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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Administração
Mestrado Profissional em Administração
Bruno Henriques Watté
O MODELO DE NEGÓCIOS DO THE NEW YORK TIMES NA ERA DA
INTERNET:
Uma referência para a indústria de jornais.
Belo Horizonte
2013
Bruno Henriques Watté
O MODELO DE NEGÓCIOS DO THE NEW YORK TIMES NA ERA DA
INTERNET:
Uma referência para a indústria de jornais.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Administração da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Administração
Orientador: Humberto Elias Garcia Lopes
Belo Horizonte
2013
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Watté, Bruno Henriques
W344m O modelo de negócios do The New York Times na era da internet: uma
referência para a indústria de jornais / Bruno Henriques Watté. Belo
Horizonte, 2013.
115f.: il.
Orientador: Humberto Elias Garcia Lopes
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Administração.
1. Jornais – Estados Unidos. 2.The New York Times. 3. Negócios. 4.
Planejamento estratégico. 5. Jornais eletrônicos – Aquisição. I. Lopes, Humberto
Elias Garcia. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de
Pós-Graduação em Administração. III. Título.
CDU: 07(73)
Bruno Henriques Watté
O MODELO DE NEGÓCIOS DO THE NEW YORK TIMES NA ERA DA
INTERNET:
Uma referência para a indústria de jornais.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Administração da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Administração
________________________________________________
Prof. Dr. Humberto Elias Garcia Lopes (orientador) – PUC Minas
________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Lenzi - UNIVALI
________________________________________________
Prof. Dr. Sidney Lino de Oliveira – PUC Minas
________________________________________________
Prof. Dr. Caio César Gianini Oliveira – PUC Minas
Belo Horizonte, 20 de agosto de 2013.
À Suzi:
Obrigado pelo amor e carinho de sempre,
regados aqui a apoio e compreensão. Amo você!
Ao Victor:
Obrigado por bater na porta e me chamar pra brincar todos os dias
nessa jornada, mesmo depois de tantos e tantos “agora papai não pode”. Amo você!
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao GrupoRBS, em especial ao Eduardo Smith, vice-presidente de jornais,
rádios e internet, pelo incentivo e apoio na viabilização desse estudo. A indústria de jornais
está se transformando numa velocidade impressionante. Ter a oportunidade de viver esse
momento aliando a responsabilidade executiva ao embasamento teórico obtido aqui é incrível.
Agradeço ao Marcelo Rech, diretor-executivo de jornalismo do GrupoRBS, e ao
Christiano Nygaard, diretor-executivo de mercado leitor e operações do jornal O Estado de
São Paulo, pela disponibilidade, pela qualidade do debate e pelas reflexões propostas. O
trabalho ficou claramente mais rico depois de nossas interações.
Agradeço ao professor Humberto Elias Lopes pela orientação e provocações
recebidas. Por captar com clareza minha expectativa e por me propor “modelo de negócios”
como a melhor abordagem teórica para analisarmos os desafios vividos pela indústria de
jornais, pelo acompanhamento próximo e disponível e pela contribuição para que esse
trabalho fosse prazeroso e consistente.
Agradeço aos colegas do MPA 2011 – Turma 5 da Fundação Dom Cabral, pelas ricas
discussões em sala de aula, pelos debates enriquecedores que travamos ao longo dos últimos
24 meses.
Agradeço a meu grande amigo Christian Manrich, pela inspiração e pela ajuda nos
momentos iniciais dessa caminhada. Sempre presente e de braços abertos.
A base sobre a qual tudo isso se apoia vem de meus pais, Hector e Tereza, que me
proporcionaram amor, carinho e desafios na combinação certa para construir a capacidade de
enfrentamento da jornada à frente. Valores e princípios que apontam caminhos e
possibilidades consistentes com um mundo plural e equilibrado. A família como fundamento
pra tudo. Obrigado pai e mãe!
Felicidade minha encontrar gente assim nessa vida!
RESUMO
O crescimento da penetração da internet na população está provocando mudanças importantes
no hábito de consumo de notícias pelas pessoas, dentre elas a substituição do jornal impresso
pelo conteúdo online como fonte de informação. Na transição do consumo impresso para o
online, as empresas jornalísticas se mantêm relevantes e conseguem até crescer sua audiência.
A receita publicitária, entretanto, troca de mãos e é capturada majoritariamente pelas grandes
empresas de internet, a partir de uma estratégia de envelopamento. Nesse contexto, não
restam muitas alternativas para as empresas jornalísticas a não ser promover mudanças
relevantes em seu modelo de negócios. Dentre os diferentes modelos de negócios em
experimentação na indústria, o paywall poroso, adotado pelo The New York Times, vem se
popularizando e sendo reproduzido por jornais em todo o mundo. Diante desse cenário, o
objetivo deste estudo foi analisar o modelo de negócios paywall poroso, buscando entender as
razões de seu sucesso inicial e a viabilidade de sua replicação para outros jornais. Para atingi-
lo, o primeiro passo foi identificar a sequencia de movimentos estratégicos adotados pela
empresa norte-americana que culminou com a implantação deste modelo de negócio. A
seguir, o cruzamento dos dados levantados em pesquisa com o conceito teórico proposto por
Casadesus-Masanell e Ricart permitiu o detalhamento do modelo e a construção de sua
representação gráfica a partir de onze escolhas de negócios feitas pelo jornal e dezessete
consequências decorrentes delas. De posse desses dados realizou-se uma análise da
efetividade do modelo de negócios paywall poroso, que mostrou que ele pode ser considerado
apenas moderadamente efetivo. A moderada efetividade está ligada principalmente à baixa
capacidade do modelo de sustentar sua efetividade inicial ao longo do tempo. A realidade
vivida pelo The New York Times, associada aos dados de alguns jornais brasileiros e às
informações obtidas em entrevistas com executivos experientes no mercado nacional, mostrou
ainda que outros jornais poderão até replicar boa parte do modelo proposto, mas dificilmente
conseguirão perseguir com ele objetivos semelhantes aos que o The New York Times almeja.
Para eles, o principal benefício será estender o ciclo de vida do produto impresso enquanto
continuam experimentando e inovando em busca de um modelo de negócio sustentável no
novo ambiente competitivo.
Palavras-chave: jornais impressos, notícia online, modelo de negócios, estratégia, paywall,
The New York Times, experimentação.
ABSTRACT
The Internet use growth by the population has been causing important changes in people’s
news consumption habits, among them, the replacement of the printed newspaper for online
content as a source of information. In this transition from printed content to online media,
newspaper companies are keeping their relevance and they have even increased their
audience. Advertising revenues, however, changes hands and is mainly obtained by the main
Internet companies, through a platform envelopment strategy. Within this context, the
newspaper companies do not have many alternatives left except to implement relevant
changes in their business model. Among the different business models being tried in the
industry, the metered paywall, adopted by the New York Times, has become popular and it
has been reproduced by newspapers all over the world. In light of this scenario, the objective
of this paper was to analyze the metered paywall business model, trying to understand the
reasons behind its initial success and its replication feasibility for other newspapers. In order
to achieve it, the first step was to identify the sequence of strategic choices implemented by
the North-American company that culminated with the adoption of this business model. After
that, the crossing of the data surveyed using the theoretical concept developed by Casadesus-
Masanell and Ricart allowed the model detailing and the construction of its graphic
representation from eleven business choices made by the newspaper and seventeen
consequences resulting from them. Having collected these data, an analysis of the metered
paywall business model effectiveness was carried out and it showed that it can be considered
only moderately effective. The moderate effectiveness is connected mainly to the model’s
low capacity to support its initial effectiveness along the time. The reality experienced by
The New York Times linked to the data of some Brazilian newspapers and the information
obtained in interviews with experienced executives in the national market have further shown
that other newspapers may even replicate part of the proposed model but they will hardly be
able to pursue with it objectives similar to those The New York Times aims. For them, the
main benefit in the short term will be to increase the life cycle of the printed product while
they keep experimenting and innovating in search of a sustainable business model for the new
competitive environment.
Key-words: newspapers, online news, business model, strategy, paywall, The New York
Times, experimentation.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 10
1.1 Objetivos 21
1.2 Justificativa Teórica 23
2 REVISÃO DA LITERATURA 24
2.1 Definição de Modelo de Negócio 28
2.2 Modelos de Negócio Online 32
2.3 Transição e Inovação de Modelo de Negócio 34
2.4 Avaliação da Efetividade de um Modelo de Negócio 37
2.5 Representação Gráfica de Modelos de Negócio 39
3 METODOLOGIA 41
4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 45
4.1 The New York Times: da fundação do jornal ao crescimento da internet
(1851-2002)
45
4.2 Adaptação ao mundo online: análises e decisões que culminaram com a
decisão pelo paywall poroso
52
4.3 Modelo de negócios paywall poroso: escolhas e consequências 61
4.3.1 Escolha 1: Jornalismo da mais alta qualidade e credibilidade 62
4.3.2 Escolha 2: Diversificação dos canais de distribuição do conteúdo 64
4.3.3 Escolha 3: Diversificação dos fluxos de receita 66
4.3.4 Escolha 4: Opção por um modelo poroso de cobrança pelo conteúdo online 68
4.3.5 Escolha 5: Concentração do portfólio de negócios da holding na marca “The
New York Times”
70
4.3.6 Escolha 6: Expansão da atuação global 72
4.3.7 Escolha 7: Investimentos expressivos em promoção e comunicação de
marketing
73
4.3.8 Escolha 8: Estrutura de custos enxuta 75
4.3.9 Escolha 9: Rentabilização do produto impresso 77
4.3.10 Escolha 10: Cultura organizacional orientada para o digital 78
4.3.11 Escolha 11: Alavancagem das redes sociais a partir de uma abordagem ativa 80
4.4 Representação gráfica do modelo de negócios 81
4.5 Análise da efetividade do modelo de negócios paywall poroso 84
4.5.1 Alinhamento aos Objetivos 87
4.5.2 Reforçamento 88
4.5.3 Virtuosidade 89
4.5.4 Robustez 91
4.6 A replicabilidade do paywall poroso para outros jornais 93
4.6.1 Alta percepção de valor do produto / Alta disposição dos clientes para pagar 95
4.6.2 Marca forte e admirada 96
4.6.3 Altos níveis de audiência / Relevância da receita de leitores fiéis 97
5 CONCLUSÃO 100
REFERÊNCIAS 105
ANEXO A – Roteiro de entrevistas 113
10
1 INTRODUÇÃO
“O jornal impresso está morto. Ainda não sabemos quando isso acontecerá de fato,
mas a tendência é essa.” Essa afirmação é de Víctor Arbáizar, então diretor de operações do
jornal espanhol El País, durante sua participação no Seminário Internacional de Jornais,
promovido pela International Newspapers Marketing Association (INMA), no mês de
novembro de 2011 em São Paulo (Brigatto, 2011).
Longe de ser uma verdade inquestionável, a afirmação reflete o quão intenso tem sido
o debate acerca do impacto que o aumento do uso das novas tecnologias de informação e
comunicação traz para a indústria de jornais, bem como das alternativas que essa indústria
precisa explorar para preservar sua viabilidade econômica diante desse novo contexto.
A relevância do debate pode ser confirmada pela presença constante desse tema na
pauta de eventos recentes realizados pelas principais entidades ligadas à indústria de jornais,
tanto no Brasil como no mundo (Quadro 1). A viabilidade e a evolução de seu modelo
tradicional de negócios é o grande tema atualmente em debate nessa indústria.
Entidade Evento Temas Relacionados
Associação Brasileiro das
Agências de Publicidade
(ABAP)
5º Congresso da Indústria
de Comunicação
(28 a 30 de mai/12)
- Comunicação One-to-One: Personalização x
Privacidade.
- As novas tecnologias e as novas fronteiras da
mídia.
Associação Nacional de
Jornais (ANJ)
9º Congresso Brasileiro de
Jornais 2012
(20 e 21 de ago/12)
- Jornalismo e inovação. Construindo novos modelos
de negócios.
Newspaper Association of
America (NAA)
mediaXchange 2013
(14 a 17 de abr/13)
- O jornal do futuro
- Jornais e as novas comunidades da era digital
International Newspaper
Marketing Association
(INMA)
83nd
INMA World
Congress
(20 a 30 de abr/13)
- Monetizando o novo ecossistema impresso + digital
World Association of
Newspapers (WAN)
65th
World Newspaper
Congress
(2 a 5 de jun/2013)
- Modelando o Futuro dos Jornais
- Novos modelos de negócios para jornais
- Paywalls: cobrar ou não cobrar?
Quadro 1: Temas presentes em eventos das principais entidades representativas da indústria
de jornais em 2012 e 2013. Fonte: Pesquisa realizada nos websites das entidades.
11
O modelo de negócios de jornais impressos se fundamentou, tradicionalmente, na
construção de uma base de leitores interessada no conteúdo produzido pelas empresas
jornalísticas e na comercialização de espaços publicitários, atrelados a esse conteúdo, para
outras empresas interessadas em se comunicar com o público leitor. Esse modelo de negócio
se encaixa adequadamente na definição de redes bilaterais (two-sided networks) proposta por
Parker e Van Anstyle (2005) e discutida por Eisenmann, Parker e Van Anstyle (2006). Ele se
diferencia da cadeia de valor tradicional por três razões principais: por possuir duas origens de
custos e duas de receitas (uma para cada lado da rede, anunciantes e leitores), pelo valor da
plataforma para um dos lados da rede (anunciantes) ser fortemente dependente do número de
usuários do outro lado dessa rede (leitores) e pelo fato de que os usuários pagarão mais para
acessar redes cada vez maiores, criando um ciclo virtuoso. O tamanho da base de leitores é
fator determinante para a percepção de valor por parte dos anunciantes e, consequentemente,
para sua disposição para pagar.
O maior impacto que o aumento do uso das novas tecnologias de informação e
comunicação traz para o modelo de negócios de jornais é justamente uma pressão crescente
sobre a base de leitores de jornais impressos. Desde seu surgimento comercial, em meados da
década de 90, a internet evoluiu fortemente em velocidade de tráfego e penetração de
mercado1, de modo que a previsão feita pela consultoria PwC em seu relatório de tendências
para o setor (PwC, 2012) aponta que 85% dos domicílios americanos e 64% dos domicílios
brasileiros possuirão acesso à internet com banda larga até o ano de 2016 (Gráfico 1).
Gráfico 1: Penetração da internet, em percentual dos domicílios do país.
Fonte: PwC, 2012
1 O termo “penetração de mercado” refere-se, ao longo desse texto, à taxa de presença ou adoção de
determinado produto ou serviço na população.
12
Associados a esse aumento na penetração de mercado e na velocidade de tráfego da
internet, outros fatores tiveram contribuição relevante para elevar a pressão sobre a base de
leitores dos jornais impressos. Dentre os principais, é possível citar a decisão inicial da
maioria das empresas editoras de disponibilizar seu conteúdo de forma gratuita na internet, o
surgimento de empresas e tecnologias especializadas em agregação de conteúdo online (como
Google News, MyYahoo e outras) e a universalização da geração e distribuição de conteúdo
jornalístico que, a partir do surgimento das redes sociais e outras formas de publicação online,
deixaram de ser exclusividade das empresas de mídia (The Economist, 2011).
A pressão sobre sua base de leitores, exercida pelos motivos citados acima, vem se
traduzindo em queda real na circulação paga de jornais impressos nos Estados Unidos. Essa
queda, que durante a década de 90 não foi significativa (menos de 1% ao ano), passou a ser de
mais de 3% ao ano a partir de 2005, e já acumula 25% nos últimos 10 anos (Gráfico 2):
Gráfico 2: Circulação paga auditada dos jornais norte-americanos (em milhões de cópias)
Fonte: Edmonds, Guskin, Rosenstiel e Mitchell, 2012
A queda na circulação de jornais impressos, associada ao impacto direto gerado por
novas empresas baseadas em modelos de negócio na internet (cujo exemplo mais conhecido é
o site de classificados grátis Craig´s List) e aos efeitos da retração econômica produzidos pela
crise mundial de 2008, gerou consequências relevantes para as receitas publicitárias impressas
dos jornais norte-americanos. Essa receita, que já atingiu em 2005 um pico de 47,5 bilhões de
13
dólares, caiu 56% em seis anos, chegando a pouco mais de 20 bilhões de dólares em 2012
(Edmonds, Guskin, Mitchell, Jurcowitz, 2012).
A difícil realidade vivida pelos jornais norte-americanos nos últimos anos não é, ainda,
compartilhada por empresas desse setor em outras regiões do mundo. Uma reportagem da
revista inglesa The Economist (2011) mostrou que na Índia o número de títulos de jornais
cresceu 44% entre 2005 e 2009 e que na Rússia o número de jornais cresceu 9% em 2009. No
Japão, onde estão os três jornais de maior audiência no mundo, a circulação de jornais
impressos está conseguindo se sustentar e na Europa, apesar de haver uma pequena e
constante queda há alguns anos, não se observou um agravamento recente do volume de
circulação impressa como ocorreu nos Estados Unidos.
Algumas hipóteses que ajudam a entender essa diferença de cenários entre a indústria
de jornais nos Estados Unidos e no restante do mundo são a maior penetração de mercado da
banda larga de internet (comparativamente a países em desenvolvimento), o maior nível de
dependência dos jornais americanos em relação à receita publicitária (prática de preços mais
fortemente subsidiados para um dos lados da rede bilateral, os leitores) e uma menor
proporção de empresas jornalísticas de propriedade familiar, que são reconhecidas por adotar
uma visão de mais longo prazo na tomada de decisão em momentos de dificuldade.
No Brasil o cenário também é diferente. A circulação total de jornais impressos no
país vem tendo uma variação positiva anual desde 2004, apresentando um crescimento
acumulado de cerca de 50% no período. Em 2012 foram mais de 4,5 milhões de exemplares
diários vendidos. Esse crescimento, segundo o presidente do Instituto Verificador de
Circulação (IVC), segue em linha com o crescimento econômico do país e com o aumento do
poder de consumo das classes de menor poder aquisitivo nos últimos anos (Silva, 2013).
Faz-se necessário notar que é esse mesmo crescimento no poder de consumo das
classes de menor poder aquisitivo, atrelado a planos de incentivo do Governo Federal (como o
Plano Nacional de Banda Larga, lançado em 2010) que poderá viabilizar o projetado aumento
na penetração da internet banda larga no país. Como mencionado anteriormente, se as
projeções apresentadas pela consultoria PwC se confirmarem, 64% dos domicílios brasileiros
estarão conectados em alta velocidade até 2016 (PwC, 2012). Esse número representará um
crescimento de 100% sobre a penetração atual no país (32% dos domicílios em 2012) e será
comparável à penetração que a internet banda larga possuía nos Estados Unidos em 2008. Se
14
levarmos ainda em conta o forte crescimento de penetração de mercado projetado para
conexões de internet via celular (de atuais 14,5% da população para 47,1% em 2016), temos
um cenário de ampla disponibilidade de acesso à internet na população brasileira.
Outra diferença importante entre as realidades brasileira e norte-americana é que uma
combinação de fatores políticos (reserva do mercado de informática no país até 1992) e
econômicos (baixos índices de crescimento da renda per capta nas últimas duas décadas do
século XX) contribuiu para que a geração de “nativos digitais” no Brasil fosse um pouco mais
tardia do que essa mesma geração nos Estados Unidos (Lima, 2010). Entende-se por nativos
digitais a geração nascida em interação constante com toda a sorte de tecnologia digital
(computadores, videogames, música digital, etc.) e que, fruto dessa interação, desenvolveu um
padrão de pensamento e comportamento diferente das gerações anteriores. Nativos digitais
gastam, por exemplo, duas vezes mais tempo jogando videogame ou falando em celulares do
que lendo (Prensky, 2001). Segundo Lima (2010) essa geração de nativos digitais, que nos
Estados Unidos tem hoje idades entre 20 e 30 anos e já está ativa no mercado de trabalho, no
Brasil tem entre 15 e 20 anos e ainda não pode ser considerada economicamente ativa.
É de se esperar, portanto, que a combinação do aumento expressivo da penetração da
internet em alta velocidade com a chegada ao mercado de consumo da geração de nativos
digitais brasileiros imponha uma pressão crescente sobre a circulação de jornais impressos no
Brasil nos próximos cinco anos. A oportunidade que a indústria brasileira de jornais tem,
diante desse cenário, é de analisar as consequências que ampla adoção de uma tecnologia
disruptiva como a internet está gerando nessa indústria nos Estados Unidos, e tomar as
medidas necessárias para garantir sua sustentabilidade quando essa mesma tecnologia estiver
amplamente disseminada também por aqui.
A realidade observada na circulação de jornais impressos, longe de representar uma
tendência no consumo de notícias na sociedade, caminha justamente em sentido oposto à
tendência geral. Em 2010, o tempo médio gasto com o consumo de notícias pela população
dos Estados Unidos foi de 70 minutos diários (Pew Research Center, 2010), com um
crescimento de 3 minutos (4,3%) sobre a média os últimos cinco anos e bem próximo dos
picos históricos alcançados na década de 90. Esse crescimento está diretamente ligado ao
consumo de notícias online, que atingiu a marca de 13 minutos por dia em 2010. A internet já
é o segundo meio mais relevante para os norte-americanos na hora de se informar, à frente
apenas da TV. Outro estudo do Pew Research Center (Olmstead, Sassen, Mitchell, 2013)
15
aponta que a audiência dos 25 maiores sites de notícias dos Estados Unidos em 2012 foi de
625 milhões de visitantes únicos (crescimento de 7% sobre 2011), sendo que mais da metade
desses sites são de empresas jornalísticas que também editam versões impressas desse
conteúdo. O que se depreende dessa informação é que há uma migração em curso, da leitura
de notícias no jornal impresso para o online, e que a indústria de jornais consegue manter
tanto sua relevância quanto seus níveis de audiência nesse processo de migração, obtendo no
meio digital um volume de leitores até maior do que no meio impresso (Tabela 1):
Site
Visitantes Únicos
Mensais (em mil)
Vinculado a
Jornal?
Yahoo! - ABC News 85.962 NÃO
CNN Network 61.489 NÃO
Huffington Post Media Group 59.901 NÃO
NBC News Digital 56.274 NÃO
CBS News 39.221 NÃO
USA Today Sites 35.121 SIM
The New York Times 29.031 SIM
Foxnews.com 27.909 NÃO
Tribune Newspapers 27.637 SIM
Washingtonpost.com 18.942 SIM
Advance Digital 18.172 SIM
Mail Online 17.776 SIM
Digital First Media 17.086 SIM
Hearst Newspapers 15.965 SIM
Examiner.com Sites 14.046 NÃO
BBC 13.544 NÃO
McClatchy Corporation 13.448 SIM
MediaNews Group 13.271 SIM
NYDailynews.com 11.637 SIM
The Guardian 9.843 SIM
Slate 9.154 NÃO
Lee Enterprises 7.798 SIM
Topix 7.351 NÃO
USNews 7.108 SIM
MSN News 6.983 NÃO Tabela 1: 25 Maiores Sites de Noticias dos Estados Unidos em 2012
Fonte: Olmstead, Sassen e Mitchell, 2013
16
Seguindo a tendência da audiência dos veículos digitais de notícias, o bolo publicitário
digital também vem crescendo de forma bastante expressiva. No Brasil, dados do Interactive
Advertising Bureau (IAB) (2013) mostram que a publicidade digital cresceu 32% no último
ano, chegando a 4,5 bilhões de reais, e projetam crescimento de outros 32% para 2013. Nos
Estados Unidos os investimentos em mídia digital cresceram 17% no último ano, atingiram o
patamar de 37,3 bilhões de dólares, já representam 23% de todo o bolo publicitário norte-
americano e as previsões são de que chegarão a 29% até 2016 (Olmstead, Sassen, Mitchell,
2013).
O grande problema é que a indústria de jornais não consegue ter, na publicidade
digital, a mesma relevância e a mesma participação de mercado que possui nos meios
tradicionais de mídia. O mercado de publicidade digital norte-americano é amplamente
dominado por apenas cinco empresas, que não têm sua origem no mercado de notícias:
Google, Facebook, Yahoo, Microsoft e AOL. Sozinhas elas faturam 64% de todo o bolo
publicitário digital, com tendência de crescimento nessa participação (em 2009 representavam
63%) (Olmstead, Sassen, Mitchell, 2013). O amplo domínio dessas empresas implica em
dificuldades para os jornais estabelecerem uma participação de mercado compatível com suas
necessidades econômicas. Um estudo publicado em março de 2012 pelo Projeto para
Excelência do Jornalismo do Pew Research Center (Rosenstiel, Jurkowitz, Ji, 2012),
conduzido com 38 jornais norte-americanos, mostrou que esses veículos estão perdendo sete
dólares de publicidade impressa para cada dólar que conseguem conquistar com publicidade
digital, como mostra o Gráfico 3. Ou seja, a receita publicitária está sim migrando dos meios
tradicionais para os meios digitais. E ao fazer essa migração, ao contrário do que a acontece
com a audiência, a receita publicitária sai das mãos dos jornais e é capturada por novos
entrantes do mercado de mídia.
17
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Online
Impresso
Gráfico 3: Evolução das Receitas Publicitárias dos Jornais Norte-Americanos
Fonte: Edmonds, Guskin, Mitchell e Jurcowitz 2012
Eisenmann et al. (2006) chamam os produtos ou serviços que colocam grupos de
usuários em contato uns com os outros (como os jornais fazem com leitores e anunciantes) de
“plataformas”. Segundo ele, são três os principais desafios relacionados à gestão de uma
plataforma de negócios. O primeiro deles é a definição da estratégia de preço (qual dos lados
da rede subsidiar, e por quanto tempo), o segundo é lidar com a dinâmica de “o vencedor leva
tudo”, que decorre dos retornos de escala crescentes em redes com alto efeito de
realimentação positiva (na indústria de jornais esse efeito não é tão forte) e o terceiro desafio
é, para os detentores de uma plataforma de sucesso, lidar com os riscos de envelopamento por
plataformas adjacentes, especialmente em mercados onde a tecnologia se desenvolve
rapidamente. Esse envelopamento é exatamente a ameaça que os jornais estão sofrendo por
parte dos novos entrantes no mercado de mídia, que estão conquistando boa parte do bolo
publicitário digital:
“Plataformas têm bases compartilhadas de usuários. Aproveitar-se desses
relacionamentos compartilhados pode tornar fácil e atrativo para o provedor de uma
plataforma engolir a rede de usuários da outra menor. O dano real ocorre quando seu
novo rival oferece funcionalidades de sua plataforma como parte de um pacote
maior de ofertas. Um pacote como esse fere o provedor da plataforma menor quando
18
o “lado do dinheiro” 2 percebe que o pacote do rival entrega mais funcionalidades a
um preço mais baixo. O provedor da plataforma menor não pode responder a essa
proposta de valor porque ele não consegue cortar o preço no seu “lado do dinheiro”
e tampouco consegue construir um pacote semelhante.” (Eisenmann et al., 2006).
Isso é o que está acontecendo com os jornais ao lidar com concorrentes como o
Google, Facebook ou Yahoo. Esses concorrentes oferecem um pacote atrativo de
funcionalidades para seus usuários (inclusive algumas das funcionalidades propostas por
jornais, como agregação de conteúdo jornalístico), constroem uma grande audiência e com
isso conseguem atrair os anunciantes (“money-side” dos jornais) para sua plataforma. Não são
muitas as alternativas disponíveis para o provedor de uma plataforma que está sendo
envelopada, mas uma das alternativas existentes é promover mudanças em seu modelo de
negócios (Eisenmann et al., 2006).
Parece haver um consenso de que promover inovações e mudanças em seu modelo de
negócios é uma necessidade de empresas que percebem seus mercados atacados por entrantes
disruptivos (Christensen, Johnson, Kagermann, 2008; Doz & Kosonen, 2010; McGrath,
2010). Alguns autores destacam, entretanto, que é muito mais difícil para as empresas já
estabelecidas no mercado promover essas alterações do que para os novos entrantes.
Christensen, Johnson e Kagermann (2008) afirmam que isso acontece porque as empresas não
entendem seus próprios modelos de negócios em profundidade suficiente para identificar
quando é necessário apenas se focar em algumas competências-chave ou quando é necessário
introduzir uma inovação completa no modelo de negócio. Para Doz e Kosonen (2010) essa
dificuldade surge porque a maior parte das empresas permanece fazendo o que sempre fez por
tempo demais e se torna vítima de certa rigidez de seu modelo de negócios. Chesbrough e
Rosenbloom (2002) também avançam nessa linha, reforçando que as empresas têm
dificuldades em gerir inovações desalinhadas com suas experiências prévias, quando os
comportamentos e práticas anteriores já não podem ser aplicados integralmente.
A evolução da indústria de jornais ao longo da primeira década de existência da
internet comercial confirma essa teoria. Um artigo apresentado no Simpósio Internacional de
Jornalismo Online, realizado na Universidade do Texas em 2005 (Mensing & Rejfek, 2005),
2 “Money-side”, no texto original.
19
comparou uma pesquisa realizada com os jornais norte-americanos em 1996 (quando a
internet comercial estava começando a se desenvolver) com outra realizada em 2005 (quando
a circulação dos jornais impressos começou a apresentar quedas relevantes). As conclusões
foram que as técnicas usadas para gerar receitas no meio digital emergiram de dentro do
próprio modelo de negócios tradicional de jornais impressos e que nenhuma inovação
relevante surgiu no período de dez anos transcorridos entre as duas pesquisas. Os autores
afirmam ainda que não encontraram evidências de que a indústria de jornais estivesse
investindo em pesquisas ou desenvolvimentos de longo prazo que garantissem sua
sobrevivência na nova economia digital.
Ainda de acordo com Mensing e Rejfek (2005), o debate entre a gratuidade e a
cobrança pelo conteúdo dos jornais na internet estava completamente em aberto em 2005.
Segundo a pesquisa, enquanto 48% dos respondentes de 2005 afirmavam que estratégias
baseadas em publicidade (com conteúdo grátis) pareciam ser as mais promissoras, 31%
afirmavam que algum modelo baseado em cobrança por conteúdo ou transação parecia ser
mais promissor e 13% não estavam certos sobre a estratégia mais promissora. Ao contrário do
que afirma Anderson (2008), o debate entre gratuidade e cobrança pelo conteúdo online
continua aberto até hoje, com defensores e adeptos importantes de cada um dos modelos. Em
um extremo há jornais que baseiam seu modelo de atuação na internet na cobrança pelo
acesso ao conteúdo disponibilizado. Nesse modelo, a maior parte do conteúdo está disponível
apenas para o usuário pagante. O mais conhecido jornal dessa corrente é o norte-americano
The Wall Street Journal. No outro extremo estão jornais que baseiam seu modelo digital na
disponibilização gratuita de todo o conteúdo na internet. Esses jornais apostam na
maximização da audiência em seus sites e na monetização dessa audiência através da
comercialização de publicidade. O jornal inglês The Guardian é hoje o mais notável defensor
desse modelo de atuação (Hulsen, 2011).
A partir de 2007 um modelo híbrido começou a ganhar espaço nessa discussão,
pretensamente combinando as vantagens de cada um dos modelos anteriores. Nesse modelo,
que a indústria passou a chamar de “paywall híbrido” ou “paywall poroso” o leitor tem o
direito de ler um determinado número de matérias de forma gratuita mensalmente
(usualmente entre 10 e 40) e, atingido esse limite, tem seu acesso restringido e é convidado a
se tornar um usuário pago. Com isso, a empresa jornalística consegue sustentar altos níveis de
audiência (o que viabiliza a receita publicitária online) e também consegue cobrar pelo
20
conteúdo consumido por leitores intensivos. O modelo paywall poroso, como será
identificado a partir de agora neste trabalho de pesquisa, foi inicialmente proposto pelo jornal
inglês Financial Times e passou a ter grande visibilidade na indústria de jornais a partir de sua
adoção pelo norte-americano The New York Times, em março de 2011(Sulzberger, 2011).
Desde sua implantação pelo The New York Times, e em especial a partir da
divulgação dos primeiros resultados positivos obtidos com a iniciativa (Folha de São Paulo,
2012), um número crescente de empresas jornalísticas norte-americanas passou a replicar o
modelo de negócio paywall poroso em suas operações de internet, incluindo outras grandes
operadoras dessa indústria como a Gannett Company (que possui 80 jornais nos Estados
Unidos) e a Tribune Company (que publica o jornal Los Angeles Times). Hoje a maior parte
dos grandes jornais americanos já adotou alguma forma de cobrança pelo conteúdo online
(Molla, 2013). Também no Brasil o paywall poroso passou a ser adotado por grandes jornais,
como a Folha de São Paulo, a Zero Hora (de Porto Alegre) e a Gazeta do Povo (de Curitiba)
(Folha de São Paulo, 2013b).
Se nos primeiros dez anos de internet a indústria de jornais pouco avançou em relação
à evolução de seu modelo de negócios (Mensing & Rejfek, 2005), o paywall poroso parece
ser uma inovação que aponta um caminho possível para o futuro. Entretanto, longe de ser um
consenso, essa alternativa ainda é objeto de muito debate. Os resultados iniciais obtidos pelo
The New York Times são de fato encorajadores. Segundo o balanço trimestral, publicado em
abril de 2013, o jornal atingiu um total de 676 mil assinantes digitais e em 2012, pela primeira
vez em sua história, as receitas de circulação (impressa e digital) excederam as receitas com
publicidade (impressa e digital) (The New York Times Company [NYTCO], 2013a). Isso
evidencia uma mudança de rumo importante em seu modelo de negócio, que historicamente
esteve amparado majoritariamente nas receitas de publicidade. Os defensores do modelo
argumentam ainda que a implementação do paywall poroso, ainda que não represente uma
fonte de receita relevante, contribui para preservar a circulação do jornal impresso, uma vez
que o mesmo conteúdo não poderá ser mais acessado gratuitamente na internet (Adams,
2012).
Os críticos desse modelo, por outro lado, argumentam que não há clareza sobre a
viabilidade ou replicabilidade do paywall poroso para todos os tipos e tamanhos de jornais.
Para eles a principal dúvida é se os leitores identificarão proposta de valor suficiente grande
no conteúdo gerado pelos jornais a ponto de se dispor a pagar por ele ou não (Meio &
21
Mensagem, 2012), em especial diante do fato de haver uma cultura desenvolvida na internet
de obtenção de conteúdo e serviços a custo zero (Anderson, 2008). Segundo Earl Wikinson,
presidente do International Newspaper Marketing Association (INMA),“poucos jornais se
equiparam ao The New York Times ou ao Financial Times (...). Para a grande maior parte dos
jornais ainda vale a pena manter a maior parte de seu acesso aberto para garantir tráfego e
divulgar a marca” (Mello, 2011).
Outro depoimento importante nessa mesma direção vem do editor-chefe da revista
Technology Review, do MIT, que adotou o modelo paywall poroso por dois anos e reverteu a
decisão recentemente. Segundo ele o motivo de o modelo não ter funcionado para sua
empresa é que seu volume de publicação (quantidade de matérias publicadas) é muito menor
que o do The New York Times ou do Financial Times (Pontin, 2012).
O que se percebe é que a indústria de jornais, em todo o mundo, tem clareza de que
precisa promover mudanças em seu modelo de negócio, que está evidentemente ameaçado por
uma tecnologia disruptiva. Quando um modelo de negócio torna-se irrelevante em função de
mudanças no ambiente externo ou porque deixou de fazer sentido para seus clientes, surge um
terreno fértil para o desenvolvimento de novos modelos (McGrath, 2010). É nesse contexto
que a indústria de jornais está promovendo grande discussão, experimentação e busca de
alternativas para encontrar um novo modelo de negócios que garanta sua sustentabilidade
econômica. Isso está em linha com o que afirma Teece (2010). Segundo ele leva-se tempo
para chegar a um modelo de negócio correto. E que nesse processo de busca é importante ser
flexível, experimentar e aprender.
Não há até aqui um modelo de negócios óbvio a ser seguido pela indústria de jornais
(Rosenstiel et al., 2012), mas o modelo paywall poroso merece atenção especial em função de
resultados positivos que começam a aparecer e de sua adoção em massa por jornais em todo o
mundo. Diante desse contexto, a pergunta de pesquisa que norteará essa dissertação é:
Como e porque o modelo de negócio paywall poroso, adotado pelo The New
York Times, tem apresentado resultados de negócio satisfatórios e tem se
tornado uma referência para a indústria de jornais em todo o mundo?
22
1.1 Objetivos
Como visto até aqui, diante do atual ambiente competitivo, a indústria de jornais
precisa ser capaz de inovar em seu modelo de negócio para garantir sua sustentabilidade
econômica no longo prazo. Após anos de inércia e avanços tímidos há, aparentemente, uma
alternativa que começa a ganhar força como sendo um passo adiante na direção certa: o
modelo de negócio paywall poroso. Apesar de mostrar alguns resultados iniciais
encorajadores, obtidos pelo jornal The New York Times, para que o modelo possa se
consolidar ele ainda carece de uma maior compreensão, de um entendimento mais detalhado
sobre seu funcionamento e das implicações que sua implementação pode trazer para as
empresas jornalísticas. Diante desse cenário, o objetivo geral dessa pesquisa é:
Analisar o modelo de negócios paywall poroso a partir da experiência adotada
pelo jornal The New York Times, buscando entender as razões de seu sucesso
inicial e a viabilidade de sua replicação para outros jornais.
A decisão de ancorar a análise do modelo de negócio na experiência concreta do jornal
The New York Times está baseada no fato de que se trata de uma empresa de capital aberto,
com farta documentação de resultados operacionais, econômicos e financeiros disponível, e
de estar em grande evidência na indústria nesse momento.
Para que o objetivo geral proposto seja atingido, os seguintes objetivos específicos
precisarão ser concluídos:
1) Identificar e analisar a sequência de avaliações, planos e decisões estratégicas
adotadas pelo The New York Times que culminaram com a implantação do
modelo de negócios paywall poroso;
2) Identificar os elementos constituintes centrais desse modelo de negócio e detalhá-
los, definindo o nível adequado de agregação para a análise;
3) Representar graficamente este modelo de negócios;
4) Realizar a avaliação de efetividade do modelo de negócios paywall poroso, a
partir do detalhamento de seus elementos constituintes e da representação gráfica;
5) Avaliar as possibilidades e condições de replicabilidade do modelo a partir das
análises realizadas.
23
1.2 Justificativa Teórica
Este trabalho parte da premissa de que a principal barreira à inovação em modelos de
negócios por empresas já estabelecidas em seus mercados é o fato de essas empresas não
entenderem suficientemente bem seu próprio modelo de negócios, não conhecerem as
premissas por trás de seu desenvolvimento, as interdependências entre seus diferentes
elementos, suas forças e suas limitações (Christensen et al., 2008). Ao entender em
profundidade o modelo paywall poroso a indústria de jornais será capaz de analisá-lo e avaliá-
lo com precisão, identificar os fatores que facilitam ou impedem as adaptações necessárias e
avançar na direção de sua viabilidade econômica.
Para Osterwalder, Pigneur e Tucci (2005) é muito raro que as empresas sejam capazes
de comunicar seu modelo de negócios claramente e isso dificulta o entendimento comum que
todos os stakeholders devem ter da lógica do negócio. Para eles, para que seja possível fazer
as adaptações adequadas em um modelo de negócios é mandatório que se possa observar seus
componentes, a partir de um entendimento que é muito facilitado pela visualização gráfica do
modelo: “o primeiro passo para gerenciar o conhecimento sobre um modelo de negócio é
descrevê-lo de forma explícita”. Nessa mesma linha, Casadesus-Masanell e Ricart (2007)
defendem que para que seja possível fazer uma análise adequada das escolhas feitas pelas
organizações (e de suas consequências) é importante trabalhar com uma representação gráfica
de seu modelo de negócio. Ele sugere o diagrama de loop casual como a ferramenta adequada
para fazer essa representação.
Por fim, a literatura indica que modelo de negócios é um tema que é amplamente
citado e muito pouco analisado (Teece, 2010). E o que se pretende nesse trabalho é justamente
fazer uma análise aprofundada do modelo de negócio paywall poroso, que vem ganhando
espaço na indústria de jornais. Dessa forma será possível identificar as forças, as fraquezas e
os pontos de evolução de necessária no modelo, para ajudar a indústria de jornais na
compreensão aprofundada desse passo que está sendo dado e contribuir para um melhor
entendimento do conceito teórico de modelo de negócio, seus elementos e sua aplicabilidade.
24
2 REVISÃO DA LITERATURA
Apesar de haver referências anteriores ao termo modelo de negócio (Verstraete &
Jouison-Laffitte, 2011; Osterwalder, Pigneur, Tucci, 2005), foi a partir do surgimento da
internet comercial e do crescimento da quantidade de empresas com atuação exclusivamente
online, no final dos anos 90, que o conceito passou a ser usado com frequência no meio
empresarial e virou uma buzzword. Ao contrário do que afirmou Magretta (2002), modelo de
negócio não saiu de moda com o estouro da bolha das empresas “pontocom” e, desde então,
passou a merecer atenção crescente do mundo acadêmico. Osterwalder et al. (2005) e depois
Zott, Massa e Amit (2010) fizeram pesquisas verificando a quantidade de referências ao termo
no meio acadêmico e demonstraram esse nível crescente de atenção.
Há, na literatura, um entendimento de que o modelo de negócio deve ser visto como
uma nova unidade de análise (Salas-Fumás, 2009; Zott, Massa, Amit, 2010), adequada ao
atual momento do mundo dos negócios, que é progressivamente mais complexo. Essa
complexidade decorre tanto das novas possibilidades de comunicação e informação
viabilizadas pelo crescimento das tecnologias online, como de mudanças nas configurações
socioeconômicas proporcionadas pela globalização, pela crescente desregulamentação dos
mercados e pela ascensão econômica de países e classes sociais emergentes (Casadesus-
Masanell & Ricart, 2010). Osterwalder et al. (2005) ousam dizer que modelo de negócio é
candidato a substituir a “indústria” como unidade de análise. Para defender essa ideia eles
citam o exemplo da Apple, com a plataforma iTunes. Fazendo uma análise sob o paradigma
de “setores da indústria”, pode-se dizer que o iTunes inclui as indústrias da música, de
software, de hardware e de negócios online. Olhando-se sob o paradigma de modelo de
negócios é possível dizer que a plataforma iTunes “forma um conjunto de escolhas de
negócios que se reforçam mutuamente, formando um todo”.
Os benefícios obtidos com a utilização da abordagem de modelo de negócio são
defendidos por diferentes autores. Salas-Fumás (2009) afirma que ele “proporciona muito
mais graus de liberdade do que outras unidades de análise, para dar forma à realidade
complexa que vivemos”. Para Magretta (2002), um modelo de negócios claramente definido
“facilita o engajamento e o alinhamento dos funcionários ao projeto da empresa”. Osterwalder
25
et al.(2005) defendem que o paradigma de modelo de negócio “ajuda gestores a capturar,
entender, comunicar, desenhar, analisar e mudar a lógica de negócios da firma”. Para
Chesbrough e Rosenbloom (2002) o papel central de um modelo de negócios em empresas de
tecnologia é “destravar seu valor latente e garantir que a inovação de fato entregue valor para
o cliente”. Hedman e Kalling (2003) afirmam que modelo de negócio é muito útil, na medida
em que é um conceito capaz de integrar as diferentes perspectivas estratégicas. Uma notória
exceção na defesa do constructo é justamente Porter (2001), que afirma que se trata de um
termo “obscuro”, que não deveria ser avaliado de forma independente da estrutura da
indústria. Para ele, usar uma abordagem de modelo de negócio leva gestores a “pensamentos
equivocados”. Em contraponto a essa visão, Hedman e Kalling (2003) afirmam que
“ironicamente, o ceticismo de Porter ao conceito de modelo de negócio pode ser resolvido por
seu próprio modelo da cadeia da causalidade (Porter, 1991) que não é referenciado como
modelo de negócio, mas incorpora muitos atributos incluídos nele”.
Boa parte do esforço teórico inicial a respeito de modelo de negócio teve por objetivo
separá-lo do conceito de estratégia (Zott et al., 2010). Atualmente há um consenso de que
modelo de negócio e estratégia são dois constructos distintos, ainda que relacionados
(Magretta, 2002; Teece, 2010; Casadesus-Masanell & Ricart 2010; Lecocq, Demil, Warnier,
2006; McGrath, 2010; Chesbrough & Rosenbloom, 2002). Onde ainda não há consenso é
justamente na relação existente entre esses dois constructos. Teece (2010), por exemplo,
afirma que modelo de negócio é um conceito mais genérico que estratégia (para ele,
selecionar a estratégia é mais granular). Por outro lado, alguns autores o vinculam à
operacionalização da estratégia. Para Verstraete e Jouison-Laffitte (2011), modelo de
negócios “estabelece uma ponte entre a estratégia e as operações da empresa”. Lecocq, Demil
e Warnier (2006) afirmam que “enquanto o conceito de estratégia está focado nas escolhas
que produzem e mantém um diferencial competitivo, modelo de negócio se ocupa de questões
mais operacionais, ligadas a gestão da empresa”. Para eles, trata-se de “um nível
intermediário de análise, entre a estratégia da empresa e suas traduções funcionais”. Ainda
nessa linha McGrath (2010) defende que a abordagem de modelo de negócio reflete um
“senso de ação” e que essa condição dinâmica não está presente em nenhuma das duas escolas
centrais de estratégia (outside-in e inside-out).
Outros autores constroem a relação entre modelo de negócio e estratégia a partir do
conceito de valor econômico (Bradenburger & Stuart, 1996). Para eles, o foco do constructo
26
estaria na criação de valor para o conjunto de stakeholders, enquanto o foco de estratégia
estaria mais relacionado à captura desse valor. Nessa linha, Chesbrough e Rosenbloom (2002)
afirmam que “a preocupação central de modelo de negócio é gerar valor para o cliente.
Apesar de o conceito também tratar de captura desse valor, a ênfase nisso é muito maior em
estratégia”. Para Zott et al.(2010), “estratégia está mais ligado à competição, à captura de
valor, enquanto modelo de negócios está mais ligado à cooperação, à criação conjunta e
captura sustentável de valor”.
Há ainda um debate a respeito da possibilidade de modelo de negócios ser visto como
fonte de vantagem competitiva sustentável para as empresas. Magretta (2002) defende que
sim, mas em casos onde ele muda a lógica econômica de uma indústria inteira e é difícil de
ser replicado. Para Teece (2010), as questões colocadas no desenvolvimento de um bom
modelo de negócios são as mesmas questões postas na definição da estratégia: como construir
vantagem competitiva sustentável? Para que ele possa ser essa fonte de vantagem competitiva
sustentável para a empresa, além de valioso e raro, precisa ser difícil de ser replicado. Para
garantir isso, a construção de um modelo de negócio, segundo Teece (2010), deve ser
precedida de uma robusta análise estratégica. Nessa mesma linha McGrath (2010) afirma que
permanece válida, para o sucesso de uma empresa, a noção de que é necessário construir
vantagem competitiva fazendo algo diferente. Para ela, adotar um novo modelo de negócio
pode ser esse “algo diferente”.
A relação entre estratégia e modelo de negócio assumida nessa dissertação será aquela
proposta por Casadesus-Masanell e Ricart (2010). Segundo eles, “estratégia se refere à
escolha do modelo de negócios com o qual a empresa vai competir”. Em seu texto,
Casadesus-Masanell e Ricart (2010) fazem também uma referência às táticas da empresa, que
são escolhas residuais disponíveis para os gestores a partir do modelo de negócio selecionado.
Para integrar os três conceitos (estratégia, modelo de negócio e tática) eles propõem um
framework genérico de processo competitivo de dois estágios (ver Figura 1). No primeiro
estágio a empresa escolhe a forma de competir no mercado, escolhe a lógica de operação, de
criação e captura de valor e, no segundo estágio, ela faz as escolhas táticas mirando em seus
objetivos.
27
Figura 1: Framework genérico do processo competitivo de dois estágios Fonte: Casadesus-Masanell e Ricart, 2010
Essa é uma abordagem integrativa na medida em que está alinhada com a noção de
que modelo de negócios refere-se à operacionalização da estratégia da empresa e que seu foco
está na criação de valor para o cliente. Ela também se alinha com a visão de que modelo de
negócio pode ser visto como fonte de vantagem competitiva sustentável, a partir do
entendimento de que o conceito de estratégia está ligado às escolhas que a empresa faz para
produzir e sustentar essa vantagem competitiva. Percebe-se ainda, nessa proposta, a
capacidade que o constructo tem de integrar as diferentes perspectivas estratégicas. Ao ser
tratado como fonte de vantagem competitiva, o próprio modelo de negócio pode ser visto
como um recurso ou capacidade da empresa (Barney, 1991) e ao focar sua atenção na geração
de uma proposição única de valor para o cliente, envolvendo um conjunto de atividades,
demonstra um foco externo próprio da visão outside-in (Porter, 1996)
Para entender as diferenças de conceito entre estratégia, modelo de negócio e tática,
Casadesus-Masanell e Ricart (2010) se apoiam no exemplo do jornal Metro, o que é bastante
ilustrativo dado o alinhamento com o tema desta dissertação. A escolha estratégica atual da
empresa editora do Metro é operar segundo um modelo de negócios onde o jornal é entregue
gratuitamente para seus leitores e sua receita é integralmente baseada na venda de espaços
publicitários. Essa escolha estratégica impõe uma série de restrições às escolhas táticas
disponíveis para a operação do negócio. Um exemplo evidente dessas restrições, no caso do
Metro, é o preço de capa do jornal (que é definido como zero em função do modelo de
negócios escolhido).
28
A partir desse exemplo pode-se fazer um paralelo com a adoção do modelo de
negócios paywall poroso pelo jornal The New York Times. A escolha estratégica inicial do
jornal havia sido operar com o conteúdo totalmente aberto e gratuito na internet, buscando
gerar receitas publicitárias a partir disso. Ao perceber uma mudança no ambiente competitivo
(amplamente discutido na introdução) a empresa optou por fazer uma alteração estratégica e
passou operar com um novo modelo de negócios, que é o objeto de estudo dessa dissertação.
O exemplo do The New York Times ilustra também a definição de estratégia como sendo um
“plano de ação contingente, desenhado para atingir determinado objetivo” (Casadesus-
Masanell & Ricart, 2010). A palavra “contingente” tem uma força importante nessa definição,
pois deixa claro que o conceito de estratégia envolve alternativas ou caminhos que serão
adotados se a opção escolhida não apresentar os resultados previstos. O corolário dessa
afirmação é que o modelo de negócios de uma empresa é algo externamente observável, e que
a estratégia não é. A diferença entre os constructos estratégia e modelo de negócio fica
evidenciada quando o plano de ação da empresa contempla modificações em seu modelo de
negócio a partir da ocorrência de contingências. Isso foi exatamente o que se passou o jornal
The New York Times.
2.1 Definição de Modelo de Negócio
Apesar do interesse crescente por parte de acadêmicos e gestores, e dos benefícios
percebidos em sua utilização, modelo de negócio é um conceito que ainda carece de uma
definição clara e amplamente aceita na comunidade acadêmica (Casadesus-Masanell &
Ricart, 2010; Osterwalder et al., 2005; Hedman & Kalling, 2003; Chesbrough & Rosenbloom,
2002; ZOTT et al., 2010). Há um entendimento de que essa lacuna teórica está intimamente
ligada a seu caráter multidisciplinar (Lecocq et al., 2006; Teece, 2010;). Primeiramente
Osterwalder et al.(2005) e depois Zott et al. (2010) fizeram estudos abrangentes sobre as
abordagens e as principais conclusões de diversos autores acadêmicos a respeito do
constructo. Esses dois estudos, mesmo com uma diferença de cinco anos entre eles, chegaram
a constatações próximas. Dentre outras coisas, concordam que diferentes autores vêm
mencionando o termo modelo de negócios para se referir a coisas diferentes, de acordo com
29
seus interesses particulares, e que há uma dificuldade na academia em identificar os
elementos e as relações que compõem um modelo de negócio.
Osterwalder et al.(2005) categorizaram os autores pesquisados em três diferentes
tipos: 1) aqueles que propõem uma definição de modelo de negócio como um conceito
abstrato para representar negócios em geral; 2) aqueles que propõem uma taxonomia para
modelos de negócios a partir de determinados “tipos de modelos”; 3) aqueles que descrevem
exemplos específicos, particulares, de modelos de negócios (ver Figura 2). Segundo eles, foi
possível perceber uma evolução temporal no conteúdo da literatura sobre modelo de negócio,
dividida em cinco diferentes “fases” no período entre 1998 e 2005: 1) definição e
classificação de modelos de negócio; 2) listagem dos elementos constituintes; 3) descrição
detalhada desses elementos; 4) modelagem conceitual e 5) aplicação de modelo de negócio na
gestão de negócios.
Figura 2: Hierarquia do conceito de modelo de negócio
Fonte: Osterwalder et al.(2005)
Segundo Zott et al. (2010), menos da metade dos 103 artigos analisados em seu estudo
propunham uma definição minimamente adequada para modelo de negócio, que explorassem
seus elementos constituintes. Ao analisá-los eles identificaram que a teoria sobre o conceito
30
evolui em três grandes áreas de concentração, que eles chamaram de silos: 1) e-business; 2)
diferenças entre modelo de negócio e estratégia (geração x captura de valor); 3) modelo de
negócio, inovação e gestão da tecnologia. Para Zott et al. (2010), há uma oportunidade para a
academia de construir “pontes” entre esses três silos e eles mesmos propõem algumas dessas
pontes ao identificar quatros grandes consensos em toda a literatura analisada: 1) modelo de
negócio é uma nova unidade de análise, posicionada entre a empresa e seus stakeholders; 2) o
conceito está ligado a uma visão holística e não apenas funcional da empresa (busca entender
o negócio como um todo e como ele é feito); 3) o conceito inclui atividades organizacionais
(citadas como atividade, processo, funcionalidade ou transação) tanto da empresa como de
parceiros; 4) modelo de negócio está mais ligado à geração de valor (com foco no cliente), do
que à captura. O quadro 2 apresenta algumas das definições predominantes para o conceito de
modelo de negócio, encontradas por eles.
Autor(es), Ano Definição
Timmers, 1998 Modelo de negócio é a arquitetura de um produto, serviço e os fluxos de informação,
incluindo a descrição dos vários atores e seus papéis; a descrição dos benefícios
potenciais para os vários atores; a descrição das fontes de receita.
Amit e Zott, 2001 Modelo de negócio descreve o conteúdo, a estrutura e a governança de transações
desenhadas para criar valor ao explorar oportunidades de negócio.
Chesbrough e
Rosenbloom, 2002
O modelo de negócio é a lógica heurística que conecta o potencial técnico com a
realização de valor econômico.
Magretta, 2002 Modelos de negócio são histórias que explicam com as empresas funcionam. Um bom
modelo de negócio responde as perguntas antigas de Peter Drucker: quem é o cliente?
O que é valor para o cliente? Ele também responde perguntas fundamentais que todo
gestor tem que fazer: como vamos fazer dinheiro com esse negócio? Qual é a lógica
econômica de base, que explica como entregamos valor para os clientes a um custo
apropriado?
Morris et al., 2005 Modelo de negócio é uma representação concisa de como variáveis de decisão
interelacionadas nas áreas de estratégia de risco, arquitetura e economia são
endereçadas para criar vantagem competitiva sustentável nos mercados definidos. Ele
tem seis componentes fundamentais: proposta de valor, cliente, processos/competências
internas, posicionamento externo, modelo econômico e fatores pessoais do investidor.
Johnson et al., 2008 Modelo de negócio consiste de quatro elementos travados entre si que, tomados em
conjunto, criam e entregam valor. São eles: proposta de valor para o cliente, fórmula de
lucro, recursos-chave e processos-chave.
Casadesus-Masanell e
Ricart, 2010
Modelo de negócio é o reflexo da estratégia realizada da empresa.
Teece, 2010 Um modelo de negócio articula a lógica, os dados e outras evidências que suportam a
proposta de valor para cliente, e uma estrutura viável de receitas e custos para a
empresa que entrega esse valor.
Quadro 2 – Definições predominantes para modelo de negócio, encontradas por Zott,
Massa e Amit Fonte: ZOTT et al., 2010
31
Outra discussão interessante a respeito da definição do conceito modelo de negócios
está relacionada ao entendimento da palavra “modelo”. Salas-Fumás (2009) afirma que
“modelo” pode ter dois significados básicos: 1) representação simplificada de uma realidade;
2) algo a ser imitado; e defende que o primeiro deles é mais adequado ao conceito em estudo.
Osterwalder et al.(2005) concordam com ele e se referem a modelo como sendo “uma
descrição e representação simplificada de uma entidade ou processo complexo”. Banden-
Fuller e Morgan (2010) foram mais longe nessa discussão e propuseram, além das duas
alternativas levantadas por Salas-Fumás (que eles chamaram de “scale model” e “role
model”), outras duas abordagens para “modelo”. Uma delas relacionada ao sentido científico
da palavra nos ramos da biologia ou economia, ou seja, como um termo mediador entre uma
teoria geral sobre o tema e descrições empíricas detalhadas, usado com o objetivo de
aprimorar o entendimento sobre o mundo real (nesse contexto, o modelo deve ser investigado
e confrontando tanto contra a teoria como contra a prática existente para aprimorá-lo como
um representante fidedigno do mundo real). A outra abordagem proposta relaciona o termo
“modelo” a uma “receita culinária”, que possui uma série de orientações gerais sobre como
usar os ingredientes, mas que está também aberta à inovação e ao tempero de quem a está
preparando. Para fins dessa dissertação, a abordagem defendida por Salas-Fumás (2009) e o
entendimento de modelo como “receita culinária” proposto por Banden-Fuller e Morgan
(2010) estão alinhados aos objetivos específicos, uma vez que se intenciona tanto representar
o modelo de negócio paywall poroso do jornal The New York Times como avaliar a
viabilidade e as condições de sua replicabilidade.
A definição de modelo de negócio que essa dissertação irá assumir será aquela
proposta por Casadesus-Masanell e Ricart (2010). Ao discutir a teoria, eles argumentam que a
definição do constructo proposta por boa parte dos autores é excessivamente normativa ao
levar em conta cada um de seus aspectos particulares (Christensen et al., 2008; Teece, 2010;
Chesbrough & Rosenbloom, 2002; Hedman & Kalling, 2003). Essas definições funcionam
muito bem como uma espécie de guia para construção de um bom modelo de negócio, mas,
por serem exaustivas, acabam impondo uma série de barreiras e limitações à definição do
conceito. Casadesus-Masanell e Ricart (2010) se alinham a autores que propõem uma
definição mais conceitual para o constructo (Magretta, 2002; Amit & Zott, 2001, Baden-
Fullen & Morgan, 2010, Lecocq et al., 2006; Doz & Kosonen, 2010), que independe de sua
qualidade e, em paralelo, propõem um modelo para avaliar a eficiência de modelos de
negócios. Para eles modelo de negócio é “a lógica da firma, a forma como ela opera e como
32
cria valor para os stakeholders”, e é constituído, essencialmente, de duas partes: as escolhas
sobre como a empresa deve operar e as consequências dessas escolhas. Segundo eles, as
escolhas podem ser de três tipos: relacionadas a políticas, a ativos e a estrutura de governança
da empresa. Já as consequências podem ser rígidas ou flexíveis. Essa definição, além de ser
prática e operacional, tem um alinhamento com o que foi exposto por Salas-Fumás (2009): “o
estudo acadêmico de modelo de negócio justifica a importância da teoria para fundamentar as
relações de causa-efeito que se acumulam até se chegar à representação simbólica de uma
realidade que se queira representar”.
Para completar a discussão a respeito da definição de modelo de negócio cabe uma
observação sobre o locus da geração de valor. Há um entendimento de que não se trata de um
processo linear, iniciado no fornecedor, passando pela empresa e terminado no comprador. Ao
contrário, a geração de valor acontece numa rede que possui a empresa focal e uma
multiplicidade de parceiros que colaboram na construção do valor (ZOTT et al., 2010). O
corolário dessa afirmação é que modelo de negócio é uma unidade de análise que extrapola as
fronteiras da empresa e mesmo as fronteiras da indústria. Um exemplo prático é o caso da
Xerox (Chesbrough & Rosenbloom, 2002) que, ao optar por um modelo de negócio
proprietário (que incluía produção, distribuição, serviços, suporte e até mesmo a fabricação do
papel) lhe impôs uma série de limitações que acabaram por enfraquecê-lo. Uma série de spin-
offs da própria Xerox tiveram maior sucesso nesse ambiente de complexidade crescente, ao
optarem por um modelo de geração de valor apoiado numa rede de parceiros.
2.2 Modelos de Negócios Online
O termo modelo de negócio ganhou força com o surgimento dos negócios online e foi
sendo progressivamente expandido para se tornar mais genérico e incluir também o
entendimento das configurações de negócios tradicionais. Apesar disso, compreender algumas
das características específicas de modelo de negócios de e-business (empresas que fazem
transações de negócio eletronicamente) é importante para essa dissertação uma vez que o
objeto de estudo é um modelo de negócio na internet.
33
As características específicas do e-business, viabilizadas pelo surgimento e
crescimento das novas tecnologias de informação e comunicação incluem, dentre outras, alta
conectividade, importância das redes de informação, alcance e riqueza da informação,
facilitação de transações e redução em seus custos, redução em custos de coordenação, quebra
de fronteiras geográficas, quebra de fronteiras entre empresas na cadeia de valor,
desentermediação dos negócios, novas formas de conexão direta entre compradores e
vendedores e maior conhecimento a respeito da disposição a pagar de cada cliente (Amit &
Zott, 2001, Salas-Fumás, 2009; Hedman & Kalling, 2003). Essas características produzem
forte impacto na cadeia de geração de valor e abrem uma série de novas possibilidades para as
empresas, tais como extensão de linha de produtos, novas formas de colaboração, redução da
assimetria da informação entre agentes, customização de massa. Todas essas novas
possibilidades viabilizadas pelo e-business se traduzem em um potencial de geração de valor
em negócios online que vai além das possibilidades de negócios tradicionais e desafiam as
teorias tradicionais a respeito do tema (Amit & Zott, 2001).
De uma maneira geral, os estudos específicos sobre modelos de negócios online se
concentraram em duas grandes correntes de pesquisa. Uma delas focada em descrever e
definir os elementos constituintes desses modelos para depois categorizá-los e outra focada
em desenvolver descrições de alguns modelos específicos de negócios online (Amit & Zott,
2001, Hedman & Kalling, 2003). A grande exceção é o texto de Amit e Zott (2001), que se
tornou a referência nesse tema ao propor um estudo bastante sólido do ponto de vista teórico,
com uma abordagem focada na geração de valor de negócios online. Para Amit e Zott (2001),
a geração de valor em e-business vai muito além das fronteiras da empresa (acontece na rede
de valor, tendo a empresa focal apenas como referência) e se dá a partir de quatro grandes
fontes: eficiência, complementaridade, trava e novidade (Figura 3)
34
Figura 3: Fontes de geração de valor em e-business
Fonte: Amit e Zott, 2001
“Eficiência” está fortemente ligado a redução dos custos de transação proporcionada
por reduções nos custos de busca, redução de assimetria da informação, tomadas de decisão
mais rápidas e outras reduções de custos proporcionadas pelas características de e-business
citadas acima. No caso de jornais fica evidente, por exemplo, que oferecer o conteúdo online
reduz os custos de distribuição. “Complementaridade” surge quando oferecer dois ou mais
produtos conjuntamente gera mais valor do que oferecer cada um deles isoladamente. Ela
pode ser vertical (por exemplo, serviços atrelados a um determinado produto) ou horizontal
(diversos produtos juntos). Enquanto eficiência afeta a linha dos custos, complementaridade
afeta a linha das receitas. “Trava” está relacionado a manter o cliente fiel ao longo de
repetidas transações com a empresa, a partir de incentivos específicos. Esses incentivos
podem ser benefícios adicionais, imposição de elevados custos de troca, força da marca ou
loops positivos de externalidades de redes (Eisenmann et al., 2006). “Novidade” está ligado a
novas possibilidades e formas de fazer negócio em função de conexão entre partes que antes
não estavam conectadas, quedas de barreiras geográficas e fluxos reversos de informação. As
quatro fontes mencionadas acima são fontes de geração de valor e não devem ser confundidas
com fontes de vantagem competitiva, cujo foco está na captura de valor (Amit & Zott, 2001).
2.3 Transição e Inovação de Modelo de Negócio
35
Diante de tantas novas possibilidades e oportunidades viabilizadas pelo crescimento
do e-business e de uma velocidade inédita de mudanças no cenário competitivo, promover
inovações e alterações em modelo de negócio é condição necessária para qualquer empresa
que queira sobreviver, sustentar sua posição ou entrar em determinado mercado. Segundo Doz
e Kosonen (2010), “isso deve ser feito, atualmente, de forma mais rápida, mais frequente e
mais profunda do que antes”. Christensen, Johnson e Kagermann (2008) mostram que 11 das
27 empresas norte-americanas nascidas nos últimos 25 que entraram na lista da Fortune 500
fizeram isso a partir de inovações em seu modelo de negócio. Ao tratar desse tema pode-se
usar tanto uma abordagem focada em empreendedores (ou novas empresas) como uma
abordagem focada em empresas já estabelecidas e bem sucedidas em seus mercados. O foco
dessa seção estará nessa segunda abordagem, uma vez que é neste cenário que se encaixa a
empresa objeto de estudo.
Promover mudanças robustas ou inovações em seu modelo de negócio é muito mais
difícil para as empresas já estabelecidas do que para novos entrantes (Christensen et al., 2008;
Doz & Kosonen, 2010; Chesbrough & Rosenbloom, 2002; Santos, Spector, Van Der Heyden,
2009). As razões apontadas para essa maior dificuldade vão desde a baixa compreensão sobre
o conceito e as dinâmicas de modelo de negócio (tanto por parte da academia como parte das
empresas) (Christensen et al., 2008) até a busca das empresas estabelecidas por um maior
nível de previsibilidade e eficiência de sua operação, que as leva a reforçar a estabilidade de
seu modelo de negócio (Doz & Kosonen, 2010). Para explicar essa dificuldade Chesbrough e
Rosnbloom (2002) invocam o conceito de “lógica dominante”, proposto por Prahalad e Bettis
(1986), segundo o qual as empresas vão construindo ao longo do tempo um conjunto de
“modos de pensar, normas e crenças que, se por um lado facilitam a coordenação
organizacional, por outro estabelecem filtros a ideias e comportamentos não alinhados a essa
lógica”. Ao buscar o crescimento, empresas estabelecidas preferem normalmente focar seus
esforços em inovações de produto ou de tecnologia, apesar de reconhecer que inovações em
modelos de negócio são pelo menos tão importantes quanto estas (Christensen et al., 2008,
Teece, 2010).
O momento certo para promover alterações no modelo de negócio é tema de grande
debate, com alguns autores defendendo de que se trata mais de arte do que de ciência. Para
Teece (2010) a reavaliação e ajuste do modelo de negócio deve ser pauta permanente da
36
empresa, acontecendo sempre que houver mudanças no mercado, na tecnologia empregada ou
na estrutura legal. Doz e Kosonen (2010) argumentam que o processo de renovação e
transformação de um modelo de negócio é decorrência direta da “agilidade estratégica” da
empresa. Segundo eles, três capacidades contribuem diretamente para essa agilidade:
sensibilidade estratégica (capacidade de identificar oportunidades em prazos adequados),
unidade de liderança (comprometimento coletivo dos líderes) e fluidez de recursos (agilidade
na realocação de recursos). Christensen et al. (2008) são mais objetivos na análise e defendem
que mudanças no modelo de negócio devem acontecer quando a empresa precisa lidar com
uma das cinco situações abaixo:
a) Endereçar a necessidade de um grande grupo de pessoas que foi tirado do mercado
porque suas alternativas anteriores se tornam caras ou complicadas demais;
b) Empacotar uma nova tecnologia desenvolvida;
c) Identificar uma nova necessidade de um grupo de clientes;
d) Defender-se de entrantes disruptivos em seu mercado;
e) Responder a uma mudança de base do mercado, ou seja, do que o mercado entende
como padrão.
Quando se analisa o cenário da indústria de jornais apresentado na introdução,
percebe-se que algumas dessas situações estão claramente presentes (pelo menos as situações
“c”, “d” e “e”), o que reafirma a necessidade de alteração em seu modelo de negócio
tradicional. Entretanto, é bastante improvável que, ao fazer uma alteração ou propor uma
inovação em seu modelo de negócio, a empresa consiga chegar imediatamente ao novo
modelo ideal simplesmente a partir de um trabalho de análise ou de planejamento. O processo
de inovação no modelo de negócio pressupõe a experimentação, o ajuste, a correção de rumos
como parte da caminhada para se chegar ao novo modelo (Magretta, 2002; McGrath, 2010;
Teece, 2010). McGrath (2010) fala em “centralidade do conceito de experimentação” na
busca por um modelo de negócio vencedor. Segundo ela, isso gera necessidade de
investimentos em diferentes alternativas simultâneas o que inviabiliza a tomada de decisão
baseada em ferramentas tradicionais de avaliação de investimentos, como NPV3. Ela sugere a
adoção de novas abordagens de avaliação, como o raciocínio das “opções reais” (McGrath,
2010).
3 Net Present Value – Soma do valor presente de uma série de fluxo de caixa descontado.
37
2.4 Avaliação da Efetividade de um Modelo de Negócio
A avaliação da efetividade de um modelo de negócio pode ser feita partir da premissa
da empresa em isolamento (sem considerar outros players) ou da empresa em competição
(levando em consideração outros players) (Casadesus-Masanell & Ricart, 2007). A avaliação
num cenário de competição envolve uma série de variáveis que não estão relacionadas
diretamente ao objetivo desse estudo como, por exemplo, interações táticas (empresas
realizando escolhas táticas dentro de seu modelo de negócio) ou interações estratégicas
(empresas fazendo escolhas de diferentes modelos de negócios para competir no mercado)
entre as empresas. Dessa forma, o foco dessa seção estará na avaliação da efetividade de um
modelo de negócios em isolamento.
Toda empresa em atividade possui em modelo de negócio (implícita ou explicitamente
definido) e não se pode perder de vista que, em última instância, a melhor medida de sucesso
ou de fracasso de um modelo de negócio é o sucesso econômico da empresa (Chesbrough &
Rosenbloom, 2002). Avançando um pouco mais, Magretta (2002) afirma que um modelo de
negócio fracassa porque “falha em sua narrativa (a história que ele conta não para de pé) ou
falha no teste dos números (a conta de receita e despesa não fecha)”. Segundo ela, os
fracassos estão normalmente ligados à falta de conhecimento sobre o comportamento do
consumidor, do que é valor para ele: “erra-se quando se vai atrás de uma solução para um
problema que não existe”. Ainda numa linha conceitual, Casadesus-Masanell e Ricart (2007)
afirmam que um bom modelo de negócio é aquele que permite à empresa atingir seus
objetivos.
Mas entre o sucesso e o fracasso absolutos de um modelo de negócios existem níveis
intermediários de efetividade, que se traduzem (ou poderão se traduzir) em maior ou menor
sucesso econômico para as empresas. Retomando a definição de modelo de negócio adotada
por essa dissertação, tem-se que ele é constituído essencialmente pelas escolhas da empresa
(em três dimensões distintas) e pelas consequências decorrentes dessas escolhas. O objetivo
final da organização, qualquer que seja ele, nunca será uma escolha; será sempre uma
consequência de escolhas previamente realizadas (por exemplo, não se pode escolher
deliberadamente ter lucro). Casadesus-Masanell e Ricart (2007) dividem essas consequências
38
entre flexíveis (que variam facilmente com mudanças nas escolhas) ou rígidas (que não
variam tão facilmente). Segundo eles, pode-se entender uma consequência rígida como uma
espécie de estoque, que vai se acumulando ao longo do tempo a partir das escolhas feitas.
A dinâmica decorrente da relação entre as escolhas e suas consequências, que variam
no tempo, dá origem a ciclos de feedback (escolhas gerando consequências, que geram outras
escolhas). Esses ciclos podem ser virtuosos (quando dão origem a resultados positivos) ou
viciosos (resultados negativos). Em ciclos virtuosos as escolhas e consequências vão se
reforçando mutuamente e se transformam numa força que não pode ser facilmente quebrada.
Eles são, portanto, desejáveis. Especialmente quando afetam as consequências relacionadas
aos objetivos da empresa (Casadesus-Masanell & Ricart, 2007).
Um modelo de negócio pode ser considerado efetivo se ele permite à organização
atingir seus objetivos em isolamento. Segundo Casadesus-Masanell e Ricart (2007) essa
efetividade é medida a partir da avaliação de quatro componentes:
a) Alinhamento aos Objetivos: avalia se as escolhas geram consequências que levam
a organização a caminhar na direção de seus objetivos definidos.
b) Reforçamento: avalia se as escolhas feitas se reforçam mutuamente, o que leva à
noção de complementaridade de escolhas (semelhante à noção de consistência
interna de Porter (1996))
c) Virtuosidade: avalia a presença e a força de ciclos virtuosos em pontos-chave do
modelo de negócio. Virtuosidade pode ser entendida como uma versão dinâmica
do “Reforçamento”.
d) Robustez: avalia a habilidade do modelo de negócio de sustentar sua efetividade
ao longo do tempo. Há, essencialmente, quatro ameaças à robustez:
o Imitação: modelos de negócios difíceis de imitar possuem grande quantidade
de consequências rígidas e alto nível de “Reforçamento”.
o Assalto: refere-se a possibilidade de outros stakeholders capturarem parte do
valor gerado pela empresa. Boas escolhas de “Governança” ajudam a
minimizar esse risco. Um exemplo no caso da indústria de jornais são os
agregadores de notícias online, que fazem uso do produto gerado pelas
empresas editoras sem lhes pagar direitos autorais.
39
o Folga: refere-se à complacência organizacional ou baixo nível de envolvimento
e energia dos colaboradores. O ajuste correto entre incentivos e vigilância
ajuda a prevenir essa ameaça.
o Substituição: refere-se à perda de valor percebido do modelo de negócio em
função de outros produtos disponíveis no mercado. Esse é certamente um ponto
de atenção para jornais. É fundamental a empresa possuir sensores
competitivos para dar o alerta de que é hora de ajustar o modelo de negócio.
2.5 Representação Gráfica de Modelo de Negócio
Uma vez que seres humanos têm uma capacidade limitada de processar grande
quantidade de informações complexas, utilizar uma forma de suporte visual pode elevar
significativamente a capacidade de lidar com esse tipo de informação. Especificamente em
relação a modelo de negócios, sua representação visual pode ser bastante útil, uma vez que a
relação entre os diferentes elementos e os fatores de sucesso ali presente não são
imediatamente observáveis (Osterwalder et al., 2005). Segundo Zott e Amit (2010), diferentes
autores propuseram alternativas para construção de um modelo de representação gráfica para
modelos de negócio, mas a maioria eram propostas pontuais, orientadas especificamente para
seus estudos. Nessa dissertação, em coerência com a definição de modelo de negócios
adotada, a proposta apresentada por Casadesus-Masanell e Ricart (2010) será utilizada.
Segundo Casadesus-Masanell e Ricart (2010), uma forma útil de representar modelos
de negócios é a partir de um diagrama de loop causal. Nesse diagrama escolhas e
consequências são ligadas por uma seta que representa a relação de causalidade entre elas. É
evidente que se torna muito difícil representar absolutamente todas as escolhas feitas pela
gestão (especialmente para um analista externo) e é aparentemente impossível prever todas as
consequências de um modelo de negócio. Dessa forma Casadesus-Masanell e Ricart (2007)
propõem a utilização dos recursos de agregação e decomposição para que seja possível
capturar os elementos mais importantes ou representativos do modelo. Agregação, que
também foi proposta por Zott e Amit (2010), funciona como uma espécie de “zoom-out”, ou
seja, significa colocar sob uma única escolha uma série de escolhas reais que sejam
relacionadas entre si. O nível de agregação dá uma ideia da quantidade de escolhas que estão
40
sendo consolidadas. Decomposição significa separar do todo um conjunto de escolhas e
consequências que não estejam estritamente relacionadas com as demais, como forma de
analisá-las mais aprofundadamente, separadas do todo. Na proposta feita por Casadesus-
Masanell e Ricart (2010) as escolhas são marcadas em negrito e sublinhadas, as
consequências rígidas ficam dentro de caixas, as consequências flexíveis fora de caixas (em
texto normal). A figura 4 mostra um exemplo de uma representação gráfica simplificada do
modelo de negócio da empresa de aviação Ryanair.
Figura 4: Representação simplificada do modelo de negócio da Ryanair
Fonte: Casadesus-Masanell e Ricart, 2010
41
3 METODOLOGIA
Em alinhamento com os objetivos propostos para essa dissertação, a pergunta de
pesquisa que norteou esse estudo foi: Como e porque o modelo de negócio paywall poroso,
adotado pelo jornal The New York Times, tem apresentado resultados de negócio satisfatórios
e tem se tornado uma referência na indústria de jornais em todo o mundo?
Para garantir uma resposta adequada a essa pergunta de pesquisa, o método do estudo
de caso se mostrou ser a melhor abordagem, dado que o caso em questão passa na avaliação
das três condições propostas por Yin (2010) para a utilização desse método: 1) Trata-se de
uma questão do tipo “como” e “porque”; 2) Não há nenhum controle do pesquisador sobre o
evento em questão; 3) Trata-se claramente de um fenômeno contemporâneo, sendo essa a
principal discussão em curso atualmente na indústria de jornais. Para contornar os dois
possíveis pontos frágeis do estudo de caso (pretensa falta de rigor por parte de pesquisadores
adeptos do estudo de caso e uma alegada falta de embasamento para promover generalizações
teóricas) (Yin, 2010), essa dissertação seguiu rigoroso processo de planejamento e execução
das atividades de pesquisa, seguindo as orientações propostas por Eisenhardt (1989).
Uma vez definido o método de pesquisa, se fez necessário precisá-lo um pouco mais,
especificando e detalhando algumas características determinantes para o estudo. Optou-se por
um estudo de caso único, tendo como unidade de análise o jornal norte-americano The New
York Times, a partir de uma pesquisa do tipo qualitativa.
Segundo Yin (2010) o estudo de caso único se justifica na presença de uma ou mais
das seguintes quatro situações específicas: 1) quando ele é um caso decisivo para se testar
uma teoria; 2) quando ele é um caso raro ou extremo; 3) quando ele é um caso revelador
(previamente inacessível à investigação científica); 4) quando ele é um caso representativo ou
típico. A presente dissertação se enquadrou na primeira situação, uma vez que o objeto de
estudo escolhido foi o jornal mais influente e de maior prestígio no mundo, que está
promovendo uma transformação relevante em seu modelo de negócio. A adoção do modelo
de negócio paywall poroso pelo The New York Times foi cercada de grande expectativa pela
indústria, que passou a adotá-lo como referência e a replicá-lo quase que
42
indiscriminadamente. Apesar de não haver uma relação unívoca entre o método de estudo de
caso e o tipo de pesquisa qualitativa, ficou evidente também que este seria o tipo de pesquisa
mais adequado para o alcance dos objetivos propostos, uma vez que não se partiu de nenhuma
hipótese que se pretendeu testar ou verificar a priori. Ao contrário, partiu-se de um objetivo
amplo de entendimento das razões que estão levando o modelo de negócio paywall a ter
resultados satisfatórios e a se tornar uma referência na indústria de jornais.
Das seis principais fontes de evidências possíveis para um estudo de caso (análise
documental, registros em arquivo, entrevistas, observação direta, observação participante,
artefatos físicos), esta pesquisa concentrou sua atenção na análise documental, em entrevistas
com especialistas e na observação participante. Foi importante se apoiar nesses três
instrumentos de coleta de dados para viabilizar a triangulação de evidências oriundas de
múltiplas fontes, o que reforçou a qualidade das conclusões obtidas.
Segundo Yin (2010) os documentos que são objetos da análise documental podem
assumir diferentes formas como, por exemplo, documentos administrativos, relatórios e atas
de reuniões, recortes de jornais, etc. No caso do The New York Times o acesso a boa parte da
documentação analisada foi facilitado por ela estar disponível na internet, uma vez que se
trata de empresa de capital aberto com ações listadas na bolsa de Nova York. A principal
fonte da análise documental foram os relatórios anuais aos acionistas, exigidos pela comissão
de valores mobiliários dos Estados Unidos (U.S. Securities and Exchange Commission), que
fazem um resumo compreensivo da performance anual das companhias de capital aberto no
mercado. Esses relatórios estão disponíveis publicamente no site da holding The New York
Times Company, no endereço www.nytco.com/investors/financials/annual_reports.html, e são
divididos em dois documentos principais:
Carta aos acionistas: assinada pelo CEO e pelo presidente do conselho de
administração da empresa, ela apresenta um resumo qualitativo dos principais
resultados alcançados pela empresa, dos principais fatos relevantes ocorridos
no ano e uma avaliação geral do contexto de negócios, do ambiente econômico
e das principais decisões de negócios tomadas. Tem um formato flexível e um
objetivo mais vinculado ao relacionamento da empresa com seus investidores.
Form 10-K: é o relatório formal exigido pela comissão de valores imobiliários,
que precisa passar por um processo rigoroso de auditoria. Além dos resultados
econômicos e financeiros da empresa, apresenta informações como a história
43
da companhia, sua estrutura organizacional, suas propriedades, relação e
salários dos principais executivos, fatores de risco associados ao negócio,
discussão sobre aspectos de gestão, dentre outras.
No caso do The New York Times, estão disponíveis para consulta pública os relatórios
anuais a partir de 1997. Apesar de utilizar informações de quase todas essas edições, o
presente estudo se deteve mais atentamente nos relatórios apresentados nos últimos dez anos,
entre 2003 e 2012. Para essas edições, a pesquisa consistiu de uma leitura pormenorizada de
todo o conteúdo do relatório, da tabulação dos dados econômicos relativos às receitas e
despesas do jornal em cada origem, da tabulação dos dados de audiência online e offline, da
tabulação dos dados de volume de inserções publicitárias, da análise e tabulação dos fatores
de risco e principais decisões de negócio reportadas e das análises de cenário concorrencial.
Para complementar a análise documental foram utilizadas ainda outras fontes de
informação como reportagens de revistas especializadas em negócios (BusinessWeek, The
Economist e outras), de jornais (inclusive o próprio The New York Times e jornais brasileiros
como a Folha de São Paulo e O Globo), de periódicos e de sites especializados na indústria de
mídia, dentre os quais se destacam os sites Newsonomic.com, Inma.org, BusinessInsider.com
e Paidcontent.org. As principais informações e contribuições obtidas nessas fontes foram
confirmações, detalhamentos ou pontos de vista diferentes daqueles obtidos nas fontes
principais.
As entrevistas realizadas no presente estudo tiveram por objetivo central obter a
percepção de especialistas brasileiros a respeito dos fatores de sucesso do modelo de negócios
paywall poroso do The New York Times, da relevância de cada uma das escolhas de negócio
feitas pelo jornal e da possibilidade da replicação do modelo para os jornais brasileiros. A eles
foi apresentada uma lista de 17 escolhas de design feitas pelo The New York Times,
elaborada pelo pesquisador a partir da análise documental. Com as informações e avaliação
obtidas nas entrevistas essa lista foi reduzida para as 11 escolhas fundamentais de design que
caracterizam adequadamente o modelo de negócios do jornal norte-americano e que serão
apresentadas no capítulo quatro. Os especialistas entrevistados foram Marcelo Rech, diretor-
executivo de jornalismo do GrupoRBS (segundo maior grupo editor de jornais do Brasil, com
sede no Rio Grande do Sul) e Christiano Nygaard, diretor-executivo de mercado leitor e
operações do jornal O Estado de São Paulo. A escolha por esses nomes se deu em função da
opção distinta feita por suas organizações a respeito da implantação do modelo de paywall.
44
Enquanto o GrupoRBS já implantou o modelo de dois de seus títulos e implantará nos demais
nos próximos meses, o Estado de São Paulo optou por manter o acesso a seu site gratuito,
exigindo apenas o cadastro dos usuários.
A observação participante foi realizada a partir da experiência pessoal do pesquisador
com o modelo de negócios, na condição de usuário. Ao longo do período de coleta de dados,
o pesquisador se tornou assinante do jornal The New York Times (que adotou o modelo
paywall poroso), do jornal The Wall Street Journal (que adota o modelo hardwall, onde o
acesso à grande maioria do conteúdo só é permitido a partir do pagamento de uma assinatura)
e se tornou usuário frequente (pelo menos 3x por semana) do site do jornal The Guardian, que
preserva o modelo gratuito. As observações feitas na condição de usuário dos serviços
prestados por jornais que adotam diferentes modelos de negócio permitiu ao pesquisador
observar e analisar as principais características da relação de cada um desses jornais com seus
clientes leitores.
A análise de dados foi centrada principalmente na triangulação de evidências entre as
diferentes fontes, como forma de reforçar os resultados alcançados. O trabalho de análise teve
início com o levantamento de relações entre as decisões de negócio e suas consequências,
com a identificação de padrões e tendências presentes nas informações obtidas nos relatórios
anuais pesquisados. Objetivou-se principalmente identificar a correlação entre as decisões de
negócios e seu impacto nos resultados econômicos e de audiência do jornal. Dessa etapa
inicial se chegou a um conjunto preliminar das escolhas e consequências feitas pelo The New
York Times, que constituem seu modelo de negócios. Essa lista inicial foi enriquecida e
confrontada com informações oriundas das fontes secundárias e se chegou a um conjunto
semifinal de dados que foi submetido à análise dos especialistas entrevistados. Esse processo
sequencial de testagem de ideias culminou com a lista final de escolhas e consequências
identificadas.
A efetividade do modelo de negócios foi avaliada a partir da confrontação dos dados
levantados na pesquisa com a teoria proposta por Casadesus-Masanell e Ricart (2010). A
discussão a respeito da replicabilidade do modelo de negócios do The New York Times para
outros jornais foi feita a partir de inferências, para outros jornais, dos resultados obtidos pelo
jornal norte-americano. Essa discussão foi enriquecida a partir do ponto de vista dos
especialistas entrevistados e de dados levantados na análise documental das fontes
secundárias.
45
4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A seção inicial desse capítulo apresentará um relato histórico-econômico do jornal The
New York Times, para que se tenha um entendimento adequado da relação dessa unidade de
negócio com o grupo econômico a que ela pertence, do contexto de sua fundação, das
características desse jornal que o levaram a se tornar a principal referência jornalística dos
Estados Unidos e de alguns dos desafios de negócio que precisaram ser superados em seus
primeiros 145 anos de existência, até o surgimento da internet.
As sessões seguintes tratarão de responder a cada um dos objetivos específicos
propostos no primeiro capítulo. A seção 4.2 vai detalhar os impactos econômicos e de
audiência causados pelo crescimento da internet e pela proliferação de negócios de mídia
digital, a maneira como o jornal se posicionou diante desse novo ambiente competitivo e as
principais escolhas estratégicas que culminaram com a adoção do modelo de negócio paywall
poroso. A seção seguinte vai descrever e detalhar esse modelo de negócio, a partir da
descrição de cada uma das escolhas feitas pelo The New York Times e de suas consequências,
conforme o modelo proposto por Casadesus-Masanel e Ricart (2010). A representação gráfica
desse modelo de negócio será apresentada na seção 4.4, como forma de auxiliar seu
entendimento e embasar a análise de sua efetividade, que será avaliada na seção 4.5. A seção
final desse capítulo vai fazer uma discussão a respeito da viabilidade e das condições de
replicação desse modelo de negócios para outros jornais, a partir das análises realizadas.
4.1 The New York Times: da fundação do jornal ao crescimento da internet (1851-2002)
O The New York Times é a maior das unidades de negócio da holding The New York
Times Company, que no momento da pesquisa controlava o The New York Times Media
Group e o New England Media Group, possuia participações em três joint ventures (jornal
Metro, de Boston, e duas fábricas de papel – uma nos Estados Unidos e outra no Canadá) e
46
investimentos em um grupo de nove diferentes empresas startups no mercado de mídia digital
nos Estados Unidos4 (NYTCO, 2013a).
O The New York Times Media Group inclui, além do jornal The New York Times, o
site NYTimes.com e o jornal The International Herald Tribune, que é a versão internacional
do The New York Times, editada em Paris. O New England Media Group inclui os jornais
Boston Globe e Worcester Telegram & Gazette, além dos sites BostonGlobe.com ,
Boston.com e Telegram.com . No início de 2013 a holding anunciou sua intenção de
renomear o The International Herald Tribune para The International New York Times e deu
início às negociações para a venda do New England Media Group e de sua participação jornal
Metro de Boston (NYTCO, 2013a). O conjunto desses movimentos estratégicos deixa clara a
intenção da empresa de concentrar sua atenção e seus negócios sob sua principal marca, The
New York Times, e de reforçá-la em âmbito global.
O jornal The New York Times foi fundado em 1851 por Henry Jarvis Raymond com o
nome de The New-York Daily Times (perdeu o hífen e o “Daily” seis anos depois) em uma
Nova York que possuía, à época, cerca de 500 mil habitantes e mais de uma dezena de outros
jornais (McFadden, 2001). Apesar da grande concorrência, o jornal conseguiu prosperar ao
manter várias das características editoriais do jornal inglês The Times of London, que serviu
de inspiração e modelo para Raymond: o relato minucioso, o tom educado e o desapego ao
sensacionalismo. Em seu segundo ano de existência o The New York Times já possuía uma
tiragem de 20 mil exemplares, número que cresceu fortemente na década seguinte,
especialmente a partir da qualidade e profundidade da cobertura editorial da Guerra Civil
americana entre 1861 e 1865.
Devido à grande depressão econômica nos Estados Unidos em 1893 e ao
envolvimento de seu fundador com a política partidária (ligou-se à causa Republicana) o
jornal passou, na última década do século XIX, por sua primeira grande crise financeira. Essa
crise o levou a ser vendido, em 1896, para Adolph S. Ochs, cuja família ainda detém o
controle acionário da empresa (Pederson, 2004). Ao comprar o jornal, Ochs implantou alguns
dos princípios editoriais que até hoje norteiam a cobertura editorial do The New York Times,
e que o fazem reconhecido mundialmente pela alta qualidade de seu jornalismo. Dentre esses
4 Em abril de 2013 os investimentos eram nas seguintes empresas: “Appssavvy”, “Automattic”, “Betaworks”,
“Brightcove”, Dynamic Yield”, “Enigma”, “Federated Media Publishing”, “Keep Holdings” e “True Ventures”.
47
princípios destacam-se a imparcialidade e a independência políticas, a precisão e a justiça
(McFadden, 2001).
Atuando sob esses princípios editoriais o jornal atingiu, já em 1912, uma tiragem de
cerca de 200 mil exemplares e começava a se tornar o mais importante do país. Desde aquela
época, apesar de adotar uma postura editorial conservadora, o The New York Times fazia
investimentos relevantes em inovação e tecnologia. Em 1904 usou pela primeira vez uma
tecnologia sem fio para reportar a destruição da frota russa numa batalha da guerra Russo-
Japonesa. Em 1926 recebeu a primeira foto por frequência de rádio, diretamente de Londres,
cuja transmissão durou 1h 45min (http://www.nytco.com/company/milestones/index.html,
recuperado em 30 de junho, 2013). Dentre as coberturas jornalísticas de destaque em seu
primeiro século de existência estão a Guerra Civil americana, o naufrágio do Titanic, a
primeira guerra mundial, a grande depressão americana de 1929, a segunda guerra mundial e
a guerra da Coréia entre 1950 e 1953.
Uma série de turbulências ocorridas no final da década de 60 do século XX, dentre
elas uma onda de greves trabalhistas, o surgimento e a disseminação de novas tecnologias de
produção e comunicação (primeiros computadores, automação industrial, televisão) e
mudanças nos hábitos e interesses dos leitores levaram o The New York Times a sua segunda
grande crise financeira. Em 1974, após longas negociações, a direção do jornal chegou a um
acordo com os trabalhadores sindicalizados que a permitiu automatizar a produção e reduzir
custos trabalhistas. Isso o levou a um novo ciclo de prosperidade, amparado em um produto
mais moderno e mais alinhado aos novos interesses dos leitores. Assuntos como esportes,
ciência, entretenimento, moda e televisão, antes vistos como pouco sérios, tomaram maior
espaço editorial e conquistaram leitores e anunciantes (McFadden, 2001).
O aumento de produtividade e a recuperação do fôlego financeiro alcançados no final
da década de 70 levaram o The New York Times a elevar sua ambição e a dar início a um
movimento estratégico para se posicionar com um produto editorial e uma marca de alcance
efetivamente nacional. Em 1980 o jornal lançou sua edição nacional e iniciou a negociação de
parcerias estratégicas com gráficas espalhadas por todo o país para viabilizar a impressão e a
distribuição em áreas antes inalcançáveis (Friendly, 1982). Em abril de 1985 uma matéria do
jornal Los Angeles Times anunciava que a circulação semanal do The New York Times havia
ultrapassado pela primeira vez a barreira de um milhão de exemplares e creditava isso à
ampliação de sua atuação geográfica (Rosenstiel, 1985).
48
A estratégia de nacionalização do produto e da marca funcionou bem e a circulação
paga do jornal continuou se expandindo consistentemente até chegar a seu pico histórico em
1993, quando atingiu uma média semanal (segunda a sábado) de 1.183.100 e a uma média
dominical de 1.783.900 exemplares (Peterson, 1997). A circulação nacional (fora da região
metropolitana de Nova York), que respondia por 36% do volume total, representava também
novas oportunidades de crescimento para as receitas publicitárias do jornal (Political
Calculations, 2001).
O grande sucesso que o The New York Times obteve em sua estratégia de expansão
para o mercado nacional americano esteve claramente amparado na força que sua marca já
possuía e na alta qualidade de seu produto editorial, construído diariamente a partir dos
princípios desenhados por Arthur S. Ochs no final do século XIX. Esses conceitos estão
formalizados nas declarações de propósito e de valores fundamentais da empresa, contidos em
seus princípios de governança corporativa:
“O objetivo central da empresa é melhorar a sociedade, através da criação, coleta e
distribuição de notícias, informação e entretenimento de alta qualidade. Os valores
fundamentais que permitem à empresa alcançar seu objetivo central são: 1)
Conteúdo da mais alta qualidade e integridade. Essa é a base da reputação de nossa
empresa e a maneira pela qual ela garante a confiança pública e o atendimento das
expectativas de seus consumidores (...). (NYTCO, 2012b)”
Além de estar presente nos princípios de governança corporativa, a alta qualidade do
jornalismo do The New York Times é amplamente reconhecida e celebrada externamente. Ele
é o maior ganhador do Prêmio Pulitzer5 em toda a história, com 112 prêmios acumulados,
sendo sete deles recebidos num único ano, em 2002, pela cobertura dos atentados às torres
gêmeas (NYTCO, 2013b). The New York Times é também reconhecido mundialmente como
sendo o jornal de maior prestígio e o mais influente dos Estados Unidos (NYTCO, 2013a).
Do ponto de vista interno, a busca pela mais alta qualidade jornalística é implementada
de forma concreta na estrutura organizacional e nas escolhas de gestão do jornal: ele é hoje o
maior empregador de jornalistas nos Estados Unidos, a uma distância bastante grande dos
demais. O The New York Times possui cerca de 1.100 jornalistas contratados, enquanto
nenhum outro jornal norte-americano possui atualmente mais do que 750 em seus quadros
5 O Prêmio Pulitzer, criado pelo fundador da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia, Joseph
Pulitzer, e até hoje mantido pela universidade, é reconhecido internacionalmente como sendo o maior e mais prestigiado prêmio da imprensa norte americana.
49
(Invdik, 2012; Pérez-Peña, 2009). As escolhas de gestão do jornal muitas vezes privilegiam o
valor do produto e do jornalismo, ainda que em detrimento de maiores margens de lucro. A
rentabilidade do The New York Times sempre esteve um degrau abaixo daquela das empresas
jornalísticas de propriedade de grandes corporações de capital aberto, que privilegiam o
retorno econômico de curto prazo, e dentre as mais baixas de toda a indústria (Smolkin,
2007). Isso está diretamente relacionado ao custo de sua operação editorial, que foi estimada
em US$300 milhões em 2005 (BusinessWeek, 2005a).
O pico de circulação paga, alcançado pelo jornal em 1993, coincidiu com o
surgimento e a início da popularização comercial da Internet. Naquele mesmo ano foram
criados o Mosaic (primeiro navegador de internet com interface gráfica) e a versão para
Windows do software da America Online (primeira empresa a se posicionar como prestadora
de serviços online para pessoas pouco familiarizadas com computadores). No ano seguinte,
quando a AOL já reportava ter alcançado um milhão de assinantes, o The New York Times
lançou seu serviço de conteúdo para esta plataforma: o @times (Burgelman & Meza, 2001).
A internet vivia seus primeiros anos de efervescência: em 1994 foi lançada a primeira versão
do Netscape e o jornal americano Palo Alto Weekly foi o primeiro periódico americano a
fazer publicações regulares de seu conteúdo na internet, gratuitamente (Carlson, 2005).
Alinhado com o movimento em curso, em janeiro de 1996 o The New York Times
anunciou o lançamento de seu próprio site na internet, no endereço que mantém até hoje:
NYTimes.com. No comunicado feito à população através de suas páginas, o jornal anunciou a
disponibilização online da maior parte dos artigos presentes na edição impressa do dia e
compartilhou a decisão de manter o conteúdo disponível gratuitamente, com a pretensão de
gerar receita a partir de anúncios publicitários (Lewis, 1996). O grande objetivo era gerar
audiência online e o relatório anual aos acionistas de 1997 do The New York Times reportava
que o site NYTimes.com já possuía três milhões de usuários registrados.
Todo esse agito no ambiente online no meio da década de 90 começou a gerar
impactos na audiência da versão impressa do jornal. Após atingir o pico histórico em 1993 o
jornal experimentou uma sequência de cinco anos consecutivos de queda na circulação
impressa, (Gráfico 4).
50
600
800
1.000
1.200
1.400
1.600
1.800
2.000
1993 1994 1995 1996 1997 1998
Circ. Semanal
Circ. Dominical
Gráfico 4: Circulação auditada do jornal The New York Times entre 1993 e 1998
(milhares de cópias) Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.
Numa rápida reação a esse cenário a empresa comunicou, em 1997, um novo plano
estratégico baseado no movimento que já havia funcionado bem no início da década de 80, ou
seja, na intensificação da expansão geográfica (Peterson, 1997). O número de regiões
metropolitanas atendidas diariamente saltou de 171 em 1998 para 235 em 2002 e depois para
315 em 2004 (NYTCO, 2003, 2005). Juntamente a isso, o jornal inaugurou seu novo e
moderno parque gráfico no distrito de Queens/NY (que permitiu a entrega de edições mais
atualizadas para um maior número de assinantes), passou a adotar o uso de cores em sua
primeira página (para modernizar a imagem) e investiu mais de US$20 milhões numa forte
campanha publicitária nacional, para reforçar os atributos de sua marca.
O plano estratégico funcionou bem. A partir de 1998 a circulação semanal do The
New York Times voltou a crescer por três anos consecutivos e se estabilizou, até 2005, num
patamar apenas ligeiramente abaixo do pico alcançado em 1993 (Gráfico 5). As receitas
publicitárias também reagiram, crescendo 19% entre 1998 e 2000 (NYTCO, 2003), com
destaque para os anunciantes nacionais, cuja participação avançou de 50% da receita
publicitária do jornal em 1996 para 62% em 2003 (NYTCO, 2004).
51
600
800
1.000
1.200
1.400
1.600
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00
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01
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20
03
20
04
20
05
Circ. Semanal
Circ. Dominical
Gráfico 5: Circulação auditada do jornal The New York Times entre 1993 e 2005
(milhares de cópias) Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.
Nesse mesmo período os resultados operacionais da holding saltaram de uma média
anual de US$ 166 milhões nos cinco anos anteriores a 1997 para uma média anual de US$
509 milhões nos cinco anos seguintes (NYTCO, 2004, 2002, 1998). O valor das ações da
empresa na bolsa de Nova York acompanhou esse movimento, obtendo uma valorização de
295% desde a mínima, em 1996, para seu valor máximo em 2002 (BusinessWeek, 2005a). O
jornal viveu, de 1998 a 2002, seus melhores anos e a primeira página do relatório anual aos
acionistas de 2002 celebrava isso:
“Agora que podemos olhar para trás e enxergar o ano de 2002 com perspectiva,
entendimento e até mesmo humor, fica claro que The New York Times Company
aproveitou um de seus anos mais produtivos, na medida em que retomou seu
crescimento financeiro, deu passos significativos para o cumprimento de sua
estratégia de longo prazo e estabeleceu uma presença ainda maior no crescente
mercado mundial de conhecimento. (NYTCO, 2003)”.
Entretanto, por detrás dos excelentes resultados econômicos e de audiência desse
período, uma grande transformação estava em curso em alguns de seus mais importantes
indicadores internos de performance: 1) perda significativa de audiência na região-sede
52
(região metropolitana de Nova York), compensada pelo crescimento de circulação em outras
regiões do país; 2) perda acentuada de volume de anúncios na edição impressa, com destaque
para o volume de classificados, compensada por aumentos de preços de tabela que
sustentavam o crescimento da receita total; 3) crescimento acelerado da audiência online do
jornal, no site NYTimes.com (Tabela 2). O principal pilar de sustentação dessa transformação
era o grande crescimento da penetração de internet, que praticamente dobrou de 1997 a 2003,
saltando de 35% para mais de 60% da população adulta norte-americana (Madden, 2006).
Indicador de Performance /
Ano1998 1999 2000 2001 2002 2003
Variação
Acumulada
Circulação na Região
Metropolitana de Nova York
(em milhares de exeplares)
664 666 662 663 622 600 -10%
Volume total de anúncios
publicitários pagos
(em milhares de polegadas)
2977 3134 3230 2626 2473 2375 -20%
Anúncios Nacionais 1393 1582 1692 1370 1346 1334 -4%
Anúncios Locais (Nova Iorque) 587 567 574 475 434 411 -30%
Anúncios Class i ficados 997 984 965 781 692 630 -37%
Audiência do site
Nytimes.com
(em milhões de usuários
5,6 10,1 14,3 N/A N/A N/A 155%
Tabela 2: Circulação na Região-Sede, Volume de Anúncios e Audiência Online do jornal The
New York Times entre 1998 e 2003 Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.
4.2 Adaptação ao mundo online: análises e decisões que culminaram com a decisão pelo
paywall poroso
Apesar da relevância da mudança em curso no ambiente competitivo e em alguns
indicadores internos, a alta direção do The New York Times não demonstrava ter um
entendimento tão claro de seu significado e dos impactos potenciais nos resultados da
empresa. O relatório de anual aos acionistas de 2003, publicado em fevereiro de 2004, dizia
que “apesar dos desafios trazidos pelo que esperamos serem os efeitos finais de uma recessão
plurianual no mercado publicitário, conseguimos melhorar nosso resultado”. Esse mesmo
documento reportava que “os bons resultados jornalísticos, de circulação, publicidade,
marketing e produção atingidos em 2003 criaram as condições para alcançarmos ganhos ainda
53
maiores em 2004” (NYTCO, 2004). A estratégia de longo prazo continuava exatamente a
mesma, baseada na expansão geográfica, e estava formalizada naquele documento:
“Nossa estratégia de longo prazo é operar a principal mídia de notícias e de
publicidade em cada um dos mercados em que competimos, tanto nacionalmente
como globalmente. (...) A peça central dessa estratégia é estender o alcance do
jornalismo de alta-qualidade do The New York Times para lares e empresas em cada
cidade, vila ou aldeia deste país. (NYTCO, 2004)”.
O relatório afirmava ainda que o The New York Times estava na meia-vida de seu
ciclo estratégico de dez anos, desenvolvido em 1998, e dedicava uma página inteira à
prestação de contas dos resultados alcançados até ali. Segundo o relato, o jornal vinha
conseguindo andar exatamente em linha com a meta de elevar em 250 mil exemplares sua
circulação nacional (fora da região metropolitana de Nova York) até 2007: havia crescido 116
mil exemplares em cinco anos. Sobre o desempenho do site NYTimes.com, o relatório
afirmava que ele havia batido seu recorde de faturamento e atingido lucratividade operacional
em 2003. Ou seja, parecia tudo andar exatamente como previsto e a empresa previa, para
2004, “continuar a investir nas duas maiores iniciativas de crescimento: a expansão nacional
do The New York Times e o relançamento do International Herald Tribune” (NYTCO, 2004).
Como visto na revisão da literatura, a estratégia se refere à escolha do modelo de
negócios que a empresa vai usar para competir no mercado (Casadesus-Masanel e Ricart,
2010). Essa escolha precisa estar embasada por um profundo trabalho de análise estratégica,
que tem como premissa um entendimento adequado do ambiente externo de negócios. As
informações apresentadas nos dois parágrafos anteriores, extraídas do relatório anual aos
acionistas de 2003, deixam claro que a direção do The New York Times não havia
conseguido ter um entendimento pleno e adequado do ambiente externo até o início de 2004.
Havia uma série de mudanças relevantes em curso no ambiente externo de negócios e a
preocupação central da empresa estava em prestar contas para os acionistas do andamento das
ações estratégicas definidas cinco anos antes, quando a internet estava apenas começando.
54
Esse episódio é uma evidência do que afirmam Doz e Kozonen (2010), de que é muito
mais difícil para empresas já estabelecidas fazerem mudanças robustas em seus modelos de
negócios do que para novos entrantes. E que essa dificuldade está relacionada à necessidade
de empresas estabelecidas de ter um maior nível de previsibilidade e eficiência de sua
operação, que as leva a reforçar a estabilidade de seu modelo de negócio. Como será visto
mais adiante, uma mudança robusta no modelo de negócios do The New York Times veio
apenas cinco anos mais tarde quando a empresa anunciou a adoção da cobrança pelo conteúdo
online.
Para não afirmar que havia uma miopia completa em relação ao que se passava no
ambiente competitivo, a seção “Fatores de Risco” do relatório anual aos acionistas de 2003
trazia, pela primeira vez, uma referência ao impacto da internet em seus negócios. Nela a
empresa afirmava que “nos últimos anos, websites dedicados a empregos, imóveis e vendas
de carros tornaram-se competidores significativos dos jornais e sites de classificados da
empresa”. Isso justificava a queda acentuada de volume (-37%) que estava em curso nessa
importante origem de receitas, como mostrou a tabela 2, acima.
Começava a ficar claro que seria necessário estar mais atento aos efeitos e impactos do
crescimento da internet na estratégia de longo prazo da empresa. Uma evidência disso é que
no relatório anual aos acionistas de 2004, publicado em fevereiro de 2005, a The New York
Times Company fez uma pequena, mas importante, alteração na formalização de sua
estratégia, que passou a fazer referência às múltiplas plataformas de distribuição do conteúdo:
“Nossa estratégia é operar a principal mídia de noticias e publicidade através de múltiplas
plataformas nos mercados nacional e global” (NYTCO, 2005). No início de 2005, a aquisição
do site About.com, que era então uma referência em informações para consumidores, sendo o
15º site de maior audiência nos Estados Unidos, representou um passo importante na direção
de uma nova realidade multi-plataforma. A empresa esperava que a aquisição significasse a
incorporação de “benefícios estratégicos, incluindo a diversificação da base de anunciantes e a
ampliação de sua entrada junto aos usuários de internet” (NYTCO, 2005).
Em 2005 foi quando a The New York Times Company finalmente entendeu que
precisava se transformar mais intensamente para lidar com a nova realidade trazida pela
internet. O título do relatório anual aos acionistas publicado em 23 de fevereiro de 2006
(“Perseguindo um futuro multi-plataformas”) deixava claro que aquele foi um ano de grandes
mudanças. Na seção introdutória, a empresa reportou que seu ambiente de negócios estava em
55
profunda transformação, causando impactos relevantes na rentabilidade do negócio, e que
precisava se adaptar a ele:
“Grandes instituições fazem com sucesso a transição para uma nova era
reconhecendo o que deve ser preservado, o que deve ser aprendido, o que deve ser
reavaliado e quando é tempo de seguir em uma nova direção. Estas nunca são
decisões fáceis, mas elas são absolutamente necessárias na medida em que nos
deparamos com desenvolvimentos financeiros, tecnológicos e de mercado que estão
transformando nossa indústria. Ao entrarmos na segunda metade da década, nossos
consumidores têm maiores opções de mídia, a circulação dos jornais está sob
pressão (...). The New York Times Company está respondendo a esse novo ambiente
de negócios construindo de forma agressiva uma organização de mídia do século
XXI, que eleva a qualidade de seu jornalismo, reinveste nas alternativas impressas,
abraça os novos usos das mídias, provê maiores formas de interatividade e encoraja
o compartilhamento de interesses comuns e redes sociais (NYTCO, 2006).”
Naquele ano a empresa revisou sua estratégia, que passou a ser “construir uma
organização enxuta, ágil e disciplinada que irá revigorar o crescimento através dos negócios
existentes, criar linhas de produto em áreas chave, através de múltiplas mídias, e desenvolver
uma capacidade de pesquisa e desenvolvimento com vistas ao futuro dos negócios”, e deu
passos na direção de sua execução (NYTCO, 2006).
Além da aquisição do site About.com, outras ações significativas adotadas naquele
ano foram: 1) aquisição de 49% do jornal Metro de Boston, que representou a entrada da
empresa no mercado de jornais gratuitos (modelo de negócios distinto do The New York
Times); 2) lançamento do serviço TimesSelect, que previa a cobrança de assinaturas para
acesso ao conteúdo dos principais colunistas na internet e representou a primeira tentativa de
cobrança por conteúdo online; 3) criação de um centro de pesquisa e desenvolvimento, com o
objetivo de desenvolver pesquisas relacionadas ao futuro da distribuição de conteúdo online e
posicionar o jornal à frente da curva de evolução de tecnologia; 4) identificação de
oportunidades de redução de custos que não impactassem a qualidade do jornalismo
(NYTCO, 2006).
56
Duas dessas iniciativas merecem ser analisadas um pouco mais de perto, pois tiveram
contribuição importante para o surgimento do modelo de negócio paywall poroso seis anos
mais tarde: o serviço TimesSelect e o centro de pesquisa e desenvolvimento. Segundo as
métricas internas do jornal, o site NYTimes.com possuía, em 2005, cerca de 17 milhões de
usuários únicos em todo o mundo. Havia claramente uma oportunidade de monetização dessa
audiência, o que representaria a criação de uma nova origem relevante de receitas. A partir da
implementação do TimesSelect o conteúdo jornal permanecia gratuito na internet, à exceção
do acesso aos colunistas e aos arquivos do jornal. O custo era de US$ 49,95 por ano ou
US$7,95 por mês, apenas para quem não era assinante da versão impresso. Os assinantes
poderiam acessar todo o conteúdo gratuitamente (NYTCO, 2006). A meta do jornal era
conseguir um milhão de assinantes dentre os 17 milhões de usuários únicos (BusinessWeek,
2005b)
A iniciativa gerou repercussão no mundo dos negócios de mídia, pois se tratava da
primeira tentativa de um dos grandes jornais americanos de cobrar por seu conteúdo online. O
principal ponto de dúvida era de que, naquele momento, os usuários da internet já estariam
acostumados a acessar todo o conteúdo de que quisessem gratuitamente e que mudar essa
cultura seria tarefa árdua (BusinessWeek, 2005b). A preocupação se mostrou fundamentada.
No final de 2006, um ano após seu lançamento, o serviço possuía pouco mais de 200 mil
assinantes exclusivos online (bem abaixo da meta inicial de um milhão). Além disso, a
audiência dos colunistas do jornal havia caído fortemente. Em 2005, a lista dos 25 artigos
mais compartilhados por email no site NYTimes.com apresentava 13 artigos de colunistas.
Dois anos depois apenas um artigo de colunistas figurava entre os mais compartilhados
(Calderone, 2007).
O baixo volume de novos assinantes, associado à queda na audiência dos colunistas
levou o jornal a encerrar o serviço em setembro de 2007, com a justificativa de que o cenário
da internet havia mudado e de que os usuários acessavam a maior parte do conteúdo que
desejavam através dos sites de busca e das redes sociais (Schiller, 2007). Apesar de ter sido
descontinuado, a iniciativa do TimesSelect representou um grande aprendizado para o jornal.
É importante destacar ainda que todo o desenvolvimento dessa e de outras iniciativas que
ajudaram a formar a proposta do paywall poroso em 2011 foram viabilizadas pelo centro de
pesquisa e desenvolvimento estabelecido em 2005. Essa foi uma iniciativa estratégica de
sucesso.
57
Se 2005 foi o ano em que o jornal entendeu que precisava considerar rapidamente a
alteração no ambiente externo na reformulação de sua estratégia, 2006 foi o ano em que os
resultados operacionais da empresa começaram a ser mais fortemente impactados pelos
efeitos causados por esse novo ambiente. O primeiro parágrafo do relatório anual aos
acionistas de 2006, publicado em 1º de março de 2007, é elucidativo:
“The New York Times Company, como muitas outras empresas em nossa indústria,
está no meio de uma extraordinária transformação como nunca antes visto em nossa
existência. Organizações duradouras e bem respeitadas perduram com sucesso
agarrando-se àquilo que as tornou grandes, enquanto fazem as mudanças necessárias
para competir num mundo que se desenvolve muito rapidamente (NYTCO, 2007)”.
Depois de vários anos seguidos de crescimento e estabilidade, a circulação impressa
do The New York Times iniciou, em 2006, a sequência de quedas anuais que perdura até hoje.
Naquele ano a queda foi de cerca de 3%. Na ponta das receitas publicitárias, a partir daquele
ano os aumentos de preço de tabela não foram mais suficientes para compensar as quedas de
volume e o jornal não apresentou crescimento nessa origem de receitas (NYTCO, 2007). O
ano foi marcado ainda por uma série de medidas relevantes de redução de custos e aumento
da eficiência operacional sendo as mais importantes a redução da largura do jornal, para
economizar consumo de matéria prima, a integração de seus parques gráficos no estado de
Nova York no novo parque recém inaugurado no Queens/NY, a integração da redação e do
time comercial online com o offline e uma redução de 5% no quadro de empregados do
jornal.
O ano de 2007 seguiu no mesmo caminho. As receitas publicitárias iniciaram naquele
ano a série de quedas subsequentes que perdura até hoje. As receitas de circulação não
acompanharam a queda na circulação impressa em função dos sucessivos aumentos de preço
realizados no final de 2006 e no terceiro trimestre de 2007. Houve ainda uma revisão na
estratégia corporativa, que passou a estar baseada em quatro componentes centrais: 1)
introdução de novos produtos tanto no impresso como no digital; 2) construção da capacidade
de pesquisa e desenvolvimento; 3) rebalanceamento do portfólio de negócios; 4) gestão
agressiva de custos (NYTCO, 2008).
58
Os resultados econômicos do jornal, que já vinham pressionados e impactados pelo
crescimento exponencial dos usuários de internet na primeira metade da década, foram
devastados pela crise econômica mundial de 2008, cujos efeitos foram integralmente sentidos
em 2009. Naqueles dois anos as receitas publicitárias do The New York Times, que
representavam cerca de 60% das receitas do jornal, caíram consecutivamente 13% e depois
25% (com queda de 17% e 29% na publicidade impressa, compensada com uma estabilidade
na publicidade digital). O faturamento publicitário, que foi de cerca de 1,2 bilhões de dólares
em 2007, caiu para menos de 800 milhões de dólares dois anos mais tarde (Tabela 3)
(NYTCO, 2010, 2009). Como reação a esse cenário o jornal intensificou e acelerou a
execução da estratégia adotada no ano anterior. No penúltimo parágrafo da carta aos
investidores, o relatório anual 2008 deixa uma clara evidência de como a direção do jornal
estava enxergando aquele cenário:
“Ao longo de nossa história de 157 anos, nos deparamos com vários períodos de
dificuldade – a Grande Depressão, as guerras mundiais, a crise financeira da década
de 70, a recessão do início dos anos 80 e 90 e o estouro da bolha da Internet. Nós
resistimos a esses períodos nos mantendo firmes ao nosso valor central de criar um
jornalismo de alta qualidade e, ao mesmo tempo, tomando as medidas necessárias
para garantir nossa saúde financeira. Hoje estamos fazendo exatamente isso.
Estamos desenvolvendo novas origens de receitas, reduzindo custos, realinhando
nosso portfólio de negócios e fortalecendo nosso balanço de resultados (NYTCO,
2009)”.
RECEITA 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Publicitária $ 1.141 $ 1.222 $ 1.262 $ 1.269 $ 1.223 $ 1.077 $ 797 $ 780
Circulação $ 623 $ 616 $ 616 $ 637 $ 646 $ 668 $ 684 $ 684
Outras $ 148 $ 161 $ 157 $ 172 $ 183 $ 181 $ 101 $ 93
TOTAL $ 1.911 $ 1.999 $ 2.035 $ 2.077 $ 2.052 $ 1.926 $ 1.582 $ 1.557 Tabela 3: Receita Publicitária do jornal The New York Times entre 2003 e 2010 (em milhões
de dólares) Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.
59
Os resultados daqueles dois anos provocaram reflexões importantes no jornal, que
culminaram com a implementação do modelo de cobrança pelo conteúdo online alguns anos
mais tarde. Na mesma carta aos acionistas de 2008, a direção do jornal reflete:
“(...) Como continuaremos a prover produtos impressos para as centenas de milhares
de leitores que os valorizam ao mesmo tempo em que atraímos a nova geração de
consumidores? Como seremos remunerados pelo jornalismo que provemos online?
Como poderemos reduzir nossos custos ao mesmo tempo em que protegemos a
qualidade de nosso jornalismo? A combinação da desgraça econômica com a
mudança sem precedentes nos negócio de mídia significa que responder bem a essas
perguntas enquanto executamos nossa estratégia é mais importante do que nunca
(NYTCO, 2009).
Fruto dessas reflexões, várias ações relevantes foram colocadas em prática ou
iniciadas naqueles anos. Pela primeira vez o jornal mencionou o investimento em produção de
vídeo e em eventos ao vivo como possíveis novas fontes de receita e audiência. Em 2008 o
jornal liberou a publicação de anúncios publicitários em sua primeira página, rompendo com
uma tradição secular, numa tentativa de amenizar as quedas de receitas publicitárias do
produto impresso. As assinaturas do The New York Times em dispositivos de leitura
eletrônica, como o Kindle da Amazon, começavam a gerar receita incremental e foi lançado o
aplicativo para iPhone. Alguns negócios pouco lucrativos, como uma empresa de distribuição
de impressos, foram fechados e a redução de custos foi intensificada. Em 2007 o jornal
possuía 4.408 funcionários, que foram reduzidos a 3.222 no final de 2009 (NYTCO, 2010,
2008).
Mas as ações de maior resultado e consequência no longo prazo adotadas naqueles
anos foram a sequência de iniciativas para rentabilizar a circulação impressa. Historicamente,
o The New York Times sempre subsidiou de forma agressiva o lado dos leitores de sua rede
bilateral, com o objetivo de maximizar sua audiência e, por consequência, a receita
publicitária vinda do outro lado da rede. No ano 2000 a receita de circulação representava
menos de 25% das receitas totais de jornal (NYTCO, 2001). Com o início da queda nas
receitas publicitárias em função do crescimento da internet e dos negócios digitais o jornal
iniciou, em 2006, uma sequência de aumentos agressivos de preço na circulação, tanto nas
60
assinaturas domiciliares como no preço de capa dos exemplares avulsos. A combinação
desses dois movimentos fez a receita de circulação passar a representar 44% da receita total
do jornal em 2010, ano anterior ao lançamento do paywall poroso (NYTCO, 2011a).
Conjuntamente aos aumentos de preços, uma série de medidas foi adotada para reduzir
os volumes pouco rentáveis de circulação como, por exemplo, aqueles vendidos com altos
descontos, as vendas de lotes patrocinados ou as assinaturas de degustação (NYTCO, 2008).
A combinação desses dois movimentos resultou num aumento expressivo do preço médio das
assinaturas do jornal. A tabela 4 mostra essa evolução e evidencia um crescimento de quase
40% entre 2003 e 2010. O sucesso dessa iniciativa se refletiu diretamente no resultado de
receita total de circulação que, mesmo nos anos de crise econômica (2008 e 2009), apresentou
crescimento de 2,5% e 3,5% em comparação com o ano anterior. No relatório anual aos
acionistas de 2008, publicado no início de 2009, o jornal afirma que “a disposição de nossos
leitores de pagar mais por nosso jornal é um testemunho do valor que entregamos” e salienta
que o volume total de assinantes leais (aqueles que assinavam o jornal há dois anos ou mais)
atingiu o número de 830 mil assinantes, contra 650 mil no início do ano 2000 (NYTCO,
2009).
CIRCULAÇÃO 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Semanal 1.132 1.125 1.136 1.104 1.067 1.034 959 906
Dominical 1.682 1.670 1.685 1.638 1.530 1.451 1.405 1.357
Circulação Média 1.211 1.203 1.214 1.180 1.133 1.093 1.023 970
Receita de Circ. $ 623 $ 616 $ 616 $ 637 $ 646 $ 668 $ 684 $ 684
PREÇO MÉDIO $ 515 $ 512 $ 507 $ 540 $ 570 $ 611 $ 668 $ 704
Variação vs. 2003 - 0% -2% 5% 11% 19% 30% 37%
Tabela 4: Circulação auditada e receita de circulação do The New Yotk Times entre 2003 e
2010 (em milhões) Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.
A sustentação do alto volume de leitores fiéis mesmo diante de um cenário de crise
econômica e de sucessivos aumentos de preços reforçou para a direção do jornal a convicção
do altíssimo valor percebido de seu produto pelos consumidores, e da elevada disposição
deles por pagar. Essa constatação, aliada à enorme audiência do jornal na internet e à
necessidade premente de geração de novos fluxos de receita, levou o The New York Times a
61
anunciar a adoção de um sistema de cobrança pelo conteúdo online. Isso foi feito no relatório
anual de 2009, publicado em 22 de fevereiro de 2010:
“Nossos resultados de 2009 refletem o impacto positivo das ações agressivas que
tomamos para reposicionar nosso negócio neste cenário de mídia em
desenvolvimento. Essas ações incluem (...) diversificar nossas origens de receita,
incorporando receitas crescentes das fontes digitais, introduzindo uma sequência de
novos produtos e inovações, e estendendo nosso alcance para outras audiências. (...)
Um exemplo recente de nosso esforço de reposicionamento é o anuncio de que
vamos implementar um modelo pago para o NYTimes.com no início de 2011.
Escolhemos uma abordagem porosa, que oferecerá aos usuários acesso gratuito a um
determinado número de artigos por mês e a partir daí começa a cobrar dos usuários
que excederem esse limite. Fundamentalmente, estamos tomando esse importante
passo para continuar suportando o admirado jornalismo do The New York Times
(NYTCO, 2009)”.
4.3 Modelo de negócios paywall poroso: escolhas e consequências
Após o entendimento da sequência de análises e decisões estratégicas que levaram o
jornal The New York Times a adotar o sistema de cobrança de assinaturas pelo acesso ao
conteúdo online, esta seção vai descrever seu modelo de negócio, a partir do detalhamento das
escolhas feitas pelo jornal e de suas consequências. Da definição do constructo modelo de
negócios e da relação entre ele e a estratégia da empresa, propostas por Casadesus-Masanell e
Ricart (2010), depreende-se que o modelo de negócios de uma empresa é algo externamente
observável (ainda que a estratégia não seja) e que ele é constituído essencialmente de duas
partes: as escolhas sobre como a empresa deve operar e as consequências dessas escolhas. As
escolhas podem estar relacionadas às políticas, aos ativos ou à estrutura de governança da
empresa. As consequências dessas escolhas podem ser flexíveis ou rígidas, de acordo o grau
de volatilidade em relação a mudanças nas escolhas que as causaram.
Esta pesquisa, a partir dos dados levantados na análise documental e de sua testagem
junto a diferentes fontes de evidência, identificou um conjunto de onze escolhas fundamentais
62
feitas pelo The New York Times, associadas a dezessete consequências diretas e indiretas
dessas escolhas, que caracterizam adequadamente o modelo de negócios paywall poroso.
Conforme visto na fundamentação teórica, não é possível, nem tampouco útil, produzir uma
relação exaustiva de todas as escolhas e consequências existentes em um modelo negócios.
Há que se encontrar o nível adequado de agregação, que viabilize uma correta análise a
respeito da efetividade do modelo de negócios e uma discussão adequada dos objetivos
propostos para esse trabalho. Para cada uma das onze escolhas identificadas no trabalho de
pesquisa, serão apresentados a descrição detalhada de seu significado, as evidências
encontradas de que se trata de uma escolha relevante para a compreensão do modelo de
negócios, sua classificação segundo o modelo proposto por Casadesus-Masanell e Ricart
(2010) e as consequências decorrentes dessa escolha, com sua devida classificação.
Há que se registrar ainda que o foco de atenção no detalhamento apresentado a seguir
está nas escolhas e consequências relacionadas a um dos lados da rede bilateral, aquele dos
leitores, e na adoção do modelo de cobrança pelo conteúdo online. Mesmo que algumas
escolhas e consequências façam referência ao outro lado da rede bilateral, aquele dos
anunciantes, esse não é foco de atenção do estudo. É possível entender essa opção
metodológica do presente trabalho a partir do conceito de “decomposição” proposto por
Casadesus-Masanell e Ricart (2007). Segundo eles, a partir desse recurso é possível separar
do todo um conjunto de escolhas e consequências que não estejam estritamente relacionadas
com as demais, como forma de construir uma análise mais focada e aprofundada. É
exatamente isso que se pretende com o estudo do modelo de negócios paywall poroso: um
foco no modelo de cobrança do conteúdo online.
4.3.1 Escolha 1: Jornalismo da mais alta qualidade e credibilidade
Produzir jornalismo da mais alta qualidade e credibilidade foi uma escolha feita pelo
The New York Times desde sua aquisição por Adolph S. Ochs, em 1896, e continuou sendo
um dos principais pilares de sustentação de seus resultados durante toda a história do jornal.
Na transição para o novo modelo de negócios, fortemente amparado na cobrança pelo
conteúdo online, essa escolha se tornou ainda mais relevante do que antes, em função de
algumas características do novo ambiente competitivo, em especial: 1) aumento no número de
63
concorrentes potenciais a partir do surgimento de novos veículos de mídia totalmente
amparados na internet, cujo exemplo mais relevante é o jornal Huffington Post; 2)
transformação do público anteriormente conhecido como “audiência”, que deixa ter um papel
meramente passivo e passar a atuar de forma mais protagonista como fonte, como produtor de
conteúdo e mesmo como canal direto de notícias a partir de blogs e redes sociais (The
Economist, 2011); 3) surgimento de empresas e tecnologias especializadas em agregação de
conteúdo online (como Google News, My Yahoo e outras).
Essas características, associadas ao movimento inicial da própria indústria de mídia de
disponibilizar seu conteúdo online de forma gratuita nos primeiros anos de internet, levaram a
um processo de comoditização da notícia e à expectativa de gratuidade por parte do público
consumidor. Para transformar esse cenário e viabilizar o sucesso de um movimento de
cobrança pelo conteúdo online, é necessário haver uma grande disposição para pagar desse
público, amparada numa alta percepção de valor do produto. Isso só é possível a partir de um
forte investimento em qualidade e credibilidade.
Várias são as evidências de que essa é uma escolha de negócios feita pela direção do
jornal, conforme abordado nas seções 4.1 e 4.2. Dentre essas evidências destacam-se a
formalização do compromisso com a qualidade nos princípios de governança corporativa
(NYTCO, 2012b), o fato de o The New York Times ser o maior empregador de jornalistas
(Invdik, 2012; Pérez-Peña, 2009) e o maior ganhador de prêmios Pullitizer (NYTCO, 2013b)
nos Estados Unidos e o fato de o jornal possuir margens operacionais tradicionalmente
menores que seus concorrentes em razão dessa opção (Smolkin, 2007). Em adição a isso, o
jornal reconhece formalmente a importância de produzir esse jornalismo de alta qualidade na
seção de “Fatores de Risco” de seus últimos relatórios anuais aos acionistas, onde afirma:
“O sucesso de nosso negócio depende substancialmente de nossa reputação como
provedores de jornalismo e conteúdo de qualidade. (...) A proliferação de mídias não
tradicionais, amplamente disponíveis a custo zero, desafia o modelo de negócios da
mídia tradicional, no qual o jornalismo de qualidade vem sendo suportado por
receitas de publicidade impressa. Se os consumidores não conseguirem mais
diferenciar o conteúdo produzido por nós daquele produzido por outros provedores,
seja na internet ou de qualquer outra maneira, nós podemos experimentar queda em
nossas receitas (NYTCO, 2007).”
64
A partir dessas evidências fica claro que, do ponto de vista de sua classificação, se
trata de uma escolha relaciona à política da empresa.
Dentro do nível de agregação proposto para esse trabalho de pesquisa, foi possível
identificar duas consequências diretas da escolha por um jornalismo da mais alta qualidade e
credibilidade: uma alta percepção de valor do produto por parte do público consumidor, que
se traduz diretamente numa maior disposição para pagar, e a contribuição para construção de
uma marca forte e admirada. No relatório anual aos acionistas de 2012 (NYTCO, 2013a) o
jornal reconhece essas consequências ao afirmar textualmente que “em razão de nosso
jornalismo de alta qualidade, acreditamos que temos marcas muito poderosas e confiáveis,
que atraem uma audiência educada, de alto poder aquisitivo e influente”. Essas duas
consequências diretas podem ser classificadas como rígidas, dado que continuarão a existir
mesmo que essa escolha possa ser alterada por um período de tempo. O quadro 3 resume as
informações a respeito dessa escolha.
ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO
Alta percepção de valor do produto / Alta disposição dos
clientes para pagarRígida
Marca forte e admirada Rígida
1 Jornalismo da mais alta qualidade e credibilidade Políticas
Quadro 3: Resumo da Escolha 1 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.
4.3.2 Escolha 2: Diversificação dos canais de distribuição do conteúdo
O surgimento e o crescimento da internet provocou uma segmentação importante no
público consumidor de mídia. Se antes a grande maior parte das pessoas afirmavam se manter
informadas a partir dos veículos tradicionais de mídia, como jornais, televisão e rádios, uma
parcela cada vez maior de pessoas passou a usar a internet como principal fonte de consumo
de notícias (Olmstead et al., 2013). Dentre as principais características desse novo segmento,
está o fato de ser formado por um público mais jovem e mais adepto de novas tecnologias do
que a média, muitos deles nativos digitais.
65
Para manter sua relevância e sua participação de mercado nesse novo cenário
competitivo, o The New York Times precisou diversificar os canais de distribuição de seu
conteúdo, antes concentrado essencialmente no jornal impresso. Isso foi formalizado a partir
de 2005, quando esse assunto entrou definitivamente em pauta e o título de seu relatório anual
aos investidores era “Perseguindo um futuro multi-plataformas”. No relatório anual aos
acionistas de 2007, publicado em fevereiro de 2008, a direção do jornal afirmava:
“Num ano difícil para a indústria de mídia, The New Yotk Times Company
conquistou avanços significativos em sua transição de uma empresa focada
primeiramente em produtos impressos para uma empresa que é progressivamente
digital em seu foco e multi-plataforma na distribuição de seus produtos. (NYTCO,
2008).”
Naquele mesmo ano de 2007 o jornal lançou sua versão para a plataforma de livros
eletrônicos Kindle, da Amazon. Em 2008 lançou o aplicativo para Iphone (NYTCO, 2009) e
em 2010 o aplicativo para iPad. No ano de 2010, jornal já estava também disponível em
diversas outras plataformas de livros eletrônicos, como o Nook (da livraria Barnes&Nobles) e
o Sony Reader (NYTCO, 2010), e em diversas plataformas móveis como BlackBerry e
PalmPre e Android. Em 2012 o jornal anunciou uma iniciativa, chamada de “NYT
Everywhere”, para passar a disponibilizar seu conteúdo em plataformas desenvolvidas por
terceiros. A primeira parceria decorrente dessa iniciativa foi com a empresa startup americana
Flipboard, cujo aplicativo passou a oferecer o conteúdo do The New Yotk Times em junho
daquele ano (Owen, 2012).
A partir dessas evidências fica claro que, do ponto de vista de sua classificação, a
diversificação dos canais de distribuição é uma escolha relaciona à política da empresa.
Percebe-se ainda, que duas consequências decorrem dessa escolha. Em primeiro lugar há um
impacto positivo direto na audiência do conteúdo produzido pelo jornal, uma vez que estando
disponível em diversas plataformas o jornal consegue atingir um público mais amplo e
diversificado. Há também a consequência direta de atração de um segmento novo, de público
jovem, mais engajado e adepto de novas tecnologias, o que indiretamente também contribui
para a sustentação de elevados índices de audiência. Os elevados níveis de audiência do
66
conteúdo produzido pelo The New York Times são uma consequência rígida. Já a atração do
segmento de público jovem é uma consequência flexível, dado que se a escolha por novos
canais de distribuição deixar de existir, essa consequência tende a desaparecer. O quadro 4
resume as informações a respeito dessa escolha.
ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO
Atração de novos segmentos (público jovem) Flexível
Altos níveis de audiência Rígida2 Diversificação dos canais de distribuição de conteúdo Políticas
Quadro 4: Resumo da Escolha 2 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.
4.3.3 Escolha 3: Diversificação dos fluxos de receita
Como visto anteriormente, as receitas de publicidade do The New York Times
sofreram forte impacto em função do crescimento da internet e da entrada de novos
competidores no mundo digital, e foram devastadas pela crise econômica de 2008. Se até
2006 as quedas nos volumes físicos de anúncios conseguiam ser compensadas por aumentos
recorrentes de preços de tabela, a partir de 2007 isso não foi mais possível. As receitas
publicitárias do jornal, que representavam cerca de 2/3 das receitas totais no ano 2000,
passaram a representar menos de 50% em 2012, pela primeira vez na história (Gráfico 6).
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
Receitas Publicitárias
Receitas de Circulação
Outras Receitas
Gráfico 6: Participação das diferentes origens na receita do The New York Times
entre 2000 e 2012 Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.
67
O agravante desse cenário é que as receitas publicitárias digitais não se mostraram
capazes de compensar a queda abrupta das receitas do impresso, principalmente em razão do
altíssimo estoque de anúncios online disponível na internet. O relatório anual aos acionistas
de 2009 (NYTCO, 2010) afirma que “na publicidade digital o mercado tem experimentado
uma pressão para baixo nos preços dos anúncios, em razão dos aumentos significativos de
estoques disponíveis”. As receitas de publicidade digital, que chegaram a crescer a taxas
anuais superiores a 20% em meados da década de 2000, não apresentaram crescimento algum
em 2012 (NYTCO, 2013a).
Diante dessa situação, a alternativa restante para o The New York Times foi encontrar
maneiras de diversificar suas fontes de receitas. Apesar de ter havido algumas iniciativas
anteriores a 2008, como TimesSelect mencionado anteriormente, foi a partir daquele ano que
os relatórios anuais passam a usar com freqüência o termo “diversificação do fluxo de
receitas”. A grande iniciativa nessa direção, construída a partir da sólida audiência online e
da altíssima percepção de valor do produto por parte dos leitores (como visto na seção 4.2),
foi o início da cobrança pelo acesso conteúdo online, implantada em 2011.
Além dessa consequência direta, a escolha pela diversificação dos fluxos de receita
representou ainda o desenvolvimento de outras fontes alternativas. O relatório anual de 2012
fala da busca por uma “expansão do portfólio de produtos digitais pagos”, pelo
“desenvolvimento de competências estratégicas na produção de vídeo” e da “expansão dos
negócios de eventos e conferências”. De fato, em abril de 2013, durante a apresentação dos
resultados alcançados no primeiro trimestre do ano, o jornal anunciou a decisão de retirar o
acesso a seus vídeos da barreira imposta pelo sistema de cobrança pelo conteúdo online e
também um novo modelo de patrocínio para essa seção do site. No comunicado oficial, o
presidente da empresa afirmou: “queremos crescer nossos negócios lançando novos produtos
e serviços, baseados na força única do jornalismo do The New Yotk Times, investindo na
rápida expansão das operações atuais (vídeos e eventos ao vivo são exemplos), onde já
estamos vendo forte crescimento” (NYTCO, 2013c). A escolha pela diversificação dos fluxos
de receita está também relacionada às políticas da empresa. Suas duas consequências diretas
são flexíveis, dado que deixarão de existir se a opção pela diversificação também desaparecer.
O quadro 5 resume as informações a respeito dessa escolha.
68
ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO
Novas fontes de receita Flexível
Cobrança pelo acesso ao conteúdo do site Flexível3 Diversificação dos fluxos de receita Políticas
Quadro 5: Resumo da Escolha 3 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.
4.3.4 Escolha 4: Opção por um modelo poroso de cobrança pelo conteúdo online
Uma vez decidida a cobrança do conteúdo online, surgiu uma nova escolha a ser feita,
referente ao modelo de cobrança adotado. Importante notar que, ainda que seja decorrente da
escolha anterior, a definição do modelo de cobrança não é ainda uma escolha de ordem tática
uma vez que diferentes modelos de cobrança pelo conteúdo podem dar origem a diferentes
modelos de negócios.
A escolha feita pelo The New York Times está detalhada numa carta de seu presidente
a todos os assinantes, quando do lançamento da iniciativa, em março de 2011 (Sulzberger,
2011). Nela ficaram esclarecidas as principais características (escolhas táticas) do modelo
cobrança no momento de seu lançamento:
Assinantes do produto impresso têm acesso irrestrito a todo conteúdo do jornal,
em todas as plataformas;
Não-assinantes têm um limite de 20 artigos grátis por mês no site
NYTimes.com. A partir do vigésimo-primeiro acesso o usuário é convidado a
se tornar um assinante digital6;
Nos dispositivos móveis (tablets e smartphones), apenas a seção “Top News”
está disponível para não-assinantes. Para acessar qualquer outra seção o
usuário é convidado a ser tornar um assinante digital;
Estão disponíveis três modalidades de assinaturas digitais, cujos preços variam
conforme o dispositivo de acesso. Assinaturas para acesso através de tablets
são mais caras do que para acesso através de smartphones.
6 Em 01 de abril de 2012 o The New York Times reduziu o limite de artigos gratuitos de 20 para 10 artigos por
mês
69
O acesso a artigos específicos, feito através de sites de busca (como Google) ou
através das redes sociais (como Twitter ou Facebook), não é contabilizado no
limite de acessos gratuitos por mês;
A opção por esse modelo poroso de cobrança, em oposição aos dois outros modelos
mais comumente adotados até aqui por empresas jornalísticas ao redor do mundo (o modelo
gratuito, utilizado pelo jornal inglês The Guardian, e o modelo de fechamento quase total,
utilizado pelo The Wall Street Journal), tem duas consequências diretas. A primeira delas é
que ela viabiliza um novo fluxo efetivo de receitas para a empresa, a partir da venda de
assinaturas digitais para aqueles usuários que querem ir além do limite gratuito. A segunda
consequência é que, simultaneamente, o modelo preserva a grande maior parte da audiência
online do jornal (especialmente de usuários menos intensos e oriundos de mecanismos de
busca e redes sociais), mantendo a viabilidade de geração de receitas publicitárias digitais.
Após dois da implantação de seu modelo de cobrança o número de assinantes digitais
do The New York Times chegou a 676.000 usuários (NYTCO, 2013c), que contribuíram para
que a receita total de circulação tivesse um crescimento de 16% no período (saiu de US$683
milhões em 2010 para US$795 milhões em 2012). Em função desse crescimento e da queda
nas receitas publicitárias, 2012 ficou marcado como o ano em que pela primeira vez as
receitas de circulação superaram as receitas publicitárias no jornal. Nesse mesmo período de
dois anos a audiência do site NYTimes.com apresentou uma queda de 12%, decorrente da
implantação da barreira de acesso, saindo de uma média mensal de 33 para 29 milhões de
usuários únicos mensais em dois anos. A receita de publicidade digital cresceu 9% de 2010
para 2011 e depois se manteve estável em 2012 (NYTCO 2013a, 2012a, 2011).
Do ponto de vista de sua classificação, a escolha por um modelo poroso de cobrança
se refere a uma política da empresa. Suas duas consequências diretas (geração de novo fluxo
de receitas e preservação da audiência online) são ambas consequências rígidas. Uma
consequência indireta importante, decorrente da escolha tática de conceder acesso integral ao
conteúdo online a todos os assinantes da edição impressa do jornal foi um aumento nas
vendas das assinaturas impressas. O relatório anual aos acionistas de 2011 informa que “desde
o lançamento dos planos de assinaturas digitais, The Times, tem visto um aumento nos
pedidos de entrega domiciliar e elevações nas taxas de retenção de assinantes, comparado
com o período anterior ao lançamento dos planos” (NYTCO, 2012a). O quadro 6 resume as
informações a respeito dessa escolha.
70
ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO
Altos níveis de audiência Rígida
Relevância da receita de leitores fiéis Rígida
4Opção por um modelo poroso de cobrança pelo
conteúdo onlinePolíticas
Quadro 6: Resumo da Escolha 4 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.
4.3.5 Escolha 5: Concentração do portfólio de negócios da holding na marca “The
New York Times”
Ao longo dos últimos dez anos a The New York Times Company passou a fazer uma
gestão bastante ativa de seu portfólio de negócios, concentrando-se progressivamente
naqueles negócios mais relevantes e de maior alinhamento estratégico com as competências-
chave da empresa.
No início dos anos 2000 a empresa possuía um portfólio extenso de negócios
espalhados em diferentes plataformas: impressas, online e de broadcast. Esse portfólio incluía
os jornais The New York Times, Boston Globe, Worcester Telegram &Gazzete e quinze
outros títulos regionais, os sites Nytimes.com e Boston.com, uma distribuidora de produtos
impressos na região de Nova York, oito emissoras de televisão e duas emissoras de rádio
(NYTCO, 2013a). Em 2005 a empresa passou a executar uma “expansão do portfólio de
propriedades multimídia para reforçar sua liderança de mercado”, alinhada com a estratégia
vigente de construção de um futuro multi-plataformas. Naquele ano adquiriu o site
About.com, uma nova emissora de TV e uma participação no jornal gratuito Metro, de Boston
(NYTCO, 2006).
A partir de 2006, já sob os efeitos claros do crescimento da internet, a estratégia de
expansão de portfólio deu lugar a um “rebalanceamento do portfólio de propriedades e
exercício da disciplina financeira para alocar o capital em benefício dos acionistas” (NYTCO,
2007). No início de 2007 a empresa vendeu todo seu negócio de emissoras de televisão, uma
de suas rádios e comprou outras quatro empresas menores de internet7. Em 2008 The New
York Times Company afirmava que seu “foco estava na venda de ativos que não tinham
7 Baseline Studio Systems; Calorie-count.com ; ConsumerSearch.com e UCompareHealthCare.com
71
adequação à empresa, em especial diante da busca por reduzir o déficit e elevar a liquidez”
(NYTCO, 2009) e em 2009 que uma das ações-chave daquele ano foi o “gerenciamento e
rebalanceamento do portfólio de ativos para reforçar as operações centrais e a presença
digital” (NYTCO, 2010). De fato entre 2008 e 2009 a empresa se desfez da distribuidora de
impressos, de um de seus jornais regionais e de sua última emissora de rádio, na cidade de
Nova York.
Entre 2011 e 2012, já com o sucesso inicial do modelo de cobrança pelo conteúdo
digital do The New York Times, a holding vendeu todos os negócios de internet que havia
comprado nos anos anteriores (About.com e as quatro empresas menores), todo o conjunto de
jornais regionais e comunicou o início das tratativas para venda do jornal Boston Globe,
afirmando que esses movimentos iriam permitir “a concentração do foco estratégico e da
capacidade de investimentos na marca The New Yotk Times e em seu jornalismo”. Dentro
desse mesmo espírito, o The International Herald Tribune, que é a edição internacional do
jornal, teve seu nome alterado para The International New York Times. Com isso, todo o
foco, as energias e a capacidade de investimento da holding se voltaram para sua principal
marca (NYTCO, 2013a, 2012a).
Trata-se claramente uma escolha relativa aos ativos da empresa, que tem como
consequências uma elevação da capacidade de investimentos nos negócios remanescentes
(especialmente como decorrência da capitalização financeira) e o fortalecimento da marca
The New York Times, uma vez que a partir dessa escolha todos os negócios da empresa
passam a operar sob uma só marca. A primeira é uma consequência flexível, já a segunda é
uma consequência rígida, na medida em a marca forte e admirada continuará existindo ainda
que no futuro a empresa opte por investir também em outras marcas. O quadro 7 resume as
informações a respeito dessa escolha.
ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO
Aumento da capacidade de investimento Flexível
Marca forte e admirada Rígida
5Concentração do portfolio de negócios da holding na
marca "The New York Times"Ativos
Quadro 7: Resumo da Escolha 5 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.
72
4.3.6 Escolha 6: Expansão da atuação global
A expansão da atuação global da marca The New York Times pode ser entendida
como uma sequência do movimento estratégico de expansão geográfica implantado pelo
jornal no início dos anos 80 e depois no final dos anos 90. Nos dois períodos anteriores, essa
expansão se deu pelo aumento da presença física e pela expansão da força da marca por todo
o mercado norte-americano, a partir de Nova York. Esse movimento busca, essencialmente,
ampliar o mercado potencial da marca a partir de uma presença mais robusta nos principais
mercados emergentes.
Historicamente o The New York Times sempre esteve presente na Europa, a partir de
seu título editado em Paris, como mencionado anteriormente. Ao longo dos últimos anos,
passos concretos foram dados objetivando-se a expansão de sua atuação global, ancorada na
marca The New York Times: em 2009 o acesso internacional ao site do jornal passou a ser
feito através do endereço global.nytimes.com, ao invés de iht.com, que era usado até então.
Em 2012 a empresa anunciou a mudança completa da marca The International Herald Tribune
para The International New Yotk Times e lançou uma edição publicada em língua chinesa,
editada em Pequim, distribuída apenas em plataforma digital. No comunicado de seu
lançamento o jornal fez uma referência à crescente classe média chinesa, composta de pessoas
“educadas, de alto poder aquisitivo e cidadãs globais” (Haughney, 2012b). Também em 2012
a empresa anunciou a intenção de lançar uma edição em português, editada no Brasil, prevista
para o final de 2013 e depois adiada para 2014. Atualmente 10% dos assinantes (das edições
impressa e digital) e 1/3 dos leitores do leitores do jornal são de fora dos Estados Unidos
(Doctor, 2012).
Várias das características dos modelos de negócios online, discutidas por Amit e Zott
(2001), podem ser notadas nesse movimento de globalização, viabilizando sua implantação:
redução dos custos de transação e coordenação, quebra de fronteiras geográficas, novas
formas de conexão direta entre compradores e vendedores. Fica claro que nesse caso a
“eficiência”, tangibilizada principalmente na redução de custos de distribuição, é a principal
fonte de geração de valor. A opção pela expansão global do jornal é uma escolha relacionada
à política da empresa e tem como consequências diretas o fortalecimento marca The New
York Times em âmbito global e a elevação da audiência online do jornal a partir da expansão
73
do mercado leitor. Ambas as consequências são rígidas, pois mesmo que a opção pela
expansão global seja revista, a marca forte em âmbito global e a audiência oriunda do exterior
perdurarão. O quadro 8 resume as informações a respeito dessa escolha.
ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO
Altos níveis de audiência Rígida
Marca forte e admirada Rígida6 Expansão da atuação global Políticas
Quadro 8: Resumo da Escolha 6 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.
4.3.7 Escolha 7: Investimentos expressivos em promoção e comunicação de
marketing
Para garantir o sucesso da iniciativa de passar a cobrar pelo acesso ao conteúdo online
o jornal The New York Times investiu desproporcionalmente na promoção de vendas e
comunicação de marketing de seu novo produto nos primeiros dois anos após o lançamento,
visando gerar experimentação e convencer as pessoas a pagar pelo que até então era gratuito.
Já no lançamento do sistema de cobrança, duas ações de grande relevância foram deflagradas:
investimentos de US$13 milhões em campanhas promocionais para as assinaturas digitais
(montante que inclusive foi considerado por alguns analistas como sendo incompatível com a
fragilidade econômica em que o jornal se encontrava) (NYTCO, 2011b) e o anúncio de que a
Ford Motor Company iria patrocinar (através da marca Lincoln) um volume de cem mil
assinaturas digitais para os leitores mais fiéis ao site, por um período de nove meses (Doctor,
2011).
Além desses investimentos, o jornal disparou uma promoção de degustação da
assinatura digital (que está válida até hoje), onde qualquer pessoa pode experimentar as
primeiras quatro semanas da assinatura pagando apenas US$0,99, implantou diversas outras
ações pontuais de promoção de vendas, como o recorde de vendas estabelecido na Cyber
Monday americana (dia especial de vendas online) de 2011(Miller, 2011; Pompeo, 2012), e
fez um investimento expressivo em ações de comunicação conceitual, focadas no
posicionamento da marca, como a campanha de vídeos de um minuto lançada em 2012
(vídeos disponíveis em: http://www.nytimes.com/marketing/politics2012/index.html)
74
A principal consequência dessas ações foi a contribuição direta para um resultado de
vendas bastante acima da expectativa do jornal e das previsões dos analistas, fruto da
sustentação dos altos níveis de audiência e de uma maior disposição por pagar dos usuários do
site. Após o segundo ano de existência do modelo de cobranças, o jornal possuía um volume
total de 676.000 assinantes, com um crescimento trimestral continuado. (Gráfico 7).
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
mar
-11
mai
-11
jul-
11
set-
11
no
v-1
1
jan
-12
mar
-12
mai
-12
jul-
12
set-
12
no
v-1
2
jan
-13
mar
-13
Assinantes
Gráfico 7: Volume total de assinantes digitais do The New York Times desde o
lançamento do produto Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.
A escolha por investimentos elevados em promoção e comunicação de marketing está
relacionada à política da empresa. Elevados níveis de audiência, marca forte admirada e alta
percepção de valor e disposição dos clientes para pagar são todas consequências rígidas
decorrentes dessa escolha. O quadro 9 resume as informações a respeito dessa escolha.
ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO
Altos níveis de audiência Rígida
Marca forte e admirada Rígida
Alta percepção de valor do produto / Alta disposição dos
clientes para pagarRígida
7Investimentos expressivos em promoção e
comunicação de marketingPolíticas
Quadro 9: Resumo da Escolha 7 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.
75
4.3.8 Escolha 8: Estrutura de custos enxuta
A estrutura organizacional adequada para enfrentar o novo ambiente competitivo na
indústria jornalística é claramente diferente daquela do início dos anos 2000. Apesar do tema
da gestão de custos estar presente em praticamente todos os relatórios anuais pesquisados, foi
a partir de 2006 que ele tomou relevância e senso de urgência ao se tornar uma das cinco
prioridades estratégicas para o jornal. Naquele ano algumas decisões importantes foram
adotadas como a unificação dos parques gráficos no estado de Nova York, a redução da
largura física do jornal e uma aceleração da redução do quadros de funcionários (NYTCO,
2007).
Entretanto, foi a partir de 2008 e dos impactos sofridos pelas consequências da crise
mundial que medidas de absoluta austeridade foram colocadas em vigor. Naquele ano o jornal
reduziu em 5% seu custo total de operação com foco em “consolidação de operações,
fechamento de negócios que não estavam atingindo suas metas financeiras, terceirização,
redução da circulação pouco rentável e redução no consumo de papel e nos custos de
produção”. Em 2009 o jornal passou a falar da necessidade de construção de uma “estrutura
de custos simplificada8” e obteve outros 17% de redução nos custos totais em comparação
com o ano anterior. Havia, entretanto, uma ressalva importante: a busca era por uma redução
inteligente, que preservasse a qualidade do jornalismo. Em 2010 o jornal reportava ter
reduzido outros US$171milhões e ter chegado a uma redução total de 29% na base de custos,
em comparação com 2006, quando esse tema se tornou uma prioridade. O gráfico 8, que
mostra a evolução do total de funcionários empregados no The New York Times, é uma
evidência concreta dessa escolha.
8 Streamlined, no original em ingês.
76
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Funcionários
Gráfico 8: Total de funcionários do The New York Times entre 2003 e 2012
Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.
É importante ressaltar que a redução de quase dois mil funcionários obtida nesse
período preservou integralmente o jornalismo do The New York Times, em mais uma
evidência da sólida escolha pela produção de um jornalismo de qualidade. O número total de
jornalistas empregados na empresa em 2012 era praticamente o mesmo de 2003 (Invdik,
2012), ou seja, construiu-se uma redução de custos inteligente que preservou o maior
patrimônio da marca. A escolha por uma estrutura de custos enxuta inclui uma parte que é
relacionada às políticas da empresa e outra que é relacionada aos ativos (consolidação de
operações, venda de ativos, etc.). A principal consequência dessa redução de custos, dado que
há preservação da qualidade do jornalismo, é uma potencial melhoria dos resultados
econômicos do jornal decorrente de menores despesas. É evidente que trata-se de uma
consequência flexível, na medida em que ela deixará de existir se o jornal revogar a escolha
por uma estrutura enxuta de custos. O quadro 10 resume as informações a respeito dessa
escolha.
ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO
8 Estrutura de custos enxuta Políticas / Ativos Elevação do resultado econômico do jornal Flexível
Quadro 10: Resumo da Escolha 8 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.
77
4.3.9 Escolha 9: Rentabilização do produto impresso
Essa escolha poderia estar incluída na anterior, relacionada à estrutura de custos, uma
vez que se refere à opção feita pelo jornal de abrir mão dos exemplares pouco rentáveis de
circulação impressa. Uma avaliação mais precisa, entretanto, traz à tona dois de seus aspectos
que não têm relação direta com o custo: o aumento continuado dos preços de assinaturas e de
exemplares avulsos por anos seguidos, associado à sustentação do alto número de assinantes
fiéis mesmo após esses aumentos de preços. O resultado positivo dessa combinação deu à
empresa a convicção de possuir um produto altamente valorizado por seus leitores e que
culminou com a decisão pela adoção da cobrança pelo conteúdo online.
Inicialmente a decisão de rentabilizar a circulação foi embasada por uma perspectiva
de defesa dos resultados econômicos da empresa em um ambiente de crise. O relatório anual
de 2007 afirmava que “parte do declínio da circulação (...) está ligado à nossa decisão
deliberada de reduzir sua parcela menos lucrativa, ou seja, exemplares vendidos com altos
descontos ou exemplares patrocinados” (NYTCO, 2008). Progressivamente, esse olhar
defensivo focado na redução de custos se transformou numa abordagem ofensiva, focada no
crescimento das receitas (decorrente da constatação de uma demanda majoritariamente
inelástica entre os assinantes com mais de dois anos de relação com o produto). No relatório
de 2009 o jornal afirmava: “Nos últimos anos nossos jornais se focaram numa estratégia de
redução da circulação menos lucrativa e no aumento dos preços de circulação. Os resultados
positivos de receita obtidos com esses aumentos de preços confirmam que nosso jornalismo é
altamente valorizado por nossos leitores”. (NYTCO, 2010).
O declínio permanente das receitas publicitárias do jornal nos últimos cinco anos,
associado à falta de perspectiva de uma mudança nesse cenário e à força demonstrada pelas
receitas de circulação, produziu uma virada estratégica importante para a empresa, que passou
a concentrar boa parte de seus esforços recentes nesse lado de sua rede bilateral (os leitores).
A partir de 2011 o jornal passou a reportar sua circulação total de forma consolidada
(assinaturas impressas mais digitais). Essa decisão se tornou um impedimento concreto a uma
avaliação mais precisa dos impactos sofridos pela circulação impressa em razão da
sustentação da estratégia de elevação de preços, que permanece em curso com aumentos do
78
preço de capa em março de 2012 e das assinaturas impressas em março de 2012 e novamente
no início de 2013 (Byers, 2012).
A escolha pela rentabilização da circulação impressa está relacionada à política da
empresa e tem como consequências diretas o aumento das receitas de leitores fiéis e uma
redução da circulação de exemplares impressos (a primeira delas é uma consequência rígida e
a segunda é uma consequência flexível). A queda na circulação de exemplares impressos, se
por um lado ajuda a reduzir os custos de produção e distribuição, por outro lado acelera a
queda nas receitas publicitárias. O jornal vem compensando parte dessa queda com a elevação
das taxas de vendas e retenção obtidas a partir da implantação do modelo de cobrança online.
O quadro 11 resume as informações a respeito dessa escolha.
ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO
Relevância da receita de leitores fiéis Rígida
Queda na circulação impressa Flexível9 Rentabilização do produto impresso Políticas
Quadro 11: Resumo da Escolha 9 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.
4.3.10 Escolha 10: Cultura organizacional orientada para o digital
Não faria sentido algum para o The New York Times pretender ser uma empresa de
atuação focada no mundo digital preservando uma cultura organizacional ainda ancorada no
produto impresso. Uma série de medidas com o objetivo de contaminar positivamente a
empresa com a cultura do mundo digital tem sido tomada recentemente.
Antes tratada como uma unidade de negócios a parte, o site Nytimes.com passou a
integrar, para fins de prestação de contas de resultados, a mesma unidade de negócios do
jornal impresso em 2004. No ano seguinte o jornal tomou a decisão de consolidar as equipes
de redação e as equipes comerciais online e offline, o que se mostrou uma decisão acertada
conforme o exposto no relatório anual de 2010:
79
“Vários anos atrás, o The Times integrou seu time de vendas de anúncios, assim
como suas redações impressa e digital. Hoje aproximadamente 80% dos 100 maiores
anunciantes do jornal compram mídia cruzada entre nossos produtos impresso e
digital, para maximizar as oportunidades de adjacência com o conteúdo convincente,
que atinge uma audiência de alto poder aquisitivo e influente. (NYTCO, 2011a)”
Outra evidência relevante dessa busca por uma cultura orientada para o digital foi a
recente nomeação (em 2012) de dois novos integrantes do conselho de administração da
empresa com ampla experiência no mundo digital: Joichi Ito, diretor do MediaLab do MIT
(Massachussets Institute of Technolgy) e Brian McAndrews, oriundo de uma empresa de
venture capital especializada na captação de investimentos para empresas de tecnologia
(Haughney, 2012a). Ao anunciá-los, o presidente da empresa afirmou que os dois novos
conselheiros “trazem profunda experiência digital para o conselho de administração da
empresa, o que será decisivo para a continuidade de nossa transformação cultural”. Essa
decisão se soma a outras mudanças importantes tomadas anteriormente na busca por uma
cultura digital, sendo a principal delas a decisão pela troca da antiga CEO da empresa, Janet
Robinson, feita no final de 2011. Analistas de negócios creditaram essa substituição à
necessidade de construção de uma cultura ainda mais digital na empresa (Chozick, 2011).
Segundo eles Janet estava muito ligada ao produto impresso, uma vez que foi a grande líder
da estratégia de expansão nacional implantada no final dos anos 90.
A escolha pela construção de uma cultura orientada para o digital está relacionada à
governança da empresa, na medida em que orienta as decisões a respeito de políticas e ativos.
Ela tem duas consequências diretas: a aquisição de novas competências, ligadas ao mundo
digital e uma mais integração nas operações online e offline. Ambas as consequências são
flexíveis. O quadro 12 resume as informações a respeito dessa escolha.
ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO
Presença de competências ligadas aos negócios digitais Flexível
Integração das operações online e offline Flexível10 Cultura organizacional orientada para o digital Governança
Quadro 12: Resumo da Escolha 10 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.
80
4.3.11 Escolha 11: Alavancagem das redes sociais a partir de uma abordagem ativa
The New York Times enxerga as redes sociais como sendo uma plataforma digital
através da qual é possível “aumentar o alcance e aprofundar o engajamento de leitores e
usuários”, em alinhamento com a tendência geral do jornalismo (Olmstead et al., 2013). O
jornal faz uso dessa plataforma há vários anos, e de forma crescente. Em 2009, reportava ter
dois milhões de usuários em sua conta principal no Twitter e quinhentos mil curtidores no
Facebook. Depois, no relatório anual de 2011, reportava ter quatro milhões de seguidores no
Twitter e dois milhões no Facebook. Em junho de 2013 esses números haviam atingido 8,7
milhões e 3,1 milhões, respectivamente9.
Para garantir o crescimento de audiência nas redes sociais, assim como a relevância e a
qualidade dessa interação com os leitores o The New York Times investiu num time de quatro
profissionais dedicados exclusivamente ao tema: um editor de mídias sociais, um editor
adjunto de comunidade e mídias sociais e dois produtores de mídias sociais. Outra
demonstração de relevância dessa plataforma para a empresa foi a escolha de design de seu
modelo de cobrança pelo conteúdo online, que deixou os acessos oriundos dessas redes de
fora da barreira que limita a quantidade de acessos gratuitos: uma clara sinalização de que o
jornal não queria ficar de fora das discussões e recomendações promovidas por usuários
compostos por um público majoritariamente jovem e bem relacionado. Um estudo recente do
Projeto para Excelência no Jornalismo, do Centro de Pesquisas PEW mostrou que 34% dos
jovens americanos entre 18 e 24 anos afirmam ter lido notícias ou manchetes em redes sociais
(Olmstead et al., 2013).
Trata-se certamente de uma escolha de dimensão diferente das outras dez analisadas
até aqui, com efeitos aparentemente de menor impacto ou relevância no curto prazo, tanto
para a audiência quanto para os resultados econômicos do jornal. Seria possível até mesmo
classificá-la como uma escolha tática. Por outro lado, o volume crescente de pessoas
diretamente impactadas pelas redes sociais o peso estratégico que a empresa dá a elas são uma
indicação clara de aposta em impactos mais relevantes que essa plataforma pode ter no futuro
dos negócios da empresa, amparados pelas pesquisas que demonstram uma relevância
crescente dessa plataforma entre os jovens.
9 Números apurados em 29 de junho de 2013
81
A escolha por uma abordagem ativa e engajada na utilização das redes sociais refere-
se a uma política da empresa, que tem como consequências a atração de um segmento novo de
publico, mais jovem, e uma elevação do engajamento do público com o conteúdo produzido a
partir de um estímulo direto à interação desse público com o produto. Ambas são
consequências flexíveis, que deixarão de existir se a opção pela atuação ativa em redes sociais
deixar de ser uma prioridade da empresa. O quadro 13 resume as informações a respeito dessa
escolha.
ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO
Elevado nível de engajamento do usuário com o produto Flexível
Atração de novos segmentos (público jovem) Flexível11 Alavancagem nas redes sociais (abordagem ativa) Políticas
Quadro 13: Resumo da Escolha 11 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.
4.4 Representação gráfica do modelo de negócios
Conforme visto na fundamentação teórica, a representação gráfica de um modelo de
negócios facilita muito seu entendimento e a análise de sua efetividade. A figura 5 mostra a
representação gráfica do modelo de negócios do The New York Times a partir das onze
escolhas e dezessete consequências identificadas durante o trabalho de pesquisa e detalhadas
nos tópicos acima. A forma de representação é aquela proposta por Casadesus-Masanell e
Ricart (2007), onde escolhas e consequências estão ligadas por setas que representam a
relação de causalidade existente entre elas. Essa representação gráfica foi construída a partir
do software “Visual Understanding Environment”, desenvolvido pela universidade Tufts, nos
Estados Unidos, com o propósito de viabilizar o mapeamento de conceitos, especialmente em
ambientes de pesquisa. Nela as escolhas feitas pela empresa são marcadas em negrito e
sublinhadas, as consequências rígidas ficam dentro de caixas e as consequências flexíveis fora
de caixas (em texto normal).
Uma análise mais detalhada dessa representação gráfica evidencia alguns aspectos
importantes do modelo de negócios do The New Yotk Times. Antes de qualquer coisa é
possível ter uma melhor ideia do modelo como um todo e observar mais facilmente as
relações de causa e efeito existentes. A visualização gráfica do modelo facilita sua
82
compreensão e sua disseminação, em especial diante da capacidade limitada do ser humano
de processar grande quantidade de informações complexas.
Ficam evidentes também quais são aquelas escolhas mais relevantes, vinculadas a
consequências rígidas e próximas aos objetivos centrais da organização, percebe-se a
existência de várias escolhas com as mesmas consequências e identificam-se ciclos virtuosos
e viciosos. Todos esses são critérios de avaliação da efetividade do modelo de negócios do
The New York Times que será detalhada na próxima seção com o suporte efetivo dessa
representação gráfica.
83
Figura 5: Representação gráfica do modelo de negócio do The New Yotk Times
Fonte: Produzido pelo pesquisador.
84
4.5 Análise da efetividade do modelo de negócios paywall poroso
Como visto na revisão da literatura, a melhor medida (ainda que simplista) de sucesso
ou fracasso do modelo de negócio de uma empresa é, em última instância, seu sucesso
econômico. A tabela 5 apresenta um resumo dos principais resultados de receita do The New
York Times no período compreendido entre 2010 (primeiro ano anterior à implantação do
modelo) e 2012 (últimos resultados anuais disponíveis).
2010 2011 2012 11 vs. 10 12 vs. 11
Receita Publicitária
Impressa 639,9R$ 589,8R$ 541,0R$ -8% -8%
Digital 140,5R$ 166,4R$ 170,8R$ 18% 3%
TOTAL 780,4R$ 756,1R$ 711,8R$ -3% -6%
Receita de Circulação
TOTAL 683,7R$ 705,2R$ 795,4R$ 3% 13%
Outras Receitas
TOTAL 92,7R$ 93,3R$ 88,5R$ 1% -5%
RECEITA TOTAL 1.557R$ 1.555R$ 1.596R$ 0% 3% Tabela 5: Receita total do The New York Times, por origem, entre 2010 e 2012
Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.
Ao se comparar os dados da tabela 5 com o histórico de receitas do jornal dos últimos
dez anos, apresentado anteriormente na tabela 3, é possível perceber que a implantação do
novo modelo de negócios, em março de 2011, contribuiu diretamente para que a receita total
do jornal se estabilizasse em 2011 e apresentasse até um pequeno crescimento em 2012 (pela
primeira vez desde 2006). Percebe-se ainda que esse crescimento é devido integralmente às
receitas de circulação, que cresceram 3% e 13% em cada um dos anos, fundamentalmente em
razão das assinaturas digitais. O relatório de resultados do segundo trimestre de 2013,
publicado pelo jornal em 01 agosto (NYTCO, 2013d) informa que a receita oriunda de
assinaturas exclusivamente digitais alcançou, no primeiro semestre de 2013, o valor de US$
85
75,1 milhões, com um crescimento de 51,7% sobre o primeiro semestre de 2012. A partir
dessa informação é possível inferir que a receita anual oriunda de assinaturas exclusivamente
digitais superará US$150 milhões em 2013.
Os relatórios anuais da holding não reportam os custos e despesas individuais de cada
um dos jornais (apenas o total do grupo), o que impede a avaliação precisa do custo
operacional do jornal The New York Times. Mas assumindo como estimativa (ainda que
esteja claro que haja limitações nessa premissa) que a participação dessa unidade de negócios
nos custos operacionais da empresa seja equivalente à sua participação proporcional nas
receitas, se poderia inferir que houve um crescimento continuado nos resultados econômicos
do jornal ao longo dos três últimos anos, como mostra a tabela 6.
Participação do The New Yotk Times na receita total da holding (2010-2012) 79,5%
2010 2011 2012
Custo operacional total da holding 1.813R$ 1.791R$ 1.830R$
Custo operacional estimado para o The New York
Times1.441R$ 1.424R$ 1.455R$
Receita total do The New Yotk Times 1.557R$ 1.555R$ 1.596R$
Resultado operacional estimado para o The New York
Times116R$ 131R$ 141R$
Tabela 6: Estimativa de custos operacionais do The New York Times entre 2010 e 2012.
Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.
Os dados analisados até aqui mostram que a adoção do modelo de negócios paywall
poroso pelo The New York Times conseguiu viabilizar um novo fluxo relevante de receitas
para o jornal, que foi até aqui capaz de compensar a queda nas receitas publicitárias
(concentrada na receita impressa, que caiu em média 8% ao ano). Esse novo fluxo de receitas,
associado a um bom trabalho de controle de custos (que ficaram praticamente estáveis no
período) gerou um crescimento de cerca de 20% nos resultados operacionais do jornal no
período de dois anos. Ao se avaliar a efetividade do modelo de negócios sob uma perspectiva
exclusivamente econômica, e num horizonte de tempo de dois anos, não seria incorreto
afirmar que o modelo de negócios paywall poroso se mostrou efetivo, na medida em que
contribuiu diretamente para uma melhoria dos resultados econômicos do jornal.
86
Entretanto, essa não é a única forma de se analisar a efetividade de um modelo de
negócios, em especial porque entre o sucesso absoluto e o fracasso absoluto há uma série de
gradações possíveis de avaliação. Segundo Casadesus-Masanell e Ricart (2007) a efetividade
de um modelo de negócios pode ser adequadamente avaliada a partir de quatro componentes
principais: alinhamento aos objetivos, reforçamento, virtuosidade e robustez. O quadro 14
resume a avaliação da efetividade do modelo de negócios em estudo, a partir de cada um
desses componentes. O detalhamento e discussão dessa análise, que serão feitos nas subseções
seguintes, estão fortemente amparadas na análise visual do modelo de negócios, apresentada
anteriormente na figura 5.
Quadro 14: Resumo da avaliação de efetividade do modelo de negócios do The New
York Times Fonte: Produzido pelo pesquisador.
A conclusão a respeito da efetividade do modelo de negócios paywall poroso adotado
pelo The New York Times é que ele pode ser considerado moderadamente efetivo. Se por um
lado ele se mostrou efetivo nesse período inicial de dois anos, por outro lado fica evidente que
o modelo possui fragilidades estruturais (detalhadas abaixo) e está submetido a ameaças que
não asseguram essa efetividade ao longo do tempo.
COMPONENTE AVALIAÇÃO DO
MODELO DE NEGÓCIO JUSTIFICATIVA
Resultado
Econômico Efetivo
Estabilizou a queda de receita total e promoveu
crescimento do resultado operacional nos dois
primeiros anos.
Alinhamento aos
Objetivos Efetivo
Há, majoritariamente, alinhamento entre as
escolhas feitas e os objetivos perseguidos.
Reforçamento Efetivo A grande maioria das escolhas é complementar.
Poucos casos de escolhas conflitantes.
Virtuosidade Pouco efetivo Há apenas dois ciclos virtuosos evidentes e há
também um ciclo de realimentação negativa.
Robustez Pouco efetivo
Modelo está submetido a risco concreto de
“assalto” e “substituição”, que conseguiu ser
contornado até aqui.
87
4.5.1 Alinhamento aos Objetivos
Esse componente da avaliação da efetividade de um modelo de negócios em
isolamento aponta se as escolhas feitas pela empresa a levam a caminhar em direção aos
objetivos definidos ou se as afasta deles. Em função disso, para se fazer uma avaliação correta
é necessário que se tenha claro qual ou quais objetivos a empresa persegue. Para o The New
York Times, fica evidente que um dos objetivos centrais está ligado ao retorno do
investimento dos acionistas da empresa, uma vez que se trata de uma empresa de capital
aberto, com ações listadas em bolsa. Mas além desse, é possível notar que a empresa valoriza
substancialmente um jornalismo de alta qualidade, que enxerga como um dos pilares da
democracia americana, como fica claro no trecho abaixo, retirado do relatório anual aos
acionistas de 2008:
“Os jornais desempenham um papel crítico na vida cívica de nosso país. Informação
é o sangue da vida de nossa democracia, e o trabalho feito por nossos jornalistas
possibilita às pessoas tomarem decisões pensadas e refletidas dentro e fora do
contexto eleitoral”
Ser capaz de gerar retorno para o acionista e também retorno para a sociedade a partir
de um trabalho jornalístico baseado em princípios de qualidade, acuracidade e credibilidade
são os dois principais objetivos da empresa.
Quando se avaliam as onze escolhas e as consequências detalhadas na seção 4.5, e as
confrontamos com esses dois objetivos, fica evidente que a quase totalidade delas leva a
empresa a caminhar no sentido desses dois objetivos centrais. A escolha mais recente, pela
implantação de um modelo de cobrança pelo conteúdo online, merece um destaque especial
por estar conseguindo dar uma contribuição importante tanto para o retorno ao acionista
quanto a sustentação do jornalismo de alta qualidade ao gerar um novo e relevante fluxo de
receitas. Cabe fazer um questionamento pontual em relação à manutenção da escolha pela
rentabilização do produto impresso. Se por um lado essa escolha foi decisiva nos anos
anteriores à implantação do modelo de cobrança online, sua sustentação prolongada pode
88
acabar por acelerar a migração dos assinantes menos fiéis do produto impresso para o produto
online, o que é um risco (no curto prazo) na medida em que 34% de toda a receita do jornal
ainda está vinculada ao produto impresso.
De qualquer forma, a avaliação é de que há sim um alinhamento entre as escolhas
feitas pelo jornal e os objetivos à que a empresa se propõe. Essa constatação confirma a
efetividade do modelo de negócios, identificada pelos resultados econômicos dos dois
primeiros anos.
4.5.2 Reforçamento
A avaliação de reforçamento está relacionada à presença ou ausência de escolhas que
se complementam, ou seja, que se reforçam mutuamente e produzem uma consequência ainda
mais forte do que se alguma delas não estivesse presente. Uma falta de reforçamento ocorre
quando há duas escolhas que geram consequências conflitantes.
No caso do The New York Times é possível identificar várias escolhas que se
complementam para gerar consequências rígidas. Por exemplo, “Jornalismo da Mais Alta
Qualidade e Credibilidade” e “Investimentos Expressivos em Marketing” se complementam
na medida em que os efeitos do jornalismo de alta qualidade na disposição dos leitores para
pagar é maior quando há investimentos em marketing para reforçar essa disposição. Outros
exemplos de escolhas que se complementam são “Diversificação dos Canais de Distribuição”
e “Alavancagem de Redes Sociais” (que tornam a atração de um público jovem ainda maior) e
ainda “Concentração do Portfólio da Holding na Marca NYT” e “Expansão da Atuação
Global”. Na ponta econômica, é claro que “Diversificação dos Fluxos de Receita”
complementa a escolha por uma “Estrutura de Custos Enxuta”, pois juntas produzem uma
elevação ainda maior no resultado econômico. Entretanto, as duas escolhas que mais
fortemente se reforçam são o “Jornalismo da Mais Alta Qualidade e Credibilidade” e a
“Cobrança pelo Acesso ao Conteúdo Online”, pois é o conjunto dessas duas escolhas que
viabilizou um novo fluxo de receitas com ordem de grandeza de US$77 milhões por ano. A
receita gerada não seria essa se não houvesse um jornalismo de alta qualidade e não haveria
receita de assinaturas online sem um modelo de cobrança por ela.
89
Há também, no modelo de negócios analisado, escolhas que não se reforçam. Essa
falta de reforçamento está concentrada nas escolhas relacionadas à necessidade da empresa de
ainda conviver com suas características online e offline. Ainda que não seja uma escolha
primária, o jornal tem feito movimentos táticos cuja consequência é a preservação de sua
circulação impressa. Prolongar o ciclo de vida do produto impresso é desejável, na medida em
que boa parte da receita ainda está atrelada a esse produto, mas ela não reforça a escolha por
construir uma cultura voltada para o digital, que é decisiva para a construção de um produto
digital de alto valor percebido. O paradoxo entre a necessidade de se tornar uma organização
digital e a necessidade de prolongar/estender o ciclo de vida do produto impresso precisa ser
resolvido ao longo do tempo e representa uma oportunidade de aprimoramento do modelo de
negócios The New York Times rumo a uma maior efetividade.
De toda forma, de uma maneira geral a avaliação é de que a grande maior parte das
escolhas feitas no modelo de negócios paywall poroso se reforçam. A partir disso é possível
afirmar novamente que se está diante de um modelo efetivo.
4.5.3 Virtuosidade
Virtuosidade está ligada à presença de ciclos virtuosos, ou seja, ciclos de
realimentação positiva entre escolhas e consequências que acabam por construir
consequências cada vez mais rígidas. Se essas estiverem próximas aos objetivos centrais da
empresa, se traduzem em resultados econômicos cada vez mais fortes e sólidos.
No modelo de negócios do The New York Times é possível identificar a presença de
um ciclo virtuoso ligado à qualidade do jornalismo e outro ligado aos investimentos
expressivos em marketing, que são escolhas que se complementam. A escolha pelo
“Jornalismo da Mais Alta Qualidade e Credibilidade” se traduz em alta percepção de valor do
produto, em alta disposição dos leitores para pagar, o que melhora os resultados do jornal e
viabiliza a manutenção do investimento num jornalismo de alta qualidade. A escolha por
“Investimentos Expressivos em Marketing” se traduz numa marca forte e admirada, que
promove o engajamento dos usuários com o produto, altos níveis de audiência e ampliação
das receitas com leitores. Esses dois ciclos virtuosos estão destacados na figura 6. Não há,
90
entretanto outros ciclos virtuosos evidentes ou relevantes, o que deixa clara a oportunidade
para o jornal de aprimorar seu conjunto de escolhas de forma a aumentar a presença desses
ciclos.
Figura 6: Ciclos virtuosos do modelo de negócio do The New York Times
Fonte: Produzido pelo pesquisador.
Percebe-se também a presença de um ciclo vicioso (ciclo de realimentação negativa),
relacionado à rentabilização do jornal impresso. A elevação continuada de preços das
assinaturas impressa eleva as taxas de cancelamento e reduz a circulação desses exemplares, o
que potencialmente reduz a receita de circulação impressa e exige novos aumentos de preços
para compensar a queda. Esse ciclo pode acelerar a migração do produto impresso para o
digital, o que representaria um risco diante da forte dependência que ainda há em relação à
receita publicitária dos exemplares impressos. No caso do The New York Times esse efeito é
atenuado pela escolha da cobrança pelo conteúdo online, que elevou taxa de vendas e de
retenção do produto impresso e balanceou o efeito da elevação de preços. Esse é, de qualquer
forma, um ponto de atenção para o modelo de negócios do jornal. Apesar de essa equação
estar aparentemente funcionando no curto prazo, parece ser esse um equilíbrio dinâmico,
sujeito à alta volatilidade.
91
Diante do exposto, não se pode afirmar que o modelo de negócios do The New York
Times seja um modelo virtuoso. Além de haver apenas dois ciclos virtuosos relevantes, há a
presença clara de um ciclo de realimentação negativa. Avaliando-o sob essa perspectiva, não é
possível afirmar que se trata de um modelo de negócios efetivo.
4.5.4 Robustez
Robustez está relacionada à capacidade do modelo de negócios de se manter efetivo ao
longo do tempo, em especial diante de quatro ameaças principais: imitação, assalto, folga e
substituição. Dessas quatro possibilidades, o risco de “folga” não será avaliado, pois ele está
essencialmente relacionado à avaliação da cultura organizacional e à consistência dos
modelos de incentivo existentes na empresa, o que foge do escopo de análise desse estudo.
Quando se avalia o risco de imitação do modelo de negócio paywall poroso do The
New York Times, percebe-se que há um número significativo de consequências rígidas
(cinco), que dificultam a imitação plena. Essa dificuldade cresce na medida em que algumas
dessas consequências estão ligadas à percepção de valor do produto e à disposição dos
clientes para pagar, que são construídas ao longo de anos de investimento e trabalho
consistente. O modelo apresenta ainda um volume grande de escolhas que se reforçam, o que
também dificulta a imitação. De uma maneira geral se trata de um modelo com moderado
grau de possibilidades de imitação, apesar de haverem algumas escolhas facilmente
replicáveis (como, por exemplo, a iniciativa de cobrança pelo conteúdo online, que está sendo
indiscriminadamente copiada pela indústria de jornais). O tema da imitação será detalhado em
maior profundidade na seção 4.6, onde serão discutidas as condições de replicação desse
modelo de negócios por outros jornais.
O risco de assalto é uma forte ameaça à sustentação do modelo de negócios do The
New York Times ao longo do tempo. Do lado dos leitores de sua rede bilateral, esse risco fica
materializado na possibilidade de que o conteúdo produzido a partir da escolha pelo
“Jornalismo da Mais Alta Qualidade de Credibilidade” possa copiado indiscriminadamente ou
disponibilizado gratuitamente em sites de agregação de conteúdos. Essa ameaça se torna ainda
92
maior a partir da decisão da cobrança pelo conteúdo na plataforma online, que o transformou
numa importante fonte de receitas para a empresa.
Do lado dos anunciantes de sua rede bilateral, o assalto é um conceito semelhante ao
conceito de envelopamento discutido na introdução desse estudo, onde outros participantes da
indústria capturam parte do valor criado pela empresa. Nesse caso específico, o conteúdo
produzido a partir da escolha pelo “Jornalismo da Mais Alta Qualidade e Credibilidade” ajuda
a criar valor para o produto das grandes empresas de internet, como Google, Facebook e
Yahoo, que com isso constroem audiências relevantes para suas plataformas e passam a
capturar parte da receitas das empresas jornalísticas. Até aqui o jornal não tem conseguido se
defender desse assalto ao “money-side”, uma vez que as receitas publicitárias totais vem
caindo ano após ano desde 2006, o que reforça a importância de continuar implementando
mudanças em seu modelo de negócios.
Outra ameaça à robustez do modelo de negócio paywall poroso adotado pelo The New
York Times é a “substituição”, que está relacionada à possibilidade de surgimento de
produtos substitutos àquele produzido pela empresa. A direção do jornal tem essa ameaça
muito clara e a deixou registrada em seu relatório anual aos acionistas do ano de 2006:
“O sucesso de nosso negócio depende substancialmente de nossa reputação como
provedores de jornalismo e conteúdo de qualidade. (...) Se os consumidores não
conseguirem mais diferenciar o conteúdo produzido por nós daquele produzido por
outros provedores, seja na internet ou de qualquer outra maneira, nós podemos
experimentar queda em nossas receitas (NYTCO, 2007).”
Para amenizá-la o jornal precisa estar com seus sensores de competividade em estado
de alerta e precisa tomar medidas constantes para garantir e defender a alta percepção de valor
de seu produto e alta disposição de seu público para pagar, que são atualmente seus
diferenciais competitivos. Na medida em que o jornal se move em direção a um modelo de
negócios mais fortemente baseado no produto digital, esse aspecto terá relevância ainda
maior, em função da alta disponibilidade de conteúdo gratuito na internet. Fica evidente, a
partir do entendimento desse risco, a razão pela qual o The New York Times mantém tão
93
fortemente sua convicção na produção de um jornalismo da mais alta qualidade e
credibilidade. Ela é decisiva para a sustentação de seu modelo de negócios.
A partir de uma avaliação conjunta dessas três ameaças, não se pode afirmar que o
modelo de negócios do The New York Times seja robusto. Se por um lado a imitação não é
uma ameaça relevante, o assalto e a substituição são riscos concretos à sustentação da
efetividade do modelo de negócios no longo prazo. Até aqui o jornal conseguiu contornar a
ameaça de assalto ao “money-side” de sua rede bilateral com incursões ao outro lado da rede,
que parou de subsidiar e passou a monetizar mais fortemente. Essa ação foi possível em razão
do alto valor percebido de seu produto e da alta disposição de seus clientes para pagar, que
são também as armas contra a ameaça de substituição que vem do processo de comoditização
da informação na internet.
Não está descartada a possibilidade de o jornal conseguir sustentar a efetividade de seu
modelo de negócios ao longo do tempo, mas isso dependerá basicamente da viabilidade de a
empresa conseguir continuar capturando valor do lado dos leitores de sua rede bilateral numa
velocidade maior ou igual à que vê o valor do lado dos anunciantes de sua rede ser capturado
pelo assalto realizado pelas plataformas adjacentes.
4.6 A replicabilidade do paywall poroso para outros jornais
A replicabilidade do modelo paywall poroso, aqui discutida, não está relacionada ao
cenário competitivo do jornal The New York Times, nem busca avaliar eventuais ameaças à
sustentação dos resultados alcançados pelo jornal até aqui. Muito ao contrário, o que se
discutirá será a viabilidade de outros jornais utilizarem esse mesmo modelo de negócios como
forma de conseguirem sustentar seus resultados econômicos num ambiente competitivo que é
progressivamente mais complexo e desafiador para as empresas jornalísticas. Para iniciar essa
discussão, cabe aqui retomar o conceito de imitação, já analisado anteriormente a partir da
perspectiva de ameaça à robustez do modelo de negócios de uma empresa.
Como visto, mesmo que seja possível para uma empresa imitar algumas das escolhas
de um modelo de negócios adotada por outra, será bastante difícil reproduzir as consequências
94
rígidas desse modelo (especialmente aquelas relacionadas à reputação, experiência, cultura ou
relacionamento privilegiados, que levam tempo e exigem altos investimentos para serem
construídas). Por outro lado, as consequências flexíveis são mais facilmente replicáveis, na
medida em que se alteram rapidamente a partir das escolhas que as produzem.
Quando se avalia a representação gráfica do modelo de negócios do The New York
Times, apresentada na figura 5, é possível verificar a existência de várias consequências
flexíveis, que estão resumidas no quadro 15. Em função da facilidade e obviedade da
possibilidade de sua replicação, essas escolhas e consequências flexíveis não serão objeto de
análise aprofundada nesse estudo, uma vez que outros jornais conseguirão atingir razoável
nível de sucesso na tentativa de implementá-las.
ESCOLHAS CONSEQUÊNCIAS
Alavancagem das redes sociais Atração de novos segmentos (jovens)
Diversificação dos canais de distribuição Atração de novos segmentos (jovens)
Cultura organizacional voltada par ao digital Integração dos times online e offline da
redação e área comercial
Diversificação dos fluxos de receita
Cobrança pelo acesso ao conteúdo do site /
Opção por um modelo poroso de cobrança /
Novas fontes de receita
Estrutura de custos enxuta Elevação dos resultados econômicos
Concentração do portfólio de negócios Elevação da capacidade de investimentos
Quadro 15: Escolhas do modelo de negócio que dão origem a consequências flexíveis. Fonte: Produzido pelo pesquisador.
A ideia é concentrar a discussão ao redor das consequências rígidas, que são de
imitação mais difícil e, por isso, não são imediatamente replicáveis por outros jornais. Quatro
dessas consequências rígidas serão destacadas, em três pontos de discussão: 1) Alta percepção
de valor do produto / Alta disposição dos clientes para pagar; 2)Marca forte e admirada; 3)
Altos níveis de audiência / Relevância da receita de leitores fiéis.
95
4.6.1 Alta percepção de valor do produto / Alta disposição dos clientes para pagar
Essas duas consequências rígidas guardam uma relação bastante próxima com noção
de recurso da firma, proposto por Barney (1991), que pode ser visto como fonte de vantagem
competitiva se for valoroso, raro, não-imitável e sem possibilidade de produto substituto. Pelo
exposto até aqui, é correto afirmar que o The New York Times consegue fazer de seu produto
jornalístico uma fonte de vantagem competitiva sustentável na medida em que constrói, a
partir dele, uma alta percepção de valor do produto e uma alta disposição para pagar no seu
público.
Apesar de produzir um conteúdo que é aparentemente genérico e possível de ser
encontrado em diversas outras fontes de informação amplamente disponíveis de forma
gratuita na internet, a escolha por um “Jornalismo da Mais Alta Qualidade e Credibilidade”
(juntamente com o reforçamento de outras escolhas, como visto anteriormente) consegue
transformá-lo em um produto valoroso, raro, não-imitável e sem substitutos. Ao se avaliar a
possibilidade de reprodução dessa escolha por outras empresas jornalísticas é fácil chegar a
conclusão de que é baixa a probabilidade de se conseguir obter essa mesma configuração de
valor.
Isso não significa, entretanto, que a replicação do modelo por outros jornais é
impossível. O The New York Times conseguiu transformar um conteúdo aparentemente
genérico em fonte de vantagem competitiva. Mas há claro espaço para outras empresas
também fazerem de seu conteúdo fonte de vantagem competitiva ao optarem por uma
segmentação desse produto ao invés de investir esforços num produto de caráter mais amplo.
É exatamente isso o que fazem, por exemplo, os jornais com conteúdo segmentado de
economia e negócios, como os casos dos jornais The Wall Street Journal ou The Financial
Times, já citados nesse estudo, ou o jornal brasileiro Valor Econômico, que também
implementaram modelos de cobrança pelo conteúdo online.
A maior oportunidade de segmentação a ser aproveitada por número grande de jornais
em todo o mundo, entretanto, está vinculada ao relacionamento com comunidades regionais
ou locais em que eles atuem. Jornais que sejam capazes de construir um relacionamento
próximo, um vínculo com sua comunidade-sede, e que desenvolvam a partir desse vínculo um
conteúdo indispensável e desejado por seu público local, terão alta probabilidade de construir
96
uma consequência rígida semelhante àquela produzida pelo The New York Times. No caso de
jornais com foco regional, há ainda que se considerar a possibilidade de um efeito de
realimentação positiva na rede de leitores, a partir de um alto nível de engajamento, levando a
uma dinâmica de “o vencedor leva tudo” (Eisenmann et al., 2006) e construindo o que poderia
se chamar de “monopólios regionais”. A perspectiva positiva de criação de vantagem
competitiva sustentável a partir de um conteúdo único, fruto de relacionamento estreito com
comunidades regionais, ficou claramente demonstrada na afirmação do reconhecido
investidor americano Warren Buffet a respeito de sua recente decisão de comprar 28 jornais
regionais nos Estados Unidos: “Jornais continuam a reinar supremos na entrega de noticias
locais. Se você que saber o que está acontecendo em sua cidade (...) não há substituto para um
jornal local que esteja fazendo sem trabalho” (Badkar, 2013).
4.6.2 Marca Forte e Admirada
A presença de uma marca forte e admirada, em nível nacional e global (esse mais
recente), associada à alta percepção de valor do produto, é o que constrói os elevados níveis
de engajamento dos leitores e de audiência do The New York Times. Nesse caso, a marca
forte e admirada é construída a partir de uma combinação de quatro escolhas que se reforçam
mutuamente: jornalismo de alta qualidade e credibilidade, investimentos desproporcionais em
marketing, concentração do portfólio de negócios na marca principal e expansão da atuação
global. Apesar de as três últimas escolhas mencionadas serem mais recentes, a primeira delas
é uma escolha consistente e duradoura, feita ao longo de mais de 150 anos.
A construção de uma marca forte e admirada é sim uma consequência replicável para
outros jornais em seus respectivos mercados, desde que um trabalho de longo prazo, com
consistência e com níveis adequados de investimento seja posto em prática, a partir de
escolhas que se reforcem mutuamente. Ainda que a consequência rígida seja replicável, as
escolhas que produzirão uma marca forte e desejada para cada jornal não serão as mesmas
feitas pelo The New York Times. Especialmente no que se refere à segmentação do conteúdo
e à atuação geográfica, onde cada jornal precisa ser capaz de identificar as escolhas mais
adequadas para sua realidade.
97
4.6.3 Altos níveis de audiência / Relevância da receita de leitores fiéis
O relatório anual aos acionistas de 2012 aponta que o site NYTimes.com teve, naquele
ano, uma audiência média mensal de 29 milhões de usuários únicos nos Estados Unidos e de
43 milhões de usuários únicos em todo o mundo, o que o coloca entre os cinco sites de
notícias de maior audiência nos Estados Unidos (o maior entre os jornais) e entre os sete
maiores do mundo segundo o site Alexa.com. Essa é uma consequência rígida construída ao
longo de 18 anos de existência do site, a partir de escolhas associadas à qualidade do produto
e à força da marca discutidas na subseção anterior, que é difícil de ser replicada. Há que se
ressaltar ainda que em função das escolhas históricas relacionadas à sua expansão geográfica
nos Estados Unidos e à escolha atual de expansão global da marca, o The New York Times
consegue ter uma abrangência geográfica única entre os jornais.
O patamar de audiência online conquistado pelo jornal representa o universo potencial
de assinantes digitais. Dado que no ano de 2012 o jornal conquistou um volume de 250 mil
novos assinantes digitais (conforme visto no gráfico 7), se chega a uma taxa de conversão de
vendas sobre a base de usuários únicos totais de 0,58% ou de 0,86% se forem considerados
apenas os usuários norte-americanos. Ou seja, ainda que o volume total de novos assinantes
digitais seja expressivo e tenha gerado uma receita relevante para o The New York Times, a
taxa de conversão de vendas sobre a base de usuários únicos do site é muito baixa. Outra
observação relevante é que essa taxa está em declínio, dado que no ano de lançamento do
modelo de cobrança ela foi de 0,74%, ou de 1,07% considerando apenas os usuários norte-
americanos.
A direção do jornal tem pleno entendimento dessa limitação e sabe que precisa tomar
medidas de ajuste nas escolhas táticas do modelo de negócio para elevar a taxa de conversão
de vendas. Na conferência realizada em abril de 2013 para comunicar os resultados do
primeiro trimestre do ano, o The New York Times anunciou para o final de 2013 uma série de
medidas para elevar sua receita de assinaturas digitais, a maioria delas dedicadas a elevar essa
taxa de conversão (NYTCO, 2013c): o desenvolvimento de uma versão de assinatura digital a
preço mais acessível, o desenvolvimento de novos produtos “temáticos” (também a preço
mais baixo) em áreas como política, tecnologia, gastronomia e artes, o desenvolvimento de
98
políticas de preços e formas de pagamento customizadas para países alvo da expansão global
como forma de facilitar a decisão pela assinatura e o lançamento de uma versão mais cara da
assinatura digital com alguns atributos especiais como convites para eventos e conferências
promovidos pela empresa (essa última dedicada a elevar o ticket médio da atual base de
assinantes).
O grande desafio para outros jornais replicarem o modelo de negócios paywall poroso
adotado pelo The New York Times está nesta baixa taxa de conversão de vendas, obtida
mesmo por um jornal cujo produto é reconhecidamente valorizado por seus usuários, que
possuem alta disposição para pagar. Como a consequência rígida “Altos níveis de audiência”
é dificilmente replicável para outros jornais na mesma dimensão obtida pelo The New York
Times, torna-se praticamente impossível assegurar a construção de um fluxo relevante de
receitas a partir da base de assinantes digitais para os jornais em geral.
É possível entender melhor a extensão dessa limitação ao se analisar os números do
maior jornal brasileiro, a Folha de São Paulo, que também adotou o modelo paywall poroso
em junho de 2012. Em fevereiro de 2013 seu editor-executivo afirmava que o jornal havia
conquistado 30 mil novos assinantes digitais nos primeiros oito meses de funcionamento do
modelo (Valor Econômico, 2013) e, no mês seguinte, o jornal reportava que seu site havia
alcançado a marca de 22 milhões de usuários únicos (Folha de São Paulo, 2013a). Essas
informações permitem a inferência de uma taxa de conversão de vendas sobre usuários únicos
de 0,20% no primeiro ano da iniciativa, que é cerca de 60% inferior àquela obtida pelo The
New York Times no ano do lançamento do modelo de cobrança (provavelmente em razão de
uma menor percepção de valor e uma menor disposição para pagar dos leitores da Folha de
São Paulo). Essa taxa de conversão inferior é aplicada sobre uma base de usuários únicos 33%
menor que a do jornal norte-americano (a média de usuários únicos do NYTimes.com nos
Estados Unidos em 2011 foi de 33 milhões). Ao se considerar um ticket médio de cerca de
R$20 por mês10
(entre pagantes completos e degustações) se chega a uma receita anual de
cerca de R$10 milhões, ou menos de R$1 milhão por mês, no jornal Folha de São Paulo.
A constatação que se obtém não é de que essas duas consequências rígidas não sejam
replicáveis para todos os jornais, mas de que sua implantação não gerará um fluxo de receitas
relevante o suficiente para produzir efeitos significativos em seus resultados econômicos.
10
O preço da assinatura digital da Folha de São Paulo, em jun´13, era de R$29,90 por mês (sendo R$1,90 no primeiro mês, a título de degustação)
99
Dado que as receitas publicitárias digitais também não veem crescendo de forma significativa
em razão dos altos estoques disponíveis (Olmstead et al., 2013) fica evidente que, de uma
maneira geral, o modelo de negócios paywall poroso não consegue promover uma
independência dos jornais em relação à sua versão impressa. É provável que para a grande
maioria deles sua implementação tenha como principal benefício o prolongamento da vida do
produto impresso a partir do mesmo efeito colateral reportado pelo The New York Times:
elevação nas taxas de vendas e retenção dessa versão. Para se atingir esse objetivo será
necessário planejar cuidadosamente a definição de algumas escolhas táticas relacionadas à
precificação e à venda em bundles.
100
5 CONCLUSÃO
O objetivo central do presente trabalho foi analisar o modelo de negócios paywall
poroso, que vem sendo adotado em jornais de todo o mundo, a partir da experiência
implantada pelo jornal norte-americano The New York Times. Buscou-se, fundamentalmente,
entender as razões do sucesso inicial dessa experiência e a viabilidade de sua replicação para
outros jornais. Ele se insere num contexto de mudança disruptiva no ambiente competitivo
das empresas jornalísticas, provocada pelo crescimento expressivo de penetração da internet
na população, que vem trazendo consequências nocivas para a rentabilidade dessas empresas
em todo o mundo. Na mudança de hábito no consumo de notícias, que é cada vez mais online,
os jornais conseguem sustentar e até ampliar seus patamares de audiência. Mas ao migrarem
do mundo offline para o mundo online as receitas publicitárias trocam de mãos e vão parar em
empresas puramente digitais como Google, Facebook e Yahoo, o que vem obrigando os
jornais a repensarem seu modelo de negócio.
A escolha metodológica por um estudo de caso único, ancorado no The New York
Times, se deu por essa empresa se enquadrar adequadamente no conceito de caso decisivo,
proposto por Yin (2010). De fato, o The New York Times é o maior, mais relevante e mais
influente jornal dos Estados Unidos, cujos passos são acompanhados de perto por empresas
jornalísticas de todo o mundo. Adicionalmente, trata-se de uma empresa de capital aberto,
com ações listadas na bolsa de Nova York, e que está por isso obrigada a divulgar
publicamente seus resultados de negócio. A partir dessa realidade, o presente estudo foi
embasado principalmente numa análise documental focada nos relatórios anuais aos
acionistas e nos relatórios “Form-10k” exigidos pela comissão de valores mobiliados norte-
americana. A análise documental foi complementada reportagens jornalísticas e análises de
especialistas. Para melhor compreensão das informações levantadas e para avaliação de sua
relevância e sua pertinência para a indústria brasileira de jornais, foram realizadas entrevistas
semi-estruturadas com dois executivos de destaque nessa indústria.
O estudo de caso mostrou que o modelo de negócios paywall poroso adotado pelo The
New York Times é fruto de uma sequência de experimentações, erros, acertos, aprendizados e
decisões tomadas ao longo de um período de pelo menos sete anos, compreendido entre 2004
101
e 2010. Entre os principais passos dados nesse período destacam-se a decisão por implantar
um centro de P&D para desenvolver internamente competências e experimentos relacionados
aos negócios digitais, o lançamento e o encerramento do produto TimesSelect, que foi a
primeira experiência de um grande jornal norte-americano com cobrança pelo conteúdo
online, a compra e posterior venda de algumas empresas de internet (com destaque para o site
About.com) que ajudaram a empresa a se contaminar com a cultura digital e a decisão pela
rentabilização da circulação impressa que reforçou a certeza de alto valor percebido do
produto e alta disposição para pagar dos leitores. Essa sequência de erros, acertos e
aprendizados, que culminou com a adoção do modelo poroso de cobrança pelo conteúdo
online, confirma a premissa proposta por Teece (2010) e McGrath (2010), de que é
impossível se chegar a um modelo de negócios adequado simplesmente a partir de um
trabalho de análise ou planejamento. O processo de construção e inovação em modelo de
negócios pressupõe a experimentação, o ajuste, a correção de rumos como parte da caminhada
para se chegar ao modelo final.
A identificação e o detalhamento dos elementos constituintes centrais do modelo de
negócio em estudo e a posterior representação gráfica permitiram a realização de uma análise
adequada de sua efetividade. Foi possível constatar que a opção por um jornalismo da mais
alta qualidade e credibilidade feita pelo The New Yotk Times ao longo de seus 162 anos de
história, associado a uma marca forte e admirada, têm como consequência uma alta percepção
de valor do produto, que se traduz em alta disposição dos clientes para pagar. A partir dessa
realidade, a decisão pela implantação do modelo poroso de cobrança pelo conteúdo online do
jornal conseguiu gerar um fluxo relevante de novas receitas (superior a US$ 150 milhões em
2013) que contribuiu de forma decisiva para a reversão do cenário de queda constante nos
resultados operacionais do jornal desde 2007.
Apesar de ter contribuído decisivamente para a reversão do resultado operacional do
jornal nesses dois anos, o modelo de negócios pode ser considerado apenas moderadamente
efetivo de acordo com a avaliação realizada seguindo o método proposto por Casadesus-
Masanell e Ricart (2010). A moderada efetividade está relacionada à dificuldade do modelo
de sustentar sua efetividade ao longo do tempo, principalmente em função de sua baixa
robustez decorrente da ameaça concreta de assalto que o jornal sofre no valor gerado pelo
lado dos anunciantes de sua rede bilateral. Esse assalto, realizado pelas grandes empresas de
102
internet (como Google, Facebook e Yahoo), é o pilar central da queda constante das receitas
publicitárias do jornal desde 2007.
Para sustentar a efetividade de seu modelo de negócio ao longo do tempo o The New
York Times precisará ser capaz de acelerar sua atuação em duas frentes principais: 1)
Sustentar ou mesmo elevar o valor percebido de seu produto e, consequentemente, a
disposição dos clientes para pagar por ele, a partir das escolhas por “Jornalismo da Mais Alta
Qualidade e Credibilidade” e “Investimentos Expressivos em Marketing”; 2) Seguir fazendo
ajustes em seu modelo de negócios e nas escolhas táticas dele decorrentes, de forma a elevar a
taxa de conversão de vendas das assinaturas digitais sobre a base de usuários únicos. As
recentes alterações táticas no modelo, anunciadas em abril de 2013, somadas aos ajustes
realizados nos dois primeiros anos (como a redução do limite de artigos gratuitos de 20 para
10 e a retirada do acesso aos vídeos da barreira de cobrança) mostram que o jornal está
caminhando na direção certa, em linha com o conceito de “centralidade da experimentação”
proposto por McGrath (2010) como premissa para se conseguir inovar com sucesso em
modelos de negócios.
Em resumo, a transformação no ambiente competitivo da indústria de jornais que
originou a decisão pela implantação do modelo de negócio paywall poroso ainda está em
pleno curso. O The New York Times terá tanto sucesso com seu modelo de negócio daqui
para frente quanto maior foi sua capacidade de transformá-lo (a partir de inovações, alterações
e experimentações) em velocidade maior do que a transformação do próprio ambiente
competitivo. De acordo com Doz e Kosonen (2010) isso é absolutamente necessário, pois
“diante da velocidade de mudanças no cenário competitivo, atualmente as empresas precisam
promover inovações e alterações em seu modelo de negócio de forma mais rápida, mais
frequente e mais profunda do que antes”. Esse estudo mostrou que o paywall poroso não
parece ser um modelo de negócios definitivo ou estabilizado. O entendimento é de que se está
diante de um modelo de negócios em evolução que precisa avançar na direção de uma maior
efetividade.
Em relação à possibilidade de replicação desse modelo para outros jornais, o estudo
mostrou que haverá dificuldades na imitação das consequências rígidas desenvolvidas pelo
The New York Times. Por um lado, parece ser possível para os jornais em geral construírem
marcas fortes e admiradas e também transformarem seu conteúdo jornalístico em vantagem
competitiva sustentável em algumas situações específicas como, por exemplo, a partir de uma
103
especialização em conteúdo segmentado ou a partir de uma forte vinculação regional. Por
outro lado, a maior dificuldade estará na formação de um universo suficientemente grande de
potenciais assinantes digitais e na obtenção de taxas de conversão de vendas suficientemente
elevadas para a construção de um fluxo relevante de receitas.
Em resumo, a replicação do modelo de negócios paywall poroso é possível de ser
realizada, mas os jornais em geral precisarão olhar para ela com objetivos diferentes daqueles
que o The New York Times vem perseguindo. O objetivo para eles, nesse momento, precisará
estar mais orientado para o prolongamento do ciclo de vida do produto impresso do que para a
obtenção de um fluxo relevante de receitas oriundas de assinaturas digitais. O sucesso no
prolongamento do produto impresso poderá dar a essas empresas o tempo necessário para que
elas possam experimentar, ousar, inovar em seu modelo de negócios e a partir disso
pavimentarem um caminho possível para o seu futuro.
O presente trabalho, ao detalhar e formalizar o modelo de negócios paywall poroso
adotado pelo The New York Times dá uma contribuição importante para a indústria de jornais
a partir da premissa, proposta por Christensen, Johnson e Kagermann (2008), de que a
principal barreira à inovação em modelos de negócios por empresa já estabelecidas é o fato de
elas não entenderem suficientemente bem seu próprio modelo de negócios, não conhecerem
as premissas por trás de seu desenvolvimento, as interdependência entre seus diferentes
elementos, suas forças e limitações.
Algumas limitações desse estudo são bem claras. A primeira delas está no fato que é
necessária muita cautela e prudência para se fazer generalizações a partir de um estudo de
caso único. Ainda que o The New York Times possa ser entendido como um caso decisivo
em função de sua relevância e abrangência, há certamente uma série de situações e questões
que se aplicam especificamente àquela empresa. Há que se ter cuidado ainda como fato de
esse ser um caso internacional, o que lhe impõe limitações decorrentes das diferenças
educacionais, sociais, econômicas e culturais existentes entre os diferentes países. Esse ponto
é especialmente relevante para as possíveis avaliações desse trabalho por empresas
jornalísticas brasileiras.
Do ponto de vista teórico, uma limitação importante está relacionada ao fato de que a
efetividade do paywall poroso do The New York Times foi avaliada a partir de uma premissa
de modelo de negócios em isolamento. Essa premissa afasta a possibilidade de avaliação
104
desse modelo num cenário concorrencial com outros jornais. Cabe ainda observar que toda a
análise e discussão dos dados foi desenvolvida a partir da abordagem de modelo de negócios
proposta pelos autores Casadesus-Masanell e Ricart (2010). A utilização de abordagens
propostas por outros autores, em especial aqueles que propõem uma definição mais exaustiva
para modelo de negócios, como Teece (2010), Christensen, Johnson e Kagermann (2008) e
Hedman e Kalling (2003), poderia produzir alguns resultados diferentes.
Dado que a capacidade de adaptação de seu modelo de negócio será uma competência
cada vez mais exigida das empresas jornalísticas diante do cenário de negócios cada vez mais
complexo, uma sugestão de sequencia dessa pesquisa é se buscar o entendimento das
características da estrutura e da cultura organizacional que favorecem a inovação em modelos
de negócios. Outro caminho, esse com uma abordagens mais quantitativa, está na busca por
um melhor entendimento do comportamento de consumo do leitor de notícias de online para
direcionar com mais precisão as inovações ou ajustes necessários no modelo de negócios e
favorecer o crescimento das taxas de conversão de vendas sobre a base de usuários únicos dos
jornais. Da mesma maneira, mas atuando no outro lado da rede bilateral, um melhor
entendimento da efetividade da publicidade digital junto ao público leitor poderia direcionar
esforços de inovação no sentido de crescimento da receita publicitária digital.
Não há nenhuma dúvida de que o futuro dos jornais é digital. Como visto nesse
estudo, atualmente a indústria de jornais se vê obrigada a estimular o prolongamento do
produto impresso para ter tempo suficiente de construir a viabilidade de um modelo de
negócios focado nesse futuro digital. Toda linha de pesquisa que promova uma melhor
compreensão dos passos a serem dados, quer seja no entendimento do público consumidor, no
entendimento das competências da organização ou das alternativas estratégicas existentes irá
contribuir para a manutenção da relevância dessa indústria nesse futuro.
105
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113
ANEXO A – Roteiro de entrevistas
1. Está em curso uma onda de implementações do modelo de negócio paywall
poroso em jornais no mundo todo e também no Brasil. Por outro lado, o
Estadão e o Globo são jornais brasileiros que ainda não estão seguindo essa
tendência. Você acha que a cobrança pelo conteúdo oferecido pelos jornais é
um caminho sem volta? Todos acabarão por aderir, como o jornal The
Washignton Post, recentemente?
2. Para que esse modelo de negócio de fato se consolide, precisará haver uma
mudança de cultura importante no comportamento online das pessoas, que
esperam obter tudo de graça na internet. Essa mudança cultural está em curso?
Que evidencias você tem?
3. Na sua visão o paywall poroso é um modelo de negócios "definitivo”? Ou
trata-se de uma alternativa temporária, paliativa, enquanto os jornais ainda não
são capazes de encontrar um caminho definitivo para a transformação de seu
modelo de negócio?
4. Os maiores críticos desse modelo dizem que ele é apenas a réplica de uma
velha forma de se fazer negócios nessa indústria, reproduzida no mundo
online. Você concorda? Por quê?
5. Esses mesmos críticos afirmam que dificilmente as pessoas aceitarão pagar por
um conteúdo de general news, que elas poderiam obter facilmente de outras
formas, gratuitamente. Qual sua opinião a respeito disso?
114
6. Entrando agora no caso especifico do The New York Times. O modelo de
paywall poroso implementado pelo jornal está funcionando? Por quê?
7. Quais são em sua opinião, os principais elementos, as principais escolhas feitas
pelo The New York Times que sustentam os resultados obtidos com o paywall
até aqui?
8. Em sua opinião, a receita de circulação será capaz de sustentar a trajetória de
crescimento apresentada até aqui? Até que ponto? Quais seriam as barreiras
que limitariam esse crescimento?
9. Percebe-se, na indústria, uma grande onda em direção ao modelo de cobrança
pelo conteúdo, amplamente amparada pelos resultados obtidos pelo The New
York Times ate aqui. Os resultados que o jornal obteve com seu modelo
paywall poroso são replicáveis para todos os demais jornais do mundo?
a. Que partes do design desse modelo são replicáveis? Por quê?
b. Que partes do design não são replicáveis? Por quê?
10. Em minha pesquisa até aqui, identifiquei 17 escolhas de design feitas pelo The
New York Times na construção do modelo de paywall poroso desenvolvido
por eles. Gostaria de sua avaliação a respeito de cada uma delas, informando
sua visão a respeito do grau de relevância e/ou contribuição para os resultados
do The New York até aqui (se alta, media ou baixa) e sua visão a respeito da
possibilidade e/ou viabilidade de reprodução dessa escolha por outros jornais.
Se desejar fazer algum comentário qualitativo a respeito de algumas das
escolhas seria ótimo.
115
a. Opção por um modelo poroso de cobrança do conteúdo online;
b. Jornalismo da mais alta qualidade e credibilidade;
c. Diversificação dos canais de distribuição do conteúdo;
d. Diversificação dos fluxos de receita;
e. Discriminação de preços de acordo com os dispositivos de acesso utilizados
(iPad / iPhone / web);
f. Concessão do acesso digital completo a todos os assinantes impressos;
g. Investimento desproporcional em vídeos e interatividade;
h. Concentração do portfólio de negócios da holding na marca “New York
Times”
i. Desenvolvimento de um produto online que é substituto (e não complementar)
ao produto impresso;
j. Expansão da atuação global;
k. Investimentos expressivos em promoção e comunicação de marketing;
l. Estrutura de custos enxuta;
m. Rentabilização do produto impresso;
n. Cultura organizacional orientada para o digital;
o. Alavancagem das redes sociais a partir de uma abordagem ativa;
p. Fechamento completo do conteúdo nos acessos por dispositivos móveis;
q. Investimento desproporcional em inovação e tecnologia, inclusive com
aquisição de startups;
11. Há, em sua opinião, alguma outra escolha/ decisão relevante que não esteja
nessa lista?