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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
CAMILA COLLPY GONZALEZ FERNANDEZ
ENTRE DOIS PAÍSES, SONHOS E ILUSÕES:
TRAJETÓRIAS DE E/IMIGRANTES BOLIVIANOS EM SÃO PAULO (1980-2000)
DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL
SÃO PAULO
2015
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
CAMILA COLLPY GONZALEZ FERNANDEZ
ENTRE DOIS PAÍSES, SONHOS E ILUSÕES:
TRAJETÓRIAS DE E/IMIGRANTES BOLIVIANOS EM SÃO PAULO (1980-2000)
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Doutora
em História Social, sob a orientação da Profa. Dra.
Maria Izilda Santos de Matos.
SÃO PAULO
2015
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BANCA EXAMINADORA
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A todos aqueles que um dia deixaram seus lares em busca de um sonho com a mala repleta de coragem, esperança e saudade. Redesenharam a realidade e conquistaram com seu trabalho um novo lugar.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que partilharam desse árduo sonho de quatro anos ao
meu lado com contribuições, materiais e apoio. Durante a fase de concepção da
tese, um olhar, um abraço caloroso, faz toda a diferença.
À professora Maria Izilda Santos de Matos, orientadora e amiga que com
muita dedicação desvendou comigo a trajetória dos e/imigrantes bolivianos em São
Paulo.
À PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e ao Programa
de História, que me acolheram e deram a oportunidade de desenvolver esta
pesquisa, fornecendo os ensinamentos necessários ao campo da História.
À CAPES, que, em conjunto com a PUC-SP, acreditou no potencial deste
trabalho e custeou parte dos estudos com a bolsa.
Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, que
proporcionou o Afastamento Ccapacitação, e aos colegas do curso de Gestão em
Turismo que assumiram minhas atividades nesse período.
Aos pesquisadores que trocaram experiências, bibliografias e ofereceram
apoio durante os encontros de história.
Às professoras Senia Bastos e Marcia Cabreira, que me estimularam com
seus questionamentos, correções e colaborações no exame de qualificação.
Aos meus colegas da Pós que me ouviram tantas vezes falar sobre meu
projeto, sempre atenciosos e colaborativos.
Aos e/imigrantes bolivianos e seus descendentes que me cederam suas
histórias de vida, se tornando os protagonistas desta tese, agentes de transformação
de tantos processos emigratórios.
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Aos meus pais, sogros e à Tia Dora, que, com carinho e disposição, me
auxiliaram no cuidado diário com as meninas, buscando, levando à escola, natação,
dando banho ou trocando fraldas. Saibam que o esforço de vocês também está
presente em cada uma destas linhas.
Ao meu companheiro, Leandro, que desde a graduação lê meus textos, me
acompanha nos encontros, me estimula, me dá colo e divide comigo as maiores
lutas e alegrias da minha vida.
E, por fim, às minhas paixões, Maria Antonia e Ana Luiza, frutos do meu
amor que afloraram em meio às produções acadêmicas. Entenderam e respeitaram,
mesmo com pouca idade, os pedidos de silêncio para que eu pudesse escrever e os
momentos de ausência da mamãe. Sempre recompensados com muita alegria e
abraços.
A todos meus sinceros agradecimentos.
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RESUMO
FERNANDEZ, Camila Collpy Gonzalez. Entre dois países, sonhos e ilusões:
trajetórias de e/imigrantes bolivianos em São Paulo (1980-2000). Tese (Doutorado
em História Social), PUC-SP, São Paulo, 2015.
Esta investigação aborda as trajetórias de e/imigrantes bolivianos em São Paulo no
período de 1980 a 2000 e apoia-se nos estudos da História social e cultural para
trazer contribuições sobre esses fluxos. Por meio das histórias de vida de bolivianos
fixados em São Paulo, suas expectativas, sonhos, estratégias, redes e processos de
inserção na sociedade paulistana, descortinam-se as relações e tensões presentes
no cotidiano desses e/imigrantes, muitas vezes indocumentados. Múltiplas
experiências foram relatadas nos depoimentos, permitindo problematizar os traços
culturais e as identidades recriadas nesse processo, além das marcas deixadas não
só nos protagonistas, mas também no espaço e na história da cidade de São Paulo.
Assim, mediante a análise de eventos organizados e/ou frequentados por bolivianos
(religiosos, esportivos ou comemorativos), busca-se discutir as perspectivas e
tensões: aceitação na sociedade de acolhimento, estereótipos negativos e busca
pelo reconhecimento social e econômico dentro e fora da rede. Dessa forma, rezar,
festejar e expressar alegria são observados como estratégicas para romper com
imagens negativas acerca do grupo focadas na exploração da mão de obra na área
da costura.
Palavras-chave: e/imigração, sonhos, bolivianos, redes, costura, festas e São Paulo.
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ABSTRACT
FERNANDEZ, Camila Collpy Gonzalez. Between two countries, dreams and
illusions: Bolivian e/immigrants‟ trajectories in São Paulo (1980-2000). Dissertation
(Doctorate in Social History), PUC-SP, São Paulo, 2015.
The present investigation approaches the trajectories of Bolivian e/immigrants in São
Paulo within the period of 1980 to 2000 and finds support in the social and cultural
History studies to bring contributions regarding these flows. Be means of the life
histories of Bolivians established in São Paulo, their expectations, dreams,
strategies, networks and processes of insertion in the society of São Paulo, the
relations and tensions present in these e/immigrants‟ everyday lives, often
undocumented, are unveiled. Multiple experiences were reported in the statements,
enabling to discuss the cultural traces and the identities recreated in this process,
besides the marks left not only in the protagonists, but also in the space and in the
history of the city of São Paulo. Thus, upon analysis of events organized and/or
attended by Bolivians (religious, sport or celebrations), we seek to discuss the
perspectives and tensions: acceptance in the reception society, negative stereotypes
and search for social and economic recognition inside and outside the network. This
way, praying, celebrating and expressing joy are observed as strategic to break
negative images regarding the group, focused on the exploration of labor in the
sewing business.
Keywords: e/immigration, dreams, Bolivians, networks, sewing, celebrations and São
Paulo.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.....................................................................................................13
CAPÍTULO I – UM PAÍS CHAMADO BOLÍVIA: E/IMIGRAÇÃO ENTRE MEDOS E SONHOS......................................................................................27
1.1 MEDO DE FICAR: SOCIEDADE DE ORIGEM....................................................28
1.2 MEDO NO PARTIR: ROTAS E TRAJETÓRIAS...................................................51
1.3 O SONHO DO “EL DORADO”: ILUSÕES E EXPERIÊNCIAS.............................69
1.4 TRAMAS DAS REDES: ACOLHIMENTO E TENSÕES.......................................85
CAPÍTULO 2 – UM DESTINO CHAMADO SÃO PAULO: ANGÚSTIAS E INCERTEZAS...........................................................................106
2.1 SOCIEDADE DE “ACOLHIMENTO”: CHEGADA E INSTALAÇÃO....................106
2.2 REDESENHANDO O COTIDIANO: TRABALHO E LAZER...............................126
2.3 IDENTIDADE E IDENTIFICAÇÃO: PROCESSOS EM CONSTRUÇÃO............155
2.3.1 Retorno: relações, tensões e expectativas.................................................165
CAPÍTULO 3 – NEM LÁ NEM CÁ: TRAÇANDO TERRITORIALIDADES..............182
3.1 TERRITORIALIDADES TRANSITÓRIAS: TEMPOS DE FESTEJAR................182
3.1.1 Tempo de festejar - Festa das Alasitas.......................................................193
3.1.2 Tempo de festejar - Carnaval da Kantuta....................................................201
3.2 RUPTURAS: REPRESENTAÇÕES E RESISTÊNCIAS....................................215
3.2.1 Buscas: valorização e reconhecimento social...........................................224
3.3 TRÂNSITOS: INVISIBILIDADE E VISIBILIDADE...............................................240
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................257
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS........................................................................262
ANEXOS...................................................................................................................291
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - América do sul Político – Bolívia e suas fronteiras...................................32
Figura 2 - Bolívia – departamentos............................................................................33
Figura 3 - Viagem de ilusões......................................................................................58
Figura 4 - Terminal Ferroviário de Puerto Quijarro.....................................................59
Figura 5 - Salão de embarque e desembarque do Terminal Ferroviário de Puerto Quijarro.....................................................................................60
Figura 6 - Grupo Raça Índia – momentos antes da apresentação............................63
Figura 7 - Apresentação do Grupo Raça Índia na Praça da República.....................63
Figura 8 - Rotas e pontos de entrada.........................................................................87
Figura 9 - Ofertas de emprego...................................................................................97
Figura 10 - Envio de remessas...................................................................................97
Figura 11 - Serviços odontológicos direcionados à comunidade latina...................102
Figura 12 - Serviços de saúde direcionados a latinos..............................................102
Figura 13 - Distribuidora de produtos bolivianos......................................................103
Figura 14 - Bailarinos do Sociedad Folklorica Boliviana com trajes típicos da dança Caporelles...............................................................................117
Figura 15 - Folder de divulgação do evento.............................................................141
Figura 16 - Barracas da Kantuta..............................................................................145
Figura 17 - Variedade de produtos da feira..............................................................146
Figura 18 - Barracas de chicha (sucos)....................................................................146
Figura 19 - Salteña Fricassé – Barraca Don Carlos.................................................147
Figura 20 - Banner do salão de cabelereiro da Feira Kantuta.................................148
Figura 21 - Barraca do salão de cabelereiro............................................................149
Figura 22 - Altar de todos os santos.........................................................................153
Figura 23 - Pães antropomórficos............................................................................154
Figura 24 - Grafite na Praça Kantuta........................................................................186
Figura 25 - El tio - Grafite na Praça Kantuta............................................................189
Figura 26 - A benção católica tradicional na Bolívia.................................................194
Figura 27 - Homens representando Ekeko, deus da abundância – Festa das Alasitas, La Paz - Bolívia.......................................................................195
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Figura 28 - Barracas de venda da Festa das Alasitas............................................197
Figura 29 - Alasitas.................................................................................................198
Figura 30 - Carrinho de mão – Alasitas....................................................................199
Figura 31 - Pepino....................................................................................................203
Figura 32 - Pepino, cholitas e turistas......................................................................205
Figura 33 - Variedades de produtos.........................................................................206
Figura 34 - Brincadeiras de carnaval........................................................................207
Figura 35 - A espera da procissão...........................................................................207
Figura 36 - Procissão da Virgem de Socavón..........................................................208
Figura 37 - Padres católicos abençoam a festa.......................................................209
Figura 38 - Desfile das fraternidades.......................................................................209
Figura 39 - Danças tradicionais................................................................................210
Figura 40 - Boliviana vendendo churrasco...............................................................211
Figura 41 - Foliões....................................................................................................211
Figura 42 - Máquina de frango assado.....................................................................212
Figura 43 - Alimentos tradicionais............................................................................213
Figura 44 - Vista da Rua Pedro Vicente tomada pelos foliões.................................215
Figura 45 - Alegria do festejar..................................................................................225
Figura 46 - Jovens bailarinos...................................................................................227
Figura 47 - Novena a Nossa Senhora de Copacabana - Passantes em festa.........229
Figura 48 - Procissão em louvor a Virgem de Copacabana, na Praça Cívica do Memorial da América Latina.............................................................230
Figura 49 - Procissão na Igreja Nossa Senhora da Paz..........................................231
Figura 50 - Convite para Novena e Festa - altos custos..........................................235
Figura 51 - Convite para Festa Social e Ato Religioso – Morenada Los Catedráticos Gestão 2013...............................................................236 Figura 52 - Bolivianos participam de novena das Virgens de Copacabana e Urkupiña.............................................................................................237
Figura 53 - Coroação de Maria feita por criança boliviana.......................................242
Figura 54 - Bolivianos na São Silvestre....................................................................246
Figura 55 - Diablada na Virada Cultural 2014..........................................................247
Figura 56 - Festival Etnias 2013...............................................................................249
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LISTA DE SIGLAS
ADRB – Associação de Residentes Bolivianos
ASSEMPBOL – Associação dos Empreendedores Bolivianos da Rua Coimbra
BoA – Boliviana de Aviación
BOLBRA – Associação Comercial Bolívia-Brasil
FURBRA – Federação Única dos Residentes Bolivianos no Brasil
MNR – Movimento Nacionalista Revolucionário
RMSP – Região Metropolitana de São Paulo
CEAGESP – Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para Infância
ONU – Organização das Nações Unidas
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
FMI – Fundo Monetário Internacional
CAMI – Centro de Apoio ao Migrante
CDI – Comitê para Democratização da Informática
CEM – Centro de Estudos Migratórios
COETRAE – Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
UBS – Unidades Básicas de Saúde
CEPAL – Censo de Población y Vivienda
CELADE – Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía
GCM – Guarda Civil Metropolitana
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
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APRESENTAÇÃO
A presente tese busca questionar a imigração boliviana em São Paulo: as
identidades, histórias de vida, trabalho e tradições. Para tal, apresenta como objetivo
geral contribuir para o estudo acerca desse recente fluxo imigratório entre Bolívia e
Brasil. Por meio das atividades cotidianas de trabalho e lazer, analisa-se a
manutenção da identidade do grupo e suas formas de fixação na sociedade de
acolhimento.
Justifica-se tendo em vista que, quando mencionada a temática da imigração
ao longo da história no Brasil, pensa-se em muitos grupos imigratórios: portugueses,
italianos, árabes, judeus, espanhóis, coreanos, japonês, entre outros – todos em
algum momento já contemplados pela historiografia com diferentes abordagens
sociais, políticas, econômicas e culturais, de acordo com as perspectivas e
necessidades dos países envolvidos.1 Contudo, em um breve levantamento de
dados sobre o número de dissertações e teses defendidas na PUC/SP a partir de
2005 acerca da temática da imigração, constatou-se pouca produção com foco no
tema que se pretende aprofundar.
De acordo com pesquisa realizada a respeito do objeto de estudo
(e/imigrantes bolivianos), foram localizadas quatro dissertações de mestrado nas
áreas de Psicologia Social e Ciências Sociais, Geografia e História da Educação e
apenas uma tese na área da Psicologia Social. Ressalta-se o fato de, até o
momento, não haver produção sobre esse fluxo migratório no doutorado de História.
1 Como, por exemplo, na área da saúde pública, o artigo “Imigração e médicos italianos em São
Paulo na Primeira República”, de Maria do Rosário R. Salles e Luiz A. de Castro Santos, de 2001. Da mesma autora destaca-se também “Território e experiência imigratória: os refugiados em São Paulo no pós-segunda Guerra Mundial”, de 2008, que apresenta dados sobre os imigrantes da Europa do Leste refugiados em São Paulo entre 1947 e 1951, comentando que vários se fixaram na região do Bom Retiro, Barra Funda, Santa Cecília, Higienópolis e adjacências. Já sobre a imigração japonesa destaca-se a pesquisadora Célia Sakurai, com várias obras, entre elas “Os Japoneses” e artigos como “Primeiros polos da Imigração Japonesa para o Brasil”. Outro pesquisador, Boris Fausto, com vasta produção sobre a temática da história da imigração – como “Historiografia da Imigração para São Paulo”, “História do Brasil”, “Revolução de 30”, “Fazer a América: a imigração em massa para América Latina” e “Negócios e ócios - histórias da imigração” –, trata de diversos fluxos migratórios para o Brasil em diferentes épocas (sírios, poloneses, judeus, italianos, portugueses, alemães), mas nada foi encontrado sobre o recente fluxo migratório de bolivianos para São Paulo.
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Estudar a e/imigração dos bolivianos para São Paulo foi uma escolha que
partiu do primeiro contato com a cultura dos meus novos vizinhos. Como moradora
do bairro da Barra Funda e filha de representante comercial da área têxtil, nutria
curiosidade sobre o modo de vida e de trabalho desses e/imigrantes de costumes
diferentes que vêm demarcando seu território nos bairros, a exemplo do Bom Retiro,
onde já somavam 18,5% da população de migrantes residentes em 2000.2
Como professora e pesquisadora, essa temática não se deu por acaso.
Surgiu dos estudos de percepção de vizinhança desde a graduação em Turismo. Já
no mestrado em Turismo, na área de concentração Planejamento e Gestão
Ambiental e Cultural, foi a vez de enfocar o olhar espacial, as percepções sobre o
outro e sobre os equipamentos turísticos, as relações de exclusão e confinamento
provocadas pela especulação imobiliária e pelo crescimento da cidade.
Com a presença marcante desses novos moradores no bairro da Barra
Funda, e diante da possibilidade de continuidade dos estudos, agora voltados para a
imigração, viria então a proposta de questionar a imigração boliviana. Esses
e/imigrantes representam um número significativo de trabalhadores na área da
confecção, trazendo contribuições para a economia, mesmo sendo
indocumentados3. Ainda não foram estudados com maior aprofundamento, ficando
as pesquisas sem dar a devida relevância às suas histórias, memórias e
percepções. A história de vida contada pelos próprios protagonistas traz novas
possibilidades de análise e percepções da imigração ainda não reveladas nos
estudos produzidos.
As pesquisas já realizadas sobre a e/imigração boliviana retratam diversos
assuntos – religiosidade, trabalho, educação, territorialidade, redes, alteridade,
preconceito, lazer, trajetórias, questão de gênero e segunda geração – nos campos
da Sociologia, Antropologia, Educação e do Direito. Assim, possibilitam um maior
aprofundamento nas percepções do próprio e/imigrante sobre seu processo
e/imigratório, sobre a imagem que possuem de si e da sociedade de acolhimento,
2 BRASIL. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censos Demográficos 2000 e 2006.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 15/08/2011. 3 Indocumentado: termo utilizado para definir o estrangeiro que entra no país com visto de turista e
nele permanece após seu vencimento. Se descoberto por um agente da Polícia Federal, receberá uma notificação para deixar o país em oito dias, como determina a lei 6.815, de 1980. SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005, p.17.
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sobre as estratégias que foram e são traçadas para perpetuar a emigração boliviana
para o Brasil no campo da história.
Levando em conta os estudos já produzidos, a tese tem como principal
referência as pesquisas que abordam aspectos do cotidiano dessa emigração:
trabalho, religião e estratégias de manutenção da identidade cultural.4 Entre as
questões relativas às atividades de trabalho, ressaltam-se a subcontratação5, o
nicho étnico na costura6 e a perspectiva dos direitos humanos.7 Por sua vez, os
estudos demográficos auxiliam na compreensão da relação do e/imigrante com o
espaço.8 Outros apresentam a segunda geração dos e/imigrantes em São Paulo,
seus desejos e como se relacionam com os demais e/imigrantes latinos e com os
jovens brasileiros.9
No que diz respeito à temática das relações e tensões entre a comunidade
e/imigrante e a sociedade de acolhimento10, colaboram as pesquisas que tratam do
preconceito, da xenofobia11, das relações de alteridade e vitimização12. No campo da
saúde, foram identificados estudos que investigam a qualidade e a acessibilidade
4 SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, Lazuli, 2005. Idem. Costurando sonhos. Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997. Idem. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados. São Paulo, vol. 20, nº 57, 2006. Idem. A migração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre os bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, jul./set. 2005, p.77- 83. Entre outros textos utilizados na tese. 5 FREIRE DA SILVA, Carlos. Trabalho informal e redes de subcontratação: dinâmicas urbanas da
indústria de confecções em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Departamento de Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. 6 SOUCHAUD, Sylvain. “A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para a imigração latino-
americana em São Paulo?” In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/ Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa, 2012. 7 AZEVEDO, Flávio Antonio Gomes de. A presença de trabalho forçado urbano na cidade de São
Paulo: Brasil/Bolívia. Dissertação (Mestrado em Integração da América Latina), Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. 8 ROLNIK, Iara. Projeto migratório e espaço: os bolivianos na região metropolitana de São Paulo.
Dissertação (Mestrado em Demografia), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. 9 HUAYHUA, Gladys Llajaruna. Primeira e segunda geração de jovens imigrantes argentinos,
bolivianos e peruanos em São Paulo: um estudo psicossocial da identidade e aculturação. Tese (Doutorado em Psicologia Social), PUC-SP, São Paulo, 2007. 10
BAENINGER, Rosana; SIMAI, Szilvia. Práticas discursivas da negação do racismo em São Paulo. In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/ Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa, 2012. 11
PUCCI, Fabio Martinez Serrano. Bolivianos em São Paulo: redes, territórios e a produção da alteridade. Buenos Aires: Clasco, 2013. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/clacso-crop/20131013074834/Pucci_trabajo_final.pdf>. Acesso em: 09/03/2015. 12
VIDAL, Dominique. “Convivência, alteridade e identificações: brasileiros e bolivianos nos bairros centrais de São Paulo”. In: BAENINGER, op. cit., 2012.
16
dos serviços de saúde pública prestados aos bolivianos13, bem como que relatam as
relações e os atendimentos aos e/imigrantes nas unidades básicas de saúde14.
Contribuem também estudos sobre a formação da imagem negativa do boliviano em
São Paulo, voltados para a mídia jornalística15. E sobre a visibilidade que possuem e
querem divulgar de si16.
Autores como Stuart Hall17, Bhabha18, Canclini19 e Raymond Willians20 são
inspiradores e auxiliam a reflexão sobre a construção da identidade desses
e/imigrantes que, por diferentes condições, foram obrigados a se deslocar (migrar)
de seu país para São Paulo, o que eles entendiam por sua identidade ou seus
valores – símbolos de identificação ficaram deslocados, fragmentados no novo
cotidiano. Em suas memórias encontram-se traços de uma identidade nacional, do
que foi sua identidade e hoje já não é mais.
Esta pesquisa busca trazer novas inquietações para o processo de
e/imigração, apontando novas percepções para a História Social e Cultural, pois se
volta para a visão do outro, como tece suas redes de sociabilidade, como consegue
manter suas tradições e busca demonstrar sua importância étnica numa cidade com
tanta multiplicidade cultural. Desse modo, se distingue de outras abordagens que
privilegiam questões econômicas e políticas dos processos de e/imigração, pois trata
de um fluxo e/imigratório recente e constante, demandando um maior
13
MARTINEZ, Vanessa Nogueira. Equidade em saúde: o caso da tuberculose na comunidade de bolivianos no município de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública), Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. 14
MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; SILVEIRA, Cássio. Saúde e história de migrantes e imigrantes. Direitos, instituições e circularidades. São Paulo: Faculdade de Medicina da USP; UFABC - Universidade Federal do ABC; CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014. 15
MANETTA, Alex. Bolivianos no Brasil e o discurso da mídia jornalística. In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa, 2012. 16
SANTOS, Willians de Jesus. A Imigração Boliviana em São Paulo e a Cultura Visual sobre sua presença no Espaço Público. Anais do II Seminário Internacional História do Tempo Presente. Florianópolis - SC, Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), 13 a 15 de outubro de 2014. 17
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª. ed., 1ª. reimp. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. 18
BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. 19
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2000. 20
ESCOSTEGUY, Ana Carolina Damborirema. Cartografia dos estudos culturais: Stuart Hall, Jesus Martín-Barbero e Nestor Garcia Canclini. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação), ECA-USP, São Paulo, 1999.
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aprofundamento nas histórias dos sujeitos envolvidos e nas relações desenhadas no
espaço urbano.
Para tal, os objetivos específicos propostos são: levantar e contextualizar
dados sobre o fluxo migratório estabelecido da Bolívia para o Brasil a partir de 1950
e intensificado nos anos 80 e 90; traçar as rotas do fluxo migratório e discutir a
relação trabalho/destino; debater os conceitos de territorialidade, desterritorialização
e pertencimento relacionando-os à experiência do e/imigrante; analisar as
impressões dos moradores, transeuntes e comerciantes brasileiros dos bairros a
respeito dos novos sujeitos históricos; discutir a manutenção dos costumes
tradicionais relacionados à família, ao trabalho e às atividades de lazer na sociedade
de acolhimento; verificar a percepção dos já estabelecidos no Brasil com relação à
preservação dos costumes e da cultura boliviana; identificar como as manifestações
culturais – “Festa das Alasitas” e lojas com produtos e serviços específicos para
bolivianos – existentes nos bairros marcados pela presença dos e/imigrantes podem
auxiliar a tecer as redes de sociabilidade entre bolivianos e paulistanos e manter as
tradições da cultura andina; e verificar se as ações de associações – Associação
dos Residentes Bolivianos, Associação dos Empreendedores Bolivianos da Rua
Coimbra (ASSEMPBOL), Associação Padre Bento da Feira Kantuta, Pastoral do
Migrante, Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), entre outras – colaboram na quebra
da imagem negativa que se construiu em torno dos e/imigrantes bolivianos em São
Paulo, associados ao trabalho análogo ao escravo e ao tráfico de mão de obra para
as oficinas de costura.21
Quanto às hipóteses de pesquisa, pode-se supor que as condições de vida,
a exploração da mão de obra e o trabalho nas oficinas de costura oprimem e
transformam as tradições da cultura andina, ou que as condições e as motivações
do deslocamento fazem com que cada processo migratório seja diferente,
caracterizando a relação cotidiana do e/imigrante com o espaço e com a
comunidade que o recebe, bem como a forma como rememora suas tradições
culturais.
21
Imagem reafirmada em: PYL, Bianca; HASHIZUME, Maurício. Roupas da Zara são fabricadas com mão de obra escrava. 16/08/2011. Disponível em: <http://www.reporterbrasil.org.br>. Acesso em: 18/09/2011. No mesmo sítio encontramos uma sequência de reportagens atuais sobre o assunto e outros flagras da mesma repórter sobre exploração de mão de obra de imigrantes bolivianos pelas marcas Collins (em 10/05/2011), Pernambucanas (19/04/2011), Marisa e C&A (em 06/05/2010) e até para confecção de coletes de recenseadores do IBGE (em 20/10/2010).
18
Foram definidas três questões norteadoras principais. Será que a busca
incansável pela mobilidade social e estabilidade financeira tem o poder de modificar
as tradições da cultura boliviana? Os estereótipos e a imagem negativa de
exploração associada aos trabalhadores bolivianos e seus descendentes residentes
no Brasil influenciam a descaracterização de traços da cultura andina aqui
praticada? Os sujeitos históricos estudados transmitiram às gerações posteriores as
tradições andinas?
O recorte temporal foi estabelecido tendo em vista o período em que os
depoentes emigraram para o Brasil: décadas de 80, 90 e 2000. O recorte geográfico
se deu pela concentração espacial de e/imigrantes em São Paulo nos bairros
centrais, como Pari, Canindé, Brás, Bom Retiro e adjacências, e também pela
localização das entidades e associações de apoio frequentadas por esses sujeitos.
Na trajetória da pesquisa, optou-se pela História Oral22 e, como instrumentos
de análise, foram incorporados os tópicos-guia, procedimento de pesquisa relatado
por Gaskell23. Dessa forma, pretende-se recuperar histórias de vida na Bolívia, do
deslocamento até o Brasil, as primeiras percepções de São Paulo, o trabalho nas
oficinas (quando ocorreu) e o cotidiano nas habitações coletivas ou o trabalho, os
momentos de lazer, a relação com as associações e com os serviços públicos, as
22
Em 1950 se iniciaram os estudos de História Oral. Hoje é possível encontrar pesquisas nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina. Uma primeira geração de estudiosos era da Universidade de Columbia, em Nova York, em 1948; a segunda teve origem no México. (GRELE, 2001; MEIHY, HOLANDA, 2011) Na Itália cita-se Alessandro Portelli, que usa o método para reconstruir a História de Terni. Joutard (2001, p.201) utiliza os termos verdade do povo e testemunho oral, pois justifica que por intermédio da História Oral o historiador consegue realizar diferentes construções historiográficas não se baseando apenas nos registros escritos, documentais e oficiais. Segundo Meihy (2011, p.105), a história oral combinou três funções complementares: registrar fatos e histórias, divulgar experiências relevantes e estabelecer ligações com o meio urbano, a fim de promover o incentivo da compreensão e registro da história local e imediata. Na terceira geração de historiadores orais destacam-se Paul Thompson, na Inglaterra, Mercedes Vilanova, na Espanha, e Danièle Hanet, na França. Na América Latina (Equador, Bolívia e Nicarágua) o foco das pesquisas em história oral foram os hábitos de vida dos camponeses. Na Costa Rica a Escola de Planejamento e Promoção Social da Universidade Nacional, em 1983, lançou um projeto com o objetivo de tentar escrever a história do país através da narrativa do povo. (FERREIRA, FERNANDES, ALBERTI, 2000) No Brasil, em 25 de junho de 1973, foi criado o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV). Cada centro de pesquisa utiliza critérios analíticos adequados às diferentes sociedades pesquisadas, o que possibilita a troca positiva de experiências sobre a história oral. Cf.: MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer, como pensar. 2ª. ed. São Paulo: Contexto, 2011. 23
GASKELL, George. Entrevistas Individuais e Grupais. In: BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
19
dificuldades, ou não, para manter as características culturais, a família e a tradição.
O resultado é apresentado no decorrer dos capítulos da tese, tornando assim
[...] possível ao estudioso perceber no passado os germes de uma outra história, capaz de levar em consideração os sofrimentos acumulados e de apresentar uma nova face às esperanças frustradas, fundando um outro conceito de tempo, “o tempo de agora”.24
Embora os depoimentos coletados sejam pautados em memórias, não são
isentos de impressões e reinterpretações do passado. Esse novo conceito de tempo
erigido por entrevistas possibilita a compreensão dos processos migratórios dos
e/imigrantes bolivianos, cada qual com sua trajetória própria.
A essencialidade do indivíduo é salientada pelo fato de a História Oral dizer respeito a versões do passado, ou seja, em última análise, o ato e a arte de lembrar jamais deixam de ser profundamente pessoais. A memória pode existir em elaborações socialmente estruturadas, mas apenas os seres humanos são capazes de guardar lembranças. Se considerarmos a memória um processo, e não um depósito de dados, poderemos constatar que, à semelhança da linguagem, a memória é social, tornando-se concreta apenas quando mentalizada ou verbalizada pelas pessoas. [...] é um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados. [...] recordações podem ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas. Porém, em hipótese alguma, as lembranças de duas pessoas são [...] exatamente iguais.25
Os critérios de seleção para escolha dos depoentes foram estabelecidos a
partir dos objetivos propostos na tese. Para alcançá-los, estratégias metodológicas
foram desenhadas – por exemplo, para uma maior aproximação da comunidade
boliviana se fez necessária a participação em eventos e a presença em locais
24
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1996, p.229-31. 25
PORTELLI, Alessandro. Tentando Aprender um Pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Projeto História. São Paulo, vol. 15, Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP, abril 1997, p.16.
20
frequentados por esses sujeitos. A partir desses encontros, líderes comunitários e
membros atuantes foram identificados e convidados a participar do projeto.
Verificada a relevância da visibilidade que o estudo traria para o grupo, novos
colaboradores surgiram com suas histórias e, aos poucos, “linhas e tecidos soltos”
se costuraram em “peças-piloto” de processos emigratórios que deram origem à
produção em rede de novos fluxos para São Paulo.
Para a seleção dos depoentes foram observados os seguintes critérios:
tempo de permanência no país de no mínimo 10 anos26, situação migratória
regularizada, ser maior de 18 anos, ser membro atuante na comunidade ou ter
protagonizado em algum momento ações em conjunto com a rede. A coleta das
entrevistas se concentrou nos anos de 2012 e 2013, marcadas individualmente, nos
locais escolhidos pelos depoentes, como residências, escolas, centros culturais e
associações de apoio. O material foi gravado em áudio e sua publicação, autorizada.
Posteriormente, após a digitalização dos depoimentos, alguns relatos foram
complementados pelos próprios colaboradores por e-mail, para uma redação final.
Na transcrição a prioridade foi transcrevê-los na íntegra, porém, para
utilização na tese, cortes e trechos foram propostos a fim de dar mais clareza ao
texto, de acordo com a temática abordada em cada item. Com relação ao idioma, os
sujeitos históricos estabelecidos há mais de 10 anos no país se comunicam em
português – algumas expressões e sotaques foram notados e preservados na
transcrição. Apenas uma colaboradora, idosa, rememorou passagens da sua vida na
Bolívia em espanhol e usou algumas expressões em quéchua, traduzidas
automaticamente por seu filho brasileiro.
Os protagonistas dessa história são bolivianos e brasileiros filhos de
bolivianos, membros atuantes da comunidade e referências para os e/imigrantes
recém-chegados:
• Francisca Tordoya - Emigrou com o marido em 1979. Natural de Quillacollo,
província rural de Cochabamba. Professora formada na Bolívia, nunca lecionou no
Brasil. Trabalhou em casa com costura, produção de sorvetes e teve um restaurante
26
O tempo de permanência fora estabelecido durante o processo do doutorado, pois, num primeiro momento, não era uma exigência. Mas se mostrou necessário quando identificado que muitos bolivianos recém-chegados, ou com menos tempo no país e situação migratória não regularizada, tinham receio de participar da pesquisa, inviabilizando assim o estudo.
21
boliviano. Hoje, aposentada, cuida da família e dos netos. Devota da Virgem de
Urkupiña, realiza novenas em sua casa. Entrevistada em 08/11/2012.
• Amadeo Clemente Loyaza - Boliviano, natural de Yungas, La Paz. Carpinteiro e
músico. Veio a primeira vez para o Brasil em 1979, para divulgar a música boliviana,
e retornou para ficar em 1982. Membro atuante na comunidade, participa dos
eventos culturais, fundador do Grupo Raízes. Entrevista concedida em 24/11/2012.
• Santiago Tordoya - Boliviano, natural de Cochabamba, na província rural de
Quillacollo, nascido em 1948. Mecânico e aposentado. Veio a primeira vez para
passar o Carnaval em São Paulo em 1970. Retornou, casou-se na Bolívia e emigrou
com a esposa boliviana definitivamente em 1979. Entrevista realizada em
08/11/2012.
• Jaime Adolfo Oblitas - Boliviano, nascido em La Paz em 25/04/1958, reside há
35 anos em São Paulo. Apaixonado por carros, veio para o Brasil para estudar
mecânica. Possui uma oficina de funilaria e mecânica e é presidente do grupo
Sociedad Folklórica Boliviana. Entrevista realizada em 04/05/2013.
• Franz Ever Quety Rada - Boliviano descendente de quéchuas, solteiro, 30 anos.
Migrou em 2000 para o Brasil, passou por oficinas de costura, trabalhou no comércio
e hoje é estudante universitário em um Instituto Federal e trabalha na área de
telecomunicações. Entrevista concedida em 12/05/2012.
• Verônica Quispe Yujara - Boliviana, solteira. Emigrou aos 8 anos de idade para o
Brasil, ajudou os pais na oficina de costura da família. Formou-se dentista e atua em
clínica particular e postos de saúde. Hoje coordena o Projeto Si Yo Puedo, que
atende imigrantes aos domingos na Praça Kantuta com o objetivo de lhes dar
informações para se sentirem acolhidos no país – informações sobre documentação,
estudo, regularização trabalhista e apoio aos imigrantes que trabalham em
condições análogas à escravidão. Em 2013 o projeto formou a primeira turma de
alunos nas aulas de português. Sua família possui barraca de alimentos na Praça
Kantuta e atua na organização da feira. Entrevista concedida em 20/06/2013.
• Ariel Tordoya - Filho de pais bolivianos, nascido no Brasil. Solteiro, 31 anos. Ex-
bailarino do grupo Sociedad Folklórica Boliviana. Formado em Sistemas de
Informação. Entrevista realizada em 08/11/2012.
22
• Jasmim Loyaza - Filha de emigrante boliviano. Solteira, 21 anos. Formada em
Recursos Humanos e bailarina em grupo de dança boliviano. Entrevista concedida
em 06/10/2012.
• Raissa Oblitas - Bailarina e coordenadora-coreógrafa do grupo Sociedad
Folklórica Boliviana. Filha de pai boliviano e mãe brasileira. Tem 21 anos, é
estudante de Física na USP. Entrevista concedida em maio de 2013.
Também foram realizadas entrevistas em visitas a associações de apoio,
como o CAMI e a Pastoral do Migrante, com o objetivo de conhecer as atividades
desempenhadas junto aos e/imigrantes bolivianos. Para uma complementação da
análise, fez-se necessária ainda uma imersão nas experiências cotidianas relatadas
nos depoimentos. Para tal, como método também se utilizou a observação dirigida,
nos eventos frequentados e/ou organizados pela comunidade, públicos e/ou
particulares, quando convidada. Em visitas a praças, parques, feiras e shoppings
adotados como pontos de encontro e de descontração nos momentos de folga,
conversas informais trouxeram elementos que complementaram as análises sobre o
cotidiano do e/imigrante boliviano em São Paulo.
Outros sujeitos históricos que colaboraram indiretamente para as análises
sobre o cotidiano foram os vizinhos, moradores e comerciantes não bolivianos dos
bairros estudados. Com o objetivo de perceber a sociabilidade, as tensões e os
conflitos presentes nas relações ali estabelecidas, observações e conversas
informais se desenharam em oficinas mecânicas, unidades básicas de saúde,
padarias, lan houses, igrejas, farmácias, oficinas de costura, postos de gasolina, na
rua passeando com as crianças ou com a cachorra, no salão de cabeleireiro e
demais locais frequentados cotidianamente pela pesquisadora, vizinha de famílias
bolivianas. Outra maneira de inserção na vida da comunidade e de notar as relações
estabelecidas com a sociedade de acolhimento foi acompanhar postagens do grupo
em redes sociais e sites específicos voltados para os interesses dos bolivianos em
São Paulo.
23
Para iniciar uma tese sobre a história de processos emigratórios da Bolívia
para o Brasil, mais precisamente para São Paulo, torna-se essencial esboçar
aspectos da estrutura social do país, que formam parte da identidade dos
protagonistas dessa história. Atualmente na Bolívia encontram-se cerca de 50
comunidades histórico-culturais distintas, divididas no território nacional. A porção
leste concentra a maioria dessas famílias, e a oeste possui as duas maiores
comunidades, as que falam quéchua e aimará27.
As populações identificadas como quéchuas apresentam maior porosidade e
chegam a fundir-se em estruturas culturais urbanas, mestiças, rurais, de classes, e
não só entre camponeses. Também existem aqueles que permanecem
cotidianamente nas microidentidades étnicas dos ayllus28. Já os aimarás
apresentam-se como uma unidade coesa e politizada. Criaram há décadas formas
de organização social e política embasadas em suas crenças, dando corpo político
visível à etnicidade. Diferentemente de outras identidades culturais indígenas,
possuem uma elite intelectual atuante na rede sindical, conseguindo instituir-se
como a única identidade nacional indígena da atualidade.
Além desses grupos, a sociedade boliviana é composta pelos descendentes
dos colonizadores espanhóis e por mestiços de brancos, indígenas e negros. Então,
pode-se afirmar que no país existem quatro regimes civilizatórios. O primeiro abarca
entre 20 e 30% da população e possui o castellano como idioma oficial para estudo.
Concentra-se em atividades assalariadas das áreas da mineração, serviços
públicos29, sistema bancário e manufatura industrial. O segundo representa 68% da
população é o setor que vive da informalidade com trabalhos domésticos,
artesanatos e pequenas propriedades rurais. No terceiro encontram-se os ayllus,
força de trabalho de massa, caracterizados pelas sociedades comunais e gestão
familiar. E, por último, as comunidades da civilização amazônica, que, itinerantes na
atividade produtiva, não reconhecem o Estado e os limites por ele estabelecidos.30
27
Quéchua e aimará: línguas de grupos étnicos que formaram parte do império inca no século XV. 28
Ayllus: estruturas desenhadas pelos diferentes grupos étnicos para organizar a vida em comunidade, detalhadas no decorrer da tese. 29
Nos concursos para ingressar nos cargos públicos o idioma oficial (castellano) é utilizado nas provas, o que limita e dificulta a participação dos diferentes grupos étnicos que não detêm os mesmos saberes da sociedade “branca”. 30
LINERA, Alvaro Garcia. A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010.
24
De acordo com o censo boliviano31, mais de 60% da população se considera
indígena ou descendente de grupos étnicos. Nota-se que mais de 2/3 dos habitantes
do país pertencem às três últimas faixas civilizatórias, e que a estes são atribuídos
os piores índices de desenvolvimento humano da América Latina.32 Para uma
população de origem majoritariamente indígena já acostumada a migrar para áreas
com mais recursos e condições favoráveis para plantar e se estabelecer no período
das safras, continuar o processo de migração e atravessar a fronteira para o Brasil é
visto como algo natural para a aquisição de bens que a terra atual (Bolívia) não está
oferecendo, bem como para promoção da qualidade de vida da família.
A partir dos costumes de migração dos antepassados e das diferentes
dificuldades experienciadas pelos protagonistas é que surge o desejo de migrar para
um local que lhes ofereça “terras férteis” para plantar e colher bons frutos. Fatores
como proximidade, idioma e pessoas já estabelecidas são levados em consideração
no momento da escolha do destino, destacando-se assim o Brasil, em especial São
Paulo, capital com a maior concentração de e/imigrantes33 bolivianos, palco das
histórias que serão lidas nos três capítulos a seguir.
Essas histórias foram alinhavadas e costuradas no decorrer da tese, que
ampara em detalhes os constantes processos emigratórios de bolivianos para São
Paulo. O Capítulo 1, intitulado “Um país chamado Bolívia: Imigração entre medos e
sonhos”, se subdivide em quatro itens: “Medo de ficar: sociedade de origem”; Medo
no partir: rotas e trajetórias”; “Sonho do „El dorado‟: ilusões e experiências”; e
“Tramas das redes: acolhimento e tensões”. Nesse primeiro capítulo pretende-se
apresentar o país, Bolívia, realizar uma breve explanação histórica para se
compreender como a colonização espanhola influenciou a composição da sociedade
boliviana, mesclada entre índios (povos originários) e brancos descendentes dos
31
BOLIVIA. INE - Instituto Nacional de Estatística. CEPAL/CELADE. Censo Nacional de población y vivienda 2012. La Paz, 2013. Disponível em: <http://www.ine.gob.bo>. Acessos em: 10/09/2011. 32
Dados do Fundo Monetário Internacional de 18/04/2013 e da CIA World Factbook de 2012. INTERNATIONAL MONETARY FUND. Per capita income Bolivia. 18/04/2013. Disponível em: <http://www.imf.org>. Acesso em: 06/06/2014. 33
Para uma compreensão total do processo migratório, utiliza-se “e/imigrante” sempre que se faz referência ao sujeito histórico que está em trânsito, pois se entende que esse processo de deslocamento não é permanente, podendo mudar de estágio a qualquer momento. Assim, contemplam-se os momentos de ir e vir, as ausências, os encontros e os desencontros propiciados pela emigração.
25
colonizadores, e contextualizar os aspectos sociais, políticos e econômicos que
motivam os deslocamentos em massa.
Nas subdivisões do capítulo são trabalhados os depoimentos, os dados
oficiais estatísticos, bibliografias pertinentes e materiais de divulgação das possíveis
redes de emissão ampliadas de bolivianos para São Paulo. Ao traçar a vinda dos
bolivianos, busca-se apreender em suas memórias aspectos que implicaram a saída
de seu país, dificuldades, tristezas, incertezas e alegrias na busca de novos
caminhos.
Já o Capítulo 2 – “Um destino chamado São Paulo: angústias e incertezas” –
se divide em três itens: “Sociedade de „acolhimento‟: chegada e instalação”;
“Redesenhando o cotidiano: trabalho e lazer”; e “Identidades e Identificação:
processos em construção”, que abarca também o subitem “Retorno: relações,
tensões e expectativas”. Esse capítulo destina-se às novas experiências vivenciadas
pelos e/imigrantes em São Paulo, sejam essas baseadas em encontros,
hospitalidade e/ou hostilidade. Os conceitos de redes, identidade, identificação e
pertencimento dialogam diretamente com depoimentos que versam sobre o
cotidiano de trabalho, os relacionamentos na nova terra e a possível perda de uma
identidade boliviana. As associações dedicadas a apoiar os migrantes e
e/imigrantes, religiosas ou não, os grupos de dança e musicais, oficinas de costura e
familiares são identificados enquanto redes de acolhimento.
Para análise do cotidiano propôs-se dividi-lo em duas categorias: uma para o
trabalho e outra para atividades diárias do e/imigrante, que englobariam estudo,
relacionamentos com a vizinhança, manifestações de fé, tradições e costumes das
famílias, práticas de lazer, futebol aos domingos, hábitos alimentares, entre outras.
Numa tentativa de tecer considerações sobre o processo emigratório de
bolivianos para São Paulo, apresenta-se o Capítulo 3 – “Nem lá nem cá: traçando
territorialidades”, dividido em três partes: “Territorialidades transitórias: tempos de
festejar”; “Rupturas: representações e resistências”, que contempla também o
subitem “Buscas: valorização e reconhecimento social”; e, por fim, “Trânsitos:
invisibilidade e visibilidade”. O capítulo elege como temática central os eventos
frequentados e organizados pela comunidade boliviana, pois são uma forma de
26
veiculação da imagem da e/imigração, independentemente do caráter: festivo,
religioso, esportivo ou outros.
Com um fluxo de e/imigração crescente e constante, os e/imigrantes que
aqui estão fixados se identificam com a cidade e tentam estabelecer
relacionamentos com a sociedade de acolhimento em que residem, trabalham ou
estudam. Traçam estratégias e diálogos com o poder municipal a fim de romper as
barreiras do preconceito já enraizado.
Em “Territorialidades transitórias: tempos de festejar”, além de aportes
teóricos, são identificados os locais de encontro, a Praça, os bairros com
concentração de e/imigrantes, as igrejas, os restaurantes e outros espaços de
representação da cultura andina em São Paulo. Enfocam-se as territorialidades
transitórias expressas nas festividades bolivianas. Já em “Rupturas: representações
e resistências” e “Buscas: valorização e reconhecimento social” busca-se retomar as
discussões acerca do relacionamento com a sociedade de acolhimento, no intuito de
desenhar as ações que levam ao reconhecimento social dentro e fora da
comunidade boliviana, enfocando-se os depoimentos sobre as manifestações
culturais, a participação nos eventos e a valorização das novenas. E no item
“Trânsitos: invisibilidade e visibilidade” destacam-se as estratégias de inserção e
fixação dos representantes da comunidade boliviana na sociedade paulistana em
momentos diversos do cotidiano almejando uma visibilidade positiva.
27
CAPÍTULO I – UM PAÍS CHAMADO BOLÍVIA:
E/IMIGRAÇÃO ENTRE MEDOS E SONHOS
Este capítulo apresenta a sociedade de partida de tantos bolivianos que se
deslocam para São Paulo. Para isso, traz uma contextualização sobre a formação
histórica e política do país, contemplando aspectos sociais, econômicos e
geográficos que caracterizaram e motivaram a migração de milhares de indivíduos.34
Sustentava o sonho do deslocamento, pautado pela origem étnica e cultural
do povo boliviano, uma complexa relação entre diferentes universos culturais
forçados a dialogar constantemente com a herança pré-colombiana e a hispano-
ocidental, relação essa marcada por conflitos com o homem branco, que impôs seu
modo de vida, de produção, de organização social e de valores religiosos aos povos
indígenas.35
[...] um esquema sociocultural que pudesse dar conta da complexidade inerente a sociedade boliviana [...] propõe o seguinte quadro: as classes altas e parte das médias estariam configuradas pela cultura hispano-criolla, a cultura dominante. Por outro lado, a maior parte das médias e parte das baixas são portadoras da cultura chola36. E, finalmente, as classes baixas seriam a expressão das culturas kichua-aymara e outros grupos silvícolas, os quais são considerados inferiores pelos próprios indígenas aymarás e quéchuas.37
Ao traçar a vinda dos e/imigrantes, o estudo busca apreender em suas
memórias aspectos que implicaram a saída de seu país, dificuldades, tristezas,
incertezas e alegrias na busca por novos caminhos. Esboçam-se também as redes
34
Dados oficiais estimam que 487.995 habitantes, de sua população de 10.027.254, composta por 4.998.989 homens e 5.028.265 mulheres, vivem fora do território nacional. BOLIVIA. INE - Instituto Nacional de Estatística. CEPAL/CELADE. Censo Nacional de población y vivienda 2012. La Paz, 2013. Disponível em: <http://www.ine.gob.bo>. Acesso em: 06 /06/2014. 35
SILVA, Sidney Antonio da. Costurando Sonhos: Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos que trabalham no ramo da costura em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997. 36
Cholo: termo “atribuído aos índios que passam por um processo de assimilação, e se aproximam rapidamente ao grupo cultural dos mestiços, porém que ainda não se identificam com os mesmos. Pode ser classificado como mais ou menos „criollo‟, dependendo do grau de sua orientação em direção à cosmovisão mestiça”. Ozzie Simmons, 1965. Apud: Ibidem, p.68-69. 37
M. Mário Aragón, 1987, p.65-66. Apud: Ibidem, p.65.
28
lícitas e não documentadas identificadas nas diferentes trajetórias e/imigratórias
estudadas.
1.1 MEDO DE FICAR: SOCIEDADE DE ORIGEM
[...] eu queria sair do país, porque naquela época tinha uma confusão muito forte no país, sempre teve, tivemos umas pequenas guerras sociais, a guerra do gás, tinha muita morte, muitas mortes, enfrentamentos entre policiais e o exército. E isso me atrapalhava muito, também as pessoas viviam com medo, estava causando muito mal estar, não dava para você ter uma vida normal, estava estressado. Sendo que é um país pobre já passa por situações difíceis, imagina uma greve. O país tem esse negócio de greve, greve, greve, o que atrapalha muito a economia, o desenvolvimento do país. Era terrível.38
A instabilidade econômica e social mencionada pelo depoente não é recente
no país, e sim fruto de um longo processo histórico de constantes perdas territoriais
e econômicas. Desde a independência a Bolívia atravessou vários momentos de
dificuldades internas e conflitos com países vizinhos – com destaque para a Guerra
do Pacífico (1879-1884), na qual perdeu a saída para o mar para o Chile; a perda do
território do Acre para o Brasil em 1903; e a Guerra do Chaco, em 1932, com o
Paraguai, na qual também perdeu parte de seu território. Essas constantes perdas
territoriais e econômicas fizeram o governo boliviano aumentar os valores dos
impostos. A arrecadação era investida no setor da mineração, o único que se
sustenta até hoje; os demais setores necessitaram de apoio financeiro estrangeiro.39
O período de 1880 a 1920 foi marcado por mudanças significativas no
governo. O país foi governado por civis do Partido Conservador e depois, do Partido
Liberal. A mineração da prata declinou, dando lugar à exploração do estanho, que
lhe conferiu visibilidade na América Latina até 1930, quando entrou em crise ao
38
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. Boliviano, solteiro, 30 anos, migrou em 2000 para o Brasil, passou por oficinas de costura, trabalhou no comércio e hoje é estudante universitário em um Instituto Federal e trabalha na área de telecomunicações. 39
SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005.
29
atingir seu limite máximo de produção. Acordos realizados com o Brasil (Tratado de
Petrópolis de 1903) e com o Chile (Tratado de Paz de 1904) propiciaram a expansão
da malha ferroviária que unia as principais cidades bolivianas no período.
Até a metade do século XX a Bolívia foi atingida por uma sucessão de
golpes militares e crises econômicas. Com a extrema concentração da terra e a
dilapidação dos recursos naturais, muitas minas foram fechadas. Em 1952 iniciou-se
a Revolução Camponesa, articulada pelo Movimento Nacionalista Revolucionário
(MNR), em luta pela reforma agrária.
Desse momento em diante, ser cidadão na Bolívia significava participar de
um sindicato, votar e lutar por seus direitos. Diversas lutas se desenharam, como:
em 1986, a Marcha pela Paz, organizada pelo sindicato dos mineiros; em 2000, a
Guerra pela Água, na qual os habitantes de Cochabamba se revoltaram contra o
aumento das tarifas da empresa Águas Del Tunari, que resultou na expulsão da
empresa Transnacional; ainda em 2000, o movimento Aimarás do Altiplano, que
realizou um cerco a La Paz e bloqueou a entrada de alimentos na capital; em 2003,
o levante popular que depôs o então presidente Gonzalo Sánchez Lozada; em 2004
e 2005, a guerra do gás e um novo presidente foi eleito, representando a maioria da
população, o índio Evo Morales Ayma.40
As revoltas eram acompanhadas de greves contra os cortes de benefícios
sociais, solicitações por aumento de salários e estabilidade trabalhista. Esse
contexto de lutas, resistências sociais e políticas fez com que boa parte da
população boliviana buscasse saída na emigração a países que lhe oferecessem
oportunidades. Entre eles o Brasil, destino interessante – ao ser comparado à
Bolívia, um país economicamente pobre (segundo dados da ONU, registra um dos
dez piores IDHs da América Latina e 51,3% de sua população vive em situação de
vulnerabilidade social, abaixo do nível de pobreza41, com renda per capta em 2013
de US$ 5,099 e nominal de US$ 2,53242 –, já que está entre os 10 melhores IDHs da
40
LINERA, Alvaro Garcia (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010. 41
A Bolívia ocupa a 6ª colocação, posição que se refere a um IDH médio no valor de 0,675, o que coloca o país no 108º lugar no ranking mundial. UNITED STATES OF AMERICA. Central Intelligence Agency - CIA. The World Factbook. CIA, jan. 2012. 42
INTERNATIONAL MONETARY FUND. Per capita income Bolivia. 18/04/2013. Disponível em: <http://www.imf.org>. Acesso em: 06/06/2014.
30
América Latina e tem 21,4% de sua população em estado de vulnerabilidade social,
vivendo abaixo do nível da pobreza, com renda per capta de US$ 10,328.43
Nota-se que a decisão de partir era tomada em função da soma das
condições econômicas, das constantes revoltas e da instabilidade política. Os dados
oficiais medidos pelo último Censo realizado na Bolívia, no ano de 2012,
apresentaram que cerca de meio milhão de bolivianos estavam vivendo fora do
território desde 2001, porém informações extraoficiais sugerem que até 1/3 da
população esteja fora do território. “‘Medio millón de personas han dejado el país
desde el censo 2001, la mayoría de Santa Cruz, Cochabamba y La Paz.‟ Este dato
está subestimado, y hay que tenerlo muy en cuenta.”44 Os bolivianos encontrados
em São Paulo entraram no Brasil e saíram do país natal com facilidade e, mesmo
antes de partirem dos centros urbanos, já haviam deixado suas províncias de origem
rural.45
A Bolívia é um país multiétnico, sendo que, no Censo de 2005, 62% da
população se declarou indígena. Identificam-se hoje na Bolívia 38 povos autóctones
(indígenas), entre eles os quéchuas (38%) e os aimarás (25%), os mais numerosos.
No território boliviano se falam no mínimo 26 línguas, que se subdividem em 127
dialetos já classificados.46 Destes, apenas dois são reconhecidos como idiomas
43
INTERNATIONAL MONETARY FUND. Per capita income Bolivia. 18/04/2013. Disponível em: <http://www.imf.org>. Acesso em:o6/06/2014. UNITED STATES OF AMERICA. Central Intelligence Agency - CIA. The World Factbook. CIA, jan. 2012. 44
Os dados do Censo e de outros órgãos apresentam disparidades, pois há um fluxo contínuo de migrações internas de áreas rurais para as urbanas e de entradas e saídas de bolivianos do país. LOS TIEMPOS DIGITAL. Datos oficiales del censo: Bolivia tiene 10.027.254 habitantes. Los Tiempos. Cochabamba, 31/07/2013. 45
SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005. CAMPOS, Geraldo Adriano Godoy de. Entre devires e pertencimento: a produção da subjetividade entre imigrantes bolivianos em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – PUC/SP, São Paulo, 2009. XAVIER, Iara Rolnik. Projeto migratório e espaço: os migrantes bolivianos na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Demografia) – Unicamp, Campinas, São Paulo, 2010. A migração é uma prática do povo andino. Durante o período do Império Inca, os nativos já migravam de uma região a outra para produzir alimentos de acordo com as condições climáticas e para construir novas localidades a fim de expandir o império. Nas terras onde a Bolívia se localiza viveram culturas que deixaram traços na vida cotidiana marcados até hoje. São heranças de formas de cultivo, de fabricação de produtos têxteis e técnicas de metalurgia. As principais culturas nativas identificadas são: Chavín, Tiahuanaco, Aymaras e Incas. Portanto, os fluxos migratórios se apresentam tanto internamente (êxodo rural) como em direção ao exterior. Lazo, 2001. Apud: PAIAO, Letícia de Andrade Vilela Fonseca. Mulheres Imigrantes: articulação política e desejo - Um estudo psicanalítico em torno da imigração. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – PUC/SP, São Paulo, 2009, p.18. KLEIN, Herbert S. Bolívia: do período pré-incaico à independência. São Paulo: Brasiliense, 2004. 46
Andrade, 2007, p.17; Aragón, 1987, p.62. Apud: SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005, p.8.
31
oficiais, além do espanhol, do quéchua e do aimará, porém são pouco utilizados
pelas elites.
Do ponto de vista geográfico, a Bolívia está situada na América do Sul, com
altitude média de 3.900 metros e 1.098.580 km2, divididos em três regiões distintas:
o altiplano, os vales e as planícies. O altiplano ou região andina concentra 16% do
território e abrange as cidades de La Paz – sede do governo –, Potosí e Oruro e
também o lago mais alto do mundo, o Titicaca. Os vales ou região subandina, com
14% do território e cerca de 30% da população, estão a 2.460 metros de altitude.
Neles localizam-se os povoados de Cochabamba, Chiquisaca, parte de Potosí, a
região de Tarija e os vales Yungas, mais úmidos pela proximidade com a Amazônia.
Já a maior parte do território boliviano está nas planícies, cerca de 70%, que se
dividem em duas zonas distintas: ao norte a planície de Mojos ou Del Beni, e ao sul
a planície seca do Chaco, que vai de Santa Cruz até as fronteiras com o Brasil, a
Argentina e o Paraguai.
Observa-se no mapa político da América do Sul a Bolívia e suas fronteiras
com o Brasil. São 3.423,20 km de extensão de regiões fronteiriças, compreendidas
em rios, canais, lagoas e linhas convencionais. Para o e/imigrante representam
portas de acesso a uma melhor qualidade de vida, ao trabalho e aumento nas
possibilidades de consumo. Segundo relato da depoente, na Bolívia o trabalhador
ganha para suprir suas necessidades primárias básicas – trabalha, mas não
consegue comprar uma pizza para a família no fim de semana ou um pacote de
bolacha para os filhos, porque não sobra dinheiro para “luxo”. “Aqui no Brasil, pode
pagar pouco, mas dá para comprar um danone, um brinquedo [...].”47
47
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. Boliviana, solteira, emigrou aos 8 anos de idade para o Brasil. Hoje coordena o Projeto Si Yo Puedo, que atende imigrantes aos domingos na Praça Kantuta com o objetivo de lhes dar informações para se sentirem acolhidos no país – informações sobre documentação, estudo, regularização de condições trabalhistas e apoio aos imigrantes que se encontram em condições análogas à escravidão. Em 2013 o projeto formou a primeira turma de alunos nas aulas de português.
32
Figura 1 - América do sul Político – Bolívia e suas fronteiras.48
Administrativamente, a Bolívia é subdividida em nove departamentos, que
equivalem aos estados brasileiros. São eles: La Paz (La Paz), Oruro (Oruro), Potosí
(Potosí), Cochabamba (Cochabamba), Chuquisaca (Sucre), Tarija (Tarija), Santa
Cruz (Santa Cruz), Beni (Trindade) e Pando (Cobija). A capital está em Sucre e a
48
GEO - CONCEIÇÃO. Posição geográfica do Brasil/ Pontos extremos/ Coordenadas geográficas e fusos horários. 26/02/2011. Disponível em: <http://geoconceicao.blogspot.com.br/2011/02/pontos-extremoscoordenadas-geograficas.html>. Acesso em: 23/04/2015.
33
sede do governo, em La Paz. É das capitais de La Paz, Cochabamba e Santa Cruz
que mais emigram pessoas, e também são elas que mais recebem migrantes das
regiões rurais da Bolívia.49
Figura 2 - Bolívia – departamentos.50
49
SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005. 50
MAPS OF WORLD. Political Map of Bolivia. Disponível em: <http://images.mapsofworld.com/wp-content/uploads/2011/09/bolivia-political.jpg>. Acesso em: 14/04/2015.
34
A economia do país concentra-se na extração de minerais – como estanho,
gás natural, gás líquido e petróleo –, madeira, látex e agricultura. A produção
industrial se sobressai nas áreas alimentícia, têxtil e à metalurgia. Um terceiro setor
vem tentando se estabelecer com o turismo, destacando-se como atrativos: as
festas de carnaval de Oruro, festas devocionais de agosto a Virgem de Urkupiña e a
Nossa Senhora de Copacabana, o Salar de Uyuni, o Valle de La Luna, o Caminho a
Los Yungas, o sítio arqueológico pré-colombiano de Tiwanaku e outros.
A população é em sua maioria jovem adulta – cerca de 60% tem entre 15 e
64 anos51 – e urbana. A baixa renda per capta e as limitadas ofertas de trabalho
seriam responsáveis pelo aumento de e/imigrantes a cada ano. Nesse sentido, cabe
questionar se somente as reduzidas ofertas de trabalho incentivariam o processo
migratório dos bolivianos. O que motivaria o cidadão a sair de seu país e migrar para
uma nova nação? Seria o medo de ficar a principal razão para o processo
migratório? Ou o medo de não conseguir sustentar a si e aos seus familiares? “[...]
quando eu tinha 5 anos foi uma época que meu pai veio embora também. Aí eu
lembro das maiores limitações lá, meus pais nunca tiveram dinheiro, mas não eram
miseráveis.”52
O e/imigrante boliviano sai de seu país em busca de novas oportunidades de
vida para si e para sua família, de um país onde possa desfrutar direitos básicos e
segurança. As diferenças sociais, políticas e econômicas encontradas entre as
diversas regiões, sejam elas de um mesmo país, como campo e cidade, ou de
continentes diversos, motivam há décadas o sonho da estabilidade econômica e de
um futuro promissor.
Para Sayad (2000), o fenômeno migratório está sempre associado a uma ausência: trabalho. É pela falta dele que milhares de pessoas abandonam o espaço físico no qual está construído seu sentido de ser e de pertencer ao mundo. Necessidade que se transforma em ilusão de uma
51
BOLIVIA. INE - Instituto Nacional de Estatística. CEPAL/CELADE. Censo Nacional de población y vivienda 2012. La Paz, 2013. Disponível em: <http://www.ine.gob.bo>. Acesso em: 06/06/2014. Observa-se que os dados apresentados no Censo Boliviano consideram população jovem adulta em idade produtiva em uma única faixa de 15 a 64 anos. 52
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
35
possibilidade criadora de mobilidade social, pretensamente a ser encontrada em outra cidade ou país.53
No caso da Bolívia, o povo andino há séculos já se deslocava dentro do
próprio território – com o passar do tempo, isso só aumentou. No século XX, anos
80, a mobilidade interna entre campo e cidade se dava devido às dificuldades do
esgotamento do campo e do avanço do minifúndio.54 Posteriormente, o Decreto
Supremo 21.060, instituído em 1985 pelo governo de Paz Estenssoro, modificou a
legislação laboral de mineiros e operários fabris e permitiu a demissão das
categorias. Essa massa de trabalhadores passou a engrossar o setor de serviços
informais e a aumentar o fluxo emigratório. Foram, portanto, os trabalhadores
informais aimarás e quéchuas que se tornaram e/imigrantes não documentados e
ampliaram os deslocamentos para São Paulo, onde, movidos pela necessidade,
enfrentavam as longas jornadas das oficinas de costura, o trabalho malremunerado
e ficavam à mercê do tráfico humano para prostituição e até do narcotráfico.55
A cidade de El Alto, localizada na região metropolitana de La Paz, destaca-
se como a principal receptora dos migrantes provenientes do interior para a capital.
La Paz e região são ainda as principais localidades emissoras do fluxo de
trabalhadores: de cada dez lares da área metropolitana, em três identifica-se uma
pessoa que migrou para trabalhar em São Paulo. Com mais intensidade a partir de
1985, a migração em busca de trabalho foi aumentando e se tornou uma
característica da sociedade boliviana atual.56
53
DADALTO, Maria Cristina. Imigração e permanência do sonho. Matrizes. São Paulo, vol. 7, nº. 2, USP, jul./dez. 2013, p.249-263. 54
As terras do altiplano boliviano foram repartidas em parcelas pela reforma agrária de 1953. Com o passar dos anos, esses lotes foram sendo incorporados a pequenas e médias propriedades, dando origem aos minifúndios. Esse modelo de repartição de terras não tem como absorver mais mão de obra do que a já empregada, então chega ao seu limite de contratação e a população não absorvida nos trabalhos do campo se vê obrigada a se deslocar para a cidade. ARROYO JIMÉNEZ, Marcelo (Coord.). La migración internacional: una opción frente a la pobreza. Impacto socioeconómico de las remesas en el área metropolitana de La Paz. La Paz: PIEB, 2009. 55
Ibidem. 56
Ibidem.
36
As instabilidades apresentadas desde a independência, somadas às
diferenças sociais, motivaram e motivam a população boliviana a migrar. Nos anos
5057, acordos bilaterais entre o Brasil e a Bolívia abriram a estudantes bolivianos de
medicina, direito e outros cursos a possibilidade de concluir seus estudos no Brasil,
onde muitos ficaram. Não era apenas pela proximidade do país que se dava
preferência ao Brasil para estudar, trabalhar e depois se fixar, mas também pelas
tensões políticas encontradas na Bolívia. Outra opção seria deslocar-se para a
Argentina ou os Estados Unidos, mas a situação para os e/imigrantes também não
estava propícia nesses países – na Argentina havia a ditadura e nos Estados
Unidos, restrições e perseguições aos latinos.
Observa-se no depoimento o anúncio da decisão de partir da Bolívia para o
Brasil ou para a Argentina por causa das perseguições aos e/imigrantes:
“Mãe, vem até o quartel que eu preciso conversar.” Ela veio e eu falei “Mãe, eu vou embora” (choro e emoção). E ela disse “Eu não acredito”, e eu, “Mas eu vou. Eu preciso” (silêncio). [...] [O depoente comenta que sua mãe perguntou] “Filho, pra onde?” E pediu para não ir para Argentina, pois havia muito boliviano voltando de lá, e diziam que não tinha trabalho, e muita perseguição aos estrangeiros.58
57
Década em que se tem notícia dos primeiros intercambistas do programa cultural Brasil-Bolívia. Em 1958, um convênio bilateral foi firmado e fez parte de um conjunto de acordos entre Brasil-Bolívia denominado Ata de Roboré. Visava objetivos diversos como resolver questões em torno da exploração de petróleo, pendências na demarcação de limites entre os países, na área de transporte ferroviário, comércio, promover o intercâmbio cultural, entre outras medidas. “Além disso, Andrade (2004) mostra que, já no início da década de 1950, também houve um projeto de cooperação científica Brasil-Bolívia na área de Física, revelando que o histórico de acordos entre os dois países pode ser ainda mais amplo. Em trabalhos sobre a ocupação de uma das áreas da fronteira Brasil-Bolívia (o caso do estado do Mato Grosso do Sul), Manetta (2009) indica também a existência de intercâmbios comerciais entre os dois países na década de 1960, relacionados especificamente às áreas fronteiriças, embora não explicite se existiram.” XAVIER, Iara Rolnik. Projeto migratório e espaço: os migrantes bolivianos na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Demografia) - UNICAMP, Campinas, 2010, p.44-45. 58
Depoimento de Jaime Adolfo Oblitas Alvares, em entrevista concedida à autora em 04/05/2013. Nascido em La Paz em 25/04/1958 e residente há 35 anos em São Paulo. Presidente do grupo Sociedad Folklorica Boliviana.
37
De acordo com dados do censo boliviano de 201259, os principais destinos
dos e/imigrantes que vivem fora da Bolívia são: a Argentina, com 186.512, o Brasil,
com 64.340, o Chile, com 29.021, o Paraguai, com 858, o Peru, com 3.819, além da
Espanha, com 116.520, e dos Estados Unidos, com 20.491 e/imigrantes.
Os registros oficiais60 citados a seguir demonstram a frequência desse fluxo
migratório para o território brasileiro. Houve um aumento de bolivianos residentes no
país no período de 1938 a 1969, sendo que nas décadas de 1930 e 1940 entraram
261 e/imigrantes, em 1947 foram 256, em 1948 foram 306 e em 1949, apenas 129.
Entre 1950 e 1951 entraram 855 e nos anos seguintes os números diminuíram,
chegando a 45 em 1969.61 De acordo com os registros da chegada de e/imigrantes
bolivianos no país62, percebe-se um fluxo pouco expressivo nas primeiras décadas
do século XX, se intensificando a partir de 1970, com 10.712 bolivianos residindo no
Brasil, passando para 12.980 em 1980, 15.691 em 1990 e 20.398 em 2000.
Sob outra forma de análise, o censo demográfico de 2000 destaca que, de
um total de 20.387 bolivianos que residem no Brasil, 1.893 chegaram ao país entre
1950 e 1969. Nota-se forte concentração de bolivianos nos estados de fronteira
desde a década de 30, sobretudo nos anos de 1980 a 2000. E nas capitais São
Paulo e Rio de Janeiro, a partir da década de 1990 esses números apresentaram
amplo crescimento, em detrimento das regiões fronteiriças.63
No Estado do Mato Grosso do Sul foram identificados 259 bolivianos
residentes na década de 80 e 555 em 2000; no Mato Grosso eram 158 na década
de 80 e 420 em 2000; no Acre totalizavam 118 em 80 e 389 em 2000; e em
Rondônia, 395 em 80 e 944 em 2000. Já no Rio de Janeiro foram registrados 138
59
BOLIVIA. INE - Instituto Nacional de Estatística. CEPAL/CELADE. Censo Nacional de población y vivienda 2012. La Paz, 2013. Disponível em: <http://www.ine.gob.bo>. Acesso em: 06/06/2014. 60
XAVIER, Iara Rolnik. Projeto migratório e espaço: os migrantes bolivianos na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Unicamp, Campinas, 2010. 61
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censos Demográficos 2000 e 2006. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 15/08/2011. 62
CELADE - Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía. Pueblos indígenas y afrodescendientes de América Latina y el Caribe: información sociodemográfica para políticas y programas. Santiago del Chile, 2006. Disponível em: <http://www.eclac.org>. Acesso em: 10/09/2011. 63
O Censo de 2010 identificou os principais países de origem dos e/imigrantes internacionais do Brasil entre 2005 e 2010. Na 5ª posição encontra-se a Bolívia, com 8% da população total de 15.753 pessoas. Os demais países de origem em ordem classificatória são: Estados Unidos da América (25%), Japão (20%), Paraguai (12%), Portugal (11%), Reino Unido (6%), Espanha (6%), Itália (5%), Argentina (4%) e França (3%).
38
na década de 80 e 550 em 2000; e em São Paulo havia 1.360 bolivianos na década
de 80 e 4.974 em 2000, sendo que o maior agrupamento de e/imigrantes bolivianos
se dava na sede da área metropolitana – estavam presentes em 82 dos 96 distritos
da cidade de São Paulo e em 23 municípios dos 39 que compõem a região
metropolitana de São Paulo (RMSP).
As duas maiores zonas de concentração em São Paulo em termos
residenciais eram o centro (com 27,2% deles) e a zona Norte (com 26,4%), seguidos
pela zona Leste, com 19,6% dos bolivianos, pela zona Sul, com 9,2%, e zona Oeste,
com 4,3%. Somando percentual muito próximo, temos a RMSP Nordeste (onde se
encontra o município de Guarulhos), com 4,3%. E as últimas áreas em que se pode
considerar que havia uma participação mais significativa eram a RMSP Sudoeste
(3,1%), principalmente composta pelo eixo do ABC (municípios de Santo André, São
Bernardo e São Caetano), mas também Mauá e Diadema, e a RMSP Oeste (2,8%),
com maior fixação nos municípios de Osasco e Jandira.64 Nota-se assim entre os
bolivianos uma tendência a se difundirem em espaços privilegiados do mercado de
trabalho paulista.65
Os dados populacionais existentes sobre a imigração boliviana residente no
Brasil e, mais precisamente, em São Paulo são díspares, cada órgão oficial
(Consulado da Bolívia no Brasil, Polícia Federal), instituição e associação que
atende e apoia o e/imigrante apresenta números diferentes, que variam de 80.000 a
200.000 indivíduos. A imprecisão se dá pelas constantes entradas e retornos,
movimento propiciado pela proximidade dos países e pela dificuldade de adaptação,
como se depreende dos relatos:
No ano de 1979, vim pela primeira vez ao Brasil, fui tocar no Rio de Janeiro. Fiz uns trabalhos de carpintaria por lá e retornei. Estava desesperado para voltar, peguei meu dinheiro e fui embora. Fiquei cerca de 3 meses.66
64
XAVIER, Iara Rolnik. Projeto migratório e espaço: os migrantes bolivianos na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Unicamp, Campinas, 2010. 65
BRAGA, Fernando Gomes. Conexões territoriais e redes migratórias: uma análise dos novos padrões da migração interna e internacional no Brasil. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar, 2011. 66
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. Boliviano, natural de Yungas, La Paz. Carpinteiro e músico. Veio a primeira vez para o Brasil em 1979, para divulgar a música boliviana, e retornou para ficar em 1982.
39
Eu gostava do meu trabalho da oficina, mas pedi pra acertar e fui trabalhar com o outro. Já tava lá há 4 meses. Aí de uma hora pra outra a saudade era grande, da família, da Bolívia, e eu resolvi voltar. Não sabia se ia voltar pro Brasil.67
[...] Eu queria mudar, estava desesperado mesmo. Então era junho, eu pensei “Se eu não gostar eu volto, fico uns dois meses”. Pensei “Tem oportunidade de ir para o Brasil ou para a Argentina”, pensei “Se não gostar, é pertinho”.68
Os motivos que levam à busca por uma mudança de vida são diversos e
cada sujeito histórico traz colaborações únicas para o entendimento do processo
migratório da Bolívia para o Brasil: o cotidiano de alguns dos e/imigrantes na Bolívia,
as jornadas de trabalho, as privações e o trabalho informal, histórias que motivaram
o sonho da emigração.
Nessa época, eu lembro das maiores limitações lá, minha mãe sem formação nenhuma, cuidava de três crianças sozinha. Trabalhando no comércio informal, como tantas famílias, lá. Ela tinha uma barraca de frutas, uma vendinha. Então ela acordava 5 horas da manhã para fazer as compras, na feira, como CEAGESP, aí ela arrumava tudo na vendinha, ficava até as 10 da manhã e voltava para fazer almoço pra nós. Depois voltava pra barraca e vinha de novo umas cinco, seis horas da tarde, e ficava depois até as 10 da noite. E era assim... Nós tínhamos pouco dinheiro, só mesmo pra se alimentar, e quem ajudava a cuidar de nós e acabou criando mesmo era minha irmã mais velha, que tinha uns 13 anos quando meu pai veio para o Brasil.69
As lembranças das dificuldades passadas pela família trazem indícios de
valorização ou percepção da importância das atividades desempenhadas por cada
membro. A mãe se desdobrava nas atividades cotidianas para garantir as mínimas
condições de sustento, já que o pai havia emigrado. E a irmã mais velha acabava
assumindo a posição de mãe, se responsabilizando pelo cuidado dos irmãos
menores e pelos afazeres domésticos. Observa-se que as atividades
67
Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. Boliviano, natural de Cochabamba, na província rural de Quillacollo, nascido em 1948. Mecânico e aposentado. Veio a primeira vez para passar o Carnaval em São Paulo em 1970. Retornou, casou-se na Bolívia e emigrou com a esposa boliviana definitivamente em 1979. 68
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 69
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
40
desempenhadas pela irmã de 13 anos não eram consideradas pela família como um
trabalho, e sim como uma ajuda para a manutenção da mínima ordem da estrutura
familiar, enquanto pai e mãe saíam em busca do sustento.
A utilização do método da história oral70 no presente estudo propiciou um
contato maior com a história de vida de cada um desses sujeitos históricos, que
dificilmente teriam suas percepções e experiências retratadas.
A primeira coisa que diferencia história oral, é que ela nos diz menos a respeito dos acontecimentos em si do que do seu significado. Isto não quer dizer que a História Oral não possua interesse factual, entrevistas muitas vezes revelam fatos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de fatos conhecidos, e elas sempre jogam uma luz nova sobre aspectos inexplorados da vida cotidiana das classes não hegemônicas.71
As tensões sociais e políticas vivenciadas pelo depoente, como greves,
levantes populares e a instabilidade econômica, geraram um sentimento de
insegurança e insatisfação, que também motivou a emigração.
Eu nasci no interior da Bolívia, a mais ou menos 2 horas, imagina daqui é como Campinas a São Paulo, próximo a
capital, uma cidadezinha de importância [...] Caranavi72, é um
conjunto de cidades que fica no noroeste de La Paz, é
70
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História da PUC-SP. São Paulo, vol. 15, abr. 1997. Idem. Sonhos ucrônicos: memórias e possíveis mundos dos trabalhadores. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História da PUC-SP. São Paulo, vol. 10, jul./dez. 1993. Idem. A Filosofia e os Fatos - Narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais. Tempo. Revista do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, vol. 1, nº. 2, Relume, Dunara, dez. 1996. Idem. História Oral como gênero - Forma e significado na História Oral: a pesquisa como um experimento em igualdade. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História da PUC-SP. São Paulo, vol. 14, 1997. BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória - Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. FREITAS, Sonia Maria. História Oral. São Paulo: Humanitas, 2002. Idem. História Oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo: LTC, 2002. THOMPSON, Paul. A voz do passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 71
Alessandro Portelli, 1981. Apud: FREITAS, op. cit., p.82. 72
Províncias do Departamento de La Paz: Caranavi, Abel Iturralde, Aroma, Bautista, Saavedra, Eliodoro Camacho, Franz Tamayo, Gualberto Villarroel, Ingavi, Inquisivi, José Manuel Pando, José Ramón Loayza, Larecaja, Los Andes, Manco Kapac, Muñecas, Nor Yungas, Omasuyos Pacajes, Pedro Domingo Murillo, Sud Yungas e Lago Titicaca.
41
frequentada por turismo, lá son preocupados com turismo, lugar turístico de paisagem de natureza, e... é muito famoso pela carretera da morte (risos). A cidade tem muitos frutos, uma particularidade do estado, “do departamento”, porque é o fim, bom, na verdade, ela é a porta da Amazônia, é diferente, é muito quente. [...] vim era 2000, eu queria sair do país, porque naquela época tinha uma confusão muito forte no país, sempre teve, tivemos umas pequenas guerras sociais, a guerra do gás, tinha muita morte, muitas mortes, enfrentamentos entre policiais e o exército. E isso me atrapalhava muito, também as pessoas viviam com medo, estava causando muito mal-estar, não dava para você ter uma vida normal, estava estressado, sendo que é um país pobre, já passa por situações difíceis, imagina uma greve. O país tem esse negócio de greve, greve, greve, o que atrapalha muito a economia, o desenvolvimento do país. Era terrível.73
Cabe frisar que a subjetividade do expositor é elemento único e precioso das
fontes orais.74 Na fala do depoente observa-se o processo de emigração motivado
pelas dificuldades cotidianas. O e/imigrante jovem se vê tentado a sair por não ter a
possibilidade de trabalhar e estudar, mas rememora com carinho sua cidade natal e
destaca sua importância turística. Fica nítida na fala a sensação de insegurança
frente aos acontecimentos políticos e às revoltas populacionais, já apontados como
causas do incremento do fluxo migratório na década de 2000.75
Assim, uma das estratégias do povo andino para driblar os problemas
sociais e conquistar melhores condições de vida é o deslocamento entre os
departamentos do campo para a cidade. O depoente rememora as dificuldades, a
falta de emprego, mas ressalta que, por possuir uma profissão – funileiro –,
conseguiu uma colocação no mercado de trabalho, diferentemente de outros
trabalhadores do campo que migram sem formação e tendo como única opção
trabalhar no comércio informal das ruas.
73
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 74
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História da PUC-SP. São Paulo, vol. 15, abr. 1997. 75
ARROYO JIMÉNEZ, Marcelo (Coord.). La migración internacional: una opción frente a la pobreza. Impacto socioeconómico de las remesas en el área metropolitana de La Paz. La Paz: PIEB, 2009. SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005. LINERA, Alvaro Garcia (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010.
42
Meu pai faleceu eu era pequeno, e aí, vendo que minha mãe se sacrificava muito, comecei a trabalhar muito cedo. Desde pequeno, aproximadamente aos 7 anos de idade, comecei a pensar que a minha mãe se sacrificava bastante e nós éramos 4 irmãos. E minha mãe, viúva, a renda não dava, era pouca, então comecei a trabalhar muito cedo. Comecei a trabalhar e saí da cidade onde eu morava, ia para outro departamento, Santa Cruz de La Sierra, já tinha profissão definida, funilaria de carros, ganhava mais ou menos, já era bastante requisitado. Assim, não sofri tanto assim, mas não arrumei serviço logo. Mas não porque o país não é o paraíso, passava por problemas, mas o problema era arrumar serviço na hora. Cheguei a dormir na rua, mas não pelos problemas do país, era mais por minha necessidade.76
Nesse relato percebe-se novamente o trabalho iniciado de forma prematura
na vida do depoente, mas com a atividade vista como uma colaboração para com a
família, uma preocupação de filho com a mãe viúva.77 Identificam-se nas histórias
coletadas muitos casos de crianças auxiliando os pais, dentro e fora do contexto
familiar, com e sem remuneração, inclusive em São Paulo, nas oficinas de costura.
Entretanto, na fala dos depoentes essas atividades não são identificadas como
exploração do trabalho, e sim como uma forma de aprender afazeres ou mesmo
adquirir responsabilidades para a vida adulta.78
A origem étnica de mais de 60% da população boliviana, somada às
condições do trabalhador rural, com pouca instrução, dificulta a inserção desses
migrantes no mercado formal urbano.
A estigmatização por meio da indianidade naturalizou práticas de exclusão econômica e legitimou monopólios político-culturais na definição de regras de competição social, contribuindo assim, não apenas para expressar determinadas condições sócioeconômicas de exclusão e dominação,
76
Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 77
Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), trabalho infantil é toda forma de trabalho realizada por menores de 12 anos de idade, em quaisquer atividades econômicas, e todo trabalho que não seja leve efetuado por indivíduo com idade entre 12 e 14 anos. Para fins de pesquisa de campo, a UNICEF define o indicador de trabalho infantil como o percentual de crianças de 5 a 15 anos envolvidas com atividades laborais. “[...] Encontra-se sob a seguinte classificação: trabalho de crianças de 5 a 11 anos - trabalho de pelo menos uma hora de atividade econômica ou 28 horas de trabalho doméstico na semana; trabalho de jovens de 12 a 14 anos por pelo menos 14 horas de atividade econômica ou 42 horas de atividade econômica e trabalho doméstico combinados na semana.” UNICEF. Disponível em: <http://www.unicef.org/infancia>. Acesso em: 15/05/2014. 78
Ver capítulo 2.
43
racionalizando-as, como também para ajudar a construir objetivamente essas condições socioeconômicas.79
Até 1951 apenas 2 a 3% da população total da Bolívia votava80 e era
considerada cidadã. A revolução de 1952 trouxe avanços no processo de
homogeneização cultural e instituiu o voto universal, incluindo as diferentes etnias
nas tomadas de decisões. Porém, eram obrigadas ao idioma oficial, o castelhano,
caso quisessem adquirir a educação estatal e alguma possibilidade de ascensão
social. Esse novo processo deu às diferentes etnias a nova identificação social de
“irmãos camponeses”. Apesar disso, ainda mantêm múltiplas dificuldades de
reivindicar políticas devido ao baixo nível de educação.
A dificuldade de quebrar o estigma de família camponesa sem instrução
aparece no relato do depoente de origem quéchua, ao se esforçar para buscar um
ascendente espanhol para se diferenciar de outros e/imigrantes da mesma origem
étnica: “[...] Acredito que eu também tenha uma gotinha de descendência de
espanhóis. E uma mistura de índios com caboclos, duas etnias diferentes. Não
tenho a linha dos Aimarás, teria eu de quéchua.”81
Verifica-se que a mobilidade entre campo e cidade na busca por
oportunidades de vida também é utilizada por muitos e/imigrantes para esconder a
origem rural e étnica, identificando como pontos de partida da Bolívia para o Brasil
os centros urbanos, habitados em sua maioria por mestiços, descendentes de
brancos espanhóis e grupos étnicos, em oposição aos núcleos rurais, com pouca
presença de mestiços e maioria de descendentes de quéchuas e aimarás, a fim de
evitar julgamentos discriminatórios já enraizados na sociedade boliviana oficial.
A sociedade oficial significa, para o indígena, o mesmo que a morte representa para os aferrados à vida: ambos os casos são entendidos como negação de qualquer existência possível. Assim como a vida é a fuga permanente da morte, nos países latinos americanos o “social” é a perpétua prevenção do “índio”
79
LINERA, Alvaro Garcia (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010, p.168. 80
Ibidem. 81
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
44
no ordenamento público; o progresso é o extermínio do indígena ou sua domesticação civilizatória.82
Na sociedade boliviana as diferentes etnias, em sua maioria, encontram-se
desclassificadas.83 Ou melhor, a elas foi designado um lugar de “amigo campesino”,
camponês, subalterno, de empregos malremunerados, criando obstáculos para sua
ascensão social, devido à baixa escolaridade, entre outros fatores. A alternativa de
mudança encontrada por muitos está em migrar. No caso destacado, emigrar para
estudar e, depois, voltar. A volta se daria numa condição diferenciada, com um
diploma de ensino superior e recursos para comprar uma casa e montar um negócio
próprio.
[...] eu estava morando em La Paz, na época. Morei em La Paz 3 anos, mais ou menos. Praticamente toda a infância e o colegial passei no interior, onde morava, onde nasci e depois fui para cidade maior, que seria La Paz. Então naquela época tinha muita greve, e isso atrasa o país. Eu estava trabalhando em La Paz, saí do exército e fiquei em La Paz, que é uma cidade maior, e eu sempre tive o sonho de poder estudar. Eu não sou de uma família rica, meus pais tiveram problemas, são órfãos, índios, tiveram dificuldades, doentes, por isso também eu queria, de alguma maneira, sair de lá. Estudar [...] para depois voltar.84
82
LINERA, Álvaro (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010, p.152. 83
“As imagens da exclusão expressas nas noções de „desqualificação social‟ (Paugam, 1991), „desfiliação‟ (Castel, 1995), divisão entre os „úteis‟ e os „normais inúteis‟ (Donzelot e Estèbe, 1991) e „empobrecimento‟ (Salama e Valier, 1995) constituem alguns esforços analíticos da literatura sociológica francesa para expressar processos de transição social. [...] Robert Castel, na Métamorphose de la question sociale (1995), recompõe a relação entre trabalho e sociabilidade, mostrando como a coesão social se construiu a partir da inserção dos indivíduos na divisão social do trabalho e revelando um processo de formação de uma zona de vulnerabilidade, reveladora da desconstituição (negativa) dessa relação.” Ao criticar a perspectiva estática da noção de exclusão, propõe a noção de "desfiliação" para recuperar a dimensão de processo na formação da vulnerabilidade dos trabalhadores nas redes de sociabilidade. IVO, Anete B. L. Questão social e questão urbana: laços imperfeitos. Caderno CRH. Salvador, vol. 23, nº. 58, abr. 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792010000100002>. Acesso em: 11/07/2014. 84
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
45
O complexo contexto experienciado pelo depoente em meados da década
de 90 e início de 2000 influenciou sua decisão de partir. Ele relata ter presenciado
muitas manifestações por direitos políticos, por direito a água, por melhorias na
infraestrutura das cidades, por melhores salários, além de levantes populares
étnicos por reconhecimento enquanto cidadãos, e não apenas enquanto “povo
originário”85, e manifestações requerendo melhores condições para educação, pois
quem fala e escreve castelhano tem mais oportunidade de mobilidade social do que
quem não escreve e só fala ou quem não fala nem escreve. Aqueles que possuem
uma segunda língua, o inglês, são mais valorizados, ainda que a hierarquização da
língua leve a novos processos de exclusão não armados mais suaves e
aparentemente naturais.86
Eles são comerciantes, vivem da agricultura. São descendência indígena, mas [...] lá na Bolívia é engraçado, mesmo que tenha descendência indígena, tem uma diferença de etnia, do lado altiplano e do lado amazônico.87
Os grupos étnicos do lado do altiplano sofrem mais discriminação88 por
serem considerados sujos89 pelos moradores da capital e dos centros urbanos.
Como a região é mais fria, a água é escassa e nas periferias não são encontrados
banheiros nas casas, e sim pontos de higiene coletivos nos bairros, com sanitários e
chuveiros, os banhos são realizados com uma frequência menor. De acordo com 85
Categoria de análise proposta pelo Censo Boliviano de 2010 para a população pesquisada se identificar enquanto sua origem, já que o país é composto por muitos grupos étnicos. 86
LINERA, Álvaro (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010. 87
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 88
“A divisão entre os que vivem no Altiplano e no Oriente boliviano remonta ao Império Incaico, o qual foi derrotado pelos moxos e tupi-guaranis, na região dos Andes oriental, gerando assim uma conflitiva luta pelo poder na sociedade boliviana, em que cada grupo passou a ver o outro com certa desconfiança e inúmeros preconceitos.” A. M. Stearman, T. Saignes, 1985. Apud: SILVA, Sidney Antonio da. Costurando Sonhos: Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos que trabalham no ramo da costura em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.73. 89
Os odores invadem a respiração e fazem as pessoas sentirem emoções extremas, dicotômicas, como atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Assim, a percepção do cheiro consiste não só na sensação gerada pelos próprios odores, mas também nas experiências e emoções que lhes estão associadas. Classen, 1996, p.12. Apud: SOARES JÚNIOR, Azemar dos Santos. Corpos hígidos: o limpo e o sujo na Paraíba (1912-1924). Dissertação (Mestrado em História) - UFPB/CCHLA, João Pessoa, 2011, p.9. A interpretação que se dá ao corpo, assim como aos odores, vem impregnada de valores culturais, percepções sociais e históricas. VIGARELLO, G. O Limpo e o Sujo: uma história de higiene corporal. Tradução de Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
46
relatos, no inverno toma-se um banho por semana. Para lavar as roupas também se
encontram tanques comunitários. Por isso o depoente destacou sua descendência
de etnias do lado amazônico, segundo ele, mais quente e com o costume de banhar-
se.
Discutir a higiene do corpo é adentrar o campo dos bons e maus odores, é
perceber que os corpos são:
[...] educados por toda realidade que os circunda, por todas as coisas com as quais convivem, pelas relações que se estabelecem e espaços definidos e delimitados, por atos de conhecimento, uma educação que se mostra como face polissêmica e se processa de um modo singular: dar-se não só por palavras, mas por olhares, gestos, coisas, pelo lugar onde vivemos.90
Eu sou do lado amazônico, uma mistura, na verdade, dos dois, porque meus pais é descendente. Acredito que eu também tenha uma gotinha de descendência de espanhóis. E uma mistura de índios com caboclos, duas etnias diferentes. Não tenho a linha dos Aimarás, teria eu de quéchua. E um pouquinho de espanhol. E mais do lado indígena amazônico, e então é diferente. É uma mistura e por isso que tem uma mistura de costumes. Tem gente que pergunta pra mim “Por que você não sabe falar o Aimará? Por que você tem esse costume e não esse?” [...] meus pais falam espanhol. Como eu falei, tem uma mistura, então, o que acontece, meu vó paterno falava quéchua, do sul do país, mas o marido dela era do norte e só falava espanhol, era descendente de espanhol e só falava espanhol. Imagina a mistura! A mãe da minha mãe era indígena e só falava essa língua, e o pai era também uma mistura de espanhol com indígena.91
Outro aspecto recorrente na fala do depoente é sua preocupação com a
ascendência espanhola, a fim de se diferenciar de outros e/imigrantes que não
possuem o “sangue dos colonizadores” – o discurso se apresenta de maneira a
enaltecer sua origem. Também destaca a mistura étnica de seus antepassados
quéchuas e aimarás, numa constante busca por um capital étnico que lhe represente
valores simbólicos objetivos e subjetivos. Como o e/imigrante está distante de seus
90
SOARES JÚNIOR, Azemar dos Santos. Corpos hígidos: o limpo e o sujo na Paraíba (1912-1924). Dissertação (Mestrado em História) - UFPB/CCHLA, João Pessoa, 2011. 91
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
47
laços de parentesco e dos membros de sua comunidade, procura reconhecimento
através de um grupo, uma crença comum, um inconsciente coletivo.
O que importa nesse repertório de etnicidade é que ele consiga formar uma memória coletiva que remeta a uma linha de ancestrais e que permita ao grupo imaginar uma trajetória singular, diferenciando-se de outros.92
O depoente não percebeu que sua etnia miscigenada entre “povos
originários” e colonizadores foi utilizada como justificativa para o ato de exclusão
pela sociedade, pois, ao se dissociar a comunidade de origem indígena da base
estrutural da sociedade branca boliviana, criaram-se os processos de exclusão,
discriminação e exploração social, que enfatizaram e impulsionaram os processos
migratórios.
Fica claro que teriam mais oportunidades aqueles que acumulassem capital
cultural93 a partir de práticas socialmente valorizadas pela sociedade. Assim, com a
educação legítima os mestiços estariam mais bem colocados no mercado de
trabalho.
Podem-se considerar dois aspectos distintos, mas intimamente ligados no
conceito de capital cultural, são eles:
[...] “incorporado” que significa “capacidades culturais específicas de classe transmitidas intergeracionalmente através da socialização primária” e há o aspecto “institucionalizado” que representa títulos, diplomas e outras credenciais educacionais. O capital institucionalizado estaria ligado ao capital incorporado na medida em que a escola se estrutura para facilitar o trânsito no processo escolar àqueles
92
LINERA, Alvaro Garcia (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010, p.173. 93
A teoria do capital cultural de Bourdieu é utilizada para analisar situações de classes, distinguindo-as por gostos, estilos, valores e estruturas psicológicas que decorrem de condições específicas de vida dessas classes. O capital as diferencia e lhes confere poderes sociais fundamentais: o capital econômico, o capital informacional e o capital social, que é a união dos dois anteriores. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
48
indivíduos que possuem determinado tipo de capital incorporado.94
O capital cultural adquirido nos bancos escolares reflete a valorização dada
à cultura dominante, ao passo que aos grupos étnicos possuidores de outros hábitos
e costumes se torna mais difícil a subjetivação da cultura95, sobrando pouca ou
quase nenhuma chance de inserção econômica e social.
A subjetividade carrega a noção de "sujeição", marcada pela imposição coercitiva de modelos culturais hegemônicos, através dos quais objetiva-se moldar, regular e controlar. Todavia, o processo de subjetivação não é um destino inexorável de serialização de indivíduos, comporta possibilidades de apropriação e reapropriação, subentendendo sujeitos agentes que recusam, selecionam e escolhem. Escolhas estas que, embora não sejam ilimitadas, abrem possibilidades para construção e reconstrução, permitindo a autonomia criativa. A produção de subjetividades envolve instâncias individuais, coletivas e institucionais, circunstâncias histórico-sócio-culturais e biográficas (trajetória de vida e de trabalho) que atingem instituições, percepções e articulações. Num processo em que elementos são captados e reproduzidos, também rejeitados, adaptados, trocados, selecionados e eleitos, envolvendo contradições e tensões através das quais sujeitos reformulam suas propostas, práticas, representações e sentimentos.96
A tais grupos percebe-se que o capital cultural adquirido vem de disposições
internalizadas, expressas no conceito de habitus97, e reflete-se em seu cotidiano.
94
C. Jopke, 1986, p.58. Apud: SILVA, Gilda Olinto do Vale. Capital cultural, classe e gênero em Bourdieu. Informare. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Rio de Janeiro, vol. 1, nº. 2, UFRJ, jul./dez. 1995, p.25. Disponível em: <http://repositorio.ibict.br/bitstream/ 123456789/215/1/OlintoSilvaINFORMAREv1n2.pdf>. Acesso: 22/08/2014. 95
MATOS, Maria Izilda Santos de; SOARES, Ana Carolina Eiras Coelho. Gênero e subjetividades. Projeto História. São Paulo, nº 45, dez. 2012. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/ revph/article/viewFile/15003/11198>. Acesso em: 23/08/2014. 96
Ibidem. 97
Habitus significa um sistema de disposições duráveis e transponíveis que integra experiências passadas e orienta novas percepções, apreciações e ações do cotidiano. BOURDIEU, Pierre. La distinción. Critérios y bases socialies del gusto. Madrid: Taurus, 1988.
49
Ao ser questionado sobre o idioma em que foi alfabetizado, o depoente
comenta que a língua oficial é que unifica as regiões, pois os costumes são muito
diferentes entre os povos.
[...] naquelas regiões era só espanhol. Só que é o norte de La Paz uma região cálida, mas na região altiplânica eles falam Aimará e muito pouco espanhol. Na parte fria dos Andes, mesmo. Eles têm tudo diferente, outra cultura, muito próximo no departamento, mas costumes completamente diferentes. É muito mais ainda a região andina, tem povos, etnias muito diferentes, a vestimenta, costumes, comida e tal [...]. Quando morei em La Paz percebi a diferença, tive amigos de diferentes lugares. La Paz fica a três horas dos povoados, que são bem diferentes, muita cultura, artesanato, bem bacana, muito diferente. Essa região altiplânica influencia muito nas outras regiões, é muito fria, não tem praticamente terra, o altiplano não dá frutas. Então, eles estão migrando muito. A migração leva os costumes diferentes. Como eu aqui, e eles lá para o norte também.98
Ressalta-se que a questão cultural, conforme revelam os costumes
mencionados pelo depoente, é marcada pela região e pelo modo de vida desses
povos. Os Collas vivem no altiplano e os Cambas, nos trópicos.99 “Para Aragón, as
sociedades do altiplano caracterizam-se pela agricultura, e por isso é comum o culto
a fertilidade da terra (Pachamama), enquanto as sociedades dos trópicos
caracterizam-se pela pecuária.”100
O clima nessas regiões também influenciou a forma de viver desses povos.
No altiplano a aridez da terra e as baixas temperaturas os obrigaram à coletividade
como estratégia de sobrevivência. Já os Cambas, com terras mais férteis e amplos
espaços geográficos, caracterizam-se pelo individualismo, pelo desprendimento e
pela mobilidade constante. Aponta-se que a forma como esses povos se relacionam
com a terra tem influência direta em seus comportamentos em sociedade e com a
98
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 99
Indígenas identificados como Collas são aqueles que viviam em uma das quatro partes do império incaico que se chamava Colla Suyo – as outras eram Antesuyo, Contesuyo e Chinchai Suyo. Já os Cambas vivem no oriente boliviano. O termo também significa “moreno” pela influência africana na região. M. de Murua, 1987, p.350; A. M. Stearman, T. Saignes, 1985. Apud: SILVA, Sidney Antonio da. Costurando Sonhos: Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos que trabalham no ramo da costura em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997. 100
Ibidem, p.73.
50
família. Collas seriam “bons pais e esposos”101, devido ao senso de organização
comunitário, um indivíduo mais sujeito à autoridade e à disciplina, e Cambas,
“insubordinado”, não se preocupa com o futuro.102
Um estudo que analisa o custo social de se pertencer aos grupos étnicos na
Bolívia103 apresenta como fator característico a discriminação salarial. Segundo a
pesquisa, 67% dos empregos mais vulneráveis e precários são ocupados por esses
povos, assim com 28% dos semiqualificados e apenas 4% dos empregos
qualificados. O estudo aponta também a renda dos migrantes de diferentes
descendências, que recebiam, à época do levantamento, três vezes mais que os
migrantes descendentes dos grupos étnicos autóctones (quéchuas e aimarás) para
realizar as mesmas tarefas; e destaca que as mulheres recebiam 60% do salário dos
homens.
As situações econômicas, sociais, históricas, políticas e a exclusão étnica
relatadas, somadas às histórias de parentes, amigos e conhecidos sobre a migração
e ao desejo de melhorar a qualidade de vida, motivam o deslocamento e reforçam
cada vez mais o medo de ficar no país e de sua falta de perspectiva. O depoente
comenta sobre uma prima que morava há muitos anos na Espanha, estava bem de
vida e que isso o motivara também a migrar.
Foi uma história, eu trabalhava e era muito puxado, eu queria fazer faculdade. Mas não estava dando certo, muitas manifestações e revolta, instabilidade social, e eu estava ficando desesperado. No trabalho que eu fazia os salários são baixos, eu estava como um cachorro pegando o rabo, dando voltas e voltas.104
As dificuldades experienciadas pelos depoentes os levaram a optar pela
partida. A decisão de sair da Bolívia foi tomada em conjunto com suas famílias,
criando-se a expectativa de um breve retorno promissor. Nesse momento, o medo 101
M. G. Hollweg, 1977, p.142-143. Apud: SILVA, Sidney Antonio da. Costurando Sonhos: Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos que trabalham no ramo da costura em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.73. 102
Ibidem, p.73-74. 103
ZAMORA, Jimenez Elisabeth. El costo de ser indígena em Bolivia: discriminación salarial versus segregación laboral. Revista de la Sociedad Boliviana de Economía Política. La Paz, vol. 1, 2000. 104
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
51
de ficar e a falta de perspectivas se transformaram nas motivações para a
concretização do processo emigratório para São Paulo. Iniciava-se uma nova fase
da trajetória de emigração: o medo de partir.
1.2 MEDO NO PARTIR: ROTAS E TRAJETÓRIAS
O contexto do medo na partida e no processo de ausência que se inicia no
momento em que o e/imigrante decide deixar seu país pode ser muito diversificado
para cada sujeito histórico envolvido. Nesse sentido, a
[...] evidência oral pode conseguir algo mais penetrante e mais fundamental para a história. Enquanto os historiadores estudam os atores da história a distância, a caracterização que fazem de suas vidas, opiniões e ações sempre estará sujeito a ter descrições defeituosas, projeções da experiência e da imaginação do próprio historiador: uma forma erudita de ficção. A evidência oral, transformando os “objetos” de estudo em “sujeitos”, contribui para uma história que não só é mais rica, mais viva e mais comovente [...].105
A história oral106 possibilita ao pesquisador apreender e analisar fatos e
dados históricos mediante as experiências do entrevistado. Só assim considera-se
uma interpretação mais ampla das trajetórias de vida e da experiência diaspórica107,
reconstruída no discurso do e/imigrante, que concebe sua identidade com base em
sua origem (terra natal) e no lugar onde constrói sua vida e inserção social. O
conceito de diáspora é construído pelas fronteiras deslocadas e pelas que
permaneceram intactas para o indivíduo.
A experiência do deslocamento ressalta a habilidade dos grupos em recriar
sua cultura em diversos locais. Assim, as diferentes vivências dos sujeitos históricos
105
THOMPSON, Paul. A voz do passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p.137. 106
FREITAS, Sonia Maria. História Oral. São Paulo: Humanitas, 2002. 107
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
52
podem servir para romper a dualidade entre comunidades de minorias e sociedades
de maiorias.108
[...] Nesse caso, a diáspora seria um discurso híbrido que viaja, um fenômeno que encoraja “multilocale attachments, dwelling and travelling wiltheir and across nations”. O discurso e a experiência diaspórica contemplariam um sentido de diferença mais diversificado para os atores sociais envolvidos, quebrando a relação dual entre comunidades [...].109
Os relatos sobre a saída são repletos de sentimentos contraditórios, de
angústias, de medo e de euforia.110 E muitos desses relatos chegam aos ouvidos
dos novos e/imigrantes e os fazem decidir sobre que destino suas viagens tomarão.
Viemos por terra, como todos vêm, umas 90 horas de viagem, mais de 3 dias, de La Paz até Cochabamba, depois Santa Cruz, dorme lá e pega o trem111, que só sai às 6 horas da manhã e vem até a fronteira, até Corumbá, que do lado de lá chama Quijarro, e lá você faz toda a papelada. Viemos de uma maneira legal, porque éramos crianças e minha mãe tinha medo de vir de outro jeito. E aí lá pegávamos o ônibus para
108
THOMPSON, E. P. Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. DOMINGUES, Petrônio. Cultura popular: as construções de um conceito na produção historiográfica. História. Franca, vol. 30, nº. 2, dez. 2011. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-90742011000200019>. Acesso em: 04/04/2015. 109
Geertz, 1989, p.250. Apud: LACERDA, Eugênio Pascele. O Atlântico Açoriano: uma antropologia dos contextos globais e locais da açorianidade. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - UFSC, Florianópolis, 2003, p.38. Disponível em: <http://www.musa.ufsc.br/docs/ eugenio_tese.pdf>. Acesso em: 5/04/2015. 110
Para analisar a memória de um fato ocorrido com o depoente, segundo Halbwachs, deve-se considerar que esse depoimento só tem sentido em relação ao grupo do qual o sujeito faz parte (memória coletiva), pois supõe um acontecimento real vivido em comum e, por isso, depende do quadro de referência. Comenta também em relação à memória individual, pois considera que ela exista, mas “está enraizada dentro dos quadros diversos que a simultaneidade ou a contingência reaproxima momentaneamente”. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.13. O autor continua explanando a respeito da memória individual e diz que ela é um ponto de vista sobre uma memória coletiva, podendo mudar dependendo das funções e das relações que o depoente possui com o meio ou com a situação vivida. Ao tratar sobre memória coletiva, comenta que esta evolui segundo suas leis e até algumas lembranças individuais podem penetrá-la, mas, quando colocadas em conjunto, não serão mais experiências individuais, e sim coletivas. 111
O trem é conhecido como o Trem da Morte, porém o nome correto é Expresso Oriental. A fama de Trem da Morte se deu por causa de uma epidemia de malária que ocorreu durante a construção da ferrovia, acarretando a morte de trabalhadores bolivianos. SEVERO, Claudia. Trem da Morte – Tudo sobre... 18/03/2015. Disponível em: <http://mochilabrasil.uol.com.br/destinos/trem-da-morte>. Acesso em: abril de 2014.
53
Mato Grosso do Sul. E meu pai foi pegar a gente. Minha mãe trouxe até a panela de pressão (risos), parece que era impossível comprar as coisas aqui. Ela veio de mudança, e aí o dinheiro acabou. Outra lembrança que eu tenho é dos meus pais vendendo a aliança de casamento para comprar o resto das passagens até São Paulo, mas aí a gente conseguiu chegar.112
A e/imigrante era criança quando ocorreu o deslocamento, então sua
percepção do tempo e dos fatos era influenciada pela visão dos pais, avós ou
cuidadores. À medida que foi crescendo, suas memórias sobre a saída da Bolívia
mudaram, o foco de observação se alterou com as experiências vividas e o aumento
do círculo social. E aí “o tempo não flui uniformemente, o homem tornou o tempo
humano em cada mundo sociedade. Cada classe o vive diferentemente, assim como
cada pessoa”113.
O fato marcante naquele momento foi a mãe vir com a panela de pressão, o
que para ela, criança, parecia estranho, não poderiam comprar uma panela no
Brasil? Hoje já interpreta de maneira diferente, como uma partida definitiva da
Bolívia, e cita as dificuldades financeiras. Outra lembrança destacada foi a venda
das alianças para concretizar o sonho da emigração em família. Então, as memórias
são:
[...] um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente [...] a memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações [...] a memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto.114
112
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 113
BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória - Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003, p.53. 114
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, nº. 10, PUC/SP, 1993, p.7.
54
O depoente faz uma seleção das memórias115 de acordo com o grau de
envolvimento e a importância que tenham para si, sendo configuradas de diferentes
formas e sob diferentes perspectivas para cada pessoa mesmo que o fato seja o
mesmo. Daí se dá a dificuldade em categorizar as experiências individuais e
coletivas. Pensar na importância da memória coletiva é, antes de tudo, reconhecer
sua relevância para a sociedade.
[...] a memória coletiva não é apenas uma conquista: é também um instrumento e um objetivo de poder. As sociedades nas quais a memória social é principalmente oral, ou as que estão em vias de constituir uma memória coletiva escrita, permitem melhor compreender esta luta pelo domínio da recordação e da tradição, esta manipulação da memória.116
Cada processo migratório é único sob a perspectiva do sujeito histórico,
independentemente de tê-lo realizado sozinho ou em grupo. As formas de entrada
no país (Brasil) podem ser as mesmas, mas o sentimento que motiva cada
deslocamento se diferencia. No caso do relato anterior o objetivo da viagem era a
reunificação familiar, pois o pai já havia emigrado para São Paulo e regularizado sua
situação migratória.
Outro relato de viagem é feito pela mãe de um emigrante que realizou a
travessia da fronteira como turista, via Paraguai, com sua esposa e deixou o neto
com a avó:
115
Destaca-se que a “memória é o campo de nossa reflexão e diálogo”, na qual se pode interpretar que o social são as possibilidades construídas diariamente, priorizando-se e reavivando-se recordações e contos de sujeitos excluídos ao longo do processo histórico. Khoury também contribui quando afirma que a história oral “é um campo de exercício do direito de falar, de expressar as interpretações e perspectivas de cada um”, sendo um instrumento expressivo e construtivo da presença social, o que ocorre durante as entrevistas quando os sujeitos passam a falar, refletir e rememorar sobre si mesmos, possibilitando a ampliação e a duração dos horizontes da história e da memória. FENELON, Déa; MACIEL, Laura Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto de; KHOURY, Yara Aun (Orgs.). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d‟Água, 2004. 116
LE GOFF, Jaques. História e memória. Vol. II - Memória. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2000, p.57.
55
Ele e sua esposa foram pela estrada, passaram por Santa Cruz e depois foram ao Paraguai e atravessaram para o Brasil. Tem uma pessoa boliviana em São Paulo que chamou eles. Falei com eles por telefone e disseram que estão mal, inchados e cansados, cheios de picadas de mosquitos. [...] Estão em uma casa e vão trabalhar lá em uma oficina de costura. [...] Ele tem um sonho de trabalhar e mandar dinheiro.117
Nesse relato a motivação foi o trabalho e a busca de melhores condições de
vida para a mãe e para o filho que ficaram na Bolívia.
[...] história vivida que se distingue da história escrita: ela tem tudo o que é preciso para constituir um quadro vivo e natural em que um pensamento pode se apoiar, para conservar e reencontrar a imagem de seu passado.118
E/imigrantes comentaram que entrar no país pelo Paraguai era mais fácil
para quem não possuía documentos. Um relatou que estava com um grupo de mais
cinco bolivianos e esperou dois dias em Assunção por atravessadores que iriam
levá-los ao Brasil. Contou que passou por uma rígida revista dos policiais antidrogas
da fronteira e, como lhes disse que viajava para fazer compras, teve de mostrar seu
dinheiro, então parcialmente “confiscado”. Lá aguardou dois dias para seguir a
Ciudad Del Leste, passar a fronteira e pegar o ônibus para São Paulo, no qual
haviam muitas mercadorias contrabandeadas.
Outras histórias com acidentes e mortes na travessia foram mencionadas,
além da cobrança realizada pelos atravessadores119, que chegavam a pedir 120
dólares para cruzar a fronteira.
Conheci pessoas que vinham para o Brasil, disseram que era rápido e que eu ia ter emprego. Mas eu não fui mula de nada, nada de drogas. (risos) Eu tinha pouco dinheiro e decidi “Então vou”, da noite para o dia. Peguei minhas coisinhas e vim com
117
Apud: CAMPOS, Geraldo Adriano Godoy de. Entre devires e pertencimento: a produção da subjetividade entre imigrantes bolivianos em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), São Paulo, PUC-SP, 2009, p.35. 118
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.71. 119
Atravessador: também conhecido como coiote ou gato, auxilia no deslocamento ilegal de e/imigrantes. Suas práticas podem estar relacionadas ao tráfico e ao contrabando de seres humanos.
56
eles, conheci um dia, no outro vim com eles. Pensei “Não tenho nada aqui, se eu não gostar volto”. [...] e, aliás, não tinha tirado passaporte, vim como mochileiro, fui passando de cidade em cidade. Não vim de avião, foi ônibus, mochileiro mesmo. De cidade em cidade, gastando pouco, não tinha muito dinheiro, então eu só tinha eu, não tinha ninguém por mim. E as outras pessoas também vieram assim. Uma era um sobrinho que já tinha estado aqui e voltado. E um casal. Aí eu aproveitei e vim junto. Eles falaram de trabalho, mas não explicaram direito.120
No relato observa-se uma prática comum entre os bolivianos: pessoas que
entram e saem do país sazonalmente. Elas se deslocam para São Paulo, passam a
temporada de alta demanda no setor da costura – os meses de setembro, outubro e
novembro (meses que antecedem as vendas do Natal) – e retornam para a Bolívia.
São conhecidas pelos “oficinistas”121 como trabalhadores sazonais. O depoente
pensava que, se não gostasse de São Paulo ou do serviço, voltaria, pois ainda não
tinha conhecimento sobre as dificuldades que encontraria para inserção na
sociedade de acolhimento e ao chegar à oficina.
Ao ser questionado sobre a existência de “coiotes” ou atravessadores, o
depoente menciona um procedimento rotineiro nas oficinas de costura. O
empregador, auxiliado pelo atravessador, retém os documentos dos e/imigrantes até
que lhe devolvam o valor gasto na viagem, financiado pelo empregador, e paguem
pelas despesas com alojamento e alimentação, garantindo assim mão de obra
barata por um determinado tempo.
Existem dois tipos de atravessadores: aquele que faz o deslocamento do
e/imigrante na fronteira do país de origem com o país destino, ou seja, depois da
entrada o e/imigrante segue viagem sozinho; e outro que acompanha o viajante até
o local de trabalho.
Tem, sim, tem. E até é verdade, quando cheguei aqui, um tempo depois, tive contato com isso. Eu via pessoas que pegavam o documento e não devolviam até que você
120
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 121
Termo utilizado no ramo para definir o proprietário ou o responsável pelas atividades e trabalhadores da oficina de costura.
57
cumprisse um determinado tempo com eles. E assim... são coisas delicadas de falar.122
As rotas de emigração não documentada via Corumbá e via Paraguai e os
procedimentos realizados nos postos de inspeção foram descritos até a entrada dos
e/imigrantes nas fronteiras do Brasil e a chegada a São Paulo. Há dois caminhos
principais para a viagem de ilusões, mas os percursos são considerados inseguros
pelos e/imigrantes, devido à presença de aliciadores e de policiais nos postos de
inspeção, que a qualquer momento poderiam interromper o projeto do viajante.
Relatos dão conta ainda dos gastos crescentes da viagem, pois valores eram
deixados nas mãos de intermediários e propinas tinham de ser pagas para que não
ocorressem denúncias sobre o grupo que se deslocava.
Para chegar ao Brasil, o e/imigrante indocumentado transita dentro de uma
“rede” ou “trama” de serviços lícitos e ilícitos. A Rota Corumbá se inicia com a
emissão de documentos falsos pelos recrutadores e segue com o transporte de trem
de Santa Cruz a Porto Quijarro, incluindo um serviço improvisado de hospedagem.
O e/imigrante se depara com postos policiais, nos quais se declara turista e registra
os documentos falsos. Passa por quatro inspeções até chegar a São Paulo, num
percurso que leva 23 horas.
Já pela Rota Paraguai o e/imigrante chega a São Paulo em 11 horas, porém
é considerada mais perigosa devido a muitos relatos de aliciadores de mão de obra
que prendem os documentos dos e/imigrantes e não pagam pelos trabalhos
realizados. A trajetória também se inicia com a emissão de documentos falsos em
Santa Cruz, depois os viajantes seguem de ônibus para o Chaco Paraguaio, onde se
realiza o primeiro controle migratório. Chegam a Assunção e adquirem passagens
para Ciudad del Este – Foz do Iguaçu. Ao desembarcar em Foz do Iguaçu, se
hospedam e aguardam o horário do ônibus para São Paulo.
122
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
58
Figura 3 - Viagem de ilusões.123
123
NAVIA, Roberto. Esclavos made in Bolivia. Cuarto Intermedio. Cochabamba, nº. 84, ago. 2007.
59
Na rota de trem de Puerto Quijarro (Bolívia) para Corumbá (Brasil)124
percebem-se diferenças étnicas entre os bolivianos nos costumes, nos hábitos
alimentares, nos trajes, nos comportamentos e principalmente nos variados projetos
a serem realizados no Brasil. Nas entrevistas realizadas foi possível identificar, por
exemplo, muitas mulheres que viajam sozinhas no intuito de realizar atividades
comerciais em Corumbá e retornar, famílias se deslocando para encontrar com
parentes já estabelecidos em São Paulo, bem como homens jovens sozinhos à
procura de trabalho.
A estação de trem é um marco da imigração, pois, ao mesmo tempo que dá
início à concretização do “sonho da emigração”, recebe aqueles que já o
vivenciaram e estão retornando. É o fim de um ciclo de tentativas frustradas no país
de origem. A estação ainda pode ser vista como metáfora do processo migratório,
local de chegadas e partidas, de encontros e despedidas.
Figura 4 - Terminal Ferroviário de Puerto Quijarro.125
124
SILVA, Sidney A. Costurando sonhos: Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997. 125
SEVERO, Claudia. Trem da Morte – Tudo sobre... 18/03/2015. Disponível em: <http:// mochilabrasil.uol.com.br/destinos/trem-da-morte>. Acesso em: abril de 2014.
60
O salão de embarque e desembarque da estação de trem de Puerto Quijarro
é onde os projetos migratórios se redesenham, famílias se despedem e se
encontram. É ponto de partida do deslocamento de bolivianos que vislumbram a
possibilidade de construir um futuro diferente para si e seus familiares.
Figura 5 - Salão de embarque e desembarque
do Terminal Ferroviário de Puerto Quijarro.126
A viagem de trem dura em média 18 horas em meio a áreas rurais da região.
Empregos informais são criados em torno do percurso ao Brasil. Há vendedores
ambulantes dentro do trem e nas estações oferecendo aos gritos limonada –
“Limonada, limonada...” –, café, soda (refrigerantes), empanadas127, espetinhos de
frango, carne, peixe frito e mais uma infinidade de opções, incluindo pratos feitos.
Em sua maioria, os produtos são confeccionados de forma caseira – as limonadas
são transportadas em baldes abertos e vendidas em sacos plásticos com canudo.
126
SEVERO, Claudia. Trem da Morte – Tudo sobre... 18/03/2015. Disponível em: <http:// mochilabrasil.uol.com.br/destinos/trem-da-morte>. Acesso em: abril de 2014. 127
Ibidem.
61
O comportamento dos bolivianos durante a viagem chama atenção:
“Incansáveis, correm de vagão em vagão, sobem e descem nas paradas, gritam, se
esbarram, quase sentam no seu colo.”128 A Polícia Nacional e/ou do Exército circula
pelo trem e pode conferir a passagem dos passageiros a qualquer momento. Outro
fator destacado é a (in)segurança na viagem – eventuais furtos e falta de luz à noite
são mencionados nos relatos.
Os vagões são separados por categorias: na Super Pullman não é permitida
a entrada de vendedores e os bancos são reclináveis; nas classes Pullman e
Primera a diferença se dá pelo número de passageiros por banco – na Pullman os
bancos são para duas pessoas e em um ângulo de 90 graus, enquanto na Primera
os bancos são iguais, mas podem abrigar três pessoas e existem assentos em que o
viajante fica de costas; também há a opção extra, noturna, que sai às 18h30min de
Quijarro com apenas dois vagões, o Ferrobus.
Os projetos de emigração podem ser realizados individualmente ou em
família, mas sempre o grupo familiar está envolvido na empreitada migratória, sendo
o motivo a busca por uma vida mais confortável, apoiando ou financiando o sonho
do emigrante. As esposas concordaram com a partida dos maridos e assumiram os
filhos. Os avós, em muitos relatos, ficaram responsáveis pela criação das crianças
enquanto seus pais emigraram.
Nas duas experiências relatadas a seguir o objetivo da viagem para o Brasil
não foi apenas a busca por trabalho ou as dificuldades financeiras enfrentadas na
Bolívia. No primeiro caso, a motivação foi uma necessidade de independência e
afirmação. O jovem de família abastada emigrou para desenhar seu próprio destino,
estudar e construir uma carreira.
128
SEVERO, Claudia. Trem da Morte – Tudo sobre... 18/03/2015. Disponível em: <http:// mochilabrasil.uol.com.br/destinos/trem-da-morte>. Acesso em: abril de 2014.
62
Entrei com 18 anos no quartel, fiquei um ano. Nesse tempo eu refiz toda a estrutura da minha vida. “Eu não vou interferir na vida da minha família”, pensei. Minha mãe é muito nova, casou agora, tem dois filhos, são meus irmãos por parte de mãe. Eu decidi seguir a minha vida, pegar as minhas coisinhas e seguir meu rumo. Tive muitas frustrações [...] depois de um ano eu liguei para minha mãe e disse “Mãe, vem até o quartel que eu preciso conversar”. Ela veio e eu falei “Mãe, eu vou embora” (choro e emoção). E ela disse “Eu não acredito”. E eu “Mas eu vou. Eu preciso” (silêncio).129
Já o segundo relato traz o sonho de um músico e carpinteiro que, com sua
banda, buscava conhecer o mundo e divulgar a cultura boliviana.
Eu tinha um grupo de música boliviana em La Paz. Tinha vontade de sair pra tocar e conhecer o mundo: Argentina, Brasil, Europa... E o primeiro lugar que vim foi o Brasil. No ano de 1979 vim pela primeira vez ao Brasil. Fui tocar no Rio de Janeiro, fiz uns trabalhos de carpintaria por lá e retornei. Estava desesperado para voltar, peguei meu dinheiro e fui embora. Fiquei cerca de três meses. Depois uns colegas do grupo vieram para São Paulo e me chamaram para tocar com eles. Então, em 1982 vim. Vim uma parte de ônibus e depois de trem cheguei pelas cinco da manhã, na estação da Luz, me hospedei em uma pensão, ou hotelzinho, porque o que eu tinha era a minha música, o sonho, e não dinheiro. Levantei pelas oito da manhã e ensaiei até as três da tarde com meus colegas e já fui me apresentar à noite. Porque não tinha dinheiro, precisava de dinheiro.130
129
Depoimento de Jaime Adolfo Oblitas Alvares, em entrevista concedida à autora em 04/05/2013. 130
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.
63
Figura 6 - Grupo Raça Índia – momentos antes da apresentação.131
Figura 7 - Apresentação do Grupo Raça Índia na Praça da República.132
131
Foto cedida pelo depoente Clemente Amadeo Loyaza. 132
Foto cedida pelo depoente Clemente Amadeo Loyaza.
64
A carência monetária não era a única razão para e/imigração, muitas vezes
a busca se dava por um lugar de destaque, uma aceitação social não encontrada no
país de origem. O reconhecimento e o status econômico e social motivavam o
emigrado a permanecer no destino (Brasil) até poder voltar ou mandar dinheiro
mensalmente para os familiares que ficaram, sendo assim reconhecido como
vitorioso na experiência migratória.
Outro medo enfrentado pelos e/imigrantes no momento de partir era a falta
de informação sobre as leis migratórias, o que os deixava vulneráveis. Os
e/imigrantes de diferentes etnias e origem rural sofreram mais com a ignorância das
leis de migração do que os e/imigrantes oriundos dos polos urbanos e com mais
estudo. O depoimento menciona trabalhadores que foram encontrados nas oficinas
de costura de São Paulo.
[...] a maioria eles trazem pessoas da roça, son burricos e coitados, jamais estiveram em uma cidade maior da própria Bolívia. E vêm para São Paulo, uma cidade terceira maior do mundo, imagina... Eu mesmo que já tinha estudado e viajado senti um choque. Aqui é muito grande. Eles, coitados, têm medo, e as pessoas aqui, nem todas são bonzinhas.133
Observa-se no depoimento que o próprio e/imigrante internalizou o discurso
de discriminação e reforça a ideia recorrente na mídia de que os bolivianos são
coitados, explorados por seus compatriotas ou outros imigrantes ou mesmo pelas
confecções. Cria-se um estigma de vitimização do e/imigrante, mas questiona-se até
que ponto esse estigma pode negar a autonomia do trabalhador boliviano enquanto
indivíduo capaz de fazer suas próprias escolhas.
O sujeito histórico que enfrentou o deslocamento do interior da Bolívia para a
cidade de La Paz ou Santa Cruz, procurou emprego e uma forma de emigrar para o
Brasil, chegou a São Paulo e trabalha no ramo das confecções fez suas escolhas no
processo. Pagou por documentação, viagem, possui responsabilidade por suas
escolhas. Deduz-se então que possa reclamar por melhores condições de trabalho,
requerer contratos em carteira, pagar impostos sobre a produção e exigir seus
133
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
65
direitos de cidadão. Percebem-se aí sujeitos ativos no processo migratório, e não
passivos ou alheios aos problemas decorrentes do deslocamento.
Como o fluxo migratório entre a Bolívia e o Brasil é intenso, vários acordos já
foram traçados para viabilizar as políticas de acolhimento aos estrangeiros em
território nacional e regularizar a situação do e/imigrante boliviano, dando-lhe direitos
e deveres semelhantes aos do cidadão nacional, para que possa obter trabalho e se
sustentar de forma “digna”134. E assim, com o passar do tempo (8 a 10 anos), caso
queira, possa requerer seu visto de permanência no Brasil. Mesmo após a
transformação de um visto temporário em visto permanente, a manutenção deste
poderá ser condicionada ao exercício de atividade certa e fixação em determinada
região por até cinco anos.135
A Lei 6.815, ou Estatuto do Estrangeiro, criada em 19 de agosto de 1980, se
baseia na Doutrina de Segurança Nacional do período militar (ditadura) e tem como
objetivo “criminalizar” o e/imigrante indocumentado, trazendo linhas de conduta e
comportamento com foco na segurança nacional, e não no ser humano em
deslocamento. A legislação visa proteger o Brasil nas esferas política, econômica,
social e cultural, a fim de manter a ordem e a segurança do país.
A visão do Estado sobre o e/imigrante fica clara no artigo 7, pois destaca
que só será concedido visto àqueles que não forem nocivos à ordem pública ou aos
interesses nacionais. Também ressalta que tipo de e/imigrante é conveniente:
134
Segundo dados do Censo de 2010, ao realizar-se a comparação sobre as condições de vida dos e/imigrantes bolivianos e dos moradores da RMSP, percebe-se que a maior parte dos bolivianos vive em condições precárias de trabalho – 65% é a porcentagem dos que trabalham por conta própria ou sem carteira assinada, muito superior à média encontrada na Região Metropolitana de São Paulo, onde 60% da população economicamente ativa se insere no mercado formal. Os bolivianos, em média, ganham R$ 1.200,00 em seu principal trabalho, abaixo da média na RMSP, que é de R$ 1.800,00. Entretanto, os e/imigrantes recém-chegados ganham em média R$ 800,00. “Entre os domicílios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e os domicílios chefiados por bolivianos não há nenhuma desproporção na faixa de zero a meio salário mínimo, ou seja, a faixa em que se concentram a população em situação de miséria. O descompasso entre os dois grupos é maior na faixa de meio a um salário mínimo, na qual 37% dos bolivianos se encontram (contra 25% da média na RMSP). Nas demais faixas a diferença é pequena, mas também considerável. Por exemplo, cerca de 10% dos bolivianos recebem entre 02 e 10 salários mínimos, enquanto na RMSP a média é de 23%. Além disso, apenas 1% dos domicílios bolivianos recebem mais do que 10 salários mínimos, contra os 3% da RMSP.” PUCCI, Fabio Martinez Serrano. Bolivianos em São Paulo: Redes, Territórios e a Produção da Alteridade. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), 2013. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/clacso-crop/201310130748 34/Pucci_trabajo_final.pdf>. Acesso em: : 09/03/2015. 135
REDE MIGRANTES QUE VISIBILIDADE QUEREMOS. Dicas para os imigrantes: Viver e se integrar em São Paulo. Ministério da Justiça Material, Secretaria Nacional da Justiça, Departamento de Estrangeiros, 2012.
66
aquele que invista no país ou que ofereça algum benefício para o avanço
tecnológico, científico, a captação de recursos e a produtividade como mão de obra.
Sendo assim, o e/imigrante boliviano pobre e de baixa qualificação tem como
estratégia ingressar como turista.
O prazo do visto de turista é de 90 dias, mas existem relatos de e/imigrantes
que receberam visto por tempo inferior. A lei não permite a legalização do
indocumentado, que permanecerá sem documentos, podendo regularizar sua
situação somente em caso de anistia geral. O estrangeiro com visto vencido, ao sair
do país, recebe multa e só pode regressar depois de quitá-la. A imposição do
pagamento gera um fluxo de trabalhadores e/imigrantes sem documentação.
A situação irregular da documentação da mão de obra é favorável para os
empregadores, que lucram sobre a produtividade desses sujeitos e, ao pagarem
menos por peça produzida, garantem maior competitividade no setor de confecções.
Também existem outros interessados no trânsito ilegal de pessoas tanto no Brasil
como na Bolívia, como os que ganham com o comércio de documentos falsos e com
as tarifas específicas criadas para burlar a vigilância das fronteiras. Assim, somente
os acordos e anistias alimentam os projetos de muitos e/imigrantes, que, depois de
regularizar sua situação no país, resolvem ficar ou buscar a família com o objetivo
de se estabelecer. A reunificação familiar é um ponto-chave.
No fim das contas acabou facilitando porque teve anistia de 88, ele se documentou e criou coragem para trazer a família. Mas ele trouxe a família porque já estava documentado. O amigo dele era mais jovem e esclarecido do que ele e o ajudou nesse processo de regularização.136
Na anistia ampla de 1998, cerca de 20.000 bolivianos, das 39.000 pessoas
beneficiadas137, se regularizaram em todo o território brasileiro. Esse número
poderia ter sido muito maior, segundo as organizações de apoio ao e/imigrante,
porém a cobrança de taxas de até 250 reais por pessoa dificultou o processo. O
136
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 137
MENDES, Vannildo. Brasil anistia 41.816 estrangeiros em situação irregular. Agencia Estado. 06/01/2010. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-anistia-41816-estrangeiros-em-situacao-irregular,491657>. Acesso em: 15/04/2015.
67
acordo bilateral de regulamentação migratória, com validade até setembro de 2008,
permitiu que bolivianos e brasileiros que tivessem entrado até 2005 em ambos os
países regularizassem sua situação138.
Na anistia migratória de julho de 2009, o maior grupo de estrangeiros a
solicitar permanência no país foi o de bolivianos: 17.000 das 41.000 solicitações.
Outros grupos presentes no ramo das confecções e do comércio que se destacaram
foram os paraguaios, com 4.100 pedidos, e os chineses, com 5.100.139
Além dos altos custos do processo de regularização no país, os depoentes
relataram dificuldades para obter informações nos órgãos competentes (Polícia
Federal e Consulado), como na seguinte experiência:
Aí fui fazer a documentação, já estava há quatro ou cinco anos aqui. Na época saiu uma lei para acordo bilateral, tinham muitos brasileiros na Bolívia, coronéis, fazendeiros e nós aqui. Aí aproveitei para regularizar a situação. Uma burocracia terrível, muito gasto e o pessoal desinformado. Aí que conheci a polícia federal. Nossa! Nós somos mal tratados, é terrível, é terrível. Acho que pelo fato de ser estrangeiro, as pessoas maltratam você, é um atendimento precário. A polícia federal é o pior lugar que você, como estrangeiro, possa precisar, é uma experiência desumana, desumano. E você não tem pra quem falar isso. Os repórteres não vão dar atenção. Era terrível, terrível... Destratavam você. Eles quase que te agrediam verbalmente. Tratavam mal, faziam voltar duas ou três vezes, porque não davam a resposta certa. Eles falavam estúpidos,
138
Principal ponto do Acordo Bilateral com a República da Bolívia sobre regularização migratória assinado em 15/08/2005 e com vigência em ambos os países em 15/09/2005. O objetivo era regularizar a situação dos emigrantes de ambos os países que tivessem entrado no país até 15/08/2005 e estabelecia o prazo de 180 dias após a assinatura do acordo para que solicitassem nos Postos da Polícia Federal a regularização. A Polícia Federal emitia um protocolo para que o estrangeiro ficasse em situação regular até a análise final do processo pelo Ministério da Justiça. Para abertura do processo exigiam-se documentos pessoais, atestado de antecedentes criminais, pagamento de taxas (prazo de 90 dias para pagar a multa por estada irregular), duas fotos coloridas. Precisavam comprovar a entrada no território com carimbo no passaporte, cartão de entrada/saída, comprovante de pagamento de aluguel, luz, água, telefone ou mensalidade escolar, nota fiscal ou equivalente de compra de bem móvel ou imóvel, comprovante de atendimento de saúde, atestado médico, carteira de vacinação ou qualquer outro documento que comprovasse a estada. Assim, gozariam dos mesmos direitos e estariam sujeitos às mesmas obrigações laborais dos trabalhadores nacionais do Estado receptor. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Acordo sobre Regularização Migratória Brasil/Bolívia. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/trab_estrang/acordo. pdf>. Acesso em: maio de 2013. 139
SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para imigração latino-americana em São Paulo. In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/ Unicamp, Fapesp, CNPq, UNFPA, 2012.
68
não tinham o mínimo de competência e humanidade para tratar com o próximo.140
Questionado sobre se conhecia o Consulado da Bolívia e se buscara
informações e apoio para seu processo regulatório nesse órgão, o depoente diz:
Cheguei a ir, eles son uma porcaria também. Muita burocracia, não sabem o que fazer também. Porque são estrangeiros e não têm muito poder aqui. E falavam “Não, você tem que fazer assim...” e só emitem um salvo-conduto para viajar. Só isso que eles sabem fazer e pra tudo cobram uma taxa. Uma desgraceira total, uma burocracia que pelo amor de Deus [...]141
Sobre o tempo esperado para o fim do processo de legalização, o depoente
comentou:
Demorou. Todos os documentos que eles pediram, a gente não tem. Pediram holerite, absurdo! Comprovantes... E a gente não tinha nem como trabalhar direito. Tive que fazer declaração de renda, tudo de faz de conta. Porque imagina quem não tem habilidade para costura, imagina quanto recebia por produção. Sabe a cadeia alimentar, eu tava era, tipo, o último da cadeia, o cocô do último da cadeia. Mais de um ano para cada documento, demora mais de um mês na polícia federal. Além de ter uma fila imensa, eles te maltratarem e quase cuspirem no teu rosto. E para piorar essa situação a maioria dos meus conterrâneos não tem educação e é son perdidos. Demora, te dão um protocolo, que não serve pra nada, não dá para abrir conta, não tem benefício nenhum. É pior que um cachorro. Demora pra chegar um ano, e o provisório dura dois anos. Mas agora peguei o permanente, e dura dez anos, depois tenho que fazer tudo de novo.142
140
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 141
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 142
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
69
As dificuldades vivenciadas pelos e/imigrantes bolivianos nos órgãos
mencionados não se restringem apenas a esse grupo. Outros grupos de
estrangeiros e mesmo de nacionais, ao procurarem informações e auxílio de
consulados e da Polícia Federal, também tiveram suas necessidades emergenciais
negligenciadas. Os serviços prestados nessas instituições dependem da burocracia
administrativa e da força de acordos políticos entre os países emissores e o
acolhedor. Quanto ao volume das filas e à demora no atendimento às solicitações, a
Polícia Federal e o Consulado informaram que os prazos são pré-fixados e
dependem do processo de análise da documentação. Nota-se que o foco do
atendimento não é o bem-estar do ser humano em deslocamento, e sim os
processos administrativos, de acordo com a ótica do depoente.
As várias histórias sobre processos migratórios bem ou malsucedidos
permeiam o imaginário dos e/imigrantes e transformam as poucas informações em
certezas na busca por um futuro promissor. Ao mesmo tempo, também se
transformam em armadilhas nas mãos dos atravessadores e recrutadores de
trabalhadores para o setor de confecções de São Paulo.
1.3 O SONHO DO “EL DORADO”143: ILUSÕES E EXPERIÊNCIAS
Ao traçar a trajetória de vinda dos bolivianos, o presente estudo busca
apreender em suas memórias aspectos que implicaram a saída de seu país,
dificuldades, tristezas, incertezas e alegrias na procura por novos caminhos.
143
A origem dessa imagem pode ser atribuída ao imaginário dos colonizadores europeus, pois acreditavam que existia um lugar repleto de riquezas, ouro e pedras preciosas cujo nome seria El Dorado. Durante o século XV, o local procurado se transformou no reino do “Príncipe Dourado”, que habitaria um domínio às margens de um lago salgado. Inúmeras expedições o buscaram sem sucesso. Depois, a partir da segunda metade do século XIX, milhares de europeus partiram em busca do sonho da abundância em novas terras e o traduziram na expressão “Fare l‟América”, “Fazer a América”, o que se pode entender como o “El Dorado Americano”. SILVA, Sidney Antonio da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados. São Paulo, vol. 20, nº. 57, mai./ago. 2006.
70
O pai veio para o Brasil em 1977, era alfaiate na Bolívia e estava sem serviço. Soube que um sobrinho tinha vindo pra cá e voltado pra lá muito bem de vida, com dinheiro, comprado uma casa... E aí a minha mãe encheu o meu pai e disse que ele também tinha que vir. A minha mãe sempre teve o sonho de morar fora da Bolívia, sempre, sempre. Ela já tinha pensado em ir para a Argentina, mas, como deu certo de o meu pai encontrar com esse primo dele e falar que era alfaiate, que fazia costura fina e que queria trabalhar, esse primo trouxe ele pra cá.144
A decisão de emigrar, deixar o lar e a família, está embasada em um
imaginário positivo sobre o destino, o Brasil, delineado como um país promissor
economicamente, com oportunidades de emprego e crianças correndo livres pelas
praias. O carnaval, a natureza e o futebol também motivam o deslocamento, criando
a esperança de uma vida diferente, sem restrições financeiras.
Quando arrumei serviço, pronto, uma empresa de serviços de fabricação de carros, era uma empresa argentina, comecei a me estabelecer na empresa. Comecei a arrumar minha vida, e lá falavam muito do Carnaval no Brasil, e eu, curioso, jovem, 20 e poucos anos de idade, pensei “Quero conhecer o Brasil, esse carnaval, tudo”. Trabalhei, saí de férias e vim para o Carnaval. Tinha só trem, demorava cinco dias para chegar na divisa com o Brasil, Corumbá. Quando cheguei, vi que era diferente da Bolívia, mais conservado. Depois peguei o trem e vim pra São Paulo. Saí na Luz, fiquei em um hotelzinho. A festa de carnaval estava no auge. Conheci uns bolivianos no hotel e saí pra farra do Carnaval. Acabou todo o meu dinheiro depois de uns dias. E aí eu falei “E agora?”, não tinha dinheiro nem pra pagar o hotel. Não falava português, não tinha como voltar nem onde ficar. Pensei até em trabalhar de graça no hotel, mas “Vou ter que procurar serviço aqui...”.145
Hoje, motivados pelos acordos bilaterais, pelas anistias, pelo Mercosul146 –
que propiciou o livre passe nas fronteiras dos países que o compõem e se define
144
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 145
Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 146
A integração regional incentivada pelo bloco Mercosul, cujo intuito inicial era o crescimento comercial e econômico, hoje também dispõe de regras para facilitar o fluxo migratório dos nacionais dos Estados-partes e dos Estados-associados (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru), de modo que as questões migratórias representam uma nova forma de integração entre esses países. No âmbito do Mercosul, o Brasil implementou um tratado que prevê a legalização dos imigrantes
71
como estratégia do governo brasileiro para humanizar as discussões acerca das
questões migratórias, adotando uma postura de cooperação e respeito entre os
povos – e pela imagem positiva construída pela mídia brasileira, e/imigrantes deixam
a Bolívia todos os anos em busca do “El dorado brasileiro”, mais precisamente o
paulistano. O fluxo se concentra nos bairros centrais da cidade de São Paulo, que
abarcam grande parte das oficinas de costura e do comércio varejista e atacadista
de confecções.
Esse fluxo de emigração da Bolívia para São Paulo teve início quando
bolivianos passaram a ser contratados por coreanos nas confecções. Assim,
deixavam seu país para aqui exercer a atividade de costura, fato esse que ainda
ocorre nos dias atuais.147 Aliás, o ramo das confecções não absorve somente a mão
de obra boliviana nas oficinas de costura e no comércio do setor têxtil, mas também
trabalhadores paraguaios, uruguaios, chilenos e colombianos, além dos tradicionais
árabes e coreanos, que já tinham presença marcante nos bairros do Bom Retiro,
Brás e Pari.
Contudo, promessas e expectativas podem se reverter em tristes histórias
de insucesso e frustrações.
[...] ele ligou pra minha mãe e disse que queria voltar: “Tá muito difícil aqui, não tem serviço, eu acho que vou voltar.” Já estava há dois anos, tinha juntado uma grana, porque praticamente os dois anos que ele ficou não mandou nada, uma vez minha tia levou um pouco de dinheiro, mas só. Mas, de resto, quem bancou a gente lá foi minha mãe. Eu me lembro, nossa, eu tava com a minha mãe na rua quando a gente foi fazer a ligação. E aí eu lembro dela gritando: “Você é louco, você não vai vir pra cá, se voltar não tem mais casa, não tem família, você foi tentar a vida e não passear por dois anos! Não quero saber, não venha pra cá.” Nesse dia minha mãe chegou nervosa e mandou nós arrumar as nossas coisas e disse que íamos para o Brasil. Disse “Seu pai quer vir embora, ele tá
nacionais dos países do Mercosul, Bolívia e Chile, que pretendam ingressar ou que se encontram ilegalmente no país de recepção - o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados-partes do Mercosul, Bolívia e Chile, aprovado por meio do decreto nº 6.975, de 07/10/2009, e assinado por ocasião da XXIII Reunião do Conselho do Mercado Comum, realizado em Brasília, nos dias 05 e 06 de dezembro de 2002. Esse tratado está vigente no Brasil. MERCOSUR. Disponível em: <http://www.mercosur.int>. Acesso em: 21/05/2013. 147
SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para a imigração latino-americana em São Paulo? In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, UNFPA, 2012.
72
louco, nós vamos pra lá”. Era Natal, a gente pensou “Ela comemorou, bebeu alguma coisa, por isso tá falando assim”. “A gente vai embora pra lá, a gente vai conseguir.” Minha mãe acha que, mentalizando o que quer, você consegue. Nós estávamos no meio da rua, chorando, com as malas para ir embora. Mas aí ela acalmou, e voltamos. Mas, depois disso, menos de um mês, meu pai recebeu a proposta de compra da oficina e aí nós viemos.148
Nota-se que a empreitada emigratória era um sonho familiar, todos os
membros da família estavam envolvidos para que o sucesso fosse atingido.
Nenhuma das partes poderia fraquejar ou desistir, acordos não escritos foram
estabelecidos. Dois anos já haviam se passado e a mãe assumira as
responsabilidades na Bolívia para que o pai conquistasse o sonho do “El Dorado”. O
trabalho realizado em São Paulo gerou um ganho, mas pouco ou nada foi destinado
à família durante o período mencionado. Houve apenas uma remessa informal,
deixando assim a expectativa por novas remessas e oportunidades de consumo.
A falta da família e o sentimento de solidão desmotivavam o e/imigrante, que
trazia consigo o sonho de uma vida diferente para si e para seus familiares. A
vontade de obter sucesso econômico rapidamente e voltar vitorioso para sua terra
natal estava se tornando um pesadelo e o sonho de retorno – inerente à condição de
e/imigrante – adiava-se, poderia até mesmo nunca ser realizado. Apresentava-se
constantemente a questão do não pertencimento do e/imigrante, afinal, o retorno,
seu principal anseio, vivia o angustiando e parecia estar cada vez mais impossível.
Desenhava-se a ficção de uma volta e, ao mesmo tempo, a ficção de uma
naturalização ambígua.149
Como o projeto emigratório era familiar, a única alternativa encontrada pela
esposa/mãe foi vir para o Brasil, reunificar a família e dar a esperança que faltava ao
marido para conquistar o sonho do “El Dorado”, já que na Bolívia não enxergava tal
possibilidade.
148
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 149
SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998, p.20.
73
[...] meu pai trabalhou como costureiro por três anos, só que aí o patrão dele, que era um coreano, disse que ia mudar e entregar o apartamento onde tinha a oficina. E ofereceu se ele e o amigo que vieram juntos não queriam ficar com o imóvel. Aí combinou um aluguel, luva, pra eles ficarem com a oficina e com o imóvel. E meu pai agarrou essa oportunidade. Deve ter sido em março de 79.150
Os e/imigrantes mais antigos já estabilizados no país e com família vão se
distanciando do sonho de retornar, esse não é mais um projeto prioritário. Muitos
concentram seus esforços no projeto pessoal e familiar de possuir a própria oficina
de costura, passando assim de costureiros a “oficinistas”. Adotam como estratégia a
combinação do trabalho familiar com a contratação de mão de obra irregular,
sobretudo de compatriotas, uma vez que as relações de trabalho são mediadas por
relações de favor, parentesco, compadrio, amizade e conterrâneidade. E, por
fornecer-lhes a segurança de uma casa e alimentação, contribuem para a
manutenção de uma rede de trabalhadores indocumentados na área da costura. Por
sua vez, os mais jovens, ao perceberem que a conquista dos recursos para a tão
sonhada mobilidade financeira é árdua, repensam o sonho da travessia e começam
a vislumbrar, além da compra de sua própria oficina, a possibilidade de estudar no
Brasil e até uma mudança de área de trabalho.
Para alguns desses e/imigrantes o retorno ao país de origem não ficou
esquecido, foi apenas adiado ou deixou de ser prioridade em função das inúmeras
situações cotidianas enfrentadas. Para outros, foi sim deixado de lado e novos
sonhos foram desenhados em São Paulo: a casa própria, o casamento e os filhos
brasileiros substituíram as incertezas e a expectativa do retorno para a Bolívia. E
para aqueles e/imigrantes que formam a massa dos trabalhadores sazonais da
costura, esse medo e expectativa do retorno se reconstroem a cada nova travessia
de fronteira.
A seguir, a depoente comenta que, quando seus filhos estavam em idade
escolar, por vários anos não pôde ir à Bolívia no período que mais lhe agrada, o das
festas da Virgem de Urkupiña, da qual é devota fervorosa.
150
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
74
A primeira vez que vim pro Brasil foi muito triste. Me casei e vim com meu marido. Eu vim em 1979 com meu marido, de trem, desci na Luz, fui para o hotel e fiquei o dia inteiro só com uma Coca-Cola. Tinha medo. Não entendia nada. Ele saiu para procurar trabalho e eu fiquei no quarto até de noite. Demorou mais de um ano para eu me acostumar. Chorava todos os dias. Sempre ia para visitar a família, mas, como tinha quatro crianças e ia no mês de agosto, eles perdiam aula e tive que parar de ir e passar a visitar só no fim do ano. Conheci o Santiago na Bolívia e vim com ele.151
O sonho do “El Dorado”, o medo do estranho, da sociedade receptora e o
pesadelo da falta de trabalho são elementos presentes nos relatos coletados.
Como já tava aqui, não conhecia nada, fiquei desesperado, porque o câmbio do dinheiro desvalorizou meu dinheiro, fiquei com muito menos. E quando cheguei me deparei com uma situação hostil. Infelizmente, nem todas as pessoas são boazinhas aqui.152
Um migrante é essencialmente uma força de trabalho provisória, temporária
e em trânsito. Então, partindo dessa premissa, não se concebe a e/imigração sem o
trabalho. Assim,
[...] um imigrante só tem razão de ser no modo provisório e com a condição de que se conforme ao que se espera dele; ele só está aqui e só tem razão de ser pelo trabalho e no trabalho; porque se precisa dele, enquanto se precisa dele, para aquilo que se precisa dele e lá onde se precisa dele. [...] Foi o trabalho que o fez nascer o imigrante, que o fez existir; é ele quando termina que faz morrer o imigrante, que decreta sua negação ou que o empurra para o não-ser.153
151
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. Emigrou com o marido em 1979. Natural de Quillacollo, província rural de Cochabamba. Professora formada na Bolívia, nunca lecionou no Brasil. Trabalhou em casa com costura, produção de sorvetes e teve um restaurante boliviano. Hoje, aposentada, cuida da família e dos netos. 152
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 153
SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998, p.54-55.
75
A principal motivação para o deslocamento é o trabalho. Para o e/imigrante a
falta de trabalho é encarada como “morte”, pois a concretização de seu projeto se
torna cada vez mais distante e a possibilidade de retorno rápido à terra natal vai se
perdendo a cada dia que passa sem trabalhar.
Não, não tinha onde ficar. Foi complicado, fiquei desesperado, desesperadíssimo. Então, como tinha conhecido aquele casal, aí eram as únicas pessoas que eu podia ter contato. Aí fui, pedi um teto, eles precisavam de mão de obra e aí fiquei. Não sabia o que fazer. Porque, imagina, o que fazer sem trabalho, sem lugar para ficar? Ficar na rua? Ia virar o quê? Assaltante, marginal. É um caminho sem volta. E a maioria de nós bolivianos... Podemos ser pobres, ter dificuldades, mas você já viu um mendigo boliviano pedindo comida? Jamais, é uma grande vergonha. Nós passamos fome, mas trabalhamos. Pedir é uma vergonha, a pior vergonha. Lá também é assim. É cultural. Trabalhar mesmo pobre é honrável. Você pode estar em uma situação desfavorável, mas você tem que estar trabalhando.154
Para quem migra, conseguir um trabalho é condição essencial para manter a
estada no novo país, mas nem sempre é fácil. As barreiras impostas pela sociedade
receptora dificultam a inserção dos e/imigrantes no mercado de trabalho.
Especificamente no caso dos bolivianos, são dirigidos ao trabalho nas oficinas de
costura, mesmo que por pouco tempo. Nos relatos o depoente menciona ter
procurado emprego em bares na área central, mas a resposta era sempre negativa e
vinha acompanhada da indicação de buscar por seus patrícios no Pari, que lhe
dariam emprego na costura. O idioma, os costumes distintos, a discriminação e a
imagem negativa relacionada ao narcotráfico prejudicam a inserção do e/imigrante,
num primeiro momento, em um setor do mercado de trabalho diferente do têxtil, ao
qual os trabalhadores bolivianos são automaticamente associados.155
Ao procurar os conterrâneos, em muitos casos, como o relatado a seguir, o
e/imigrante se depara com falsas promessas de ganho rápido e de altas retiradas
pela produção, promessas essas também veiculadas em rádios e jornais de La Paz
154
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 155
SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para a imigração latino-americana em São Paulo? In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, UNFPA, 2012.
76
e Santa Cruz.156 Mas, como se observa no relato acerca do cotidiano nas oficinas de
costura, o sonho do “El Dorado” fica cada vez mais distante com a apreensão de
documentos, as jornadas de trabalho exaustivas, a fome e os maus-tratos fazendo
parte desse então pesadelo do “El Dorado”.
Eles ficavam com os documentos das pessoas, com os meus documentos, mas eles diziam que eu tinha dívida e, para segurança, eles diziam que tinham que ficar com os documentos. [...] acordava e costurava até de noite. Eu não tava entendendo. Eu nunca tinha costurado, eu jamais ia pensar, nunca na minha vida. Lá a costura está ligada à mulher. Eu jamais tinha pensado em costurar. Confecção é muito diferente.157
Cria-se uma relação de dependência entre o “oficinista” e o costureiro, pois,
em alguns casos, o empregador financia os custos da viagem até o Brasil,
proporciona estadia e alimentação. Os imigrantes já chegam endividados e
dependem da habilidade com as agulhas para sobreviver.158
A cadeia de subcontratação de oficinas de costura trabalha sob o ritmo e o
controle altamente hierarquizado da empresa contratante, que aplica seus sistemas
just in time e inclui auditorias de qualidade na forma de vistorias. Somente os
costureiros mais habilidosos conseguem produzir o suficiente para lucrar algo. A
grande maioria dos trabalhadores fica sujeita à superexploração.
Não tinha salário, era por produção. Como eu não costurava, eu auxiliava, carregava, limpava, tinha um salário fixo, menos, não dava nem pra comer, tinha que pagar hospedagem, comida, fiquei endividado. Tentei costurar, mas não tenho habilidade. Eu fiquei endividado.159
156
SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005. 157
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 158
Em reportagem do programa "Acontece na Band" sobre a imigração ilegal em São Paulo, apresentada em palestra na Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, em 08/02/2008, um boliviano relatou que recebia de R$ 0,30 a R$ 1,00 pela costura de uma peça de roupa, que era vendida por R$ 59,00. AATSP. Trabalho escravo na cidade de São Paulo. Vídeo. 08/02/2008. Disponível em: <http://www.youtube.com/user/AATSP>. Acesso em: 14/05/2012. 159
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
77
São constantes as denúncias de auditores da Secretaria de Inspeção do
Trabalho realizadas ao Ministério do Trabalho e Emprego do Estado de São Paulo
dando conta de que marcas160 como C&A, Marisa e Zara utilizam oficinas com
trabalhadores indocumentados em sua produção. As marcas se defendem dizendo
que são oficinas subcontratadas. O mercado da confecção utiliza serviços
terceirizados, quarteirizados e até quinteirizados, na tentativa de amenizar a
responsabilidade, justificando não conhecer os fornecedores de mão de obra
subcontratados.
Os gastos com água, luz e aluguel da máquina de costura também são
embutidos na conta do e/imigrante, que, no final do mês, não sabe quanto irá
receber, uma vez que o empregador trabalha com o sistema de caderneta.
Tinham rapazes comigo que vieram na mesma situação. Eles chegaram comigo, também faziam faculdade e vieram pra cá, queriam se aventurar. Sem documentos, estavam desesperados. A gente se conheceu na casa, queriam fugir e voltar para a Bolívia.161
O fato relatado pelo depoente marca a perda da identidade do imigrante, que
se vê sem documentos, endividado, estando nas mãos dos agenciadores162 e não
consegue achar uma saída. Pensam em fugir da “casa”, ou seja, da oficina onde
estavam presos. O sonho do “El Dorado” paulistano se torna um pesadelo.
160
PASSA PALAVRA. Tramas da exploração: a migração boliviana em São Paulo. 07/11/2010. Disponível em: <http://passapalavra.info/wp-content/uploads/2010/11>. Acesso em: 14/05/2012. 161
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 162
Vários outros grupos de imigrantes podem ser identificados em processos de imigração apadrinhados, como os italianos que foram trabalhar nos EUA, principalmente em serviços públicos, ficando à disposição dos consignatários locais até que pagassem integralmente os custos de suas viagens. TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo, vol. 20, nº. 1, jun. 2008. Entre os e/imigrantes portugueses também era uma prática comum realizar chamados nas aldeias para que conterrâneos viessem trabalhar em São Paulo nas adegas, padarias e outros comércios. Tal prática gerava mais confiabilidade ao processo de contratação. MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: deslocamentos, experiências e cotidiano - São Paulo séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013.
78
[...] quando o diferencial de poder é muito grande, os grupos na posição de outsiders avaliam-se pela bitola de seus opressores. Em termos das normas de seus opressores, eles se consideram deficientes, se vêem como tendo menos valor.163
As condições de trabalho impostas e a falta de documentação são formas
encontradas pelos empregadores para subordinar os empregados, tornando-os mais
submissos e impondo sua superioridade pelo medo. Os trabalhadores
indocumentados vivenciam sua inferioridade de poder como um sinal de
depreciação humana.
Afixar o rótulo de “valor humano inferior” a outro grupo é uma das armas usadas pelos grupos superiores nas disputas de poder, como meio de manter sua superioridade social. Nessa situação, o estigma social imposto pelo grupo mais poderoso ao menos poderoso costuma penetrar na auto-imagem deste último e, com isso, enfraquecê-lo e desarmá-lo.164
Na travessia ocorre a passagem do e/imigrante para um território
estrangeiro, o que proporciona uma quebra simbólica165 do que antes causava
estranhamento e do que agora passa a ser estranho, o diferente e o outro.
Os e/imigrantes mencionados enxergavam na possibilidade do retorno a
única saída para a situação que se desenhara.
163
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.28. 164
Ibidem, p.24. 165
Autores como Stuart Hall, Homi Bhabha, Néstor Canclini e Raymond Willians auxiliam a reflexão sobre a construção da identidade desse imigrante, pois, se é obrigado por diferentes condições a se deslocar (migrar) de seu país para São Paulo, tudo o que ele entende por ser sua identidade, ou seus valores, símbolos de identificação, ficam deslocados, fragmentados no novo cotidiano que se apresenta. Em suas memórias encontram-se traços de uma identidade nacional, do que foi sua identidade e hoje já não é mais. BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. 3ª. ed. São Paulo: EDUSP, 2000. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 4ª. ed. RJ: DP&A, 2000. WILLIAMS, Raymond. Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
79
O retorno é naturalmente o desejo e o sonho de todos os imigrantes, é como recuperar a visão, a luz que falta ao cego, mas como cego, eles sabem que esta é uma operação impossível. Só lhes resta, então, refugiarem-se numa intranquila nostalgia ou saudade da terra.166
Mas retornar para a Bolívia também não seria a completa solução, pois
desejavam retornar ao ponto de partida, mas não nas mesmas condições da partida
nem ao mesmo tempo ou ao mesmo espaço. Aquele tempo e espaço, com as
vivências e experiências, deveriam ficar para trás.
O espaço se confirma mais facilmente do que o tempo a todas as idas e vindas que aí se podem inscrever, contudo, sob a condição de que nada contrarie essa relativa liberdade de movimento, que aí não se tracem fronteiras, esses produtos de um ato jurídico de delimitação, produtos ao mesmo tempo de um direito propriamente regalista (direito de regere fines e regere sacra) e do poder nomotético de decretar a união e a separação.167
Com a liberdade cerceada, os trabalhadores bolivianos mencionados
passaram a vivenciar a nostalgia do deslocamento, a saudade e a supervalorização
da terra natal, sendo possível identificar traços de uma visão idílica. Para conquista
do “El Dorado”, esses e muitos outros e/imigrantes se viram em algum momento
obrigados, por situações alheias à sua vontade e adversas, a enfrentar experiências
não imaginadas, como as apresentadas no relato sobre exploração do trabalho e
privação da liberdade de ir e vir. A fuga da oficina se apresentou como única
alternativa para a retomada da busca pelo sonho.
Aí conheci outro rapaz, jogando bola. E ele falou que tinha uma oficina de costura, e me convidou para trabalhar com ele. Eu não tinha saída. Aí, pensei que não queria voltar, e ele também era novo. E eu fui. Não sabia como ir embora daquele lugar, tinha dívidas. Mas pensei “Quer saber, pá... Vou!”. Não peguei
166
SAYAD, Abdelmalek. A noção do retorno na perspectiva de uma antropologia total do ato de migrar. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, Número especial, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan. 2000, p.11. 167
Pierre Bourdieu, 1980, p.66-69. Apud: Ibidem, p.12.
80
os documentos, fui embora. A maioria dos bolivianos que estavam lá eram ignorantes, simples. Eu fui embora.168
Ao sair da oficina o e/imigrante se deparou novamente com a situação de
recém-chegado e questionamentos e inseguranças voltaram: não sabia para onde ir,
o que fazer, onde ficar. A rede de e/imigrantes já estabelecidos se fez presente e
teve papel fundamental na busca de alternativas. Novas perspectivas surgiram após
o processo de adaptação em outra oficina, expectativas anteriores à emigração se
reconstruíram e o e/imigrante voltou a vislumbrar possibilidades.
Esse colega me tratou super bem, foi muito diferente. Tentou me ensinar a costurar, foi muito bom, ele me ajudou. Mas eu não consegui costurar, entón ajudava como podia. Agora tenho amizade e carinho por eles. Lá fiquei uns dois anos, era bom. Ele, talvez por ter passado já pela mesma situação que eu antes, ele era bacana. Tinha salário, eu tava morando lá porque eu tinha que pagar a dívida que eu tinha lá na outra oficina. Até que um dia fui, voltei, paguei a dívida e busquei meus documentos. Peguei uma cesta de comida e dei pra eles, porque eles precisavam mais. Então, depois, passei por outros trabalhos. O trabalho que eu fazia na Bolívia era em gráfica e aqui eu não achava. Então, demorou um pouquinho pra arrumar trabalho. E como eu não sabia falar muito português, quando eu cheguei aqui, aí eu tava ficando muito depressivo, eu não tava sustentando aquela situação. Aí eu saí. Aí eu fui vender livros de porta em porta. E comecei a praticar mais o português, falava com as pessoas e tal. Aí comecei a frequentar a Igreja, a comunidade, a cultura boliviana. Resolvi estudar, comecei Pedagogia, mas não conseguia pagar. Então parei. Estudar é complicado para qualquer pessoa, trabalhar e estudar é complicado, mesmo que não seja boliviano. Se não tiver alguém pra te sustentar é complicado. Aí comecei a trabalhar e a fazer um curso de Telecomunicações e conheci amigos. Namorei. Ela entendeu minha situação, a família dela também. São bacanas, me acolheram, agora tenho amizade com ela. Trabalhei no Rio de Janeiro, as pessoas são picaretas, ficaram me devendo e eu voltei. Agora estou na Ericsson, estudando, ganho melhor e já posso mandar alguma ajuda para os meus pais.169
168
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 169
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
81
Esse relato permite observar as dificuldades vivenciadas pelo depoente nos
primeiros anos no país, até conseguir iniciar um processo de adaptação. Os sonhos
de estudar, mandar dinheiro para a família e se relacionar com outras pessoas
muitas vezes ficavam guardados à espera de uma oportunidade na nova terra. O
sentimento de estar deslocado, não se reconhecer e não ser reconhecido se fazia
presente. O depoente, como tantos outros e/imigrantes, também trouxe à tona a
questão da perda da identidade170, que só foi reconquistada após uma maior
aproximação com a comunidade boliviana, a partir do momento em que passou a
frequentar a igreja, conheceu outros patrícios também jovens e membros de
associações folclóricas. Mas, com o passar do tempo e a persistência, o e/imigrante
começou a vislumbrar o brilho ainda distante de seu sonho dourado.
Quando os grupos outsiders têm que viver no nível de subsistência, o montante de sua receita prepondera sobre todas as suas outras necessidades. Quanto mais eles se colocam acima do nível de subsistência, mais a sua própria renda – seus recursos econômicos – serve de meio para atender outras aspirações humanas que não a satisfação das necessidades animais ou materiais mais elementares, e mais agudamente os grupos nessa situação tendem a sentir a inferioridade social – a inferioridade de poder e de status de que sofrem. E é nessa situação que a luta entre estabelecidos e outsiders deixa de ser, por parte desses últimos, uma simples luta para aplacar a fome, para obter os meios de subsistência física, e se transforma numa luta para satisfazer também outras aspirações humanas.171
No país de origem percebe-se uma mudança positiva com os benefícios das
remessas dos emigrados. A migração reestrutura o mercado interno de consumo,
aumenta as possibilidades de renda dos domicílios, aquece o mercado imobiliário e
170
As questões acerca da categoria “identidade” serão retomadas e aprofundadas no próximo capítulo, utilizando-se como base de discussão da temática os pensamentos de Homi Bhabha, Stuart Hall, Néstor Canclini e Norbert Elias. 171
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.33.
82
interfere nas decisões de compra das famílias, no seu estilo e nas suas escolhas de
vida.172
A família Tordoya, muito devota da Virgen de Urkupiña, participa quase
todos os anos das festas devocionais realizadas em sua cidade natal. Para tal, a
família optou por manter fechada a casa dos pais já falecidos, assim, sempre que
viaja para a Bolívia, tem um local para se hospedar e se reunir.
Tenho casa lá, casa de meus pais, fica fechada e eu e meus irmãos ficamos quando precisamos. Sempre gosto, fico com meus parentes, nunca falei mal da Bolívia. Sempre passei bem quando fui pra lá. Vou quase todos os anos nas festas de Agosto.173
A depoente relata que, após alguns anos de trabalho, conseguiu juntar
recursos para comprar uma segunda residência na Bolívia, a qual colocaria para
alugar. Mas esse sonho de investir no país foi interrompido por um assalto na saída
da casa de câmbio. Destaca-se a insegurança sentida pelos e/imigrantes no
momento de enviar suas remessas ou trocar dinheiro:
Somos um alvo fácil para os assaltantes, porque não somos daqui e não temos como comprovar a origem do dinheiro para registrar a queixa do assalto. [...] tive uma decepção muito grande quando fui assaltada. Estava comprando uma casinha na Bolívia e, quando fui trocar o dinheiro na casa de câmbio, fui assaltada.174
A depoente também comenta que ela e seus familiares consomem
regularmente produtos de origem boliviana. Em sua casa não falta folha de coca
para o chá, milho para as refeições, pimenta e os temperos indispensáveis para dar
um sabor especial à comida. Então, ao viajarem para a Bolívia, costumam levar
172
BRAGA, Fernando Gomes. Conexões territoriais e redes migratórias: uma análise dos novos padrões da migração interna e internacional no Brasil. Tese (Doutorado em Demografia) - UFMG/ Cedeplar, Belo Horizonte, 2011. 173
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 174
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.
83
consigo uma lista de compras com itens para si, para os mais próximos e até para
revender nos eventos destinados à comunidade. Uma forma encontrada para
economizar, já que aqui, segundo a depoente, os valores pagos pelos produtos são
bem superiores aos praticados na Bolívia. “[...] às vezes, quando preciso, vou a
Kantuta. Mas quando viajo também trago as coisas para cozinhar. Porque aqui
também sai mais caro.”175
Em São Paulo é possível ouvir propagandas de empresas de remessas nas
rádios destinadas ao público latino, bem como ver anúncios nos jornais, sites e nas
redes sociais utilizadas por e/imigrantes. Nos bairros centrais do Brás, Bom Retiro e
Barra Funda estão disponíveis em locais como lan houses, restaurantes e nas
próprias casas de remessas. Depoentes também mencionaram que remessas são
enviadas por pessoas conhecidas que se deslocam entre o Brasil e a Bolívia ou
mesmo portadores contratados para esse fim.
Como em todas as áreas, existem as empresas regularizadas e as
clandestinas, que cobram entre 6 e 10% do valor da remessa para realizar a
entrega, oferecem contatos mútuos dos dois lados da fronteira, dispensam
operações bancárias e, assim, conseguem driblar os controles fiscais.
Antes havia serviços irregulares para enviar dinheiro, mas cobravam muito caro. Era preciso buscar na casa da pessoa que levou o dinheiro e pagar na hora de enviar e receber, lá na Bolívia. Demorava entre duas semanas e dois meses. No banco, é só ir buscar na agência.176
As remessas recebidas de familiares do exterior somaram em 2010 $US 939
milhões, em 2011 $US 1,1 bilhão, em 2012 $US 1 bilhão e em 2013 $US 883
milhões177, observando-se uma redução no envio de dinheiro para as famílias
bolivianas. Segundo o ex-presidente do Banco Central da Bolívia, as remessas de
janeiro de 2013 foram as mais baixas registradas nos últimos cinco anos, o que
175
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 176
Apud: FAGUNDEZ, Ingrid. Remessas de estrangeiros tem maior alta em 7 anos e supera US$ 1 bilhão. Folha de São Paulo. Mercado A10. São Paulo, 17/02/2015. 177
VASQUEZ, Walter. Remesas caen por desempleo em España y limitantes em Argentina. La Razon. La Paz, 07/03/2012. Disponível em: <http://www.la-razon.com>. Acesso em: 25/06/2014.
84
representa um reflexo da crise enfrentada nos anos anteriores (2011 e 2012) na
Europa, principalmente na Espanha, país responsável por 46,6% das remessas que
chegaram em 2011 – enquanto os Estados Unidos responderam por 19,7%, o Brasil
por 2,8%, a Argentina por 13,2% e os outros países, 17,7%. Em janeiro de 2013 as
remessas tiveram a seguinte distribuição: Espanha 47%, Estados Unidos 20%, a
Argentina concentrou 15%, o Brasil 3% e outros países 15%. Atualmente as
remessas representam 4,34% do Produto Interno Bruto (PIB) da Bolívia.
As regiões que mais receberam remessas foram Cochabamba, com 30,2%,
e La Paz, com 15,5%, os demais departamentos do país receberam 14,45% das
remessas enviadas por trabalhadores bolivianos em 2011.178 Quanto ao destino
dado pelas famílias a esse dinheiro vindo do exterior, verifica-se que se distribui
entre gastos diários (45%), educação (21%), negócios (17%), poupança (12%) e
compra de casa ou propriedade (4%).
No ano de 2014 ocorreu um aumento nas remessas por vias formais e o
Banco Central Boliviano declarou que 7,6% do dinheiro enviado por e/imigrantes
partiu do Brasil rumo à Bolívia. “Há cinco anos, grandes empresas começaram a
entrar no mercado. Como elas usam a rede bancária da Bolívia, é mais seguro,
rápido e tem maior alcance. O prazo para envio é de minutos.”179
As empresas de remessas já reconheceram o potencial da demanda e se
instalam onde está o público-alvo, como na Festa das Alasitas180 realizada em
janeiro de 2014. Ao lado das barracas de miniaturas e de quitutes tradicionais o
visitante encontrava estandes de empresas de remessas, com funcionários
bolivianos e algumas pessoas vestidas com trajes típicos posando para fotos.
178
LAZCANO, Miguel. Envío de Remesas en 2011 superó los $US 1.000 millones. La Razón. La Paz, 28/01/2012. Disponível em: <http:www.la-razon.com>. Acesso em: 25/06/2014. 179
Apud: FAGUNDEZ, Ingrid. Remessas de estrangeiros tem maior alta em 7 anos e supera US$ 1 bilhão. Folha de São Paulo. Mercado A10. São Paulo, 17/02/2015. 180
Festa da comunidade boliviana para celebrar o deus da abundância, tratada em detalhes no capítulo 3 da tese.
85
1.4 TRAMAS DAS REDES: ACOLHIMENTO E TENSÕES
Para o e/imigrante boliviano efetivar sua partida e dar início ao tão sonhado
projeto imigratório, além do esforço sentimental para se desprender da família,
amigos e parentes, da motivação e expectativa ante a imagem positiva do país de
destino e da especulação sobre histórias de e/imigrantes bem-sucedidos, precisa
também de uma quantia mínima de dinheiro para suprir os gastos da viagem,
alimentação, regularização da documentação e informações sobre o percurso e
destino final. Daí a importância das redes de relações sociais estabelecidas desde a
origem até o destino. As redes apoiam o emigrante a decidir sobre seu processo
migratório e o auxiliam a criar estratégias para concretizar seu projeto. Também
possuem papel fundamental na tarefa de inseri-lo na nova sociedade, “são a
mediação da relação do migrante com a sociedade de adoção”181.
Por rede social entende-se:
[...] o conjunto das pessoas em relação às quais a manutenção de relações interpessoais, de amizade ou de camaradagem, permite esperar confiança e fidelidade. Mais do que em relação aos que estão fora da rede, em todo caso. [...] Estabelecendo relações que são determinadas pelas obrigações que contraem ao se aliarem e dando uns aos outros, submetendo-se à lei dos símbolos que criam e fazem circular, os homens produzem simultaneamente sua individualidade, sua comunidade e o conjunto social no seio do qual se desenvolve a sua rivalidade.182
Identificam-se algumas funções das redes quando definidas como
“agrupamentos de indivíduos que mantêm contatos recorrentes entre si, por meio de
laços ocupacionais, familiares, culturais ou afetivos”183. Esses laços articulam os
significados do processo migratório, auxiliam na busca por recursos e recepção na
181
DORNELAS, Sidney Marco. Redes Sociais na migração: questionamentos a partir da Pastoral. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIV, nº. 40, CEM - Centro de Estudos Migratórios, mai./ago. 2001, p.6. 182
Caillé, 1998, p.18-19. Apud: Ibidem, p.5. 183
Kelly, 1995, p.219. Apud: TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo, vol. 20, nº. 1, jun. 2008, p.203.
86
sociedade de chegada. Assim, a migração em rede184 envolve o deslocamento de
indivíduos motivados por uma série de arranjos e informações fornecidas por
parentes e conterrâneos já estabelecidos no destino pretendido.
Em um fluxo migratório que não é pioneiro, mas feito em cadeia, as famílias
vão se estabelecendo e divulgando as vantagens dessa migração para os
conterrâneos, como oportunidades de emprego, meios de se deslocar, locais para
se alojar, contatos pessoais, amigos já estabelecidos e as possibilidades de troca de
favores. Sabe-se ainda
[...] de pelo menos outros três tipos: a) emigração por meio de mecanismos de assistência impessoais; b) emigração por meio de mecanismos semi-espontâneos, em que o processo começa incentivado por informações de parentes e de conterrâneos, ou “públicas”, mas o movimento é produto de iniciativas e de recursos de um indivíduo ou de uma família isoladamente; c) emigração por intermédio de padroni ou de outros sistemas mais difusos de mediação e clientelismo, nos quais a gestão do processo está em mãos de intermediários externos à cadeia.185
No momento do deslocamento, o emigrante boliviano se depara com o
desafio de transpor as fronteiras com o Brasil, fazendo divisa com cinco estados
brasileiros: Acre, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. São
cinco os documentos que regulamentam essa faixa de fronteira: Tratado de
Amizade, Limites e Comércio (27/03/1867); Tratado de Petrópolis (17/11/1903);
Tratado de Natal (25/12/1928); Notas Reversais (29/04/1941); e Acordo de Roboré -
Nr. 1 C/R (29/03/1958).186
As possibilidades de acesso ao Brasil se dão pelas cidades de Corumbá
(Mato Grosso do Sul), Cáceres (Mato Grosso), Brasileia (Acre), Assis Brasil (Acre),
Guajará-Mirim (Amazonas, por via fluvial) e Manaus (Amazonas, por via fluvial).
184
Tilly, 1978. Apud: TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo, vol. 20, nº. 1, jun. 2008, p.200. 185
Devoto, 1988. Apud: Ibidem, p.202-203. 186
CONCEIÇÃO, Carla Fischer. A Imigração Boliviana em São Paulo. s/d. Disponível em: <http://www.cursokapa.com.br/gallery_sub_article.asp?codigo=30&status=4>. Acesso em: maio de 2012.
87
Considera-se ainda a cidade de Foz do Iguaçu (Paraná), na fronteira
Brasil/Paraguai, com acesso pela Ponte da Amizade. O mapa apresentado a seguir
ilustra os pontos de entrada e a rota realizada por alguns colaboradores depoentes e
grande parte dos e/imigrantes bolivianos.
Figura 8 - Rotas e pontos de entrada.187
Eu cheguei em Santa Cruz, aí eu pensei em ir por Corumbá, porque tinham me mostrado um caminho pra vir no Brasil que podia ser por Corumbá ou pelo Paraguai. Aí por Corumbá o pessoal falou que é muito perigoso, demais, muito mais que pelo Paraguai. Pelo Paraguai era mais sofrido, porque era menos perigoso. Por Corumbá tinha muitos assaltantes. Eles são diferentes dos outros brasileiros, tem muitos bandidos,
187
SILVA, Sidney Antonio da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados. São Paulo, vol. 20, nº. 57, mai./ago. 2006, p.159.
88
assaltam ônibus. Entrei pelo Paraguai, parei no Paraná e depois vim para São Paulo.188
Constatou-se que existem redes de agenciamento de mão de obra189 na
Bolívia, em cidades como La Paz e Santa Cruz de La Sierra, onde ofertas de
trabalho no Brasil, em São Paulo, são divulgadas nos jornais e rádios locais e ainda
em anúncios na rodoviária. Em busca de trabalhadores para oficinas de costura
também é possível encontrar “boas” ofertas de emprego com moradia e ganho
acima da média com os atravessadores. Só que estes cobram pela viagem e pelo
emprego.
O custo da viagem para o emigrante pode variar, dependendo do trajeto
escolhido e do risco de ser detido por um agente federal. Se for por Corumbá (MT)
pode chegar a US$ 120 dólares; se for pelo Paraguai, para cruzar a fronteira e entrar
no Brasil por Foz do Iguaçu (PR), o emigrante pode pagar até US$ 160 dólares. A
falta de controle nas fronteiras brasileiras propicia o trânsito de trabalhadores
indocumentados ao Brasil.190
As redes, que podem ou não ser institucionalizadas, permitem aos
indivíduos capazes de acessá-las favorecimentos na viagem e/ou a inserção nas
sociedades de destino, pois reduzem os riscos e possibilitam vínculos entre a origem
e o destino, que geram o efeito multiplicador dos movimentos de associatividade
entre migrantes e não migrantes. Caracterizam-se também por serem
autossustentáveis, pois cada novo indivíduo que emigra e se estabelece reduz o
custo de hospedagem e alimentação de migrações subsequentes para familiares e
amigos, além de facilitar a inserção no mercado de trabalho, impulsionando assim
cada vez mais o projeto migratório.191
188
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 189
SILVA, Sidney Antonio da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados. São Paulo, vol. 20, nº. 57, mai./ago. 2006. 190
Outro grupo de e/imigrantes observado desde 2010 no Acre, nas cidades de Brasileia e Assis Brasil, é o de haitianos. Segundo Ferraz e Prado, as redes criminosas que transportam os imigrantes do Haiti até o Acre chegam a cobrar US$ 4.000,00 pelo trajeto. FERRAZ, Lucas; PRADO, Avener. “Coiotes” promovem tráfico de haitianos. Folha de São Paulo. São Paulo, 27/05/2014. 191
Boyd, 1989, p.641. Apud: TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo, vol.20, nº. 1, jun. 2008.
89
No momento atual de globalização, facilidade de deslocamento e de
circulação de informações, esses fluxos migratórios legais e ilegais podem ser
denominados de redes transfronteiriças.192 Elas expandem ainda mais a mobilização
de recursos e pessoas entre os territórios, uma vez que estabelecem mecanismos
de perpetuação dos movimentos dos sujeitos históricos que intermedeiam os fluxos
de migrantes retornados, agenciadores, familiares, trabalhadores temporários, entre
outros.193
O conceito de fronteira encontra-se em constante mutação: ora o que se
entende por fronteiras são apenas os limites físico-geográficos, ora são os limites
político-administrativos e as diferenças culturais entre os países.194 A globalização
criou o “cidadão do mundo”, possibilitou a troca de experiências e a busca por
diferentes oportunidades de vida em outros lugares. Mas, como os projetos
migratórios não são iguais para todos, na medida em que dependem muito das
condições do e/imigrante, existem aqueles que são excluídos do processo. Criam-se
então redes paralelas como forma de sobrevivência e até resistência do sonho da
imigração, redes essas que vêm sendo nomeadas de “Globalização por baixo”
(globalization from below).195 Ou seja, ao mesmo tempo que há uma grande procura
por migrar para a Europa e a América do Norte, existe também uma contínua
movimentação em direção aos países que fazem fronteira e conectam as
populações de ambos os lados, como é o caso do Brasil e da Bolívia, circuitos Sul-
Sul.196
192
HAESBAERT, R.; BÁRBARA, M. J. S. Redes Transfronteiriças no Mercosul. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIV, nº. 40, CEM - Centro de Estudos Migratórios, mai./ago. 2001, p.29. 193
SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998. 194
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Edusp, 2002. SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. 4ª ed. São Paulo: Hucitec, 1996. 195
PORTES, Alejandro. Globalization from below: the rise of transnational communities. Princeton: Princeton University Press, 1997. BRECHER, Jeremy; COSTELLO, Tim; SMITH, Brendan. Globalization From Below. Cambridge: South End Press, 2000. 196
MAZZOCCANTE, Heloisa. Estado nacional e migração Bolívia - Brasil: categorização e recategorização da população migrante. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas. Brasília, vol. 2, nº. 2, 2008. SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.
90
Tentativas em vão de se desligar da rede foram apontadas em relatos,
porém o que se encontrou foi resistência em acolher o e/imigrante por parte da
sociedade receptora: “[...] cheguei e perguntava na rua se tinha trabalho. E o
pessoal falava „Tem uns patrícios seus, vai trabalhar com eles‟.”197 Nas tramas das
redes paralelas é que se encontra a atuação dos aliciadores, as histórias de
mulheres que se veem obrigadas a vender o próprio corpo para pagar a travessia,
de extorsões e corrupção. A única maneira encontrada para quebrar ou se prevenir
desse ciclo é contar com as redes de parentes e conhecidos já estabelecidos no
destino.
Nesse sentido, pode-se afirmar que as “redes de parentes e amigos
estabelecidas nas localidades de origem atuam como pré-requisitos, entre
imigrantes, para fixação na cidade, facilitando a busca de moradia e ocupações para
os que chegam”198. Por meio dos laços de solidariedade se desenha o compromisso
da acolhida, e a segurança do lar é oferecida ao e/imigrante recém-chegado.
Entretanto, nem sempre essa relação se dá sem conflitos. Aqueles que hoje
recebem já foram acolhidos em outro momento, e suas experiências migratórias
fazem parte de suas histórias de vida e se traduzem na maneira como irão
recepcionar esse novo e/imigrante.
Aquele que acolhe, que é, portanto em situação sedentária, é de fato um migrante, um estrangeiro em espera, enquanto aquele que é recebido, portanto em posição de nômade, é de fato um sedentário em espera. Temos aqui uma simetria potencial: um é a imagem diferida ou virtual do outro. Estamos na presença de temporalidades invertidas: o sedentário e o nômade são um e outro, mas de uma maneira diferida. Um pode tornar-se o outro e reciprocamente. Um e outro estão engajados num vasto sistema de troca cuja contrapartida é diferida e assumida num processo temporal indefinido.199
197
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 198
COSTA, Maria Cristina Silva. Nós das Redes. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIV, nº. 40, CEM - Centro de Estudos Migratórios, mai./ago. 2001, p.25. 199
RAFFESTIN, Claude. Réinventer l‟hospitalité. Communications. Paris, nº. 65, Editions du Seuil, 1997, p.167. Apud: BUENO, Marielys Siqueira. Material usado em aula. Trecho traduzido pela professora. São Paulo, Universidade Anhembi Morumbi, 2008.
91
Num processo de migração laboral, as trocas de favores se dão, na maioria
dos casos, em forma de prestação de serviços. No relato a seguir nota-se o
acolhimento familiar e a exploração sob a ótica do e/imigrante recém-chegado.
Então meu pai teve um pouquinho de vantagem porque ele trabalhou com parentes dele, mesmo que tenham se aproveitado dele, que tenham cobrado a passagem [...]. O sobrinho do meu pai acolheu ele e o amigo dele, então ele nunca ficou em nenhum albergue, mas ele foi ajudado sim.200
Nem sempre a relação estabelecida entre o anfitrião e o e/imigrante se dá
por solidariedade, sendo muitas vezes caracterizada por conflitos e exploração.201
Os e/imigrantes já estabelecidos hospedam e contratam os recém-chegados para
trabalhar em suas oficinas e lojas, mas pagam pouco ou nada pelo serviço prestado,
que não tem hora para acabar, uma vez que a oficina costuma ser também a
residência desses e/imigrantes. Com essa atitude, o já estabilizado consegue um
ganho sobre o trabalho realizado pelo conterrâneo.
Para muitos o estabelecimento das redes de acolhimento de recém-
chegados se trata de uma estratégia para aumentar o lucro na produção. Os dados
do Censo de 2010 sobre a renda média mensal dos e/imigrantes confirmam essa
prática quando indicam o salário de R$ 800,00 para os recém-chegados em São
Paulo, enquanto para os estabelecidos há mais de cinco anos na cidade valor seria
R$ 1.200,00.
Outros grupos ao longo da história da imigração para o Brasil também
contavam com o apoio dos e/imigrantes já radicados. Uma prática comum era
mandar buscar jovens, parentes ou conhecidos na aldeia para trabalhar nos
negócios, pois eram considerados de confiança. Também se verifica que essa ajuda
em forma de emprego e aprendizado de um ofício, em alguns casos, se
200
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 201
GOMES, Sueli de Castro. Nas redes do comércio de retalhos. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIV, nº. 40, CEM - Centro de Estudos Migratórios, mai./ago. 2001.
92
transformava em exploração. O apoio e o paternalismo coexistiam com a exploração
pelo trabalho, pouco ou nada remunerado.202
A rede familiar proporciona segurança emocional e referências do local de
origem. “Ah! Depois de mim, veio irmãos, sobrinhos, veio muitos”, disse Santiago
Tordoya quando questionado sobre a vinda de outras pessoas da família. Sua
esposa acrescentou que, depois de vir para o Brasil, dois irmãos que já haviam
migrado para a Argentina vieram visitá-la após seu casamento e aqui ficaram.
Segundo a depoente, não conseguiram mais se distanciar da família, da qual
recebiam o apoio necessário para enfrentar as adversidades da vida na cidade
grande, que impõe limites com códigos próprios, hostiliza, ignora, segrega e isola
aqueles não detêm conhecimentos tecnológicos, condições financeiras e saberes
necessários para conviver no meio urbano.
Essa noção de limite não é somente material, mas também imaterial ou abstrata, remetendo a valores e a códigos que tem valor legal no interior por oposição ao exterior. Quem está no interior se refere a esses valores e a esses códigos e interpreta o que vem do exterior em função desse sistema de valores e de códigos. Este é um mecanismo que mostra o sentido ou não sentido com relação ao que vêm do exterior. [...] A semiosfera é esse espaço semiótico fora do qual a semiotização não é possível. Sua fronteira tem um caráter abstrato, já que o fechamento da semiosfera é revelada pelo fato que ela não pode ter relações com o que lhe é estrangeiro. Para que os elementos do exterior adquiram para ela uma realidade, é preciso “traduzi-los” na linguagem do espaço interno ou semiotizar os fatos não semióticos.203
Assim, a rede de parentesco oferece a sensação de segurança e
tranquilidade aos seus membros, pois traduz a linguagem da cidade com o propósito
de amenizar os contrastes e a adaptação do recém-chegado ao novo contexto
social. “Quando alguém briga, é destratado, perde emprego ou quer se reconciliar e
202
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: deslocamentos, experiências e cotidiano - São Paulo séculos XIX e XX. Bauru, SP : EDUSC, 2013. 203
RAFFESTIN, Claude. Réinventer l‟hospitalité. Communications. Paris, nº. 65, Editions du Seuil, 1997, p.167. Apud: BUENO, Marielys Siqueira. Material usado em aula. Trecho traduzido pela professora. São Paulo, Universidade Anhembi Morumbi, 2008.
93
até pedir conselho, é aqui em casa que vem. Minha mãe e meu pai são o elo da
nossa família.”204
Observa-se que o fluxo migratório de origem rural, num primeiro momento,
se desloca para os centros urbanos do próprio país e, depois, para outros países,
como o Brasil.205 Outra característica dessa massa de migrantes é sua etnia, já que
carrega consigo hábitos muito específicos e diferentes dos costumes dos moradores
das áreas urbanas. Depoentes de origem rural relataram a infância em famílias
numerosas, o trabalho para ajudar os pais a criar os irmãos mais novos e a vida em
comunidade como estratégia para diminuir as necessidades básicas do dia a dia.
Minha infância foi alegre, posso dizer. Eu tinha tarefas desde pequeno, não só brincava. Tinham lembranças de meu pai pela casa. Éramos 8 irmãos, 7 mulheres e eu. Tinham quadros do meu pai, telas, tinha o piano, o meu pai era muito culto. Meu pai faleceu, eu era muito pequeno. Então minha mãe era pai e mãe ao mesmo tempo. E me ensinava a ter responsabilidade porque eu era o único homem da casa. Tinha que ajudar a cortar e trazer a lenha, cuidar das plantações, ajudar a carregar o caminhão de frutas.206
Ambos os depoentes do gênero masculino que perderam o pai na infância
se viram com a responsabilidade de auxiliar a mãe na manutenção da família.
Percebe-se a distinção dos papéis masculino e feminino na base da educação
desses sujeitos. As mulheres cozinham, cuidam das crianças; os homens cuidam
das plantações, negociações e buscam trabalho remunerado desde muito cedo para
auxiliar na criação dos irmãos menores.207
204
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. Filho de pais bolivianos, nascido no Brasil. Solteiro, 31 anos. Ex-bailarino do grupo folclórico Sociedad Folklorica Boliviana. Formado em Sistemas de Informação. 205
PERES, Roberta Guimarães. Presença boliviana na construção de Corumbá - Mato Grosso do Sul: espaço de fronteira em perspectiva histórica. In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, UNFPA, 2012. 206
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 207
Notou-se um pensamento sexista e uma postura machista dos depoentes no decorrer das entrevistas, fruto da educação pautada nas tradições andinas, que consideram que a mulher deve ser submissa ao homem e às suas vontades.
94
Sim, nasci em Cochabamba, creio que não foi muito ruim. Uma família de pessoas humildes. Na Bolívia é assim: a família é muito dedicada aos filhos, teve a rigidez da época e... Meu pai faleceu eu era pequeno, e aí, vendo que minha mãe se sacrificava muito, comecei a trabalhar muito cedo. Desde pequeno, aproximadamente aos 7 anos de idade, comecei a pensar que a minha mãe se sacrificava bastante. Nós éramos quatro irmãos. E minha mãe, viúva. A renda não dava, era pouca, então comecei a trabalhar muito cedo.208
As necessidades básicas do dia a dia mencionadas, como tomar banho,
lavar as roupas e adquirir água potável, devido à característica física da região, se
tornavam difíceis de realizar individualmente. Desse modo, a comunidade se
organizava em “redes” de solidariedade, a fim de amenizar as dificuldades e facilitar
as atividades cotidianas.
A minha casa em La Paz, onde passei a infância, era assim... La Paz é uma cidade no meio de 10 mil montanhas, então no meio de um buraco fica a cidade de La Paz. Então a gente morava bem na periferia, que era no alto de uma das Serras, e a nossa rua era toda de pedra, não era paralelepípedo, era pedra mesmo. E até hoje lá na periferia as casas não têm banheiro, existem banheiros coletivos de região em região que as pessoas usam e têm chuveiro para tomar banho. Como faz frio, geralmente se toma dois ou três banhos na semana, não mais que isso, e em casa faz a higiene com toalha. Nossa casa era até grande, só que moravam três famílias. Eram três casas, uma na frente, uma no meio e uma no fundo, onde a gente morava. [...] E tinha um poço também. Pra nós era uma fartura, porque para os outros tinha que ir buscar na mina a água potável, que também era coletiva, com balde. E nós podíamos fazer as coisas em casa mesmo, lavava roupa, podia se lavar, tomava banho de bacia com uma casinha de lençol. Lá tem pouca água para a maioria das pessoas e não podem fazer o que nós fazíamos.209
A noção da vida em comunidade extrapola os limites da propriedade
individual, da residência, do núcleo familiar e ganha a rua, fazendo surgir uma
grande família, uma herança da tradição e dos costumes dos povos originários que
208
Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 209
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
95
seguem o pensamento dos Ayllus210. Por ayllu compreende-se a base de uma
estrutura econômica e social coletiva baseada no cultivo da terra, que proporciona
frutos para toda a sociedade. Nesse pensamento não existe a visão da propriedade
privada, a terra é um bem de todos, é comum a todos.
Para muitos grupos andinos o maior bem é a terra, todos os valores estão
pautados no culto a Pachamama (Mãe Terra), mas a ideia de terra enquanto um
bem comum, não um bem privado. Da mesma forma, tudo o que ela produz não
possui um único dono, é de toda a sociedade. Daí surgirem grandes conflitos com a
cultura branca, individual e capitalista.
Durante a minha infância, a minha mãe falava, e eu falo para os meus filhos, “Devemos ser humildes, mas humilhar-se jamais”. E a importância de estudar e trabalhar. A minha mãe era revolucionária, meu pai também. Eu na minha adolescência, jovenzinho, na época da ditadura, uma vez sequestrei com uns colegas o prefeito da cidade que pegou nossos tratores para trabalhar em outra cidade sem autorização. Enquanto ele não devolveu, nós não o soltamos. Não fazia mal, dava comida, não toquei em um fio de cabelo. Mas não aceitávamos ser explorados e nem que o governo ou qualquer um pegasse o que era nosso. Queríamos ter um compromisso por escrito que ele ia devolver. Não pensava em política, só queria o melhor para minha família e para minha cidade.211
Observa-se a preocupação do depoente com a comunidade, o “pensamento
revolucionário” em prol do coletivo, mesmo que para tal tenha necessitado cometer
um ato ilícito, um sequestro.
O testemunho oral tem sido amplamente considerado como fonte de informação sobre eventos históricos. Ele pode ser encarado como um evento em si mesmo e, como tal, submetido a uma análise independente que permite recuperar não apenas os aspectos materiais do sucedido, como também a atitude do narrador em relação a eventos, à subjetividade, à
210
HERNÁNDEZ, Gonzalo Cárdenas. Del Ayllu al Socialismo. Nuestra Historia. Ano 1, nº 1, Pachamama Ediciones, mai. 2006. 211
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.
96
imaginação e ao desejo, que cada indivíduo investe em sua relação com a história.212
No relato emergem fatos como o nascimento de uma criança pelas mãos da
avó do depoente, chamada às pressas para realizar o parto de uma mulher da
vizinhança.213 A cena com gritos, sangue e o bebê foi marcante para o depoente
ainda criança, com três anos.
A vida em comunidade proporciona uma noção de família extensa em que
todos se ajudam e colaboram na criação das crianças, no momento da colheita, na
divisão da água e nas mais diversas atividades do cotidiano. Em cada uma dessas
situações nota-se a importância da organização da vida em comunidade e da
estrutura familiar, mesmo em atividades como lavar as roupas ou tomar banho. No
caso do processo migratório, percebe-se a valorização das redes de parentesco não
só de primeiro grau ou entre consanguíneos, mas também entre conhecidos e
amigos, para viabilizar a trajetória de sucesso do e/imigrante, sua inserção no
mercado de trabalho e prestar auxílio nos primeiros passos no destino, em questões
como moradia e documentação.
As relações do e/imigrante com a sociedade de adoção214 lhe propiciavam
acessar essa rede e dinamizavam as possibilidades de se deslocar até o Brasil.
Assim como as notas em jornais, sites e revistas voltadas para a comunidade
boliviana, fazendo menção à oferta de empregos em São Paulo, às remessas
enviadas pelos e/imigrantes para os parentes na Bolívia e a serviços específicos
destinados ao público.
212
PORTELLI, Alessandro. Sonhos ucrônicos: memórias e possíveis mundos dos trabalhadores. Projeto História. São Paulo, vol. 10, jul./dez. 1993, p.41. 213
Depoimento de Jaime Adolfo Oblitas Alvares, em entrevista concedida à autora em 04/05/2013. 214
DORNELAS, Sidney Marco. Redes Sociais na migração questionamentos a partir da Pastoral. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIV, nº. 40, CEM - Centro de Estudos Migratórios, mai./ago. 2001, p.5.
97
Figura 9 - Ofertas de emprego.215
Figura 10 - Envio de remessas.216
É possível observar a articulação das redes de parentesco nos depoimentos.
Os familiares que vieram foram chamados, convidados ou estimulados, como na
seguinte experiência: “Todos, meu pai foi quem trouxe a família toda pra cá. Meu pai
veio passear e acabou ficando. E minha mãe veio pela paixão pelo meu pai.”217
Destaca-se também a importância dos laços familiares para o reconhecimento no
215
EL CHASQUI SRL. San Pablo, Ano 3, ed. 18, fev. 2013. 216
NOSOTROS IMIGRANTES. Ano II, ed. 10, fev./mar. 2013. 217
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.
98
grupo e pelo grupo. As famílias mais antigas da comunidade que participam
ativamente nas novenas, nas reuniões das pastorais, nas associações destinadas a
apoiar e acolher os e/imigrantes e nas associações comerciais por eles frequentadas
fortificam a rede de parentesco.
Os meus pais são muito antigos aqui. E os mais antigos que estão ativamente nas comunidades os conhecem e nos recebem em família. É muito bom.218
O e/imigrante destacou o acolhimento e o reconhecimento do grupo, a
identificação entre os pares. As famílias mais antigas se reconhecem e se apoiam
para manter a dita ordem e superioridade dos já estabelecidos.
O sentimento comum de “fazer parte”, de responsabilidade e dedicação à comunidade natal criava sólidos vínculos entre as pessoas que ali haviam crescido e, provavelmente, prosperado juntas. É possível que nem todas ali gostassem pessoalmente uma das outras, mas partilhavam de um intenso sentimento de identidade grupal. Identificavam-se objetivamente como “famílias antigas” e subjetivamente como nós.219
Observa-se a expansão da rede, já que esta não se desenha somente na
partida e no acolhimento aqui no Brasil, também se verifica quando o e/imigrante
decide retornar ou visitar os familiares que ficaram na Bolívia.
Fiquei três meses na Bolívia e não queria mais voltar. O que me marcou foi o carinho dos parentes. Assisti muitas manifestações culturais e fiquei com vontade de dançar. Aí quando cheguei aqui fui procurar um grupo para dançar. Eles investem muito aqui para que as festas sejam da mesma maneira. Eu fiquei na casa de meus parentes. Agora quando os parentes vêm pra cá nós também recebemos. Os parentes vêm agora para o casamento da minha irmã e vão ficar aqui. Veio
218
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 219
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.103.
99
também um amigo de um parente do meu pai para se tratar no Hospital das Clínicas.220
As redes ainda possibilitam que parentes ou amigos de e/imigrantes venham
realizar tratamentos de saúde no Brasil221, utilizando o sistema público. Como no
caso mencionado, em que um amigo da família ficou quatro meses hospedado na
casa do depoente, no início sozinho, mas depois com esposa e filha, e retornaram
após o tratamento.
Outro caso destacado foi o da avó do depoente, que também veio ao Brasil
para se tratar de um câncer. A família pretendia que ela ficasse, mas a senhora não
conseguiu se adaptar e, terminado o tratamento, também retornou. “Minha mãe veio
pro Brasil para passear e se tratar, fez um tratamento de câncer, mas não se
acostumou aqui, ficava muito triste e teve que voltar.”222
Da mesma forma que grupos de outras nacionalidades, esses e/imigrantes
também relatam o envio de cartas de apresentação/chamada223 escritas por amigos
e parentes da Bolívia aos bolivianos que aqui já se encontravam para proporcionar
mais confiança e explicar a situação e a necessidade de acolhimento.
Já acolhemos algumas pessoas. A maioria das pessoas ligou e combinou. Mas a primeira pessoa que chegou, tocou a campainha e disse que tinha uma carta pra minha mãe. Nós estávamos morando com a minha vó. Minha mãe tava separada do meu pai. A moça tinha uma carta da minha tia falando para receber aquela pessoa que vinha para trabalhar e estava com muita dificuldade lá na Bolívia. A minha mãe ia fazer o quê? Colocou ela pra dentro. Não era conhecida. Foi uma carta que explicava que ela tinha crescido com a minha tia. Essa moça começou a trabalhar com costura, mas era muito explorada. Mas quando ela legalizou sua situação,
220
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 221
Em relação ao acesso à saúde, há o trabalho de Pucci. O objetivo é, entre outros, investigar possíveis disparidades no acesso a serviços públicos de saúde entre bolivianos e brasileiros. Além disso, averigua até que ponto há algum diferencial na qualidade do atendimento oferecido para os dois grupos. PUCCI, Fabio Martinez Serrano. Bolivianos em São Paulo: Redes, Territórios e a Produção da Alteridade. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), 2013. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/clacso-crop/20131013074834/Pucci_ trabajo_final.pdf>. Acesso em: 09/03/2015. 222
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 223
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: deslocamentos, experiências e cotidiano - São Paulo séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013.
100
começou a estudar. E agora ela faz peças-piloto. Quer ser estilista, mas agora ela está bem, vai e volta quando quer. Recebe pessoas da Bolívia. Mas não é muito comum, a maioria que vem pra trabalhar com costura, volta. Não aguenta. São explorados por outros bolivianos, a maioria se dá mal. Ela recebeu um irmão que também passou pela costura e depois outras áreas.224
Nesse caso relatado o acolhimento se deu sem convite – a anfitriã se sentiu
obrigada a receber. A carta de apresentação mencionada configurou um pedido que
não poderia ser recusado. Assim, aquele que foi recebido se beneficiou de
privilégios e da tolerância da família, que por um tempo lhe forneceu alimentação,
segurança e hospedagem. Observa-se também uma continuidade do fluxo
migratório, pois a e/imigrante que foi acolhida pela família da depoente, hoje já
estabilizada no país, recebe outros conterrâneos. Como trabalha na área da costura,
intermedeia o contato entre os recém-chegados e os donos de oficina,
caracterizando-se como um fio nas redes de mão de obra e comerciais. A depoente
ainda destaca que esses profissionais vêm e vão, reafirmando o fluxo sazonal
destinado à produção e o ritmo de trabalho intenso das oficinas.
Outras redes são constituídas pelos veículos de informação e pelas redes
sociais, utilizados para difundir e projetar ações cotidianas da comunidade boliviana.
Trazem discursos e expressam comportamentos sobre as práticas sociais dos
e/imigrantes que revelam suas opiniões, crenças, valores e atitudes. Desse modo,
relações sociais são construídas e transformadas pelos grupos participantes, que
“compartilham” e “curtem” fatos que envolvam a presença de conterrâneos, como
denúncias de jornadas de trabalho abusivas, inauguração de empresas bolivianas
em São Paulo, festas religiosas, assuntos referentes a encontros sobre imigração,
entre outros. É possível perceber nos fios das redes sociais e dos sites destinados
especificamente ao grupo as inquietações e os sonhos, que, ao serem
compartilhados, deixam de ser individuais e passam a ser coletivos.
Nos sites e jornais, matérias são editadas de acordo com os interesses,
sejam esses de órgãos oficiais, associações ou empresas. Portanto, nota-se uma
224
Depoimento de Jasmin Loyaza, em entrevista concedida à autora em 06/10/2012. Filha de imigrante boliviano. Solteira, 21 anos. Formada em Recursos Humanos e dançarina de grupo folclórico boliviano.
101
preocupação225 com o conteúdo da mensagem para que não prejudique a imagem
do grupo. Mesmo quando se trata de uma denúncia de exploração, toma-se o
cuidado de não culpabilizar o e/imigrante no discurso, a finalidade é estabelecer a
comunicação entre a coletividade para que fatos como esse não ocorram mais.
Nesse sentido, assevera que a comunicação é o fenômeno social por meio do qual os indivíduos, vivendo em coletividade, buscam relacionar-se uns com os outros. E, envoltos na interação, definem regras e normas de vida em sociedade, além de criar formas de pensar que lhes permitam reconhecerem-se como participantes de uma identidade cultural comum.226
Os discursos encontrados em veículos de informação227 voltados para a
comunidade boliviana, como sites, revistas, jornais e redes sociais (como páginas no
Facebook), destacam elogios aos e/imigrantes e exaltam seus esforços em manter
as relações com o país de origem: “Los trabajadores „que se han ido al exterior, han
logrado ubicarse bastante bien, porque son gente muy laboriosa y eso les ha
permitido seguir enviando remesas a sus familiares‟.”228
Também podem ser constatadas muitas atividades envolvendo a
comunidade latina, com o intuito de fortificar a rede e mostrar que em São Paulo os
e/imigrantes conseguem obter serviços específicos para suas necessidades
cotidianas, como atendimento odontológico para latinos, unidades básicas de saúde
voltadas para atender a mulher boliviana, além de ofertas de emprego, cultos
religiosos realizados em espanhol, divulgação de festas e datas comemorativas da
225
Essa preocupação se dá em matérias publicadas nos veículos de comunicação voltados para a comunidade boliviana, pois nos demais, destinados ao público em geral, predomina o discurso sensacionalista, sem profundidade e que não retrata com total veracidade as experiências vivenciadas pelos e/imigrantes. 226
Charaudeau, 2003. Apud: DADALTO, Maria Cristina. Imigração e permanência do sonho. Matrizes. São Paulo, vol. 7, nº. 2, USP, jul./dez. 2013, p.253. 227
Site <http://boliviacultural.com.br>; jornal El Chasqui SRL - o mensageiro del pueblo boliviano; jornal Nosotros Imigrantes; páginas no Facebook Bolivia Cultural, Radio Play Bolivia, ADRB - Associação de Residentes Bolivianos, Bolivianos em SP Brasil, com 5.001 membros, Praça-Kantuta e, entre as páginas dos grupos folclóricos, Grupo Folklorico Kantuta Bolivia e Sociedad Folklorica Boliviana. 228
Entrevista realizada com o ex-presidente do Banco Central da Bolívia Armando Méndez. Cf.: VASQUEZ, Walter. Remesas caen por desempleo en España y limitantes en Argentina. La Razon. La Paz, 07/03/2012. Disponível em: <http://www.la-razon.com>. Acesso em: 25/06/2014.
102
comunidade e até mesmo comunicados do Consulado Geral da Bolívia em São
Paulo.229
Figura 11 - Serviços odontológicos direcionados à comunidade latina.230
Figura 12 - Serviços de saúde direcionados a latinos.231
229
Ver comunicado em anexo. 230
EL CHASQUI SRL. San Pablo, Ano 3, ed. 18, fev. 2013. 231
EL CHASQUI SRL. San Pablo, Ano 3, ed. 18, fev. 2013.
103
Figura 13 - Distribuidora de produtos bolivianos.232
Ao analisar essas páginas e matérias nos sites e jornais da comunidade,
nota-se como o grupo – a rede – se posiciona, que imagem quer passar de si, como
deseja ser reconhecido dentro da própria rede e pela sociedade de acolhimento em
esfera pública nacional e local. Entende-se que a mídia se constitui como fonte de
informação e de representação sobre os e/imigrantes, um campo legitimador da
percepção, do sentimento coletivo e dos mitos edificados. Também possui especial
contribuição na formação de um imaginário sobre a migração e os fluxos migratórios
para São Paulo.
O meio de transporte utilizado pelos colaboradores do presente estudo e por
grande parte dos e/imigrantes que se encontram em São Paulo era o rodoviário. A
empresa Viação Andorinha realiza o deslocamento de passageiros entre o Brasil e a
Bolívia há 66 anos, com saídas diárias de São Paulo, terminal Barra Funda, para
Corumbá, Puerto Quijarro e Puerto Suárez, identificadas como um só local no site da
companhia Divisa BR/BO. A tarifa para o trecho é de R$ 230,00. Quando o
232
EL CHASQUI SRL. San Pablo, Ano 3, ed. 18, fev. 2013.
104
passageiro parte do Rio de Janeiro, o valor da passagem sobe para R$ 320,00, com
paradas em São José dos Campos, São Paulo e Campo Grande.233
O trajeto também é realizado por transportes particulares234, como carros e
vans, que podem ser alugados, conforme identificado em pesquisa de campo na
Praça Kantuta235. Os veículos percorrem 2.146 km, sendo as principais vias
utilizadas nesse percurso: SP-150 (Anchieta), Interligação Imigrantes-Anchieta na
Baixada Santista, SP-160 (Imigrantes), SP-021 (Rodoanel), SP-280 (Castelo
Branco), SP-209 (João Hipólito Martins), SP-300 (Marechal Rondon), BR-262 e RN-
4. Passando pelas cidades de Botucatu, Bauru, Lins, Araçatuba, Andradina, Três
Lagoas, Água Clara, Ribas do Rio Pardo, Campo Grande, Miranda, Corumbá,
Puerto Suárez, El Carmen, Roboré, San José de Chiquitos, Quimone, Pozo del
Tigre, Pailón e Santa Cruz de la Sierra. Em todas as cidades mencionadas permite-
se o embarque e desembarque de passageiros.
Também se utiliza o transporte aéreo, realizado pelas empresas Gol Linhas
Aéreas236 e Boliviana de Aviación (BoA) 237. A BoA opera de Cobija, Cochabamba,
La Paz, Santa Cruz, Sucre, Tarija, Trinidad com destino ao Aeroporto Internacional
de Guarulhos - São Paulo, sendo de Santa Cruz de la Sierra para São Paulo de
segunda, quarta, sexta e domingo, e de Cochabamba às terças, quintas e sábados.
E a Gol linhas aéreas opera de Santa Cruz de la Sierra para São Paulo com voos
diários. Voando de La Paz, aeroporto de El Alto, para São Paulo (GRU), as
companhias LAN, Gol, Avianca, Copa, Aeromexico e TACA operam alternando
horários de voos diários, com escalas e mudanças de aeronaves.
233
PENSE POSITIVO, PENSE VIAGENS. Disponível em: <http://www.pensepositivopenseviagens. com.br>. Acesso em: 08/06/2014. 234
As rotas clássicas são por San Pedro de Atacama, no Chile, adentrando a Reserva Natural Eduardo Avaroa, e por Corumbá, no Brasil, para pegar o trem entre Quijarro e Santa Cruz, o famoso Trem da Morte. SP SEM SEGREDOS. Disponível em: <http://www.emsampa.com.br/rotas_ rodoviarias_II/saopaulo_scruzsierra.htm>. Acesso em: 14/06/2014. 235
Praça localizada no Bairro do Canindé, à rua Pedro Vicente. Utilizada aos domingos como ponto de encontro, local de lazer e comércio da comunidade boliviana residente em São Paulo. Mais detalhes sobre a Praça, um território boliviano em São Paulo, serão apresentados no próximo capítulo da tese. 236
SP SEM SEGREDOS. Disponível em: <http://www.emsampa.com.br/voos/aeroporto_sp_ guarulhos.htm>. Acesso em: 14/06/2014. 237
BOLIVIANA DE AVIACIÓN. Disponível em: <http://www.boa.bo/brasil/inicio>. Acesso em: 14/06/2014.
105
Agências de viagem e operadoras podem auxiliar o e/imigrante nesse
momento, fornecendo-lhe informações e proporcionando-lhe a venda de bilhetes.
Foram identificadas algumas agências de turismo que realizam a emissão de
bilhetes aéreos para São Paulo, porém o foco de suas atividades são as viagens
turísticas. O Diretório de Agências de Viagem na Bolívia238 disponibiliza 29 agências
para o viajante, sendo que destas apenas 13 podem ser identificadas por realizarem
viagens internacionais, as demais se apresentam como agências de receptivo. E
apenas uma, a Brasil Tropical Tours, oferece serviço de transporte terrestre para o
Brasil, incluindo a venda de passagens de trem e do ônibus Andorinha.
Ao identificar as redes que trouxeram ou intermediaram a vinda dos
bolivianos, percebeu-se que muitos influenciaram novos emigrantes, os estimularam
ou refrearam seus projetos de emigração, criaram expectativas e auxiliaram sua
inserção na comunidade receptora. Identificaram-se também aqueles que migraram
sozinhos, mas construíram sua trajetória dentro de um contexto social apresentado
no país de origem. Portanto, pode-se notar que não é um indivíduo que emigra, e
sim uma rede que propicia sua emigração e realiza o processo em conjunto com o
e/imigrante. “A noção de redes é crucial a todos que almejam entender migrações –
históricas ou contemporâneas – como um processo social.”239
238
BOLIVIA CONTACT. Diretório das Agências de Viagem da Bolívia. Disponível em: <http://www.boliviacontact.com/AgenciasdeViagens.html>. Acesso em: 03/07/2014. 239
TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo, vol.20, nº. 1, jun. 2008, p.199.
106
CAPÍTULO 2 – UM DESTINO CHAMADO SÃO PAULO:
ANGÚSTIAS E INCERTEZAS
Este capítulo destina-se a rastrear as novas experiências vivenciadas pelos
e/imigrantes bolivianos em São Paulo, destino da viagem que para muitos é apenas
um processo passageiro, envolvendo hospitalidade, hostilidade e encontro. Discute
ainda as lutas diárias travadas para recriar a identidade.
Conceitos de redes, identidade, identificação e pertencimento dialogam
diretamente com trechos dos depoimentos que versam sobre o cotidiano de trabalho
e os relacionamentos na nova terra. Como redes de acolhimento apresentam-se as
associações destinadas a atender os migrantes e e/imigrantes, religiosas ou não, os
grupos de dança, oficinas de costura e as famílias.
Para a análise da categoria cotidiano, a proposta é dividi-la de duas
maneiras: de um lado o trabalho e de outro, as atividades diárias do e/imigrante –
estudo, relacionamentos com a vizinhança, manifestações de fé, tradições e
costumes das famílias, práticas de lazer, futebol aos domingos, características
gastronômicas, entre outras.
2.1 SOCIEDADE DE “ACOLHIMENTO”: CHEGADA E INSTALAÇÃO
As teias da rede se desenharam do ponto de origem, como mencionado no
capítulo anterior, até o destino final. Mas ao chegar a São Paulo o e/imigrante ainda
necessitava de apoio para se estabelecer na cidade, para conseguir o primeiro
emprego e iniciar sua caminhada até o sonho do “El dorado paulista”. Para muitos o
primeiro contato com a metrópole foi viabilizado pelas redes, fossem de associações
ou de parentesco. Outras histórias revelaram a força da rede de amigos e parentes
num primeiro momento e, após a estabilidade do e/imigrante, uma aproximação com
as associações voltadas para a comunidade migrante – “Sim, quando eu estava
107
mais o menos estável. Aí eu conheci um monte. Na associação dos bolivianos tenho
um monte de amigos.” 240
O fator tempo é o critério que delimita esse processo da acolhida.241 Dentro
das instituições de apoio esse tempo é predeterminado em no máximo 90 dias242,
prazo para que o hóspede se estabeleça em um emprego e em uma nova
hospedagem. Rompe-se assim o vínculo entre o anfitrião e o hóspede. “O status de
hóspede encontra-se no meio do caminho entre o de estrangeiro hostil e o de
membro da comunidade.”243 Um status temporário e predefinido nas instituições de
apoio pelas regras de imigração do território receptor.
Entre as associações mencionadas em relatos destacam-se os trabalhos do
Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), do Projeto Si Yo Puedo na Praça Kantuta e da
Pastoral do Imigrante, voltados para o atendimento e acolhimento de migrantes e
e/imigrantes. O CAMI244 iniciou suas atividades em 2005 com uma perspectiva de
atendimento aos latino-americanos. Um acordo entre o Brasil e a Bolívia propiciou o
início dos trabalhos, tendo como intuito principal a inserção sociopolítica do
e/imigrante. Para isso oferece aulas de português, informações para a regularização
migratória, auxílio em questões trabalhistas e violência doméstica. Possui convênios
com o Comitê para Democratização da Informática (CDI)245 para aulas de
informática e português.
240
Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 241
A noção da acolhida passa por dois momentos: um da hospitalidade (anfitrião e hóspede) e outro da integração do hóspede com a comunidade receptora, o tornando um membro integral. Hospitalidade: relacionamento entre anfitrião e hóspede. LASHLEY, Conrad; MORRISON, Alison (Orgs.). Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004, p.21. Por hospitalidade entende-se: “[...] ato humano, exercido em contexto doméstico, público e profissional, de recepcionar, hospedar, alimentar e entreter pessoas temporariamente deslocadas de seu habitat natural.” CAMARGO, Luis Octavio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004, p.52. 242
Tempo estabelecido pelas leis de imigração para validade da concessão do visto de turista. Após 90 dias o estrangeiro deve regularizar sua situação migratória, seja retornando ou solicitando um visto temporário para trabalho. Assim, as leis da hospitalidade estão subjulgadas às formas políticas e jurídicas de cada Estado. 243
MONTANDON, Christiane Binet. Uma construção do vínculo social. In: MONTANDON, Alain (Dir.). O Livro da Hospitalidade: Acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. Tradução de Marcos Bagno e Lea Zylberlicht. São Paulo: Editora SENAC, 2011, p.1.173. 244
CAMI - Centro de Apoio ao Migrante, localizado na Rua Guaporé, 353, Ponte Pequena. E-mail: [email protected] / tel.: (11) 2694-5428. Entrevista com a advogada Marina Novaes, concedida à autora em 04/03/2013. 245
Comitê para Democratização da Informática (CDI): ONG com cursos de informática que objetiva dar oportunidades para as pessoas de baixa renda. Site: www.cdi.org.br.
108
Observa-se que são parceiros na luta contra o trabalho em condições
análogas à de escravo. A depoente destaca a ação dos agentes sociais, que
identificam os e/imigrantes que saem do centro e vão para as periferias para
trabalhar e morar. A interlocução com os e/imigrantes é facilitada por quatro agentes
sociais bolivianos.
[...] estes vão até as oficinas conversar com proprietários e funcionários, verificam as condições de trabalho e moradia. Verificam as instalações, a legalidade dos contratos e percebem as necessidades dos imigrantes. Deixam contatos para conversas posteriores. Informam sobre o Centro de apoio, sobre a rádio A Voz do Migrante e sobre o jornal Nosotros. Percebe-se um número maior de homens do que de mulheres nas oficinas e nos atendimentos.246
Nota-se a relevância das parcerias com outras redes de apoio:
Trabalhamos conjuntamente com o Centro de Estudos Migratórios (CEM)247, Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE)248 [...] e o Ministério do trabalho.
246
Entrevista com a advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. Trabalha com atendimento e apoio jurídico aos e/imigrantes que procuram o CAMI. 247
CEM - Centro de Estudos Migratórios. “O Centro de Estudos Migratórios (CEM) surgiu em 1969. Pertence à Congregação dos Missionários de São Carlos / Escalabrinianos, cuja finalidade é atuar junto aos migrantes. Integra a Federação dos Centros de Estudos Migratórios João Batista Scalabrini, que congrega os demais Centros de Estudos da Congregação, presentes em vários países (São Paulo, Nova York, Paris, Roma, Buenos Aires, Manila). Conta com uma biblioteca especializada em migrações e desde 1988 publica TRAVESSIA - Revista do Migrante.” USP. FFLCH - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Diversitas - Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos. CEM - Centro de Estudos Migratórios. 30/01/2012. Disponível em: <http://diversitas. fflch.usp.br/cem>. Acesso: 17/04/2015. 248
COETRAE - Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo. “O Decreto nº 57.368, de 2011, instituiu junto à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, a Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo - COETRAE/SP, que tem como objetivos: I - avaliar e acompanhar as ações, os programas, projetos e planos relacionados à prevenção e ao enfrentamento ao trabalho escravo no Estado de São Paulo, II - elaborar e acompanhar o cumprimento das ações constantes do Plano Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo, propondo as adaptações que se fizerem necessárias; III - acompanhar a tramitação de projetos de lei relacionados com a prevenção e o enfrentamento ao trabalho escravo; IV - apoiar a criação de comitês ou comissões assemelhadas nas esferas regional e municipal para monitoramento e avaliação das ações locais; V - manter contato com setores de organismos internacionais, no âmbito do Sistema Interamericano e da Organizações das Nações Unidas, que tenham atuação no enfrentamento ao trabalho escravo, dentre outros.” SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: <http://www.justica.sp.gov.br/portal/site/SJDC/menuitem.7e46e7e22f62a4d7d30d0cf6390f8ca0/?vgnextoid=a7d80195a1d70410VgnVCM10000093f0c80aRCRD&vgnextfmt=default>. Acesso: 17/04/2015.
109
Também realizamos uma parceria com ONGs, uma delas em Guarulhos, com o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS)249 e com as Unidades Básicas de Saúde.250
Verifica-se ainda a participação em fóruns sobre a temática da imigração e
exploração, além do trabalho de divulgação do CAMI nos consulados. A rede de
contatos do Centro de Apoio ao Migrante se formou a partir dos comitês de que
participa, como enfrentamento ao tráfico em nível municipal, agentes do Ministério
do Trabalho, ONGs, a Pastoral, as associações de saúde, os albergues.
Agora estamos ampliando a rede com associações que cuidam de imigrantes de Angola, Equador, porque nós somos um lugar para atender imigrantes, e não só para latinos. Temos materiais em todos esses locais e temos deles também para fazer a divulgação dos serviços e apoio prestado.251
Um diferencial do trabalho do CAMI é a preocupação em estabelecer uma
aproximação entre os estrangeiros e o Centro de Apoio. Para tal, utiliza um
questionário como ferramenta de comunicação, em que o e/imigrante aponta seus
interesses, sendo o material produzido de acordo com a demanda. Esse trabalho é
realizado em organizações dos bairros e igrejas aos finais de semana.
É... e aí a gente faz aos finais de semana. Este ano ainda não começou, mas o semestre passado foi assim. Todo final de semana com oficinas informativas. De temas: regularização de situação imigratória, regularização de pessoa jurídica, segunda via de documentos, via definitiva de documentos. E para isso
249
CRAS - Centro de Referência de Assistência Social “é uma unidade pública estatal descentralizada da Política Nacional de Assistência Social (PNAS). [...] atua como a principal porta de entrada do Sistema Único de Assistência Social (Suas), dada sua capilaridade nos territórios e é responsável pela organização e oferta de serviços da Proteção Social Básica nas áreas de vulnerabilidade e risco social. O principal serviço ofertado é o de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif), cuja execução é obrigatória e exclusiva. Este consiste em um trabalho de caráter continuado que visa fortalecer a função protetiva das famílias, prevenindo a ruptura de vínculos, promovendo o acesso e usufruto de direitos e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida”. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome. Centro de Referência de Assistência Social - Cras. 22/06/2015. Disponível em: <http://mds.gov.br/assuntos/assistencia-social/unidades-de-atendimento/ cras>. Acesso: 17/04/2015. 250
Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. 251
Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013.
110
eles precisam comprovar meios de subsistência, abrir uma empresa. Então eles usam o manual, que acaba sendo um guia para essas oficinas e palestras, porque aí tem como se regularizar, como se manter no Brasil... Enfim, fala também sobre cidadania, arte. Tudo isso a partir da vontade do entrevistado, porque os cursos são montados de acordo com o que eles têm de dúvida.252
Quanto à participação dos e/imigrantes nas oficinas, aumenta
gradativamente com o passar dos finais de semana, pois, ao se identificarem com os
temas, fazem a divulgação dentro das comunidades.
No começo foi boca a boca mesmo. Também temos o jornal, cerca de 10 mil exemplares, também temos a rádio que faz a divulgação, na Kantuta e em festas e outras rádios também. Além da própria organização. Temos feito em Carapicuíba, Itaquaquecetuba e em outras localidades também.253
Alguns relatos mencionam a busca por ajuda financeira para se estabelecer
no Brasil ou mesmo para retornar à Bolívia: “Fui até a associação, mas, é aquela
coisa, eles te ajudam orientando, mas eles não dão ajuda financeira ou trabalho.
Hoje não sei, mas na época eles orientavam, só isso.”254 Sobre esse fato, a
representante do Centro de Apoio comenta:
É difícil, a gente direciona para o consulado e vê o que pode fazer, nós não temos verba pra isso. É uma ação pública que vai ajudá-lo. Mesmo para se regularizar, ele que deve conseguir o dinheiro, nós não temos como. As taxas somam em torno de 200 reais, se tiver cinco pessoas na família, eles muitas vezes não têm como pagar.255
252
Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. 253
Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. 254
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 255
Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013.
111
Além do trabalho realizado nas oficinas, o Centro de Apoio executava em
média 40 atendimentos por dia sobre as mais variadas necessidades dos
e/imigrantes, incluindo assuntos de relacionamento com a vizinhança, reclamações
de maus-tratos em serviços públicos, como escolas e departamentos de polícia, e
solicitações de ordem trabalhista. Os bolivianos que efetuavam reclamações de
ordem trabalhista as faziam quando deixavam de receber pela produção entregue.
[...] eles só reclamam algum direito quando deixam de pagar. Aí sim eles falam em muito trabalho, exploração e reclamam da falta de pagamento. Mas trabalho escravo, não, aqui eu nunca ouvi essa palavra. Eu ouvi uma vez de uma pessoa do Ministério Público, mas dos imigrantes não. Eles vêm reclamando por dívidas pequenas, 1.000 reais, 500 reais. Tem pessoas que falam que o patrão fala que o Brasil é muito perigoso, “Deixa que eu guardo seu dinheiro”, e depois não devolve. Ao invés de pagar, dão vales, 50 reais por final de semana. E aí eles nunca sabem quanto têm para receber. Os valores que o patrão apresenta não batem, e aí vêm reclamar porque se sentem lesados.256
As instituições religiosas que acolhem e orientam também são destacadas
em depoimentos, entre elas a Igreja Nossa Senhora da Paz257, sede da pastoral do
e/imigrante, mencionada por todos os colaboradores, que em algum momento de
suas vidas a visitaram, participaram de missas, cultos e festas ou até cederam um
pouco de seu tempo em trabalhos voluntários para acolher conterrâneos.
Acho importante para manter a cultura. A igreja tem bastante força com a comunidade. Todo último domingo do mês tem o culto em espanhol. Outros peruanos, paraguaios... também frequentam as missas. Não são só bolivianos.258
256
Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. 257
Localizada na Rua do Glicério, 225, Liberdade. Site: http://www.missaonspaz.org / tel.: (11) 3340-6950. 258
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.
112
Depois do ato litúrgico é oferecido almoço com comidas típicas e realizam-se
apresentações de dança de cada país participante, dando principal destaque ao país
escolhido para organizar o evento.
Eu ajudei outras pessoas, fui tocar nas associações de imigrantes de graça, para arrecadar dinheiro para ajudar. Lá no Glicério. O trabalho das associações é importante, dão orientação, ajudam a arrumar trabalho. Orientam com a documentação, dão apoio mesmo.259
O trabalho realizado pela pastoral dos imigrantes latino-americanos na Igreja
Nossa Senhora da Paz de São Paulo teve início nos anos 70 com os missionários
scalabrinianos. Inicialmente atendia exilados políticos do Cone Sul, chilenos,
uruguaios e argentinos. E atualmente acolhe e atende paraguaios, bolivianos,
colombianos, peruanos, africanos, haitianos, ganeses e outros.260
Além do serviço religioso, a pastoral oferece orientação jurídica e psicológica
gratuita e disponibiliza seus espaços para manifestações culturais de diferentes
tradições religiosas. Como as festas organizadas pelos e/imigrantes chilenos em
julho em homenagem a Nossa Sa. do Carmo; a de Nossa Sa. de Copacabana e
Urkupiña em agosto por bolivianos; a de Santa Rosa de Lima e Senhor dos Milagres
em agosto e outubro por peruanos; e a de Nossa Sa. de Caacupê em dezembro
pelos peruanos. Esses encontros propiciam uma maior integração entre os
e/imigrantes e demais frequentadores da igreja, desencadeando outros eventos,
como as novenas realizadas nas residências dos participantes no primeiro sábado
de cada mês.
259
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza (músico), em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 260
Essa Pastoral surgiu de uma preocupação da Igreja Católica com a mobilidade humana e foi expressa no documento Pastoralis Migratorum Cura, do Papa Paulo VI, em 1969. Antes desse documento a iniciativa de assistência social e religiosa a migrantes foi do Bispo de Piacenza (Itália) João Batista Scalabrini, que em 1887 fundou uma Congregação de Missionários e Irmãs para acompanhar os imigrantes italianos rumo à América. No Brasil esses grupos estão presentes em várias cidades, como: Caxias, Porto Alegre, Curitiba, Foz do Iguaçu, Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus, Guajará-Mirim, Cuiabá e podem se expandir de acordo com os interesses da igreja e necessidades apresentadas pelas comunidades. SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.
113
Eu participo das festas, por exemplo, a de Nossa Senhora de Copacabana, que é em agosto, que tem que fazer novenas. Começa em novembro e vai até agosto. Recebo a santa da Igreja da Paz, vem o padre fazer a missa aqui. E às vezes até alugo um salãozinho.261
Identifica-se na igreja a constante prática da hospitalidade262, pois acolhe a
comunidade de fiéis para aproximá-los da Divindade. Considerada um lugar de
hospitalidade espiritual, as práticas ali estabelecidas remetem aos ensinamentos
cristãos de amar, acolher e respeitar o próximo. Uma acolhida fraternal que ajuda a
inserir o e/imigrante no novo contexto.
As obras realizadas pelas instituições religiosas, sejam católicas ou não,
propiciam aos e/imigrantes um pouco do conforto necessário a essa nova jornada,
por se basearem nos atos da misericórdia – dar de comer, de beber, recolher, vestir,
visitar e encontrar os necessitados.263 A exemplo da Assembleia de Deus do bairro
do Bom Retiro, que realiza cultos em espanhol aos sábados e domingos. Após o
culto de domingo, oferece um almoço comunitário aos participantes. E inclui os
e/imigrantes nas visitas realizadas aos presídios.
Nessa perspectiva, os encontros também contribuem para ampliar as redes
de solidariedade entre os e/imigrantes, bem como para manter e difundir as
tradições culturais dentro e fora do grupo. Desse modo, auxiliam na criação e
manutenção de outras associações, como a Associação dos Residentes Bolivianos
(ADRB), fundada em 1969, tendo por objetivos a promoção cultural, recreativa e
social de seus compatriotas – possui uma publicação mensal e gratuita, o jornal La
Puerta del Sol. Também com os mesmos objetivos, em 1975 foi fundado o Círculo
Boliviano. Já com o aumento de costureiros em São Paulo, em 2001 fundou-se a
Associação Comercial Bolívia-Brasil (Bolbra), a fim de minimizar e resolver os
conflitos entre bolivianos e coreanos, empregadores e empregados do ramo das
confecções. Em 2003 surgiria outra, a Federação Única dos Residentes Bolivianos
261
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 262
PEROL, Céline. Amar e Agir. In: MONTANDON, Alain (Dir.). O Livro da Hospitalidade: Acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. Tradução de Marcos Bagno e Lea Zylberlicht. São Paulo: Editora SENAC, 2011. 263
Seis atos da misericórdia enunciados por São Mateus, enumerados nos livros de Jó (29,12-17; 31, 16-20) e de Tobias (19-20; 4, 17-18). Cf.: Ibidem, p.1.273.
114
no Brasil (FURBRA), com o objetivo de superar as diferenças sociais e ideológicas
entre os bolivianos em São Paulo.
No âmbito cultural também podem ser encontradas várias agremiações em
São Paulo. O primeiro grupo foi fundado na cidade em 1976, o Raza Índia. Interpreta
músicas e danças tradicionais de várias partes da Bolívia, utiliza instrumentos de
sopro como a quena e a zampoña, instrumentos de corda como o charango e para
percussão, o bombo.264 Um dos seus fundadores comenta o trabalho realizado pelos
atuais componentes para manter e divulgar a cultura boliviana:
Todos os grupos nasceram praticamente do meu. Eu os conheço desde o começo, conheço os mais velhos, as pessoas que começaram a dançar e a cantar a música boliviana. Obviamente que os mais velhos já não dançam, mas continuam cuidando dos grupos. Conheço seus filhos, netos, é muito bom ir aos encontros e as pessoas te reconhecerem, te cumprimentarem. Às vezes me chamam e eu toco com eles. São muito importantes, com eles a cultura não acaba. Estão sempre pesquisando para ensinar os mais jovens e dão continuidade ao trabalho que comecei. Fico feliz, eu particularmente me orgulho de ser boliviano e de trazer o orgulho para o povo boliviano.265
A fim de divulgar a cultura da Bolívia, outros grupos surgiram, com destaque
para o Kantuta, fundado em 1988, que foca suas apresentações em danças
tradicionais266 como a diablada, a morenada, tinkus, caporales e cueca. Já em 2003
nasceu o Sociedad Folklórica Boliviana, formado por dissidentes do Kantuta e do
264
Instrumentos musicais de sopro dos Andes (quena e zampoña), as flautas podem ser de cana, osso ou madeira; o bombo leguero é um bumbo de couro de ovelha ou guanaco; e o charango é um instrumento cordófono de dez cordas ou mais feito com carapaça de tatu (chamado de "Quirquincho") ou de madeira. 265
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 266
As danças tradicionais bolivianas apresentadas pretendem contar um pouco da história do povo, do processo de colonização, do cotidiano, da mineração e do cortejo entre os namorados. Como: Caporales, uma dança que se inspirou nos passos da morenada, do tundiquis, do negritos; e Saya afro – ambas satirizam o período colonial e a escravidão, representam os negros e o capataz no cotidiano das fazendas, no trabalho nas minas e na agricultura. A Cueca é dançada em pares e representa o cortejo entre os casais; já a Diablada é uma dança inspirada na lenda de Huari, um deus que representa a força do fogo e das montanhas e quis destruir os urus (um povo), mas uma divindade do bem ñusta o derrota e espanta o mal, materializado nas figuras de um sapo, um lagarto, uma víbora e formigas. A dança tem origem com os mineradores e expressa a rebeldia do povo andino em aceitar a imposição do catolicismo estabelecida pelos colonizadores. A constante luta entre o bem e o mal e os sete pecados capitais fazem parte da Diablada. INTEGRACIÓN NACIONAL: VIRGEN MARÍA ASUNCIÓN. Bolívia, nº 2, Ano 2, Difusion Nacional, agosto de 2011.
115
Raíces de Bolívia. A coordenadora e dançarina do Sociedad Folklórica rememorou
seu primeiro contato com a dança e a música boliviana:
Quando eu tinha 6 anos, meu pai me levou à comemoração feita no Memorial da América Latina pelo Dia da Independência da Bolívia, onde havia apresentações de grupos de música e dança folclórica. Foi nesse momento que iniciou o meu contato com a cultura, tradições e valores do meu pai, pois me encantei e comecei a dançar em um grupo de danças folclóricas e sigo até hoje dançando. No Sociedad Folklórica temos ensaios todos os sábados, onde atuo como coordenadora e dançarina. É uma responsabilidade muito grande aliada de uma paixão. Desde os 6 anos de idade, ininterruptamente, danço música folclórica boliviana e não penso em meu cotidiano sem essa atividade. Para mim, é mais do que dançar. É dignificar uma cultura que considero minha, valorizar e mostrar as tradições de um povo que, apesar de ser financeiramente pobre, é rico de valores e que se preocupa em preservar tudo aquilo que foi cultivado e passado por seus ascendentes.267
Além desses também se destacam o Fraternidade Folclórica Morenada
Bolivia Central, fundado em 2001, e o Unión Fanáticos, de 2002, ambos dedicados à
dança da morenada. E há outras formas de organização, como os grupos voltados
para animação musical (Santa Fé, Latin Band, Los Duques, entre outros),
instrumentais como o Sensación e uma gama de bares, restaurantes e danceterias
espalhados pela cidade em que se pode ver, ouvir e saborear a cultura boliviana. É
possível constatar marcas na paisagem urbana que refletem a presença dos
e/imigrantes nos bairros.268
Muitos jovens, como eu, têm contato com as tradições bolivianas devido a esses grupos, que também se preocupam em preservar e divulgar a cultura e por eles possuem orgulho de serem descendentes de bolivianos.269
267
Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013. Bailarina e coordenadora-coreógrafa do grupo Sociedad Folklórica Boliviana. Filha de pai boliviano e mãe brasileira, 21 anos, estudante de Física da USP. 268
As marcas na paisagem são contempladas no próximo capítulo, no item que versa sobre as territorialidades bolivianas. 269
Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013.
116
Outro filho de e/imigrantes bolivianos comenta a relevância das agremiações
em sua formação pessoal. Diz conhecer vários grupos e participar ativamente de um
nos últimos dois anos que, além da dança, faz mostras sobre a cultura boliviana:
“Gosto não só da cultura, mas de participar dela, é muito legal. Continuar
aprendendo é muito bom.”270 Observa-se a busca do grupo pela valorização cultural
e pela preservação da imagem positiva do e/imigrante.
Ele me ensinou muito com relação a timidez e, enfim, a valorizar cada vez mais a cultura como patrimônio, como algo que você tem que preservar, passar boa impressão e também como algo que não pode ser esquecido, tem que ser cultivado.271
Para a coordenadora do grupo Sociedad Folklórica, a pesquisa realizada
para montagem de cada apresentação traz o aprendizado que sustenta a
manutenção das tradições, pois os bailarinos não apenas repetem movimentos, mas
entendem o significado de cada passo.
O grupo é [...] pra mim muito importante, é a minha herança. Todo mundo que eu tenho contato sabe o que eu faço, que eu danço. Então tudo o que eu tenho aprendido no grupo eu quero passar para os meus filhos. O grupo é a minha marca. Cada dança tem uma história, a gente apresenta no palco o fundamento, os passos, tudo tem um motivo. Eu quero passar para os meus filhos não só o conhecimento, mas a minha história, a minha origem.272
O grupo encomenda as vestimentas das apresentações diretamente da
Bolívia e as cede aos bailarinos para os shows buscando manter as características
tradicionais do país.
270
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 271
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 272
Depoimento de Jasmin Loyaza, em entrevista concedida à autora em 06/10/2012.
117
Figura 14 - Bailarinos do Sociedad Folklorica Boliviana
com trajes típicos da dança Caporelles.273
Através das danças folclóricas é possível perceber a “modernização” das tradições. A Bolívia é um país de um povo que valoriza muito sua cultura, seus valores e suas tradições, preservando-as até hoje. É incrível ver as mulheres do campo, chamadas de “cholas”, vestidas como a 100, 150 anos atrás. Mesmo com a globalização, a culinária, as vestimentas, as brincadeiras, as danças são semelhantes aos antepassados do povo boliviano e fazem parte do cotidiano.274
273
Apresentação realizada no 41º Festival de Danças Folclóricas Internacionais (22 e 23/09/2012, Auditório Bunkyo, São Paulo). Foto: Arquivo próprio. 274
Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013.
118
Observa-se a prática associativa como uma prática de luta, de união e força
para os e/imigrantes. Nos ensaios dos grupos os participantes se reconhecem
enquanto unidade, embora de culturas distintas, e não mais se sentem isolados na
sociedade. Nas viagens realizadas para as apresentações os bailarinos percebem o
reconhecimento de outros grupos, sentem a força e a segurança de estarem filiados
a uma associação que se preocupa com a manutenção das tradições culturais da
Bolívia e com a reconstrução de uma imagem positiva, desligada da construída
sobre a exploração da mão de obra na costura.
Por associativismo entendemos a formação e funcionamento do que em sociologia é normalmente denominado “associação voluntária”, ou seja, um grupo formado por pessoas que se associam com base em um interesse comum e cuja participação não é obrigatória nem determinada por nascimento, e que existe independente do Estado. Além disso, trata-se de “uma entidade organizada de indivíduos coligados entre si por um conjunto de regras reconhecidas e repartidas, que definem os fins, os poderes e os procedimentos dos participantes, com base em determinados modelos de comportamento oficialmente aprovados”.275
As associações também proporcionam diversão. Nos finais de semana e
após o trabalho, ensaios, festas e peças de teatro276 são realizadas pelos grupos de
bolivianos, atividades que modificaram trajetórias individuais em ações conjuntas
com seus pares.
Para os imigrantes, a necessidade de adaptação levava ao estreitamento de laços familiares e comunitários. Dessa forma foram criadas redes de solidariedade através de múltiplas estratégias, como cultos e manifestações religiosas [...], associações filantrópicas e de beneficência [...], sociedades
275
FONSECA, Vitor Manuel Marques da. Imigração: Identidade e Integração, 1903-1916. In: MATOS, Maria Izilda Santos de; SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (Orgs.). Deslocamentos & Histórias: Os Portugueses. Bauru, SP: EDUSC, 2008, p.358. 276
Entre elas a peça teatral “Caminos Invisibles... La Partida”, apresentada no SESC Bom Retiro, em 07/08/2013. A obra retrata as histórias de e/imigrantes bolivianos em oficinas de costura de São Paulo, destaca o processo de saída de La Paz, as angústias e ilusões, a chegada à oficina, as adaptações e choques culturais e o sonho do retorno. Com atores bolivianos de várias idades, expressa a realidade vivenciada por muitos e/imigrantes, inclusive pelos atores.
119
culturais, musicais (clubes, bailes, filarmônicas, bandas, corais), recreativas e esportivas.277
Outra forma de acolhimento e atendimento ao e/imigrante foi o Projeto Si Yo
Puedo, que realiza atendimentos aos domingos na Feira da Kantuta.278 Esse projeto
originou-se da preocupação com a formação dos jovens bolivianos da segunda
geração. A fundadora relatou a percepção do desaparecimento de colegas
bolivianos das salas de aula, à medida que ia completando os estágios de formação
educacional. No ensino fundamental havia mais crianças, no médio e na escola
técnica já não os encontrava, no cursinho e na faculdade de Odontologia, menos
ainda. “Depois fui fazer a pós em Porto Alegre e acabei esperando um pouco para
pôr o projeto em prática. Quando voltei, em março de 2012, fiz um mural com as
vagas de cursos, trabalho e montei a barraca na Kantuta.”279
Quando eu fui trabalhar na zona norte, tem uma área que eu atendo que 30% dos meus pacientes são imigrantes: paraguaios, peruanos, haitianos e bolivianos. Eu percebi que os imigrantes da segunda geração e até a terceira geração de bolivianos estavam abandonando o estudo muito cedo e reproduzindo a rotina dos pais, casavam cedo e mantinham oficinas. O máximo que eu vi de diferente nos últimos cinco ou seis anos foi que jovens que dominavam o idioma saíram para as ruas para vender a produção. Agora em formação [estudo], não tava acontecendo nada.280
O intuito do projeto é ajudar a família e o jovem a se valorizar e voltar para a
escola, “[...] abrir a cabeça, discutir a visão de mundo, fazer com que os pais
acompanhem mais os filhos na trajetória escolar e na área da saúde”281. Ao atendê-
los nos postos de saúde em que trabalha, a depoente compreendeu que muitos
277
MATOS, Maria Izilda Santos. A cidade, a noite e o cronista. Bauru, SP: EDUSC, 2007, p.52. 278
A Feira teve início em 2001 e acontece aos domingos na Rua Pedro Vicente, no bairro do Pari, das 11 às 19 horas. Com mais de 80 barracas voltadas para a comunidade boliviana, oferece comida típica, música, produtos típicos e festa folclórica. CIDADE DE SÃO PAULO. 187 feiras de artesanato e antiguidades. Disponível em: <http://www.cidadedesaopaulo.com/sp/br/o-que-visitar/187-feiras-de-artesanato-e-antiguidades>. Acesso em: 15/10/2012. SÃO PAULO (Estado). Biblioteca Virtual do Governo do Estado de São Paulo. Feiras de artesanato. Disponível em: <http://www.bibliotecavirtual.sp.gov.br/turismo-capital-feirasdeartesanato.php>. Acesso em: 15/10/12. 279
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 280
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 281
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
120
abandonavam os estudos por vergonha e pela recepção hostil de colegas de classe
por serem estrangeiros.282 Afinal, “ser estrangeiro é responder a quatro critérios: ser
desconhecido, vir de fora, estar de passagem, não ser conforme aos hábitos do
lugar [...]”283. Para os jovens, em especial, que estão na fase de formar vínculos e
ampliar sua percepção de mundo, essa situação se apresenta como muito
indesejável e beira o insustentável, forçando-os a tomar a atitude extrema de
abandonar as salas de aula.
O projeto identifica como os pilares de sua ação as vagas para estudo,
informações sobre regularização de documentos e ofertas de trabalho. A segunda
geração, que era o foco inicial da proposta, não a procura muito, mas sim aqueles
e/imigrantes recém-chegados que se deparam com o as exigências do mercado de
trabalho.
Assim, o projeto tomou o rumo de orientação profissional e vocacional e pela busca do emprego formal. Eu recebo muitas ofertas para trabalho, falam sobre casas separadas da oficina com piscina, bilhar... Eu não ponho no mural se não for oferta de trabalho formal com carteira assinada.284
Entre as atividades desenvolvidas, o projeto também oferece aulas de
português para os e/imigrantes que se candidatam a postos de trabalho formal e não
conseguem vagas de emprego por não compreender o idioma. “Nós não somos
assistencialistas, mas tentamos encurtar os caminhos para o imigrante. Explico
como é para entrar no ensino técnico, na universidade e direciono sonhos para que
eles não se decepcionem mais.”285
Identifica-se nas formas de apoio mencionadas (instituições religiosas ou
não, casas de apoio e projetos) uma linha de pensamento voltada para divulgar e
explicar ao e/imigrante seus direitos e deveres no país. Entre as informações
282
As questões referentes ao relacionamento dos e/imigrantes com a comunidade local serão apresentadas no item 2.3 deste capítulo. 283
GRASSI, Marie Claire. Uma figura da ambiguidade e do estranho. In: MONTANDON, Alain (Dir.). O Livro da Hospitalidade: Acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. Tradução de Marcos Bagno e Lea Zylberlicht. São Paulo: Editora SENAC, 2011, p.56. 284
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 285
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
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destacam-se assuntos relativos ao processo de regularização de documentos,
anistias, orientações sobre busca de trabalho, acesso aos serviços públicos como
educação e saúde e auxílio jurídico e psicológico, quando necessário. As instituições
de caráter religioso se dedicam ao acolhimento, oferecendo aos necessitados abrigo
e alimentação. Preocupam-se também em inserir esse indivíduo na sociedade e na
comunidade cristã. No caso da pastoral, o e/imigrante pode ficar hospedado por até
três meses. De acordo com a instituição, antes de esse tempo acabar o e/imigrante
consegue um emprego e, se indocumentado, dá início ao processo de regularização
de sua situação migratória, seja ela transitória ou não.
Percebe-se a prática da dádiva, e não somente da hospitalidade, entre os
e/imigrantes já estabelecidos, que retribuem suas conquistas auxiliando no processo
de acolhida e inserção dos recém-chegados na comunidade, mantendo assim o
processo contínuo e espontâneo de dar, receber e retribuir.286 A dádiva, por um lado,
pode ser considerada como um ato individual e livre e, por outro, um ato coletivo e
engajado socialmente. Como esse ato liga duas ou mais pessoas, pode ser visto
como o ciclo da sociabilidade entre e/imigrantes já estabelecidos e os recém-
chegados, entre os recém-chegados e a comunidade local e entre os estabelecidos
e a comunidade local. Também se pode considerar dádiva como “toda prestação de
serviços ou de bens efetuada sem garantia de retribuição, com o intuito de criar,
manter ou reconstituir o vínculo social”287. Ressalta-se que todo ato de hospitalidade
inicia-se com uma dádiva, e é a partir desse ato que o processo de retribuição
constitui vínculos sociais e o estreitamento das relações.
Em diferentes momentos do cotidiano dos e/imigrantes identifica-se a tríade
dar-receber-retribuir: no âmbito das festas religiosas, nas comemorações entre
amigos e familiares, no apoio às instituições e no apoio recebido das instituições.
Em relatos de reconhecimento à nação que os acolheu, dizem que aqui
conseguiram uma casa, a família e cresceram. E que agora querem devolver tudo o
que conseguiram ao país.
286
CAMARGO, Luis Octavio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004. GODBOUT, Jacques T. O espírito da dádiva. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Vargas, 1999. FERNANDEZ, Leandro R. G. Hospitalidade e encontro: o relacionamento entre moradores e turistas de segunda residência em Praia Grande. Dissertação (Mestrado em Turismo), Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2009. p.49-70. 287
Caillé, 2002, p.142. Apud: CAMARGO, op. cit., p.19.
122
O projeto é minha válvula de escape, é o que me faz sentir útil para a comunidade. Eu adoro trabalhar, não faço diferença nenhuma no atendimento às pessoas. O projeto me faz sentir que eu estou retribuindo tudo de bom que consegui em São Paulo, a escola estadual, a universidade. É uma forma de devolver para o Estado o que ele fez por mim e ajudar outros imigrantes a não serem uma vergonha, e sim motivo de orgulho na mídia.288
Esse sentimento de reconhecimento da dádiva recebida se faz presente no
cotidiano do e/imigrante boliviano e pode acarretar o desejo de retribuir à
comunidade com o “presterío” ou apadrinhamento de uma festa boliviana, como
expresso no relato da família que participa das novenas de Nossa Senhora de
Copacabana, recebendo a imagem e organizando uma festa para a Santa em sua
residência ou em um salão; “Temos que agradecer às graças a Santa.”289
A conquista da ascensão econômica na sociedade de acolhimento pode até
se concretizar, como nesse caso, porém o reconhecimento social se torna mais
difícil, já que no Brasil todos são vistos enquanto estrangeiros.290 As estratégias
traçadas por esses e/imigrantes visam romper com o anonimato voltando-se para
seus grupos, através da recriação de valores culturais, como é o caso dos
presteríos291 e das relações de apadrinhamento entre os compatriotas,
estabelecidas no âmbito religioso, de trabalho, popular e na vida familiar. Esses
valores são trazidos do país de origem e nem todos os e/imigrantes se submetem a
negociar seus costumes para a formação de uma identidade híbrida.292 Observa-se
288
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 289
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 290
Ser estrangeiro possui dois lados. O bom, por ser de fora, não possuir vínculos e poder se aventurar; também há a valorização de tudo e todos que vêm de fora desde que sejam produtos ou pessoas advindas de países economicamente ricos ou com diversidade cultural, exóticos para a sociedade receptora. Por outro lado, é ser estranho, não passar credibilidade, confiança, não possuir vínculos que passem uma noção de segurança. GRASSI, Marie Claire. Uma figura da ambiguidade e do estranho. In: MONTANDON, Alain (Dir.). O Livro da Hospitalidade: Acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. Tradução de Marcos Bagno e Lea Zylberlicht. São Paulo: Editora SENAC, 2011. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade das relações humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações
de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. 291
Presterío: festeiro que é escolhido para organizar uma festa, como forma de agradecer a uma santa ou santo de sua devoção uma graça alcançada. Nessa festa o festeiro deve dispor de altos valores para retribuir a graça, oferecendo comida, bebida e música em abundância. SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p.36. 292
SILVA, Sidney A. da. Costurando Sonhos: trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997.
123
que os esforços se redobram para que as tradições sejam mantidas e divulgadas
para a comunidade boliviana, ao mesmo tempo que estão abertos para as
influências que vivenciam no país.
As tradições se mantêm, mas as proporções são cada vez maiores. Semana passada teve uma festa no salão Golden House da Marginal que veio a Ivete Sangalo cantar. A festa é aberta, não tem muito controle. Era uma festa que finalizava a novena e oferecia a recepção dos convidados.293
Sobre as práticas de apadrinhamento realizadas aqui em São Paulo:
São iguais as da Bolívia, só que aqui tem muito mais pompa. É o deslumbre pelo poder aquisitivo, porque lá a tradição é batizar com um ano, fazer o casamento... Lá tem o apadrinhamento, os padrinhos ajudam a fazer festa, só que tudo é muito caro. Então procura-se um padrinho para o salão, padrinho para decoração, padrinho da comida, padrinho da bebida e assim vai. Todos topam, só que nesse dia que todo mundo topou e a festa aconteceu você assumiu uma dívida de um dia pagar o salão para o padrinho de salão e assim vai. Pode ser um casamento de um, a criança que hoje tem 2 anos, mas quando ele casar os pais deles virão até você.294
Percebe-se que a prática de apadrinhamento já está enraizada no cotidiano
dos bolivianos estudados, sendo um costume trazido dos antepassados que
perpetua as trocas entre os indivíduos, cria situações de débito com aqueles que
estão provendo o benefício momentâneo, mantendo assim o ciclo da tríade dar-
receber-retribuir, mesmo que sua manutenção implique sacrifício.295 “Nesse sentido,
as sociedades andinas, particularmente no âmbito rural, têm pautado sua
293
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 294
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 295
Em outras palavras, a prática do apadrinhamento encontra respaldo na teoria da dádiva iniciada por Marcel Mauss e aceita como um fato social total por ser observada em diversas sociedades e se perpetuar na contemporaneidade.
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organização sobre o valor básico da reciprocidade, o qual fundamenta as relações
econômicas, sociais e culturais.”296
A lógica da reciprocidade andina se dá em dois níveis: um entre os
indivíduos e unidades familiares; e outro com as unidades familiares e a autoridade
central. Entre os indivíduos se expressa na forma de ajuda mútua (ayni), no trabalho
por bens (minka) e na simples troca (trueque). Já para com a comunidade e
autoridade se dá em forma de mutirões.297
A dádiva, manifestada na tríade dar-receber-retribuir, fundamenta a
hospitalidade como forma de manutenção dos vínculos sociais. Para tal,
apresentam-se seis leis não escritas, mas que, se violadas, remetem os indivíduos e
as sociedades ao campo da hostilidade.298 Essas leis são expressas de forma cíclica
e possibilitam a criação de vínculos. Se em algum momento um elo se parte, é a
recusa e todo o processo se perde. Não é diferente do caso do apadrinhamento,
pois no cotidiano dos e/imigrantes observa-se a constante prática do dar-receber-
retribuir. E mais, identifica-se o reconhecimento social mediante os atos de
apadrinhamento e presteríos, o que solidifica os laços dentro da comunidade
boliviana. Esse sacrifício resulta em prestígio e reconhecimento da doação pelo
grupo. Ressalta-se ainda que dificilmente esse ayni será interrompido, pois para os
aimarás a quebra do ciclo, ou o ayni interrompido, pode causar algum mal ou
enfermidade à pessoa ou à família daquele que deveria retribuir.299
Para que o ato da hospitalidade seja eficaz, as características de um bom
anfitrião – acolhedor, e não somente hospedeiro – devem estar presentes. O
anfitrião proporciona mais do que o simples alimentar e hospedar, deve acolher com
compaixão, agradar e servir de maneira atenciosa e cortês.300
296
SILVA, Sidney Antonio da. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo, HUCITEC/FAPESP, 2003, p.168. 297
Ibidem. 298
São elas: a hospitalidade começa com uma dádiva; a dádiva implica sacrifício; toda dádiva traz implícito algum interesse; o dom deve ser recebido, aceito; receber implica aceitar uma situação de inferioridade diante do doador; e quem recebe, deve retribuir. CAMARGO, Luis Octávio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004. 299
Juarez, 1995, p.250. Apud: SILVA, op. cit., 2003. 300
TELFER, Elizabeth. A filosofia da hospitalidade. In: LASHLEY, Conrad; MORRISON, Alison (Orgs.). Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004.
125
Como mencionado, toda dádiva implica sacrifício, prover o acolhimento é um
ato de sacrifício, mas recebê-lo também. A compensação da acolhida em si não é
instantânea nem almejada pelo anfitrião, a simples presença do hóspede e a troca
de experiências já são vistas enquanto retribuição. Para quem é acolhido sempre
fica a sensação de permanecer em débito, por isso a oferta de presentes como
agradecimento é prática comum e mantém os vínculos sociais estabelecidos. Já sob
a ótica do anfitrião boliviano, acolher um conterrâneo também e/imigrante se torna
dispendioso e ele espera, sim, a retribuição da hospedagem, da alimentação e da
acolhida, mas na maioria das vezes com sua força de trabalho (minka) ou nas
formas de ayni e trueque, seguindo os costumes aimarás. Essa retribuição, quando
não necessária de maneira instantânea (minka), se dará em momento oportuno em
uma festa de casamento, batizado ou nas relações de apadrinhamento para primeiro
emprego ou para conquista da oficina de costura. Também se observaram relações
de exploração do trabalho não como compensação por uma dádiva recebida, mas
sim como capital, uma “moeda de troca”.
Nessa perspectiva, o apadrinhamento faz parte das “estratégias de
sobrevivência e de reprodução cultural de um grupo que convive com dois sistemas
simbólicos e econômicos”301, com os quais são obrigados a interagir em São Paulo:
o sistema étnico da reciprocidade e da redistribuição e o sistema capitalista,
baseado na competição e no acúmulo de bens.
Nos momentos das festas devocionais, percebe-se o orgulho em ser o
anfitrião e o nítido desejo de agradar à comunidade boliviana ofertando o que a
família tem de melhor aos convidados em retribuição pelas dádivas recebidas.
Nesses encontros nota-se muita hospitalidade, uma vez que os convidados atribuem
qualidades ao anfitrião como generosidade e desejo de agradar.302
Não obstante, o mais importante a se ressaltar é que a retribuição da dádiva não encerra o processo da hospitalidade humana. Ao contrário, nesse sentido, a hospitalidade assume a face mais nobre na moral humana, a de costurar, sedimentar e
301
MEDINA, 1988, p.51. Apud: SILVA, Sidney Antonio da. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: HUCITEC/FAPESP, 2003, p.170. 302
LASHLEY, Conrad; MORRISON, Alison (Orgs.). Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004.
126
vivificar o tecido social e colocar em marcha esse processo sem fim que alimenta o vínculo humano.303
Para o indivíduo em trânsito, os vínculos sociais assumem relevância, pois
traçam indícios da forma de vida que levará nos próximos anos, com mais ou menos
conforto, mais ou menos momentos de descanso aprazíveis e, principalmente, o
apoio emocional e o acolhimento que a comunidade de conterrâneos poderá lhe
oferecer durante sua jornada.
2.2 REDESENHANDO O COTIDIANO: TRABALHO E LAZER
Apresenta-se neste momento do estudo o cotidiano de uma expressiva
parcela dos e/imigrantes bolivianos em São Paulo, para não dizer da maioria. Como
em qualquer processo migratório motivado pela busca de oportunidades, os
e/imigrantes se dedicam integralmente à aquisição de recursos financeiros e, nesse
caso especificamente, como o projeto era familiar, todos os membros da família,
incluindo as crianças, possuíam papel relevante na conquista do sonho.
Quando eu cheguei aqui tinha 7 anos, então eu acabei tendo muito a atribuição de tradutora e guia da família, porque meu pai era o dono da oficina e trabalhava muito. A minha irmã tinha 14 anos, mas tinha tamanho pra ficar em uma máquina, ela começou a trabalhar. Eu é que ficava pela rua com a minha mãe, tentando fazer as compras e ver como funcionavam as coisas e ver onde tinham as coisas mais baratas. Eu tinha naquela época 7 anos e acabei pegando o idioma. Eu lembro que a gente ia numa feira lá no Center Norte, porque a gente achava que era mais barato, e voltava de metrô com o carrinho de feira. Mas será que era tão diferente assim o preço pra ir até o Center Norte? Precisava ir de metrô até lá? Eu não pagava, mas a minha irmã pagava. Hoje eu penso pra eu que precisava fazer isso, mas era indo atrás do melhor preço. Então eu tive essa tarefa, acabei aprendendo a costurar, com 10 ou 12 anos. Acabei aprendendo a costurar, mas eu nunca trabalhei de fato, como muitas crianças trabalhavam, porque eu sempre arrumava cursos, estudava muito, voltava do curso tarde.
303
CAMARGO, Luis Octávio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004, p.24.
127
Então eu também fazia essa parte pesada com a minha mãe de compras, eu que ia com ela. Então eu tive o privilégio de não ser obrigada a ir pra máquina de costura, a trabalhar de fato.304
O relato traduz o cotidiano de muitas crianças bolivianas encontradas nas
oficinas de costura, que são ao mesmo tempo local de trabalho, moradia e lazer. A
busca por um futuro promissor, com condições de vida diferentes das atuais, acaba
prejudicando o presente dos mais jovens, que se veem obrigados a ajudar seus
familiares nas jornadas de trabalho prolongadas das oficinas para aumentar o
volume da produção e o lucro nas vendas, o que os faz retardar ou até abandonar
os planos de estudo. Nota-se que as crianças mencionadas realizavam atividades
diferentes, na máquina e fora dela. Porém, a depoente considerava trabalho de fato
aquele dedicado à costura, minimizando assim o peso das atividades que
desenvolvia.
Há relatos de mães que deixam os filhos pequenos trancados nos quartos
da oficina o dia inteiro com um videogame para se distraírem, já que estar entre as
máquinas oferece perigo, atrapalha a produção e incomoda os patrões.305 A jornada
de trabalho das mulheres acaba sendo mais longa que a dos homens, pois, além da
costura, se encarregam da alimentação, da limpeza, dos cuidados com as crianças e
com os idosos.306 O depoente307 relatou que na oficina em que trabalhava, que
pertencia a um grupo familiar, algumas crianças estudavam, outras iam para a
creche e as maiores ou recém-chegadas ajudavam nos serviços gerais.
A respeito do número de horas que mulheres e homens destinam ao
trabalho familiar doméstico, destaca-se que as mulheres dedicam muito mais tempo
do que os homens a essa atividade. Estudos revelam que as bolivianas dedicam
cerca de 35 horas por semana e os homens, apenas 9 horas, já que se concentram
mais nas atividades econômicas remuneradas (42 horas semanais) que as mulheres
304
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 305
AZEVEDO, Flávio Antonio Gomes de. A presença do trabalho forçado urbano na cidade de São Paulo: Brasil/Bolívia. Dissertação (Mestrado em Integração da América Latina), PROLAM/USP, 2005. 306
A jornada estendida das mulheres na costura também é discutida em: MATOS, Maria Izilda Santos de. Trama e Poder. A Trajetória e polêmica em torno das Indústrias de Sacaria para o Café (São Paulo 1888-1934). Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996. 307
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
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(26,6 horas). Porém, somadas as horas destinadas às atividades remuneradas e às
domésticas, percebe-se que a jornada semanal das mulheres é mais longa.308
Segundo os relatos, não há diferença de trabalho por gênero dentro das
oficinas, homens e mulheres podem realizar as mesmas tarefas. O serviço é pago
pela produção e sua distribuição se dá pelo ofício, por facilidade, não por gênero.
Dentro da oficina existem três tipos básicos de máquina309: a reta, a overloque e a
galoneira. “A maioria dos homens trabalha na reta, as mulheres que trabalham na
reta são muito boas e acabam ganhando igual aos homens. Poucos homens
trabalham com overloque ou galoneira.”310 Ocorre o sistema de rodízio em algumas
funções para que a encomenda seja entregue na data certa. Aqueles que não
possuem habilidade com as máquinas realizam serviços gerais, só que ganham
menos por esse trabalho.
Não tinha salário, era por produção. Como eu não costurava, eu auxiliava, carregava, limpava, tinha um salário fixo, menos, não dava nem pra comer, tinha que pagar hospedagem, comida... fiquei endividado. Tentei costurar, mas não tenho habilidades manuais. Admiro quem tem essa habilidade. Nessa oficina eu fiquei uns seis meses. Eles ficavam com os documentos das pessoas, com os meus documentos, mas eles diziam que eu tinha dívida e, para segurança, tinham que ficar com os documentos. Os donos da oficina eram bolivianos.311
Destaca-se o fato de que os donos da oficina mencionada eram bolivianos,
e/imigrantes que já haviam passado pelo modelo de exploração/trabalho e agora
308
OIT - Organização Internacional do Trabalho. Igualdade no Trabalho: Enfrentar os desafios. Relatório Global de Acompanhamento da Declaração da OIT relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho. Conferência Internacional do Trabalho, 96ª. Sessão, Relatório I - B. Genebra, 2007. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/igualdade _07.pdf>. Acesso em: 22/11/2013. 309
Tipos básicos de máquina de costura para confecção: Reta, usada para costura simples, sendo que algumas costuras retas não podem ser cortadas; Galoneira, usada para tecidos leves e médios, é ideal para bainhas, colaretes, golas e barras, faz ponto corrente; Overloque é a costura por fora, serve para modelar e é usada em tecidos planos com certa elasticidade, como algodão, tricoline, malhas e outros. JOCA - Máquinas de costura industrial. Disponível em: <http://maquinas decosturaindustrial.com>. Acesso em: 30/07/2014. 310
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 311
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
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incorporavam a prática a que foram submetidos inicialmente, ora pelos coreanos,
ora por outros conterrâneos.312
O cotidiano de trabalho dos e/imigrantes bolivianos nas oficinas desde sua
montagem até a rotina de serviços era ditado pelo ritmo da música latina.
As famílias de migrantes têm oficina de fundo de quintal. Pega-se um cômodo da casa, coloca-se algumas máquinas, pega outro cômodo, coloca alguns beliches e aí acomoda quem vai trabalhar.313
A maior dificuldade de um e/imigrante em São Paulo não é o trabalho, e sim
a habitação. Ele pode até vir sem nenhuma qualificação, mas em geral trabalho
encontra. Já o problema da habitação se apresenta sem solução não pelo fato do
aluguel, e sim pelas outras exigências feitas para locação do imóvel, como
apresentação de fiadores e de documentos como comprovante de renda. Por esse
motivo as oficinas oferecem trabalho e moradia no mesmo local, o que num primeiro
momento facilita a fixação do e/imigrante no destino, contudo também o expõe à
exploração por meio de longas jornadas de trabalho, condição favorecida com a
união entre espaço doméstico e espaço de trabalho.314
Pode-se diferenciar o trabalho doméstico do trabalho domiciliar. São
consideradas trabalho doméstico atividades não remuneradas destinadas ao
cuidado pessoal e da família para manutenção da saúde e da higiene, como lavar,
passar, cozinhar, organizar a residência e o cuidado com os filhos. Já por trabalho
domiciliar entendem-se aquelas atividades realizadas no espaço doméstico, mas
com fim lucrativo.
312
SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para imigração latino-americana em São Paulo? In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp; Fapesp; CNPq; Unfpa, 2012. 313
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 314
A discussão acerca da falta de separação do tempo de trabalho remunerado e do não remunerado realizado dentro do lar também pode ser encontrada em outros momentos da história da costura em São Paulo, como em: MOURA, Esmeralda Blanco B. de. Trabalhadoras no lar: reflexões sobre o trabalho domiciliar em São Paulo nos primeiros anos da República. Disponível em: <http://www. dhi.uem.br/publicacoesdhi/dialogos/volume01/vol04_atg7.htm>. Acesso em: julho de 2014.
130
Trabalho domiciliar deve ser entendido como aquele realizado na habitação do trabalhador, por encomenda da empresa ou de seus intermediários, envolvendo geralmente a realização de uma tarefa parcial do processo produtivo, último elo da cadeia produtiva, cujo pagamento era feito geralmente por peça. [...] Essas instâncias de organização da produção configuravam-se como alternativas de emprego particularmente importantes para as mulheres de setores populares, por permitirem a combinação das atividades domésticas com o trabalho remunerado.315
Existe também o trabalho doméstico remunerado e exercido por um
empregado doméstico, como jardineiro, copeira, cozinheira, faxineira, babá, entre
outras funções.
Tinha no total mais ou menos 12 pessoas, tinham crianças, trabalhavam e moravam lá mesmo. Trabalhavam domesticamente, acordavam e na mesma casa, era a oficina. Eu acordava e costurava até de noite. Trabalhávamos das 7 da manhã até de noite. Não podia sair, diziam que a polícia federal ia prender, e só devolvia o documento quando pagasse a dívida, mas não dava, a comida era muito cara.316
Outro aspecto destacado pelos depoentes que marcou sua passagem pelas
oficinas de costura foi a alimentação. Nota-se que o hábito alimentar não se apaga
com o processo migratório, e sim realça as origens dos e/imigrantes. Os relatos
caracterizam a importância da manutenção dos hábitos alimentares para preservar
as tradições bolivianas, revelando que traços marcantes da culinária eram utilizados
como estratégia para manter costureiros na oficina.
A comida a minha mãe nunca abriu mão e ela diz que é justamente assim, ela diz que não perdeu a identidade culinária porque ela nunca foi a empregada. Porque quando você é empregada na oficina, você é forçada a cortar custos. Se você é forçada a cortar custos, você compra por atacadão, arroz, um tipo de carne moída ou um tipo de frango e aí vai,
315
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura – história, cidade e trabalho. Bauru: Educs, 2002, p.90-91. 316
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
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repetindo sempre a mesma coisa. Então acaba saindo mais barato. Como a minha mãe sempre foi a cozinheira e sempre gostou de cozinhar, então ela cozinhava para os funcionários, mas sempre incrementava com uns temperos que a gente conhecia. Mesmo que fosse arroz com frango, ela punha o aji, que é a nossa pimenta. Ela dava um jeito de mandar buscar ou comprava, ou os meus tios mandavam de lá, ou alguém viajava, ela sempre mandava trazer. Então ela sempre colocava um tempero diferente, nunca deixou isso se perder, a questão da comida. Hoje mesmo em casa a gente cozinha feijão em dia de festa, porque comemos comida boliviana todos os dias.317
No momento em que o indivíduo se desloca de seu país de origem, traz
consigo seus gostos e preferências alimentares. Não é apenas o sabor ou a maneira
de cozinhar, mas sim a memória desse sabor, a memória da família e a da terra
natal que estão relacionadas em cada prato. A comida “traduz uma identidade,
revela a cultura regional, familiar, que implica na formação do gosto”318.
O hábito alimentar é apontado como o último a ser abandonado pelo
e/imigrante. Percebe-se na comida e na forma de cozinhar os alimentos a
manutenção dos hábitos e costumes do local de origem de cada e/imigrante.319 O
relato permite verificar uma preocupação da cozinheira em adaptar as receitas
quando não conseguia os ingredientes originais dos pratos, prática observada
também em outras oficinas de costura, uma cozinha dinâmica que vai se
transformando de acordo com as necessidades apresentadas no cotidiano. E, ao se
servir saltenhas com menos pimenta para os trabalhadores brasileiros, nota-se a
reinvenção das tradições320 e costumes para satisfazer a todos.
317
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 318
Muitos pesquisadores apontam a comida como um traço marcante da identidade cultural de um povo, entre eles: ELIAS, Norbert. O processo civilizador – Uma história dos costumes. Vol.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. CERTEAU, Michel de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. A invenção do cotidiano. 2- Morar, Cozinhar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. CORNER, Dolores Martin Rodriguez. Da fome à gastronomia: os imigrantes Galegos e Andaluzes em São Paulo (1946-1960). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2011. MILANESE, Graziela Arabe. Hospitalidade e comensalidade nas feiras de rua da cidade de São Paulo: Feira Kantuta e cultura boliviana. Dissertação (Mestrado em Hospitalidade), Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012. MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013. 319
MATOS, op. cit., 2013. 320
HOBSBAWM, Erick; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
132
A experiência inversa, a fome e a pouca oferta de alimentos aos
trabalhadores da oficina, os motivava a pensar em procurar outro local para
trabalhar, já que as idas necessárias ao supermercado reduziam ainda mais os
ganhos no final do mês.
Eles davam comida, mas era uma comida, nossa, ruim, pouca. Eles eram muito mão de vaca, comiam a mesma coisa, mas, sei lá, era ruim. Comiam mal, senti muita fome, não tinha liberdade, não podia comer o que queria e nem tinha, porque eles compravam pouco, racionalizado. Era um absurdo, eu sentia muita fome, terrível. [...] pelo amor de Deus, era um pouquinho de arroz, duas batatas e uma salsicha, às vezes um ovo. Eles eram uma família muito mão de vaca. Essa coisa não gostei, depois comecei a sair, ir no mercado e comprar coisas para comer. Aí fiquei com mais dívida.321
A repulsa à comida oferecida pode ser observada quando o e/imigrante não
se reconhece nos pratos ofertados, pois a “comida é mais do que um alimento, vai
além das proteínas e as vitaminas [...]. Ela se reveste na cultura de quem a prepara,
nos ingredientes aceitos ou rejeitados pelo grupo, nos odores e sabores próprios”322.
O alimento estranho e o ambiente hostil colaboravam para o processo de
rejeição.
A busca pelo conhecido era constante, minha mãe segurou muitos costureiros aqui em casa pela comida. Como meu pai administrava mal, eles podiam não ganhar muito, nunca fizeram rios de dinheiro, até porque todo mundo trabalhava. Minha irmã trabalhava, eu trabalhava e minha mãe cozinhava. Mesmo assim a gente nunca conseguiu ganhar muito dinheiro. E aí muitos trabalhadores ficaram lá muitos anos por causa do jeito da minha mãe. Então a busca sempre existe, se as pessoas vão para uma oficina que não faz o que a minha mãe fazia, eles têm que procurar um lugar pra comer comida boliviana, senão não aguenta. Domingo é a fuga da semana deles.323
321
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 322
CORNER, Dolores Martin Rodriguez. Da fome à gastronomia: os imigrantes Galegos e Andaluzes em São Paulo (1946-1960). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2011, p.18. 323
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
133
O ambiente familiar destacado, somado ao reconhecimento pelos sabores
ofertados, proporcionava a sensação de acolhimento e remetia os costureiros a
lembranças de sua terra. Nota-se que muitos ficavam por causa da comida, e não
dos ganhos, colocando o bem-estar à frente dos recursos financeiros, já que não
possuíam garantia de que aumentariam seus ganhos com outro trabalho. A comida
passa a ser um símbolo identificação cultural324 na nova conjuntura apresentada a
esse e/imigrante.
No contexto da e/imigração, esses trabalhadores estão em constante
transformação, mesclam sua cultura com a das pessoas que encontram e a
absorvem. Assim, os traços culturais se modificam continuamente e o e/imigrante
mantém sempre uma dupla pertença: a dos traços do país de origem, das ligações
afetivas com a cultura e da terra dos ascendentes; e a dos novos hábitos adquiridos
em São Paulo.325
O paladar muitas vezes é o último a se desnacionalizar, a perder a referência da cultura original. A culinária atua como um dos referenciais do sentimento de identidade: é por sua característica portável [...] que ela pode se tornar referencial de identidade em terras estranhas.326
O ritmo de trabalho nas oficinas é ditado pela música latina. As músicas são
escolhidas para motivar a alta produtividade durante o dia e, para acalmar,
“descansar”, à noite a costura é embalada pelos ritmos românticos. Segundo relatos
e observações em oficinas, à noite o ritmo de trabalho desacelera para que os
vizinhos não ouçam o som das máquinas e aqueles moradores da oficina que não
estão costurando possam descansar. Os costureiros focam seus esforços nos
acabamentos, em pregar botões, passar e dobrar peças, outras atividades com nível
reduzido de som.
324
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. 325
TRINDADE, Maria Beatriz Rocha. Recriação de Identidade em Contexto de migração. In: LUCENA, Célia Toledo; GUSMÃO, Neusa Maria (Orgs.). Discutindo Identidades. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006. 326
DUTRA, Rogéria. A boa mesa mineira, um estudo da cozinha e identidade. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), URFJ/ Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1991. MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013, p. 219.
134
As músicas de uma oficina são de rádio, naquela época era fita. A novidade quando alguém chegava na oficina era trazer as músicas. As músicas são a coisa mais importante na oficina, porque elas ditam o trabalho. À noite geralmente põe música romântica, durante o dia é mais agitada. [...] Eu tenho vários CD’s.327
Observa-se que a depoente adquiriu o gosto e o costume de ouvir música
latina por ter sido criada dentro da oficina de costura. Passada essa fase, conforme
comenta, não perdeu o contato com a música, já que possui vários CD‟s de bandas
bolivianas de diversos estilos e também os usa como forma de motivar seu trabalho
e ditar o ritmo das atividades cotidianas: “No carro, só rádio latina e CD. No
consultório e para fazer a faxina da casa, sempre ouço.” 328
A questão da moradia e do trabalho conjugados nas oficinas de costura é
delicada e pode ser discutida por diferentes óticas: de um lado, a dos empregadores,
que visam o lucro e, para tal, têm a redução de custos como principal estratégia; de
outro, a dos costureiros e demais prestadores de serviços gerais das oficinas, que
visam as facilidades e as dificuldades na conquista de um sonho. Mesmo quando
ocorre a exploração, muitos vêm como positivo o fato de morarem na oficina com
outros costureiros, uma vez que não gastam com condução, podem se ajudar no
trato com as crianças e realizam um rodízio nas tarefas de limpeza. Há ainda a ótica
das instituições e associações de apoio e acolhimento ao e/imigrante, órgãos
públicos (Consulados, Polícia Federal) e sociedade civil, além dos interesses dos
promotores da e/imigração ilegal.
Uma vez participei de uma apreensão do Ministério do Trabalho e a grande preocupação dos imigrantes era como eles ficariam com a oficina fechada, quem ia comprar comida pra eles, como iriam fazer para ir ao mercado – teriam que gastar com condução se não morassem no trabalho, como fariam? É assim como todo mundo faz, não é porque são imigrantes que vão fazer diferente.329
327
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 328
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 329
Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013.
135
Ao comparar a situação de bolivianos e outros e/imigrantes recém-chegados
nos atendimentos realizados, a depoente aponta que os processos de contratação
eram diferentes:
Os paraguaios, por exemplo, já vêm com tudo mais definido, trabalham com carteira assinada, não dormem onde trabalham. Quando no atendimento surge esse assunto, a orientação se dá pela mudança de residência, e os bolivianos falam que eles são burros, porque acordam e já estão no trabalho, não precisam gastar, e os paraguaios não.330
Percebe-se que a dependência gerada pela garantia de moradia e
alimentação na oficina facilita a exploração do trabalho e deixa os e/imigrantes mais
vulneráveis.
[...] é um conforto, uma preguiça deles, eu vejo como falta de empreendedorismo da parte deles, não se organizam para melhorar. Comparados com outros imigrantes que vieram e cresceram, estes não se organizam, são mais acomodados com a situação. Concorrem com eles mesmos, abaixam os preços para pegar a costura ao máximo, tirando uns dos outros. Já ouvi depoimentos, eles falando “Se eu não pegar por esse preço, outro vai pegar, então eu tenho que pegar”.331
Já para a coordenadora do Projeto Si Yo Puedo e e/imigrante, o problema
da habitação é ainda maior, pois há um movimento por parte das associações, do
Ministério do Trabalho e de ONGs para mudar a forma de trabalho nas oficinas e
não permitir que ocorra a moradia no mesmo local. Mas, segundo ela, será um
processo muito demorado, haja vista que os e/imigrantes chegam e não têm onde
ficar. Os abrigos públicos são destinados aos sem-teto e a moradores de rua e não
possuem condições para absorver essa demanda de trabalhadores estrangeiros.
330
Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. 331
Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013.
136
Hoje em dia, por causa da regulamentação e do combate ao trabalho escravo, isso tende a acabar, pra fazer a quebra das jornadas de trabalho. Porém, eles podem até fazer a quebra, mas vai levantar ainda mais forte a demanda e o problema da habitação. Então não tem saída pra isso. Se eles não têm documento, eles não alugam. Se não têm comprovante de renda, eles não alugam. Se ele não trabalha, e aí? Ele vira morador de rua? Você quer que ele seja um trabalhador que tenha uma reflexão sobre sua jornada de trabalho digna ou um morador de rua?332
Observa-se que o trabalhador boliviano ainda opta por trabalhar e morar no
mesmo local. Está consciente da exploração que pode ocorrer, mas julga serem
necessárias algumas privações de liberdade temporárias para aumentar a renda e
facilitar sua estada na cidade de São Paulo. Prefere dormir pouco dentro da oficina,
mas em segurança em vez de se deslocar no meio da noite para uma região de
periferia distante ou para um quarto de cortiço no Centro sem segurança e
privacidade, pois sem comprovação de renda, sem fiador nem contrato de aluguel só
conseguiria alugar esse tipo de habitação. O deslocamento na cidade também é
levado em consideração: o tempo e o valor das passagens são um custo a mais e
devem ser descartados.333
“Na ótica capitalista, a moradia tem um valor de desfrute e um valor de
negociação. Quando ela é ofertada ao operário, mediante um aluguel módico, passa
a intervir no processo de produção [...].”334 É o que se pode observar nas oficinas de
costura que concentram mão de obra e/imigrante, onde muitos optam por morar no
local de trabalho, como os operários fabris que se adequavam às regras das vilas
construídas por seus patrões porque “o custo da moradia absorvia metade do salário
do trabalhador”335, nada diferente do que foi exposto – dificuldades para locação e
custo de vida elevado.
332
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 333
BLAY, Eva Alterman. Eu não tenho onde morar: vilas operárias na cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1985. TEIXEIRA, Palmira Petratti. A Vila Maria Zélia: A fascinante história de um memorial ideológico das relações de trabalho na cidade de São Paulo. ANPUH - XXV Simpósio Nacional de História, Fortaleza, 2009. Disponível em: <http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/ mp/pdf/ANPUH.S25.0155.pdf>. Acesso em: 10/06/2014. 334
TEIXEIRA, Palmira Petratti. A fábrica do sonho – Trajetória do Industrial Jorge Street. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p.70. 335
TEIXEIRA, op. cit., 2009, p.3.
137
O dia de folga dos bolivianos é o domingo. De segunda a sábado poucos
são vistos pelos bairros estudados, se encontram dentro das oficinas e comércios.
Quando avistados, estão de passagem ou indo ao atendimento de saúde.336 Agora,
no domingo é diferente: esses e/imigrantes tomam o espaço público. Podem ser
avistados nas ruas, nas praças, nos parques, nos shoppings e principalmente nas
quadras de futebol, gratuitas ou particulares.337 O jogo de futebol é prática muito
apreciada pelos membros da comunidade. Famílias inteiras em torno da bola – a
mãe com os filhos pequenos, pais, tios e avós se reunindo para um lanche e para o
lazer.
Eu caminhava muito e hoje caminho mais ainda, faço cooper e meus colegas gostam muito de futebol. Eu sou caneludo: não vou na bola, vou no pé. Eu fico no gol, não sei jogar direito. Os bolivianos jogam muito, todas as quadras de final de semana ficam locadas até a madrugada, não achamos nenhuma para alugar. Bolivianos fazem campeonatos... tomam conta. Também, coitados de nós, só tem o domingo, trabalham todos os dias das 7 às 10 da noite e saem desesperados para tirar o estresse deles. Se arrumam com camisetas, meias, tudo. E também aproveitam para beber. Bebem se perdem, bebem se ganham. Isso eu não gosto, mas tudo é desculpa para beber.338
Outra prática é o uso, muitas vezes excessivo, de álcool nesses momentos
de lazer. Surgem comentários sobre a imagem negativa339 que se forma em torno de
si e dos conterrâneos acerca da bebida, bem como preocupação com a quebra
336
As Unidades Básicas de Saúde do Bom Retiro, Cachoeirinha e Casa Verde possuem um fluxo expressivo de atendimento a e/imigrantes bolivianos. 337
Os parques identificados em pesquisa foram: Parque Ibirapuera, Parque da Juventude, Parque Estadual Alberto Löfgren, Parque do Trote, Parque do Carmo e o Parque da Luz. Para prática esportiva do futebol de salão encontram-se o Centro Esportivo Sul-Americano, o Vavá Sport Center, La Bombonera, Cancha Praça Kantuta, Cancha Tomás Mazoni. Além de espaços improvisados ao longo da Marginal Tietê. SILVA, Antonio Sidney. Bolivianos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. 338
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 339
A heteroimagem construída pelos paulistanos acerca dos e/imigrantes bolivianos se baseia em reportagens expostas na mídia sobre trabalhadores escravos que muitas vezes são explorados por conterrâneos. Destacam-se também problemas pontuais de relacionamento com vizinhos, acarretados pelo lixo, barulho das oficinas e abusos com a bebida. Porém, tais textos não especificam os casos e generalizam o comportamento a toda a comunidade. Percebe-se que a autoimagem desse e/imigrante vem sendo trabalhada cotidianamente em seus grupos associativos para que não se contamine com os estereótipos negativos já enraizados. SIMAI, Szilvia; BAENINGER, Rosana. Racismo e sua negação: O caso dos imigrantes bolivianos em São Paulo. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XXIV, nº. 68, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan./jun. 2011, p. 49-62.
138
desse estereótipo. Mas ao mesmo tempo se justifica o consumo de álcool e drogas
como uma fuga da rotina de trabalho e do isolamento/distanciamento da família
causado pelo processo emigratório.
Eu mesmo tava ficando deprimido. Essa situação é favorável para que as pessoas fiquem dependentes de drogas, ou álcool, coisa que para os bolivianos é muito fácil, para esquecerem daquelas coisas ruins, caírem na bebida.340
Outra justificativa para o hábito de se embriagar revelada em depoimento é o
fator cultural. O costume de beber muito no país de origem, segundo o depoente,
remonta ao processo de colonização.
Sim, tem o lado da bebida como cultura. Na Bolívia o pessoal bebe muito, é um reflexo do início da conquista espanhola também, porque as pessoas que ficaram e colonizaram a América eram assassinos, mercenários, bandidos, castigados [...].341
O depoente não luta contra o estereótipo formado na sociedade de
acolhimento de que os bolivianos bebem muito, ao contrário, tenta justificá-lo e,
como reação, exclui os conterrâneos de seu convívio. Inicia-se um processo de
negação dos costumes do próprio grupo, com o intuito de se aproximar da
comunidade receptora.
Os jogos nos parques, quadras e praças propiciam o fortalecimento das
redes existentes e a constituição de novas redes. São momentos de troca de
informações sobre ofertas de emprego, regularização da documentação, exploração
laboral, dicas de serviços voltados especificamente para a comunidade, além de
encontros entre famílias que proporcionam futuros vínculos afetivos. Também foram
340
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 341
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
139
observadas conversas entre mães e filhos sobre bullying, agressões nas escolas e a
forma mais adequada de superá-los ou enfrentá-los.342
Outra atividade de lazer identificada na comunidade boliviana é a visita à
Praça Kantuta343, com atividades especiais todos os domingos. Entre os eventos
destacam-se apresentações de grupos de dança, sermões religiosos, apresentações
musicais e celebrações de datas comemorativas religiosas ou não do Brasil e da
Bolívia, como dia das mães, dia dos pais, carnaval, finados, natal, dia da
independência e outros. Na Praça são promovidas ainda feiras de bebidas, comidas
e artigos bolivianos. Os e/imigrantes recém-chegados são mais assíduos por
buscarem vínculos: “Em qualquer lugar que você vá na Bolívia você pode encontrar
feiras como essa. Com comida, barracas, música, grupos dançando na rua.” 344 Além
do entretenimento, a feira também proporciona encontros, oportunidades de trabalho
e de cursos.
Já fui na Kantuta, frequentei um tempo atrás, hoje em dia é muito raro eu ir, porque já tenho amigos brasileiros e vou em outros lugares.345
Frequento, às vezes vou à Kantuta, quando quero comer ou comprar um CD.346
Já fui, mas agora não frequento mais. Frequentava quando tinha o restaurante, comprava ingredientes, CDs para o restaurante.347
Frequentava bastante a Feira da Praça Kantuta, mas atualmente a faculdade me exige bastante tempo no final de semana, o que acaba dificultando a frequentar.348
A percepção dos depoentes quanto ao local mudou à medida que foram se
estabelecendo em São Paulo e constituindo outros vínculos sociais, então alguns
342
Bullying e xenofobia: aspectos do relacionamento com a comunidade receptora que serão tratados no próximo item deste capítulo. 343
Kantuta é o nome de uma flor muito comum no altiplano boliviano e cujas cores remetem à bandeira boliviana, vermelha, amarela e verde. 344
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 345
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 346
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 347
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 348
Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013.
140
deixaram de frequentar a feira. Porém, outra mudança significativa foi observada na
passagem de visitante para expositora e membro da comissão organizadora da
feira:
Tô na Kantuta todo domingo desde março de 2012. Antes eu vinha porque minha mãe sempre trabalhou, mas eu vinha como turista, pra almoçar ou pra levar minha mãe embora. Nunca, não me lembro de nenhum dia de passar o dia inteiro lá antes do Projeto. Na verdade, o uso da Kantuta é um uso de parque, e não de praça. Eu falo que nós precisamos disso para conseguir os banheiros. Nós passamos o dia, almoçamos, brincamos, jogam bola, andam de bicicleta... É um uso de parque! Então, desde março do ano passado, quanto mais eu vou, mais eu gosto da Kantuta, acho o espaço muito democrático, as coisas acontecem, são diferentes grupos. Não existe uma manifestação sem motivos, é um espaço que acolhe. Por exemplo, o domingo começa [...] com dança folclórica, com ensaio dos Caporales, depois vem uma dupla sertaneja, em seguida a moçada da segunda geração sobe ao palco e canta rap. Por volta das 16h vem a igreja evangélica pra fazer chamamento, chamar mais pessoas para a igreja. [...] E no fim da tarde [...] tem recrutamento/ aliciamento, perto das 18h, 19h. Essa foi uma preocupação muito grande que eu tive na hora de colocar o Projeto.349
A depoente destaca os acontecimentos corriqueiros da feira num dia de
domingo comum. Descreve atividades culturais diversas para todas as idades,
música, religião e até o aliciamento de trabalhadores para as oficinas de costura. O
momento do aliciamento também foi constatado em pesquisa de campo. Um furgão
estacionou no início da Rua Pedro Vicente, dele desceram três homens, dois com
panfletos que aparentavam ser brasileiros e um com traços de e/imigrante coreano.
Rapidamente um grupo de bolivianos se aproximou para tomar informações, alguns
estavam com bagagens, todos pareciam ansiosos e tensos. Parte deles entrou no
veículo, as portas foram abertas e fechadas rapidamente, outros voltaram para a
feira. Foi possível perceber o teor da conversa, “trabalho”, mas pouquíssimas
informações eram passadas aos futuros costureiros. Próximo também estavam
estacionados carros com papéis nos vidros contendo anotações sobre ofertas de
trabalho com moradia.
349
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
141
Percebe-se na programação dos eventos da feira a preocupação da
organização com problemas cotidianos enfrentados pelos e/imigrantes em São
Paulo e o incentivo à quebra do silêncio quanto ao tráfico de pessoas, exploração do
trabalho e emigrações não documentadas. Como observado no 3º Festival de
Música e Poesia dos Imigrantes, cuja temática proposta para os trabalhos
apresentados foi “Migração, trabalho e tráfico de pessoas”. Como incentivo à
produção artística e à denúncia, as premiações foram realizadas em dinheiro.
Figura 15 - Folder de divulgação do evento.350
No impresso do evento destacam-se as diversas atividades oferecidas na
Praça e relembra-se a história da conquista desse espaço em São Paulo. Muitas
lutas foram travadas com a comunidade local, que rejeitava a presença dos
e/imigrantes na Praça Padre Bento, que se tornara um território351 da comunidade.
350
BOLÍVIA CULTURAL. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br>. Acesso em: 12/09/2014. 351
Território: local em que os sujeitos históricos vivenciam e identificam no espaço experiências individuais e coletivas do grupo. Demarcam suas fronteiras com marcas na paisagem como grafites
142
Localizada no bairro do Pari, em frente à Igreja Santo Antonio do Pari, foi o primeiro
espaço a abrigar a Feira Kantuta, que teve início em 1993, com a Barraca da Sra.
Berta Valdez, que vendia anticucho (espeto de carne de coração de boi
acompanhado com batatas e molho de amendoim ardido). O espaço propiciava o
encontro, troca de informações e manifestações culturais dos bolivianos residentes
em São Paulo.352
As constantes pressões geraram conflitos entre os feirantes e os vizinhos,
por motivos diversos – o som, o lixo, o aumento no fluxo de visitantes –, o que
culminou na solicitação de retirada da feira da Praça Padre Bento. E a solução
encontrada para a questão foi dada pela paróquia local, que sugeriu a união dos
feirantes em uma associação que os representasse e solicitasse seus direitos de
“cidadãos” e uso do espaço público em outro local que permitisse o encontro da
comunidade e suas manifestações culturais.
A depoente rememora que encontraram a praça entre as ruas Pedro
Vicente, Carnot e Olarias, ainda sem nome, uma área utilizada para reciclagem de
lixo das oficinas de costura durante a semana, mas sem uso aos domingos.
Ressalta a felicidade de sua mãe ao descobrir o local, o sentimento de possuir um
espaço em São Paulo identificado como sendo da cultura boliviana. Para tal, viajou
para a Bolívia e trouxe, na esperança de demarcar a praça, duas mudas de Kantuta,
uma flor com as cores da bandeira boliviana, um símbolo de seu país.
[...] minha mãe tem barraca na Kantuta e vende produtos culinários, mas não vende comida. Na verdade, meus pais foram os fundadores, estão no meio do grupo de fundadores da Associação que inicialmente funcionou na Praça Padre Bento. Aí minha mãe percebeu que aquela praça virou um ponto de encontro e percebeu a potencialidade de vender comida. Então minha mãe montou uma barraca pra vender comida lá. Aí outras pessoas viram e começaram a fazer outras barracas. Até que a associação do bairro fez um abaixo-assinado pra tirar a gente de lá, porque a gente estava enfeando a praça. Aí
em muros, estabelecimentos comerciais, placas de serviços prestados por e para a comunidade e/imigrante e outros códigos facilmente identificados pelos seus pares. Rolnik, 1992. Apud: MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura – história, cidade e trabalho. Bauru: Educs, 2002. Michel Certeau, Milton Santos e Antonio Arantes também compartilham dessa interpretação sobre territorialidade. 352
BRASIL. IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Praça Padre Bento. Ficha de identificação de lugares - Inventário Nacional de Referências Culturais, nº 146, 2009, p.2.
143
a Igreja entrou no meio e os feirantes perceberam que precisavam se organizar, porque iam tirar a gente de lá. Aí o restaurante da minha mãe, que era na praça, virou ponto de encontro pras reuniões dos feirantes. Todos foram orientados que precisavam fazer uma associação e entraram com pedido de funcionamento na Subprefeitura da Mooca. Encontraram alguns apoios e conseguiram negociar que tivesse só a feira, mas o resto não. Então tiveram que conseguir outra praça. Aí um dia nós saímos em uma perua e vimos as praças da rua Catumbi, da Marginal, mas nenhuma delas agradava. Essa daqui era ponto de reciclagem durante a semana. Horrível, né. Porém, era muito perto da Praça Padre Bento, e de fim de semana eles não trabalhavam, não faziam a reciclagem da semana dos lojistas. Então o pessoal brilhou os olhos, porque principalmente não tinha nome. “Então pode ser essa.” Não tinha vizinhos, só a escola e a fábrica. E foi pedido para o funcionário da subprefeitura se poderíamos dar um nome para a praça. E ele disse “Não tem... então pode”. Aí nós demos o nome de Kantuta, uma flor representativa do nosso país e que tem as três cores da nossa bandeira. Aí, nesse ano, 2001, eu viajei com minha mãe para a Bolívia. Ela estava superfeliz porque tinha conquistado a praça, queria dar um presente de inauguração para a praça e me fez trazer duas mudas da flor de lá. Trouxemos, três dias carregando uma muda de planta... Trouxe, plantei, mas ela morreu, porque é uma flor de clima frio, não de calor.353
A Feira Kantuta se estabeleceu no bairro do Pari em 2001, realizada aos
domingos, das 11 às 19 horas, com cerca de 80 barracas que oferecem comida
típica, roupas, produtos bolivianos, CD‟s, corte de cabelo, lazer e entretenimento
para a comunidade boliviana, mas também conta com a presença da peruana,
paraguaia e chilena. Possui caráter festivo, como outras feiras de artesanato
encontradas em São Paulo.354 Em 28 de fevereiro de 2003, recebeu autorização de
funcionamento oficial da subprefeitura da Mooca e, em meados de 2004, um decreto
da Secretaria do Governo Municipal da cidade de São Paulo, nº 45.326, de 24 de
setembro de 2004, firmou:
353
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 354
As feiras de rua têm intuito predominantemente comercial, mas em algumas se observam relações de sociabilidade e acolhimento entre os sujeitos históricos participantes. Podem ser classificadas em feiras livres e feiras de artesanato e possuem como diferença, além dos produtos ofertados, os locais onde são instaladas e os dias de funcionamento. As livres são encontradas nas vias públicas em dias de semana e finais de semana, já as de artesanato acontecem aos finais de semana e em praças públicas.
144
[...] fica denominado Praça Kantuta [...] o espaço livre sem denominação delimitado pelas Ruas Pedro Vicente, Carnot e das Olarias e por equipamentos institucionais [...] situado no Distrito do Pari, da Subprefeitura da Mooca [...].355
A Feira já começava a ser reconhecida como território do grupo boliviano.
Assim, no sentido de registrá-la como referência cultural na cidade de São Paulo, o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), na Ficha 50 de
Identificação de Lugares do Inventário Nacional de Referências Culturais, apresenta
a necessidade de mais estudos para complementar a identificação ou para fins de
registro ou tombamento de espaços como a Kantuta que proporcionam relações de
sociabilidade entre brasileiros e latino-americanos, sejam estas comerciais, de
serviços ou de trocas culturais.356 E assim a descreve:
[...] é composta por cerca de 54 barracas, que se dividem em: comidas típicas bolivianas, artesanato, cereais, doces e bolos, dvd‟s e cd‟s, livros e revistas, sucos, brinquedos, pães, barbeiros. [...] No fundo da praça, há um pequeno palco, onde ocorrem discursos e falas relacionadas a temas de interesse da Associação e algumas apresentações culturais, como danças típicas. O público é composto de maioria latino-americana (bolivianos, peruanos, paraguaios) e observa-se o crescimento da visitação de brasileiros à feira, principalmente nas barracas de comidas.357
355
SÃO PAULO (Município). Pesquisa de Legislação Municipal. Decreto nº. 45. 326. São Paulo, 24/09/2004. Disponível em: <http://prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/ abastecimento/feiras_livres/histórico/índex.php?p=6637>. Acesso em: maio 2012. 356
BRASIL. IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Feira Kantuta. Ficha de identificação de lugares - Inventário Nacional de Referências Culturais, 2009, p.7. 357
Ibidem, p.2.
145
Figura 16 - Barracas da Kantuta.358
As barracas de alimentação são dispostas lado a lado, propiciando a
interação entre os visitantes e suas famílias. Apresentações de grupos de dança se
dão em “tropa”359 pela rua, o que facilita a apreciação pelos visitantes mesmo que
estejam se alimentando.
Destaca-se o espaço de acolhimento que promove aos imigrantes deslocados de seu país de origem, múltiplos meios de expressarem a sua cultura, recobrarem a autoestima, encontrando os compatriotas para momentos de convivialidade e partilha de sua cultura original, levando-se em conta a hospitalidade e a comensalidade no local.360
358
Arquivo próprio, 2013. 359
Tropa: formação do corpo de dançarinos para a realização da apresentação. Os bailarinos encontram-se enfileirados e se movimentam assim pela rua, como se fossem soldados marchando. 360
MILANESE, Graziela Arabe. Hospitalidade e comensalidade nas feiras de rua da cidade de São Paulo: Feira Kantuta e cultura boliviana. Dissertação (Mestrado em Hospitalidade), Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012, p.46.
146
Figura 17 - Variedade de produtos da feira.361
Observa-se a variedade de produtos ofertados na Feira, seja para consumo
imediato, como os tradicionais sucos de linaza (linhaça), quinua (quinoa) e mani
(amendoim), os refrigerantes peruanos, a cerveja Pacenã, os biscoitos de milho e
macarrão, seja para levar para casa, como grãos de milho desidratados com
diferentes cores e formatos, tubérculos, porções de carne, biscoitos, pães, uma
diversidade de ervas, chás como o de coca, temperos e pimentas típicas dos países
andinos, como o aji amarillo, tão apreciadas pelos bolivianos.
Figura 18 - Barracas de chicha (sucos).362
361
MILANESE, Graziela Arabe. Hospitalidade e comensalidade nas feiras de rua da cidade de São Paulo: Feira Kantuta e cultura Boliviana. Dissertação (Mestrado em Hospitalidade), Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012. 362
Ibidem.
147
A oferta de alimentos na Feira remete às bases da cultura andina, dos
produtos da terra e suas variedades. Mantém o sentido de identidade do grupo e
representa um Patrimônio Histórico Cultural Boliviano adaptado à cidade de São
Paulo. O alimento pronto que identifica a cultura andina é a salteña.
Comida preparada e apreciada por todo o território boliviano. No formato de um “pastel” assado, de massa de farinha de trigo, com recheios que podem ser de frango, carne, queijo. Como o recheio é muito líquido e quente, as pessoas costumam derramá-lo ao morder a salteña; por isso, às vezes os grupos apostam que quem derramar primeiro, paga a rodada de salteñas. Também costuma-se comê-la com colher.363
Figura 19 - Salteña Fricassé – Barraca Don Carlos.364
A saltenã da Barraca de Don Carlos é um salgado que segue a receita
tradicional boliviana. Vai ao forno com caldo especial feito à base de carne ou frango
e os seguintes ingredientes: batata, azeitona, ovo, passa, salsinha, cebolinha e
temperos bolivianos – além do milho e da cebola, os temperos utilizados são o
colorau, o aji amarillo, o cominho e a pimenta-do-reino.
363
BRASIL. IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Feira Kantuta. Ficha de identificação de lugares - Inventário Nacional de Referências Culturais, Anexo nº. 191, Bem identificado nº 205, Culinária boliviana, 2009, p.2. 364
Don Carlos é um dos fundadores da Associação Gastronômica Cultural e Folclórica Boliviana Padre Bento e um dos fundadores da Feira Kantuta. MILANESE, Graziela Arabe. Hospitalidade e comensalidade nas feiras de rua da cidade de São Paulo: Feira Kantuta e cultura boliviana. Dissertação (Mestrado em Hospitalidade), Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012.
148
Entre os serviços disponíveis na Praça durante a Feira, um dos mais
procurados é o de corte de cabelo – nas barracas das peluquerias, identificam-se
filas de espera. Enquanto aguardam, os frequentadores e clientes degustam iguarias
típicas bolivianas.
[...] na Kantuta, os salgadinhos são menos industrializados, menos modernos, mais artesanais. Antigamente era fava frita no óleo, banana-da-terra, pipocas estouradas, vários tipos de pipoca, macarrão, milho estourado [...] o melhor suco é linhaça, sempre foi linhaça.365
Figura 20 - Banner do salão de cabelereiro da Feira Kantuta.366
365
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 366
Arquivo próprio, 2012.
149
No banner do salão, com algumas imagens de penteados, cortes e serviços
oferecidos aos clientes, nota-se a preocupação com a estética dos cabelos. São
exibidos cortes lisos, estruturados, modernos, com coloração ou mechas claras,
exaltando uma aparência diferente daquela tradicional da Bolívia (cortes
arredondados para os homens e longos para as mulheres, ambos com coloração
natural, em sua maioria negra e castanha), adotada como estratégia pelos recém-
chegados para tentar se misturar, ou passar despercebidos pelos paulistanos,
disfarçando os fenótipos étnicos.
Em conversa na Feira, os cabeleireiros mencionaram que os mais jovens
gostam de cortar os cabelos como os jogadores de futebol, solicitam “luzes” e usam
máscaras e pomadas para fixar e moldar os fios de acordo com os penteados da
moda. Alguns clientes afirmaram preferir cortar o cabelo com profissionais
bolivianos, pois conhecem mais a estrutura de seus fios por serem da mesma
nacionalidade. Relataram que, ao tentar cortar com brasileiro, não saíram satisfeitos
com o corte, então, sempre que podem, voltam ao salão da Feira.
Figura 21 - Barraca do salão de cabelereiro.367
367
Arquivo próprio, 2012.
150
Ainda em relação ao padrão de estética e beleza exposto no banner e às
demais opções de cortes e penteados oferecidas no salão, nota-se uma preferência
pelo estilo europeu, com modelos brancos, de cabelos lisos, cortes curtos, em sua
maioria seguindo as tendências atuais. As tranças, os adereços e os cortes
masculinos que remetem aos povos andinos não foram identificados nos pôsteres,
banners e catálogos colocados à disposição dos clientes.
Por outro lado, percebe-se a preocupação dos depoentes com a
manutenção das tradições e dos costumes adquiridos na Bolívia quando famílias
inteiras (avós, pais e netos) realizam refeições na Feira dominical, assistem e
participam das danças com os grupos de bailarinos e incentivam os filhos a praticar
os passos. Para muitos, conforme relatos, os momentos de lazer são raros e o
contato com a cultura dos antepassados fortifica as características identitárias das
gerações do presente. Para outros, o simples fato de se reconhecerem em um
território que reproduz os usos e as práticas das feiras antes frequentadas na
Bolívia, com o ritmo latino, os traços semelhantes nos rostos dos visitantes, os
motiva a retornar no próximo final de semana. Alguns não expressam preocupação
com a manutenção das tradições e dos costumes em São Paulo, apenas frequentam
para ampliar laços com a comunidade e saborear os pratos típicos.
A depoente relembra que, com tantos afazeres domésticos e o trabalho
domiciliar para aumentar a renda, sobrava-lhe pouco tempo para repassar a cultura
boliviana para seus filhos: “A cultura, as danças, só. Não tinha muito tempo para
dedicar aos filhos, sempre com muito trabalho.”368 Mas, com a idade e a chegada da
neta, a rotina mudou: “Tenho mais tempo para ficar com ela, não quero que ela faça
nada, quero brincar. Não posso ver uma criança chorando que já penso nela e choro
também.”369 Ela aguarda todos os dias a neta retornar da escola e, enquanto sua
filha não chega para buscá-la, oferece-lhe o jantar, brinca, ensina espanhol, músicas
e danças bolivianas. “A minha sobrinha fala algumas coisas em espanhol e dança e
canta muito bem. Alguns bolivianos quando a veem pensam que ela é boliviana.”370
368
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 369
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 370
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.
151
Cada criança está inserida numa dada família e cultura e vai estruturar a sua vida psíquica e cultural através da herança psíquica e cultural recebida desde o nascimento e transmitida de geração em geração. Esse processo [...] acontece na relação com o outro, no tempo e no espaço intergeracional, permitindo construir a humanidade, a individualidade e a identidade de cada um, possibilitando a construção do ser humano.371
As mulheres na velhice se sensibilizavam por já não serem mais produtivas,
não poderem gerar filhos e criá-los, e experimentavam uma situação de dupla
vulnerabilidade: a de ser mulher e idosa. Porém, o que se observa com o
envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida é uma mudança
nesse papel, agora o idoso está inserido na família com responsabilidades
financeiras e papel relevante na criação dos mais jovens.372 Na pesquisa notou-se a
importante presença da avó boliviana no cuidado com as crianças e na manutenção
da herança cultural às novas gerações.373 A presença do idoso auxilia na
transmissão das tradições culturais, o que somente seria possível no contexto da
comunidade boliviana, que, mesmo sem perceber, reproduz aspectos de caráter
social e cultural da vida cotidiana das gerações passadas em suas novas
estruturas.374
Ramos (2005, p.210) sugere que nas famílias são produzidas múltiplas formas e práticas de solidariedade intergeracional, tratando-se de uma solidariedade, dedicação e ajuda considerada “natural”, que não se questiona. E a mesma autora diz-nos ainda que: “No espaço familiar constroem-se laços de solidariedade e identidades, tecem-se vínculos e relações privilegiadas, desenvolvem-se competências emocionais e sociais...” e que, através das gerações, transmitem valores morais, humanitários, educativos e culturais.375
371
RAMOS, Natália. Avós e netos através da(s) imagem(s) e das culturas. In: RAMOS, N.; MARUJO, M.; BAPTISTA, A. A voz dos Avós - Migração, memória e patrimônio cultural. 2ª. ed. Coimbra: Gráfica de Coimbra 2 / CEMRI / Universidade Aberta / Pro Dignitate, fev. 2014, p.41. 372
RAMOS, MARUJO, BAPTISTA, op. cit., 2014. 373
DEBERT, Guita Grin. Gênero em Gerações. Cadernos Pagu. Campinas, vol. 13, Núcleo de Estudos de Gênero/UNICAMP, 1999, p.8. 374
WILLIANS, 1989, p.49; Idem, 1993, p.6. Apud: ESCOSTEGUY, Ana Carolina Damborirema. Cartografia dos estudos culturais: Stuart Hall, Jesús Martin-Barbero e Néstor Gárcia Canclini. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação), ECA/USP, 1999, p.21. 375
RODRIGUES, João Paulo Vieira. Práticas e saberes das avós no cuidar das crianças: uma abordagem intergeracional. In: RAMOS, MARUJO, BAPTISTA, op. cit., p.71.
152
O filho mencionara projetos futuros em que pretende utilizar todo o
aprendizado e a experiência de vida de sua mãe.
[...] tenho vontade de montar uma empresa e não quero descartar a cultura boliviana nesse aspecto. Não quero usar a minha mãe, mas todo o conhecimento dela. Acho que não pode se perder. Hoje com a curiosidade pela culinária diferente e a situação financeira dos moradores de São Paulo, eu acho que daria muito certo. Nós tivemos o restaurante por 8 anos. A parte técnica de cozinhar, não entendo, mas os eventos, a cultura, eu entendo.376
Observa-se que “[...] cada mãe contém a filha em si mesma e cada filha
contém a mãe”, assim como “cada mulher se projeta recuando na mãe e avançando
na filha”377. No caso pesquisado, trabalha-se com a relação de mãe e filho, mas as
representações se dão da mesma maneira. Os conhecimentos tradicionais, os
costumes e hábitos cotidianos da mãe estão presentes na educação e forma de ver
o mundo do filho, traçando a cultura híbrida de um brasileiro filho de e/imigrantes
bolivianos.
Nos momentos de festa e manifestações religiosas, os e/imigrantes reforçam
suas raízes culturais, valorizam as tradições e os costumes de seus antepassados e
anseiam que seus descendentes o façam do mesmo modo. O dia de Finados (2/11)
é um evento marcante nessa família. O trabalho começa no Dia de Todos os Santos
(1/11), quando todos se preparam para receber as almas defuntas, que vêm visitar
os vivos para lhes desejar fartura e fertilidade. “Essa festa na Bolívia coincide com a
troca das estações, da seca para as chuvas, indicando descanso e crescimento.”378
Expressa ainda a preocupação do povo andino com a fertilidade e a boa vida na
terra. Não se entende a morte como o fim de um ciclo, e sim como um retorno a um
estágio inicial, como se voltassem de onde um dia partiram para viver na terra.
376
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 377
Carl Gustav Jung, 1990. Apud: BASSOFF, Evelyn. Mães e Filhas. São Paulo: Saraiva, 1990, p.239. 378
SILVA, Antonio Sidney. Costurando sonhos. Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.225.
153
Ahhh, as festas de finados, dos mortos, isso eu faço. Faço as comidas, ponho as frutas que a minha mãe gostava, que o meu pai gostava, os doces, tudo o que meus pais gostavam. Faço os bonequinhos na forma de pessoas como eles. Arrumo tudo, ponho a santa, as velas... E não deixo ninguém comer, monto a mesa pra eles.379
A mesa montada para receber as almas se chama “tumba” ou “altar de todos
os santos”, com os alimentos e as bebidas que os antepassados preferiam em vida.
Alguns elementos são indispensáveis, como as velas, a chicha380, as frutas, balas e
folhas de coca. Encontram-se também cervejas e pães antropomórficos, na forma de
homens, mulheres, e zoomórficos, na forma de animais, representando os bens que
o finado possuía em vida. Elementos religiosos estão presentes: a imagem de Nossa
Senhora de Copacabana, a cruz e a escada, que facilita a subida da alma de volta
para o céu.
Figura 22 - Altar de todos os santos.381
379
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 380
Chicha: bebida fermentada feita de milho. 381
EABOLIVIA.COM. Disponível em: <http://www.eabolivia.com/images/stories/eabo/todos-santos-lapaz.jpg>. Acesso em: 06/05/2015.
154
Figura 23 - Pães antropomórficos.382
Percebe-se a presença da fé católica, as tradições familiares e a crença de
que, com o passar do tempo e a ausência dos pais, mais valor será dado a cada
uma delas:
Coisas que são realmente relacionadas à religião, como a fé, como acreditar na Santa383, o dia de finados... eles acham muito importante, e eu acredito que, quando eles faltarem, vou fazer e vou dar mais valor a tudo isso. Hoje fico mais acomodado porque vejo que minha mãe faz. Mas me lembro de criança quando ela arrumava a mesa toda com vários tipos de comida e não deixava a gente mexer. Outras coisas
382
SOL DE PANDO. Disponível em: <http://www.soldepando.com/wp-content/gallery/tanta-wawas/t08.jpg>. Acesso em: 06/05/2015. 383
A devoção à Virgem de Copacabana teve início em 1581, quando Tito Yupanqui tomou a iniciativa de esculpir uma imagem da Virgem Maria inspirado na imagem da Virgem da Candelária. Sua obra ficou pronta em 1583, data de sua entronização em Copacabana, às margens do Lago Titicaca. Local considerado sagrado pelos incas, onde adoravam o Sol, a Lua e a deidade Copacabana. A devoção à Virgem de Urkupiña teve início em Quillacollo, cidade próxima a Cochabamba. Segundo a lenda, uma pastora avistou uma senhora com uma criança nos braços em cima de uma pedra num monte. Teria dado uma pedra para a pastora, a qual se transformou em dinheiro. Daí surgiu a tradição de retirar pedras desse monte e pedir à Virgem que as transforme em bens. Em quéchua, “Orko pina” quer dizer aquela que está sobre o monte. SILVA, Sidney Antonio da. Bendición Mamita: festas devocionais entre os bolivianos em São Paulo. In: LUCENA, Célia Toledo; GUSMÃO, Neusa Maria Mendes (Orgs.). Discutindo Identidades. São Paulo: Humanitas/ CERU, 2006, p.177-192.
155
peculiares, de manhã minha mãe nos acordava com gemada de cerveja preta. E nos aniversários minha mãe sempre fazia um prato que eu gostava muito, sopa de maní384. E depois, quando adolescente, eles resgataram muita coisa para colocar no restaurante. Até a forma de confraternizar com os clientes no carnaval com as bisnagas de água. E o balanço. Meu tio ia tocar e confraternizar com os amigos.385
As aproximações culturais entre costumes e tradições de brasileiros e
bolivianos podem ser notadas nas festas devocionais, nas festas de carnaval386 e
até mesmo no uso de símbolos. Por exemplo, a Lhama branca, sacrificada à
Pachamama na ocasião do plantio, aparece como mediação entre a morte e a vida,
da mesma forma que o Boi encontrado no Boi-bumbá de Parintins e no Bumba meu
boi da região nordeste.387
Quanto mais inserido no contexto social, quanto maior o grau de
reconhecimento e identificação cultural, mais próximo o sujeito histórico estará do
seu território, esteja ele no país de origem ou não.
2.3 IDENTIDADE E IDENTIFICAÇÃO: PROCESSOS EM CONSTRUÇÃO
Eu me sinto tão à vontade aqui que é praticamente meu lar, me sinto como se tivesse nascido aqui também. Se não fosse meu rostinho... Às vezes eu me vejo no espelho e “Pô, eu sou diferente. É verdade, eu sou boliviano mesmo”.388
Observa-se a necessidade de recriar a identidade, pois, em determinado
momento da adaptação, o e/imigrante não se vê mais só como boliviano, mas sabe
que precisa buscar constantemente suas raízes. Passa por uma fase de negação de
384
Sopa de maní, ou sopa de amendoim, especialidade de Cochabamba, bem como a tradicional bebida fermentada de milho, a Chicha. 385
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 386
Durante as festas de Carnaval de 2012 e 2013 observou-se a presença e participação de foliões brasileiros nos blocos e nas brincadeiras realizadas na Praça Kantuta. 387
SILVA, Sidney Antonio da. A migração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre os bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, Fundação SEADE, p.77-83, jul./set. 2005, p.77-83. 388
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
156
alguns costumes389 que podem ser prejudiciais para sua imagem no país que o
acolheu, embora necessite de identificação para se reconhecer como sujeito.
[...] estava perdendo a identidade pelo dia a dia, pela correria. Eu fui perdendo, não estava nem falando espanhol direito de tão adaptado que eu me sinto. Minha cabeça mudou. Aí, é como eu falei pra você, tem algumas coisas que eu não gosto, a bebedeira... Eu comecei a me afastar daquelas coisas, as festas, bebedeiras. Sabe, daquela imagem negativa, eu detesto. Fazer o quê? Mas aquela vez eu vi um grupo folclórico na Oficina Oswald de Andrade, no Bom Retiro, uma apresentação boliviana, achei superbacana, muito organizadinho. Eu vi só pelo simples olhar que as pessoas eram diferentes, já mais instruídas. E, sabe, você percebe, me senti identificado com a cultura que eles estavam mostrando, a cultura boliviana. Bonita, legal, o que deveria ser realmente mostrado. E aí o que mais me surpreendeu: eu vi dois loiros. “Quem que é esse cara loiro aí?” Aí fui e perguntei como que era. Aí eu soube que a menina loira era namorada de um rapaz boliviano e o outro cara era filho de um boliviano.390
Percebe-se o dilema vivenciado por muitos e/imigrantes na busca do sonho
do “El dorado”, a entrega total à sociedade receptora para se adaptar, criar vínculos
e se estabelecer financeiramente, mesmo que para atingir esse estágio necessitem
se afastar de suas origens. Busca-se apagar traços culturais, na tentativa de
apressar a inserção. Essa dualidade de sentimentos – negação e pertencimento –
se faz presente no cotidiano, sendo possível notá-la na opinião do depoente sobre o
que deveria ser mostrado da cultura boliviana aos moradores de São Paulo, como o
trabalho realizado pelo Sociedad Folklórica, composto em sua maioria por jovens
bolivianos da segunda geração, estudantes universitários e profissionais liberais.
A imagem negativa mencionada diz respeito ao uso excessivo de álcool em
apresentações e festas organizadas por outros grupos bolivianos. Tais eventos
seriam marcados por exaltação de ânimos, brigas, jovens alcoolizados caídos pelo
389
Uma estratégia utilizada pelos e/imigrantes recém-chegados para se adaptar à nova sociedade é se transvestir de paulista: as mulheres abandonam as tranças, cortam os cabelos, passam a utilizar calça jeans e roupas mais coloridas, deixam de lado as tradicionais polleras (saia longa com pregas e aveludada); os homens adotam o jeans e camisas mais leves e coloridas em substituição às calças sociais e sóbrias em tons escuros. SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005, p.28. Aspecto também observado na visita ao CAMI. 390
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
157
chão, sujeira acumulada nas ruas, gerando incômodo e reprovação do
comportamento por parte da vizinhança.
Nota-se a presença de membros não bolivianos no grupo de dança, o que
denota a aproximação entre as diferentes culturas e a forte presença boliviana na
cidade de São Paulo. Outra descendente de bolivianos, mas brasileira reconhece no
trabalho do grupo sua origem e destaca sua relevância para a manutenção,
adequação e/ou a formação de uma identidade boliviana em São Paulo.
O grupo é [...] pra mim muito importante, é a minha herança. Todo mundo que eu tenho contato sabe o que eu faço, que eu danço. Então tudo o que eu tenho aprendido no grupo eu quero passar para os meus filhos. O grupo é a minha marca. Cada dança tem uma história, a gente apresenta no palco o fundamento, os passos, tudo tem um motivo. Eu quero passar pros meus filhos não só o conhecimento, mas a minha história, a minha origem.391
A concepção de identidade pode ser analisada por diferentes perspectivas
que vão desde a construção da autoimagem até as relações intergrupais e sociais.
Pode se dar através do sujeito do iluminismo – indivíduo totalmente centrado e
unificado; do sujeito sociológico – indivíduo não é autossuficiente e está aberto aos
valores sociais; e do sujeito pós-moderno, isento de identidade fixa, permanente,
transformado constantemente pelo meio.392
O sujeito concebe sua identificação com o mundo desde o nascimento, por
intermédio das relações estabelecidas no âmbito familiar e, posteriormente, na
sociedade em que se insere. Pode ser entendida, então, como um produto
inacabado que será tecido nas tramas das relações interpessoais num determinado
espaço/tempo.
391
Depoimento de Jasmin Loyaza, em entrevista concedida à autora em 06/10/2012. 392
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª. ed., 1ª. reimp. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.
158
[...] a construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros [...] ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de mudança, de negociação, de transformação em função dos outros.393
A necessidade de identificação do sujeito emigrado com o grupo pode se dar
ainda à medida que esse imigrante se vê como membro de uma determinada
minoria que, para ser reconhecida e respeitada enquanto categoria, precisa se unir
para se fortificar. Percebe-se, não só nos bairros estudados, uma tendência à
hostilidade, ao reconhecimento negativo das diferenças por parte da comunidade
local e também uma forte rejeição a qualquer e/imigrante laboral desprovido de
capital e com traços étnicos marcantes.
Num contexto de emigração, o e/imigrante traz consigo seus valores,
costumes e tradições. Valores esses, porém, desconexos com a nova realidade
encontrada no país de destino.
[...] tem dois lados, por um lado tem suas dificuldades que não son pocas [...] tem muita coisa ruim ainda, ser estrangeiro é ser banido, é ser barrado. Ser estrangeiro é, aqui no Brasil, preconceito, é tristeza, é muita coisa que te machuca, que te magoa, tal, como ser humano [...]. Às vezes você fala “Eu não pedi para ter nascido em determinado lugar”. Mas, em contrapartida, ser estrangeiro aqui no Brasil é conhecer pessoas novas, diferentes culturalmente, pessoas alegres ou tristes, mas que de alguma maneira tentam te apoiar e te dão um pouquinho de alegria, descontração. É assim, ser sincero, chorar de tristeza, de fraternidade. Ser estrangeiro é uma coisa boa, é tentar ser feliz. E rir com as alegrias dos outros, com os costumes, pessoas que gostam de você porque você não é daqui, porque você é diferente. Porque todos de alguma maneira não son daqui, é uma mistura, uma coisa rara, bonita, é uma exclusividade que não é exclusividade, é uma mistura de cores e sabores realmente. É muito diferente. Muito difícil ser estrangeiro no Brasil! Poxa, nossa... Difícil, não vou poder explicar. É um misto de sensações, é muita coisa, é como a
393
Pollack, 1992, p.204. Apud: MANCUSO, Maria Inês R. Memória, representação e identidade. In: LUCENA, Célia Toledo; GUSMÃO, Neusa Maria Mendes (Orgs.). Discutindo Identidades. São Paulo: Humanitas/CERU, 2006, p.67.
159
palavra saudade, que não tem descrição, mas que você sente.394
O indivíduo de fora, estrangeiro, causa certo estranhamento às pessoas da
comunidade receptora, pois seus costumes, sua fala, seus traços físicos o marcam
como diferente. A diferença pode ser atrativa para alguns, por trazer curiosidade
sobre o modo de vida daquele “forasteiro”, e ao mesmo tempo pode ser um fator de
repulsa para outros, que, por medo do desconhecido, evitam, excluem, discriminam
e ignoram a presença do estranho.395
As ansiedades acumuladas tendem a ser descarregadas sobre os “forasteiros”, eleitos para exemplificar a “estranheza”, a falta de familiaridade, a opacidade do ambiente de vida, a imprecisão do risco e da ameaça em si. Quando se expulsa das casas e das lojas uma categoria selecionada de “forasteiros”, o fantasma atemorizante da incerteza é exorcizado por algum tempo – queima-se simbolicamente o monstro assustador da insegurança.396
Com o início do processo de adaptação ao novo território, se reconstroem as
tradições bolivianas. “Ele desarticula identidades do passado, mas abre
possibilidades de novas articulações – a formação de novas identidades, a produção
de novos sujeitos.”397
Então isso é muito engraçado, porque na verdade meus pais, diferente de todas as famílias lá... Porque lá todas as famílias participam das festas, da Semana da Pátria, do Carnaval. E eles até faziam isso lá. Porém, quando vieram pra cá, focaram muito no trabalho e não seguiram de jeito nenhum. Então, pra gente, de dança folclórica eles passaram muito pouco. Eu acabei conhecendo e me aproximando mais das minhas próprias raízes depois que eu me graduei, porque até então eu
394
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 395
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade das relações humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. 396
Ibidem, p.129. 397
Laclau, 1990, p.40. Apud: HALL, Stuart. A Questão da Identidade Cultural. Textos Didáticos. Campinas, nº. 18, UFHC/Unicamp, fev. 1998, p.15.
160
pouco conhecia. Como a gente trabalhou 10 anos na oficina...398
Podem ser inúmeras as reflexões sobre a reconstrução das tradições por
esse e/imigrante. Com foi levado por diferentes condições a se deslocar (emigrar) de
seu país para São Paulo, tudo o que ele entendia por tradições, ou seus valores e
símbolos, fica deslocado, fragmentado no novo cotidiano que se apresenta. Em suas
memórias encontram-se traços de uma nacionalidade, do que foi sua referência e
hoje já não é mais.399
[...] a imagem que o grupo tem de si mesmo é marcada pela ambiguidade, devido às diferenças étnico-culturais e sociais existentes na Bolívia, que por sua vez acabam se reproduzindo aqui em São Paulo. Com efeito, esses imigrantes vêem a si mesmos em primeiro lugar como pacenhos, cochabambinos, cruzenhos, orurenhos, potosinos etc., e depois como bolivianos. Porém, quando alguém do Altiplano (colla) ou dos Vales (qochalo) se refere aos oriundos do Oriente boliviano, então aparece outra forma de identificação, em geral de cunho depreciativo e hostil, que é a categoria camba.400 Portanto a identidade bolivana só vem à tona quando esses entram em contato com o outro enquanto brasileiro, em que estes passam a vê-los a partir das imagens preconceituosas que se tem dos mesmos.401
Observam-se referências ao hibridismo cultural por sentir-se adaptado ao
novo cotidiano e à sociedade receptora:
398
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 399
BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2000. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª. ed., 1ª. reimp. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. 400
Colla e Camba: são formas de se reconhecer as pessoas por região. As que vivem no altiplano até os vales são collas, por outro lado as que vivem nos trópicos são identificadas como cambas. Essa divisão remonta ao império incaico, o qual foi derrotado pelos moxos e tupi-guaranis, gerando conflitos, lutas pelo poder e inúmeros preconceitos. Cambas significa moreno em guarani, há uma influência africana na região. SILVA, Sidney Antonio. Costurando sonhos: trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.72-73. 401
Ibidem, p.179.
161
As pessoas me lembram de que eu sou boliviano, porque às vezes eu me esqueço que sou. Praticamente eu esqueço, eu falo do mesmo jeito que meus amigos, xingo, brinco em português. No próprio trabalho eu falo de igual pra igual. Se não fosse meu rostinho... Às vezes eu me vejo no espelho e “Pô, eu sou diferente. É verdade, eu sou boliviano mesmo”.402
Afirma-se uma concepção de identidade fragmentada, nunca singular, mas
multiplamente construída ao longo dos discursos, das práticas e posições que
podem se cruzar ou ser antagônicas, estando em constante transformação. Vincula-
se o processo da globalização à formação da identidade do e/imigrante. Sua base é
construída dentro de um contexto histórico e institucional específico, se dá apenas
por meio da relação com o outro, é um ato social e de poder.403 À medida que o
depoente foi se estabelecendo na cidade, no emprego e novos vínculos sociais se
formaram, iniciou-se um processo de reconstrução de uma identidade boliviana fora
da Bolívia. Como consequência da adaptação, o idioma e alguns costumes podem
ser deixados de lado, mas nunca esquecidos.
É possível verificar ainda a percepção do depoente acerca do
reconhecimento social na comunidade boliviana: “Os meus pais são muito antigos
aqui. E os mais antigos que estão ativamente nas comunidades os conhecem e nos
recebem em família. É muito bom.”404
[...] o sentimento de fazer parte de um grupo era, obviamente,
um ingrediente essencial do prazer proporcionado pelas atividades comunitárias de lazer, quer tivessem um caráter informal, como os encontros de vizinhos nas compras [...], quer com um caráter mais organizado, como as reuniões das associações locais.405
402
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 403
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª. ed., 1ª. reimp. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Stuart Hall, Kathryn Woodward. 7ª. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. 404
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 405
ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.93.
162
A identidade é fruto de um pensamento estratégico e posicional do sujeito
que vivencia a situação e traz consigo novas acepções sobre o conceito de cultura,
pois se pode considerá-la enquanto verbo, e não substantivo, já que tem ação, é
dinâmica e transnacional. Quando os delocamentos põem em choque as diferenças
culturais, como resultado do contato com novas culturas ou identidades, criam-se
construções desterritorializadas, híbridas.406
A cultura transnacional e tradutória é um drama cotidiano para o e/imigrante,
que precisa negociar entre as culturas e tradições locais e as de sua origem. Novos
significados se formam no processo de reterritorialização, devido às diferenças na
língua e nos modos de vida das comunidades, contribuindo para a construção de
valores éticos e estéticos que não pertencem a nenhuma cultura específica, são
dados pela experiência da travessia.407
Eu nunca me senti estrangeiro, eu sou muito brasileiro, eu sou um brasileiro que nasceu na Bolívia. Eu domino as duas línguas. E pronto, falo que sou mais brasileiro que muito brasileiro e, se alguém fala mal ou alguma coisa de mim, eu digo “Você conhece a Bolívia?”. Precisa ter um mínimo de conhecimento pra falar de alguém ou algum lugar. Quando eu estou passeando na Bolívia, sinto falta do Brasil, me emociono em ouvir o hino brasileiro e o hino da Bolívia também. Quando estou na Bolívia e escuto o hino brasileiro, começo a chorar, chorar. Eu amo o Brasil, não tenho nada que falar do Brasil, porque aqui me ensinou a vida, eu tenho as minhas coisas. Até porque, se o Brasil ou a Bolívia tem problemas, são os comandantes, e não o país.408
O relato expressa a dupla pertença, um dilema vivido pelo e/imigrante
durante sua trajetória de vida. A partir do momento em que se empenha para se
estabelecer no novo país, se identifica com os costumes, com a língua, cria vínculos
afetivos, adota a nova pátria como sendo seu lar. Mas sempre rememora sua origem
e busca formas de se ressocializar na própria cultura. O distanciamento da terra
406
BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. 407
SOUZA, Lynn Mario T. Menezes de. Hibridismo e tradução cultural em Bhabha. In: ABDALA JÚNIOR, Benjamin (Org.). Margens da cultura: mestiçagem, hibridismo & outras misturas. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004, p.-113-133. Disponível em: <http://www.uesc.br/icer/resenhas/ hibridismo_traducao.pdf>. Acesso em: 24/04/2012. 408
Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.
163
natal e as vitórias no novo país de residência propiciam uma visão idílica das
localidades – uma é interpretada sob a perspectiva da saudade e a outra, das
conquistas diárias: “Eu me sinto bem aqui. Sinto falta do Brasil quando estou lá e de
lá quando estou aqui. Eu gosto muito do Brasil.”409
Essas sensibilidades contribuíram para a construção de uma visão idílica da terra natal, convivendo em tensão com a consciência das dificuldades políticas, sociais e econômicas concretas na terra. Desenvolveram estrategicamente sentimentos de duplo pertencimento, ao mesmo tempo em que estavam “nem lá nem cá” – o sentimento angustiante de estar entre dois mundos, não pertencer mais ao país de origem, nem à “sociedade de acolhimento”.410
Nota-se uma ânsia pelo retorno às origens, sente-se a necessidade de
consumir produtos bolivianos e o que é ofertado acaba sendo aceito mesmo se
diferindo do original. No caso da comida, traz apenas traços da culinária boliviana
que remetem às suas memórias gustativas, porém o depoente reconhece que só
terá a real experiência gastronômica no seu país.
[...] tem umas lojinhas sim [...] tem outros lugares, não só a Kantuta. Eu gosto de alguns pratos, já como, já sei como é. E quando como aqui, é como comer uma feijoada no Japão, com os ingredientes do Japão. Muito diferente. É... você não vai encontrar uma comida gostosa de lá aqui. Tem que ir lá. É difícil de fazer, minha futura esposa, vou educá-la a fazer.411
Ao “se definir uma identidade mediante um processo de abstração de traços
(língua, tradições, condutas estereotipadas) frequentemente se tende a desvincular
essas práticas da história de mistura em que se formaram”412. Por outro lado, “não é
409
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 410
MATOS, Maria Izilda Santos de. Além mar: entre o lar e o balcão. Portugueses em São Paulo. Revista Cordis: Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, nº. 2, maio de 2009, p.16. Disponível em: <http//:www.pucsp.br/revistacordis>. Acesso em: 25/05/2015. 411
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 412
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2000.
164
possível falar das identidades como se tratasse apenas de um conjunto de traços
fixos, nem afirmá-las como essência de uma etnia ou de uma nação”. Portanto,
Por hibridação se pode entender que é um processo ao qual é possível ter acesso e que se pode abandonar, do qual podemos ser excluídos ou ao qual nos podem subordinar, para assim entender as posições dos sujeitos a respeito das relações interculturais.413
Nesse sentido,
A cultura é algo usual, ordinário: esse é o fato primordial. Toda sociedade humana tem sua própria forma, seus próprios propósitos, seus próprios sentidos. Toda sociedade humana expressa essas características em suas instituições, nas artes e na aprendizagem. O fazer de uma sociedade é a descoberta de sentidos e direções comuns, e o seu crescimento é um ativo debate e um aperfeiçoamento que ocorrem sob a pressão da experiência, do contato e da descoberta, que se inscrevem, assim, em seu território. [...] Uma cultura possui dois aspectos: os sentidos e direções conhecido, aos quais seus membros estão acostumados as novas observações e sentidos, que são oferecidos e testados. Esses são os processos usuais, ordinários, das sociedades e das mentes humanas. Vemos através deles a natureza de uma cultura: que é sempre tradicional e criativa [...] Usamos a palavra cultura nestes dois sentidos: para indicar um modo de vida global – os sentidos comuns, para indicar as artes e a aprendizagem – os processos de descoberta e de esforço criativo [...]. A cultura é algo ordinário, em toda sociedade e em todo individuo.414
A preocupação em manter a cultura andina mesmo distante de seu país se
revela no desejo de passar os conhecimentos e as tradições de seu povo para os
descendentes, como uma estratégia de recriação de uma identidade ou de
identidades bolivianas em São Paulo.
413
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2000. 414
WILLIANS, 1993, p.6. Apud: ESCOSTEGUY, Ana Carolina Damborirema. Cartografia dos estudos culturais: Stuart Hall, Jesús Martin-Barbero e Néstor Gárcia Canclini. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação), ECA/USP, 1999, p.21.
165
[...] nós estamos num mundo globalizado. Eu acredito que cada um tem que preservar sua cultura. Porque se a gente não cultivar, quem vai continuar cultivando aquilo lá? A cultura vai acabar. Aqui em São Paulo não tem uma raça definida, tem americano, tem asiático, tem de tudo. Tem nordestino e tem boliviano.415
Eu vou ensinar minha esposa a falar espanhol, vou ensinar as coisas e os costumes bolivianos, que são muito ricos. Tem que preservar, eu sinto. É uma cultura milenar, muito rica, por que não transmitir isso? Eu preciso passar isso para meus filhos também. Vou com certeza, mas outras pessoas não. Sentem vergonha de ter nascido na Bolívia, querem apagar aquilo, mas o rosto não engana. É a identidade.416
Ao mesmo tempo que se expressa o desejo de fortificar as manifestações da
cultura boliviana em São Paulo, outros estrangeiros traçam a estratégia de um
distanciamento do grupo para não serem contaminados pelos estereótipos que lhe
são atribuídos pela sociedade local.417
2.3.1 Retorno: relações, tensões e expectativas
Ser boliviano é uma grande responsabilidade. Porque qualquer coisa que você faça, cometa uma falha na rua, não é o Amadeo que fez, e sim o boliviano. Um trabalho malfeito, não é o Amadeo, é o boliviano. Tudo o que eu faço primeiro penso na Bolívia. Eles gostam de mim pela forma como eu sou, e eu me orgulho disso, eu sou boliviano. Gostam do meu trabalho e eu digo “Eu sou boliviano”. Mostro minha cultura e eles gostam, vão aprendendo sobre a Bolívia.418
415
Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 416
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 417
O estereótipo é uma forma de representar o meio ambiente por categorias. Com a finalidade de simplificar, atribuem-se características generalizadas positivas ou negativas a grupos de pessoas. O estereótipo negativo é usado de forma pejorativa, modificando e deturpando a verdade. Possui origem nas tradições culturais de cada comunidade social. Tajfel, 1982, p.147. Apud: HUAYHUA, Gladys Llajaruna. Primeira e segunda geração de jovens imigrantes argentinos, bolivianos e peruanos em São Paulo: um estudo psicossocial da identidade e aculturação. Tese (Doutorado em Psicologia Social), São Paulo, PUC- SP, 2007, p.33. O estereótipo do e/imigrante boliviano dado pela sociedade local é de indígena, pobre e que vem procurar emprego em oficinas de costura até como escravo de coreanos e outros bolivianos. 418
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.
166
As relações de vizinhança foram estabelecidas de modo singular no
cotidiano de cada um dos sujeitos históricos. “Sempre fui muito bem recebido. Não,
nunca sofri preconceito. Eu respeito meus vizinhos, não faço barulho, tento não
incomodar, e aí posso cobrar respeito”419, diz o mesmo depoente citado
anteriormente. Porém, as tensões/relações de vizinhança identificadas em pesquisa
evidenciam as diversas opiniões sobre os e/imigrantes estudados. Por exemplo,
durante uma ação do Ministério do Trabalho na Avenida Rudge, alguns vizinhos se
mostraram contrários à presença de bolivianos no bairro, o que permite notar um
clima “pouco amistoso” no Bom Retiro. A chegada de coreanos e de bolivianos
transformou o território em um polo da indústria de produção. Francisco Ceará, dono
de pequena oficina, reclama do preço dos aluguéis: “Alugava esta casa aqui por R$
600. Agora, pago R$ 1.500.” Sobre os bolivianos, diz não ter preconceito e os
identifica como trabalhadores quietos. Diz que trabalham feito condenados e
comenta: mais gente, mais dinheiro.420
Segundo a Unidade Básica de Saúde (UBS) do Bom Retiro, à época da
consulta encontravam-se cadastrados como paciente cerca de 4.000 latinos –
somavam-se peruanos e paraguaios, mas a maior parte era boliviana. Esses sujeitos
procuram a UBS logo que chegam a São Paulo para se cadastrar e retirar o cartão
do SUS, já que o trabalho e a moradia em oficinas de costura insalubres os deixam
mais suscetíveis à tuberculose, além das queixas de dores musculares, associadas
às longas horas de trabalho nas máquinas de costura: “[...] adoecem de tuberculose.
Geralmente [...] eles se queixam de tosse e dores nas costas [...].”421 A profissional
comenta que, mesmo sabendo da gravidade da doença, os bolivianos têm
dificuldade de sair da oficina para tomar medicação no posto. Então, os agentes de
saúde vão até lá para conscientizar o dono do estabelecimento e os costureiros da
necessidade do tratamento.
O espaço de moradia se mistura com o de costura, os afazeres domésticos
se somam às longas jornadas de trabalho. Dentro das residências as salas
principais, arejadas e iluminadas, concentram as máquinas e são destinadas à
produção – o descanso e a alimentação não são considerados prioridades por parte
419
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 420
BRUNING, Felipe Vanini. Fiscais ligam Zara a trabalho degradante. Folha de São Paulo. São Paulo, 18 de agosto de 2011. 421
Informações cedidas durante visita técnica realizada na UBS do Bom Retiro, em fevereiro de 2013.
167
de oficineiros e costureiros, até adoecerem. Como as condições de limpeza e
higiene são precárias, as doenças não ou mal curadas logo se espalham. Percebe-
se no uso como moradia e nas práticas cotidianas a origem dos problemas de
salubridade das oficinas.
Moro aqui há uns 6 ou 7 anos e nunca tive problema, talvez porque eu sou reservado, não sou fechado, sou reservado. Agora tem um vizinho bom aqui, meu amigo, brinco, respeito. As pessoas cumprimentam. Passam e “Oi”, “Oi”, “Oi”. Que é isso de “Oi”, “Oi”, “Oi”? Eu falo “Boa tarde!”, “Boa noite!”, e eles falam “Boa tarde”. A gente ensina, e eles aprenderam (risos).422
A vizinhança os vê sob a influência do estereótipo negativo, evitando
aproximação. Num primeiro momento, o grupo muitas vezes reafirma uma baixa
autoestima, recolhendo-se em suas casas e se escondendo. Mas, com o passar do
tempo e mais estabelecidos na comunidade receptora, iniciam o processo de
enfrentamento aos preconceitos.
Ahhh, assim, é normal... Eu cumprimento as pessoas, elas me cumprimentam. É lógico, os menos instruídos têm mais preconceito. Quando eu cheguei ali tinha preconceito, mas agora eles foram me conhecendo, viram que eu estudo, que eu trabalho e agora me respeitam pra caramba.423
Observa-se que grande parte dos bolivianos justifica sua estada no Brasil
citando os estudos, pois acreditam que falar sobre suas dificuldades para trabalhar e
sobreviver no país de origem traria mais obstáculos ao relacionamento com a
comunidade.424
422
Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 423
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 424
Pesquisas realizadas com 200 bolivianos no Bom Retiro confirmam a busca por trabalho como principal motivo da saída da Bolívia, com 71%, seguido de 12% para estudar e 10% para reencontrar familiares. SILVA, Claudio Ferreira. Perfil: Maioria dos imigrantes bolivianos tem entre 20 e 24 anos. Folha de São Paulo. São Paulo, 09/12/2007. Disponível em: <http://feeds.folha.uol.com.br/fsp/ dinheiro/fi0912200718htm>. Acesso: 08/05/2014.
168
[...] mantêm a crença de que se alguém se apresenta como uma pessoa que quer estudar, isso resulta em uma imagem positiva, contrariamente ao que acontece com os migrantes econômicos, os quais são vistos de forma negativa. Migrantes econômicos são associados a pobreza e problemas.425
Quanto ao preconceito ao e/imigrante no processo de deslocamento, o
sentimento de exclusão pode se expressar de três formas: pela endofobia, quando
há rejeição às pessoas do grupo a que pertence, revelando um desejo de integração
à sociedade receptora e indicando uma estratégia de fuga da discriminação; pela
exofobia, que é uma reação de rejeição ao estrangeiro em relação aos membros da
comunidade que o recebe; e pela xenofobia, que é expressa pela rejeição ao
estranho, ao estrangeiro, por motivos relacionados a insegurança e mudanças
sociais e econômicas.426
Os residentes mais antigos (brasileiros) dos bairros frequentados por
bolivianos identificam nos e/imigrantes uma ameaça, pois os veem enquanto
concorrentes ao mercado de trabalho e os culpam por aumentar as filas nos serviços
de saúde e educação. Relatos mencionam o agravo da violência devido a brigas
entre paraguaios e bolivianos e um aumento da sensação de insegurança.427
Bom esse bairro tem a cara dos judeus. Eu acredito que eles foram os primeiros habitantes estrangeiros que vieram para esse bairro, assim, construindo o bairro com suas confecções, suas fábricas e depois disso vieram os coreanos e agora os bolivianos, é... então está mesclado, vamos dizer assim, o bairro do Bom Retiro, pode-se dizer que tem essa mescla de estrangeiros.428
425
SIMAI, Szilvia; BAENINGER, Rosana. Racismo e negação: O caso dos imigrantes bolivianos em São Paulo. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XXIV, nº. 68, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan./jun. 2011, p.59. 426
MÁRMORA, Lelio. Migraciones: prejuicio y antiprejuicio. Mimeo, 1995. Disponível em: <http://news.daia.org.ar/img/migraciones_prejuicio%20y%20antiprejuicio.pdf>. Acesso em: 24/06/2012. 427
Percepções obtidas durante conversas informais em estabelecimentos comerciais, unidades básicas de saúde e praças públicas dos bairros do Bom retiro, Canindé e Pari. 428
Depoimento de profissional da saúde da UBS do Bom Retiro. Cf.: MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; SILVEIRA, Cássio (Orgs.). Saúde e história de migrantes e imigrantes. Direitos, instituições e circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina UFABC, Universidade Federal do ABC, CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014, p.134.
169
Outro prestador de serviços de saúde da UBS do bairro comenta sobre o
grande número de estrangeiros e a respeito da imagem do Bom Retiro: “[...] é um
bairro de bolivianos, judeus, coreanos [...] vi que eles estão muito presentes. O
tempo inteiro, ao caminhar, você só vê essa imagem.”429
Observam-se tensões também nas falas de outros sujeitos históricos dos
bairros estudados: “Sou rabino no Bom Retiro. Aquilo já foi bairro típico de judeu,
mas agora mistura judeus, italianos, coreanos e bolivianos.” Sobre a interação entre
esses grupos, respondeu: “Não há.” Perguntado se gostaria que houvesse, a
resposta foi: “Não. Sou ultraortodoxo. Não havendo atrito já está bom.”430 Por outro
lado, alguns depoentes comentam o acolhimento da sociedade local:
As pessoas ficavam admiradas com nossa música. Gostavam muito. Gostavam da dança. Nos acolheram muito bem. Em São Paulo não tinham grupos bolivianos, nós éramos os primeiros. Então as pessoas achavam grandioso nosso trabalho, choravam com a nossa música. Tinham muitas lembranças. Tinham músicas alegres, tristes, perguntavam de onde éramos, que instrumentos eram aqueles. Nós tocávamos todos os dias na São Bento, em bares, em restaurantes, em festas, em colégios.431
Essa dualidade de sentimentos e percepções também se revelava em outros
momentos do cotidiano, como na vida estudantil. A depoente relata sua experiência
na escola pública como aluna e agora como responsável por um estudante e
observa a mudança no tratamento dado aos e/imigrantes:
Eu fui de uma época em que, na escola pública, meus professores se preocupavam, me ajudaram a aprender a escrever o português e passar da terceira para quarta série no meio do semestre para que eu não ficasse atrasada. E hoje em
429
Cf.: MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; SILVEIRA, Cássio (Orgs.). Saúde e história de migrantes e imigrantes. Direitos, instituições e circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina UFABC, Universidade Federal do ABC, CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014, p.134. 430
Depoimento de Paulo Roberto Blinder, 47 anos, rabino. Cf.: SENRA, Ricardo. Humanomania. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 06 a 12 de abril de 2014, p.26. 431
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza (músico), em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.
170
dia a realidade das escolas públicas é bem diferente. Nas reuniões dos meus sobrinhos, no Colégio Padre Anchieta, eu soube até de morte de crianças bolivianas, cobrança de pedágio de imigrantes para entrar na escola. E que a diretora estava pensando em fazer as reuniões de pais separadas (pais bolivianos de pais brasileiros). Eu penso não é o Brasil, não é o mesmo país, a violência aumentou muito. Então ser boliviano hoje é entender que você vai precisar de muita coragem, esforço redobrado para conseguir se integrar. Acho que ser boliviano hoje é isso. Porque se você não tiver isso, então será muito difícil.432
Observaram-se ações preconceituosas não só por parte dos alunos, mas
também por parte da direção da escola, que não sabia como tratar as diferenças
estabelecidas entre os estudantes. Rememoram-se reuniões de pais brasileiros e
bolivianos separadas, fato esse que não auxiliava no processo de integração do
e/imigrante, e sim ampliava sua exclusão.
Quanto mais as pessoas permanecerem num ambiente uniforme – na companhia de outras “como elas”, com as quais podem “socializar-se” de modo superficial e prosaico sem o risco de serem mal compreendidas nem a irritante necessidade de tradução entre diferentes universos de significações –, mais tornam-se propensas a “desaprender” a arte de negociar um modus covivendi e significados compartilhados.433
As diversas ações propostas pelas associações de apoio aos e/imigrantes
se fazem necessárias como tentativas de intervenção nos comportamentos que
constantemente expressam mixofobia em relação ao estranho. Ações como eventos
em áreas urbanas, incentivo à utilização do espaço público aberto e convidativo e
projetos que promovam a inserção do e/imigrante no mercado de trabalho formal
auxiliam na quebra do estereótipo negativo já enraizado na comunidade receptora.
432
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 433
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade das relações humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p.135.
171
Se houvesse a integração, não haveria necessidade do projeto. Eu falo da democratização da informação pelo projeto, porque as pessoas olham para minha cara e falam do anúncio “Precisa-se de garçom, treina-se no trabalho”. E eles falam: “Eu posso?” Isso para mim, é claro, não há integração. Nós percebemos nas políticas públicas também, não só para imigrantes, mas para acolher e para valorizar a diversidade cultural. Que iniciativas tem nas escolas? Eu acho de uma violência tão grande saber que 80% das crianças do Padre Anchieta são de culturas de língua hispânica e, mesmo assim, jogá-los numa sala de aula sem suporte nenhum de português. É uma violência muito grande.434
Aponta-se como positiva a inserção do e/imigrante nos bancos
universitários, pois assim amplia seu leque de relacionamentos e se insere em
outros contextos sociais, galgando novas oportunidades de trabalho e reconstruindo
não só a sua imagem, mas a imagem de novos fluxos emigratórios.
Também, mas agora não mais, tenho amigos. O pessoal alopra, mas eu não deixo quieto não. Aí eles vêm que o conhecimento é tudo e que não tem diferença. Não tenho problemas na escola e nem no trabalho.435
Percebe-se a falta de preparo dos jovens para enfrentar situações
constrangedoras embasadas nas diferenças étnicas e a busca constante de
identificação entre seus pares, por isso o abandono dos estudos e o casamento
prematuro.
Aí, quando eu fui atender no posto da Cachoeirinha foi que eu vi que tinha um monte de jovens de 14, 15 anos casando e só trabalhando. Acompanhei casos e descobri que um dos motivos do abandono dos estudos era o bullying sofrido nas escolas.436
434
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 435
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 436
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
172
A adolescência é a fase preparatória para a vida adulta, na qual o jovem
estabelece suas relações sociais, bem como os vínculos ou as rupturas que farão
parte de sua identidade adulta, sendo cruciais para a formação da identidade do
jovem, seja ele e/imigrante, filho de e/imigrantes ou não. Esse é o momento de
afirmação enquanto indivíduo, o desejo de se posicionar se faz presente no tempo e
no espaço. Por isso a prática do bullying é tão prejudicial e perigosa, o adolescente
“diferente” não sabe como lidar com o preconceito latente. Em determinados
momentos se escondem, em outros enfrentam as perseguições.
Relatos de espancamentos, cobrança de pedágio e exposições vexatórias
foram constantes. Brigas e pais revoltados com as situações conflituosas nas
escolas também apareceram em conversas informais no domingo na Praça.437
Hoje ser boliviano no Brasil, aqui em São Paulo, é bem difícil. Ser boliviano e pobre é pior. A questão da cor também é um impeditivo, tem alguns que são miscigenados com espanhóis, aí nem parecem bolivianos, são mais brancos. O idioma é um marco, se eles começam a se comunicar melhor, a situação pode melhorar. Porque, além de ser boliviano, pobre, ter a cor escura, não saber falar português é o último grau da vulnerabilidade.438
Os jovens bolivianos identificados em pesquisa se fecham em suas
comunidades bolivianas, nos bairros do Brás, Mooca, Belém, Bom Retiro e Vila
Maria, que concentram as oficinas de costura. Aos finais de semana se encontram
com outros jovens em festas para latinos e na Kantuta. Os universitários
pertencentes à segunda geração, também aos finais de semana, participam de
atividades em associações formadas pelos próprios pais para manter a cultura
boliviana em São Paulo. Nos relatos percebe-se que tanto os jovens da primeira
geração como os da segunda geração já sofreram discriminação por parte de
437
HUAYHUA, Gladys Llajaruna. Primeira e segunda geração de jovens imigrantes argentinos, bolivianos e peruanos em São Paulo: um estudo psicossocial da identidade e aculturação. Tese (Doutorado em Psicologia Social), PUC-SP, São Paulo, 2007. OLIVEIRA, Lis Regia Pontedeiro. Encontros e Confrontos na Escola: Um Estudo Sobre as Relações Sociais entre Alunos Brasileiros e Bolivianos em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade), PUC-SP, São Paulo, 2013. 438
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
173
brasileiros, em diferentes momentos do cotidiano: no mercado, na escola, no
hospital, no trabalho e ao transitar pela rua.
Sabe trabalhei com pessoas em São Paulo que tinham esse preconceito latente comigo, mas eu... Aí eu falo o que tenho em mente: “Quem aqui é realmente brasileiro? O índio, vocês são de fora.”439
Eu já fui mal atendido no supermercado, na polícia federal, no hospital, as pessoas brigam com você, querem te bater, ficam te agredindo verbalmente. Porque não tenho ojos verdes, pele clara e nariz fino, as pessoas me olham diferente, me sinto excluído. Aí falam grosserias para você. Sentia muito mais antigamente. Ainda percebo no dia a dia, mas todos os dias eu contorno isso de uma forma diferente.440
Aqueles que se identificam como mestiços com espanhóis e brancos, que
conseguem esconder os traços étnicos e falam bem o português se inserem com
mais facilidade no mercado de trabalho e nos grupos sociais de brasileiros, pois
burlam o estereótipo negativo da falta de hábitos de higiene, da pobreza e dos
traços indígenas. Percebeu-se que não são aceitos pelos paulistanos e que suas
práticas de lazer se resumem a atividades realizadas dentro do próprio grupo.
As lutas a respeito da identidade étnica ou regional, quer dizer, a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas à origem através do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhes são correlativos, como o sotaque, são um caso particular das lutas das classificações e lutas pelo monopólio (caso) de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e de desfazer os grupos.441
Os novos sujeitos históricos demandam serviços e expressam suas formas
de viver e ver o mundo, fazem e pertencem à história dessas localidades, aspecto
identificado na percepção acerca do atendimento público na área da saúde:
439
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 440
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 441
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico: memória e sociedade. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1989, p.113.
174
[...] dificilmente vou ao hospital, porque vejo como são maltratados os bolivianos, mas precisei. Então fui e, quando era minha vez, perguntei pro médico “Que remédio é esse?”, e ele nem me ouviu. Fui mal atendido, tipo um gado, e fui maltratado pela enfermeira. E eu perguntei pra ela “Me diga os compostos do remédio, vou ter reação ou não?”, coisas assim [...] e ela viu que eu tinha uma cara diferente, um sotaquinho. E estupidamente, foi grosseira comigo. Disse “Procura na internet”. E aí surgiu um desconforto. Ela falou “Da onde que você veio? Esse povo não tem o que fazer. Vem aqui, e são estrangeiros, utilizam nossos serviços...” e começo a falar mal [...]. Eu fiquei com tanta raiva!442
Sentem as mesmas necessidades que os brasileiros, passam pelas mesmas
filas de espera e constrangimentos que o sistema de saúde pública oferece. Porém,
observam-se agravantes decorrentes da condição de e/imigrante. O idioma, os
traços étnicos e os costumes muitas vezes não são compreendidos pelos
atendentes.
A falta de inserção na sociedade paulistana e as dificuldades de concretizar
o sonho motivam o fechamento do ciclo emigratório, que se dá com o retorno.
Aqueles e/imigrantes que se deslocaram para o Brasil com o intuito de prosperar
financeiramente e conseguiram trabalho, enviam remessas para os familiares,
encerram o processo emigratório e retornam. Aqueles que formaram família no
Brasil deixam o sonho de retornar para a velhice ou o reduzem para os períodos de
férias, quando viajam a seus departamentos de origem para visitar familiares.
Sempre tenho vontade de voltar para a Bolívia, mas, como tenho família aqui, vou ficando. Aqui tive oportunidades, na Bolívia também tem oportunidades, mas é mais difícil. Mas me aposento em breve e penso em voltar para minha cidade. Já fiz muito pelo Brasil e agora quero fazer um pouco pelo meu país.443
Mesmo que tardia, a decisão de voltar sempre faz parte do processo
emigratório. Nota-se que o ato de retornar já está implícito no próprio ato de emigrar.
Mesmo antes de partir os e/imigrantes já traçaram toda a sua jornada pensando nas 442
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 443
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.
175
estratégias e metas que deveriam ser alcançadas para concretizar o retorno.
Provações e tentações apareceriam no trajeto, mas deveriam ser superadas para
que o objetivo final se se concretizasse: a volta à terra natal.
Não voltei, sempre tem alguma coisa que me impede, mas desse ano não passa, eu vou visitar. Porque sempre tenho o que fazer, mas mesmo que eu me case, ou com filhos, eu vou voltar.444
Os propósitos traçados na partida da Bolívia eram: conquistar oportunidades
de trabalho, dinheiro, enviar remessas para os que ficaram e voltar numa condição
diferenciada da que partiram. “[...] consiste, de uma certa forma, querer fazer uma
revanche social, mas também deixar claro para si e para os outros o sentido de sua
emigração e de sua ausência [...]”445, a fim de conquistar o reconhecimento social do
grupo que ficou.
Eles querem que eu volte, volte para casa, para ficar com eles. Porque estar sozinho num lugar sem família... Querem que eu fique com eles, falam “Aqui é seu lugar. Aí está sozinho sem família”. É praticamente uma verdade, é... verdade.446
Para que haja o deslocamento o sujeito histórico necessita romper os
vínculos sociais com a terra natal e com a família, deixa a ausência no local de
origem para que possa gerar a presença no destino. Esse e/imigrante passa a viver
a dualidade de pertencimento, o ser estrangeiro e não pertencer ao lugar onde está
e o pertencer e ser natural a um local onde não está presente fisicamente. Seus
sentimentos e emoções estão interligados à sua comunidade de origem, mas seu
físico, sua força e seu trabalho estão destinados à sociedade escolhida no processo
emigratório. O estar presente e ausente permanece no cotidiano do emigrado.
444
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 445
SAYAD, Abdelmalek. “O Retorno, elemento constitutivo da condição do imigrante”. Travessia -Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, Número especial, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan. 2000, p.16. 446
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
176
O retorno é naturalmente o desejo e o sonho de todos os imigrantes, é como recuperar a visão, a luz que falta ao cego, mas, como cego, eles sabem que esta é uma operação impossível. Só lhes resta, então, refugiarem-se numa tranquila nostalgia ou saudade.447
Nos relatos nota-se que, mesmo adaptados a São Paulo e com família,
sentem a necessidade de voltar. E para aqueles que emigraram sozinhos, sem
parentes, para trabalhar, o retorno deveria ser o mais rápido possível para que não
perdessem suas raízes com seus grupos familiares nem com os locais de origem.
Assim o sentimento de estar deslocado não se reafirmaria no país de origem.
Tenho vontade de voltar para passear, fazer turismo ou abrir algum negócio. Me identifiquei. Aqui é confortável, me sinto bem. Então quando você se sente bem, confortável naquele lugar, você quer ficar. Mas você tem uma lembrança de onde você veio.448
Sim, já recebi e sempre aconselhei para que retornassem para o país de origem. Porque aqui é bom para quem tem uma profissão, mas para quem vem pra costura ou sem profissão é muito difícil se reerguer. Aconselho para ganhar um dinheiro e voltar. Eu dava trabalho e casa.449
Menciona-se a ação da rede de acolhimento não só para hospedar e
empregar, mas também para proporcionar o conforto de um conselho, o retorno,
para aqueles que não conseguem se fixar em São Paulo. Destacam-se as
dificuldades financeiras encontradas pelos que possuem pouca ou nenhuma
qualificação, ao passo que aqueles com algum conhecimento sobre costura e
confecção se inserem rapidamente no mercado de trabalho.
Por outro lado, também é possível identificar certa hierarquia entre os
e/imigrantes já estabelecidos e os recém-chegados sem profissão definida e com
baixa qualificação. Estes estariam fortificando os estereótipos negativos criados pela
447
SAYAD, Abdelmalek. “O Retorno, elemento constitutivo da condição do imigrante”. Travessia -Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, Número especial, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan. 2000, p.11. 448
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 449
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.
177
sociedade hospedeira: “[...] são burricos, coitados, perdidos [...] tem algumas coisas
que eu não gosto, a bebedeira [...] detesto.”450
Postos no papel de outsiders, os recém-chegados são percebidos pelos estabelecidos como pessoas “que não conhecem seu lugar”; agridem-lhes a sensibilidade, portando-se de um modo que ao seu ver, traz claramente o estigma da inferioridade social [...].451
A questão do retorno pressupõe diferentes relações com o tempo, com o
espaço e com as pessoas. Com o tempo porque o e/imigrante se remete a um
passado, projeta um futuro e desenha seu presente e suas ações de acordo com as
necessidades do passado e com o que almeja alcançar no futuro. As relações com o
espaço atual e com a terra natal são redefinidas no cotidiano pelas situações
apresentadas. Já as relações com os grupos sociais se estabelecem à medida que
são relevantes para amenizar a falta que sente de seus pares que ficaram e os jogos
de interesses estabelecidos para a conquista dos sonhos emigratórios.
Às vezes sinto saudades da Bolívia, no começo sentia mais. Agora, quando ouço uma música, começo a lembrar das coisas, bate uma saudade mesmo, um sentimento que arrepia, começo a chorar. Às vezes acho que porque você cresceu, sentiria muito mais se fosse embora daqui do Brasil, sentiria muito. Eu já fui para o Rio de Janeiro e meu coração ficou partido de saudade daqui, e voltei. Verdade, me asfixiava naquele lugar, mas tinha que voltar. Deixa a poluição, deixa a rinite, deixa o trânsito, mas eu tinha que voltar.452
Assim como a emigração traz a sensação da ausência da Bolívia, também
cria laços na sociedade de acolhimento, relações com o espaço e com as pessoas.
Aos e/imigrantes que aqui formaram família se torna cada vez mais difícil deixar o
Brasil, mesmo que por pouco tempo. Os vínculos de parentesco ficam divididos
450
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 451
ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.174. 452
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.
178
entre os dois países, como um dia no passado já haviam ficado quando deixaram os
pais e o país. E agora, se retornassem, deixariam os filhos e netos. Existe a vontade
de voltar ao grupo social a que pertenciam antes da partida, mas esse tempo, esse
espaço e essas pessoas não seriam os mesmos. E o próprio e/imigrante, após o
processo, também não é o mesmo. Afinal,
Não se habita impunemente um outro país, não se vive no seio de uma outra sociedade, de uma outra economia, em um outro mundo, em suma, sem que algo permaneça desta presença, sem que sofra mais ou menos intensa e profundamente, conforme as modalidades do contato, os domínios, as experiências e as sensibilidades individuais, por vezes, mesmo não se dando conta delas, e, outras vezes estando plenamente consciente dos efeitos.453
Conforme mencionado em entrevista, a depoente casou-se, emigrou para o
Brasil, se fixou em São Paulo, teve quatro filhos aqui, brasileiros filhos de pais
bolivianos. Estes cresceram e estão criando suas próprias famílias com brasileiros.
Os laços e a rede de parentesco se ampliaram no Brasil, e estão ficando cada vez
mais frágeis na Bolívia.
Agora que vai casar minha filha mais nova, penso em voltar para a Bolívia, mas não consigo ficar longe deles, acho que só vou me separar quando morrer. Não consigo ficar muito tempo longe deles.454
Aqueles e/imigrantes que optaram por voltar para a Bolívia foram recebidos
como vitoriosos, pois conseguiram concretizar o sonho da família e retornaram para
seu lugar de origem. Já outros que não retornaram e apenas visitam os familiares
quando possível sentiram certa rejeição por parte dos que ficaram.
453
SAYAD, Abdelmalek. “O Retorno, elemento constitutivo da condição do imigrante”. Travessia -Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, Número especial, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan. 2000, p.14. 454
Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.
179
Com o passar do tempo, a estabilidade e a vida em seu rumo fica difícil uma tentativa de retorno. A terra natal fica “esquecida” ou “adormecida” por conta de outras questões. A fixação definitiva é uma regra praticamente geral, pois se observa ao longo dos processos que a emigração familiar tendia a dificultar o retorno, com os filhos nascidos e sendo educados em outro país, gerava um agravante na decisão de retornar. Para os que têm sucesso a tendência a buscar um retorno diminuía ainda mais.455
Mas, para o país, o número de emigrantes também tem seu lado positivo,
haja vista que o contínuo envio de remessas garante possibilidades de consumo. Ao
retornarem, entretanto, esses emigrados necessitam se reinserir na sociedade e na
economia. Percebe-se uma inclinação do governo de Evo Morales a fixar a mão de
obra jovem capacitada nos postos de trabalho internos, a fim de alavancar a
economia do país e melhorar as condições de vida da população – e para que o
capital humano seja reinvestido na própria Bolívia.
Os que voltam se concentram no trabalho informal ou na abertura de
pequenos negócios. E aqueles que retornam com pouco capital para investir
acabam voltando para o Brasil na próxima temporada da costura. São os chamados
trabalhadores sazonais ou temporários, passam três meses em São Paulo e
retornam para seus departamentos. Esses não possuem um projeto migratório de
permanência, de fixação, e sim uma expectativa de retorno para a Bolívia.
A maioria deles não tem muita oportunidade na Bolívia, e se alguém aqui já se deu melhor; então fala, comenta, e então todo mundo quer vir. Estão buscando uma vida melhor, né? A maioria deles vem sem intenção de ficar no Brasil, só trabalhar por um tempo e voltar para lá.456
455
ANGELO, Elis Regina Barbosa. Trajetórias dos imigrantes açorianos em São Paulo: processos de formação e transformação nas histórias de vida, nas tradições e nas identidades. Relatório de Qualificação (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2010, p.264. 456
MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; SILVEIRA, Cássio (Orgs.). Saúde e história de migrantes e imigrantes. Direitos, instituições e circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina UFABC, Universidade Federal do ABC, CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014, p.147.
180
Identifica-se que os bolivianos que vêm para trabalhar na costura retornam
com mais frequência para suas cidades na Bolívia. Os donos de oficina mencionam
as constantes idas e vindas de costureiros para os preparativos da “produção de
natal”. O intervalo dos retornos a São Paulo varia de seis meses a um ano. A cada
nova temporada de trabalho redesenham-se as expectativas do processo
e/imigratório, os medos, os sonhos e a saudade.
O desejo de retornar se faz presente mesmo para aqueles que estão
conseguindo concretizar seu sonho em São Paulo – estudando, trabalhando e
enviando parte do que ganham aos pais. O depoente rememora que a trajetória
emigratória o fez crescer, conhecer um novo país, outra forma de se sociabilizar,
uma cultura diferente da sua, e o preconceito que sofreu e sofre fortificou sua
identidade boliviana.
É... eu penso em voltar só para morrer, onde eu nasci, queria passar meus últimos dias lá, quando estiver mais velho e saber que meus dias estão contados, então gostaria de morar lá e morrer lá, aí voltaria.457
Então, para morrer em paz, pretende retornar às suas raízes, ao seu lugar,
aos seus vínculos. Pois mesmo “adaptado”, “naturalizado”, o e/imigrante ainda se
sente deslocado por não ser natural desse país, e sim ter sua presença autorizada
legalmente.
Toda presença estrangeira, presença não-nacional dentro da nação, é pensada como presença necessariamente provisória, mesmo quando esse provisório possa ser indefinido, possa prolongar-se indefinidamente, criando desta forma uma presença estrangeira permanentemente provisória, ou em outros termos durável, mas vivida por todos de maneira provisória, adequada aos olhos de todos por intenso sentimento provisório.458
457
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 458
SAYAD, Abdelmalek. “O Retorno, elemento constitutivo da condição do imigrante”. Travessia -Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, Número especial, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan. 2000, p.14, p.20-21.
181
Mesmo com uma presença provisória, esses sujeitos modificaram a
estrutura dos bairros em que residem e trabalham: serviços de educação e saúde
foram e continuam sendo adaptados para “acolhê-los” ou para eliminar as diferenças
entre os grupos sociais envolvidos (brasileiros e estrangeiros), políticas públicas
relacionadas à temática da imigração e estratégias de aproximação são discutidas
em associações e comunidades. Percebe-se uma constante movimentação de
forças para a quebra da imagem estereotipada e a aceitação da comunidade
boliviana – não mais invisível, e sim massiva na sociedade paulistana.
182
CAPÍTULO 3 – NEM LÁ NEM CÁ: TRAÇANDO TERRITORIALIDADES
O terceiro e último capítulo tem como objetivo mostrar que o fluxo de
imigração da Bolívia para o Brasil é crescente e constante, bem como que os
e/imigrantes que aqui estão fixados já se identificam com a cidade e tentam
estabelecer relacionamentos duradouros com a comunidade dos bairros onde
residem, trabalham ou estudam. Estratégias estão sendo elaboradas pelo grupo
boliviano para que diálogos com o poder municipal se tornem mais frequentes e
auxiliem na difícil tarefa de romper as barreiras do preconceito contra o e/imigrante
pobre, trabalhador e índio.
O capítulo elege como temática central os eventos com a participação da
comunidade boliviana, sejam de caráter festivo, religioso, esportivo ou outros, pois
são formas de veiculação da imagem da e/imigração. A partir dessa temática abrem-
se quatro vertentes – as territorialidades, as rupturas, as buscas e os trânsitos – que,
além de aportes teóricos, apontam os locais de encontro: a praça, os bairros, as
igrejas, os restaurantes, os eventos com concentração de e/imigrantes e outros
espaços que configuram a marca da cultura andina em São Paulo. Nos depoimentos
destacam-se as manifestações culturais, a valorização das novenas e as estratégias
de inserção e fixação dos representantes da comunidade boliviana na sociedade
paulistana – como a proposta de inserção de datas comemorativas da Bolívia no
calendário oficial de eventos de São Paulo, participação em comemorações da
cidade e em festas específicas de e/imigrantes com a presença do público
paulistano.
3.1 TERRITORIALIDADES TRANSITÓRIAS: TEMPOS DE FESTEJAR
Destaca-se o conceito de territorialidade, pois este estudo baseia-se no
processo de emigração de bolivianos para São Paulo, na concentração dessas
pessoas nos bairros centrais ou não e nas interferências espaciais, sociais, culturais
e econômicas advindas dessa constante e crescente e/imigração.
183
Os homens “vivem”, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivas. Quer se trate de relações existenciais ou produtivistas, todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. [...] a vida é tecida por relações, e daí a territorialidade poder ser definida como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com recursos do sistema.459
Nota-se que os que aqui estão fixados já se identificam com a cidade e
tentam estabelecer relacionamentos duradouros com a comunidade dos bairros
onde residem, trabalham ou estudam. Os novos sujeitos históricos demandam
serviços, expressam suas formas de viver e ver o mundo e ainda protagonizam
histórias nessas localidades. Constataram-se “territórios” bolivianos nos bairros
estudados, como no Canindé a Praça Kantuta, no Bom Retiro os restaurantes,
bares, entre outros espaços para chamadas internacionais e pequenos comércios de
doces e tubérculos específicos da culinária boliviana. Na rua Barra do Tibaji (Bom
Retiro) e na rua Coimbra (Brás) encontraram-se salões de cabeleireiro ou
peluquerías, lan houses e lojas de produtos típicos, tudo voltado para o público
boliviano. E muitos desses estabelecimentos eram gerenciados e/ou são
propriedade de bolivianos, o que confirma a territorialidade do e/imigrante.
Saí na Luz, fiquei em um hotelzinho, a festa de carnaval estava no auge. Conheci uns bolivianos no hotel e saí pra farra do carnaval. Acabou todo o meu dinheiro depois de uns dias. E aí eu falei “E agora?”, não tinha dinheiro nem pra pagar o hotel. Não falava português, não tinha como voltar nem onde ficar. [...] “Vou ter que procurar serviço aqui.” Perguntava como chamava chapista aqui? Talher de funilaria, martillo? E aí me falaram que era funileiro e me indicaram a rua Newton Prado, que era cheia de oficina. Aí arrumei serviço, com um judeu, que me deu uma Kombi pra desamassar e fazer o serviço e foi embora. Bom aí eu peguei o carro e fiz todo o serviço, quando ele voltou, ficou bravo, me xingou, disse que não era pra eu ter feito tudo, era só uns podrinhos, amassadinhos e não tudo [...]. Então eu disse que ia embora, ele não quis acertar e disse que eu dei prejuízo pra ele. Bom, fui embora, não tinha dinheiro pra hotel, pra nada. Desci a rua Anhaia, cheguei até a Neves de
459
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. Tradução de Maria Cecília França. São Paulo: Ática, 1993, p.158-160.
184
Carvalho Pinto e vi outra oficina, comecei a trabalhar [...]. Sabe eu cheguei a dormir três noites no Parque da Luz, com minha malinha [...].460
O depoente rememorou sua chegada a São Paulo, na estação da Luz, para
o Carnaval, depois a procura de emprego nos bairros da Luz e do Bom Retiro, nas
ruas que até hoje concentram oficinas mecânicas e de funilaria, além de lojas de
vestuário e acessórios para oficinas de costura. Em ambos os comércios identifica-
se a mão de obra estrangeira, além da nacional – entre coreanos, chineses e judeus
destacam-se os bolivianos, paraguaios e peruanos.
Esses estabelecimentos comerciais geridos ou de propriedade de
e/imigrante afirmam as tramas das redes que ao mesmo tempo acolhem e
“exploram” a mão de obra dos compatriotas. Oferecendo, por meio de processos de
identificação com as experiências vivenciadas pelo grupo, a sensação de
reterritorialização ao recém-chegado.
Acho que a primeira impressão que a gente teve quando chegamos no Bom Retiro, um bairro organizado, pelo menos naquela época não tinha esse negócio da cracolândia. Viemos do metrô e passamos pela praça e pela rua Três Rios, nós olhávamos os prédios e achávamos muito bonito. Com mais de dois andares, as ruas muito largas... Porque lá é tudo muito estreito, não existe avenida com duas mãos, isso não existe. Então eu lembro que a gente saiu do lado errado da Tiradentes. Quando a gente saiu e viu aquele mundarel de carro... Era um lugar muito rico, pra nós era muito rico. Quando a gente chegou na casa, então, não tínhamos nada, assim, cama, nada, mas nossa... A gente achava o lugar muito lindo, lindo, principalmente porque era no segundo andar. Era um prédio velho, muito antigo. Mas pra gente era muito lindo. Nós nunca tínhamos morado no segundo andar, e lá a gente morava. Pra nós a primeira impressão foi “Viemos para um país muito rico”.461
460
Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 461
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
185
As impressões da chegada a São Paulo reforçavam o imaginário do Brasil
criado na partida da Bolívia: país rico com oportunidades. A depoente rememora o
movimento de carros e pessoas, as ruas e as edificações que constituíram as
primeiras percepções de São Paulo como uma cidade rica, bem diferente do
contexto de partida.
Nota-se que a família foi direcionada pela rede para o bairro do Bom Retiro,
local de concentração das oficinas de costura. Pois o pai, como mencionado no
capítulo 2, abriria seu negócio e a mãe e as filhas estavam vindo para ajudá-lo. O
bairro também propiciava a oferta de serviços, produtos e costureiros bolivianos, o
que reforçava a escolha pelo local.
À medida que se nota o novo uso dado pelos bolivianos aos
estabelecimentos dos bairros e a presença marcante desses e/imigrantes
modificando as referências urbanas da cidade de São Paulo, destaca-se a
[...] noção de territorialidade, identificando o espaço enquanto experiência individual e coletiva, onde a rua, a praça, a praia, o bairro, os percursos estão plenos de lembranças, experiências e memórias. Lugares que, além de sua existência material, são codificados num sistema de representação que deve ser focalizado pelo pesquisador, num trabalho de investigação sobre os múltiplos processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização.462
Quanto mais inserido no contexto social, quanto maior o grau de
reconhecimento e identificação cultural, mais próximo o indivíduo estará do “seu”
território, esteja ele no país de origem ou não.463 O e/imigrante está criando
“territórios” bolivianos, espaços de representação de sua cultura na cidade de São
Paulo e, assim, consegue se enxergar como parte integrante da sociedade.
462
ROLNIK, Raquel. História urbana: história na cidade. In: FERNANDES, Ana; GOMES, Marco Aurélio. Cidade e história: modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX e XX. Salvador: UFBA, 1992. Apud: MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura – história, cidade e trabalho. Bauru: Educs, 2002, p.36. 463
Da mesma maneira que Rolnik, outros autores como Michel Certeau, Milton Santos e Antonio Arantes também colaboram para essa discussão, pois definem claramente os conceitos de espaço e lugar, dando a estes a diferença tênue entre o uso e o grau pertencimento por parte do homem.
186
Observaram-se grafites em muros dos bairros do Bom Retiro464, Barra
Funda465, Canindé e Pari que servem como símbolos de identificação cultural466 aos
bolivianos, como as imagens da Cholita, da Lhama e Del Diablo no muro que
circunda a Praça Kantuta. A presença desses grafites enquanto símbolos de
identificação cultural marca o espaço, traz a sensação de pertencimento e de uma
identidade nacional boliviana, reaviva memórias vivenciadas antes da partida e,
principalmente, é elemento de diferenciação étnica e cultural.
Figura 24 - Grafite na Praça Kantuta.467
Tais grafites modificaram a paisagem urbana, deixaram marcas das relações
expressas no tempo e no espaço. Representam uma vida social gravada na
paisagem (nos muros), que é condicionada permanentemente pelas relações sociais
464
Na rua José Paulino, local de concentração de lojas de roupas e oficinas de costura, encontram-se várias imagens de cholitas, llamas e da flor kantuta nos muros. 465
Na rua Cônego Vicente Miguel Marino, em uma praça com campo de futebol que concentra bolivianos aos domingos, também foram observados elementos representativos da cultura andina nos muros e bancos. São eles: a bandeira da Bolívia, a llama, o Sol e a cholita. 466
SILVA, Sidney da. A migração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre os bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, n. 3, jul./set.2005, p.77-83. 467
Arquivo próprio, mar. 2013.
187
ali estabelecidas e vice-versa. “Le paysage est une entitlé relative et dynamique, ou
nature et société, regard et enrironnement sont em constante interaction.”468
Percebe-se então nessa paisagem não apenas uma representação, um
mecanismo de projeções subjetivas e culturais, mas sim o produto de relações
vivenciadas pelos sujeitos históricos que frequentam tal local. A leitura desses
grafites apresenta mais do que simples desenhos sobre a cultura andina, são
estratégia encontrada pelos grupos para impor sua presença na sociedade de
acolhimento, pois expressam valores, crenças, mitos e utopias.469
A Lhama branca, no caso das culturas andinas, representa a relação vital do
homem com a terra, pois depende dela para sobreviver. Nas ocasiões de plantio a
Lhama é sacrificada e seu sangue é derramado sobre a terra em oferenda a
Pachamama (Mãe Terra), uma maneira de agradecer a abundância e garantir a boa
colheita. As comunidades que vivem da terra não entendem a fartura da colheita
como uma simples resposta da natureza pela ação do plantio, e sim uma relação de
reciprocidade estabelecida nos rituais de fertilidade, quando a família se desprende
de um bem (lhama) e o oferece à Mãe Terra, que lhe retribuirá com bons frutos.
As crianças se trajam como camponeses (grupos étnicos de origem rural). A
menina, com o cabelo dividido ao meio e longas tranças laterais, veste o chapéu que
a identifica como cholita. Em cada departamento da Bolívia as cholas estão
presentes.470 São mulheres trajadas com saias rodadas, xales multicoloridos nos
ombros, blusas lisas ou com estampas pequenas e, na maior parte do tempo,
apresentam cabelos divididos ao meio, com tranças – que podem ser enfeitadas nas
pontas com flores e bijuterias – e o tradicional chapéu-coco. Essa vestimenta foi
imposta por Carlos II em fins do século XVIII, inspirada nos vestidos regionais das
468
Berque, 1994, p.6. Apud: YANCI LADEIRA, Maria. Paisagem: entre o sensível e o factual - uma abordagem a partir da geografia cultural. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana), USP, São Paulo, 2010, p.10. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/.../2010_YanciLadeira Maria.pdf>. Acesso em: 27/05/2015. 469
CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDHAL, Zeny (Orgs.). Apresentando leituras sobre Paisagem. Paisagem, Tempo e Cultura. 2ª ed. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2004. 470
Em cada departamento boliviano encontram-se cholas diferentes. A chola paceña (La Paz) usa saia longa até os pés e um chapéu-coco grande com ar britânico. Em Cochabamba as cholitas usam chapéu com aspecto praieiro e saias mais curtas, mostrando as pernas. As roupas se adéquam ao clima das regiões. Em alguns departamentos, como em Oruro, as mulheres usam lenços na cabeça, e em Pando as tranças também se apresentam únicas e de lado. PICCOLO, Anninha. Quem são as cholas? 08/01/2010. Disponível em: <http://Trotamerica.wordpress.com>. Acesso em: 24/07/2015.
188
camponesas espanholas de Estremadura, Andaluzia e País Basco. O penteado, por
sua vez, foi imposto pelo vice-rei Toledo.471
O menino está com uma touca colorida que lembra as toucas tricotadas de
lã utilizadas em La Paz, calça e camisa, traje considerado comum para os homens.
Eles costumam cobrir a cabeça com um chapéu472 ou um boné de baseball e vestir
roupas lisas e simples, normalmente em tons escuros nos departamentos com clima
mais frio e em tecidos leves como algodão e claros nos locais mais quentes. Uma
característica marcante do traje dos homens é o uso de sandálias de couro,
observado em todos os departamentos. Outro símbolo cultural que identifica o povo
andino está nas mãos do garoto: é a flauta de pã andina, também conhecida como
siku pelos aimarás, um instrumento musical de sopro que consiste num feixe de
cana, com caules de diferentes tamanhos grudados lado a lado, e não possui bocal,
é soprado com os lábios tangenciando as extremidades superiores.
O próximo grafite representa a deidade que pode ser conhecida como El
Diablo, El Supay ou El Tio.473 Considerada dona dos minérios que estão no subsolo,
é cultuada pelos mineiros e não é vista como um ser maligno. Para os povos
andinos, todas as divindades possuem um lado bom e um ruim, não separam o bem
do mal. Por isso os mineradores se sentem protegidos pela divindade do subsolo ou
mundo inferior, como a identificam. Em Potosí existem muitas estátuas desse
espírito das minas – aos pés delas os mineiros colocam oferendas, como cigarros,
folhas de coca e chicha, pois acreditam que El Tio deve ser alimentado para não se
vingar em seus súditos.474
471
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Coleção L&PM Pocket. Vol. 900. Porto Alegre: L&PM, 2010. 472
O chapéu dos homens varia de acordo com o clima apresentado nos departamentos, como: touca de lã em La Paz, chapéu de palha em Pando, de couro ou palha em Oruro e Santa Cruz, toucas de tecido mais fino e feltro em Potosí. Cf.: TROTAMÉRICA. Disponível em: <http://Trotamerica. wordpress.com>. Acesso em: 24/07/2015. 473
Após o encontro com os colonizadores e a imposição religiosa e cultural, a divindade El Supay passou a ser relacionada ao demônio da cosmologia cristã pelos evangelizadores. Na visão de mundo dos aimarás, tudo se relaciona de forma harmônica: a divindade, o cosmo e a comunidade humana. Não existe a visão dicotômica presente na concepção cristã de bem e mal, de sagrado e profano, céu e inferno. SILVA, Sidney Antonio da. Virgem Mãe Terra. Festas e Tradições Bolivianas na Metrópole. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2003. 474
CURIONAUTAS.COM.BR. El Tio De La Mina. Disponível em: <http://www.curionautas.com.br>. Acesso em: 24/07/2015.
189
Figura 25 - El tio - Grafite na Praça Kantuta.475
Toda combinação territorial cristaliza energia e informação, estruturadas por códigos. Como objetivo, o sistema territorial pode ser decifrado a partir das combinações estratégicas feitas pelos atores e, como meio, pode ser decifrado por meio dos ganhos e dos custos que acarreta para os atores.476
475
Arquivo próprio, mar. 2013. 476
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. Tradução de Maria Cecília França. São Paulo: Ática, 1993, p.158.
190
Ao criar territórios próprios os e/imigrantes marcaram fronteiras simbólicas
no espaço urbano, que podem ser positivas, mas também negativas, ao passo que
delimitam uma região para concentração da comunidade, a excluindo do uso de
outras porções do território. Assim considera-se a noção de espaço existencial e de
“existência espacial”477.
Essa experiência é a relação com o mundo: no sonho e na percepção, e por assim dizer anterior à sua diferenciação, ela exprime “a mesma estrutura essencial do nosso ser como ser situado em relação com o meio” – um ser situado por um desejo, indissociável de uma “direção da existência” e plantado no espaço da paisagem. Deste ponto de vista, “existem tantos espaços quantas experiências espaciais distintas”.478
A Bolívia já não é mais vista como seu território, o Brasil é o novo território,
daí as tentativas de reterritorialização, por meio das aproximações culturais entre
costumes e tradições bolivianas e brasileiras. Percebem-se diferentes interpretações
do espaço, pois cada leitura realizada depende da vivência do indivíduo, são
percepções únicas das ações e experiências de cada sujeito histórico.
Não há um “confinamento territorial” dos e/imigrantes bolivianos479 em um
determinado bairro, estão concentrados na região central, que já detém a
infraestrutura necessária para a confecção e venda de artigos têxteis. Mas nota-se
que existe uma migração para as periferias das regiões norte e leste, devido à
subcontratação de mão de obra no setor das confecções e ao valor reduzido dos
lotes e imóveis nesses locais.480 “A maioria está no Brás, na Mooca, no Pari e no
Bom Retiro (regiões leste e central), mas há um movimento em direção a Guarulhos
477
CERTEAU, Michael de. A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p.202. 478
Ibidem, p.202. 479
PUCCI, Fabio Martinez Serrano. Bolivianos em São Paulo: redes, territórios e a produção da alteridade. Buenos Aires: Clacso, 2013. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/clacso-crop/20131013074834/Pucci_trabajo_final.pdf>. Acesso em: 09/03/2015. 480
ROLNIK, Iara. Projeto migratório e espaço: os bolivianos na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Demografia), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.
191
e a outros bairros da zona leste, como a Penha. Também vemos migração para o
interior do Estado.”481
O fato de não haver um confinamento, no entanto, não exclui a segregação
espacial. Estudos apontam para uma segregação voluntária482, uma vez que os
e/imigrantes optariam por estar entre seus pares em locais que já representam a
rede com seus costumes, evitando possíveis conflitos com os demais sujeitos que
residem, transitam e/ou frequentam outros espaços públicos.
Os locais identificados na cidade criam a sensação de pertencimento, muitas
vezes são cenários, reproduções e até invenções sobre a cultura andina. Porém,
trazem a ideia de reterritorialização para aquele que deixou seu país e agora procura
“seu” território em São Paulo.
O conceito de territorialidade refere-se, então, às relações entre um indivíduo ou grupo social e seu meio de referência, manifestando-se nas várias escalas geográficas – uma localidade, uma região ou um país – e expressando um sentimento de pertencimento e um modo de agir no âmbito de um dado espaço geográfico. No nível individual, territorialidade refere-se ao espaço pessoal imediato, que em muitos contextos culturais é considerado um espaço inviolável. Em nível coletivo, a territorialidade torna-se também um meio de regular as interações sociais e reforçar a identidade do grupo ou comunidade.483
Estratégias de fixação da comunidade boliviana vêm sendo traçadas por
seus líderes comunitários e pelos próprios e/imigrantes. Num primeiro momento, os
depoimentos mostraram a rede enquanto estratégia de sobrevivência em São Paulo,
uma forma de impor as diferenças culturais e reafirmar a origem étnica.
Posteriormente, nos depoimentos de e/imigrantes mais jovens e da segunda
geração e em veículos de comunicação utilizados pela comunidade, observou-se um
481
Depoimento de Jaime Valdívia Almanza, cônsul-geral da Bolívia em São Paulo. Cf.: BALAGO, Rafael. “Hoje, os bolivianos investem na cidade”. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 21 a 27 de abril de 2013, p.20. 482
MARQUES, Eduardo. Elementos conceituais da segregação, da pobreza urbana e da ação do Estado. In: MARQUES, Eduardo; TORRES, Haroldo (Orgs.). São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005. 483
ALBAGLI, Sarita. Território e territorialidade. In: BRAGA, Cristiano; LAGES, Vinicius Nobre; MORELLI, Gustavo (Orgs.). Territórios em movimento: cultura como estratégia de inserção competitiva. Brasília: Relume Dumará, 2004, p.27.
192
movimento em busca da integração, um incentivo às ações empreendedoras484 e ao
aumento da instrução e capacitação universitária.485 Experiências positivas de
conquistas são veiculadas 'entre e por e/imigrantes, a fim de estimular o trabalhador
e ao mesmo tempo romper com o estigma de exploração: “Conheço um empresário
que veio clandestino há 15 anos e outro dia financiou uma casa de R$ 500 mil. Além
da oficina, ele tem um restaurante. Hoje, os bolivianos investem na cidade.”486
O pensamento empreendedor somado à exposição dos seus costumes e
tradições auxiliam o e/imigrante a criar suas marcas de identificação no espaço,
redesenhando assim as territorialidades bolivianas em São Paulo. Estratégias de
superação do estigma da pobreza, da etnicidade e da exploração.
O espaço é determinado pelo fator tempo, sendo então dinâmico e mutável.
Notou-se que os conflitos e as ações dos sujeitos recriaram e contextualizaram os
espaços estudados, como o Memorial da América Latina durante os festejos das
Alasitas487, ou a Praça Kantuta e seus arredores aos domingos e, mais
intensamente, no período do Carnaval, quando procissões correm as ruas do bairro,
corsos infantis desfilam, adultos e crianças brincam com bisnagas d‟água e sprays
de espuma e o pepino488 se diverte com as cholitas e entretêm os participantes do
evento.
A festa também pode ser considerada uma forma de demarcar o território,
haja vista que, por um determinado período de tempo, aquele espaço faz lembrar a
cultura andina. Os elementos, os signos conhecidos e identificados pelos
e/imigrantes estarão presentes, delimitando o espaço, ditando as regras e os usos
484
O site Bolívia Cultural é um exemplo. 485
O projeto Si Yo Puedo é um exemplo. 486
Depoimento de Jaime Valdívia Almanza, cônsul-geral da Bolívia em São Paulo. Cf.: BALAGO, Rafael. “Hoje, os bolivianos investem na cidade”. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 21 a 27 de abril de 2013, p.20. 487
A Festa de Alasitas ou das miniaturas realiza-se anualmente em 24 de janeiro, quando se festeja o dia da divindade andina da abundância, denominada Ekeko. Nesse dia as miniaturas de casa, carro, máquina de costura, diploma, alimentos, entre outras, deverão ser compradas antes do meio-dia e abençoadas por um padre católico, bem como por um yatiri (sacerdote andino), que faz o ritual da ch’alla, ou seja, uma oferenda à Pachamama (Mãe Terra), para que os desejos do devoto se tornem realidade. Alasita, no idioma aimará, significa cómprame. É uma representação em miniatura de tudo que a pessoa deseja possuir pela mediação do deus da fortuna. SILVA, Antonio Sidney. Virgem/Mãe/Terra. Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2003, p.84, 245. 488
Pepino: palhaço que abre e fecha a festa do carnaval, brinca e alegra os foliões. CASERITA.COM. Pepino, el rey del Carnaval Paceño. s/d. Disponível em: <http://info.caserita.com/Pepino-el-rey-del-Carnaval-Paceno-a353-sm126>. Acesso: mar. 2015.
193
do local. As tradições são reinventadas no tempo de festejar, pois, por mais
próximas que estejam dos costumes da Bolívia, estão sendo realizadas aqui em São
Paulo, com adequações ao espaço, ao público, à vizinhança e à lei municipal
vigente.489
Para entendermos a importância dos momentos de festa na vida dos imigrantes, é necessário explicitarmos também os vários elementos veiculados através deles. Nesse sentido, para Marcel Mauss (1974), as festas são um “fato social total” através do qual são mostrados elementos de organização social, interesses econômicos e políticos, tensões entre os sistemas de crenças envolvidos, expressões estéticas, ritmos, emoções, sabores, cores, entre outras coisas.490
3.1.1 Tempo de festejar - Festa das Alasitas
A Festa das Alasitas é uma tradicional festa boliviana celebrada no dia 24 de
janeiro em louvor a Virgem Nossa Senhora de La Paz.491 Seus primeiros registros
datam da época colonial e suas origens e mitos se encontram ao redor do deus
Ekeko (deus da abundância ou da fartura) desde o período pré-colombiano.492
Nessa festa há a presença de um padre católico e de um sacerdote andino, ambos
realizam a benção aos objetos de desejo e sonhos dos participantes.
489
É possível categorizar as tradições inventadas em: tradições que estabelecem ou simbolizam coesão social ou as condições de admissão de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; as que estabelecem ou legitimam instituições, status ou relação de autoridade; e as que possuem o objetivo de socialização, inclusão de ideias, sistemas de valores e padrões de comportamento. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Tarence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p.9-23. 490
SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p.46. 491
Em La Paz também é celebrada nesse dia e o festival estende-se por duas semanas. Na praça onde a festa é realizada existe uma estátua da divindade com a seguinte inscrição “La municipalidade de La Paz erige este monumento al Ekeko, dios Aymara de la felicidad, fecundidad y abundancia, símbolo de más apreciadas tradiciones Kollaa del Chuqui, como algurio de prosperidad y felicidad Del pueblo paceño”. SILVA, Sidney Antonio. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.83. 492
BRASIL. Ministério da Cultura. Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. Festa de Alasitas - Patrimônio Identificado 19. Anexos: Bens Culturais Inventariados. MINC/IPHAN, SP/01/01/09/F1-A3.
194
Para os bolivianos em geral, não existe nenhuma incompatibilidade entre rituais andinos e católicos pois, para eles, sagrado e profano, mágico e religioso, cultura e religião, não são realidades que se antagonizam, mas se complementam ou, pelo menos, convivem.493
O padre católico realiza a benção com água benta e o sacerdote completa o
ritual com o ch’alla494 a Pachamama, realizado com cerveja, bem como o ch’alla a
miniaturas. Para um ch’allar individual, especial, os sacerdotes cobram uma taxa de
R$ 5 a R$ 10 por benção. Depois da aspersão dos objetos, formam um círculo ao
redor das miniaturas para brindar. Se amigos se aproximam, também fazem parte do
ritual, aspergem as miniaturas, brindam e desejam saúde uns aos outros, sendo
uma oportunidade de desejar que os sonhos do compatriota se realizem.
Figura 26 - A benção católica tradicional na Bolívia.495
493
SILVA, Sidney Antonio. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.238. 494
“Libação com bebida alcoólica realizada em várias ocasiões às deidades andinas, entre elas a Pachamama.” Ibidem, p.246. 495
AGUIRRE, Liliana; QUIROZ, Mauricio. Llovieron anhelos en el inicio soleado de la Alasita. La Razón. La Paz, 25/01/2013. Disponível em: <http://www.la-razon.com/la_revista/Llovieron-anhelos-inicio-soleado-Alasita_0_1767423249.html>. Acesso em: 06/052015.
195
Na imagem observa-se o padre benzendo objetos levantados pelos
participantes do evento, entre eles documentos, carteiras de trabalho, casas,
aguayos com alimentos. Já na figura a seguir dois homens representam o deus da
fartura “Ekeko” e carregam muitos objetos de desejo em miniatura: utensílios
domésticos, alimentos, cigarros, peças de vestuário, carros. Estão trajados de
acordo com a representação do deus496, que é encontrado na forma de um boneco
de gesso, com traços ocidentais, sorridente e de braços abertos, insinuando um
abraço. As roupas são tradicionais: sandália de couro, gorro de lã ou touca, poncho
nos ombros e uma sacola repleta de objetos em miniatura que representam os
desejos das pessoas.
Figura 27 - Homens representando Ekeko, deus da abundância –
Festa das Alasitas, La Paz - Bolívia.497
A primeira versão da celebração em São Paulo foi realizada em 1999, na
Praça do Pari, com poucas barracas e participantes. Foi ganhando adeptos a cada
496
Sua representação em período anterior à conquista espanhola não utilizava vestimentas, era feita em ouro, prata, estanho, pedra e até mesmo em barro com traços indígenas e ostentava um proeminente falus, que simbolizava a fertilidade e a virilidade. Após a conquista, a igreja católica tentou erradicar esse culto, mas não conseguiu. Então foi apresentada uma releitura da estatueta vestida, mestiça, deixando de lado o simbolismo da fertilidade e da virilidade masculina para enfocar a imagem de provedor da família pela fartura. Desde então é representada como na foto. BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa, 2012, p.22. 497
Cf.: DAVIS, Mary. Ekeko in the flesh - alasitas, Bolivia. 2014. Disponível em: <https://www. pinterest.com/pin/389561436490776486>. Acesso em: 06/05/2015.
196
nova edição e posteriormente, em 2002, passou a ser realizada na Praça Kantuta,
que também não deu conta de acolher o número expressivo de participantes,
acarretando problemas na vizinhança. Desde então, a Festa das Alasitas não possui
um local fixo para ser realizada. Em 2008 ocorreu na Rua dos Trilhos 869, em um
local próximo à Subprefeitura da Mooca, tendo sido organizada pela Associação
Gastronômica, Cultural e Folclórica Boliviana Padre Bento, responsável pela Feira
da Praça Kantuta. Nos anos de 2012 e 2013, na Rua Maria Cândida, 90 – travessa
da Avenida General Ataliba Leonel (próximo à estação Carandiru do metrô) –,
concentrando, em 2012, 20 mil pessoas.
Como em 2013 a expectativa de público foi superada, outras associações –
Associação dos Empreendedores Bolivianos da Rua Coimbra (ASSEMPBOL) e
Associação Padre Bento, da Feira Kantuta e Feira Gastronômica Cultural Patujú, no
bairro de São Mateus – também se dispuseram a organizar a Festa. Então, em 2014
e 2015, as celebrações ocorreram em três locais diferentes da cidade de São Paulo:
no Memorial da América Latina, no Parque Dom Pedro II e na Feira Patujú.498
Destacou-se, em 2014, a inclusão da Festa das Alasitas no calendário oficial de
eventos da cidade de São Paulo pelo prefeito Fernando Haddad, já que nos dois
anos anteriores, no Parque Dom Pedro, os e/imigrantes haviam sido banidos pela
Subprefeitura da Mooca e pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) e as miniaturas,
confiscadas pela fiscalização.499
“É um fato histórico”, classifica Luís Vásques, da Assempbol. “Saímos da repressão para a aprovação total. Felizmente os tempos mudaram, e estamos gratos à administração por ter trazido um novo olhar para os imigrantes.”500
Tal fato reconheceu a presença da massa e/imigrante boliviana na cidade,
dando-lhe um espaço oficial para exposição de sua cultura e costumes, conferindo-
498
Ver nos Anexos 2, 3 e 4 folders de divulgação dos eventos. 499
BREDA, Tadeu. Finalmente reconhecidos pela prefeitura, bolivianos de São Paulo querem mais direitos. 24/01/2014. Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/01/ finalmente-reconhecidos-pela-prefeitura-bolivianos-de-sao-paulo-querem-mais-direitos-8009.html>. Acesso em: 28/04/2015. 500
Ibidem.
197
lhe o mesmo direito ao uso da cidade dado aos cidadãos e iniciando um processo de
inserção como membros da sociedade paulista.
O evento costuma se iniciar às 10 horas e durar todo o dia, com venda de
comidas e bebidas tradicionais. Destacam-se as filas para consumir a salteña e o
suco de pêssego com pedaços da fruta, as apresentações de dança e a missa
campal ao meio-dia, para benzer as miniaturas, que podem ser confeccionadas em
gesso, madeira e couro. Estas representam os desejos de consumo dos
participantes, podendo simular animais, eletrodomésticos, automóveis, móveis,
malas de viagem, dólares e até divindades – identificaram-se inclusive bonequinhos
de casais e de famílias.
Figura 28 - Barracas de venda da Festa das Alasitas.501
Neste dia as pessoas e os artesãos preparam suas lojas e barracas na chamada “Praça das Alasitas”. E nestas barracas pode-se comprar todo tipo de objetos que as pessoas desejam: objetos para casa, para os veículos, produtos alimentícios, móveis, maletas de viagem e muitas outras coisas. Todos esses objetos são miniaturas, onde os visitantes vêem seus desejos e sonhos refletidos nos próprios objetos. Desta forma, a tradição exige que se cumpram estes desejos, o visitante da
501
JORNAL DO BRÁS. Bolivianos festejam Alasitas. Edição 244. 05/02/2014. Disponível em: <http://www.jorbras.com.br/portal/images/edicao244/alasitas-8.jpg>. Acesso em: 05/05/2015.
198
festa das Alasitas, terá que comprar seus objetos desejados ao meio dia e colocá-los para que um padre os benza.502
Figura 29 - Alasitas.503
Entre os objetos de desejo mais comuns, se sobressaem na imagem carros
e casas, dinheiro, brinquedos e malas de viagem. A seguir observa-se um carrinho
de mão repleto de materiais de construção. Em conversas com vendedores das
barracas de miniaturas, foi possível constatar que o carrinho de mão possui muita
saída, pois os bolivianos almejam construir a casa própria e a oficina de costura,
deixando de lado o aluguel e a função de costureiro e passando para donos da
própria oficina, o que resultaria em ascenção social e reconhecimento por parte da
comunidade.
502
REVELAÇÃO ON-LINE. Danças populares alegram a Bolívia. Universidade de Uberaba, s/d. Disponível em: <http://www.revelacaoonline.uniube.br/cultura03/bolivia2.html#acima>. Acesso em: 05/05/2015. 503
ALASITAS. Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-jxvfMPSc6-I/T6NkQA6y5tI/AAAAAAAAATI/ mH2ARZQ-I24/s1600/IMG01158-20120503-1512.jpg>. Acesso em: 05/05/2015.
199
Figura 30 - Carrinho de mão – Alasitas.504
Mesmo não tendo um local fixo para realização, o evento é sempre
demarcado pelas barracas, palco e decoração específica. Aguayos505 enfeitados
com objetos da cultura boliviana são estendidos no chão, representando as portas
de entrada e de saída da festa. Também ocorre o hasteamento da bandeira
boliviana num dos postes de iluminação, na parte central da Praça. As barracas de
comida se localizam ao redor da bandeira e oferecem pratos tradicionais como o
fricassé, o chicharrón, a sopa de maní, o pollo frito, as salteñas, a salchipapa... Para
beber, cervejas, refrigerantes, água e o suco de durazno506 (pêssego). Também é
possível comprar, em tamanho normal ou miniatura, bolos, pães e gelatinas
coloridas.
504
3RD CULTURE CHILDREN. Photo Journal: Alasitas, the Aymara Festival of Abundance. 04/02/2013. Disponível em: <https://3rdculturechildren.files.wordpress.com/2013/02/img_5737.jpg>. Acesso em: 05/05/2015. 505
Tecidos retangulares multicoloridos utilizados em diferentes ocasiões da vida sociocultural e religiosa boliviana. SILVA, Sidney Antonio. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.245. 506
Fricassé: cozido à base de carne de porco – lombo e costelas –, acompanha milho e batatas. O chicharrón é um assado de bacon e outros pedaços de carne de porco regado com chicha e suco de laranja; acompanha milho, batatas e banana. Sopa de maní: sopa feita à base de amendoim. Pollo frito: frango frito. Salchipapa: mistura de salsicha e batata frita, ideal para petiscar.
200
A música que embala o evento é latina. Bandas e grupos de dança animam
os participantes e o hino nacional boliviano emociona os presentes. O cerimonial é
organizado e gerido pela Associação Padre Bento, responsável pelos comerciantes
da Kantuta, e no palco as autoridades representativas da comunidade boliviana
abrem o evento. O padre faz uma benção e o hino boliviano é tocado. Os devotos
que ainda não possuem as alasitas compram as miniaturas e as colocam em
aguayos no chão, por acreditarem que é preciso tocar na terra para ter as bênçãos
de Pachamama – também aspergem com álcool (cerveja ou outra bebida alcoólica)
e fazem brindes.
Em meio à festa, em determinado momento, aparecem homens vestidos
como o deus Ekeko, carregando sacolas com os objetos de desejo dos
participantes. Tais homens “benzem” os objetos, as pessoas querem tocá-los. Nota-
se a presença do incenso, que simboliza o sagrado em um espaço “profano”507, e
serpentina e papel picado são lançados pelos dançarinos e participantes. Ao “deus
Ekeko” oferece-se bebida e cigarro, uma forma de lhe agradar para que atenda aos
pedidos. O “deus”, por sua vez, abre uma bolsa e entrega notas de dólares e outras
moedas em miniatura para os participantes – todos as disputam. Ao final ocorre a
dança da cueca508 ao som da composição musical de Viva mi patria Bolivia.509
507
A queima de incenso é um costume antigo. Desde os egípcios acredita-se que os deuses se sentem agraciados com a oferta das fragrâncias, enquanto os maus espíritos são afugentados. Entre os israelitas queimar incenso era um dos principais deveres no tabernáculo, um ato de adoração ou de oferta sagrada. Também foi um dos presentes ofertados a Jesus no seu nascimento. Ainda hoje muitas cerimônias e rituais religiosos utilizam o incenso para estabelecer uma comunhão entre os homens e o cosmo. “A fumaça aponta para o mistério de Deus, ajuda a transcender”, diz Maria Ângela Vilhena, professora do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nas festas bolivianas o incenso aparece fazendo ligação entre os deuses (católicos ou aimarás) e os homens, sejam essas práticas comemorativas na rua (espaço profano) ou em espaço sagrado, como a igreja. GNOTÍCIAS. Aprenda o significado do incenso em diferentes culturas. Redação Gospel+. 10/10/2008. Disponivel em: <http://noticias.gospelmais.com. br/aprenda-o-significado-do-incenso-em-diferentes-culturas.html>. Acesso em: 17/08/2015. 508
“A cueca é uma das danças mais tradicionais da Bolívia e sua origem provavelmente estaria na dança espanhola da Jota Aragonesa, em que a cueca teria sido uma adaptação nativa daquela dança, substituindo-se as castanholas pelo lenço. A dança é executada em pares, frente a frente, com o lenço sendo agitado no alto pela mão direita. O homem cerca a mulher de um lado e de outro. Esta, por sua vez, vaidosa se esquiva. O homem corteja a companheira, que ao fim se rende ajoelhando-se aos seus pés. É, portanto, uma dança que representa o namoro.” SILVA, Sidney A. da. Uma face desconhecida da metrópole: os bolivianos em São Paulo. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano VIII, nº. 23, CEM - Centro de Estudos Migratórios, set./dez. 1995, p.19. 509
Cerimonial observado em pesquisa de campo e na obra: SILVA, Sidney Antonio. Virgem/Mãe/ Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003.
201
A Festa das Alasitas permite identificar os desejos do e/imigrante boliviano
em São Paulo, como ascensão econômica e fartura, presentes nas miniaturas de
dinheiro, de mantimentos e principalmente de máquinas de costura, além de
independência e livre trânsito, notados nas miniaturas de casas, diplomas e carros.
Sonhos que, segundo as tradições bolivianas, são materializados nas miniaturas e,
com as bênçãos do padre católico e do sacerdote andino, podem se realizar.
Percebe-se na festividade ainda a imagem que o boliviano residente em São
Paulo quer passar de si, com uma linguagem própria, uma mistura de fé católica
com o mágico e o profano. Ele dialoga com seus pares, mas não exclui os
paulistanos, que presenciam a cerimônia com curiosidade e também podem adquirir
miniaturas que expressem seus desejos.
Naquele determinado espaço e tempo, o cerimonial da Festa das Alasitas
transporta os participantes para a Bolívia, reaviva memórias e ressocializa o
e/imigrante com sua própria cultura, muitas vezes adormecida no cotidiano de
trabalho das oficinas de costura.
3.1.2 Tempo de festejar - Carnaval da Kantuta
De acordo com a Ficha 50, nº 01, de Identificação de Lugares do IPHAN de
2009, a festa de carnaval é realizada na Praça Kantuta desde 2008 com a seguinte
programação: inicia-se com o corso infantil, em seguida ocorre a procissão a Virgem
de Socavón510, protetora de Oruro, e se encerra com o desfile das fraternidades, que
510
Virgem de Socavón ou Virgem da Candelária é a padroeira de Oruro e protetora do Carnaval. Sua imagem representa a Virgem Maria com o menino Jesus nos braços. Começou a ser festejada em Oruro após sua aparição para um ladrão de mina. Os festejos representam o embate entre o bem e o mal. Sua aparição data de 1789. Conta a lenda que um ladrão chamado Anselmo Selarmino vivia em um buraco abandonado numa mina e roubava para repartir entre os pobres. Certa noite, foi ferido mortalmente. Em agonia, foi levado por uma virgem do povo até sua morada. No dia seguinte, mineiros acharam o cadáver e uma imagem da Virgem da Candelária na cabeceira da cama do ladrão. Diante da descoberta, resolveram rezar para ela durante três dias ao ano desde o sábado do carnaval, usando disfarces à semelhança do diabo. Ao ritmo de uma cativante música, há a entrada de carregamentos e ceras, com ornamentos regionais, presentes de prata, viandas e bebidas. De 1900 a 1940 surgiram as primeiras fraternidades devotas da virgem, formadas exclusivamente por homens, como tropas de Diabos, Morenos e Tobas, para desfilar até a antiga Capela do Buraco. Após 1940 as fraternidades se abriram para toda a comunidade. BOLÍVIA CULTURAL. Conheça as
202
apresenta danças tradicionais da Bolívia, como a morenada, caporales, tinkus,
diablada, entre outras. Destaca-se a despedida do carnaval, da mesma forma que
ocorre na Bolívia, no primeiro domingo da quaresma, o Domingo de Tentación,
referindo-se às tentações passadas por Cristo no deserto.
Percebe-se que a programação do evento compreende em um dia a mesma
ordem de atividades vista durante os quatro dias de festa do Carnaval Paceño.
El Carnaval Paceño consiste en una alegre entrada que se inicia un domingo antes de carnaval, con el desentierro del Pepino. Continúa el sábado con la entrada del corso infantil. El domingo de carnaval, chutas, cholas y pepinos desfilan con sus respectivas fraternidades a ritmo de Morenada, Kullawada, Caporal, Saya afroboliviana, Moceñada, Tarkeada, etc. El lunes tiene lugar la tradicional Jisq‟a Anata, donde se festeja la llegada de la temporada de cosechas. El martes de challa, los creyentes bailan, comen y beben en abundancia, al mismo tiempo que ofrendan a la Pachamama. El domingo de tentación, una semana después de carnaval, se entierra al Pepino. [...] Cholitas y ch‟utas se visten de negro, fingiendo luto, y junto con la multitud simulan llanto mientras cargan la tumba donde yace el disfraz del Pepino. Luego de un largo recorrido, entierran sus restos en el Cementerio General de la ciudad de La Paz.511
raízes do Carnaval Boliviano. 09/12/2012. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ ver_noticias.php?id=348>. Acesso em: 17/08/2015. 511
CASERITA.COM. Pepino, el rey del Carnaval Paceño. s/d. Disponível em: <http://info.caserita. com/Pepino-el-rey-del-Carnaval-Paceno-a353-sm126>. Acesso em: mar. 2015.
203
Figura 31 - Pepino.512
O Pepino marca a Festa de Carnaval. Existem diferentes versões para a
origem do personagem. Acredita-se que nasceu de uma sátira do Arlequim espanhol
dos carnavais da época da República e que seu nome seja inspirado no trabalho
desenvolvido por um palhaço uruguaio, José Pepe, que, com sua trupe, satirizava e
organizava espetáculos baseados em paródias sobre a cultura andina. Outra versão
sobre sua origem misteriosa conta que é fruto da mistura do Pierrot francês, do
Arlequim espanhol e do espírito brincalhão andino “El Kusillo” e remontaria ao século
XIX: “Para el antropólogo David Mendoza, el Pepino surge como una cópia del bufón
512
Arquivo próprio, fev. 2015.
204
o el pierrot que se lucía en las fiestas de la clase alta. Pero com El tiempo, la figura
fue apropriada por los paceños, adoptando características peculiares.”513
Nos bailes de carnaval das elites paceñas, aqueles trajados de Pepino
conseguiam adentrar os salões, mesmo sem convite, já que sua máscara os
auxiliava a burlar a segurança.514 Tem aparência similar à de um palhaço, brinca
com os foliões, com um ar risonho, brincalhão e atrevido, incomoda os namorados,
joga água e farinha nas pessoas, protege seu anonimato atrás da máscara: “Al ritmo
de bombos y platillos, el travieso personaje golpea con un „chorizo‟ a los activos
espectadores de la entrada y luego les salpica con un preparado a base de harina
[...].”515 No início da festa faz-se a encenação do desenterro do “Pepino”, que
festejará até o final do dia; ao anoitecer acontece a cerimônia de encerramento, com
a simulação do enterro do palhaço, que só será ressuscitado no próximo Carnaval.
El Pepino en la ciudad de La Paz seguramente tuvo que atravesar por diferentes vicisitudes para su definitiva consolidación como personaje principal de los carnavales. Desde la reapropiación del vestuario de Pierrot hasta la incursión en danzas populares, el Pepino fue una reinvención original, con sello creativo eminentemente paceño. Uno de los creadores de la máscara del pepino empleando el yeso fue en 1956, por Antonio Viscarra Morales, con tres cuernos, de quien una de las primeras comparsas que utilizaron este material creado de forma novedosa, fue la comparsa de los carniceros de La Paz, denominados “Los Romperragas”, quienes habrían relanzado la figura del Pepino en los carnavales de la época. La sonrisa en la máscara del Pepino, así como la nariz respingada serían una apropiación del gesto radiante pintado en el rostro del Pierrot.516
Nota-se que na Kantuta o Pepino possuía um papel de anfitrião do Carnaval.
Além de brincar e entreter os convidados, chamava a atenção dos turistas, que
pediam para fotografá-lo e questionavam sua presença.
513
FOROS BOLIVIA. Historia del pepino en carnavales de Bolivia. 2012. Disponível em: <http://foros.eabolivia.com/bo/folklore-en-bolivia/72-historia-del-pepino-en-carnavales-de-bolivia. html>. Acesso: 17/08/2015. 514
Ibidem. 515
CASERITA.COM. Pepino, el rey del Carnaval Paceño. s/d. Disponível em: <http://info.caserita. com/Pepino-el-rey-del-Carnaval-Paceno-a353-sm126>. Acesso em: mar. 2015 516
EL DIARIO. Pepino, rey del carnaval paceño. La Paz, 17/02/2015. Disponível em: <http://www.eldiario.net/noticias/2015/2015_02/nt150217/cultural.php?n=38&-pepino-rey-del-carnaval-pacenio>. Acesso em: 09/08/2015.
205
Figura 32 - Pepino, cholitas e turistas.517
Sua vestimenta, incluindo a máscara com sorriso radiante, foi criada em
1956 por um artesão paceño que se inspirou na imagem do Pierrot. Desde então é
adotada como traje oficial do rei do carnaval. As cores podem variar, mas o modelo
da máscara e da roupa, não. Após a entrada do Pepino, que sempre está
acompanhado das cholas com vestimentas tradicionais, vem o corso infantil, um
desfile e o concurso de fantasias, com prêmios para as crianças que apresentam os
trajes das danças das fraternidades dos adultos.
O palco foi situado na Rua Pedro Vicente, bem ao lado da entrada do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, de frente para a
Praça Kantuta. As crianças subiam e desfilavam as tradições culturais dos
antepassados, enquanto os pais e demais participantes aplaudiam. As barracas da
Feira Kantuta se mantiveram nesse dia de festa, só que com novos produtos, de
acordo com a temática do evento. Notaram-se trajes de Pepino à venda, fantasias
diversas – como de cholitas e outras comuns à cultura, como piratas e super-heróis
– e outros adereços: cornetas, confetes, serpentinas, bisnagas d‟água e “sprays” de
espuma. Percebeu-se empolgação por parte dos foliões durante as brincadeiras de
spray e água, muito comuns na Bolívia. A seguir, imagem de barraca com produtos
517
Arquivo próprio, fev. 2015.
206
variados – fantasias de Pepino, chapéus – e vendedores fantasiados de egípcios.
Notam-se entre os itens sprays (ao fundo), aguayos pendurados e meias finas.
Figura 33 - Variedades de produtos.518
Observou-se também um comportamento diferenciado com relação aos
brasileiros que participavam da festa ou àqueles que eram facilmente identificados
como não bolivianos: com esses era evitada a brincadeira com spray, água e
confete. Nessa atitude percebe-se a falta de integração e os diferentes costumes
entre os frequentadores. Contudo, a tradição da “molhança”519, ou brincadeira com
água, ainda persiste e é admirada pelos frequentadores do carnaval boliviano.
518
Arquivo próprio, fev. 2015. 519
Uma tradição praticamente extinta no carnaval brasileiro, marcava a celebração do entrudo no Rio de Janeiro, no século 19. SILVA, Sidney. A migração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, jul./set. 2005, p.77-83.
207
Figura 34 - Brincadeiras de carnaval.520
Na sequência da programação, após o corso infantil, vem a procissão a
Virgem de Socavón e a benção dos padres católicos aos presentes. Os participantes
pareciam ansiosos à espera da procissão. Membros da organização e líderes da
comunidade boliviana carregaram o andor e demais itens do cortejo, como o quadro
com a imagem da Santa.
Figura 35 - A espera da procissão.521
520
Arquivo próprio, fev. 2015. 521
Arquivo próprio, fev. 2015.
208
Figura 36 - Procissão da Virgem de Socavón.522
Logo atrás vinham os padres abençoando a festa, seguidos por devotos
também responsáveis pela organização do evento, que auxiliavam quando
necessário no transporte do andor.
522
Arquivo próprio, fev. 2015.
209
Figura 37 - Padres católicos abençoam a festa.523
Após a procissão, vieram em “tropa” as fraternidades, dançando, cantando e
brincando com os participantes. Ao som de músicas tradicionais bolivianas, o
Carnaval transcorreu até o final do dia.
Figura 38 - Desfile das fraternidades.524
523
Arquivo próprio, fev. 2015. 524
Arquivo próprio, fev. 2015.
210
Notam-se os trajes tradicionais masculinos (calça escura, camisa e sandália
de couro) e femininos (cholas), com tranças, xales ou lenços, sandálias e pequenas
bolsas com confete e serpentina que eram lançados aos participantes e
espectadores.
Figura 39 - Danças tradicionais.525
Observa-se no comportamento dos participantes, na organização do evento
e na oferta de produtos nas barracas que a preocupação com a reconstrução dos
costumes e das tradições bolivianas se fez presente.526 Nota-se ainda que os
e/imigrantes, porém, encontram-se receptivos a novas influências, em função das
aproximações culturais advindas do processo emigratório, como se pode verificar
nas fantasias dos foliões e em barracas de comida e bebida.
525
Arquivo próprio, fev. 2015. 526
Uma reconstrução das tradições e dos costumes pois se adaptam às realidades encontradas no cotidiano em São Paulo. Muitos são de origem rural, tendo um cotidiano e formas de organização de vida comunitária que se diferem em muito do cotidiano urbano. Nos momentos de festa, a música, a comida, as danças auxiliam na reativação da memória de um “ser” boliviano e, para aqueles nascidos aqui, desenha memórias nunca vivenciadas, mas cria sensações de pertencimento. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Orgs.). A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
211
Figura 40 - Boliviana vendendo churrasco.527
Figura 41 - Foliões.528
Observam-se muitos filhos e netos de bolivianos com outras fantasias: de
princesas, super-heróis e variados personagens do universo infantil para além da
cultura boliviana.
527
Arquivo próprio, fev. 2015. 528
Arquivo próprio, fev. 2015.
212
No momento das festas mencionadas (Alasitas e Carnaval), o espaço se
transforma de acordo com o uso proposto pelo público organizador e frequentador.
Foram identificadas famílias paulistanas participando desses eventos e, por
conseguinte, interferindo nas tradições presentes nas festas, principalmente nas
alimentares, como no caso da oferta de caipirinhas, churrasquinhos e frango assado
em algumas barracas. Seria essa uma ressignificação do alimentar no evento
boliviano para atender às necessidades dos diferentes frequentadores, ou uma
forma de diálogo entre os costumes e tradições bolivianos e da sociedade paulista?
Figura 42 - Máquina de frango assado.529
Famílias almoçando frango assado e batatas fritas e, do outro lado da rua,
ao mesmo tempo, nota-se uma chola organizando seu almoço com alimentos
tradicionais dispostos no chão, que seriam partilhados entre os membros de sua
família. Na toalha havia espigas de milho, batatas, mandioca, miúdos de frango e
boi, carne de porco frita e ovos, alimentos apreciados que compõem vários pratos
consumidos no dia a dia na Bolívia.
529
Arquivo próprio, fev. 2015.
213
Figura 43 - Alimentos tradicionais.530
[...] tais festas ressaltam também a questão étnica, veiculada por meio dos símbolos, língua, ritmos, danças, indumentária, comida e bebida típicas. Isso porque, em outros espaços, esses traços diacríticos são ocultados aos olhos de estranhos, em razão da discriminação sofrida pelos imigrantes.531
Acredita-se que a inclusão desses alimentos e bebidas não tradicionais da
Bolívia represente uma aproximação entre as culturas, uma maneira de o anfitrião
proporcionar acolhimento aos diversos públicos frequentadores. Pode ser entendida
ainda como parte de um processo cultural e histórico dinâmico, a partir do momento
em que os bolivianos também se adaptam, “se traduzem”, aos costumes e aos
sabores apreciados pelos paulistanos532, pois no cotidiano são obrigados a negociar
entre as duas culturas: a absorvida desde o nascimento e a que se apresenta no
novo contexto vivenciado.
530
Arquivo próprio, fev. 2015. 531
SILVA, Sidney Antonio. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.204. 532
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.
214
[...] da Tradução. Este conceito descreve aquelas formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas. A diferença é que elas não são e nunca serão unificadas no velho sentido, porque elas são, irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas interconectadas, pertencem a uma e, ao mesmo tempo, a várias “casas” ( e não a uma “casa” particular). As pessoas pertencentes a essas culturas híbridas têm sido obrigadas a renunciar ao sonho ou à ambição de redescobrir qualquer tipo de pureza cultural “ perdida” ou de absolutismo étnico. Elas estão irrevogavelmente traduzidas. A palavra “tradução”, observa Salman Rushidie, “vem, etmologicamente do latim, significando “transferir”, “transportar entre fronteiras”. [...] Eles devem aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas. As culturas híbridas constituem um dos diversos tipos de identidade distintivamente novos produzidos na era da modernidade tardia.533
A Rua Pedro Vicente, tomada pelos foliões, torna-se um “território boliviano”
em São Paulo. Ao fundo da imagem nota-se a bandeira boliviana; nas laterais, as
barracas de comida e bebida, trazendo os diferentes aromas e sabores da Bolívia
aos participantes. O som da música latina os embala e transporta para os carnavais
de rua de La Paz. Os festejos recriam os espaços, produzem novos usos e deixam
marcas culturais na paisagem urbana.
533
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011, p.88-90.
215
Figura 44 - Vista da Rua Pedro Vicente tomada pelos foliões.534
Assim, o e/imigrante boliviano, mesmo “traduzido”, expõe sua cultura e
marca presença na cidade de São Paulo. Nos momentos de festa veiculam-se
identidades, sejam de paceños ou cochabambinos, que são absorvidas pela
comunidade como identidades nacionais, étnicas, sociais ou culturais e se
convertem em estratégias de luta e resistência contra os estigmas enraizados na
sociedade de acolhimento – a imagem negativa que preocupa, incomoda e
acompanha o boliviano no cotidiano, ora na escola, ora no trabalho, pelas ruas ou
nas ações de seu grupo.
3.2 RUPTURAS: REPRESENTAÇÕES E RESISTÊNCIAS
Os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e as condições sociais, e redefinem cada lugar. Os fluxos são um resultado direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também, se modificam.535
534
Arquivo próprio, fev. 2015. 535
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: Edusp, 2002, p.61-62.
216
Sob o aspecto da dinâmica que se estabelece entre os sujeitos históricos e
os locais que habitam ou em que transitam, pode-se considerar um sistema com
sujeitos fluxos e fixos. Os fixos seriam a sociedade de acolhimento e os fluxos, os
e/imigrantes em trânsito. Mesmo que não queiram, esses sujeitos compartilham o
mesmo espaço e estabelecem relações, sejam de hospitalidade e/ou hostilidade.
Não procurei, foi a situação que se apresentou assim. Conheci pessoas que vinham para o Brasil, disseram que era rápido e que eu ia ter emprego. Mas eu não fui mula de nada, nada de drogas.536
O depoente justifica sua condição de e/imigrante econômico e enfatiza não
ter trazido nada ilícito, pois já constatou a percepção negativa da sociedade de
acolhimento com relação à emigração boliviana.
Isto se deve ao fato de que a imprensa local tem veiculado com frequência notícias que mostram o envolvimento de membros do grupo com o tráfico de trabalhadores e com a escravização de seus próprios compatriotas nas oficinas de costura da cidade.537
Uma das imagens negativas relacionadas à comunidade é quanto à venda e
uso de drogas: “[...] sempre respeitei as pessoas para poder exigir respeito. Às
vezes algumas pessoas falavam da cocaína, mas sem conhecer.”538 Como o chá de
folha de coca é hábito cultural dos povos andinos, sendo utilizado para vários fins –
como broncodilatador, para facilitar a respiração nas elevadas altitudes da
Cordilheira, remédio para os males do estômago e, se mascado, previne cáries
536
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 537
SILVA, Sidney. A imigração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre os bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol 19, nº. 3, jul./set. 2005, p.77. Algumas reportagens: GERAQUE, Eduardo. Paraguaios disputam lugar de bolivianos no Bom Retiro. Folha de São Paulo. Cotidiano. São Paulo, 7 de agosto de 2011, p.C6. ROCHA, Marília. Roupa de marca era feita com trabalho análogo a escravo. Folha de São Paulo. Mercado. São Paulo, 16/02/2013, B3. ROLLI, Cláudia. Marca de luxo é ligada a trabalho degradante. Folha de São Paulo. Mercado. São Paulo, 27/07/2013, p.B1. Idem. Mais grifes de luxo são alvo de investigação. Folha de São Paulo. Mercado. São Paulo, 27/07/2013, p.B2. BRITO, Agnaldo. Lei bane empresas que usarem em SP trabalho análogo à escravidão. Folha de São Paulo. Mercado. São Paulo, 29/01/2013, p.B1. 538
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.
217
dentárias e ajuda a controlar a fome –, e a Bolívia está na rota dos países
produtores e exportadores de drogas ilícitas para o mundo, muitas vezes seu povo é
associado ao narcotráfico. O fator do Índice de Desenvolvimento Humano e a renda
per capta baixa também auxiliam na formação da imagem negativa de e/imigrantes
pobres, com baixa qualificação e despreparados para viver em cidades como São
Paulo, já que a maioria vem de origem rural.
Assim, como falei, as pessoas que vêm da Bolívia sem conhecer a cidade, como falei, na própria Bolívia tem diferenças. Umas moram na cidade, outras não. As da região fria não tomam banho, son meio porquinhos, sujas... E tem isso, tem essa imagem, mas nem todo mundo é assim. Son da roça, não tiveram educação, não sabem nem falar o espanhol [...] e daí que surge essa imagem negativa.539
Em pesquisa nos bairros estudados com os moradores não bolivianos,
vizinhos de oficinas e moradias de e/imigrantes, podem-se constatar diferentes
percepções acerca do relacionamento na vizinhança. Frases como “São quietos,
não perturbam” e “Fazem sujeira, jogam tudo na rua” foram ditas.
[...] Eu já sofri preconceito. Quando tem algum atrito, as pessoas às vezes falam “Boliviano safado”. Usam a condição de imigrante para ofender. A massa de bolivianos que vem para São Paulo tem um comportamento tímido e submisso, bebem muito e se transformam. A questão da higiene também é um aspecto negativo.540
Outros vizinhos falaram “pobres coitados”, uma imagem que a comunidade
boliviana quer quebrar a qualquer custo.
[...] a maioria de nós bolivianos podemos ser pobres, ter dificuldades... Mas você já viu um mendigo boliviano, pedindo, pedindo comida? Jamais, é uma grande vergonha. Nós
539
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 540
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.
218
passamos fome, mas trabalhamos. Pedir é uma vergonha, a pior vergonha.541
E para isso muitos fazem referência aos antepassados, os Incas, que lhes
ensinaram valores de conduta: ama keilla, ama suya, ama lulla (não sejas mentiroso,
preguiçoso e ladrão).542
[...] algumas vezes pensavam que eu era o boliviano padrão, quieto, tímido e, quando percebiam que era diferente, dava problema [...] Eu nunca sofri uma agressão diretamente. Quando eu era discriminado, eu revertia facilmente. Porque as pessoas que discriminam são mal informadas.543
A principal estratégia do grupo que tenta se estabelecer é usar a informação
a seu favor, a fim de minimizar as diferentes formas de exploração sofridas pelos
e/imigrantes. A comunicação com a sociedade de acolhimento é outra estratégia
adotada, buscando-se imprimir uma imagem positiva e desmistificar a ideia de que
todo índio boliviano seria “preguiçoso, bêbado, trabalhador explorado, sujo”, entre
outros estigmas enraizados.
O grupo passou a se organizar para defender seus interesses a partir do
momento em que a imprensa vinculou a imagem dos e/imigrantes bolivianos com a
utilização de mão de obra análoga à escrava.
Nesse sentido, a construção de uma nova identidade social tornou-se uma das questões centrais para o referido grupo. [...] Entre as formas adotadas por eles para propiciar este processo de recriação de identidades estão a valorização das línguas originárias, como o quéchua, o aimará e o guarani, elementos do folclore, como as várias danças regionais, e, sobretudo, as festas devocionais, seja entre bolivianos, chilenos, paraguaios e peruanos.544
541
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 542
SILVA, Sidney A. da. Bolivianos: a presença da cultura andina. São Paulo: Editora Nacional, 2005. 543
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 544
SILVA, Sidney A. da. Hispano-americanos em São Paulo. Alcances e limites de um processo de integração. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XII, nº. 33, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan./abr. 1999, p.30.
219
Para tal, realizam, participam e planejam inúmeros eventos que apresentem
outras faces da e/imigração boliviana, como o Seminário Vozes e Olhares Cruzados,
promovido pela Missão Paz, as Novenas, o grupo “Eu amo a Bolívia” na Corrida
internacional de São Silvestre, integração com escolas de samba e outros.
Meu sonho é fazer um evento grande sem fins lucrativos, e sim que usufrua dos benefícios que o governo tem para incentivo à cultura, para investir e direcionar esses recursos para trazer artistas de lá e mostrar os daqui, que são anônimos, são pessoas sem reconhecimento por falta de investimentos. Eu já tentei com o grupo, avançou um pouco. Eu quero, dessa forma, ajudar a comunidade boliviana a manter a cultura viva. Esse trabalho é importante e onde existem problemas sociais de discriminação, tem que acabar.545
Segundo seus próprios membros, a comunidade boliviana está passando
por um processo de inserção na sociedade de acolhimento, assim como ocorreu
com os demais e/imigrantes de São Paulo. Porém, destacaram que “a sociedade
brasileira ainda não aceitou a imigração boliviana como as outras, porque vem gente
humilde”546.
Os imigrantes, em boa parte, são de cidades pequenas nos Andes e tradicionalmente introspectivos. Há também as barreiras usuais da língua, costumes. Mas os que cresceram aqui já absorveram a educação local. Em certas escolas públicas de ensino fundamental, há 80% de bolivianos. O desafio agora é a autonomia.547
Para obter autonomia e diminuir a discriminação, os e/imigrantes almejam
poder votar nas eleições: “Sem esse direito, ficamos invisíveis para os políticos.”548
545
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 546
Depoimento de Victor Palenque, 58 anos, administrador de empresas. Cf.: PEREIRA, Elves. A Bolívia é aqui. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 16 a 22 de julho de 2013. 547
Depoimento de Jaime Valdívia Almanza, ex-cônsul-geral da Bolívia em São Paulo. Cf.: BALAGO, Rafael. “Hoje, os bolivianos investem em São Paulo”, afirma cônsul-geral da Bolívia. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 21 a 27 de abril de 2013. 548
Depoimento de Luís Vásquez, presidente da Associação de Empreendedores Bolivianos da Rua Coimbra (Assempbol). Cf.: BREDA, Tadeu. Finalmente reconhecidos pela prefeitura, bolivianos de São Paulo querem mais direitos. 24/01/2014. Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/
220
Conquistaram o poder de votar e ser votado nos Conselhos Participativos da cidade,
mas lutam por mais, querem os mesmos direitos dos nacionais: votar e se
candidatar em outras esferas. “Nosso compromisso é pra valer”549, afirma-se. “Os
bolivianos que vêm pra cá, vêm pra trabalhar. Eu me orgulho de estar deixando uma
semente boa aqui. Eu exijo respeito, respeito os outros e me respeitam também”550,
ressalta o depoente.
Queria mais que votar, queria ser vereador no Brasil, porque aí penso que poderia mudar alguma coisa. Aqui precisa de pessoas honestas para o país ir pra frente. Não pode ter medo de lutar. A população brasileira, quando vê que você não tem medo, te apoia.551
Dialogar com a sociedade de “acolhimento”, romper com a imagem negativa
e com os preconceitos já enraizados são alguns dos objetivos ainda não alcançados
pela comunidade boliviana, pelas autoridades e entidades que lidam todos os dias
com os e/imigrantes. Nota-se a longa caminhada a ser percorrida e as pedras que
estarão no caminho nestes comentários postados em rede social acerca da inclusão
da Festa das Alasitas no calendário oficial da cidade de São Paulo:
como diz o Catra: VAI COMEÇAR A PUTARIA aliás, já começou o titulo dessa reportagem me fez rir: como assim querem direitos? Bolsa Bolivianos? e o final da reportagem então anula ela toda: "É o aniversário da Bolívia”, conta, sem a menor preocupação de esconder a saudade. então eles sentem SAUDADE da Bolivia? voltem pra lá, ué, quem os está segurando? Contagem regressiva pra aparecer os defensores. [...] governo tirando grana do teu bolso pra dar pro teu vizinho e pra ele próprio, e bolivianos pelas ruas falando que "Bolivia era bem melhor que aqui" e vcs lambendo as bolas deles, pois são um povo receptivo.552
cidadania/2014/01/finalmente-reconhecidos-pela-prefeitura-bolivianos-de-sao-paulo-querem-mais-direitos-8009.html>. Acesso em: 28/04/2015. 549
Depoimento de Luís Vásquez, presidente da Associação de Empreendedores Bolivianos da Rua Coimbra (Assempbol). Cf.: Ibidem. 550
Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 551
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 552
Texto apresentado da forma como foi digitado pelo comentador da reportagem, apenas houve um corte, em mudança de assunto. Cf.: BREDA, Tadeu. Finalmente reconhecidos pela prefeitura, bolivianos de São Paulo querem mais direitos. 24/01/2014. Disponível em: <http://www.rede
221
As postagens que expressam xenofobia não são ignoradas pela comunidade
boliviana, que se revolta e também de vale de seu direito de resposta. Assegurada
pelo anonimato da rede, a boliviana responde:
bolivianos tbm pagam impostos, tem direitos tbm, são trabalhadores, se vc pensa assim Luiz Inacio, na quantidade de brasileiros vagabundos que existe nessa jossa de país? porque falar assim dos bolivianos??? vai falar mal dos seus que nao passam de pilantras, preguiçosos, que vivem a custa do bolsa esmola e do ajuda-vagabundo-na-prisao vc pensa que é melhor em que?? prostitutas mirins dançando quadradinho de oito la nao existe, pense na sua vida mediocre antes de falar dos outros.553
Esse embate representa o que corre no cotidiano dos e/imigrantes bolivianos
em São Paulo: uma falsa aceitação da sociedade de “acolhimento”, vedando as
percepções acerca do processo emigratório para o Brasil. As relações nem sempre
formam vínculos positivos, podendo se caracterizar como relações de hostilidade
costuradas nos momentos de demanda por serviços públicos, por emprego e até
mesmo nos momentos de festa.
O preconceito está em todo lugar, é uma coisa que cabe a você. Eu sentia preconceito quando cheguei. Mas hoje em dia não, eu me valorizo. Eu sei das minhas raízes, eu sei da minha capacidade. O preconceito acredito eu que é um problema seu.554
A agressividade expressa outra face da relação, a hostilidade, aquela que
não revela vínculos positivos. “Ir ao encontro de alguém era uma expressão contida
no termo latino adgredior, do qual resultou o nosso termo agressão.”555 As atitudes
hostis são um risco no relacionamento, pois a “hostilidade é outra face da
hospitalidade”, podendo estar presente no ato da troca da hospitalidade, tanto para
quem dá como para quem a recebe.
brasilatual.com.br/cidadania/2014/01/finalmente-reconhecidos-pela-prefeitura-bolivianos-de-sao-paulo-querem-mais-direitos-8009.html>. Acesso em: 28/04/2015. 553
Texto apresentado da forma como foi digitado pela comentadora. Cf.: Ibidem. 554
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 555
CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004, p.21.
222
Nota-se a existência de um relacionamento entre a comunidade boliviana e a
sociedade paulista, mesmo que conflituoso e hostil, pois a hospitalidade e a
hostilidade são “irmãs gêmeas”, caminham lado a lado. A falta de um
relacionamento, o oposto da hospitalidade, seria a indiferença, o ato de ignorar a
presença do outro.556
[…] uma das principais funções da hospitalidade é fazer amigos e se familiarizar com estrangeiros e inimigos. Esta menção serve para retirar das sombras a hostilidade, “irmã gêmea” da hospitalidade. Mas, a surpresa inicial de que a hostilidade e a hospitalidade poderiam se relacionar tão intimamente é diminuída pela constatação de que ambas são meios alternativos de expressar o relacionamento com o outro. Desse ponto de vista, o “oposto” de conceder hospitalidade não é tanto declarar guerra, mas apenas optar por ignorar a existência do outro.557
O fato de o relacionamento entre e/imigrante boliviano e morador local
resultar em encontros, desencontros e em momentos de indiferença dá margem à
prospecção de vínculos sociais entre os sujeitos históricos envolvidos, pois a
hostilidade pode significar apenas uma face da relação que está em processo de
construção.
Líderes comunitários e representantes de associações de apoio trabalham
em conjunto para auxiliar os e/imigrantes recém-chegados que, desprovidos de
capital, necessitem de trabalho, moradia e informações para regularizar sua situação
migratória. Estes são os que mais sentem o peso dessa relação em constante
construção, sofrendo preconceito por ainda não estarem adaptados às regras da
sociedade de acolhimento.
As aulas de português oferecidas pelo Projeto Si Yo Puedo aos domingos,
os cursos de idiomas e informática nas associações e em algumas escolas públicas
da região central e materiais de apoio como o “Manual práctico para oficinas textiles
556
FERNANDEZ, Leandro R. G. Hospitalidade e encontro: o relacionamento entre moradores e turistas de segunda residência em Praia Grande. Dissertação (Mestrado em Turismo), São Paulo, Universidade Anhembi Morumbi, 2009. 557
SELWYN, Tom. Uma antropologia da hospitalidade. In: LASHLEY, Conrad; MORRISON, Alison (Orgs.). Em busca da hospitalidade - Perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004, p.36.
223
y pequeñas empresas urbanas”, produzido pelo CAMI e pelo Serviço Pastoral dos
Migrantes, que traz informações sobre legislação para imigrantes no Brasil – como
empreender, direitos, deveres e segurança no trabalho –, são ferramentas que os
auxiliam a resistir e romper com a imagem negativa, diretamente ligada às condições
de trabalho que enfrentam.
Não é por acaso que esses rostos em grande parte latinos, mas também africanos e asiáticos, são muito mais visíveis no centro de São Paulo durante o domingo, o único dia de folga. Estudos já realizados sobre o tema revelam jornadas de 12 a 17 hs, o padrão de remuneração pelo salário por peça (R$ 0,15 a R$ 4 a peça) condicionado à produtividade do trabalhador e à demanda do mercado; fábricas-dormitório, espaços pequenos com concentração de máquinas de costura e de trabalhadores; muito barulho, pouco ar e iluminação. Essas condições precárias de trabalho e de vida são ainda mais agravadas pela situação de indocumentados.558
A regularização migratória é outra estratégia incentivada pelo poder público
e pelas associações de apoio, já que o deslocamento até o Brasil se dá na maioria
das vezes por terra e na condição de turistas. Uma vez aqui instalados, os
e/imigrantes acabam se envolvendo no cotidiano de trabalho e perdem os prazos
para regularizar sua estada no país ou optam pela não regulamentação. Com isso,
multas são geradas e a situação da indocumentação se agrava. Sem
documentação, o indivíduo fica exposto a serviços mal remunerados e condições
insalubres de trabalho e moradia.
Todavia, ter uma situação regularizada não é sinônimo de direitos assegurados. O anistiado recebe um visto temporário e posteriormente deve comprovar os “vínculos no país” (trabalho, residência) para mantê-lo ou transformá-lo em permanente. Em particular, a exigência de um contrato de trabalho como condição para obter o direito de residência permanente no país não rompe com o vínculo de dependência do trabalhador imigrante para com o seu empregador, tampouco com o controle das condições de vida dos imigrantes por esse último,
558
VILLEN, Patricia. Polarização do mercado de trabalho e a nova imigração internacional no Brasil. s/d, p.7. Disponível em: <http://www.estudosdotrabalho.org/texto/gt5/polarizacao.pdf>. Acesso: 19/05/2015.
224
em particular no que tange ao tipo mais vulnerável de imigração.‟559
Sabe-se que somente a regularização da situação no país não mudará a
imagem negativa já instituída sobre a imigração boliviana. Contudo, trará uma real
noção da presença dessa população em território nacional, favorecendo a criação de
políticas e ações de integração entre a comunidade e a sociedade de acolhimento.
A presença boliviana traduzida em números oficiais – através do controle
das entradas, das solicitações de regulamentação da estada no país, do registro de
filhos em território brasileiro, das matrículas das crianças nas escolas – permitiria
identificar as reais necessidades dos e/imigrantes nas áreas da saúde, educação,
política, trabalho, segurança, dando voz para se expressarem e questionarem a
legislação migratória vigente. Por meio do processo de regularização, os
e/imigrantes conquistam direitos trabalhistas e de livre deslocamento entre os
países, diminuindo também as entradas ilegais e a exploração de mão de obra no
setor da costura.
3.2.1 Buscas: valorização e reconhecimento social
Uma maneira encontrada pela comunidade boliviana de romper com os
estigmas estabelecidos pela sociedade de “acolhimento” foi apresentar a riqueza
cultural de suas tradições, costumes e manifestações de fé. A alegria do e/imigrante
que vem para trabalhar e consegue realizar seus sonhos em terras estrangeiras é
reforçada nas festas devocionais – e não a imagem de trabalhador explorado, pobre,
sem capacitação e necessitado.
559
VILLEN, Patricia. Polarização do mercado de trabalho e a nova imigração internacional no Brasil. s/d, p.8. Disponível em: <http://www.estudosdotrabalho.org/texto/gt5/polarizacao.pdf>. Acesso em: 19/05/2015.
225
Figura 45 - Alegria do festejar.560
Nas festas bolivianas, o que chama a atenção é a quantidade de pessoas de diferentes classes sociais, faixas etárias e origens étnicas que elas são capazes de aglutinar. Também é notável a diversidade de tradições, ritmos, sabores e objetos da cultura material veiculados nessas festividades. Nesse sentido, graças à sua polissemia – que lhes permite exprimir uma pluralidade de significados – os símbolos constituem-se um importante canal de diálogo para grupos de imigrantes em vias de inserção num novo contexto.561
As festas apresentam elementos como a dança, os ritmos, os sabores de
várias localidades da Bolívia e, para o indivíduo em trânsito, representam um
momento de retorno às origens. São aglutinadoras e auxiliam os e/imigrantes na
afirmação da tradição, tanto os descendentes nascidos no Brasil como os recém-
chegados e os já estabelecidos. As comemorações e novenas realizadas em
espaços públicos atraem curiosos, turistas e agregam também outros e/imigrantes
latinos.
560
BALTAZAR, Thiago. Alegria do festejar - Bolivianos participam de novena das virgens de Copacabana e Urkupiña. 14/11/2011. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias. php?id=831>. Acesso em: 06/05/2015. 561
SILVA, Sidney da. A imigração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, 2005, p.79-80.
226
Anos atrás quem dançava era velho, hoje os jovens participam. Movimento bacana do grupo Kantuta, antes era formado por médicos, um grupo elitizado, que foi criado para relembrar as danças. Mas aí os jovens entraram e formaram novos grupos, o San Simón e o Sociedad, e aí começou a trazer mais jovens. Então de quatro anos pra cá dá status ser de um grupo folclórico. Antes os jovens não participavam. Hoje vemos jovens e crianças participando. Os jovens trazem brasileiros para o grupo também, trazem pessoas de outros grupos gregos, chilenos... Eu dancei dois anos no Sociedad, me afastei por conta do projeto, que também é aos domingos, mesmo dia dos ensaios do grupo.562
Jovens de descendência boliviana compõem grupos de dança e realizam
apresentações em colégios públicos da região central, que promovem festivais com
o intuito de integrar os alunos de diferentes etnias. Eles dançam em tropa ao ritmo
de caporales, as dançarinas representam cholitas, com tranças e o tradicional
chapéu-coco. Os trajes de festa são utilizados apenas em apresentações, por isso
notam-se saias bem curtas (minipolleras), que, de acordo com as bailarinas, são
utilizadas para alongar as pernas e mostrar a beleza da mulher boliviana,
abrilhantando a performance do grupo.
Em entrevista, uma dançarina do grupo Kantuta mencionou que os jovens
preferem dançar caporales, por seu ritmo animado, com movimentos arrojados, e
por ser uma dança juvenil e ao mesmo tempo sensual, já que as bailarinas usam a
minipollera.563
562
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 563
Cf.: SILVA, Sidney Antônio da. Bolivianos: a presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.
227
Figura 46 - Jovens bailarinos.564
Eu não sei muito bem, mas talvez seja a forma como a gente incentiva eles, eu acho que eles gostam. A minha netinha é filha de descendente boliviana com brasileiro, e ela gosta. Canta em espanhol, dança, ela pronuncia em quéchua, canta... Não sabe o significado, mas ela canta. Eu acho que ela vai seguindo as minhas tradições.565
As festas propiciam o aprendizado da cultura dos antepassados e uma
afirmação das tradições. Alguns depoentes relataram que na Bolívia não faziam
parte de fraternidades, dançavam, mas não como aqui, com coreografias, trajes e
preocupação com os passos coreografados.566 Destacaram também a relevância do
estudo da origem de cada dança, como a morenada e a diablada, que são
originárias do contexto de escravidão de índios e negros nas minas de prata da
Bolívia.567
564
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Programa Escola da Família. Comunidade boliviana apresenta dança típica na região central da capital. 24/01/2013. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/fotos.php?id=26>. Acesso em: 06/05/2015. 565
Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 566
Depoimentos de Franz Ever Quety Rada, Veronica Quispe e Raissa Oblitas, em entrevistas concedida à autora em 12/05/2012, 20/06/2013 e maio de 2013, respectivamente. 567
SILVA, Sidney da. A imigração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, 2005.
228
Com o ingressar de um indígena na presidência da Bolívia, a questão da valorização e preservação da tradição indígena ficou ainda mais forte. E acredito que hoje as famílias têm ainda mais orgulho de sua história e de suas conquistas.568
O estigma étnico reforça a imagem socialmente enraizada da e/imigração
boliviana. Independentemente da condição econômica e social, os bolivianos são
identificados como “índios” por seus traços fenótipos herdados de vários grupos
étnicos que compõem o povo boliviano. Rememorar as origens étnicas e resgatar as
tradições é marcar presença na sociedade de acolhimento: “As vezes me dizem: O
senhor é índio? Sim, lhe digo. Antes achava feio que me chamassem de índio.
Agora me orgulho que me chamem de „índio‟.”569
Apresentar a cultura boliviana para os vizinhos é uma estratégia de interação
utilizada pela família Tordoya. A mãe convida as vizinhas para participar das
novenas e dos momentos de festa, e elas, conforme relata, gostam da comida, da
bebida e da música boliviana. Destaca-se o fato de gostarem da alegria da novena.
Poucos brasileiros sabem como os bolivianos praticam as novenas: fazem orações,
agradecimentos, discutem uma temática relacionada ao cotidiano do grupo e
terminam com música, oferta de petiscos tradicionais (salteñas, salshipapas, pães e
bolos), bebidas como cerveja paceña e chicha e muita dança. “Um dia saímos
cheios de confetes e entramos no terminal de Diadema. A moça do caixa disse:
„Carnaval nesta época?!‟ „Nós viemos de uma Novena‟, eu disse. „Novena!?‟, a moça
quase desmaiou.”570
568
Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013. 569
Depoimento de Jorge, comerciante boliviano. Cf.: SILVA, Sidney A. Costurando Sonhos: trajetória de um grupo de bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.189. 570
Depoimento de Maria. Cf.: Idem. Bolivianos: a presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p.59.
229
Figura 47 - Novena a Nossa Senhora de Copacabana - Passantes em festa.571
A imagem mostra o cortejo realizado após a novena a Nossa Senhora de
Copacabana. Notam-se os trajes tradicionais femininos e masculinos, além de
confetes e papéis coloridos picados (mixtura) lançados pelos participantes nos
passantes (organizadores da novena) e demais membros do cortejo.
Vale ressaltar [...] que estas festas constituem um espaço de intensa sociabilidade e comunhão de valores, como, a reciprocidade criada entre eles, o sentido da ausência de limites, expresso na abundancia da comida e sobretudo da bebida, a qual não pode faltar, constituindo assim um momento privilegiado em que as várias identidades regionais se fundem em uma única identidade: a de ser boliviano em São Paulo, com todas as suas implicações. Tal identidade se expressa através de vários símbolos utilizados na festa como a própria imagem da Santa, a qual é trazida da Bolívia, a bandeira nacional, a música folclórica, cujo ponto culminante da festa é a dança de uma cueca entre os passantes, os vários enfeites e até mesmo a bebida com as cores nacionais. Todo este contexto simbólico contribui para que venha à tona, a qual é manipulada pelos mesmos em vista da criação de uma nova imagem de si mesmos perante a sociedade local.572
571
RAMOS, Daniela. Bolivianos celebram Virgem de Copacabana com alegria e devoção. Diário Corumbaense. Corumbá - MS, 06/08/2014. Disponível em: <http://www.diarionline.com.br/index. php?s=noticia&id=70388>. Acesso em: 05/05/2015. 572
SILVA, Sidney A. da. Uma face desconhecida da metrópole: os bolivianos em São Paulo. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano VIII, nº. 23, CEM - Centro de Estudos Migratórios, set./dez. 1995, p.19.
230
Nas festas das novenas, e/imigrantes bolivianos não medem esforços para
receber com fartura os demais membros da comunidade, pois querem retribuir todas
as graças que receberam da Virgem. Ao repartir seus ganhos e felicidade ofertando
música, comida e bebida, manipulam a criação de uma nova imagem – a de
vitoriosos – perante o grupo e a sociedade de acolhimento. Faz parte da tradição
agradecer pelo convite para participar da festa presenteando o anfitrião (ayni), como
uma ajuda, em geral com caixas de cerveja, propiciando assim mais fartura da
bebida no decorrer da comemoração.
Figura 48 - Procissão em louvor a Virgem de Copacabana,
na Praça Cívica do Memorial da América Latina.573
Nota-se a presença do padre católico à frente da procissão, junto aos
organizadores da cerimônia, que carregam o andor em forma de barco574, em alusão
573
JORNAL MOMENTOS. Eventos – São Paulo – II Festa Cultural da Comunidade Boliviana. Disponível em: <http://www.jornalmomentos.net/construtor/MyImages/Bol2.jpg>. Acesso em: 05/05/2015. 574
O material e a forma de barco desse andor se remetem às embarcações construídas por grupos étnicos que habitam as ilhas artificiais do lago Titicaca, denominadas Uros. As ilhas, casas, embarcações, artesanatos e demais utensílios são produzidos à base de totoras, uma planta comum em pântanos da América cujo talo mede de 1 a 3 metros. EL COMERCIO. Manejo de totora en lago Titicaca fue declarado patrimonio cultural. Lima - Peru, 25/01/2013. Disponível em:
231
à sua aparição às margens do lago Titicaca, uma bandeira e flores em homenagem
à Virgem. Os homens estão de terno e as mulheres, com a tradicional pollera que
compõe o traje das cholas. Percebe-se o uso de confetes, serpentinas e papéis
picados (mixtura), presentes nas festividades religiosas da Bolívia e reproduzidos
aqui.
Os eventos continuam os mesmos daquela época. As danças –morenadas, caporales, tinkus – não mudaram. “Só agrandou. Antigamente, eram dez, vinte pessoas. Hoje tem oitenta, cem. E as vestimentas „cambiaron‟ um pouquinho.”575
Figura 49 - Procissão na Igreja Nossa Senhora da Paz.576
Na tarde de 28 de maio de 2011, sábado, na Paróquia de Nossa Senhora da
Paz, no Glicério, aconteceu a celebração solene da Fraternidad Juventud Intocables.
Entre os integrantes, mulheres com polleras laranja e homens com ternos escuros
abençoados perante a comunidade boliviana com as graças da Virgem de
Copacabana e Virgem de Ukipiña. Ao final, saíram em procissão pelo pátio da Igreja,
<http://elcomercio.pe/peru/lima/manejo-totora-lago-titicaca-fue-declarado-patrimonio-cultural-noticia-1528166>. Acesso em: 09/09/2015. 575
GUTIERREZ, Felipe. Dom Alberto, o colunista social dos bolivianos. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 26 de junho a 2 de julho de 2011, p.43. 576
BOLÍVIA CULTURAL. Procissão na Igreja Nossa Senhora da Paz. s/d. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/images/intocables_missa_001.jpg>. Acesso em: 06/05/2015.
232
seguindo o grupo musical Hiru Hicho, vindo diretamente da Bolívia para animar a
festa. Todos puderam a assistir à dança morenada. Cervejas e o guia de bolso
Bolívia Cultural, veículo de comunicação destinado à comunidade boliviana, eram
distribuídos aos presentes.
No início do processo emigratório boliviano, de 1950 a 1970, as novenas e
datas comemorativas nacionais bolivianas eram menos frequentadas, as redes de
e/imigrantes estavam se organizando e se adaptando. Com o passar do tempo, a
fixação da primeira geração e o aumento constante do fluxo emigratório, de 1980 em
diante os eventos ganharam um público cativo, preocupado com a manutenção das
tradições pela segunda geração e com a continuidade dos costumes bolivianos em
São Paulo. Por isso Dom Alberto, que acompanha registrando profissionalmente os
eventos bolivianos desde 1970, destacou que as datas comemorativas não se
alteraram, mas o volume de frequentadores, bailarinos e os trajes, sim.
Membros de grupos de dança mencionaram em depoimento o preparo das
coreografias, os ensaios para as apresentações e os investimentos anuais em trajes
vindos diretamente de oficinas de costura de La Paz (Bolívia).577 Essa atenção com
os passos coreografados e os trajes dos bailarinos cada vez mais elaborados,
coloridos e em perfeito estado para cada exibição denota um cuidado com a imagem
que o grupo quer passar, se reafirmando enquanto estrangeiro, boliviano e indígena,
mas rompendo com o estigma de pobre, malcuidado, sem higiene e sem cultura.
Estudos sinalizam perspectivas positivas em direção ao rompimento da
imagem negativa, com um novo olhar apontando o estrangeiro enquanto exótico e
provedor de enriquecimento cultural, como apresentado em três trechos de
entrevistas coletadas em grupos focais:
[...] a cultura deles é muito antiga e tem-se a impressão de que as pessoas carregam essa coisa antiga, indígena, em suas vidas e cultura [...] então, eles são muito ricos culturalmente. [...] a primeira coisa que veio à minha mente foi a feira de artesãos aqui em São Paulo. Moderador: Você esteve lá? Não, nunca, mas sei que existe. Isso me fez pensar sobre a riqueza cultural que eles trazem para cá, mas ao mesmo tempo sei que
577
Depoimentos de Jaime Adolfo Oblitas Alvarez, Franz Ever Quety Rada e Raissa Oblitas, em entrevistas concedidas à autora em 04/05/2013, 12/05/2012 e maio de 2013, respectivamente.
233
essa feira é resultado de muitos bolivianos que vêm aqui e se envolvem em trabalhos muito difíceis [...] sofrendo muito. Eles trabalham e moram no mesmo lugar. A primeira coisa que pensei, quando começamos a falar, foi nos produtos feitos à mão, que eles vendem aqui [...] acredito que sejam muito unidos. É isso que eu vejo, eles parecem uma espécie de tribo, a família toda caminha junto, possuem olhos mais orientais, vestem roupas coloridas e vendem seus artesanatos.578
O reconhecimento social é almejado pelos e/imigrantes, assim como a
aceitação na comunidade local – muitas vezes, escondem ou negam problemas por
medo da rejeição que encontram.
Criei esse projeto Bolívia Cultural, onde (sic) mostro que a Bolívia não é apenas o que muitas pessoas veem... [...] Há muitos brasileiros que entram no site e enviam e-mails dizendo que não sabiam que a Bolívia era tão bonita, etc... [...]579
O reconhecimento econômico pode até ser alcançado dentro ou fora da
rede. Porém, o social, mesmo entre os compatriotas, pode não ocorrer. Uma
maneira de conquistar destaque na comunidade boliviana é fazer parte do grupo que
organiza as novenas e as festas às Virgens de Copacabana e Urkupiña,
dependendo do local de origem do e/imigrante, paceño ou cochabambino – no caso
da família Tordoya, cochabambinos e devotos da Virgem de Urkupiña.
578
Depoentes sem identificação. Cf.: SIMAI, Szilvia; BAENINGER, Rosana. Racismo e sua negação: o caso dos imigrantes bolivianos em São Paulo. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, nº. 68, janeiro a junho de 2011, p.52. 579
Depoente sem identificação. Cf.: Ibidem, p.59.
234
Para os festeiros (prestes), essa festa é o espaço de reconhecimento de seu prestígio dentro do grupo, pois para realizar uma é preciso, em primeiro lugar, aceitar participar do intercâmbio de dons, ou seja, da lógica da distribuição de bens inerente à instituição do presterío.580
É através dessa lógica de distribuição de bens que se estreitam os laços de
compadrio, pois o festeiro, ao aceitar participar da organização da festa, passa
encargos para outro membro e ambos, automaticamente, se tornam compadres.
Seguindo esse preceito de compadrio, notam-se alguns conflitos internos na escolha
dos passantes e organizadores das Festas da Virgem quando estão fora do núcleo
familiar. Nas festividades realizadas na Paróquia Nossa Senhora da Paz, por
exemplo, ocorrem exigências e interferências por parte da Igreja na programação e
organização do evento, como na escolha do festeiro, que deve pertencer à
comunidade há pelo menos dois anos e ser casado na igreja católica.
Ressalta-se também que o custo elevado do evento limita a participação da
comunidade que frequenta a igreja, somente aqueles que possuem mais recursos
conseguem marcar presença, em sua maioria comerciantes e donos de oficinas de
costura. No convite apresentado a seguir nota-se o destaque que é dado aos
festeiros e aos seus filhos, no centro; à esquerda identifica-se a imagem da Virgem
de Copacabana e duas fotos de La Paz; e à direita, os grupos de dança e bandas
presentes no evento.
580
SILVA, Sidney A. Bolivianos: a presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p.57.
235
Figura 50 - Convite para Novena e Festa - altos custos. 581
581
Cf.: PINTEREST. Altos custos. Convite para Novena e Festa. Disponível em: <http://farm4. staticflickr.com/3806/10994767583_c59f1e19db_o.jpg>. Acesso em: 05/05/2015.
236
Outro convite de luxo para festa de encerramento de novena, entregue
somente aos membros de destaque da comunidade boliviana, salientava a foto do
grupo que se apresentaria, a programação do evento – detalhada com calendário
das atividades –, letras de músicas, orações, a imagem da Santa e um CD.
Figura 51 - Convite para Festa Social e Ato Religioso –
Morenada Los Catedráticos Gestão 2013.582
582
TEODORO, Gi. Convite a Festa Social e Ato Religioso – Morenada Los Catedráticos Gestão 2013. 09/04/2013. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=1924>. Acesso em: 05/05/2015.
237
Todas as novenas se iniciam nove dias antes do evento (dia da Santa
Padroeira). Uma imagem peregrina “visita” primeiramente os festeiros e, depois,
migra para as casas de outros organizadores e membros da comunidade. Nelas são
realizadas as reuniões evangelizadoras e discutidas temáticas e técnicas do evento
que se seguirá. Ao final de cada encontro já se nota a convivialidade, com a oferta
de alimentos, música e danças regionais.
A seguir é possível observar o destaque dado aos organizadores do evento.
No último dia realiza-se a Festa das Padroeiras – após a missa na Paróquia, a festa
acontece no salão paroquial ou outro local escolhido pelos festeiros. Na imagem
estão os dois casais de festeiros com o padre, todos paramentados de acordo com a
temática andina.
Figura 52 - Bolivianos participam de novena das
Virgens de Copacabana e Urkupiña.583
No dia da festa, aqueles que ajudaram na realização do evento recebem um
tratamento diferenciado em relação aos demais convidados. São colocados em
mesas separadas com adereços diferentes, flores e aguayos. Em alguns eventos
também é servida uma comida mais elaborada para os organizadores: para eles,
empratada (prato típico boliviano) e para os participantes num geral, salgados
583
BALTAZAR, Thiago. Bolivianos participam de novena das virgens de Copacabana e Urkupiña. 14/11/2011. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=831>. Acesso em: 05/05/2015.
238
(salteñas) em formato coquetel. Tal fato é notado e interpretado de formas distintas
pelos convidados. Alguns pensam que “la fiesta es una forma de congratular y
agradecer a quien há participado de alguma cosa de Ella. Entonces, hay gente que
cree que esto debe ser abolido. Yo digo no, las personas deben ser convidadas a
participar y tener su lugar”584. Já outros acham que deveriam estar todos na mesma
condição agradecendo pelas graças recebidas. E ainda uma ex-passante afirma que
gostaria de um agradecimento separado, em outro dia, na igreja.585
Nos momentos de festa os e/imigrantes relembram suas tradições,
transmitem os costumes que permaneceram guardados, produto de experiências
anteriores, do habitus que leva à necessidade de “apreender as relações de
afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos
sociais”586. Encontram amigos e familiares, renovam vínculos sociais e amadurecem
aqueles já estabelecidos. Conseguem promover a visibilidade de sua cultura em
outro país, deixando sua marca na sociedade de acolhimento, pois “as festas são
veiculadoras de identidades, sejam elas nacionais, étnicas, culturais ou sociais”587.
Entretanto, ao cruzar as fronteiras da Bolívia, as tradições expressas nas
festas das Virgens recebem ressignificações no novo contexto cultural. A ajuda
(ayni) ofertada ao festeiro aqui se traduz em dezenas de caixas cerveja; a música
não será só a tradicional, mas também de bandas nacionais de sucesso; os
padrinhos do evento necessitam dispor de altos valores para poder participar, o que
restringe a escolha do próximo festeiro. E o objetivo da festa de agradecimento
pelas graças recebidas parece se perder no desejo de reconhecimento e status que
esses eventos denotam pelo alto custo que geram ao seu organizador e padrinhos.
Veicula-se a imagem de pessoas vitoriosas que conquistaram o sonho do “El dorado
paulista”, estimulando assim outros e/imigrantes que ainda não atingiram a
estabilidade financeira a continuar em sua busca.
584
Cf.: SILVA, Sidney A. Virgem/mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.162. 585
Ibidem. 586
SETTON, Maria da Graça J. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, nº. 20, maio/ago. 2002, p.62. CORNER, Dolores. Da fome à gastronomia: Os imigrantes Galegos e Andaluzes em São Paulo. Tese (Doutorado em História Social), PUC/SP, São Paulo, 2011, p.75. 587
SILVA, Sidney A. Bolivianos: a presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p.59.
239
Por estarem num outro contexto, dialogam com diferentes visões de mundo:
a visão local da sociedade de acolhimento urbana, focada no trabalho e na
valorização da ascensão econômica; e a visão global, na qual se inserem as
tradições bolivianas, que aqui precisam ser ressignificadas para se preservar. O
cerimonial se mantém como na Bolívia, há a instituição do presterío, a missa, a
comunhão da hóstia consagrada, a comensalidade com comidas e bebidas
tradicionais, a oferta dos aynis e o ritual de passagem da festa para o próximo
festeiro.
Para os brasileiros que frequentam os eventos e participaram informalmente
da pesquisa, essa forma de agradecer à Virgem e festejar causou inicialmente certo
estranhamento, pois dançar em frente à imagem e alimentar-se dentro da igreja não
são práticas comuns nos rituais das missas católicas. E mais, assistir à imagem da
Santa sendo levada a um salão de festas com banda, confete e serpentina foi
impactante e, ao mesmo tempo, curioso.
Na Igreja Nossa Senhora da Paz, após a entrada da Virgem no salão e os
agradecimentos, o padre realiza, ao lado dos festeiros, a passagem da festa para o
próximo casal organizador. Os casais brindam, dançam, cha’llamar os aynis e, por
volta da meia-noite, o padre solicita a retirada da Santa do salão, sinalizando que o
fim da festa se aproxima, e esta retorna ao seu altar debaixo de lamúrias. A festa
continua por mais duas horas, aproximadamente, já com a equipe de limpeza
atuando.
Nas festas, portanto, uma multiplicidade de relações se configura
simultaneamente, pois é acionada a lembrança de outras novenas e eventos
vivenciados na Bolívia. Construções de memórias nunca experimentadas são
elaboradas pela segunda e terceira gerações, ao passo que sentimentos como
estranhamento, admiração e curiosidade são despertados entre os poucos
espectadores brasileiros. Divulgar, convidar e abrir o evento para todos os públicos –
bolivianos, peruanos, chilenos, brasileiros e estrangeiros em geral que frequentam a
Paróquia – é uma das estratégias para romper com estereótipos negativos
enraizados na sociedade paulista e um passo a favor da interação entre os grupos.
240
3.3 TRÂNSITOS: INVISIBILIDADE E VISIBILIDADE
Teve a época na qual eu cheguei, que foi 89/90, em que as famílias bolivianas eram poucas no bairro e, quando vazava a informação de uma família boliviana, a notícia que corria era de que a família trabalhava muito, e pouco os via na rua. Nas escolas tinham poucos, então nós tínhamos uma visibilidade positiva. Nós tínhamos problemas internos nas casas que não eram vistos, o trabalho escravo não era tão divulgado na mídia. E aí passou a migração na década de 90 para um boom. Mas antes éramos invisíveis. As pessoas sabiam que tinha, mas não dava tanta visibilidade. Aí passamos para a fase visível, porque chegou uma massa de trabalhadores, continuou uma fase positiva. Mas a mídia enxergou os problemas da comunidade maior e começou a fase da visibilidade negativa.588
A depoente identificou uma mudança na visibilidade da comunidade
boliviana. No início, antes da entrada de uma parcela expressiva de trabalhadores,
ou seja, até 1980, os e/imigrantes bolivianos não figuravam em capas e matérias de
jornais. Depois, quando a emigração constante se avolumou e pôde ser notada em
massa pelas ruas, postos de saúde e escolas públicas, esses sujeitos ganharam as
páginas policiais, de economia e cotidiano dos jornais de maior circulação da cidade
de São Paulo. As temáticas, no entanto, eram a exploração do trabalho e a
imigração não documentada, o que, segundo ela, auxiliou na construção de uma
imagem negativa da comunidade.
Entre as estratégias traçadas pelo grupo emigrado para se estabelecer na
sociedade de acolhimento e romper a imagem negativa está a veiculação/
manutenção das tradições e manifestações culturais, expressas em festas,
religiosas ou não, frequentadas e/ou realizadas em São Paulo. Essa se torna a
principal ação para a preservação de uma identidade boliviana grupal, não a de
paceños ou cochabambinos, mas sim a de bolivianos. Pois passam por
ressignificações, são adaptadas ao novo contexto que se apresenta ao e/imigrante
e, mesmo desconexas do cotidiano de trabalho vivenciado nas oficinas de costura,
marcam a presença desses sujeitos históricos na cidade.
588
Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.
241
[...] nesse contexto, a excepcional visibilidade que o ciclo de festas devocionais realizadas [...] confere aos bolivianos e outros grupos hispano-americanos. Tal ciclo inicia-se em julho, com a festa da Virgem do Carmo, realizada pelos chilenos; seguidas pelas festas bolivianas das Virgens de Copacabana e Urkupiña, no mês de agosto; pela festa peruana do Senhor dos Milagres, no fim de outubro; e finalizando com a festa da Virgem de Caacupê, realizada pelos paraguaios no início de dezembro.589
Essas festividades promovem a imagem positiva de sua emigração,
possibilitam encontros com a sociedade de acolhimento e a aproximação dos
costumes de bolivianos e brasileiros. “Participo bastante, e fico meio dividido com
meus amigos brasileiros e bolivianos. Esse ano eu vivi três meses seguidos em
festas bolivianas, de junho até setembro. As festas da Santa.”590
Observou-se nos bairros estudados (Barra Funda e Bom Retiro) que os
e/imigrantes participam ativamente de atividades religiosas da Paróquia de Santo
Antônio da Barra Funda, frequentam as missas e incentivam seus filhos a
frequentarem a iniciação religiosa católica promovida pela igreja. Crianças de 5 a 7
anos foram identificadas na pré-catequese, aquelas de 7 a 10 anos, na catequese e
outras com mais de 10 anos estavam cursando a Perseverança, um estágio
intermediário de preparo para a crisma. De acordo com os monitores da catequese,
algumas crianças possuem um comportamento mais introspectivo, acarretado pela
timidez e pela dificuldade com o idioma, porém participam das dinâmicas e, nos
momentos de descontração, brincam e dançam como as outras, interagindo com o
grupo. Constatou-se uma dificuldade dos monitores, que apontaram que
determinadas crianças possuem bíblia em espanhol, o que atrapalha um pouco o
andamento das aulas, porém a responsável pelo curso já estaria providenciando o
material em português, sem custo para aqueles que não pudessem comprar.
Além da participação nas atividades da catequese e nas missas, notou-se
em destaque a presença da comunidade boliviana nas comemorações do dia das
mães, quando as crianças realizaram a coroação de Nossa Senhora homenageando
todas as mães ali presentes.
589
SILVA, Sidney Antonio da. A migração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre os bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, jul./set. 2005, p.79. 590
Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.
242
Figura 53 - Coroação de Maria feita por criança boliviana.591
Ponto alto da festa do dia das mães, a cerimônia de coroação de Maria foi
realizada por um menino boliviano que participa da catequese, enquanto outras
crianças e/imigrantes carregaram o terço e auxiliaram no cerimonial. Crianças
brasileiras também participaram, mas o destaque foi a coroação realizada pelo
menino vestido de anjo, no centro da imagem. Ao fundo, no altar, e na lateral direita
também nota-se a presença de bolivianos. Segundo o pároco, essas crianças
591
Arquivo próprio, 10/05/2015.
243
pertencem a famílias de bolivianos com situação já regularizada no país. A paróquia
atende outras 20 famílias em situação irregular, sendo o trabalho com estas
diferenciado. Primeiramente se estabelece uma relação de confiança, já que os
e/imigrantes temem denúncias, depois é solicitada alguma documentação para fazer
o registro das famílias, contudo, “muitos ainda não batizaram seus filhos por medo.
Algumas missas são rezadas em espanhol, por um padre convidado que também
fala aimará”592, com o objetivo de estabelecer um relacionamento mais duradouro e
auxiliá-las no processo de inserção na comunidade paulistana e cristã.
Quanto à manutenção das tradições bolivianas em São Paulo, outro
depoente acredita que não irão desaparecer e a aproximação cultural com a
sociedade de acolhimento proporcionará um maior diálogo entre as culturas.
[...] eu acho praticamente impossível desaparecer, acho que podem até ter algumas mudanças, mas não desaparecer. O povo boliviano que vem pra cá traz suas festas religiosas, suas comemorações. Acho bem provável que o povo brasileiro acabe adotando umas comemorações nossas. O brasileiro gosta da música e da dança boliviana. Sabe, no caporales tem brasileiros que dançam. Já teve grupos de música, aqui em São Paulo, cantando música boliviana perfeitamente. Acredito que com o tempo as escolas de samba terão os bumbos e as saponhas bolivianas.593
No carnaval de São Paulo de 1999, o grupo folclórico Kantuta foi convidado,
pela primeira vez, para desfilar na escola de samba Leandro de Itaquera. Depois,
em 2001 e 2003, a escola reiterou o convite e os bolivianos marcaram presença no
evento.594
592
Depoimento informal do padre responsável pela paróquia Santo Antonio da Barra Funda, em conversa com a autora em 16/08/2015. 593
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 594
SILVA, Sidney A. Virgem/mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.31. Enredos defendidos pela escola de samba Leandro de Itaquera: 1999 – Educação: um salto para a Liberdade “Por Paulo Freire” (compositores Mauro Pirata, Tony Almeida e Beto Muniz); 2001 – Os seis segredos do Rio Ariaú (compositores Xixa, Jailson, Júnior de Guararema); 2003 – Qualidade de Vida, Direito do Povo (compositores André Muniz, Du Bebeto, Pecê Ribeiro, Jurandir, Diane e Bombril). SASP - Sociedade Amantes do Samba Paulista. Acervo – Carnavais. s/d. Disponível em: <http://www.sasp.com.br/A_CARNAVAIS.asp#.Vi_5CytBo6V>. Acesso em: 27/05/2015.
244
Em 2015 o bloco carnavalesco Filhos de São Jorge, de Guarulhos, resolveu
tratar da temática da e/imigração boliviana em seu samba-enredo. Assim, a cultura
andina ganhou destaque em um megaevento de visibilidade internacional com o
samba “Brasil, Bolívia um povo irmão, Brasil, Bolívia um só coração, Guarulhos,
Oruro num só ideal a tradição do nosso Carnaval”.595
Batam palmas minha gente Que o show vai começar Novamente filhos de São Jorge Faz a galera delirar Quando atravessei fronteiras Em busca de oportunidades Vi em terra brasileira Reluzir minha diversidade Fiz da costura minha profissão Sempre com fé em oração A Virgem do Socavón Minha Santa de devoção Pachamama que é bom Tio, Supay que é do mal Brasil, Bolívia vem também Brilhar nesse Carnaval Chiru Chiru com seu gesto nobre Fez como Robin Hood que doava aos pobres Sou trovador faço serenata Nossa riqueza é o minério de prata Uma taça de Chicha para comemorar Em ouro seu folclore popular Batam palmas minha gente Que o show vai começar Novamente filhos de São Jorge Faz a galera delirar
595
Compositores do samba-enredo: Ricardinho Poete, Cô do Manga e Fernandinho.
245
Observam-se vários elementos da cultura boliviana na letra do samba-
enredo. De acordo com a entrevista596 de Dorival Vieira, presidente da agremiação,
os compositores pesquisaram por quatro meses em associações, no Consulado e se
aproximaram do site Bolívia Cultural e da marca “Eu amo Bolívia”. Foram
estabelecidas parcerias para levar para a avenida alegorias e fantasias que
remetessem à tradição religiosa católica andina, à economia da Bolívia, ao cotidiano
nas oficinas de costura, ao processo de emigração para o Brasil e uma proposta de
interação entre as comunidades boliviana e paulistana.
Outro evento que vem sendo frequentado por e/imigrantes bolivianos nos
últimos quatro anos é a corrida de São Silvestre, mas no ano de 2014 a participação
se deu de forma mais organizada. Com camisetas da campanha “Eu amo Bolívia”,
cerca de 120 pessoas entre atletas e expectadores participaram do evento: “Para
nós imigrantes é importante ocupar os espaços públicos. Quanto mais expusermos
nosso lado positivo, melhor. Essa é uma oportunidade de mostrar o perfil positivo de
nossa comunidade.”597
Corredores se surpreenderam com a aceitação dos paulistanos e relataram
com alegria os momentos da participação:
Quando chegamos na meta tiraram muitas fotos da gente, com a camiseta em destaque... todos gritavam BOLIVIAA!!!... BOLIVIAAAA!!!... as câmeras fotográficas quase nos engolem... [...] Foi boa a sensação dos brasileiros perceberem nossa participação… leiam a camiseta e gritem Bolívia, foi o melhor… verdadeiramente foi uma surpresa muito boa.598
596
Cf.: MIRANDA, Angelina. A Bolívia vai ser homenageada no Carnaval 2015. 10/12/2014. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2761>. Acesso em: 08/01/ 2015. 597
Depoimento de Antonio Andrade, imigrante latino, fundador do site Bolívia Cultural e organizador do grupo de corredores da São Silvestre de 2014. Cf.: BOLÍVIA CULTURAL. Imigrantes bolivianos fazem bonito na São Silvestre 2014. 04/01/2015. Disponível em: <http://www.boliviacultural. com.br/ver_noticias.php?id=2768#.VK6RvfKOqMY.email>. Acesso em: 08/01/2015. 598
Depoimento de Rodrigo Lima, imigrante boliviano de 25 anos. Cf.: Ibidem.
246
Figura 54 - Bolivianos na São Silvestre.599
Fato que se destacou foi que, após a corrida, os bolivianos levaram brindes
e um lanche para ser compartilhado entre amigos, o tradicional “ajtapi” (almoço
comunitário aimará), e no Viaduto do Chá, ao meio-dia, encontravam-se aguayos
com carne de porco, frango, batatas e outras comidas típicas bolivianas. Uma
tradição vista com curiosidade pelos paulistanos.
A Virada Cultural de São Paulo de 2014 também foi marcada pela presença
de grupos musicais e de dança bolivianos, resultado de reivindicações de
e/imigrantes à Prefeitura pelo uso dos espaços públicos e por mais direitos. O
Diablada 10 de Febrero se apresentou no Sesc Pompéia no dia 17 de maio, às 19
horas. Em sua formação, conta com bailarinos não só bolivianos, mas também
brasileiros e estrangeiros de outras nacionalidades. Nasceu para promover a cultura
orureña da Bolívia, representando com diabos e anjos a disputa entre bem e mal,
em que o arcanjo Gabriel vence e conduz os demônios derrotados. Apresenta o
ritmo diablada.600
599
BALTAZAR, Thiago. Imigrantes latinos em São Paulo se organizam para correr na São Silvestre. 27/12/2013. Disponível em: <http://mural.blogfolha.uol.com.br/2013/12/27/imigrantes-latinos-em-sao-paulo-se-organizam-para-correr-na-sao-silvestre/>. Acesso em: 15/05/2015. 600
BOLÍVIA CULTURAL. "Diablada 10 de febrero" participa da virada cultural 2014. 14/05/2014. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2620>. Acesso em: 15/05/ 2015.
247
A apresentação do grupo no Sesc chamou atenção com a utilização de
máscaras de diabo e pirofagia. Em alguns momentos da coreografia, os bailarinos
lançavam jatos de fogo de suas máscaras, simbolizando a fúria dos demônios na
luta contra o arcanjo Gabriel.
Figura 55 - Diablada na Virada Cultural 2014.601
[...] faço parte de um grupo de danças folclóricas, conheço muitos jovens que são filhos de bolivianos e continuam as tradições, principalmente porque também são envolvidos com grupos de danças e músicas folclóricas. O que percebo hoje em São Paulo é que, com o rápido aumento da comunidade boliviana na cidade, está havendo a inserção da cultura desses imigrantes, como ocorreu com a comunidade italiana e japonesa, por exemplo.602
Solicitaram também que sua Festa de Independência pudesse ser realizada
no Sambódromo da cidade, substituindo a organizada no Memorial da América
Latina, a fim de dar maior visibilidade e concentrar mais participantes em um novo
espaço mais confortável.603
601
BOLÍVIA CULTURAL. "Diablada 10 de febrero" participa da virada cultural 2014. 14/05/2014. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2620>. Acesso em: 15/05/ 2015. 602
Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013. 603
BOLÍVIA CULTURAL, op. cit., 14/05/2014.
248
[...] a partir da conquista do espaço público, através das danças folclóricas, por exemplo, que os brasileiros puderem conhecer e claro discursar sobre tais práticas. Além de que se os bolivianos são sujeitos de “ação autônoma” (VIDAL, 2012, p.101), como afirma o autor, pois agenciam sua inserção no trabalho, são também produtores de relações sociais e significados agenciados através dos usos e significações diversas sob as danças e as festividades que realizam nos espaços públicos da cidade, recebendo visibilidade a partir daí, fazendo da cultura um eixo de visibilidade alternativo ao que lhe demarca como “escravo de oficinas”.604
Os grupos de dança também viajam pelo país para participar de eventos que
abordam as temáticas da imigração, cultura ou festas das nações, como relatado:
“Isso mesmo, faço parte desse grupo para não perder minha identidade, é minha
cultura, não vou para ver amigos, mas vou para apresentações do meu grupo. Já me
apresentei em Minas Gerais, no sul também...”605
Bailarinos do Grupo Folclórico Raízes de Bolívia, do Centro Cultural
Boliviano do Paraná606 (CCB-PR), em apresentação no Festival Etnias,
apresentaram a dança do tinku. Esse ritmo, que representa o trabalho agrícola nas
plantações de batata e trigo, teve origem na região norte de Potosí. Os bailarinos
encenam as oferendas a Pachamama para obter uma boa colheita e a luta de
grupos rivais de camponeses pelo controle da plantação e das comunidades.
Homens e das mulheres exibem trajes confeccionados com tecidos coloridos e
flanelados, utilizam gorro de lã ou chapéu de camponês, assim como sandálias de
couro, mesmo com meias, hábito dos camponeses nos dias frios. As mulheres
vestem um “ajsu”, vestido inteiro com variedades de bordados, aguayo e sombrero
com tiras de tecido e xales multicoloridos. A dança é rápida, com movimentos
agressivos e acompanhada por gritos.
604
SANTOS, Willians de Jesus. A Imigração Boliviana em São Paulo e a Cultura Visual sobre sua presença no Espaço Público. Anais do II Seminário Internacional História do Tempo Presente. Florianópolis - SC, Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), 13 a 15 de outubro de 2014. 605
Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 606
O Grupo Folclórico Raízes de Bolívia faz parte do CCB-PR, fundado em 11/09/2004. Tem como objetivo divulgar a cultura boliviana através da dança e da música. CENTRO CULTURAL BOLIVIANO DO PARANÁ. Disponível em: <www.http://ccbparana.org>. Acesso em: 22/05/2015.
249
Figura 56 - Festival Etnias 2013.607
El ritmo de ladanza esligero, ágil, corrido com um balanceo constante, casi siempre el tronco del cuerpo está inclinado hacia adelante. Los movimientos implican pequeños saltos acrobáticos, expresando siempre agressividad, los cuales van acompañados de gritos.608
Membros mais antigos da comunidade estimulam seus filhos e netos a
participar dos grupos de dança como estratégia para divulgar uma imagem positiva e
preservar a cultura boliviana em São Paulo.
[...] sempre estimulei a ouvir a música, a praticar a dança. E minhas filhas já frequentaram os grupos folclóricos. A mais nova parou de dançar, mas a mais velha dança e gosta muito da cultura, da música, da comida. Ela fala que os filhos dela também vão continuar a tradição.609
A imagem construída nas festas a partir das manifestações culturais traz
visibilidade a uma “bolivianidade” ou “nueva bolivianidad”610, ação alinhavada pelos
607
GUIA UOL. Confira os grupos do 52º Festival Folclórico e de Etnias do Paraná. 01/07/2013. Disponível em: <hhttp://guia.uol.com.br/album/2013/07/01/confira-os-grupos-do-52-festival-folclorico-e-de-etnias-do-parana.htm>. Acesso em: 22/05/2015. 608
CONCEPTO COMUNICACIONES. Danzas Bolivianas em Urkupiña. Consultora Multidisciplinaria. Revista nº 2, Ano 2. Direção de Carlos Vidal Rocha Fernandez. Bolívia, agosto de 2011, p.37. 609
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 610
SANTOS, Willians de Jesus. A Imigração Boliviana em São Paulo e a Cultura Visual sobre sua presença no Espaço Público. Anais do II Seminário Internacional História do Tempo Presente.
250
e/imigrantes que almejam novos vínculos além dos estabelecidos na rede ou nas
esferas de trabalho e estudos. Os protagonistas do processo emigratório buscam
agora romper com os estigmas negativos, se estabelecer na sociedade de
acolhimento de forma digna e ver sua cultura representada no calendário oficial de
eventos da cidade, nos espaços públicos e em eventos não só destinados à
comunidade boliviana. É uma estratégia de mudar a imagem atual de “trabalhador
explorado” para a de membro de uma “cultura exótica”611.
Entende-se por “bolivianidade” o que se apresenta nas danças, no
significado das músicas, nos vestuários utilizados pelos bailarinos nos shows, na
alimentação ofertada nas festas. Elementos e símbolos de várias localidades da
Bolívia que lhes permitem se reconhecer enquanto bolivianos, mesmo que aqui
estejam ressignificados como sendo únicos para recriar a cultura boliviana em um
contexto muitas vezes marcado por ambiguidades e tensões.
Afinal, a unidade social durante o processo migratório se faz também através da celebração de festas típicas, da alimentação, da religião, língua, etc, quer dizer, dos chamados sinais diacríticos utilizados em meio as relações sociais no processo imigratório. Ou seja, por meio da bolivianidade os imigrantes constituem Relações Sociais.612
A festa, como já mencionado, é uma ação estratégica para tornar mais
positiva a imagem dos grupos e/imigrantes fixados, mas também é uma forma de
rememorar o cotidiano da terra natal sem gastar com o deslocamento da viagem.
Ela ainda permite notar os vínculos já estabelecidos entre os bolivianos e a
sociedade de acolhimento, sejam de ordem econômica, cultural ou familiar. Marca
Florianópolis - SC, Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), 13 a 15 de outubro de 2014. 611
As pesquisas e entrevistas realizadas apontaram a necessidade de mudança da imagem do e/imigrante na sociedade de acolhimento. Observou-se a intenção dos líderes da comunidade em intensificar a percepção das diferenças culturais entre brasileiros e bolivianos, estimulando a valorização e a preservação da cultura andina mesmo que traduzida. Identificaram que o preconceito que sofrem advém da falta de conhecimento dos brasileiros sobre a cultura andina e que por isso precisam divulgá-la. 612
SANTOS, Willians de Jesus. A Imigração Boliviana em São Paulo e a Cultura Visual sobre sua presença no Espaço Público. Anais do II Seminário Internacional História do Tempo Presente. Florianópolis - SC, Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), 13 a 15 de outubro de 2014, p.5.
251
de presença física, o espaço público ou privado em que ocorre reproduz aspectos
culturais e reafirma identidades em resposta à estigmatização social a que são
submetidos.
Com efeito, podemos dizer que a migração dissolve relações sociais, mas não dissolve a festa, que é recriada não somente como necessidade do elemento lúdico ou como expressão de valores culturais e religiosos, mas, sobretudo, como conquista de um espaço próprio de um grupo que luta pelo reconhecimento social de sua diferença.613
Para além das festas, a comunidade boliviana alcançou visibilidade na mídia
televisiva. Puderam ser identificados personagens andinos na novela das nove Amor
à Vida614, da Rede Globo, apresentada entre maio de 2013 e janeiro de 2014. Tais
personagens mostravam as duas imagens (a positiva e a negativa): um trabalhador
dedicado e uma mulher ligada ao narcotráfico. Mesmo mesclando elementos da
cultura peruana e boliviana, a novela retratou a presença andina em São Paulo, com
algumas cenas trazendo o sotaque, a moda, as curiosidades, o artesanato e os
dramas vividos pelos e/imigrantes.
Houve ainda a produção de uma série de documentários615 sobre a
população andina na última década, um material que representa o imaginário visual
613
SILVA, Sidney Antonio da. Costurando Sonhos: trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos que trabalham no ramo da costura em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.267. 614
Novela de: Walcyr Carrasco. Colaboração: Dayse Chaves, Elaine Garcia, Daniel Berlinsky e Marcio Haiduck. Direção: Marcelo Travesso, Marco Rodrigo, Marco Figueiredo, André Felipe Binder e André Barros. Direção-geral: Mauro Mendonça Filho. Direção de núcleo: Wolf Maya. Autorização especial: SATED RJ. Direção de fotografia: Sérgio Marini. Produção de arte: Yurika Yamasaki. Produção de elenco: Bruna Bueno. Edição: Carlos Thadeu, Valéria Barros, Roberto Mariano, William Alves Correia e Andre Leite. Produção executiva: Verônica (gerência) e Flávio Nascimento (direção). Todos os direitos reservados: CopyRight 2000-2014, Globo Comunicação e Participação S.A. Rio de Janeiro, 2013. GSHOW. Amor à Vida. Disponível em: <http://gshow.globo.com/novelas/amor-a-vida/index.html>. Acesso em: 17/05/2015. 615
Entre eles: • Mãe Terra Bolivianos em São Paulo. DVD (48 min.). Projeto Experimental de Jornalismo. Laboratório de Rádio e TV - Faculdade Casper Líbero. São Paulo, 2003. Realização e direção: Aline Sgarbi Tokimatsu e Cristiane Gazana. Texto e roteiro: Aline Sgarbi Tokimatsu e Cristiane Gazana. Locução: Cristiane Gazana. Imagens: Aline Sgarbi Tokimatsu, Cristiane Gazana, Dário Dias, José Navarro Filho, Pedro Mario e Osmar Bento. Edição: Aline Sgarbi Tokimatsu, Cristiane Gazana, Claudinei Rodrigues, Luis Henrique de Souza e Luiz Paulo Couto. Arte: Cristiane Gazana e Luiz Paulo Couto. Sonoplastia: Claudiney Rodrigues e Luiz Paulo Couto. • Nação Oculta - Os Bolivianos em São Paulo. DVD (57 min.). São Paulo, Mosaico Filmes, 2008. Direção, produção e fotografia: Diego Arraya. Edição: Fernando Dourado e Marcelo Dourado. Pós-produção e áudio: Nilson Tasae. Direção de arte: Rodrigo Arraya e Fabio Biofa. • Sí Yo Puedo - O Sonho Boliviano em São Paulo. DVD (34 min.) Trabalho de Conclusão de Curso dos Alunos de Jornalismo da Faculdade
252
sobre os processos migratórios de bolivianos para o Brasil. Sejam individuais ou
coletivas, as histórias de vida dos protagonistas são contempladas em detalhes.
Destacam-se os motivos dos deslocamentos, a situação econômica da Bolívia, as
características geográficas, paisagens e os principais polos emissores: La Paz e
Cochabamba. Os aspectos da religião, as festas e a cultura apareceram
paralelamente a discussões acerca do trabalho nas oficinas, preconceito e interação
com a sociedade de acolhimento.
Outras produções sobre o grupo em jornais, telejornais e revistas, já
mencionadas, expuseram o e/imigrante de forma pejorativa, com uso recorrente de
conceitos taxativos de origem étnico-racial, sociocultural e jurídica, como índios,
traficantes, sujos, indocumentados, clandestinos, entre outros, reforçando a
percepção negativa sobre as populações em trânsito.616
A imagem do e/imigrante se constrói e se reconstrói em momentos diversos
da vida cotidiana, como o relatado:
[...] fiquei chateado com os organizadores da prova do ENEM que fizeram uma questão dizendo que na Bolívia 80% da população é miserável. E isso não é verdade. As pessoas deveriam se informar melhor antes de divulgar uma informação dessas, fazer uma pesquisa... Podem pesquisar na internet, viajar pra lá, ver qual é a realidade. Mas não falar que 80% da
Casper Líbero. Orientação de Tatiana Ferraz. São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=de-rQS3pGg0>. Acesso em: 10/12/ 2014. Produção: Marcel Buono, Victor Lombardi, Vinicíus Victorino e Victor Valencio. Roteiro, produção e edição: Marcel Buono, Victor Lombardi, Vinícius Victorino e Victor Valencio. Locução: Marco Antonio Abreu. Arte: Sabrina Cessarovice. Edição e Pós-produção: Fabio Balek. • 100% Boliviano, Mano. DVD (18 min.). Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/26107>. Acesso em: 15/01/2014. Argumento: Luciano Onça. Direção e roteiro: Alice Riff e Luciano Onça. Produção executiva: Grão Filmes. Supervisão jornalística: Pública Agência de Jornalismo Investigativo. Fotografia: Alice Riff, Luciano Onça, Thiago Carvalhaes e Marcel Nascimento. Pesquisa: Luciano Onça. Montagem: Alice Riff. Videografismos: Vapor 324. Realização: Grão Filmes e Pública - Agência de Jornalismo Investigativo. BRAS, J.; RUFINO, M.; PERTINHEZ, S.; LIMA, V. Povos invisíveis. Cultura em Primeiro Plano. Aprendiz Comgás. São Paulo, 2011. 616
MANETTA, Alex. Bolivianos no Brasil e o discurso da mídia jornalística. In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa, 2012, p.257-270. Recentemente “Crô - O Filme” trouxe à tona nas telas de cinema de todo o país, novamente, discussão acerca da imigração não documentada, do tráfico de mão de obra e da exploração dos trabalhadores bolivianos nas oficinas de costura, solidificando ainda mais a visibilidade negativa e vitimização que envolvem os processos emigratórios da Bolívia para o Brasil. Escrito por Aguinaldo Silva e dirigido por Fábio Barreto, é uma comédia inspirada no personagem Crodoaldo Valério, da telenovela Fina Estampa, exibida na Rede Globo. Estreou nos cinemas brasileiros em 29 de novembro de 2013. No primeiro fim de semana foi visto por 337 mil pessoas e arrecadou cerca de R$ 4,4 milhões.
253
população é miserável. O país é pobre, mas não miserável. Então isso me entristece muito e eu quero que um dia os jovens pensem e conheçam a verdadeira Bolívia.617
O depoente se incomodou com o texto de apoio proposto para o tema da
redação do Exame Nacional do Ensino Médio de 2012 (ENEM), que retratava a
Bolívia como um país de população miserável, o que só reforçaria a visibilidade
negativa do e/imigrante em São Paulo.618
Milhões de estudantes brasileiros tiveram contato neste final de semana com um tema atual e que ganha visibilidade: a imigração de centenas de trabalhadores que estão sendo atraídos para o Brasil. O tema proposto para a redação do Exame Nacional de Cursos (Enem) foi “O movimento imigratório para o Brasil no século XXI”.619
A busca constante pela visibilidade positiva – mesmo que pautada pela
reconstrução ou até reinvenção de uma bolivianidade, de estereótipos culturais
positivos, da visão de um povo com costumes e tradições exóticos – se faz presente
no cotidiano do e/imigrante boliviano em São Paulo. A comunidade escolhe o quer
mostrar de sua cultura para os brasileiros, uma cultura dinâmica e mutável
reconstruída na vivência do processo emigratório.
Como recuperar algo que não é estático, que não tem contornos definidos, que não é jamais pronto e acabado? A cultura sem a sua essência apriorística é um processo
617
Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 618
Texto mencionado pelo depoente, intitulado “Trilha da Costura”: “Os imigrantes bolivianos, pelo último censo, são mais de 3 milhões, com população de aproximadamente 9,119 milhões de pessoas. A Bolívia em termos de IDH ocupa a posição de 114º de acordo com os parâmetros estabelecidos pela ONU. O país está no centro da América do Sul e é o mais pobre, sendo 70% da população considerada miserável. Os principais países para onde os bolivianos imigrantes dirigem-se são: Argentina, Brasil, Espanha e Estados Unidos. Assim sendo, este é o quadro social em que se encontra a maioria da população da Bolívia, estes dados já demonstram que as motivações do fluxo de imigração não são políticas, mas econômicas. Como a maioria da população tem baixa qualificação, os trabalhos artesanais, culturais, de campo e de costura são os de mais fácil acesso.” Cf.: INFOESCOLA. Tema de redação do Enem 2012. s/d. Disponível em: <http://www.infoescola.com/provas/tema-de-redacao-do-enem-2012/>. Acesso em: 18/05/2015. 619
PANASSOLO, Camila. Imigração ganha visibilidade com redação do Enen. 05/11/2012. Disponível em: <http://www.maisnova.fm.br/Noticia/contai/imigracao-ganha-visibilidade-com-redacao-do-enem>. Acesso em: 18/05/2015.
254
dinâmico, incessante de construção e reconstrução de invenção e reinvenção.620
Afinal, a continuidade dos processos tradicionais e das manifestações
culturais pode ter passado por diversas reconstruções na própria Bolívia, imersas
em um movimento dinâmico, repleto de invenção e reinvenção, para se chegar ao
que se apresenta na atualidade em São Paulo.
Apreender a cultura em movimento e apresentá-la com cada peça
alinhavada, cada botão pregado e em cada sonho de “El dorado” ainda não
conquistado é a encomenda que se apresenta ao grupo em vias de inserção,
impulsionado pela expectativa de reconhecimento social e aceitação pela sociedade
de acolhimento. Essa dupla pertença vivenciada pelos e/imigrantes traduz o
hibridismo cultural em que estão imersos – o querer regressar ao local de origem, o
querer se estabelecer em São Paulo, o desejo de reconhecimento e aceitação como
e/imigrado – e é representada em todos os eventos marcados pela presença
boliviana e realizados aqui.
Observaram-se inúmeras ações praticadas pela comunidade boliviana para
o rompimento da imagem negativa na sociedade de acolhimento, entre elas: projetos
sociais, participação em eventos específicos sobre imigração tanto de cunho social
como acadêmicos, criação de veículos de comunicação (sites e rádios), promoção
de eventos culturais da própria comunidade, viagens de grupos musicais e de dança
pelo país para divulgar a cultura boliviana, além da participação em pesquisas e
documentários que apresentam o cotidiano do e/imigrante em São Paulo, e não
somente denúncias de exploração do trabalho, que fortificam a vitimização no
processo emigratório e a visão negativa já instituída.
Afinal, após 58 anos de registros constantes e crescentes de fluxos
emigratórios da Bolívia para o Brasil, com cerca de 200 mil bolivianos identificados
como residentes em território nacional621, o desafio da reconstrução do imaginário
em torno do e/imigrante e dos processos de emigração se faz cada vez mais
presente. Pois a imagem que se tinha anos atrás da e/imigração, ou o que se
620
FLORES, Maria Bernadete Ramos. Oktoberfest: Turismo, festa e cultura na estação do chopp. Coleção Teses. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1997, p.13. 621
Dados obtidos em instituições de apoio, Consulado Geral da Bolívia no Brasil e Censo 2012 - BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2012. IBGE, 2012.
255
entendia sobre ela, passa por constante transformação, assim como o perfil do
e/imigrante encontrado em São Paulo, que, com o passar do tempo, transitou pelas
categorias de estudante, profissional, trabalhador indocumentado, trabalhador
sazonal, residente e morador fixo com vínculos familiares de até três gerações.
Cada sociedade, portanto, possui seu imaginário embora o limite entre o real e o imaginário seja tênue e variado nos diversos momentos históricos. Todavia, o território atravessado por esse limite é o campo da experiência humana, do social coletivo ao particular íntimo.622
Para essa concepção acerca dos e/imigrantes, diferentes recortes de espaço
e tempo são utilizados pela sociedade de acolhimento e pelos próprios bolivianos,
criando as representações daquilo que pensam de si e dos outros. “Assim, cada
sociedade cria suas representações do mundo pois percebe-se nessas imagens as
estratégias que determinam as posições dos grupos sociais, suas relações na trama
da sociedade.”623 Imagens formadas e transformadas no seio dos grupos e que
podem ser absorvidas de diferentes maneiras pelas camadas que os compõem.
Constatou-se que, mesmo com as diversas ações estratégicas
desenvolvidas pelo grupo emigrado, o rompimento da imagem negativa e a
aceitação na sociedade de acolhimento ainda são fatos distantes. De acordo com os
colaboradores brasileiros e estudos mencionados acerca da temática, a comunidade
paulistana nota a presença dos e/imigrantes, mas não os reconhece enquanto
membros de tal sociedade. Os estigmas relacionados à condição de estrangeiro –
“estranho, em trânsito, sem vínculos, que não inspira nem merece confiança” – se
somam aos destinados aos e/imigrantes bolivianos – “sujos, preguiçosos,
explorados pelos compatriotas” –, dificultando o diálogo e marcando as relações
entre “estabelecidos e outsiders”624.
622
PATLAGEAN, Evelyne. “A história do imaginário”. In: LE GOFF, J. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.292-318. Apud: SOLLER, Maria Angélica; MATOS, Maria Izilda S. (Orgs.). O imaginário em debate – gênero, música, pintura, boêmia. São Paulo: Olho d‟Água, 1998, p.11. 623
SOLLER, MATOS, op. cit., p.11. 624
ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
256
Este capítulo não pretendeu esgotar a discussão sobre a imagem e
visibilidade da comunidade boliviana em São Paulo, apenas buscou costurar as
estratégias que foram sendo alinhavadas pelos sujeitos históricos envolvidos no
processo, sejam e/imigrantes, descendentes nacionais, poder público ou sociedade
civil, que convivem cotidianamente nesse contexto de conflitos e sociabilidades,
reconstruindo o imaginário de si e dos outros. Estabelecendo diálogos, mesmo que
forçados, entre indivíduos por vezes silenciados e a sociedade que os “acolhe”, com
a hospitalidade paulistana e toda a carga de hostilidade que essa relação contém.
257
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aproximação com as histórias de vida dos diferentes protagonistas desta
tese sobre processos e/imigratórios da Bolívia para o Brasil, mais precisamente para
São Paulo, buscou abrir novas perspectivas sob o olhar da história social e cultural.
Por meio das atividades cotidianas de trabalho e lazer, analisou as questões de
identidade do grupo e suas estratégias de fixação na sociedade de acolhimento.
Observou os receios na partida, as trajetórias percorridas até a chegada e
encontro com as redes de acolhimento. As tensões e desencontros vivenciados no
cotidiano e expressos nos depoimentos, eventos, redes sociais e imagem construída
em torno desses processos. Questionou as tentativas de inserção do grupo na
sociedade de acolhimento, as rupturas e as ações por uma visibilidade positiva não
só para os e/imigrantes, mas para o país de origem.
Algumas questões foram eleitas, como: a contextualização do fluxo
migratório estabelecido da Bolívia para o Brasil, o desenho das rotas e a relação
trabalho/ destino, relações e tensões com a sociedade de acolhimento, manutenção
dos costumes tradicionais relativos à família, ao trabalho e às atividades de lazer e
ações em prol do rompimento da imagem negativa que cerca a imigração e os
e/imigrantes bolivianos em São Paulo. Nesse sentido, a sociedade de partida, os
medos e os sonhos dos bolivianos que desembarcaram em São Paulo foram
questionados por meio de entrevistas e da análise da documentação complementar,
contribuindo para a contextualização do fluxo emigratório e para traçar suas as
rotas.
Cada processo emigratório é único, mas está pautado em redes, que
também puderam ser redesenhadas, desde a partida, o percurso e a opção por São
Paulo. Constatou-se que os dados oferecidos pelas associações de apoio, Polícia
Federal, Consulado Boliviano e Censo são díspares e não representam com
exatidão o fluxo emigratório e a fixação desses e/imigrantes. Outras questões
relacionadas às constantes entradas e saídas identificadas foram: fluxo sazonal de
trabalhadores para suprir as oficinas de costura, proximidade geográfica, porosidade
258
da fiscalização nas fronteiras e as dificuldades encontradas para regularização da
documentação.
Observou-se também o ir e vir por motivos pessoais, incluindo a saudade de
casa, da família e dos amigos, sendo que o sentimento de ausência e não
pertencimento à sociedade de acolhimento também motivou deslocamentos de
retorno. Para o e/imigrante boliviano, esse ir e vir é um processo natural, que vem de
seus antepassados (quéchuas e aimarás, descendentes dos incas), povos que
migravam para plantar e estabelecer suas comunidades (ayllus), devido às
condições climáticas encontradas no território. Mesmo sendo percebido como
natural, todavia, não deixa de carregar medos, expectativas e a esperança de
retorno.
A vivência em oficinas de costura de São Paulo, as extensas jornadas,
formas de contratação e o dia a dia do trabalhador foram marcantes nas trajetórias
dos sujeitos históricos que protagonizaram este estudo. Pois, quando
indocumentados, enfrentam situação de fragilidade e depreciação, fortificando a
imagem negativa constituída nesse processo.
Foram discutidos os conceitos de rede, identidade, identificação e
pertencimento com base no cotidiano dos protagonistas, o que permitiu rastrear as
experiências vivenciadas pelo e/imigrantes bolivianos, bem como suas lutas diárias
dentro e fora das tramas das redes. As experiências relataram os encontros e
desencontros, desde as ações realizadas pelos centros de apoio e acolhida aos
e/imigrantes, passando pelas dificuldades para atendimento nos serviços públicos
de saúde, segurança e educação, até chegar às tensões com a vizinhança e nas
redes sociais.
O estudo possibilitou apontar o cotidiano das oficinas de costura e aspectos
relacionados aos costumes andinos – como cuidados com a família, práticas
religiosas, o presterío, hábitos alimentares –, oferecendo material de análise e
permitindo vislumbrar ressignificações dos costumes andinos como uma estratégia
para “recriar” identidades.
259
Destacou-se o dia de folga – domingo – como momento de reencontro com
amigos, conterrâneos e costumes em um “território” boliviano, a Kantuta. Local onde
o e/imigrante revive a bolivianidade, isto é, ouve música latina, dança com as
fraternidades, saboreia pratos tradicionais, bebe chicha e cerveja paceña, compra
CDs e outros produtos bolivianos, faz remessas para os departamentos de origem,
sobe no palco e se pronuncia, ouve e conversa em castelhano, quéchua e aimará.
Enfim, rememora sua terra e o “ser” boliviano nesse espaço que também propicia
trocas formais e informais de objetos e informações, encontros, namoros e oferta de
empregos.
Foi possível constatar rejeição e preconceito em torno da e/imigração e dos
e/imigrantes bolivianos, expressos em variados níveis, como bullying, xenofobia,
hostilidade e agressão em diferentes momentos do cotidiano, nos serviços de saúde,
no trabalho, na escola e no supermercado. Os fatores principais para o preconceito
vinculam-se ao estigma étnico, pois os bolivianos carregam traços indígenas
marcantes. Aqueles que são mestiços, com a pele mais clara, e já falam bem o
português se inserem com mais facilidade no mercado de trabalho e nas redes
sociais de brasileiros.
Assim, a fim de tecer uma linha de análise sobre os processos emigratórios
da Bolívia para o Brasil, com base nas histórias contadas e vivenciadas pelos
próprios sujeitos históricos, buscou-se, por meio dos eventos realizados e/ou
frequentados pelos bolivianos, apresentar as estratégias delineadas pelo grupo para
se inserir na sociedade de acolhimento e quebrar sua visibilidade negativa.
Destacaram-se grafites, festas devocionais e profanas como exemplos dessas
estratégias, ações em busca de um relacionamento positivo e da desmitificação de
que todo boliviano seria “sujo, preguiçoso, trabalhador explorado e bêbado”, imagem
negativa enraizada que dificulta a inserção e aceitação do grupo.
Os eventos realizados em agradecimento pelas dádivas recebidas
(novenas) podem ser observados como uma das vias de inserção e de busca pelo
reconhecimento social, nas tramas da rede ou não. Nesses eventos os e/imigrantes
demonstram a alegria de ter alcançado seu sonho. Assim, veiculavam uma nova
imagem de si e do grupo, a de vitorioso, e não mais de explorado, pobre e sem
capacitação.
260
As festas propiciam o aprendizado da cultura dos antepassados, a
manutenção das tradições e dos costumes, mesmo ressignificados. Valorizam o
e/imigrante que partiu de sua terra em busca de um sonho. São momentos de
sociabilidade e formas de veicular uma imagem diferente da instituída. Desse modo,
os líderes da comunidade fazem questão de participar e organizar diversos eventos,
esportivos, religiosos, de datas comemorativas – dia dos pais, independência da
Bolívia, dia das mães, Páscoa, São Silvestre –, visando mudar a imagem negativa
que cerca a e/imigração boliviana, dando visibilidade positiva, enaltecendo aspectos
culturais, mesmo pautados na diversidade e costumes considerados exóticos pelos
paulistanos. A comunidade boliviana, após quase 60 anos de registros oficiais de
fluxos e/imigratórios, seleciona o que quer mostrar de sua cultura, busca destacá-la
como dinâmica, construída e reconstruída, muitas vezes “traduzida” na sociedade de
acolhimento.
Sabe-se que os processos e/imigratórios são únicos e influenciam as ações
cotidianas dos sujeitos na sociedade de acolhimento, marcados pela busca da
estabilidade financeira. Porém, esses e/imigrantes não apagam todas as suas
raízes, seus traços identitários são reconstruídos, “representados”, “traduzidos” nas
práticas religiosas e nas festividades. Nesse processo, foi observada preocupação
por parte das primeiras gerações com a continuidade das tradições andinas
(costumes alimentares, músicas, formas de dançar, práticas e cultos religiosos) e
notou-se que alguns descendentes de segunda e terceira geração vivenciam um
processo de “hibridismo cultural”. Valorizam as tradições dos antepassados e
absorvem costumes da sociedade de acolhimento, reinventando um sujeito
boliviano-brasileiro e/ou brasileiro-boliviano.
Este estudo não teve a pretensão de fechar discussões ou de tecer
conclusões sobre a e/imigração boliviana para São Paulo, e sim de trazer novos
olhares que motivem futuras pesquisas sobre deslocamentos e relacionamentos
humanos. Outras possibilidades analíticas podem surgir a partir das questões aqui
colocadas, pois os estudos sociais e culturais se redesenham a cada geração de
e/imigrantes. Notou-se, por exemplo, a presença marcante das mulheres como
protagonistas de processos e/imigratórios. Apesar de observadas as questões de
gênero, estas não foram o foco deste estudo, cabendo a realização de futuras
análises que também incluam as relações familiares, criação e educação dos filhos,
261
as relações e tensões nas escolas, a xenofobia e o bullying. As danças, a
gastronomia e a religiosidade também abrem perspectivas para novas pesquisas à
medida que essas representações ocorrem fora do contexto original e marcam o
cotidiano desta comunidade.
Pode-se afirmar que este trabalho tratou de um momento vivido pelos
e/imigrantes bolivianos que não se distancia dos acontecimentos contemporâneos
presenciados em todo o mundo. Afinal, as mercadorias circulam livremente e os
sujeitos ainda são impedidos de circular, de fugir, de sonhar com oportunidades
melhores e buscá-las onde quer que estejam, conquistando para si um “lugar” para
chamar de seu, onde se reconheçam, se identifiquem e criem laços pautados em
vivências cotidianas, seja em sua terra natal ou na de sua escolha. Almeja-se que
este trabalho continue e estimule novas pesquisas que deem voz aos silenciados,
contando a história dos bastidores de processos de emigração, a fim de transformar
preconceitos e medos enraizados nas sociedades que detêm a liberdade de ir e vir.
262
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DOCUMENTÁRIOS
• Mãe Terra Bolivianos em São Paulo. DVD (48 min.). Projeto Experimental de
Jornalismo. Laboratório de Rádio e TV - Faculdade Casper Líbero. São Paulo, 2003.
Realização e direção: Aline Sgarbi Tokimatsu e Cristiane Gazana.
• Nação Oculta - Os Bolivianos em São Paulo. DVD (57 min.). São Paulo,
Mosaico Filmes, 2008. Direção, produção e fotografia: Diego Arraya.
• Sí Yo Puedo - O Sonho Boliviano em São Paulo. DVD (34 min.) Trabalho de
Conclusão de Curso dos Alunos de Jornalismo da Faculdade Casper Líbero.
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Orientação de Tatiana Ferraz. São Paulo, 2012. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=de-rQS3pGg0>. Acesso em: 10/12/ 2014.
Produção: Marcel Buono, Victor Lombardi, Vinicíus Victorino e Victor Valencio.
• 100% Boliviano, Mano. DVD (18 min.). Disponível em: <http://www.
brasildefato.com.br/node/26107>. Acesso em: 15/01/2014. Argumento: Luciano
Onça. Direção e roteiro: Alice Riff e Luciano Onça.
291
ANEXOS
293
Anexo 2 - Folder de divulgação da Festa das Alasitas 2014 na
Feira Gastronômica Cultural Patujú
Local: Feira Patujú - Endereço: Av. Mendes da Rocha 1.014, Jardim Brasil - São
Paulo - SP / Horário: a partir das 10 horas / Entrada: Gratuita
294
Anexo 3 - Alasita 2014 no Memorial da América Latina (Associação Padre Bento)
295
Anexo 4 - Alasita 2014 na Associação ASEMPBOL