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Paulo Pedrassoli Jnior
JOS VIEIRA BRANDOE O VIOLO
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Msica da Escola de
Msica da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial obteno
do grau de Mestre em Msica, sob
orientao do prof. Turbio Santos.
Rio de Janeiro
2007
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Pedrassoli Jnior, Paulo.Jos Vieira Brando e o violo / Paulo Pedrassoli Jnior.
Rio de Janeiro: UFRJ / EM, 2007.xiii, 124 f. : il. ; 29,7cm
Orientador: Prof. Turbio Santos
Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro,Escola de Msica, Programa de Ps-graduao em Msica, 2007.
Referncias bibliogrficas: f. 99-101.
1. Msica. 2. Violo. 3. Jos Vieira Brando. 4. PrticasInterpretativas Tese. I. Santos, Turbio. II. Universidade Federal doRio de Janeiro, Escola de Msica, Programa de Ps-graduao emMsica. III. Ttulo.
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Paulo Pedrassoli Jnior
JOS VIEIRA BRANDO E O VIOLO
Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 2007.
________________________________________
Prof. Turbio Santos UFRJ
________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Verzoni UFRJ
________________________________________
Prof. Dr. Jos DAssuno Barros USS
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minha famlia.
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AGRADECIMENTOS
minha famlia, pelo eterno apoio.
Karla e Isadora Bach, fontes de amor e inspirao.
A Marina Lorenzo Fernndez Silva, Ceclia Fernandez Conde e Nilda Luiz da
Costa Freitas, pelo inestimvel apoio e colaborao, e, especialmente, pelo carinho e
estmulo preciosos.
A Eunice e Fbio Brando, esposa e filho do inesquecvel maestro, pela
generosidade e dedicao com que atenderam aos nossos pedidos. equipe de funcionrios do Conservatrio Brasileiro de Msica, pela disposio
em ajudar nesta pesquisa.
Maria Regina Cmara, por sua colaborao e por seu contagiante otimismo.
Ao Marcelo Verzoni, que sempre incentivou meus estudos.
Ao Turbio Santos, pela confiana na qualidade deste trabalho.
Ao Jos DAssuno Barros, cuja inteligncia e cultura so exemplos
motivadores ao estudo.Aos integrantes da Camerata de Violes do Conservatrio de Msica, pela
compreenso em relao s faltas e atrasos do diretor musical que quis tornar-se Mestre.
Ao maestro e amigo Jos Vieira Brando, pelo exemplo de integridade humana
e arstica, e por ter enriquecido o repertrio do violo com sua msica de altssima
qualidade e beleza, inspirao e razo de ser deste trabalho.
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Considero a figura do maestro Vieira Brando, alm deexcepcional msico, um verdadeiro humanista a alma mais pura etransparente que j conheci.
Marina Helena Lorenzo Fernndez Silva
Presidente da Sociedade Mantenedora do
Conservatrio Brasileiro de Msica e filha
do compositor Oscar Lorenzo Fernndez.
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RESUMO
PEDRASSOLI JNIOR, Paulo. Jos Vieira Brando e o violo. Orientador: TurbioSantos. Rio de Janeiro: UFRJ / EM, 2007. Dissertao (Mestrado em PrticasInterpretativas: Violo)
Estudo da obra para violo de Jos Vieira Brando. Pesquisa de carterexploratrio baseada no levantamento de dados e fontes primrias, com objetivo de criare difundir o catlogo de obras para violo deste importante compositor brasileiro.Apreciao das obras localizadas sob o prisma da execuo musical, sem deixar de ladoaspectos relevantes de interesse musicolgico, o que inclui sugestes de reviso dosmanuscritos. Em anexos, encontra-se disponvel uma edio impressa das peas paraviolo solo, confeccionada sob o critrio de autenticidade em relao ao texto musicaldos originais autgrafos. Fez-se necessrio, no primeiro captulo, contextualizarhistrica e esteticamente o legado de Jos Vieira Brando e sua relevncia para a msica
brasileira - como pianista, compositor, regente e educador musical , visando melhorcompreender a importncia de sua contribuio para o repertrio violonstico brasileiroe mundial.
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ABSTRACT
PEDRASSOLI JNIOR, Paulo. Jos Vieira Brando e o violo. Orientador: TurbioSantos. Rio de Janeiro: UFRJ / EM, 2007. Dissertao (Mestrado em PrticasInterpretativas: Violo)
This study and exploratory research, based on the data-collecting and primary sources
of Jose Vieira Brandos works for guitar, aims at starting and spreading out the catalog
of classical guitar music of this important and genuine Brazilian composer.Weappreciate his work not only under the light of the musical performance itself, weconsider as well the significant theoretical musicological interest, such as the
submission of his manuscripts for review.
Available in annex an edition of pieces for solo guitar printed under the criteria of the
genuine autographed musical text.
In the first chapter, to grasp the importance of Jos Vieira Brandos contribution to the
international and Brazilian guitar repertoire, it was necessary to contextualize
historically and aesthetically his legacy and relevance to the Brazilian music - as pianist,
composer, conductor and musical educator.
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura n. 1 Valsa, compassos 1 14. ........................................................ 52Figura n. 2 cpia do manuscrito de Prequet, pgina 1. ............................ 53
Figura n. 3 cpia do manuscrito de Prequet, pgina 1, detalhe. .............. 54
Figura n. 4 cpia do manuscrito de 1970 de Prequet, pgina 1. .............. 55
Figura n. 5 Prequet, compassos 1 7. ..................................................... 56
Figura n. 6 Prequet, compassos 1 7, revisados por ns. ....................... 57
Figura n. 7 Cano do adeus, compassos 1 8. ........................................ 60
Figura n. 8 Mosaico n. 1, compassos 1 - 4. ............................................... 63
Figura n. 9 Mosaico n. 1, compassos 11 - 18. ........................................... 63Figura n. 10 Mosaico n. 1, compassos 37 - 42. ......................................... 64
Figura n. 11 Mosaico n. 1, compassos 84 - 87. ......................................... 64
Figura n. 12 Mosaico n. 1, compassos 96 - 106. ....................................... 65
Figura n. 13 Mosaico n. 1, compassos 110 - 115. ..................................... 66
Figura n. 14 Suite para violo, primeiro movimento, compassos 1 9. ... 68
Figura n. 15 Suite para violo, primeiro movimento, compassos 19 24. 69
Figura n. 16 Suite para violo, primeiro movimento, compassos 26 36. 71
Figura n. 17 Suite para violo, primeiro movimento, compassos 26 35.Trecho revisado por ns. ......................................................... 72
Figura n. 18 Suite para violo, segundo movimento, compassos 1 11. ... 73
Figura n. 19 Suite para violo, segundo movimento, compassos 17 24. 73
Figura n. 20 Suite para violo, segundo movimento, compassos 33 49. 74
Figura n. 21 Suite para violo, segundo movimento, compassos 49 - 58. 75
Figura n. 22 Suite para violo, terceiro movimento, compassos 1 - 16. .. 77
Figura n. 23 Suite para violo, terceiro movimento, compassos 17 - 25. 78
Figura n. 24 Suite para violo, terceiro movimento, compassos 39 - 47. 79Figura n. 25 Valsa de Antigamente, compassos 1 - 16. ............................ 82
Figura n. 26 Valsa de Antigamente, compassos 48 55. ......................... 83
Figura n. 27 Valsa de Antigamente, compasso 52. Revisado por ns. ..... 84
Figura n. 28 Valsa de Antigamente, compassos 25 - 31. .......................... 85
Figura n. 29 Valsa de Antigamente, compassos 80 - 83. .......................... 87
Figura n. 30 Nazaretiando, cpia da primeira pgina do manuscrito. ...... 89
Figura n. 31 Nazaretiando, cpia da quarta pgina do manuscrito,
compassos 16 - 19. ................................................................. 90
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LISTA DE SIGLAS
ABM Academia Brasileira de Msica
CBM Conservatrio Brasileiro de Msica
FUNARTE Fundao Nacional de Arte
MEC Ministrio da Educao e Cultura
SEMA Superintendncia de Educao Musical e Artstica
SEMA - Servio de Educao Musical e Artstica do Departamento de Educao
Complementar
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
USS Universidade Severino Sombra (Vassouras)
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LISTA DE ANEXOS
ANEXO A Partitura impressa de Valsa (1963) ............................................ 102
ANEXO B Partitura impressa de Mosaico n.1 (1984) .................................. 104
ANEXO C Partitura impressa de Suite para Violo (1987) ......................... 111
ANEXO D Verso revisada, em Mi menor, do segundo movimento
da Suite para Violo (1987) ....................................................... 118
ANEXO E Partitura impressa de Valsa de Antigamente (1988) .................. 121
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SUMRIO
LISTA DE ILUSTRAES ........................................................................... ix
LISTA DE SIGLAS ........................................................................................ x
LISTA DE ANEXOS ...................................................................................... xi
INTRODUO........................................................................................... 1
CAPTULO 1 - Um artista em mltipla atuao................................. 8
1.1 O pianista........................................................................................ 8
1.2 O compositor................................................................................... 17
1.3 O regente e educador musical......................................................... 41
CAPTULO 2 O violo na obra de Jos Vieira Brando................. 47
2.1As transcries piansticas............................................................. 492.2 Valsa - A primeira composio original..................................... 51
2.3 A verso para violo do acompanhamento de Prequet............. 53
2.4 Estudo para violo...................................................................... 59
2.5 Msica para violo..................................................................... 59
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2.6 Cano do adeus para violo e coro........................................ 59
2.7 Mosaico n. 1 interesse renovado nos anos oitenta.................. 61
2.8 Sute para violo......................................................................... 67
2.9 Valsa de Antigamente................................................................ 80
2.10 Nazaretiando o ltimo sopro................................................. 87
CAPTULO 3 Catlogo das obras para violo de Jos
Vieira Brando ........................................................... 92
3.1 OBRAS PARA VIOLO SOLO................................................... 93
3.2 OBRAS PARA VIOLO EM OUTRAS FORMAES
INSTRUMENTAIS........................................................................ 94
CONCLUSO............................................................................................. 95
REFERNCIAS ......................................................................................... 99
ANEXOS .................................................................................................... 102
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INTRODUO
Debruar ateno sobre temas pouco explorados ou escassamente estudados algo
que, para alm do prazer da descoberta e de se poder trazer luz certos aspectos de uma
obra que ainda no foi objeto de suficiente estudo e reflexo, tambm motivo de algum
orgulho pela contribuio que acreditamos estar prestando queles que, futuramente,
possam estar interessados naquilo que hoje alvo de nossa concentrao.
Pretender estudar a obra do compositor, pianista, regente coral e educador musical
Jos Vieira Brando focalizando a sua poro mais desconhecida - a produo para violo
solo -, assumir o risco permanente de explorar novos territrios, onde a escassez de
referncias a tnica principal. No que Jos Vieira Brando seja desconhecido dos
estudiosos, longe disso, e as diversas referncias a seu respeito nos mais importantes
lxicos e compndios dedicados msica brasileira mostram que Brando gozava de
prestgio e reputao por parte do meio artstico, apesar de ter seu nome mais recentemente
associado educao musical que composio.
Uma grande parte das referncias pesquisadas aborda preferencialmente aspectos
biogrficos de Jos Vieira Brando: a infncia em Cambuquira, a vinda para o Rio de
Janeiro, o incio de carreira como concertista de piano e a aproximao decisiva e definitiva
com Heitor Villa-Lobos - a quem Brando dedicou inestimvel e permanente colaborao,
primeiro como pianista, sendo ele o intrprete oficial a quem cabia a responsabilidade de
estrear as composies piansticas de Villa-Lobos, e, depois, como educador musical,
colaborando com Villa-Lobos no maior projeto de musicalizao em massa j realizado no
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Brasil, a partir da dcada de 30. O Brando compositor muitas vezes abordado de forma
superficial, no raro atravs da citao fria e neutra de algumas de suas obras, com as
respectivas datas de composio. So poucos os autores que se enveredam pelo caminho daapreciao e anlise das obras deixadas por Jos Vieira Brando, e, freqentemente, usam
como objeto preferencial de suas consideraes as obras para canto coral, a msica de
cmara, as canes, e as peas para instrumento solista - com destaque para o piano. No
entanto, em todas as fontes estudadas, no h referncia alguma obra para violo solo.1
como se ela, de fato, no existisse.
uma incmoda questo, cuja leitura precipitada poderia dar a entender que a obra
para violo de Jos Vieira Brando no fosse relevante em comparao sua produo
pianstica, por exemplo, e conseqentemente, no merecedora de citao. Mas basta a
leitura de alguns compassos para ver cair por terra to irresponsvel suposio, ante a
constatao de que, naquelas peas, esto presentes as qualidades caractersticas do
pensamento musical de Jos Vieira Brando: a veia lrica, expressa no apego fiel e
duradouro ao tonalismo e a um nacionalismo de sabor romntico; a escrita leve e
transparente, explorando muitas vezes o recurso de sugerir harmonias atravs do uso de
extensas linhas meldicas sem acompanhamento; a tcnica composicional apurada, nunca
sobrepujando, no entanto, a espontaneidade e a fluidez do discurso musical e, por fim, o
fino tecido sonoro e o esmerado acabamento de suas composies.
Por que ento essas peas permanecem desconhecidas?
1 Uma nica exceo a dissertao de mestrado de Jane Borges de Oliveira Santos (2003), que trata dabiografia documentada de Jos Vieira Brando. Nela, a autora menciona a gravao da obra Mosaico n. 1pelo violonista Cludio Tupinamb, bem como a realizao de um recital no Conservatrio Brasileiro deMsica em tributo a Vieira Brando, pela passagem de um ano de seu falecimento. Neste recital, organizado
pelo autor destas palavras, foi executada, pela primeira vez, a integralidade das obras at ento conhecidas domaestro para violo solo.
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Na busca das possveis respostas para essa questo, vamos descobrindo o fio
condutor de nossa investigao. E para compreender a produo violonstica de Jos Vieira
Brando e sua importncia para o repertrio de concerto, necessrio antes contextualizarhistrica e esteticamente a obra musical de Jos Vieira Brando - seu papel e relevncia
para a msica brasileira - e, paralelamente, ir construindo um esboo biogrfico do pianista,
compositor, regente e educador musical Jos Vieira Brando. Numa segunda etapa, a
investigao recai sobre a relao do compositor com o instrumento violo, atravs do
estudo minucioso de cada uma das peas escritas por Vieira Brando para este instrumento,
alm de consideraes sobre a viabilidade de execuo das mesmas, j que, como se sabe,
Vieira Brando era um exmio pianista, mas no tocava o violo.
Este trabalho tem como objetivos, em primeiro lugar, o estabelecimento de um
catlogo verossmil das obras de Jos Vieira Brando para violo solo, e para violo em
outras formaes instrumentais; em segundo lugar, disponibilizar partituras executveis das
peas para violo solo, editoradas eletronicamente, porm, fidedignas aos manuscritos
finais do autor; oferecer aos estudiosos uma fonte de pesquisa acerca da produo
violonstica de Vieira Brando, assunto at ento no abordado em estudos acadmicos.
Quanto metodologia aplicada, optamos pela seqncia de atos que nos pareceu
mais lgica, a comear pela pesquisa nos arquivos do Conservatrio Brasileiro de Msica -
onde Vieira Brando trabalhou por boa parte de sua vida - em busca de documentos,
referncias bibliogrficas e, acima de tudo, indcios da existncia de outras obras
violonsticas, alm daquelas que conhecamos. Em seguida, prosseguimos o levantamento
bibliogrfico para alm das fronteiras do CBM, e quando julgamos ter recolhido material
suficiente, passamos para a segunda etapa, escrita, onde traamos um esboo biogrfico de
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Jos Vieira Brando, analisando separadamente a sua atuao como pianista, compositor,
regente e educador musical. Na seo dedicada ao compositor, inclumos uma discusso
esttica a fim de ilustrar sua opo pela linguagem tonal, bem como sua identificao com avertente nacionalista da msica brasileira. Na terceira etapa da pesquisa, listamos todas as
obras escritas para violo solo, ou em outras formaes instrumentais por Jos Vieira
Brando, e dedicamo-nos ao estudo prtico das mesmas com finalidade de checar-lhes a
viabilidade instrumental. Isso envolveu pesquisa direta nos arquivos da famlia do
compositor, que gentilmente nos cedeu cpias dos manuscritos requisitados, bem como
informaes importantes para o estabelecimento de uma cronologia verossmil2 da
produo violonstica de Jos Vieira Brando.
Fatores motivadores desta pesquisa nunca foram escassos, mas talvez o maior deles
tenha sido o desejo de compartilhar com outros violonistas do prazer esttico da descoberta
dessas obras de excepcional beleza e qualidade, e para que isso fosse possvel, era
necessrio disponibiliz-las sob a forma de partituras ao mesmo tempo confiveis - em
relao ao texto original e viveis, do ponto de vista da execuo instrumental.
A questo crucial era decidir que tipo de edio seria a mais adequada para alcanar
nossos objetivos. As edies prticas so mais agradveis ao intrprete, pois
freqentemente apresentam ajustes no texto musical - realizados por um revisor que
tambm instrumentista - a fim de tornar mais natural a execuo. O problema que os
procedimentos de reviso vo progressivamente afastando a partitura editada de seu
original manuscrito, com o inconveniente de nunca sabermos exatamente o que, de fato, foi
2 Encontramos algumas datas contraditrias na verso para voz e violo da cano Prequet. O assunto abordado no segundo captulo deste trabalho.
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modificado pelo revisor. No era o que pretendamos, ento, passamos a adotar o critrio de
autenticidade para a feitura das edies impressas.
Sempre foi nossa preocupao preservar ao mximo os contedos e o estilo grficopresente nos manuscritos autgrafos, observando detalhes - como, por exemplo, o
posicionamento dos indicadores dinmicos e aggicos em relao ao texto musical, ou
mesmo a direo das hastes das figuras rtmicas - e procurando mant-los tais como o
compositor os imaginou. Com relao diagramao, tomamos a liberdade de ajustar o
nmero de compassos por linha, bem como o nmero de linhas por pgina, usando critrios
estticos e funcionais, cujo resultado nem sempre coincide com a diagramao do
manuscrito.
Quanto ao texto musical, a edio mantm integralmente o que aparece nos
autgrafos. Optamos por fazer as sugestes de reviso no interior do trabalho escrito,
deixando a critrio do intrprete a sua adoo. Desta forma, preservamos a partitura de
contaminao.
Tivemos que interferir, no entanto, num trecho do primeiro movimento da Suite
para Violo, onde um erro do compositor impedia a realizao de uma partitura
perfeitamente acabada. Neste caso, a edio adquiriu um carter crtico, pois, ao corrigir o
texto musical equivocado - devolvendo-o s feies originais atravs do confronto com a
primeira verso da pea, de 1977, para viola solo , o fez de forma a identificar
precisamente os pontos que sofreram a interveno do editor, explicitando seus motivos.3
Uma derradeira mas nem por isso menos importante motivao de ordem
particular, e, neste momento, permito-me escrever em primeira pessoa, para falar sobre o
3 Este assunto amplamente abordado no segundo captulo deste trabalho.
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Jos Vieira Brando que conheci, figura humana excepcionalmente cativante, por sua
inteligncia e cultura musical, cuja generosidade sempre me permitiu compartilhar com
naturalidade de suas lembranas sobre importantes fatos e personalidades de nossa histriamusical.
Meu primeiro contato com Brando ocorreu em 1992, aps uma apresentao minha
no Salo Leopoldo Miguez, da Escola de Msica da UFRJ, por ocasio do XV Panorama
da Msica Brasileira Atual. Eu havia acabado de defender a composio Onde Andar
Nicanor, de Fred Schneiter (violonista e compositor falecido precocemente em 2001)
quando, no espao onde se poderia imaginar um camarim, fui abordado para cumprimentos
por algumas pessoas. Havia entre elas um senhor alto e claro, de olhos muito azuis, trajado
elegantemente. Seu porte, apesar do peso dos anos que aparentava ter, emanava profunda
dignidade, comum s pessoas que dedicam toda uma vida a uma misso ou a alguma causa
verdadeiramente nobre que conduza toda a trajetria de seus atos. Tecia-me comentrios
acerca da obra e de minha interpretao enquanto formava-se em minha mente a certeza de
que ali estava um especialista, algum que conhecia ntima e profundamente a arte musical.
o Vieira Brando, confirmou-me um colega. Ele estava l para assistir audio de
Dana e Seresta, composio de sua autoria para violino e piano, que foi tocada,
respectivamente, por Ivan Quintana e Ins Rufino.
Alguns anos mais tarde, ingressei no Conservatrio Brasileiro de Msica e fui
oficialmente apresentado ao maestro Jos Vieira Brando, ento presidente dessa
instituio. Iniciamos desta forma um relacionamento cordial que se solidificou em
amizade com o decorrer do tempo. Um dia, veio o maestro Brando falar-me sobre suas
composies para violo e me presenteou com uma cpia dos manuscritos de Mosaico n.1
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e Sute para Violo. Fiquei surpreso ao saber que o compositor de valorosas obras para
piano, grupos de cmara e, especialmente, grupos vocais tinha dedicado uma parte de seu
tempo ao violo, instrumento que carrega at hoje um fardo de antigos preconceitos, muitasvezes considerado inferior por sua aparente simplicidade, mas que esconde mistrios
insondveis de quem no lhe tem o domnio. A surpresa transformava-se em maravilha na
medida em que me apercebia da alta qualidade musical e artstica daquelas peas, um fino e
delicado tesouro em minhas mos, cuja beleza e originalidade tornam ainda mais
incompreensvel o fato de serem praticamente desconhecidas dos violonistas. Meu
encantamento pelas obras fez-me incluir a Suite para Violo no repertrio, e tive a
felicidade de poder toc-la diversas vezes em pblico, quase sempre com a presena do
compositor, que era um verdadeiro entusiasta. Somente aps a morte do maestro - ocorrida
em 2002 - que fiquei sabendo, atravs de seu filho, da existncia de uma pea ainda
indita, denominada Valsa de Antigamente, delicada e encantadora como pude mais
tarde avaliar -, e que foi estreada por mim no Auditrio Lorenzo Fernndez, no Rio de
Janeiro, em 2003.
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CAPTULO 1 - Um artista em mltipla atuao
1.1 O pianista
Foi como pianista que Jos Vieira Brando despontou no meio musical brasileiro.
Seu talento atestado por diversos autores. Vasco Mariz (2002, p. 92), em seu livro A
Msica Clssica Brasileira, apresenta Brando como Virtuoso no piano, compositor
distinto e regente coral com muita experincia. trplice personalidade artstica apontada
por Mariz, acrescentaramos uma quarta: o educador musical. Mas essa faceta s vir
completamente tona depois da associao definitiva de Brando com Villa-Lobos. E essa
aproximao, se no foi motivada propriamente pelo excepcional talento pianstico de
Brando, acabou por fazer do jovem pianista o intrprete preferencial a apresentar em
primeira audio as obras de Villa-Lobos. Mariz continua:
Vieira Brando f i rmou sua reputao como ar t is ta
consciencioso. Fi lho espir i tual e intrprete of icial de Vil la-
Lobos, nascido em Cambuquira (MG), em 1911, chegou ao Rio
com sete anos e em 1924 j estava acei to no Inst i tuto Nacional
de Msica, onde estudou, entre outros, com Paulo Si lva.
Formou-se br i lhantemente em 1929, com o pr imeiro prmio de
p iano. Aperfe ioou-se no Rio com Margueri te Long. [ . . .]
Concert is ta , vis i tou o Brasi l intei ro e apresentou-se nos pasesdo Prata e nos EUA.
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O ingresso de Jos Vieira Brando no Instituto Nacional de Msica, aos treze anos
de idade, descrito com mais detalhes no verbete dedicado a Jos Vieira Brando da
Enciclopdia da Msica Brasileira: Erudita, Folclrica, Popular, onde encontramos ainformao de que ele estudou teoria e solfejo com Roberta Gonalves de Sousa Pinto,
Raimundo da Silva e Alfredo Richard, alm de ter cursado contraponto e fuga com Paulo
Silva, e piano com Custdio Fernandes Gis. O perodo de aperfeioamento de estudos
com a pianista francesa Marguerite Long tambm aparece no verbete:
Diplomado em msica e canto orfenico peloConservatr io Nacional de Canto Orfenico, do Rio de Janeiro,
em 1932 aperfeioou-se em piano com Margueri te Long (1978-
1966) . [ . . . ] Como reci tal is ta , apresentou-se nas pr incipais
cidades brasi lei ras , a lm de ter real izado concertos nos E.U.A. ,
Argent ina e Uruguai . Apresentou vr ias obras de Vil la-Lobos em
primeira audio , tendo real izado, em 1939, o pr imeiro Reci tal
Vil la-Lobos. (MARCONDES, 1998, p. 113) .
Chamamos ateno para a ltima informao relacionada primeira audio de
obras de Villa-Lobos e realizao do primeiro Recital Villa-Lobos. No encontramos
registro de data e local deste recital, mas podemos supor que ele tenha acontecido no dia 27
de novembro de 1939, no Rio de Janeiro. Nesta data, segundo informaes encontradas no
catlogo de obras de Heitor Villa-Lobos (1989), deu-se a primeira audio de diversas
obras contidas nos vrios volumes do Guia Prtico peas de carter didtico, que utilizam
temtica baseada no folclore brasileiro -, entre outras obras de Villa-Lobos, por Jos Vieira
Brando ao piano. Detalharemos essa questo posteriormente, quando listarmos as obras
cuja primeira audio coube a Jos Vieira Brando.
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A crescente atividade pianstica de Jos Vieira Brando foi relatada pelo
musiclogo Renato Almeida, na segunda edio de Histria da Msica Brasileira, no
captulo denominado Os Contemporneos. importante destacar que, na primeira ediodeste livro, publicada em 1926, no h referncias a Jos Vieira Brando, ento um jovem e
desconhecido estudante de piano de quinze anos de idade. Podemos concluir que a incluso
de referncia na segunda edio, de 1942, o prprio testemunho da importncia da
atuao de Jos Vieira Brando como intrprete, bem como do reconhecimento crescente e
duradouro por ele obtido no decorrer de suas atividades musicais.
Desde ento, data a sua at ividade pianst ica, tendo
real izado vr ios concertos em nossos estados e , ul t imamente, no
estrangeiro, quando integrou a embaixada ar t s t ica, chef iada por
Vila Lobos [s ic] , que vis i tou o Uruguai , em 1940. A cr t ica
sempre o saudou com os melhores louvores, reconhecendo-lhe
no s as qual idades de vir tuose , como ainda aprimorada
sensibi l idade de intrprete . (ALMEIDA, 1942, p. 495) .
Encontramos meno participao de Brando na embaixada artstica tambm no
livroHistria da Msica Brasileira, de F. Acquarone (1948, p.217), que relata: Em 1940,
Vieira Brando visitou o Uruguai, acompanhando Villa Lobos [sic] em sua embaixada
artstica.
A reputao pianstica de Jos Vieira Brando ultrapassou as fronteiras brasileiras,
como podemos observar ao examinarmos o lxico Dicionrio Biogrfico de la Msica, em
lngua espanhola, organizado por F. Ricart Matas (1966, p. 164): Aluno da Escola
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Nacional de Msica, destacou-se como excelente pianista.4. E tambm noDiccionario de
la Musica Labor, organizado pelos musiclogos Higinio Angls e Joaqun Pena (1954,
tomo I, p. 351), onde encontramos mais referncias carreira pianstica internacional deJos Vieira Brando: Como pianista, realizou diversas turns em seu pas e no exterior. 5
Parecia mesmo haver uma natural predisposio de Jos Vieira Brando a uma
excepcional trajetria como pianista. Seu crescente prestgio se traduzia em novas
oportunidades para apresentaes, bem como em convites para temporadas de
aperfeioamento no exterior, como no caso da pianista francesa Marguerite Long, que
tencionava levar Brando a Paris, a fim de dar seqncia aos estudos realizados no Rio de
Janeiro. O convite, no entanto, foi recusado. Brando j estava comprometido com o
ambicioso projeto de Villa-Lobos para a educao musical das massas escolares brasileiras,
trazido luz em 1932 sob vestes oficiais, com o patrocnio e chancela do governo Vargas.
Essa recusa, que por si s emblemtica da generosidade e da lealdade incondicional a
Villa-Lobos, parece ter sido fruto do redimensionamento do papel do educador musical na
conscincia artstica de Jos Vieira Brando.
Referncias s atividades musicais de Jos Vieira Brando so encontradas tambm
na edio concisa do Dicionrio Grove de Msica (SADIE, 1994, p.131), em lngua
portuguesa, onde foram includos verbetes adicionais relativos msica brasileira, ausentes
na edio completa do Grove. Essa edio peca justamente no aspecto que deveria ser sua
maior qualidade: a conciso. Por conta da economia de espao, se paga o preo de no
poder-se ir mais a fundo nos detalhes. De fato, faltam muitas informaes complementares,
4 Alumno de la Escola Nacional de Msica destac como excelente pianista. (traduo nossa).5 Como pianista, ha realizado varias giras en su pas y en el extranjero. (traduo nossa).
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datas inclusive, que j haviam sido publicadas em lxicos elaborados anteriormente ao
Grove brasileiro. de se estranhar, portanto, que tantos contedos que nos parecem
relevantes tenham sido omitidos ou descartados na edio concisa deste prestigiado lxico.O mesmo problema acontece no verbete Jos Vieira Brando do dicionrio de msica
publicado pela editora Zahar (HORTA, 1985, p. 54), cujo contedo praticamente idntico
ao do verbete do Grove conciso, inclusive na redao.
Importante fato na trajetria pianstica de Jos Vieira Brando foi a estria do
Choros n. 11, de Villa-Lobos. Assim relata Adhemar Nbrega (1974, p. 117), em
aprofundado estudo sobre os choros de Heitor Villa-Lobos:
A primeira audio absoluta do Choros n. 11, real izada a
18 de julho de 1942, teve lugar no Rio, com a Orquestra do
Teatro Municipal , sob a regncia do autor . O sol is ta foi o
p ianista Jos Vieira Brando. [ . . . ] A obra dedicada a Arthur
Rubinstein.
A realizao desta partitura de dimenses monumentais, cuja execuo integral
beira os sessenta minutos, uma empreitada bastante trabalhosa para msicos, regente e
solista, especialmente para este ltimo, a quem cabe a responsabilidade de tocar as partes
de maior dificuldade e importncia.
Mas vol temos ao Choros 11, para assinalar que a todos os
episdios o piano t raz sua contr ibuio, ora contrapondo os
motivos em pauta, ora ampliando-os, emprestando-lhe o relevo
da sonoridade ou as galas de um tratamento vir tuoss t ico digno
das melhores t radies. (NBREGA, 1974, p. 112) .
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Algumas palavras sobre o Choros n. 11, incluindo meno participao de Jos
Vieira Brando no concerto de estria, esto tambm na biografia de Villa-Lobos de autoriade Vasco Mariz (1977, p. 105), cujo subttulo Compositor brasileiro sugestivo, ao brincar
com a indissocivel - quase simbitica - identificao do compositor com a sua terra natal,
e com o fato de Villa-Lobos detestar ser conhecido sob este rtulo.
O Choro n. 11 (1928) , para piano e orquestra , o mais
longo de toda a sr ie . Os recursos tcnicos so os mesmos doschoros anter iores , mas as intenes bem diferentes . Trata-se de
uma obra muito subjet iva, sem a preocupao expressa de
reproduzir os elementos sonoros da natureza brasi lei ra . Trabalho
grandi loqente, o Choro n. 11 tambm um desaf io ao vir tuoso
do piano, em vista de sua extensa e dif ic l ima cadncia. A 1
audio foi no Rio com Jos Vieira Brando como sol is ta (1942) .
Vieira Brando esteve por duas vezes nos Estados Unidos. Na primeira viagem, em
1945, permaneceu por cerca de um ano em Los Angeles, como bolsista da University of
Southern Califrnia. Foi um perodo extremamente profcuo para o amadurecimento da
personalidade artstica de Jos Vieira Brando, que pde desenvolver seu talento em muitas
frentes de estudo e trabalho. Realizou estudos sobre a educao musical nas escolas
americanas, proferiu palestras e conferncias sobre a msica brasileira e sobre o ensino do
canto orfenico nas escolas brasileiras, realizou diversos recitais de msica brasileira -
especialmente como regente coral nas cidades de Sacramento, Oakland, So Francisco,
Salt Lake City, Chicago, Rochester, Nova York, Boston, Filadlfia, Washington e Miami e,
finalmente, acumulou expressivo contedo de idias para novas composies. Essa estadia
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em terras americanas parece mesmo ter servido a deslanchar toda a atividade criativa
posterior de Jos Vieira Brando, alm de ter reafirmado a sua opo pela esttica
nacionalista. Tanto um assunto como o outro sero mais bem explanados na seo ocompositor.
A segunda viagem guarda um dos momentos mais consagradores da carreira
pianstica de Jos Vieira Brando. Vasco Mariz (2002, p. 93) relata: Em 1947, voltou a
Nova York a fim de auxiliar Villa-Lobos na preparao da opereta Magdalena, a ser
apresentada na Broadway, e l tambm apresentou a primeira audio mundial daBachiana
n. 3, para piano e orquestra. A estria aconteceu no dia dezenove de fevereiro de 1947,
com a orquestra da Columbia Broadcasting System sob regncia de Heitor Villa-Lobos.
Sobre esta obra de profunda espiritualidade e envolvente clima sonoro, em quatro
movimentos, vale dedicar ateno ao comentrio de Vasco Mariz (1977, p. 108):
A estrutura do 2 movimento, Fantasia , embora
apresentada em forma de [de]vaneio musical , tem a feio de
uma r ia , interrompida por acordes secos at o pi mosso, que
introduz o segundo episdio, alegre e vivaz, onde se destaca o
p iano so lo em br ilhante v ir tuosismo.
A relao de confiana e amizade, alm de grande admirao pelo artista que foi
Jos Vieira Brando certamente so fatores que devem ter influenciado Villa-Lobos a
dedicar algumas composies ao amigo mais jovem. o caso do segundo movimento de
sua Bachiana n. 4 - um belssimo momento musical de pungente expressividade intitulado
Canto do Serto -, bem como o da totalidade de peas do primeiro volume do Guia
Prtico.
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Por fim, listaremos em ordem cronolgica as obras piansticas de Heitor Villa-
Lobos cuja primeira audio foi realizada por Jos Vieira Brando, com base nas
informaes oficiais obtidas no catlogo intitulado Villa-Lobos: sua obra (1989), publicadopelo Museu Villa-Lobos.
Em 27 de novembro de 1939:
a) Plantio do Caboclo e Festa no Serto (primeiro e terceiromovimentos, respectivamente, do Ciclo Brasileiro, em quatro
movimentos, compostos em 1936).
b) Acordei de Madrugada, A Mar encheu, A Roseira e Nacorda da viola (do primeiro volume do Guia Prtico, dedicado a
Jos Vieira Brando, composto em 1932).
c) Brinquedo, Machadinha, Samba-Lel e Senhora DonaViva (do segundo volume do Guia Prtico, 1932).
d) Joo Cambute, Garibaldi foi missa e O pio (do terceirovolume do Guia Prtico, 1932).
e) Vai abbora (do stimo volume do Guia Prtico, 1932)f) Laranjeira pequenina, A velha que tinha nove filhas e O
castelo (do nono volume do Guia Prtico, 1935).
g) Sute As trs Marias (Alnitah, Alnilam e Mintika, composiode 1939).
h) Valsa da dor (1932).
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Em treze de novembro de 1941, como parte do Festival Villa-Lobos, no Salo
Leopoldo Miguez, da Escola Nacional de Msica, atual Escola de Msica da UFRJ.
i)
Manquinha (do primeiro volume do Guia Prtico, 1932).j) Rosa Amarela, Olha o passarinho domine!, O gato, e
sim (do quarto volume do Guia Prtico, 1932).
k) Os pombinhos, Voc diz que sabe tudo e O basto ou Miagato (do quinto volume do Guia Prtico, 1932).
l) Sonho de uma criana, O corcunda, O caranguejo, Apombinha voou e Vamos atrs da serra, oh! Calunga (audio
integral do sexto volume do Guia Prtico, 1932).
m) Os pombinhos (do stimo volume do Guia Prtico, 1932).n) Pombinha rolinha e Constante (do nono volume do Guia
Prtico, 1935).
o) Atch (do dcimo volume do Guia Prtico, 1932)
Em dezoito de julho de 1942, com a Orquestra Sinfnica do Teatro Municipal, sob
regncia de Heitor Villa-Lobos.
p) Choros n.11 (para piano e orquestra, 1928).
Em 1943, data e local desconhecidos.
q) Poema singelo (dedicado a Mindinha, 1942).
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Em dezenove de fevereiro de 1947, em Nova York, com a participao da orquestra
da CBS Columbia Broadcasting System, sob regncia de Heitor Villa-Lobos.
r)
Bachianas Brasileiras n. 3 (para piano e orquestra, dedicada aMindinha, 1938).
1.2 O compositor
Se verdade que foi como pianista que Jos Vieira Brando estabeleceu os
primeiros vnculos profissionais com a sociedade e, mais particularmente, com o meio
musical, tambm vlido admitir que tenha sido como compositor que ele deixou os frutos
mais duradouros - ainda que muito de sua obra esteja praticamente inexplorada de sua
criao musical. o momento de mergulharmos no pequeno e fascinante universo das
composies musicais de Jos Vieira Brando, a fim de compreender-lhes o significado e a
relevncia de seu papel no contexto da cultura musical brasileira. Antes, porm,
necessrio situar a obra deste compositor tanto em relao linguagem musical empregada,
como tambm quanto ao posicionamento esttico por ele assumido durante sua trajetria
musical.
Talvez a caracterstica mais marcantemente perceptvel da obra musical de Jos
Vieira Brando seja a coerncia. notvel que, apesar das novidades e influncias sofridas
pela msica brasileira a partir do final da dcada de 30, com a adoo de tcnicas
contemporneas de composio - em especial o dodecafonismo, trazido ao Brasil e
difundido entre os jovens compositores pela instigante figura de Hans Joachim Koellreutter
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-, tenha Jos Vieira Brando permanecido por toda a vida fiel aos ideais do nacionalismo
musical e seguido inclume sua trajetria retilnea como compositor de msica
essencialmente tonal.Observemos o que escreve a este respeito o musiclogo Jos Maria Neves (1981, p.
142) - que conviveu durante anos com Jos Vieira Brando, respectivamente, na vice-
presidncia e presidncia do Conservatrio Brasileiro de Msica, no Rio de Janeiro -, em
seu valioso livroMsica Contempornea Brasileira:
Os mais at ivos nacional is tas da velha escola ser iamFranscisco Mignone e Camargo Guarnier i , seguidos de Bras l io
I t iber, Frutuoso Viana, Bapt is ta Siqueira, Jos Siqueira, Luis
Cosme, Radams Gnat tal i e Jos Vieira Brando. Alguns desses
composi tores manter iam imutveis suas vises do ato
composicional , apegados ao tonal ismo e aos modal ismos e s
estruturas de tendncia neo-clssica, reaf i rmando suas
preocupaes regional is tas (como o caso dos i rmos Sique ira) ;
outros, como Luis Cosme, procuraro sempre enriquecer suas
l inguagens musicais , assimilando elementos das tcnicas
contemporneas (eventualmente mesmo cer tos processos do
dodecafonismo).
Dada a importncia do tema, cremos ser oportuna uma breve digresso sobre o
sistema de doze sons.
O dodecafonismo foi amplamente utilizado por uma pliade de compositores
brasileiros, tendo sido difundido, num primeiro momento, entre o crculo de discpulos de
Koellreutter para, mais tarde, disseminar-se entre vrias geraes de compositores,
interferindo e modificando, inexoravelmente, o curso dos acontecimentos que formam a
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histria da msica no Brasil, e estendendo sua influncia at os dias atuais, ainda que sem a
mesma fora de outrora. Sobre o dodecafonismo, explica Jos Miguel Wisnik (1989, p.
161):
O sistema de doze sons cr iado por Schoenberg em 1923,
depois de um perodo atonal que der ivava do aprofundamento das
contradies do tonal ismo, se apresenta como a decorrncia
implacvel e ao mesmo tempo a ant tese do sis tema tonal . Ele
rejei ta cerradamente o pr incpio tonal , i s to , o movimento
cadencial de tenso e repouso.
, de fato, um sistema artificial e fechado, cujo objetivo impedir ao crebro a
percepo e, consequentemente, a fixao de qualquer referncia que possa levar ao
estabelecimento de um centro tonal. Isso feito atravs de uma tcnica de composio
meticulosamente desenvolvida de modo a evitar a repetio de um determinado som antes
que sejam ouvidos, numa seqncia pr-estabelecida, os onze sons restantes da escala
cromtica. Vejamos o que escreveu o historiador e musiclogo Jos DAssuno Barros
(2004, p. 189), em seu mais recente livro, um excelente e aprofundado estudo sobre a
histria da msica no Brasil:
A pr opos t a dodeca f n i ca de e l abo r a r um a s r i e p r ec i s am en t e
a de c r i a r um e spao no h i e r a r qu i zado , em bor a o r gan i zado e
pe r sona l izado, den t ro da gama c r omt ica . Da que Shoenbe rg
cham ou e s t a nova t cn i ca de com pos i o de s i s t em a de doze
sons igua i s . Por i s to d i ssemos a t rs que , se o Atonal i smo
um a l i nguagem m us i ca l , o Dodeca f on i sm o um a t cn i ca ou
um s i s t em a que pe r m i t em r ea l i z a r um t r aba l ho coe r en t e sob r e
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es t a l i nguagem . Nes t e s en t i do , um a com pos i o pode s e r
a tona l sem ser necessar iamente dodecafnica , mas no
poss ve l o cont r r io : t e r dodeca foni smo sem te r a tona l idade .
O dodecafonismo foi utilizado no Brasil como smbolo de negao e libertao dos
ideais nacionalistas, bem como de afirmao de novas tendncias estticas. Significado
distinto, porm, lhe atribudo por seu criador, Arnold Schoenberg, que considerava o
dodecafonismo a seqncia natural da evoluo da linguagem musical dentro da tradio
europia, chegando mesmo a afirmar que tal sistema garantiria a supremacia da msica
germnica por algumas centenas de anos (GRIFFITHS, 1987, p. 80).
Mas a verdade que o dodecafonismo nunca seduziu Jos Vieira Brando, e este
fato corroborado quando constatamos a inexistncia de composies de sua autoria que
faam uso de tal tcnica. curioso que ele no tenha tido nenhum tipo de interesse, nem
para fins ldicos, no experimento de compor utilizando a tcnica serial, como j fizera, por
exemplo, seu contemporneo e tal como Brando, ardoroso defensor da esttica
nacionalista - Francisco Mignone. Mas se o dodecafonismo no se fixou na obra de
Francisco Mignone, que o utilizou raramente - muito mais como exerccio puro do ato de
compor do que como uma opo esttica assumida -, tampouco ele chegou a figurar na
paleta de recursos tcnicos de Jos Vieira Brando. Apesar disso, inegvel a importncia
do dodecafonismo para o desenvolvimento da msica brasileira a partir de meados do
sculo XX.
A opo de Jos Vieira Brando pela esttica nacionalista se manifestou desde
muito cedo. Ela est presente na feitura de suas primeiras peas, e permaneceu ocupando
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posto preferencial no desenrolar de sua atividade criadora. Renato Almeida registra os
primeiros movimentos de Jos Vieira Brando no campo da composio musical:
Como composi tor , apareceu Jos Vieira Brando, em
1937, e o tem fei to de modo seguro o [s ic] promissor . Integrado
nas tendncias nacional is tas da ar te brasi lei ra e possuindo uma
tcnica que se vai , de mais a mais , aperfeioando, a obra de
Vieira Brando se mostra digna do maior interesse pela inveno
e r iqueza de l inguagem musical . (ALMEIDA, 1942, p.495) .
Ressaltamos que o texto de Renato Almeida foi publicado no ano de 1942. Antes,
portanto, que Jos Vieira Brando houvesse concebido as suas obras mais significativas, as
quais, segundo especialistas, pertencem ao perodo de composio iniciado a partir da
dcada de 50, quando o compositor assume definitivamente seu papel de relevo e
importncia para a msica brasileira. Tal fato, segundo nossa interpretao, acrescenta peso
e valor meno encontrada no livro de Almeida.
Alguma influncia da msica de Chopin pode ser percebida na primeira fase criativa
de Jos Vieira Brando, em especial nas suas peas para piano, onde a veia lrica do jovem
compositor brasileiro pulsa com maior intensidade e paixo. Ecos, talvez, da memria da
atmosfera pianstica do grande mestre polons, a quem Brando dedicou anos de
disciplinado e aprofundado estudo, como intrprete. Sobre essa questo, observa Renato
Almeida (1942, p. 495-496):
Nas suas p r i me i ra s compos ies p ian s t i c a s , pode s en t i r -
s e o r oa r da a sa chop i n i ana , s endo que , na Fan tas ia , pa r a
p iano e o rques t ra , o t ema cen t ra l , de ca r te r n i t idamen t e
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nac i ona l , apa r ece den t r o dum a expr e s so t am bm l em br ando
Chop i n .
importante observarmos que, apesar da influncia da msica de Chopin na
Fantasia para piano e orquestra de Jos Vieira Brando, esta j apresenta elementos
significativos de identificao musical com a temtica nacional, como bem aponta o texto
de Renato Almeida. Somos naturalmente levados concluso de que o nacionalismo esteve
sempre presente na obra de Jos Vieira Brando, tendo se manifestado, porm, de maneiras
distintas, no decorrer de sua trajetria como compositor.
Apesar disso, o nacionalismo nunca significou para Jos Vieira Brando uma
bandeira esttica, ou mesmo um fator motivador de aes engajadas em defesa de seus
ideais, como foi o caso, por exemplo, da postura assumida por Camargo Guarnieri, ao se
indispor com Koellreutter e com o grupo de compositores que integravam o movimento
denominado Msica Viva, em enrgica reao de defesa dos ideais nacionalistas e da
utilizao da temtica nacional na msica brasileira, numa das mais emblemticas celeumas
estticas da histria recente da msica no Brasil.
Este assunto abordado de forma brilhante no citado livro Msica Contempornea
Brasileira, de Jos Maria Neves (1981), o que nos dispensa da tarefa de realizar maiores
aprofundamentos. O fato que nos interessa que Neves situa Vieira Brando no grupo de
compositores ligados ao nacionalismo de fins da primeira metade do sculo XX, o que, por
si s, j seria relevante contribuio para nosso estudo, mas seu texto vai mais alm e acaba
despertando interesse para outros aspectos da personalidade humana deste compositor,
como, por exemplo, a ausncia daquele tipo de vaidade pessoal to comum a artistas de
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certo renome - e que, num certo sentido, e em justa medida, necessria para o
estabelecimento e promoo de uma carreira artstica -, alm de sua imensurvel
generosidade, ao deixar por diversas vezes em segundo plano a prpria carreira paraauxiliar Villa-Lobos em projetos de monta e responsabilidade. Talvez estes fatores ajudem
a explicar os motivos pelos quais Brando no tenha se tornado to conhecido quanto seus
colegas de gerao, apesar de fazer msica de excelente qualidade, como concordam
aqueles que conhecem sua obra.
Jos Vieira Brando compositor de valor que, no momentooportuno, no teve oportunidade de se lanar convenientemente. Muito
jovem ainda, ele se viu chamado a assessorar Villa-Lobos em seu
trabalho de educao musical popular (atravs de coordenao do Canto
Orfenico e da formao de professores especializados nesta
disciplina), restringindo sua atividade musical funo de pianista
concertista (foi ele o responsvel por inmeras audies de obras para
piano e para piano e orquestra de Villa-Lobos) . Jos Vieira Brando
escreveu pouco, mas sua obra mostra sempre seu domnio da matria
sonora e fineza de seu pensamento musical, que se manifesta
preferentemente na msica de cmara. Destaque-se, especialmente, seus
dois Quartetos de cordas (o segundo, mais recente, bastante liberto do
nacionalismo tradicional), as Serestas, os Mosaicos, os Estudos,
(Chorinho, Modinha e Macumba) e a Tocata (dedicada a Villa-
Lobos), todas para piano solo; e ainda os Cantos Msticos (F,
Esperana e Caridade) para coro, o Trio de Cordas e a Fantasia
Concertante para piano e orquestra, uma de suas obras mais antigas e
que foi remodelada em 1959. Este compositor autor de uma grande
srie de obras para canto e piano e de enorme produo coral, esta
ltima especialmente dedicada a grupos corais infantis, refletindo a
preocupao fundamental deste compositor , ou seja , a universalizao
de educao e da prtica musical. (NEVES, 1981, p.76).
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O nacionalismo evidencia-se na obra de Jos Vieira Brando sempre de forma
discreta, nunca como um objetivo a ser atingido em si, mas sim como conseqncia da
expresso natural da musicalidade desse compositor. assim que podemos apreender daspalavras de Vasco Mariz (2002, p. 155), em valioso estudo sobre a histria da cano
brasileira de carter erudito, publicado sob o ttuloA Cano Brasileira de Cmara:
A inspirao sempre lhe f luiu fci l , embora se ressent isse de
estudos mais profundos. No tem a preocupao de fazer msica
nacional is ta , que, no entanto, brota espontaneamente aqui ou
acol com bom gosto.
Brando tambm tratado como compositor nacionalista em outras obras de Vasco
Mariz, como no j citado A Msica Clssica Brasileira (2002, p. 98), onde o autor afirma
que sob o aspecto esttico, [Vieira Brando] mantinha-se fiel ao nacionalismo, que no
considerava esgotado nem superado. Mais uma vez a tnica da fidelidade reafirmada, e
esta parece mesmo ser uma das maiores recorrncias ao analisarmos a integralidade da
trajetria musical de Jos Vieira Brando, e no somente sua atuao como compositor.
Mas a maior contribuio de Vasco Mariz ao estudo da vida e obra de Jos Vieira
Brando pode ser encontrada numa publicao comemorativa aos noventa anos do
compositor, lanada em 2001, sob a responsabilidade editorial da jornalista Helosa Fischer,
onde esto includos valiosos textos biogrficos a cargo de Jos Maria Neves, Vasco Mariz
e Luiz Paulo Horta, alm de depoimentos espontneos de uma srie de artistas, entre
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msicos, compositores, regentes e educadores. Neste pequeno livro6, cujas dimenses
grficas no correspondem grandeza de seu servio para a cultura musical brasileira, pde
Vasco Mariz escrever mais extensamente acerca da obra musical de Jos Vieira Brando,seja tecendo sobre ela consideraes mais aprofundadas e ricamente detalhadas, bem como
trazendo luz diversos aspectos biogrficos no encontrados em publicaes anteriores,
especialmente em relao aos fatos mais recentes de sua carreira. Sobre o nacionalismo na
obra de Jos Vieira Brando, esclarece Mariz (2001, p. 24): Como compositor, Vieira
Brando no teve inteno expressa de fazer msica nacionalista, mas a verdade que a sua
inspirao brasileira brotava espontaneamente com muita facilidade.
Ainda no mesmo livro - que ser citado amide neste trabalho -, o pequeno texto de
Jos Maria Neves (2001, p. 11,12) particularmente significativo, no somente pelo peso
da sua reputao como musiclogo, como tambm - e principalmente -, por conta da
estreita relao de amizade e colaborao que manteve com o compositor. A soma desses
fatores proporciona ao intelectual mineiro uma posio de privilegiado observador do
processo criativo de Jos Vieira Brando, e isso claramente percebido ao examinarmos
suas palavras.
O com pos i t o r e s t eve m ui t o a t i vo a t bem pouco t em po
a t r s , p r oduz i ndo peas novas ou r evendo ou t r a s m a i s an t i ga s .
E o r e f i nam en t o de sua e sc r i t a pode s e r v i s t o em obr a que ,
apesa r de r e l a t i vam en t e cu r t a , m e r ece l uga r de de s t aque nopanorama da ms i ca b ra s i l e i ra do sculo XX, com car t e r e o
sabor b r a s i l e i r o s , que no f i c am des f ocados pe l o em pr ego de
t cn i ca de r i vada do neoc l a s s i c i smo .
6 A idia original era que esta publicao - cujo ttulo Cadernos VivaMsica! - fosse peridica, mas,infelizmente, ela no teve continuidade.
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Jos Maria Neves preciso ao colocar em termos mais subjetivos a presena do
nacionalismo na obra de Jos Vieira Brando. Com justa razo, ele prefere destacar aqualidade da escritura musical deste compositor, e o fato dele ter feito, em sua msica, um
uso particular de formas clssicas como a sonata, a sute, o tema com variaes, entre
outras, para construir, desenvolver e exprimir seu pensamento musical de maneira fluente e
espontnea. Parece-nos clara a preocupao do musiclogo em situar Vieira Brando na
categoria dos compositores que detm o domnio da tcnica da composio, e que dela
sabem fazer uso consciente e parcimonioso, nunca priorizando o formalismo como alvo,
mas sim, sabendo utilizar-se de seus meios para dar consistncia formal s suas obras
musicais. E como facilmente observamos na audio de algumas peas de Jos Vieira
Brando, nada h nelas que soe forado ou antinatural, nada que denuncie qualquer
tentativa de submisso do livre fluir do discurso musical rigidez de uma forma pr-
estabelecida por padres cannicos.
Dando seqncia anlise dos textos publicados na edio comemorativa dos
Cadernos VivaMsica!, podemos constatar que a presena do neoclassicismo na obra de
Vieira Brando tambm alvo de considerao no artigo de Luiz Paulo Horta (2001, p. 49-
50), publicado sob o ttulo A nobre escrita em CD, cujo enfoque principal reside na crtica
musical de algumas obras como o Quarteto de cordas e a Sonata para violoncelo e
piano, ambas gravadas no CD intitulado Vieira Brando, lanado em 1998 pelo selo
Repertrio Rdio MEC.
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Jos Vieira Brando, aos 90 anos, um desses tesouros pouco explorados
da msica brasileira. Se voc nunca ouviu falar dele, h um importante cd
extrado das colees da Rdio MEC (a velha rdio MEC, dos bons tempos) que
pode preencher a lacuna. Oua, por exemplo, o belo Quarteto de cordas n. 1, de
1944, gravado em 1959 por um grupo de primeira linha que inclua Santino
Parpinelli, Henrique Morelenbaum, Jacques Nirenberg e Eugen Ranevsky. Ali
est a nobre escrita eficaz de Vieira Brando que, sabendo tudo de msica, soube
se guardar dos novidadeiros, e construir um idioma pessoal maduro. Nessa obra
de inspirao neoclssica no h nacionalismo intencional (como ainda se
praticava muito naquele momento). H uma capacidade e um desejo de cantar,
aplicados, no primeiro movimento, a uma espcie de estrutura cclica que d
unidade construo. J oAllegro que vem a seguir aponta para as nossas razes.
Essa msica tem algo a ver (como assinalou Jos Maria Neves) com a arte dos
rabequistas do Nordeste. tudo de uma vivacidade, de um sentido ldico que
denota um compositor na plena posse de seus meios.
No presente texto, h diversos elementos que merecem especial ateno e cuidadosa
interpretao. O primeiro deles trata do desconhecimento, por parte de intrpretes e
estudiosos, acerca da obra musical deste grande compositor brasileiro, to pouco executado
em salas de concerto no Brasil e afora. Horta feliz ao referir-se a Vieira Brando usando a
imagem metafrica do tesouro que ainda no foi devidamente explorado, onde talvez ainda
estejam encerradas jias de rara beleza e outras riquezas igualmente inesperadas e
desconhecidas. essa, de fato, a sensao que experimentamos ao entrarmos em contato
com a belssima produo musical de Jos Vieira Brando. Um misto de maravilha e
encantamento provocado pela percepo da real dimenso qualitativa desta obra, e uma
ponta de tristeza e indignao por ela ainda permanecer, em grande parte, coberta e
protegida indevidamente sob os vus da ignorncia e do esquecimento. Outro aspecto digno
de destaque o empenho de Vieira Brando na construo de um estilo prprio de
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composio, fruto do desenvolvimento permanente e retilneo de seus estudos musicais, os
quais realizou sem nunca ter titubeado ante a tentao de seguir diferente orientao
esttica ou utilizar as novssimas tcnicas europias, introduzidas na msica brasileira apartir de meados do sculo passado. Para Luiz Paulo Horta, essa atitude condizente com o
grau de maturidade artstica atingido por Vieira Brando, e no se trata, portanto, de mera
manifestao de conservadorismo, nem mesmo de um tipo de apego ideolgico e arraigado
causa nacionalista. Alis, Horta faz coro com Mariz e Neves ao reforar a idia de um
nacionalismo no intencional na obra do compositor mineiro, e este ponto de concordncia
entre os trs estudiosos parece-nos revelador de uma das grandes qualidades da obra de
Vieira Brando, que justamente a de conseguir construir um discurso musical pessoal e
espontneo dentro de uma concepo formal consistente. Mrito logrado em plenitude
apenas pelos grandes mestres e, mesmo assim, atravs do exerccio rigoroso e disciplinado
da arte da composio.
A preocupao com a forma sempre foi uma constante na obra de Jos Vieira
Brando, e tal atitude acaba por refletir-se no esmerado acabamento de suas composies,
qualidade ressaltada pelos especialistas.
Uma vez estando bem contextualizada a obra de Jos Vieira Brando como parte
integrante da corrente nacionalista da msica brasileira, e, mais detalhadamente, como
receptora de influncias complementares que vo do romantismo no carter ao
neoclassicismo na forma -, podemos, neste momento, percorrer a linha do tempo das
composies musicais de Jos Vieira Brando e acompanhar passo a passo o evoluir de sua
linguagem criativa.
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As primeiras composies de Jos Vieira Brando de que se tem registro so de
1928. Um minueto para piano solo e uma cano intitulada O Sabi e a Mangueira, para
canto e piano, com letra de lvaro Moreira, inauguram a produo musical desta primeirafase, que atingir seu pice justamente com a citada Fantasia para piano e orquestra, de
1936, at ento, sua obra de maiores propores e pretenses. So desta fase as canes
com acompanhamento de piano Felicidade e Sinh Velho, ambas compostas em 1930
com texto de Pascoal Carlos Magno e Paulo MacDowell, respectivamente, bem como
Confidncia, de 1932, com letra de Helio Peixoto, e A sombra verde dos coqueiros, de
1934, cujo texto de Carlos Paula Barros.
tambm neste perodo que Jos Vieira Brando realiza suas primeiras
composies camersticas, como o Canto Sertanejo e o Romance, ambas compostas em
1935 para a formao de duo de violino com piano. Sobre essas msicas, vale seguir as
palavras de Renato Almeida (1948, p. 495): O Romance, para violino, uma pgina
sentimental muito viva e o Canto Sertanejo, tambm para violino, j revela a envergadura
de um compositor de mrito.
Vasco Mariz, no j citado A Cano Brasileira de Cmara (2002, p. 155),
reconhece dois perodos distintos na obra de Jos Vieira Brando:
O primeiro, at 1947, pecava pelo amadorismo tpico a tantos compositores
brasileiros de certo renome. Em 1948, todavia, aps o regresso da segunda
viagem aos Estados Unidos da Amrica, dedicou-se mais seriamente ao estudo e
composio. Prosseguiu na srie dos liedere tomou alento para obras de maior
flego, dentre as quais um sedutor Quarteto de cordas e uma surpreendente
Sonata para celo e piano.
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No obstante a crtica do eminente diplomata e musiclogo fragilidade formal das
composies da primeira fase criativa de Vieira Brando, justo observar que esto neste
perodo duas de suas canes mais conhecidas e de maior xito: Adivinhao ePrequet. So pginas de delicioso humor e efeito musical convincente e satisfatrio.
Adivinhao, com texto de Martins DAlvarez, um jogo quase infantil do tipo o que ,
o que ?, com a surpreendente revelao da charada ao fim da cano, que dura apenas um
minuto. O acompanhamento bem dosado, sendo que o piano dialoga todo o tempo com a
voz, sem, no entanto, ofuscar-lhe a clareza. Prequet, com letra de Cassiano Ricardo,
bem sucedida ao criar uma ambientao musical que consegue transmitir com eficcia
alguns sentimentos do poeta em relao a seus personagens, indo do humor quase
sarcstico, na caracterizao do personagem Jos Prequet - tratado desdenhosamente pelo
narrador como o moleque mais preto que o p de caf , mais delicada ternura, como no
trecho em que o poeta se refere vov preta e sua viso conformista e resignada do mundo,
ao acreditar que o desafortunado destino do menino preto e pobre - que no tem ona pra
brincar nem cavalinho pra montar, e que s encontra seus momentos de alegria ao
compartilhar os brinquedos comprados na cidade pelo filho da patroa -, tenha sido causado
pelo fato de no ter ele nascido branco e louro como Deus, e como o filho da sinh.
Brando sabe explorar com eficincia os recursos expressivos da voz e do
acompanhamento pianstico, logrando desenhar com preciso o perfil psicolgico tanto dos
personagens do poema como de seu narrador.
Essas duas obras fazem parte do primeiro ciclo de canes composto por Jos Vieira
Brando, entre 1938 e 1939. Na avaliao de Vasco Mariz, este conjunto considerado de
menor valia musical se comparado ao grupo de canes pertencentes ao segundo ciclo, que
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abrange as obras compostas a partir de 1948, e que cujo marco inicial so as Quatro
canes em l menor. Mariz justifica sua observao diagnosticando certos problemas nas
canes do primeiro perodo, tais como os acompanhamentos por vezes ricos em demasia -fazendo submergir a graciosidade e a vivacidade das melodias -, e o uso de tratamento
fontico inadequado, ao deixar-se acumular um exagerado nmero de palavras num mesmo
compasso. Defeitos esses que, ainda sob a tica do musiclogo, deixam de estar presentes
nas canes do segundo perodo, que apresentam maior consistncia formal e pureza de
inspirao, alm de demonstrar a habilidade do compositor mineiro no tratamento do texto
potico, que passou a ser escolhido com mais discernimento e critrio. Apesar disso, Mariz
aponta Adivinhao e Prequet como duas das mais bem sucedidas criaes de Jos Vieira
Brando no campo da cano de cmara no Brasil.
Adivinhao (1938), de Martins Dlvarez, possui graa e comicidade
irresistveis. Escrita sem preocupao nacional, saiu, contudo, revestida de um
toque malandro, bem carioca. O singelo poema foi compreendido e o comentrio
musical, felicssimo, brotou extremamente sedutor, fazendo jus grande
popularidade que vem gozando h muitos anos, tanto em sua verso coral quanto
para canto e piano. Prequet(1938), a histria do negro mais preto que o p de
caf, contada por Cassiano Ricardo, constitui outro trabalho representativo do
msico de Cambuquira, de veia irnica to aguada. Ingnuo, sadio, de um
negrismo delicado, sem a selvageria que outros compositores geralmente
imprimem s obras do ciclo, um verdadeiro estudo de declamao meldica,
desafio boa dico do intrprete. Prequet forma entre as peas mais
encantadoras do repertrio nacional.(MARIZ, 2002, p. 156)
Entre as canes do segundo perodo, Mariz salienta a qualidade de Ns, a ltima
das Quatro canes em l menor, embora no se exima da responsabilidade de denunciar
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a fragilidade do texto das mesmas. Ausncia, de 1949, com letra de Tom Brando, pai do
compositor, bem como Silncio, de 1954, tambm so citadas.
Aprecio muito Silncio, sem toque nacional e de belo efeito
canoro, talvez a melhor cano de Jos Vieira Brando. Tambm de 1954 so:
Trova, com acertados efeitos guitarrsticos, eAlmas comuns (Gabriel de Lucena)
que no agradou ao prprio compositor, mas nem por isso deixa de interessar
pela singeleza e boa escritura.
No esqueamos Corao incerto (1961), de Manuel Bandeira, com
melodia sentida, quase mrbida e belos efeitos violonsticos. (MARIZ, 2002,
p.157)
Em se tratando o nosso trabalho da apreciao da obra para violo de Jos Vieira
Brando, no deixa de ser especialmente significativo o trecho onde Mariz menciona
efeitos guitarrsticos, ou violonsticos o que a mesma coisa , no acompanhamento do
piano. Entre as duas composies, h um hiato de sete anos, mas perfeitamente plausvel
supor que Mariz tenha percebido nestas canes alguns reflexos do interesse que Brando
nutria ainda que da maneira discreta e reservada que sempre lhe foi caracterstica - pelo
violo.
Na verdade, no se trata de mera suposio. Quando Trova veio luz, Brando j
havia flertado com a obra violonstica de Villa-Lobos ao transcrever para o piano os Cinco
preldios do gnio carioca, talvez numa tentativa de compartilhar com o universo
pianstico dessas verdadeiras prolas de excepcional beleza e sentido musical, que tanto
impressionaram o jovem compositor de Cambuquira, e que at hoje figuram como item
obrigatrio no repertrio de qualquer violonista no mundo que almeje ser reconhecido
como tal. Alm disso, dois anos depois da composio de Corao incerto, temos o
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registro das primeiras composies de Jos Vieira Brando originais para violo, Valsa e
Allegro, de 1963. Ambos os assuntos sero retomados em maior profundidade no segundo
captulo deste trabalho, quando trataremos especificamente da relao do compositor com oviolo e das caractersticas de sua produo original para este instrumento.
De qualquer maneira, tem para ns especial sabor a confirmao de que ecos dos
acordes da guitarra, ou do violo, como preferimos chamar no Brasil, possam ser ouvidos
nas canes com piano deste singular e refinado compositor. Principalmente quando
sabemos da importncia das canes de Jos Vieira Brando para o repertrio de cmara
brasileiro.
Para Vasco Mariz, a cano o gnero musical no qual a obra de Vieira Brando
adquire maior relevncia, chegando mesmo a representar o pice qualitativo de toda a
produo musical do mestre mineiro. A avaliao do diplomata e musiclogo baseia-se
preferencialmente na apreciao das canes compostas no segundo perodo, pois elas
resistem mais a uma anlise rigorosa e colocam o autor em posio cmoda no lied
nacional. (MARIZ, 2002, p. 157).
A opinio no compartilhada em sua totalidade por especialistas como o
compositor Ricardo Tacuchian (1995, p. 4-5), que, apesar de reservar palavras do mais alto
reconhecimento e considerao s canes de Vieira Brando, prefere destacar as
qualidades artsticas da produo para coro deste autor.
A msica coral brasileira tem em Brando um dos mais significativos
nomes de nossa histria. o encontro de dois rios caudalosos, sua alma potica
se encontrando com o aguerrido lutador da causa da educao musical. O
resultado no poderia ser outro: essas primorosas miniaturas de canto coral, to
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brasileiras quanto universais, no naturais como complexas, to delicadas quanto
enrgicas, to inspiradas quanto idiomticas. E aqui chegamos a um ponto
capital: a par do equilbrio formal e da inveno meldica, Brando um
compositor profundamente idiomtico em qualquer meio para qual escreve. A
adequao idiomtica uma das principais qualidades da obra coral de Vieira
Brando. Na verdade, ele conhece a voz to bem porque trabalhou com ela
grande parte da sua vida.
Est bem colocada por Tacuchian a questo da adequao idiomtica na obra coral
de Jos Vieira Brando. Permitamo-nos ampliar a abrangncia deste aspecto a praticamente
toda a obra musical deste compositor. Desde as peas para piano solo, logicamente, at
formaes mais complexas como o quarteto de cordas ou o quinteto de sopros. A verdade
que tudo flui com aparente naturalidade na msica de Vieira Brando, e isso
conseqncia de uma feliz conjuno de fatores, entre eles, destacadamente, a constante
preocupao do autor em compor msica que no somente seja confortvel do ponto de
vista anatmico-instrumental, mas que, alm disso, saiba tirar real proveito da linguagem
caracterstica do instrumento para o qual foi concebida. preciso conhecer as
caractersticas mecnicas de cada instrumento e suas conseqentes e evidentes limitaes, e
justamente nesse aspecto que reside a impossibilidade de ser o ato composicional algo
totalmente abstrato e exclusivamente pertencente ao mundo das idias, por mais que seja
essa, talvez, uma das mais legtimas aspiraes de boa parte dos compositores, ou seja,
compor apenas utilizando-se de processos mentais, sem a necessidade de recorrer ao
instrumento. evidente que grandes compositores compem de memria, mas isso
decorrncia de extenso conhecimento prvio acerca das caractersticas de construo e
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funcionamento dos instrumentos musicais, e, principalmente, suas limitaes quanto
execuo de determinados elementos da linguagem musical.
A adequao idiomtica, portanto, um dos principais fatores para que uma peaobtenha sucesso duradouro entre os instrumentistas. Penso logo nos estudos de Chopin para
piano ou naqueles de Villa-Lobos para violo. No somente por suas qualidades musicais
artsticas indiscutveis que essas peas tornaram-se repertrio quase que obrigatrio para
pianistas e violonistas de todo o globo, mas tambm, e talvez principalmente, por
aproveitarem-se ao mximo das potencialidades idiomticas destes instrumentos, a ponto
de servirem como um valioso material de estudo, verdadeiros guias para a compreenso da
linguagem instrumental especfica do piano e do violo, respectivamente. Queremos dizer,
com isto, que quando um estudante - ou at mesmo um pianista experiente inicia o
treinamento de aprendizado de um dos estudos de Chopin, por exemplo, o faz na
expectativa de que, passado algum tempo de trabalho, que pode levar meses, logre uma
execuo minimamente convincente, ou, pelo menos, to prxima da perfeio quanto suas
reais possibilidades de atingi-la. E que quando completa este objetivo, acaba por dar-se
conta de que, na verdade, no aprendeu somente a bem tocar a pea musical a que se
propunha, mas que o processo de estudo da mesma revelou-lhe muito mais sobre outros
aspectos do conhecimento relacionado execuo musical, como, por exemplo, questes
relativas digitao, ao fraseado, articulao, o uso ou no do pedal, enfim, diversos
elementos que esto diretamente ligados ao idioma instrumental caracterstico do piano.
Todo esse conhecimento evidentemente influenciar as futuras escolhas do intrprete,
dando-lhe alicerce e experincia para aprender novas peas e enriquecer seu repertrio. E o
aprendizado de novas msicas trar-lhe- mais conhecimentos, num crculo hermenutico,
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cujo resultado a construo gradual daquilo que concebemos como tcnica instrumental,
um conceito bem amplo, que pouco tem a ver com o repertrio de exerccios que
freqentemente est associado a ele.Retomaremos a questo da adequao idiomtica no prximo captulo, quando
abordaremos, entre outros temas, a viabilidade instrumental das peas para violo de Jos
Vieira Brando. Continuemos, ento, com a apreciao crtica de sua obra musical.
Declaradas as preferncias de Mariz, pela cano, e de Tacuchian, pela msica
coral, importante salientar a alta qualidade das obras camersticas de Vieira Brando.
Parece ter sido mesmo na msica de cmara que Brando pde exercer sua tcnica com
mais liberdade, fazendo-a corresponder mais a contento aos anseios de seu pensamento
musical. o ambiente propcio para o desenvolvimento de idias musicais mais abstratas,
alm de representar um convite para o uso de recursos emprestados do neoclassicismo, que
o autor sempre gostara de traduzir para um idioma pessoal. A msica de cmara certamente
representa um dos pontos mais altos da obra criativa de Jos Vieira Brando.
Desde as primeiras composies neste gnero - as j citadas Canto Sertanejo e
Romance, para duo de violino e piano - at a ltima delas, infelizmente inacabada,
Nazaretiando, escrita para octeto de violes e dedicada Camerata de Violes do
Conservatrio Brasileiro de Msica, percebe-se claramente o rpido amadurecimento da
escrita de Vieira Brando, bem como o desenvolvimento de sua elegante tcnica de
composio.
Destacamos os dois quartetos de cordas, bem sucedidos em sua sonoridade, a
Sonata para violoncelo e piano, de efeito sonoro verdadeiramente impactante, as obras
para violino e piano, entre elas, uma sonata e um duo intitulado Dana e Seresta, o
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Divertimento, para quinteto de sopros, to rico em beleza e substncia, o Trio para
violino, violoncelo e piano, o Choro Carioca, entre outras obras que completam esta
inspirada vertente da produo musical de Vieira Brando.A respeito do Trio para violino, violoncelo e piano, pedimos ateno para a ltima
frase do trecho seguinte, extrado de matria jornalstica publicada no dia dezenove de
setembro de 1973 no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, de autoria do importante crtico
musical Renzo Massarani (1973):
Jos Vieira Brando (1911) continua jovem, sorridente, sempre
atarefado e cheio de vivacidade. No ocupa na opinio pblica o lugar que o
exibicionismo deu a numerosos de seus colegas, mas produz incansavelmente e
com autntico valor. Sua arte foi consagrada sexta-feira, na sala do DER, numa
apresentao que contou com a cantora Maria Ftima Alegria, o timo trio Daisy
de Luca, Alberto Jaff e Mrcio Malard, e o coral Harmonia, sob regncia de
Solange Pinto Mendona. [...] Bastaria a beleza do primeiro movimento do Trio
to bem executado sexta-feira, para confirmar as virtudes deste compositor.
O leitor atento ter apreendido deste texto muito mais que o merecido elogio de
Massarani s qualidades estticas do Trio de Vieira Brando. Caractersticas importantes
da personalidade humana do maestro acabam transparecendo no texto de Massarani. Entre
elas, a humildade e ausncia de vaidade pessoal aspectos j bastante comentados no nosso
trabalho -, o altrusmo sincero, sempre colocando em segundo plano seus interesses
pessoais em funo daquilo que considerava ser a sua misso. Para Brando, muito mais
importante era o exerccio disciplinado em busca do constante aprimoramento de seu
ofcio, do que a fama e o reconhecimento que, por ventura, pudessem advir como
conseqncia. Massarani aponta ainda a vivacidade do maestro mineiro como uma de suas
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mais marcantes caractersticas, e que pode muito bem ser traduzida pela sua inesgotvel
alegria de viver, e por um otimismo que sempre contagiou a todos aqueles incluindo o
autor destas linhas - que tiveram o privilgio de compartilhar do convvio com estaexcepcional criatura.
No decorrer de nossa pesquisa, encontramos, nos arquivos do Conservatrio
Brasileiro de Msica, no Rio de Janeiro, um raro documento textual contendo sete pginas
datilografadas, cujo ttulo aparece como Notas explicativas sobre o CD/1995 intitulado A
Obra de Jos Vieira Brando. Trata-se de texto de autoria de Vieira Brando sobre as
composies que foram lanadas em CD produzido e lanado pelo Conservatrio Brasileiro
de Msica. O texto, no entanto, no foi publicado no encarte do CD, como deveria ser, a
princpio, o seu destino. Talvez o estilo literrio um tanto quanto prolixo de Brando tenha
sido responsvel por esta excluso. Mas, de qualquer maneira, a descoberta de palavras no
publicadas do compositor sobre sua prpria msica tem, para ns, especial valor e, desta
forma, no poderamos deix-las adormecendo na gaveta onde a funcionria Ivanilda
Ladeira Bezerra as encontrou, atendendo gentilmente ao nosso pedido de acesso a tudo que
pudesse estar relacionado ao prof. Jos Vieira Brando. Examinemos o que tem ele a dizer
sobre Dana e Seresta, para violino e piano, faixa gravada no mencionado CD pelo
violinista Daniel Guedes e pela pianista Maria Teresa Madeira:
A pea foi dedicada a Henrik Szering como reminiscncia doconvvio artstico que mantive com esse extraordinrio violinista,
ensaiando o repertrio dele em 1939 [quando esteve] exilado no Brasil
aps a invaso de sua ptria natal, a Polnia, pelo exrcito alemo.
A construo formal ABA da obra teve como coordenadas a
oposio [grifo do autor] dos ritmos derivados de danas nordestinas
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com o lnguido, sinuoso e envolvente motivo seresteiro, oferecendo aos
intrpretes a oportunidade de utilizarem plenamente sua virtuosidade.
(BRANDO, 1995, f. 5)
Sobre o Quarteto n.1, para cordas, obra de excepcional beleza e notvel feitura, h
interessantssima apreciao de Jos Maria Neves (1998, p. 8) no encarte do CD Vieira
Brando, lanado pela Rdio MEC. Reproduziremos agora parte deste texto,
principalmente pelo fato de no ter sido ele publicado em nenhum dos livros do musiclogo
mineiro.
Composto em 1944, este Quarteto foi gravado em 1959 pelo
Quarteto de Cordas da Rdio MEC. Esta obra revela, com clareza, a tcnica
composicional e o estilo do compositor Jos Vieira Brando, em trs de seus
aspectos fundamentais: de um lado, a preciso da escrita do compositor,
cuidadoso em todos os detalhes da construo da pea, mas sem perder jamais e
espontaneidade; de outro, o gosto pela esttica do neoclassicismo, que o faz
adotar princpios composicionais como o desenvolvimento imitativo que por
si mesmos asseguram a unidade das obras e o equilbrio entre suas partes; efinalmente o compromisso implcito com a esttica nacionalista, que talvez
responda ao que Mario de Andrade situaria na chamada fase da inconscincia
nacional, por buscar a essncia da expresso musical de seu povo, sem
necessidade de citao de temas do populrio.
As palavras de Jos Maria Neves praticamente reafirmam alguns dos principais
aspectos analisados em nosso trabalho sobre a relevante e bela obra musical de Vieira
Brando, um compositor cujos mritos o Brasil ainda precisa conhecer e aprender a
admirar.
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Um importante reconhecimento do valor da composio de Vieira Brando veio em
1996, quando ele dividiu com Osvaldo Lacerda o Prmio FUNARTEde melhor compositor
do ano. Em 2001, ele recebeu ainda o Prmio VivaMsica! pelo conjunto de sua obra. Umaderradeira honraria - e talvez a mais importante - foi concedida pelo Estado do Rio de
Janeiro com o prmio Golfinho de Ouro.
Devemos acrescentar que Brando autor de uma pera em trs atos, Mscaras,
composta sobre o poema As Mscaras, de Menotti del Picchia, provavelmente a partitura
mais ambiciosa do mestre mineiro, cujos 120 minutos de msica, concludos em 1958,
permanecem inditos - escandalosamente - at os dias de hoje.
Por fim, importante mencionar que a produo musical de Jos Vieira Brando
ser ainda objeto de estudo do prximo trabalho do historiador Jos DAssuno Barros,
que h alguns anos tem se dedicado a traar um abrangente e aprofundado panorama
histrico da msica no Brasil. O primeiro livro da srie O Brasil e sua Msica intitula-se
Razes do Brasil Musical e trata de identificar e analisar a presena de elementos musicais
oriundos das culturas indgena, africana e europia na msica brasileira, alm de registrar
os primeiros movimentos de formao de uma tradio musical erudita no Brasil. O
segundo livro dividido em dois volumes e abrange o perodo histrico das seis primeiras
dcadas do sculo XX. O livro que nos interessa em particular encontra-se, no momento,
em fase de preparao e, segundo informaes do autor, sem data prevista para ser
concludo e publicado. Mas trata-se do estudo da msica erudita no Brasil a partir dos anos
cinqenta do sculo passado. A julgar-se pela alta qualidade dos livros at agora publicados
por Jos DAssuno Barros, podemos confessar com naturalidade que aguardamos com
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ansiedade a concluso - e conseqente publicao - deste trabalho. Especialmente quando o
autor promete dedicar alguns pargrafos obra musical de Jos Vieira Brando.
Ser preciso falar tambm em compositores que no entraram
nesta segunda parte, apesar de no serem to recentes do ponto de vista
de seus nascimentos. O critrio que empregamos foi o de abordar
apenas os compositores que comearam a produzir uma parte mais
significativa de suas obras antes dos anos cinqenta. Ficaram de fora
compositores como Jos Vieira Brando (1911-2002) ou Mrio Tavares
(1928-2003), consoante o critrio de que apenas a partir da dcada de
50 que eles comeam a escrever a parte realmente significativa de sua
obra musical. [...] Mas eles sero estudados sistematicamente noprximo volume, que encerra a parte deste trabalho dedicada Msica
Erudita no Brasil. (BARROS, 2004, p. 526)
1.3 O regente e educador musical
Optamos por relacionar as atividades de Brando como regente coral e educador
musical, por constatarmos que elas esto intrinsecamente associadas, em sua carreira, mas
tambm, para dar maior objetividade ao nosso texto e faz-lo fluir em direo ao segundo
captulo, onde se concentra a parte mais importante deste trabalho. Sentimo-nos vontade
para tomar esta deciso por j estarem disponveis pesquisa um razovel montante de
informaes acerca do canto orfenico, inclusive com referncias participao de
Brando neste processo.
Foi atravs de Villa-Lobos que surgiu o interesse de Vieira Brando pela educao
musical. Talvez no por vontade prpria, mas para suprir a demanda urgente na formao
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de professores de msica, multiplicadores das aes propostas no ambicioso projeto
idealizado por Villa-Lobos, e que foi aprovado e implementado em mbito nacional sob a
chancela do governo Vargas, a partir de 1932, atravs da criao do Servio de Msica eCanto Orfenico.
No entraremos nos aspectos polticos da relao entre Villa-Lobos e Getlio
Vargas por no ser nosso principal escopo, alm de se tratar de assunto extensamente
discutido. O que nos interessa, particularmente, que Vieira Brando tenha sido um dos
principais colaboradores de Villa-Lobos neste processo, tendo participado ativamente de
todas as etapas - da elaborao execuo