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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP GEISA MARIA EMILIA LIMA MOREIRA VOZES NA COXIA: COCHICHO, ESCUTA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES IDOSAS COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA MESTRADO EM GERONTOLOGIA SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

GEISA MARIA EMILIA LIMA MOREIRA

VOZES NA COXIA:

COCHICHO, ESCUTA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES IDOSAS

COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA

MESTRADO EM GERONTOLOGIA

SÃO PAULO

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUCSP

GEISA MARIA EMILIA LIMA MOREIRA

VOZES NA COXIA:

COCHICHO, ESCUTA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES IDOSAS

COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA

MESTRADO EM GERONTOLOGIA

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora como exigência parcial

para a obtenção do Título de Mestre

em Gerontologia pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

sob a orientação da Prof.ª Dra.

Elisabeth Frohlich Mercadante.

SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

GEISA MARIA EMILIA LIMA MOREIRA

Folha de aprovação

VOZES NA COXIA:

COCHICHO, ESCUTA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES IDOSAS

COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA

Aprovada em __/___/___

Banca Examinadora

Profª Dra. Elisabeth Frohlich Mercadante (Orientadora)

Instituição PUCSP

Assinatura______________________________________

Profª Dra.

Instituição

Assinatura_______________________________________

Profª

Instituição

Assinatura___________________________________________

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DEDICATÓRIA

Ao “Deus” desconhecido pela ciência; que por meio do mistério da

criação/evolução do homem e ao longo do seu percurso na relação corpo-tempo-

espaço, revela valiosas lições sobre si mesmo, sobre a humanidade e sobre seus

afetos nas relações materiais e imateriais. Lições estas que a ciência ainda não

soube revelar.

A todas as mulheres idosas que desafiam cotidianamente o tempo e o

silêncio impostos pelos processos de dominação; que incansavelmente

cochicham em suas coxias, renovando suas forças, e ressignificando o que está

posto sobre a velhice, sobre a mulher e sobre o seu lugar na sociedade.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, e a sua potência de criação, transformação e expansão da

realidade, e ao ato de crer capaz de produzir no homem a potência de agir, e

transformar o que antes lhe parecia impossível.

A todas as mulheres coordenadoras e líderes dos grupos de convivência

de idosos de Belo Horizonte, que acreditaram neste trabalho, por partilharem seu

espaço seus cochichos, suas interpretações e experiências cotidianas de

participação na vida.

A todos os alunos e monitores do Estágio supervisionado VI do curso de

psicologia da PUC Minas, que com sua sede de aprender contribuíram de forma

direta ou indireta com este trabalho de pesquisa.

À colega psicóloga e amiga Maria Letícia Fonseca Barreto “in memoriam”

que me apresentou primeiro um “feliz mundo velho” compartilhou sua paixão pelos

velhos, e na sua “sala de espera”, nomeou-me carinhosamente sua herdeira na

gerontologia.

A Profª Dra. Elisabeth Frohlich Mercadante, por seu modo de ser-sentir-agir

humano e pelo conhecimento e generosidade no processo de orientação que

ultrapassou o tempo e espaço formal de trabalho e transbordou no tempo-espaço-

vida propiciando a verdadeira “paixão de aprender” e os afetos de alegria na

construção deste trabalho.

À profª Dra. Guitta Grin Debert, pela inspiração propiciada a este trabalho

por meio das suas construções e reflexões sobre velhice, sobre o envelhecer e

sobre a antropologia Urbana.

Á profª Dra. Silvana Tótora, por me contagiar ao ensinar e aprender sobre

a vida e a velhice, com sua dança desprendida na filosofia, na ciência política e na

estética de existir.

À profª Dra. Maria Helena Vilas Boas Concone, pelas contribuições e pela

paciência com o meu lento processo de produção, e por seu auxílio e sugestões.

À Profª Dra. Nádia Dumara Ruiz Silveira, que me acompanhou e auxiliou

na primeira fase da construção do trabalho, e por sua gentileza, ao respeitar e

acolher minhas novas escolhas.

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À CAPES por propiciar parte dos recursos necessários à pesquisa através

da bolsa; e a comissão de bolsas do mestrado em gerontologia por avaliar e

acolher este projeto.

À PUC Minas pelo apoio, por propiciar que todo o trabalho da pesquisa

acontecesse, e especialmente na primeira fase da pesquisa;

À profª Dra. Ilka Ferrari e ao colegiado do curso de mestrado em psicologia

pela consideração ao projeto pesquisa, e pelo apoio, no momento em que

necessitei.

Aos meus avós pelo convívio pleno de riquezas, e que por partirem cedo,

instigaram-me a buscar nas diversas imagens da velhice e de outros velhos, o

prazer de recuperar um pouco de sua presença.

Aos meus pais que me ensinaram desde a minha infância, a escutar os

velhos e a desejar a velhice como um bem precioso a ser conquistado

cotidianamente.

Ao meu esposo Alberto Moreira, por seu apoio carinho e incentivo ao longo

da pesquisa; pela parceria, e por nutrir a minha esperança em contribuir para

construir de fato um mundo melhor para os nossos velhos.

Aos meus filhos e Genro amados, Thiago Vinícius, Esther Kevle e Michael

Albino pelo convívio, pelas trocas afetivas, e por me auxiliarem nas tarefas

técnicas e árduas de transcrição, edição e formatação do texto e dos vídeos

utilizados na pesquisa.

À minha sobrinha do coração Shirley Lúcia Longaray pelo acolhimento,

auxílio e cuidado e contribuições na revisão do texto.

Às profªs Dras. Silvia Regina Eulálio, Suzana Braga, e Wagner Bernardes,

por terem me iniciado no trabalho com os grupos de idosos, e no

acompanhamento terapêutico, e pelo companheirismo nos 15 anos de trabalho

como professora do estágio que serviu de base para esta pesquisa.

Ao meu caro amigo, companheiro de trabalho na psicologia, e pesquisador

na temática do envelhecimento, Wagner Jorge dos Santos, por seu incentivo e

contribuição.

Ao professor José Bonifácio e à professora Vera Maria Neves Victer, que

na Pró reitoria de Extensão da PUC Minas me incentivaram na Criação e

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consolidação do programa “PUC MAIS IDADE” e favoreceram desta forma a

pesquisa.

À Dona Ivone Cabral “in memoriam”, ao seu filho do coração, Sérgio, e ao

Centro Educativo Cândida Cabral, pelo incentivo, pelas contribuições a esta

pesquisa;

Ao meu filho-sobrinho do coração Rafael e a minha irmã do coração Elza

que no cotidiano, prestaram-me o cuidado e o companheirismo necessário nas

tarefas que subsidiaram as exigências desta pesquisa.

Ao Conselho Estadual do Idoso de Minas Gerais e ao conselho Municipal

do Idoso de Belo Horizonte, pela experiência e oportunidade de trabalho que

contribuiu no processo de observação da participação dos Sujeitos da pesquisa.

Ao meu anjo “Miguel Noah” que com sua chegada fechou com chave de

ouro este trabalho e me iniciou numa nova e importante etapa no meu processo

de aprendizagem da vida “a avosidade”.

Àqueles, que com o apoio pequeno ou grandioso de uma ação, palavra ou

gesto, auxiliaram nesta pesquisa e não foram aqui citados, fica o meu

agradecimento e a minha maior consideração.

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“Porque embora o homem seja o ator e o autor de sua própria

história, consegue dizer de si, no máximo, o que faz. Jamais

poderá dizer quem é. Isto porque apenas após a sua morte, o

quem se revela com toda a sua magnitude.”

Hanna Arendt1

1 Hanna Arendt in “A condição humana”

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UMA ADVERTÊNCIA AO LEITOR

Figuras emblemáticas de “velhos” estiveram sempre presentes em minha

vida, e ocupam hoje, grande espaço na minha história. Talvez por isso, seja tão

difícil precisar o momento em que o envelhecimento passou a ser o tema de maior

relevância e investimento na minha vida profissional.

Portanto neste volume o leitor não irá encontrar um trabalho científico

isento ou neutro, como pressupõe os modelos tradicionais da ciência. Ao

contrário, a proposta é deixar explícito o contexto sociocultural e afetivo do

pesquisador com a exposição detalhada de sua trajetória de vida e da trajetória do

projeto, embora isso seja pouco usual no texto acadêmico. A intenção é mostrar

que os seus próprios afetos se farão presentes, e poderão contribuir para

explicitar o contexto de formação do seu pensamento. Desta forma, o ponto de

onde vê poderá ser visto e melhor interpretado pelo leitor. Além disso, permitirá ao

pesquisador observar os elementos de sua experiência pessoal que contribuíram

para potencializar ou limitar sua escuta, tanto na captura dos sentidos atribuídos

pelos sujeitos à sua experiência, quanto na captura das demandas e ações

efetivas desses sujeitos, no movimento de transformação da realidade. Pois como

afirma Geertz (1989, p.26) “[...] a interpretação antropológica ao estar construindo

uma leitura do que acontece não pode estar divorciada do que nessa ocasião ou

naquele lugar pessoas específicas dizem ou fazem, ou ainda, do que é feito a elas

a partir de todo o vasto negócio do mundo” sob pena de torná-la vazia. Para

Vygotsky (1987, p.46) tão pouco pode-se divorciar no sujeito, o pensamento, a

emoção, a consciência e a linguagem manifestas por meio das atividades

complexas que realiza.

Dito de outra forma, se o caminho principal da interpretação das culturas é

o exercício de capturar e descrever de forma densa as diversas interpretações

que determinados sujeitos, em determinados ambientes, dão sobre si mesmo e

sobre a realidade que o cerca, o da perspectiva sócio histórica é que o psicólogo

possa capturar descrever os modos de produção de subjetividades dos sujeitos

na complexidade de suas atividades e dos seus afetos, no movimento dos

acontecimentos e no contexto bio-político, social e cultural em que se alinhavam.

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E isto exige a desfamiliarização daquilo que antes parecia familiar. Portanto, a

condição “Sine-qua-non” para que o psicólogo pesquisador realize com rigor, a

descrição densa de fatos, modos de viver e processos de subjetivação dos

sujeitos, por meio das atividades que realiza na sua complexidade, é a

aproximação de si mesmo e dos próprios afetos, no processo histórico em que se

construíram, antes de sua aproximação com os sujeitos, para que possa conhecer

e distinguir o que é seu e do outro. E embora a descrição da trajetória vida e do

projeto de pesquisa, juntos possam subsidiar o leitor para compreender a

organização do pensamento da autora no trabalho; cada qual em separado,

apenas sinalizará: ora o olhar poético e contaminado de um ser humano

debruçado sobre os seus próprios afetos, ora a reflexão racional da pesquisadora.

Dialogar ao invés de negar qualquer desses olhares foi o exercício proposto. Por

isso a experiência foi se construindo como uma pintura em aquarela, que

empreendeu seu curso próprio, desafiando, por vezes, a proposta do artista, como

uma obra aberta e rizomática. Portanto não apenas científica, e muito menos

neutra. No máximo, um trabalho que buscou, inspirado em Vygotsky (1987) e Rey

(2011) identificar os modos de produção de subjetividades de mulheres idosas no

movimento de agir, produzir sentidos2 e transformar sua realidade, nos afetos da

convivência e da participação política; e inspirado em Geertz3 (1989 p.13), realizar

sobre esses sujeitos e acontecimentos, o esforço de uma descrição densa4.

2O sentido para Vygotsky “é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. É um todo

complexo fluido e dinâmico que pode variar e modificar-se de acordo coma as situações e o ambiente que o utiliza, sendo quase

ilimitado. Mantêm o fluxo vivo da palavra na ação humana de tal maneira, que até adquire certa independência da palavra

inclusive podendo modifica-las.” (Vygotsky,1987. P181-182)

Rey(2011) amplia a reflexão de Vygotsky e apresenta a categoria sentido subjetivo. Que é uma unidade indissociável do simbólico e

do emocional na qual a emergência de um provoca necessariamente a aparição do outro sem que seja sua causa, uma vez que:

“a experiência humana desenvolve-se dentro de sistemas de atividades e comunicação simultâneos, e se expressa nas pessoas

que compartilham essas atividades através de efeitos colaterais que ocorrem como produções da pessoa através das

configurações subjetivas que emergem no processo de viver essas experiências” (Rey,2011p33)

3 As ideias de Vygotsky (1987) e Rey (2011) articulam-se com as ideias de Cliffort Geertz(1989) uma vez que para Rey toda

produção cultural aparece organizada em nível subjetivo como configuração subjetiva, que diferentemente das categorias mais

tradicionais usadas pela psicologia não aparecem como causa do comportamento mas como uma fonte dos sentidos subjetivos

que emergem no seu curso. Essa produção subjetiva é parte de toda ação envolvida presente na vida do sujeito sendo sensível a

múltiplos desdobramentos no curso dessas ações. A unidade que conserva os sentidos subjetivos dominantes que assimilam

essa diversidade são as configurações subjetivas. Portanto as dimensões simbólicas e culturais se entranham na constituição do

pensamento e da afetividade.

4 Segundo Geertz, olhar as dimensões simbólicas, não é afastar-se dos dilemas essenciais da vida, em favor de algum domínio

empírico de formas não emocionalizadas, mas é mergulhar no meio delas sem divorciá-las do acontecimento (Geertz,1989,

p.40-41).

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Resumo

MOREIRA, Geisa Maria Emília Lima. Vozes na coxia: cochicho, escuta e

participação política de mulheres idosas coordenadoras de grupos de convivência

(255p) dissertação de mestrado. Sob orientação Professora Dra. Elisabeth

Frohlich Mercadante. Programa de Pós graduação em gerontologia. Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2014. O presente trabalho é um estudo

sobre a escuta das falas de mulheres idosas coordenadoras de grupos de

convivência de idosos, com o objetivo de capturar o que pensam sobre os

grupos e sobre sua trajetória de participação política e conhecer suas principais

demandas e ações na luta para garantir os seus direitos e consolidar a política

pública de atenção à pessoa idosa. Com base qualitativa, o estudo fez uso do

método etnográfico de pesquisa e da descrição densa proposta na antropologia

Hermenêutica de Geertz (1989), e também da pesquisa-ação proposta por

Thiolent (2011). De forma interdisciplinar, o trabalho dialoga com a psicologia, na

perspectiva sócio histórica, a antropologia, a gerontologia e a filosofia para

transcrever a fala dos sujeitos. Foram escutadas 10 coordenadoras de grupos,

na cidade de Belo Horizonte, em dois momentos diferentes. No primeiro

momento, por meio de entrevistas, observações e registros das atividades em

campo. No segundo, por meio de observação e apropriação de suas falas ao

participarem de uma ação política organizada para levar suas demandas

diretamente aos parlamentares. As coordenadoras apontam os grupos como sua

casa, espaço de amizade, solidariedade e cidadania, e como uma escola Entre

as principais reinvindicações apontam a educação, o suporte para os grupos,

renda e seguridade social e mudanças culturais com políticas de inclusão, e

capacitação para coordenadores. Acerca de sua participação política, as

coordenadoras não se sentem escutadas nas suas demandas e contribuições, e

afirmam que apesar de intensa, sua participação ainda não é efetivada e

considerada devidamente nas instâncias governamentais e de monitoramento

das políticas públicas.

Palavras chave: Cochicho, escuta, afeto, convivência, participação política

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ABSTRACT

MOREIRA, Geisa Maria Emília Lima. Voices in the Backstage whisper,

listening and political participation from elderly women’s coordinators of seniors

acquaintance groups (178p) Master’s dissertation in Gerontology under the

supervision of professor PHD Elizabeth Frohlich Mercadante. Post Graduation

Program in Gerontology. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2014.

The present work is a study about the speech listening, of elderly women

coordinators of elderly acquaintance groups, with the objective of capturing what

they think about the groups, about their trajectory of political participation as well

as, the main demands and actions taken by them in the struggle to secure their

rights and carry out the elderly’s policy care. With a qualitative basis, this study is

suported by methodology of ethnographic research and anthropology Geertz

Hermeneutics, and by methodology of action research THIOLENT. This

interdisciplinary research establishes dialogues between the historical social

psychology, anthropology, gerontology and philosophy to transcribe the speech

of the subject. The research involved the hearing of 10 coordinators at two

different moments. In the first moment, through interviews and direct observation,

and in the second, with observation and appropriation of speeches in a political

action organized by the coordinators to take their demands to parliamentarians.

They point out the groups such: as home, a place of friendship, and space of

solidarity, care and citizenship, and School of Life. The main liability claims:

demands for education; proper support for the groups; social security income;

cultural changes with structural politics of inclusion and training program, both for

coordinators and technicians. Among the main observations on political

participation, the coordinators do not feel they are listened in their demands, and

conclude that the elderly women’s participation, although intense, is still not

effectively or appropriately considered by governmental sectors, and monitoring

of public politics.

Key words: whispering, listening, affection, acquaintanceship and political

participation.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Painel ilustrativo O contexto da formação das ideias para a pesquisa ............................................................................................................ 16

Figura 2 - Mapa de localização dos grupos de convivência pesquisados .... 39

Figura 3 - Painel ilustrativo Imagens de contextos da pesquisadora ............ 58

Figura 4 - Painel ilustrativo –Imagens do contexto das Mulheres coordenadoras .................................................................................................. 89

Figura 5 - Painel ilustrativo Imagens do contexto dos cochichos ................115

Figura 6 - Painel ilustrativo Contextos de participação política das coordenadoras.....................................................................................................194

Figura 7 - Painel Ilustrativo Contextos e ações nas considerações finais ...213

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Etapas e formas de realização da coleta de dados desde as atividades que precederam e deram suporte à pesquisa de mestrado até o final da pesquisa ............................................................................................... 43 Quadro 2 - Distribuição dos locais de entrevistas filmadas com as coordenadoras de grupos ................................................................................ 48 Quadro 3 - Atividades da Oficina de desenvolvimento humano político e social para coordenadores de grupos de convivência de idosos. ................ 52 Quadro 4 Caracterização das coordenadoras entrevistadas ......................... 91

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SUMÁRIO

1 DA ESCUTA COMO PROJETO AO PROJETO DE ESCUTA DE MULHERES IDOSAS COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA . 16

1.1 Introdução ................................................................................................ 17 1.2 Apresentação da pesquisa ....................................................................... 25 1.3 Sustentação teórica.................................................................................. 27 1.3.1 Revisão teórica sobre o envelhecimento e a velhice. ........................ 31 1.4 O desenho metodológico da pesquisa ...................................................... 36 1.4.1 A delimitação do campo .................................................................... 38 1.4.2 A coleta de dados ............................................................................. 44 1.4.3 A tradução/interpretação dos dados .................................................. 56 1.4.4 A devolução dos resultados .............................................................. 57 2 VOZES DO ENVELHECER E DA VELHICE ............................................... 58 2.1 A trajetória da pesquisadora e o contexto de enunciação da pesquisa ..... 59 2.2 Velas velando morte, velhos velando vida: ou o início de uma trajetória ... 62 2.3 Uma Trajetória com os velhos da minha terra .......................................... 65 2.4 Do interior à capital: rumos da trajetória acadêmica e profissional ............ 77 2.4.1 Uma travessia: da trajetória de vida para a trajetória do projeto de pesquisa “vozes na coxia” ................................................................................... 83 2.5 Cochichos inacabados sobre a trajetória da pesquisa e do pesquisador .. 85 3 MULHERES QUE COCHICHAM E SUAS COXIAS .................................... 89

3.1 Mulheres que cochicham: um pouco da sua história ................................ 90 3.2 O lugar e o sentido dos grupos na fala das Coordenadoras ................... 105 4 OS COCHICHOS ...................................................................................... 115 4.1 Do Silêncio à escuta dos cochichos: O grupo como espaço de mediação simbólica e afetiva ............................................................................................ 116 4.2 Cochichos sobre os grupos de convivência ............................................ 129 4.2.1 O grupo como lugar de amizades e de vínculos afetivos ................. 130 4.2.2 O grupo como espaço de afeto em extensão e ao mesmo tempo em oposição à família. ............................................................................................ 135 4.2.3 O grupo como espaço político e de cidadania e equipamento social destinado ao apoio à pessoa idosa a família e a comunidade ........................... 147 4.2.4 O grupo de convivência como espaço de aprendizagem: “a escola da vida” na trajetória de quem não teve “vida na escola” ....................................... 158 4.3 Cochichos sobre políticas Públicas ........................................................ 177 5 DA COXIA PARA O PALCO ..................................................................... 194

5.1 Cochichar, escutar e traduzir as cenas da vida no palco da política local 195 5.2 Do cochicho à voz – Nossa forma de participar ...................................... 201 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 213

6.1 Do silêncio de morte ao cochicho da vida: potencialização da pessoa idosa por meio do valor, afeto e participação política nos grupos de convivência de idosos. .............................................................................................................. 214

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6.2 da vivência de vencidos à experiencia estética de longeviver e participar, reinventando a política. Um porvir possível?. .................................................... 217 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ..................................................................... 230 ANEXOS .......................................................................................................... 245

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16

1 DA ESCUTA COMO PROJETO AO PROJETO DE ESCUTA DE MULHERES

IDOSAS COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA

Figura 1 - Painel ilustrativo O contexto da formação das ideias para a pesquisa

Fonte: Acervo de fotografias da biblioteca da pesquisadora, Título “Portal de ideias”

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17

1.1 Introdução

“Escutar é uma disponibilidade para deixar-se acolher e afetar pela fala do outro. [...] A escuta é a escuta da fala como acolhimento, e esta escuta é ela mesma acolher o que a fala: nos oferece: entendemos quando fazemos parte do que é dito.” (Luiz Cláudio Figueiredo 1994. P 44, 120).

A pesquisa, aqui descrita teve seu foco principal de estudos no binômio

comunidade/velhos, e se inseriu na linha de pesquisa “Gerontologia: Processos

Políticos-Institucionais e Práticas Sociais, que investiga as políticas sociais, as

organizações da sociedade civil, e as práticas sociais e institucionais orientadas para

o segmento populacional de mais de 60 anos, assim como mapeia, identifica e analisa

serviços e espaços utilizados pelos idosos”. Os cochichos das mulheres idosas que

coordenam grupos de convivência e a sua trajetória de participação política foi o foco

de atenção principal deste trabalho que teve como principal objetivo lançar luz sobre

as formas e o modo de participação das pessoas idosas nos processos de construção

das políticas de atenção ao idoso, e as significações que elas atribuem aos grupos e a

esse processo segundo suas próprias falas, na tessitura das ações e na redes de

significações afetivas e sócio culturais em que elas estão entranhadas.

A ideia da pesquisa foi se concebendo e se desenhando a partir do contato

profissional e permanente que desenvolvo com os grupos de convivência de idosos

através de um programa de estágio no curso de psicologia da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais, denominado “o psicólogo na comunidade” no qual trabalho

desde o ano de 1995, e há mais de 14 anos na função de professora supervisora. As

ações para a pesquisa foram se concretizando e tomando forma na escolha do

caminho metodológico a ser seguido e dos procedimentos, técnicas e instrumentos

que seriam utilizados, com base no exercício cotidiano das práticas “extensionistas”

da Universidade, com as quais estive envolvida por mais de 10 anos, desde a

concepção e criação do “PROGRAMA PUC MAIS IDADE” dirigido a pessoas adultas

e idosas, proposto para a Universidade em março de 2000 e que desenvolvi e

coordenei até meados do ano de 2009, na PUC MINAS.

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18

A pesquisa foi se constituindo por etapas ao longo desse percurso, porque uma

das atividades principais do projeto era o desenvolvimento e a potencialização dos

grupos de convivência, e dos Conselhos, Municipal e Estadual de Direitos da Pessoa

Idosa. Entretanto, de forma mais remota, a pedra fundamental para a construção do

projeto, talvez tenha sido lançada, quando da criação de um programa de extensão

denominado “Centro de Educação Popular na Universidade”, no ano de 1996 a 1998

no qual participei, primeiro como monitora, e posteriormente como professora efetiva

nos cursos de “Formação básica para acompanhantes de idosos” e de “Capacitação

para coordenadores e líderes de grupos de convivência e movimentos de direitos da

pessoa idosa”. Desde o ano de 1999, com a finalização dos cursos, diversas

coordenadoras de grupos de convivência de idosos solicitavam um espaço na

universidade, no qual pudessem discutir, trocar informações e trazer suas dúvidas

sobre questões ligadas ao envelhecimento, às políticas públicas e ao gerenciamento

dos grupos de convivência, para dialogar com os professores.

Deste modo, de 1999 a 2000 estabelecemos um encontro mensal onde as

coordenadoras se reuniam com professores e alunos de diversos cursos, de acordo

com o interesse e o tema em discussão. Naquele espaço, discutíamos temáticas que

eram sempre demandadas por elas. Construímos um programa básico para orientar

cada encontro e a metodologia utilizada era baseada nas oficinas em dinâmica de

grupo como método de intervenção psicossocial, e nos círculos de cultura do Paulo

Freire.

Durante todo o ano de 1999 e no ano 2000 tivemos 11 encontros a cada ano,

totalizando 22 encontros com temáticas variadas que trouxeram enriquecimento do

saber tanto para os coordenadores, quanto para os docentes e alunos que

participaram do trabalho. Entretanto a necessidade de aprofundamento sobre as

temáticas instigou a criação, do PROGRAMA PUC MAIS IDADE proposto e já iniciado

em 2000 e no ano de 2002, resultou no primeiro “curso de capacitação para

coordenadores de grupos de convivência de idosos” na Universidade, realizado em

parceria com a secretaria de assistência social e a secretaria de Políticas Sociais.

Hoje, esta última é a atual secretaria de direito e cidadania da Prefeitura Municipal de

Belo Horizonte.

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19

Posteriormente outros cursos foram criados para atender a demandas

específicas de cada grupo de convivência, na sua singularidade. Esse contato foi se

ampliando, de tal forma, que os grupos queriam, além de vir ao ambiente da

universidade, levar as propostas de trabalho lá discutidas, bem como os profissionais,

para a comunidade. E assim, o estágio e o programa de extensão funcionaram como

instrumentos utilizados para que pudessem levar o trabalho da universidade para a

comunidade e trazer da comunidade para a universidade, as contribuições do

conhecimento popular e da cultura local.

Essa relação de reciprocidade entre o conhecimento acadêmico e o

conhecimento popular, por sua fertilidade, aprofundou as formas de concepção da

velhice do envelhecimento, e produziu algumas leituras da realidade vivida pelos

coordenadores de grupos de convivência instigando ainda mais as questões que

tentamos responder através de um primeiro mapeamento da realidade dos grupos de

convivência de idosos no ano de 2002. A tentativa era responder às seguintes

questões: Quem eram esses grupos? Como eles surgiram? Como se mantinham?

Como era sua organização? Quem eram as pessoas que os coordenavam? Como

agiam esses grupos nas suas comunidades? quais as atividades que desenvolviam?

e que tipo de apoio recebiam? Qual o seu reconhecimento pelo setor público? como

se relacionavam com os conselhos de idosos e com a política de atenção ao idoso?

Para responder a estas questões foi elaborado então, em parceria com o

Conselho Estadual do Idoso e com a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, um

mapeamento dos grupos de convivência de idosos em 2002. Na época conseguimos

mapear um total de cento e quarenta e dois grupos de convivência de idosos. Estes,

ao serem investigados, trouxeram repetidamente a figura do coordenador, como um

personagem central na organização grupal. Desta forma a pesquisa foi se

configurando, ao longo desse processo, com o desenvolvimento da escuta psicológica

nos grupos de convivência, que já era realizada uma vez por semana, desde o ano de

1999, pelos estagiários do curso de psicologia. E, cujos relatórios de atividades de

estágio funcionaram como uma fonte primeira de informações na qual pudemos

observar quais os discursos eram mais repetidos, e também capturar alguns

conteúdos afetivos e culturais e sentidos que lhes eram atribuídos. Esta primeira fase

do levantamento da pesquisa que descrevo aqui, foi realizada no primeiro período em

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que estive ligada ao programa de gerontologia, Já que estive matriculada nesta

época, mas fiquei impossibilitada de concluir o curso.

No ano de 2003 foram realizadas oficinas em dinâmica de grupo e em 2006

entrevistas de aprofundamento com as coordenadoras dos grupos de convivência de

idosos, sobre as temáticas discursivas que mais se repetiam no grupo, segundo o

levantamento dos relatórios de estágio.

A escolha pelo uso das oficinas em dinâmica de grupo como técnica para

subsidiar a pesquisa, se deu porque na nossa prática de estágio já utilizávamos as

oficinas como método de intervenção psicossocial, baseada na metodologia de

Afonso(2000) e agora era só transpô-las para serem utilizadas como instrumento de

pesquisa, repetindo com as coordenadoras as temáticas que se repetiram nos

cochichos cotidianos dos grupos.

No ano de 2006 foi gravado também um vídeo orientado pelo mesmo roteiro

daquelas entrevistas, com finalidade de ilustrar de forma didática os discursos

apreendidos pela pesquisa.

A proposta primeira era de que as coordenadoras falassem sobre os quatro

temas dos cochichos que mais foram trazidos no discurso delas. A saber: família,

grupos de convivência, participação nas políticas públicas, e medo. Os quatro temas

foram oferecidos como temas das entrevistas e pudemos capturar mais um tema que

atravessava todos esses discursos que era a saúde. Preferimos não incluí-lo como

tema neste trabalho não por sua condição transversal, mas porque o corpus do

trabalho poderia se tornar muito complexo numa proposta de mestrado, já que os

quatro temas já ocupariam muito tempo na pesquisa e nas discussões. Desta forma

feito esse recorte, os cochichos sobre saúde ficaram então reservados para uma

pesquisa posterior. Esta questão está melhor detalhada no percurso metodológico,

mesmo porque, ao final esses cochichos foram condensados na dissertação, em dois

cochichos apenas: cochichos sobre grupos de convivência e sobre participação

política

A segunda proposta foi explorar nas entrevistas além dos cochichos trazidos

por elas, o que falavam sobre sua participação nas políticas públicas e tentar

compreender, como significavam isto, por via da observação de sua participação

efetiva nas reuniões dos grupos e dos conselhos, e como se dava essa participação,

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numa sociedade contemporânea que claramente exibe uma ideologia perversa que

sustenta a velhice e o envelhecimento, num lugar indigno, estigmatizado e excludente.

E por último, a intenção da pesquisa foi compreender o que falavam sobre a escuta

propiciada pelo estágio e suas implicações no processo de participação política dos

grupos. Pois no discurso que elas traziam no cotidiano dos grupos o sentimento de

estarem excluídos nos programas e projetos de participação política e a dor gerada

por essa exclusão ficava explícita de diversas maneiras na prática de estágio. Esse

processo de excludência e estigmatização, sustenta até mesmo ações que

aparentemente são de participação coletiva, de acordo com a afirmação de Goffman

(2001),

“Isso acontece em primeiro lugar porque as instituições profanam exatamente as ações que na sociedade civil possuem o papel de atestar ao ator e aos que estão em sua presença, que eles possuem autonomia.” (GOFFMAN. 2001, P.31).

Em acordo com esse pensamento do Goffman, os discursos das

coordenadoras revelaram, nesta época, que apesar de todo o seu investimento na

participação dos fóruns, dos conselhos e dos encontros elaborados pelo setor público

percebiam que nem o setor público, nem os setores de monitoramento da política

pública, não estavam interessados de fato em escutá-las, mas segundo afirmavam, o

setor público precisava delas (pessoas idosas) nestes espaços, para sustentar uma

participação política ilusória que precisava ser contada em números. Ou seja,

segundo elas, apenas para dar a aparência de uma democracia que nem de longe era

de fato participativa, já que as decisões eram tomadas pelos técnicos e essa

participação era apenas uma participação “só pra inglês ver”5

Os resultados dessa primeira etapa apontaram questões interessantes, que

sustentavam o fato de que os coordenadores, em sua maioria mulheres de 60 anos e

mais, se sentiam excluídas de um processo de participação legítimo nas instâncias

públicas que frequentavam.

5 Expressão utilizada pelas idosas para dizer que sua participação é algo teatralizado, e apenas para compor uma performance ou um

número nos conselhos e fóruns regionais da prefeitura.

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Nesta direção é que a pesquisa propiciou a oportunidade de continuar a

escutá-las, agora de maneira coletiva, e com foco nas suas trajetórias de participação

política e com uma linha do tempo, que fosse capaz de fornecer dados sobre esse

percurso das coordenadoras e sobre as formas como esta participação vem

acontecendo. Isto poderia trazer mais elucidações a respeito sentido de sua fala e

revelar a dinâmica na relação entre o idoso e as instâncias de participação política que

frequentavam. Especialmente porque ocorreram10 anos de intervalo entre as

´primeiras entrevistas e as primeiras disciplinas cursadas no programa de mestrado,

três conferências de direitos da pessoa idosa, nas instâncias Municipal, Estadual e

Federal. Ouvir6 o que elas disseram de sua participação, e escutar7 a sua trajetória de

conquistas e desafios foi fundamental para compreender, a partir da voz das próprias

idosas, como experienciaram e ainda experienciam esse processo.

A proposta da pesquisa de mestrado foi de entrevistar as idosas coordenadoras

de grupos de convivência de forma coletiva e individual, e desenvolver oficinas em

dinâmica de grupo e entrevistas de aprofundamento para complementar os dados

obtidos no mapeamento dos grupos que ocorreu nos anos de 2002/2003. As oficinas

em dinâmica de grupos, permitiram que os principais cochichos individuais fossem

escutados novamente nos grupos, e depois aprofundados em entrevistas individuais

com as coordenadoras, Com a diferença que estas entrevistas embora individuais

foram realizadas em espaços coletivos, nos intervalos de atividades desenvolvidas por

elas tais como os seminários, encontros e oficinas, que foram realizados e filmados

em 2006. Isto envolveu a primeira etapa do projeto. Finalmente, a pesquisa na sua

segunda etapa coletou seus depoimentos, numa ação participativa, após

aproximadamente 10 anos das primeiras entrevistas já realizadas, na qual puderam

fazer uso do espaço do discurso, não apenas com o objetivo de responder às

indagações da pesquisa, mas principalmente, com o objetivo de construir por meio da

pesquisa-ação, um espaço de produção discursiva, e sobretudo o vislumbre de novas

6 Refiro-me aqui ao ouvir como o sentido da função biológica de apreender o traço sonoro da palavra, ou o ruído ambiental, para

diferenciá-lo do sentido que é atribuído à escuta compreendida como um processo mais amplo.

7 Refiro-me aqui à escuta no sentido biopsicossocial afetivo e político cuja captura do som nem é mais o principal objetivo e sim o

processo de ressonância decorrente sentido é mais amplo que o ouvir. A escuta no sentido atribuído por Luiz Cláudio de Oliveira

Figueiredo (1994, p.83) envolve o ato político e engajado de acolher o que a fala nos oferece. É ouvir para além do som das

palavras, o som que a cada momento não soa, mas cujas ressonâncias nós entreouvimos.

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formas de organização e participação política destas mulheres protagonistas na busca

de fortalecer sua voz e conseguir ampliar suas conquistas no processo de

consolidação dos direitos da pessoa idosa.

A intenção da pesquisa foi que elas pudessem manifestar suas demandas

diretamente aos representantes do legislativo municipal e estadual trazendo a eles de

forma verbal e escrita as demandas que faziam nos grupos de convivência e que

apesar de as levarem ao conselho e aos fóruns de idosos, acreditavam que não eram

escutadas nem atendidas e acabavam se perdendo pelo caminho. A ação política por

meio da oficina de desenvolvimento humano político e social para coordenadoras de

grupos de convivência foi gravada por meio de filmagem e as falas foram

consideradas juntamente com todas as outras trazidas por elas nas entrevistas e nos

grupos, e foram discutidas e apresentadas na dissertação. Toda a pesquisa foi então

organizada no trabalho aqui apresentado, e disposta da seguinte maneira:

O primeiro capítulo denominado “Da escuta como projeto ao projeto de escuta

de mulheres idosas”, abre com a introdução, apresentação e desenho metodológico

da pesquisa organizados sob o título: que abre o trabalho. Entretanto mantêm-se

separada dos demais capítulos que comporão a dissertação do processo de pesquisa

exatamente para permitir melhor visualização do trabalho ao leitor, embora algumas

questões específicas relativas ao processo metodológico no que se refere às

atividades desenvolvidas pela pesquisa, sejam retomadas no desenvolvimento de

cada capítulo.

Em seguida, são apresentados os demais capítulos correspondentes à

dissertação sobre a pesquisa. São eles:

O segundo capítulo foi denominado “Vozes do envelhecer e da velhice e retrata

a trajetória do pesquisador desde o seu nascimento, seu contexto cultural, pessoas e

as questões que o influenciaram para pensar o envelhecimento e a velhice até o

momento de concepção do projeto. A intenção foi denominar como vozes o que

estava mais instituído sobre o envelhecimento e a velhice de forma geral, na

sociedade, bem como expor o processo de aprendizagem do pesquisador na

experiência com pessoas idosas ao longo de sua trajetória de vida e de sua formação

profissional e os cochichos das coordenadoras, que retratam o dinamismo e as

transformações nas configurações subjetivas, bem como o tom instituinte de suas

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falas tentando construir novas possibilidades para o envelhecer. Também se refere a

uma voz que é ainda cochichada e portanto carece de força e organização para se

tornar uma voz cada vez mais audível.

O Terceiro capítulo foi denominado: “Mulheres que cochicham e suas coxias” e

descreve alguns aspectos do contexto histórico psicossocial, cultural e político das

mulheres idosas pesquisadas e dos grupos de convivência que coordenam, segundo

suas próprias falas e no diálogo com as interpretações de segunda mão da autora.

O quarto capítulo foi denominado “Os cochichos”. Nele são apresentadas e

discutidas as principais falas das coordenadoras sobre o que dizem e como significam

os grupos de convivência; bem como as políticas públicas.na sua trajetória de

participação como coordenadoras.

O quinto Capítulo: “Da coxia para o palco discute as ações empreendidas pelas

mulheres segundo suas falas ao longo do processo de participação política nos

grupos de convivência de idosos, e no diálogo com as interpretações de segunda mão

da autora sobre as ações das coordenadoras observadas ao longo da pesquisa.

O sexto capítulo “Considerações finais” encerra a dissertação com as

interpretações de segunda mão, sobre as principais questões apresentadas e

suscitadas pela pesquisa, bem como discussões e encaminhamentos sobre os pontos

sugeridos pelos sujeitos pesquisados para a melhoria da participação política das

pessoas idosas e para o avanço das Políticas Públicas de Atenção à Pessoa Idosa a

partir dos dados obtidos na pesquisa.

Considero importante reafirmar que a opção por inventar nesta pesquisa um

dispositivo de participação política para a coleta dos dados na segunda etapa da

pesquisa ao invés de utilizar novamente os mesmos instrumentos anteriormente

explorados (entrevistas, oficinas em dinâmica de grupo e observação) foi de

intencionalmente valorizar uma ideia proposta pelos próprios sujeitos participantes da

pesquisa na demanda que fizeram no início da pesquisa de terem um espaço de

discussão mais neutro, e mais direto, primeiro com os parlamentares e depois com o

executivo, uma vez que não se sentiam ouvidos pelos conselhos. Essa proposta das

coordenadoras foi ao encontro da metodologia da pesquisa ação já que esta

empreende no próprio ato de pesquisar, uma ação participativa dos pesquisados.

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Fica demarcado por este contorno teórico metodológico, a base qualitativa da

pesquisa uma vez que se dedica não a estudar a participação política em si enquanto

objeto, mas compreender a qualidade da relação que as pessoas idosas estabelecem

com esse processo e a forma como o interpretam e interpretam a si mesmas e ao

espaço público de participação política nesta interação. Por isso mesmo, utilizei o

embasamento teórico da pesquisa etnográfica e da antropologia interpretativa,

proposta por Clifford GERTZ (1989) utilizando como principal instrumento, desde a

concepção das questões até a sua análise, a proposta de uma descrição densa,

auxiliada pela teoria e prática da pesquisa ação, e o conceito de atividade proposto

por Vygotsky uma vez que todo o processo de obtenção dos dados se deu no

movimento do trabalho desenvolvido pelas coordenadoras nos grupos de convivência,

no calor da comunidade, e em todo o seu contexto de luta para garantir seus direitos.

1.2 Apresentação da pesquisa

A pesquisa “Vozes na Coxia: cochicho, escuta e participação política de

mulheres idosas coordenadoras de grupos de convivência” correspondeu a uma

trajetória de acompanhamento e observação sistemática das questões mais

frequentes no trabalho com grupos de convivência de idosos no Município de Belo

Horizonte, e no acompanhamento terapêutico domiciliar ao idoso e à sua família, em

comunidades de baixa renda. Estas atividades foram anteriores à pesquisa e

continuaram sendo desenvolvidas até o momento final da pesquisa através do estágio

acadêmico curricular denominado o “O psicólogo na comunidade”, da PUC-Minas,

onde fui estagiária protagonista dessa atividade, e desde o ano de 2000 até hoje, uma

das professoras-supervisoras do estágio. Isto demonstra que a pesquisa não

aconteceu de forma isolada, mas dentro de um processo de relação com os

pesquisados que favoreceu a prossecução da atividade acadêmica e

simultaneamente a organização das pessoas envolvidas em torno de interesses

comunitários. Foi um trabalho que se debruçou sobre o estudo e análise dos

cochichos das coordenadoras de grupos de convivência de idosos, obtidos através da

escuta psicológica, com o objetivo de lançar luz às seguintes questões:

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1 -O que falavam as coordenadoras sobre si mesmas e sobre o grupo de

convivência que coordenavam?

2 – Quais os cochichos que eram mais trazidos nos grupos pelos seus

participantes e o que elas mais pensavam sobre esses cochichos?

3 - O que falavam sobre sua trajetória e sobre sua participação na política de

atenção ao idoso?

4 – o que falavam e qual o sentido atribuído por elas à escuta de seus

cochichos pelas estagiárias?

5 _ Que relação estabeleciam entre essa escuta e sua trajetória de participação

na construção das políticas públicas?

A proposta foi de coletar entrevistas individuais e os depoimentos das

coordenadoras, bem como propiciar oficinas seminários e atividades nas quais

pudessem agir participando ativamente, para tornar ainda mais próximos da sua

realidade de participação política, os dados coletados. Evitamos coletar dados nos

fóruns e nos conselhos, exatamente por que sua queixa é que não tinham muita

liberdade de participar nesses espaços. Portanto apenas acompanhamos em

observação as coordenadoras nesses espaços, já que o que pediam era a ampliação

de seus espaços de participação.

A perspectiva da pesquisa foi que se desenvolvesse de forma a atender as

expectativas do programa de mestrado em gerontologia, uma vez que se desenhava

sobre uma atividade interventiva de estágio, com alguns dados já levantados em

atividade investigativa realizada anteriormente e que subsidiaram, conjuntamente,

todo o processo inicial do levantamento de dados que puderam ser incorporados ao

processo de pesquisa atual, como indicadores ou como analisadores dos cochichos.

Entretanto, dadas as condições de obtenção dos dados a serem trabalhados, e os

atravessamentos relacionados com a saúde da pesquisadora, foi necessário

extrapolar um o tempo da pesquisa e prorrogar o prazo para apresentar finalmente o

trabalho.

O objetivo principal foi o de escutar as falas (cochichos) de mulheres idosas

coordenadoras de grupos de convivência sobre a sua trajetória de participação política

nos grupos e nas políticas públicas em alguns momentos em que acontecem essa

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ação de participação, e registrar o modo como interpretam essa participação. Essa

proposta foi realizada por meio das seguintes atividades:

1 – Registro dos cochichos que as mulheres idosas coordenadoras de grupo

trouxeram sobre si mesmas, sobre os grupos e sobre sua participação na construção

das políticas públicas, bem como sobre a sua experiência de interação com o setor

público governamental.

2 – Observação da manifestação dos processos inconscientes (emoções) e

conscientes (linguagem e pensamento) e sobre como interpretam e agem nesses

espaços de participação.

3 – Registro das conquistas alcançadas, e as demandas que ainda trazem para

os poderes legislativo e executivo, dez anos depois e após as três conferências de

direitos da pessoa idosa acerca dos temas já cochichados na primeira fase da

pesquisa.

4 – Observação dos diálogos que estabeleceram com o legislativo sobre as

formas como interpretam esse processo de participação bem como as formas como

interpretam e interagem com o setor público governamental e com os serviços de

atenção ao idoso por eles ofertados.

5.-. Estabelecimento de considerações do pesquisador sobre os cochichos

atuais e sobre os cochichos que foram escutados nos anos de 2003 a 2006.nos

grupos de convivência; e sobre as ações das coordenadoras ao longo de todo o

processo de pesquisa.

6 – Escrituração da dissertação e devolução dos resultados da pesquisa, a fim

de compartilhar com os participantes e propor a reflexão sobre o lugar e o papel da

escuta psicológica presentes na sua fala e na sua trajetória de participação política.

1.3 Sustentação teórica

A maioria das pesquisas relativas a pessoa idosa ao longo das últimas décadas

focalizam a doença física, as estatísticas sócio econômicas do país referentes ao

envelhecimento, os problemas sociais decorrentes, no entanto, ainda são poucas as

pesquisas que contemplam as dimensões simbólicas e culturais presentes nas

relações de exclusão inclusão da pessoa idosa nos processos de inserção e

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participação na comunidade e nas políticas públicas .E menos ainda considerando

simultaneamente as singularidades dos pesquisados, o que é extremamente

importante nos processos de intervenção psicossocial, uma vez que a visão de mundo

do pesquisador deve ser um elemento de discussão e reflexão constante para que

sua prática interventiva não repita e contribua para manter os processos de

dominação que mantenham os sujeitos nos mesmos lugares e papéis, ao invés de

fomentar e potencializar a produção de subjetivação e as ações transformadoras de

sua realidade.

Diante desta realidade esta pesquisa propôs um olhar diferenciado para as

questões de ordem subjetiva e objetiva que atravessavam a relação do idoso no

contexto social e implicou-se em escutar o que era trazido como tema principal no seu

discurso. A saber, uma negação da ética e da ecologia humana no cuidado com a

pessoa idosa no espaço público. Negação esta, que muitas vezes se inicia e é

naturalizada pelas próprias instâncias de organização política já instituídas que

deveriam, ao contrário disso, servir como suporte para o desenvolvimento de ações

sócio educativas e de serviços para a pessoa idosa. Alguns mecanismos de exclusão

da pessoa idosa são sustentados por resquícios de uma barbárie na transmissão de

um processo cultural e educativo que tem um discurso completamente diferente da

ação prática. Segundo Walter Benjamim, citado por Paulo Salles de Oliveira. (1998, p

36)

Não há documento de cultura, que não seja ao mesmo tempo, um documento de barbárie. E assim, como os próprios bens culturais não estão livres da barbárie, também não o está o processo de transmissão com que eles passam de uns aos outros”. (OLIVEIRA, 1998; p.36).

Segundo Beauvoir(1990) apud OLIVEIRA (1999, p 43) “para o velho, a primeira

das barbáries é o seu não reconhecimento como sujeito, como ser humano, com

existência real”. Ele é visto muitas vezes como quem já foi. Portanto já não é mais.

Esse exemplo pode ser reforçado pela fala de uma coordenadora CI 4 72ª (2006) que

diz:

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Se a gente é convidada para participar de um fórum a gente vai, mas chega lá é só pra passar raiva, pois não adianta nada ir, porque a gente fala mas ninguém dá ouvido, nem anotar nada do que a gente diz eles anotam. Onde já se viu as pessoas fazerem reinvindicações e não se ter uma ata, um protocolo ou documento oficial que é levado a um órgão superior para que as decisões cabíveis sejam tomadas, e que a gente fique com uma cópia para cobrar. Vira uma conversa qualquer que não sai do lugar porque nem sei se alguma delas chega no prefeito. Ou se ele ficou sabendo nunca deu resposta pros grupos”

Diante desse quadro, fez-se necessário uma investigação mais ampla para que

pudéssemos ter uma visão psicossocial do fenômeno em estudo. Desta forma, a

participação política da pessoa idosa pôde ser melhor compreendida no contexto

cultural em que estavam inseridos.

Sabendo-se que a população está envelhecendo rápida e continuamente, de

forma que o Brasil representa, no Ranking mundial, o oitavo país com maior número

de idosos, e que incapaz de suprir as necessidades emergentes, o setor público conta

com a família do idoso e com as iniciativas comunitárias e solidárias, como principais

aliados no seu atendimento, torna-se imprescindível continuar ampliando as

investigações sobre o contexto psicossocial do idoso para que se possa compreender

com maior profundidade as relações grupais e os vínculos que são estabelecidos

entre a pessoa idosa, a comunidade e as instâncias de participação e de serviços.

Além desses aspectos, foi palco de atenção no Brasil, nos anos de 2006, 2009 e

2011, a primeira segunda e terceira Conferências Nacionais de Direitos da Pessoa

Idosa, cuja participação dos estados e municípios foi intensa agregando idosos de

todo o Brasil para discutir e propor deliberações, por via do Conselho Nacional de

Direitos da Pessoa Idosa. Entretanto, a despeito de toda a movimentação discursiva,

poucas ações propostas pelas deliberações foram de fato implementadas pelo poder

executivo. Isso ficou mais comprovado ainda pela escuta das coordenadoras, algumas

protagonistas destas conferências ao se colocarem na pesquisa.

A participação da população idosa deve ser tema de reflexão para a ciência e

para todas as ações que percebam a promoção e potencialização da pessoa Idosa,

bem como a consolidação dos seus direitos, como um fator de desenvolvimento para

o país. Por isso mesmo, a necessidade urgente de que a ciência Gerontologia amplie

e se implique em pesquisas que tenham uma ação efetiva e promovam um resultado

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prático no cotidiano das pessoas. Ou seja, que a aplicação dos dados obtidos possam

funcionar como elemento que promova a transformação cultural da sociedade

Brasileira, especialmente no que diz respeito à concepção do velho, do

envelhecimento e da longevidade. Nesse caso, a pesquisa aqui desenhada provocou

em seu próprio curso, e na forma como foi se estabelecendo, um processo que não

apenas tem contribuído para ampliar o discurso das pessoas pesquisadas sobre a

velhice, mas que principalmente, tem trazido reflexões da própria pessoa idosa sobre

o seu discurso e sobre suas ações, no momento mesmo de sua participação.

Portanto, a expectativa é de que agora que se encerra, possa contribuir para expandir

os modos de ser e existir da pessoa idosa, na sua relação com o espaço público. Isto

necessariamente se refletirá nos processos de interação da sociedade com a pessoa

idosa.

A escuta foi estudada como um processo tanto na sua universalidade, quanto

na singularidade de uma escuta psicológica, baseada na abordagem sócio histórica.

Tratou-se de uma escuta não apenas do significado, dos signos ou das ações,

produzidas pelos sujeitos da pesquisa, mas da escuta do movimento decorrente dos

processos de produção subjetiva dos sujeitos no movimento de falar agir sobre o

mundo e dos efeitos disso sobre si mesmo e sobe sua realidade e teve desde a sua

concepção uma escuta que se implicada em escutar os cochichos e observar a sua

participação política como protagonistas nas diversas ações de construções da

política pública de atenção à pessoa idosa e as transformações decorrentes disso,

que como veremos provocou novas mudanças e novos questionamentos das pessoas

idosas sobre sua interação com o setor público.

Um terceiro ponto a ser marcado no suporte teórico é que a escolha pelos

teóricos se deu na forma dinâmica, em que a pesquisa foi acontecendo e exigindo

estudos e olhares de estudiosos que pudessem favorecer a reflexão sobre as ações já

iniciadas e realizadas pelo estágio nos fóruns de idosos na Prefeitura Municipal de

Belo Horizonte. O que sedimenta uma participação efetiva e interdisciplinar da

Gerontologia e da Psicologia, num contexto cultural, no bojo de processos sociais que

acredito influenciarão definitivamente na melhoria das políticas públicas de atenção à

pessoa idosa e nas de condições da vida humana.

Finalmente, a pesquisa se desenhou numa metodologia que estabeleceu

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íntima relação entre o conhecimento popular e o conhecimento acadêmico,

sustentado no tripé ensino-pesquisa-extensão e contribuiu com dados que subsidiarão

ações de fortalecimento da participação da pessoa idosa, bem como trará

contribuições para a prática docente, especialmente a que se aplica aos estágios e

programas extensionistas.

1.3.1 Revisão teórica sobre o envelhecimento e a velhice.

O aumento significativo da população de idosos no Brasil e no mundo é motivo

de grande preocupação tanto para o setor público como para a sociedade civil, não

apenas pelas implicações relevantes que acarretam no atendimento às necessidades

básicas de toda a população. Mas sobretudo pela dinâmica transformadora que

estabelece nas relações sociais e humanas e no contexto do cuidado de si e do outro,

o que atinge políticas públicas, de atenção a toda a população e mais especificamente

à pessoa idosa, visando a promoção do seu bem estar físico, psicossocial, econômico

e cultural.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o

número de pessoas com mais de 60 anos saltou de 14,5 milhões em 1999 para 23,5

milhões em 2011, representando 12,1% da população. Em 2020, a projeção é de que

esse total suba para 26 milhões. A projeção para a população idosa com mais de 65

anos, baseada no senso de 2010 é que passe dos 14,9 milhões (7,4% do total) em

2013 para 58,4 milhões (26,7% do total) em 2060. Ou seja, comparada com a

população atual, a população idosa com mais de 65 anos irá se quadruplicar até o ano

de 2060.

Ainda de acordo com as previsões baseadas no censo do IBGE, 2010, as

mulheres continuarão vivendo mais do que os homens, já que em 2060, a expectativa

de vida para as mulheres será de 84,4 anos, contra 78,03 dos homens. A, média de

vida das mulheres em 2013 atingiu os 78,5 anos, enquanto a média de vida dos

homens, os 71,5 anos. É importante destacar, que o grupo etário com oitenta anos e

mais atingiu um crescimento de quase 65% em números absolutos, em 2010. E

atingimos um contingente de mais de vinte milhões de idosos nesse mesmo ano.

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Se os dados acima confirmam que a população idosa tem aumentado

sobremaneira nos últimos anos, Os dados no que se referem às leis que garantem a

proteção e efetivação dos direitos da pessoa idosa não acompanham nem à distância

tal crescimento. Nem mesmo o Estatuto do idoso após mais de Dez anos de sua

criação conseguiu tornar efetivas a maioria de suas propostas na execução e

operacionalidade das políticas públicas e dos programas e projetos de atenção ao

idoso; Embora, como bem se sabe, algumas delas que lá estejam expressas já

estivessem também presentes em outros instrumentos da legislação. Após três

conferências municipais, estaduais e nacionais de direitos da pessoa idosa, a

implementação das propostas ainda não conseguiu atingir o mínimo desejável ou

necessário à população, e as deliberações das conferências no que tange a assegurar

direitos fundamentais como a educação da pessoa idosa, até nos que parece ser mais

básico como a criação de programa televisivo em redes de comunicação pública, com

horário fixo no mínimo semanal como reza o estatuto do idoso com informações sobre

questões relacionadas aos direitos da pessoa idosa estão sem qualquer previsão de

execução na agenda das políticas públicas.

A região sudeste no Brasil é a região mais populosa em idosos, alcançando no

senso de 2010 a marca de 10.225.000 (10 milhões, duzentos e vinte e cinco mil

idosos) que representam 12,2% da população total desta região Minas Gerais é o

segundo Estado com maior população de idosos. Atingindo em números absolutos

569.000 idosos. Ou o correspondente a 11,2% do total da população do Estado.

Segundo o resultado da PNAD 2009.

A população idosa no Brasil portanto, vem crescendo de forma assustadora,

mas sem o devido acompanhamento de programas e políticas que possam dar base

para promover as condições básicas necessárias para esse crescimento. Segundo

Chamowicks (l998, p34) a população brasileira vem envelhecendo desde o início da

década de 60, quando as quedas na taxa de fecundidade começaram a alterar sua

estrutura etária, estreitando progressivamente a base da pirâmide populacional.

Passados apenas alguns anos a sociedade já se depara com demandas por serviços

médicos e sociais outrora restritos a países industrializados. Com a diferença de que

aqui, não contamos com uma infraestrutura que permita atender de forma adequada,

sequer as demandas da população idosa existente hoje. Isto aponta para uma crise

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33

ainda maior no sistema de atendimento à saúde, a curto prazo, e para a necessidade

urgente de intervenções cada vez mais específicas para esta população.

Mostra a literatura, que nos grupos etários acima de 65 anos as doenças mais

comuns são as cardiovasculares, diabetes, neoplasias, doenças ósseo-articulares e

demência de Alzheimer. Cançado (l997, p.23). Tais problemas comprometem

diretamente a capacidade funcional, autonomia, e consequentemente a qualidade de

vida do idoso, abrangendo questões de direito e cidadania. Isso é mais importante que

a própria questão da morbidade, já que tais condições promovem a necessidade

ainda maior de assistência para esses idosos, por parte do Estado e da família.

Takashima (1994) pontua que o papel do Estado deveria ser não de substituto

da família, mas de grande aliado e fortalecedor deste grupo, proporcionando apoio ao

desempenho de suas responsabilidades. Mas, segundo afirma esse autor, de forma

muito explícita:

“O Estado não foi capaz de sequer de aplicar estratégias para efetiva

prevenção e tratamento das doenças crônico-degenerativas e suas

complicações, num contexto de desigualdades sociais e regionais, e o

idoso não encontra amparo adequado no sistema público de saúde e

previdência, e tão pouco no sistema social. Pois incapaz de suprir as

necessidades emergentes, assume uma postura de empurrar com a

barriga os problemas mais difíceis e perde o foco do cuidado e da

atenção, numa rede de serviços que não conta com uma perspectiva

de inter-setorialidade efetiva nas ações, e que de fato possa atender

às demandas da população idosa.” TAKASHIMA (1994, p.122). 8

Os grupos de convivência, neste contexto se mostram como equipamentos

sociais importantes, no sentido de propiciar um espaço de manutenção do convívio e

de trocas afetivas entre os participantes, mas para que o idoso e sua família alcancem

melhores condições de vida e saúde, os grupos necessitam do apoio do governo para

que funcionem de maneira mais eficaz, pois foram criados a partir de iniciativas

populares e não dispõe de aparato técnico que permita um atendimento de excelência

para os participantes.

8 TAKASHIMA, Geney M Karazawa “O desafio da Política de atendimento à família . Dar vida às leis, uma questão de Postura” in

família brasileira: a base de tudo.

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34

Por outro lado, as coordenadoras de grupos de convivência são mulheres na

faixa etária de 60 a 80 anos, e em sua maioria sem preparo técnico e conhecimento

específico para exercerem a função de coordenação dos grupos, embora possuam

um conhecimento profundo da realidade local e dos problemas regionais nos quais

estão inseridas. Algumas das regiões na qual temos participação significativa são as

regionais noroeste e oeste de Belo horizonte. O projeto de pesquisa entrevistou as

coordenadoras de grupos de convivência dessas duas regionais e das oito regionais

restantes que quiseram espontaneamente participar, para escutar, segundo suas

falas, como se dá essa interação das coordenadoras com as principais instâncias de

que elas participam. A saber, o conselho municipal do Idoso, os fóruns de participação

nas regionais da prefeitura Municipal, as assembleias e encontros de grupos na

cidade de Belo Horizonte. A partir dos seus discursos conseguimos alguns elementos

para compreender melhor o que acontece nesse processo, e os fatores que podem

estar emperrando o processo de consolidação dos direitos da pessoa idosa e da

construção de políticas efetivas de atenção a esta população, segundo sua visão.

Desta forma os pressupostos teóricos que sustentaram a pesquisa foram

principalmente: o homem como sujeito sócio histórico transformando a si mesmo e ao

mesmo tempo à realidade. Em pleno e constante movimento. A velhice como um vir a

ser, um devir complexo imerso nos contextos bio-políticos econômico, social e afetivo.

A comunidade, na sua forma imanente, como pertencimento, e simultaneamente,

como processo de relacionamento de interdependência e solidariedade entre os seus

membros. O grupo como processo de reprodução de identidades, mas ao mesmo

tempo, propiciador de espaço para novas construções de subjetividade e processos

de subjetivação permanente e dinâmico, mas simultaneamente como um processo e

como espaço comunitário, de produção de sentido, produção de si e de processos de

subjetivação. A cultura como meio de transmissão e construção das formações

conscientes (linguagem e pensamento) e inconscientes (emoção e sentimentos) a

interpretação das culturas, como um processo denso, a participação política como

uma forma de cuidado de si e do outro, e as dinâmicas grupais na relação de poder e

de dominação estabelecidas na sociedade, como um processo a ser reinventado entre

os homens , a partir do estudo de temas, obras e autores aqui relacionados, tais

como as que estão dispostas abaixo:

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35

A dinâmica da interpretação da cultura proposta na perspectiva da

antropologia hermenêutica de Cliffort Geertz, o conceito de homem sócio histórico,

propiciados pela abordagem sócio-histórica da psicologia e na sua análise crítica

sobre a própria psicologia, e sobre os processos de Ideologização, Alienação e

dominação presentes na relação sempre dinâmica indivíduo-sociedade sustentados

Por Vygotsky, Leontiev, Lane, Sawaia, Gofmann, Sant’ana, entre outros.

A dinâmica de grupo estudada por teóricos grupais como Bion, Pichon, Kurt

Lewin, Gregório Baremblitt, Afonso, entre outros;

Os conceitos de cochicho escuta e silêncio na perspectiva sócio histórica da

psicologia em Vygotsky e na perspectiva da autonomia em Paulo Freire, Vygotsky,

Foucault, Deleuze, na antropologia, à luz de Geertz, LE Breton e ainda nos

conceitos de alguns filósofos, especialmente os estoicos. (Epiteto, Cícero)

a) Os conceitos de comunidade presentes em Weber, Balman, Rabinovich,

Mercadante e Sawaia.

b) Os conceitos de participação política na dinâmica das relações humanas no

espaço público e privado propostas por Hannah Arendt, Foucault, Espinosa e

Gofmman.

c) Os estudos sobre afeto e potência presentes nas obras de Espinosa, Negri

Foucault e Deleuze e o afeto como potência de ação e transformação propostos por

Espinosa e Tony Negri, nos contextos de luta e transformação da realidade.

d) A metodologia de intervenção nas oficinas foi proposta com base na educação

popular de e nos círculos de cultura de Paulo Freire; na Ecopedagogia de Gadotti, e

nas oficinas em dinâmica de grupo propostas Por Afonso.

e) A questão do feminino e da memória e suas formas de manifestação do afeto

presentes, na história das mulheres no Brasil sob as vozes de vários autores como

Figueiredo e outros, e organizadas por Del Priore, e na perspectiva de touraine.

f) Os conceitos de tempo, envelhecimento e amizade na obra de David Konstan

Cícero, Espinoza e Foucault.

g) As obras clássicas e contemporâneas de autores que discutem a velhice, a

cultura e os modos de existir do idoso tais como Beauvoir, Minois, Oliveira,

Mercadante, Debert, Concone, Tótora.

h) A Senectude e a gerontologia crítica nos escritos de Negri e Iacub.

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36

1.4 O desenho metodológico da pesquisa

O projeto, para o desenvolvimento desta pesquisa sustentou-se, num primeiro

m vertente antropológica e cultural com base na antropologia interpretativa de GERTZ

(1989omento, numa, p), e em sua perspectiva de interpretação de primeira mão e de

segunda mão, na qual o autor explicita que as falas coletadas pelos participantes já

trazem uma interpretação de primeira mão e que o olhar do pesquisador e sua

apropriação sobre os sujeitos pesquisados já seria uma interpretação de segunda

mão. A pesquisa utilizou-se da interlocução entre a pesquisa-ação e o conceito de

prática de educação popular proposta nos “círculos de cultura” por FREIRE (1989),

para a coleta dos dados mais gerais. Os relatórios de estágio foram utilizados como

uma fonte primária para buscar os dados iniciais sobre os cochichos das

coordenadoras entrevistadas e para identificar os discursos que mais se repetiam nos

grupos. Entrevistas individuais e trajetórias de vida das coordenadoras, foram usadas

para a coleta do material de relato verbal das coordenadoras no período que envolveu

os anos de 2002/2003. Dispositivos e instrumentos como oficinas em dinâmica de

grupo e entrevistas individuais foram utilizadas inicialmente e depois foram feitas

gravações por meio de filmagens com algumas das coordenadoras no ano de 2006,

ao serem entrevistadas.

Foi criada portanto, uma bricolagem de instrumentos de pesquisa para

subsidiar o processo, e para torna-lo mais rico. Como por exemplo, complementar

com as entrevistas de aprofundamento a narrativa das coordenadoras, no momento

de falar do grupo e de sua trajetória de participação, e as oficinas em dinâmica de

grupo, com as filmagens com as coordenadoras ocorreram no ano de 2006. Desta

forma, foram capturados os elementos presentes tanto no discurso como na

exposição das ações das coordenadoras. E em 2012 uma ação de participação

política também foi filmada, para coletar a fala das dez coordenadoras anteriormente

entrevistadas. Numa ação onde mais 70 coordenadoras também participaram.

A opção de gravar as imagens das coordenadoras após dez anos das

primeiras entrevistas e seis anos a pós as oficinas e filmagens em 2006 foi utilizada

para auxiliar na compreensão da pesquisa como um processo longitudinal.

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37

É interessante lembrar que ao longo desse tempo da pesquisa, foram

registradas a morte de três coordenadoras de grupos de convivência de idosos, das

142 que participaram inicialmente do levantamento de dados do estágio. Três delas

deixaram o cargo no grupo. E duas delas se mudaram para outra cidade.

Foram convidadas para a segunda etapa da pesquisa 10 coordenadoras já

entrevistadas, que se mantiveram nas condições e critérios para que fossem

novamente entrevistadas. Compondo o mesmo número de participantes. Isso

favoreceu os estudos longitudinais.

Neste segundo momento foram novamente gravadas imagens dos cochichos

das idosas como parte ilustrativa das falas coletadas, e sob as mesmas perspectivas

teóricas que sustentaram os estudos e os trabalhos já desenvolvidos. A proposta foi

que a pesquisa pudesse analisar não apenas o discurso mas sobretudo a ação direta

das participantes da pesquisa num espaço de participação proposto por elas mesmas

ao setor governamental. Isso facilitou observar suas interpretações, seu modo de viver

e agir conforme essas interpretações, bem como analisar sua forma de se colocar nos

espaços de participação política.

A pesquisa foi sustentada por uma abordagem qualitativa e todo o estudo foi

entendido no seu contexto, já que a busca principal foi salientar os modos de existir,

interpretar e agir de mulheres idosas coordenadoras de grupos de convivência, no

grupo e na transformação de si mesmas e da realidade, num contexto participação

coletiva nas políticas de atenção ao idoso.

O trabalho foi fundamentado em duas perspectivas metodológicas: a

perspectiva etnográfica da antropologia hermenêutica e a pesquisa-ação. A

abordagem psicológica que subsidiou teoricamente a análise dos processos e ações

desenvolvidas pelos sujeitos pesquisados foi a perspectiva sócio histórica de

Vygotsky(1934; 1993) na obra pensamento e linguagem, e no seu complexo estudo

da consciência no texto o problema da consciência(1933,1968,1996) cuja

compreensão de homem e de mundo estabelece intima relação com a atividade e cujo

contexto emocional e afetivo não se separa do contexto social e político em que se

inserem, e se manifestam por meio da atividade que realizam. E desta forma as

produções consciente e inconsciente são ambas operacionalizadas pelas mediações

semióticas, pois esta teoria dialoga tanto com o método etnográfico de pesquisa,

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quanto com a pesquisa-ação. As discussões e apreensões das ideias de Vygotsky

foram mediadas nos seus pontos mais complexos pela interpretação de Molon (2009)

e de Rey (2011). E tanto o processo de pesquisa como os sujeitos envolvidos foram

vistos no seu movimento, na sua dinâmica de transformação de si mesmo e da

realidade, desde a coleta dos dados até a sua interpretação. Por tratar-se de um

estudo que tem um viés longitudinal, esse processo foi desenvolvido em duas etapas

e envolveu os seguintes processos na sua primeira etapa.

1.4.1 A delimitação do campo

Baseada numa perspectiva etnográfica, para a identificação e delineamento

tanto do campo como do objeto e do tema de estudo. Em vários momentos, auxiliada

pela pesquisa-ação, a pesquisa envolveu o estudo de grupos comunitários de idosos

advindos das classes populares, de bairros periféricos de Belo horizonte. Portanto,

estamos falando de uma pesquisa no campo de estudos de antropologia urbana e da

psicologia social comunitária. Utilizamos como base para levantar os primeiros dados

sobre os grupos as informações contidas nos relatórios do estágio supervisionado “o

psicólogo na comunidade” do curso de psicologia, uma atividade investigativa de

levantamento de características e demandas dos grupos de convivência de idosos de

Belo Horizonte. O levantamento fora realizado pela Pró reitoria de extensão e pelo

estágio o psicólogo na comunidade, através do programa PUC MAIS IDADE, com o

fim de criar atividades na universidade com o apoio dos conselhos Estadual e

Municipal de idosos e com a coordenadoria municipal de direitos da pessoa idosa.

Nesse levantamento, participaram 142 coordenadoras de grupos de convivência, e os

seus respectivos grupos.

Na época o número de grupos de convivência cadastrados no conselho

municipal de idosos somava um total de 102 (cento e dois) grupos, portanto, 40 deles

não estavam cadastrados. Desse total de 142 grupos de convivência de idosos

pesquisados, a totalidade deles já havia participado de atividades do programa PUC

MAIS IDADE na universidade e 45 deles já haviam participado do estágio

supervisionado “o psicólogo na comunidade”. Isso significa que num primeiro

momento optamos por levar em consideração esse estudo, apenas como base para

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delinearmos os grupos que iriam participar. Esses 45 grupos estavam distribuídos nas

Regionais segundo mostra o mapa a seguir.

Figura 2 - Mapa de localização dos grupos de convivência

Pesquisados

Fonte: O desenho de base do mapa foi retirado do site da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

e demarcação da localização dos grupos foi feita pela pesquisadora.

O levantamento de dados sobre os grupos que envolveu os 142 grupos,

realizado em parceria com a Prefeitura Municipal e os conselhos abordava os

aspectos mais quantitativos do grupo, embora contivesse questões abertas que

sinalizaram aspectos qualitativos e que foram explorados posteriormente. Isso

possibilitou que o mapeamento das principais características e demandas de atenção

advindas dos grupos de convivência fosse utilizado como base para iniciar a nossa

pesquisa como já explicitado; pois logo depois de analisar esses dados, delimitamos

os grupos que seriam pesquisados no projeto Vozes na coxia.

O Primeiro critério para a delimitação dos grupos e dos respetivos

coordenadores que participaram das duas fases da pesquisa desenvolvida no

LEGENDA

Localização geográfica aproximada dos 10 grupos cujas coordenadoras foram entrevistadas na primeira e na segunda fase da pesquisa, e cujos cochichos foram então discutidos na dissertação;

Localização geográfica aproximada dos

45 grupos que participaram simultaneamente

do programa de estágio e dos fóruns

municipais e conselhos de idosos e cujas

coordenadoras foram abordadas

anteriormente para o mapeamento dos

grupos de convivência

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mestrado foi a condição sócio histórica e de participação dos grupos considerando

sua origem, seus desejos de mudança e de participação na pesquisa, suas

dificuldades financeiras e sociais para promover essas mudanças. Portanto,

separamos grupos que advinham de comunidades e bairros populares da periferia de

Belo Horizonte, e que contivessem pelo menos 50% dos idosos participantes com

renda pessoal entre zero até dois salários mínimos. A renda familiar não foi utilizada

como critério direto, embora fosse também observada porque no caso da pessoa

idosa advinda de classes populares, era interesse também saber em que medida a

renda do idoso interferia na composição da renda familiar e além disso, a renda

pessoal dos participantes era um dado cuja maioria dos grupos já possuía acesso.

O segundo critério foi de que esses grupos deveriam ter sido formados na

própria comunidade, a partir de uma lógica comunitária, ou do desejo de um dos seus

participantes, e não a partir de uma demanda governamental ou para atender

diretamente a programas governamentais de saúde assistência etc. Embora, vários

desses grupos comunitários, especialmente dos 142 grupos abordados inicialmente,

tenham sido posteriormente ajuntados aos grupos do CRAS 9 , para compô-los

numericamente e alguns deles, que não possuíam registros, até renomeados como

grupos governamentais, segundo informaram as coordenadoras, com alegação dos

técnicos que dirigiam os programas governamentais de que só assim poderiam levar

mais benefícios, para sua comunidade, como foi registrado na pesquisa em alguns

dos seus cochichos. Portanto foram eliminados para os estudos os grupos que faziam

parte de programas criados já a partir de um projeto ou lógica governamental,

exatamente por que a intenção era focar na pesquisa as características desses

grupos comunitários, com os quais trabalhávamos, nascidos mais por uma dinâmica

da comunidade, e de entidades ligadas à sociedade civil. Vários desses grupos

haviam sido acompanhados pelo programa de estágio da PUC Minas desde os

processos iniciais de sua formação até seu estabelecimento como grupo e como

pessoa jurídica.

O terceiro critério levou em conta a condição de participação simultânea

desses grupos nos setores públicos, especialmente nos espaços dos conselhos de

9 Conselhos Regionais de Assistência Social

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direitos da pessoa idosa e dos fóruns regionais da prefeitura, e no estágio” o psicólogo

na comunidade”. Isso porque o vínculo com a universidade os inseria num programa

de extensão que propiciava atividades de reflexão e de construção de espaços para

que pudessem falar livremente de suas questões sem a tutela dos espaços

governamentais. Esse critério auxiliou-nos também na redução do custo da pesquisa

e na aquisição de equipamentos e recursos de mão de obra para a gravação das

entrevistas em vídeo por exemplo. Além disso propiciou-nos acompanhar passo a

passo o processo de mudança desses grupos na sua forma de engajamento social,

comunitário e político, ao longo do processo de pesquisa.

O quarto critério considerou o envolvimento do grupo nas ações destinadas a

processos comunitários de desenvolvimento local e de auto sustentação, exatamente

porque queríamos avaliar a dimensão participativa das coordenadoras e o que

falavam desta participação. A decisão foi de entrevistar aquelas coordenadoras que

estavam presentes em diversas atividades participativas tanto na comunidade como

no setor público e na universidade.

O quinto critério levou em conta a condição de recursos humanos que possuía

o próprio grupo, pois a ideia era favorecer os grupos mais carentes de recursos

humanos sociais e financeiros e propiciar pela pesquisa o desenvolvimento de

possibilidades de crescimento, organização e fortalecimento desses grupos. Estes

critérios foram estabelecidos na pesquisa porque ela faz ponte entre o ensino

pesquisa e extensão e a proposta do estágio que originou esta aproximação com as

coordenadoras sempre foi de trabalhar com grupos comunitários que já haviam

espontaneamente demandado acompanhamento psicológico da universidade e que

simultaneamente tivessem uma participação, ainda que pequena, nos fóruns regionais

e conselhos de direitos, porque desta forma, teríamos mais acesso aos grupos. Além

disso, o vínculo construído com a comunidade, nos permitiria a aproximação

necessária para a pesquisa, na metodologia proposta. Afinal a premissa básica era de

que a pesquisa fosse realizada a fim de trazer benefícios não só para a academia,

mas para os grupos e para a comunidade. Além disso esperava-se que o processo de

pesquisar por si só já pudesse de antemão promover a reflexão e o fortalecimento do

grupo e da comunidade e por último ainda, que iluminasse-nos na busca de soluções

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para os problemas e demandas advindas da comunidade e consequentemente,

contribuísse com a necessidade de produção acadêmica nessa área.

É importante lembrar que na própria atividade de estágio, já estava mais que

explícita a queixa de alguns grupos em relação aos processos de inclusão/exclusão

na participação política, e de igual forma estavam explícitas suas demandas de

ampliar o seu espaço de participação nas instâncias de decisão sobre as políticas de

atenção ao idoso. Por isso, foram realizadas entrevistas de aprofundamento sobre os

grupos de convivência e foram registradas as narrativas das trajetórias de vida e da

participação política das coordenadoras nos grupos de convivência de idosos. Por

meio desses critérios, elegemos então os grupos que participavam simultaneamente

dos fóruns regionais e dos conselhos de direito de pessoas idosas e do estágio o

psicólogo na comunidade na atividade de acompanhamento terapêutico e ou escuta

aos grupos de idosos. Pois além de já terem um vínculo bom com a universidade,

teriam disponibilidade para participar do projeto. Os grupos com essas características

somaram um total de 45(quarenta e cinco grupos).

Embora todas as coordenadoras tenham trazido seus cochichos, desse total,

utilizamos para a construção da pesquisa apenas os cochichos das 10 coordenadoras

de grupos de convivência, que foram entrevistadas em 2003 e em 2006 e que

participaram também da oficina de desenvolvimento humano político e social das

coordenadoras no ano de 2012. Conseguimos ao final, a participação de

coordenadoras representando um grupo de cada regional de Belo Horizonte, o que

era desejado na pesquisa. O fato de coletar por precaução os cochichos de 45

coordenadoras, na etapa inicial foi por prever algum tipo de dificuldade que pudesse

interferir na pesquisa, já que algumas delas possuíam uma condição de fragilidade na

saúde, e também para assegurar dados para outros estudos longitudinais para o qual

os dados coletados poderiam servir posteriormente. Este fato nos auxiliou muito

quando após dez anos duas delas haviam morrido duas haviam se mudado para outra

cidade e outras três deixaram de ocupar essa função. Uma por questões de saúde e

duas por questões familiares.

Cada etapa do trabalho correspondeu a uma etapa simultânea de participação

política das coordenadoras nas diversas instâncias de participação política. Em cada

etapa participaram, de forma indireta, estagiários dos cursos de psicologia e de

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comunicação. O quadro abaixo retrata as etapas desse percurso anterior até a

pesquisa atual e resume todas as atividades que envolveram a coleta de dados para a

pesquisa desde os momentos que precederam à primeira incursão no mestrado e

cujos dados serviram de base para o nosso estudo, até o momento final da pesquisa

na segunda incursão da pesquisadora no programa de mestrado, para que seja

possível ao leitor identificar todo o processo de coleta de dados que será exposto

detalhadamente a seguir.

Quadro 1 - Etapas e formas de realização da coleta de dados desde as

atividades que precederam e deram suporte à pesquisa de mestrado até o final

da pesquisa

Período (anos)

Atividade Realização Número de participantes

Programas

1995-2014

Escuta psicológica nos grupos de convivência por meio de oficinas em dinâmica de grupo e da escuta terapêutica

Pesquisadora e estagiários vinculados ao estágio o psicólogo na comunidade

De 12 a 60 pessoas entre coordenadoras e membros por grupo

Estágio Supervisionado VI – “O psicólogo na comunidade”

1999-2000

Encontros mensais com as

coordenadoras

Pesquisadora e dois extensionistas

Um total de 45 coordenadoras

Pró reitoria de Extensão da PUC Minas/Estágio o psicólogo na comunidade

2000/2002 Levantamento de dados sobre os grupos de convivência por meio de questionário

Pesquisadora, colaboraram nesta atividade seis extensionistas e um professor

142 Grupos e coordenadoras /coordenadores de grupos responderam ao questionário

Programa PUC MAIS IDADE na Pro reitoria de extensão da PUC MINAS, e conselhos municipal e Estadual do Idoso

2002/2003 Levantamento de dados por meio de oficinas em dinâmica de grupo e trajetória de vida

Estagiários e pesquisadora

45 coordenadoras PUC MAIS IDADE/ Estágio Supervisionado VI

2003/2006 Levantamento de dados por meio de entrevistas de aprofundamento e construção da trajetória de vida e entrevistas

Pesquisadora e dois estagiários voluntários

45 coordenadoras

sendo que cada uma

coordena um grupo de

cada regional. Da

prefeitura de Belo

Horizonte

Pesquisa do programa de Mestrado na primeira incursão da pesquisadora no programa de gerontologia da PUCSP

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Período (anos) Atividade Realização Número de

participantes

Programas

2006 Entrevistas

registradas por

filmagem em

variadas

atividades dos

grupos

Pesquisadora e

dois estagiários

de comunicação.

extensionistas

10 coordenadoras de grupos de convivência De idosos

Pesquisadora,

PROEX PUC

Minas e Programa

PUC MAIS IDADE

2006/2012 Acompanhamento

das atividades das

coordenadoras de

idosos nos

grupos, nos fóruns

e nos conselhos

de idosos

Pesquisadora e

dois estagiários

do curso de

comunicação

10 Coordenadoras

de grupos de

convivência de

idosos

Pesquisadora e

estágio

supervisionado o

psicólogo na

comunidade

2012 Captura das falas

das pesquisadas

numa ação de

participação

política

Pesquisadora,

dois estagiários

de psicologia e de

comunicação e

um psicólogo

10 coordenadoras

pesquisadas e

consideradas para

a pesquisa com a

participação de

mais 70

coordenadoras

PUCSP Mestrado

em Gerontologia

em parceria com o

Spázio Vitalitá e a

Rede de Amigos

Idosos e

Solidários

Fonte: Bancos de dados da pesquisa- Arquivo mantido pela pesquisadora

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45

1.4.2 A coleta de dados

Nesta fase que precedeu a pesquisa descrita nesse trabalho, tivemos então as

entrevistas de aprofundamento sobre as características do grupo, e os registros das

narrativas da trajetória de vida e de participação política das coordenadoras de

grupos. Isso ocorreu no ano de 2002. Logo depois analisamos os cochichos que mais

se repetiram nos relatórios de estágio dos alunos no período de 1995 a 2002, para

que pudéssemos coletar os dados sobre esses cochichos, que seriam realizados com

o uso das oficinas em dinâmica de grupo como método de intervenção psicossocial

proposta por AFONSO(2010) aplicadas diretamente, nos grupos aos quais pertenciam

as coordenadoras.

De acordo com os relatórios dos alunos, as 10 temáticas mais cochichadas nos

grupos nesses anos que antecederam a pesquisa foram: grupos de convivência,

políticas públicas, família medo, e relações intergeracionais na vida contemporânea;

morte; corpo e saúde; trabalho e aposentadoria; relações amorosas; memórias do

tempo vivido; sendo que os quatro primeiros foram os mais repetidos.

Após as oficinas em grupo, analisamos os diários de campo ou relatórios

semanais dos alunos do estágio, sobre os grupos de convivência e a forma de se

relacionarem na comunidade, bem como os comentários sobre as oficinas realizadas

e sobre os cochichos mobilizaram o grupo e cuja participação foi mais intensa no

sentido da manifestação de elementos conscientes (linguagem e pensamento) e

inconscientes (emoções e afetos) sustentados na abordagem sócio histórica da

psicologia.

Após esta análise, selecionamos então os cochichos que geraram maior

comoção e discussão nos grupos no calor de eventos de participação coletiva, e que

foram: cochichos sobre os grupos de convivência, cochichos sobre políticas públicas

e sobre a família, mas observamos depois de escutá-las e acompanhá-las em campo,

que o medo foi um cochicho que transversalizou todos os outros e se repetiu, de

forma insistente, como pano de fundo dos outros cochichos, embora não tivesse sido

ainda abordado diretamente como um tema em separado. Tal cochicho era muito

evidenciado, como expressão emocional e atitudinal, especialmente quando havia

referências ao corpo à saúde ou a situações de necessidade de utilização de

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cuidados familiares, de serviços e políticas públicas. Fizemos uma oficina e um

seminário para discutir também esse tema e o elegemos como um cochicho a ser

pesquisado na fala das coordenadoras. Esse cochicho foi, então, coletado como tema

no intervalo do seminário sobre o medo.Segundo o relato dos alunos o discurso sobre

o medo foi por um lado o que gerou maior resistência para iniciar a oficina e foi trazido

em primeira mão de forma muito superficial, mas depois foi se aprofundando e trouxe

muitas contradições nas manifestações e nos discursos dos participantes. Por essas

características ele foi acrescentado aos outros três (grupos de convivência, família e

políticas públicas) formando um total de quatro cochichos que eu trabalhei na

pesquisa, uma vez que o medo mostrou-se uma emoção presente não apenas com o

seu traço de universalidade nos discursos, mas nas características singulares das

ações dos sujeitos envolvidos na pesquisa; o que de alguma forma apontava

algumas possibilidades conectivas entre as significações culturais e psíquicas que

alimentavam um estado de sujeito em ação e o caracterizava de alguma forma

nesses espaços sociais que ali estavam sendo discutidos pois como afirma

REY(2003; p.36).

As emoções são registros complexos que com o desenvolvimento da

condição cultural do homem passam a ser uma forma de expressão

humana ante situações de natureza cultural que surgem em sistemas

de relações e práticas sociais. REY (2003; p.36)

Interessava-me ainda Explorar o discurso sobre o medo e os outros cochichos

que mais se repetiram e geraram maior comoção no grupo; agora num discurso

individual das coordenadoras mas de forma conectada com uma ação coletiva e

significativa para elas para tentar produzir possibilidades conectivas entre emoções e

ações que pudessem tocar de forma mais potente a necessidade. Já que é na

unidade entre o simbólico e o emocional que o seu sentido subjetivo se manifesta.

Segundo afirma REY(2003, p.76):

“O sentido subjetivo da emoção se manifesta pela relação de uma

emoção com outras, em espaços simbolicamente organizados dentro

dos quais as emoções transitam. Desta unidade entre o simbólico e o

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emocional, sem que um desses momentos seja reduzido ao outro, se

define o sentido [...] é precisamente este registro quando uma

produção emocional ainda não se constitui como sentido subjetivo, que

nos permite falar em necessidade”. (REY, 2003, p.76).

Entendendo aqui a necessidade como um estado afetivo que aparece segundo

afirma o mesmo autor, pela integração de um conjunto de emoções advindas de

diferentes situações no curso de uma atividade realizada pelo sujeito; e como estados

produtores de sentido associados à atuação do sujeito numa atividade concreta. E

esse sentido vai ser gerado no contexto mesmo de realização da ação. Assim as

entrevistas foram realizadas individualmente nas seguintes circunstâncias: após uma

oficina no curso de capacitação de coordenadores de grupos de convivência de

idosos, após um encontro de grupos de convivência, no intervalo de um seminário

temático, e após uma oficina de reminiscências na universidade durante o ano de

2006.

É interessante observar que uma das características da pesquisa-ação é que

os sujeitos envolvidos estejam participando ativamente da construção e realização do

projeto de pesquisa. Neste ponto é necessário afirmar que todas as atividades foram

demandadas por eles, exceto o seminário e o work shop sobre o medo que foi uma

sugestão da pesquisadora. Além disso toda a escolha dos locais bem como a

organização da comunidade que também poderia participar das atividades era

realizada pelas coordenadoras, numa ação conjunta e participativa, do princípio ao fim

do trabalho de pesquisa.

Desta forma embora a segunda coleta tenha sido também individual, possuiu

características diferentes da primeira entrevista de aprofundamento realizada com

elas. A saber: ocorreram na presença e participação de duas ou três colegas e outras

pessoas observando-as, num espaço coletivo como no grupo, na universidade, no

calor, ou na proximidade de uma atividade coletiva, da qual estivessem participando

ativamente. Isso foi indispensável para sustentar a proposta de entendimento do

sujeito e da construção da subjetividade num espaço de intersubjetivação que envolve

toda a complexidade da tessitura social afetiva, histórica e biológica das mulheres

idosas. A sustentação desta perspectiva sócio histórica de sujeito também fez ponte

com a noção de cultura proposta por Geertz na medida em que ele a situa como um

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processo dinâmico e relacionado com a produção de sentido e a produção de

processos de desconstrução e construção contínuos. Desta forma as entrevistas

foram realizadas observando as atividades das coordenadoras de acordo com o

quadro abaixo:

Quadro 2 - Distribuição dos locais de entrevistas filmadas com as

coordenadoras de grupos

COCHICHOS

ATIVIDADE MOMENTO LOCAL OBSERVADOR

Cochichos sobre os

grupos de

convivência

Encontro com

grupos de

convivência

Antes do

encontro

No pátio de uma

igreja onde se

reuniram

3 professores

Cochichos sobre a

família

Oficina de

“memórias sobre

A família”

Antes e depois da

oficina

Num corredor de

passagem próximo

ao local da oficina

3 Colegas da

sala de aula

Cochicho sobre

políticas públicas

Curso- oficina de

capacitação de

coordenadores

No final da oficina Em frente à sala de

aula do curso

3 Colegas do

próprio grupo

Cochichos sobre o

medo

Seminário e

workshop sobre o

medo

No intervalo entre

o seminário e o

work shop

Nos jardins da

Universidade

Transeuntes

aleatórios da

universidade

Fonte: Bancos de dados da pesquisa- Arquivo mantido pela pesquisadora

Na segunda etapa, após decorridos 10 anos da primeira entrevista, apenas os

coordenadores de grupos de convivência de idosos que já haviam sido entrevistadas

e que continuaram participando do estágio supervisionado o psicólogo na comunidade

até o ano de 2012 foram convidados como sujeitos de pesquisa, embora, como pode

ser visto nos registros de imagem, configurou-se num espaço aberto à participação de

outros coordenadores de grupos de convivência de idosos.

O evento denominado “primeira oficina de desenvolvimento humano político e

social dos coordenadores de grupos de convivência” nome escolhido pelos

componentes do grupo RAIS que elaboraram juntamente comigo a oficina. É

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importante salientar que a oficina partiu inicialmente da intenção de atender à uma

demanda das coordenadoras e simultaneamente servir como espaço para a pesquisa.

A oficina foi primeiro elaborada pela coordenadora do grupo “RAIS” juntamente

com algumas coordenadoras de grupos de convivência participantes também do

grupo Congregou o total de 10 ( dez) coordenadores de grupos de idosos ,

participantes da pesquisa desde sua fase inicial, e mais 60 coordenadores e líderes

comunitários de grupos participantes nas etapas iniciais e não participantes da

pesquisa, além de 6 (seis) estagiários, um professor da área do envelhecimento,

observador além de pesquisador, um representante da coordenadoria de direitos da

pessoa idosa, um representante do legislativo municipal, um representante do

legislativo estadual e também presidente da frente parlamentar do idoso, na

“Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.”

Participaram ainda, quatro assessores parlamentares e trinta membros de

grupos de convivência de idosos de todas as regionais de Belo Horizonte, o que

somou um total de 112 participantes, embora os cochichos considerados para análise

na pesquisa tenham sido de novo apenas os cochichos das 10 coordenadoras que já

haviam participado da primeira etapa do projeto de pesquisa. Os membros que

quiseram e puderam participar de livre e espontânea vontade da pesquisa assinaram

para o grupo o termo de responsabilidade e sessão da imagem. De maneira que cada

coordenador de grupo ficou de posse desses termos, e a pesquisadora, com uma

cópia. Para a pesquisa coletamos diretamente os termos de compromisso e sessão

de imagens assinados pelos representantes do grupo, como pessoa jurídica, e por

cada coordenador que participou diretamente da pesquisa, como pessoa física.

Assinaram também esses termos os dois parlamentares e seus assessores, que não

´pertenciam a nenhum grupo de convivência.

Os cochichos foram gravados por meio do registro em vídeo, das demandas

trazidas pelas coordenadoras, e de sua participação direta na oficina de

desenvolvimento humano político e social, proposta pelo grupo RAIS (Rede de

Amigos Idosos Solidários). A oficina não foi construída para a pesquisa, antes a

pesquisa aproveitou a proposta que já existia nos grupos de ampliar as formas e os

espaços de participação política, como instrumento de participação inventado pelas

próprias coordenadoras para que funcionasse como um fórum de participação política

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diferenciado dos conselhos e dos fóruns regionais , onde elas pudessem ter mais

liberdade, mais proximidade dos políticos e onde os processos burocratizantes e

hierarquizantes não influenciassem tanto, atravessando seus cochichos e a escuta

que tanto almejavam dos seus interlocutores. Ou seja, como queriam construir um

espaço que fosse mais próximo dos espaços que utilizavam em suas comunidades no

qual os coordenadores pudessem trazer todos os cochichos e demandas dos grupos

de convivência simultaneamente e diretamente para um representante do legislativo

estadual e do legislativo municipal.

A pesquisadora se posicionou apoiando a iniciativa, e auxiliando-as com a

infraestrutura, o espaço físico, o suporte organizacional e o apoio técnico que elas

necessitavam para construir esse instrumento, e como troca, obteve delas e dos

colaboradores a autorização para gravar e utilizar os seus cochichos na

pesquisa.Com a condição de que a pesquisadora pudesse se pronunciar também

sobre as demandas das coordenadoras para os parlamentares.

A escolha por escutar os cochichos das coordenadoras de forma coletiva no

calor de uma ação de participação política, elaborada por elas mesmas, foi justificada

no fato de que esta pesquisa baseia-se na premissa básica de que o sujeito histórico

social se constrói e constrói a realidade num movimento dialético. Na sua interação

com a realidade e na complexidade dos seus afetos. Daí o apoio no método da

pesquisa ação. Já que o objetivo da pesquisa foi valorizar esse movimento do sujeito

sócio histórico e tentar capturar o cochicho e as significações trazidas pelas

coordenadoras sobre a sua participação política na dinâmica em que se constroem as

suas ações ao participarem das políticas públicas. Portanto, o método de coletar os

dados é que nesse caso foi criado. Inventado, a partir desse movimento do que se

quis compreender dessa realidade. Como um caminho, ou um procedimento que

deveria estar vinculado à forma como foi concebida a realidade e nunca poderia se

antecipar a ela. Ademais nessa perspectiva não se busca uma causalidade, como

uma explicação, mas a compreensão de certos aspectos do sujeito e da realidade,

mediados por inteiro compromisso ético político, sabendo-se que esse processo

jamais será protegido pela neutralidade Como afirma LANE sobre essa forma de

pesquisar (1985, p18):

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Pesquisador e pesquisado, se definem por relações sociais que tanto podem ser reprodutoras como podem ser transformadoras das condições sociais onde ambos se inserem. Desta forma, conscientes ou não, sempre a pesquisa implica em intervenção de uns sobre os outros. (1985, p18).

Desta forma, a oficina na qual realizamos a segunda etapa da pesquisa teve a

duração de um dia inteiro de 9h da manhã às 17 horas da tarde no dia 28 de Abril de

2012, num espaço cedido para o grupo. Participaram dela as 10 coordenadoras

entrevistadas e cujas falas foram gravadas. Mas além delas participaram também um

total de setenta coordenadoras e líderes de grupos de convivência. A coleta das falas

foi feita por meio de filmagem.

Na organização do evento foram envolvidas várias idosas coordenadoras de

grupos de convivência pertencentes às diversas regionais de Belo Horizonte. O Grupo

RAIS (Rede de Amigos Idosos solidários), que nasceu com a intenção de agregar e

organizar os grupos de convivência de idosos, foi o propositor da ideia da oficina e foi

quem articulou os outros grupos para estarem presentes no encontro. Na época eles

convidaram diversos políticos para estarem presentes mas apenas um vereador da

câmara Municipal respondeu ao convite. De igual maneira no Estado, apenas o

presidente da Frente Parlamentar do Idoso na Assembleia Legislativa atendeu ao

convite.

As coordenadoras se reuniram antecipadamente pelo menos durante três

meses para organizarem suas demandas e para montar o programa da forma como

gostariam. Nesta ação contaram também com o auxílio de pessoas advindas das

comunidades vizinhas de sua região.

A oficina foi dividida em duas partes uma pela manhã, e duas pela tarde, com

um intervalo para o almoço. Cada parte foi composta de dois momentos detalhados

na tabela que se segue abaixo, intercaladas pelo almoço comunitário, e com pequeno

lanche servido pela manhã e pela tarde. Observamos que o empenho das

coordenadoras bastante intenso na organização das tarefas a serem desenvolvidas e

que a ação parece tê-las deixado cheias de satisfação. A oficina de desenvolvimento

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humano, político e social para coordenadoras e grupos de idosos foi composta então

de quatro atividades específicas tal como expostas no quadro abaixo:

Quadro 3 - Atividades da Oficina de desenvolvimento humano político e social

para coordenadores de grupos de convivência de idosos. (realizada em 28 de

Abril de 2012)

ATIVIDADES DA

OFICINA

PARTICIPANTES/

APRESENTADORES

METODOLOGIA E

INSTRUMENTOS

RESULTADOS E

ENCAMINHAMENTOS

1) Apresentação dos

grupos: histórico

conquistas, desafios e

demandas

Coordenadoras de

grupos de convivência

Cochichos individuais

apresentados para o

grupo e filmados

Registro em Filmagem

encaminhado para os

grupos

2) Avaliação das

políticas públicas

programas e projetos à

luz das demandas dos

grupos em conjunto.

Coordenadoras de

grupos de convivência

Discussão em

pequenos grupos

Registros escritos

pelos coordenadores e

observados pelos

estagiários

Registros escritos

encaminhados para a

pesquisadora e

sintetizados para

encaminhar ao prefeito

com cópia para a

Secretaria de Direito e

Cidadania

3)Apresentação/tradução

das demandas dos

grupos e das críticas à

política pública para o

representante da câmara

municipal

A pesquisadora Registradas por

filmografia

Registro em filmagem

editado para os grupos e

para a câmara Municipal

4) Encaminhamento das

demandas, avaliações e

proposições de ações

para a Frente

Parlamentar do idoso

Uma coordenadora da

rede de grupos de

convivência de idosos

Registradas por

filmagem

Fonte: Arquivo de atividades da pesquisa e do Grupo Raís: Rede de amigos idosos e solidários

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A oficina foi dividida em quatro momentos principais. No primeiro momento

após um café onde houve o acolhimento de todos os participantes, foram trazidos

cochichos sobre os grupos e de convivência de idosos e de apresentação das

coordenadoras sobre a situação do seu grupo naquele momento, as conquistas e os

desafios do grupo, e uma breve avaliação do seu trabalho e das mudanças ocorridas

no grupo, após as conferências municipais, estaduais e nacionais de direitos da

pessoa idosa. Nesse primeiro momento o cochicho foi realizado apenas com os

colegas coordenadores de outros grupos;

O segundo momento foi de participação das coordenadoras, no qual elas

trouxeram suas avaliações sobre as políticas públicas, e sobre sua experiência de

participação e interação com os programas projetos serviços públicos e ainda, as

questões e demandas dos grupos, para os conselhos e para o representante do

legislativo municipal no que dizia respeito a ampliação desses processos de

participação e dos fatores que estão atravessando esses processos de participação.

Nesse momento, a pedido delas, a pesquisadora fez a tradução das demandas

trazidas pelos grupos para um representante do legislativo municipal.

Houve então um intervalo de 1h:30 minutos para o almoço e logo depois o

prosseguimento das atividades com o terceiro momento da oficina.

O terceiro momento, correspondeu a um espaço de oficina em grupo no qual as

coordenadoras se reuniram em pequenos grupos para escutar as demandas uns dos

outros e falar dos dois outros cochichos que já haviam trazido, anteriormente a saber:

grupos de convivência, família e medo, e propor políticas, programas, projetos e

serviços de atenção ao idoso de acordo com o objetivo de responder às demandas

cochichadas.

No quarto momento todos os cochichos trazidos foram traduzidos agora por um

coordenador de grupo, para o representante do legislativo estadual e para a Frente

Parlamentar do Idoso na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais com

vistas a obter respostas, orientações e encaminhamentos para solucionar as questões

trazidas pelos grupos A oficina funcionou simultaneamente como um momento de

participação política com representantes do legislativo. Os idosos dialogaram

diretamente com o deputado e presidente da Frente Parlamentar do Idoso na

Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais).

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Os trabalhos foram então encerrados com a fala das coordenadoras e com um

lanche servido a todos os participantes.

A metodologia utilizada para a oficina observou a característica

predominantemente qualitativa da pesquisa. Foram gravadas imagens dos cochichos

das idosas a fim de serem selecionadas e editadas num vídeo para devolvê-las

juntamente com um documento de transcrição das falas para os grupos e, para que

eles pudessem acessar as suas falas e a fala dos parlamentares e até para

analisarem o que foi ou não esclarecido e o que puderam avaliar desse encontro e

desse novo espaço de participação inventado por elas.

Os cochichos das coordenadoras foram apreciados sob as mesmas

perspectivas teóricas que sustentaram os estudos e os trabalhos já desenvolvidos. A

proposta foi que a pesquisa pudesse obter a interpretação das participantes não

apenas sobre o seu discurso mas observar como esta interpretação sustentava sua

ação num espaço de participação proposto por elas mesmas ao setor governamental.

Interessava-me também observar nesse movimento de interpretar e agir a partir do

sentido e do significado atribuído a este espaço, se elas, conseguiam identificar os

dispositivos que potencializavam seus avanços nessa participação e que dispositivos

reduziam sua potência.

Por isso foi mantida a intenção de entrevistá-las em momento e clima que os

envolvesse com os temas de maneira mais atualizada nas respostas de afeto, já que

isso facilitaria à pesquisa a observação de novos processos de subjetivação que

houvessem sido potencializados no encontro. Isso facilitou observar as interpretações

dadas por elas aos processos de participação política, e de como viam o lugar e o

papel que lhes era atribuído pelos representantes do governo e o lugar que elas

também atribuíam para si mesmas e para o setor público. Permitiu também avaliar no

calor da atividade os processos dominantes nos discursos e os afetos mais presentes

na ação das participantes. Ao final das falas, a riqueza dos cochichos, evidenciou a

necessidade de um recorte e um foco mais específico no momento de escrever a

dissertação e por isso os dados sobre família e medo ficaram de fora da análise na

dissertação, exatamente pela importância que deverão também receber e porque

podem bem ser utilizados com profundidade em outra pesquisa, mesmo porque

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exigiria ampliar os recortes bibliográficos e se tornaria uma discussão muito extensa

para um projeto de mestrado.

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1.4.3 A tradução/interpretação dos dados

A tradução e interpretação dos significados presentes nas falas das mulheres

idosas, considerou a perspectiva da descrição densa, bem como o conceito de

interpretação de segunda mão como proposto por Geertz(1989). Assim foram levados

em consideração os discursos das mulheres, bem como a sua ação no processo de

participação política. Para tanto observou-se os seguintes passos:

1- Organização dos cochichos das entrevistadas por temática.

2- Registro e compilação das entrevistas, com a proposta de ampliar o olhar do

pesquisador sobre o campo de estudo, sobre o sujeito estudado, e sobre a

interpretação dada pelos participantes, através dos instrumentos de registro e diários

de campo.

3- Aprofundamento e releitura das entrevistas e das questões que geraram

dúvidas com as entrevistadas.

4- Leitura e transcrição dos vídeos - Leitura dos cochichos das coordenadoras e

leitura das entrevistas uma a uma com o fim de iluminar alguns pontos obscuros da

linguagem ou elucidar algumas contradições encontradas.

5- Organização dos discursos mais comuns na fala de todas.

6- Organização dos cochichos mais singulares da fala de cada uma delas.

7- Organização dos conteúdos discursivos das falas dos legisladores em resposta

às questões e afirmações das idosas.

8- Separação dos conteúdos que geraram encaminhamentos para os grupos.

9- Interpretação de segunda mão realizada pela pesquisadora, dos conteúdos

emocionais e dos afetos presentes nos cochichos e na manifestação das ações de

cada coordenador.

10- Condensação dos cochichos em duas grandes temáticas. Cochichos sobre os

grupos de convivência e sobre participação política, para que os conteúdos pudessem

ser melhor explorados, já que foi muito grande a quantidade de material coletado para

caber na proposta de mestrado, ficando os cochichos sobre família e medo para

serem explorados numa pesquisa posterior. Embora algumas das ideias trazidas

nesses cochichos tenham sido consideradas nas discussões e propostas das

coordenadoras para as políticas públicas, e nas considerações finais da autora.

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1.4.4 A devolução dos resultados

Os instrumentos utilizados para a devolução dos resultados foram:

1 - apresentação dos vídeos editados para as coordenadoras do evento com o fim de

obter delas o que pensaram sobre aquela forma de participação inventada por elas

mesmas.

2 - Apresentação dos vídeos editados que serão utilizados novamente no momento de

devolução da pesquisa para a observação de como as coordenadoras irão olhar e

interpretar o evento e sua participação.

3 - Escrituração diferenciada da dissertação e de um documento com a reflexão das

coordenadoras sobre a forma de mobilização e organização dos grupos nos

momentos de participação nas políticas públicas. Neste documento deverão estar

identificados os aspectos prejudiciais e que necessitam ser eliminados na sua forma

de participar; bem como os aspectos potencializadores e efetivos, na sua forma de

participação e que deverão permanecer.

Após a defesa da dissertação, será feita a escrituração final da versão da

pesquisa para a comunidade, primeiro esboçada pelo pesquisador, depois,

juntamente com os participantes, e portanto de forma coletiva; observaremos os

pontos que necessitam de melhor tradução, caso tenham ficado pontos obscuros para

o entendimento delas. A seguir, a pesquisadora, fará a correção e complementação

dos dados incluídos na dissertação e por último, conjuntamente com as opiniões das

coordenadoras de grupos de convivência que participaram do processo de pesquisa,

faremos juntas a avaliação final dos resultados.

Após a defesa e as correções que vierem a ser propostas pela banca de

avaliação da pesquisa, a edição dos vídeos será apresentada para os representantes

do legislativo Municipal e Estadual e para as coordenadoras do grupo RAIS (Rede de

Amigos Idosos e Solidários) que irão reunir todos os outros coordenadores para

apresentarmos em conjunto os vídeos editados e o documento de reflexão final das

coordenadoras que serão enviados para os representantes do Legislativo Municipal e

Estadual, concluindo este trabalho.

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2 VOZES DO ENVELHECER E DA VELHICE

Figura 3 - Painel ilustrativo Imagens de contextos da pesquisadora

Fonte: Painel elaborado pela pesquisadora (fontes diversas – vide referências)

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2.1 A trajetória da pesquisadora e o contexto de enunciação da pesquisa

Escrever é colocar a vida em desalinho. É tentar buscar no curso da memória o encontro com o estranho e com o familiar em si mesmo. É caminhar num labirinto onde a dor e o prazer irão reinar. (Geisa Moreira).

Construir minha trajetória como pesquisadora foi uma clara oportunidade para

que eu pudesse revisitar meus caminhos, e desta forma, construir um sentido para

compreender as minhas próprias escolhas ao longo da minha existência até o

momento da opção pelo mestrado. Foi mais ainda, uma forma de escriturar uma

origem mais remota do meu projeto de pesquisa: aquela que é anterior ao projeto

acadêmico e que reside antes de nos darmos conta, na nossa própria alma, no que é

sentido e alinhavado na tessitura complexa da nossa existência.

Percorrer o caminho para a construção iluminou várias noites e substituiu o

sono tranquilo, pelo silêncio angustiante do branco e vazio papel, à espera do texto.

Outras vezes, pelo pulsar barulhento e curioso de perguntas que pareciam

desencadear uma tempestade, sem que fosse possível escoar toda a água. Algumas

perguntas foram respondidas no percurso, e outras se multiplicaram como rizomas

trazendo novas questões e produzindo conectividades, num tempo que nem de longe,

conseguiu se alinhar ao movimento metódico de Cronos 10 Ao contrário, ousou

desafiar esse tempo seguindo uma outra lógica segundo afirma Pelbart11 (1998, p.69-

72). Por isso mesmo, uma das intenções deste trabalho foi esboçar o ponto de partida

do projeto de pesquisa, para que os leitores possam atribuir uma historicidade ao

10 PELBART afirma, sustentado em Deleuze que para os estóicos não há três momentos no tempo como presente passado e futuro,

mas duas leituras simultâneas do tempo: cronos e áion. Na primeira leitura de Deleuze Cronos é presente, apenas o presente existe,

os presentes se encaixam num presente maior que abarca a todos, presente Divino. Cronos é limite, pulsação através do qual se

dilata e se contrai para absorver o presente no jogo dos períodos cósmicos em que se escande e Cronos torna-se movimento

regulado dos presentes vastos e profundos, medida imanente que sustenta a inquietação. Por isso a afirmação da autora de que o

trabalho, na sua execução, não conseguiu se alinhar as exigências calcadas nesse tempo conceitual e delimitado pelo relógio, no qual

se baseiam as normas atribuídas à produção científica e as exigências de fomento do trabalho. Mas isto ocorreu a propósito de

capturar o movimento dos sujeitos na sua imanência, e acompanhando mais ao movimento de áion, que é o tempo intempestivo

transloucado, radicalmente atópico ou transtópico.

11 Petter Pál Pelbart em sua obra “o tempo não reconciliado” no qual discute, com apropriação o tempo em Deleuze. Nesta

mesma obra (PELBART,1998, p 188 afirma que Deleuze explora o paradoxo do tempo proposto pelos estóicos para depois

propor uma segunda leitura do tempo tentando associar o tempo à noção de imanência e de um devir sujeito, que não apenas se

relaciona, mas sobretudo se recria e se inventa no tempo. Esse plano da imanência, Deleuze o detecta e o erige sobretudo em

espinoza, Nietzche e Bergson, a partir da dupla caracterização da imagem moderna do pensamento, por um lado movimento

infinito por outro lado criação.)

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trabalho proposto. Esta historicidade, talvez possa ser visualizada nos dados

cronológicos dos acontecimentos, nos objetivos explicitados da pesquisa, na

percepção sobre o curso e sobre as disciplinas estudadas, na descrição do projeto

científico, ou na narrativa de algumas outras concretudes do cotidiano na academia.

No aspecto mais subjetivo, entretanto, outros registros foram se construindo

por meio de um movimento próprio, serpeante, que a despeito de todo o esforço

empreendido mostrou-se fugidio, com autonomia própria, fazendo contornos e

percursos muitas vezes labirínticos, e plenos de uma profundidade inapreensível pela

linguagem escrita. Entretanto, paradoxalmente, tais registros capturavam e eram

capturados, de forma imediata e precisa, na intensidade e espontaneidade dos bons

encontros com os envolvidos na pesquisa, e na conectividade intempestiva e caótica

de Aion, que, nesse caso, manteve-se como guardião, ora sinalizando as proximidade

dos buracos negros na pesquisa, ora produzindo, por meio do contato, do contágio, e

do compasso, pressupostos da dinâmica de aproximação da pesquisa-ação e do

trabalho na comunidade, e do afeto deles resultante, a potencialização necessária,

conforme afirma NEGRI(2002)12, para que este trabalho pudesse se expandir.

Desta forma, o projeto foi se delineando sustentado em duas bases

importantes: A primeira, nas indagações sobre os principais cochichos trazidos pelas

mulheres idosas nos grupos de convivência, e sobre a importância das oficinas de

escuta desses cochichos para os participantes do grupo, bem como sobre as

mudanças ocorridas na forma de significar suas vivências. Esta primeira base é que

sustentou a escolha teórica pela metodologia da descrição densa proposta por Geertz

(1989) como uma prática de pesquisa de base etnográfica, na qual a proximidade do

campo e dos pesquisados permitiu à pesquisadora observar e descrever o que era

12 O escritor e sociólogo italiano Tony Negri na sua obra” exílio seguido de valor e afeto” propõe a leitura do afeto como potência

capaz de libertar-nos do jogo da dialética da pós-modernidade. O afeto para ele é capaz de realizar uma inovação do processo

histórico em toda a sua radicalidade. Baseando-se no pensamento de espinoza e Nietziche sustenta essa potencialidade do afeto

para além do valor, pela compreensão do afeto como quatro potências básicas: como potência de ação, de transformação, de

apropriação e expansão da realidade. Sendo as três primeiras potencialidades extraídas do pensamento de espinoza e a quarta

potencialidade, a de expandir, extraída do pensamento de Nietziche. Segundo Negri, “A expansividade em todas as direções do

afeto exibe por assim dizer, o momento que seu conceito é transvalorado a ponto de resistir ao choque do pós moderno”. É uma

potência para além da medida porque insiste na tonalidade positiva do não lugar, e na anti-dialética de todo notável que daí se

segue

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cochichado nos grupos e observar as decorrências significativas e a produção de

sentido trazidas por eles, a partir do material coletado.

A segunda, na ação efetiva dos participantes sobre essas temáticas

cochichadas nos grupos, mediadas pelo afeto que circundava todos os participantes

envolvidos no projeto. E exatamente por isso a pesquisa-ação13 aplicada as práticas

políticas foi escolhida como uma segunda proposta teórico-metodológica associada

com a primeira, para que as ações fossem observadas de forma mais sistemática e os

resultados produzidos pelo ato de cochichar, pudessem ser observados à luz das

significações produzidas pelos participantes, mas também pudessem ser registrados

e descritos paralelamente pela via dos acontecimentos históricos que existiram nesse

percurso, no calor dos acontecimentos. Pois embora a pesquisa ação tenha sido

aplicada na década de 40 e 50 com finalidades práticas de orientação bastante

conformista. Nos anos 60 e 70, a pesquisa ação ressurgiu numa perspectiva crítica

associada a formas de militância política ou de intervenção cultural. Afirma ainda

(THIOLLENT, 2011, p.102-103) que:

No caso das práticas políticas, a pesquisa-ação toma como objeto uma atividade explicitamente política. Por exemplo, a constituição de um grupo político [...], a mobilização de uma determinada categoria da população para formular reivindicações e conquistar determinados objetivos etc.[...] As práticas políticas podem ser objetos de pesquisa ao nível dos movimentos dos trabalhadores urbanos e rurais e, também, ao nível dos movimentos específicos: movimento estudantil, feminista, ecológico e movimentos de afirmação de identidade cultural. (THIOLLENT, 2011, p.102-103).

Tais embasamentos moldaram o trabalho de pesquisa com as mulheres idosas

no movimento de constituição dos grupos de convivência e de luta pelos direitos da

população idosa a partir do interesse não apenas do pesquisador, mas também dos

pesquisados, ao mesmo tempo que propiciou um movimento dinâmico e pendular em

dois sentidos: o da proximidade do campo por meio do método etnográfico e da

descrição dos acontecimentos e dos afetos na interpretação dada pelos próprios

13 Uma pesquisa pode ser qualificada como pesquisa-ação quando houver realmente uma ação por parte das pessoas ou grupos

implicados no problema sob observação. Além disso, é preciso que a ação seja uma ação não trivial, o que quer dizer uma ação

problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida. [...]. Na pesquisa-ação os pesquisadores desempenham um

papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função

dos problemas.

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participantes. E o distanciamento do campo produzido pelos registros de sua ação e

participação efetiva narrada de fora, sobre a historicidade, dinamismo e implicação

dos pesquisados e do pesquisador na pesquisa ação. Para Barbier (1977) esta noção

é básica na pesquisa ação: implicação sob o ângulo da vida psico-afetiva do sujeito e

de seu imaginário, da constituição histórico-existencial por seu comportamento

adquirido e sob o ângulo de sua inserção estruturo-profissional. Pode-se confirmar isto

nesta afirmação:

Eu definia então a implicação como um engajamento pessoal e coletivo do pesquisador em, e por sua práxis científica, em função de sua história familiar e libidinal, de suas posições passada e atual nas relações de produção e de classes, e de então ele seu projeto sociopolítico em ato, de tal sorte que o investimento que é necessariamente a resultante disso, é parte integrante e dinâmica de toda atividade de conhecimento. (BARBIER, 1977, p. 63-84).

É esperado que esta sustentação teórico-metodológica facilite a produção de

novas interpretações pelos leitores não apenas pela descrição dos fatos na pesquisa,

mas sobretudo e simultaneamente, pela descrição e sustentação das ações dos

envolvidos, e do pesquisador resultantes da sua forma de interpretar a realidade. Eis

porque falar da trajetória do pesquisador e de seus afetos foi propositalmente o ponto

de partida para narrar a pesquisa com o objetivo de denunciar de pronto seu

envolvimento, suas contaminações e portanto grifar que uma pesquisa, apesar de

todos os cuidados científicos e metodológicos é realizada com a vista desde alguns

pontos, já que mesmo que se trate de cochichos dos pesquisados , o olhar do

pesquisador sobre eles, é já como afirma (GEERTZ, 1989, p.25) “uma interpretação

de segunda e terceira mão marcada pelo seu universo cultural, Já que por definição

somente um “nativo” faz a interpretação em primeira mão.”

2.2 Velas velando morte, velhos velando vida: ou o início de uma trajetória

Após algum tempo de análise pessoal e de reflexões sobre a trajetória

profissional de vários estudiosos que aprendi a admirar, pude perceber que suas

construções teóricas, e sua busca profissional, eram análogas, e algumas vezes,

conectavam-se, de forma precisa, às suas buscas mais subjetivas.Por isso mesmo, ao

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traçar a minha trajetória, embora num movimento pouco comum à prática acadêmica,

escolho começar pela intimidade do meu nascimento. Mais precisamente por fatos e

circunstâncias que o antecederam e que, ao meu ver, já delinearam possibilidades e

escolhas, abraçadas consciente-inconscientemente ao longo do percurso, e cujo

sentido só lhes pude atribuir, posteriormente.

O meu nascimento foi festejado com a presença de um duplo afeto. De um

lado, o cheiro forte de velas que, segundo minha mãe, lembrava o falecimento recente

da minha avó paterna que se fora, um mês antes da minha chegada ao mundo, e as

mortes consecutivas dos quatro irmãos que me antecederam. Dois deles, vítimas de

doenças sustentadas pela pobreza e pelas péssimas condições de saneamento

básico e de saúde de uma das regiões mais pobres do sertão mineiro, no vale do

Jequitinhonha. E dois cuja gestação nem chegou a termo, entre outros fatores, pela

ausência de políticas, programas e serviços públicos de saúde, que pudessem

garantir às mulheres de baixa renda o acesso ao acompanhamento médico e

psicológico, no período pré-natal.

De outro lado, a presença de velhos, segurando nas mãos: água, carvão, flores

silvestres de sabugueira, ramos verdes de arruda, erva de santa Maria e alecrim, e

que, em uma espécie de ritual de pajelança, transmitiam a herança da minha origem

familiar indígena, enquanto rezavam pela minha mãe, para que tivesse um parto

tranquilo, e velavam pela vida da criança que era eu, na minha chegada ao mundo.

Eles ao som de seus cochichos e embalados pelos diferentes sentidos de suas

crenças, buscavam em preces balbuciadas, as dádivas celestes para a família, que

consideravam abençoada com o surgimento de uma nova vida.

Foi interessante recuperar desta história um fato significativo: o meu primeiro

choro forte e insistente, nos momentos posteriores ao nascimento, segundo me foi

contado, foi interpretado como fome e apelo ao peito, e foi acalentado pela minha avó

materna, com um aconchego no colo e uma “chuquinha” 14 de chá, uma vez que

minha mãe, debilitada física e emocionalmente, por instruções da parteira, deveria ser

poupada de iniciar a amamentação imediatamente após o parto. Em reposta ao choro

14 Termo utilizado regionalmente para designar uma pequena mamadeira que era utilizada para complementar a alimentação do

recém nascido. Além do leite materno, era comum utilizar, nesta época, os chás de erva doce, picão, poejo, hortelã, erva cidreira e

outras ervas usadas para aliviar sintomas de doenças típicas dos recém nascidos.

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e após o chá, fui ninada longamente por dois velhos, que tiveram uma grande

participação em minha infância: minha avó de umbigo: S. M. P e o senhor V.L.M.

Várias vezes, quando ainda era criança, ouvi o senhor V.L.M. cantar para mim este

verso, criado por ele em minha homenagem: “Êta menina de espírito forte; trouxe a

vida pra sua casa e venceu a sina de morte.”

Segundo afirma Goffman (1985 p.11) ao discorrer sobre a representação do Eu

na vida cotidiana, o que dizem de cada pessoa, e a forma como a representam,

também a influencia no que ela pensa e sente a respeito de si mesma. Neste caso isto

foi comprovado, pois apropriei-me da proposta imagética destes velhos amigos, na

construção da minha identidade.

Assumi ao mesmo tempo o lugar de quinta filha, e o lugar da filha mais velha. A

primogênita dos sete irmãos que compõe hoje, juntamente com meus pais, já idosos,

a minha família de origem direta. Gostei de me apropriar desta imagem, quase

heróica. Aliás, segundo afirma Hanna Arendt(2010)15 , Somos sempre o herói de

nossa história. E narramos nossos feitos heróicos, como forma de buscar a distinção.

E, com amparo nesse pensamento, se por um lado, fui precedida pela morte, e pela

constante presença/lembrança da finitude humana, estampada na saudade que minha

mãe abraçou como forma de suplantar a ausência dos mortos; por outro, o feito

heroico, foi que inaugurei de fato, a vida na nossa casa e representei a marca inicial

de uma história consecutiva de ganhos e de vida. Pois, segundo conta minha mãe, foi

a minha insistência em demandar o seu olhar ainda vidrado na imagem dos meus

irmãos mortos, que contribuiu para que ela, através da minha vida, recuperasse o seu

sorriso e a vontade de viver.

Uma vez que a maioria das abordagens teóricas da psicologia, ainda que por

caminhos diferentes, afirmem que os seres humanos necessitam ser vistos,

reconhecidos e desejados, para que depois possam se ver, reconhecendo a si

mesmo, na sua diferença, e direcionar seus afetos ao outro, eu diria que em

decorrência desse intervalo de ausência-presença do olhar da minha mãe, os velhos,

me viram primeiro, e eu simplesmente, respondi ao seu olhar. Talvez, devido a esta

história, a racionalidade e o afeto nesse caso, se conectem de tal modo, que

15 ARENDT, Hannah. In A condição Humana 11º ed. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2010.

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sustentem, como dois pilares, minha trajetória profissional. Pois não consigo rever

minha infância, e tampouco escrever sobre o envelhecimento, sem trazer à lembrança

os velhos da minha terra. Eles povoam meu imaginário ainda hoje, com seus sonhos,

lugares, com os personagens de suas histórias, e com os sons de músicas antigas de

autoria própria, ou da cultura popular, que eram cantadas por eles, em refrões

repetidos, como este:

“Que lindos olhos. Que lindos olhos, tem você. Que ainda hoje, que

ainda hoje eu reparei. Se eu reparasse, se eu reparasse há mais

tempo. Eu não amava, não amava a quem amei.” 16

2.3 Uma Trajetória com os velhos da minha terra

É fácil perceber que o imaginário das pessoas, que vivem nas pequenas

cidades, sobre o envelhecimento e sobre o velho, apresenta algumas peculiaridades e

diferenças em relação ao imaginário das pessoas que vivem nas grandes cidades. Por

isso, acredito ser de suma importância, a descrição de algumas referências culturais

ligadas ao envelhecimento, que foram vivenciadas ou observadas, no período que

compreende a minha infância até a adolescência, ou mais precisamente, de 1964 a

1982, e que contribuíram e influenciaram na forma como concebo o envelhecimento e

o velho. Ou seja, que contribuíram para construir algumas vozes da velhice para mim.

Igual importância tem o contexto político, social e econômico que acompanha a

história do envelhecimento no Brasil, especialmente aquele que vivenciei e que será

exposto, a começar pela descrição de situações que ilustram algumas das principais

experiências vividas pelos velhos da minha terra, culminando com a descrição de

fatos cotidianos, narrados nos cochichos das pessoas que tenho escutado

sistematicamente, nos grupos de convivência de idosos. Foi a leitura e a escuta

destes fatos que me instigaram a esboçar e propor para o mestrado da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, o projeto de pesquisa que mais à frente, será

explicitado.

16 Verso de um canto da cultura popular cantada pelas pessoas idosas, com as quais a autora convivia no seu cotidiano .em Cachoeira

de Pajeú – cidade do seu nascimento..

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A primeira escuta dessas vozes diz respeito a um adágio muito popular: “quem

de novo não morreu, de velho não escapa”. Tal adágio ilustra que dificilmente

consegue-se desvencilhar a ideia de morte, da pessoa idosa, ainda que várias

imagens vicejantes de velhos sejam colocadas, hoje, como forma de construir novas

representações sociais para a velhice. Entretanto, ao registrar minha história, observei

alguns fatos que me levam a crer que nem sempre isto se deu desta forma, e que

esse adágio embora antigo nem sempre representou a realidade brasileira.

Nasci na pequena cidade de Cachoeira de Pajeú, entre o Norte de Minas e o

vale do Jequitinhonha e a experiência com os velhos da minha terra, juntamente com

os dados estatísticos do IBGE, mostram que durante as décadas de 60 e 70, o índice

de mortalidade infantil no Brasil, era um dos mais elevados do mundo, especialmente

em áreas de extrema pobreza como o vale do Jequitinhonha e o norte de Minas

Gerais. E, talvez porque a infância representasse um período em que a expectativa de

morte era grande, constantemente aparecia nos discursos dos pais, a possibilidade de

que seus filhos viessem a morrer muito novos. Em cidades pequenas e na zona rural,

costumava-se esperar até os sete anos de idade para ver se a criança iria “vingar”.

Era comum, algumas vezes, em resposta às perguntas dos amigos sobre seus filhos

pequenos, os pais dizerem: “até agora “vai escapando”, ou até agora “vai vingando.”

Quando uma criança completava os sete anos de idade fazia-se grande

comemoração pois dizia-se que ela havia vingado. Era como uma vitória sistemática

sobre os males que acometiam as crianças até os sete anos de idade (mal de sete

dias: o tétano umbilical), mal de sete semanas (meningite, tuberculose, hepatite, etc)

mal de sete meses (gastroenterite, coqueluche difteria tifo) mal de sete anos

(poliomielite, sarampo, varíola e catapora).

Lembro-me que na infância, fui acometida, juntamente com outras crianças da

mesma idade, por várias doenças infecto contagiosas. Entre elas: varíola, conhecida

mais popularmente como bexiga, sarampo, catapora, coqueluche, além de

verminoses, e uma soma de outras patologias que na época, por falta de recursos

sanitários e tecnologias da saúde, acometiam quase todas as crianças. Na minha

cidade, a incidência da varíola nesta época foi tamanha, que ela ficou denominada

como peste. Até hoje existe um cemitério dos pestilentos ou dos bexigentos na

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67

cidade. O local é cercado de mitos e tabus ligados a este período e denuncia a forma

estigmatizada e excludente como os portadores da doença eram tratados.

Tais apontamentos me fizeram pensar que os dados estatísticos raras vezes

apresentam estudos sobre as interpretações que lhe são dadas na construção da

subjetividade ou sobre sua influência em determinadas construções simbólicas da

sociedade. E corremos por isso o alto risco de repetirmos certos lugares comuns, sem

qualquer questionamento. Para a velhice, por exemplo, esta afirmação de que a morte

sempre esteve associada a ela, sem uma análise apurada das concretudes cotidianas

que podem evidenciar “a olho nú”, isto é, empiricamente, certas realidades que se

diferenciam no tempo. Utilizo este argumento para propor ao leitor o exercício de

desconfiar que se até a década de 60 no Brasil, o grande número de crianças que

morriam ainda na infância, principalmente pela ausência de políticas de saneamento

básico e de controle das epidemias. Somava-se a este fato, tanto a alta taxa de

natalidade como o elevado índice de mortalidade infantil, e também o fato de que um

percentual muito pequeno da população conseguia alcançar a velhice. Certamente,

estávamos nesta época, diante de um cenário que contribuía para que a imagem do

velho naquele contexto específico, fosse mais afastada do estigma da morte, ou

senão, ao menos para que a presença da morte fosse mais diluída entre as outras

faixas etárias e inclusive, mais ligada à infância, nas representações simbólicas

dessas comunidades, como por exemplo estava nas minhas representações.

Nas décadas de 60 a 70, na minha cidade, por exemplo, os poucos longevos

existentes, ocupavam um lugar de extremo valor para as pessoas. Alguns pelo poder

financeiro, como os coronéis e latifundiários, figuras quase invisíveis, mas cujos

nomes se tornavam populares na referência dos peões, agricultores e vaqueiros que

trabalhavam em suas fazendas. Outros, por seus ofícios cuja transmissão se dava

numa relação de respeito e quase de reverência pelo saber do Idoso que ocupava

então o lugar de mestre em seus ofícios. Recordo ainda, o fato que nessa época, na

maioria das pequenas cidades no interior do Brasil, o conhecimento era transmitido

face a face; a tecnologia nos processos comunicacionais ainda não havia

transformado a máquina em transmissora principal do conhecimento. E nem o

conhecimento formal era visto como uma moeda de troca, tal como se apresenta

agora. Por isso mesmo, nem a ausência de um título formal ou mesmo o

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analfabetismo eliminava do velho o seu lugar de transmissor de conhecimentos,

experiências, e até excelência em certas habilidades e competências para os mais

jovens. Entretanto, esse conhecimento dos ofícios, principalmente daqueles ligados às

crenças e aos costumes do povo, como os raizeiros17 curandeiros18, pais de santo19 e

rezadeiras, 20 não garantiam sua inserção de forma mais ampla socialmente na

medida em que se havia distinção, estas se vinculavam mais à utilidade de seus

ofícios, que especificamente do seu lugar de velho. Acerca desta questão, escrevendo

sobre a história da velhice no ocidente, assegura Georges Minois, que:

Surgem então os limites do papel social da velhice na comunidade rural: se o seu prestígio cultural e importância na formação e continuidade das mentalidades são reconhecidos, os poderes de decisão em contra partida são recusados. O seu domínio é o do saber tradicional não o do poder efetivo. O do cultural e não o do prático. E o que na aldeia faz um homem ser probo é a riqueza e a instrução, não é sua idade. (MINOIS,1999, p.247).

O interessante era que o lugar de poder e de influência política que o dinheiro

dava aos coronéis, ao mesmo tempo em que os trazia reconhecimentos, afastava-os

das pessoas, na medida que mantinha sobre eles a imagem de quem não precisava

de nada. E principalmente, mantinham um olhar maniqueísta que os dividia em

categorias de muito maus e outros muito bons O lugar de raizeiros, curandeiros e

rezadeiras de igual forma, apesar de trazer constantes e fugazes momentos de

prestígio e reconhecimento aos idosos, paradoxalmente contribuía para mantê-los

expropriados dos direitos, como se não necessitassem das “coisas terrenas”.

Era comum ainda, que as rezadeiras e até as parteiras, vivessem da caridade

dos que as procuravam, embora gozassem da constante mobilidade necessária ao

seu ofício, que ficava a cargo dos fiéis, no caso das rezadeiras, e no caso das

parteiras, pelas famílias que utilizariam seus serviços. Lembro-me, por exemplo, que

17 Pessoas, geralmente idosas que vendiam raízes e plantas medicinais e preparavam chás e remédios caseiros, quase sempre, única

alternativa acessível nas cidades pequenas, que não possuíam serviços de saúde públicos.

18 Pessoas que misturavam o conhecimento da fitoterapia adquirido em processos empíricos com, a intuição e os rituais de cura

religiosa, e processavam, mediados pela crença, vários tipos de intervenções e rituais de cura.

19 Figuras de autoridade religiosa nos terreiros de candomblé.

20 Mulheres com intensa sensibilidade religiosa, que utilizavam a reza como instrumento de cura, como verdadeiro remédio para os

males humanos.

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as casas das rezadeiras eram extremamente pobres, e suas vestes quase

maltrapilhas, lembravam a imagem dos peregrinos e forasteiros.de épocas mais

remotas contadas nos livros de história.

Cresci rodeada de velhos. Meu pai era “vendeiro21 ”, e todos os dias, eu

passava horas e horas na venda, para ajudá-lo a vender suas mercadorias, mas

também para escutar as inebriantes histórias que os seus fregueses contavam. Meu

avô paterno era o primeiro deles, músico sensível e fazendeiro antigo na região,

perdera seu patrimônio de uma forma que para ele fora muito indigna ou vergonhosa.

Disso eu pude saber pouco, apenas sabia que ele fora delegado da cidade por quatro

anos num período próximo a esse acontecimento. Havia um pacto de cochicho e

paradoxalmente de silêncio sobre isso; um não dito que de certa forma era

visivelmente incômodo para ele, especialmente quando falava de um evento que se

comentava por entre os dentes em roda de amigos muito íntimos denominado a

guerra das “Antas”22 , na década de 50/60. Escolho aqui o nome de um animal

presente naquela região, para identificar uma guerra local que segundo o meu avô foi

comandada por uma família que viera de um estado vizinho, para a cidade, com a

intenção de dominar o espaço rural e depois o espaço político da cidade.

Tal evento dizia respeito a uma guerra travada por coronéis fazendeiros que lá

chegaram, contra os moradores e os indígenas que viviam na zona Rural da Cidade.

O que era falado por eles de forma bem fragmentada e sempre com um certo mistério,

como um assunto proibido, era que essa guerra expropriara vários fazendeiros de

suas terras. Entre eles o meu avô, de suas terras. Eram obrigados a assinar

documentos passando suas terras para esses fazendeiros em troca da preservação

de sua vida e de sua família, Já que os fazendeiros eram extremamente truculentos.

Nesta época existia na cidade dois partidos políticos: o Orion e o Gurutuba. A

dominação das terras era seguida da dominação política na medida em que o

candidato das “Antas” usava a coerção e a violência extrema com os eleitores, como

estratégia para ganhar as eleições. Vários idosos chegaram a contar que eram

21 Comerciante dono de uma venda. As vendas eram um comércio misto de diversos gêneros, como: alimentos, ferramenta tecidos,

materiais escolares, produtos de limpeza etc. Talvez de forma diminuta, tenham sido a primeira versão dos supermercados

22 Nome de um animal que a autora resolveu atribuir ao sobrenome original para ocultar o sobrenome da família dos coronéis do

cacau

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abordados por capangas a mando desses fazendeiros perguntando em que partido

votariam. Quando diziam que era no partido contrário, eram espancados e ameaçados

de morte. Várias tribos indígenas como a tribo dos rabudos23, tiveram que deixar suas

terras próximas a uma fazenda que hoje é denominada fazenda da índia. Segundo

contam eles foram ocupar terras na zona rural das Cidades de Aymorés e de

Machacali, onde segundo os idosos, estariam mais protegidos porque voltariam a

viver com uma parte do seu povo e de outras tribos amigas. Nessa época, segundo

meu avô muitos índios e negros apareciam mortos ou sumiam sem que ninguém

pudesse dar mais notícias. Mas todos de alguma forma atribuíam isso aos fazendeiros

do cacau ou a família das “Antas”

Eu percebia uma tristeza imensa e muito desamparo quando o meu avô falava

sobre essa tal “guerra”. De certa forma ele se envergonhava e se culpava por não ter

conseguido defender sua família de outra forma que não fosse a de se subjugar aos

processos de dominação existentes. Não raras vezes ele me olhava nos olhos e dizia:

minha neta, não comente sobre isso com ninguém porque é um assunto muito

perigoso ainda hoje. Ele afirmava que para defender sua cidade e sua família de

morrerem todos sob as armas e os tiros silenciosos e certeiros dos fazendeiros e

coronéis do cacau, teve que abrir mão do seu patrimônio, e chegou a receber por

caridade e consideração de um amigo, após perder todas as suas fazendas, um

pedaço de chão para cultivar enquanto vivesse, e tornou-se uma espécie de meeiro

nesta fazenda até o momento de sua morte, logo após completar os seus setenta e

sete anos de idade.

Durante o tempo que viveu meu avô sempre afirmou que foi seu Bisavô, quem

doou as terras para a construção da cidade. Lembro-me sempre de suas palavras

dizendo: “você minha neta além de filha da cidade é herdeira desta terra e legítima

cidadã”. Não deixe que apaguem a história do nosso povo, da nossa cidade e da

nossa família. Lute e estude muito para não ficar para trás como seu avô. Na época

eu não entendia bem o que ele queria dizer com “ficar para trás”, mas com o tempo

pude perceber que ele atribuía seus fracassos em defender os seus direitos e de sua

família, de se manterem na história da cidade, por não ter conseguido estudar muito.

23 Nome atribuído à tribo indígena que habitava as terras da fazenda índia por terem o costume de usar o cabelo comprido e preso

por uma corda tecida de palha milho ou de bananeira como um rabo de cavalo.

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Percebi que havia muita coerência na história que meu avô contava com

outras histórias que outras pessoas contavam sobre ele e sobre a cidade. Fiquei

sabendo por meu pai, que ao haver participado como vereador e como secretário da

câmara Municipal da cidade no período de 1966 a 1974, de posse desta história,

nesta época, elaborou um projeto para recuperar os documentos de posse do terreno

da cidade que estavam na sua comarca, ou mais precisamente, na cidade de Grão

Mongol. Segundo ele, logo conseguiu aprovação do projeto de lei na câmara

municipal, e por conseguinte, conseguiu recuperar os documentos de doação da terra

para a cidade, e também esta história, bem como trazer esses documentos para a

prefeitura da cidade. Mas depois de alguns anos as cópias foram extintas e a história

da cidade passou novamente a ser adulterada e contada de forma a beneficiar os

descendentes das “Antas”, que por sinal eram pessoas que conseguiram educar seus

filhos em boas escolas e cuja dominação se dava também por essa via.

Segundo as narrações de vários idosos da cidade, esses documentos foram

queimados por um incêndio que julgavam ter sido inclusive proposital, embora não

houvesse qualquer prova concreta sobre isso. Este incêndio destruiu vários

documentos importantes do arquivo da câmara municipal da cidade. Documentos que

novamente prejudicaram vários pequenos fazendeiros e proprietários de terra. Nos

documentos que comprovavam a doação de sete alqueires, ou melhor (alqueirões)24

de terra no ano de1863 pelo meu tataravô CXC e pela minha tataravó AMC que

segundo constava na fala do meu avô, e num trecho do documento, que meu pai

pôde ter em suas mãos na prefeitura “cheios de fé e bondade doaram uma extensão

de terra pré-colonizada que já era denominada fazenda Pajeú em gratidão a bênçãos

recebidas pela santa Nossa Senhora da Conceição”25, com a intenção de que fosse

erguida para ela uma capela e uma vila com muitos fiéis. Isto contribuiu para que a

expropriação dos moradores nativos da região ainda continuasse por muito tempo.

24 Medida diferenciada do alqueire comum e utilizada em várias regiões brasileiras como no norte de minas. A medida é maior que o

tamanho do alqueire utilizado como referência de medida. Corresponde a um alqueirão, que é igual a 193.600m² ou 19,36 ha de

terra ao invés do alqueire comum que possui 48.400 m2 ou 4,84ha

25Até hoje, nossa Senhora da Imaculada Conceição ainda é a padroeira da cidade.

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Como pesquisadora, ao escrever este capítulo e narrar as falas destes idosos,

é possível refletir e reconstituir alguns elementos, imagens e pessoas, e sobretudo as

atividades humanas que tão de perto me influenciaram para gostar dos velhos e de

suas narrativas. Ainda mais quando algumas delas também foram cochichadas sob a

égide de um processo de dominação, onde o cochicho foi sistematicamente silenciado

para que não se tornasse voz audível. Afinal, quem sabe a escuta e transcrição

desses cochichos sobre a minha cidade possa despertar o interesse de algum

antropólogo e pesquisador para que estudos sejam levantados nesta região. Muita

coisa pode ser restaurada na fala de alguns velhos memoriosos, já que na cidade,

vários distritos possuem características que relembram antigos quilombos, ou aldeias,

pinturas rupestres e outros resquícios de uma história por ser redescoberta. Nesse

caso, a trajetória do pesquisador cumprirá outro papel, secundário à primeira

proposta, mas de igual importância, no sentido de valorização dos cochichos de

idosos. Poderá fazer do trabalho não apenas um escrito sobre a escuta da

participação política de mulheres idosas, mas uma pequena mostra dos cochichos

sobre a participação política dos velhos da minha terra, que outrora influenciaram

também a existência desta pesquisa.

Em última análise, a escuta dos cochichos, juntamente com a história dos meus

próprios cochichos e indagações sobre a história dos velhos que me antecederam.

podem estar igualmente relacionadas de maneira que esta pesquisa não apenas

traçará uma linha do tempo no trabalho com idosas, mas em última instância e em

segundo plano, fragmentos do tempo e da vida dos velhos da minha terra. Pois

embora em tempos e espaços diferentes, estamos falando de processos de

dominação e de idosos que cochicham buscando em suas coxias, em tempos e

espaços diferentes inventar saídas, guiados por ideais de liberdade que os impulsiona

a criar novos espaços e novos mundos com sua utopia. Pois afinal, segundo afirma o

sábio Anatóle France citado por BAUMAN(2004)

Sem as utopias de outras épocas, os homens ainda viveriam em cavernas, miseráveis e nus. Foram as utopias que traçaram as linhas da primeira cidade. Sonhos generosos geram realidades benéficas. A utopia é o princípio de todo o progresso e o ensaio de um futuro melhor. (BAUMAN, 2004).

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Ao contar estas histórias, me emociono profundamente, pois a fala do meu avô

era sofrida e as vezes rolavam lágrimas nos seus olhos, mas apesar desse fato ele

conservava, durante a maior parte do tempo, um sorriso muito contagiante, típico

daqueles cujos afetos de alegria são mantidos durante sua existência e que não se

deixam capturar pelos afetos de tristeza, durante muito tempo, e vivem cada dia como

se fosse o último de sua vida. Insistindo em contar suas histórias, cientes de sua

finitude, mas igualmente cientes de que a memória dos seus feitos poderá perdurar

por diversos tempos e gerações.

Meu avô sabia que dificilmente os seus amigos o esqueceriam, uma vez que

era também romântico seresteiro e companheiro de horas felizes. Tocava sanfona e

pandeiro como poucos. Tocava de ouvido no início, mas depois aprendera a ler

partitura com a ajuda de um amigo, embora nunca tivesse frequentado a escola

formal. Com ele aprendi desde pequena a cantar modinhas antigas e cantigas de

roda, e a tomar gosto pela natureza. Íamos para a roça fazer pamonhas e outras

guloseimas de milho. Ele e o meu pai faziam ranchos de folhas de piteira26 para que

eu pudesse brincar, e me deixavam amassar a argila que circundava a nascente de

águas claras da fazenda do seu amigo, onde cultivava uma pequena horta. Era um

poeta e gostava fazer versos e de contar causos. Suas histórias de aventuras e sua

capacidade de dar conselhos fizeram com que ele fosse visto na cidade como um

grande contador de “causos”, amigo e conselheiro de muitos.

Meu avô materno era garimpeiro e gostava de contar histórias do garimpo e da

família. Teve garimpo na zona rural que contornava a cidade, por muitos anos e

comercializava pedras preciosas como esmeraldas, turmalinas e águas marinhas. Eu

adorava olhar os seus olhos azuis e dizer que estava vendo o mar. Sentia falta de

conviver mais com ele, pois assim que completei sete anos de idade, ele e minha avó

materna foram morar em outra cidade, o que dificultava nosso convívio. Quando nos

visitava, ia para a venda, e ficava sempre cercado por muitos amigos, relembrando os

tempos na fazenda.

Vários idosos amigos dos meus avós, traziam jogos antigos e outros jogos mais

tradicionais como dominó, senha, xadrez, e baralho, e ficavam jogando na praça, e

26 Nome dado a uma Vegetação nativa e muito popular na região.

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nas vendas. Outros apostavam corridas de cavalo no campo de futebol da cidade.

Outros ainda, faziam caminhadas e passeios ou se divertiam, mesmo com os de idade

mais avançada, dançando em bailes, desfilando em cavalgadas e cantando nas rodas

e grupos de folia de reis e de congado. Outros eram vistos sempre contando histórias

de pescarias e caçadas que fizeram quando eram mais jovens, e vários desses contos

eram povoados de seres sobrenaturais. Alguns homens idosos pareciam ter na

pescaria e na caça suas atividades favoritas e viam essas atividades como sua maior

diversão. Outros tinham por ofício contar histórias. Falavam de viagens, de guerras, e

de lugares distantes. Sentava-me em um banquinho, ou mesmo no colo dos meus

avós e costumava adormecer ao som de suas cantigas e histórias. Cheguei a fazer

uma coleção de contos, poesias e canções que eles me deram de presente na

infância. Tais atividades acima relacionadas estavam mais ligadas ao universo

masculino.

No universo feminino, as atividades eram outras. Não se viam mulheres idosas

na rua facilmente, Ficavam mais recolhidas em suas casas, bordavam, pintavam,

fiavam, costuravam. Faziam grupos de novena, cantavam nas missas. Algumas

jogavam baralho na casa de amigas. Sua diversão com as amigas se restringia mais

aos espaços privados de suas casas, e raramente no espaço público, quando

dançavam em algum baile. Faziam visitas umas nas casas das outras, partilhando

sempre pratos deliciosos de sua culinária, trocavam receitas de bolos doces e

biscoitos e as vezes se ajuntavam para realizar tarefas e afazeres domésticos

coletivos. Por exemplo: a pamonha de milho, doces e biscoitos de povilho, típicos no

norte de Minas. Várias vezes acompanhei idosas fazendo isso coletivamente.

Pareciam sempre solidárias umas com as outras, e se existiam idosas doentes ou

acamadas, as vizinhas costumavam dividir o cuidado de maneira que estavam sempre

assistidas.

Um fato interessante observado por mim é que nesta época os recursos eram

muito menores do que aqueles de que dispomos hoje em termos de tecnologias do

cuidado, e o Estado era menos presente nos programas de atenção. Entretanto, a

sensação de segurança e cuidado, no caso das pessoas idosas, parecia muito maior,

no calor das relações comunitárias. Não se ouviam tantas queixas de abandono e

solidão como agora. Talvez por isso, BAUMAN (2002) tenha razão em afirmar que a

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segurança está mesmo na relação com o outro, sustentada no conceito de

comunidade, como relações de solidariedade e interdependência humana. E, segundo

este autor, esta relação se esvaziou na pós-modernidade. No caso específico de

minha cidade isto gerava uma relação de reciprocidade e apaziguava o sofrimento

pelas intempéries da vida. Algumas vezes eu as ouvi falar e chorar ao contar suas

histórias enquanto recebiam o conforto de suas amigas.

Na minha cidade o ofício de curandeiro era mais ligado ao universo masculino

que ao feminino. Já o ofício de rezadeira estava mais ligado às mulheres. Eram mais

raros os homens que rezavam para as pessoas. Lembro-me do fato de estar atenta a

isso porque sempre que era possível, eu pedia às rezadeiras para me benzer.

Adorava ficar debaixo dos ramos verdes de arruda e alecrim escutando a melodia da

benzeção:

“O que você tem menina? é quebranto ou olhado? com o que é que cura? com água da santa, rainha dos montes, que leva seus males pras ondas do mar, para nunca mais voltar. Jesus Maria José, sempre virgem Maria. Em nome do pai do filho e do espírito Santo, amém.”

27

Outro fato de que me lembro com muita frequência é que minha mãe era

costureira e muitas mulheres idosas a procuravam para que ela costurasse suas

roupas. Aliás, sobre esse ponto, uma coisa que reparei desde criança, é que não

havia roupas para pessoas idosas nas lojas. Elas traziam tecidos, em sua maioria,

preto ou cinza, e apenas algumas poucas idosas traziam tecidos coloridos. Escolhiam

o modelo da roupa, e minha mãe costurava os vestidos. Eu reparava que as roupas

das velhas, comparadas com a dos outros adultos eram sempre mais discretas, eram

pouco coloridas e forradas. Perguntava à minha mãe porque elas gostavam tanto de

preto e cinza? e ela me dizia que preto e cinza eram cores de tristeza, de saudade, e

de amor perdido. Ficava me perguntando por que as mulheres idosas sentiam tanta

tristeza e saudade, e porque perdiam tanto seus amores?

Naquela época, era comum que as viúvas se vestissem de preto. Isto

simbolizava seu luto e sua fidelidade ao companheiro por muito tempo. Algumas

nunca mais vestiam roupas coloridas. Inconformada por vê-las sempre de luto, eu

27 Estribilho de reza para quebranto usada pelas rezadeiras católicas na cidade de Cachoeira de Pajeú no ano de 1972

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pensava que aquilo não podia fazer sentido. Se elas já haviam perdido muitos dos que

amavam, além de perder seus amores elas também teriam que perder as cores da

vida?

Posso afirmar que apesar de ter perdido muito cedo meus avós, tanto a minha

infância como a adolescência, foram cercadas pelos afetos de outros velhos e de

interrogações sobre a vida, sobre o tempo, o homem, e o seu espaço vivido. Penso

que o fato de ter ficado tão perto deles, talvez tenha tornado minhas, algumas de suas

interrogações. Estas, ao invés de se esmaecerem com o tempo, foram tomando mais

cor.

Hoje, posso perceber, ao alinhavar parte da colcha de retalhos da minha

história, que estes fatos foram ao longo do tempo sustentando minhas decisões e

conduzindo-me para a temática do envelhecimento, e para o posicionamento de lutar

pela construção de uma política pública que assegure direitos e garanta o exercício da

cidadania ao ser humano na sua velhice. Que seja capaz de fornecer suporte e

amparo para auxiliá-lo nas suas limitações, não apenas de forma protecionista e

tutelar, mas sobretudo criando estratégias para desenvolver e divulgar suas

potencialidades.

As lembranças de fatos históricos da minha cidade dos quais não cheguei a

participar, e que meus avós e vários de seus amigos testemunharam, me fazem

refletir que a luta travada contra os processos de dominação é uma herança cultural

da minha família e da minha cidade, cujos processos históricos e culturais somaram-

se aos fatos experienciados por mim, desde a infância e ao longo da minha história

formando uma consciência a respeito de tantas questões ligadas às políticas públicas,

ao envelhecimento e aos velhos, e cujas emoções vividas por eles imprimiram

memórias que me movem na direção de tentar manter através do meu compromisso

com a ciência e com as comunidades de velhos, os afetos de alegria que me foram

transmitidos por pessoas que encontravam prazer em construir relações e redes

comunitárias que lhe trouxessem a segurança que segundo Bauman(2004,p 38)

apenas o exercício contínuo de relações solidárias e de interdependência humana

pode trazer. Afirma ele que: “a solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo

triunfo do mercado consumidor”.

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2.4 Do interior à capital: rumos da trajetória acadêmica e profissional

Vivi até os treze anos de idade na minha cidade natal, mas como queria

continuar os estudos e na década de 80 a educação, na maioria dos municípios

mineiros de baixo IDH, mal atingia o nível do ensino fundamental completo, a

migração para estudar nas capitais era uma condição obrigatória para os brasileiros

que se aventuravam a tentar alcançar o nível do ensino médio ou universitário. Por

isso, nascida numa cidade cujo número de habitantes não passava de 6.000 no total,

Contávamos apenas com uma escola estadual de primeira a quarta série e um ginásio

municipal de 5ª à 8ª por isso integrei a grande massa de estudantes que tiveram que

optar entre continuar em sua cidade e estagnar seus estudos ou deixar sua cidade

para continuar estudando. É importante salientar que esse quadro da educação era

comum em vários municípios mineiros desse porte, na época e especialmente nos

municípios situados ao Norte e Minas Gerais.

Nesta época a minha saída melhor foi morar uns tempos com meus tios e

depois com minha avó materna na cidade de Teófilo Otoni, para cursar o ensino

médio. Na época, chamado “científico”. Morar com a minha avó foi um caminho

possível para estudar, e ao mesmo tempo ajudá-la nas atividades domésticas. Tive

que insistir muito, até conseguir a aprovação dos meus pais, pois a despeito da minha

vontade de estudar e da minha performance nos estudos, com sete filhos em casa, o

meu lugar teria que ser muito mais o de auxiliar no cuidado dos irmãos menores e dar

continuidade aos negócios do meu pai. Qualquer estudante advindo de uma situação

econômica de baixa renda e de cidades pequenas naquela época, no Estado de

Minas Gerais, especialmente daquelas regiões mais pobres, teria que fazer esse

processo migratório, e muitas negociações com a família se quisesse acessar a

educação de nível superior. E isso muitas vezes envolvia negociações com os

familiares, para que os custos fossem reduzidos.

A solidariedade entre os familiares era uma saída possível. A outra realidade

para os pobres: a de uma jornada exaustiva de humilhações e de trabalhos para

conseguir estudar. Pois a escola pública era de excelente qualidade mas não era de

maneira alguma acessível aos mais pobres nesta época. Lembro-me de histórias de

colegas que viviam situações de muita humilhação em na casa de parentes, e outros

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que eram quase escravizados por estranhos que se propunham a aproveitar a mão de

obra gratuita dos conhecidos. Entretanto a migração propiciava possibilidades novas,

novos encontros e possibilidades de mudança e do cerco do modelo de família

nuclear tradicional, que vinha se desfacelando aos poucos ao ter seus membros

migrando das zonas rurais e das cidades pequenas para os grandes centros urbanos.

Com isso também, migrando para novos modelos, novos padrões de organização e

de subjetividades. Assim é que o convívio com minha avó foi penetrar outra escola, do

crochê, do ponto de cruz, de culinária, dos contos e causos de outras épocas e

lugares que eu nem podia imaginar. Um período rico e de muita aprendizagem que

deixou grandes influências para o meu convívio com as pessoas idosas.

Ao fazer anos mais tarde o curso superior de Administração de empresas e

depois o curso de psicologia, todas as experiências com os velhos da minha terra

trouxeram-me ainda mais o desejo de me aprofundar nos estudos sobre a velhice.

Trabalhei desde 1990 a 1995 com Administração de recursos humanos especialmente

com consultoria organizacional e com programas de preparação para a

aposentadoria. Foi então que a partir de 1995 em diante, trabalhei com grupos de

convivência de idosos nas periferias de Belo Horizonte. Todos os estágios do curso de

psicologia que fiz, ou cursos que ministrei, estavam sempre focados nas temáticas:

pessoa idosa, grupos, família e comunidade. Ao longo deles minha tarefa mais

costumeira era tentar alinhavar os pressupostos da antropologia, da filosofia, da

gerontologia e da psicologia social crítica.

Propus a ampliação do trabalho com idosos ao iniciar a abordagem aos grupos

de convivência, no estágio “O psicólogo na comunidade”, e me tornei uma de suas

monitoras. Desenvolvi esta atividade por dois anos desde o ano de 1996 e um ano

após iniciar esta atividade, de 1997 a 1999 desenvolvi alguns cursos e trabalhei como

monitora, em parceria com diversos professores, no projeto de criação do “Centro de

Educação Popular na Universidade”. Este centro congregou mais de 1200 alunos, que

eram líderes comunitários, vindos de toda a região Metropolitana de Belo Horizonte, e

que participaram durante dois anos consecutivos em cursos diversos. Dentre eles,

dois cursos por mim idealizados: “Acompanhante de idosos” e o curso de formação

para “Coordenadores e líderes de trabalhos com a terceira idade.”

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Em julho de 1998 iniciei o curso de especialização em gerontologia, e em Julho

de 1999, ao encerrar o curso de especialização, fui convidada pela Universidade para

ocupar o cargo de professora supervisora do estágio “O psicólogo na comunidade”, e

anos mais tarde para assumir em caráter substitutivo, a disciplina psicologia da vida

adulta e da velhice, atividade que desenvolvo até o presente momento. Nesse mesmo

ano comecei a me reunir com as coordenadoras de grupos de convivência de idosos

que haviam participado do centro de educação popular e começamos a discutir na

universidade as questões relacionadas à política pública de atenção à pessoa idosa

no que tange aos grupos de convivência de idosos.

Um ano depois, em fevereiro de 2000, fui convidada a assumir o cargo de

professora e coordenadora de projetos sociais na Pró reitoria de extensão da

Universidade Católica de Minas Gerais. Minha primeira iniciativa foi ampliar o estágio

com a atividade de Acompanhamento Terapêutico ao idoso acamado, bem como

ampliar o trabalho com grupos de convivência de idosos ligados às comunidades e

promover sua interlocução com o conselho municipal do idoso e a Prefeitura Municipal

de Belo Horizonte.

Foi nesse contato que nasceu e tomou forma o projeto de escutar e

sistematizar os principais cochichos feitos pelas idosas, e verificar a implicação

desses cochichos nas transformações que visivelmente percebíamos, e que os

participantes relatavam ocorrer no grupo. As questões começavam a borbulhar de

forma insistente. Quais eram os seus principais cochichos? Quem eram essas

mulheres que cochichavam? Como elas percebiam esses cochichos, e o que

pensavam do trabalho e da escuta psicológica nos grupos de convivência? que

mudanças ocorriam na sua forma de pensar e de agir no cotidiano, quando esses

cochichos passavam a ser escutados? Estas foram as primeiras perguntas que

surgiram.

Nesta época, fui convocada pela Reitoria para representar a Universidade no

conselho Municipal do Idoso, cadeira que ocupei até o ano de 2009. A partir de então

comecei a esboçar o projeto de pesquisa, que foi aceito no programa de mestrado em

gerontologia nesta Universidade, e intitulado provisoriamente: “Vozes na coxia: escuta

psicológica e produção de sentido nos grupos de convivência de idosos.” Propus-me a

desenvolver esta pesquisa de mestrado buscando traçar alguns caminhos para

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responder às questões nascidas no cotidiano dos trabalhos realizados com idosos.

Embora tenha passado por grandes dificuldades para cursar o mestrado fora de Belo

Horizonte, empreendi este esforço pelo meu interesse em desenvolver estudos sobre

a psicologia em interlocução com a gerontologia no ano de 2002.

Como no final de 2002 eu já havia idealizado e elaborado o programa PUC

mais Idade- Núcleo de estudos, pesquisa, desenvolvimento, e educação continuada

para a pessoa idosa. Este programa funcionou de forma não oficial desde o ano 2000

e foi oficialmente inaugurado em outubro 2004, pela Universidade.

De 2002 a 2004 as disciplinas cursadas mestrado em gerontologia da PUCSP,

e a experiência acumulada nesses anos de trabalho foram de suma importância para

fomentar as atividades do Programa PUC mais Idade.

As ideias que sustentaram o trabalho desenvolvido com idosos enquanto eu

era consultora de recursos humanos foram ampliadas com pressupostos da psicologia

tais como:“logoterapia e terapia do sentido de vida” de Victor Frankl, a Epigênese, e

Teorias do ciclo vital de Erik Erikson, e Teorias grupais, acrescentadas de

pressupostos da antropologia e da sociologia como: memória, trabalho, corpo e

cultura, e da filosofia e configurou-se como um importante trabalho que foi

desenvolvido na Universidade Católica de Minas Gerais, que foi o curso denominado

“Oficinas de memória e elaboração de projetos de vida” .

Dentre as atividades do programa PUC MAIS IDADE destaco a escuta

psicológica a grupos de convivência de idosos, acompanhamento terapêutico ao

idoso, cinema comentado, inclusão digital, curso de capacitação para líderes e

coordenadores de grupos de convivência, e oficinas de projetos para líderes de

grupos de convivência de idosos; pesquisas e levantamento de dados sobre os

grupos de convivência de idosos de Belo Horizonte, seminários contínuos de saúde,

memória, cultura e envelhecimento, vários fóruns de debates sobre políticas pública,

quatro Fóruns Interdisciplinares de geriatria e gerontologia, assessoria e

potencialização dos grupos de convivência e conselhos de direitos da pessoa idosa,

vários ciclos de debates e filmes comentados sobre questões ligadas ao

envelhecimento, com o objetivo de fortalecer os movimentos na luta em prol dos

direitos da pessoa idosa, e favorecer espaços de significação e construção de novas

formas de envelhecer e de viver a velhice.

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O trabalho na Pró reitoria de extensão somado à representação da

Universidade no Conselho Estadual do Idoso de Minas Gerais demandava muitas

horas de trabalho e viagens pelo interior do estado, e levou-me a optar pelo

adiamento da pesquisa de mestrado, embora insistisse em continuar, pela via do

estágio e do acompanhamento aos grupos nos Fóruns e nos Conselhos de Idosos a

manter o vínculo com o projeto de pesquisa. Tal afastamento permitiu-me depois

adiantar os levantamentos de dados de que eu precisava sobre os grupos de

convivência de idosos para consolidar ainda mais a minha pesquisa. Entretanto, a

participação como representante da Universidade nos conselhos municipais e

Estadual de direitos da pessoa Idosa, trouxeram uma grande responsabilidade já que

tive que assumir a presidência interina do Conselho Estadual do Idoso, por 3 anos e

por questões ético-políticas estive completamente envolvida na organização das duas

primeiras conferências Municipais e Estaduais de direitos da pessoa idosa. Precisava

mobilizar todos os conselhos municipais do Estado de Minas Gerais que somavam

mais de 200 municípios diferentes.

No período de 2006 a 2009. o envolvimento e o compromisso com a pessoa

idosa e com as políticas públicas levaram-me a adiar o mestrado e deixar o meu

projeto pessoal e de crescimento profissional na carreira em segundo plano, para me

dedicar inteiramente aos conselhos e aos grupos de convivência, pois nas

circunstâncias em que estávamos na política de atenção ao idoso era mister que os

conselheiros, especialmente aqueles que assumiram cargos de liderança, pudessem

cumprir o seu papel de incentivar e promover a mobilização de toda a população idosa

para a organização e participação na luta pela garantia dos seus direitos.

Desta forma somente no ano de 2012 finalmente, retornei ao mestrado, após

10 anos da minha primeira incursão no curso, para reiniciar o mestrado e concluir o

trabalho de pesquisa que iniciei. A opção de terminar o que comecei, demarcou para

mim não apenas a coerência com o meu desejo pessoal de concluir esta pesquisa,

mas sobretudo, o fato de que por mais percalços que possam existir na caminhada do

pesquisador, o compromisso com as pessoas envolvidas na pesquisa e com o retorno

que precisamos levar ao campo deve ser pensado como uma questão prioritária. Por

outro lado, as aproximações e distanciamentos do pesquisador com o campo podem

demarcar um modo de estar que é no dizer de SANT’ANA, (2000 p 36) assumida por

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uma questão ético política e uma perspectiva da ecologia humana, fundamental no

trabalho do pesquisador, de ser descartável-essencial no processo de construir

compreender e empreender, seja através de uma pesquisa, de uma intervenção ou

mesmo de uma atividade específica, as transformações que os próprios sujeitos se

propõe a realizar e para a qual demandam auxílio.

Durante todo esse período sustentei a antiga proposta de pesquisa feita

inicialmente, com algumas alterações no corpo teórico inicial, decorrentes da revisão

bibliográfica, e no foco que se tornou mais específico, com as orientações e pelo

conhecimento adquirido no programa de mestrado, bem como pelo aprimoramento

dos métodos de trabalho desenvolvidos na participação constante nos conselhos, nas

conferências Municipal, Estadual e Nacional de direitos da pessoa idosa, nos quais

contribuí sistematicamente como coordenadora de diversos trabalhos e propostas na

construção da rede de proteção à pessoa idosa, e na efetivação dos direitos da

Pessoa Idosa especialmente por meio da contribuição na organização das

conferências duas primeiras conferências municipais e Estadual de direitos da

pessoa idosa.

Neste sentido é que esta pesquisa adquiriu um caráter longitudinal na medida

em que coletei novamente, após 10 anos, os cochichos das mulheres nos grupos de

convivência, desta vez mais sustentada pela pesquisa-ação, pois aproveitei toda a

construção feita com os grupos e com as coordenadoras durante o acompanhamento

do estágio, bem como as memórias de sua participação nas três conferências de

direitos da pessoa idosa e utilizei também os dados de acompanhamento dos grupos,

pela via do estágio, em sua participação nos fóruns regionais e nas assembleias do

conselho municipal do idoso, para enriquecer os dados as minha pesquisa e fazer o

levantamento dos cochichos na atualidade, por meio de um instrumento que não fosse

mais as entrevistas individuais , mas a própria atuação delas num encontro

denominado conjuntamente por elas de oficina de desenvolvimento humano político e

social para coordenadores de grupos de convivência de idosos. 28

28 A oficina de desenvolvimento humano político e social foi desenvolvida em abril de 2012 e congregou em torno de 70

coordenadoras de grupos de convivência de idosos em Belo horizonte organizadas pelas idosas coordenadoras participantes da

pesquisa, com o suporte da pesquisadora, com o objetivo de discutir questões sobre os grupos de convivência de idosos, que

vinham cochichando ao longo do tempo tanto nos grupos quanto nos conselhos e sobre as quais ainda não se sentiam escutadas.

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A oficina na realidade, concomitantemente funcionou como um evento coletivo

onde pude agregar os dados da minha pesquisa e atender à solicitação das idosas de

ter um encontro direto com alguns políticos e representantes da população idosa na

câmara municipal da cidade, onde pudessem levar diretamente as demandas do

grupo, num espaço que não fosse os fóruns ou os conselhos de idosos, já que

percebiam que os seus cochichos apesar de insistentes não pareciam chegar aos

governantes, ou se chegavam era de forma muito indireta e parecia perder o vigor e a

força que os grupos poderiam ter se falassem diretamente, segundo afirmavam.

Estou certa que a escolha por esta forma de coletar os dados foi muito

importante para compreender certas questões de sua participação e dos seus

cochichos que eu jamais compreenderia, se não tivesse escolhido esse modelo de

oficina como instrumento de coleta de dados. Pois os cochichos presentes no

encontro funcionaram visivelmente como instrumentos de potencialização para que as

mulheres coordenadoras de grupos de convivência pudessem trocar suas

experiências e se empoderarem diante das autoridades ali presentes, como podemos

constatar em suas falas. A pesquisa contribuiu ao propor na fala das coordenadoras

novas formas de pensar a política de atenção ao idoso na cidade de Belo Horizonte, o

que pode iluminar novos caminhos na abordagem a pessoas idosas, especialmente

no que tange à sua participação política. Já que o exercício realizado por meio dela foi

o de escutar diretamente as pessoas que protagonizam essas transformações e

fortalecer sua voz ao propiciar novos espaços possíveis para estas discussões, que

não apenas os espaços instituídos politicamente.

2.4.1 Uma travessia: da trajetória de vida para a trajetória do projeto de

pesquisa “vozes na coxia”

Foi interessante observar ao longo da minha trajetória que houve uma estreita

ligação entre a minha vida pessoal e os afetos que me influenciaram para uma forma

de escutar as pessoas idosas, bem como observar os processos de envelhecer da

população idosa do nosso país. Mas nem sempre a travessia de uma constatação

sobre essa ou aquela realidade nos facilita de pronto a construção de um projeto de

pesquisa. Especialmente quando tentamos buscar através desse projeto de pesquisa

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uma possibilidade de intervir em questões reais no cotidiano das pessoas e das

políticas de um país.

Com o afirmam os dados estatísticos e demográficos O crescimento vertiginoso

da população idosa, em relação a outros seguimentos populacionais tanto no mundo

como Brasil, é uma questão cada vez mais pautada nas discussões levantadas tanto

pelos setores públicos, quanto pela sociedade civil. Entretanto o que se observa

embora esteja pautada nos discursos, de forma tão enfática. Não aparece com a

mesma ênfase, nem tem sido efetivada como prioridade na agenda de execução das

políticas públicas, ou sequer dos programas e projetos destinados à atenção da

pessoa idosa. Desta forma, desenvolver um projeto de pesquisa sobre o

envelhecimento, com o pressuposto de que este é um processo biopsicossocial e

cultural, com o foco no binômio comunidade e velhos, requer um olhar crítico e

profundamente comprometido com a humanidade, no que tange a sua universalidade

e singularidade, bem como sobre os dispositivos que sustentam esta relação na sua

imanência29.

Espera-se de um pesquisador mais atento, antes de vincular seu projeto a uma

instituição, uma análise aguçada das formas de pensar e interpretar o tema escolhido

nas instituições de ensino e pesquisa, e o exercício de examinar alguns dados sobre

suas produções e sobre a sua forma de posicionar-se politicamente, diante do tema.

Escolhido para o estudo. Principalmente quando o que pesquisamos, situa-se numa

área de interesses e de relações de poder, cujos processos ideológicos na formação

possam senão comprometer a pesquisa, no mínimo desviá-la de seus objetivos. Esta

foi uma questão que considerei ao optar pelo Mestrado em gerontologia da PUCSP,

que tem seu foco na gerontologia social, e na perspectiva de uma gerontologia Crítica.

O fato de que o projeto tenha sido contemplado posteriormente, na segunda

fase que me inscrevi no programa de bolsas do mestrado fornecido pela

CAPES/CNPQ teve um valor imensurável não apenas pelo subsídio financeiro, mas 29A noção de imanência em Espinoza é sustentada pelo princípio monista de que a substancia é em si una e múltipla. E Deus natureza, no sentido de que é na ação de existir e não fora dela que ele se manifesta. As coisas existem por si sem necessidade de um outro atributo que as defina a não ser o próprio atributo de existirem. É graças a autonomia humana que o homem se vincula ao divino, dando lugar à realização da ordem divina na ordem humana. A imanência é a afirmação de Deus aí, manifesto em seus próprios atos na sua unicidade e multiplicidade. Para Espinoza a imanência e a autonomia humana encontram sua expressão mais elevada no amor a Deus, e o amor a Deus só se firma na imanência, e na autonomia que se traduzem na própria afirmação ética e política do homem. A autonomia do homem e seu vínculo com o divino se promovem e enriquecem reciprocamente, pois o homem vincula-se com Deus a partir unicamente da propagação da caridade e da justiça, e a conseguinte construção do reino de Deus na Terra:

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por fornecer a condição necessária para que eu pudesse concluir um trabalho já

iniciado, legitimando a importância da pesquisa com o seu fomento. Junte-se a este

fato, a parceria da minha orientadora, que teve implicação ético-política e solidária

indispensável para minha formação ao propiciar-me o suporte Teórico necessário,

com sua escuta sensível.

Todos esses fatores propiciaram um desfecho temporário, para um ciclo de

aprendizagem pessoal e profissional, que espero, possa contribuir com a população

idosa, por meio dos frutos de uma produção, que embora, tenha utilizado um tempo

maior para a coleta de dados, poderá trazer aquele prazer próprio do fruto temporão.

Uma construção, que exatamente por ser intensa, necessitou de um tempo e um

percurso que desafiou a rigidez do tempo estipulado para a pesquisa nos órgãos de

fomento, não apenas por limitações pessoais, mas sobretudo pela sua associação

com escolhas que demarcam claramente a valorização da dialogicidade estabelecida

entre o campo teórico e o campo prático como construtores de práxis científicas. Entre

o lugar da ciência e o lugar dos sujeitos que se beneficiam da ciência; entre a

gerontologia como ciência e a gerontologia crítica aplicada à produção de mudanças

efetivas no cotidiano das pessoas idosas; entre o sujeito pesquisador que pensa e

sente, e o sujeito pesquisado que age e transforma a si mesmo e a realidade por meio

do que pensa e sente. E, finalmente, entre a psicologia como ciência que constrói

teorias sobre a escuta da pessoa humana e de seus afetos, e a psicologia como

ciência que age por meio da escuta humana, sobre o sujeito concreto, na

complexidade do contexto em que ele se insere, propiciando a produção de novos

devires, novas significações tanto no sujeito que afeta e é afetado pela realidade,

quanto na realidade que o afeta.

2.5 Cochichos inacabados sobre a trajetória da pesquisa e do pesquisador

“É inútil procurar encurtar o caminho e querer começar, já sabendo que a voz diz pouco, começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via crucis é um descaminho; é a passagem única. Não se chega senão através dela e com ela.

Clarisse Lispector30

30 In: LISPECTOR, Clarisse, a paixão segundo G.H. Rio de janeiro, Editora do autor. Pp.178-9

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Ao rever minha trajetória reconheço-me e ao mesmo tempo me estranho nela.

Com o que é familiar, me emociono. Vêm à tona o humano, e por vezes, experimento

novamente as lágrimas no que foi vivido como dor ou como afetos de alegria.

Rememoro afetos de alegria, bons encontros e instantes de prazer que nesse caso

superaram os afetos de tristeza, o amargor das desilusões e sofrimento pelos

investimentos que se perderam no caminho sem gerar uma conquista efetiva. Mas é o

estranhamento nesta trajetória, que traz indagações e busca a construção de sentido

sobre o espaço vivido. É o estranho dentro de mim que provocou e provoca o

exercício de buscar mais conhecimento, e que impulsiona a pesquisa que foi se

desenhando no projeto que se será aqui detalhado, e que continuará seguindo seu

rumo e sua vocação de obra aberta.

O cochicho que consigo fazer sobre a minha trajetória nesta pesquisa:,

tentando dar um contorno teórico e afetivo é que se o sentido que consegui atribuir à

minha história pessoal e aos conteúdos psíquicos da minha vida afetiva , que

conduziram inconsciente e conscientemente minha escolha pelo trabalho com idosos

foi que “na presença ausência do olhar da minha mãe os velhos me viram primeiro, e

eu simplesmente respondi ao seu olhar”, o lugar que me sustenta como pesquisadora

inquieta sobre essa temática é o desejo de empreender projetos, estudos e pesquisas,

que busquem compreender os caminhos do envelhecimento, como caminhos

biopsicológicos, históricos, políticos e culturais, mas sobretudo como um caminho

para alcançar uma visão mais ampliada do homem sobre si mesmo, um caminho para

a alteridade e para a construção de uma ecologia humana, necessária para reduzir as

desigualdades sociais e contribuir para relações mais justas, capazes de favorecer

bons encontros entre os homens, nos seus diversos contextos e nas relações

intergeracionais. Sobretudo, para a potencialização dos espaços de participação

política das pessoas idosas, num contexto que propicie não apenas a garantia de

direitos e o exercício da liberdade de expressão, mas que promova o reconhecimento

dos processos de dominação, e a contenção desse processo pela via do exercício da

cidadania e pelo acolhimento da manifestação das diferenças e da heterogeneidade

de um povo.

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A escuta das falas das mulheres idosas sobre si mesmas e sobre o processo

de participação política, configurou-se um ponto importante na produção de alguns

resultados sobre a sua forma de participação, como veremos no decorrer deste texto.

Isso porém não apresenta algo extraordinário, uma vez que é na ressignificação do

olhar sobre si mesmo, sobre os outros e sobre a realidade que são propiciados novos

devires e novas formas de existência na velhice. Entretanto, contribuiu para reafirmar

o conceito de homem como sujeito de afetos, histórico e social, cujas transformações

são observadas à luz daquilo que produz no movimento simultâneo de transformar a

si mesmo e a própria realidade. Isso tira o foco de um pensamento sobre a velhice,

como algo dado, pronto, e sobre o velho como uma concepção universal, para pensar

mulheres que estão se desenvolvendo ao longo do seu processo vital e de

participação política. Considerando o autoconhecimento a autovalorização e

simultaneamente o impacto que causam em si mesmas e na sociedade e que a

sociedade lhes causa ao longo desse processo.

Deste modo, a pesquisa foi um caminho que se ofereceu para possibilitar não

apenas o percurso dos cochichos de mulheres idosas se transformando em voz

audível. Ou o seu movimento ao se deslizar da coxia, dos grupos de convivência, para

o palco da vida, dos conselhos, dos fóruns, das instâncias mais formais de

participação política, mas sobretudo para possibilitar ao pesquisador avaliar a sua

forma de escutar essas mulheres e de produzir ciência com a responsabilidade de

quem se implica não apenas com os resultados do que foi produzido, mas sobretudo

com o processo de produção. Ou seja, com uma ciência que opera em favor das

humanidades e da construção de novos modos de ser e se fazer humano.

Volto dessa reflexão com a sensação de que ainda há muito a aprender e a

construir nesta trajetória da ciência, a despeito de já ter realizado essa pesquisa.

Outros trabalhos são apontados na gerontologia, não apenas na consolidação dos

direitos da pessoa idosa, mas sobretudo da velhice como um lugar possível de

realizações e de felicidade a ser vivido pelas pessoas. Neste caso estudar a velhice

requer do pesquisador a desconstrução de lugares instituídos, bem como a sua

acuidade para descobrir novos arranjos sociais que possibilitem a construção de

novas subjetividades. Isto implica, em uma análise científica, que explicite a velhice

como uma construção cultural dinâmica e não como algo naturalizado. Isso envolve a

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escuta de outras vozes, de velhices possíveis, que evidenciam a sua heterogeneidade

cultural. Esta pesquisa científica chama a atenção para as falas das idosas como

sujeitos e para seus cochichos como vozes audíveis buscando evidenciar e negar

aquilo que se apresenta de pronto como natural e familiar. Tal como aponta Luiz

Cláudio Mendonça Figueiredo, ao discutir a alteridade e as ideias de Ogden no texto

“Uma complexa noção de voz”. (1998)31 :

“A voz, a voz viva, bem entendido, é “ao mesmo tempo” o que de mais próprio pode brotar do sujeito, mas é, antes disso, o que o possibilita e, em seguida, [...] o remete para longe de si, para o momento paradoxal de um novo conhecimento de si pela via da desfamiliarização. (FIGUEIREDO, L.C.1998).

31 In: FIGUEIREDO, Luiz Cláudio M. A complexa noção de Voz. Revista Brasileira de Psicanálise. São Paulo, Órgão Oficial da

Associação Brasileira de Psicanálise 32(3): 605-609

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3 MULHERES QUE COCHICHAM E SUAS COXIAS

Figura 4 - Painel ilustrativo –Imagens do contexto das Mulheres coordenadoras

Fonte: Painel elaborado pela pesquisadora (fontes diversas)

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3.1 Mulheres que cochicham: um pouco da sua história

“Como nenhuma história se faz desacompanhada de contradições, a vivência das mulheres mineiras só pode ser apresentada através do permanente conflito e negociação entre os grupos empobrecidos dos quais as mineiras faziam parte e as instituições que de um modo ou de outro, procuravam enquadrá-la. (Luciano Figueiredo, 2004.p130).

Ao descrevermos as coordenadoras de grupos de convivência de idosos

partimos da observação do seu contexto histórico cultural. Segundo o levantamento

de dados que realizamos no Estágio o psicólogo na comunidade em parceria com o

programa de extensão PUC MAIS IDADE, a maioria das coordenadoras de grupos de

convivência de idosos, que responderam aos questionários no ano de 2002

informaram ter nascido no Estado de Minas Gerais. Mais de 50% das que

responderam ao instrumento foram nascidas e criadas em Belo Horizonte e região

metropolitana. Ao contarem sua trajetória de vida algo em comum entre elas foi o fato

de que os pais vieram de cidades vizinhas ou do interior de Minas para a capital.

Contavam a história de seus pais trazendo detalhes sobre suas mães. Algumas,

segundo elas, eram quitandeiras, outras eram filhas de fazendeiros da região

metropolitana ou cidades vizinhas, algumas eram filhas de mulheres que lidavam

juntamente com os maridos com pequenos comércios, outras eram filhas de

costureiras, bordadeiras, lavadeiras ou donas de casa Esses ofícios das mulheres

mães das coordenadoras foram os que mais apareceram nos questionários. Uma boa

parte delas, cerca de 30% das que responderam disseram que suas mães vieram

para a capital para acompanhar os maridos no trabalho. E cerca de 20% disseram que

suas mães vieram para a capital para estudar e morar com parentes.

Quanto aos seus pais, as coordenadoras, na sua maioria (60%)responderam

que os pais foram pequenos fazendeiros, agregados ou trabalhadores rurais e cerca

de 20% delas eram filhas de militares. Os outros 10% delas responderam que os pais

faziam outros ofícios típicos da cidade grande como alfaiates, pedreiros, motoristas.

Quanto à situação civil, a maioria das coordenadoras de grupos de convivência de

idosos são constituídas de viúvas e ou separadas (em torno de 60%) Uma boa parte

delas (cerca de 15 a 20%) solteiras. E 20% a 25% delas são casadas. Esse dado fica

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um pouco contaminado tanto com o discurso de algumas que não vivem mais com os

maridos mas que se declaram casadas, como com as solteiras que possuem um

companheiro, por um período que já seria considerado uma união estável, mas que se

declaram solteiras. Um outro dado interessante é que boa parte das que são viúvas e

casadas disseram ter tido poucos filhos em comparação com as outras mulheres que

viveram em sua época. Boa parte dessas mulheres foram casadas com militares

(cerca de 35% das casadas) e disseram que suas mães vieram para a capital para

estudar ou para acompanhar os maridos no trabalho. Observei que mais de 30% das

coordenadoras de grupos de convivência de idosos eram filhas ou esposas de

militares. O quadro abaixo relaciona algumas características das 10 coordenadoras de

grupos de convivência cujas entrevistas foram analisadas neste trabalho e que podem

servir para referenciar o leitor, e que se aproximam desses dados.

Quadro 4 Caracterização das coordenadoras entrevistadas

ENTREVIS

TADA

IDADE

ATUAL

ESCOLARIDADE ESTADO

CIVIL

RENDA

PESSOAL

INFORMADA

CONDIÇÃO/

MORADIA

CI-1 60 ensino superior casada R$1800,00 com o

marido

CI 2 62ª fundamental

Incompleto

casada R$750,00 com o

marido

CI 3 65ª ensino médio

Completo

separada R$780,00 com o

marido

CI 4 72ª fundamental

incompleto

separada R$780,00 Com os

filhos

CI 5 67ª ensino médio

profissional

solteira R$800,00 com a mãe

e um irmão

CI 6 72ª fundamental viúva R$750,00 com uma filha

CI 7 72ª ensino médio viúva R$1200,00 com a mãe

CI 8 70ª ensino médio viúva R$1200,00 com a filha

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ENTREVIS

TADA

IDADE

ATUAL

ESCOLARIDADE ESTADO

CIVIL

RENDA

PESSOAL

INFORMADA

CONDIÇÃO

/

MORADIA

CI 9 80ª fundamental

incompleto

viúva R$980,00 com os

filhos

CI 10 82ª fundamental

incompleto

viúva R$980,00 com os

filhos

Fonte: banco de dados do Estágio supervisionado mantido pela pesquisadora na PUC MINAS

Um outro dado interessante é que nas histórias contadas, elas sempre traziam

um propósito de preservação e manutenção de valores familiares, e regras rígidas no

sentido de cumprimento das premissas religiosas. Entretanto, um dado interessante é

que sempre contavam também nos fragmentos da sua história pequenos atos de

rebeldia de que se lembravam ter feito. Esses dados mais gerais envolvendo outras

coordenadoras além das entrevistadas, foram coletados quando do levantamento de

dados dos grupos no momento em que eram vinculados ao estágio no curso de

psicologia, e foram utilizados aqui apenas como pano de fundo para que possamos

mostrar ao leitor uma referência sobre a história pregressa dessas mulheres antes de

falarmos de sua atuação nos grupos.

Uma das dez coordenadoras de grupos entrevistadas além de ter mencionado

seus sonhos de criança na sua trajetória de vida, numa das oficinas em que

discutíamos o tema relações familiares, chegou a montar uma escultura em argila na

qual produziu um violeiro tocando sua viola e disse:

“Meu sonho de mocinha era tocar violão, porque meu pai e meu

irmão tocavam muito bem e eram sempre convidados para as festas. Mas um dia ele me pegou tocando no violão do meu irmão e disse que eu não podia fazer aquilo porque tocar violão não era coisa de moça direita. Fiquei muito triste mas de vez em quando eu ia pra fazenda das minhas primas eu tocava violão com um grupinho de amigas que eram pra frente. Eu era moça séria mesmo, só queria tocar violão, mas se a gente não podia fazer nem as coisas boas. Ai, então, Deus que me perdoa..., mas eu juntei com minhas primas e tive que dar meu jeito”. (CI 8 70ª.2006).

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Vejam que nesse cochicho ela aponta simultaneamente a exclusão feminina de certos

espaços sociais e ofícios que não podiam ser ocupados pela mulher, mas

simultaneamente, explicita os mecanismos que ela utilizou para fugir a esse cerco

excludente. Ou seja, ia para a fazenda das primas e transgredia uma regra de sua

cultura local que lhe era imposta e com a qual não concordava, mas de certa forma

pedia a Deus perdão pelo que fizera para dar um jeito. É interessante notar aqui o

exercício de solidariedade que é apontado, nesse acolhimento das suas primas na

fazenda. Reuniam-se para fortalecer e para quebrar as regras. A proteção e o auxílio

prestado pelas colegas, eram quase sempre reconhecidos e retribuídos, segundo

seus próprios cochichos.

Outra coordenadora CI7,72a (2006) mencionou que se lembrava do “footing”, e

de como gostava desta prática. Ao indagá-la sobre o que era isso ela disse que era na

verdade como um passeio que elas ficavam fazendo nas praças depois da missa e no

“footing” os rapazes podiam olhar as moças e se interessar por alguma delas e ficar

conversando um pouco na praça. Segundo contava, esse era o único espaço

permitido socialmente e assim mesmo, apenas por alguns pais. Nesse espaço, as

moças de boa família ficavam como num desfile, passeando na praça e os rapazes

podiam avistá-las. Isso acontecia sempre nas praças das igrejas depois das missas,

nos finais de semana. Ela mencionou numa das oficinas que um dia levou uma surra

da mãe porque brigou com o irmão e disse a sua mãe que não queria ser mais

mulher, e tomou uma surra por que dissera à sua mãe que ser mulher era a coisa pior

do mundo naquela casa. Disse que “era muito injusto ser mulher porque Tudo o meu

irmão podia, e eu nada podia”.

É interessante notar o quanto nesses fragmentos da história dessas mulheres,

elas trouxeram questões concernentes à dominação e ao preconceito de gênero no

cerne de sua experiência cultural, bem como, trouxeram também o exemplo

intergeracional de mulheres que de alguma forma desafiavam o que estava posto. E

aquelas que não o faziam, e ficavam quietas descreviam seus lares mantidos com o

rigor de normas e costumes vigentes que fortaleciam a exclusão feminina,

especialmente dos lugares de reconhecimento social e político. Por isso embora não

se rebelassem naquele momento, ou o fizessem de forma tímida e amedrontada,

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construíam espaços e coxias para dizer o que pensavam fora do alcance dos pais ou

dos que faziam cumprir tão rigidamente as normas. Essa afirmação nos faz refletir

sobre o que sugere Luciano Figueiredo, (2004. P.142)32:

“Em que lugar encontraríamos a mulher mineira? Começamos pela negação, que parece ter sido a característica central na vida dessas mulheres. Estiveram nas minas excluídas de qualquer exercício de função política, nas câmaras municipais, na administração eclesiástica, proibidas de ocupar cargos da administração colonial que lhes garantissem reconhecimento Social.” (FIGUEIREDO,2004, P.138).

Historicamente o processo de grupalização das mulheres mineiras foi antes de

tudo um caminho encontrado como verdadeira linha de fuga aos processos de

dominação e exclusão. Neste aspecto esse mesmo autor ao estudar a história das

mulheres em Minas gerais, afirma que no período de colonização e na corrida do ouro

em Minas eram as mulheres, forras e escravas quem davam trabalho para as

autoridades, porque por via de suas bandejas de quitutes e pela venda de alimentos e

bebidas, se articulavam em grupos e favoreciam os escravos, facilitavam fugas e

funcionavam além de conselheiras, como verdadeiras forças solidárias em

contraposição aos processos de dominação existentes. Assim afirma Luciano

Figueiredo (2004, P.143):

Malgrado essas dificuldades antepostas pelos termos da colonização [...] a originalidade da presença feminina em Minas deve ser captada no olhar que passeia em outras direções. Ante a exclusão que atravessou o além mar e as escarpas montanhosas do sertão colonial tais segmentos contrapunham a força de sua resistência e a persistente capacidade de definir novos papeis para as mulheres em atitudes de resistência cotidiana na luta pela ampliação dos espaços de sobrevivência, na promoção da sociabilidade dos grupos. (FIGUEIREDO,2004, P.143).

Esses aspectos aqui apresentados dão base para refletirmos sobre uma

questão importante na história das coordenadoras hoje e que se apoia numa

anterioridade cultural. Se as mulheres eram as cochichadeiras, o lugar dos grupos na

cultura também foi marcado anteriormente como o de coxias diversas, uma vez que

os grupos se tornaram muitas vezes os lares dessas mulheres. Lembremos que na

FIGUEIREDO, Luciano in DEL PRIORE. ( org.) Historia das mulheres no Brasil. Petrópolis Vozes 2004

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história, as poucas mulheres que habitavam Minas Gerais no período da colonização

eram mulheres forras33 e escravas e suas coxias se faziam em suas vendas, ou

pontos de comércio onde vendiam seus quitutes. Nas coxias, cochichavam seus

ideais de liberdade. Mas suas coxias muitas vezes se transformavam em palcos

sangrentos, pois se eram excluídas dos lugares de poder e dos espaços de

reconhecimento estavam por certo incluídas de maneira intensa nos programas e

projetos de perseguição aos negros, aos ladrões, aos traidores do governo. Segundo

mostra Luciano Figueiredo:

“As vendas eram quase sempre o lar das mulheres forras (alforriadas) ou escravas que nelas trabalhavam no trato público. O destaque da presença feminina no comércio concentrava-se nas mulheres que eram chamadas de “negras do tabuleiro”. Elas infernizaram autoridades de aquém e além mar. Todos os rios de tinta despejados na legislação persecutória e punitiva não foram capazes de diminuir seu ânimo em Minas e pelo Brasil afora” (DEL PRIORE, 2004, p 132).

Mas porque faço essa ligação tão estreita entre as mulheres coordenadoras de

grupos de convivência e as mulheres de minas escravas e forras? Se adentrarmos um

pouco mais nas questões sócio econômicas, educativas e políticas dessas mulheres

pesquisadas, veremos que suas origens remontam as origens das classes mais

populares, e os costumes que trazem para o cotidiano de suas vivências são

predominantemente os costumes desses grupos. As histórias contadas por elas sobre

a forma de criação dos seus filhos e a forma como foram criadas pelos pais, revela o

modelo de criação adotados por grande parte das pessoas de baixa renda. Esses

costumes continuam prevalecendo, em parte hoje, na forma como opinam na criação

dos seus netos embora essas mulheres se contradigam algumas vezes em relação a

costumes e valores de hoje e de outrora.

Para se ter uma ideia, pelos dados que obtive dos grupos, a maioria das 142

coordenadoras de grupos de convivência, para ser mais exata,120 delas possuíam

uma renda pessoal inferior a dois salários mínimos sendo que mais de 50% delas

recebem uma renda igual a um salário mínimo. E apenas sete delas,

aproximadamente, 5% não recebia qualquer rendimento próprio. A maioria das que

33 Mulheres alforriadas pela lei da escravatura. Na época constituíam o maior número de mulheres presentes nos espaços públicos de

trabalho dos homens.

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não possuíam renda própria viviam na época, da ajuda dos filhos ou dos irmãos. A

maioria delas como se pode ver nas próprias imagens filmadas, são negras e pardas.

As poucas que são mais embranquecidas, ao mencionarem suas histórias trazem

sempre no bojo delas, as memórias de serviços prestadas por pessoas de sua família

a figuras de autoridade que ocupavam lugares políticos importantes. Uma das

coordenadoras de um grupo de idosas, por exemplo, sempre mencionava em sua

história de participação política, a história de sua família. E ao mencionar sua história

mostrava-se emocionada quando falava da ligação afetiva de seu tio com o presidente

Juscelino Kubitschek. Certa vez comentou no grupo sobre uma questão que mobilizou

muitas colegas e deixou as opiniões divididas, pela força e comoção de seu discurso

sobre um ponto polêmico em sua morte e que é ainda hoje atual nas notícias dos

jornais e que inclusive vem sendo debatida pela Comissão Nacional da Verdade34 e

continua rodeada de mistérios.

Meu tio (...) era o motorista e o homem de confiança do presidente JK. Dona Sara as vezes convidava a gente para brincar coma Marcia, a Maria Estela e outras meninas no sitio. JK era um homem bonito alto muito elegante e muito simples. Eu lembro como hoje o dia 22 de agosto de 1976 quando deram a notícia pra nós que meu tio tinha morrido junto com ele num acidente próximo de Rezende, no Estado do rio de Janeiro. Morrido não, porque nada me tira da cabeça, que eles foram assassinados. Eu fico orgulhosa do meu passado e do passado da minha família porque a gente sempre tava de olho na política, por causa do meu tio. Ele era um homem bom e honesto, mas sofria muito por causa da sujeira da política e de tudo o que fizeram com JK.” (CI 6 72ª,2006).

Outro tema interessante trazido na trajetória de vida de uma das

coordenadoras e abordada por ela na entrevista individual foi acerca dos seus

sofrimentos por causa de sua cor. Em sua fala estão presentes também os

mecanismos de exclusão das mulheres dos lugares de poder eclesiásticos tais como

foram apontados no texto de FIGUEIREDO (2004). Trata-se de sua trajetória de lutar

34 Comissão Nacional da Verdade é o nome de uma comissão brasileira que tem por objetivo investigar violações de

direitos humanos consideradas graves e ocorridas entre 1946 e 1988 no Brasil por agentes do estado. A lei que a institui (Lei nº 12.528 de 2011) foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 18 de novembro de 2011. a comissão foi instalada oficialmente em 16 de maio de 2012. É formada por sete membros nomeados pela presidente do Brasil Dilma Rousseff e catorze auxiliares, para atuarem por dois anos, sendo que ao final desse período, publicarão um relatório dos principais achados, que pode ser público ou enviado apenas para o presidente da república ou o ministro da defesa.

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pelo desejo de se tornar uma freira. Ela descreve, emocionada, o que se passou com

ela no final da década de sessenta:

“Naquela época, eu já havia passado por diversas casas de formação mas elas não aceitavam “gente de cor”. (Aliás, gostaria de dizer que nunca aceitei nem entendi posicionamentos como esse na igreja. Passei por mais de dez casas de irmãs. Eu ficava muito triste, por que as vezes era dispensada na porta mesmo. (CI5 67ª 2006).

É interessante observar que ela expressa de maneira clara seus sentimentos

em relação ao que estava acontecendo. Amplia a fala na entrevista dizendo que

mesmo na situação em que havia uma vocação para ocupar posição culturalmente

avaliada como “a serviço a Deus” e uma entrega humana ao espaço do sagrado, ela

sentira a dor da discriminação e o peso do estigma com toda a sua força, como se

mulher negra não fosse digna daquele lugar. Noutra ocasião da entrevista esta

mesma coordenadora se mostrou indignada com o que ela denominou de profanação

do espaço sagrado no convento por ações que ela nomeou como desumanas e

mesquinhas, como por exemplo o de impingir regras de serviços e regras de

descanso diferenciadas e mais duras para as irmãs negras. Lembrou-se de um

famoso poema de Neimar de Barros chamado Deus Negro. E disse que nesse poema

Deus aparecia no final para as pessoas que haviam desprezado os negros e ele

também era negro. Ela elogiou o autor do poema e disse que ficava impressionada

com a forma como o preconceito racial e as atitudes racistas contaminavam até os

lugares mais sagrados.

Como eu tinha muita vontade de ir para o Carmelo cheguei até a procurar o apoio de um religioso que foi extremamente franco comigo. Ele disse que ele não poderia me ajudar. Disse que eu deveria procurar as irmãs de Jesus Cristo Crucificado, que trabalhavam dentro da cidade O. Lá eu poderia ser aceita para trabalhar no campo, porque o

Carmelo não aceitava “gente de cor”. Eu me lembro que estava com

minha tia nesse dia. Ela hoje possui 95 anos e ainda se lembra do fato). Fui então conhecer estas irmãs e tive uma péssima impressão da separação que existia entre as irmãs brancas e negras porque parecia que as irmãs que eram “gente de cor” eram empregadas das outras. Eu ficava triste, chorava pelos cantos... mas não podia fazer nada, a não ser tentar de todos os modos conseguir realizar o objetivo de me tornar uma freira.CI 5 67ª(2006).

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É interessante observar nessa fala os conteúdos verbais que sinalizam os

movimentos de resistência e persistência e assinalam a arma que ela utilizaria nesta

luta. Tornar-se uma religiosa. Ou seja, ocupar o lugar que queria. Mas esse lugar não

seria representado por ela apenas como um lugar para si e sim como um lugar de

onde poderia transformar a realidade.

Recortes como esses nos cochichos das mulheres, idosas coordenadoras de

grupos não apenas confirmam essa herança e proximidade cultural com as mulheres

mineiras escravas e forras que marcaram a história com sua luta por ideais libertários,

mas também nos leva a refletir sobre como o tempo e a cultura cuida ainda de

transmitir sua barbárie, como salienta Walter Benjamim apud Oliveira (1999 p.30) ao

mencionar o processo de transmissão cultural da barbárie. Essa é uma das formas

pelas quais os estigmas que deterioram identidades ao longo de toda existência são

sustentados e continuam sua ação perversa, caso não sejam contidas as formas de

dominação e de exclusão, que os sustentam, já que segundo afirma Goffman (1988

P.141)

“A manipulação do estigma é uma característica geral da sociedade, um processo que ocorre sempre que há normas de identidade (...) a estigmatização daqueles que tem seus antecedentes morais pode nitidamente funcionar como um meio de controle social formal. A estigmatização de membros de certos grupos raciais religiosos ou étnicos tem funcionado aparentemente, como um meio de afastar essas minorias de diversas vias de competição.” (GOFFMAN, 1988, P.141).

Por isso mesmo quero esclarecer também que essa significação sobre a

aproximação cultural entre as mulheres idosas pesquisadas com as mulheres

escravas e forras do período colonial mineiro, é uma interpretação já de segunda mão.

Ou seja, uma interpretação da pesquisadora sobre a forma como vivem e interpretam

sua existência. Pois embora estes elementos de semelhança estejam presentes de

forma clara nos seus cochichos, em nenhum deles houve a menção a esta

semelhança vinda delas, ou sequer qualquer aproximação histórica do seu passado

foi associada com esse passado das mulheres negras, escravas e forras de Minas

que aqui tenho grifado. Entretanto, coloco-me com o meu olhar observador sobre

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essas questões exatamente porque essas semelhanças não se reduzem às mulheres,

mas também aos grupos de convivência, que funcionam as vezes como um

verdadeiro ponto de discussão dos ideais de liberdade femininos e de desabafo

daquilo que não pode ser publicado em qualquer lugar, seja pela intimidade, seja pelo

teor de afeto que envolve o fato. Ou até porque segundo afirma GOFFMAN (2010)

que para defender-se do outro estigmatizador no espaço público, o estigmatizado

procura manter-se distante daquilo que o identifica e o aproxima da condição que o

estigmatiza.

Além das questões relacionadas aos costumes, valores e forma de se colocarem

socialmente, as mulheres idosas coordenadoras de grupos de convivência também

trazem questões muito singulares quando às formas de resistir e lidar com as

demandas do grupo. Nesse ponto, pudemos observar o quanto se envolvem algumas

delas com os problemas trazidos pelos membros do grupo e como tentam buscar

soluções para as questões que se lhes apresentam. Podemos perceber que esta

forma de envolvimento, que eu chamaria numa aproximação com Foucault (1996) de

cuidado de si e do outro 35 é também uma marca histórica que trazem de suas

vivências demarcado por um ideal de servir ao outro e a si mesmo, e de lutar pela

igualdade de direitos. Na fala de uma das coordenadoras, podemos observar

claramente que outros contextos trouxeram ações ainda mais arrefecidas pelo desejo

de transformação da realidade. Ela revela ao contar a sua trajetória:

“Já no início do noviciado, questionamentos e contestações que fiz levou-me a ser advertida para que não fosse tão rebelde, se quisesse permanecer no convento. Um deles foi sobre a desigualdade nas duas formas de serviço que demonstravam claramente a segregação racial. Existiam as irmãs adoradoras e as irmãs coadjutoras. As adoradoras eram as irmãs brancas e as coadjutoras eram as irmãs de cor. A estas últimas cabiam todas as tarefas mais difíceis e serviços pesados que exigiam maiores esforços físicos. Elas sequer podiam dirigir a palavra às irmãs adoradoras, não tinham direito ao repouso diurno e, após o almoço, que era sempre servido separadamente, as irmãs adoradoras gozavam de um recreio de uma hora de duração enquanto as coadjutoras gozavam apenas de um recreio de 30 minutos. Os dois anos iniciais de noviciado foram provas de fogo, mas apesar de todas as minhas questões, imaginava que um dia aquelas coisas que eu não

35O cuidado de si para Foucault refere-se ao olhar e agir do sujeito sobre si mesmo como consciência ativa, usando a parresia ou

amizade e o falar verdadeiro. No encontro de si o sujeito abarca o outro e o seu mundo. O cuidado do outro é esse falar ético

político que promove a assunção do sujeito e de sua história, comprometido em marcar o tempo e o espaço autenticamente.

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concordava poderiam mudar. Estava certa de querer continuar lá e tentar transformá-las.” (CI5 67ª. 2006).

No campo de fala desta idosa podemos perceber claramente os sinais de

resistência. Pois a despeito da dor que experienciava pois “foi uma prova de fogo”, e de

persistência, que se sustentava numa utopia, já que imaginava que um dia aquelas

coisas com as quais ela não concordava poderiam mudar e de sua implicação no

processo de mudança. Que não lhe deixava duvidar em relação à sua vontade de

realizar e a ação concreta e coerente com o seu pensamento e sentimento pois afinal,

segundo ela: “estava certa de querer continuar lá, e tentar transformá-las”.

O fato desses grupos terem se iniciado numa comunidade e terem se

materializado por meio de um grupo de moradores locais, segundo o que as

entrevistadas trazem nas suas falas, faz com que as coordenadoras se tornem

conhecidas na comunidade. Elas são procuradas pelas famílias de idosos mais

carentes de recursos financeiros, para auxiliá-los em questões de saúde, transporte,

assistência e até em conflitos internos das famílias. Ao estar conversando

individualmente com uma das coordenadoras participantes da pesquisa, pude contar

num intervalo de duas horas, quatro demandas de diferentes pessoas da comunidade,

para a coordenadora que estava sendo entrevistada. Indaguei se poderia me dizer

quais eram essas demandas que eles traziam para ela.

Ela disse que elas trazem demandas as mais variadas possíveis, mas naquela

tarde especificamente pude observar que uma moradora perguntou a respeito de

serviços públicos, de como ela faria para conseguir transportar o seu marido idoso

para a hemodiálise que era no centro da cidade e que eles não tinham condições

financeiras para pagar o transporte até o centro da cidade. Houve também a

solicitação de uma senhora para que ela pudesse orientar sua filha, mãe solteira, a

fazer a inscrição no programa bolsa família. Outra veio perguntar sobre o BPC

(benefício de prestação continuada) para uma idosa que estava morando com dois

filhos que se drogavam, e não tinham nenhuma renda. Outra senhora veio perguntar

sobre o tempo que iria demorar para que ela conseguisse o aparelho auditivo para a

sua mãe, e buscar orientação sobre vagas na escola municipal para seus netos. Outra

pessoa veio perguntar sobre como ela podia fazer para ter isenção do seu(IPTU)

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Imposto Predial e territorial Urbano. Fiquei impressionada com a agilidade da

coordenadora para responder e encaminhar as demandas.

Do ponto de vista de participação política, paradoxalmente, as mulheres dizem

que têm cochichado em vão nos últimos tempos. Ao comentarmos numa oficina sobre

a vida das mulheres e sobre a luta feminina em Minas Gerais elas disseram que ficam

desanimadas ao ver como as mulheres lutaram e conseguiram espaço no mercado de

trabalho, mas não conseguiram ainda se tornarem fortes o suficiente para vencer o

machismo e a violência. Segundo disse uma coordenadora, “Se existe violência

contra a mulher até hoje, é porque pra gente, tem muita luta ainda pela frente”. Uma

das coordenadoras, ao comentar sobre isso disse: “meu marido queria mandar em

mim o tempo todo. Bebia feito um condenado e eu ainda tinha que aguentar as

grosserias dele. O que adiantou? Ele está hoje debaixo da terra e eu graças a Deus,

estou aqui voando livre como um passarinho.” Entretanto, ao falar de sua vida em

família, esta mesma coordenadora contradiz esse sentimento de liberdade ao afirmar

de forma irônica, durante a oficina, CI4 -72A (2013)

O problema é que quando a gente pensa que pode mandar na gente, aí a gente vai ficando velha.( ri) e ai a gente descobre que em gente velha todo mundo acha que pode mandar. Agora é assim, quando não é marido, é filho que quer mandar em mim. E quando não é filho, tem sempre alguém pra mandar. Aqui no grupo por exemplo, até a prefeitura quer mandar na gente não é mesmo? É um desaforo só. (CI4-72ª, 2013).

Nesta fala, aparecem dois pontos que quando foram trabalhados um pouco

mais denunciaram a mulher e a pessoa idosa como dupla categoria de atribuição

negativa para o sujeito. Ser mulher e ser idosa nesse caso, na sua interpretação,

somavam duas categorias que sustentavam o problema da exclusão. Entretanto, para

além dos resultados concretos na política governamental, veremos como cada

cochicho dessas mulheres teve poder de modificar sua realidade, a realidade das

suas famílias e de diversas pessoas idosas, pelo menos nos seus micro-espaços

políticos. No macro espaço político entretanto, isso fica menos visível. E demonstra

também que essas mulheres do ponto de vista de sua postura no mundo, possuem

algumas características comuns como por exemplo uma postura crítica à forma da

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sociedade enxergar a mulher e o seu papel social, nas principais instituições como a

religião, a política, a educação, a família, e na forma como estas se materializam e

traduzem essa barbárie cultural na tentativa de reduzir a mulher, por meio de

organizações como as igrejas, as instituições governamentais, as instituições de

ensino e o casamento, como podemos captar algumas delas na escuta da fala desta

coordenadora.

Durante o acompanhamento das políticas públicas nos conselhos de idosos e

fóruns regionais, escutei atentamente as posições, observei as ações e escutei as

falas das coordenadoras, bem como seus dilemas e contradições na tentativa de

construírem um outro lugar para si. Podemos constatar isso na fala de uma das

coordenadoras de grupo entrevistadas dizendo que todos as pessoas deviam

conhecer os grupos de convivência

“Que é pra gente tirar aquele estigma de que o idoso só fica em casa cuidando das coisas da casa e fazendo doce, salgadinho e bolo pros netos, ao invés da gente participar de um grupo de convivência que ajuda a gente a conseguir nossa autonomia sabe? e viver a verdadeira cidadania, procurando a nossa liberdade.” (CI2 62ª 2006).

É interessante apontar aqui que essa coordenadora fez uso do espaço da

pesquisa através da própria entrevista filmada para denunciar a presença de um

estigma pouco observável pelos que os manipulam cotidianamente Mas a noção de

estigma e de identidade social e pessoal proposta para compreender esse movimento

uma vez que não se trata aqui apenas de um atributo imputado por outro segundo

GOFFMAN (1988,p.68), mas de um papel destinado à mulher idosa a priore, com

implicações afetivas, emocionais, cognitivas e culturais. Nesse caso, a entrevistada se

nega a assumir o papel que dela esperam, apontando para a proposta de novos

papéis para si. Esta postura revela uma forma de resistência, de desobediência não a

uma lei, mas a uma forma de concepção de ser idosa e romper com um ciclo de

transmissão sócio cultural e afetiva na qual por meio de um papel social estabelecido

a priore, pode se ancorar certas identidades. Sobre isso ao trabalhar o conceito de

identidade e subjetividade do idoso MERCADANTE (2005, p.33) traz uma contribuição

importante ao afirmar:

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A existência de uma identidade construída, com base em um contexto estigmatizante de velho e a verificação da fuga desse modelo pelos próprios idosos, que como indivíduos, como seres singulares, não se sentem incluídos nele, apontam para o mesmo fundamento próprio da construção de uma identidade social paradoxal: o velho não sou eu, mas é o outro. (...) Assim, se por um lado o levantamento das diferenças, das particularidades exibidas individualmente, remete para a negação do modelo geral, por outro lado, essas mesmas e tantas outras novas particularidades podem ser trabalhadas pelos indivíduos para a produção de um novo sujeito velho”. (MERCADANTE, 2005, p.33).

Observamos que essa mesma coordenadora em outro cochicho, afirmou que

tinha horror da palavra envelhecer. Mas com o tempo, e com o convívio no grupo hoje

assume com prazer a idade que possui. Isso nos mostra a importância dos grupos

como espaços de ressignificação da velhice e como por meio dos seus cochichos nas

suas coxias, as mulheres entrevistadas negam esse papel de estar em casa, restrita

ao espaço privado, ao mesmo tempo em que constroem nos seus cochichos, e pela

via dos diversos encontros possíveis, novos modos de existir e habitar a velhice.

Podemos dizer que essas mulheres da história de Minas recriaram seus espaços para

além de suas vendas e dos seus tabuleiros. Desafiaram algumas barreiras sociais.

Rompendo com alguns processos de dominação e hoje se movimentam ao se

construir, construindo simultaneamente novos processos de subjetivação. A mesma

autora afirma ainda que:

A noção de um novo sujeito velho se produzindo não cabe em um

modelo contrastivo de identidade, pois faz parte de uma situação

complexa. Em outros termos, a forma contrastiva de pensar constitutiva

da noção de identidade aponta para ideias simples, pouco explicativas

da situação complexa da velhice. Assim, um novo sujeito se produz,

mas não na contraposição de uma alteridade jovem, mas sim na

produção de uma subjetividade negadora da identidade estigma. [...] A

proposta de uma análise que leve em conta a complexidade implica a

desconstrução da velhice genérica, apontando vários jeitos de

envelhecer, portanto, produzindo uma contra generalização. (MERCADANTE, 2005, p.33).

Nesse caso é importante salientar que os cochichos destas mulheres não se

calaram, a despeito dos vários processos de exclusão. Ao contrário disso, como sinal

de resistência e persistência, alcançaram novas fronteiras, embora em vários

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momentos tenham se demonstrado desanimadas e descrentes principalmente dos

setores governamentais e das políticas públicas de atenção ao idoso. E a despeito de

todos os processos de dominação e de exclusão elas avançam buscando ressignificar

o lugar da mulher e da velhice, tanto nos cochichos que cotidianamente desenvolvem

nas suas coxias, como nas suas ações. Podemos confirmar isso na fala de uma das

coordenadoras CI 2 62ª(2006) que diz:

“Eu, participo de vários grupos e sei da realidade de muitos. Alguns são conveniados, recebem uma ajuda do poder público. Outros não, como é o caso do grupo que eu participo. Mas nem por isso a gente vai desanimar não, porque não tem essa ajuda mas a gente tem que continuar. Nós tamo lutando em causa própria. Então se a gente não doar um pouquinho de nós mesmos e ficar esperando os órgãos públicos conveniar e ajudar todos os grupos, a gente num vai sair do lugar.”(CI2 62ª, 2006).

A fala desta coordenadora aponta uma questão importante que se repete nos

discursos e também na queixa de vários grupos que é a ausência de critério que o

setor público exibe ao tratar os grupos de convivência. Elas afirmam que vários

grupos não possuem qualquer auxílio ou benefício do setor público. As coordenadoras

se implicam de maneira intensa no trabalho que envolve a manutenção do grupo do

qual participam, em funcionamento. Quando estamos mais aproximados de suas

ações, podemos perceber que o conceito de família e de comunidade estão sempre

presentes nos seus discursos. Trazem a noção de que lutam também por uma causa

própria. Cuidam de si e se ocupam simultaneamente do cuidado do outro. Como

aponta (FOUCAULT,2010) Pois apesar de se reunirem em suas coxias e cochicharem

sempre sobre as políticas e programas de atenção ao idoso, e levarem esses

cochichos para outros espaços de participação; Independente das respostas que

possam obter, já se lançam ao trabalho e não se permitem fraquejar. Especialmente

quando algo envolve diretamente a comunidade. Entretanto, quanto à organização

grupal, sempre apresentam dificuldades para se organizarem em torno de suas

propostas para o setor público. Desta forma sua representatividade nas políticas

públicas acaba sendo prejudicada. Isso ocorre porque na maioria das vezes o grupo

não consegue ser mantido pelos seus participantes, a despeito de todo o esforço das

coordenadoras. Como fica explícito na fala de uma delas:

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Nem todos os grupos possuem recursos para manter as despesas com

cartório e os documentos em dia. Sai muito caro só para manter o

grupo registrado como pessoa jurídica e a gente não recebe apoio de

nenhum órgão pra isso. Nossas gincanas, festivais e feiras só dão mal

para manter o lanche e o material que a gente gasta no grupo. E o

povo é pobre a mensalidade que a gente cobra só para essa ajuda de

custo é 10,00. Não dá pra nada [...] então tem muitos grupos

conveniados e que apresentam um bom trabalho, mas também tem

muitos grupos que não são conveniados e que continuam na luta do

mesmo jeito. O importante é isso: é agente não ficar parado...é a gente

deixar nossas marcas pelo chão.” (CI 2 62ª; 2006).

Isso se mostra claro nas ações nas quais se apoiam, na comunidade e no

atendimento das questões comunitárias, e no seu cotidiano de amizade e integração

umas com as outras. Os grupos são mantidos pelo cuidado e pelo interesse

comunitário. Mas isso também não ocorre sem barreiras e sem conflitos. O

preconceito etário aparece comumente nas falas das participantes a despeito de

simultaneamente aparecer Numa das falas sobre o grupo, uma das coordenadoras.

CI9,82a(2006) se manifestou relatando alguns desses conflitos

Ah minha filha muita gente gosta do grupo mas tem gente também que

num gosta de nossa opinião na política, na igreja, fala que o grupo é só

de fofoqueira, que a gente vem aqui só pra fofocar. Chamam o grupo

de grupo das veia coviteira. Mas eu não ligo com isso não, pois eles

não vão conseguir acabar com o grupo e se esse grupo acabar aqui no

bairro eu tenho certeza que a gente inventa outro. A gente pega e vai

uma para a casa uma da outra vai se reunindo igual quando o grupo

começou e volta tudo outra vez. Quem achar que vai acabar com os

grupos está muito enganado. (CI9,80a,2006).

3.2 O lugar e o sentido dos grupos na fala das Coordenadoras

Os grupos de convivência funcionam na atualidade como coxias para essas

mulheres, segundo os seus depoimentos. Elas se desafiam no compromisso de

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coordenar os grupos, uma vez que ao assumir esses espaços, o fizeram pelo que

consideram um chamado comunitário. Nesses espaços, podem falar, trocar afetos,

expandir seu conhecimento, organizar seus planos para a comunidade e intervirem

juntas na sua realidade e na realidade de muitos. Para elas muitas vezes o grupo é

utilizado como espaço para os desabafos sobre questões diversas do seu cotidiano,

queixas familiares, queixas conjugais etc. Além disso, segundo afirmam e de acordo

com nossas observações, os grupos são equipamentos sociais e comunitários de

suma importância no que tange à possibilidade de reduzir os danos à saúde, produzir

novas formas de vida e de relacionamento para a pessoa idosa e auxiliá-la a adquirir

novos vínculos, conhecer novas pessoas e novos lugares para que seja possível

assim, reduzir a solidão e o sofrimento, e principalmente reduzir o isolamento da

pessoa idosa nas relações familiares e sociais. Na fala da coordenadora (CI 5

67(2006) pudemos escutar:

Grupo de convivência é um local de encontros onde existe o afeto, o colhimento, e a amizade. Isto tudo é que faz de cada membro um irmão. É assim que ele acaba se tornando como uma família.um local onde os membros vão reencontrar suas raízes e fazer a ponte entre o passado e o presente para a construção de algo novo que os faça caminhar com mais firmeza. Na minha visão o grupo também é um lugar onde se desenvolve a cultura popular que cada idoso traz desde sua raiz. Essa cultura nem sempre é aceita pelo moderno porque hoje a cultura nasce da técnica e não se enraíza enquanto a cultura que o idoso traz é aquela que vem dos antigos e se firma lá como uma raiz do qual ele não se esquece. No grupo a gente aprende a arte do conviver. Cada pessoa tem que ser ela mesma e ao mesmo tempo respeitar as diferenças. Cada um é cada um[...] A partir do momento que ele começa a pensar diferente ele cria uma visão mais ampla da vida e vai se tornando mais comunitário, mais sociável, e até dentro da família ele vai mudando seu jeito de ser e de fazer as coisas. (CI5 67, 2006).

No início da pesquisa, A coordenadora (CI-7 72 2006) disse que os grupos de

convivência funcionavam principalmente como um espaço íntimo, de solidariedade

onde podia chorar suas lágrimas com pessoas amigas. Disse também que sentia falta

do convívio do grupo porque era um espaço comandado pela amizade e pela

solidariedade. Pois não conseguem nele tratar apenas do que é de todo mundo, mas

também aquilo que é a vida de cada um. É um espaço onde circulam questões da

vida privada e da vida pública. “o grupo é um espaço e um encontro para bater um

papo, para um cochicho né prá cochichar.” Foi exatamente desta fala que extraí o

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título do meu trabalho, uma vez que na minha história pessoal já havia trabalhado com

teatro e no teatro o lugar de cochichar se chama coxia e os atores e atrizes antes de

irem para o palco cochicham na coxia sobre o que vão apresentar. A fala desta idosa

me despertou também para pensar que este cochicho se dava no grupo e o grupo

funcionava como uma coxia, que pelo dicionário da língua portuguesa significa

corredor de passagem. Nesse ponto parti da própria fala das idosas para pensar que

este trabalho se debruçaria em acompanhar o movimento destes cochichos nas

coxias até de transformar em voz audível. E dos atores a se deslizarem com suas

histórias com sua potencialidade, da coxia para o palco da vida.

Do ponto de vista de participação política, paradoxalmente, as mulheres dizem

que têm cochichado em vão nos últimos tempos. Ao comentarmos numa oficina sobre

a vida das mulheres e sobre a luta feminina em Minas Gerais elas disseram que ficam

desanimadas ao ver como as mulheres lutaram e conseguiram espaço no mercado de

trabalho, mas não conseguiram ainda se tornarem fortes o suficiente para vencer o

machismo e a violência. Segundo disse uma coordenadora (CI 4, 72a, 2006) “Se

existe violência contra a mulher até hoje, é porque, para as mulheres ainda tem muita

luta pela frente”. A coordenadora ao comentar sobre isso disse:

Meu marido queria mandar em mim o tempo todo. Bebia feito um condenado e eu ainda tinha que aguentar as grosserias dele. O que adiantou? Ele está hoje debaixo da terra e eu graças a Deus estou aqui voando livre como um passarinho. O problema é que quando a gente pensa que pode mandar na gente, pelo menos um pouco, aí a gente vai ficando velha. ( ri ) E em gente velha todo mundo acha que pode mandar Agora é assim, quando não é marido, é filho que quer mandar em mim e quando num é filho, até aqui no grupo depois que a gente ralou muito e fez tudo começar a acontecer gente arruma um tanto de gente lá da prefeitura, que fica querendo chegar aqui do dia pra noite e começar a mandar na gente (CI-6 72ª, 2006).

Nestas falas, aparecem dois pontos interessantes que quando foram

trabalhados um pouco mais denunciaram na fala delas a percepção da mulher e da

pessoa idosa como uma possibilidade dupla de atribuição negativa para o sujeito. Ser

mulher e ser idosa nesse caso, na sua interpretação, somavam duas categorias que

sustentavam o problema da exclusão. Entretanto, se olharmos para além dos

resultados concretos na política governamental, veremos como cada cochicho dessas

mulheres teve poder de modificar sua realidade, a realidade das suas famílias e de

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diversas pessoas idosas, a despeito de tantos fatores que influenciam na sua

exclusão em relação à participação política. Entre esses fatores enumero alguns que

foram os mais comentados nas falas delas como originários de processos excludentes

em sua participação (negritude, baixa escolaridade ou analfabetismo funcional, sexo

feminino, a idade, ser moradora de periferia, estado civil, ser militante, entre outros).

Tais fatores originam e sustentam alguns estigmas sociais traduzidos em termos

correspondentes como: as vira folha, 36as pé-na-cova37as “véia coviteira,”38, as dedo-

de-ouro39.

Posso dizer que no acompanhamento das políticas públicas nos conselhos de

idosos e fóruns regionais ouvi atentamente suas posições e suas falas corajosas. E

por meio do acompanhamento dos diários de campo, posso testemunhar, tanto como

pesquisadora, quanto como observadora e participante que as acompanhou durante

esse percurso de pelo menos 15 anos de trabalho consecutivo nos grupos, nesse

processo de transformação, que suas vozes não se calaram, embora em vários

momentos tenham se demonstrado desanimadas e descrentes. E, a despeito de

todos os processos de dominação e de exclusão que vivenciaram nessa caminhada,

sua resistência continua presente nos seus cochichos e nas suas ações.

Várias coordenadoras se implicam hoje no trabalho de manter os grupos em

funcionamento, mas o conceito de grupo parece menos importante e menos potente

para dizer do seu engajamento, quando estamos mais aproximados de suas ações,

que o conceito de comunidade; pois apesar de se reunirem em suas coxias e

cochicharem sempre sobre as políticas e programas de atenção ao idoso, e levarem

esses cochichos para outros espaços de participação, independente das respostas

que possam obter, já se lançam ao trabalho a despeito de uma ou outra ação não

36 Vira –folha é como são denominadas as coordenadoras de grupos de convivência entrevistadas por não manterem os grupos fiéis

aos políticos que concedem alguns favores para os grupos, tentando obter votos Segundo elas esta prática de aliciamento ainda

continua.

37 É como elas dizem escutar o tempo todo serem chamadas pelas pessoas que não gostam dos grupos ou pelas costas, por

discordantes nos diversos espaços de participação política, e até por alguns familiares que não gostam que elas fiquem nesses

espaços

38 O termo “coviteira” ou sua variação “cuviteira”, origina-se do termo alcoviteira, que se refere a pessoas que ficavam nas alcovas,

cochichando ou fofocando.

39 Dedo-de-ouro, segundo elas é como denominam não só as coordenadoras, mas os idosos analfabetos que não se deixam cooptar

facilmente pelos favores políticos, e ficam exigindo políticas públicas. Por que os políticos precisam investir muito, dá muito

trabalho para conquistar seus votos. Metaforicamente, custam muito caro. Daí, o termo “dedo de ouro”.

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resultar em êxito. Por isso mesmo, no campo de fala das coordenadoras

entrevistadas, o significado de comunidade é mais preciso, já que segundo Weber

comunidade implica em relações solidárias, mas próximas e informais e, no caso das

idosas, os sentimentos comunitários parecem estar mais presentes e mais

relacionados com a realidade dos processos que vivenciam. A noção de

pertencimento delas está ligada a essa noção de comunidade e é mantido na

organização das ações estão voltadas para os interesses da própria comunidade, e

nos sentimentos de pertencimento, solidariedade e cuidado que se expandem sempre

para além do próprio grupo, quando são trazidas no campo de fala.

Outra característica fundamental presente na fala dessas mulheres que

cochicham é que o seu cochicho realmente é mais aproximado para elas, não do

significado da fofoca ou do sentido da maledicência, do mal dizer no sentido de falar

mal de si e si e do outro, mas do significado de falar baixinho. Cochichar é falar ao

ouvido, na intimidade da alcova. Cochichar na fala destas idosas é o exercício do falar

sincero ou falar verdadeiro, desta forma. Está mais aproximado do significado da

parresia40 no sentido atribuído pela filosofia como bem-dizer, o que significa falar

sobre si e sobre o outro implicadas nesse falar.

Sobre essa questão, Foucault (2010 p366) 41 ao analisar a parresia e os

sentidos atribuídos a ela desde a filosofia antiga até a contemporânea, define-a como

“uma palavra corajosa e livre que continuamente ressalta, no jogo político, a diferença

e o caráter incisivo de um dizer a verdade, que visa a inquietar e transformar o modo

de ser dos sujeitos”. Mas o sentido presente neste ato de cochichar dessas mulheres

aproxima-se ainda mais do sentido de parresia atribuído por Sêneca, nas suas “cartas

a Lucílio”, quando faz o elogio a uma palavra transparente, uma parresia epicurista

que implica muito mais que o “cara a cara” do diretor e do discípulo, uma comunidade

de amigos que se confiam livremente um ao outro, para se corrigirem mutuamente.

ainda não é pois a parresia no sentido de um pronunciamento em praça pública que

40 Parresia é discutida por Foucault no sentido do falar da política, o falar transparente, num contexto de amizade (philia) no livro

l’Hermeneutic du sujet em todas as suas formas: socrática, cínica, estóica ou epicurista onde permanecem relativamente irredutíveis

à relação política.

41 Partindo do exemplo de Tucídides a Platão, Foucault expõe de maneira original a tensão existente inerente a toda democracia:

sobre um fundo de igualdade constitucional, é a diferença introduzida por um dizer a verdade que faz funcionar a democracia; mas

em contrapartida, ela sempre constitui uma ameaça recorrente para esse dizer a verdade.

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toma a forma da palavra irônica ou da maiêutica, segundo postula Foulcault, sobre a

filosofia (2010, p.346). Essa maiêutica paradoxalmente, pudemos ver se construindo

no discurso delas, a posteriori, na aprendizagem da participação política tal como se

dá nos espaços públicos atuais dos conselhos dos fóruns regionais e da

coordenadoria de direitos da pessoa idosa, e que algumas vezes elas utilizam, ainda

que não concordem e não gostem , mas como a única via possível de se fazerem

representar, de forma aceitável , porque como disse a CI9 2006 “se a regra do jogo

deles é essa, as vezes mesmo sem querer a gente tem que fingir que entra no jogo

senão não consegue nada com esses políticos” como afirmaram na pesquisa.

É interessante observar que aquele falar verdadeiro de que se utilizam nas

coxias, entre amigas, é a condição mesma para que essas mulheres tomem coragem

de alçar sua voz em outros ambientes. (pensando, não apenas ambientes do ponto de

vista externo, mas sobretudo no sentido atribuído por Vygotsky(1987) como zona

proximal, para processarem novas significações, para a atribuição de novas

possibilidades e novas ambientações para si mesmas. Segundo Molon (2009, p.102)

“A mediação é processo e não ato em que alguma coisa se interpõe. Não está entre

dois termos que estabelecem uma relação, mas é a própria relação”. Isto ocorre ao

reconhecerem a si mesmas e às suas novas potencialidades na medida em que

produzem essas novas significações sobre lugares e papéis historicamente

significados de uma outra maneira, como se aquela fosse a única possível. Nesta

ação de produzir novos olhares sobre as coisas, e na nova forma de interação consigo

mesmas, se transformam. Isso é demonstrado no cochicho da coordenadora que se

apresenta:

Hoje é muito bom a gente assumir a idade que a gente tem. Ter orgulho do... dos cabelos embranquecendo sabe! ter a sabedoria de entender porque que as rugas estão começando a aparecer, que isso aqui não tem nada a ver de vergonha (como eu pensava antigamente). Então, depois que eu descobri isso aqui, eu não sinto mais vergonha do que eu sou. Hoje eu sou H, tenho 62 anos, entro em qualquer ambiente, sou respeitada a minha maneira em lugares que já são direitos meus, sabe? Como a fila do banco, a fila do médico, dentro do ônibus, eu acho fantástico! Hoje eu sinto orgulho de dizer: sou idosa com prazer! (CI-2 62ª, 2006).

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Dito de outra forma, é na atividade de cochichar sobre a vida e sobre si

mesmas, na intimidade da alcova, que elas podem se desnudar das vestes

anteriormente dadas pelo outro e incrustradas por si mesmas ao próprio corpo e a

própria vida. E desnudando-se desta identidade deteriorada aguçam seu olhar sobre

si mesmas e sobre a realidade e ampliam sua consciência. Essa nova consciência as

habilita a inventar outros corpos possíveis, outras realidades possíveis, sob o viés de

novos significados, que produzirão novas formas de se experimentarem,

experimentarem seus corpos, e finalmente produzirem novas formas de existir.

Na dinâmica da consciência acontece um novo modo de operação no qual

tanto os sistemas psicológicos quanto a consciência se modificam mutuamente, uma

vez que os significados são produzidos nas relações sociais em determinadas

condições históricas e culturais. Há uma tensão permanente nesta constituição da

consciência provocada pelos produtos históricos universais e pelas singularidades dos

sujeitos. Uma relação entre o singular e o universal na qual o singular expressa o

universal e é determinado histórica, cultural e ideologicamente. Mas posso arriscar-me

a dizer que no caso específico desta constituição da consciência está presente outro

matiz além do matiz ideológico como propõe (VYGOTSKY, 1996, p.117) ao comentar:

É preciso assinalar, por um lado a conexão que alguns sistemas novos mantêm não só com os signos sociais mas também com a ideologia, e o significado que tal ou qual função psicológica adquire na consciência das pessoas, ao passo que por outro lado, o processo de aparecimento de novas formas de comportamento a partir de um novo conteúdo é extraído pelo homem na ideologia do meio que o rodeia. (VYGOTSKY, 1996, p.117).

É que para além da constituição dos processos de significação da dinâmica na

relação pessoa-coisa-pessoa, como afirmam tanto Vygotsky, quanto Geertz, na minha

interpretação de segunda mão, o cochicho no sentido atribuído pelas entrevistadas é

também um instrumento de interação afetiva, para que elas possam se aproximar de

outros mundos, conhecer outras pessoas, criar novos vínculos e fazer amigos, pois

segundo algumas delas “é muito triste ter que viver sozinha”. Essas mulheres que

cochicham esperam desse espaço a possibilidade de poder fazer amigos, encontrar

pessoas que partilhem dos mesmos ou de outros gostos e desenvolver uma relação

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de companheirismo. É exatamente esse companheirismo de que falam no ato de

convivência que concede outro matiz à consciência, pela conectividade do afeto nos

bons encontros que as potencializa na direção de se reconhecerem não apenas como

sujeitos de direitos, mas sobretudo como sujeitos desse afeto. Essas afecções

provocadas pelo encontro nas suas diferenças e semelhanças, no modo de viver-

sentir- agir, fazem do espaço do cochicho um exercício no reconhecimento de si e do

outro. Elas querem falar, querem ser reconhecidas como pessoas que podem

colaborar e podem dar testemunho de sua realidade e da realidade de outras pessoas

no que tange ao convívio cotidiano. Querem partilhar suas necessidades e demandas

de afeto, seus prazeres e suas dores, como pode ocorrer com várias pessoas, em

outras fases da vida. Entretanto o espaço para essa partilha tornou-se dificultado, ou

indisponível para elas. E até mesmo parecem inexistentes para algumas, segundo

apontam seus cochichos. Na forma de interpretação em segunda mão, pela qual faço

a leitura de suas ações e dos seus cochichos no grupo, especialmente sobre o sentido

atribuído por elas ao próprio corpo, na ausência do espaço social de partilha, o corpo

é que se empresta como interlocutor que padece, para funcionar como substrato das

projeções de todo o sentir dessas mulheres. A experiência no grupo de convivência de

idosos, faz com que elas possam significar o grupo como um espaço propiciador da

possibilidade de cura para alguns desses males, exatamente porque o grupo restaura

o espaço de partilha. Vejamos o que nos diz uma delas CI8- 70ª(2006)

Ah, minha filha! Antes do grupo eu era uma pessoa muito triste. Eu era uma pessoa chateada, andava triste mesmo! Isso é antes né? Agora depois que eu entrei, que eu comecei a frequentar, então eu fiquei...mais alegre (porque toda vida eu fui alegre, mas dentro de casa tem umas coisas que contraria a gente), então eu ficando dentro de casa era pior. Então a gente tando saindo assim, a gente “conveve” com um, “conveve” com a outro. E agente ah...Passa a viver melhor! Sabe? A gente não sente mais aquela... Nem dor, que a gente sente. As vezes, tava dentro de casa sentindo isso, sentindo aquilo. Quando a gente sai... que bate um papo, fica tudo bem! (CI8 –70 ª, (2006).

A amizade no sentido de philia é outro elemento presente na fala das idosas

sobre os grupos de convivência. Sentem saudades de suas amigas, de conviver, de

estarem próximas. Mas o sentido de amizade atribuído não isenta o grupo de ser

também o lugar onde se mostram as dificuldades os mal entendidos, os jogos de

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poder, onde se expande o mal estar advindo de todos os processos afetivos e

civilizatórios que não sessam de se transformar mas também não cessam de

reproduzir sentidos culturais negativos. Portanto lá se instauram também disputas as

mais diversas possíveis, que atravessam as práticas comunitárias. Mas posso afirmar

ao acompanhá-las no cotidiano que esse fazer comunitário é que ainda prevalece no

espaço dos grupos de convivência e também no fazer das coordenadoras, que em

sua maioria são mulheres idosas que se dispõe a realizar o trabalho com grupos, mais

motivadas por um compromisso coletivo, ainda que com demandas pessoais que

sustentem esse ideário coletivista. Como é o caso do cochicho desta coordenadora

(CI5-67ª 2006)

Eu não queria, isto é, não planejei me tornar uma coordenadora de grupos de convivência, eu tinha medo por que não conhecia direito a comunidade e estava atravessando algumas crises existenciais por ser recém-chegada do convento. Não foi uma decisão minha primeiramente. Na verdade o que eu queria era dar força para as pessoas idosas e ajudar a organizar o grupo. As circunstâncias é que me tornaram uma coordenadora [...] é como se você tivesse organizando uma coisa, um grupo aqui, agora, e de repente esse grupo não tenha uma coordenação e precise disso. Então, as pessoas confiam em você para que você comande aquele grupo. Nesse ponto você não tem coragem de recusar, ou tem? Foi assim que provisoriamente eu me tornei uma coordenadora de grupo. Mas eu acho que a minha vida inteira eu gostei de idosos, desde o dia que eu encontrei um velhinho na praça sete e achei a velhice a coisa mais linda do mundo. (CI5 67a, 2006).

A fala é apenas para exemplificar que essa disponibilidade para a escuta

coletiva e para o trabalho comunitário foi um dado que se repetiu em quase todas as

entrevistadas, uma vez que esta questão será mais aprofundada no próximo capítulo,

para que possamos compreendê-la melhor a partir da análise dos cochichos das

coordenadoras sobre grupos de convivência. Entretanto as coxias dessas mulheres

hoje continuam muito próximas das coxias das mulheres negras, escravas e forras de

Minas. Não são apenas os grupos de convivência, embora estes tenham se tornado

um dos principais pontos de disseminação dos ideais libertários das mulheres idosas

desde a década de 80 na cidade de Belo Horizonte42. Mas como podemos escutar

nos seus cochichos mas para as mulheres idosas da zona urbana são também as

42 Segundo apontou o levantamento realizado pelo estágio sobre os grupos de convivência a maioria deles passou a existir, a partir da

década de 80 em Belo horizonte, embora pelo menos 8 grupos tenham sido derivados do trabalho do Sesc e se iniciaram em

meados da década de 70

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feirinhas de artesanato, as bandas de música, os parques da cidade, são as filas nos

hospitais, são os pontos de encontros nos cafés e nos restaurantes dos shoppings

centers são as pensões baratas do centro da cidade, as mesas de baralho nas casas

das amigas e tantos outros. Quaisquer desses lugares podem se transformar em

coxias ou em espaços de significação e ressignificação dos modos de existir, mas a

grande vantagem dos grupos de convivência de idosos é que neles o sonhar do velho

se potencializa, na afetividade dos bons encontros e nos processos de

intersubjetivação.

A heterogeneidade dos modos de vida e a diversidade na forma de expressar

os afetos por certo produz maiores possibilidades de aprender e ensinar novas formas

de estar e conviver, possibilitam-se novos vínculos afetivos, potencializados pelos

dispositivos espontâneos da comunidade e pelo interesse unânime dos participantes

em manter esse espaço de relações, já que ele se configura como um dos poucos

espaços possíveis para o falar franco e para expressar os sentimentos e acolher os

movimentos singulares e universais dos processos de envelhecer e das pessoas de

se constituírem como sujeitos na velhice.

Faz-se necessário afirmar que por meio da observação feita nesta pesquisa, e

por meio da escuta das coordenadoras os grupo de convivência de idosos tem sido

um espaço para acolher a própria velhice como processo humano e humanizante da

cultura, uma vez que esta, apesar de propiciar a ampliação dos anos de vida das

pessoas ainda nega veementemente não apenas os direitos fundamentais

assegurados pela constituição às pessoas idosas, mas simultaneamente a condição

de ser sujeito velho para a maioria dos cidadãos, e a condição de uma ecologia

humana com a presença do velho e com a instauração de uma vontade no sentido do

afeto, da cognição e da consciência . Nos termos da psicologia social crítica,

estabelecida por meio de um processo singular de escutar a voz do nosso próprio

envelhecer e da nossa própria velhice falando em nós, e ao mesmo tempo, de um

processo universal de se escutar em todas as gerações e manifestações culturais, a

voz do outro velho, que de tanto silenciar, nos falta.

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4 OS COCHICHOS

Figura 5 - Painel ilustrativo Imagens do contexto dos cochichos

Fonte: Painel elaborado pela pesquisadora (fontes diversas, vide referências)

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4.1 Do Silêncio à escuta dos cochichos: O grupo como espaço de mediação

simbólica e afetiva

“A impossibilidade de ser ouvido por falta de valor próprio, conduz ao mutismo ou então à inflação de uma linguagem que corre como uma hemorragia de existência sem nenhum ouvido que a consiga parar (LE BRETON, 1997,p.102).

De acordo com o dicionário eletrônico “InFormal”, os sinônimos relacionados a

cochicho são: sussurro, segredo, confissão. E os sinônimos relacionados à ação de

cochichar de acordo com o dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é falar

baixinho ao ouvido, sussurrar, segredar. Quando fui realizar esta pesquisa uma das

primeiras questões que me tomou foi como nomear as falas das coordenadoras com

um nome que pudesse simultaneamente dizer da falas de todas as idosas brasileiras,

de um falar instituinte que não havia se tornado ainda voz ativa, entendendo por voz

ativa como atribuído pelo Dicionário Michaellis, de língua portuguesa: Ter voz ativa: ter

direito de dar sua opinião, ser ouvido com atenção; ter influência, para que eu

pudesse alcançar um sentido mais universal do que queria tratar neste trabalho.

Lembro-me que nas ciências sociais e na comunicação era muito utilizado o termo

ruído, mas esse sentido para mim estava muito contaminado com máquina, com

interferência, com sonoridade, mais que com a fala instituinte do humano, carregada

de afetos.

Foi então que numa das entrevistas filmadas uma das coordenadoras me deu

de pronto o presente. Ela disse: “aqui no grupo elas se reúnem, é como um cochicho.

...pra cochichar”. Não tive dúvida então em firmar a escolha do nome que elas

próprias deram ao encontro. Mas o cochicho, é antes de mais nada, atribuído a um

gesto humano, a uma voz sussurrada que exige do escutador se implicar e prestar

bastante atenção sob pena de não conseguir entender o que se fala.

Alguns atribuem ao cochicho o significado de falar à meia voz, ou seja não

com toda a potência da voz. Essa composição auxiliou-me a produzir o seguinte

significado para esse cochicho: um falar baixinho, ao ouvido de amigos, sobretudo

com o objetivo de revelar o que se sente e o que se pensa. Uma fala que ainda não se

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potencializou nem se exercitou na organização de um discurso audível para muitos, e

portanto que ainda está embrionada na sua potência de se tornar voz audível. Por

isso o termo coxia, para definir também esse espaço reservado ao cochicho. Um lugar

discreto, quase escondido, uma alcova, um lugar onde a intimidade e o afeto

potencializarão os cochichos para a construção de sujeitos agentes de atores sociais

e da própria existência que se lançarão mais tarde no palco, ou que simplesmente

continuarão apenas a cochichar. Mas o desafio que se instaurou naquele momento da

pesquisa foi como proceder à escuta de um cochicho?

Neste percurso, as próximas questões que se abriram no trabalho de registrar

os cochichos de mulheres idosas coordenadoras de grupos de convivência foi a

discussão sobre como propiciar a elas, por meio da pesquisa, um espaço que na

própria atividade de pesquisar promovesse uma aproximação com o que

interpretavam como o significado de “serem escutadas”. Se sua queixa mais insistente

era que não se sentiam escutadas nos espaços políticos específicos e destinados à

participação da pessoa idosa, para a pesquisadora seria indispensável encontrar um

caminho diferenciado que pudesse tocar em algo aproximado do que elas

significavam como serem escutadas no momento em que fossem abordadas para

falar. Portanto o caminho escolhido para conhecer os cochichos, longe das propostas

carregadas do sentido da objetividade defendida pelos modelos tradicionais da

pesquisa científica, a opção foi tomar conhecimento da superfície desses cochichos

na sua interface com a cultura pela via da descrição densa proposta na antropologia

interpretativa de GEERTZ,(1989) associada do ponto de vista psicológico, pelo viés da

subjetividade e do conceito de sujeito sócio histórico e de sentido subjetivo proposto

por Vygotsky, segundo afirma Rey (2011 p.119)

Os conceitos de sentido subjetivo e configuração subjetiva, que como qualquer conceito representa ferramentas do pensamento historicamente situadas, adquirem o seu valor heurístico pelas possibilidades que abrem para compreender estados ações e processos psicológicos como fluxos simbólico-emocionais múltiplos que se reconhecem na emergência de configurações subjetivas responsáveis pela policromia emocional e os desdobramentos simbólicos que se entrelaçam no curso da experiência humana concreta. [...] o compromisso social é sempre um processo vivo e crítico no qual as melhores contribuições não aparecem pela intencionalidade dos protagonistas, mas pela sua capacidade para gerar opções que tomem sentido na vida dos outros, contribuindo na geração de novos sujeitos sociais

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e novas alternativas diante dos desgastes das alternativas dominantes. (REY, 2011, p.119).

Além do mais, a análise das histórias de vida dessas pessoas e a configuração

de práticas sociais diversas, interpostas no contexto dos grupos de convivência de

idosos, necessitariam mesmo de um método de escuta sensível à captura dos

registros singulares dos processos humanos e simultaneamente à multiplicidade de

registros do social e dos afetos, conscientes e inconsciente e de seus

desdobramentos na vida dos sujeitos envolvidos na pesquisa. A proposta foi então de

escutar os cochichos feitos pelas idosas na complexidade em que eles se davam,

considerando os sujeitos na sua dimensão histórico social afetiva e cognitiva, bem

como as decorrências desses discursos na produção de formas de existir e o

movimento desses sujeitos nesse processo de transformação de si e da realidade. É

essa a postulação pressípua da psicologia social crítica e da perspectiva sócio

histórica da psicologia: que o psicólogo possa sustentar, seja pela via da pesquisa ou

das mais variadas formas e contextos de sua atuação, que o sujeito não seja

abstraído de sua realidade e de sua composição com elementos da filogênese43, da

ontogênese44 da sociogênese45, e da microgênese46, dos quais se constitui e constitui

a sua realidade de forma indissociável.

Desta forma a pesquisa se iniciou já sobre uma ação que era o estágio, porque

a ação de intervenção iniciada anteriormente com as coordenadoras dos grupos de

convivência, já havia gerado perguntas dos sujeitos envolvidos sobre eles mesmos,

sobre sua participação e sobre o seu lugar nas políticas públicas. Estas perguntas

retornaram para a pesquisadora que as devolveu em propostas de ação para atender

às demandas que poderiam ser acolhidas, pela via de um espaço propiciador de

43 Segundo a perspectiva sócio histórica é a história da espécie humana diz respeito a história de uma espécie animal – cada espécie

animal tem a sua própria e ela define as limitações de uma espécie, a plasticidade cerebral e suas condições – mediante a interação

com o ambiente

44 Segundo a perspectiva sócio histórica é história do indivíduo da espécie O desenvolvimento do ser (de cada espécie) que passa por

fases comuns de desenvolvimento

45 história cultural em que o sujeito está inserido Formas de relacionamento cultural que contribuem para determinar o

funcionamento psicológico A cultura funciona como um alargador das potencialidades humanas e Cada cultura organiza o

desenvolvimento de um jeito diferente

46 aspecto mais específico do desenvolvimento Cada fenômeno psicológico tem sua própria história . No processo como se desliza

entre o “não saber” algo e a aquisição de “saber” reside a microgênese Significa que isso não é determinado a priore” Cada

pequeno fenômeno tem sua própria história e dessa forma se constrói a singularidade.

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processos de subjetivação e, quem sabe, de ações dos sujeitos envolvidos sobre a

sua própria linguagem na relação que estabeleciam com o que perguntavam sobre si

mesmos.

Numa visão da psicologia social crítica, e da perspectiva sócio histórica, a

escuta é antes de tudo um ato político e como não há neutralidade na ciência, a

escuta também não pode se vangloriar dessa característica. Por isso mesmo o

exercício de escutar que foi proposto passou primeiro pelo crivo da escuta do próprio

pesquisador que embora inevitavelmente inacabada, forneceu a base de aproximação

do que de sua singularidade poderia interferir mais insistentemente e desfavorecer a

escuta das mulheres pesquisadas e do que poderia potencializar a própria escuta.

Após isto, foram necessárias pausas diversas, mudo silêncio de si mesmo por

parte do pesquisador, para escutar mais atentamente o que falavam como se num

concerto mudo, onde a voz mais audível é aquela que se expressa pela via da

apropriação e da interiorização no escutador do som do instrumento e da melodia da

música que, no concerto mudo apenas em gestos mímicos é tocada, tal como aponta

Le Breton(1997,p.221-222 ) ao descrever o templo do silêncio em Pequim, na China

dos anos trinta, ele conta que músicos treinados exibiam a performance de uma

orquestra com seus instrumentos empunhando todos os gestos do concerto, porém

sem exprimir qualquer som, e após aplausos também silenciosos, certa vez

surpreenderam o escritor Kazantzaki, na sua ignóbil interrogação de estranhamento

sobre aquele espetáculo. Ao que prontamente o escritor obteve a resposta solene de

que “para ouvidos treinados o som é supérfluo”. Trata-se de igual forma aqui, neste

trabalho, de narrar mais que um cochicho, o rompimento de um silêncio produtivo, de

reconhecimento, de trabalho e de ensaio insistente, próprios para quem deseja bem

escutar.

Mas para além do silêncio da pesquisadora, ou de suas interrogações ignóbeis,

tais como as de Kazantzaki diante dos impasses propiciados pelos seus próprios

afetos diante da pesquisa; silêncio este, interpretado, como a boa pausa, necessária

para aprimorar o sentido da escuta dos paradoxos, idiossincrasias e contradições,

presentes na ideia de linguagem como espaço de transformação como aponta

Benjamim(2007,p.205) há também outros silêncios que são como buracos negros,

como por exemplo: o silêncio da omissão ou negação da própria sociedade, no desejo

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de expurgar de si por pura arrogância; o silêncio de um falar verdadeiro na política, e

que se converte à falácia barulhenta, a maiêutica ou lisonja, como aponta Foucault

(1989,p187) disfarçada muitas vezes de ciência; de dados estatísticos. o silêncio dos

governos nas questões ligadas ao envelhecimento; o silêncio que encobre as

ausências de processos de subjetivação capazes de promover a transformação da

velhice estigmatizada em uma velhice possível; o silêncio de uma velhice virtuosa e

digna, que murcha sobre a égide de uma velhice indigna; maltratada; o silêncio da

própria psicologia nas questões que dizem respeito a sua aplicabilidade na

gerontologia; e o silêncio da gerontologia, naquilo que ainda não aprendeu a significar

sobre a escuta da pessoa idosa, da velhice e do próprio envelhecimento, influenciada

e influenciante ao mesmo tempo, com sua produção e busca de conhecimento em

prol do longeviver, mas também em parte ainda atrelada e reproduzindo ideologias

que dão substrato a muitas produções científicas na atualidade.

Ao silêncio da ciência, que embora produza o novo e a transformação, de igual

forma se mantêm por interesses governamentais, avessos à militância das categorias

dominadas, mas claramente submetidas a classes dominantes que traduzem tanto na

forma de endereçamento dos recursos para a pesquisa, quanto no tempo e nos

formatos exigidos das pesquisas, o modus operandis de sociedades, cronificadas

pelas relações de dominação entre os seres, bem como por relações onde as coisas

são superiores aos seres. Acerca disso a fala da coordenadora abaixo é bastante

ilustrativa ao fazer uma reflexão sobre os grupos e sobre esta pesquisa quando

voltávamos de um fórum regional de idosos:

Muitas vezes eu fico muito desanimada achando que os problemas dos grupos não vão ter solução, porque esse povo fala, fala até babar, mas quem vai se interessar de verdade por grupo de convivência nessa política suja? Quem vai querer saber de ajudar um bando de mulheres idosas que eles tão acostumados a chamar de pé na-cova, pra quem quiser ouvir, seja nos ônibus, nas ruas, nas filas de banco e em tudo que é lugar onde a gente tenha conseguido algum parco benefício. Além de não ter dinheiro, a verdade é que a gente já é velha mesmo, e a maioria doente. Além do mais muitas de nós sabe mal mal escrever o nome. Tem hora que eu já até fiquei pensando o que que uma pessoa formada que nem você viu na gente? Coitada, podia tá fazendo uma coisa muito mais interessante, muito melhor. Porque nesse país ninguém quer saber de velho não. Eles acham que velho não precisa de nada. Nem de escola, nem de moradia, nem de dinheiro. Tanto que a aposentadoria só vai diminuindo. Por que eles pensam assim: vai morrer

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mesmo...então quem ainda não tá doente, acaba adoecendo porque não encontra saída mesmo. (CI 4 72a, 2012).

Ela pronunciou essas palavras expressando-se de tal maneira que depois do

convívio longo entre elas posso descrever, pela reação corpórea, como um desabafo

seguido de um profundo silêncio daqueles que não pedem palavras. Silêncio

necessário para contemplar e acolher como assinalou Le Breton (1997, p.123). Acolhi

suas palavras apenas com um olhar. Porque esse falar tocou-me como uma obra de

arte. Uma escultura impressionante de linguagens símbolos e afetos. Uma obra

escultural do cotidiano realizada com a técnica “língua sobre corpo” que impactou

como se explodisse aquela reação que captura num instante o tempo intempestivo da

história, e numa explosão de afetos que, interceptando a cronologia lança todos os

múltiplos tempos num instante, num silêncio que constata a precariedade de qualquer

possível resposta. Somam-se pois àqueles silêncios, já citados um silêncio refletido

nos afetos de tristeza que embora passageiros nessa idosa, repetem-se espelhando

os silêncios de pura indiferença, do olhar do outro, mas aqui dos tantos outros, dos

lugares bárbaros da cultura que influenciam os afetos de alegria , e que solapam o

germinar de perspectivas futuras dos seres considerados pela lógica pós moderna

como aponta Bauman (2004) como seres supérfluos Um silencio feito de olhares que

não deixa imune ninguém que partilhe conjuntamente deste contexto tentando de

alguma forma produzir mudanças. Um silêncio que evidencia a indiferença entre os

próprios seres humanos, e que está ligado na maioria das vezes à ausência de um

interlocutor, que desacreditado do outro, desacredita-se também de si mesmo e se

cala, devido à indiferença como foi tratado. “Forma sonora de um silêncio por causa

da recusa da escuta” como assinala LE Breton (1997) ao afirmar que:

As pessoas idosas encontram-se muitas vezes reduzidas ao silêncio por este processo. Ninguém fala com elas e se emitem uma palavra, ninguém lhes presta atenção. Indivíduos destituídos, vagamente mantidos no contexto social mas sem interesse aos olhos das pessoas a sua volta, figuras inúteis, cujo desaparecimento um dia não é mais do que o ponto final de um processo já há muito começado. (LE BRETON,1997, p101).

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Esse talvez seja realmente o maior lamento sobre o silêncio trazido pela

maioria das idosas que compõem os grupos desde o início de sua formação, segundo

apontam as coordenadoras entrevistadas. Relatam muitas vezes que falar aos

familiares, aos amigos torna-se uma tarefa cada vez mais difícil quando se envelhece

porque sua fala é sempre vista como algo ultrapassado, mesmo que passem uma

notícia atual. Por isso ficam silenciosas, para evitar problemas maiores com a

prefeitura, com a família, com qualquer outro. A fala de uma das coordenadoras

entrevistadas sobre o comportamento das participantes do seu grupo ilustra isso:

“Muitas vezes quase não escutamos a voz delas e quando perguntamos porque estão tão silenciosas, repetem um ditado popular que é bastante falado no grupo: “quando um burro fala o outro tem que murchar a orelha”. Falam ainda que já estão acostumadas a isso porque se falam muito em casa, tudo pode virar um vendaval porque tudo o que falam e não agrada os filhos eles fazem uma tempestade em copo d’agua. Um outro ditado muito usado por elas é que “boca calada não entra mosca” ele é usado para significar que se querem evitar chateações em casa, o caminho é viver pisando em ovos, é silenciar, para não ter que engolir desaforo. (CI6, 72, 2006).

O interessante é que embora algumas exprimam nas atividades a forma de

lidar com os próprios corpos também percebidos aos seus olhos como descartáveis,

desinteressantes e cujos movimentos são muitas vezes curtos e contidos, e

expressam no próprio corpo o aprisionamento a que são submetidos, outras, como

por exemplo a maioria das coordenadoras, realizam outro movimento que nesse caso

é o de incentivá-las para estarem atentas, para não se deixarem intimidar. Nisso

cumprem um papel importante e efetivo no que pudemos observar no processo de

acompanhamento dos grupos ao longo desses anos. Pois se no primeiro momento os

grupos começam silenciosos, após algum tempo de encontros estão eles

transformados. É interessante notar que no grupo de convivência de idosos isso

ocorre de uma maneira bem peculiar em relação a outros grupos, pois ao invés de se

identificarem com o grupo como unidade primeira, o processo de identificação passa

por um cochicho em dupla, uma agregação pela via de processos afetivos e

identificatórios que promovem um empareamento tal qual proposto por Bion47 (1975)

47 No empareamento este subdivide-se e por receio de não ter mais líder, de o perder, se aproximam do mesmo

emocionalmente, criando vínculo que reforçam a coesão do grupo contribuindo para sua existência. Podendo haver troca de líder questões inconscientes existentes na formação do mesmo.

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só que invertido, se considerarmos o tempo grupal do pareamento proposto por ele.

Igualmente podemos observar que tal como assinala RIVIÉRE48 (I988) a tarefa grupal,

(que preferi associar ao termo atividade grupal visto que aqui tento fazer uma leitura

dos grupos aproveitando construtos desses dois autores, mas sem separar elementos

conscientes e inconscientes), já que a atividade e a linguagem mediadas pelo afeto

são produtoras destas relações e ambas ocorrem simultaneamente, segundo

Vygotsky(1998). Nos grupos, elas primeiro vão se apoiando em duplas ou trios, por

meio de processos identificatórios, afetivos, e histórico-culturais que se evidenciam

nas atividades que desenvolvem como se num ensaio em dar novamente os primeiros

passos de um processo de socialização. Esse processo ocorre sempre mediados por

ações nas quais consciência e inconsciência afeto e emoção, atuam de forma objetiva

e subjetiva simultaneamente.

Esse processo não é vivido apenas pelas idosas participantes como membros

do grupo, mas pelas próprias coordenadoras, que no princípio, quando chegamos

para desenvolver o estágio, mantinham, na maioria dos casos uma postura

centralizadora nos grupos, o que foi se transformando com o tempo. Muitas delas se

diziam inclusive sobrecarregadas, pois faziam praticamente todo o trabalho dos

grupos, programavam as atividades, traziam os convidados, providenciavam o lanche,

faziam os anúncios da igreja, organizavam os grupos, respondiam às demandas da

comunidade.

A presença das estagiárias do curso de psicologia, produzia uma nova

possibilidade nesse encontro na medida em que essa escuta era propiciada a todas e

não apenas à coordenadora do grupo num primeiro momento. Com isso, as próprias

coordenadoras podiam reelaborar também sua forma de buscar a participação mais 48 Pichon (1988) caracteriza grupo como um conjunto restrito de pessoas, que, ligadas por constantes de tempo e espaço e articuladas por sua mútua representação interna, propõe-se, em forma explícita ou implícita, à uma tarefa que constitui sua finalidade. Dentro deste processo, o indivíduo é visto como um resultante dinâmico no interjogo estabelecido entre o sujeito e os objetos internos e externos, e sua interação dialética através de uma estrutura dinâmica que Pichon denomina de vínculo.

Vínculo é definido como "uma estrutura complexa que inclui um sujeito, um objeto, e sua mútua inter-relação com

processos de comunicação e aprendizagem." in PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Processo Grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

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direta do grupo e conhecer melhor o potencial de cada participante. Após a introdução

das oficinas de escuta com a presença das estagiárias. E nesse caso escutar o

silêncio das idosas era primeira grande lição a ser aprendida pelas estagiárias já que

segundo afirma Le Breton:

“Se as relações sociais implicam a ignorância parcial dos fatos da vida do outro, o segredo prova o esforço particular de um indivíduo ou de um grupo para proteger uma informação, sobre si ou sobre os outros, suscetível de se for revelada, perturbar a ordem presente das coisas.[...] a conivência à volta de um segredo traça fronteiras simbólicas de pertença, escora solidamente a afiliação apoiando-se na inocência dos que estão de fora [...] é numa forma poderosa de socialização que torna solidários os que a partilham. Traz consigo uma disciplina de conduta nas comunicações com os outros, o imperativo de manter o silêncio sobre aquilo que as vezes queima os lábios com vontade de dizer” (LE BRETON,1997, p.117).

Segundo apontam várias coordenadoras, as idosas participantes dos grupos,

começavam a trocar no princípio apenas silêncios e olhares curiosos e as vezes

desconfiados ou amedrontados ao estarem nas rodas de conversa com as

estagiárias, depois iam ficando mais confiantes no próprio grupo, aumentando os

cochichos, e até as conversas paralelas no grupo durante as atividades, e mais tarde

iam se transformando em duplas e trios e destes se ajuntando em grupos um pouco

maiores, e conversando mais, interagindo com mais pessoas até que desabrochavam,

como diz na sua entrevista a (CI5, 67a, 2006):

Quando elas (as estagiárias de psicologia) insistiam um pouco em obter a opinião de uma idosa que quase não falava, que estava ali encolhidinha no grupo, muitas outras não viam muito sentido. Hoje todos podem perceber o crescimento delas. Algumas que nem falavam no início do grupo, hoje cantam, dançam, recitam poesias participam dos fóruns municipais estão irreconhecíveis, transformadas pelo insistente convite da palavra das estagiárias, que com frases as vezes cochichadas diziam: “fale o que você pensa sobre isso, queremos ouvir o que você também tem a dizer”; “veja como foi importante a sua contribuição”; “agora só falta você para trazer a sua opinião”; “pode pensar um pouco que a gente espera por você”. Estas frases das meninas eu até decorei porque queria aprender com elas, e aprendi um pouco. A gente não percebe como é importante para o idoso este interesse do outro naquilo que ele tem a dizer. É preciso ter paciência para que ele produza. É preciso regar a planta...alimentá-la cada dia através de sua própria palavra até o dia em que como uma surpresa, a flor desabroche. Até aquelas que estavam um pouco murchas, voltaram a vicejar. Não precisaram mais de ficar reclamando de doenças, acabaram abandonando o apelo a pequenas migalhas de carinho recebidas pelo corpo doente, por uma forma mais intensa

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e efetiva de celebrar a vida, conhecendo suas emoções, partilhando-as com os outros e liberando-as sem medo. (CI5. 67a, 2006).

Esta fala da coordenadora aponta o quanto esses espaços de participação para

elas, precisam ser mediados por uma escuta que seja interessada, não no sentido de

um interesse técnico e profissional, mas de um interesse genuíno de um ser pelo

outro. É esse interesse manifesto muitas vezes, por meio da linguagem, do olhar e do

gesto acolhedor, como um processo mediado pelo afeto que possibilita, na sua

concepção, a valorização do que a pessoa tem a dizer. Le Breton (2010, p.144) sobre

isso afirma que somente no momento em que esse interesse é instaurado é que uma

voz que se silencia pode ecoar de novo; uma vez que movida pelo olhar e pelo

interesse do outro, torna-se de novo interessante a si mesma. Essa esperança é

instaurada pelo convívio nos grupos quando mediada por uma escuta sensível dos

sujeitos envolvidos, e nos casos estudados, principalmente pela relação estabelecida

entre os membros participantes e por meio da relação entre os participantes e as

coordenadoras, pois como afirma mais uma vez LE BRETON.

As palavras do ébrio, do louco que delira, da pessoa idosa relegada para uma instituição por vezes, na sua própria casa, por uma família impaciente e abusiva. Palavras onde não há um outro, imediatamente insignificantes por falta de ouvinte, mesmo se o repisar delas demora a parar, esperança perdida mas sempre a renascer, de finalmente poder interessar alguém. (LE BRETON, 2010, p.101).

Esse silêncio indiferente dirigido à pessoa idosa, por técnicos, profissionais,

familiares advindos de uma identidade deteriorada que prevalece nas diversas

instituições. Silêncio que como barreira comunicacional segundo aponta Goffmann

(1989) ao mencionar as barreiras impostas no regime das instituições totalitárias. Esse

silêncio aciona mecanismos de sustentação e reprodução de estigmas instituídos na

própria sociedade que ultrapassam o estatuto geográfico das instituições totalitárias

repetindo-se não apenas nos modelos de novas instituições que também acabam

servindo como um exílio social da população idosa, mas nos espaços virtuais, nas

crenças e nas ideias que povoam o próprio homem na contemporaneidade.

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Tais ideias ao serem corporalmente assimiladas produzem e sustentam as

formas mais desumanas de habitar a velhice no Brasil, como por exemplo, o

afastamento gradativo da pessoa idosa da casa na qual o tempo todo habitou e pela

qual pagou com o suor do seu trabalho, e a sua transferência para um sótão ou um

porão esquecido e pouco visitado pelos parentes mais próximos que ocupam agora a

parte maior da casa. Ou o exílio no próprio lar, nos próprios espaços que podem ser

até confortáveis no caso de idosos com maior poder aquisitivo, mas disfarçado de um

pseudo cuidado que se dirige ao corpo velho como um objeto que precisa ser

monitorado, e não como um corpo humano histórico social e afetivo em plena

interação com o mundo.

Portanto, transformar esse silêncio indiferente num espaço de mediação de

linguagem, de silêncio interessado que pacientemente opera e espera no seu próprio

movimento, o som da palavra constituindo-se como um possível renovo que pode

brotar de um pequeno cochicho até se desabrochar em voz audível, é a esperança

que se instaura insistentemente nas lutas e na participação das coordenadoras de

grupos de convivência. Esta militância cotidiana de participação política, segundo suas

próprias falas, necessita ser constante, uma vez que possuem a consciência de que

incidem sobre elas pelo menos cinco das principais características geradoras de

preconceitos: o fato de serem idosas, mulheres, negras, pobres e ainda o que

consideram pior :possuírem baixo nível de escolarização.

Esse último ponto é o que segundo elas, dificulta a compreensão de diversas

questões quando são abordadas de forma muito técnica. Somam-se pois ao

preconceito etário, o preconceito de gênero, o preconceito racial o preconceito sócio

cultural e econômico. Na fala das coordenadoras aparecem essas questões e elas

não deixam de perceber que todas elas se ajuntam em alguns momentos e sustentam

as atitudes de pessoas que se situam nesses lugares instituídos de poder e que

movidas por tais preconceitos expurgam dos discursos e dos espaços formais de

participação mais necessários e decisivos as mulheres idosas coordenadoras de

convivência sob as mais diversas formas de disfarce. Sobre esses disfarces

discorreremos melhor nos cochichos sobre as políticas públicas. A decorrência disso

em alguns casos é o desgosto e a revolta que se instauram e transformam o silêncio

num recurso possível face às questões que lhes parecem intoleráveis. Frente a isso a

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pesquisa pode assinalar pelo menos três respostas presentes nas falas e atitudes das

coordenadoras diante desta participação que consideram uma verdadeira farsa, e

uma participação apenas para cumprir normas e, como dizem, “para inglês ver. São

elas:

1) A retirada e a alienação estratégica das coordenadoras, pela qual movem seus

grupos para um exilamento das instâncias de participação política afirmando que não

se consegue mudar qualquer ponto da sua realidade por meio dela. Em decorrência

disso, a busca de autonomia por meio de recursos próprios; ou de estratégias de

sustentabilidade fora da política pública.

2) A busca de recursos e serviços públicos que possam beneficiar o grupo e sua

comunidade ainda que despojada de organização política, e por meio de atitudes

conservadoras e que sustentam relações de favoritismo e utilitarismo por parte de

políticos que ocupam cargos de poder no setor público; e que aproveitam-se desta

fragilidade dos grupos para se colocarem como os benfeitores, ao invés de criar

políticas mais duradouras. Segundo elas ainda é isso que prevalece infelizmente na

maioria dos grupos de convivência que acabaram sendo engolfados pelos olhares

institucionais e também por esta lógica clientelista. Especialmente nos CRAS49 ou nos

CACs50.

3) A organização através de ações políticas que envolvam não apenas diferentes

grupos mas comunidades na busca de políticas e de representação dos interesses

coletivos por meio de acompanhamento e monitoramento das políticas públicas. Com

participação constante nos fóruns regionais, e conselho municipal do idoso. Esta

requer um comprometimento delas com a coisa pública, e um posicionamento de

resistir aos processos de cooptação existentes no modelo de participação que ainda

vigora no Brasil, com os resquícios do clientelismo e do paternalismo na política. Esta

postura requer mais investimento, trabalho e paciência segundo elas.

49 Conselhos Regionais de Assistência Social da Prefeitura Municipal, que encampam vários grupos comunitários existentes, ou

cooptam alguns dos seus participantes que se utilizam dos benefícios da política de assistência Social a despeito de que se dissolvam

a identidade grupal, as ações políticas e cidadãs e luta espontânea e comunitária desses grupos e os transformem em grupos

submetidos à ideologia do assistencialismo governamental

50Centros de Apoio e Convivência Social que estão ligados também à Secretaria de Assistência Social e que muitas vezes se

aproveitam da composição numérica dos idosos participantes nos grupos comunitários, para darem corpo a grupos de usuários

dos serviços, já que comumente a aderência dos usuários é menor e mais demorada, que se eles já levarem o grupo pronto da

comunidade.

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É então, nesse contexto, que algumas respostas se instauram mais facilmente,

como o mutismo de algumas coordenadoras, e a fala poliqueixosa de outras, que dão

margem à crítica de alguns técnicos, segundo informações da coordenadora

Os políticos elegem as” queridinhas” que se submetem ao discurso deles e se rendem aos apelos e dos favores políticos. Nos fóruns elas viram o voto para o lado do que eles querem. Por isso também fica difícil conseguir vencer qualquer votação de projeto que a gente quer pra comunidade por exemplo, porque eles ficam influenciando mesmo. É quase uma compra de voto também. Esses políticos depois ainda difamam os grupos e as coordenadoras que não concordaram com eles falando que somos tão ignorantes como as idosas dos grupos que coordenam e não sabem fazer nada além de reclamar. Ai algumas acabam desanimando e calando mesmo, porque acabam achando que não adianta nada lutar e reivindicar porque não vai ser ouvido. (CI 10 82a, 2013).

Nos conselhos e nos fóruns essa atitude se repete de forma corriqueira

segundo elas, e esses silêncios aqui citados servem apenas para demarcar estes

intervalos como constituintes numa temporalidade corpórea, ambiental e complexa, e

como precursores e porta de entrada para a escuta. Afinal só aprendemos a escutar

quando escutamos de fato o próprio silêncio. Sobre isso é LE Breton (2010, p.102)

quem afirma

“A impossibilidade de ser ouvido, por falta de valor próprio, conduz ao mutismo ou então a inflação de uma linguagem que corre como uma hemorragia de existência sem nenhum ouvido que a consiga parar. [...] o falador contenta-se com palavras para não ser atingido por elas, o calado afasta-se da linguagem e encara-a como moeda falsa cujo uso repudia. Recusando mergulhar no vulgar da comunicação rejeita o meio. O desgosto; a revolta, o luto, tornam a linguagem balbuciante e transformam o silêncio num recurso possível face ao intolerável. (LE BRETON, 2010, p.102).

A escuta dos cochichos passou então por indagações e por descobertas da

pesquisadora, que nem de longe foram propostas no início do trabalho, como estas

formas de silenciar-se cuja estratégia precisava ser vista e escutada tal qual o som de

suas palavras, e por isso se desenhou de forma a acompanhar o movimento dos

grupos e das coordenadoras, em suas propostas de ação, possibilitando promover

senão a compreensão do pesquisador, pelo menos novas formas de olhar e

acompanhar uma trama complexa de relações e conectividades entre os grupos e

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entre as instâncias políticas, que fossem capazes de enunciar algum elemento comum

ou organizador entre eles.

Alguns dispositivos espontâneos foram acompanhados e observados, como

por exemplo a auto-organização em torno das potencialidades e ações em cada

grupo. As formas de manifestação e expressão das insatisfações e satisfações diante

do setor público; as principais respostas que traziam nos grupos diante de suas

indignações; as propostas do setor público com as quais estavam em concordância e

as propostas com as quais não estavam, as formas de reações e respostas coletivas

que manifestavam entre elas apenas, e diante do espaço público; os ambientes que

escolhiam para um falar mais autêntico sobre o que pensavam e os ambientes em

que aprenderam a praticar o discurso aceitável ou possível segundo a avaliação que

faziam desse espaço, e será discutido nas suas ações.

4.2 Cochichos sobre os grupos de convivência

Antes de cochicharem algo sobre os grupos de convivência, as coordenadoras

começaram por atribuir-lhes importância na descrição de sua própria narrativa e no

cruzamento entre a história de sua vida e da história do grupo. Nas entrevistas

gravadas podem ser ouvidos e vistos vários depoimentos nos quais sua vida em

algum momento específico produz novos sentidos e significados a partir desse

encontro com os grupos de convivência.

A maioria das coordenadoras falaram sobre esse espaço, como um espaço de

interações e como um espaço cuja importância que lhe era atribuída por elas

acrescentava não apenas um ritual semanal na rotina dos idosos que deles

participavam, mas também um lugar de pertencimento, um lugar de atenção e cuidado

e sobretudo de afetos. As principais falas sobre os grupos de convivências apontaram

entre outras as seguintes características que foram as mais repetidas e significadas

pelas coordenadoras e que serão ressaltadas na ordem e importância em que

apareceram no campo de fala das coordenadoras: o grupo colo lugar de amizade e de

vínculos afetivos, o grupo como espaço de extensão e de oposição à casa e à família,

O grupo como equipamento social e político, e o grupo como um espaço de

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aprendizagem: e uma escola sobre a vida. E finalmente o grupo como coxia: espaço

simbólico de mediação simbólica e afetiva na apropriação da pesquisadora, que foi o

tema introdutório deste capítulo

4.2.1 O grupo como lugar de amizades e de vínculos afetivos

Uma das afirmações mais tocantes de uma das coordenadoras foi uma reflexão

sua sobre o sentido dos grupos de convivência não apenas para os outros, mas para

si mesma. Foi como se no movimento de olhar para o grupo, se reconhecesse na

imagem dele e olhasse para si e para o grupo de forma terna. Seu depoimento na

entrevista resume de forma precisa essa relação de reciprocidade que se estabeleceu

entre o conhecimento de si e do grupo. (CI 5 67a2007)

O grupo me ajudou muito a me encontrar, porque na medida que eu trabalhava com as outras pessoas, o grupo também me ajudava a encontrar a mim mesma, pois a vida conventual é cheia de renúncia... você só olha para o próximo, e esquece de olhar pra si mesma, porque eles olham a freira quase como uma pessoa não humana. Na convivência com o grupo, como coordenadora é diferente. Há uma troca. O coordenador olha para as pessoas e as pessoas olham para ele e o faz olhar pra si mesmo. No grupo eu encontrei uma coisa assim muito grande. Na medida que eu olhava para as necessidades do grupo, estas necessidades também tocavam a minha necessidade, se achegavam até mim. (CI 5 67a2007).

É interessante salientar alguns pontos nesta relação que, segundo a minha

interpretação de segunda mão, se estabelece entre as questões trazidas pelas

pessoas idosas e pelas coordenadoras de grupos. A primeira é esse assinalamento

do grupo como substrato de projeções e de encontros consigo mesmo e com o outro,

a segunda é a renúncia de si e o esquecimento de olhar para si mesma, que também

se articula com uma certa desumanização de si vivenciada pela coordenadora, e que

estabelece uma ponte com o processo de desumanização da pessoa idosa na nossa

cultura. Depois a afirmação de que na convivência com o grupo há trocas. O

coordenador olha para as pessoas, mas as pessoas devolvem esse olhar também

para o coordenador o que o impele a olhar para si mesmo. Vejam que não se trata de

uma mera coincidência. Esta fala tão precisa da coordenadora em revelar o que

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sente-age-pensa, aponta a trama que se compõe na tessitura desse lugar e dessa

escolha por coordenar grupos de idosos. São laços que ela traz em sua fala e ação

entre a resposta afetivo volitiva que se articula histórica e culturalmente,

consciente/inconscientemente, no sentido atribuído por Vygotsky, com lugares

subjetivos tão próximos entre as coordenadoras e as pessoas idosas. Ela Diz que no

grupo pôde encontrar não somente a si mesma, como também uma forma de

trabalhar sua própria dor ao trabalhar a dor alheia. Enxerga no grupo a dificuldade das

idosas com a família e isso a remete à semelhança com o que vivia em sua casa, e

reflete sobre o lugar e o sentido do afeto e das trocas afetivas que fazia com seus

familiares. De maneira interessante, enxerga também o grupo como um espaço que

propicia novas formas de vínculos que podem ser fundamentais para algumas

pessoas, especialmente para aquelas que por algum motivo não conseguem

estabelecer vínculos tão profícuos na própria família. Pode-se ver isso na forma como

esta mesma coordenadora acrescenta depois a esta sua fala anterior, a seguinte

observação:

Na família por exemplo, você acaba fazendo as coisas por obrigação. Além disso, nem sempre a família escuta os problemas de cada um. No grupo a gente está lá. Todos têm seus problemas, e todo mundo fala uma linguagem parecida. Todas são mais ou menos da mesma idade, você orienta e é orientado. Há uma compartilha. Por isso é que eu acho que a gente não pode colocar a pessoa idosa direto nas creches, nos grupos de crianças, nos grupos de adolescentes, porque primeiro ela precisa se encontrar a si mesma, senão ela fica estressada agressiva, porque ainda não se encontrou e não reconheceu a sua verdadeira importância ...e como ela pode interagir com os outros sem isso? o grupo de convivência com pessoas da mesma idade , que tenham os mesmos problemas e interesses próximos, é o primeiro passo para facilitar a comunicação com outros grupos e até mesmo com a própria família. (CI1 60ª, 2006).

É interessante ressaltar que a afirmação de que “no grupo a gente está lá e

todos falam uma linguagem parecida”, traz a conotação de um entendimento, ou no

mínimo de uma possibilidade comunicacional, mas o acento que é trazido na fala vai

mais além, na minha apreensão de segunda ou terceira mão, ela está falando de

compreensão no sentido empático mediada por processos subjetivos e objetivos, por

fenômenos relacionais de identificação e respostas onde consciência e inconsciência

operam conjuntamente e promovem em certos momentos uma ancoragem ou suporte

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para aqueles que passam por situações de fragilidade semelhantes e se fortalecem

conjuntamente. Os sentimentos de raiva e atitudes de agressividade ou de tristeza e

respostas de stress, são explicados por ela, pelo fato de as pessoas não terem ainda

se encontrado e não terem sido reconhecidas na sua real importância, pois embora

fale que a pessoa ainda não reconheceu sua importância, quando em

aprofundamento da entrevista, ela diz que a pessoa não reconheceu por que ninguém

de casa dava importância para ela e aí ela passou a se ver do mesmo modo, como

alguém sem importância. Essa menção do olhar do outro, retrata como o movimento

de falar de si e do outro de entrecruzam de maneira inseparável no seu pensamento.

Não se trata aqui de dar maior ou menor importância para o que é seu e o que é do

outro, mas de ajuntá-los igualmente como forças conjuntamente producentes de

certos tipos de reações nos sujeitos. A contraposição desses sentimentos é feita por

esta coordenadora, com os sentimentos de presença inteira, de fato. É prazer, ela

está lá, as idosas estão lá presentes não por obrigação como na família, mas por

prazer. Escolhem estar no grupo.

Quando aprofundei a entrevista, obtive dela uma ampliação de sua fala sobre

esse prazer de estar lá no grupo. Ela diz que o prazer é fruto da amizade, que nasce e

se fortalece no grupo como uma flor porque se enraíza porque as pessoas vão se

conhecendo e se compreendendo ainda mais com o passar do tempo Seus

problemas e interesses são muito parecidos. Em um trecho da entrevista ela afirma

que a ideia de programas intergeracionais é fundamental para melhorar o

reconhecimento do lugar da pessoa idosa na família e na sociedade, acredita também

no poder dessa diversidade e acredita que isso é de suma importância para todas as

gerações, mas a idade aqui é na visão desta coordenadora, é algo que aproxima as

idosas não apenas porque se parecem, no que diz respeito às suas referências

culturais, por não haver grandes diferenças etárias entre elas, mas sobretudo porque

passaram por problemas e sofrimentos muito semelhantes. Sofrem dos mesmos

males, partilham alegrias muito próximas vivem ou viveram situações parecidas na

sua existência e na sua relação com o mundo, e precisam primeiro se fortalecer até

para dar conta de se relacionar com os outros.

Como salienta BOZZI (1989) o tempo vivido é memória e memória é tempo

vivo, presente. Ela se materializa nas relações, promove vínculos, possibilita

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reminiscências e nelas, a construção de novas subjetividades permeadas pelos laços

simbólicos e culturais e pelo afeto, pois esse espaço também funciona como espaço

de mediação simbólica das emoções e sentimentos como os de se sentirem

refugadas ou amadas pela família e pela sociedade. Enunciam o preconceito etário, a

humilhação a expropriação do lugar de si e de sujeitos, mas de igual modo a

esperança a crença a resistência a potência de vontade, questões a serem sempre

consideradas.

Grupo de convivência é um local de encontros onde existe afeto, colhimento, e a amizade. Isto tudo é que faz de cada membro um irmão. É assim que ele acaba se tornando como uma família. Um local onde os membros vão reencontrar suas raízes e fazer a ponte entre o passado e o presente para a construção de algo novo que os faça caminhar com mais firmeza. (CI4- 72a, 2006).

A amizade grupal, na sua apropriação é o que as fortalece. Unem-se pois, no

seu pensamento e na sua linguagem, nesta forma de apropriação que faz de si e do

grupo de idosas que coordena, paradoxalmente, laços de uma solidariedade que

aparece como resposta a um processo de exclusão nos moldes totalitários, que

impregnam ideias e culturas, como postula Arendt (2012, 103-104) ao falar das

origens do totalitarismo e das respostas dadas por uma classe de judeus

considerados inferiores pelo seu próprio povo. Diante da humilhação e do

rebaixamento contido nas ideias e ações anti-semitas, eles se solidarizavam e a

resposta de solidariedade também era de outro modo a saída para o seu

fortalecimento e para se manterem com sua diferença. Ou seja, o paradoxo está em

que foi exatamente o fato de ser excluído que produziu, pela via da resposta solidária

laços e trama histórica afetiva e social que os mantiveram vivos e mais que isso os

tornaram reconhecidos e desta forma os fizeram prolongar sua própria existência

como povo diferenciado. Aqui, no caso destas mulheres, a resposta da amizade

também produz não apenas novos vínculos, mas sobretudo a ressignificação do que

seja considerado vínculo, ou do que se pensa sobre as formas e os modos de

construir tais vínculos na medida em que ocorre o reconhecimento de si e do outro.

Esta elaboração encontra eco também na análise que faz a psicóloga Silvia Lane

sobre a interlocução entre os pensamentos de Vigotsky e Spinoza ao propor que

emoções e os afetos se produzem também no contexto não apenas genético, mas na

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historicidade humana vinculando-se a estas conexões complexas no bojo da cultura.

Afirma LANE (2006. p128):

Espinoza manifestava uma atitude genética correta. No processo de desenvolvimento ontogenético as emoções humanas entram em conexão com as normas gerais relativas tanto a autoconsciência da personalidade, como à consciência da realidade. Meu desprezo em relação a uma pessoa entra em conexão com a valorização desta pessoa, com a compreensão dela. Nesta complicada síntese é onde transcorre nossa vida. O desenvolvimento histórico dos afetos ou das emoções consiste fundamentalmente em que se alteram as conexões iniciais em que se produziram e surgem uma nova ordem e novas conexões. [...] portanto as emoções complexas só aparecem historicamente e são as combinações de relações que surgem em consequência da vida histórica, combinação que surge no transcurso do processo evolutivo das emoções. (LANE, 2006, p.128).

Afirmar que as emoções afetos consciência, inconsciência e realidade

devem ser analisadas de forma conjunta na complexidade em que se estabelecem as

atividades humanas mediadas pelos signos da linguagem e pelos símbolos culturais,

é de igual forma o que possibilita compreender a validade do grupo como instância

formadora de novos processos de subjetivações, de construção de novos vínculos

para as pessoas idosas que destituídas de uma atividade coletiva, e legadas a um

ostracismo cômodo para a sociedade e para a família, ao contrário disso reduzem

suas redes de relações e podem com isso favorecer a desintegração dos sistemas

complexos que produzem essa dinâmica transformadora, formando então os diversos

estados patológicos. A coordenadora na sua experiência afirma:

O grupo de convivência na realidade atual, está para o idoso assim como o sol está para a terra, porque sem o sol a terra não sobrevive e sem a convivência o idoso não sobrevive. Ele não vive sozinho, precisa do apoio de outros para sentir confiança, afeto, carinho, respeito e amizade. É o ponto de referência do idoso para onde ele se desloca semanalmente e consiste, hoje, num equipamento social da maior importância já que não se tem espaços públicos de referência para a pessoa idosa[...] Algumas transformações foram muito claras, na condição de saúde das idosas. No início havia muita queixa em relação à saúde. Quase todas as idosas apresentavam sintomas de depressão, inclusive eu, pelas mudanças radicais que eu atravessava na época. Aos poucos, o astral do grupo e das pessoas foi mudando. As queixas foram dando lugar ao sorriso às discussões de temas que antes eram apenas cochichados por elas. (CI5 67ª 2006).

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4.2.2 O grupo como espaço de afeto em extensão e ao mesmo tempo em

oposição à família.

No discurso das coordenadoras aparece também o grupo como espaço de

extensão e ao mesmo tempo de oposição à vida dentro de casa e aos vínculos de

afeto que permeiam a relação com a família. Vejam que a coordenadora citada

anteriormente, aponta uma situação de obrigação na família, que se desloca para um

outro sentimento de prazer na relação com o grupo. Esta mesma coordenadora

também faz a aposta numa certa homogeneidade em relação a idade e à

problemática existencial como questões que facilitam e produzem maior possibilidade

de compreensão no convívio. Em outra fala a (CI 8 70ª 2012) salienta sobre o grupo:

Há eu gosto muito do meu grupo, gosto das reuniões e quando chega as férias a gente vai ficando com saudade daquele convívio. As minhas amigas, são como se fossem minhas irmãs. Eu considero todas do grupo como se fossem minha família. Então eu acho muito engraçado elas se reunirem aqui...é como um cochicho. Elas vêm aqui mais é pra cochichar. (CI 8 70ª 2012).

O grupo aparece também na fala das idosas simultaneamente como coxia,

como lugar de contar segredos, de cochichar. Essa fala da coordenadora, constituiu

para mim, como pesquisadora, a síntese dos significados e dos sentidos atribuídos

por elas ao grupo de convivência e que convergem para essa atividade pressípua.

Porque cochichar aqui adquire muitas possibilidades de significações. É símbolo

cultural e signo linguístico simultaneamente. O cochicho funciona como símbolo de

intimidade, de confiança. Só se cochicha ao pé do ouvido com quem é amigo íntimo.

Por outro lado é signo na medida em que é capaz de enunciar e agregar vários

significados, por exemplo, o significado de falar baixo para que apenas quem elas

escolham possa escutar, falar baixo porque não podem ainda divulgar para todos o

que gostariam de dizer, falar baixo porque o que tem a dizer não será agradável a

muitos, falar baixo, porque ainda não conseguiram alçar a sua voz com a força

necessária, ou porque não se sentem ainda aceitas por toda a sociedade, falar baixo

porque são segredos preciosos o que têm a dizer; falar baixo no sentido de que sua

organização ainda não se encontra em processo e ainda não existe uma fala em

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comum, ou porque ainda estão fragmentadas falando cada grupo a partir do seu

próprio lugar, ou ainda, porque estão ensaiando nos grupos em suas coxias, para

mais tarde alçarem vôos mais altos, nos palcos da vida.

Estas e muitas outras possibilidades de significação. São atribuídas ao grupo

de convivência. Isto foi abordado inicialmente no capítulo mulheres que cochicham e

suas coxias e sobre esse sentido já nos debruçamos no capítulo anterior. Mas

interessa aqui abordar o grupo como lugar de união e de organização que embora

frágil, representa a possibilidade de saída e valorização do grupo como lugar de

mudança e produção de novas formas vir-a-ser idosa. A amizade aqui é ressaltada

não apenas no sentido de unir e categorizar o grupo por esta união, mas sobretudo

como tônus atitudinal, moral e afetivo, que se evidencia por meio de uma consciência

que as pessoas adquirem e que é visível por meio de ações práticas de reciprocidade

e auxílio mútuo. Sobre isso fala a coordenadora CI5 - 67a(2006)

A palavra chave num grupo de convivência é amor. Não um amor sentimento, mas um amor ação, que sabe renunciar, doar e que sabe fazer o grupo se movimentar. Um grupo de convivência ao contrário do que muitos pensam, não é um grupo só de lazer e recreação, é um grupo que tem como objetivo principal fazer com que o idoso sinta que ele é uma pessoa e que tem direito a uma qualidade de vida muito boa. Que promova ações que o faça pensar e repensar sua vida de modo que ele tenha novas maneiras de agir, sem ficar preso no passado o resto da vida. A partir do momento que ele começa a pensar diferente ele cria uma visão mais ampla da vida e vai se tornando mais comunitário, mais sociável, e até dentro da família ele vai mudando seu jeito de ser e de fazer as coisas. (CI5 67a, 2006).

O sentido da amizade toma também o sentido do cuidado com o outro, e

também da construção de relações que possuem a leveza dos bons encontros como

salientam os escritos sobre a amizade no mundo clássico ao utilizar o termo philói que

talvez seja o que mais se aproxime da descrição do que significam por amizade. Pois

nesse caso, a amizade longe de ser algo fruto de um bem querer, no sentido de

relações de reciprocidade amorosa, significa uma amizade construída voluntariamente

ou adquirida a partir de bons encontros e de interesses genuínos em desenvolver

relações que vão além da reciprocidade, porque sugere um sentido de pertinência

condicional. Embora seja prazeroso e seja fruto de escolha, esta amizade existe na

relação que se constrói pela via das ações que envolvem esse cuidar de si e do outro.

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É um contrato que pode a qualquer tempo ser desfeito já que suas bases não passam

pela obrigatoriedade das construções e manutenções de vínculos sanguíneos, “mas

que exatamente por não conter a obrigatoriedade se mantêm pela duração, valor e

significado atribuído à própria forma de sustentar a relação”. KONSTAN, (2005, p80) é

a fala de uma coordenadora Que arremata esse pensamento, por meio de sua

experiência CI5 - 67a (2012)

“Uma vida de renúncia traz em si também o prazer de compartilhar as pequenas coisas, pequenos gestos de solidariedade, de uma entrega que traz ganhos o tempo inteiro e amplia o nível de trocas realmente importantes na existência humana A gente muda o jeito de pensar e de sentir. Fica responsável não por obrigação mas pelo prazer de saber que a pessoa necessita do seu cuidado e conta com o seu apoio. É um retorno que poucas pessoas conseguem ver, a oportunidade que você tem de auxiliar. Esse é o retorno. (CI5 – 67a, 2012).

O sentido de amizade nesse caso, talvez se aproxime mais do sentido de philói

tão pouco estudado e encontrado no sentido atribuído pelos gregos, exatamente por

trazer esse contexto de ligação não por parentesco ou por um sentimento de afeto

dirigido ao outro como resultado de uma philia que envolve diversas formas de afeto e

cujo sentido atribuído é de um afeto dirigido ao outro motivado muito mais por laços

sanguíneos ou de parentesco Segundo aponta Konstan(2005) o termo philói aponta

para uma relação de amizade sincera cujo sentido pressupõe companheirismo, troca

feita por uma escolha consciente pelo outro não pelo valor de ganhos concretos, mas

de ganhos simbólicos que irão envolver a própria troca. O retorno como algo concreto,

por exemplo, no caso que aponta a coordenadora citada, a retribuição ao cuidado de

alguma maneira explícita que gere ganhos para o coordenador, fica pois implícito

como algo muito improvável. Portanto, são outras as trocas existentes e que de

alguma maneira são afirmadas, por um vínculo que se constrói na relação. Um

contrato que pode ser revogado a qualquer momento, mas cuja sustentação ao

contrário do que se pense como algo volátil, se torna mais fortalecido pela qualidade

do vínculo. É o coordenador que se vincula a seus próprios afetos ao invés de se

vincular-apenas ao afeto do outro pelos retornos que poderão advir. Nesse caso a

troca maior não vem do outro mas de si mesma, porque o ato devolve a ela a

consciência de que contribuiu com o crescimento o outro. Algumas delas apontam

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esse sentimento como um certo apaziguamento interno por ter realizado algo que

consideram bom para si mesmas e para o outro simultaneamente. Entendendo que na

avaliação de que foi bom, está a reciprocidade vinda pelo olhar do outro sobre o que

foi realizado e não necessariamente sobre o reconhecimento atribuído a quem o

realizou. Ao falar disso a coordenadora CI6 - 72a (2006) já havia dito:

É isso que dá força pra gente continuar fazendo as coisas pelo grupo até quando as próprias pessoas que se beneficiam do grupo se ajuntam para falar mal e criticar a gente. Por que isso acontece também o tempo todo. O grupo não é assim perfeito. Tem sempre aqueles que se julgam no direito de criticar e nós que coordenamos somos os alvos prediletos. (CI6 – 72a, 2006).

É interessante observar também que os grupos trazem as questões das

participantes e nem sempre as questões trazidas podem ser solucionadas pelas

coordenadoras. Situações imprevistas e desagradáveis são mencionadas pelas

coordenadoras, como desafios a serem vencidos nos grupos. Pois segundo elas

quando o idoso passa a frequentar o grupo algumas famílias questionam as

coordenadoras e não dão conta de entender que o grupo não está ali para resolver

todas as questões do idoso e sim para auxiliá-los em alguns pontos para buscarem

melhores alternativas, e nem sempre isso é compreendido. Algumas até acham que

elas ganham dinheiro por serem coordenadoras. Começam a ter uma expectativa

sobre o grupo muito além da que ele consiga atender. Outra fala da coordenadora

CI5-72A (2012) confirma essa discussão, ao afirmar simultaneamente em suas

considerações não apenas a contribuição das estagiárias mas também da escuta e da

psicologia no seu grupo:

Para mim, pessoalmente, com as estagiárias aprendi a não ter medo das ações e iniciativas com relação ao grupo, a abandonar a passividade emocional e a tomar consciência dessa força que é a convivência. Aprendi a contornar situações imprevistas e desagradáveis, a sair do nada pra construir tudo o que fosse possível e desejado pelo grupo, arregaçando as mangas e indo à luta. Aprendi a desenvolver uma visão mais clara do que é comunitário, baseada na partilha e buscando o conhecimento do grupo, de suas características, o perfil dos participantes e suas demandas. Aprendi a buscar construir mais relações afetivas com as pessoas ao invés de simplesmente buscar para mim mesma, o afeto dos outros. A voltar meu olhar para o crescimento e transformação das pessoas incentivando-as e apoiando-as em todos os aspectos pelo prazer de vê-las crescer e ter consciência de que pude contribuir simplesmente”. (CI5 – 72a, 2012).

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É importante observar que as coordenadoras falam da casa como um lugar de

possíveis bons afetos aconchego e cuidado, mas se contradizem quando falam das

dificuldades encontradas pelos idosos em suas famílias. Em nenhum momento negam

a presença de afetos positivos mas também negativos na família, bem como a

ausência de cuidados e de atenção a que não raras vezes o idoso está exposto no

ambiente familiar. Segundo elas há famílias que cuidam e há famílias que também

não cuidam do idoso. Muitas vezes a rejeição da pessoa idosa pela família é algo

comum na fala de pessoas que participam dos grupos de convivência de idosos. A

fala da coordenadora CI9-67a (2012) ilustra bem o fato:

Muitas vezes no grupo a gente fica muito preocupada com a situação das pessoas idosas que moram com a família e sofrem a rejeição dentro de casa. Já tivemos idosas que no princípio das reuniões chegavam com o corpo todo marcado, com hematomas e sinais de maus tratos diversos. Uma chorou muito um dia no grupo e depois pediu pelo amor de Deus um cantinho pra ficar na minha casa, porque era espancada quase que diariamente pelo marido e pelo filho que bebiam muito. O filho, além de beber fazia uso de drogas. Ela era a única que sustentava a casa e ainda apanhava dos dois. Foi difícil pra gente conduzir o caso porque todos precisavam de ajuda ao mesmo tempo. E nem adiantava denunciar porque ia ser pior ainda pra família. Muitas vezes a denúncia além de não resolver ainda coloca uma dificuldade maior para pessoa idosa. Não é fácil pra gente cuidar disso. (CI9 – 67ª, 2012).

Esta situação denuncia um fato ainda mais grave que aparece no campo de

fala desta coordenadora pois ela não apenas faz referência à violência que sofre a

pessoa idosa que narrou sua história, mas principalmente, à violência institucional de

que é vítima, juntamente com a pessoa idosa, a família por não ter o amparo e

acolhimento necessário.

Esses casos onde coexistem o consumo de drogas e associadas ou

superpostas a ele outras questões de saúde mental que atinge filhos, netos e

parentes próximos que vivem com pessoas idosas, e na qual estas, por sua vez, são

vitimadas pelas consequências desse acometimento, não dependem apenas da

atenção voltada à pessoa idosa, no circuito dos serviços jurídicos, mais

indispensavelmente, da atenção de uma rede mais complexa de serviços públicos e

de um sistema realmente funcional que garanta a interação desses serviços, de

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maneira que sejam acolhidos todos os membros da família. Infelizmente, os serviços

que existem hoje além de não serem suficientes para atender às demandas da

população, possuem fluxos por demais complexos, e burocráticos, o que os torna

difíceis de serem tanto compreendidos como acessados pela população. Além disso

as leis por si só, sem uma cultura de valorização da velhice não impedem que

continuem acontecendo várias formas de violência com a pessoa idosa. Sobre isso,

Mendonça e Abigalil in Berzins e Malagutti (2007, p226) afirmam que embora sejam

muitos os tipos de violência contra a pessoa idosa, as formas mais comuns são

mesmo as negligências institucional e familiar, seguidas do abuso financeiro e do

abandono.

É importante grifar que quando se fala em violência institucional, comumente as

pessoas correm o risco de reduzi-la à violência provocada por instituições de longa

permanência que acolhem idosos. Por isso mesmo é necessário ampliar a fala das

autoras e enfatizar a violência institucional no sentido mais amplo, a começar pelas

instituições como a saúde, a educação, e a política, que se materializam

principalmente nas organizações governamentais. Nelas, a violência institucional se

manifesta por meio de ações, princípios, regras, e códigos de conduta apoiados em

métodos, alguns dos quais pseudocientíficos que se tornam difíceis de serem

questionados e mostram-se como dispositivos por meio do qual se operam os

mecanismos de controle e dominação sobre a vida e sobre os corpos, e que negam a

velhice como um polo positivo da vida para o qual o homem deve viver se preparando,

para a morte e para a velhice, para a qual se deve tender como diz Foucault (1982).a

lentidão dos corpos velhos, mas também a própria lentidão é analisada nos serviços

de atenção à saúde, nos quais a violência à pessoa idosa é na maioria das vezes tão

internalizada que se engendra por meio de princípios, ações e atitudes, como a regra

do” mínimo esforço” uma conduta profissional que limita a atenção e o investimento

em uso das tecnologias interventivas em função do quadro clínico e das

possibilidades de aproveitamento desses esforços para o paciente, especialmente nos

casos considerados como terminais.

Tal princípio de conduta, se por um lado sustenta uma postura ético política

para evitar o prolongamento da vida vegetativa e sem sentido, o que é algo

extremamente desejável no cuidado, por outro, sofre interferências relacionadas com

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posturas perversas que utilizam-se do mesmo dispositivo, cumprindo o papel de

apressar a morte, de pacientes mais desafortunados cuja responsabilidade sobre

investir ou não na sua vida, vai ser uma decisão transferida para algum familiar ou

responsável, ou na ausência deles, realizada pela própria equipe de cuidado ,

podendo correr o risco de se antecipar a morte dessa pessoa idosa em consequência

de um desinvestimento ainda possível para promover a sua vida, Esses

comportamentos violentos são sustentados culturalmente em estigmas relacionados à

velhice e ao velho como por exemplo, a ideia de que a pessoa idosa já está com o “pé

na cova”, ou próximo da morte, ou o de estar “fazendo hora extra na terra”, ou estar

“ocupando uma vaga de alguém mais jovem” que ainda tenha futuro.”

Na instituição educação, as escolas públicas e outras instituições de ensino

cometem violência com pessoas idosas de diversas maneiras. A primeira delas, por

terem negado sistematicamente `as pessoas idosas especialmente àquelas que

possuíam um nível sócio econômico mais baixo, o direito universal e inalienável à

educação garantido constitucionalmente a todos os cidadãos brasileiros, seja em

consequência de uma barbárie cultural, ou por questões próprias do desenvolvimento

do país, no passado. E no presente continuam sistematicamente violentando-as ao

expropriá-las desse mesmo direito, na atualidade.

Os mecanismos que sustentam essa violência pautam-se principalmente nos

estigmas da velhice e nas estereotipias ligadas à pessoa idosa e ao velho , como a do

velho ser alguém que não aprende, alguém que não necessita mais de escola ou de

educação porque não terá mais futuro para aproveitar esse investimento, e portanto

será um recurso jogado fora, já que o estado não prevê qualquer retorno do velho e

ainda o fato do velho, nas políticas públicas estar marcado como uma questão social

sobre a qual o olhar político deve estar nos problemas decorrentes da velhice, com

base principalmente em dados epidemiológicos e demográficos e nesse caso, a

velhice é olhada do ponto de vista da incapacidade e a doença. Portanto a pauta

prioritária é a ampliação de vagas em hospitais, e ILPIs.

Estas ideias acabam sendo utilizadas como forma de deixar a educação fora

dos interesses governamentais. Isso se constitui num verdadeiro sofisma uma vez que

diante de tantos problemas tão grandiosos pensar em escola é como pensar em algo

supérfluo afinal por que o idoso iria sentir falta do que nunca teve? tais pressupostos

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carregados de uma visão da velhice e do velho focada apenas na sua finitude

contagia pessoas que ocupam as mais altas instâncias de decisão política e até os

órgãos mais participativos de controle e monitoramento das políticas públicas como os

conselhos de direitos da pessoa idosa. E seria quase improvável que alguém nessas

esferas mesmo tendo a lucidez de perceber que a educação é uma das chaves para

potencializar qualquer pessoa em todos os sentidos , incluindo a pessoa idosa , e

perceber que se a pessoa idosa estivesse nas escolas, o resultado advindo da sua

potencialização evitaria sua entrada precoce num hospital ou numa ILPI, na medida

que o mantivesse por mais tempo ativo e isso o auxiliaria para vencer as barreiras

institucionais e as barreiras geográficas que lhes são reservadas na redução da sua

atividade, nas instituições de modelo totalitário como denomina GOFFMANN(1989) e

os outros resquícios do totalitarismo apontados por Hanna Arendt cuja

intencionalidade e finalidade política pareceu-me bem interpretada e adequada na

releitura feita por para ilustrar o estamos tratando. Argumenta ela que:

O totalitarismo não procura o domínio despótico dos homens, mas sim um sistema em que os homens sejam supérfluos. Daí a necessidade de lhes impor três tipos de destruição, três tipos de morte: a destituição de seus direitos, ou de sua pessoa jurídica, a destruição de sua pessoa moral e a aniquilação de toda a diferença individual que ainda lhes resta. Seguindo o raciocínio de Arendt as ideologias totalitárias não visam a uma mudança do mundo exterior, e sim a uma transformação da própria natureza humana. (SANT’ANNA 2001, p.91).

Mais ainda, nas afirmações de Arendt (1989p 508) diante do totalitarismo,

todas as formas de manifestações que parecem contrapô-lo são banidas

presumidamente, porque representam uma ameaça a esse sistema. Talvez por isso a

tentativa de garantir o direito à educação para a pessoa idosa vem sendo algo

reivindicado cotidianamente principalmente por estas mulheres idosas pesquisadas.

Entretanto, a despeito de sua militância política, suas propostas são refutadas de

forma autoritária por meio de dispositivos de controle como a redação das

deliberações, que é delegada a técnicos ou a agentes do governo, que se aproveitam

da baixa escolarização e da dificuldade de interpretar a língua pelas idosas para

manipularem as ideias e transcrevê-las alterando sua força e teor ou até mesmo

suprimindo aquilo que parece ameaçador, para distorcer a redação e colocar termos

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que favoreçam os interesses governamentais ou até suprimindo propostas que

possam empoderar demais os próprios conselhos e instâncias participativas. Desta

forma, as instâncias que deveriam trazer a participação popular como forma de

fortalecer a democracia, desviam-se dos seus objetivos e ao contrário disso utilizam-

se desses próprios espaços para legitimar os interesses dos setores do governo,

algumas vezes completamente discrepantes dos interesses que foram levados às

instâncias de participação pelas pessoas idosas.

Portanto ao dizerem “que não são escutadas, que sua participação é só pra

inglês ver”, elas denunciam nesta fala uma experiência cotidiana de terem suas ideias

depois de negociadas nas instâncias de participação, refutadas com todo vigor nessas

próprias instâncias de participação, controle e monitoramento das políticas públicas,

das mais variadas maneiras, possíveis, pelos representantes da sociedade

governamental que quebram a paridade dos conselhos de direitos e se colocam desta

forma como inimigos íntimos da democracia51, segundo postula TODOROV (2012.

P.109-115) Um exemplo claro disso, foi a proposta de incluir na lei de diretrizes e

bases da educação, não nos níveis de educação mas nas modalidades, a educação

da pessoa idosa, como quarta modalidade de educação. Constavam na época três

modalidades de educação, diferentes a saber: a educação indigenista, a educação

especial e a educação de jovens e adultos.

A educação da pessoa idosa, configuraria essa quarta modalidade e teria

diferenciações importantes principalmente da educação de jovens e adultos que era

naquele contexto, a única porta mais provável de entrada para a educação formal,

além de ser o caminho pelo qual mesmo de forma ainda inadequada, excludente e

não apropriada aos interesses e objetivos da população idosa, as pessoas com mais

de 60 anos conseguiam algum acesso. Especialmente aquelas que não passaram por

qualquer processo de escolarização formal. As outras poucas formas de acesso à

educação se davam muito mais por meio de programas de extensão nas

universidades pelas chamadas universidades abertas à terceira idade. E, que embora

seja inegável os benefícios trazidos por elas à pessoa idosa, até o termo é por demais 51 Referência a obra intitulada inimigos íntimos da democracia na qual TODOROV, Tzvetan, no qual discute a democracia e salienta

que o estado totalitário tem artimanhas de fazer uma ação política ser totalmente contraditória, em relação. ao discurso. Numa

democracia a participação coletiva o monitoramento das políticas é essencial, pois são as falas das minorias e a participação coletiva

que legitimam o poder nesta perspectiva.

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ideológico e corrobora com a hipocrisia na sociedade atual para a qual nos alerta

DEBERT52(2011) abertas ao idoso, como processo educativo, estas instituições em

sua maioria particulares, além de não possuírem parcerias governamentais formais

para esse tipo de acolhimento, não devolvem para as pessoas idosas qualquer

reconhecimento que possa ser vinculado ao ensino formal .Além disso, categorizam e

classificam as pessoas idosas

A proposta de inserir no plano nacional de educação a educação destinada à

pessoa idosa juntamente com a inserção na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional como modalidade de educação a educação para a pessoa idosa,

assegurando orçamento próprio e condições para que as pessoas idosas possam

finalmente ter o seu direito à educação garantido é condição “Sine qua non” para que

se normatizem e executem nas três esferas governamentais as ações educativas para

a pessoa idosa, já que sem orçamento próprio e sem a formalização na lei é

impossível que haja possibilidade de se falar em educação para a pessoa idosa. E,

por solicitações e encaminhamentos, obter esta resposta mais efetiva da garantia

desse direito à pessoa idosa não tem qualquer sustentação. A Educação para pessoa

idosa e a implantação das UEPIs (unidades de educação para a pessoa idosa)

espaços que deveriam funcionar como projeto piloto para abrigar a ideia de escola

que as idosas estavam propondo, foi uma proposta votada aprovada e mantida

integralmente em sua redação, na segunda Conferência Nacional de Direitos da

Pessoa Idosa, e sequer constou na redação final das deliberações da conferência.

Esta prova, pude obter não apenas na fala das idosas entrevistadas, mas ao analisar

a redação final das propostas encaminhadas para votação nas deliberações da

segunda conferência Estadual de direitos da pessoa idosa, já que o estado propositor

foi Minas Gerais. Mais ainda, por ter participado diretamente do processo como uma

das organizadoras da Conferência Estadual de Direitos da Pessoa idosa no Estado de

Minas Gerais, e como uma das delegadas do Estado para representar a população

idosa mineira na segunda conferência nacional de direitos da pessoa idosa. Ao

pesquisar as deliberações estaduais encaminhadas para a votação, e compará-las

com a redação final das propostas mantidas integralmente após a votação da

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segunda conferência nacional de direitos da Pessoa, pude observar que ela não

aparecia entre elas. Fora suprimida? Intencionalmente ou por erro? pelos técnicos do

Governo que elaboraram a redação final das deliberações? por acreditarem nesta

como uma proposta inviável? Mas então, nesse caso, onde se instauraria a força da

deliberação realizada?

Mendonça e Abigalil in BERZINS e MALAGUTTI (2007, p226) apontam quatro

outros fatos que elucidam esta questão presente nas falas das coordenadoras de

idosos e que revelam algumas facetas da violência contra a pessoa idosa: O primeiro

fato é a afirmação que fez a advogada Karina de Azevedo, do núcleo de direitos

humanos , especializado em violência contra a pessoa idosa (NUDH) de que 85% dos

casos que chegam lá são de violência econômica e além dos familiares, existem os

golpistas que se aproveitam das fragilidades dos velhos. Oferecendo-se para auxiliar

em operações bancárias se apropriam indevidamente do crédito e do dinheiro do

aposentado.

Já o segundo fato que aponta é a publicação do diário do Nordeste de 07 de

Junho de 2009, no qual os dados da Secretaria Municipal anunciam que 60% dos

registros de violência dos casos atendidos, envolvem a apropriação indevida de

dinheiro, via de regra, advindos da aposentadoria, e especifica que a violência vem

comumente de um familiar que na maioria das vezes utiliza o cartão da pessoa idosa

para fazer o empréstimo consignado, deixando esse idoso privado de remédios e até

de alimentação.

O terceiro fato é uma pesquisa realizada em todas as capitais brasileiras cujos

resultados revelam que a violência financeira apresenta grande destaque nas capitais

brasileira, inclusive com registro de reincidência.

O quarto fato que elas apontaram foi a publicação de um artigo em 25 de

março de 2007, em Brasília, cujo título da matéria foi “idosos estão no sufoco” que

revelou resultados de uma pesquisa na qual foram ouvidos 822 idosos aposentados e

revelou que 81,7 % dos entrevistados afirmam estar com as contas em atraso e que

48% dos idosos recorreram ao empréstimo consignado, e alguns deles hoje passam

fome para cobrir os juros.

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O quinto fato é que em outro artigo, publicado também no Jornal de Brasília

em 24 de junho de 2009 informava que nesta época existiam no país 22 milhões de

pessoas com 60 anos e mais e desse total, 15 milhões de pessoas utilizavam o

crédito consignado. Muitos deles eram contraídos principalmente por familiares ou por

pessoas inescrupulosas sem a autorização do aposentado. Em Belo Horizonte, uma

das coordenadoras, a partir de sua experiência, confirma que estes mesmos tipos de

violência também estão presentes no Município, replicando essa barbárie a que está

submetida a pessoa idosa no nosso país. Ao falar sobre as formas de rejeição a que

estão submetidas as pessoas idosas principalmente na família, questiona a

coordenadora CI5 (2012)

E porque que é que ele é rejeitado, porque as vezes, netos, bisnetos parentes. Eles ficam mais preocupados com o poder financeiro do idoso, com o dinheiro do idoso. Eu conheço muitos casos de pessoas que passam a mão no pouco salário, no parco salário do idoso para poder fazer farra por aí. Alguns até tiram empréstimo em nome do idoso e somem. Vão para as praias e o pobre do idoso fica lá passando necessidade. (CI5, 67ª 2012).

Fica claro na pesquisa, que quando elas falam do grupo como um espaço de amizade

em extensão à casa e à família estão associando isso à família que produz afetos

mais positivos, como citaram o carinho, aconchego, amizade. Mas ao falarem do

grupo como um espaço de amizade em oposição à família e a casa, utilizam aqui a

família que maltrata o idoso, que o violenta, e mesmo da família que cuida de uma

maneira formal, sem dispensar a atenção e o cuidado de escutar e prover o cuidado

afetivo necessário à pessoa idosa. Nesse caso o grupo seria um espaço em oposição

a este tipo de espaço familiar porque nele, as relações são vistas pelas

coordenadoras como relações amigas, sinceras, e não relações de obrigação, e

porque sendo compreendido e escutado pelos iguais o idoso possuirá interlocutores

que o auxiliarão a olhar para si mesmo como alguém, como pessoa humana, como

gente, e não como uma coisa da qual esse tipo de familiares apenas deseja se livrar o

mais depressa possível, como explicita a coordenadora CI 4 72ª 2006

Tem que melhorar a consciência de cada um Porque se é filho e não tem paciência com os pais. Às vezes os de fora tem mais paciência que os de casa. Eu cuido de uma dona [...] e vou todos os dias fazer o curativo dela, mas

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ela não tem filho, e se tivesse também não resolvia não, porque quando o filho casa a nora também não tem paciência com os velhos não. As noras só querem saber dos filhos da dona. Da dona elas não querem saber não. Elas não tão nem aí para os velhos. Eles que vão pro asilo. (CI4,72ª. 2012).

Esta dupla perspectiva do grupo como extensão e oposição ao espaço familiar

apareceu durante toda a pesquisa nas falas das coordenadoras, e o que pudemos

observar é que essas duas ideias sobre o grupo conviveram simultaneamente, ao

longo da nossa observação. O grupo ora é visto como extensão daquilo que é bom na

família, ora é visto como um espaço que se opõe à família quando esta é mencionada

como família agressora. Entretanto a idealização em relação ao grupo como espaço

sempre bom, da amizade verdadeira, do encontro sincero entre diferentes pessoas

também sofreu um processo de reflexão crítica ao longo da pesquisa e não raras

vezes ocorreram falas das coordenadoras que apontavam o grupo como algo que

também não é perfeito, e onde existem conflitos que necessitam ser trabalhados, para

que ele possa crescer.

4.2.3 O grupo como espaço político e de cidadania e equipamento social

destinado ao apoio à pessoa idosa a família e a comunidade

O cochicho das coordenadoras sobre o grupo como espaço social político e de

cidadania e simultaneamente, como equipamento social e político destinado ao apoio

à pessoa idosa à família e à comunidade, foi se desenvolvendo ao longo da pesquisa.

No princípio eram compostos de reinvindicações mais objetivas e pontuais quanto a

recursos públicos e auxílios relacionados às ofertas de lazer e de serviços que

pudessem atender as demandas que eram trazidas a elas pela comunidade na qual o

grupo estava inserido. Na medida em que a pesquisa foi avançando e que foram se

reconhecendo como sujeitos não apenas de direitos, mas sobretudo nas suas

condições de líderes e coordenadores desses equipamentos, e que foram discutidas

após as oficinas de capacitação para coordenadores e líderes de grupos de

convivência de idosos que realizamos na Universidade, mas já fazendo parceria com

a própria secretaria de assistência social da prefeitura municipal de Belo Horizonte,

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que era a instância pública a qual supostamente estariam ligados os grupos de

convivência , incluídos na Proteção Social Básica. A prefeitura municipal na época da

oficina de capacitação possuía apenas 37 grupos de idosos conveniados53. Em 2013

esse número já alcança hoje 67 grupos de idosos conveniados de acordo com a

informação da Secretaria de proteção básica 54 em site de acesso público e a

presença das estagiárias no grupo, foram somadas a essas reivindicações as

reivindicações relacionadas à sua participação nas decisões políticas, nos fóruns, nas

secretarias e nos espaços políticos para além dos gabinetes de vereadores, que

eram os únicos espaços que costumavam frequentar na câmara municipal ou na

Assembléia legislativa. Com o tempo foram refinando as demandas sobre os grupos e

ampliando-as para o nível das reinvindicações focadas nas políticas públicas, e no

reconhecimento desses espaços como um lugar não apenas destinado ao lazer ou a

encontros semanais dos idosos para conviver, já que isso por si só já tenha um valor

considerável para elas, mas sobretudo, como espaço propiciador da construção de

ideias e de proposições que precisavam ser escutadas e vistas pelo setor público.

Elas querem ser tratadas realmente como entidades parceiras, na execução das

políticas públicas uma vez que elas cumpriam e ainda cumprem como representantes

da sociedade civil, um papel que os governos não estavam cumprindo, não apenas

pelo fato de que o nascimento dos grupos é anterior à implantação da Política

Municipal do Idoso na Cidade de Belo Horizonte55 e antes mesmo de existirem

políticas e programas específicos para os grupos de convivência, mas sobretudo

porque acreditam que se fossem escutadas de fato, o idoso já estaria melhor

amparado pelos programas e serviços governamentais.

A listagem das principais ações realizadas pelas coordenadoras está descrita

no capítulo 5 “Da coxia para o Palco” serve para identificar as principais ações

desenvolvidas pelo grupo e para o grupo, que na fala das coordenadoras se configura

como espaço político e de cidadania. Mas para elas, embora tenham dificuldade em

53 De acordo com informações da GPRS, que ministrou parte das oficinas no ano de 2003 Gerencia de políticas e recursos Sociais da

Secretaria Municipal de Assistência Social.

54 Informação atualizada na pesquisa de acordo com a busca atualizada no dia 19/06/2014 no site da secretaria municipal de

assistência Social da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Endereço http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.

55A Política Municipal do Idoso foi instituída pela Lei nº 7.930, de 30/12/1999, e sua normatização pelo decreto lei

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estabelecer a diferença entre ações coletivas e ações cidadãs, a ideia de cidadania e

política andam juntas. As suas ideias expressam de forma muito interessante uma

aproximação com o pensamento dos estóicos56 sobre cidadania e política mais que

com os conceitos atuais de cidadania focados na perspectiva grega, onde o conceito

de cidadania e política estão mais atrelados ao exercício e gozo pleno do direito e do

dever, sendo que o direito significa direito à propriedade. Já os estóicos apresentam a

cidadania como o livre exercício do bem comum, envolvendo ações que agregam

funções ou deveres do ser racional, capaz de salvaguardar sua própria vida e a de

seus semelhantes: São eles os cuidados do corpo, exercícios de amizade e de

beneficência, deveres de família, funções políticas. O cumprimento destas funções,

pode existir em todos os homens, e nascer assim uma moral secundária, uma moral

de imperfeitos válidas para todos. Partem do pressuposto de que a vida contemplativa

e a vida prática não se separam, portanto ao desenvolver suas ações práticas o

homem reflete e ensina regras de condutas por meio dessas ações. O ensinamento

do sábio de agir com virtude, buscando o bem em todos os momentos de sua vida,

cidadania é compreendida na dinâmica do homem atuante. Elas presumem que não

existe política sem amizade, porque é a amizade que irá permitir reconhecer e

respeitar as diferenças de cada um. Portanto a participação comunitária é o exercício

do bem comum voltado para melhorar a vida de todos. É interessante que esse

interesse pelo cuidado de si mas também do outro são inseparáveis no pensamento

delas e não raras vezes seus cochichos trazem estas questões: A coordenadora

revela:

O grupo de convivência poderia ser transformado num espaço onde os idosos pudessem manifestar suas particularidades, trocar experiências e falar o que tinham vontade, sem censura. Um espaço no qual pudesse caber toda aquela diversidade do envelhecimento, dos idosos de Catanduva, da aclimação, de campos do Jordão, de São José dos Campos, de Sabará, de formiga, de Montezuma, de Belo Horizonte, de Ouro preto, , enfim, de todos os campos e de todas as minas, e que pudesse acolher os diferentes choros e os diferentes sorrisos, sem dar a eles o nome da doença, da loucura, ou os nomes que parecem reduzir toda a vida de alguém em palavras como velho, idoso, e outras mais.[...] A eleição como coordenadora significou para mim uma nova etapa na minha vida pois percebi que tinha um longo caminho a

56 O falar franco ou o falar verdadeiro para si e para o outro, é a parresia, segundo Foucault

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percorrer e ao mesmo tempo uma excelente oportunidade para que eu pudesse realizar o sonho de contribuir com os idosos na construção de um espaço que possibilitasse a eles sair do lugar comum, aprender sobre os seus direitos e por eles lutar com persistência, celebrando a vida em cada dia de sua existência. (CI5 - 67a, 2012).

Neste cochicho, são trazidos alguns elementos e símbolos que unem estas

ideias desta coordenadora com o pensamento dos estóicos sobre cidadania e política,

sobre vida contemplativa e experiência prática uma vez que sua fala dança sobre

pontos que pareceriam contrários para alguns, como se fossem complementares. Por

exemplo, o grupo como espaço para manifestação das particularidades de cada idoso,

espaço de intimidade no qual ele pudesse trocar experiências e falar o que tem

vontade sem censuras. Mas esse espaço igualmente é um espaço para a

universalidade, um espaço no qual cabem culturas diferentes, idosos de vários

lugares, toda a diversidade do envelhecimento. É interessante notar a proximidade

desse cochicho com a afirmação dos estóicos de que a cidade é para todos.um

espaço onde os homens atuem. Diferentes homens de vários lugares. Uma cidade

que deve acolher as diversidades do homem no mundo inteiro, esse é o pensamento

dos estóicos.

No caso das coordenadoras, esse espaço de amizade e cidadania, é também

um espaço que pode acolher os diferentes choros sem nomeá-los a partir de um olhar

carregado de preconceitos e estereotipias reducionistas. Enfim, um espaço de

aprendizagem sobre direitos, de luta persistente por esses direitos, mas de celebração

da existência simultaneamente, e mais ainda, a coordenadora fecha sua fala

amalgamando uma vivência tão material, concreta, e racional, como a de luta por

direitos, com algo da emoção sentimento, e portanto da subjetividade e do afeto como

a celebração da existência. Para além do racional, está também a comemoração,

onde elas se diferem dos estoicos, porque os sentimentos as emoções também

também para elas, mas de forma diferente da paixão que também consideram

aproximadamente dos estóicos, não propriamente um vício, mas, uma reação

sentimental irrefletida. As emoções e sentimentos advindos do amor, como cuidado de

si e do outro, aqui se manifestam por meio de ações refletidas, embora não passíveis

de racionalização completa.

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Na pesquisa sobre essas falas, pode-se ver que ações e personagens

convertem-se para uma atuação dinâmica que não separa o homem de suas origens,

ao contrário une-o a todos os elementos simbólicos, culturais e afetivos e,

principalmente à linguagem e à consciência numa atividade da qual não apenas elas

se beneficiam, mas que beneficia a todos. Ou seja, equivalente à prática do bem

comum sobre a qual o sábio se exercita, até nas suas atividades e reflexões mais

simples. A cidadania aqui é muito diferente do exercício do direito sobre a

propriedade, como no pensamento grego,57 mas é o exercício e a prática do bem

comum na pólis. Não há diferença aqui entre política e cidadania, mas uma

continuidade entre ambas, já que a pólis é ao mesmo tempo um lugar para todos e um

lugar para si mesmo. É a própria coordenadora CI5 67ª quem assim se pronuncia ao

falar do seu gosto pela literatura e pelo cinema, e especialmente pela literatura e pela

dramaturgia:

Lembro-me que na passagem do segundo para o terceiro ano ginasial, quando me perguntaram o que eu queria ser, eu disse que queria ser escritora porque queria escrever para as crianças ou para os velhos. Cheguei a reescrever a novela direito de nascer, de um jeito diferente, com o título “Lágrimas de Rafael” dando ênfase à história do Rafael Juncal, um dos personagens que na trama original de Félix Canhê, depois de uma trajetória de vida materialista e desumana, acaba envelhecido, desprezado e em completa solidão. No meu escrito, Rafael se recuperava integralmente. Ele, que era racista, ficava viúvo e se apaixonava pela Maria Dolores, que era negra, e dedicava sua vida a cuidar dos escravos e servos de sua fazenda, e era perdoado pelo Neto e pela filha que se tornara freira. Ele conseguiria afinal reescrever sua própria história na velhice. (CI5 – 67a, 2006).

Aqui a coordenadora se une à sua história. Constrói esta história não

isoladamente, mas na tessitura da história de todos os homens, na tessitura da

política, da arte, da ciência, da vida. E aqui, vida como experienciação ou vida como

(com) vivência consigo e com os diversos outros, com os diversos mundos ao longo

de sua existência, demarcada pelas diferentes atividades, por meio das quais se

repetem as composições que faz de si com o que se apropria do mundo. Não

responde como um discípulo a um mestre que lhe diz o que e como fazer, mas guia-

se por uma conduta que não mais se presta a “reagir” diante das diferenças,

57

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assimilando-as ou rejeitando-as segundo alguma hierarquização do que é bom ou

mau, mas a “interagir” continuamente com as diferenças experimentando-as e

produzindo significações sobre essas diferenças. Manter–se como cidadão no sentido

de ser humano que age em si mesmo e sobretudo, a partir desta ação, “interage” na

cidade e no mundo transformando-o, requer uma postura atenta de prestar atenção

nos homens e nas coisas, mediada pelos sentimentos de experienciar as afecções

que resultam dessa atenção e significá-las, criando conceitos que possam ser

novamente socializados, partilhados com o outro.

Desta forma, a ação de reescrever o drama “O direito de Nascer”, uma

radionovela que marcou aquela época; para esta coordenadora, além de ser uma

forma ousada de exercer sua singularidade, atribuindo a essa história uma outra

interpretação, foi uma maneira de interpretar sua própria vivência com questões que

brilhavam na sua trajetória como o preconceito racial que sofreu, e que esteve

presente diversas vezes na entrevista, sempre com respostas e ações refletidas, mas

sobretudo sentidas. Nesta fala trazida pela coordenadora sobre a escrituração do

drama, na sua versão o final da novela se dá com a transformação de Rafael Juncal o

desumano e materialista, tendo uma nova chance.

Ao observar as suas respostas ou indicações para o final da trama, ela aponta

um resgate cultural ético e político de Rafael Juncal, na medida em que ela propõe

uma quebra com os padrões de pensamentos e conceitos que sustentavam no

personagem, sua conduta racista. Mas de que forma ela concebe isso? Por sua

racionalidade apenas? não, mas pela junção entre pensamento afeto consciência e

atividade. O grande afeto aqui foi o sentimento que Rafael desenvolveu por uma

pessoa negra que é subalterna. Ou seja, ele resgata a si pela paixão, que para ela é

um sentimento não refletido, um bom encontro simplesmente, e não por algo racional.

Mas ao mesmo tempo, capaz de promover essa junção entre esses sentimentos

ressignificados, e uma ação refletida a partir deles.

O personagem consegue superar a solidão e o desprezo resultantes do seu

desvio do exercício da cidadania e da política como prática do bem comum” Ele, que

era racista, ficava viúvo e se apaixonava pela Maria Dolores, que era negra”. Mas, de

alguma maneira o amor de Rafael Juncal por Maria Dolores, se generalizava para o

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cuidado do outro, para prestar atenção no escravo e no negro. E por isso “dedicava

sua vida a cuidar dos escravos e servos de sua fazenda,”

A redenção de Rafael Juncal na história e o perdão que lhe é oferecido pela

filha, na minha interpretação de segunda mão, traduz o desfecho que ela também

vislumbrava internamente para a sua própria história: o perdão que poderia dar aos

seus algozes. Nesse caso, não um perdão por doação, pela sua bondade ou por

gratuidade, ou pelo próprio arrependimento do algoz, que de mal se transforma de

repente em bom. Aqui ela constrói uma outra ideia de perdão. Um perdão concedido

pela filha que se tornara freira, mediante a ação de Rafael de cuidar dos negros que

antes desprezava e explorava. Ou seja um perdão que é produzido como fruto ou

resultado de uma ação implicada do sujeito que ao transformar seu modo de ser

acreditar, sentir, ver e fazer, influencia e provoca nas pessoas a mudança dos afetos

que devolvem a ele. Porque a ressignificação do pensamento/consciência e

linguagem, na ação do sujeito sobre o mundo cumpre o papel produzir um novo lugar

ou a ressignificação do próprio sujeito que age. Portanto, essa redenção de Rafael

Juncal traz uma nova resposta da vida para ele, a saber: ele conseguiria afinal

reescrever sua própria história na velhice.

Se observarmos com atenção esta história, no contexto de quem a escreveu,

podemos observar um fato: que tal como neste drama, se inscreveu, em parte, a

história desta coordenadora, filha de um militar, e que anos depois de escrever o

conto se tornou de fato uma religiosa. Mas poderíamos inferir que embora o Rafael se

resgate pela ação libertadora, a mulher negra , Dolores ainda é vista pela

coordenadora, como alguém que recebe, a benesse da paixão do patrão ou a

proteção masculina e a sua liberdade se dá ainda de cima para baixo e não advinda

da própria indignação e luta por direitos dos escravos? ou poderíamos interpretar em

terceira mão que o escrito que esta coordenadora fez da história se inscreveu primeiro

no cuidado de si e já demarcava questões de sua própria história ,cujo ato de

escrever, provocou a ordenação de certos sentimentos relacionados aos

acontecimentos que mais a afetaram, e desta maneira, a construção da resposta

subjetiva e também objetiva que ela deu ao lidar com a própria discriminação

experimentada em diversos momentos e em diferentes situações?

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Eis aqui a grande diferença existente entre a psicologização do sujeito numa

escuta que se prestaria a produzir respostas elementares a partir de teorias ou a partir

de um olhar sobre o outro como objeto de estudo, e uma escuta implicada na escuta

que o próprio sujeito faz de si mesmo e do mundo, e que sem dúvida alguma é

também contaminada pela história e pela escuta do pesquisador. A linha tênue que

separa uma e outra postura está no valor que o pesquisador atribui à sua

interpretação do mundo.

Estas questões acima no caso desta pesquisa, serviram não para afirmar

senão apenas para instigar- com essas questões, a minha curiosidade como

pesquisadora sobre esses processos de subjetivação e tentar escutar mais a

coordenadora a partir do que trazia no seu discurso e na sua ação, como forma de

distinguir-se, como questões da condição humana, tal como aponta ARENDT (1989) e

com isso possibilitar o aprofundamento do seu olhar sobre si mesma e sobre a seu

próprio discurso. Isso, não para servir de base para afirmar algo sobre os fatos

pesquisados ou interpretá-los, pois a maior interpretação, ou a interpretação de

primeira mão, como afirma GEERTZ(1989) é realizada pela própria coordenadora que

na sua atividade cotidiana nas coxias, e isso podemos afirmar, a partir de suas

palavras, e de suas ações, continua cochichando, esperançando, e escrevendo a sua

história de uma forma tão intensa e afetada, que por meio da tradução de seus

próprios afetos, possibilita a reescrituração da história de seus agressores, dos idosos

a quem lidera, e quem sabe com isso, um pouco da história da humanidade, mediada

pela história de si mesma.

Afinal estar politicamente engajada, na concepção daquela coordenadora, é

prestar atenção na vida, nos homens e no que os rodeia, e agir refletidamente sobre

os afetos resultantes dessa atenção, não a fim de criar modelos, mas ao contrário, de

romper com eles, no que diz respeito à fixidez dos conceitos sobre o homem e sobre a

realidade, esperançando um mundo melhor e uma humanidade melhor.

O coordenador precisa passar segurança, esperança e confiança para o grupo, porque o membro se sentindo seguro começa a desenvolver aquelas potencialidades que ele traz dentro de si e se torna um ser significativo, um idoso que sabe o que quer, e tem atitude[...] Porque a velhice não tem uma cara. Ela tem várias e porque o homem não pode parar de aprender e de sonhar e de partilhar seus sonhos. E o velho não é uma árvore sem raíz é

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uma árvore que ainda dá frutos, e pode gerar muita sombra para os que virão depois de nós, basta fofar a terra, adubar e regar com carinho Essa é a grande missão da humanidade. Sonhar e cultivar a vida de cada ser humano como se fosse um enorme pomar e um belo jardim para que as outras gerações possam colher Frutos mais saborosos e flores mais lindas e perfumadas. Obrigado. (Riso) Acabei. Tá bom ( CI5.67ª 2006)

Essa experiência do grupo como espaço de cidadania, fica evidente na

transformação que acontece com as idosas participantes do grupo e no reflexo disso

sobre as pessoas da comunidade em que participam, porque ao conviverem se

escutam e se organizam. Ao se organizarem saem das alcovas dos lugares que

antes se reuniam e se encontravam quase escondidas, para ocuparem a cidade e

para darem a conhecer uma outra velhice, ou outras possíveis velhices como salienta

Guita Grinn Debert(2006) ao contrapor a perspectiva apenas demográfica que analisa

a velhice a partir de um problema social, e atentar-nos ao fato de que existe um

universo social e cultural a ser apreendido na compreensão da velhice, tanto no que

diz respeito às pressões formadoras de categorias classificatórias, que demarcam o

papel social do velho, bem como dos eufemismos existentes, na contemporaneidade.

O grupo de convivência por exemplo atribuiu o nome de grupo de terceira

idade, no início de sua criação, segundo depoimento das coordenadoras, por uma

questão de identificação da maioria das pessoas do grupo com esse termo, porque

que parecia mais brando e mais descolado de alguns estereótipos, ligados à palavra

velho. Segundo as coordenadoras isso abriu as portas do grupo a pessoas de 50 anos

e mais que não são ainda idosas, e que se sentem também mais incluídas nos grupos

de terceira idade que em outros grupos, entretanto não se identificariam com o termo

idoso. Por outro lado os grupos de terceira idade nasceram de uma perspectiva e

modelo de atividade do SESC, ainda que ligados às suas comunidades de origem. O

SESC- cunhou esse termo referindo-se na época as pessoas idosas na faixa etária de

60-75 anos que constituem ainda hoje a maioria dos participantes desses grupos.

Além disso nas instâncias de participação política, nos fóruns e nos conselhos os

grupos de convivência de idosos são nomeados como grupos de terceira idade. Mas

se por um lado o nome terceira idade significa mais um período entre outros possíveis

no ciclo de vida das pessoas por outro, as coordenadoras ao longo desse tempo de

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pesquisa, foram utilizando mais o termo idosa como atribuição a si mesmas e aos

participantes do grupo.

Enquanto no início da pesquisa o termo idoso e idosa era significado como um

atributo próximo a velho e por isso mesmo era raramente utilizado, de maneira que o

termo pessoas da terceira idade era mais usado que pessoas idosas, com o passar do

tempo as novas formas de ressignificar a velhice também foram se expressando na

mudança da linguagem. Podemos ver que nas entrevistas e também entre elas

mesmas, comumente o termo idoso e idosa é empregado para se referirem sempre

aos participantes dos grupos com isso é algo defendido ou colocado como ponto

central. Ao contrário, Nesse aspecto o grupo de convivência, mais que um espaço de

cidadania é uma invenção que provoca o olhar da sociedade quanto à pessoa idosa e

a velhice, e a faz interrogar sobre o que está posto a respeito disso. Mas sua

excelência sobretudo está em que além de provocar a sociedade, convida a própria

pessoa idosa a sair da “mesmice” e desafiar a si mesma no que construiu a respeito

de si e das formas de envelhecer. Afinal sobre isso, MERCADANTE (2010) também

afirma que a mudança de uma concepção de velhice marcada por uma identidade

deteriorada, que a afirma contrastivamente, será pela via da produção de novas

significações e invenções que possibilitem novos devires velho na sociedade

contemporânea.

Essas possíveis formas de apropriação de si e de seu espaço vivido, no que

diz respeito à cidadania, segundo aponta TÓRTORA (2008), não ocorrerão sem

desafiar os dispositivos de poder e de controle sobre os corpos e sobre a vida que

alimentam inclusive as principais ações do Estado como a política que reduz a velhice

a uma questão social e o idoso a um sujeito de direitos, como a ciência que reduz a

velhice a uma questão biológica e o corpo velho do velho a corpo doente, mantendo-o

aprisionado como objeto de estudo; e a cultura que cuida de transmitir e reproduzir

barbáries como a que reduz o homem a uma máquina marcada pela sua capacidade

produtiva e o tempo, ao tempo cronológico, esvaziado do sentido e da experiência.

Pode-se ver que essas idosas desafiaram algumas dessas construções postas

sobre o velho e sobre a velhice. Aliás, como observadora participante e agente no

processo de pesquisar, eu diria, que essas mulheres pesquisadas desafiaram e

desafiam todos esses dispositivos de dominação citados, e têm conseguido

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ressignificar a si mesmas e ao grupo de convivência cotidianamente nesse espaço de

quase duas décadas que as acompanho, embora os resultados não sejam tão visíveis

em números ou em dados estatísticos. Desafiaram, mas continuam ainda desafiando

os dispositivos de dominação, principalmente, empunhando quatro poderosos

dispositivos que brilharam nesta construção histórico cultural das coordenadoras-

sujeito durante o processo de pesquisa. A saber: o cochicho (falar franco ao amigo e

sussurrado ao ouvido) a escuta ( silêncio, comprometimento, implicação), a

convivência nas coxias, ( experiência e vínculo de amizade) o afeto (potência de

agir, transformar, apropriar e expandir ) que mediaram as transformações cotidianas

segundo pode ser observado no que relata esta mesma coordenadora em momentos

diferentes de sua entrevista e que preferi condensar para finalizar o texto com suas

próprias palavras, sinais contundentes de sua própria interpretação CI5-67ª (2012)

No princípio, as idosas eram mais arredias e quase não saiam de casa. Algumas viviam aprisionadas pelos maridos ou por uma forma equivocada de imaginar o lugar da mulher na família, até por uma herança cultural. Lembro bem que a primeira vez que fomos num clube, várias delas ficaram intimidadas de colocar um maiô, de entrar na piscina, parecia que estavam cometendo um pecado, ou que as pessoas iriam criticá-las. As estagiárias foram trabalhando a relação do idoso com o próprio corpo, o toque, a exploração dos sentidos, das emoções, que segundo elas, passavam também pela pele...pelos poros. Hoje, o grupo é outro[...] As relações interpessoais foram se modificando. Elas conseguiram se compreender mais, criar laços maiores umas com as outras, ampliar o relacionamento e ampliar a rede de convivência em vários espaços, inclusive nos espaços públicos, na luta por conquistas de maiores espaços de cidadania. [...] Qualquer coisa que aconteça com uma delas faz com que as outras estejam por perto prestando ajuda, visitando, apoiando. Além disso, o grupo hoje parece um formigueiro. A comunidade aprendeu a olhar para as idosas de forma diferente porque elas andam juntas no meio da rua, tagarelando tanto, que as vezes até incomoda quem está por perto. Quando vamos ao cinema ou ao teatro em grupo, voltam cantando, o que faz com que várias pessoas fiquem olhando, querendo saber se é uma procissão ou coisa parecida. (CI5-67a, 2012).

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4.2.4 O grupo de convivência como espaço de aprendizagem: “a escola da

vida” na trajetória de quem não teve “vida na escola”

Antes de iniciar os cochichos das coordenadoras sobre esse tema, quero considerar

duas questões fundamentais na consolidação dos direitos da pessoa idosa que são: a

educação- algo sobre o qual o olhar da sociedade e dos pesquisadores ainda

precisam se debruçar de maneira mais aguçada, afim de discuti-la não apenas como

direito humano, fundamental e social, mas sobretudo, como direito expropriado

durante toda a vida de grande parte da população brasileira com 60 anos e mais; e as

questões de gênero no processo de envelhecimento, uma vez que ao verificar a

população idosa no Brasil, na sua forma de distribuição por sexo, segundo apontam

os dados estatísticos do IBGE em 2011 a taxa de participação das mulheres foi de

51,04% da população nacional. Mas esta maioria feminina é composta de pessoas

com mais de 60 anos; e segundo os dados da PNAD/IBGE 2012 as mulheres nesta

faixa etária compõem um total de 13.111 milhões, o que representa 55,53% das

pessoas nesses grupos de idade. Portanto a feminilização da velhice deve ser

considerada em qualquer proposição que se faça de programas e serviços destinados

à população idosa brasileira.

Neste item, opto por discutir primeiro as vozes sobre a educação. De um

conjunto de autores que tem se debruçado sobre a educação como um direito , nas

últimas décadas e participado de comissões interministeriais, comissões técnicas e

grupos de estudos em organismos internacionais para que ao mostrar o cohicho das

idosas o leitor possa identificar algumas ações possíveis ou lacunas no direito que

venham contribuir tanto na sua própria escuta desses cochichos, quanto para clarear

alguns conceitos sobre o direito à educação no Brasil, e especialmente o direito da

pessoa idosa à educação.

Sobre a educação, Alguns dados estatísticos do IBGE de acordo com o censo

de 2010, apontam que há 3.169 milhões de mulheres com mais de 60 anos não

alfabetizadas no país. Este número representa 33,77% do total de mulheres não

alfabetizadas. Ou seja, mais de um terço do percentual de analfabetismo das

mulheres brasileiras recaem sobre a mulher idosa, o que vai significar que a maioria

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das mulheres idosas brasileiras são analfabetas ou não concluíram sequer o ensino

fundamental, e um pequeno percentual delas acessou o ensino superior. E se a

educação da pessoa idosa enquanto direito fundamental ainda é um tema pouco

discutido nas escolas e nas pesquisas, isso reflete a imaturidade política dos nossos

intelectuais e principalmente da própria ciência gerontologia que apesar do esforço

insistente das produções acadêmicas nas duas últimas décadas, na maioria das

produções de pesquisa tem repetido mais o lugar comum da velhice e do idoso no que

tange os seus direitos fundamentais, interessando-se pouco em propor mudanças

inovadoras e soluções para a redução das desigualdades sociais. Ou se debruçando

sobre zonas de obscuridade na consolidação dos direitos da pessoa idosa como por

exemplo o é a temática da educação. Isso ocorre segundo NEGRI (2001).” porque

lhes falta a compreensão da velhice como um tempo de plena potência do

homem. Uma potência que não tem mais necessidade de se expressar na

produção exclusiva das coisas, mas numa produção de si e da própria

humanidade nas coisas”. Grifo meu. Assim sustenta a firmação de (NEGRI, 2001, p.

50) ao falar sobre a senectude a educação e o trabalho.

O que me agrada é a suavidade; é o tempo, a intelectualidade, a imaterialidade das relações. Só começamos a ter esse tipo de relações quando já temos certa idade, quando já fizemos um certo tipo de reflexão. É um hedonismo. Porém, um hedonismo superior que as pessoas chamam de velhice e que é preciso recuperar por completo, Na verdade, é a mais elevada forma de vida. [...] Faço isso opondo-me a concepções terrivelmente irracionais e idiotas da vida e da morte, da juventude e da velhice, que foram inventadas quando o ritmo da vida era diferente e quando a média da esperança de vida não ultrapassava os 35/40 anos. Ainda pensamos como se fôssemos homens da antiguidade, entretanto pertencemos a um mundo em que viver até os cem anos é o mínimo [...]Chegamos a algo que diz respeito a uma mudança radical na ontologia do presente. E, no entanto, parece-me que sobre o problema do envelhecimento só se repetem lugares comuns [...] (NEGRI, 2001, p.50).

De outra forma, compreender os processos educativos que seriam

potencialmente significativos para produzir mudanças na vida da pessoa idosa e de

sua família requer do pesquisador debruçar-se sobre a velhice como potência humana

para aumentar a suavidade e a produção de relações imateriais entre os seres, e na

educação como um processo comunitário engajado tanto na política do bem comum,

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com a finalidade de obter um resultado mais universal na formação e na

potencialização humana, e com vistas à invenção de um mundo mais solidário onde

os saberes possam ser empregados principalmente como forma de melhorar as

relações comunitárias e de cuidado do homem e da humanidade; bem como de

desenvolver a atitude ético política de vigilância sobre os desvios e os vícios do “saber

poder” 58 para manter, por meio do saber produzido tanto individual como

coletivamente o sentido de viver em comunidade e o crescimento para todos os

envolvidos, o que naturalmente produzirá na redução das desigualdades. Faz-se

necessário revisar o que alguns especialistas trazem sobre as questões materiais e

imateriais do direito à educação e o que podemos aplicar em relação à educação da

pessoa idosa. Fazendo uma pequena síntese das principais afirmações de

TORRES59, sobre o direito à educação:

Em primeiro lugar é preciso compreender que a educação é um direito humano e um

direito fundamental:

Isto significa que como direito humano consta nas normas de direito

internacional e se refere ao ser humano como tal, válido para todos os homens em

todos os tempos e lugares e tem caráter supra nacional, enquanto que como direito

fundamental é um direito do ser humano reconhecido e positivado constitucionalmente

em um determinado Estado e tempo, ou seja, é um direito objetivamente vigente

numa ordem jurídica concreta.

Disto pode-se concluir que como direito humano e fundamental a educação

terá garantias nacionais e internacionais.

A combinação do artigo 205 da constituição federal com o artigo 6º da

Constituição Federal de1988 elevou a educação a um direito fundamental de segunda

geração (direito social), advindo a afirmação de que a educação é um direito de todos.

E os direitos fundamentais estão ligados a constituições de estado social democrático

de direito, que se caracteriza pelo dever do Estado em realizar os objetivos sociais e o

direito dos indivíduos de exigi-los.

58 Bacharel e mestre em direito e coordenadora da escola superior de advocacia no texto/artigo A convenção da Unesco conta a

discriminação no ensino, a Constituição brasileiras e as políticas públicas inclusivas in RANIERI, Nina, Beatriz. S (Coord.) e

RIGHETTI, Sabine (org) Direito à Educação: Igualdade e discriminação no ensino. São Paulo, Edusp 2010. P.181-208.

59

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161

A constituição de 1988 os direitos fundamentais no título II ‘Dos direitos e

garantias fundamentais sendo que a educação está no capítulo II Dos direitos Sociais

no artigo 6º e uma vez que a educação é um direito social é um dever do Estado e

exige prestações por parte deste para afastar as desigualdades sociais e oferecer

condições de sobrevivência para os indivíduos. Desta forma é obrigação do Estado

ampliar cada vez mais a possibilidade acesso a educação a todos para que todos os

homens venham a exercer igualmente o direito à educação e esse direito seja pleno

efetivo. E como direito fundamental é absoluto e de cumprimento imperativo e para

tanto são necessárias políticas públicas efetivas e initerruptas de longo prazo e ações

de curtíssimo prazo para que essas políticas se materializem.

Para Norberto Bóbbio 60 os direitos fundamentais evoluíram em sua

fundamentação em três etapas. A primeira como direitos de liberdade, a segunda

como direitos políticos e a terceira como direitos sociais, entretanto, segundo ele, para

além de fundamentá-los é necessário protegê-los e isso é muito diferente de apenas

proclamá-los.

Concluímos então esta pequena discussão sobre a educação como direito com a afirmação de CAGGIANO61(2009)

No contexto atual não nos parece subsistir dúvidas quanto à inclusão do direito à educação no elenco dos direitos humanos fundamentais, amparado portanto por um quadro jurídico constitucional que vem a lhe assegurar, também, um sistema de garantias. É direito fundamental porque de uma banda, consubstancia-se em prerrogativa própria à qualidade humana, em razão da exigência de dignidade, e, de outra, porque é reconhecido e consagrado por instrumentos internacionais e pelas constituições que o garantem”. (CAGGIANO, 2009, p.22).

Como pode ser visto neste pequeno texto, a educação sob o prisma do direito,

como direito humano fundamental e social garantido nacional e internacionalmente, ao

ser efetivado, é instrumento sine qua non para que a pessoa idosa possa se inserir

socialmente, e possa construir uma velhice com dignidade, mais ainda, para que a

efetivação da cidadania possa propiciá-la melhores condições de sobrevivência e

60 Norberto Bóbbio in A era do direito Trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Elsevier 2004, p 52-56

61 Caggiano, Monica Salem in RANIERI, Nina Beatriz, S. Direito à Educação: aspectos constitucionais. São Paulo Edusp 2009,

p22

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inclusive de acessar os demais direitos, como a saúde , a mobilidade (ir e vir), e a

livre- expressão.

Feita essa pequena síntese da educação como direito é importante situarmos

também em segundo lugar: alguns conceitos fundamentais de educação que

poderão contribuir para ampliar o nosso olhar sobre a interpretação das

coordenadoras sobre os seus cochichos:

A) O conceito de educação adotado pela UNESCO 62 (Organização das Nações

Unidas para Educação, Ciência e Cultura: é o “processo global de sociedade pelo qual

as pessoas e os grupos sociais aprendem a assegurar conscientemente, no interior da

comunidade nacional e internacional e em seu benefício, o desenvolvimento integral

de sua personalidade, das suas capacidades, das suas atitudes, das suas aptidões e

do seu saber.

B) O conceito de Educação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem definiu a

Educação como “a soma dos procedimentos pelos quais em qualquer sociedade, os

adultos tentam inculcar nos mais jovens as suas crenças, costumes e outros valores.

Ensino ou instrução visa em particular, a transmissão dos conhecimentos e a

formação intelectual. Ensino seria portanto, educação na escola”

C) O conceito de educação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

63Define a educação da seguinte maneira: como processo, a educação envolve ou

requer determinados componentes básicos: o professor, palavra que tem a mesma

raiz de professar, do latim professus, aquele que declarou, prometeu, no sentido de

declarar ou confessar publicamente ou de modo inequívoco, a aceitação, a adição de

ideias, regras, seguindo-as e respeitando-as regularmente para uma determinada

formalidade. E no caso: ensinar é também formar o aluno, objetivo principal, e pessoa

para a qual convergem todas as ideias, regras, informações, atenções e cuidados que

uma pessoa requer, e que deve ser a preocupação básica do Estado e da Nação.

62

UNESCO é o acrónimo de “United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization” (Organização das Nações Unidas

para a Educação Ciência e Cultura). Trata-se de um organismo da ONU que foi fundado em 1945 e cuja sede social se encontra em Paris (França). A UNESCO dedica-se a ajudar as nações a gerirem o seu desenvolvimento através da preservação dos recursos naturais e culturais. O objetivo é que cada povo possa modernizar-se e inserir-se no panorama mundial sem perder a sua própria identidade.

63 “A nova lei de diretrizes e bases da educação Nacional” cadernos de direito constitucional e ciência política n 23, São Paulo,

Revista dos tribunais, 1998, pp59-60 apud SANTOS(2010) in A Educação especial em face da convenção da Unesco contra a

discriminação no ensino.

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163

D) Conforme estabelecido no Artigo V da Convenção relativa à luta contra a

Discriminação no Campo do Ensino, de 1960, deve ser o pleno desenvolvimento da

personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos e das

liberdades fundamentais e que deve favorecer a compreensão, a tolerância e a

amizade entre todas as nações

E) O conceito de Paulo Freire: a educação é uma forma de intervenção no

mundo[...]Quando falo em educação como intervenção, me refiro tanto à que aspira a

mudanças radicais, na sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da

propriedade, do direito ao trabalho, a terra, à educação, à saúde, quanto à que, pelo

contrário, reaccionariamente, pretende imobilizar a História a manter a ordem injusta.

(FREIRE, 1997, p123).

F) O conceito de educação contido na carta de ecopedagogia proposta por Moacir

Gadotti para a Unesco: uma educação para a cidadania planetária tem por finalidade

a construção de uma cultura da sustentabilidade, isto é, uma biocultura, uma cultura

da vida, da convivência harmônica entre os seres humanos e entre estes e a

natureza. A cultura da sustentabilidade deve nos levar a saber selecionar o que é

realmente sustentável em nossas vidas, em contato com a vida dos outros. Só assim

seremos cúmplices nos processos de promoção da vida e caminharemos com

sentido. Caminhar com sentido significa dar sentido ao que fazemos, compartilhar

sentidos, impregnar de sentido as práticas da vida cotidiana e compreender o sem

sentido de muitas outras práticas que aberta ou solapadamente, tratam de impor-se e

sobrepor-se a nossas vidas cotidianamente. Gadotti (2007. P.20)

Tomando por base as definições de educação como direito humano,

fundamental e social, e o conceito de educação de Freire (1997. P.23), e escutando o

que reivindicam hoje nos seus cochichos as coordenadoras pesquisadas, é fácil

perceber que o foco desse processo educativo deve ser na experiência da

aprendizagem como algo singular que requer uma prática educativa de escuta atenta

e de vigilância tanto dos sujeitos envolvidos como da comunidade, para evitar esses

desvios da educação que acabaram por produzir tanto esta expropriação sistemática

e leviana dos direitos da pessoa idosa, quanto a passividade da sociedade civil diante

da questão. Portanto o pesquisador precisa compreender a educação na sua

dialogicidade com a cultura, e na sua interação com o espaço comunitário e com as

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ações dela decorrentes. Mas já que é um direito tão garantido, porque isso se torna

tão distante da realidade das pessoas idosas? O que faz com que não seja visto o

óbvio em relação à educação da pessoa idosa: que esse direito lhes tem sido

expropriado visivelmente e nada se faz? Se é direito absoluto, porque o ESTADO não

se pronuncia por meio de políticas e ações que façam garantir esse direito? E porque

a família, a sociedade e a própria pessoa idosa não reclamam esse direito?

importante lembrar a frase de Norberto Bóbbio, já citada anteriormente “proteger os

direitos fundamentais não é meramente proclamá-los”. E o que o ESTADO tem feito

após esses dez anos promulgação do Estatuto do Idoso é apenas proclamar o direito

à educação da pessoa idosa, pois ele continua sem efetividade uma vez que não há

inclusão no PNE, nem na LDBEN, que seriam as leis que garantiriam a reserva

orçamentária para incluir a pessoa idosa na educação bem como a execução de

programas e projetos específicos para a educação da pessoa idosa. Ou sequer como

propõem alguns que o próprio PEJA possa dispor de recursos específicos para propor

salas e cursos especiais em unidades e salas especiais salvaguardando as

singularidades da aprendizagem da pessoa idosa já que esse segmento da população

estaria incluído no grupo adulto.

Esta medida foi reclamada pela população idosa e Inclusive foi uma

deliberação da segunda conferência Nacional de Direitos da pessoa idosa, aprovada

pelos delegados representantes da sociedade Civil e governamental que dela

participaram. Mas por manipulação política, e de forma arbitrária, segundo elas, a

proposta foi misteriosamente suprimida da redação final da Conferência. Esse ponto

será discutido com maior profundidade no próximo item de discussão dos cochichos

quando forem apresentados os cochichos das idosas sobre participação política. Mas

é importante avançar e descrever um pouco da realidade que se evidencia no modelo

de educação que prevalece no Brasil, com o objetivo de compreender o cenário em

que se dão os cochichos das idosas do ponto de vista da educação

O modelo atual de educação no Brasil e que prevalece na formação dos

brasileiros, é o modelo de base desenvolvimentista no qual as escolas funcionam

como fábricas de títulos e como uma enorme bolsa de valores que promove um

mercado de trocas dessas titulações ao reduzir a educação à formação para o

trabalho e a escola a bem de consumo, provoca sua fragmentação e seccionamento

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assim como a fragmentação do próprio homem, já que neste modelo ele precisa se

posicionar como objeto, conquistando como resultado não o seu crescimento mas a

sua destruição como sujeito e a falência de um projeto de sociedade como afirma Rui

Canário citado (2013)64 ao contrapor a essa ideia de educação que estabelece uma

divisória entre escolas ricas e pobres a partir do conjunto de tecnologias e

formalidades de que dispõe, ele afirma que "Os principais recursos da Educação são

as pessoas, os saberes e as experiências mobilizadoras. Com isso, não há escolas

pobres."

Mas se a Educação é direito de todos, por que não há orçamento específico

nem sequer investimento direto dos governos na educação da pessoa idosa? É o que

perguntam incessantemente algumas coordenadoras. A Coordenadora CI9.72a

(2013) numa das entrevistas ao falar sobre o grupo faz esta reflexão e aponta as

seguintes questões:

[...] O grupo de convivência as vezes é que nem uma escola para os idosos. Porque eles não tiveram escola. Algumas delas chamam o grupo de escola falam que aqui é como uma escola. Mas olha só o que é direito de idoso né? eu fico pensando aqui...será que lugar de criança é na escola, de adulto é na escola, de deficiente é na escola, de índio é na escola, até de bebê eles dizem que é na escola, mas só de idoso é que não pode ser? Será que se tivéssemos escola para idosos todo dia não tinha menos idosos nos asilos, nos hospitais, ou sofrendo em casa na cama, e passando perrengue o dia todo com a família? Será que a escola que parece que é um direito de todos, só da pessoa idosa não pode ser? Eu desconfio, que esses “peixes grande”

65

aí não querem que os idosos estudem por que não querem que eles tenham poder. Porque nós quase analfabetas já damos muito trabalho pra eles. Ah isso a gente dá, pra esses políticos, pra prefeitura, e ficamos tentando botar os “pingos nos is

66e tirar “panos quentes”

67 que eles colocam nas coisas mal

feita que fazem, Imagina com estudo o que essas véia maluca podia fazer não é?( risos) (CI8 – 70a, 2006).

64 CANÁRIO, Rui in MOSE, Viviane A escola e os desafios contemporâneos. Rio de janeiro, civilização Brasileira, 2013

65Peixe grande é um termo usado para dizer de pessoas que ocupam cargos de poder.

66 Pingo nos is – esta expressão é usada para dizer de buscar transparência, cobrar o que prometeram que iam fazer, acertar as contas

com os governantes e os políticos. Colocam panos quentes, são as situações que ficam encobertas ou que designam modos de

pensar contraditório dos políticos e que ficou escondido para não levantar questões. Botar pano quente é deixar de considerar fatos

graves, desacertos etc

67 Panos quentes, são as situações que ficam encobertas ou que designam modos de pensar contraditório dos políticos e que ficou

escondido para não levantar questões. Botar pano quente é deixar de considerar fatos graves, desacertos etc

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Tal como a fala da coordenadora, do ponto de vista de processo de

escolarização, embora não seja uma demanda de todas, A maioria das

coordenadoras disseram que estudariam se fosse mais acessível a escola formal.

Algumas idosas participantes dos grupos, segundo elas, também querem ainda

receber o diploma nem que seja do curso de alfabetização, para terem o

(reconhecimento formal de que frequentaram a escola, e de que sabem ler e

escrever). Algumas pelo que representa para elas o valor de quem é estudado. Outras

participantes do grupo disseram que querem aprender a ler para ler a placa de ônibus

sozinha, sem ter que amolar os outros na rua, outras ainda, porque imaginam que se

aprender a ler será mais respeitada. Uma idosa disse que o sonho dela era aprender

a ler para ler a bíblia. Assim, cada uma delas estabelece o seu projeto de aprender a

ler ou a avançar nos estudos pensando a vida prática e a apropriação da

aprendizagem é percebida como um valor para suas experiências cotidianas e que

implicará diretamente em melhorias concretas na sua condição de viver e se

relacionar com o mundo.

Duas coordenadoras (CI4-72a, 2006) e (CI8-70a, 2006) ao trazerem as

histórias, das idosas participantes nos grupos de convivência que coordenam,

argumentaram que embora aprovem a dedicação das equipes do PEJA ( Programa

de jovens e adultos que cuidam, ainda que de maneira precária, de abrir as portas

para a inserção da pessoa idosa, pelo menos no processo de letramento e nos

primeiros passos da educação básica, estão cientes de que o próprio nome educação

de jovens e adultos já não pode conter nem em sua destinação nem em seus

objetivos principais a pessoa idosa, e não atende sequer às demandas desses dois

segmentos populacionais de jovens e adultos, com o orçamento que lhe é destinado.

“Que dirá do idoso?” Além disso o governo estabelece uma hierarquia clara

privilegiando a escolarização, primeiro do jovem que ficou fora da escola e que precisa

acessar o mercado de trabalho. Depois do adulto que teoricamente hoje mantém a

família e a prole e precisa assegurar sua sobrevivência, e portanto acessar a escola

formal para ser inserido no mundo do trabalho, Portanto, para os adultos com 50 anos

e mais, poucas são as destinações orçamentárias e programas e projetos educativos

específicos. Para quem não acessou a escola mais cedo, restam poucas chances de

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galgar todos os níveis de educação e se chegam a acessá-los ainda ficam cerceados

de atingirem sua inserção no mercado de trabalho. Isso fica bem visível por exemplo,

nos concursos de níveis mais avançados, que geralmente barram por vários

dispositivos de controle a entrada do adulto que se formou mais velho, no mundo do

trabalho.

Esta confirmação é possível quando avaliamos por exemplo, na própria área

de educação, as vagas oferecidas nos concursos públicos para docentes e

pesquisadores nos cursos de graduação em universidades Federais e Estaduais nos

quais são utilizados como principais critérios não elementos que avaliem a experiência

de atuação total na vida do candidato mas uma somatória que envolve prova de

títulos e a experiência curricular, na qual o crescimento horizontal é quase sempre

desvalorizado e apenas validado o crescimento vertical, com a pontuação maior

sempre atribuída para os níveis mais elevados do título e da atuação da docência na

área específica, bem como da produção escrita e publicada nos últimos cinco anos .

Esses critérios vão privilegiar sempre os docentes e pesquisadores mais jovens

que já são frutos de um processo de escolarização formal superior focado na

produção bancária mais que na experiência de vida, ou na experiência histórica e no

processo geral de ensino–aprendizagem. Torna-se pois um critério onde a qualidade

da produção importa menos que a quantidade de produção destinada a certos

endereçamentos nos quais existem como fundo um conceito de corporativismo e de

educação bancária, tornando até essa instância educativa, que deveria ser mais

libertária, submetida a um modelo empresarial e de produtividade que opera hoje de

forma perversa sustentando processos claramente polarizados e parciais na dialética

inclusão exclusão 68 de educadores no mercado de trabalho. Desta forma, as

oportunidades de trabalho para as pessoas idosas na área educativa, se existirem,

vão estar focadas na produtividade e na formação em tecnologias ligadas à

produtividade.

Por não existirem determinações orçamentárias em leis específicas ou

previamente estabelecidas no PNE (Plano Nacional de Educação) e na LDBEN ( Lei

68 SAWAIA, B ao falar da dialética exclusão inclusão afirma que sempre que se inclui alguém em uma categoria ou proce3sso,

automaticamente o exclui de outra categoria e processo. Por isso o termo: dialética inclusão Exclusão. SAWAIA. B et al - as

artimanhas da inclusão. Petrópolis, vozes, 1992.

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de diretrizes e Bases da Educação Nacional) esse direito fica completamente

inacessível e a mercê dos poucos recursos do EJA que beneficiarão a pessoa idosa, e

mesmo assim, atingirão apenas o nível da educação básica. Além disso, as novas

diretrizes do projeto reinventando o ensino médio69, recém lançado pelo governo,

fecha ainda mais a possibilidade de acesso às pessoas idosas e à escolarização

formal, ao privilegiar notadamente o público jovem. O que não nos cabe discutir aqui

em detalhes.

O desafio de incluir a educação da pessoa idosa de forma diferenciada como

uma nova modalidade de educação, como foi deliberado na segunda Conferência

Nacional de Direitos da pessoa idosa, com a criação prevista das UEPIs ou unidades

de Educação para a pessoa idosa que são os equipamentos necessários para se

efetivar o processo de educação formal uma vez que as pessoas idosas possuem

características diferenciadas quanto à questões naturais que as impossibilitam de

acessar as vias tradicionais da educação formal. Por isso a criação das UEPIs

semelhantes às UMEIs onde o idoso poderia passar o dia desenvolvendo vários tipos

de aprendizagens e também atividades relacionadas ao processo de educação formal,

longe de ser um instrumento de segregação de separação e de exclusão da pessoa

idosa é simplesmente o equipamento chave para que se tenha um ambiente propício

de referência , para outros tantos que possam vira existir e preparado para que se dê

um ensino de melhor qualidade e adequado às suas condições e até para que possua

mais condições de promover trocas intergeracionais e interculturais.

Pois se não houver materialização das leis constitucionais que protegem a

educação como direito humano, fundamental e social, por meio de políticas e

inscrições concretas de ações que serão executadas com orçamentos específicos,

com equipamentos, que garantam a qualidade do ensino e da aprendizagem da

pessoa idosa onde quer que ela esteja, como garantir o direito à educação da pessoa

idosa? ´É o que diz uma coordenadora de grupos de convivência de idosos que foi

diretora de uma escola e trabalhou muito pela educação E eu completaria sua fala

continuando sua indagação como garantir o direito da pessoa pelas bordas? Pela via

da marginalidade? É como o país está lidando com os direitos da pessoa idosa com

69 Resolução do ministério da Educação número 2486 de 2013 que dispõe sobre mudanças no ensino médio beneficiando o adulto

jovem e focando a empregabilidade.

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relação à educação, com “jeitinhos” que acabam privilegiando novamente o idoso que

tem maior renda e pode pagar por esta “formação elitista” privada, dirigida aos poucos

idosos que alcançaram níveis de instrução melhores, mas mesmo assim sem

outorgar-lhes o direito ao reconhecimento formal do que foi aprendido? Essas

medidas tendem apenas a privilegiar oportunistas que querem tirar proveito dessa

situação, como é o caso de vários programas que existem em Universidades e que

acabam.

A Proposta das idosas coordenadoras de grupos de convivência de idosos era

uma proposta inovadora, um projeto ousado, que visava a cumprir pelo menos o

primeiro passo para garantir orçamento específico para uma formação da pessoa

idosa no PNE (Plano nacional de Educação) e na LDBEN, já que a educação da

pessoa idosa terá características muito diferenciadas das outras modalidades

existentes, inclusive da EJA, no que tange à relação entre formação, informação e

educação sustentável até pelas condições próprias em que se deu o pensamento

dessas coordenadoras e a construção das diversas experiências e estágios de

aprendizagem da pessoa idosa, bem como a heterogeneidade deste segmento

populacional, no que diz respeito às suas potencialidades, bem como às suas

limitações.

Visava também a uma educação com metodologia diferenciada mas que

encampasse tanto a produção do conhecimento como “sensos comunis70” e como

“Phronesis71”, tanto o ensino enquanto treino e capacitação, do conhecimento quando

a partilha do conhecimento como Prudência, para um protagonismo real no espaço

político, com conteúdos sobre política, direito e cidadania. Acrescente-se a isso a

aprendizagem de novas tecnologias e o desenvolvimento de habilidades relacionadas

ao processo de transmissão cultural, artístico e histórico para as outras gerações e

ainda o ensino sobre ecologia humana e as afecções cotidianas no cuidado de si e do

outro que envolveria a saúde, as relações sociais e afetivas, as relações com o meio

ambiente e a sustentabilidade. Esse modelo teria um foco mais comunitário e ao

70 Sensos comunis (sensu comunis) é a tradução em latim da expressão utilizada por Aristóteles originalmente usada para fazer referência

ao poder perceptivo de ligar os inputs de cada órgão dos sentidos numa representação coerente e inteligível. Segundo a wicpédia

71 "Phronesis" termo usado por Aristóteles na obra Ética a Nicômaco para descrever a "sabedoria prática", ou a habilidade para agir de

maneira acertada".Wicpédia.

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mesmo tempo nas suas ações seria aportada por um conceito de educação no

sentido mais amplo da educação planetária, comunitária e sustentável proposta por

Gadotti e uma metodologia constituída por uma bricolagem entre a metodologia da

educação popular de Paulo Freire, e a educação solidária e prudente e compreende

esta última os valores e os métodos educativos desenvolvidos pelas próprias pessoas

idosas no Brasil na sua forma concreta de receber e transmitir o conhecimento que já

aprenderam e processaram durante a sua formação). Essa proposta foi construída

juntamente com as coordenadoras de grupos de convivência, no momento em que se

aproximava a segunda conferência Nacional de Direitos da Pessoa Idosa. Elas se

mobilizaram tanto com o tema educação que solicitaram no conselho Estadual do

idoso de Minas Gerais a criação de um eixo separado para a discussão das ideias

sobre a educação.

Portanto Em Minas Gerais a Educação teve um eixo próprio de discussão

exatamente pela valorização dada a Educação pelas pessoas idosas e pelo número

de propostas para a educação trazidas para a conferência que necessitariam de

discussão específica num tempo muito Exíguo. Portanto a maioria das propostas para

a Educação levadas para a segunda Conferência Nacional de direitos da pessoa

Idosa, foram sem dúvida alguma do Estado de Minas Gerais. Embora tenha chegado

recortada e reduzida, a proposta de inserção da nova modalidade de educação na

PNE e na LDBEN manteve-se até o final da Conferência.

E nesse ponto como pesquisadora eu pude estar também presente nas

conferências como observadora participante e como sujeito agente, ao lado de outras

coordenadoras que estão agrupadas no que podemos considerar como uma velhice

ativa, mas numa zona de pobreza, cuja dignidade só é mantida ainda por que ainda

possuem saúde suficiente e lucidez para responderem por algumas de suas ações, e

por viverem em famílias igualmente “desempoderadas”, que ainda consideram a

renda do idoso como importante e, dessa forma, possuem ainda um pouco de poder

de decisão enquanto ainda possuem condições de responderem por si mesmas, mas

é ao mesmo tempo um grupo que poderia ser considerado de risco social elevado e

para o qual a educação seria uma porta possível se não para reduzir as

desigualdades sociais existentes em relação à mulher e à pessoa idosa, pelo menos

para evitar o aprofundamento da desigualdade, neste segmento populacional.

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Na sustentação das propostas, como delegada representado naquele

momento, a população idosa de Minas Gerais no Eixo 7 Educação Cultura Lazer e

Esportes, ficou aprovada a deliberação de se criar a nova modalidade de educação

para a pessoa idosa, entretanto ela não constou nos textos finais das deliberações da

conferência. Mais que isto, como pode ser constatado após três conferências

Nacionais de Direitos da Pessoa Idosa se procurarmos nos sites dos governos as

informações sobre o tal de deliberações aprovadas que deveriam estar acessíveis a

qualquer cidadão, sequer conseguimos obter a informação do resultado de todas as

deliberações da primeira, da segunda e da terceira conferência Nacional de direitos da

Pessoa Idosa. Para quem consegue obter os dados, fica a certeza de que desde

então o direito à educação para a pessoa idosa ainda não foi efetivado. De tal maneira

que o Poder Executivo Nacional, tem neglicenciado, sistematicamente o cumprimento

de sua obrigação perante a população idosa E perante a lei esse descumprimento é

passível de intervenção da sociedade civil e dos órgãos fiscalizadores das políticas

públicas.

Sobre essa não efetivação do direito à educação, no caso da pessoa idosa

quatro fatores psicossociais, na minha interpretação de segunda mão, funcionam

como um grande atravessamento:

1.-.A ausência de uma cultura de valorização da velhice como etapa de potência na

existência humana sustentada pelo preconceito etário, que naturaliza certas formas de

negação da velhice e de violência explicita à pessoa idosa, como por exemplo, a

atribuição de estigmas ao velho. Que ele não aprende, que não tem mais memória,

que não pode estudar porque já está Gagá entre outros; legitimando esta ação.

2 - A segunda pela própria negligência e violência institucional do ESTADO que

deveria proteger o direito do cidadão e que tem descumprido impunemente a sua

obrigação constitucional de garantir o direito à educação, da pessoa idosa,

especialmente no que tange à educação formal e, com esse ato, expropria a pessoa

idosa de grande parte dos seus direitos e compromete todos os demais direitos até o

direito mais básico e fundamental como o direito de ir e vir e o direito de livre

expressão.

3.-.O terceiro diz respeito à manipulação política que vigora nesse modelo clientelista

e que serve mais à reprodução da dominação do pensamento elitista e à negação da

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democracia o que fica implícito na condição de fragilidade dos órgãos que deveriam

cumprir a função de monitoramento e fiscalização das políticas públicas; bem como da

sociedade civil que alienada na vivência do consumo de si mesmo não construiu

ainda a alteridade necessária para pensar na dor universal e singular dos homens e

se embriaga na dor de não ser si mesmo.

4.- O quarto, diz respeito a arrogância e onipotência do “conhecimento científico” entre

eles o da própria gerontologia, que algumas vezes confunde o seu papel e o seu lugar

principal de servir para melhorar as condições de viver e de se relacionar entre os

homens, e na sua ação de pesquisar muitas vezes prescinde da experiência dos

sujeitos reais e concretos criando sujeitos-objetos de uma abstração científica cujos

resultados das experiências se os toca, não se traduzem, no dizer de Walter

Benjamim(2005, p87), nas linguagens de homens reais e concretos oprimidos,

monstruosos e vencidos, que precisam ser revelados e inscritos num presente que os

possa libertar do passado opressor, ressignificando sua história. Sobre isso, a fala de

uma coordenadora ilustra as contradições que vivem as mulheres idosas ao quererem

se educar: (CI 6 72a 2012)

Fico chateada porque se eu falo que elas querem ir para a escola, os políticos não entendem. Acham que só precisam de remédio e de comida. É duro, por que eu sei que grande parte delas querem muito frequentar uma escola, mas não uma escola qualquer. Uma escola onde se sintam à vontade para cometer seus erros sem ser tão criticadas como são as vezes em casa, e nos cursos que frequentam com outros jovens Essa escola elas quiseram também no passado e não puderam ter. Querem andar orgulhosas com uma pastinha na mão, ser alunas, aprendendo como não puderam aprender na infância e na juventude. Muitas delas não reivindicam isso, porque fica com medo de ser ridicularizada. Querem ter o direito de ir a escola para se tornar mais independente, sem ter que pedir toda hora a alguém para ler para elas a placa do ônibus, a bula do remédio, a agenda para pegar o número de telefone de uma amiga, ou até ler o jornal para estar sabendo do que acontece e não ficar sendo chamado sempre de ultrapassado. (CI6-72a, 2012).

Por meio desta fala podemos perceber o sentido que atribuem à educação e o

quanto esta é uma luta regada por um lado, pela vontade de liberdade, mas por outro

também pela redução dos estigmas e esterótipos da velhice e pelos processos de

dominação presentes na sociedade, que atravessam e muitas vezes abortam seus

caminhos na luta pelo acesso à educação. Esse segundo elas é um cochicho que não

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lhes foi escutado a vida inteira e cujos ouvidos dos que se ocupam dos lugares de

poder ainda que escutem não lhe darão crédito. Muitas delas já foram ridicularizadas

por falar que querem se educar, que querem frequentar uma escola. Percebem esta

reinvindicação como um cochicho não escutado durante sua vida inteira e nos

espaços de participação política o que para elas não acontece por acaso. Para essa

coordenadora a educação é sempre um lamento e uma reinvindicação das pessoas

idosas, mas que não aparece como números grandiosos, pelo medo e pela vergonha

de se pronunciar das pessoas idosas. Enfim, querem se educar para realizar com

mais autonomia as pequenas coisas do dia a dia que a barreira do analfabetismo as

impede de realizar. Portanto a carência de educação como um direito natural e

fundamental é direito humano na medida em que a ausência dele incide sobre os

demais direitos impedindo o sujeito por exemplo até de transitar livremente pela

cidade. Invisíveis barreiras para os que estão incluídos, mas extremamente visíveis

para os que vivem os processos de exclusão por não terem tido acesso à escola. Esta

coordenadora afirma entretanto que os políticos estão cansados de ouvir esses

pedidos, mas “fingem” que não escutam porque educar a pessoa idosa é criar um

problema para aqueles que querem apenas usar o espaço político para aquisição de

benefícios pessoais. Pois na medida que ficarem mais esclarecidas vão poder

escolher melhor, ter voz ativa, ser valorizadas pelas pessoas e isso não é

interessante. Ela chega a dizer que o desamparo das pessoas idosas é um grande

negócio para muitos políticos. (CI 8 70ª 2013)

“Porque coisa assim boa, como escola pra idoso, moradia, transporte pra gente fazer um tratamento, trabalho pra quem ainda quer e pode trabalhar, ajuda de custo pros grupos, e pra quem está trabalhando como nós e não tem nem como ficar no trabalho voluntário, porque precisa ainda de melhorar os ganhos, isso tudo é direito que a gente sempre tá buscando nos fóruns e nunca vem resposta, e que político nenhum acha importante. Sabe por que? Porque quanto mais pobre e mais sem estudo a pessoa fica, mais eles vão poder explorar e enganar. Tanto é que os políticos nas épocas de eleição antes vinham mais no grupo, agora eles nem passam perto. (CI8, 2013).

As coordenadoras nas suas falas apresentam certa indignação com relação

ao uso do espaço público por alguns políticos. Segundo elas essa relação com os

grupos está sempre comprometida com a demanda de votos e não com a demanda

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de participação das idosas como cidadãs dando sugestões ao governo ou se

engajando nas ações de participação e protagonismo do idoso buscando a

consolidação dos seus direitos. Podemos perceber nesta fala que elas demandam

viver com dignidade, participando do cotidiano da cidade, sugerindo mudanças para a

melhoria das condições de vida. Os programas e projetos de intervenção demandados

por elas estão ligados principalmente à educação, aos grupos de convivência, à

moradia, aumento de renda e trabalho e sobretudo a melhoria das condições de

aposentadoria. Segundo elas, esses cochichos foram ainda escutados. Mas acreditam

que será possível apenas se as reinvindicações forem organizadas de forma

estratégica, com a voz e a atitude de muitos. Isto fica explícito na fala da

coordenadora CI 10 (2012)

[...]Ficam tentando pedir a gente os endereços dos membros do grupo pra mandar os assessores procurar em casa as pessoas mais simples, com pouco estudo. Agora quando eles vêm no grupo..., Ah minha filha...eles passam aperto, porque a gente tá mais esperta e aí a gente cobra o que não foi feito; o que disseram que iam fazer e não fizeram. A gente fala com eles que o grupo não vota mais em promessa, a gente vota em quem já mostrou serviço e fez alguma coisa para melhorar a política do idoso. Já teve uns dois que vieram aqui e perguntamos o que eles tinham feito pros idosos no mandato deles. Ficaram vermelhos e tentaram remendar mas não convenceu ninguém e saíram com o rabo entre as pernas. Tem até uma música que a gente agora canta quando político vem aqui e que se eles forem espertos, como dizem, ah vão entender porque como diz o ditado, pro bom entendedor, meia palavra basta. Então vão entender a mensagem Eu sei que você deve conhecer...é aquela música que fala assim: “Laranja madura, na beira da estrada. tá bichada ô Zé, ô tem marimbondo no pé.” (CI10, 2012).

Para conhecer melhor a música busquei a letra original completa do samba de

Ataulfo Alves a qual se refere o refrão citado por elas e pude observar que esta

característica refinada de ironia das coordenadoras, bem como essa atitude de

espelhar metaforicamente o que queriam só foi algo colocado na segunda fase da

entrevista em 2012, embora a reflexão sobre os políticos e a forma deles agirem na

política, permanecesse com poucas mudanças nas falas das coordenadoras. A fala

sobre a modalidade de educação indígena, e sobre a educação de jovens e adultos, e

de não ter educação para idosas assegurada no plano nacional de Educação nem na

lei de Diretrizes e Bases da Educação, já é uma fala mais elaborada que só ocorreu

também com esses dados de informação mais precisos em 2012.Desta forma, pelo

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acesso que tiveram `as discussões das conferências e às oficinas sobre participação

e cidadania que fizeram parte também do programa de estágio. Na educação de base

falam que se inclui agora a educação infantil após anos de luta. Mas essa fala, na

minha interpretação de segunda mão, também está baseada na ação de terem

participado das discussões dobre a implantações das UMEIS (Unidades de Municipais

de Educação Infantil) e o sucesso que tem sido essa proposta, que foi fruto de uma

luta intensa que envolveu a comunidade e da qual várias das coordenadoras

participaram.

Todos estes fatores juntos, talvez estejam cada vez mais aumentando o

número de idosas que reivindicam o direito a ter também um espaço diferenciado de

educação já que são vítimas de tantas desigualdades sociais e que possuem

características singulares que influenciam diretamente nos processos de aquisição do

conhecimento. O fato de assinalarem que durante toda a sua vida várias idosas,

especialmente a maioria das que frequentam os grupos de convivência, e além delas,

várias outras que ficam hoje restritas à suas casas, exatamente por causa do

analfabetismo ou do baixíssimo grau de conhecimento formal foram excluídas

sistematicamente durante toda a sua vida, da vida pública, da política, do mercado de

trabalho formal, da escola e dos programas e projetos da educação, parece hoje

colocá-las numa posição de militância em relação aos seus direitos. Veja como isso

aparece na fala de outra coordenadora (CI5- 67a, 2006)

“Tem que ter política para todos. Para os que querem estudar e trabalhar e ainda podem e para os que já não podem mais e precisam de outros tipos de ajuda como moradia, cuidado e proteção Para os que não tem família e vivem sozinhos, mas que podem ainda estudar, nós é que temos que levar a escola pra eles, porque ninguém acha que velho precisa de escola, mas precisa e para todos, porque a maioria dos idosos não teve escola e se teve foi por pouco tempo. Então precisa pra todos, para os que vivem no interior, na zona rural, na rua. Porque a velhice não tem uma cara. Ela tem várias e porque o homem não pode parar de aprender e de sonhar e de partilhar seus sonhos. E o velho não é uma árvore sem raíz é uma árvore que ainda dá frutos”. (CI5- 67a, 2006).

Embora seja igualmente notório que muitas delas ainda se sentem

envergonhadas de dizer que querem se educar, por causa das críticas que podem

receber da sociedade. Elas revelam que ficam muito envergonhadas e constrangidas

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e algumas disseram ficar indignadas por exemplo, quando as pessoas da família

perguntam pra que elas querem estudar nessa altura da vida. Este estribilho da

música de Ataulfo Alves e os versos que ele compôs ajuntam-se na fala impaciente,

mas ao mesmo tempo carregada de ironia e humor que elas demonstram ao receber

nos grupos alguns políticos que na sua percepção apenas se servem deste espaço do

grupo com o objetivo de tentar construir manobras eleitoreiras que elas aprenderam a

contrapor com essas respostas. Abaixo a transcrição da música que embasou essas

minhas interpretações de segunda mão:

Você diz que me dá casa e comida Boa vida e dinheiro pra gastar O que é que há, minha gente o que é que há Tanta bondade que me faz desconfiar Laranja madura na beira da estrada Tá bichada Zé ou tem marimbondo no pé Santo que vê muita esmola na sua sacola Desconfia e não faz milagres não Gosto de Maria Rosa mas quem me dá prosa é Rosa Maria, Vejam só que confusão Laranja madura na beira da estrada Tá bichada Zé ou tem marimbondo no pé Ataulfo Alves.

Ao fazer uma tarefa de interação com o grupo as coordenadoras (CI5 67ª, CI8

70ª e CI6 72, CI 9 80ª 2012) fizeram esse pequeno poema aproveitando a Melodia

de Vinícius de Morais pra expressar o desejo da pessoa idosa de frequentar a

escola:

Era uma escola muito engraçada não tinha teto não tinha nada Quando criança quis estudar mas era pobre não podia entrar Adolescente não pude ir porque o trabalho já estava alí. E quando adulta não tive direito com tantos filhos, sempre um no peito

Mesmo sem filhos podia não lugar de mulher era no fogão Dizem agora pra que aprender? você já é velha e já vai morrer! Nem o alfabeto pode entender, não tem memória, vai esquecer! Mas se é um direito fundamental? por que pro velho, exclusão total? Velhice ativa, autonomia, tanto estatuto e lei pra entender Mas sem estudo que ironia? como é que vamos nos defender? O grupo agora é como escola. É diferente a gente é quem fez Não tem um quadro nem palmatória...mas tem cadernos, livros talvez. É nossa vida e nossa história matéria prima desse aprender; A convivência renova a vida. E os bons afetos nos dão

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poder” Mas sem dinheiro nem orçamento como a escola vai sobreviver? Modalidade de educação, a pessoa idosa exige também Com orçamento pra execução na PNE e na LDBN Escola é vida é alegria, direito humano de aprender Com formação e cidadania dignidade podemos ter sem isso amigos, o que eu diria? Participar é só pra Inglês ver!!!

4.3 Cochichos sobre políticas Públicas

As políticas públicas, talvez tenham ocupado nas falas das coordenadoras, um

lugar muito privilegiado neste trabalho. Entretanto, como poderemos ver nos seus

cochichos, na primeira fase das entrevistas 2006 elas estavam num momento de

discussão sobre as questões e necessitavam falar sobre isso pois queriam mudança.

O período pesquisado na primeira fase do mestrado de 2000 a 2006 correspondeu à

efervecência política após a criação da política Nacional do idoso72 no ano de 1999.

Mas houve notadamente uma diferença na forma de abordar a política por elas em

2006 e em 2012.Vamos iniciar por examinar alguns dos seus cochichos para escutar

as suas falas na primeira etapa da entrevista

Nas primeiras falas das coordenadoras no ano de 2006 elas discutiram em

menor grau as questões da cidade enquanto relações de poder, mas sim as ações e

serviços prestados pelo setor público à comunidade`. Uma das coordenadoras

evidencia por um lado, a visão sobre as políticas públicas já em execução

especialmente na área da saúde. As ações de maior impacto para elas foram as

visitas dos profissionais de saúde na casa da pessoa idosa. Todas as entrevistadas

apontaram como boas coisas da política o fato de as famílias receberem em suas

casas profissionais de saúde, especialmente porque nos grupos ou pelo menos em

seis dos dez grupos coordenados pelas entrevistadas este serviço já era oferecido em

sua região pelas equipes do PSF(Programa Saúde da Família), ligadas às Unidades

Básicas de Saúde dos bairros de sua região e isso corroborou com um dos trabalhos

dos grupos que era o de visitar as famílias com idosos acamados e juntamente com

equipes comunitárias pertencentes a entidades religiosas como os vicentinos, igrejas 72 Lei 7930 de 30 de Dezembro de 1999 Política Municipal do Idoso com o objetivo de gerar condições para a proteção e a promoção

da autonomia, da integração e da participação efetiva do idoso na sociedade. Decreto nº 10. 953 de 15 de fevereiro de 2002

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evangélicas e espíritas, realizavam acompanhamento de algumas famílias mais

carentes de recursos e dividiam essa responsabilidade entre os participantes dos

grupos. Os avanços nas ofertas de serviços de atenção à saúde foram sempre muito

elogiados tanto pelas coordenadoras de grupos de convivência quanto pelos idosos

participantes do grupo de acordo com o que trouxeram nas entrevistas. Podemos

escutar isso no cochicho de uma das coordenadoras (CI 1 60ª2006)

“Bom, as políticas públicas, tem coisas boas e tem coisas que ainda não funcionam. Por exemplo, no setor de saúde tem muita coisa boa que está se desenvolvendo agora como a visita que os médicos fazem né? os paramédicos, os enfermeiros fazem para os idosos em casa. Isso aí já é uma conquista. (CI1, 60ª 2006).

Entretanto, a despeito de acharem que a política de saúde necessariamente

mudou as possiblidades de acolhimento da pessoa idosa, especialmente com o

programa de visitas domiciliares, possuem uma leitura crítica interessante, que se

articula com as questões estudadas por teóricos e pesquisadores na área da saúde

sobre a necessidade de que o governo possa investir mais em ações ligadas à

promoção da saúde. Foi um estranhamento para a minha pesquisa o grau de

conhecimento que algumas coordenadoras demonstraram sobre a política e os

programas de saúde. Pelo menos 50% das entrevistadas mostraram-se informadas e

atualizadas acerca das questões de pauta nas políticas de saúde, embora não

dominassem é claro os termos técnicos mais precisos para falar do tema. Uma das

coordenadoras trouxe o seguinte cochicho: CI7(2006)

Existe muita coisa que ainda poderia ser feita. Por exemplo, programa de prevenção de doenças... é uma coisa que ainda está muito falha e precisa fazer. Eu acho que os idosos precisam aprender a se tratar, ele não sabe! Tem muita coisa que ele tem vergonha de fazer, né? Então é preciso. Por exemplo no caso de AIDS, muitas vezes a gente lê essas reportagens em que, onde a AIDS está proliferando né? Na idade de 60 e 70 anos? E isso é o que? Falta de prevenção. Não existe isso aí. É preciso que tenha isso ainda. Que desenvolva mais profundo, na mídia; a falada, escrita, televisada, todos eles precisam falar sobre isso, não é? E, sem. sem é... falado, de um modo que o idoso entenda!” (CI7,72a 2006).

É interessante escutar o que ela aponta em primeira mão. A necessidade de

ações de promoção e prevenção saúde, embora use apenas o termo prevenção. Pois

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no conteúdo do seu cochicho aponta para questões sociais a serem abordadas no

trato com a pessoa idosa e ações de informação e discussão de educação em saúde,

especialmente no aprofundamento e na compreensão dos processos culturais e

psicológicos que sustentam certa dificuldade para que as informações atinjam a

população idosa quando versam sobre temas como as Doenças Sexualmente

transmissíveis pelas pessoas idosas. Ela usa uma expressão interessante para dizer

dessa dificuldade de acesso às informações de saúde pela pessoa idosa, por não

haver uma tradução para sua cultura, para uma linguagem que a pessoa idosa

consiga entender. Essa fala remete a questões sempre presentes nos estudos

teóricos sobre a gerontologia crítica, e apontados principalmente para que possamos

ressignificar também a própria noção sobre as questões que implicam o processo de

envelhecimento antenados aos contextos que que ocupam os sujeitos e por

(IACUBE,2007, p.13)

E, nesse sentido, las reivindicaciones políticas apuntan a conseguir transformaciones en los diversos marcos contextuales en los que se objetive nuestro sujeto. A nivel molecular, ya sea en las instituciones, en las relaciones personales, en las acciones cotidianas, en las formas del lenguaje o en los usos consensuados de las identidades. Pero también, en la comprensión de los efectos subjetivos que implican las macropolíticas, para poder, desde allí, darles un sentido renovado a las mismas. (IACUBE, 2007, p.13).

Podemos observar na fala da coordenadora o quanto ela vivenciava naquele

instante a dificuldade de compreensão sobre o processo saúde/doença experienciado

pelas pessoas idosas, mas também pelos que construíam os instrumentos de

informação e educação em saúde. E como isso dificultava e, em alguns casos, até

impedia o acesso da pessoa idosa a informação que estava lá pronta, mas não o

atingiria porque, acima de tudo era preciso ser falado de uma forma possível de ser

entendida. Nesse caso, ela reivindica uma tradução mais próxima aos elementos

simbólicos e culturais de que faz uso a pessoa idosa. Reivindica algo que parece

óbvio para elas, mas que não é acessado por aqueles que não vivenciam os

processos de exclusão que separam as realidades das pessoas e os transformam

como afirma Bauman (2004) em duas categorias distintas no processo de exclusão e

que ele denomina de vagabundos e indignos

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Ele ou ela não sabe se tratar, primeiro porque embora exista a informação ela

não está acessível. Depois, porque a mesma coordenadora aponta algo interessante

que se coaduna com o pensamento de Iacube, no sentido de que é necessário haver

uma transformação no nível molecular. É preciso considerar os sujeitos mais que as

leis ou as instruções que estão sendo disponibilizadas para eles, sob pena de que

fiquem sem nenhum efeito. A heterogeneidade da velhice nos processos e nos modos

de envelhecer propicia uma leitura mais radical ainda, na medida em que na fala

trazida pela coordenadora aparece um sentimento difícil de ser lidado no cotidiano

que é explicitado como vergonha. Vergonha e medo de não ter, vergonha e medo de

não saber, e sobretudo a vergonha e o medo de parecer, como salienta CONCONE,

(2005). Esses sentimentos atravessam o corpo, a linguagem e o pensamento dos

sujeitos e são algumas vezes impeditivos para que o idoso possa se vincular e se ligar

aos elementos essenciais necessários para constituir saídas possíveis e criar novas

configurações subjetivas.

Por isso mesmo duas realidades se apresentam no trato das políticas públicas

de atenção ao idoso. A primeira dos sujeitos envolvidos nas políticas públicas, que

ocupam os lugares instituídos de poder, para os quais as conquistas dos idosos foram

enormes em termos de legislação e de criação de dispositivos legais, de programas e

de serviços, desde a promulgação do Estatuto do Idoso. A segunda das pessoas

idosas que por não terem acesso à educação e se constituírem no maior contingente

populacional de analfabetos do país, por isso mesmo estão impedidos do acesso às

mudanças, e fadados a perpetuar seu lugar de exclusão. Afinal de que adianta para

uma idosa analfabeta a placa do ônibus indicando o caminho se ela não consegue ler

o que está escrito? De outra forma de que adiantam os apelos das pessoas idosas

sobre questões essenciais no seu cotidiano se a camada incluída não consegue

acessar e compreender suas dificuldades como algo que cerceia o seu direito

fundamental de ir e vir? Segundo afirma (Bauman, 2004, p.48)

Os refugos não têm nenhuma condição de colher a própria identidade: são refugos e acabou. Esta é uma das grandes diferenças que a modernidade líquida cria, ou seja, entre aqueles que podem escolher a própria identidade e aqueles que não podem de modo algum, mas que são forçados a “vestir” o marco que os outros colocam sobre eles. Esta é, talvez, a pior consequência

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do mundo dos refugos: a impossibilidade de se libertar de um destino que parece sem possibilidade de mudança. (Bauman, 2004, p.48).

O que Bauman afirma parece trazer um tom mais denso e apontar

características que estão na interação do sujeito com o mundo do que a fala de outra

coordenadora que apresenta uma saída pela via de uma perspectiva mais alentadora

ao dizer sobre as políticas públicas e sobre os direitos da pessoa idosa o que

considera ser de fundamental importância para que a transformação ocorra e

possibilite um outro olhar do sujeito sobre si mesmo CI2- 62a, (2006)

“Ah! Eu acredito que seria no caso conhecer e fazer valer o estatuto do idoso. Porque nós temos uma lei que rege os direitos dos idosos, direitos e deveres. Mas infelizmente não está sendo cumprido. Eu enumero em primeiro lugar a questão da saúde. Porque é deprimente quando um idoso necessita de um remédio que não pode comprar, e chega num posto de saúde (de qualquer bairro de Belo Horizonte), e aquele remédio está em falta. Aí é grave...porque tudo a gente passa sem, menos o medicamento. (CI2-62a, 2006).

Conhecer e fazer valer o estatuto do idoso é sua proposta em relação à

melhoria e consolidação da política de atenção ao idoso. Mas como isso aconteceria,

de que forma o idoso poderia conhecer e fazer valer seus direitos? Que mecanismos

o faria conhece-lo. É interessante que a seguir a fala desta coordenadora contradiz de

certa forma o que ouvimos da outra coordenadora acerca da saúde. Ela afirma que é

deprimente chegar ao centro de saúde e não ter os remédios. Não ter acesso, não

poder comprar aí é grave diz ela, porque tudo a gente passa sem, menos o

medicamento. Aqui é interessante observarmos que a gravidade para ela não está em

passar sem o medicamento mas na impotência diante da necessidade e do não

atendimento diante de que tem que preservar a própria vida, e da sua limitação e

impossibilidade disso. Especialmente quando se trata de medicação contínua e que a

pessoa sabe quais poderão ser os efeitos de ficar sem ela. Eu acrescentaria à fala da

coordenadora que mais que deprimente é humilhante para qualquer ser humano ser

destituído da sua capacidade de auto preservação. É a própria constatação de si

como refugo. Podemos nos deparar com isto na fala e na voz dessa coordenadora:

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A gente usa, remédio de pressão, é assim, de glicose né? Diabete e outras doenças mais. Então... o dinheiro que recebe no final do mês vai tudo pro remédio. Tem lugares aí que dá o remédio mas nunca tem o remédio que a gente precisa. A gente conhece muitas pessoas, aqui do nosso bairro, que... vive abandonado, que a família não importa. E o poder público tá pior. Então a gente aqui, nós temos uma turminha que luta muito por essas coisas. E, assim, nem sempre a gente é compreendida não, sabe? A gente fica muito triste com isso! porque a gente luta não só pela gente mas pela comunidade. Então tem muitos idosos, muitas idosas que morre ai sozinhos sem ter ninguém pra... pra ajudar. (CI3,65a, 2006).

Essa queixa, além de estar presente na fala desta coordenadora, as vezes

chega de forma chorosa e tocante também nos grupos pelos seus participantes,

segundo o cochicho de outras coordenadoras. Elas a escutam muitas vezes nos

grupos de convivência e precisam sempre lidar não só com a queixa das idosas mas

muitas vezes precisam usar do seu prestígio e do seu conhecimento na própria

comunidade e nos lugares públicos como os centros de saúde para conseguir ajudá-

las. Manter diante de todas as demandas que recebem, o equilíbrio, o bom senso, e a

solidariedade, na minha interpretação de segunda mão, é um exercício constante para

quem assume um grupo de convivência.

Muitos dilemas com os familiares de pessoas idosas são enfrentados pelas

coordenadoras e envolvem uma postura de mediação pois algumas famílias violentam

a pessoa idosa por exemplo, e uma denúncia, ao invés de ajudar muitas vezes tem

complicado ainda mais a relação da família com a pessoa idosa e ainda a exclui do

próprio grupo, já que os órgãos do ministério público e da assistência dão conta no

máximo de fiscalizar mas não de encaminhar os casos de forma a efetivar o

atendimento à pessoa violentada, por ausência de equipamentos que possam acolher

a pessoa idosa nesta situação. Então ela volta para casa para conviver com o familiar

e sua realidade ainda se torna muito pior. Como disse uma delas, na fala abaixo:

A gente tem que se fazer de boba as vezes, e ainda sorrir educadamente para um atendente e ter “estômago”, para negociar com quem não tem qualquer sensibilidade com a pessoa idosa. Tem atendente que manda a pessoa de volta para casa 5, 6, 7 vezes, sem atendimento, sem um remédio que precisa, sem perguntar de que maneira ela vai voltar para casa ou ao menos se ela sabe voltar, ou se tem alguém que vai poder trazer, ou se tem ao menos dinheiro para voltar. E isso quando estão doentes quase sem aguentar andar. Ah...eu fico muito chateada com isso, porque é uma das coisas que a gente tem que engolir as vezes quando vai ajudar as pessoas do

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grupo e tentar resolver sem briga, pra não sair do sério, com esse povo. Mas é uma coisa muito cruel e que infelizmente acontece todo dia no atendimento público. E quando alguém não aguenta a humilhação e dá o troco na violência, aí dá manchete E é o médico a enfermeira ou o atendente que sai como vítima. Especialmente quando esse atendimento está ligado com à saúde ou com a assistência porque ninguém que é idoso e tem seu cantinho, vem buscar ajuda atoa, e as pessoas falam com a pessoa idosa como se estivesse fazendo um favor, nesses lugares. O serviço parece muito bonito só nas propagandas. Tem que ter muito treinamento pra essa gente porque na realidade a pessoa idosa é desfeita, maltratada e até zombada nos lugares que eles deveriam ser melhor atendidos e cuidados. (CI3- 62a, 2006).

Nesses casos, surge uma força comunitária muito interessante e que pudemos

observar na pesquisa. Trata-se da “turminha” de que falou a coordenadora anterior, e

que é o resultado de uma construção dos grupos que envolve.um grupo de

participantes mais jovens que cumprem a tarefa de auxiliar as pessoas mais idosas na

resolução de certas questões mais difíceis de serem resolvidas por elas e ou pelos

seus familiares. Um movimento solidário, informal e desconhecido pelos os setores

governamentais, mas que entra em ação e começa a trabalhar na direção de buscar

soluções para as questões apresentadas. De outra forma, quando uma das

coordenadoras (CI4 72ª 2006) Diz que:

“A maioria dos idosos tem lá suas doenças, né? Assim, são coisas da velhice

mesmo. Então a gente não recebe ajuda de ninguém, sabe? Eu sou aposentada, a gente ganha muito pouco. Devia aumentar o ordenado da gente. Igual: lá na minha casa é eu e o marido, a gente passa, assim, muita dificuldade. As vezes a gente quer as coisas não tem, é as vezes precisa fazer um... um exame mais profundo, não pode. É a gente quer comprar óculos, não pode, tem que esperar ter um dinheiro lá para poder fazer esse óculos, uma prótese. Põe o nome da gente nos lugares e não é chamado pra... pra realizar, não. (CI4 72a, 2006).

Nesta fala, a coordenadora está não apenas se queixando, mas sobretudo

propondo formas de atender às pessoas idosas pelas políticas públicas, que sejam

mais definitivas e que gerem maior autonomia ao invés de dependência. É

exatamente nesse ponto que pudemos observar e interpretar em segunda mão, que o

excesso de dependência das pessoas idosas em relação aos serviços públicos e essa

característica de tutela presente como filosofia do atendimento à pessoa idosa, estão

intimamente relacionadas. E, é sempre denunciada e refugada pelas coordenadoras

de grupos de convivência em vários momentos de sua entrevista. Segundo elas, neste

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modo de gerenciar as políticas de atenção à pessoa idosa, reside uma fórmula

perversa que sustenta o lugar de quem a utiliza como alguém que pode servir de

massa de manobra política para adquirir favores. Talvez por isso quando ela afirma

que “deviam aumentar o ordenado, cuidar mais da gente” está se referindo a questões

básicas como a seguridade social que tem seu tripé sustentado pela previdência pela

saúde e pela assistência. E a questão da previdência tem sido discutida

incansavelmente pelas pessoas idosas, e está presente nas deliberações das

conferências de direitos da pessoa idosa desde a primeira até à última, e ainda

carente de ser escutada com sua efetivação pelo poder executivo.

Algumas destas questões são o repasse aos aposentados, da diferença nas

perdas dos valores da aposentadoria que devem ser equiparadas aos reajustes

salariais. Além disso a discussão do fator previdenciário e da melhoria da qualidade

nos serviços prestados pela previdência Isso tem provocado a redução substancial e

sistemática dos recursos das pessoas idosas segundo aponta a

COBAP(Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas) segundo a qual em

2009, os aposentados já haviam tido prejuízos de mais de 60% nos 15 anos

anteriores comparando os reajustes dos benefícios previdenciários aos reajustes do

salário mínimo. 73.E na continuidade de sua fala a coordenadora diz “se a gente quiser

fazer um exame mais profundo, não pode”.

Essa é outra realidade que complementa a sua visão dos bastidores das

políticas públicas, e revela ainda mais a característica de uma forma perversa e

escandalosa de se desenhar essa política, uma vez que o fato de se propagar que

algumas órteses ou próteses como óculos e aparelhos auditivos que passam a ser

fornecidos pelo governo, na secretaria de saúde, parece que surte um efeito em toda

a sociedade de imaginar que imediatamente todos os idosos já estão sendo

atendidos. Mas não é essa a realidade. O fato é que muitas demandas ficam sem

atendimento. E como encaminhar as demandas de forma eficaz se o fluxo de serviços

é incompreensível e inapreensível as vezes até para os próprios técnicos?

Esta é uma outra questão que vem sido discutida pelas coordenadoras de

grupos de convivência de idosos, e que comprovadamente não vem sendo escutada

73 Este esclarecimento está presente no texto base da segunda conferência Nacional de Direitos da Pessoa Idosa de 18 a 20 de março

de 2009 e disponível em http://cobap.maquinaweb.com.br/capa/lenotícia.asp?id7036 acessado no dia 28/02/2009.

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oficialmente, uma vez que ao analisar os textos base e as deliberações da primeira e

da segunda e da terceira Conferência Nacional de Direitos da pessoa idosa veremos

se repetirem muitas dessas reinvindicações sem serem ainda atendidas. Inclusive um

vídeo com as demandas das coordenadoras, que fora gravado pela pesquisadora, foi

levado e exibido num intervalo, entre atividades, no segundo dia da conferência

Nacional de Direitos da Pessoa Idosa, com o objetivo de dar voz a elas também nesse

espaço. Além do mais, a criação e implementação da rede de proteção à pessoa

idosa, por exemplo, foi tema da Primeira Conferência Nacional de Direitos da pessoa

idosa. E o interessante é que dois anos depois 3 anos depois, antes mesmo de se ter

criado a rede já houve a segunda Conferência Nacional de Direitos da pessoa Idosa

para avaliar a rede de proteção e defesa da pessoa idosa Como pesquisadora e

protagonista também na luta pela garantia dos direitos da população idosa , posso

observar que na necessidade de se cumprirem agendas internacionais de programas

e pactos ligados aos direitos humanos, Os órgãos de monitoramento, as leis

programas e serviços muitas vezes são criados com o objetivo de atender

rapidamente a elas, mas sem qualquer infraestrutura que possa viabilizar uma

integralidade no seu cumprimento.

Uma outra questão no que traz essa fala da coordenadora é que a demanda de

cada uma delas é traduzida para programas já existentes no que já existem de

serviços governamentais e não aplicadas diretamente ao que elas solicitaram. Por

exemplo, as reinvindicações relacionadas aos grupos comunitários, foram sim levadas

às conferências, mas aplicadas aos grupos internos da prefeitura e não nos próprios

grupos que coordenam. Em nenhuma das conferências são citados. E os recursos

são solicitados, mas para os grupos de referência da Prefeitura Municipal. Cria-se

com isso, uma Cisão entre as ações da sociedade civil e da sociedade governamental

que coloca em risco o interesse da população e que, na fala das coordenadoras fica

evidente que isso precisa ser trabalhado de forma insistente, na minha interpretação

de segunda mão.

É assim que essas formas de ver a velhice e a saúde do velho, estão se

naturalizando, no discurso de que tudo isso é próprio da velhice. É próprio da velhice

pobre ser indigna. É próprio do idoso pobre ser humilhado e não ter suas demandas

atendidas, em várias áreas. E segundo elas revelam nos seus cochichos, como dizem

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alguns técnicos até nos conselhos, é apenas da pessoa idosa e de sua família, essa

responsabilidade. Segundo esta coordenadora, um dos técnicos que estavam no

conselho um dia, disse sobre o fato dos idosos não acessarem certos serviços que se

o serviço estava lá de graça e não procuram se informar, não correm atrás, o serviço

é que não pode correr atrás deles. E porque idosos pobres? por que ricos não fazem

parte dessa categoria? porque estão fora dessas margens, escaparam pelo menos

nesse quesito de se tornarem refugos ou destroços como apontou Beauvoir (1990,

P.663) compõe a outra parte dos que envelhecem, mas todavia negam a velhice

porque no seu status é vergonhoso ser rico e velho. Desta forma alguns usam o status

tentando escapar do estigma. São simplesmente ricos, até que comecem a ter algum

grau de comprometimento mais grave na sua saúde ou na sua lucidez, ou que

eventualmente passem por algo que possa contaminá-los e aproximá-los da

fragilidade pois esta os lança imediatamente na categoria de indignos e também de

refugos. O interessante é notar o quanto nas falas das próprias idosas pesquisadas

isto está presente, e naturalizado, muitas vezes surgindo em forma de desabafo,

como no discurso da coordenadora anteriormente citada.

O uso dos espaços para as entrevistas funcionou para trazer também certas

ironias e desabafos nas falas das entrevistadas, próprios de quem se afasta, seja por

tentar evitar a angústia, seja para lidar com a dor de não ter como sair desse espaço e

por isso mesmo negá-lo, rir da situação de estar e se conservar aérea diante de algo

que não mereça mais qualquer investimento. Esta questão está expressa na fala da

coordenadora CI 8 67a: “Oh! Política? só sei o preço do dinheiro que eles ganham...

mais nada” [risos]. E repete “mais nada [risos]”.

A importância desta voz é que ela remete a uma configuração subjetiva

presente na fala de muitos idosos, e portanto, daquilo que na voz remete ao silêncio

da indiferença, como afirma LE BRETON (1997, p102) ao discutir essa questão. Uma

fala que embora faça som significa um calar-se a respeito do que está sendo dito, de

uma recusa a participação de algo que pareça inútil. Dito de outra forma, uma fala

que silencia o sentido dado ao tema da política como tal como ela a significa, para não

ter que participar do que é considerado e “rejeitado como uma moeda falsa, cujo uso

se repudia. O “não sei “ou o “só sei” presente na fala desta coordenadora podem ser

pensados, na minha interpretação de segunda mão, apoiada nas ideias desse autor,

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que são termos que reduzem sua fala a apenas uma ou nenhuma afirmação. Portanto

a um não querer dizer sobre. E o interessante é que ela diz só saber o preço do

dinheiro que eles ganham. Ou seja o que ela diz saber, de fato é também e por ironia

aquilo que irremediavelmente não saberia.

Esse silenciar-se sobre o tema diz de uma indiferença, mas também de uma

desistência de falar sobre ele, seja por considerar esse não querer mais falar sobre o

tema ou não querer saber e nem pensar a respeito, como “um recurso possível face

ao intolerável”, mas ao mesmo tempo, poder remeter à ironia como condição de

mudança, de não se conformar ao molde dado por outrem para a sua própria

existência, e portanto de rebelar-se ao falar ironicamente silenciando-se.

É importante relatar que esta mesma coordenadora durante todo o processo de

pesquisa mostrou-se descrente das políticas e dos políticos e por várias vezes afirmou

que não iria esperar pelo governo. Tinha que descobrir alguém que tivesse mais

vontade de trabalhar e ajudar os grupos. Entretanto, sua busca era muito mais

relacionada a questões pessoais que coletivas e sempre gerava desconfortos com as

outras coordenadoras que estavam sendo entrevistadas. De certa forma ela também

naturalizava o fato de que político ganha muito, e de uma forma debochada, repetia

esse refrão, como uma entendida do assunto e como se já fosse do conhecimento de

todos. É interessante observar que a despeito de todo o processo de participação e

engajamento político, as coordenadoras também exibem em alguns casos, como na

voz desta coordenadora essa necessidade ou esta esperança em um salvador,

alguém que venha de fora e resolva os problemas de todas as pessoas do grupo.

Essas foram as impressões resultantes da atividade e da linguagem desta

coordenadora.

Outra questão trazida pelas idosas, e especialmente pelas coordenadoras que

possuíam mais idade, foi a necessidade de se criar políticas públicas de inclusão para

a pessoa idosa, e especialmente para transmitir uma cultura de valorização da pessoa

idosa para as outras gerações, pois segundo afirmam, há algumas décadas atrás era

bem mais respeitoso o trato das pessoas de maneira geral, com a pessoa idosa. Hoje,

segundo elas, não existe mais essa preocupação, especialmente dos mais jovens

com o cuidado da pessoa idosa. A coordenadora CI10 -82a (2006) diz:

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“Antes, a criança estava sentada, se aparecesse um idoso, ela levantava e dava lugar. Hoje não!!! Hoje você não vê isso, hoje é coisa para milionário, quando vê uma coisa dessas. Eu assusto! Quando vejo o menino levantar e dar... dar... lugar, e ceder o lugar para o idoso.” (CI10 -82a, 2006).

Sobre esse aspecto do cuidado algumas coordenadoras também colocam a

educação dos jovens e a reeducação de toda a sociedade como uma prioridade nas

políticas públicas, porque segundo elas a violência contra a pessoa idosa, muitas

vezes está naturalizada por meio da violência psicológica na própria família e pelo uso

de estereotipias muito comuns no comportamento de alguns jovens. Algumas

coordenadoras ressaltam que muitas vezes as pessoas idosas ficam cerceadas até do

direito de ir e vir porque se torna perigoso sair na rua. O comportamento de alguns

jovens gera receio insegurança e até a esquiva dos idosos de sair na rua a menos que

tenham alguma companhia. Ela afirma que isso tem melhorado um pouco, mas ainda

é algo que chama a atenção e prejudica as pessoas idosas.

Ao falar sobre isso uma das coordenadoras responsabiliza o setor público e as

pessoas que ocupam cargos de poder nesses setores, especialmente os políticos,

quando propõe como forma de resolução a participação mais próxima de reuniões

comunitárias educativas ou para esclarecimentos e informações, dos políticos e das

pessoas que estão nos cargos de comando dos programas e serviços públicos.

Entretanto, esta mesma coordenadora, fala simultaneamente que eles não fazem

reuniões e nem participam das atividades que as comunidades realizam e para as

quais são convidados. Sua fala expressa seu descontentamento e sua perplexidade

(CI9 -80ª, 2006).

“Ah os jovens tem que ser muito educado, ter muita paciência com os velhos, né?. Obedecer, e não judiar. Tem uns que pinta muito com a gente... abusa, ri da gente, tudo quanto há: ô véi!! Qualquer coisa tá chamando véia. Tem uns assim, não digo todos mas... agora melhorou um pouco, mas de primeiro...ah Tem velho que as vezes não pode nem sair na rua, assim, distante mais sozinho, né? Tem que ter sempre uma companhia... eu já vi muita judiação com gente velha. [Interlocutora pergunta o que a idosa acha disso]. Ah eu acho horrível, tá doido!!! Ainda mais numa cidade igual aqui, né? Belo Horizonte, tá doido! Nossa Senhora!” (Interlocutora pergunta para a idosa o que você acha que a gente pode fazer para mudar esse quadro?). “Ah! Não sei. Esse pessoal ai que manda, devia de fazer reunião, convidar e explicar para eles, falar, né? Convidar eles para assistir, né? Porque esses assim

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quase nem gosta. A gente as vezes convida...não vô lá não. Convida e não vem. É esses que não gosta de participar de nada, né? (CI9 -80a, 2006).

Outra coordenadora, na minha interpretação, já tem a visão mais otimista

quando se reporta ao seu tempo de infância e assegura que naquela época em sua

cidade, pessoas de sua idade ficavam jogadas. Ela estava com 80 anos quando

entrevistada. Nesta época segundo ela, especialmente as mulheres ficavam sem

poder se divertir, ficavam sem atividades como as que existem hoje nos grupos de

convivência. Ela fala sobre os grupos como uma conquista. Em outras entrevistas esta

coordenadora chegou a afirmar que com o grupo ela voltou a viver, porque se

considerava como alguém sem vida. Sua fala ´ressalta essas mudanças que

considera boas na nossa época. É seu o seguinte cochicho:

Eu acho interessante por que antigamente, no tempo de eu mais criança... pessoa da minha idade, idade da dona C., ficavam jogado. Agora eu acho muito legal a vida do idoso, porque a gente pode divertir, a gente pode brincar, pode contar piada, pode passear. e antigamente não tinha nada disso. Isso eu acho muito bacana! (CI9 -80a, 2006).

Na minha interpretação de segunda mão, ela ressalta essas questões por sua

própria percepção da velhice, mas também considerando o momento em que a outra

colega havia falado tão negativamente do que a incomodava na forma como os jovens

tratavam os idosos. Ela havia trazido uma denúncia na forma como as relações eram

estabelecidas entre jovens e velhos. Isso também a influenciou, até por sua postura

mediadora, reconhecida por várias coordenadoras de grupos a ressaltar as questões

que melhoraram em relação às políticas públicas. Entretanto, logo depois na

sequência da entrevista explicita que ainda se pode melhorar muita coisa para a

pessoa idosa. Especialmente na família e na forma como a pessoa idosa é tratada.

Portanto, essa coordenadora aponta um no mínimo um paradoxo em sua fala. Se por

um lado afirma claramente nesta fala que a situação tem melhorado, por outro afirma

que o idoso ainda sofre muita violência e várias ações concretas poderiam ser

realizadas nos grupos.

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Outro cochicho sobre esse mesmo tema foi feito pela coordenadora CI1- 60a

(2006) Ela concordou com o que havia sido dito pela Coordenadora é mais clara e

precisa ao exemplificar estas ações nos grupos de convivência especificamente:

“Eu acho que tem que ter ações que levem para aqueles grupos atividades, como essa que estamos fazendo aqui, que nós estamos fazendo no curso de coordenadores é. de grupos da terceira idade e que está nos ajudando muito a ter noções, ideias, conhecimento para melhorar as condições das pessoas que participam conosco. E se tivesse, assim, eventos que levassem a gente a fazer mais tipos de curso como esse, seria bom porque a gente aprimoraria nosso conhecimento e com a gente estaria melhorando a nossa própria situação e de quem participa conosco. (C1- 60a, 2012).

Sobre essas ações, elas reivindicam que os grupos de convivência recebam

mais investimentos governamentais, sobretudo na área de educação seja ela formal

ou informal, mas que tenha foco também na capacitação das coordenadoras de

grupos de convivência. Pois como afirmam, não possuem uma formação específica

para isso e poderiam contribuir muito mais com a comunidade se estivessem mais

amparadas do ponto de vista de sua formação e de sua capacitação para o

desempenho de suas funções nos grupos.

De igual forma pude observar que embora de forma individual e algumas

vezes, até na entrevista gravada pela filmagem, não falam da escola para pessoas

idosas. Nem do direito à educação, como falaram nas entrevistas de aprofundamento.

Ao perguntá-las sobre isso, após entrevistá-las, algumas delas me disseram que

sentem vergonha de dizer que precisam de educação formal, e que desejam que haja

escola para as pessoas idosas, porque já foram muito criticadas, por demandarem

isso. Por esse motivo, elas dizem que nem ficam falando muito publicamente pois isso

é visto como algo supérfluo por alguns técnicos e por pessoas que ficam querendo

usar o espaço da política para resolver questões imediatas ou particulares.

É interessante apontar que após estas oficinas que tiveram a duração de um

semestre na capacitação de coordenadores de grupos de convivência, e que

provocou a criação de vínculos entre os grupos e trocas de experiências entre as

comunidades em que estes grupos estavam inseridos, a prefeitura propôs um curso

de capacitação para coordenadores, mas com outra formatação, apenas durante um

dia inteiro, e depois propôs um outro curso apenas no final de semana, o que

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envolveu um custo que as coordenadoras consideraram muito alto para os cofres

públicos em relação ao que conseguiram obter de benefícios. Queixaram-se que em

um dia apenas e com muitas informações elas não conseguem sequer gravar o que

trazem no curso. Elas sempre avaliam melhor os cursos que são oferecidos com um

prazo maior porque segundo elas, geram um compromisso maior dos instrutores com

os grupos, e permite a elas acompanhar e reter melhor o conteúdo ensinado.

Estas coordenadoras pesquisadas possuem como algo em comum, a

dedicação ao trabalho, mas cobram essa mesma dedicação dos governos,

especialmente no que tange ao apoio financeiro e técnico aos grupos de convivência.

Essa cobrança foi algo muito discutido nos encontros de coordenadores desde o início

do trabalho de pesquisa. Elas acreditam que o setor público deveria instituir uma

política específica com programas e projetos de apoio aos grupos de convivência

especialmente no que tange à facilitação dos registros em cartório e isenção de taxas

para a manutenção da documentação e dos processos legais e contábeis dos grupos

de convivência de idosos. Estabelecimento de parcerias em programas que

assegurem a sustentabilidade e a manutenção dos grupos de convivência, bem como

a dispensa de apoio técnico constante para os grupos para a elaboração de projetos

sociais, que garantam recursos para suas ações na comunidade. Demandam auxílio

na infraestrutura e adaptação para tornar o espaço físico do grupo mais acessível

para o público participante, apoio no que diz respeito à facilitação dos

encaminhamentos dos casos que elas atendem na comunidade, para a rede de

serviços, e ainda, solicitaram a criação do centro de referência para auxiliar os grupos

a ter mais voz junto ao setor público, e assegurar a agilidade na atenção de suas

demandas já que se trata de público com atendimento prioritário garantido pela

legislação. Sobretudo enfatizam a necessidade de conformar o espaço e a função dos

grupos para um serviço que fosse apoiado pela prefeitura, mas gerido pela

comunidade ou por uma coordenação colegiada. As coordenadoras argumentam que

o grupo de convivência abre o seu espaço à comunidade de forma muito mais ampla

porque a comunidade vive lá e por isso a direção do espaço necessita ser realizada

pela comunidade, para evitar os processos burocratizantes que cerceiam a

participação mais efetiva de toda a comunidade nos grupos cotidianamente, incluindo

os finais de semana. Querem ainda que a política de atenção aos grupos preocupe-se

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com a formação e a potencialização tanto dos coordenadores como dos participantes

dos grupos, por meio de um programa educativo cultural e de lazer permanente.

Solicitam ainda que, haja um sistema de informação mais preciso para dar conta de

divulgar os serviços e os seus fluxos para as pessoas idosas, com o que reza no

estatuto do idoso, com programa semanal e diário em horário fixo e permanente por

um período indeterminado.

A coordenadora CI2- 62a (2006) complementa essa parte da entrevista

dizendo:

Eu já participei de ação comunitária e atividades religiosas. Dirijo um grupo de teatro há muitos anos, teatro amador na comunidade. Isso tudo leva a gente a um questionamento do que pode ser feito para melhorar a nossa situação. E depois que entramos na terceira idade, na real terceira idade, ai o nosso envolvimento se duplicou, porque agora a gente dedica de corpo e alma através do nosso teatro a levar uma mensagem de conscientização para quem possa nos ouvir e, também, nos entender. (CI2- 62a, 2006).

É interessante novamente escutar na fala insistente delas essa tentativa de que

as pessoas as possam ouvir e entender. O significado atribuído a esse ouvir e

entender quase sempre é seguido de alguma outra afirmação que desafia o que está

posto sobre o envelhecimento e sobre a velhice e que elas tentam insistentemente

ressignificar. Vejam por exemplo como esta mesma coordenadora finaliza sua

entrevista dizendo que esse grupo usa o teatro para sensibilizar as pessoas do que é

importante para elas. É como se tentassem mostrar uma outra face da pessoa idosa,

diferente daquela que está amalgamada em estereotipias ou focada apenas na

dimensão da doença e dos danos biológicos e sociais. Ou ainda se fixam em olhar a

pessoa idosa como aquela que necessita apenas de assistência e portanto é incapaz

de desejar outras coisas. Esta coordenadora desafia estes lugares propiciando novas

significações para a velhice ao dizer que as pessoas idosas necessitam sim de

cultura, de arte de lazer, de esporte, de diversão de educação de amor, de afeto, e de

tudo o mais que a vida possui e das quais possam desfrutar para aumentar

possibilidade de uma vida melhor e mais feliz no longeviver. É a fala desta

coordenadora que demarca um cochicho final para este capítulo:

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Nós fazemos apresentações em todas as atividades que somos chamados, é... levando temas atuais que faz com que o público que...assiste... é... sinta o desejo nosso de melhorar nossa qualidade de vida através da arte. Então... é... nessas peças de teatro a gente faz um chamado a...a... um entendimento, que a pessoa venha ter, do que é importante para nós também, no tema da cultura, do lazer, do esporte. Porque, na verdade, a gente não precisa só de pão e água, a gente quer, também, diversão e arte[riso]. (CI2,62ª,2006).

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5 DA COXIA PARA O PALCO

Figura 6 - Painel ilustrativo Contextos de participação política das

coordenadoras

Fonte: Painel elaborado pela pesquisadora (fontes diversas, vide referências)

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5.1 Cochichar, escutar e traduzir as cenas da vida no palco da política local

“O que muda na mudança, se tudo em volta é uma dança

no trajeto da esperança junto do que nunca se alcança?

(Carlos Drummond de Andrade)

As coordenadoras entrevistadas trouxeram nas suas falas, por diversas vezes,

a necessidade que a pessoa idosa possui de receber as informações de forma que

possam compreender as mensagens que são encaminhadas pelas instâncias

governamentais acerca dos seus direitos e deveres e sobre os programas e serviços

públicos a elas dirigidos, o que para elas carecia com frequência de uma tradução que

tornassem compreensivas estas mensagens advindas dos programas de saúde, de

transportes, ou dos programas de assistência social, e que eram de interesse da

população idosa, mas cujo acesso era dificultado pelas limitações de acesso da

pessoa idosa principalmente à mensagem escrita. Durante o processo de pesquisa

pudemos observar nos diários de acompanhamento em campo que as coordenadoras

muitas vezes funcionavam para os participantes dos grupos, como principais

tradutoras das informações que eram lançadas às pessoas idosas, pelos diversos

canais de comunicação.

Esse capítulo da dissertação foi dedicado a descrever de forma densa e atribuir

a minha interpretação de segunda mão sobre o que pude acompanhar das principais

ações de participação das coordenadoras entrevistadas, entre elas esta ação

primordial de se colocarem como tradutoras para o público que coordenavam, o que

lhes gerava sempre uma grande responsabilidade, diante das expectativas tanto das

pessoas idosas quanto dos setores públicos, sem que existissem ações suficientes de

suporte para tais questões. Algumas destas ações em parte ficaram explicitadas na

oficina de desenvolvimento humano político e social realizada no dia 28 de Abril de

2012. Entretanto os diários de campo durante o acompanhamento das coordenadoras

nos grupos pelo programa de estágio ao longo dos dez anos de intervalo entre as

duas inserções no programa de mestrado em gerontologia pode contribuir para que

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alguns pontos de sua participação política e de suas ações fossem compreendidos

ora no calor da luta para garantir os direitos da pessoa idosa, ora no cotidiano das

questões que afligiam ou potencializavam os grupos de convivência que elas

coordenavam nas suas comunidades de origem. Tais ações também nos permitiu

acompanhar o seu movimento de transformação ao longo do processo de pesquisa,

bem como algumas contribuições decorrentes dessa transformação para os próprios

grupos.

A principal ação das coordenadoras de grupos de convivência de idosos, na

interpretação delas é a de manter o espaço dos grupos de em funcionamento

constante e fomentar a participação de pessoas idosas. Observo que esta ação

demanda um compromisso ético político de grande responsabilidade pois existem

sérios desafios que se apresentam para coordenar um grupo, segundo a visão das

coordenadoras. Listei alguns desses desafios apontados na fala de uma das

coordenadoras entrevistadas (CI4 72 2006) Segundo ela “muitas vezes os idosos

demonstravam ser pouco acessíveis para qualquer pequena proposta que significasse

uma mudança”. Isso não é fácil de ser trabalhado, para elas, porque muitas vezes já

enfrentavam as dificuldades para manter o espaço de participação nos grupos

desafiando vários opositores seja nos espaços em que se reuniam, seja com

familiares de idosos já que alguns segundo elas eram violentos e aguerridos

entendendo que o grupo deveria suprir todas as necessidades da pessoa idosa que

dele participava, até por falta de informação e por achar que o coordenador de alguma

forma estava tirando proveito financeiro disso.

Nessa fala da coordenadora podemos perceber a nefasta junção entre o

desamparo da pessoa idosa (provocado pela deficiência nas políticas públicas de

atenção advindas de um modelo de proteção social com uma lógica tutelar, mas sem

uma lógica educativa para a sociedade), com um aspecto cultural de negligência à

pessoa idosa sustentada nos modelos e padrões familiares que ao incentivar o

membro produtivo e rejeitar o declínio humano e o velhice como se fosse algo

vergonhoso, projeta sua angústia de lidar com a finitude, exatamente naqueles que se

dispõe a cuidar dos velhos, exigindo deles aquilo que nem a política de , nem a família

conseguem propiciar.

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Sobre isso alerta Simone de Beauvoir ao falar (1990) há algumas décadas atrás,

sobre a questões da velhice, de forma a quebrar como diz ela, uma certa conspiração

do silêncio sobre o tema.

Aí está o crime de nossa sociedade. Sua política de velhice é escandalosa. Mais escandaloso ainda, porém é o tratamento que aflige à maioria dos homens na época de sua juventude e de sua maturidade. A sociedade pré-fabrica a condição mutilada e miserável que é o quinhão deles na última idade. É por culpa dela que a decadência senil começa prematuramente, que é rápida, fisicamente dolorosa, moralmente horrível porque esses indivíduos chegam a ela com as mãos vazias. Explorados e alienados quando a força os deixa, tornam-se fatalmente: “refugos”, “destroços”. (BEAUVOIR, 1990, p.663).

Torna-se fácil perceber que essas mulheres idosas coordenadoras, muitas

vezes protagonizam uma atuação política, no movimento de resistência contra os

processos de dominação em relação à pessoa idosa, e não somente em relação a

elas. Lançam-se contra os processos de dominação de todo o homem, e contra uma

condição social que o fragmenta e captura, desde cedo, já na sua juventude, para as

linhas de produção.

Portanto é contra esse vazio que se instaura na velhice e de que fala Beauvoir,

decorrente de uma senilidade da própria sociedade que se embrutece no ato de

alienar os homens pela exploração de sua força, que elas se lançam, fazendo um

exercício inverso, tentando encher as mãos que chegam vazias, com aquilo que é

próprio do homem, com valor e afeto, com ações que propiciam a eles se

aproximarem novamente da sua própria humanidade. Por isso se tornam alvos fáceis,

e correm o risco de assumir o papel do Bode expiatório, no qual a família e o estado

tenta expurgar todas as dificuldades por sua incompetência em lidar com a pessoa

idosa e com a velhice, sem outorgar-lhes qualquer suporte. Como afirmou uma das

coordenadoras (CI4 67a 2012) “é sempre muito tensa a relação com os familiares de

alguns idosos e só com o tempo e com a ajuda das estagiárias consegui ficar mais

relaxada nesse trabalho”. Consegui separar as questões e dificuldades que eram

minhas, das dificuldades que eram das idosas e de sua família.

Outras vezes as próprias coordenadoras apresentavam muitas divergências

entre elas mesmas tanto no grupo como na sua rotina. Assegura essa mesma

coordenadora citada que essa atitude era típica de quem não trabalhou muito em

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equipe e precisava se aperfeiçoar. Afirma ela que o grupo também tem muitas

pessoas que trazem muitas críticas desnecessárias que afetam o grupo como um

todo, E desenvolver o autocontrole necessário para lidar com toda a diversidade do

grupo, foi um desafio segundo afirma outra coordenadora CI7-72a 9 (2006)

Aprendi com as estagiárias a ter mais atenção com o relacionamento humano, a ser mais compreensiva e flexível para lidar com as divergências do grupo no dia a dia, críticas, fofocas, o mal humor de algumas idosas, as chantagens de outras, o choro emocional (?) quando choram na perda de outros, as próprias perdas, e não conseguem se dar conta disso. (CI7-72 a, 2006).

Além disso, há outros desafios como o desafio da sustentabilidade dos grupos,

da manutenção contábil, e dos documentos da entidade, das atividades realizadas

semanalmente, muitas vezes sem nenhum auxílio externo e mais ainda, existe o fato

de tentarem traduzir todas as demandas que chegam nos grupos de convivência

É necessário recorrer aos dados históricos da pesquisa que remontam ao primeiro

curso de mestrado que realizei de 2002 a 2006. No programa de Gerontologia da PUC

de São Paulo, para que os leitores possam entender porque novamente no período de

2011 a 2014 na pesquisa que agora concluo, optei por retomar esses dados e

reatualizá-los, respeitando o curso da história e do movimento realizado pelas

coordenadoras de grupos de convivência. Esta decisão foi exatamente para tentar

lançar maior luz sobre os cochichos, mas sobretudo, para que a pesquisa funcione

como instrumento para manter viva a voz destas mulheres, no que trouxeram como

pontos principais que gostariam que fossem escutados.

Na condição de pesquisa-ação, a ideia é que elas possam agora reatualizar

estas questões com novas estratégias de participação política e construindo novos

caminhos para que seus cochichos possam se tornar voz audível, Uma meta buscada

por esta pesquisa. Já que foram muitos os dados coletados que não se esgotarão no

mestrado, mas que poderão servir de guarda-chuva para outras várias pesquisas.

Esta afirmação se deve ao fato de que é necessário observar as contribuições destas

mulheres coordenadoras de grupos de convivência, e mais particularmente, das dez

coordenadoras entrevistadas na pesquisa atual, na construção dos programas e

serviços que hoje são oferecidos pelo próprio município. Pois a despeito delas não se

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sentirem escutadas, e de dizerem que sua participação é “para inglês ver”, o que de

certa forma é justificado por elas na forma como se sentem ainda não contempladas

nas ações governamentais, no descaso com os grupos comunitários de convivência

de idosos, na ausência de atenção real às demandas das coordenadoras, na forma

como o próprio setor governamental cerceia e delimita uma participação mais ampla

que seria crucial para elas na interação com o espaço público e na forma como são

abordadas pelos representantes do setor público. Estas mulheres “esperançando”74

mudanças no modo de serem escutadas e auxiliadas nas políticas públicas e nas

ações que desenvolvem nas comunidades, pois agora se veem como parte ativa e

como componentes do poder público. E, sobre isso é interessante trazer a

contribuição de um autor que complementa essa ênfase Freireana na transformação

da política, especialmente na transformação da política social. Linhares (2000, p.83)

A política está referida à polis, ou seja, os exercícios de poder e controle que nos envolvem coletivamente, buscando definir quem somos e quem queremos ser, distinguindo-nos dos outros, a política precisa ser estudada, tanto nas esferas tradicionais e oficiais, de onde emanam as diretrizes formuladas que se traduzem em normas e regras de ação e de convivência social, mas também buscada nas condutas que tornam aceitáveis e dizíveis aquelas diretrizes e, ainda mais investigada no próprio imaginário político e social (LINHARES,2000, p.83).

Esse pensamento é interessante, pois expõe a diferença que faz para uma

pessoa que dirige um equipamento comunitário como um grupo de convivência de

idosos, saber com precisão que o poder público se compõe da sociedade civil e da

sociedade governamental e não apenas do setor público, como comumente as

pessoas ainda se referem nos seus discursos até em lugares que possuem um

público composto de intelectuais como as universidades. Na atualidade, foi

presenciado por duas estagiárias, as coordenadoras pesquisadas, chamando a

atenção de pessoas que se referem aos setores governamentais como “o poder

público”. Elas fazem questão de explicar para estas pessoas o que é poder público.

Fazem questão de incluir a sociedade civil, e cada cidadão como constituinte e

74 Esperançar foi utilizado no texto por ser um verbo de ação inventado por Paulo Freire para dizer do posicionamento político que

deve envolver as ações transformadoras nas comunidades nos grupos, nas marchas que deveriam aumentar pelo país. Marchas em

favor de todas as questões relevantes advindas de grupos diversos que organizados conseguissem transformar a posição de

oprimidos a esperançadores in FREIRE, Paulo Pedagogia do Oprimido São Paulo vozes, 1998, p56

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compositor do “poder público”. Essa ação por si só reconfigura não apenas o lugar da

coordenadora, no discurso público, mas promove o questionamento sobre os lugares

de cada pessoa que as escuta e é também convocada a refletir sobre o seu lugar

diante da máquina governamental. Talvez por isso essas coordenadoras pesquisadas

sejam realmente, as que são consideradas mais inconvenientes, e mais difíceis de

lidar na fala de alguns técnicos e até de pessoas que participam dos conselhos e

fazem mais uso da retórica 75 e da Lisonja76 que de um falar franco 77 , que é

valorizado por Foucault como um caminho capaz de transformar o processo de

implicação dos sujeitos no cuidado de si e do outro e portanto de implicação com a

política, e favorecer processos de mudanças, e especialmente favorecer o

crescimento para os grupos mais desiguais, como salienta (MOTTA,2010, p.10-11),

ao narrar e apropriar-se da proposta de Foucault para repensar a política, nos seus

ditos e escritos:

“Não interrogo os discursos sobre o que silenciosamente querem dizer mas

sobre o fato e as condições de sua aparição manifesta: não sobre os

conteúdos que pode encobrir, mas sobre transformações que efetuaram; não

sobre os sentidos, que neles se mantêm como uma origem perpétua, mas

sobre o campo onde coexistem, permanecem e apagam-se Trata-se de uma

análise dos discursos na dimensão de sua exterioridade daí três

consequências:

- Tratar o discurso do passado não como um tema para um comentário, mas

como um monumento a descrever em sua disposição própria;

- procurar no discurso, não como nos métodos estruturais, suas leis de

construção, mas suas condições de existência;

- relacionar o discurso não ao pensamento, ao espírito ou ao sujeito que

possamos fazer surgir, mas ao campo prático no qual se desenrola.

(MOTTA,2010, p.10-11)

75 Lisonja no sentido atribuído por Foucault. M. (1982) sobre a fala daquele que busca agradar os que ocupam o lugar de poder, para

com isso ser apreciado por ele

76 A retórica aqui, segundo Foucault (1982) não apenas no sentido da repetição, mas do discurso afetado pelo jogo político de parecer

ser que se opõe ao falar franco (parresia)

77 O falar Franco é um sentido da parresia atribuído por Foucault é o falar franco endereçado ao amigo.

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5.2 Do cochicho à voz – Nossa forma de participar

Cabe, então, apresentar um resumo das listas78 das principais ações que as

coordenadoras entrevistadas desenvolveram com o grupo, com o apoio de suas

comunidades e parceiros, ao se organizarem com os esforços comunitários junto ao

grupo, fortalecendo a sua função como equipamento social comunitário nesse período

da pesquisa. Penso que a lista cumprirá o papel de propiciar a visualização desse

movimento de sair do cochicho e lançar para fora do grupo suas demandas em forma

de uma participação contínua que tente, por meio da ação, buscar alternativas par

solucionar seus problemas.

1- Aquisição de terrenos por quarto coordenadoras e aquisição de duas sedes

próprias com o auxílio de entidades não governamentais por outras duas.

2- Aquisição, no orçamento participativo, de imóvel e equipamentos, para um

grupo de convivência, por uma das coordenadoras (Embora as finalidades tenham

sido modificadas, depois de construído o equipamento. E hoje, as idosas tentam

garantir o espaço físico para as atividades que realizam, mas existem conflitos de

interesse claros entre o setor público e a comunidade).

3- Negociação para uso do espaço pelos seus grupos em sedes de entidades

religiosas e associações de bairros: por seis coordenadoras.

4- Gincanas e festas beneficentes para a comunidade: atividades realizadas por

todas as coordenadoras pelo menos quatro vezes ao ano durante todos os anos.

5- Festas e eventos típicos da cultura brasileira, envolvendo toda a comunidade:

realizadas por todas as coordenadoras de grupos pelo menos três festas ao ano

durante o período da pesquisa.

6- Programas comunitários intergeracionais como passeios e encontros com

troca de saberes entre avós e netos, e jovens da comunidade; leitura e informática,

costura e ateliê de artes, teatro etc com adolescentes.

78 Esta listagem foi realizada com base no complemento solicitado pela pesquisadora para as coordenadoras, nas entrevistas de

aprofundamento, com o título “Lista das principais atividades políticas sociais e comunitárias que realizaram e de que participaram ou

no período de 2006 a 2013 a partir do registro das atas de reunião dos grupos.

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7- Participação na elaboração da proposta dos cursos e oficinas como: curso de

memória e elaboração de projeto de vida; curso de memória, envelhecimento e

cultura; seminários de direito e cidadania; seminários de grupos de convivência,

todos realizados na PUC MINAS de 2000-2009; Todas as coordenadoras

entrevistadas.

8- Participação da oficina de elaboração de projetos sociais para os grupos de

idosos na PUC Minas de 2000 a 2006 realizada por oito das dez coordenadoras

entrevistadas.

9- Participação na discussão e proposta do primeiro centro de referência do

idoso de Belo Horizonte; realizada por todas as 10 coordenadoras entrevistadas.

10- Participação ativa nas oficinas para discussão sobre políticas públicas e

grupos de convivência de idosos na PUC Minas de 1999 a 2009 todas as

coordenadoras e de 2009 a 2013 participação das coordenadoras, nas oficinas de

liderança no Spazio vitalitá- todas as coordenadoras entrevistadas.

11- Construção da proposta do estágio em acompanhamento terapêutico a idosos

acamados pelos estagiários do curso de psicologia da PUC Minas.

12- Elaboração da proposta de criação do programa PUC MAIS IDADE dirigido à

população idosa de Belo Horizonte.

13- Levantamento do perfil dos idosos do bairro em parceria com o programa Puc

Mais Idade PUC Minas.

14- Diagnóstico de escolarização dos idosos incentivado e apoiado pelo

Programa PUCMAIS IDADE PUC Minas para implantação de unidades do EJA nos

grupos de Convivência.

15- Cursos para preparar os idosos para atividades de geração e

complementação de renda ministrado por técnicos da prefeitura Municipal de Belo

Horizonte, locadas na secretaria municipal de abastecimento.

16- Coordenação de Curso de alfabetização de idosos em parceria com a

Secretaria Municipal de Educação.

17- Exposição e venda dos produtos fabricados pelo grupo na Feira Modelo e no

Armazém da roça, e em outras feiras municipais e intermunicipais com o objetivo de

gerar renda para os participantes dos grupos.

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18- Participação das assembleias e eleições dos representantes do conselho

Municipal e Estadual do Idoso.

19- Participação nos fóruns regionais da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

20- Participação na elaboração da proposta de Escuta e acompanhamento

psicológico ao grupo de idosos a ser realizado pelos estagiários do curso de

psicologia da PUC Minas.

21- Participação da construção da proposta de acompanhamento terapêutico

domiciliar ao idoso acamado de baixa renda, com dificuldades para acessar o

serviço de saúde da rede pública em parceria com o curso de ´psicologia da PUC

Minas.

22- Participação das feiras de exposição e de cultura no programa Domingo na

PUC em parceria com a PUC Minas e a prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

23- Registro do grupo.

24- Projeto intergeracional envolvendo idosos e menores em situação de risco

social, parceria PUC Minas.

25- Formação e coordenação do pré vestibular comunitário dirigido a jovens de

baixa renda em parceria com a PUC Minas e o Colégio Marista.

26- Ações de benefício ambiental para o bairro.

27- Cursos de capacitação diversos para a comunidade com parcerias.

28- Eventos de confraternização: e para sustentabilidade dos grupos parcerias

diversas.

29- Mobilização da comunidade, pelo grupo de idosas para o orçamento

participativo e conquista da verba necessária para construção do centro de

referência do idoso no bairro.

30- Mobilização de várias coordenadoras para a criação de uma associação de

coordenadores de grupos de convivência de idosos, para que pudessem se

organizar em busca de fortalecimento e representatividade no espaço político

31- Atividades de acompanhamento das instituições de longa permanência e

idosos carentes de recursos financeiros e acamados com o objetivo de com o

trabalho doado pelas idosas nos grupos, levarem roupas e lençóis produzidos por

elas àquelas instituições.

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32- Mobilização da comunidade para participação nas conferências de direito da

pessoa idosa.

33- Mobilização para luta em prol do transporte coletivo gratuito para os idosos.

34- Mobilização dos idosos na luta para efetivar o direito de educação da pessoa

idosa.

35- Participação em programa de televisão para falar sobre direitos da pessoa

idosa.

36- Participação de programas de fortalecimento dos conselhos e grupos de

convivência nas zonas rurais em parceria com o Programa PUC MAIS IDADE, Na

Pró reitoria de extensão da PUC Minas e o Conselho Estadual de Direitos da Pessoa

Idosa.

37- Participação na criação e realização de cursos, seminários, e projetos nos

grupos com a parceria de instituições educativas como a PUC MINAS, UNA,

FUMEC.

38- Participação em atividades, festas cívicas e eventos comemorativos da

cidade com a parceria da prefeitura Municipal.

39- Participação na elaboração e na composição da equipe de consultores dos

cursos de capacitação para o cuidador familiar de idosos no Programa PUC MAIS

IDADE na PUC Minas.

40- Participação no primeiro seminário de políticas públicas para pessoas idosas

na assembleia legislativa de Minas Gerais com os estagiários dos cursos de

psicologia da PUC Minas.

41- Participação da construção da proposta para apropriação e utilização por

tempo indefinido da casa do baile como casa para Baile de idosos em horários

permanentes diários para os grupos de convivência de idosos; junto ao conselho

Municipal e Estadual do Idoso.

42- Participação da construção da proposta para criação da primeira Unidade de

Educação Para a pessoa idosa de Belo Horizonte, e para a criação de grupos do

EJA próprios para a educação da pessoa idosa em alas anexas nos grupos de

convivência de idosos, junto à Secretaria Municipal de Educação.

43- Participação na discussão e encaminhamento da proposta de sensibilização e

valorização da pessoa idosa no conselho Estadual do Idoso de Minas Gerais.

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44- Participação do programa de fortalecimento dos grupos de convivência no

Conselho Estadual do Idoso de Belo Horizonte.

45- Participação na elaboração e sugestão dos temas e filmes a serem discutidos

do projeto cinema comentado para grupos de convivência.

46- Participação na mobilização da comunidade em campanhas de saúde e de

vacinação da pessoa idosa.

47- Participação na mobilização da comunidade nas campanhas de prevenção

contra Dengue.

48- Participação no programa de popularização do teatro com peças que

sensibilizavam a população para a temática do envelhecimento e para a redução

dos mitos e preconceitos sobre a velhice.

49- Participação na concepção da proposta de criação do programa Minas Mais

idade para pessoas idosas com horário fixo na Rede Minas de Televisão, no

conselho Estadual de direitos da pessoa idosa de Belo Horizonte.

50- Participação intense das coordenadoras na mobilização das comunidades

para a campanha de mobilização nacional no movimento “Ficha Limpa” para os

candidatos a cargos políticos.

51- Participação e mobilização dos grupos e dos seus participantes para a

participação política da pessoa idosa através do voto consciente e do apoio à

campanha “Ficha limpa”.

52- Participação na criação da proposta conheça a capital – programa de turismo

social para os idosos advindos de grupos de convivência de cidades pequenas

visitarem a capital mineira e os principais pontos turísticos da região.

53- Participação no Programa do fortalecimento dos conselhos empoderamento

da pessoa idosa com suporte à criação de grupos de convivência nos municípios de

Baixo IDH do Estado de Minas Gerais.

54- Proposição do projeto de “trocas intergeracionais” como projeto piloto Na

oficina de projetos sociais para grupos de convivência da PUC Minas e coordenação

do mesmo projeto no grupo de convivência em duas escolas municipais, como

projeto piloto apoiado pela prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

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55- Participação ativa de todas as coordenadoras entrevistadas nas três

conferências Municipais, Estaduais de Direitos da Pessoa idosa, e de uma Delas nas

duas primeiras Conferências Nacionais de direitos da pessoa idosa.

56- Participação efetiva de uma das coordenadoras de grupos de convivência no

prêmio bom exemplo e mobilização dos grupos e das comunidades para apoiá-los.

(a coordenadora foi premiada e ficou com o segundo lugar geral no Brasil).

57- Participação ativa na elaboração da primeira oficina de desenvolvimento

humano, político e Social para Coordenadores de grupos de convivência de Idosos de

Belo Horizonte “por uma política de sustentabilidade dos grupos de convivência de

idosos de Belo Horizonte).

58- Participação e mobilização da comunidade para participarem de atos públicos

e de abaixo assinados reivindicando a reforma política.

A observação que faço é que no percurso da pesquisa, todas as participações

aqui mencionadas sempre foram alvo de grande envolvimento dos grupos e das suas

comunidades de origem sempre ocorreram com o esforço e organização das

coordenadoras, apoiadas principalmente por instituições parceiras e iniciativas

pessoais de moradores da própria comunidade que do setor público. Nas suas falas

elas dizem contar com o setor público apenas para aquelas atividades que são do

interesse da própria coordenadoria do idoso ou da própria prefeitura, pois são suas

ligações com amigos e com parceiros políticos que as auxiliam quando o interesse diz

respeito apenas ao grupo. Nesse caso, segundo elas, ainda precisam ficar na velha

posição de esperar como um favor, e não como um direito, as coisas de que

necessitam como por exemplo um ônibus para transportar as pessoas num passeio,

ou um transporte específico para uma situação grave de alguém cuja família não tem

condições de dar esse suporte, ou um material didático para uma oficina de trabalho,

ou outros subsídios financeiros e técnicos para realizarem uma viagem ou ainda

qualquer outra necessidade que venham a ter.

Na fala da coordenadora abaixo citada, podemos ver claramente a

interpretação que elas dão sobre o fato: de que os grupos ainda não foram

encampados como uma política que os auxilie de fato e sim como um espaço do qual

os próprios políticos tentam se beneficiar, apropriando-se das realizações do próprio

grupo e da própria comunidade, como se fosse um trabalho desenvolvido por eles:

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Depois de todo o sofrimento para montar os grupos e finalmente ter um público permanente de mais de setenta pessoas como é o nosso caso, é que chegaram os políticos e a prefeitura querendo colher os frutos que a comunidade plantou com muito sacrifício e dedicação. Mas para os grupos mesmo, a política não trouxe nada de concreto e garantido por lei que é para os grupos. Só recebemos ajudas pontuais. De um recurso que sobra, de projetos que chegam maciçamente e eles não sabem o que fazer, e que as vezes nem é do interesse do grupo e eles empurram. Não estou com isso desmerecendo a ajuda e o apoio que recebemos, mas tem que vir de uma outra forma sem tutela, sem essa característica de estar recebendo um favor. E nós é que temos que aprender a caminhar com as próprias pernas. Idoso nenhum quer dar trabalho para ninguém. Mas sem direitos garantidos aí sim a gente fica dependente, tutelado pela família e pelo Estado e sem dignidade. (CI3- 67a, 2013).

Quando solicitam qualquer auxílio do setor público que envolva custos,

segundo elas, a resposta que recebem é sempre que tudo funciona com projetos, mas

se pedem auxílio para desenvolver tais projetos também não recebem. Assim, quase

nunca os grupos possuem todas as condições para concorrerem aos projetos de

financiamento público de ações, dadas as suas dificuldades financeiras e técnicas

para manter suas documentações em dia. Essa foi uma das demandas mais

presentes durante todo esse percurso de participação das coordenadoras durante a

pesquisa. Podemos ouvir isto na fala de uma das coordenadoras levando essa

demanda para o presidente da Frente Parlamentar do idoso na Assembleia Legislativa

de Minas Gerais: Vejam a fala desta coordenadora:

“É muito bom ter um representante da frente parlamentar conosco [...] No

nosso encontro de hoje foram apresentadas várias demandas. Fizemos uma reflexão sobre o nosso papel diante do estado e do município. Nós temos uma dificuldade de sermos reconhecidos. Nós temos uma exigência legal de registros. Precisamos ter o nosso registro em cartório e o reconhecimento de utilidade pública Municipal Estadual e Federal. Para ter direito a recursos mas quando efetivamos o registro temos encargos tributários que não damos conta de Pagar porque os grupos não têm lucro somos todos voluntários. A nível de estado nós temos algumas demandas também. Nós Temos algumas demandas para a frente parlamentar do idoso porque nós queremos ser ouvidos, queremos participar, queremos o direito de decidir, de exercer o papel de parceiros e contribuir para que as políticas sejam de fato voltadas para as necessidades da pessoa idosa, .e para os grupos pois nós precisamos receber recursos do Estado e do município para que a gente possa desempenhar as nossas atividades e nós ainda não temos isso.. Alguns grupos recebem uma pequena per-capita, mas precisamos que isso seja estendido a todos como uma política porque somos voluntários e somos

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equipamentos sociais e comunitários importantes para a nossa comunidade”CI10,82ª 2013)

E pensam que as exigências para concorrer a projetos sempre requerem

burocracias que acabam impedindo os grupos de obterem os recursos. Elas até

desenvolveram nos seus espaços mais íntimos de discurso uma teoria de que já

existem instituições marcadas para receber essas verbas como justificativa para o fato

de que nunca conseguem nada. Esta fala da coordenadora no primeiro momento de

participação das coordenadoras na oficina de desenvolvimento humano político e

social apresenta um exemplo desse discurso:

Porque eu já cansei de participar e ter que esperar a promessa eterna de políticos e agora a própria prefeitura também nunca cumpre as promessas de que sejam destinados recursos do Município e parcerias para os grupos. Quando vem verba para os grupos elas desaparecem e focam sempre com a própria prefeitura, que ao invés de apoiar os grupos que já existem, ficam criando outros grupos só para gastar o dinheiro dos recursos e a gente fica aí sem nenhum recurso. Mas na hora de pedir voto ah aí eles vêm correndo. É tudo carta marcada e os grupos que mais trabalham pela comunidade não recebem sequer uma ajuda. Várias de nós sabemos que fazemos um trabalho porque temos o prazer de servir, mas é difícil viu? (CI6,72 2013)

Além disso, numa das oficinas de participação no curso de capacitação para

coordenadores de grupos de convivência realizado em 2005, as coordenadoras elas

propuseram a criação do Centro de Referência da pessoa idosa em Belo Horizonte,

como um espaço de grande necessidade, que na concepção delas deveria servir

como apoio técnico e logístico para os grupos de convivência e idosos. Esse espaço

serviria exatamente como uma instituição que intermediasse junto ao setor público

tanto nas instâncias do legislativo, como no executivo, principalmente junto `a câmara

de vereadores e à Prefeitura Municipal, para responder com mais agilidade as

demandas dos grupos de convivência. Quando o desenharam, inclusive a própria

coordenadora Municipal de idosos e alguns técnicos da Prefeitura haviam sido

convidados para participar do curso oficina e teve acesso aos desenhos, maquetes e

ações propostas para um centro de referência da pessoa idosa em Belo Horizonte.

Inclusive, na época, esteve presente também a gerente de políticas sociais do

Município A demanda não deixou de ser considerada pois o Centro de Referência da

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Pessoa Idosa existe hoje no município, só que com um nome diferente: CRI: Centro

de Referência do Idoso e funciona, embora com um outro objetivo. Ao invés de apoiar

os grupos nas demandas solicitadas pelas coordenadoras, como poderemos

comparar no anexo 3 (P. as demandas dos grupos para este equipamento como já

expusemos, com as ações do Centro de referência de acordo com o site oficial da

Prefeitura, e que lá está exposto, veremos que esse equipamento ao invés de

funcionar como um espaço de apoio técnico às coordenadoras e aos grupos de

convivência, nas ações que desenvolvem e nas demandas que fizeram para que o

centro de ser um equipamento que fortalecesse as ações dos grupos ao atender as

suas solicitações que eram:

a) apoio contábil, para manter a parte documental dos grupos em dia;

b) apoio técnico administrativo para a elaboração e proposição de projetos de

sustentabilidade;

c) apoio na elaboração e proposição de projetos sociais, para buscarem

recursos nas fontes financiadoras;

d) apoio nas ações de sustentabilidade dos grupos para a organização de suas

ideias e sua transformação em propostas políticas;

e) apoio no que diz respeito às necessidades de adaptação dos ambientes dos

grupos etc;

f) apoio com o suporte logístico para suas viagens e passeios, entre outras

demandas.

Poderemos ver que as ações do Centro de referência repetem muito mais as

próprias funções e atividades dos grupos de convivência e não contribui com aquilo

que solicitaram. Transformou-se em mais um espaço de convivência de idosos, o que

inclusive segundo a maioria das coordenadoras pesquisadas acabou por enfraquecer

os grupos regionais ao invés de fortalecê-los uma vez que capturou alguns de seus

membros por possui condições para trazer à população um espaço maior e com

atividades mais variadas, mas por outro lado, serve mais à população de idosos mais

jovens que ainda conseguem transitar bem pela cidade, e não atinge à população

heterogênea de idosos que participam dos grupos comunitários e que necessitam ter

suas atividades desenvolvidas mais próximo de sua moradia.

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As coordenadoras, embora reconheçam que esse equipamento foi uma

proposta delas para a prefeitura, e que nesse sentido foram ouvidas por eles. Não se

sentiram de forma alguma, escutadas na forma de endereçamento das ações e

programas do Centro de Referência que deveria segundo elas, funcionar como um

centro de apoio às ações desenvolvidas pelos grupos, no entanto, o sentido e o

objetivo do equipamento foi totalmente desviado daquele que foi proposto

inicialmente. Na fala de uma das coordenadoras durante a oficina com os

parlamentares podemos escutar:

Olha aqui, nós nos reunimos neste espaço, na esperança de vocês nos escutarem, já que tanto na assembleia como na câmara é mais difícil falar com vocês. Estamos cansadas de reivindicar nos conselhos, e nos fóruns de idosos uma política e programas que possam auxiliar os grupos e facilitar o nosso trabalho como coordenadoras, e nada do que solicitamos é atendido de fato. Por isso resolvemos fazer esta reunião e apresentar aos senhores nossas demandas.(CI 3 65ª 2013)

Podemos observar nesta fala que os espaços de participação que deveriam ser

destinados à escuta da pessoa idosa, bem como o próprio Centro de referência foram

completamente desviados da proposta. Isso, segundo elas dificulta muito o processo

de participação. Os grupos de convivência são em sua maioria, espaços semiabertos

são dinâmicos. As necessidades das pessoas idosas nem sempre podem ser tão

programadas. Pois adoecem rapidamente, e o perfil dos participantes pode se alterar.

As políticas que existem, segundo elas, ainda são obsoletas e lentas para

acompanhar essas mudanças e os mecanismos que as sustentam também ainda é

confuso e o fluxo dos serviços públicos de atenção ao idoso mudam constantemente e

não há informações suficientes que sejam repassadas para os grupos, na mesma

velocidade dessas mudanças. Todos estes fatores dificultam o acesso dos grupos

àquilo de que necessitam. Por isso acreditam que ainda se faz necessário construir na

política de atenção ao idoso, políticas específicas para os grupos de convivência

considerando sua importância como equipamento social comunitário, cujas formas de

acesso sejam por um lado mais fáceis, e ao mesmo tempo produzam maior

autonomia, com verbas enviadas diretamente para os grupos de convivência.

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Segundo elas, no ano de 2003 ou 2004, o município de Belo Horizonte

recebeu uma verba de 500.000,00( quinhentos mil reais) para o fortalecimento dos

grupos de convivência de idosos, fruto de uma reinvindicação antiga dos grupos para

um prefeito anterior da cidade de Belo Horizonte, que ocupava naquela época, uma

cadeira no Ministério de Desenvolvimento social. Mas quando esse recurso chegou à

secretaria de assistência Social,, ao invés de serem favorecidos os grupos que já

existiam na comunidade, a prefeitura criou vários outros centros de convivência novos

ligados diretamente ao sistema público, para que pudessem ser controlados pelo

próprio sistema com suas regras rígidas e que ainda não dispõem de uma experiência

de participação colegiada com a comunidade. E, nesse caso, nenhum dos grupos

comunitários puderam acessar esses benefícios. Por isso elas solicitam políticas

específicas de apoio que tenham como prioridade os grupos de idosos que já existem

na comunidade, e que possam assegurar os benefícios mínimos de que necessitam

constantemente, para que a pessoa idosa possa participar melhor do espaço público,

com as parcerias e o apoio da comunidade, e dos amigos.

Uma das coordenadoras, afirma entretanto, que não existe parceria sólida

ainda entre o setor público e a sociedade civil na forma como é necessária. Cita o

exemplo da coordenadora CI 1,60ª, 2006/2012) ª, que desenvolveu um projeto de

trocas nas relações intergeracionais, entre adolescentes da escola em que havia sido

diretora, e com pessoas idosas da comunidade, que participavam do grupo de

convivência. O objetivo era de que pudessem experimentar um espaço de convivência

e aprendizagem entre esses dois grupos.

Segundo ela, o projeto funcionou muito bem, mas ao invés de se tornar uma

parceira para a prefeitura, este projeto foi apropriado pela prefeitura, que se nomeou

autora do projeto, e hoje ele funciona como o nome TROCA DE SABERES. E

segundo a coordenadora que criou o projeto, não lhe foi atribuído qualquer

reconhecimento de autoria e isso a deixou indignada com o setor público, porque

segundo ela, esse é só um dos vários exemplos de como eles se apropriam

indevidamente das produções da comunidade e dos grupos de convivência,

transformam em projetos suas produções e muitas vezes esses projetos são

aplicados noutros lugares e nem sequer retornam para a própria comunidade que o

idealizou”. Nesse caso, não somente ela, mas pelo menos seis das coordenadoras

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entrevistadas considera isso um abuso, uma violência o próprio setor público contra a

pessoa idosa e contra a coordenadora, que criou e desenvolveu o projeto piloto.

Afinal, segundo elas, a autoria foi dela. (SIC)”79

Uma das queixas comuns das coordenadoras entrevistadas é de que sua

participação em diversos espaços onde representam os grupos, gera uma grande

atividade física e uma movimentação igualmente grande na cidade, e o tempo que é

tomado para isso as impede de conseguir complementar a renda da aposentadoria, já

que a maioria delas recebe uma renda inferior a dois salários mínimos. Daí a

solicitação por recursos financeiros e serviços profissionais de apoio técnico para o

grupo, para que não necessitem dispor além do tempo, dos próprios recursos para

realizar algumas atividades demandadas pelo grupo por exemplo a contratação de

profissionais contadores, quando a os grupos se tornam pessoa jurídica, ou mesmo a

contratação de técnicos para desenvolver projetos financiados pelo setor público, o

que é inviável financeiramente para o grupo.

Sobre sua participação política afirmam que por mais que se empenhem em

trazer ideias e em propor sua participação nos grupos e nos fóruns, percebem que

são desprestigiados pelos técnicos e pelas pessoas que ocupam os lugares de poder

no serviço público, de tal maneira que suas contribuições não são consideradas. E

quando o são, suas propostas são desviadas e acabam se desanimando dessa forma

de fazer política no Brasil.

79 A sigla SIC significa (Segundo informações da coordenadora entrevistada). Esta foi uma informação trazida pela coordenadora que

criou o projeto, Segundo ela, foi convidada apenas para o dia do lançamento do projeto piloto, mas toda a autoria do projeto, cujo

nome foi modificado, mas permaneceu com as ideias e propostas originais ficou para os técnicos e a coordenadora responsável

pela sua execução junto à Prefeitura.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figura 7 - Painel Ilustrativo Contextos e ações nas considerações finais

Fonte: Painel elaborado pela pesquisadora (fontes diversas)

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6.1 Do silêncio de morte ao cochicho da vida: potencialização da pessoa idosa

por meio do valor, afeto e participação política nos grupos de convivência

de idosos.

Ao lado do poder há sempre a potência. Ao lado da dominação, há sempre a insubordinação. E trata-se de escavar e ainda escavar a partir do ponto mais baixo. Esse ponto não é a prisão como tal. É simplesmente lá onde as pessoas sofrem, onde são mais pobres e mais exploradas; onde as linguagens e os sentidos estão mais separados de todo e qualquer poder de ação e onde, no entanto, eles existem; porque tudo isso é vida e não morte. (NEGRI, 2001, p.54).

A pesquisa aqui realizada desnudou um mundo possível para a velhice

habitado por ações que nem de longe lembram a inércia imputada aos velhos. A vida

nos grupos de convivência sob o olhar das coordenadoras entrevistadas faz nos

emergir deste estudo com a sensação de que apenas assistimos ao primeiro ato de

um maravilhoso espetáculo sobre os modos do existir humano. Talvez por isso esse

trabalho seja sim uma obra aberta na medida em que faz emergir mais questões

sobre a velhice, sobre a longevidade e sobre os grupos de convivência de pessoas

idosas, ao invés de responder de forma direta ao nosso anseio de saber sobre eles.

Outras pesquisas deverão pois complementar esse estudo acerca dos modos de

existir dessas mulheres, focando em profundidade outros pontos sensíveis, que foram

apontados neste estudo.

Escutar as mulheres idosas falando sobre e nas suas coxias, foi um exercício

de conhecimento, não apenas no sentido de “ephisteme”80, mas sobretudo como

“phronesis”81. Pois foi necessário repensar conceitos antigos, e recriar outras formas

de pensar a política, e outras percepções sobre a lentidão e a fragilidade não como

uma disfunção, mas como potência humana para participar e contribuir. E a

dependência, como um dispositivo de aprendizagem sobre a vida, sobre a

solidariedade, e sobre o feto como valor humano. O que pôde ser aprendido com elas

não apenas traz a perplexidade de ver um grupo de pessoas com tamanho grau de

dependência umas das outras por um lado, e de tamanha autonomia por outro. Afinal,

80 Conhecimento científico e tecnológico

81 Prudência, sabedoria

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como poderia o ser humano aprender a lidar com sua finitude sem trazê-la de fato

para o seu cotidiano ao invés de expurgá-la como um mal social? Outro ponto de

contribuição do estudo foi pensar a dependência, como um dispositivo de

aprendizagem sobre a vida, sobre a solidariedade, e sobre o afeto como valor

humano, pois como nos ligarmos de maneira intensa ao outro senão por meio dela?

Não é pois o amor materno significado como a mais inegável e reconhecida forma de

aproximação humana da perfeição do afeto, em diversas culturas? E o seu

combustível maior não é exatamente a dependência do filho que deve ser acolhida em

todas as suas formas de manifestação pela mãe e transformada em autonomia nesta

relação? Pode-se notar que cada afirmação neste encontro com os sujeitos

pesquisados derivou inúmeras outras questões como esta, o que abre, ao invés de

fechar esse trabalho.

Foi necessário ainda compreender na sua fala que tanto o silêncio como o

cochicho são modos de revelação dos sujeitos e possuem várias facetas distintas

podendo ser utilizados como instrumentos igualmente importantes para produzir

novas significações sobre si mesmo e sobre a realidade. Na minha interpretação de

segunda mão, as pausas no meu trabalho, ao fazer a pesquisa do mestrado

metaforicamente lembram as pausas e os silêncios dos grupos. E em ambos os

casos, mesmo que em espaços diferentes, podem ser vistos e significados como

movimentos de insubordinação ao tempo fabricado para oprimir os homens, para

encaixotá-los em modos de fazer e de interpretar o mundo com olhares cada vez mais

próximos da vigilância, do espaço disciplinar que implementa corporações de poder,

que cuida de isolar, hierarquizar, classificar e identificar com o objetivo de tornar os

indivíduos capazes de realizar funções para o Estado; como autômatos. Mas de outra

forma ao desafiar e transgredir essa normatização temporal esses movimentos podem

ser vistos e significados como movimentos de profundo respeito às pausas humanas,

enquanto constituintes de sua experiência no mundo, e portanto, como processos

fundantes em qualquer de suas atividades.

E neste sentido Walter Benjamim faz uma apropriação interessante, tanto sobre

essa relação entre experiência e a formação, e entre o sonho individual e coletivo

quanto ao tempo do agora e sua representação simbólica e nele me sustentei ao fazer

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a reflexão acima. Leiamos a interpretação de Caroline Mitrovitch, sobre o que ele

produz:

Por isso podemos dizer que não há nenhuma fronteira entre sonhos individuais e coletivos, para Benjamim, visto que o indivíduo sonha o mundo e é sonhado por ele. O momento em que o sonho é confrontado com a necessidade de agir sobre o real é o momento de despertar. Esse “espaço de tempo” essa experiência da história, nasce do confronto entre forças “do sujeito prenhe das riquezas da lembrança[...] e o apelo do presente que clama pela realização daquilo que no passado fracassou. O tempo do Agora é o momento de despertar: despertar no presente esse sonho que se chama passado é tarefa da experiência. Uma tarefa segundo Benjamim, profundamente coletiva, a qual depende “Erlebnis”, mas tem como prioridade a transformação social. (MITROVITCH, 2011, p.121).

Desta forma podemos afirmar que segundo Benjamim, consciência e

inconsciência operam conjuntamente na atividade humana ao construir a experiência

subjetiva.

Começamos então pelas contribuições do nosso estudo a respeito do

significado atribuído por elas ao tempo. Pois dedicadas às atividades do grupo, e

tocadas pelas limitações e potencialidades das idosas mais fragilizadas elas

redescobriram valores e afetos que o tempo da produção desenfreada, exigida por um

processo perverso de dominação de uns sobre os outros, esmaecera. Elas, em sua

maioria, perceberam esse tempo como um tempo de reflexão e de trabalho, de

transpiração e inspiração, para estarem em contato com pessoas amigas e consigo

mesmas. Um tempo produtivo e de trabalho para si mesmas e para a “pólis”. Muitas

vezes diziam para as estagiárias como se a ensinarem uma lição sobre a vida, e

sobre a humanidade:

“Se vocês querem andar com pessoas idosas como nós, para nos acompanhar, terão que vir em passos lentos, passos contidos...aprendam a apreciar a lentidão para que possam contemplar melhor a beleza da vida. Saibam que a pressa é só uma maneira de não se chegar a lugar algum, pois o que se perde na pressa é o próprio valor e o sentido da caminhada” (CI5 -67a, 2003-2012).

A coordenadora (CI5 67ª) especialmente é mentora desse refrão e o repetia

sempre que podia para os alunos e outra delas (CI 10 82ª2012) sempre dizia: “corre

demais não meninas quem corre cansa quem caminha alcança” Essa reflexão sobre o

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tempo e movimento humano remete a um pensamento na mística religiosa, presente

em diversas culturas, na qual o homem é incentivado a ser mais contemplativo.

Esta forma de pensar a vida e de usufruir o tempo é uma das primeiras

contribuições deste estudo. É claro que esteve presente outros olhares sobre o tempo,

e que trouxe um tempo angustiado na fala de pelo menos duas das coordenadoras,

mas o que mais apareceu na fala das coordenadoras entrevistadas foi o tempo

demarcado por um fazer pelo outro, contemplando nele o seu próprio futuro e

demarcado por lições de aprendizagem sobre a dor e o prazer de viver mais. O tempo

é utilizado por elas como um tempo único, um tempo que é encarado nos seus

múltiplos presentes, e a vida como uma fatalidade que não se fixa em presente,

passado e futuro algum, mas se desliza pelo agora, com toda a experiência de sua

intempestividade e do afeto resultante dela. O que não se conta em minutos, e

transgride o tempo do relógio quando se lentifica, sem a ansiedade da produção, mas

com o intenso desejo de fazer o bem, no momento em que se está vivendo.

Entendendo que fazer o bem é a maior realização da existência humana.

6.2 da vivência de vencidos à experiencia estética de longeviver e participar,

reinventando a política. Um porvir possível?.

Sobre os cochichos, a interpretação trazida pelas coordenadoras, revelou

algumas formas de respostas destas mulheres idosas nos grupos de convivência:

A primeira foi a forma de compreender que o cochichar das idosas, na maioria

das vezes, é precedido pelo silêncio. No início dos encontros percebiam esse silêncio

das participantes como uma regra de aproximação, de medo em revelar-se num grupo

de pessoas ainda desconhecidas, e de insegurança em relação a sua aceitação

naquele espaço. Entretanto, com o tempo novas significações foram trazidas por elas

a esses silêncios. Observaram que além disso o silêncio era utilizado como forma de

se esquivarem de um diálogo que não interessava a elas, ou que as angustiava,

também como forma de proteção dos segredos e dos pactos que não queriam revelar,

e ainda, como resistência a determinados tipos de apelos a que não queriam atender.

Por sua vez, As coordenadoras também utilizaram-se do silêncio de forma

muito aproximada do que expuseram sobre o grupo. Mas durante a pesquisa aos

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poucos esse silêncio, no caso das coordenadoras, foi dando lugar à palavra na

medida em que se aproximavam mais umas das outras, partilhando suas experiências

e rompendo o isolamento dos grupos. Ao romper o silêncio com o cochichos, as

palavras jorravam no início, como uma chuva de queixas de lamento sobre si mesmas

e sobre a situação dos grupos, mas a palavra depois de apropriada por elas, também

foi se deslizando nos seus sentidos e ampliando as significações sobre sua própria

realidade e sobre a realidade dos grupos até o momento em que se sentiram capazes

de se organizarem para conquistar seu espaço, expandir sua voz e inventar outras

formas de participação para vencer os desafios da surdez de quem ocupava os

lugares de decisão no espaço público. De um não se sentir capaz à uma potência

para agir e transformar o que fosse possível e ainda desconfiar do que parecesse

impossibilidade.

Portanto, na minha visão, o silêncio era apenas uma outra forma de dizer de si,

de se apresentar e apresentar sua experiência, na ausência do som e dos sentidos da

linguagem. Na minha interpretação de segunda mão, nesse primeiro momento que

chegaram estavam doloridas e de tal forma se doíam que esse deslizar do silêncio à

palavra foi mediado pela ação significativa de estarem mais próximas, no exercício de

ousar partilhar suas dores. Pois na dor que não se consegue significar, é o silêncio ou

também o grito, que se manifestam. Mas o sofrimento é a dor significada e prenha ao

mesmo tempo de novas significações. Como aponta LE BRETON (1997, p.239) “Se

não é possível descrever a dor, um silêncio de cortar à faca arrisca-se a invadir o

espaço mental do casal ou do grupo”; e da mesma forma que o desgosto ou a

dificuldade abafam a palavra, “a impotência em conseguir dar sentido ao

acontecimento, multiplicam a dor”. Desta forma, arrisco-me a dizer que na pesquisa o

que mais se pode observar foi o crescimento das coordenadoras pesquisadas no

sentido de uma aprendizagem de transformar a dor em sofrimento significado e

partilhado, embora ainda não possibilitado de solução, pela ausência de recursos e

pela retórica presente numa política que segundo elas ainda existe apenas nos

discursos. É claro, que não estamos dizendo aqui daquele resíduo, daquela dor que

não se partilha, por ser a dor única de cada sujeito entranhada, mas de uma dor

coletiva e portanto possível de partilha.

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A pesquisa pode evidenciar no entanto, que na ausência de um espaço de

participação e de escuta real às demandas das pessoas idosas nas políticas de

atenção e nos órgãos de monitoramento delas, o grupo de convivência é a

experiência mais originalmente próxima de uma construção própria desses sujeitos e

é por excelência o espaço de mediação simbólica 82 que oportuniza partilhar

inicialmente sua dor e dar vida às vivências das idosas, e ao romper o silêncio e

constituir –se num espaço de cochichos, possibilita a experiência de transformação de

sua realidade e do grupo. Sobre isso, MITROVITCH (2011, p.157) ao analisar o

pensamento de Walter Benjamim(1989), é quem contribui novamente com esta

reflexão ao postular a seguinte ideia: “O sujeito da experiência Benjaminiana se

descobre em sua fragilidade, em sua vulnerabilidade, em sua ignorância e impotência,

contudo é porque assim o faz que está disponível para tudo aquilo que escapa ao

saber e ao poder normatizados.”

O cochicho das coordenadoras teve peso forte na discussão do trabalho, não

apenas no que se refere à sua função linguística mas na sua função política social e

afetiva. Para algumas das coordenadoras, falar era algo difícil quando se tratava de

defender as ideias pessoais mas era mais fácil defender as ideias do grupo. No

entanto, posso dizer que a pesquisa levantou questões importantes como os lugares

das coordenadoras nos grupos de convivência, como peças fundamentais, já que o

líder forte, para as idosas mais frágeis acaba sendo uma possibilidade tanto de

esperançar novas transformações, como para constituir-se como exemplo a ser

seguido. Mais ainda, Esse lugar de força atribuído pelo grupo ao coordenador, para

quem coordena, acaba funcionando como um elemento de fortalecimento da auto

estima, e como estímulo que as mantêm, a despeito de todos os problemas dos

grupos, na sua função. Ao trabalharmos a trajetória de vida de cada uma delas,

percebemos que todo o seu movimento no presente, parecia reatualizar o sonho de

um passado que fracassou. Tal como apontou Walter Benjamim, in Mitrovitch 2011,

p.158).

82 Trata-se do uso dos signos para resolver problemas psicológicos (lembrar resolver, comparar, etc.) intermediação – algo interposto entre duas coisas a relação do homem com o mundo não é direta, mas mediada através de instrumentos (ferramentas intermediárias entre minha ação concreta sobre o mundo e o próprio mundo) formas posteriores de mediação de natureza semiótica

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Pode ser constatado que o grupo funciona para elas, primeiramente como um

espaço de interação afetiva e de amizade e que por isso mesmo fornece enorme

suporte ao público que deles participa. O afeto foi a condição mais importante para

análise da potencialização das coordenadoras e dos grupos durante os dez anos de

intervalo entre a primeira e a segunda inserção da pesquisadora no programa e

sinalizou que tais sentidos ao serem explorados e devolvidos a elas na forma de

oficinas geraram novas discussões e novas significações ao longo de todo o processo

de pesquisa, e mantiveram o crescimento da autonomia e da autovalorização pessoal

tanto das coordenadoras como dos seus participantes. Esta condição do grupo como

lugar de amizade, e o afeto, do ponto de vista trabalhado na pesquisa, foi analisada

por NEGRI para que pudéssemos trazer suas contribuições sobre o sentido do afeto e

do valor a ele atribuído

Essa primeira qualificação do afeto como potência de agir, acarreta várias consequências. Na verdade, se essa relação entre singularidade e comunidade (universalidade) não é estática, mas ao contrário, dinâmica, assistimos a um movimento contínuo entre o singular que se universaliza e o que é comum que se singulariza. Podemos então qualificar o afeto como potência de transformação, força de autovalorização, já que reforçando nela mesma o que é comum, leva o que é comum a uma expansão que não encontra limites, mas apenas obstáculos. Isto não é um processo formal, mas concreto, material. Pois realiza-se no bio-político. Evocaremos portanto o afeto como potência de apropriação significando que cada obstáculo que é ultrapassado pela ação do afeto, determina uma força de ação maior do que o próprio afeto, na singularidade e na universalidade de sua potência. O processo é ontológico, a potência é ontológica, as condições do agir e da transformação tomaram cada vez mais o aspecto de uma apropriação e vão enriquecer a potência do agir e da própria transformação.

Além desse lugar atribuído aos grupos, elas conseguiram atribuir novos

sentidos à experiência de estarem juntas ao longo da pesquisa. Especialmente o

sentido de aprenderem a lidar com o próprio envelhecimento aproximando-o de suas

atividades cotidianas ao invés de negá-lo. O sentido dado ao grupo como um espaço

em extensão à sua casa e ao mesmo tempo em oposição a ela demarcou a forma

paradoxal e as vezes contraditória de ver sua família, mas sobretudo sinalizou a

importância dessas discussões para que elas pudessem formar um conjunto de ideias

organizando seu pensamento para o momento de fazer suas reinvindicações,

diretamente aos parlamentares.

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O sentido dado ao grupo como um equipamento social e espaço de cidadania,

também lhes permitiu retomar e valorizar as atividades já realizadas pelo grupo e

dimensionar as ações realizadas na própria comunidade, fazendo-as refletir sobre o

seu lugar e o seu papel nos grupos.

O Grupo visto por elas como escola, demarcou mais que uma discussão sobre

os afetos o lugar que ocupa este espaço no processo de formação para esta

população e abriu os olhos da pesquisadora para observar reinvindicações

importantes no que tange aos direitos humanos fundamentais e aos direitos sociais

nos quais se inclui a educação, bem como para a necessidade de informação das

pessoas idosas, sobre seus direitos garantidos em lei e que vem sendo

sistematicamente descumpridos. Bem como nos alertou para a necessidade urgente

de implementar ações que possam favorecer o acesso da pessoa idosa a educação e

à cultura. E fez-nos ver que essa é uma das grandes portas que se abrem para

fortalecer a autonomia da pessoa idosa e para a reeducação das novas gerações.

Levou-nos a questionar também o próprio modelo de escola atual que afasta ainda

mais o jovem do velho e que precisa ser repensado nesse sentido.

Ao falarem dos cochichos sobre sua participação na política pública, nos seus

primeiros discursos a grande questão trazida por elas era que “falavam mas não eram

escutadas nos fóruns e nos conselhos”, e sua participação era “só para inglês ver”.

Tais questões foram trazidas por todas as entrevistadas mas percebemos uma

multiplicidade de sentidos em algumas de suas respostas: Essas questões foram

trabalhadas tanto no sentido vertical, quanto horizontal e permitiu-nos observar que as

idosas possuem uma contribuição importantíssima para sinalizar as necessidades de

mudança na forma de condução das políticas públicas de atenção à pessoa idosa:

A primeira delas é a necessidade de ressignificação da política de atenção à

pessoa idosa que tem se baseado num modelo de tutela e que favorece as relações

clientelistas. Segundo elas isso sustenta as relações de dominação e é interesse dos

políticos e dos setores governamentais manter essa lógica ao invés de produzir ações

que gerem a autonomia dos grupos, uma vez que fortalecem ainda mais, e mantêm as

pessoas idosas a-sujeitadas.

A segunda é o fato de que a participação política e o protagonismo da pessoa

idosa estão diretamente, relacionados com a questão formativa e educativa. Desta

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forma percebem que há um conluio, ou uma intenção da sociedade governamental de

manter estrategicamente engavetadas exatamente as ações que aumentariam a

autonomia da pessoa idosa como é o caso da recuperação do valor monetário dos

recursos da aposentadoria ao resgatar as perdas de mais de 60% e equipará-los aos

índices de reajustes e correções salariais, a educação, e a participação política e isso

precisa ser trabalhado; apontam em terceiro lugar a necessidade de uma política

sólida de potencialização e empoderamento dos grupos de convivência comunitários,

e não apenas dos grupos regidos pela prefeitura. Pois as ações dos grupos

comunitários estão ligadas mais diretamente ao fortalecimento do poder local e são

legitimadas pela própria comunidade na medida em que participam ativamente desses

grupos. Precisam garantir recursos para a sustentabilidade dos grupos, apoio técnico

e profissional para buscarem recursos através de projetos, e capacitação permanente

para os coordenadores. Seus registros de afetividade, de convivência e de partilha os

capacita melhor para lidar com os problemas locais que aos técnicos e profissionais

externos. Eles serviriam de apoio tecnológico, mas as iniciativas seriam da

comunidade. Apostar no poder comunitário, seria apostar na lógica do afeto como

potência para agir e transformar a realidade tal como aponta (NEGRI,2001, p.54)

O que significa pois juntar a abordagem a partir de baixo, da percepção do não lugar e a ruptura de qualquer instância dialética do afeto num percurso que vai do afeto ao valor? é Espinosa quem nos auxilia com o conceito de afeto como potência de agir singular e ao mesmo tempo universal. Singular porque põe o agir para além de qualquer medida que a potência não contém em si mesma, em sua própria estrutura e nas reestruturações contínuas eu ela constrói. Universal, porque os afetos constroem uma comunidade entre os sujeitos. O não lugar do afeto fica no cerne dessa comunidade, porque essa comunidade não é um nome, mas uma potência, porque não é uma comunidade de coerção mas um desejo. O afeto não tem mais nada a ver com o valor de uso porque não é uma medida, mas uma potência e porque não encontra limites à sua própria expansão, mas sim obstáculos. (NEGRI, 2001, p.54).

Em quarto lugar afirmam que é necessária uma política de inclusão constante

das pessoas idosas, nos diversos espaços de participação, especialmente para as

mulheres idosas que durante toda a sua vida sofreram o preconceito, a discriminação

e a violência de gênero. Não acessaram a escola nem o mundo do trabalho e hoje

padecem as consequências disso. Programas que auxiliem na reeducação da

sociedade e criem uma cultura que favoreça a velhice, o envelhecimento a pessoa

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idosa e reduza os danos das estereotipias, e estigmas ligadas à velhice e ao

envelhecimento e à pessoa idosa e coíba as suas diversas formas de propagação.

Isso se coaduna com o pensamento de (DEBERT 2011) Quando afirma que:

As imagens do idoso na mídia são, assim, ativas na criação de novas hierarquias sociais, na medida em que a velhice e o envelhecimento passam a ser uma espécie de doença auto-infligida, resultado da negligência com o corpo e com o bem-estar. Ser velho ou se comportar como velho são questões de escolha, são coisas que poderiam ser evitadas se as opções cuidadosas e corretas tivessem sido postas em ação. Essas novas imagens da velhice em sintonia com a cultura do consumidor, com certas práticas gerontológicas e com as políticas públicas interessadas em reduzir os custos da saúde transformam o direito de escolha num dever de todos, numa realidade inescapável a que estamos todos condenados (...) A responsabilidade individual pela escolha é igualmente distribuída, mas sabemos que os meios para agir de acordo com essa responsabilidade não o são. Acrescentar liberdade de ação à desigualdade fundamental da condição social, impondo o dever da liberdade sem os recursos que permitem uma escolha verdadeiramente livre é, numa sociedade altamente hierarquizada como a brasileira, uma receita para uma vida sem dignidade, repleta de humilhação e auto-depreciação.(DEBERT, 2011, p.24).

Falam ainda insistentemente que a educação da pessoa idosa deve ser

propiciada tanto no modelo formal como no modelo informal de Educação. Esta tem

sido uma luta da população idosa desde a primeira conferência Nacional de direitos

da pessoa idosa, e até hoje o executivo nada fez.

Elas apontam que a escola em que estudaram foi uma escola da vida, porque

naquela época, há mais de 60 anos atrás, só quem era rico podia estudar. E as

mulheres sempre ficavam de fora, preteridas, pois os homens é que tinham prioridade

em sair de casa e estudar. Elas afirmam que as escolas devem hoje abrir as portas

para a pessoa idosa, mas não de maneira discriminatória. Falam das salas extensas

ou expandidas como uma necessidade urgente e dizem que se as pessoas idosas

estivessem nas escolas, seriam menos endereçadas às ILPIs e aos hospitais. Ao falar

sobre a necessidade de escola para os idosos, as coordenadoras (CI8 70ª, CI6.72ª e

CI5 67ª,2012) escreveram o poema, com a melodia da música de Vinícius de Morais

que acreditamos ser importante repetir, até que isso se torne voz audível, como uma

de suas e de nossas mais importantes considerações:

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Era uma escola muito engraçada não tinha teto não tinha nada Quando criança quis estudar mas era pobre não podia entrar Adolescente não pude ir porque o trabalho já estava alí. E quando adulta não tive direito com tantos filhos, sempre um no peito Mesmo sem filhos podia não lugar de mulher era no fogão

Dizem agora pra que aprender? você já é velha e já vai morrer! Nem o alfabeto pode entender, não tem memória, vai esquecer! Mas se é um direito fundamental? por que pro velho, exclusão total? Velhice ativa, autonomia, tanto estatuto e lei pra entender Mas sem estudo que ironia? como é que vamos nos defender?

O grupo agora é como escola. é diferente a gente é quem fez Não tem um quadro nem palmatória...mas tem cadernos, livros talvez É nossa vida e nossa história matéria prima desse aprender; A convivência renova a vida. e os bons afetos nos dão poder” Mas sem dinheiro nem orçamento como a escola vai sobreviver?

Modalidade de educação, a pessoa idosa exige também Com orçamento pra execução na PNE e na LDBN Escola é vida é alegria, direito humano de aprender Com formação e cidadania dignidade podemos ter sem isso amigos o que eu diria? Participar é só pra Inglês ver!!!

Registrar as principais demandas das coordenadoras para o setor público

permitiu –me observar que a maioria de suas demandas para o setor público não

haviam sido atendidas, e isso nos auxiliou no exercício de perceber o grupo como um

espaço de interação de grande importância para as coordenadoras e para as pessoas

idosas, e permitiu observar a fragilidade das políticas públicas E ainda, na minha

interpretação de segunda mão, permitiu ver que existe uma dificuldade na tradução

cultural do que seja política, entre os representantes do governo e as pessoas idosas

aqui pesquisadas, pois para elas participar da política, é mais que ter infindas reuniões

de fóruns, conselhos de direitos que conseguem muito pouco resolver as questões

concretas da vida cotidiana. Para elas participar é sobretudo estar junto com o povo,

partilhando suas dores, seus anseios, seus desejos. Partilhando do pouco que se tem

para reduzir o dano que o outro sofre. A visão dos grupos principalmente como

espaço de amizade, mais do que isso nos fez voltar deste estudo com a certeza de

que valorizar esses equipamentos é respeitar um caminho criado pelas próprias

mulheres idosas. É valorizar o sujeito e sua atividade, e confiar no pressuposto de que

as comunidades são sobretudo comunidades de afeto, e portanto potencializadoras

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do devir sujeito e do amor. É NEGRI (2001) é quem produz o conceito de amor a qual

quero me referir. Com estas palavras:

A definição materialista do amor é uma definição de comunidades, uma construção de relações afetivas. Creio que o amor é a chave essencial para transformar o próprio em comum que se estende através da generosidade e que produz agenciamentos sociais. O amor não pode ser algo que se fecha no casal e na família; deve abrir-se para comunidades mais vastas. Deve construir, caso a caso, comunidades de saber e de desejo; deve tornar-se construtor do outro. O amor é hoje fundamentalmente a destruição de todas as tentativas de fechar-se na defesa de algo que não pertence a si. Creio que o amor é a chave essencial para transformar o próprio em comum. Tudo isso é a vida e não a morte. (NEGRI,2001, p. 53).

É com esse pensamento no grupo como exercício desse amor convivência e

desse amor como a exaltação da vida, com todas as suas vicissitudes, construindo

comunidades de saber e de desejo, que farei uma pausa neste estudo refletindo sobre

a potencialidade dos encontros com os grupos de convivência de idosos, como

passagens de vida importantes na construção de novos devires para a velhice e

novas formas de longeviver para a humanidade.

Mas a questão é como tornar isso possível e essa experiência multiplicável?

Vencerá o afeto e o vínculo comunitário das mulheres idosas os desafios de uma

política que se estabelece ainda fortalecendo-se na relação ente as coisas, mais que

na relação entre as pessoas? vencerão as vozes dos velhos o silêncio da indiferença

dos políticos e o perverso adiamento de seus direitos, num tempo que lhes é curto e

cuja vida está prenha de possibilidades, mas com urgência de ser viabilizada?

Vencerá a sociedade o seu estado de demência e recobrará a lucidez a tempo de

aproveitar essas vozes e se humanizar mais um pouco permitindo sua própria

sobrevivência como espécie e como cultura humana?

As questões que se colocaram com as propostas das coordenadoras, para as

políticas públicas, para a forma de participar da pessoa idosa e para as formas de

interação com o setor governamental deixam novas indagações para a ciência e para

a vida, que poderão ser respondidas em outros trabalhos, entretanto o que me coube

foi elevar a sua voz e fazê-la soar mais alto através dos olhares que agora podem

ouvi-las e lê-las neste trabalho por meio desta apreensão de suas indagações e

posicionamentos diante da vida. Pois o que reivindicam ao estarem reunidas em

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grupo todas as semanas, ainda que sem uma infraestrutura adequada, na maioria das

vezes, é um espaço para que possam se sentir sujeito e aumentar a sua liberdade de

expressão, e com isso, conseguem ter uma visão da política aliançando o global e o

local e ao mesmo tempo, o grupo serve de palco para o exercício e a conquista de

sua auto auto-realização. E com o exercício da palavra franca dirigida a amigos,

nesse espaço de aproximação, intimidade e amizade, conseguem então desenvolver

o desejo de uma política emancipatória, que faça frente às desigualdades não apenas

vivenciada pelas pessoas idosas, mas a desigualdade instaurada como modo de viver

entre os povos, e na própria forma de participar do espaço público. Conseguem então

com os grupos e por meio deles estabelecer uma relação entre a política

emancipatória e a política da vida e se engajarem em movimentos pacifistas mas

firmes na luta pela melhoria das condições de viver a velhice.

Os grupos comunitários, coordenados pelas próprias mulheres idosas

correspondem, na minha interpretação de segunda mão, a um espaço criado, e

legitimado pela própria comunidade de velhos. Movimento autônomo e produçente de

uma ação constante para um vir a ser velho, participante e engajado no mundo e na

coisa pública. E se considerarmos o pensamento de Giddens (1991 p.173) sobre a

modernidade e a política, veremos que o grupo já funciona por um lado como um

movimento democrático e de contracultura, embora, quando criado não a partir

desses laços de intimidade e reflexão da própria comunidade, mas a partir de fora, de

interesses abstratos para legitimar serviços sob o comando daqueles que governam

também não deixe de reproduzir um espaço de massificação e servidão

simultaneamente. Portanto posso inferir que o sentimento de não serem escutadas,

nesses grupos comunitários, fez com que elas percebessem essa diferença, entre os

espaços comunitários e os espaços viciados num lugar de reprodução do poder

instituído do governo e acabou por gerar uma resposta interessante, um engajamento

capaz de empoderá-las e tornar sua voz muito mais representativa e fortalecida nas

dimensões do espaço comunitário e da política local. O desafio é avançar na direção

de pensar outras formas de acesso e de engajamento dos próprios grupos e outras

alianças, para que sua voz possa se ampliar.

Assim, é que encaminho o fechamento dos meus escritos sobre as

interpretações de segunda mão que consegui, com muito custo, traduzir em

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linguagem escrita. Enquanto o eco de cada cochicho continuará a se multiplicar em

outras múltiplas interpretações na minha vida, em meu trabalho e nas ações que

agora estas coordenadoras empreendem de forma mais organizada através do grupo

que conseguiram montar para fortalecer a sua voz - A REDE DE AMIGOS IDOSOS E

SOLIDÁRIOS uma associação de coordenadores que vem se estabelecendo como

um novo cochicho e empreendimento delas. A questão que fica diante dos pontos

aqui trabalhados, é:longeviver e participar numa época em que a política é tão

marcada por um pensamento neoliberal, no qual a palavra parece tão desconecta da

ação, será um novo porvir possível e real para essas mulheres idosas? se é possível,

de que maneira poderemos nos engajar e facilitar essa conquista?

Se essa resposta é algo que não conseguimos obter com esse trabalho e cuja

construção parece próxima da construção da última pergunta que fiz ao iniciar a

pesquisa e que é : “que relação as coordenadoras estabelecem entre a escuta que

fazemos aos grupos e a sua participação política”? quero dizer que desisti de investir

nestas duas respostas pois deixou de ser uma questão neste trabalho, uma vez que

mais importante que obter uma resposta direta, foi a observação e a escuta do

percurso que caminhamos juntas Ele me fez compreender, na minha interpretação de

segunda mão, que a presença da psicologia desencadeou esse percurso e colocou

em movimento a pergunta que lhes calava à garganta e, com isso, possibilitou tantas

questões, que por sua vez ao não serem respondidas, mas encaminhadas,

endereçadas a elas novamente, provocou um espaço propício para ampliar seu olhar

sobre si mesmas e sobre a sua realidade, e portanto para possibilitar a ressignificação

de si mesmas e do espaço vivido na sua relação com o outro. Deixo para você leitor e

para a banca, um trecho da finalização da entrevista de uma coordenadora ao falar de

sua participação nesta pesquisa. E transcrevo-o na íntegra para encerrar a

dissertação, e para que todos os que tiverem acesso a este trabalho possam fazer

sobre ele as suas próprias interpretações de segunda ou terceira mão:

Pesquisadora: perguntando para a coordenadora (CI5 67ª 2006) Como você

sabe, este trabalho discute sobre o cochicho, a escuta, e a participação política de

vocês coordenadoras nos grupos de convivência de idosos. Então, conte-me como foi

para você participar desta pesquisa?

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Participar desta pesquisa foi como se eu recebesse um prêmio pelo trabalho que já foi realizado neste grupo. Por que numa entrevista assim, você consegue rever tudo o que foi realizado e é um espaço para a gente refletir e dar maior valor, maior sentido para as coisas do grupo. Rever as atas do grupo para responder ao questionário complementar, que você me pediu foi como se eu entrasse de novo num caminho já percorrido e descobrisse novos detalhes que eu jamais teria percebido se não fosse esta insistência necessária para trazer um registro verídico daquilo que ocorreu no grupo. Percebi que houve um desenvolvimento do grupo como o de uma criança que nasceu, cresceu, deu os primeiros passos e alcançou várias formas de autonomia. Acho que esta pesquisa será muito importante para que várias pessoas possam conhecer um grupo de convivência de forma mais detalhada, desde seu nascimento e acompanhar parte do seu percurso pois nem sempre os técnicos e profissionais que falam sobre os grupos de convivência revelam as produções dos idosos nos grupos ou voltam para analisar as transformações decorrentes desses encontros. A maioria das pessoas tem até preconceito com os grupos. Acham que o grupo é só pra lazer e diversão de velhas que não têm o que fazer, e que ficam lá sendo infantilizadas por nós coordenadoras. Não digo que não existam grupos que assim fazem, mas por não terem ainda conhecimento do que podem fazer nesse espaço e aí precisam ainda mais de ajuda e não de crítica. A escuta das psicólogas no grupo produz um fenômeno muito maior que outras atividades que os grupos desenvolvem. Estou certa de que a pesquisa vai ajudar as pessoas a enxergar os grupos de outra maneira e melhorar o olhar dos idosos sobre o próprio grupo, e sobre o idoso. E posso dizer pelo nosso grupo, que já está contribuindo para o nosso crescimento porque sentimos que fomos também pesquisadores, que participamos passo a passo do processo para conseguir os dados reestudando o próprio grupo, reorganizando nossos registros escritos e revisando as nossas opiniões e nossas memórias sobre o que aconteceu nele até hoje. Por outro lado essa pesquisa vai me dar muito trabalho porque agora acho que a gente tem que se organizar mais, eu digo nós as coordenadoras de grupos de idosos, pra não ficar cada uma pensando no seu próprio umbigo. No seu grupinho. Temos que nos organizar ao invés de ficar esperando pela política pública acontecer. Os grupos não podem ficar nessa mesmice, temos que arregaçar as mangas, porque na hora que eu voltei pra olhar o que a gente já tinha feito eu vi que a gente cometeu erros, mas fez muitos acertos também, e tem muita coisa boa que o grupo já fez. E se a gente fez é porque a gente é capaz, porque a gente teve que aprender na raça, umas com as outras, e com os poucos que estiveram do nosso lado desde o começo como vocês. Mas tem muita coisa pra fazer ainda. Depois de todo o sofrimento para montar os grupos, ter um público permanente de mais de setenta pessoas, como é o nosso caso, é que chegaram os políticos e a prefeitura querendo colher os frutos que a comunidade plantou com muito sacrifício e dedicação. Mas para os grupos mesmo, a política não trouxe nada de concreto e garantido por lei que é para os grupos. Só recebemos ajudas pontuais. De um recurso que sobra, de projetos que chegam maciçamente e eles não sabem o que fazer, e que as vezes nem é do interesse do grupo e eles empurram. Não estou com isso desmerecendo a ajuda e o apoio que recebemos, mas tem que vir de uma outra forma, sem tutela, sem essa característica de estar recebendo um favor. E nós é que temos que aprender a caminhar com as próprias pernas. Idoso nenhum quer dar trabalho para ninguém. Mas sem

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direitos garantidos aí sim a gente fica dependente, tutelado pela família e pelo Estado e sem dignidade. Por isso é que eu digo que temos que andar com as próprias pernas, nós, que ainda temos saúde para ajudar os que já estão sem elas. Só que com recursos garantidos, podemos ajudar não só a nós mesmos mas a todos. Por que a velhice não é uma só. Tem que ter política para todos. Para os que querem estudar e trabalhar e ainda podem e para os que já não podem mais e precisam de outros tipos de ajuda como moradia, cuidado e proteção Para os que não tem família e vivem sozinhos, mas que podem ainda estudar, nós é que temos que levar a escola pra eles, porque ninguém acha que velho precisa de escola, mas precisa e para todos, porque a maioria dos idosos não teve escola, e se teve foi por pouco tempo. Então precisa pra todos, para os que vivem no interior, na zona rural, na rua. Porque a velhice não tem uma cara. Ela tem várias e porque o homem não pode parar de aprender e de sonhar e de partilhar seus sonhos. E o velho não é uma árvore sem raíz é uma árvore que ainda dá frutos, e pode gerar muita sombra para os que virão depois de nós, basta fofar a terra, adubar e regar com carinho Essa é a grande missão da humanidade. Sonhar e cultivar a vida de cada ser humano como se fosse um enorme pomar e um belo jardim para que as outras gerações possam colher Frutos mais saborosos e flores mais lindas e perfumadas. Obrigado. (Riso) Acabei. Tá bom? (CI5- 67a, 2006).

Pesquisadora - Excelente. Mas gostaria de fazer um agradecimento e um

pequeno comentário você me permite?

Obrigado por sua disposição em partilhar comigo, com os profissionais

aprendizes da psicologia e com o curso de Gerontologia da PUC de São Paulo, sua

vida, seu trabalho e coisas tão íntimas, tão profundas e tão prudentes. Sua entrevista

foi uma aula densa, mas muito prazerosa, das mais bem ministradas que eu já recebi.

Esta aula precisa estar presente nos cursos de gerontologia, para ensinar aos

pesquisadores aprendizes como eu, muitas coisas que ainda precisamos aprender

sobre o homem e que só conseguiremos aprender com quem tem a experiência de

vida e a generosidade de partilhar o conhecimento. Você é uma verdadeira escola

corpo-alma intinerante. Terei grande prazer em compartilhar cada um dos seus

ensinamentos e multiplicar os sons dos seus cochichos Sairei alimentada por

saborear frutos do seu pomar e perfumar-me com as fragrâncias das flores do seu

jardim.

Mais uma vez muito obrigado.

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da esquerda para a direita e de cima para baixo)

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Figura 9 - Painel ilustrativo contexto do pesquisador (Referenciados da

esquerda para a direita e de cima para baixo)

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Figura 10 - Painel ilustrativo mulheres que cochicham e suas coxias

(Referenciados da esquerda para a direita e de cima para baixo)

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PESQUISADORA. Grupo Raiz em ação – Projeto de criação e fortalecimento dos concelhos de idosos em cidades de baixo IDH em parceria com o CEI Minas Gerais. 2009. Acervo particular da pesquisadora.

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Figura 11 - Painel ilustrativo os cochichos (Referenciados da esquerda para a

direita e de cima para baixo)

Autor Desconhecido. Saral lítero-musical: Entendendo o Brasil através da música e das cartas. Disponível em: <http://www.vejadica.com/cartas-brasileiras-evento-

gratuito-em-recife>. Acesso em 12 mar. 2014. PESQUISADORA. Rais – Rede de amigos idosos e solidários visita à ILPI I. 2008.

Acervo particular da pesquisadora. PESQUISADORA. Rais rede de amigos idosos e solidários visita a ILPI II. 2008.

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243

Figura 12 - Painel ilustrativo da coxia para o palco (Referenciados da esquerda

para a direita e de cima para baixo)

PESQUISADORA. Grupo musical – III Fórum de Geriatria e Gerontologia. 2008. Acervo particular da pesquisadora. Machado, Carolina. - foto 1. 2012. Acervo particular da pesquisadora. Dia mundial do teatro.Luciano Barata, 27 mar. 2010. Disponível em: < http://lucianobarata.blogspot.com.br/2010_03_01_archive.html>. Acesso em 12 mar. 2014. Machado, Carolina. Oficina de desenvolvimento humano político e social para coordenadores de grupos de convivência II. 2012. Acervo particular da

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2008. Acervo particular da pesquisadora. Machado, Carolina. Evento Colcha de Fraternidade. 2008. Acervo particular da

pesquisadora. Machado, Carolina. Oficina sobre grupos de convivência e Políticas Públicas – foto 2. 2012. Acervo particular da pesquisadora. PESQUISADORA. Grupo Rais em ação – Projeto de criação e fortalecimento dos conselhos de idosos em cidades de baixo IDH em parceria com o CEI Minas Gerais. 2009. Acervo particular da pesquisadora.

Figura 13 - Painel Ilustrativo considerações finais (Referenciados da esquerda

para a direita e de cima para baixo)

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245

ANEXOS

EXEMPLO DE ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-DIRIGIDA APLICADA AS COORDENADORAS DE GRUPOS DE CONVIVÊNCIA ENTREVISTADAS.

Nome da coordenadora ________ número atribuído na

pesquisa___________________________

Grupo que coordena _______data de fundação do grupo______ período de

coordenação________

Nome do(a) pesquisador(a) _______ Data______Local da entrevista _____________

Tempo de duração______ intervalo_____ número de encontros ______instrumento

utilizado______________________________________________________________

________

Observações:_________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

____________________________________________________

Bom, como já conversamos a respeito, esta entrevista faz parte da pesquisa que

estou realizando com coordenadoras de grupos de convivência de idosos e é uma

entrevista na qual eu vou fazer uma pergunta inicial e você vai respondê-la do modo

como você achar melhor. De vez em quando eu poderei solicitar algum

esclarecimento de algo que eu não tenha entendido ou que necessitar de algum

aprofundamento.

Você nesse caso, poderá continuar respondendo ou terá pleno uso de sua

liberdade para dizer que não quer falar a respeito. Você pode começar e parar quando

você quiser. Quando você terminar de responder a primeira questão então eu farei a

segunda. Eu solicitei para você, deixar pelo menos 2 horas livres apenas para

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delimitar-nos um tempo de trabalho, mas quem decidirá quando parar é você. Se

qualquer de nós necessitarmos de intervalos por poderemos sinalizar uma para a

outra. E se, por algum motivo tivermos que interromper a entrevista, poderemos

retornar e completar num outro dia. Você tem alguma dúvida? Então podemos

começar?

1-Fale um pouco sobre a sua trajetória de vida até se tornar uma coordenadora

de grupos de convivência de idosos. (Você pode começar por onde você quiser).

2-Diante do que você expôs que relação você faz entre sua história de vida e a

decisão de tornar-se uma coordenadora de grupos de convivência de idosos?

3-Quais são, para você, os principais desafios para uma coordenadora de

grupos de convivência de idosos na atualidade?

4-Para você, o que é um grupo de convivência de idosos?

5-Para você Que importância tem o grupo de convivências na vida das pessoas

idosas e na comunidade?

6-Conte um pouco da história do grupo que você coordena e aponte as suas

principais conquistas e desafios do grupo desde sua criação

7- o que você pensa sobre o trabalho da psicologia, nos grupos?

8-Você poderia falar quais são os cochichos mais frequentes trazidos pelas

idosas nos grupos de convivência?

9- Como você percebe a sua participação como coordenadora nas políticas

públicas ao longo desse período?

10- Você poderia agora falar a respeito das principais mudanças que você

observa no grupo, desde que começou o trabalho até hoje?

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11-Como você sabe, este trabalho discute sobre o cochicho, a escuta, e a

participação política nos grupos de convivência de idosos. Então, conte-me como foi

para você participar desta pesquisa?

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DELIBERAÇÕES DA ÚLTIMA CONFERÊNCIA DE DIREITOS DA PESSOA IDOSA

A relação das 26 propostas prioritárias construídas pelos grupos de trabalhos e

aprovadas pelos delegados na Plenária Final da 3ª Conferência Nacional dos Direitos

das Pessoas Idosas, realizada nos dias 23 a 25 de novembro de 2011, em Brasília/DF

nas dependências da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio são:

EIXO 1

Envelhecimento e Políticas de Estado: Pactuar Caminhos Intersetoriais

1. Alteração da legislação para: a) reduzir para 60 anos a idade para acesso ao

Benefício de Prestação Continuada (BPC) (Lei 8742/1993); b) alterar a renda per

capita do acesso ao Benefício de Prestação Continuada (Lei 8742/1993) - BPC de

inferior a ¼ salário mínimo para até meio salário mínimo; c) não considerar, para efeito

de cálculo da renda familiar, os benefícios previdenciários no valor de um salário

mínimo, percebidos por outro idoso e pessoa portadora de deficiência; d) em caso de

falecimento do beneficiário, que o cônjuge tenha direito ao gozo do benefício de

“pensão”;

2. Efetivar e universalizar o direito da pessoa idosa, bem como sua inclusão social, por

meio da descentralização das ações resultantes da intersetorialidade ou oriundas de

protocolo de gestão integrada, com garantia do co-financiamento nas três esferas de

governo, respeitando a dignidade do cidadão, sua autonomia e seus talentos,

favorecendo o acesso à informação, aos benefícios e aos serviços de qualidade, bem

como à convivência familiar e comunitária;

3. Ampliar e co-financiar a criação da Secretaria Nacional do Idoso, b) Centros de

Combate à Violência e Maus Tratos contra a Pessoa Idosa; c) Centros de

Referências; d) Delegacias Especializadas, fortalecendo a rede de proteção e defesa

das pessoas idosas em situação de violência, buscando a agilidade do Poder

Judiciário, com vistas à implementação do Plano de Ação de Enfrentamento à

Violência contra a Pessoa Idosa;

4. Formular legislação para bancos e similares (em especial, corretoras e financeiras)

referente ao endividamento global, no limite de 30% e a proteção à pessoa idosa na

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utilização do cartão benefício, de forma que garanta a liberação do empréstimo

somente após utilização da senha eletrônica, impressão digital e atendimento

individualizado pela instituição financeira, com apresentação da declaração

esclarecida da utilização do empréstimo ao idoso;

5. Garantir e ampliar o acesso a programas de prevenção, promoção da saúde,

tratamento e reabilitação da pessoa idosa, conforme preconizado na política nacional

de saúde da pessoa idosa, nas três esferas de gestão;

6. Implantar e implementar centros especializados de atenção à saúde da pessoa

idosa de responsabilidade e financiamento das três esferas de governo, com as

seguintes características: a) descentralizados e regionalizados; b) com infraestrutura

adequada e equipe multidisciplinar (geriatra, nutricionista, assistente social, psicólogo,

fisioterapeuta, fonoaudiólogo, enfermeiro, técnico em enfermagem, educador físico,

terapeuta ocupacional, odontólogo, protético, incluindo também medicina alternativa);

c) que possibilite atendimento integral, humanizado e resolutivo em todos os níveis; d)

com acompanhamento das pessoas idosas do ambulatório ao ambiente domiciliar; e)

garantia de acesso a medicamentos, exames ou serviço de apoio diagnóstico e fluxo

de referência e contra-referência;

7. Elaborar, implantar e monitorar o Plano Nacional do Idoso, com planejamento e

gestão compartilhada entre as diversas políticas públicas, de forma a efetivar

programas, projetos e serviços intersetoriais, envolvendo as áreas de saúde,

assistência social, habitação, educação, transporte, cultura, dentre outras;

8. Criar a Secretaria Nacional do Idoso, incentivando os estados e municípios ao

mesmo procedimento, visando desenvolver a política da pessoa idosa;

9. Ampliação da política pública de educação para a inclusão da pessoa idosa em

todas as fases da educação (alfabetização, ensino fundamental, médio e universitário)

bem como das universidades da 3ª Idade, nas escolas das redes pública e privada,

garantindo: a) a educação formal, podendo ser pelo PEJA, para pessoas a partir de 60

anos, nos três turnos, b) orientação no sistema Braille e na Linguagem Brasileira de

Sinais (LIBRAS); c) em espaços adequados; d) com transporte gratuito; e) com a

inserção de conteúdos sobre envelhecimento como temas transversais

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10. Garantir a inclusão no Catálogo Nacional do Ministério da Educação MEC – o

curso de orientação e formação de cuidador da pessoa idosa e institucionalizar, em

nível nacional, o programa;

EIXO 2

Pessoa Idosa protagonista da conquista e efetivação dos seus direitos

11. Garantir a participação efetiva da pessoa idosa no planejamento dos programas

sociais nas áreas de saúde, educação e assistência social com base no Plano de

Ação Internacional para o Envelhecimento;

12. Divulgar e promover campanhas educativas e informativas sobre o Estatuto do

Idoso e demais legislações pertinentes, com linguagem acessível, ilustrações,

inclusive em braile, escrita ampliada e LIBRAS para se enfrentar as dificuldades do

envelhecimento, a discriminação e a violência, estimulando o processo intergeracional

de forma ampla e sistemática, em âmbito nacional e local principalmente na mídia

(TV, em horário nobre, rádio, Jornal, revistas, folders, outdoors, materiais educativos,

etc...);

13. Incentivar, oportunizar e capacitar as pessoas idosas nas três esferas municipal,

estadual, distrital e federal do conhecimento e das formas de acesso aos direitos, aos

mecanismos e instrumentos de que dispõem, para garantir a organização social e seu

protagonismo social, lazer, trabalho, previdência social, habitação, transporte,

participação social, mídia e fóruns de deliberação, dentre outros;

14. Garantir e assegurar o cumprimento como preconiza o Estatuto do Idoso, nas três

esferas de governo, espaços de protagonismo nas áreas de saúde, educação,

assistência.

15. Exigir o cumprimento da legislação vigente que garante, nas três esferas de

governo, a acessibilidade às pessoas idosas, sobretudo nas áreas de transportes,

infraestrutura e edificações privadas e públicas;

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EIXO 3

Fortalecimento e integração dos conselhos: Existir, participar, estar ao alcance,

comprometer-se com a defesa dos direitos dos idosos.

16. Instituir nos Conselhos Nacional, Estaduais e Distrital, maior interação e

participação com os Conselhos Municipais, no intuito de promover o fortalecimento

destes últimos, através de fóruns, audiências públicas, debates, seminários, palestras

e outros eventos de natureza similar, que estimulem a participação social e

capacitação continuada dos Conselheiros, nas três esferas;

17. Criação e manutenção de um sistema de informação específico para

cadastramento de todos os conselhos intersetoriais, de forma transparente e com

acesso popular, para melhor integração dos mesmos, criando um plano de mídia

permanente para Comunicação e publicização das ações, deliberações, informações

dos Conselhos das três esferas; criação de um site oficial do CNDI, com link dos

Conselhos Estaduais e Conselhos Municipais da Pessoa Idosa;

18. Tornar todos os Conselhos para Pessoas Idosas, nas três esferas

governamentais, em deliberativos, consultivos e fiscalizadores, para decidir, opinar,

acompanhar e fiscalizar as políticas públicas para as pessoas idosas, divulgando junto

à população idosa, suas ações e decisões, principalmente os orçamentos, co-

financiamentos, convênios e todo e qualquer recurso recebidos pelos municípios,

destinados às políticas públicas para as Pessoas Idosas;

19. Mobilizar órgãos governamentais e não governamentais, envolvendo os

Conselhos, com objetivos de ampliar os orçamentos para implantação de programas,

projetos e serviços, com objetivo de fortalecer e implementar a Rede Nacional de

Proteção e Defesa da Pessoa Idosa –RENADI;

20. Estabelecer estratégias para cumprimento e acompanhamento das deliberações

das conferências nos três níveis de governo, garantindo que as mesmas sejam

incorporadas nos planos para a execução da política pública da pessoa idosa,

estabelecendo encaminhamento das denúncias de violação de direitos aos órgãos

competentes;

21. Obrigatoriedade de criação imediata do Conselho e do respectivo Fundo Estadual

e Municipal do Idoso, garantindo secretaria executiva, com prazo máximo de 12

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meses a partir da 3ª Conferência Nacional do Idoso, bem como a formação e

capacitação permanente dos conselheiros nas três esferas de governo, melhoramento

da estrutura dos Conselhos existentes, sendo todos equipados com: veículo, linha

telefônica, internet e outros equipamentos necessários para o seu bom

atendimento/funcionamento;

EIXO 4

Diretrizes Orçamentárias, Plano Integrado e Orçamento Público da União, Estados,

Distrito Federal e Municípios: Conhecer para exigir, exigir para incluir, fiscalizar.

22. Destinar e garantir recursos, por meio de leis orçamentárias, nas três esferas de

Governo, para construir, implementar, manter e/ou reformar todas as modalidades de

atendimento previstas na Política Nacional do Idoso, Política Nacional de Saúde da

Pessoa Idosa, Política Nacional de Assistência Social, considerando a

intersetorialidade, com instalações adequadas e pessoal qualificado por meio de

programas, projetos e ações para atendimento integral e integrado à pessoa idosa;

23. Alocar recursos advindos das arrecadações das loterias, percentual de 2% dos

Royalts e Pré-Sal, dos crimes ambientais e dos IOFs de empréstimos contraídos por

idosos, para custeio da execução de programas, projetos e ações de promoção,

proteção e defesa dos direitos da pessoa idosa, em especial àquela vulnerável ou em

situação de risco social, assegurando a ampliação do orçamento (Constituição

Federal, art. 194, § único), pela garantia da participação no Plano Plurianual ((PPA),

Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA), definindo e

estabelecendo repasses fundo a fundo;

24. Promover a articulação de todas as esferas de governo e da sociedade civil para a

regulamentação e implantação dos Fundos Municipais, Estaduais, Distrital e Nacional

do Idoso, garantindo que municípios, estados, Distrito Federal e a União destinem, no

mínimo, 1% (um por cento) da arrecadação prevista em seus respectivos orçamentos,

2% da arrecadação das loterias federais e estaduais e a totalidade dos recursos

arrecadados com as multas previstas nos artigos 56 a 58 do Estatuto do Idoso para

investimento com foco no envelhecimento ativo e saudável, devendo a utilização dos

recursos ocorrer por deliberação dos seus respectivos conselhos, pautada pela

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transparência, ampla divulgação nos meios de comunicação, intensificação da

divulgação de datas dos processos de elaboração dos orçamentos e planos e a

prestação de contas dos recursos recebidos;

25. Estabelece no planejamento orçamentário que se destine de 5% a 10% de todo

recurso público federal repassado aos estados, Distrito Federal e municípios à

execução da Política Nacional do Idoso (PNI), garantindo, dessa forma, atender o

idoso nas diversas modalidades;

26. Garantir, nas três esferas de governo, recursos para instrumentalização e

capacitação continuada na área de ciclo orçamentário (Plano Plurianual - PPA, a Lei

de Diretrizes Orçamentárias - LDO, e a Lei Orçamentária Anual – LOA);

financiamento; na elaboração de programas, projetos, serviços e no acompanhamento

de políticas públicas para os membros dos Conselhos de Defesa dos Direitos da

Pessoa Idosa, assegurando a função fiscalizadora prevista no Estatuto do Idoso.

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PRINCIPAIS AÇÕES DA COORDENADORIA DE DIREITOS DA PESSOA IDOSA E DO CENTRO DE REFERÊNCIA DA PESSOA IDOSA DE BELO HORIZONTE

Ações da Coordenadoria de Direitos da Pessoa Idosa - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

Acessibilidade uma questão de Direito Atividades: Grupos de discussão: acessibilidade urbana e edificação, testemunhos da história, uso de tecnologias, Estatuto do Idoso, informações preventivas. City Tour/Expresso Ambiental Atividades: visita aos pontos turísticos e de lazer ou a espaços escolhidos pelo próprio grupo. Participação de idosos de grupos de convivência, idosos usuários dos CRAs, Centros e Postos de Saúde. Disque Idoso Atividades: atendimento e orientação telefônica sobre temas relacionados a este segmento da população. Tel: 156 Espaço da Cidadania Atividades: exposição e venda de artesanato. Horário de funcionamento: às sextas-feiras, de 08h às17h. Local: Av.Bernardo Monteiro, no quarteirão abaixo da Feira das Flores. Inclusão Digital Atividades: curso básico de informática em parceria com Universidades. Integração Geracional -Troca de Saberes Atividades: aulas de introdução e manuseio de celulares, informática, culinária, artesanato; trocas sociais e afetivas. Oficina de Memória e Cultura Atividades: estimulação cognitiva e memórias sócio-afetivas, resgate, ressignificação e reconstrução. Oficina de Coordenadores de Grupos de Convivência Atividades: troca de experiências, repasse de informações, técnicas e dinâmicas de grupo. Oficinas de Direitos Valorização da Pessoa Idosa Institucionalizada Campanha contra a Violência à Pessoa Idosa Centro de Referência da Pessoa Idosa

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AÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA DA PESSOA IDOSA

O Centro de Referência da Pessoa Idosa é um equipamento público da Coordenadoria de Direitos da Pessoa Idosa/ SMADC/ Prefeitura de Belo Horizonte, que oferece serviços e programas voltados para a promoção e defesa de direitos da pessoa idosa. Este Centro traz em seu bojo estudos, pesquisas e documentação sobre o processo de envelhecimento. Objetivos / Compromissos:

• Desenvolver ações educativas visando à promoção da cidadania e inclusão social da pessoa idosa; • Promover a socialização e convivência intergeracional; • Contribuir para a melhoria da qualidade de vida da pessoa idosa e elevação de sua auto-estima; • Possibilitar a participação da pessoa idosa como protagonista de sua história. Projetos/Serviços: -Academia da Cidade; -Academia Céu Aberto/Saúde na Praça; -Dança de Salão; -Dança Cigana; -Dança Sênior, -Coral; -Lian Gong; -Informática/Inclusão Digital; -Pintura em Tecido; -Pintura em Tela; -Projeto EJA-BH (Educação de Jovens e Adultos); -Show de Talentos; -Tarde Dançante (Baile); -Vida Ativa

VÍDEO ILUSTRATIVO DA PESQUISA VOZES NA COXIA: COCHICHO, ESCUTA E

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES IDOSAS

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