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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Walkíria Ferreira Guedes O CENTRO COMUNITÁRIO SÃO MARTINHO DE LIMA: UM ESPAÇO DE VIVÊNCIA PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM SÃO PAULO MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Walkíria Ferreira Guedes

O CENTRO COMUNITÁRIO SÃO MARTINHO DE LIMA: UM ESPAÇO DE VIVÊNCIA PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM SÃO PAULO

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO 2014

  

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

PROGRAMA DE ESTUDOS POS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL

Walkíria Ferreira Guedes

O CENTRO COMUNITÁRIO SÃO MARTINHO DE LIMA: UM ESPAÇO DE VIVÊNCIA PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM SÃO PAULO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Serviço Social, sob a orientação da Professora Doutora Maria Lúcia Martinelli.

SÃO PAULO 2014

  

Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura_______________________________________________________

e-mail: [email protected] Nov/2014

G924

Guedes, Walkíria Ferreira O Centro Comunitário São Martinho de Lima: um espaço de vivência

para a população em situação de rua em São Paulo / Walkíria Ferreira Guedes. - São Paulo: s.n., 2014.

201 p.

Referências: 192-200 Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Martinelli Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social, 2014. 1. Pessoas desabrigadas - São Paulo (cidade). 2. Centro Comunitário

São Martinho de Lima. 3. Participação social. I. Martinelli, Maria Lúcia. II. Título. CDD 362.580981611

Bibliotecária Marlene Cardozo – CRB 7192/8

  

GUEDES, Walkíria Ferreira. O Centro Comunitário São Martinho de Lima: um espaço de vivência para a população em situação de rua em São Paulo. 2014. 201 p. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

____________________________________________________

____________________________________________________

____________________________________________________

  

DEDICATÓRIA

Aos meus pais Joana Guedes e Expedito

Guedes (in memoriam), pelo exemplo de Fé,

coragem e determinação, que nos encorajam

para não desistirmos de nossos sonhos. A eles

o meu Amor, o meu Respeito e a minha

Admiração profunda. Que Deus conceda a

Paz a cada um deles na dimensão em que se

encontram suas vidas, nesse momento.

  

AGRADECIMENTOS

Sejamos gratos às pessoas que nos fazem felizes.

Ao longo da caminhada do percurso de formação humana e acadêmica foram muitos

os gestos, as palavras, os afagos, a energia positiva enviada pelos familiares, amigos e amigas,

professores, colegas de trabalho e de curso que, gratuitamente, se dirigiram a minha pessoa

para expressar o quanto desejavam a minha realização nessa trajetória.

Agradeço a Deus pelo dom da vida e por tudo o que ele me proporciona como

experiências, perspectivas, encontros e desencontros, porque nos ajudam a crescer e criam

possibilidades de realização humana e profissional.

Aos meus pais, Joana e Expedito Guedes (In memoriam), por quem tenho muito amor,

sou grata pelos valores transmitidos que fizeram de mim o que sou hoje. Aos meus irmãos e

irmãs, por ter aprendido tanto com o amor deles.

É um desafio elencar todos os nomes das pessoas que contribuíram para a construção e

concretização do meu processo de aprendizagem e crescimento profissional. Foram inúmeros

os sentimentos proporcionados por esses gestos.

À Fundação São Paulo que possibilitou a Bolsa de Estudos para realização do

Mestrado.

A Professora Dra. Maria Lúcia Martinelli, pela competência profissional e a sabedoria

para unir o humano e o intelectual, nesse processo de construção do conhecimento. A todos os

professores do Programa de Serviço Social da PUC-SP.

Às Professoras Maria Lúcia Carvalho e Maria Carmelita Yazbek pela participação na

banca de qualificação e pelas valiosas contribuições.

À Professora Dra. Tânia Teixeira Laky de Sousa pela colaboração e delicadeza em

aceitar o convite para minha banca de Mestrado.

À Professora Ms. Maria Ignez de Mello Franco pela sua competência intelectual,

disponibilidade e delicadeza na verificação gramatical dessa dissertação.

À Professora Dra. Ana Elisa M. Cysne que, gentilmente, colaborou com a tradução do

Resumo desse trabalho.

Ao Professor Dr. Jorge Cláudio Ribeiro pela contribuição dada à minha pesquisa.

À Luana Bottini, coordenadora de políticas pública para a população de rua na cidade

de São Paulo por disponibilizar material para esta pesquisa.

  

À Irmã Valdete Contin, pela amizade e apoio constantes à minha vida acadêmica e

profissional desde que nos conhecemos e às Irmãs da Congregação de Nossa Senhora

Cônegas de Santo Agostinho, em especial, da Comunidade Sedes Sapientiae pelo

encorajamento que tenho recebido delas.

Aos amigos, Edna Cordeiro, Cida, Marlene Cardozo, Margarida e Frei Mariano que

acompanharam de perto esse percurso.

Ao Padre Júlio Lancellotti e ao Sandro, coordenador do Centro Comunitário São

Martinho de Lima, lugar de intensas experiências e histórias de vida.

Aos colaboradores e profissionais do Serviço Social do Centro Comunitário São

Martinho de Lima, de modo particular, a Luiz Antonio e a Mariana, que me acolheram em seu

espaço de trabalho e me inseriram em suas atividades.

Às pessoas em situação de rua, sujeitos dessa pesquisa, pela contribuição nesse

trabalho, sem a qual, jamais, seria possível concretizar os objetivos propostos para esse

estudo.

A todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para a conclusão desta etapa de

estudos.

A todos o melhor de minha amizade.

  

“... nós temos Deus, nós lutamos pela vida e nós vamos

vencer dessa forma, porque nós não nascemos do mato,

não caímos de árvore, nem nascemos da grama. Viemos

de um pai, de uma mãe, temos uma história, temos uma

origem, temos uma família, temos amigos, temos irmãos...

é dessa maneira que nós vamos, tá?”.

(Sebastião Nicodemes, escritor e militante do Movimento

Nacional da População de Rua).

 

Foto 1 - Ev

Fonte: A A

vento da Popu

Autora, 2013.

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a – Praça da Sé

aquelas pesmoram nas cixo dos viadses, em albe

as de acolhialmente, aqumo sob o peento cotidiaaso das polas, não canr que a sua ida e, não pade de sonhganizar e lu

é

ssoas que calçadas, dutos e ergues e ida e, uelas que eso do ano e do líticas nsam de

voz pode perdem a har, de se utar.

 

  

Fonte: O TRECHEIRO, n. 15, jan. 2007, p. 02.

Direto da Rua   

Unidos pela dor A demanda populacional de rua em São Paulo é grande. O número de pessoas no Centro toma nossa atenção e apoio. Mas esse contingente cresce por todas as regiões da cidade. Sempre quando acontece uma tragédia, Ficamos todos indignados e nos unimos para protestar. Chegou a hora de nos unirmos, Apontarmos caminhos de saída, Abrir portas, criar portas, Apresentar o nosso plano para a reforma da cidade, Priorizando a inclusão dessa população, Visando contratação de mão de obra, Aquisição de moradia, Atendimento aos que têm saúde comprometida, Especialmente a saúde mental, Tratamentos a dependentes químicos. Brigar por direito à rua, não é, Nunca foi o nosso propósito. Brigamos por respeito, Valorização da vida humana, Nossa luta é para que todos tenham Vida digna. Vamos segurar esse momento de unidade, Que veio pela dor e pela indignação. Vamos fazer pacto de unidade constante. Apresentemos um plano eficaz, Que seja nossa proposta, Ou melhor, Nossa determinação para que o Estado Cumpra o seu papel, O Ministério Público faça cumprir a lei E, que seja papel de todos nós Transformar a cidade de São Paulo.    Sebastião Nicomedes Oliveira, Movimento Nacional da População de Rua

  

GUEDES, Walkíria Ferreira. O Centro Comunitário São Martinho de Lima: um espaço de vivência para a população em situação de rua em São Paulo. 2014. 201 p. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

RESUMO A presente dissertação de mestrado tem por objeto de estudo a população, em situação de rua, no seu processo de participação no Centro Comunitário São Martinho de Lima, como um espaço de vivência do exercício de sua cidadania. Objetiva-se analisar como o processo de participação dessa população da zona leste da cidade de São Paulo, se efetiva, como uma das expressões locais de um movimento nacional, na luta, ao conjunto de outros movimentos, pelo acesso a determinados direitos, tomando por referência os últimos cinco anos (2009-2013). O percurso proposto para elucidar o objeto de pesquisa, assenta-se num referencial teórico-metodológico, cujos eixos norteadores formam-se a partir dos conceitos e práticas sociais dos movimentos e sociedade civil, embasados no campo dos direitos que a Constituição Brasileira de 1988 protagonizou como abertura à participação. Participação é um elemento central para o exercício da cidadania e a construção da democracia. Por essa razão, as referências conceituais que permeiam esse trabalho tem base no levantamento bibliográfico de autores contemporâneos brasileiros nas áreas de Serviço Social e Sociologia; o estudo documental se pautou em pesquisas sobre a população em situação de rua e a legislação vigente sobre serviços e programas de atenção a essa população. No Centro Comunitário São Martinho de Lima, busca-se identificar como esse espaço contribui para que a as pessoas em situação de rua participem, enquanto sujeitos, na construção de sua cidadania. É uma pesquisa qualitativa que tem como metodologia a observação participante, cuja dinâmica se pautou em compartilhar de alguns momentos de vivência dos sujeitos nos locais onde eles se encontram para participar das lutas, eventos, comemorações, dentre outros. Foram realizadas entrevistas como instrumento de coleta de informações por meio de depoimentos da história oral de vida desses sujeitos. Quatro (04) foram os sujeitos da pesquisa que estão inseridos nas atividades do Centro São Martinho de Lima. Dois (02) são participantes de base e conviventes e, dois (02) são ex-moradores de rua, que atualmente, colaboram nas atividades desenvolvidas junto à população em foco. Os resultados demonstram, por um lado, que o Centro Comunitário, sendo espaço de convivência que promove atividades cotidianas e debates sobre assuntos de interesses e lutas da população em situação de rua, é um espaço que fortalece o aprendizado de que a consolidação de direitos ocorre por meio do exercício da cidadania. Por outro, a participação é um processo fruto de vivências em torno de interesses e necessidades comuns, portanto, a condição de vulnerabilidade em que ela vive faz com que sua ocorra no campo das necessidades socioeconômicas cuja porta de entrada principal é a política de assistência social. Palavras–chave: Participação – Cidadania – População em situação de rua.

  

GUEDES, Walkíria Ferreira. O Centro Comunitário São Martinho de Lima: um espaço de vivência para a população em situação de rua em São Paulo. 2014. 201 p. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

ABSTRACT This dissertation has the purpose to study the population living on the streets, in their process of participation in the Centro Comunitário São Martinho de Lima, which is a place of experience of participation. Its objective is to analyze how this process of participation of the population from the “Zona Leste (east area) of São Paulo happens as one of the local expression of a national movement, the struggle, along with other movements, aiming at access of certain rights, taking as a reference the past five years (2009-2013). The route proposed to elucidate the research objective is based on a theoretical and methodological framework, whose guiding principles are formed by concepts and social practices of movements and the civilian society, based on the rights that the 1988 Brazilian Constitution starred as the opening to participation. Participation is the main element for the application of citizenship and the building of democracy. For this reason, the conceptual references that pervade this research are grounded on bibliographical survey of Brazilian contemporary authors in the social service and the sociology area; the documental study was guided by the research about the situation of the population who lives on the streets and the current legislation on programs and services for taking care of this population. Centro Comunitário São Martinho de Lima seeks to identify how this space contributes to the participation of people in the streets, as human beings, to construct their citizenship. This is a qualitative research and its methodology is the participant observation, whose dynamics was based on a sharing of some moments of experience of the people in the locations they are placed to get engaged with the struggles, events, celebrations and so forth. Interviews were done as a way to collect information through testimonies of their personal life trajectory. Four (4) individuals were the subjects that are included in the activities of Centro São Martinho de Lima. Two (2) are base participants and cohabitants and two (2) are former homeless people who are currently helping in the activities with the target people. The outcomes show, on the one hand, that the Centro Comunitário, being a space where people live together and that promotes daily activities and debates about necessary topics and homeless struggles, is a space to strengthen the learning that the consolidation of the rights occurs through the practice of citizenship; on the other hand, participation is a process that results in experiences around common interests and needs. Therefore, the condition of vulnerability this population lives in makes participation occur in the field of psychosocial and socioeconomic needs, whose main entrance is the social welfare policy. Key words: Participation – Citizenship – Population on the streets

  

LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Evento da População de Rua – Praça da Sé..................................................... 9

Foto 2 - Constituição Federal........................................................................................ 33

Foto 3 - Ato Público em São Paulo............................................................................... 64

Foto 4 - Dormindo na rua.............................................................................................. 65

Foto 5 - Ato Público...................................................................................................... 90

Foto 6 - O grito dos excluídos....................................................................................... 95

Foto 7 - Ato Público...................................................................................................... 105

Foto 8 - Via Sacra do povo de rua................................................................................. 115

Foto 9 - Ato Público por moradia.................................................................................. 134

Foto 10 - Almoço no Centro São Martinho de Lima..................................................... 163

Foto 11 - A natureza...................................................................................................... 191

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - População em situação de rua por sexo........................................................ 86

Figura 2 - População em situação de rua por idade....................................................... 86

Figura 3 - População em situação de rua por raça/cor................................................... 87

Figura 4 - População em situação de rua por local onde costuma dormir.................... 87

Figura 5 - População em situação de rua por local de preferência para dormir............ 88

Figura 6 - Posse de documentos de identificação.......................................................... 88

Figura 7 - Discriminações sofridas................................................................................ 89

Figura 8 - População em situação de rua segundo proporção de participação em algum movimento social.................................................................................

89

Figura 9 - Mapa da vulnerabilidade............................................................................... 99

Figura 10 - Mapa da Zona Leste de São Paulo.............................................................. 148

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - População de rua na cidade de São Paulo 2009 x 2011.............................. 145

Quadro 2 - Número total de indivíduos em situação de rua e em centro de acolhida em 2011 x 2009............................................................................................

146

Quadro 3 - Porcentagem de indivíduos por ano do censo............................................. 146

  

LISTA DE SIGLAS ANC – Assembleia Nacional Constituinte.

ASSINDES - Associação Internacional para o Desenvolvimento.

BOMPAR – Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

CCSML – Centro Comunitário São Martinho de Lima.

CDCM - Centro de Documentação e Comunicação dos Marginalizados.

CEB’S – Comunidades Eclesiais de Base.

CELAM – Conferência Episcopal Latino Americana.

CETREM – Central de Triagem e Encaminhamento ao Migrante.

CERU/USP – Centro de Estudos Rurais e Urbanos / Universidade de São Paulo.

CF-1988 – Constituição Federal de 1988.

CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social.

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

CNDDH - Centro de Defesa de Direitos Humanos da População de Rua e Catadores de

Materiais Recicláveis.

COOPAMARE - Cooperativa de Catadores de Material Reciclável.

COPS – Coordenadoria de Observatório de Políticas Públicas.

CUT – Central Única dos Trabalhadores.

DA/SAGI – Departamento de Avaliação/Secretaria de Avaliação e Gestão de Informação.

DBEN – Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

ECA – estatuto da Criança e do Adolescente.

FAS – Fórum da Assistência Social.

FESPSP - Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

FMI – Fundo Monetário Internacional.

GTI - Grupo de Trabalho Interministerial.

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

IPVS – Índice Paulista de Vulnerabilidade Social.

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social.

MCC – Movimento de Luta Contra a Carestia.

MDCA – Movimento de Defesa da Criança e do Adolescente.

MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

MNPR – Movimento Nacional da População de Rua.

  

MPL – Movimento Passe Livre

MPL-SP – Movimento Passe Livre de São Paulo.

MST – Movimento dos Sem terra.

NOB – Norma Operacional Básica.

NSA - Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos.

OAF – Organização Auxílio Fraterno.

ONG’s – Organizações Não-Governamentais.

OP – Orçamento Participativo.

PEC - Proposta de Emenda Constitucional.

PMSP – Prefeitura Municipal de São Paulo.

PNAS – Política Nacional de Assistência Social.

PNPR – Política Nacional de Inclusão Social da População em Situação de Rua.

POPRUA – População em Situação de Rua.

PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico.

PT – Partido dos Trabalhadores.

PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

SAS – Secretaria de Assistência Social.

SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análises de Dados.

SENAI - Serviço Nacional da Indústria.

SERMIG - Servizio Missionario Giovani.

SMADS - Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura da

Cidade de São Paulo.

SUAS – Sistema Único da Assistência Social.

SUS – Sistema Único de Saúde.

TL – Teologia da Libertação.

UBS – Unidade Básica de Saúde.

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

  

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.................................................................................................... 18

CAPÍTULO I ELEMENTOS E PRÁTICAS QUE PERMEIAM A PESQUISA.......................................................................................

32

1.1 Constituição Federal de 1988 - Marco da democracia..................................... 33

1.1.1 A Carta Política como marco da democracia................................................... 33

1.1.2 Avanços na garantia de direitos......................................................................... 36

1.2 Sociedade Civil – conceito e práticas sociais..................................................... 40

1.3 Participação – centralidade no exercício da cidadania.................................... 47

1.3.1 Novos contextos de participação........................................................................ 51

1.3.2 Identificando novos desafios.............................................................................. 54

CAPÍTULO II POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: DESAFIOS PARA UMA LUTA POR CIDADANIA.................................................

63

2.1 Situando o trabalho como centralidade no mundo dos homens..................... 64

2.2 Buscando antecedentes históricos para entender a realidade atual............... 69

2.3 Sobre a população em situação de rua.............................................................. 76

2.4 O Movimento da População em Situação de Rua – um instrumento de lutas por direitos................................................................................................

90

2.4.1 Políticas Públicas – o campo das lutas pelo direito a ter direitos....................... 95

CAPÍTULO III A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO NA CIDADE DE SÃO PAULO............

104

3.1 Processos, vivências e o exercício da cidadania................................................ 105

3.1.1 O povo da rua e a Igreja de São Paulo – marcas que permanecerão no futuro.. 106

3.1.2 Missões Populares - Pensar novas práticas... vivenciar novos saberes!........... 119

3.2 A população de rua e o Estado: a busca por espaço de participação e cidadania...............................................................................................................

122

3.3 De indivíduo/objeto a sujeito político: “Somos um povo que quer viver!”.... 131

  

CAPÍTULO IV A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E O CENTRO COMUNITÁRIO SÃO MARTINHO DE LIMA: UM ESPAÇO DE VIVÊNCIA DA PARTICIPAÇÃO......................

143

4.1 Referências sobre pessoas em situação de rua nos Centros de Acolhida....... 145

4.2 A Pesquisa de Campo.......................................................................................... 148

4.2.1 O Lugar Social................................................................................................... 156

4.3 O Espaço de Convivência e participação da população em situação de rua. 163

4.3.1 Apresentando os sujeitos da pesquisa................................................................ 170

4.3.2 A participação como processo de vivência articulada aos espaços de cidadania............................................................................................................

174

4.3.3 O Centro Comunitário São Martinho de Lima e as pessoas em situação de rua: como se envolvem na luta..........................................................................

182

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 186

REFERÊNCIAS........................................................................................................ 192

ANEXOS.................................................................................................................... 201

18  

APRESENTAÇÃO

A experiência é o que nos passa, o que nos acontece,

o que nos toca. Não o que se passa não o que

acontece ou o que toca.

Jorge Larrosa Bondía1

A presente pesquisa versa sobre as pessoas que vivem em situação de rua, na cidade de

São Paulo e o seu processo de participação no acesso a direitos. Apesar da difícil realidade

enfrentada por essa população, ela vem se constituindo, em sua base, em um Movimento de

luta, cujo principal objetivo é o resgate da cidadania, a reinserção no mercado de trabalho, o

direito à moradia, saúde, educação, alimentação, dentre outras necessidades básicas,

indispensáveis para sua qualidade de vida.

Por se tratar de um tema de relevante interesse social, como também, de difícil

compreensão, pela natureza da sua especificidade – a situação-limite de vulnerabilidade social

-, interessa-nos conhecer essa realidade, buscando identificar como essa população participa,

como se caracteriza e como se constrói no processo e na vivência enquanto sujeito, na luta

pelo acesso a direitos, neste cenário da participação, em que a sociedade é chamada a

fiscalizar e controlar políticas públicas, asseguradas pela Constituição Federal de 1988.

A proposta de estudo apresentada para o Mestrado no Programa de Estudos Pós-

Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP é

fruto de um interesse advindo de experiências de trabalhos vivenciadas no Nordeste por meio

das pastorais sociais, com públicos de famílias, de trabalhadores e trabalhadoras, mulheres,

crianças e adolescentes e associações de moradores, com os quais, empiricamente, já havia

uma relação com a temática da participação.

Essas experiências são processos de vivências que se enriqueceram a partir do contato

com realidades de grupos de mulheres, meninos e meninas de rua, comunidades de base,

pessoas excluídas de sua cidadania ou na busca pelo exercício dela. Elas são testemunho do

quanto a luta e a organização desses grupos foram e continuam a ser ferramentas

fundamentais para a conquista de direitos, de melhoria das condições de vida, de políticas de

atendimento, de infraestrutura e de acesso a bens e serviços públicos.

                                                            1 Professor da Universidade de Barcelona, Espanha.

19  

A oportunidade de fazer um trabalho de comunidade de base na periferia da cidade de

Fortaleza-CE, no final da década de 1980 e início dos anos 1990, e acompanhar a trajetória

cotidiana de várias famílias que sobreviviam do trabalho no lixão da cidade2: suas histórias,

suas lutas, suas alegrias apesar das dificuldades e desafios, foi outro fator que contribuiu para

o interesse desse projeto de pesquisa.

As famílias que ali viviam – catadores de lixo, trabalhadores e trabalhadoras das

fábricas de castanha3, não deixavam que os efeitos da conjuntura sociopolítica e econômica

impedissem deles manifestar sua força e capacidade de organização da comunidade para a

conquista de direitos como trabalho, moradia digna, educação, saúde e lazer. A força da

organização comunitária dos moradores daquela região determinava a conquista de creches,

escolas para os filhos, infraestrutura e saneamento básico (água e esgoto) 4 para a melhoria da

qualidade de vida, no bairro, junto ao poder público.

Nesse contexto, contávamos também com a presença de uma Igreja que, após o

Concílio Vaticano II (1961-1965), vivia inspirada nos acontecimentos de duas importantes

Conferências, a de Medellín (1968) na Colômbia e a de Puebla (1979), no México, fazendo

acontecer um novo jeito de ser Igreja por meio das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs -,

inspiradas pela Teologia da Libertação – TL -, cuja militância cristã tinha como centralidade a

opção preferencial pelos pobres, orientada pela ação evangelizadora da Igreja na América

Latina.

Até Medellín, a Igreja no Continente era a reprodução do modelo da Igreja europeia, em seu modo de organização, em sua problemática teológica e em suas propostas pastorais. Portanto, a Igreja latino-americana, mais que ser igreja da América Latina, era mais propriamente a Igreja europeia na América Latina. Era, de fato, uma igreja

                                                            2 Catar papelão, vidro, alumínio, plástico, ferro, aço, etc., era uma atividade de trabalho das famílias que viviam em extrema pobreza na, denominada Favela do Lixo, na Região de Messejana, cidade de Fortaleza-CE por estar próxima ao depósito de lixo de quase toda a cidade. Nesse local famílias inteiras (pai, mãe e filhos) trabalhavam nas piores condições, disputando com animais e arriscando suas vidas entre os carros de coleta, o sustento de suas necessidades mais básicas. 3 As fábricas de Castanhas na cidade de Fortaleza-CE, nesse período da década de 80 e início dos anos 90 do século passado, eram consideradas um dos símbolos do capitalismo, da exploração dos donos dos meios de produção sobre o força do trabalho dos operários e operárias impondo regras rigorosas durante a jornada diária de trabalho. Aqueles que operavam as máquinas de corte e seleção do produto sofriam humilhações, tanto de cunho fisiológico quanto psicológico, determinadas pela dinâmica da produção que eles deveriam cumprir para atingir a meta de produção diária. 4 A Favela do Lixo, assim denominada na época, não tinha nenhum investimento do poder público em saneamento básico para os moradores. Não tinha transporte público, só existia uma creche comunitária fruto da luta da Associação de Moradores, o esgoto era a céu aberto e o índice de doenças em crianças e adultos era bem significativo. Para combater essas doenças, era realizado o trabalho da Pastoral da Criança e Pastoral da Saúde para os adultos - da Igreja Católica. Como resultado da organização e luta dos moradores, atualmente, a então Favela do Lixo, é um bairro de Fortaleza, cujo nome João Paulo II é em homenagem ao representante da Igreja Católica quando fez sua visita missionária a Fortaleza, na década de 1980. É um bairro bem centralizado e com infraestrutura de moradia, transporte, postos de saúde, saneamento básico, escolas, comércios, lazer, etc.

20  

em estado de minoridade, tutelada, privada de sua legítima autonomia institucional. [...] Medellín se constitui como o verdadeiro "divisor de águas" na história da igreja do Continente, de tal modo que se pode falar do "antes de Medellín" e do "depois do Medellín". Os bispos que fizeram aquela conferência estavam conscientes da importância histórica daquele momento. Na "Introdução às Conclusões" proclamam explicitamente uma "nova época da história" e a definem precisamente em termos de ‘libertação’. (BOFF, s.d).

A noção de comunidade5, nos anos 1970 e 1980, na América Latina e, especialmente,

no Brasil foi a expressão mais atuante como princípio organizativo das camadas populares na

luta por seus direitos sociais e políticos, nessa fase histórico-social a categoria empírica forte

era povo organizado.

O protagonismo das mulheres, dos trabalhadores, da juventude, das crianças e

adolescentes era o foco principal da dinâmica da ação missionária da Igreja fundamentada na

Teologia da Libertação. Havia um grande investimento na formação dos agentes comunitários

e de pastoral, na qual, o fortalecimento das lideranças em seu processo sociopolítico era um

instrumento potencializador e sua ferramenta fundamental para a participação cidadã dos

sujeitos na política, na Igreja, no mundo do trabalho e na sociedade.

A experiência com os movimentos sociais na periferia de Fortaleza – Região de

Messejana, na década de 1980 e início dos anos 1990, foi um período muito rico para se

concluir que a garantia e acesso a direitos são resultados da organização e participação dos

movimentos, grupos e sociedade civil.

Nesse processo de engajamento coletivo, a mobilização e o despertar para uma

consciência da importância da participação e da luta como garantias de acesso a direitos, eram

dinâmicas de articulação utilizadas pelos movimentos populares, sociais e religiosos, unidos

ao conjunto de outras organizações da sociedade civil que, aos poucos, somavam pequenas

conquistas para a melhoria das condições de vida das famílias de trabalhadores assalariados.

Nos anos de 1980, o Brasil sofria fortes influências no campo social advindas de

modelos econômicos, permeados pela crise do capitalismo que, desde o início dos anos 1970,

segundo Chauí (2011) passa a conviver com uma situação de baixas taxas de crescimento

econômico e altas taxas de inflação.

Nesse período, os cientistas, o austríaco Hayek e o norte-americano Friedman

passaram a serem ouvidos, por suas ideias representar uma explicação para a crise do

capitalismo que se instalava. Para eles, a causa era fruto do poder excessivo atribuído aos

                                                            5 A comunidade representava, basicamente, uma unidade mínima que possibilitava a organização do povo para lutar contra os regimes militares, organizar o povo, lutar por eleições diretas e forçar o Estado implantar serviços na comunidade e redemocratizar seus aparelhos. Era uma unidade que possuía uma força política à medida que os movimentos sociais, as associações se agregavam e demandavam bens e serviços mínimos urbanos.

21  

sindicatos e aos movimentos operários, responsabilizando-os pela pressão que estes exerciam

por aumento de salários, o que exigia maiores encargos sociais para o Estado, causando

rebaixamento no lucro das empresas e processos inflacionários sem controle (CHAUÍ, 2011).

As mudanças econômicas ocorridas no cenário internacional - décadas de 1970 e

1980-, colocaram o Brasil em uma posição de grande restrição externa, em razão do rápido

aumento das importações de petróleo, que respondeu à elevação dos preços internacionais, e

da expansão da dívida cotada em moeda estrangeira, entendida como um resultado do choque

da taxa de juros norte-americana.

Essa restrição externa significou uma crise repercutindo, fortemente, na conjuntura

política, social e econômica, cuja reação ficou marcada pelas quedas da taxa de crescimento,

crescimento da dívida externa acompanhadas pela desvalorização do câmbio e ampliação da

inflação.

A realidade de muitas famílias de trabalhadores em situação de pobreza, de miséria, de

desemprego, era consequência dessas mudanças societárias e das decisões no campo político e

econômico para fortalecer o mercado, criar novos padrões de acumulação produtiva, fazer

reformas estatais, cujo objetivo estava orientado para equilibrar a crise fiscal e o pagamento

de dívidas, causando dessa forma o desemprego em massa. Essa configuração empurrava,

cada vez mais, famílias inteiras – jovens, adultos, crianças, adolescentes, mulheres - para

trabalhar em condições desumanas.

Segundo Gohn (2008) a crise atravessada pelo Brasil, trouxe também, na década de

1990,  implantação do projeto neoliberal6, repercussões no cotidiano dos movimentos sociais

provocando sérias consequências: a fragilização das políticas públicas; a desqualificação da

mão-de-obra trabalhista; o crescimento do setor informal e as novas exigências no campo da

educação formal e não formal que foram estabelecidas pelas ideias neoliberais. Segundo

Chauí (2011), as ideias sugeridas pelo projeto de Hayek e Friedman tinham os seguintes

princípios:

1- Fortalecer o Estado para quebrar o poder dos sindicatos e dos movimentos

operários, controlar o dinheiro público e cortar os encargos sociais e investimentos na

economia;

                                                            6 Segundo Chauí (2011, p. 313), “nas décadas de 1950 a 1960, o grupo de Mont Saint Pélérin, opondo-se à social democracia, elaborou, detalhadamente, um projeto econômico e político no qual atacava o chamado Estado de Providência com seus encargos sociais e com sua função de regulador das atividades do mercado, afirmando que esse tipo de Estado destruía a liberdade dos cidadãos e a competição, sem as quais não há prosperidade”.

22  

2- Criar um Estado cuja meta principal deveria ser a estabilidade monetária,

conter gastos sociais, restaurar a taxa de desemprego e formar um exército industrial de

reserva para quebrar a força e o poder dos sindicatos;

3- Realizar uma reforma fiscal, incentivar investimentos privados e reduzir

impostos sobre o capital e aumentar os impostos sobre a renda individual (trabalho, consumo

e o comércio);

4- Deixar a regulação econômica sob a responsabilidade do mercado, além, de

abolir investimentos estatais na produção e no controle sobre fluxo financeiro, aprovar uma

legislação privando o direito de greve e elaborasse um programa de privatização.

Em meados dos anos 90 até início dos anos 2000, em Teresina, Estado do Piauí, a

inserção no Movimento de Educação de Base – MEB – e a parceria em trabalhos sociais junto

com outras organizações da sociedade civil, com movimento de trabalhadores e associações,

apoio às manifestações de rua, foi outra vertente de uma experiência que muito contribuiu

para o meu relacionamento com a temática da participação.

Nesse período já sentíamos o grande impulso das ideias neoliberais e a visibilidade de

muitas organizações que surgiam nesse cenário com a filosofia de projetos sociais, permeadas

por ações pontuais, cujo alcance de seus objetivos estava delimitado por um determinado

espaço de tempo, objetivando muito mais, responder aos interesses dos financiadores do que

estabelecer um processo real e concreto de conquista dos direitos.

A prática e o perfil dessas organizações divergiam daquelas organizações que, nas

décadas de 1970 e 1980, de fato, assumiam um trabalho consistente de assessoria, cujo

objetivo era fortalecer a luta e autonomia dos movimentos sociais. Esse trabalho fragmentado

pela ação das novas organizações, surgidas nesse cenário da década de 1990, fortalecia o

projeto neoliberal na redução do papel do Estado como provedor de políticas públicas,

contribuindo para a proliferação da pobreza e das desigualdades sociais.

O neoliberalismo teve forte influência na forma como o Estado deveria cumprir seu

papel de provedor de políticas públicas. Em sua fase inicial nos anos 1980 e 1990 imprimiu a

defesa de uma economia de livre-mercado que, aos poucos, foi interferindo na reformulação

de políticas econômicas e sociais, obrigando o Estado a reduzir suas ações governamentais.

A política neoliberal também influenciou fortemente o Estado, provocando-o a

assumir uma nova postura de promotor a gestor, exercendo um papel fragmentário no campo

das políticas públicas, reduzindo sua função estatal, desresponsabilizando-se de suas

atribuições e, consequentemente, pressionando a sociedade assumir a prática de ações

23  

coletivas. (ROJAS COUTO, 2004;  GOHN, 2008;  BEHRING; BOSCHETTI, 2010;

GUIMARÃES, 2010).

Nesse processo, o que importava mesmo era expandir o capital sem levar em

consideração as consequências avassaladoras que repercutiam na vida e na realização das

sociedades humanas. A conjuntura econômica e política incentivada pelas políticas

neoliberais, também, teve forte repercussão na dinâmica dos movimentos sociais, nas lutas

sociais e no protagonismo da classe trabalhadora. (ANTUNES, 2006).

As expressões da questão social7 foram tomando diferentes dimensões e norteando as

mudanças na sociedade brasileira, trazendo profundos desafios a serem enfrentados pela

população, mais precisamente, em áreas consideradas direitos básicos à realização de suas

capacidades humanas como a educação, saúde, trabalho, moradia e alimentação. (SILVA,

2009).

Neste cenário, destacamos um segmento social, população em situação de rua que,

vitimado pelas consequências imprimidas pelo capital, vive marcado pela exclusão do

mercado de trabalho, pela falta de moradia, de saúde, de alimentação e, pelo rompimento dos

vínculos familiares.

Essas pessoas, por diferentes razões, saem de seus locais de moradia, vivem

ambulando pelas cidades, como trecheiro8 e/ou moradores de rua. Independentemente das

diferentes inserções que se revelam em dimensões de permanência na rua - ficar é

circunstancial; estar é recente e ser da rua é permanente (WANDERLEY, 2005, p. 13) - e,

apesar do direito à cidadania que abrange a todos, essas pessoas não conseguem ter acesso aos

elementos mais básicos da sobrevivência.

A realidade de pessoas que vivem em situação de rua é uma problemática crescente e

agravante nos grandes centros urbanos. Cabe mencionar que, segundo Medeiros (2010), desde

a década de 1970 alguns trabalhos já vinham sendo iniciados junto a essa população,

realizados por diversos grupos religiosos desprovidos de qualquer participação ou alternativa,

por parte do poder público.

O interesse pelo tema desta pesquisa sobre população em situação de rua e o seu

processo de participação no acesso a direitos, na realidade, é fruto de provocações profundas

que essa realidade perscrutava meu ser. Era algo que me inquietava, mas ficava em estado

                                                            7 “A questão social é expressão das desigualdades resultantes das relações capitalistas desenvolvidas a partir da relação entre o capital e o trabalho; ela expressa também, rebeldia, não sendo um resultado natural da sociedade humana, mas uma reação às desigualdades impostas pela ordem social capitalista. É, pois, inerente ao capitalismo”. (IAMAMOTTO, 2005, p. 28 apud SILVA, 2009, p. 112). 8 O catador de papelão ou pessoa que vive em situação de rua andarilho por estradas e cidades.

24  

latente, devido ao interesse por outras temáticas que envolviam o meu campo de trabalho, na

época, com projetos sociais.

Essa inquietação teve seu início em 2004, quando iniciei o curso de graduação em

Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP -, e todos os dias,

ao passar pela av. São João, sob o Elevado Presidente Costa e Silva, na cidade de São Paulo,

deparava-me com o cenário de pessoas dormindo e sobrevivendo nas ruas, debaixo de

viadutos, em cima de papelões, no meio de pessoas que iam e vinham de seus compromissos

e, muitas vezes, nem se davam conta daquele cenário, tudo parecia muito natural, as pessoas

que ali moravam parecia fazer parte de uma paisagem invisível.

Não era possível entender e nem compreender aquela visão. Não dava, apenas olhando

de longe, para penetrar no profundo dos sentimentos, das perspectivas, dos sonhos, das

desilusões, das esperanças, do que se perdeu ao longo desse processo de vivência nas ruas; 

buscando abrigo, sustento e eventuais indicações para trabalho;  transitando pelos vários

albergues e comunidades existentes na cidade, atendida pelo poder público, assim como por

várias entidades civis. Para conhecer o seu modo de vida era preciso se aproximar do seu

mundo.

Não tinha como ignorar a presença daquele ser humano ali, sua história, sua família, as

causas, os motivos que o levaram àquela situação de pleno esvaziamento de si, dos seus

sonhos, dos seus direitos, de sua humanidade, de sua cidadania. Quem é ele? Quem é ela? O

que o (a) levou para lá? Qual a sua história? Como se sente? Como se vê? Essas e tantas

outras indagações tomavam conta de meus pensamentos e quanto mais profundas as

perguntas, mais distantes ficavam as respostas.

Havia um esforço de fazer a leitura daquela realidade tentando estabelecer parâmetros

de análises, abordagens sociológicas, econômicas e políticas, no intuito de “explicar” ou

“entender” um cenário que de tão real, às vezes, parecia virtual, de tão cruel, parecia

impossível de acreditar, pois não se encaixava naquele espaço, reflexo de um incômodo que

permeava cabeça e coração, razão e sentimento.

De acordo com a orientação de estudos teórico-científicos era possível analisar essa

realidade afirmando que seus fatores foram resultados de globalização e de uma política

neoliberal que insistiu em configurar-se em uma nova ordem econômica, impondo um sistema

de mercado e pondo a pessoa humana e a luta dos trabalhadores, à margem de seus interesses

financeiros, não reconhecendo os indivíduos como sujeitos portadores de direitos para

desenvolver suas capacidades.

25  

Esse universo, permeado por desigualdades, alienação, antagonismos, discriminação e

injustiça social, instigava a participação da sociedade, por meio da articulação de lideranças

populares e religiosas, de intelectuais e de outros movimentos no fortalecimento da luta dos

trabalhadores para garantir direitos e poder realizar uma vida com mais dignidade. Por que,

então, crescia o número de pessoas no anonimato das ruas dos grandes centros urbanos e das

grandes metrópoles do país?

A virada do século XX para o século XXI é marcada justamente pelo aparente

enfraquecimento das formas tradicionais de lutas sociais e de protagonismo das classes

trabalhadoras, como os sindicatos. Concomitantemente, os próprios partidos parecem perder

seu papel orientador das lutas sociais. Estas, por sua vez, diversificam-se, porém se

fragmentam e parecem perder muitas vezes um foco transformador preciso. (WANDERLEY,

2012). Por isso, urge rever os valores e resgatar novas formas de participação.

Entretanto, se por um lado, houve uma tendência para enfraquecer a política social de

direito e a organização dos trabalhadores, por outro lado, os movimentos sociais não perderam

de vista a possibilidade e a capacidade de se revitalizar e fazer novos atores sociais emergirem

nesse contexto. (GOHN, 2008). Essa conjuntura fez emergir um novo cenário onde se

desenvolveu, também, um novo espaço público não estatal composto por conselhos, fóruns,

redes sociais, comitês, pastorais sociais e outros.

Considerando que a luta não está mais concentrada em sindicatos ou partidos políticos,

entende-se que o campo de novos atores se ampliou e se pluralizou dando ênfase à criação de

outros movimentos (LAVALLE, 2011; LÜCHMANN, 2011). Ademais, tanto os novos atores

quanto os que já se encontravam em cena, passaram a fixar suas metas e conquistas no campo

da sociedade política, especialmente, no campo das políticas públicas (GOHN, 2008).

A sociedade diversificou o seu acesso à informação, fortaleceu sua consciência e

posicionamento crítico, ampliando seu discurso e suas práticas, criando novas formas de

organização e associativismo, conquistando outras dimensões e representações diversas. Essa

pluralidade de novos atores sociais fez surgir um novo conceito de cidadania associado à ideia

de participação (GOHN, 2008).

No caso brasileiro e, de modo específico, a conquista de direitos civis e sociais

assegurados na Constituição Federal de 1988 foi um marco histórico. O Artigo 5º estabelece a

igualdade de direitos a todos os cidadãos brasileiros, afirmando que os direitos à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade são invioláveis. E no Artigo 6º define

como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

26  

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na

forma da lei.

Essas conquistas são resultados das lutas sociais como formas de resistência que se

definem como um modo de reivindicar direitos, onde novos sujeitos se colocam no cenário da

participação e se instituem como sujeitos históricos e recusam lugares destituídos de bases

materiais e de cidadania que a sociedade lhe destina (MARTINELLI, 2011).

Num primeiro momento desta pesquisa, a proposta do trabalho era ouvir a voz das

organizações quanto ao seu papel junto aos usuários de seus serviços, entretanto, veio a

inspiração para fazer o contrário, ou seja, a voz que precisava ser ouvida, na realidade, era

daqueles que protagonizavam com a sua vida, os desafios postos à urgência de uma gestão a

partir da luta e da organização das classes subalternas para a efetividade de investimentos no

social. (YAZBEK, 2009). Foi então, que o tema de estudo sobre população em situação de rua

no seu processo de participação ficou definido.

A população em situação de rua se destaca como um sujeito que vem se configurando

nesse cenário da participação, como um segmento que, aos poucos, vem se constituindo num

sujeito coletivo, como um Movimento de População de Rua, que vai travar suas batalhas no

campo das políticas públicas, na luta pelo acesso a direitos e pelo exercício de sua cidadania.

E o movimento de população em situação de rua vem se caracterizando como um

movimento social, cujo critério de participação, é a composição por pessoas que vivem ou

viveram em situação de rua e que se unem em movimento para ter acesso a direitos que lhes

são negados e reconquistar sua cidadania.

O conceito de participação ocupa lugar central no trato teórico do objeto da pesquisa e,

nessa direção, ela é cercada teoricamente, a partir de algumas indagações sobre o significado

da participação da população em situação de rua enquanto exercício de cidadania como

contribuição para o aprofundamento da democracia.

Busca-se com este trabalho identificar como essa população participa, como se

desenvolve esse processo, como se descobre enquanto sujeito, na construção de sua cidadania,

neste novo cenário da participação, a partir da década de 1990, período em que a sociedade

civil é chamada a participar, fiscalizar e controlar políticas públicas, asseguradas pela

Constituição Federal de 1988.

Pensar, resgatar, apresentar a trajetória de um grupo aparentemente “invisível” que, na

resistência de sua luta, apesar das hostilidades e descasos sofridos por parte do poder público

e a indiferença expressa na forma como a sociedade o vê, é contemplar um verdadeiro

renascer das cinzas que significa na vida desse segmento populacional, a coragem de alçar

27  

voos, descobrir saídas, apropriar-se de alternativas para se organizar, fazer ouvir a sua voz e

ser visto como um sujeito que não se cala diante do direito de lutar por seus direitos.

Realmente, esse grupo merece reconhecimento e respeito! Por isso, identificar os

processos de vivências que contribuíram para que a população em situação de rua saísse da

condição de indivíduo/objeto para a condição de sujeito político é um dos eixos que norteiam

essa pesquisa e fundamenta o interesse da pesquisadora pelo tema.

O objetivo geral da dissertação foi apresentar o processo de participação da população

em situação de rua, atendida pelo Centro Comunitário São Martinho de Lima, na região leste

da cidade de São Paulo nos últimos cinco anos (2009 a 2013), o qual se fez acompanhado

pelos seguintes objetivos específicos: identificar no cotidiano da Entidade as atividades que

contribuem para desenvolver a participação da população de rua na construção da cidadania;

pontuar de que forma a articulação da população de rua, desse entorno, vem contribuindo,

como expressão local de um movimento nacional, para o fortalecimento da democracia;

identificar como acontece essa participação ao conjunto de outros movimentos pelo acesso a

determinados direitos como o trabalho, moradia e saúde, como estratégia de ampliação dos

espaços públicos.

Foi utilizada para o estudo desta temática a abordagem qualitativa, na qual, a

observação participante foi uma modalidade metodológica praticada pela pesquisadora, pois,

como aponta Severino (2007) visa identificar os fenômenos, interagir com os sujeitos

pesquisados, observar as manifestações deles e as situações vividas. “[...] a ciência se

constitui aplicando técnicas, seguindo um método e apoiando-se em fundamentos

epistemológicos. [...] várias são as modalidades de pesquisa que se pode praticar [...]”

(SEVERINO, 2007, p. 117-18).

Martinelli (1999) reforça essa postura ao destacar a importância das pesquisas

qualitativas como um modo de manter o contato do (a) pesquisador (a) com os sujeitos,

conhecer seus modos de vida, pois, os esforços do (a) pesquisador (a) estão na busca dos

significados de vivências para os sujeitos. Por isso, não é o número de pessoas que vai prestar

a informação, mas, o significado que os sujeitos apresentam em função do que buscamos com

esse estudo.

[...] podemos afirmar que nessa metodologia de pesquisa, a realidade do sujeito é conhecida a partir dos significados que por ele são atribuídos. [...] Não se trata, portanto, de uma pesquisa com grande número de sujeitos, pois é preciso aprofundar o conhecimento em relação àquele sujeito que estamos dialogando. (MARTINELLI, 1999, p. 25).

28  

O estudo bibliográfico sobre o tema população em situação de rua teve centralidade

nas produções teóricas de vários autores, destacando-se entre eles: Castelvecchi, 1985; Rosa,

2005; Silva, 2009; Giorgetti, 2012; permeado pelas análises teóricas de autores, como:

Dagnino, 1994; Telles, 1994; Duriguetto, 2007; Gohn, 2008; Yazbek, 2009; Lavalle, 2011;

Tatagiba, 2011;  Nogueira, 2011, 2013; Avritzer, 2012; Wanderley, 2012; e outros que

contribuíram para uma visão geral dos conceitos que permeiam esse estudo.

Foram consultados no banco de teses da PUC-SP e da CAPES, dissertações e teses

disponíveis, relacionadas com o tema da participação e sua ampliação de espaços públicos no

Brasil, como também publicações de jornais tradicionais e informais como O TRECHEIRO,

de publicação da Rede Rua, exclusivamente, sobre as lutas e trajetórias da população de rua.

O estudo documental teve como objeto a legislação vigente sobre serviços e

programas de atenção à população em situação de rua para garantir padrões éticos de

dignidade e não violência na concretização de mínimos sociais, ancorados na Constituição

Federal de 1988; na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) - Lei Federal de n 8.742 de 7

de dezembro de 1993; na Política Nacional de Assistência Social (PNAS-2004); no Sistema

Único da Assistência Social e a Norma Operacional Básica (NOB-SUAS 2005) e a Política

Nacional para a Inclusão Social da População em Situação de Rua (2008).

Como técnica de trabalho de campo, optamos pela observação participante, cuja

dinâmica se pautou em compartilhar de alguns momentos de vivência dos sujeitos, nos locais

onde eles se encontravam para dialogar, discutir, planejar, participar das lutas, eventos,

comemorações, dentre outros, como diz Severino (2007) para registrar as manifestações dos

sujeitos e as situações vividas, bem como fazer as análises e as considerações ao longo dessa

participação.

Além, da observação participante, foram colhidos depoimentos por meio da trajetória

de vida dessas pessoas, como instrumento que privilegia a coleta de informações contidas na

vida pessoal de um ou vários informantes. A escolha dessa abordagem foi dada pelo “contato

direto com o sujeito da pesquisa”, conforme destaca Martinelli (1999) como requisito para

essa metodologia de pesquisa.

Concordando com Martinelli, Rojas nos ensina que: “A escolha de uma técnica e a

forma de aplicá-la dependem dos objetivos do pesquisador, dos dados que pretende obter e do

meio social onde desenvolverá a pesquisa”. (ROJAS, 1999, p. 94)

A entrevista é um método bastante adequado para obtenção de informações acerca do

que as pessoas sabem, sentem ou desejam, fazem ou pretendem fazer e de acordo com

29  

Severino (2007), ela permite interpretar o conteúdo das mensagens, dos enunciados dos

discursos e a busca de significados das mensagens emitidas pelos seus interlocutores.

A escolha do Centro Comunitário São Martinho de Lima, como expressão de espaço

de exercício da cidadania para as pessoas em situação de rua, foi motivada pelo seu próprio

histórico, pelo fato de vir desenvolvendo suas atividades com a população em situação de rua

há bastante tempo, desde fevereiro de 1990 e também, por se constituir a primeira unidade de

prestação de serviço à população de rua conveniada com a Prefeitura de São Paulo.

Nesse trabalho, em parceria, com a Secretaria de Assistência Social e o Centro Social

Nossa Senhora do Bom Parto, há bastante tempo, vem tentado assumir o grande desafio de

corresponder às demandas que este segmento traz consigo, num esforço de crescimento e

adaptação contínuos, como requer o tipo de público e a complexidade das questões em relação

a ele.

O percurso proposto para elucidar o objeto de pesquisa “o processo de participação da

população em situação de rua atendida pelo Centro Comunitário São Martinho de Lima”,

assenta-se num referencial teórico-metodológico, cujos eixos norteadores formam-se a partir

dos conceitos e práticas sociais dos movimentos e sociedade civil na redemocratização do

país, permeados pelos avanços no campo dos direitos que a Constituição Brasileira de 1988

protagonizou como abertura à participação.

Deste modo, esta Dissertação está estruturada em quatro capítulos, no primeiro,

“Elementos e práticas que permeiam a pesquisa”, faz o resgate de algumas trajetórias

históricas da luta pela redemocratização do país, com enfoque na promulgação da

Constituição Brasileira como marco da democracia e avanço no campo dos direitos civis,

políticos e sociais.

Como marco da democracia, a Constituição Federal de 1988 representa um divisor de

águas na história da democracia no país e se configura numa nova fase de abertura para a

participação dos diversos atores sociais na luta pela ampliação cada vez mais, de espaços

públicos, de controle social e de elaboração e gestão de políticas públicas. E, neste cenário, a

população em situação de rua começa a dar seus primeiros passos na organização da luta por

seus direitos. Ao longo desse percurso, buscamos construir uma visão geral do tema e pontuar

aspectos importantes acerca da participação dos sujeitos no aprofundamento da democracia.

No segundo capítulo, População em Situação de Rua: desafios para uma luta por

direitos busca-se, a partir de antecedentes históricos, situar a realidade atual, identificando as

causas que levaram inúmeras pessoas a viverem em situação de rua, ao tempo, que se busca

demonstrar que esse não é um fenômeno exclusivo da atualidade.

30  

O processo de urbanização no país muito contribuiu para o agravamento dos

problemas sociais nas grandes metrópoles e, com isso, o aumento de pessoas que passaram a

fazer do espaço público urbano, seu lugar de moradia e sobrevivência. A partir desse quadro,

algumas políticas públicas foram desveladas diante dessa realidade e mostraram sua

impotência para a solução dos problemas sociais.

É fato que a heterogeneidade que marca esse grupo dificulta a sua caracterização

permeada pela mobilidade de espaços, histórias de vida em vista de políticas de atenção à

população em situação de rua. Apesar da existência de normativas brasileiras voltadas para a

atenção desse segmento populacional, a ausência de efetividade e concretude dessas normas e

leis políticas marca sua vida e violam os direitos humanos.

O Movimento da População de Rua nasce em meio ao sofrimento e ao drama da

violência vivida por essas pessoas e se constitui, como um instrumento de luta na defesa dos

seus direitos de viver com dignidade. Surge no cenário nacional e elege como campo de lutas

a criação de políticas públicas de atenção e de inclusão desse segmento populacional no

acesso a bens e serviços.

No terceiro capítulo, “A população em situação de rua e os espaços de participação

na cidade de São Paulo” por intermédio de um retrospecto de processos e vivências dessa

população, vamos pontuando alguns espaços que proporcionaram a criação de vínculos e

relações sociais e comunitárias que se configuraram na redescoberta de sua identidade.

O povo que vive em situação de rua na cidade de São Paulo, debaixo de marquises,

que transita pelos vários albergues e comunidades existentes, é atendido pelos poderes

públicos por meio dos serviços socioassistenciais, como também, por várias entidades civis,

desafia as políticas públicas, pesquisadores e cientistas políticos, profissionais da área de

serviço social, dentre outros, a pensarem alternativas de “saídas para a saída”. (MEDEIROS,

2010).

Destaca-se a vivência e realização de pequenas ações em conjunto que foram se

constituindo em espaços de construção de uma identidade, contribuindo para a comunicação,

para o fortalecimento de uma caminhada que despertou para a organização como um coletivo

que luta por acesso a direitos, bens e serviços. Da condição de indivíduo / objeto à condição

de sujeito político.

O quarto capítulo trata da Pesquisa em si, junto à população em situação de rua

atendida pelo Centro Comunitário São Martinho de Lima, no qual, apresentamos os resultados

obtidos pelas diversas idas da pesquisadora a campo, para dialogar e compartilhar de alguns

momentos de vivência dos sujeitos, nos locais onde eles se encontravam; pela observação

31  

participante em eventos político-sociais como audiências públicas, conferências municipais de

assistência social, conferência pública da população de rua, atos públicos pelo Dia Nacional

de Luta da População de Rua, o Grito dos Oprimidos no dia 7 de setembro; eventos culturais e

religiosos como a via-sacra do povo da rua, cerimônia do lava-pés na Casa de Oração, etc.,

nos quais, as pessoas atendidas pelo Centro Comunitário marcavam presença. Tudo isso com

a finalidade de registrar e analisar as manifestações nesses espaços de vivências. 

Apresentamos o resultado das entrevistas realizadas, obtidas por meio dos

depoimentos dos conviventes, usuários dos serviços, e pessoas que já estiveram em situação

de rua, foram conviventes do Centro Comunitário, mas, atualmente, são colaboradoras

(remunerados) nas atividades realizadas pela Entidade.

Ademais, esclarecemos que os depoimentos apresentados neste trabalho foram

colhidos de acordo com as técnicas descritas, sendo resultado de um roteiro dirigido, por meio

de entrevistas curtas, não passiveis de generalizações, porém, de acordo com os interesses que

foram delimitados e que proporcionam a reflexão.

Além desses sujeitos, dialogamos também com os técnicos dos serviços e assistentes

sociais da Entidade, cuja finalidade com o propósito de saber o que eles pensam a respeito do

que foi pesquisado e a análise foi feita a partir de suas falas.

As entrevistas foram gravadas mediante o consentimento de todos os participantes e

mantido o sigilo de sua identidade. Ao transcrevê-las adotamos as técnicas de análise que

preservam a integridade dos participantes.

Dessa forma, os objetivos visaram responder a pergunta central:

- Como acontece a participação da população em situação de rua atendida pelo Centro

Comunitário São Martinho de Lima para acessar direitos e quais atividades contribuem para

que ela participe, enquanto sujeito, na construção da cidadania?

Para responder a essa questão, colocou-se como hipótese que essa população, como

expressão local de um movimento nacional, vem se constituindo num sujeito político por

meio da participação que se desenvolveu como processos de vivências na construção da

cidadania.

Ao longo da construção desse trabalho uma questão foi sempre presente: para quê e

para quem queremos destinar essa produção? E o que desejamos é que os vestígios apontados

fomentem a reflexão e novos questionamentos dos que atuam nesta área, ao mesmo tempo,

contribuam para fortalecer a luta daqueles que sofrem as mazelas da rua e as piores privações

essenciais para uma vida de qualidade, particularmente, aqueles que, ainda, se encontram em

situação de rua.

 

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34  

A Constituição Federal de 1988 - CF-1988 - destaca-se como um marco fundamental

na garantia e conquista dos direitos civis, políticos e sociais e para a compreensão de uma

nova história que começava a ser escrita e que se abria a uma efetiva participação do cidadão

e da sociedade civil.

Em seu preâmbulo, institui o Estado democrático de Direito com o compromisso de

assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, garantindo entre seus princípios

fundamentais a redução das desigualdades e o combate a qualquer forma de discriminação e

considerando a diversidade sexual, de raça e geração.

Delgado e Castro (2004), técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -

IPEA, também, compartilham dessa visão analisando o fato da seguinte forma:

A partir da Constituição de 1988 as políticas sociais brasileiras teriam como uma de suas finalidades mais importantes, darem cumprimento aos objetivos fundamentais da República, previstos no artigo 3º. Assim, por intermédio da garantia dos direitos sociais, buscar-se-ia construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação. (DELGADO; CASTRO 2004, p. 146).

Nos artigos 5º. ao 11 e do 14 ao 16 a Carta Magna prima pela garantia dos direitos

humanos, sociais e políticos, definindo dessa forma, um novo paradigma no arcabouço

jurídico e democrático brasileiro.

A referida Carta Política foi considerada o ponto de partida para se compreender a

história da Nova República brasileira, a construção de uma esfera pública democrática

imprimindo novos rumos para a nação.

No seu texto ampliou as possibilidades para o exercício da cidadania mediante uma

democracia mais participativa, assegurou diversas conquistas para a classe trabalhadora, deu

visibilidade ao poder judiciário como um lugar onde a eficácia aos princípios e direitos

fundamentais defendidos e a defesa de interesses coletivos fossem garantidos (PERLATTO,

2009).

A Constituição federal de 1988 avança em garantir direitos sociais que dão origem a

políticas públicas, como se pode ler no Artigo 6º: [...] a educação, a saúde, o trabalho, a

moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (CF, 1988).

A Carta Cidadã vem corresponder a esses anseios ao materializar legalmente a

responsabilidade estatal no desenvolvimento e consolidação dos direitos sociais, através de

um sistema integrado de proteção social, o arcabouço jurídico-político para implantar uma

35  

política social que fosse compatível com as exigências da justiça social, equidade e

universalidade (DURIGUETTO, 2007).

Ao incorporar direitos humanos e o ideal de democracia plena no país, incentiva vários

setores da sociedade se organizar para pressionar e colaborar na elaboração e aprovação de

leis que regulamentem os direitos nela assegurados.

Quanto à gestão de políticas públicas ela apresenta um aspecto inovador expressado

por meio da descentralização político-administrativa, fazendo alterações em normas e regras

que destitui o poder centralizador distribuindo melhor as competências entre a União,

Estados, Distrito Federal e Municípios, propiciando a participação efetiva da sociedade civil,

criando mecanismos de controle social.

Assim destaca Szwako (2012, p. 13), ao se referir aos espaços de participação nas

últimas duas décadas diz:

[...] com tamanha força pelos três níveis da administração pública brasileira que se tornaram realidade inevitável para os governantes de municípios brasileiros e parte fundamental do processo de concepção, execução e controle de políticas públicas em nosso país. (PIRES et al, 2011, p. 347 apud SZWAKO, 2012, p. 13).

Pode-se observar, durante a década de 1990, o surgimento de diversos conselhos, em

âmbito nacional, estadual e municipal, visando a discussão e implementação de políticas

sociais nas diversas áreas como saúde, educação, assistência social, meio ambiente, habitação,

previdência; e de defesa de direitos da criança e do adolescente, da mulher, dos idosos, dentre

outros. Assim descreve Szwako (2012, p. 13) quando se refere à participação:

Até 2001, as áreas de assistência social e saúde ultrapassavam, cada uma, a casa dos 5 mil conselhos municipais (IBGE, 2001).[...] A partir de 2003, com a vitória eleitoral de Lula e, depois, com a reeleição do Partido dos Trabalhadores [...] cerca de 5 milhões de cidadãs e cidadãos participaram da elaboração e da realização de Conferências Nacionais, e mais de 50% das conferências já realizadas no país ocorreram nesse mesmo período. (IPEA, 2011 apud Szwako, 2012, p. 13).

A participação é assumida constitucional e institucionalmente pelo Estado, por meio

da criação dos diversos Conselhos acima destacados, das Conferências de Políticas Públicas,

também, nas três esferas de Poder, do Orçamento Participativo, das audiências públicas e de

diversos mecanismos de participação popular. (PEZOTI, 2012). A institucionalização de

conselhos é um espaço de corresponsabilidade que a sociedade conquista com a sua efetiva

participação na definição de leis e políticas garantidoras de direitos.

36  

No âmbito das conquistas asseguradas na Constituição Federal de 1988, algumas

dessas conquistas representam marcos e avanços no campo das políticas públicas. No entanto,

destacamos que muitos outros avanços daí por diante foram sendo impressos por meio da

participação da sociedade e sua efetivação como fruto da pressão realizada pela articulação

dos movimentos e organizações atuantes e presentes na sociedade civil, nesse contexto, a

seguir, destacaremos alguns, principalmente, no campo da Assistência Social.

1.1.2 Avanços na garantia de direitos

A Carta Magna de 1988 representa o marco da democracia e da garantia de direitos,

civis, políticos e sociais. Após a sua promulgação, principalmente no decorrer da década de

1990, muitas conquistas foram se ampliando no campo democrático e se constituindo em

avanços dos direitos sociais no Estado brasileiro.

Esse processo vem sendo construído com a participação efetiva dos movimentos

sociais, na discussão sobre temas relevantes e indispensáveis no campo dos direitos, como por

exemplo, as relações de gênero, permitindo que as mulheres encontrem seu espaço e garantias

para terem seus direitos assegurados e ampliados; a conquista de direitos para as pessoas

idosas e pessoas com deficiências. Há, portanto, uma luta contra a violação de direitos

humanos e a consciência de que é por meio da participação que as conquistas se consolidam

como direitos universais.

No leque das conquistas democráticas que vão se instituindo após a Constituição

Federal de 1988 não podemos deixar de destacar marcos que ampliaram o campo dos direitos

sociais, como no caso do Sistema Único de Saúde – SUS -, regulado pela Lei nº 8.080/90,

como forma de efetivar o direito à saúde como “direito de todos” e dever do Estado.

Na época o então Presidente da República, Fernando Collor de Mello, vetou alguns

artigos da Lei 8.080/90 referentes à participação social e a transferência de recursos entre os

governos, mas, como resultado da pressão social os vetos foram derrubados e foi criada a Lei

Federal 8.142/90 que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as

transferências de recursos financeiros dos governos – União, Estados, Distrito Federal e

Municípios - para a área de saúde. Estas duas leis orientam como deve funcionar o SUS no

Brasil.

No mesmo ano, o Movimento de Defesa da Criança e do Adolescente apresentou 1, 5

milhões de assinaturas culminando na emenda popular responsável pelo artigo 227 da CF-88

37  

que resultou na elaboração da Lei Federal 8.069/90 do Estatuto da Criança e do Adolescente –

ECA - e, por meio dessa conquista, crianças e adolescentes passaram de simples indivíduos a

sujeitos de direitos.

No campo da Educação, as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) é uma

conquista que avança no campo dos direitos sociais, como instrumento para a realização da

cidadania.

A partir da luta de diversos grupos e movimentos sociais, como sindicatos, partidos

políticos, trabalhadores da área, intelectuais, profissionais liberais, parcelas da igreja,

organizações públicas e privadas entre outros, foi-se discutindo e construindo uma proposta

de Lei Orgânica e de Política de Assistência Social em favor das pessoas em situação de

vulnerabilidade e exclusão.

A Constituição Federal de 1988 é o marco legal para a compreensão das

transformações e redefinições do perfil histórico da assistência social no país, que a qualifica

como política de seguridade social - art. 194 da Constituição Federal:

Art. 194: A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único: Compete ao poder Público nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I- universalidade da cobertura e do atendimento; II- uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e

rurais; III- seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV- irredutibilidade do valor dos benefícios; V- equidade na forma de participação no custeio; VI- diversidade da base de financiamento; VII- caráter democrático e descentralizado na gestão administrativa, com a

participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.

No Capítulo da Seguridade Social, a Constituição Federal de 1988, dedica uma sessão

específica para a Assistência Social, prevendo, no art. 203 os destinatários e, no art. 204, além

de indicar as fontes dos recursos que financiarão as ações, indica, também, as diretrizes que

devem ser adotadas na política de assistência social. O art. 204 da CF-1988 dois princípios

são inovadores e indiscutíveis para o bom funcionamento dessa política: a descentralização

político-administrativa e a participação da sociedade na discussão inerentes aos temas que

envolvem esse setor.

38  

Em 1993, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orgânica da Assistência Social –

LOAS / nº 8.742/1993 – que regulamenta os Artigos 203 e 204 da Constituição Federal

reconhecendo a Assistência Social como Política Pública de direito do cidadão e de

responsabilidade do Estado.

A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) inaugura uma nova fase para a

assistência social brasileira, enquanto Política Pública. Para Yazbek:

[...] a LOAS trouxe inovações ao apresentar um novo desenho institucional para a assistência social, ao afirmar seu caráter não contributivo, a apontar a necessária integração entre o econômico e o social, a centralidade do Estado na universalização e garantia dos direitos e de acessos a serviços sociais e com a participação da população. Inovou também ao propor o controle da sociedade na gestão e execução de políticas de assistência. (YAZBEK, 2009, p. 12)

A Lei Orgânica da Assistência Social como política social pública inclui a assistência

social no campo dos direitos, do acesso universal e da responsabilidade do Estado, como

também no sistema de bem-estar social brasileiro como campo da Seguridade Social,

juntando-se á saúde e à previdência social. (PNAS, 2004)

A Assistência Social é legalmente concebida como Política de Proteção Social

articulada a outras políticas e representa uma nova situação no Brasil destinada a todos que

dela necessitar, ter garantida a sua proteção sem contribuição prévia (SPOSATI, 2009).

A Proteção Social se constitui em uma forma institucionalizada que a sociedade

encontra para proteger o conjunto, ou parte, de seus membros, decorrentes de certos processos

naturais ou sociais da vida humana como por exemplos, a velhice, a doença, as privações e

outros. (SPOSATI, 2009).

O texto da Constituição Federal de 1988 já garantia a participação popular no que se

refere à seguridade social, porém, a Emenda Constitucional 19/98 de 05/06/1998 ampliou o

caráter participativo da gestão e apresenta novos paradigmas para a administração pública.

Cabe-nos, ainda mencionar, no campo da assistência social, nos anos 2000, outros

instrumentos democráticos foram ampliando novas conquistas, dentre eles, destaca-se a

Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004, que define a proteção social como um

conjunto de garantias de seguranças: de sobrevivência; de acolhida; e do convívio ou vivência

familiar.

Busca transformar em ações diretas os pressupostos da Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, por meio de definições, princípios e diretrizes que nortearão sua implementação, cumprindo nova agenda para a cidadania no Brasil. (PNAS, 2004).

39  

A Norma Operacional Básica – NOB -, que institui a implantação do Sistema Único

da Assistência Social – SUAS -, cuja denominação se intitula NOB-SUAS (2005) estabelece

uma nova concepção de Seguridade Social como política pública não contributiva, como

direito de cidadania e dever do Estado, no esforço de implantar um Sistema de Proteção

Social no Brasil.

Entretanto, com relação à incorporação da Assistência Social, juntamente com a

Previdência e a Saúde que compõem a Seguridade Social no país, Silva, Yazbek e Giovanni

(2011) fazem sua crítica, afirmando que “todo esse processo de ampliação dos direitos sociais

rumo à universalização”, durante toda a década de 1990, foi fortemente combatido e

interrompido pelo governo ao adotar o “chamado projeto de desenvolvimento econômico”,

orientado por um pensamento neoliberal, cuja finalidade, era inserir o Brasil na economia

globalizada.

A análise dos autores citados diz o seguinte:

A opção pelo ajuste econômico no Brasil [...] teve como consequência a estagnação do crescimento econômico e a precarização e instabilidade do trabalho, o desemprego e o rebaixamento do valor da renda do trabalho [...] e aprofundamento da pobreza que se estendeu para os setores médios da sociedade. (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2011, p. 27).

Pode-se considerar que os anos 1990 foram intensos no campo da movimentação dos

direitos e conquistas sociais, entretanto, esse cenário apresenta muitas contradições no campo

do bem estar social no Brasil, diante da lógica adotada pelo Estado brasileiro justificada pela

ideologia da modernidade expressa, também, pelos autores Silva, Yazbek e Giovanni, (2011,

p. 30) da seguinte forma:

[...] Tem-se de um lado, um avanço no plano político-institucional, representado, sobretudo, pelo estabelecimento da Seguridade Social e dos princípios de descentralização e de participação, enunciado na Constituição Brasileira de 1988. De outro lado, tem-se no plano de intervenção estatal no social, um movimento orientado por posturas restritivas, com a adoção de critérios cada vez de maior rebaixamento do corte de renda para fixação da linha de pobreza, para permitir acesso das populações, por exemplo, aos Programas de Transferências de Renda em grande expansão no Brasil, a partir de 2001.

Os princípios norteadores de uma política neoliberal9 e a globalização da economia10

empurram o Estado para o rebaixamento de sua responsabilidade social, quando, diante da

                                                            9 Os princípios neoliberais estão pautados numa ideologia de “encolhimento do espaço público e a ampliação do espaço privado, a recusa de marcos regulatórios estatais ou da instância da lei e dos direitos, a ideia da soberania do mercado e da competitividade, a percepção dos seres humanos como instrumentos descartáveis, a obtenção da

40  

necessidade das classes subalternas (YAZBEK, 2009), transfere para a sociedade a

responsabilidade de solucionar os problemas sociais por meio de parcerias e de

“solidariedade”.

A Constituição de 1988 representa o marco legal de maior amplitude da garantia

desses direitos, isso é um fato histórico, tanto no que se refere às possibilidades de acesso,

quanto aos benefícios sociais nela assegurados, porém, passa a ser a principal ferramenta que

legitima a luta de todos os segmentos quando o acesso aos direitos for negado.

Pode-se dizer, também, que a efetiva conquista de direitos sociais, por meio da

participação política dos movimentos sociais, é muito recente no Brasil. Considerando todos

esses acontecimentos e conquistas em busca de espaços públicos, é possível afirmar que a

cidadania não aparece do nada, nem vem por determinismos, mas sim, por um processo de

construção que vai compondo a sua história de diversos modos e em diferentes sociedades.

A ordem legal é importante, pois, ela garante de maneira institucional a conquista da

cidadania e da democracia, mas, os direitos, antes de tudo, dizem respeito ao modo como a

dinâmica da sociedade foi sendo construída em busca deles. A dinâmica da sociedade é o foco

desse processo porque determina problematizar a questão dos direitos, e a cidadania vir a ser e

se enraizar nas práticas sociais. (TELLES, 1994).

É num cenário como este, que a efetiva participação da sociedade surge através das

organizações em relação às grandes temáticas sociais na busca de alternativas para o combate

à exclusão e à abertura de canais de participação democrática e controle das políticas públicas.

É possível considerar ao longo dessa reflexão que a construção da cidadania não é algo

dado, mas construído num processo de lutas e engajamento, de possibilidades e dilemas. As

experiências participativas no país, principalmente, a partir da Constituição Federal de 1988

representam novas articulações políticas.

1.2 Sociedade Civil – conceito e práticas sociais

A cidadania esteve e está em permanente construção. É um referencial de conquista da

humanidade, através daqueles que buscam mais direitos, maior liberdade, melhores garantias

                                                                                                                                                                                          maximização dos lucros a qualquer preço e os recursos tecnológicos ‘desregulados’ e ‘flexíveis’...”. (CHAUÍ, 2011, p. 323). 10 “A globalização é uma tendência internacional do capitalismo que, juntamente com o projeto neoliberal, impõe aos países periféricos a economia de mercado global sem restrições, a competição ilimitada e a minimização do Estado na área econômica e social”. (OLIVEIRA, J.F., LIBÂNEO, J.C. A Educação Escolar: sociedade contemporânea. Revista Fragmentos de Cultura, Goiânia: IFITEG, 1998, v. 8, n. 3, p. 597-61).

41  

individuais e coletivas, e não se conforma frente às dominações, seja do próprio Estado ou de

outras instituições.

O conceito de sociedade civil ao longo dos anos, também, vem ganhando novas

expressões de acordo com o contexto sócio-político e econômico no qual se situa, porém, é

nas últimas décadas do século XX que a sua força ganha expressividade. (SPOSATI, 2009).

Sociedade civil era um conceito utilizado ao longo do século XIX apenas pelos países

que estavam acima da linha do Equador – Europa e Estados Unidos - e se vinculava aos

processos sociais que ocorriam ali, conforme assegura Avritzer, (2012, p. 384):

Tal conceito surgiu no século XIX, por volta de 1820, como uma dimensão dualista capaz de expressar duas mudanças trazidas pela modernidade ocidental: a diferenciação entre as esferas econômica e familiar com a abolição da escravidão, e a diferenciação entre Estado e sociedade causada pela especialização sistêmica do Estado moderno.

Essa primeira formulação do conceito de sociedade civil, segundo o autor, é dualista,

apresentando o início de um processo que buscava fazer a diferenciação entre Estado e

sociedade na Europa. Por isso, ao longo do referido século, esse conceito esteve atrelado aos

limites desses países.

No caso brasileiro, esses processos sociais não tiveram o mesmo espaço nesse período

devido a grande propriedade rural, presente como lócus do exercício da dominação econômica

e política e, pelo menos, até o início do século XX, esse conceito não era aplicável em nossa

realidade brasileira, por ser quase inexistente a diferenciação entre público e privado. Para

justificar essa afirmativa Avritzer, (2012, p. 384) se utiliza do pensamento de Freyre (1959)

para dizer que:

O Brasil do início do século XIX ainda passava por um processo político privatista, no qual a grande propriedade rural era o lugar de realização das atividades públicas [...]. Nenhum processo de diferenciação social que conduzisse a uma ideia de separação entre grandes interesses privados e o Estado poderia ter surgido nesta situação.

No final do século XX o conceito ressurge na cena política e social trazendo no seu

significado duas grandes diferenças em comparação ao século anterior. Num primeiro

momento traz um significado tripartite, ou seja, a sociedade civil se difere tanto do mercado

quanto do Estado; num segundo, o conceito reaparece para explicar processos sociais que

estavam ocorrendo em países da Europa e nas sociedades latino-americanas.

42  

O conceito tripartite está relacionado à diferenciação entre mercado e a sociedade no

final do século XIX, porém, diferentes formulações esse conceito tem recebido na literatura.

Por exemplo, Cohen & Arato em sua formulação sobre sociedade civil relacionaram o

conceito ao nível institucional de um mundo da vida, entendido como o lugar de socialização,

interação social e atividades públicas (AVRITZER, 2012).

Entretanto, noutras tradições do pensamento social algumas raízes do modelo

tripartite, também, podem ser identificadas, como por exemplo, em Gramsci, a diferenciação

entre sociedade civil e sociedade política e Estado onde a centralidade está na ideia de conflito

e na ideia de uma luta pela hegemonia cultural no centro da sociedade civil. Duriguetto et al,

(2009, p. 14) concorda com Coutinho, (1991) para dizer que:

A noção de “hegemonia” assume relevância central na formulação gramsciana de sociedade civil. A conquista progressiva de uma unidade político-ideológica – de uma direção de classe – requer a busca do consenso dos grupos aliados, alargando e articulando seus interesses e necessidades. Desse modo, a própria ação de hegemonia exige uma práxis política consciente, coletiva e articulada das classes subalternas. Há, assim, uma dimensão nitidamente política no conceito gramsciano de sociedade civil, sua articulação dialética com a luta pela hegemonia e a conquista do poder por parte das classes subalternas.

Segundo Duriguetto (2007, p. 56) para Gramsci ainda, sociedade civil e sociedade

política são distinções analíticas do conceito de Estado. É a esfera em que as classes se

organizam e defendem seus interesses e disputam a hegemonia.

[...] Enquanto na sociedade política as classes exercem seu poder e sua dominação por uma ditadura através dos aparelhos coercitivos do Estado, na sociedade civil esse exercício do poder ocorre por intermédio de uma relação de hegemonia que é construída pela direção política e pelo consenso.

O conceito de sociedade civil teve várias compreensões e significados tanto no Brasil

quanto na América Latina. As reformulações que vem sofrendo estão relacionadas a

momentos da conjuntura política brasileira e a trajetória de lutas políticas e sociais no país

(TELLES, 1994). Foi no período denominado de trajetórias democráticas que este conceito

passou a ser definitivamente introduzido no vocabulário político, tornando-se objeto de

elaborações teóricas (DAGNINO, 1994).

Concordando com Avritzer (1994), Dagnino (2002, p. 9) situa o contexto, no qual, a

sociedade civil emerge no Brasil:

43  

Após a experiência autoritária do regime militar em 1964, a sociedade civil a partir da década de 1970 passa a vivenciar um significativo ressurgimento. Esse ressurgimento teve como eixo a oposição ao Estado autoritário, foi tão significativo que é visto, por alguns analistas, como de fato a fundação efetiva da sociedade civil no Brasil, cuja existência anterior foi marcada pela ausência de autonomia frente ao Estado.

Alguns autores, como Avritzer (2012), elencam que a emergência do conceito de

sociedade civil no Brasil e a prática de atores sociais são resultados de vários processos e

enumeram algumas razões que justificam esse surgimento. Uma das razões está relacionada à

forma como o autoritarismo brasileiro se impôs no processo de urbanização das cidades, no

modo como a população rural foi removida para os centros urbanos, sem condições de

infraestrutura, e desencadeou uma série de problemas socioeconômicos criando desafios à

governabilidade.

O país passou por um processo de urbanização acelerada e nesse processo de

deslocamento do campo para a cidade, quem mais sofreu foi a população de baixa renda, que

ficou despojada de seus direitos em situação de moradia precária e de serviços públicos

insuficientes.

O tema do urbano marca a tônica dos debates trazendo para o centro os problemas

sociais como o desemprego, populações de rua, aumento da violência, crescimento

desordenado das áreas periféricas, má qualidade dos serviços públicos prestados à população

e suas consequências. Este foi um, dentre os motivos elencados, para explicar uma das origens

da sociedade civil no Brasil, atribuindo à organização dos pobres brasileiros uma forma de

lutar por direitos a bens e serviços.  

A sociedade civil brasileira teve como característica marcante nesse período, a

organização dos pobres subjugada pela mão-de-ferro do autoritarismo brasileiro que,

incentivou a migração, mas não promoveu condições básicas de sobrevivência.

Outra razão atribuída à emergência da sociedade civil, segundo Avritzer, (2012, p.

386) está relacionada ao processo de modernização da economia brasileira, ou seja, à forma

como o regime autoritário brasileiro tratou as políticas de saúde e educação, com uma visão

tecnocrata. A classe média não se incorporou a essa proposta e reagiu a essa visão tecnocrata

de desenvolvimento, por meio de ações organizativas, coletivas e de associações como um

processo de reorganização da sociedade civil na disputa por esses projetos.

Esse cenário é expresso pela Dagnino, (2002, p. 9) quando relata que:

44  

[...] A luta unificada contra o autoritarismo, que reunia os mais diversos setores sociais (movimentos sociais de vários tipos, sindicatos de trabalhadores, associações de profissionais – advogados, jornalistas -, universidades, Igrejas, imprensa, partidos políticos de oposição, etc.), contribuiu decisivamente para uma visão homogeneizada da sociedade civil, que deixou marcas profundas no debate teórico e político sobre o tema.

A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB - e a classe média se uniram em oposição a

esse regime, deve-se à ausência de regras e de controle nos processos civis e políticos se

configurando numa terceira razão para que a sociedade civil se reorganizasse. Assim diz

Dagnino (2002, p. 9):

[...] o avanço do processo de construção democrática contribuiu para explicitar os diferentes projetos políticos que se definiam, expressando visões diferenciadas inclusive quanto aos rumos desse processo, tornando assim mais clara a própria heterogeneidade da sociedade civil [...].

Avritzer (2012) reforça que este conceito de sociedade civil ressurgiu, mais

precisamente, na década de 1970 e ficou associado à participação e organização da população

na luta contra a ditadura militar, no momento em que o regime militar resolveu liberar a

participação dos grupos em reuniões públicas de associações voluntárias e, assim, reduzir o

controle sobre algumas proibições, no entanto, as restrições continuavam em relação a

competições políticas.

Foi um momento de anistia que possibilitou aos estudantes, as categorias profissionais,

os trabalhadores reorganizar seus movimentos, suas associações e os sindicatos se libertaram

do controle do Ministério do Trabalho11, começavam a surgir, assim, muitas formas de

organizações da sociedade civil.

Outros movimentos surgiram ao longo desse período como o Movimento de Luta

Contra a Carestia – MCC -, presente em quase todos os estados onde trabalhadores, donas de

casa e estudantes participavam das plenárias e debates sobre o mito do milagre econômico; os

assistentes sociais que, por meio do Movimento de Reconceituação, rompeu com o

conservadorismo e o tradicionalismo do serviço social, procurando embasamento científico e

ético para a sua intervenção profissional, como a defesa intransigente dos direitos humanos.

Outros ainda marcaram presença, como o movimento feminista e movimento negro, porém,

                                                            11 Nos anos do governo de Getúlio Vargas o Estado tinha a prerrogativa de intervir nos sindicatos e associações livres. O Ministério do Trabalho poderia a qualquer momento remover o presidente do sindicato. Para que as associações civis pudessem atuar, eram obrigadas a se cadastrarem em cartórios e ficarem à mercê das leis do Estado. Entretanto, no período da democratização a questão da autonomia da sociedade civil e sindicatos ganhou força e emergiu no espaço público, com isso, os movimentos da sociedade civil e o sindicalismo reivindicaram sua autonomia em relação ao Estado (AVRITZER, 2012).

45  

inicialmente, não tiveram tanta repercussão e influência nesse cenário, como os movimentos

que foram citados anteriormente.

O período entre 1985 a 1988 representa um divisor de águas na política brasileira com

a convocação da Assembléia Nacional Constituinte – ANC – e a elaboração da Constituição.

Alguns movimentos da sociedade civil como saúde, movimentos de reformas urbanas e outros

atores sociais como a Central única dos Trabalhadores – CUT – e o Movimento dos Sem

Terra – MST – se juntaram num processo de aprofundamento democrático em campanhas

para emendas populares (AVRITZER, 2012), fazendo desse cenário o campo de lutas para a

elaboração e efetivação de direitos por meio de políticas públicas.

O Brasil já vivia uma fase de luta pela democratização o que caracterizava a sociedade

civil mais ou menos autônoma em relação ao Estado.

A sociedade civil, como palco de um pluralismo de organismos coletivos ditos “privados” (associações e organizações, sindicatos, partidos, atividades culturais, meios de comunicação, etc.), é a nova configuração da dinâmica social, na qual se precisava repensar a política e sua relação com as esferas da vida social e elaborar novos termos da hegemonia. (DURIGUETTO, 2007, p. 55).

Nas décadas seguintes, surge um novo referencial de que a sociedade civil deveria se

organizar para mudar o status quo no plano estatal, cenário onde as políticas públicas

privilegiavam apenas parcelas das camadas médias e o grupo daqueles que alimentavam o

processo de acumulação das nascentes indústrias filiais das grandes empresas multinacionais.

O crescimento populacional das cidades, motivado pelo processo de urbanização,

provocou a favelização e a falta de infraestrutura adequada. A classe trabalhadora se

organizou em torno das reivindicações para o acesso a bens públicos que eram distribuídos de

forma desigual nas grandes cidades brasileiras.

Nos Anos 1990, segundo Avritzer (2012), a concepção de sociedade civil no cenário

da participação foi se configurando no campo da relação com o Estado, na tomada de decisões

sobre questões urbanas. O chamado Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, que obriga a

elaboração de planos diretores com a realização de audiências públicas, define a presença de

associações da sociedade civil e demais atores sociais interagindo de perto com o Estado.

O Orçamento Participativo – política participativa introduzida por Olívio Dutra

quando eleito prefeito de Porto Alegre, em 1988 - também, representou uma forma de intensa

participação de atores sociais, membros de associações de bairro e cidadãos comuns, gerando

um processo de negociação e deliberação entre sociedade civil e Estado no nível local

46  

(AVRITZER, 2012). Esse processo de participação foi se consolidando em outras capitais

como Belo Horizonte, Recife, Belém e entre outras cidades.

É importante observar, através das análises presentes, o foco de mudança da

participação da sociedade civil ao comparar os contextos de meados dos anos de 1980 e

meados dos anos de 1990. No primeiro, a preocupação estava centrada na autonomia, na

democratização e no estabelecimento de formas de controle público nas ações do Estado. No

segundo momento, a preocupação estava centrada em estabelecer de forma mais ampla a

participação, principalmente, no campo de políticas públicas.

A participação da sociedade civil no interior do Estado nas áreas de políticas públicas,

principalmente nas administrações do Partido dos Trabalhadores, teve forte expansão, mais

precisamente, a partir de 2003 com a vitória eleitoral da Luís Inácio da Silva (Lula) para a

Presidência da República. Porém, com a continuidade de sua gestão, alguns analistas fazem

sua crítica à maneira como partido e governo interagem nessa nova configuração da

conjuntura. Caccia Bava (2005, p. 33) nos esclarece:

[...] o Partido dos Trabalhadores foi uma espécie de vocalização política das demandas dos movimentos sociais, uma espécie de intérprete na esfera da política – nas Câmaras Municipais, nas Assembleias Legislativas, no Congresso Nacional – do que são as demandas, as posições, as proposições dos movimentos e deste campo político popular e democrático. E hoje estamos assistindo a uma adesão, uma colagem do partido ao governo, no sentido de que ele não defende e não expressa uma política diferenciada daquela praticada pelo governo. Isso é um problema porque uma das mediações importantes para transformar as questões sociais em proposições no campo das políticas públicas, para democratizar a gestão, desapareceu.

É notória a ampliação desses espaços com o aumento do número de conselhos,

audiências públicas, instalação de ouvidorias, conselhos de gestão nas três esferas de

governos, comitês, etc., cuja dinâmica, foi se caracterizando numa inegável

institucionalização da participação.

Apesar de não nos propormos aprofundar essa questão, mas, somente, pontuá-la,

importa trazer uma questão que acaba sendo colocada como inquietação frente a todas as

conquistas que boa parte dos atores e movimentos sociais investiram no direito de participar,

ou seja, como eles podem manter a sua autonomia em relação ao Estado.

Posto isso, é somente para lembrar que nesta relação existe uma linha muito tênue

entre autonomia e dependência ou interdependência. No entanto, é preciso valorizar esses

espaços enquanto resultado de lutas e conquistas, espaços construídos para a participação da

cidadania.

47  

Discutir o conceito de sociedade civil, por exemplo, requer fazer uma leitura, na qual,

talvez, não seja possível omitir o seu caráter de campo onde se desenvolve a luta pela

construção de projetos políticos hegemônicos; onde se desenvolvem estratégias de parcerias

com o Estado e o mercado e, por fim, onde recaem as críticas que nesse espaço, também, se

configuram ações pautadas para legitimar a desresponsabilização do Estado no campo das

políticas públicas. A heterogeneidade dos atores sociais no cenário da sociedade civil expressa

a complexidade das lutas e dos interesses presentes nesse contexto.

1.3 Participação – centralidade no exercício da cidadania

O Brasil de 1985 a 1999 foi marcado por vários contextos de mudanças no campo

político, econômico e social. O movimento pelas Diretas já, a Constituinte, o Impeachment de

Fernando Color, foram acontecimentos efervescentes que mobilizaram a sociedade civil:

movimentos sociais, pastorais sociais, organizações e partidos políticos e os estudantes na luta

pela redemocratização do país, configuraram-se em momentos que despertavam a nossa

consciência para a importância de exercer a cidadania, por meio da participação, para garantir

o acesso a direitos que fossem reconhecidos constitucionalmente.

Foi mediado por essas aquisições, compreensões e processos de lutas sociais que, nas

últimas duas décadas do século XX, sobretudo na América Latina e, de modo particular, no

Brasil, presenciou-se a afirmação da ideia de participação no campo da gestão pública,

expressando o avanço da democratização e a progressiva valorização da democracia

participativa. (NOGUEIRA, 2011).

A década de 1980 teve sua marca forte sublinhada pela transição dos governos

militares até a conquista da democracia.

A eleição foi resultado de uma movimentação da sociedade brasileira representada por várias entidades de classe, manifestando-se publicamente, cujo resultado foi a pressão sentida pelos militares a ponto de não resistir e proceder com o processo de transição (ROJAS COUTO, 2004, p. 141)

A temática da Participação é central para o exercício da cidadania e a construção da

democracia. As lutas e mobilizações populares em torno dos interesses sociais pré-

Constituição de 1988 e ao longo da década de 1990 foram etapas muito ricas de experiências

sob o ponto de vista do engajamento sociopolítico.

48  

A participação não é um conceito avulso, como se estivesse solto, desvinculado das

demais questões que são permeadas e permeiam a sociedade. Essa expressão de Moroni

(2012) chama a atenção para a definição de que o desejo de participar está vinculado ao

campo de nossos sonhos, de nossos projetos e utopias.

No entanto, a participação é um processo que vai sendo construído e realizado cotidianamente, ou seja, não é uma etapa que se finaliza com uma ação, mas, se desenvolve como processo contínuo e concretiza sua atuação num “contexto político, econômico, social, cultural e ambiental determinado” (MORONI, 2012, p. 45).

Segundo Lavalle (2011), a categoria ‘participação’ apresenta, no Brasil, algumas

características muito interessantes. Quando ela entra no cenário brasileiro, mais precisamente,

nos anos de 1969, a rigor, inicialmente, não consistia numa categoria analítica da teoria

democrática – predominantemente, ainda não é, conforme o mesmo autor.

A participação comporta em si uma multidimensionalidade dos sentidos práticos,

teóricos e institucionais, por essa razão, é que alguns estudiosos e pesquisadores dessa área

consideram um desafio defini-la, pois,

Participação é, a um tempo só, categoria nativa da prática de atores sociais, categoria teórica da teoria democrática com pesos variáveis, segundo as vertentes teóricas e os autores, e procedimento institucionalizado com funções delimitadas por leis e disposições regimentais. (LAVALLE, 2011, p. 33)

Ao se referir a essa multidimensionalidade do termo, o referido autor reforça o desafio

e aponta a dificuldade para se definir um conceito de participação que, por suas características

e sentidos diversos, torna-se fugidio e escorregadio, principalmente, quando essa definição

tende a ir à direção dos consensos sobre os efeitos esperados por ela ou para a relevância de

avalia-la por seus efeitos.

Entretanto, é oportuno destacar que, a ideia de participação, no contexto da década de

1960, se vincula como uma categoria prática, cuja finalidade, confere sentido à ação coletiva

de atores populares. Emerge como categoria que orienta a ação desses atores, como um

conjunto de ideias carregado de uma visão emancipatória das camadas populares (LAVALLE,

2011). Ademais, a compreensão que se tem, atualmente, acerca dessa categoria, no cenário

brasileiro, se fundamenta nos seus antecedentes do ideário de participação construído a partir

da referida década (LAVALLE, 2011).

49  

Segundo o mesmo autor, o ideário participativo, tendo suas bases construídas a partir

da década de 1960, apresenta no seu conjunto diversos significados, os quais podem ser

identificados a partir de três momentos distintos que podem ser, sinteticamente, pontuados.

Num primeiro momento, a participação era definida como popular. Entretanto, no

ideário participativo, a concepção de Participação Popular não estava vinculada às eleições,

nem às instituições do governo e, tampouco, na intenção de invocar um direito que

contemplasse o livre envolvimento dos cidadãos ou princípio de restauração democrática -

apesar dos direitos políticos, inclusive o das eleições, terem sido seriamente confiscados pela

ditadura militar -, mas, existia um ideário participativo construído a partir de um princípio de

emancipação popular.

Numa segunda instância, a construção desse ideário de emancipação popular tinha

conexão estreita com as orientações e o peso da Teologia da Libertação, na qual, segundo

Sader (1988), a Conferência Episcopal Latino Americana - CELAM) - objetivava

comprometer a Igreja contra as causas sociais da miséria.

Nesse contexto, a concepção de ‘participar’ significava apostar na iniciativa das

camadas populares, na capacidade criadora de suas ações como atores de sua própria história

e, por conseguinte, ser porta-voz de seus próprios interesses (LAVALLE, 2011).

Gohn (2008) pontua a noção de comunidade, nos anos 1970, na América Latina e

especialmente no Brasil como a expressão mais atuante, e define como princípio organizativo

das camadas populares na luta por seus direitos sociais e econômicos. Nessa fase histórico-

social a categoria empírica forte era povo organizado.

Para Szwako, (2012, p. 14): “No ideário da participação popular dos anos 1960 em

diante, “participar” significava em estreita conexão com a Teologia da Libertação, apostar na

agência [na capacidade] das camadas populares [...] tornar o povo ator da sua própria

história”.

A comunidade representava, basicamente, uma unidade mínima que possibilitava a

organização do povo para lutar contra os regimes militares, organizar o povo para lutar por

eleições diretas e forçar o Estado implantar serviços na comunidade e redemocratizar seus

aparelhos. Era uma unidade que possuía uma força política à medida que os movimentos

sociais, as associações se agregavam e demandavam bens e serviços mínimos urbanos.

(GOHN, 2008).

Desenvolver a comunidade significava lutar pela igualdade de direitos sociais, pela

implantação de serviços comunitários como creches, escolas, postos de saúde, área de cultura

e lazer, transportes, energia, saneamento e outros direitos civis e sociais. Uma característica

50  

marcante desse contexto era a força sindical como resultado da organização do povo na

comunidade.

Nesse contexto, a participação aparece como um instrumento contra a injustiça social;

surge como um recurso capaz de fazer avançar a pauta de reivindicações de acesso a bens e

serviços públicos e de efetivação de direitos das camadas populares.

A noção de autonomia era um eixo articulador que mobilizava a sociedade em suas

ações e organização independentemente do Estado. Essa autonomia também se configurava

numa estratégia para evitar a realização de alianças consideradas espúrias e assim, conservar a

imagem e o perfil de certos grupos evitando a reprodução de práticas autoritárias.

E, finalmente, numa terceira instância, pode-se destacar o significado da participação

relacionando-a ao papel da esquerda, onde a participação estava inscrita numa perspectiva

mais ampla, fundamentada na construção de uma sociedade onde a distribuição da renda fosse

justa e, para isso, a organização dos explorados era uma necessidade emergente embasada na

luta e alimentada na perspectiva de disputar um projeto de sociedade.

Os movimentos sociais, a Igreja Católica, por meio de suas comunidades eclesiais de

base orientadas pela ação evangelizadora na América Latina, tiveram um papel marcante e

essencial no processo de mobilização da sociedade para participar no processo de instalação

da Constituinte que resultaria na elaboração da nova Constituição Brasileira.

Segundo Lavalle (2011), foi no período da transição que o ideário de participação se

apresenta com novo rosto; adquire um novo perfil, mais especificamente, no contexto da

Constituinte que, outrora popular, a participação torna-se cidadã. E a linguagem do

significado da participação nesse cenário tornou-se comum para aqueles atores sociais que

estavam envolvidos diretamente na Constituinte como aliados de movimentos sociais ou em

nome deles.

O próprio contexto exigia que o discurso do ideário participativo se alinhasse ao

discurso público universal dos que poderiam disputar garantias sociais e políticas para a nova

Constituição (LAVALLE, 2011). Diante disso, os atores que estavam engajados com a

participação popular e que herdaram nas duas décadas anteriores (1960 e 1970) um ideário

participativo comprometido com segmentos populares – ora explicitava uma opção

preferencial pelos pobres e ora uma posição de classe – tiveram que reelaborar seu discurso

nos moldes da participação cidadã e assim, contribuir para que o campo de atores sociais se

diversificasse e multiplicasse o número de organizações não governamentais (ONGs).

51  

Considera-se, entretanto, que o ideário participativo foi adquirindo feições mais

abstratas e, com a Constituição de 1988, consagrou-se como direito do cidadão que vai além

da esfera da participação eleitoral.

Os movimentos e as novas formas de organização da sociedade civil e da população

como um todo, trazem a partir de suas articulações e expressões, com características

multifacetadas e campos diversificados de atuação, respostas inovadoras para assegurar a sua

participação junto ao Estado.

1.3.1 Novos contextos de participação

No Brasil, nesses últimos vinte anos, a participação ganhou expressividade e avançou

muito na qualidade e na diversidade, de tal maneira, que existe uma vasta bibliografia sobre o

tema e esses estudos e pesquisas permitiram trazer a público as experiências de inovação

participativa por meio de registros mais amplos.

O contexto das organizações se constitui um campo diverso, multifacetado onde se

articulam vários atores sociais desenvolvendo programas sociais, criando redes societárias

fazendo surgir um novo tipo de associativismo civil comunitário. Esse novo tipo de

associativismos era composto por um número diversificado de agentes e atores sociais -

ONGs, organizações, fundações sociais de empresas privadas, o chamado Terceiro Setor - que

passaram a ser vistos como parceiros no desenvolvimento social.

A crítica que alguns pesquisadores, como por exemplos, Adrian Lavalle, Leonardo

Avritzer, Luiz Eduardo Wanderley, Maria da Glória Gohn, Carmelita Yazbek, Maria Ozanira

Silva e outros, fazem ao surgimento dessas organizações se baseia em sua característica e

discurso e no tipo de projetos defendidos por eles, ou seja, um tipo de organização cujo

engajamento não se pautava em causas universais, coletivas, mas num discurso utilizando a

“linguagem cifrada dos direitos humanos” (LAVALLE, 2011), inacessível para as classes

subalternas.

Segundo Lavalle (2011, p. 14), a participação nos anos de 1960 a 1980 tinha um

discurso mais crítico dos atores sociais e de parte da academia em relação aos déficits de

inclusão das instituições políticas e do crescimento econômico, tornando-se de maneira

progressiva nos anos pós-transição, parte da linguagem jurídica do Estado atingindo

patamares de institucionalização singular na história do país como em outras democracias.

52  

Para o autor, esse cenário é fruto de um processo histórico que transformou a

participação em uma feição institucional do Estado no Brasil, mas afirma que a participação

não perdeu seu registro original, embora tenha adquirido uma nova forma de ser inserida no

chamado “espaços participativos” (LAVALLE, 2011), ou seja, em instâncias de controle

sobre políticas públicas como conselhos, orçamentos participativos, conselhos de

monitoramento de políticas, etc.

A participação foi-se afirmando como ideia e consolidando-se enquanto prática que

provocou mudanças na forma de pensar a gestão pública, ou seja, houve uma inversão de

valores nos processos decisórios em relação à resolução de problemas sociais, combate à

inflação e outros.

Em momentos anteriores em que o arranque desenvolvimentista exigia mais

autoridade e poder, a centralização decisória era defendida como uma força potencializadora

da aceleração do crescimento e da implantação de políticas; enquanto, que a deliberação e

expansão de espaços democráticos, se possibilitados, dificultaria a rapidez nas decisões.

Essa convicção deu lugar à ideia de que os processos participativos como consulta

popular, negociação e a formação ampliada de consensos são práticas que contribuem

fundamentalmente para o fortalecimento dessas políticas.

Os processos participativos passaram a ser reconhecidos como um valor em si, uma

forma de sustentabilidade e desenvolvimento das políticas públicas, convertendo assim num

recurso estratégico, principalmente na área social.

A experiência desenvolvida com a participação do Estado e da sociedade civil, por

meio da criação de conselhos gestores nas áreas de saúde, habitação, direitos da criança e do

adolescente, e educação, foi estratégia respaldada pela Constituição de 1988, impulsionando a

multiplicação de dezenas de outros conselhos em outras áreas, como por exemplo, a

assistência social, constituindo-se como nova modalidade de participação democrática como

foi assim também, a experiência dos Orçamentos Participativos.

Pesquisadores e estudiosos como Avritzer (2012), Lavalle (2011), Lüchmann (2011); 

Tatagiba (2011) e outros afirmam que as pesquisas e os debates teóricos acerca da

participação no Brasil ao longo da última década ganharam expressiva relevância, de modo

que se configuram, atualmente, num cenário pós-participativo de discussões e indagações

teóricas e empíricas ultrapassando, em muitos sentidos, temáticas de relevância internacional.

A década de 90 é marcada pela abertura à participação mais efetiva de novos atores em

cena (AVRITZER, 2012), como movimento de mulheres, movimento popular de saúde,

população de rua, ambientalistas, homossexuais, negros e outros, além dos movimentos

53  

populares urbanos já existentes que lutavam por bens e serviços, terra e moradia, a pauta

desses novos sujeitos coletivos vem reivindicar o reconhecimento de direitos sociais e

culturais, como por exemplos, qualidade de vida, acesso a políticas públicas, direitos humanos

e outros, ou seja, a característica marcante é a reivindicação por liberdade e justiça social.

As profundas mudanças sociais, políticas e institucionais foram resultados de um

intenso processo de lutas pela democratização da gestão pública. Não foram poucos os

embates travados entre o poder estatal, movimentos sociais e organizações da sociedade civil.

Isso foi um processo que veio sendo construído ao longo da década de 1980. Esse resgate se

faz necessário porque a trajetória de lutas pela ampliação democrática objetivava o que hoje, a

sociedade experimenta, ou seja, a participação nas decisões e no controle dos recursos e

políticas públicas. (ROCHA, 2009).

A participação da população por meio das organizações representativas nesse processo

de formulação e controle de políticas públicas está assegurada nos artigos 204 e 207 da

Constituição Federal de 1988, abrindo possibilidades de se criar formas inovadoras de

interação entre governo e sociedade por meio de canais de participação social.

Na década de 90, ainda, os preceitos constitucionais em matéria de participação foram

regulamentados com a construção coletiva de espaços de gestão, a criação de canais

propositivos, adotando-se os fóruns e conselhos como espaços institucionais, para viabilizar a

participação, na gestão e controle de políticas públicas como estratégias definidas pelo Estado

(DAGNINO, 1994).

A busca de novas formas de participação e de articulação com a sociedade civil,

envolvendo as ONGs, comunidade organizada e novas formas de gestão, faz surgir nesse

cenário os novos sujeitos que entram em cena buscando construir uma nova concepção de

participação autônoma, de organização popular que se mobiliza em torno de novas conquistas,

de garantia e ampliação de direitos (DAGNINO, 1994).

Neste cenário, a população de rua vem-se constituindo como uma nova forma de

organização buscando, a partir de suas necessidades, organizar-se enquanto sujeito coletivo

para acessar direitos civis e sociais, unindo-se ao conjunto de outros movimentos da

sociedade civil que lutam por políticas públicas de trabalho, saúde, moradia, dentre outras,

junto ao Estado.

Considerando que a Constituição Federal de 1988 assegurou a participação da

população por meio de organizações na formulação e no controle das ações em todos os

níveis, essa abertura proporcionou, mais tarde, o surgimento de muitas iniciativas, por

exemplo, o caso específico da população em situação de rua, as instituições, os centros

54  

comunitários, sopa comunitária, centros de convivência, casas de acolhida e outros

equipamentos, liderados por organizações da sociedade civil, foram criadas para atender esse

segmento social.

São ações consideradas importantes para se criar a consciência de um grupo social em

situação de exclusão, de vulnerabilidade e, contribuírem para dar visibilidade à realidade

vivida por muitas pessoas que estão em situação de rua, como também, sensibilizar outros

grupos, setores sociais e eclesiais a voltar-se para essa problemática.

Contudo, a condição das pessoas em situação de rua, somente como usuárias desses

serviços ou dos serviços socioassistenciais podem condicioná-las a uma situação de

dependência e não permitam que elas se descubram como sujeitos de direitos, ou seja, se a

metodologia de trabalho desenvolvida por estas organizações estivesse direcionada para as

ações e atividades junto à população em situação de rua e, de alguma forma, contribuísse para

que esse grupo populacional pudesse se (re) descobrir enquanto cidadão, sujeito de sua

própria história.

Tendo em vista que essa condição de cidadania da população de rua foi negada pela

própria realidade que as pessoas se encontram “em situação de rua”, os desafios enfrentados e

as dificuldades provocadas pelas adversidades socioeconômicas e políticas que não favorecem

à sua dignidade, seriam suficientes para ficarem imobilizadas pelo sistema, porém, dentro das

suas possibilidades e das alternativas encontradas em meio ao descaso do poder público,

encontram forma de se organizar e lutar pelo direito de ser reconhecido como cidadãos.

No final dos anos 90 e na década seguinte, o sentido de participação ficou cada vez

mais definido como “participação-em-espaços-participativos” (SZWAKO, 2012),

representado pelo aumento do número de conselhos gestores, conferências nacionais,

audiências públicas e outros. Esse desenho institucional foi trazido pela Constituição de 1988

e ganhou espaço na gestão do Governo Lula (2003-2010) fruto de sua liderança carismática e

de um sistema de poder engenhoso que combinava o grande capital, os trabalhadores

“incluídos” e os mais pobres. Essa temática, apesar da referência feita, ela não é proposta de

discussão nesse trabalho.

1.3.2 Identificando novos desafios

Nas últimas três décadas o Brasil viveu mudanças significativas, teve êxitos

democráticos que ficaram para a história. Destaca-se na década de 80, no campo político, as

55  

manifestações por eleições diretas e o fim da ditadura militar (1985); na década de 90, no

campo econômico, a vitória sobre a inflação com a implantação do Plano Real por Itamar

Franco (1994) e continuado por Fernando Henrique Cardoso (FHC); em 2003 a posse de Luís

Inácio Lula da Silva, primeiro governo de esquerda, com o firme propósito político-social de

acabar com a pobreza e promover a inclusão social (RIBEIRO, 2013).

Foram quatro anos que marcaram essas décadas de fortes emoções: o fim da ditadura,

as Diretas-Já, a eleição de Fernando Collor de Mello à presidência da República e após dois

anos, o seu impeachment; o Plano Real que concede hegemonia ao Partido da Social

Democracia Brasileira e sob os seus termos a política é orientada por alguns anos; a eleição de

Lula que em sua gestão demonstrou habilidade política ao fazer as concessões necessárias

para implantar o quanto possível seu programa de governo (RIBEIRO, 2013). A passagem de,

mais ou menos, cinquenta (50) milhões de pessoas das classes D e E para a classe C foi um

resultado que marcou seu mandato.

Entretanto, ao rever nestas três décadas alguns êxitos democráticos, notamos que, em

diferentes momentos, cada liderança política, a seu modo, soube conduzir os desafios trazidos

com as mudanças. Outras conjunturas surgem e vivemos tempos em que muitas crises se

encontram no cenário nacional e, em âmbito internacional,  as guerras como disputas por

hegemonia são as bandeiras de lutas de muitos governos. Sentimos a ausência de lideranças

com transparência de atitudes e valores em prol da dignidade humana.

Segundo Nogueira (2013), o sistema político brasileiro ficou mais tóxico, se dissociou

da sociedade e parou de dialogar com ela.

A corrupção, as operações de compra-e-venda de apoios políticos, os desvios de verbas públicas, as condutas pessoais incompatíveis com a esperada dignidade dos mandatos políticos cresceram de forma assustadora, desqualificando a democracia e agravando a crise de confiança na política. (NOGUEIRA, 2013, p. 33).

As pesquisas, o noticiário, revelam o crescente desprestígio dos políticos e a falta de

confiança dos cidadãos de que a política ajudará a mudar suas vidas. Em geral, há carência de

referências políticas, ideológicas ou morais para a humanidade. A insegurança, a desconfiança

nos partidos políticos é concreta na fala de cidadãos que dependem da política pública para ter

acesso a serviços.

56  

[...] não existe nenhum país do mundo e em nenhum continente do mundo que tenha um sistema de política como o do Brasil, com trinta Partidos Políticos. É aí que tá o problema do povo brasileiro, é os Partidos Políticos que não tem compromisso com o povo, que não tem compromisso com esse país, que leva todo o dinheiro do país lá pra fora, por isso, falta educação, por isso falta moradia, por isso falta segurança, por isso falta tudo, por quê? Porque nós temos trinta (30) Partidos Políticos que não tem compromisso comigo, não tem compromisso com vocês. (Sebastião Pereira, morador de rua, Pesquisa de campo, 2013).

No campo político vivemos uma seca que nos faz sedentos por lideranças como

Nelson Mandela que na defesa pelos direitos humanos afirma que “tal como a escravidão e o

apartheid, a pobreza não é natural. É feita pelo homem e pode ser ultrapassada e erradicada

pela ação de seres humanos”. Ele finda sua missão no mundo deixando um legado de luta pela

igualdade de direitos.

Ultimamente, outra figura religiosa nos chama a atenção, o Papa Francisco, que na sua

forma de se apresentar ao mundo combina sua vida pessoal, seus gestos, sua renúncia ao luxo

e símbolos do poder, com seu discurso constante e permanente em prol dos pobres, dos que

protestam e dos que não se resignam com a injustiça (CNBB, 2013). Por ocasião da Jornada

Mundial da Juventude, no Brasil, em 2013, ao falar à classe dirigente do país, o Papa

Francisco disse:

Todos aqueles que possuem um papel de responsabilidade, em uma Nação, são chamados a enfrentar o futuro ‘com os olhos calmos de quem sabe ver a verdade’[...]. É impossível imaginar um futuro para a sociedade, sem uma vigorosa contribuição das energias morais numa democracia que permaneça fechada na pura lógica ou no mero equilíbrio de representação de interesses constituídos. [...] A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. (CNBB, 2013).

O apelo que o Papa Francisco faz à “cultura do encontro” favorece o diálogo e a

participação como caminhos para a democracia. Os muitos conflitos e tensões que se afloram

entre nações nos levam a pensar que em alguns países do mundo as flores da primavera árabe

que em anos anteriores desabrocharam com os movimentos, as manifestações, a participação

popular, agora murcharam ou nem chegaram a florescer em muitos países.

A humanidade vive, com o advento da internet, um avanço científico-tecnológico. As

distâncias diminuem, o tempo se acelera, as ideias e pensamentos, encontros e desencontros

também circulam numa velocidade. No entanto, “as modernas tecnologias têm se constituído

em grande medida, ao mesmo tempo, instrumento de controle e arma de modernas estruturas

econômicas e políticas” (CNBB, 2013).

57  

Nessa dimensão as tecnologias podem ser analisadas por vários ângulos, por

exemplos, as revelações de Edward Snowden, ex-consultor de inteligência da Agência

Nacional de Segurança dos Estados Unidos – NSA – sobre programas de espionagem do

governo americano, são concretas. Por outro lado, no caso brasileiro, os cidadãos têm acesso

aos documentos e procedimentos dos governos objetivando permitir o controle e a

participação nas decisões políticas. Entretanto, algumas análises indicam que esse modo mais

aberto do governo, talvez seja a sinalização de uma crise da representatividade das

democracias.

O diálogo se torna mais difícil acontecer quando a efetivação e ampliação dos direitos

sociais, conquistados na luta pela redemocratização do país, não são prioridades na agenda de

discussões, no campo imediato da política. Os impulsos de mudanças que conduziram muitas

lutas contra ditaduras ficaram bloqueados, impedindo o “desenvolvimento de um país não

apenas próspero, mas cidadão” (ROLNIK, 2013).

Segundo Dagnino (2002, p. 11), a cultura do encontro pode, também, ser aplicada na

relação entre Estado e Sociedade civil na definição de espaços públicos como abertura à

participação:

Os espaços públicos configuram-se em campos privilegiados de análise [...] que são as relações, os encontros entre sociedade civil e governo e os modos como esses encontros podem contribuir ou não para o aperfeiçoamento dos governos na direção do avanço da democracia. [...] os espaços públicos se constituem como esforços de controle social do Estado, visando a maior transparência e publicização das políticas públicas, assim como a participação efetiva na sua formulação de setores da sociedade civil desprovidos de outras formas de acesso a espaços de decisão.

A ausência desse espaço torna-se uma ameaça ao exercício de cidadania porque

promove a desarticulação do governo ou Estado com os seus interlocutores mais próximos, os

cidadãos, e provoca a falência do sistema democrático.

Na segunda década dos anos 2000, apesar do avanço no campo social, o Brasil vive

uma nova etapa de uma crise da política que vem germinando e se aprofundando com o correr

do tempo, conforme Nogueira (2013, p. 21):

[...]. Impulsionada pelos governos - todos eles, sem exceção, em Brasília e nos estados-, que continuaram a exibir falhas graves e desempenho medíocre, tanto em termos de gestão e de políticas públicas, quanto em termos de comunicação e diálogo com a população. A corrupção cresceu ininterruptamente. Os partidos políticos seguiram em frente como associações parasitárias, sem vida e sem ideias. Não contribuíram para conferir maior politicidade à sociedade civil, que cresceu em dimensão e ativismo sem conseguir contornar a fragmentação.

58  

Segundo Chauí (2011), tanto a sociedade civil quanto o Estado, complementam suas

ações, um na direção do outro, porque o movimento de ambos se processa de forma que vai

constituindo o que chamamos de sociedade política. Enquanto a sociedade civil precisa das

ideias de igualdade e liberdade jurídicas para construírem seus contratos, o Estado, por sua

vez, necessita pôr em prática sob a forma da lei essa igualdade e liberdade.

Dessa forma, os movimentos sociais aparecem não como aqueles que pressionam para

que o Estado exerça sua função pública, mas para que, em nome da igualdade e liberdade se

concretize a criação de novos direitos. Essa é a lógica!

Nos últimos tempos, no Brasil, foram inúmeras as mobilizações de diferentes setores

sociais como: o grito dos excluídos, marcha das margaridas, marcha das vadias,

trabalhadores sem terra, indígenas e quilombolas, populações em situação de rua, grupos

atingidos por barragens, manifestações contra a reforma do código florestal e muitas outras

sobre as quais, talvez, a maioria da população conheça pouco. Talvez seja porque os grupos

econômicos que dominam os principais meios de comunicação tenham dado pouco interesse

para esses fatos.

Outras pautas de reivindicações foram presentes e mobilizaram os movimentos e

organizações da sociedade civil de se manifestarem:

Movimento Nacional Saúde+10 respaldado com 2.246 milhões de assinaturas,

apresentou ao governo e Congresso o projeto de lei de iniciativa popular propondo a

aplicação de 10% da arrecadação bruta para a saúde exigindo transparência e controle

dos gastos.

Comitês Populares da Copa que acompanhavam e denunciavam os custos financeiros

e sociais da construção dos estádios nas cidades sedes da Copa do mundo de 2014.

A campanha contra a Proposta Emenda Constitucional – PEC- 37/2011 que

representava um retrocesso na capacidade investigativa do Ministério Público e outras.

Tudo isso mostrou o descontentamento com o status quo da política institucional e

com a falência do sistema de democracia representativa (CNBB, 2013).

O pensamento gramsciano afirma que a sociedade civil é a esfera em que as classes se

organizam, defendem seus interesses e disputam hegemonia. Para Chauí (2011) ela é

concebida como campo das lutas dos interesses particulares ou individuais. Por esse motivo, a

sociedade civil é o lugar de manifestação dos conflitos econômicos e dos conflitos de opinião.

Rolnik (2013) ao escrever sobre as manifestações ocorridas em junho de 2013 depara-

se com o Editorial de um semanário francês de Le Point, 27 jun. 2013 que diz:

59  

Como na Turquia, as manifestações violentas que lançaram às ruas mais de um milhão de pessoas nas cidades brasileiras ecoaram como um trovão em um céu aparentemente sereno. Entretanto, elas demonstram, para além dos protestos contra a alta das tarifas nos transportes públicos, a débâcle12 do milagre brasileiro, que, após uma década de crescimento excepcional (5% ao ano), que aumentou a renda per capita de 7.500 para 11.800 dólares e fez emergir uma classe média de 90 milhões de pessoas, cresceu apenas 0,9% em 2012, por conta da política estatista e protecionista da presidenta Dilma Roussef. (ROLNIK, 2013, p. 7)

As manifestações que tomaram conta de dezenas de cidades por todo o Brasil no mês

de junho mobilizaram muitas pessoas, mesmo aquelas que não tinham por prática o

engajamento social mais orgânico ou participação em manifestações de rua. Conseguiram

chamar a atenção para alguns dos problemas sociais do país. Parafraseando Mao Tse-Tung,

“uma fagulha pode incendiar uma pradaria” e, no caso das manifestações de junho, a fagulha

foi a mobilização contra o aumento da tarifa nos transportes públicos provocada pelo

Movimento Passe Livre (MPL). Segundo o MPL-SP, é uma afirmação do direito à cidade.

Esse mesmo pensamento vai ao encontro do que afirma Rolnik, (2013, p. 9):

A fagulha das manifestações de junho não surgiu do nada: foram anos de constituição de uma nova geração de movimentos urbanos – o MPL, a resistência urbana, os movimentos sem-teto, os movimentos estudantis -, que, entre ‘catracaços’, ocupações e manifestações foram se articulando em redes mais amplas, como os Comitês Populares da Copa e sua articulação nacional, a Ancop.

Segundo Rolnik (2013), a questão urbana e, particularmente, a agenda da reforma

urbana constituiu pauta das lutas sociais, mas foi fragilmente experimentada nos municípios

nos anos 80 e início dos anos 90 do século passado. Para Nogueira, (2013, p. 17) “se as

exigências das ruas, em junho de 2013, visavam a uma democracia maior, elas também só

serão efetivadas por via democrática”.

O atual desafio apontado pelo foco das manifestações foi dar qualidade ao Estado

brasileiro, ou seja, garantir a qualidade dos serviços públicos como transporte, educação,

saúde, segurança, trabalho e outras.

“O fato de ter sido sob governos petistas que se reproduziram as bases do clientelismo, do patrimonialismo e da corrupção funcionou como combustível adicional de frustração e indignação, que só fez aumentar na medida em que foi ficando claro que persistiam os privilégios das grandes empresas, a impunidade dos mais ricos, os gastos exorbitantes e sem critérios claros, o enriquecimento dos dirigentes políticos”. (NOGUEIRA, 2013, p. 23).

                                                            12 Grifo da autora. 

60  

Conforme o autor mencionado,  a frustração e a indignação sob o governo petista,

talvez, seja porque antes mesmo de chegar à Presidência da República, o Partido dos

Trabalhadores – PT - havia conquistado no país uma hegemonia ética e política, porém,

chegou um momento em que ele perdeu essa hegemonia - no sentido gramsciano - no país. O

discurso petista tornou-se contraditório diante de seus atos (RIBEIRO, 2013).

Diante da conjuntura política em que se encontra o Brasil é aconselhável não fazer

análise sobre um partido político, pois, como diz Nogueira (2013), esses fatos precisam ser

bem compreendidos para não “fulanizar a crise, resolvê-la na personalização e na

responsabilização individual”.

Ademais, o PT, mesmo tendo marcado a história brasileira no sentido positivo

mudando a face social do país, incluindo grupos e pessoas dando voz e vez aos excluídos,

como um ator político ele não pode ser analisado somente por essa ótica, mas admitir que ao

fazer política se comprometeu com o grande capital, combinou miséria com políticas

assistencialistas (ibidem, 2013).

As manifestações de junho trouxeram à tona a efervescência do “direito a ter direito”

que alimentou as lutas dos anos 1970 e 1980 e fazem com que hoje a nova geração tenha “o

direito de ter o seu maio de 1968” (RIBEIRO, 2013, p. 17). Elas se apresentaram como um

terremoto que perturbou a ordem de um país. Para alguns críticos, “fez emergir não uma, mas

uma infinidade de agendas mal resolvidas” (ROLNIK, 2013).

Os protestos não somente foram contra o aumento da tarifa de transporte público, mas

pelo direito à cidade, à acessibilidade, boas condições de vida que não se conseguem apenas

com um bom emprego e bons salários, mas frequentemente de políticas públicas urbanas com

qualidade – moradia, saneamento, educação, saúde, lazer, segurança, transporte, coleta de

lixo. Para Harvey (2013, p. 28) se a “cidade não se encontra alinhada a esses direitos, então ela

precisa ser mudada”. Nesse sentido afirma Maricato (2013, p. 19-20):

As cidades são o principal local onde se dá a reprodução da força de trabalho [...] a cidade não fornece apenas o lugar, o suporte ou o chão para essa reprodução social. Suas características e até mesmo a forma como se realizam fazem a diferença. [...] Há uma disputa básica como pano de fundo, entre aqueles que querem dela melhores condições de vida e aqueles que visam apenas extrair ganhos. A cidade constitui um grande patrimônio construído histórica e socialmente, mas sua apropriação é desigual [...] grande parte de nossas cidades é construída pelos próprios moradores em áreas invadidas.

A aceleração da urbanização no país, principalmente, nas grandes metrópoles,

ocasionou dentre os mais variados problemas de infraestrutura, a ausência de políticas de

61  

planejamento para a utilização do solo urbano e a falta de políticas públicas para a população

migrante (da zona rural, das cidades pequenas do país e estrangeiros de diversos países)

presente nos grandes centros urbanos.

Para Harvey (2013, p. 29): “As chamadas cidades ‘globais’ do capitalismo avançado

são divididas socialmente entre as elites financeiras e as grandes porções de trabalhadores de

baixa renda, que por sua vez se fundem aos marginalizados e desempregados”.

Segundo este autor o direito à cidade não pode ser entendido apenas como um direito

de visita ou um retorno às cidades tradicionais, mas o direito de mudar a cidade conforme o

desejo de nossos corações, de “formá-la de acordo com as nossas necessidades coletivas”.

Desde os últimos anos da década passada, a vida nas cidades brasileiras decresceu

muito. A partir dos anos 1980, as décadas seguintes sofreram um impacto representado pelo

baixo crescimento, alto desemprego, e retrocesso das políticas públicas e sociais estabelecido

pelo receituário neoliberal.

Entre os anos de 2003 a 2010, a habilidade política de do Presidente Luís Inácio Lula

da Silva13 fez com que as políticas sociais do governo federal fossem reforçadas e cerca de 35

milhões de brasileiros saíram da pobreza. As políticas de transferência de renda como bolsa-

família e o incentivo ao crédito para a aquisição de bens de consumo foram incrementos que

produziram uma nova fisionomia da sociedade fazendo com que, essa nova classe de

consumidores dinamizasse o mercado interno.

Nesse período o Brasil foi objeto de admiração de muitos. Tornou-se potência

regional, destacou-se como o 6º país em tamanho do Produto Interno Bruto – PIB -, ganhou

relevância e influência na América Latina, na África, entre os BRICS (Brasil, Rússia, India,

China e África do Sul). A impressão era que o país tinha ocupado o status de pertencer ao

primeiro mundo. Mas o discurso oficial da eficiência das políticas governamentais e do

progresso social contrastava com o sentimento da população que percebia que a vida não

mudava. (NOGUEIRA, 2013).

É verdade que nesse período a vida de 35 milhões de pobres melhorou, mas essa

melhoria não atingiu a todos, pois não resgatou de forma plena os mais pobres. Tanto aqueles

que saíram da pobreza quanto aqueles que permaneceram nela, continuaram a esperar por

melhores condições de vida, de serviços públicos, de direitos e de governabilidade mais

transparente.

                                                            13 A figura carismática de Lula e sua habilidade de negociador foram elementos importantes no seu governo para obter sustentação política, amenizar conflitos e estabelecer canais de comunicação com os mais pobres. (NOGUEIRA, 2013).

62  

Por isso, não se pode afirmar que o país estava bem se a infraestrutura em educação,

saúde pública, transporte é péssima e a insegurança e criminalidade contribuem para a

degradação da cidade.

A sensação presente nesse cenário é que, durante um longo período o Brasil pareceu

viver uma prosperidade econômica e paz social, mas a partir de 2009-2010 as mudanças na

economia internacional fizeram com que o país mudasse de posição.

A redução do crescimento da China inibe a aquisição de produtos brasileiros, os

baixos juros internacionais chegam ao fim, a desvalorização do real e a valorização do dólar e

os limites do mercado interno, tudo isso, contribuem para a economia decrescer e a ação

empreendedora do governo ganhar limites em relação às políticas sociais e investimentos em

infraestrutura. (NOGUEIRA, 2013).

Nesse cenário, muitas contradições surgiram: corrupções, gastos públicos sem

critérios, privilégios dados aos grandes grupos econômicos e o endividamento que

comprometeu o poder de consumo de muitos. Por outro lado, os altos investimentos de

bilhões de reais com a Copa do mundo de 2014 e as Olimpíadas.

A insatisfação e a decepção, aos poucos, foram se manifestando e os gritos e vozes das

ruas ecoavam por mudanças e apresentaram suas demandas sociais como um terremoto que

perturbou a ordem de um país. Para alguns críticos, “fez emergir não uma, mas uma

infinidade de agendas mal resolvidas” (ROLNIK, 2013) que reflete uma grande distorção na

democracia representativa, ou seja, o atual sistema político brasileiro não representa a

população.

A sociedade civil, os movimentos sociais e a opinião pública, por um período, se

acomodaram ao sistema governamental. Mas, é importante reconhecer que a sociedade

brasileira nas últimas décadas mudou em profundidade, tornou-se mais dinâmica, com mais

mobilidade social e cada vez mais, passou a funcionar em rede, enquanto, os centros do poder

perderam em transparência e força e os partidos revelaram a pouca influência na mediação de

consensos sociais (NOGUEIRA, 2013).

 

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66  

[...] defendemos a tese de que a sociedade do capital e sua lei de valor necessitam cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais das diversificadas formas de trabalho parcial ou part-time, terceirizado, que são, em escala crescente, parte constitutiva do processo de produção capitalista. (ANTUNES, 2006, p. 10).

Os trabalhadores viveram momentos de crises num contexto de inseguranças diante do

aprofundamento do desemprego. A sua capacidade de resistência política diante dessa crise,

de fato, foi fragilizada. A precarização do trabalho tornou-se uma realidade e os direitos

derivados dessa dependência foram afetados e regredidos por nova forma de exploração da

mais-valia. Tudo isso foi consequência de uma nova configuração que se estabeleceu para a

organização do trabalho motivada pelos princípios capitalistas na modernidade, conforme

explica Antunes, (2006, p. 10-11):

[...] exatamente porque o capital não pode eliminar o trabalho vivo do processo de criação de valores, ele deve aumentar a utilização e a produtividade do trabalho de modo que intensifique as formas de extração da mais-valia em tempo cada vez mais reduzido.

Sabe-se, porém, que o trabalho dá sentido à existência do homem enquanto um ser

diferente dos outros animais. É por meio do trabalho que ele produz seus meios de existência

e produz de forma indireta a sua vida material. A reivindicação das pessoas que vivem em

situação de rua é pelo direito ao trabalho. Na ausência de políticas esse é um apelo que essa

população manifesta todas as vezes que se coloca diante do poder público:

[...] a gente não precisa de albergue, não precisa de alimento, precisa de ajuda, precisa de um trabalho. [...] Vocês tem que lutar por aquelas pessoas que querem mudar, querem crescer, progredir, querem melhorar, porque aqui tem muita pessoa que quer trabalhar e só falta uma oportunidade. (Wiiliam, morador de rua, Pesquisa de campo, 2013).

O trabalho é um elemento central no processo de sociabilidade humana e determinante

de seu modo de vida (SILVA, 2009), pois, o modo como os seres humanos produzem seus

meios de vida, de subsistência, consequentemente, expressa um modo de vida específico de

acordo com a época e lugar, refletindo exatamente o que eles são. É o que nos diz Silva,

(2009, p. 39).

Para produzir, os seres humanos estabelecem relações recíprocas, no interior e por meio das quais realizam a produção, como ação transformadora da natureza. [...] A produção é, pois, uma atividade social e histórica. E, como tal, não produz apenas objetos materiais, mas relações sociais entre as pessoas, classes, embora essas relações estejam ligadas a coisas e apareçam como coisas.

67  

Percebe-se o quão profundamente o trabalho se torna central e dá sentido à vida da

pessoa humana. Ele é elemento estruturante da sociabilidade, na formação da consciência e

determinante do modo de vida humana. As pessoas que vivem em situação de rua expressam

em suas falas o sentido do trabalho para a reconstrução de suas vidas e, ao mesmo tempo,

deixa explicita a falta de dignidade que sofrem, de forma preconceituosa, quando ele é negado

como um direito fundamental reduzindo o ser humano à condição de humilhado.

No depoimento do jovem Luciano, num evento da população de rua com o secretário

de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo – DH/PopRua -, ao falar dos maus tratos

sofridos pela Guarda Civil Metropolitana – GCM – no seu direito de exercer uma atividade de

trabalho ele faz esse desabafo:

[...] você tá na rua, você não tem apoio de nada ... eu vou numa comunidade, consigo uma caixa d’água, consigo alguma coisa pra eu trabalhar digno, nós não temos essa oportunidade[...] oportunidade senhor secretário não é dar café da manha num abrigo, dar almoço e dar chá à tarde ... porque isso aí acostuma [...] de manhã toma café, almoça, toma chá à tarde, janta [...] o que um ser humano desse vai fazer? ... aí o ser humano que tá correndo atrás pra trabalhar, vem simplesmente a GCM – Guarda Civil Metropolitana – eles pegam a mercadoria e bate [...] a água é pago imposto, porque não é uma água roubada [...] eu comprei! Eu pedi ... e outra pessoa comprou pra mim, pra mim sobreviver ... [...] se tivesse essa oportunidade [...] no meio da gente [...] pessoas querem mudar de vida, pessoas que não dependem da política da prefeitura, da política do governo, porque tem saúde, tem categoria e força pra trabalhar, pessoas inteligentes [...] pessoas que tem estudo no nosso meio, tem escolaridade, pessoas que precisam trabalhar, não precisam ficar dependendo... sim, dependemos sim dos direitos humanos [...]. (Pesquisa de campo -DH/PopRua, agosto, 2013).

A ausência do trabalho na vida da pessoa humana ameaça a sua dignidade. É o que

expressa a fala desta outra pessoa em situação de rua presente no ato público da Praça da Sé

em agosto de 2013 que preferiu não se identificar:

[...] os direitos humanos que nós temos direitos, é que nós estamos sofrendo muita humilhação, principalmente da polícia militar; que chega falando muita coisa, empurrando, discriminando a gente, humilhando. Eu acho isso aí errado... já fui parado pela polícia militar e me chamar de lixo. Isso aí me senti, praticamente, humilhado, quase chorando de ódio [...] quem é ele pra me chamar de lixo, porque ele é ser humano que nem eu; isso é falta de dignidade, de caráter, porque a polícia militar tem que tratar a gente bem, nem todo mundo merece ouvir isso. (morador de rua, faixa etária entre 30 a 35 anos).

O trabalho é fundamental para a atividade humana e necessário para efetivar o

intercâmbio material entre o homem e a natureza. Por meio dele, inúmeras possibilidades são

criadas como inerentes ao desenvolvimento das pessoas, de suas ideias, de suas capacidades e

68  

suas relações sociais, pois, à medida que transformam a natureza por meio dele, transforma-se

a si mesmo por meio do seu pensamento.

Ao ressaltar o pensamento de Engels em relação ao trabalho, Silva (2009) afirma que

este é “condição básica e fundamental de toda a vida humana”, porém, é necessário ter

condições mínimas para exercer tal atividade. Muitas vezes, essa atividade acontece em

situações de extrema exploração e miserável, mas reafirma sua necessidade conforme nos

apresenta este outro depoimento:

Eu sou roleira, trabalho na Feira do Rolo... eu trabalho na Feira do Rolo e moro na rua, tem onze (11) anos. Eu não posso vender um nada aqui eles tomam de minhas mãos, levam embora ... de todo mundo ... eles falam pros ambulantes venderem as coisas na rua ..., pra mim é o contrário, é diferente. Eles falam que vão levar e pra gente ir lá pegar tenho que pagar trezentos reais (R$ 300,00) pra retirar a mercadoria [...] tem gente que quer ganhar dinheiro nas costas da gente, do morador de rua [...] somos dignos, a gente precisa de moradia, a gente não quer viver na rua. Eu ando arrumada mas eu moro na rua ...”.(jovem mulher com aparência entre 25 e 30 anos).

As péssimas condições de trabalho ou a falta de oportunidade para exercê-lo fere o que

está assegurado no Artigo 6º da Constituição Federal de 1988, quando estabelece o trabalho

como um direito social e uma série de dispositivos que assegurassem ao cidadão todo o básico

necessário para a sua existência digna e para que tenha condições ideais de trabalho e

emprego.

[...] eu não sou feliz por lembrar do que eu passei, mas sou feliz por hoje, porque eu venci uma guerra... [...] eu sou muito a favor de muitas coisas que fazem bem pra mim e pro próximo que ainda se encontra em situação de rua ... [...] mas essa é uma oportunidade única [...] de estudar curso, procurar uma escola, um trabalho, procurar um emprego e assim ... pode pagar seu próprio aluguel”. (ex-morador de rua em evento da população de rua na Praça da Sé/ agosto de 2013).

Sendo assim, ao pensarmos na condição em que vivem as pessoas em situação de rua

em relação ao trabalho, como elemento central para a sociabilidade humana, trazemos à

margem uma série de questões que problematizam o sentido da vida delas. Como podem

estabelecer relações recíprocas entre as pessoas e classes se estão fora de um sistema de

produção e muito menos, possuem meios para reproduzirem a sua vida? Como desenvolver

suas capacidades humanas e transformar a natureza a seu favor se os meios de produção,

como condições necessárias para o trabalho, não os incluem nesse processo de produção?

69  

2.2 Buscando antecedentes históricos para entender a realidade atual

Em meados da última década do século XX e o início do novo milênio foi o período,

propriamente dito, em que o Brasil realizou seu ajuste estrutural, cujo princípio, tinha como

base os fundamentos de uma política neoliberal pautada na reestruturação produtiva, na

reorientação do papel do Estado e na financeirização do capital. “A reestruturação produtiva

teve como diretriz a reorganização das forças produtivas na recomposição do ciclo de

reprodução do capital, na esfera da produção e das relações sociais”. (SILVA, 2009, p. 19).

Esse novo modo de organizar a produção veio como um vendaval para desestabilizar a

vida e a organização da classe trabalhadora, porque, por meio de métodos e processos de

trabalho e uma nova forma de gestão da força de trabalho, influenciou fortemente a

diminuição da criação e oferta de postos de trabalhos, a queda do nível e das condições de

trabalho provocando a precarização e a desregulamentação dos direitos até então conquistados

pelos trabalhadores.

Essa ideia é reforçada por Antunes (2006) ao posicionar suas reflexões sobre os novos

processos de trabalho e suas formas transitórias de produção, atentando para o fato do quanto

essas transformações repercutiram no interior do mundo do trabalho. Ele afirma que os seus

desdobramentos atingiram de forma aguda o respeito aos direitos dos trabalhadores. Estes, por

sua vez, foram desregulamentados e flexibilizados.

Esse novo padrão de acumulação gerou uma insegurança à sustentabilidade dos

trabalhadores ditada pelas novas exigências, de um lado, responder aos interesses do capital e,

de outro, à sua capacidade de lutar e defender os direitos. Os direitos e as conquistas

históricas dos trabalhadores foram eliminados do mundo da produção e substituídos por

outros valores que dessem sustentabilidade ao capital.

Essa realidade posta à classe trabalhadora forçou-a assumir posições que a fizeram

sentir-se como se estivesse numa camisa de força pela pressão vivida por situações

antagônicas, ou seja, corresponder a um padrão de acumulação estabelecido pelo

neoliberalismo e a necessidade de garantir a sua subsistência, ao mesmo tempo, não deixar

sucumbir seus direitos por meio da organização e da luta da classe trabalhadora.

O perfil de um trabalhador capaz de desenvolver ao mesmo tempo uma série de

atividades, operar várias máquinas e ainda, utilizar sua capacidade intelectual a favor do

capital, foi uma ideologia introduzida no seio do mundo do trabalho por meio dessa nova

organização da produção que repercutiu, profundamente, na composição e na organização da

70  

classe trabalhadora, dispersou a sua luta e passou a ser mais heterogênea (SILVA, 2009), e de

forma sutil, mas violenta, foi aprofundando o desemprego e aumentando a precarização do

trabalho.

Além de atingir de forma material as relações trabalhistas no que diz respeito a estas

condições, esse novo padrão de organização foi empurrando cada vez mais os trabalhadores

para a periferia do subemprego, como também, conseguiu atingir o subjetivo dessas relações,

reduzindo os laços de solidariedade no âmbito do trabalho, enfraquecendo a luta e diminuindo

o poder de pressão do movimento.

[...] Nesse contexto, formou-se uma gigantesca massa populacional sobrante, uma massa excedente às necessidades médias de acumulação do capital, o que Marx (1988b) denomina superpopulação relativa ou exército industrial de reserva. (SILVA, 2009, p. 20).

Os efeitos produzidos pelos princípios neoliberais, que provocaram o surgimento da

expressiva massa de trabalhadores, elevaram os níveis de pobreza e trouxeram à tona,

também, elevados níveis de desigualdades sociais. Segundo Antunes (2006) o mais brutal

dessas transformações na sociedade contemporânea, particularmente nas últimas décadas, foi

a expansão do desemprego estrutural que atingiu o mundo em escala global.

O neoliberalismo e a reestruturação produtiva da era da acumulação flexível, dotado de forte caráter destrutivo, têm acarretado, entre tantos aspectos nefastos, um monumental desemprego, uma enorme precarização do trabalho e uma degradação crescente na relação metabólica entre homem e natureza [...]. (ANTUNES, 2006, p. 165).

No rol das destruições de forças produtivas, da natureza e do meio ambiente, segundo

Antunes (2006), também se encontra em escala mundial, uma ação destrutiva contra a força

humana de trabalho que a identificamos, hoje, na condição de precarizada ou excluída.

Nesse cenário, segundo Silva (2009), pode-se identificar, principalmente, nos grandes

centros urbanos do país, a presença significante de pessoas em situação de rua vivendo

situações de extrema pobreza e luta pela sobrevivência, desde já fazendo ecoar um grito

silencioso já expresso por sua presença na rua, da necessidade de pensar programas e projetar

políticas de trabalho, saúde e moradia para atender sua necessidade.

A População em situação de rua é um fenômeno que se produz socialmente na

contextualização excessiva e relativa do crescimento do capital. Este fenômeno constitui

expressão radical da questão social na contemporaneidade, que materializa e dá visibilidade à

71  

violência do capitalismo sobre o ser humano, despojando-o completamente dos meios de

produzir riqueza para uso próprio e submetendo-o a níveis extremos de degradação de vida.

Wanderley (2010, p. 56), ao analisar as expressões da questão social no contexto da

globalização tendo como lócus geográfico a realidade latino-americana, afirma que se, por um

lado, ela possui características comuns, derivadas exatamente dos traços comuns, por outro,

ela se constitui como um mosaico diferenciado de elementos que foram constituídos dos

diferentes modos como os povos foram construindo suas trajetórias de vida.

Essa comparação com um mosaico pode ser muito bem aplicada a uma dimensão mais

particular no contexto da população em situação de rua, sua caracterização, sua história e

trajetórias, seus modos de vida, ou seja, ela se expressa como um conjunto de elementos

diferenciados que foram, também, sendo construídos e se constituindo e, ao analisá-la deve

ser levado em conta a sua heterogeneidade porque, provavelmente, iremos deparar-nos com a

dificuldade de fechá-la numa categoria de análise específica, exatamente por apresentar-se

diversa em sua composição e nos desafios que são postos por cada grupo17 que está inserido

nesse contexto.

[...] No Brasil, com o agravamento da questão social, ganhou visibilidade a problemática que envolve a população de rua com o crescimento quantitativo, cada vez mais expressivo nas grandes e médias cidades brasileiras, acompanhado pela deterioração maior de suas condições de trabalho e de vida. (ROSA, 2005, p. 39).

Deparar-nos com uma realidade de pessoas vivendo em situação de rua em pleno

século XXI, parece-nos absurda como, de fato, o é. Não é possível conceber essa realidade e

tratá-la como algo natural, por isso, para tentar entende-la, embora, não seja aceitável, é

preciso buscar seus fundamentos nos acontecimentos históricos e, ao mesmo tempo fazer uma

releitura do passado para compreender o presente com vistas a buscar alternativas para essa

população sair da condição “em situação de rua” e viver dignamente.

A presença de grupos de pessoas nas ruas já se fazia notar desde a década de 1950,

porém é uma trajetória que nos remonta a antecedentes históricos do início do século. Trata-se

de um segmento social que, sem trabalho e sem moradia, utiliza dos espaços públicos da rua

como local de sobrevivência.

Segundo Silva (2009), a população em situação de rua faz parte de um circulo de

pobreza marcada pelo contexto de desemprego, vulnerabilidade e quebra de vínculos                                                             17 Segundo Rosa (2005), quando da pesquisa realizada com a população de rua na cidade de São Paulo no ano de 1991, a própria característica deste segmento dificultava estabelecer uma estatística por se tratar de uma população que tem uma mobilidade constante, ou seja, é bastante heterogênea, se desloca tanto geograficamente quanto economicamente, dificultando precisar o número daqueles que se encontram nas ruas da cidade.

72  

familiares dentre outros fatores que se destacam como aqueles que mais contribuem para a

configuração dessa realidade.

Silva (2009) afirma, também, que o fenômeno população em situação de rua é uma

“síntese de múltiplas determinações”, pelo fato da sua formação, nas sociedades capitalistas,

estar associada à relação capital e trabalho e no Brasil de 1995 a 2005 as mudanças no mundo

do trabalho foram tão profundas que contribuíram para o aprofundamento das desigualdades

sociais e a pobreza.

Realmente, como já foi dito anteriormente, ao reportarmos ao contexto da

reestruturação produtiva e observá-la como estratégia fundamental para determinar mudanças

no mundo do trabalho – mercado, as relações e as condições de trabalho – percebe-se a

profundidade que essas mudanças acarretaram com consequências para a vida dos

trabalhadores e suas famílias.

Numa conjuntura de recessão e desemprego a classe trabalhadora fica mais exposta às condições precárias de trabalho e submete-se às condições precárias do mercado de trabalho informal devido à falta de emprego, dificultando a sobrevivência e abalando a imagem daquele trabalhador honesto e de provedor que confere legitimidade ao chefe de família (VIEIRA; BEZERRA; ROSA, 2004, p. 18-19).

O trabalho é fundante da sociabilidade humana. Porém, na sociedade capitalista, nas

condições em que ele se realiza perde seu sentido original, e passa a assumir a forma de

trabalho assalariado, alienado, fetichizado, como expressa claramente Iamamoto (2010, p.

125) quando afirma que,

O predomínio do capital fetiche conduz à banalização do humano, à descartabilidade e indiferença perante o outro, o que se encontra na raiz das novas configurações da questão social na era das finanças. Nessa perspectiva, a questão social é mais do que as expressões de pobreza, miséria e ‘exclusão’. Condensa a banalização do humano, que atesta a radicalidade da alienação e a invisibilidade do trabalho [...] e dos sujeitos que o realizam [...] a subordinação da sociabilidade humana às coisas [...] retrata, na contemporaneidade, um desenvolvimento econômico que se traduz como barbárie social [...].

Na sociedade capitalista a força de trabalho torna-se uma mercadoria com a finalidade

de criar novas mercadorias e valorizar o capital. Silva (2009) afirma que considerar essas

dimensões acerca do trabalho é compreender a sua relevância na estruturação do capitalismo e

das relações sociais na contemporaneidade.

Considerando a acelerada urbanização que o Brasil vivenciou nas duas últimas

décadas, é possível perceber que ao lado do desenvolvimento econômico presente no país,

73  

parcelas crescentes da população não têm acesso às condições e serviços essenciais, que lhes

assegurem uma vida com dignidade.

O crescimento da população em situação de rua tem despertado para a necessidade de

dimensionar suas proporções (VIEIRA; BEZERRA; ROSA, 2004, p. 47). Esse fenômeno traz

a público, e de forma escancarada, o nível em que chegou a precarização das condições de

vida, de dignidade e de justiça social em relação à pessoa humana.

Esse fenômeno população em situação de rua, presente no cenário brasileiro, tem

questionado profissionais, pesquisadores e intelectuais, organizações não-governamentais pela

situação vivida de exclusão dos bens públicos, da discriminação e desrespeito aos direitos

fundamentais, da vulnerabilidade a que está exposta, de maneira degradada, a vida humana.

Pesquisadores e cientistas sociais e políticos, como por exemplos Antunes, Netto,

Iamamoto, Silva e outros, associam as causas da vulnerabilidade e desigualdades sociais, ao

capitalismo, como um modo de produção que mudou, de maneira radical, os processos de

trabalho, os hábitos de consumo, as configurações geopolíticas e a forma como o Estado deve

atuar em seu papel de promotor de políticas públicas.

Uma vez que entendemos os fatores sociais, políticos e econômicos, além dos

culturais, como responsáveis por desencadearem esse cenário de pessoas que vivem em

situação de rua, - que seja temporário circunstancial ou permanente – podemos entender os

motivos que possibilitaram que o sujeito saísse de casa e passasse a morar na rua.

Dessa forma é possível pontuar a análise, comparar os avanços e retrocessos ocorridos

no âmbito das políticas públicas - como papel primordial no atendimento à população em

estado de vulnerabilidade social – como também, identificar as causas e as consequências das

desigualdades econômicas e culturais presentes na sociedade.

A reestruturação produtiva nesta era de acumulação flexível foi responsável por

grandes transtornos, principalmente, no mundo do trabalho, acarretando um alto índice de

desemprego, uma precarização do trabalho e, consequentemente, uma queda crescente na

relação entre o homem e a natureza movida pela lógica da produção de mercadorias que

destrói o meio ambiente.

Netto (1999) afirma que a globalização surgiu com maior força nos anos 90

provocando uma série de mudanças societárias que repercutiram profundamente no modo de

ser e viver da população, principalmente dos trabalhadores assalariados, entretanto, em

meados da década de 80 foi marcante a presença forte de países capitalistas nas decisões

políticas e, no caso brasileiro, já era sentida a ausência do Estado e o grande vínculo que se

firmava com as políticas neoliberais. Veja o que o autor afirma:

74  

Muito especialmente a partir de 1995 quando representantes do grande capital passaram a ocupar mais diretamente as instâncias das decisões políticas, as práticas inspiradas no neoliberalismo e sua cultura, viram-se amplamente disseminadas no conjunto da sociedade. Ao longo da década, a grande burguesia brasileira (que cresceu à sombra do dirigismo estatal da ditadura) reciclou rapidamente seu projeto societário, tornando agora neoliberal. (NETTO, p. 107, 1999).

Segundo Gohn (2008), o modelo vigente nesse contexto de mudança da conjuntura

econômica, subordina-se às regras de mercado globalizado e o desemprego se torna o ponto

central das expressões da questão social que se expressa na miséria e na exclusão. A

economia informal é o setor que cresce, pois na agenda do crescimento econômico, o trabalho

formal não é priorizado e reduz a mão-de-obra empregada para corresponder às exigências da

reestruturação trabalhista.

A ausência de trabalho formal e informal para todos faz com que programas

emergenciais sejam criados como medidas paliativas para atender a população, como

exemplos as cestas básicas, bolsas de trabalho e outros, em detrimento dos direitos

trabalhistas que não lhes são concedidos. Enquanto isso, a administração pública estabelece

critérios para o atendimento dessas demandas e prioriza acordos internacionais para o

pagamento da dívida externa fazendo ajustes fiscais de acordo com as exigências do Fundo

Monetário Internacional – FMI.

Os efeitos da globalização produtiva, definida pela lógica do sistema produtor de

mercadorias transforma a concorrência e a busca da produtividade num processo de

destruição em que vai crescendo sempre mais uma sociedade de excluídos que se alastra não

somente pelos países da América Latina, em particular o Brasil, mas, atinge também os países

do Norte, segundo as palavras de Antunes (2006, p. 166): “E quanto mais se avança na

competitividade intercapitalista, quanto mais se desenvolve a tecnologia concorrencial, maior

é a desmontagem de inúmeros parques industriais que não conseguem acompanhar sua

velocidade intensa”.

Nos anos 90 as empresas, efetivamente, passaram a investir em tecnologia japonesa de

gestão, tendo como foco a flexibilização do trabalho, a reestruturação produtiva que deu

ênfase à necessidade de um novo modelo de trabalhador que obedeça a um determinado

perfil: mais qualificado, maior nível de escolaridade, mais participante, mais responsável e

comprometido com os objetivos da empresa.

É preciso considerar que muitas empresas têm se apropriado de inovações

tecnológicas, muitas vezes, para atender a modismos ou à necessidade de seguir os passos de

empresas dos setores de ponta e líderes de mercado.

75  

As mudanças ocorridas colocam em cheque todas as habilidades do trabalhador

adquiridas ao longo de sua trajetória profissional, entretanto, por outro lado, ele tem que

enfrentar a necessidade de reconstruí-las e se requalificar para adaptar-se às novas condições e

exigências impostas.

Esse quadro torna-se ameaçador e os trabalhadores que não se encontram mais nesse

perfil são torturados psicologicamente pela ideologia do capitalismo que é produzir, crescer e,

recai sobre ele uma sobrecarga individual de responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso.

As exigências de qualificação e requalificação profissional parecem configurar um novo tipo

de trabalho e de trabalhador. Se isso representa uma dificuldade para os experientes (adultos)

podemos imaginar como esse drama é vivido pelos jovens também.

A demanda por mão-de-obra mais escolarizada e mais qualificada tornou-se uma das

exigências da economia mundial que vem sendo regida pelo neoliberalismo, desde fins da

década de 1980.

A exclusão se agravou com a reestruturação produtiva e as novas formas de relações

que surgiram nesse novo milênio. A população empobrecida enfrenta condições adversas

provenientes da redução do mercado de trabalho para os trabalhadores e uma das expressões é

a mão-de-obra sobrante que está cada vez mais difícil de ser reinserida neste mercado.

Ao nos referirmos à população de rua vem nítida a imagem de um segmento social que

está despojado de tudo, sua vida pessoal, sua profissão, sua família, perspectivas que

alimentem a esperança de ser respeitado em sua dignidade. Em sendo assim, podemos resumir

que é um segmento social que se encontra em situação limite de pobreza.

Rosa (2004), discute a pobreza como condição da classe trabalhadora e a qualifica

como sendo muito mais profunda do que uma situação econômica, mas uma experiência (real

ou virtual) dos limites ou da ruptura com referenciais que constroem a noção de uma ordem

legítima de vida.

Portanto, a pobreza não se reduz meramente a uma questão econômica, mas se

constitui também como uma referência ou parâmetro de avaliação social. Nesse contexto, a

população em situação de rua encontra-se em condição de extrema pobreza demarcando seu

lugar social, por isso, sofre o estigma tanto da sociedade como um todo, como da classe

trabalhadora, em particular.

A própria condição de vida dessas pessoas favorece uma dinâmica de mudanças que

ocorrem constantemente, ou seja, elas podem alternar a rua com condições precárias de

habitações, e o trabalho na rua, por meio de bicos, com o trabalho regular. É uma realidade

imprescindível, pois tanto se misturam o morador tradicional e aqueles que ficam

76  

temporariamente nela e, por vezes, percorrem o país inteiro em empregos da construção civil

e em trabalhos agrícolas.

Mesmo não sendo um fenômeno das últimas décadas, a exclusão social se agravou

com as políticas neoliberais nos anos 90 intensificando a pobreza e reduzindo o acesso a

empregos. A Educação também foi afetada e influenciada por essas transformações políticas,

sociais e econômicas e passou a ser mercantilizada.

As mudanças sociais foram impulsionadas pela globalização e suas consequentes

transformações da vida cotidiana que repercutiram em mudanças locais e globais, afetaram e

afetam a dinâmica política, econômica e social dos Estados, por isso, os processos de

democratização devem ser entendidos nesse contexto das mudanças.

2.3 Sobre a população em situação de rua

“Os sentimentos de fracasso e impotência perante a vida,

roubam o espaço da esperança”.

(Movimento Nacional da população de Rua)

Tendo em vista que o processo de participação da população em situação de rua no

Centro Comunitário São Martinho de Lima como espaço de vivência para o exercício da

cidadania, é o tema central do presente trabalho acadêmico, é imprescindível delimitarmos o

nosso objeto de pesquisa e a sua localização espacial. Assim, esta investigação, delimita-se na

cidade de São Paulo e, considerando a caracterização desse segmento populacional,

principalmente, nos últimos cinco anos.

Diante do desafio de descrever, de modo geral, a realidade de pessoas que vivem nessa

condição, utilizaremos fontes teóricas elaborações de diferentes autores e pesquisas que já

foram realizadas sobre o tema.

Ademais, para compreender esse universo, torna-se necessário, ainda que de modo

sucinto, discorramos sobre possíveis definições acerca do fenômeno social denominado

pessoas em situação de rua, suas características e especificidades.

77  

Uma possível definição...

“A rua aparece como um símbolo feminino, assim, como a cidade é também feminina, [...], a Terra é o planeta feminino. Por que eu digo que a rua é feminina? Porque a rua é que acolhe, a rua é que é mãe dos órfãos”. (Maria Emília Ferreira Guerra)*

Na atualidade, é muito comum ver pessoas morando nas ruas, principalmente, nos

centros urbanos das grandes cidades. A figura do morador de rua tornou-se parte de um

cenário que se confunde e, ao mesmo tempo, se mistura com a paisagem, as praças e viadutos

das metrópoles e faz desses lugares públicos seu local de moradia e vida.

Na música de Chico Buarque “Meu Guri” é possível ampliar nossa visão para

percebermos os vários olhares que são possíveis aplicar à imagem de um indivíduo. Assim

como a mãe tem o seu olhar para o “pequeno rebento”, também, é possível imaginá-lo como

ele pode ser analisado pelo Estado, pela polícia, pela sociedade e entidades civis, a partir do

lugar que ocupa. O mesmo ocorre em relação a uma pessoa que está morando na rua. São

vários os olhares e análises dirigidas para essa realidade.

Ao longo dos tempos foram muitos os atributos direcionados a ela - pedinte, mendigo,

marginal, vagabundo, “homem do saco” – e expressões emitidas – “pedem porque é mais fácil

que trabalhar”, “não estudaram porque não quiseram”, “é maloqueiro, só não trabalha quem

não quer”, etc. - por pessoas ao transitam pelas ruas de São Paulo ao deparar-se com esse

quadro. São expressões que se fundamentam na atribuição do sucesso e do fracasso

exclusivamente a pessoas particulares, furtando-se dessa forma, a uma compreensão da

realidade com base nas causas históricas, políticas e sociais.

Guaresch (2011) ao analisar os pressupostos psicossociais18 da exclusão fundamenta

essa afirmativa quando destaca um deles, a estratégia de culpabilização e diz:

Há uma ‘individuação’ do social, e um endeusamento do individual [...]. De concepções como essas derivam práticas atuais de culpabilização psicológica, muito bem identificadas e analisadas por Viviane Forrester (1997), quando mostra como o desemprego planejado e sistêmico dos dias de hoje, que leva à exclusão de milhões de pessoas, é legitimado por teorias psicossociais. As pessoas são, individualmente,

                                                            *Maria Emília Ferreira Guerra era religiosa da Congregação de Nossa Senhora Cônegas de Santo Agostinho e realizava um trabalho junto à população de rua no bairro da Luz, no centro da cidade de São Paulo. Era membro do Comitê de Ética em Pesquisa na PUC-SP. Faleceu em dezembro de 2011. 18 No livro Artimanhas da Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social - Sawaia (2011.), o autor se refere a aspectos que são fundamentalmente ideológicos e os julga decisivos para a criação e perpetuação da exclusão.

78  

responsabilizadas por uma situação econômica adversa e injusta. Para tais teorias, o social não existe. (GUARESCHI, 2011, p. 152).

Para o autor esse tipo de visão reducionista do ser humano não dá conta de

compreender a exclusão sofrida por milhões de pessoas. Tal visão acerca do ser humano e as

explicações históricas desenvolvidas por essas teorias acerca dos fenômenos sociais não dão

espaço para a inclusão de uma responsabilidade atribuída a um sistema injusto que condena

milhões de desfavorecidos a um destino comum.

Nessa mesma direção, Serge Paugam esclarece, no prefácio do livro “Moradores de

rua: uma questão social?” que:

Entre as representações da pobreza, é possível estudar, por exemplo, o modo como os indivíduos de um país ou de uma região, explicam esse fenômeno. Algumas pesquisas realizadas na Europa distinguiram dois grandes tipos de explicação: a explicação pela preguiça e a explicação pela injustiça. A primeira remete a uma concepção moral fundado no sentido do dever e da ética do trabalho. Segundo essa ótica, cada indivíduo é responsável por si mesmo e somente sua coragem pode evitar que ele conheça a pobreza. A explicação da pobreza pela injustiça remete, ao contrário, a uma concepção mais global da sociedade. Nesse espírito o poder público tem um dever: o de ajudar os pobres no sentido de conquistar uma maior justiça social. (GIORGETTI, 2012, p. 9-10)

Não é propósito aqui ampliar uma discussão acerca de conceitos como pobreza,

exclusão, vulnerabilidade, mas atentar para a questão de uma ética individualista que a

modernidade nos confinou e a postura que se adota frente às explicações do fenômeno

população em situação de rua, manifesta-se o grau de envolvimento e de responsabilidade na

criação de políticas públicas que atendam as demandas apresentadas por essa população.

Paugam (2012, p. 10), ainda reforça sobre a atitude política em relação a essas duas

explicações sobre a pobreza:

[...] diversos pesquisadores mostrara que existe, de um lado, uma variação muito importante de país e de tempo, sustentando então a hipótese de que um país estará menos disposto a desenvolver políticas sociais ambiciosas, enquanto houver um número considerável de habitantes que consideram a pobreza como um problema de responsabilidade individual e, ao contrário, um país se sentirá encorajada o para consagrar meios para lutar contra a pobreza, se os seu habitantes enxergarem, nesse problema, os efeitos de um sistema injusto, que condena os mais desfavorecidos a um destino comum.

Sobre a população em situação de rua, nesses últimos dez anos, autores têm mostrado

seu interesse por essa temática, visando conhecer melhor o universo e as especificidades que

envolvem a população em situação de rua e isso tem despertado a atenção para a discussão de

79  

políticas públicas que atendam as demandas necessárias para esse contingente que,

cotidianamente, aumenta o número dos que passam a viver a sua trajetória de vida nas ruas.

Concomitantemente, Silva (2009) em seu estudo sobre a população de rua, nos adverte

em relação à caracterização desse grupo quando diz: “A maioria dos autores descreve as

pessoas em situação de rua como pessoas de origens, interesses, vinculações sociais e perfis

socioeconômicos diversificados, por isso, não constituem um único grupo ou categoria

profissional”. Silva (2009, p. 123)

Ela afirma que a heterogeneidade é a característica mais marcante que se destaca nos

estudos e pesquisas realizadas sobre esse tema, por isso, não podemos olhar para essa

população como um bloco homogêneo de pessoas, são populações, não há um único perfil,

mas a presença de perfis. Escorel (2000 apud SILVA, 2009).

Definir e analisar o que vem a ser uma pessoa em situação de rua, as condições em que

vive e as causas que a levaram a essa realidade é muito desafiante. Realizar um estudo sobre a

população de rua não é tarefa simples, pois a heterogeneidade é uma marca que confronta a

pesquisa.

Os moradores de rua não constituem uma ‘população homogênea’. A multiplicidade de características pessoais, que esse segmento social apresenta, dificulta a utilização de uma definição unidimensional. A variedade de soluções dadas à sobrevivência e formas de abrigo, o tempo de permanência na rua, a trajetória anterior à situação de rua, a herança cultural e social (os valores vividos anteriormente), o tempo e as formas de rompimentos dos vínculos familiares / comunitários, os tipos de socialização que se consolidam na rua, a rotina espacial, o uso de substâncias químicas (álcool e/ ou drogas) e o seu grau de comprometimento, as condições de auto-estima, o sexo, a idade, a escolaridade e as forma de reintegração que almejam, são fatores que dificultam uma conceituação que não seja reducionista ou mesmo unifocal e nos conduz à idéia de uma tipologia dentro dos moradores de rua na cidade. (BORIN, 2003 apud SILVA, 2009, p. 123-24).

Para justificar essa afirmação destacamos dois motivos essenciais apresentados por

Guimarães (2010), nos quais, o primeiro diz respeito à expressão “população de rua” porque,

nela, estão escondidas diversidades, diferentes perfis e diferentes formas de sociabilidade,

diferentes trajetórias e histórias de vida, uma complexidade social e cultural que impossibilita

a definição por meio de conceitos simples e homogeneizados.

O segundo elemento que dificulta o estudo da população em situação de rua se dá no

plano metodológico, ou seja, não é fácil contar as pessoas, saber quem elas são, o que pensam

a seu respeito, suas redes de sociabilidade e as formas de sobrevivência, etc., por se tratar de

um público flutuante, temporário e nômade.

80  

Não se pode negar que há características verificadas com maior incidência, mas cada morador de rua apresenta uma trajetória única de perdas e desvinculações, conflitos, sofrimentos e escolhas que o levam para a vida nas ruas. Sair dessa condição exigirá sempre uma reorganização de sua trajetória de vida, de inserção no mundo social e do trabalho, e de uma escolha. [...] Porém, não é uma escolha simples. Ela se faz em meio a um turbilhão de dilemas e forças que, muitas vezes, operam no sentido de manter essa pessoa na mesma condição. (GUIMARÃES, 2010, p. 60).

Nas pesquisas que foram feitas sobre população em situação de rua, é comum elas

apontarem que não há um perfil dessa população, mas, diferentes perfis, “populações de rua".

Porém, apesar de se ter presente alguns elementos que impossibilitam uma definição única

acerca das pessoas que estão em situação de rua, em Vieira, Bezerra e Rosa (1994)

encontramos uma definição que caracteriza quase a totalidade das pessoas que vivem nas

ruas.

Pessoas que vivem em situação de extrema instabilidade, na grande maioria de homens sós, sem lugar fixo de moradia, sem contato permanente com a família e sem trabalho regular; são demandatários de serviços básicos de higiene e abrigo; em que a falta de convivência com o grupo familiar e a precariedade de outras referências de apoio efetivo e social fazem com que esses indivíduos se encontrem, de certa maneira, impedidos de estabelecer projetos de vida e até de resgatar uma imagem positiva de si mesmos. (VIEIRA; BEZERRA; ROSA, 1994, p. 155).

A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE – em seu relatório de 2003 e no

Censo da população em situação de rua realizado em 2009 adota a seguinte concepção para

definir o segmento população de rua:

[...] o seguimento de baixíssima renda que, por contingência temporária ou de forma permanente, pernoita nos logradouros da cidade – praças, calçadas, marquises, jardins, baixos de viadutos -, em locais abandonados, terrenos baldios, mocós, cemitérios e carcaça de veículos.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, para fins instrumentais,

em seu Documento Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua

(2008, p. 8), mesmo em face da diversidade de motivos que levam as pessoas irem para a rua,

adota esta definição:

Grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, por interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos (ruas, praças, cemitérios, etc.) e, ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para pernoitar.

81  

Certamente, poderíamos afirmar que, ainda que várias outras definições fossem

inseridas, a pobreza extrema é uma característica comum entre as definições apresentadas.

Porém, outros elementos podem ser identificados como consensos: a heterogeneidade do

grupo populacional, o rompimento de laços familiares, problemas de ordem econômica que se

concretizam no desemprego, na dificuldade de custear a alimentação, moradia e saúde, etc.

Além do que já foi elencado, Silva (2009, p. 131) reforça esse leque de características citando

outros fatores que estão diretamente ligados à fragilização dos vínculos familiares reportando-

se dessa forma:

[...] existem outros fatores estruturais ou fatores ligados à história de vida dos indivíduos que conduzem à fragilização e ao rompimento dos vínculos familiares, como as desavenças afetivas, os preconceitos relacionados à orientação sexual, à intolerância às situações de usos, abuso e dependência do álcool e outras drogas. Entretanto, no contexto contemporâneo, o fator econômico, expresso principalmente pela ausência de trabalho e renda, é preponderante. É o que revelam as pesquisas mais recentes sobre o assunto19.

Segundo a autora, a população em situação de rua, como todo fenômeno social, sugere

indagações sobre as quais deve haver análise reflexiva e crítica e no esforço para defini-lo,

alguns aspectos característicos deste fenômeno foram identificados. Não é propósito discorrer

no texto a discussão que ela faz, especificamente, de cada um, mas destacar de maneira mais

geral esses aspectos no intuito de justificar os consensos visíveis nas várias definições citadas.

Um aspecto que ela enfatiza desse fenômeno são suas múltiplas determinações20. A

multiplicidade de fatores que conduzem as pessoas a essa condição é um dos consensos que a

literatura corrente sobre o tema reconhece.

Existem fatores que são estruturais, biográficos e, ainda, os de ordem natural ou

desastres de massas21 e alguns deles são mais enfatizados pela literatura contemporânea como

a ruptura de vínculos familiares e comunitários, ausência de moradia, trabalho e insuficiência

de renda, etc., mas não se pode esquecer de que a história revela que as causas estruturais

desse fenômeno estão vinculadas à forma como a sociedade capitalista está estruturada; sua

produção e reprodução têm suas origens no processo de acumulação do capital fazendo surgir

                                                            19 A autora se refere às pesquisas que foram realizadas nas cidades de São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre, no período entre 1995 e 2005. Ao caracterizar o fenômeno população em situação de rua, Silva (2009, p. 105-122) identifica “seis aspectos considerados, neste trabalho, característicos de tal fenômeno”. 20 Grifo da autora 21 A autora descreve como fatores estruturais os que correspondem à ausência de moradia, trabalho e renda, etc; fatores biográficos ligados à história de vida de cada indivíduo (família, vícios, doenças, mortes, roubos, etc), os de fatos da natureza ou desastre de massas os que estão relacionados a terremotos, inundações, etc.

82  

um exército industrial de reserva porque o mercado não tinha a capacidade de absorvê-lo.

(SILVA, 2009)

Há outros aspectos que podem ser relacionados a essa caracterização no esforço de

definir tal fenômeno como expressão radical da questão social na contemporaneidade e

concorda, inteiramente, com o pensamento de Iamamoto (2004):

[...] ao inserir a questão social como ‘parte constitutiva das relações capitalistas’ e defini-la, nessa condição, como ‘expressão ampliada das desigualdades sociais: o anverso do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social’ a autora sugere que sua feição em cada época histórica, resulta de processos de lutas em torno de direitos relativos ao trabalho. Pois, se é expressão das desigualdades resultantes das relações capitalistas, que se processam a partir do eixo capital/trabalho, expressa também luta e resistência, não sendo uma consequência natural da sociedade humana, e sim uma reação às desigualdades impostas pela ordem social capitalista. (IAMAMOTO, 2004 apud SILVA, 2009, p. 112).

Reforçando a ideia da autora, a conclusão que se tira é de que as lutas travadas no seio

da sociedade por direitos relativos ao trabalho, contrárias à exploração do capital são inerentes

da questão social. O fato de associar a questão social ao capitalismo não isenta a exigência de

se apreender suas múltiplas expressões e suas formas concretas como é o caso da população

em situação de rua.

Essa apreensão da realidade deve proporcionar o subsídio para definir políticas de

enfrentamento (SILVA, 2009) e, uma das estratégias desse enfrentamento na análise de

Marilda Iamamoto é chamar o Estado à responsabilidade, fazendo prevalecer as necessidades

dos trabalhadores e a afirmação de políticas sociais de caráter universais que atendam aos

interesses das maiorias.

Referindo-se, ainda, a outros aspectos característicos da população em situação de rua

identificados por Silva (2009), é a sua localização nos grandes centros urbanos, apesar de não

ser uma novidade porque é presença desde as cidades pré-industriais, mas, o que justifica, é

fato dos grandes centros serem locais de intensa circulação do capital e, de alguma forma,

surgem alternativas de trabalho, mesmo que sejam precários, para garantir a subsistência, ao

espaço de moradia. É um fator associado ao emprego e renda.

As iniciativas de sustento sejam por conta própria ou por meio de organizações,

cooperativas, entre outros, ocorrem com mais facilidade e de formas diversificadas. No caso

da população em situação de rua na cidade de São Paulo, por iniciativa própria, os catadores

83  

de material reciclável da baixada do Glicério22, região central da cidade, em torno do trabalho

se organizaram e foi criada a Cooperativa de Catadores de Material Reciclável, a

COOPAMARE.

O preconceito em relação a esse público é outro fator que marcar o “grau de dignidade

e valor moral” que a sociedade atribui às pessoas em situação de rua. A discriminação sofrida

por elas é presente em todas as épocas e lugares, as denominações atribuídas são formas

concretas desse preconceito e discriminação:

[...] ‘mendigos’, ‘vagabundos’, ‘maloqueiros’, ‘desocupados’, ‘bandidos’, ‘contraventores’, ‘vadios’, ‘loucos’, ‘sujos’, ‘flagelados’, ‘náufragos da vida’, ‘rejeitados’, ‘indesejáveis’, ‘pedintes’, ‘encortiçados’, ‘toxicômanos’, ‘maltrapilhos’, ‘psicopatas’, ‘carentes’, ‘doentes mentais’, entre outros. (SILVA, 2009, p. 119).

O problema da humilhação é um sofrimento visível no rosto das pessoas ao serem

confundidas com aquelas que já desistiram dos sonhos, dos objetivos, dos desejos de lutar e

trabalhar, de resgatar sua dignidade. Segundo Silva (2009), o preconceito em relação à

população em situação de rua é um traço típico desse fenômeno em todos os países que ele se

manifesta e, no Brasil, não é diferente.

Apesar de ter características comuns, mesmo sendo um fenômeno presente no mundo,

existem particularidades que são próprias e se vinculam ao território, no qual se manifesta.

Essas particularidades estão relacionadas aos hábitos, costumes, valores refletidas no perfil

socioeconômico, no tempo de permanência e nas alternativas que se apropriam para subsistir

nas ruas, conforme nos aponta Escorel, (2000, p. 147 apud SILVA, 2009, p. 119-20):

O espaço urbano interfere significativamente nos grupos que se formam na rua – nos tipos de agrupamentos, nas possibilidades de fixação, nas atividades de subsistência que podem ser realizadas, e, em contrapartida, os moradores de rua marcam o tecido urbano. Essas interferências recíprocas podem ser observadas nas diferenças entre os perfis das populações de rua, segundo a cidade em que moram. Em particular, as especificidades do espaço urbano de Brasília contrastam significativamente com as demais cidades – Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre [...].

O último aspecto característico dessa população que se pode explorar está intimamente

ligado ao perigo, à tendência para uma naturalização do fenômeno. A causa dessa

naturalização repercute na direção da ausência de políticas sociais universais capazes de

                                                            22 A baixada do Glicério fica próximo da Praça da Sé, centro de São Paulo, próximo à antiga rodoviária do Glicério onde chegavam os migrantes. Neste bairro, em 1983, teve início uma Associação de Catadores que depois se tornou o que atualmente é a COOPAMARE. (Jornal O TRECHEIRO, jan. de 2004).

84  

reduzir a pobreza e as desigualdades sociais, proporcionar acesso a direitos e ampliar a

cidadania.

Sendo a população em situação de rua uma expressão da questão social na

contemporaneidade, a análise dessa questão deve ser direcionada para a busca de estratégias

de enfrentamento. A tendência de naturalização desse fenômeno e da questão social com

análises fragmentadas pode delegar a responsabilidade aos indivíduos por seus próprios

problemas isentando a sociedade de combater as desigualdades sociais e o Estado de exercer o

seu papel de promotor de políticas públicas.

A tendência de naturalizar a questão social é acompanhada da transformação de suas manifestações em objeto de programas assistenciais focalizados no combate à pobreza ou em expressão da violência dos pobres, cuja resposta é a segurança e a repressão oficiais. (IAMAMOTO, 2004, p. 114 apud SILVA, 2009, p. 113).

Nesse momento é importante lembramos o fato histórico na vida da organização do

Movimento de Catadores de Material Reciclável, criado por ocasião do Congresso dos

Catadores em Brasília em 2000 e, que ao longo da história, segundo O TRECHEIRO (janeiro,

2004) “tem sido vítimas de campanhas de cestas básicas ou vistos como coitadinhos”. Neste

Congresso os Catadores expressaram sua consciência em relação a esses programas e

defenderam dignidade e trabalho, quando se reportavam ao Governo Federal:

Nós queremos é cidadania, nós queremos cooperativa, nós queremos organização, investimento em prensa e em carroças. Catador não precisa de esmola! O Fome Zero foi uma luta que o senhor encampou e é uma iniciativa para investimento. A cesta básica é importante, os R$ 50,00 são importantes, mas é importante em uma situação de extrema necessidade. As pessoas precisam aprender a se organizar para ganhar o seu próprio pão sem precisar de esmolas. (O TRECHEIRO, 2004, p. 03).

Na perspectiva afinada com os vários autores mencionados, pode-se dizer que essa

breve caracterização do fenômeno população em situação de rua apresenta uma multiplicidade

de fatores que a determinam, possui características gerais, porém, possui suas especificidades

de acordo com o território no qual ela se insere e sofre as influências. É um segmento que está

localizado nos grandes centros urbanos e sofre o estigma do mal, da ameaça que deve ser

evitada e do preconceito imposto pela sociedade.

No Brasil, essas particulares estão muito bem definidas pela tendência à naturalização

do fenômeno expressa na ausência de dados e informações científicas sobre ela, como

também, pela inexistência de políticas públicas de enfrentamento dessa realidade (SILVA,

2009), apesar de existir uma Política Nacional de Inclusão Social da População em Situação

85  

de Rua, porém, esse é um campo de luta que esta população deve travar suas batalhas pelo

acesso a direitos, tendo em vista que as estatísticas em relação a ela crescem e seus números

são visíveis pelas pesquisas realizadas, mesmo que o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatísticas – IBGE – não tenha, ainda, assumido o seu reconhecimento.

Pesquisas sobre População de Rua

É um desafio falar de pesquisas em relação à população em situação de rua, pelo

menos, essa postura é presente nos diversos autores consultados em relação ao tema. Por

outro lado, quando a versão é apresentada sob a ótica do próprio sujeito que é entrevistado, no

caso, a pessoa em situação de rua, é expressa dessa forma, conforme define o Editorial do

Jornal:

[...] contar sua vida tornou-se uma rotina para quem sobrevive nas ruas. Cada um encontra um clichê para se safar do emaranhado de questionários sobre sua vida pessoal. [...] a pesquisa pode dar uma dimensão da realidade e apontar para algumas práticas para amenizar essa realidade [...]. (O TRECHEIRO, mar./abr., 2008, p. 02).

As pesquisas realizadas com a população em situação de rua, se por um lado, desperta

o desejo de fuga delas por estarem cansados (as) de apresentar quase as mesmas respostas

para as mesmas perguntas que são feitas, e não sentir que a realidade muda. Por outro lado,

alimenta-se a esperança de que as informações prestadas trarão um retorno expresso em

mudança de vida, em benefícios e políticas que lhes proporcionem bem-estar, alimentação,

moradia, trabalho, etc.

No final de 2007 e início de 2008 o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate

à Fome – MDS – realizou, a nível nacional, uma pesquisa com a finalidade de caracterizar a

população em situação de rua, subsidiar a implantação e/ou redimensionamento de políticas

públicas dirigidas para esse segmento a fim de constatar a evolução ou inibição do número

dessa população. A coleta de dados foi realizada em 71 municípios. Esse levantamento

abrangeu as capitais – com exceção de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife

porque já haviam realizado tal estudo - e as cidades com mais de 300 mil habitantes23.

Segundo dados do 1º Censo e Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de

Rua, há 31.922 pessoas em situação de rua nas 71 cidades pesquisadas. Esse resultado

somado aos dados de São Paulo (SP), com 10.399 pessoas; Recife (PE), 1.390 e Belo

                                                            23 A base de dados utilizada para esta seleção foi a estimativa populacional para o ano de 2004.

 

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91  

Diante das reflexões que estamos trazendo até o presente momento, principalmente,

em relação à discriminação e o preconceito vivido pela população de rua, independente, de

suas particularidades, a fala de Anderson Lopes, militante do Movimento Nacional de

População de Rua de São Paulo – MNPR-SP, expressa significativamente os efeitos da falta

de credibilidade em relação às pessoas em situação de rua, marcadas pela discriminação e

violação dos direitos humanos.

Penetrar no profundo desse sentimento de ser desacreditado é tentar perceber os riscos

que eles enfrentam nas ruas, o isolamento e os conflitos, mas, sobretudo, a coragem de

perceber que a luta pela sobrevivência exige certa organização para cuidar da vida, da

alimentação, da proteção do frio e do sono.

Neste sentido, o Movimento Nacional de População de Rua, surgiu para repudiar as

formas de violações dos direitos humanos e reivindicar políticas públicas que atendam as

necessidades e promovam dignidade humana. Tudo isso nos leva a uma provocação

intelectual e um questionamento surge: de onde vem tanta garra, tanta energia e coragem

dessa gente para – em situação de morte – encontrar alternativas para lutar em favor da vida e

vida em abundância?

A Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua (MDS/2008) divulgou que

a grande maioria (95,5%) das pessoas que vivem nessas condições não participa de qualquer

movimento social ou atividade de associativismo. E, ainda, a maioria dessas pessoas (61,6%)

não exerce nem o direito básico de cidadania representado pelo voto (O TRECHEIRO, agosto

de 2011, p. 04).

A pergunta que se faz é esta: como pessoas heterogêneas, em extrema vulnerabilidade

e baixa tradição de participação em organizações políticas conseguiram se unir, formar uma

identidade coletiva e criar o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR)? Eis a

questão! Sair da condição de “necessitados” e “incapazes” para uma dimensão de

organização, de luta, de reivindicação e exercício da participação na luta por cidadania.

E, aqui, novamente, contemplamos um verdadeiro renascer das cinza que já foi

mencionado anteriormente. A resistência faz com que a partir das tragédias seja possível

construir alternativas de lutas e o massacre de moradores de rua ocorrido na Praça da Sé em

São Paulo em 2004, foi o marco determinante para o início de uma caminhada que não tinha

mais volta, um processo de organização que desse dia em diante alimentaria o direito de

serem reconhecidos como cidadãos.

O sentimento de indignação passou a ser direcionado para uma perspectiva de

articulação, de organização das pessoas em situação de rua, a nível nacional. Essa indignação

92  

favoreceu a união que vinculou experiências de organização existentes em várias cidades

como Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre em processos de lutas contra a violência e

impunidade. (O TRECHEIRO, ago. 2011, p. 04).

Assim relata Maria Carolina Ferro para o Jornal O Trecheiro (ago. 2011), cuja matéria

intitulada “Apesar das dificuldades a organização é possível” relata o seguinte:

Em 2004, imbuídos no sentimento de dor e revolta ocorreu durante o III Festival Lixo e Cidadania, a 1ª Reunião dos Moradores de rua em que se afirmou: ‘Queremos unir todo o povo da rua do Brasil no movimento da população de rua’. Nessa reunião são lançados alguns princípios e objetivos desse futuro movimento social que nasce, efetivamente, durante o IV Festival Lixo e Cidadania em 2005. Dessa forma, a rua ganha voz própria com a criação do Movimento Nacional de População de Rua.

Nessa ocasião, de acordo com os relatos contidos no Jornal O Trecheiro (ago. 2011)

estavam presentes neste Festival, quinze Estados representados por quinze moradores de rua

que vieram com suas delegações e, dessa repercussão foi oportuno criar o Movimento a nível

nacional, definido da seguinte maneira: “O MNPR é um movimento social composto de

pessoas que vivem em situação de rua ou com trajetória de rua e que lutam pela conquista dos

direitos a que elas são negados”.

O Movimento Nacional da População de Rua vem se configurando no cenário da

participação como um sujeito coletivo e foi determinante para a criação da primeira política

pública: Política Nacional para a População em Situação de Rua – Lei 12.316/97 - Dispõe

sobre a obrigatoriedade do poder público municipal a prestar atendimento à população de rua

na Cidade de São Paulo.

Foi Projeto de Lei n. 207/94, da Vereadora Aldaíza Sposati que sofreu veto na

administração de Paulo Maluf (1993-1996) e Celso Pitta (1997-2000). Nesta, foram

retomadas algumas ações em relação ao “povo da rua”, mas não apresentou avanços porque

predominavam ações fragmentadas.

Nessas administrações a dinâmica política foi a redução de espaços onde a população

de rua se alojava; gradeamento de praças, dos baixos dos viadutos e aumento do espaço de

confinamento da população. Nesse período, houve um grande aumento do número de

albergues e espaços de convivência, porém, segundo Rosa (O TRECHEIRO, ago. 2011, p. 11)

isso significava menor visibilidade do número de pessoas que se encontrava nas ruas, uma

forma de escamotear a realidade sofrida por esse grupo.

Em dezembro de 2009 a Política Nacional da População de Rua foi instituída pelo

então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do Decreto nº 7.053/2009 e instituiu o

93  

Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento dessa política. O processo de

construção24 da referida política teve como protagonista o Movimento Nacional da População

de Rua junto ao Governo Federal com a participação da sociedade civil, cuja tônica dessa

participação é buscar superar a visão de que a população de rua precisa apenas de albergues e

ações de assistência social. (O TRECHEIRO, ago. 2011).

O MNPR tem como bandeira de lutas a defesa de políticas intersetoriais capazes de

gerar alternativas para a situação, na qual, as pessoas se encontram; políticas públicas nas

áreas de trabalho, moradia, assistência, educação, saúde, direitos humanos, entre outras, para

que elas tenham oportunidades de viver dignamente e promovam a saída das ruas.

O MNPR tem mantido constante diálogo com os governos municipais, estaduais e

federal e garantindo sua participação em espaços estratégicos quando elege popularmente um

de seus representantes para o Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS; no Conselho

Distrital de Saúde em Belo Horizonte; no Fórum Mineiro de Direitos Humanos; nas

Conferências municipais, estaduais e nacionais de Assistência Social para que seus interesses

adquiram visibilidade e possam ser negociados no âmbito das decisões políticas.

Atualmente, está presente em vários Estados: Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Rio

de Janeiro, Ceará, Salvador, Porto Alegre, Paraná e em diversos municípios, e continua se

expandindo, entretanto, crescem as conquistas, ao tempo que, também, crescem os desafios

que são inerentes à própria infraestrutura e situação de seus membros, acrescidas de algumas

particularidades que desafiam ainda mais a sua organização, conforme nos depõe Anderson

Lopes Miranda (MNPR-SP):

Se os resultados da organização não aparecem rapidamente, as pessoas desacreditam e desistem, pois suas demandas são urgentes e querem respostas imediatas. Além disso, muitas pessoas têm resistência a se reconhecerem como ‘de rua’. Elas dizem: ‘Esses mendigos!’ e não se identificam com os companheiros em situação de rua. (O TRECHEIRO, ago. 2011, p. 04).

Nesses quase dez anos de existência, de caminhada, de resistência e de lutas, o MNPR

tem realizado muitas conquistas em diversas áreas como: a pesquisa nacional de contagem da

população em situação de rua entre 2007 e 2008 pelo MDS; o Decreto Presidencial de 2009

                                                            24 Em 2005, no I Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua, em Brasília, representantes dos governos municipais, organizações sociais, pessoas em situação de rua e o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) se reuniram para traçar os desafios e definir estratégias para a construção de políticas públicas. Em 2006, o Presidente da República criou o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), com representantes de 06 ministérios, da Secretaria Especial de Direitos Humanos e da Sociedade Civil, para abrir um amplo processo de estudos e elaboração de propostas com participação social na definição do conteúdo da política. (Cartilha de Formação do MNPR – outubro de 2010, p. 31).

94  

(Decreto nº 7.053) que instituiu a Política Nacional para a População de Rua; Projeto de

Capacitação e Fortalecimento Institucional da População em Situação de Rua em parceria

com MDS, UNESCO e Instituto Polis em 2009 /2010; Centro Nacional de Defesa dos

Direitos Humanos vinculado à população de rua e catadores; Disque 100 para denúncias de

violações dos direitos das pessoas em situação de rua; estruturação do MNPR em várias

cidades e estados brasileiros e fortalecimento de sua capacidade de mobilização;

desenvolvimento em material para formação política (Cartilha Conhecer para Lutar) e folder

para divulgação do MNPR. (O TRECHEIRO, ago. 2011).

O MNPR tem como principais objetivos o resgate da cidadania, a reinserção no

mercado de trabalho, moradia, dentre outras necessidades básicas. Para isso, sua dinâmica ou

metodologia de ação está direcionada à discussão de propostas para políticas públicas junto

com outras organizações da sociedade e o poder público, porém, sem perder o foco no

controle e na fiscalização daquelas políticas que já estão regulamentadas na lei.

O MNPR em São Paulo é um movimento muito forte que tem como protagonistas as

pessoas que vivem em situação de rua, tendo como parceiros em suas lutas, várias entidades

ligadas à Igreja, movimentos sociais e entidades da sociedade civil. O campo de luta desse

segmento populacional é a busca por respeito, por reconhecimento e pelo cessar da violência

contra essas pessoas; é sua organização em torno de um movimento que exija do poder

público municipal a implantação de políticas adequadas que correspondam com as demandas

apresentadas pela população em situação de rua.

“A miséria rompeu os limites espaciais, transbordou das

vilas, favelas e cortiços para as ruas e praças das grandes

cidades”.

Patrus Ananias de Sousa25

Assim como a rua, as praças, a escadaria da Catedral na Praça da Sé, centro da cidade

de São Paulo, são espaços de moradia, de socialização, de busca pela sobrevivência, ao

mesmo tempo, transformam-se em espaços públicos de participação dessa população na luta

pelo direito à vida, contra a indiferença e por direitos humanos.

                                                             25 Foi ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Lula: 2004 – 2010.

 

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96  

espaços públicos para a discussão, planejamento e gestão de políticas públicas. Esses espaços

passaram a ser desenvolvidos como fruto de um processo histórico construído na luta pela

redemocratização do país que resultou na aprovação da Constituição Federal de 1988 – CF-

1988, chamada também de Constituição Cidadã.

A população em situação de rua, partindo do seu sofrimento nas ruas, das necessidades

enfrentadas pela falta de acesso a direitos, assegurados pela Constituição Brasileira de 1988,

pelo descaso de políticas que atendam de forma efetiva as suas demandas, mesmo assim,

coloca-se nesse cenário da participação, permeada pelos limites que são impostos à sua

organização e infraestrutura na luta pelo direito de cidadania.

A cidade de São Paulo é conhecida como a grande metrópole do país, possui vários

locais que são símbolos de sua beleza e pontos turísticos, dentre eles, destaca-se a Praça da

Sé, conhecida por ser palco de grandes momentos históricos como as “diretas já”,

manifestações contra a ditadura militar no século passado e outros movimentos político-

sociais. “A Praça da Sé é um lugar onde se vê tudo [...]. É um lugar onde ninguém é de

ninguém e no mesmo tempo é de todos, diz Valmir, porque quando precisar o povo se reúne”.

(O TRECHEIRO, jan. 2004).

Importa dizer que, além da beleza arquitetônica de sua Catedral em estilo Gótico e das

palmeiras imperiais, prédios públicos e comerciais que vislumbram a sua volta, a Praça da Sé

é símbolo também da contradição social expressa nas classes e categorias sociais que por ali

passam: executivos, professores, empresários, advogados, estudantes, cidadãos com sua

diversidade de raça/etnia, religião, todas as categorias, orientação sexual, etc., estampadas na

cidade, por um quadro muito mais complexo de desigualdade social que é a situação vivida

por pessoas que moram e sobrevivem nas ruas,

É na região administrativa da Sé que se concentra o maior número de pontos de pernoite, 198, que correspondem a 60,4%; destes, 70% estão situados nos distritos da Sé, Liberdade e Bela Vista, o que equivale a 42,3% do total. [...] A concentração da população de rua no centro da cidade parece estar ligada às oportunidades de garantir a sobrevivência através de pequenos bicos e obtenção de alimentação gratuita, distribuída por entidades filantrópicas e por restaurantes e bares. [...] torna-o também lugar de agregação da população de rua pela oportunidade da utilização de imóveis abandonados, viadutos, além dos abrigos, albergues e inúmeras marquises de lojas e prédios públicos; a grande circulação de pessoas nessa área facilita a prática da mendicância. (VIEIRA; BEZERRA; ROSA, 2004, p. 50)

A cidade de São Paulo destaca-se como o núcleo central da mais importante região

metropolitana do Brasil, possui uma área de influência cujo alcance ultrapassa o âmbito

regional e nacional, colocando-se como um dos polos de relevância entre as cidades globais.

97  

Administrativamente, está estruturada em 96 distritos municipais divididos em 31

subprefeituras.

Segundo dados do IBGE, em 2013, o município de São Paulo compreende uma área

de 1.509 km² com população de 11.821.876 habitantes, com uma densidade demográfica de

7.762,3 habitantes/Km². Essas densidades são diferentes quando se comparam as regiões,

sendo maior na região leste.

Segundo o Censo realizado, em 2010, pelo mesmo instituto, a população do município

totalizou 11.244,369 habitantes, apresentando uma densidade populacional de 7.383,11

habitantes por km²; 99,1% da população é urbana – 11.125,243 habitantes vivem na zona

urbana e 119.126 na zona rural -. A população paulistana é formada por: brancos (60,64%),

pardos (30,51%), negros (6,54%), amarelos (2,19%) e indígenas (0,12%).

Dados da Coordenadoria do Observatório de Políticas Públicas da Secretaria

Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo – SMADS -,

os domicílios da cidade estão praticamente cobertos com relação à coleta de lixo,

abastecimento de água e esgoto sanitário, atingindo percentuais de 99,8%, 99,7% e 99%,

respectivamente.

O município mais rico e mais dinâmico do país tem aproximadamente 11% do total da população vivendo abaixo da linha da pobreza, sendo mais de 1,3 milhões de pessoas vivendo em favelas e 15 mil pessoas em situação de rua. É uma cidade desigual e heterogênea, sob múltiplos aspectos: social, econômico, político e cultural [...]. (SMADS, 2013).

Em termos de rendimento, a cidade possui 25.042 domicílios com rendimento per

capita de até 1/8 do salário mínimo, segundo critério do Programa Brasil Sem Miséria, são

famílias em situação de extrema pobreza, e 476.427, com renda per capita de até ½ salário

mínimo, sendo considerados pelo mesmo programa como famílias em situação de baixa

renda.

São Paulo é uma cidade marcada pela desigualdade de condições de vida distribuída

em 31 subprefeituras entre seus 96 distritos. Wanderley (2009, p. 69) assim define São Paulo:

É conhecida a argumentação de que São Paulo é uma mistura de Nova York com Calcutá. Ela vivencia, historicamente, problemas de toda ordem, típicos da colonização, industrialização e urbanização que a identificam, ademais de causas históricas e estruturais que a condicionaram por séculos [...], a cidade paulistana mostra situações de pobreza, desigualdade, exclusão e violências espantosas. (WANDERLEY, 2009 apud MEDEIROS, 2010, p. 44).

98  

Outro índice que nos ajuda a dimensionar a pobreza na cidade de São Paulo é o Índice

Paulista de Vulnerabilidade Social de 2010– IPVS28:

Grupo1(baixíssima vulnerabilidade): 2.497.372 pessoas (6,1% do total). No espaço ocupado por esses setores censitários, o rendimento nominal médio dos domicílios era de R$ 8.459 e em 1,4% deles a renda não ultrapassava meio salário mínimo per capita. Com relação aos indicadores demográficos, a idade média dos responsáveis pelos domicílios era de 48 anos e aqueles com menos de 30 anos representavam 12,6%. Dentre as mulheres chefes de domicílios 14,0% tinham até 30 anos, e a parcela de crianças de 0 a 5 anos equivalia a 5,9% do total da população desse grupo. Grupo2 (vulnerabilidade muito baixa): 16.321.732 pessoas (40,1% do total). o rendimento nominal médio dos domicílio será de R$ 2.964 e em 8,1% deles a renda não ultrapassava meio salário mínimo per capita. Com relação aos indicadores demográficos, a idade média dos responsáveis pelos domicílios era de 50 anos e aqueles com menos de 30 anos representavam 9,6%. Dentre as mulheres chefes de domicílios 8,8% tinham até 30 anos, e a parcela de crianças de 0 a 5 anos equivalia a 6,3% do total da população desse grupo. Grupo3 (vulnerabilidade baixa): 7.313.550 pessoas (18,0% do total). O rendimento nominal médio dos domicílios era de R$ 2.133 e em 14,0% deles a renda não ultrapassava meio salário mínimo per capita. Com relação aos indicadores demográficos, a idade média dos responsáveis pelos domicílios era de 42 anos e aqueles com menos de 30anos representavam 21,0%. Dentre as mulheres chefes de domicílios 22,4% tinham até 30 anos, e a parcela de crianças de 0 a 5 anos equivalia a 9,0% do total da população desse grupo. Grupo4 (vulnerabilidade média setores urbanos): 7.796.634 pessoas (19,2%do total). O rendimento nominal médio dos domicílios era de R$ 1.627 e em 22,0% deles a renda não ultrapassava meio salário mínimo per capita. Com relação aos indicadores demográficos, a idade média dos responsáveis pelos domicílios era de 47 anos e aqueles com menos de 30 anos representavam 12,1%. Dentre as mulheres chefes de domicílios 9,7% tinham até 30 anos, e a parcela de crianças de 0 a 5 anos equivalia a 8,4% do total da população desse grupo. Grupo5 (vulnerabilidade alta setores urbanos): 4.525.509 pessoas (11,1% do total). O rendimento nominal médio dos domicílios era de R$ 1.401 e em 28,7% deles a renda não ultrapassava meio salário mínimo per capita. Com relação aos indicadores demográficos, a idade média dos responsáveis pelos domicílios era de 42 anos e aqueles com menos de 30 anos representavam 20,3%. Dentre as mulheres chefes de domicílios 20,6% tinham até 30 anos, e a parcela de crianças de 0 a 5 anos equivalia a 10,5% do total da população desse grupo. Grupo6 (vulnerabilidade muito alta aglomerados subnormais): 1.801.621 pessoas (4,4% do total ) o rendimento nominal médio dos domicílios era de R$ 1.201 e em 34,9% deles a renda não ultrapassava meio salário mínimo per capita. Com relação aos indicadores demográficos, a idade média dos responsáveis pelos domicílios era de 40 anos e aqueles com menos de 30 anos representavam 22,6% .Dentre as mulheres chefes de domicílios 22,7% tinham até 30 anos, e a parcela de crianças de 0 a 5 anos equivalia a 11,3% do total da população desse grupo. Grupo7 (vulnerabilidade alta setores rurais): 409.175 pessoas (1,0% do total). O rendimento nomina médio dos domicílios era de R$ 1.054 e em 42,5% deles a renda

                                                            28 Estudo da Fundação Seade publicado no boletim Primeira Análise nº 8 analisa a vulnerabilidade social na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP com base no Índice Paulista de Vulnerabilidade Social – IPVS de 2010, elaborado com os dados do censo do IBGE.

 

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Em 2009 a FIPE realizou, na cidade de São Paulo, o segundo censo da população em

situação de rua29 e o relatório com os principais resultados, elaborado por Silvia Schor e

Maria Antonieta Vieira, apontaram um total de 13.666 pessoas vivendo em situação de rua, do

qual, 6.587 (48%) pessoas tinham a rua como moradia, e 7.079 (51,8%) são aquelas pessoas

acolhidas na rede de serviços socioassistenciais.

Em 2013 a FIPE reuniu as pesquisas realizadas por ele, na cidade de São Paulo, sobre

a população de rua30 e construiu uma trajetória dessa população de 2000 a 2009, na qual, o

nível de variação de moradores de rua (de 5.013 para 6.58) cresceu 31,4%; e o de acolhidos

pelos serviços (de 3.693 para 7.079) foi de 91,7%; a população total ao longo desse período,

aumentou de 8.706 para 13.666 com percentual de 56,8%. Mais de 70% dessa população se

concentra em quatro regiões de São Paulo: Sé, Mooca, Lapa e Pinheiros.

A partir do Censo 2009, também foi possível identificar o perfil da pessoa em situação

de rua da Cidade: em sua maioria, são homens (79,7%), não-brancos (63,5%), com ensino

fundamental incompleto (62,8%) e não-inseridos no cadastro de beneficiários dos programas

de transferência de renda do governo (93,3%). A maioria também já trabalhou com registro

em carteira (67,6%).

A idade média da população em situação de rua da Cidade, nesse período, é de 40,2

anos. Outro dado importante são os extremos etários que estão crescendo, com mais jovens e

idosos indo viver nas ruas.

Os dados apresentados pela FIPE em 2009 correspondiam ao que a Secretaria

Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura da Cidade de São Paulo

(SMADS) já informava no referido período (13.000 pessoas com um crescimento de 15,4%

nos últimos dois anos), porém, no Censo de 2011, realizado pela SMADS resultou num total

de 14.478 pessoas em situação de rua na municipalidade de São Paulo, sendo 6.765 em

situação de rua e 7.713 em centros de acolhida da capital31.

Esses dados constituem um quadro que desafia a construção de políticas públicas para

o atendimento da população em situação de rua. A Política Nacional para a População de Rua

– PNPR - foi resultado de um processo de mobilização nacional de organizações da sociedade

                                                            29 Primeiro Censo e perfil socioeconômico dos moradores de rua da área central em 2000; censo dos distritos da área central em 2003; estudo dos usuários dos albergues conveniados com a prefeitura e avaliação desses serviços, em 2006; censo da criança e do adolescente na cidade de São Paulo e o perfil socioeconômico desse segmento em duas subprefeituras de São Paulo : Sé e Pinheiros, em 2007; segundo censo da população em situação de rua na cidade de São Paulo, em 2009 e o perfil socioeconômico dessa população na área central da cidade no ano de 2010. (FIPE, agosto de 2013). 30 FIPE / 2013, disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/direitos_humanos/13-08-30 PPT FIPE - Censo 2009 e levantamento 2010.ppt>. 31 Fontes: Fundação SEAD, FIPE e FESPSP.

101  

civil que sempre lutaram pela dignidade das pessoas em situação de rua para se tornar parte da

agenda do Governo federal a partir de 2005, período, no qual, foi instituído o Grupo de

Trabalho Interministerial – GTI –e cujas discussões culminaram na sua elaboração.

A participação de diversos ministérios durante o processo de construção,  juntamente

com representantes do MNPR, foi fundamental para ampliar as políticas destinadas a essa

população como saúde, educação, direitos humanos, habitação, trabalho, cultura, entre outras

que, comumente, estavam focadas apenas na assistência social.

No entanto, inerentes às conquistas do Movimento, estão presentes os desafios e, um

deles se expressa nas dificuldades dos gestores municipais de assinarem o Termo de Adesão à

Política Nacional e a morosidade e/ou resistência de alguns governos municipais na

implementação desta política, ou seja, consolidar numa perspectiva Inter setorial a construção

de caminhos para a efetiva articulação das diferentes políticas sociais no atendimento à

população de rua.

Há no Brasil, segundo Yazbek (2009, p. 46), “uma modalidade assistencial de fazer

política no campo social”, particularmente, quando envolve a relação entre Estado e setores

excluídos, essa modalidade se desenvolve na perspectiva de enfrentamento da pobreza

“permitindo acesso discriminado a recursos e serviços sociais”.

Concomitantemente, não se pode perder de vista essa questão da luta da população em

situação de rua, num âmbito maior, caso contrário, pode-se cair em propostas e políticas

assistencialistas, eventuais, pragmáticas.

[...] é uma luta por padrões mínimos sociais, como também por padrões mínimos de dignidade que nós temos de assegurar a todos os brasileiros. Portanto, qualquer proposta que nós aqui encaminhemos para o homem de rua terá que ter como perspectiva essa aliança de lutas, esse caráter intersetorial da questão, na exigência de que as políticas públicas de fato garantirão padrões mínimos a todos, e não só a alguns. (SPOSATI, 1995, p. 183).

Ainda, em 2013, algumas ações foram feitas pela Prefeitura de São Paulo (Gestão

2013-2016) no sentido de criar o Comitê Intersetorial da População em Situação de Rua como

exigência da PNPR-SP, conhecido como Comitê PopRua. Em parceria com o Serviço

Nacional da Indústria – SENAI - anunciou vagas no Programa Nacional de Acesso ao Ensino

Técnico – PRONATEC -, com a garantia de posterior emprego. É um desafio a realização das

promessas em relação a esse público destinatário dos serviços ofertados, pois a permanência

nas ruas, da exclusão social vivida por muito tempo, é um indicador da dificuldade de

readaptação desse grupo. Nesse sentido Aldaíza Sposati é bem clara:

102  

Ter um trabalho com a população significa também, que não basta termos propostas que sejam inauguradoras. Nós temos que ter uma preocupação com a dinâmica da cidade, com o cotidiano da cidade, com sua manutenção da vida das pessoas [...]. (SPOSATI, 1995, p. 184).

Vale lembrar que se trata de um grupo complexo, por isso, para combater essa questão

é necessário o acompanhamento social e profissional, minimamente, que seja sólido, concreto

e de médio e longo prazo. A intersetorialidade das políticas públicas pode apresentar-se como

uma estratégia que seja efetiva para o enfrentamento dos problemas que envolvem esse

segmento.

Ao falar da relação da população de rua e a gestão da cidade, Sposati (1995, p. 183)

diz:

A ação institucional do Estado tende para a normalização, tende para fortalecer a burocracia, ela tende para perder a perspectiva da dinâmica da realidade e assim, tornar quase todas as ações um conjunto de procedimentos burocráticos de padrões rígidos que impedem a dinâmica das ações.

Atenta-nos para o fato de que as propostas para São Paulo, em relação à população em

situação de rua, não podem ser pensadas da mesma maneira, de forma homogênea, é preciso

olhar as realidades presentes, as especificidades de cada região para a cidade e se preocupar

com uma política de manutenção.

As políticas públicas são desrespeitadas. O poder público nos dá assistencialismo e clientelismo – ‘Eu te dou uma vaga no albergue e você cala a boca’. Queremos de fato, a dignidade e o respeito para a população de rua, o que é de direito. (O TRECHEIRO, jun. 2007).

Apesar dos avanços no campo legal em relação às políticas de atendimento, os

serviços e equipamentos sociais destinados à população de rua, muitos são os desafios que

essa luta imprime e que se constitui o campo das batalhas pelo direito a ter direitos, conforme

a lista imensa do que ainda falta para que, de fato, a Política Nacional de Inclusão da Pessoa

em Situação de Rua possa alcançar seus objetivos. Eis algumas dessas batalhas:

103  

[...] efetividade da intersetorialidade das políticas públicas; garantia da contagem nacional da população de rua e inclusão dessa população no próximo censo pelo IBGE; O programa “Brasil sem Miséria” com atendimento com base em dados do IBGE e população de rua não entrou na contagem oficial; Megaeventos (Copa do Mundo e Olimpíadas) afetarão diretamente a população em situação de rua; Política de internação compulsória dos dependentes químicos que está se expandindo como política de diferentes municípios; Recursos para a descentralização do Centro de Defesa de Direitos Humanos da População de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH); Novo projeto de formação e fortalecimento do Movimento; Capacitação das lideranças nacionais nas diversas áreas das políticas públicas; Formação política das bases e lideranças; Criação de mecanismos de capacitação de recursos para as ações cotidianas do movimento como fortalecimento das bases. (O TRECHEIRO, ago. 2011)

.

A democracia brasileira é um espaço onde se pode exercer a liberdade, o poder de

pressão dos cidadãos por meio de manifestações, atos públicos, audiências públicas, para a

conquista de direitos, individuais, sociais, econômicos e culturais. A população em situação

de rua, por meio do seu Movimento, passou a ocupar esses espaços, reivindicar direitos,

assumir seu protagonismo como sujeito político presente no cenário da participação.

 

CAP

PÍTULO II

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106  

“Somos um povo que quer viver” é a expressão de quem quer criar seu espaço, seja na

Igreja, seja na sociedade, quer ser visto como um grupo social e político não apenas como

indivíduos sofredores. A trajetória que a população em situação de rua vem percorrendo

nesses últimos anos aponta algumas respostas em relação a importância de participar para

conquistar espaços e, cada vez mais, indica possibilidades de fazer ouvir a sua voz, apesar da

insistência de um sistema capitalista querer empurrá-los sempre mais para a margem de seus

direitos.

No entanto, o presente nos impulsiona a fazer a releitura do passado em vista do que

se pode projetar como teleologia32 para o futuro, por isso, nosso propósito nesse capítulo é

resgatar momentos desse percurso percorrido para perceber que, assim, como a águia, muitos

renascem também de suas cinzas marcadas pelo sofrimento e pela dor de não serem

reconhecidos em seus direitos mais básicos, como também, a luta de um Movimento da

População em Situação de Rua como resultado de momentos de vivências que foram sendo,

aos poucos, construídos.

3.1.1 O povo da rua e a Igreja de São Paulo – marcas que permanecerão no futuro

“No princípio a terra era sedenta e árida e fez-se a luz” (Gn, 1,1).

O trabalho com população em situação de rua na cidade de São Paulo teve seu início

em 1955 com a fundação da Organização do Auxílio Fraterno (OAF) com a chegada das

uruguaias que queriam ser monjas, mas, não queriam morar num mosteiro. O carisma estava

voltado para viver o Ora et Labora (Oração e Trabalho), por isso a sua forma de inserção

pastoral foi por meio do trabalho na fábrica junto aos operários.

A Irmã Dalva Ivete de Jesus33, popularmente chamada de Ir. Ivete que, ao falar sobre

as primeiras monjas uruguaias que chegaram ao Brasil, destacou a preocupação com o

presente perfil da população que estava morando na rua definido por Rosa (2005, p. 31):

“O desenvolvimento capitalista e as transformações sociais, na perspectiva da globalização, têm gerado segmentos de trabalhadores que, sem conseguir acompanhar as mudanças do perfil de emprego e da sociedade sofrem os efeitos de forte alijamento do mercado de trabalho”.

                                                            32 Doutrina que considera o mundo como um sistema de relações entre meios e fins. Estudo dos fins humanos (FERREIRA, 1999). 33 Entrevista concedida a Fernando Altemeyer Júnior, na Casa Cor da Rua, em 06.01.2004, por ocasião de sua Pesquisa para a Tese de Doutorado na PUC-SP.

107  

A OAF foi fundada para atender uma população que não era caracterizada pelo

mendigo tradicional da cidade como relata Altemeyer Júnior (2006, p. 32):

[...] Elas queriam a vida do Ora et Labora, fora dos muros do mosteiro [...] e fundaram uma fraternidade sabendo que os mais pobres de São Paulo naquela época eram os operários. Elas foram, portanto, ser operárias na Indústria Matarazzo e na Phillips [...] foram percebendo que apareciam nas ruas de São Paulo outras pessoas que não eram mendigos tradicionais e que já era fruto do desemprego, pois era a época em que se construiu muito prédio, muito viaduto e isto deixou depois uma mão-de-obra sobrante. A OAF foi fundada para atender esse pessoal mais jovem – que não eram muitos – e que não eram mais os mendigos tradicionais da cidade

Esse relato nos traz à memória algumas características do contexto da década de 1950,

no qual situamos essa realidade, ou seja, o processo de migração vigente no país, a presença

marcante de nordestinos em busca de trabalho na cidade de São Paulo; o Governo Juscelino

Kubitschek, marcado pelo plano desenvolvimentista no qual sua meta era “50 anos em 5

(cinco)” provocando a saída a migração do campo para a cidade. Esse processo de

urbanização gerou uma série de problemas socioeconômicos criando desafios à

governabilidade.

Dois aspectos merecem aqui ser destacados em relação à iniciativa das uruguaias: o

primeiro é a preocupação da Igreja com uma experiência pioneira com o povo da rua e com o

modo e as condições de vida dessas pessoas já na década de 1950; o segundo aspecto, é a

percepção com clareza da situação dessa população, que se apresenta como algo não natural,

mas fruto de um processo excludente quando se percebe uma diferença no perfil daqueles que

aumentam o número de moradores nas ruas da cidade.

Ao mesmo tempo, faz uma leitura da conjuntura e, logo, são identificadas as causas e

consequências refletidas nessa situação – desemprego e massa sobrante - que não é uma

realidade exclusiva do Brasil, mas, que começa a apontar para um futuro, conforme descrição

abaixo:

Quanto à pobreza e à miséria, na década de 1980 muitos dos países mais ricos e desenvolvidos se viram outra vez acostumando-se com a visão diária de mendigos nas ruas, e mesmo com o espetáculo mais chocante de desabrigados protegendo-se em vãos de portas e caixas de papelão, quando não eram recolhidos pela polícia. Em qualquer noite de 1993, em Nova York 23 mil mulheres e homens dormiam na rua ou em abrigos públicos, uma pequena parte dos 3% da população da cidade que não tinha tido, num ou noutro momento dos últimos cinco anos, um teto sobre a cabeça (New York Times, 16/11/93). No Reino Unido (1989), 400 mil pessoas foram oficialmente classificadas como “sem teto” (Human Development, 1992, p. 31). Quem na década de 1950, ou mesmo no início da de 1970, teria esperado isso? (HOBSBAWM, 1995 apud ROSA, 2005, p. 31).

108  

E, despertará, em anos posteriores, a preocupação de pesquisadores, cientistas sociais,

organizações da sociedade civil e poder público com o fenômeno população em situação de

rua e os desafios inerentes a ela na promoção de políticas públicas de atendimento a esse

segmento social.

As intensas mudanças causadas pelo impacto de novos processos produtivos e tecnológicos atingem o mundo do trabalho não apenas nos países capitalistas centrais, mas se refletem intensamente também nos países da periferia do capitalismo. A automação, a robótica, a microeletrônica entram nas fábricas, liberando mão-de-obra e introduzindo alterações no processo produtivo, tendo em vista as necessidades e a lógica do mercado. Começam a aparecer formas de desconcentração industrial que dominam o capitalismo globalizado, com o objetivo de obter novos padrões de gestão da força de trabalho em substituição ao padrão fordista. (ANTUNES, 1995 apud ROSA, 2005, p. 30).

No Brasil, se por um lado houve avanços tecnológicos e aumento de investimento do

capital internacional, por outro lado, o país ficou numa situação de dependência estrangeira

comprometendo a sua autonomia. Se por um lado o país sinalizava para um avanço

econômico e na modernização, por outro, crescia internamente a situação de desigualdade

social expondo o quadro de carência e miserabilidade de uma parcela cada vez maior da

população que se amontoava nos grandes centros urbanos, principalmente, a cidade de São

Paulo.

Realmente, o período da ditadura militar foi marcado pelo enfraquecimento do Poder

Legislativo, a hiperinflação, a falta de investimentos, a violência, a concentração de renda,

aumento da dívida externa e dependência financeira expondo a população brasileira a um

estado de desesperança e ausência completa do Estado no que diz respeito ao bem-estar da

população.

Nesse contexto, a Igreja Católica é chamada a reassumir uma nova postura diante do

poder público e da sociedade carente. De fato, nesse período, fins dos anos 1960 e década de

1970, certamente, parte da Igreja Institucional já buscava viver e inserir na sua prática

pastoral as orientações do Concílio Vaticano II (1961-1965) que trazia consigo a Doutrina

Social da Igreja, como também, a recente Conferência Episcopal Latino Americana de

Medellin/Colômbia (1968) e em vias de realização da Conferência de Puebla/México (1979),

cuja centralidade era a opção preferencial pelos pobres.

A formação e o desenvolvimento das CEB’s no Brasil estão intimamente relacionadas a essas conferências. Os bispos em Medellin e em Puebla perceberam que a pobreza não era um fenômeno social acidental ou episódico, mas sim a chave

109  

do arranjo estrutural da organização social da América Latina. (PUNTEL, 1994 apud COSTA; SILVEIRA COSTA)34

A partir de então, a Igreja do Brasil assume uma nova postura e reorganiza sua ação

evangelizadora que olha e passa a dar ouvidos aos apelos da população mais empobrecida. O

método Ver, Julgar e Agir – próprio das Pastorais Sociais da Igreja Católica - se integrou à

teoria educacional de Paulo Freire – foi adotado para orientar os trabalhos e as ações da

Igreja, de modo especial, as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs – e outros segmentos,

também, ligados à Igreja.

A preocupação com a situação de exclusão social leva diversos grupos a se reunirem

para tratar de temas comuns que permeiam a realidade de presos, menores, migrantes, pessoas

que vivem na rua dentre outros e, congregarem ações conjuntas.

Em relação à população em situação de rua, são vários os personagens presentes no

trabalho pioneiro com esse grupo, porém, na cidade de São Paulo, cabe mencionar o apoio de

Dom Paulo Evaristo Arns ao grupo das uruguaias , quando da sua chegada em 1966, como

bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo e, posteriormente, em 1970 como Arcebispo,

juntando-se a essa causa e, aos poucos, foi descobrindo junto a essa população formas e

alternativas de não permanecerem no anonimato, mas alimentarem as raízes de suas

identidades. Dom Paulo diz35:

Quando cheguei a São Paulo, eu vi que não estava bem organizado. Havia a OAF, que me convidava e eu ia junto muitas noites com eles, para as vigílias da noite [...]. Não estavam organizados, nem eles e nem os presos.[...] Eu ia toda semana visitar a Penitenciária [...]. Para os pobres, nós fazíamos todo dia Sete de Setembro uma marcha, pois eu nunca fui para a parada militar.[...] Nós fazíamos uma marcha paralela, por vielas e Ruas36 , enquanto o Exército marchava do outro lado [...]. Isto tudo foi de fato um trabalho preparatório muito bom[...]. (ALTEMEYER JÚNIOR, 2006, p. 35).

Neste espírito e, conforme relato de Dom Paulo Evaristo Arns, uma mudança de lugar

social da Igreja por uma parcela de seus representantes já era, também, uma prática que nascia

da experiência e da convivência com o povo sofrido, excluído e marginalizado, através da

                                                            34 COSTA, Cloves Reis; SILVEIRA COSTA, Marlise da. As Igrejas e um trecho da história do povo da rua, p.1. Disponível em: <https://www.google.com.br/#q=As+igreja+e+um+trecho+da+hist%C3%B3ria+do+povo+da+rua>. Destaque para Griselda Marina Castelvecchi, na época, conhecida como Nenuca, cuja vida dedicou por três décadas ao trabalho com população em situação de rua. Morreu em 1984, aos 56 anos. Escreveu dois livros: “Somos um povo que quer viver” e “Quantas vidas eu tivesse, tantas vidas eu daria”. 35 Entrevista concedida a Fernando Altemeyer Júnior por ocasião de sua pesquisa para a Tese de Doutorado na PUC-SP, em 07.01.2004. 36 Destaque com inicial maiúscula pelo autor. 

110  

qual, era possível identificar as reais demandas e necessidades presentes dentro de um grupo

ou população.

Essa concepção de estar junto, no meio do povo, participando da vida e conhecendo

sua realidade, é um dado que vai ao encontro do que Martinelli (1999) afirma sobre a

importância de participar da vida do sujeito, ou seja, que é na prática da escuta ativa que

somos capazes de perceber a subjetividade e, se queremos conhecer modos de vida, temos que

conhecer as pessoas, participar da vida delas, conhecer suas histórias de vida.

Simbolicamente, na pessoa de Dom Paulo Evaristo Arns e demais envolvidos com a

causa dos excluídos, a Igreja, foi marcando sua presença junto às pessoas que estavam em

situação de rua. E a situação vivida por esse grupo já era uma expressão da Questão Social,

pois, nesse período – década de 1970 -, o Brasil já sofria as repercussões da crise econômica

juntamente com as crises políticas no mundo, o que provocou a necessidade de repensar a

economia de maneira global e estabelecer uma nova divisão internacional do trabalho, para

atender as necessidades do mercado mundial.

A população que ora se apresentava excluída, no cenário da rua, estava marcada

também por esse contexto das grandes crises econômicas e seus rebatimentos na classe

trabalhadora, pois, em função de um tipo de crescimento e expansão econômica, no final da

década de 1970, pode-se fazer a seguinte leitura:

Um processo dilapidador [...] na medida em que tem depredado parte da mão-de obra, que leva adiante os processos produtivos. Assim, frisa-se, de um lado, que no período por muitos denominados de “milagre brasileiro” os salários mínimos e medianos dos trabalhadores urbanos decresceram e termos reais em contraste do que ocorreu em períodos anteriores. [...] Para levar a cabo um modelo de crescimento que acirrou a deterioração dos níveis de vida , tornou-se necessários desarticular e reprimir as iniciativas dos múltiplos e numerosos grupos que foram alijados dos benefícios do desenvolvimento. (KOWARICK, 1979 apud ROSA, 2005, p. 56).

Nesse contexto de crises econômicas, cria-se o espaço para que os economistas,

representados por Milton Freedman e Frederich Von Hayek elaborassem uma teoria liberal,

cujo objetivo era defender os interesses de mercado e propagar o individualismo na sociedade

(SILVEIRA, 2010).

Essa doutrina liberal ganhou espaço em países como a Inglaterra, no final dos anos

1970 e nos Estados Unidos, nos anos 1980. Margareth Thatcher à frente do governo inglês na

época, foi responsável por difundir o neoliberalismo no seu sentido mais puro, influenciando

e repercutindo em muitos países do mundo, inclusive, no Brasil. “[...] com a crise do Estado,

sua parcela de responsabilidade vem se reduzindo. Isso faz com que parte da Questão Social

111  

passe a ser enfrentada pela sociedade civil, por meio das organizações não-governamentais e

fundações, entre outras”. (ROSA, 2005, p. 38).

A presença de um Estado autoritário no período de 1964 a 1988 era caracterizada pela

filantropia clientelista e de apadrinhamento e, nesse período, houve um aumento do número

de congregações católicas e de outras denominações religiosas, como também, organizações

de apoio que vinham da Europa com demandas específicas para trabalhar junto às classes

subalternas. (MEDEIROS, 2010).

Segundo Medeiros (2010:), o governo do Estado de São Paulo, em 1972, por meio de

um Decreto 52.897 de 17 de março de 1972, também criou a Central de Triagem e

Encaminhamento da Coordenadoria dos Estabelecimentos Sociais do Estado – CETREN – e

disponibilizou serviços de atendimento e fazer a triagem das pessoas que necessitavam de

recursos econômico-financeiros para que fossem atendidas em suas necessidades:

Artigo 1.º - Fica criada a Central de Triagem e Encaminhamento (CETREN), subordinada à Divisão de Atendimento Geral, do Departamento de Acolhimento e Triagem, da Coordenadoria dos Estabelecimentos Sociais do Estado, da Secretaria da Promoção Social. (dados da Secretaria de Promoção Social, 1978 apud MEDEIROS, 2010, p. 81).

O CETREN foi a primeira alternativa de abrigo para aqueles que chegavam à cidade,

cujo objetivo era adaptar e reabilitar o indivíduo socialmente. Entretanto, não resolvia o

problema. Esse caráter paliativo dos serviços não penetrava profundamente nas causas das

estruturas do problema e desafios vigentes.

Ao longo da década de 1970, a OAF, instituição vinculada à Igreja Católica, ampliou

sua atuação junto à população em situação de rua. E a OAF se torna uma grande entidade

assistencial em São Paulo e em Recife. Em 1975, segundo a Irmã Ivete, tinha os melhores

albergues de São Paulo. Entretanto, com a morte do diretor espiritual das uruguaias, instala-se

uma crise no interior do trabalho e resolvem fechar a OAF e vivenciar a experiência de voltar

às ruas, ir para perto da população, para conhecer o novo perfil.

Essas mudanças na forma do trabalho social junto à população de rua tiveram

consequências profundas na vida da Igreja e na presença católica no centro urbano da cidade.

Para vinho novo, odres novos (Mc. 2,22).

A Organização de Auxílio Fraterno (OAF) por sua estrutura organizacional tinha

estabelecido convênios em âmbito federal, estadual e municipal. Organizaram instituições de

112  

qualidade no âmbito da assistência social, no entanto, a crise sentida pelos desafios causados

com a morte do diretor espiritual, o peso de levar adiante aquela estrutura de trabalho com

todos os albergues e casas que foram criados para atender esse público, tornou-se um desafio.

Diante disso, Dom Paulo, em conversa íntima e informal, propôs para Nenuca:

“Coloca Puebla na Rua. [...] Não era bom colocar Puebla na Rua?” (ALTEMEYER JÚNIOR,

2006, p. 42).

Segundo Castelvecchi (1985) as palavras de Dom Paulo ecoavam em seus ouvidos,

mas, como agrupar o povo da rua em comunidade? Aceitar viver essa experiência como um

desafio, com o povo da rua, com homens explorados, sem esperança, sem projeto de vida,

entregues ao alcoolismo e à violência, seria demasiada utopia distante da realidade?

E assim relata Irmã Ivete:

[...] as oblatas vão voltar para as Ruas para conhecer o novo perfil da população de Rua e nós vamos assumir a Teologia da Libertação como estilo de vida [...] organizar a população, restaurar a cultura, restaurar a religiosidade, então, nós começamos isso no viaduto. A criar comunidades, celebrar, organizar as cooperativas, as moradias, as festas religiosas, isto tudo embaixo do viaduto ou em praças’. (Idem, p. 43) Idem refere-se a quem?

Entretanto, o Pe. Júlio Lancellotti37 apresenta outra visão sobre essa mudança

institucional da presença da Igreja junto à população de rua:

[...] Dom Paulo pediu, quando surgiu a Conferência (1979) que elas levassem as conclusões para a rua. [...] E isto trouxe uma reformulação de toda a prática. Elas fecharam todas as casas, que eram casas de acolhimento e, passaram a viver muito mais próximas da população de rua e também fazer a experiência dessa população [...]. Todo mundo quer dar algo para o povo da rua: comida, roupas. [...] Nem sempre quer conviver com ele. E construir alguma possibilidade. Ou rezar com ele, celebrar com eles. Vivenciar uma experiência eclesial. Uma experiência de fé a partir deles e com eles.

As duas Conferências Episcopais Latino-americanas realizadas em Medellin (1968) e

Puebla (1979) colocaram na ordem do dia a emergência dos pobres como opção preferencial;

provocou um pensar crítico da realidade de empobrecimento latino-americano, como também,

uma crise no modelo de atendimento a esses povos e a mudança de práticas sociais (Idem).

Não passa pela cabeça do povo da rua que possa haver um lugar para ele participar, pois, na Igreja esse lugar significa dormir nos últimos bancos e receber uma pequena esmola antes de serem enxotados para não molestar os fiéis e na sociedade, significa “um canto” despersonalizado e humilhante nas poucas e sujas instituições de assistência social. (CASTELVECCHI, 1985, p. 119).

                                                            37 Padre Julio Renato Lacellotti em entrevista concedida a Fernando Fernando Altemeyer Júnior, na Casa Vida em 27.12.2003, por ocasião de sua pesquisa para a Tese de Doutorado na PUC-SP.

113  

“Trazer Puebla para as Ruas” significou, na prática, alterar profundamente o modelo

de ação social, de um trabalho assistencial realizado com o povo da rua, desenvolvido até

então, e a partir de 1978 as oblatas (uruguaias) passaram a morar no Glicério.

Altemeyer Júnior (2006) ressalta que os conceitos da Teologia da Libertação foram

gestados inicialmente por “Rubem Alves (1969), Gustavo Gutierrez (1971), Leonardo Boff

(1972) e Hugo Assmann (1976)”.

A Irmã Ivete38 traz em seus relatos que, a partir daquele momento, a experiência de

viver com o povo na rua passa a ser uma opção de vivenciar a mística numa relação mais

profunda com o sofrimento daquelas pessoas; poder criar relações e ampliar os espaços de

solidariedade; despertar a esperança de ter sua dignidade de volta; resgatar sua identidade

através dos vínculos que se formariam nesses pequenos grupos de sofredores de rua.

(ALTEMEYER JÚNIOR, 2006).

A expressão “Sofredor de rua”39 é utilizada para referir-se à desproteção e à falta de

perspectivas das famílias moradoras debaixo de viadutos e que se tornavam cada vez mais

numerosas, vivendo em estado de miséria, enfrentando um sofrimento muito grande por causa

da falta de emprego, moradia e de perspectivas de um futuro melhor. (ROSA, 2005). Segundo

Altemeyer Júnior (2006), foi o Padre Freddy Künz, mais conhecido como Alfredinho, quem

difundiu essa expressão ‘sofredor de rua’.

Em entrevista concedida ao autor citado anteriormente (2006, p. 46-49), assim, relata a

Ir. Ivete sobre a experiência de conviver com o grupo de pessoas que estava em situação de

rua.

Nós ocupamos nove casas abandonadas que tinham por aqui, todas estragadas, e começamos [...] a organizar a comunidade e, ao mesmo tempo, a sopa.

[...]

[...] convidava Alfredinho para pregar retiro na praça pública com as oblatas, os voluntários e o povo da rua. Retiros misturados, grupos, como uma vida nômade mesmo.

Um projeto que tinha definição institucional como o da OAF passa literalmente para

as ruas e assume como missão acompanhar a população em seu cotidiano de sofrimento. A

noção de comunidade, nos anos 1970, na América Latina e especialmente no Brasil foi a

expressão mais atuante como princípio organizativo das comunidades populares na luta por

                                                            38 Entrevista concedida a Fernando Altemeyer Júnior (2004, p. 46 e 49). 39 Termo politicamente correto pelas entidades ligadas à Igreja Católica, utilizado pelo Padre Alfredinho Kunz da Congregação Filhos da Caridade, fundador da Irmandade Servo Sofredor.

114  

seus direitos civis, sociais, econômicos, culturais e, nessa fase histórico-social, o conceito

empírico forte era povo organizado (SADER, 1988).

Certamente, a Teologia apresentada por Medellín e Puebla provocou mudanças nas

estruturas, ações religiosas e práticas sociais no continente latino-americano. A linha pastoral

da Igreja em algumas dioceses do Brasil passou a se fundamentar na ética social e na

libertação de todas as formas de opressão.

Na Arquidiocese de São Paulo, em 1975, algumas pastorais foram criadas com esse

viés, a Pastoral do Mundo do Trabalho cuja prioridade era voltada para a classe dos

trabalhadores e operários das fábricas; Pastoral dos Direitos Humanos, tendo como princípios

básicos a dignidade humana e o combate a toda e qualquer violação dos direitos fundamentais

das pessoas, principalmente as camadas oprimidas e marginalizadas na sociedade; a Pastoral

nas periferias com a formação de pequenas comunidades eclesiais de base pautada na

formação bíblico-teológico-pastoral numa dimensão de fé e vida, na sociabilidade e nos

relacionamentos humanos como motivadores para a organização e engajamento na luta por

melhores condições de vida.

No final da década de 1970, algumas formas de organizações já eram pensadas como

espaço de participação dessa população manifestar a sua presença na rua e despertar a

consciência para a realidade vivida, como por exemplos, teatros, celebrações, passeatas e

missão.

Nos ensaios de teatro era possível abrir espaços de discussão do próprio conteúdo

relacionado a um mundo vivido e experimentado. No geral, as peças falavam de situações

vividas nas ruas e suas principais causas, como o desemprego, falta de moradia, baixos

salários, violência, fome, bebida e outros.

Ressalta-se outro aspecto que pode ser destacado nessa forma de participação foi o

teatro que possibilitava à população de rua o encontro com outros grupos, outras comunidades

e a percepção de não estar só, que outros estão na mesma luta. Com essa experiência as

pessoas percebiam a importância de estar em grupo, ler a realidade de forma crítica; o grupo

despertava o sentido de comunidade, vendo-se dessa forma, toma consciência de sua

identidade. (CASTELVECCHI, 1985).

“Tira as sandálias dos teus pés porque o lugar em que te encontras é uma terra santa”. (Ex. 3,5b).

 

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116  

e de um direito individual e coletivo, conforme assegurado na Constituição Federal de 1988,

no seu artigo 5º, inciso IV. Experiências traduzidas em vivências conforme relato abaixo:

A vivência se liga a uma ressonância interna do contato do indivíduo com a realidade que o cerca. A vivência é descrita e compreendida a partir das sensações que provocam no indivíduo. Somente a posteriori é que pode a compreensão da vivência separar o que é experimentado no ato [...]. (GIOVANETTI, 1999 apud GUIMARÃES, 2010, p. 33).

Segundo o autor, o espiritual é aquilo que dá ao homem essa capacidade de unicidade

e de busca de sentido. Em todo o ser humano, religioso ou não, há a presença de uma

espiritualidade. Uma dentre outras demonstrações importantes da religiosidade na vida das

pessoas pode ser encontrada quando se pensa na religiosidade denominada de popular. Essa

traz em si características que vão dar um tom e intensidades diferenciadas da religiosidade

oficial.

A religiosidade popular pode ser entendida como uma das formas de expressão que as pessoas encontram de se relacionarem com Deus. Está mais ligada, contudo, a grupos muitas vezes excluídos ou subalternos, como é o caso da população de rua, o que nos faz supor que há entre esse grupo de pessoas uma forma singular de vivência da religiosidade. Relaciona-se também a religiosidade popular, de forma intensa, aos costumes rurais de grande parte da população. Essa entidade sobrenatural vem de fora e age no sentido de ser um aparato para a realidade muitas vezes cruel. (GUIMARAES, 2010, p. 58).

Nesse espírito de vivência e de experiência de grupo, lentamente a comunidade dos

sofredores de rua vai sendo construída e passa a realizar momentos de oração nos baixos do

Glicério e no Parque Dom Pedro. Desde os anos 1990, a comunidade passa a se reunir na Rua

dos Estudantes, 549, na Rua 25 de março, 205 e na Casa de Oração da Rua Riachuelo, 272.

Vários foram os momentos de espiritualidade criados junto à população em situação

de rua, como as Vigílias do Advento e Celebração do Natal que fizeram nascer a primeira

Casa de Oração. Irmã Ivete relata os momentos fortes de espiritualidade vividos com a

população em situação de rua da seguinte maneira:

[...] na Catedral a gente fazia essa Vigília40 todo sábado à tarde, lá em cima, no altar, onde estão as cadeiras, todo mundo ia pra lá, e o povo que estava embaixo, que geralmente era gente pobre e beatos, acabaram se entrosando e nós fizemos dois anos de vigílias na Catedral com o povo da rua, e depois preparando uma encenação para a Noite de Natal, ao lado de Dom Paulo. (ALTEMEYER JÚNIOR, 2006, p. 51).

                                                            40 Referindo-se à Vigília do Natal.

117  

As missões que eram feitas nas ruas da cidade terminavam, sempre, em momentos de

celebração, em praças públicas, em algumas igrejas, incluindo a Catedral Metropolitana de

São Paulo. Nessa dimensão é possível reforçar o que Altemeyer Júnior (2006, p. 52) afirma

estar escrito no folheto da época: ‘Não precisam mais andar de lá para cá nas tardes de

domingo, nem desanimar por causa do sofrimento: o Senhor está a favor dos fracos. Ele quer

que seu povo se reúna’.

Nesse espaço, o povo que estava disperso na rua se reunia, se reencontrava, era o lugar

do encontro onde eles passaram a ser ver e se reconhecer como parte de um povo. Mesmo

disperso podia se reunir, expressar sua fé. Partindo da história de vida de cada um, a

descoberta de fatos da vida, o encontro como toda novidade e o que era comum na trajetória,

aos poucos, criava uma identidade.

A experiência de Deus ali vivenciada como transcendência, muitas vezes sem a clareza

de ser, mas, estar ali já era uma resposta ao apelo de Deus para uma caminhada de vida e de

libertação, para participarem da Boa Nova de Deus.

Partindo da orientação de uma Igreja que nascia com um rosto voltado, também, para

os dilemas sociais enfrentados por aqueles que estavam à margem dos bens e serviços

públicos, a comunidade dos que sofriam as mazelas das ruas ia sendo constituída lentamente e

alimentada pelos momentos de oração, pelos encontros em torno da sopa servida nos baixos

do Glicério e no Parque Dom Pedro II e, mais tarde, em locais que já sinalizavam uma

referência para esses grupos: O LUGAR COMUM, localizado na Rua dos Estudantes, na Rua

25 de março e na Casa de Oração da Rua Riachuelo (ALTEMEYER JÚNIOR, 2006).

A primeira Casa de Oração da Rua Florêncio de Abreu, oferecida pelos beneditinos,

foi considerada pelos agentes de Pastorais de Rua como uma conquista do trabalho realizado

pela OAF, desde que resolveu mudar sua estratégia de ação (1978-1979), como recomeço de

serviço nas ruas. Segundo o Padre Júlio Lancellotti, foi um espaço construído como fruto da

vivência e experiência de fé, ecumênica, ligada à organização do povo.

Alguns acontecimentos se tornaram marcos de celebração, históricos, como o velório

de “Nenuca”, a celebração de morte do menino de rua, Joílson de Jesus, a visita da Marta

Suplicy para conversar com o povo da rua. Padre Júlio diz,

Por fim surge a nova sede definitiva da Casa de Oração, em junho de 1997, e que está muito identificada com o Vicariato. Ela foi construída e criada por dom Paulo Evaristo com o prêmio Niwano da Paz, que ele recebeu dos budistas, situada à Rua Djalma Dutra, 03, no bairro da luz.

118  

Hoje, a Casa de Oração41 é uma igreja que nasce da rua. É um espaço ecumênico de

oração, que faz parte da história do povo da rua que se organiza e onde teve início o Projeto

da Oficina-Escola “Arte e Luz da Rua”, a partir de um grupo de pessoas moradoras de rua que

participavam do grupo de artesanato da Casa.

Em 27 de dezembro de 1993, Dom Paulo Evaristo Arns, então Cardeal da

Arquidiocese de São Paulo, criou o Vicariato Episcopal do Povo da Rua com o objetivo de

evangelização da população em situação de rua. Pertence à comunhão eclesiástica da

arquidiocese, com autonomia de ação e plena jurisdição junto à sociedade. Tem o objetivo de

atender pessoas em situação de rua, articulando-as e levando-as a protagonizar ações políticas

em relação à sociedade, se organizando e criando alternativas de sobrevivência.

O Padre Júlio Lancellotti foi nomeado livremente por Dom Paulo Evaristo Arns como

vigário episcopal no trato das questões dos moradores de rua. A criação do Vicariato do Povo

da Rua era algo inédito criado pelo cardeal arcebispo de São Paulo colocando evidência a vida

e a identidade de um agrupamento humano, denominado moradores de rua.

A própria figura do vigário episcopal era nova, criada pelo Concílio Vaticano II em 1965 (no documento conciliar Christus Dominus, n. 27) e comumento usada em certas metrópoles para grupos humanos específicos, como universitários, religiosas, migrantes ou certa parte territorial da diocese para a qual o bispo convoca um padre para auxiliá-lo. [...] Uma Igreja destinada para essa população, com autonomia e sentido pastoral e sacramental, foi um inusitado ato institucional que abriu caminho para o reconhecimento de sua identidade própria e suas características de urbano. (ALTEMEYER JÚNIOR, 2006, p. 73)

A Igreja garantiu aos moradores de rua, acompanhamento pastoral permanente e

adequado dentro das normas institucionais. O Vicariato se propõe a ser uma instância de

convivência na vida e na luta cotidiana dessa população, cuja missão é formar Igreja na rua a

partir da rua. Assim se expressa Padre Júlio Lancellotti, em entrevista a Fernando Altemeyer

Júnior, em 2003, ao falar sobre o estilo de vida espiritual vivido nas comunidades de rua:

                                                            41 Missão Ser lugar de encontro para as pessoas que vivem em situação de rua, e para os que com eles querem comprometer-se; Ser lugar para o povo da rua se expressar, dançar, cantar, tocar seus instrumentos, apropriar-se da palavra de Deus; Formar comunidade com o povo de rua, que através da convivência e solidariedade busca viver a experiência de pertencer a um grupo onde pode desempenhar um serviço fraterno. Ser um Centro Pastoral, isto é, espaço de encontro e de articulação onde o povo da rua pode celebrar a sua fé e manifestar a sua religiosidade, e também fortalecer sua organização para a luta pela sobrevivência, para conquista de trabalho e moradia e principalmente para a implantação de políticas públicas; Ser referência na articulação e coordenação da Pastoral Arquidiocesana e Pastoral Nacional do Povo da Rua (Disponível em: <http://arteeluzdarua.blogspot.com.br/2009/03/pastoral-do-povo-da-rua.html>. Acesso em: 28 maio 2014).

119  

É fácil rezar pelo povo da rua nas celebrações onde eles não estão presentes. O difícil e o verdadeiro seria rezar com o povo da rua nas celebrações onde eles estão presentes. Nas celebrações que são feitas a partir deles e com eles. E nunca sem eles. O morador de rua é uma figura emblemática do tropeço na própria Igreja.

A convivência com o povo da rua se constitui como uma metodologia pastoral que

privilegia o meio para criar espaços de participação, manifestação da religiosidade, das

necessidades e visão de mundo, esse é o rosto da presença do Vicariato na cidade de São

Paulo. A oração comunitária na rua e as celebrações do Natal, Semana Santa e Páscoa têm

sido momentos fortes e especiais de formação religiosa.

A participação mais uma vez se apresenta como um processo de vivência, como uma

trajetória que se vai construindo a partir de pequenos grupos comunitários buscando romper o

isolamento, a invisibilidade, fortalecer a esperança, vivenciar a fraternidade e defender a vida

por meio da garantia de direitos sociais como saúde, trabalho, moradia, lazer e cultura.

O Povo da Rua vai construindo sua trajetória e se identificando como povo de Deus,

que tem sua história no campo, em lavouras, nas cidades, onde tem suas famílias e

vivenciaram suas tradições religiosas, festas culturais, os reisados, as festas juninas. Porém, ao

chegar à cidade confronta-se com dificuldades que o deixam sem respostas, não encontram

trabalho e nem qualificação e, aos poucos, quebram-se os vínculos, a bebida e a droga

tornam-se companheiras inseparáveis e seu cotidiano fica marcado por perdas de valores

vitais e sufocamento social e religioso, por não haver espaço para expressar sua identidade

cultural e religiosa.

Um velho casarão passa a ser um local de busca, de identidade, de desejo de expressão

de fé e cultura, de ser reconhecido como pessoa, de fazer parte de um povo, de resgatar sua

cidadania alijada pela privação de bens, de equipamentos sociais e econômicos e até mesmo

de grandes igrejas que, servem para eles, somente de acomodação para dormir alheios a uma

liturgia que não os inclui em sua paixão e transfiguração. (ALTEMEYER JÚNIOR, 2006).

3.1.2 Missões Populares - Pensar novas práticas... vivenciar novos saberes!

As Missões nasceram em 1979 e tinham por objetivo dar visibilidade à gravidade das

duras condições de vida da população, tinham um cunho social e religioso, cuja caminhada

era realizada pelo centro velho da cidade. Na ocasião, ainda, era difícil dimensionar as

repercussões, porém, já se percebia a existência de um clamor que deveria ecoar pela cidade e

incomodar.

120  

Em cada passeata que fazemos vejo a pobreza desafiando os ídolos da opressão. No dia Sete de Setembro de 1983 éramos 500 pessoas cantando, levando cartazes e gritando frases como “SOMOS UM POVO QUE QUER VIVER” e “QUEREMOS SER TRATADOS COMO GENTE” (CASTELVECCHI, 1985, p. 123).

Durante quatro anos aconteceram no casarão, mas, a partir de 1983 passaram a

acontecer na rua, na antiga rodoviária do Glicério e, da rua, a Missão passa a assumir uma

importância em sua dimensão pública e política. Conforme O TRECHEIRO (1991) apud

Altemeyer Júnior (2006, p. 53), as Missões no período de 1979 a 1991 tiveram os seguintes

lemas:

*-1979 – Anúncio da Palavra e vivência fraterna,

*-1980 – O Sofredor e a Cidade – comunidade,

*-1981 – Somos um povo que quer viver,

*-1982 – Somos um povo que quer viver,

*-1983 – Somos um povo que defende a vida,

*-1984 – Povo que quer viver, resiste para vencer,

*-1985 – Sem trabalho, casa e pão, não há libertação,

*-1986 – Lutamos noite e dia, por pão e moradia,

*-1987 – Estamos na miséria, queremos justiça séria,

*-1988 – Fizemos a cidade, não temos liberdade,

*-1989 – Sofredor não vai calar, é hora de mudar,

*-1990 – Se une sofredor, a cidade vai ouvir o seu clamor,

*-1991 – Entra na roda da rua, vem que a festa é sua.

A marcha do dia Sete de Setembro, realizada sem muita pretensão naquela época por

esse grupo, como expressão própria de um povo que quer viver, em anos posteriores, se

definiria como o Grito dos Excluídos42, um conjunto de manifestações realizadas no Dia da

Pátria (7 de setembro), tentando chamar a atenção da sociedade para as condições de

crescente exclusão social na sociedade brasileira.

Muita gente não acredita ou não sabe da organização do povo da rua. Este povo tem direito à sua comunidade [...]. A comunidade do povo da rua não se limita ao local onde se reúne. Faz-se presente na rua, levando a outros companheiros a sua

                                                            42 O Grito dos Excluídos, como indica a própria expressão, constitui-se numa mobilização com três sentidos: •Denunciar o modelo político e econômico que, ao mesmo tempo, concentra riqueza e renda e condena milhões de pessoas à exclusão social; • Tornar público, nas ruas e praças, o rosto desfigurado dos grupos excluídos, vítimas do desemprego, da miséria e da fome; • Propor caminhos alternativos ao modelo econômico neoliberal, de forma a desenvolver uma política de inclusão social, com a participação ampla de todos os cidadãos. (Disponível em: <http://www.gritodosexcluidos.org/historia/>).

121  

proposta, como também na cidade, denunciando a situação de pobreza, na qual, foram deixados em estado de extrema miséria. (CASTELVECCHI, 1985, p. 122).

No dia Sete de Setembro do ano de 1991, quando foi realizada a 13ª Missão, tal foi a

repercussão que ela foi descrita da seguinte forma por um jornalista, conforme Altemeyer

Júnior (2006, p. 53):

Quem estava ontem no centro da cidade, pelas 17:30h, ficou surpreso com o que acontecia. Mais de 300 pessoas celebrando a 13ª Missão fizeram uma caminhada pelo centro da cidade para denunciar a realidade que vivem a cada dia: fome, frio e solidão. (O TRECHEIRO, 1997, n. 03/04 p. 1).

As Missões, metodologicamente falando, foram uma etapa importante nesse processo

de vivência do Povo da Rua com outros segmentos como movimentos sociais, congregações

religiosas, padres, seminaristas, leigos, alguns pastores das igrejas metodistas e presbiterianas.

Possibilitaram momentos de proximidade e partilha, convivência e oração, contribuindo para

a criação de novos grupos, multiplicando e diversificando o modo de estar presente junto ao

povo de rua.

Desse trajeto da rua, nascem novas possibilidades de trabalho junto a esse povo:

[...] surge em 1983 a Comunidade dos Sofredores da Rua, nos baixos do viaduto Glicério. Em 1986 passaram a atuar os Serviços Assistenciais Bom Jesus dos Passos, com o conhecido Rango de Pinheiros. Inaugura-se, no dia 22 de fevereiro de 1990, a Comunidade São Martinho de Lima, nos baixos do viaduto Guadalajara, no bairro Belém. Em 1990, a Fraternidade do povo da Rua, no Brás. No Parque Dom Pedro II, surge o Café do Coreano, oferecido pela Igreja Metodista Coreana e posteriormente pela Igreja Presbiteriana Coreana. (ALTEMEYER JÚNIOR, 2006, p. 54).

As vivências e convivências, no âmbito eclesial, desenhados a partir de momentos

fortes na Quaresma e Campanhas da Fraternidade a cada novo ano, foram ganhando formato

de luta e as missões tornaram-se Dias de Luta do Povo da Rua. Esse processo foi definido

assim:

Lentamente, incipiente, a consciência vai se formando, não mais “eu sou um pobre sofredor”, mas, “nós somos um povo de sofredores”; vão se reunindo, numa mesma história, todos os acontecimentos são trazidos à Assembleia. O povo se reconhece não mais como culpado de sua situação, mas como vítima, consequência de uma injustiça implantada. (CASTELVECCHI, 1982 apud ROSA, 2005, p. 54-55).

Maria da Glória Gohn ao analisar as lutas e movimentos sociais por moradia na década de

1980, também, fez uma leitura desse processo no qual a população de rua foi se assumindo

como novo sujeito no cenário da participação coletiva:

122  

Houve ainda o surgimento de um movimento inédito entre as classes populares, o dos Moradores de Rua. Seus atores são uma categoria social que antes era vista de forma individual, através da filantropia, como mendigos, e agora assume caráter coletivo, pois são famílias inteiras que passaram a morar debaixo de pontes, viadutos e outros espaços públicos, devido ao empobrecimento, desemprego e à falta de uma opção barata para a locação. (GOHN, 1997, p. 138).

Tanto na visão de Gohn (1997) quanto na visão de Castelvecchi, (1982), verifica-se,

que uma consciência diferente da sua condição vai tomando outro formato, que a questão do

pobre sofredor de rua passa a ser reconhecida não mais de forma isolada, individual, mas

coletivamente e vão se dando conta de que nesse processo e, em muitas situações, eles são

muitos, têm as marcas da exploração, do abuso de poder e do descaso de políticas públicas.

Nesse processo de vivências, de lutas e de busca por identidade ocorre, também, uma

mudança na visão das pessoas envolvidas no trabalho da OAF-SP, como uma via de mão-

dupla, elas veem as pessoas atendidas nesse trabalho não como indivíduos fracassados, mas

como um segmento social que foi vítima de um processo de empobrecimento. São

descobertas e reconhecimentos que modificam a si e os outros. (ROSA, 2005).

Do percurso das ruas em missões populares, da trajetória histórica da manifestação

pública dos Dias de Luta, foram sendo criados momentos de discussão dos temas e pauta de

lutas políticas a serem encaminhadas aos poderes públicos.

3.2 A população de rua e o Estado: a busca por espaço de participação e cidadania

“O povo da rua não quer esmola. O povo da rua quer

dignidade, justiça e verdade. Ser tratado como gente, como

pessoa humana e não como lixo”.

(Padre Julio Renato Lancellotti)

A construção democrática no Brasil é um processo marcado pela disputa de

significados e de práticas sociais (SOUTO; PAZ, 2012) e nesse cenário, a participação e o

protagonismo dos diversos atores sociais na tentativa de aprofundar a democracia são temas

caros e, ao mesmo tempo, centrais para contribuir com a mudança na cultura política do país.

O início os Anos 90, no Brasil, foi marcado pelo Governo de Fernando Collor de

Mello como presidente da República, cujas bases de suas ações governamentais foram

orientadas pelo projeto neoliberal, conforme Caccia Bava define muito bem:

123  

Essa política neoliberal, praticada desde o início dos anos 1990, fragilizou a capacidade de intervenção do Estado pela via das privatizações, das terceirizações. [...]. Hoje em dia uma série de políticas de serviços que antes eram exercidas diretamente pelos governos municipais, pelos governos estaduais, foram terceirizadas, foram valorizadas como mercadoria e desvalorizadas como bens e serviços de interesse comum. Essas mudanças ocorreram também pela reduzida capacidade de controle do Estado sobre as empresas contratadas e pela falta de compromisso com a qualidade dessas políticas. (CACCIA BAVA, 2005, p. 33)

Fernando Collor de Mello, apesar de apresentar em sua campanha eleitoral, propostas

voltadas para os pobres, comprometendo-se de resgatar a dívida social, na realidade, isso não

se concretizou. No campo social, o seu governo ficou caracterizado na história dos direitos

sociais conquistados, como aquele que investiu na fragilização do Sistema de Proteção Social,

principalmente, em relação à seguridade social (ROJAS COUTO, 2004).

Nesse período (1990-1992), o país viveu uma das piores crises em termos de

desenvolvimento social frente à postura do governo Collor em relação às políticas públicas

demandadas pela população.

Rejeição explícita do padrão de seguridade social [...] Em vista disso, o governo reiterou a tentativa da administração passada de desvincular os benefícios previdenciários e da Assistência Social do valor do salário mínimo; relutou em aprovar os planos de benefícios e a organização do custeio da seguridade social; vetou integralmente o projeto de lei que regulamentava a assistência social43; e represou, por vários meses, a concessão de benefícios previdenciários. (PEREIRA, 2000 apud ROJAS COUTO, 2004, p. 146).

Estava claro que o programa neoliberal persistia de forma dissimulada nas agendas

governamentais (NOGUEIRA, 2011), como também, era evidente a sua inadequação

permeada pelos estragos acumulados com o aumento da miséria e da desigualdade, estampado

no trágico quadro de desemprego. Ficou evidente que os mercados, por si sós, não

produziriam resultados socialmente justos, tampouco, uma economia eficiente.

O agravamento da questão social ganhou visibilidade e a problemática que envolve a

população de rua, nas grandes e médias cidades brasileiras, teve um crescimento quantitativo

cada vez mais expressivo, acompanhado pela deterioração de suas condições de trabalho e de

vida.

[...] a realização dos primeiros estudos sobre o fenômeno no curso dos anos de 1990 e a ampliação das iniciativas de enfrentamento da problemática em algumas cidades brasileiras são reveladoras da dimensão alcançada pelo fenômeno, neste período

                                                            43 Projeto de Lei nº 3.099/89 de iniciativa do deputado Raimundo Bezerra e formato final realizado pelo relator deputado Nelson Seixas, ambos do PSDB, regulava a Assistência Social e foi aprovado pelo Congresso. Foi vetado integralmente pelo presidente Collor em 18 de setembro de 1990 (cf. ROJAS COUTO, 2004).

124  

recente da história do País, coincidente com as mudanças provocadas pelo capitalismo, em escala mundial, a partir da segunda metade do decênio de 1970, manifestas no Brasil, mas especificamente, na segunda metade da década de 1990. Nesse período, percebeu-se a enorme expansão da superpopulação relativa no mundo e no Brasil, particularmente em sua forma flutuante, devido a redução de postos de trabalho na indústria; estagnada em decorrência do trabalho precarizado, e do pauperismo (sobretudo a parte constituída pelos indivíduos aptos ao trabalho, mas não absorvidos pelo mercado), o que ajuda a explicar a expansão do fenômeno população em situação de rua. (SILVA, 2009, p. 104).

Na década de 1990, constata-se, também, na cidade de São Paulo, um aumento

crescente do número de pessoas que utilizam a rua como espaço de moradia e sobrevivência.

É grande o número desse contingente de força de trabalho não especializada, sendo “pau-

para-toda-obra”, que se desloca para diferentes atividades, lugares, fazendo uma alternância

entre trabalho e desemprego. “Marginalizados era quase sempre utilizado aos trabalhadores

que se viam “à margem do mercado” de trabalho, sem opção de trabalho, desempregados ou

jogados em atividades temporárias e instáveis ligados ao mercado informal”. (ROSA, 2005, p.

41).

A realidade vivida por essa população em situação de rua, especialmente, na cidade de

São Paulo, em muitos casos, na sua relação com o Estado em alguns governos foi definida

assim:

As décadas de 1970 e 1980 estão marcadas pela hostilidade e agressão do poder público em relação à população em tela. Administrações como a do governo Jânio Quadros desenvolveram ações truculentas de despejos e perseguição sistemática a esta população. Os fatos mais graves foi a proibição de catar papelão, a expulsão das praças com jatos de água de carros-pipa e o cerceamento do direito de ir e vir mediante o gradeamento de praças e baixos de viadutos, dando início à chamada arquitetura da exclusão. Essa política teve continuidade na administração do prefeito Paulo Maluf e contou com algumas nuanças nas administrações posteriores. A repressão provocou o início de um processo de organização e resistência dos grupos e comunidades solidárias com a problemática. (COSTA; DIAS, 2005, p. 16).

Nessas décadas a prática social com essa população limitava-se à repressão nas ruas e

ao atendimento que, segundo dados da Secretaria de Assistência do Município de São Paulo –

SAS -, em 1992, era realizado por meio de dois albergues44 e quatro casas de convivência45

                                                            44Albergue: trata-se de um serviço emergencial destinado a todas as pessoas que se encontram na rua e não têm meios para satisfazer as suas necessidades básicas; destina-se sobretudo às pessoas que não apresentam nenhuma ou têm poucas condições para se manter sozinhas sem o apoio de uma instituição social.(GIORGETTI, 2012, p. 139) 45Casas de convivência: esses serviços funcionam apenas durante o dia e propiciam aos moradores de rua a possibilidade de cuidar da higiene pessoal, lavar suas roupas e guardar seus pertences, dá-se porém, nesse espaço, maior ênfase às atividades socioeducativas, de socialização e organização em grupo, visando aumentar a auto-estima de seus beneficiários (GIORGETTI, 2012, p. 139).

125  

(GIORGETTI, 2012) onde a sua permanência era mantida apenas por três dias acentuando,

dessa forma, uma alternância entre a rua, o albergue e os plantões sociais.

A cidade de São Paulo, no período de 1989-1992 desfruta de uma nova cena política

tendo como prefeita, Luiza Erundina de Souza46, que sucedia Jânio Quadros e que precederia

Paulo Salim Maluf.

Apesar das hostilidades vividas por essa população de rua nas administrações públicas

dessas gestões na cidade de São Paulo, nos anos 1990, no governo de Luiza Erundina, o

tratamento acontece de forma contrária, incentivando e apoiando as iniciativas e parcerias em

relação à população de rua.

A transição democrática vivida pelo país entre 1985 a 1993 caracteriza-se pela filantropia denominada por Mestriner de vigiada. Nesse período são realizados grandes eventos e discussões acerca da assistência social no país e diversos núcleos de pesquisas são instalados. Nesse sentido a prática de muitas organizações sociais também passou a ser revista, já que as ações desenvolvidas não estavam mais dando conta das reais necessidades da população atendida. (MEDEIROS, 2010, p. 82).

Essas discussões contribuíram para auxiliar o embasamento de uma nova configuração

da política de assistência social no país, quando as práticas assistencialistas passavam também

por uma reestruturação, ao tempo, que essas discussões também repercutiram em São Paulo

junto àqueles que atuavam com o segmento pessoas em situação de rua.

A partir de 1991 a organização pastoral do povo da rua passou por um redesenho e por

uma nova etapa de articulação permeada, talvez, pela presença de um governo democrático

que favoreceria a participação, ou seja, um novo chão onde a população em situação de rua

pudesse sentir a esperança brotar, fazer sua voz ecoar e crescer na consciência popular, pois,

definir uma pessoa em situação de rua seria dizer que para essa pessoa “quase nada é

permanente, a não ser a procura cotidiana da sobrevivência, o que torna sua vida

extremamente fragmentada” (VIEIRA; BEZERRA; ROSA, 1992 apud ROSA, 2005, p. 36).

Ademais, mesmo sendo um breve espaço de tempo (1989-1992) de um governo

democrático, a população em situação de rua acreditava ser, esse, um espaço de diálogo,

favorecido pela formação acadêmico-profissional de Luiza Erundina, em Serviço Social, o

que facilitaria compreender a vida, o sofrimento, os dilemas desse segmento populacional.

(ALTEMEYER JÚNIOR, 2006).

                                                            46 Luiza Erundina de Sousa é assistente social e política brasileira. Atualmente exerce o cargo de Deputada Federal pelo Estado de São Paulo, pelo Partido Socialista Brasileiro. Ganhou notoriedade nacional quando foi eleita a primeira prefeita e representando um partido de esquerda, o PT, em São Paulo, em 1988. (Disponível em: <http://camara.gov.br/internet/Deputado/dep_Detalhe.asp?id=74784>. Acesso em: 26 fev. 2014).

126  

Do ponto de vista das políticas públicas, no período de 1989 a 1992, houve nesse campo muitos avanços políticos e científicos, em que se conjugaram e somaram interesses do poder público e da sociedade civil, cujos parceiros se reuniram tendo como horizonte a promoção da cidadania da população de rua. O fato de conceberem o trabalho social de forma coletiva, participativa e democrática, conduziu esses agentes públicos e privados à constituição [...] do Fórum Coordenador de Trabalhos, instância de participação e coordenação geral para planejamento de avaliação de trabalhos destinados à população de rua e desenvolvidos na área central expandida da cidade. (ROSA, 2005, p. 40).

O período de 1989 a 1992 representa para a população em situação de rua na sua

relação com o Estado, o limiar de acontecimentos que abririam espaços para uma nova fase de

lutas, ou seja, o reconhecimento pelo Poder Público da problemática que envolve esse

segmento, originando a criação de rede de serviços por meio dos convênios com as entidades

religiosas.

Nesse período também aconteceu a organização do 1º Fórum Nacional de Estudos da

população de rua, o 1º Fórum das Entidades envolvidas e a realização da primeira pesquisa

sobre população de rua (GIORGETTI, 2012). Foram ações que marcaram, naquele momento,

a trajetória de um movimento que se constituiria futuramente no cenário da participação, não

mais como indivíduo, mas, como sujeito político.

Um dos resultados dessa gestão em parceria com a Secretaria Municipal de Bem Estar

Social de São Paulo, com organizações não-governamentais, a Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo e com o Centro Latino-Americano de Saúde Mental, foi a realização da

primeira Pesquisa sobre População de Rua na cidade de São Paulo, na identificação do seu

perfil e características gerais. (ROSA, 2005).

As pesquisas de Rosa (2005) e de Lima Barros (2011) contribuíram para romper com a

visão clássica de vagabundagem, desocupados que a sociedade, em geral, atribuía às pessoas

que vivem em situação de rua como socialmente isolados, sem capacidade de pensar, refletir,

se organizar, apresentando um perfil de trabalhadores em situação de desemprego ou

subemprego.

Tendo como produto inédito a caracterização da população em situação de rua,

principalmente, na cidade de São Paulo, com os resultados da pesquisa, foi possível perceber

a heterogeneidade desse grupo, que, por sinal, torna-se um elemento imprescindível, quando

se deseja conhecer a realidade das pessoas que vivem em tais condições.

Destaca-se, uma das primeiras iniciativas envolvendo comunidades da Zona Leste de

São Paulo com o apoio da prefeita da cidade de São Paulo, Luiza Erundina, a construção em

127  

regime de mutirão e, posterior inauguração, da Comunidade São Martinho de Lima47, em 22

de fevereiro de 1990, nos baixos do viaduto Guadalajara.

Outro fator importante trazido por esse estudo foi a classificação das três dimensões,

ficar, estar e ser da rua, possibilitando identificar a condição, na qual, se encontra a pessoa em

situação de rua.

Percebe-se com clareza que o tratamento analítico dado à questão em foco, fica mais

enriquecido e qualificado, e vai ao encontro do que se afirmou sobre a heterogeneidade.

(ROSA, 2005). Dessa forma, criam-se possibilidades de pensar alternativas para essa

população sair das ruas, atendendo aos diferentes perfis com metodologias diferenciadas.

Nessa fase, o Brasil, também, já apresentava uma nova conjuntura de abertura política

e, embalados pela Constituição Federal de 1988 que acabara de ser promulgada e, em virtude

do avanço no campo dos direitos fundamentais e direitos sociais, ela foi ao encontro do anseio

da sociedade brasileira, ampliando o leque da participação cidadã. Dentro dessa dinâmica, a

população em situação de rua poderá impulsionar politicamente a sua luta, partindo das

demandas apresentadas e dos dilemas sofridos por essa parcela da população.

Pode-se mencionar, ainda, como espaço de participação a nova concepção que se cria

sobre a assistência social enquanto política de direitos expressa na Lei Orgânica da

Assistência Social - LOAS – Lei 8.742/1993 - em seu artigo 1º:

[...] a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de Seguridade Social não contributiva, que prevê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

A LOAS é a legislação que norteia as políticas públicas no âmbito federal, estadual e

municipal, na área da Assistência Social. É a Assistência Social que, juntamente, com a saúde

e com a Previdência compõem o Sistema de Seguridade Social, conforme está presente no

capítulo II da CF-88, como direito do cidadão, cujos objetivos e diretrizes estão firmados nos

artigos 203 e 204 da Carta Magna.

A Organização Internacional do trabalho – OIT – por meio da Convenção 182 de 1952

assim define Seguridade Social:

[...] é a proteção que a sociedade proporciona a seus membros, mediante uma série de medidas públicas, contra as privações econômicas e sociais, que de outra forma

                                                            47 O Centro Comunitário São Martinho de Lima, pela natureza do trabalho que realiza junto à população em situação de rua desde 1992, foi selecionado para a pesquisa de campo deste estudo, como um dos locais de expressão da participação deste segmento populacional que será apresentado neste trabalho em capítulo posterior.

128  

derivam no desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência, como consequência de enfermidade, maternidade, acidente de trabalho ou enfermidade profissional, desemprego, velhice, invalidez e morte; e também a proteção de assistência médica e de ajuda às famílias com filhos. (SPOSATI, 1997 apud LIMA BARROS, 2011, p. 60).

Verifica-se que a orientação da OIT equivale à proteção social, pois abarca um

conjunto de bens, serviços e benefícios de propriedade como direito, de todo cidadão. Não é

condição, mas, direito. É a não aceitação de privações, mas a melhoria das condições de vida,

de saúde e dignidade.

A LOAS reforça essa concepção no seu capítulo II, artigo I ao definir a Assistência

Social como um direito do cidadão e dever do Estado, não contributiva e que, através de um

conjunto de ações do poder público e da sociedade, deve garantir os mínimos sociais para o

atendimento das necessidades básicas de quem dela precisar. Esses mínimos são elementos

que contribuirão para garantir um padrão de cidadania, o acesso à qualidade de vida e a

satisfação das necessidades humanas.

No artigo 15 da LOAS está explícito que é de competência dos municípios atender às

ações assistenciais de caráter de emergência, ou seja, todas aquelas ações voltadas para o

conjunto da população que vive na pobreza ou miséria absoluta. A população em situação de

rua é um dos destinatários, em potencial, dessa política no município de São Paulo.

A criação da Lei em 1993 representa um avanço na compreensão e na ampliação de

direitos, porém, sofre as consequências da reforma do Estado, cuja tônica era o encolhimento

do espaço público e a ampliação do espaço privado, como já fora mencionado anteriormente.

Sposati (1995, p. 184-85) ao discutir sobre a população em situação de rua frente às

políticas públicas e a gestão da cidade, dentre as considerações principais, ela destaca que a

incorporação desse público nessa relação passa por algumas questões:

a) A legalização do dever do Estado com a política de assistência social [...] e essa legalização tem que garantir padrões mínimos que todo brasileiro deve ter [...] antes de qualquer trabalho a pessoa deve ter a certeza da moradia, o mínimo de estabilidade. b) A municipalização de toda essa prática, criando a efetiva possibilidade de controle social pela população, por meio da participação política. c) A luta pela transparência do orçamento social [...] clareza do quanto vai ser investido nos programas sociais; a luta por padrões de qualidade no atendimento; a preocupação com a formação de agentes; uma necessidade de articulação da ação com a pesquisa.

No caso, especificamente da cidade de São Paulo, na gestão da Prefeita Luiza

Erundina, houve um grande avanço na busca da construção conjunta de formas de

atendimento pelo poder público às pessoas que viviam em situação de rua, mediado pelos

espaços de discussão junto ao público em questão, espaço até então, negado a esse grupo.

129  

No âmbito da luta da população de rua na cidade de São Paulo, a Câmara Municipal

aprovou o Projeto de Lei 207/94 que resultou na Lei nº 12.316, de 16 de abril de 1997 de

autoria da vereadora Aldaíza Sposati, na qual, o poder público municipal deveria manter na

cidade de São Paulo serviços e programas de atenção à população de rua para garantir os

padrões éticos de dignidade e não-violência em consonância com a Constituição Federal, a

Lei Orgânica do Município de São Paulo e a LOAS para concretizar os mínimos sociais.

No período de 1993/96, a administração malufista assumiu a denominada ‘limpeza das

ruas’ ferindo, dessa forma, os padrões de dignidade que se referiam à instalação e manutenção

de uma rede de serviços e de programas com qualidade, destinados à população de rua,

incluindo ações emergenciais como às de caráter permanente.

Giorgetti (2012) aponta a importância da Lei 12.316/97 que propõe a dignidade do

morador de rua pelo respeito, no entanto, tal avanço pouco influenciou ou alterou a situação

vivida por esse grupo populacional.

A aprovação da Lei 12.316/97, não garantiu que algumas administrações do poder

público - Celso Pitta / 1997-2000 - compreendessem o sentido dessa temática e limitaram sua

prática em relação à população de rua a ações fragmentadas e setorizadas.

Estava previsto na lei a instalação de abrigos emergenciais com vagas suficientes para

a população de rua, a ampliação dos horários de entrada e saída, além, de outros centros de

serviços e de restaurantes para atender os sem-teto. Somente nos anos 2000 essa lei, de fato,

passou a vigorar tendo em sua avaliação muitas lacunas, principalmente, em relação à

qualificação dos profissionais para lidar com o público destinatário.

É preciso lembrar que no contexto da década de 1990, a efetivação de políticas

neoliberais ampliou o empobrecimento da população de baixa renda (SILVEIRA, 2010) e o

número de privatizações e desemprego, e forçou que vários movimentos sociais buscassem a

interlocução com o poder público, pois as políticas públicas para serem efetivadas, necessitam

da pressão social, da articulação dos movimentos sociais e da sociedade civil para que os

governos as assumam como prioridades em sua Agenda.

Sabe-se, também, que essa década (1990) foi caracterizada pelo fortalecimento e

crescimento das organizações não governamentais - ONG’s48 - e o enfraquecimento dos

movimentos sociais frente a uma conjuntura orientada pela globalização e política neoliberal;

                                                            48  O termo ONG foi utilizado no Brasil, num primeiro momento, somente para definir as organizações internacionais que empregavam seus recursos financeiros para apoiar os projetos de organizações brasileiras. E nos anos 80, algumas organizações cuja finalidade era assessorar aos movimentos sociais, também, adotaram para si esta denominação (TEIXEIRA, 2002).

130  

da diminuição do papel do Estado e minimização dos serviços públicos e ausência de recursos

da Cooperação Internacional que passou a priorizar outras políticas e países.

A onda neoliberal se constitui não apenas, como uma política econômica, mas, como

um sistema, cuja, ideologia se fundamenta no controle das ações governamentais, das ações

sociais, das atividades econômicas e da influência nas decisões políticas dos países.

Esse sentimento é expresso no desabafo de um morador de rua – Sebastião Brito49 - da

Praça da Sé quando em audiência com a gestão municipal de São Paulo, em agosto de 2013.

Ele diz:

O governo federal não tem responsabilidade com o povo brasileiro, está vendido desde a era de Fernando Henrique Cardoso, o neoliberalismo é quem está jogando o Brasil na lata de lixo; é o neoliberalismo que está acabando com o sonho do povo brasileiro. [...] se o governo federal não fizer a reforma política de que esse país precisa, para dar moradia, para dar educação, para dar segurança e tudo o que a nossa Constituição garante, então, amigos, vocês podem pegar o título de vocês e botarem fogo.

Essa postura neoliberal deslegitima a autonomia dos governos diante das expressões

da questão social, quanto à liberdade de imprimir políticas públicas eficazes e efetivas, diante

da vulnerabilidade sofrida por um contingente populacional decorrente de uma economia

global, aliada aos altos níveis de desemprego e desigualdades. “O Estado sempre foi máximo

para os interesses privados e, mínimo para as demandas por políticas públicas para o povo”.

(SADER, 2000 apud ROJAS COUTO, 2004, p. 145).

A globalização influenciada pelos princípios neoliberais – mencionados anteriormente

-, na década de 1990, busca, portanto, configurar-se numa nova ordem econômica, impondo

um sistema de mercado que coloca à margem de seus interesses financeiros a pessoa humana.

“[...] o impacto das políticas econômicas neoliberais que colocam em andamento processos

desarticuladores, de desmontagem e retração de direitos e investimentos públicos no campo

social”. (YAZBEK, 2009, p. 11).

Elas ignoram os grupos humanos como portadores de direitos para desenvolver suas

capacidades. O que importa mesmo é expandir o capital sem levar em consideração as

consequências avassaladoras que provoca, na vida e na realização das sociedades humanas.

                                                            49 Segundo depoimento de Sebastião Brito, ele está na rua, em São Paulo, já faz uma boa temporada, mas, em 2013, tem frequentado a biblioteca Mario de Andrade, no Centro Cultural em São Paulo e afirma que está estudando na Universidade Presbiteriana Mackenzie sem pagar nada e vai fazer o curso de Direito.

131  

Diante das tensões na relação entre capital e trabalho o grande desafio é a construção

de uma gestão, na qual, sejam envolvidos o Estado, a Sociedade Civil e Mercado. A trajetória

das políticas sociais no Brasil tem sido marcada por desafios importantes para consolidar uma

lógica de combate às desigualdades e promover oportunidades entre os cidadãos

Nos anos 2000 a população em situação de rua vai ampliando seus espaços de

cidadania, se não, pela conquista efetiva de seus direitos concretizada pelo acesso a bens e

serviços, mas sim pelas normativas legais conquistadas, tornando-se mais elásticas as

possibilidades de lutas, reivindicação e enfrentamento da exclusão vivida por esse grupo, em

busca de cidadania.

3.3 De indivíduo/objeto a sujeito político: “Somos um povo que quer viver!”50

No processo de democratização, a Constituição de 1988 e a aprovação da Lei Orgânica

da Assistência Social (LOAS), citadas anteriormente, foram importantes para a ampliação e

universalização dos direitos, assegurando a responsabilidade da proteção social, como política

pública, sem contribuição prévia, imprimindo o conceito de seguridade social.

A LOAS estabelece ao Estado a prioridade no desenvolvimento de ações de assistência

social pressupondo a criação de oferta de serviços e recursos que beneficiem as populações

em vulnerabilidade, a fim de promover a justiça e a equidade.

A Política de Assistência Social cuja gestão está pautada no princípio de

descentralização político-administrativa, estrategicamente, busca a participação da população

através de suas organizações representativas. E a implantação do Sistema Único da

Assistência Social (SUAS) é a consolidação desta estrutura descentralizada, participativa e

democrática objetivando constituir uma rede de serviços que, de fato, aja com eficiência na

sua atuação junto aos usuários.

Diante das mudanças ocorridas desde a Constituição as Conferências Municipais,

Estaduais e Federais de Assistência Social foram instrumentos importantes para avaliar e

definir diretrizes para a Política Nacional de Assistência Social. O conteúdo dela parte de um

pressuposto, no qual se funda um conceito de que os destinatários dessa política “devem sair

da condição de ‘assistidos’ para a de cidadãos sujeitos de direitos”. (COPS/SMADS, 2013).

                                                            50 Em 1981, criou-se o lema: “Somos um povo que quer viver”, uma afirmação que permanece até os dias de hoje. Em 1982, CASTELVECCHI, G. (Nenuca) escreveu uma importante publicação, cujo título, tem esse lema revelando uma nova compreensão e nova prática em relação a essa população. (ROSA, 2005).

132  

A efetivação de direitos sociais por meio de um sistema de proteção social rompe com o

clientelismo e a centralização politico-administrativa, ao mesmo tempo, amplia os espaços de

participação da população e possibilita a fiscalização por meio do controle social.

Nesse sentido, a população em situação de rua percorrida a trajetória de pequenas

experiências e vivências, mediadas pelos encontros dos sopões, reflexões, rezas e orações,

caminhadas e outras formas de manifestar sua identidade de “povo excluído”, mas “sujeitos

de direitos”.

Nesse processo de caminhada vai despertando a consciência para a luta por melhores

condições de vida e dignidade. E uma das vias dessa participação é a luta por direitos a bens e

serviços que são disponibilizados por meio da Lei Orgânica da Assistência Social, a Política

Nacional de Assistência Social e o Sistema Único de Assistência Social.

Quais são, realmente, as suas lutas? Quais são, de fato, suas reivindicações? Como se dá

a sua participação? O que é viver para essa população? São questões que pautam o universo

dessa pesquisa e serão apresentadas no próximo capítulo.

Do trajeto das Missões para Dias de Luta: mobilização por direitos.

“Lutas pelo direito de ser gente!” Dia de Luta do Povo da Rua! E poderá alguém pensar Por que um dia de luta? Não se luta todo dia? Verdade seja dita, é assim mesmo que a gente vive... lutando. Morador de rua é o último que fala e o primeiro que apanha. Apanha até dos garis. Agora tá assim, a coisa feia da intolerância. Quem se encontra em situação de rua vive com a corda no pescoço. Se está no albergue, cada dia que amanhece, é um dia a menos no prazo de permanência. Dá vontade de ver a noite não passar, dormir e não acordar mais pra não ver o desligamento chegar. Por outro lado, quem mora na rua dorme, mas não sabe se acorda. A luta, nesse caso, é pra não morrer. A luta é pelo direito à vida. Um morador de rua tem que lutar até pra fazer as necessidades fisiológicas Não têm banheiros públicos suficientes e, principalmente, onde mais se precisa. Pra tomar um banho, pra escovar os dentes, tem que se expor ao ridículo. Sem documento, é chamado de indigente, com documento, é vagabundo. Pessoas em situação de rua têm que lutar pelo direito de ir-e-vir, de permanecer. Até o direito de Ser-Existir é fortemente violado. Em noites frias, a luta é pra não ter o colchão molhado pelo caminhão- pipa. Pra não pegar pneumonia, tuberculose. Ainda há o risco de hipotermia. Do morador de rua, até o direito de sonhar é tomado. Os que escapam da loucura e do esquecimento, Os sonhadores que não perdem as esperanças, Buscam por pernoite, vaga fixa, a luta é por moradia definitiva. A luta é por trabalho e renda, por auto-sustentação. Pra comer no 1 real, pra comprar no brechó, pra não pedir esmolas. Tem que lutar todo dia, faça chuva, faça sol, tem de sair, Enfrentar o tempo, o vento, a fome, o frio, o calor. No verão, não tem piscina pra quem mora em praça pública. Pra fugir da pressão alta, da desidratação, Nada no fosso, no chafariz, tem que mergulhar na fonte. Até pra matar a sede tem humilhação, nem bar dá copo d´água a ninguém. Então o Dia de Luta é pra isso, por isso existe, é bom que se tenha. Como o Natal, o Dia do Trabalhador, o Ano Novo, Assim também tem o Dia de Luta do Povo da Rua. Uma vez por ano, a data se alterna, porém cai sempre no mês de maio. O dia em que a gente se junta, o dia em que a gente se esforça em mobilizar. Pra refletir,

133  

articular, planejar, realizar ações. O Dia de Luta é um ATO. Ato de protesto, de reivindicações. Dia em que a gente avalia a política pública e seus programas. Nesse dia, a gente desabafa, faz até psicodrama se for o caso. E, principalmente, a gente apresenta propostas. O Dia de Luta é dia de Propostas e Conquistas E as conquistas não são de autoridades, de governos, de políticos, As conquistas são de todo o povo unido, de todo povo que sofre, mas que luta incessantemente com vontade. Vontade de vencer, vontade de mudar, porque tem aptidões e apetite. O Dia de Luta é o dia de reunir um Povo que tem Fome e Sede de Justiça e de Oportunidades.

Sebastião Nicomedes, escritor e militante do Movimento Nacional da População de Rua. (Fonte: O TRECHEIRO, n. 165, maio 2008 – Edição Especial).

“Dias de Luta” das pessoas em situação de rua é um dia simbólico, um resumo das

batalhas que foram realizadas junto ao poder público, a cada dia, em parceria com as

organizações da sociedade civil e movimentos sociais e, ao longo desses anos, significaria

para essa população ter que lutar pela sobrevivência, pelo reconhecimento de ser tratado como

gente e, pela esperança. (O TRECHEIRO, maio 2001, p. 1).

O que esperar das políticas públicas para a população em situação de rua? Como

desconstruir o conceito de que a pessoa está nessa condição por opção? Uma das críticas mais

constantes em relação à administração pública na cidade de São Paulo diz respeito à forma

desumana como a Guarda Civil Metropolitana –GCM – aborda a pessoa na rua.

Eis alguns depoimentos de pessoas51 que vivem na rua e participaram de evento com a

Prefeitura de São Paulo na Praça da Sé, na verdade, são verdadeiros desabafos:

[...] nós aqui morador de rua, o que acontece com a GCM, esses guarda ai, eles humilha muito as pessoas ... aqueles caras que lava a calçada... os morador de rua estão dormindo ali, eles chegam e jogam água neles, não tem respeito. Sabe o que é, nós seres humanos, nós somos gente de toda gente. (Um homem, cerca de 55 a 60 anos, Pesquisa de campo, 2013).

Tem sete meses que eu moro no Vale do Anhangabaú, com as minha coisas e o meu marido, eu sofro muita violência e discriminação, gente que passa e cospe em mim, gente que passa e desfaz, gente que passa e quer chutar a barraca que eu moro. Eu tenho uma cachorrinha, roubaram ela, a bolsa com celular e tudo. [...] Deus ajuda que esses prédio que eles tão falando seja tudo verdade, que não deixe a gente ficar lutando na rua e no fim, a gente não saia para uma moradia digna e continue na rua pra acontecer mortes... obrigado. (Uma mulher jovem, Pesquisa de campo, 2013).

Eu faço parte de uma Comunidade lá na Baixada do Glicério Minha Casa Minha Rua. Eu falo de saúde . Esse ano eu tava debaixo do viaduto com o colega e eu peguei o remédio no AMA, eu tenho problemas de doença, aí o Rapa veio, levou a minha sacola com remédio, documento e eu não pode reclamar senão eu levava borrachada. Eu acho isso muito errado o que eles estão fazendo, a gente que tá

                                                            51 Algumas pessoas se identificaram dizendo nome, idade, procedência e outras foram mais informais.

 

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135  

de população de rua. Um diálogo de sensibilização e de humanização dessas autoridades. Vamos conversar juntos porque só a gente passear de avião , ganhar aplausos e sair na televisão é muito bacana, mas é falso eu me dar bem, é falso o outro se dar bem [...]. (Sebastião, militante do MNPR-SP, Pesquisa de campo, 2013).

A presença da OAF na vida dos moradores de rua, mais conhecida, popularmente,

como Comunidade dos Sofredores da Rua influenciou positivamente essa busca por

identidade de pessoas dignas de direitos e, num processo de metamorfose, buscou entender o

dia-a-dia desse segmento, conseguiu caminhar e trabalhar com ele e propor novos caminhos.

A dinâmica de trabalho mediada pelas Missões (encontros anuais), a Casa de Oração e

a Sopa Comunitária - lugar de manifestação da religiosidade popular e de organização –

foram metodologias que, acertadamente, deram visibilidade e denúncia da realidade de quem

morava nas ruas.

“Estamos aqui num momento de diálogo [...]com a gestão de políticas públicas para a população de rua. Convido a todos para ficarem de pé e fazer uma homenagem a todos os companheiros e companheiras que tombaram nesses nove anos de população de rua, um momento para não ser esquecido. Fazer essa menção honrosa como todo ano fazemos, mas, hoje, vamos dialogar politicamente. [...] Então, é o momento de fazermos silêncio, rezar, antes de falar com a gestão”. (Anderson Lopes, coordenador do MNPR-SP, Praça da Sé, Pesquisa de campo, 2013).

A criação do Lema: “Somos um povo que quer viver!” no ano de 1981 é uma

afirmação que permanece até os dias atuais, porque representa a seiva que alimenta o

despertar de uma consciência para a participação, para a ocupação de espaços - mesmo

quando são mínimos e negados pela sociedade - porque a luta é pelo direito de ser gente, de

viver dignamente, de ser respeitado como qualquer cidadão.

Essa consciência, mesmo que seja conquistada por um pequeno grupo, em relação ao

número de pessoas que vive nessas condições, é um elemento fundamental para fazer

acreditar na possibilidade do acesso a direitos, por meio da organização.

Nessa perspectiva foram ampliando, ao longo da década de 2000, a presença no

cenário da participação, ocupando espaços públicos (igrejas, manifestações nas ruas,

audiências, datas comemorativas, etc.) para apresentação e discussão de suas demandas,

reivindicando direitos ao trabalho, à moradia, à segurança, à saúde junto ao poder público,

[...] o momento que a gente quer dialogar aqui é importante, a Secretaria de Direitos Humanos, por isso que ela está aqui, ela perpetua em todos os momentos, Moradia, Trabalho, Saúde, Educação, Esporte, Cultura, porque se não houver isso, não há Direitos Humanos nesse país. [...] nós não somos mendigos, nós somos cidadãos, cidadãos de direitos e renegados por essa cidade, por esse país durante

136  

muitos anos. [...]. É nesse momento do diálogo de nós não calarmos. A importância de nós sentarmos com o Secretário [...] é dele ouvir o que está acontecendo na cidade, a violação ainda que acontece na Praça, os jatos d’água. Que política nós queremos? Tá certo? Qual é a política que nós queremos prá nós população em situação de rua? Então, é de fundamental importância o momento de hoje. (Anderson Lopes52 – Coordenador do MNPR – SP, Pesquisa de campo, 2013).

A realização da primeira pesquisa, na década de 90, junto à população de rua na cidade

de São Paulo contribuiu, definitivamente, para compreender a heterogeneidade da população

em situação de rua e resgatá-la da invisibilidade.

Apesar do Instituto Brasileiro de Pesquisas e Estatísticas – IBGE – não reconhecer

essa população nos seus índices demográficos, a pesquisa quantificou o número de pessoas

que se encontrava morando ao relento nas áreas centrais da cidade e, ao mesmo tempo,

apontou alternativas de políticas de atenção como a criação de alguns serviços:

[...] Casa de Convivência no bairro do Brás (1992); a Comunidade Metodista do Povo da Rua (1992) no interior do viaduto Pedroso; Associação Evangélica Casa de Convivência Porto Seguro (1992), na P Pequena; criação oficial do Fórum Nacional de Estudos sobre População de Rua (1992); inauguração do Cascudas Restaurante (1993) na av. nove de julho 351; inaugurada a Casa de Convivência Nossa Senhora do Bom Conselho e São luiz Gonzaga (1995); inauguração do Arsenal da Esperança (1996), no bairro do Brás, cuja iniciativa foi do Servizio Missionario Giovani (SERMIG) de Turim – Itália e da Associação Internacional para o Desenvolvimento (ASSINDES), no passado, o Arsenal da Esperança era uma Hospedaria dos Imigrantes; Projeto oficina Boracéa (2002); Núcleo Social Albergue II (2003), também chamado Casa de Simeão no Brás; inaugurada a Casa Cor da Rua com sua Oficina Escola (2003) no bairro Glicério. (ALTEMEYER JÚNIOR, 2006).

Os Dias de Lutas do Povo da Rua se configurou em espaço de participação e de

reivindicação da atenção das gestões municipais para a problemática das ruas, expressa no

preconceito sofrido por parte da sociedade e no descaso de algumas administrações públicas.

A denúncia dos maus tratos sofridos pela população de rua é a marca de seus protestos

diante do poder público: Por isso, o Dia de Luta, tornou-se expressão de articulação, pressão

política e manifestação artístico-cultural que em cada ano apresenta um tema central.

Eis alguns dos temas dos dias a partir do ano 1991, conforme o Jornal “O

TRECHEIRO” nas edições de 2008 a 2013.

•10 de maio de 1991 – A miséria fala por si mesma.

•14 de maio de 1992 – Nasci para gritar e meu grito será cada vez mais forte.

•04 de junho de 1993 –A miséria fala por si mesma.

• 10 de maio de 1994 – Debate sobre o projeto de lei do Povo da Rua.

                                                            52 Diálogo da população em situação de rua com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo (#DIÁLOGOSP DH/POPRUA), acerca das políticas públicas de atenção a esse segmento, no dia 19 de agosto de 2013, na Praça da Sé, no Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua.

137  

• 31 de maio de 1995 – Aprovação do projeto de lei na Câmara Municipal.

• 22 de maio de 1996 – Fórum aponta crescimento das minorias e da exclusão.

• 27 de maio de 1997 - Lei de Povo de Rua é sancionada.

• 06 de maio de 1998 - Implantação da lei do povo de Rua.

• 21 de maio de 1999 – Retirada da ação de inconstitucionalidade da Lei 12.316/97.

• 24 de maio de 2000 – Repudia o aumento do desemprego e ausência de políticas de

inclusão.

• 07 de junho de 2001- Reconhecimento legal da profissão de catador na Marcha para

Brasília.

• 22 de maio de 2002 – Trabalho e Moradia.

• 26 de junho de 2003 – Direito à Saúde.

• 26 de maio de 2004 – Trabalho e Moradia - crítica ausência de políticas públicas de

habitação.

• 19 de maio de 2005 – Povo da rua não quer esmolas, quer direitos!

• 25 de maio de 2006 – Fazer justiça séria.

• 25 de maio de 2007 – Chega de preconceito e exclusão.

• 29 de maio de 2008 – Lei ou Lixo

• 27 de maio de 2009 – Dignidade para o Povo de Rua.

• 19 de agosto de 2010- Respeito para a população de rua53.

• 19 de agosto de 2013 – Situação de rua não é uma opção é uma violação de direitos.

Em mais de vinte anos de história, o Centro de Comunicação e Documentação dos

Marginalizados54 – CDCM – vem apoiando essa luta como principal veículo de comunicação

e trajetória junto aos movimentos sociais e pastorais da Arquidiocese de São Paulo. O Jornal

O TRECHEIRO é um dos instrumentos para alcançar o objetivo de “ouvir, ver e sentir” a

realidade da população em situação de rua e transformá-la em notícia, promover sua

veiculação, colaborar na organização, articular movimentos sociais e possibilitar a

visibilidade dessas pessoas. A vida dessa população expressa no noticiário do Jornal é uma

batalha cotidiana pelo direito de viver.

                                                            53A partir do ano de 2010, o Dia Nacional de Luta do Povo da Rua passou a ser considerado o dia 19 de agosto como o momento forte de mobilização para lembrar o massacre de 2004 como um sinal de esperança. Na cidade de São Paulo, cerca de 200 pessoas foram às ruas com o lema “Respeito para a população de rua” e acamparam no centro de São Paulo, para romper o preconceito e lutar contra a violência. (O TRECHEIRO, ago. 2011, p. 06). 54 Criado pelas pastorais da Arquidiocese de São Paulo e movimentos sociais, no início dos anos 1990, numa parceria com a Prefeitura de São Paulo para a produção de notícias, vídeos e registro fotográfico da população em situação de rua no período em que Luiza Erundina era prefeita.

138  

Conforme relata Sebastião Nicodemos em sua poesia, o “Dia de Luta é dia de

propostas e conquistas”, somente quem enfrenta as dificuldades da vida na rua, sabe definir

bem que não existe um Dia, mas uma luta cotidiana pelo direito de participar como cidadão.

Essa luta parte de um quadro de necessidades: trabalhar, comer, morar, vestir-se, gozar

de saúde e educação, em uma cidade permeada de contradições, desigualdades e

heterogeneidade social, fruto dos déficits sociais acumulados, por décadas de governos

descomprometidos com os interesses da maioria da população.

Todos os dias de muitas maneiras, a violência que não cessa a discriminação e o preconceito, o sofrimento que destrói a vida dos mais fracos e pequenos. [...] levantemos nossas mãos para os céus e peçamos a Deus: cesse a violência contra o povo da rua. E agora, rezando o pai Nosso Ecumênico, agente peça que ninguém morra mais de frio nessa cidade. Isso é vergonhoso! E dizer que são pessoas encontradas sem sinais de violência. Quer violência maior do que morrer de frio na rua!? Isso é a maior violência que uma pessoa em situação de rua pode viver. (Padre Julio Lancellotti, Pastoral Povo da Rua, Pesquisa de campo, 2013).

O desemprego, a violência, o crime organizado, as favelas, a insuficiência de

equipamentos públicos, as enchentes, os congestionamentos de tráfego, a poluição são

algumas das marcas impressas no cenário da metrópole paulistana.

“Somos um povo que quer viver” é uma luta árdua e constante pelo reconhecimento da

população de rua e pelo avanço das políticas asseguradas na Lei. Segundo artigo de Carolina

Ferro55 sobre os desafios de São Paulo nas políticas públicas para a população de rua, ela

afirma o seguinte na Revista Carta Capital:

São Paulo se tornou na segunda-feira 27, o terceiro ente da federação a aderir oficialmente à Política Nacional para a População em Situação de Rua após o prefeito Fernando Haddad sacramentar a adesão da cidade [...]. Antes de São Paulo, Goiânia e Distrito Federal já haviam aderido ao programa. (CARTA CAPITAL, 29 maio 2013, p. 1).

A morosidade dos governos municipais na adesão à política de atendimento da

população de rua é um desfio enfrentado por ela, porém, alguns serviços vêm sendo

implantados, sendo os mais comuns os albergues, as casas de acolhida, como ações

emergenciais.

Na cidade de São Paulo, há algumas conquistas de padrões mínimos, além dos

prestados pela política de assistência social (abrigo para adultos sob cuidados especiais;

                                                            55 CARTA CAPITAL. São Paulo: Carta Editorial, 29 maio 2013, p. 1. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/os-desafios-de-sp-nas-politicas-piblicas-para-a-populaçao-de-rua>. Acesso em: 02 Mar. 2014.

139  

abrigo especial para mulheres; moradia provisória, núcleo de serviços com albergues em

período noturnos e diurnos). A população de rua vem sendo atendida desde o ano 2000, pelos

serviços dos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS - e outros que vêm se

ampliando em gestões a partir de 2005, a citarmos alguns exemplos:

Casas de Convivência e projetos de Qualificação Profissional.

Presença Social nas Ruas: agentes comunitários de saúde (ações do Programa São Paulo Protege) visando a abordagem da pessoa em situação de rua e, por meio da escuta e vínculo, estabelecer propostas alternativas ou realizar encaminhamentos conforme a realidade apresentada;

Mudança de nomenclatura: de Moradia Provisória para República

Social, as prerrogativas foram mantidas;

Hotel Social: abrigamento destinado às pessoas que possuem alguma fonte de renda.

Vale ressaltar que a Secretaria de Assistência Social – SAS - foi substituída pela

Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS - a partir da gestão

municipal de José Serra (2005-2008) (MEDEIROS, 2010).

A partir de 2009, com a troca de gestão, uma nova configuração de atendimento à

pessoa em situação de rua passa a vigorar, conforme se pode resumir a partir do site oficial da

SMADS:

Central de Atendimento Permanente e de Emergência: serviço de prontidão 24 horas para atender as ocorrências de responsabilidade da Assistência Social, cuja estrutura criada é para estar presente em caráter de urgências em calamidades públicas junto com a Defesa Civil; supervisionar usuários que procuram a rede, tendo em vista que esse órgão atende a população em situação de rua percorrendo as áreas de maior incidência de pessoas em situação de rua para efetivar o acolhimento.

De acordo com a Política Nacional de Assistência Social – (PNAS/2004) o

atendimento à população de rua é organizado pela Coordenadoria de Proteção Especial e

possui uma rede de atendimento socioassistencial voltada para esse segmento, atuando em

conformidade com o Sistema Único da Assistência Social – SUAS - Social, no âmbito da

criação de políticas públicas.

Na institucionalização do SUAS, um novo avanço se concretiza na NOB/2012, que confere maior evidência à gestão integrada entre programas de segurança, de renda e serviços socioassistenciais, assim como também aprofunda o entendimento e

140  

necessidade da vigilância socioassistencial como instrumento de gestão e, ao fazê-lo, clareia a noção de monitoramento e avaliação. A redação de NOB/2012 traz descrição mais detalhada da relação com as proteções básica e especial, realçando o foco nos CRAS e CREAS, bem como na rede conveniada, como agentes de produção de dados e usuários das informações sistematizadas, subsidiando ações coordenadas e planejadas no território; destaca, também, o uso do Cadastro Único, não somente como ferramenta de gestão de benefícios, mas também como fonte de informação das vulnerabilidades socioterritoriais. (COPS/SMADS, 2013, p. 14).

Na cidade de São Paulo, a assistência social como política de direito e como parte do

Sistema Único da Assistência Social (SUAS), opera de forma integrada uma rede de proteção

social por meio de serviços, programas, projetos e benefícios que se desenvolve, sob a

coordenação estatal do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), do Centro de

Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e Centros Pop. (COPS/SMADS,

2013).

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) é um

órgão da administração direta do poder executivo na cidade de São Paulo que é responsável

pelo planejamento, implantação e avaliação das políticas públicas de assistência social, no

âmbito do município.

Segundo a COPS/SMADS (2013, p. 12), a Lei Orgânica do Município, nos artigos 221

a 229 e o Decreto nº 32384 de 06/10/92, definiu a assistência social como política de direitos

e proteção social como também definiu suas finalidades:

Implementar a política de assistência social do Município, voltada para o atendimento dos direitos sociais e aspirações da população de baixa renda; oferecer meios que favoreçam a organização e participação da população no encaminhamento das questões que atendam aos seus interesses e aspirações relativamente à melhoria de suas condições de vida; definir, orientar, supervisionar e coordenar, no âmbito municipal, programas, projetos e serviços e assistência social, nos aspectos político, técnico e administrativo; prestar serviços que, direta ou indiretamente, propiciem melhoria das condições gerais de vida da população; criar mecanismos que respondam às demandas sociais no município e que, de forma concomitante, atuem sobre os fatores geradores dessas demandas; propor soluções alternativas para atendimento dos problemas sociais emergentes que envolvam outros órgãos públicos. (LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 1990).

Confirma-se a assistência social como política de direitos e, ao mesmo tempo, legitima

a “participação e a organização da população no encaminhamento das questões que atendam

aos seus interesses”. Por essa via legítima, a população em situação de rua busca se organizar

e marcar presença nos espaços públicos onde a discussão de interesses que envolvem esse

segmento seja assunto em pauta.

141  

Nesse sentido, as conferências de assistência social municipal, estadual e federal

tornam-se campos de lutas pela efetivação de seus direitos. A população em situação de rua,

seja de centros de acolhida ou albergues, de casas de convivências, de centros comunitários,

(seja todo aquele que não preenche esse perfi), ela participa desses espaços, seja para protestar

e reivindicar ou escutar para entender a trajetória das políticas de atenção a esse segmento.

É importante destacar que, a Pré-Conferência da Assistência Social (01/08/2013), no

Arsenal da Esperança, zona leste da cidade de São Paulo cuja pauta de discussão foi sobre a

PNAS e os eixos do SUAS, os sujeitos usuários dessa política fizeram sérias críticas ao

atendimento realizado para a população de rua.

Foi uma experiência marcante para aqueles que operacionalizam essa política,

perceberem e registrarem o quanto as pessoas em situação de rua presentes se organizaram,

participaram, discutiram, avaliaram, sugeriram e aprovaram a pauta de interesses, de avanços

e de prioridades que foi levada para a Conferência Municipal de Assistência Social.

Acrescentamos ainda, que eles votaram na escolha dos delegados para representa-los na

referida conferência.

Outro fato histórico na cidade de São Paulo foi a realização da I Audiência Pública da

População em Situação de Rua, sob a coordenação do Conselho Municipal de Assistência

Social – COMAS – e a População de Rua. E algumas impressões foram apontadas:

- a primeira vez que as pessoas em situação de rua sentam-se à mesa do Salão Nobre

da Câmara Municipal de São Paulo para discutir propostas das audiências que foram

realizadas na cidade;

- a presença significativa da PopRua na ocupação da plenária, juntamente com os

técnicos da área da saúde, do serviço social e da psicologia, de membros da diretoria do

Conselho Regional de Serviço Social – CRESS-SP -, como também, foi marcada a ausência

dos secretários de habitação e de assistência social. Apenas um (01) dos cinquenta (50)

vereadores estava presente.

- a avaliação dos serviços prestados à população de rua como albergues, da qualidade

dos serviços e fizeram muitas denúncias em relação à infraestrutura dos equipamentos

municipais;

- a participação aberta, a palavra facultada a quem queria se manifestar foi constatar

que a verdadeira democracia é aquela que emana do povo;

Além desses espaços outras agendas são assumidas na defesa dos interesses que

envolvem a participação da população em situação de rua:

142  

O Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em situação de rua (Decreto 53.793/2013) criado durante a campanha eleitoral de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo;

O grito dos excluídos que acontece todos os anos, no dia 07 de setembro, por ocasião das comemorações da semana da Pátria;

Reunião da Pastoral do Povo da Rua que acontece todas as

primeiras quintas-feiras na Casa de Oração, no bairro da Luz, centro de São Paulo;

Vigílias, celebrações religiosas e ecumênicas, via-sacra do povo da rua por ocasião da semana santa, encontro de pastorais sociais, presença em eventos em universidades e outras.

Sposati (1995, p. 185) assim depõe sobre a população em situação de rua:

As pesquisas e as reflexões mostram que, por mais degradada que seja a condição de vida da população, ela nos diz que tem coragem de enfrentar a vida, seja até pela tática da alienação consentida. Mesmo que se mantenham vivos com um pouco de álcool ou droga, o exemplo que aqui nós temos é o da coragem.

Podemos afirmar que a participação da população em situação de rua tem sido

viabilizada pela luta por direitos e por algumas conquistas como, por exemplo, a Lei

12.316/97 que orienta o atendimento para esse seguimento e a Assistência Social constitui um

“campo privilegiado” dessas lutas porque é por meio da rede de serviços socioassistenciais

que essa população acessa bens que atendam a sua necessidade.

 

CAP

PÍTULO IIV A POCOMUVIVÊN

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ITUAÇÃOARTINHOPAÇÃO

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143

CENTROPAÇO DE

O E

144  

Pretendemos nesse capítulo, apresentar o resultado do processamento das informações

coletadas ao longo da pesquisa de campo, junto à população em situação de rua, atendida pelo

Centro Comunitário São Martinho de Lima – CSM -, especificamente, dos sujeitos da

pesquisa, conviventes e colaboradores que participam das atividades realizadas junto ao

público em foco.

A observação participante foi um recurso metodológico (SEVERINO, 2007) que

possibilitou a inserção da pesquisadora em diversas atividades internas realizadas pelo CSM,

e algumas externas realizadas juntamente com outras instituições e/ou setores da sociedade.

Trazemos também os resultados das entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa.

Dessa maneira, um dos objetivos dessa pesquisa é trazer a verificação do CSM, como

um espaço de vivência da participação e como as atividades contribuem para a participação

das pessoas em situação de rua, no processo de construção de sua cidadania.

A participação é entendida aqui como um processo de vivências que se constrói, a

partir dos espaços de convivência (oficinas, formação educacional, espaço cidadão,

celebrações religiosas e ecumênicas, lazer, assembleias e outras atividades), respeitando a

liberdade pessoal do convivente que frequenta e/ou se utiliza dos serviços prestados pela

Entidade.

É importante destacar que existe uma mobilidade muito grande dentre as pessoas que

frequentam as atividades do Centro São Martinho de Lima, pois, estão inseridos nas

dimensões caracterizadas de permanência na rua: “ficar é circunstancial; estar é recente e ser é

permanente”. (WANDERLEY, 2005).

De modo geral, esse capítulo está agrupado em três eixos. O primeiro apresenta um

quadro geral do universo dos sujeitos envolvidos e o território o locus geográfico da pesquisa;

o segundo trata do percurso metodológico da pesquisa de campo; o terceiro traz dados mais

específicos sobre o CSM, nos quais, são destacados aspectos de sua estrutura organizativa e

quantitativa; apresenta os sujeitos da pesquisa, cuja abordagem, agrupa dados em relação ao

perfil, os fatores que os levaram à situação de rua, a concepção de participação e cidadania e,

finalmente, o envolvimento na luta por direitos a partir das atividades realizadas.

145  

4.1 Referências sobre pessoas em situação de rua nos Centros de Acolhida

O Censo em 2011 dispõe sobre a população em situação de rua na municipalidade de

São Paulo, realizado pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP,

em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS

– da Prefeitura Municipal de São Paulo, que recenseou 14.478 indivíduos, dos quais 6.765

encontram-se em situação de rua e 7.713 estão em centros de acolhida da capital.

Segundo os dados apresentados, dos 7.713 indivíduos atendidos em centros de

acolhida, apenas 499 dos casos são atendidos por unidades de serviços que não têm convênio

com a SMADS. Concluímos que este órgão é responsável por 94% da acolhida de pessoas em

situação de rua e que 55 das 58 unidades de acolhida da capital são mantidas pela rede

municipal de assistência56.

Para certificarmos de que os indivíduos nos centros de acolhida eram de fato pessoas

em situação de rua, foram realizadas três questões que serviram como filtros: “onde o (a)

senhor (a) dormirá hoje?”, “onde o (a) senhor (a) dormiu ontem?”, e “onde o(a) senhor(a)

dormirá amanhã?”. Os resultados obtidos através dos filtros estabelecidos constam que 3.180

pessoas estão em situação de rua; 26 não estão e 4.507 sem informação, totalizando os 7.713.

Ao comparar os dados do censo da população, em situação de rua, realizado pela FIPE

(2009) e pela SMADS/FESPSP (2011) foi possível depreender que esta população na capital

paulista aumentou, conforme parâmetro do crescimento populacional e que a maior parte

destas pessoas se encontra abrigada em centros de acolhida da rede de assistência conveniada

à prefeitura, conforme demonstram os quadros seguintes:

Quadro 1 - População de rua na cidade de São Paulo 2009 x 2011.

Ano Habitantes na cidade

de São Paulo População de rua na Cidade de São Paulo

%

2009 11.168.194* 13.666** 0,1% 2011 11.337.021* 14.478*** 0,1%

                                                            56 Fonte: FESPSP – SMADS – PMSP, 2011.

146  

Quadro 2 - Número total de indivíduos em situação de rua e em centro de acolhida em 2011 x 2009

Tipo de população 2009* 2011** Diferença

2009 - 2011 %

Rua 6.587 6.765 178 2,7% Centros de acolhida 7.079 7.713 634 9,0%

Totais 13.666 14.478 812 Fonte: *Fundação SEAD **FIPE ***FESPSP.

Quadro 3 - Porcentagem de indivíduos por ano do censo

Situação

Porcentagem de casos por ano

2000  2009  2011 

Vivendo na rua 54% 48% 47% Acolhido 46% 52% 53%

Total 100% 100% 100%

Em 2011, o Censo apresenta uma grande movimentação das pessoas nos centros de

acolhida, mas ainda é grande o número e o percentual de pessoas, vivendo nas ruas de São

Paulo.

Segundo dados levantados (SMADS/FESPSP, 2011) nos centros de acolhida podemos

destacar que o número de homens 6.634 (86%) é maior do que o número de mulheres 1.0 49

(14%). Porém, em relação ao universo feminino, a pesquisa demonstrou que há uma diferença

significante de mulheres encontradas nos centros de acolhida da área central (11,7%) e a de

mulheres encontradas em outras áreas de São Paulo (19,1%).

Foram também identificados quatro grupos etários nesses espaços, sendo o grupo de

adultos o maior com número de indivíduos (2.801), seguido pelo grupo de idosos (931),

adolescentes (42) e crianças (170), e um alto número de indivíduos sem identificação de idade

(3.3769) totalizando os 7.713 indivíduos em situação de acolhida.

Destes indivíduos, 1.687 declaram-se de cor branca (21,9%), 1.129 declaram-se de cor

parda (14,6%) e 890, de cor negra (11,5%).

A pesquisa identificou, também, o número de acolhidos na cidade de São Paulo, por

áreas, nos anos em que foram realizados os censos: 2000 (3.693); 2009 (7.079) e em 2011

(7.713). Porém, a área que mais se destaca no aumento desse número é área central com 5.694

acolhidos em relação a outras áreas com 2.019 acolhidos.

147  

O Centro de Estudos Rurais e Urbanos da Universidade de São Paulo – CERU/USP –

ao analisar a trajetória de vida da população em situação de rua atendida nos serviços de

acolhimento para adultos no município de São Paulo apresenta os seguintes dados:57:

a maioria (94,2%) da população pesquisada é cadastrada nos

serviços de acolhimento, onde foram entrevistados e podem permanecer vinte e quatro horas no local, isto é, não são frequentadores eventuais;

a população é majoritariamente masculina (84,3%), celibatária (67%), com idade entre de trinta a cinquenta anos, e de baixa escolaridade58;

os sujeitos da pesquisa originam-se da cidade de São Paulo- capital

e interior, cerca de 42% e 56% de outros Estados. Também foram encontrados 2% de estrangeiros. Quanto à origem não existem diferenças significativas entre homens e mulheres;

tempo de moradia na cidade de São Paulo, [...] indica que 53 % da população mora na cidade há menos de 10 anos, sendo que um maior contingente da população masculina 26% chegou há menos de um ano, indicando um fluxo significativo de pessoas de outras regiões para a cidade de São Paulo;

a população é alfabetizada (96%), tendo a maioria frequentada a escola, ainda que por poucos anos (35% primário incompleto);

a metade do grupo 50% mantém contato com a família de forma recente, isto é, até 1 ano;

a maior parte - 90% tem profissão, dos quais 20% ainda exercem e 35,9% deixaram de exercê-la em período recente, isto é, entre 01 e 02 anos;

a maioria- 80% residem nos Centros entre um (01) e seis meses (06); 13% entre sete (07) e doze (12) meses e 10% há mais de um (01) ano.

As referências apresentadas objetivam caracterizar um público que, por diferentes

razões, sai de seu local de moradia - na maioria dos casos em busca de trabalho - e vive

circulando pelas cidades como trecheiro ou morador de rua. Essa condição se define, porque o

                                                            57 CADERNOS CERU, São Paulo: Centro de Estudos Rurais e Urbanos, USP, 2ª série, v. 22, n. 1, junho de 2011. 58 Dados em consonância com os dados do CENSO FIPE – 2003 sobre morador de rua.

 

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149  

Segundo dados da COPS/SMADS (2013, p. 60):

A Subprefeitura da Mooca é composta por 06 distritos, Água Rasa, Belém, Brás, Mooca, Pari e Tatuapé, e tem 117.818 domicílios, sendo 4.974 com renda “per capita” de até ½ salário mínimo, com concentração nos distritos Tatuapé e Água Rasa. O total de moradores em domicílios particulares permanentes é de 338.675 pessoas, com 45.468 crianças, 23.826 adolescentes e 61.352 idosos. Segundo o IPVS, existem na subprefeitura da Mooca 1.023 domicílios em setores censitários de alta e de muito alta vulnerabilidade social.

Segundo dados da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (2013), a

Mooca apresenta-se, em segundo lugar com o maior número de população em situação de rua,

registrando 3.812 pessoas nesta condição de vulnerabilidade, representando 27%, em relação

ao total de 14.476 pessoas da cidade de São Paulo. Esse percentual na região está mais

concentrado no distrito do Brás.

Além do CRAS e CREAS, essa população em situação de rua conta com alguns

serviços como casas de convivência, centros de acolhida para adultos, especial para mulheres,

especial para famílias em situação de rua e outros. Porém, essa região é a segunda maior em

termos de população em situação de rua, possuindo apenas um serviço de abordagem tanto

para crianças e adolescentes, como adultos (COPS/SMADS, 2013).

Diante das muitas pesquisas oficiais realizadas, esses dados são poucos, embora,

abram possibilidades para analisar questões complexas que envolvem a população em

situação de rua.

Assim como para o movimento dessa população, as organizações, grupos e

instituições que trabalham com esse segmento, consideram que as estatísticas oficiais, em

relação ao número de pessoas nessa situação, mascaram a realidade das ruas. Do mesmo

modo, elas questionam a qualidade dos serviços que são disponibilizados pela rede

socioassistencial e equipamentos públicos.

Portanto, o fato de existir uma rede de serviços socioassistenciais não assegura que a

qualidade desse serviço é mediada por uma “política de assistência, claramente formulada no

campo social”, (YAZBEK, 2009). Além do usuário desse serviço encontrar-se numa situação

de subalternidade, conta com um atendimento precário, humilhante e desumano. Sobre essa

forma de serviços são muitos os depoimentos desta população.

Avaliação da Rede de Serviços na perspectiva do usuário,

população em situação de rua:

150  

Segundo a Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica da Assistência Social –

LOAS – Lei 7.842/93 e a Lei Orgânica do Município de São Paulo, o Poder Público deve

garantir os serviços e programas de atenção à população em situação de rua. De acordo com

as leis, devem ser constituídos com “padrões éticos de dignidade”. Porém, sobre a qualidade

desse atendimento são muitos os depoimentos de insatisfação daqueles que vivem essa

realidade contraditória.

Os depoimentos a seguir são de pessoas em situação de rua, usuárias da rede de

serviços socioassistenciais na zona leste e região central da cidade de São Paulo, que estão em

albergues e/ ou casas de acolhida. Foram colhidos a partir da observação participante da

pesquisadora em atividades como diálogos com o poder público, atos públicos e conferências

públicas, nas quais, os sujeitos da pesquisa marcaram presença. Foram gravados, transcritos e,

posteriormente, selecionados em três núcleos a seguir:

Quanto ao atendimento:

SM foi procurar uma vaga de pernoite, ele relata o seguinte:

Eu acho na verdade... o pessoal que tem é tão mal preparado que ele tá com uma arrogância tão grande que ele não consegue ver que aquela pessoa que está alí na frente é um ser humano, ele vê como mais um... como por exemplo, eu me senti como marginalizado por eu tentar conseguir uma vaga de pernoite. Desde a primeira vez eu peguei quatro (04) pernoites lá em um determinado lugar que eu fui, na última vez a pessoa chegou pra mim – que já era a quarta vez – ai simplesmente a pessoa chegou pra mim e disse já é a quarta vez que você tá aqui, né? Olha, procura outro lugar porque aqui nós não temos vaga... quer dizer então... ai me deu um balde de água fria e não deu nem a oportunidade de nem ao menos eu dizer o porque eu estou aqui? , eu fui assaltado, eu perdi a bolsa, eu fiquei dois dias na rua, porque eu tô procurando documentos, porque eu tô procurando cartões de crédito e me arrumando e me organizando porque eu sou trabalhador e não um indivíduo que está atoa, usando droga ou álcool, então quer dizer, essa questão humana que faltou, deixa muito a desejar... o que falta ela pegar fazer uma entrevista com aquela pessoa que está ali de frente e ver qual é o perfil dessa pessoa, como é que vai avaliar essa pessoa se realmente ela se enquadra no local ou não... eu acho que um pouquinho de psicologia ... tô falando de uma preparação para essas pessoas que vão trabalhar diretamente com essas pessoas pra saber lidar com [...] (SM, Pesquisa de campo, 2013).

SE é albergado e diz o seguinte em relação ao tratamento dos técnicos:

[...]... eu posso tá até errado em relação ao que eu vou tá falando aqui agora, mas eu eu acho realmente que todo educador... todo pessoal que mexe com o público em si, com um público externo e interno ele deveria fazer um curso de terapeuta cognitivo por que?... é um setor que... aprende a lidar com o que é uma pessoa em situação de rua, como se dá com aquela pessoa... como lidar com aquela pessoa... porque... eu fiz um tempo, um curso de terapeuta cognitivo pra conhecer o comportamento, o que é uma pessoa, um morador de rua, no geral, porque ali a

151  

pessoa...vai lidar com usuário de droga, entendeu? Com aquela pessoa que é alcoólatra, entendeu? Vai lidar com pessoa éééé´... com pessoa totalmente transtornada com a vida, entendeu? Porque perdeu a união no seu relacionamento conjugal, enfim... para conhecer mais o ser humano, para saber mais o que é a cabeça do ser humano em si [...].. conhecer como o ser humano se comporta, é isso [...]. (SE, Pesquisa de campo, 2013).

SS ao buscar informações sobre o atestado de pobreza, ele relata o seguinte:

Quero lhe fazer uma pergunta... você chega com um cadeirante no Poupatempo, você já chega desconfiado na frente de todo mundo, assim eles liberam um papel pra tirar um documento, você chega aquela mulher com seu cabelo diz pra você segue ali, ai você olha e vê aquela fila grandona, a própria mulher do balcão ela já fica tipo assim, uma geladeira, aquele papel que foi passado pra você ela olha pra você e ela lê aquele papel e olha pra você como se você não valesse nada... e ai você já tá morrendo de vergonha...[...] é o seguinte você já passa a maior vergonha de estar ali na frente daquela filona... então é aquele negócio... o papel que me deu já não valeu nada e ela ainda começa a me humilhar... Quando eu cheguei lá e mostrei o atestado de pobreza ela já me olhou com aquela cara, então eu disse a assistente social me deu esse papel é o único papel que eu tenho aqui, não tenho outro documento, ela pegou olhou pra cá, olhou pra lá, e nem respondeu nada, nem me apontou pra fila pra eu ir lá, e ficou com aquela cara de [...] (SS, Pesquisa de campo, 2013).

Os depoimentos trazem questões que colocam em pauta a preparação profissional dos

técnicos dos serviços que trabalham com esse público. No caso do Serviço Social, ela é uma

profissão que se constitui na dinâmica sócio-histórica das relações entre Estado e as classes

sociais no enfrentamento da questão social (IAMAMOTO, 2010).

O exercício profissional é desenvolvido no campo das contradições de interesses e

necessidades, ou seja, por um lado o sujeito chega fragilizado pelas condições de vida, de

“assistido” e por ser alvo de serviços assistenciais (YAZBEK, 2009). Por outro, embora, o

profissional dispõe de uma relativa autonomia técnica e ética na efetivação de seu trabalho e

depende das de condições institucionais - políticas, demandas, recursos e relações de poder.

Porém, as relações humanas são imprescindíveis nesse contexto de tensões entre capital e

trabalho.

Quanto à qualidade dos serviços e infraestrutura.

SC é albergado de um dos equipamentos conveniados com o poder público.

Ao falar das regras e limites impostos, diz o seguinte:

Os serviços internos dos albergues são péssimos... eu tô lá [...] e eu vejo coisas que é impossível de enxergar, coisas erradas ali dentro que, talvez se vocês fossem uma população [...] porque que que uma entidade filantrópica tem que vender as coisas dentro do prédio, tudo lá é vendido, tem um comércio ali dentro, as coisa são

152  

doadas e tudo é vendido, tem biscoito que é doado por aquela empresa [...] que é vendido também, o pão, o queijo o presunto é um real e noventa lá dentro se a gente quiser comprar... ai quando a gente chega no café lá pela manhã, o cara num passa nem margarina no pão. [...]tem que fiscalizar pra saber o quanto o governo tá botando e se tá sendo empregado corretamente. Porque uma pessoa que tá na rua, tá debilitada, precisa se alimentar direito, precisa tomar um café da manhã, já não tem almoço e quando chega lá no café da manhã e..., outra coisa que eu acho errada dos albergues é enxotar as pessoas... esses dias tava um frio aí, seis graus, fazendo um frio, todo mundo tinha que sair do albergue, eu peguei uma pneumonia poucos dias atrás, eu falei que não tinha condição de sair e que eu tinha que ir pro hospital de qualquer jeito, quando eu cheguei no hospital gripado a médica me disse você tá com pneumonia você tem que ficar três dias de repouso, só que eu não posso te dar um atestado ... eu fiquei na rua, perdi até o emprego nesse dia [...] (SC, Pesquisa de campo, 2013).

SG já esteve num albergue e na ocasião da pesquisa estava morando na rua. No evento

na Praça da Sé, por ocasião do Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua

(19.08.2013), falou para o Secretário de Direitos Humanos:

Boa tarde! me chamo G..., tenho duas filhas, uma de quatro anos, uma de treze e quero saber se algum dia vai ter uma providência sobre mãe com criança na rua. Eu não aguento mais correr... de medo de Guarda Civil, medo de Conselho Tutelar... eu tenho as minha filhas e o Conselho pode até tirar de mim, mas eu vou dar trabalho. Eu quero saber se algum dia alguém vai tomar providências porque minhas filhas não são cachorro, não são animais, não somos bicho pra ninguém encostar em mim e pegar minha filha e levar como se eu fosse um bicho. Isso aí ninguém vai fazer porque se fizer eu vou dar trabalho. Eu passei na televisão, como moradora de rua, [...] não sei se algum dia eu vou conseguir uma casa, eu não vou pra Albergue, eu já fui pra Albergue. Só que o Albergue é do Órgão Público, não meu, não é das minhas filhas, é do funcionário que está lá trabalhando, a preferência é pra eles. Por isso eu não quero saber de Albergue. Eu vou continuar na rua até eu conseguir uma casa pra mim e pras minhas filhas. Eu tenho essa de quatro e uma de treze que está ali na calçada embaixo de uma lona no meio da rua. Eu não aguento mais correr, eu não vou fugir, eu vou continuar ali e ninguém vai pô a mão em minha filha, senão, vocês ainda vão ouvir falar de mim. Só isso! Obrigado!. (SG, Pesquisa de campo, 2013).

SI59 no exercício de seu direito de ir e vir e preservar a sua identidade, também,

participou do Evento na Praça da Sé, dia 19/08/2013 – Dia Nacional de Luta da População em

Situação de Rua – e manifestou sua indignação em relação aos equipamentos públicos. Ele

relata o seguinte:

Boa tarde! Muito obrigado por eu estar aqui. Que eu me lembre nunca teve uma manifestação dessas na Praça da Sé. Nenhum prefeito nada fez até hoje. [...]. Eu agradeço também ter conhecido o Movimento de População de Rua –MPR- o qual estou participando.  É bom companheiro, participar! Não tõ aqui pra elogiar ninguém, tô aqui pra falar uma coisa: o Pedroso, que eu morei... nesse Albergue, eu falo o nome mesmo! Pode ser que um dia eu precise ir lá e eles fecham a porta pra mim [...] porque eu não tô mais lá, não dá pra aguentar, num quarto tem 124 pessoas, não tem um ventilador; tinha quatro ventiladores e eles tiraram tudo

                                                            59 Sem Identificação

153  

porque os moradores quebram. É simples, coloca o ventilador na parede, faz uma grade de ferro e ninguém mexe, não é verdade!? A roupa de cama eles trocam em vinte e vinte dias, não dá Kit para banho nem nada! Mas graças a Deus eu tô noutra Entidade [...] era só isso que eu queria dizer pra os companheiros, obrigado!. (SI, Pesquisa de campo, 2013)

No ano de 2005, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome,

promoveu o I Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua. Desde essa época

vem-se discutindo os desafios e estratégias visando a construção de políticas públicas para

esse segmento populacional. A Lei nº 12.316 - de 16 de abril de 1997 dispõe sobre a

obrigatoriedade municipal de prestar atendimento à população de rua, dentro de “padrões

éticos de dignidade” que garanta a efetivação dos mínimos sociais, como podemos observar,

abaixo:

Art. 1º O poder público municipal deve manter na Cidade de São Paulo serviços e programas de atenção à população de rua garantindo padrões éticos de dignidade e não violência na concretização de mínimos sociais e dos direitos de cidadania a esse segmento social de acordo com a Constituição Federal, a Lei Orgânica do Município de São Paulo e a Lei Federal n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (LOAS): I - a atenção de que trata o "caput" desse artigo exige a instalação e a manutenção com padrões de qualidade de uma rede de serviços e de programas de caráter público direcionados à população de rua que incluam desde ações emergenciais, a atenções de caráter promocional em regime permanente; II - a ação municipal deve ter caráter intersetorial de modo a garantir a unidade da política de trabalho dos vários órgãos municipais; III - a população de rua referida neste artigo inclui homens, mulheres e crianças acompanhadas de suas famílias.

Os depoimentos dos sujeitos de direitos e usuários dessa rede de serviços constata que

as políticas de atendimento ainda não correspondem às necessidades e não têm sido capazes

de agir com efetividade sobre os problemas que a população enfrenta. Pode-se também

considerar que a falta de integração entre as políticas seja uma das causas de “ações restritas a

atenções superficiais”. (MDS/SNAS, 2006).

Em relação ao depoimento da mulher moradora de rua está implícita uma questão de

gênero. O Relatório do MDS/SNAS, (2006, p. 53) aponta essa questão:

Embora as mulheres moradoras de rua se constituam em número significativamente menor do que os homens [...] elas sofrem processos mais acirrados de vulnerabilização pela própria condição de gênero, encontrando-se expostas a toda sorte de violência.

154  

Diante do exposto é possível afirmarmos que existem diferenças no modo como

homens e mulheres enfrentam as dificuldades que se apresentam no dia-a-dia do contexto das

ruas.

Quanto à responsabilidade do Poder Público.

SCH na discussão sobre o Eixo 1 do SUAS em relação ao co-financiamento da

Assistência Social para que o direito daqueles que necessitar ou precisar seja atendido. Ele

expressa o seguinte:

[...] hoje eu tô num momento muito bom que é a questão do SUAS, justamente para poder atender na área da assistência social um sistema único, universal, independente de ser morador de rua ou outra instância na área da assistência social . Quando a gente fala em financiamento pra poder... a gente precisa ter mais financiamento para ter mais consultório, como tem a saúde e a educação... a dotação orçamentária já é engessada pra aquele recurso e é isso que a gente vai tentar avançar no SUAS, fazer com que o recurso seja maior pra poder atender a política de assistência social, na qual as pessoas possam ser atendidas universalmente pra que a gente não tenha os problemas que a gente tem ultimamente [...] (SCH, Pesquisa de campo, 2013).

Em resposta às exigências da população em situação de rua do evento na Praça da Sé

(19/08/2013), o Secretário de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo falou o seguinte:

[...] eu quero assumir aqui com vocês, como Secretário Municipal de Direitos Humanos, o compromisso de lutar por justiça para o Povo da Rua. Justiça, educação, Moradia, Assistência Digna, Cultura, enfim, todos os direitos que qualquer cidadão digno tem, eu quero esses direitos para o Povo da Rua. E o nosso compromisso é lutar por esses direitos para que todo o Povo da Rua possa ter dignidade, viver com dignidade [...]. Porque justiça nós só teremos no dia em que, de fato, tivermos uma política pública para a População de Rua, que apresente para esse povo os seus direitos como a moradia, os seus direitos como a saúde, enfim, todos os seus direitos. E eu assumo o compromisso diante de vocês, de que, nós vamos construir a política para a População de Rua ouvindo a cidade, ouvindo vocês, ouvindo a comunidade da População de Rua.[...] porque ninguém melhor do que vocês sabem a situação que vocês vivem e, sabem dar as respostas que nós temos que dar para a População de Rua. Por isso que nós somos obrigados a ouvir vocês e, além disso, vão monitorar, vão fiscalizar, não vão nos deixar desviar os rumos, estarão cobrando diariamente o que nós devemos fazer, por isso, é fundamental ter participação social na construção das políticas públicas da nossa cidade. [...] Eu não posso deixar de dizer para vocês que a luta não vai ser fácil! (SDH, Pesquisa de campo, 2013).

E a fala da Coordenadora de Políticas Públicas para a População em Situação de Rua.

As Subprefeituras no seu território estão juntando as equipes territoriais da saúde, da assistência social para construir as melhores políticas e as melhores ações para que agente possa conseguir abrir as portas das oportunidades para a PopRua e aqui, eu faço questão de dizer que não é tirar, num país, numa cidade democrática

155  

de direitos, ninguém tira ninguém de lugar nenhum, a gente cria as oportunidades. A assistência social está revendo toda a sua estrutura, o seu funcionamento para melhor atender esse público. (SDH/PopRua, Pesquisa de campo, 2013).

A fala do poder público representado pela Secretaria de Direitos Humanos reforça a

postura da sociedade civil, representada em seus movimentos, na década de 80, quando se

lutava pela redemocratização do país (DAGNINO, 1994). Reforça a postura dos estudantes,

categorias profissionais, movimentos sociais acreditaram que era possível depor um

presidente da república em plena inauguração de uma Constituição Cidadã (RIBEIRO, 2013).

E, por último, legitima que as políticas públicas não surgem da “boa vontade” dos

políticos, mas é resultado da organização do povo.

Dessa maneira, com participação social, o povo da rua pode exercer sua cidadania

como expressa SCH em sua fala:

[...] o que eu quero dizer é o seguinte, a gente com o sistema único da assistência social a gente acaba com aquela velha história “tá na hora, tá na hora” , esse negócio de tá na hora, tá na hora é irritante! Tá na hora de você ir , tá na hora de você ficar, tá na hora de você entrar, tá na hora de você tomar banho...[...] nós estamos falando sobre benefício, avaliar e fortalecer o benefício de transferência de renda na área de assistência social na expectativa da garantia de direitos do usuário dando a sua consolidação do sistema único da assistência social e avaliar a questão do processo de articulação e integração em serviços, benefícios e a transferência de renda na expectativa da intersetorialidade, que é o que eu tô falando, não basta só o cidadão ter a renda é preciso ter caminhos para ele ter a moradia, a educação [...] (SHC, Pesquisa de campo, 2013).

Os relatos / depoimentos apresentados estão “plenos de significados” (MARTINELLI,

1999). Expressam as vivências, as emoções, experiências pessoais e sociais que não são

explícitos (ROJAS, 1999) e só podemos conhecer o modo de vida desses sujeitos com os

quais dialogamos, quando mantemos o contato diretamente com eles (MARTINELLI, 1999).

Quanto às políticas de atenção à população em situação de rua, de fato, terem a sua

efetividade é preciso que as políticas das diversas áreas dialoguem entre si e pensem, não

somente, estratégias mas políticas públicas comprometidas com a autonomia das pessoas em

situação de rua, pois, segundo um morador de rua “Dignidade é endereço e chave”.

156  

4.2.1 O Lugar Social

A Observação participante - o percurso metodológico

No dia 23 de março de 2013 às 7h 30min, estávamos na Igreja São Miguel Arcanjo em

busca de informações sobre o trabalho com população em situação de rua. A referência na

cidade de São Paulo, dentro das Pastorais Sociais era o Padre Júlio Renato Lancellotti –

vigário episcopal do Povo da Rua. Participei da missa e depois iniciamos a conversa para

troca de informações.

Apresentamos-lhe o propósito da pesquisa, os objetivos, hipóteses e resultados

almejados. Ao fazer-nos algumas indagações acerca do objeto desta pesquisa, observou

também, sobre o trabalho com a população de rua, a necessidade de conhecermos a política

voltada para esse segmento, participarmos de algumas atividades, convivermos com a

população para conhecer suas histórias, suas queixas, conhecer os desafios que ela enfrenta

para acessar os direitos e, pontuou alguns locais onde o povo da rua se reúne indicando

referências.

Não havíamos dado conta de que um percurso metodológico estava sendo desenhado

naquele momento e, sua fundamentação teórica estava referenciada na observação

participante de que fala Severino (2007), cuja abordagem que a alicerça é a pesquisa

qualitativa. Outro elemento incentivador foi perceber a sintonia com MARTINELLI (1999)

ao sugerir conviver com a população para conhecer suas histórias, ou seja, conhecer o modo

de vida do sujeito com o qual dialogamos.

“Quanto mais emoção colocamos nas nossas pesquisas, mais vida elas terão”.

Mercedes Vilanova60

A proposta é trazer o cotidiano das pessoas em situação de rua, no Centro Comunitário

São Martinho de Lima – CCSML -, como um espaço de convivência e de participação desta

população, no qual, por meio das atividades desenvolvidas, as pessoas podem se inserir e

exercitar o seu direito de ir e vir, acessar alguns serviços e apresentar questões e situações

que, de certa forma, vão ao encontro de seus interesses e de suas necessidades.

                                                            60 Pesquisadora espanhola da Universidade de Barcelona, Espanha. 

157  

Sendo o Centro Comunitário São Martinho de Lima um espaço de acolhida, um local

onde as pessoas, cotidianamente, convivem umas com as outras nas mais diversas atividades e

serviços disponibilizados para essa população, optamos por selecionar esse local como uma

expressão de vivência dos usuários e realização de um estudo que pudesse trazer informações

qualitativas acerca do sujeito pesquisado. Há também a possibilidade de conhecer melhor

esses sujeitos e suas histórias.

Apresentar as percepções dos sujeitos da pesquisa, conviventes e colaboradores do

Centro Comunitário São Martinho de Lima, bem como realizar uma análise interpretativa

dessas percepções coletadas, metodologicamente, por meio da observação participante, pela

presença em eventos públicos e atividades voltadas para o público pesquisado, entrevistas

semiestruturadas e contatos diversos.

Por esse motivo, a abordagem qualitativa que adotamos tem como finalidade destacar

o que os sujeitos têm a nos dizer, o que eles pensam em relação ao que está sendo pesquisado.

Por isso, muito mais do que descrever um objeto, importa-nos conhecer suas trajetórias de

vida, suas experiências sociais, deste modo, a pesquisa qualitativa, como afirma Martinelli, é

participante e nós também somos sujeitos dela. “[...] a nossa possibilidade de conhecer

realmente o outro depende do conhecimento que temos de nossa subjetividade e de nossa

disponibilidade para também nos revelarmos nesse encontro”. (MARTINELLI, 1999, p. 28).

Nessa perspectiva buscamos identificar no cotidiano do Centro Comunitário São

Martinho, as atividades realizadas que contribuem para desenvolver o processo de

participação das pessoas usuárias de seus serviços como um exercício da cidadania e, como

essa participação acontece ao conjunto de outros movimentos da sociedade, na luta pelo

acesso a direitos como moradia, trabalho e saúde.

Martinelli (1999) destaca que este tipo de abordagem tem por intencionalidade trazer à

margem, não somente, o ponto de vista do pesquisador em relação à situação-problema, mas,

também, a visão dos participantes, o que eles têm a dizer a respeito do que está sendo

discutido.

Como já foi explicitado em momento anterior pela mesma autora, quando desenhamos

a pesquisa e buscamos os sujeitos que dela participaram, acreditamos, portanto, que está

implícito o apoio em um projeto político singular que se articula a projetos mais amplos.

Concomitantemente, essa pesquisa opta por não apresentar um grande número de

sujeitos entrevistados, por ser interesse maior buscar uma aproximação de significados, de

vivências, por isso, a escolha dos sujeitos com o quais realizamos a pesquisa seguiu alguns

158  

critérios, que foram sendo identificados e esclarecidos no processo das atividades interativas

do pesquisador e sujeitos da pesquisa. Vale destacá-los:

percepção de sujeitos quanto a uma assiduidade na participação das atividades internas realizadas pelo Centro Comunitário São Martinho de Lima;

identificação da presença contínua de sujeitos nas atividades externas, representando o Centro São Martinho de Lima, onde os interesses da população estudada era pauta de discussão, em conjunto com outros movimentos, entidades e organizações da sociedade civil junto ao poder público;

pessoas conviventes do Centro São Martinho de Lima que vivem nessa situação, mas possuem trajetórias de vida e experiência de militância em defesa dos direitos e políticas de atendimento à população em situação de rua;

pessoas que já viveram em situação de rua, participaram das atividades do Centro São Martinho de Lima como conviventes e, atualmente, colaboram com a Entidade junto às pessoas atendidas.

É importante esclarecermos que ocorreram algumas indicações de outros

colaboradores, mediante critérios estabelecidos, aqueles que conhecem a dinâmica do Centro

Comunitário e atendem, cotidianamente, às demandas e às necessidades das pessoas em

situação de rua, os assistentes sociais que, solicitamente, abriram seu espaço de trabalho e

acolheram as demandas apresentadas por esse trabalho de pesquisa.

Um desafio... rabiscar um desenho...

“O rio atinge seus objetivos porque aprendeu contornar obstáculos”.

Edições Paulinas

O percurso percorrido para chegar ao término desse trabalho apresenta algumas

dificuldades e desafios encontrados no decorrer do levantamento destes dados.

A ida ao campo da pesquisa, para ter contato com o sujeito e conhecer seu modo de

vida, foi permeada por dúvidas, receios e, principalmente, identificar qual o ponto de partida

diante da realidade que se estampava aos olhos impressionados, mas ávidos de conhecimento

e busca pela compreensão do problema. Essa impressão pode ser retratada nas palavras da

159  

Professora Carmelita Yazbek para definir o quadro que ali era apresentado: “Vivemos tempos

de incerteza. Momentos, muitas vezes, além de nossa capacidade de explicação e

compreensão, em que uma nova configuração da paisagem humano/social emerge na

sociedade brasileira e no mundo”. (YAZBEK, 2009, p. 21).

Segundo esta autora, há um aumento do número absoluto de pobres, resultante de uma

conjuntura econômica que distancia cada vez mais uma minoria de ricos e uma massa de

miseráveis. Cada vez mais, fica nebulosa a possibilidade de uma redistribuição de renda

necessária e a efetiva construção de políticas que atendam às demandas sociais apresentadas

pelos contingentes dilacerados pela pobreza (YAZBEK, 2009) que marcam um cenário na

sociedade brasileira contemporânea.

Foi presente a sensação de incerteza para onde se encaminha a vida humana: a

dignidade das pessoas, o direito a ter o básico para sua sobrevivência, sua capacidade de

trabalhar, desenvolver-se e de criar. Como explicar o inexplicável diante de um “amontoado”

de pessoas “sem fazer nada!?”.

Essa tempestade visual, mental, emocional, profissional foi real ao ver o número de

pessoas presente no galpão do Centro Comunitário São Martinho de Lima, debaixo do

Viaduto Guadalajara, região do Belém, na zona leste da cidade de São Paulo.

Era constante a indagação acerca do como compreender os modos de vida, a

singularidade do sujeito, seus sentimentos, suas crenças, seus valores, costumes, sonhos,

desejos, projetos e práticas sociais cotidianas. Seria possível atribuir um lugar social para uma

população, presente naquele espaço, onde a violência da pobreza era parte constitutiva de sua

experiência cotidiana? Experiência marcada pelo:

[...] aviltamento do trabalho, o desemprego, a debilidade da saúde, o desconforto, a moradia precária ou insalubre, a alimentação insuficiente, a ignorância, a fadiga, a resignação que anunciam os limites da condição de vida dos excluídos e subalternizados da sociedade. (YAZBEK, 2009, p.: 72).

Diante de um quadro desolador onde se lia não haver mais um lugar de

reconhecimento para os que vivem a violência cotidiana da exclusão de direitos, vem a força

das palavras de Sposati (1995) que, por mais que seja degradada a condição de vida dessas

pessoas, elas nos transmitem a coragem que têm de enfrentar a vida, de se manterem vivas,

seja com um pouco de álcool ou droga, seja pela tática de uma alienação consentida, seja por

quaisquer outras estratégias de sobrevivência, mas o exemplo que nos deixam transparecer

aqui é o da coragem.

160  

Deparar-se com um cenário onde se estampa uma população empobrecida, cuja

expressão de desigualdade social é tamanha, é perceber claramente os impactos destrutivos de

um sistema capitalista excludente que vão deixando suas marcas profundas sobre essa

população que, na busca de realizar seu sonho, vai para a cidade grande acreditando que, por

meio do trabalho que almeja encontrar, poderá produzir seus meios, prover a sua própria

subsistência e construir seus modos de vida, entretanto, a única condição que lhe é

apresentada é a rua como moradia.

Assim declara um sobrevivente das ruas ao se encontrar de frente com o Secretário

Municipal de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, num evento realizado por este

mesmo órgão junto à população em situação de rua, no dia em que celebravam mais um Dia

de Luta, em agosto de 2013, na Praça da Sé:

Eu sou Amaral, sou daqui da Praça da Sé. Queria que todos me escutassem nesse momento, porque a vida da gente não é como o povo tá pensando, tá ruim, tá difícil. [...] eu tô cansado de ser humilhado pela GCM61, dormir na rua, nós não queremos dormir na calçada, nós queremos dormir em casa, digno [...] esses dias teve o maior frio ai e a gente ficou com frio. [...] Nós somos gente! Manda ele tirar a gente dessa vida [...]. (Pesquisa de campo, 18/08/2013).

O depoimento do Amaral é uma réplica, em miniatura, da extrema dor de milhares de

pessoas nessas condições. É o lamento de quem vive a experiência da pobreza, dos que não

têm possibilidade de sobreviver sem ajuda, mas, aponta a fragilidade das políticas de atenção

para essa população, que o respeito à dignidade da pessoa humana, seja uma condição para

que ela possa viver. A pobreza vivenciada e expressa na fala dele é a pobreza de direitos, de

possibilidades, de perspectivas, de esperanças; é uma pobreza que alcança o plano espiritual,

moral e político daqueles que estão submetidos aos problemas de sobrevivência (YAZBEK,

2009).

Refletir sobre a situação de rua vivida por uma parcela significante da população

brasileira que vive em situação de rua seja em qualquer região ou cidade, talvez as condições

e as formas encontradas para reverter esse quadro podem seguir estratégias e alternativas

diversas, porém, onde essa população se encontrar, cotidianamente, experimentando a

violência da pobreza e da vulnerabilidade social, constituir-se-á uma das expressões da

questão social, caracterizada pela falta de meios para produzir seus modos de vida (SILVA,

2009).

                                                            61 Guarda Civil Metropolitana de São Paulo.

161  

Aos poucos a imagem vai se tornando nítida e o desenho tomando forma...

A proposta metodológica se viabilizou na observação participante, no diálogo direto,

na forma de entrevista semiestruturado que seguiu um roteiro aberto. No CSM participei de

reuniões, assembleias, celebração na Casa de Oração, conferências, Diálogos com o poder

público municipal, datas comemorativas, onde a população de rua atendida pelo CSM estava

presente.

Não havia outra forma de conhecer os modos de vida desse grupo populacional, senão,

aproximar-se dele e, sutilmente, colocar em prática a observação do sujeito (MARTINELLI,

1999), suas manifestações para conhecer suas vivências, emoções e experiências que não

estão nos documentos, e captar o “não explícito das vivências dos indivíduos”. (ROJAS,

1999). Foi nessa perspectiva que a metodologia da observação participante foi sendo

desenhada

Ao realizar a pesquisa de campo, a pesquisadora buscou, ao longo do segundo

semestre (2013) conhecer o “lugar”, na zona leste, onde a população em situação de rua se

encontrava presente.

Efetivamente, no período de dois meses (novembro e dezembro/2013), uma vez por

semana, visitou o Centro Comunitário São Martinho de Lima para compreender a dinâmica

das ações desenvolvidas junto aos sujeitos e colaboradores; participar de atividades internas

ligadas diretamente com a temática da participação, como o Espaço Cidadão e a possibilidade

de interagir com os sujeitos envolvidos; observar as situações vividas, as manifestações

expressas para registrar, descritivamente, os elementos observados (SEVERINO, 2007) e,

posteriormente, fazer a análise e as considerações.

Dentro do contexto das atividades programadas junto aos sujeitos, a pesquisadora,

ainda, marcou presença em eventos externos com outros movimentos sociais, organizações da

sociedade civil e poder público, cuja política de atendimento à população em situação de rua

era um dos temas em foco.

As atividades de caráter político foram: pré-conferência de assistência social no

Arsenal da Esperança; audiência pública da população de rua na Câmara dos Vereadores de

São Paulo; Diálogos PopRua com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos da Prefeitura

da cidade de São Paulo na Praça da Sé; o Grito dos Excluídos no dia 07 de setembro/2013;

Dia nacional de luta da população em situação de rua em agosto/2013; reunião da pastoral do

povo de rua na Casa de Oração.

162  

As atividades de cunho religioso: a celebração do lava-pés por ocasião da semana

santa (dezembro de 2012), na Casa de Oração e a Vigília do Povo da Rua em frente à Catedral

da Sé no centro da cidade de São Paulo (agosto de 2013).

No âmbito da pesquisa de campo estão implícitos, também, os desafios enfrentados

pela pesquisadora na busca de uma investigação qualitativa quanto ao acesso aos dados

quantitativos:

as condições das instalações improvisadas debaixo do Viaduto Guadalajara – zona leste - para o funcionamento das atividades do Centro São Martinho de Lima, como um equipamento de serviço à população em situação de rua, limitaram as condições socioambientais e estruturais para adequar-se à demanda da pesquisa.

as possibilidades de explorar o estudo documental no Centro São Martinho de Lima, para ampliar a análise e a construção desses dados limitaram-se às informações prestadas por meio de conversas e visitas ao local, assessoradas pelo assistente social, designado pela coordenação do CSML para atender as demandas da pesquisa, ao tempo que dispensava atenção ao atendimento da população em foco;

o histórico do Centro São Martinho de Lima foi construído a partir de pesquisas realizadas anteriormente pelo Prof. Dr. Jorge Claudio Ribeiro (2012) da Faculdade de Ciências da Religião da PUC-SP e por meio dos depoimentos colhidos de pessoas que colaboram com as atividades do CSML – Manuela e Antonio Luís.

o alto percentual masculino presente no CSML, levou a princípio, a seleção de cinco (05) sujeitos da pesquisa, dentre eles, quatro (04) homens e uma (01) mulher. Dada as condições socioeconômicas e psicossociais que permeiam o universo particular desta população, não foi possível realizar a entrevista com a mulher, causada pela situação de embriaguez.

Devido às situações inesperadas, como as atividades que não foram realizadas com os

sujeitos no dia marcado, mesmo assim, concluímos a etapa do trabalho. Entretanto,

compreendemos que é muito difícil adequar à nossa realidade e moldes, a dinâmica cotidiana

de uma população altamente heterogênea, como a população em situação de rua

(GIORGETTI, 2012; SILVA, 2009), e as condições socioambientais e estruturais à pesquisa

de campo. Ademais, tudo isso constituiu aprendizado, conhecimento e sensibilidade para

escutar o que não foi verbalizado. Foi possível concluir este trabalho.

 

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164  

atividades tornou-se evidente a falta condições para realizar uma atividade sistemática e

organização entre eles para a coleta de papel e papelão. Diante desse desafio foi necessário

redimensionar o trabalho objetivando criar referenciais para essas pessoas construírem

relações afetivas e espaços de convivência. Essa iniciativa é presente na fala de Manuela ao

relatar o início desse trabalho:

[...] era debaixo do viaduto, tinha os moradores de rua que moravam aqui, embaixo desse viaduto como moram em outros viadutos, né. Cê sabe que debaixo de viaduto o que mais dá é morador de rua né (gesto de riso). ... umas irmãs, uma voluntárias.. leigo da Paróquia São Miguel Arcanjo, da Paróquia de Nossa Sra. do Bom Parto, vinha aqui, Padre Julio, irmã Judite conversar com esses moradores de rua, fazer uma oração, no sentido de espiritualidade, naquela época eles tinham atividades, oração e a coleta da feira que nos temos até hoje.

O método utilizado é a convivência humanizadora e socioeducativa, através do

acolhimento e do cuidado, do respeito ao drama humano vivido por esses sujeitos que, além

do desemprego, passaram pela migração na busca da sobrevivência e numa sequência de

perdas familiares, afetivos, sociais. A sopa e a oração eram elementos aglutinadores para

estabelecer algum vínculo entre eles, como afirma Manuela62:

Eles iam na feira, faziam a coleta do restante, combinava com o feirante pra não jogar fora e fazia essa sopa, ai era servido essa sopa, [...]. Esse é o início, tem essas duas atividades desde o início, a coleta da feira e a reflexão ecumênica.

Luís Antonio63, complementa:

[...] por conta da ligação com a OAF, o Pe. Júlio Lancellotti continuou o trabalho das irmãs uruguaias, só que por esse viéis do lado da Zona Leste...[...] no primeiro momento tinha a São Martinho, só que a São Martinho começou a não dar conta da demanda porque a população começou a aumentar catastroficamente, desde a década de quando foi inaugurada e pra frente ela começou a aumentar, até mesmo por conta dos fatores econômicos que o país caminhava e por aí afora.

Para Luis Antonio, a “São Martinho”, como carinhosamente é chamado, naquele

momento, década de 90, por influência do Padre Júlio Lancellotti e a Irmã Judite, as

atividades tinham um viés comunitário, com uma orientação mais voltada para a Igreja

Católica. Segundo ele, não existia a concepção de morador de rua, esta, vinculava-se à “figura

                                                            62 Manuela, mais conhecida por “Manu” é Educadora Social e responsável pelo Bazar do CSML. 63 Luís Antonio compõe a equipe de Serviço Social do centro Comunitário São Martinho de Lima. Durante a pesquisa de campo Foi ele o responsável direto para acompanhar e encaminhar as demandas deste trabalho acadêmico. 

165  

do mendigo”, “o homem do saco”, onde as pessoas nem se aproximavam, nem se dirigia para

essa pessoa porque a discriminação era muito grande.

Para afirmar que essa concepção mudou, Luís Antonio diz:

Hoje a gente tem um outro olhar, diferenciado, a gente vem na defesa, na garantia dos direitos... na defesa dos direitos, no acompanhamento [...] por conta disso, essas atividades socioeducativas foram se adequando, então, o que era grupo da comunidade se transformou numa reunião que tem o nome hoje de Espaço Cidadão. [...] a São Martinho é uma das pioneiras que vem fazendo esse convênio com a Prefeitura de São Paulo. A partir daí as atividades não cessaram, elas foram acompanhando todo o desenvolvimento, o desenrolar da assistência social com FHC, depois o Presidente Lula. Na gestão de FHC nós já tivemos algumas mudanças. Quando veio a gestão Lula foi criado o MDS, então, foi nesse acompanhamento que o Centro Comunitário São Martinho vem trabalhando com esta população. Se nós pegarmos o atendido da década de 1990, ele era um usuário que não tinha nenhum tipo de assistência e era considerado o homem do saco.

Sabe-se que as pessoas deixam seu local de origem em busca de vida melhor,

entretanto, os laços não são rompidos, a saudade da família e dos amigos é a expressão desse

vínculo. A cidade – São Paulo – é o lugar da esperança, porém, ao chegar experimenta a

frustração materializada na falta de emprego, moradia, referenciais de sociabilidade humana.

O CSML é um espaço de acolhida, um local onde os sujeitos, cotidianamente,

convivem uns com os outros participando das atividades e serviços disponibilizados para essa

população. Selecionamos esse local por considerar uma expressão de vivência dos sujeitos,

conhecer suas histórias.

Quanto ao perfil geral dos conviventes:

Quem são as pessoas que, cotidianamente, passam pelo Centro Comunitário São

Martinho de Lima? Segundo dados processados em 201264 da tabulação de fichas de cadastro

do Serviço Social acerca dos sujeitos conviventes povo de rua da “São Martinho”, apresentam

perfis da população da seguinte maneira:

Na maioria, eles são: homens; pretos; entre 30 e 39 anos; sobretudo paulistas mas também nordestinos e mineiros; conhecem sua mãe e pai; solteiros ou sem situação conjugal preponderante; tiveram um ou dois filhos; estão sem contato com a família há menos de um ano; portam RG; dizem ter saúde boa mas admitem problemas com álcool e/ou drogas; não completaram o ensino fundamental; exerceram atividades não-especializadas antes de morar “na rua”; não trabalhavam no momento da

                                                            64 Tabulação de dados realizada por bolsistas de Iniciação Científica e por alguns voluntários da PUC-SP, durante os anos de 2004 e 2005, no âmbito do Projeto Mão Dupla de Solidariedade desta Universidade, coordenada pelo Professor Dr. Jorge Cláudio Ribeiro do Departamento de Ciências da Religião / PUC-SP.

166  

entrevista. A maioria estava há menos de um ano nessa situação devido ao desemprego e à ruptura familiar; pernoitava em albergue; procurou o Serviço Social do CSM por motivos de saúde ou para encaminhar a obtenção de documentos. (RIBEIRO, 2012).

Para ressaltar a diversidade de situações que envolvem a população de rua do CSML,

os dados se apresentam da seguinte forma, conforme RIBEIRO (2012, p. 103-105):

Quanto ao gênero, os homens (87,6%) e mulheres (12,4%). Em

relação à cor: negros (40,9%); brancos (37%) e parda (21,4%). As faixas etárias apresentam as seguintes frequências: 20-29 anos (23,4%); 30-39 anos (34,6%); 40-49 anos (26,6%); 50-59 anos (12,1%); 60-82 anos (3,3%).

Quanto à origem: Estado de São Paulo (38,5%); Minas Gerais

10,7%; Bahia(10,5%); Pernambuco, (8,1%); Paraná,( 4,7%); Ceará (4,2%); Rio de Janeiro, (3,6%); Alagoas,(3,4%) e Paraíba, (3%).

Quanto ao estado civil: solteiros (64%), casados (7,3%), amasiados

(8,7%), separados (17,5%) e viúvos (2,2%). Dentre eles 36,5% não tiveram filhos; 42,6% um ou dois filhos; 16,8% três ou quatro; 4% cinco ou mais. Perdeu o contato com a família (51%); destes, havia há menos de um ano (34%); dois ou três anos (17,7%); quatro ou cinco anos (11,2%); seis a nove anos (8,8%); dez e quatorze anos (4,7%) e havia mais de quinze anos (7,7%).

Quanto à documentação: 72% possuíam RG, 28,8% portavam

certidão de nascimento, 18,2% tinham CIC, 11,9% tinham título de eleitor e 11,3%, carteira de trabalho. Certificado de reservista correspondia a 4,8% e certidão de casamento a 2,8%.

Quanto à saúde, 58,7% a qualificavam como boa, 22,7%

reconheciam alguns problemas e 18,7% diziam ter muitos problemas ou que seu estado era grave. Em outra questão, 65,1% admitiram ser dependentes de álcool e/ou drogas.

Quanto ao grau de instrução: ensino fundamental incompleto

(61,5%); fundamental completo (19,6%); ensino médio incompleto (7,2%); ensino médio completo (6,4%); analfabetos (3,6%) e ingressado na universidade (1,4%).

Exercia uma atividade de trabalho antes da situação de rua: 45%

(motorista, carpinteiro, pintor, sapateiro); 37,8% (ajudantes, catadores, agricultores, domésticas); 10,5% serviços especializados (oficial, serviços, escritório) e 3,6% atuaram em vendas.

Quando chegaram na CSM, 75,4% não exerciam nenhuma atividade,

9,9% trabalhavam em algum tipo de serviços, 7,6% eram catadores e

167  

5,1% atuavam como guardadores de carros, no comércio ou como doméstica em casa alheia.

Estar em situação de rua recente: menos de um ano (55,1%); dois

anos (21,3%); três anos (4,9%). Motivos que os levaram à rua: desemprego (52,8%), rupturas familiares (11,2% romperam com a família de origem e 7,8% com mulher e filhos) e uso de álcool/drogas (6,6%).

Quanto à moradia: albergado (71,9%); na rua (20,5%); morava em

quarto alugado e/ou casa de parentes / amigos (3,4%). Razões para buscarem a CSM: saúde (39,1% + 1,7% solicitar clínica

de recuperação); documentos (23,4%); emprego (4,9%); moradia (2,5%).

No CSML, diariamente, cerca de 500 pessoas frequentam o espaço. Em relação aos

perfis dos sujeitos que buscam a São Martinho de Lima, segundo informações do Serviço

Social, nesses últimos quatro anos (2009 a 2013), não houve alteração em relação ao gênero, a

população masculina (90%) continua sendo maior do que a feminina (10%). Porém, em

relação à faixa etária cresceu o número de jovens (18 a 25 anos) e de idosos, acima dos 60

anos.

Em relação à moradia, 30% dos conviventes estão em albergues e 70% continuam

dormindo na rua. Os que se encontram em situação de rua segundo o tempo de permanência,

75% representam mais de cinco (05) anos; 20% estão cerca de um a dois (01 a 02) anos; 5%

de um a seis (01 a 06) meses e 1% menos de um mês. Quanto ao grau de escolaridade, os que

possuem o primeiro grau incompleto (54%) e completo (28%); segundo grau incompleto (8%)

e completo (4%); superior incompleto (2%) e completo (1%). Percebe-se que o número de

pessoas que ingressou na universidade ou concluiu o ensino superior, passou a frequentar o

espaço de convivência.

Sobre o perfil das pessoas em situação de rua que procuram o Centro, Manuela fala

com expressão de admiração:

[...] aqui tem de tudo né, pessoas que tem estudo elevado, tem classe média, alta, até alta. Nós tínhamos um menino aqui que a família era muito bem de vida, que era o Bruno, e por causa de uma questão amorosa e droga, por causa de decepção amorosa ele se envolveu com a droga e por causa das drogas ele veio pra rua e os pais vieram aqui e tomaram um choque, isso aqui pra eles é o fim do mundo né, a casa, e perguntaram pro menino “esse é o local que você está?” Ele disse essa aqui é a minha casa. Por causa da droga ele veio para aqui. Nós temos aqui engenheiros. Nós tínhamos aqui um engenheiro civil que, por causa de problemas de família abandonou tudo. Eu acho que a maioria aqui se você for analisar tudo

168  

por questões psicológicas, porque isso não é normal você abandonar uma carreira de engenharia, trabalhava na FEPASA, era projetista, consertava todos aqueles vagões dos trens da FEPASA. Ele estudou na Faculdade Anhembi-Morumbi, entendeu? E por que se encontra na rua?

A expressão “isso não é normal” vem carregada de significados e os estigmas de

fracassos, do distanciamento das relações sociais, do anonimato, restando-lhe apenas

estratégias de sobrevivência. Os motivos pelos quais os levaram à rua se adequam ao cenário

geral, que abrange a migração, a quebra de vínculos familiares, alcoolismo, tratamento

médico, problemas com a justiça e orientação sexual. Porém, cada biografia é singular.

Sobre essa questão, Luís Antonio (assistente social) diz o seguinte:

Por ser uma população extremamente heterogênea, as necessidades são inimagináveis possíveis, dentro de todos os segmentos, por exemplo, a necessidade de saúde, a necessidade de educação, a necessidade de moradia, problemas de conflitos familiares, drogadição, alcoolismo, até mesmo por conta da opção sexual da pessoa, a pessoa opta pela rua para poder viver, por conta da não-aceitação da família, às vezes a perda da família em acidente, a pessoa perdeu a família inteira no acidente, perdeu o pai, perdeu a mãe, os irmãos, tudo em acidente, problemas no caso de migração, às vezes a pessoa está aqui sozinha, não tem ninguém da família, mas ninguém mesmo! Então, a pessoa acaba ficando numa situação difícil, sozinha, enfim...

Segundo informações do Serviço Social, a procedência dessa população atendida pelo

CSML vem de instituições como abrigos (70%), psiquiatria (1%), casa de detenção (5%),

porém, a presença desse público ocorre mais nas datas comemorativas.

Os dados oficiais revelam a dificuldade de caracterizar a população em situação de

rua, devido a sua heterogeneidade e grande mobilidade dos sujeitos. No CSML, essa realidade

é presente, o público de pessoas que busca esse serviço está motivado por várias razões, desde

a busca por alimento, trabalho, saúde ou simplesmente passar o dia para não ficar na rua e

depois voltar para o albergue ou a calçada, lugares de moradia.

Quanto à equipe e às atividades desenvolvidas.

O CSML é composto por uma equipe de técnicos selecionada para o atendimento

diário aos sujeitos conviventes, são: coordenação, assistentes sociais, psicólogos, equipe de

saúde, educadores sociais, colaboradores, que são as pessoas que trabalham na cozinha e os

voluntários que são pessoas da comunidade, ligadas à Paróquia São Miguel Arcanjo, que

fazem algumas atividades com os conviventes.

As atividades realizadas pelo CSML compõem dois aspectos:

169  

1º- Os serviços que são realizados semanalmente: Recolocação profissional que é um

serviço oferecido aos conviventes para vagas de emprego; o Espaço Cidadão que o

diferencial no processo de socialização política dos conviventes; oficinas de percussão,

informática, capoeira, panificação, hip-hop; a atividade pioneira coleta na feira- dia de sopa,

envolvendo os sujeitos conviventes; o Programa de Atendimento Agente na Rua, onde são

garantidas as presença de um médico na unidade Bompar e um agente de saúde da UBS da

Mooca em visitas semanais;

2º- Os serviços oferecidos pontualmente, de acordo com um cronograma: Educação,

lazer, saúde (busca de tratamento para casos mais graves), celebrações, festas comemorativas,

religiosas. É importante destacar que não há um público específico (região, localidade,

situações diversas) atendido neste Centro de Convivência, esse serviço é aberto a quem dele

procurar. Não há regras para isso.

O CSML oferece diariamente café da manhã, almoço para cerca de 450 a 500 pessoas

em situação de rua, em época de frio esse número aumenta. Além de programas de higiene

pessoal, bazar de roupas e calçados, farmácia para primeiros socorros com produtos

fitoterápicos.

Sobre o cotidiano do CSML, Luís Antonio relata da seguinte forma:

o café da manhã hoje é cedido por causa da parceria feita com a Mesa Brasil, eles cedem o café. O almoço foi implementado devido a parceria com a Prefeitura, porque antes era só um lanche [...].Só que isso são atendimentos básicos que o corpo precisa [...] paralelamente a isso, vem os trabalhos de acompanhamento dessa população, trabalhar a humanização com essa população, a conscientização, só poderá ser consolidado do querer e do despertar dessa população, a querer mudar, a querer sair da situação de rua, porque a pessoa em situação de rua, ela recebe tanto não que ela chega a uma hora que a autoestima não aguenta, então ela para, não vou conseguir mais, enfim [...]

O relato de Antonio Luís nos adverte acerca da postura de quem realiza um trabalho

com grupos de maior vulnerabilidade social. Não podemos personalizar um atendimento

como ajuda pontual, paliativa, associada ao que YAZBEK (2009) chama de benevolência

para com a pobreza. Entretanto, segundo a autora referenciada, a ausência de uma política de

assistência, no campo social, que seja claramente formulada, pode ser observada em muitas

das ações institucionais, de caráter pontual e emergencial, ou seja, sem efetividade.

Nessa perspectiva, Luís Antonio destaca o diferencial do trabalho realizado com os

sujeitos conviventes do CSML:

O São Martinho vem trabalhando de forma contrária a esse não que a sociedade dá pra ela, fala assim: não, espera um pouquinho, você tem direito a saúde, você tem

170  

direito a moradia, você tem direito a educação, enfim, todos esses direitos nós procuramos conscientizar as pessoas que frequentam aqui a São Martinho pra que elas tenham consciência da sua cidadania [...]  essa conscientização, essa humanização é um referencial pra São Martinho de Lima.

No decorrer da pesquisa de campo onde a pesquisadora teve a oportunidade de

vivenciar o dia-a-dia das atividades desenvolvidas interna e externamente com os sujeitos

conviventes, foi possível identificar aquelas atividades que se vinculam a processos de

vivências da participação desta população em situação de rua, articulada a outros espaços de

cidadania. Sobre esses espaços trataremos a seguir.

4.3.1 Apresentando os sujeitos da pesquisa

Para Duarte (2002), uma pesquisa é sempre, de alguma forma, um relato de longa

viagem empreendida por um sujeito cujo olhar vasculha lugares muitas vezes já visitados.

Nada de absolutamente original, portanto, mas um modo diferente de olhar e pensar

determinada realidade a partir de uma experiência e de uma apropriação do conhecimento que

são, aí sim, bastante pessoais.

Durante a realização de uma pesquisa algumas questões são colocadas de forma bem

imediata, enquanto outras vão aparecendo no decorrer do trabalho de campo. A necessidade

de dar conta dessas questões para poder encerrar as etapas da pesquisa frequentemente nos

leva a um trabalho de reflexão em torno dos problemas enfrentados, erros cometidos, escolhas

feitas e dificuldades descobertas.

De um modo geral, pesquisas de cunho qualitativo exigem a realização de entrevistas,

quase sempre longas e semiestruturadas. Nesses casos, a definição de critérios segundo os

quais serão selecionados os sujeitos que vão compor o universo de investigação é algo

primordial, pois interfere diretamente na qualidade das informações a partir das quais será

possível construir a análise e chegar à compreensão mais ampla do problema delineado. A

descrição e delimitação da população base, ou seja, dos sujeitos a serem entrevistados, assim

como o seu grau de representatividade no grupo social em estudo, constituem um problema a

ser imediatamente enfrentado, já que se trata do solo sobre o qual grande parte do trabalho de

campo será assentado. (DUARTE, 2002, p. 140-141)

Assim, os sujeitos da pesquisa representam apenas uma amostra sendo necessário

aprofundar o conhecimento em relação as suas histórias e experiências de vida. Dentre os

171  

quatro sujeitos homens entrevistados, um completou o ensino fundamental, um fez o ensino

fundamental incompleto, um cursou colegial completo e um declarou que sabe ler e escrever.

Em relação à faixa etária, três estão entre os 50 e 60 anos e um tem 38 anos. Todos

participam das atividades realizadas pelo Centro Comunitário São Martinho de Lima, sendo

dois ex-moradores de rua que já foram conviventes no CSML e atualmente colaboram com os

trabalhos e dois são conviventes que participam ativamente da convivência no espaço em

foco. Para preservar a identidade dos sujeitos, não serão apresentados seus nomes.

Sobre o perfil dos sujeitos, destacamos os motivos que os levaram a viver em situação de rua:

S1: Homem, 59 anos de idade, é natural de Tiradentes, Minas Gerais, solteiro, não tem

filhos, veio para São Paulo em final de 2007. Estudou o ensino fundamental, mas não

concluiu. Residiu em várias cidades por causa do trabalho. Os vínculos com a família estão

rompidos. A entrevista foi realizada no dia 13 de dezembro de 2013, às 11 horas e 39

minutos, há poucos minutos para servirem o almoço no CSML. No período da pesquisa sua

condição era de albergado na Estação Vivência. Participa das atividades do CSML e milita

nos movimentos em defesa da população de rua.

Olha, confusão com família. Sabe, porque a minha família, alguns parentes que se acham que são grandes, não sabe o que é humildade, o que é respeito humano, o que... quer dizer... sabe, eles não tem a noção de responsabilidade, me irritou muito. Eu só sinto pela minha mãe, pelo meu pai... fazer o quê? A gente tem que andar o mundo, eu sempre trabalhei pra fora, sempre trabalhei em construção civil aqui em São Paulo, Rio, Minas. Eu fazia São Paulo, Rio e Minas. Construí diversos metrôs do Rio, uma parte aqui de São Paulo, construí várias coisas aqui em São Paulo, então, eu tô acostumado correr o mundo. E aí o que é que acontece? Um certo tempo fui trabalhar por conta própria em Minas, em casa, não deu certo mais conviver com família, entendeu? Já era pra eu ter casado, estragaram meu casamento, é um problema! Entaõ, eu prefiro é... descobrir uma nova forma... mas vindo pra São Paulo eu descobri uma coisa, que é bom trabalhar, mexer com população, com essas coisas [...]

S2- Homem, 38 anos de idade, natural de Planaltina, Distrito Federal - BSB é pai de

uma criança do sexo masculino, possui nível de escolaridade colegial completo. Desde o ano

de 2002 veio para São Paulo, fez a experiência de estar em situação de rua. Trabalhou na

Rede Pão de Açúcar e na Parmalat. Os vínculos familiares foram rompidos por ter sido preso

por questões no trabalho. Experimentou a situação de rua, mas atualmente encontra-se no seu

próprio imóvel alugado. É militante convicto e comprometido com a causa da população de

rua, foi um dos fundadores do MNPR-SP. A entrevista foi realizada numa manhã de terça-

172  

feira, clima quente, dia da atividade “Espaço Cidadão” no CSML. No momento da entrevista

uma turma de adolescentes faz apresentação cultural de dança, no salão principal para os

conviventes.

Eu morava em Brasília, com meus pais e eu tive um filho prematuro, dos 17 para os 18 anos, nasceu meu filho, logo eu fui servir o Exército e mediante a minha saída do Exército, fui trabalhar, fui arrumar emprego. Como eu tinha uma formação legal, já tinha uma coisa bem encaminhada, eu fui procurar emprego. Eu trabalhei no Pão-de-Açucar lavando a loja à noite, durante dois anos e, depois, na Parmalat, no setor de indústria em Brasília. [...] já mudei o meu padrão de vida, comecei a me organizar, a ter uma série de coisas, só que por ser imaturo, [...] depois de um ano e meio eu passei a trabalhar... eu trabalhava no laticínio, que era o lado do leite,[...], eles me deram a oportunidade de trabalhar com produtos frios... chegando lá eu comecei a perceber que tinha um grupo de pessoas que desviavam as mercadorias, então, por eu ser imaturo eu poderia ter evitado, ter feito alguma coisa, [...] na época, eu acabei me envolvendo sem necessidade. Eu não ganhava mal, eu ganhava razoavelmente bem, na época, eu já tinha comprado o meu primeiro carro um chevette, quer dizer, eu já estava com a vida tranquila, isso foi em 1995. Eu costumava chegar cedo, o horário de entrar lá era às 08:00h, eu chegava 7:00h, 07:10h, 8:00h e nesse dia eu cheguei um pouco atrasado, mas quando eu estava entrando na Parmalat eu vi uma movimentação estranha, não estava no parâmetro normal como a gente costumava passar. Assim que eu cheguei lá eu vi vários carros de polícia civil e, quando eu dei por mim já tinha gente me esperando... [...] porque estava desviando a mercadoria e tal, a gente acabou ficando detido [...] foi lamentável porque minha família não entendeu, ninguém entendeu nada! Viu que eu estava com a vida estabilizada, organizada e não precisava se envolver com essa, né. E eu fiquei muito frustrado porque já tinha um filho que ia fazer três (03) anos [...]

S3- Homem, 60 anos, solteiro, nascido em Itapecuru, Estado da Bahia, veio para o

Estado de São Paulo com 16 (dezesseis anos de idade). E há 15 anos exerce a função de

auxiliar de cozinha no CSML, tem pouco estudo, mas sabe ler e escrever. A entrevista foi

realizada no dia 13 de dezembro de 2013, numa manhã de sexta-feira muito movimentada

pelo grande número de conviventes que se encontravam para a refeição do meio-dia. S3

parecia tenso no momento da entrevista e diante das perguntas se limitou dar as respostas.

Parecia que tinha pressa.

Bom, a minha vida inteira foi trabalhar em casa de família Quando eu cheguei aqui em São Paulo eu comecei a trabalhar em casa de família. Eu trabalhei bastante tempo como empregado doméstico. Eu saí da minha família e não tinha dinheiro e fui pra rua mesmo, fiquei no Arsenal da Esperança, eu passei mais ou menos um ano no Arsenal da Esperança. Então conheci aqui a São Martinho e vim prá cá, me ofereci pra ajudar na cozinha. Logo eles se interessaram por mim e passaram a me pagar uma bolsa, me perguntaram se eu queria ganhar uma bolsa em troca do meu trabalho e eu aceitei na hora! Então eu comecei a ganhar essa bolsa e quando nem acabou direito o tempo, eles me chamaram e me registraram, me chamaram para assinar minha carteira, a Bom Parto.

173  

S4- Homem, 50 anos, solteiro, nasceu no município de Santana do Parnaíba, Estado de

São Paulo. Há mais de 10 anos participa da São Martinho e desde 2004 exerce a função de

ajudante geral (colaborador). Completou o ensino fundamental. Essa entrevista aconteceu

numa manhã de sexta-feira, dia 13 de dezembro de 2013, no Centro Comunitário São

Martinho de Lima, às 11 horas e 15 minutos, o salão estava lotado por ser horário próximo de

servir o almoço. S4 também estava tenso, respondia às indagações sem muita reflexão,

pontualmente.

Eu estava desempregado, morando com meus primos e não tinha como ajudar eles... eu ficava assim... quando eu chegava meio-dia, só eles fazendo compras e eu não ajudando, mas eles não me tocou de lá, mas eu que quis sair... ai eu vim aqui pro centro, eu não conhecia nada, mas um morador de rua me disse que tinha um albergue pro pernoite na Estação da Luz, perto da Casa de Oração, aí eu fui, depois eu soube que tinha o Arsenal da Esperança, eu fui para o Arsenal da Esperança e lá eles falaram que tinha essa comunidade aqui que dava comida, tomava banho, tinha atividades, aqui na São Martinho. Eu chegava, ficava lá no salão, eu percebia que estava todo sujo, um pouco encardido... quem tava lá era o monitor, o Luís era o monitor, eu ficava lá, os meninos traziam a vassoura e ninguém pegava, eu comecei a varrer, o Sandro foi vendo, a Dona Teresinha que está aposentada, foi vendo, ela estava sozinha na cozinha eu entrei sem a permissão de ninguém mas ninguém reclamou. Eu falei pra ela: Posso ajudar a senhora? Pode! Mas tem que colocar a touca? Então eu comecei a ajudar. O Sandro foi vendo e falou com o Altair que também estava no Arsenal, depois eu vim pra cá... eu sei que o Altair também me ajudou, a Maria, o Ronaldo, [...] que me tirou, eu bebia...

A partir do perfil geral dos sujeitos com os quais dialogamos, podemos identificar dois

pontos em comuns nos depoimentos: o primeiro é o rompimento de vínculo familiar que se

apresenta em três deles, afirmando ser um dos motivos que os levam à situação na qual se

encontram. O segundo é o trabalho que se apresentou unânime. A maioria dos sujeitos antes

de viverem a situação de rua exerceram experiências de trabalho.

Segundo Silva (2009), o trabalho torna-se indispensável à manutenção da vida e da

sociabilidade humana. É marcante a fala de S3 e S4 quando se referem à aceitação deles para

uma atividade de trabalho no CSML. E quando S1 e S2 expressam tristeza ao relatar sobre o

trabalho como uma referência de realização. Reforça mais uma vez o pensamento de SILVA

(2009) ao afirmar que, em todas as sociedades, sejam quais forem suas formas, o trabalho é de

fundamental importância para a realização das pessoas.

Na trajetória singular da vida de cada um desses sujeitos expressa nesses relatos,

vivências, emoções, experiências pessoais, são valores que como diz Rojas (1999), não está

nos documentos, é o “indizível não explícito das vivências dos indivíduos”.

174  

4.3.2 A participação como processo de vivência articulada aos espaços de cidadania

Lavalle (2011) afirma que a concepção de participar significa apostar nas iniciativas

das camadas populares, na capacidade criadora de suas ações e, ser porta-voz de seus próprios

interesses.

A temática da participação é central para pensarmos em exercício da Cidadania e,

consequentemente, a construção de espaços democráticos. Foi essa concepção que alimentou

o sonho de muitos brasileiros (as) militantes de partidos políticos, movimentos sociais,

inseridos nas organizações populares que, na década de 80 sonhava com um país democrático,

onde as pessoas pudessem usufruir livremente os seus direitos de cidadão.

Certamente, as práticas de participação que se avolumaram na sociedade nesse

período, por meio de sua organização, manifestação, liberdade de expressão, foram

construídas em suas bases, começaram de pequenas práticas, reuniões, debates e ganharam

experiência. Fortalecidos por uma consciência política e direito de Cidadania, conquistaram

uma Nova República e uma Carta Cidadã.

A Participação não é um conceito avulso, solto, desvinculado das questões e

problemas sociais que envolvem a decisão sobre o futuro de nossas vidas, como nos adverte

Moroni (2012) ao afirmar que o desejo de participar está intimamente ligado aos nossos

sonhos, nossas utopias, nossos projetos. E, ainda, poderíamos dizer que partem do campo de

nossas necessidades pessoais e sociais.

É nesta perspectiva que destacamos as pequenas iniciativas de participação que, sendo

cultivados podem produzir ricas experiências, formando um acervo de práticas de grupos

sociais. Por essa razão a Participação nasce da experiência de pequenos grupos. É com esse

intuito que trazemos aqui, algumas iniciativas de participação como processos de vivências

que ocorrem no CSML por meio de suas atividades.

É real a fala dos sujeitos que participam desse Espaço de Convivência afirmar que a

“São Martinho” é a casa deles, pois, o surgimento desse Espaço contou com a participação da

população em situação de rua. Foi um espaço, no qual, o envolvimento dos próprios

conviventes é algo natural, espontâneo e não institucional. Isso é presente na fala de S4

quando diz: “eu ficava lá... os meninos traziam a vassoura, deixava lá... eu pegava e

começava a varrer”.

Durante o período em que realizamos a pesquisa de campo, foi possível perceber a

naturalidade das relações estabelecidas entre os sujeitos colaboradores, educadores sociais

175  

com os sujeitos usuários do Espaço. A naturalidade não quer dizer falta de regras, mas

respeito, proximidade, diálogo, mesmo quando era necessário estabelecer uma postura firme

diante da indisciplina de alguns. A fala da Manuela, Educadora Social, revela esse

comportamento ao falar das pessoas em situação de rua:

[...] nós temos bastante albergados porque você sabe o albergue ele abre muito cedo, eles dormem e ai tem que sair. [...] Eles jantam lá [...] e tem o café da manhã, também tem o banho, só que é muito cedo, tem que sair, eles saem, aqueles que não trabalham vem pra cá né, aqui é uma casa de passagem, casa de convivência, então, eles vêm pra cá e fica [...].

No CSML existe um cronograma de atividades, como foi apresentado anteriormente.

A recolocação profissional é um espaço para aqueles que querem trabalhar e a “São

Martinho” – SM – por meio do Serviço Social busca a parceria com as empresas num banco

de dados disponibilizados.

Porém, a pessoa só é encaminhada para a vaga depois de passar por um processo de

acompanhamento, principalmente, os que têm problemas com o álcool. Segundo a Manuela

tem sido uma atividade com alguns frutos quando afirma que “vários já foram encaminhados

e conseguiram sair da rua”. O Luís Antonio confirma essa informação ao dizer:

Por exemplo, casos de funcionários atuais, tem a Maria na cozinha, ela era atendida no início dos anos 2.000 (dois mil) como bolsista na época tinha esse recurso, a prefeitura tinha esse recurso eventual. Ela começou como bolsista e depois que ela continuou foi dada uma oportunidade para ela; Ronaldo que é esposo da Maria. Quando ela iniciou aqui ela ainda não tinha esse relacionamento com Ronaldo. Nasceu aqui o relacionamento dos dois. O Ronaldo é agente operacional, faz o acompanhamento com o atendido de estar acompanhando no salão, de ajudar a servir o café, ajudando na limpeza, conduzindo os trabalhos no banheiro, controlando o gasto da água, é uma coisa mais do cotidiano, vamos dizer assim... ele está ligado na parte da manutenção da unidade.

É visível a disposição e o envolvimento das equipes no acompanhamento desta

população dentro do Centro, como também, são presentes os desafios. Quando foi perguntada

como vê esse trabalho, Manuela também foi objetiva ao dizer:

Olha, eu falo assim, eu acho que esse trabalho é assim [...] tipo missionário. Porque se você for focalizar o dinheiro, você não fica aqui. Pode sair. Porque você tem que ter muita paciência, tem que ter muita, como é que chama, muita espiritualidade para lidar com esse povo.

Ao mesmo tempo ela concorda com os ganhos ao falar:

[...] se a gente conseguir, tirar dois ou três da rua já é uma grande graça, eles procuram a família, eles retornam, vários retornam, voltam pro seio da família, pra

176  

nós, é gratificante, outros arruma emprego, tem vários aqui que já estão trabalhando, eles chegam ai Dona ... eu acho que a gente consegue, não percebendo, a contribuição que a gente dar, entendeu? A gente só percebe quando chega um e diz assim: “ah! a senhora me deu isso, a senhora me ajudou nisso”, e a gente nem lembra, então isso, a gente consegue achar que o trabalho da gente vale muito a pena [...].

São muitas as atividades que podem ser analisadas, desde a concepção dos fatos

simples aos mais complexos que, de alguma forma, contribuem para que a convivência nesse

espaço seja humanizadora, acolhedora, que é o diferencial deste Centro de Convivência.

Dentre as atividades realizadas a que mais se diferencia do contexto de outras casas de

convivência ou de acolhida é o Espaço Cidadão. Segundo Luís Antonio:

[...] as atividades mais marcantes na São Martinho são: o Espaço Cidadão onde através das discussões sobre políticas públicas se conseguiu os seguintes programas para atendimento dessa população. Conseguimos, recentemente, o Projeto Família em foco que atende famílias inteiras em situação de rua, se chegar só a mãe, ou somente o casal, nesse caso é feito uma triagem, no CREAS, depois de analisar e estudar o histórico dessa família o CREAS vai encaminhar o pai, a mãe e os filhos para fazer todo um acompanhamento.

O Espaço Cidadão foi criado para discutir as questões que envolvem o universo da

população em situação de rua. Discutir sobre as políticas públicas; avaliar o funcionamento da

rede de serviços voltada para o atendimento desse segmento; trazer os problemas que

envolvem a moradia nos albergues, o atendimento no SUAS, SUS, questões trabalhistas,

como também discutir as soluções, discutir os direitos e a lei. É um espaço rico de

participação.

Todos têm o direito de falar livremente, tendo em vista que essa liberdade não lhe é

permitida noutros espaços. Neste o sujeito é participante. Acontece às terças-feiras das 9h às

11h. As pessoas são convidadas a participarem, no entanto, pela própria dinâmica do grupo, o

Espaço possibilita sua mobilidade.

Neste Espaço as pessoas discutem sua problemática e os desafios enfrentados no

cotidiano da rua, dos albergues, nos atendimentos dos profissionais desses equipamentos.

Criticam e sugerem a qualidade. É nesse espaço que eles são informados sobre saúde, higiene,

direitos, deveres; são planejadas as ações junto a outros movimentos como moradia, saúde,

habitação.

Podemos denominar essa atividade como um Laboratório de Cidadania onde são

preparadas as experiências, discutidos os métodos, as fórmulas, como proceder diante da

burocratização das políticas que engessam e emperram o acesso a direitos e que estes direitos

tenham critérios universais e não individuais.

177  

Por outro lado, a cidadania para a população em situação de rua, como afirma

Giorgetti (2012) para ser alcançada, é necessário que a pessoa nessas condições queira se

reintegrar à sociedade, reaprender as regras e, para isso, é fundamental a “vontade” para obter

a cidadania. A seguir apresentaremos os relatos dos sujeitos que estão nesse processo.

A fala dos que vivenciam a experiência do Centro de Convivência.

Neste item apresentaremos as respostas dos sujeitos da pesquisa quando perguntado

sobre a importância de participar, e como as atividades do CSML contribuem para o processo

de participação como vivência.

A condição de cidadania das pessoas que vivem em situação de rua foi negada pela

própria realidade em que se encontram. Talvez, por conta dessa condição, para alguns seja

difícil acreditar no potencial transformador desse segmento, por conta do grau de

vulnerabilidade e pelas efetivas condições da forma como as políticas públicas as tratam.

Acreditar no potencial da população em situação de rua enquanto um sujeito coletivo,

segundo Giorgetti (2012) é acreditar que é possível garantir sua participação na sociedade

enquanto cidadãos de direitos. Dessa forma, ela não seria apenas um receptor de auxílio, nas

palavras de Yazbek (2009), um “assistido”, mas sujeito na conquista de sua cidadania..

Vejamos os relatos dos sujeitos em relação:

Neste espaço a fala será facultada apenas aos sujeitos da pesquisa como atribuição a

uma simbologia da participação. As considerações serão feitas no item 4.1.3.

Espaço de Convivência:

S1Relata que chegou até a “São Martinho” por meio dos colegas. Ele nem sabia que

existia esse espaço.

Foi através de colegas. Quando eu cheguei em São Paulo eu não sabia que tinha essas coisas, não. Eu cheguei em São Paulo pensei que era como se fosse antigamente, chegando aqui você já arrumava um emprego, arrumava serviço, já ia trabalhar, São Paulo não é mais nada daquilo que a gente imagina, é surpresa pra mim e pra muita gente que vem aqui.

178  

Depois relata sua experiência na convivência:

Eu aprendi o que é assistência social e saber que pra mim, psicólogo era coisa de doido e não é nada disso! Psicólogo é uma coisa e psiquiatra é outra, mas agente confunde, né, eu confundia quando a gente não sabia dessas coisas. Hoje não, hoje eu sei o que é um assistente social, o que é um psicólogo e o que é um psiquiatra. Na verdade, nós precisamos mais de psiquiatras do que psicólogos, porque tem muita gente em situação... ó minha filha, não é só droga nem bebida não, tem muita gente doente

S2 Relata que depois de vivenciar algumas experiências de viver na rua “não sabe o que deu na cabeça de vir para São Paulo”. E ao chegar aqui procurou um albergue pois já sabia que aqui tinham muitos, mas na época do frio era difícil encontrar uma vaga. Fala sobre a São Martinho:

Na verdade, desde que eu vim para São Paulo eu conheci a São Martinho e, antes da gente vir para o Espaço Cidadão, a gente tinha uma luta aqui na São Martinho que era a Casa do estudante que eu ajudei e que a Irmã Justina que está lá no Monsenhor de Andrade e que foi uma articulação nossa e nós queríamos essa casa porque, às vezes, as pessoas estudavam e não tinha um lugar para estudar, tinha que estudar na rua e a gente lutou aqui na São Martinho e foi assim que eu conheci a história da São Martinho.

Depois ele define a “São Martinho” da seguinte forma:

a São Martinho tem uma diferença das outras casas que as outras casa não têm: eles reconhecem a população de rua é essa a diferença. Por exemplo, a São Martinho de Lima é uma Casa que todos entram, entendeu? Isso é que é interessante! Todos podem entrar. A casa está aberta. O portão é enorme. Você olha ali e vê que é a única casa que pode chegar a hora que for, você entra. Isso é a diferença das outras casas. [...] Quem está na rua já está falando logo, quem mora na rua tem o que, tem liberdade, que liberdade é essa? Liberdade de deitar no chão, de ficar aqui, na rua, diferente das outras pessoas, chegar e conversar com um com outro, sabe. Você pode observar que aqui na São Martinho de Lima não tem essa história de dizer você não pode isso, você não pode aquilo... tem as regras da casa, claro! Os horários de funcionamento, mas aqui tem uma coisa que nas outras casas não têm, que é a liberdade. Então, o morador de rua aqui se sente à vontade! Você pode observar aqui de manhã, você pode observar, se você for lá no salão agora, tem gente dormindo no chão, tem gente com sua sacola, tem gente do lado de fora, quer dizer, é a liberdade de ser e nas outras casas as pessoas não tem.

S3 Relata que saiu da Bahia pelas condições precárias de trabalho e quando chegou a

São Paulo trabalhou numa casa em Alto de Pinheiros, depois foi para Osasco. Veio para a

convivência na São Martinho e logo começou a trabalhar. É assim que ele fala desse Espaço:

A São Martinho eu nem conhecia, através de alguns usuários que frequentavam aqui me falaram que havia essa casa, que acolhia, dava comida, dava tudo, então eu vim prá cá. Eu fiquei rondando por aqui e graças à Deus a Bom Parto me chamou logo, assinou minha carteira, comecei a trabalhar nessa frente de trabalho e quando eu saí eles já assinaram a minha carteira e tô aqui até hoje.

179  

Logo em seguida falou das motivações que o trouxeram aqui:

O povo... ser educado, trata a gente bem, porque quando a pessoa vem aqui ele é tratado muito bem. Pelo coordenador, pelos colegas de trabalho, pelos funcionários é tratado muito bem, ai a pessoa vai...

S4 Quando indagado como soube da “São Martinho”, foi categórico ao dizer:

Foi a minha fé, Nossa Senhora né? Eu fiquei sabendo do Centro com os conviventes que estavam na rua.

A fala dos sujeitos expressam os sentidos, os significados por si sós. Porém, o que

queremos resgatar é o que foi mencionado, implicitamente, pela maioria dos sujeitos, a

solidariedade marcada por gestos concretos de companheirismo presente na rua. A maioria

respondeu que chegou até ao “São Martinho” por meio dos colegas da rua.

Chamou-nos a atenção o comentário feito por S2. O sujeito demonstra com essa fala

que a metodologia de trabalho com a população de rua tem que levar em conta o perfil desse

público, a dinâmica da vida que ele leva.

Compreender que o morador de rua é uma pessoa que tem liberdade, não quer dizer

que essa liberdade está relacionada a alternativas de escolhas, porque essa privação é presente

,quando a rua é a única escolha que ele tem em relação a tudo que lhe foi tirado em termos de

acesso a direitos. Acreditamos que a liberdade falada vai na dimensão de quem vive uma vida

sem referências, sem regras porque a própria situação vivida o condicionou a esse

comportamento, por falta de referências objetivas, concretas, palpáveis. Então, a metodologia

de trabalho tem que se adequar ao perfil para ter seus objetivos alcançados.

Atividades desenvolvidas e sua contribuição para a população atendida.

S1Expressou sua opinião da seguinte maneira:

Tem diversas. Além do almoço, além do café, tem o espaço cidadão, tem rezas na parte da tarde, tem a festa dos idosos, a gente vai passear, vai conhecer museus, vai conhecer parques, existe muita coisa boa que é feita aqui dentro. Participo. Quando eu tenho tempo eu participo.

Sobre a contribuição na vida das pessoas que frequentam:

Contribuem. Busca informação. Bom, como função da assistente social encaminha... bolsa-família, coisas que o governo ajuda, pelo menos tenta ajudar né, trabalho, entendeu, às vezes, encaminha pra emprego, sempre deu certo...

180  

Porque é uma dinâmica. Se você não sabe lidar com as pessoas com quem você está no dia-a-dia, você não pode trabalhar numa empresa, numa firma.

S2 Faz menção a algumas atividades que destaca:

[..] atividade que eu participo é o Espaço Cidadão que é uma coisa de lei e que eu sempre venho participando e a questão da recolocação profissional que eu acho importante aqui, fora isso, tem o curso de informática, nós tínhamos a capoeira, mas como o professor Gilmar saiu agora, nós tínhamos a capoeira, nós temos passeios, uma vez ou outra com os idosos, a casa oferece essa atividade, tem o café da manhã com os idosos toda quinta-feira, depois tem uma atividade com eles, filme, temos um médico aqui que atende a população de rua, o clínico geral vem aqui falar com a população de rua, as palestras sobre saúde, temos o cinema que é chamado “cine pipoca” para o pessoal da rua, tem umas atividades muito interessantes. E a questão da informática que está ainda meio fragmentada porque está começando agora, mas o pessoal está acessando a internet, durante umas duas horas eles acessam a internet, eles têm conhecimento do mundo virtual e das redes sociais. E o mais importante aqui, além das atividades, é o ser voluntário, os próprios moradores de rua são voluntários da casa, eles ajudam na casa, pessoas que ficam para a limpeza.

Logo dar a sua opinião sobre a importância delas:

A importância é que o morador tem que... o que a gente busca é levantar a autoestima dele, saber que existe a vida e que a vida é importante. E quando você quer levar a vida para as pessoas você tem que dizer pra elas “olha, nós estamos aqui! No momento em que você precisar, nós estamos aqui”. Essas atividades são pra você dizer pra ele, “olha, não é obrigado você participar delas, mas você é convidado. No momento em que a porta estiver aberta você pode participar dela. A importância delas é elevar a autoestima, é dar outra expectativa de vida e levantar mesmo, dizer assim “olha, aqui não é um curral que a gente pega os animais e dá somente comida, aqui é um lugar que você pode participar, lutar, defender seus direitos, ter a cidadania e a sua vida de volta”, reconstruir a sua família, ligar pra ela, pedir perdão...

E faz destaque sobre a importância do Espaço Cidadão:

[...] a partir do momento que você começa a falar, no Espaço Cidadão, você começa a esclarecer algumas coisas, ele já fica alerta, então, ele pensa “ah! Espera aí, então existe isso? Espera aí, eu vou atrás!”, entendeu. Isso é um dos pontos fundamentais, por isso, o Espaço Cidadão é uma coisa consagrada, é uma das atividades mais consagradas que tem aqui porque dá para o cidadão uma orientação sobre os seus direitos [...].

S3 Não se alongou na resposta.

[...] a São Martinho é cheio de atividades, tinha muitas coisas e ainda tem.. Aqui tinha atividades... o cara estava doente, tinha remédio, tinha uma enfermeira que era D. Teresinha, tinha roupa e tem até hoje, sapatos, banho... tinha tudo de atividade que a São Martinho oferecia pra ele... de reunião, tinha atividades como a capoeira e tem até hoje... tinha o som ligado o dia todo pra eles lá fora, tinha reuniões, os funcionários conversavam com eles.

S4 Fez o seguinte comentário:

181  

Tinha a feira, a cidadania que a gente faz, acho que é dia de terça-feira, tinha reza...

Em todos os eventos que participávamos com a população em situação de rua, cuja

pauta de reivindicação ou protesto ou ainda, crítica aos equipamentos públicos ou

conveniados com a Prefeitura, era constatado pelas avaliações dos serviços que a “São

Martinho” era diferente das demais. Em conversa com S2 ele disse que a diferença estava na

forma de trabalho, ou seja, o serviço engessado eu tenho que atender 300 pessoas, então, não

passa das 300 pessoas, enquanto na “São Martinho” está com as portas abertas para quem

chegar e entrar.

Concepção de Cidadania ou Cidadão

S1 define dessa forma:

Cidadania pode ser a gente tentar ser o melhor pra gente para fazer com que a sociedade reconheça em nós o quanto a gente é importante, o quanto ser cidadão é ser um brasileiro de... é... de respeito e que a gente tem que levar muita confiança, apresentar muita confiança, porque tem muita gente que não tem confiança. Ser brasileiro, ser cidadão é ele apresentar a confiança, confiando.

S2 Define da seguinte maneira:

Para mim, ser cidadão é você ter acesso a direitos, esse é o ponto fundamental. A partir do momento que você acessa os seus direitos, você é considerado um cidadão, entendeu? E justiça também. Porque não adianta você dizer que é cidadão e os seus direitos serem violados. Porque se você for analisar, a partir do momento que você deixa de ter acesso, você deixa de ser cidadão, você deixa de exercer a sua cidadania. Isso pra mim é importante! Esse sentimento de impunidade, só porque é morador de rua, vamos linchar, vamos bater, vamos discriminar, vamos impedir o acesso, entendeu? [...] Cidadania é quando a gente tem acesso à saúde, à educação de verdade, a moradia, a dignidade humana, o respeito, isso pra mim é cidadania; não é você dizer o que faz parte da cidadania, nós também temos os deveres e quais são esses deveres da cidadania? É ter respeito pelas pessoas, é não jogar lixo no chão, é ter respeito pelas pessoas independente de cor, classe, religião, opção sexual e tudo, isso faz parte da cidadania, entendeu!?

S3 Expressa dessa forma:

Cidadania é a pessoa viver bem, é viver bem com todo mundo, saber respeitar, saber conversar com todo mundo, saber acolher todo mundo isso aí é cidadania pra mim. Eu me sinto cidadão porque na situação que eu me vi na rua eu aprendi tudo. A pessoa tinha que saber respeitar o outro, tinha que saber conviver com o outro, tinha que saber falar a palavra do outro e tudo isso eu aprendi, graças a Deus.

S4 Resume nesses termos:

182  

Ser cidadão é ajudar o povo é isso que eu sei. Sinto que sou. Ah! Porque eu tô fazendo uma coisa de boa ação, eu tô ajudando o povo, de vez em quando eu falo pra eles oh eu tô no meu cantinho, sái da rua... eu tava na morada, eu trabalhava na morada e eu sempre falava pra um menino que é deficiente lá, ele arranjou um bico e saiu, e eu tô num quartinho perto da morada ai tá vendo, eu saí e ele fez a mesma coisa e ele tá no quartinho dele...

4.3.3 O Centro Comunitário São Martinho de Lima e as pessoas em situação de rua: como se envolvem na luta

Buscar formas de organizar sua luta é buscar, por meio dela, resgatar sua condição de

sujeito. Esse resgate se efetiva através de processos de vivências em várias dimensões:

religiosas, políticas, sociais, ou outras que contribuem para a passagem de indivíduo para

sujeito coletivo.

É importante resgatar o que se trabalhou no primeiro capítulo desta pesquisa, a

abertura garantida pela Constituição de 1988 para novos processos participativos. Foi um

significativo avanço na direção da democratização.

Nessa dinâmica, muitos sujeitos foram construídos e constituídos. Houve um

reconhecimento da sua diversidade e criação de vários espaços participativos.

A população em situação de rua vem - se constituindo em sujeito coletivo por meio da

participação. Como diz Sebastião Nicodemos, “dia de luta é o dia em que a gente se esforça

em mobilizar, refletir, articular, planejar e realizar ações”. Todos os dias são dias de luta para

viver.

No cotidiano do CSML as atividades são planejadas tendo como objetivo a

humanização, a socialização dos sujeitos. Vários foram os depoimentos neste capítulo, cuja

tônica foi apresentar o significado para a população que participa deste espaço.

O trabalho realizado denota a seriedade do envolvimento com essa população. Vale

ressaltar que o Serviço Social tem papel fundamental no planejamento, na execução e no

acompanhamento das atividades. É neste espaço que as pessoas buscam orientação das mais

variadas natureza: trabalho, saúde, encaminhamentos para acesso a direitos na rede e serviços

socioassistenciais da Prefeitura de São Paulo.

Pode-se dizer que é um espaço de confiança, como já mencionaram os sujeitos em

seus depoimentos.

Dentre as que foram citadas o Espaço Cidadão está como um dos espaços

privilegiados porque proporciona discussão das políticas públicas, como diz Luís Antonio:

183  

Empoderar o atendido na discussão de seus direitos, como por exemplo, a Lei 12.316/97 cujos princípios orientam no atendimento da população em situação de rua dentro de São Paulo. É um espaço aberto, onde nós, técnicos fazemos a leitura da realidade apresentada, as pessoas colocam suas dificuldades e dúvidas, nos encaminhamentos que o Serviço Social faz.

É um espaço de troca de experiências, saberes, informações, direitos. A busca por

cidadania desta população está vinculada ao atendimento de suas necessidades e o percurso é

o Sistema Único da Assistência Social, por meio de seus programas e recursos.

O Centro Comunitário São Martinho de Lima, como qualquer entidade conveniada

com o poder público, tem limites na sua autonomia, pois, subjuga-se a algumas regras por

causa dos recursos que subsidiam sua ação.

O campo da Assistência Social é um campo de batalhas da população em situação de

rua na cidade de São Paulo. Por isso, há uma preocupação em preparar seus sujeitos atendidos

para atuarem nessa área, participando das conferências municipais , audiências públicas,

diálogos com a Secretaria de Direitos Humanos, em parceria com outros movimentos de

Saúde e Moradia.

Ao longo da pesquisa de campo foi possível estabelecer uma relação com esses

espaços participativos, onde as pessoas em situação de rua, comunidade São Martinho

marcam presença participativa. Luís expressa esse compromisso quando diz:

[...] a São Martinho marca presença constante, sempre marcou presença e, acredito que a missão da São Martinho é essa mesmo, conscientizar, humanizar, a missão de tornar o atendido protagonista de sua própria história, ter a sua autonomia que é essa garantida pela CF-88, então, é mais ou menos nesse viés que a missão da São Martinho vem.

É uma realidade que essa população que está na rua vem discutindo a sua situação em

diversos espaços: dentro da Câmara Municipal, na Praça, na Pastoral do Povo de Rua, no

Espaço Cidadão do Centro Comunitário São Martinho de Lima. Isso quer dizer o seguinte: é

no campo da Assistência Social e da Política Nacional para a PopRua que sua luta se

concentra, pois, no Sistema de Proteção Social, é na área da Assistência que se percebe a

existência de uma Rede de Serviços de Atendimento para essa população.

A luta por esse reconhecimento se expressa em cada pessoa que vive as mazelas

causadas pelo sofrimento da rua, porém onde ela se encontra, é expressão local desse

movimento. Tanto S1 quanto S2 são militantes. S2 relata o momento em que ele sentiu na

pele que não dava para ficar de braços cruzados, diz:

184  

Ai eu vim para São Paulo. Não sei o que me deu na cabeça que eu vim pra São Paulo. Quando eu cheguei aqui estava na época do inverno e a situação estava muito complicada e foi quando a luta começou mesmo aqui, nós não tínhamos nem espaço direito...[...].

E acrescenta ao falar de sua participação no Espaço Cidadão:

Participei de todas e foi ai que no Espaço Cidadão que começou há muitos anos a surgir e eu, na verdade, não era uma liderança, eu me considerava um militante que estava ali aprendendo as coisas, eu estudo bem a lei, comecei a vir, me engajei e quando foi em 2004 que a gente teve o massacre da população de rua a gente começou a se articular, até então, essa política de ficar morando em albergue. Desde então, eu comecei a vir na luta, eu fui eleito para o Conselho de Monitoramento em 2005, depois de ser eleito[...].

Depois fala que a Lei 12.316/97 foi a porta de entrada para a luta começar:

Em 1997. Foi um projeto de lei da Aldaíza Sposati que o Celso Pitta sancionou a lei na época e a Marta regulamentou a lei, através do Decreto 40.232 em 2001, com base na Constituição Federal, então a lei começou a valer e a gente começou a batalha, começou a luta, começou a guerra e a gente foi batalhando para conseguir espaço para conquistar o respeito. E com o Presidente Lula, em 2003 a gente já teve contato com Lula pela primeira vez, em 2004, Lula veio rapidamente por causa do massacre que chocou não só o Brasil, mas chocou o mundo, foi muito repercutida essa questão do massacre e, quando na época, que foi a Gestão de Serra e Kassab a gente bateu em cima. O bom é que o Secretário Floriano Pesaro, ele foi muito aberto para conversar com a gente para negociar, sobre Hotel Social, ampliação de repúblicas, era um modelo...

Os sujeitos S1 e S2 por desenvolverem uma caminhada de militância, eles estão

presentes em todos os eventos que envolvem a questão de seus direitos. Os sujeitos S3 e S4

em razão do trabalho que realizam na própria Entidade participam, pontualmente, das

atividades realizadas.

As atividades planejadas internamente com os sujeitos conviventes estão em

consonância com os eventos públicos de cunho político-social, nos quais, as temáticas que

envolvem a população em situação de rua são pautas de discussão como Moradia, Trabalho,

Saúde, Educação e outras bandeiras de lutas assumidas por outros movimentos e / ou

organizações cuja proposta é a conquista de direitos universais para a população em geral.

Concluímos, que a São Martinho e os sujeitos da pesquisa estão envolvidos na luta, junto a

outros movimentos sociais, pela dinâmica das atividades planejadas e pela inserção no

calendário anual da Entidade os eventos sociais e civis de cunho político, no âmbito geral das

organizações e movimentos sociais. A finalidade da participação da população em situação de

rua atendida pelo CSML é fortalecer a luta pela cidadania, ampliar espaços democráticos para

185  

acessar direitos que estão assegurados na Constituição Federal de 1988, na Lei Orgânica da

Assistência Social (Lei 8.742/90) e na Política Nacional de Inclusão da População em

Situação de Rua (2008).

 

CONSSIDERAÇÕÕES FINAIIS

1866 

187  

A presente pesquisa tem o propósito de fazer aflorar a vida que brota das ruas, pois

nela está o sussurro das vivências, das histórias de vida, dos sonhos e projetos que marcam as

trajetórias percorridas pelos sujeitos. Esforçamo-nos para que os conteúdos, que são de

valores inestimáveis, fossem conservados na construção do conhecimento.

Os sujeitos participantes foram aprisionados de seus sonhos de vida, de projetos de

sociabilidade, do desenvolvimento de suas capacidades, por um sistema (re)produtor de

extrema pobreza, o sistema capitalista, cuja orientação redirecionou o mundo dos homens por

meio da reestruturação do trabalho e das políticas neoliberais. Diante disso, nos perguntamos:

qual o significado que o trabalho tem em nossa vida? (SILVA, 2009).

Entretanto, alimentamos o sonho de uma nova era cidadã quando, em plena ditadura

militar, nascem as primaveras da esperança de um país melhor, onde se pudesse viver com

dignidade, justiça, condições de vida para todos. Para isso nascia, a primeira Carta Cidadã, a

mais bem escrita em toda a história política da sociedade brasileira, segundo estudiosos do

tema.

Deste fato histórico, nasce em cada brasileiro, principalmente os que estão em situação

de vulnerabilidade socioeconômica o desejo de cidadania, o desejo de participação na riqueza

do país, do acesso aos direitos, bens e serviços e ser tratado com respeito e dignidade.

Porém, esse acesso depende também do compromisso do Estado com a nação;

depende dele compreender e se comprometer com o seu papel político-social de provedor,

cuidador, disponibilizando políticas públicas de Educação, Saúde, Habitação, Transporte e

Saneamento para que todos possam gozar de mobilidade na cidade.

As manifestações ocorridas em 2013 foram o reflexo da insatisfação social diante de

uma infinidade de agendas mal resolvidas (ROLNIK, 2013) e cheias de contradições; do direito

de fazer uma cidade diferente, de acordo com as necessidades coletivas (HARVEY, 2013) que

promovam a cidadania das pessoas.

Para isso, o investimento na formação, na capacitação e na humanização daqueles que

operacionalizam as políticas é de extrema importância para melhor prestar esses serviços com

a qualidade do atendimento de um país que olha para seus cidadãos. Por outro lado, a

sociedade precisa acompanhar, fiscalizar, executar e avaliar. Somos todos corresponsáveis

nesta dimensão da participação social. A Carta Cidadã nos abre espaço para essa perspectiva.

Sabemos que o desejo de participar se inscreve no campo de nossas utopias e dos

nossos sonhos65, porém, não aquela utopia que está para além da parusia ou um sonho

                                                            65 MORONI, 2012, p. 45

188  

distante, mas uma participação que se concretize no campo das lutas sociais, na busca por

hegemonia, no contexto político-social. Dessa forma podemos usufruir de uma cidadania

legítima.

É nessa concepção que a população em situação de rua, vem se constituindo num

sujeito coletivo, na defesa de seus direitos e no conhecimento das leis para apropriar-se de um

conhecimento que não lhe conceda, apenas, a condição de “assistido” ou “subalterno”

(YAZBEK, 2009) dos serviços socioassistenciais.

O processo de urbanização nas grandes cidades alimentou o sonho de muitos, que em

São Paulo, por exemplo, haveria lugar e trabalho para todos. Ao chegar, as expectativas

foram/são frustradas e a única condição que se apresenta para muitos é a rua como moradia –

a princípio, ninguém mora na rua porque quer - e os equipamentos públicos, privados ou de

instituições religiosas que passam a ser a via que percorrem todos os dias para garantirem a

sobrevivência nas ruas.

Por outro lado, com um pouco de “sorte”66 encontra um albergue, uma casa de

acolhida, um trabalho informal e assim vai levando a vida, como um “cliente”67 dos serviços

e equipamentos da rede socioassistencial do município ou conveniada. Por ser a alternativa, e

não a escolha, o que se lhe impõe é a necessidade de lutar para que o atendimento e a

infraestrutura dessa rede sejam menos indignos.

Durante a pesquisa de campo, a proposta do estudo foi conhecer as formas de

participação dessa população no acesso a direitos, porém, concluímos que, para requerer

direitos é preciso se organizar, ter lugar para discutir, ter espaço para falar e avaliar os

serviços. Mas, partir de onde e para onde?

Os lugares, fora da dispersão da rua, nos quais podemos encontrar a população reunida

são as casas de acolhida ou morada, casas de convivência e albergues. No caso dos últimos a

condição para a pessoa em situação de rua é o pernoite; restaram as outras duas opções por

condições de permanência e trabalho realizado com esse segmento durante o dia.

Foi nessa dinâmica que chegamos ao Centro Comunitário São Martinho de Lima -

CSML, por meio do Padre Julio Renato Lancellotti – vigário episcopal do Vicariato do Povo

de Rua. O ponto de partida foi saber que o CSML foi a primeira entidade conveniada com o

poder público para esse trabalho e, segundo, pela natureza de sua criação com a participação

das pessoas que viviam nas ruas. O objeto e o sujeito apareceram na mesma cena.

                                                            66 Grifo da autora. 67 Idem.

189  

O que pensar de uma população alijada de seus direitos, fragilizada em suas

condições, desacreditada pela sociedade, vítima de preconceito, intolerância e violência? A

princípio, é normal pensarmos: que força ela tem? Que poder de organização é possível surgir

dali? Talvez seja porque a imagem que se tem da pessoa em situação de rua é do senso

comum: analfabeto, alienado, sem história de vida. Entretanto, a partir do momento que nos

aproximamos dela descobrimos que não caiu de árvores e nem nasceu da grama68, mas por ter

sido negada em sua cidadania passou a ser vista como um estigma, uma ameaça à sociedade.

O Movimento Nacional da População em Situação de Rua é exemplo disso! Porém,

não era a natureza primeira do nosso objeto. Não queríamos pensar as condições de lutas pela

concepção das lideranças, cujo lugar social já se difere um pouco de quem está no cotidiano

empírico das ruas, mas partir daqueles sujeitos da base.

O local foi a “São Martinho”, como carinhosamente, as pessoas denominam o CSML.

O objeto, a participação do sujeito naquele local. Que espaço de cidadania poderia ser

encontrado ali, numa dimensão micro, como ensaio para atuar numa dimensão macro: a

sociedade, os serviços públicos, os shoppings centers, as lanchonetes. A lista pode ser longa.

Como as atividades do CSML contribuíam para a participação da população em

situação de rua, no acesso a direitos e na construção de sua cidadania? Essa era a pergunta de

partida para descobrir se aquele trabalho, o CSML, era, “apenas mais um” equipamento da

rede.

A pesquisa participante foi uma abordagem acertada nesse trabalho que, por meio da

observação participante, podemos chegar próximos dos sujeitos, conhecer suas histórias, suas

lutas e experiências de engajamento social.

A oportunidade de estarmos presentes no cotidiano dos sujeitos da pesquisa e, em

momentos como audiências públicas, pré-conferências para avaliar o SUAS, Diálogos da

População de Rua com o poder público, assembleias, atos e celebrações religiosas, pudemos

comprovar o exercício da cidadania política nesses espaços de participação, a apropriação do

conhecimento das leis para seu atendimento e como essa população vem se constituindo um

sujeito coletivo de direitos.

Participarmos do cotidiano das atividades realizadas pelo CSML junto aos sujeitos

neste Espaço possibilitou-nos acompanhar, analisar e concluir que não faz parte apenas de um

conjunto de ações para justificar os recursos públicos ou doações recebidas – como é a prática

de algumas organizações, mas, de fato, existe um compromisso com aqueles sujeitos de

                                                            68 Sebastião Nicodemos, foi morador de rua, é escritro e militante do movimento nacional da população de rua.

190  

direitos que, apesar de heterogêneo e de mobilidade constante, não há discriminação no

atendimento. O seu diferencial está no trabalho de humanização, acolhimento e,

principalmente, acreditar na população de rua.

Porém, uma das atividades que destacamos nesse processo de vivências da

participação é o ESPAÇO CIDADÃO, se pudéssemos definir, o chamaríamos de MENINA

DOS OLHOS da “São Martinho”. É a célula, o pequeno laboratório de cidadania, no qual, os

sujeitos exercem seu direito de ir e vir (entrar e sair) porque a porta é aberta, a entrada como a

saída é livre.

Um laboratório porque as questões que envolvem o dia-a-dia da população de rua são

trazidas por eles e discutidas, orientadas e encaminhadas. É um local de trocas, de

aprendizados, de informações.

É um exercício de participação e cidadania de natureza micro social, ou seja, no

Espaço Cidadão que, por meio da discussão dos problemas e desafios que os envolvem no

“espaço da rua”, e o conhecimento da lei que justifica a operação de políticas públicas

eficazes, fomentam e despertam a consciência para enfrentar questões mais complexas e de

natureza macro social, onde a própria sociedade os trata como “invisíveis”, como “mais um”

por meio da discriminação, intolerância e violência.

Diante de todas as problemáticas que envolvem os sujeitos população em situação de

rua, a mais ouvida é a queixa em relação ao atendimento na rede de serviços públicos e as

condições insalubres dos albergues. Por que não criar espaços de discussão, de envolvimento

e corresponsabilidade dos usuários nos locais onde eles se encontram? Apesar da

heterogeneidade dessa população como desafio para um trabalho de organização e

participação coletiva, assim mesmo, é possível descobrir alternativas e possibilidades.

Em termos de metodologia no atendimento desses serviços para com a população, o

Espaço de Cidadania poderia ser uma prática, onde os sujeitos pudessem sugerir, acompanhar

e discutir conjuntamente os problemas e as soluções. Talvez, houvesse a possibilidade de

exercer a cidadania de maneira corresponsável, pois bem como afirma LAVALLE (2011) que

a concepção de participar significa apostar nas iniciativas das camadas populares, na

capacidade criadora de suas ações e, ser porta-voz de seus próprios interesses.

 

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201  

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PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL

ENTREVISTA COM OS CONVIVENTES E COLABORADORES

A) Dados da Mestranda

Nome:

Data: ____/____/________ Hora: ____________

Local: ___________________________________________________________

Município___________________________ Estado: _______________________

B) Características do(a) Entrevistado(a):

1. Nome: _______________________________________ Idade: ______ anos.

2. Sexo: Masculino ( ) Feminino ( )

3. Cidade onde nasceu? __________________________________ Estado______

4. Situação: Albergado ( ) Casa de Acolhida ( ) Hotel Social ( ) Outros ( ) Qual?

__________________________________________________________

5. Desde quando veio para São Paulo? ______________

6. Estado Civil:

( ) Solteiro (a) ( ) Casado (a) ( ) Separado(a)

( ) Viúvo (a) ( ) Vive junto

4.1- Tem filhos? ________ Quantos? __________ Qual o grau de escolaridade?

____________________________________________________________________

5. Escolaridade:

( ) Analfabeto ( ) Fundamental 1 (1ª a 4ª séries) ( ) Completo ( ) Incompleto

( ) Fundamental 2 (5ª a 8ª séries) ( ) Completo ( ) Incompleto

( ) Ensino Médio ( ) Completo ( ) Incompleto

( ) Ensino Superior ( ) Completo ( ) Incompleto

ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS

1. Conte sua história sobre o porquê de chegar a ser uma pessoa em situação rua.

2. O que é ser cidadão?

3. Como você conheceu o Centro Comunitário São Martinho de Lima?

4. Quais foram as suas motivações para procurar o Centro Comunitário São Martinho de

Lima?

5. Quais são as atividades promovidas pelo Centro das quais você participa?

6. Qual a importância de participar? No que essa participação contribui para a sua vida e

para uma pessoa que está em situação de rua?

7. Você participa de eventos junto a outros movimentos de luta por acesso a direitos?

Como é planejada e realizada essa participação?

8. Essas atividades contribuem ou não para o fortalecimento da cidadania de uma pessoa

em situação de rua? De que forma?