pontifÍcia universidade catÓlica de minas gerais … · continuam experimentando e inovando em...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Administração Mestrado Profissional em Administração Bruno Henriques Watté O MODELO DE NEGÓCIOS DO THE NEW YORK TIMES NA ERA DA INTERNET: Uma referência para a indústria de jornais. Belo Horizonte 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Administração

Mestrado Profissional em Administração

Bruno Henriques Watté

O MODELO DE NEGÓCIOS DO THE NEW YORK TIMES NA ERA DA

INTERNET:

Uma referência para a indústria de jornais.

Belo Horizonte

2013

Bruno Henriques Watté

O MODELO DE NEGÓCIOS DO THE NEW YORK TIMES NA ERA DA

INTERNET:

Uma referência para a indústria de jornais.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Administração da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Administração

Orientador: Humberto Elias Garcia Lopes

Belo Horizonte

2013

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Watté, Bruno Henriques

W344m O modelo de negócios do The New York Times na era da internet: uma

referência para a indústria de jornais / Bruno Henriques Watté. Belo

Horizonte, 2013.

115f.: il.

Orientador: Humberto Elias Garcia Lopes

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Administração.

1. Jornais – Estados Unidos. 2.The New York Times. 3. Negócios. 4.

Planejamento estratégico. 5. Jornais eletrônicos – Aquisição. I. Lopes, Humberto

Elias Garcia. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de

Pós-Graduação em Administração. III. Título.

CDU: 07(73)

Bruno Henriques Watté

O MODELO DE NEGÓCIOS DO THE NEW YORK TIMES NA ERA DA

INTERNET:

Uma referência para a indústria de jornais.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Administração da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Administração

________________________________________________

Prof. Dr. Humberto Elias Garcia Lopes (orientador) – PUC Minas

________________________________________________

Prof. Dr. Fernando Lenzi - UNIVALI

________________________________________________

Prof. Dr. Sidney Lino de Oliveira – PUC Minas

________________________________________________

Prof. Dr. Caio César Gianini Oliveira – PUC Minas

Belo Horizonte, 20 de agosto de 2013.

À Suzi:

Obrigado pelo amor e carinho de sempre,

regados aqui a apoio e compreensão. Amo você!

Ao Victor:

Obrigado por bater na porta e me chamar pra brincar todos os dias

nessa jornada, mesmo depois de tantos e tantos “agora papai não pode”. Amo você!

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao GrupoRBS, em especial ao Eduardo Smith, vice-presidente de jornais,

rádios e internet, pelo incentivo e apoio na viabilização desse estudo. A indústria de jornais

está se transformando numa velocidade impressionante. Ter a oportunidade de viver esse

momento aliando a responsabilidade executiva ao embasamento teórico obtido aqui é incrível.

Agradeço ao Marcelo Rech, diretor-executivo de jornalismo do GrupoRBS, e ao

Christiano Nygaard, diretor-executivo de mercado leitor e operações do jornal O Estado de

São Paulo, pela disponibilidade, pela qualidade do debate e pelas reflexões propostas. O

trabalho ficou claramente mais rico depois de nossas interações.

Agradeço ao professor Humberto Elias Lopes pela orientação e provocações

recebidas. Por captar com clareza minha expectativa e por me propor “modelo de negócios”

como a melhor abordagem teórica para analisarmos os desafios vividos pela indústria de

jornais, pelo acompanhamento próximo e disponível e pela contribuição para que esse

trabalho fosse prazeroso e consistente.

Agradeço aos colegas do MPA 2011 – Turma 5 da Fundação Dom Cabral, pelas ricas

discussões em sala de aula, pelos debates enriquecedores que travamos ao longo dos últimos

24 meses.

Agradeço a meu grande amigo Christian Manrich, pela inspiração e pela ajuda nos

momentos iniciais dessa caminhada. Sempre presente e de braços abertos.

A base sobre a qual tudo isso se apoia vem de meus pais, Hector e Tereza, que me

proporcionaram amor, carinho e desafios na combinação certa para construir a capacidade de

enfrentamento da jornada à frente. Valores e princípios que apontam caminhos e

possibilidades consistentes com um mundo plural e equilibrado. A família como fundamento

pra tudo. Obrigado pai e mãe!

Felicidade minha encontrar gente assim nessa vida!

RESUMO

O crescimento da penetração da internet na população está provocando mudanças importantes

no hábito de consumo de notícias pelas pessoas, dentre elas a substituição do jornal impresso

pelo conteúdo online como fonte de informação. Na transição do consumo impresso para o

online, as empresas jornalísticas se mantêm relevantes e conseguem até crescer sua audiência.

A receita publicitária, entretanto, troca de mãos e é capturada majoritariamente pelas grandes

empresas de internet, a partir de uma estratégia de envelopamento. Nesse contexto, não

restam muitas alternativas para as empresas jornalísticas a não ser promover mudanças

relevantes em seu modelo de negócios. Dentre os diferentes modelos de negócios em

experimentação na indústria, o paywall poroso, adotado pelo The New York Times, vem se

popularizando e sendo reproduzido por jornais em todo o mundo. Diante desse cenário, o

objetivo deste estudo foi analisar o modelo de negócios paywall poroso, buscando entender as

razões de seu sucesso inicial e a viabilidade de sua replicação para outros jornais. Para atingi-

lo, o primeiro passo foi identificar a sequencia de movimentos estratégicos adotados pela

empresa norte-americana que culminou com a implantação deste modelo de negócio. A

seguir, o cruzamento dos dados levantados em pesquisa com o conceito teórico proposto por

Casadesus-Masanell e Ricart permitiu o detalhamento do modelo e a construção de sua

representação gráfica a partir de onze escolhas de negócios feitas pelo jornal e dezessete

consequências decorrentes delas. De posse desses dados realizou-se uma análise da

efetividade do modelo de negócios paywall poroso, que mostrou que ele pode ser considerado

apenas moderadamente efetivo. A moderada efetividade está ligada principalmente à baixa

capacidade do modelo de sustentar sua efetividade inicial ao longo do tempo. A realidade

vivida pelo The New York Times, associada aos dados de alguns jornais brasileiros e às

informações obtidas em entrevistas com executivos experientes no mercado nacional, mostrou

ainda que outros jornais poderão até replicar boa parte do modelo proposto, mas dificilmente

conseguirão perseguir com ele objetivos semelhantes aos que o The New York Times almeja.

Para eles, o principal benefício será estender o ciclo de vida do produto impresso enquanto

continuam experimentando e inovando em busca de um modelo de negócio sustentável no

novo ambiente competitivo.

Palavras-chave: jornais impressos, notícia online, modelo de negócios, estratégia, paywall,

The New York Times, experimentação.

ABSTRACT

The Internet use growth by the population has been causing important changes in people’s

news consumption habits, among them, the replacement of the printed newspaper for online

content as a source of information. In this transition from printed content to online media,

newspaper companies are keeping their relevance and they have even increased their

audience. Advertising revenues, however, changes hands and is mainly obtained by the main

Internet companies, through a platform envelopment strategy. Within this context, the

newspaper companies do not have many alternatives left except to implement relevant

changes in their business model. Among the different business models being tried in the

industry, the metered paywall, adopted by the New York Times, has become popular and it

has been reproduced by newspapers all over the world. In light of this scenario, the objective

of this paper was to analyze the metered paywall business model, trying to understand the

reasons behind its initial success and its replication feasibility for other newspapers. In order

to achieve it, the first step was to identify the sequence of strategic choices implemented by

the North-American company that culminated with the adoption of this business model. After

that, the crossing of the data surveyed using the theoretical concept developed by Casadesus-

Masanell and Ricart allowed the model detailing and the construction of its graphic

representation from eleven business choices made by the newspaper and seventeen

consequences resulting from them. Having collected these data, an analysis of the metered

paywall business model effectiveness was carried out and it showed that it can be considered

only moderately effective. The moderate effectiveness is connected mainly to the model’s

low capacity to support its initial effectiveness along the time. The reality experienced by

The New York Times linked to the data of some Brazilian newspapers and the information

obtained in interviews with experienced executives in the national market have further shown

that other newspapers may even replicate part of the proposed model but they will hardly be

able to pursue with it objectives similar to those The New York Times aims. For them, the

main benefit in the short term will be to increase the life cycle of the printed product while

they keep experimenting and innovating in search of a sustainable business model for the new

competitive environment.

Key-words: newspapers, online news, business model, strategy, paywall, The New York

Times, experimentation.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

1.1 Objetivos 21

1.2 Justificativa Teórica 23

2 REVISÃO DA LITERATURA 24

2.1 Definição de Modelo de Negócio 28

2.2 Modelos de Negócio Online 32

2.3 Transição e Inovação de Modelo de Negócio 34

2.4 Avaliação da Efetividade de um Modelo de Negócio 37

2.5 Representação Gráfica de Modelos de Negócio 39

3 METODOLOGIA 41

4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 45

4.1 The New York Times: da fundação do jornal ao crescimento da internet

(1851-2002)

45

4.2 Adaptação ao mundo online: análises e decisões que culminaram com a

decisão pelo paywall poroso

52

4.3 Modelo de negócios paywall poroso: escolhas e consequências 61

4.3.1 Escolha 1: Jornalismo da mais alta qualidade e credibilidade 62

4.3.2 Escolha 2: Diversificação dos canais de distribuição do conteúdo 64

4.3.3 Escolha 3: Diversificação dos fluxos de receita 66

4.3.4 Escolha 4: Opção por um modelo poroso de cobrança pelo conteúdo online 68

4.3.5 Escolha 5: Concentração do portfólio de negócios da holding na marca “The

New York Times”

70

4.3.6 Escolha 6: Expansão da atuação global 72

4.3.7 Escolha 7: Investimentos expressivos em promoção e comunicação de

marketing

73

4.3.8 Escolha 8: Estrutura de custos enxuta 75

4.3.9 Escolha 9: Rentabilização do produto impresso 77

4.3.10 Escolha 10: Cultura organizacional orientada para o digital 78

4.3.11 Escolha 11: Alavancagem das redes sociais a partir de uma abordagem ativa 80

4.4 Representação gráfica do modelo de negócios 81

4.5 Análise da efetividade do modelo de negócios paywall poroso 84

4.5.1 Alinhamento aos Objetivos 87

4.5.2 Reforçamento 88

4.5.3 Virtuosidade 89

4.5.4 Robustez 91

4.6 A replicabilidade do paywall poroso para outros jornais 93

4.6.1 Alta percepção de valor do produto / Alta disposição dos clientes para pagar 95

4.6.2 Marca forte e admirada 96

4.6.3 Altos níveis de audiência / Relevância da receita de leitores fiéis 97

5 CONCLUSÃO 100

REFERÊNCIAS 105

ANEXO A – Roteiro de entrevistas 113

10

1 INTRODUÇÃO

“O jornal impresso está morto. Ainda não sabemos quando isso acontecerá de fato,

mas a tendência é essa.” Essa afirmação é de Víctor Arbáizar, então diretor de operações do

jornal espanhol El País, durante sua participação no Seminário Internacional de Jornais,

promovido pela International Newspapers Marketing Association (INMA), no mês de

novembro de 2011 em São Paulo (Brigatto, 2011).

Longe de ser uma verdade inquestionável, a afirmação reflete o quão intenso tem sido

o debate acerca do impacto que o aumento do uso das novas tecnologias de informação e

comunicação traz para a indústria de jornais, bem como das alternativas que essa indústria

precisa explorar para preservar sua viabilidade econômica diante desse novo contexto.

A relevância do debate pode ser confirmada pela presença constante desse tema na

pauta de eventos recentes realizados pelas principais entidades ligadas à indústria de jornais,

tanto no Brasil como no mundo (Quadro 1). A viabilidade e a evolução de seu modelo

tradicional de negócios é o grande tema atualmente em debate nessa indústria.

Entidade Evento Temas Relacionados

Associação Brasileiro das

Agências de Publicidade

(ABAP)

5º Congresso da Indústria

de Comunicação

(28 a 30 de mai/12)

- Comunicação One-to-One: Personalização x

Privacidade.

- As novas tecnologias e as novas fronteiras da

mídia.

Associação Nacional de

Jornais (ANJ)

9º Congresso Brasileiro de

Jornais 2012

(20 e 21 de ago/12)

- Jornalismo e inovação. Construindo novos modelos

de negócios.

Newspaper Association of

America (NAA)

mediaXchange 2013

(14 a 17 de abr/13)

- O jornal do futuro

- Jornais e as novas comunidades da era digital

International Newspaper

Marketing Association

(INMA)

83nd

INMA World

Congress

(20 a 30 de abr/13)

- Monetizando o novo ecossistema impresso + digital

World Association of

Newspapers (WAN)

65th

World Newspaper

Congress

(2 a 5 de jun/2013)

- Modelando o Futuro dos Jornais

- Novos modelos de negócios para jornais

- Paywalls: cobrar ou não cobrar?

Quadro 1: Temas presentes em eventos das principais entidades representativas da indústria

de jornais em 2012 e 2013. Fonte: Pesquisa realizada nos websites das entidades.

11

O modelo de negócios de jornais impressos se fundamentou, tradicionalmente, na

construção de uma base de leitores interessada no conteúdo produzido pelas empresas

jornalísticas e na comercialização de espaços publicitários, atrelados a esse conteúdo, para

outras empresas interessadas em se comunicar com o público leitor. Esse modelo de negócio

se encaixa adequadamente na definição de redes bilaterais (two-sided networks) proposta por

Parker e Van Anstyle (2005) e discutida por Eisenmann, Parker e Van Anstyle (2006). Ele se

diferencia da cadeia de valor tradicional por três razões principais: por possuir duas origens de

custos e duas de receitas (uma para cada lado da rede, anunciantes e leitores), pelo valor da

plataforma para um dos lados da rede (anunciantes) ser fortemente dependente do número de

usuários do outro lado dessa rede (leitores) e pelo fato de que os usuários pagarão mais para

acessar redes cada vez maiores, criando um ciclo virtuoso. O tamanho da base de leitores é

fator determinante para a percepção de valor por parte dos anunciantes e, consequentemente,

para sua disposição para pagar.

O maior impacto que o aumento do uso das novas tecnologias de informação e

comunicação traz para o modelo de negócios de jornais é justamente uma pressão crescente

sobre a base de leitores de jornais impressos. Desde seu surgimento comercial, em meados da

década de 90, a internet evoluiu fortemente em velocidade de tráfego e penetração de

mercado1, de modo que a previsão feita pela consultoria PwC em seu relatório de tendências

para o setor (PwC, 2012) aponta que 85% dos domicílios americanos e 64% dos domicílios

brasileiros possuirão acesso à internet com banda larga até o ano de 2016 (Gráfico 1).

Gráfico 1: Penetração da internet, em percentual dos domicílios do país.

Fonte: PwC, 2012

1 O termo “penetração de mercado” refere-se, ao longo desse texto, à taxa de presença ou adoção de

determinado produto ou serviço na população.

12

Associados a esse aumento na penetração de mercado e na velocidade de tráfego da

internet, outros fatores tiveram contribuição relevante para elevar a pressão sobre a base de

leitores dos jornais impressos. Dentre os principais, é possível citar a decisão inicial da

maioria das empresas editoras de disponibilizar seu conteúdo de forma gratuita na internet, o

surgimento de empresas e tecnologias especializadas em agregação de conteúdo online (como

Google News, MyYahoo e outras) e a universalização da geração e distribuição de conteúdo

jornalístico que, a partir do surgimento das redes sociais e outras formas de publicação online,

deixaram de ser exclusividade das empresas de mídia (The Economist, 2011).

A pressão sobre sua base de leitores, exercida pelos motivos citados acima, vem se

traduzindo em queda real na circulação paga de jornais impressos nos Estados Unidos. Essa

queda, que durante a década de 90 não foi significativa (menos de 1% ao ano), passou a ser de

mais de 3% ao ano a partir de 2005, e já acumula 25% nos últimos 10 anos (Gráfico 2):

Gráfico 2: Circulação paga auditada dos jornais norte-americanos (em milhões de cópias)

Fonte: Edmonds, Guskin, Rosenstiel e Mitchell, 2012

A queda na circulação de jornais impressos, associada ao impacto direto gerado por

novas empresas baseadas em modelos de negócio na internet (cujo exemplo mais conhecido é

o site de classificados grátis Craig´s List) e aos efeitos da retração econômica produzidos pela

crise mundial de 2008, gerou consequências relevantes para as receitas publicitárias impressas

dos jornais norte-americanos. Essa receita, que já atingiu em 2005 um pico de 47,5 bilhões de

13

dólares, caiu 56% em seis anos, chegando a pouco mais de 20 bilhões de dólares em 2012

(Edmonds, Guskin, Mitchell, Jurcowitz, 2012).

A difícil realidade vivida pelos jornais norte-americanos nos últimos anos não é, ainda,

compartilhada por empresas desse setor em outras regiões do mundo. Uma reportagem da

revista inglesa The Economist (2011) mostrou que na Índia o número de títulos de jornais

cresceu 44% entre 2005 e 2009 e que na Rússia o número de jornais cresceu 9% em 2009. No

Japão, onde estão os três jornais de maior audiência no mundo, a circulação de jornais

impressos está conseguindo se sustentar e na Europa, apesar de haver uma pequena e

constante queda há alguns anos, não se observou um agravamento recente do volume de

circulação impressa como ocorreu nos Estados Unidos.

Algumas hipóteses que ajudam a entender essa diferença de cenários entre a indústria

de jornais nos Estados Unidos e no restante do mundo são a maior penetração de mercado da

banda larga de internet (comparativamente a países em desenvolvimento), o maior nível de

dependência dos jornais americanos em relação à receita publicitária (prática de preços mais

fortemente subsidiados para um dos lados da rede bilateral, os leitores) e uma menor

proporção de empresas jornalísticas de propriedade familiar, que são reconhecidas por adotar

uma visão de mais longo prazo na tomada de decisão em momentos de dificuldade.

No Brasil o cenário também é diferente. A circulação total de jornais impressos no

país vem tendo uma variação positiva anual desde 2004, apresentando um crescimento

acumulado de cerca de 50% no período. Em 2012 foram mais de 4,5 milhões de exemplares

diários vendidos. Esse crescimento, segundo o presidente do Instituto Verificador de

Circulação (IVC), segue em linha com o crescimento econômico do país e com o aumento do

poder de consumo das classes de menor poder aquisitivo nos últimos anos (Silva, 2013).

Faz-se necessário notar que é esse mesmo crescimento no poder de consumo das

classes de menor poder aquisitivo, atrelado a planos de incentivo do Governo Federal (como o

Plano Nacional de Banda Larga, lançado em 2010) que poderá viabilizar o projetado aumento

na penetração da internet banda larga no país. Como mencionado anteriormente, se as

projeções apresentadas pela consultoria PwC se confirmarem, 64% dos domicílios brasileiros

estarão conectados em alta velocidade até 2016 (PwC, 2012). Esse número representará um

crescimento de 100% sobre a penetração atual no país (32% dos domicílios em 2012) e será

comparável à penetração que a internet banda larga possuía nos Estados Unidos em 2008. Se

14

levarmos ainda em conta o forte crescimento de penetração de mercado projetado para

conexões de internet via celular (de atuais 14,5% da população para 47,1% em 2016), temos

um cenário de ampla disponibilidade de acesso à internet na população brasileira.

Outra diferença importante entre as realidades brasileira e norte-americana é que uma

combinação de fatores políticos (reserva do mercado de informática no país até 1992) e

econômicos (baixos índices de crescimento da renda per capta nas últimas duas décadas do

século XX) contribuiu para que a geração de “nativos digitais” no Brasil fosse um pouco mais

tardia do que essa mesma geração nos Estados Unidos (Lima, 2010). Entende-se por nativos

digitais a geração nascida em interação constante com toda a sorte de tecnologia digital

(computadores, videogames, música digital, etc.) e que, fruto dessa interação, desenvolveu um

padrão de pensamento e comportamento diferente das gerações anteriores. Nativos digitais

gastam, por exemplo, duas vezes mais tempo jogando videogame ou falando em celulares do

que lendo (Prensky, 2001). Segundo Lima (2010) essa geração de nativos digitais, que nos

Estados Unidos tem hoje idades entre 20 e 30 anos e já está ativa no mercado de trabalho, no

Brasil tem entre 15 e 20 anos e ainda não pode ser considerada economicamente ativa.

É de se esperar, portanto, que a combinação do aumento expressivo da penetração da

internet em alta velocidade com a chegada ao mercado de consumo da geração de nativos

digitais brasileiros imponha uma pressão crescente sobre a circulação de jornais impressos no

Brasil nos próximos cinco anos. A oportunidade que a indústria brasileira de jornais tem,

diante desse cenário, é de analisar as consequências que ampla adoção de uma tecnologia

disruptiva como a internet está gerando nessa indústria nos Estados Unidos, e tomar as

medidas necessárias para garantir sua sustentabilidade quando essa mesma tecnologia estiver

amplamente disseminada também por aqui.

A realidade observada na circulação de jornais impressos, longe de representar uma

tendência no consumo de notícias na sociedade, caminha justamente em sentido oposto à

tendência geral. Em 2010, o tempo médio gasto com o consumo de notícias pela população

dos Estados Unidos foi de 70 minutos diários (Pew Research Center, 2010), com um

crescimento de 3 minutos (4,3%) sobre a média os últimos cinco anos e bem próximo dos

picos históricos alcançados na década de 90. Esse crescimento está diretamente ligado ao

consumo de notícias online, que atingiu a marca de 13 minutos por dia em 2010. A internet já

é o segundo meio mais relevante para os norte-americanos na hora de se informar, à frente

apenas da TV. Outro estudo do Pew Research Center (Olmstead, Sassen, Mitchell, 2013)

15

aponta que a audiência dos 25 maiores sites de notícias dos Estados Unidos em 2012 foi de

625 milhões de visitantes únicos (crescimento de 7% sobre 2011), sendo que mais da metade

desses sites são de empresas jornalísticas que também editam versões impressas desse

conteúdo. O que se depreende dessa informação é que há uma migração em curso, da leitura

de notícias no jornal impresso para o online, e que a indústria de jornais consegue manter

tanto sua relevância quanto seus níveis de audiência nesse processo de migração, obtendo no

meio digital um volume de leitores até maior do que no meio impresso (Tabela 1):

Site

Visitantes Únicos

Mensais (em mil)

Vinculado a

Jornal?

Yahoo! - ABC News 85.962 NÃO

CNN Network 61.489 NÃO

Huffington Post Media Group 59.901 NÃO

NBC News Digital 56.274 NÃO

CBS News 39.221 NÃO

USA Today Sites 35.121 SIM

The New York Times 29.031 SIM

Foxnews.com 27.909 NÃO

Tribune Newspapers 27.637 SIM

Washingtonpost.com 18.942 SIM

Advance Digital 18.172 SIM

Mail Online 17.776 SIM

Digital First Media 17.086 SIM

Hearst Newspapers 15.965 SIM

Examiner.com Sites 14.046 NÃO

BBC 13.544 NÃO

McClatchy Corporation 13.448 SIM

MediaNews Group 13.271 SIM

NYDailynews.com 11.637 SIM

The Guardian 9.843 SIM

Slate 9.154 NÃO

Lee Enterprises 7.798 SIM

Topix 7.351 NÃO

USNews 7.108 SIM

MSN News 6.983 NÃO Tabela 1: 25 Maiores Sites de Noticias dos Estados Unidos em 2012

Fonte: Olmstead, Sassen e Mitchell, 2013

16

Seguindo a tendência da audiência dos veículos digitais de notícias, o bolo publicitário

digital também vem crescendo de forma bastante expressiva. No Brasil, dados do Interactive

Advertising Bureau (IAB) (2013) mostram que a publicidade digital cresceu 32% no último

ano, chegando a 4,5 bilhões de reais, e projetam crescimento de outros 32% para 2013. Nos

Estados Unidos os investimentos em mídia digital cresceram 17% no último ano, atingiram o

patamar de 37,3 bilhões de dólares, já representam 23% de todo o bolo publicitário norte-

americano e as previsões são de que chegarão a 29% até 2016 (Olmstead, Sassen, Mitchell,

2013).

O grande problema é que a indústria de jornais não consegue ter, na publicidade

digital, a mesma relevância e a mesma participação de mercado que possui nos meios

tradicionais de mídia. O mercado de publicidade digital norte-americano é amplamente

dominado por apenas cinco empresas, que não têm sua origem no mercado de notícias:

Google, Facebook, Yahoo, Microsoft e AOL. Sozinhas elas faturam 64% de todo o bolo

publicitário digital, com tendência de crescimento nessa participação (em 2009 representavam

63%) (Olmstead, Sassen, Mitchell, 2013). O amplo domínio dessas empresas implica em

dificuldades para os jornais estabelecerem uma participação de mercado compatível com suas

necessidades econômicas. Um estudo publicado em março de 2012 pelo Projeto para

Excelência do Jornalismo do Pew Research Center (Rosenstiel, Jurkowitz, Ji, 2012),

conduzido com 38 jornais norte-americanos, mostrou que esses veículos estão perdendo sete

dólares de publicidade impressa para cada dólar que conseguem conquistar com publicidade

digital, como mostra o Gráfico 3. Ou seja, a receita publicitária está sim migrando dos meios

tradicionais para os meios digitais. E ao fazer essa migração, ao contrário do que a acontece

com a audiência, a receita publicitária sai das mãos dos jornais e é capturada por novos

entrantes do mercado de mídia.

17

0

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

60.000

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Online

Impresso

Gráfico 3: Evolução das Receitas Publicitárias dos Jornais Norte-Americanos

Fonte: Edmonds, Guskin, Mitchell e Jurcowitz 2012

Eisenmann et al. (2006) chamam os produtos ou serviços que colocam grupos de

usuários em contato uns com os outros (como os jornais fazem com leitores e anunciantes) de

“plataformas”. Segundo ele, são três os principais desafios relacionados à gestão de uma

plataforma de negócios. O primeiro deles é a definição da estratégia de preço (qual dos lados

da rede subsidiar, e por quanto tempo), o segundo é lidar com a dinâmica de “o vencedor leva

tudo”, que decorre dos retornos de escala crescentes em redes com alto efeito de

realimentação positiva (na indústria de jornais esse efeito não é tão forte) e o terceiro desafio

é, para os detentores de uma plataforma de sucesso, lidar com os riscos de envelopamento por

plataformas adjacentes, especialmente em mercados onde a tecnologia se desenvolve

rapidamente. Esse envelopamento é exatamente a ameaça que os jornais estão sofrendo por

parte dos novos entrantes no mercado de mídia, que estão conquistando boa parte do bolo

publicitário digital:

“Plataformas têm bases compartilhadas de usuários. Aproveitar-se desses

relacionamentos compartilhados pode tornar fácil e atrativo para o provedor de uma

plataforma engolir a rede de usuários da outra menor. O dano real ocorre quando seu

novo rival oferece funcionalidades de sua plataforma como parte de um pacote

maior de ofertas. Um pacote como esse fere o provedor da plataforma menor quando

18

o “lado do dinheiro” 2 percebe que o pacote do rival entrega mais funcionalidades a

um preço mais baixo. O provedor da plataforma menor não pode responder a essa

proposta de valor porque ele não consegue cortar o preço no seu “lado do dinheiro”

e tampouco consegue construir um pacote semelhante.” (Eisenmann et al., 2006).

Isso é o que está acontecendo com os jornais ao lidar com concorrentes como o

Google, Facebook ou Yahoo. Esses concorrentes oferecem um pacote atrativo de

funcionalidades para seus usuários (inclusive algumas das funcionalidades propostas por

jornais, como agregação de conteúdo jornalístico), constroem uma grande audiência e com

isso conseguem atrair os anunciantes (“money-side” dos jornais) para sua plataforma. Não são

muitas as alternativas disponíveis para o provedor de uma plataforma que está sendo

envelopada, mas uma das alternativas existentes é promover mudanças em seu modelo de

negócios (Eisenmann et al., 2006).

Parece haver um consenso de que promover inovações e mudanças em seu modelo de

negócios é uma necessidade de empresas que percebem seus mercados atacados por entrantes

disruptivos (Christensen, Johnson, Kagermann, 2008; Doz & Kosonen, 2010; McGrath,

2010). Alguns autores destacam, entretanto, que é muito mais difícil para as empresas já

estabelecidas no mercado promover essas alterações do que para os novos entrantes.

Christensen, Johnson e Kagermann (2008) afirmam que isso acontece porque as empresas não

entendem seus próprios modelos de negócios em profundidade suficiente para identificar

quando é necessário apenas se focar em algumas competências-chave ou quando é necessário

introduzir uma inovação completa no modelo de negócio. Para Doz e Kosonen (2010) essa

dificuldade surge porque a maior parte das empresas permanece fazendo o que sempre fez por

tempo demais e se torna vítima de certa rigidez de seu modelo de negócios. Chesbrough e

Rosenbloom (2002) também avançam nessa linha, reforçando que as empresas têm

dificuldades em gerir inovações desalinhadas com suas experiências prévias, quando os

comportamentos e práticas anteriores já não podem ser aplicados integralmente.

A evolução da indústria de jornais ao longo da primeira década de existência da

internet comercial confirma essa teoria. Um artigo apresentado no Simpósio Internacional de

Jornalismo Online, realizado na Universidade do Texas em 2005 (Mensing & Rejfek, 2005),

2 “Money-side”, no texto original.

19

comparou uma pesquisa realizada com os jornais norte-americanos em 1996 (quando a

internet comercial estava começando a se desenvolver) com outra realizada em 2005 (quando

a circulação dos jornais impressos começou a apresentar quedas relevantes). As conclusões

foram que as técnicas usadas para gerar receitas no meio digital emergiram de dentro do

próprio modelo de negócios tradicional de jornais impressos e que nenhuma inovação

relevante surgiu no período de dez anos transcorridos entre as duas pesquisas. Os autores

afirmam ainda que não encontraram evidências de que a indústria de jornais estivesse

investindo em pesquisas ou desenvolvimentos de longo prazo que garantissem sua

sobrevivência na nova economia digital.

Ainda de acordo com Mensing e Rejfek (2005), o debate entre a gratuidade e a

cobrança pelo conteúdo dos jornais na internet estava completamente em aberto em 2005.

Segundo a pesquisa, enquanto 48% dos respondentes de 2005 afirmavam que estratégias

baseadas em publicidade (com conteúdo grátis) pareciam ser as mais promissoras, 31%

afirmavam que algum modelo baseado em cobrança por conteúdo ou transação parecia ser

mais promissor e 13% não estavam certos sobre a estratégia mais promissora. Ao contrário do

que afirma Anderson (2008), o debate entre gratuidade e cobrança pelo conteúdo online

continua aberto até hoje, com defensores e adeptos importantes de cada um dos modelos. Em

um extremo há jornais que baseiam seu modelo de atuação na internet na cobrança pelo

acesso ao conteúdo disponibilizado. Nesse modelo, a maior parte do conteúdo está disponível

apenas para o usuário pagante. O mais conhecido jornal dessa corrente é o norte-americano

The Wall Street Journal. No outro extremo estão jornais que baseiam seu modelo digital na

disponibilização gratuita de todo o conteúdo na internet. Esses jornais apostam na

maximização da audiência em seus sites e na monetização dessa audiência através da

comercialização de publicidade. O jornal inglês The Guardian é hoje o mais notável defensor

desse modelo de atuação (Hulsen, 2011).

A partir de 2007 um modelo híbrido começou a ganhar espaço nessa discussão,

pretensamente combinando as vantagens de cada um dos modelos anteriores. Nesse modelo,

que a indústria passou a chamar de “paywall híbrido” ou “paywall poroso” o leitor tem o

direito de ler um determinado número de matérias de forma gratuita mensalmente

(usualmente entre 10 e 40) e, atingido esse limite, tem seu acesso restringido e é convidado a

se tornar um usuário pago. Com isso, a empresa jornalística consegue sustentar altos níveis de

audiência (o que viabiliza a receita publicitária online) e também consegue cobrar pelo

20

conteúdo consumido por leitores intensivos. O modelo paywall poroso, como será

identificado a partir de agora neste trabalho de pesquisa, foi inicialmente proposto pelo jornal

inglês Financial Times e passou a ter grande visibilidade na indústria de jornais a partir de sua

adoção pelo norte-americano The New York Times, em março de 2011(Sulzberger, 2011).

Desde sua implantação pelo The New York Times, e em especial a partir da

divulgação dos primeiros resultados positivos obtidos com a iniciativa (Folha de São Paulo,

2012), um número crescente de empresas jornalísticas norte-americanas passou a replicar o

modelo de negócio paywall poroso em suas operações de internet, incluindo outras grandes

operadoras dessa indústria como a Gannett Company (que possui 80 jornais nos Estados

Unidos) e a Tribune Company (que publica o jornal Los Angeles Times). Hoje a maior parte

dos grandes jornais americanos já adotou alguma forma de cobrança pelo conteúdo online

(Molla, 2013). Também no Brasil o paywall poroso passou a ser adotado por grandes jornais,

como a Folha de São Paulo, a Zero Hora (de Porto Alegre) e a Gazeta do Povo (de Curitiba)

(Folha de São Paulo, 2013b).

Se nos primeiros dez anos de internet a indústria de jornais pouco avançou em relação

à evolução de seu modelo de negócios (Mensing & Rejfek, 2005), o paywall poroso parece

ser uma inovação que aponta um caminho possível para o futuro. Entretanto, longe de ser um

consenso, essa alternativa ainda é objeto de muito debate. Os resultados iniciais obtidos pelo

The New York Times são de fato encorajadores. Segundo o balanço trimestral, publicado em

abril de 2013, o jornal atingiu um total de 676 mil assinantes digitais e em 2012, pela primeira

vez em sua história, as receitas de circulação (impressa e digital) excederam as receitas com

publicidade (impressa e digital) (The New York Times Company [NYTCO], 2013a). Isso

evidencia uma mudança de rumo importante em seu modelo de negócio, que historicamente

esteve amparado majoritariamente nas receitas de publicidade. Os defensores do modelo

argumentam ainda que a implementação do paywall poroso, ainda que não represente uma

fonte de receita relevante, contribui para preservar a circulação do jornal impresso, uma vez

que o mesmo conteúdo não poderá ser mais acessado gratuitamente na internet (Adams,

2012).

Os críticos desse modelo, por outro lado, argumentam que não há clareza sobre a

viabilidade ou replicabilidade do paywall poroso para todos os tipos e tamanhos de jornais.

Para eles a principal dúvida é se os leitores identificarão proposta de valor suficiente grande

no conteúdo gerado pelos jornais a ponto de se dispor a pagar por ele ou não (Meio &

21

Mensagem, 2012), em especial diante do fato de haver uma cultura desenvolvida na internet

de obtenção de conteúdo e serviços a custo zero (Anderson, 2008). Segundo Earl Wikinson,

presidente do International Newspaper Marketing Association (INMA),“poucos jornais se

equiparam ao The New York Times ou ao Financial Times (...). Para a grande maior parte dos

jornais ainda vale a pena manter a maior parte de seu acesso aberto para garantir tráfego e

divulgar a marca” (Mello, 2011).

Outro depoimento importante nessa mesma direção vem do editor-chefe da revista

Technology Review, do MIT, que adotou o modelo paywall poroso por dois anos e reverteu a

decisão recentemente. Segundo ele o motivo de o modelo não ter funcionado para sua

empresa é que seu volume de publicação (quantidade de matérias publicadas) é muito menor

que o do The New York Times ou do Financial Times (Pontin, 2012).

O que se percebe é que a indústria de jornais, em todo o mundo, tem clareza de que

precisa promover mudanças em seu modelo de negócio, que está evidentemente ameaçado por

uma tecnologia disruptiva. Quando um modelo de negócio torna-se irrelevante em função de

mudanças no ambiente externo ou porque deixou de fazer sentido para seus clientes, surge um

terreno fértil para o desenvolvimento de novos modelos (McGrath, 2010). É nesse contexto

que a indústria de jornais está promovendo grande discussão, experimentação e busca de

alternativas para encontrar um novo modelo de negócios que garanta sua sustentabilidade

econômica. Isso está em linha com o que afirma Teece (2010). Segundo ele leva-se tempo

para chegar a um modelo de negócio correto. E que nesse processo de busca é importante ser

flexível, experimentar e aprender.

Não há até aqui um modelo de negócios óbvio a ser seguido pela indústria de jornais

(Rosenstiel et al., 2012), mas o modelo paywall poroso merece atenção especial em função de

resultados positivos que começam a aparecer e de sua adoção em massa por jornais em todo o

mundo. Diante desse contexto, a pergunta de pesquisa que norteará essa dissertação é:

Como e porque o modelo de negócio paywall poroso, adotado pelo The New

York Times, tem apresentado resultados de negócio satisfatórios e tem se

tornado uma referência para a indústria de jornais em todo o mundo?

22

1.1 Objetivos

Como visto até aqui, diante do atual ambiente competitivo, a indústria de jornais

precisa ser capaz de inovar em seu modelo de negócio para garantir sua sustentabilidade

econômica no longo prazo. Após anos de inércia e avanços tímidos há, aparentemente, uma

alternativa que começa a ganhar força como sendo um passo adiante na direção certa: o

modelo de negócio paywall poroso. Apesar de mostrar alguns resultados iniciais

encorajadores, obtidos pelo jornal The New York Times, para que o modelo possa se

consolidar ele ainda carece de uma maior compreensão, de um entendimento mais detalhado

sobre seu funcionamento e das implicações que sua implementação pode trazer para as

empresas jornalísticas. Diante desse cenário, o objetivo geral dessa pesquisa é:

Analisar o modelo de negócios paywall poroso a partir da experiência adotada

pelo jornal The New York Times, buscando entender as razões de seu sucesso

inicial e a viabilidade de sua replicação para outros jornais.

A decisão de ancorar a análise do modelo de negócio na experiência concreta do jornal

The New York Times está baseada no fato de que se trata de uma empresa de capital aberto,

com farta documentação de resultados operacionais, econômicos e financeiros disponível, e

de estar em grande evidência na indústria nesse momento.

Para que o objetivo geral proposto seja atingido, os seguintes objetivos específicos

precisarão ser concluídos:

1) Identificar e analisar a sequência de avaliações, planos e decisões estratégicas

adotadas pelo The New York Times que culminaram com a implantação do

modelo de negócios paywall poroso;

2) Identificar os elementos constituintes centrais desse modelo de negócio e detalhá-

los, definindo o nível adequado de agregação para a análise;

3) Representar graficamente este modelo de negócios;

4) Realizar a avaliação de efetividade do modelo de negócios paywall poroso, a

partir do detalhamento de seus elementos constituintes e da representação gráfica;

5) Avaliar as possibilidades e condições de replicabilidade do modelo a partir das

análises realizadas.

23

1.2 Justificativa Teórica

Este trabalho parte da premissa de que a principal barreira à inovação em modelos de

negócios por empresas já estabelecidas em seus mercados é o fato de essas empresas não

entenderem suficientemente bem seu próprio modelo de negócios, não conhecerem as

premissas por trás de seu desenvolvimento, as interdependências entre seus diferentes

elementos, suas forças e suas limitações (Christensen et al., 2008). Ao entender em

profundidade o modelo paywall poroso a indústria de jornais será capaz de analisá-lo e avaliá-

lo com precisão, identificar os fatores que facilitam ou impedem as adaptações necessárias e

avançar na direção de sua viabilidade econômica.

Para Osterwalder, Pigneur e Tucci (2005) é muito raro que as empresas sejam capazes

de comunicar seu modelo de negócios claramente e isso dificulta o entendimento comum que

todos os stakeholders devem ter da lógica do negócio. Para eles, para que seja possível fazer

as adaptações adequadas em um modelo de negócios é mandatório que se possa observar seus

componentes, a partir de um entendimento que é muito facilitado pela visualização gráfica do

modelo: “o primeiro passo para gerenciar o conhecimento sobre um modelo de negócio é

descrevê-lo de forma explícita”. Nessa mesma linha, Casadesus-Masanell e Ricart (2007)

defendem que para que seja possível fazer uma análise adequada das escolhas feitas pelas

organizações (e de suas consequências) é importante trabalhar com uma representação gráfica

de seu modelo de negócio. Ele sugere o diagrama de loop casual como a ferramenta adequada

para fazer essa representação.

Por fim, a literatura indica que modelo de negócios é um tema que é amplamente

citado e muito pouco analisado (Teece, 2010). E o que se pretende nesse trabalho é justamente

fazer uma análise aprofundada do modelo de negócio paywall poroso, que vem ganhando

espaço na indústria de jornais. Dessa forma será possível identificar as forças, as fraquezas e

os pontos de evolução de necessária no modelo, para ajudar a indústria de jornais na

compreensão aprofundada desse passo que está sendo dado e contribuir para um melhor

entendimento do conceito teórico de modelo de negócio, seus elementos e sua aplicabilidade.

24

2 REVISÃO DA LITERATURA

Apesar de haver referências anteriores ao termo modelo de negócio (Verstraete &

Jouison-Laffitte, 2011; Osterwalder, Pigneur, Tucci, 2005), foi a partir do surgimento da

internet comercial e do crescimento da quantidade de empresas com atuação exclusivamente

online, no final dos anos 90, que o conceito passou a ser usado com frequência no meio

empresarial e virou uma buzzword. Ao contrário do que afirmou Magretta (2002), modelo de

negócio não saiu de moda com o estouro da bolha das empresas “pontocom” e, desde então,

passou a merecer atenção crescente do mundo acadêmico. Osterwalder et al. (2005) e depois

Zott, Massa e Amit (2010) fizeram pesquisas verificando a quantidade de referências ao termo

no meio acadêmico e demonstraram esse nível crescente de atenção.

Há, na literatura, um entendimento de que o modelo de negócio deve ser visto como

uma nova unidade de análise (Salas-Fumás, 2009; Zott, Massa, Amit, 2010), adequada ao

atual momento do mundo dos negócios, que é progressivamente mais complexo. Essa

complexidade decorre tanto das novas possibilidades de comunicação e informação

viabilizadas pelo crescimento das tecnologias online, como de mudanças nas configurações

socioeconômicas proporcionadas pela globalização, pela crescente desregulamentação dos

mercados e pela ascensão econômica de países e classes sociais emergentes (Casadesus-

Masanell & Ricart, 2010). Osterwalder et al. (2005) ousam dizer que modelo de negócio é

candidato a substituir a “indústria” como unidade de análise. Para defender essa ideia eles

citam o exemplo da Apple, com a plataforma iTunes. Fazendo uma análise sob o paradigma

de “setores da indústria”, pode-se dizer que o iTunes inclui as indústrias da música, de

software, de hardware e de negócios online. Olhando-se sob o paradigma de modelo de

negócios é possível dizer que a plataforma iTunes “forma um conjunto de escolhas de

negócios que se reforçam mutuamente, formando um todo”.

Os benefícios obtidos com a utilização da abordagem de modelo de negócio são

defendidos por diferentes autores. Salas-Fumás (2009) afirma que ele “proporciona muito

mais graus de liberdade do que outras unidades de análise, para dar forma à realidade

complexa que vivemos”. Para Magretta (2002), um modelo de negócios claramente definido

“facilita o engajamento e o alinhamento dos funcionários ao projeto da empresa”. Osterwalder

25

et al.(2005) defendem que o paradigma de modelo de negócio “ajuda gestores a capturar,

entender, comunicar, desenhar, analisar e mudar a lógica de negócios da firma”. Para

Chesbrough e Rosenbloom (2002) o papel central de um modelo de negócios em empresas de

tecnologia é “destravar seu valor latente e garantir que a inovação de fato entregue valor para

o cliente”. Hedman e Kalling (2003) afirmam que modelo de negócio é muito útil, na medida

em que é um conceito capaz de integrar as diferentes perspectivas estratégicas. Uma notória

exceção na defesa do constructo é justamente Porter (2001), que afirma que se trata de um

termo “obscuro”, que não deveria ser avaliado de forma independente da estrutura da

indústria. Para ele, usar uma abordagem de modelo de negócio leva gestores a “pensamentos

equivocados”. Em contraponto a essa visão, Hedman e Kalling (2003) afirmam que

“ironicamente, o ceticismo de Porter ao conceito de modelo de negócio pode ser resolvido por

seu próprio modelo da cadeia da causalidade (Porter, 1991) que não é referenciado como

modelo de negócio, mas incorpora muitos atributos incluídos nele”.

Boa parte do esforço teórico inicial a respeito de modelo de negócio teve por objetivo

separá-lo do conceito de estratégia (Zott et al., 2010). Atualmente há um consenso de que

modelo de negócio e estratégia são dois constructos distintos, ainda que relacionados

(Magretta, 2002; Teece, 2010; Casadesus-Masanell & Ricart 2010; Lecocq, Demil, Warnier,

2006; McGrath, 2010; Chesbrough & Rosenbloom, 2002). Onde ainda não há consenso é

justamente na relação existente entre esses dois constructos. Teece (2010), por exemplo,

afirma que modelo de negócio é um conceito mais genérico que estratégia (para ele,

selecionar a estratégia é mais granular). Por outro lado, alguns autores o vinculam à

operacionalização da estratégia. Para Verstraete e Jouison-Laffitte (2011), modelo de

negócios “estabelece uma ponte entre a estratégia e as operações da empresa”. Lecocq, Demil

e Warnier (2006) afirmam que “enquanto o conceito de estratégia está focado nas escolhas

que produzem e mantém um diferencial competitivo, modelo de negócio se ocupa de questões

mais operacionais, ligadas a gestão da empresa”. Para eles, trata-se de “um nível

intermediário de análise, entre a estratégia da empresa e suas traduções funcionais”. Ainda

nessa linha McGrath (2010) defende que a abordagem de modelo de negócio reflete um

“senso de ação” e que essa condição dinâmica não está presente em nenhuma das duas escolas

centrais de estratégia (outside-in e inside-out).

Outros autores constroem a relação entre modelo de negócio e estratégia a partir do

conceito de valor econômico (Bradenburger & Stuart, 1996). Para eles, o foco do constructo

26

estaria na criação de valor para o conjunto de stakeholders, enquanto o foco de estratégia

estaria mais relacionado à captura desse valor. Nessa linha, Chesbrough e Rosenbloom (2002)

afirmam que “a preocupação central de modelo de negócio é gerar valor para o cliente.

Apesar de o conceito também tratar de captura desse valor, a ênfase nisso é muito maior em

estratégia”. Para Zott et al.(2010), “estratégia está mais ligado à competição, à captura de

valor, enquanto modelo de negócios está mais ligado à cooperação, à criação conjunta e

captura sustentável de valor”.

Há ainda um debate a respeito da possibilidade de modelo de negócios ser visto como

fonte de vantagem competitiva sustentável para as empresas. Magretta (2002) defende que

sim, mas em casos onde ele muda a lógica econômica de uma indústria inteira e é difícil de

ser replicado. Para Teece (2010), as questões colocadas no desenvolvimento de um bom

modelo de negócios são as mesmas questões postas na definição da estratégia: como construir

vantagem competitiva sustentável? Para que ele possa ser essa fonte de vantagem competitiva

sustentável para a empresa, além de valioso e raro, precisa ser difícil de ser replicado. Para

garantir isso, a construção de um modelo de negócio, segundo Teece (2010), deve ser

precedida de uma robusta análise estratégica. Nessa mesma linha McGrath (2010) afirma que

permanece válida, para o sucesso de uma empresa, a noção de que é necessário construir

vantagem competitiva fazendo algo diferente. Para ela, adotar um novo modelo de negócio

pode ser esse “algo diferente”.

A relação entre estratégia e modelo de negócio assumida nessa dissertação será aquela

proposta por Casadesus-Masanell e Ricart (2010). Segundo eles, “estratégia se refere à

escolha do modelo de negócios com o qual a empresa vai competir”. Em seu texto,

Casadesus-Masanell e Ricart (2010) fazem também uma referência às táticas da empresa, que

são escolhas residuais disponíveis para os gestores a partir do modelo de negócio selecionado.

Para integrar os três conceitos (estratégia, modelo de negócio e tática) eles propõem um

framework genérico de processo competitivo de dois estágios (ver Figura 1). No primeiro

estágio a empresa escolhe a forma de competir no mercado, escolhe a lógica de operação, de

criação e captura de valor e, no segundo estágio, ela faz as escolhas táticas mirando em seus

objetivos.

27

Figura 1: Framework genérico do processo competitivo de dois estágios Fonte: Casadesus-Masanell e Ricart, 2010

Essa é uma abordagem integrativa na medida em que está alinhada com a noção de

que modelo de negócios refere-se à operacionalização da estratégia da empresa e que seu foco

está na criação de valor para o cliente. Ela também se alinha com a visão de que modelo de

negócio pode ser visto como fonte de vantagem competitiva sustentável, a partir do

entendimento de que o conceito de estratégia está ligado às escolhas que a empresa faz para

produzir e sustentar essa vantagem competitiva. Percebe-se ainda, nessa proposta, a

capacidade que o constructo tem de integrar as diferentes perspectivas estratégicas. Ao ser

tratado como fonte de vantagem competitiva, o próprio modelo de negócio pode ser visto

como um recurso ou capacidade da empresa (Barney, 1991) e ao focar sua atenção na geração

de uma proposição única de valor para o cliente, envolvendo um conjunto de atividades,

demonstra um foco externo próprio da visão outside-in (Porter, 1996)

Para entender as diferenças de conceito entre estratégia, modelo de negócio e tática,

Casadesus-Masanell e Ricart (2010) se apoiam no exemplo do jornal Metro, o que é bastante

ilustrativo dado o alinhamento com o tema desta dissertação. A escolha estratégica atual da

empresa editora do Metro é operar segundo um modelo de negócios onde o jornal é entregue

gratuitamente para seus leitores e sua receita é integralmente baseada na venda de espaços

publicitários. Essa escolha estratégica impõe uma série de restrições às escolhas táticas

disponíveis para a operação do negócio. Um exemplo evidente dessas restrições, no caso do

Metro, é o preço de capa do jornal (que é definido como zero em função do modelo de

negócios escolhido).

28

A partir desse exemplo pode-se fazer um paralelo com a adoção do modelo de

negócios paywall poroso pelo jornal The New York Times. A escolha estratégica inicial do

jornal havia sido operar com o conteúdo totalmente aberto e gratuito na internet, buscando

gerar receitas publicitárias a partir disso. Ao perceber uma mudança no ambiente competitivo

(amplamente discutido na introdução) a empresa optou por fazer uma alteração estratégica e

passou operar com um novo modelo de negócios, que é o objeto de estudo dessa dissertação.

O exemplo do The New York Times ilustra também a definição de estratégia como sendo um

“plano de ação contingente, desenhado para atingir determinado objetivo” (Casadesus-

Masanell & Ricart, 2010). A palavra “contingente” tem uma força importante nessa definição,

pois deixa claro que o conceito de estratégia envolve alternativas ou caminhos que serão

adotados se a opção escolhida não apresentar os resultados previstos. O corolário dessa

afirmação é que o modelo de negócios de uma empresa é algo externamente observável, e que

a estratégia não é. A diferença entre os constructos estratégia e modelo de negócio fica

evidenciada quando o plano de ação da empresa contempla modificações em seu modelo de

negócio a partir da ocorrência de contingências. Isso foi exatamente o que se passou o jornal

The New York Times.

2.1 Definição de Modelo de Negócio

Apesar do interesse crescente por parte de acadêmicos e gestores, e dos benefícios

percebidos em sua utilização, modelo de negócio é um conceito que ainda carece de uma

definição clara e amplamente aceita na comunidade acadêmica (Casadesus-Masanell &

Ricart, 2010; Osterwalder et al., 2005; Hedman & Kalling, 2003; Chesbrough & Rosenbloom,

2002; ZOTT et al., 2010). Há um entendimento de que essa lacuna teórica está intimamente

ligada a seu caráter multidisciplinar (Lecocq et al., 2006; Teece, 2010;). Primeiramente

Osterwalder et al.(2005) e depois Zott et al. (2010) fizeram estudos abrangentes sobre as

abordagens e as principais conclusões de diversos autores acadêmicos a respeito do

constructo. Esses dois estudos, mesmo com uma diferença de cinco anos entre eles, chegaram

a constatações próximas. Dentre outras coisas, concordam que diferentes autores vêm

mencionando o termo modelo de negócios para se referir a coisas diferentes, de acordo com

29

seus interesses particulares, e que há uma dificuldade na academia em identificar os

elementos e as relações que compõem um modelo de negócio.

Osterwalder et al.(2005) categorizaram os autores pesquisados em três diferentes

tipos: 1) aqueles que propõem uma definição de modelo de negócio como um conceito

abstrato para representar negócios em geral; 2) aqueles que propõem uma taxonomia para

modelos de negócios a partir de determinados “tipos de modelos”; 3) aqueles que descrevem

exemplos específicos, particulares, de modelos de negócios (ver Figura 2). Segundo eles, foi

possível perceber uma evolução temporal no conteúdo da literatura sobre modelo de negócio,

dividida em cinco diferentes “fases” no período entre 1998 e 2005: 1) definição e

classificação de modelos de negócio; 2) listagem dos elementos constituintes; 3) descrição

detalhada desses elementos; 4) modelagem conceitual e 5) aplicação de modelo de negócio na

gestão de negócios.

Figura 2: Hierarquia do conceito de modelo de negócio

Fonte: Osterwalder et al.(2005)

Segundo Zott et al. (2010), menos da metade dos 103 artigos analisados em seu estudo

propunham uma definição minimamente adequada para modelo de negócio, que explorassem

seus elementos constituintes. Ao analisá-los eles identificaram que a teoria sobre o conceito

30

evolui em três grandes áreas de concentração, que eles chamaram de silos: 1) e-business; 2)

diferenças entre modelo de negócio e estratégia (geração x captura de valor); 3) modelo de

negócio, inovação e gestão da tecnologia. Para Zott et al. (2010), há uma oportunidade para a

academia de construir “pontes” entre esses três silos e eles mesmos propõem algumas dessas

pontes ao identificar quatros grandes consensos em toda a literatura analisada: 1) modelo de

negócio é uma nova unidade de análise, posicionada entre a empresa e seus stakeholders; 2) o

conceito está ligado a uma visão holística e não apenas funcional da empresa (busca entender

o negócio como um todo e como ele é feito); 3) o conceito inclui atividades organizacionais

(citadas como atividade, processo, funcionalidade ou transação) tanto da empresa como de

parceiros; 4) modelo de negócio está mais ligado à geração de valor (com foco no cliente), do

que à captura. O quadro 2 apresenta algumas das definições predominantes para o conceito de

modelo de negócio, encontradas por eles.

Autor(es), Ano Definição

Timmers, 1998 Modelo de negócio é a arquitetura de um produto, serviço e os fluxos de informação,

incluindo a descrição dos vários atores e seus papéis; a descrição dos benefícios

potenciais para os vários atores; a descrição das fontes de receita.

Amit e Zott, 2001 Modelo de negócio descreve o conteúdo, a estrutura e a governança de transações

desenhadas para criar valor ao explorar oportunidades de negócio.

Chesbrough e

Rosenbloom, 2002

O modelo de negócio é a lógica heurística que conecta o potencial técnico com a

realização de valor econômico.

Magretta, 2002 Modelos de negócio são histórias que explicam com as empresas funcionam. Um bom

modelo de negócio responde as perguntas antigas de Peter Drucker: quem é o cliente?

O que é valor para o cliente? Ele também responde perguntas fundamentais que todo

gestor tem que fazer: como vamos fazer dinheiro com esse negócio? Qual é a lógica

econômica de base, que explica como entregamos valor para os clientes a um custo

apropriado?

Morris et al., 2005 Modelo de negócio é uma representação concisa de como variáveis de decisão

interelacionadas nas áreas de estratégia de risco, arquitetura e economia são

endereçadas para criar vantagem competitiva sustentável nos mercados definidos. Ele

tem seis componentes fundamentais: proposta de valor, cliente, processos/competências

internas, posicionamento externo, modelo econômico e fatores pessoais do investidor.

Johnson et al., 2008 Modelo de negócio consiste de quatro elementos travados entre si que, tomados em

conjunto, criam e entregam valor. São eles: proposta de valor para o cliente, fórmula de

lucro, recursos-chave e processos-chave.

Casadesus-Masanell e

Ricart, 2010

Modelo de negócio é o reflexo da estratégia realizada da empresa.

Teece, 2010 Um modelo de negócio articula a lógica, os dados e outras evidências que suportam a

proposta de valor para cliente, e uma estrutura viável de receitas e custos para a

empresa que entrega esse valor.

Quadro 2 – Definições predominantes para modelo de negócio, encontradas por Zott,

Massa e Amit Fonte: ZOTT et al., 2010

31

Outra discussão interessante a respeito da definição do conceito modelo de negócios

está relacionada ao entendimento da palavra “modelo”. Salas-Fumás (2009) afirma que

“modelo” pode ter dois significados básicos: 1) representação simplificada de uma realidade;

2) algo a ser imitado; e defende que o primeiro deles é mais adequado ao conceito em estudo.

Osterwalder et al.(2005) concordam com ele e se referem a modelo como sendo “uma

descrição e representação simplificada de uma entidade ou processo complexo”. Banden-

Fuller e Morgan (2010) foram mais longe nessa discussão e propuseram, além das duas

alternativas levantadas por Salas-Fumás (que eles chamaram de “scale model” e “role

model”), outras duas abordagens para “modelo”. Uma delas relacionada ao sentido científico

da palavra nos ramos da biologia ou economia, ou seja, como um termo mediador entre uma

teoria geral sobre o tema e descrições empíricas detalhadas, usado com o objetivo de

aprimorar o entendimento sobre o mundo real (nesse contexto, o modelo deve ser investigado

e confrontando tanto contra a teoria como contra a prática existente para aprimorá-lo como

um representante fidedigno do mundo real). A outra abordagem proposta relaciona o termo

“modelo” a uma “receita culinária”, que possui uma série de orientações gerais sobre como

usar os ingredientes, mas que está também aberta à inovação e ao tempero de quem a está

preparando. Para fins dessa dissertação, a abordagem defendida por Salas-Fumás (2009) e o

entendimento de modelo como “receita culinária” proposto por Banden-Fuller e Morgan

(2010) estão alinhados aos objetivos específicos, uma vez que se intenciona tanto representar

o modelo de negócio paywall poroso do jornal The New York Times como avaliar a

viabilidade e as condições de sua replicabilidade.

A definição de modelo de negócio que essa dissertação irá assumir será aquela

proposta por Casadesus-Masanell e Ricart (2010). Ao discutir a teoria, eles argumentam que a

definição do constructo proposta por boa parte dos autores é excessivamente normativa ao

levar em conta cada um de seus aspectos particulares (Christensen et al., 2008; Teece, 2010;

Chesbrough & Rosenbloom, 2002; Hedman & Kalling, 2003). Essas definições funcionam

muito bem como uma espécie de guia para construção de um bom modelo de negócio, mas,

por serem exaustivas, acabam impondo uma série de barreiras e limitações à definição do

conceito. Casadesus-Masanell e Ricart (2010) se alinham a autores que propõem uma

definição mais conceitual para o constructo (Magretta, 2002; Amit & Zott, 2001, Baden-

Fullen & Morgan, 2010, Lecocq et al., 2006; Doz & Kosonen, 2010), que independe de sua

qualidade e, em paralelo, propõem um modelo para avaliar a eficiência de modelos de

negócios. Para eles modelo de negócio é “a lógica da firma, a forma como ela opera e como

32

cria valor para os stakeholders”, e é constituído, essencialmente, de duas partes: as escolhas

sobre como a empresa deve operar e as consequências dessas escolhas. Segundo eles, as

escolhas podem ser de três tipos: relacionadas a políticas, a ativos e a estrutura de governança

da empresa. Já as consequências podem ser rígidas ou flexíveis. Essa definição, além de ser

prática e operacional, tem um alinhamento com o que foi exposto por Salas-Fumás (2009): “o

estudo acadêmico de modelo de negócio justifica a importância da teoria para fundamentar as

relações de causa-efeito que se acumulam até se chegar à representação simbólica de uma

realidade que se queira representar”.

Para completar a discussão a respeito da definição de modelo de negócio cabe uma

observação sobre o locus da geração de valor. Há um entendimento de que não se trata de um

processo linear, iniciado no fornecedor, passando pela empresa e terminado no comprador. Ao

contrário, a geração de valor acontece numa rede que possui a empresa focal e uma

multiplicidade de parceiros que colaboram na construção do valor (ZOTT et al., 2010). O

corolário dessa afirmação é que modelo de negócio é uma unidade de análise que extrapola as

fronteiras da empresa e mesmo as fronteiras da indústria. Um exemplo prático é o caso da

Xerox (Chesbrough & Rosenbloom, 2002) que, ao optar por um modelo de negócio

proprietário (que incluía produção, distribuição, serviços, suporte e até mesmo a fabricação do

papel) lhe impôs uma série de limitações que acabaram por enfraquecê-lo. Uma série de spin-

offs da própria Xerox tiveram maior sucesso nesse ambiente de complexidade crescente, ao

optarem por um modelo de geração de valor apoiado numa rede de parceiros.

2.2 Modelos de Negócios Online

O termo modelo de negócio ganhou força com o surgimento dos negócios online e foi

sendo progressivamente expandido para se tornar mais genérico e incluir também o

entendimento das configurações de negócios tradicionais. Apesar disso, compreender algumas

das características específicas de modelo de negócios de e-business (empresas que fazem

transações de negócio eletronicamente) é importante para essa dissertação uma vez que o

objeto de estudo é um modelo de negócio na internet.

33

As características específicas do e-business, viabilizadas pelo surgimento e

crescimento das novas tecnologias de informação e comunicação incluem, dentre outras, alta

conectividade, importância das redes de informação, alcance e riqueza da informação,

facilitação de transações e redução em seus custos, redução em custos de coordenação, quebra

de fronteiras geográficas, quebra de fronteiras entre empresas na cadeia de valor,

desentermediação dos negócios, novas formas de conexão direta entre compradores e

vendedores e maior conhecimento a respeito da disposição a pagar de cada cliente (Amit &

Zott, 2001, Salas-Fumás, 2009; Hedman & Kalling, 2003). Essas características produzem

forte impacto na cadeia de geração de valor e abrem uma série de novas possibilidades para as

empresas, tais como extensão de linha de produtos, novas formas de colaboração, redução da

assimetria da informação entre agentes, customização de massa. Todas essas novas

possibilidades viabilizadas pelo e-business se traduzem em um potencial de geração de valor

em negócios online que vai além das possibilidades de negócios tradicionais e desafiam as

teorias tradicionais a respeito do tema (Amit & Zott, 2001).

De uma maneira geral, os estudos específicos sobre modelos de negócios online se

concentraram em duas grandes correntes de pesquisa. Uma delas focada em descrever e

definir os elementos constituintes desses modelos para depois categorizá-los e outra focada

em desenvolver descrições de alguns modelos específicos de negócios online (Amit & Zott,

2001, Hedman & Kalling, 2003). A grande exceção é o texto de Amit e Zott (2001), que se

tornou a referência nesse tema ao propor um estudo bastante sólido do ponto de vista teórico,

com uma abordagem focada na geração de valor de negócios online. Para Amit e Zott (2001),

a geração de valor em e-business vai muito além das fronteiras da empresa (acontece na rede

de valor, tendo a empresa focal apenas como referência) e se dá a partir de quatro grandes

fontes: eficiência, complementaridade, trava e novidade (Figura 3)

34

Figura 3: Fontes de geração de valor em e-business

Fonte: Amit e Zott, 2001

“Eficiência” está fortemente ligado a redução dos custos de transação proporcionada

por reduções nos custos de busca, redução de assimetria da informação, tomadas de decisão

mais rápidas e outras reduções de custos proporcionadas pelas características de e-business

citadas acima. No caso de jornais fica evidente, por exemplo, que oferecer o conteúdo online

reduz os custos de distribuição. “Complementaridade” surge quando oferecer dois ou mais

produtos conjuntamente gera mais valor do que oferecer cada um deles isoladamente. Ela

pode ser vertical (por exemplo, serviços atrelados a um determinado produto) ou horizontal

(diversos produtos juntos). Enquanto eficiência afeta a linha dos custos, complementaridade

afeta a linha das receitas. “Trava” está relacionado a manter o cliente fiel ao longo de

repetidas transações com a empresa, a partir de incentivos específicos. Esses incentivos

podem ser benefícios adicionais, imposição de elevados custos de troca, força da marca ou

loops positivos de externalidades de redes (Eisenmann et al., 2006). “Novidade” está ligado a

novas possibilidades e formas de fazer negócio em função de conexão entre partes que antes

não estavam conectadas, quedas de barreiras geográficas e fluxos reversos de informação. As

quatro fontes mencionadas acima são fontes de geração de valor e não devem ser confundidas

com fontes de vantagem competitiva, cujo foco está na captura de valor (Amit & Zott, 2001).

2.3 Transição e Inovação de Modelo de Negócio

35

Diante de tantas novas possibilidades e oportunidades viabilizadas pelo crescimento

do e-business e de uma velocidade inédita de mudanças no cenário competitivo, promover

inovações e alterações em modelo de negócio é condição necessária para qualquer empresa

que queira sobreviver, sustentar sua posição ou entrar em determinado mercado. Segundo Doz

e Kosonen (2010), “isso deve ser feito, atualmente, de forma mais rápida, mais frequente e

mais profunda do que antes”. Christensen, Johnson e Kagermann (2008) mostram que 11 das

27 empresas norte-americanas nascidas nos últimos 25 que entraram na lista da Fortune 500

fizeram isso a partir de inovações em seu modelo de negócio. Ao tratar desse tema pode-se

usar tanto uma abordagem focada em empreendedores (ou novas empresas) como uma

abordagem focada em empresas já estabelecidas e bem sucedidas em seus mercados. O foco

dessa seção estará nessa segunda abordagem, uma vez que é neste cenário que se encaixa a

empresa objeto de estudo.

Promover mudanças robustas ou inovações em seu modelo de negócio é muito mais

difícil para as empresas já estabelecidas do que para novos entrantes (Christensen et al., 2008;

Doz & Kosonen, 2010; Chesbrough & Rosenbloom, 2002; Santos, Spector, Van Der Heyden,

2009). As razões apontadas para essa maior dificuldade vão desde a baixa compreensão sobre

o conceito e as dinâmicas de modelo de negócio (tanto por parte da academia como parte das

empresas) (Christensen et al., 2008) até a busca das empresas estabelecidas por um maior

nível de previsibilidade e eficiência de sua operação, que as leva a reforçar a estabilidade de

seu modelo de negócio (Doz & Kosonen, 2010). Para explicar essa dificuldade Chesbrough e

Rosnbloom (2002) invocam o conceito de “lógica dominante”, proposto por Prahalad e Bettis

(1986), segundo o qual as empresas vão construindo ao longo do tempo um conjunto de

“modos de pensar, normas e crenças que, se por um lado facilitam a coordenação

organizacional, por outro estabelecem filtros a ideias e comportamentos não alinhados a essa

lógica”. Ao buscar o crescimento, empresas estabelecidas preferem normalmente focar seus

esforços em inovações de produto ou de tecnologia, apesar de reconhecer que inovações em

modelos de negócio são pelo menos tão importantes quanto estas (Christensen et al., 2008,

Teece, 2010).

O momento certo para promover alterações no modelo de negócio é tema de grande

debate, com alguns autores defendendo de que se trata mais de arte do que de ciência. Para

Teece (2010) a reavaliação e ajuste do modelo de negócio deve ser pauta permanente da

36

empresa, acontecendo sempre que houver mudanças no mercado, na tecnologia empregada ou

na estrutura legal. Doz e Kosonen (2010) argumentam que o processo de renovação e

transformação de um modelo de negócio é decorrência direta da “agilidade estratégica” da

empresa. Segundo eles, três capacidades contribuem diretamente para essa agilidade:

sensibilidade estratégica (capacidade de identificar oportunidades em prazos adequados),

unidade de liderança (comprometimento coletivo dos líderes) e fluidez de recursos (agilidade

na realocação de recursos). Christensen et al. (2008) são mais objetivos na análise e defendem

que mudanças no modelo de negócio devem acontecer quando a empresa precisa lidar com

uma das cinco situações abaixo:

a) Endereçar a necessidade de um grande grupo de pessoas que foi tirado do mercado

porque suas alternativas anteriores se tornam caras ou complicadas demais;

b) Empacotar uma nova tecnologia desenvolvida;

c) Identificar uma nova necessidade de um grupo de clientes;

d) Defender-se de entrantes disruptivos em seu mercado;

e) Responder a uma mudança de base do mercado, ou seja, do que o mercado entende

como padrão.

Quando se analisa o cenário da indústria de jornais apresentado na introdução,

percebe-se que algumas dessas situações estão claramente presentes (pelo menos as situações

“c”, “d” e “e”), o que reafirma a necessidade de alteração em seu modelo de negócio

tradicional. Entretanto, é bastante improvável que, ao fazer uma alteração ou propor uma

inovação em seu modelo de negócio, a empresa consiga chegar imediatamente ao novo

modelo ideal simplesmente a partir de um trabalho de análise ou de planejamento. O processo

de inovação no modelo de negócio pressupõe a experimentação, o ajuste, a correção de rumos

como parte da caminhada para se chegar ao novo modelo (Magretta, 2002; McGrath, 2010;

Teece, 2010). McGrath (2010) fala em “centralidade do conceito de experimentação” na

busca por um modelo de negócio vencedor. Segundo ela, isso gera necessidade de

investimentos em diferentes alternativas simultâneas o que inviabiliza a tomada de decisão

baseada em ferramentas tradicionais de avaliação de investimentos, como NPV3. Ela sugere a

adoção de novas abordagens de avaliação, como o raciocínio das “opções reais” (McGrath,

2010).

3 Net Present Value – Soma do valor presente de uma série de fluxo de caixa descontado.

37

2.4 Avaliação da Efetividade de um Modelo de Negócio

A avaliação da efetividade de um modelo de negócio pode ser feita partir da premissa

da empresa em isolamento (sem considerar outros players) ou da empresa em competição

(levando em consideração outros players) (Casadesus-Masanell & Ricart, 2007). A avaliação

num cenário de competição envolve uma série de variáveis que não estão relacionadas

diretamente ao objetivo desse estudo como, por exemplo, interações táticas (empresas

realizando escolhas táticas dentro de seu modelo de negócio) ou interações estratégicas

(empresas fazendo escolhas de diferentes modelos de negócios para competir no mercado)

entre as empresas. Dessa forma, o foco dessa seção estará na avaliação da efetividade de um

modelo de negócios em isolamento.

Toda empresa em atividade possui em modelo de negócio (implícita ou explicitamente

definido) e não se pode perder de vista que, em última instância, a melhor medida de sucesso

ou de fracasso de um modelo de negócio é o sucesso econômico da empresa (Chesbrough &

Rosenbloom, 2002). Avançando um pouco mais, Magretta (2002) afirma que um modelo de

negócio fracassa porque “falha em sua narrativa (a história que ele conta não para de pé) ou

falha no teste dos números (a conta de receita e despesa não fecha)”. Segundo ela, os

fracassos estão normalmente ligados à falta de conhecimento sobre o comportamento do

consumidor, do que é valor para ele: “erra-se quando se vai atrás de uma solução para um

problema que não existe”. Ainda numa linha conceitual, Casadesus-Masanell e Ricart (2007)

afirmam que um bom modelo de negócio é aquele que permite à empresa atingir seus

objetivos.

Mas entre o sucesso e o fracasso absolutos de um modelo de negócios existem níveis

intermediários de efetividade, que se traduzem (ou poderão se traduzir) em maior ou menor

sucesso econômico para as empresas. Retomando a definição de modelo de negócio adotada

por essa dissertação, tem-se que ele é constituído essencialmente pelas escolhas da empresa

(em três dimensões distintas) e pelas consequências decorrentes dessas escolhas. O objetivo

final da organização, qualquer que seja ele, nunca será uma escolha; será sempre uma

consequência de escolhas previamente realizadas (por exemplo, não se pode escolher

deliberadamente ter lucro). Casadesus-Masanell e Ricart (2007) dividem essas consequências

38

entre flexíveis (que variam facilmente com mudanças nas escolhas) ou rígidas (que não

variam tão facilmente). Segundo eles, pode-se entender uma consequência rígida como uma

espécie de estoque, que vai se acumulando ao longo do tempo a partir das escolhas feitas.

A dinâmica decorrente da relação entre as escolhas e suas consequências, que variam

no tempo, dá origem a ciclos de feedback (escolhas gerando consequências, que geram outras

escolhas). Esses ciclos podem ser virtuosos (quando dão origem a resultados positivos) ou

viciosos (resultados negativos). Em ciclos virtuosos as escolhas e consequências vão se

reforçando mutuamente e se transformam numa força que não pode ser facilmente quebrada.

Eles são, portanto, desejáveis. Especialmente quando afetam as consequências relacionadas

aos objetivos da empresa (Casadesus-Masanell & Ricart, 2007).

Um modelo de negócio pode ser considerado efetivo se ele permite à organização

atingir seus objetivos em isolamento. Segundo Casadesus-Masanell e Ricart (2007) essa

efetividade é medida a partir da avaliação de quatro componentes:

a) Alinhamento aos Objetivos: avalia se as escolhas geram consequências que levam

a organização a caminhar na direção de seus objetivos definidos.

b) Reforçamento: avalia se as escolhas feitas se reforçam mutuamente, o que leva à

noção de complementaridade de escolhas (semelhante à noção de consistência

interna de Porter (1996))

c) Virtuosidade: avalia a presença e a força de ciclos virtuosos em pontos-chave do

modelo de negócio. Virtuosidade pode ser entendida como uma versão dinâmica

do “Reforçamento”.

d) Robustez: avalia a habilidade do modelo de negócio de sustentar sua efetividade

ao longo do tempo. Há, essencialmente, quatro ameaças à robustez:

o Imitação: modelos de negócios difíceis de imitar possuem grande quantidade

de consequências rígidas e alto nível de “Reforçamento”.

o Assalto: refere-se a possibilidade de outros stakeholders capturarem parte do

valor gerado pela empresa. Boas escolhas de “Governança” ajudam a

minimizar esse risco. Um exemplo no caso da indústria de jornais são os

agregadores de notícias online, que fazem uso do produto gerado pelas

empresas editoras sem lhes pagar direitos autorais.

39

o Folga: refere-se à complacência organizacional ou baixo nível de envolvimento

e energia dos colaboradores. O ajuste correto entre incentivos e vigilância

ajuda a prevenir essa ameaça.

o Substituição: refere-se à perda de valor percebido do modelo de negócio em

função de outros produtos disponíveis no mercado. Esse é certamente um ponto

de atenção para jornais. É fundamental a empresa possuir sensores

competitivos para dar o alerta de que é hora de ajustar o modelo de negócio.

2.5 Representação Gráfica de Modelo de Negócio

Uma vez que seres humanos têm uma capacidade limitada de processar grande

quantidade de informações complexas, utilizar uma forma de suporte visual pode elevar

significativamente a capacidade de lidar com esse tipo de informação. Especificamente em

relação a modelo de negócios, sua representação visual pode ser bastante útil, uma vez que a

relação entre os diferentes elementos e os fatores de sucesso ali presente não são

imediatamente observáveis (Osterwalder et al., 2005). Segundo Zott e Amit (2010), diferentes

autores propuseram alternativas para construção de um modelo de representação gráfica para

modelos de negócio, mas a maioria eram propostas pontuais, orientadas especificamente para

seus estudos. Nessa dissertação, em coerência com a definição de modelo de negócios

adotada, a proposta apresentada por Casadesus-Masanell e Ricart (2010) será utilizada.

Segundo Casadesus-Masanell e Ricart (2010), uma forma útil de representar modelos

de negócios é a partir de um diagrama de loop causal. Nesse diagrama escolhas e

consequências são ligadas por uma seta que representa a relação de causalidade entre elas. É

evidente que se torna muito difícil representar absolutamente todas as escolhas feitas pela

gestão (especialmente para um analista externo) e é aparentemente impossível prever todas as

consequências de um modelo de negócio. Dessa forma Casadesus-Masanell e Ricart (2007)

propõem a utilização dos recursos de agregação e decomposição para que seja possível

capturar os elementos mais importantes ou representativos do modelo. Agregação, que

também foi proposta por Zott e Amit (2010), funciona como uma espécie de “zoom-out”, ou

seja, significa colocar sob uma única escolha uma série de escolhas reais que sejam

relacionadas entre si. O nível de agregação dá uma ideia da quantidade de escolhas que estão

40

sendo consolidadas. Decomposição significa separar do todo um conjunto de escolhas e

consequências que não estejam estritamente relacionadas com as demais, como forma de

analisá-las mais aprofundadamente, separadas do todo. Na proposta feita por Casadesus-

Masanell e Ricart (2010) as escolhas são marcadas em negrito e sublinhadas, as

consequências rígidas ficam dentro de caixas, as consequências flexíveis fora de caixas (em

texto normal). A figura 4 mostra um exemplo de uma representação gráfica simplificada do

modelo de negócio da empresa de aviação Ryanair.

Figura 4: Representação simplificada do modelo de negócio da Ryanair

Fonte: Casadesus-Masanell e Ricart, 2010

41

3 METODOLOGIA

Em alinhamento com os objetivos propostos para essa dissertação, a pergunta de

pesquisa que norteou esse estudo foi: Como e porque o modelo de negócio paywall poroso,

adotado pelo jornal The New York Times, tem apresentado resultados de negócio satisfatórios

e tem se tornado uma referência na indústria de jornais em todo o mundo?

Para garantir uma resposta adequada a essa pergunta de pesquisa, o método do estudo

de caso se mostrou ser a melhor abordagem, dado que o caso em questão passa na avaliação

das três condições propostas por Yin (2010) para a utilização desse método: 1) Trata-se de

uma questão do tipo “como” e “porque”; 2) Não há nenhum controle do pesquisador sobre o

evento em questão; 3) Trata-se claramente de um fenômeno contemporâneo, sendo essa a

principal discussão em curso atualmente na indústria de jornais. Para contornar os dois

possíveis pontos frágeis do estudo de caso (pretensa falta de rigor por parte de pesquisadores

adeptos do estudo de caso e uma alegada falta de embasamento para promover generalizações

teóricas) (Yin, 2010), essa dissertação seguiu rigoroso processo de planejamento e execução

das atividades de pesquisa, seguindo as orientações propostas por Eisenhardt (1989).

Uma vez definido o método de pesquisa, se fez necessário precisá-lo um pouco mais,

especificando e detalhando algumas características determinantes para o estudo. Optou-se por

um estudo de caso único, tendo como unidade de análise o jornal norte-americano The New

York Times, a partir de uma pesquisa do tipo qualitativa.

Segundo Yin (2010) o estudo de caso único se justifica na presença de uma ou mais

das seguintes quatro situações específicas: 1) quando ele é um caso decisivo para se testar

uma teoria; 2) quando ele é um caso raro ou extremo; 3) quando ele é um caso revelador

(previamente inacessível à investigação científica); 4) quando ele é um caso representativo ou

típico. A presente dissertação se enquadrou na primeira situação, uma vez que o objeto de

estudo escolhido foi o jornal mais influente e de maior prestígio no mundo, que está

promovendo uma transformação relevante em seu modelo de negócio. A adoção do modelo

de negócio paywall poroso pelo The New York Times foi cercada de grande expectativa pela

indústria, que passou a adotá-lo como referência e a replicá-lo quase que

42

indiscriminadamente. Apesar de não haver uma relação unívoca entre o método de estudo de

caso e o tipo de pesquisa qualitativa, ficou evidente também que este seria o tipo de pesquisa

mais adequado para o alcance dos objetivos propostos, uma vez que não se partiu de nenhuma

hipótese que se pretendeu testar ou verificar a priori. Ao contrário, partiu-se de um objetivo

amplo de entendimento das razões que estão levando o modelo de negócio paywall a ter

resultados satisfatórios e a se tornar uma referência na indústria de jornais.

Das seis principais fontes de evidências possíveis para um estudo de caso (análise

documental, registros em arquivo, entrevistas, observação direta, observação participante,

artefatos físicos), esta pesquisa concentrou sua atenção na análise documental, em entrevistas

com especialistas e na observação participante. Foi importante se apoiar nesses três

instrumentos de coleta de dados para viabilizar a triangulação de evidências oriundas de

múltiplas fontes, o que reforçou a qualidade das conclusões obtidas.

Segundo Yin (2010) os documentos que são objetos da análise documental podem

assumir diferentes formas como, por exemplo, documentos administrativos, relatórios e atas

de reuniões, recortes de jornais, etc. No caso do The New York Times o acesso a boa parte da

documentação analisada foi facilitado por ela estar disponível na internet, uma vez que se

trata de empresa de capital aberto com ações listadas na bolsa de Nova York. A principal

fonte da análise documental foram os relatórios anuais aos acionistas, exigidos pela comissão

de valores mobiliários dos Estados Unidos (U.S. Securities and Exchange Commission), que

fazem um resumo compreensivo da performance anual das companhias de capital aberto no

mercado. Esses relatórios estão disponíveis publicamente no site da holding The New York

Times Company, no endereço www.nytco.com/investors/financials/annual_reports.html, e são

divididos em dois documentos principais:

Carta aos acionistas: assinada pelo CEO e pelo presidente do conselho de

administração da empresa, ela apresenta um resumo qualitativo dos principais

resultados alcançados pela empresa, dos principais fatos relevantes ocorridos

no ano e uma avaliação geral do contexto de negócios, do ambiente econômico

e das principais decisões de negócios tomadas. Tem um formato flexível e um

objetivo mais vinculado ao relacionamento da empresa com seus investidores.

Form 10-K: é o relatório formal exigido pela comissão de valores imobiliários,

que precisa passar por um processo rigoroso de auditoria. Além dos resultados

econômicos e financeiros da empresa, apresenta informações como a história

43

da companhia, sua estrutura organizacional, suas propriedades, relação e

salários dos principais executivos, fatores de risco associados ao negócio,

discussão sobre aspectos de gestão, dentre outras.

No caso do The New York Times, estão disponíveis para consulta pública os relatórios

anuais a partir de 1997. Apesar de utilizar informações de quase todas essas edições, o

presente estudo se deteve mais atentamente nos relatórios apresentados nos últimos dez anos,

entre 2003 e 2012. Para essas edições, a pesquisa consistiu de uma leitura pormenorizada de

todo o conteúdo do relatório, da tabulação dos dados econômicos relativos às receitas e

despesas do jornal em cada origem, da tabulação dos dados de audiência online e offline, da

tabulação dos dados de volume de inserções publicitárias, da análise e tabulação dos fatores

de risco e principais decisões de negócio reportadas e das análises de cenário concorrencial.

Para complementar a análise documental foram utilizadas ainda outras fontes de

informação como reportagens de revistas especializadas em negócios (BusinessWeek, The

Economist e outras), de jornais (inclusive o próprio The New York Times e jornais brasileiros

como a Folha de São Paulo e O Globo), de periódicos e de sites especializados na indústria de

mídia, dentre os quais se destacam os sites Newsonomic.com, Inma.org, BusinessInsider.com

e Paidcontent.org. As principais informações e contribuições obtidas nessas fontes foram

confirmações, detalhamentos ou pontos de vista diferentes daqueles obtidos nas fontes

principais.

As entrevistas realizadas no presente estudo tiveram por objetivo central obter a

percepção de especialistas brasileiros a respeito dos fatores de sucesso do modelo de negócios

paywall poroso do The New York Times, da relevância de cada uma das escolhas de negócio

feitas pelo jornal e da possibilidade da replicação do modelo para os jornais brasileiros. A eles

foi apresentada uma lista de 17 escolhas de design feitas pelo The New York Times,

elaborada pelo pesquisador a partir da análise documental. Com as informações e avaliação

obtidas nas entrevistas essa lista foi reduzida para as 11 escolhas fundamentais de design que

caracterizam adequadamente o modelo de negócios do jornal norte-americano e que serão

apresentadas no capítulo quatro. Os especialistas entrevistados foram Marcelo Rech, diretor-

executivo de jornalismo do GrupoRBS (segundo maior grupo editor de jornais do Brasil, com

sede no Rio Grande do Sul) e Christiano Nygaard, diretor-executivo de mercado leitor e

operações do jornal O Estado de São Paulo. A escolha por esses nomes se deu em função da

opção distinta feita por suas organizações a respeito da implantação do modelo de paywall.

44

Enquanto o GrupoRBS já implantou o modelo de dois de seus títulos e implantará nos demais

nos próximos meses, o Estado de São Paulo optou por manter o acesso a seu site gratuito,

exigindo apenas o cadastro dos usuários.

A observação participante foi realizada a partir da experiência pessoal do pesquisador

com o modelo de negócios, na condição de usuário. Ao longo do período de coleta de dados,

o pesquisador se tornou assinante do jornal The New York Times (que adotou o modelo

paywall poroso), do jornal The Wall Street Journal (que adota o modelo hardwall, onde o

acesso à grande maioria do conteúdo só é permitido a partir do pagamento de uma assinatura)

e se tornou usuário frequente (pelo menos 3x por semana) do site do jornal The Guardian, que

preserva o modelo gratuito. As observações feitas na condição de usuário dos serviços

prestados por jornais que adotam diferentes modelos de negócio permitiu ao pesquisador

observar e analisar as principais características da relação de cada um desses jornais com seus

clientes leitores.

A análise de dados foi centrada principalmente na triangulação de evidências entre as

diferentes fontes, como forma de reforçar os resultados alcançados. O trabalho de análise teve

início com o levantamento de relações entre as decisões de negócio e suas consequências,

com a identificação de padrões e tendências presentes nas informações obtidas nos relatórios

anuais pesquisados. Objetivou-se principalmente identificar a correlação entre as decisões de

negócios e seu impacto nos resultados econômicos e de audiência do jornal. Dessa etapa

inicial se chegou a um conjunto preliminar das escolhas e consequências feitas pelo The New

York Times, que constituem seu modelo de negócios. Essa lista inicial foi enriquecida e

confrontada com informações oriundas das fontes secundárias e se chegou a um conjunto

semifinal de dados que foi submetido à análise dos especialistas entrevistados. Esse processo

sequencial de testagem de ideias culminou com a lista final de escolhas e consequências

identificadas.

A efetividade do modelo de negócios foi avaliada a partir da confrontação dos dados

levantados na pesquisa com a teoria proposta por Casadesus-Masanell e Ricart (2010). A

discussão a respeito da replicabilidade do modelo de negócios do The New York Times para

outros jornais foi feita a partir de inferências, para outros jornais, dos resultados obtidos pelo

jornal norte-americano. Essa discussão foi enriquecida a partir do ponto de vista dos

especialistas entrevistados e de dados levantados na análise documental das fontes

secundárias.

45

4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A seção inicial desse capítulo apresentará um relato histórico-econômico do jornal The

New York Times, para que se tenha um entendimento adequado da relação dessa unidade de

negócio com o grupo econômico a que ela pertence, do contexto de sua fundação, das

características desse jornal que o levaram a se tornar a principal referência jornalística dos

Estados Unidos e de alguns dos desafios de negócio que precisaram ser superados em seus

primeiros 145 anos de existência, até o surgimento da internet.

As sessões seguintes tratarão de responder a cada um dos objetivos específicos

propostos no primeiro capítulo. A seção 4.2 vai detalhar os impactos econômicos e de

audiência causados pelo crescimento da internet e pela proliferação de negócios de mídia

digital, a maneira como o jornal se posicionou diante desse novo ambiente competitivo e as

principais escolhas estratégicas que culminaram com a adoção do modelo de negócio paywall

poroso. A seção seguinte vai descrever e detalhar esse modelo de negócio, a partir da

descrição de cada uma das escolhas feitas pelo The New York Times e de suas consequências,

conforme o modelo proposto por Casadesus-Masanel e Ricart (2010). A representação gráfica

desse modelo de negócio será apresentada na seção 4.4, como forma de auxiliar seu

entendimento e embasar a análise de sua efetividade, que será avaliada na seção 4.5. A seção

final desse capítulo vai fazer uma discussão a respeito da viabilidade e das condições de

replicação desse modelo de negócios para outros jornais, a partir das análises realizadas.

4.1 The New York Times: da fundação do jornal ao crescimento da internet (1851-2002)

O The New York Times é a maior das unidades de negócio da holding The New York

Times Company, que no momento da pesquisa controlava o The New York Times Media

Group e o New England Media Group, possuia participações em três joint ventures (jornal

Metro, de Boston, e duas fábricas de papel – uma nos Estados Unidos e outra no Canadá) e

46

investimentos em um grupo de nove diferentes empresas startups no mercado de mídia digital

nos Estados Unidos4 (NYTCO, 2013a).

O The New York Times Media Group inclui, além do jornal The New York Times, o

site NYTimes.com e o jornal The International Herald Tribune, que é a versão internacional

do The New York Times, editada em Paris. O New England Media Group inclui os jornais

Boston Globe e Worcester Telegram & Gazette, além dos sites BostonGlobe.com ,

Boston.com e Telegram.com . No início de 2013 a holding anunciou sua intenção de

renomear o The International Herald Tribune para The International New York Times e deu

início às negociações para a venda do New England Media Group e de sua participação jornal

Metro de Boston (NYTCO, 2013a). O conjunto desses movimentos estratégicos deixa clara a

intenção da empresa de concentrar sua atenção e seus negócios sob sua principal marca, The

New York Times, e de reforçá-la em âmbito global.

O jornal The New York Times foi fundado em 1851 por Henry Jarvis Raymond com o

nome de The New-York Daily Times (perdeu o hífen e o “Daily” seis anos depois) em uma

Nova York que possuía, à época, cerca de 500 mil habitantes e mais de uma dezena de outros

jornais (McFadden, 2001). Apesar da grande concorrência, o jornal conseguiu prosperar ao

manter várias das características editoriais do jornal inglês The Times of London, que serviu

de inspiração e modelo para Raymond: o relato minucioso, o tom educado e o desapego ao

sensacionalismo. Em seu segundo ano de existência o The New York Times já possuía uma

tiragem de 20 mil exemplares, número que cresceu fortemente na década seguinte,

especialmente a partir da qualidade e profundidade da cobertura editorial da Guerra Civil

americana entre 1861 e 1865.

Devido à grande depressão econômica nos Estados Unidos em 1893 e ao

envolvimento de seu fundador com a política partidária (ligou-se à causa Republicana) o

jornal passou, na última década do século XIX, por sua primeira grande crise financeira. Essa

crise o levou a ser vendido, em 1896, para Adolph S. Ochs, cuja família ainda detém o

controle acionário da empresa (Pederson, 2004). Ao comprar o jornal, Ochs implantou alguns

dos princípios editoriais que até hoje norteiam a cobertura editorial do The New York Times,

e que o fazem reconhecido mundialmente pela alta qualidade de seu jornalismo. Dentre esses

4 Em abril de 2013 os investimentos eram nas seguintes empresas: “Appssavvy”, “Automattic”, “Betaworks”,

“Brightcove”, Dynamic Yield”, “Enigma”, “Federated Media Publishing”, “Keep Holdings” e “True Ventures”.

47

princípios destacam-se a imparcialidade e a independência políticas, a precisão e a justiça

(McFadden, 2001).

Atuando sob esses princípios editoriais o jornal atingiu, já em 1912, uma tiragem de

cerca de 200 mil exemplares e começava a se tornar o mais importante do país. Desde aquela

época, apesar de adotar uma postura editorial conservadora, o The New York Times fazia

investimentos relevantes em inovação e tecnologia. Em 1904 usou pela primeira vez uma

tecnologia sem fio para reportar a destruição da frota russa numa batalha da guerra Russo-

Japonesa. Em 1926 recebeu a primeira foto por frequência de rádio, diretamente de Londres,

cuja transmissão durou 1h 45min (http://www.nytco.com/company/milestones/index.html,

recuperado em 30 de junho, 2013). Dentre as coberturas jornalísticas de destaque em seu

primeiro século de existência estão a Guerra Civil americana, o naufrágio do Titanic, a

primeira guerra mundial, a grande depressão americana de 1929, a segunda guerra mundial e

a guerra da Coréia entre 1950 e 1953.

Uma série de turbulências ocorridas no final da década de 60 do século XX, dentre

elas uma onda de greves trabalhistas, o surgimento e a disseminação de novas tecnologias de

produção e comunicação (primeiros computadores, automação industrial, televisão) e

mudanças nos hábitos e interesses dos leitores levaram o The New York Times a sua segunda

grande crise financeira. Em 1974, após longas negociações, a direção do jornal chegou a um

acordo com os trabalhadores sindicalizados que a permitiu automatizar a produção e reduzir

custos trabalhistas. Isso o levou a um novo ciclo de prosperidade, amparado em um produto

mais moderno e mais alinhado aos novos interesses dos leitores. Assuntos como esportes,

ciência, entretenimento, moda e televisão, antes vistos como pouco sérios, tomaram maior

espaço editorial e conquistaram leitores e anunciantes (McFadden, 2001).

O aumento de produtividade e a recuperação do fôlego financeiro alcançados no final

da década de 70 levaram o The New York Times a elevar sua ambição e a dar início a um

movimento estratégico para se posicionar com um produto editorial e uma marca de alcance

efetivamente nacional. Em 1980 o jornal lançou sua edição nacional e iniciou a negociação de

parcerias estratégicas com gráficas espalhadas por todo o país para viabilizar a impressão e a

distribuição em áreas antes inalcançáveis (Friendly, 1982). Em abril de 1985 uma matéria do

jornal Los Angeles Times anunciava que a circulação semanal do The New York Times havia

ultrapassado pela primeira vez a barreira de um milhão de exemplares e creditava isso à

ampliação de sua atuação geográfica (Rosenstiel, 1985).

48

A estratégia de nacionalização do produto e da marca funcionou bem e a circulação

paga do jornal continuou se expandindo consistentemente até chegar a seu pico histórico em

1993, quando atingiu uma média semanal (segunda a sábado) de 1.183.100 e a uma média

dominical de 1.783.900 exemplares (Peterson, 1997). A circulação nacional (fora da região

metropolitana de Nova York), que respondia por 36% do volume total, representava também

novas oportunidades de crescimento para as receitas publicitárias do jornal (Political

Calculations, 2001).

O grande sucesso que o The New York Times obteve em sua estratégia de expansão

para o mercado nacional americano esteve claramente amparado na força que sua marca já

possuía e na alta qualidade de seu produto editorial, construído diariamente a partir dos

princípios desenhados por Arthur S. Ochs no final do século XIX. Esses conceitos estão

formalizados nas declarações de propósito e de valores fundamentais da empresa, contidos em

seus princípios de governança corporativa:

“O objetivo central da empresa é melhorar a sociedade, através da criação, coleta e

distribuição de notícias, informação e entretenimento de alta qualidade. Os valores

fundamentais que permitem à empresa alcançar seu objetivo central são: 1)

Conteúdo da mais alta qualidade e integridade. Essa é a base da reputação de nossa

empresa e a maneira pela qual ela garante a confiança pública e o atendimento das

expectativas de seus consumidores (...). (NYTCO, 2012b)”

Além de estar presente nos princípios de governança corporativa, a alta qualidade do

jornalismo do The New York Times é amplamente reconhecida e celebrada externamente. Ele

é o maior ganhador do Prêmio Pulitzer5 em toda a história, com 112 prêmios acumulados,

sendo sete deles recebidos num único ano, em 2002, pela cobertura dos atentados às torres

gêmeas (NYTCO, 2013b). The New York Times é também reconhecido mundialmente como

sendo o jornal de maior prestígio e o mais influente dos Estados Unidos (NYTCO, 2013a).

Do ponto de vista interno, a busca pela mais alta qualidade jornalística é implementada

de forma concreta na estrutura organizacional e nas escolhas de gestão do jornal: ele é hoje o

maior empregador de jornalistas nos Estados Unidos, a uma distância bastante grande dos

demais. O The New York Times possui cerca de 1.100 jornalistas contratados, enquanto

nenhum outro jornal norte-americano possui atualmente mais do que 750 em seus quadros

5 O Prêmio Pulitzer, criado pelo fundador da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia, Joseph

Pulitzer, e até hoje mantido pela universidade, é reconhecido internacionalmente como sendo o maior e mais prestigiado prêmio da imprensa norte americana.

49

(Invdik, 2012; Pérez-Peña, 2009). As escolhas de gestão do jornal muitas vezes privilegiam o

valor do produto e do jornalismo, ainda que em detrimento de maiores margens de lucro. A

rentabilidade do The New York Times sempre esteve um degrau abaixo daquela das empresas

jornalísticas de propriedade de grandes corporações de capital aberto, que privilegiam o

retorno econômico de curto prazo, e dentre as mais baixas de toda a indústria (Smolkin,

2007). Isso está diretamente relacionado ao custo de sua operação editorial, que foi estimada

em US$300 milhões em 2005 (BusinessWeek, 2005a).

O pico de circulação paga, alcançado pelo jornal em 1993, coincidiu com o

surgimento e a início da popularização comercial da Internet. Naquele mesmo ano foram

criados o Mosaic (primeiro navegador de internet com interface gráfica) e a versão para

Windows do software da America Online (primeira empresa a se posicionar como prestadora

de serviços online para pessoas pouco familiarizadas com computadores). No ano seguinte,

quando a AOL já reportava ter alcançado um milhão de assinantes, o The New York Times

lançou seu serviço de conteúdo para esta plataforma: o @times (Burgelman & Meza, 2001).

A internet vivia seus primeiros anos de efervescência: em 1994 foi lançada a primeira versão

do Netscape e o jornal americano Palo Alto Weekly foi o primeiro periódico americano a

fazer publicações regulares de seu conteúdo na internet, gratuitamente (Carlson, 2005).

Alinhado com o movimento em curso, em janeiro de 1996 o The New York Times

anunciou o lançamento de seu próprio site na internet, no endereço que mantém até hoje:

NYTimes.com. No comunicado feito à população através de suas páginas, o jornal anunciou a

disponibilização online da maior parte dos artigos presentes na edição impressa do dia e

compartilhou a decisão de manter o conteúdo disponível gratuitamente, com a pretensão de

gerar receita a partir de anúncios publicitários (Lewis, 1996). O grande objetivo era gerar

audiência online e o relatório anual aos acionistas de 1997 do The New York Times reportava

que o site NYTimes.com já possuía três milhões de usuários registrados.

Todo esse agito no ambiente online no meio da década de 90 começou a gerar

impactos na audiência da versão impressa do jornal. Após atingir o pico histórico em 1993 o

jornal experimentou uma sequência de cinco anos consecutivos de queda na circulação

impressa, (Gráfico 4).

50

600

800

1.000

1.200

1.400

1.600

1.800

2.000

1993 1994 1995 1996 1997 1998

Circ. Semanal

Circ. Dominical

Gráfico 4: Circulação auditada do jornal The New York Times entre 1993 e 1998

(milhares de cópias) Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.

Numa rápida reação a esse cenário a empresa comunicou, em 1997, um novo plano

estratégico baseado no movimento que já havia funcionado bem no início da década de 80, ou

seja, na intensificação da expansão geográfica (Peterson, 1997). O número de regiões

metropolitanas atendidas diariamente saltou de 171 em 1998 para 235 em 2002 e depois para

315 em 2004 (NYTCO, 2003, 2005). Juntamente a isso, o jornal inaugurou seu novo e

moderno parque gráfico no distrito de Queens/NY (que permitiu a entrega de edições mais

atualizadas para um maior número de assinantes), passou a adotar o uso de cores em sua

primeira página (para modernizar a imagem) e investiu mais de US$20 milhões numa forte

campanha publicitária nacional, para reforçar os atributos de sua marca.

O plano estratégico funcionou bem. A partir de 1998 a circulação semanal do The

New York Times voltou a crescer por três anos consecutivos e se estabilizou, até 2005, num

patamar apenas ligeiramente abaixo do pico alcançado em 1993 (Gráfico 5). As receitas

publicitárias também reagiram, crescendo 19% entre 1998 e 2000 (NYTCO, 2003), com

destaque para os anunciantes nacionais, cuja participação avançou de 50% da receita

publicitária do jornal em 1996 para 62% em 2003 (NYTCO, 2004).

51

600

800

1.000

1.200

1.400

1.600

1.800

2.000

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93

19

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20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

Circ. Semanal

Circ. Dominical

Gráfico 5: Circulação auditada do jornal The New York Times entre 1993 e 2005

(milhares de cópias) Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.

Nesse mesmo período os resultados operacionais da holding saltaram de uma média

anual de US$ 166 milhões nos cinco anos anteriores a 1997 para uma média anual de US$

509 milhões nos cinco anos seguintes (NYTCO, 2004, 2002, 1998). O valor das ações da

empresa na bolsa de Nova York acompanhou esse movimento, obtendo uma valorização de

295% desde a mínima, em 1996, para seu valor máximo em 2002 (BusinessWeek, 2005a). O

jornal viveu, de 1998 a 2002, seus melhores anos e a primeira página do relatório anual aos

acionistas de 2002 celebrava isso:

“Agora que podemos olhar para trás e enxergar o ano de 2002 com perspectiva,

entendimento e até mesmo humor, fica claro que The New York Times Company

aproveitou um de seus anos mais produtivos, na medida em que retomou seu

crescimento financeiro, deu passos significativos para o cumprimento de sua

estratégia de longo prazo e estabeleceu uma presença ainda maior no crescente

mercado mundial de conhecimento. (NYTCO, 2003)”.

Entretanto, por detrás dos excelentes resultados econômicos e de audiência desse

período, uma grande transformação estava em curso em alguns de seus mais importantes

indicadores internos de performance: 1) perda significativa de audiência na região-sede

52

(região metropolitana de Nova York), compensada pelo crescimento de circulação em outras

regiões do país; 2) perda acentuada de volume de anúncios na edição impressa, com destaque

para o volume de classificados, compensada por aumentos de preços de tabela que

sustentavam o crescimento da receita total; 3) crescimento acelerado da audiência online do

jornal, no site NYTimes.com (Tabela 2). O principal pilar de sustentação dessa transformação

era o grande crescimento da penetração de internet, que praticamente dobrou de 1997 a 2003,

saltando de 35% para mais de 60% da população adulta norte-americana (Madden, 2006).

Indicador de Performance /

Ano1998 1999 2000 2001 2002 2003

Variação

Acumulada

Circulação na Região

Metropolitana de Nova York

(em milhares de exeplares)

664 666 662 663 622 600 -10%

Volume total de anúncios

publicitários pagos

(em milhares de polegadas)

2977 3134 3230 2626 2473 2375 -20%

Anúncios Nacionais 1393 1582 1692 1370 1346 1334 -4%

Anúncios Locais (Nova Iorque) 587 567 574 475 434 411 -30%

Anúncios Class i ficados 997 984 965 781 692 630 -37%

Audiência do site

Nytimes.com

(em milhões de usuários

5,6 10,1 14,3 N/A N/A N/A 155%

Tabela 2: Circulação na Região-Sede, Volume de Anúncios e Audiência Online do jornal The

New York Times entre 1998 e 2003 Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.

4.2 Adaptação ao mundo online: análises e decisões que culminaram com a decisão pelo

paywall poroso

Apesar da relevância da mudança em curso no ambiente competitivo e em alguns

indicadores internos, a alta direção do The New York Times não demonstrava ter um

entendimento tão claro de seu significado e dos impactos potenciais nos resultados da

empresa. O relatório de anual aos acionistas de 2003, publicado em fevereiro de 2004, dizia

que “apesar dos desafios trazidos pelo que esperamos serem os efeitos finais de uma recessão

plurianual no mercado publicitário, conseguimos melhorar nosso resultado”. Esse mesmo

documento reportava que “os bons resultados jornalísticos, de circulação, publicidade,

marketing e produção atingidos em 2003 criaram as condições para alcançarmos ganhos ainda

53

maiores em 2004” (NYTCO, 2004). A estratégia de longo prazo continuava exatamente a

mesma, baseada na expansão geográfica, e estava formalizada naquele documento:

“Nossa estratégia de longo prazo é operar a principal mídia de notícias e de

publicidade em cada um dos mercados em que competimos, tanto nacionalmente

como globalmente. (...) A peça central dessa estratégia é estender o alcance do

jornalismo de alta-qualidade do The New York Times para lares e empresas em cada

cidade, vila ou aldeia deste país. (NYTCO, 2004)”.

O relatório afirmava ainda que o The New York Times estava na meia-vida de seu

ciclo estratégico de dez anos, desenvolvido em 1998, e dedicava uma página inteira à

prestação de contas dos resultados alcançados até ali. Segundo o relato, o jornal vinha

conseguindo andar exatamente em linha com a meta de elevar em 250 mil exemplares sua

circulação nacional (fora da região metropolitana de Nova York) até 2007: havia crescido 116

mil exemplares em cinco anos. Sobre o desempenho do site NYTimes.com, o relatório

afirmava que ele havia batido seu recorde de faturamento e atingido lucratividade operacional

em 2003. Ou seja, parecia tudo andar exatamente como previsto e a empresa previa, para

2004, “continuar a investir nas duas maiores iniciativas de crescimento: a expansão nacional

do The New York Times e o relançamento do International Herald Tribune” (NYTCO, 2004).

Como visto na revisão da literatura, a estratégia se refere à escolha do modelo de

negócios que a empresa vai usar para competir no mercado (Casadesus-Masanel e Ricart,

2010). Essa escolha precisa estar embasada por um profundo trabalho de análise estratégica,

que tem como premissa um entendimento adequado do ambiente externo de negócios. As

informações apresentadas nos dois parágrafos anteriores, extraídas do relatório anual aos

acionistas de 2003, deixam claro que a direção do The New York Times não havia

conseguido ter um entendimento pleno e adequado do ambiente externo até o início de 2004.

Havia uma série de mudanças relevantes em curso no ambiente externo de negócios e a

preocupação central da empresa estava em prestar contas para os acionistas do andamento das

ações estratégicas definidas cinco anos antes, quando a internet estava apenas começando.

54

Esse episódio é uma evidência do que afirmam Doz e Kozonen (2010), de que é muito

mais difícil para empresas já estabelecidas fazerem mudanças robustas em seus modelos de

negócios do que para novos entrantes. E que essa dificuldade está relacionada à necessidade

de empresas estabelecidas de ter um maior nível de previsibilidade e eficiência de sua

operação, que as leva a reforçar a estabilidade de seu modelo de negócio. Como será visto

mais adiante, uma mudança robusta no modelo de negócios do The New York Times veio

apenas cinco anos mais tarde quando a empresa anunciou a adoção da cobrança pelo conteúdo

online.

Para não afirmar que havia uma miopia completa em relação ao que se passava no

ambiente competitivo, a seção “Fatores de Risco” do relatório anual aos acionistas de 2003

trazia, pela primeira vez, uma referência ao impacto da internet em seus negócios. Nela a

empresa afirmava que “nos últimos anos, websites dedicados a empregos, imóveis e vendas

de carros tornaram-se competidores significativos dos jornais e sites de classificados da

empresa”. Isso justificava a queda acentuada de volume (-37%) que estava em curso nessa

importante origem de receitas, como mostrou a tabela 2, acima.

Começava a ficar claro que seria necessário estar mais atento aos efeitos e impactos do

crescimento da internet na estratégia de longo prazo da empresa. Uma evidência disso é que

no relatório anual aos acionistas de 2004, publicado em fevereiro de 2005, a The New York

Times Company fez uma pequena, mas importante, alteração na formalização de sua

estratégia, que passou a fazer referência às múltiplas plataformas de distribuição do conteúdo:

“Nossa estratégia é operar a principal mídia de noticias e publicidade através de múltiplas

plataformas nos mercados nacional e global” (NYTCO, 2005). No início de 2005, a aquisição

do site About.com, que era então uma referência em informações para consumidores, sendo o

15º site de maior audiência nos Estados Unidos, representou um passo importante na direção

de uma nova realidade multi-plataforma. A empresa esperava que a aquisição significasse a

incorporação de “benefícios estratégicos, incluindo a diversificação da base de anunciantes e a

ampliação de sua entrada junto aos usuários de internet” (NYTCO, 2005).

Em 2005 foi quando a The New York Times Company finalmente entendeu que

precisava se transformar mais intensamente para lidar com a nova realidade trazida pela

internet. O título do relatório anual aos acionistas publicado em 23 de fevereiro de 2006

(“Perseguindo um futuro multi-plataformas”) deixava claro que aquele foi um ano de grandes

mudanças. Na seção introdutória, a empresa reportou que seu ambiente de negócios estava em

55

profunda transformação, causando impactos relevantes na rentabilidade do negócio, e que

precisava se adaptar a ele:

“Grandes instituições fazem com sucesso a transição para uma nova era

reconhecendo o que deve ser preservado, o que deve ser aprendido, o que deve ser

reavaliado e quando é tempo de seguir em uma nova direção. Estas nunca são

decisões fáceis, mas elas são absolutamente necessárias na medida em que nos

deparamos com desenvolvimentos financeiros, tecnológicos e de mercado que estão

transformando nossa indústria. Ao entrarmos na segunda metade da década, nossos

consumidores têm maiores opções de mídia, a circulação dos jornais está sob

pressão (...). The New York Times Company está respondendo a esse novo ambiente

de negócios construindo de forma agressiva uma organização de mídia do século

XXI, que eleva a qualidade de seu jornalismo, reinveste nas alternativas impressas,

abraça os novos usos das mídias, provê maiores formas de interatividade e encoraja

o compartilhamento de interesses comuns e redes sociais (NYTCO, 2006).”

Naquele ano a empresa revisou sua estratégia, que passou a ser “construir uma

organização enxuta, ágil e disciplinada que irá revigorar o crescimento através dos negócios

existentes, criar linhas de produto em áreas chave, através de múltiplas mídias, e desenvolver

uma capacidade de pesquisa e desenvolvimento com vistas ao futuro dos negócios”, e deu

passos na direção de sua execução (NYTCO, 2006).

Além da aquisição do site About.com, outras ações significativas adotadas naquele

ano foram: 1) aquisição de 49% do jornal Metro de Boston, que representou a entrada da

empresa no mercado de jornais gratuitos (modelo de negócios distinto do The New York

Times); 2) lançamento do serviço TimesSelect, que previa a cobrança de assinaturas para

acesso ao conteúdo dos principais colunistas na internet e representou a primeira tentativa de

cobrança por conteúdo online; 3) criação de um centro de pesquisa e desenvolvimento, com o

objetivo de desenvolver pesquisas relacionadas ao futuro da distribuição de conteúdo online e

posicionar o jornal à frente da curva de evolução de tecnologia; 4) identificação de

oportunidades de redução de custos que não impactassem a qualidade do jornalismo

(NYTCO, 2006).

56

Duas dessas iniciativas merecem ser analisadas um pouco mais de perto, pois tiveram

contribuição importante para o surgimento do modelo de negócio paywall poroso seis anos

mais tarde: o serviço TimesSelect e o centro de pesquisa e desenvolvimento. Segundo as

métricas internas do jornal, o site NYTimes.com possuía, em 2005, cerca de 17 milhões de

usuários únicos em todo o mundo. Havia claramente uma oportunidade de monetização dessa

audiência, o que representaria a criação de uma nova origem relevante de receitas. A partir da

implementação do TimesSelect o conteúdo jornal permanecia gratuito na internet, à exceção

do acesso aos colunistas e aos arquivos do jornal. O custo era de US$ 49,95 por ano ou

US$7,95 por mês, apenas para quem não era assinante da versão impresso. Os assinantes

poderiam acessar todo o conteúdo gratuitamente (NYTCO, 2006). A meta do jornal era

conseguir um milhão de assinantes dentre os 17 milhões de usuários únicos (BusinessWeek,

2005b)

A iniciativa gerou repercussão no mundo dos negócios de mídia, pois se tratava da

primeira tentativa de um dos grandes jornais americanos de cobrar por seu conteúdo online. O

principal ponto de dúvida era de que, naquele momento, os usuários da internet já estariam

acostumados a acessar todo o conteúdo de que quisessem gratuitamente e que mudar essa

cultura seria tarefa árdua (BusinessWeek, 2005b). A preocupação se mostrou fundamentada.

No final de 2006, um ano após seu lançamento, o serviço possuía pouco mais de 200 mil

assinantes exclusivos online (bem abaixo da meta inicial de um milhão). Além disso, a

audiência dos colunistas do jornal havia caído fortemente. Em 2005, a lista dos 25 artigos

mais compartilhados por email no site NYTimes.com apresentava 13 artigos de colunistas.

Dois anos depois apenas um artigo de colunistas figurava entre os mais compartilhados

(Calderone, 2007).

O baixo volume de novos assinantes, associado à queda na audiência dos colunistas

levou o jornal a encerrar o serviço em setembro de 2007, com a justificativa de que o cenário

da internet havia mudado e de que os usuários acessavam a maior parte do conteúdo que

desejavam através dos sites de busca e das redes sociais (Schiller, 2007). Apesar de ter sido

descontinuado, a iniciativa do TimesSelect representou um grande aprendizado para o jornal.

É importante destacar ainda que todo o desenvolvimento dessa e de outras iniciativas que

ajudaram a formar a proposta do paywall poroso em 2011 foram viabilizadas pelo centro de

pesquisa e desenvolvimento estabelecido em 2005. Essa foi uma iniciativa estratégica de

sucesso.

57

Se 2005 foi o ano em que o jornal entendeu que precisava considerar rapidamente a

alteração no ambiente externo na reformulação de sua estratégia, 2006 foi o ano em que os

resultados operacionais da empresa começaram a ser mais fortemente impactados pelos

efeitos causados por esse novo ambiente. O primeiro parágrafo do relatório anual aos

acionistas de 2006, publicado em 1º de março de 2007, é elucidativo:

“The New York Times Company, como muitas outras empresas em nossa indústria,

está no meio de uma extraordinária transformação como nunca antes visto em nossa

existência. Organizações duradouras e bem respeitadas perduram com sucesso

agarrando-se àquilo que as tornou grandes, enquanto fazem as mudanças necessárias

para competir num mundo que se desenvolve muito rapidamente (NYTCO, 2007)”.

Depois de vários anos seguidos de crescimento e estabilidade, a circulação impressa

do The New York Times iniciou, em 2006, a sequência de quedas anuais que perdura até hoje.

Naquele ano a queda foi de cerca de 3%. Na ponta das receitas publicitárias, a partir daquele

ano os aumentos de preço de tabela não foram mais suficientes para compensar as quedas de

volume e o jornal não apresentou crescimento nessa origem de receitas (NYTCO, 2007). O

ano foi marcado ainda por uma série de medidas relevantes de redução de custos e aumento

da eficiência operacional sendo as mais importantes a redução da largura do jornal, para

economizar consumo de matéria prima, a integração de seus parques gráficos no estado de

Nova York no novo parque recém inaugurado no Queens/NY, a integração da redação e do

time comercial online com o offline e uma redução de 5% no quadro de empregados do

jornal.

O ano de 2007 seguiu no mesmo caminho. As receitas publicitárias iniciaram naquele

ano a série de quedas subsequentes que perdura até hoje. As receitas de circulação não

acompanharam a queda na circulação impressa em função dos sucessivos aumentos de preço

realizados no final de 2006 e no terceiro trimestre de 2007. Houve ainda uma revisão na

estratégia corporativa, que passou a estar baseada em quatro componentes centrais: 1)

introdução de novos produtos tanto no impresso como no digital; 2) construção da capacidade

de pesquisa e desenvolvimento; 3) rebalanceamento do portfólio de negócios; 4) gestão

agressiva de custos (NYTCO, 2008).

58

Os resultados econômicos do jornal, que já vinham pressionados e impactados pelo

crescimento exponencial dos usuários de internet na primeira metade da década, foram

devastados pela crise econômica mundial de 2008, cujos efeitos foram integralmente sentidos

em 2009. Naqueles dois anos as receitas publicitárias do The New York Times, que

representavam cerca de 60% das receitas do jornal, caíram consecutivamente 13% e depois

25% (com queda de 17% e 29% na publicidade impressa, compensada com uma estabilidade

na publicidade digital). O faturamento publicitário, que foi de cerca de 1,2 bilhões de dólares

em 2007, caiu para menos de 800 milhões de dólares dois anos mais tarde (Tabela 3)

(NYTCO, 2010, 2009). Como reação a esse cenário o jornal intensificou e acelerou a

execução da estratégia adotada no ano anterior. No penúltimo parágrafo da carta aos

investidores, o relatório anual 2008 deixa uma clara evidência de como a direção do jornal

estava enxergando aquele cenário:

“Ao longo de nossa história de 157 anos, nos deparamos com vários períodos de

dificuldade – a Grande Depressão, as guerras mundiais, a crise financeira da década

de 70, a recessão do início dos anos 80 e 90 e o estouro da bolha da Internet. Nós

resistimos a esses períodos nos mantendo firmes ao nosso valor central de criar um

jornalismo de alta qualidade e, ao mesmo tempo, tomando as medidas necessárias

para garantir nossa saúde financeira. Hoje estamos fazendo exatamente isso.

Estamos desenvolvendo novas origens de receitas, reduzindo custos, realinhando

nosso portfólio de negócios e fortalecendo nosso balanço de resultados (NYTCO,

2009)”.

RECEITA 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Publicitária $ 1.141 $ 1.222 $ 1.262 $ 1.269 $ 1.223 $ 1.077 $ 797 $ 780

Circulação $ 623 $ 616 $ 616 $ 637 $ 646 $ 668 $ 684 $ 684

Outras $ 148 $ 161 $ 157 $ 172 $ 183 $ 181 $ 101 $ 93

TOTAL $ 1.911 $ 1.999 $ 2.035 $ 2.077 $ 2.052 $ 1.926 $ 1.582 $ 1.557 Tabela 3: Receita Publicitária do jornal The New York Times entre 2003 e 2010 (em milhões

de dólares) Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.

59

Os resultados daqueles dois anos provocaram reflexões importantes no jornal, que

culminaram com a implementação do modelo de cobrança pelo conteúdo online alguns anos

mais tarde. Na mesma carta aos acionistas de 2008, a direção do jornal reflete:

“(...) Como continuaremos a prover produtos impressos para as centenas de milhares

de leitores que os valorizam ao mesmo tempo em que atraímos a nova geração de

consumidores? Como seremos remunerados pelo jornalismo que provemos online?

Como poderemos reduzir nossos custos ao mesmo tempo em que protegemos a

qualidade de nosso jornalismo? A combinação da desgraça econômica com a

mudança sem precedentes nos negócio de mídia significa que responder bem a essas

perguntas enquanto executamos nossa estratégia é mais importante do que nunca

(NYTCO, 2009).

Fruto dessas reflexões, várias ações relevantes foram colocadas em prática ou

iniciadas naqueles anos. Pela primeira vez o jornal mencionou o investimento em produção de

vídeo e em eventos ao vivo como possíveis novas fontes de receita e audiência. Em 2008 o

jornal liberou a publicação de anúncios publicitários em sua primeira página, rompendo com

uma tradição secular, numa tentativa de amenizar as quedas de receitas publicitárias do

produto impresso. As assinaturas do The New York Times em dispositivos de leitura

eletrônica, como o Kindle da Amazon, começavam a gerar receita incremental e foi lançado o

aplicativo para iPhone. Alguns negócios pouco lucrativos, como uma empresa de distribuição

de impressos, foram fechados e a redução de custos foi intensificada. Em 2007 o jornal

possuía 4.408 funcionários, que foram reduzidos a 3.222 no final de 2009 (NYTCO, 2010,

2008).

Mas as ações de maior resultado e consequência no longo prazo adotadas naqueles

anos foram a sequência de iniciativas para rentabilizar a circulação impressa. Historicamente,

o The New York Times sempre subsidiou de forma agressiva o lado dos leitores de sua rede

bilateral, com o objetivo de maximizar sua audiência e, por consequência, a receita

publicitária vinda do outro lado da rede. No ano 2000 a receita de circulação representava

menos de 25% das receitas totais de jornal (NYTCO, 2001). Com o início da queda nas

receitas publicitárias em função do crescimento da internet e dos negócios digitais o jornal

iniciou, em 2006, uma sequência de aumentos agressivos de preço na circulação, tanto nas

60

assinaturas domiciliares como no preço de capa dos exemplares avulsos. A combinação

desses dois movimentos fez a receita de circulação passar a representar 44% da receita total

do jornal em 2010, ano anterior ao lançamento do paywall poroso (NYTCO, 2011a).

Conjuntamente aos aumentos de preços, uma série de medidas foi adotada para reduzir

os volumes pouco rentáveis de circulação como, por exemplo, aqueles vendidos com altos

descontos, as vendas de lotes patrocinados ou as assinaturas de degustação (NYTCO, 2008).

A combinação desses dois movimentos resultou num aumento expressivo do preço médio das

assinaturas do jornal. A tabela 4 mostra essa evolução e evidencia um crescimento de quase

40% entre 2003 e 2010. O sucesso dessa iniciativa se refletiu diretamente no resultado de

receita total de circulação que, mesmo nos anos de crise econômica (2008 e 2009), apresentou

crescimento de 2,5% e 3,5% em comparação com o ano anterior. No relatório anual aos

acionistas de 2008, publicado no início de 2009, o jornal afirma que “a disposição de nossos

leitores de pagar mais por nosso jornal é um testemunho do valor que entregamos” e salienta

que o volume total de assinantes leais (aqueles que assinavam o jornal há dois anos ou mais)

atingiu o número de 830 mil assinantes, contra 650 mil no início do ano 2000 (NYTCO,

2009).

CIRCULAÇÃO 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Semanal 1.132 1.125 1.136 1.104 1.067 1.034 959 906

Dominical 1.682 1.670 1.685 1.638 1.530 1.451 1.405 1.357

Circulação Média 1.211 1.203 1.214 1.180 1.133 1.093 1.023 970

Receita de Circ. $ 623 $ 616 $ 616 $ 637 $ 646 $ 668 $ 684 $ 684

PREÇO MÉDIO $ 515 $ 512 $ 507 $ 540 $ 570 $ 611 $ 668 $ 704

Variação vs. 2003 - 0% -2% 5% 11% 19% 30% 37%

Tabela 4: Circulação auditada e receita de circulação do The New Yotk Times entre 2003 e

2010 (em milhões) Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.

A sustentação do alto volume de leitores fiéis mesmo diante de um cenário de crise

econômica e de sucessivos aumentos de preços reforçou para a direção do jornal a convicção

do altíssimo valor percebido de seu produto pelos consumidores, e da elevada disposição

deles por pagar. Essa constatação, aliada à enorme audiência do jornal na internet e à

necessidade premente de geração de novos fluxos de receita, levou o The New York Times a

61

anunciar a adoção de um sistema de cobrança pelo conteúdo online. Isso foi feito no relatório

anual de 2009, publicado em 22 de fevereiro de 2010:

“Nossos resultados de 2009 refletem o impacto positivo das ações agressivas que

tomamos para reposicionar nosso negócio neste cenário de mídia em

desenvolvimento. Essas ações incluem (...) diversificar nossas origens de receita,

incorporando receitas crescentes das fontes digitais, introduzindo uma sequência de

novos produtos e inovações, e estendendo nosso alcance para outras audiências. (...)

Um exemplo recente de nosso esforço de reposicionamento é o anuncio de que

vamos implementar um modelo pago para o NYTimes.com no início de 2011.

Escolhemos uma abordagem porosa, que oferecerá aos usuários acesso gratuito a um

determinado número de artigos por mês e a partir daí começa a cobrar dos usuários

que excederem esse limite. Fundamentalmente, estamos tomando esse importante

passo para continuar suportando o admirado jornalismo do The New York Times

(NYTCO, 2009)”.

4.3 Modelo de negócios paywall poroso: escolhas e consequências

Após o entendimento da sequência de análises e decisões estratégicas que levaram o

jornal The New York Times a adotar o sistema de cobrança de assinaturas pelo acesso ao

conteúdo online, esta seção vai descrever seu modelo de negócio, a partir do detalhamento das

escolhas feitas pelo jornal e de suas consequências. Da definição do constructo modelo de

negócios e da relação entre ele e a estratégia da empresa, propostas por Casadesus-Masanell e

Ricart (2010), depreende-se que o modelo de negócios de uma empresa é algo externamente

observável (ainda que a estratégia não seja) e que ele é constituído essencialmente de duas

partes: as escolhas sobre como a empresa deve operar e as consequências dessas escolhas. As

escolhas podem estar relacionadas às políticas, aos ativos ou à estrutura de governança da

empresa. As consequências dessas escolhas podem ser flexíveis ou rígidas, de acordo o grau

de volatilidade em relação a mudanças nas escolhas que as causaram.

Esta pesquisa, a partir dos dados levantados na análise documental e de sua testagem

junto a diferentes fontes de evidência, identificou um conjunto de onze escolhas fundamentais

62

feitas pelo The New York Times, associadas a dezessete consequências diretas e indiretas

dessas escolhas, que caracterizam adequadamente o modelo de negócios paywall poroso.

Conforme visto na fundamentação teórica, não é possível, nem tampouco útil, produzir uma

relação exaustiva de todas as escolhas e consequências existentes em um modelo negócios.

Há que se encontrar o nível adequado de agregação, que viabilize uma correta análise a

respeito da efetividade do modelo de negócios e uma discussão adequada dos objetivos

propostos para esse trabalho. Para cada uma das onze escolhas identificadas no trabalho de

pesquisa, serão apresentados a descrição detalhada de seu significado, as evidências

encontradas de que se trata de uma escolha relevante para a compreensão do modelo de

negócios, sua classificação segundo o modelo proposto por Casadesus-Masanell e Ricart

(2010) e as consequências decorrentes dessa escolha, com sua devida classificação.

Há que se registrar ainda que o foco de atenção no detalhamento apresentado a seguir

está nas escolhas e consequências relacionadas a um dos lados da rede bilateral, aquele dos

leitores, e na adoção do modelo de cobrança pelo conteúdo online. Mesmo que algumas

escolhas e consequências façam referência ao outro lado da rede bilateral, aquele dos

anunciantes, esse não é foco de atenção do estudo. É possível entender essa opção

metodológica do presente trabalho a partir do conceito de “decomposição” proposto por

Casadesus-Masanell e Ricart (2007). Segundo eles, a partir desse recurso é possível separar

do todo um conjunto de escolhas e consequências que não estejam estritamente relacionadas

com as demais, como forma de construir uma análise mais focada e aprofundada. É

exatamente isso que se pretende com o estudo do modelo de negócios paywall poroso: um

foco no modelo de cobrança do conteúdo online.

4.3.1 Escolha 1: Jornalismo da mais alta qualidade e credibilidade

Produzir jornalismo da mais alta qualidade e credibilidade foi uma escolha feita pelo

The New York Times desde sua aquisição por Adolph S. Ochs, em 1896, e continuou sendo

um dos principais pilares de sustentação de seus resultados durante toda a história do jornal.

Na transição para o novo modelo de negócios, fortemente amparado na cobrança pelo

conteúdo online, essa escolha se tornou ainda mais relevante do que antes, em função de

algumas características do novo ambiente competitivo, em especial: 1) aumento no número de

63

concorrentes potenciais a partir do surgimento de novos veículos de mídia totalmente

amparados na internet, cujo exemplo mais relevante é o jornal Huffington Post; 2)

transformação do público anteriormente conhecido como “audiência”, que deixa ter um papel

meramente passivo e passar a atuar de forma mais protagonista como fonte, como produtor de

conteúdo e mesmo como canal direto de notícias a partir de blogs e redes sociais (The

Economist, 2011); 3) surgimento de empresas e tecnologias especializadas em agregação de

conteúdo online (como Google News, My Yahoo e outras).

Essas características, associadas ao movimento inicial da própria indústria de mídia de

disponibilizar seu conteúdo online de forma gratuita nos primeiros anos de internet, levaram a

um processo de comoditização da notícia e à expectativa de gratuidade por parte do público

consumidor. Para transformar esse cenário e viabilizar o sucesso de um movimento de

cobrança pelo conteúdo online, é necessário haver uma grande disposição para pagar desse

público, amparada numa alta percepção de valor do produto. Isso só é possível a partir de um

forte investimento em qualidade e credibilidade.

Várias são as evidências de que essa é uma escolha de negócios feita pela direção do

jornal, conforme abordado nas seções 4.1 e 4.2. Dentre essas evidências destacam-se a

formalização do compromisso com a qualidade nos princípios de governança corporativa

(NYTCO, 2012b), o fato de o The New York Times ser o maior empregador de jornalistas

(Invdik, 2012; Pérez-Peña, 2009) e o maior ganhador de prêmios Pullitizer (NYTCO, 2013b)

nos Estados Unidos e o fato de o jornal possuir margens operacionais tradicionalmente

menores que seus concorrentes em razão dessa opção (Smolkin, 2007). Em adição a isso, o

jornal reconhece formalmente a importância de produzir esse jornalismo de alta qualidade na

seção de “Fatores de Risco” de seus últimos relatórios anuais aos acionistas, onde afirma:

“O sucesso de nosso negócio depende substancialmente de nossa reputação como

provedores de jornalismo e conteúdo de qualidade. (...) A proliferação de mídias não

tradicionais, amplamente disponíveis a custo zero, desafia o modelo de negócios da

mídia tradicional, no qual o jornalismo de qualidade vem sendo suportado por

receitas de publicidade impressa. Se os consumidores não conseguirem mais

diferenciar o conteúdo produzido por nós daquele produzido por outros provedores,

seja na internet ou de qualquer outra maneira, nós podemos experimentar queda em

nossas receitas (NYTCO, 2007).”

64

A partir dessas evidências fica claro que, do ponto de vista de sua classificação, se

trata de uma escolha relaciona à política da empresa.

Dentro do nível de agregação proposto para esse trabalho de pesquisa, foi possível

identificar duas consequências diretas da escolha por um jornalismo da mais alta qualidade e

credibilidade: uma alta percepção de valor do produto por parte do público consumidor, que

se traduz diretamente numa maior disposição para pagar, e a contribuição para construção de

uma marca forte e admirada. No relatório anual aos acionistas de 2012 (NYTCO, 2013a) o

jornal reconhece essas consequências ao afirmar textualmente que “em razão de nosso

jornalismo de alta qualidade, acreditamos que temos marcas muito poderosas e confiáveis,

que atraem uma audiência educada, de alto poder aquisitivo e influente”. Essas duas

consequências diretas podem ser classificadas como rígidas, dado que continuarão a existir

mesmo que essa escolha possa ser alterada por um período de tempo. O quadro 3 resume as

informações a respeito dessa escolha.

ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO

Alta percepção de valor do produto / Alta disposição dos

clientes para pagarRígida

Marca forte e admirada Rígida

1 Jornalismo da mais alta qualidade e credibilidade Políticas

Quadro 3: Resumo da Escolha 1 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.

4.3.2 Escolha 2: Diversificação dos canais de distribuição do conteúdo

O surgimento e o crescimento da internet provocou uma segmentação importante no

público consumidor de mídia. Se antes a grande maior parte das pessoas afirmavam se manter

informadas a partir dos veículos tradicionais de mídia, como jornais, televisão e rádios, uma

parcela cada vez maior de pessoas passou a usar a internet como principal fonte de consumo

de notícias (Olmstead et al., 2013). Dentre as principais características desse novo segmento,

está o fato de ser formado por um público mais jovem e mais adepto de novas tecnologias do

que a média, muitos deles nativos digitais.

65

Para manter sua relevância e sua participação de mercado nesse novo cenário

competitivo, o The New York Times precisou diversificar os canais de distribuição de seu

conteúdo, antes concentrado essencialmente no jornal impresso. Isso foi formalizado a partir

de 2005, quando esse assunto entrou definitivamente em pauta e o título de seu relatório anual

aos investidores era “Perseguindo um futuro multi-plataformas”. No relatório anual aos

acionistas de 2007, publicado em fevereiro de 2008, a direção do jornal afirmava:

“Num ano difícil para a indústria de mídia, The New Yotk Times Company

conquistou avanços significativos em sua transição de uma empresa focada

primeiramente em produtos impressos para uma empresa que é progressivamente

digital em seu foco e multi-plataforma na distribuição de seus produtos. (NYTCO,

2008).”

Naquele mesmo ano de 2007 o jornal lançou sua versão para a plataforma de livros

eletrônicos Kindle, da Amazon. Em 2008 lançou o aplicativo para Iphone (NYTCO, 2009) e

em 2010 o aplicativo para iPad. No ano de 2010, jornal já estava também disponível em

diversas outras plataformas de livros eletrônicos, como o Nook (da livraria Barnes&Nobles) e

o Sony Reader (NYTCO, 2010), e em diversas plataformas móveis como BlackBerry e

PalmPre e Android. Em 2012 o jornal anunciou uma iniciativa, chamada de “NYT

Everywhere”, para passar a disponibilizar seu conteúdo em plataformas desenvolvidas por

terceiros. A primeira parceria decorrente dessa iniciativa foi com a empresa startup americana

Flipboard, cujo aplicativo passou a oferecer o conteúdo do The New Yotk Times em junho

daquele ano (Owen, 2012).

A partir dessas evidências fica claro que, do ponto de vista de sua classificação, a

diversificação dos canais de distribuição é uma escolha relaciona à política da empresa.

Percebe-se ainda, que duas consequências decorrem dessa escolha. Em primeiro lugar há um

impacto positivo direto na audiência do conteúdo produzido pelo jornal, uma vez que estando

disponível em diversas plataformas o jornal consegue atingir um público mais amplo e

diversificado. Há também a consequência direta de atração de um segmento novo, de público

jovem, mais engajado e adepto de novas tecnologias, o que indiretamente também contribui

para a sustentação de elevados índices de audiência. Os elevados níveis de audiência do

66

conteúdo produzido pelo The New York Times são uma consequência rígida. Já a atração do

segmento de público jovem é uma consequência flexível, dado que se a escolha por novos

canais de distribuição deixar de existir, essa consequência tende a desaparecer. O quadro 4

resume as informações a respeito dessa escolha.

ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO

Atração de novos segmentos (público jovem) Flexível

Altos níveis de audiência Rígida2 Diversificação dos canais de distribuição de conteúdo Políticas

Quadro 4: Resumo da Escolha 2 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.

4.3.3 Escolha 3: Diversificação dos fluxos de receita

Como visto anteriormente, as receitas de publicidade do The New York Times

sofreram forte impacto em função do crescimento da internet e da entrada de novos

competidores no mundo digital, e foram devastadas pela crise econômica de 2008. Se até

2006 as quedas nos volumes físicos de anúncios conseguiam ser compensadas por aumentos

recorrentes de preços de tabela, a partir de 2007 isso não foi mais possível. As receitas

publicitárias do jornal, que representavam cerca de 2/3 das receitas totais no ano 2000,

passaram a representar menos de 50% em 2012, pela primeira vez na história (Gráfico 6).

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

Receitas Publicitárias

Receitas de Circulação

Outras Receitas

Gráfico 6: Participação das diferentes origens na receita do The New York Times

entre 2000 e 2012 Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.

67

O agravante desse cenário é que as receitas publicitárias digitais não se mostraram

capazes de compensar a queda abrupta das receitas do impresso, principalmente em razão do

altíssimo estoque de anúncios online disponível na internet. O relatório anual aos acionistas

de 2009 (NYTCO, 2010) afirma que “na publicidade digital o mercado tem experimentado

uma pressão para baixo nos preços dos anúncios, em razão dos aumentos significativos de

estoques disponíveis”. As receitas de publicidade digital, que chegaram a crescer a taxas

anuais superiores a 20% em meados da década de 2000, não apresentaram crescimento algum

em 2012 (NYTCO, 2013a).

Diante dessa situação, a alternativa restante para o The New York Times foi encontrar

maneiras de diversificar suas fontes de receitas. Apesar de ter havido algumas iniciativas

anteriores a 2008, como TimesSelect mencionado anteriormente, foi a partir daquele ano que

os relatórios anuais passam a usar com freqüência o termo “diversificação do fluxo de

receitas”. A grande iniciativa nessa direção, construída a partir da sólida audiência online e

da altíssima percepção de valor do produto por parte dos leitores (como visto na seção 4.2),

foi o início da cobrança pelo acesso conteúdo online, implantada em 2011.

Além dessa consequência direta, a escolha pela diversificação dos fluxos de receita

representou ainda o desenvolvimento de outras fontes alternativas. O relatório anual de 2012

fala da busca por uma “expansão do portfólio de produtos digitais pagos”, pelo

“desenvolvimento de competências estratégicas na produção de vídeo” e da “expansão dos

negócios de eventos e conferências”. De fato, em abril de 2013, durante a apresentação dos

resultados alcançados no primeiro trimestre do ano, o jornal anunciou a decisão de retirar o

acesso a seus vídeos da barreira imposta pelo sistema de cobrança pelo conteúdo online e

também um novo modelo de patrocínio para essa seção do site. No comunicado oficial, o

presidente da empresa afirmou: “queremos crescer nossos negócios lançando novos produtos

e serviços, baseados na força única do jornalismo do The New Yotk Times, investindo na

rápida expansão das operações atuais (vídeos e eventos ao vivo são exemplos), onde já

estamos vendo forte crescimento” (NYTCO, 2013c). A escolha pela diversificação dos fluxos

de receita está também relacionada às políticas da empresa. Suas duas consequências diretas

são flexíveis, dado que deixarão de existir se a opção pela diversificação também desaparecer.

O quadro 5 resume as informações a respeito dessa escolha.

68

ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO

Novas fontes de receita Flexível

Cobrança pelo acesso ao conteúdo do site Flexível3 Diversificação dos fluxos de receita Políticas

Quadro 5: Resumo da Escolha 3 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.

4.3.4 Escolha 4: Opção por um modelo poroso de cobrança pelo conteúdo online

Uma vez decidida a cobrança do conteúdo online, surgiu uma nova escolha a ser feita,

referente ao modelo de cobrança adotado. Importante notar que, ainda que seja decorrente da

escolha anterior, a definição do modelo de cobrança não é ainda uma escolha de ordem tática

uma vez que diferentes modelos de cobrança pelo conteúdo podem dar origem a diferentes

modelos de negócios.

A escolha feita pelo The New York Times está detalhada numa carta de seu presidente

a todos os assinantes, quando do lançamento da iniciativa, em março de 2011 (Sulzberger,

2011). Nela ficaram esclarecidas as principais características (escolhas táticas) do modelo

cobrança no momento de seu lançamento:

Assinantes do produto impresso têm acesso irrestrito a todo conteúdo do jornal,

em todas as plataformas;

Não-assinantes têm um limite de 20 artigos grátis por mês no site

NYTimes.com. A partir do vigésimo-primeiro acesso o usuário é convidado a

se tornar um assinante digital6;

Nos dispositivos móveis (tablets e smartphones), apenas a seção “Top News”

está disponível para não-assinantes. Para acessar qualquer outra seção o

usuário é convidado a ser tornar um assinante digital;

Estão disponíveis três modalidades de assinaturas digitais, cujos preços variam

conforme o dispositivo de acesso. Assinaturas para acesso através de tablets

são mais caras do que para acesso através de smartphones.

6 Em 01 de abril de 2012 o The New York Times reduziu o limite de artigos gratuitos de 20 para 10 artigos por

mês

69

O acesso a artigos específicos, feito através de sites de busca (como Google) ou

através das redes sociais (como Twitter ou Facebook), não é contabilizado no

limite de acessos gratuitos por mês;

A opção por esse modelo poroso de cobrança, em oposição aos dois outros modelos

mais comumente adotados até aqui por empresas jornalísticas ao redor do mundo (o modelo

gratuito, utilizado pelo jornal inglês The Guardian, e o modelo de fechamento quase total,

utilizado pelo The Wall Street Journal), tem duas consequências diretas. A primeira delas é

que ela viabiliza um novo fluxo efetivo de receitas para a empresa, a partir da venda de

assinaturas digitais para aqueles usuários que querem ir além do limite gratuito. A segunda

consequência é que, simultaneamente, o modelo preserva a grande maior parte da audiência

online do jornal (especialmente de usuários menos intensos e oriundos de mecanismos de

busca e redes sociais), mantendo a viabilidade de geração de receitas publicitárias digitais.

Após dois da implantação de seu modelo de cobrança o número de assinantes digitais

do The New York Times chegou a 676.000 usuários (NYTCO, 2013c), que contribuíram para

que a receita total de circulação tivesse um crescimento de 16% no período (saiu de US$683

milhões em 2010 para US$795 milhões em 2012). Em função desse crescimento e da queda

nas receitas publicitárias, 2012 ficou marcado como o ano em que pela primeira vez as

receitas de circulação superaram as receitas publicitárias no jornal. Nesse mesmo período de

dois anos a audiência do site NYTimes.com apresentou uma queda de 12%, decorrente da

implantação da barreira de acesso, saindo de uma média mensal de 33 para 29 milhões de

usuários únicos mensais em dois anos. A receita de publicidade digital cresceu 9% de 2010

para 2011 e depois se manteve estável em 2012 (NYTCO 2013a, 2012a, 2011).

Do ponto de vista de sua classificação, a escolha por um modelo poroso de cobrança

se refere a uma política da empresa. Suas duas consequências diretas (geração de novo fluxo

de receitas e preservação da audiência online) são ambas consequências rígidas. Uma

consequência indireta importante, decorrente da escolha tática de conceder acesso integral ao

conteúdo online a todos os assinantes da edição impressa do jornal foi um aumento nas

vendas das assinaturas impressas. O relatório anual aos acionistas de 2011 informa que “desde

o lançamento dos planos de assinaturas digitais, The Times, tem visto um aumento nos

pedidos de entrega domiciliar e elevações nas taxas de retenção de assinantes, comparado

com o período anterior ao lançamento dos planos” (NYTCO, 2012a). O quadro 6 resume as

informações a respeito dessa escolha.

70

ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO

Altos níveis de audiência Rígida

Relevância da receita de leitores fiéis Rígida

4Opção por um modelo poroso de cobrança pelo

conteúdo onlinePolíticas

Quadro 6: Resumo da Escolha 4 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.

4.3.5 Escolha 5: Concentração do portfólio de negócios da holding na marca “The

New York Times”

Ao longo dos últimos dez anos a The New York Times Company passou a fazer uma

gestão bastante ativa de seu portfólio de negócios, concentrando-se progressivamente

naqueles negócios mais relevantes e de maior alinhamento estratégico com as competências-

chave da empresa.

No início dos anos 2000 a empresa possuía um portfólio extenso de negócios

espalhados em diferentes plataformas: impressas, online e de broadcast. Esse portfólio incluía

os jornais The New York Times, Boston Globe, Worcester Telegram &Gazzete e quinze

outros títulos regionais, os sites Nytimes.com e Boston.com, uma distribuidora de produtos

impressos na região de Nova York, oito emissoras de televisão e duas emissoras de rádio

(NYTCO, 2013a). Em 2005 a empresa passou a executar uma “expansão do portfólio de

propriedades multimídia para reforçar sua liderança de mercado”, alinhada com a estratégia

vigente de construção de um futuro multi-plataformas. Naquele ano adquiriu o site

About.com, uma nova emissora de TV e uma participação no jornal gratuito Metro, de Boston

(NYTCO, 2006).

A partir de 2006, já sob os efeitos claros do crescimento da internet, a estratégia de

expansão de portfólio deu lugar a um “rebalanceamento do portfólio de propriedades e

exercício da disciplina financeira para alocar o capital em benefício dos acionistas” (NYTCO,

2007). No início de 2007 a empresa vendeu todo seu negócio de emissoras de televisão, uma

de suas rádios e comprou outras quatro empresas menores de internet7. Em 2008 The New

York Times Company afirmava que seu “foco estava na venda de ativos que não tinham

7 Baseline Studio Systems; Calorie-count.com ; ConsumerSearch.com e UCompareHealthCare.com

71

adequação à empresa, em especial diante da busca por reduzir o déficit e elevar a liquidez”

(NYTCO, 2009) e em 2009 que uma das ações-chave daquele ano foi o “gerenciamento e

rebalanceamento do portfólio de ativos para reforçar as operações centrais e a presença

digital” (NYTCO, 2010). De fato entre 2008 e 2009 a empresa se desfez da distribuidora de

impressos, de um de seus jornais regionais e de sua última emissora de rádio, na cidade de

Nova York.

Entre 2011 e 2012, já com o sucesso inicial do modelo de cobrança pelo conteúdo

digital do The New York Times, a holding vendeu todos os negócios de internet que havia

comprado nos anos anteriores (About.com e as quatro empresas menores), todo o conjunto de

jornais regionais e comunicou o início das tratativas para venda do jornal Boston Globe,

afirmando que esses movimentos iriam permitir “a concentração do foco estratégico e da

capacidade de investimentos na marca The New Yotk Times e em seu jornalismo”. Dentro

desse mesmo espírito, o The International Herald Tribune, que é a edição internacional do

jornal, teve seu nome alterado para The International New York Times. Com isso, todo o

foco, as energias e a capacidade de investimento da holding se voltaram para sua principal

marca (NYTCO, 2013a, 2012a).

Trata-se claramente uma escolha relativa aos ativos da empresa, que tem como

consequências uma elevação da capacidade de investimentos nos negócios remanescentes

(especialmente como decorrência da capitalização financeira) e o fortalecimento da marca

The New York Times, uma vez que a partir dessa escolha todos os negócios da empresa

passam a operar sob uma só marca. A primeira é uma consequência flexível, já a segunda é

uma consequência rígida, na medida em a marca forte e admirada continuará existindo ainda

que no futuro a empresa opte por investir também em outras marcas. O quadro 7 resume as

informações a respeito dessa escolha.

ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO

Aumento da capacidade de investimento Flexível

Marca forte e admirada Rígida

5Concentração do portfolio de negócios da holding na

marca "The New York Times"Ativos

Quadro 7: Resumo da Escolha 5 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.

72

4.3.6 Escolha 6: Expansão da atuação global

A expansão da atuação global da marca The New York Times pode ser entendida

como uma sequência do movimento estratégico de expansão geográfica implantado pelo

jornal no início dos anos 80 e depois no final dos anos 90. Nos dois períodos anteriores, essa

expansão se deu pelo aumento da presença física e pela expansão da força da marca por todo

o mercado norte-americano, a partir de Nova York. Esse movimento busca, essencialmente,

ampliar o mercado potencial da marca a partir de uma presença mais robusta nos principais

mercados emergentes.

Historicamente o The New York Times sempre esteve presente na Europa, a partir de

seu título editado em Paris, como mencionado anteriormente. Ao longo dos últimos anos,

passos concretos foram dados objetivando-se a expansão de sua atuação global, ancorada na

marca The New York Times: em 2009 o acesso internacional ao site do jornal passou a ser

feito através do endereço global.nytimes.com, ao invés de iht.com, que era usado até então.

Em 2012 a empresa anunciou a mudança completa da marca The International Herald Tribune

para The International New Yotk Times e lançou uma edição publicada em língua chinesa,

editada em Pequim, distribuída apenas em plataforma digital. No comunicado de seu

lançamento o jornal fez uma referência à crescente classe média chinesa, composta de pessoas

“educadas, de alto poder aquisitivo e cidadãs globais” (Haughney, 2012b). Também em 2012

a empresa anunciou a intenção de lançar uma edição em português, editada no Brasil, prevista

para o final de 2013 e depois adiada para 2014. Atualmente 10% dos assinantes (das edições

impressa e digital) e 1/3 dos leitores do leitores do jornal são de fora dos Estados Unidos

(Doctor, 2012).

Várias das características dos modelos de negócios online, discutidas por Amit e Zott

(2001), podem ser notadas nesse movimento de globalização, viabilizando sua implantação:

redução dos custos de transação e coordenação, quebra de fronteiras geográficas, novas

formas de conexão direta entre compradores e vendedores. Fica claro que nesse caso a

“eficiência”, tangibilizada principalmente na redução de custos de distribuição, é a principal

fonte de geração de valor. A opção pela expansão global do jornal é uma escolha relacionada

à política da empresa e tem como consequências diretas o fortalecimento marca The New

York Times em âmbito global e a elevação da audiência online do jornal a partir da expansão

73

do mercado leitor. Ambas as consequências são rígidas, pois mesmo que a opção pela

expansão global seja revista, a marca forte em âmbito global e a audiência oriunda do exterior

perdurarão. O quadro 8 resume as informações a respeito dessa escolha.

ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO

Altos níveis de audiência Rígida

Marca forte e admirada Rígida6 Expansão da atuação global Políticas

Quadro 8: Resumo da Escolha 6 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.

4.3.7 Escolha 7: Investimentos expressivos em promoção e comunicação de

marketing

Para garantir o sucesso da iniciativa de passar a cobrar pelo acesso ao conteúdo online

o jornal The New York Times investiu desproporcionalmente na promoção de vendas e

comunicação de marketing de seu novo produto nos primeiros dois anos após o lançamento,

visando gerar experimentação e convencer as pessoas a pagar pelo que até então era gratuito.

Já no lançamento do sistema de cobrança, duas ações de grande relevância foram deflagradas:

investimentos de US$13 milhões em campanhas promocionais para as assinaturas digitais

(montante que inclusive foi considerado por alguns analistas como sendo incompatível com a

fragilidade econômica em que o jornal se encontrava) (NYTCO, 2011b) e o anúncio de que a

Ford Motor Company iria patrocinar (através da marca Lincoln) um volume de cem mil

assinaturas digitais para os leitores mais fiéis ao site, por um período de nove meses (Doctor,

2011).

Além desses investimentos, o jornal disparou uma promoção de degustação da

assinatura digital (que está válida até hoje), onde qualquer pessoa pode experimentar as

primeiras quatro semanas da assinatura pagando apenas US$0,99, implantou diversas outras

ações pontuais de promoção de vendas, como o recorde de vendas estabelecido na Cyber

Monday americana (dia especial de vendas online) de 2011(Miller, 2011; Pompeo, 2012), e

fez um investimento expressivo em ações de comunicação conceitual, focadas no

posicionamento da marca, como a campanha de vídeos de um minuto lançada em 2012

(vídeos disponíveis em: http://www.nytimes.com/marketing/politics2012/index.html)

74

A principal consequência dessas ações foi a contribuição direta para um resultado de

vendas bastante acima da expectativa do jornal e das previsões dos analistas, fruto da

sustentação dos altos níveis de audiência e de uma maior disposição por pagar dos usuários do

site. Após o segundo ano de existência do modelo de cobranças, o jornal possuía um volume

total de 676.000 assinantes, com um crescimento trimestral continuado. (Gráfico 7).

0

100.000

200.000

300.000

400.000

500.000

600.000

700.000

800.000

mar

-11

mai

-11

jul-

11

set-

11

no

v-1

1

jan

-12

mar

-12

mai

-12

jul-

12

set-

12

no

v-1

2

jan

-13

mar

-13

Assinantes

Gráfico 7: Volume total de assinantes digitais do The New York Times desde o

lançamento do produto Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.

A escolha por investimentos elevados em promoção e comunicação de marketing está

relacionada à política da empresa. Elevados níveis de audiência, marca forte admirada e alta

percepção de valor e disposição dos clientes para pagar são todas consequências rígidas

decorrentes dessa escolha. O quadro 9 resume as informações a respeito dessa escolha.

ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO

Altos níveis de audiência Rígida

Marca forte e admirada Rígida

Alta percepção de valor do produto / Alta disposição dos

clientes para pagarRígida

7Investimentos expressivos em promoção e

comunicação de marketingPolíticas

Quadro 9: Resumo da Escolha 7 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.

75

4.3.8 Escolha 8: Estrutura de custos enxuta

A estrutura organizacional adequada para enfrentar o novo ambiente competitivo na

indústria jornalística é claramente diferente daquela do início dos anos 2000. Apesar do tema

da gestão de custos estar presente em praticamente todos os relatórios anuais pesquisados, foi

a partir de 2006 que ele tomou relevância e senso de urgência ao se tornar uma das cinco

prioridades estratégicas para o jornal. Naquele ano algumas decisões importantes foram

adotadas como a unificação dos parques gráficos no estado de Nova York, a redução da

largura física do jornal e uma aceleração da redução do quadros de funcionários (NYTCO,

2007).

Entretanto, foi a partir de 2008 e dos impactos sofridos pelas consequências da crise

mundial que medidas de absoluta austeridade foram colocadas em vigor. Naquele ano o jornal

reduziu em 5% seu custo total de operação com foco em “consolidação de operações,

fechamento de negócios que não estavam atingindo suas metas financeiras, terceirização,

redução da circulação pouco rentável e redução no consumo de papel e nos custos de

produção”. Em 2009 o jornal passou a falar da necessidade de construção de uma “estrutura

de custos simplificada8” e obteve outros 17% de redução nos custos totais em comparação

com o ano anterior. Havia, entretanto, uma ressalva importante: a busca era por uma redução

inteligente, que preservasse a qualidade do jornalismo. Em 2010 o jornal reportava ter

reduzido outros US$171milhões e ter chegado a uma redução total de 29% na base de custos,

em comparação com 2006, quando esse tema se tornou uma prioridade. O gráfico 8, que

mostra a evolução do total de funcionários empregados no The New York Times, é uma

evidência concreta dessa escolha.

8 Streamlined, no original em ingês.

76

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Funcionários

Gráfico 8: Total de funcionários do The New York Times entre 2003 e 2012

Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.

É importante ressaltar que a redução de quase dois mil funcionários obtida nesse

período preservou integralmente o jornalismo do The New York Times, em mais uma

evidência da sólida escolha pela produção de um jornalismo de qualidade. O número total de

jornalistas empregados na empresa em 2012 era praticamente o mesmo de 2003 (Invdik,

2012), ou seja, construiu-se uma redução de custos inteligente que preservou o maior

patrimônio da marca. A escolha por uma estrutura de custos enxuta inclui uma parte que é

relacionada às políticas da empresa e outra que é relacionada aos ativos (consolidação de

operações, venda de ativos, etc.). A principal consequência dessa redução de custos, dado que

há preservação da qualidade do jornalismo, é uma potencial melhoria dos resultados

econômicos do jornal decorrente de menores despesas. É evidente que trata-se de uma

consequência flexível, na medida em que ela deixará de existir se o jornal revogar a escolha

por uma estrutura enxuta de custos. O quadro 10 resume as informações a respeito dessa

escolha.

ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO

8 Estrutura de custos enxuta Políticas / Ativos Elevação do resultado econômico do jornal Flexível

Quadro 10: Resumo da Escolha 8 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.

77

4.3.9 Escolha 9: Rentabilização do produto impresso

Essa escolha poderia estar incluída na anterior, relacionada à estrutura de custos, uma

vez que se refere à opção feita pelo jornal de abrir mão dos exemplares pouco rentáveis de

circulação impressa. Uma avaliação mais precisa, entretanto, traz à tona dois de seus aspectos

que não têm relação direta com o custo: o aumento continuado dos preços de assinaturas e de

exemplares avulsos por anos seguidos, associado à sustentação do alto número de assinantes

fiéis mesmo após esses aumentos de preços. O resultado positivo dessa combinação deu à

empresa a convicção de possuir um produto altamente valorizado por seus leitores e que

culminou com a decisão pela adoção da cobrança pelo conteúdo online.

Inicialmente a decisão de rentabilizar a circulação foi embasada por uma perspectiva

de defesa dos resultados econômicos da empresa em um ambiente de crise. O relatório anual

de 2007 afirmava que “parte do declínio da circulação (...) está ligado à nossa decisão

deliberada de reduzir sua parcela menos lucrativa, ou seja, exemplares vendidos com altos

descontos ou exemplares patrocinados” (NYTCO, 2008). Progressivamente, esse olhar

defensivo focado na redução de custos se transformou numa abordagem ofensiva, focada no

crescimento das receitas (decorrente da constatação de uma demanda majoritariamente

inelástica entre os assinantes com mais de dois anos de relação com o produto). No relatório

de 2009 o jornal afirmava: “Nos últimos anos nossos jornais se focaram numa estratégia de

redução da circulação menos lucrativa e no aumento dos preços de circulação. Os resultados

positivos de receita obtidos com esses aumentos de preços confirmam que nosso jornalismo é

altamente valorizado por nossos leitores”. (NYTCO, 2010).

O declínio permanente das receitas publicitárias do jornal nos últimos cinco anos,

associado à falta de perspectiva de uma mudança nesse cenário e à força demonstrada pelas

receitas de circulação, produziu uma virada estratégica importante para a empresa, que passou

a concentrar boa parte de seus esforços recentes nesse lado de sua rede bilateral (os leitores).

A partir de 2011 o jornal passou a reportar sua circulação total de forma consolidada

(assinaturas impressas mais digitais). Essa decisão se tornou um impedimento concreto a uma

avaliação mais precisa dos impactos sofridos pela circulação impressa em razão da

sustentação da estratégia de elevação de preços, que permanece em curso com aumentos do

78

preço de capa em março de 2012 e das assinaturas impressas em março de 2012 e novamente

no início de 2013 (Byers, 2012).

A escolha pela rentabilização da circulação impressa está relacionada à política da

empresa e tem como consequências diretas o aumento das receitas de leitores fiéis e uma

redução da circulação de exemplares impressos (a primeira delas é uma consequência rígida e

a segunda é uma consequência flexível). A queda na circulação de exemplares impressos, se

por um lado ajuda a reduzir os custos de produção e distribuição, por outro lado acelera a

queda nas receitas publicitárias. O jornal vem compensando parte dessa queda com a elevação

das taxas de vendas e retenção obtidas a partir da implantação do modelo de cobrança online.

O quadro 11 resume as informações a respeito dessa escolha.

ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO

Relevância da receita de leitores fiéis Rígida

Queda na circulação impressa Flexível9 Rentabilização do produto impresso Políticas

Quadro 11: Resumo da Escolha 9 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.

4.3.10 Escolha 10: Cultura organizacional orientada para o digital

Não faria sentido algum para o The New York Times pretender ser uma empresa de

atuação focada no mundo digital preservando uma cultura organizacional ainda ancorada no

produto impresso. Uma série de medidas com o objetivo de contaminar positivamente a

empresa com a cultura do mundo digital tem sido tomada recentemente.

Antes tratada como uma unidade de negócios a parte, o site Nytimes.com passou a

integrar, para fins de prestação de contas de resultados, a mesma unidade de negócios do

jornal impresso em 2004. No ano seguinte o jornal tomou a decisão de consolidar as equipes

de redação e as equipes comerciais online e offline, o que se mostrou uma decisão acertada

conforme o exposto no relatório anual de 2010:

79

“Vários anos atrás, o The Times integrou seu time de vendas de anúncios, assim

como suas redações impressa e digital. Hoje aproximadamente 80% dos 100 maiores

anunciantes do jornal compram mídia cruzada entre nossos produtos impresso e

digital, para maximizar as oportunidades de adjacência com o conteúdo convincente,

que atinge uma audiência de alto poder aquisitivo e influente. (NYTCO, 2011a)”

Outra evidência relevante dessa busca por uma cultura orientada para o digital foi a

recente nomeação (em 2012) de dois novos integrantes do conselho de administração da

empresa com ampla experiência no mundo digital: Joichi Ito, diretor do MediaLab do MIT

(Massachussets Institute of Technolgy) e Brian McAndrews, oriundo de uma empresa de

venture capital especializada na captação de investimentos para empresas de tecnologia

(Haughney, 2012a). Ao anunciá-los, o presidente da empresa afirmou que os dois novos

conselheiros “trazem profunda experiência digital para o conselho de administração da

empresa, o que será decisivo para a continuidade de nossa transformação cultural”. Essa

decisão se soma a outras mudanças importantes tomadas anteriormente na busca por uma

cultura digital, sendo a principal delas a decisão pela troca da antiga CEO da empresa, Janet

Robinson, feita no final de 2011. Analistas de negócios creditaram essa substituição à

necessidade de construção de uma cultura ainda mais digital na empresa (Chozick, 2011).

Segundo eles Janet estava muito ligada ao produto impresso, uma vez que foi a grande líder

da estratégia de expansão nacional implantada no final dos anos 90.

A escolha pela construção de uma cultura orientada para o digital está relacionada à

governança da empresa, na medida em que orienta as decisões a respeito de políticas e ativos.

Ela tem duas consequências diretas: a aquisição de novas competências, ligadas ao mundo

digital e uma mais integração nas operações online e offline. Ambas as consequências são

flexíveis. O quadro 12 resume as informações a respeito dessa escolha.

ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO

Presença de competências ligadas aos negócios digitais Flexível

Integração das operações online e offline Flexível10 Cultura organizacional orientada para o digital Governança

Quadro 12: Resumo da Escolha 10 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.

80

4.3.11 Escolha 11: Alavancagem das redes sociais a partir de uma abordagem ativa

The New York Times enxerga as redes sociais como sendo uma plataforma digital

através da qual é possível “aumentar o alcance e aprofundar o engajamento de leitores e

usuários”, em alinhamento com a tendência geral do jornalismo (Olmstead et al., 2013). O

jornal faz uso dessa plataforma há vários anos, e de forma crescente. Em 2009, reportava ter

dois milhões de usuários em sua conta principal no Twitter e quinhentos mil curtidores no

Facebook. Depois, no relatório anual de 2011, reportava ter quatro milhões de seguidores no

Twitter e dois milhões no Facebook. Em junho de 2013 esses números haviam atingido 8,7

milhões e 3,1 milhões, respectivamente9.

Para garantir o crescimento de audiência nas redes sociais, assim como a relevância e a

qualidade dessa interação com os leitores o The New York Times investiu num time de quatro

profissionais dedicados exclusivamente ao tema: um editor de mídias sociais, um editor

adjunto de comunidade e mídias sociais e dois produtores de mídias sociais. Outra

demonstração de relevância dessa plataforma para a empresa foi a escolha de design de seu

modelo de cobrança pelo conteúdo online, que deixou os acessos oriundos dessas redes de

fora da barreira que limita a quantidade de acessos gratuitos: uma clara sinalização de que o

jornal não queria ficar de fora das discussões e recomendações promovidas por usuários

compostos por um público majoritariamente jovem e bem relacionado. Um estudo recente do

Projeto para Excelência no Jornalismo, do Centro de Pesquisas PEW mostrou que 34% dos

jovens americanos entre 18 e 24 anos afirmam ter lido notícias ou manchetes em redes sociais

(Olmstead et al., 2013).

Trata-se certamente de uma escolha de dimensão diferente das outras dez analisadas

até aqui, com efeitos aparentemente de menor impacto ou relevância no curto prazo, tanto

para a audiência quanto para os resultados econômicos do jornal. Seria possível até mesmo

classificá-la como uma escolha tática. Por outro lado, o volume crescente de pessoas

diretamente impactadas pelas redes sociais o peso estratégico que a empresa dá a elas são uma

indicação clara de aposta em impactos mais relevantes que essa plataforma pode ter no futuro

dos negócios da empresa, amparados pelas pesquisas que demonstram uma relevância

crescente dessa plataforma entre os jovens.

9 Números apurados em 29 de junho de 2013

81

A escolha por uma abordagem ativa e engajada na utilização das redes sociais refere-

se a uma política da empresa, que tem como consequências a atração de um segmento novo de

publico, mais jovem, e uma elevação do engajamento do público com o conteúdo produzido a

partir de um estímulo direto à interação desse público com o produto. Ambas são

consequências flexíveis, que deixarão de existir se a opção pela atuação ativa em redes sociais

deixar de ser uma prioridade da empresa. O quadro 13 resume as informações a respeito dessa

escolha.

ESCOLHA CLASSIFICAÇÃO CONSEQUÊNCIAS CLASSIFICAÇÃO

Elevado nível de engajamento do usuário com o produto Flexível

Atração de novos segmentos (público jovem) Flexível11 Alavancagem nas redes sociais (abordagem ativa) Políticas

Quadro 13: Resumo da Escolha 11 e suas Consequências Fonte: Produzido pelo pesquisador.

4.4 Representação gráfica do modelo de negócios

Conforme visto na fundamentação teórica, a representação gráfica de um modelo de

negócios facilita muito seu entendimento e a análise de sua efetividade. A figura 5 mostra a

representação gráfica do modelo de negócios do The New York Times a partir das onze

escolhas e dezessete consequências identificadas durante o trabalho de pesquisa e detalhadas

nos tópicos acima. A forma de representação é aquela proposta por Casadesus-Masanell e

Ricart (2007), onde escolhas e consequências estão ligadas por setas que representam a

relação de causalidade existente entre elas. Essa representação gráfica foi construída a partir

do software “Visual Understanding Environment”, desenvolvido pela universidade Tufts, nos

Estados Unidos, com o propósito de viabilizar o mapeamento de conceitos, especialmente em

ambientes de pesquisa. Nela as escolhas feitas pela empresa são marcadas em negrito e

sublinhadas, as consequências rígidas ficam dentro de caixas e as consequências flexíveis fora

de caixas (em texto normal).

Uma análise mais detalhada dessa representação gráfica evidencia alguns aspectos

importantes do modelo de negócios do The New Yotk Times. Antes de qualquer coisa é

possível ter uma melhor ideia do modelo como um todo e observar mais facilmente as

relações de causa e efeito existentes. A visualização gráfica do modelo facilita sua

82

compreensão e sua disseminação, em especial diante da capacidade limitada do ser humano

de processar grande quantidade de informações complexas.

Ficam evidentes também quais são aquelas escolhas mais relevantes, vinculadas a

consequências rígidas e próximas aos objetivos centrais da organização, percebe-se a

existência de várias escolhas com as mesmas consequências e identificam-se ciclos virtuosos

e viciosos. Todos esses são critérios de avaliação da efetividade do modelo de negócios do

The New York Times que será detalhada na próxima seção com o suporte efetivo dessa

representação gráfica.

83

Figura 5: Representação gráfica do modelo de negócio do The New Yotk Times

Fonte: Produzido pelo pesquisador.

84

4.5 Análise da efetividade do modelo de negócios paywall poroso

Como visto na revisão da literatura, a melhor medida (ainda que simplista) de sucesso

ou fracasso do modelo de negócio de uma empresa é, em última instância, seu sucesso

econômico. A tabela 5 apresenta um resumo dos principais resultados de receita do The New

York Times no período compreendido entre 2010 (primeiro ano anterior à implantação do

modelo) e 2012 (últimos resultados anuais disponíveis).

2010 2011 2012 11 vs. 10 12 vs. 11

Receita Publicitária

Impressa 639,9R$ 589,8R$ 541,0R$ -8% -8%

Digital 140,5R$ 166,4R$ 170,8R$ 18% 3%

TOTAL 780,4R$ 756,1R$ 711,8R$ -3% -6%

Receita de Circulação

TOTAL 683,7R$ 705,2R$ 795,4R$ 3% 13%

Outras Receitas

TOTAL 92,7R$ 93,3R$ 88,5R$ 1% -5%

RECEITA TOTAL 1.557R$ 1.555R$ 1.596R$ 0% 3% Tabela 5: Receita total do The New York Times, por origem, entre 2010 e 2012

Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.

Ao se comparar os dados da tabela 5 com o histórico de receitas do jornal dos últimos

dez anos, apresentado anteriormente na tabela 3, é possível perceber que a implantação do

novo modelo de negócios, em março de 2011, contribuiu diretamente para que a receita total

do jornal se estabilizasse em 2011 e apresentasse até um pequeno crescimento em 2012 (pela

primeira vez desde 2006). Percebe-se ainda que esse crescimento é devido integralmente às

receitas de circulação, que cresceram 3% e 13% em cada um dos anos, fundamentalmente em

razão das assinaturas digitais. O relatório de resultados do segundo trimestre de 2013,

publicado pelo jornal em 01 agosto (NYTCO, 2013d) informa que a receita oriunda de

assinaturas exclusivamente digitais alcançou, no primeiro semestre de 2013, o valor de US$

85

75,1 milhões, com um crescimento de 51,7% sobre o primeiro semestre de 2012. A partir

dessa informação é possível inferir que a receita anual oriunda de assinaturas exclusivamente

digitais superará US$150 milhões em 2013.

Os relatórios anuais da holding não reportam os custos e despesas individuais de cada

um dos jornais (apenas o total do grupo), o que impede a avaliação precisa do custo

operacional do jornal The New York Times. Mas assumindo como estimativa (ainda que

esteja claro que haja limitações nessa premissa) que a participação dessa unidade de negócios

nos custos operacionais da empresa seja equivalente à sua participação proporcional nas

receitas, se poderia inferir que houve um crescimento continuado nos resultados econômicos

do jornal ao longo dos três últimos anos, como mostra a tabela 6.

Participação do The New Yotk Times na receita total da holding (2010-2012) 79,5%

2010 2011 2012

Custo operacional total da holding 1.813R$ 1.791R$ 1.830R$

Custo operacional estimado para o The New York

Times1.441R$ 1.424R$ 1.455R$

Receita total do The New Yotk Times 1.557R$ 1.555R$ 1.596R$

Resultado operacional estimado para o The New York

Times116R$ 131R$ 141R$

Tabela 6: Estimativa de custos operacionais do The New York Times entre 2010 e 2012.

Fonte: Produzido pelo pesquisador, a partir da tabulação de dados extraídos dos relatórios anuais.

Os dados analisados até aqui mostram que a adoção do modelo de negócios paywall

poroso pelo The New York Times conseguiu viabilizar um novo fluxo relevante de receitas

para o jornal, que foi até aqui capaz de compensar a queda nas receitas publicitárias

(concentrada na receita impressa, que caiu em média 8% ao ano). Esse novo fluxo de receitas,

associado a um bom trabalho de controle de custos (que ficaram praticamente estáveis no

período) gerou um crescimento de cerca de 20% nos resultados operacionais do jornal no

período de dois anos. Ao se avaliar a efetividade do modelo de negócios sob uma perspectiva

exclusivamente econômica, e num horizonte de tempo de dois anos, não seria incorreto

afirmar que o modelo de negócios paywall poroso se mostrou efetivo, na medida em que

contribuiu diretamente para uma melhoria dos resultados econômicos do jornal.

86

Entretanto, essa não é a única forma de se analisar a efetividade de um modelo de

negócios, em especial porque entre o sucesso absoluto e o fracasso absoluto há uma série de

gradações possíveis de avaliação. Segundo Casadesus-Masanell e Ricart (2007) a efetividade

de um modelo de negócios pode ser adequadamente avaliada a partir de quatro componentes

principais: alinhamento aos objetivos, reforçamento, virtuosidade e robustez. O quadro 14

resume a avaliação da efetividade do modelo de negócios em estudo, a partir de cada um

desses componentes. O detalhamento e discussão dessa análise, que serão feitos nas subseções

seguintes, estão fortemente amparadas na análise visual do modelo de negócios, apresentada

anteriormente na figura 5.

Quadro 14: Resumo da avaliação de efetividade do modelo de negócios do The New

York Times Fonte: Produzido pelo pesquisador.

A conclusão a respeito da efetividade do modelo de negócios paywall poroso adotado

pelo The New York Times é que ele pode ser considerado moderadamente efetivo. Se por um

lado ele se mostrou efetivo nesse período inicial de dois anos, por outro lado fica evidente que

o modelo possui fragilidades estruturais (detalhadas abaixo) e está submetido a ameaças que

não asseguram essa efetividade ao longo do tempo.

COMPONENTE AVALIAÇÃO DO

MODELO DE NEGÓCIO JUSTIFICATIVA

Resultado

Econômico Efetivo

Estabilizou a queda de receita total e promoveu

crescimento do resultado operacional nos dois

primeiros anos.

Alinhamento aos

Objetivos Efetivo

Há, majoritariamente, alinhamento entre as

escolhas feitas e os objetivos perseguidos.

Reforçamento Efetivo A grande maioria das escolhas é complementar.

Poucos casos de escolhas conflitantes.

Virtuosidade Pouco efetivo Há apenas dois ciclos virtuosos evidentes e há

também um ciclo de realimentação negativa.

Robustez Pouco efetivo

Modelo está submetido a risco concreto de

“assalto” e “substituição”, que conseguiu ser

contornado até aqui.

87

4.5.1 Alinhamento aos Objetivos

Esse componente da avaliação da efetividade de um modelo de negócios em

isolamento aponta se as escolhas feitas pela empresa a levam a caminhar em direção aos

objetivos definidos ou se as afasta deles. Em função disso, para se fazer uma avaliação correta

é necessário que se tenha claro qual ou quais objetivos a empresa persegue. Para o The New

York Times, fica evidente que um dos objetivos centrais está ligado ao retorno do

investimento dos acionistas da empresa, uma vez que se trata de uma empresa de capital

aberto, com ações listadas em bolsa. Mas além desse, é possível notar que a empresa valoriza

substancialmente um jornalismo de alta qualidade, que enxerga como um dos pilares da

democracia americana, como fica claro no trecho abaixo, retirado do relatório anual aos

acionistas de 2008:

“Os jornais desempenham um papel crítico na vida cívica de nosso país. Informação

é o sangue da vida de nossa democracia, e o trabalho feito por nossos jornalistas

possibilita às pessoas tomarem decisões pensadas e refletidas dentro e fora do

contexto eleitoral”

Ser capaz de gerar retorno para o acionista e também retorno para a sociedade a partir

de um trabalho jornalístico baseado em princípios de qualidade, acuracidade e credibilidade

são os dois principais objetivos da empresa.

Quando se avaliam as onze escolhas e as consequências detalhadas na seção 4.5, e as

confrontamos com esses dois objetivos, fica evidente que a quase totalidade delas leva a

empresa a caminhar no sentido desses dois objetivos centrais. A escolha mais recente, pela

implantação de um modelo de cobrança pelo conteúdo online, merece um destaque especial

por estar conseguindo dar uma contribuição importante tanto para o retorno ao acionista

quanto a sustentação do jornalismo de alta qualidade ao gerar um novo e relevante fluxo de

receitas. Cabe fazer um questionamento pontual em relação à manutenção da escolha pela

rentabilização do produto impresso. Se por um lado essa escolha foi decisiva nos anos

anteriores à implantação do modelo de cobrança online, sua sustentação prolongada pode

88

acabar por acelerar a migração dos assinantes menos fiéis do produto impresso para o produto

online, o que é um risco (no curto prazo) na medida em que 34% de toda a receita do jornal

ainda está vinculada ao produto impresso.

De qualquer forma, a avaliação é de que há sim um alinhamento entre as escolhas

feitas pelo jornal e os objetivos à que a empresa se propõe. Essa constatação confirma a

efetividade do modelo de negócios, identificada pelos resultados econômicos dos dois

primeiros anos.

4.5.2 Reforçamento

A avaliação de reforçamento está relacionada à presença ou ausência de escolhas que

se complementam, ou seja, que se reforçam mutuamente e produzem uma consequência ainda

mais forte do que se alguma delas não estivesse presente. Uma falta de reforçamento ocorre

quando há duas escolhas que geram consequências conflitantes.

No caso do The New York Times é possível identificar várias escolhas que se

complementam para gerar consequências rígidas. Por exemplo, “Jornalismo da Mais Alta

Qualidade e Credibilidade” e “Investimentos Expressivos em Marketing” se complementam

na medida em que os efeitos do jornalismo de alta qualidade na disposição dos leitores para

pagar é maior quando há investimentos em marketing para reforçar essa disposição. Outros

exemplos de escolhas que se complementam são “Diversificação dos Canais de Distribuição”

e “Alavancagem de Redes Sociais” (que tornam a atração de um público jovem ainda maior) e

ainda “Concentração do Portfólio da Holding na Marca NYT” e “Expansão da Atuação

Global”. Na ponta econômica, é claro que “Diversificação dos Fluxos de Receita”

complementa a escolha por uma “Estrutura de Custos Enxuta”, pois juntas produzem uma

elevação ainda maior no resultado econômico. Entretanto, as duas escolhas que mais

fortemente se reforçam são o “Jornalismo da Mais Alta Qualidade e Credibilidade” e a

“Cobrança pelo Acesso ao Conteúdo Online”, pois é o conjunto dessas duas escolhas que

viabilizou um novo fluxo de receitas com ordem de grandeza de US$77 milhões por ano. A

receita gerada não seria essa se não houvesse um jornalismo de alta qualidade e não haveria

receita de assinaturas online sem um modelo de cobrança por ela.

89

Há também, no modelo de negócios analisado, escolhas que não se reforçam. Essa

falta de reforçamento está concentrada nas escolhas relacionadas à necessidade da empresa de

ainda conviver com suas características online e offline. Ainda que não seja uma escolha

primária, o jornal tem feito movimentos táticos cuja consequência é a preservação de sua

circulação impressa. Prolongar o ciclo de vida do produto impresso é desejável, na medida em

que boa parte da receita ainda está atrelada a esse produto, mas ela não reforça a escolha por

construir uma cultura voltada para o digital, que é decisiva para a construção de um produto

digital de alto valor percebido. O paradoxo entre a necessidade de se tornar uma organização

digital e a necessidade de prolongar/estender o ciclo de vida do produto impresso precisa ser

resolvido ao longo do tempo e representa uma oportunidade de aprimoramento do modelo de

negócios The New York Times rumo a uma maior efetividade.

De toda forma, de uma maneira geral a avaliação é de que a grande maior parte das

escolhas feitas no modelo de negócios paywall poroso se reforçam. A partir disso é possível

afirmar novamente que se está diante de um modelo efetivo.

4.5.3 Virtuosidade

Virtuosidade está ligada à presença de ciclos virtuosos, ou seja, ciclos de

realimentação positiva entre escolhas e consequências que acabam por construir

consequências cada vez mais rígidas. Se essas estiverem próximas aos objetivos centrais da

empresa, se traduzem em resultados econômicos cada vez mais fortes e sólidos.

No modelo de negócios do The New York Times é possível identificar a presença de

um ciclo virtuoso ligado à qualidade do jornalismo e outro ligado aos investimentos

expressivos em marketing, que são escolhas que se complementam. A escolha pelo

“Jornalismo da Mais Alta Qualidade e Credibilidade” se traduz em alta percepção de valor do

produto, em alta disposição dos leitores para pagar, o que melhora os resultados do jornal e

viabiliza a manutenção do investimento num jornalismo de alta qualidade. A escolha por

“Investimentos Expressivos em Marketing” se traduz numa marca forte e admirada, que

promove o engajamento dos usuários com o produto, altos níveis de audiência e ampliação

das receitas com leitores. Esses dois ciclos virtuosos estão destacados na figura 6. Não há,

90

entretanto outros ciclos virtuosos evidentes ou relevantes, o que deixa clara a oportunidade

para o jornal de aprimorar seu conjunto de escolhas de forma a aumentar a presença desses

ciclos.

Figura 6: Ciclos virtuosos do modelo de negócio do The New York Times

Fonte: Produzido pelo pesquisador.

Percebe-se também a presença de um ciclo vicioso (ciclo de realimentação negativa),

relacionado à rentabilização do jornal impresso. A elevação continuada de preços das

assinaturas impressa eleva as taxas de cancelamento e reduz a circulação desses exemplares, o

que potencialmente reduz a receita de circulação impressa e exige novos aumentos de preços

para compensar a queda. Esse ciclo pode acelerar a migração do produto impresso para o

digital, o que representaria um risco diante da forte dependência que ainda há em relação à

receita publicitária dos exemplares impressos. No caso do The New York Times esse efeito é

atenuado pela escolha da cobrança pelo conteúdo online, que elevou taxa de vendas e de

retenção do produto impresso e balanceou o efeito da elevação de preços. Esse é, de qualquer

forma, um ponto de atenção para o modelo de negócios do jornal. Apesar de essa equação

estar aparentemente funcionando no curto prazo, parece ser esse um equilíbrio dinâmico,

sujeito à alta volatilidade.

91

Diante do exposto, não se pode afirmar que o modelo de negócios do The New York

Times seja um modelo virtuoso. Além de haver apenas dois ciclos virtuosos relevantes, há a

presença clara de um ciclo de realimentação negativa. Avaliando-o sob essa perspectiva, não é

possível afirmar que se trata de um modelo de negócios efetivo.

4.5.4 Robustez

Robustez está relacionada à capacidade do modelo de negócios de se manter efetivo ao

longo do tempo, em especial diante de quatro ameaças principais: imitação, assalto, folga e

substituição. Dessas quatro possibilidades, o risco de “folga” não será avaliado, pois ele está

essencialmente relacionado à avaliação da cultura organizacional e à consistência dos

modelos de incentivo existentes na empresa, o que foge do escopo de análise desse estudo.

Quando se avalia o risco de imitação do modelo de negócio paywall poroso do The

New York Times, percebe-se que há um número significativo de consequências rígidas

(cinco), que dificultam a imitação plena. Essa dificuldade cresce na medida em que algumas

dessas consequências estão ligadas à percepção de valor do produto e à disposição dos

clientes para pagar, que são construídas ao longo de anos de investimento e trabalho

consistente. O modelo apresenta ainda um volume grande de escolhas que se reforçam, o que

também dificulta a imitação. De uma maneira geral se trata de um modelo com moderado

grau de possibilidades de imitação, apesar de haverem algumas escolhas facilmente

replicáveis (como, por exemplo, a iniciativa de cobrança pelo conteúdo online, que está sendo

indiscriminadamente copiada pela indústria de jornais). O tema da imitação será detalhado em

maior profundidade na seção 4.6, onde serão discutidas as condições de replicação desse

modelo de negócios por outros jornais.

O risco de assalto é uma forte ameaça à sustentação do modelo de negócios do The

New York Times ao longo do tempo. Do lado dos leitores de sua rede bilateral, esse risco fica

materializado na possibilidade de que o conteúdo produzido a partir da escolha pelo

“Jornalismo da Mais Alta Qualidade de Credibilidade” possa copiado indiscriminadamente ou

disponibilizado gratuitamente em sites de agregação de conteúdos. Essa ameaça se torna ainda

92

maior a partir da decisão da cobrança pelo conteúdo na plataforma online, que o transformou

numa importante fonte de receitas para a empresa.

Do lado dos anunciantes de sua rede bilateral, o assalto é um conceito semelhante ao

conceito de envelopamento discutido na introdução desse estudo, onde outros participantes da

indústria capturam parte do valor criado pela empresa. Nesse caso específico, o conteúdo

produzido a partir da escolha pelo “Jornalismo da Mais Alta Qualidade e Credibilidade” ajuda

a criar valor para o produto das grandes empresas de internet, como Google, Facebook e

Yahoo, que com isso constroem audiências relevantes para suas plataformas e passam a

capturar parte da receitas das empresas jornalísticas. Até aqui o jornal não tem conseguido se

defender desse assalto ao “money-side”, uma vez que as receitas publicitárias totais vem

caindo ano após ano desde 2006, o que reforça a importância de continuar implementando

mudanças em seu modelo de negócios.

Outra ameaça à robustez do modelo de negócio paywall poroso adotado pelo The New

York Times é a “substituição”, que está relacionada à possibilidade de surgimento de

produtos substitutos àquele produzido pela empresa. A direção do jornal tem essa ameaça

muito clara e a deixou registrada em seu relatório anual aos acionistas do ano de 2006:

“O sucesso de nosso negócio depende substancialmente de nossa reputação como

provedores de jornalismo e conteúdo de qualidade. (...) Se os consumidores não

conseguirem mais diferenciar o conteúdo produzido por nós daquele produzido por

outros provedores, seja na internet ou de qualquer outra maneira, nós podemos

experimentar queda em nossas receitas (NYTCO, 2007).”

Para amenizá-la o jornal precisa estar com seus sensores de competividade em estado

de alerta e precisa tomar medidas constantes para garantir e defender a alta percepção de valor

de seu produto e alta disposição de seu público para pagar, que são atualmente seus

diferenciais competitivos. Na medida em que o jornal se move em direção a um modelo de

negócios mais fortemente baseado no produto digital, esse aspecto terá relevância ainda

maior, em função da alta disponibilidade de conteúdo gratuito na internet. Fica evidente, a

partir do entendimento desse risco, a razão pela qual o The New York Times mantém tão

93

fortemente sua convicção na produção de um jornalismo da mais alta qualidade e

credibilidade. Ela é decisiva para a sustentação de seu modelo de negócios.

A partir de uma avaliação conjunta dessas três ameaças, não se pode afirmar que o

modelo de negócios do The New York Times seja robusto. Se por um lado a imitação não é

uma ameaça relevante, o assalto e a substituição são riscos concretos à sustentação da

efetividade do modelo de negócios no longo prazo. Até aqui o jornal conseguiu contornar a

ameaça de assalto ao “money-side” de sua rede bilateral com incursões ao outro lado da rede,

que parou de subsidiar e passou a monetizar mais fortemente. Essa ação foi possível em razão

do alto valor percebido de seu produto e da alta disposição de seus clientes para pagar, que

são também as armas contra a ameaça de substituição que vem do processo de comoditização

da informação na internet.

Não está descartada a possibilidade de o jornal conseguir sustentar a efetividade de seu

modelo de negócios ao longo do tempo, mas isso dependerá basicamente da viabilidade de a

empresa conseguir continuar capturando valor do lado dos leitores de sua rede bilateral numa

velocidade maior ou igual à que vê o valor do lado dos anunciantes de sua rede ser capturado

pelo assalto realizado pelas plataformas adjacentes.

4.6 A replicabilidade do paywall poroso para outros jornais

A replicabilidade do modelo paywall poroso, aqui discutida, não está relacionada ao

cenário competitivo do jornal The New York Times, nem busca avaliar eventuais ameaças à

sustentação dos resultados alcançados pelo jornal até aqui. Muito ao contrário, o que se

discutirá será a viabilidade de outros jornais utilizarem esse mesmo modelo de negócios como

forma de conseguirem sustentar seus resultados econômicos num ambiente competitivo que é

progressivamente mais complexo e desafiador para as empresas jornalísticas. Para iniciar essa

discussão, cabe aqui retomar o conceito de imitação, já analisado anteriormente a partir da

perspectiva de ameaça à robustez do modelo de negócios de uma empresa.

Como visto, mesmo que seja possível para uma empresa imitar algumas das escolhas

de um modelo de negócios adotada por outra, será bastante difícil reproduzir as consequências

94

rígidas desse modelo (especialmente aquelas relacionadas à reputação, experiência, cultura ou

relacionamento privilegiados, que levam tempo e exigem altos investimentos para serem

construídas). Por outro lado, as consequências flexíveis são mais facilmente replicáveis, na

medida em que se alteram rapidamente a partir das escolhas que as produzem.

Quando se avalia a representação gráfica do modelo de negócios do The New York

Times, apresentada na figura 5, é possível verificar a existência de várias consequências

flexíveis, que estão resumidas no quadro 15. Em função da facilidade e obviedade da

possibilidade de sua replicação, essas escolhas e consequências flexíveis não serão objeto de

análise aprofundada nesse estudo, uma vez que outros jornais conseguirão atingir razoável

nível de sucesso na tentativa de implementá-las.

ESCOLHAS CONSEQUÊNCIAS

Alavancagem das redes sociais Atração de novos segmentos (jovens)

Diversificação dos canais de distribuição Atração de novos segmentos (jovens)

Cultura organizacional voltada par ao digital Integração dos times online e offline da

redação e área comercial

Diversificação dos fluxos de receita

Cobrança pelo acesso ao conteúdo do site /

Opção por um modelo poroso de cobrança /

Novas fontes de receita

Estrutura de custos enxuta Elevação dos resultados econômicos

Concentração do portfólio de negócios Elevação da capacidade de investimentos

Quadro 15: Escolhas do modelo de negócio que dão origem a consequências flexíveis. Fonte: Produzido pelo pesquisador.

A ideia é concentrar a discussão ao redor das consequências rígidas, que são de

imitação mais difícil e, por isso, não são imediatamente replicáveis por outros jornais. Quatro

dessas consequências rígidas serão destacadas, em três pontos de discussão: 1) Alta percepção

de valor do produto / Alta disposição dos clientes para pagar; 2)Marca forte e admirada; 3)

Altos níveis de audiência / Relevância da receita de leitores fiéis.

95

4.6.1 Alta percepção de valor do produto / Alta disposição dos clientes para pagar

Essas duas consequências rígidas guardam uma relação bastante próxima com noção

de recurso da firma, proposto por Barney (1991), que pode ser visto como fonte de vantagem

competitiva se for valoroso, raro, não-imitável e sem possibilidade de produto substituto. Pelo

exposto até aqui, é correto afirmar que o The New York Times consegue fazer de seu produto

jornalístico uma fonte de vantagem competitiva sustentável na medida em que constrói, a

partir dele, uma alta percepção de valor do produto e uma alta disposição para pagar no seu

público.

Apesar de produzir um conteúdo que é aparentemente genérico e possível de ser

encontrado em diversas outras fontes de informação amplamente disponíveis de forma

gratuita na internet, a escolha por um “Jornalismo da Mais Alta Qualidade e Credibilidade”

(juntamente com o reforçamento de outras escolhas, como visto anteriormente) consegue

transformá-lo em um produto valoroso, raro, não-imitável e sem substitutos. Ao se avaliar a

possibilidade de reprodução dessa escolha por outras empresas jornalísticas é fácil chegar a

conclusão de que é baixa a probabilidade de se conseguir obter essa mesma configuração de

valor.

Isso não significa, entretanto, que a replicação do modelo por outros jornais é

impossível. O The New York Times conseguiu transformar um conteúdo aparentemente

genérico em fonte de vantagem competitiva. Mas há claro espaço para outras empresas

também fazerem de seu conteúdo fonte de vantagem competitiva ao optarem por uma

segmentação desse produto ao invés de investir esforços num produto de caráter mais amplo.

É exatamente isso o que fazem, por exemplo, os jornais com conteúdo segmentado de

economia e negócios, como os casos dos jornais The Wall Street Journal ou The Financial

Times, já citados nesse estudo, ou o jornal brasileiro Valor Econômico, que também

implementaram modelos de cobrança pelo conteúdo online.

A maior oportunidade de segmentação a ser aproveitada por número grande de jornais

em todo o mundo, entretanto, está vinculada ao relacionamento com comunidades regionais

ou locais em que eles atuem. Jornais que sejam capazes de construir um relacionamento

próximo, um vínculo com sua comunidade-sede, e que desenvolvam a partir desse vínculo um

conteúdo indispensável e desejado por seu público local, terão alta probabilidade de construir

96

uma consequência rígida semelhante àquela produzida pelo The New York Times. No caso de

jornais com foco regional, há ainda que se considerar a possibilidade de um efeito de

realimentação positiva na rede de leitores, a partir de um alto nível de engajamento, levando a

uma dinâmica de “o vencedor leva tudo” (Eisenmann et al., 2006) e construindo o que poderia

se chamar de “monopólios regionais”. A perspectiva positiva de criação de vantagem

competitiva sustentável a partir de um conteúdo único, fruto de relacionamento estreito com

comunidades regionais, ficou claramente demonstrada na afirmação do reconhecido

investidor americano Warren Buffet a respeito de sua recente decisão de comprar 28 jornais

regionais nos Estados Unidos: “Jornais continuam a reinar supremos na entrega de noticias

locais. Se você que saber o que está acontecendo em sua cidade (...) não há substituto para um

jornal local que esteja fazendo sem trabalho” (Badkar, 2013).

4.6.2 Marca Forte e Admirada

A presença de uma marca forte e admirada, em nível nacional e global (esse mais

recente), associada à alta percepção de valor do produto, é o que constrói os elevados níveis

de engajamento dos leitores e de audiência do The New York Times. Nesse caso, a marca

forte e admirada é construída a partir de uma combinação de quatro escolhas que se reforçam

mutuamente: jornalismo de alta qualidade e credibilidade, investimentos desproporcionais em

marketing, concentração do portfólio de negócios na marca principal e expansão da atuação

global. Apesar de as três últimas escolhas mencionadas serem mais recentes, a primeira delas

é uma escolha consistente e duradoura, feita ao longo de mais de 150 anos.

A construção de uma marca forte e admirada é sim uma consequência replicável para

outros jornais em seus respectivos mercados, desde que um trabalho de longo prazo, com

consistência e com níveis adequados de investimento seja posto em prática, a partir de

escolhas que se reforcem mutuamente. Ainda que a consequência rígida seja replicável, as

escolhas que produzirão uma marca forte e desejada para cada jornal não serão as mesmas

feitas pelo The New York Times. Especialmente no que se refere à segmentação do conteúdo

e à atuação geográfica, onde cada jornal precisa ser capaz de identificar as escolhas mais

adequadas para sua realidade.

97

4.6.3 Altos níveis de audiência / Relevância da receita de leitores fiéis

O relatório anual aos acionistas de 2012 aponta que o site NYTimes.com teve, naquele

ano, uma audiência média mensal de 29 milhões de usuários únicos nos Estados Unidos e de

43 milhões de usuários únicos em todo o mundo, o que o coloca entre os cinco sites de

notícias de maior audiência nos Estados Unidos (o maior entre os jornais) e entre os sete

maiores do mundo segundo o site Alexa.com. Essa é uma consequência rígida construída ao

longo de 18 anos de existência do site, a partir de escolhas associadas à qualidade do produto

e à força da marca discutidas na subseção anterior, que é difícil de ser replicada. Há que se

ressaltar ainda que em função das escolhas históricas relacionadas à sua expansão geográfica

nos Estados Unidos e à escolha atual de expansão global da marca, o The New York Times

consegue ter uma abrangência geográfica única entre os jornais.

O patamar de audiência online conquistado pelo jornal representa o universo potencial

de assinantes digitais. Dado que no ano de 2012 o jornal conquistou um volume de 250 mil

novos assinantes digitais (conforme visto no gráfico 7), se chega a uma taxa de conversão de

vendas sobre a base de usuários únicos totais de 0,58% ou de 0,86% se forem considerados

apenas os usuários norte-americanos. Ou seja, ainda que o volume total de novos assinantes

digitais seja expressivo e tenha gerado uma receita relevante para o The New York Times, a

taxa de conversão de vendas sobre a base de usuários únicos do site é muito baixa. Outra

observação relevante é que essa taxa está em declínio, dado que no ano de lançamento do

modelo de cobrança ela foi de 0,74%, ou de 1,07% considerando apenas os usuários norte-

americanos.

A direção do jornal tem pleno entendimento dessa limitação e sabe que precisa tomar

medidas de ajuste nas escolhas táticas do modelo de negócio para elevar a taxa de conversão

de vendas. Na conferência realizada em abril de 2013 para comunicar os resultados do

primeiro trimestre do ano, o The New York Times anunciou para o final de 2013 uma série de

medidas para elevar sua receita de assinaturas digitais, a maioria delas dedicadas a elevar essa

taxa de conversão (NYTCO, 2013c): o desenvolvimento de uma versão de assinatura digital a

preço mais acessível, o desenvolvimento de novos produtos “temáticos” (também a preço

mais baixo) em áreas como política, tecnologia, gastronomia e artes, o desenvolvimento de

98

políticas de preços e formas de pagamento customizadas para países alvo da expansão global

como forma de facilitar a decisão pela assinatura e o lançamento de uma versão mais cara da

assinatura digital com alguns atributos especiais como convites para eventos e conferências

promovidos pela empresa (essa última dedicada a elevar o ticket médio da atual base de

assinantes).

O grande desafio para outros jornais replicarem o modelo de negócios paywall poroso

adotado pelo The New York Times está nesta baixa taxa de conversão de vendas, obtida

mesmo por um jornal cujo produto é reconhecidamente valorizado por seus usuários, que

possuem alta disposição para pagar. Como a consequência rígida “Altos níveis de audiência”

é dificilmente replicável para outros jornais na mesma dimensão obtida pelo The New York

Times, torna-se praticamente impossível assegurar a construção de um fluxo relevante de

receitas a partir da base de assinantes digitais para os jornais em geral.

É possível entender melhor a extensão dessa limitação ao se analisar os números do

maior jornal brasileiro, a Folha de São Paulo, que também adotou o modelo paywall poroso

em junho de 2012. Em fevereiro de 2013 seu editor-executivo afirmava que o jornal havia

conquistado 30 mil novos assinantes digitais nos primeiros oito meses de funcionamento do

modelo (Valor Econômico, 2013) e, no mês seguinte, o jornal reportava que seu site havia

alcançado a marca de 22 milhões de usuários únicos (Folha de São Paulo, 2013a). Essas

informações permitem a inferência de uma taxa de conversão de vendas sobre usuários únicos

de 0,20% no primeiro ano da iniciativa, que é cerca de 60% inferior àquela obtida pelo The

New York Times no ano do lançamento do modelo de cobrança (provavelmente em razão de

uma menor percepção de valor e uma menor disposição para pagar dos leitores da Folha de

São Paulo). Essa taxa de conversão inferior é aplicada sobre uma base de usuários únicos 33%

menor que a do jornal norte-americano (a média de usuários únicos do NYTimes.com nos

Estados Unidos em 2011 foi de 33 milhões). Ao se considerar um ticket médio de cerca de

R$20 por mês10

(entre pagantes completos e degustações) se chega a uma receita anual de

cerca de R$10 milhões, ou menos de R$1 milhão por mês, no jornal Folha de São Paulo.

A constatação que se obtém não é de que essas duas consequências rígidas não sejam

replicáveis para todos os jornais, mas de que sua implantação não gerará um fluxo de receitas

relevante o suficiente para produzir efeitos significativos em seus resultados econômicos.

10

O preço da assinatura digital da Folha de São Paulo, em jun´13, era de R$29,90 por mês (sendo R$1,90 no primeiro mês, a título de degustação)

99

Dado que as receitas publicitárias digitais também não veem crescendo de forma significativa

em razão dos altos estoques disponíveis (Olmstead et al., 2013) fica evidente que, de uma

maneira geral, o modelo de negócios paywall poroso não consegue promover uma

independência dos jornais em relação à sua versão impressa. É provável que para a grande

maioria deles sua implementação tenha como principal benefício o prolongamento da vida do

produto impresso a partir do mesmo efeito colateral reportado pelo The New York Times:

elevação nas taxas de vendas e retenção dessa versão. Para se atingir esse objetivo será

necessário planejar cuidadosamente a definição de algumas escolhas táticas relacionadas à

precificação e à venda em bundles.

100

5 CONCLUSÃO

O objetivo central do presente trabalho foi analisar o modelo de negócios paywall

poroso, que vem sendo adotado em jornais de todo o mundo, a partir da experiência

implantada pelo jornal norte-americano The New York Times. Buscou-se, fundamentalmente,

entender as razões do sucesso inicial dessa experiência e a viabilidade de sua replicação para

outros jornais. Ele se insere num contexto de mudança disruptiva no ambiente competitivo

das empresas jornalísticas, provocada pelo crescimento expressivo de penetração da internet

na população, que vem trazendo consequências nocivas para a rentabilidade dessas empresas

em todo o mundo. Na mudança de hábito no consumo de notícias, que é cada vez mais online,

os jornais conseguem sustentar e até ampliar seus patamares de audiência. Mas ao migrarem

do mundo offline para o mundo online as receitas publicitárias trocam de mãos e vão parar em

empresas puramente digitais como Google, Facebook e Yahoo, o que vem obrigando os

jornais a repensarem seu modelo de negócio.

A escolha metodológica por um estudo de caso único, ancorado no The New York

Times, se deu por essa empresa se enquadrar adequadamente no conceito de caso decisivo,

proposto por Yin (2010). De fato, o The New York Times é o maior, mais relevante e mais

influente jornal dos Estados Unidos, cujos passos são acompanhados de perto por empresas

jornalísticas de todo o mundo. Adicionalmente, trata-se de uma empresa de capital aberto,

com ações listadas na bolsa de Nova York, e que está por isso obrigada a divulgar

publicamente seus resultados de negócio. A partir dessa realidade, o presente estudo foi

embasado principalmente numa análise documental focada nos relatórios anuais aos

acionistas e nos relatórios “Form-10k” exigidos pela comissão de valores mobiliados norte-

americana. A análise documental foi complementada reportagens jornalísticas e análises de

especialistas. Para melhor compreensão das informações levantadas e para avaliação de sua

relevância e sua pertinência para a indústria brasileira de jornais, foram realizadas entrevistas

semi-estruturadas com dois executivos de destaque nessa indústria.

O estudo de caso mostrou que o modelo de negócios paywall poroso adotado pelo The

New York Times é fruto de uma sequência de experimentações, erros, acertos, aprendizados e

decisões tomadas ao longo de um período de pelo menos sete anos, compreendido entre 2004

101

e 2010. Entre os principais passos dados nesse período destacam-se a decisão por implantar

um centro de P&D para desenvolver internamente competências e experimentos relacionados

aos negócios digitais, o lançamento e o encerramento do produto TimesSelect, que foi a

primeira experiência de um grande jornal norte-americano com cobrança pelo conteúdo

online, a compra e posterior venda de algumas empresas de internet (com destaque para o site

About.com) que ajudaram a empresa a se contaminar com a cultura digital e a decisão pela

rentabilização da circulação impressa que reforçou a certeza de alto valor percebido do

produto e alta disposição para pagar dos leitores. Essa sequência de erros, acertos e

aprendizados, que culminou com a adoção do modelo poroso de cobrança pelo conteúdo

online, confirma a premissa proposta por Teece (2010) e McGrath (2010), de que é

impossível se chegar a um modelo de negócios adequado simplesmente a partir de um

trabalho de análise ou planejamento. O processo de construção e inovação em modelo de

negócios pressupõe a experimentação, o ajuste, a correção de rumos como parte da caminhada

para se chegar ao modelo final.

A identificação e o detalhamento dos elementos constituintes centrais do modelo de

negócio em estudo e a posterior representação gráfica permitiram a realização de uma análise

adequada de sua efetividade. Foi possível constatar que a opção por um jornalismo da mais

alta qualidade e credibilidade feita pelo The New Yotk Times ao longo de seus 162 anos de

história, associado a uma marca forte e admirada, têm como consequência uma alta percepção

de valor do produto, que se traduz em alta disposição dos clientes para pagar. A partir dessa

realidade, a decisão pela implantação do modelo poroso de cobrança pelo conteúdo online do

jornal conseguiu gerar um fluxo relevante de novas receitas (superior a US$ 150 milhões em

2013) que contribuiu de forma decisiva para a reversão do cenário de queda constante nos

resultados operacionais do jornal desde 2007.

Apesar de ter contribuído decisivamente para a reversão do resultado operacional do

jornal nesses dois anos, o modelo de negócios pode ser considerado apenas moderadamente

efetivo de acordo com a avaliação realizada seguindo o método proposto por Casadesus-

Masanell e Ricart (2010). A moderada efetividade está relacionada à dificuldade do modelo

de sustentar sua efetividade ao longo do tempo, principalmente em função de sua baixa

robustez decorrente da ameaça concreta de assalto que o jornal sofre no valor gerado pelo

lado dos anunciantes de sua rede bilateral. Esse assalto, realizado pelas grandes empresas de

102

internet (como Google, Facebook e Yahoo), é o pilar central da queda constante das receitas

publicitárias do jornal desde 2007.

Para sustentar a efetividade de seu modelo de negócio ao longo do tempo o The New

York Times precisará ser capaz de acelerar sua atuação em duas frentes principais: 1)

Sustentar ou mesmo elevar o valor percebido de seu produto e, consequentemente, a

disposição dos clientes para pagar por ele, a partir das escolhas por “Jornalismo da Mais Alta

Qualidade e Credibilidade” e “Investimentos Expressivos em Marketing”; 2) Seguir fazendo

ajustes em seu modelo de negócios e nas escolhas táticas dele decorrentes, de forma a elevar a

taxa de conversão de vendas das assinaturas digitais sobre a base de usuários únicos. As

recentes alterações táticas no modelo, anunciadas em abril de 2013, somadas aos ajustes

realizados nos dois primeiros anos (como a redução do limite de artigos gratuitos de 20 para

10 e a retirada do acesso aos vídeos da barreira de cobrança) mostram que o jornal está

caminhando na direção certa, em linha com o conceito de “centralidade da experimentação”

proposto por McGrath (2010) como premissa para se conseguir inovar com sucesso em

modelos de negócios.

Em resumo, a transformação no ambiente competitivo da indústria de jornais que

originou a decisão pela implantação do modelo de negócio paywall poroso ainda está em

pleno curso. O The New York Times terá tanto sucesso com seu modelo de negócio daqui

para frente quanto maior foi sua capacidade de transformá-lo (a partir de inovações, alterações

e experimentações) em velocidade maior do que a transformação do próprio ambiente

competitivo. De acordo com Doz e Kosonen (2010) isso é absolutamente necessário, pois

“diante da velocidade de mudanças no cenário competitivo, atualmente as empresas precisam

promover inovações e alterações em seu modelo de negócio de forma mais rápida, mais

frequente e mais profunda do que antes”. Esse estudo mostrou que o paywall poroso não

parece ser um modelo de negócios definitivo ou estabilizado. O entendimento é de que se está

diante de um modelo de negócios em evolução que precisa avançar na direção de uma maior

efetividade.

Em relação à possibilidade de replicação desse modelo para outros jornais, o estudo

mostrou que haverá dificuldades na imitação das consequências rígidas desenvolvidas pelo

The New York Times. Por um lado, parece ser possível para os jornais em geral construírem

marcas fortes e admiradas e também transformarem seu conteúdo jornalístico em vantagem

competitiva sustentável em algumas situações específicas como, por exemplo, a partir de uma

103

especialização em conteúdo segmentado ou a partir de uma forte vinculação regional. Por

outro lado, a maior dificuldade estará na formação de um universo suficientemente grande de

potenciais assinantes digitais e na obtenção de taxas de conversão de vendas suficientemente

elevadas para a construção de um fluxo relevante de receitas.

Em resumo, a replicação do modelo de negócios paywall poroso é possível de ser

realizada, mas os jornais em geral precisarão olhar para ela com objetivos diferentes daqueles

que o The New York Times vem perseguindo. O objetivo para eles, nesse momento, precisará

estar mais orientado para o prolongamento do ciclo de vida do produto impresso do que para a

obtenção de um fluxo relevante de receitas oriundas de assinaturas digitais. O sucesso no

prolongamento do produto impresso poderá dar a essas empresas o tempo necessário para que

elas possam experimentar, ousar, inovar em seu modelo de negócios e a partir disso

pavimentarem um caminho possível para o seu futuro.

O presente trabalho, ao detalhar e formalizar o modelo de negócios paywall poroso

adotado pelo The New York Times dá uma contribuição importante para a indústria de jornais

a partir da premissa, proposta por Christensen, Johnson e Kagermann (2008), de que a

principal barreira à inovação em modelos de negócios por empresa já estabelecidas é o fato de

elas não entenderem suficientemente bem seu próprio modelo de negócios, não conhecerem

as premissas por trás de seu desenvolvimento, as interdependência entre seus diferentes

elementos, suas forças e limitações.

Algumas limitações desse estudo são bem claras. A primeira delas está no fato que é

necessária muita cautela e prudência para se fazer generalizações a partir de um estudo de

caso único. Ainda que o The New York Times possa ser entendido como um caso decisivo

em função de sua relevância e abrangência, há certamente uma série de situações e questões

que se aplicam especificamente àquela empresa. Há que se ter cuidado ainda como fato de

esse ser um caso internacional, o que lhe impõe limitações decorrentes das diferenças

educacionais, sociais, econômicas e culturais existentes entre os diferentes países. Esse ponto

é especialmente relevante para as possíveis avaliações desse trabalho por empresas

jornalísticas brasileiras.

Do ponto de vista teórico, uma limitação importante está relacionada ao fato de que a

efetividade do paywall poroso do The New York Times foi avaliada a partir de uma premissa

de modelo de negócios em isolamento. Essa premissa afasta a possibilidade de avaliação

104

desse modelo num cenário concorrencial com outros jornais. Cabe ainda observar que toda a

análise e discussão dos dados foi desenvolvida a partir da abordagem de modelo de negócios

proposta pelos autores Casadesus-Masanell e Ricart (2010). A utilização de abordagens

propostas por outros autores, em especial aqueles que propõem uma definição mais exaustiva

para modelo de negócios, como Teece (2010), Christensen, Johnson e Kagermann (2008) e

Hedman e Kalling (2003), poderia produzir alguns resultados diferentes.

Dado que a capacidade de adaptação de seu modelo de negócio será uma competência

cada vez mais exigida das empresas jornalísticas diante do cenário de negócios cada vez mais

complexo, uma sugestão de sequencia dessa pesquisa é se buscar o entendimento das

características da estrutura e da cultura organizacional que favorecem a inovação em modelos

de negócios. Outro caminho, esse com uma abordagens mais quantitativa, está na busca por

um melhor entendimento do comportamento de consumo do leitor de notícias de online para

direcionar com mais precisão as inovações ou ajustes necessários no modelo de negócios e

favorecer o crescimento das taxas de conversão de vendas sobre a base de usuários únicos dos

jornais. Da mesma maneira, mas atuando no outro lado da rede bilateral, um melhor

entendimento da efetividade da publicidade digital junto ao público leitor poderia direcionar

esforços de inovação no sentido de crescimento da receita publicitária digital.

Não há nenhuma dúvida de que o futuro dos jornais é digital. Como visto nesse

estudo, atualmente a indústria de jornais se vê obrigada a estimular o prolongamento do

produto impresso para ter tempo suficiente de construir a viabilidade de um modelo de

negócios focado nesse futuro digital. Toda linha de pesquisa que promova uma melhor

compreensão dos passos a serem dados, quer seja no entendimento do público consumidor, no

entendimento das competências da organização ou das alternativas estratégicas existentes irá

contribuir para a manutenção da relevância dessa indústria nesse futuro.

105

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ANEXO A – Roteiro de entrevistas

1. Está em curso uma onda de implementações do modelo de negócio paywall

poroso em jornais no mundo todo e também no Brasil. Por outro lado, o

Estadão e o Globo são jornais brasileiros que ainda não estão seguindo essa

tendência. Você acha que a cobrança pelo conteúdo oferecido pelos jornais é

um caminho sem volta? Todos acabarão por aderir, como o jornal The

Washignton Post, recentemente?

2. Para que esse modelo de negócio de fato se consolide, precisará haver uma

mudança de cultura importante no comportamento online das pessoas, que

esperam obter tudo de graça na internet. Essa mudança cultural está em curso?

Que evidencias você tem?

3. Na sua visão o paywall poroso é um modelo de negócios "definitivo”? Ou

trata-se de uma alternativa temporária, paliativa, enquanto os jornais ainda não

são capazes de encontrar um caminho definitivo para a transformação de seu

modelo de negócio?

4. Os maiores críticos desse modelo dizem que ele é apenas a réplica de uma

velha forma de se fazer negócios nessa indústria, reproduzida no mundo

online. Você concorda? Por quê?

5. Esses mesmos críticos afirmam que dificilmente as pessoas aceitarão pagar por

um conteúdo de general news, que elas poderiam obter facilmente de outras

formas, gratuitamente. Qual sua opinião a respeito disso?

114

6. Entrando agora no caso especifico do The New York Times. O modelo de

paywall poroso implementado pelo jornal está funcionando? Por quê?

7. Quais são em sua opinião, os principais elementos, as principais escolhas feitas

pelo The New York Times que sustentam os resultados obtidos com o paywall

até aqui?

8. Em sua opinião, a receita de circulação será capaz de sustentar a trajetória de

crescimento apresentada até aqui? Até que ponto? Quais seriam as barreiras

que limitariam esse crescimento?

9. Percebe-se, na indústria, uma grande onda em direção ao modelo de cobrança

pelo conteúdo, amplamente amparada pelos resultados obtidos pelo The New

York Times ate aqui. Os resultados que o jornal obteve com seu modelo

paywall poroso são replicáveis para todos os demais jornais do mundo?

a. Que partes do design desse modelo são replicáveis? Por quê?

b. Que partes do design não são replicáveis? Por quê?

10. Em minha pesquisa até aqui, identifiquei 17 escolhas de design feitas pelo The

New York Times na construção do modelo de paywall poroso desenvolvido

por eles. Gostaria de sua avaliação a respeito de cada uma delas, informando

sua visão a respeito do grau de relevância e/ou contribuição para os resultados

do The New York até aqui (se alta, media ou baixa) e sua visão a respeito da

possibilidade e/ou viabilidade de reprodução dessa escolha por outros jornais.

Se desejar fazer algum comentário qualitativo a respeito de algumas das

escolhas seria ótimo.

115

a. Opção por um modelo poroso de cobrança do conteúdo online;

b. Jornalismo da mais alta qualidade e credibilidade;

c. Diversificação dos canais de distribuição do conteúdo;

d. Diversificação dos fluxos de receita;

e. Discriminação de preços de acordo com os dispositivos de acesso utilizados

(iPad / iPhone / web);

f. Concessão do acesso digital completo a todos os assinantes impressos;

g. Investimento desproporcional em vídeos e interatividade;

h. Concentração do portfólio de negócios da holding na marca “New York

Times”

i. Desenvolvimento de um produto online que é substituto (e não complementar)

ao produto impresso;

j. Expansão da atuação global;

k. Investimentos expressivos em promoção e comunicação de marketing;

l. Estrutura de custos enxuta;

m. Rentabilização do produto impresso;

n. Cultura organizacional orientada para o digital;

o. Alavancagem das redes sociais a partir de uma abordagem ativa;

p. Fechamento completo do conteúdo nos acessos por dispositivos móveis;

q. Investimento desproporcional em inovação e tecnologia, inclusive com

aquisição de startups;

11. Há, em sua opinião, alguma outra escolha/ decisão relevante que não esteja

nessa lista?