alcançados, a saber:

Uma vez que podiam imaginar que o desenvolvimento jurídico seguia estágios evolucionários ligados a estágios de crescimento econômico, e que o 'direito ocidental' era o estágio mais alto dessa evolução para onde todos os sistemas avançavam, era fácil crer que o processo de transplante da cultura jurídica e das instituições jurídicas ocidentais seria relativamente simples e direto. (TRUBEK, 2006, p. 194)

Ocorre, porém, que a realidade fática dos países em desenvolvimento era

bem mais complexa, reivindicando, portanto, soluções mais amplas para resolução

dos problemas encontrados (CARTY, 1992). Trubek e Galanter (1974) alertaram, à

época, que o principal desafio do Movimento D&D era a relação entre o modelo de

direito pensado, o processo de desenvolvimento e os problemas do “Terceiro

Mundo”, levando-o a explorar diversas estratégias alternativas não comunistas.

Propugnava-se, assim, que o Direito, conforme Thomas Franck (1972 [1992]),

era indispensável para todas sociedades, mas os programas de assistência não

poderiam esquecer dos fatores econômicos, políticos e sociais determinantes do

desenvolvimento. O sistema legal e seus agentes intervenientes seriam os

instrumentos capazes de potencializar a transformação dos fatores que dificultavam

o desenvolvimento dos países de Terceiro Mundo.

70

Como sucedâneo, os teóricos do Movimento D&D adotaram, em resposta a

críticas recebidas no período, uma postura mais pragmática, buscando maior

contato com a realidade dos países menos favorecidos, em detrimento do modelo de

direito inicial propalado. Nesse momento, o foco de atenção se voltou para a eficácia

e penetração social das normas jurídicas, em decorrência da preocupação com a

efetividade das mudanças (TRUBEK; GALANTER,1974):

[…] não surpreende que […] advogados liberais que colocavam o foco na reforma jurídica como estratégia de desenvolvimento enfatizassem o papel econômico do direito e destacassem sua importância como instrumento com o qual os atores estatais poderiam moldar a economia. (TRUBEK, 2006, p. 187)

Diante disso, explicitou-se, logicamente, que a simples dicotomia sociedade

tradicional e sociedade moderna, pautada nos pressupostos da teoria da

modernização, conferia ao direito um papel insuficiente para potencializar o

desenvolvimento dos países do “Terceiro Mundo”. David Trubek (1972b), consciente

da importância das estruturas econômicas na articulação dos instrumentos jurídicos

em favor do desenvolvimento, apresentou, para fins didáticos, a seguinte proposta:

[…] começamos com uma tipologia […] que identifica duas abordagens radicalmente diferentes das relações entre Estado e atividade econômica. Esses tipos são chamados de 'mercado' e de 'comando'. Na medida em que as prioridades de produção são determinadas por entidades autônomas baseadas em preços estabelecidos por meio de troca, a organização econômica é chamada de 'mercado'. Na medida em que essas decisões são tomadas pelo Estado, ela é chamada de 'comando'. (1972b, p. 85)

Por certo, as estruturas econômicas de “mercado”, em que a economia seria

completamente dissociada do Estado, e “de comando”, em que não haveria divisão

entre Estado e mercado, não se coadunavam com a realidade dos países, visto que

prevalecia, na prática, uma organização econômica “mista”. À época, o próprio

Trubek (1972b) externou posicionamentos semelhantes, sobressaindo, enfim, o

caráter meramente didático de sua classificação.

71

Na linha teórica proposta, a estrutura econômica de “mercado” acentuaria a

função das instituições privadas no processo de desenvolvimento, conferindo ao

direito a função de manter o correto funcionamento do sistema de livre mercado, por

meio de instrumentos de direito privado (contratos, direitos de propriedade etc.)

capazes de fomentar a autonomia dos agentes. David Trubek (1972b, p. 60)

explicitou seus pressupostos teóricos subjacentes:

A ênfase aqui recai sobre a previsibilidade do direito moderno enquanto conjunto de regras universais uniformemente aplicadas. Em consequência dessa previsibilidade, o direito moderno estimula os homens a se empenharem em novas formas de atividade econômica e garante que os frutos dessa atividade serão protegidos.

Por outro lado, a estrutura econômica de “comando” acentuaria a função do

Estado, responsável por todas as decisões de natureza econômica. Em linhas

gerais, diz David Trubek (1972b), o Estado, que mantém em sua estrutura

hierárquica todas as instituições econômicas, emite diretrizes com determinações

específicas para cada empresa, definindo as metas de produção necessárias para

consolidação do plano de desenvolvimento previamente definido.

Por sua vez, Trubek (1972b) destacou que, em uma estrutura econômica

“mista”, atuariam na economia, simultaneamente, o mercado e o Estado,

sobrelevando-se o direito regulatório como característica intermediária entre as

regras universais de “mercado” e as diretrizes específicas do “comando”, pelo fato

de não ser tão abrangente quanto às regras gerais de “mercado” e nem tão

específico quanto às diretrizes de “comando”:

Portanto, é característico das economias em que o Estado não quer que as prioridades econômicas sejam estabelecidas exclusivamente pelo mercado, mas não é capaz, ou não está disposto, a assumir o controle completo das decisões econômicas. (TRUBEK, 1972b, p. 93)

Em termos práticos, David Trubek (1972b) explicou que o direito regulatório

tenta moldar o comportamento dos agentes econômicos, deixando-os, ao mesmo

tempo, sujeitos às influências do mercado. Sob outra perspectiva, David Trubek

(1972b), preleciona que as decisões econômicas são influenciadas por

72

considerações de preço, mas esses sinais são suplementados pela lei, levando-o a

apresentar, logo depois, o seguinte exemplo:

Um exemplo simples de direito regulatório é o crédito fiscal. As regras que estabelecem crédito para certos tipos de investimentos não ordenam que as unidades econômicas construam moradia de baixa renda, invistam em regiões subdesenvolvidas etc. Mas os benefícios oferecidos por meio desses critérios podem, quando incluídos numa análise de custo benefício baseada em dados de mercado e produção, influenciar as decisões de produção. (1972b, p. 94-95)

Superada a análise do modelo proposto, reitera-se, que os países do

“Terceiro Mundo” tinham estruturas econômicas mistas. À época, o Estado era

rotulado como desenvolvimentista, notabilizando-se, então, medidas de estímulos ao

mercado doméstico, planos nacionais, investimentos e gestão de setores prioritários,

iniciativas de controle do capital estrangeiro etc. (TRUBEK, 2006). Trubek e Santos

(2006, p. 5, tradução nossa) destacaram seus pressupostos:

[...] substituição de importação no mercado interno é o propulsor do crescimento; poupança escassa deve ser direcionada para investimentos em áreas estratégicas; o setor privado é muito fraco para alavancar o crescimento auto-sustentável [sic]; e setores tradicionais resistirão às mudanças [...].

Neste contexto, o Direito era, então, sob a influência de uma estrutura

econômica mista, necessário para regulação macroeconômica, para implementação

de incentivos apropriados aos comportamentos econômicos, para adequação da

burocracia estatal e da estrutura de governança do setor público, para definição dos

controles regulatórios, subsistindo, logicamente, uma área própria para atuação do

mercado (TRUBEK; SANTOS 2006).

O Movimento D&D compreendeu, portanto, o direito como um elemento

necessário ao desenvolvimento e, ao mesmo tempo, como um instrumento útil para

que se atingisse tal objetivo, desenvolvendo instrumentos capazes de estimular a

atuação dos agentes privados e, ao mesmo tempo, viabilizar a intervenção

econômica estatal, os quais possibilitariam, em conjunto, o alcance dos objetivos

almejados. Brian Tamanaha (1995, p. 191) sintetiza:

73

Em teoria, o direito é essencial ao desenvolvimento econômico, porquanto fornece elementos necessários ao funcionamento de um sistema de mercado. [...] Além disso, é o meio pelo qual o governo atinge seus objetivos e, ainda, serve para restringir ações governamentais opressivas ou arbitrárias.

A propósito, Trubek (1974) sustentou que as teorias sobre desenvolvimento

eram, à época, amplamente orientadas pela economia, levando, portanto, o

Movimento D&D a vincular, diretamente, as reformas jurídicas ao crescimento

econômico. Posteriormente, Trubek (2006) reiterou que, embora a retórica do

desenvolvimento enfatizasse que o objetivo não era apenas o crescimento, mas

também a liberdade e a democracia, os projetos tinham por foco o crescimento:

“As políticas de desenvolvimento enfatizavam as questões econômicas, não porque os planejadores não se interessavam pela democracia, mas porque aqueles que se preocupavam com essas questões achavam que elas se resolveriam naturalmente com o crescimento econômico”. (TRUBEK, 2006, p. 187)

Como demonstrado, os teóricos do desenvolvimento preocupavam-se, de

forma imediata, com o crescimento econômico, porquanto acreditavam que, de

modo mediato, os problemas sociais e políticos seriam resolvidos. De todo modo, o

o desenvolvimento então propugnado deveria, em tese, acarretar mudanças nas

esferas econômica, social e política, melhorando o bem-estar da população em

todos os sentidos. David Trubek e Marc Galanter (1974) concluíram:

[...] o 'desenvolvimento' ofereceria mais do que mais racionalidade e satisfação material; também prometia maior igualdade, mais liberdade, e uma participação mais completa na comunidade. Como um ideal, o 'desenvolvimento' prometia uma vida mais rica, em todos os sentidos, para os povos do Terceiro Mundo.

Trubek e Santos (2006), ao revisitarem o período histórico sob análise,

adotaram o termo “Direito e Estado Desenvolvimentista” para caracterizar o primeiro

momento em que os instrumentos jurídicos foram utilizados conscientemente para

promoção do desenvolvimento. Nessa concepção, o estado utilizaria o direito como

74

instrumento para transformação da sociedade, ao mesmo tempo em que seria

restringido por ele em suas ações.

3.1.4 A Crise do Movimento Direito e Desenvolvimento

Nas palavras de Anthony Carty (1992), a teoria do direito e desenvolvimento,

especificamente o Movimento D&D, é marcada pela controvérsia em diferentes

países, característica que não impediu que seus pressupostos impactassem, em

maior ou menor extensão, nos programas de assistência ao desenvolvimento dos

países denominados de “Terceiro Mundo”. Em certo momento, as controvérsias

atingiram, porém, um nível crítico, inviabilizando a continuidade do Movimento D&D.

Conforme Brian Tamanaha (1995), o período que o Movimento D&D entrou,

efetivamente, em curso (decênio 1965-1975) coincidiu com as mudanças na

sociedade americana, observadas no contexto do movimento dos direitos civis e dos

protestos contrários à Guerra do Vietnã (final da década de 1960 e início da década

de 1970), fatos históricos que tiveram, por óbvio, influência decisiva nos seus

desdobramentos subsequentes, a saber:

Muitos dos eventos […] devem ser compreendidos no contexto do movimento dos direitos civis e dos protestos contrários à Guerra do Vietnã que haviam cindido a sociedade americana no fim da década de 1960 e início da década seguinte, numa proporção inédita desde a Guerra Civil. Acadêmicos foram profundamente afetados, porquanto os campi universitários foram terreno para alguns dos mais intensos conflitos. (TAMANAHA, 1995, p. 190)

.

Complementando o contexto fático da época, observa-se que exsurgiram no

final da década de 1960 inúmeros problemas decorrentes do fracasso dos

programas de assistência voltados para os países em desenvolvimento,

notadamente a dificuldade de tais países em progredir economicamente, a

desintegração de suas instituições políticas e a posterior proliferação de regimes

militares autoritários (TAMANAHA, 1995),

75

No artigo “Para uma teoria social do direito: um ensaio sobre o estudo de

direito e desenvolvimento”, publicado em 1972 (p. 52), David Trubek, diante das

limitações atinentes aos péssimos resultados alcançados, teceu suas primeiras

críticas ao Movimento D&D, a saber: “essa pesquisa não cumpriu sua promessa; ela

produziu poucos conceitos ou insights originais e parece incapaz de formular um

programa de pesquisa satisfatório”.

Sob influência do período histórico mencionado, o Movimento D&D, ao

constatar a complexidade dos países em desenvolvimento e, claro, as dificuldades

na implementação dos seus projetos, entrou efetivamente em declínio. Por meio do

artigo “Acadêmicos auto-alienados [...]”, publicado em 1974, Trubek e Galanter,

precursores do próprio Movimento D&D, aumentaram drasticamente o tom das

críticas, fato que culminou, à época, no encerramento dos trabalhos acadêmicos.

Em que pese David Trubek e Marc Galanter (1974) terem despendido,

inicialmente, esforços significativos para consolidação do Movimento D&D, os

teóricos entenderam, posteriormente, que seus pressupostos eram inerentemente

problemáticos. Neste contexto, o Movimento D&D foi praticamente extinto nos

Estados Unidos, com o término dos financiamentos aos projetos, a paralisação de

vários programas e, depois disso, o direcionamento dos esforços para outras áreas.

Brian Tamanaha (1995) sustentou que várias críticas aos paradigmas teóricos

adotados pelo Movimento D&D foram feitas, questionando, inclusive, os

pressupostos do modelo weberiano. Do ponto de vista prático, eles foram utilizados

para legitimar a dominação estatal e, o que é pior, a dominação de classe, vez que

ressaltavam critérios formais em detrimento de critérios materiais, inviabilizando a

utilização do direito como instrumento de justiça social (TRUBEK, 1972b):

[…] projetos de assistência jurídica baseados no modelo de direito do legalismo liberal ser[iam], na melhor das hipóteses, paliativos, e, na pior das hipóteses, uma máscara que disfarça a exploração contínua. (TRUBEK; GALANTER, 1974, p.148-149)

76

Thomas Franck (1972 [1992]), por exemplo, ao apresentar o projeto de

pesquisa que investigou a plausibilidade do transplante de instituições legais norte-

americanas para os países em desenvolvimento, privilegiou, diante dos fracassos

observados nos programas de assistência internacionais, recomendações sobre o

que não deveria ser feito, salientando que, em alguns momentos, se sentira um

pouco culpado por utilizar recursos escassos para dizer o que não deveria ser feito.

Nessa linha, o próprio referencial teórico evolucionista foi objeto de sérias

críticas, em decorrência de suposta orientação, implícita a uma teoria social

conservadora, à preservação de um status quo injusto, colidindo, desse modo, com

os interesses e com as necessidades dos países então considerados de “Terceiro

Mundo” (TAMANAHA, 1995). De modo bastante didático, Welber Barral (2003, p. 17)

sintetizou as críticas à teoria da modernização:

Em primeiro lugar, ela descreve evidentemente a evolução das sociedades ocidentais após a revolução industrial, mas esquece as experiências em outras partes do mundo. Em segundo lugar, ela ignora cataclismos históricos, prévios à revolução industrial, em que a decadência de grandes civilizações demonstra que o desenvolvimento não é um continuum. Em terceiro, ela pressupõe que a experiência ocidental possa ser repetida em sociedades completamente distintas. Em quarto, ela minimiza os desafios da sociedade pós-industrial, que vão desde o valor do conhecimento até a impossibilidade ambiental de uma sociedade de consumo em todo planeta. Por isso, as teorias da modernização foram criticadas por serem 'etnocêntricas, míopes e ingênuas'.

A rigor, os teóricos tinham, em tese, ciência que a teoria da modernização

consistia em uma série de ideais alcançáveis no longo prazo, não sendo, porém, tal

pressuposto observado pelos teóricos norte-americanos no final da década de 1960,

fato que acarretou, logo depois, o declínio da teoria da modernização, consentâneo,

à época, com os questionamentos vigentes ao próprio sistema americano e aos

seus respectivos ideais (TAMANAHA, 1995).

Não obstante, David Trubek (1972b) sustentou, com o propósito de

fundamentar a tese que os pressupostos do Movimento D&D eram problemáticos,

possível conflito entre a concepção evolucionista propugnada, que concebia a

história como uma série de estágios definidos, e o compromisso reformista adotado

77

pelo Movimento D&D, que preconizava a exportação do modelo jurídico ocidental

para os países em desenvolvimento, apresentando a seguinte controvérsia:

[…] ao mesmo tempo que esses teóricos afirmam que o resto do mundo repetirá a experiência ocidental de desenvolvimento socieconômico e jurídico simultâneo, eles pressupõem que o desenvolvimento jurídico não está garantido e que é preciso fazer esforços extenuantes para assegurar a adoção do direito moderno. (1972b, p. 75)

Para Trubek (1972b), se a evolução econômica, social e política não leva

necessariamente ao direito moderno, sendo, assim, preciso um desenvolvimento

jurídico consciente para colocar os países do “Terceiro Mundo” no mesmo patamar

ocidental, os pressupostos evolucionistas da teoria da modernização deveriam,

então, ser abandonados, porquanto, na sua concepção, o direito moderno não seria

considerado um pré-requisito necessário para a mudança em outras esferas.

Com a objetividade que lhe é própria, David Trubek (1972b, p. 76) sustentou,

após explicitar as divergências teóricas mencionadas, que “um motivo para que a

teoria do direito moderno se apegue [...] ao evolucionismo e ao reformismo é a

utilidade que essas percepções têm para justificar o papel do estrangeiro que

prescreve medidas de reformas jurídicas”. Desvelando a perda da inocência inicial

dos teóricos, Trubek concluiu:

Esse reformador, ao redigir um código para um país em desenvolvimento ou assessorá-lo sobre como reformar sua educação jurídica, deve argumentar que o desenvolvimento jurídico é problemático – de outro modo, seu papel seria inexistente. No entanto, ele precisa também conservar o evolucionismo, pois ele serve a duas funções essenciais. Primeiro, tende a remover qualquer sugestão de que há questões normativas em jogo: o direito moderno é meramente um desdobramento da história. Segundo, o conceito evolucionista significa que o estrangeiro de uma nação 'desenvolvida' e 'moderna' tem um expertise especial a oferecer ao país 'tradicional' e 'subdesenvolvido'. (1972b, p.76-77)

Nessa linha, entende-se, pois, que os teóricos do Movimento D&D adotaram,

simultaneamente, os pressupostos evolucionistas e reformistas para legitimar os

programas de assistência internacionais. Merryman (1977), ao alertar quanto à falta

78

de rigor científico, defendeu que os entusiastas do Movimento D&D tinham um estilo

intelectual mais prático do que teórico e contavam, na sua leitura, apenas com um

conjunto de suposições, a saber:

Em primeiro lugar, presumiu-se que o direito fosse inerentemente 'bom' […]. Em segundo lugar, 'o direito fosse poderoso' no sentido de que as reformas jurídicas implementariam as mudanças desejadas nas relações sociais. Em terceiro lugar, [...] pesquisas neutras e sistemáticas seriam capazes de revelar hipóteses válidas e culturalmente transcendentais sobre a realidade do Terceiro Mundo. Em quarto lugar, [...] as pesquisas científicas sobre sistemas de direito do Terceiro Mundo realizadas por acadêmicos norte-americanos levariam a um conhecimento que fomenta fins morais. Finalmente, os Estados Unidos poderiam fazer contribuições valiosas ao desenvolvimento das nações do Terceiro Mundo”. (TRUBEK; GALANTER, 1974, p. 175)

Delimitadas às suposições teóricas, pode-se dizer que o Movimento D&D

propugnou, inicialmente, o mesmo receituário para todos os países, ocasionando, à

época, iniciativas de simples exportação do modelo jurídico ocidental para países de

“Terceiro Mundo”, com o objetivo, segundo Trubek e Galanter, de acelerar o

processo natural de modernização das nações em desenvolvimento ou remover

eventuais barreiras capazes de atrasar a evolução esperada:

Presumiu-se que o desenvolvimento envolvesse um aumento da capacidade racional do homem de controlar o mundo e, dessa forma, também, um aumento na habilidade de melhorar seu bem-estar material. Mas o 'desenvolvimento' ofereceria mais do que mais racionalidade e satisfação material; também prometia, maior igualdade, mais liberdade, e uma participação completa na comunidade. Como um ideal, portanto, o 'desenvolvimento' prometia uma vida mais rica, em todos os sentidos, para os povos do Terceiro Mundo. (1974, p. 140-141)

Importa destacar que os teóricos do Movimento D&D adotaram inicialmente

uma visão etnocêntrica, ou seja, impregnada de conceitos estranhos aos países em

desenvolvimento, falhando, na maioria das vezes, em alcançar os objetivos

supracitados. Por certo, inúmeros problemas decorreram, infelizmente, desta visão

míope da realidade, levando David Trubek (1972b) a apresentar, para fins

exemplificativos, a seguinte situação:

79

Consideremos o caso dos projetos de educação planejados para fomentar o pensamento jurídico intencional. Os estudiosos americanos […] que promovem esses esforços pressupõem que irão fortalecer o 'império do direito' e fomentar os valores democráticos. […] a concepção central sustenta que as medidas para aumentar a intencionalidade jurídica fomentarão a autonomia jurídica e fortalecerão as tendências liberais e democráticas. Aumentar o instrumentalismo pode, na verdade, ter o efeito oposto. [...] pode [...] tornar a ordem jurídica cada vez mais dependente do aparato estatal, e quando grupos autoritários assumem o controle desse aparato, essa dependência fortalece a posição deles. (1972b, p. 78-79)

Questionou-se, inclusive, a ênfase dispensada às normas e às instituições

judiciárias como instrumentos de transformação. Compreendia-se que os esforços

de reformas de normas e de instituições produziriam, certamente, símbolos de

mudança significativos, mas não, necessariamente, assegurariam mudanças

significativas nas políticas mais importantes para a sociedade (TRUBEK;

GALANTER, 1974). David Trubek (2006, p.192) esclareceu:

O programa de reforma educacional não produziu os resultados esperados. As escolas de direito se mostraram mais resistentes à mudança do que os reformistas imaginavam. […] os projetos não tiveram o impacto sistêmico que se esperava. Era como se as estruturas da legislação, da aplicação das leis e da prática jurídica fossem capazes de resistir à mudança cultural inspirada no estrangeiro. Ao mesmo tempo, muitos esforços de transplante jurídico se revelaram desapontadores. Em alguns casos, os transplantes não 'pegaram' de forma alguma: algumas das novas leis promovidas pelos reformadores permaneceram nos livros, mas foram ignoradas na prática. Em outros, as elites se apropriaram das leis e lhes deram uso diferente daquele pretendido pelos reformadores. Por fim, até mesmo quando as mudanças ocorriam na esfera econômica, […] os transbordamentos esperados para a democracia e a proteção dos direitos individuais não ocorreram.

Confrontando-se as críticas teóricas com os resultados práticos, sobrelevam-

se, ainda, problemas decorrentes dos referenciais intervencionistas posteriormente

adotados. Por ser um instrumento dependente dos objetivos delineados pelo Estado,

o pensamento instrumental foi, tal como a experiência histórica demonstrou em

alguns países (p. ex. Brasil e Chile), utilizado por grupos autoritários para fazer valer

objetivos próprios (TRUBEK, 1972b):

80

[...] legalismo, operacionalidade e autoritarismo poderiam formar um amálgama estável, de tal modo que seus esforços para aperfeiçoar o direito econômico poderiam fortalecer os governos autoritários. (TRUBEK, 2006, p. 192-193)

Neste contexto, o instrumentalismo diminuiu, pelo fato de o direito não poder

determinar seus próprios objetivos, a autonomia jurídica, tornando o direito mero

instrumento de poder estatal, ou melhor, de poder de grupos autoritários que

conduziam, à época, o Estado (TRUBEK, 1972b). Com o propósito de evidenciar as

falhas observadas no período, David Trubek (1972b, p. 79-80) apresentou então a

seguinte consideração:

O pressuposto de que o instrumentalismo é necessário para o funcionamento eficaz de um sistema jurídico autônomo é simplesmente uma generalização das condições americanas e se baseia no fato de que o pensamento jurídico americano presume a existência de um sistema político pluralista […], o Estado não é visto como uma entidade distinta e hierarquicamente superior à vida social, mas como um sistema ou processo que organiza e orienta uma luta em andamento entre grupos em competição e conflito.

Por corolário, constata-se que o pensamento jurídico instrumental, onde o

direito resulta de um processo competitivo de interação pluralista, não é um inimigo

dos valores democráticos e da liberdade individual. Nessas circunstâncias,

coexistem o instrumentalismo e a democracia de maneira harmoniosa, hipótese,

certamente, não observada, segundo Brian Tamanaha (1995, p. 192), nos países

em desenvolvimento, a saber:

[...] Em vez de pluralismo político, havia estratificação social, diferenças de classes acentuadas e governos autoritários. O Estado era fraco em comparação a um clã ou a uma vila. A grande maioria da população não havia internalizado as normas jurídicas. Frequentemente as leis eram promulgadas para atender aos interesses da elite econômica. E os tribunais eram tipicamente fracos ou irrelevantes. […] era potencialmente danoso exportar uma visão instrumental do Direito. Quando o Estado é cooptado por grupos autoritários, o Direito, visto em termos fundamentalmente instrumentais, não pode servir de mecanismo controlador. Desprovido de seus próprios valores internos e objetivos, se torna um instrumento daqueles que controlam e estabelecem as metas do Estado.

81

Posto isto, conclui-se que a visão etnocêntrica inicialmente adotada pelo

Movimento D&D, combinada com o referencial teórico evolucionista, acarretou os

problemas subsequentes dos programas de assistência internacional, fatos que,

posteriormente, reforçados pelos equívocos provenientes das teorias

intervencionistas adotadas pelos teóricos nos períodos finais, levaram ao

encerramento do próprio Movimento D&D, a saber:

[...] muitos acadêmicos começaram a questionar se tais projetos estavam contribuindo de fato para a liberdade, a igualdade, a participação e o aumento da racionalidade. Estas dúvidas levaram a questionar o valor moral de algumas, ou mesmo de todas, atividades de assistência ao desenvolvimento do direito e, portanto, necessariamente, a questionar sua própria condição de intelectuais. (TRUBEK; GALANTER, 1974, p. 126).

Com efeito, Trubek e Galanter (1974) deixaram claro, à época, que os críticos

dos programas de assistência do período eram, em regra, os mesmos que tinham

contribuído para sua implementação. Sobreleva-se, por exemplo, do trabalho de

David Greenberg (1980), críticas significativas a várias reformas jurídicas

implementadas (p. ex. Turquia, Brasil, México, etc.) que não levaram, no século XX,

aos resultados propalados.

A propósito, o teórico David Greenberg (1980) tinha, inclusive, já destacado,

antes de adentrar nas críticas específicas ao Movimento D&D, que, no século XIX,

inobstante o fato de constituições e códigos civis latino-americanos terem sido

reformados com base na constituição norte-americana e no código civil napoleônico,

prevaleceram, mesmo assim, diferenças nítidas entre os países desenvolvidos e os

países da América Latina, constatação que levou a seguinte questão:

[...] é improvável que reformas legais sejam uma variável crítica para o desenvolvimento. Se as reformas legais contribuíram tão pouco para os países da América Latina um século atrás, por que contribuiriam muito mais agora? [...]. (GREENBERG, 1980, p. 93)

Corroborando tal hipótese, Greenberg (1980) destacou, quanto às reformas

jurídicas, que seus resultados foram aquém do esperado, sucedendo, a partir dessa

82

constatação, um período de desilusão. Do ponto de vista econômico, houve redução

das taxas de crescimento, acentuação do desemprego e aumento exacerbado da

concentração de renda e, do ponto de vista político, ocorreu proliferação de golpes

militares e supressão de liberdades civis.

Pelas razões expostas, Greenberg (1980) sustentou que o Movimento D&D

falhou em alcançar os benefícios prometidos, reforçando, por isso, as dúvidas

acerca da necessidade das reformas jurídicas propaladas. Para David Trubek

(1972b, p. 73) o Movimento D&D não deveria ter propugnado que o direito moderno

produziria necessariamente desenvolvimento, visto que ele apenas poderia

contribuir para a estruturação das condições necessárias para o desenvolvimento.

3.2 Movimento Estado de Direito

O término do Movimento Direito e Desenvolvimento (D&D), embora tenha

acarretado uma redução significativa dos estudos na área, não significou o fim da

teoria do Direito e Desenvolvimento. Brian Tamanaha (1995, p. 193) contextualizou:

“[...] estudiosos franceses e ingleses, [...] juntamente com [...] acadêmicos africanos,

latino-americanos e indianos, continuaram a pesquisar e a escrever a respeito do

tema, desenvolvendo um rico conjunto de material”.

De fato, sobrelevam-se, entre o término do Movimento D&D e o início do

Movimento “Estado de Direito”, inúmeras iniciativas teóricas e práticas isoladas, que

não consubstanciaram certo consenso intelectual a respeito do tema. De todo modo,

somente no final da década de 1980 e no início da década de 1990, os estudos e as

práticas começaram a conformar novo consenso, libertando-se da coação de

pensamento até então imposta (TAMANAHA, 1995).

Nesse interregno, Tamanaha (1995, p. 196), ao constatar a persistência com a

qual seus participantes declaravam-se estar “'em crise”, já havia questionado “(1)

qual é a natureza da crise? (2) Há alguma solução?”, sem receber qualquer resposta

satisfatória. Anthony Carty (1992), nesse cenário, propugnou, influenciado pelos

83

fatos históricos do período, que se propalava uma onda radical de democracia, que

representava o triunfo dos ideais pretéritos.

Por oportuno, constata-se que, no final da década de 1980 e no início da

década de 1990, ocorreu a proliferação de inúmeros programas de reformas em

países em desenvolvimento e em transição (do socialismo para o capitalismo), com

dispêndios vultuosos das agências internacionais, sobrelevando-se, no período, 330

projetos apoiados pelo Banco Mundial (TRUBEK, 2006). Diante disso, Brian

Tamanaha (1995) preconizou:

Teóricos da área de direito e desenvolvimento devem empenhar-se em delinear maneiras pelas quais o modelo de império do direito possa ser adaptado às circunstâncias locais e incentivado a amadurecer, em vez de despender a maior parte de seus esforços desmantelando o modelo.

Posteriormente, David Trubek (2003) explicitou que a denominada “onda

radical de democracia” era propalada por entusiastas do Consenso de Washington.

Por corolário, os programas de assistência tiveram escopo mais abrangente,

envolvendo, nos seus diferentes momentos, diversas iniciativas de reformas,

relacionadas aos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, de modo a possibilitar,

ao final, o alcance do “Estado de Direito”.

Antes de avançar na análise do Movimento “Estado de Direito”, esclarece-se

que o termo “Consenso de Washington” foi proposto pelo economista John

Williamson (1990), de forma a congregar as diferentes medidas prescritas, após

conferência realizada em Washington D.C. em 1989, pelo Banco Mundial, pelo

Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo governo dos Estados Unidos para os

países da América Latina.

Ao analisar os fatos históricos do período, observa-se que essa confluência

de ideias rotuladas como “Consenso de Washington” decorreu de episódios

históricos marcantes que levaram ao término da ameaça comunista: queda do Muro

de Berlim, fim da Guerra Fria e colapso da União Soviética. Nesse quadro fático,

Francis Fukuyama (1992) defendeu, em 1989, que chegara o “fim da história”,

caracterizado pela prevalência do capitalismo liberal e da democracia ocidental.

84

Nessa perspectiva, o capitalismo liberal e a democracia ocidental

constituiriam, no final da década de 1990, sob influência filosófica das ideias de

Hegel, o ápice da história da humanidade, paradigma que produziu impactos

significativos na seara econômica e política. Em termos práticos, o fim da história

representaria o coroamento do capitalismo liberal e da democracia ocidental, que

passariam a ser adotados por todos os países.

A propósito, o artigo “O que Washington entende por política de reforma”

(1989, tradução nossa), escrito por John Williamson, foi utilizado como referencial

teórico para as medidas que passaram a ser prescritas pelas instituições financeiras

internacionais e pelos Estados Unidos, os quais consentiam quanto à necessidade

de implementação de algumas reformas econômicas, necessárias para potencializar,

no primeiro momento, a ascensão do capitalismo liberal.

Nas palavras de Williamson (2000/2010, p. 251, tradução nossa), a expressão

“Consenso de Washington” foi idealizada para “referir-se ao mínimo denominador

comum em termos de políticas recomendadas aos países latino-americanos pelas

instituições sediadas em Washington D.C.”. Tais políticas objetivavam, em síntese, o

“ajuste macroeconômico”, necessário para viabilizar a ascensão capitalista,

representando, à época, a política oficial das instituições financeiras internacionais.

TABELA I – Consenso de Washington

Medidas de Boa Conduta para a Promoção do Crescimento Econômico (Reformas de Primeira Geração)

1. Disciplina Fiscal 2. Reorientação dos Gastos Públicos3. Reforma Tributária 4. Liberalização das Taxas de Juros5. Taxa de Câmbio Unificada e Competitiva6. Liberalização do Comércio7. Eliminação de Restrições ao Investimento Estrangeiro Direto8. Privatização de Empresas Estatais9. Desregulamentação10. Proteção aos Direitos de PropriedadeFonte: Dani Rodrik (2007)

No final da década de 1980, os países em desenvolvimento encontravam-se

em situação difícil, enfrentando crises econômicas e, em alguns casos, políticas

85

graves. Nesse quadro fático, Banco Mundial, FMI e governo dos Estados Unidos (a

Organização Mundial do Comércio foi criada em 1995) encontraram condições

favoráveis para o início da implementação das medidas prescritas, impondo, para

tanto, condicionalidades para concessão de empréstimos aos países periféricos.

As instituições supracitadas condicionavam a concessão de empréstimos ao

início da implementação das medidas elencadas, que constituíram, depois, as

denominadas “Reformas de Primeira Geração”. Com o tempo, tais medidas

passaram a ser associadas a “políticas neoliberais”, descaracterizando a

denominação originalmente idealizada por Williamson, fato reconhecido, embora

com certa lástima, explicitamente pelo teórico em seus escritos subsequentes.

De todo modo, a política oficial das instituições financeiras internacionais,

impulsionada pela derrocada dos países socialistas e potencializada pelo ideário da

globalização neoliberal, estimulou as reformas econômicas voltadas para o controle

dos gastos públicos, com a redução do tamanho do setor público e a diminuição das

funções até então desempenhadas, e para a liberalização da economia, com a

assunção de novos papeis pela iniciativa privada,

Com o tempo, as instituições internacionais e os Estados Unidos perceberam

que as “Reformas de Primeira Geração” eram insuficientes, incapazes, por si só, de

alcançar os resultados esperados. Afinal, “o fim da história” pressupunha a

ascensão do capitalismo liberal e da democracia ocidental, e as políticas até então

propugnadas privilegiavam a expansão do modelo econômico, olvidando-se de

estimular a ascensão do modelo hegemônico político.

Pelo fato de as “Reformas de Primeira Geração” não terem apresentado os

resultados esperados, as instituições internacionais e os Estados Unidos

estimularam novos estudos e pesquisas. Compreendeu-se que o progresso dos

países decorria dos agentes privados, que eram, por sua vez, influenciados pela

estabilidade do ambiente de negócios e pela potencial segurança e previsibilidade

de suas transações econômicas.

86

Nessa linha, o Estado deveria prover estabilidade ao ambiente de negócios,

assegurando, quando necessário, a efetividade dos contratos firmados pelos atores

privados, com reflexos claros no papel desempenhado pelo Judiciário. Nesse

momento, os organismos multilaterais, influenciados por novas contribuições

teóricas que emergiram no período, começaram a propalar as denominadas

“Reformas de Segunda Geração”.

Passaram, então, a incentivar reformas legais e institucionais, com destaque

para reformas do Judiciário, considerado fundamental para garantir segurança

jurídica. As Reformas de Segunda Geração, que privilegiavam medidas voltadas

para melhoria das instituições, em conjunto com as Reformas de Primeira Geração

já implementadas, que privilegiavam os ajustes econômicos, potencializariam, ao

criar um ambiente favorável aos investimentos, o progresso dos países periféricos.

Gordon Barron, em seu artigo “O Banco Mundial e as Reformas Judiciais”

(2005, tradução nossa), deixa claro que o Banco Mundial, influenciado por teorias

relacionadas à ideia de “boa governança”, descobriu o “Estado de Direito” e, então,

compreendeu que o Direito poderia ser utilizado como ferramenta para promover o

desenvolvimento econômico e social, apoiando, a partir disso, as iniciativas teóricas

e práticas na área.

Impulsionado pelas pesquisas e práticas do Banco Mundial, exsurge, assim, o

Movimento “Estado de Direito”, compreendido por alguns, de forma equivocada,

como o retorno do Movimento Direito e Desenvolvimento. Dado o contexto histórico,

objetivava-se, em síntese, ao ser reconhecida a importância da proteção dos

direitos, consolidar o “Estado de Direito” nos países ainda carentes de instituições

fortes e capazes de prover segurança jurídica aos agentes privados.

O “Movimento Estado de Direito” representou, assim, a confluência de ideais

pretéritas, lentamente firmados ao longo de muitos anos, com ideias consolidadas

no “Consenso de Washington”, que conformaram um conjunto amplo de medidas,

abrangendo reformas jurídicas em diferentes áreas, notadamente educação jurídica,

reforma legislativa e reforma judiciária. Welber Barral (2006, p. 24) apresentou uma

síntese interessante:

87

Os primeiros [defensores dos direitos humanos] viam nas instituições internas, e em seu fortalecimento e modernização, a possibilidade de reforçar as garantias constitucionais, garantir a revisão judicial e a independência do judiciário, de conceder a todos o acesso à justiça, fundamentos instrumentais da defesa dos direitos humanos. Havia, portanto, certas coincidências com os princípios defendidos pelo Consenso de Washington, para quem era urgentemente necessário, nos países em transição para a ordem econômica liberal, garantir os direitos de propriedade, a execução dos contratos e a proteção contra o uso arbitrário do poder governamental e contra o excesso de regulamentação. Estes vários interesses foram empacotados na expressão 'boa governança' e reputados importantes para estimular o crescimento econômico e para atrair investimento estrangeiro.

Parafraseando José Eduardo Faria (1999), reforça-se, porém, que era, à

época, a economia que, efetivamente, calibrava, balizava e pautava a agenda e as

decisões políticas e jurídicas. Por essa razão, o Movimento Estado de Direito foi

decisivamente influenciado pelos impulsos econômicos de expansão do capitalismo

liberal, o qual demandava sistemas jurídicos integrados e articulados para se

proliferar pelos países periféricos.

Em última análise, as medidas voltadas para consolidação da democracia

ocidental, aí incluídas as medidas concernentes à proteção dos direitos humanos,

promoveriam também a estabilidade necessária para os investimentos e, com isso,

para o desenvolvimento dos países pobres. Propõe-se, na ocasião, o

aprofundamento da análise do Movimento “Estado de Direito”, que recebeu influxos

óbvios do quadro fático e teórico exposto.

3.2.1 Síntese das Influências Teóricas

Para evitar equívocos, esclarece-se, em consonância com Tom Binguam, na

obra “The Rule of Law”, publicada em 2010, que a expressão adotada pelo

Movimento “Estado de Direito” foi cunhada pelo professor da Universidade de Oxford

A. V. Dicey, em 1885, na obra “Introdução ao Estudo do Direito Constitucional”.

Porém, as ideias implícitas ao termo “Estado de Direito” não são de sua autoria, vez

que A. V. Dicey foi influenciado por teóricos primígenos.

88

Segundo Kenneth Dam (2006), o termo “Rule of Law”, cuja tradução mais

apropriada para a língua portuguesa é “Estado de Direito”, permanece ainda muito

impreciso, dificultando sua adoção como elemento central da estratégia de

desenvolvimento dos países. Para fins ilustrativos, o acadêmico efetuou uma breve

digressão histórica, recorrendo a teóricos pertencentes a diferentes épocas para

nortear a definição do termo “Rule of Law”:

Platão escreveu que 'um estado onde a lei está acima dos governantes e os governantes estão abaixo da lei tem salvação […]'. No início da Inglaterra, Bracton escreveu que o rei subordinava-se a 'deus e a lei'. John Adams […] providenciou, em 1780, a inclusão na constituição de Massachusetts da frase que ecoa até hoje: 'Nosso governo é um governo de leis, não de homens'. A frase foi colocada na frente e no centro do direito constitucional americano pelo Presidente da Suprema Corte John Marshall em 1803 […]. (DAM, 2006, p.13, tradução nossa)

Sem adentrar em maiores detalhes, observa-se que as ideias do “Movimento

Estado de Direito” não eram recentes, tendo sido, na verdade, apenas resgatadas

por seus teóricos no final da década de 1980 e no início da década de 1990.

Inobstante o legado histórico mencionado, Kenneth Dam (2006) adverte, por sua

vez, que a maioria das discussões correlatas ao “Rule of Law” são genéricas e

abstratas, dificultando sua aplicação prática nas políticas de desenvolvimento.

De todo modo, Kenneth Dam (2006) orienta, após relatar que inúmeros

teóricos buscam desvelar seu autêntico sentido, que o “Rule of Law”, abrange duas

esferas simultâneas: por um lado, a relação entre o governo e os agentes

econômicos; por outro lado, a relação entre os próprios agentes econômicos. Apesar

de a literatura sobre o “Rule of Law” ser um pouco confusa, Kenneth Dam (2006,

p.16, tradução nossa) sintetiza as ideias básicas subjacentes da seguinte forma:

1. A lei deve ser escrita e estar disponível para todos os residentes do reino: nenhuma lei pode ser secreta. 2. As leis devem valer para todos, e ser aplicadas de forma igual e sem paixão, independente de posição ou situação. Além disso, o estado e os governantes devem também subordinar-se às leis: ninguém está acima da lei. 3. Os indivíduos têm o direito de ter regras que possibitem o exercício dos seus direitos. Em outras palavras, eles têm o direito de acessar a justiça de maneira não discriminatória, não importa sua própria situação e a situação de quem eles pretendam questionar na justiça.

89

Como já noticiado, as ideias supracitadas constituem uma breve síntese

daquilo que representa o “Rule of Law”, subsistindo na literatura acadêmica um

debate quase interminável sobre o tema. Não obstante, deve estar claro que o “Rule

of Law” não pode, em hipótese alguma, ser confundido com o “Rule by Law”, que

representa a utilização do direito por aqueles que detêm o poder para impor

arbitrariamente as suas vontades (DAM, 2006).

O Movimento Estado de Direito considerou, logicamente, diferentes

contribuições primígenas, sofisticando ainda mais o debate sobre o “Rule of Law” e

avançando também em outras direções. Gordon Barron (2005) salienta que, do

mesmo modo que o Movimento D&D, o Movimento Estado de Direito recebeu

influências de Max Weber, reforçando, dessa forma, que tal teórico deve ser

considerado referencial teórico consensual em Direito e Desenvolvimento.

Como Max Weber, o Movimento Estado de Direto também defendeu que o

Direito poderia ser utilizado como instrumento de promoção do desenvolvimento,

concebendo o “Rule of Law” como solução para os diferentes obstáculos

enfrentados pelos países pobres, quer dizer, como sustentação da ascensão do

capitalismo liberal e da consolidação da democracia ocidental, indispensáveis, nessa

linha, para o pleno desenvolvimento dos países. Gordon Barron contextualiza:

[...] o Rule of Law é concebido como solução para uma surpreendente gama de problemas: apresenta-se como elo entre uma democracia incipiente e uma consolidada, que promete consagrar os direitos humanos e extirpar a violência e a corrupção, o que seria uma condição sine qua non para as bases de uma economia de mercado. (2005, p. 2-3, tradução nossa)

Devido às críticas, reconhece-se, desde logo, as dificuldades enfrentadas

pelo Movimento Estado de Direito para transpor a teoria para prática, isto é, para

construir uma agenda concreta de reformas necessárias para implementação do

“Rule of Law”, haja vista a densidade teórica e filosófica subjacente aos referenciais

adotados. Pode-se dizer, então, que esse era o desafio enfrentado: construir uma

agenda de reformas necessárias para implementação do “Rule of Law”.

90

A Nova Economia Institucional (NEI), referencial teórico também adotado pelo

Movimento Estado de Direito, trouxe insights importantes, explicitando, em síntese,

que “as instituições importam” para o desenvolvimento, ou melhor, que o progresso

de um país é influenciado pela formação e evolução de suas instituições; mas, por

não especificar quais instituições que efetivamente importam, restaram, igualmente,

dificuldades na definição de uma agenda específica de reformas.

Antes de falar de Douglas North (1990) e Oliver Williamson (1996), teóricos

que conferiram notoriedade à NEI, sobrelevam-se os trabalhos de Ronald Coase

(1960), que, com sua teoria dos custos de transação, incluiu as instituições jurídicas

nas discussões econômicas, contribuindo para os avanços da teoria econômica

neoclássica, e de Richard Posner (1990), que, com sua ênfase à eficiência e ao

pragmatismo, também influenciou o Movimento Estado de Direito.

Ronald Coase, em seu artigo “O Problemas dos Custos Sociais (1960), trouxe

conceitos inovadores, que impactaram nas pesquisas posteriores acerca dos

sistemas jurídico e econômico. Prelecionou que os Estados, ao diminuírem os

custos de transação, promoveriam a eficiência alocativa dos recursos, isto é,

estimulariam as transações econômicas entre os agentes privados, potencializando,

assim, o desenvolvimento de seus mercados.

Nessa linha, Ronald Coase (1960) defendeu que o mercado negocia direitos

(p. ex. propriedade), os quais são definidos mediante contratos, inaugurando, à

época, o debate entre o Direito e a Economia. Coase (1960) pressupôs, então, que

os agentes têm racionalidade limitada, hipótese que o levou a acreditar que os

agentes tendem a ter comportamentos oportunistas, com prejuízos potenciais às

transações econômicas, o que deveria ser neutralizado pelos instrumentos jurídicos.

Como já dito, Richard Posner (1990) trouxe também insights importantes, os

quais impactaram, embora em menor escala, no Movimento Estado de Direito. Sem

adentrar em maiores polêmicas teóricas, destaca-se que Richard Posner (1973)

consolidou a crença de que o sistema jurídico é capaz de alterar os incentivos dos

agentes econômicos, podendo estimulá-los para atividades mais eficientes, de modo

a maximizar a riqueza da sociedade.

91

O Movimento Estado de Direito foi influenciado pelos teóricos mencionados,

que explicitaram a relação entre Direito e Economia, desvelando, em síntese, a

importância da proteção dos direitos de propriedade e dos direitos contratuais para

estimular o desenvolvimento capitalista. Para dar efetividade aos direitos citados,

evidenciou-se, em seguida, conforme explicitado em diferentes perspectivas por

Douglas North (1990) e Williamson (1996), o papel das instituições.

Oliver Williamson (1996), ao privilegiar o comportamento dos indivíduos e das

empresas, explora as estruturas de governança, as quais são, em última análise,

constituídas pelas instituições que propiciam estabilidade aos mercados e que

facilitam as transações econômicas dos agentes privados, reduzindo os riscos

potenciais de conflitos decorrentes de racionalidade limitada e de comportamento

oportunista e, dessa forma, os custos de transação associados.

Douglas North (1990) adota uma perspectiva mais abrangente, revelando que

as instituições mais favoráveis ao desenvolvimento são aquelas que mais

incentivam a cooperação entre os agentes e que, ao mesmo tempo, restringem

comportamentos indesejados, potencializando, assim, a eficiência econômica.

Nessa leitura, entende-se que os arranjos institucionais têm potencial para estimular

ou inibir interações favoráveis ao desenvolvimento.

Preocupou-se, ainda, com o fenômeno denominado dependência da

trajetória, que dificultava alterações na matriz institucional. Nessa perspectiva,

trajetórias institucionais bem-sucedidas, com certo equilíbrio entre os setores público

e privado, são capazes de desenvolver arranjos apropriados para estimular

atividades produtivas, favorecendo a proliferação de organizações e de instituições

favoráveis ao desenvolvimento.

Dando mais concretude às suas ideias, Douglas North (1990) defendeu que

as instituições deveriam proporcionar reduções dos custos de transação presentes

nas relações econômicas, diminuindo ao máximo as incertezas presentes no

ambiente de negócios. Custos de transação seriam aqueles a que estão sujeitas

todas as operações de um sistema econômico, variando conforme o grau de

complexidade de cada economia, a saber:

92

Quando os custos de transação são consideráveis, as instituições passam a adquirir importância. Um conjunto de instituições políticas e econômicas que ofereça transações de baixo custo viabiliza a existência de mercados de produtos e fatores eficientes necessários ao crescimento econômico. (NORTH, 1992, p. 10)

Como consectário lógico, as instituições, ao focarem na eliminação e/ou

diminuição dos riscos e das incertezas, incentivando a cooperação e desestimulando

comportamentos oportunistas, reduziriam os custos de transação, viabilizando as

transações econômicas e, por consequência, o desenvolvimento dos países.

Douglas North (1990) deixou claro que as instituições são constituídas,

simultaneamente, por regras formais e informais.

Ao aproximar as teorias econômica e jurídica, a NEI compreendeu, portanto,

que as instituições, por intermédio de suas regras, estabelecem a estrutura de

incentivos ou desincentivos afetas às transações econômicas, com impactos, claro,

nos mercados e, portanto, no próprio desenvolvimento. Dessa forma, o canal de

diálogo entre o Direito e a Economia estava estabelecido, com influências teóricas

claras no Movimento Estado de Direito.

Afinal, “se as instituições importam” (regras formais e informais), o Direito

poderia, por meio dos seus diferentes instrumentos (p. ex. propriedade, contratos,

responsabilidade civil), prover um ambiente estável aos negócios, com incerteza

reduzida e custos de transação baixos, incentivando a cooperação e desestimulando

comportamentos oportunísticos, de modo a potencializar as transações econômicas

e os investimentos produtivos.

3.2.2 O Modelo Jurídico Concebido

Consentâneo a Brian Tamanha (2004), na obra “On The Rule of Law –

History, Politics, Theory (2004), as ideias subjacentes ao “Rule of Law” (Estado de

Direito) foram sendo consolidadas lentamente, com diferentes influências históricas

93

antigas e modernas, assumindo, todavia, maior proeminência no período posterior

ao término da Guerra Fria, que, devido a circunstâncias históricas já relatadas, foi

decisivamente influenciado pelo denominado “Consenso de Washington”.

Como já noticiado, o “Consenso de Washington” foi, com o tempo, associado

a “políticas neoliberais”, as quais exerceram, em conjunto com os referenciais

teóricos já expostos, influências no modelo jurídico concebido pelo Movimento

Estado de Direito. Como já assinalado, o Movimento Estado de Direito era

financiado por instituições internacionais (p. ex. Banco Mundial e FMI), as quais

também compartilhavam os referenciais teóricos recepcionados.

Tamanaha (2004) lembra que o Estado de Direito versões formais e versões

substantivas, que eram categorizadas de diferentes formas, da mais simples a mais

complexa. As versões formais não se preocupavam se as leis eram boas ou ruins,

limitando-se a observar se os aspectos formais estavam presentes (p. ex. caráter

universal, regras previamente definidas e transparentes, limites à ação do governo,

elaboração das leis de forma democrática etc.).

Por sua vez, as versões substantivas preocupavam-se com a qualidade das

leis (propriedade, contrato etc.) e, principalmente, com os direitos decorrentes de

sua implementação (liberdade, autonomia, dignidade, igualdade formal etc.),

adotando como base os fundamentos das versões formais. Como toda simplificação,

o modelo pensado por Brian Tamanaha (2004) tentava reduzir algo extremamente

complexo em algo mais didático.

Brian Tamanaha (2004) demonstrou que o Estado de Direito foi concebido, ao

longo dos anos, de diferentes formas, com características bem distintas. Ao serem

observadas as diferentes versões do Estado de Direito, pode-se perceber que o

Movimento Estado de Direito, cujo ápice foi na década de 1990, não evoluiu para os

estágios mais avançados do Rule of Law, limitando-se ao estágio inicial da versão

substantiva, que privilegiava, além dos aspectos formais, alguns direitos individuais.

O modelo jurídico concebido recebeu influências óbvias, incorporando as

medidas necessárias para consolidação do capitalismo e, quando conveniente e

94

oportuno, para expansão da democracia ocidental. Dada a importância conferida aos

agentes econômicos privados, as medidas eram voltadas para potencializar, direta

ou indiretamente, a atuação do setor privado, conferindo-se, dessa forma, papel

secundário ao setor público.

Por isso, o Rule of Law preocupa-se, primeiramente, em delimitar a atuação

estatal, subordinando os governos às leis, limitando a atuação estatal aquilo que era

autorizado por lei, restringindo-se eventuais arbitrariedades. Superadas essas

questões, o modelo jurídico concebido deveria, nos moldes do modelo weberiano,

guiar o comportamento dos agentes com regras universais, previamente definidas,

transparentes e claras, e relativamente estáveis.

Preocupava-se, a seguir, com os aspectos formais da democracia, isto é, com

os procedimentos necessários para elaboração das leis, afastando-se, porém, nesse

momento, de qualquer preocupação com o conteúdo das leis. O foco estava adstrito

aos procedimentos correlatos à confecção das leis, as quais deveriam ser

elaboradas mediante mecanismos democráticos, de modo a garantir a legitimidade

da ordem legal e alcançar o consentimento dos governados.

Dessa forma, Brian Tamanaha (2004) destacou, nessa perspectiva, a ênfase

conferida aos procedimentos formais necessários para dar legitimidade ao direito

positivo e, ao mesmo tempo, para impossibilitar eventuais arbitrariedades dos

governos, sem adentrar, nesse momento, no conteúdo material das leis formuladas.

Segundo a lógica democrática, não se buscavam decisões unânimes tomadas com

base na participação de todos, a saber:

O que é exigido de cada cidadão é o consentimento individual a ser regido de acordo com mecanismos democráticos - acordo sobre o procedimento utilizado para tomar decisões sobre o conteúdo das leis, não consentimento quanto ao conteúdo de cada lei produzida. (TAMANAHA, 2004, p. 100, tradução nossa)

Incorporaram-se, em seguida, preocupações com o conteúdo das leis,

relacionadas ao estágio inicial da versão substantiva do Rule of Law, necessárias

para potencializar a atuação dos agentes privados e, simultaneamente, limitar os

95

abusos estatais, tais como: direitos de propriedade, respeito aos contratos, garantia

da autonomia e da privacidade. Na espécie, os agentes privados teriam direitos e

deveres uns em relação aos outros e em relação ao Estado.

Tais direitos não constariam somente nas leis escritas, mas também

perpassariam todo arcabouço institucional e legal, constituindo-se em autênticos

elementos estruturantes (ou, como alguns preferem, princípios) de todo o sistema,

como um ideal a ser perseguido pelos diferentes operadores jurídicos. Sobrepõe-se,

nesse instante, a importância do Judiciário, que seria a instância garantidora dos

direitos propalados.

Demonstra-se, enfim, a preocupação com os diferentes poderes que

constituem o Estado moderno. Delimitava-se, no início, a atuação do Poder

Executivo às regras existentes; disciplinavam-se, depois, os procedimentos

correlatos à atuação do Poder Legislativo; e conferia-se, por fim, importância

significativa ao Poder Judiciário, que deveria, em última análise, garantir o

funcionamento dos demais Poderes conforme o modelo jurídico concebido.

Nessa linha, o Poder Judiciário, ao limitar a atuação dos demais Poderes,

garantiria um ambiente estável e previsível às transações e aos investimentos, com

regras transparentes e claras, elaboradas de forma democrática e aplicadas de

modo universal, protegendo os direitos de propriedade, assegurando a execução

dos contratos e privilegiando a autonomia dos agentes privados, pressupostos

necessários, nessa concepção, para o desenvolvimento dos países.

O Estado de Direito pode ser resumido como regras universais aplicadas uniformemente. Isto requer que os tribunais sejam organizados de forma hierarquizada, compostos por um quadro de pessoal com formação profissional, isolado de influências políticas ou outras não jurídicas. O processo de decisão deve ser racional e previsível por pessoas treinadas; todos os interesses juridicamente relevantes devem ser reconhecidos e devidamente representados; todo o sistema deve ser financiado bem o suficiente para atrair e reter pessoas talentosas, e os agentes e as instituições políticos devem respeitar a autonomia lei. (UPHAM, 2002, p. 12, tradução nossa)

96

Consoante Brian Tamanaha (2004), o Movimento Estado de Direito, ao

garantir a autonomia dos agentes privados, assegurava, em uma perspectiva formal,

os direitos das minorias, alcançando, por isso, certa aceitação entre os defensores

dos direitos humanos, que se preocupavam com o fortalecimento e com a

modernização das instituições como forma de promover tais direitos, que estavam

aos poucos ganhando força.

De todo modo, o Banco Mundial foi quem impulsionou o Movimento Estado de

Direito, defendendo que os investidores demandavam maior segurança jurídica e

necessitavam de instituições jurídicas capazes de interpretar e aplicar as leis de

forma previsível e eficiente. Com um ambiente de negócios mais estável e previsível,

entendia-se que os países pobres atrairiam mais investimentos e, dessa forma,

conseguiriam se desenvolver.

Para Barron (2005), o modelo propalado era mais favorável aos interesses do

Banco Mundial: a) regras seriam conhecidas com antecedência e efetivamente

aplicadas; b) mecanismos assegurariam o cumprimento das regras por todos,

conforme procedimentos estabelecidos; c) conflitos seriam resolvidos por decisões

vinculantes de autoridade judicial ou arbitral independente; d) procedimentos claros

para alteração das regras que já não servissem a seu propósito.

Preocupava-se, a rigor, com a consolidação da democracia na medida

necessária para garantir a estabilidade política capaz de potencializar os

investimentos, fortalecendo-se os direitos humanos apenas de forma indireta. Nessa

leitura, defendia-se, sem dúvidas, que regimes autoritários até podiam, no curto

prazo, propiciar certo progresso, mas somente regimes democráticos podiam, no

longo prazo, prover efetivo desenvolvimento (BARRON, 2005).

Passou-se de uma concepção puramente formal para uma concepção mais

substantiva do Rule of Law, salientando-se as dificuldades inerentes à

implementação da concepção material, haja vista o nível de subjetivismo a ela

subjacente. Prevaleceram, por isso, projetos que privilegiaram a concepção formal,

remanescendo, nas discussões afetas à concepção material, influências das ideias

liberais, que conferiam menor efetividade às questões substanciais.

97

Nessa linha, Gordon Barron (2005) sustenta, por exemplo, que a proteção dos

direitos humanos era associada, em uma perspectiva liberal, à proteção dos direitos

de propriedade, ao respeito à autonomia individual, à igualdade de todos perante a

lei etc, sem qualquer correlação direta com os níveis de bem estar social e material

necessários para dar efetividade às ideias substanciais correlatas às concepções

mais avançadas do Rule of Law.

O modelo jurídico concebido ficou, então, conhecido como “Rule of Law

Ortodoxo”. Tom Binguam (2010) acrescenta outras variáveis: a) para alguém ser

penalizado, é necessária a violação de lei previamente estabelecida e aplicada por

tribunais independentes; b) além de nenhum homem estar acima da lei, todos

subordinam-se às mesmas leis e tribunais; c) é preferível a consolidação dos direitos

individuais mediante um processo incremental e lento de decisões judiciais.

O Movimento Estado de Direito preconizou reformas legais, voltadas para os

pilares da ortodoxia do “Rule of Law” (propriedade, contrato, empresa, falência e

competição), e reformas institucionais, voltadas para os órgãos judiciais e

legislativos, faculdades de direito, escolas de formação e agências executoras,

buscando a definição de regras abstratas apropriadas e a implementação de

instituições aptas a dar efetividade às regras abstratas (BARRON, 2005).

Em termos práticos, orientavam-se as reformas legais e institucionais para as

medidas necessárias para criar as condições para o bom funcionamento da

economia de mercado, com vistas a melhorar o desempenho econômico dos países

afetados. Por via reflexa, o Movimento Estado de Direito acreditava, ao privilegiar a

implementação das bases de uma economia de mercado, que contribuiria para o

progresso dos países em desenvolvimento.

3.2.3 Relação entre o Modelo Jurídico Concebido e as Experiências Práticas

Como já noticiado, o Banco Mundial, entre o final da década de 1980 e o início

da década de 1990, apoiou mais de 330 projetos voltados para o desenvolvimento

98

dos países periféricos, destacando-se, à época, inúmeras iniciativas práticas

voltadas para reforma legais e institucionais, de modo a prover mais segurança

jurídica aos investimentos, com maior previsibilidade, celeridade e eficiência no

ambiente de negócios dos países em desenvolvimento.

Rule of Law ortodoxo […] é um conjunto de ideias, atividades e estratégias voltadas para implementação do Estado de Direito, muitas vezes como meio para fins como o crescimento econômico, boa governança […]. […] considera o Estado de Direito essencial para o desenvolvimento a longo prazo, pois oferece segurança para investimentos estrangeiros e domésticos, direitos de propriedade e contratos, comércio internacional e outros instrumentos para o avanço do crescimento econômico. (GOLUB, 2003, p. 7, tradução nossa)

O Movimento Estado de Direito exsurgiu nesse cenário, sendo denominado por

David Trubek e Álvaro Santos como “Direito e Mercado Liberal”, visto que as

reformas legais e institucionais buscavam, além dos objetivos supracitados, auxiliar

na transformação de economias dirigidas pelo Estado em sistemas de livre mercado,

integrando-as, ao prover um ambiente estável e previsível, sem as amarras da

intervenção estatal, ao mundo globalizado (TRUBEK; SANTOS, 2006).

Dessa forma, a correlação entre o modelo jurídico concebido pelo Movimento

Estado de Direito e as experiências práticas estimuladas pelo Banco Mundial

explicita os aspectos positivos e negativos observados. Depois de reconhecer que

as reformas legais e institucionais são decisivas para o progresso dos países, o

Banco Mundial (2004) elencou diversos fatores que, em conjunto, contribuíram para

incorporação da temática na agenda do desenvolvimento, in verbis:

• A dramática transformação política e econômica da Europa Oriental e da antiga União Soviética […] levou a mudanças fundamentais no regime jurídico dos referidos países. Essas alterações, naturalmente demandaram reformas institucionais e exigiram a criação de infraestrutura legal e institucional para apoiar, implementar e aplicar o novo regime jurídico. • A crise financeira asiática dos anos noventa evidenciou que o crescimento econômico sem o firme fundamento das leis vigentes e das instituições jurídicas era vulnerável e insustentável. O contágio financeiro deixou muitas instituições falidas e milhões de pessoas pobres.

99

• Em outros países, a experiência em desenvolvimento, em longo prazo, mostrou que o Estado de Direito promove desenvolvimento econômico efetivo e sustentável e a boa governança. A falta de Estado de Direito dificulta significativamente o crescimento econômico, facilita a corrupção e prejudica os pobres.• A transição dos países em desenvolvimento em direção a economias de mercado exigiu estratégias para incentivar o investimento privado nacional e estrangeiro. Esta meta não poderia ser alcançada sem modificar ou rever o arcabouço jurídico e institucional, estabelecendo, firmemente, o Estado de Direito para criar o clima necessário de estabilidade e previsibilidade.• Na busca do desenvolvimento econômico, os países utilizaram muitas vezes indevidamente os seus recursos naturais. Como resultado, o desenvolvimento ambientalmente sustentável demanda rigorosos regimes regulamentares, direitos de propriedade claros e adequados arcabouços institucionais. […]. (2004, p.1-2, tradução nossa)

Delimitado o quadro fático, evidencia-se o porquê de a relação entre Direito e

Desenvolvimento ter, à época, atingido seu ápice, com a proliferação de programas

de reformas em diversos países e de projetos de pesquisa em diferentes

universidades, com dispêndios vultuosos de recursos financeiros. Houve certo

consenso intelectual entre teóricos e práticos quanto à necessidade de reformas

legais e institucionais, in verbis:

Os países [...] passam por um período de grandes mudanças e ajustes. Estas recentes mudanças tem causado um repensar do papel do estado. Observa-se uma maior confiança no mercado e no setor privado, com o estado atuando como um importante facilitador e regulador das atividades de desenvolvimento do setor privado. Todavia, as instituições públicas na região tem se apresentado pouco eficientes em responder a estas mudanças. (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 1)

De maneira geral, as políticas de desenvolvimento, nessa perspectiva,

adotavam como pressuposto que o crescimento econômico, depois de

implementadas as medidas voltadas para disciplina fiscal e para remoção das

distorções criadas pela intervenção estatal, seria alcançado com a implementação

das reformas legais e institucionais (rotuladas como reformas de segunda geração)

necessárias para promover o livre comércio e potencializar o investimento:

Empresas estrangeiras e nacionais são mais propensas a estabelecer e expandir as operações de produção de bens e prestação de serviços em tais circunstâncias […]. Dentre outros benefícios, isso proporciona

100

empregos, aumenta a produção de bens e serviços, gera um efeito cascata de negócios e empregos adicionais em empresas locais, ocasionando a expansão das empresas nacionais e estrangeiras, a transferência de tecnologias e competências [...]. (GOLUB, 2003, p. 8, tradução nossa)

Por essa razão, o Direito moveu-se, à época, para o centro do debate. Os

projetos de reformas foram expandidos em larga escala, com aumento expressivo

dos investimentos públicos e privados, visto que novas leis e instituições eram

necessárias para diminuir os controles estatais, fortalecer direitos de propriedade,

desenvolver mecanismos para assegurar execução dos contratos e alterar leis locais

que dificultavam a integração mundial (TRUBEK; SANTOS, 2006).

Em última análise, as reformas institucionais e legais, sob a égide do

Movimento Estado de Direito, atribuíram as leis e as instituições o papel de reforçar

os limites de atuação do Estado e impulsionar o sistema de livre mercado,

garantindo os direitos de propriedade e a execução dos contratos. Trubek e Santos

(2006, p. 3) sintetizam: “mercados são mercados, e as mesmas instituições legais

são necessárias e podem operar em qualquer lugar.”

Preocupado com a efetividade do seu trabalho, o Banco Mundial, após

contribuições de Ibrahim Shihata, passou a condicionar seus empréstimos a

implementação de boas práticas, reconhecendo-se, para tanto, a necessidade de as

regras do jogo serem previamente definidas e, depois, de serem efetivamente

aplicadas por instituições, de modo a fornecer uma base legal e institucional capaz

de dar estabilidade aos países (UPHAM, 2002; BARRON, 2005).

O Documento Técnico n.° 319, de 1996, do Banco Mundial evidencia, ainda

mais, a relação entre o modelo jurídico concebido pelo Movimento Estado de Direito

e as experiências práticas do período. Antes de definir o escopo das medidas, o

Banco Mundial (1996) diagnosticou que os processos judicais eram muito longos,

ocasionando acúmulo de processos e restringindo o acesso ao judiciário, fatores que

resultavam dos seguintes obstáculos:

101

[...] falta de independência do judiciário, inadequada capacidade administrativa das Cortes de Justiça, deficiência no gerenciamento de processos, reduzido número de juízes, carência de treinamentos, prestação de serviços de forma não competitiva por parte dos funcionários, falta de transparência no controle de gastos de verbas públicas, ensino jurídico e estágios inadequados, ineficaz sistema de sanções para condutas antiéticas, necessidade de mecanismos alternativos de resolução de conflitos e leis e procedimentos ultrapassados. (1996, p. 1)

Sobressaía, nesse cenário, significativa ineficiência, com reflexos óbvios na

qualidade dos serviços prestados, o que fragilizava a confiança dos agentes

privados na ordem jurídica, com impactos prejudiciais no ambiente de negócios.

Dessa forma, o Banco Mundial entendeu que as experiências demonstravam a

necessidade de definir um programa global de reforma do judiciário, o qual poderia,

em tese, ser adaptado as situações específicas de cada país, a saber:

Os elementos básicos da reforma do judiciário devem incluir medidas visando assegurar a independência do judiciário através de alterações no seu orçamento, nomeações de juízes, sistema disciplinar que aprimore a administração das cortes de justiça através do gerenciamento adequado de processos e reformas na administração das unidades judiciárias; adoção de reformas processuais; mecanismos alternativos de resolução de conflitos; ampliação do acesso da população a justiça; [...] redefinição e/ou expansão do ensino jurídico e programas de treinamento para estudantes, advogados e juízes. (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 4)

Nesse momento, o próprio Banco Mundial (1996) se autointitulou “um novo

participante ativo na reforma do judiciário”, visando, nas suas palavras, a assegurar

um poder justo e eficiente, sem, contudo, especificar o que isso significava. Dado o

quadro fático e teórico, infere-se, a rigor, que um poder justo e eficiente seria aquele

que propiciasse as condições necessárias para o bom funcionamento dos mercados,

com estímulos adequados aos agentes privados.

Nessa leitura, o Estado de Direito era necessário para o desenvolvimento dos

países para prover estabilidade aos mercados e, com isso, previsibilidade aos

agentes. Na ausência do modelo jurídico concebido, entendia-se que os agentes

ficariam a mercê das arbitrariedades do Estado, o que influenciaria negativamente

102

na predisposição em levar adiante transações e investimentos, evidenciando, nesse

ínterim, os propósitos correlatos às reformas:

A reforma do Judiciário faz parte de um processo de redefinição do estado e suas relações com a sociedade, sendo que o desenvolvimento econômico não pode continuar sem um efetivo reforço, definição e interpretação dos direitos e garantias sobre a propriedade. (1996, p. 3)

Sob influência dessa retórica, muitos líderes e diferentes países defenderam e,

na medida do possível, implementaram as medidas preconizadas, desprezando, na

prática, as peculiaridades políticas, econômicas e sociais subjacentes. Como Franck

Upham (2002) alertou, eles consideravam as leis e as instituições neutras e, por

isso, “as melhores práticas” legais e institucionais poderiam, nessa perspectiva, ser

facilmente introduzidas em diferentes países.

Independência do Poder Judiciário, gerenciamento de processos, gestão

adequada dos recursos humanos e orçamentários, melhorias na infraestrutura física

e tecnológica, estímulos aos mecanismos alternativos de resolução de conflitos (p.

ex. juizados especiais, arbitragem, conciliação etc.), aperfeiçoamento do ensino

jurídico, promoção de treinamento continuado de profissionais de qualidade etc.

constituíram, à época, a agenda de reformas (BANCO MUNDIAL, 1996).

Além das reformas institucionais, foram propaladas reformas legais

significativas, relacionadas, por exemplo, aos direitos de propriedade, aos contratos,

aos casos de falência etc. Dessa maneira, acreditava-se que instrumentos jurídicos

eficientes poderiam contribuir efetivamente com o progresso dos países em

desenvolvimento, garantindo, ao proteger os direitos de propriedade e assegurar a

execução dos contratos, estabilidade ao mercado.

A economia de mercado demanda um sistema jurídico eficaz [...], visando solver os conflitos e organizar as relações sociais. Ao passo que os mercados se tornam mais abertos e abrangentes, e as transações mais complexas, as instituições jurídicas formais e imparciais são de fundamental importância. Sem estas instituições, o desenvolvimento no setor privado e a modernização do setor público não serão completos. (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 32)

103

O Movimento conferia, portanto, papel de destaque ao Poder Judiciário, como

forma de contrabalançar os Poderes Legislativo e, principalmente, Executivo, dando,

em tese, efetividade aos freios e contrapesos necessários. Passou-se, então, a

compreender, nesse cenário, a democracia ocidental como requisito essencial para

ascensão do capitalismo liberal, que pressupunha, a rigor, como forma de superação

da economia tradicional, leis e instituições consentâneas a esse cenário.

O “Rule of Law Ortodoxo”, modelo jurídico concebido pelo Movimento Estado

de Direito, preocupava-se sobretudo em criar as condições supostamente

necessárias para o aumento das transações econômicas e dos investimentos

privados, com vistas a potencializar o progresso econômico, considerado, à época,

condição suficiente para o pleno desenvolvimento dos países pobres, inobstante a

ausência de dados confiáveis quanto à efetividade dos resultados propalados.

3.2.4 A Crise do Movimento Estado de Direito

Dado o colapso do comunismo, ocorreu, na década de 1990, o auge das

ideias propaladas pelo Ocidente - liberdade, democracia, direitos individuais formais

e capitalismo - , levando alguns teóricos a anunciar “o fim da história”, o qual seria

caracterizado pela prevalência dos ideias ocidentais em todo o mundo. Brian

Tamanaha (2004) adverte, porém, que o período de euforia foi rapidamente

encerrado, sendo sucedido por uma série de eventos graves, in verbis:

Houve, desde então, uma ordem desconcertante de conflitos nacionalistas, étnicos, religiosos, e políticos, de genocídios e outras atrocidades impensáveis, de crises econômicas que ameaçaram a estabilidade financeira global, de terrorismo e guerra, excedendo, em todos os níveis, o que ocorreu durante os momentos mais quentes do meio século de Guerra Fria. (2004, p. 1, tradução nossa)

Sobrelevaram-se, nesse período, as diferenças entre os países (p. ex.

ocidente e oriente etc.), que contribuíram, em conjunto, para o término da euforia

posterior ao término da Guerra Fria. O Movimento Estado de Direito não poderia

passar incólume, sofrendo influências significativas das turbulências globais, com

104

reflexos diretos no Rule of Law Ortodoxo, quer dizer, naquele conjunto de ideias

propaladas para diferentes países. O Banco Mundial, inclusive, reconheceu:

[…] Apesar de a globalização ter estimulado o desenvolvimento econômico, os seus benefícios têm sido distribuídos de forma desigual, afetando diversos segmentos da sociedade. Os pobres continuam sem direitos suficientes para que os possibilitem a aproveitar as oportunidades e proporcione-lhes segurança contra o tratamento arbitrário e injusto. A execução discriminatória ou arbitrária de leis priva os indivíduos de seus direitos individuais e de propriedade, levantando obstáculos à justiça e tornando os pobres mais pobres. (2004, p.1-2, tradução nossa)

Além disso, as reformas legais e institucionais preconizadas adotavam como

paradigma, igual às experiências anteriores, às experiências dos países

desenvolvidos, não considerando de forma satisfatória as especificidades (políticas,

econômicas, sociais etc.) dos países afetados. Havia, a rigor, certa preocupação

teórica com as peculiaridades dos países, mas, ao mesmo tempo, certa dificuldade

em conciliar essa preocupação com os projetos implementados.

[...] Rule of Law Ortodoxo, ao relacionar regimes jurídicos formalistas a desenvolvimento econômico, ignora as evidências empíricas, sendo, em última análise, contraproducente. […] a tentativa de transplantar um modelo comum de instituições e nomas legais para os países em desenvolvimento sem a devida atenção aos contextos locais prejudica os mecanismos já existentes […]. (UPHAM, 2002, p. 1)

Sthephen Golub (2003), ao rever os paradigmas teóricos do Rule of Law

Ortodoxo, defendeu que o houve muita preocupação com as reformas institucionais

e legais, porém pouca atenção foi dispensada ao desenvolvimento em uma acepção

mais ampla, isto é, não foi conferida atenção necessária às pessoas e à sociedade

civil. Privilegiaram o lado econômico, acreditando, sobremaneira, que o lado social

seria beneficiado automaticamente com o desenvolvimento econômico.

Como o próprio Banco Mundial (2004) reconheceu, a prática demonstrou as

fragilidades dos pressupostos teóricos do Movimento Estado de Direito, vez que os

indicadores sociais pioraram, em diversos países, com a implementação das

reformas preconizadas. Sthephen Golub (2003) afirmou, então, que o foco exclusivo

105

na criação de um sistema jurídico amigável aos negócios deveria ser revisto,

criticando, portanto, a abordagem anteriormente predominante, in verbis:

Na verdade, é duvidoso se o 'Rule of Law Ortodoxo' [...] deve ser o meio central para integração entre Direito e Desenvolvimento”. […] Os problemas com o paradigma não são os objetivos econômicos e políticos por si, mas sim seus pressupostos questionáveis, o impacto não comprovado e a atenção insuficiente às necessidades jurídicas dos mais desfavorecidos. (2003, p. 1, tradução nossa)

A realidade fática e as reflexões teóricas contribuíram para a crise do

Movimento Estado de Direito, levando a intensas discussões sobre os caminhos

teóricos e práticos que deveriam ser trilhados. Para Sthephen Golub (2003), havia

uma série de suposições questionáveis, as quais, em conjunto, formaram uma base

teórica instável, prejudicial à consolidação dos projetos teóricos e programas

práticos em Direito e Desenvolvimento. Thomas Carothers, então, destacou:

Quando os práticos em assistência em Rule of Law [funcionários de organismos internacionais] se reúnem para refletir sobre seu trabalho, eles expressam muitas vezes pensamentos contraditórios. Por um lado, eles falam com entusiasmo e interesse sobre o que fazem […]. Por outro lado, quando pressionados, eles reconhecem que estão operando com uma base teórica extremamente precária. (2003, p. 5, tradução nossa)

Em linhas gerais, os críticos asseveraram que não existiam evidências

suficientes relacionando o modelo jurídico propalado, restrito ao estágio inicial da

versão substantiva do Rule of Law, ao desenvolvimento em suas diferentes

acepções, fragilizando, portanto, a crença no ideário dominante, que defendia que,

após a consolidação de um ambiente favorável às transações e aos investimentos,

seria alcançado desenvolvimento econômico e, simultaneamente, social.

Igual ao seu predecessor, o Movimento Estado de Direito, ao tentar

transplantar um modelo alheio à realidade dos países, enfrentou críticas severas.

Sthephen Golub (2003, p. 10, tradução nossa), por exemplo, apesar de reconhecer,

ao rememorar certas contribuições de Max Weber, alguma correlação entre sistema

jurídico e desenvolvimento, questiona, a contrario sensu, por que: “[...] supor que o

que […] aconteceu na Europa há vários séculos se aplica […] hoje?”

106

Pode-se dizer, em outras palavras, que a mera implementação de reformas

legais e institucionais (ou, como amplamente propalado, do Estado de Direito)

poderia não ser uma condição suficiente, embora talvez seja uma condição

necessária, para o progresso dos países. Parafraseando Thomas Carothers (2006),

os críticos defenderam, ironicamente, que a implementação do Estado de Direito

não podia ser considerada a solução de todos os problemas.

Adotar tal postura controversa, parecia ser, diante da complexa realidade

fática observada, a solução mais fácil, tangenciando-se, dessa forma, questões

bastante difíceis, que demandam respostas complexas, consentâneas aos

problemas enfrentados. Tal postura deve, logicamente, ser questionada,

enfrentando-se, sem dúvida, todos os desafios postos, com vistas a alcançar

respostas apropriadas:

[...] é necessário, portanto, cautela antes de recomendar que um país em desenvolvimento desvie recursos significativos de suas atividades produtivas ou que, mais importante, substitua mecanismos efetivos e baratos pelo Rule of Law formalista. (UPHAM, 2002, p. 32, tradução nossa)

Sobrelevam-se, dessa maneira, algumas questões importantes a ser

repensadas, a saber: a) foco excessivo nas organizações e nas instituições judiciais;

b) valorização demasiada das profissões jurídicas (p. ex. juristas, advogados); c) a

tendência de identificar os problemas e de definir as soluções de forma limitada, com

ênfase em tribunais, contratos, leis etc., onde os advogados têm papel central; d)

dependência de modelos, iniciativas e experiência estrangeiras (GOLUB, 2003).

Durante o ápice do Movimento Estado de Direito, o debate acerca das

fragilidades do modelo jurídico propalado era inviável, não se admitiam

questionamentos acerca dos postulados da época. Com seus resultados

insatisfatórios, foi possível estabelecer uma relação de diálogo, necessária para

mostrar a insubsistência do modelo propalado, que não viabilizaria, de forma

satisfatória, o amplo desenvolvimento, voltado para os mais necessitados.

107

Afinal, reformas são meios, e não fins. Os teóricos explicitaram, então, que as

reformas propaladas, com base no estágio inicial da versão substantiva do Rule of

Law, não contribuíram, significativamente, para redução da pobreza, evidenciando-

se a fragilidade da evolução dos indicadores. Defendeu-se, então, a expansão do

horizonte de reformas, que não poderia ficar adstrito à implementação de um

ambiente favorável aos negócios.

Dessa forma, o modelo de Estado de Direito não deveria ficar limitado ao

estágio inicial da versão substantiva do Rule of Law, preocupado apenas com a

implementação de reformas estritamente necessárias para potencializar a atuação

dos agentes privados e, simultaneamente, limitar os abusos estatais (p. ex. direitos

de propriedade, respeito aos contratos, garantia da autonomia etc.), avançando-se,

portanto, aos estágios mais avançados da versão substantiva do Rule of Law.

A rigor, o Rule of Law não é um conceito fechado. Assumiu, ao longo dos

anos, diferentes acepções, possibilitando, desse modo, o acréscimo de

preocupações sociais efetivas à agenda, as quais impactam diretamente na

população dos países em desenvolvimento. Haveria, assim, uma inversão de

prioridades. A expansão do capitalismo ocidental não seria um fim, e sim um meio

para possibilitar a melhoria das condições de vida da população.

Perpassam o debate preocupações reais com a consolidação da democracia, a

proteção dos direitos humanos, a promoção de igualdades substantivas, a melhoria

do bem estar social. A relação entre Direito e Desenvolvimento alcança, portanto, um

novo patamar, mais consentâneo à realidade pós-moderna, reconhecendo-se as

complexidades subjacentes e as peculiaridades locais. Admitem-se, inclusive, como

sugere Frank Upham, os seguintes questionamentos:

Os exemplos dos Estados Unidos e do Japão sugerem não só que o crescimento econômico pode ocorrer em um sistema sem Rule of Law formalista, mas também que as sociedades podem desenvolver um conjunto de mecanismos formais e informais que podem produzir melhores resultados, dados seus contextos social, político, econômico e cultural. (2002, p. 1, tradução nossa)

108

Diante disso, Thomas Carothers (2003) advertiu que a agenda específica de

reformas necessárias continuava em aberto, demandando pesquisas empíricas mais

robustas, capazes de nortear os passos subsequentes da relação entre sistema

jurídico e desenvolvimento. Propôs a reflexão crítica sobre as experiências dos

últimos 50 anos, período suficiente para possibilitar acúmulo de conhecimento

razoável, evitando-se, assim, simples cópias de leis e de modelos institucionais.

3.3 Novo Movimento em Direito e Desenvolvimento

Sob influências das críticas teóricas e dos problemas práticos observados nos

movimentos acadêmicos precedentes, visualiza-se, nos últimos anos, embora de

forma não muito clara, um novo Movimento em Direito e Desenvolvimento, o qual,

na linha proposta por David Trubek, caracterizaria o projeto acadêmico

contemporâneo, que busca conciliar os erros e os acertos pretéritos e delinear

conscientemente um programa consentâneo aos desafios postos à sociedade atual.

Coexistem, sem dúvidas, diferentes posicionamentos acerca do Direito e

Desenvolvimento, com preocupações e, muitas vezes, ideias conflitantes

relacionadas aos problemas correlatos. Para David Trubek (2009), não há um

consenso único e nenhuma ideia contemporânea se tornou um paradigma

incontestável, subsistindo, porém, várias ideias pós-neoliberais concorrentes, que

direcionam os projetos de pesquisa e os programas de assistências atuais.

Neste contexto, sobrelevam-se diversas obras importantes, especialmente a

obra “O Novo Direito e Desenvolvimento Econômico: Uma Avaliação Crítica”

(tradução nossa), editada em 2006 por Álvaro Santos e David Trubek, que

representa uma síntese das principais ideias e pressupostos implícitos ao novo

estágio da pesquisa que busca desvelar o papel do direito na promoção do

desenvolvimento, em suas diferentes acepções.

109

David W. Kennedy (2006) adverte, porém, que prevalecem, no período atual,

inúmeras dúvidas, caracterizando, logo em seguida, o estágio contemporâneo das

pesquisas em Direito e Desenvolvimento pelo ecletismo, isto é, pela

compatibilização daquilo que é conciliável em diferentes correntes teóricas,

desconsiderando-se, por sua vez, aquilo que é inconciliável. Corroborando a tese

ora apresentada, Fernando Seabra et al. sintetizam:

A literatura e a experiência histórica em desenvolvimento demonstram que um único determinante […] não é suficiente para explicar as diferenças entre a renda e as riquezas das nações. As contribuições mais recentes, que enfatizam uma visão eclética quanto aos determinantes do desenvolvimento, ressaltando ainda a importância do momento histórico, constituem-se como abordagens mais consistentes. (Fernando Seabra et al, 2006, p. 86).

Compreender o contexto histórico vivenciado é, sem dúvida, um enorme

desafio. Kerry Rittich (2006, p. 203) sustenta que, nos anos recentes, são

significativos os esforços para incorporar outras variáveis à agenda das instituições

voltadas para o desenvolvimento dos países pobres, com vistas a constituir uma

nova agenda de reformas. Diante disso, o próprio conceito de desenvolvimento,

devido às severas críticas teóricas e práticas enfrentadas, passa a ser revisto.

As ideias de Amartya Sen, expostas na obra Desenvolvimento como

Liberdade (2010), adquirem maior relevância. Por considerar o desenvolvimento

como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam,

Amartya Sen (2010) sustenta que não é adequado compreender o desenvolvimento

de um país como o simples crescimento econômico, caracterizado pela mera

elevação da produção de bens e serviços, in verbis:

O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do PNB14, aumento de renda das pessoas […]. O

14 Sob a ótica macroeconômica, o produto nacional bruto (PNB) é o produto interno bruto (valor monetário de venda dos produtos finais produzidos dentro de um país em determinado período de tempo) menos a renda líquida enviada ao exterior (RLEE). O RLEE é a diferença entre aquilo que é pago por fatores de produção externos utilizados internamente e aquilo que é recebido do exterior por fatores de produção nacionais empregados em outros países. Devido à escassez de fatores de produção (em especial, de capital), países em desenvolvimento têm, geralmente, o PIB maior que o PNB, pois sua RLEE é, na maioria das vezes, positiva (p. ex. Brasil); de modo

110

crescimento do PNB ou das rendas individuais obviamente pode ser muito importante como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade. Mas as liberdades dependem também de outros determinantes, como as disposições sociais (por exemplo, os serviços de educação e saúde) e os direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas)”. (SEN, 2010, p. 16)

Nessa linha, o desenvolvimento passa a ser visto de forma mais complexa,

desvinculando-se da simples preocupação com o crescimento econômico e com o

aumento da renda da população. Complementando a definição supracitada, Amartya

Sen (2010, p. 16) sustentou: “Ver o desenvolvimento como expansão das liberdades

substantivas dirige a atenção para os fins que o tornam importante, em vez de

restringi-lo a alguns dos meios [...]”

Posicionando-se de forma um pouco crítica, Kenneth W. Dam, embora

reconheça que as teorias precedentes não dispunham de respostas satisfatórias aos

complexos problemas relacionados ao desenvolvimento, entende, em sua obra “The

Law-Growth Nexus”, publicada em 2006, que os debates contemporâneos tornaram-

se excessivamente genéricos e abstratos, com pouca relevância direta para as

políticas de desenvolvimento econômico.

Qualquer tentativa de lidar com a questão de indiscutível importância dos direitos humanos teria de enfrentar a falta de informação empírica sobre a relação dos direitos humanos para o desenvolvimento. (DAM, 2006, p. 14, tradução nossa)

A propósito, o próprio Kenneth W. Dam (2006) reconhece, em seguida, que

adota uma visão mais restrita por uma questão meramente pragmática, com o

propósito de evitar ambiguidades. Vislumbra-se, todavia, na atualidade, uma visão

mais abrangente de desenvolvimento, que preocupa-se com questões econômicas

políticas e sociais, necessárias para possibilitar a expansão das liberdades reais das

pessoas. Amartya Sen (2010, p. 17) explica:

contrário, devido ao excesso de fatores de produção, países desenvolvidos têm, geralmente, o PNB maior que o PIB, pois sua RLEE é, na maioria das vezes, negativa (GREMAUD et al., 2007).

111

Às vezes a ausência de liberdades substantivas relaciona-se diretamente com a pobreza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter [...] remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado […]. Em outros casos, a privação de liberdade vincula-se estreitamente à carência de serviços públicos e assistência social, como por exemplo a ausência de [...] um sistema bem planejado de assistência médica e educação ou de instituições eficazes para a manutenção da paz e da ordem locais. Em outros casos, a violação da liberdade resulta diretamente de uma negação de liberdades políticas e civis por regimes autoritários e de restrições impostas à liberdade de participar da vida social, política e econômica da comunidade.

Como resultado, os modelos atuais mais proeminentes combinam diversos

referenciais teóricos, influenciados, talvez, pelo acúmulo de conhecimento dos

períodos precedentes. Além de considerar aspectos externos aos países em

desenvolvimento, os modelos atuais consideram, também, aspectos internos de

cada país -- p. ex. recursos naturais, níveis de educação, influências culturais acerca

do trabalho e da poupança, instituições políticas e econômicas (TAMANAHA, 1995).

Possivelmente, isso seria uma reação às reformas pretéritas, em especial

aquelas influenciadas pelo Consenso de Washington, que, ao buscarem

transplantar, repentinamente, modelos descolados da realidade dos países, não

alcançaram os resultados prometidos, ocasionando, em algumas situações, como já

noticiado, o agravamento de certos indicadores econômicos e sociais de países em

desenvolvimento (TRUBEK; SANTOS, 2006).

Admite-se, nesse cenário, que existem, além de falhas de governo, falhas de

mercado, que foram, de certo modo, esquecidas durante certo período. Dessa

forma, Trubek e Santos (2006) reforçam, ao observarem crises de alguns países,

que o livre mercado não consegue, autonomamente, criar todas condições

necessárias para seu próprio sucesso, ocasionando, em certas circunstâncias,

ineficiência, justificando, às vezes, intervenção estatal para corrigir distorções.

[...] mesmo aqueles que acreditam que o mercado é a única forma de alocar recursos para crescimento econômico reconhecem que os mercados não se criam, às vezes falham e não podem lidar com todas as questões de interesse para o desenvolvimento. (TRUBEK; SANTOS, 2006, p. 11, tradução nossa)

112

Com esteio nos argumentos apresentados, observa-se, ao serem

reconhecidas as limitações do mercado e a necessidade de revisão do próprio

conceito de desenvolvimento, profundas transformações no mainstream teórico e

prático, sobrelevando-se, a priori, condições apropriadas para a consolidação de um

novo Movimento em Direito e Desenvolvimento, capaz de oferecer respostas

adequadas à realidade dos países pobres.

Do ponto de vista teórico e prático, não será fácil, porém, conciliar a ampla

variedade de políticas factíveis de implementação, visto que o Direito não deverá

apenas limitar a atuação estatal, garantir os direitos de propriedade e assegurar a

execução dos contratos, mas também reprimir os excessos do mercado, proteger os

direitos humanos e contribuir para redução da pobreza. Trubek e Santos (2006, p.

11, tradução nossa) reconhecem que:

[…] o Direito é fundamental para criar a infraestrutura necessária para o funcionamento dos mercados, para regular a atividade [econômica] quando os mercados falham e para prover as necessidades sociais que os mercados não podem atender.

Diante disso, as políticas passariam a ser pautadas por objetivos econômicos

e sociais, com vistas a alcançar o desenvolvimento em suas diferentes acepções.

Por um lado, seria fundamental promover o livre mercado, garantindo um nível

apropriado de regulação para compensar suas falhas e diminuir custos de

transação. Por outro lado, seria essencial potencializar as capacidades das pessoas,

facultando aos indivíduos o alcance dos seus próprios objetivos.

Assim, o Estado de Direito passa a ser compreendido não apenas como mero

instrumento, mas também como objetivo a ser alcançado na implementação das

políticas de desenvolvimento, de modo a consolidar e fortalecer instituições, não

necessariamente iguais àquelas encontradas nos países desenvolvidos, que

atendam às necessidades dos países, ou melhor, que satisfaçam as diferentes

necessidades das pessoas (SEN, 1999),

.

113

Sobrepõe-se, na ocasião, a preocupação com o Rule of Law em sua versão

substantiva mais avançada, que deve constituir um dos objetivos a ser perseguidos

por qualquer política relacionada à problemática. Em última análise, os projetos de

reformas legais passam a ser implementados para consecução dos objetivos

econômicos e sociais imediatos e, também, para consolidação das próprias

instituições dos países em desenvolvimento.

Para dar maior efetividade aos seus programas de assistência, as agências

internacionais devem, observadas as limitações fáticas e teóricas já apresentadas,

harmonizar seus projetos às instituições e organizações locais, promovendo a

construção de consenso e a participação de todos as pessoas e organizações

afetadas, atribuindo, quando possível, a própria direção dos respectivos projetos aos

atores e às organizações locais. (TRUBEK; SANTOS, 2006).

Como já noticiado, deve-se aprender com as experiências anteriores,

evitando-se a repetição dos mesmos erros já cometidos pelos movimentos

antecedentes, em especial o transplante apressado, “por atacado”, de projetos de

reformas, pautados em diagnósticos bastante limitados (CHANNEL, 2005), bem

como aproveitar, como sugere Ha-Joon Chang (2004), as lições oferecidas pela

experiência histórica daqueles que já pagaram o custo do desenvolvimento.

114

4. CONCLUSÃO

Aprofundar a análise acerca da relação entre sistema jurídico e processo de

desenvolvimento é fundamental. O Direito passou a ser compreendido como uma

variável decisiva para o desenvolvimento, sendo constituído, nas últimas décadas,

um campo de pesquisas específico para discutir os problemas correlatos. Na

ocasião, objetivou-se delimitar os marcos teóricos que perpassam o debate sobre

Direito e Desenvolvimento.

Antes de adentrar na revisão histórica dos movimentos acadêmicos que se

preocuparam com a relação entre sistema jurídico e processo de desenvolvimento,

procedeu-se à apresentação dos referenciais teóricos que impactaram, em maior ou

menor extensão, nos projetos de pesquisa e/ou nos programas de assistência

relacionados ao Direito e Desenvolvimento, buscando-se, dessa forma, possíveis

insights capazes de enriquecer as discussões subsequentes.

Observou-se, desde logo, que o sistema jurídico exerce um papel importante

no desenvolvimento dos países, admitindo-se, porém, que outros fatores também

podem exercer influência significativa. Em outras palavras, constatou-se, dada a

complexidade subjacente ao debate, que o desenvolvimento não depende de uma

única variável, resultando, então, de um conjunto de variáveis que concorrem

simultaneamente para o progresso dos países.

Como já noticiado, o debate sobre ordem jurídica e desenvolvimento estava,

em um primeiro momento, direta e/ou indiretamente, inserto em um debate mais

amplo, conduzido no âmbito da disciplina da Economia do Desenvolvimento,

revelando-se, dessa maneira, a importância de serem apresentadas suas ideias

principais, principalmente das ideias relacionadas à Teoria Neoinstitucional, que

produziu insights valorosos para os operadores jurídicos.

Com o propósito de enriquecer o debate, analisou-se, em seguida, as

correntes teóricas que investigam as influências de variáveis alternativas no

desenvolvimento, ocasião em que foram alcançadas duas conclusões: primeira,

115

deve-se refutar visões simplistas que conferem importância excessiva a uma única

variável; segunda, deve-se reconhecer que as explicações alternativas podem

contribuir para definição de melhores estratégias de crescimento.

Dada a relevância de suas contribuições, investigou-se, então, Max Weber,

teórico social que mais influenciou o campo do Direito e Desenvolvimento. Ao

estudar a ascensão do capitalismo europeu, Weber identificou a presença do direito

moderno, que contava com regras coerentes e universais, elaboradas e aplicadas

por uma classe profissional especializada e autônoma, provendo o grau de certeza

necessária para o desenvolvimento do sistema capitalista.

Passou-se, a seguir, a apresentação do Movimento Direito e

Desenvolvimento. Com certa ingenuidade, compreendia-se o Direito como algo

capaz de promover todas mudanças desejadas, levando-os a preconizar a

exportação do modelo jurídico das nações desenvolvidas para os países do terceiro

mundo, de modo a acelerar o processo natural de modernização e a remover

eventuais barreiras capazes de atrasar a evolução esperada.

Sobreveio, posteriormente, o Movimento Estado de Direito, que, influenciado

por momentos históricos marcantes, propugnou a limitação da intervenção estatal e,

ao mesmo tempo, a promoção das liberdades individuais. Compreendeu-se que o

progresso dos países decorria dos agentes privados, que eram, por sua vez,

influenciados pela estabilidade do ambiente de negócios e pela potencial segurança

e previsibilidade de suas transações econômicas.

Observadas as crises vivenciadas pelos Movimentos precedentes, que

ocasionaram, em diferentes períodos, interrupções momentâneas das pesquisas na

área, exsurge, na atualidade, um novo Movimento, que deve, em princípio, rever os

erros e retomar os acertos que ocorreram no passado, respeitando, devido à

complexidade inerente ao progresso das nações, a realidade dos países em

desenvolvimento. Essas são, em breves linhas, as considerações finais relevantes.

116

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