por tras da objetividade

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Por Trás da Objetividade: Um Estudo Filosófico da Verdade Jornalística Pedro SANTOS RESUMO Com base na obra de Friedrich Nietzsche e Michel Foucault, procuramos neste trabalho compreender os fundamentos da verdade que sustenta o fato jornalistico. Em oposição ao jornalismo contemporâneo, que se fundamenta no positivismo de Auguste Comte e entende a verdade como a priori, a corrente sócio-histórica de Nietzsche e Foucault reconhece a verdade como uma construção das interações sociais e jogos de poder. Assim, após uma apresentação da relação do jornalismo com a corrente comteana, analisamos os efeitos do jornalismo moderno e sua principal premissa, a objetividade, tendo como escopo teórico as obras de Nietzsche e Foucault. Sustentado por essas análises, o presente trabalho se permite desenhar a proposta de um novo caminho que promove o reencontro do fazer jornalismo com suas funções sociais. Palavras-chave: Friedrich Nietzsche; Jornalismo; Michel Foucault; Objetividade; Verdade. INTRODUÇÃO “O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos” (FENAJ, 2007). É assim que o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em seu artigo 4°, deixa clara a ligação direta entre o fazer jornalístico e a verdade. Figura constante no debate científico sobre o jornalismo, a verdade serve não somente como elemento base para a construção de qualquer código deontológico da área, mas também como pilar das teses que buscam ratificar a importância do jornalismo para a sociedade. E justamente por ocupar tal posição, o ideal de verdade no jornalismo é constante alvo de críticas, sobretudo na impossibilidade de o jornalismo refletir a verdade de forma objetiva e imparcial. Entretanto, em nenhuma dessas críticas encontramos um posicionamento mais aprofundado sobre a constituição dessa verdade. Em busca de tal resposta para o que seria a verdade no jornalismo voltamos nossos olhos para a tradição filosófica ocidental, em especial da epistemologia, onde notamos dois modos de conceituar a verdade que entendemos estarem profundamente ligadas ao fazer jornalismo. A primeira, que identificamos com a ideia de verdade correspondente ao jornalismo

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Artigo de filosofia do jornalismo. Nietzsche, Foucault e a verdade no jornalismo

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  • Por Trs da Objetividade: Um Estudo Filosfico da Verdade Jornalstica

    Pedro SANTOS

    RESUMO

    Com base na obra de Friedrich Nietzsche e Michel Foucault, procuramos neste trabalho

    compreender os fundamentos da verdade que sustenta o fato jornalistico. Em oposio ao

    jornalismo contemporneo, que se fundamenta no positivismo de Auguste Comte e entende a

    verdade como a priori, a corrente scio-histrica de Nietzsche e Foucault reconhece a

    verdade como uma construo das interaes sociais e jogos de poder. Assim, aps uma

    apresentao da relao do jornalismo com a corrente comteana, analisamos os efeitos do

    jornalismo moderno e sua principal premissa, a objetividade, tendo como escopo terico as

    obras de Nietzsche e Foucault. Sustentado por essas anlises, o presente trabalho se permite

    desenhar a proposta de um novo caminho que promove o reencontro do fazer jornalismo com

    suas funes sociais.

    Palavras-chave: Friedrich Nietzsche; Jornalismo; Michel Foucault; Objetividade; Verdade.

    INTRODUO

    O compromisso fundamental do jornalista com a verdade no relato dos fatos

    (FENAJ, 2007). assim que o Cdigo de tica dos Jornalistas Brasileiros, em seu artigo 4,

    deixa clara a ligao direta entre o fazer jornalstico e a verdade. Figura constante no debate

    cientfico sobre o jornalismo, a verdade serve no somente como elemento base para a

    construo de qualquer cdigo deontolgico da rea, mas tambm como pilar das teses que

    buscam ratificar a importncia do jornalismo para a sociedade.

    E justamente por ocupar tal posio, o ideal de verdade no jornalismo constante alvo

    de crticas, sobretudo na impossibilidade de o jornalismo refletir a verdade de forma objetiva

    e imparcial. Entretanto, em nenhuma dessas crticas encontramos um posicionamento mais

    aprofundado sobre a constituio dessa verdade.

    Em busca de tal resposta para o que seria a verdade no jornalismo voltamos nossos

    olhos para a tradio filosfica ocidental, em especial da epistemologia, onde notamos dois

    modos de conceituar a verdade que entendemos estarem profundamente ligadas ao fazer

    jornalismo.

    A primeira, que identificamos com a ideia de verdade correspondente ao jornalismo

  • contemporneo, est ligada ao pensamento de Auguste Comte. O filsofo francs

    considerado o pai do positivismo filosfico e teve seu pensamento projetado em todo mundo

    na segunda metade do sculo XIX, influenciando, desta maneira, diversas cincias e campos

    do saber que se consolidavam no mesmo perodo, entre os quais estava o jornalismo. Para

    Comte, a verdade algo dado, que conhecida atravs da pesquisa imparcial e objetiva do

    mundo emprico.

    Em oposio ao conceito, temos outra corrente filosfica ancorada no pensamento do

    filsofo alemo Friedrich Nietzsche e no francs Michel Foucault que defende a ideia de que

    a verdade uma construo scio-histrica, determinada no por uma estrutura que pr-vm

    ao mundo, mas por um constante jogo de poder e dominao, que molda constantemente o

    que o grupo social entendem por verdadeiro ou falso.

    ao adotar essa segunda corrente filosfica como parmetro de base para o estudo do

    jornalismo contemporneo que comeamos a encontrar resultados contraditrios entre a

    deontologia do jornalismo e seus efeitos sobre a sociedade na qual est inserido, causados

    principalmente pelo princpio da objetividade jornalstica. Isto , o jornalista, ao se dedicar a

    retratar a verdade tal como ele (objetividade) apresenta a verdade construda pelos grupos

    dominantes (corrente scio-histrica), comprometendo uma das funes bsicas do

    jornalismo: ser instrumento de proteo da sociedade dos abusos dos governantes e das

    instituies e de transformao desta mesma sociedade.

    Na busca de permitir aos leitores uma compreenso mais ampla desses movimentos

    por ns impetrados no argumento acima, dividimos nosso trabalho em quatro etapas, sendo

    trs de desenvolvimento e uma, final, em que apontamos uma possvel sada para esse entrave

    do jornalismo contemporneo, priorizando a manuteno de suas funes sociais. Ao longo

    dos captulos nos quais tecemos uma crtica ao fazer jornalstico contemporneo (Assim

    falava o jornalista e Microfsica do jornalismo) buscamos ir alm das conjecturas

    filosficas, aproximando as concluses e apontamentos de exemplos retirados do prprio

    jornalismo.

    METODOLOGIA

    Como um estudo filosfico do jornalismo, nossa pesquisa toma os princpios

    metodolgicos da filosofia que, como destacam Folscheid e Wunenburger (2006), no existe

    de forma independente e externa ao ato de filosofar, como um conjunto de tcnicas a serem

    aplicadas, mas surgem de modo inerente lgica e exigncias da pesquisa. Por isso a prtica

    da filosofia , antes de mais nada, inseparvel de uma freqentao de textos que devemos

  • aprender a ler, a explicar e a comentar (FOLSCHEID e WUNENBURGER, 2006, XI).

    Deste modo, um primeiro momento da nossa pesquisa consistiu na leitura das obras

    filosficas de Comte, Nietzsche e Foucault e de livros e artigos que trabalhem a questo da

    verdade e de sua relao com o jornalismo. Em seguida, passamos para a anlise e

    comparao dos conceitos-chaves da pesquisa, que serviu de base para a redao da

    monografia.

    DISCURSO SOBRE O JORNALISMO POSITIVO

    Desde a inveno da mquina tipogrfica no sculo XV, a histria do jornalismo

    sofreu poucas mudanas significativas em seus conceitos e propostas. A principal delas

    aconteceu no sculo XIX, estimulada pelo desenvolvimento do capitalismo, pela consolidao

    da democracia e da imprensa como indstria passiva de lucro, promoveu uma reformulao

    dos propsitos e conceitos do jornalismo, transformando-o no que conhecemos hoje como

    meios de comunicao de massa.

    A principal mudana que surgiu nesse perodo foi a separao entre informao e

    opinio, com os jornais se baseando, sobretudo, na informao, com a expectativa de no

    ofender o pblico heterogneo que ele visava. Mais liberto do paradigma dos jornais como

    armas polticas, com a penny press, houve uma maior diversidade de informao. Devido ao

    objetivo de querer mais leitores, houve a necessidade de obter uma melhor utilizao

    econmica do espao do jornal, ainda muito limitado (TRAQUINA, 2005, p. 55).

    Com essa nova proposta de jornalismo, o modo de produzir as notcias tambm sofreu

    uma grande reformulao. Acompanhado do pensamento reinante do positivismo, o

    jornalismo assume para si o valor de espelho do mundo, trazendo a ideia de que apresentava

    em suas pginas a realidade tal como ela . E nesta busca de se tornar o reflexo do mundo, o

    jornalismo assumiu um conceito fundamental no seu desenvolvimento contemporneo: a

    objetividade.

    Como nos conta Barros Filho (1995), o conceito de objetividade dividiu as opinies

    dos tericos e pensadores do jornalismo moderno, com grupos defendendo sua prtica e

    outros a criticando, alertando sobre a impossibilidade de que a objetividade seja alcanada ou

    pelo fato dela ser prejudicial ao jornalismo. Todavia, seja entre os defensores ou os crticos da

    objetividade jornalstica, o paradigma da verdade permanece intacto.

    Mas, afinal, o que seria essa informao verdadeira que os jornalistas tanto buscam? O

    que essa verdade na qual se baseia a produo jornalstica?

    Sem uma clara definio da origem e fundamento da verdade no jornalismo, as

  • respostas dadas s outras questes proeminentes do jornalismo contemporneo, como sua

    funo social, sua deontologia e a profissionalizao da categoria, tendem a ser construdas

    em um terreno sem fundamentos,.

    Por isso, propomos-nos a sair da superfcie do debate sobre a objetividade e

    aprofundarmos at a ncora da verdade, buscando um terreno mais firme da verdade, no qual

    o jornalismo pode se ancorar mais firmemente.

    *****

    Fundada pelo filsofo francs Auguste Comte na primeira metade do sculo XIX, o

    positivismo filosfico atingiu seu auge nos ltimos anos do mesmo sculo, se enveredando

    pelas mais diversas esferas do mundo ocidental moderno, incluindo o jornalismo, que se

    consolidava como veculo de comunicao de massas. No positivismo, Comte prope uma

    sociologia que tivesse como princpio nico o emprico e que alcanasse resultados to

    incontestveis quanto os das cincias exatas, fugindo, assim, das explicaes metafsicas dos

    fenmenos sociais. Nessa busca pelo fato social em si, o positivismo se distancia de tudo o

    que criado pelo homem, como os juzos de valor, que no jornalismo se reflete na separao

    do fato da opinio.

    Surge, assim, com o positivismo, a distino entre o fato e o juzo de

    valor, entre o real e a valorao humana do real e entre o

    acontecimento a ser estudado e a opinio. Essa distino representou

    um divisor de guas em outras cincias humanas como o direito, a

    sociologia, a histria, a tica e, conseqentemente, o jornalismo.

    Deriva da a distino que hoje fazemos entre jornalismo opinativo e

    informativo. (BARROS FILHO, 1995, p. 22).

    E no foi somente na distino entre fato e opinio que o positivismo contribuiu para

    o jornalismo. Ao tornar a sociedade um objeto cientfico, o positivismo trouxe os mtodos das

    cincias exatas para o universo das relaes humanas. E o princpio bsico desses mtodos a

    observao neutra e imparcial da realidade.

  • Ela (a nossa inteligncia) reconhece de ora em diante, como regra

    fundamental, que toda proposio que no estritamente redutvel

    simples enunciao de um fato, particular ou geral, no nos pode

    oferecer nenhum sentido real e inteligvel. [...] A pura imaginao

    perde ento de modo irrevogvel a sua antiga supremacia mental e

    subordina-se necessariamente observao, de maneira a constituir

    um estado lgico plenamente normal [] (COMTE, 2002).

    Alm do pensamento positivista, a consolidao da objetividade jornalstica no fim do

    sculo XIX tambm esteve ligada a fatores econmicos e tecnolgicos.

    Com a expanso do jornalismo e o crescimento da publicidade gerado pelo

    desenvolvimento da sociedade industrial ao longo do sculo, o jornal se estabeleceu como

    uma empresa capitalista, capaz de gerar lucros com a comercializao do produto informao,

    o que passa pelo aumento das vendas. Na busca pelo aumento das tiragens, os jornais se

    depararam com a necessidade de atender um pblico mais heterogneo, ou seja, que no

    pertencia mais a uma elite, nem compartilhava de um nico ideal poltico. Dessas mudanas

    veio uma nova forma de fazer jornalismo, o penny press, que deixava para trs a funo de

    ferramenta de propaganda poltico-ideolgica, que caracterizava o jornalismo at ento, para

    assumir o papel de fontes informaes.

    As novas formas de financiamento da imprensa, as receitas da

    publicidade e dos crescentes rendimentos das vendas dos jornais,

    permitiram a despolitizao da imprensa, passo fundamental na

    instalao do novo paradigma do jornalismo: o jornalismo como

    informao e no como propaganda, isto , um jornalismo que

    privilegia os fatos e no a opinio. (TRAQUINA, 2005, p. 36).

    Ao lado do aparato comercial e filosfico, o ideal de objetividade jornalstica tambm

    obtinha suporte e referncia do desenvolvimento tecnolgico da segunda metade do sculo

    XIX. A ampliao da rede telegrfica, que uniu o mundo at a dcada de 1870, fortaleceu as

    agncias de notcia que se propunham a oferecer s os fatos, sem descontentar leitores e

    anunciantes (efetivos e potenciais) de cores ideolgicas e inclinaes partidrias distintas

    (BARROS FILHO, 1995, p. 24-25).

    O novo paradigma da objetividade, combinado com as novas tcnicas de redao e

    estilo, criou a imagem do jornalismo como reflexo da realidade e levou o jornalista a uma

  • categoria prxima do cientista. Nas palavras de Traquina (2005, p. 52): A caa hbil dos

    fatos dava ao reprter a categoria comparvel do cientista, do explorador e do historiador.

    Neste mesmo perodo em que ganha sua estrutura contempornea, o jornalismo

    assume um papel de parte fundamental na sociedade. Exemplificando essa mudana de

    perspectiva da imprensa, Traquina (2005, p. 49) cita o filsofo James Mills, que via no jornal

    um instrumento de reforma da sociedade e o ex-presidente dos Estados Unidos, Thomas

    Jefferson, que afirmava ser a liberdade de impressa parte integrante da democracia. O

    pesquisador portugus segue afirmando que:

    [] a teoria democrtica apontava para que o jornalismo cumprisse

    um duplo papel: 1) com a liberdade 'negativa', vigiar o poder poltico e

    proteger os cidados dos eventuais abusos dos governantes; 2) com a

    liberdade 'positiva', fornecer aos cidados as informaes necessrias

    para o desempenho das suas responsabilidades cvicas, tornando

    central o conceito de servio pblico como parte da identidade

    jornalstica. (TRAQUINA, 2005, p. 50).

    Passados mais de um sculo desde seu desenvolvimento, esse paradigma do

    jornalismo informativo, com seus conceitos de objetividade, neutralidade, imparcialidade,

    entre outros, continua em voga no mundo contemporneo, como pode ser comprovado em

    manuais de redao e estilo de grandes jornais, como no manual de O Estado de S. Paulo,

    onde a sesso de Instrues Gerais comea orientando o jornalista para ser claro, preciso,

    direto, objetivo e conciso (MARTINS FILHO, 1997, p. 15, grifo do autor), na vigsima

    instruo, o manual ordena que se faa textos imparciais e objetivos. No exponha opinies,

    mas fatos, para que o leitor tire deles as prprias concluses (Ibidem, p. 17, grifo do autor).

    Mesmo aparecendo juntas em manuais e teorias, Abramo (2003, p. 39, grifo do autor)

    aponta que a objetividade pertence a uma categoria diferente dos conceitos de neutralidade e a

    imparcialidade: O conceito de objetividade, porm, situa-se em outro campo, que no o da

    ao: o campo do conhecimento. A objetividade uma categoria gnosiolgica,

    epistemolgica, mais que deontolgica ou ontolgica, ou seja, a objetividade se constri na

    relao do jornalista/observador com o fato ou fonte observado, podendo ela se dar em maior

    ou menor grau, mas nunca de forma absoluta.

    Essa posio de Abramo ratificada no manual da Folha de S. Paulo, que no verbete

    objetividade afirma que no existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto,

    redigir um texto, edit-lo, o jornalista toma decises em larga medida subjetivas,

  • influenciadas por posies pessoais, hbitos e emoes (VRIOS, 2010, p. 46). E segue:

    Isso no exime, porm, da obrigao de ser o mais objetivo possvel. Para relatar um fato

    com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstncias e as repercusses, o jornalista precisa

    encarar o fato com distanciamento e frieza (ibidem, p. 46-47).

    Deste modo, importante destacar que, mesmo sendo alvo de crticas, a objetividade

    nunca deixou de ser um ideal deste modo de fazer jornalismo contemporneo e traz consigo

    um paradigma de verdade que cresceu sobre o pensamento socrtico-judaco, em que a

    verdade algo que est alm do mundo fsico que o homem pode, ao menos, vislumbrar.

    ASSIM FALAVA O JORNALISTA

    Uma das questes fundamentais que Friedrich Nietzsche colocou em toda sua obra foi

    sobre o interesse do homem pela verdade, que o filsofo alemo v como uma fuga dos

    sofrimentos existenciais:

    Para Nietzsche, um indivduo fraco aquele incapaz de suportar o

    sofrimento da existncia, necessitando de algo que pode ser uma

    verdade, ideal, crena ou outra autoridade em que possa se

    apropriar para continuar vivendo, algo que lhe d uma justificativa

    para seu sofrimento e um sentido para a existncia. (VILAS BAS,

    2009, p. 78).

    E o pai dessa vontade de verdade, para Nietzsche, o filsofo ateniense Scrates,

    responsvel por fazer da verdade algo bom em si e que deveria ser buscada por todas as

    pessoas. Tendo a razo como ferramenta de busca pela verdade, Scrates d os primeiros

    passos em direo justificativa racional do que acontece no universo. A queda de uma maa

    ou o agir do homem seriam comandados por uma verdade que estaria fora desse mundo

    material e que s poderia ser alcanada saindo dele atravs da razo.

    Caracterizado por esse movimento de dar uma vida nova, a vontade de verdade est

    pautada pela busca pelo que lhe til para manter a vida, dando ordem ao caos da existncia.

    Porm, esse movimento de fuga do caos do mundo material, deve vir, necessariamente, de

    fora desse mundo, como explica o prprio Nietzsche mostrando como pensa o metafsico1:

    1 Devemos destacar que os metafsicos aos quais Nietzsche se refere so distintos dos metafsicos de Comte. Parao filsofo francs, metafsica um estgio de transio entre as explicaes teolgicas e o positivismo. J paraNietzsche, metafsica a busca por verdades universais, grupo no qual se inclua Comte.

  • Como poderia algo nascer do seu oposto? Por exemplo, a verdade do

    erro? Ou a vontade de verdade da vontade de engano? [...] as coisas de

    valor mais elevado devem ter uma origem outra, prpria no podem

    derivar desse fugaz, enganador, sedutor, mesquinho mundo, desse

    turbilho de insnia e cobia! Devem vir do seio do ser, do

    intransitrio, do deus oculto, da coisa em si nisso, e em nada mais,

    deve estar sua causa Este modo de julgar constitui o tpico

    preconceito pelo qual podem ser reconhecidos os metafsicos de todos

    os tempos [...] (2005, p. 9-10).

    J no escrito intitulado Sobre a verdade e a mentira, Nietzsche apresenta outro vis

    que tambm marca essa fuga metafsica. Para ele, a verdade se consolida pela necessidade do

    homem em encontrar uma unidade que retire os indivduos de um estado de guerra de todos

    contra todos, para coloc-los em uma vida de paz e em rebanho, em um deslocamento

    realizado justamente pelo intelecto, que se sobrepe ao lado intuitivo, voltado para as

    aparncias, para encontrar designaes universalmente vlidas que so transformadas em leis

    da verdade.

    Nesse processo de pacificao, o grupo social (tambm designado de rebanho)

    comea a construir suas verdades, isto , descobre-se uma designao uniformemente vlida

    e impositiva das coisas, sendo que a legislao da linguagem fornece tambm as primeiras leis

    da verdade (NIETZSCHE, 2008, p. 29). A linguagem, para o filsofo alemo, forjada

    arbitrariamente com base na relao dos homens com as coisas, sem referncia ao objeto

    sensvel. A coisa em si (ela seria precisamente a pura verdade sem quaisquer

    consequncias) tambm , para o formador da linguagem, algo totalmente inapreensvel [...].

    Ele designa apenas as relaes das coisas com os homens e, para express-las, serve-se da

    ajuda das mais ousadas metforas (NIETZSCHE, 2008, p. 31).

    Mas, como essas escolhas arbitrrias ganham o valor metafsico de verdade? O prprio

    Nietzsche responde:

    O que a verdade, portanto? Um exrcito mvel de metforas,

    metonmias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relaes

    humanas que foram realadas potica e retoricamente, transpostas e

    adornadas, e que, aps uma longo utilizao, parecem a um povo

    consolidadas, cannicas e obrigatrias. (2008, p. 36).

  • Ao definir a verdade como um exrcito mvel de metforas, Nietzsche ressalta dois

    pontos importantes de seu pensamento. O primeiro est ligado fora, representado pelo

    exrcito, dos valores e do poder que impregna a verdade. Outro aspecto a ser destacado a

    mobilidade dos conceitos, j que sendo eles originados de uma construo do sujeito a partir

    de sua relao com o objeto, o conceito pode ser reformulado dentro da histria de um povo,

    como fizeram os judeus:

    Os judeus realizaram esse milagre da inverso dos valores, graas ao

    qual a vida na Terra adquiriu um novo e perigoso atrativo por alguns

    milnios os seus profetas fundiram rico, ateu, mau, violento

    e sensual numa s definio, e pela primeira vez deram cunho

    vergonhoso palavra mundo. (NIETZSCHE, 2005, p. 83).

    Desta forma, Nietzsche conclui que a verdade no vai alm de um mentir socialmente,

    conforme uma conveno, da qual o homem se mantm fiel pela necessidade que possui de

    viver em sociedade. Em oposio aos efeitos benficos da verdade, a mentira nasce do abuso

    nocivo dessas convenes.

    Ele [o mentiroso] abusa das convenes consolidadas por meio de

    trocas arbitrrias ou inverses dos nomes, inclusive. Se faz isso de

    uma maneira individualista e ainda por cima nociva, ento a sociedade

    no confiar mais nele e, com isso, tratar de exclu-lo. Nisso, os

    homens no evitam tanto ser ludibriados quanto lesados pelo engano.

    Mesmo nesse nvel, o que eles odeiam fundamentalmente no o

    engano, mas as consequncias ruins, hostis, de certos gneros de

    enganos. Num sentido semelhantemente limitado, o homem tambm

    quer apenas a verdade. Ele quer as consequncias agradveis da

    verdade, que conservam a vida; frente ao puro conhecimento sem

    consequncias ele indiferente, frente s verdades possivelmente

    prejudiciais e destruidoras ele se indispe com hostilidade, inclusive.

    (NIETZSCHE, 2008, p. 29-30).

    Deste modo, falar a verdade passa a ser um elemento fundamental para a preservao

    da vida e do indivduo dentro do grupo social. Falar e agir verdadeiramente transforma-se em

    falar e agir com retido em um caminho que leva ao bem em si e ao justo em si, em

  • outras palavras, a verdade converte-se em moral. A verdade seria a fachada por trs da qual a

    inteno moral se traveste de conhecimento, aproveitando-se do maior valor concedido

    verdade, para tornar-se inatacvel (CAMARGO, 2008, p. 102).

    Em Alm do bem e do mal, Nietzsche d um novo passo para a compreenso da

    verdade, questionando-se sobre o valor dessa vontade ou o por que o homem decidiu

    encontrar a verdade no lugar de investir suas energias na busca pela inverdade? A resposta

    para essa indagao vem no segundo pargrafo da obra, quando o filsofo aponta a crena dos

    metafsicos na dualidade do mundo, na oposio de valores, o ponto de partida para aquilo

    que ser batizado de verdade. Isto permite a Nietzsche afirmar que:

    De fato, para explicar como surgiram as mais remotas afirmaes

    metafsicas de um filsofo bom (e sbio) se perguntar antes de tudo:

    a que moral isto (ele) quer chegar? Portanto no creio que um

    impulso ao conhecimento seja o pai da filosofia, mas sim que um

    outro impulso, nesse ponto e em outros, tenha se utilizado do

    conhecimento (e do desconhecimento!) como um simples instrumento.

    (2005, p. 12-13).

    Diferente da compreenso contempornea de moral, o termo tem um conceito mais

    amplo para Nietzsche. Segundo Paulo Csar Lima de Souza, em nota de sua traduo de

    Alm do bem e do mal (ibidem, p. 214), a moral no sentido nietzschiano envolve os

    sentimentos, pensamentos e atos dos homens. Logo, ao afirmar que necessrio perguntar

    para o filsofo qual moral ele quer chegar com sua verdade, Nietzsche mostra que por traz

    de cada verdade se esconde o desejo de afirmao ou justificativa de seu autor.

    Migrando da filosofia para o jornalismo, possvel exemplificar essa afirmao dentro

    da prtica do jornalismo. Em dezembro de 2012, voltou ao noticirio nacional, em especial da

    Rede Globo, a querela jurdica entre o grupo de comunicao argentino Clarn e o governo

    Cristina Kirchner sobre a Lei de Meios. Tendo como ponto central da lei o controle das

    licenas de rdio e televiso, visando a reduo dos conglomerados de mdia, o Clarn seria o

    maior prejudicado, j que detm cinco rdios AM/FM, uma rdio online, uma operadora de

    TV a cabo, cinco canais a cabo, nove canais abertos, sem contar os jornais e revistas, editora,

    entre outros (ENTENDA, 2012). Tal poderio miditico s encontraria paralelo no Brasil com

    as Organizaes Globo, que controlam 340 veculos de imprensa no pas, segundo o site

    Donos da Mdia (GLOBO, 2013).

    Assim, coerente pensar que a verdade apresentada pelos veculos da Rede Globo

  • sobre o suposto abuso do governo argentino sobre o Clarn, esconde uma justificativa para si

    prpria, enquanto conglomerado de mdia, no caso da possibilidade de um projeto de lei

    similar no Brasil.

    Deste modo, nada impessoal para o filsofo ou para o jornalista. A sua moral

    (vinculada ao instinto de sobrevivncia) determina o que se designa como verdade, imparcial,

    objetivo e relevante na construo da notcia. O jornalista, como os estoicos, diria Nietzsche,

    acreditam ser como a natureza enquanto, na realidade, vivem conforme a sua natureza:

    Na verdade, a questo bem outra: enquanto pretendem ler

    embevecidos o cnon de sua lei na natureza, (...) Seu orgulho quer

    prescrever e incorporar natureza, at natureza, a sua moral, o seu

    ideal, vocs exigem que ela seja natureza conforme a Stoa, e

    gostariam que toda existncia existisse apenas segundo sua prpria

    imagem. (Ibidem, p. 14).

    Tal qual o estoico, o jornalista tambm v a natureza (fato noticioso) segundo sua

    prpria imagem. Isto , acreditando no ideal e no poder da objetividade, o jornalista acaba

    por transpor seus valores (a moral de sua sociedade) sobre os valores dos outros.

    Apesar de parecer, de certo modo, um jornalismo mais ligado ao humor, as sesses do

    tipo mundo estranho revelam um pouco dessa transposio de valores e verdades locais em

    outras sociedades. Observando as matrias publicadas nas editorias Esquisitices, do portal

    R7, e Planeta Bizarro, do G1, vemos uma amplitude diversa nos temas abordados, que vo

    desde fotos de priso (snapshot) at receitas inusitadas e fotos curiosas. Talvez, o nico

    padro a origem das matrias: o exterior. No entanto, algumas matrias locadas nessas

    editorias chamam a ateno ao enquadrar como bizarro ou esquisitice hbitos culturais ou

    comportamentos de outrem. O mesmo pode ser notado em outras editorias e sries

    documentais como a Tabu, do National Geographic Channel.

    Essa prtica vai de encontro ao princpio do jornalismo de [...] fornecer aos cidados

    as informaes necessrias para o desempenho das suas responsabilidades cvicas [...]

    (TRAQUINA, 2005, p. 50), uma vez que as verdades que chegam ao leitor so sempre as

    mesmas, isto , construdas sobre a moral que ele integra, no apresentando novidades que

    possibilitem a construo comparativa. Nietzsche aponta o mesmo problema ao falar da

    prtica dos filsofos em Alm do bem e do mal:

  • Precisamente porque os filsofos da moral conheciam os fatos morais

    apenas grosseiramente, num excerto arbitrrio ou compndio fortuito,

    como moralidade do seu ambiente, de sua classe, de sua Igreja, do

    esprito de sua poca, de seu clima e seu lugar precisamente porque

    eram mal informados e pouco curiosos a respeito de povos, tempos e

    eras, no chegavam a ter em vista os verdadeiros problemas da moral

    os quais emergem somente da comparao de muitas morais. (2005,

    p. 74-75, grifo do autor).

    Visto sob a tica nietzschiana, o jornalista, ao primar pela objetividade, reproduz uma

    verdade j aceita, a moral j praticada, sem oferecer aos leitores informaes para que possam

    confrontar a sua realidade, a estruturao social da qual fazem parte.

    *****

    Plato, mais inocente nessas coisas, e despido da astcia plebeia, quis,

    com toda a energia a maior energia que um filsofo j empregara! ,

    provar a si mesmo que razo e instinto se dirigem naturalmente a uma

    meta nica, ao bem, a Deus; e desde Plato todos os telogos e

    filsofos seguem a mesma trilha [...]. (NIETZSCHE, 2005, p. 80)

    Assim, Nietzsche afirma que no so os sentidos os responsveis pela apreenso do

    objeto, antes disso, construmos a realidade atravs de nossa f, de nossa fico, com

    hipteses prematuras. Reproduzimos, antes do contato sensitivo, aquilo com o que j

    estamos acostumados e no a vivncia mesma.

    Para nosso olho mais cmodo, numa dada ocasio, reproduzir uma

    imagem com frequncia j produzida, do que fixar o que h de novo e

    diferente numa impresso: isto exige mais fora, mais moralidade.

    [...] Mesmo nas vivncias mais incomuns agimos assim: fantasiamos a

    maior parte da vivncia e dificilmente somos capazes de no

    contemplar como inventores algum evento. Tudo isso quer dizer que

    ns somos, at a medula e desde o comeo habituados a mentir.

    (NIETZSCHE, 2005, p. 81. Grifo do autor).

  • Talvez esse seja um dos pontos mais conflitantes do pensamento nietzschiano com o

    ideal de objetividade jornalstica. Mesmo levando em conta o reconhecimento, dentro da

    teoria do jornalismo, de que a objetividade um ideal que deve nortear a ao do jornalista,

    afirmar que mais cmodo, numa dada ocasio, reproduzir uma imagem com frequncia j

    produzida e que fantasiamos a maior parte da vivncia desconstri, quase que em sua

    totalidade, a possibilidade da objetividade.

    Como seria possvel relatar um fato, por essncia singular, se ao observarmos, s

    trazemos de volta aos nossos olhos aquilo que eles j viram antes? Provavelmente, os

    defensores mais ferrenhos da objetividade poderiam contra argumentar, dizendo que, no caso

    de Nietzsche estar certo, nossas experincias estariam reduzidas a um pequeno nmero e no

    poderamos sequer imaginar a existncia do singular.

    Porm, a tese nietzschiana no pretende excluir a ideia do singular, ao contrrio, ele

    afirma que a experincia singular , previamente, carregada de moral. Isto , aplicamos todo o

    nosso repertrio social no ato singular.

    No jornalismo, os olhos cmodos do reprter influenciam sua observao em

    diversos aspectos. Encontramos um exemplo dessa valorao moral imediata nas coberturas

    iniciais de diversos veculos de comunicao sobre o Carto Recomeo2, que foi apelidado de

    Bolsa Crack e passando a ideia que o valor pago pelo estado iria para o usurio.

    *****

    A ideia de rebanho pea-chave para a compreenso do que Nietzsche entende por

    homem moderno. O processo de pacificao instaurado junto com a construo da verdade

    desenvolve no homem um sentimento de anulao de si, no qual seus desejos, paixes,

    opinies e atos so determinados pela obedincia a uma moral.

    2 O Carto Recomeo foi apresentado oficialmente no dia 9 de maio de 2013 pelo Governo do Estado de SoPaulo como um projeto para custear o atendimento de dependentes qumicos em clnicas e entidadescredenciadas. Em um segundo momento, os jornais trocaram a expresso Bolsa Crack por Bolsa Anticrack.

  • Na medida em que sempre, desde que existem homens, houve tambm

    rebanho de homens (cls, comunidades, tribos, povos, Estados,

    Igrejas), e sempre muitos obedeceram, em relao ao pequeno nmero

    dos que mandaram considerando, portanto, que a obedincia foi at

    agora a coisa mais longamente exercitada e cultivada entre os homens,

    justo supor que via de regra agora inata em cada um a necessidade

    de obedecer [...]. (NIETZSCHE, 2005, p. 85).

    Dessa necessidade de obedincia Nietzsche sinaliza trs caractersticas atravs das

    quais podemos compreender mais claramente a posio do jornalismo no mundo

    contemporneo:

    1) Na busca de saciar essa necessidade de obedecer, o homem moderno aceita

    qualquer mandante;

    2) A cultura de rebanho desenvolveu no homem uma desvalorizao na arte

    de mandar. Por isso, os que mandam se mascaram sob a tradio, as leis

    ou Deus para no sofrerem de uma m conscincia por darem ordens;

    3) A desvalorizao do mandar faz com que o homem de rebanho se

    apresente como a nica espcie de homem permitida, e glorifica seus

    atributos, que o tornam manso, tratvel e til ao rebanho. Como sendo as

    virtudes propriamente humanas (Ibidem, p. 86).

    Com a ampliao do espectro social, que se encontra cada vez mais distante do

    comunitrio, o jornalismo se torna um dos principais pilares nos quais a necessidade de

    obedecer do homem se ata. no jornalismo que o homem moderno de rebanho encontra

    seu mandante, centralizador da opinio pblica sob as estruturas da lei e da razo. Destarte, o

    jornalista se configuraria na figura do mandante.

    Mas como, dentro da cultura de rebanho, o jornalista poderia falar aos seus iguais o

    que fazer, como ser manso, tratvel e til ao rebanho? Longe de poder se defender de sua

    m conscincia atravs de uma herana histrica afinal, o jornalismo por essncia factual -

    o jornalismo encontra a via da cincia, em especial do ideal cientfico do positivismo: a

    objetividade.

    Esse comportamento de mandante do jornalista tambm leva ao terceiro apontamento

    de Nietzsche, sobre a valorizao do homem de rebanho. Exemplo mais evidente dessa funo

  • de amansar o homem3, as matrias de sade, de modo geral, trazem como fundamento valores

    verdades de uma sociedade, construdos sobre o ideal do homem de rebanho, sobretudo na

    ideia de um indivduo til ao rebanho, produtivo e calmo quando fala sobre qualidade do

    sono, boa alimentao, terapias e tratamento preventivo.

    Segundo Nietzsche, a valorizao do homem de rebanho tambm propicia o

    desenvolvimento do esprito objetivo, onde podemos encontrar muito do ideal do jornalista

    contemporneo: Ele ctico, no toma partido, no profere juzo de valor, no formula

    hipteses: Para se engalanar e enganar, essa doena dispe dos mais belos trajes; e a maior

    parte, por exemplo, daquilo que hoje se expes nas vitrines como objetividade,

    cientificidade lart pour lart, conhecimento puro, livre da vontade (Ibidem, p.100-101).

    O homem objetivo [...] seguramente um dos instrumentos mais

    preciosos que existem: mas isto nas mos de algum mais poderoso.

    Ele apenas um instrumento; digamos que um espelho no uma

    finalidade em si. O homem objetivo de fato um espelho: habituado

    a submeter-se ao que quer ser conhecido, sem outro prazer que o dado

    pelo conhecer, espelhar. (Ibidem, p. 97. Grifos nossos).

    Desta forma, reencontramos no jornalista aquele mesmo sujeito presente nas primeiras

    teorias do jornalismo, a Teoria do Espelho, entretanto, esse espelho, colocado perante o

    pensamento nietzschiano, mostra um profissional sem personalidade, desfigurado e tratado

    como instrumento dos donos do poder, representados por aqueles que fundam a moral e a

    verdade.

    MICROFSICA DO JORNALISMO

    Atuando, de certo modo, como um atualizador do pensamento nietzschiano para o

    mundo contemporneo, Michel Foucault imbrica-se nossa pesquisa para dar um segundo

    alicerce ao projeto crtico da verdade no jornalismo que empreendemos, desenvolvendo os

    aspectos do poder sobre a verdade.

    Assim como o pensador alemo, Foucault entende a verdade como fruto de um

    processo histrico: a verdade deste mundo; ela produzida nele graas a mltiplas

    coeres e nele produz efeitos regulamentados de poder (FOUCAULT, 2012, p. 52). Isto , a

    verdade est enraizada nas questes do poder, ou seja, como as instncias de poder

    3 Esse tpico ser retomado quando tratarmos sobre a disciplina em Foucault.

  • selecionam os discursos verdadeiros e falsos.

    Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua poltica geral de

    verdade: isto , os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar

    como verdadeiros; os mecanismos e as instncias que permitem

    distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se

    sanciona uns e outros; as tcnicas e os procedimentos que so

    valorizados para a obteno da verdade; o estatuto daqueles que tm o

    encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (Ibidem, p. 52).

    reconhecendo a verdade como produto histrico que Foucault (2012) recorre ao

    mtodo genealgico. Comentando as obras de Nietzsche, o filsofo francs destaca o uso de

    trs palavras alems: Ursprung (origem), Herkunft (provenincia) e Entestehung (de onde

    emerge), opondo o primeiro aos dois ltimos.

    Utilizado de forma irnica por Nietzsche, o Ursprung associado pesquisa

    metafsica da verdade, que busca na origem das coisas um surgimento espontneo, sua mais

    pura essncia, imvel e livre das interferncias mundanas. Contudo, a genealogia no

    procura no eterno e imutvel a origem dos valores e das coisas, voltando seus olhos para a

    histria da construo das verdades, vinda de baixo, dos homens.

    Entendido como provenincia, Herkunft est associado ao grupo social de onde vieram

    os valores, em um movimento de reconstruo histrica que no busca a origem, seno o

    percurso e, principalmente, as marcas das disputas, erros e acertos, mostrando que nossos

    valores no esto ligados com a verdade, mas com o acidente.

    Seguir o filo complexo da provenincia , ao contrrio, manter o que

    se passou na disperso que lhe prpria: demarcar os acidentes, os

    nfimos desvios ou, ao contrrio, as inverses completas -, os erros,

    as falhas na apreciao, os maus clculos que deram nascimento ao

    que existe e tem valor para ns; descobrir a raiz daquilo que ns

    conhecemos e daquilo que ns somos no existem a verdade e o ser,

    mas a exterioridade do acidente. (Ibidem, p. 63).

    Por fim, cabe ressaltar que Herkunft encontra seu lugar no corpo, os acontecimentos

    que constituem a raa deixam marcas no corpo, moldando comportamentos, gestos e a

    estrutura fisiolgica dos indivduos, nas palavras de Cludio Lcio Mendes (2006, p. 170): A

  • provenincia aquilo que nos baliza, marcando nossos corpos de determinadas formas.

    Enquanto o Herkunft se inscreve no campo histria-corpo, o outro caminho da

    genealogia, o Entestehung (emergncia), se desenrola no campo do saber-prtico, sendo o

    princpio e a lei singular de um aparecimento (FOUCAULT, 2012, p. 65). Entretanto, ao

    contrrio do que propem os metafsicos, o Entestehung no tem seu fim determinado desde o

    momento de seu surgimento, ele emerge de um jogo de foras, no qual valores e conceitos se

    enfrentam e submetem-se uns aos outros.

    A emergncia , portanto, a entrada em cena das foras; a sua

    interrupo, o salto pelo qual elas passam dos bastidores para o teatro,

    cada uma com seu vigor e sua juventude. [...] Em certo sentido, a pea

    representada nesse teatro sem lugar sempre a mesma: aquela que

    repetem indefinidamente os dominadores e os dominados. Homens

    dominam outros homens, e assim que nasce a diferena dos valores;

    classes dominam classes e assim que nasce a ideia de liberdade.

    (Ibidem, p. 68).

    Tentando se fixar, a dominao estabelece rituais, procedimentos, regras e obrigaes

    que visam, unicamente, um fim posto pelo dominante. E so justamente essas regras que esto

    em disputa no Entestehung.

    O reconhecimento desse jogo de foras permite a Foucault (2012) reposicionar o devir

    da humanidade na prpria histria da humanidade. Isto , enquanto para os metafsicos o

    devir s poderia ser traado na busca por uma significao oculta da origem, a genealogia

    reconhece a interpretao como o apoderar-se de um sistema de regras e submet-lo a um

    novo sistema.

    Mas se interpretar se apoderar por violncia ou sub-repo, de um

    sistema de regras que no tem em si significao essencial, e lhe

    impor uma direo, dobr-lo a uma nova vontade, faz-lo entrar em

    um outro jogo e submet-lo a novas regras, ento o devir da

    humanidade uma srie de interpretaes. (Ibidem, p. 70).

    A pesquisa genealgica, seja por Entestehung ou por Herkunft, se ope histria

    tradicional, que para Foucault (2012, p.71) reintroduz o ponto de vista supra-histrico,

    agrupando toda diversidade existente em um tempo, reduzindo-a a uma histria na qual

  • podemos nos reconhecer em qualquer momento do passado. Isso ocorre pois os historiadores

    constroem sua cincia com princpios fora do tempo, crendo (e buscando) que o presente

    causa lgica e necessria de uma histria contnua, j traada desde os primrdios, na qual

    possvel nos reencontrarmos, seja em verdades ou nos homens.

    Tal qual o jornalista, o historiador deve invocar a objetividade, a exatido dos fatos

    [...]; o historiador levado ao aniquilamento da prpria individualidade para que os outros

    entrem em cena e possam tomar a palavra (FOUCAULT, 2012, p. 78). Como um historiador

    do contemporneo, o jornalista v o acontecimento como parte de uma continuidade ideal,

    parte de um processo mecnico.

    Porm o acontecimento, segundo Foucault, o momento singular da inverso de

    foras e domnio em um determinado campo de batalha.

    E preciso entender por acontecimento no uma deciso, um tratado,

    um reino, ou uma batalha, mas uma relao de foras que se inverte,

    um poder confiscado, um vocabulrio retomado e voltado contra seus

    utilizadores, uma dominao que se enfraquece, se distende, se

    envenena e uma outra que faz sua entrada, mascarada. As foras que

    se encontram em jogo na histria no obedecem nem a uma

    destinao, nem a uma mecnica, mas ao acaso da luta. (Ibidem, p.

    73).

    Isto posto, o jornalista deve entender o acontecimento como um ponto emergente do

    conflito, o Entestehung, no qual h a subverso do esquema de fora vigente.

    Outro ponto de aproximao entre o jornalista e o historiador tradicional a viso

    metafsica da realidade. Analisando o hoje como um momento no caminho a um determinado

    fim, o jornalista acaba por atribuir valores inexistentes a alguns fatos. Caso relevante dessa

    atribuio metafsica de valores foi a cobertura da Primavera rabe no Egito. Observando

    matrias produzidas em dois momentos distintos, notamos que os valores democrticos,

    caractersticos dos pases ocidentais impregnam as matrias como se esse fosse o fim lgico

    de uma sociedade aps a queda de governos ditatoriais.

    Como evidencia a matria Aps renncia, Cairo tenta voltar rotina; futuro do Egito

    debatido, publicada pela BBC Brasil, em fevereiro de 2011, o povo egpcio clamava por

    um governo democrtico aps trs dcadas de governo sob a ditadura de Mubarak:

  • Um dos expoentes da oposio, Mohamed ElBaradei, ex-chefe da

    Agncia Atmica da ONU, disse BBC que sentiu "alegria e euforia"

    porque, aps anos de represso, o Egito finalmente foi libertado e

    colocou-se no caminho para um pas de democracia e justia social.

    (SALEH, 2011).

    Quase um ano e meio aps a queda do regime de Mubarak, o Egito conheceu seu

    primeiro presidente eleito em junho de 2012. Mohammed Mursi, candidato da Irmandade

    Muulmana, assumiu o cargo e trouxe um novo conflito entre o povo egpcio. O estado,

    anteriormente laico, agora ganhava um presidente de um partido islamita fundamentalista.

    Com a promulgao (em referendo) da nova constituio, baseada na a Lei Islmica, a ciso

    entre egpcios muulmanos e egpcios seculares e cristos tomou conta do pas, superando a

    questo da democracia. Porm, matrias como Decepo se estende entre os pases da

    Primavera rabe, publicada no portal G1, em 18 de dezembro de 2012 (DECEPO, 2012),

    e Protestos aps dois anos da queda de Mubarak deixam dezenas de feridos, publicado no

    Opera Mundi, em 11 de fevereiro de 2013, mostram que os jornalistas ainda mantm o

    discurso democrtico como mote do conflito egpcio, deixando de caracterizar como um

    conflito de valores religiosos (muulmanos versus seculares e cristos).

    *****

    Outro ponto que conecta a obra de Foucault com o jornalismo o discurso, uma

    questo que, para o francs, vai alm das disputas entre os defensores da transparncia ou da

    opacidade do mesmo, isso porque, o discurso objeto de poder e, antes disso, objeto de

    construo da realidade.

    Nomear isolar campos, instrumento no de representar o mundo

    como ele , mas de recortar: arrancamos uma parte do humano e a

    institumos num outro tipo de existncia, que se presta a

    hierarquizaes, a inseres ou excluses no plano social. O conjunto

    das nomeaes tem como efeito a apresentao do mundo como ele

    deve ser visto [...] dar nomes s coisas ordenar o mundo. (GOMES,

    2004, p. 11-12).

    Em sua aula inaugural no Collge de France, ministrada no dia 2 de dezembro de

  • 1970, e publicada com o ttulo A Ordem do Discurso, Foucault demonstra essa preocupao

    com os efeitos de um discurso que, mesmo sendo efmero e aparentemente inocente, est

    investido de poder.

    Mas pode ser que essa instituio e esse desejo no sejam outra coisa

    seno duas rplicas opostas a uma mesma inquietao: [...]

    inquietao de sentir sob essa atividade, todavia cotidiana e cinzenta,

    poderes e perigos que mal se imagina; inquietao de supor lutas,

    vitrias, ferimentos, dominaes, servides, atravs de tantas palavras

    cujo uso h tanto tempo reduziu as asperidades. (FOUCAULT, 2010,

    p. 8).

    Para o filsofo francs, a construo social do discurso utiliza de certos procedimentos

    para determinar quais discursos so vlidos e quais so relegados ao campo da mentira e da

    inexistncia. O primeiro citado por Foucault (2010) a interdio, que estabelece quem,

    quando e onde um discurso pode ser pronunciado.

    No jornalismo encontramos a interdio em seus trs modos: o tabu do objeto, ou seja,

    quando determinado assunto excludo ou colocado como perifrico na produo jornalstica,

    como o caso comentado por Mayra Rodrigues Gomes (2004, p. 12), em seu livro Jornalismo

    e filosofia da comunicao, em que aponta o uso do termo ex-namorada para Adriana, caso

    extraconjugal do ento senador Antnio Carlos Magalhes em 2003; o ritual da circunstncia,

    que afirma que no se pode falar de tudo em qualquer lugar, como o caso de coberturas de

    suicdios; e direito privilegiado de quem fala, como a busca por fontes oficiais em casos

    policiais (onde o que vale o que est no boletim de ocorrncia, no, necessariamente, a

    verso dos envolvidos).

    Esse ltimo tipo de interdio tambm est diretamente ligado ao outro tipo de

    excluso apontado por Foucault: a separao e rejeio, em um procedimento que identifica o

    que verdadeiro e falso, baseado, sobretudo, na autoridade de quem fala. E, como apontam

    Franzoni, Ribeiro e Lisboa (2011), o direito de fala ligado em sua maioria s elites do poder.

  • Podemos inferir a partir desses estudos [que mostra que a maioria das

    matrias de primeira pgina do New York Times e do Washington Post,

    eram fortemente inspiradas por fontes governamentais] e conforme a

    tica de Foucault que as fontes oficiais, que na maioria das vezes

    detm o poder econmico e poltico, contribuem para a instaurao de

    uma ordem discursiva, que ser a predominante no campo jornalstico.

    A deteno do poder, neste caso, lhes assegura um lugar privilegiado

    na esfera jornalstica, que se torna dessa maneira reprodutora de uma

    viso hegemnica. (2011, p. 50).

    Ambos os procedimentos anteriormente citados (interdio e a separao/rejeio) so

    regulados e conduzidos pelo terceiro procedimento apontado por Foucault: a vontade de

    verdade. Princpio fundamental para a aceitao de um discurso como verdadeiro, a vontade

    de verdade so as condies variveis que tornam aceitveis um discurso (WOLFF apud

    NOTO, 2010, p. 23), isto , um conjunto de tcnicas e objetos que uma sociedade aceita como

    vlidos para que um discurso seja tomado como verdadeiro.

    Tambm na vontade de verdade que encontramos uma ligao bastante prxima com

    o jornalismo: Enfim, creio que essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e

    uma distribuio institucional tende a exercer sobre os outros discursos estou sempre

    falando de nossa sociedade uma espcie de presso e como que um poder de coero

    (FOUCAULT, 2010, p. 18, grifo nosso).

    Ao falar do suporte institucional da vontade de verdade, Foucault menciona

    explicitamente os livros, bibliotecas, sbios e laboratrios, alm do modo como o saber

    aplicado em uma sociedade, como valorizado, distribudo, repartido e de certo modo

    atribudo (Ibidem, p. 17), ou seja, todo um conjunto de prticas pedaggicas que ditam a

    sociedade. E justamente nesse ponto que o jornalismo entra como uma instituio

    fundamental para a disseminao e reforo da vontade de verdade, com sua capacidade de

    alcanar quase todo o corpo social, movimentando e agindo sobre a estrutura social onde as

    relaes recprocas dos indivduos e grupos constroem efetivamente os efeitos do poder

    (FOUCAULT, 2010, p. 281 e seguintes). Como uma bruma que toma conta da cidade, o

    jornalismo recebido e aceito pelos indivduos com seu discurso de objetividade,

    imparcialidade e verdade, impregnando o cotidiano das pessoas com as regras e valores da

    vontade de verdade.

    Apesar de no aprofundar na questo do jornalismo, Foucault evidencia a relao entre

    os meios de comunicao e a difuso e produo dos discursos dominantes.

  • Em nossas sociedades, a economia poltica da verdade tem cinco

    caractersticas historicamente importantes: a verdade centrada na

    forma do discurso cientfico e nas instituies que o produzem; est

    submetida a uma constante incitao econmica e poltica [...];

    objeto, de vrias formas, de uma imensa difuso e de um imenso

    consumo (circula nos aparelhos de educao e informao, cuja

    extenso no corpo social relativamente grande, no obstante algumas

    limitaes rigorosas); produzida e transmitida sob o controle, no

    exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos polticos ou

    econmicos (universidade, Exrcito, escritura, meios de

    comunicao); enfim, objeto de debate poltico e de confronto social

    (as lutas ideolgicas). (FOUCAULT, 2012, p. 52. Grifo nosso).

    Esse papel exercido pelo jornalismo est ligado com o aspecto positivo do poder. Ele,

    ao lado de diversas outras instncias e instituies, atuam na produo, acumulao,

    circulao e funcionamento dos discursos e da verdade. E isso fica mais evidente ao

    pensarmos o conceito de objetividade jornalstica como a busca pela verdade dos fatos.

    O poder no para de nos interrogar, de indagar, registrar e

    institucionalizar a busca da verdade, profissionaliza-a e recompensa-a,

    no fundo, temos que produzir a verdade como temos que produzir

    riquezas, ou melhor, temos que produzir a verdade para poder produzir

    riquezas. Por outro lado, estamos submetidos verdade tambm no

    sentido em que ela lei e produz o discurso verdadeiro que decide,

    transmite e reproduz, ao menos em parte, efeitos de poder. Afinal,

    somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar

    tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em funo

    dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos especficos de

    poder. (FOUCAULT, 2010, p. 279).

    Baseada no domnio do corpo e de seus atos, em substituio ao antigo regime de

    controle de terras e produtos, essa nova forma de domnio demanda uma controle atravs da

    vigilncia. Esse novo tipo de poder [...] foi um instrumento fundamental para a constituio

    do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe correspondente; esse poder no

  • soberano, alheio a forma da soberania, o poder disciplinar (Ibidem, p. 291).

    Segundo Foucault, as disciplinas so um sistema de coero do corpo social, criadoras

    de aparelhos de saber e conhecimento com um discurso normativo: definiro um cdigo que

    no ser o da lei, mas o da normatizao; referir-se-o a um horizonte terico [...] (do)

    domnio das cincias humanas (FOUCAULT, 2010, p. 203). Mais uma vez, o jornalismo

    suporte para a propagao desses discursos. na cobertura das recentes manifestaes no

    Brasil e a defesa das manifestaes pacficas, nas matrias sobre relacionamento em revistas

    para adolescentes, como se comportar em entrevistas de emprego, como ter sade e qualidade

    de vida, todos ligados aos interesses de quem quer dominar o corpo: um mecanismo que

    permite extrair dos corpos tempo e trabalho mais do que bens e riquezas (Ibidem, p. 291).

    PRELDIO PARA UM JORNALISMO DO FUTURO

    Ciente deste processo de ratificao do status quo que o jornalismo contemporneo

    realiza, o jornalista se depara com a necessidade de escolher um entre dois aspectos que

    fundaram a deontologia de sua profisso ao longo dos ltimos 150 anos e que, agora, se

    apresentam como antagonistas: o papel de estandarte da liberdade e de defesa do cidado ou o

    ideal de objetividade.

    Em conformidade com os elementos apresentados por Traquina (2005, p. 50) que

    colocam o jornalismo como instrumento de reforma social, de controle do poder poltico em

    defesa dos indivduos e de fonte de informaes para que estes possam desempenhar

    plenamente seu papel de cidado, entendemos que a via que reconduz o jornalismo em sua

    funo social, a escolha mais sensata para o futuro da rea, afetando, consequentemente, sua

    prxis e suas teorias. Portanto, dedicamos os prximos pargrafos a apresentar alguns esboos

    iniciais dessa nova forma de fazer jornalismo, luz dos pensamentos por ns apresentados.

    *****

    O trabalho do jornalista do futuro adota com premissa o conceito de verdade

    apresentado por Nietzsche e Foucault, isto , ele compreende a verdade como uma construo

    socio-histrica - fundamental da existncia em sociedade que serve de justificativa para a

    moral vigente, ao mesmo tempo em que atua com construtora e legitimadora do poder. Assim

    sendo, necessrio reconhecer que esta mesma verdade, por ser construda socialmente,

    relativa e pode (e deve) ser transformada na busca de uma sociedade melhor. Por fim, o

    jornalista do futuro reconhece a soberania do corpo social na autoridade de determinar a

  • verdade vigente.

    Neste ltimo passo de delegar ao coletivo o poder de construtor da verdade, o

    jornalismo se desfaz da carga institucional e disciplinadora que ele carrega na sociedade

    contempornea. Concomitante a este movimento, vemos a assuno do jornalista-intelectual,

    definido por Foucault (2012, p. 52-53):

    [...] intelectual no , portanto, o portador de valores universais; ele

    algum que ocupa uma posio especfica, mas cuja especificidade

    est ligada s funes gerais do dispositivo de verdade em nossa

    sociedade. Em outras palavras, o intelectual tem uma tripla

    especificidade: a especificidade de sua posio de classe (pequeno

    burgus a servio do capitalismo, intelectual orgnico do

    proletariado); a especificidade de suas condies de vida e de

    trabalho, ligadas sua condio de intelectual (seu domnio de

    pesquisa, seu lugar no laboratrio, as exigncias polticas a que se

    submete, ou contra as quais se revolta, na universidade, no hospital

    etc.); finalmente, a especificidade da poltica de verdade nas

    sociedades contemporneas.

    Ao assumir suas posies, o jornalista-intelectual vai se distanciar da objetividade,

    recorrendo a construes textuais (discursos) que rompam com o poder vigente, apresentando

    o acontecimento sob a tica do sujeito-jornalista, com todas as suas especificidades de classe,

    de lugar e de poltica de verdade. O jornalista-intectual age como o genealogista de Foucault,

    resgata os saberes excludos para traz-los tona, apresentando-os para todos os membros da

    sociedade e permitindo que estes saberes sejam capazes de oposio e de luta contra a

    coero de um discurso terico, unitrio, formal e cientfico (Ibidem, p. 270).

    Logo, o jornalista do futuro dilui a uniformidade e a massificao da forma como os

    fatos so tratados hoje em dia pelos veculos de comunicao para expressar a multiplicidade

    de valores existentes e que, normalmente, se encontram subjugados pelos poderes

    dominantes. No se estabelece, necessariamente, uma excluso total dos valores

    contemporneos em favor de outros valores, mas promove-se a multiplicidade de valores,

    permitindo ao pblico conhecer o fato atravs de diversos olhares e vozes.

    No cabe mais ao jornalismo somente reportar o que acontece no mundo, exercido sob

    essa nova filosofia, o jornalismo vai se assumir como parte integrante da luta pelo domnio do

    discurso, se colocando, enquanto campo, como ponto de convergncia dos atores, de suas

    morais e verdades.

  • O jornalismo do futuro vai assumir a funo quebra sol da moral contempornea,

    valendo-se da luz desta para inverter a ordem das coisas, sair do comodismo, do senso comum

    e buscar retratar o que ningum retrata, seja por medo ou por falta de vontade.

    Cada vez mais quer me parecer que o filsofo, sendo por necessidade

    um homem do amanh e do depois de amanh, sempre se achou e teve

    de se achar em contradio com o seu hoje. [] A cada vez

    desvelaram o quanto de hipocrisia, comodismo, de deixar-se levar e

    deixar-se cair, o quanto de mentira se escondia sob o mais venerado

    tipo de moralidade contempornea, o quanto de virtude era

    ultrapassada; a cada vez eles disseram: Temos que ir ali, alm, onde

    vocs, hoje, menos se sentem em casa. (NIETZSCHE, 2011, p. 106,

    grifos do autor).

    Inimigo da moral, vitrine de outras possibilidades de verdade e iconoclasta das

    instituies e das disciplinas. assim que se desenha o jornalista-intelectual, aquele que com

    clareza, preciso e paixo pela sua verdade, traz de volta ao jornalismo aquilo que ele perdeu

    quando se encontrou com o mercado e com Comte: seu valor reformador.

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    Devemos destacar que os metafsicos aos quais Nietzsche se refere so distintos dos metafsicos de Comte. Para o filsofo francs, metafsica um estgio de transio entre as explicaes teolgicas e o positivismo. J para Nietzsche, metafsica a busca por verdades universais, grupo no qual se inclua Comte.O Carto Recomeo foi apresentado oficialmente no dia 9 de maio de 2013 pelo Governo do Estado de So Paulo como um projeto para custear o atendimento de dependentes qumicos em clnicas e entidades credenciadas. Em um segundo momento, os jornais trocaram a expresso Bolsa Crack por Bolsa Anticrack.Esse tpico ser retomado quando tratarmos sobre a disciplina em Foucault.Surge, assim, com o positivismo, a distino entre o fato e o juzo de valor, entre o real e a valorao humana do real e entre o acontecimento a ser estudado e a opinio. Essa distino representou um divisor de guas em outras cincias humanas como o direito, a sociologia, a histria, a tica e, conseqentemente, o jornalismo. Deriva da a distino que hoje fazemos entre jornalismo opinativo e informativo. (BARROS FILHO, 1995, p. 22).Ela (a nossa inteligncia) reconhece de ora em diante, como regra fundamental, que toda proposio que no estritamente redutvel simples enunciao de um fato, particular ou geral, no nos pode oferecer nenhum sentido real e inteligvel. [...] A pura imaginao perde ento de modo irrevogvel a sua antiga supremacia mental e subordina-se necessariamente observao, de maneira a constituir um estado lgico plenamente normal [] (COMTE, 2002).As novas formas de financiamento da imprensa, as receitas da publicidade e dos crescentes rendimentos das vendas dos jornais, permitiram a despolitizao da imprensa, passo fundamental na instalao do novo paradigma do jornalismo: o jornalismo como informao e no como propaganda, isto , um jornalismo que privilegia os fatos e no a opinio. (TRAQUINA, 2005, p. 36).[] a teoria democrtica apontava para que o jornalismo cumprisse um duplo papel: 1) com a liberdade 'negativa', vigiar o poder poltico e proteger os cidados dos eventuais abusos dos governantes; 2) com a liberdade 'positiva', fornecer aos cidados as informaes necessrias para o desempenho das suas responsabilidades cvicas, tornando central o conceito de servio pblico como parte da identidade jornalstica. (TRAQUINA, 2005, p. 50).Para Nietzsche, um indivduo fraco aquele incapaz de suportar o sofrimento da existncia, necessitando de algo que pode ser uma verdade, ideal, crena ou outra autoridade em que possa se apropriar para continuar vivendo, algo que lhe d uma justificativa para seu sofrimento e um sentido para a existncia. (VILAS BAS, 2009, p. 78).Como poderia algo nascer do seu oposto? Por exemplo, a verdade do erro? Ou a vontade de verdade da vontade de engano? [...] as coisas de valor mais elevado devem ter uma origem outra, prpria no podem derivar desse fugaz, enganador, sedutor, mesquinho mundo, desse turbilho de insnia e cobia! Devem vir do seio do ser, do intransitrio, do deus oculto, da coisa em si nisso, e em nada mais, deve estar sua causa Este modo de julgar constitui o tpico preconceito pelo qual podem ser reconhecidos os metafsicos de todos os tempos [...] (2005, p. 9-10).O que a verdade, portanto? Um exrcito mvel de metforas, metonmias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relaes humanas que foram realadas potica e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, aps uma longo utilizao, parecem a um povo consolidadas, cannicas e obrigatrias. (2008, p. 36).Os judeus realizaram esse milagre da inverso dos valores, graas ao qual a vida na Terra adquiriu um novo e perigoso atrativo por alguns milnios os seus profetas fundiram rico, ateu, mau, violento e sensual numa s definio, e pela primeira vez deram cunho vergonhoso palavra mundo. (NIETZSCHE, 2005, p. 83).Ele [o mentiroso] abusa das convenes consolidadas por meio de trocas arbitrrias ou inverses dos nomes, inclusive. Se faz isso de uma maneira individualista e ainda por cima nociva, ento a sociedade no confiar mais nele e, com isso, tratar de exclu-lo. Nisso, os homens no evitam tanto ser ludibriados quanto lesados pelo engano. Mesmo nesse nvel, o que eles odeiam fundamentalmente no o engano, mas as consequncias ruins, hostis, de certos gneros de enganos. Num sentido semelhantemente limitado, o homem tambm quer apenas a verdade. Ele quer as consequncias agradveis da verdade, que conservam a vida; frente ao puro conhecimento sem consequncias ele indiferente, frente s verdades possivelmente prejudiciais e destruidoras ele se indispe com hostilidade, inclusive. (NIETZSCHE, 2008, p. 29-30).De fato, para explicar como surgiram as mais remotas afirmaes metafsicas de um filsofo bom (e sbio) se perguntar antes de tudo: a que moral isto (ele) quer chegar? Portanto no creio que um impulso ao conhecimento seja o pai da filosofia, mas sim que um outro impulso, nesse ponto e em outros, tenha se utilizado do conhecimento (e do desconhecimento!) como um simples instrumento. (2005, p. 12-13).Na verdade, a questo bem outra: enquanto pretendem ler embevecidos o cnon de sua lei na natureza, (...) Seu orgulho quer prescrever e incorporar natureza, at natureza, a sua moral, o seu ideal, vocs exigem que ela seja natureza conforme a Stoa, e gostariam que toda existncia existisse apenas segundo sua prpria imagem. (Ibidem, p. 14).Precisamente porque os filsofos da moral conheciam os fatos morais apenas grosseiramente, num excerto arbitrrio ou compndio fortuito, como moralidade do seu ambiente, de sua classe, de sua Igreja, do esprito de sua poca, de seu clima e seu lugar precisamente porque eram mal informados e pouco curiosos a respeito de povos, tempos e eras, no chegavam a ter em vista os verdadeiros problemas da moral os quais emergem somente da comparao de muitas morais. (2005, p. 74-75, grifo do autor).Plato, mais inocente nessas coisas, e despido da astcia plebeia, quis, com toda a energia a maior energia que um filsofo j empregara! , provar a si mesmo que razo e instinto se dirigem naturalmente a uma meta nica, ao bem, a Deus; e desde Plato todos os telogos e filsofos seguem a mesma trilha [...]. (NIETZSCHE, 2005, p. 80)Para nosso olho mais cmodo, numa dada ocasio, reproduzir uma imagem com frequncia j produzida, do que fixar o que h de novo e diferente numa impresso: isto exige mais fora, mais moralidade. [...] Mesmo nas vivncias mais incomuns agimos assim: fantasiamos a maior parte da vivncia e dificilmente somos capazes de no contemplar como inventores algum evento. Tudo isso quer dizer que ns somos, at a medula e desde o comeo habituados a mentir. (NIETZSCHE, 2005, p. 81. Grifo do autor).Na medida em que sempre, desde que existem homens, houve tambm rebanho de homens (cls, comunidades, tribos, povos, Estados, Igrejas), e sempre muitos obedeceram, em relao ao pequeno nmero dos que mandaram considerando, portanto, que a obedincia foi at agora a coisa mais longamente exercitada e cultivada entre os homens, justo supor que via de regra agora inata em cada um a necessidade de obedecer [...]. (NIETZSCHE, 2005, p. 85).O homem objetivo [...] seguramente um dos instrumentos mais preciosos que existem: mas isto nas mos de algum mais poderoso. Ele apenas um instrumento; digamos que um espelho no uma finalidade em si. O homem objetivo de fato um espelho: habituado a submeter-se ao que quer ser conhecido, sem outro prazer que o dado pelo conhecer, espelhar. (Ibidem, p. 97. Grifos nossos).Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua poltica geral de verdade: isto , os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as tcnicas e os procedimentos que so valorizados para a obteno da verdade; o estatuto daqueles que tm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (Ibidem, p. 52).Seguir o filo complexo da provenincia , ao contrrio, manter o que se passou na disperso que lhe prpria: demarcar os acidentes, os nfimos desvios ou, ao contrrio, as inverses completas -, os erros, as falhas na apreciao, os maus clculos que deram nascimento ao que existe e tem valor para ns; descobrir a raiz daquilo que ns conhecemos e daquilo que ns somos no existem a verdade e o ser, mas a exterioridade do acidente. (Ibidem, p. 63).A emergncia , portanto, a entrada em cena das foras; a sua interrupo, o salto pelo qual elas passam dos bastidores para o teatro, cada uma com seu vigor e sua juventude. [...] Em certo sentido, a pea representada nesse teatro sem lugar sempre a mesma: aquela que repetem indefinidamente os dominadores e os dominados. Homens dominam outros homens, e assim que nasce a diferena dos valores; classes dominam classes e assim que nasce a ideia de liberdade. (Ibidem, p. 68).Mas se interpretar se apoderar por violncia ou sub-repo, de um sistema de regras que no tem em si significao essencial, e lhe impor uma direo, dobr-lo a uma nova vontade, faz-lo entrar em um outro jogo e submet-lo a novas regras, ento o devir da humanidade uma srie de interpretaes. (Ibidem, p. 70).E preciso entender por acontecimento no uma deciso, um tratado, um reino, ou uma batalha, mas uma relao de foras que se inverte, um poder confiscado, um vocabulrio retomado e voltado contra seus utilizadores, uma dominao que se enfraquece, se distende, se envenena e uma outra que faz sua entrada, mascarada. As foras que se encontram em jogo na histria no obedecem nem a uma destinao, nem a uma mecnica, mas ao acaso da luta. (Ibidem, p. 73).Um dos expoentes da oposio, Mohamed ElBaradei, ex-chefe da Agncia Atmica da ONU, disse BBC que sentiu "alegria e euforia" porque, aps anos de represso, o Egito finalmente foi libertado e colocou-se no caminho para um pas de democracia e justia social. (SALEH, 2011).Nomear isolar campos, instrumento no de representar o mundo como ele , mas de recortar: arrancamos uma parte do humano e a institumos num outro tipo de existncia, que se presta a hierarquizaes, a inseres ou excluses no plano social. O conjunto das nomeaes tem como efeito a apresentao do mundo como ele deve ser visto [...] dar nomes s coisas ordenar o mundo. (GOMES, 2004, p. 11-12).Mas pode ser que essa instituio e esse desejo no sejam outra coisa seno duas rplicas opostas a uma mesma inquietao: [...] inquietao de sentir sob essa atividade, todavia cotidiana e cinzenta, poderes e perigos que mal se imagina; inquietao de supor lutas, vitrias, ferimentos, dominaes, servides, atravs de tantas palavras cujo uso h tanto tempo reduziu as asperidades. (FOUCAULT, 2010, p. 8).Podemos inferir a partir desses estudos [que mostra que a maioria das matrias de primeira pgina do New York Times e do Washington Post, eram fortemente inspiradas por fontes governamentais] e conforme a tica de Foucault que as fontes ociais, que na maioria das vezes detm o poder econmico e poltico, contribuem para a instaurao de uma ordem discursiva, que ser a predominante no campo jornalstico. A deteno do poder, neste caso, lhes assegura um lugar privilegiado na esfera jornalstica, que se torna dessa maneira reprodutora de uma viso hegemnica. (2011, p. 50).Em nossas sociedades, a economia poltica da verdade tem cinco caractersticas historicamente importantes: a verdade centrada na forma do discurso cientfico e nas instituies que o produzem; est submetida a uma constante incitao econmica e poltica [...]; objeto, de vrias formas, de uma imensa difuso e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educao e informao, cuja extenso no corpo social relativamente grande, no obstante algumas limitaes rigorosas); produzida e transmitida sob o controle, no exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos polticos ou econmicos (universidade, Exrcito, escritura, meios de comunicao); enfim, objeto de debate poltico e de confronto social (as lutas ideolgicas). (FOUCAULT, 2012, p. 52. Grifo nosso).O poder no para de nos interrogar, de indagar, registrar e institucionalizar a busca da verdade, profissionaliza-a e recompensa-a, no fundo, temos que produzir a verdade como temos que produzir riquezas, ou melhor, temos que produzir a verdade para poder produzir riquezas. Por outro lado, estamos submetidos verdade tambm no sentido em que ela lei e produz o discurso verdadeiro que decide, transmite e reproduz, ao menos em parte, efeitos de poder. Afinal, somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em funo dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos especficos de poder. (FOUCAULT, 2010, p. 279).[...] intelectual no , portanto, o portador de valores universais; ele algum que ocupa uma posio especfica, mas cuja especificidade est ligada s funes gerais do dispositivo de verdade em nossa sociedade. Em outras palavras, o intelectual tem uma tripla especificidade: a especificidade de sua posio de classe (pequeno burgus a servio do capitalismo, intelectual orgnico do proletariado); a especificidade de suas condies de vida e de trabalho, ligadas sua condio de intelectual (seu domnio de pesquisa, seu lugar no laboratrio, as exigncias polticas a que se submete, ou contra as quais se revolta, na universidade, no hospital etc.); finalmente, a especificidade da poltica de verdade nas sociedades contemporneas.Cada vez mais quer me parecer que o filsofo, sendo por necessidade um homem do amanh e do depois de amanh, sempre se achou e teve de se achar em contradio com o seu hoje. [] A cada vez desvelaram o quanto de hipocrisia, comodismo, de deixar-se levar e deixar-se cair, o quanto de mentira se escondia sob o mais venerado tipo de moralidade contempornea, o quanto de virtude era ultrapassada; a cada vez eles disseram: Temos que ir ali, alm, onde vocs, hoje, menos se sentem em casa. (NIETZSCHE, 2011, p. 106, grifos do autor).