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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
GEISA MARIA EMILIA LIMA MOREIRA
VOZES NA COXIA:
COCHICHO, ESCUTA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES IDOSAS
COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA
MESTRADO EM GERONTOLOGIA
SÃO PAULO
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUCSP
GEISA MARIA EMILIA LIMA MOREIRA
VOZES NA COXIA:
COCHICHO, ESCUTA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES IDOSAS
COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA
MESTRADO EM GERONTOLOGIA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial
para a obtenção do Título de Mestre
em Gerontologia pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
sob a orientação da Prof.ª Dra.
Elisabeth Frohlich Mercadante.
SÃO PAULO 2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
GEISA MARIA EMILIA LIMA MOREIRA
Folha de aprovação
VOZES NA COXIA:
COCHICHO, ESCUTA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES IDOSAS
COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA
Aprovada em __/___/___
Banca Examinadora
Profª Dra. Elisabeth Frohlich Mercadante (Orientadora)
Instituição PUCSP
Assinatura______________________________________
Profª Dra.
Instituição
Assinatura_______________________________________
Profª
Instituição
Assinatura___________________________________________
DEDICATÓRIA
Ao “Deus” desconhecido pela ciência; que por meio do mistério da
criação/evolução do homem e ao longo do seu percurso na relação corpo-tempo-
espaço, revela valiosas lições sobre si mesmo, sobre a humanidade e sobre seus
afetos nas relações materiais e imateriais. Lições estas que a ciência ainda não
soube revelar.
A todas as mulheres idosas que desafiam cotidianamente o tempo e o
silêncio impostos pelos processos de dominação; que incansavelmente
cochicham em suas coxias, renovando suas forças, e ressignificando o que está
posto sobre a velhice, sobre a mulher e sobre o seu lugar na sociedade.
AGRADECIMENTOS
A Deus, e a sua potência de criação, transformação e expansão da
realidade, e ao ato de crer capaz de produzir no homem a potência de agir, e
transformar o que antes lhe parecia impossível.
A todas as mulheres coordenadoras e líderes dos grupos de convivência
de idosos de Belo Horizonte, que acreditaram neste trabalho, por partilharem seu
espaço seus cochichos, suas interpretações e experiências cotidianas de
participação na vida.
A todos os alunos e monitores do Estágio supervisionado VI do curso de
psicologia da PUC Minas, que com sua sede de aprender contribuíram de forma
direta ou indireta com este trabalho de pesquisa.
À colega psicóloga e amiga Maria Letícia Fonseca Barreto “in memoriam”
que me apresentou primeiro um “feliz mundo velho” compartilhou sua paixão pelos
velhos, e na sua “sala de espera”, nomeou-me carinhosamente sua herdeira na
gerontologia.
A Profª Dra. Elisabeth Frohlich Mercadante, por seu modo de ser-sentir-agir
humano e pelo conhecimento e generosidade no processo de orientação que
ultrapassou o tempo e espaço formal de trabalho e transbordou no tempo-espaço-
vida propiciando a verdadeira “paixão de aprender” e os afetos de alegria na
construção deste trabalho.
À profª Dra. Guitta Grin Debert, pela inspiração propiciada a este trabalho
por meio das suas construções e reflexões sobre velhice, sobre o envelhecer e
sobre a antropologia Urbana.
Á profª Dra. Silvana Tótora, por me contagiar ao ensinar e aprender sobre
a vida e a velhice, com sua dança desprendida na filosofia, na ciência política e na
estética de existir.
À profª Dra. Maria Helena Vilas Boas Concone, pelas contribuições e pela
paciência com o meu lento processo de produção, e por seu auxílio e sugestões.
À Profª Dra. Nádia Dumara Ruiz Silveira, que me acompanhou e auxiliou
na primeira fase da construção do trabalho, e por sua gentileza, ao respeitar e
acolher minhas novas escolhas.
À CAPES por propiciar parte dos recursos necessários à pesquisa através
da bolsa; e a comissão de bolsas do mestrado em gerontologia por avaliar e
acolher este projeto.
À PUC Minas pelo apoio, por propiciar que todo o trabalho da pesquisa
acontecesse, e especialmente na primeira fase da pesquisa;
À profª Dra. Ilka Ferrari e ao colegiado do curso de mestrado em psicologia
pela consideração ao projeto pesquisa, e pelo apoio, no momento em que
necessitei.
Aos meus avós pelo convívio pleno de riquezas, e que por partirem cedo,
instigaram-me a buscar nas diversas imagens da velhice e de outros velhos, o
prazer de recuperar um pouco de sua presença.
Aos meus pais que me ensinaram desde a minha infância, a escutar os
velhos e a desejar a velhice como um bem precioso a ser conquistado
cotidianamente.
Ao meu esposo Alberto Moreira, por seu apoio carinho e incentivo ao longo
da pesquisa; pela parceria, e por nutrir a minha esperança em contribuir para
construir de fato um mundo melhor para os nossos velhos.
Aos meus filhos e Genro amados, Thiago Vinícius, Esther Kevle e Michael
Albino pelo convívio, pelas trocas afetivas, e por me auxiliarem nas tarefas
técnicas e árduas de transcrição, edição e formatação do texto e dos vídeos
utilizados na pesquisa.
À minha sobrinha do coração Shirley Lúcia Longaray pelo acolhimento,
auxílio e cuidado e contribuições na revisão do texto.
Às profªs Dras. Silvia Regina Eulálio, Suzana Braga, e Wagner Bernardes,
por terem me iniciado no trabalho com os grupos de idosos, e no
acompanhamento terapêutico, e pelo companheirismo nos 15 anos de trabalho
como professora do estágio que serviu de base para esta pesquisa.
Ao meu caro amigo, companheiro de trabalho na psicologia, e pesquisador
na temática do envelhecimento, Wagner Jorge dos Santos, por seu incentivo e
contribuição.
Ao professor José Bonifácio e à professora Vera Maria Neves Victer, que
na Pró reitoria de Extensão da PUC Minas me incentivaram na Criação e
consolidação do programa “PUC MAIS IDADE” e favoreceram desta forma a
pesquisa.
À Dona Ivone Cabral “in memoriam”, ao seu filho do coração, Sérgio, e ao
Centro Educativo Cândida Cabral, pelo incentivo, pelas contribuições a esta
pesquisa;
Ao meu filho-sobrinho do coração Rafael e a minha irmã do coração Elza
que no cotidiano, prestaram-me o cuidado e o companheirismo necessário nas
tarefas que subsidiaram as exigências desta pesquisa.
Ao Conselho Estadual do Idoso de Minas Gerais e ao conselho Municipal
do Idoso de Belo Horizonte, pela experiência e oportunidade de trabalho que
contribuiu no processo de observação da participação dos Sujeitos da pesquisa.
Ao meu anjo “Miguel Noah” que com sua chegada fechou com chave de
ouro este trabalho e me iniciou numa nova e importante etapa no meu processo
de aprendizagem da vida “a avosidade”.
Àqueles, que com o apoio pequeno ou grandioso de uma ação, palavra ou
gesto, auxiliaram nesta pesquisa e não foram aqui citados, fica o meu
agradecimento e a minha maior consideração.
“Porque embora o homem seja o ator e o autor de sua própria
história, consegue dizer de si, no máximo, o que faz. Jamais
poderá dizer quem é. Isto porque apenas após a sua morte, o
quem se revela com toda a sua magnitude.”
Hanna Arendt1
1 Hanna Arendt in “A condição humana”
UMA ADVERTÊNCIA AO LEITOR
Figuras emblemáticas de “velhos” estiveram sempre presentes em minha
vida, e ocupam hoje, grande espaço na minha história. Talvez por isso, seja tão
difícil precisar o momento em que o envelhecimento passou a ser o tema de maior
relevância e investimento na minha vida profissional.
Portanto neste volume o leitor não irá encontrar um trabalho científico
isento ou neutro, como pressupõe os modelos tradicionais da ciência. Ao
contrário, a proposta é deixar explícito o contexto sociocultural e afetivo do
pesquisador com a exposição detalhada de sua trajetória de vida e da trajetória do
projeto, embora isso seja pouco usual no texto acadêmico. A intenção é mostrar
que os seus próprios afetos se farão presentes, e poderão contribuir para
explicitar o contexto de formação do seu pensamento. Desta forma, o ponto de
onde vê poderá ser visto e melhor interpretado pelo leitor. Além disso, permitirá ao
pesquisador observar os elementos de sua experiência pessoal que contribuíram
para potencializar ou limitar sua escuta, tanto na captura dos sentidos atribuídos
pelos sujeitos à sua experiência, quanto na captura das demandas e ações
efetivas desses sujeitos, no movimento de transformação da realidade. Pois como
afirma Geertz (1989, p.26) “[...] a interpretação antropológica ao estar construindo
uma leitura do que acontece não pode estar divorciada do que nessa ocasião ou
naquele lugar pessoas específicas dizem ou fazem, ou ainda, do que é feito a elas
a partir de todo o vasto negócio do mundo” sob pena de torná-la vazia. Para
Vygotsky (1987, p.46) tão pouco pode-se divorciar no sujeito, o pensamento, a
emoção, a consciência e a linguagem manifestas por meio das atividades
complexas que realiza.
Dito de outra forma, se o caminho principal da interpretação das culturas é
o exercício de capturar e descrever de forma densa as diversas interpretações
que determinados sujeitos, em determinados ambientes, dão sobre si mesmo e
sobre a realidade que o cerca, o da perspectiva sócio histórica é que o psicólogo
possa capturar descrever os modos de produção de subjetividades dos sujeitos
na complexidade de suas atividades e dos seus afetos, no movimento dos
acontecimentos e no contexto bio-político, social e cultural em que se alinhavam.
E isto exige a desfamiliarização daquilo que antes parecia familiar. Portanto, a
condição “Sine-qua-non” para que o psicólogo pesquisador realize com rigor, a
descrição densa de fatos, modos de viver e processos de subjetivação dos
sujeitos, por meio das atividades que realiza na sua complexidade, é a
aproximação de si mesmo e dos próprios afetos, no processo histórico em que se
construíram, antes de sua aproximação com os sujeitos, para que possa conhecer
e distinguir o que é seu e do outro. E embora a descrição da trajetória vida e do
projeto de pesquisa, juntos possam subsidiar o leitor para compreender a
organização do pensamento da autora no trabalho; cada qual em separado,
apenas sinalizará: ora o olhar poético e contaminado de um ser humano
debruçado sobre os seus próprios afetos, ora a reflexão racional da pesquisadora.
Dialogar ao invés de negar qualquer desses olhares foi o exercício proposto. Por
isso a experiência foi se construindo como uma pintura em aquarela, que
empreendeu seu curso próprio, desafiando, por vezes, a proposta do artista, como
uma obra aberta e rizomática. Portanto não apenas científica, e muito menos
neutra. No máximo, um trabalho que buscou, inspirado em Vygotsky (1987) e Rey
(2011) identificar os modos de produção de subjetividades de mulheres idosas no
movimento de agir, produzir sentidos2 e transformar sua realidade, nos afetos da
convivência e da participação política; e inspirado em Geertz3 (1989 p.13), realizar
sobre esses sujeitos e acontecimentos, o esforço de uma descrição densa4.
2O sentido para Vygotsky “é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. É um todo
complexo fluido e dinâmico que pode variar e modificar-se de acordo coma as situações e o ambiente que o utiliza, sendo quase
ilimitado. Mantêm o fluxo vivo da palavra na ação humana de tal maneira, que até adquire certa independência da palavra
inclusive podendo modifica-las.” (Vygotsky,1987. P181-182)
Rey(2011) amplia a reflexão de Vygotsky e apresenta a categoria sentido subjetivo. Que é uma unidade indissociável do simbólico e
do emocional na qual a emergência de um provoca necessariamente a aparição do outro sem que seja sua causa, uma vez que:
“a experiência humana desenvolve-se dentro de sistemas de atividades e comunicação simultâneos, e se expressa nas pessoas
que compartilham essas atividades através de efeitos colaterais que ocorrem como produções da pessoa através das
configurações subjetivas que emergem no processo de viver essas experiências” (Rey,2011p33)
3 As ideias de Vygotsky (1987) e Rey (2011) articulam-se com as ideias de Cliffort Geertz(1989) uma vez que para Rey toda
produção cultural aparece organizada em nível subjetivo como configuração subjetiva, que diferentemente das categorias mais
tradicionais usadas pela psicologia não aparecem como causa do comportamento mas como uma fonte dos sentidos subjetivos
que emergem no seu curso. Essa produção subjetiva é parte de toda ação envolvida presente na vida do sujeito sendo sensível a
múltiplos desdobramentos no curso dessas ações. A unidade que conserva os sentidos subjetivos dominantes que assimilam
essa diversidade são as configurações subjetivas. Portanto as dimensões simbólicas e culturais se entranham na constituição do
pensamento e da afetividade.
4 Segundo Geertz, olhar as dimensões simbólicas, não é afastar-se dos dilemas essenciais da vida, em favor de algum domínio
empírico de formas não emocionalizadas, mas é mergulhar no meio delas sem divorciá-las do acontecimento (Geertz,1989,
p.40-41).
Resumo
MOREIRA, Geisa Maria Emília Lima. Vozes na coxia: cochicho, escuta e
participação política de mulheres idosas coordenadoras de grupos de convivência
(255p) dissertação de mestrado. Sob orientação Professora Dra. Elisabeth
Frohlich Mercadante. Programa de Pós graduação em gerontologia. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2014. O presente trabalho é um estudo
sobre a escuta das falas de mulheres idosas coordenadoras de grupos de
convivência de idosos, com o objetivo de capturar o que pensam sobre os
grupos e sobre sua trajetória de participação política e conhecer suas principais
demandas e ações na luta para garantir os seus direitos e consolidar a política
pública de atenção à pessoa idosa. Com base qualitativa, o estudo fez uso do
método etnográfico de pesquisa e da descrição densa proposta na antropologia
Hermenêutica de Geertz (1989), e também da pesquisa-ação proposta por
Thiolent (2011). De forma interdisciplinar, o trabalho dialoga com a psicologia, na
perspectiva sócio histórica, a antropologia, a gerontologia e a filosofia para
transcrever a fala dos sujeitos. Foram escutadas 10 coordenadoras de grupos,
na cidade de Belo Horizonte, em dois momentos diferentes. No primeiro
momento, por meio de entrevistas, observações e registros das atividades em
campo. No segundo, por meio de observação e apropriação de suas falas ao
participarem de uma ação política organizada para levar suas demandas
diretamente aos parlamentares. As coordenadoras apontam os grupos como sua
casa, espaço de amizade, solidariedade e cidadania, e como uma escola Entre
as principais reinvindicações apontam a educação, o suporte para os grupos,
renda e seguridade social e mudanças culturais com políticas de inclusão, e
capacitação para coordenadores. Acerca de sua participação política, as
coordenadoras não se sentem escutadas nas suas demandas e contribuições, e
afirmam que apesar de intensa, sua participação ainda não é efetivada e
considerada devidamente nas instâncias governamentais e de monitoramento
das políticas públicas.
Palavras chave: Cochicho, escuta, afeto, convivência, participação política
ABSTRACT
MOREIRA, Geisa Maria Emília Lima. Voices in the Backstage whisper,
listening and political participation from elderly women’s coordinators of seniors
acquaintance groups (178p) Master’s dissertation in Gerontology under the
supervision of professor PHD Elizabeth Frohlich Mercadante. Post Graduation
Program in Gerontology. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2014.
The present work is a study about the speech listening, of elderly women
coordinators of elderly acquaintance groups, with the objective of capturing what
they think about the groups, about their trajectory of political participation as well
as, the main demands and actions taken by them in the struggle to secure their
rights and carry out the elderly’s policy care. With a qualitative basis, this study is
suported by methodology of ethnographic research and anthropology Geertz
Hermeneutics, and by methodology of action research THIOLENT. This
interdisciplinary research establishes dialogues between the historical social
psychology, anthropology, gerontology and philosophy to transcribe the speech
of the subject. The research involved the hearing of 10 coordinators at two
different moments. In the first moment, through interviews and direct observation,
and in the second, with observation and appropriation of speeches in a political
action organized by the coordinators to take their demands to parliamentarians.
They point out the groups such: as home, a place of friendship, and space of
solidarity, care and citizenship, and School of Life. The main liability claims:
demands for education; proper support for the groups; social security income;
cultural changes with structural politics of inclusion and training program, both for
coordinators and technicians. Among the main observations on political
participation, the coordinators do not feel they are listened in their demands, and
conclude that the elderly women’s participation, although intense, is still not
effectively or appropriately considered by governmental sectors, and monitoring
of public politics.
Key words: whispering, listening, affection, acquaintanceship and political
participation.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Painel ilustrativo O contexto da formação das ideias para a pesquisa ............................................................................................................ 16
Figura 2 - Mapa de localização dos grupos de convivência pesquisados .... 39
Figura 3 - Painel ilustrativo Imagens de contextos da pesquisadora ............ 58
Figura 4 - Painel ilustrativo –Imagens do contexto das Mulheres coordenadoras .................................................................................................. 89
Figura 5 - Painel ilustrativo Imagens do contexto dos cochichos ................115
Figura 6 - Painel ilustrativo Contextos de participação política das coordenadoras.....................................................................................................194
Figura 7 - Painel Ilustrativo Contextos e ações nas considerações finais ...213
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Etapas e formas de realização da coleta de dados desde as atividades que precederam e deram suporte à pesquisa de mestrado até o final da pesquisa ............................................................................................... 43 Quadro 2 - Distribuição dos locais de entrevistas filmadas com as coordenadoras de grupos ................................................................................ 48 Quadro 3 - Atividades da Oficina de desenvolvimento humano político e social para coordenadores de grupos de convivência de idosos. ................ 52 Quadro 4 Caracterização das coordenadoras entrevistadas ......................... 91
SUMÁRIO
1 DA ESCUTA COMO PROJETO AO PROJETO DE ESCUTA DE MULHERES IDOSAS COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA . 16
1.1 Introdução ................................................................................................ 17 1.2 Apresentação da pesquisa ....................................................................... 25 1.3 Sustentação teórica.................................................................................. 27 1.3.1 Revisão teórica sobre o envelhecimento e a velhice. ........................ 31 1.4 O desenho metodológico da pesquisa ...................................................... 36 1.4.1 A delimitação do campo .................................................................... 38 1.4.2 A coleta de dados ............................................................................. 44 1.4.3 A tradução/interpretação dos dados .................................................. 56 1.4.4 A devolução dos resultados .............................................................. 57 2 VOZES DO ENVELHECER E DA VELHICE ............................................... 58 2.1 A trajetória da pesquisadora e o contexto de enunciação da pesquisa ..... 59 2.2 Velas velando morte, velhos velando vida: ou o início de uma trajetória ... 62 2.3 Uma Trajetória com os velhos da minha terra .......................................... 65 2.4 Do interior à capital: rumos da trajetória acadêmica e profissional ............ 77 2.4.1 Uma travessia: da trajetória de vida para a trajetória do projeto de pesquisa “vozes na coxia” ................................................................................... 83 2.5 Cochichos inacabados sobre a trajetória da pesquisa e do pesquisador .. 85 3 MULHERES QUE COCHICHAM E SUAS COXIAS .................................... 89
3.1 Mulheres que cochicham: um pouco da sua história ................................ 90 3.2 O lugar e o sentido dos grupos na fala das Coordenadoras ................... 105 4 OS COCHICHOS ...................................................................................... 115 4.1 Do Silêncio à escuta dos cochichos: O grupo como espaço de mediação simbólica e afetiva ............................................................................................ 116 4.2 Cochichos sobre os grupos de convivência ............................................ 129 4.2.1 O grupo como lugar de amizades e de vínculos afetivos ................. 130 4.2.2 O grupo como espaço de afeto em extensão e ao mesmo tempo em oposição à família. ............................................................................................ 135 4.2.3 O grupo como espaço político e de cidadania e equipamento social destinado ao apoio à pessoa idosa a família e a comunidade ........................... 147 4.2.4 O grupo de convivência como espaço de aprendizagem: “a escola da vida” na trajetória de quem não teve “vida na escola” ....................................... 158 4.3 Cochichos sobre políticas Públicas ........................................................ 177 5 DA COXIA PARA O PALCO ..................................................................... 194
5.1 Cochichar, escutar e traduzir as cenas da vida no palco da política local 195 5.2 Do cochicho à voz – Nossa forma de participar ...................................... 201 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 213
6.1 Do silêncio de morte ao cochicho da vida: potencialização da pessoa idosa por meio do valor, afeto e participação política nos grupos de convivência de idosos. .............................................................................................................. 214
6.2 da vivência de vencidos à experiencia estética de longeviver e participar, reinventando a política. Um porvir possível?. .................................................... 217 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ..................................................................... 230 ANEXOS .......................................................................................................... 245
16
1 DA ESCUTA COMO PROJETO AO PROJETO DE ESCUTA DE MULHERES
IDOSAS COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA
Figura 1 - Painel ilustrativo O contexto da formação das ideias para a pesquisa
Fonte: Acervo de fotografias da biblioteca da pesquisadora, Título “Portal de ideias”
17
1.1 Introdução
“Escutar é uma disponibilidade para deixar-se acolher e afetar pela fala do outro. [...] A escuta é a escuta da fala como acolhimento, e esta escuta é ela mesma acolher o que a fala: nos oferece: entendemos quando fazemos parte do que é dito.” (Luiz Cláudio Figueiredo 1994. P 44, 120).
A pesquisa, aqui descrita teve seu foco principal de estudos no binômio
comunidade/velhos, e se inseriu na linha de pesquisa “Gerontologia: Processos
Políticos-Institucionais e Práticas Sociais, que investiga as políticas sociais, as
organizações da sociedade civil, e as práticas sociais e institucionais orientadas para
o segmento populacional de mais de 60 anos, assim como mapeia, identifica e analisa
serviços e espaços utilizados pelos idosos”. Os cochichos das mulheres idosas que
coordenam grupos de convivência e a sua trajetória de participação política foi o foco
de atenção principal deste trabalho que teve como principal objetivo lançar luz sobre
as formas e o modo de participação das pessoas idosas nos processos de construção
das políticas de atenção ao idoso, e as significações que elas atribuem aos grupos e a
esse processo segundo suas próprias falas, na tessitura das ações e na redes de
significações afetivas e sócio culturais em que elas estão entranhadas.
A ideia da pesquisa foi se concebendo e se desenhando a partir do contato
profissional e permanente que desenvolvo com os grupos de convivência de idosos
através de um programa de estágio no curso de psicologia da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, denominado “o psicólogo na comunidade” no qual trabalho
desde o ano de 1995, e há mais de 14 anos na função de professora supervisora. As
ações para a pesquisa foram se concretizando e tomando forma na escolha do
caminho metodológico a ser seguido e dos procedimentos, técnicas e instrumentos
que seriam utilizados, com base no exercício cotidiano das práticas “extensionistas”
da Universidade, com as quais estive envolvida por mais de 10 anos, desde a
concepção e criação do “PROGRAMA PUC MAIS IDADE” dirigido a pessoas adultas
e idosas, proposto para a Universidade em março de 2000 e que desenvolvi e
coordenei até meados do ano de 2009, na PUC MINAS.
18
A pesquisa foi se constituindo por etapas ao longo desse percurso, porque uma
das atividades principais do projeto era o desenvolvimento e a potencialização dos
grupos de convivência, e dos Conselhos, Municipal e Estadual de Direitos da Pessoa
Idosa. Entretanto, de forma mais remota, a pedra fundamental para a construção do
projeto, talvez tenha sido lançada, quando da criação de um programa de extensão
denominado “Centro de Educação Popular na Universidade”, no ano de 1996 a 1998
no qual participei, primeiro como monitora, e posteriormente como professora efetiva
nos cursos de “Formação básica para acompanhantes de idosos” e de “Capacitação
para coordenadores e líderes de grupos de convivência e movimentos de direitos da
pessoa idosa”. Desde o ano de 1999, com a finalização dos cursos, diversas
coordenadoras de grupos de convivência de idosos solicitavam um espaço na
universidade, no qual pudessem discutir, trocar informações e trazer suas dúvidas
sobre questões ligadas ao envelhecimento, às políticas públicas e ao gerenciamento
dos grupos de convivência, para dialogar com os professores.
Deste modo, de 1999 a 2000 estabelecemos um encontro mensal onde as
coordenadoras se reuniam com professores e alunos de diversos cursos, de acordo
com o interesse e o tema em discussão. Naquele espaço, discutíamos temáticas que
eram sempre demandadas por elas. Construímos um programa básico para orientar
cada encontro e a metodologia utilizada era baseada nas oficinas em dinâmica de
grupo como método de intervenção psicossocial, e nos círculos de cultura do Paulo
Freire.
Durante todo o ano de 1999 e no ano 2000 tivemos 11 encontros a cada ano,
totalizando 22 encontros com temáticas variadas que trouxeram enriquecimento do
saber tanto para os coordenadores, quanto para os docentes e alunos que
participaram do trabalho. Entretanto a necessidade de aprofundamento sobre as
temáticas instigou a criação, do PROGRAMA PUC MAIS IDADE proposto e já iniciado
em 2000 e no ano de 2002, resultou no primeiro “curso de capacitação para
coordenadores de grupos de convivência de idosos” na Universidade, realizado em
parceria com a secretaria de assistência social e a secretaria de Políticas Sociais.
Hoje, esta última é a atual secretaria de direito e cidadania da Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte.
19
Posteriormente outros cursos foram criados para atender a demandas
específicas de cada grupo de convivência, na sua singularidade. Esse contato foi se
ampliando, de tal forma, que os grupos queriam, além de vir ao ambiente da
universidade, levar as propostas de trabalho lá discutidas, bem como os profissionais,
para a comunidade. E assim, o estágio e o programa de extensão funcionaram como
instrumentos utilizados para que pudessem levar o trabalho da universidade para a
comunidade e trazer da comunidade para a universidade, as contribuições do
conhecimento popular e da cultura local.
Essa relação de reciprocidade entre o conhecimento acadêmico e o
conhecimento popular, por sua fertilidade, aprofundou as formas de concepção da
velhice do envelhecimento, e produziu algumas leituras da realidade vivida pelos
coordenadores de grupos de convivência instigando ainda mais as questões que
tentamos responder através de um primeiro mapeamento da realidade dos grupos de
convivência de idosos no ano de 2002. A tentativa era responder às seguintes
questões: Quem eram esses grupos? Como eles surgiram? Como se mantinham?
Como era sua organização? Quem eram as pessoas que os coordenavam? Como
agiam esses grupos nas suas comunidades? quais as atividades que desenvolviam?
e que tipo de apoio recebiam? Qual o seu reconhecimento pelo setor público? como
se relacionavam com os conselhos de idosos e com a política de atenção ao idoso?
Para responder a estas questões foi elaborado então, em parceria com o
Conselho Estadual do Idoso e com a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, um
mapeamento dos grupos de convivência de idosos em 2002. Na época conseguimos
mapear um total de cento e quarenta e dois grupos de convivência de idosos. Estes,
ao serem investigados, trouxeram repetidamente a figura do coordenador, como um
personagem central na organização grupal. Desta forma a pesquisa foi se
configurando, ao longo desse processo, com o desenvolvimento da escuta psicológica
nos grupos de convivência, que já era realizada uma vez por semana, desde o ano de
1999, pelos estagiários do curso de psicologia. E, cujos relatórios de atividades de
estágio funcionaram como uma fonte primeira de informações na qual pudemos
observar quais os discursos eram mais repetidos, e também capturar alguns
conteúdos afetivos e culturais e sentidos que lhes eram atribuídos. Esta primeira fase
do levantamento da pesquisa que descrevo aqui, foi realizada no primeiro período em
20
que estive ligada ao programa de gerontologia, Já que estive matriculada nesta
época, mas fiquei impossibilitada de concluir o curso.
No ano de 2003 foram realizadas oficinas em dinâmica de grupo e em 2006
entrevistas de aprofundamento com as coordenadoras dos grupos de convivência de
idosos, sobre as temáticas discursivas que mais se repetiam no grupo, segundo o
levantamento dos relatórios de estágio.
A escolha pelo uso das oficinas em dinâmica de grupo como técnica para
subsidiar a pesquisa, se deu porque na nossa prática de estágio já utilizávamos as
oficinas como método de intervenção psicossocial, baseada na metodologia de
Afonso(2000) e agora era só transpô-las para serem utilizadas como instrumento de
pesquisa, repetindo com as coordenadoras as temáticas que se repetiram nos
cochichos cotidianos dos grupos.
No ano de 2006 foi gravado também um vídeo orientado pelo mesmo roteiro
daquelas entrevistas, com finalidade de ilustrar de forma didática os discursos
apreendidos pela pesquisa.
A proposta primeira era de que as coordenadoras falassem sobre os quatro
temas dos cochichos que mais foram trazidos no discurso delas. A saber: família,
grupos de convivência, participação nas políticas públicas, e medo. Os quatro temas
foram oferecidos como temas das entrevistas e pudemos capturar mais um tema que
atravessava todos esses discursos que era a saúde. Preferimos não incluí-lo como
tema neste trabalho não por sua condição transversal, mas porque o corpus do
trabalho poderia se tornar muito complexo numa proposta de mestrado, já que os
quatro temas já ocupariam muito tempo na pesquisa e nas discussões. Desta forma
feito esse recorte, os cochichos sobre saúde ficaram então reservados para uma
pesquisa posterior. Esta questão está melhor detalhada no percurso metodológico,
mesmo porque, ao final esses cochichos foram condensados na dissertação, em dois
cochichos apenas: cochichos sobre grupos de convivência e sobre participação
política
A segunda proposta foi explorar nas entrevistas além dos cochichos trazidos
por elas, o que falavam sobre sua participação nas políticas públicas e tentar
compreender, como significavam isto, por via da observação de sua participação
efetiva nas reuniões dos grupos e dos conselhos, e como se dava essa participação,
21
numa sociedade contemporânea que claramente exibe uma ideologia perversa que
sustenta a velhice e o envelhecimento, num lugar indigno, estigmatizado e excludente.
E por último, a intenção da pesquisa foi compreender o que falavam sobre a escuta
propiciada pelo estágio e suas implicações no processo de participação política dos
grupos. Pois no discurso que elas traziam no cotidiano dos grupos o sentimento de
estarem excluídos nos programas e projetos de participação política e a dor gerada
por essa exclusão ficava explícita de diversas maneiras na prática de estágio. Esse
processo de excludência e estigmatização, sustenta até mesmo ações que
aparentemente são de participação coletiva, de acordo com a afirmação de Goffman
(2001),
“Isso acontece em primeiro lugar porque as instituições profanam exatamente as ações que na sociedade civil possuem o papel de atestar ao ator e aos que estão em sua presença, que eles possuem autonomia.” (GOFFMAN. 2001, P.31).
Em acordo com esse pensamento do Goffman, os discursos das
coordenadoras revelaram, nesta época, que apesar de todo o seu investimento na
participação dos fóruns, dos conselhos e dos encontros elaborados pelo setor público
percebiam que nem o setor público, nem os setores de monitoramento da política
pública, não estavam interessados de fato em escutá-las, mas segundo afirmavam, o
setor público precisava delas (pessoas idosas) nestes espaços, para sustentar uma
participação política ilusória que precisava ser contada em números. Ou seja,
segundo elas, apenas para dar a aparência de uma democracia que nem de longe era
de fato participativa, já que as decisões eram tomadas pelos técnicos e essa
participação era apenas uma participação “só pra inglês ver”5
Os resultados dessa primeira etapa apontaram questões interessantes, que
sustentavam o fato de que os coordenadores, em sua maioria mulheres de 60 anos e
mais, se sentiam excluídas de um processo de participação legítimo nas instâncias
públicas que frequentavam.
5 Expressão utilizada pelas idosas para dizer que sua participação é algo teatralizado, e apenas para compor uma performance ou um
número nos conselhos e fóruns regionais da prefeitura.
22
Nesta direção é que a pesquisa propiciou a oportunidade de continuar a
escutá-las, agora de maneira coletiva, e com foco nas suas trajetórias de participação
política e com uma linha do tempo, que fosse capaz de fornecer dados sobre esse
percurso das coordenadoras e sobre as formas como esta participação vem
acontecendo. Isto poderia trazer mais elucidações a respeito sentido de sua fala e
revelar a dinâmica na relação entre o idoso e as instâncias de participação política que
frequentavam. Especialmente porque ocorreram10 anos de intervalo entre as
´primeiras entrevistas e as primeiras disciplinas cursadas no programa de mestrado,
três conferências de direitos da pessoa idosa, nas instâncias Municipal, Estadual e
Federal. Ouvir6 o que elas disseram de sua participação, e escutar7 a sua trajetória de
conquistas e desafios foi fundamental para compreender, a partir da voz das próprias
idosas, como experienciaram e ainda experienciam esse processo.
A proposta da pesquisa de mestrado foi de entrevistar as idosas coordenadoras
de grupos de convivência de forma coletiva e individual, e desenvolver oficinas em
dinâmica de grupo e entrevistas de aprofundamento para complementar os dados
obtidos no mapeamento dos grupos que ocorreu nos anos de 2002/2003. As oficinas
em dinâmica de grupos, permitiram que os principais cochichos individuais fossem
escutados novamente nos grupos, e depois aprofundados em entrevistas individuais
com as coordenadoras, Com a diferença que estas entrevistas embora individuais
foram realizadas em espaços coletivos, nos intervalos de atividades desenvolvidas por
elas tais como os seminários, encontros e oficinas, que foram realizados e filmados
em 2006. Isto envolveu a primeira etapa do projeto. Finalmente, a pesquisa na sua
segunda etapa coletou seus depoimentos, numa ação participativa, após
aproximadamente 10 anos das primeiras entrevistas já realizadas, na qual puderam
fazer uso do espaço do discurso, não apenas com o objetivo de responder às
indagações da pesquisa, mas principalmente, com o objetivo de construir por meio da
pesquisa-ação, um espaço de produção discursiva, e sobretudo o vislumbre de novas
6 Refiro-me aqui ao ouvir como o sentido da função biológica de apreender o traço sonoro da palavra, ou o ruído ambiental, para
diferenciá-lo do sentido que é atribuído à escuta compreendida como um processo mais amplo.
7 Refiro-me aqui à escuta no sentido biopsicossocial afetivo e político cuja captura do som nem é mais o principal objetivo e sim o
processo de ressonância decorrente sentido é mais amplo que o ouvir. A escuta no sentido atribuído por Luiz Cláudio de Oliveira
Figueiredo (1994, p.83) envolve o ato político e engajado de acolher o que a fala nos oferece. É ouvir para além do som das
palavras, o som que a cada momento não soa, mas cujas ressonâncias nós entreouvimos.
23
formas de organização e participação política destas mulheres protagonistas na busca
de fortalecer sua voz e conseguir ampliar suas conquistas no processo de
consolidação dos direitos da pessoa idosa.
A intenção da pesquisa foi que elas pudessem manifestar suas demandas
diretamente aos representantes do legislativo municipal e estadual trazendo a eles de
forma verbal e escrita as demandas que faziam nos grupos de convivência e que
apesar de as levarem ao conselho e aos fóruns de idosos, acreditavam que não eram
escutadas nem atendidas e acabavam se perdendo pelo caminho. A ação política por
meio da oficina de desenvolvimento humano político e social para coordenadoras de
grupos de convivência foi gravada por meio de filmagem e as falas foram
consideradas juntamente com todas as outras trazidas por elas nas entrevistas e nos
grupos, e foram discutidas e apresentadas na dissertação. Toda a pesquisa foi então
organizada no trabalho aqui apresentado, e disposta da seguinte maneira:
O primeiro capítulo denominado “Da escuta como projeto ao projeto de escuta
de mulheres idosas”, abre com a introdução, apresentação e desenho metodológico
da pesquisa organizados sob o título: que abre o trabalho. Entretanto mantêm-se
separada dos demais capítulos que comporão a dissertação do processo de pesquisa
exatamente para permitir melhor visualização do trabalho ao leitor, embora algumas
questões específicas relativas ao processo metodológico no que se refere às
atividades desenvolvidas pela pesquisa, sejam retomadas no desenvolvimento de
cada capítulo.
Em seguida, são apresentados os demais capítulos correspondentes à
dissertação sobre a pesquisa. São eles:
O segundo capítulo foi denominado “Vozes do envelhecer e da velhice e retrata
a trajetória do pesquisador desde o seu nascimento, seu contexto cultural, pessoas e
as questões que o influenciaram para pensar o envelhecimento e a velhice até o
momento de concepção do projeto. A intenção foi denominar como vozes o que
estava mais instituído sobre o envelhecimento e a velhice de forma geral, na
sociedade, bem como expor o processo de aprendizagem do pesquisador na
experiência com pessoas idosas ao longo de sua trajetória de vida e de sua formação
profissional e os cochichos das coordenadoras, que retratam o dinamismo e as
transformações nas configurações subjetivas, bem como o tom instituinte de suas
24
falas tentando construir novas possibilidades para o envelhecer. Também se refere a
uma voz que é ainda cochichada e portanto carece de força e organização para se
tornar uma voz cada vez mais audível.
O Terceiro capítulo foi denominado: “Mulheres que cochicham e suas coxias” e
descreve alguns aspectos do contexto histórico psicossocial, cultural e político das
mulheres idosas pesquisadas e dos grupos de convivência que coordenam, segundo
suas próprias falas e no diálogo com as interpretações de segunda mão da autora.
O quarto capítulo foi denominado “Os cochichos”. Nele são apresentadas e
discutidas as principais falas das coordenadoras sobre o que dizem e como significam
os grupos de convivência; bem como as políticas públicas.na sua trajetória de
participação como coordenadoras.
O quinto Capítulo: “Da coxia para o palco discute as ações empreendidas pelas
mulheres segundo suas falas ao longo do processo de participação política nos
grupos de convivência de idosos, e no diálogo com as interpretações de segunda mão
da autora sobre as ações das coordenadoras observadas ao longo da pesquisa.
O sexto capítulo “Considerações finais” encerra a dissertação com as
interpretações de segunda mão, sobre as principais questões apresentadas e
suscitadas pela pesquisa, bem como discussões e encaminhamentos sobre os pontos
sugeridos pelos sujeitos pesquisados para a melhoria da participação política das
pessoas idosas e para o avanço das Políticas Públicas de Atenção à Pessoa Idosa a
partir dos dados obtidos na pesquisa.
Considero importante reafirmar que a opção por inventar nesta pesquisa um
dispositivo de participação política para a coleta dos dados na segunda etapa da
pesquisa ao invés de utilizar novamente os mesmos instrumentos anteriormente
explorados (entrevistas, oficinas em dinâmica de grupo e observação) foi de
intencionalmente valorizar uma ideia proposta pelos próprios sujeitos participantes da
pesquisa na demanda que fizeram no início da pesquisa de terem um espaço de
discussão mais neutro, e mais direto, primeiro com os parlamentares e depois com o
executivo, uma vez que não se sentiam ouvidos pelos conselhos. Essa proposta das
coordenadoras foi ao encontro da metodologia da pesquisa ação já que esta
empreende no próprio ato de pesquisar, uma ação participativa dos pesquisados.
25
Fica demarcado por este contorno teórico metodológico, a base qualitativa da
pesquisa uma vez que se dedica não a estudar a participação política em si enquanto
objeto, mas compreender a qualidade da relação que as pessoas idosas estabelecem
com esse processo e a forma como o interpretam e interpretam a si mesmas e ao
espaço público de participação política nesta interação. Por isso mesmo, utilizei o
embasamento teórico da pesquisa etnográfica e da antropologia interpretativa,
proposta por Clifford GERTZ (1989) utilizando como principal instrumento, desde a
concepção das questões até a sua análise, a proposta de uma descrição densa,
auxiliada pela teoria e prática da pesquisa ação, e o conceito de atividade proposto
por Vygotsky uma vez que todo o processo de obtenção dos dados se deu no
movimento do trabalho desenvolvido pelas coordenadoras nos grupos de convivência,
no calor da comunidade, e em todo o seu contexto de luta para garantir seus direitos.
1.2 Apresentação da pesquisa
A pesquisa “Vozes na Coxia: cochicho, escuta e participação política de
mulheres idosas coordenadoras de grupos de convivência” correspondeu a uma
trajetória de acompanhamento e observação sistemática das questões mais
frequentes no trabalho com grupos de convivência de idosos no Município de Belo
Horizonte, e no acompanhamento terapêutico domiciliar ao idoso e à sua família, em
comunidades de baixa renda. Estas atividades foram anteriores à pesquisa e
continuaram sendo desenvolvidas até o momento final da pesquisa através do estágio
acadêmico curricular denominado o “O psicólogo na comunidade”, da PUC-Minas,
onde fui estagiária protagonista dessa atividade, e desde o ano de 2000 até hoje, uma
das professoras-supervisoras do estágio. Isto demonstra que a pesquisa não
aconteceu de forma isolada, mas dentro de um processo de relação com os
pesquisados que favoreceu a prossecução da atividade acadêmica e
simultaneamente a organização das pessoas envolvidas em torno de interesses
comunitários. Foi um trabalho que se debruçou sobre o estudo e análise dos
cochichos das coordenadoras de grupos de convivência de idosos, obtidos através da
escuta psicológica, com o objetivo de lançar luz às seguintes questões:
26
1 -O que falavam as coordenadoras sobre si mesmas e sobre o grupo de
convivência que coordenavam?
2 – Quais os cochichos que eram mais trazidos nos grupos pelos seus
participantes e o que elas mais pensavam sobre esses cochichos?
3 - O que falavam sobre sua trajetória e sobre sua participação na política de
atenção ao idoso?
4 – o que falavam e qual o sentido atribuído por elas à escuta de seus
cochichos pelas estagiárias?
5 _ Que relação estabeleciam entre essa escuta e sua trajetória de participação
na construção das políticas públicas?
A proposta foi de coletar entrevistas individuais e os depoimentos das
coordenadoras, bem como propiciar oficinas seminários e atividades nas quais
pudessem agir participando ativamente, para tornar ainda mais próximos da sua
realidade de participação política, os dados coletados. Evitamos coletar dados nos
fóruns e nos conselhos, exatamente por que sua queixa é que não tinham muita
liberdade de participar nesses espaços. Portanto apenas acompanhamos em
observação as coordenadoras nesses espaços, já que o que pediam era a ampliação
de seus espaços de participação.
A perspectiva da pesquisa foi que se desenvolvesse de forma a atender as
expectativas do programa de mestrado em gerontologia, uma vez que se desenhava
sobre uma atividade interventiva de estágio, com alguns dados já levantados em
atividade investigativa realizada anteriormente e que subsidiaram, conjuntamente,
todo o processo inicial do levantamento de dados que puderam ser incorporados ao
processo de pesquisa atual, como indicadores ou como analisadores dos cochichos.
Entretanto, dadas as condições de obtenção dos dados a serem trabalhados, e os
atravessamentos relacionados com a saúde da pesquisadora, foi necessário
extrapolar um o tempo da pesquisa e prorrogar o prazo para apresentar finalmente o
trabalho.
O objetivo principal foi o de escutar as falas (cochichos) de mulheres idosas
coordenadoras de grupos de convivência sobre a sua trajetória de participação política
nos grupos e nas políticas públicas em alguns momentos em que acontecem essa
27
ação de participação, e registrar o modo como interpretam essa participação. Essa
proposta foi realizada por meio das seguintes atividades:
1 – Registro dos cochichos que as mulheres idosas coordenadoras de grupo
trouxeram sobre si mesmas, sobre os grupos e sobre sua participação na construção
das políticas públicas, bem como sobre a sua experiência de interação com o setor
público governamental.
2 – Observação da manifestação dos processos inconscientes (emoções) e
conscientes (linguagem e pensamento) e sobre como interpretam e agem nesses
espaços de participação.
3 – Registro das conquistas alcançadas, e as demandas que ainda trazem para
os poderes legislativo e executivo, dez anos depois e após as três conferências de
direitos da pessoa idosa acerca dos temas já cochichados na primeira fase da
pesquisa.
4 – Observação dos diálogos que estabeleceram com o legislativo sobre as
formas como interpretam esse processo de participação bem como as formas como
interpretam e interagem com o setor público governamental e com os serviços de
atenção ao idoso por eles ofertados.
5.-. Estabelecimento de considerações do pesquisador sobre os cochichos
atuais e sobre os cochichos que foram escutados nos anos de 2003 a 2006.nos
grupos de convivência; e sobre as ações das coordenadoras ao longo de todo o
processo de pesquisa.
6 – Escrituração da dissertação e devolução dos resultados da pesquisa, a fim
de compartilhar com os participantes e propor a reflexão sobre o lugar e o papel da
escuta psicológica presentes na sua fala e na sua trajetória de participação política.
1.3 Sustentação teórica
A maioria das pesquisas relativas a pessoa idosa ao longo das últimas décadas
focalizam a doença física, as estatísticas sócio econômicas do país referentes ao
envelhecimento, os problemas sociais decorrentes, no entanto, ainda são poucas as
pesquisas que contemplam as dimensões simbólicas e culturais presentes nas
relações de exclusão inclusão da pessoa idosa nos processos de inserção e
28
participação na comunidade e nas políticas públicas .E menos ainda considerando
simultaneamente as singularidades dos pesquisados, o que é extremamente
importante nos processos de intervenção psicossocial, uma vez que a visão de mundo
do pesquisador deve ser um elemento de discussão e reflexão constante para que
sua prática interventiva não repita e contribua para manter os processos de
dominação que mantenham os sujeitos nos mesmos lugares e papéis, ao invés de
fomentar e potencializar a produção de subjetivação e as ações transformadoras de
sua realidade.
Diante desta realidade esta pesquisa propôs um olhar diferenciado para as
questões de ordem subjetiva e objetiva que atravessavam a relação do idoso no
contexto social e implicou-se em escutar o que era trazido como tema principal no seu
discurso. A saber, uma negação da ética e da ecologia humana no cuidado com a
pessoa idosa no espaço público. Negação esta, que muitas vezes se inicia e é
naturalizada pelas próprias instâncias de organização política já instituídas que
deveriam, ao contrário disso, servir como suporte para o desenvolvimento de ações
sócio educativas e de serviços para a pessoa idosa. Alguns mecanismos de exclusão
da pessoa idosa são sustentados por resquícios de uma barbárie na transmissão de
um processo cultural e educativo que tem um discurso completamente diferente da
ação prática. Segundo Walter Benjamim, citado por Paulo Salles de Oliveira. (1998, p
36)
Não há documento de cultura, que não seja ao mesmo tempo, um documento de barbárie. E assim, como os próprios bens culturais não estão livres da barbárie, também não o está o processo de transmissão com que eles passam de uns aos outros”. (OLIVEIRA, 1998; p.36).
Segundo Beauvoir(1990) apud OLIVEIRA (1999, p 43) “para o velho, a primeira
das barbáries é o seu não reconhecimento como sujeito, como ser humano, com
existência real”. Ele é visto muitas vezes como quem já foi. Portanto já não é mais.
Esse exemplo pode ser reforçado pela fala de uma coordenadora CI 4 72ª (2006) que
diz:
29
Se a gente é convidada para participar de um fórum a gente vai, mas chega lá é só pra passar raiva, pois não adianta nada ir, porque a gente fala mas ninguém dá ouvido, nem anotar nada do que a gente diz eles anotam. Onde já se viu as pessoas fazerem reinvindicações e não se ter uma ata, um protocolo ou documento oficial que é levado a um órgão superior para que as decisões cabíveis sejam tomadas, e que a gente fique com uma cópia para cobrar. Vira uma conversa qualquer que não sai do lugar porque nem sei se alguma delas chega no prefeito. Ou se ele ficou sabendo nunca deu resposta pros grupos”
Diante desse quadro, fez-se necessário uma investigação mais ampla para que
pudéssemos ter uma visão psicossocial do fenômeno em estudo. Desta forma, a
participação política da pessoa idosa pôde ser melhor compreendida no contexto
cultural em que estavam inseridos.
Sabendo-se que a população está envelhecendo rápida e continuamente, de
forma que o Brasil representa, no Ranking mundial, o oitavo país com maior número
de idosos, e que incapaz de suprir as necessidades emergentes, o setor público conta
com a família do idoso e com as iniciativas comunitárias e solidárias, como principais
aliados no seu atendimento, torna-se imprescindível continuar ampliando as
investigações sobre o contexto psicossocial do idoso para que se possa compreender
com maior profundidade as relações grupais e os vínculos que são estabelecidos
entre a pessoa idosa, a comunidade e as instâncias de participação e de serviços.
Além desses aspectos, foi palco de atenção no Brasil, nos anos de 2006, 2009 e
2011, a primeira segunda e terceira Conferências Nacionais de Direitos da Pessoa
Idosa, cuja participação dos estados e municípios foi intensa agregando idosos de
todo o Brasil para discutir e propor deliberações, por via do Conselho Nacional de
Direitos da Pessoa Idosa. Entretanto, a despeito de toda a movimentação discursiva,
poucas ações propostas pelas deliberações foram de fato implementadas pelo poder
executivo. Isso ficou mais comprovado ainda pela escuta das coordenadoras, algumas
protagonistas destas conferências ao se colocarem na pesquisa.
A participação da população idosa deve ser tema de reflexão para a ciência e
para todas as ações que percebam a promoção e potencialização da pessoa Idosa,
bem como a consolidação dos seus direitos, como um fator de desenvolvimento para
o país. Por isso mesmo, a necessidade urgente de que a ciência Gerontologia amplie
e se implique em pesquisas que tenham uma ação efetiva e promovam um resultado
30
prático no cotidiano das pessoas. Ou seja, que a aplicação dos dados obtidos possam
funcionar como elemento que promova a transformação cultural da sociedade
Brasileira, especialmente no que diz respeito à concepção do velho, do
envelhecimento e da longevidade. Nesse caso, a pesquisa aqui desenhada provocou
em seu próprio curso, e na forma como foi se estabelecendo, um processo que não
apenas tem contribuído para ampliar o discurso das pessoas pesquisadas sobre a
velhice, mas que principalmente, tem trazido reflexões da própria pessoa idosa sobre
o seu discurso e sobre suas ações, no momento mesmo de sua participação.
Portanto, a expectativa é de que agora que se encerra, possa contribuir para expandir
os modos de ser e existir da pessoa idosa, na sua relação com o espaço público. Isto
necessariamente se refletirá nos processos de interação da sociedade com a pessoa
idosa.
A escuta foi estudada como um processo tanto na sua universalidade, quanto
na singularidade de uma escuta psicológica, baseada na abordagem sócio histórica.
Tratou-se de uma escuta não apenas do significado, dos signos ou das ações,
produzidas pelos sujeitos da pesquisa, mas da escuta do movimento decorrente dos
processos de produção subjetiva dos sujeitos no movimento de falar agir sobre o
mundo e dos efeitos disso sobre si mesmo e sobe sua realidade e teve desde a sua
concepção uma escuta que se implicada em escutar os cochichos e observar a sua
participação política como protagonistas nas diversas ações de construções da
política pública de atenção à pessoa idosa e as transformações decorrentes disso,
que como veremos provocou novas mudanças e novos questionamentos das pessoas
idosas sobre sua interação com o setor público.
Um terceiro ponto a ser marcado no suporte teórico é que a escolha pelos
teóricos se deu na forma dinâmica, em que a pesquisa foi acontecendo e exigindo
estudos e olhares de estudiosos que pudessem favorecer a reflexão sobre as ações já
iniciadas e realizadas pelo estágio nos fóruns de idosos na Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte. O que sedimenta uma participação efetiva e interdisciplinar da
Gerontologia e da Psicologia, num contexto cultural, no bojo de processos sociais que
acredito influenciarão definitivamente na melhoria das políticas públicas de atenção à
pessoa idosa e nas de condições da vida humana.
Finalmente, a pesquisa se desenhou numa metodologia que estabeleceu
31
íntima relação entre o conhecimento popular e o conhecimento acadêmico,
sustentado no tripé ensino-pesquisa-extensão e contribuiu com dados que subsidiarão
ações de fortalecimento da participação da pessoa idosa, bem como trará
contribuições para a prática docente, especialmente a que se aplica aos estágios e
programas extensionistas.
1.3.1 Revisão teórica sobre o envelhecimento e a velhice.
O aumento significativo da população de idosos no Brasil e no mundo é motivo
de grande preocupação tanto para o setor público como para a sociedade civil, não
apenas pelas implicações relevantes que acarretam no atendimento às necessidades
básicas de toda a população. Mas sobretudo pela dinâmica transformadora que
estabelece nas relações sociais e humanas e no contexto do cuidado de si e do outro,
o que atinge políticas públicas, de atenção a toda a população e mais especificamente
à pessoa idosa, visando a promoção do seu bem estar físico, psicossocial, econômico
e cultural.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o
número de pessoas com mais de 60 anos saltou de 14,5 milhões em 1999 para 23,5
milhões em 2011, representando 12,1% da população. Em 2020, a projeção é de que
esse total suba para 26 milhões. A projeção para a população idosa com mais de 65
anos, baseada no senso de 2010 é que passe dos 14,9 milhões (7,4% do total) em
2013 para 58,4 milhões (26,7% do total) em 2060. Ou seja, comparada com a
população atual, a população idosa com mais de 65 anos irá se quadruplicar até o ano
de 2060.
Ainda de acordo com as previsões baseadas no censo do IBGE, 2010, as
mulheres continuarão vivendo mais do que os homens, já que em 2060, a expectativa
de vida para as mulheres será de 84,4 anos, contra 78,03 dos homens. A, média de
vida das mulheres em 2013 atingiu os 78,5 anos, enquanto a média de vida dos
homens, os 71,5 anos. É importante destacar, que o grupo etário com oitenta anos e
mais atingiu um crescimento de quase 65% em números absolutos, em 2010. E
atingimos um contingente de mais de vinte milhões de idosos nesse mesmo ano.
32
Se os dados acima confirmam que a população idosa tem aumentado
sobremaneira nos últimos anos, Os dados no que se referem às leis que garantem a
proteção e efetivação dos direitos da pessoa idosa não acompanham nem à distância
tal crescimento. Nem mesmo o Estatuto do idoso após mais de Dez anos de sua
criação conseguiu tornar efetivas a maioria de suas propostas na execução e
operacionalidade das políticas públicas e dos programas e projetos de atenção ao
idoso; Embora, como bem se sabe, algumas delas que lá estejam expressas já
estivessem também presentes em outros instrumentos da legislação. Após três
conferências municipais, estaduais e nacionais de direitos da pessoa idosa, a
implementação das propostas ainda não conseguiu atingir o mínimo desejável ou
necessário à população, e as deliberações das conferências no que tange a assegurar
direitos fundamentais como a educação da pessoa idosa, até nos que parece ser mais
básico como a criação de programa televisivo em redes de comunicação pública, com
horário fixo no mínimo semanal como reza o estatuto do idoso com informações sobre
questões relacionadas aos direitos da pessoa idosa estão sem qualquer previsão de
execução na agenda das políticas públicas.
A região sudeste no Brasil é a região mais populosa em idosos, alcançando no
senso de 2010 a marca de 10.225.000 (10 milhões, duzentos e vinte e cinco mil
idosos) que representam 12,2% da população total desta região Minas Gerais é o
segundo Estado com maior população de idosos. Atingindo em números absolutos
569.000 idosos. Ou o correspondente a 11,2% do total da população do Estado.
Segundo o resultado da PNAD 2009.
A população idosa no Brasil portanto, vem crescendo de forma assustadora,
mas sem o devido acompanhamento de programas e políticas que possam dar base
para promover as condições básicas necessárias para esse crescimento. Segundo
Chamowicks (l998, p34) a população brasileira vem envelhecendo desde o início da
década de 60, quando as quedas na taxa de fecundidade começaram a alterar sua
estrutura etária, estreitando progressivamente a base da pirâmide populacional.
Passados apenas alguns anos a sociedade já se depara com demandas por serviços
médicos e sociais outrora restritos a países industrializados. Com a diferença de que
aqui, não contamos com uma infraestrutura que permita atender de forma adequada,
sequer as demandas da população idosa existente hoje. Isto aponta para uma crise
33
ainda maior no sistema de atendimento à saúde, a curto prazo, e para a necessidade
urgente de intervenções cada vez mais específicas para esta população.
Mostra a literatura, que nos grupos etários acima de 65 anos as doenças mais
comuns são as cardiovasculares, diabetes, neoplasias, doenças ósseo-articulares e
demência de Alzheimer. Cançado (l997, p.23). Tais problemas comprometem
diretamente a capacidade funcional, autonomia, e consequentemente a qualidade de
vida do idoso, abrangendo questões de direito e cidadania. Isso é mais importante que
a própria questão da morbidade, já que tais condições promovem a necessidade
ainda maior de assistência para esses idosos, por parte do Estado e da família.
Takashima (1994) pontua que o papel do Estado deveria ser não de substituto
da família, mas de grande aliado e fortalecedor deste grupo, proporcionando apoio ao
desempenho de suas responsabilidades. Mas, segundo afirma esse autor, de forma
muito explícita:
“O Estado não foi capaz de sequer de aplicar estratégias para efetiva
prevenção e tratamento das doenças crônico-degenerativas e suas
complicações, num contexto de desigualdades sociais e regionais, e o
idoso não encontra amparo adequado no sistema público de saúde e
previdência, e tão pouco no sistema social. Pois incapaz de suprir as
necessidades emergentes, assume uma postura de empurrar com a
barriga os problemas mais difíceis e perde o foco do cuidado e da
atenção, numa rede de serviços que não conta com uma perspectiva
de inter-setorialidade efetiva nas ações, e que de fato possa atender
às demandas da população idosa.” TAKASHIMA (1994, p.122). 8
Os grupos de convivência, neste contexto se mostram como equipamentos
sociais importantes, no sentido de propiciar um espaço de manutenção do convívio e
de trocas afetivas entre os participantes, mas para que o idoso e sua família alcancem
melhores condições de vida e saúde, os grupos necessitam do apoio do governo para
que funcionem de maneira mais eficaz, pois foram criados a partir de iniciativas
populares e não dispõe de aparato técnico que permita um atendimento de excelência
para os participantes.
8 TAKASHIMA, Geney M Karazawa “O desafio da Política de atendimento à família . Dar vida às leis, uma questão de Postura” in
família brasileira: a base de tudo.
34
Por outro lado, as coordenadoras de grupos de convivência são mulheres na
faixa etária de 60 a 80 anos, e em sua maioria sem preparo técnico e conhecimento
específico para exercerem a função de coordenação dos grupos, embora possuam
um conhecimento profundo da realidade local e dos problemas regionais nos quais
estão inseridas. Algumas das regiões na qual temos participação significativa são as
regionais noroeste e oeste de Belo horizonte. O projeto de pesquisa entrevistou as
coordenadoras de grupos de convivência dessas duas regionais e das oito regionais
restantes que quiseram espontaneamente participar, para escutar, segundo suas
falas, como se dá essa interação das coordenadoras com as principais instâncias de
que elas participam. A saber, o conselho municipal do Idoso, os fóruns de participação
nas regionais da prefeitura Municipal, as assembleias e encontros de grupos na
cidade de Belo Horizonte. A partir dos seus discursos conseguimos alguns elementos
para compreender melhor o que acontece nesse processo, e os fatores que podem
estar emperrando o processo de consolidação dos direitos da pessoa idosa e da
construção de políticas efetivas de atenção a esta população, segundo sua visão.
Desta forma os pressupostos teóricos que sustentaram a pesquisa foram
principalmente: o homem como sujeito sócio histórico transformando a si mesmo e ao
mesmo tempo à realidade. Em pleno e constante movimento. A velhice como um vir a
ser, um devir complexo imerso nos contextos bio-políticos econômico, social e afetivo.
A comunidade, na sua forma imanente, como pertencimento, e simultaneamente,
como processo de relacionamento de interdependência e solidariedade entre os seus
membros. O grupo como processo de reprodução de identidades, mas ao mesmo
tempo, propiciador de espaço para novas construções de subjetividade e processos
de subjetivação permanente e dinâmico, mas simultaneamente como um processo e
como espaço comunitário, de produção de sentido, produção de si e de processos de
subjetivação. A cultura como meio de transmissão e construção das formações
conscientes (linguagem e pensamento) e inconscientes (emoção e sentimentos) a
interpretação das culturas, como um processo denso, a participação política como
uma forma de cuidado de si e do outro, e as dinâmicas grupais na relação de poder e
de dominação estabelecidas na sociedade, como um processo a ser reinventado entre
os homens , a partir do estudo de temas, obras e autores aqui relacionados, tais
como as que estão dispostas abaixo:
35
A dinâmica da interpretação da cultura proposta na perspectiva da
antropologia hermenêutica de Cliffort Geertz, o conceito de homem sócio histórico,
propiciados pela abordagem sócio-histórica da psicologia e na sua análise crítica
sobre a própria psicologia, e sobre os processos de Ideologização, Alienação e
dominação presentes na relação sempre dinâmica indivíduo-sociedade sustentados
Por Vygotsky, Leontiev, Lane, Sawaia, Gofmann, Sant’ana, entre outros.
A dinâmica de grupo estudada por teóricos grupais como Bion, Pichon, Kurt
Lewin, Gregório Baremblitt, Afonso, entre outros;
Os conceitos de cochicho escuta e silêncio na perspectiva sócio histórica da
psicologia em Vygotsky e na perspectiva da autonomia em Paulo Freire, Vygotsky,
Foucault, Deleuze, na antropologia, à luz de Geertz, LE Breton e ainda nos
conceitos de alguns filósofos, especialmente os estoicos. (Epiteto, Cícero)
a) Os conceitos de comunidade presentes em Weber, Balman, Rabinovich,
Mercadante e Sawaia.
b) Os conceitos de participação política na dinâmica das relações humanas no
espaço público e privado propostas por Hannah Arendt, Foucault, Espinosa e
Gofmman.
c) Os estudos sobre afeto e potência presentes nas obras de Espinosa, Negri
Foucault e Deleuze e o afeto como potência de ação e transformação propostos por
Espinosa e Tony Negri, nos contextos de luta e transformação da realidade.
d) A metodologia de intervenção nas oficinas foi proposta com base na educação
popular de e nos círculos de cultura de Paulo Freire; na Ecopedagogia de Gadotti, e
nas oficinas em dinâmica de grupo propostas Por Afonso.
e) A questão do feminino e da memória e suas formas de manifestação do afeto
presentes, na história das mulheres no Brasil sob as vozes de vários autores como
Figueiredo e outros, e organizadas por Del Priore, e na perspectiva de touraine.
f) Os conceitos de tempo, envelhecimento e amizade na obra de David Konstan
Cícero, Espinoza e Foucault.
g) As obras clássicas e contemporâneas de autores que discutem a velhice, a
cultura e os modos de existir do idoso tais como Beauvoir, Minois, Oliveira,
Mercadante, Debert, Concone, Tótora.
h) A Senectude e a gerontologia crítica nos escritos de Negri e Iacub.
36
1.4 O desenho metodológico da pesquisa
O projeto, para o desenvolvimento desta pesquisa sustentou-se, num primeiro
m vertente antropológica e cultural com base na antropologia interpretativa de GERTZ
(1989omento, numa, p), e em sua perspectiva de interpretação de primeira mão e de
segunda mão, na qual o autor explicita que as falas coletadas pelos participantes já
trazem uma interpretação de primeira mão e que o olhar do pesquisador e sua
apropriação sobre os sujeitos pesquisados já seria uma interpretação de segunda
mão. A pesquisa utilizou-se da interlocução entre a pesquisa-ação e o conceito de
prática de educação popular proposta nos “círculos de cultura” por FREIRE (1989),
para a coleta dos dados mais gerais. Os relatórios de estágio foram utilizados como
uma fonte primária para buscar os dados iniciais sobre os cochichos das
coordenadoras entrevistadas e para identificar os discursos que mais se repetiam nos
grupos. Entrevistas individuais e trajetórias de vida das coordenadoras, foram usadas
para a coleta do material de relato verbal das coordenadoras no período que envolveu
os anos de 2002/2003. Dispositivos e instrumentos como oficinas em dinâmica de
grupo e entrevistas individuais foram utilizadas inicialmente e depois foram feitas
gravações por meio de filmagens com algumas das coordenadoras no ano de 2006,
ao serem entrevistadas.
Foi criada portanto, uma bricolagem de instrumentos de pesquisa para
subsidiar o processo, e para torna-lo mais rico. Como por exemplo, complementar
com as entrevistas de aprofundamento a narrativa das coordenadoras, no momento
de falar do grupo e de sua trajetória de participação, e as oficinas em dinâmica de
grupo, com as filmagens com as coordenadoras ocorreram no ano de 2006. Desta
forma, foram capturados os elementos presentes tanto no discurso como na
exposição das ações das coordenadoras. E em 2012 uma ação de participação
política também foi filmada, para coletar a fala das dez coordenadoras anteriormente
entrevistadas. Numa ação onde mais 70 coordenadoras também participaram.
A opção de gravar as imagens das coordenadoras após dez anos das
primeiras entrevistas e seis anos a pós as oficinas e filmagens em 2006 foi utilizada
para auxiliar na compreensão da pesquisa como um processo longitudinal.
37
É interessante lembrar que ao longo desse tempo da pesquisa, foram
registradas a morte de três coordenadoras de grupos de convivência de idosos, das
142 que participaram inicialmente do levantamento de dados do estágio. Três delas
deixaram o cargo no grupo. E duas delas se mudaram para outra cidade.
Foram convidadas para a segunda etapa da pesquisa 10 coordenadoras já
entrevistadas, que se mantiveram nas condições e critérios para que fossem
novamente entrevistadas. Compondo o mesmo número de participantes. Isso
favoreceu os estudos longitudinais.
Neste segundo momento foram novamente gravadas imagens dos cochichos
das idosas como parte ilustrativa das falas coletadas, e sob as mesmas perspectivas
teóricas que sustentaram os estudos e os trabalhos já desenvolvidos. A proposta foi
que a pesquisa pudesse analisar não apenas o discurso mas sobretudo a ação direta
das participantes da pesquisa num espaço de participação proposto por elas mesmas
ao setor governamental. Isso facilitou observar suas interpretações, seu modo de viver
e agir conforme essas interpretações, bem como analisar sua forma de se colocar nos
espaços de participação política.
A pesquisa foi sustentada por uma abordagem qualitativa e todo o estudo foi
entendido no seu contexto, já que a busca principal foi salientar os modos de existir,
interpretar e agir de mulheres idosas coordenadoras de grupos de convivência, no
grupo e na transformação de si mesmas e da realidade, num contexto participação
coletiva nas políticas de atenção ao idoso.
O trabalho foi fundamentado em duas perspectivas metodológicas: a
perspectiva etnográfica da antropologia hermenêutica e a pesquisa-ação. A
abordagem psicológica que subsidiou teoricamente a análise dos processos e ações
desenvolvidas pelos sujeitos pesquisados foi a perspectiva sócio histórica de
Vygotsky(1934; 1993) na obra pensamento e linguagem, e no seu complexo estudo
da consciência no texto o problema da consciência(1933,1968,1996) cuja
compreensão de homem e de mundo estabelece intima relação com a atividade e cujo
contexto emocional e afetivo não se separa do contexto social e político em que se
inserem, e se manifestam por meio da atividade que realizam. E desta forma as
produções consciente e inconsciente são ambas operacionalizadas pelas mediações
semióticas, pois esta teoria dialoga tanto com o método etnográfico de pesquisa,
38
quanto com a pesquisa-ação. As discussões e apreensões das ideias de Vygotsky
foram mediadas nos seus pontos mais complexos pela interpretação de Molon (2009)
e de Rey (2011). E tanto o processo de pesquisa como os sujeitos envolvidos foram
vistos no seu movimento, na sua dinâmica de transformação de si mesmo e da
realidade, desde a coleta dos dados até a sua interpretação. Por tratar-se de um
estudo que tem um viés longitudinal, esse processo foi desenvolvido em duas etapas
e envolveu os seguintes processos na sua primeira etapa.
1.4.1 A delimitação do campo
Baseada numa perspectiva etnográfica, para a identificação e delineamento
tanto do campo como do objeto e do tema de estudo. Em vários momentos, auxiliada
pela pesquisa-ação, a pesquisa envolveu o estudo de grupos comunitários de idosos
advindos das classes populares, de bairros periféricos de Belo horizonte. Portanto,
estamos falando de uma pesquisa no campo de estudos de antropologia urbana e da
psicologia social comunitária. Utilizamos como base para levantar os primeiros dados
sobre os grupos as informações contidas nos relatórios do estágio supervisionado “o
psicólogo na comunidade” do curso de psicologia, uma atividade investigativa de
levantamento de características e demandas dos grupos de convivência de idosos de
Belo Horizonte. O levantamento fora realizado pela Pró reitoria de extensão e pelo
estágio o psicólogo na comunidade, através do programa PUC MAIS IDADE, com o
fim de criar atividades na universidade com o apoio dos conselhos Estadual e
Municipal de idosos e com a coordenadoria municipal de direitos da pessoa idosa.
Nesse levantamento, participaram 142 coordenadoras de grupos de convivência, e os
seus respectivos grupos.
Na época o número de grupos de convivência cadastrados no conselho
municipal de idosos somava um total de 102 (cento e dois) grupos, portanto, 40 deles
não estavam cadastrados. Desse total de 142 grupos de convivência de idosos
pesquisados, a totalidade deles já havia participado de atividades do programa PUC
MAIS IDADE na universidade e 45 deles já haviam participado do estágio
supervisionado “o psicólogo na comunidade”. Isso significa que num primeiro
momento optamos por levar em consideração esse estudo, apenas como base para
39
delinearmos os grupos que iriam participar. Esses 45 grupos estavam distribuídos nas
Regionais segundo mostra o mapa a seguir.
Figura 2 - Mapa de localização dos grupos de convivência
Pesquisados
Fonte: O desenho de base do mapa foi retirado do site da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
e demarcação da localização dos grupos foi feita pela pesquisadora.
O levantamento de dados sobre os grupos que envolveu os 142 grupos,
realizado em parceria com a Prefeitura Municipal e os conselhos abordava os
aspectos mais quantitativos do grupo, embora contivesse questões abertas que
sinalizaram aspectos qualitativos e que foram explorados posteriormente. Isso
possibilitou que o mapeamento das principais características e demandas de atenção
advindas dos grupos de convivência fosse utilizado como base para iniciar a nossa
pesquisa como já explicitado; pois logo depois de analisar esses dados, delimitamos
os grupos que seriam pesquisados no projeto Vozes na coxia.
O Primeiro critério para a delimitação dos grupos e dos respetivos
coordenadores que participaram das duas fases da pesquisa desenvolvida no
LEGENDA
Localização geográfica aproximada dos 10 grupos cujas coordenadoras foram entrevistadas na primeira e na segunda fase da pesquisa, e cujos cochichos foram então discutidos na dissertação;
Localização geográfica aproximada dos
45 grupos que participaram simultaneamente
do programa de estágio e dos fóruns
municipais e conselhos de idosos e cujas
coordenadoras foram abordadas
anteriormente para o mapeamento dos
grupos de convivência
40
mestrado foi a condição sócio histórica e de participação dos grupos considerando
sua origem, seus desejos de mudança e de participação na pesquisa, suas
dificuldades financeiras e sociais para promover essas mudanças. Portanto,
separamos grupos que advinham de comunidades e bairros populares da periferia de
Belo Horizonte, e que contivessem pelo menos 50% dos idosos participantes com
renda pessoal entre zero até dois salários mínimos. A renda familiar não foi utilizada
como critério direto, embora fosse também observada porque no caso da pessoa
idosa advinda de classes populares, era interesse também saber em que medida a
renda do idoso interferia na composição da renda familiar e além disso, a renda
pessoal dos participantes era um dado cuja maioria dos grupos já possuía acesso.
O segundo critério foi de que esses grupos deveriam ter sido formados na
própria comunidade, a partir de uma lógica comunitária, ou do desejo de um dos seus
participantes, e não a partir de uma demanda governamental ou para atender
diretamente a programas governamentais de saúde assistência etc. Embora, vários
desses grupos comunitários, especialmente dos 142 grupos abordados inicialmente,
tenham sido posteriormente ajuntados aos grupos do CRAS 9 , para compô-los
numericamente e alguns deles, que não possuíam registros, até renomeados como
grupos governamentais, segundo informaram as coordenadoras, com alegação dos
técnicos que dirigiam os programas governamentais de que só assim poderiam levar
mais benefícios, para sua comunidade, como foi registrado na pesquisa em alguns
dos seus cochichos. Portanto foram eliminados para os estudos os grupos que faziam
parte de programas criados já a partir de um projeto ou lógica governamental,
exatamente por que a intenção era focar na pesquisa as características desses
grupos comunitários, com os quais trabalhávamos, nascidos mais por uma dinâmica
da comunidade, e de entidades ligadas à sociedade civil. Vários desses grupos
haviam sido acompanhados pelo programa de estágio da PUC Minas desde os
processos iniciais de sua formação até seu estabelecimento como grupo e como
pessoa jurídica.
O terceiro critério levou em conta a condição de participação simultânea
desses grupos nos setores públicos, especialmente nos espaços dos conselhos de
9 Conselhos Regionais de Assistência Social
41
direitos da pessoa idosa e dos fóruns regionais da prefeitura, e no estágio” o psicólogo
na comunidade”. Isso porque o vínculo com a universidade os inseria num programa
de extensão que propiciava atividades de reflexão e de construção de espaços para
que pudessem falar livremente de suas questões sem a tutela dos espaços
governamentais. Esse critério auxiliou-nos também na redução do custo da pesquisa
e na aquisição de equipamentos e recursos de mão de obra para a gravação das
entrevistas em vídeo por exemplo. Além disso propiciou-nos acompanhar passo a
passo o processo de mudança desses grupos na sua forma de engajamento social,
comunitário e político, ao longo do processo de pesquisa.
O quarto critério considerou o envolvimento do grupo nas ações destinadas a
processos comunitários de desenvolvimento local e de auto sustentação, exatamente
porque queríamos avaliar a dimensão participativa das coordenadoras e o que
falavam desta participação. A decisão foi de entrevistar aquelas coordenadoras que
estavam presentes em diversas atividades participativas tanto na comunidade como
no setor público e na universidade.
O quinto critério levou em conta a condição de recursos humanos que possuía
o próprio grupo, pois a ideia era favorecer os grupos mais carentes de recursos
humanos sociais e financeiros e propiciar pela pesquisa o desenvolvimento de
possibilidades de crescimento, organização e fortalecimento desses grupos. Estes
critérios foram estabelecidos na pesquisa porque ela faz ponte entre o ensino
pesquisa e extensão e a proposta do estágio que originou esta aproximação com as
coordenadoras sempre foi de trabalhar com grupos comunitários que já haviam
espontaneamente demandado acompanhamento psicológico da universidade e que
simultaneamente tivessem uma participação, ainda que pequena, nos fóruns regionais
e conselhos de direitos, porque desta forma, teríamos mais acesso aos grupos. Além
disso, o vínculo construído com a comunidade, nos permitiria a aproximação
necessária para a pesquisa, na metodologia proposta. Afinal a premissa básica era de
que a pesquisa fosse realizada a fim de trazer benefícios não só para a academia,
mas para os grupos e para a comunidade. Além disso esperava-se que o processo de
pesquisar por si só já pudesse de antemão promover a reflexão e o fortalecimento do
grupo e da comunidade e por último ainda, que iluminasse-nos na busca de soluções
42
para os problemas e demandas advindas da comunidade e consequentemente,
contribuísse com a necessidade de produção acadêmica nessa área.
É importante lembrar que na própria atividade de estágio, já estava mais que
explícita a queixa de alguns grupos em relação aos processos de inclusão/exclusão
na participação política, e de igual forma estavam explícitas suas demandas de
ampliar o seu espaço de participação nas instâncias de decisão sobre as políticas de
atenção ao idoso. Por isso, foram realizadas entrevistas de aprofundamento sobre os
grupos de convivência e foram registradas as narrativas das trajetórias de vida e da
participação política das coordenadoras nos grupos de convivência de idosos. Por
meio desses critérios, elegemos então os grupos que participavam simultaneamente
dos fóruns regionais e dos conselhos de direito de pessoas idosas e do estágio o
psicólogo na comunidade na atividade de acompanhamento terapêutico e ou escuta
aos grupos de idosos. Pois além de já terem um vínculo bom com a universidade,
teriam disponibilidade para participar do projeto. Os grupos com essas características
somaram um total de 45(quarenta e cinco grupos).
Embora todas as coordenadoras tenham trazido seus cochichos, desse total,
utilizamos para a construção da pesquisa apenas os cochichos das 10 coordenadoras
de grupos de convivência, que foram entrevistadas em 2003 e em 2006 e que
participaram também da oficina de desenvolvimento humano político e social das
coordenadoras no ano de 2012. Conseguimos ao final, a participação de
coordenadoras representando um grupo de cada regional de Belo Horizonte, o que
era desejado na pesquisa. O fato de coletar por precaução os cochichos de 45
coordenadoras, na etapa inicial foi por prever algum tipo de dificuldade que pudesse
interferir na pesquisa, já que algumas delas possuíam uma condição de fragilidade na
saúde, e também para assegurar dados para outros estudos longitudinais para o qual
os dados coletados poderiam servir posteriormente. Este fato nos auxiliou muito
quando após dez anos duas delas haviam morrido duas haviam se mudado para outra
cidade e outras três deixaram de ocupar essa função. Uma por questões de saúde e
duas por questões familiares.
Cada etapa do trabalho correspondeu a uma etapa simultânea de participação
política das coordenadoras nas diversas instâncias de participação política. Em cada
etapa participaram, de forma indireta, estagiários dos cursos de psicologia e de
43
comunicação. O quadro abaixo retrata as etapas desse percurso anterior até a
pesquisa atual e resume todas as atividades que envolveram a coleta de dados para a
pesquisa desde os momentos que precederam à primeira incursão no mestrado e
cujos dados serviram de base para o nosso estudo, até o momento final da pesquisa
na segunda incursão da pesquisadora no programa de mestrado, para que seja
possível ao leitor identificar todo o processo de coleta de dados que será exposto
detalhadamente a seguir.
Quadro 1 - Etapas e formas de realização da coleta de dados desde as
atividades que precederam e deram suporte à pesquisa de mestrado até o final
da pesquisa
Período (anos)
Atividade Realização Número de participantes
Programas
1995-2014
Escuta psicológica nos grupos de convivência por meio de oficinas em dinâmica de grupo e da escuta terapêutica
Pesquisadora e estagiários vinculados ao estágio o psicólogo na comunidade
De 12 a 60 pessoas entre coordenadoras e membros por grupo
Estágio Supervisionado VI – “O psicólogo na comunidade”
1999-2000
Encontros mensais com as
coordenadoras
Pesquisadora e dois extensionistas
Um total de 45 coordenadoras
Pró reitoria de Extensão da PUC Minas/Estágio o psicólogo na comunidade
2000/2002 Levantamento de dados sobre os grupos de convivência por meio de questionário
Pesquisadora, colaboraram nesta atividade seis extensionistas e um professor
142 Grupos e coordenadoras /coordenadores de grupos responderam ao questionário
Programa PUC MAIS IDADE na Pro reitoria de extensão da PUC MINAS, e conselhos municipal e Estadual do Idoso
2002/2003 Levantamento de dados por meio de oficinas em dinâmica de grupo e trajetória de vida
Estagiários e pesquisadora
45 coordenadoras PUC MAIS IDADE/ Estágio Supervisionado VI
2003/2006 Levantamento de dados por meio de entrevistas de aprofundamento e construção da trajetória de vida e entrevistas
Pesquisadora e dois estagiários voluntários
45 coordenadoras
sendo que cada uma
coordena um grupo de
cada regional. Da
prefeitura de Belo
Horizonte
Pesquisa do programa de Mestrado na primeira incursão da pesquisadora no programa de gerontologia da PUCSP
44
Período (anos) Atividade Realização Número de
participantes
Programas
2006 Entrevistas
registradas por
filmagem em
variadas
atividades dos
grupos
Pesquisadora e
dois estagiários
de comunicação.
extensionistas
10 coordenadoras de grupos de convivência De idosos
Pesquisadora,
PROEX PUC
Minas e Programa
PUC MAIS IDADE
2006/2012 Acompanhamento
das atividades das
coordenadoras de
idosos nos
grupos, nos fóruns
e nos conselhos
de idosos
Pesquisadora e
dois estagiários
do curso de
comunicação
10 Coordenadoras
de grupos de
convivência de
idosos
Pesquisadora e
estágio
supervisionado o
psicólogo na
comunidade
2012 Captura das falas
das pesquisadas
numa ação de
participação
política
Pesquisadora,
dois estagiários
de psicologia e de
comunicação e
um psicólogo
10 coordenadoras
pesquisadas e
consideradas para
a pesquisa com a
participação de
mais 70
coordenadoras
PUCSP Mestrado
em Gerontologia
em parceria com o
Spázio Vitalitá e a
Rede de Amigos
Idosos e
Solidários
Fonte: Bancos de dados da pesquisa- Arquivo mantido pela pesquisadora
45
1.4.2 A coleta de dados
Nesta fase que precedeu a pesquisa descrita nesse trabalho, tivemos então as
entrevistas de aprofundamento sobre as características do grupo, e os registros das
narrativas da trajetória de vida e de participação política das coordenadoras de
grupos. Isso ocorreu no ano de 2002. Logo depois analisamos os cochichos que mais
se repetiram nos relatórios de estágio dos alunos no período de 1995 a 2002, para
que pudéssemos coletar os dados sobre esses cochichos, que seriam realizados com
o uso das oficinas em dinâmica de grupo como método de intervenção psicossocial
proposta por AFONSO(2010) aplicadas diretamente, nos grupos aos quais pertenciam
as coordenadoras.
De acordo com os relatórios dos alunos, as 10 temáticas mais cochichadas nos
grupos nesses anos que antecederam a pesquisa foram: grupos de convivência,
políticas públicas, família medo, e relações intergeracionais na vida contemporânea;
morte; corpo e saúde; trabalho e aposentadoria; relações amorosas; memórias do
tempo vivido; sendo que os quatro primeiros foram os mais repetidos.
Após as oficinas em grupo, analisamos os diários de campo ou relatórios
semanais dos alunos do estágio, sobre os grupos de convivência e a forma de se
relacionarem na comunidade, bem como os comentários sobre as oficinas realizadas
e sobre os cochichos mobilizaram o grupo e cuja participação foi mais intensa no
sentido da manifestação de elementos conscientes (linguagem e pensamento) e
inconscientes (emoções e afetos) sustentados na abordagem sócio histórica da
psicologia.
Após esta análise, selecionamos então os cochichos que geraram maior
comoção e discussão nos grupos no calor de eventos de participação coletiva, e que
foram: cochichos sobre os grupos de convivência, cochichos sobre políticas públicas
e sobre a família, mas observamos depois de escutá-las e acompanhá-las em campo,
que o medo foi um cochicho que transversalizou todos os outros e se repetiu, de
forma insistente, como pano de fundo dos outros cochichos, embora não tivesse sido
ainda abordado diretamente como um tema em separado. Tal cochicho era muito
evidenciado, como expressão emocional e atitudinal, especialmente quando havia
referências ao corpo à saúde ou a situações de necessidade de utilização de
46
cuidados familiares, de serviços e políticas públicas. Fizemos uma oficina e um
seminário para discutir também esse tema e o elegemos como um cochicho a ser
pesquisado na fala das coordenadoras. Esse cochicho foi, então, coletado como tema
no intervalo do seminário sobre o medo.Segundo o relato dos alunos o discurso sobre
o medo foi por um lado o que gerou maior resistência para iniciar a oficina e foi trazido
em primeira mão de forma muito superficial, mas depois foi se aprofundando e trouxe
muitas contradições nas manifestações e nos discursos dos participantes. Por essas
características ele foi acrescentado aos outros três (grupos de convivência, família e
políticas públicas) formando um total de quatro cochichos que eu trabalhei na
pesquisa, uma vez que o medo mostrou-se uma emoção presente não apenas com o
seu traço de universalidade nos discursos, mas nas características singulares das
ações dos sujeitos envolvidos na pesquisa; o que de alguma forma apontava
algumas possibilidades conectivas entre as significações culturais e psíquicas que
alimentavam um estado de sujeito em ação e o caracterizava de alguma forma
nesses espaços sociais que ali estavam sendo discutidos pois como afirma
REY(2003; p.36).
As emoções são registros complexos que com o desenvolvimento da
condição cultural do homem passam a ser uma forma de expressão
humana ante situações de natureza cultural que surgem em sistemas
de relações e práticas sociais. REY (2003; p.36)
Interessava-me ainda Explorar o discurso sobre o medo e os outros cochichos
que mais se repetiram e geraram maior comoção no grupo; agora num discurso
individual das coordenadoras mas de forma conectada com uma ação coletiva e
significativa para elas para tentar produzir possibilidades conectivas entre emoções e
ações que pudessem tocar de forma mais potente a necessidade. Já que é na
unidade entre o simbólico e o emocional que o seu sentido subjetivo se manifesta.
Segundo afirma REY(2003, p.76):
“O sentido subjetivo da emoção se manifesta pela relação de uma
emoção com outras, em espaços simbolicamente organizados dentro
dos quais as emoções transitam. Desta unidade entre o simbólico e o
47
emocional, sem que um desses momentos seja reduzido ao outro, se
define o sentido [...] é precisamente este registro quando uma
produção emocional ainda não se constitui como sentido subjetivo, que
nos permite falar em necessidade”. (REY, 2003, p.76).
Entendendo aqui a necessidade como um estado afetivo que aparece segundo
afirma o mesmo autor, pela integração de um conjunto de emoções advindas de
diferentes situações no curso de uma atividade realizada pelo sujeito; e como estados
produtores de sentido associados à atuação do sujeito numa atividade concreta. E
esse sentido vai ser gerado no contexto mesmo de realização da ação. Assim as
entrevistas foram realizadas individualmente nas seguintes circunstâncias: após uma
oficina no curso de capacitação de coordenadores de grupos de convivência de
idosos, após um encontro de grupos de convivência, no intervalo de um seminário
temático, e após uma oficina de reminiscências na universidade durante o ano de
2006.
É interessante observar que uma das características da pesquisa-ação é que
os sujeitos envolvidos estejam participando ativamente da construção e realização do
projeto de pesquisa. Neste ponto é necessário afirmar que todas as atividades foram
demandadas por eles, exceto o seminário e o work shop sobre o medo que foi uma
sugestão da pesquisadora. Além disso toda a escolha dos locais bem como a
organização da comunidade que também poderia participar das atividades era
realizada pelas coordenadoras, numa ação conjunta e participativa, do princípio ao fim
do trabalho de pesquisa.
Desta forma embora a segunda coleta tenha sido também individual, possuiu
características diferentes da primeira entrevista de aprofundamento realizada com
elas. A saber: ocorreram na presença e participação de duas ou três colegas e outras
pessoas observando-as, num espaço coletivo como no grupo, na universidade, no
calor, ou na proximidade de uma atividade coletiva, da qual estivessem participando
ativamente. Isso foi indispensável para sustentar a proposta de entendimento do
sujeito e da construção da subjetividade num espaço de intersubjetivação que envolve
toda a complexidade da tessitura social afetiva, histórica e biológica das mulheres
idosas. A sustentação desta perspectiva sócio histórica de sujeito também fez ponte
com a noção de cultura proposta por Geertz na medida em que ele a situa como um
48
processo dinâmico e relacionado com a produção de sentido e a produção de
processos de desconstrução e construção contínuos. Desta forma as entrevistas
foram realizadas observando as atividades das coordenadoras de acordo com o
quadro abaixo:
Quadro 2 - Distribuição dos locais de entrevistas filmadas com as
coordenadoras de grupos
COCHICHOS
ATIVIDADE MOMENTO LOCAL OBSERVADOR
Cochichos sobre os
grupos de
convivência
Encontro com
grupos de
convivência
Antes do
encontro
No pátio de uma
igreja onde se
reuniram
3 professores
Cochichos sobre a
família
Oficina de
“memórias sobre
A família”
Antes e depois da
oficina
Num corredor de
passagem próximo
ao local da oficina
3 Colegas da
sala de aula
Cochicho sobre
políticas públicas
Curso- oficina de
capacitação de
coordenadores
No final da oficina Em frente à sala de
aula do curso
3 Colegas do
próprio grupo
Cochichos sobre o
medo
Seminário e
workshop sobre o
medo
No intervalo entre
o seminário e o
work shop
Nos jardins da
Universidade
Transeuntes
aleatórios da
universidade
Fonte: Bancos de dados da pesquisa- Arquivo mantido pela pesquisadora
Na segunda etapa, após decorridos 10 anos da primeira entrevista, apenas os
coordenadores de grupos de convivência de idosos que já haviam sido entrevistadas
e que continuaram participando do estágio supervisionado o psicólogo na comunidade
até o ano de 2012 foram convidados como sujeitos de pesquisa, embora, como pode
ser visto nos registros de imagem, configurou-se num espaço aberto à participação de
outros coordenadores de grupos de convivência de idosos.
O evento denominado “primeira oficina de desenvolvimento humano político e
social dos coordenadores de grupos de convivência” nome escolhido pelos
componentes do grupo RAIS que elaboraram juntamente comigo a oficina. É
49
importante salientar que a oficina partiu inicialmente da intenção de atender à uma
demanda das coordenadoras e simultaneamente servir como espaço para a pesquisa.
A oficina foi primeiro elaborada pela coordenadora do grupo “RAIS” juntamente
com algumas coordenadoras de grupos de convivência participantes também do
grupo Congregou o total de 10 ( dez) coordenadores de grupos de idosos ,
participantes da pesquisa desde sua fase inicial, e mais 60 coordenadores e líderes
comunitários de grupos participantes nas etapas iniciais e não participantes da
pesquisa, além de 6 (seis) estagiários, um professor da área do envelhecimento,
observador além de pesquisador, um representante da coordenadoria de direitos da
pessoa idosa, um representante do legislativo municipal, um representante do
legislativo estadual e também presidente da frente parlamentar do idoso, na
“Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.”
Participaram ainda, quatro assessores parlamentares e trinta membros de
grupos de convivência de idosos de todas as regionais de Belo Horizonte, o que
somou um total de 112 participantes, embora os cochichos considerados para análise
na pesquisa tenham sido de novo apenas os cochichos das 10 coordenadoras que já
haviam participado da primeira etapa do projeto de pesquisa. Os membros que
quiseram e puderam participar de livre e espontânea vontade da pesquisa assinaram
para o grupo o termo de responsabilidade e sessão da imagem. De maneira que cada
coordenador de grupo ficou de posse desses termos, e a pesquisadora, com uma
cópia. Para a pesquisa coletamos diretamente os termos de compromisso e sessão
de imagens assinados pelos representantes do grupo, como pessoa jurídica, e por
cada coordenador que participou diretamente da pesquisa, como pessoa física.
Assinaram também esses termos os dois parlamentares e seus assessores, que não
´pertenciam a nenhum grupo de convivência.
Os cochichos foram gravados por meio do registro em vídeo, das demandas
trazidas pelas coordenadoras, e de sua participação direta na oficina de
desenvolvimento humano político e social, proposta pelo grupo RAIS (Rede de
Amigos Idosos Solidários). A oficina não foi construída para a pesquisa, antes a
pesquisa aproveitou a proposta que já existia nos grupos de ampliar as formas e os
espaços de participação política, como instrumento de participação inventado pelas
próprias coordenadoras para que funcionasse como um fórum de participação política
50
diferenciado dos conselhos e dos fóruns regionais , onde elas pudessem ter mais
liberdade, mais proximidade dos políticos e onde os processos burocratizantes e
hierarquizantes não influenciassem tanto, atravessando seus cochichos e a escuta
que tanto almejavam dos seus interlocutores. Ou seja, como queriam construir um
espaço que fosse mais próximo dos espaços que utilizavam em suas comunidades no
qual os coordenadores pudessem trazer todos os cochichos e demandas dos grupos
de convivência simultaneamente e diretamente para um representante do legislativo
estadual e do legislativo municipal.
A pesquisadora se posicionou apoiando a iniciativa, e auxiliando-as com a
infraestrutura, o espaço físico, o suporte organizacional e o apoio técnico que elas
necessitavam para construir esse instrumento, e como troca, obteve delas e dos
colaboradores a autorização para gravar e utilizar os seus cochichos na
pesquisa.Com a condição de que a pesquisadora pudesse se pronunciar também
sobre as demandas das coordenadoras para os parlamentares.
A escolha por escutar os cochichos das coordenadoras de forma coletiva no
calor de uma ação de participação política, elaborada por elas mesmas, foi justificada
no fato de que esta pesquisa baseia-se na premissa básica de que o sujeito histórico
social se constrói e constrói a realidade num movimento dialético. Na sua interação
com a realidade e na complexidade dos seus afetos. Daí o apoio no método da
pesquisa ação. Já que o objetivo da pesquisa foi valorizar esse movimento do sujeito
sócio histórico e tentar capturar o cochicho e as significações trazidas pelas
coordenadoras sobre a sua participação política na dinâmica em que se constroem as
suas ações ao participarem das políticas públicas. Portanto, o método de coletar os
dados é que nesse caso foi criado. Inventado, a partir desse movimento do que se
quis compreender dessa realidade. Como um caminho, ou um procedimento que
deveria estar vinculado à forma como foi concebida a realidade e nunca poderia se
antecipar a ela. Ademais nessa perspectiva não se busca uma causalidade, como
uma explicação, mas a compreensão de certos aspectos do sujeito e da realidade,
mediados por inteiro compromisso ético político, sabendo-se que esse processo
jamais será protegido pela neutralidade Como afirma LANE sobre essa forma de
pesquisar (1985, p18):
51
Pesquisador e pesquisado, se definem por relações sociais que tanto podem ser reprodutoras como podem ser transformadoras das condições sociais onde ambos se inserem. Desta forma, conscientes ou não, sempre a pesquisa implica em intervenção de uns sobre os outros. (1985, p18).
Desta forma, a oficina na qual realizamos a segunda etapa da pesquisa teve a
duração de um dia inteiro de 9h da manhã às 17 horas da tarde no dia 28 de Abril de
2012, num espaço cedido para o grupo. Participaram dela as 10 coordenadoras
entrevistadas e cujas falas foram gravadas. Mas além delas participaram também um
total de setenta coordenadoras e líderes de grupos de convivência. A coleta das falas
foi feita por meio de filmagem.
Na organização do evento foram envolvidas várias idosas coordenadoras de
grupos de convivência pertencentes às diversas regionais de Belo Horizonte. O Grupo
RAIS (Rede de Amigos Idosos solidários), que nasceu com a intenção de agregar e
organizar os grupos de convivência de idosos, foi o propositor da ideia da oficina e foi
quem articulou os outros grupos para estarem presentes no encontro. Na época eles
convidaram diversos políticos para estarem presentes mas apenas um vereador da
câmara Municipal respondeu ao convite. De igual maneira no Estado, apenas o
presidente da Frente Parlamentar do Idoso na Assembleia Legislativa atendeu ao
convite.
As coordenadoras se reuniram antecipadamente pelo menos durante três
meses para organizarem suas demandas e para montar o programa da forma como
gostariam. Nesta ação contaram também com o auxílio de pessoas advindas das
comunidades vizinhas de sua região.
A oficina foi dividida em duas partes uma pela manhã, e duas pela tarde, com
um intervalo para o almoço. Cada parte foi composta de dois momentos detalhados
na tabela que se segue abaixo, intercaladas pelo almoço comunitário, e com pequeno
lanche servido pela manhã e pela tarde. Observamos que o empenho das
coordenadoras bastante intenso na organização das tarefas a serem desenvolvidas e
que a ação parece tê-las deixado cheias de satisfação. A oficina de desenvolvimento
52
humano, político e social para coordenadoras e grupos de idosos foi composta então
de quatro atividades específicas tal como expostas no quadro abaixo:
Quadro 3 - Atividades da Oficina de desenvolvimento humano político e social
para coordenadores de grupos de convivência de idosos. (realizada em 28 de
Abril de 2012)
ATIVIDADES DA
OFICINA
PARTICIPANTES/
APRESENTADORES
METODOLOGIA E
INSTRUMENTOS
RESULTADOS E
ENCAMINHAMENTOS
1) Apresentação dos
grupos: histórico
conquistas, desafios e
demandas
Coordenadoras de
grupos de convivência
Cochichos individuais
apresentados para o
grupo e filmados
Registro em Filmagem
encaminhado para os
grupos
2) Avaliação das
políticas públicas
programas e projetos à
luz das demandas dos
grupos em conjunto.
Coordenadoras de
grupos de convivência
Discussão em
pequenos grupos
Registros escritos
pelos coordenadores e
observados pelos
estagiários
Registros escritos
encaminhados para a
pesquisadora e
sintetizados para
encaminhar ao prefeito
com cópia para a
Secretaria de Direito e
Cidadania
3)Apresentação/tradução
das demandas dos
grupos e das críticas à
política pública para o
representante da câmara
municipal
A pesquisadora Registradas por
filmografia
Registro em filmagem
editado para os grupos e
para a câmara Municipal
4) Encaminhamento das
demandas, avaliações e
proposições de ações
para a Frente
Parlamentar do idoso
Uma coordenadora da
rede de grupos de
convivência de idosos
Registradas por
filmagem
Fonte: Arquivo de atividades da pesquisa e do Grupo Raís: Rede de amigos idosos e solidários
53
A oficina foi dividida em quatro momentos principais. No primeiro momento
após um café onde houve o acolhimento de todos os participantes, foram trazidos
cochichos sobre os grupos e de convivência de idosos e de apresentação das
coordenadoras sobre a situação do seu grupo naquele momento, as conquistas e os
desafios do grupo, e uma breve avaliação do seu trabalho e das mudanças ocorridas
no grupo, após as conferências municipais, estaduais e nacionais de direitos da
pessoa idosa. Nesse primeiro momento o cochicho foi realizado apenas com os
colegas coordenadores de outros grupos;
O segundo momento foi de participação das coordenadoras, no qual elas
trouxeram suas avaliações sobre as políticas públicas, e sobre sua experiência de
participação e interação com os programas projetos serviços públicos e ainda, as
questões e demandas dos grupos, para os conselhos e para o representante do
legislativo municipal no que dizia respeito a ampliação desses processos de
participação e dos fatores que estão atravessando esses processos de participação.
Nesse momento, a pedido delas, a pesquisadora fez a tradução das demandas
trazidas pelos grupos para um representante do legislativo municipal.
Houve então um intervalo de 1h:30 minutos para o almoço e logo depois o
prosseguimento das atividades com o terceiro momento da oficina.
O terceiro momento, correspondeu a um espaço de oficina em grupo no qual as
coordenadoras se reuniram em pequenos grupos para escutar as demandas uns dos
outros e falar dos dois outros cochichos que já haviam trazido, anteriormente a saber:
grupos de convivência, família e medo, e propor políticas, programas, projetos e
serviços de atenção ao idoso de acordo com o objetivo de responder às demandas
cochichadas.
No quarto momento todos os cochichos trazidos foram traduzidos agora por um
coordenador de grupo, para o representante do legislativo estadual e para a Frente
Parlamentar do Idoso na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais com
vistas a obter respostas, orientações e encaminhamentos para solucionar as questões
trazidas pelos grupos A oficina funcionou simultaneamente como um momento de
participação política com representantes do legislativo. Os idosos dialogaram
diretamente com o deputado e presidente da Frente Parlamentar do Idoso na
Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais).
54
Os trabalhos foram então encerrados com a fala das coordenadoras e com um
lanche servido a todos os participantes.
A metodologia utilizada para a oficina observou a característica
predominantemente qualitativa da pesquisa. Foram gravadas imagens dos cochichos
das idosas a fim de serem selecionadas e editadas num vídeo para devolvê-las
juntamente com um documento de transcrição das falas para os grupos e, para que
eles pudessem acessar as suas falas e a fala dos parlamentares e até para
analisarem o que foi ou não esclarecido e o que puderam avaliar desse encontro e
desse novo espaço de participação inventado por elas.
Os cochichos das coordenadoras foram apreciados sob as mesmas
perspectivas teóricas que sustentaram os estudos e os trabalhos já desenvolvidos. A
proposta foi que a pesquisa pudesse obter a interpretação das participantes não
apenas sobre o seu discurso mas observar como esta interpretação sustentava sua
ação num espaço de participação proposto por elas mesmas ao setor governamental.
Interessava-me também observar nesse movimento de interpretar e agir a partir do
sentido e do significado atribuído a este espaço, se elas, conseguiam identificar os
dispositivos que potencializavam seus avanços nessa participação e que dispositivos
reduziam sua potência.
Por isso foi mantida a intenção de entrevistá-las em momento e clima que os
envolvesse com os temas de maneira mais atualizada nas respostas de afeto, já que
isso facilitaria à pesquisa a observação de novos processos de subjetivação que
houvessem sido potencializados no encontro. Isso facilitou observar as interpretações
dadas por elas aos processos de participação política, e de como viam o lugar e o
papel que lhes era atribuído pelos representantes do governo e o lugar que elas
também atribuíam para si mesmas e para o setor público. Permitiu também avaliar no
calor da atividade os processos dominantes nos discursos e os afetos mais presentes
na ação das participantes. Ao final das falas, a riqueza dos cochichos, evidenciou a
necessidade de um recorte e um foco mais específico no momento de escrever a
dissertação e por isso os dados sobre família e medo ficaram de fora da análise na
dissertação, exatamente pela importância que deverão também receber e porque
podem bem ser utilizados com profundidade em outra pesquisa, mesmo porque
55
exigiria ampliar os recortes bibliográficos e se tornaria uma discussão muito extensa
para um projeto de mestrado.
56
1.4.3 A tradução/interpretação dos dados
A tradução e interpretação dos significados presentes nas falas das mulheres
idosas, considerou a perspectiva da descrição densa, bem como o conceito de
interpretação de segunda mão como proposto por Geertz(1989). Assim foram levados
em consideração os discursos das mulheres, bem como a sua ação no processo de
participação política. Para tanto observou-se os seguintes passos:
1- Organização dos cochichos das entrevistadas por temática.
2- Registro e compilação das entrevistas, com a proposta de ampliar o olhar do
pesquisador sobre o campo de estudo, sobre o sujeito estudado, e sobre a
interpretação dada pelos participantes, através dos instrumentos de registro e diários
de campo.
3- Aprofundamento e releitura das entrevistas e das questões que geraram
dúvidas com as entrevistadas.
4- Leitura e transcrição dos vídeos - Leitura dos cochichos das coordenadoras e
leitura das entrevistas uma a uma com o fim de iluminar alguns pontos obscuros da
linguagem ou elucidar algumas contradições encontradas.
5- Organização dos discursos mais comuns na fala de todas.
6- Organização dos cochichos mais singulares da fala de cada uma delas.
7- Organização dos conteúdos discursivos das falas dos legisladores em resposta
às questões e afirmações das idosas.
8- Separação dos conteúdos que geraram encaminhamentos para os grupos.
9- Interpretação de segunda mão realizada pela pesquisadora, dos conteúdos
emocionais e dos afetos presentes nos cochichos e na manifestação das ações de
cada coordenador.
10- Condensação dos cochichos em duas grandes temáticas. Cochichos sobre os
grupos de convivência e sobre participação política, para que os conteúdos pudessem
ser melhor explorados, já que foi muito grande a quantidade de material coletado para
caber na proposta de mestrado, ficando os cochichos sobre família e medo para
serem explorados numa pesquisa posterior. Embora algumas das ideias trazidas
nesses cochichos tenham sido consideradas nas discussões e propostas das
coordenadoras para as políticas públicas, e nas considerações finais da autora.
57
1.4.4 A devolução dos resultados
Os instrumentos utilizados para a devolução dos resultados foram:
1 - apresentação dos vídeos editados para as coordenadoras do evento com o fim de
obter delas o que pensaram sobre aquela forma de participação inventada por elas
mesmas.
2 - Apresentação dos vídeos editados que serão utilizados novamente no momento de
devolução da pesquisa para a observação de como as coordenadoras irão olhar e
interpretar o evento e sua participação.
3 - Escrituração diferenciada da dissertação e de um documento com a reflexão das
coordenadoras sobre a forma de mobilização e organização dos grupos nos
momentos de participação nas políticas públicas. Neste documento deverão estar
identificados os aspectos prejudiciais e que necessitam ser eliminados na sua forma
de participar; bem como os aspectos potencializadores e efetivos, na sua forma de
participação e que deverão permanecer.
Após a defesa da dissertação, será feita a escrituração final da versão da
pesquisa para a comunidade, primeiro esboçada pelo pesquisador, depois,
juntamente com os participantes, e portanto de forma coletiva; observaremos os
pontos que necessitam de melhor tradução, caso tenham ficado pontos obscuros para
o entendimento delas. A seguir, a pesquisadora, fará a correção e complementação
dos dados incluídos na dissertação e por último, conjuntamente com as opiniões das
coordenadoras de grupos de convivência que participaram do processo de pesquisa,
faremos juntas a avaliação final dos resultados.
Após a defesa e as correções que vierem a ser propostas pela banca de
avaliação da pesquisa, a edição dos vídeos será apresentada para os representantes
do legislativo Municipal e Estadual e para as coordenadoras do grupo RAIS (Rede de
Amigos Idosos e Solidários) que irão reunir todos os outros coordenadores para
apresentarmos em conjunto os vídeos editados e o documento de reflexão final das
coordenadoras que serão enviados para os representantes do Legislativo Municipal e
Estadual, concluindo este trabalho.
58
2 VOZES DO ENVELHECER E DA VELHICE
Figura 3 - Painel ilustrativo Imagens de contextos da pesquisadora
Fonte: Painel elaborado pela pesquisadora (fontes diversas – vide referências)
59
2.1 A trajetória da pesquisadora e o contexto de enunciação da pesquisa
Escrever é colocar a vida em desalinho. É tentar buscar no curso da memória o encontro com o estranho e com o familiar em si mesmo. É caminhar num labirinto onde a dor e o prazer irão reinar. (Geisa Moreira).
Construir minha trajetória como pesquisadora foi uma clara oportunidade para
que eu pudesse revisitar meus caminhos, e desta forma, construir um sentido para
compreender as minhas próprias escolhas ao longo da minha existência até o
momento da opção pelo mestrado. Foi mais ainda, uma forma de escriturar uma
origem mais remota do meu projeto de pesquisa: aquela que é anterior ao projeto
acadêmico e que reside antes de nos darmos conta, na nossa própria alma, no que é
sentido e alinhavado na tessitura complexa da nossa existência.
Percorrer o caminho para a construção iluminou várias noites e substituiu o
sono tranquilo, pelo silêncio angustiante do branco e vazio papel, à espera do texto.
Outras vezes, pelo pulsar barulhento e curioso de perguntas que pareciam
desencadear uma tempestade, sem que fosse possível escoar toda a água. Algumas
perguntas foram respondidas no percurso, e outras se multiplicaram como rizomas
trazendo novas questões e produzindo conectividades, num tempo que nem de longe,
conseguiu se alinhar ao movimento metódico de Cronos 10 Ao contrário, ousou
desafiar esse tempo seguindo uma outra lógica segundo afirma Pelbart11 (1998, p.69-
72). Por isso mesmo, uma das intenções deste trabalho foi esboçar o ponto de partida
do projeto de pesquisa, para que os leitores possam atribuir uma historicidade ao
10 PELBART afirma, sustentado em Deleuze que para os estóicos não há três momentos no tempo como presente passado e futuro,
mas duas leituras simultâneas do tempo: cronos e áion. Na primeira leitura de Deleuze Cronos é presente, apenas o presente existe,
os presentes se encaixam num presente maior que abarca a todos, presente Divino. Cronos é limite, pulsação através do qual se
dilata e se contrai para absorver o presente no jogo dos períodos cósmicos em que se escande e Cronos torna-se movimento
regulado dos presentes vastos e profundos, medida imanente que sustenta a inquietação. Por isso a afirmação da autora de que o
trabalho, na sua execução, não conseguiu se alinhar as exigências calcadas nesse tempo conceitual e delimitado pelo relógio, no qual
se baseiam as normas atribuídas à produção científica e as exigências de fomento do trabalho. Mas isto ocorreu a propósito de
capturar o movimento dos sujeitos na sua imanência, e acompanhando mais ao movimento de áion, que é o tempo intempestivo
transloucado, radicalmente atópico ou transtópico.
11 Petter Pál Pelbart em sua obra “o tempo não reconciliado” no qual discute, com apropriação o tempo em Deleuze. Nesta
mesma obra (PELBART,1998, p 188 afirma que Deleuze explora o paradoxo do tempo proposto pelos estóicos para depois
propor uma segunda leitura do tempo tentando associar o tempo à noção de imanência e de um devir sujeito, que não apenas se
relaciona, mas sobretudo se recria e se inventa no tempo. Esse plano da imanência, Deleuze o detecta e o erige sobretudo em
espinoza, Nietzche e Bergson, a partir da dupla caracterização da imagem moderna do pensamento, por um lado movimento
infinito por outro lado criação.)
60
trabalho proposto. Esta historicidade, talvez possa ser visualizada nos dados
cronológicos dos acontecimentos, nos objetivos explicitados da pesquisa, na
percepção sobre o curso e sobre as disciplinas estudadas, na descrição do projeto
científico, ou na narrativa de algumas outras concretudes do cotidiano na academia.
No aspecto mais subjetivo, entretanto, outros registros foram se construindo
por meio de um movimento próprio, serpeante, que a despeito de todo o esforço
empreendido mostrou-se fugidio, com autonomia própria, fazendo contornos e
percursos muitas vezes labirínticos, e plenos de uma profundidade inapreensível pela
linguagem escrita. Entretanto, paradoxalmente, tais registros capturavam e eram
capturados, de forma imediata e precisa, na intensidade e espontaneidade dos bons
encontros com os envolvidos na pesquisa, e na conectividade intempestiva e caótica
de Aion, que, nesse caso, manteve-se como guardião, ora sinalizando as proximidade
dos buracos negros na pesquisa, ora produzindo, por meio do contato, do contágio, e
do compasso, pressupostos da dinâmica de aproximação da pesquisa-ação e do
trabalho na comunidade, e do afeto deles resultante, a potencialização necessária,
conforme afirma NEGRI(2002)12, para que este trabalho pudesse se expandir.
Desta forma, o projeto foi se delineando sustentado em duas bases
importantes: A primeira, nas indagações sobre os principais cochichos trazidos pelas
mulheres idosas nos grupos de convivência, e sobre a importância das oficinas de
escuta desses cochichos para os participantes do grupo, bem como sobre as
mudanças ocorridas na forma de significar suas vivências. Esta primeira base é que
sustentou a escolha teórica pela metodologia da descrição densa proposta por Geertz
(1989) como uma prática de pesquisa de base etnográfica, na qual a proximidade do
campo e dos pesquisados permitiu à pesquisadora observar e descrever o que era
12 O escritor e sociólogo italiano Tony Negri na sua obra” exílio seguido de valor e afeto” propõe a leitura do afeto como potência
capaz de libertar-nos do jogo da dialética da pós-modernidade. O afeto para ele é capaz de realizar uma inovação do processo
histórico em toda a sua radicalidade. Baseando-se no pensamento de espinoza e Nietziche sustenta essa potencialidade do afeto
para além do valor, pela compreensão do afeto como quatro potências básicas: como potência de ação, de transformação, de
apropriação e expansão da realidade. Sendo as três primeiras potencialidades extraídas do pensamento de espinoza e a quarta
potencialidade, a de expandir, extraída do pensamento de Nietziche. Segundo Negri, “A expansividade em todas as direções do
afeto exibe por assim dizer, o momento que seu conceito é transvalorado a ponto de resistir ao choque do pós moderno”. É uma
potência para além da medida porque insiste na tonalidade positiva do não lugar, e na anti-dialética de todo notável que daí se
segue
61
cochichado nos grupos e observar as decorrências significativas e a produção de
sentido trazidas por eles, a partir do material coletado.
A segunda, na ação efetiva dos participantes sobre essas temáticas
cochichadas nos grupos, mediadas pelo afeto que circundava todos os participantes
envolvidos no projeto. E exatamente por isso a pesquisa-ação13 aplicada as práticas
políticas foi escolhida como uma segunda proposta teórico-metodológica associada
com a primeira, para que as ações fossem observadas de forma mais sistemática e os
resultados produzidos pelo ato de cochichar, pudessem ser observados à luz das
significações produzidas pelos participantes, mas também pudessem ser registrados
e descritos paralelamente pela via dos acontecimentos históricos que existiram nesse
percurso, no calor dos acontecimentos. Pois embora a pesquisa ação tenha sido
aplicada na década de 40 e 50 com finalidades práticas de orientação bastante
conformista. Nos anos 60 e 70, a pesquisa ação ressurgiu numa perspectiva crítica
associada a formas de militância política ou de intervenção cultural. Afirma ainda
(THIOLLENT, 2011, p.102-103) que:
No caso das práticas políticas, a pesquisa-ação toma como objeto uma atividade explicitamente política. Por exemplo, a constituição de um grupo político [...], a mobilização de uma determinada categoria da população para formular reivindicações e conquistar determinados objetivos etc.[...] As práticas políticas podem ser objetos de pesquisa ao nível dos movimentos dos trabalhadores urbanos e rurais e, também, ao nível dos movimentos específicos: movimento estudantil, feminista, ecológico e movimentos de afirmação de identidade cultural. (THIOLLENT, 2011, p.102-103).
Tais embasamentos moldaram o trabalho de pesquisa com as mulheres idosas
no movimento de constituição dos grupos de convivência e de luta pelos direitos da
população idosa a partir do interesse não apenas do pesquisador, mas também dos
pesquisados, ao mesmo tempo que propiciou um movimento dinâmico e pendular em
dois sentidos: o da proximidade do campo por meio do método etnográfico e da
descrição dos acontecimentos e dos afetos na interpretação dada pelos próprios
13 Uma pesquisa pode ser qualificada como pesquisa-ação quando houver realmente uma ação por parte das pessoas ou grupos
implicados no problema sob observação. Além disso, é preciso que a ação seja uma ação não trivial, o que quer dizer uma ação
problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida. [...]. Na pesquisa-ação os pesquisadores desempenham um
papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função
dos problemas.
62
participantes. E o distanciamento do campo produzido pelos registros de sua ação e
participação efetiva narrada de fora, sobre a historicidade, dinamismo e implicação
dos pesquisados e do pesquisador na pesquisa ação. Para Barbier (1977) esta noção
é básica na pesquisa ação: implicação sob o ângulo da vida psico-afetiva do sujeito e
de seu imaginário, da constituição histórico-existencial por seu comportamento
adquirido e sob o ângulo de sua inserção estruturo-profissional. Pode-se confirmar isto
nesta afirmação:
Eu definia então a implicação como um engajamento pessoal e coletivo do pesquisador em, e por sua práxis científica, em função de sua história familiar e libidinal, de suas posições passada e atual nas relações de produção e de classes, e de então ele seu projeto sociopolítico em ato, de tal sorte que o investimento que é necessariamente a resultante disso, é parte integrante e dinâmica de toda atividade de conhecimento. (BARBIER, 1977, p. 63-84).
É esperado que esta sustentação teórico-metodológica facilite a produção de
novas interpretações pelos leitores não apenas pela descrição dos fatos na pesquisa,
mas sobretudo e simultaneamente, pela descrição e sustentação das ações dos
envolvidos, e do pesquisador resultantes da sua forma de interpretar a realidade. Eis
porque falar da trajetória do pesquisador e de seus afetos foi propositalmente o ponto
de partida para narrar a pesquisa com o objetivo de denunciar de pronto seu
envolvimento, suas contaminações e portanto grifar que uma pesquisa, apesar de
todos os cuidados científicos e metodológicos é realizada com a vista desde alguns
pontos, já que mesmo que se trate de cochichos dos pesquisados , o olhar do
pesquisador sobre eles, é já como afirma (GEERTZ, 1989, p.25) “uma interpretação
de segunda e terceira mão marcada pelo seu universo cultural, Já que por definição
somente um “nativo” faz a interpretação em primeira mão.”
2.2 Velas velando morte, velhos velando vida: ou o início de uma trajetória
Após algum tempo de análise pessoal e de reflexões sobre a trajetória
profissional de vários estudiosos que aprendi a admirar, pude perceber que suas
construções teóricas, e sua busca profissional, eram análogas, e algumas vezes,
conectavam-se, de forma precisa, às suas buscas mais subjetivas.Por isso mesmo, ao
63
traçar a minha trajetória, embora num movimento pouco comum à prática acadêmica,
escolho começar pela intimidade do meu nascimento. Mais precisamente por fatos e
circunstâncias que o antecederam e que, ao meu ver, já delinearam possibilidades e
escolhas, abraçadas consciente-inconscientemente ao longo do percurso, e cujo
sentido só lhes pude atribuir, posteriormente.
O meu nascimento foi festejado com a presença de um duplo afeto. De um
lado, o cheiro forte de velas que, segundo minha mãe, lembrava o falecimento recente
da minha avó paterna que se fora, um mês antes da minha chegada ao mundo, e as
mortes consecutivas dos quatro irmãos que me antecederam. Dois deles, vítimas de
doenças sustentadas pela pobreza e pelas péssimas condições de saneamento
básico e de saúde de uma das regiões mais pobres do sertão mineiro, no vale do
Jequitinhonha. E dois cuja gestação nem chegou a termo, entre outros fatores, pela
ausência de políticas, programas e serviços públicos de saúde, que pudessem
garantir às mulheres de baixa renda o acesso ao acompanhamento médico e
psicológico, no período pré-natal.
De outro lado, a presença de velhos, segurando nas mãos: água, carvão, flores
silvestres de sabugueira, ramos verdes de arruda, erva de santa Maria e alecrim, e
que, em uma espécie de ritual de pajelança, transmitiam a herança da minha origem
familiar indígena, enquanto rezavam pela minha mãe, para que tivesse um parto
tranquilo, e velavam pela vida da criança que era eu, na minha chegada ao mundo.
Eles ao som de seus cochichos e embalados pelos diferentes sentidos de suas
crenças, buscavam em preces balbuciadas, as dádivas celestes para a família, que
consideravam abençoada com o surgimento de uma nova vida.
Foi interessante recuperar desta história um fato significativo: o meu primeiro
choro forte e insistente, nos momentos posteriores ao nascimento, segundo me foi
contado, foi interpretado como fome e apelo ao peito, e foi acalentado pela minha avó
materna, com um aconchego no colo e uma “chuquinha” 14 de chá, uma vez que
minha mãe, debilitada física e emocionalmente, por instruções da parteira, deveria ser
poupada de iniciar a amamentação imediatamente após o parto. Em reposta ao choro
14 Termo utilizado regionalmente para designar uma pequena mamadeira que era utilizada para complementar a alimentação do
recém nascido. Além do leite materno, era comum utilizar, nesta época, os chás de erva doce, picão, poejo, hortelã, erva cidreira e
outras ervas usadas para aliviar sintomas de doenças típicas dos recém nascidos.
64
e após o chá, fui ninada longamente por dois velhos, que tiveram uma grande
participação em minha infância: minha avó de umbigo: S. M. P e o senhor V.L.M.
Várias vezes, quando ainda era criança, ouvi o senhor V.L.M. cantar para mim este
verso, criado por ele em minha homenagem: “Êta menina de espírito forte; trouxe a
vida pra sua casa e venceu a sina de morte.”
Segundo afirma Goffman (1985 p.11) ao discorrer sobre a representação do Eu
na vida cotidiana, o que dizem de cada pessoa, e a forma como a representam,
também a influencia no que ela pensa e sente a respeito de si mesma. Neste caso isto
foi comprovado, pois apropriei-me da proposta imagética destes velhos amigos, na
construção da minha identidade.
Assumi ao mesmo tempo o lugar de quinta filha, e o lugar da filha mais velha. A
primogênita dos sete irmãos que compõe hoje, juntamente com meus pais, já idosos,
a minha família de origem direta. Gostei de me apropriar desta imagem, quase
heróica. Aliás, segundo afirma Hanna Arendt(2010)15 , Somos sempre o herói de
nossa história. E narramos nossos feitos heróicos, como forma de buscar a distinção.
E, com amparo nesse pensamento, se por um lado, fui precedida pela morte, e pela
constante presença/lembrança da finitude humana, estampada na saudade que minha
mãe abraçou como forma de suplantar a ausência dos mortos; por outro, o feito
heroico, foi que inaugurei de fato, a vida na nossa casa e representei a marca inicial
de uma história consecutiva de ganhos e de vida. Pois, segundo conta minha mãe, foi
a minha insistência em demandar o seu olhar ainda vidrado na imagem dos meus
irmãos mortos, que contribuiu para que ela, através da minha vida, recuperasse o seu
sorriso e a vontade de viver.
Uma vez que a maioria das abordagens teóricas da psicologia, ainda que por
caminhos diferentes, afirmem que os seres humanos necessitam ser vistos,
reconhecidos e desejados, para que depois possam se ver, reconhecendo a si
mesmo, na sua diferença, e direcionar seus afetos ao outro, eu diria que em
decorrência desse intervalo de ausência-presença do olhar da minha mãe, os velhos,
me viram primeiro, e eu simplesmente, respondi ao seu olhar. Talvez, devido a esta
história, a racionalidade e o afeto nesse caso, se conectem de tal modo, que
15 ARENDT, Hannah. In A condição Humana 11º ed. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2010.
65
sustentem, como dois pilares, minha trajetória profissional. Pois não consigo rever
minha infância, e tampouco escrever sobre o envelhecimento, sem trazer à lembrança
os velhos da minha terra. Eles povoam meu imaginário ainda hoje, com seus sonhos,
lugares, com os personagens de suas histórias, e com os sons de músicas antigas de
autoria própria, ou da cultura popular, que eram cantadas por eles, em refrões
repetidos, como este:
“Que lindos olhos. Que lindos olhos, tem você. Que ainda hoje, que
ainda hoje eu reparei. Se eu reparasse, se eu reparasse há mais
tempo. Eu não amava, não amava a quem amei.” 16
2.3 Uma Trajetória com os velhos da minha terra
É fácil perceber que o imaginário das pessoas, que vivem nas pequenas
cidades, sobre o envelhecimento e sobre o velho, apresenta algumas peculiaridades e
diferenças em relação ao imaginário das pessoas que vivem nas grandes cidades. Por
isso, acredito ser de suma importância, a descrição de algumas referências culturais
ligadas ao envelhecimento, que foram vivenciadas ou observadas, no período que
compreende a minha infância até a adolescência, ou mais precisamente, de 1964 a
1982, e que contribuíram e influenciaram na forma como concebo o envelhecimento e
o velho. Ou seja, que contribuíram para construir algumas vozes da velhice para mim.
Igual importância tem o contexto político, social e econômico que acompanha a
história do envelhecimento no Brasil, especialmente aquele que vivenciei e que será
exposto, a começar pela descrição de situações que ilustram algumas das principais
experiências vividas pelos velhos da minha terra, culminando com a descrição de
fatos cotidianos, narrados nos cochichos das pessoas que tenho escutado
sistematicamente, nos grupos de convivência de idosos. Foi a leitura e a escuta
destes fatos que me instigaram a esboçar e propor para o mestrado da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, o projeto de pesquisa que mais à frente, será
explicitado.
16 Verso de um canto da cultura popular cantada pelas pessoas idosas, com as quais a autora convivia no seu cotidiano .em Cachoeira
de Pajeú – cidade do seu nascimento..
66
A primeira escuta dessas vozes diz respeito a um adágio muito popular: “quem
de novo não morreu, de velho não escapa”. Tal adágio ilustra que dificilmente
consegue-se desvencilhar a ideia de morte, da pessoa idosa, ainda que várias
imagens vicejantes de velhos sejam colocadas, hoje, como forma de construir novas
representações sociais para a velhice. Entretanto, ao registrar minha história, observei
alguns fatos que me levam a crer que nem sempre isto se deu desta forma, e que
esse adágio embora antigo nem sempre representou a realidade brasileira.
Nasci na pequena cidade de Cachoeira de Pajeú, entre o Norte de Minas e o
vale do Jequitinhonha e a experiência com os velhos da minha terra, juntamente com
os dados estatísticos do IBGE, mostram que durante as décadas de 60 e 70, o índice
de mortalidade infantil no Brasil, era um dos mais elevados do mundo, especialmente
em áreas de extrema pobreza como o vale do Jequitinhonha e o norte de Minas
Gerais. E, talvez porque a infância representasse um período em que a expectativa de
morte era grande, constantemente aparecia nos discursos dos pais, a possibilidade de
que seus filhos viessem a morrer muito novos. Em cidades pequenas e na zona rural,
costumava-se esperar até os sete anos de idade para ver se a criança iria “vingar”.
Era comum, algumas vezes, em resposta às perguntas dos amigos sobre seus filhos
pequenos, os pais dizerem: “até agora “vai escapando”, ou até agora “vai vingando.”
Quando uma criança completava os sete anos de idade fazia-se grande
comemoração pois dizia-se que ela havia vingado. Era como uma vitória sistemática
sobre os males que acometiam as crianças até os sete anos de idade (mal de sete
dias: o tétano umbilical), mal de sete semanas (meningite, tuberculose, hepatite, etc)
mal de sete meses (gastroenterite, coqueluche difteria tifo) mal de sete anos
(poliomielite, sarampo, varíola e catapora).
Lembro-me que na infância, fui acometida, juntamente com outras crianças da
mesma idade, por várias doenças infecto contagiosas. Entre elas: varíola, conhecida
mais popularmente como bexiga, sarampo, catapora, coqueluche, além de
verminoses, e uma soma de outras patologias que na época, por falta de recursos
sanitários e tecnologias da saúde, acometiam quase todas as crianças. Na minha
cidade, a incidência da varíola nesta época foi tamanha, que ela ficou denominada
como peste. Até hoje existe um cemitério dos pestilentos ou dos bexigentos na
67
cidade. O local é cercado de mitos e tabus ligados a este período e denuncia a forma
estigmatizada e excludente como os portadores da doença eram tratados.
Tais apontamentos me fizeram pensar que os dados estatísticos raras vezes
apresentam estudos sobre as interpretações que lhe são dadas na construção da
subjetividade ou sobre sua influência em determinadas construções simbólicas da
sociedade. E corremos por isso o alto risco de repetirmos certos lugares comuns, sem
qualquer questionamento. Para a velhice, por exemplo, esta afirmação de que a morte
sempre esteve associada a ela, sem uma análise apurada das concretudes cotidianas
que podem evidenciar “a olho nú”, isto é, empiricamente, certas realidades que se
diferenciam no tempo. Utilizo este argumento para propor ao leitor o exercício de
desconfiar que se até a década de 60 no Brasil, o grande número de crianças que
morriam ainda na infância, principalmente pela ausência de políticas de saneamento
básico e de controle das epidemias. Somava-se a este fato, tanto a alta taxa de
natalidade como o elevado índice de mortalidade infantil, e também o fato de que um
percentual muito pequeno da população conseguia alcançar a velhice. Certamente,
estávamos nesta época, diante de um cenário que contribuía para que a imagem do
velho naquele contexto específico, fosse mais afastada do estigma da morte, ou
senão, ao menos para que a presença da morte fosse mais diluída entre as outras
faixas etárias e inclusive, mais ligada à infância, nas representações simbólicas
dessas comunidades, como por exemplo estava nas minhas representações.
Nas décadas de 60 a 70, na minha cidade, por exemplo, os poucos longevos
existentes, ocupavam um lugar de extremo valor para as pessoas. Alguns pelo poder
financeiro, como os coronéis e latifundiários, figuras quase invisíveis, mas cujos
nomes se tornavam populares na referência dos peões, agricultores e vaqueiros que
trabalhavam em suas fazendas. Outros, por seus ofícios cuja transmissão se dava
numa relação de respeito e quase de reverência pelo saber do Idoso que ocupava
então o lugar de mestre em seus ofícios. Recordo ainda, o fato que nessa época, na
maioria das pequenas cidades no interior do Brasil, o conhecimento era transmitido
face a face; a tecnologia nos processos comunicacionais ainda não havia
transformado a máquina em transmissora principal do conhecimento. E nem o
conhecimento formal era visto como uma moeda de troca, tal como se apresenta
agora. Por isso mesmo, nem a ausência de um título formal ou mesmo o
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analfabetismo eliminava do velho o seu lugar de transmissor de conhecimentos,
experiências, e até excelência em certas habilidades e competências para os mais
jovens. Entretanto, esse conhecimento dos ofícios, principalmente daqueles ligados às
crenças e aos costumes do povo, como os raizeiros17 curandeiros18, pais de santo19 e
rezadeiras, 20 não garantiam sua inserção de forma mais ampla socialmente na
medida em que se havia distinção, estas se vinculavam mais à utilidade de seus
ofícios, que especificamente do seu lugar de velho. Acerca desta questão, escrevendo
sobre a história da velhice no ocidente, assegura Georges Minois, que:
Surgem então os limites do papel social da velhice na comunidade rural: se o seu prestígio cultural e importância na formação e continuidade das mentalidades são reconhecidos, os poderes de decisão em contra partida são recusados. O seu domínio é o do saber tradicional não o do poder efetivo. O do cultural e não o do prático. E o que na aldeia faz um homem ser probo é a riqueza e a instrução, não é sua idade. (MINOIS,1999, p.247).
O interessante era que o lugar de poder e de influência política que o dinheiro
dava aos coronéis, ao mesmo tempo em que os trazia reconhecimentos, afastava-os
das pessoas, na medida que mantinha sobre eles a imagem de quem não precisava
de nada. E principalmente, mantinham um olhar maniqueísta que os dividia em
categorias de muito maus e outros muito bons O lugar de raizeiros, curandeiros e
rezadeiras de igual forma, apesar de trazer constantes e fugazes momentos de
prestígio e reconhecimento aos idosos, paradoxalmente contribuía para mantê-los
expropriados dos direitos, como se não necessitassem das “coisas terrenas”.
Era comum ainda, que as rezadeiras e até as parteiras, vivessem da caridade
dos que as procuravam, embora gozassem da constante mobilidade necessária ao
seu ofício, que ficava a cargo dos fiéis, no caso das rezadeiras, e no caso das
parteiras, pelas famílias que utilizariam seus serviços. Lembro-me, por exemplo, que
17 Pessoas, geralmente idosas que vendiam raízes e plantas medicinais e preparavam chás e remédios caseiros, quase sempre, única
alternativa acessível nas cidades pequenas, que não possuíam serviços de saúde públicos.
18 Pessoas que misturavam o conhecimento da fitoterapia adquirido em processos empíricos com, a intuição e os rituais de cura
religiosa, e processavam, mediados pela crença, vários tipos de intervenções e rituais de cura.
19 Figuras de autoridade religiosa nos terreiros de candomblé.
20 Mulheres com intensa sensibilidade religiosa, que utilizavam a reza como instrumento de cura, como verdadeiro remédio para os
males humanos.
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as casas das rezadeiras eram extremamente pobres, e suas vestes quase
maltrapilhas, lembravam a imagem dos peregrinos e forasteiros.de épocas mais
remotas contadas nos livros de história.
Cresci rodeada de velhos. Meu pai era “vendeiro21 ”, e todos os dias, eu
passava horas e horas na venda, para ajudá-lo a vender suas mercadorias, mas
também para escutar as inebriantes histórias que os seus fregueses contavam. Meu
avô paterno era o primeiro deles, músico sensível e fazendeiro antigo na região,
perdera seu patrimônio de uma forma que para ele fora muito indigna ou vergonhosa.
Disso eu pude saber pouco, apenas sabia que ele fora delegado da cidade por quatro
anos num período próximo a esse acontecimento. Havia um pacto de cochicho e
paradoxalmente de silêncio sobre isso; um não dito que de certa forma era
visivelmente incômodo para ele, especialmente quando falava de um evento que se
comentava por entre os dentes em roda de amigos muito íntimos denominado a
guerra das “Antas”22 , na década de 50/60. Escolho aqui o nome de um animal
presente naquela região, para identificar uma guerra local que segundo o meu avô foi
comandada por uma família que viera de um estado vizinho, para a cidade, com a
intenção de dominar o espaço rural e depois o espaço político da cidade.
Tal evento dizia respeito a uma guerra travada por coronéis fazendeiros que lá
chegaram, contra os moradores e os indígenas que viviam na zona Rural da Cidade.
O que era falado por eles de forma bem fragmentada e sempre com um certo mistério,
como um assunto proibido, era que essa guerra expropriara vários fazendeiros de
suas terras. Entre eles o meu avô, de suas terras. Eram obrigados a assinar
documentos passando suas terras para esses fazendeiros em troca da preservação
de sua vida e de sua família, Já que os fazendeiros eram extremamente truculentos.
Nesta época existia na cidade dois partidos políticos: o Orion e o Gurutuba. A
dominação das terras era seguida da dominação política na medida em que o
candidato das “Antas” usava a coerção e a violência extrema com os eleitores, como
estratégia para ganhar as eleições. Vários idosos chegaram a contar que eram
21 Comerciante dono de uma venda. As vendas eram um comércio misto de diversos gêneros, como: alimentos, ferramenta tecidos,
materiais escolares, produtos de limpeza etc. Talvez de forma diminuta, tenham sido a primeira versão dos supermercados
22 Nome de um animal que a autora resolveu atribuir ao sobrenome original para ocultar o sobrenome da família dos coronéis do
cacau
70
abordados por capangas a mando desses fazendeiros perguntando em que partido
votariam. Quando diziam que era no partido contrário, eram espancados e ameaçados
de morte. Várias tribos indígenas como a tribo dos rabudos23, tiveram que deixar suas
terras próximas a uma fazenda que hoje é denominada fazenda da índia. Segundo
contam eles foram ocupar terras na zona rural das Cidades de Aymorés e de
Machacali, onde segundo os idosos, estariam mais protegidos porque voltariam a
viver com uma parte do seu povo e de outras tribos amigas. Nessa época, segundo
meu avô muitos índios e negros apareciam mortos ou sumiam sem que ninguém
pudesse dar mais notícias. Mas todos de alguma forma atribuíam isso aos fazendeiros
do cacau ou a família das “Antas”
Eu percebia uma tristeza imensa e muito desamparo quando o meu avô falava
sobre essa tal “guerra”. De certa forma ele se envergonhava e se culpava por não ter
conseguido defender sua família de outra forma que não fosse a de se subjugar aos
processos de dominação existentes. Não raras vezes ele me olhava nos olhos e dizia:
minha neta, não comente sobre isso com ninguém porque é um assunto muito
perigoso ainda hoje. Ele afirmava que para defender sua cidade e sua família de
morrerem todos sob as armas e os tiros silenciosos e certeiros dos fazendeiros e
coronéis do cacau, teve que abrir mão do seu patrimônio, e chegou a receber por
caridade e consideração de um amigo, após perder todas as suas fazendas, um
pedaço de chão para cultivar enquanto vivesse, e tornou-se uma espécie de meeiro
nesta fazenda até o momento de sua morte, logo após completar os seus setenta e
sete anos de idade.
Durante o tempo que viveu meu avô sempre afirmou que foi seu Bisavô, quem
doou as terras para a construção da cidade. Lembro-me sempre de suas palavras
dizendo: “você minha neta além de filha da cidade é herdeira desta terra e legítima
cidadã”. Não deixe que apaguem a história do nosso povo, da nossa cidade e da
nossa família. Lute e estude muito para não ficar para trás como seu avô. Na época
eu não entendia bem o que ele queria dizer com “ficar para trás”, mas com o tempo
pude perceber que ele atribuía seus fracassos em defender os seus direitos e de sua
família, de se manterem na história da cidade, por não ter conseguido estudar muito.
23 Nome atribuído à tribo indígena que habitava as terras da fazenda índia por terem o costume de usar o cabelo comprido e preso
por uma corda tecida de palha milho ou de bananeira como um rabo de cavalo.
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Percebi que havia muita coerência na história que meu avô contava com
outras histórias que outras pessoas contavam sobre ele e sobre a cidade. Fiquei
sabendo por meu pai, que ao haver participado como vereador e como secretário da
câmara Municipal da cidade no período de 1966 a 1974, de posse desta história,
nesta época, elaborou um projeto para recuperar os documentos de posse do terreno
da cidade que estavam na sua comarca, ou mais precisamente, na cidade de Grão
Mongol. Segundo ele, logo conseguiu aprovação do projeto de lei na câmara
municipal, e por conseguinte, conseguiu recuperar os documentos de doação da terra
para a cidade, e também esta história, bem como trazer esses documentos para a
prefeitura da cidade. Mas depois de alguns anos as cópias foram extintas e a história
da cidade passou novamente a ser adulterada e contada de forma a beneficiar os
descendentes das “Antas”, que por sinal eram pessoas que conseguiram educar seus
filhos em boas escolas e cuja dominação se dava também por essa via.
Segundo as narrações de vários idosos da cidade, esses documentos foram
queimados por um incêndio que julgavam ter sido inclusive proposital, embora não
houvesse qualquer prova concreta sobre isso. Este incêndio destruiu vários
documentos importantes do arquivo da câmara municipal da cidade. Documentos que
novamente prejudicaram vários pequenos fazendeiros e proprietários de terra. Nos
documentos que comprovavam a doação de sete alqueires, ou melhor (alqueirões)24
de terra no ano de1863 pelo meu tataravô CXC e pela minha tataravó AMC que
segundo constava na fala do meu avô, e num trecho do documento, que meu pai
pôde ter em suas mãos na prefeitura “cheios de fé e bondade doaram uma extensão
de terra pré-colonizada que já era denominada fazenda Pajeú em gratidão a bênçãos
recebidas pela santa Nossa Senhora da Conceição”25, com a intenção de que fosse
erguida para ela uma capela e uma vila com muitos fiéis. Isto contribuiu para que a
expropriação dos moradores nativos da região ainda continuasse por muito tempo.
24 Medida diferenciada do alqueire comum e utilizada em várias regiões brasileiras como no norte de minas. A medida é maior que o
tamanho do alqueire utilizado como referência de medida. Corresponde a um alqueirão, que é igual a 193.600m² ou 19,36 ha de
terra ao invés do alqueire comum que possui 48.400 m2 ou 4,84ha
25Até hoje, nossa Senhora da Imaculada Conceição ainda é a padroeira da cidade.
72
Como pesquisadora, ao escrever este capítulo e narrar as falas destes idosos,
é possível refletir e reconstituir alguns elementos, imagens e pessoas, e sobretudo as
atividades humanas que tão de perto me influenciaram para gostar dos velhos e de
suas narrativas. Ainda mais quando algumas delas também foram cochichadas sob a
égide de um processo de dominação, onde o cochicho foi sistematicamente silenciado
para que não se tornasse voz audível. Afinal, quem sabe a escuta e transcrição
desses cochichos sobre a minha cidade possa despertar o interesse de algum
antropólogo e pesquisador para que estudos sejam levantados nesta região. Muita
coisa pode ser restaurada na fala de alguns velhos memoriosos, já que na cidade,
vários distritos possuem características que relembram antigos quilombos, ou aldeias,
pinturas rupestres e outros resquícios de uma história por ser redescoberta. Nesse
caso, a trajetória do pesquisador cumprirá outro papel, secundário à primeira
proposta, mas de igual importância, no sentido de valorização dos cochichos de
idosos. Poderá fazer do trabalho não apenas um escrito sobre a escuta da
participação política de mulheres idosas, mas uma pequena mostra dos cochichos
sobre a participação política dos velhos da minha terra, que outrora influenciaram
também a existência desta pesquisa.
Em última análise, a escuta dos cochichos, juntamente com a história dos meus
próprios cochichos e indagações sobre a história dos velhos que me antecederam.
podem estar igualmente relacionadas de maneira que esta pesquisa não apenas
traçará uma linha do tempo no trabalho com idosas, mas em última instância e em
segundo plano, fragmentos do tempo e da vida dos velhos da minha terra. Pois
embora em tempos e espaços diferentes, estamos falando de processos de
dominação e de idosos que cochicham buscando em suas coxias, em tempos e
espaços diferentes inventar saídas, guiados por ideais de liberdade que os impulsiona
a criar novos espaços e novos mundos com sua utopia. Pois afinal, segundo afirma o
sábio Anatóle France citado por BAUMAN(2004)
Sem as utopias de outras épocas, os homens ainda viveriam em cavernas, miseráveis e nus. Foram as utopias que traçaram as linhas da primeira cidade. Sonhos generosos geram realidades benéficas. A utopia é o princípio de todo o progresso e o ensaio de um futuro melhor. (BAUMAN, 2004).
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Ao contar estas histórias, me emociono profundamente, pois a fala do meu avô
era sofrida e as vezes rolavam lágrimas nos seus olhos, mas apesar desse fato ele
conservava, durante a maior parte do tempo, um sorriso muito contagiante, típico
daqueles cujos afetos de alegria são mantidos durante sua existência e que não se
deixam capturar pelos afetos de tristeza, durante muito tempo, e vivem cada dia como
se fosse o último de sua vida. Insistindo em contar suas histórias, cientes de sua
finitude, mas igualmente cientes de que a memória dos seus feitos poderá perdurar
por diversos tempos e gerações.
Meu avô sabia que dificilmente os seus amigos o esqueceriam, uma vez que
era também romântico seresteiro e companheiro de horas felizes. Tocava sanfona e
pandeiro como poucos. Tocava de ouvido no início, mas depois aprendera a ler
partitura com a ajuda de um amigo, embora nunca tivesse frequentado a escola
formal. Com ele aprendi desde pequena a cantar modinhas antigas e cantigas de
roda, e a tomar gosto pela natureza. Íamos para a roça fazer pamonhas e outras
guloseimas de milho. Ele e o meu pai faziam ranchos de folhas de piteira26 para que
eu pudesse brincar, e me deixavam amassar a argila que circundava a nascente de
águas claras da fazenda do seu amigo, onde cultivava uma pequena horta. Era um
poeta e gostava fazer versos e de contar causos. Suas histórias de aventuras e sua
capacidade de dar conselhos fizeram com que ele fosse visto na cidade como um
grande contador de “causos”, amigo e conselheiro de muitos.
Meu avô materno era garimpeiro e gostava de contar histórias do garimpo e da
família. Teve garimpo na zona rural que contornava a cidade, por muitos anos e
comercializava pedras preciosas como esmeraldas, turmalinas e águas marinhas. Eu
adorava olhar os seus olhos azuis e dizer que estava vendo o mar. Sentia falta de
conviver mais com ele, pois assim que completei sete anos de idade, ele e minha avó
materna foram morar em outra cidade, o que dificultava nosso convívio. Quando nos
visitava, ia para a venda, e ficava sempre cercado por muitos amigos, relembrando os
tempos na fazenda.
Vários idosos amigos dos meus avós, traziam jogos antigos e outros jogos mais
tradicionais como dominó, senha, xadrez, e baralho, e ficavam jogando na praça, e
26 Nome dado a uma Vegetação nativa e muito popular na região.
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nas vendas. Outros apostavam corridas de cavalo no campo de futebol da cidade.
Outros ainda, faziam caminhadas e passeios ou se divertiam, mesmo com os de idade
mais avançada, dançando em bailes, desfilando em cavalgadas e cantando nas rodas
e grupos de folia de reis e de congado. Outros eram vistos sempre contando histórias
de pescarias e caçadas que fizeram quando eram mais jovens, e vários desses contos
eram povoados de seres sobrenaturais. Alguns homens idosos pareciam ter na
pescaria e na caça suas atividades favoritas e viam essas atividades como sua maior
diversão. Outros tinham por ofício contar histórias. Falavam de viagens, de guerras, e
de lugares distantes. Sentava-me em um banquinho, ou mesmo no colo dos meus
avós e costumava adormecer ao som de suas cantigas e histórias. Cheguei a fazer
uma coleção de contos, poesias e canções que eles me deram de presente na
infância. Tais atividades acima relacionadas estavam mais ligadas ao universo
masculino.
No universo feminino, as atividades eram outras. Não se viam mulheres idosas
na rua facilmente, Ficavam mais recolhidas em suas casas, bordavam, pintavam,
fiavam, costuravam. Faziam grupos de novena, cantavam nas missas. Algumas
jogavam baralho na casa de amigas. Sua diversão com as amigas se restringia mais
aos espaços privados de suas casas, e raramente no espaço público, quando
dançavam em algum baile. Faziam visitas umas nas casas das outras, partilhando
sempre pratos deliciosos de sua culinária, trocavam receitas de bolos doces e
biscoitos e as vezes se ajuntavam para realizar tarefas e afazeres domésticos
coletivos. Por exemplo: a pamonha de milho, doces e biscoitos de povilho, típicos no
norte de Minas. Várias vezes acompanhei idosas fazendo isso coletivamente.
Pareciam sempre solidárias umas com as outras, e se existiam idosas doentes ou
acamadas, as vizinhas costumavam dividir o cuidado de maneira que estavam sempre
assistidas.
Um fato interessante observado por mim é que nesta época os recursos eram
muito menores do que aqueles de que dispomos hoje em termos de tecnologias do
cuidado, e o Estado era menos presente nos programas de atenção. Entretanto, a
sensação de segurança e cuidado, no caso das pessoas idosas, parecia muito maior,
no calor das relações comunitárias. Não se ouviam tantas queixas de abandono e
solidão como agora. Talvez por isso, BAUMAN (2002) tenha razão em afirmar que a
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segurança está mesmo na relação com o outro, sustentada no conceito de
comunidade, como relações de solidariedade e interdependência humana. E, segundo
este autor, esta relação se esvaziou na pós-modernidade. No caso específico de
minha cidade isto gerava uma relação de reciprocidade e apaziguava o sofrimento
pelas intempéries da vida. Algumas vezes eu as ouvi falar e chorar ao contar suas
histórias enquanto recebiam o conforto de suas amigas.
Na minha cidade o ofício de curandeiro era mais ligado ao universo masculino
que ao feminino. Já o ofício de rezadeira estava mais ligado às mulheres. Eram mais
raros os homens que rezavam para as pessoas. Lembro-me do fato de estar atenta a
isso porque sempre que era possível, eu pedia às rezadeiras para me benzer.
Adorava ficar debaixo dos ramos verdes de arruda e alecrim escutando a melodia da
benzeção:
“O que você tem menina? é quebranto ou olhado? com o que é que cura? com água da santa, rainha dos montes, que leva seus males pras ondas do mar, para nunca mais voltar. Jesus Maria José, sempre virgem Maria. Em nome do pai do filho e do espírito Santo, amém.”
27
Outro fato de que me lembro com muita frequência é que minha mãe era
costureira e muitas mulheres idosas a procuravam para que ela costurasse suas
roupas. Aliás, sobre esse ponto, uma coisa que reparei desde criança, é que não
havia roupas para pessoas idosas nas lojas. Elas traziam tecidos, em sua maioria,
preto ou cinza, e apenas algumas poucas idosas traziam tecidos coloridos. Escolhiam
o modelo da roupa, e minha mãe costurava os vestidos. Eu reparava que as roupas
das velhas, comparadas com a dos outros adultos eram sempre mais discretas, eram
pouco coloridas e forradas. Perguntava à minha mãe porque elas gostavam tanto de
preto e cinza? e ela me dizia que preto e cinza eram cores de tristeza, de saudade, e
de amor perdido. Ficava me perguntando por que as mulheres idosas sentiam tanta
tristeza e saudade, e porque perdiam tanto seus amores?
Naquela época, era comum que as viúvas se vestissem de preto. Isto
simbolizava seu luto e sua fidelidade ao companheiro por muito tempo. Algumas
nunca mais vestiam roupas coloridas. Inconformada por vê-las sempre de luto, eu
27 Estribilho de reza para quebranto usada pelas rezadeiras católicas na cidade de Cachoeira de Pajeú no ano de 1972
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pensava que aquilo não podia fazer sentido. Se elas já haviam perdido muitos dos que
amavam, além de perder seus amores elas também teriam que perder as cores da
vida?
Posso afirmar que apesar de ter perdido muito cedo meus avós, tanto a minha
infância como a adolescência, foram cercadas pelos afetos de outros velhos e de
interrogações sobre a vida, sobre o tempo, o homem, e o seu espaço vivido. Penso
que o fato de ter ficado tão perto deles, talvez tenha tornado minhas, algumas de suas
interrogações. Estas, ao invés de se esmaecerem com o tempo, foram tomando mais
cor.
Hoje, posso perceber, ao alinhavar parte da colcha de retalhos da minha
história, que estes fatos foram ao longo do tempo sustentando minhas decisões e
conduzindo-me para a temática do envelhecimento, e para o posicionamento de lutar
pela construção de uma política pública que assegure direitos e garanta o exercício da
cidadania ao ser humano na sua velhice. Que seja capaz de fornecer suporte e
amparo para auxiliá-lo nas suas limitações, não apenas de forma protecionista e
tutelar, mas sobretudo criando estratégias para desenvolver e divulgar suas
potencialidades.
As lembranças de fatos históricos da minha cidade dos quais não cheguei a
participar, e que meus avós e vários de seus amigos testemunharam, me fazem
refletir que a luta travada contra os processos de dominação é uma herança cultural
da minha família e da minha cidade, cujos processos históricos e culturais somaram-
se aos fatos experienciados por mim, desde a infância e ao longo da minha história
formando uma consciência a respeito de tantas questões ligadas às políticas públicas,
ao envelhecimento e aos velhos, e cujas emoções vividas por eles imprimiram
memórias que me movem na direção de tentar manter através do meu compromisso
com a ciência e com as comunidades de velhos, os afetos de alegria que me foram
transmitidos por pessoas que encontravam prazer em construir relações e redes
comunitárias que lhe trouxessem a segurança que segundo Bauman(2004,p 38)
apenas o exercício contínuo de relações solidárias e de interdependência humana
pode trazer. Afirma ele que: “a solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo
triunfo do mercado consumidor”.
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2.4 Do interior à capital: rumos da trajetória acadêmica e profissional
Vivi até os treze anos de idade na minha cidade natal, mas como queria
continuar os estudos e na década de 80 a educação, na maioria dos municípios
mineiros de baixo IDH, mal atingia o nível do ensino fundamental completo, a
migração para estudar nas capitais era uma condição obrigatória para os brasileiros
que se aventuravam a tentar alcançar o nível do ensino médio ou universitário. Por
isso, nascida numa cidade cujo número de habitantes não passava de 6.000 no total,
Contávamos apenas com uma escola estadual de primeira a quarta série e um ginásio
municipal de 5ª à 8ª por isso integrei a grande massa de estudantes que tiveram que
optar entre continuar em sua cidade e estagnar seus estudos ou deixar sua cidade
para continuar estudando. É importante salientar que esse quadro da educação era
comum em vários municípios mineiros desse porte, na época e especialmente nos
municípios situados ao Norte e Minas Gerais.
Nesta época a minha saída melhor foi morar uns tempos com meus tios e
depois com minha avó materna na cidade de Teófilo Otoni, para cursar o ensino
médio. Na época, chamado “científico”. Morar com a minha avó foi um caminho
possível para estudar, e ao mesmo tempo ajudá-la nas atividades domésticas. Tive
que insistir muito, até conseguir a aprovação dos meus pais, pois a despeito da minha
vontade de estudar e da minha performance nos estudos, com sete filhos em casa, o
meu lugar teria que ser muito mais o de auxiliar no cuidado dos irmãos menores e dar
continuidade aos negócios do meu pai. Qualquer estudante advindo de uma situação
econômica de baixa renda e de cidades pequenas naquela época, no Estado de
Minas Gerais, especialmente daquelas regiões mais pobres, teria que fazer esse
processo migratório, e muitas negociações com a família se quisesse acessar a
educação de nível superior. E isso muitas vezes envolvia negociações com os
familiares, para que os custos fossem reduzidos.
A solidariedade entre os familiares era uma saída possível. A outra realidade
para os pobres: a de uma jornada exaustiva de humilhações e de trabalhos para
conseguir estudar. Pois a escola pública era de excelente qualidade mas não era de
maneira alguma acessível aos mais pobres nesta época. Lembro-me de histórias de
colegas que viviam situações de muita humilhação em na casa de parentes, e outros
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que eram quase escravizados por estranhos que se propunham a aproveitar a mão de
obra gratuita dos conhecidos. Entretanto a migração propiciava possibilidades novas,
novos encontros e possibilidades de mudança e do cerco do modelo de família
nuclear tradicional, que vinha se desfacelando aos poucos ao ter seus membros
migrando das zonas rurais e das cidades pequenas para os grandes centros urbanos.
Com isso também, migrando para novos modelos, novos padrões de organização e
de subjetividades. Assim é que o convívio com minha avó foi penetrar outra escola, do
crochê, do ponto de cruz, de culinária, dos contos e causos de outras épocas e
lugares que eu nem podia imaginar. Um período rico e de muita aprendizagem que
deixou grandes influências para o meu convívio com as pessoas idosas.
Ao fazer anos mais tarde o curso superior de Administração de empresas e
depois o curso de psicologia, todas as experiências com os velhos da minha terra
trouxeram-me ainda mais o desejo de me aprofundar nos estudos sobre a velhice.
Trabalhei desde 1990 a 1995 com Administração de recursos humanos especialmente
com consultoria organizacional e com programas de preparação para a
aposentadoria. Foi então que a partir de 1995 em diante, trabalhei com grupos de
convivência de idosos nas periferias de Belo Horizonte. Todos os estágios do curso de
psicologia que fiz, ou cursos que ministrei, estavam sempre focados nas temáticas:
pessoa idosa, grupos, família e comunidade. Ao longo deles minha tarefa mais
costumeira era tentar alinhavar os pressupostos da antropologia, da filosofia, da
gerontologia e da psicologia social crítica.
Propus a ampliação do trabalho com idosos ao iniciar a abordagem aos grupos
de convivência, no estágio “O psicólogo na comunidade”, e me tornei uma de suas
monitoras. Desenvolvi esta atividade por dois anos desde o ano de 1996 e um ano
após iniciar esta atividade, de 1997 a 1999 desenvolvi alguns cursos e trabalhei como
monitora, em parceria com diversos professores, no projeto de criação do “Centro de
Educação Popular na Universidade”. Este centro congregou mais de 1200 alunos, que
eram líderes comunitários, vindos de toda a região Metropolitana de Belo Horizonte, e
que participaram durante dois anos consecutivos em cursos diversos. Dentre eles,
dois cursos por mim idealizados: “Acompanhante de idosos” e o curso de formação
para “Coordenadores e líderes de trabalhos com a terceira idade.”
79
Em julho de 1998 iniciei o curso de especialização em gerontologia, e em Julho
de 1999, ao encerrar o curso de especialização, fui convidada pela Universidade para
ocupar o cargo de professora supervisora do estágio “O psicólogo na comunidade”, e
anos mais tarde para assumir em caráter substitutivo, a disciplina psicologia da vida
adulta e da velhice, atividade que desenvolvo até o presente momento. Nesse mesmo
ano comecei a me reunir com as coordenadoras de grupos de convivência de idosos
que haviam participado do centro de educação popular e começamos a discutir na
universidade as questões relacionadas à política pública de atenção à pessoa idosa
no que tange aos grupos de convivência de idosos.
Um ano depois, em fevereiro de 2000, fui convidada a assumir o cargo de
professora e coordenadora de projetos sociais na Pró reitoria de extensão da
Universidade Católica de Minas Gerais. Minha primeira iniciativa foi ampliar o estágio
com a atividade de Acompanhamento Terapêutico ao idoso acamado, bem como
ampliar o trabalho com grupos de convivência de idosos ligados às comunidades e
promover sua interlocução com o conselho municipal do idoso e a Prefeitura Municipal
de Belo Horizonte.
Foi nesse contato que nasceu e tomou forma o projeto de escutar e
sistematizar os principais cochichos feitos pelas idosas, e verificar a implicação
desses cochichos nas transformações que visivelmente percebíamos, e que os
participantes relatavam ocorrer no grupo. As questões começavam a borbulhar de
forma insistente. Quais eram os seus principais cochichos? Quem eram essas
mulheres que cochichavam? Como elas percebiam esses cochichos, e o que
pensavam do trabalho e da escuta psicológica nos grupos de convivência? que
mudanças ocorriam na sua forma de pensar e de agir no cotidiano, quando esses
cochichos passavam a ser escutados? Estas foram as primeiras perguntas que
surgiram.
Nesta época, fui convocada pela Reitoria para representar a Universidade no
conselho Municipal do Idoso, cadeira que ocupei até o ano de 2009. A partir de então
comecei a esboçar o projeto de pesquisa, que foi aceito no programa de mestrado em
gerontologia nesta Universidade, e intitulado provisoriamente: “Vozes na coxia: escuta
psicológica e produção de sentido nos grupos de convivência de idosos.” Propus-me a
desenvolver esta pesquisa de mestrado buscando traçar alguns caminhos para
80
responder às questões nascidas no cotidiano dos trabalhos realizados com idosos.
Embora tenha passado por grandes dificuldades para cursar o mestrado fora de Belo
Horizonte, empreendi este esforço pelo meu interesse em desenvolver estudos sobre
a psicologia em interlocução com a gerontologia no ano de 2002.
Como no final de 2002 eu já havia idealizado e elaborado o programa PUC
mais Idade- Núcleo de estudos, pesquisa, desenvolvimento, e educação continuada
para a pessoa idosa. Este programa funcionou de forma não oficial desde o ano 2000
e foi oficialmente inaugurado em outubro 2004, pela Universidade.
De 2002 a 2004 as disciplinas cursadas mestrado em gerontologia da PUCSP,
e a experiência acumulada nesses anos de trabalho foram de suma importância para
fomentar as atividades do Programa PUC mais Idade.
As ideias que sustentaram o trabalho desenvolvido com idosos enquanto eu
era consultora de recursos humanos foram ampliadas com pressupostos da psicologia
tais como:“logoterapia e terapia do sentido de vida” de Victor Frankl, a Epigênese, e
Teorias do ciclo vital de Erik Erikson, e Teorias grupais, acrescentadas de
pressupostos da antropologia e da sociologia como: memória, trabalho, corpo e
cultura, e da filosofia e configurou-se como um importante trabalho que foi
desenvolvido na Universidade Católica de Minas Gerais, que foi o curso denominado
“Oficinas de memória e elaboração de projetos de vida” .
Dentre as atividades do programa PUC MAIS IDADE destaco a escuta
psicológica a grupos de convivência de idosos, acompanhamento terapêutico ao
idoso, cinema comentado, inclusão digital, curso de capacitação para líderes e
coordenadores de grupos de convivência, e oficinas de projetos para líderes de
grupos de convivência de idosos; pesquisas e levantamento de dados sobre os
grupos de convivência de idosos de Belo Horizonte, seminários contínuos de saúde,
memória, cultura e envelhecimento, vários fóruns de debates sobre políticas pública,
quatro Fóruns Interdisciplinares de geriatria e gerontologia, assessoria e
potencialização dos grupos de convivência e conselhos de direitos da pessoa idosa,
vários ciclos de debates e filmes comentados sobre questões ligadas ao
envelhecimento, com o objetivo de fortalecer os movimentos na luta em prol dos
direitos da pessoa idosa, e favorecer espaços de significação e construção de novas
formas de envelhecer e de viver a velhice.
81
O trabalho na Pró reitoria de extensão somado à representação da
Universidade no Conselho Estadual do Idoso de Minas Gerais demandava muitas
horas de trabalho e viagens pelo interior do estado, e levou-me a optar pelo
adiamento da pesquisa de mestrado, embora insistisse em continuar, pela via do
estágio e do acompanhamento aos grupos nos Fóruns e nos Conselhos de Idosos a
manter o vínculo com o projeto de pesquisa. Tal afastamento permitiu-me depois
adiantar os levantamentos de dados de que eu precisava sobre os grupos de
convivência de idosos para consolidar ainda mais a minha pesquisa. Entretanto, a
participação como representante da Universidade nos conselhos municipais e
Estadual de direitos da pessoa Idosa, trouxeram uma grande responsabilidade já que
tive que assumir a presidência interina do Conselho Estadual do Idoso, por 3 anos e
por questões ético-políticas estive completamente envolvida na organização das duas
primeiras conferências Municipais e Estaduais de direitos da pessoa idosa. Precisava
mobilizar todos os conselhos municipais do Estado de Minas Gerais que somavam
mais de 200 municípios diferentes.
No período de 2006 a 2009. o envolvimento e o compromisso com a pessoa
idosa e com as políticas públicas levaram-me a adiar o mestrado e deixar o meu
projeto pessoal e de crescimento profissional na carreira em segundo plano, para me
dedicar inteiramente aos conselhos e aos grupos de convivência, pois nas
circunstâncias em que estávamos na política de atenção ao idoso era mister que os
conselheiros, especialmente aqueles que assumiram cargos de liderança, pudessem
cumprir o seu papel de incentivar e promover a mobilização de toda a população idosa
para a organização e participação na luta pela garantia dos seus direitos.
Desta forma somente no ano de 2012 finalmente, retornei ao mestrado, após
10 anos da minha primeira incursão no curso, para reiniciar o mestrado e concluir o
trabalho de pesquisa que iniciei. A opção de terminar o que comecei, demarcou para
mim não apenas a coerência com o meu desejo pessoal de concluir esta pesquisa,
mas sobretudo, o fato de que por mais percalços que possam existir na caminhada do
pesquisador, o compromisso com as pessoas envolvidas na pesquisa e com o retorno
que precisamos levar ao campo deve ser pensado como uma questão prioritária. Por
outro lado, as aproximações e distanciamentos do pesquisador com o campo podem
demarcar um modo de estar que é no dizer de SANT’ANA, (2000 p 36) assumida por
82
uma questão ético política e uma perspectiva da ecologia humana, fundamental no
trabalho do pesquisador, de ser descartável-essencial no processo de construir
compreender e empreender, seja através de uma pesquisa, de uma intervenção ou
mesmo de uma atividade específica, as transformações que os próprios sujeitos se
propõe a realizar e para a qual demandam auxílio.
Durante todo esse período sustentei a antiga proposta de pesquisa feita
inicialmente, com algumas alterações no corpo teórico inicial, decorrentes da revisão
bibliográfica, e no foco que se tornou mais específico, com as orientações e pelo
conhecimento adquirido no programa de mestrado, bem como pelo aprimoramento
dos métodos de trabalho desenvolvidos na participação constante nos conselhos, nas
conferências Municipal, Estadual e Nacional de direitos da pessoa idosa, nos quais
contribuí sistematicamente como coordenadora de diversos trabalhos e propostas na
construção da rede de proteção à pessoa idosa, e na efetivação dos direitos da
Pessoa Idosa especialmente por meio da contribuição na organização das
conferências duas primeiras conferências municipais e Estadual de direitos da
pessoa idosa.
Neste sentido é que esta pesquisa adquiriu um caráter longitudinal na medida
em que coletei novamente, após 10 anos, os cochichos das mulheres nos grupos de
convivência, desta vez mais sustentada pela pesquisa-ação, pois aproveitei toda a
construção feita com os grupos e com as coordenadoras durante o acompanhamento
do estágio, bem como as memórias de sua participação nas três conferências de
direitos da pessoa idosa e utilizei também os dados de acompanhamento dos grupos,
pela via do estágio, em sua participação nos fóruns regionais e nas assembleias do
conselho municipal do idoso, para enriquecer os dados as minha pesquisa e fazer o
levantamento dos cochichos na atualidade, por meio de um instrumento que não fosse
mais as entrevistas individuais , mas a própria atuação delas num encontro
denominado conjuntamente por elas de oficina de desenvolvimento humano político e
social para coordenadores de grupos de convivência de idosos. 28
28 A oficina de desenvolvimento humano político e social foi desenvolvida em abril de 2012 e congregou em torno de 70
coordenadoras de grupos de convivência de idosos em Belo horizonte organizadas pelas idosas coordenadoras participantes da
pesquisa, com o suporte da pesquisadora, com o objetivo de discutir questões sobre os grupos de convivência de idosos, que
vinham cochichando ao longo do tempo tanto nos grupos quanto nos conselhos e sobre as quais ainda não se sentiam escutadas.
83
A oficina na realidade, concomitantemente funcionou como um evento coletivo
onde pude agregar os dados da minha pesquisa e atender à solicitação das idosas de
ter um encontro direto com alguns políticos e representantes da população idosa na
câmara municipal da cidade, onde pudessem levar diretamente as demandas do
grupo, num espaço que não fosse os fóruns ou os conselhos de idosos, já que
percebiam que os seus cochichos apesar de insistentes não pareciam chegar aos
governantes, ou se chegavam era de forma muito indireta e parecia perder o vigor e a
força que os grupos poderiam ter se falassem diretamente, segundo afirmavam.
Estou certa que a escolha por esta forma de coletar os dados foi muito
importante para compreender certas questões de sua participação e dos seus
cochichos que eu jamais compreenderia, se não tivesse escolhido esse modelo de
oficina como instrumento de coleta de dados. Pois os cochichos presentes no
encontro funcionaram visivelmente como instrumentos de potencialização para que as
mulheres coordenadoras de grupos de convivência pudessem trocar suas
experiências e se empoderarem diante das autoridades ali presentes, como podemos
constatar em suas falas. A pesquisa contribuiu ao propor na fala das coordenadoras
novas formas de pensar a política de atenção ao idoso na cidade de Belo Horizonte, o
que pode iluminar novos caminhos na abordagem a pessoas idosas, especialmente
no que tange à sua participação política. Já que o exercício realizado por meio dela foi
o de escutar diretamente as pessoas que protagonizam essas transformações e
fortalecer sua voz ao propiciar novos espaços possíveis para estas discussões, que
não apenas os espaços instituídos politicamente.
2.4.1 Uma travessia: da trajetória de vida para a trajetória do projeto de
pesquisa “vozes na coxia”
Foi interessante observar ao longo da minha trajetória que houve uma estreita
ligação entre a minha vida pessoal e os afetos que me influenciaram para uma forma
de escutar as pessoas idosas, bem como observar os processos de envelhecer da
população idosa do nosso país. Mas nem sempre a travessia de uma constatação
sobre essa ou aquela realidade nos facilita de pronto a construção de um projeto de
pesquisa. Especialmente quando tentamos buscar através desse projeto de pesquisa
84
uma possibilidade de intervir em questões reais no cotidiano das pessoas e das
políticas de um país.
Com o afirmam os dados estatísticos e demográficos O crescimento vertiginoso
da população idosa, em relação a outros seguimentos populacionais tanto no mundo
como Brasil, é uma questão cada vez mais pautada nas discussões levantadas tanto
pelos setores públicos, quanto pela sociedade civil. Entretanto o que se observa
embora esteja pautada nos discursos, de forma tão enfática. Não aparece com a
mesma ênfase, nem tem sido efetivada como prioridade na agenda de execução das
políticas públicas, ou sequer dos programas e projetos destinados à atenção da
pessoa idosa. Desta forma, desenvolver um projeto de pesquisa sobre o
envelhecimento, com o pressuposto de que este é um processo biopsicossocial e
cultural, com o foco no binômio comunidade e velhos, requer um olhar crítico e
profundamente comprometido com a humanidade, no que tange a sua universalidade
e singularidade, bem como sobre os dispositivos que sustentam esta relação na sua
imanência29.
Espera-se de um pesquisador mais atento, antes de vincular seu projeto a uma
instituição, uma análise aguçada das formas de pensar e interpretar o tema escolhido
nas instituições de ensino e pesquisa, e o exercício de examinar alguns dados sobre
suas produções e sobre a sua forma de posicionar-se politicamente, diante do tema.
Escolhido para o estudo. Principalmente quando o que pesquisamos, situa-se numa
área de interesses e de relações de poder, cujos processos ideológicos na formação
possam senão comprometer a pesquisa, no mínimo desviá-la de seus objetivos. Esta
foi uma questão que considerei ao optar pelo Mestrado em gerontologia da PUCSP,
que tem seu foco na gerontologia social, e na perspectiva de uma gerontologia Crítica.
O fato de que o projeto tenha sido contemplado posteriormente, na segunda
fase que me inscrevi no programa de bolsas do mestrado fornecido pela
CAPES/CNPQ teve um valor imensurável não apenas pelo subsídio financeiro, mas 29A noção de imanência em Espinoza é sustentada pelo princípio monista de que a substancia é em si una e múltipla. E Deus natureza, no sentido de que é na ação de existir e não fora dela que ele se manifesta. As coisas existem por si sem necessidade de um outro atributo que as defina a não ser o próprio atributo de existirem. É graças a autonomia humana que o homem se vincula ao divino, dando lugar à realização da ordem divina na ordem humana. A imanência é a afirmação de Deus aí, manifesto em seus próprios atos na sua unicidade e multiplicidade. Para Espinoza a imanência e a autonomia humana encontram sua expressão mais elevada no amor a Deus, e o amor a Deus só se firma na imanência, e na autonomia que se traduzem na própria afirmação ética e política do homem. A autonomia do homem e seu vínculo com o divino se promovem e enriquecem reciprocamente, pois o homem vincula-se com Deus a partir unicamente da propagação da caridade e da justiça, e a conseguinte construção do reino de Deus na Terra:
85
por fornecer a condição necessária para que eu pudesse concluir um trabalho já
iniciado, legitimando a importância da pesquisa com o seu fomento. Junte-se a este
fato, a parceria da minha orientadora, que teve implicação ético-política e solidária
indispensável para minha formação ao propiciar-me o suporte Teórico necessário,
com sua escuta sensível.
Todos esses fatores propiciaram um desfecho temporário, para um ciclo de
aprendizagem pessoal e profissional, que espero, possa contribuir com a população
idosa, por meio dos frutos de uma produção, que embora, tenha utilizado um tempo
maior para a coleta de dados, poderá trazer aquele prazer próprio do fruto temporão.
Uma construção, que exatamente por ser intensa, necessitou de um tempo e um
percurso que desafiou a rigidez do tempo estipulado para a pesquisa nos órgãos de
fomento, não apenas por limitações pessoais, mas sobretudo pela sua associação
com escolhas que demarcam claramente a valorização da dialogicidade estabelecida
entre o campo teórico e o campo prático como construtores de práxis científicas. Entre
o lugar da ciência e o lugar dos sujeitos que se beneficiam da ciência; entre a
gerontologia como ciência e a gerontologia crítica aplicada à produção de mudanças
efetivas no cotidiano das pessoas idosas; entre o sujeito pesquisador que pensa e
sente, e o sujeito pesquisado que age e transforma a si mesmo e a realidade por meio
do que pensa e sente. E, finalmente, entre a psicologia como ciência que constrói
teorias sobre a escuta da pessoa humana e de seus afetos, e a psicologia como
ciência que age por meio da escuta humana, sobre o sujeito concreto, na
complexidade do contexto em que ele se insere, propiciando a produção de novos
devires, novas significações tanto no sujeito que afeta e é afetado pela realidade,
quanto na realidade que o afeta.
2.5 Cochichos inacabados sobre a trajetória da pesquisa e do pesquisador
“É inútil procurar encurtar o caminho e querer começar, já sabendo que a voz diz pouco, começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via crucis é um descaminho; é a passagem única. Não se chega senão através dela e com ela.
Clarisse Lispector30
30 In: LISPECTOR, Clarisse, a paixão segundo G.H. Rio de janeiro, Editora do autor. Pp.178-9
86
Ao rever minha trajetória reconheço-me e ao mesmo tempo me estranho nela.
Com o que é familiar, me emociono. Vêm à tona o humano, e por vezes, experimento
novamente as lágrimas no que foi vivido como dor ou como afetos de alegria.
Rememoro afetos de alegria, bons encontros e instantes de prazer que nesse caso
superaram os afetos de tristeza, o amargor das desilusões e sofrimento pelos
investimentos que se perderam no caminho sem gerar uma conquista efetiva. Mas é o
estranhamento nesta trajetória, que traz indagações e busca a construção de sentido
sobre o espaço vivido. É o estranho dentro de mim que provocou e provoca o
exercício de buscar mais conhecimento, e que impulsiona a pesquisa que foi se
desenhando no projeto que se será aqui detalhado, e que continuará seguindo seu
rumo e sua vocação de obra aberta.
O cochicho que consigo fazer sobre a minha trajetória nesta pesquisa:,
tentando dar um contorno teórico e afetivo é que se o sentido que consegui atribuir à
minha história pessoal e aos conteúdos psíquicos da minha vida afetiva , que
conduziram inconsciente e conscientemente minha escolha pelo trabalho com idosos
foi que “na presença ausência do olhar da minha mãe os velhos me viram primeiro, e
eu simplesmente respondi ao seu olhar”, o lugar que me sustenta como pesquisadora
inquieta sobre essa temática é o desejo de empreender projetos, estudos e pesquisas,
que busquem compreender os caminhos do envelhecimento, como caminhos
biopsicológicos, históricos, políticos e culturais, mas sobretudo como um caminho
para alcançar uma visão mais ampliada do homem sobre si mesmo, um caminho para
a alteridade e para a construção de uma ecologia humana, necessária para reduzir as
desigualdades sociais e contribuir para relações mais justas, capazes de favorecer
bons encontros entre os homens, nos seus diversos contextos e nas relações
intergeracionais. Sobretudo, para a potencialização dos espaços de participação
política das pessoas idosas, num contexto que propicie não apenas a garantia de
direitos e o exercício da liberdade de expressão, mas que promova o reconhecimento
dos processos de dominação, e a contenção desse processo pela via do exercício da
cidadania e pelo acolhimento da manifestação das diferenças e da heterogeneidade
de um povo.
87
A escuta das falas das mulheres idosas sobre si mesmas e sobre o processo
de participação política, configurou-se um ponto importante na produção de alguns
resultados sobre a sua forma de participação, como veremos no decorrer deste texto.
Isso porém não apresenta algo extraordinário, uma vez que é na ressignificação do
olhar sobre si mesmo, sobre os outros e sobre a realidade que são propiciados novos
devires e novas formas de existência na velhice. Entretanto, contribuiu para reafirmar
o conceito de homem como sujeito de afetos, histórico e social, cujas transformações
são observadas à luz daquilo que produz no movimento simultâneo de transformar a
si mesmo e a própria realidade. Isso tira o foco de um pensamento sobre a velhice,
como algo dado, pronto, e sobre o velho como uma concepção universal, para pensar
mulheres que estão se desenvolvendo ao longo do seu processo vital e de
participação política. Considerando o autoconhecimento a autovalorização e
simultaneamente o impacto que causam em si mesmas e na sociedade e que a
sociedade lhes causa ao longo desse processo.
Deste modo, a pesquisa foi um caminho que se ofereceu para possibilitar não
apenas o percurso dos cochichos de mulheres idosas se transformando em voz
audível. Ou o seu movimento ao se deslizar da coxia, dos grupos de convivência, para
o palco da vida, dos conselhos, dos fóruns, das instâncias mais formais de
participação política, mas sobretudo para possibilitar ao pesquisador avaliar a sua
forma de escutar essas mulheres e de produzir ciência com a responsabilidade de
quem se implica não apenas com os resultados do que foi produzido, mas sobretudo
com o processo de produção. Ou seja, com uma ciência que opera em favor das
humanidades e da construção de novos modos de ser e se fazer humano.
Volto dessa reflexão com a sensação de que ainda há muito a aprender e a
construir nesta trajetória da ciência, a despeito de já ter realizado essa pesquisa.
Outros trabalhos são apontados na gerontologia, não apenas na consolidação dos
direitos da pessoa idosa, mas sobretudo da velhice como um lugar possível de
realizações e de felicidade a ser vivido pelas pessoas. Neste caso estudar a velhice
requer do pesquisador a desconstrução de lugares instituídos, bem como a sua
acuidade para descobrir novos arranjos sociais que possibilitem a construção de
novas subjetividades. Isto implica, em uma análise científica, que explicite a velhice
como uma construção cultural dinâmica e não como algo naturalizado. Isso envolve a
88
escuta de outras vozes, de velhices possíveis, que evidenciam a sua heterogeneidade
cultural. Esta pesquisa científica chama a atenção para as falas das idosas como
sujeitos e para seus cochichos como vozes audíveis buscando evidenciar e negar
aquilo que se apresenta de pronto como natural e familiar. Tal como aponta Luiz
Cláudio Mendonça Figueiredo, ao discutir a alteridade e as ideias de Ogden no texto
“Uma complexa noção de voz”. (1998)31 :
“A voz, a voz viva, bem entendido, é “ao mesmo tempo” o que de mais próprio pode brotar do sujeito, mas é, antes disso, o que o possibilita e, em seguida, [...] o remete para longe de si, para o momento paradoxal de um novo conhecimento de si pela via da desfamiliarização. (FIGUEIREDO, L.C.1998).
31 In: FIGUEIREDO, Luiz Cláudio M. A complexa noção de Voz. Revista Brasileira de Psicanálise. São Paulo, Órgão Oficial da
Associação Brasileira de Psicanálise 32(3): 605-609
89
3 MULHERES QUE COCHICHAM E SUAS COXIAS
Figura 4 - Painel ilustrativo –Imagens do contexto das Mulheres coordenadoras
Fonte: Painel elaborado pela pesquisadora (fontes diversas)
90
3.1 Mulheres que cochicham: um pouco da sua história
“Como nenhuma história se faz desacompanhada de contradições, a vivência das mulheres mineiras só pode ser apresentada através do permanente conflito e negociação entre os grupos empobrecidos dos quais as mineiras faziam parte e as instituições que de um modo ou de outro, procuravam enquadrá-la. (Luciano Figueiredo, 2004.p130).
Ao descrevermos as coordenadoras de grupos de convivência de idosos
partimos da observação do seu contexto histórico cultural. Segundo o levantamento
de dados que realizamos no Estágio o psicólogo na comunidade em parceria com o
programa de extensão PUC MAIS IDADE, a maioria das coordenadoras de grupos de
convivência de idosos, que responderam aos questionários no ano de 2002
informaram ter nascido no Estado de Minas Gerais. Mais de 50% das que
responderam ao instrumento foram nascidas e criadas em Belo Horizonte e região
metropolitana. Ao contarem sua trajetória de vida algo em comum entre elas foi o fato
de que os pais vieram de cidades vizinhas ou do interior de Minas para a capital.
Contavam a história de seus pais trazendo detalhes sobre suas mães. Algumas,
segundo elas, eram quitandeiras, outras eram filhas de fazendeiros da região
metropolitana ou cidades vizinhas, algumas eram filhas de mulheres que lidavam
juntamente com os maridos com pequenos comércios, outras eram filhas de
costureiras, bordadeiras, lavadeiras ou donas de casa Esses ofícios das mulheres
mães das coordenadoras foram os que mais apareceram nos questionários. Uma boa
parte delas, cerca de 30% das que responderam disseram que suas mães vieram
para a capital para acompanhar os maridos no trabalho. E cerca de 20% disseram que
suas mães vieram para a capital para estudar e morar com parentes.
Quanto aos seus pais, as coordenadoras, na sua maioria (60%)responderam
que os pais foram pequenos fazendeiros, agregados ou trabalhadores rurais e cerca
de 20% delas eram filhas de militares. Os outros 10% delas responderam que os pais
faziam outros ofícios típicos da cidade grande como alfaiates, pedreiros, motoristas.
Quanto à situação civil, a maioria das coordenadoras de grupos de convivência de
idosos são constituídas de viúvas e ou separadas (em torno de 60%) Uma boa parte
delas (cerca de 15 a 20%) solteiras. E 20% a 25% delas são casadas. Esse dado fica
91
um pouco contaminado tanto com o discurso de algumas que não vivem mais com os
maridos mas que se declaram casadas, como com as solteiras que possuem um
companheiro, por um período que já seria considerado uma união estável, mas que se
declaram solteiras. Um outro dado interessante é que boa parte das que são viúvas e
casadas disseram ter tido poucos filhos em comparação com as outras mulheres que
viveram em sua época. Boa parte dessas mulheres foram casadas com militares
(cerca de 35% das casadas) e disseram que suas mães vieram para a capital para
estudar ou para acompanhar os maridos no trabalho. Observei que mais de 30% das
coordenadoras de grupos de convivência de idosos eram filhas ou esposas de
militares. O quadro abaixo relaciona algumas características das 10 coordenadoras de
grupos de convivência cujas entrevistas foram analisadas neste trabalho e que podem
servir para referenciar o leitor, e que se aproximam desses dados.
‘
Quadro 4 Caracterização das coordenadoras entrevistadas
ENTREVIS
TADA
IDADE
ATUAL
ESCOLARIDADE ESTADO
CIVIL
RENDA
PESSOAL
INFORMADA
CONDIÇÃO/
MORADIA
CI-1 60 ensino superior casada R$1800,00 com o
marido
CI 2 62ª fundamental
Incompleto
casada R$750,00 com o
marido
CI 3 65ª ensino médio
Completo
separada R$780,00 com o
marido
CI 4 72ª fundamental
incompleto
separada R$780,00 Com os
filhos
CI 5 67ª ensino médio
profissional
solteira R$800,00 com a mãe
e um irmão
CI 6 72ª fundamental viúva R$750,00 com uma filha
CI 7 72ª ensino médio viúva R$1200,00 com a mãe
CI 8 70ª ensino médio viúva R$1200,00 com a filha
92
ENTREVIS
TADA
IDADE
ATUAL
ESCOLARIDADE ESTADO
CIVIL
RENDA
PESSOAL
INFORMADA
CONDIÇÃO
/
MORADIA
CI 9 80ª fundamental
incompleto
viúva R$980,00 com os
filhos
CI 10 82ª fundamental
incompleto
viúva R$980,00 com os
filhos
Fonte: banco de dados do Estágio supervisionado mantido pela pesquisadora na PUC MINAS
Um outro dado interessante é que nas histórias contadas, elas sempre traziam
um propósito de preservação e manutenção de valores familiares, e regras rígidas no
sentido de cumprimento das premissas religiosas. Entretanto, um dado interessante é
que sempre contavam também nos fragmentos da sua história pequenos atos de
rebeldia de que se lembravam ter feito. Esses dados mais gerais envolvendo outras
coordenadoras além das entrevistadas, foram coletados quando do levantamento de
dados dos grupos no momento em que eram vinculados ao estágio no curso de
psicologia, e foram utilizados aqui apenas como pano de fundo para que possamos
mostrar ao leitor uma referência sobre a história pregressa dessas mulheres antes de
falarmos de sua atuação nos grupos.
Uma das dez coordenadoras de grupos entrevistadas além de ter mencionado
seus sonhos de criança na sua trajetória de vida, numa das oficinas em que
discutíamos o tema relações familiares, chegou a montar uma escultura em argila na
qual produziu um violeiro tocando sua viola e disse:
“Meu sonho de mocinha era tocar violão, porque meu pai e meu
irmão tocavam muito bem e eram sempre convidados para as festas. Mas um dia ele me pegou tocando no violão do meu irmão e disse que eu não podia fazer aquilo porque tocar violão não era coisa de moça direita. Fiquei muito triste mas de vez em quando eu ia pra fazenda das minhas primas eu tocava violão com um grupinho de amigas que eram pra frente. Eu era moça séria mesmo, só queria tocar violão, mas se a gente não podia fazer nem as coisas boas. Ai, então, Deus que me perdoa..., mas eu juntei com minhas primas e tive que dar meu jeito”. (CI 8 70ª.2006).
93
Vejam que nesse cochicho ela aponta simultaneamente a exclusão feminina de certos
espaços sociais e ofícios que não podiam ser ocupados pela mulher, mas
simultaneamente, explicita os mecanismos que ela utilizou para fugir a esse cerco
excludente. Ou seja, ia para a fazenda das primas e transgredia uma regra de sua
cultura local que lhe era imposta e com a qual não concordava, mas de certa forma
pedia a Deus perdão pelo que fizera para dar um jeito. É interessante notar aqui o
exercício de solidariedade que é apontado, nesse acolhimento das suas primas na
fazenda. Reuniam-se para fortalecer e para quebrar as regras. A proteção e o auxílio
prestado pelas colegas, eram quase sempre reconhecidos e retribuídos, segundo
seus próprios cochichos.
Outra coordenadora CI7,72a (2006) mencionou que se lembrava do “footing”, e
de como gostava desta prática. Ao indagá-la sobre o que era isso ela disse que era na
verdade como um passeio que elas ficavam fazendo nas praças depois da missa e no
“footing” os rapazes podiam olhar as moças e se interessar por alguma delas e ficar
conversando um pouco na praça. Segundo contava, esse era o único espaço
permitido socialmente e assim mesmo, apenas por alguns pais. Nesse espaço, as
moças de boa família ficavam como num desfile, passeando na praça e os rapazes
podiam avistá-las. Isso acontecia sempre nas praças das igrejas depois das missas,
nos finais de semana. Ela mencionou numa das oficinas que um dia levou uma surra
da mãe porque brigou com o irmão e disse a sua mãe que não queria ser mais
mulher, e tomou uma surra por que dissera à sua mãe que ser mulher era a coisa pior
do mundo naquela casa. Disse que “era muito injusto ser mulher porque Tudo o meu
irmão podia, e eu nada podia”.
É interessante notar o quanto nesses fragmentos da história dessas mulheres,
elas trouxeram questões concernentes à dominação e ao preconceito de gênero no
cerne de sua experiência cultural, bem como, trouxeram também o exemplo
intergeracional de mulheres que de alguma forma desafiavam o que estava posto. E
aquelas que não o faziam, e ficavam quietas descreviam seus lares mantidos com o
rigor de normas e costumes vigentes que fortaleciam a exclusão feminina,
especialmente dos lugares de reconhecimento social e político. Por isso embora não
se rebelassem naquele momento, ou o fizessem de forma tímida e amedrontada,
94
construíam espaços e coxias para dizer o que pensavam fora do alcance dos pais ou
dos que faziam cumprir tão rigidamente as normas. Essa afirmação nos faz refletir
sobre o que sugere Luciano Figueiredo, (2004. P.142)32:
“Em que lugar encontraríamos a mulher mineira? Começamos pela negação, que parece ter sido a característica central na vida dessas mulheres. Estiveram nas minas excluídas de qualquer exercício de função política, nas câmaras municipais, na administração eclesiástica, proibidas de ocupar cargos da administração colonial que lhes garantissem reconhecimento Social.” (FIGUEIREDO,2004, P.138).
Historicamente o processo de grupalização das mulheres mineiras foi antes de
tudo um caminho encontrado como verdadeira linha de fuga aos processos de
dominação e exclusão. Neste aspecto esse mesmo autor ao estudar a história das
mulheres em Minas gerais, afirma que no período de colonização e na corrida do ouro
em Minas eram as mulheres, forras e escravas quem davam trabalho para as
autoridades, porque por via de suas bandejas de quitutes e pela venda de alimentos e
bebidas, se articulavam em grupos e favoreciam os escravos, facilitavam fugas e
funcionavam além de conselheiras, como verdadeiras forças solidárias em
contraposição aos processos de dominação existentes. Assim afirma Luciano
Figueiredo (2004, P.143):
Malgrado essas dificuldades antepostas pelos termos da colonização [...] a originalidade da presença feminina em Minas deve ser captada no olhar que passeia em outras direções. Ante a exclusão que atravessou o além mar e as escarpas montanhosas do sertão colonial tais segmentos contrapunham a força de sua resistência e a persistente capacidade de definir novos papeis para as mulheres em atitudes de resistência cotidiana na luta pela ampliação dos espaços de sobrevivência, na promoção da sociabilidade dos grupos. (FIGUEIREDO,2004, P.143).
Esses aspectos aqui apresentados dão base para refletirmos sobre uma
questão importante na história das coordenadoras hoje e que se apoia numa
anterioridade cultural. Se as mulheres eram as cochichadeiras, o lugar dos grupos na
cultura também foi marcado anteriormente como o de coxias diversas, uma vez que
os grupos se tornaram muitas vezes os lares dessas mulheres. Lembremos que na
FIGUEIREDO, Luciano in DEL PRIORE. ( org.) Historia das mulheres no Brasil. Petrópolis Vozes 2004
95
história, as poucas mulheres que habitavam Minas Gerais no período da colonização
eram mulheres forras33 e escravas e suas coxias se faziam em suas vendas, ou
pontos de comércio onde vendiam seus quitutes. Nas coxias, cochichavam seus
ideais de liberdade. Mas suas coxias muitas vezes se transformavam em palcos
sangrentos, pois se eram excluídas dos lugares de poder e dos espaços de
reconhecimento estavam por certo incluídas de maneira intensa nos programas e
projetos de perseguição aos negros, aos ladrões, aos traidores do governo. Segundo
mostra Luciano Figueiredo:
“As vendas eram quase sempre o lar das mulheres forras (alforriadas) ou escravas que nelas trabalhavam no trato público. O destaque da presença feminina no comércio concentrava-se nas mulheres que eram chamadas de “negras do tabuleiro”. Elas infernizaram autoridades de aquém e além mar. Todos os rios de tinta despejados na legislação persecutória e punitiva não foram capazes de diminuir seu ânimo em Minas e pelo Brasil afora” (DEL PRIORE, 2004, p 132).
Mas porque faço essa ligação tão estreita entre as mulheres coordenadoras de
grupos de convivência e as mulheres de minas escravas e forras? Se adentrarmos um
pouco mais nas questões sócio econômicas, educativas e políticas dessas mulheres
pesquisadas, veremos que suas origens remontam as origens das classes mais
populares, e os costumes que trazem para o cotidiano de suas vivências são
predominantemente os costumes desses grupos. As histórias contadas por elas sobre
a forma de criação dos seus filhos e a forma como foram criadas pelos pais, revela o
modelo de criação adotados por grande parte das pessoas de baixa renda. Esses
costumes continuam prevalecendo, em parte hoje, na forma como opinam na criação
dos seus netos embora essas mulheres se contradigam algumas vezes em relação a
costumes e valores de hoje e de outrora.
Para se ter uma ideia, pelos dados que obtive dos grupos, a maioria das 142
coordenadoras de grupos de convivência, para ser mais exata,120 delas possuíam
uma renda pessoal inferior a dois salários mínimos sendo que mais de 50% delas
recebem uma renda igual a um salário mínimo. E apenas sete delas,
aproximadamente, 5% não recebia qualquer rendimento próprio. A maioria das que
33 Mulheres alforriadas pela lei da escravatura. Na época constituíam o maior número de mulheres presentes nos espaços públicos de
trabalho dos homens.
96
não possuíam renda própria viviam na época, da ajuda dos filhos ou dos irmãos. A
maioria delas como se pode ver nas próprias imagens filmadas, são negras e pardas.
As poucas que são mais embranquecidas, ao mencionarem suas histórias trazem
sempre no bojo delas, as memórias de serviços prestadas por pessoas de sua família
a figuras de autoridade que ocupavam lugares políticos importantes. Uma das
coordenadoras de um grupo de idosas, por exemplo, sempre mencionava em sua
história de participação política, a história de sua família. E ao mencionar sua história
mostrava-se emocionada quando falava da ligação afetiva de seu tio com o presidente
Juscelino Kubitschek. Certa vez comentou no grupo sobre uma questão que mobilizou
muitas colegas e deixou as opiniões divididas, pela força e comoção de seu discurso
sobre um ponto polêmico em sua morte e que é ainda hoje atual nas notícias dos
jornais e que inclusive vem sendo debatida pela Comissão Nacional da Verdade34 e
continua rodeada de mistérios.
Meu tio (...) era o motorista e o homem de confiança do presidente JK. Dona Sara as vezes convidava a gente para brincar coma Marcia, a Maria Estela e outras meninas no sitio. JK era um homem bonito alto muito elegante e muito simples. Eu lembro como hoje o dia 22 de agosto de 1976 quando deram a notícia pra nós que meu tio tinha morrido junto com ele num acidente próximo de Rezende, no Estado do rio de Janeiro. Morrido não, porque nada me tira da cabeça, que eles foram assassinados. Eu fico orgulhosa do meu passado e do passado da minha família porque a gente sempre tava de olho na política, por causa do meu tio. Ele era um homem bom e honesto, mas sofria muito por causa da sujeira da política e de tudo o que fizeram com JK.” (CI 6 72ª,2006).
Outro tema interessante trazido na trajetória de vida de uma das
coordenadoras e abordada por ela na entrevista individual foi acerca dos seus
sofrimentos por causa de sua cor. Em sua fala estão presentes também os
mecanismos de exclusão das mulheres dos lugares de poder eclesiásticos tais como
foram apontados no texto de FIGUEIREDO (2004). Trata-se de sua trajetória de lutar
34 Comissão Nacional da Verdade é o nome de uma comissão brasileira que tem por objetivo investigar violações de
direitos humanos consideradas graves e ocorridas entre 1946 e 1988 no Brasil por agentes do estado. A lei que a institui (Lei nº 12.528 de 2011) foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 18 de novembro de 2011. a comissão foi instalada oficialmente em 16 de maio de 2012. É formada por sete membros nomeados pela presidente do Brasil Dilma Rousseff e catorze auxiliares, para atuarem por dois anos, sendo que ao final desse período, publicarão um relatório dos principais achados, que pode ser público ou enviado apenas para o presidente da república ou o ministro da defesa.
97
pelo desejo de se tornar uma freira. Ela descreve, emocionada, o que se passou com
ela no final da década de sessenta:
“Naquela época, eu já havia passado por diversas casas de formação mas elas não aceitavam “gente de cor”. (Aliás, gostaria de dizer que nunca aceitei nem entendi posicionamentos como esse na igreja. Passei por mais de dez casas de irmãs. Eu ficava muito triste, por que as vezes era dispensada na porta mesmo. (CI5 67ª 2006).
É interessante observar que ela expressa de maneira clara seus sentimentos
em relação ao que estava acontecendo. Amplia a fala na entrevista dizendo que
mesmo na situação em que havia uma vocação para ocupar posição culturalmente
avaliada como “a serviço a Deus” e uma entrega humana ao espaço do sagrado, ela
sentira a dor da discriminação e o peso do estigma com toda a sua força, como se
mulher negra não fosse digna daquele lugar. Noutra ocasião da entrevista esta
mesma coordenadora se mostrou indignada com o que ela denominou de profanação
do espaço sagrado no convento por ações que ela nomeou como desumanas e
mesquinhas, como por exemplo o de impingir regras de serviços e regras de
descanso diferenciadas e mais duras para as irmãs negras. Lembrou-se de um
famoso poema de Neimar de Barros chamado Deus Negro. E disse que nesse poema
Deus aparecia no final para as pessoas que haviam desprezado os negros e ele
também era negro. Ela elogiou o autor do poema e disse que ficava impressionada
com a forma como o preconceito racial e as atitudes racistas contaminavam até os
lugares mais sagrados.
Como eu tinha muita vontade de ir para o Carmelo cheguei até a procurar o apoio de um religioso que foi extremamente franco comigo. Ele disse que ele não poderia me ajudar. Disse que eu deveria procurar as irmãs de Jesus Cristo Crucificado, que trabalhavam dentro da cidade O. Lá eu poderia ser aceita para trabalhar no campo, porque o
Carmelo não aceitava “gente de cor”. Eu me lembro que estava com
minha tia nesse dia. Ela hoje possui 95 anos e ainda se lembra do fato). Fui então conhecer estas irmãs e tive uma péssima impressão da separação que existia entre as irmãs brancas e negras porque parecia que as irmãs que eram “gente de cor” eram empregadas das outras. Eu ficava triste, chorava pelos cantos... mas não podia fazer nada, a não ser tentar de todos os modos conseguir realizar o objetivo de me tornar uma freira.CI 5 67ª(2006).
98
É interessante observar nessa fala os conteúdos verbais que sinalizam os
movimentos de resistência e persistência e assinalam a arma que ela utilizaria nesta
luta. Tornar-se uma religiosa. Ou seja, ocupar o lugar que queria. Mas esse lugar não
seria representado por ela apenas como um lugar para si e sim como um lugar de
onde poderia transformar a realidade.
Recortes como esses nos cochichos das mulheres, idosas coordenadoras de
grupos não apenas confirmam essa herança e proximidade cultural com as mulheres
mineiras escravas e forras que marcaram a história com sua luta por ideais libertários,
mas também nos leva a refletir sobre como o tempo e a cultura cuida ainda de
transmitir sua barbárie, como salienta Walter Benjamim apud Oliveira (1999 p.30) ao
mencionar o processo de transmissão cultural da barbárie. Essa é uma das formas
pelas quais os estigmas que deterioram identidades ao longo de toda existência são
sustentados e continuam sua ação perversa, caso não sejam contidas as formas de
dominação e de exclusão, que os sustentam, já que segundo afirma Goffman (1988
P.141)
“A manipulação do estigma é uma característica geral da sociedade, um processo que ocorre sempre que há normas de identidade (...) a estigmatização daqueles que tem seus antecedentes morais pode nitidamente funcionar como um meio de controle social formal. A estigmatização de membros de certos grupos raciais religiosos ou étnicos tem funcionado aparentemente, como um meio de afastar essas minorias de diversas vias de competição.” (GOFFMAN, 1988, P.141).
Por isso mesmo quero esclarecer também que essa significação sobre a
aproximação cultural entre as mulheres idosas pesquisadas com as mulheres
escravas e forras do período colonial mineiro, é uma interpretação já de segunda mão.
Ou seja, uma interpretação da pesquisadora sobre a forma como vivem e interpretam
sua existência. Pois embora estes elementos de semelhança estejam presentes de
forma clara nos seus cochichos, em nenhum deles houve a menção a esta
semelhança vinda delas, ou sequer qualquer aproximação histórica do seu passado
foi associada com esse passado das mulheres negras, escravas e forras de Minas
que aqui tenho grifado. Entretanto, coloco-me com o meu olhar observador sobre
99
essas questões exatamente porque essas semelhanças não se reduzem às mulheres,
mas também aos grupos de convivência, que funcionam as vezes como um
verdadeiro ponto de discussão dos ideais de liberdade femininos e de desabafo
daquilo que não pode ser publicado em qualquer lugar, seja pela intimidade, seja pelo
teor de afeto que envolve o fato. Ou até porque segundo afirma GOFFMAN (2010)
que para defender-se do outro estigmatizador no espaço público, o estigmatizado
procura manter-se distante daquilo que o identifica e o aproxima da condição que o
estigmatiza.
Além das questões relacionadas aos costumes, valores e forma de se colocarem
socialmente, as mulheres idosas coordenadoras de grupos de convivência também
trazem questões muito singulares quando às formas de resistir e lidar com as
demandas do grupo. Nesse ponto, pudemos observar o quanto se envolvem algumas
delas com os problemas trazidos pelos membros do grupo e como tentam buscar
soluções para as questões que se lhes apresentam. Podemos perceber que esta
forma de envolvimento, que eu chamaria numa aproximação com Foucault (1996) de
cuidado de si e do outro 35 é também uma marca histórica que trazem de suas
vivências demarcado por um ideal de servir ao outro e a si mesmo, e de lutar pela
igualdade de direitos. Na fala de uma das coordenadoras, podemos observar
claramente que outros contextos trouxeram ações ainda mais arrefecidas pelo desejo
de transformação da realidade. Ela revela ao contar a sua trajetória:
“Já no início do noviciado, questionamentos e contestações que fiz levou-me a ser advertida para que não fosse tão rebelde, se quisesse permanecer no convento. Um deles foi sobre a desigualdade nas duas formas de serviço que demonstravam claramente a segregação racial. Existiam as irmãs adoradoras e as irmãs coadjutoras. As adoradoras eram as irmãs brancas e as coadjutoras eram as irmãs de cor. A estas últimas cabiam todas as tarefas mais difíceis e serviços pesados que exigiam maiores esforços físicos. Elas sequer podiam dirigir a palavra às irmãs adoradoras, não tinham direito ao repouso diurno e, após o almoço, que era sempre servido separadamente, as irmãs adoradoras gozavam de um recreio de uma hora de duração enquanto as coadjutoras gozavam apenas de um recreio de 30 minutos. Os dois anos iniciais de noviciado foram provas de fogo, mas apesar de todas as minhas questões, imaginava que um dia aquelas coisas que eu não
35O cuidado de si para Foucault refere-se ao olhar e agir do sujeito sobre si mesmo como consciência ativa, usando a parresia ou
amizade e o falar verdadeiro. No encontro de si o sujeito abarca o outro e o seu mundo. O cuidado do outro é esse falar ético
político que promove a assunção do sujeito e de sua história, comprometido em marcar o tempo e o espaço autenticamente.
100
concordava poderiam mudar. Estava certa de querer continuar lá e tentar transformá-las.” (CI5 67ª. 2006).
No campo de fala desta idosa podemos perceber claramente os sinais de
resistência. Pois a despeito da dor que experienciava pois “foi uma prova de fogo”, e de
persistência, que se sustentava numa utopia, já que imaginava que um dia aquelas
coisas com as quais ela não concordava poderiam mudar e de sua implicação no
processo de mudança. Que não lhe deixava duvidar em relação à sua vontade de
realizar e a ação concreta e coerente com o seu pensamento e sentimento pois afinal,
segundo ela: “estava certa de querer continuar lá, e tentar transformá-las”.
O fato desses grupos terem se iniciado numa comunidade e terem se
materializado por meio de um grupo de moradores locais, segundo o que as
entrevistadas trazem nas suas falas, faz com que as coordenadoras se tornem
conhecidas na comunidade. Elas são procuradas pelas famílias de idosos mais
carentes de recursos financeiros, para auxiliá-los em questões de saúde, transporte,
assistência e até em conflitos internos das famílias. Ao estar conversando
individualmente com uma das coordenadoras participantes da pesquisa, pude contar
num intervalo de duas horas, quatro demandas de diferentes pessoas da comunidade,
para a coordenadora que estava sendo entrevistada. Indaguei se poderia me dizer
quais eram essas demandas que eles traziam para ela.
Ela disse que elas trazem demandas as mais variadas possíveis, mas naquela
tarde especificamente pude observar que uma moradora perguntou a respeito de
serviços públicos, de como ela faria para conseguir transportar o seu marido idoso
para a hemodiálise que era no centro da cidade e que eles não tinham condições
financeiras para pagar o transporte até o centro da cidade. Houve também a
solicitação de uma senhora para que ela pudesse orientar sua filha, mãe solteira, a
fazer a inscrição no programa bolsa família. Outra veio perguntar sobre o BPC
(benefício de prestação continuada) para uma idosa que estava morando com dois
filhos que se drogavam, e não tinham nenhuma renda. Outra senhora veio perguntar
sobre o tempo que iria demorar para que ela conseguisse o aparelho auditivo para a
sua mãe, e buscar orientação sobre vagas na escola municipal para seus netos. Outra
pessoa veio perguntar sobre como ela podia fazer para ter isenção do seu(IPTU)
101
Imposto Predial e territorial Urbano. Fiquei impressionada com a agilidade da
coordenadora para responder e encaminhar as demandas.
Do ponto de vista de participação política, paradoxalmente, as mulheres dizem
que têm cochichado em vão nos últimos tempos. Ao comentarmos numa oficina sobre
a vida das mulheres e sobre a luta feminina em Minas Gerais elas disseram que ficam
desanimadas ao ver como as mulheres lutaram e conseguiram espaço no mercado de
trabalho, mas não conseguiram ainda se tornarem fortes o suficiente para vencer o
machismo e a violência. Segundo disse uma coordenadora, “Se existe violência
contra a mulher até hoje, é porque pra gente, tem muita luta ainda pela frente”. Uma
das coordenadoras, ao comentar sobre isso disse: “meu marido queria mandar em
mim o tempo todo. Bebia feito um condenado e eu ainda tinha que aguentar as
grosserias dele. O que adiantou? Ele está hoje debaixo da terra e eu graças a Deus,
estou aqui voando livre como um passarinho.” Entretanto, ao falar de sua vida em
família, esta mesma coordenadora contradiz esse sentimento de liberdade ao afirmar
de forma irônica, durante a oficina, CI4 -72A (2013)
O problema é que quando a gente pensa que pode mandar na gente, aí a gente vai ficando velha.( ri) e ai a gente descobre que em gente velha todo mundo acha que pode mandar. Agora é assim, quando não é marido, é filho que quer mandar em mim. E quando não é filho, tem sempre alguém pra mandar. Aqui no grupo por exemplo, até a prefeitura quer mandar na gente não é mesmo? É um desaforo só. (CI4-72ª, 2013).
Nesta fala, aparecem dois pontos que quando foram trabalhados um pouco
mais denunciaram a mulher e a pessoa idosa como dupla categoria de atribuição
negativa para o sujeito. Ser mulher e ser idosa nesse caso, na sua interpretação,
somavam duas categorias que sustentavam o problema da exclusão. Entretanto, para
além dos resultados concretos na política governamental, veremos como cada
cochicho dessas mulheres teve poder de modificar sua realidade, a realidade das
suas famílias e de diversas pessoas idosas, pelo menos nos seus micro-espaços
políticos. No macro espaço político entretanto, isso fica menos visível. E demonstra
também que essas mulheres do ponto de vista de sua postura no mundo, possuem
algumas características comuns como por exemplo uma postura crítica à forma da
102
sociedade enxergar a mulher e o seu papel social, nas principais instituições como a
religião, a política, a educação, a família, e na forma como estas se materializam e
traduzem essa barbárie cultural na tentativa de reduzir a mulher, por meio de
organizações como as igrejas, as instituições governamentais, as instituições de
ensino e o casamento, como podemos captar algumas delas na escuta da fala desta
coordenadora.
Durante o acompanhamento das políticas públicas nos conselhos de idosos e
fóruns regionais, escutei atentamente as posições, observei as ações e escutei as
falas das coordenadoras, bem como seus dilemas e contradições na tentativa de
construírem um outro lugar para si. Podemos constatar isso na fala de uma das
coordenadoras de grupo entrevistadas dizendo que todos as pessoas deviam
conhecer os grupos de convivência
“Que é pra gente tirar aquele estigma de que o idoso só fica em casa cuidando das coisas da casa e fazendo doce, salgadinho e bolo pros netos, ao invés da gente participar de um grupo de convivência que ajuda a gente a conseguir nossa autonomia sabe? e viver a verdadeira cidadania, procurando a nossa liberdade.” (CI2 62ª 2006).
É interessante apontar aqui que essa coordenadora fez uso do espaço da
pesquisa através da própria entrevista filmada para denunciar a presença de um
estigma pouco observável pelos que os manipulam cotidianamente Mas a noção de
estigma e de identidade social e pessoal proposta para compreender esse movimento
uma vez que não se trata aqui apenas de um atributo imputado por outro segundo
GOFFMAN (1988,p.68), mas de um papel destinado à mulher idosa a priore, com
implicações afetivas, emocionais, cognitivas e culturais. Nesse caso, a entrevistada se
nega a assumir o papel que dela esperam, apontando para a proposta de novos
papéis para si. Esta postura revela uma forma de resistência, de desobediência não a
uma lei, mas a uma forma de concepção de ser idosa e romper com um ciclo de
transmissão sócio cultural e afetiva na qual por meio de um papel social estabelecido
a priore, pode se ancorar certas identidades. Sobre isso ao trabalhar o conceito de
identidade e subjetividade do idoso MERCADANTE (2005, p.33) traz uma contribuição
importante ao afirmar:
103
A existência de uma identidade construída, com base em um contexto estigmatizante de velho e a verificação da fuga desse modelo pelos próprios idosos, que como indivíduos, como seres singulares, não se sentem incluídos nele, apontam para o mesmo fundamento próprio da construção de uma identidade social paradoxal: o velho não sou eu, mas é o outro. (...) Assim, se por um lado o levantamento das diferenças, das particularidades exibidas individualmente, remete para a negação do modelo geral, por outro lado, essas mesmas e tantas outras novas particularidades podem ser trabalhadas pelos indivíduos para a produção de um novo sujeito velho”. (MERCADANTE, 2005, p.33).
Observamos que essa mesma coordenadora em outro cochicho, afirmou que
tinha horror da palavra envelhecer. Mas com o tempo, e com o convívio no grupo hoje
assume com prazer a idade que possui. Isso nos mostra a importância dos grupos
como espaços de ressignificação da velhice e como por meio dos seus cochichos nas
suas coxias, as mulheres entrevistadas negam esse papel de estar em casa, restrita
ao espaço privado, ao mesmo tempo em que constroem nos seus cochichos, e pela
via dos diversos encontros possíveis, novos modos de existir e habitar a velhice.
Podemos dizer que essas mulheres da história de Minas recriaram seus espaços para
além de suas vendas e dos seus tabuleiros. Desafiaram algumas barreiras sociais.
Rompendo com alguns processos de dominação e hoje se movimentam ao se
construir, construindo simultaneamente novos processos de subjetivação. A mesma
autora afirma ainda que:
A noção de um novo sujeito velho se produzindo não cabe em um
modelo contrastivo de identidade, pois faz parte de uma situação
complexa. Em outros termos, a forma contrastiva de pensar constitutiva
da noção de identidade aponta para ideias simples, pouco explicativas
da situação complexa da velhice. Assim, um novo sujeito se produz,
mas não na contraposição de uma alteridade jovem, mas sim na
produção de uma subjetividade negadora da identidade estigma. [...] A
proposta de uma análise que leve em conta a complexidade implica a
desconstrução da velhice genérica, apontando vários jeitos de
envelhecer, portanto, produzindo uma contra generalização. (MERCADANTE, 2005, p.33).
Nesse caso é importante salientar que os cochichos destas mulheres não se
calaram, a despeito dos vários processos de exclusão. Ao contrário disso, como sinal
de resistência e persistência, alcançaram novas fronteiras, embora em vários
104
momentos tenham se demonstrado desanimadas e descrentes principalmente dos
setores governamentais e das políticas públicas de atenção ao idoso. E a despeito de
todos os processos de dominação e de exclusão elas avançam buscando ressignificar
o lugar da mulher e da velhice, tanto nos cochichos que cotidianamente desenvolvem
nas suas coxias, como nas suas ações. Podemos confirmar isso na fala de uma das
coordenadoras CI 2 62ª(2006) que diz:
“Eu, participo de vários grupos e sei da realidade de muitos. Alguns são conveniados, recebem uma ajuda do poder público. Outros não, como é o caso do grupo que eu participo. Mas nem por isso a gente vai desanimar não, porque não tem essa ajuda mas a gente tem que continuar. Nós tamo lutando em causa própria. Então se a gente não doar um pouquinho de nós mesmos e ficar esperando os órgãos públicos conveniar e ajudar todos os grupos, a gente num vai sair do lugar.”(CI2 62ª, 2006).
A fala desta coordenadora aponta uma questão importante que se repete nos
discursos e também na queixa de vários grupos que é a ausência de critério que o
setor público exibe ao tratar os grupos de convivência. Elas afirmam que vários
grupos não possuem qualquer auxílio ou benefício do setor público. As coordenadoras
se implicam de maneira intensa no trabalho que envolve a manutenção do grupo do
qual participam, em funcionamento. Quando estamos mais aproximados de suas
ações, podemos perceber que o conceito de família e de comunidade estão sempre
presentes nos seus discursos. Trazem a noção de que lutam também por uma causa
própria. Cuidam de si e se ocupam simultaneamente do cuidado do outro. Como
aponta (FOUCAULT,2010) Pois apesar de se reunirem em suas coxias e cochicharem
sempre sobre as políticas e programas de atenção ao idoso, e levarem esses
cochichos para outros espaços de participação; Independente das respostas que
possam obter, já se lançam ao trabalho e não se permitem fraquejar. Especialmente
quando algo envolve diretamente a comunidade. Entretanto, quanto à organização
grupal, sempre apresentam dificuldades para se organizarem em torno de suas
propostas para o setor público. Desta forma sua representatividade nas políticas
públicas acaba sendo prejudicada. Isso ocorre porque na maioria das vezes o grupo
não consegue ser mantido pelos seus participantes, a despeito de todo o esforço das
coordenadoras. Como fica explícito na fala de uma delas:
105
Nem todos os grupos possuem recursos para manter as despesas com
cartório e os documentos em dia. Sai muito caro só para manter o
grupo registrado como pessoa jurídica e a gente não recebe apoio de
nenhum órgão pra isso. Nossas gincanas, festivais e feiras só dão mal
para manter o lanche e o material que a gente gasta no grupo. E o
povo é pobre a mensalidade que a gente cobra só para essa ajuda de
custo é 10,00. Não dá pra nada [...] então tem muitos grupos
conveniados e que apresentam um bom trabalho, mas também tem
muitos grupos que não são conveniados e que continuam na luta do
mesmo jeito. O importante é isso: é agente não ficar parado...é a gente
deixar nossas marcas pelo chão.” (CI 2 62ª; 2006).
Isso se mostra claro nas ações nas quais se apoiam, na comunidade e no
atendimento das questões comunitárias, e no seu cotidiano de amizade e integração
umas com as outras. Os grupos são mantidos pelo cuidado e pelo interesse
comunitário. Mas isso também não ocorre sem barreiras e sem conflitos. O
preconceito etário aparece comumente nas falas das participantes a despeito de
simultaneamente aparecer Numa das falas sobre o grupo, uma das coordenadoras.
CI9,82a(2006) se manifestou relatando alguns desses conflitos
Ah minha filha muita gente gosta do grupo mas tem gente também que
num gosta de nossa opinião na política, na igreja, fala que o grupo é só
de fofoqueira, que a gente vem aqui só pra fofocar. Chamam o grupo
de grupo das veia coviteira. Mas eu não ligo com isso não, pois eles
não vão conseguir acabar com o grupo e se esse grupo acabar aqui no
bairro eu tenho certeza que a gente inventa outro. A gente pega e vai
uma para a casa uma da outra vai se reunindo igual quando o grupo
começou e volta tudo outra vez. Quem achar que vai acabar com os
grupos está muito enganado. (CI9,80a,2006).
3.2 O lugar e o sentido dos grupos na fala das Coordenadoras
Os grupos de convivência funcionam na atualidade como coxias para essas
mulheres, segundo os seus depoimentos. Elas se desafiam no compromisso de
106
coordenar os grupos, uma vez que ao assumir esses espaços, o fizeram pelo que
consideram um chamado comunitário. Nesses espaços, podem falar, trocar afetos,
expandir seu conhecimento, organizar seus planos para a comunidade e intervirem
juntas na sua realidade e na realidade de muitos. Para elas muitas vezes o grupo é
utilizado como espaço para os desabafos sobre questões diversas do seu cotidiano,
queixas familiares, queixas conjugais etc. Além disso, segundo afirmam e de acordo
com nossas observações, os grupos são equipamentos sociais e comunitários de
suma importância no que tange à possibilidade de reduzir os danos à saúde, produzir
novas formas de vida e de relacionamento para a pessoa idosa e auxiliá-la a adquirir
novos vínculos, conhecer novas pessoas e novos lugares para que seja possível
assim, reduzir a solidão e o sofrimento, e principalmente reduzir o isolamento da
pessoa idosa nas relações familiares e sociais. Na fala da coordenadora (CI 5
67(2006) pudemos escutar:
Grupo de convivência é um local de encontros onde existe o afeto, o colhimento, e a amizade. Isto tudo é que faz de cada membro um irmão. É assim que ele acaba se tornando como uma família.um local onde os membros vão reencontrar suas raízes e fazer a ponte entre o passado e o presente para a construção de algo novo que os faça caminhar com mais firmeza. Na minha visão o grupo também é um lugar onde se desenvolve a cultura popular que cada idoso traz desde sua raiz. Essa cultura nem sempre é aceita pelo moderno porque hoje a cultura nasce da técnica e não se enraíza enquanto a cultura que o idoso traz é aquela que vem dos antigos e se firma lá como uma raiz do qual ele não se esquece. No grupo a gente aprende a arte do conviver. Cada pessoa tem que ser ela mesma e ao mesmo tempo respeitar as diferenças. Cada um é cada um[...] A partir do momento que ele começa a pensar diferente ele cria uma visão mais ampla da vida e vai se tornando mais comunitário, mais sociável, e até dentro da família ele vai mudando seu jeito de ser e de fazer as coisas. (CI5 67, 2006).
No início da pesquisa, A coordenadora (CI-7 72 2006) disse que os grupos de
convivência funcionavam principalmente como um espaço íntimo, de solidariedade
onde podia chorar suas lágrimas com pessoas amigas. Disse também que sentia falta
do convívio do grupo porque era um espaço comandado pela amizade e pela
solidariedade. Pois não conseguem nele tratar apenas do que é de todo mundo, mas
também aquilo que é a vida de cada um. É um espaço onde circulam questões da
vida privada e da vida pública. “o grupo é um espaço e um encontro para bater um
papo, para um cochicho né prá cochichar.” Foi exatamente desta fala que extraí o
107
título do meu trabalho, uma vez que na minha história pessoal já havia trabalhado com
teatro e no teatro o lugar de cochichar se chama coxia e os atores e atrizes antes de
irem para o palco cochicham na coxia sobre o que vão apresentar. A fala desta idosa
me despertou também para pensar que este cochicho se dava no grupo e o grupo
funcionava como uma coxia, que pelo dicionário da língua portuguesa significa
corredor de passagem. Nesse ponto parti da própria fala das idosas para pensar que
este trabalho se debruçaria em acompanhar o movimento destes cochichos nas
coxias até de transformar em voz audível. E dos atores a se deslizarem com suas
histórias com sua potencialidade, da coxia para o palco da vida.
Do ponto de vista de participação política, paradoxalmente, as mulheres dizem
que têm cochichado em vão nos últimos tempos. Ao comentarmos numa oficina sobre
a vida das mulheres e sobre a luta feminina em Minas Gerais elas disseram que ficam
desanimadas ao ver como as mulheres lutaram e conseguiram espaço no mercado de
trabalho, mas não conseguiram ainda se tornarem fortes o suficiente para vencer o
machismo e a violência. Segundo disse uma coordenadora (CI 4, 72a, 2006) “Se
existe violência contra a mulher até hoje, é porque, para as mulheres ainda tem muita
luta pela frente”. A coordenadora ao comentar sobre isso disse:
Meu marido queria mandar em mim o tempo todo. Bebia feito um condenado e eu ainda tinha que aguentar as grosserias dele. O que adiantou? Ele está hoje debaixo da terra e eu graças a Deus estou aqui voando livre como um passarinho. O problema é que quando a gente pensa que pode mandar na gente, pelo menos um pouco, aí a gente vai ficando velha. ( ri ) E em gente velha todo mundo acha que pode mandar Agora é assim, quando não é marido, é filho que quer mandar em mim e quando num é filho, até aqui no grupo depois que a gente ralou muito e fez tudo começar a acontecer gente arruma um tanto de gente lá da prefeitura, que fica querendo chegar aqui do dia pra noite e começar a mandar na gente (CI-6 72ª, 2006).
Nestas falas, aparecem dois pontos interessantes que quando foram
trabalhados um pouco mais denunciaram na fala delas a percepção da mulher e da
pessoa idosa como uma possibilidade dupla de atribuição negativa para o sujeito. Ser
mulher e ser idosa nesse caso, na sua interpretação, somavam duas categorias que
sustentavam o problema da exclusão. Entretanto, se olharmos para além dos
resultados concretos na política governamental, veremos como cada cochicho dessas
mulheres teve poder de modificar sua realidade, a realidade das suas famílias e de
108
diversas pessoas idosas, a despeito de tantos fatores que influenciam na sua
exclusão em relação à participação política. Entre esses fatores enumero alguns que
foram os mais comentados nas falas delas como originários de processos excludentes
em sua participação (negritude, baixa escolaridade ou analfabetismo funcional, sexo
feminino, a idade, ser moradora de periferia, estado civil, ser militante, entre outros).
Tais fatores originam e sustentam alguns estigmas sociais traduzidos em termos
correspondentes como: as vira folha, 36as pé-na-cova37as “véia coviteira,”38, as dedo-
de-ouro39.
Posso dizer que no acompanhamento das políticas públicas nos conselhos de
idosos e fóruns regionais ouvi atentamente suas posições e suas falas corajosas. E
por meio do acompanhamento dos diários de campo, posso testemunhar, tanto como
pesquisadora, quanto como observadora e participante que as acompanhou durante
esse percurso de pelo menos 15 anos de trabalho consecutivo nos grupos, nesse
processo de transformação, que suas vozes não se calaram, embora em vários
momentos tenham se demonstrado desanimadas e descrentes. E, a despeito de
todos os processos de dominação e de exclusão que vivenciaram nessa caminhada,
sua resistência continua presente nos seus cochichos e nas suas ações.
Várias coordenadoras se implicam hoje no trabalho de manter os grupos em
funcionamento, mas o conceito de grupo parece menos importante e menos potente
para dizer do seu engajamento, quando estamos mais aproximados de suas ações,
que o conceito de comunidade; pois apesar de se reunirem em suas coxias e
cochicharem sempre sobre as políticas e programas de atenção ao idoso, e levarem
esses cochichos para outros espaços de participação, independente das respostas
que possam obter, já se lançam ao trabalho a despeito de uma ou outra ação não
36 Vira –folha é como são denominadas as coordenadoras de grupos de convivência entrevistadas por não manterem os grupos fiéis
aos políticos que concedem alguns favores para os grupos, tentando obter votos Segundo elas esta prática de aliciamento ainda
continua.
37 É como elas dizem escutar o tempo todo serem chamadas pelas pessoas que não gostam dos grupos ou pelas costas, por
discordantes nos diversos espaços de participação política, e até por alguns familiares que não gostam que elas fiquem nesses
espaços
38 O termo “coviteira” ou sua variação “cuviteira”, origina-se do termo alcoviteira, que se refere a pessoas que ficavam nas alcovas,
cochichando ou fofocando.
39 Dedo-de-ouro, segundo elas é como denominam não só as coordenadoras, mas os idosos analfabetos que não se deixam cooptar
facilmente pelos favores políticos, e ficam exigindo políticas públicas. Por que os políticos precisam investir muito, dá muito
trabalho para conquistar seus votos. Metaforicamente, custam muito caro. Daí, o termo “dedo de ouro”.
109
resultar em êxito. Por isso mesmo, no campo de fala das coordenadoras
entrevistadas, o significado de comunidade é mais preciso, já que segundo Weber
comunidade implica em relações solidárias, mas próximas e informais e, no caso das
idosas, os sentimentos comunitários parecem estar mais presentes e mais
relacionados com a realidade dos processos que vivenciam. A noção de
pertencimento delas está ligada a essa noção de comunidade e é mantido na
organização das ações estão voltadas para os interesses da própria comunidade, e
nos sentimentos de pertencimento, solidariedade e cuidado que se expandem sempre
para além do próprio grupo, quando são trazidas no campo de fala.
Outra característica fundamental presente na fala dessas mulheres que
cochicham é que o seu cochicho realmente é mais aproximado para elas, não do
significado da fofoca ou do sentido da maledicência, do mal dizer no sentido de falar
mal de si e si e do outro, mas do significado de falar baixinho. Cochichar é falar ao
ouvido, na intimidade da alcova. Cochichar na fala destas idosas é o exercício do falar
sincero ou falar verdadeiro, desta forma. Está mais aproximado do significado da
parresia40 no sentido atribuído pela filosofia como bem-dizer, o que significa falar
sobre si e sobre o outro implicadas nesse falar.
Sobre essa questão, Foucault (2010 p366) 41 ao analisar a parresia e os
sentidos atribuídos a ela desde a filosofia antiga até a contemporânea, define-a como
“uma palavra corajosa e livre que continuamente ressalta, no jogo político, a diferença
e o caráter incisivo de um dizer a verdade, que visa a inquietar e transformar o modo
de ser dos sujeitos”. Mas o sentido presente neste ato de cochichar dessas mulheres
aproxima-se ainda mais do sentido de parresia atribuído por Sêneca, nas suas “cartas
a Lucílio”, quando faz o elogio a uma palavra transparente, uma parresia epicurista
que implica muito mais que o “cara a cara” do diretor e do discípulo, uma comunidade
de amigos que se confiam livremente um ao outro, para se corrigirem mutuamente.
ainda não é pois a parresia no sentido de um pronunciamento em praça pública que
40 Parresia é discutida por Foucault no sentido do falar da política, o falar transparente, num contexto de amizade (philia) no livro
l’Hermeneutic du sujet em todas as suas formas: socrática, cínica, estóica ou epicurista onde permanecem relativamente irredutíveis
à relação política.
41 Partindo do exemplo de Tucídides a Platão, Foucault expõe de maneira original a tensão existente inerente a toda democracia:
sobre um fundo de igualdade constitucional, é a diferença introduzida por um dizer a verdade que faz funcionar a democracia; mas
em contrapartida, ela sempre constitui uma ameaça recorrente para esse dizer a verdade.
110
toma a forma da palavra irônica ou da maiêutica, segundo postula Foulcault, sobre a
filosofia (2010, p.346). Essa maiêutica paradoxalmente, pudemos ver se construindo
no discurso delas, a posteriori, na aprendizagem da participação política tal como se
dá nos espaços públicos atuais dos conselhos dos fóruns regionais e da
coordenadoria de direitos da pessoa idosa, e que algumas vezes elas utilizam, ainda
que não concordem e não gostem , mas como a única via possível de se fazerem
representar, de forma aceitável , porque como disse a CI9 2006 “se a regra do jogo
deles é essa, as vezes mesmo sem querer a gente tem que fingir que entra no jogo
senão não consegue nada com esses políticos” como afirmaram na pesquisa.
É interessante observar que aquele falar verdadeiro de que se utilizam nas
coxias, entre amigas, é a condição mesma para que essas mulheres tomem coragem
de alçar sua voz em outros ambientes. (pensando, não apenas ambientes do ponto de
vista externo, mas sobretudo no sentido atribuído por Vygotsky(1987) como zona
proximal, para processarem novas significações, para a atribuição de novas
possibilidades e novas ambientações para si mesmas. Segundo Molon (2009, p.102)
“A mediação é processo e não ato em que alguma coisa se interpõe. Não está entre
dois termos que estabelecem uma relação, mas é a própria relação”. Isto ocorre ao
reconhecerem a si mesmas e às suas novas potencialidades na medida em que
produzem essas novas significações sobre lugares e papéis historicamente
significados de uma outra maneira, como se aquela fosse a única possível. Nesta
ação de produzir novos olhares sobre as coisas, e na nova forma de interação consigo
mesmas, se transformam. Isso é demonstrado no cochicho da coordenadora que se
apresenta:
Hoje é muito bom a gente assumir a idade que a gente tem. Ter orgulho do... dos cabelos embranquecendo sabe! ter a sabedoria de entender porque que as rugas estão começando a aparecer, que isso aqui não tem nada a ver de vergonha (como eu pensava antigamente). Então, depois que eu descobri isso aqui, eu não sinto mais vergonha do que eu sou. Hoje eu sou H, tenho 62 anos, entro em qualquer ambiente, sou respeitada a minha maneira em lugares que já são direitos meus, sabe? Como a fila do banco, a fila do médico, dentro do ônibus, eu acho fantástico! Hoje eu sinto orgulho de dizer: sou idosa com prazer! (CI-2 62ª, 2006).
111
Dito de outra forma, é na atividade de cochichar sobre a vida e sobre si
mesmas, na intimidade da alcova, que elas podem se desnudar das vestes
anteriormente dadas pelo outro e incrustradas por si mesmas ao próprio corpo e a
própria vida. E desnudando-se desta identidade deteriorada aguçam seu olhar sobre
si mesmas e sobre a realidade e ampliam sua consciência. Essa nova consciência as
habilita a inventar outros corpos possíveis, outras realidades possíveis, sob o viés de
novos significados, que produzirão novas formas de se experimentarem,
experimentarem seus corpos, e finalmente produzirem novas formas de existir.
Na dinâmica da consciência acontece um novo modo de operação no qual
tanto os sistemas psicológicos quanto a consciência se modificam mutuamente, uma
vez que os significados são produzidos nas relações sociais em determinadas
condições históricas e culturais. Há uma tensão permanente nesta constituição da
consciência provocada pelos produtos históricos universais e pelas singularidades dos
sujeitos. Uma relação entre o singular e o universal na qual o singular expressa o
universal e é determinado histórica, cultural e ideologicamente. Mas posso arriscar-me
a dizer que no caso específico desta constituição da consciência está presente outro
matiz além do matiz ideológico como propõe (VYGOTSKY, 1996, p.117) ao comentar:
É preciso assinalar, por um lado a conexão que alguns sistemas novos mantêm não só com os signos sociais mas também com a ideologia, e o significado que tal ou qual função psicológica adquire na consciência das pessoas, ao passo que por outro lado, o processo de aparecimento de novas formas de comportamento a partir de um novo conteúdo é extraído pelo homem na ideologia do meio que o rodeia. (VYGOTSKY, 1996, p.117).
É que para além da constituição dos processos de significação da dinâmica na
relação pessoa-coisa-pessoa, como afirmam tanto Vygotsky, quanto Geertz, na minha
interpretação de segunda mão, o cochicho no sentido atribuído pelas entrevistadas é
também um instrumento de interação afetiva, para que elas possam se aproximar de
outros mundos, conhecer outras pessoas, criar novos vínculos e fazer amigos, pois
segundo algumas delas “é muito triste ter que viver sozinha”. Essas mulheres que
cochicham esperam desse espaço a possibilidade de poder fazer amigos, encontrar
pessoas que partilhem dos mesmos ou de outros gostos e desenvolver uma relação
112
de companheirismo. É exatamente esse companheirismo de que falam no ato de
convivência que concede outro matiz à consciência, pela conectividade do afeto nos
bons encontros que as potencializa na direção de se reconhecerem não apenas como
sujeitos de direitos, mas sobretudo como sujeitos desse afeto. Essas afecções
provocadas pelo encontro nas suas diferenças e semelhanças, no modo de viver-
sentir- agir, fazem do espaço do cochicho um exercício no reconhecimento de si e do
outro. Elas querem falar, querem ser reconhecidas como pessoas que podem
colaborar e podem dar testemunho de sua realidade e da realidade de outras pessoas
no que tange ao convívio cotidiano. Querem partilhar suas necessidades e demandas
de afeto, seus prazeres e suas dores, como pode ocorrer com várias pessoas, em
outras fases da vida. Entretanto o espaço para essa partilha tornou-se dificultado, ou
indisponível para elas. E até mesmo parecem inexistentes para algumas, segundo
apontam seus cochichos. Na forma de interpretação em segunda mão, pela qual faço
a leitura de suas ações e dos seus cochichos no grupo, especialmente sobre o sentido
atribuído por elas ao próprio corpo, na ausência do espaço social de partilha, o corpo
é que se empresta como interlocutor que padece, para funcionar como substrato das
projeções de todo o sentir dessas mulheres. A experiência no grupo de convivência de
idosos, faz com que elas possam significar o grupo como um espaço propiciador da
possibilidade de cura para alguns desses males, exatamente porque o grupo restaura
o espaço de partilha. Vejamos o que nos diz uma delas CI8- 70ª(2006)
Ah, minha filha! Antes do grupo eu era uma pessoa muito triste. Eu era uma pessoa chateada, andava triste mesmo! Isso é antes né? Agora depois que eu entrei, que eu comecei a frequentar, então eu fiquei...mais alegre (porque toda vida eu fui alegre, mas dentro de casa tem umas coisas que contraria a gente), então eu ficando dentro de casa era pior. Então a gente tando saindo assim, a gente “conveve” com um, “conveve” com a outro. E agente ah...Passa a viver melhor! Sabe? A gente não sente mais aquela... Nem dor, que a gente sente. As vezes, tava dentro de casa sentindo isso, sentindo aquilo. Quando a gente sai... que bate um papo, fica tudo bem! (CI8 –70 ª, (2006).
A amizade no sentido de philia é outro elemento presente na fala das idosas
sobre os grupos de convivência. Sentem saudades de suas amigas, de conviver, de
estarem próximas. Mas o sentido de amizade atribuído não isenta o grupo de ser
também o lugar onde se mostram as dificuldades os mal entendidos, os jogos de
113
poder, onde se expande o mal estar advindo de todos os processos afetivos e
civilizatórios que não sessam de se transformar mas também não cessam de
reproduzir sentidos culturais negativos. Portanto lá se instauram também disputas as
mais diversas possíveis, que atravessam as práticas comunitárias. Mas posso afirmar
ao acompanhá-las no cotidiano que esse fazer comunitário é que ainda prevalece no
espaço dos grupos de convivência e também no fazer das coordenadoras, que em
sua maioria são mulheres idosas que se dispõe a realizar o trabalho com grupos, mais
motivadas por um compromisso coletivo, ainda que com demandas pessoais que
sustentem esse ideário coletivista. Como é o caso do cochicho desta coordenadora
(CI5-67ª 2006)
Eu não queria, isto é, não planejei me tornar uma coordenadora de grupos de convivência, eu tinha medo por que não conhecia direito a comunidade e estava atravessando algumas crises existenciais por ser recém-chegada do convento. Não foi uma decisão minha primeiramente. Na verdade o que eu queria era dar força para as pessoas idosas e ajudar a organizar o grupo. As circunstâncias é que me tornaram uma coordenadora [...] é como se você tivesse organizando uma coisa, um grupo aqui, agora, e de repente esse grupo não tenha uma coordenação e precise disso. Então, as pessoas confiam em você para que você comande aquele grupo. Nesse ponto você não tem coragem de recusar, ou tem? Foi assim que provisoriamente eu me tornei uma coordenadora de grupo. Mas eu acho que a minha vida inteira eu gostei de idosos, desde o dia que eu encontrei um velhinho na praça sete e achei a velhice a coisa mais linda do mundo. (CI5 67a, 2006).
A fala é apenas para exemplificar que essa disponibilidade para a escuta
coletiva e para o trabalho comunitário foi um dado que se repetiu em quase todas as
entrevistadas, uma vez que esta questão será mais aprofundada no próximo capítulo,
para que possamos compreendê-la melhor a partir da análise dos cochichos das
coordenadoras sobre grupos de convivência. Entretanto as coxias dessas mulheres
hoje continuam muito próximas das coxias das mulheres negras, escravas e forras de
Minas. Não são apenas os grupos de convivência, embora estes tenham se tornado
um dos principais pontos de disseminação dos ideais libertários das mulheres idosas
desde a década de 80 na cidade de Belo Horizonte42. Mas como podemos escutar
nos seus cochichos mas para as mulheres idosas da zona urbana são também as
42 Segundo apontou o levantamento realizado pelo estágio sobre os grupos de convivência a maioria deles passou a existir, a partir da
década de 80 em Belo horizonte, embora pelo menos 8 grupos tenham sido derivados do trabalho do Sesc e se iniciaram em
meados da década de 70
114
feirinhas de artesanato, as bandas de música, os parques da cidade, são as filas nos
hospitais, são os pontos de encontros nos cafés e nos restaurantes dos shoppings
centers são as pensões baratas do centro da cidade, as mesas de baralho nas casas
das amigas e tantos outros. Quaisquer desses lugares podem se transformar em
coxias ou em espaços de significação e ressignificação dos modos de existir, mas a
grande vantagem dos grupos de convivência de idosos é que neles o sonhar do velho
se potencializa, na afetividade dos bons encontros e nos processos de
intersubjetivação.
A heterogeneidade dos modos de vida e a diversidade na forma de expressar
os afetos por certo produz maiores possibilidades de aprender e ensinar novas formas
de estar e conviver, possibilitam-se novos vínculos afetivos, potencializados pelos
dispositivos espontâneos da comunidade e pelo interesse unânime dos participantes
em manter esse espaço de relações, já que ele se configura como um dos poucos
espaços possíveis para o falar franco e para expressar os sentimentos e acolher os
movimentos singulares e universais dos processos de envelhecer e das pessoas de
se constituírem como sujeitos na velhice.
Faz-se necessário afirmar que por meio da observação feita nesta pesquisa, e
por meio da escuta das coordenadoras os grupo de convivência de idosos tem sido
um espaço para acolher a própria velhice como processo humano e humanizante da
cultura, uma vez que esta, apesar de propiciar a ampliação dos anos de vida das
pessoas ainda nega veementemente não apenas os direitos fundamentais
assegurados pela constituição às pessoas idosas, mas simultaneamente a condição
de ser sujeito velho para a maioria dos cidadãos, e a condição de uma ecologia
humana com a presença do velho e com a instauração de uma vontade no sentido do
afeto, da cognição e da consciência . Nos termos da psicologia social crítica,
estabelecida por meio de um processo singular de escutar a voz do nosso próprio
envelhecer e da nossa própria velhice falando em nós, e ao mesmo tempo, de um
processo universal de se escutar em todas as gerações e manifestações culturais, a
voz do outro velho, que de tanto silenciar, nos falta.
115
4 OS COCHICHOS
Figura 5 - Painel ilustrativo Imagens do contexto dos cochichos
Fonte: Painel elaborado pela pesquisadora (fontes diversas, vide referências)
116
4.1 Do Silêncio à escuta dos cochichos: O grupo como espaço de mediação
simbólica e afetiva
“A impossibilidade de ser ouvido por falta de valor próprio, conduz ao mutismo ou então à inflação de uma linguagem que corre como uma hemorragia de existência sem nenhum ouvido que a consiga parar (LE BRETON, 1997,p.102).
De acordo com o dicionário eletrônico “InFormal”, os sinônimos relacionados a
cochicho são: sussurro, segredo, confissão. E os sinônimos relacionados à ação de
cochichar de acordo com o dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é falar
baixinho ao ouvido, sussurrar, segredar. Quando fui realizar esta pesquisa uma das
primeiras questões que me tomou foi como nomear as falas das coordenadoras com
um nome que pudesse simultaneamente dizer da falas de todas as idosas brasileiras,
de um falar instituinte que não havia se tornado ainda voz ativa, entendendo por voz
ativa como atribuído pelo Dicionário Michaellis, de língua portuguesa: Ter voz ativa: ter
direito de dar sua opinião, ser ouvido com atenção; ter influência, para que eu
pudesse alcançar um sentido mais universal do que queria tratar neste trabalho.
Lembro-me que nas ciências sociais e na comunicação era muito utilizado o termo
ruído, mas esse sentido para mim estava muito contaminado com máquina, com
interferência, com sonoridade, mais que com a fala instituinte do humano, carregada
de afetos.
Foi então que numa das entrevistas filmadas uma das coordenadoras me deu
de pronto o presente. Ela disse: “aqui no grupo elas se reúnem, é como um cochicho.
...pra cochichar”. Não tive dúvida então em firmar a escolha do nome que elas
próprias deram ao encontro. Mas o cochicho, é antes de mais nada, atribuído a um
gesto humano, a uma voz sussurrada que exige do escutador se implicar e prestar
bastante atenção sob pena de não conseguir entender o que se fala.
Alguns atribuem ao cochicho o significado de falar à meia voz, ou seja não
com toda a potência da voz. Essa composição auxiliou-me a produzir o seguinte
significado para esse cochicho: um falar baixinho, ao ouvido de amigos, sobretudo
com o objetivo de revelar o que se sente e o que se pensa. Uma fala que ainda não se
117
potencializou nem se exercitou na organização de um discurso audível para muitos, e
portanto que ainda está embrionada na sua potência de se tornar voz audível. Por
isso o termo coxia, para definir também esse espaço reservado ao cochicho. Um lugar
discreto, quase escondido, uma alcova, um lugar onde a intimidade e o afeto
potencializarão os cochichos para a construção de sujeitos agentes de atores sociais
e da própria existência que se lançarão mais tarde no palco, ou que simplesmente
continuarão apenas a cochichar. Mas o desafio que se instaurou naquele momento da
pesquisa foi como proceder à escuta de um cochicho?
Neste percurso, as próximas questões que se abriram no trabalho de registrar
os cochichos de mulheres idosas coordenadoras de grupos de convivência foi a
discussão sobre como propiciar a elas, por meio da pesquisa, um espaço que na
própria atividade de pesquisar promovesse uma aproximação com o que
interpretavam como o significado de “serem escutadas”. Se sua queixa mais insistente
era que não se sentiam escutadas nos espaços políticos específicos e destinados à
participação da pessoa idosa, para a pesquisadora seria indispensável encontrar um
caminho diferenciado que pudesse tocar em algo aproximado do que elas
significavam como serem escutadas no momento em que fossem abordadas para
falar. Portanto o caminho escolhido para conhecer os cochichos, longe das propostas
carregadas do sentido da objetividade defendida pelos modelos tradicionais da
pesquisa científica, a opção foi tomar conhecimento da superfície desses cochichos
na sua interface com a cultura pela via da descrição densa proposta na antropologia
interpretativa de GEERTZ,(1989) associada do ponto de vista psicológico, pelo viés da
subjetividade e do conceito de sujeito sócio histórico e de sentido subjetivo proposto
por Vygotsky, segundo afirma Rey (2011 p.119)
Os conceitos de sentido subjetivo e configuração subjetiva, que como qualquer conceito representa ferramentas do pensamento historicamente situadas, adquirem o seu valor heurístico pelas possibilidades que abrem para compreender estados ações e processos psicológicos como fluxos simbólico-emocionais múltiplos que se reconhecem na emergência de configurações subjetivas responsáveis pela policromia emocional e os desdobramentos simbólicos que se entrelaçam no curso da experiência humana concreta. [...] o compromisso social é sempre um processo vivo e crítico no qual as melhores contribuições não aparecem pela intencionalidade dos protagonistas, mas pela sua capacidade para gerar opções que tomem sentido na vida dos outros, contribuindo na geração de novos sujeitos sociais
118
e novas alternativas diante dos desgastes das alternativas dominantes. (REY, 2011, p.119).
Além do mais, a análise das histórias de vida dessas pessoas e a configuração
de práticas sociais diversas, interpostas no contexto dos grupos de convivência de
idosos, necessitariam mesmo de um método de escuta sensível à captura dos
registros singulares dos processos humanos e simultaneamente à multiplicidade de
registros do social e dos afetos, conscientes e inconsciente e de seus
desdobramentos na vida dos sujeitos envolvidos na pesquisa. A proposta foi então de
escutar os cochichos feitos pelas idosas na complexidade em que eles se davam,
considerando os sujeitos na sua dimensão histórico social afetiva e cognitiva, bem
como as decorrências desses discursos na produção de formas de existir e o
movimento desses sujeitos nesse processo de transformação de si e da realidade. É
essa a postulação pressípua da psicologia social crítica e da perspectiva sócio
histórica da psicologia: que o psicólogo possa sustentar, seja pela via da pesquisa ou
das mais variadas formas e contextos de sua atuação, que o sujeito não seja
abstraído de sua realidade e de sua composição com elementos da filogênese43, da
ontogênese44 da sociogênese45, e da microgênese46, dos quais se constitui e constitui
a sua realidade de forma indissociável.
Desta forma a pesquisa se iniciou já sobre uma ação que era o estágio, porque
a ação de intervenção iniciada anteriormente com as coordenadoras dos grupos de
convivência, já havia gerado perguntas dos sujeitos envolvidos sobre eles mesmos,
sobre sua participação e sobre o seu lugar nas políticas públicas. Estas perguntas
retornaram para a pesquisadora que as devolveu em propostas de ação para atender
às demandas que poderiam ser acolhidas, pela via de um espaço propiciador de
43 Segundo a perspectiva sócio histórica é a história da espécie humana diz respeito a história de uma espécie animal – cada espécie
animal tem a sua própria e ela define as limitações de uma espécie, a plasticidade cerebral e suas condições – mediante a interação
com o ambiente
44 Segundo a perspectiva sócio histórica é história do indivíduo da espécie O desenvolvimento do ser (de cada espécie) que passa por
fases comuns de desenvolvimento
45 história cultural em que o sujeito está inserido Formas de relacionamento cultural que contribuem para determinar o
funcionamento psicológico A cultura funciona como um alargador das potencialidades humanas e Cada cultura organiza o
desenvolvimento de um jeito diferente
46 aspecto mais específico do desenvolvimento Cada fenômeno psicológico tem sua própria história . No processo como se desliza
entre o “não saber” algo e a aquisição de “saber” reside a microgênese Significa que isso não é determinado a priore” Cada
pequeno fenômeno tem sua própria história e dessa forma se constrói a singularidade.
119
processos de subjetivação e, quem sabe, de ações dos sujeitos envolvidos sobre a
sua própria linguagem na relação que estabeleciam com o que perguntavam sobre si
mesmos.
Numa visão da psicologia social crítica, e da perspectiva sócio histórica, a
escuta é antes de tudo um ato político e como não há neutralidade na ciência, a
escuta também não pode se vangloriar dessa característica. Por isso mesmo o
exercício de escutar que foi proposto passou primeiro pelo crivo da escuta do próprio
pesquisador que embora inevitavelmente inacabada, forneceu a base de aproximação
do que de sua singularidade poderia interferir mais insistentemente e desfavorecer a
escuta das mulheres pesquisadas e do que poderia potencializar a própria escuta.
Após isto, foram necessárias pausas diversas, mudo silêncio de si mesmo por
parte do pesquisador, para escutar mais atentamente o que falavam como se num
concerto mudo, onde a voz mais audível é aquela que se expressa pela via da
apropriação e da interiorização no escutador do som do instrumento e da melodia da
música que, no concerto mudo apenas em gestos mímicos é tocada, tal como aponta
Le Breton(1997,p.221-222 ) ao descrever o templo do silêncio em Pequim, na China
dos anos trinta, ele conta que músicos treinados exibiam a performance de uma
orquestra com seus instrumentos empunhando todos os gestos do concerto, porém
sem exprimir qualquer som, e após aplausos também silenciosos, certa vez
surpreenderam o escritor Kazantzaki, na sua ignóbil interrogação de estranhamento
sobre aquele espetáculo. Ao que prontamente o escritor obteve a resposta solene de
que “para ouvidos treinados o som é supérfluo”. Trata-se de igual forma aqui, neste
trabalho, de narrar mais que um cochicho, o rompimento de um silêncio produtivo, de
reconhecimento, de trabalho e de ensaio insistente, próprios para quem deseja bem
escutar.
Mas para além do silêncio da pesquisadora, ou de suas interrogações ignóbeis,
tais como as de Kazantzaki diante dos impasses propiciados pelos seus próprios
afetos diante da pesquisa; silêncio este, interpretado, como a boa pausa, necessária
para aprimorar o sentido da escuta dos paradoxos, idiossincrasias e contradições,
presentes na ideia de linguagem como espaço de transformação como aponta
Benjamim(2007,p.205) há também outros silêncios que são como buracos negros,
como por exemplo: o silêncio da omissão ou negação da própria sociedade, no desejo
120
de expurgar de si por pura arrogância; o silêncio de um falar verdadeiro na política, e
que se converte à falácia barulhenta, a maiêutica ou lisonja, como aponta Foucault
(1989,p187) disfarçada muitas vezes de ciência; de dados estatísticos. o silêncio dos
governos nas questões ligadas ao envelhecimento; o silêncio que encobre as
ausências de processos de subjetivação capazes de promover a transformação da
velhice estigmatizada em uma velhice possível; o silêncio de uma velhice virtuosa e
digna, que murcha sobre a égide de uma velhice indigna; maltratada; o silêncio da
própria psicologia nas questões que dizem respeito a sua aplicabilidade na
gerontologia; e o silêncio da gerontologia, naquilo que ainda não aprendeu a significar
sobre a escuta da pessoa idosa, da velhice e do próprio envelhecimento, influenciada
e influenciante ao mesmo tempo, com sua produção e busca de conhecimento em
prol do longeviver, mas também em parte ainda atrelada e reproduzindo ideologias
que dão substrato a muitas produções científicas na atualidade.
Ao silêncio da ciência, que embora produza o novo e a transformação, de igual
forma se mantêm por interesses governamentais, avessos à militância das categorias
dominadas, mas claramente submetidas a classes dominantes que traduzem tanto na
forma de endereçamento dos recursos para a pesquisa, quanto no tempo e nos
formatos exigidos das pesquisas, o modus operandis de sociedades, cronificadas
pelas relações de dominação entre os seres, bem como por relações onde as coisas
são superiores aos seres. Acerca disso a fala da coordenadora abaixo é bastante
ilustrativa ao fazer uma reflexão sobre os grupos e sobre esta pesquisa quando
voltávamos de um fórum regional de idosos:
Muitas vezes eu fico muito desanimada achando que os problemas dos grupos não vão ter solução, porque esse povo fala, fala até babar, mas quem vai se interessar de verdade por grupo de convivência nessa política suja? Quem vai querer saber de ajudar um bando de mulheres idosas que eles tão acostumados a chamar de pé na-cova, pra quem quiser ouvir, seja nos ônibus, nas ruas, nas filas de banco e em tudo que é lugar onde a gente tenha conseguido algum parco benefício. Além de não ter dinheiro, a verdade é que a gente já é velha mesmo, e a maioria doente. Além do mais muitas de nós sabe mal mal escrever o nome. Tem hora que eu já até fiquei pensando o que que uma pessoa formada que nem você viu na gente? Coitada, podia tá fazendo uma coisa muito mais interessante, muito melhor. Porque nesse país ninguém quer saber de velho não. Eles acham que velho não precisa de nada. Nem de escola, nem de moradia, nem de dinheiro. Tanto que a aposentadoria só vai diminuindo. Por que eles pensam assim: vai morrer
121
mesmo...então quem ainda não tá doente, acaba adoecendo porque não encontra saída mesmo. (CI 4 72a, 2012).
Ela pronunciou essas palavras expressando-se de tal maneira que depois do
convívio longo entre elas posso descrever, pela reação corpórea, como um desabafo
seguido de um profundo silêncio daqueles que não pedem palavras. Silêncio
necessário para contemplar e acolher como assinalou Le Breton (1997, p.123). Acolhi
suas palavras apenas com um olhar. Porque esse falar tocou-me como uma obra de
arte. Uma escultura impressionante de linguagens símbolos e afetos. Uma obra
escultural do cotidiano realizada com a técnica “língua sobre corpo” que impactou
como se explodisse aquela reação que captura num instante o tempo intempestivo da
história, e numa explosão de afetos que, interceptando a cronologia lança todos os
múltiplos tempos num instante, num silêncio que constata a precariedade de qualquer
possível resposta. Somam-se pois àqueles silêncios, já citados um silêncio refletido
nos afetos de tristeza que embora passageiros nessa idosa, repetem-se espelhando
os silêncios de pura indiferença, do olhar do outro, mas aqui dos tantos outros, dos
lugares bárbaros da cultura que influenciam os afetos de alegria , e que solapam o
germinar de perspectivas futuras dos seres considerados pela lógica pós moderna
como aponta Bauman (2004) como seres supérfluos Um silencio feito de olhares que
não deixa imune ninguém que partilhe conjuntamente deste contexto tentando de
alguma forma produzir mudanças. Um silêncio que evidencia a indiferença entre os
próprios seres humanos, e que está ligado na maioria das vezes à ausência de um
interlocutor, que desacreditado do outro, desacredita-se também de si mesmo e se
cala, devido à indiferença como foi tratado. “Forma sonora de um silêncio por causa
da recusa da escuta” como assinala LE Breton (1997) ao afirmar que:
As pessoas idosas encontram-se muitas vezes reduzidas ao silêncio por este processo. Ninguém fala com elas e se emitem uma palavra, ninguém lhes presta atenção. Indivíduos destituídos, vagamente mantidos no contexto social mas sem interesse aos olhos das pessoas a sua volta, figuras inúteis, cujo desaparecimento um dia não é mais do que o ponto final de um processo já há muito começado. (LE BRETON,1997, p101).
122
Esse talvez seja realmente o maior lamento sobre o silêncio trazido pela
maioria das idosas que compõem os grupos desde o início de sua formação, segundo
apontam as coordenadoras entrevistadas. Relatam muitas vezes que falar aos
familiares, aos amigos torna-se uma tarefa cada vez mais difícil quando se envelhece
porque sua fala é sempre vista como algo ultrapassado, mesmo que passem uma
notícia atual. Por isso ficam silenciosas, para evitar problemas maiores com a
prefeitura, com a família, com qualquer outro. A fala de uma das coordenadoras
entrevistadas sobre o comportamento das participantes do seu grupo ilustra isso:
“Muitas vezes quase não escutamos a voz delas e quando perguntamos porque estão tão silenciosas, repetem um ditado popular que é bastante falado no grupo: “quando um burro fala o outro tem que murchar a orelha”. Falam ainda que já estão acostumadas a isso porque se falam muito em casa, tudo pode virar um vendaval porque tudo o que falam e não agrada os filhos eles fazem uma tempestade em copo d’agua. Um outro ditado muito usado por elas é que “boca calada não entra mosca” ele é usado para significar que se querem evitar chateações em casa, o caminho é viver pisando em ovos, é silenciar, para não ter que engolir desaforo. (CI6, 72, 2006).
O interessante é que embora algumas exprimam nas atividades a forma de
lidar com os próprios corpos também percebidos aos seus olhos como descartáveis,
desinteressantes e cujos movimentos são muitas vezes curtos e contidos, e
expressam no próprio corpo o aprisionamento a que são submetidos, outras, como
por exemplo a maioria das coordenadoras, realizam outro movimento que nesse caso
é o de incentivá-las para estarem atentas, para não se deixarem intimidar. Nisso
cumprem um papel importante e efetivo no que pudemos observar no processo de
acompanhamento dos grupos ao longo desses anos. Pois se no primeiro momento os
grupos começam silenciosos, após algum tempo de encontros estão eles
transformados. É interessante notar que no grupo de convivência de idosos isso
ocorre de uma maneira bem peculiar em relação a outros grupos, pois ao invés de se
identificarem com o grupo como unidade primeira, o processo de identificação passa
por um cochicho em dupla, uma agregação pela via de processos afetivos e
identificatórios que promovem um empareamento tal qual proposto por Bion47 (1975)
47 No empareamento este subdivide-se e por receio de não ter mais líder, de o perder, se aproximam do mesmo
emocionalmente, criando vínculo que reforçam a coesão do grupo contribuindo para sua existência. Podendo haver troca de líder questões inconscientes existentes na formação do mesmo.
123
só que invertido, se considerarmos o tempo grupal do pareamento proposto por ele.
Igualmente podemos observar que tal como assinala RIVIÉRE48 (I988) a tarefa grupal,
(que preferi associar ao termo atividade grupal visto que aqui tento fazer uma leitura
dos grupos aproveitando construtos desses dois autores, mas sem separar elementos
conscientes e inconscientes), já que a atividade e a linguagem mediadas pelo afeto
são produtoras destas relações e ambas ocorrem simultaneamente, segundo
Vygotsky(1998). Nos grupos, elas primeiro vão se apoiando em duplas ou trios, por
meio de processos identificatórios, afetivos, e histórico-culturais que se evidenciam
nas atividades que desenvolvem como se num ensaio em dar novamente os primeiros
passos de um processo de socialização. Esse processo ocorre sempre mediados por
ações nas quais consciência e inconsciência afeto e emoção, atuam de forma objetiva
e subjetiva simultaneamente.
Esse processo não é vivido apenas pelas idosas participantes como membros
do grupo, mas pelas próprias coordenadoras, que no princípio, quando chegamos
para desenvolver o estágio, mantinham, na maioria dos casos uma postura
centralizadora nos grupos, o que foi se transformando com o tempo. Muitas delas se
diziam inclusive sobrecarregadas, pois faziam praticamente todo o trabalho dos
grupos, programavam as atividades, traziam os convidados, providenciavam o lanche,
faziam os anúncios da igreja, organizavam os grupos, respondiam às demandas da
comunidade.
A presença das estagiárias do curso de psicologia, produzia uma nova
possibilidade nesse encontro na medida em que essa escuta era propiciada a todas e
não apenas à coordenadora do grupo num primeiro momento. Com isso, as próprias
coordenadoras podiam reelaborar também sua forma de buscar a participação mais 48 Pichon (1988) caracteriza grupo como um conjunto restrito de pessoas, que, ligadas por constantes de tempo e espaço e articuladas por sua mútua representação interna, propõe-se, em forma explícita ou implícita, à uma tarefa que constitui sua finalidade. Dentro deste processo, o indivíduo é visto como um resultante dinâmico no interjogo estabelecido entre o sujeito e os objetos internos e externos, e sua interação dialética através de uma estrutura dinâmica que Pichon denomina de vínculo.
Vínculo é definido como "uma estrutura complexa que inclui um sujeito, um objeto, e sua mútua inter-relação com
processos de comunicação e aprendizagem." in PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Processo Grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
124
direta do grupo e conhecer melhor o potencial de cada participante. Após a introdução
das oficinas de escuta com a presença das estagiárias. E nesse caso escutar o
silêncio das idosas era primeira grande lição a ser aprendida pelas estagiárias já que
segundo afirma Le Breton:
“Se as relações sociais implicam a ignorância parcial dos fatos da vida do outro, o segredo prova o esforço particular de um indivíduo ou de um grupo para proteger uma informação, sobre si ou sobre os outros, suscetível de se for revelada, perturbar a ordem presente das coisas.[...] a conivência à volta de um segredo traça fronteiras simbólicas de pertença, escora solidamente a afiliação apoiando-se na inocência dos que estão de fora [...] é numa forma poderosa de socialização que torna solidários os que a partilham. Traz consigo uma disciplina de conduta nas comunicações com os outros, o imperativo de manter o silêncio sobre aquilo que as vezes queima os lábios com vontade de dizer” (LE BRETON,1997, p.117).
Segundo apontam várias coordenadoras, as idosas participantes dos grupos,
começavam a trocar no princípio apenas silêncios e olhares curiosos e as vezes
desconfiados ou amedrontados ao estarem nas rodas de conversa com as
estagiárias, depois iam ficando mais confiantes no próprio grupo, aumentando os
cochichos, e até as conversas paralelas no grupo durante as atividades, e mais tarde
iam se transformando em duplas e trios e destes se ajuntando em grupos um pouco
maiores, e conversando mais, interagindo com mais pessoas até que desabrochavam,
como diz na sua entrevista a (CI5, 67a, 2006):
Quando elas (as estagiárias de psicologia) insistiam um pouco em obter a opinião de uma idosa que quase não falava, que estava ali encolhidinha no grupo, muitas outras não viam muito sentido. Hoje todos podem perceber o crescimento delas. Algumas que nem falavam no início do grupo, hoje cantam, dançam, recitam poesias participam dos fóruns municipais estão irreconhecíveis, transformadas pelo insistente convite da palavra das estagiárias, que com frases as vezes cochichadas diziam: “fale o que você pensa sobre isso, queremos ouvir o que você também tem a dizer”; “veja como foi importante a sua contribuição”; “agora só falta você para trazer a sua opinião”; “pode pensar um pouco que a gente espera por você”. Estas frases das meninas eu até decorei porque queria aprender com elas, e aprendi um pouco. A gente não percebe como é importante para o idoso este interesse do outro naquilo que ele tem a dizer. É preciso ter paciência para que ele produza. É preciso regar a planta...alimentá-la cada dia através de sua própria palavra até o dia em que como uma surpresa, a flor desabroche. Até aquelas que estavam um pouco murchas, voltaram a vicejar. Não precisaram mais de ficar reclamando de doenças, acabaram abandonando o apelo a pequenas migalhas de carinho recebidas pelo corpo doente, por uma forma mais intensa
125
e efetiva de celebrar a vida, conhecendo suas emoções, partilhando-as com os outros e liberando-as sem medo. (CI5. 67a, 2006).
Esta fala da coordenadora aponta o quanto esses espaços de participação para
elas, precisam ser mediados por uma escuta que seja interessada, não no sentido de
um interesse técnico e profissional, mas de um interesse genuíno de um ser pelo
outro. É esse interesse manifesto muitas vezes, por meio da linguagem, do olhar e do
gesto acolhedor, como um processo mediado pelo afeto que possibilita, na sua
concepção, a valorização do que a pessoa tem a dizer. Le Breton (2010, p.144) sobre
isso afirma que somente no momento em que esse interesse é instaurado é que uma
voz que se silencia pode ecoar de novo; uma vez que movida pelo olhar e pelo
interesse do outro, torna-se de novo interessante a si mesma. Essa esperança é
instaurada pelo convívio nos grupos quando mediada por uma escuta sensível dos
sujeitos envolvidos, e nos casos estudados, principalmente pela relação estabelecida
entre os membros participantes e por meio da relação entre os participantes e as
coordenadoras, pois como afirma mais uma vez LE BRETON.
As palavras do ébrio, do louco que delira, da pessoa idosa relegada para uma instituição por vezes, na sua própria casa, por uma família impaciente e abusiva. Palavras onde não há um outro, imediatamente insignificantes por falta de ouvinte, mesmo se o repisar delas demora a parar, esperança perdida mas sempre a renascer, de finalmente poder interessar alguém. (LE BRETON, 2010, p.101).
Esse silêncio indiferente dirigido à pessoa idosa, por técnicos, profissionais,
familiares advindos de uma identidade deteriorada que prevalece nas diversas
instituições. Silêncio que como barreira comunicacional segundo aponta Goffmann
(1989) ao mencionar as barreiras impostas no regime das instituições totalitárias. Esse
silêncio aciona mecanismos de sustentação e reprodução de estigmas instituídos na
própria sociedade que ultrapassam o estatuto geográfico das instituições totalitárias
repetindo-se não apenas nos modelos de novas instituições que também acabam
servindo como um exílio social da população idosa, mas nos espaços virtuais, nas
crenças e nas ideias que povoam o próprio homem na contemporaneidade.
126
Tais ideias ao serem corporalmente assimiladas produzem e sustentam as
formas mais desumanas de habitar a velhice no Brasil, como por exemplo, o
afastamento gradativo da pessoa idosa da casa na qual o tempo todo habitou e pela
qual pagou com o suor do seu trabalho, e a sua transferência para um sótão ou um
porão esquecido e pouco visitado pelos parentes mais próximos que ocupam agora a
parte maior da casa. Ou o exílio no próprio lar, nos próprios espaços que podem ser
até confortáveis no caso de idosos com maior poder aquisitivo, mas disfarçado de um
pseudo cuidado que se dirige ao corpo velho como um objeto que precisa ser
monitorado, e não como um corpo humano histórico social e afetivo em plena
interação com o mundo.
Portanto, transformar esse silêncio indiferente num espaço de mediação de
linguagem, de silêncio interessado que pacientemente opera e espera no seu próprio
movimento, o som da palavra constituindo-se como um possível renovo que pode
brotar de um pequeno cochicho até se desabrochar em voz audível, é a esperança
que se instaura insistentemente nas lutas e na participação das coordenadoras de
grupos de convivência. Esta militância cotidiana de participação política, segundo suas
próprias falas, necessita ser constante, uma vez que possuem a consciência de que
incidem sobre elas pelo menos cinco das principais características geradoras de
preconceitos: o fato de serem idosas, mulheres, negras, pobres e ainda o que
consideram pior :possuírem baixo nível de escolarização.
Esse último ponto é o que segundo elas, dificulta a compreensão de diversas
questões quando são abordadas de forma muito técnica. Somam-se pois ao
preconceito etário, o preconceito de gênero, o preconceito racial o preconceito sócio
cultural e econômico. Na fala das coordenadoras aparecem essas questões e elas
não deixam de perceber que todas elas se ajuntam em alguns momentos e sustentam
as atitudes de pessoas que se situam nesses lugares instituídos de poder e que
movidas por tais preconceitos expurgam dos discursos e dos espaços formais de
participação mais necessários e decisivos as mulheres idosas coordenadoras de
convivência sob as mais diversas formas de disfarce. Sobre esses disfarces
discorreremos melhor nos cochichos sobre as políticas públicas. A decorrência disso
em alguns casos é o desgosto e a revolta que se instauram e transformam o silêncio
num recurso possível face às questões que lhes parecem intoleráveis. Frente a isso a
127
pesquisa pode assinalar pelo menos três respostas presentes nas falas e atitudes das
coordenadoras diante desta participação que consideram uma verdadeira farsa, e
uma participação apenas para cumprir normas e, como dizem, “para inglês ver. São
elas:
1) A retirada e a alienação estratégica das coordenadoras, pela qual movem seus
grupos para um exilamento das instâncias de participação política afirmando que não
se consegue mudar qualquer ponto da sua realidade por meio dela. Em decorrência
disso, a busca de autonomia por meio de recursos próprios; ou de estratégias de
sustentabilidade fora da política pública.
2) A busca de recursos e serviços públicos que possam beneficiar o grupo e sua
comunidade ainda que despojada de organização política, e por meio de atitudes
conservadoras e que sustentam relações de favoritismo e utilitarismo por parte de
políticos que ocupam cargos de poder no setor público; e que aproveitam-se desta
fragilidade dos grupos para se colocarem como os benfeitores, ao invés de criar
políticas mais duradouras. Segundo elas ainda é isso que prevalece infelizmente na
maioria dos grupos de convivência que acabaram sendo engolfados pelos olhares
institucionais e também por esta lógica clientelista. Especialmente nos CRAS49 ou nos
CACs50.
3) A organização através de ações políticas que envolvam não apenas diferentes
grupos mas comunidades na busca de políticas e de representação dos interesses
coletivos por meio de acompanhamento e monitoramento das políticas públicas. Com
participação constante nos fóruns regionais, e conselho municipal do idoso. Esta
requer um comprometimento delas com a coisa pública, e um posicionamento de
resistir aos processos de cooptação existentes no modelo de participação que ainda
vigora no Brasil, com os resquícios do clientelismo e do paternalismo na política. Esta
postura requer mais investimento, trabalho e paciência segundo elas.
49 Conselhos Regionais de Assistência Social da Prefeitura Municipal, que encampam vários grupos comunitários existentes, ou
cooptam alguns dos seus participantes que se utilizam dos benefícios da política de assistência Social a despeito de que se dissolvam
a identidade grupal, as ações políticas e cidadãs e luta espontânea e comunitária desses grupos e os transformem em grupos
submetidos à ideologia do assistencialismo governamental
50Centros de Apoio e Convivência Social que estão ligados também à Secretaria de Assistência Social e que muitas vezes se
aproveitam da composição numérica dos idosos participantes nos grupos comunitários, para darem corpo a grupos de usuários
dos serviços, já que comumente a aderência dos usuários é menor e mais demorada, que se eles já levarem o grupo pronto da
comunidade.
128
É então, nesse contexto, que algumas respostas se instauram mais facilmente,
como o mutismo de algumas coordenadoras, e a fala poliqueixosa de outras, que dão
margem à crítica de alguns técnicos, segundo informações da coordenadora
Os políticos elegem as” queridinhas” que se submetem ao discurso deles e se rendem aos apelos e dos favores políticos. Nos fóruns elas viram o voto para o lado do que eles querem. Por isso também fica difícil conseguir vencer qualquer votação de projeto que a gente quer pra comunidade por exemplo, porque eles ficam influenciando mesmo. É quase uma compra de voto também. Esses políticos depois ainda difamam os grupos e as coordenadoras que não concordaram com eles falando que somos tão ignorantes como as idosas dos grupos que coordenam e não sabem fazer nada além de reclamar. Ai algumas acabam desanimando e calando mesmo, porque acabam achando que não adianta nada lutar e reivindicar porque não vai ser ouvido. (CI 10 82a, 2013).
Nos conselhos e nos fóruns essa atitude se repete de forma corriqueira
segundo elas, e esses silêncios aqui citados servem apenas para demarcar estes
intervalos como constituintes numa temporalidade corpórea, ambiental e complexa, e
como precursores e porta de entrada para a escuta. Afinal só aprendemos a escutar
quando escutamos de fato o próprio silêncio. Sobre isso é LE Breton (2010, p.102)
quem afirma
“A impossibilidade de ser ouvido, por falta de valor próprio, conduz ao mutismo ou então a inflação de uma linguagem que corre como uma hemorragia de existência sem nenhum ouvido que a consiga parar. [...] o falador contenta-se com palavras para não ser atingido por elas, o calado afasta-se da linguagem e encara-a como moeda falsa cujo uso repudia. Recusando mergulhar no vulgar da comunicação rejeita o meio. O desgosto; a revolta, o luto, tornam a linguagem balbuciante e transformam o silêncio num recurso possível face ao intolerável. (LE BRETON, 2010, p.102).
A escuta dos cochichos passou então por indagações e por descobertas da
pesquisadora, que nem de longe foram propostas no início do trabalho, como estas
formas de silenciar-se cuja estratégia precisava ser vista e escutada tal qual o som de
suas palavras, e por isso se desenhou de forma a acompanhar o movimento dos
grupos e das coordenadoras, em suas propostas de ação, possibilitando promover
senão a compreensão do pesquisador, pelo menos novas formas de olhar e
acompanhar uma trama complexa de relações e conectividades entre os grupos e
129
entre as instâncias políticas, que fossem capazes de enunciar algum elemento comum
ou organizador entre eles.
Alguns dispositivos espontâneos foram acompanhados e observados, como
por exemplo a auto-organização em torno das potencialidades e ações em cada
grupo. As formas de manifestação e expressão das insatisfações e satisfações diante
do setor público; as principais respostas que traziam nos grupos diante de suas
indignações; as propostas do setor público com as quais estavam em concordância e
as propostas com as quais não estavam, as formas de reações e respostas coletivas
que manifestavam entre elas apenas, e diante do espaço público; os ambientes que
escolhiam para um falar mais autêntico sobre o que pensavam e os ambientes em
que aprenderam a praticar o discurso aceitável ou possível segundo a avaliação que
faziam desse espaço, e será discutido nas suas ações.
4.2 Cochichos sobre os grupos de convivência
Antes de cochicharem algo sobre os grupos de convivência, as coordenadoras
começaram por atribuir-lhes importância na descrição de sua própria narrativa e no
cruzamento entre a história de sua vida e da história do grupo. Nas entrevistas
gravadas podem ser ouvidos e vistos vários depoimentos nos quais sua vida em
algum momento específico produz novos sentidos e significados a partir desse
encontro com os grupos de convivência.
A maioria das coordenadoras falaram sobre esse espaço, como um espaço de
interações e como um espaço cuja importância que lhe era atribuída por elas
acrescentava não apenas um ritual semanal na rotina dos idosos que deles
participavam, mas também um lugar de pertencimento, um lugar de atenção e cuidado
e sobretudo de afetos. As principais falas sobre os grupos de convivências apontaram
entre outras as seguintes características que foram as mais repetidas e significadas
pelas coordenadoras e que serão ressaltadas na ordem e importância em que
apareceram no campo de fala das coordenadoras: o grupo colo lugar de amizade e de
vínculos afetivos, o grupo como espaço de extensão e de oposição à casa e à família,
O grupo como equipamento social e político, e o grupo como um espaço de
130
aprendizagem: e uma escola sobre a vida. E finalmente o grupo como coxia: espaço
simbólico de mediação simbólica e afetiva na apropriação da pesquisadora, que foi o
tema introdutório deste capítulo
4.2.1 O grupo como lugar de amizades e de vínculos afetivos
Uma das afirmações mais tocantes de uma das coordenadoras foi uma reflexão
sua sobre o sentido dos grupos de convivência não apenas para os outros, mas para
si mesma. Foi como se no movimento de olhar para o grupo, se reconhecesse na
imagem dele e olhasse para si e para o grupo de forma terna. Seu depoimento na
entrevista resume de forma precisa essa relação de reciprocidade que se estabeleceu
entre o conhecimento de si e do grupo. (CI 5 67a2007)
O grupo me ajudou muito a me encontrar, porque na medida que eu trabalhava com as outras pessoas, o grupo também me ajudava a encontrar a mim mesma, pois a vida conventual é cheia de renúncia... você só olha para o próximo, e esquece de olhar pra si mesma, porque eles olham a freira quase como uma pessoa não humana. Na convivência com o grupo, como coordenadora é diferente. Há uma troca. O coordenador olha para as pessoas e as pessoas olham para ele e o faz olhar pra si mesmo. No grupo eu encontrei uma coisa assim muito grande. Na medida que eu olhava para as necessidades do grupo, estas necessidades também tocavam a minha necessidade, se achegavam até mim. (CI 5 67a2007).
É interessante salientar alguns pontos nesta relação que, segundo a minha
interpretação de segunda mão, se estabelece entre as questões trazidas pelas
pessoas idosas e pelas coordenadoras de grupos. A primeira é esse assinalamento
do grupo como substrato de projeções e de encontros consigo mesmo e com o outro,
a segunda é a renúncia de si e o esquecimento de olhar para si mesma, que também
se articula com uma certa desumanização de si vivenciada pela coordenadora, e que
estabelece uma ponte com o processo de desumanização da pessoa idosa na nossa
cultura. Depois a afirmação de que na convivência com o grupo há trocas. O
coordenador olha para as pessoas, mas as pessoas devolvem esse olhar também
para o coordenador o que o impele a olhar para si mesmo. Vejam que não se trata de
uma mera coincidência. Esta fala tão precisa da coordenadora em revelar o que
131
sente-age-pensa, aponta a trama que se compõe na tessitura desse lugar e dessa
escolha por coordenar grupos de idosos. São laços que ela traz em sua fala e ação
entre a resposta afetivo volitiva que se articula histórica e culturalmente,
consciente/inconscientemente, no sentido atribuído por Vygotsky, com lugares
subjetivos tão próximos entre as coordenadoras e as pessoas idosas. Ela Diz que no
grupo pôde encontrar não somente a si mesma, como também uma forma de
trabalhar sua própria dor ao trabalhar a dor alheia. Enxerga no grupo a dificuldade das
idosas com a família e isso a remete à semelhança com o que vivia em sua casa, e
reflete sobre o lugar e o sentido do afeto e das trocas afetivas que fazia com seus
familiares. De maneira interessante, enxerga também o grupo como um espaço que
propicia novas formas de vínculos que podem ser fundamentais para algumas
pessoas, especialmente para aquelas que por algum motivo não conseguem
estabelecer vínculos tão profícuos na própria família. Pode-se ver isso na forma como
esta mesma coordenadora acrescenta depois a esta sua fala anterior, a seguinte
observação:
Na família por exemplo, você acaba fazendo as coisas por obrigação. Além disso, nem sempre a família escuta os problemas de cada um. No grupo a gente está lá. Todos têm seus problemas, e todo mundo fala uma linguagem parecida. Todas são mais ou menos da mesma idade, você orienta e é orientado. Há uma compartilha. Por isso é que eu acho que a gente não pode colocar a pessoa idosa direto nas creches, nos grupos de crianças, nos grupos de adolescentes, porque primeiro ela precisa se encontrar a si mesma, senão ela fica estressada agressiva, porque ainda não se encontrou e não reconheceu a sua verdadeira importância ...e como ela pode interagir com os outros sem isso? o grupo de convivência com pessoas da mesma idade , que tenham os mesmos problemas e interesses próximos, é o primeiro passo para facilitar a comunicação com outros grupos e até mesmo com a própria família. (CI1 60ª, 2006).
É interessante ressaltar que a afirmação de que “no grupo a gente está lá e
todos falam uma linguagem parecida”, traz a conotação de um entendimento, ou no
mínimo de uma possibilidade comunicacional, mas o acento que é trazido na fala vai
mais além, na minha apreensão de segunda ou terceira mão, ela está falando de
compreensão no sentido empático mediada por processos subjetivos e objetivos, por
fenômenos relacionais de identificação e respostas onde consciência e inconsciência
operam conjuntamente e promovem em certos momentos uma ancoragem ou suporte
132
para aqueles que passam por situações de fragilidade semelhantes e se fortalecem
conjuntamente. Os sentimentos de raiva e atitudes de agressividade ou de tristeza e
respostas de stress, são explicados por ela, pelo fato de as pessoas não terem ainda
se encontrado e não terem sido reconhecidas na sua real importância, pois embora
fale que a pessoa ainda não reconheceu sua importância, quando em
aprofundamento da entrevista, ela diz que a pessoa não reconheceu por que ninguém
de casa dava importância para ela e aí ela passou a se ver do mesmo modo, como
alguém sem importância. Essa menção do olhar do outro, retrata como o movimento
de falar de si e do outro de entrecruzam de maneira inseparável no seu pensamento.
Não se trata aqui de dar maior ou menor importância para o que é seu e o que é do
outro, mas de ajuntá-los igualmente como forças conjuntamente producentes de
certos tipos de reações nos sujeitos. A contraposição desses sentimentos é feita por
esta coordenadora, com os sentimentos de presença inteira, de fato. É prazer, ela
está lá, as idosas estão lá presentes não por obrigação como na família, mas por
prazer. Escolhem estar no grupo.
Quando aprofundei a entrevista, obtive dela uma ampliação de sua fala sobre
esse prazer de estar lá no grupo. Ela diz que o prazer é fruto da amizade, que nasce e
se fortalece no grupo como uma flor porque se enraíza porque as pessoas vão se
conhecendo e se compreendendo ainda mais com o passar do tempo Seus
problemas e interesses são muito parecidos. Em um trecho da entrevista ela afirma
que a ideia de programas intergeracionais é fundamental para melhorar o
reconhecimento do lugar da pessoa idosa na família e na sociedade, acredita também
no poder dessa diversidade e acredita que isso é de suma importância para todas as
gerações, mas a idade aqui é na visão desta coordenadora, é algo que aproxima as
idosas não apenas porque se parecem, no que diz respeito às suas referências
culturais, por não haver grandes diferenças etárias entre elas, mas sobretudo porque
passaram por problemas e sofrimentos muito semelhantes. Sofrem dos mesmos
males, partilham alegrias muito próximas vivem ou viveram situações parecidas na
sua existência e na sua relação com o mundo, e precisam primeiro se fortalecer até
para dar conta de se relacionar com os outros.
Como salienta BOZZI (1989) o tempo vivido é memória e memória é tempo
vivo, presente. Ela se materializa nas relações, promove vínculos, possibilita
133
reminiscências e nelas, a construção de novas subjetividades permeadas pelos laços
simbólicos e culturais e pelo afeto, pois esse espaço também funciona como espaço
de mediação simbólica das emoções e sentimentos como os de se sentirem
refugadas ou amadas pela família e pela sociedade. Enunciam o preconceito etário, a
humilhação a expropriação do lugar de si e de sujeitos, mas de igual modo a
esperança a crença a resistência a potência de vontade, questões a serem sempre
consideradas.
Grupo de convivência é um local de encontros onde existe afeto, colhimento, e a amizade. Isto tudo é que faz de cada membro um irmão. É assim que ele acaba se tornando como uma família. Um local onde os membros vão reencontrar suas raízes e fazer a ponte entre o passado e o presente para a construção de algo novo que os faça caminhar com mais firmeza. (CI4- 72a, 2006).
A amizade grupal, na sua apropriação é o que as fortalece. Unem-se pois, no
seu pensamento e na sua linguagem, nesta forma de apropriação que faz de si e do
grupo de idosas que coordena, paradoxalmente, laços de uma solidariedade que
aparece como resposta a um processo de exclusão nos moldes totalitários, que
impregnam ideias e culturas, como postula Arendt (2012, 103-104) ao falar das
origens do totalitarismo e das respostas dadas por uma classe de judeus
considerados inferiores pelo seu próprio povo. Diante da humilhação e do
rebaixamento contido nas ideias e ações anti-semitas, eles se solidarizavam e a
resposta de solidariedade também era de outro modo a saída para o seu
fortalecimento e para se manterem com sua diferença. Ou seja, o paradoxo está em
que foi exatamente o fato de ser excluído que produziu, pela via da resposta solidária
laços e trama histórica afetiva e social que os mantiveram vivos e mais que isso os
tornaram reconhecidos e desta forma os fizeram prolongar sua própria existência
como povo diferenciado. Aqui, no caso destas mulheres, a resposta da amizade
também produz não apenas novos vínculos, mas sobretudo a ressignificação do que
seja considerado vínculo, ou do que se pensa sobre as formas e os modos de
construir tais vínculos na medida em que ocorre o reconhecimento de si e do outro.
Esta elaboração encontra eco também na análise que faz a psicóloga Silvia Lane
sobre a interlocução entre os pensamentos de Vigotsky e Spinoza ao propor que
emoções e os afetos se produzem também no contexto não apenas genético, mas na
134
historicidade humana vinculando-se a estas conexões complexas no bojo da cultura.
Afirma LANE (2006. p128):
Espinoza manifestava uma atitude genética correta. No processo de desenvolvimento ontogenético as emoções humanas entram em conexão com as normas gerais relativas tanto a autoconsciência da personalidade, como à consciência da realidade. Meu desprezo em relação a uma pessoa entra em conexão com a valorização desta pessoa, com a compreensão dela. Nesta complicada síntese é onde transcorre nossa vida. O desenvolvimento histórico dos afetos ou das emoções consiste fundamentalmente em que se alteram as conexões iniciais em que se produziram e surgem uma nova ordem e novas conexões. [...] portanto as emoções complexas só aparecem historicamente e são as combinações de relações que surgem em consequência da vida histórica, combinação que surge no transcurso do processo evolutivo das emoções. (LANE, 2006, p.128).
Afirmar que as emoções afetos consciência, inconsciência e realidade
devem ser analisadas de forma conjunta na complexidade em que se estabelecem as
atividades humanas mediadas pelos signos da linguagem e pelos símbolos culturais,
é de igual forma o que possibilita compreender a validade do grupo como instância
formadora de novos processos de subjetivações, de construção de novos vínculos
para as pessoas idosas que destituídas de uma atividade coletiva, e legadas a um
ostracismo cômodo para a sociedade e para a família, ao contrário disso reduzem
suas redes de relações e podem com isso favorecer a desintegração dos sistemas
complexos que produzem essa dinâmica transformadora, formando então os diversos
estados patológicos. A coordenadora na sua experiência afirma:
O grupo de convivência na realidade atual, está para o idoso assim como o sol está para a terra, porque sem o sol a terra não sobrevive e sem a convivência o idoso não sobrevive. Ele não vive sozinho, precisa do apoio de outros para sentir confiança, afeto, carinho, respeito e amizade. É o ponto de referência do idoso para onde ele se desloca semanalmente e consiste, hoje, num equipamento social da maior importância já que não se tem espaços públicos de referência para a pessoa idosa[...] Algumas transformações foram muito claras, na condição de saúde das idosas. No início havia muita queixa em relação à saúde. Quase todas as idosas apresentavam sintomas de depressão, inclusive eu, pelas mudanças radicais que eu atravessava na época. Aos poucos, o astral do grupo e das pessoas foi mudando. As queixas foram dando lugar ao sorriso às discussões de temas que antes eram apenas cochichados por elas. (CI5 67ª 2006).
135
4.2.2 O grupo como espaço de afeto em extensão e ao mesmo tempo em
oposição à família.
No discurso das coordenadoras aparece também o grupo como espaço de
extensão e ao mesmo tempo de oposição à vida dentro de casa e aos vínculos de
afeto que permeiam a relação com a família. Vejam que a coordenadora citada
anteriormente, aponta uma situação de obrigação na família, que se desloca para um
outro sentimento de prazer na relação com o grupo. Esta mesma coordenadora
também faz a aposta numa certa homogeneidade em relação a idade e à
problemática existencial como questões que facilitam e produzem maior possibilidade
de compreensão no convívio. Em outra fala a (CI 8 70ª 2012) salienta sobre o grupo:
Há eu gosto muito do meu grupo, gosto das reuniões e quando chega as férias a gente vai ficando com saudade daquele convívio. As minhas amigas, são como se fossem minhas irmãs. Eu considero todas do grupo como se fossem minha família. Então eu acho muito engraçado elas se reunirem aqui...é como um cochicho. Elas vêm aqui mais é pra cochichar. (CI 8 70ª 2012).
O grupo aparece também na fala das idosas simultaneamente como coxia,
como lugar de contar segredos, de cochichar. Essa fala da coordenadora, constituiu
para mim, como pesquisadora, a síntese dos significados e dos sentidos atribuídos
por elas ao grupo de convivência e que convergem para essa atividade pressípua.
Porque cochichar aqui adquire muitas possibilidades de significações. É símbolo
cultural e signo linguístico simultaneamente. O cochicho funciona como símbolo de
intimidade, de confiança. Só se cochicha ao pé do ouvido com quem é amigo íntimo.
Por outro lado é signo na medida em que é capaz de enunciar e agregar vários
significados, por exemplo, o significado de falar baixo para que apenas quem elas
escolham possa escutar, falar baixo porque não podem ainda divulgar para todos o
que gostariam de dizer, falar baixo porque o que tem a dizer não será agradável a
muitos, falar baixo, porque ainda não conseguiram alçar a sua voz com a força
necessária, ou porque não se sentem ainda aceitas por toda a sociedade, falar baixo
porque são segredos preciosos o que têm a dizer; falar baixo no sentido de que sua
organização ainda não se encontra em processo e ainda não existe uma fala em
136
comum, ou porque ainda estão fragmentadas falando cada grupo a partir do seu
próprio lugar, ou ainda, porque estão ensaiando nos grupos em suas coxias, para
mais tarde alçarem vôos mais altos, nos palcos da vida.
Estas e muitas outras possibilidades de significação. São atribuídas ao grupo
de convivência. Isto foi abordado inicialmente no capítulo mulheres que cochicham e
suas coxias e sobre esse sentido já nos debruçamos no capítulo anterior. Mas
interessa aqui abordar o grupo como lugar de união e de organização que embora
frágil, representa a possibilidade de saída e valorização do grupo como lugar de
mudança e produção de novas formas vir-a-ser idosa. A amizade aqui é ressaltada
não apenas no sentido de unir e categorizar o grupo por esta união, mas sobretudo
como tônus atitudinal, moral e afetivo, que se evidencia por meio de uma consciência
que as pessoas adquirem e que é visível por meio de ações práticas de reciprocidade
e auxílio mútuo. Sobre isso fala a coordenadora CI5 - 67a(2006)
A palavra chave num grupo de convivência é amor. Não um amor sentimento, mas um amor ação, que sabe renunciar, doar e que sabe fazer o grupo se movimentar. Um grupo de convivência ao contrário do que muitos pensam, não é um grupo só de lazer e recreação, é um grupo que tem como objetivo principal fazer com que o idoso sinta que ele é uma pessoa e que tem direito a uma qualidade de vida muito boa. Que promova ações que o faça pensar e repensar sua vida de modo que ele tenha novas maneiras de agir, sem ficar preso no passado o resto da vida. A partir do momento que ele começa a pensar diferente ele cria uma visão mais ampla da vida e vai se tornando mais comunitário, mais sociável, e até dentro da família ele vai mudando seu jeito de ser e de fazer as coisas. (CI5 67a, 2006).
O sentido da amizade toma também o sentido do cuidado com o outro, e
também da construção de relações que possuem a leveza dos bons encontros como
salientam os escritos sobre a amizade no mundo clássico ao utilizar o termo philói que
talvez seja o que mais se aproxime da descrição do que significam por amizade. Pois
nesse caso, a amizade longe de ser algo fruto de um bem querer, no sentido de
relações de reciprocidade amorosa, significa uma amizade construída voluntariamente
ou adquirida a partir de bons encontros e de interesses genuínos em desenvolver
relações que vão além da reciprocidade, porque sugere um sentido de pertinência
condicional. Embora seja prazeroso e seja fruto de escolha, esta amizade existe na
relação que se constrói pela via das ações que envolvem esse cuidar de si e do outro.
137
É um contrato que pode a qualquer tempo ser desfeito já que suas bases não passam
pela obrigatoriedade das construções e manutenções de vínculos sanguíneos, “mas
que exatamente por não conter a obrigatoriedade se mantêm pela duração, valor e
significado atribuído à própria forma de sustentar a relação”. KONSTAN, (2005, p80) é
a fala de uma coordenadora Que arremata esse pensamento, por meio de sua
experiência CI5 - 67a (2012)
“Uma vida de renúncia traz em si também o prazer de compartilhar as pequenas coisas, pequenos gestos de solidariedade, de uma entrega que traz ganhos o tempo inteiro e amplia o nível de trocas realmente importantes na existência humana A gente muda o jeito de pensar e de sentir. Fica responsável não por obrigação mas pelo prazer de saber que a pessoa necessita do seu cuidado e conta com o seu apoio. É um retorno que poucas pessoas conseguem ver, a oportunidade que você tem de auxiliar. Esse é o retorno. (CI5 – 67a, 2012).
O sentido de amizade nesse caso, talvez se aproxime mais do sentido de philói
tão pouco estudado e encontrado no sentido atribuído pelos gregos, exatamente por
trazer esse contexto de ligação não por parentesco ou por um sentimento de afeto
dirigido ao outro como resultado de uma philia que envolve diversas formas de afeto e
cujo sentido atribuído é de um afeto dirigido ao outro motivado muito mais por laços
sanguíneos ou de parentesco Segundo aponta Konstan(2005) o termo philói aponta
para uma relação de amizade sincera cujo sentido pressupõe companheirismo, troca
feita por uma escolha consciente pelo outro não pelo valor de ganhos concretos, mas
de ganhos simbólicos que irão envolver a própria troca. O retorno como algo concreto,
por exemplo, no caso que aponta a coordenadora citada, a retribuição ao cuidado de
alguma maneira explícita que gere ganhos para o coordenador, fica pois implícito
como algo muito improvável. Portanto, são outras as trocas existentes e que de
alguma maneira são afirmadas, por um vínculo que se constrói na relação. Um
contrato que pode ser revogado a qualquer momento, mas cuja sustentação ao
contrário do que se pense como algo volátil, se torna mais fortalecido pela qualidade
do vínculo. É o coordenador que se vincula a seus próprios afetos ao invés de se
vincular-apenas ao afeto do outro pelos retornos que poderão advir. Nesse caso a
troca maior não vem do outro mas de si mesma, porque o ato devolve a ela a
consciência de que contribuiu com o crescimento o outro. Algumas delas apontam
138
esse sentimento como um certo apaziguamento interno por ter realizado algo que
consideram bom para si mesmas e para o outro simultaneamente. Entendendo que na
avaliação de que foi bom, está a reciprocidade vinda pelo olhar do outro sobre o que
foi realizado e não necessariamente sobre o reconhecimento atribuído a quem o
realizou. Ao falar disso a coordenadora CI6 - 72a (2006) já havia dito:
É isso que dá força pra gente continuar fazendo as coisas pelo grupo até quando as próprias pessoas que se beneficiam do grupo se ajuntam para falar mal e criticar a gente. Por que isso acontece também o tempo todo. O grupo não é assim perfeito. Tem sempre aqueles que se julgam no direito de criticar e nós que coordenamos somos os alvos prediletos. (CI6 – 72a, 2006).
É interessante observar também que os grupos trazem as questões das
participantes e nem sempre as questões trazidas podem ser solucionadas pelas
coordenadoras. Situações imprevistas e desagradáveis são mencionadas pelas
coordenadoras, como desafios a serem vencidos nos grupos. Pois segundo elas
quando o idoso passa a frequentar o grupo algumas famílias questionam as
coordenadoras e não dão conta de entender que o grupo não está ali para resolver
todas as questões do idoso e sim para auxiliá-los em alguns pontos para buscarem
melhores alternativas, e nem sempre isso é compreendido. Algumas até acham que
elas ganham dinheiro por serem coordenadoras. Começam a ter uma expectativa
sobre o grupo muito além da que ele consiga atender. Outra fala da coordenadora
CI5-72A (2012) confirma essa discussão, ao afirmar simultaneamente em suas
considerações não apenas a contribuição das estagiárias mas também da escuta e da
psicologia no seu grupo:
Para mim, pessoalmente, com as estagiárias aprendi a não ter medo das ações e iniciativas com relação ao grupo, a abandonar a passividade emocional e a tomar consciência dessa força que é a convivência. Aprendi a contornar situações imprevistas e desagradáveis, a sair do nada pra construir tudo o que fosse possível e desejado pelo grupo, arregaçando as mangas e indo à luta. Aprendi a desenvolver uma visão mais clara do que é comunitário, baseada na partilha e buscando o conhecimento do grupo, de suas características, o perfil dos participantes e suas demandas. Aprendi a buscar construir mais relações afetivas com as pessoas ao invés de simplesmente buscar para mim mesma, o afeto dos outros. A voltar meu olhar para o crescimento e transformação das pessoas incentivando-as e apoiando-as em todos os aspectos pelo prazer de vê-las crescer e ter consciência de que pude contribuir simplesmente”. (CI5 – 72a, 2012).
139
É importante observar que as coordenadoras falam da casa como um lugar de
possíveis bons afetos aconchego e cuidado, mas se contradizem quando falam das
dificuldades encontradas pelos idosos em suas famílias. Em nenhum momento negam
a presença de afetos positivos mas também negativos na família, bem como a
ausência de cuidados e de atenção a que não raras vezes o idoso está exposto no
ambiente familiar. Segundo elas há famílias que cuidam e há famílias que também
não cuidam do idoso. Muitas vezes a rejeição da pessoa idosa pela família é algo
comum na fala de pessoas que participam dos grupos de convivência de idosos. A
fala da coordenadora CI9-67a (2012) ilustra bem o fato:
Muitas vezes no grupo a gente fica muito preocupada com a situação das pessoas idosas que moram com a família e sofrem a rejeição dentro de casa. Já tivemos idosas que no princípio das reuniões chegavam com o corpo todo marcado, com hematomas e sinais de maus tratos diversos. Uma chorou muito um dia no grupo e depois pediu pelo amor de Deus um cantinho pra ficar na minha casa, porque era espancada quase que diariamente pelo marido e pelo filho que bebiam muito. O filho, além de beber fazia uso de drogas. Ela era a única que sustentava a casa e ainda apanhava dos dois. Foi difícil pra gente conduzir o caso porque todos precisavam de ajuda ao mesmo tempo. E nem adiantava denunciar porque ia ser pior ainda pra família. Muitas vezes a denúncia além de não resolver ainda coloca uma dificuldade maior para pessoa idosa. Não é fácil pra gente cuidar disso. (CI9 – 67ª, 2012).
Esta situação denuncia um fato ainda mais grave que aparece no campo de
fala desta coordenadora pois ela não apenas faz referência à violência que sofre a
pessoa idosa que narrou sua história, mas principalmente, à violência institucional de
que é vítima, juntamente com a pessoa idosa, a família por não ter o amparo e
acolhimento necessário.
Esses casos onde coexistem o consumo de drogas e associadas ou
superpostas a ele outras questões de saúde mental que atinge filhos, netos e
parentes próximos que vivem com pessoas idosas, e na qual estas, por sua vez, são
vitimadas pelas consequências desse acometimento, não dependem apenas da
atenção voltada à pessoa idosa, no circuito dos serviços jurídicos, mais
indispensavelmente, da atenção de uma rede mais complexa de serviços públicos e
de um sistema realmente funcional que garanta a interação desses serviços, de
140
maneira que sejam acolhidos todos os membros da família. Infelizmente, os serviços
que existem hoje além de não serem suficientes para atender às demandas da
população, possuem fluxos por demais complexos, e burocráticos, o que os torna
difíceis de serem tanto compreendidos como acessados pela população. Além disso
as leis por si só, sem uma cultura de valorização da velhice não impedem que
continuem acontecendo várias formas de violência com a pessoa idosa. Sobre isso,
Mendonça e Abigalil in Berzins e Malagutti (2007, p226) afirmam que embora sejam
muitos os tipos de violência contra a pessoa idosa, as formas mais comuns são
mesmo as negligências institucional e familiar, seguidas do abuso financeiro e do
abandono.
É importante grifar que quando se fala em violência institucional, comumente as
pessoas correm o risco de reduzi-la à violência provocada por instituições de longa
permanência que acolhem idosos. Por isso mesmo é necessário ampliar a fala das
autoras e enfatizar a violência institucional no sentido mais amplo, a começar pelas
instituições como a saúde, a educação, e a política, que se materializam
principalmente nas organizações governamentais. Nelas, a violência institucional se
manifesta por meio de ações, princípios, regras, e códigos de conduta apoiados em
métodos, alguns dos quais pseudocientíficos que se tornam difíceis de serem
questionados e mostram-se como dispositivos por meio do qual se operam os
mecanismos de controle e dominação sobre a vida e sobre os corpos, e que negam a
velhice como um polo positivo da vida para o qual o homem deve viver se preparando,
para a morte e para a velhice, para a qual se deve tender como diz Foucault (1982).a
lentidão dos corpos velhos, mas também a própria lentidão é analisada nos serviços
de atenção à saúde, nos quais a violência à pessoa idosa é na maioria das vezes tão
internalizada que se engendra por meio de princípios, ações e atitudes, como a regra
do” mínimo esforço” uma conduta profissional que limita a atenção e o investimento
em uso das tecnologias interventivas em função do quadro clínico e das
possibilidades de aproveitamento desses esforços para o paciente, especialmente nos
casos considerados como terminais.
Tal princípio de conduta, se por um lado sustenta uma postura ético política
para evitar o prolongamento da vida vegetativa e sem sentido, o que é algo
extremamente desejável no cuidado, por outro, sofre interferências relacionadas com
141
posturas perversas que utilizam-se do mesmo dispositivo, cumprindo o papel de
apressar a morte, de pacientes mais desafortunados cuja responsabilidade sobre
investir ou não na sua vida, vai ser uma decisão transferida para algum familiar ou
responsável, ou na ausência deles, realizada pela própria equipe de cuidado ,
podendo correr o risco de se antecipar a morte dessa pessoa idosa em consequência
de um desinvestimento ainda possível para promover a sua vida, Esses
comportamentos violentos são sustentados culturalmente em estigmas relacionados à
velhice e ao velho como por exemplo, a ideia de que a pessoa idosa já está com o “pé
na cova”, ou próximo da morte, ou o de estar “fazendo hora extra na terra”, ou estar
“ocupando uma vaga de alguém mais jovem” que ainda tenha futuro.”
Na instituição educação, as escolas públicas e outras instituições de ensino
cometem violência com pessoas idosas de diversas maneiras. A primeira delas, por
terem negado sistematicamente `as pessoas idosas especialmente àquelas que
possuíam um nível sócio econômico mais baixo, o direito universal e inalienável à
educação garantido constitucionalmente a todos os cidadãos brasileiros, seja em
consequência de uma barbárie cultural, ou por questões próprias do desenvolvimento
do país, no passado. E no presente continuam sistematicamente violentando-as ao
expropriá-las desse mesmo direito, na atualidade.
Os mecanismos que sustentam essa violência pautam-se principalmente nos
estigmas da velhice e nas estereotipias ligadas à pessoa idosa e ao velho , como a do
velho ser alguém que não aprende, alguém que não necessita mais de escola ou de
educação porque não terá mais futuro para aproveitar esse investimento, e portanto
será um recurso jogado fora, já que o estado não prevê qualquer retorno do velho e
ainda o fato do velho, nas políticas públicas estar marcado como uma questão social
sobre a qual o olhar político deve estar nos problemas decorrentes da velhice, com
base principalmente em dados epidemiológicos e demográficos e nesse caso, a
velhice é olhada do ponto de vista da incapacidade e a doença. Portanto a pauta
prioritária é a ampliação de vagas em hospitais, e ILPIs.
Estas ideias acabam sendo utilizadas como forma de deixar a educação fora
dos interesses governamentais. Isso se constitui num verdadeiro sofisma uma vez que
diante de tantos problemas tão grandiosos pensar em escola é como pensar em algo
supérfluo afinal por que o idoso iria sentir falta do que nunca teve? tais pressupostos
142
carregados de uma visão da velhice e do velho focada apenas na sua finitude
contagia pessoas que ocupam as mais altas instâncias de decisão política e até os
órgãos mais participativos de controle e monitoramento das políticas públicas como os
conselhos de direitos da pessoa idosa. E seria quase improvável que alguém nessas
esferas mesmo tendo a lucidez de perceber que a educação é uma das chaves para
potencializar qualquer pessoa em todos os sentidos , incluindo a pessoa idosa , e
perceber que se a pessoa idosa estivesse nas escolas, o resultado advindo da sua
potencialização evitaria sua entrada precoce num hospital ou numa ILPI, na medida
que o mantivesse por mais tempo ativo e isso o auxiliaria para vencer as barreiras
institucionais e as barreiras geográficas que lhes são reservadas na redução da sua
atividade, nas instituições de modelo totalitário como denomina GOFFMANN(1989) e
os outros resquícios do totalitarismo apontados por Hanna Arendt cuja
intencionalidade e finalidade política pareceu-me bem interpretada e adequada na
releitura feita por para ilustrar o estamos tratando. Argumenta ela que:
O totalitarismo não procura o domínio despótico dos homens, mas sim um sistema em que os homens sejam supérfluos. Daí a necessidade de lhes impor três tipos de destruição, três tipos de morte: a destituição de seus direitos, ou de sua pessoa jurídica, a destruição de sua pessoa moral e a aniquilação de toda a diferença individual que ainda lhes resta. Seguindo o raciocínio de Arendt as ideologias totalitárias não visam a uma mudança do mundo exterior, e sim a uma transformação da própria natureza humana. (SANT’ANNA 2001, p.91).
Mais ainda, nas afirmações de Arendt (1989p 508) diante do totalitarismo,
todas as formas de manifestações que parecem contrapô-lo são banidas
presumidamente, porque representam uma ameaça a esse sistema. Talvez por isso a
tentativa de garantir o direito à educação para a pessoa idosa vem sendo algo
reivindicado cotidianamente principalmente por estas mulheres idosas pesquisadas.
Entretanto, a despeito de sua militância política, suas propostas são refutadas de
forma autoritária por meio de dispositivos de controle como a redação das
deliberações, que é delegada a técnicos ou a agentes do governo, que se aproveitam
da baixa escolarização e da dificuldade de interpretar a língua pelas idosas para
manipularem as ideias e transcrevê-las alterando sua força e teor ou até mesmo
suprimindo aquilo que parece ameaçador, para distorcer a redação e colocar termos
143
que favoreçam os interesses governamentais ou até suprimindo propostas que
possam empoderar demais os próprios conselhos e instâncias participativas. Desta
forma, as instâncias que deveriam trazer a participação popular como forma de
fortalecer a democracia, desviam-se dos seus objetivos e ao contrário disso utilizam-
se desses próprios espaços para legitimar os interesses dos setores do governo,
algumas vezes completamente discrepantes dos interesses que foram levados às
instâncias de participação pelas pessoas idosas.
Portanto ao dizerem “que não são escutadas, que sua participação é só pra
inglês ver”, elas denunciam nesta fala uma experiência cotidiana de terem suas ideias
depois de negociadas nas instâncias de participação, refutadas com todo vigor nessas
próprias instâncias de participação, controle e monitoramento das políticas públicas,
das mais variadas maneiras, possíveis, pelos representantes da sociedade
governamental que quebram a paridade dos conselhos de direitos e se colocam desta
forma como inimigos íntimos da democracia51, segundo postula TODOROV (2012.
P.109-115) Um exemplo claro disso, foi a proposta de incluir na lei de diretrizes e
bases da educação, não nos níveis de educação mas nas modalidades, a educação
da pessoa idosa, como quarta modalidade de educação. Constavam na época três
modalidades de educação, diferentes a saber: a educação indigenista, a educação
especial e a educação de jovens e adultos.
A educação da pessoa idosa, configuraria essa quarta modalidade e teria
diferenciações importantes principalmente da educação de jovens e adultos que era
naquele contexto, a única porta mais provável de entrada para a educação formal,
além de ser o caminho pelo qual mesmo de forma ainda inadequada, excludente e
não apropriada aos interesses e objetivos da população idosa, as pessoas com mais
de 60 anos conseguiam algum acesso. Especialmente aquelas que não passaram por
qualquer processo de escolarização formal. As outras poucas formas de acesso à
educação se davam muito mais por meio de programas de extensão nas
universidades pelas chamadas universidades abertas à terceira idade. E, que embora
seja inegável os benefícios trazidos por elas à pessoa idosa, até o termo é por demais 51 Referência a obra intitulada inimigos íntimos da democracia na qual TODOROV, Tzvetan, no qual discute a democracia e salienta
que o estado totalitário tem artimanhas de fazer uma ação política ser totalmente contraditória, em relação. ao discurso. Numa
democracia a participação coletiva o monitoramento das políticas é essencial, pois são as falas das minorias e a participação coletiva
que legitimam o poder nesta perspectiva.
144
ideológico e corrobora com a hipocrisia na sociedade atual para a qual nos alerta
DEBERT52(2011) abertas ao idoso, como processo educativo, estas instituições em
sua maioria particulares, além de não possuírem parcerias governamentais formais
para esse tipo de acolhimento, não devolvem para as pessoas idosas qualquer
reconhecimento que possa ser vinculado ao ensino formal .Além disso, categorizam e
classificam as pessoas idosas
A proposta de inserir no plano nacional de educação a educação destinada à
pessoa idosa juntamente com a inserção na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional como modalidade de educação a educação para a pessoa idosa,
assegurando orçamento próprio e condições para que as pessoas idosas possam
finalmente ter o seu direito à educação garantido é condição “Sine qua non” para que
se normatizem e executem nas três esferas governamentais as ações educativas para
a pessoa idosa, já que sem orçamento próprio e sem a formalização na lei é
impossível que haja possibilidade de se falar em educação para a pessoa idosa. E,
por solicitações e encaminhamentos, obter esta resposta mais efetiva da garantia
desse direito à pessoa idosa não tem qualquer sustentação. A Educação para pessoa
idosa e a implantação das UEPIs (unidades de educação para a pessoa idosa)
espaços que deveriam funcionar como projeto piloto para abrigar a ideia de escola
que as idosas estavam propondo, foi uma proposta votada aprovada e mantida
integralmente em sua redação, na segunda Conferência Nacional de Direitos da
Pessoa Idosa, e sequer constou na redação final das deliberações da conferência.
Esta prova, pude obter não apenas na fala das idosas entrevistadas, mas ao analisar
a redação final das propostas encaminhadas para votação nas deliberações da
segunda conferência Estadual de direitos da pessoa idosa, já que o estado propositor
foi Minas Gerais. Mais ainda, por ter participado diretamente do processo como uma
das organizadoras da Conferência Estadual de Direitos da Pessoa idosa no Estado de
Minas Gerais, e como uma das delegadas do Estado para representar a população
idosa mineira na segunda conferência nacional de direitos da pessoa idosa. Ao
pesquisar as deliberações estaduais encaminhadas para a votação, e compará-las
com a redação final das propostas mantidas integralmente após a votação da
52
145
segunda conferência nacional de direitos da Pessoa, pude observar que ela não
aparecia entre elas. Fora suprimida? Intencionalmente ou por erro? pelos técnicos do
Governo que elaboraram a redação final das deliberações? por acreditarem nesta
como uma proposta inviável? Mas então, nesse caso, onde se instauraria a força da
deliberação realizada?
Mendonça e Abigalil in BERZINS e MALAGUTTI (2007, p226) apontam quatro
outros fatos que elucidam esta questão presente nas falas das coordenadoras de
idosos e que revelam algumas facetas da violência contra a pessoa idosa: O primeiro
fato é a afirmação que fez a advogada Karina de Azevedo, do núcleo de direitos
humanos , especializado em violência contra a pessoa idosa (NUDH) de que 85% dos
casos que chegam lá são de violência econômica e além dos familiares, existem os
golpistas que se aproveitam das fragilidades dos velhos. Oferecendo-se para auxiliar
em operações bancárias se apropriam indevidamente do crédito e do dinheiro do
aposentado.
Já o segundo fato que aponta é a publicação do diário do Nordeste de 07 de
Junho de 2009, no qual os dados da Secretaria Municipal anunciam que 60% dos
registros de violência dos casos atendidos, envolvem a apropriação indevida de
dinheiro, via de regra, advindos da aposentadoria, e especifica que a violência vem
comumente de um familiar que na maioria das vezes utiliza o cartão da pessoa idosa
para fazer o empréstimo consignado, deixando esse idoso privado de remédios e até
de alimentação.
O terceiro fato é uma pesquisa realizada em todas as capitais brasileiras cujos
resultados revelam que a violência financeira apresenta grande destaque nas capitais
brasileira, inclusive com registro de reincidência.
O quarto fato que elas apontaram foi a publicação de um artigo em 25 de
março de 2007, em Brasília, cujo título da matéria foi “idosos estão no sufoco” que
revelou resultados de uma pesquisa na qual foram ouvidos 822 idosos aposentados e
revelou que 81,7 % dos entrevistados afirmam estar com as contas em atraso e que
48% dos idosos recorreram ao empréstimo consignado, e alguns deles hoje passam
fome para cobrir os juros.
146
O quinto fato é que em outro artigo, publicado também no Jornal de Brasília
em 24 de junho de 2009 informava que nesta época existiam no país 22 milhões de
pessoas com 60 anos e mais e desse total, 15 milhões de pessoas utilizavam o
crédito consignado. Muitos deles eram contraídos principalmente por familiares ou por
pessoas inescrupulosas sem a autorização do aposentado. Em Belo Horizonte, uma
das coordenadoras, a partir de sua experiência, confirma que estes mesmos tipos de
violência também estão presentes no Município, replicando essa barbárie a que está
submetida a pessoa idosa no nosso país. Ao falar sobre as formas de rejeição a que
estão submetidas as pessoas idosas principalmente na família, questiona a
coordenadora CI5 (2012)
E porque que é que ele é rejeitado, porque as vezes, netos, bisnetos parentes. Eles ficam mais preocupados com o poder financeiro do idoso, com o dinheiro do idoso. Eu conheço muitos casos de pessoas que passam a mão no pouco salário, no parco salário do idoso para poder fazer farra por aí. Alguns até tiram empréstimo em nome do idoso e somem. Vão para as praias e o pobre do idoso fica lá passando necessidade. (CI5, 67ª 2012).
Fica claro na pesquisa, que quando elas falam do grupo como um espaço de amizade
em extensão à casa e à família estão associando isso à família que produz afetos
mais positivos, como citaram o carinho, aconchego, amizade. Mas ao falarem do
grupo como um espaço de amizade em oposição à família e a casa, utilizam aqui a
família que maltrata o idoso, que o violenta, e mesmo da família que cuida de uma
maneira formal, sem dispensar a atenção e o cuidado de escutar e prover o cuidado
afetivo necessário à pessoa idosa. Nesse caso o grupo seria um espaço em oposição
a este tipo de espaço familiar porque nele, as relações são vistas pelas
coordenadoras como relações amigas, sinceras, e não relações de obrigação, e
porque sendo compreendido e escutado pelos iguais o idoso possuirá interlocutores
que o auxiliarão a olhar para si mesmo como alguém, como pessoa humana, como
gente, e não como uma coisa da qual esse tipo de familiares apenas deseja se livrar o
mais depressa possível, como explicita a coordenadora CI 4 72ª 2006
Tem que melhorar a consciência de cada um Porque se é filho e não tem paciência com os pais. Às vezes os de fora tem mais paciência que os de casa. Eu cuido de uma dona [...] e vou todos os dias fazer o curativo dela, mas
147
ela não tem filho, e se tivesse também não resolvia não, porque quando o filho casa a nora também não tem paciência com os velhos não. As noras só querem saber dos filhos da dona. Da dona elas não querem saber não. Elas não tão nem aí para os velhos. Eles que vão pro asilo. (CI4,72ª. 2012).
Esta dupla perspectiva do grupo como extensão e oposição ao espaço familiar
apareceu durante toda a pesquisa nas falas das coordenadoras, e o que pudemos
observar é que essas duas ideias sobre o grupo conviveram simultaneamente, ao
longo da nossa observação. O grupo ora é visto como extensão daquilo que é bom na
família, ora é visto como um espaço que se opõe à família quando esta é mencionada
como família agressora. Entretanto a idealização em relação ao grupo como espaço
sempre bom, da amizade verdadeira, do encontro sincero entre diferentes pessoas
também sofreu um processo de reflexão crítica ao longo da pesquisa e não raras
vezes ocorreram falas das coordenadoras que apontavam o grupo como algo que
também não é perfeito, e onde existem conflitos que necessitam ser trabalhados, para
que ele possa crescer.
4.2.3 O grupo como espaço político e de cidadania e equipamento social
destinado ao apoio à pessoa idosa a família e a comunidade
O cochicho das coordenadoras sobre o grupo como espaço social político e de
cidadania e simultaneamente, como equipamento social e político destinado ao apoio
à pessoa idosa à família e à comunidade, foi se desenvolvendo ao longo da pesquisa.
No princípio eram compostos de reinvindicações mais objetivas e pontuais quanto a
recursos públicos e auxílios relacionados às ofertas de lazer e de serviços que
pudessem atender as demandas que eram trazidas a elas pela comunidade na qual o
grupo estava inserido. Na medida em que a pesquisa foi avançando e que foram se
reconhecendo como sujeitos não apenas de direitos, mas sobretudo nas suas
condições de líderes e coordenadores desses equipamentos, e que foram discutidas
após as oficinas de capacitação para coordenadores e líderes de grupos de
convivência de idosos que realizamos na Universidade, mas já fazendo parceria com
a própria secretaria de assistência social da prefeitura municipal de Belo Horizonte,
148
que era a instância pública a qual supostamente estariam ligados os grupos de
convivência , incluídos na Proteção Social Básica. A prefeitura municipal na época da
oficina de capacitação possuía apenas 37 grupos de idosos conveniados53. Em 2013
esse número já alcança hoje 67 grupos de idosos conveniados de acordo com a
informação da Secretaria de proteção básica 54 em site de acesso público e a
presença das estagiárias no grupo, foram somadas a essas reivindicações as
reivindicações relacionadas à sua participação nas decisões políticas, nos fóruns, nas
secretarias e nos espaços políticos para além dos gabinetes de vereadores, que
eram os únicos espaços que costumavam frequentar na câmara municipal ou na
Assembléia legislativa. Com o tempo foram refinando as demandas sobre os grupos e
ampliando-as para o nível das reinvindicações focadas nas políticas públicas, e no
reconhecimento desses espaços como um lugar não apenas destinado ao lazer ou a
encontros semanais dos idosos para conviver, já que isso por si só já tenha um valor
considerável para elas, mas sobretudo, como espaço propiciador da construção de
ideias e de proposições que precisavam ser escutadas e vistas pelo setor público.
Elas querem ser tratadas realmente como entidades parceiras, na execução das
políticas públicas uma vez que elas cumpriam e ainda cumprem como representantes
da sociedade civil, um papel que os governos não estavam cumprindo, não apenas
pelo fato de que o nascimento dos grupos é anterior à implantação da Política
Municipal do Idoso na Cidade de Belo Horizonte55 e antes mesmo de existirem
políticas e programas específicos para os grupos de convivência, mas sobretudo
porque acreditam que se fossem escutadas de fato, o idoso já estaria melhor
amparado pelos programas e serviços governamentais.
A listagem das principais ações realizadas pelas coordenadoras está descrita
no capítulo 5 “Da coxia para o Palco” serve para identificar as principais ações
desenvolvidas pelo grupo e para o grupo, que na fala das coordenadoras se configura
como espaço político e de cidadania. Mas para elas, embora tenham dificuldade em
53 De acordo com informações da GPRS, que ministrou parte das oficinas no ano de 2003 Gerencia de políticas e recursos Sociais da
Secretaria Municipal de Assistência Social.
54 Informação atualizada na pesquisa de acordo com a busca atualizada no dia 19/06/2014 no site da secretaria municipal de
assistência Social da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Endereço http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.
55A Política Municipal do Idoso foi instituída pela Lei nº 7.930, de 30/12/1999, e sua normatização pelo decreto lei
149
estabelecer a diferença entre ações coletivas e ações cidadãs, a ideia de cidadania e
política andam juntas. As suas ideias expressam de forma muito interessante uma
aproximação com o pensamento dos estóicos56 sobre cidadania e política mais que
com os conceitos atuais de cidadania focados na perspectiva grega, onde o conceito
de cidadania e política estão mais atrelados ao exercício e gozo pleno do direito e do
dever, sendo que o direito significa direito à propriedade. Já os estóicos apresentam a
cidadania como o livre exercício do bem comum, envolvendo ações que agregam
funções ou deveres do ser racional, capaz de salvaguardar sua própria vida e a de
seus semelhantes: São eles os cuidados do corpo, exercícios de amizade e de
beneficência, deveres de família, funções políticas. O cumprimento destas funções,
pode existir em todos os homens, e nascer assim uma moral secundária, uma moral
de imperfeitos válidas para todos. Partem do pressuposto de que a vida contemplativa
e a vida prática não se separam, portanto ao desenvolver suas ações práticas o
homem reflete e ensina regras de condutas por meio dessas ações. O ensinamento
do sábio de agir com virtude, buscando o bem em todos os momentos de sua vida,
cidadania é compreendida na dinâmica do homem atuante. Elas presumem que não
existe política sem amizade, porque é a amizade que irá permitir reconhecer e
respeitar as diferenças de cada um. Portanto a participação comunitária é o exercício
do bem comum voltado para melhorar a vida de todos. É interessante que esse
interesse pelo cuidado de si mas também do outro são inseparáveis no pensamento
delas e não raras vezes seus cochichos trazem estas questões: A coordenadora
revela:
O grupo de convivência poderia ser transformado num espaço onde os idosos pudessem manifestar suas particularidades, trocar experiências e falar o que tinham vontade, sem censura. Um espaço no qual pudesse caber toda aquela diversidade do envelhecimento, dos idosos de Catanduva, da aclimação, de campos do Jordão, de São José dos Campos, de Sabará, de formiga, de Montezuma, de Belo Horizonte, de Ouro preto, , enfim, de todos os campos e de todas as minas, e que pudesse acolher os diferentes choros e os diferentes sorrisos, sem dar a eles o nome da doença, da loucura, ou os nomes que parecem reduzir toda a vida de alguém em palavras como velho, idoso, e outras mais.[...] A eleição como coordenadora significou para mim uma nova etapa na minha vida pois percebi que tinha um longo caminho a
56 O falar franco ou o falar verdadeiro para si e para o outro, é a parresia, segundo Foucault
150
percorrer e ao mesmo tempo uma excelente oportunidade para que eu pudesse realizar o sonho de contribuir com os idosos na construção de um espaço que possibilitasse a eles sair do lugar comum, aprender sobre os seus direitos e por eles lutar com persistência, celebrando a vida em cada dia de sua existência. (CI5 - 67a, 2012).
Neste cochicho, são trazidos alguns elementos e símbolos que unem estas
ideias desta coordenadora com o pensamento dos estóicos sobre cidadania e política,
sobre vida contemplativa e experiência prática uma vez que sua fala dança sobre
pontos que pareceriam contrários para alguns, como se fossem complementares. Por
exemplo, o grupo como espaço para manifestação das particularidades de cada idoso,
espaço de intimidade no qual ele pudesse trocar experiências e falar o que tem
vontade sem censuras. Mas esse espaço igualmente é um espaço para a
universalidade, um espaço no qual cabem culturas diferentes, idosos de vários
lugares, toda a diversidade do envelhecimento. É interessante notar a proximidade
desse cochicho com a afirmação dos estóicos de que a cidade é para todos.um
espaço onde os homens atuem. Diferentes homens de vários lugares. Uma cidade
que deve acolher as diversidades do homem no mundo inteiro, esse é o pensamento
dos estóicos.
No caso das coordenadoras, esse espaço de amizade e cidadania, é também
um espaço que pode acolher os diferentes choros sem nomeá-los a partir de um olhar
carregado de preconceitos e estereotipias reducionistas. Enfim, um espaço de
aprendizagem sobre direitos, de luta persistente por esses direitos, mas de celebração
da existência simultaneamente, e mais ainda, a coordenadora fecha sua fala
amalgamando uma vivência tão material, concreta, e racional, como a de luta por
direitos, com algo da emoção sentimento, e portanto da subjetividade e do afeto como
a celebração da existência. Para além do racional, está também a comemoração,
onde elas se diferem dos estoicos, porque os sentimentos as emoções também
também para elas, mas de forma diferente da paixão que também consideram
aproximadamente dos estóicos, não propriamente um vício, mas, uma reação
sentimental irrefletida. As emoções e sentimentos advindos do amor, como cuidado de
si e do outro, aqui se manifestam por meio de ações refletidas, embora não passíveis
de racionalização completa.
151
Na pesquisa sobre essas falas, pode-se ver que ações e personagens
convertem-se para uma atuação dinâmica que não separa o homem de suas origens,
ao contrário une-o a todos os elementos simbólicos, culturais e afetivos e,
principalmente à linguagem e à consciência numa atividade da qual não apenas elas
se beneficiam, mas que beneficia a todos. Ou seja, equivalente à prática do bem
comum sobre a qual o sábio se exercita, até nas suas atividades e reflexões mais
simples. A cidadania aqui é muito diferente do exercício do direito sobre a
propriedade, como no pensamento grego,57 mas é o exercício e a prática do bem
comum na pólis. Não há diferença aqui entre política e cidadania, mas uma
continuidade entre ambas, já que a pólis é ao mesmo tempo um lugar para todos e um
lugar para si mesmo. É a própria coordenadora CI5 67ª quem assim se pronuncia ao
falar do seu gosto pela literatura e pelo cinema, e especialmente pela literatura e pela
dramaturgia:
Lembro-me que na passagem do segundo para o terceiro ano ginasial, quando me perguntaram o que eu queria ser, eu disse que queria ser escritora porque queria escrever para as crianças ou para os velhos. Cheguei a reescrever a novela direito de nascer, de um jeito diferente, com o título “Lágrimas de Rafael” dando ênfase à história do Rafael Juncal, um dos personagens que na trama original de Félix Canhê, depois de uma trajetória de vida materialista e desumana, acaba envelhecido, desprezado e em completa solidão. No meu escrito, Rafael se recuperava integralmente. Ele, que era racista, ficava viúvo e se apaixonava pela Maria Dolores, que era negra, e dedicava sua vida a cuidar dos escravos e servos de sua fazenda, e era perdoado pelo Neto e pela filha que se tornara freira. Ele conseguiria afinal reescrever sua própria história na velhice. (CI5 – 67a, 2006).
Aqui a coordenadora se une à sua história. Constrói esta história não
isoladamente, mas na tessitura da história de todos os homens, na tessitura da
política, da arte, da ciência, da vida. E aqui, vida como experienciação ou vida como
(com) vivência consigo e com os diversos outros, com os diversos mundos ao longo
de sua existência, demarcada pelas diferentes atividades, por meio das quais se
repetem as composições que faz de si com o que se apropria do mundo. Não
responde como um discípulo a um mestre que lhe diz o que e como fazer, mas guia-
se por uma conduta que não mais se presta a “reagir” diante das diferenças,
57
152
assimilando-as ou rejeitando-as segundo alguma hierarquização do que é bom ou
mau, mas a “interagir” continuamente com as diferenças experimentando-as e
produzindo significações sobre essas diferenças. Manter–se como cidadão no sentido
de ser humano que age em si mesmo e sobretudo, a partir desta ação, “interage” na
cidade e no mundo transformando-o, requer uma postura atenta de prestar atenção
nos homens e nas coisas, mediada pelos sentimentos de experienciar as afecções
que resultam dessa atenção e significá-las, criando conceitos que possam ser
novamente socializados, partilhados com o outro.
Desta forma, a ação de reescrever o drama “O direito de Nascer”, uma
radionovela que marcou aquela época; para esta coordenadora, além de ser uma
forma ousada de exercer sua singularidade, atribuindo a essa história uma outra
interpretação, foi uma maneira de interpretar sua própria vivência com questões que
brilhavam na sua trajetória como o preconceito racial que sofreu, e que esteve
presente diversas vezes na entrevista, sempre com respostas e ações refletidas, mas
sobretudo sentidas. Nesta fala trazida pela coordenadora sobre a escrituração do
drama, na sua versão o final da novela se dá com a transformação de Rafael Juncal o
desumano e materialista, tendo uma nova chance.
Ao observar as suas respostas ou indicações para o final da trama, ela aponta
um resgate cultural ético e político de Rafael Juncal, na medida em que ela propõe
uma quebra com os padrões de pensamentos e conceitos que sustentavam no
personagem, sua conduta racista. Mas de que forma ela concebe isso? Por sua
racionalidade apenas? não, mas pela junção entre pensamento afeto consciência e
atividade. O grande afeto aqui foi o sentimento que Rafael desenvolveu por uma
pessoa negra que é subalterna. Ou seja, ele resgata a si pela paixão, que para ela é
um sentimento não refletido, um bom encontro simplesmente, e não por algo racional.
Mas ao mesmo tempo, capaz de promover essa junção entre esses sentimentos
ressignificados, e uma ação refletida a partir deles.
O personagem consegue superar a solidão e o desprezo resultantes do seu
desvio do exercício da cidadania e da política como prática do bem comum” Ele, que
era racista, ficava viúvo e se apaixonava pela Maria Dolores, que era negra”. Mas, de
alguma maneira o amor de Rafael Juncal por Maria Dolores, se generalizava para o
153
cuidado do outro, para prestar atenção no escravo e no negro. E por isso “dedicava
sua vida a cuidar dos escravos e servos de sua fazenda,”
A redenção de Rafael Juncal na história e o perdão que lhe é oferecido pela
filha, na minha interpretação de segunda mão, traduz o desfecho que ela também
vislumbrava internamente para a sua própria história: o perdão que poderia dar aos
seus algozes. Nesse caso, não um perdão por doação, pela sua bondade ou por
gratuidade, ou pelo próprio arrependimento do algoz, que de mal se transforma de
repente em bom. Aqui ela constrói uma outra ideia de perdão. Um perdão concedido
pela filha que se tornara freira, mediante a ação de Rafael de cuidar dos negros que
antes desprezava e explorava. Ou seja um perdão que é produzido como fruto ou
resultado de uma ação implicada do sujeito que ao transformar seu modo de ser
acreditar, sentir, ver e fazer, influencia e provoca nas pessoas a mudança dos afetos
que devolvem a ele. Porque a ressignificação do pensamento/consciência e
linguagem, na ação do sujeito sobre o mundo cumpre o papel produzir um novo lugar
ou a ressignificação do próprio sujeito que age. Portanto, essa redenção de Rafael
Juncal traz uma nova resposta da vida para ele, a saber: ele conseguiria afinal
reescrever sua própria história na velhice.
Se observarmos com atenção esta história, no contexto de quem a escreveu,
podemos observar um fato: que tal como neste drama, se inscreveu, em parte, a
história desta coordenadora, filha de um militar, e que anos depois de escrever o
conto se tornou de fato uma religiosa. Mas poderíamos inferir que embora o Rafael se
resgate pela ação libertadora, a mulher negra , Dolores ainda é vista pela
coordenadora, como alguém que recebe, a benesse da paixão do patrão ou a
proteção masculina e a sua liberdade se dá ainda de cima para baixo e não advinda
da própria indignação e luta por direitos dos escravos? ou poderíamos interpretar em
terceira mão que o escrito que esta coordenadora fez da história se inscreveu primeiro
no cuidado de si e já demarcava questões de sua própria história ,cujo ato de
escrever, provocou a ordenação de certos sentimentos relacionados aos
acontecimentos que mais a afetaram, e desta maneira, a construção da resposta
subjetiva e também objetiva que ela deu ao lidar com a própria discriminação
experimentada em diversos momentos e em diferentes situações?
154
Eis aqui a grande diferença existente entre a psicologização do sujeito numa
escuta que se prestaria a produzir respostas elementares a partir de teorias ou a partir
de um olhar sobre o outro como objeto de estudo, e uma escuta implicada na escuta
que o próprio sujeito faz de si mesmo e do mundo, e que sem dúvida alguma é
também contaminada pela história e pela escuta do pesquisador. A linha tênue que
separa uma e outra postura está no valor que o pesquisador atribui à sua
interpretação do mundo.
Estas questões acima no caso desta pesquisa, serviram não para afirmar
senão apenas para instigar- com essas questões, a minha curiosidade como
pesquisadora sobre esses processos de subjetivação e tentar escutar mais a
coordenadora a partir do que trazia no seu discurso e na sua ação, como forma de
distinguir-se, como questões da condição humana, tal como aponta ARENDT (1989) e
com isso possibilitar o aprofundamento do seu olhar sobre si mesma e sobre a seu
próprio discurso. Isso, não para servir de base para afirmar algo sobre os fatos
pesquisados ou interpretá-los, pois a maior interpretação, ou a interpretação de
primeira mão, como afirma GEERTZ(1989) é realizada pela própria coordenadora que
na sua atividade cotidiana nas coxias, e isso podemos afirmar, a partir de suas
palavras, e de suas ações, continua cochichando, esperançando, e escrevendo a sua
história de uma forma tão intensa e afetada, que por meio da tradução de seus
próprios afetos, possibilita a reescrituração da história de seus agressores, dos idosos
a quem lidera, e quem sabe com isso, um pouco da história da humanidade, mediada
pela história de si mesma.
Afinal estar politicamente engajada, na concepção daquela coordenadora, é
prestar atenção na vida, nos homens e no que os rodeia, e agir refletidamente sobre
os afetos resultantes dessa atenção, não a fim de criar modelos, mas ao contrário, de
romper com eles, no que diz respeito à fixidez dos conceitos sobre o homem e sobre a
realidade, esperançando um mundo melhor e uma humanidade melhor.
O coordenador precisa passar segurança, esperança e confiança para o grupo, porque o membro se sentindo seguro começa a desenvolver aquelas potencialidades que ele traz dentro de si e se torna um ser significativo, um idoso que sabe o que quer, e tem atitude[...] Porque a velhice não tem uma cara. Ela tem várias e porque o homem não pode parar de aprender e de sonhar e de partilhar seus sonhos. E o velho não é uma árvore sem raíz é
155
uma árvore que ainda dá frutos, e pode gerar muita sombra para os que virão depois de nós, basta fofar a terra, adubar e regar com carinho Essa é a grande missão da humanidade. Sonhar e cultivar a vida de cada ser humano como se fosse um enorme pomar e um belo jardim para que as outras gerações possam colher Frutos mais saborosos e flores mais lindas e perfumadas. Obrigado. (Riso) Acabei. Tá bom ( CI5.67ª 2006)
Essa experiência do grupo como espaço de cidadania, fica evidente na
transformação que acontece com as idosas participantes do grupo e no reflexo disso
sobre as pessoas da comunidade em que participam, porque ao conviverem se
escutam e se organizam. Ao se organizarem saem das alcovas dos lugares que
antes se reuniam e se encontravam quase escondidas, para ocuparem a cidade e
para darem a conhecer uma outra velhice, ou outras possíveis velhices como salienta
Guita Grinn Debert(2006) ao contrapor a perspectiva apenas demográfica que analisa
a velhice a partir de um problema social, e atentar-nos ao fato de que existe um
universo social e cultural a ser apreendido na compreensão da velhice, tanto no que
diz respeito às pressões formadoras de categorias classificatórias, que demarcam o
papel social do velho, bem como dos eufemismos existentes, na contemporaneidade.
O grupo de convivência por exemplo atribuiu o nome de grupo de terceira
idade, no início de sua criação, segundo depoimento das coordenadoras, por uma
questão de identificação da maioria das pessoas do grupo com esse termo, porque
que parecia mais brando e mais descolado de alguns estereótipos, ligados à palavra
velho. Segundo as coordenadoras isso abriu as portas do grupo a pessoas de 50 anos
e mais que não são ainda idosas, e que se sentem também mais incluídas nos grupos
de terceira idade que em outros grupos, entretanto não se identificariam com o termo
idoso. Por outro lado os grupos de terceira idade nasceram de uma perspectiva e
modelo de atividade do SESC, ainda que ligados às suas comunidades de origem. O
SESC- cunhou esse termo referindo-se na época as pessoas idosas na faixa etária de
60-75 anos que constituem ainda hoje a maioria dos participantes desses grupos.
Além disso nas instâncias de participação política, nos fóruns e nos conselhos os
grupos de convivência de idosos são nomeados como grupos de terceira idade. Mas
se por um lado o nome terceira idade significa mais um período entre outros possíveis
no ciclo de vida das pessoas por outro, as coordenadoras ao longo desse tempo de
156
pesquisa, foram utilizando mais o termo idosa como atribuição a si mesmas e aos
participantes do grupo.
Enquanto no início da pesquisa o termo idoso e idosa era significado como um
atributo próximo a velho e por isso mesmo era raramente utilizado, de maneira que o
termo pessoas da terceira idade era mais usado que pessoas idosas, com o passar do
tempo as novas formas de ressignificar a velhice também foram se expressando na
mudança da linguagem. Podemos ver que nas entrevistas e também entre elas
mesmas, comumente o termo idoso e idosa é empregado para se referirem sempre
aos participantes dos grupos com isso é algo defendido ou colocado como ponto
central. Ao contrário, Nesse aspecto o grupo de convivência, mais que um espaço de
cidadania é uma invenção que provoca o olhar da sociedade quanto à pessoa idosa e
a velhice, e a faz interrogar sobre o que está posto a respeito disso. Mas sua
excelência sobretudo está em que além de provocar a sociedade, convida a própria
pessoa idosa a sair da “mesmice” e desafiar a si mesma no que construiu a respeito
de si e das formas de envelhecer. Afinal sobre isso, MERCADANTE (2010) também
afirma que a mudança de uma concepção de velhice marcada por uma identidade
deteriorada, que a afirma contrastivamente, será pela via da produção de novas
significações e invenções que possibilitem novos devires velho na sociedade
contemporânea.
Essas possíveis formas de apropriação de si e de seu espaço vivido, no que
diz respeito à cidadania, segundo aponta TÓRTORA (2008), não ocorrerão sem
desafiar os dispositivos de poder e de controle sobre os corpos e sobre a vida que
alimentam inclusive as principais ações do Estado como a política que reduz a velhice
a uma questão social e o idoso a um sujeito de direitos, como a ciência que reduz a
velhice a uma questão biológica e o corpo velho do velho a corpo doente, mantendo-o
aprisionado como objeto de estudo; e a cultura que cuida de transmitir e reproduzir
barbáries como a que reduz o homem a uma máquina marcada pela sua capacidade
produtiva e o tempo, ao tempo cronológico, esvaziado do sentido e da experiência.
Pode-se ver que essas idosas desafiaram algumas dessas construções postas
sobre o velho e sobre a velhice. Aliás, como observadora participante e agente no
processo de pesquisar, eu diria, que essas mulheres pesquisadas desafiaram e
desafiam todos esses dispositivos de dominação citados, e têm conseguido
157
ressignificar a si mesmas e ao grupo de convivência cotidianamente nesse espaço de
quase duas décadas que as acompanho, embora os resultados não sejam tão visíveis
em números ou em dados estatísticos. Desafiaram, mas continuam ainda desafiando
os dispositivos de dominação, principalmente, empunhando quatro poderosos
dispositivos que brilharam nesta construção histórico cultural das coordenadoras-
sujeito durante o processo de pesquisa. A saber: o cochicho (falar franco ao amigo e
sussurrado ao ouvido) a escuta ( silêncio, comprometimento, implicação), a
convivência nas coxias, ( experiência e vínculo de amizade) o afeto (potência de
agir, transformar, apropriar e expandir ) que mediaram as transformações cotidianas
segundo pode ser observado no que relata esta mesma coordenadora em momentos
diferentes de sua entrevista e que preferi condensar para finalizar o texto com suas
próprias palavras, sinais contundentes de sua própria interpretação CI5-67ª (2012)
No princípio, as idosas eram mais arredias e quase não saiam de casa. Algumas viviam aprisionadas pelos maridos ou por uma forma equivocada de imaginar o lugar da mulher na família, até por uma herança cultural. Lembro bem que a primeira vez que fomos num clube, várias delas ficaram intimidadas de colocar um maiô, de entrar na piscina, parecia que estavam cometendo um pecado, ou que as pessoas iriam criticá-las. As estagiárias foram trabalhando a relação do idoso com o próprio corpo, o toque, a exploração dos sentidos, das emoções, que segundo elas, passavam também pela pele...pelos poros. Hoje, o grupo é outro[...] As relações interpessoais foram se modificando. Elas conseguiram se compreender mais, criar laços maiores umas com as outras, ampliar o relacionamento e ampliar a rede de convivência em vários espaços, inclusive nos espaços públicos, na luta por conquistas de maiores espaços de cidadania. [...] Qualquer coisa que aconteça com uma delas faz com que as outras estejam por perto prestando ajuda, visitando, apoiando. Além disso, o grupo hoje parece um formigueiro. A comunidade aprendeu a olhar para as idosas de forma diferente porque elas andam juntas no meio da rua, tagarelando tanto, que as vezes até incomoda quem está por perto. Quando vamos ao cinema ou ao teatro em grupo, voltam cantando, o que faz com que várias pessoas fiquem olhando, querendo saber se é uma procissão ou coisa parecida. (CI5-67a, 2012).
158
4.2.4 O grupo de convivência como espaço de aprendizagem: “a escola da
vida” na trajetória de quem não teve “vida na escola”
Antes de iniciar os cochichos das coordenadoras sobre esse tema, quero considerar
duas questões fundamentais na consolidação dos direitos da pessoa idosa que são: a
educação- algo sobre o qual o olhar da sociedade e dos pesquisadores ainda
precisam se debruçar de maneira mais aguçada, afim de discuti-la não apenas como
direito humano, fundamental e social, mas sobretudo, como direito expropriado
durante toda a vida de grande parte da população brasileira com 60 anos e mais; e as
questões de gênero no processo de envelhecimento, uma vez que ao verificar a
população idosa no Brasil, na sua forma de distribuição por sexo, segundo apontam
os dados estatísticos do IBGE em 2011 a taxa de participação das mulheres foi de
51,04% da população nacional. Mas esta maioria feminina é composta de pessoas
com mais de 60 anos; e segundo os dados da PNAD/IBGE 2012 as mulheres nesta
faixa etária compõem um total de 13.111 milhões, o que representa 55,53% das
pessoas nesses grupos de idade. Portanto a feminilização da velhice deve ser
considerada em qualquer proposição que se faça de programas e serviços destinados
à população idosa brasileira.
Neste item, opto por discutir primeiro as vozes sobre a educação. De um
conjunto de autores que tem se debruçado sobre a educação como um direito , nas
últimas décadas e participado de comissões interministeriais, comissões técnicas e
grupos de estudos em organismos internacionais para que ao mostrar o cohicho das
idosas o leitor possa identificar algumas ações possíveis ou lacunas no direito que
venham contribuir tanto na sua própria escuta desses cochichos, quanto para clarear
alguns conceitos sobre o direito à educação no Brasil, e especialmente o direito da
pessoa idosa à educação.
Sobre a educação, Alguns dados estatísticos do IBGE de acordo com o censo
de 2010, apontam que há 3.169 milhões de mulheres com mais de 60 anos não
alfabetizadas no país. Este número representa 33,77% do total de mulheres não
alfabetizadas. Ou seja, mais de um terço do percentual de analfabetismo das
mulheres brasileiras recaem sobre a mulher idosa, o que vai significar que a maioria
159
das mulheres idosas brasileiras são analfabetas ou não concluíram sequer o ensino
fundamental, e um pequeno percentual delas acessou o ensino superior. E se a
educação da pessoa idosa enquanto direito fundamental ainda é um tema pouco
discutido nas escolas e nas pesquisas, isso reflete a imaturidade política dos nossos
intelectuais e principalmente da própria ciência gerontologia que apesar do esforço
insistente das produções acadêmicas nas duas últimas décadas, na maioria das
produções de pesquisa tem repetido mais o lugar comum da velhice e do idoso no que
tange os seus direitos fundamentais, interessando-se pouco em propor mudanças
inovadoras e soluções para a redução das desigualdades sociais. Ou se debruçando
sobre zonas de obscuridade na consolidação dos direitos da pessoa idosa como por
exemplo o é a temática da educação. Isso ocorre segundo NEGRI (2001).” porque
lhes falta a compreensão da velhice como um tempo de plena potência do
homem. Uma potência que não tem mais necessidade de se expressar na
produção exclusiva das coisas, mas numa produção de si e da própria
humanidade nas coisas”. Grifo meu. Assim sustenta a firmação de (NEGRI, 2001, p.
50) ao falar sobre a senectude a educação e o trabalho.
O que me agrada é a suavidade; é o tempo, a intelectualidade, a imaterialidade das relações. Só começamos a ter esse tipo de relações quando já temos certa idade, quando já fizemos um certo tipo de reflexão. É um hedonismo. Porém, um hedonismo superior que as pessoas chamam de velhice e que é preciso recuperar por completo, Na verdade, é a mais elevada forma de vida. [...] Faço isso opondo-me a concepções terrivelmente irracionais e idiotas da vida e da morte, da juventude e da velhice, que foram inventadas quando o ritmo da vida era diferente e quando a média da esperança de vida não ultrapassava os 35/40 anos. Ainda pensamos como se fôssemos homens da antiguidade, entretanto pertencemos a um mundo em que viver até os cem anos é o mínimo [...]Chegamos a algo que diz respeito a uma mudança radical na ontologia do presente. E, no entanto, parece-me que sobre o problema do envelhecimento só se repetem lugares comuns [...] (NEGRI, 2001, p.50).
De outra forma, compreender os processos educativos que seriam
potencialmente significativos para produzir mudanças na vida da pessoa idosa e de
sua família requer do pesquisador debruçar-se sobre a velhice como potência humana
para aumentar a suavidade e a produção de relações imateriais entre os seres, e na
educação como um processo comunitário engajado tanto na política do bem comum,
160
com a finalidade de obter um resultado mais universal na formação e na
potencialização humana, e com vistas à invenção de um mundo mais solidário onde
os saberes possam ser empregados principalmente como forma de melhorar as
relações comunitárias e de cuidado do homem e da humanidade; bem como de
desenvolver a atitude ético política de vigilância sobre os desvios e os vícios do “saber
poder” 58 para manter, por meio do saber produzido tanto individual como
coletivamente o sentido de viver em comunidade e o crescimento para todos os
envolvidos, o que naturalmente produzirá na redução das desigualdades. Faz-se
necessário revisar o que alguns especialistas trazem sobre as questões materiais e
imateriais do direito à educação e o que podemos aplicar em relação à educação da
pessoa idosa. Fazendo uma pequena síntese das principais afirmações de
TORRES59, sobre o direito à educação:
Em primeiro lugar é preciso compreender que a educação é um direito humano e um
direito fundamental:
Isto significa que como direito humano consta nas normas de direito
internacional e se refere ao ser humano como tal, válido para todos os homens em
todos os tempos e lugares e tem caráter supra nacional, enquanto que como direito
fundamental é um direito do ser humano reconhecido e positivado constitucionalmente
em um determinado Estado e tempo, ou seja, é um direito objetivamente vigente
numa ordem jurídica concreta.
Disto pode-se concluir que como direito humano e fundamental a educação
terá garantias nacionais e internacionais.
A combinação do artigo 205 da constituição federal com o artigo 6º da
Constituição Federal de1988 elevou a educação a um direito fundamental de segunda
geração (direito social), advindo a afirmação de que a educação é um direito de todos.
E os direitos fundamentais estão ligados a constituições de estado social democrático
de direito, que se caracteriza pelo dever do Estado em realizar os objetivos sociais e o
direito dos indivíduos de exigi-los.
58 Bacharel e mestre em direito e coordenadora da escola superior de advocacia no texto/artigo A convenção da Unesco conta a
discriminação no ensino, a Constituição brasileiras e as políticas públicas inclusivas in RANIERI, Nina, Beatriz. S (Coord.) e
RIGHETTI, Sabine (org) Direito à Educação: Igualdade e discriminação no ensino. São Paulo, Edusp 2010. P.181-208.
59
161
A constituição de 1988 os direitos fundamentais no título II ‘Dos direitos e
garantias fundamentais sendo que a educação está no capítulo II Dos direitos Sociais
no artigo 6º e uma vez que a educação é um direito social é um dever do Estado e
exige prestações por parte deste para afastar as desigualdades sociais e oferecer
condições de sobrevivência para os indivíduos. Desta forma é obrigação do Estado
ampliar cada vez mais a possibilidade acesso a educação a todos para que todos os
homens venham a exercer igualmente o direito à educação e esse direito seja pleno
efetivo. E como direito fundamental é absoluto e de cumprimento imperativo e para
tanto são necessárias políticas públicas efetivas e initerruptas de longo prazo e ações
de curtíssimo prazo para que essas políticas se materializem.
Para Norberto Bóbbio 60 os direitos fundamentais evoluíram em sua
fundamentação em três etapas. A primeira como direitos de liberdade, a segunda
como direitos políticos e a terceira como direitos sociais, entretanto, segundo ele, para
além de fundamentá-los é necessário protegê-los e isso é muito diferente de apenas
proclamá-los.
Concluímos então esta pequena discussão sobre a educação como direito com a afirmação de CAGGIANO61(2009)
No contexto atual não nos parece subsistir dúvidas quanto à inclusão do direito à educação no elenco dos direitos humanos fundamentais, amparado portanto por um quadro jurídico constitucional que vem a lhe assegurar, também, um sistema de garantias. É direito fundamental porque de uma banda, consubstancia-se em prerrogativa própria à qualidade humana, em razão da exigência de dignidade, e, de outra, porque é reconhecido e consagrado por instrumentos internacionais e pelas constituições que o garantem”. (CAGGIANO, 2009, p.22).
Como pode ser visto neste pequeno texto, a educação sob o prisma do direito,
como direito humano fundamental e social garantido nacional e internacionalmente, ao
ser efetivado, é instrumento sine qua non para que a pessoa idosa possa se inserir
socialmente, e possa construir uma velhice com dignidade, mais ainda, para que a
efetivação da cidadania possa propiciá-la melhores condições de sobrevivência e
60 Norberto Bóbbio in A era do direito Trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Elsevier 2004, p 52-56
61 Caggiano, Monica Salem in RANIERI, Nina Beatriz, S. Direito à Educação: aspectos constitucionais. São Paulo Edusp 2009,
p22
162
inclusive de acessar os demais direitos, como a saúde , a mobilidade (ir e vir), e a
livre- expressão.
Feita essa pequena síntese da educação como direito é importante situarmos
também em segundo lugar: alguns conceitos fundamentais de educação que
poderão contribuir para ampliar o nosso olhar sobre a interpretação das
coordenadoras sobre os seus cochichos:
A) O conceito de educação adotado pela UNESCO 62 (Organização das Nações
Unidas para Educação, Ciência e Cultura: é o “processo global de sociedade pelo qual
as pessoas e os grupos sociais aprendem a assegurar conscientemente, no interior da
comunidade nacional e internacional e em seu benefício, o desenvolvimento integral
de sua personalidade, das suas capacidades, das suas atitudes, das suas aptidões e
do seu saber.
B) O conceito de Educação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem definiu a
Educação como “a soma dos procedimentos pelos quais em qualquer sociedade, os
adultos tentam inculcar nos mais jovens as suas crenças, costumes e outros valores.
Ensino ou instrução visa em particular, a transmissão dos conhecimentos e a
formação intelectual. Ensino seria portanto, educação na escola”
C) O conceito de educação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
63Define a educação da seguinte maneira: como processo, a educação envolve ou
requer determinados componentes básicos: o professor, palavra que tem a mesma
raiz de professar, do latim professus, aquele que declarou, prometeu, no sentido de
declarar ou confessar publicamente ou de modo inequívoco, a aceitação, a adição de
ideias, regras, seguindo-as e respeitando-as regularmente para uma determinada
formalidade. E no caso: ensinar é também formar o aluno, objetivo principal, e pessoa
para a qual convergem todas as ideias, regras, informações, atenções e cuidados que
uma pessoa requer, e que deve ser a preocupação básica do Estado e da Nação.
62
UNESCO é o acrónimo de “United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization” (Organização das Nações Unidas
para a Educação Ciência e Cultura). Trata-se de um organismo da ONU que foi fundado em 1945 e cuja sede social se encontra em Paris (França). A UNESCO dedica-se a ajudar as nações a gerirem o seu desenvolvimento através da preservação dos recursos naturais e culturais. O objetivo é que cada povo possa modernizar-se e inserir-se no panorama mundial sem perder a sua própria identidade.
63 “A nova lei de diretrizes e bases da educação Nacional” cadernos de direito constitucional e ciência política n 23, São Paulo,
Revista dos tribunais, 1998, pp59-60 apud SANTOS(2010) in A Educação especial em face da convenção da Unesco contra a
discriminação no ensino.
163
D) Conforme estabelecido no Artigo V da Convenção relativa à luta contra a
Discriminação no Campo do Ensino, de 1960, deve ser o pleno desenvolvimento da
personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos e das
liberdades fundamentais e que deve favorecer a compreensão, a tolerância e a
amizade entre todas as nações
E) O conceito de Paulo Freire: a educação é uma forma de intervenção no
mundo[...]Quando falo em educação como intervenção, me refiro tanto à que aspira a
mudanças radicais, na sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da
propriedade, do direito ao trabalho, a terra, à educação, à saúde, quanto à que, pelo
contrário, reaccionariamente, pretende imobilizar a História a manter a ordem injusta.
(FREIRE, 1997, p123).
F) O conceito de educação contido na carta de ecopedagogia proposta por Moacir
Gadotti para a Unesco: uma educação para a cidadania planetária tem por finalidade
a construção de uma cultura da sustentabilidade, isto é, uma biocultura, uma cultura
da vida, da convivência harmônica entre os seres humanos e entre estes e a
natureza. A cultura da sustentabilidade deve nos levar a saber selecionar o que é
realmente sustentável em nossas vidas, em contato com a vida dos outros. Só assim
seremos cúmplices nos processos de promoção da vida e caminharemos com
sentido. Caminhar com sentido significa dar sentido ao que fazemos, compartilhar
sentidos, impregnar de sentido as práticas da vida cotidiana e compreender o sem
sentido de muitas outras práticas que aberta ou solapadamente, tratam de impor-se e
sobrepor-se a nossas vidas cotidianamente. Gadotti (2007. P.20)
Tomando por base as definições de educação como direito humano,
fundamental e social, e o conceito de educação de Freire (1997. P.23), e escutando o
que reivindicam hoje nos seus cochichos as coordenadoras pesquisadas, é fácil
perceber que o foco desse processo educativo deve ser na experiência da
aprendizagem como algo singular que requer uma prática educativa de escuta atenta
e de vigilância tanto dos sujeitos envolvidos como da comunidade, para evitar esses
desvios da educação que acabaram por produzir tanto esta expropriação sistemática
e leviana dos direitos da pessoa idosa, quanto a passividade da sociedade civil diante
da questão. Portanto o pesquisador precisa compreender a educação na sua
dialogicidade com a cultura, e na sua interação com o espaço comunitário e com as
164
ações dela decorrentes. Mas já que é um direito tão garantido, porque isso se torna
tão distante da realidade das pessoas idosas? O que faz com que não seja visto o
óbvio em relação à educação da pessoa idosa: que esse direito lhes tem sido
expropriado visivelmente e nada se faz? Se é direito absoluto, porque o ESTADO não
se pronuncia por meio de políticas e ações que façam garantir esse direito? E porque
a família, a sociedade e a própria pessoa idosa não reclamam esse direito?
importante lembrar a frase de Norberto Bóbbio, já citada anteriormente “proteger os
direitos fundamentais não é meramente proclamá-los”. E o que o ESTADO tem feito
após esses dez anos promulgação do Estatuto do Idoso é apenas proclamar o direito
à educação da pessoa idosa, pois ele continua sem efetividade uma vez que não há
inclusão no PNE, nem na LDBEN, que seriam as leis que garantiriam a reserva
orçamentária para incluir a pessoa idosa na educação bem como a execução de
programas e projetos específicos para a educação da pessoa idosa. Ou sequer como
propõem alguns que o próprio PEJA possa dispor de recursos específicos para propor
salas e cursos especiais em unidades e salas especiais salvaguardando as
singularidades da aprendizagem da pessoa idosa já que esse segmento da população
estaria incluído no grupo adulto.
Esta medida foi reclamada pela população idosa e Inclusive foi uma
deliberação da segunda conferência Nacional de Direitos da pessoa idosa, aprovada
pelos delegados representantes da sociedade Civil e governamental que dela
participaram. Mas por manipulação política, e de forma arbitrária, segundo elas, a
proposta foi misteriosamente suprimida da redação final da Conferência. Esse ponto
será discutido com maior profundidade no próximo item de discussão dos cochichos
quando forem apresentados os cochichos das idosas sobre participação política. Mas
é importante avançar e descrever um pouco da realidade que se evidencia no modelo
de educação que prevalece no Brasil, com o objetivo de compreender o cenário em
que se dão os cochichos das idosas do ponto de vista da educação
O modelo atual de educação no Brasil e que prevalece na formação dos
brasileiros, é o modelo de base desenvolvimentista no qual as escolas funcionam
como fábricas de títulos e como uma enorme bolsa de valores que promove um
mercado de trocas dessas titulações ao reduzir a educação à formação para o
trabalho e a escola a bem de consumo, provoca sua fragmentação e seccionamento
165
assim como a fragmentação do próprio homem, já que neste modelo ele precisa se
posicionar como objeto, conquistando como resultado não o seu crescimento mas a
sua destruição como sujeito e a falência de um projeto de sociedade como afirma Rui
Canário citado (2013)64 ao contrapor a essa ideia de educação que estabelece uma
divisória entre escolas ricas e pobres a partir do conjunto de tecnologias e
formalidades de que dispõe, ele afirma que "Os principais recursos da Educação são
as pessoas, os saberes e as experiências mobilizadoras. Com isso, não há escolas
pobres."
Mas se a Educação é direito de todos, por que não há orçamento específico
nem sequer investimento direto dos governos na educação da pessoa idosa? É o que
perguntam incessantemente algumas coordenadoras. A Coordenadora CI9.72a
(2013) numa das entrevistas ao falar sobre o grupo faz esta reflexão e aponta as
seguintes questões:
[...] O grupo de convivência as vezes é que nem uma escola para os idosos. Porque eles não tiveram escola. Algumas delas chamam o grupo de escola falam que aqui é como uma escola. Mas olha só o que é direito de idoso né? eu fico pensando aqui...será que lugar de criança é na escola, de adulto é na escola, de deficiente é na escola, de índio é na escola, até de bebê eles dizem que é na escola, mas só de idoso é que não pode ser? Será que se tivéssemos escola para idosos todo dia não tinha menos idosos nos asilos, nos hospitais, ou sofrendo em casa na cama, e passando perrengue o dia todo com a família? Será que a escola que parece que é um direito de todos, só da pessoa idosa não pode ser? Eu desconfio, que esses “peixes grande”
65
aí não querem que os idosos estudem por que não querem que eles tenham poder. Porque nós quase analfabetas já damos muito trabalho pra eles. Ah isso a gente dá, pra esses políticos, pra prefeitura, e ficamos tentando botar os “pingos nos is
66e tirar “panos quentes”
67 que eles colocam nas coisas mal
feita que fazem, Imagina com estudo o que essas véia maluca podia fazer não é?( risos) (CI8 – 70a, 2006).
64 CANÁRIO, Rui in MOSE, Viviane A escola e os desafios contemporâneos. Rio de janeiro, civilização Brasileira, 2013
65Peixe grande é um termo usado para dizer de pessoas que ocupam cargos de poder.
66 Pingo nos is – esta expressão é usada para dizer de buscar transparência, cobrar o que prometeram que iam fazer, acertar as contas
com os governantes e os políticos. Colocam panos quentes, são as situações que ficam encobertas ou que designam modos de
pensar contraditório dos políticos e que ficou escondido para não levantar questões. Botar pano quente é deixar de considerar fatos
graves, desacertos etc
67 Panos quentes, são as situações que ficam encobertas ou que designam modos de pensar contraditório dos políticos e que ficou
escondido para não levantar questões. Botar pano quente é deixar de considerar fatos graves, desacertos etc
166
Tal como a fala da coordenadora, do ponto de vista de processo de
escolarização, embora não seja uma demanda de todas, A maioria das
coordenadoras disseram que estudariam se fosse mais acessível a escola formal.
Algumas idosas participantes dos grupos, segundo elas, também querem ainda
receber o diploma nem que seja do curso de alfabetização, para terem o
(reconhecimento formal de que frequentaram a escola, e de que sabem ler e
escrever). Algumas pelo que representa para elas o valor de quem é estudado. Outras
participantes do grupo disseram que querem aprender a ler para ler a placa de ônibus
sozinha, sem ter que amolar os outros na rua, outras ainda, porque imaginam que se
aprender a ler será mais respeitada. Uma idosa disse que o sonho dela era aprender
a ler para ler a bíblia. Assim, cada uma delas estabelece o seu projeto de aprender a
ler ou a avançar nos estudos pensando a vida prática e a apropriação da
aprendizagem é percebida como um valor para suas experiências cotidianas e que
implicará diretamente em melhorias concretas na sua condição de viver e se
relacionar com o mundo.
Duas coordenadoras (CI4-72a, 2006) e (CI8-70a, 2006) ao trazerem as
histórias, das idosas participantes nos grupos de convivência que coordenam,
argumentaram que embora aprovem a dedicação das equipes do PEJA ( Programa
de jovens e adultos que cuidam, ainda que de maneira precária, de abrir as portas
para a inserção da pessoa idosa, pelo menos no processo de letramento e nos
primeiros passos da educação básica, estão cientes de que o próprio nome educação
de jovens e adultos já não pode conter nem em sua destinação nem em seus
objetivos principais a pessoa idosa, e não atende sequer às demandas desses dois
segmentos populacionais de jovens e adultos, com o orçamento que lhe é destinado.
“Que dirá do idoso?” Além disso o governo estabelece uma hierarquia clara
privilegiando a escolarização, primeiro do jovem que ficou fora da escola e que precisa
acessar o mercado de trabalho. Depois do adulto que teoricamente hoje mantém a
família e a prole e precisa assegurar sua sobrevivência, e portanto acessar a escola
formal para ser inserido no mundo do trabalho, Portanto, para os adultos com 50 anos
e mais, poucas são as destinações orçamentárias e programas e projetos educativos
específicos. Para quem não acessou a escola mais cedo, restam poucas chances de
167
galgar todos os níveis de educação e se chegam a acessá-los ainda ficam cerceados
de atingirem sua inserção no mercado de trabalho. Isso fica bem visível por exemplo,
nos concursos de níveis mais avançados, que geralmente barram por vários
dispositivos de controle a entrada do adulto que se formou mais velho, no mundo do
trabalho.
Esta confirmação é possível quando avaliamos por exemplo, na própria área
de educação, as vagas oferecidas nos concursos públicos para docentes e
pesquisadores nos cursos de graduação em universidades Federais e Estaduais nos
quais são utilizados como principais critérios não elementos que avaliem a experiência
de atuação total na vida do candidato mas uma somatória que envolve prova de
títulos e a experiência curricular, na qual o crescimento horizontal é quase sempre
desvalorizado e apenas validado o crescimento vertical, com a pontuação maior
sempre atribuída para os níveis mais elevados do título e da atuação da docência na
área específica, bem como da produção escrita e publicada nos últimos cinco anos .
Esses critérios vão privilegiar sempre os docentes e pesquisadores mais jovens
que já são frutos de um processo de escolarização formal superior focado na
produção bancária mais que na experiência de vida, ou na experiência histórica e no
processo geral de ensino–aprendizagem. Torna-se pois um critério onde a qualidade
da produção importa menos que a quantidade de produção destinada a certos
endereçamentos nos quais existem como fundo um conceito de corporativismo e de
educação bancária, tornando até essa instância educativa, que deveria ser mais
libertária, submetida a um modelo empresarial e de produtividade que opera hoje de
forma perversa sustentando processos claramente polarizados e parciais na dialética
inclusão exclusão 68 de educadores no mercado de trabalho. Desta forma, as
oportunidades de trabalho para as pessoas idosas na área educativa, se existirem,
vão estar focadas na produtividade e na formação em tecnologias ligadas à
produtividade.
Por não existirem determinações orçamentárias em leis específicas ou
previamente estabelecidas no PNE (Plano Nacional de Educação) e na LDBEN ( Lei
68 SAWAIA, B ao falar da dialética exclusão inclusão afirma que sempre que se inclui alguém em uma categoria ou proce3sso,
automaticamente o exclui de outra categoria e processo. Por isso o termo: dialética inclusão Exclusão. SAWAIA. B et al - as
artimanhas da inclusão. Petrópolis, vozes, 1992.
168
de diretrizes e Bases da Educação Nacional) esse direito fica completamente
inacessível e a mercê dos poucos recursos do EJA que beneficiarão a pessoa idosa, e
mesmo assim, atingirão apenas o nível da educação básica. Além disso, as novas
diretrizes do projeto reinventando o ensino médio69, recém lançado pelo governo,
fecha ainda mais a possibilidade de acesso às pessoas idosas e à escolarização
formal, ao privilegiar notadamente o público jovem. O que não nos cabe discutir aqui
em detalhes.
O desafio de incluir a educação da pessoa idosa de forma diferenciada como
uma nova modalidade de educação, como foi deliberado na segunda Conferência
Nacional de Direitos da pessoa idosa, com a criação prevista das UEPIs ou unidades
de Educação para a pessoa idosa que são os equipamentos necessários para se
efetivar o processo de educação formal uma vez que as pessoas idosas possuem
características diferenciadas quanto à questões naturais que as impossibilitam de
acessar as vias tradicionais da educação formal. Por isso a criação das UEPIs
semelhantes às UMEIs onde o idoso poderia passar o dia desenvolvendo vários tipos
de aprendizagens e também atividades relacionadas ao processo de educação formal,
longe de ser um instrumento de segregação de separação e de exclusão da pessoa
idosa é simplesmente o equipamento chave para que se tenha um ambiente propício
de referência , para outros tantos que possam vira existir e preparado para que se dê
um ensino de melhor qualidade e adequado às suas condições e até para que possua
mais condições de promover trocas intergeracionais e interculturais.
Pois se não houver materialização das leis constitucionais que protegem a
educação como direito humano, fundamental e social, por meio de políticas e
inscrições concretas de ações que serão executadas com orçamentos específicos,
com equipamentos, que garantam a qualidade do ensino e da aprendizagem da
pessoa idosa onde quer que ela esteja, como garantir o direito à educação da pessoa
idosa? ´É o que diz uma coordenadora de grupos de convivência de idosos que foi
diretora de uma escola e trabalhou muito pela educação E eu completaria sua fala
continuando sua indagação como garantir o direito da pessoa pelas bordas? Pela via
da marginalidade? É como o país está lidando com os direitos da pessoa idosa com
69 Resolução do ministério da Educação número 2486 de 2013 que dispõe sobre mudanças no ensino médio beneficiando o adulto
jovem e focando a empregabilidade.
169
relação à educação, com “jeitinhos” que acabam privilegiando novamente o idoso que
tem maior renda e pode pagar por esta “formação elitista” privada, dirigida aos poucos
idosos que alcançaram níveis de instrução melhores, mas mesmo assim sem
outorgar-lhes o direito ao reconhecimento formal do que foi aprendido? Essas
medidas tendem apenas a privilegiar oportunistas que querem tirar proveito dessa
situação, como é o caso de vários programas que existem em Universidades e que
acabam.
A Proposta das idosas coordenadoras de grupos de convivência de idosos era
uma proposta inovadora, um projeto ousado, que visava a cumprir pelo menos o
primeiro passo para garantir orçamento específico para uma formação da pessoa
idosa no PNE (Plano nacional de Educação) e na LDBEN, já que a educação da
pessoa idosa terá características muito diferenciadas das outras modalidades
existentes, inclusive da EJA, no que tange à relação entre formação, informação e
educação sustentável até pelas condições próprias em que se deu o pensamento
dessas coordenadoras e a construção das diversas experiências e estágios de
aprendizagem da pessoa idosa, bem como a heterogeneidade deste segmento
populacional, no que diz respeito às suas potencialidades, bem como às suas
limitações.
Visava também a uma educação com metodologia diferenciada mas que
encampasse tanto a produção do conhecimento como “sensos comunis70” e como
“Phronesis71”, tanto o ensino enquanto treino e capacitação, do conhecimento quando
a partilha do conhecimento como Prudência, para um protagonismo real no espaço
político, com conteúdos sobre política, direito e cidadania. Acrescente-se a isso a
aprendizagem de novas tecnologias e o desenvolvimento de habilidades relacionadas
ao processo de transmissão cultural, artístico e histórico para as outras gerações e
ainda o ensino sobre ecologia humana e as afecções cotidianas no cuidado de si e do
outro que envolveria a saúde, as relações sociais e afetivas, as relações com o meio
ambiente e a sustentabilidade. Esse modelo teria um foco mais comunitário e ao
70 Sensos comunis (sensu comunis) é a tradução em latim da expressão utilizada por Aristóteles originalmente usada para fazer referência
ao poder perceptivo de ligar os inputs de cada órgão dos sentidos numa representação coerente e inteligível. Segundo a wicpédia
71 "Phronesis" termo usado por Aristóteles na obra Ética a Nicômaco para descrever a "sabedoria prática", ou a habilidade para agir de
maneira acertada".Wicpédia.
170
mesmo tempo nas suas ações seria aportada por um conceito de educação no
sentido mais amplo da educação planetária, comunitária e sustentável proposta por
Gadotti e uma metodologia constituída por uma bricolagem entre a metodologia da
educação popular de Paulo Freire, e a educação solidária e prudente e compreende
esta última os valores e os métodos educativos desenvolvidos pelas próprias pessoas
idosas no Brasil na sua forma concreta de receber e transmitir o conhecimento que já
aprenderam e processaram durante a sua formação). Essa proposta foi construída
juntamente com as coordenadoras de grupos de convivência, no momento em que se
aproximava a segunda conferência Nacional de Direitos da Pessoa Idosa. Elas se
mobilizaram tanto com o tema educação que solicitaram no conselho Estadual do
idoso de Minas Gerais a criação de um eixo separado para a discussão das ideias
sobre a educação.
Portanto Em Minas Gerais a Educação teve um eixo próprio de discussão
exatamente pela valorização dada a Educação pelas pessoas idosas e pelo número
de propostas para a educação trazidas para a conferência que necessitariam de
discussão específica num tempo muito Exíguo. Portanto a maioria das propostas para
a Educação levadas para a segunda Conferência Nacional de direitos da pessoa
Idosa, foram sem dúvida alguma do Estado de Minas Gerais. Embora tenha chegado
recortada e reduzida, a proposta de inserção da nova modalidade de educação na
PNE e na LDBEN manteve-se até o final da Conferência.
E nesse ponto como pesquisadora eu pude estar também presente nas
conferências como observadora participante e como sujeito agente, ao lado de outras
coordenadoras que estão agrupadas no que podemos considerar como uma velhice
ativa, mas numa zona de pobreza, cuja dignidade só é mantida ainda por que ainda
possuem saúde suficiente e lucidez para responderem por algumas de suas ações, e
por viverem em famílias igualmente “desempoderadas”, que ainda consideram a
renda do idoso como importante e, dessa forma, possuem ainda um pouco de poder
de decisão enquanto ainda possuem condições de responderem por si mesmas, mas
é ao mesmo tempo um grupo que poderia ser considerado de risco social elevado e
para o qual a educação seria uma porta possível se não para reduzir as
desigualdades sociais existentes em relação à mulher e à pessoa idosa, pelo menos
para evitar o aprofundamento da desigualdade, neste segmento populacional.
171
Na sustentação das propostas, como delegada representado naquele
momento, a população idosa de Minas Gerais no Eixo 7 Educação Cultura Lazer e
Esportes, ficou aprovada a deliberação de se criar a nova modalidade de educação
para a pessoa idosa, entretanto ela não constou nos textos finais das deliberações da
conferência. Mais que isto, como pode ser constatado após três conferências
Nacionais de Direitos da Pessoa Idosa se procurarmos nos sites dos governos as
informações sobre o tal de deliberações aprovadas que deveriam estar acessíveis a
qualquer cidadão, sequer conseguimos obter a informação do resultado de todas as
deliberações da primeira, da segunda e da terceira conferência Nacional de direitos da
Pessoa Idosa. Para quem consegue obter os dados, fica a certeza de que desde
então o direito à educação para a pessoa idosa ainda não foi efetivado. De tal maneira
que o Poder Executivo Nacional, tem neglicenciado, sistematicamente o cumprimento
de sua obrigação perante a população idosa E perante a lei esse descumprimento é
passível de intervenção da sociedade civil e dos órgãos fiscalizadores das políticas
públicas.
Sobre essa não efetivação do direito à educação, no caso da pessoa idosa
quatro fatores psicossociais, na minha interpretação de segunda mão, funcionam
como um grande atravessamento:
1.-.A ausência de uma cultura de valorização da velhice como etapa de potência na
existência humana sustentada pelo preconceito etário, que naturaliza certas formas de
negação da velhice e de violência explicita à pessoa idosa, como por exemplo, a
atribuição de estigmas ao velho. Que ele não aprende, que não tem mais memória,
que não pode estudar porque já está Gagá entre outros; legitimando esta ação.
2 - A segunda pela própria negligência e violência institucional do ESTADO que
deveria proteger o direito do cidadão e que tem descumprido impunemente a sua
obrigação constitucional de garantir o direito à educação, da pessoa idosa,
especialmente no que tange à educação formal e, com esse ato, expropria a pessoa
idosa de grande parte dos seus direitos e compromete todos os demais direitos até o
direito mais básico e fundamental como o direito de ir e vir e o direito de livre
expressão.
3.-.O terceiro diz respeito à manipulação política que vigora nesse modelo clientelista
e que serve mais à reprodução da dominação do pensamento elitista e à negação da
172
democracia o que fica implícito na condição de fragilidade dos órgãos que deveriam
cumprir a função de monitoramento e fiscalização das políticas públicas; bem como da
sociedade civil que alienada na vivência do consumo de si mesmo não construiu
ainda a alteridade necessária para pensar na dor universal e singular dos homens e
se embriaga na dor de não ser si mesmo.
4.- O quarto, diz respeito a arrogância e onipotência do “conhecimento científico” entre
eles o da própria gerontologia, que algumas vezes confunde o seu papel e o seu lugar
principal de servir para melhorar as condições de viver e de se relacionar entre os
homens, e na sua ação de pesquisar muitas vezes prescinde da experiência dos
sujeitos reais e concretos criando sujeitos-objetos de uma abstração científica cujos
resultados das experiências se os toca, não se traduzem, no dizer de Walter
Benjamim(2005, p87), nas linguagens de homens reais e concretos oprimidos,
monstruosos e vencidos, que precisam ser revelados e inscritos num presente que os
possa libertar do passado opressor, ressignificando sua história. Sobre isso, a fala de
uma coordenadora ilustra as contradições que vivem as mulheres idosas ao quererem
se educar: (CI 6 72a 2012)
Fico chateada porque se eu falo que elas querem ir para a escola, os políticos não entendem. Acham que só precisam de remédio e de comida. É duro, por que eu sei que grande parte delas querem muito frequentar uma escola, mas não uma escola qualquer. Uma escola onde se sintam à vontade para cometer seus erros sem ser tão criticadas como são as vezes em casa, e nos cursos que frequentam com outros jovens Essa escola elas quiseram também no passado e não puderam ter. Querem andar orgulhosas com uma pastinha na mão, ser alunas, aprendendo como não puderam aprender na infância e na juventude. Muitas delas não reivindicam isso, porque fica com medo de ser ridicularizada. Querem ter o direito de ir a escola para se tornar mais independente, sem ter que pedir toda hora a alguém para ler para elas a placa do ônibus, a bula do remédio, a agenda para pegar o número de telefone de uma amiga, ou até ler o jornal para estar sabendo do que acontece e não ficar sendo chamado sempre de ultrapassado. (CI6-72a, 2012).
Por meio desta fala podemos perceber o sentido que atribuem à educação e o
quanto esta é uma luta regada por um lado, pela vontade de liberdade, mas por outro
também pela redução dos estigmas e esterótipos da velhice e pelos processos de
dominação presentes na sociedade, que atravessam e muitas vezes abortam seus
caminhos na luta pelo acesso à educação. Esse segundo elas é um cochicho que não
173
lhes foi escutado a vida inteira e cujos ouvidos dos que se ocupam dos lugares de
poder ainda que escutem não lhe darão crédito. Muitas delas já foram ridicularizadas
por falar que querem se educar, que querem frequentar uma escola. Percebem esta
reinvindicação como um cochicho não escutado durante sua vida inteira e nos
espaços de participação política o que para elas não acontece por acaso. Para essa
coordenadora a educação é sempre um lamento e uma reinvindicação das pessoas
idosas, mas que não aparece como números grandiosos, pelo medo e pela vergonha
de se pronunciar das pessoas idosas. Enfim, querem se educar para realizar com
mais autonomia as pequenas coisas do dia a dia que a barreira do analfabetismo as
impede de realizar. Portanto a carência de educação como um direito natural e
fundamental é direito humano na medida em que a ausência dele incide sobre os
demais direitos impedindo o sujeito por exemplo até de transitar livremente pela
cidade. Invisíveis barreiras para os que estão incluídos, mas extremamente visíveis
para os que vivem os processos de exclusão por não terem tido acesso à escola. Esta
coordenadora afirma entretanto que os políticos estão cansados de ouvir esses
pedidos, mas “fingem” que não escutam porque educar a pessoa idosa é criar um
problema para aqueles que querem apenas usar o espaço político para aquisição de
benefícios pessoais. Pois na medida que ficarem mais esclarecidas vão poder
escolher melhor, ter voz ativa, ser valorizadas pelas pessoas e isso não é
interessante. Ela chega a dizer que o desamparo das pessoas idosas é um grande
negócio para muitos políticos. (CI 8 70ª 2013)
“Porque coisa assim boa, como escola pra idoso, moradia, transporte pra gente fazer um tratamento, trabalho pra quem ainda quer e pode trabalhar, ajuda de custo pros grupos, e pra quem está trabalhando como nós e não tem nem como ficar no trabalho voluntário, porque precisa ainda de melhorar os ganhos, isso tudo é direito que a gente sempre tá buscando nos fóruns e nunca vem resposta, e que político nenhum acha importante. Sabe por que? Porque quanto mais pobre e mais sem estudo a pessoa fica, mais eles vão poder explorar e enganar. Tanto é que os políticos nas épocas de eleição antes vinham mais no grupo, agora eles nem passam perto. (CI8, 2013).
As coordenadoras nas suas falas apresentam certa indignação com relação
ao uso do espaço público por alguns políticos. Segundo elas essa relação com os
grupos está sempre comprometida com a demanda de votos e não com a demanda
174
de participação das idosas como cidadãs dando sugestões ao governo ou se
engajando nas ações de participação e protagonismo do idoso buscando a
consolidação dos seus direitos. Podemos perceber nesta fala que elas demandam
viver com dignidade, participando do cotidiano da cidade, sugerindo mudanças para a
melhoria das condições de vida. Os programas e projetos de intervenção demandados
por elas estão ligados principalmente à educação, aos grupos de convivência, à
moradia, aumento de renda e trabalho e sobretudo a melhoria das condições de
aposentadoria. Segundo elas, esses cochichos foram ainda escutados. Mas acreditam
que será possível apenas se as reinvindicações forem organizadas de forma
estratégica, com a voz e a atitude de muitos. Isto fica explícito na fala da
coordenadora CI 10 (2012)
[...]Ficam tentando pedir a gente os endereços dos membros do grupo pra mandar os assessores procurar em casa as pessoas mais simples, com pouco estudo. Agora quando eles vêm no grupo..., Ah minha filha...eles passam aperto, porque a gente tá mais esperta e aí a gente cobra o que não foi feito; o que disseram que iam fazer e não fizeram. A gente fala com eles que o grupo não vota mais em promessa, a gente vota em quem já mostrou serviço e fez alguma coisa para melhorar a política do idoso. Já teve uns dois que vieram aqui e perguntamos o que eles tinham feito pros idosos no mandato deles. Ficaram vermelhos e tentaram remendar mas não convenceu ninguém e saíram com o rabo entre as pernas. Tem até uma música que a gente agora canta quando político vem aqui e que se eles forem espertos, como dizem, ah vão entender porque como diz o ditado, pro bom entendedor, meia palavra basta. Então vão entender a mensagem Eu sei que você deve conhecer...é aquela música que fala assim: “Laranja madura, na beira da estrada. tá bichada ô Zé, ô tem marimbondo no pé.” (CI10, 2012).
Para conhecer melhor a música busquei a letra original completa do samba de
Ataulfo Alves a qual se refere o refrão citado por elas e pude observar que esta
característica refinada de ironia das coordenadoras, bem como essa atitude de
espelhar metaforicamente o que queriam só foi algo colocado na segunda fase da
entrevista em 2012, embora a reflexão sobre os políticos e a forma deles agirem na
política, permanecesse com poucas mudanças nas falas das coordenadoras. A fala
sobre a modalidade de educação indígena, e sobre a educação de jovens e adultos, e
de não ter educação para idosas assegurada no plano nacional de Educação nem na
lei de Diretrizes e Bases da Educação, já é uma fala mais elaborada que só ocorreu
também com esses dados de informação mais precisos em 2012.Desta forma, pelo
175
acesso que tiveram `as discussões das conferências e às oficinas sobre participação
e cidadania que fizeram parte também do programa de estágio. Na educação de base
falam que se inclui agora a educação infantil após anos de luta. Mas essa fala, na
minha interpretação de segunda mão, também está baseada na ação de terem
participado das discussões dobre a implantações das UMEIS (Unidades de Municipais
de Educação Infantil) e o sucesso que tem sido essa proposta, que foi fruto de uma
luta intensa que envolveu a comunidade e da qual várias das coordenadoras
participaram.
Todos estes fatores juntos, talvez estejam cada vez mais aumentando o
número de idosas que reivindicam o direito a ter também um espaço diferenciado de
educação já que são vítimas de tantas desigualdades sociais e que possuem
características singulares que influenciam diretamente nos processos de aquisição do
conhecimento. O fato de assinalarem que durante toda a sua vida várias idosas,
especialmente a maioria das que frequentam os grupos de convivência, e além delas,
várias outras que ficam hoje restritas à suas casas, exatamente por causa do
analfabetismo ou do baixíssimo grau de conhecimento formal foram excluídas
sistematicamente durante toda a sua vida, da vida pública, da política, do mercado de
trabalho formal, da escola e dos programas e projetos da educação, parece hoje
colocá-las numa posição de militância em relação aos seus direitos. Veja como isso
aparece na fala de outra coordenadora (CI5- 67a, 2006)
“Tem que ter política para todos. Para os que querem estudar e trabalhar e ainda podem e para os que já não podem mais e precisam de outros tipos de ajuda como moradia, cuidado e proteção Para os que não tem família e vivem sozinhos, mas que podem ainda estudar, nós é que temos que levar a escola pra eles, porque ninguém acha que velho precisa de escola, mas precisa e para todos, porque a maioria dos idosos não teve escola e se teve foi por pouco tempo. Então precisa pra todos, para os que vivem no interior, na zona rural, na rua. Porque a velhice não tem uma cara. Ela tem várias e porque o homem não pode parar de aprender e de sonhar e de partilhar seus sonhos. E o velho não é uma árvore sem raíz é uma árvore que ainda dá frutos”. (CI5- 67a, 2006).
Embora seja igualmente notório que muitas delas ainda se sentem
envergonhadas de dizer que querem se educar, por causa das críticas que podem
receber da sociedade. Elas revelam que ficam muito envergonhadas e constrangidas
176
e algumas disseram ficar indignadas por exemplo, quando as pessoas da família
perguntam pra que elas querem estudar nessa altura da vida. Este estribilho da
música de Ataulfo Alves e os versos que ele compôs ajuntam-se na fala impaciente,
mas ao mesmo tempo carregada de ironia e humor que elas demonstram ao receber
nos grupos alguns políticos que na sua percepção apenas se servem deste espaço do
grupo com o objetivo de tentar construir manobras eleitoreiras que elas aprenderam a
contrapor com essas respostas. Abaixo a transcrição da música que embasou essas
minhas interpretações de segunda mão:
Você diz que me dá casa e comida Boa vida e dinheiro pra gastar O que é que há, minha gente o que é que há Tanta bondade que me faz desconfiar Laranja madura na beira da estrada Tá bichada Zé ou tem marimbondo no pé Santo que vê muita esmola na sua sacola Desconfia e não faz milagres não Gosto de Maria Rosa mas quem me dá prosa é Rosa Maria, Vejam só que confusão Laranja madura na beira da estrada Tá bichada Zé ou tem marimbondo no pé Ataulfo Alves.
Ao fazer uma tarefa de interação com o grupo as coordenadoras (CI5 67ª, CI8
70ª e CI6 72, CI 9 80ª 2012) fizeram esse pequeno poema aproveitando a Melodia
de Vinícius de Morais pra expressar o desejo da pessoa idosa de frequentar a
escola:
Era uma escola muito engraçada não tinha teto não tinha nada Quando criança quis estudar mas era pobre não podia entrar Adolescente não pude ir porque o trabalho já estava alí. E quando adulta não tive direito com tantos filhos, sempre um no peito
Mesmo sem filhos podia não lugar de mulher era no fogão Dizem agora pra que aprender? você já é velha e já vai morrer! Nem o alfabeto pode entender, não tem memória, vai esquecer! Mas se é um direito fundamental? por que pro velho, exclusão total? Velhice ativa, autonomia, tanto estatuto e lei pra entender Mas sem estudo que ironia? como é que vamos nos defender? O grupo agora é como escola. É diferente a gente é quem fez Não tem um quadro nem palmatória...mas tem cadernos, livros talvez. É nossa vida e nossa história matéria prima desse aprender; A convivência renova a vida. E os bons afetos nos dão
177
poder” Mas sem dinheiro nem orçamento como a escola vai sobreviver? Modalidade de educação, a pessoa idosa exige também Com orçamento pra execução na PNE e na LDBN Escola é vida é alegria, direito humano de aprender Com formação e cidadania dignidade podemos ter sem isso amigos, o que eu diria? Participar é só pra Inglês ver!!!
4.3 Cochichos sobre políticas Públicas
As políticas públicas, talvez tenham ocupado nas falas das coordenadoras, um
lugar muito privilegiado neste trabalho. Entretanto, como poderemos ver nos seus
cochichos, na primeira fase das entrevistas 2006 elas estavam num momento de
discussão sobre as questões e necessitavam falar sobre isso pois queriam mudança.
O período pesquisado na primeira fase do mestrado de 2000 a 2006 correspondeu à
efervecência política após a criação da política Nacional do idoso72 no ano de 1999.
Mas houve notadamente uma diferença na forma de abordar a política por elas em
2006 e em 2012.Vamos iniciar por examinar alguns dos seus cochichos para escutar
as suas falas na primeira etapa da entrevista
Nas primeiras falas das coordenadoras no ano de 2006 elas discutiram em
menor grau as questões da cidade enquanto relações de poder, mas sim as ações e
serviços prestados pelo setor público à comunidade`. Uma das coordenadoras
evidencia por um lado, a visão sobre as políticas públicas já em execução
especialmente na área da saúde. As ações de maior impacto para elas foram as
visitas dos profissionais de saúde na casa da pessoa idosa. Todas as entrevistadas
apontaram como boas coisas da política o fato de as famílias receberem em suas
casas profissionais de saúde, especialmente porque nos grupos ou pelo menos em
seis dos dez grupos coordenados pelas entrevistadas este serviço já era oferecido em
sua região pelas equipes do PSF(Programa Saúde da Família), ligadas às Unidades
Básicas de Saúde dos bairros de sua região e isso corroborou com um dos trabalhos
dos grupos que era o de visitar as famílias com idosos acamados e juntamente com
equipes comunitárias pertencentes a entidades religiosas como os vicentinos, igrejas 72 Lei 7930 de 30 de Dezembro de 1999 Política Municipal do Idoso com o objetivo de gerar condições para a proteção e a promoção
da autonomia, da integração e da participação efetiva do idoso na sociedade. Decreto nº 10. 953 de 15 de fevereiro de 2002
178
evangélicas e espíritas, realizavam acompanhamento de algumas famílias mais
carentes de recursos e dividiam essa responsabilidade entre os participantes dos
grupos. Os avanços nas ofertas de serviços de atenção à saúde foram sempre muito
elogiados tanto pelas coordenadoras de grupos de convivência quanto pelos idosos
participantes do grupo de acordo com o que trouxeram nas entrevistas. Podemos
escutar isso no cochicho de uma das coordenadoras (CI 1 60ª2006)
“Bom, as políticas públicas, tem coisas boas e tem coisas que ainda não funcionam. Por exemplo, no setor de saúde tem muita coisa boa que está se desenvolvendo agora como a visita que os médicos fazem né? os paramédicos, os enfermeiros fazem para os idosos em casa. Isso aí já é uma conquista. (CI1, 60ª 2006).
Entretanto, a despeito de acharem que a política de saúde necessariamente
mudou as possiblidades de acolhimento da pessoa idosa, especialmente com o
programa de visitas domiciliares, possuem uma leitura crítica interessante, que se
articula com as questões estudadas por teóricos e pesquisadores na área da saúde
sobre a necessidade de que o governo possa investir mais em ações ligadas à
promoção da saúde. Foi um estranhamento para a minha pesquisa o grau de
conhecimento que algumas coordenadoras demonstraram sobre a política e os
programas de saúde. Pelo menos 50% das entrevistadas mostraram-se informadas e
atualizadas acerca das questões de pauta nas políticas de saúde, embora não
dominassem é claro os termos técnicos mais precisos para falar do tema. Uma das
coordenadoras trouxe o seguinte cochicho: CI7(2006)
Existe muita coisa que ainda poderia ser feita. Por exemplo, programa de prevenção de doenças... é uma coisa que ainda está muito falha e precisa fazer. Eu acho que os idosos precisam aprender a se tratar, ele não sabe! Tem muita coisa que ele tem vergonha de fazer, né? Então é preciso. Por exemplo no caso de AIDS, muitas vezes a gente lê essas reportagens em que, onde a AIDS está proliferando né? Na idade de 60 e 70 anos? E isso é o que? Falta de prevenção. Não existe isso aí. É preciso que tenha isso ainda. Que desenvolva mais profundo, na mídia; a falada, escrita, televisada, todos eles precisam falar sobre isso, não é? E, sem. sem é... falado, de um modo que o idoso entenda!” (CI7,72a 2006).
É interessante escutar o que ela aponta em primeira mão. A necessidade de
ações de promoção e prevenção saúde, embora use apenas o termo prevenção. Pois
179
no conteúdo do seu cochicho aponta para questões sociais a serem abordadas no
trato com a pessoa idosa e ações de informação e discussão de educação em saúde,
especialmente no aprofundamento e na compreensão dos processos culturais e
psicológicos que sustentam certa dificuldade para que as informações atinjam a
população idosa quando versam sobre temas como as Doenças Sexualmente
transmissíveis pelas pessoas idosas. Ela usa uma expressão interessante para dizer
dessa dificuldade de acesso às informações de saúde pela pessoa idosa, por não
haver uma tradução para sua cultura, para uma linguagem que a pessoa idosa
consiga entender. Essa fala remete a questões sempre presentes nos estudos
teóricos sobre a gerontologia crítica, e apontados principalmente para que possamos
ressignificar também a própria noção sobre as questões que implicam o processo de
envelhecimento antenados aos contextos que que ocupam os sujeitos e por
(IACUBE,2007, p.13)
E, nesse sentido, las reivindicaciones políticas apuntan a conseguir transformaciones en los diversos marcos contextuales en los que se objetive nuestro sujeto. A nivel molecular, ya sea en las instituciones, en las relaciones personales, en las acciones cotidianas, en las formas del lenguaje o en los usos consensuados de las identidades. Pero también, en la comprensión de los efectos subjetivos que implican las macropolíticas, para poder, desde allí, darles un sentido renovado a las mismas. (IACUBE, 2007, p.13).
Podemos observar na fala da coordenadora o quanto ela vivenciava naquele
instante a dificuldade de compreensão sobre o processo saúde/doença experienciado
pelas pessoas idosas, mas também pelos que construíam os instrumentos de
informação e educação em saúde. E como isso dificultava e, em alguns casos, até
impedia o acesso da pessoa idosa a informação que estava lá pronta, mas não o
atingiria porque, acima de tudo era preciso ser falado de uma forma possível de ser
entendida. Nesse caso, ela reivindica uma tradução mais próxima aos elementos
simbólicos e culturais de que faz uso a pessoa idosa. Reivindica algo que parece
óbvio para elas, mas que não é acessado por aqueles que não vivenciam os
processos de exclusão que separam as realidades das pessoas e os transformam
como afirma Bauman (2004) em duas categorias distintas no processo de exclusão e
que ele denomina de vagabundos e indignos
180
Ele ou ela não sabe se tratar, primeiro porque embora exista a informação ela
não está acessível. Depois, porque a mesma coordenadora aponta algo interessante
que se coaduna com o pensamento de Iacube, no sentido de que é necessário haver
uma transformação no nível molecular. É preciso considerar os sujeitos mais que as
leis ou as instruções que estão sendo disponibilizadas para eles, sob pena de que
fiquem sem nenhum efeito. A heterogeneidade da velhice nos processos e nos modos
de envelhecer propicia uma leitura mais radical ainda, na medida em que na fala
trazida pela coordenadora aparece um sentimento difícil de ser lidado no cotidiano
que é explicitado como vergonha. Vergonha e medo de não ter, vergonha e medo de
não saber, e sobretudo a vergonha e o medo de parecer, como salienta CONCONE,
(2005). Esses sentimentos atravessam o corpo, a linguagem e o pensamento dos
sujeitos e são algumas vezes impeditivos para que o idoso possa se vincular e se ligar
aos elementos essenciais necessários para constituir saídas possíveis e criar novas
configurações subjetivas.
Por isso mesmo duas realidades se apresentam no trato das políticas públicas
de atenção ao idoso. A primeira dos sujeitos envolvidos nas políticas públicas, que
ocupam os lugares instituídos de poder, para os quais as conquistas dos idosos foram
enormes em termos de legislação e de criação de dispositivos legais, de programas e
de serviços, desde a promulgação do Estatuto do Idoso. A segunda das pessoas
idosas que por não terem acesso à educação e se constituírem no maior contingente
populacional de analfabetos do país, por isso mesmo estão impedidos do acesso às
mudanças, e fadados a perpetuar seu lugar de exclusão. Afinal de que adianta para
uma idosa analfabeta a placa do ônibus indicando o caminho se ela não consegue ler
o que está escrito? De outra forma de que adiantam os apelos das pessoas idosas
sobre questões essenciais no seu cotidiano se a camada incluída não consegue
acessar e compreender suas dificuldades como algo que cerceia o seu direito
fundamental de ir e vir? Segundo afirma (Bauman, 2004, p.48)
Os refugos não têm nenhuma condição de colher a própria identidade: são refugos e acabou. Esta é uma das grandes diferenças que a modernidade líquida cria, ou seja, entre aqueles que podem escolher a própria identidade e aqueles que não podem de modo algum, mas que são forçados a “vestir” o marco que os outros colocam sobre eles. Esta é, talvez, a pior consequência
181
do mundo dos refugos: a impossibilidade de se libertar de um destino que parece sem possibilidade de mudança. (Bauman, 2004, p.48).
O que Bauman afirma parece trazer um tom mais denso e apontar
características que estão na interação do sujeito com o mundo do que a fala de outra
coordenadora que apresenta uma saída pela via de uma perspectiva mais alentadora
ao dizer sobre as políticas públicas e sobre os direitos da pessoa idosa o que
considera ser de fundamental importância para que a transformação ocorra e
possibilite um outro olhar do sujeito sobre si mesmo CI2- 62a, (2006)
“Ah! Eu acredito que seria no caso conhecer e fazer valer o estatuto do idoso. Porque nós temos uma lei que rege os direitos dos idosos, direitos e deveres. Mas infelizmente não está sendo cumprido. Eu enumero em primeiro lugar a questão da saúde. Porque é deprimente quando um idoso necessita de um remédio que não pode comprar, e chega num posto de saúde (de qualquer bairro de Belo Horizonte), e aquele remédio está em falta. Aí é grave...porque tudo a gente passa sem, menos o medicamento. (CI2-62a, 2006).
Conhecer e fazer valer o estatuto do idoso é sua proposta em relação à
melhoria e consolidação da política de atenção ao idoso. Mas como isso aconteceria,
de que forma o idoso poderia conhecer e fazer valer seus direitos? Que mecanismos
o faria conhece-lo. É interessante que a seguir a fala desta coordenadora contradiz de
certa forma o que ouvimos da outra coordenadora acerca da saúde. Ela afirma que é
deprimente chegar ao centro de saúde e não ter os remédios. Não ter acesso, não
poder comprar aí é grave diz ela, porque tudo a gente passa sem, menos o
medicamento. Aqui é interessante observarmos que a gravidade para ela não está em
passar sem o medicamento mas na impotência diante da necessidade e do não
atendimento diante de que tem que preservar a própria vida, e da sua limitação e
impossibilidade disso. Especialmente quando se trata de medicação contínua e que a
pessoa sabe quais poderão ser os efeitos de ficar sem ela. Eu acrescentaria à fala da
coordenadora que mais que deprimente é humilhante para qualquer ser humano ser
destituído da sua capacidade de auto preservação. É a própria constatação de si
como refugo. Podemos nos deparar com isto na fala e na voz dessa coordenadora:
182
A gente usa, remédio de pressão, é assim, de glicose né? Diabete e outras doenças mais. Então... o dinheiro que recebe no final do mês vai tudo pro remédio. Tem lugares aí que dá o remédio mas nunca tem o remédio que a gente precisa. A gente conhece muitas pessoas, aqui do nosso bairro, que... vive abandonado, que a família não importa. E o poder público tá pior. Então a gente aqui, nós temos uma turminha que luta muito por essas coisas. E, assim, nem sempre a gente é compreendida não, sabe? A gente fica muito triste com isso! porque a gente luta não só pela gente mas pela comunidade. Então tem muitos idosos, muitas idosas que morre ai sozinhos sem ter ninguém pra... pra ajudar. (CI3,65a, 2006).
Essa queixa, além de estar presente na fala desta coordenadora, as vezes
chega de forma chorosa e tocante também nos grupos pelos seus participantes,
segundo o cochicho de outras coordenadoras. Elas a escutam muitas vezes nos
grupos de convivência e precisam sempre lidar não só com a queixa das idosas mas
muitas vezes precisam usar do seu prestígio e do seu conhecimento na própria
comunidade e nos lugares públicos como os centros de saúde para conseguir ajudá-
las. Manter diante de todas as demandas que recebem, o equilíbrio, o bom senso, e a
solidariedade, na minha interpretação de segunda mão, é um exercício constante para
quem assume um grupo de convivência.
Muitos dilemas com os familiares de pessoas idosas são enfrentados pelas
coordenadoras e envolvem uma postura de mediação pois algumas famílias violentam
a pessoa idosa por exemplo, e uma denúncia, ao invés de ajudar muitas vezes tem
complicado ainda mais a relação da família com a pessoa idosa e ainda a exclui do
próprio grupo, já que os órgãos do ministério público e da assistência dão conta no
máximo de fiscalizar mas não de encaminhar os casos de forma a efetivar o
atendimento à pessoa violentada, por ausência de equipamentos que possam acolher
a pessoa idosa nesta situação. Então ela volta para casa para conviver com o familiar
e sua realidade ainda se torna muito pior. Como disse uma delas, na fala abaixo:
A gente tem que se fazer de boba as vezes, e ainda sorrir educadamente para um atendente e ter “estômago”, para negociar com quem não tem qualquer sensibilidade com a pessoa idosa. Tem atendente que manda a pessoa de volta para casa 5, 6, 7 vezes, sem atendimento, sem um remédio que precisa, sem perguntar de que maneira ela vai voltar para casa ou ao menos se ela sabe voltar, ou se tem alguém que vai poder trazer, ou se tem ao menos dinheiro para voltar. E isso quando estão doentes quase sem aguentar andar. Ah...eu fico muito chateada com isso, porque é uma das coisas que a gente tem que engolir as vezes quando vai ajudar as pessoas do
183
grupo e tentar resolver sem briga, pra não sair do sério, com esse povo. Mas é uma coisa muito cruel e que infelizmente acontece todo dia no atendimento público. E quando alguém não aguenta a humilhação e dá o troco na violência, aí dá manchete E é o médico a enfermeira ou o atendente que sai como vítima. Especialmente quando esse atendimento está ligado com à saúde ou com a assistência porque ninguém que é idoso e tem seu cantinho, vem buscar ajuda atoa, e as pessoas falam com a pessoa idosa como se estivesse fazendo um favor, nesses lugares. O serviço parece muito bonito só nas propagandas. Tem que ter muito treinamento pra essa gente porque na realidade a pessoa idosa é desfeita, maltratada e até zombada nos lugares que eles deveriam ser melhor atendidos e cuidados. (CI3- 62a, 2006).
Nesses casos, surge uma força comunitária muito interessante e que pudemos
observar na pesquisa. Trata-se da “turminha” de que falou a coordenadora anterior, e
que é o resultado de uma construção dos grupos que envolve.um grupo de
participantes mais jovens que cumprem a tarefa de auxiliar as pessoas mais idosas na
resolução de certas questões mais difíceis de serem resolvidas por elas e ou pelos
seus familiares. Um movimento solidário, informal e desconhecido pelos os setores
governamentais, mas que entra em ação e começa a trabalhar na direção de buscar
soluções para as questões apresentadas. De outra forma, quando uma das
coordenadoras (CI4 72ª 2006) Diz que:
“A maioria dos idosos tem lá suas doenças, né? Assim, são coisas da velhice
mesmo. Então a gente não recebe ajuda de ninguém, sabe? Eu sou aposentada, a gente ganha muito pouco. Devia aumentar o ordenado da gente. Igual: lá na minha casa é eu e o marido, a gente passa, assim, muita dificuldade. As vezes a gente quer as coisas não tem, é as vezes precisa fazer um... um exame mais profundo, não pode. É a gente quer comprar óculos, não pode, tem que esperar ter um dinheiro lá para poder fazer esse óculos, uma prótese. Põe o nome da gente nos lugares e não é chamado pra... pra realizar, não. (CI4 72a, 2006).
Nesta fala, a coordenadora está não apenas se queixando, mas sobretudo
propondo formas de atender às pessoas idosas pelas políticas públicas, que sejam
mais definitivas e que gerem maior autonomia ao invés de dependência. É
exatamente nesse ponto que pudemos observar e interpretar em segunda mão, que o
excesso de dependência das pessoas idosas em relação aos serviços públicos e essa
característica de tutela presente como filosofia do atendimento à pessoa idosa, estão
intimamente relacionadas. E, é sempre denunciada e refugada pelas coordenadoras
de grupos de convivência em vários momentos de sua entrevista. Segundo elas, neste
184
modo de gerenciar as políticas de atenção à pessoa idosa, reside uma fórmula
perversa que sustenta o lugar de quem a utiliza como alguém que pode servir de
massa de manobra política para adquirir favores. Talvez por isso quando ela afirma
que “deviam aumentar o ordenado, cuidar mais da gente” está se referindo a questões
básicas como a seguridade social que tem seu tripé sustentado pela previdência pela
saúde e pela assistência. E a questão da previdência tem sido discutida
incansavelmente pelas pessoas idosas, e está presente nas deliberações das
conferências de direitos da pessoa idosa desde a primeira até à última, e ainda
carente de ser escutada com sua efetivação pelo poder executivo.
Algumas destas questões são o repasse aos aposentados, da diferença nas
perdas dos valores da aposentadoria que devem ser equiparadas aos reajustes
salariais. Além disso a discussão do fator previdenciário e da melhoria da qualidade
nos serviços prestados pela previdência Isso tem provocado a redução substancial e
sistemática dos recursos das pessoas idosas segundo aponta a
COBAP(Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas) segundo a qual em
2009, os aposentados já haviam tido prejuízos de mais de 60% nos 15 anos
anteriores comparando os reajustes dos benefícios previdenciários aos reajustes do
salário mínimo. 73.E na continuidade de sua fala a coordenadora diz “se a gente quiser
fazer um exame mais profundo, não pode”.
Essa é outra realidade que complementa a sua visão dos bastidores das
políticas públicas, e revela ainda mais a característica de uma forma perversa e
escandalosa de se desenhar essa política, uma vez que o fato de se propagar que
algumas órteses ou próteses como óculos e aparelhos auditivos que passam a ser
fornecidos pelo governo, na secretaria de saúde, parece que surte um efeito em toda
a sociedade de imaginar que imediatamente todos os idosos já estão sendo
atendidos. Mas não é essa a realidade. O fato é que muitas demandas ficam sem
atendimento. E como encaminhar as demandas de forma eficaz se o fluxo de serviços
é incompreensível e inapreensível as vezes até para os próprios técnicos?
Esta é uma outra questão que vem sido discutida pelas coordenadoras de
grupos de convivência de idosos, e que comprovadamente não vem sendo escutada
73 Este esclarecimento está presente no texto base da segunda conferência Nacional de Direitos da Pessoa Idosa de 18 a 20 de março
de 2009 e disponível em http://cobap.maquinaweb.com.br/capa/lenotícia.asp?id7036 acessado no dia 28/02/2009.
185
oficialmente, uma vez que ao analisar os textos base e as deliberações da primeira e
da segunda e da terceira Conferência Nacional de Direitos da pessoa idosa veremos
se repetirem muitas dessas reinvindicações sem serem ainda atendidas. Inclusive um
vídeo com as demandas das coordenadoras, que fora gravado pela pesquisadora, foi
levado e exibido num intervalo, entre atividades, no segundo dia da conferência
Nacional de Direitos da Pessoa Idosa, com o objetivo de dar voz a elas também nesse
espaço. Além do mais, a criação e implementação da rede de proteção à pessoa
idosa, por exemplo, foi tema da Primeira Conferência Nacional de Direitos da pessoa
idosa. E o interessante é que dois anos depois 3 anos depois, antes mesmo de se ter
criado a rede já houve a segunda Conferência Nacional de Direitos da pessoa Idosa
para avaliar a rede de proteção e defesa da pessoa idosa Como pesquisadora e
protagonista também na luta pela garantia dos direitos da população idosa , posso
observar que na necessidade de se cumprirem agendas internacionais de programas
e pactos ligados aos direitos humanos, Os órgãos de monitoramento, as leis
programas e serviços muitas vezes são criados com o objetivo de atender
rapidamente a elas, mas sem qualquer infraestrutura que possa viabilizar uma
integralidade no seu cumprimento.
Uma outra questão no que traz essa fala da coordenadora é que a demanda de
cada uma delas é traduzida para programas já existentes no que já existem de
serviços governamentais e não aplicadas diretamente ao que elas solicitaram. Por
exemplo, as reinvindicações relacionadas aos grupos comunitários, foram sim levadas
às conferências, mas aplicadas aos grupos internos da prefeitura e não nos próprios
grupos que coordenam. Em nenhuma das conferências são citados. E os recursos
são solicitados, mas para os grupos de referência da Prefeitura Municipal. Cria-se
com isso, uma Cisão entre as ações da sociedade civil e da sociedade governamental
que coloca em risco o interesse da população e que, na fala das coordenadoras fica
evidente que isso precisa ser trabalhado de forma insistente, na minha interpretação
de segunda mão.
É assim que essas formas de ver a velhice e a saúde do velho, estão se
naturalizando, no discurso de que tudo isso é próprio da velhice. É próprio da velhice
pobre ser indigna. É próprio do idoso pobre ser humilhado e não ter suas demandas
atendidas, em várias áreas. E segundo elas revelam nos seus cochichos, como dizem
186
alguns técnicos até nos conselhos, é apenas da pessoa idosa e de sua família, essa
responsabilidade. Segundo esta coordenadora, um dos técnicos que estavam no
conselho um dia, disse sobre o fato dos idosos não acessarem certos serviços que se
o serviço estava lá de graça e não procuram se informar, não correm atrás, o serviço
é que não pode correr atrás deles. E porque idosos pobres? por que ricos não fazem
parte dessa categoria? porque estão fora dessas margens, escaparam pelo menos
nesse quesito de se tornarem refugos ou destroços como apontou Beauvoir (1990,
P.663) compõe a outra parte dos que envelhecem, mas todavia negam a velhice
porque no seu status é vergonhoso ser rico e velho. Desta forma alguns usam o status
tentando escapar do estigma. São simplesmente ricos, até que comecem a ter algum
grau de comprometimento mais grave na sua saúde ou na sua lucidez, ou que
eventualmente passem por algo que possa contaminá-los e aproximá-los da
fragilidade pois esta os lança imediatamente na categoria de indignos e também de
refugos. O interessante é notar o quanto nas falas das próprias idosas pesquisadas
isto está presente, e naturalizado, muitas vezes surgindo em forma de desabafo,
como no discurso da coordenadora anteriormente citada.
O uso dos espaços para as entrevistas funcionou para trazer também certas
ironias e desabafos nas falas das entrevistadas, próprios de quem se afasta, seja por
tentar evitar a angústia, seja para lidar com a dor de não ter como sair desse espaço e
por isso mesmo negá-lo, rir da situação de estar e se conservar aérea diante de algo
que não mereça mais qualquer investimento. Esta questão está expressa na fala da
coordenadora CI 8 67a: “Oh! Política? só sei o preço do dinheiro que eles ganham...
mais nada” [risos]. E repete “mais nada [risos]”.
A importância desta voz é que ela remete a uma configuração subjetiva
presente na fala de muitos idosos, e portanto, daquilo que na voz remete ao silêncio
da indiferença, como afirma LE BRETON (1997, p102) ao discutir essa questão. Uma
fala que embora faça som significa um calar-se a respeito do que está sendo dito, de
uma recusa a participação de algo que pareça inútil. Dito de outra forma, uma fala
que silencia o sentido dado ao tema da política como tal como ela a significa, para não
ter que participar do que é considerado e “rejeitado como uma moeda falsa, cujo uso
se repudia. O “não sei “ou o “só sei” presente na fala desta coordenadora podem ser
pensados, na minha interpretação de segunda mão, apoiada nas ideias desse autor,
187
que são termos que reduzem sua fala a apenas uma ou nenhuma afirmação. Portanto
a um não querer dizer sobre. E o interessante é que ela diz só saber o preço do
dinheiro que eles ganham. Ou seja o que ela diz saber, de fato é também e por ironia
aquilo que irremediavelmente não saberia.
Esse silenciar-se sobre o tema diz de uma indiferença, mas também de uma
desistência de falar sobre ele, seja por considerar esse não querer mais falar sobre o
tema ou não querer saber e nem pensar a respeito, como “um recurso possível face
ao intolerável”, mas ao mesmo tempo, poder remeter à ironia como condição de
mudança, de não se conformar ao molde dado por outrem para a sua própria
existência, e portanto de rebelar-se ao falar ironicamente silenciando-se.
É importante relatar que esta mesma coordenadora durante todo o processo de
pesquisa mostrou-se descrente das políticas e dos políticos e por várias vezes afirmou
que não iria esperar pelo governo. Tinha que descobrir alguém que tivesse mais
vontade de trabalhar e ajudar os grupos. Entretanto, sua busca era muito mais
relacionada a questões pessoais que coletivas e sempre gerava desconfortos com as
outras coordenadoras que estavam sendo entrevistadas. De certa forma ela também
naturalizava o fato de que político ganha muito, e de uma forma debochada, repetia
esse refrão, como uma entendida do assunto e como se já fosse do conhecimento de
todos. É interessante observar que a despeito de todo o processo de participação e
engajamento político, as coordenadoras também exibem em alguns casos, como na
voz desta coordenadora essa necessidade ou esta esperança em um salvador,
alguém que venha de fora e resolva os problemas de todas as pessoas do grupo.
Essas foram as impressões resultantes da atividade e da linguagem desta
coordenadora.
Outra questão trazida pelas idosas, e especialmente pelas coordenadoras que
possuíam mais idade, foi a necessidade de se criar políticas públicas de inclusão para
a pessoa idosa, e especialmente para transmitir uma cultura de valorização da pessoa
idosa para as outras gerações, pois segundo afirmam, há algumas décadas atrás era
bem mais respeitoso o trato das pessoas de maneira geral, com a pessoa idosa. Hoje,
segundo elas, não existe mais essa preocupação, especialmente dos mais jovens
com o cuidado da pessoa idosa. A coordenadora CI10 -82a (2006) diz:
188
“Antes, a criança estava sentada, se aparecesse um idoso, ela levantava e dava lugar. Hoje não!!! Hoje você não vê isso, hoje é coisa para milionário, quando vê uma coisa dessas. Eu assusto! Quando vejo o menino levantar e dar... dar... lugar, e ceder o lugar para o idoso.” (CI10 -82a, 2006).
Sobre esse aspecto do cuidado algumas coordenadoras também colocam a
educação dos jovens e a reeducação de toda a sociedade como uma prioridade nas
políticas públicas, porque segundo elas a violência contra a pessoa idosa, muitas
vezes está naturalizada por meio da violência psicológica na própria família e pelo uso
de estereotipias muito comuns no comportamento de alguns jovens. Algumas
coordenadoras ressaltam que muitas vezes as pessoas idosas ficam cerceadas até do
direito de ir e vir porque se torna perigoso sair na rua. O comportamento de alguns
jovens gera receio insegurança e até a esquiva dos idosos de sair na rua a menos que
tenham alguma companhia. Ela afirma que isso tem melhorado um pouco, mas ainda
é algo que chama a atenção e prejudica as pessoas idosas.
Ao falar sobre isso uma das coordenadoras responsabiliza o setor público e as
pessoas que ocupam cargos de poder nesses setores, especialmente os políticos,
quando propõe como forma de resolução a participação mais próxima de reuniões
comunitárias educativas ou para esclarecimentos e informações, dos políticos e das
pessoas que estão nos cargos de comando dos programas e serviços públicos.
Entretanto, esta mesma coordenadora, fala simultaneamente que eles não fazem
reuniões e nem participam das atividades que as comunidades realizam e para as
quais são convidados. Sua fala expressa seu descontentamento e sua perplexidade
(CI9 -80ª, 2006).
“Ah os jovens tem que ser muito educado, ter muita paciência com os velhos, né?. Obedecer, e não judiar. Tem uns que pinta muito com a gente... abusa, ri da gente, tudo quanto há: ô véi!! Qualquer coisa tá chamando véia. Tem uns assim, não digo todos mas... agora melhorou um pouco, mas de primeiro...ah Tem velho que as vezes não pode nem sair na rua, assim, distante mais sozinho, né? Tem que ter sempre uma companhia... eu já vi muita judiação com gente velha. [Interlocutora pergunta o que a idosa acha disso]. Ah eu acho horrível, tá doido!!! Ainda mais numa cidade igual aqui, né? Belo Horizonte, tá doido! Nossa Senhora!” (Interlocutora pergunta para a idosa o que você acha que a gente pode fazer para mudar esse quadro?). “Ah! Não sei. Esse pessoal ai que manda, devia de fazer reunião, convidar e explicar para eles, falar, né? Convidar eles para assistir, né? Porque esses assim
189
quase nem gosta. A gente as vezes convida...não vô lá não. Convida e não vem. É esses que não gosta de participar de nada, né? (CI9 -80a, 2006).
Outra coordenadora, na minha interpretação, já tem a visão mais otimista
quando se reporta ao seu tempo de infância e assegura que naquela época em sua
cidade, pessoas de sua idade ficavam jogadas. Ela estava com 80 anos quando
entrevistada. Nesta época segundo ela, especialmente as mulheres ficavam sem
poder se divertir, ficavam sem atividades como as que existem hoje nos grupos de
convivência. Ela fala sobre os grupos como uma conquista. Em outras entrevistas esta
coordenadora chegou a afirmar que com o grupo ela voltou a viver, porque se
considerava como alguém sem vida. Sua fala ´ressalta essas mudanças que
considera boas na nossa época. É seu o seguinte cochicho:
Eu acho interessante por que antigamente, no tempo de eu mais criança... pessoa da minha idade, idade da dona C., ficavam jogado. Agora eu acho muito legal a vida do idoso, porque a gente pode divertir, a gente pode brincar, pode contar piada, pode passear. e antigamente não tinha nada disso. Isso eu acho muito bacana! (CI9 -80a, 2006).
Na minha interpretação de segunda mão, ela ressalta essas questões por sua
própria percepção da velhice, mas também considerando o momento em que a outra
colega havia falado tão negativamente do que a incomodava na forma como os jovens
tratavam os idosos. Ela havia trazido uma denúncia na forma como as relações eram
estabelecidas entre jovens e velhos. Isso também a influenciou, até por sua postura
mediadora, reconhecida por várias coordenadoras de grupos a ressaltar as questões
que melhoraram em relação às políticas públicas. Entretanto, logo depois na
sequência da entrevista explicita que ainda se pode melhorar muita coisa para a
pessoa idosa. Especialmente na família e na forma como a pessoa idosa é tratada.
Portanto, essa coordenadora aponta um no mínimo um paradoxo em sua fala. Se por
um lado afirma claramente nesta fala que a situação tem melhorado, por outro afirma
que o idoso ainda sofre muita violência e várias ações concretas poderiam ser
realizadas nos grupos.
190
Outro cochicho sobre esse mesmo tema foi feito pela coordenadora CI1- 60a
(2006) Ela concordou com o que havia sido dito pela Coordenadora é mais clara e
precisa ao exemplificar estas ações nos grupos de convivência especificamente:
“Eu acho que tem que ter ações que levem para aqueles grupos atividades, como essa que estamos fazendo aqui, que nós estamos fazendo no curso de coordenadores é. de grupos da terceira idade e que está nos ajudando muito a ter noções, ideias, conhecimento para melhorar as condições das pessoas que participam conosco. E se tivesse, assim, eventos que levassem a gente a fazer mais tipos de curso como esse, seria bom porque a gente aprimoraria nosso conhecimento e com a gente estaria melhorando a nossa própria situação e de quem participa conosco. (C1- 60a, 2012).
Sobre essas ações, elas reivindicam que os grupos de convivência recebam
mais investimentos governamentais, sobretudo na área de educação seja ela formal
ou informal, mas que tenha foco também na capacitação das coordenadoras de
grupos de convivência. Pois como afirmam, não possuem uma formação específica
para isso e poderiam contribuir muito mais com a comunidade se estivessem mais
amparadas do ponto de vista de sua formação e de sua capacitação para o
desempenho de suas funções nos grupos.
De igual forma pude observar que embora de forma individual e algumas
vezes, até na entrevista gravada pela filmagem, não falam da escola para pessoas
idosas. Nem do direito à educação, como falaram nas entrevistas de aprofundamento.
Ao perguntá-las sobre isso, após entrevistá-las, algumas delas me disseram que
sentem vergonha de dizer que precisam de educação formal, e que desejam que haja
escola para as pessoas idosas, porque já foram muito criticadas, por demandarem
isso. Por esse motivo, elas dizem que nem ficam falando muito publicamente pois isso
é visto como algo supérfluo por alguns técnicos e por pessoas que ficam querendo
usar o espaço da política para resolver questões imediatas ou particulares.
É interessante apontar que após estas oficinas que tiveram a duração de um
semestre na capacitação de coordenadores de grupos de convivência, e que
provocou a criação de vínculos entre os grupos e trocas de experiências entre as
comunidades em que estes grupos estavam inseridos, a prefeitura propôs um curso
de capacitação para coordenadores, mas com outra formatação, apenas durante um
dia inteiro, e depois propôs um outro curso apenas no final de semana, o que
191
envolveu um custo que as coordenadoras consideraram muito alto para os cofres
públicos em relação ao que conseguiram obter de benefícios. Queixaram-se que em
um dia apenas e com muitas informações elas não conseguem sequer gravar o que
trazem no curso. Elas sempre avaliam melhor os cursos que são oferecidos com um
prazo maior porque segundo elas, geram um compromisso maior dos instrutores com
os grupos, e permite a elas acompanhar e reter melhor o conteúdo ensinado.
Estas coordenadoras pesquisadas possuem como algo em comum, a
dedicação ao trabalho, mas cobram essa mesma dedicação dos governos,
especialmente no que tange ao apoio financeiro e técnico aos grupos de convivência.
Essa cobrança foi algo muito discutido nos encontros de coordenadores desde o início
do trabalho de pesquisa. Elas acreditam que o setor público deveria instituir uma
política específica com programas e projetos de apoio aos grupos de convivência
especialmente no que tange à facilitação dos registros em cartório e isenção de taxas
para a manutenção da documentação e dos processos legais e contábeis dos grupos
de convivência de idosos. Estabelecimento de parcerias em programas que
assegurem a sustentabilidade e a manutenção dos grupos de convivência, bem como
a dispensa de apoio técnico constante para os grupos para a elaboração de projetos
sociais, que garantam recursos para suas ações na comunidade. Demandam auxílio
na infraestrutura e adaptação para tornar o espaço físico do grupo mais acessível
para o público participante, apoio no que diz respeito à facilitação dos
encaminhamentos dos casos que elas atendem na comunidade, para a rede de
serviços, e ainda, solicitaram a criação do centro de referência para auxiliar os grupos
a ter mais voz junto ao setor público, e assegurar a agilidade na atenção de suas
demandas já que se trata de público com atendimento prioritário garantido pela
legislação. Sobretudo enfatizam a necessidade de conformar o espaço e a função dos
grupos para um serviço que fosse apoiado pela prefeitura, mas gerido pela
comunidade ou por uma coordenação colegiada. As coordenadoras argumentam que
o grupo de convivência abre o seu espaço à comunidade de forma muito mais ampla
porque a comunidade vive lá e por isso a direção do espaço necessita ser realizada
pela comunidade, para evitar os processos burocratizantes que cerceiam a
participação mais efetiva de toda a comunidade nos grupos cotidianamente, incluindo
os finais de semana. Querem ainda que a política de atenção aos grupos preocupe-se
192
com a formação e a potencialização tanto dos coordenadores como dos participantes
dos grupos, por meio de um programa educativo cultural e de lazer permanente.
Solicitam ainda que, haja um sistema de informação mais preciso para dar conta de
divulgar os serviços e os seus fluxos para as pessoas idosas, com o que reza no
estatuto do idoso, com programa semanal e diário em horário fixo e permanente por
um período indeterminado.
A coordenadora CI2- 62a (2006) complementa essa parte da entrevista
dizendo:
Eu já participei de ação comunitária e atividades religiosas. Dirijo um grupo de teatro há muitos anos, teatro amador na comunidade. Isso tudo leva a gente a um questionamento do que pode ser feito para melhorar a nossa situação. E depois que entramos na terceira idade, na real terceira idade, ai o nosso envolvimento se duplicou, porque agora a gente dedica de corpo e alma através do nosso teatro a levar uma mensagem de conscientização para quem possa nos ouvir e, também, nos entender. (CI2- 62a, 2006).
É interessante novamente escutar na fala insistente delas essa tentativa de que
as pessoas as possam ouvir e entender. O significado atribuído a esse ouvir e
entender quase sempre é seguido de alguma outra afirmação que desafia o que está
posto sobre o envelhecimento e sobre a velhice e que elas tentam insistentemente
ressignificar. Vejam por exemplo como esta mesma coordenadora finaliza sua
entrevista dizendo que esse grupo usa o teatro para sensibilizar as pessoas do que é
importante para elas. É como se tentassem mostrar uma outra face da pessoa idosa,
diferente daquela que está amalgamada em estereotipias ou focada apenas na
dimensão da doença e dos danos biológicos e sociais. Ou ainda se fixam em olhar a
pessoa idosa como aquela que necessita apenas de assistência e portanto é incapaz
de desejar outras coisas. Esta coordenadora desafia estes lugares propiciando novas
significações para a velhice ao dizer que as pessoas idosas necessitam sim de
cultura, de arte de lazer, de esporte, de diversão de educação de amor, de afeto, e de
tudo o mais que a vida possui e das quais possam desfrutar para aumentar
possibilidade de uma vida melhor e mais feliz no longeviver. É a fala desta
coordenadora que demarca um cochicho final para este capítulo:
193
Nós fazemos apresentações em todas as atividades que somos chamados, é... levando temas atuais que faz com que o público que...assiste... é... sinta o desejo nosso de melhorar nossa qualidade de vida através da arte. Então... é... nessas peças de teatro a gente faz um chamado a...a... um entendimento, que a pessoa venha ter, do que é importante para nós também, no tema da cultura, do lazer, do esporte. Porque, na verdade, a gente não precisa só de pão e água, a gente quer, também, diversão e arte[riso]. (CI2,62ª,2006).
194
5 DA COXIA PARA O PALCO
Figura 6 - Painel ilustrativo Contextos de participação política das
coordenadoras
Fonte: Painel elaborado pela pesquisadora (fontes diversas, vide referências)
195
5.1 Cochichar, escutar e traduzir as cenas da vida no palco da política local
“O que muda na mudança, se tudo em volta é uma dança
no trajeto da esperança junto do que nunca se alcança?
(Carlos Drummond de Andrade)
As coordenadoras entrevistadas trouxeram nas suas falas, por diversas vezes,
a necessidade que a pessoa idosa possui de receber as informações de forma que
possam compreender as mensagens que são encaminhadas pelas instâncias
governamentais acerca dos seus direitos e deveres e sobre os programas e serviços
públicos a elas dirigidos, o que para elas carecia com frequência de uma tradução que
tornassem compreensivas estas mensagens advindas dos programas de saúde, de
transportes, ou dos programas de assistência social, e que eram de interesse da
população idosa, mas cujo acesso era dificultado pelas limitações de acesso da
pessoa idosa principalmente à mensagem escrita. Durante o processo de pesquisa
pudemos observar nos diários de acompanhamento em campo que as coordenadoras
muitas vezes funcionavam para os participantes dos grupos, como principais
tradutoras das informações que eram lançadas às pessoas idosas, pelos diversos
canais de comunicação.
Esse capítulo da dissertação foi dedicado a descrever de forma densa e atribuir
a minha interpretação de segunda mão sobre o que pude acompanhar das principais
ações de participação das coordenadoras entrevistadas, entre elas esta ação
primordial de se colocarem como tradutoras para o público que coordenavam, o que
lhes gerava sempre uma grande responsabilidade, diante das expectativas tanto das
pessoas idosas quanto dos setores públicos, sem que existissem ações suficientes de
suporte para tais questões. Algumas destas ações em parte ficaram explicitadas na
oficina de desenvolvimento humano político e social realizada no dia 28 de Abril de
2012. Entretanto os diários de campo durante o acompanhamento das coordenadoras
nos grupos pelo programa de estágio ao longo dos dez anos de intervalo entre as
duas inserções no programa de mestrado em gerontologia pode contribuir para que
196
alguns pontos de sua participação política e de suas ações fossem compreendidos
ora no calor da luta para garantir os direitos da pessoa idosa, ora no cotidiano das
questões que afligiam ou potencializavam os grupos de convivência que elas
coordenavam nas suas comunidades de origem. Tais ações também nos permitiu
acompanhar o seu movimento de transformação ao longo do processo de pesquisa,
bem como algumas contribuições decorrentes dessa transformação para os próprios
grupos.
A principal ação das coordenadoras de grupos de convivência de idosos, na
interpretação delas é a de manter o espaço dos grupos de em funcionamento
constante e fomentar a participação de pessoas idosas. Observo que esta ação
demanda um compromisso ético político de grande responsabilidade pois existem
sérios desafios que se apresentam para coordenar um grupo, segundo a visão das
coordenadoras. Listei alguns desses desafios apontados na fala de uma das
coordenadoras entrevistadas (CI4 72 2006) Segundo ela “muitas vezes os idosos
demonstravam ser pouco acessíveis para qualquer pequena proposta que significasse
uma mudança”. Isso não é fácil de ser trabalhado, para elas, porque muitas vezes já
enfrentavam as dificuldades para manter o espaço de participação nos grupos
desafiando vários opositores seja nos espaços em que se reuniam, seja com
familiares de idosos já que alguns segundo elas eram violentos e aguerridos
entendendo que o grupo deveria suprir todas as necessidades da pessoa idosa que
dele participava, até por falta de informação e por achar que o coordenador de alguma
forma estava tirando proveito financeiro disso.
Nessa fala da coordenadora podemos perceber a nefasta junção entre o
desamparo da pessoa idosa (provocado pela deficiência nas políticas públicas de
atenção advindas de um modelo de proteção social com uma lógica tutelar, mas sem
uma lógica educativa para a sociedade), com um aspecto cultural de negligência à
pessoa idosa sustentada nos modelos e padrões familiares que ao incentivar o
membro produtivo e rejeitar o declínio humano e o velhice como se fosse algo
vergonhoso, projeta sua angústia de lidar com a finitude, exatamente naqueles que se
dispõe a cuidar dos velhos, exigindo deles aquilo que nem a política de , nem a família
conseguem propiciar.
197
Sobre isso alerta Simone de Beauvoir ao falar (1990) há algumas décadas atrás,
sobre a questões da velhice, de forma a quebrar como diz ela, uma certa conspiração
do silêncio sobre o tema.
Aí está o crime de nossa sociedade. Sua política de velhice é escandalosa. Mais escandaloso ainda, porém é o tratamento que aflige à maioria dos homens na época de sua juventude e de sua maturidade. A sociedade pré-fabrica a condição mutilada e miserável que é o quinhão deles na última idade. É por culpa dela que a decadência senil começa prematuramente, que é rápida, fisicamente dolorosa, moralmente horrível porque esses indivíduos chegam a ela com as mãos vazias. Explorados e alienados quando a força os deixa, tornam-se fatalmente: “refugos”, “destroços”. (BEAUVOIR, 1990, p.663).
Torna-se fácil perceber que essas mulheres idosas coordenadoras, muitas
vezes protagonizam uma atuação política, no movimento de resistência contra os
processos de dominação em relação à pessoa idosa, e não somente em relação a
elas. Lançam-se contra os processos de dominação de todo o homem, e contra uma
condição social que o fragmenta e captura, desde cedo, já na sua juventude, para as
linhas de produção.
Portanto é contra esse vazio que se instaura na velhice e de que fala Beauvoir,
decorrente de uma senilidade da própria sociedade que se embrutece no ato de
alienar os homens pela exploração de sua força, que elas se lançam, fazendo um
exercício inverso, tentando encher as mãos que chegam vazias, com aquilo que é
próprio do homem, com valor e afeto, com ações que propiciam a eles se
aproximarem novamente da sua própria humanidade. Por isso se tornam alvos fáceis,
e correm o risco de assumir o papel do Bode expiatório, no qual a família e o estado
tenta expurgar todas as dificuldades por sua incompetência em lidar com a pessoa
idosa e com a velhice, sem outorgar-lhes qualquer suporte. Como afirmou uma das
coordenadoras (CI4 67a 2012) “é sempre muito tensa a relação com os familiares de
alguns idosos e só com o tempo e com a ajuda das estagiárias consegui ficar mais
relaxada nesse trabalho”. Consegui separar as questões e dificuldades que eram
minhas, das dificuldades que eram das idosas e de sua família.
Outras vezes as próprias coordenadoras apresentavam muitas divergências
entre elas mesmas tanto no grupo como na sua rotina. Assegura essa mesma
coordenadora citada que essa atitude era típica de quem não trabalhou muito em
198
equipe e precisava se aperfeiçoar. Afirma ela que o grupo também tem muitas
pessoas que trazem muitas críticas desnecessárias que afetam o grupo como um
todo, E desenvolver o autocontrole necessário para lidar com toda a diversidade do
grupo, foi um desafio segundo afirma outra coordenadora CI7-72a 9 (2006)
Aprendi com as estagiárias a ter mais atenção com o relacionamento humano, a ser mais compreensiva e flexível para lidar com as divergências do grupo no dia a dia, críticas, fofocas, o mal humor de algumas idosas, as chantagens de outras, o choro emocional (?) quando choram na perda de outros, as próprias perdas, e não conseguem se dar conta disso. (CI7-72 a, 2006).
Além disso, há outros desafios como o desafio da sustentabilidade dos grupos,
da manutenção contábil, e dos documentos da entidade, das atividades realizadas
semanalmente, muitas vezes sem nenhum auxílio externo e mais ainda, existe o fato
de tentarem traduzir todas as demandas que chegam nos grupos de convivência
É necessário recorrer aos dados históricos da pesquisa que remontam ao primeiro
curso de mestrado que realizei de 2002 a 2006. No programa de Gerontologia da PUC
de São Paulo, para que os leitores possam entender porque novamente no período de
2011 a 2014 na pesquisa que agora concluo, optei por retomar esses dados e
reatualizá-los, respeitando o curso da história e do movimento realizado pelas
coordenadoras de grupos de convivência. Esta decisão foi exatamente para tentar
lançar maior luz sobre os cochichos, mas sobretudo, para que a pesquisa funcione
como instrumento para manter viva a voz destas mulheres, no que trouxeram como
pontos principais que gostariam que fossem escutados.
Na condição de pesquisa-ação, a ideia é que elas possam agora reatualizar
estas questões com novas estratégias de participação política e construindo novos
caminhos para que seus cochichos possam se tornar voz audível, Uma meta buscada
por esta pesquisa. Já que foram muitos os dados coletados que não se esgotarão no
mestrado, mas que poderão servir de guarda-chuva para outras várias pesquisas.
Esta afirmação se deve ao fato de que é necessário observar as contribuições destas
mulheres coordenadoras de grupos de convivência, e mais particularmente, das dez
coordenadoras entrevistadas na pesquisa atual, na construção dos programas e
serviços que hoje são oferecidos pelo próprio município. Pois a despeito delas não se
199
sentirem escutadas, e de dizerem que sua participação é “para inglês ver”, o que de
certa forma é justificado por elas na forma como se sentem ainda não contempladas
nas ações governamentais, no descaso com os grupos comunitários de convivência
de idosos, na ausência de atenção real às demandas das coordenadoras, na forma
como o próprio setor governamental cerceia e delimita uma participação mais ampla
que seria crucial para elas na interação com o espaço público e na forma como são
abordadas pelos representantes do setor público. Estas mulheres “esperançando”74
mudanças no modo de serem escutadas e auxiliadas nas políticas públicas e nas
ações que desenvolvem nas comunidades, pois agora se veem como parte ativa e
como componentes do poder público. E, sobre isso é interessante trazer a
contribuição de um autor que complementa essa ênfase Freireana na transformação
da política, especialmente na transformação da política social. Linhares (2000, p.83)
A política está referida à polis, ou seja, os exercícios de poder e controle que nos envolvem coletivamente, buscando definir quem somos e quem queremos ser, distinguindo-nos dos outros, a política precisa ser estudada, tanto nas esferas tradicionais e oficiais, de onde emanam as diretrizes formuladas que se traduzem em normas e regras de ação e de convivência social, mas também buscada nas condutas que tornam aceitáveis e dizíveis aquelas diretrizes e, ainda mais investigada no próprio imaginário político e social (LINHARES,2000, p.83).
Esse pensamento é interessante, pois expõe a diferença que faz para uma
pessoa que dirige um equipamento comunitário como um grupo de convivência de
idosos, saber com precisão que o poder público se compõe da sociedade civil e da
sociedade governamental e não apenas do setor público, como comumente as
pessoas ainda se referem nos seus discursos até em lugares que possuem um
público composto de intelectuais como as universidades. Na atualidade, foi
presenciado por duas estagiárias, as coordenadoras pesquisadas, chamando a
atenção de pessoas que se referem aos setores governamentais como “o poder
público”. Elas fazem questão de explicar para estas pessoas o que é poder público.
Fazem questão de incluir a sociedade civil, e cada cidadão como constituinte e
74 Esperançar foi utilizado no texto por ser um verbo de ação inventado por Paulo Freire para dizer do posicionamento político que
deve envolver as ações transformadoras nas comunidades nos grupos, nas marchas que deveriam aumentar pelo país. Marchas em
favor de todas as questões relevantes advindas de grupos diversos que organizados conseguissem transformar a posição de
oprimidos a esperançadores in FREIRE, Paulo Pedagogia do Oprimido São Paulo vozes, 1998, p56
200
compositor do “poder público”. Essa ação por si só reconfigura não apenas o lugar da
coordenadora, no discurso público, mas promove o questionamento sobre os lugares
de cada pessoa que as escuta e é também convocada a refletir sobre o seu lugar
diante da máquina governamental. Talvez por isso essas coordenadoras pesquisadas
sejam realmente, as que são consideradas mais inconvenientes, e mais difíceis de
lidar na fala de alguns técnicos e até de pessoas que participam dos conselhos e
fazem mais uso da retórica 75 e da Lisonja76 que de um falar franco 77 , que é
valorizado por Foucault como um caminho capaz de transformar o processo de
implicação dos sujeitos no cuidado de si e do outro e portanto de implicação com a
política, e favorecer processos de mudanças, e especialmente favorecer o
crescimento para os grupos mais desiguais, como salienta (MOTTA,2010, p.10-11),
ao narrar e apropriar-se da proposta de Foucault para repensar a política, nos seus
ditos e escritos:
“Não interrogo os discursos sobre o que silenciosamente querem dizer mas
sobre o fato e as condições de sua aparição manifesta: não sobre os
conteúdos que pode encobrir, mas sobre transformações que efetuaram; não
sobre os sentidos, que neles se mantêm como uma origem perpétua, mas
sobre o campo onde coexistem, permanecem e apagam-se Trata-se de uma
análise dos discursos na dimensão de sua exterioridade daí três
consequências:
- Tratar o discurso do passado não como um tema para um comentário, mas
como um monumento a descrever em sua disposição própria;
- procurar no discurso, não como nos métodos estruturais, suas leis de
construção, mas suas condições de existência;
- relacionar o discurso não ao pensamento, ao espírito ou ao sujeito que
possamos fazer surgir, mas ao campo prático no qual se desenrola.
(MOTTA,2010, p.10-11)
75 Lisonja no sentido atribuído por Foucault. M. (1982) sobre a fala daquele que busca agradar os que ocupam o lugar de poder, para
com isso ser apreciado por ele
76 A retórica aqui, segundo Foucault (1982) não apenas no sentido da repetição, mas do discurso afetado pelo jogo político de parecer
ser que se opõe ao falar franco (parresia)
77 O falar Franco é um sentido da parresia atribuído por Foucault é o falar franco endereçado ao amigo.
201
5.2 Do cochicho à voz – Nossa forma de participar
Cabe, então, apresentar um resumo das listas78 das principais ações que as
coordenadoras entrevistadas desenvolveram com o grupo, com o apoio de suas
comunidades e parceiros, ao se organizarem com os esforços comunitários junto ao
grupo, fortalecendo a sua função como equipamento social comunitário nesse período
da pesquisa. Penso que a lista cumprirá o papel de propiciar a visualização desse
movimento de sair do cochicho e lançar para fora do grupo suas demandas em forma
de uma participação contínua que tente, por meio da ação, buscar alternativas par
solucionar seus problemas.
1- Aquisição de terrenos por quarto coordenadoras e aquisição de duas sedes
próprias com o auxílio de entidades não governamentais por outras duas.
2- Aquisição, no orçamento participativo, de imóvel e equipamentos, para um
grupo de convivência, por uma das coordenadoras (Embora as finalidades tenham
sido modificadas, depois de construído o equipamento. E hoje, as idosas tentam
garantir o espaço físico para as atividades que realizam, mas existem conflitos de
interesse claros entre o setor público e a comunidade).
3- Negociação para uso do espaço pelos seus grupos em sedes de entidades
religiosas e associações de bairros: por seis coordenadoras.
4- Gincanas e festas beneficentes para a comunidade: atividades realizadas por
todas as coordenadoras pelo menos quatro vezes ao ano durante todos os anos.
5- Festas e eventos típicos da cultura brasileira, envolvendo toda a comunidade:
realizadas por todas as coordenadoras de grupos pelo menos três festas ao ano
durante o período da pesquisa.
6- Programas comunitários intergeracionais como passeios e encontros com
troca de saberes entre avós e netos, e jovens da comunidade; leitura e informática,
costura e ateliê de artes, teatro etc com adolescentes.
78 Esta listagem foi realizada com base no complemento solicitado pela pesquisadora para as coordenadoras, nas entrevistas de
aprofundamento, com o título “Lista das principais atividades políticas sociais e comunitárias que realizaram e de que participaram ou
no período de 2006 a 2013 a partir do registro das atas de reunião dos grupos.
202
7- Participação na elaboração da proposta dos cursos e oficinas como: curso de
memória e elaboração de projeto de vida; curso de memória, envelhecimento e
cultura; seminários de direito e cidadania; seminários de grupos de convivência,
todos realizados na PUC MINAS de 2000-2009; Todas as coordenadoras
entrevistadas.
8- Participação da oficina de elaboração de projetos sociais para os grupos de
idosos na PUC Minas de 2000 a 2006 realizada por oito das dez coordenadoras
entrevistadas.
9- Participação na discussão e proposta do primeiro centro de referência do
idoso de Belo Horizonte; realizada por todas as 10 coordenadoras entrevistadas.
10- Participação ativa nas oficinas para discussão sobre políticas públicas e
grupos de convivência de idosos na PUC Minas de 1999 a 2009 todas as
coordenadoras e de 2009 a 2013 participação das coordenadoras, nas oficinas de
liderança no Spazio vitalitá- todas as coordenadoras entrevistadas.
11- Construção da proposta do estágio em acompanhamento terapêutico a idosos
acamados pelos estagiários do curso de psicologia da PUC Minas.
12- Elaboração da proposta de criação do programa PUC MAIS IDADE dirigido à
população idosa de Belo Horizonte.
13- Levantamento do perfil dos idosos do bairro em parceria com o programa Puc
Mais Idade PUC Minas.
14- Diagnóstico de escolarização dos idosos incentivado e apoiado pelo
Programa PUCMAIS IDADE PUC Minas para implantação de unidades do EJA nos
grupos de Convivência.
15- Cursos para preparar os idosos para atividades de geração e
complementação de renda ministrado por técnicos da prefeitura Municipal de Belo
Horizonte, locadas na secretaria municipal de abastecimento.
16- Coordenação de Curso de alfabetização de idosos em parceria com a
Secretaria Municipal de Educação.
17- Exposição e venda dos produtos fabricados pelo grupo na Feira Modelo e no
Armazém da roça, e em outras feiras municipais e intermunicipais com o objetivo de
gerar renda para os participantes dos grupos.
203
18- Participação das assembleias e eleições dos representantes do conselho
Municipal e Estadual do Idoso.
19- Participação nos fóruns regionais da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
20- Participação na elaboração da proposta de Escuta e acompanhamento
psicológico ao grupo de idosos a ser realizado pelos estagiários do curso de
psicologia da PUC Minas.
21- Participação da construção da proposta de acompanhamento terapêutico
domiciliar ao idoso acamado de baixa renda, com dificuldades para acessar o
serviço de saúde da rede pública em parceria com o curso de ´psicologia da PUC
Minas.
22- Participação das feiras de exposição e de cultura no programa Domingo na
PUC em parceria com a PUC Minas e a prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
23- Registro do grupo.
24- Projeto intergeracional envolvendo idosos e menores em situação de risco
social, parceria PUC Minas.
25- Formação e coordenação do pré vestibular comunitário dirigido a jovens de
baixa renda em parceria com a PUC Minas e o Colégio Marista.
26- Ações de benefício ambiental para o bairro.
27- Cursos de capacitação diversos para a comunidade com parcerias.
28- Eventos de confraternização: e para sustentabilidade dos grupos parcerias
diversas.
29- Mobilização da comunidade, pelo grupo de idosas para o orçamento
participativo e conquista da verba necessária para construção do centro de
referência do idoso no bairro.
30- Mobilização de várias coordenadoras para a criação de uma associação de
coordenadores de grupos de convivência de idosos, para que pudessem se
organizar em busca de fortalecimento e representatividade no espaço político
31- Atividades de acompanhamento das instituições de longa permanência e
idosos carentes de recursos financeiros e acamados com o objetivo de com o
trabalho doado pelas idosas nos grupos, levarem roupas e lençóis produzidos por
elas àquelas instituições.
204
32- Mobilização da comunidade para participação nas conferências de direito da
pessoa idosa.
33- Mobilização para luta em prol do transporte coletivo gratuito para os idosos.
34- Mobilização dos idosos na luta para efetivar o direito de educação da pessoa
idosa.
35- Participação em programa de televisão para falar sobre direitos da pessoa
idosa.
36- Participação de programas de fortalecimento dos conselhos e grupos de
convivência nas zonas rurais em parceria com o Programa PUC MAIS IDADE, Na
Pró reitoria de extensão da PUC Minas e o Conselho Estadual de Direitos da Pessoa
Idosa.
37- Participação na criação e realização de cursos, seminários, e projetos nos
grupos com a parceria de instituições educativas como a PUC MINAS, UNA,
FUMEC.
38- Participação em atividades, festas cívicas e eventos comemorativos da
cidade com a parceria da prefeitura Municipal.
39- Participação na elaboração e na composição da equipe de consultores dos
cursos de capacitação para o cuidador familiar de idosos no Programa PUC MAIS
IDADE na PUC Minas.
40- Participação no primeiro seminário de políticas públicas para pessoas idosas
na assembleia legislativa de Minas Gerais com os estagiários dos cursos de
psicologia da PUC Minas.
41- Participação da construção da proposta para apropriação e utilização por
tempo indefinido da casa do baile como casa para Baile de idosos em horários
permanentes diários para os grupos de convivência de idosos; junto ao conselho
Municipal e Estadual do Idoso.
42- Participação da construção da proposta para criação da primeira Unidade de
Educação Para a pessoa idosa de Belo Horizonte, e para a criação de grupos do
EJA próprios para a educação da pessoa idosa em alas anexas nos grupos de
convivência de idosos, junto à Secretaria Municipal de Educação.
43- Participação na discussão e encaminhamento da proposta de sensibilização e
valorização da pessoa idosa no conselho Estadual do Idoso de Minas Gerais.
205
44- Participação do programa de fortalecimento dos grupos de convivência no
Conselho Estadual do Idoso de Belo Horizonte.
45- Participação na elaboração e sugestão dos temas e filmes a serem discutidos
do projeto cinema comentado para grupos de convivência.
46- Participação na mobilização da comunidade em campanhas de saúde e de
vacinação da pessoa idosa.
47- Participação na mobilização da comunidade nas campanhas de prevenção
contra Dengue.
48- Participação no programa de popularização do teatro com peças que
sensibilizavam a população para a temática do envelhecimento e para a redução
dos mitos e preconceitos sobre a velhice.
49- Participação na concepção da proposta de criação do programa Minas Mais
idade para pessoas idosas com horário fixo na Rede Minas de Televisão, no
conselho Estadual de direitos da pessoa idosa de Belo Horizonte.
50- Participação intense das coordenadoras na mobilização das comunidades
para a campanha de mobilização nacional no movimento “Ficha Limpa” para os
candidatos a cargos políticos.
51- Participação e mobilização dos grupos e dos seus participantes para a
participação política da pessoa idosa através do voto consciente e do apoio à
campanha “Ficha limpa”.
52- Participação na criação da proposta conheça a capital – programa de turismo
social para os idosos advindos de grupos de convivência de cidades pequenas
visitarem a capital mineira e os principais pontos turísticos da região.
53- Participação no Programa do fortalecimento dos conselhos empoderamento
da pessoa idosa com suporte à criação de grupos de convivência nos municípios de
Baixo IDH do Estado de Minas Gerais.
54- Proposição do projeto de “trocas intergeracionais” como projeto piloto Na
oficina de projetos sociais para grupos de convivência da PUC Minas e coordenação
do mesmo projeto no grupo de convivência em duas escolas municipais, como
projeto piloto apoiado pela prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
206
55- Participação ativa de todas as coordenadoras entrevistadas nas três
conferências Municipais, Estaduais de Direitos da Pessoa idosa, e de uma Delas nas
duas primeiras Conferências Nacionais de direitos da pessoa idosa.
56- Participação efetiva de uma das coordenadoras de grupos de convivência no
prêmio bom exemplo e mobilização dos grupos e das comunidades para apoiá-los.
(a coordenadora foi premiada e ficou com o segundo lugar geral no Brasil).
57- Participação ativa na elaboração da primeira oficina de desenvolvimento
humano, político e Social para Coordenadores de grupos de convivência de Idosos de
Belo Horizonte “por uma política de sustentabilidade dos grupos de convivência de
idosos de Belo Horizonte).
58- Participação e mobilização da comunidade para participarem de atos públicos
e de abaixo assinados reivindicando a reforma política.
A observação que faço é que no percurso da pesquisa, todas as participações
aqui mencionadas sempre foram alvo de grande envolvimento dos grupos e das suas
comunidades de origem sempre ocorreram com o esforço e organização das
coordenadoras, apoiadas principalmente por instituições parceiras e iniciativas
pessoais de moradores da própria comunidade que do setor público. Nas suas falas
elas dizem contar com o setor público apenas para aquelas atividades que são do
interesse da própria coordenadoria do idoso ou da própria prefeitura, pois são suas
ligações com amigos e com parceiros políticos que as auxiliam quando o interesse diz
respeito apenas ao grupo. Nesse caso, segundo elas, ainda precisam ficar na velha
posição de esperar como um favor, e não como um direito, as coisas de que
necessitam como por exemplo um ônibus para transportar as pessoas num passeio,
ou um transporte específico para uma situação grave de alguém cuja família não tem
condições de dar esse suporte, ou um material didático para uma oficina de trabalho,
ou outros subsídios financeiros e técnicos para realizarem uma viagem ou ainda
qualquer outra necessidade que venham a ter.
Na fala da coordenadora abaixo citada, podemos ver claramente a
interpretação que elas dão sobre o fato: de que os grupos ainda não foram
encampados como uma política que os auxilie de fato e sim como um espaço do qual
os próprios políticos tentam se beneficiar, apropriando-se das realizações do próprio
grupo e da própria comunidade, como se fosse um trabalho desenvolvido por eles:
207
Depois de todo o sofrimento para montar os grupos e finalmente ter um público permanente de mais de setenta pessoas como é o nosso caso, é que chegaram os políticos e a prefeitura querendo colher os frutos que a comunidade plantou com muito sacrifício e dedicação. Mas para os grupos mesmo, a política não trouxe nada de concreto e garantido por lei que é para os grupos. Só recebemos ajudas pontuais. De um recurso que sobra, de projetos que chegam maciçamente e eles não sabem o que fazer, e que as vezes nem é do interesse do grupo e eles empurram. Não estou com isso desmerecendo a ajuda e o apoio que recebemos, mas tem que vir de uma outra forma sem tutela, sem essa característica de estar recebendo um favor. E nós é que temos que aprender a caminhar com as próprias pernas. Idoso nenhum quer dar trabalho para ninguém. Mas sem direitos garantidos aí sim a gente fica dependente, tutelado pela família e pelo Estado e sem dignidade. (CI3- 67a, 2013).
Quando solicitam qualquer auxílio do setor público que envolva custos,
segundo elas, a resposta que recebem é sempre que tudo funciona com projetos, mas
se pedem auxílio para desenvolver tais projetos também não recebem. Assim, quase
nunca os grupos possuem todas as condições para concorrerem aos projetos de
financiamento público de ações, dadas as suas dificuldades financeiras e técnicas
para manter suas documentações em dia. Essa foi uma das demandas mais
presentes durante todo esse percurso de participação das coordenadoras durante a
pesquisa. Podemos ouvir isto na fala de uma das coordenadoras levando essa
demanda para o presidente da Frente Parlamentar do idoso na Assembleia Legislativa
de Minas Gerais: Vejam a fala desta coordenadora:
“É muito bom ter um representante da frente parlamentar conosco [...] No
nosso encontro de hoje foram apresentadas várias demandas. Fizemos uma reflexão sobre o nosso papel diante do estado e do município. Nós temos uma dificuldade de sermos reconhecidos. Nós temos uma exigência legal de registros. Precisamos ter o nosso registro em cartório e o reconhecimento de utilidade pública Municipal Estadual e Federal. Para ter direito a recursos mas quando efetivamos o registro temos encargos tributários que não damos conta de Pagar porque os grupos não têm lucro somos todos voluntários. A nível de estado nós temos algumas demandas também. Nós Temos algumas demandas para a frente parlamentar do idoso porque nós queremos ser ouvidos, queremos participar, queremos o direito de decidir, de exercer o papel de parceiros e contribuir para que as políticas sejam de fato voltadas para as necessidades da pessoa idosa, .e para os grupos pois nós precisamos receber recursos do Estado e do município para que a gente possa desempenhar as nossas atividades e nós ainda não temos isso.. Alguns grupos recebem uma pequena per-capita, mas precisamos que isso seja estendido a todos como uma política porque somos voluntários e somos
208
equipamentos sociais e comunitários importantes para a nossa comunidade”CI10,82ª 2013)
E pensam que as exigências para concorrer a projetos sempre requerem
burocracias que acabam impedindo os grupos de obterem os recursos. Elas até
desenvolveram nos seus espaços mais íntimos de discurso uma teoria de que já
existem instituições marcadas para receber essas verbas como justificativa para o fato
de que nunca conseguem nada. Esta fala da coordenadora no primeiro momento de
participação das coordenadoras na oficina de desenvolvimento humano político e
social apresenta um exemplo desse discurso:
Porque eu já cansei de participar e ter que esperar a promessa eterna de políticos e agora a própria prefeitura também nunca cumpre as promessas de que sejam destinados recursos do Município e parcerias para os grupos. Quando vem verba para os grupos elas desaparecem e focam sempre com a própria prefeitura, que ao invés de apoiar os grupos que já existem, ficam criando outros grupos só para gastar o dinheiro dos recursos e a gente fica aí sem nenhum recurso. Mas na hora de pedir voto ah aí eles vêm correndo. É tudo carta marcada e os grupos que mais trabalham pela comunidade não recebem sequer uma ajuda. Várias de nós sabemos que fazemos um trabalho porque temos o prazer de servir, mas é difícil viu? (CI6,72 2013)
Além disso, numa das oficinas de participação no curso de capacitação para
coordenadores de grupos de convivência realizado em 2005, as coordenadoras elas
propuseram a criação do Centro de Referência da pessoa idosa em Belo Horizonte,
como um espaço de grande necessidade, que na concepção delas deveria servir
como apoio técnico e logístico para os grupos de convivência e idosos. Esse espaço
serviria exatamente como uma instituição que intermediasse junto ao setor público
tanto nas instâncias do legislativo, como no executivo, principalmente junto `a câmara
de vereadores e à Prefeitura Municipal, para responder com mais agilidade as
demandas dos grupos de convivência. Quando o desenharam, inclusive a própria
coordenadora Municipal de idosos e alguns técnicos da Prefeitura haviam sido
convidados para participar do curso oficina e teve acesso aos desenhos, maquetes e
ações propostas para um centro de referência da pessoa idosa em Belo Horizonte.
Inclusive, na época, esteve presente também a gerente de políticas sociais do
Município A demanda não deixou de ser considerada pois o Centro de Referência da
209
Pessoa Idosa existe hoje no município, só que com um nome diferente: CRI: Centro
de Referência do Idoso e funciona, embora com um outro objetivo. Ao invés de apoiar
os grupos nas demandas solicitadas pelas coordenadoras, como poderemos
comparar no anexo 3 (P. as demandas dos grupos para este equipamento como já
expusemos, com as ações do Centro de referência de acordo com o site oficial da
Prefeitura, e que lá está exposto, veremos que esse equipamento ao invés de
funcionar como um espaço de apoio técnico às coordenadoras e aos grupos de
convivência, nas ações que desenvolvem e nas demandas que fizeram para que o
centro de ser um equipamento que fortalecesse as ações dos grupos ao atender as
suas solicitações que eram:
a) apoio contábil, para manter a parte documental dos grupos em dia;
b) apoio técnico administrativo para a elaboração e proposição de projetos de
sustentabilidade;
c) apoio na elaboração e proposição de projetos sociais, para buscarem
recursos nas fontes financiadoras;
d) apoio nas ações de sustentabilidade dos grupos para a organização de suas
ideias e sua transformação em propostas políticas;
e) apoio no que diz respeito às necessidades de adaptação dos ambientes dos
grupos etc;
f) apoio com o suporte logístico para suas viagens e passeios, entre outras
demandas.
Poderemos ver que as ações do Centro de referência repetem muito mais as
próprias funções e atividades dos grupos de convivência e não contribui com aquilo
que solicitaram. Transformou-se em mais um espaço de convivência de idosos, o que
inclusive segundo a maioria das coordenadoras pesquisadas acabou por enfraquecer
os grupos regionais ao invés de fortalecê-los uma vez que capturou alguns de seus
membros por possui condições para trazer à população um espaço maior e com
atividades mais variadas, mas por outro lado, serve mais à população de idosos mais
jovens que ainda conseguem transitar bem pela cidade, e não atinge à população
heterogênea de idosos que participam dos grupos comunitários e que necessitam ter
suas atividades desenvolvidas mais próximo de sua moradia.
210
As coordenadoras, embora reconheçam que esse equipamento foi uma
proposta delas para a prefeitura, e que nesse sentido foram ouvidas por eles. Não se
sentiram de forma alguma, escutadas na forma de endereçamento das ações e
programas do Centro de Referência que deveria segundo elas, funcionar como um
centro de apoio às ações desenvolvidas pelos grupos, no entanto, o sentido e o
objetivo do equipamento foi totalmente desviado daquele que foi proposto
inicialmente. Na fala de uma das coordenadoras durante a oficina com os
parlamentares podemos escutar:
Olha aqui, nós nos reunimos neste espaço, na esperança de vocês nos escutarem, já que tanto na assembleia como na câmara é mais difícil falar com vocês. Estamos cansadas de reivindicar nos conselhos, e nos fóruns de idosos uma política e programas que possam auxiliar os grupos e facilitar o nosso trabalho como coordenadoras, e nada do que solicitamos é atendido de fato. Por isso resolvemos fazer esta reunião e apresentar aos senhores nossas demandas.(CI 3 65ª 2013)
Podemos observar nesta fala que os espaços de participação que deveriam ser
destinados à escuta da pessoa idosa, bem como o próprio Centro de referência foram
completamente desviados da proposta. Isso, segundo elas dificulta muito o processo
de participação. Os grupos de convivência são em sua maioria, espaços semiabertos
são dinâmicos. As necessidades das pessoas idosas nem sempre podem ser tão
programadas. Pois adoecem rapidamente, e o perfil dos participantes pode se alterar.
As políticas que existem, segundo elas, ainda são obsoletas e lentas para
acompanhar essas mudanças e os mecanismos que as sustentam também ainda é
confuso e o fluxo dos serviços públicos de atenção ao idoso mudam constantemente e
não há informações suficientes que sejam repassadas para os grupos, na mesma
velocidade dessas mudanças. Todos estes fatores dificultam o acesso dos grupos
àquilo de que necessitam. Por isso acreditam que ainda se faz necessário construir na
política de atenção ao idoso, políticas específicas para os grupos de convivência
considerando sua importância como equipamento social comunitário, cujas formas de
acesso sejam por um lado mais fáceis, e ao mesmo tempo produzam maior
autonomia, com verbas enviadas diretamente para os grupos de convivência.
211
Segundo elas, no ano de 2003 ou 2004, o município de Belo Horizonte
recebeu uma verba de 500.000,00( quinhentos mil reais) para o fortalecimento dos
grupos de convivência de idosos, fruto de uma reinvindicação antiga dos grupos para
um prefeito anterior da cidade de Belo Horizonte, que ocupava naquela época, uma
cadeira no Ministério de Desenvolvimento social. Mas quando esse recurso chegou à
secretaria de assistência Social,, ao invés de serem favorecidos os grupos que já
existiam na comunidade, a prefeitura criou vários outros centros de convivência novos
ligados diretamente ao sistema público, para que pudessem ser controlados pelo
próprio sistema com suas regras rígidas e que ainda não dispõem de uma experiência
de participação colegiada com a comunidade. E, nesse caso, nenhum dos grupos
comunitários puderam acessar esses benefícios. Por isso elas solicitam políticas
específicas de apoio que tenham como prioridade os grupos de idosos que já existem
na comunidade, e que possam assegurar os benefícios mínimos de que necessitam
constantemente, para que a pessoa idosa possa participar melhor do espaço público,
com as parcerias e o apoio da comunidade, e dos amigos.
Uma das coordenadoras, afirma entretanto, que não existe parceria sólida
ainda entre o setor público e a sociedade civil na forma como é necessária. Cita o
exemplo da coordenadora CI 1,60ª, 2006/2012) ª, que desenvolveu um projeto de
trocas nas relações intergeracionais, entre adolescentes da escola em que havia sido
diretora, e com pessoas idosas da comunidade, que participavam do grupo de
convivência. O objetivo era de que pudessem experimentar um espaço de convivência
e aprendizagem entre esses dois grupos.
Segundo ela, o projeto funcionou muito bem, mas ao invés de se tornar uma
parceira para a prefeitura, este projeto foi apropriado pela prefeitura, que se nomeou
autora do projeto, e hoje ele funciona como o nome TROCA DE SABERES. E
segundo a coordenadora que criou o projeto, não lhe foi atribuído qualquer
reconhecimento de autoria e isso a deixou indignada com o setor público, porque
segundo ela, esse é só um dos vários exemplos de como eles se apropriam
indevidamente das produções da comunidade e dos grupos de convivência,
transformam em projetos suas produções e muitas vezes esses projetos são
aplicados noutros lugares e nem sequer retornam para a própria comunidade que o
idealizou”. Nesse caso, não somente ela, mas pelo menos seis das coordenadoras
212
entrevistadas considera isso um abuso, uma violência o próprio setor público contra a
pessoa idosa e contra a coordenadora, que criou e desenvolveu o projeto piloto.
Afinal, segundo elas, a autoria foi dela. (SIC)”79
Uma das queixas comuns das coordenadoras entrevistadas é de que sua
participação em diversos espaços onde representam os grupos, gera uma grande
atividade física e uma movimentação igualmente grande na cidade, e o tempo que é
tomado para isso as impede de conseguir complementar a renda da aposentadoria, já
que a maioria delas recebe uma renda inferior a dois salários mínimos. Daí a
solicitação por recursos financeiros e serviços profissionais de apoio técnico para o
grupo, para que não necessitem dispor além do tempo, dos próprios recursos para
realizar algumas atividades demandadas pelo grupo por exemplo a contratação de
profissionais contadores, quando a os grupos se tornam pessoa jurídica, ou mesmo a
contratação de técnicos para desenvolver projetos financiados pelo setor público, o
que é inviável financeiramente para o grupo.
Sobre sua participação política afirmam que por mais que se empenhem em
trazer ideias e em propor sua participação nos grupos e nos fóruns, percebem que
são desprestigiados pelos técnicos e pelas pessoas que ocupam os lugares de poder
no serviço público, de tal maneira que suas contribuições não são consideradas. E
quando o são, suas propostas são desviadas e acabam se desanimando dessa forma
de fazer política no Brasil.
79 A sigla SIC significa (Segundo informações da coordenadora entrevistada). Esta foi uma informação trazida pela coordenadora que
criou o projeto, Segundo ela, foi convidada apenas para o dia do lançamento do projeto piloto, mas toda a autoria do projeto, cujo
nome foi modificado, mas permaneceu com as ideias e propostas originais ficou para os técnicos e a coordenadora responsável
pela sua execução junto à Prefeitura.
213
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Figura 7 - Painel Ilustrativo Contextos e ações nas considerações finais
Fonte: Painel elaborado pela pesquisadora (fontes diversas)
214
6.1 Do silêncio de morte ao cochicho da vida: potencialização da pessoa idosa
por meio do valor, afeto e participação política nos grupos de convivência
de idosos.
Ao lado do poder há sempre a potência. Ao lado da dominação, há sempre a insubordinação. E trata-se de escavar e ainda escavar a partir do ponto mais baixo. Esse ponto não é a prisão como tal. É simplesmente lá onde as pessoas sofrem, onde são mais pobres e mais exploradas; onde as linguagens e os sentidos estão mais separados de todo e qualquer poder de ação e onde, no entanto, eles existem; porque tudo isso é vida e não morte. (NEGRI, 2001, p.54).
A pesquisa aqui realizada desnudou um mundo possível para a velhice
habitado por ações que nem de longe lembram a inércia imputada aos velhos. A vida
nos grupos de convivência sob o olhar das coordenadoras entrevistadas faz nos
emergir deste estudo com a sensação de que apenas assistimos ao primeiro ato de
um maravilhoso espetáculo sobre os modos do existir humano. Talvez por isso esse
trabalho seja sim uma obra aberta na medida em que faz emergir mais questões
sobre a velhice, sobre a longevidade e sobre os grupos de convivência de pessoas
idosas, ao invés de responder de forma direta ao nosso anseio de saber sobre eles.
Outras pesquisas deverão pois complementar esse estudo acerca dos modos de
existir dessas mulheres, focando em profundidade outros pontos sensíveis, que foram
apontados neste estudo.
Escutar as mulheres idosas falando sobre e nas suas coxias, foi um exercício
de conhecimento, não apenas no sentido de “ephisteme”80, mas sobretudo como
“phronesis”81. Pois foi necessário repensar conceitos antigos, e recriar outras formas
de pensar a política, e outras percepções sobre a lentidão e a fragilidade não como
uma disfunção, mas como potência humana para participar e contribuir. E a
dependência, como um dispositivo de aprendizagem sobre a vida, sobre a
solidariedade, e sobre o feto como valor humano. O que pôde ser aprendido com elas
não apenas traz a perplexidade de ver um grupo de pessoas com tamanho grau de
dependência umas das outras por um lado, e de tamanha autonomia por outro. Afinal,
80 Conhecimento científico e tecnológico
81 Prudência, sabedoria
215
como poderia o ser humano aprender a lidar com sua finitude sem trazê-la de fato
para o seu cotidiano ao invés de expurgá-la como um mal social? Outro ponto de
contribuição do estudo foi pensar a dependência, como um dispositivo de
aprendizagem sobre a vida, sobre a solidariedade, e sobre o afeto como valor
humano, pois como nos ligarmos de maneira intensa ao outro senão por meio dela?
Não é pois o amor materno significado como a mais inegável e reconhecida forma de
aproximação humana da perfeição do afeto, em diversas culturas? E o seu
combustível maior não é exatamente a dependência do filho que deve ser acolhida em
todas as suas formas de manifestação pela mãe e transformada em autonomia nesta
relação? Pode-se notar que cada afirmação neste encontro com os sujeitos
pesquisados derivou inúmeras outras questões como esta, o que abre, ao invés de
fechar esse trabalho.
Foi necessário ainda compreender na sua fala que tanto o silêncio como o
cochicho são modos de revelação dos sujeitos e possuem várias facetas distintas
podendo ser utilizados como instrumentos igualmente importantes para produzir
novas significações sobre si mesmo e sobre a realidade. Na minha interpretação de
segunda mão, as pausas no meu trabalho, ao fazer a pesquisa do mestrado
metaforicamente lembram as pausas e os silêncios dos grupos. E em ambos os
casos, mesmo que em espaços diferentes, podem ser vistos e significados como
movimentos de insubordinação ao tempo fabricado para oprimir os homens, para
encaixotá-los em modos de fazer e de interpretar o mundo com olhares cada vez mais
próximos da vigilância, do espaço disciplinar que implementa corporações de poder,
que cuida de isolar, hierarquizar, classificar e identificar com o objetivo de tornar os
indivíduos capazes de realizar funções para o Estado; como autômatos. Mas de outra
forma ao desafiar e transgredir essa normatização temporal esses movimentos podem
ser vistos e significados como movimentos de profundo respeito às pausas humanas,
enquanto constituintes de sua experiência no mundo, e portanto, como processos
fundantes em qualquer de suas atividades.
E neste sentido Walter Benjamim faz uma apropriação interessante, tanto sobre
essa relação entre experiência e a formação, e entre o sonho individual e coletivo
quanto ao tempo do agora e sua representação simbólica e nele me sustentei ao fazer
216
a reflexão acima. Leiamos a interpretação de Caroline Mitrovitch, sobre o que ele
produz:
Por isso podemos dizer que não há nenhuma fronteira entre sonhos individuais e coletivos, para Benjamim, visto que o indivíduo sonha o mundo e é sonhado por ele. O momento em que o sonho é confrontado com a necessidade de agir sobre o real é o momento de despertar. Esse “espaço de tempo” essa experiência da história, nasce do confronto entre forças “do sujeito prenhe das riquezas da lembrança[...] e o apelo do presente que clama pela realização daquilo que no passado fracassou. O tempo do Agora é o momento de despertar: despertar no presente esse sonho que se chama passado é tarefa da experiência. Uma tarefa segundo Benjamim, profundamente coletiva, a qual depende “Erlebnis”, mas tem como prioridade a transformação social. (MITROVITCH, 2011, p.121).
Desta forma podemos afirmar que segundo Benjamim, consciência e
inconsciência operam conjuntamente na atividade humana ao construir a experiência
subjetiva.
Começamos então pelas contribuições do nosso estudo a respeito do
significado atribuído por elas ao tempo. Pois dedicadas às atividades do grupo, e
tocadas pelas limitações e potencialidades das idosas mais fragilizadas elas
redescobriram valores e afetos que o tempo da produção desenfreada, exigida por um
processo perverso de dominação de uns sobre os outros, esmaecera. Elas, em sua
maioria, perceberam esse tempo como um tempo de reflexão e de trabalho, de
transpiração e inspiração, para estarem em contato com pessoas amigas e consigo
mesmas. Um tempo produtivo e de trabalho para si mesmas e para a “pólis”. Muitas
vezes diziam para as estagiárias como se a ensinarem uma lição sobre a vida, e
sobre a humanidade:
“Se vocês querem andar com pessoas idosas como nós, para nos acompanhar, terão que vir em passos lentos, passos contidos...aprendam a apreciar a lentidão para que possam contemplar melhor a beleza da vida. Saibam que a pressa é só uma maneira de não se chegar a lugar algum, pois o que se perde na pressa é o próprio valor e o sentido da caminhada” (CI5 -67a, 2003-2012).
A coordenadora (CI5 67ª) especialmente é mentora desse refrão e o repetia
sempre que podia para os alunos e outra delas (CI 10 82ª2012) sempre dizia: “corre
demais não meninas quem corre cansa quem caminha alcança” Essa reflexão sobre o
217
tempo e movimento humano remete a um pensamento na mística religiosa, presente
em diversas culturas, na qual o homem é incentivado a ser mais contemplativo.
Esta forma de pensar a vida e de usufruir o tempo é uma das primeiras
contribuições deste estudo. É claro que esteve presente outros olhares sobre o tempo,
e que trouxe um tempo angustiado na fala de pelo menos duas das coordenadoras,
mas o que mais apareceu na fala das coordenadoras entrevistadas foi o tempo
demarcado por um fazer pelo outro, contemplando nele o seu próprio futuro e
demarcado por lições de aprendizagem sobre a dor e o prazer de viver mais. O tempo
é utilizado por elas como um tempo único, um tempo que é encarado nos seus
múltiplos presentes, e a vida como uma fatalidade que não se fixa em presente,
passado e futuro algum, mas se desliza pelo agora, com toda a experiência de sua
intempestividade e do afeto resultante dela. O que não se conta em minutos, e
transgride o tempo do relógio quando se lentifica, sem a ansiedade da produção, mas
com o intenso desejo de fazer o bem, no momento em que se está vivendo.
Entendendo que fazer o bem é a maior realização da existência humana.
6.2 da vivência de vencidos à experiencia estética de longeviver e participar,
reinventando a política. Um porvir possível?.
Sobre os cochichos, a interpretação trazida pelas coordenadoras, revelou
algumas formas de respostas destas mulheres idosas nos grupos de convivência:
A primeira foi a forma de compreender que o cochichar das idosas, na maioria
das vezes, é precedido pelo silêncio. No início dos encontros percebiam esse silêncio
das participantes como uma regra de aproximação, de medo em revelar-se num grupo
de pessoas ainda desconhecidas, e de insegurança em relação a sua aceitação
naquele espaço. Entretanto, com o tempo novas significações foram trazidas por elas
a esses silêncios. Observaram que além disso o silêncio era utilizado como forma de
se esquivarem de um diálogo que não interessava a elas, ou que as angustiava,
também como forma de proteção dos segredos e dos pactos que não queriam revelar,
e ainda, como resistência a determinados tipos de apelos a que não queriam atender.
Por sua vez, As coordenadoras também utilizaram-se do silêncio de forma
muito aproximada do que expuseram sobre o grupo. Mas durante a pesquisa aos
218
poucos esse silêncio, no caso das coordenadoras, foi dando lugar à palavra na
medida em que se aproximavam mais umas das outras, partilhando suas experiências
e rompendo o isolamento dos grupos. Ao romper o silêncio com o cochichos, as
palavras jorravam no início, como uma chuva de queixas de lamento sobre si mesmas
e sobre a situação dos grupos, mas a palavra depois de apropriada por elas, também
foi se deslizando nos seus sentidos e ampliando as significações sobre sua própria
realidade e sobre a realidade dos grupos até o momento em que se sentiram capazes
de se organizarem para conquistar seu espaço, expandir sua voz e inventar outras
formas de participação para vencer os desafios da surdez de quem ocupava os
lugares de decisão no espaço público. De um não se sentir capaz à uma potência
para agir e transformar o que fosse possível e ainda desconfiar do que parecesse
impossibilidade.
Portanto, na minha visão, o silêncio era apenas uma outra forma de dizer de si,
de se apresentar e apresentar sua experiência, na ausência do som e dos sentidos da
linguagem. Na minha interpretação de segunda mão, nesse primeiro momento que
chegaram estavam doloridas e de tal forma se doíam que esse deslizar do silêncio à
palavra foi mediado pela ação significativa de estarem mais próximas, no exercício de
ousar partilhar suas dores. Pois na dor que não se consegue significar, é o silêncio ou
também o grito, que se manifestam. Mas o sofrimento é a dor significada e prenha ao
mesmo tempo de novas significações. Como aponta LE BRETON (1997, p.239) “Se
não é possível descrever a dor, um silêncio de cortar à faca arrisca-se a invadir o
espaço mental do casal ou do grupo”; e da mesma forma que o desgosto ou a
dificuldade abafam a palavra, “a impotência em conseguir dar sentido ao
acontecimento, multiplicam a dor”. Desta forma, arrisco-me a dizer que na pesquisa o
que mais se pode observar foi o crescimento das coordenadoras pesquisadas no
sentido de uma aprendizagem de transformar a dor em sofrimento significado e
partilhado, embora ainda não possibilitado de solução, pela ausência de recursos e
pela retórica presente numa política que segundo elas ainda existe apenas nos
discursos. É claro, que não estamos dizendo aqui daquele resíduo, daquela dor que
não se partilha, por ser a dor única de cada sujeito entranhada, mas de uma dor
coletiva e portanto possível de partilha.
219
A pesquisa pode evidenciar no entanto, que na ausência de um espaço de
participação e de escuta real às demandas das pessoas idosas nas políticas de
atenção e nos órgãos de monitoramento delas, o grupo de convivência é a
experiência mais originalmente próxima de uma construção própria desses sujeitos e
é por excelência o espaço de mediação simbólica 82 que oportuniza partilhar
inicialmente sua dor e dar vida às vivências das idosas, e ao romper o silêncio e
constituir –se num espaço de cochichos, possibilita a experiência de transformação de
sua realidade e do grupo. Sobre isso, MITROVITCH (2011, p.157) ao analisar o
pensamento de Walter Benjamim(1989), é quem contribui novamente com esta
reflexão ao postular a seguinte ideia: “O sujeito da experiência Benjaminiana se
descobre em sua fragilidade, em sua vulnerabilidade, em sua ignorância e impotência,
contudo é porque assim o faz que está disponível para tudo aquilo que escapa ao
saber e ao poder normatizados.”
O cochicho das coordenadoras teve peso forte na discussão do trabalho, não
apenas no que se refere à sua função linguística mas na sua função política social e
afetiva. Para algumas das coordenadoras, falar era algo difícil quando se tratava de
defender as ideias pessoais mas era mais fácil defender as ideias do grupo. No
entanto, posso dizer que a pesquisa levantou questões importantes como os lugares
das coordenadoras nos grupos de convivência, como peças fundamentais, já que o
líder forte, para as idosas mais frágeis acaba sendo uma possibilidade tanto de
esperançar novas transformações, como para constituir-se como exemplo a ser
seguido. Mais ainda, Esse lugar de força atribuído pelo grupo ao coordenador, para
quem coordena, acaba funcionando como um elemento de fortalecimento da auto
estima, e como estímulo que as mantêm, a despeito de todos os problemas dos
grupos, na sua função. Ao trabalharmos a trajetória de vida de cada uma delas,
percebemos que todo o seu movimento no presente, parecia reatualizar o sonho de
um passado que fracassou. Tal como apontou Walter Benjamim, in Mitrovitch 2011,
p.158).
82 Trata-se do uso dos signos para resolver problemas psicológicos (lembrar resolver, comparar, etc.) intermediação – algo interposto entre duas coisas a relação do homem com o mundo não é direta, mas mediada através de instrumentos (ferramentas intermediárias entre minha ação concreta sobre o mundo e o próprio mundo) formas posteriores de mediação de natureza semiótica
220
Pode ser constatado que o grupo funciona para elas, primeiramente como um
espaço de interação afetiva e de amizade e que por isso mesmo fornece enorme
suporte ao público que deles participa. O afeto foi a condição mais importante para
análise da potencialização das coordenadoras e dos grupos durante os dez anos de
intervalo entre a primeira e a segunda inserção da pesquisadora no programa e
sinalizou que tais sentidos ao serem explorados e devolvidos a elas na forma de
oficinas geraram novas discussões e novas significações ao longo de todo o processo
de pesquisa, e mantiveram o crescimento da autonomia e da autovalorização pessoal
tanto das coordenadoras como dos seus participantes. Esta condição do grupo como
lugar de amizade, e o afeto, do ponto de vista trabalhado na pesquisa, foi analisada
por NEGRI para que pudéssemos trazer suas contribuições sobre o sentido do afeto e
do valor a ele atribuído
Essa primeira qualificação do afeto como potência de agir, acarreta várias consequências. Na verdade, se essa relação entre singularidade e comunidade (universalidade) não é estática, mas ao contrário, dinâmica, assistimos a um movimento contínuo entre o singular que se universaliza e o que é comum que se singulariza. Podemos então qualificar o afeto como potência de transformação, força de autovalorização, já que reforçando nela mesma o que é comum, leva o que é comum a uma expansão que não encontra limites, mas apenas obstáculos. Isto não é um processo formal, mas concreto, material. Pois realiza-se no bio-político. Evocaremos portanto o afeto como potência de apropriação significando que cada obstáculo que é ultrapassado pela ação do afeto, determina uma força de ação maior do que o próprio afeto, na singularidade e na universalidade de sua potência. O processo é ontológico, a potência é ontológica, as condições do agir e da transformação tomaram cada vez mais o aspecto de uma apropriação e vão enriquecer a potência do agir e da própria transformação.
Além desse lugar atribuído aos grupos, elas conseguiram atribuir novos
sentidos à experiência de estarem juntas ao longo da pesquisa. Especialmente o
sentido de aprenderem a lidar com o próprio envelhecimento aproximando-o de suas
atividades cotidianas ao invés de negá-lo. O sentido dado ao grupo como um espaço
em extensão à sua casa e ao mesmo tempo em oposição a ela demarcou a forma
paradoxal e as vezes contraditória de ver sua família, mas sobretudo sinalizou a
importância dessas discussões para que elas pudessem formar um conjunto de ideias
organizando seu pensamento para o momento de fazer suas reinvindicações,
diretamente aos parlamentares.
221
O sentido dado ao grupo como um equipamento social e espaço de cidadania,
também lhes permitiu retomar e valorizar as atividades já realizadas pelo grupo e
dimensionar as ações realizadas na própria comunidade, fazendo-as refletir sobre o
seu lugar e o seu papel nos grupos.
O Grupo visto por elas como escola, demarcou mais que uma discussão sobre
os afetos o lugar que ocupa este espaço no processo de formação para esta
população e abriu os olhos da pesquisadora para observar reinvindicações
importantes no que tange aos direitos humanos fundamentais e aos direitos sociais
nos quais se inclui a educação, bem como para a necessidade de informação das
pessoas idosas, sobre seus direitos garantidos em lei e que vem sendo
sistematicamente descumpridos. Bem como nos alertou para a necessidade urgente
de implementar ações que possam favorecer o acesso da pessoa idosa a educação e
à cultura. E fez-nos ver que essa é uma das grandes portas que se abrem para
fortalecer a autonomia da pessoa idosa e para a reeducação das novas gerações.
Levou-nos a questionar também o próprio modelo de escola atual que afasta ainda
mais o jovem do velho e que precisa ser repensado nesse sentido.
Ao falarem dos cochichos sobre sua participação na política pública, nos seus
primeiros discursos a grande questão trazida por elas era que “falavam mas não eram
escutadas nos fóruns e nos conselhos”, e sua participação era “só para inglês ver”.
Tais questões foram trazidas por todas as entrevistadas mas percebemos uma
multiplicidade de sentidos em algumas de suas respostas: Essas questões foram
trabalhadas tanto no sentido vertical, quanto horizontal e permitiu-nos observar que as
idosas possuem uma contribuição importantíssima para sinalizar as necessidades de
mudança na forma de condução das políticas públicas de atenção à pessoa idosa:
A primeira delas é a necessidade de ressignificação da política de atenção à
pessoa idosa que tem se baseado num modelo de tutela e que favorece as relações
clientelistas. Segundo elas isso sustenta as relações de dominação e é interesse dos
políticos e dos setores governamentais manter essa lógica ao invés de produzir ações
que gerem a autonomia dos grupos, uma vez que fortalecem ainda mais, e mantêm as
pessoas idosas a-sujeitadas.
A segunda é o fato de que a participação política e o protagonismo da pessoa
idosa estão diretamente, relacionados com a questão formativa e educativa. Desta
222
forma percebem que há um conluio, ou uma intenção da sociedade governamental de
manter estrategicamente engavetadas exatamente as ações que aumentariam a
autonomia da pessoa idosa como é o caso da recuperação do valor monetário dos
recursos da aposentadoria ao resgatar as perdas de mais de 60% e equipará-los aos
índices de reajustes e correções salariais, a educação, e a participação política e isso
precisa ser trabalhado; apontam em terceiro lugar a necessidade de uma política
sólida de potencialização e empoderamento dos grupos de convivência comunitários,
e não apenas dos grupos regidos pela prefeitura. Pois as ações dos grupos
comunitários estão ligadas mais diretamente ao fortalecimento do poder local e são
legitimadas pela própria comunidade na medida em que participam ativamente desses
grupos. Precisam garantir recursos para a sustentabilidade dos grupos, apoio técnico
e profissional para buscarem recursos através de projetos, e capacitação permanente
para os coordenadores. Seus registros de afetividade, de convivência e de partilha os
capacita melhor para lidar com os problemas locais que aos técnicos e profissionais
externos. Eles serviriam de apoio tecnológico, mas as iniciativas seriam da
comunidade. Apostar no poder comunitário, seria apostar na lógica do afeto como
potência para agir e transformar a realidade tal como aponta (NEGRI,2001, p.54)
O que significa pois juntar a abordagem a partir de baixo, da percepção do não lugar e a ruptura de qualquer instância dialética do afeto num percurso que vai do afeto ao valor? é Espinosa quem nos auxilia com o conceito de afeto como potência de agir singular e ao mesmo tempo universal. Singular porque põe o agir para além de qualquer medida que a potência não contém em si mesma, em sua própria estrutura e nas reestruturações contínuas eu ela constrói. Universal, porque os afetos constroem uma comunidade entre os sujeitos. O não lugar do afeto fica no cerne dessa comunidade, porque essa comunidade não é um nome, mas uma potência, porque não é uma comunidade de coerção mas um desejo. O afeto não tem mais nada a ver com o valor de uso porque não é uma medida, mas uma potência e porque não encontra limites à sua própria expansão, mas sim obstáculos. (NEGRI, 2001, p.54).
Em quarto lugar afirmam que é necessária uma política de inclusão constante
das pessoas idosas, nos diversos espaços de participação, especialmente para as
mulheres idosas que durante toda a sua vida sofreram o preconceito, a discriminação
e a violência de gênero. Não acessaram a escola nem o mundo do trabalho e hoje
padecem as consequências disso. Programas que auxiliem na reeducação da
sociedade e criem uma cultura que favoreça a velhice, o envelhecimento a pessoa
223
idosa e reduza os danos das estereotipias, e estigmas ligadas à velhice e ao
envelhecimento e à pessoa idosa e coíba as suas diversas formas de propagação.
Isso se coaduna com o pensamento de (DEBERT 2011) Quando afirma que:
As imagens do idoso na mídia são, assim, ativas na criação de novas hierarquias sociais, na medida em que a velhice e o envelhecimento passam a ser uma espécie de doença auto-infligida, resultado da negligência com o corpo e com o bem-estar. Ser velho ou se comportar como velho são questões de escolha, são coisas que poderiam ser evitadas se as opções cuidadosas e corretas tivessem sido postas em ação. Essas novas imagens da velhice em sintonia com a cultura do consumidor, com certas práticas gerontológicas e com as políticas públicas interessadas em reduzir os custos da saúde transformam o direito de escolha num dever de todos, numa realidade inescapável a que estamos todos condenados (...) A responsabilidade individual pela escolha é igualmente distribuída, mas sabemos que os meios para agir de acordo com essa responsabilidade não o são. Acrescentar liberdade de ação à desigualdade fundamental da condição social, impondo o dever da liberdade sem os recursos que permitem uma escolha verdadeiramente livre é, numa sociedade altamente hierarquizada como a brasileira, uma receita para uma vida sem dignidade, repleta de humilhação e auto-depreciação.(DEBERT, 2011, p.24).
Falam ainda insistentemente que a educação da pessoa idosa deve ser
propiciada tanto no modelo formal como no modelo informal de Educação. Esta tem
sido uma luta da população idosa desde a primeira conferência Nacional de direitos
da pessoa idosa, e até hoje o executivo nada fez.
Elas apontam que a escola em que estudaram foi uma escola da vida, porque
naquela época, há mais de 60 anos atrás, só quem era rico podia estudar. E as
mulheres sempre ficavam de fora, preteridas, pois os homens é que tinham prioridade
em sair de casa e estudar. Elas afirmam que as escolas devem hoje abrir as portas
para a pessoa idosa, mas não de maneira discriminatória. Falam das salas extensas
ou expandidas como uma necessidade urgente e dizem que se as pessoas idosas
estivessem nas escolas, seriam menos endereçadas às ILPIs e aos hospitais. Ao falar
sobre a necessidade de escola para os idosos, as coordenadoras (CI8 70ª, CI6.72ª e
CI5 67ª,2012) escreveram o poema, com a melodia da música de Vinícius de Morais
que acreditamos ser importante repetir, até que isso se torne voz audível, como uma
de suas e de nossas mais importantes considerações:
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Era uma escola muito engraçada não tinha teto não tinha nada Quando criança quis estudar mas era pobre não podia entrar Adolescente não pude ir porque o trabalho já estava alí. E quando adulta não tive direito com tantos filhos, sempre um no peito Mesmo sem filhos podia não lugar de mulher era no fogão
Dizem agora pra que aprender? você já é velha e já vai morrer! Nem o alfabeto pode entender, não tem memória, vai esquecer! Mas se é um direito fundamental? por que pro velho, exclusão total? Velhice ativa, autonomia, tanto estatuto e lei pra entender Mas sem estudo que ironia? como é que vamos nos defender?
O grupo agora é como escola. é diferente a gente é quem fez Não tem um quadro nem palmatória...mas tem cadernos, livros talvez É nossa vida e nossa história matéria prima desse aprender; A convivência renova a vida. e os bons afetos nos dão poder” Mas sem dinheiro nem orçamento como a escola vai sobreviver?
Modalidade de educação, a pessoa idosa exige também Com orçamento pra execução na PNE e na LDBN Escola é vida é alegria, direito humano de aprender Com formação e cidadania dignidade podemos ter sem isso amigos o que eu diria? Participar é só pra Inglês ver!!!
Registrar as principais demandas das coordenadoras para o setor público
permitiu –me observar que a maioria de suas demandas para o setor público não
haviam sido atendidas, e isso nos auxiliou no exercício de perceber o grupo como um
espaço de interação de grande importância para as coordenadoras e para as pessoas
idosas, e permitiu observar a fragilidade das políticas públicas E ainda, na minha
interpretação de segunda mão, permitiu ver que existe uma dificuldade na tradução
cultural do que seja política, entre os representantes do governo e as pessoas idosas
aqui pesquisadas, pois para elas participar da política, é mais que ter infindas reuniões
de fóruns, conselhos de direitos que conseguem muito pouco resolver as questões
concretas da vida cotidiana. Para elas participar é sobretudo estar junto com o povo,
partilhando suas dores, seus anseios, seus desejos. Partilhando do pouco que se tem
para reduzir o dano que o outro sofre. A visão dos grupos principalmente como
espaço de amizade, mais do que isso nos fez voltar deste estudo com a certeza de
que valorizar esses equipamentos é respeitar um caminho criado pelas próprias
mulheres idosas. É valorizar o sujeito e sua atividade, e confiar no pressuposto de que
as comunidades são sobretudo comunidades de afeto, e portanto potencializadoras
225
do devir sujeito e do amor. É NEGRI (2001) é quem produz o conceito de amor a qual
quero me referir. Com estas palavras:
A definição materialista do amor é uma definição de comunidades, uma construção de relações afetivas. Creio que o amor é a chave essencial para transformar o próprio em comum que se estende através da generosidade e que produz agenciamentos sociais. O amor não pode ser algo que se fecha no casal e na família; deve abrir-se para comunidades mais vastas. Deve construir, caso a caso, comunidades de saber e de desejo; deve tornar-se construtor do outro. O amor é hoje fundamentalmente a destruição de todas as tentativas de fechar-se na defesa de algo que não pertence a si. Creio que o amor é a chave essencial para transformar o próprio em comum. Tudo isso é a vida e não a morte. (NEGRI,2001, p. 53).
É com esse pensamento no grupo como exercício desse amor convivência e
desse amor como a exaltação da vida, com todas as suas vicissitudes, construindo
comunidades de saber e de desejo, que farei uma pausa neste estudo refletindo sobre
a potencialidade dos encontros com os grupos de convivência de idosos, como
passagens de vida importantes na construção de novos devires para a velhice e
novas formas de longeviver para a humanidade.
Mas a questão é como tornar isso possível e essa experiência multiplicável?
Vencerá o afeto e o vínculo comunitário das mulheres idosas os desafios de uma
política que se estabelece ainda fortalecendo-se na relação ente as coisas, mais que
na relação entre as pessoas? vencerão as vozes dos velhos o silêncio da indiferença
dos políticos e o perverso adiamento de seus direitos, num tempo que lhes é curto e
cuja vida está prenha de possibilidades, mas com urgência de ser viabilizada?
Vencerá a sociedade o seu estado de demência e recobrará a lucidez a tempo de
aproveitar essas vozes e se humanizar mais um pouco permitindo sua própria
sobrevivência como espécie e como cultura humana?
As questões que se colocaram com as propostas das coordenadoras, para as
políticas públicas, para a forma de participar da pessoa idosa e para as formas de
interação com o setor governamental deixam novas indagações para a ciência e para
a vida, que poderão ser respondidas em outros trabalhos, entretanto o que me coube
foi elevar a sua voz e fazê-la soar mais alto através dos olhares que agora podem
ouvi-las e lê-las neste trabalho por meio desta apreensão de suas indagações e
posicionamentos diante da vida. Pois o que reivindicam ao estarem reunidas em
226
grupo todas as semanas, ainda que sem uma infraestrutura adequada, na maioria das
vezes, é um espaço para que possam se sentir sujeito e aumentar a sua liberdade de
expressão, e com isso, conseguem ter uma visão da política aliançando o global e o
local e ao mesmo tempo, o grupo serve de palco para o exercício e a conquista de
sua auto auto-realização. E com o exercício da palavra franca dirigida a amigos,
nesse espaço de aproximação, intimidade e amizade, conseguem então desenvolver
o desejo de uma política emancipatória, que faça frente às desigualdades não apenas
vivenciada pelas pessoas idosas, mas a desigualdade instaurada como modo de viver
entre os povos, e na própria forma de participar do espaço público. Conseguem então
com os grupos e por meio deles estabelecer uma relação entre a política
emancipatória e a política da vida e se engajarem em movimentos pacifistas mas
firmes na luta pela melhoria das condições de viver a velhice.
Os grupos comunitários, coordenados pelas próprias mulheres idosas
correspondem, na minha interpretação de segunda mão, a um espaço criado, e
legitimado pela própria comunidade de velhos. Movimento autônomo e produçente de
uma ação constante para um vir a ser velho, participante e engajado no mundo e na
coisa pública. E se considerarmos o pensamento de Giddens (1991 p.173) sobre a
modernidade e a política, veremos que o grupo já funciona por um lado como um
movimento democrático e de contracultura, embora, quando criado não a partir
desses laços de intimidade e reflexão da própria comunidade, mas a partir de fora, de
interesses abstratos para legitimar serviços sob o comando daqueles que governam
também não deixe de reproduzir um espaço de massificação e servidão
simultaneamente. Portanto posso inferir que o sentimento de não serem escutadas,
nesses grupos comunitários, fez com que elas percebessem essa diferença, entre os
espaços comunitários e os espaços viciados num lugar de reprodução do poder
instituído do governo e acabou por gerar uma resposta interessante, um engajamento
capaz de empoderá-las e tornar sua voz muito mais representativa e fortalecida nas
dimensões do espaço comunitário e da política local. O desafio é avançar na direção
de pensar outras formas de acesso e de engajamento dos próprios grupos e outras
alianças, para que sua voz possa se ampliar.
Assim, é que encaminho o fechamento dos meus escritos sobre as
interpretações de segunda mão que consegui, com muito custo, traduzir em
227
linguagem escrita. Enquanto o eco de cada cochicho continuará a se multiplicar em
outras múltiplas interpretações na minha vida, em meu trabalho e nas ações que
agora estas coordenadoras empreendem de forma mais organizada através do grupo
que conseguiram montar para fortalecer a sua voz - A REDE DE AMIGOS IDOSOS E
SOLIDÁRIOS uma associação de coordenadores que vem se estabelecendo como
um novo cochicho e empreendimento delas. A questão que fica diante dos pontos
aqui trabalhados, é:longeviver e participar numa época em que a política é tão
marcada por um pensamento neoliberal, no qual a palavra parece tão desconecta da
ação, será um novo porvir possível e real para essas mulheres idosas? se é possível,
de que maneira poderemos nos engajar e facilitar essa conquista?
Se essa resposta é algo que não conseguimos obter com esse trabalho e cuja
construção parece próxima da construção da última pergunta que fiz ao iniciar a
pesquisa e que é : “que relação as coordenadoras estabelecem entre a escuta que
fazemos aos grupos e a sua participação política”? quero dizer que desisti de investir
nestas duas respostas pois deixou de ser uma questão neste trabalho, uma vez que
mais importante que obter uma resposta direta, foi a observação e a escuta do
percurso que caminhamos juntas Ele me fez compreender, na minha interpretação de
segunda mão, que a presença da psicologia desencadeou esse percurso e colocou
em movimento a pergunta que lhes calava à garganta e, com isso, possibilitou tantas
questões, que por sua vez ao não serem respondidas, mas encaminhadas,
endereçadas a elas novamente, provocou um espaço propício para ampliar seu olhar
sobre si mesmas e sobre a sua realidade, e portanto para possibilitar a ressignificação
de si mesmas e do espaço vivido na sua relação com o outro. Deixo para você leitor e
para a banca, um trecho da finalização da entrevista de uma coordenadora ao falar de
sua participação nesta pesquisa. E transcrevo-o na íntegra para encerrar a
dissertação, e para que todos os que tiverem acesso a este trabalho possam fazer
sobre ele as suas próprias interpretações de segunda ou terceira mão:
Pesquisadora: perguntando para a coordenadora (CI5 67ª 2006) Como você
sabe, este trabalho discute sobre o cochicho, a escuta, e a participação política de
vocês coordenadoras nos grupos de convivência de idosos. Então, conte-me como foi
para você participar desta pesquisa?
228
Participar desta pesquisa foi como se eu recebesse um prêmio pelo trabalho que já foi realizado neste grupo. Por que numa entrevista assim, você consegue rever tudo o que foi realizado e é um espaço para a gente refletir e dar maior valor, maior sentido para as coisas do grupo. Rever as atas do grupo para responder ao questionário complementar, que você me pediu foi como se eu entrasse de novo num caminho já percorrido e descobrisse novos detalhes que eu jamais teria percebido se não fosse esta insistência necessária para trazer um registro verídico daquilo que ocorreu no grupo. Percebi que houve um desenvolvimento do grupo como o de uma criança que nasceu, cresceu, deu os primeiros passos e alcançou várias formas de autonomia. Acho que esta pesquisa será muito importante para que várias pessoas possam conhecer um grupo de convivência de forma mais detalhada, desde seu nascimento e acompanhar parte do seu percurso pois nem sempre os técnicos e profissionais que falam sobre os grupos de convivência revelam as produções dos idosos nos grupos ou voltam para analisar as transformações decorrentes desses encontros. A maioria das pessoas tem até preconceito com os grupos. Acham que o grupo é só pra lazer e diversão de velhas que não têm o que fazer, e que ficam lá sendo infantilizadas por nós coordenadoras. Não digo que não existam grupos que assim fazem, mas por não terem ainda conhecimento do que podem fazer nesse espaço e aí precisam ainda mais de ajuda e não de crítica. A escuta das psicólogas no grupo produz um fenômeno muito maior que outras atividades que os grupos desenvolvem. Estou certa de que a pesquisa vai ajudar as pessoas a enxergar os grupos de outra maneira e melhorar o olhar dos idosos sobre o próprio grupo, e sobre o idoso. E posso dizer pelo nosso grupo, que já está contribuindo para o nosso crescimento porque sentimos que fomos também pesquisadores, que participamos passo a passo do processo para conseguir os dados reestudando o próprio grupo, reorganizando nossos registros escritos e revisando as nossas opiniões e nossas memórias sobre o que aconteceu nele até hoje. Por outro lado essa pesquisa vai me dar muito trabalho porque agora acho que a gente tem que se organizar mais, eu digo nós as coordenadoras de grupos de idosos, pra não ficar cada uma pensando no seu próprio umbigo. No seu grupinho. Temos que nos organizar ao invés de ficar esperando pela política pública acontecer. Os grupos não podem ficar nessa mesmice, temos que arregaçar as mangas, porque na hora que eu voltei pra olhar o que a gente já tinha feito eu vi que a gente cometeu erros, mas fez muitos acertos também, e tem muita coisa boa que o grupo já fez. E se a gente fez é porque a gente é capaz, porque a gente teve que aprender na raça, umas com as outras, e com os poucos que estiveram do nosso lado desde o começo como vocês. Mas tem muita coisa pra fazer ainda. Depois de todo o sofrimento para montar os grupos, ter um público permanente de mais de setenta pessoas, como é o nosso caso, é que chegaram os políticos e a prefeitura querendo colher os frutos que a comunidade plantou com muito sacrifício e dedicação. Mas para os grupos mesmo, a política não trouxe nada de concreto e garantido por lei que é para os grupos. Só recebemos ajudas pontuais. De um recurso que sobra, de projetos que chegam maciçamente e eles não sabem o que fazer, e que as vezes nem é do interesse do grupo e eles empurram. Não estou com isso desmerecendo a ajuda e o apoio que recebemos, mas tem que vir de uma outra forma, sem tutela, sem essa característica de estar recebendo um favor. E nós é que temos que aprender a caminhar com as próprias pernas. Idoso nenhum quer dar trabalho para ninguém. Mas sem
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direitos garantidos aí sim a gente fica dependente, tutelado pela família e pelo Estado e sem dignidade. Por isso é que eu digo que temos que andar com as próprias pernas, nós, que ainda temos saúde para ajudar os que já estão sem elas. Só que com recursos garantidos, podemos ajudar não só a nós mesmos mas a todos. Por que a velhice não é uma só. Tem que ter política para todos. Para os que querem estudar e trabalhar e ainda podem e para os que já não podem mais e precisam de outros tipos de ajuda como moradia, cuidado e proteção Para os que não tem família e vivem sozinhos, mas que podem ainda estudar, nós é que temos que levar a escola pra eles, porque ninguém acha que velho precisa de escola, mas precisa e para todos, porque a maioria dos idosos não teve escola, e se teve foi por pouco tempo. Então precisa pra todos, para os que vivem no interior, na zona rural, na rua. Porque a velhice não tem uma cara. Ela tem várias e porque o homem não pode parar de aprender e de sonhar e de partilhar seus sonhos. E o velho não é uma árvore sem raíz é uma árvore que ainda dá frutos, e pode gerar muita sombra para os que virão depois de nós, basta fofar a terra, adubar e regar com carinho Essa é a grande missão da humanidade. Sonhar e cultivar a vida de cada ser humano como se fosse um enorme pomar e um belo jardim para que as outras gerações possam colher Frutos mais saborosos e flores mais lindas e perfumadas. Obrigado. (Riso) Acabei. Tá bom? (CI5- 67a, 2006).
Pesquisadora - Excelente. Mas gostaria de fazer um agradecimento e um
pequeno comentário você me permite?
Obrigado por sua disposição em partilhar comigo, com os profissionais
aprendizes da psicologia e com o curso de Gerontologia da PUC de São Paulo, sua
vida, seu trabalho e coisas tão íntimas, tão profundas e tão prudentes. Sua entrevista
foi uma aula densa, mas muito prazerosa, das mais bem ministradas que eu já recebi.
Esta aula precisa estar presente nos cursos de gerontologia, para ensinar aos
pesquisadores aprendizes como eu, muitas coisas que ainda precisamos aprender
sobre o homem e que só conseguiremos aprender com quem tem a experiência de
vida e a generosidade de partilhar o conhecimento. Você é uma verdadeira escola
corpo-alma intinerante. Terei grande prazer em compartilhar cada um dos seus
ensinamentos e multiplicar os sons dos seus cochichos Sairei alimentada por
saborear frutos do seu pomar e perfumar-me com as fragrâncias das flores do seu
jardim.
Mais uma vez muito obrigado.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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Figura 10 - Painel ilustrativo mulheres que cochicham e suas coxias
(Referenciados da esquerda para a direita e de cima para baixo)
DEBRET, Jean-Baptiste. Negra tatuada vendendo caju. Aquarela, 1827. Disponível
em: < http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Debret_negra_vendendo_caju.jpg>. Acesso em 12 mar. 2014. PESQUISADORA. Grupo Raiz – Oficina de coordenadores de grupo na PUC Minas. 2006. Acervo particular da pesquisadora. Machado, Carolina. Passeio à Raposos II. 2005. Acervo particular da pesquisadora. Machado, Carolina. Oficina de Memórias na Puc Minas II. 2006. Acervo particular da
pesquisadora. DEBRET, Jean-Baptiste. Vendedoras de Angu. Aquarela, 1827. Disponível em:
<http://www.galeria.cluny.com.br/v/Artes+Plasticas/Pintores+Brasileiros/Debret/34+Vendedoras+de+Angu.jpg.html>. Acesso em 12 mar. 2014. PESQUISADORA. Grupo Rais – Oficina de coordenadores de grupos de convivência. 2006. Acervo particular da pesquisadora.
242
PESQUISADORA. Grupo Raiz em ação – Projeto de criação e fortalecimento dos concelhos de idosos em cidades de baixo IDH em parceria com o CEI Minas Gerais. 2009. Acervo particular da pesquisadora.
Naquele Tempo.... Rosane Bardanachvili, 27 nov. 2012. Disponível em: < http://gshow.globo.com/novelas/lado-a-lado/Fique-por-dentro/naquele-tempo/noticia/2012/11/naquele-tempo-saiba-porque-as-tias-baianas-como-jurema-eram-lideres.html>. Acesso em 12 mar. 2014. Autor Desconhecido. Negras vendendo quitutes. Disponível em: <http://diariohistoria.blogspot.com/2008_02_21 archive.html>. Acesso em 12 mar. 2014. JULIÃO,Carlos. Negra de quitutes. Aquarela. Disponível
em:http://professormarcianodantas.blogspot.com.br/2012/04/sociedade-mineradora.html>. Acesso em 12 mar. 2014.
Figura 11 - Painel ilustrativo os cochichos (Referenciados da esquerda para a
direita e de cima para baixo)
Autor Desconhecido. Saral lítero-musical: Entendendo o Brasil através da música e das cartas. Disponível em: <http://www.vejadica.com/cartas-brasileiras-evento-
gratuito-em-recife>. Acesso em 12 mar. 2014. PESQUISADORA. Rais – Rede de amigos idosos e solidários visita à ILPI I. 2008.
Acervo particular da pesquisadora. PESQUISADORA. Rais rede de amigos idosos e solidários visita a ILPI II. 2008.
Acervo particular da pesquisadora. PESQUISADORA. PUC MAIS IDADE – Oficina de coordenadores de grupos de convivência I. 2007. Acervo particular da pesquisadora. Autor Desconhecido. Cartas de Dean a sua noiva. Disponível em:
<http://mexico.cnn.com/entretenimiento/2011/11/23/tres-cartas-de-james-dean-a-su-novia-son-subastadas-en-casi-35000-dolares>. Acesso em 13 mar. 2014. PESQUISADORA. Cochicho na ILPI III. 2008. Acervo particular da pesquisadora. Autor Desconhecido. A Mensagem na Garrafa; 2008. Disponível em:
<http://diariohistoria.blogspot.com/2008_02_21_archive.html>. Acesso em 12 mar. 2014. PESQUISADORA. Passeio a Igarapé – Oficina de coordenadores de grupos de convivência II. 2006. Acervo particular da pesquisadora. PESQUISADORA. PUC MAIS IDADE – Oficina de coordenadores de grupos de convivência. 2007. Acervo particular da pesquisadora. PESQUISADORA. Passeio a Igarapé – Oficina de coordenadores de grupos de convivência II. 2006. Acervo particular da pesquisadora. PESQUISADORA. PUC MAIS IDADE – Oficina de coordenadores de grupos de convivência III. 2007. Acervo particular da pesquisadora. PESQUISADORA. Idosas coordenadoras que convivem na mesma casa 2008. Acervo particular da pesquisadora.
243
Figura 12 - Painel ilustrativo da coxia para o palco (Referenciados da esquerda
para a direita e de cima para baixo)
PESQUISADORA. Grupo musical – III Fórum de Geriatria e Gerontologia. 2008. Acervo particular da pesquisadora. Machado, Carolina. - foto 1. 2012. Acervo particular da pesquisadora. Dia mundial do teatro.Luciano Barata, 27 mar. 2010. Disponível em: < http://lucianobarata.blogspot.com.br/2010_03_01_archive.html>. Acesso em 12 mar. 2014. Machado, Carolina. Oficina de desenvolvimento humano político e social para coordenadores de grupos de convivência II. 2012. Acervo particular da
pesquisadora. Autor Desconhecido. Quem foi Zilda Arns. 2011. Disponível em: < http://smsdc-csf-
zildaarns.blogspot.com.br/2011/03/quem-foi-zilda-arns.html>. Acesso em 14 mar. 2014. Autor Desconhecido. Simone de Beauvoir. 2011. Disponível em: < https://ensaiosdegenero.wordpress.com/tag/simone-de-beauvoir/>. Acesso em 14 mar. 2014. PESQUISADORA. Pronunciamento de coordenadoras de grupos de convivência no III Fórum de Geriatria e Gerontologia. 2008. Acervo particular da pesquisadora. PESQUISADORA. II Conferência Nacional de direitos da pessoa Coordenadora Idosa, com o presidente Lula. 2009. Acervo particular da pesquisadora. PESQUISADORA. Teatro – III Fórum de Geriatria e Gerontologia.PUC MINAS
2008. Acervo particular da pesquisadora. Machado, Carolina. Evento Colcha de Fraternidade. 2008. Acervo particular da
pesquisadora. Machado, Carolina. Oficina sobre grupos de convivência e Políticas Públicas – foto 2. 2012. Acervo particular da pesquisadora. PESQUISADORA. Grupo Rais em ação – Projeto de criação e fortalecimento dos conselhos de idosos em cidades de baixo IDH em parceria com o CEI Minas Gerais. 2009. Acervo particular da pesquisadora.
Figura 13 - Painel Ilustrativo considerações finais (Referenciados da esquerda
para a direita e de cima para baixo)
SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Capa do texto base da Segunda Conferência Nacional de direito da pessoa Idosa. 2009. Disponível em:
<http://www.ucg.br/ucg/unati/ArquivosUpload/1/file/Texto-Base%20da%202a%20CNDPI.pdf>. Acesso em 14 mar. 2014. PESQUISADORA. Grupo Rais – Oficina de coordenadores de grupos de convivência. 2007. Acervo particular da pesquisadora. Machado, Carolina. Oficina sobre grupos de convivência e Políticas Públicas – foto 3. 2010. Acervo particular da pesquisadora.
244
Autor Desconhecido. Clube de Mães de Valinhos. 2013. Disponível em: <
http://www.valinhos.sp.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=135:clube-de-maes-de-valinhos-exporta-mercadoria-em-trico-para-suecia&catid=34:noticias&Itemid=93>. Acesso em 14 mar. 2014. SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Capa do texto base da Primeira Conferência Nacional de direito da pessoa Idosa. 2011. Disponível em: < http://www.ucg.br/ucg/unati/ArquivosUpload/1/file/Texto-Base%20da%202a%20CNDPI.pdf>. Acesso em 14 mar. 2014 PESQUISADORA. Passeio a Igarapé – Oficina de coordenadores de grupos de convivência III. 2006. Acervo particular da pesquisadora. SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Cartilha de Direitos da pessoa idosa. 2011. Disponível em: < http://www.ucg.br/ucg/unati/ArquivosUpload/1/file/Texto-Base%20da%202a%20CNDPI.pdf>. Acesso em 14 mar. 2014 SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Capa do texto base da Terceira Conferência Nacional de direito da pessoa Idosa. 2011. Disponível em: < http://www.ucg.br/ucg/unati/ArquivosUpload/1/file/Texto-Base%20da%202a%20CNDPI.pdf>. Acesso em 14 mar. 2014. Lima Thiago. PUC Mais Idade – Oficina de coordenadores de grupos de convivência. 2007. Acervo particular da pesquisadora. Machado, Carolina. Oficina sobre grupos de convivência e Políticas Públicas – foto 4. 2010. Acervo particular da pesquisadora. Machado, Carolina. Oficina sobre grupos de convivência e Políticas Públicas – foto 5. 2010. Acervo particular da pesquisadora.
245
ANEXOS
EXEMPLO DE ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-DIRIGIDA APLICADA AS COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA ENTREVISTADAS.
Nome da coordenadora ________ número atribuído na
pesquisa___________________________
Grupo que coordena _______data de fundação do grupo______ período de
coordenação________
Nome do(a) pesquisador(a) _______ Data______Local da entrevista _____________
Tempo de duração______ intervalo_____ número de encontros ______instrumento
utilizado______________________________________________________________
________
Observações:_________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
____________________________________________________
Bom, como já conversamos a respeito, esta entrevista faz parte da pesquisa que
estou realizando com coordenadoras de grupos de convivência de idosos e é uma
entrevista na qual eu vou fazer uma pergunta inicial e você vai respondê-la do modo
como você achar melhor. De vez em quando eu poderei solicitar algum
esclarecimento de algo que eu não tenha entendido ou que necessitar de algum
aprofundamento.
Você nesse caso, poderá continuar respondendo ou terá pleno uso de sua
liberdade para dizer que não quer falar a respeito. Você pode começar e parar quando
você quiser. Quando você terminar de responder a primeira questão então eu farei a
segunda. Eu solicitei para você, deixar pelo menos 2 horas livres apenas para
246
delimitar-nos um tempo de trabalho, mas quem decidirá quando parar é você. Se
qualquer de nós necessitarmos de intervalos por poderemos sinalizar uma para a
outra. E se, por algum motivo tivermos que interromper a entrevista, poderemos
retornar e completar num outro dia. Você tem alguma dúvida? Então podemos
começar?
1-Fale um pouco sobre a sua trajetória de vida até se tornar uma coordenadora
de grupos de convivência de idosos. (Você pode começar por onde você quiser).
2-Diante do que você expôs que relação você faz entre sua história de vida e a
decisão de tornar-se uma coordenadora de grupos de convivência de idosos?
3-Quais são, para você, os principais desafios para uma coordenadora de
grupos de convivência de idosos na atualidade?
4-Para você, o que é um grupo de convivência de idosos?
5-Para você Que importância tem o grupo de convivências na vida das pessoas
idosas e na comunidade?
6-Conte um pouco da história do grupo que você coordena e aponte as suas
principais conquistas e desafios do grupo desde sua criação
7- o que você pensa sobre o trabalho da psicologia, nos grupos?
8-Você poderia falar quais são os cochichos mais frequentes trazidos pelas
idosas nos grupos de convivência?
9- Como você percebe a sua participação como coordenadora nas políticas
públicas ao longo desse período?
10- Você poderia agora falar a respeito das principais mudanças que você
observa no grupo, desde que começou o trabalho até hoje?
247
11-Como você sabe, este trabalho discute sobre o cochicho, a escuta, e a
participação política nos grupos de convivência de idosos. Então, conte-me como foi
para você participar desta pesquisa?
248
DELIBERAÇÕES DA ÚLTIMA CONFERÊNCIA DE DIREITOS DA PESSOA IDOSA
A relação das 26 propostas prioritárias construídas pelos grupos de trabalhos e
aprovadas pelos delegados na Plenária Final da 3ª Conferência Nacional dos Direitos
das Pessoas Idosas, realizada nos dias 23 a 25 de novembro de 2011, em Brasília/DF
nas dependências da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio são:
EIXO 1
Envelhecimento e Políticas de Estado: Pactuar Caminhos Intersetoriais
1. Alteração da legislação para: a) reduzir para 60 anos a idade para acesso ao
Benefício de Prestação Continuada (BPC) (Lei 8742/1993); b) alterar a renda per
capita do acesso ao Benefício de Prestação Continuada (Lei 8742/1993) - BPC de
inferior a ¼ salário mínimo para até meio salário mínimo; c) não considerar, para efeito
de cálculo da renda familiar, os benefícios previdenciários no valor de um salário
mínimo, percebidos por outro idoso e pessoa portadora de deficiência; d) em caso de
falecimento do beneficiário, que o cônjuge tenha direito ao gozo do benefício de
“pensão”;
2. Efetivar e universalizar o direito da pessoa idosa, bem como sua inclusão social, por
meio da descentralização das ações resultantes da intersetorialidade ou oriundas de
protocolo de gestão integrada, com garantia do co-financiamento nas três esferas de
governo, respeitando a dignidade do cidadão, sua autonomia e seus talentos,
favorecendo o acesso à informação, aos benefícios e aos serviços de qualidade, bem
como à convivência familiar e comunitária;
3. Ampliar e co-financiar a criação da Secretaria Nacional do Idoso, b) Centros de
Combate à Violência e Maus Tratos contra a Pessoa Idosa; c) Centros de
Referências; d) Delegacias Especializadas, fortalecendo a rede de proteção e defesa
das pessoas idosas em situação de violência, buscando a agilidade do Poder
Judiciário, com vistas à implementação do Plano de Ação de Enfrentamento à
Violência contra a Pessoa Idosa;
4. Formular legislação para bancos e similares (em especial, corretoras e financeiras)
referente ao endividamento global, no limite de 30% e a proteção à pessoa idosa na
249
utilização do cartão benefício, de forma que garanta a liberação do empréstimo
somente após utilização da senha eletrônica, impressão digital e atendimento
individualizado pela instituição financeira, com apresentação da declaração
esclarecida da utilização do empréstimo ao idoso;
5. Garantir e ampliar o acesso a programas de prevenção, promoção da saúde,
tratamento e reabilitação da pessoa idosa, conforme preconizado na política nacional
de saúde da pessoa idosa, nas três esferas de gestão;
6. Implantar e implementar centros especializados de atenção à saúde da pessoa
idosa de responsabilidade e financiamento das três esferas de governo, com as
seguintes características: a) descentralizados e regionalizados; b) com infraestrutura
adequada e equipe multidisciplinar (geriatra, nutricionista, assistente social, psicólogo,
fisioterapeuta, fonoaudiólogo, enfermeiro, técnico em enfermagem, educador físico,
terapeuta ocupacional, odontólogo, protético, incluindo também medicina alternativa);
c) que possibilite atendimento integral, humanizado e resolutivo em todos os níveis; d)
com acompanhamento das pessoas idosas do ambulatório ao ambiente domiciliar; e)
garantia de acesso a medicamentos, exames ou serviço de apoio diagnóstico e fluxo
de referência e contra-referência;
7. Elaborar, implantar e monitorar o Plano Nacional do Idoso, com planejamento e
gestão compartilhada entre as diversas políticas públicas, de forma a efetivar
programas, projetos e serviços intersetoriais, envolvendo as áreas de saúde,
assistência social, habitação, educação, transporte, cultura, dentre outras;
8. Criar a Secretaria Nacional do Idoso, incentivando os estados e municípios ao
mesmo procedimento, visando desenvolver a política da pessoa idosa;
9. Ampliação da política pública de educação para a inclusão da pessoa idosa em
todas as fases da educação (alfabetização, ensino fundamental, médio e universitário)
bem como das universidades da 3ª Idade, nas escolas das redes pública e privada,
garantindo: a) a educação formal, podendo ser pelo PEJA, para pessoas a partir de 60
anos, nos três turnos, b) orientação no sistema Braille e na Linguagem Brasileira de
Sinais (LIBRAS); c) em espaços adequados; d) com transporte gratuito; e) com a
inserção de conteúdos sobre envelhecimento como temas transversais
250
10. Garantir a inclusão no Catálogo Nacional do Ministério da Educação MEC – o
curso de orientação e formação de cuidador da pessoa idosa e institucionalizar, em
nível nacional, o programa;
EIXO 2
Pessoa Idosa protagonista da conquista e efetivação dos seus direitos
11. Garantir a participação efetiva da pessoa idosa no planejamento dos programas
sociais nas áreas de saúde, educação e assistência social com base no Plano de
Ação Internacional para o Envelhecimento;
12. Divulgar e promover campanhas educativas e informativas sobre o Estatuto do
Idoso e demais legislações pertinentes, com linguagem acessível, ilustrações,
inclusive em braile, escrita ampliada e LIBRAS para se enfrentar as dificuldades do
envelhecimento, a discriminação e a violência, estimulando o processo intergeracional
de forma ampla e sistemática, em âmbito nacional e local principalmente na mídia
(TV, em horário nobre, rádio, Jornal, revistas, folders, outdoors, materiais educativos,
etc...);
13. Incentivar, oportunizar e capacitar as pessoas idosas nas três esferas municipal,
estadual, distrital e federal do conhecimento e das formas de acesso aos direitos, aos
mecanismos e instrumentos de que dispõem, para garantir a organização social e seu
protagonismo social, lazer, trabalho, previdência social, habitação, transporte,
participação social, mídia e fóruns de deliberação, dentre outros;
14. Garantir e assegurar o cumprimento como preconiza o Estatuto do Idoso, nas três
esferas de governo, espaços de protagonismo nas áreas de saúde, educação,
assistência.
15. Exigir o cumprimento da legislação vigente que garante, nas três esferas de
governo, a acessibilidade às pessoas idosas, sobretudo nas áreas de transportes,
infraestrutura e edificações privadas e públicas;
251
EIXO 3
Fortalecimento e integração dos conselhos: Existir, participar, estar ao alcance,
comprometer-se com a defesa dos direitos dos idosos.
16. Instituir nos Conselhos Nacional, Estaduais e Distrital, maior interação e
participação com os Conselhos Municipais, no intuito de promover o fortalecimento
destes últimos, através de fóruns, audiências públicas, debates, seminários, palestras
e outros eventos de natureza similar, que estimulem a participação social e
capacitação continuada dos Conselheiros, nas três esferas;
17. Criação e manutenção de um sistema de informação específico para
cadastramento de todos os conselhos intersetoriais, de forma transparente e com
acesso popular, para melhor integração dos mesmos, criando um plano de mídia
permanente para Comunicação e publicização das ações, deliberações, informações
dos Conselhos das três esferas; criação de um site oficial do CNDI, com link dos
Conselhos Estaduais e Conselhos Municipais da Pessoa Idosa;
18. Tornar todos os Conselhos para Pessoas Idosas, nas três esferas
governamentais, em deliberativos, consultivos e fiscalizadores, para decidir, opinar,
acompanhar e fiscalizar as políticas públicas para as pessoas idosas, divulgando junto
à população idosa, suas ações e decisões, principalmente os orçamentos, co-
financiamentos, convênios e todo e qualquer recurso recebidos pelos municípios,
destinados às políticas públicas para as Pessoas Idosas;
19. Mobilizar órgãos governamentais e não governamentais, envolvendo os
Conselhos, com objetivos de ampliar os orçamentos para implantação de programas,
projetos e serviços, com objetivo de fortalecer e implementar a Rede Nacional de
Proteção e Defesa da Pessoa Idosa –RENADI;
20. Estabelecer estratégias para cumprimento e acompanhamento das deliberações
das conferências nos três níveis de governo, garantindo que as mesmas sejam
incorporadas nos planos para a execução da política pública da pessoa idosa,
estabelecendo encaminhamento das denúncias de violação de direitos aos órgãos
competentes;
21. Obrigatoriedade de criação imediata do Conselho e do respectivo Fundo Estadual
e Municipal do Idoso, garantindo secretaria executiva, com prazo máximo de 12
252
meses a partir da 3ª Conferência Nacional do Idoso, bem como a formação e
capacitação permanente dos conselheiros nas três esferas de governo, melhoramento
da estrutura dos Conselhos existentes, sendo todos equipados com: veículo, linha
telefônica, internet e outros equipamentos necessários para o seu bom
atendimento/funcionamento;
EIXO 4
Diretrizes Orçamentárias, Plano Integrado e Orçamento Público da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios: Conhecer para exigir, exigir para incluir, fiscalizar.
22. Destinar e garantir recursos, por meio de leis orçamentárias, nas três esferas de
Governo, para construir, implementar, manter e/ou reformar todas as modalidades de
atendimento previstas na Política Nacional do Idoso, Política Nacional de Saúde da
Pessoa Idosa, Política Nacional de Assistência Social, considerando a
intersetorialidade, com instalações adequadas e pessoal qualificado por meio de
programas, projetos e ações para atendimento integral e integrado à pessoa idosa;
23. Alocar recursos advindos das arrecadações das loterias, percentual de 2% dos
Royalts e Pré-Sal, dos crimes ambientais e dos IOFs de empréstimos contraídos por
idosos, para custeio da execução de programas, projetos e ações de promoção,
proteção e defesa dos direitos da pessoa idosa, em especial àquela vulnerável ou em
situação de risco social, assegurando a ampliação do orçamento (Constituição
Federal, art. 194, § único), pela garantia da participação no Plano Plurianual ((PPA),
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA), definindo e
estabelecendo repasses fundo a fundo;
24. Promover a articulação de todas as esferas de governo e da sociedade civil para a
regulamentação e implantação dos Fundos Municipais, Estaduais, Distrital e Nacional
do Idoso, garantindo que municípios, estados, Distrito Federal e a União destinem, no
mínimo, 1% (um por cento) da arrecadação prevista em seus respectivos orçamentos,
2% da arrecadação das loterias federais e estaduais e a totalidade dos recursos
arrecadados com as multas previstas nos artigos 56 a 58 do Estatuto do Idoso para
investimento com foco no envelhecimento ativo e saudável, devendo a utilização dos
recursos ocorrer por deliberação dos seus respectivos conselhos, pautada pela
253
transparência, ampla divulgação nos meios de comunicação, intensificação da
divulgação de datas dos processos de elaboração dos orçamentos e planos e a
prestação de contas dos recursos recebidos;
25. Estabelece no planejamento orçamentário que se destine de 5% a 10% de todo
recurso público federal repassado aos estados, Distrito Federal e municípios à
execução da Política Nacional do Idoso (PNI), garantindo, dessa forma, atender o
idoso nas diversas modalidades;
26. Garantir, nas três esferas de governo, recursos para instrumentalização e
capacitação continuada na área de ciclo orçamentário (Plano Plurianual - PPA, a Lei
de Diretrizes Orçamentárias - LDO, e a Lei Orçamentária Anual – LOA);
financiamento; na elaboração de programas, projetos, serviços e no acompanhamento
de políticas públicas para os membros dos Conselhos de Defesa dos Direitos da
Pessoa Idosa, assegurando a função fiscalizadora prevista no Estatuto do Idoso.
254
PRINCIPAIS AÇÕES DA COORDENADORIA DE DIREITOS DA PESSOA IDOSA E DO CENTRO DE REFERÊNCIA DA PESSOA IDOSA DE BELO HORIZONTE
Ações da Coordenadoria de Direitos da Pessoa Idosa - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
Acessibilidade uma questão de Direito Atividades: Grupos de discussão: acessibilidade urbana e edificação, testemunhos da história, uso de tecnologias, Estatuto do Idoso, informações preventivas. City Tour/Expresso Ambiental Atividades: visita aos pontos turísticos e de lazer ou a espaços escolhidos pelo próprio grupo. Participação de idosos de grupos de convivência, idosos usuários dos CRAs, Centros e Postos de Saúde. Disque Idoso Atividades: atendimento e orientação telefônica sobre temas relacionados a este segmento da população. Tel: 156 Espaço da Cidadania Atividades: exposição e venda de artesanato. Horário de funcionamento: às sextas-feiras, de 08h às17h. Local: Av.Bernardo Monteiro, no quarteirão abaixo da Feira das Flores. Inclusão Digital Atividades: curso básico de informática em parceria com Universidades. Integração Geracional -Troca de Saberes Atividades: aulas de introdução e manuseio de celulares, informática, culinária, artesanato; trocas sociais e afetivas. Oficina de Memória e Cultura Atividades: estimulação cognitiva e memórias sócio-afetivas, resgate, ressignificação e reconstrução. Oficina de Coordenadores de Grupos de Convivência Atividades: troca de experiências, repasse de informações, técnicas e dinâmicas de grupo. Oficinas de Direitos Valorização da Pessoa Idosa Institucionalizada Campanha contra a Violência à Pessoa Idosa Centro de Referência da Pessoa Idosa
255
AÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA DA PESSOA IDOSA
O Centro de Referência da Pessoa Idosa é um equipamento público da Coordenadoria de Direitos da Pessoa Idosa/ SMADC/ Prefeitura de Belo Horizonte, que oferece serviços e programas voltados para a promoção e defesa de direitos da pessoa idosa. Este Centro traz em seu bojo estudos, pesquisas e documentação sobre o processo de envelhecimento. Objetivos / Compromissos:
• Desenvolver ações educativas visando à promoção da cidadania e inclusão social da pessoa idosa; • Promover a socialização e convivência intergeracional; • Contribuir para a melhoria da qualidade de vida da pessoa idosa e elevação de sua auto-estima; • Possibilitar a participação da pessoa idosa como protagonista de sua história. Projetos/Serviços: -Academia da Cidade; -Academia Céu Aberto/Saúde na Praça; -Dança de Salão; -Dança Cigana; -Dança Sênior, -Coral; -Lian Gong; -Informática/Inclusão Digital; -Pintura em Tecido; -Pintura em Tela; -Projeto EJA-BH (Educação de Jovens e Adultos); -Show de Talentos; -Tarde Dançante (Baile); -Vida Ativa
VÍDEO ILUSTRATIVO DA PESQUISA VOZES NA COXIA: COCHICHO, ESCUTA E
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES IDOSAS
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