politização da questão ambiental no mst: a agroecologia...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
Mônica Aparecida Grossi Rodrigues
Politização da Questão Ambiental no MST:
a agroecologia como estratégia produtiva e política.
RIO DE JANEIRO 2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
Mônica Aparecida Grossi Rodrigues
Politização da Questão Ambiental no MST:
a agroecologia como estratégia produtiva e política.
Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Serviço Social.
Orientador: Marildo Menegat
RIO DE JANEIRO
2014
Mônica Aparecida Grossi Rodrigues
Politização da Questão Ambiental no MST: a agroecologia como estratégia produtiva e política.
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola
de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Serviço Social.
Aprovada em 29 de maio de 2014.
___________________________________________________ Marildo Menegat (orientador) ___________________________________________________ Cristina Simões Bezerra(UFJF) ___________________________________________________ Vicente dos Santos Pinto(UFJF) ___________________________________________________ Carlos Frederico Bernardo Loureiro(UFRJ) ____________________________________________________ Luis Eduardo Acosta Acosta (UFRJ)
À memória de Eugênio Zacaron,
meu velho e indivisível, avohai. Ao Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra – MST, pelos ensinamentos e encontros na luta.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, ao sujeito coletivo MST, que vem me
proporcionando tantas oportunidades e contínuos desafios, de estudar,
aprender, ensinar, construir, enfim, de desenvolver potencialidades, através da
experiência unitária de ser uma professora-militante. Esta tese é parte deste
processo.
A Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora,
minha primeira e contínua casa de formação, que tanto contribui para o meu
processo de formação profissional, política e humana. Agradeço aos
companheiros de trabalho (professores, funcionários e estudantes), e
especialmente, a duas mestras e companheiras, que contribuíram para minha
formação profissional: Sílvia Peralva e Badinha.
Ao meu orientador, Marildo Menegat, pela acolhida e companheirismo,
essenciais para que eu pudesse concluir meu doutoramento na Escola de
Serviço Social da UFRJ, após processo (legal e legítimo) de transferência de
outro programa de doutorado. E pela confiança e solidariedade, sem as quais eu
não teria conseguido concluir esta tese.
Agradeço a Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, onde também cursei meu mestrado e que considero como minha
segunda casa de formação.
Aos professores titulares da banca, Cristina Simões Bezerra, Carlos
Frederico Bernardo Loureiro, Luis Eduardo Acosta, Vicente dos Santos Pinto.
Aos três primeiros agradeço, especialmente, por também terem contribuído na
qualificação desta tese.
Aos professores Leonardo Carneiro e Yolanda Guerra, pelo
companheirismo e disponibilidade em aceitar a suplência da banca.
Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal
Fluminense - UFF, onde cursei meus primeiros anos de doutorado, pelas duras e
valiosas lições que os enfrentamentos nos impõem e pelas amizades definitivas,
com Léo, Bia, Beth e Walter. Também neste Programa, tive a oportunidade de
participar do Laboratório de Estudos sobre Movimentos Sociais e
Territorialidades – LEMTO, coordenado pelo professor Carlos Walter Porto-
Gonçalves, a quem agradeço por ter me recebido, pela convivência e por tantos
ensinamentos.
A toda família Zacaron e Grossi, especialmente, a minha mãe Marlene,
pelo exemplo, confiança e amor incondicional. Aos meus irmãos, irmãs,
cunhadas e sobrinhos pelo carinho e respeito.
Aos meus filhos, Rafael e Davi, e ao meu marido Paulo, pelo amor que
não se mede.
Ao meu tio Domingos, por ter permitido que eu fizesse a “ocupação” de
sua casa em Niterói para estudar, e pelo afeto de sempre.
As companheiras de trabalho, de lutas e de vida, Verônica e Cristina.
Como disse o mestre Dominguinhos: “A amizade sincera é um santo remédio é
um abrigo seguro”.
Agradeço a Cláudia Mônica, Sandra, Rachel, Selma e Heloísa (Lolô) pela
amizade, carinho e acolhimento em suas casas e famílias.
A Lúcia Alves, mestre e amiga de longos anos de Yoga, e as
companheiras de práticas e energias.
A Rafaela, pelo auxílio logístico para a tese, e pela atenção e cuidado.
Aos amigos e amigas de minha pequena cidade de origem, Levy
Gasparian – RJ.
A todos que confiaram, duvidaram e me desafiaram neste processo.
Por fim, não tenho como agradecer a nenhum órgão de fomento e nem
mesmo à UFJF, pois não obtive nenhum tipo de apoio financeiro ou material
para cursar este doutorado. Pude contar apenas com o afastamento do trabalho
para capacitação.
O prazer, a sabedoria de ver,chegavam a justificar minha existência. Uma curiosidade
inextinguível pelas formas me assaltava e me assalta sempre. Ver coisas, ver pessoas na sua
diversidade, ver, rever, ver, rever. O olho armado me dava a continua me dar força para
vida.
Murilo Mendes
RESUMO
RODRIGUES, Mônica Aparecida Grossi. Politização da Questão Ambiental no MST: a agroecologia como estratégia produtiva e política. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
Neste estudo, defendemos a tese de que a questão ambiental tem uma forte dimensão política, sobretudo no que se refere ao enfrentamento ao modelo contemporâneo de desenvolvimento do capital, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se constitui como um sujeito coletivo qualificado para contribuir para o seu necessário processo de politização na sociedade. Nosso objetivo principal foi analisar o processo de politização da questão ambiental no MST ao longo de seus 30 anos, no que se refere à luta pela terra de uma forma mais ampla, particularizando a construção da agroecologia como estratégia produtiva e política. Também buscamos compreender como o metabolismo social do Capital incide na relação entre a questão ambiental e a produção da agricultura capitalista e, como o MST, através de seu processo de luta, vem construindo a agroecologia, trazendo contribuições e desafios políticos para a defesa de sua proposta de reforma agrária popular. Consideramos a tradição marxista, como uma importante chave teórica e metodológica, para compreendermos a afirmação do capitalismo e a relação entre sociedade-natureza construída sob este imperativo, destacando os conceitos marxianos de metabolismo social e de falha metabólica. Este estudo foi realizado a partir de pesquisa bibliográfica, análise documental e de observação participante em diversas atividades realizadas pelo MST, dentre as quais destacamos nossa participação em dois seminários do Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente (2006); dois Congressos Nacionais do MST (V em 2007 e VI em 2014) e no processo de educação e formação de quadros da parceria ENFF/ MST e UFJF/FSS. Os documentos analisados são, principalmente, do setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST, que orientam suas linhas políticas e sustentam suas ações para construção da agroecologia, incluindo os processos produtivos e de formação de quadros. Na complexidade da sociedade civil brasileira e nos processos de resistência ao avanço do capital, é que nos propomos a analisar o MST como um sujeito coletivo, destacando suas potencialidades e desafios no processo de politização da questão ambiental na sociedade. A análise que realizamos em torno das concepções e os direcionamentos políticos, através das experiências e da formação de quadros em agroecologia, nos permitem afirmar que há, no MST, não só um discurso, mas também iniciativas produtivas e formativas concretas que constituem uma prática contra-hegemônica ao agronegócio. Concluímos que a agroecologia torna-se essencial para a construção e defesa de uma reforma agrária de novo tipo (popular), feita pelo MST em articulação com outros setores das classes trabalhadoras do campo e da cidade, que contemple a afirmação de outra matriz produtiva e política. A superação do atual modelo produtivo capitalista na agricultura está articulada, visceralmente, com a luta anticapitalista.
PALAVRAS-CHAVE: Questão Ambiental; tradição marxista; lutas sociais; MST; Agroecologia.
ABSTRACT
RODRIGUES, Mônica Aparecida Grossi. Politicization of Environmental Issue in MST: agroecology as productive and political strategy. Thesis (Doctorate in Social Work) - Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
In this study, we defend the thesis that the environmental issue has a strong political dimension, mainly with regard to confronting the contemporary model of capitalist development, and the Movement of Landless Rural Workers (MST) is constituted as a qualified collective subject to contribute to its necessary process of politicization in the society. Our main aim was to analyze the process of politicization of environmental issues in MST throughout its 30 years, in relation to the struggle for land in a broader way, particularizing the construction of agroecology as productive and political strategy.We also seek to understand how the social metabolism of the Capital focuses on the relationship between environmental issues and the production of capitalist agriculture and, how MST, through its process of struggle, has been building agroecology, bringing contributions and political challenges to the defense of its proposalof popular agrarian reform. We consider the Marxist tradition as an important theoretical and methodological key to understand the statement of capitalism and the relationship between society and nature constructed under this imperative, highlighting the Marxist concepts of social metabolism and metabolic failure.This study was conducted from bibliographic research, document analysis and participant observation in various activities of the MST, among which we highlight our participation in two seminars of Sector Production, Cooperation and Environment (2006); two National Congress of MST (V in 2007 and VI in 2014) and in the process of education and training of partnership board sat ENFF / MST and UFJF / FSS. The analyzed documents are, mainly, of Production, Cooperation and Environment MST sector, which guide their political lines and support their actions to construction of agroecology, including production processes and partnership boards.In the complexity of Brazilian civil society and in its processes of resistance to the capital advancement, that we intend to analyze MST as a collective subject, highlighting their strengths and challenges in the process of politicization of environmental issues in the society. The analysis we have conducted around the conceptions and political paths, through experiences in the settlements and staff training in agroecology, allow us to assert that there is, in MST, not only speech, but also concrete productive and formative initiatives that constitute a counter-hegemonic practice to agribusiness.We conclude that the agroecology is essential for the construction and defense of a new type of agrarian reform (popular), taken by MST in conjunction with other sectors of the working classes of the country and the city, that includes the statement of another production and political array. We believe that overcoming the current production model in capitalist agriculture is articulated, viscerally, with the anti-capitalist struggle. KEY WORDS: Environmental Issue; Marxist tradition; social struggles; MST; Agroecology.
RÉSUMÉ
RODRIGUES, Mônica Aparecida Grossi.Politisation de la question environnementale au MST:l’agroécologie comme une stratégie productive et politique.Thèse (Doctorat en Services Sociaux) – Université Féderale de Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
Dans cette étude, nous soutenons la thèse que la question environnementale a
une forte dimesion politique, surtout en ce qui concerne l'affrontement du modèle contemporain de développement du capital, et le Mouvement des Travailleurs Ruraux Sans Terre (MST) se constitue comme um sujet collectif qualifié pour contribuer au processus nécessaire de politisation dans la société. Notre objéctif principal a été d’analyser le processus de politisation de la question environnementale dans le MST au cours des ses 30 années, surtout en ce qui concerne la lutte pour la terre d’une manière plus vaste, en précisant la construction de l’agroécologie como stratégie productive et politique. Nous cherchons aussi à comprendre comment le métabolisme social du Capital influe sur la relation entre la question environnementale et la production de l’agriculture capitaliste et, comment le MST,par son precessus de lutte, produit l’agroécologie, en apportant des contributions et des défis politiques pour la défense de sa proposition de réforme agraire populaire.Nous considérons la tradition marxiste, comme une importante clé théorique et méthodologique, pour comprendre l’affirmation du capitalisme et la relation entre société-nature construite sous cet aspect, en soulignant les concepts marxistes de métabolisme social et de défaillance métabolique.Cette étude a été réalisé à partir de recherches bibliographiques, analyse documentaire et d’observation participant à plusieurs activités réalisées par le MST, parmi lesquelles nous mettons en évidence notre participation à deux séminaires du Secteur de Production, Coopération et Environnement (2006); deux Congrès Nationaux du MST (V-2007 et VI-2014) et dans le processus d’éducation et formation de cadres d’association ENFET/ MST et UFJF/ FSS.Les documents analysés sont, principalement, du secteur de Production,Coopération et Environnement du MST,qui guident ses lignes directrices politiques et soutiennent ses actions pour la construction de l’agroécologie, y compris les processus productifs et de formation de cadres. Dans la complexité de la société civile brésilienne et dans les processus de résistence à l’avancement du capital,nous proposons d’analyser le MST comme um sujet coléctif, en soulignant potentialités et ses défis dans le processus de politisation de la question environnementale dans la société.L’analyse quen ous avons réalisé autor des conceptions et des orientations politiques, à travers des expériences et par la formation des cadres en agroécologie,nous permettent d’affirmer qu’il y a, au MST, pas seulement un discours, mais aussi des initiatives productives et formatives concrètes qui constituent une pratique contre-
hégémonique au secteur agroalimentaire. Nous concluons que la agroécologie devient essentiel à la construction et à la défense d’une réforme agraire populaire, faite par le MST en articulation avec d’autres secteurs des classes laborieuses de la zone agraire et de la ville, qui contemple l’afirmation d’une autre matrice productive et politique.La dépassement du modèle productif capitaliste actuel dans l’agriculture est articulé,viscéralement,à la lutte anticapitaliste. MOTS-CLÉS: Question environnementale; tradition marxiste; lutes sociales; MST; Agroécologie.
LISTA DE SIGLAS
ABA – Associação Brasileira de Agroecologia.
ABESS – Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social.
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.
ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária.
ANA – Articulação Nacional de Agroecologia.
ANCA – Associação Nacional de Cooperativas Agrícolas.
ANMTR – Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais.
AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos de Tecnologia Alternativa.
CBA – Congresso Brasileiro de Agroecologia.
CEAGRO – Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em
Agroecologia.
CIMAs – Centros Irradiadores de Manejo da Agrobiodiversidade.
CLOC – Coordenadoria Latino Americana de Organizações Camponesas.
CPAs – Cooperativas de Produção Agrícola.
CPT – Comissão Pastoral da Terra.
CONCRAB – Confederação Nacional de Cooperativas de Reforma Agrária do
Brasil.
COPAV – Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória.
COPERAL – Cooperativa Regional dos Assentados.
COOPROSERP – Cooperativa de Produção e Serviços de Pitanga Ltda.
DRPBio – Diagnostico Rápido Participativo da Biodiversidade.
DS – Diálogo de Saberes.
EJGS – Escola José Gomes da Silva.
ELAA – Escola Latino Americana de Agroecologia.
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
EMBRATER – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural.
EMS – Escola Milton Santos.
ENA – Encontro Nacional de Agroecologia.
ENFF – Escola Nacional Florestan Fernandes.
ESS/UFRJ – Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
FAO – Fundo para Alimentação da Organização das Nações Unidas.
FSS/UFJF – Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de
Fora.
GEA – Grupo de Educação Ambiental.
IEJC – Instituto de Educação Josué de Castro.
IFPR – Instituto Federal do Paraná.
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
ITERRA – Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária.
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens.
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
MASTER – Movimento dos Agricultores Sem terra.
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores.
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
MTD – Movimento dos Trabalhadores Desempregados.
MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
OGM`s – Organismos Geneticamente Modificados.
OMC – Organização Mundial do Comércio.
ONG`s – Organizações não Governamentais.
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos.
PJN – Pastoral da Juventude Rural.
PNAPO – Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
PNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural.
PROCERA – Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária.
PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.
SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural.
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso.
TDU – Taxa Decrescente de Utilização.
UCA’s – Unidades Camponesas Agroecológicas.
ULTAB – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil.
UNICAMP – Universidade de Campinas.
UPA’s – Unidades de Produção Agroecológicas.
VAP – Variedade de Alta Produção
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................15
CAPÍTULO 1 - CAPITALISMO, QUESTÃO AMBIENTAL E POLÍTICA:
CONTRIBUIÇÕES DA TRADIÇÃO MARXISTA................................................ 27
1.1 Capitalismo e Questão Ambiental.............................................................31
1.1.1 Metabolismo Social e a Dupla exploração: a relação sociedade e natureza
no modo de produção capitalista...............................................................31
1.1.2 A relação campo-cidade e as transformações na agricultura capitalista: a
afirmação da falha metabólica...................................................................41
1.1.3 Acumulação e mercadorização da natureza: eixos fundantes da questão
ambiental...................................................................................................59
1.2 Questão Ambiental e Política....................................................................71
1.2.1 Política em Gramsci: considerações teórico-conceituais..........................71
1.2.2 Politizando a Questão Ambiental..............................................................86
CAPÍTULO 2 - A QUESTÃO AMBIENTAL NO ESPAÇO AGRÁRIO
BRASILEIRO: FALHA METABÓLICA O EMBATE ENTRE OS SUJEITOS E A
LUTA PELA AGROECOLOGIA........................................................................111
2.1 O Desenvolvimento do Capitalismo no espaço agrário brasileiro e as
transformações na agricultura: a afirmação e ampliação da falha
metabólica...............................................................................................111
2.1.1 Questão ambiental na agricultura capitalista brasileira: da apropriação e
uso da terra pelo capital ao processo inicial de industrialização.............111
2.1.2 A revolução verde e as transformações na agricultura capitalista
brasileira: ampliação da falha metabólica...............................................133
2.2 Questão Ambiental e a construção da agroecologia: trajetória histórica no
Brasil e questões teórico-conceituais......................................................159
CAPÍTULO 3 - POLITIZAÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL NO MST:
AGROECOLOGIA COMO ESTRATÉGIA PRODUTIVA E POLÍTICA..............177
3.1 Questão Ambiental, crise do capital e crise civilizatória: desafios políticos
ao MST na construção de outro metabolismo social ..............................178
3.2 Questão ambiental no MST: potencialidades e desafios para sua
politização na construção da agroecologia.............................................199
3.2.1 A constituição do MST e sua aproximação com a questão ambiental:da
gênese aos anos 2000............................................................................199
3.2.2 A construção da agroecologia como estratégia produtiva e política.......215
3.3 A reforma agrária popular e a afirmação da agroecologia como estratégia
produtiva e política nos assentamentos e na formação de
quadros....................................................................................................226
3.3.1 A construção da agroecologia como estratégia produtiva no
MST.........................................................................................................235
3.3.2 A agroecologia como estratégia política: a dimensão educativa e formativa
no MST,,,,................................................................................................246
CONSIDERAÇÕE FINAIS..................................................................................259
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................264
15
INTRODUÇÃO
O presente trabalho representa a produção final de nosso processo de
doutoramento, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
sob a orientação do Professor Doutor Marildo Menegat. Representa, portanto, o
produto de diferentes momentos de formação e de debate construídos em
torno da temática da questão ambiental e de sua politização pelo Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ao longo de seus 30 anos de
existência, sobretudo no que se refere à luta pela terra de uma forma mais
ampla e a adoção da agroecologia de forma mais particular.
É importante destacaremos, em nossa trajetória acadêmica e
profissional, alguns elementos e experiências que nos conduziram à
problemática da politização da questão ambiental no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nossa aproximação com este sujeito
coletivo vem se dando através da participação nos processos de educação e
formação de quadros, desenvolvidos na parceria estabelecida entre a UFJF e a
Escola Nacional Florestan Fernandes/ MST (ENFF/ MST), desde 2000. A
reflexão que apresentamos também se apoia num diálogo que estamos
desenvolvendo com o curso de geografia da UFJF, através de participações
em projeto de extensão, seminários e na disciplina de geografia agrária, que
resultou na criação de um grupo interdisciplinar de pesquisa e extensão em
agroecologia, com financiamento do CNPq e da UFJF.
Nosso ingresso na carreira docente ocorreu em 1992, na Faculdade de
Serviço Social da Universidade de Juiz de Fora (FSS/UFJF), onde concluímos
a graduação em 1988. Após inserção no mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro em
1989, defendemos, em 1993, a dissertação, na área de formação profissional
em Serviço Social, com a temática relacionada ao ensino e a pesquisa nos
cursos de graduação em Serviço Social vinculados às universidades públicas
da Região Leste(Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo) da Associação
Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS), atual Associação Brasileira de
Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Esta explicitação de nosso
estudo de mestrado, concluído há mais de 20 anos, é importante para
16
demarcarmos que, com o doutorado, assumimos um desafio de estudo
temático inteiramente diferente do mestrado, e que ainda possui pouca
inserção no Serviço Social. E neste sentido, também resgataremos alguns
elementos e experiências em nossa atividade profissional e acadêmica, que
nos impulsionaram na escolha inicial da temática ambiental relacionada aos
sujeitos coletivos da sociedade civil.
Dentre as diversas atividades de ensino, pesquisa, extensão e de
administração e coordenação (chefia de departamento, coordenação de cursos
de especialização, coordenação de estágio, comissão executiva da Revista
Libertas) que desenvolvemos a mais de 20 anos, algumas experiências foram
muito importantes para estimular nosso interesse pela área ambiental
relacionada aos sujeitos coletivos.
A primeira foi nossa inserção no “Núcleo de Pesquisa e Prática
Acadêmica, denominado Sujeitos Coletivos e Cidadania”, da FSS/UFJF, o qual
agregava atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária. Um esforço
de investigação integrada foi realizado pelo referido Núcleo, através do
estabelecimento de parceria com a Escola de Serviço Social da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (ESS/ UFRJ), que resultou no desenvolvimento do
Projeto “O Processo de Democratização em Juiz de Fora: uma investigação
dos seus sujeitos coletivos”, realizada nos anos de 2000 a 2002. Este se
estruturou a partir da articulação de quatro sub-projetos, tendo como eixo
articulador o processo de democratização da sociedade brasileira
desencadeado nos anos de 1980, considerando as inflexões trazidas ao
processo sócio-político. Participamos, então, do sub-projeto Movimentos
Sociais e ONG's de Juiz de Fora - Perfil Sócio-Político.Em decorrência deste
estudo, pudemos estudar 202 organizações da sociedade civil num universo de
355,sendo que apenas uma era voltada para a questão do meio ambiente em
Juiz de Fora. Com a conclusão deste projeto mais amplo, elaboramos um
projeto de pesquisa para estudar especificamente as ONG's Ecologistas em
Juiz de Fora, com o objetivo de identificar o perfil sócio-político e as ações
ambientais destas organizações. O relatório final desta pesquisa condensou a
análise de cinco ONG's Ecologistas, de criação recente, que atuavam em
trabalhos de preservação e educação ambiental, utilizando como estratégia de
ação a pressão institucional e a participação em conferências e no Conselho
17
Municipal do Meio Ambiente, estabelecendo parceiras com empresas,
universidades e outras organizações. Em nossa análise, estas organizações
locais possuíam um potencial muito pequeno de politização da questão
ambiental, o que também pudemos constatar em estudos mais teóricos, que
realizamos sobre o movimento ambientalista de modo mais amplo em nível
nacional.
Foi também em 2000 que nos aproximamos da temática ambiental,
inicialmente através da participação no Ciclo de Estudos sobre Educação
Ambiental em Perspectiva, promovido por um grupo de docentes
(pesquisadores e militantes do movimento ambientalista local), de diversas
áreas da UFJF e de professores externos. A partir deste evento, foi criado o
Grupo de Educação Ambiental (GEA), no ano de 2001, integrado por
professores das áreas de Geografia, Pedagogia, Biologia, Química, Turismo,
Ciências Sociais e Serviço Social. Nossa participação neste Grupo foi marcada
desde o início, pela preocupação em discutir a questão ambiental, tendo clara a
articulação com a questão social presente na sociedade capitalista e sua
relação com os sujeitos coletivos. Uma iniciativa relevante que desenvolvemos
como grupo interdisciplinar foi a criação de um curso de Especialização em
Educação Ambiental que se iniciou em 2002, nos estimulando a estudar a
temática “Meio Ambiente e Sujeitos Coletivos” a fim de ministrar aulas e
orientar monografias nesta área temática.
Também em 2002 nos inserimos na parceria entre a UFJF e a ENFF/
MST, que teve início no ano de 1999, participando do curso Realidade
Brasileira a partir dos Grandes Pensadores Brasileiros, em nível de extensão,
realizado nos anos de 2001-2003, como docente da disciplina Metodologia de
Pesquisa para elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso. Esta
experiência foi a mais desafiadora que assumimos, não só pela quantidade e
heterogeneidade dos movimentos sociais do campo, presentes (MST, ANMTR,
MAB, Pastorais Sociais, PJR, MTD, MTST, MPA), mas também pelo perfil dos
alunos (diferenciadas faixas etárias, funções ,tempo de militância, sendo alguns
dirigentes nacionais e estaduais). Este foi um trabalho extenso e intenso junto
aos militantes dos movimentos sociais, que nos proporcionaram uma
aproximação com temáticas que ainda não havíamos estudado. Ao conhecer
mais de perto e "por dentro", os movimentos sociais, particularmente o MST,
18
que era majoritário, identificamos vários elementos e potencialidades para a
politização da questão ambiental e a relevância da reforma agrária e dos
sujeitos coletivos que a reivindicam, como elemento estratégico para o estudo
da questão ambiental. Ao longo de 12 anos, continuamos a participar desta
parceria em todas as suas iniciativas, e atualmente estamos concluindo a
formação da quarta turma, do Curso de Especialização em Estudos Latino
Americanos.
Desde a inauguração da Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF,
em 2005, participamos de diversas atividades, seminários, etc., realizados, mas
dois eventos, ambos em 2006, foram decisivos para a delimitação dos estudos
que pretendíamos desenvolver no doutorado, que iniciamos em 2007. Foram
dois seminários internos do setor de produção, cooperação e meio ambiente do
MST, que debateram a questão da cooperação na agricultura familiar e a
construção do modelo produtivo e da matriz tecnológica da agroecologia no
movimento. Neste evento, tivemos a oportunidade de conhecer professores e
intelectuais de referência no debate e na construção da agroecologia, como
Eduardo Sevilla Gusmán (Espanha), Pinheiro Machado (Brasil), e Peter Rosset
(EUA), e também concepções e experiências de agroecologia no MST que
estavam sendo construídas.
As informações que destacamos acima fundamentaram nossa definição
do objeto de estudo que apresentamos nesta tese, que se refere ao processo e
à potencialidade de politização da questão ambiental no MST, através da
análise de sua trajetória histórica de luta pela reforma agrária e da adoção da
agroecologia como estratégia produtiva e política.
A partir da delimitação deste objeto, defendemos a tese de que a
questão ambiental tem uma forte dimensão política nos dias atuais, sobretudo
no que se refere à dimensão de enfrentamento ao modelo contemporâneo de
desenvolvimento do capital e o MST se constitui como um sujeito coletivo
qualificado para contribuir para o seu necessário processo de politização na
sociedade, a partir da construção de sua trajetória histórica de luta pela reforma
agrária e, particularmente, através da adoção da agroecologia como estratégia
produtiva e política.
Nosso objetivo principal foi analisar o processo de politização da questão
ambiental no MST, particularizando a construção da agroecologia como
19
estratégia produtiva e política. Também buscamos compreender, mais
especificamente, como o metabolismo social do Capital incide na relação entre
a questão ambiental e a produção da agricultura capitalista e, como o MST,
através de seu processo de luta, vem construindo a agroecologia trazendo
contribuições e desafios políticos para a defesa de sua proposição em torno de
uma reforma agrária popular.
Neste sentido, construímos o presente trabalho na expectativa de poder
demonstrar que a questão ambiental se constitui também como um dos eixos
articuladores de alianças que defendam o trabalho e a natureza, justamente as
duas grandes forças produtoras de riqueza que são esgotadas para sustentar o
capital.
Nosso referencial teórico-metodológico se embasa na teoria social
marxiana, onde a apreensão da realidade tem como norte a ineliminável
relação entre totalidade e particularidade. Consideramos a tradição marxista,
como uma importante chave teórica e metodológica, para compreendermos a
afirmação do capitalismo e a relação entre sociedade-natureza construída sob
este imperativo, para a necessária e urgente construção de alternativas a este
modo de produção e dominação da sociedade atual. Destacamos nesta tese,
especialmente, a relevância dos conceitos marxianos de metabolismo social e
de falha metabólica, resgatados pelo pensamento marxista, para analisar a
questão ambiental num quadro histórico onde a hegemonia do
sociometabolismo do capital é determinante na produção de consequências
negativas, que afetam radicalmente a reprodução da vida humana e da
biosfera.
Dentre as dificuldades que enfrentamos para concretizar nossa proposta
de estudo, destacamos a limitação de bibliografia sobre este tema, que ainda é
recente, e a falta de dados sistematizados e atualizados sobre a agroecologia
nas suas dimensões, produtiva e política, dentre outras. Não encontramos
dados disponíveis, principalmente quantitativos, que nos possibilitassem
dimensionar quantos acampamentos e assentamentos do MST, estão
desenvolvendo a agroecologia e/ ou seus processos de transição e de que
forma estas experiências vem ocorrendo. O que encontramos foram alguns
documentos que relatam ou sistematizam diversas experiências produtivas em
agroecologia em assentamentos do MST em várias regiões do Brasil. Também
20
não obtivemos informações mais amplas sobre o processo de formação em
agroecologia desenvolvido pelo MST como um todo, implicando em nossa
definição por trabalhar com a experiência desenvolvida pelo movimento no
estado do Paraná, por ser uma das mais significativas (e também uma das
maiores referências para o MST e para outros movimentos), possuindo
informações em documentos e bibliografia que estão mais organizados e
acessíveis.Consideramos que foram de vital importância, os artigos,
comunicações em congressos científicos, dissertações e teses, que nos foram
encaminhados por dirigentes do MST, principalmente do Paraná. Estas
produções têm duas características marcantes: Foram elaboradas por
militantes, educandos, dirigentes, professores militantes, enfim, por
pesquisadores que estão diretamente relacionados ao MST; e discutem
questões relativas à construção da agroecologia no MST, tais como,
experiências produtivas e sua relação com a educação e formação,
sistematização e análise de experiências de formação em torno do “Diálogo de
Saberes” (DS), limites, potencialidades e desafios políticos da agroecologia no
MST, dentre outros. Todo este material nos possibilitou discutir a dimensão
política da agroecologia através, principalmente, dos processos de educação,
formação técnica, política e humana em agroecologia, que vêm sendo
desenvolvidos pelo MST, com o protagonismo das experiências do Paraná.
Também consideramos importante justificar por que não pudemos
concretizar nossa perspectiva inicial de estudo, que contemplava a realização
de entrevistas com dirigentes e militantes, considerados pelo MST como
referências na construção da agroecologia no movimento. Iniciamos um
mapeamento, estabelecemos muitos contatos e conversas informais, e
chegamos a realizar algumas entrevistas abertas de caráter exploratório ( com
três dirigentes nacionais, envolvidos com os Setores Nacionais de Educação,
Formação, Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST) mas não
pudemos dar continuidade em razão de diversas questões, especialmente, pela
falta de condições objetivas de tempo e recursos necessários.Desta forma,
mesmo que os conteúdos e informações destas entrevistas tenham sido muito
esclarecedores, optamos pelo tratamento, complementação e utilização
conseqüente deste material, em produções posteriores a esta tese.
21
No entanto, pudemos contar com a interlocução com diversos
companheiros, pessoalmente e por meio eletrônico, para esclarecimento de
dúvidas, principalmente sobre documentos, eventos realizados, histórico de
luta do MST por reforma agrária e pela construção da agroecologia. Através
destes contatos, conseguimos ter maior acesso a documentos e outros
materiais (alguns ainda inéditos como artigos e relatórios), que foram de
grande importância para nosso estudo. Neste sentido, foi fundamental a
contribuição de vários companheiros do MST, dentre os quais destacamos:
José Maria Tardin; Nilciney Toná; Dominique Guhur; Édson Cadore; Ademar
Bogo; Álvaro de La Torre; Adelar Pizetta; Neuri Rosseto e João Pedro Stédile.
Com estas ponderações, definimos contemplar neste estudo a
realização de pesquisa bibliográfica, análise documental e observação
participante em diversos momentos e atividades realizadas pelo MST, dentre
as quais destacamos nossa participação nos dois seminários do setor de
produção aos quais nos referimos anteriormente, nos V e VI Congressos
Nacionais do MST (2007 e 2014) e no processo de educação e formação de
quadros da parceria ENFF/ MST e UFJF/FSS. Este processo de observação
participante foi possibilitado e potencializado através da parceria que
mantivemos ao longo de vários anos junto ao MST, permitindo o
estabelecimento de relações de respeito e de confiança, essenciais para a
concretização desta pesquisa.
Os documentos analisados são, principalmente, do setor de Produção,
Cooperação e Meio Ambiente do MST, que orientam suas linhas políticas e
sustentam suas ações para construção da agroecologia, incluindo os
processos produtivos e de formação de quadros. Além disso, utilizamos
também outros documentos e materiais produzidos pelo movimento, tais cartas
dos Congressos Nacionais do MST e das Jornadas de Agroecologia, artigos de
militantes e dirigentes sobre experiências de formação e produção em
agroecologia, entrevistas de dirigentes, documentos de sistematização de
experiências em agroecologia, publicações da Revista Sem Terra, dentre
outros, que expressam articulações estabelecidas entre diversos sujeitos
coletivos, em torno da agroecologia. A especificidade de cada documento será
tratada no decorrer do próprio trabalho.
22
Ao longo desta pesquisa, partimos da consideração de que o conceito
de ambiente se constitui pela existência de elementos naturais e humanos que
estão inter-relacionados e condicionados economicamente, reproduzindo
relações sociais desiguais a partir de seu caráter classista, espacial e
socialmente localizadas. Neste sentido, a questão ambiental passa a ser uma
das pautas políticas mais importantes do final do século XX e início do século
XXI. Até meados do século XX, os elementos da natureza eram considerados
prioritariamente como matéria-prima e/ ou fontes de energia. A partir do final do
século XX, a água, a atmosfera e toda a biosfera passaram a ser
mercadorizadas. O capitalismo justifica este processo com base nas
possibilidades futuras do desenvolvimento tecnológico, que atuariam na
preservação destes recursos. Por outro lado, a destruição provocada pelo
capital também vem se constituindo na sua tentativa de “consertar” a natureza,
que se manifesta no mercado das reparações. O capitalismo é o principal
responsável pela degradação ambiental em nível planetário, colocando em
risco a própria condição de sobrevivência humana. Contudo, os efeitos mais
nefastos deste modo de produção e dominação social da natureza recaem, em
primeiro plano, sobre as classes subalternas, o que demonstra o caráter de
classe da questão ambiental e determina a relevância das lutas políticas
anticapitalistas. A crítica radical à lógica predadora e destrutiva do
sociometabolismo do capital abrange toda a organização social, que vem
sendo regida por processos de aceleração da produção de riquezas materiais,
voltadas para o consumo de bens definidos pelo seu valor de troca que
determina, por fim, a mercantilização da própria vida.
Diante deste contexto, brevemente assinalado, podemos ponderar a
importância de discutir o papel dos sujeitos políticos coletivos no seu
enfrentamento, a qual reafirma a necessidade de realizar uma síntese deste
quadro atual, onde a defesa dos bens ambientais seja também e, no mesmo
movimento, a defesa do trabalho, pois que se constituem nas duas fontes de
geração de riquezas, amplamente ameaçadas pelo capital. Assim sendo,
consideramos que a chamada crise ambiental, que se apresenta através de
problemas como a pilhagem, degradação e destruição ambiental é a expressão
visível do que consideramos como questão ambiental, a qual é intrínseca a
uma sociedade de classes, estruturalmente desigual, envolvendo sujeitos
23
antagônicos, que condicionam e restringem as possibilidades de apropriação,
domínio e uso dos bens ambientais. Desta forma, afirmamos e defendemos, ao
longo deste trabalho, que o antagonismo destes sujeitos nesta questão
constitui o seu caráter eminentemente político.
A relevância da consideração da questão ambiental como uma questão
a ser politizada pelas lutas sociais, no espaço da sociedade civil, está no fato
de questionar a lógica insustentável do sociometabolismo do capital, que
historicamente vem operando a separação entre o homem (sociedade) e a
natureza. E ainda, em estabelecer um debate público sobre os riscos e
conseqüências concretas aos quais estão submetidas às classes subalternas,
diante de um quadro de destruição e crise do patrimônio natural e, ao mesmo
tempo, de privatização dos recursos naturais, num contexto de desemprego
estrutural e de aprofundamento da desigualdade e da pobreza.
Diversas perspectivas que se afirmam como críticas têm se baseado em
quadros teórico-metodológicos bastante diferenciados e até divergentes quanto
à análise da relação entre sociedade e natureza, principalmente no contexto
atual permeado pelo pensamento fragmentado da chamada pós-modernidade.
Estes enfoques sobre a relação sociedade e natureza vem sendo realizados
por ambientalistas, ecologistas moderados e radicais, neomalthusianos, etc.
Estas posturas heterogêneas resguardam suas diferenças, mas convergem
num ponto: a recusa da abordagem marxista, alegando dentre outras questões
seu caráter produtivista, com sua conseqüente perspectiva de dominação da
natureza considerada apenas como meio de produção e exploração
econômica, negando-lhe um valor intrínseco.
Entretanto, mesmo considerando o atraso teórico e político representado
por certo distanciamento e/ou recusa do pensamento marxista contemporâneo,
em relação à análise do meio ambiente, que em muito contribuiu para a
formação de uma lacuna desse pensamento no debate e para a conseqüente
afirmação do pensamento ambientalista de vários matizes, as três últimas
décadas demonstram a retomada desta temática através da produção
marxiana e marxista e buscamos reafirmar a pertinência, a importância e a
centralidade das análises referenciadas nesta tradição para a crítica da
questão ambiental contemporânea.
24
Considerando esta análise teórico-conceitual, organizamos como forma
de exposição nossas proposições em três capítulos. O primeiro capítulo foi
dividido em dois pontos fundamentais. O ponto inicial trata da relação entre
capitalismo e questão ambiental, onde demarcamos nossa compreensão sobre
as determinações desta questão a partir das contribuições da tradição
marxista, expressas pelos conceitos de metabolismo social e falha metabólica,
elaborados por Marx e pelo conceito de metabolismo social do capital
desenvolvido por Mészáros. Inicialmente, discutimos a relação sociedade e
natureza estabelecida no modo de produção capitalista, buscando demonstrar
através do conceito de metabolismo social, como este sistema opera uma
dupla exploração, da natureza e do trabalho.
Destacamos ainda, a contribuição da tradição marxista na questão da
relação campo-cidade, que se estabelece a partir da acumulação primitiva do
capital e das transformações operadas no desenvolvimento da agricultura
capitalista, expressa pelo conceito de falha metabólica. Os processos de
acumulação do capital, a expropriação e mercadorização da natureza são
analisados como os eixos fundantes da questão ambiental. Nossa reflexão se
centra no processo de desenvolvimento do capitalismo, discutindo sua relação
com o surgimento dos problemas ambientais, que se elevam à condição de
“crise ambiental”, a qual se apresenta como uma das expressões do que
consideramos como questão ambiental. A discussão destes processos vai
fundamentar nossa análise sobre a falha metabólica, que se aprofunda e se
estende, com o avanço do domínio do capital sobre o trabalhador e a natureza.
Para alcançarmos os objetivos propostos neste trabalho, destacamos
também, na tradição marxista, a relação entre questão ambiental e política,
onde defendemos a pertinência da perspectiva de política trazida pelo
pensador italiano Antônio Gramsci, para analisar a questão ambiental no
sentido de politizá-la, tratando-a junto às lutas sociais e aos sujeitos coletivos
que atuam no âmbito da sociedade civil, espaço em que as classes se
organizam para defender seus interesses. Destacamos as potencialidades e os
desafios dos sujeitos coletivos das classes subalternas, no processo de
politização da questão ambiental na sociedade civil, tendo como referência a
contribuição de Gramsci na apreensão do conceito de política. Buscamos
analisar a questão ambiental destacando seu necessário processo de
25
politização na sociedade civil, como um espaço de tensão entre as
perspectivas conservadora e crítica no campo ambiental presentes nas lutas
sociais e os desafios políticos que se impõem aos sujeitos coletivos das
classes subalternas, na construção de outra relação metabólica entre
sociedade e natureza.
No segundo capítulo, abordamos a questão ambiental no espaço agrário
brasileiro, analisando como o desenvolvimento do capitalismo incidiu sobre o
desenvolvimento da agricultura, a partir da forma de ocupação, controle e o uso
inicial da terra, como elemento fundamental da natureza e de um
desenvolvimento da agricultura baseada no modelo agrário-exportador.
Posteriormente, analisamos o processo de desenvolvimento da revolução
verde, no contexto da modernização conservadora da agricultura
brasileira,instituída pela ditadura militar após o golpe de 1964, que operou
transformações profundas na forma de utilização da terra e da força de
trabalho, ampliando o processo de exploração do solo e do trabalhador, e
ampliando, portanto, a falha metabólica. Ao final do capítulo analisamos a
construção da agroecologia e sua relação com a questão ambiental, como
resultante das criticas e reações de diversos setores da sociedade aos efeitos
perversos da revolução verde, e à necessidade de alteração do padrão
produtivo da agricultura.
É no interior da complexidade da esfera da sociedade civil brasileira que,
ao longo dos anos, vimos surgir um processo de resistência a este avanço do
desenvolvimento capitalista no campo, principalmente no que se refere ao uso
e a posse da terra. Neste sentido nos propomos a analisar o MST como um
sujeito coletivo capaz de realizar esta mediação entre a esfera da economia,
onde se compõem as relações produtivas propriamente ditas, e a dimensão da
política no sentido gramsciano mais amplo, ou seja, como espaço de uma
construção pluralista de hegemonia e de formação de consensos no interior e a
partir de interesses de classes, colocando-se como um sujeito qualificado para
a politização da questão ambiental na sociedade.
Assim, no último capítulo, analisamos o protagonismo do MST, que
através de seu processo de luta pela reforma agrária e por outro modelo
agrário e agrícola, vem construindo a agroecologia como uma estratégia
produtiva e política. Buscamos, neste momento, destacar as potencialidades e
26
os desafios deste sujeito coletivo, no processo de politização da questão
ambiental na sociedade, através da agroecologia como estratégia produtiva e
política, tendo como referência a contribuição de Gramsci na apreensão do
conceito de política.
Consideramos a importância deste estudo para o dimensionamento da
questão ambiental na sociedade brasileira e dos desafios que se impõem aos
sujeitos coletivos como o MST, que estão produzindo concepções e práticas
direcionadas à contestação da ordem do capital e à construção de outra forma
de sociedade, elementos vitais neste contexto de crise civilizatória em que
vivemos. Esperamos contribuir para a análise crítica e politizada da questão
ambiental na sociedade e, particularmente no espaço agrário, reafirmando a
importância da reforma agrária e da agroecologia para o processo de
fortalecimento do MST e de outros sujeitos coletivos, que estão em luta
buscando construir outro modelo agrário e agrícola, essenciais na alteração da
desigualdade social e ambiental presente na realidade brasileira.
27
CAPÍTULO 1 – CAPITALISMO, QUESTÃO AMBIENTAL E POLÍTICA:
CONTRIBUIÇÕES DA TRADIÇÃO MARXISTA.
Consideramos imprescindível, para iniciarmos nossos estudos,
compreendermos a concepção materialista de história e de natureza de Marx,
que se torna o fundamento para a compreensão do chamado metabolismo
entre sociedade e natureza, que se afirma no conceito de metabolismo social.
Acreditamos que o momento atual impõe, à tradição marxista, a necessidade
de retomada e fortalecimento do tema ambiental pela perspectiva crítica, como
um dos elementos estratégicos para a construção do socialismo, que, como
nos mostra Foster (2005), já estava presente na produção marxiana.
A defesa da perspectiva marxiana e marxista1 para a análise da questão
ambiental tem sido objeto de debate entre autores do pensamento crítico,
dentre os quais destacamos Foster (1999; 2005), Foster e Clark (2006; 2010),
Foladori (1997; 2001-a; 2001-b; 2001-c), Lowy (2005; 2008; 2010;), Chesnais e
Serfati (2003), Chesnais (2009), Meszaros (2006; 2007-a; 2007-b) e outros.
Dentre estes, o estudo de Foster (2005) representa uma referência para
a retomada do pensamento de Marx e sua relação com a questão ambiental.
Sua defesa é de que o legado marxiano nos oferece as bases revolucionárias
para a análise da relação sociedade e natureza, uma vez que relaciona a
transformação social com a transformação da relação humana com a natureza.
A conclusão que o autor chega é que “[...] a visão de mundo de Marx era
profundamente – e na verdade - sistematicamente ecológica (em todos os
sentidos positivos nos quais se usa o termo hoje) e que esta perspectiva
ecológica era derivada do seu materialismo (p.9)”.
O autor acima citado destaca a obra de Schimidt (1962), intitulada “O
conceito de natureza em Marx”, considerada um marco na produção marxista,
influenciando intelectuais ao longo do tempo. No entanto, questiona a
1 Entendemos por perspectiva marxiana aquela explicitada nas obras do próprio Marx, com ou
sem a co-autoria com Engels. Por outro lado, falamos em tradição marxista para explicitar o conjunto, absolutamente heterogêneo, de elaborações de diversos autores que se fizeram presentes ao longo da história e que tiveram em Marx sua fonte principal de referência.
28
apreensão parcial do pensamento de Marx feita por Schimidt, sobre a relação
entre sociedade e natureza, restrita ao conceito de metabolismo social2.
Segundo Foster (2005), Schimidt (1962) alega que o materialismo e a
dialética são incompatíveis. Afirma a importância do conceito de metabolismo
social de Marx, destacando apenas o trabalho abstrato, ou seja, destituído de
suas relações metabólicas com a terra. Assim, quase não faz referência ao
conceito de falha metabólica no ciclo de nutrientes do solo ou à crítica da
agricultura capitalista de Marx-Liebig, mesmo sendo este o contexto material
em que este conceito foi desenvolvido. O autor afirma que Schimidt não
percebeu o conceito de metabolismo da forma real como Marx o aplicou, ou
seja, aos reais problemas terrenos da agricultura capitalista.
Duarte (1995, p.53) recupera o debate ocorrido entre Alfred Schmidt e
Wolfdietrich Schmied - Kowarzik, e nos mostra que a discussão dos autores
tem como ponto de partida um trecho dos Grundrisse
A natureza se torna, então, puro objeto para o homem, pura coisa de utilidade; deixa de ser conhecida como potência em si; e o próprio conhecimento teórico de suas leis autônomas aparece apenas enquanto ardil para subordiná-la – seja como objeto de consumo ou como meio de produção – às necessidades humanas (Marx apud Duarte, 1993, p. 53).
Schmidt (1962) interpreta esta citação dizendo que Marx considera que
só podemos conhecer o mundo na medida em que se torna objeto humano.
Este autor afirma que o conhecimento da natureza só é possível a partir do
momento em que dominamos a totalidade dos procedimentos industriais e
científico-experimentais que permitiram fabricá-la.
2No Brasil, esta obra dá suporte à produção de Duarte (1995) que, embora analise a
contribuição do conceito de natureza de Marx, sob a influência da leitura de Schimidt, traz importantes reflexões para iluminar a compreensão da questão ambiental contemporânea, tendo em conta suas consequências superestruturais. O livro de Rodrigo Duarte, “Marx e a natureza em O Capital”, publicado em 1986 e reeditado em 1995, representou um esforço intelectual téorico-político no sentido de correlacionar “a concepção marxiana de natureza, sobretudo a do Marx maduro (daí a restrição do título à obra O Capital), com a questão ambiental e com seus desdobramentos ideológicos (1995, p.10)”. Segundo este autor, o reconhecimento da relevância do conceito de natureza em Marx “[...] levou Alfred Schimidt, discípulo e herdeiro da Escola de Frankfurt, a trabalhar esse tema em sua tese de doutoramento, sob a orientação de Adorno e Horkheimer. O resultado deste trabalho [...] tornou-se imediatamente o grande clássico sobre o assunto, restando à posteridade muitíssimo pouco a acrescentar” (p.9).
29
O destaque à “ecologia de Marx”, feito por Foster (2005) baseia-se no
argumento de que o entendimento das origens da ecologia está condicionado à
compreensão das novas visões de natureza que se afirma no período que vai
do século XVII ao século XIX, com o desenvolvimento do materialismo e da
ciência. A fim de entender o surgimento da ecologia materialista, no âmbito de
uma luta dialética relacionado à definição do mundo, este autor identifica a
antiga filosofia materialista de Epicuro como a base comum para o
materialismo de Marx e Darwin. Tendo como ênfase a relação entre o
desenvolvimento do materialismo e da ciência e a afirmação de concepções
ecológicas, Foster (2005) direciona suas reflexões em torno de Darwin e Marx,
considerados os maiores materialistas do século XIX. Mas é através de Marx
que se dá a busca pelo entendimento e desenvolvimento de uma visão
ecológica revolucionária. A relação entre transformação da sociedade e
transformação da relação da sociedade com a natureza em Marx reside
[...] no modo como ele desenvolveu e transformou uma existente tradição epicurista no que tange ao materialismo e à liberdade, que foi parte integrante da ascensão de muito do pensamento científico e ecológico moderno. (FOSTER, 2005, p.13-14).
O autor afirma, ainda, a importância dos estudos que Marx faz de
Darwin, que o levam a afirmar que a teoria da seleção natural darwiniana
forneceu a base na história natural para a sua visão. E, ainda, dos estudos da
ciência física e natural, com influência determinante de Liebig e sua produção
sobre a química do solo, na explicação do desenvolvimento da agricultura
capitalista. A relevância da produção de Darwin é destacada por Foster (2005)
através dos estudos de John Durant, o qual defende que
Darwin elaborou as suas ideias sobre a natureza e a natureza humana dentro de uma visão mais ampla de um mundo continuamente ativo na geração de novas formas de vida e mente. Isto era materialismo, e Darwin sabia; mas era um naturalismo que humanizava a natureza tanto quanto naturalizava o homem (DURANT in FOSTER, 2005, p.54).
Em vista do exposto, consideramos que uma apresentação mais detida
da obra de Foster (2005) se torna necessária para fundamentar nosso
direcionamento de análise da questão ambiental a partir do legado marxiano.
30
Vários questionamentos utilizados por ambientalistas, pautados pela restrição
ou mesmo rejeição da produção de Marx para análise da questão ambiental,
encontram respostas aprofundadas nesta obra. Este autor defende a
concepção materialista de história de Marx, respondendo às críticas feitas à
sua visão produtivista e de subjugação da natureza ao homem, consideradas
antiecológicas.
Quanto à crítica da perspectiva produtivista de Marx, somos
concordantes com Lowy (2008) ao considerá-la equivocada, pois
[...] ao fazer a crítica do fetichismo da mercadoria, é justamente Marx quem coloca a crítica mais radical à lógica produtivista do capitalismo, à ideia de que a produção de mais e mais mercadorias é o objetivo fundamental da economia e da sociedade. Logo, ele justamente fornece as armas para uma crítica radical do produtivismo e, notadamente do produtivismo capitalista (p.82).
De acordo com Foster (2005, p.198), Marx e Engels, tomando cuidado
para não cair na armadilha dos socialistas utópicos, ao propor planos para uma
sociedade futura que fossem demasiado além do movimento existente,
enfatizaram
[...] a necessidade do movimento de tratar a alienação da natureza na tentativa de criar uma sociedade sustentável. Neste sentido, a análise deles (Marx e Engels) partiu não só da concepção materialista de história, mas também da concepção materialista de natureza, mais profunda. Que, portanto, formou o palco para a perspectiva ecológica madura de Marx – a sua teoria da interação metabólica da sociedade com a natureza.
Foladori (1997, p. 161) defende que “a explicação marxiana do funcionamento
do sistema capitalista fornece elementos inigualáveis para explicar os entraves
sociais às possibilidades de regular ou planificar o uso dos recursos naturais
Buscamos demonstrar através dos conceitos marxianos de metabolismo
social e de falha metabólica, resgatados e defendidos por Foster (2005), a
ambigüidade de tais perspectivas, que, ao final, confirmam uma apropriação,
no mínimo injusta, do legado de Marx.
Como nos ensina Marx, a questão ambiental, visualizada na “crise
ecológica”, é, portanto, a expressão da relação sociedade/ natureza que vem
destruindo as duas fontes de produção de riquezas: o trabalho e a natureza. A
31
dupla exploração, da força de trabalho e da natureza, no modo de produção e
dominação capitalista, será discutida a partir da relação sociedade e natureza
desenvolvida pelo metabolismo social do capital, tendo como base as
produções de Marx, Mészáros e Foster.
Assim, sendo a questão ambiental uma questão vital para a
humanidade, esta se coloca como vital, em primeiro lugar, para as classes
trabalhadoras, aquelas que Gramsci também chama de classes subalternas. A
importância de discutir o papel dos sujeitos políticos coletivos no seu
enfrentamento reafirma a necessidade de realizar uma síntese deste quadro
atual, onde a defesa dos bens ambientais seja também e, no mesmo
movimento, a defesa do trabalho, pois que se constituem nas duas fontes de
geração de riquezas, amplamente ameaçadas pelo capital.
Consideramos, então, que a análise sobre a questão ambiental, tendo
como referência os conceitos gramscianos de pequena e grande política, se
torna fundamental para compreensão e dimensionamento da sociedade civil,
como um espaço de tensão entre as perspectivas conservadora e crítica no
campo ambiental, que se expressam nas lutas sociais.
1.1 Capitalismo e questão ambiental
1.1.1 Metabolismo social e a dupla exploração: a relação sociedade e
natureza no modo de produção capitalista.
Iniciamos nossa análise sobre a relação sociedade e natureza em Marx,
a partir de uma de suas considerações, que avaliamos como essencial para
nosso estudo. Esta se refere ao fato de que toda atividade humana organizada
em sociedade depende da natureza, uma vez que, para a satisfação de suas
necessidades, o homem está sujeito à natureza. É neste ato de produção, que
tem o trabalho como elemento mediador da relação entre o homem e a
natureza, que se desenvolve o que Marx chama de metabolismo social.
Médici (1983) analisa a pertinência do pensamento marxiano para a
questão ambiental, através de motivos gerais, relacionados à herança
epistemológica de Marx na análise do modo de produção capitalista, e
específicos, a partir de determinados pontos da obra de Marx, tais como a
32
análise da relação homem/ natureza, principalmente no capitalismo; a questão
do crescimento populacional; o esgotamento dos recursos naturais; a
degradação do meio ambiente; as relações entre as condições de vida da
classe trabalhadora e o meio ambiente; a relação entre necessidades,
socialismo e meio ambiente. Em relação ao motivo geral, o autor defende que a
questão ambiental é fruto do modo de produção especificamente capitalista, e
que a análise das leis de movimento e tendência do capitalismo orienta de
forma direta a compreensão desta questão.
Da mesma forma, os pontos específicos merecem aprofundamento a
partir da produção marxiana. Dentre estes, consideramos que o ponto de
partida se refere à especificidade da análise marxiana sobre a relação
sociedade e natureza, ressaltando a diferenciação de outros modos de
produção em relação ao capitalismo, onde “[...] as forças naturais são
apropriadas, dimensionadas e planejadas pelo homem em função das
necessidades de acumulação do capital.” (MÉDICI, 1983, p.8).
Foster (2005) afirma que o conceito de metabolismo social se coloca
como ponto de partida do método do materialismo histórico. Para Marx, este
conceito, expresso pela relação sociedade e natureza, abrange aspectos
fundantes da existência humana como ser natural e social, pois este
metabolismo é regulado tanto por leis naturais, que regem as trocas de energia
e materiais, entre os seres humanos e a natureza, como pelas regras sociais,
que comandam a divisão do trabalho, a produção e a distribuição.
Na relação homem e natureza, o conceito de metabolismo social é
central na análise marxiana, destacando o processo de trabalho como
elemento que irá mediar essa relação. Em O Capital, Marx, ao analisar o
processo de trabalho e o processo de valorização, nos mostra que
[...] o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. (MARX, 1983, p.149).
Para Marx, este processo se materializa através do trabalho, onde o
homem movimenta suas forças naturais (física e mental) para a transformação
dos recursos da natureza, com o objetivo de apropriar-se da matéria natural
33
numa forma útil para a sua vida. Ao atuar sobre a natureza externa a ele e, ao
modificá-la, produz, no mesmo movimento, uma transformação da sua própria
natureza.
Marx tem como pressuposto que o trabalho se constitui numa atividade
exclusivamente humana, na qual o homem projeta idealmente, em sua
imaginação, aquilo que deseja transformar. O processo de trabalho possui,
assim, três elementos simples: a atividade orientada a um fim, seus objetos e
seus meios. Para Marx, a terra (incluindo-se também a água), como fonte
primária de viventes e meios já existentes à sobrevivência humana, está dada
sem a contribuição do homem, constituindo-se como objeto geral e meio de
trabalho. Com isso, demonstra o necessário intercâmbio metabólico entre o
homem e a terra, pois “do mesmo modo como a terra é sua despensa original,
é ela seu arsenal original de meios de trabalho” (1983, p. 150).
O processo de trabalho [...] é atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a Natureza; condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais. (MARX, 1983:153).
Na perspectiva marxiana, o trabalho tem sempre um caráter coletivo e é
o elemento constitutivo da humanidade como tal. Neste sentido,
[...] o trabalho não transforma apenas a matéria natural, pela ação de seus sujeitos, numa interação que pode ser caracterizada como metabolismo entre sociedade e natureza. O trabalho implica mais que a relação sociedade/ natureza: implica uma interação no marco da própria sociedade, afetando seus sujeitos e a sua organização. [...] foi através do trabalho que, de grupos primatas, surgiram os primeiros grupos humanos – numa espécie de salto que fez emergir um novo tipo de ser, distinto do ser natural (orgânico e inorgânico): o ser social. (NETTO, 2006, p. 34, grifos do autor).
Desta forma, a partir do pensamento marxiano, o conceito de
metabolismo social é compreendido como o processo através do qual a
humanidade transforma a natureza externa e também a sua natureza interna.
O processo de trabalho, a ação e o efeito sobre a ação humana se manifestam
na forma como se estabelecem as relações sociais.
34
Foster (2005) nos mostra que Marx, ao construir este conceito, se
apoiou nas descobertas das ciências naturais (biologia e química) no início do
século XIX, de onde se origina o termo metabolismo, no intento de situar o
comportamento humano como elemento participante do mundo natural. O
conceito de metabolismo
(...) incorpora o complexo processo bioquímico de troca metabólica, por meio do qual um organismo (ou uma determinada célula) extrai matérias e energias de seu meio ambiente e transforma-as, mediante varias reações metabólicas, nos ingredientes do seu crescimento. Tal concepção permitiu aos cientistas registrar os processos regulatórios e relacionais específicos que presidem as trocas internas e entre os sistemas – como organismos digerindo matéria orgânica ( FOSTER E CLARK, 2010, p. 22).
Segundo Foster (2005, p.222-23), Marx, na maior parte de suas obras,
utilizava o conceito de metabolismo social para expressar a real interação
metabólica entre natureza e sociedade através do trabalho humano. Mas um
sentido mais amplo para o conceito de metabolismo social também foi
empregado por Marx, especialmente nos Grundrisse,
[...] para descrever o conjunto complexo dinâmico, interdependente, das necessidades e relações geradas e constantemente reproduzidas de forma alienada no capitalismo, e a questão da liberdade humana suscitada por ele – tudo podendo ser visto como ligado ao modo como o metabolismo humano com a natureza era expresso através da organização concreta do trabalho humano. O conceito de metabolismo assumia assim tanto um significado ecológico quanto um significado social mais amplo.
No entanto, este conceito, na análise madura de Marx,
[...] permitiu-lhe expressar esta relação fundamental de forma mais científica e sólida, retratando a troca complexa, dinâmica, entre os seres humanos e a natureza decorrente do trabalho humano. O conceito de metabolismo, com as noções subordinadas de trocas materiais e ação regulatória, permitiu que ele expressasse a relação humana com a natureza como uma capacidade que abrangia tanto as “condições impostas pela natureza” quanto a capacidade dos seres humanos de afetar este processo. (FOSTER, 2005, p.223).
Assim, Foster e Clark (2010, p.21) destacam que a concepção de
metabolismo social, possui uma dupla face, uma vez que “(...) capta tanto o
caráter social do trabalho, associado à sua reprodução sociometabólica quanto
35
seu caráter ecológico, demandando uma relação dialética contínua com a
natureza”.
Já nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, Marx apontava para
o fato de que a humanidade e a natureza estão inter-relacionadas e a forma
historicamente específica das relações de produção constitui o centro dessa
inter-relação.
A natureza é o corpo inorgânico do homem, a saber, a natureza na medida em que ela mesma, não é corpo humano. O homem vive da natureza, significa: a natureza é o seu corpo, com o qual tem que permanecer em constante processo para não morrer. Que a vida física e mental do homem está interligada com a natureza não tem outro sentido senão que a natureza está ligada consigo mesma, pois o homem é parte da natureza. (MARX, 1984-a, p.155).
Desta forma, a unidade do ser humano com a natureza é parte da
natureza física e química. Mas, segundo Foster (2005), Marx se empenhou em
analisar não a unidade, mas justamente a separação operada no processo
histórico de desenvolvimento da sociedade capitalista, que aliena o homem das
condições naturais necessárias para a sua reprodução. Sendo assim, a chave
analítica proposta por Marx, através do materialismo histórico, reside no
entendimento desta separação/alienação, que gera uma falha do metabolismo
com a natureza, engendrada pelo modo de produção capitalista que aparta o
homem (trabalhador) de seus meios de vida (natureza externa). Foladori
(2001-b), nesta mesma linha de análise, destaca que, no capitalismo o
trabalhador assalariado é exemplar nesta falha do metabolismo3 com a
natureza, pois está separado do processo de produção como elemento criativo,
da terra como recurso natural de produção e da própria possibilidade de se
reproduzir, se não for através da venda da sua força de trabalho. É esse o
trabalhador livre criado pelo capitalismo, sendo que essa liberdade se traduz
em alienação e isolamento.
Ao discutir a evolução da propriedade nos Grundrisse, Marx nos mostra
que
As condições originárias da produção [...] não podem elas mesmas estar originariamente produzidas – ser resultados da produção. Não a unidade dos homens vivos e ativos com as condições naturais,
3 O conceito de falha metabólica será abordado no item seguinte.
36
inorgânicas de seu metabolismo com a natureza e, por conseguinte, a sua apropriação da natureza – precisa de explicação ou é resultado de um processo histórico, mas a separação entre estas condições inorgânicas da existência humana e esta existência ativa, uma separação tal como é primeira posta completamente na relação entre trabalho assalariado e capital. [...] Em outras palavras: as condições originárias da produção aparecem como pressupostos naturais, como condições naturais de existência do produtor, exatamente tal como seu corpo vivo, originariamente não posto por ele mesmo por mais que o reproduza e desenvolva, aparece como pressuposto de si mesmo; a sua própria existência (corporal) é um pressuposto natural que ele não pôs( MARX, 1984-e, p.339)
Para Marx, a natureza é o “celeiro primitivo” do homem, e se coloca
como condição primária para a produção em qualquer forma de sociedade.
Portanto, a natureza constitui a base material, que oferece suporte à
sociedade, que tanto a conforma como é por ela conformada. No entanto, cabe
destacar que a interação humana com a natureza não foi a mesma em
qualquer época e lugar. A forma histórica de relação da sociedade com a
natureza é determinante tanto do conteúdo da conformação estrutural de uma
sociedade, quanto na forma de domínio da natureza às necessidades humanas
produzidas socialmente.
Foladori (1999) argumenta que o processo de estabelecimento de
relações da sociedade humana com seu ambiente não se dá na forma de
bloco, como para as demais espécies, pois que se constitui socialmente de
maneira desigual por grupos e classes.
[...] os seres humanos acumulam a informação extra-corporal em instrumentos, utensílios, espaços construídos etc. Mas esta acumulação não é da sociedade como um todo, mas de cada classe social que transmite às gerações seguintes aquilo que logrou. É uma diferença no acesso aos recursos naturais virgens ou aqueles transformados pelas gerações passadas. (...) Existem ambientes diferentes para cada classe social, constituídos, em primeiro lugar, pelas restrições impostas pelas outras classes sociais da mesma espécie humana; só a partir destes condicionantes é que se estabelecem os relacionamentos com os outros seres vivos e o material abiótico (FOLADORI, 1999, p. 12).
Podemos concluir que, se a natureza é a base primária da sociedade, a
sua configuração também está relacionada aos princípios estruturais do
capitalismo, defendidos pelas classes dominantes.
As contradições de classe, próprias do modo de produção capitalista,
trazem novas determinações para a relação sociedade e natureza. O processo
37
e os elementos constitutivos do capital, e o desenvolvimento das relações
sociais propriamente capitalistas, tornam-se centrais para o entendimento da
desigualdade entre classes sociais, expressa nos seus aspectos econômicos,
políticos e culturais e, particularmente, na desigualdade das classes no acesso,
domínio e uso dos recursos naturais, e também na distribuição desigual, dos
riscos e efeitos negativos de sua utilização, fator constitutivo do que
entendemos por questão ambiental.
É o modo de produção capitalista que cria a forma mais desenvolvida e
complexa de organização histórica da produção material da vida humana. Sua
caracterização tem como elemento central a produção de bens sob a forma de
mercadorias, com objetivo de acumulação de valor. O trabalhador aparece no
mercado como vendedor de mercadorias, pois sendo um trabalhador “livre”,
resta ao mesmo vender a sua força de trabalho em troca de um salário. Os
principais sujeitos deste processo, o capitalista e o trabalhador assalariado,
encarnam o capital e o trabalho.
De acordo com a lógica do capital, a produção tem como objetivo final a
valorização do valor, através da exploração do trabalho e da extração de mais-
valia. Marx (1983) chama de subsunção formal do trabalho ao capital, o fato de
o processo de trabalho ser desenvolvido não como meio para a sua realização,
mas para se constituir em meio de exploração do trabalho alheio, onde o
trabalhador produz para o capitalista, que entra neste processo como dirigente.
Segundo Netto e Braz (2007), o comando efetivo, ou a subsunção real do
trabalho ao capital, é alcançado com as grandes mudanças nos processos
produtivos proporcionadas pela Revolução Industrial, onde ocorre a produção
propriamente capitalista mediada pela utilização de máquinas, característica da
grande indústria. A subordinação (tanto formal como real) se dá pelo controle
do processo de trabalho pelo capital, alterando-se a divisão do trabalho, que se
aprofunda e atinge a divisão entre os que concebem ( e/ ou administram) os
processos produtivos e os que executam. As funções dos capitalistas são
alteradas, uma vez que eles repassam as tarefas de supervisão, controle e
gestão para outros profissionais assalariados, alcançando-se a separação
entre a propriedade dos meios de produção e a função de administrá-los. Esta
subordinação real, com a perda de controle do processo de trabalho por parte
38
do trabalhador, são as condições indispensáveis para que o capitalista
potencialize a extração de mais-valia.
E Marx (1983, p. 160) nos mostra que o ponto central deste processo de
extração de mais-valia reside no fato de
[...]o valor de uso específico dessa mercadoria ser fonte de valor, e de mais valor do que ela mesma tem.[...]Na realidade, o vendedor da força de trabalho, como o de qualquer outra mercadoria, realiza seu valor-de-troca e aliena seu valor-de-uso. Ele não pode obter um sem desfazer-se do outro. [...] O possuidor do dinheiro pagou o valor de um dia da força de trabalho; pertence-lhe, portanto, o uso dela durante o dia, o trabalho de uma jornada. A circunstância de que a manutenção diária da força de trabalho só custa meia jornada de trabalho, apesar de a força de trabalho poder operar, trabalhar um dia inteiro, e por isso, o valor que sua utilização cria durante um dia é o dobro do seu próprio valor de um dia, é grande sorte para o comprador, mas, de modo algum, uma injustiça contra o vendedor.
A especificidade histórica do processo de trabalho, na sociedade capitalista, é
que o tipo de trabalho requerido, se apresenta como gasto físico da força de
trabalho, em trabalho humano abstrato, o qual forma o valor das mercadorias.
Este trabalho humano abstrato submete o trabalho concreto, destinado à
produção de valores de uso, ao processo de ampliação de mais-valia, fazendo
com que a transformação da natureza pelo trabalho, obedeça às necessidades
de acumulação de capital. Sendo assim, no processo de valorização das
mercadorias, onde se expressam a forma mercadoria e seu fetiche, as relações
de circulação subvertem as relações sociais, através de um processo de
mistificação e reificação, transformando as relações entre os homens em
relações entre coisas.
Ele (o produto do trabalho) não é mais a mesa, casa, fio ou qualquer outra coisa útil. Sumiram todas as suas qualidades materiais. Também não é mais o produto do trabalho do marceneiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outra forma de trabalho produtivo. Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos trabalhos neles corporificados; desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não mais se distinguem umas das outras, mas reduzem-se, todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato (MARX, 1983, p.160).
Através do processo de valorização, Marx nos mostra que a
sociabilidade instituída pelo capital se funda no trabalho alienado dos sujeitos,
39
o trabalho assalariado. E estes sujeitos ficam reduzidos ao trabalho, sem o qual
perdem a sua humanidade, e como seres naturais, podem perder até sua
existência física.
No contexto contemporâneo, Antunes (2000, p.205), ao falar sobre a
condição da classe trabalhadora no mundo globalizado, nos mostra que
[...] o seu trabalho é desprovido de sentido, em conformidade com o caráter destrutivo do capital, pelo qual relações metabólicas sobre o controle do capital não só degradam a natureza, levando o mundo à beira da catástrofe ambiental, como também precarizam a força humana que trabalha, desempregando ou subempregando-a, além de intensificar os níveis de exploração.
A separação social dos produtores das condições naturais, operada pelo
capitalismo, proporcionou um maior controle das forças produtivas combinadas
da natureza e do trabalho, reduzindo os possíveis constrangimentos naturais à
acumulação do capital. No entanto, mesmo considerando a inexistência de
uma relação independente entre sociedade e natureza, há uma busca
incessante e a conquista de uma relativa autonomização da sociedade
capitalista em relação à natureza. Os avanços técnicos e organizacionais,
obtidos com a indústria, proporcionaram a superação de uma série de
limitações físicas, que o corpo humano, como elemento natural, apresentava
em relação à produtividade do trabalho. Deste modo, a exploração do trabalho
operário é ampliada, sem depender diretamente dos ritmos da natureza.
As consequências negativas deste modo de produção se expressam no
âmbito social e ambiental, uma vez que a produção de mercadorias voltadas
para o seu valor de troca deve ser ilimitada em função do lucro. Esta produção
ilimitada de mercadorias, ao longo do desenvolvimento capitalista, vem
demandando a ampliação do volume de matérias-primas empregadas, gerando
resíduos numa proporção e num ritmo sem precedentes na história humana.
Como “sujeito automático” (MARX, 1983), o capital comanda as relações
de produção a partir de sua lógica peculiar, podendo funcionar de modo
paralelo, mas não totalmente autônomo em relação à natureza, com a qual
mantém relações metabólicas que não podem ser esquecidas, nem
subestimadas.
40
A extinção da propriedade privada e o desenvolvimento de uma
sociedade de produtores livremente associados são, para Marx, as condições
indispensáveis, mas não suficientes, para a sustentabilidade no relacionamento
com a natureza. Foster (1999) ressalta que Marx já vislumbrava a necessidade
imperativa de proteção do globo terrestre para as futuras gerações.
Do ponto de vista de uma forma econômica mais alta de sociedade, a propriedade privada do globo por indivíduos isolados parecerá tão absurda quanto a propriedade privada de um homem por outro. Nem mesmo uma sociedade inteira, uma nação ou mesmo todas as sociedades simultaneamente existentes juntas são proprietárias do globo. Elas são apenas posseiras, suas usufrutuárias e, como boni patres familis [bons pais de família] devem legá-la, em melhores condições, às futuras gerações. (MARX apud FOSTER, 1999, p.166)
Para Marx, o progresso econômico de uma sociedade superior ao
capitalismo, não pode pôr em risco as condições naturais e globais,
imprescindíveis à vida humana na terra. E a eliminação da propriedade privada
e da exploração do trabalho e da natureza são condições indispensáveis.
Marx elaborou sua Crítica ao Programa de Gotha se contrapondo,
primeiramente, à consideração contida neste de que só o trabalho cria riqueza,
afirmando que
O trabalho não é a fonte de toda a riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (que são os que verdadeiramente integram a riqueza material!), nem mais nem menos que o trabalho, que não é mais que a manifestação de uma força natural, da força de trabalho do homem. (Marx, 1980, p.209)
As duas principais lições que retiramos destas reflexões nos levam a
concluir que a afirmação da propriedade privada, a existência do trabalhador
assalariado que é explorado, assim como a natureza, no processo de trabalho,
marcado pela alienação, representam as condições indispensáveis para a
reprodução ampliada do capitalismo. Sendo assim, se constituem em questões
fundamentais contra as quais se dirigem as necessárias transformações para a
superação do capitalismo e a consequente construção de uma sociedade
superior a esta.
41
1.1.2 O antagonismo campo/cidade e as transformações na agricultura
capitalista: a afirmação da falha metabólica
O antagonismo que se estabelece entre campo e cidade e as
transformações operadas na agricultura com o desenvolvimento do capitalismo,
como elementos centrais para afirmação da falha metabólica na relação da
sociedade com a natureza, serão analisados tendo em conta suas relações
com o período da acumulação primitiva do capital e a passagem do capitalismo
comercial para a fase da grande indústria, onde ocorre a subordinação da
agricultura à indústria, ampliando-se, portanto o domínio do capital sobre o
trabalho e a natureza. Assim, torna-se central compreendermos o significado
dos cercamentos, a questão da propriedade privada da terra e as
transformações na agricultura. Estes são os fatores que dão base para a
explicitação do conceito de falha metabólica. Mas cabe ressaltar que foi a
análise de Marx, sobre o desenvolvimento da agricultura capitalista, apoiada
em Liebig4 que trouxe materialidade a este conceito, conforme discutiremos a
diante.
A criação e o desenvolvimento histórico do capitalismo vêm se dando a
partir do processo de acumulação de capital, caracterizado por Foster e Clark
(2006) como “[...] um processo autopropulsor, já que o excedente acumulado
em uma fase converte-se em um fundo de investimento para a seguinte.”
(p.227).Na pré-história do capitalismo, encontra-se o processo inicial de
acumulação de capital, denominado acumulação primitiva, que propiciou as
condições necessárias ao desenvolvimento propriamente capitalista. A análise
marxiana nos mostra que a instituição e expansão do modo de produção
capitalista, por sua vez, criaram novas formas específicas de acumulação.
Foster e Clark (2006) afirmam que Marx, ao analisar a situação típica da
Grã-Bretanha, identificou três aspectos centrais da acumulação primitiva: 1- A
expropriação de terras camponesas através dos cercamentos e a extinção de
usos e direitos coletivos sobre as terras, que se traduz na perda do acesso
direto ou controle dos meios materiais de produção dos camponeses; 2- A
4 Liebig foi um químico especializado em agricultura e considerado fundador da química do
solo, que avaliou o desenvolvimento da agricultura capitalista como um sistema de roubo dos nutrientes do solo, sem restituição.
42
criação de uma massa pauperizada de trabalhadores sem terra que se
deslocam para as cidades, buscando trabalho assalariado, constituindo um
futuro proletariado industrial para o capitalismo; 3- A grande concentração e
centralização de riquezas, proporcionada pelo controle das terras expropriadas
e dos meios de produção monopolizados nas mãos de poucos e o excedente
disponível transferido para os centros industriais. Os camponeses
expropriados, que se tornaram proletários, e aqueles contingentes de
desocupados, concorreram, desde então, para a manutenção de baixos
salários, proporcionando maior rentabilidade da produção.
As conseqüências da eliminação de terras camponesas de uso comum e
da consagração da propriedade privada no capitalismo são analisadas por
Foladori (2001-b) através da crítica à defesa da propriedade privada pela
economia neoclássica, que se baseia no argumento de que sua existência
seria a condição para que os recursos naturais fossem resguardados através
de sua administração correta pelos proprietários. O autor nos mostra que a
existência da propriedade privada da terra garantiu aos seus proprietários a
“liberdade” para a sua utilização de acordo com sua lógica de exploração
privada dos recursos naturais, levando à depredação, à contaminação e ao
esgotamento da natureza.
As profundas conseqüências ecológicas deste processo de acumulação
primitiva são ampliadas com o desenvolvimento do capitalismo. Neste sentido,
no capitalismo, a alienação da terra (e da natureza) e o domínio do homem
sobre o homem resultam no fato de que tanto a terra quanto o homem passam
a ser reduzidos “ao nível de um objeto venal”. (MARX apud FOSTER; CLARK,
2006, p.227).
Pelo exposto, consideramos que as raízes da questão ambiental se
localizam no período histórico da acumulação primitiva do capital que, através
da expropriação das terras de uso comum e da conseqüente expulsão dos
produtores camponeses, operou primeiramente, a separação entre o homem e
a natureza. Isso demonstra que a pilhagem dos recursos naturais é uma
tendência intrínseca ao capital, que vem sendo reafirmada no seu curso e
agravada no atual processo de acumulação capitalista, hegemonizado pela
financeirização, em função da ampliação da escala e do ritmo cada vez mais
acelerado de produção, demandando novos espaços sociais e físicos.
43
Assim, segundo Foster e Clark (2010) o conceito de falha metabólica se
refere às mudanças que foram introduzidas com o advento do capitalismo, que
se inicia com os cercamentos dos campos e com o processo de concentração
e privatização da terra, recriando, sob a forma moderna, a divisão entre campo
e cidade, deslocando a população rural e ampliando a urbana. A utilização de
práticas de agricultura intensiva visando ao aumento da produção e o
transporte de alimentos e fibras (junto com nutrientes do solo) para mercados
urbanos distantes, fez com que os nutrientes do solo, que a ele deveriam
retornar, se tornassem lixo nas cidades, rompendo com as condições naturais
essenciais para a reprodução do solo.
Foster(2005) defende que Marx utilizou o conceito de falha metabólica,
para apreender a alienação material dos seres humanos na sociedade
capitalista e em relação às condições naturais indispensáveis à sua existência.
Assim, as relações sociais de produção impostas pelo capitalismo são
decisivas para o processo de ruptura do complexo metabolismo entre
sociedade e natureza.
Marx destaca, em O Capital, a degradação do solo resultante da
industrialização da agricultura. Para Foster e Clark (2010), Marx construiu sua
análise do metabolismo com a crítica da economia política, demonstrando
como a agricultura capitalista, em união com a indústria, produziu uma falha
metabólica, a qual era resultante de práticas insustentáveis de todo um sistema
em seu conjunto.
De acordo com Foster(2005), esta análise se deve aos estudos do
químico Liebig, que analisou o desenvolvimento da agricultura como um
sistema de roubo dos nutrientes dos solo. Este quadro era ocasionado pela
exportação de comida e fibras às cidades que, ao não serem devolvidos a
terra, como na agricultura tradicional e, que transportadas para longas
distâncias, acabavam gerando a produção de resíduos contaminadores nas
cidades. A influência de Liebig contribuiu para que Marx desenvolvesse uma
crítica da degradação do ambiente, como conseqüência das relações de
produção capitalista e da separação antagonista entre campo e cidade. A
separação entre agricultura e indústria se torna, assim, uma das expressões
exemplares da falha metabólica, e a união entre ambas se constituiu num
processo de exploração e empobrecimento do solo e do trabalhador, afetando
44
o metabolismo social. A utilização da natureza para a produção industrial revela
um duplo impacto, que se refere à exploração de matérias-primas e à poluição
causada pelos resíduos gerados neste processo produtivo, que são devolvidos
à natureza como poluentes.
Foster (2005) também destaca que o conceito de falha metabólica foi
elaborado numa conjuntura em que se ampliavam as críticas elaboradas pelos
químicos agrários. Assim, as observações de Marx e Liebig, se localizam no
contexto do que alguns historiadores chamam de “segunda revolução agrícola”,
ocorrida entre 1830-1880, caracterizando-se pelo crescimento de uma indústria
de fertilizantes e pelo desenvolvimento da química de solos.
O autor esclarece ainda que, mesmo que historiadores como Wood
(2000) considerem a existência de uma única revolução agrícola, ocorrida na
Grã-Bretanha nos séculos XVII e XVIII, constituindo-se como a base para a
afirmação do capitalismo industrial, alguns outros historiadores reconhecem a
ocorrência de três revoluções agrícolas.
A primeira foi um processo que percorre alguns séculos e que se
relaciona diretamente aos enclousures (cercamentos) e ao fortalecimento e
centralidade crescente do mercado. Foi um período em que se dá a busca pela
ampliação da fertilidade do solo, através do que ficou conhecido como
melhoramento. As técnicas foram inovadas com a inclusão de melhorias na
adubação com esterco, rotação de lavouras, drenagem e manejo de rebanhos.
A segunda revolução se deu num tempo mais curto. A este respeito, Foster
(2005) explica que o historiador Thompson, considera um período um pouco
mais extenso, de 1815-1880, tendo como referencia a crise agrícola que
sucedeu imediatamente as guerras napoleônicas e também no contexto das
elaborações de Malthus e Ricardo sobre o arrendamento diferencial. A
característica principal é sua relação com a ascensão do capitalismo industrial
onde se destaca a aplicação da química à agricultura. A terceira revolução
agrícola ocorre com a ascensão do capitalismo monopolista a partir de 1880,
mas se destaca no século XX, contemplando a substituição da tração animal
pela tração mecânica na agricultura, a concentração de animais em grandes
estábulos, aliada à alteração genética das plantas (produzindo monoculturas
mais estreitas) e o uso mais intensivo de produtos químicos como fertilizantes e
pesticidas.
45
Ao discutir as origens agrárias do capitalismo, Wood (2000, p.13)
contesta a idéia presente na cultura ocidental que associa o capitalismo às
cidades, a partir do suposto de que o capitalismo teria nascido e se
desenvolvido nas cidades, e que, portanto, haveria uma ligação natural entre
ambos. Assim, nos esclarece que
[...] o capitalismo, com todo o seu impulso específico de acumular e de buscar o lucro máximo, nasceu não na cidade, mas no campo, num lugar muito específico, e tardiamente na história humana. Ele requer não uma simples extensão ou expansão do escambo e da troca, mas uma transformação completa nas práticas e relações humanas mais fundamentais, uma ruptura nos antigos padrões de interação com a natureza na produção das necessidades vitais básicas. Se a tendência de identificar capitalismo com cidades se apresenta associada à de obscurecer a sua especificidade, uma das melhores maneiras de entender essa especificidade é examinar as origens agrárias do capitalismo.
A constituição do que Wood (2000) chama de “capitalismo agrário” se
centra em dois elementos essenciais: a propriedade privada e a renda da terra.
Retoma, então, que a forma de provimento das necessidades materiais
humanas foi, ao longo de milênios, obtida através do trabalho na terra e que a
divisão entre produtores e apropriadores tem apresentado formas diferenciadas
de acordo com o tempo e lugar, mas com uma característica geral: os
produtores diretos têm sido camponeses que permaneceram na posse dos
meios de produção, especificamente a terra. Desta forma, o trabalho excedente
apropriado pela camada exploradora era feito pela coerção direta,
desempenhada pelos senhores rurais e/ ou Estado, através do uso da força
superior, acesso privilegiado aos poderes militares, judiciais e políticos.
Para a autora citada, a diferença entre as sociedades precedentes e a
sociedade capitalista reside não no fato de a produção ser urbana ou rural, mas
nas relações de propriedade entre produtores e apropriadores, tanto na
agricultura com na indústria. Com o capitalismo, a apropriação do excedente
não é obtida pela coerção direta, mas pela expropriação dos produtores
diretos, que tem seu trabalho excedente apropriado por meios econômicos. Na
sociedade capitalista, estes produtores diretos são expropriados e, ao mesmo
tempo, livres para vender sua força de trabalho, passando a gerar mais-valia
que é apropriada sem a necessidade do uso da coerção direta.
46
Wood (2000) nos mostra que esta relação entre produtores e
apropriadores sempre foi mediada pelo mercado, mas que, no capitalismo,
passa a ser o principal determinante e regulador da reprodução social, que por
sua vez, implicou em sua introdução na produção de alimentos. Neste sentido,
a agricultura inglesa no século XVI, por suas condições peculiares, passa a
influenciar toda a economia inglesa e afirma o setor agrário como o mais
produtivo da história, onde o melhoramento e a produtividade do solo, visando
ao lucro, passam a ser uma preocupação tanto dos proprietários como dos
arrendatários. Mas os arrendatários também lidavam com o aluguel de terras, o
que demandava a busca pelo melhoramento dos solos, o que certamente
elevaria e garantiria a lucratividade, pois a perda de produtividade era uma
ameaça à perda das terras.
A acumulação primitiva, que tem como elemento central, a perda das
terras camponesas através dos cercamentos e a conseqüente expulsão dos
camponeses para os chamados burgos, proporcionou tanto o aumento da mão
de obra livre como da produtividade dos campos. Os cercamentos ou
“enclousures” são considerados por Wood (2000) como a mais conhecida
redefinição de direitos de propriedade e vão ocorrer em função desta busca do
uso mais produtivo e lucrativo da terra, segundo a ideologia da classe agrária
dominante, eliminando os antigos costumes e práticas de cultivo, para além da
privatização das terras comunais.
O enclousure é freqüentemente visto simplesmente como a privatização e o cercamento das terras comunais, ou dos “campos abertos” caracteristicamente presentes em algumas regiões do campo inglês. Mas “enclousure” significou mais precisamente, a extinção (com ou sem cercamento de terras) dos direitos de uso baseados nos costumes dos quais muitas pessoas dependiam para tirar o sustento. (WOOD, 2000, p. 15)
Os processos de melhoramentos do solo e os cercamentos foram
condições essenciais para a liberação tanto de terras produtivas e altamente
lucrativas quanto de força de trabalho livre e a baixo custo, tornando a
agricultura inglesa estratégica no estabelecimento das bases monetárias para a
afirmação do capitalismo. O desenvolvimento da agricultura inglesa,
considerada a mais produtiva da Europa, exerceu um papel irradiador para
outras regiões, principalmente para as colônias através de suas metrópoles,
47
difundindo e reforçando valores e práticas capitalistas advindas da Inglaterra.
Assim, uma nova divisão do trabalho se define a partir da hegemonia inglesa,
reforçando o processo de exploração não só das colônias por suas metrópoles,
mas impondo a exploração generalizada de todos pela Inglaterra (Wood, 2000).
A relação campo e cidade, que se impõe como resultado deste processo
histórico torna-se elemento fundamental para a compreensão das
transformações operadas na agricultura capitalista, a partir de sua fusão e
subordinação à indústria. Marx e Engels, segundo Foster (1999), não se
detiveram à análise dos limites ecológicos em relação à questão da utilização
do solo e estudaram também a sustentabilidade em relação a florestas, rios,
qualidade do ar e particularmente a geração, redução e destino dos resíduos
industriais. Suas observações os levam a concluir que, no capitalismo, o
crescimento da agricultura em grande escala e do comércio de longa distância
favorecia (e ainda favorece) o aprofundamento e a extensão desta falha
metabólica, apresentando também sua outra face, que é a contaminação das
cidades.
Quaini (1979) nos mostra que as grandes cidades são geradoras de uma
imensa “contradição ecológico-territorial”, uma vez que causa uma ruptura com
a espontaneidade natural das sociedades anteriores ao capitalismo como
sistema de metabolismo social. Para o autor citado
A ruptura do vínculo sociedade-natureza é, portanto, vista como conseqüência direta da contradição entre o crescente despovoamento do campo e a crescente concentração urbana, dois processos territoriais que representam as duas faces de uma mesma moeda: a acumulação capitalista e que, como tais, tem sua gênese histórica na acumulação primitiva. Para compreender a história da ruptura do vínculo sociedade-natureza – vínculo que nas sociedades pré-capitalistas era em grande parte confiado à “espontaneidade natural” – devemos, portanto, fazer referência à história da expropriação do produtor independente, à sua expulsão da terra, de seu “laboratório natural”. (p. 133-4)
Moreira (2009, p. 56) destaca as contribuições desta obra de Quaini,
“Marxismo e Geografia”, na análise dos efeitos da acumulação primitiva na
passagem das “sociedades naturais” (comunitário-naturais) às “sociedades
históricas” (individual-privadas) para a compreensão da formação e do
ordenamento ecológico-territorial capitalista, que se caracteriza por uma
48
[...] nova configuração ao arranjo do espaço, primeiro na forma de vários bolsões territoriais de produção e intercâmbio de mais-valia absoluta, até que num segundo momento tudo interage na abrangência integrativa da mais-valia relativa. Aí se juntam como eixos de arrumação do espaço, a proletarização e a aglomeração do campesinato nas cidades, a transformação da terra em mercadoria e a arrancada industrial com seu consumo generalizado da natureza e a desintegração das relações entre o campo e a cidade, vindo a formar a estrutura ecológico-territorial que conhecemos.
O antagonismo extremo entre cidade e campo, característica essencial
da organização social capitalista, foi considerado por Marx e Engels como a
causa central da degradação ecológica no capitalismo. Foster (2005, p.193)
nos mostra que para Marx
[...]a divisão entre cidade e campo era “a divisão mais importante do trabalho material e mental”: uma forma de “sujeição que torna um homem um animal restrito à cidade, o outro um animal restrito ao campo”, e que serve para excluir a população rural de todo intercurso mundial e, conseqüentemente, de toda cultura.
Em “A Ideologia Alemã”, Marx trata da teoria da produção do homem, da
reprodução da espécie e da produção da sociedade. Nesta obra, como
abordada no item 1.1, a existência de indivíduos vivos é naturalmente, o
primeiro pressuposto de toda história humana. E é a necessidade de produção
de seus meios de vida, que faz com que os homens produzam indiretamente, a
sua própria vida material. Assim, para Marx (1984d, p.187)
O modo como produzem seus meios de vida depende inicialmente da constituição mesma dos meios de vida encontrados aí e a ser reproduzidos. O que os indivíduos são, depende das condições materiais da sua produção. A produção pressupõe o intercâmbio dos indivíduos entre si, e a forma deste intercâmbio é condicionada pela produção.
Tanto em “A ideologia alemã” como em “O manifesto”, Marx trata da
questão campo e cidade, destacando a relação que se ergue de oposição e
subordinação dos interesses entre ambos.
A divisão do trabalho dentro de uma nação acarreta inicialmente a separação entre o trabalho comercial e industrial e o trabalho agrícola e com isto a separação entre cidade e campo e a oposição dos interesses entre ambos (1984d, p. 188).
49
A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação às do campo, e com isso arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da vida rural. Do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, os países bárbaros ou semibárbaros aos países civilizados subordinaram os povos camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente. (1984f, p.369)
As profundas mudanças ocorridas com o processo de desenvolvimento
do capitalismo, como nos mostra Marx (O Capital, 1984, Livro I, Tomo II) ao
discutir a relação entre maquinaria e grande indústria, tornam-se elementos
essenciais para compreendermos a relação entre campo e cidade, tendo em
conta a junção que ocorre entre a agricultura e a grande indústria. Cabe
destacarmos que esta discussão se integra à seção IV, que se centra na
análise da produção da mais-valia relativa, onde o ponto de partida de Marx é
que a utilização da maquinaria como capital não tem como finalidade e, por
isso, não atua no sentido de aliviar a labuta diária do trabalhador, servindo ao
contrário, como meio de produção de mais-valia.
O revolucionamento do modo de produção toma, na manufatura, como ponto de partida a força de trabalho; na grande indústria, o meio de trabalho. É preciso, portanto, examinar primeiro mediante o que o meio de trabalho é metamorfoseado de ferramenta em máquina ou em que a máquina difere do instrumento manual. Aqui só se trata de grandes traços característicos, genéricos, pois linhas fronteiriças abstratamente rigorosas separam tão pouco as épocas da sociedade quanto as da história da Terra.( MARX, 1984, p.7).
Interessa-nos, sobretudo, destacar as mudanças ocorridas com a grande
indústria, onde, segundo Marx, o ponto de partida é a revolução do meio de
trabalho, e o sistema articulado de máquinas da fábrica representa a sua
configuração mais desenvolvida. Os efeitos imediatos da produção mecanizada
sobre o trabalhador se expressam com a apropriação de força de trabalho
suplementares pelo capital, o trabalho feminino e infantil.
À medida que a máquina torna a força muscular dispensável, ela torna o meio de utilizar trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento corporal imaturo, mas com membros de maior flexibilidade. Por isso, o trabalho de mulheres e de crianças foi a primeira palavra-de-ordem da aplicação da maquinaria! Com isso, esse poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores transformou-se rapidamente num meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família dos
50
trabalhadores, sem distinção de sexo nem idade, sob o comando imediato do Capital. [...] A maquinaria, ao lançar todos os membros da família do trabalhador no mercado de trabalho, reparte o valor da força de trabalho do homem por toda sua família. Ela desvaloriza, portanto, sua força de trabalho. (MARX, 1984, p.23).
Veremos, com Marx (1984), os efeitos na degradação física de mulheres
e crianças, onde ele destaca “a monstruosa mortalidade de filhos de
trabalhadores em seus primeiros anos de vida” (p. 25) e ainda “o infanticídio
disfarçado e o tratamento de crianças com opiatos” (p.26). Em nota, o autor
nos revela que o consumo de ópio entre trabalhadores e trabalhadoras adultos
se expande dos distritos fabris ingleses para os distritos agrícolas. Também
afirma que à degradação moral decorrente desta exploração, analisada por
Engels em “A situação da classe trabalhadora da Inglaterra”, deve-se
acrescentar o registro de que
[...] a devastação intelectual, artificialmente produzida pela transformação de pessoas imaturas em meras máquinas de produção de mais-valia - que deve ser bem distinguida daquela ignorância natural que deixa o espírito ocioso sem estragar sua capacidade de desenvolvimento, sua própria fecundidade natural – obrigou, finalmente, até mesmo o parlamento inglês a fazer do ensino primário a condição legal para o uso “produtivo” de crianças com menos de 14 anos em todas as indústrias sujeitas às leis fabris. (MARX, 1984, p.26).
Os dois outros efeitos imediatos assinalados se referem ao
prolongamento da jornada de trabalho e à intensificação do trabalho. Com uma
frase, Marx sintetiza como a ampliação dos ganhos capitalistas com a
maquinaria impulsiona o maior prolongamento possível da jornada de trabalho
para além de qualquer limite natural: “a grandeza do ganho estimula a
voracidade por mais ganho” (Idem, ibidem, p.31). Na questão da intensificação
do trabalho, é importante destacar sua relação com a redução da jornada de
trabalho, que é alcançada através da reação da sociedade, impondo “[...] ao
trabalhador uma condensação do trabalho a um grau que só é atingível, dentro
da jornada de trabalho mais curta” (Idem, ibidem, p.33). Com isto, todo
aperfeiçoamento da maquinaria deve se transformar num meio de exaurir ainda
mais a força de trabalho.
Esta seqüência de questões nos mostra como a criação da maquinaria e
da grande indústria proporcionou a ampliação da capacidade de exploração
51
física e a degradação moral das famílias, principalmente com a entrada de
mulheres e crianças tanto nas fábricas como nas indústrias agrícolas,
resultando na degradação da própria natureza humana, da sua capacidade de
trabalho e mesmo da integridade de seu metabolismo natural, expresso nos
efeitos em sua saúde. Todos estes elementos, presentes na forma de
desenvolvimento do metabolismo social do capital neste período histórico,
afirmam como a degradação da natureza, incluindo a natureza humana, como
força natural de trabalho, se dá em conexão com a degradação do
metabolismo social. Cabe destacar que o aumento da produtividade do
trabalho, através da exploração prolongada e intensa, requer o aumento do
consumo de natureza, ampliando a destruição ambiental. Assim, o domínio da
natureza se realiza e se aprofunda com o emprego da maquinaria através da
grande indústria, ultrapassando as formas científicas anteriores.
A revolução que se estabelece pela grande indústria na agricultura,
amplia ainda mais a ruptura causada no metabolismo social, afirmando
conseqüências nefastas neste que passa a ser um ramo de atividade
absolutamente subordinado à lógica do capitalismo industrial. Estas
conseqüências vão se expressar na exaustão das forças da natureza e do
trabalho, a partir da submissão efetiva do campo à cidade. Neste sentido,
retomar de Marx o conceito de metabolismo social e o processo de ruptura da
unidade entre sociedade e natureza, expresso pelo conceito de falha
metabólica, torna-se central para o entendimento da separação campo e
cidade operada pela produção capitalista. As conseqüências ambientais desta
separação entre “[...] as fontes de produção de alimentos e a matéria-prima de
seu consumo.” (FOLADORI, 2001b, p.111), são observadas na alteração
radical das trocas de materiais e energia.
[...] grandes propriedades reduzem a população agrícola a um mínimo em constante queda e a põem frente a frente com uma população industrial em crescimento ininterrupto, amontoada nas grandes cidades. Criam-se assim condições que ocasionam um rompimento irreparável na coerência do intercâmbio social determinado pelas leis naturais da vida. Como resultado, a vitalidade do solo é desperdiçada, e esta prodigalidade é levada pelo comércio muito além das fronteiras de um dado Estado (Liebig). (MARX apud FOSTER, 1999, p.167-8).
A influência dos estudos de Liebig sobre Marx o leva a reforçar este
conceito de falha metabólica, identificando os resultados produzidos pelo
52
capitalismo com a indústria e a agricultura em grande escala. Marx afirma que
o maior mérito de Liebig reside na demonstração do lado nefasto da agricultura
moderna, sob a ótica das ciências naturais. Foster (2005), por sua vez, nos
esclarece que Marx se fundamenta e se convence do caráter insustentável da
agricultura capitalista, quando escreve por volta da década de 1860, sua
principal obra, O Capital, devido a dois acontecimentos históricos que
mobilizaram esta época.
Marx analisa, a partir destas reflexões, a síntese entre agricultura e
indústria, tendo em conta as razões econômicas da degradação ambiental, que
envolve necessariamente a degradação e a ampliação da exploração do
próprio trabalhador.
Tanto na agricultura quanto na manufatura, a transformação capitalista do processo de produção aparece, ao mesmo tempo, como martirológio dos produtores, o meio de trabalho como um meio de subjugação, exploração e pauperização do trabalhador, a combinação social dos processos de trabalho como opressão organizada de sua vitalidade, liberdade e autonomia, individuais. A dispersão de trabalhadores rurais em áreas cada vez maiores quebra, ao mesmo tempo, sua capacidade de resistência, enquanto que a concentração aumenta a dos trabalhadores urbanos. Assim como na indústria citadina, na agricultura moderna o aumento da força produtiva e a maior mobilização do trabalho são conseguidos mediante a devastação e o empestamento da própria força de trabalho. E cada progresso na agricultura capitalista não é só um progresso na arte de saquear o trabalhador, mas ao mesmo tempo na arte de saquear o solo, pois cada progresso no aumento da fertilidade por certo período é simultaneamente um progresso na ruína das fontes permanentes dessa fertilidade. Quanto mais um país, como, por exemplo, os Estados Unidos da América do Norte, se inicia com a grande indústria como fundamento de seu desenvolvimento, tanto mais rápido este processo de destruição. Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social ao minar simultaneamente as fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador. (MARX, 1984-b, p.102)
A citação acima é exemplar na demonstração da unidade dos processos
que determinam a ruptura do vínculo entre sociedade e natureza. Esta ruptura
é afirmada como decorrência direta da contradição entre o despovoamento
crescente do campo e o aumento da concentração urbana, que se revelam nos
regimes capitalistas desde sua raiz na acumulação primitiva.
Também destacamos, no pensamento marxiano, a referência ao
princípio de restituição do metabolismo social. Marx observa que a destruição
das condições deste metabolismo, desenvolvido espontaneamente, impõe, ao
53
mesmo tempo, a necessidade de restaurá-lo sistematicamente, como lei
reguladora da produção social a partir de um modo adequado ao pleno
desenvolvimento humano. Com o conceito de “falha metabólica”, utilizado para
explicar a perda da fertilidade da terra e a contaminação das cidades, Marx
identificou o antagonismo entre homens e a terra gerando uma falha irreparável
na interação metabólica entre os seres humanos e a terra, como conseqüência
das relações de produção e da divisão antagonista entre campo e cidade.
Compreendemos com Foster (2005) que Marx, quando fala de falha
irreparável, não afirma que ela seja insuperável, mas que sua reparação não
encontra condições imediatas de se realizar. Isto impõe a necessidade de
alterações qualitativas na relação entre sociedade e natureza, pois, sob o
imperativo do capital, as mesmas não podem ser reparadas imediatamente, a
partir das condições materiais disponíveis. Assim, a busca de superação desta
falha requer o acirramento de contradições com o modo de reprodução do
capitalismo.
Foster (2005) nos mostra que a propriedade privada da natureza é
central nas preocupações de Marx em relação à sustentabilidade das futuras
gerações, expressa na sua teoria da renda da terra. Esta teoria mostra a falha
metabólica com a natureza operada pelo capitalismo, que muda radicalmente
as relações com a terra, pois, nos modelos pré-capitalistas, a produção era
agrícola e, no modo de produção capitalista, a produção passa a ser
subordinada à criação da indústria. Sendo assim, a moderna propriedade da
terra criada pelo capitalista passa a gerar uma renda regulada (mediada) pelo
lucro industrial, se distinguindo radicalmente das rendas anteriores reguladas
pelo próprio trabalho agrícola.
Foladori (2001b), seguindo a tradição marxista, aborda a separação
entre campo e cidade como pré-requisito da moderna renda capitalista do solo
e aponta os dois elementos centrais que caracterizam a produção capitalista na
agricultura, a presença da grande propriedade e o êxodo rural.
As fases do desenvolvimento do capitalismo na agricultura, segundo
Foladori (2001b), dividem-se em dois momentos. Num primeiro momento, o
avanço da produção capitalista ocorre de forma extensiva, com a introdução de
relações capitalistas no interior de formas mercantis simples de produção,
através da colonização de novas áreas. Numa segunda fase, que não suprime
54
a primeira, mas que a ela se sobrepõe e se torna prevalente, ocorre a
introdução da mecanização na agricultura, proporcionando um
desenvolvimento do capitalismo intensivo, implicando numa maior inversão de
volume de capital sobre uma mesma extensão do solo. Deste processo,
decorrem duas consequências para a população: deslocamentos da força de
trabalho e em virtude da concorrência imposta pela agricultura mecanizada
capitalista são operados rápidos processos de eliminação da produção
mercantil simples. Como resultado final da junção destas duas conseqüências,
tem-se o êxodo rural acelerado e a aglomeração urbana.
Segundo Bottomore (2001), Marx, em seus estudos sobre o
desenvolvimento do capitalismo, sobretudo na agricultura, elaborou a teoria da
renda fundiária capitalista no terceiro livro de O Capital e em teorias da mais-
valia. Seu ponto de partida é embasado na consideração de que a renda é a
forma econômica das relações de classe com a terra. Sendo assim, em que
pese o fato de que a renda possa ser afetada por diferenciações relativas à
qualidade do solo e sua disponibilidade, ela não se constitui como uma
propriedade da terra, mas como propriedade das relações sociais.
Ao discutir o método da economia política, Marx nos esclarece algumas
questões sobre a relação entre agricultura e propriedade fundiária. Em primeiro
lugar, nos mostra que a propriedade fundiária é determinada pela agricultura, e
utilizada de modo comum, como propriedade comum. E destaca que
Onde predomina a agricultura praticada por povos estabelecidos como na sociedade antiga e feudal, a indústria com sua organização e as formas de propriedade que lhe correspondem mantém também maiores ou menores traços característicos da propriedade fundiária; a sociedade ou bem depende inteiramente da agricultura, como entre os antigos romanos, ou imita como na idade média, a organização do campo nas relações da cidade. [...] Na sociedade burguesa acontece o contrário. A agricultura transforma-se mais e mais em simples ramo da indústria e é dominada completamente pelo capital. A mesma coisa ocorre com a renda fundiária. Em todas as formas em que domina a propriedade fundiária, a relação com a natureza é preponderante. Naquelas em que reina o capital, o que prevalece é o elemento social produzido historicamente. Não se compreende a renda fundiária sem o capital, entretanto compreende-se o capital sem a renda fundiária. O capital é a potência econômica da sociedade burguesa, que domina tudo. Deve constituir o ponto inicial e o ponto final e ser desenvolvido antes da propriedade fundiária. (O Capital, volume I, tomo II, 1984, grifo nosso)
55
Tendo feito estas ponderações sobre cada um, Marx adverte sobre a
necessidade de entendimento de suas relações recíprocas. Como já
destacamos anteriormente, a conclusão dos estudos de Marx, sobre “A Gênese
da Renda Fundiária”, contida no livro 3 de O Capital, aponta a dupla ruína
causada pelo desenvolvimento da agricultura capitalista, tanto ao trabalhador, o
qual é exaurido de seu poder natural (sua força de trabalho), quanto ao solo,
que tem sua fertilidade desperdiçada e comprometida.
Foladori (2001b) nos mostra que os efeitos sempre nocivos da renda
capitalista sobre o meio ambiente se expressam através da separação entre
propriedade e produção, gerando degradação do solo, mas também através da
corrida pela apropriação de terras virgens. Segundo este autor, a valorização
da natureza no capitalismo é dada pela produção futura de produtos mercantis
que poderão ser extraídos. O valor monetário de uma terra é obtido por sua
renda capitalizada e a renda pela diferença entre preço da venda do produto e
seus custos, incluindo o lucro. Mas, uma porção de terra, mesmo que não
cultivada, também tem seu preço, este dado pelos solos vizinhos, similares em
relação à fertilidade/ localização e destino econômico, e ainda pelas melhorias
incorporadas. Disto resulta a especulação da terra, causa de
insustentabilidade, com grande visibilidade nas cidades, pois as novas áreas,
que eram agrícolas, são convertidas em solo urbano. Assim, os especuladores
imobiliários adquirem terras a preços mais baixos, em função de suas rendas
agrícolas, e as vendem mais caro de acordo com suas rendas urbanas,
refletindo uma mudança na orientação econômica do solo.O segundo efeito
sobre o meio ambiente se manifesta na apropriação de terras virgens que
passam a ter preço de mercado. Ao se apropriar das condições naturais
virgens, o capitalista também se apropria do produto da fertilidade natural
histórica, ou seja, se apropria da natureza gratuitamente.
Portanto, o desenvolvimento das relações capitalistas na agricultura é
paradoxal, segundo Foladori (2001b), no caso das inversões de capital que
ampliam os rendimentos econômicos ao mesmo tempo em que diminuem a
fertilidade natural do solo. Neste caso, a valorização da natureza é dada
exclusivamente pelo valor de troca que se possa dela retirar. A ampliação de
ganhos dos capitalistas, fruto da crescente inversão de capital no solo, mesmo
com a diminuição de seu rendimento físico, tem seu limite no esgotamento total
56
do solo, gerando uma crise ambiental. Marx explicou esta contradição
chamando atenção para a sua determinação econômica, uma vez que o lucro
retirado da renda do solo não retorna ao mesmo, mas é apropriado pelo
proprietário da terra, descrito por Foladori (2001b) como a contradição entre a
bonança econômica privada e a crise ambiental.
A lógica do desenvolvimento do capitalismo e sua relação com a terra é
analisada por Foster (2005, p. 243) como causadora de grandes contradições.
[...] A extrema polarização decorrente entre, num extremo, uma riqueza que não tem limites e, no outro, uma existência alienada, explorada, degradada que constitui a negação de tudo que é mais humano cria uma contradição que atravessa o sistema capitalista como uma linha de falha. [...] Em tudo isso, porém, Marx insiste continuamente em que a alienação da terra é o sinequa non do sistema capitalista.
Assim, Foster (2005) reforça que a abolição do antagonismo entre
cidade e campo se torna, para Marx, uma necessidade tanto da própria
produção industrial, como da produção agrícola e de saúde pública, tendo em
conta que as péssimas condições da água, do ar e da terra só podem ser
transformadas através de uma síntese mais elevada entre cidade e campo, que
eliminaria o fato comprovado de que, enquanto as massas se definham nas
cidades, seus excrementos cumprem a função de produzir lixo e doenças e não
adubo para a terra.
Foster e Clark (2006, p. 239) identificam as principais condições
ecológicas do capitalismo associadas ao imperialismo ecológico que “[...] está
gerando um conjunto de contradições ecológicas em escala planetária que põe
em risco a biosfera em sua totalidade”. A retomada da luta dos primeiros
socialistas, incluindo Marx, aponta para “a organização racional do
metabolismo com a natureza por meio de produtores associados livremente. A
maldição fundamental a ser exorcizada é o próprio capitalismo”.
O intento de Marx, ao elucidar as formas de falha do metabolismo com a
natureza e as suas especificidades no capitalismo era fundamentar a
necessidade de construção de outra organização societária. Esta sociedade
restabeleceria a relação de unidade entre o homem e a natureza externa
através do trabalho criativo, não subordinado e alienado, exercido por
produtores livremente associados.
57
A relação em torno da disputa pelo acesso, distribuição e apropriação
dos bens ambientais, e o funcionamento da economia, impõe a consideração
sobre a auto-regulação do metabolismo social, onde a natureza seja regida por
suas próprias leis e processos naturais, e a sociedade, por suas regras
estabelecidas em torno da divisão do trabalho e a distribuição dos bens
socialmente produzidos.
Assim, o processo de construção de uma verdadeira sustentabilidade
co-evolutiva requer que a interação entre processos naturais e sociais, ao
longo do tempo, permita ao homem superar as falhas metabólicas, resultantes
de determinados modos de produção. A transformação da relação entre o
homem e a natureza, conforme nos ensina Marx, coloca-se como
conseqüência da superação destas falhas metabólicas. A abolição das
relações de produção, causadoras do antagonismo campo e cidade, impõem o
fortalecimento das lutas sociais, que vem sendo travadas no campo, em torno
de outro modelo agrário e ecológico.
As lições do capitalismo agrário são destacadas por Wood(2000) através
das seguintes questões: 1- O capitalismo não é resultante natural e inevitável
da natureza humana ou de práticas sociais antigas como o comércio, mas é
produto de suas próprias leis históricas que exigiram uma transformação nas
trocas do homem com a natureza para o provimento de seus meios de vida e
reprodução; 2- o capitalismo é, desde o seu início, uma força contraditória,
pois, como no caso da Inglaterra, as condições para a prosperidade material
foram alcançadas através de extensa expropriação e intensa exploração. A
busca por melhoramentos dos solos é regida pela busca de ampliação de
lucros.
A ética do “melhoramento”, da produtividade visando o lucro, é também, naturalmente, a ética do uso irresponsável da terra, da doença da vaca louca e da destruição ambiental. O capitalismo nasceu no âmago da vida humana, na interação com a natureza da qual depende a própria vida. A transformação desta interação pelo capitalismo agrário revela os impulsos inerentemente destrutivos de um sistema no qual os aspectos fundamentais da existência estão sujeitas às exigências do lucro. Em outras palavras, revelam a essência secreta do capitalismo. (p.27-8).
A autora destaca ainda uma lição de caráter mais geral acerca da
experiência da Inglaterra
58
[...] Uma vez que os imperativos do mercado ditam os termos da reprodução social, todos os atores econômicos – tanto apropriadores quanto produtores, mesmo que tenham a posse, ou mesmo a propriedade dos meios de produção – estão sujeitos às exigências da competição, da produtividade crescente, da acumulação de capital e da intensa exploração do trabalho. [...] A história do capitalismo agrário e tudo que segue mostra com clareza que, onde quer que os imperativos do mercado regulem a economia e governem a reprodução social, não há como escapar da exploração. (p.28-9).
A exploração como traço marcante da sociedade capitalista se amplia de
modo voraz, no contexto da terceira revolução agrícola, em que se afirma o
agronegócio, tratado por Magdoff, Lanyon e Liebhardt, citados por Foster
(2005, p.346), como resultado da criação da indústria de fertilizantes, exterior à
economia agrícola, que buscava substituir os nutrientes perdidos do solo.
Uma ruptura subseqüente ocorreu com a terceira revolução agrícola
que, na sua fase inicial, estava associada à remoção dos grandes animais das
propriedades agrícolas, o desenvolvimento de confinamentos centralizados e a
substituição da tração animal por tratores. Não era mais necessário cultivar
leguminosas, que fixavam nitrogênio no solo naturalmente, para alimentar
ruminantes. Daí a dependência do nitrogênio fertilizante, produto deste novo
ramo da indústria, ter crescido com toda sorte de efeitos ambientais negativos,
inclusive a contaminação da água de superfície, a “morte” de lagos, etc. Tais
acontecimentos e outros processos intimamente correlatos são agora vistos
como associados ao padrão distorcido de desenvolvimento que caracterizou o
capitalismo (e outros sistemas sociais, como o da União Soviética que replicou
este padrão de desenvolvimento), tomando a forma de uma falha cada vez
mais extensa entre cidade e campo – entre o que é hoje uma humanidade
mecanizada oposta a uma natureza mecanizada. A fase atual do capitalismo
monopolista, cujas mudanças na agricultura avançam no aprofundamento dos
processos de artificialização, exploração, degradação e alienação do solo e do
trabalhador, impõe os impactos desta lógica no desenvolvimento da agricultura
brasileira e manifestam sua interconexão com a questão ambiental e as lutas
dos movimentos sociais no campo. É também a partir da terceira revolução
agrícola que se desenvolverá, após a segunda guerra mundial, a chamada
“Revolução Verde”, proporcionando transformações ainda mais profundas na
agricultura, ampliando, portanto, a falha metabólica.
59
Destacamos a relevância destes estudos e seu aprofundamento para a
análise da questão ambiental no espaço agrário brasileiro, que será tratada no
capítulo II, especificando como o desenvolvimento da agricultura capitalista se
tornou um modelo hegemônico e ampliou, ainda mais, a falha metabólica,
fazendo com que se afirmassem sujeitos coletivos antagônicos ao mesmo.
Pelo exposto, estamos convencidos de que a produção marxiana nos
fornece bases necessárias para a compreensão das relações entre sociedade
e natureza que se erguem sob o capitalismo, ao evidenciar que a degradação
do ambiente se explica através de questões econômicas e políticas
relacionadas ao duplo processo de exploração do trabalho e da natureza.
Assim, o conceito de falha metabólica é utilizado para apreender o processo de
alienação de ambos, através da síntese entre a agricultura e a indústria. A
superação do metabolismo social do capital e a construção de um novo
metabolismo social passam, necessariamente, pela abolição deste modo
industrial de produção e pela livre associação dos produtores, onde o controle
das trocas materiais com a natureza no processo produtivo e a extinção da
propriedade privada são condições centrais. Esta será uma das
problematizações que pretendemos realizar nos próximos itens deste capítulo
1.1.3 Acumulação, expropriação e mercadorização da natureza: eixos
fundantes da questão ambiental.
O desenvolvimento do capitalismo como sistema mundial, segundo Marx
(apud FOSTER; CLARK, 2006), deveria ser compreendido através dos
aspectos globais implicados tanto na acumulação primitiva quanto na falha
metabólica. O concomitante genocídio dos povos indígenas e a apropriação de
riqueza da América foram centrais para a constituição de grandes fortunas,
pois proporcionaram a pilhagem dos recursos naturais da periferia e a
exploração de seus recursos ecológicos. A criação de monoculturas como as
de café e de cana de açúcar para exportação, destinada à Europa com trabalho
escravo ou semi-escravo, fruto do desenvolvimento da economia mundial
capitalista, operava o roubo da periferia em favor dos países centrais.
Galeano (1983) analisa todo este processo, especificando a situação da
América Latina como a região das veias abertas.
60
Desde o descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, rica em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. (GALEANO, 1983, p.14).
Para Harvey (2004), expropriação vem se constituindo como elemento
fundante no modo de produção e dominação capitalista, atuando em dois
sentidos: como forma de desapossamento não só dos meios de vida e de
produção, mas também da cultura e saberes para a realização de valor e como
forma de resgate da terra e, portanto, da natureza, que antes estava na mão
dos camponeses. O autor afirma que a expropriação de terras camponesas,
ocorrida na Inglaterra no período de acumulação primitiva, através da violência
em si, não se restringiu apenas a este período, mas prossegue na atualidade,
muitas vezes revestida de outros mecanismos de dominação. Neste período do
capitalismo neoliberal, principalmente os camponeses e os bens ambientais
continuam a sofrer com as ofensivas cada vez mais ampliadas do capital. Esta
relação é denominada pelo autor citado, como acumulação por espoliação ou
por desapossamento.
Consideramos que a espoliação sempre se constituiu num recurso do
capital. No entanto, conforme discutiremos mais adiante, as implicações atuais
estão relacionadas ao processo de manipulação da natureza e sua apropriação
privada, que se transforma num campo de acumulação do capital. O processo
de incorporação da natureza, na esfera da acumulação de capital se inicia com
a expropriação, que possibilita a apropriação, transformando a natureza em
propriedade privada constituída. Mas este ciclo só se completa com a
mercadorização, resultado de um processo final de interação entre a natureza
e o processo de trabalho, o qual pressupõe o trabalho assalariado, que
transforma a natureza numa outra matéria, ou seja, numa mercadoria, que
além de possuir valor de uso, possua, antes, valor de troca. Como nos mostra
Marx, o capitalista não produz mercadoria por amor à mesma.
Mas cabe ainda destacar que a valorização da própria mercadoria-
natureza no processo final de valorização do capital, só se fez presente no
capitalismo. Por isso, temos hoje a criação de mercados especializados em
61
direitos de propriedade que se estendem desde o ar, as sementes, até a
biosfera como um todo, que vêm sendo incorporados na esfera da valorização
do capital, tornando-se direito de propriedade privada e deixando de ser bens
livres e coletivos. Este quadro é exemplar em relação ao fetichismo da
mercadoria, aplicada à natureza, que é considerada como uma coisa que,
servindo à reprodução do capital, torna-se altamente nociva ao intercâmbio
homem-natureza, ou seja, ao metabolismo social. Com isso, a natureza é
capitalizada, ou seja, é utilizada de acordo com o processo produtivo capitalista
voltado para a produção de valor e se transforma em valor de troca.
Chesnais (2010) defende que a natureza é considerada como uma
externalidade para o capital. Assim, tecnologias de produção limpa ou menos
poluentes e a utilização de recursos energéticos não poluentes só são
desenvolvidas na medida em que sejam funcionais ao capital, garantindo,
portanto, a reprodução do sistema capitalista.
A questão da tecnologia no capitalismo nos mostra que a relação
humana estabelecida com a natureza possui, contraditoriamente, aspectos
positivos relacionados ao conhecimento e, portanto, ao domínio das forças da
natureza, que representam o desenvolvimento das forças produtivas e uma
grande negatividade, na medida em que a ciência e a tecnologia são
estimuladas e desenvolvidas visando à elevação da produtividade do trabalho e
da taxa de exploração. Neste sentido, somos concordantes com Porto-
Gonçalves (2006) sob o comando do capital, a ciência assume um caráter
eminentemente antiecológico em consonância com a forma com que trata a
natureza, ou seja, como recurso, como objeto útil para a produção de valor.
A ciência, elemento fundamental para o conhecimento e mediação da
relação sociedade-natureza, como produtora de uma tecnologia, direcionada
pelo modo de produção capitalista, embasado na propriedade privada e na
realização do valor, se encontra separada de seus produtores diretos, os quais
se desvinculam das funções de comando e gestão do processo de trabalho e
dos bens a serem produzidos.
Encontramos em Médici (1983) elementos de reflexão sobre o sentido
histórico do processo que levou a relação homem e natureza ao quadro atual
de degradação ambiental. O processo de expropriação das terras e dos meios
de produção da maioria da população, como forma de acúmulo de capital, e o
62
surgimento do trabalho assalariado foram condições necessárias e
determinantes no processo de desenvolvimento do capitalismo.
O desenvolvimento do capitalismo para uma fase industrial mais
avançada ampliou o domínio humano sobre a natureza, aprofundando as
relações homem/natureza mediadas pelo trabalho. Com a exploração do
trabalho através da mais valia absoluta, configura-se um quadro de intensa
pauperização dos trabalhadores ao lado da riqueza acumulada. Isto resulta na
presença das lutas sociais de classe, sugerindo o início do que mais tarde será
denominado de “questão social”, ou seja,
[...] expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia [...]. (IAMAMOTO e CARVALHO, 1983, p. 77)
Segundo Netto (1992), questão social pode ser tratada como “o conjunto
dos problemas sociais, econômicos e políticos que o surgimento da classe
operária trouxe para o contexto de enfrentamento das relações capitalistas de
produção”. Segundo este mesmo autor, neste período, os trabalhadores
passam a se organizar internacionalmente, criando em 1864, a Primeira
Internacional, dando início à criação de sindicatos e partidos políticos
socialistas e operários. Neste contexto, o Estado e as classes dominantes
elaboram a solução conservadora para a “resolução” da chamada “questão
social”, que se dá nos marcos da sociedade capitalista.
De acordo com Netto (1992), o desenvolvimento do capitalismo em sua
fase monopolista representou o fim dos empresários da “livre iniciativa” e suas
características estruturais se centram em alguns elementos, onde destacamos:
a produção e distribuição de mercadorias centralizadas por trustes e cartéis; a
tendência à fusão do capital bancário com capital industrial e exportação de
mercadorias e capitais. Estas características marcaram o desenvolvimento do
capitalismo no período anterior a I Guerra Mundial até a II Guerra. Esta nova
fase do capitalismo, que perpassa todo o século XX e adentra o século XXI,
também caracterizada como imperialismo tem como elementos distintivos os
padrões de acumulação flexível. E este processo de acumulação sob o
63
imperialismo ocorre em nível mundial, tendo como sustentáculo a forma
empresarial monopolista.
Este autor também nos mostra que, com o surgimento do capitalismo
monopolista, até o final da I Grande Guerra, novas áreas agrícolas são
incorporadas ao mercado mundial, assim como se amplia a industrialização,
abrangendo Alemanha, Estados Unidos e o Oriente, através do Japão. Este é
um período de renovação tecnológica que, juntamente com a ampliação da
industrialização, influencia o aparecimento de formas de disciplinamento da
classe operária, onde se destaca o Taylorismo5·.
Após a II Guerra Mundial, os anos que vão de 1945-1960 são
considerados os “anos dourados do capitalismo monopolista”, conhecidos pela
criação do Welfare State. A produção fordista6 é universalizada junto com a
gerência taylorista. Foram estes mesmos anos dourados do capitalismo que,
de acordo com Hobsbawn (1994), apresentaram, em sua contra-face, uma
monumental destruição ambiental, onde a natureza passa a ser apropriada e
mercadorizada de modo inédito, sendo utilizada num ritmo e numa velocidade
jamais vistos na história humana. Este autor assevera
[...] uma taxa de crescimento econômico como a da segunda metade do Breve Século XX, se mantida indefinidamente (supondo-se isso possível), deve ter conseqüências irreversíveis e catastróficas para o meio ambiente natural deste planeta, incluindo a raça humana que faz parte dele ( p. 574).
5 Taylorismo ou Administração científica é o modelo de administração desenvolvido
pelo engenheiro norte-americano Frederick Taylor (1856-1915), considerado o pai da administração científica e um dos primeiros sistematizadores da disciplina científica da Administração de empresas. O Taylorismo caracteriza-se pela ênfase nas tarefas, objetivando o aumento da eficiência ao nível operacional. É considerado uma das vertentes na perspectiva administrativa clássica. Suas ideias começaram a ser divulgadas no século XX.
6Fordismo, termo criado por Henry Ford, em 1914 refere-se aos sistemas de produção em
massa (linha de produção) e gestão idealizados em 1913 pelo empresário estadunidense Henry Ford (1863-1947), autor do livro "Minha filosofia e indústria", fundador da Ford Motor Company, em Highland Park, Detroit. Trata-se de uma forma de racionalização da produção capitalista baseada em inovações técnicas e organizacionais que se articulam tendo em vista, de um lado a produção em massa e, do outro, o consumo em massa. Ou seja, esse "conjunto de mudanças nos processos de trabalho (semi-automatização, linhas de montagem)" é intimamente vinculado as novas formas de consumo social. Esse modelo revolucionou a indústria automobilística a partir de janeiro de 1914, quando Ford introduziu a primeira linha de montagem automatizada. Ele seguiu à risca os princípios de padronização e simplificação de Frederick Taylor e desenvolveu outras técnicas avançadas para a época. Suas fábricas eram totalmente verticalizadas. Ele possuía desde a fábrica de vidros, a plantação de seringueiras, até a siderúrgica.
64
Pontuando, especificamente, as alterações operadas pelo capitalismo
com o desenvolvimento da agricultura em grande escala, cabe apontar também
que foi no pós II Guerra Mundial, a partir da segunda metade do século XX,
que se desenvolveu a chamada “Revolução Verde” 7. As máquinas adaptadas
das sobras de armas da segunda guerra (como tanques, por exemplo) para
incrementar a agricultura de grande escala e, outros insumos, como os
chamados “defensivos” agrícolas são, por conseguinte, uma adaptação do
capitalismo aos “restos de guerra”. Isto expressa a extensão desta
destrutividade da indústria de guerra para a agricultura, tornando-se exemplar
como expressão da “destruição criativa” do capital defendida por Hayek, (apud
Foster, 2005) Decerto, a criatividade do capital vem se revelando inesgotável,
quando se trata de ampliar seus ganhos, pois, a partir de uma tecnologia
altamente destrutiva, se criam outras por sucessão, como no caso do pacote
tecnológico da revolução verde para a agricultura capitalista.
Médici (1983) argumenta que a etapa monopolista representa um marco
na “história da degradação ambiental” por ter desenvolvido, através da
chamada “segunda revolução industrial”,
[...] um conjunto de inovações tecnológicas consolidadas em novos processos de produção industrial, em novos produtos, e em novas fontes de produção e transmissão de energia [...]. O esgotamento dos recursos naturais, a degradação do meio ambiente e a deterioração da qualidade de vida das populações sob um determinado padrão de industrialização só ocorreram em função do pleno desenvolvimento do capitalismo, em especial em sua etapa monopolista (MÉDICI, 1983, p.6).
O desenvolvimento do capitalismo industrial acelera a tendência de
produção ilimitada de mercadorias, demandando a concomitante ampliação do
volume de recursos naturais necessários a esta produção. Com a elevação do
preço das mercadorias e da taxa de lucro e de acumulação, e com vistas a
evitar o subconsumo, verifica-se um processo de “criação de necessidades”
encaminhado pelo capitalismo, o que nos leva a refletir sobre a atualidade da
relação entre valor de uso e valor de troca. O capitalismo se afirma e se auto-
7No Brasil, a partir de meados da década de 1960, inicia-se a implantação da “revolução verde”
, que impõe profundas alterações na produção da agricultura. A manifestação da questão ambiental no desenvolvimento da agricultura brasileira será discutida no próximo capítulo.
65
realiza através da subordinação das necessidades humanas às necessidades
de reprodução do valor de troca.
Foster (2005) nos mostra que Marx, nos Grundrisse, revela a diferença
entre os objetivos da produção de riquezas presentes nas práticas produtivas
do mundo antigo e do mundo moderno. Enquanto na antiguidade o objetivo da
produção é o atendimento das necessidades do ser humano e a riqueza
produzida se subordina a essa condição, no mundo moderno a produção de
riquezas se subordina aos objetivos da produção e a humanidade é
condicionada a produzir nesta nova lógica.
Foladori (2001c) destaca que a degradação ambiental, presente em
sociedades anteriores ao capitalismo, não se constituíam como ameaças
planetárias, uma vez que a produção era pautada na satisfação das
necessidades, onde a produção de mercadorias era definida pelo seu valor de
uso. Com a economia mercantil, sob o comando do capital, esta ordem é
subvertida, pois o processo produtivo passa a ser operado com vistas à
produção de excedente para a obtenção de lucro, portanto, o trabalho passa a
ser realizado com o objetivo de obtenção de valor.
Mészáros (2006) evidencia que a relação entre valor de uso e valor de
troca e a conseqüente subordinação do primeiro ao segundo foram
determinantes para que a produção de riqueza se transformasse no objetivo da
produção, sob a hegemonia do capital. A dinâmica do capitalismo
contemporâneo tem neste recurso a chave do seu desenvolvimento, uma vez
que a expansão do valor de troca subordina ao capital todas as necessidades
das pessoas e as diversas atividades de produção, tanto materiais quanto
culturais. Esta ruptura entre utilização humana e a produção, substituída pela
relação mercadoria, foi vital para a expansão do capital, para a qual não
poderia haver limites. E é essa determinação própria do sistema produtivo do
capital que se expressa no fato de que os seus produtos mercantilizados
mudam de mãos, ou seja, não são valores de uso para os seus proprietários,
mas são valores de uso para os seus não proprietários. Isto reflete o que Marx
discute em O Capital (livro 1), no processo de valorização das mercadorias, as
quais devem ter um valor antes que sejam realizadas como valores de uso.
Foladori (2001b) apresenta a contribuição de Burkett (1999) sobre o
duplo conceito de riqueza que, tendo por referência a produção de Marx em O
66
Capital, ressalta a diferenciação entre riqueza material (valor de uso) e riqueza
social (valor de troca), afirmando que o processo do metabolismo social é o
que gera a riqueza material, ou seja, aquela natureza adaptada às
necessidades humanas. Mas este metabolismo, sob relações sociais de
produção e outras formas de organização de consciência, opera a
transformação da riqueza material em riqueza social, estabelecida através de
critérios históricos construídos por cada sociedade.
Sendo assim, há uma determinação material que é subordinada a uma
determinação social. Ocorre que, na sociedade capitalista, essa transformação
da riqueza material se incorpora numa riqueza social que é o dinheiro. De
modo que, para Marx, essa riqueza se apresenta como um conjunto de
mercadorias. E a mercadoria é a expressão deste duplo caráter da riqueza, ou
seja, é riqueza material, pois atende as necessidades e ainda pode ser trocada
por outros objetos.
Para Marx, a riqueza material, útil às necessidades humanas, é
expressa pelo valor de uso, que é um conceito inerente à natureza humana. A
valorização da natureza é dada pela relação da sociedade com seu ambiente.
Do ponto de vista das necessidades humanas (valor de uso), a natureza tem
valor genericamente. Mas é no modo de produção capitalista, através de suas
relações sociais, que o valor dessa natureza, dada pelo seu uso, se submete à
valorização atribuída pela sociedade humana.
A ordem produtiva dinâmica do capital, que submete profundamente as
necessidades humanas às necessidades de expansão do capital, é, para
Mészáros (2007, n. p.), auto-contraditória, pois impede o controle racional
completo, trazendo, no longo prazo, conseqüências perigosas e potencialmente
nefastas, que transformam “[...] um grande poder positivo de desenvolvimento
econômico, antes totalmente inimaginável, numa devastadora negatividade, na
ausência total da necessária contenção reprodutiva”.
O sistema capitalista necessita, então, de uma teorização falsa que
justifique uma produção ficticiamente ilimitada como a única alternativa, mesmo
que não se possa garantir que “[...] ‘a mudança de mãos, requeridas e
sustentáveis das mercadorias fornecidas, se verificará no mercado ‘idealizado’
[...]” (MÉSZÁROS, 2007, n. p.), contida na conhecida e famosa mão invisível do
mercado formulada por Adam Smith, e que
67
[...] as condições materiais objetivas para produzir a projetada oferta ilimitada [...] de mercadorias possa ser assegurada para sempre, [desconsiderando] o impacto destrutivo do modo de reprodução metabólica social do capital sobre a natureza. (MÉSZÁROS, 2007, n. p.)
A solução projetada, segundo o autor citado, que deixa intacta o sistema
de produção capitalista é fazer com que a distribuição seja mais equitativa,
como se pudesse omitir, que o aspecto determinante da distribuição reside na
intocável distribuição exclusiva dos meios de produção, nas mãos da classe
capitalista. Apreender a relação entre o desenvolvimento das forças produtivas
e relações sociais de produção torna-se central para que a questão ambiental
seja dimensionada como resultante deste processo contraditório, cada vez
mais marcante no capitalismo contemporâneo, que consegue ampliar as
potencialidades humanas e sua diferenciação em relação à natureza e,
contraditoriamente, promover a atual degradação ambiental e desigualdades
humanas.
Os traços predadores e os processos destruidores com tempo de
gestação longo são colocados por Chesnais e Serfati (2003) como indicadores
decisivos e necessários à retomada e apropriação de uma crítica radical do
capitalismo e da dominação burguesa. Os autores defendem que a pertinência
da tradição marxiana, para essa análise, deve ser apreendida não apenas
através da obra de Marx, mas fundamentalmente através de seu método de
análise do capital e da constituição e desenvolvimento do modo de produção e
dominação capitalista. Este recurso possibilita a apreensão não só destes
traços predatórios, mas de todas as tendências à transformação das forças
inicialmente e potencialmente produtivas em forças destrutivas, já inscritas nos
fundamentos do capitalismo desde sua instituição e que avançam num tempo
de gestação e de maturação muito longo.
Os autores retomam as observações de Marx em “A Ideologia Alemã”,
onde este identifica dois mecanismos destrutivos
[...] no desenvolvimento das forças produtivas, chega-se a um estágio em que nascem forças produtivas e meios de circulação, que só podem tornar-se nefastas no quadro das relações existentes e não são mais forças produtivas, mas forças destrutivas (o maquinismo e o dinheiro) (MARX, apud Chesnais e Serfati, 2003, p.12)
68
É preciso pontuar que concordamos com a análise que Chesnais e
Serfati (2003) fazem sobre as observações de Marx em A Ideologia Alemã
sobre as forças destrutivas (o maquinismo e o dinheiro), que se situa no âmbito
de suas preocupações com o destino dos proletários, de suas famílias e das
camadas não proletarizadas mais exploradas. Isto reafirma que o processo
inicial de constituição do capitalismo, através da expropriação das condições
de existência dos produtores, que mais tarde vão formar o proletariado, já se
constituía numa ameaça concreta, desde a acumulação primitiva, às condições
físicas de reprodução social, tendo como referência central o caráter destrutivo
do capitalismo no campo do meio ambiente natural e da biosfera.
Para Mészáros (2006), a subordinação das necessidades humanas à
reprodução do valor de troca, o controle do sociometabolismo do capital sobre
o indivíduo e a necessidade vital de acumulação e sua lógica destrutiva se
expressam no capitalismo contemporâneo, dentre outras estratégias, através
da redução do tempo de uso das mercadorias, também denominado como taxa
decrescente de utilização (TDU). Portanto, através da TDU, o capital viabiliza a
realização de uma obsolescência planejada das mercadorias, que se torna uma
estratégia, especificamente capitalista, que comanda a técnica de fabricar
produtos pouco duráveis, vital para a acumulação do capital que ganha com o
decréscimo no tempo de uso.
De acordo com o autor citado, esse crescimento da produção sem
limites, possibilitado com a redução do tempo de utilização dos produtos, força
uma contradição fundamental, pois o aumento acelerado de consumo de
recursos naturais neste processo de produção ocasiona uma verdadeira
destruição ambiental, gerando o desperdício de uma de suas fontes de
acumulação. Esta contradição corresponde à lógica capitalista que determina e
subordina as necessidades humanas às suas necessidades de auto-
reprodução.
Mészaros (2006) analisa esta tendência do capitalismo atual nos
mostrando que tanto o consumo como a destruição são equivalentes
funcionais. A produção destrutiva do capital que amplia a violência social
também leva a aceleração do consumo e do desperdício de recursos naturais
devido à TDU, ao mesmo tempo em que eleva os efeitos perversos da poluição
ambiental, aquecimento global, mudanças climáticas, etc.
69
O Estado, sob o comando do capital, se apresenta como um sujeito
fundamental na aplicação da TDU e o complexo industrial-militar torna-se o
núcleo estratégico deste tipo de produção e consumo. A partir da metade do
século XX, a indústria civil passa a utilizar a TDU, que tem repercussões
negativas na produção e no consumo capitalista, abrangendo bens e serviços,
instalações e maquinarias e, a força de trabalho.
Segundo Lowy (2005), a interpretação de Marx, feita por alguns
marxistas, de que a tarefa do socialismo seria destruir as relações de produção
capitalistas, a propriedade privada, as classes sociais, etc. e permitir o livre
desenvolvimento das forças produtivas, deve ser criticada e superada. Esta
interpretação tem como problema central o pressuposto da neutralidade das
forças produtivas, que devem ser desenvolvidas ainda mais. Em contraponto, o
autor ressalta que as forças produtivas, sob o comando e a intencionalidade do
capital, portanto, a serem herdadas do capitalismo, são destruidoras da força
de trabalho e da natureza.
A própria estrutura do processo produtivo, da tecnologia e da reflexão científica a serviço dessa tecnologia e desse aparelho produtivo é inteiramente impregnada pela lógica do capitalismo e ela toda conduz a um tipo de força produtiva que é destruidor do meio ambiente. (p.83).
Neste sentido, o autor propõe como alternativa radical a transformação
da própria estrutura das forças produtivas, a estrutura do aparelho produtivo,
pois sem isso ela não pode ser apropriada e posta a serviço das classes
trabalhadoras. Como exemplo, destaca a urgência da superação do sistema
produtivo capitalista atual, que tem seu funcionamento ligado a três tipos de
energias altamente destruidoras da natureza - o carvão, o petróleo e a energia
nuclear - que precisam ser substituídas por energias renováveis, das quais a
energia solar é a principal, tanto pela sua abundância como pelo seu acesso.
Foster (2005) pondera que a utilização de recursos energéticos alternativos e
não-poluentes (energia solar, eólica, etc.) não se refere a uma questão de
limite técnico do capital, mas ao fato de que o desenvolvimento destes recursos
está condicionado ao lucro e este objetivo central submete os interesses e
necessidades da humanidade e do planeta.
70
Mészáros (2006) defende que as forças produtivas desenvolvidas pelo
capital não podem ser simplesmente herdadas por uma nova forma histórica de
sociedade, pois que devem ser radicalmente reestruturadas e reorientadas.
Seu argumento se centra no fato de que as forças produtivas forjadas pelo
capital se transformaram numa pesada herança, que restringem uma nova
forma social ao legado do passado. Mas somos concordantes com Chesnais e
Serfati (2003) que defendem que a lógica do capital encarnou-se em
determinados ramos tecnológicos, que devem ser eliminados, como por
exemplo, a biotecnologia para a produção de sementes transgênicas. Assim,
consideramos que o caráter social de toda tecnologia corresponde ao nível das
necessidades e do desenvolvimento da sociedade, que são hegemonizadas
pelas classes dominantes, podendo ser progressiva ou regressiva.
Mas cabe ponderarmos que não significa que a humanidade tenha que
dispensar todas as forças produtivas, pois isto, nenhuma sociedade pode fazer.
Neste sentido, Lowy (2005) nos lembra que, quando Marx fala em “quebrar as
forças produtivas”, não nega a necessidade de conservação e expansão de
forças produtivas “positivas”.
A fase atual do capitalismo apresenta claramente esta contradição entre
as forças produtivas e as relações sociais de produção, pois a ampliação do
desenvolvimento das forças produtivas, incentivado pelo acréscimo
tecnológico, entra em contradição com as relações capitalistas que ofereceram
as condições de seu próprio avanço, e agora se tornam entraves à ampliação
do desenvolvimento das forças produtivas. Assim sendo, com a crise gerada
por este processo, as relações sociais capitalistas têm que se transformar e a
saída encontrada é a queima, a destruição de parte destas forças, que se
justifica, pela lógica do capital, como “destruição produtiva”. A materialização
desta saída vem ocorrendo historicamente em todas as crises do capital, com a
queima das forças produtivas através de guerras (que beneficia-impulsiona a
indústria bélica), da dilapidação social da força de trabalho, da destruição de
mercadorias, da degradação da natureza, etc., obedecendo à estratégia de
realização do valor. No entanto, a crise atual possui características particulares,
que se mostra, expressivamente, mais grave e ameaçadora, conforme
discutiremos no último capítulo.
Somos concordantes com Silva (2010, p.32) ao evidenciar que
71
[...] a localização ontológica das determinações da questão ambiental se situa na separação da sociedade em classes sociais e, as conseqüentes distinções na forma de se apropriar do meio ambiente, nos leva a identificar a radical impossibilidade de superação da destrutividade planetária pela via do progresso técnico.
Bihr (1999) analisa que a “lógica mortífera” do produtivismo capitalista,
submete todo o processo de produção, envolvendo cada um de seus três
elementos. Assim, no processo de produção capitalista, a natureza, a ser
transformada pelas forças do trabalho e, meios de trabalho, para atender a um
sistema de necessidades, torna este ato mediador em seu próprio fim.
Assim, concluímos com Silva (2010) ao afirmar que o entendimento das
determinações mais gerais da questão ambiental, se encontra no processo e
na dinâmica do desenvolvimento do capitalismo e, como produto da forma
histórica de apropriação da natureza pelo capital, que é transformada em
objeto mercantilizável a partir da mediação da ciência e da tecnologia, com a
intencionalidade de ampliação das potencialidades do trabalho para a extração
de mais-valia.
Trataremos a seguir da relação entre política e questão ambiental, tendo
como referência a contribuição do italiano Antônio Gramsci, destacando o
conceito de política e suas elaborações sobre a relação entre Estado e
Sociedade civil, que serão analisados como elementos de uma perspectiva
essencial, para a necessária politização da questão ambiental.
1.2 Política e questão ambiental
1.2.1 Política em Gramsci: considerações teórico-conceituais
Podemos afirmar que uma acepção positiva da Ciência Política, no
interior do marxismo, se constrói particularmente a partir da produção do
italiano Antônio Gramsci. Empenhado em realizar uma crítica fundamentada ao
economicismo, à experiência da Segunda Internacional e ao “marxismo
soviético”, este autor se preocupa em afirmar que as “relações de força” são
um momento constitutivo do ser social.
72
A obra de Gramsci tem como fio condutor, assim, uma reflexão sobre a
ação e as instituições políticas. Para ele, todas as esferas do ser social
convergem para a relação com a política, da qual o primeiro elemento é que
existem efetivamente governantes e governados. Esta figura abstrata contém
potencialmente todas as determinações mais concretas da totalidade e, para
este autor, é necessário demarcar o caráter de historicidade deste elemento: a
relação entre governantes e governados tem uma gênese na sociedade de
classes e uma possibilidade de superação no que ele denomina como
“sociedade regulada”8 .
Gramsci afirma que a natureza humana é o conjunto das relações
sociais historicamente determinadas e, neste conjunto, a ciência política deve
ser concebida em seu conteúdo concreto como um organismo em
desenvolvimento. Assim, o primeiro elemento da política não é um fato natural
e eterno, mas um fenômeno histórico sobre o qual Gramsci se preocupa em
problematizar: pretende-se criar condições nas quais a necessidade desta
divisão desapareça? Crê-se que ela é um fato histórico, correspondente a
certas condições?
A fim de buscar resposta a essas questões, Gramsci constrói uma
perspectiva original de política destacando duas acepções principais. Em
primeiro lugar, política teria uma concepção ampla, onde a mesma pode ser
considerada como sinônimo de liberdade, de universalidade, referindo-se a
todas as formas de práxis que superam a simples recepção passiva ou a
manipulação dos dados imediatos da realidade, e se dirige para a totalidade
das relações objetivas e subjetivas. Neste sentido, todas as esferas do ser
social são atravessadas pela política, todas elas contêm a política como um
elemento real ou potencial ineliminável. Política é sinônimo de “catarse”, de
superação, de salto qualitativo, de passagem do momento meramente
econômico ao momento ético-político, permitindo a elaboração superior da
estrutura em superestrutura na consciência dos homens.
8 Na “sociedade regulada”, será superada a divisão da sociedade em classes antagônicas, a
partir da construção de uma complexa e bem articulada sociedade civil, em que o indivíduo particular se governe por si sem que este seu autogoverno entre em conflito com a sociedade política. Constrói-se, assim, a possibilidade de que tal sociedade civil seja capaz de absorver o Estado-coerção, cujas funções serão transferidas para as relações conscientes e consensuais da sociedade civil.
73
Para Martins (2007) com o conceito de “catarse”, Gramsci conseguiu
sintetizar sua concepção de mundo num conceito comprometido ético-politica e
ideologicamente com as classes subalternas.
[...] a libertação dos subalternos na acepção gramsciana exige uma reforma moral e intelectual que seja capaz de efetivamente promover nas classes subalternas uma “catarse” (...). Isso porque elas só conseguirão constituírem-se como um bloco social no momento em que unificarem os grupos subordinados na luta contra hegemônica, o que só é possível abandonando as suas posições corporativas e adquirindo cada vez mais consciência de classe, bem como desenvolvendo ações guiadas por essa consciência renovada e elevada. É neste momento de elevação de consciência e de luta ético-política contra a hegemonia vigente que as classes subalternas superam a sua condição de “classe em si” para tornarem-se “classe para si” (Marx), educadas como conjunto, que lutam em favor de si orientadas por uma visão de mundo que elas mesmas e seus intelectuais orgânicos forjaram. (Martins, entrevista IHU on-line, 2007)
Coutinho (2003) ressalta que, neste sentido mais amplo, a política pode
ser apresentada como o momento da passagem do determinismo econômico à
liberdade política, momento em que as diferentes classes sociais, graças à
elaboração de uma vontade coletiva, não são mais um simples fenômeno
econômico, mas se tornam um sujeito consciente da história. Para o
pensamento gramsciano, uma classe que não é capaz de efetuar esta
“catarse”, não pode se tornar uma classe nacional, ou seja, não pode
representar os interesses universais de um bloco histórico e não pode
conseqüentemente, lutar pela conquista da hegemonia na sociedade. No
interior do pensamento social gramsciano, orientado desde sempre por uma
perspectiva de construção de uma contra-hegemonia da classe trabalhadora,
este desafio se torna ainda mais marcante.
Mas Gramsci se preocupa também em delinear uma perspectiva de
política que Coutinho (2003) chamaria de restrita, porque dimensionada no
conjunto das relações mais cotidianas da sociedade. Neste âmbito, Gramsci
ainda se envolve com uma importante diferenciação: entre a “grande política”
(alta política) e a “pequena política”. A “grande política” toma em questão as
estruturas sociais, ou para modificá-las, ou para conservá-las, direcionando-se
para “as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição,
pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas
econômico-sociais” (CC, VOL. 3, p.21), e se contrapõe à “pequena política”,
74
considerada por ele como as lutas e os enfrentamentos políticos do dia-a-dia,
parlamentares, de corredor, de intrigas, que “envolve questões parciais e
cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em
decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma
mesma classe política.” (CC v.3, p.21). Esta “pequena política”, ao não colocar
em discussão as grandes questões seria, então, o terreno de uma práxis
manipulatória, passiva, que sofre o determinismo em vez de enfrentá-lo.
Neste domínio, o pensamento gramsciano se voltaria para a política com
uma percepção dialética e materialista de uma característica ontológica
essencial do ser social. Estaria, assim, envolvido com o conjunto de práticas e
objetivações diretamente ligadas às relações de poder entre governantes e
governados. Neste sentido, a política é algo historicamente transitório e estaria
demarcando o espaço mais concreto onde as classes sociais, economicamente
constituídas, superam qualitativamente seus traços meramente corporativos e
se envolvem com a construção de um projeto societário mais amplo. Por isso,
afirma COUTINHO (1995) a política seria a esfera da “representação de
interesses”.
Podemos afirmar que Gramsci, com suas reflexões e proposições,
trouxe uma rica contribuição à análise da realidade contemporânea, no sentido
de conceber a política para além dos espaços institucionalizados, como
partidos e parlamento. Sua produção tem a singularidade de pensar como fazer
política e como esta se instala na sociedade civil. Exemplo disto é sua
percepção da escola, das instituições como campos de força, como agências
da sociedade civil, ou seja, como lugares da política, espaços onde se instalam
disputas por valores. Por isso, advertia sobre a insuficiência da conquista do
poder político, do topo do poder do Estado, para a necessária mudança social.
Era preciso, antes, que determinada classe social, que se pretenda dirigente e
dominante, já tenha, no interior das disputas na sociedade civil, conquistado e
consolidado várias mudanças, através da disputa de valores e da formação de
consenso para a construção da hegemonia, onde se destaca o papel dos
intelectuais como produtores deste consenso.
Semeraro (2003), refletindo sobre o processo de autoconstrução de
sujeitos dirigentes, destaca que Gramsci subverte a concepção corrente de
política-potência, afirmada a partir do uso da violência, e mostra que as classes
75
subalternas, podem se utilizar de outro tipo de armas para conquistar a
hegemonia.
[...] o distanciamento crítico da realidade, a formação de sua autonomia pela ação política, a representação de si pela criação de uma cultura própria, a participação ativa na construção de um projeto popular de democracia articulado com forças nacionais e internacionais”. (p. 262)
Como podemos perceber, Gramsci relaciona a política com a totalidade
social e, segundo Coutinho (2003), se preocupa em não inverter a prioridade
ontológica da estrutura em face da superestrutura. Para este autor,
Gramsci recusa, assim, de modo enfático a redução da economia às relações técnicas de produção (...) e não se limita a simples esfera da produção de objetos materiais, de coisas, mas é o modo pelo qual os homens estabelecem seu “metabolismo” com a natureza e produzem e reproduzem não só objetos materiais, mas, sobretudo suas próprias relações sociais globais (p. 76)
Gramsci reconhece, assim, que existe o que podemos chamar de
“momento predominante”, mas que a estrutura e as superestruturas formam um
bloco histórico, onde o conjunto complexo e contraditório das superestruturas
compõe uma totalidade com o conjunto das relações sociais de produção. A
ação política ocorre sempre no âmbito das determinações postas pela
estrutura, que limitam as margens de realização da liberdade. A economia
determina a política delimitando o âmbito das alternativas que se colocam à
ação dos sujeitos.
Com o conceito de “bloco histórico”, o revolucionário italiano procurou
deixar claro que não entende que a superestrutura tenha completa autonomia
em relação à estrutura, mas que há entre elas uma relação dialética. Isto é,
Gramsci não criou uma teoria que concebe a história como determinada pelos
aspectos subjetivos, intersubjetivos, culturais etc., mas como resultante da
inter-atuação das forças materiais e ideológicas.
Segundo Liguori (2003) a relação existente entre a base material e a
superestrutura jurídico-política e ideológica, não é a de um simples reflexo do
elemento econômico sobre o social, moral, político, religioso, psicológico,
cultural, estético e ético, mas a de uma síntese com múltiplas determinações.
Gramsci evidencia esta relação entre estrutura e superestrutura ao fazer suas
76
reflexões sobre a análise das situações, a fim de dimensionar as relações de
força.
É o problema das relações entre estrutura e superestrutura que deve ser posto com exatidão e resolvido para que se possa chegar a uma justa análise das forças que atuam na história de um determinado período e determinar a relação entre elas. É necessário mover-se no âmbito de dois princípios: 1) o de que nenhuma sociedade se põe tarefas para cuja solução ainda não existam as condições necessárias e suficientes, ou que pelo menos não estejam em vias de aparecer e se desenvolver; 2) e o de que nenhuma sociedade se dissolve e pode ser substituída antes que se tenham desenvolvido todas as formas de vida implícitas em suas relações ( CC, v.3,p.18)
E logo, adverte
O estudo de como se deve analisar as “situações”, isto é, sobre como se deve estabelecer os diversos níveis de relação de força, pode servir para uma exposição elementar de ciência e arte política, entendida como um conjunto de regras práticas de pesquisa e de observação particulares úteis para despertar o interesse pela realidade efetiva e suscitar intuições políticas mais rigorosas e vigorosas. (CC, v.3, p.19)
Nas sociedades capitalistas contemporâneas, é possível reconhecer, a
partir do pensamento gramsciano, um processo de “socialização da política”. A
diminuição do tempo de trabalho socialmente necessário implica um “recuo das
barreiras naturais”, ou seja, uma ampliação do âmbito da liberdade humana
(Marx). A socialização da produção, ao reduzir a jornada de trabalho e agrupar
grandes aglomerados humanos, está na base dos processos de socialização
da participação política, da criação de um grande número de sujeitos políticos
coletivos que constituem a base material da “sociedade civil”. Disto decorre,
então, um “recuo das barreiras econômicas”, ou seja, a ampliação da
autonomia e da influência da política sobre a totalidade da vida social. Quanto
mais se amplia a socialização da política, mais se desenvolve a sociedade civil.
Os processos sociais serão cada vez mais determinados pela teleologia e cada
vez menos será coercitiva a causalidade automática da economia.
O modo pelo qual economia e política se relacionam não é dado, assim,
de uma vez para sempre, mas depende das características concretas da
formação social em questão, sendo historicamente mutável. Naquelas que
Gramsci chamou de “sociedades ocidentais”, caracterizadas pela presença de
77
uma sociedade civil desenvolvida, capaz de realizar a mediação entre o mundo
da economia e as instituições do Estado em sentido restrito, a política passa a
compor uma dimensão indispensável da práxis social e a conter os espaços de
crítica e de redimensionamento das diferentes sociedades. Define-se, então,
aquilo que, no pensamento gramsciano, ficou caracterizado como Estado
ampliado, ou seja, como a composição dialética e, ao mesmo tempo unitária,
entre sociedade política e sociedade civil, entre espaços e estratégias
coercitivas e consensuais, onde as últimas devem ter primazia sobre as
primeiras.
Nesta compreensão, a luta pela hegemonia se torna o elemento central
nestas sociedades, pois, tendo sua base no mundo produtivo, a ele não se
limita, uma vez que a direção intelectual e moral, parte de grupos sociais, com
um papel determinado na vida econômica, para hegemonizar outros grupos
que desempenham papéis igualmente determinados.
Analisando a complexidade das sociedades ocidentais, tendo em conta
a natureza das crises revolucionárias, Coutinho (2007, p. 153) nos mostra que
Gramsci, para defini-las, refere-se a noção de “crise orgânica”, que sendo
qualitativamente diferentes das “crises ocasionais” ou “conjunturais”,
[...] não comporta a possibilidade de uma solução rápida por parte das classes dominantes e significa uma progressiva desagregação do velho “bloco histórico”. Se a crise orgânica, em seu aspecto econômico, apresenta-se como manifestação de contradições estruturais do modo de produção, ela aparece – no aspecto superestrutural, político-ideológico – como crise de hegemonia.
Em “Passado, presente”, (CC, v3, p. 184) ao abordar a crise moderna,
Gramsci a analisa como uma crise de “autoridade” demonstrando que
[...] se a classe dominante perde o consenso, ou seja, não é mais “dirigente”, mas unicamente “dominante”, detentora da pura força coercitiva, isto significa exatamente que as grandes massas se destacaram das ideologias tradicionais, não acreditam mais no que antes acreditavam etc. A crise consiste justamente no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer: neste interregno, verificam-se os fenômenos patológicos mais variados.
78
Coutinho (2007) analisa que a crise de hegemonia é a expressão política
da crise orgânica, envolvendo alto grau de participação organizada, por um
período relativamente longo de maturação, comportando luta por espaços e
posições num movimento de avanços e recuos.
[...] na “guerra de posição” que atravessa uma crise de hegemonia, preparando-a ou dando-lhe progressivamente solução, não há lugar para a espera messiânica do “grande dia”, para a passividade espontaneísta que conta com o desencadeamento de uma explosão de tipo catastrófico como condição para o assalto ao poder. O critério central para a resolução da crise é a iniciativa dos sujeitos políticos coletivos, a capacidade de fazer política, de envolver grandes massas na solução de seus próprios problemas, de lutar cotidianamente pela conquista de espaços e posições, sem perder de vista o objetivo final, ou seja, o de promover transformações de estrutura que ponham fim à formação econômico-social capitalista. (2007, p.155).
As categorias Estado e sociedade civil são discutidas por Liguori (2003)
tendo em vista a centralidade do conceito de Estado ampliado (ou Estado
integral) contido nos Cadernos do Cárcere. E o faz no sentido de compreender
a importância, e mesmo o destaque, do Estado no século XX, a partir da
disputa teórica contra a separação orgânica entre sociedade civil e Estado.
Este autor defende que, para Gramsci, entre Estado e sociedade civil, há uma
relação dialética de unidade e distinção, indicando uma referência e uma
influência recíprocas, pois Estado strictu sensu e sociedade civil são momentos
distintos que não se identificam e estão em relação dialética formando em
conjunto, o Estado Ampliado (p. 183). E ainda ressalta que esta distinção é de
natureza “metodológica”, não orgânica (p. 45). E, longe de afirmar o papel
exclusivo/primordial do Estado como sujeito da história, nos mostra que os
sujeitos principais, as classes fundamentais, conquistam a hegemonia através
da sua capacidade de “tornar-se Estado”. Reafirmando sua fidelidade ao
pensamento gramsciano, nos alerta que
[...] não é possível pensar num “protagonismo” dos intelectuais ou da sociedade civil se tal protagonismo é afirmado sem que se leve em conta essas coordenadas essenciais. Isto em Gramsci - porque, obviamente, cada qual é livre para pensar hoje de modo diverso. (LIGUORI, 2003, p. 184).
Neste sentido, Coutinho (2010) esclarece que esta relação dialética de
unidade e distinção se refere, em primeiro lugar, “a função que exercem na
79
organização da vida social, na articulação e reprodução das relações de
poder”. Na sociedade civil, as classes constroem e aderem voluntariamente
aos mais diversos organismos em busca do exercício da hegemonia através da
direção político-intelectual e do consenso, e na sociedade política há sempre a
busca do exercício da dominação através da coerção, tendo ambas, uma
materialidade social própria, caracterizada por seus portadores materiais, ou
seja, a sociedade política tem como seus representantes a burocracia militar e
executiva, e a sociedade civil, os “aparelhos privados de hegemonia” que
possuem uma autonomia relativa em relação ao Estado em sentido restrito.
O “Estado integral” de que nos fala Gramsci representa, assim, um
equilíbrio hegemônico entre poder coercitivo e mecanismos morais, intelectuais
e culturais de mobilização, de consentimento e apoio. A questão que se coloca
nestes enfrentamentos é minimizar o uso do poder coercitivo, produzindo e
disseminando sistemas de legitimação morais e intelectuais para mobilizar
apoios através dos mais diferentes espaços de luta política.
Se todo Estado tende a criar e manter um certo tipo de civilização e de cidadão(e portanto, de conivência e de relações individuais), tende a fazer desaparecer certos costumes e atitudes e a difundir outros, o direito será o instrumento para esta finalidade(ao lado da escola e de outras instituições e atividades) e deve ser elaborado para ficar conforme a tal finalidade, ser maximamente eficaz e produtor de resultados positivos.(...) Na realidade, o Estado deve ser concebido como “educador” na medida em que tende precisamente a criar um novo tipo ou nível de civilização. Dado que se opera essencialmente sobre as forças econômicas, que se reorganiza e se desenvolve o aparelho de produção econômica, que se inova a estrutura, não se deve concluir que os fatos de superestrutura devam ser abandonados a si mesmos, a seu desenvolvimento espontâneo, a uma germinação casual e esporádica. O Estado, também neste campo é um instrumento de racionalização, de aceleração e de taylorização; atua segundo um plano, pressiona, incita, solicita e “pune”, já que, criadas as condições nas quais um determinado modo de vida é “possível”, a “ação ou omissão criminosa” devem receber uma sanção punitiva, de alcance moral, e não apenas um juízo de periculosidade genérica. O direito é o aspecto repressivo e negativo de toda a atividade positiva de educação cívica desenvolvida pelo Estado. (CC, vol. 3, p.28)
Este equilíbrio entre sociedade política e sociedade civil ou hegemonia
de um grupo social sobre a inteira sociedade nacional, exercida através de
organizações ditas privadas, se constitui dentro do que Gramsci chama de
equilíbrios instáveis, como sinaliza Liguori (2007, p.39).
80
“Equilíbrios Instáveis” é uma expressão que explica bem o sentido da luta e o espaço da política. O Estado é o terreno, o meio e o processo em que esta luta necessariamente se desenvolve, mas os atores principais de tal luta são o que Gramsci chama de “classes fundamentais”. [...] o processo pelo qual estas classes “se fazem Estado” é um momento iniludível da luta pela hegemonia [...].
Em relação à concepção de Estado, Gramsci parte da concepção de
Marx e Engels, no sentido de que a classe dominante economicamente
também detém a dominação política. Mas ele acrescenta, na sua teoria de
Estado, a relação força e consenso. E para entender estes elementos, dois
pares conceituais são fundamentais: a relação entre Estado e sociedade
política (onde se exercita a força pela coerção para a manutenção da ordem
estabelecida) e entre Estado e sociedade civil.
Coutinho (2007) pondera que Gramsci trabalha numa época histórica e
num âmbito geográfico, no qual já se generalizou essa maior complexidade do
fenômeno estatal através de uma intensa socialização da política, como
consequência da conquista do sufrágio universal, da criação de grandes
partidos políticos de massa e da ação efetiva de sindicatos operários. Sendo
assim, foi criada uma rede de organizações com papel efetivo na vida pública,
que segundo Gramsci posiciona-se entre a “sociedade política”, representada
pelos aparelhos executivos (civis e militares) do Estado e a “sociedade
econômica” relacionada ao mundo das relações sociais de produção. É esta
esfera do ser social que Gramsci conceitua como sociedade civil,
representando a originalidade de sua elaboração em relação ao conceito de
Estado de Marx. E neste sentido, Coutinho (2007) chama atenção para o fato
de que Marx não pôde conhecê-la, pois seu pleno desenvolvimento foi
posterior ao seu tempo histórico. Por isso, para Marx, sociedade civil
corresponde às relações sociais de produção, ao mundo econômico, e para
Gramsci refere-se ao conjunto de organizações (escolas, igrejas, partidos,
meios de comunicação, etc.) que elaboram e disseminam as ideologias, e que
não se constitui como zona neutra situada para além do Estado e do mercado,
mas como parte do Estado, como espaço de enfrentamento da luta de classes,
onde se busca a conservação ou a conquista da hegemonia.
Segundo Coutinho (2007), ao enriquecer o conceito de sociedade civil,
Gramsci se manteve fiel ao princípio básico do materialismo dialético.
81
O conceito de “sociedade civil” é o meio privilegiado através do qual Gramsci enriquece, com novas determinações, a teoria marxista de Estado. E se é verdade, como vimos, que esse enriquecimento motiva uma concretização dialética na questão do modo pelo qual a base econômica determina as superestruturas (ou seja, essa determinação é mais complexa e mediatizada onde a sociedade civil é mais forte) isso não anula de modo algum (...) a aceitação gramsciana do principio básico do materialismo histórico:o de que a produção e a reprodução da vida material, implicando a produção e reprodução das relações sociais globais, é o fator ontologicamente primário na explicação da historia.(COUTINHO, 2007, p. 122-123)
Liguori (2007, p. 53) ao destacar as contribuições de Gramsci para a
efetivação de uma nova teoria marxista do Estado, nos mostra que, “[...] é no
terreno das relações de força, da luta política efetiva, que em última análise, se
define a hegemonia da pequena e da grande política”. E, sem deixar de se
referir às disputas no âmbito econômico, nos adverte, para o necessário e
indispensável papel que desempenha a batalha de idéias na definição das
relações de força.
Só uma análise histórico-concreta das relações de força presentes em cada momento pode definir, da perspectiva das classes subalternas, às quais Gramsci jamais deixou de se referir, a função e as potencialidades positivas e negativas tanto da sociedade civil quanto do Estado. (LIGUORI, 2007, p. 54)
Por isso, considera fundamental repropor o verdadeiro sentido do
conceito gramsciano de sociedade civil, que o peculiariza, justamente, por sua
capacidade de superar dialeticamente os conceitos de seus “autores” (Marx,
Engels e Lênin) e construir uma noção original de sociedade civil, que se
coloca como o eixo central de uma nova teoria marxista do Estado. Desta
forma, defende que o debate ideológico-político atual, não pode prescindir da
correta definição do estatuto teórico da sociedade civil e do Estado.
Na perspectiva teórica elaborada por Gramsci, é importante
demarcarmos que, no contexto das sociedades ocidentais, onde sociedade civil
e a sociedade política, como esferas societárias de poder, se apresentam em
interconexão, a estratégia de luta e de superação das relações materiais de
uma dada realidade social, no caso, a sociedade capitalista, deve estar
diretamente vinculada ao que ele chamou de “guerra de posição”, ou seja, uma
luta prolongada no tempo, travada num espaço social amplo e heterogêneo,
82
que inclui, necessariamente, mais de uma frente simultânea, com avanços e
retrocessos parciais e contínuos. Neste sentido, a guerra de posição “envolve a
luta pela ocupação de todos os espaços sociais - institucionalizados ou não –
para disputar a hegemonia com a classe dominante economicamente e
dirigente ética e politicamente” (SEMERARO, 2007, p. ).
Sem abandonar a perspectiva e a possibilidade de uma revolução,
Gramsci acredita que esta passa a ser, a partir do contexto de maior
complexificação das sociedades contemporâneas, um processo de laboriosa
gestação e não de um acontecimento único e irreversível, pois se volta a
questionar e a buscar romper com cada uma das inúmeras relações que, no
contexto da sociedade capitalista, por exemplo, se apresentam marcadas pela
opressão e pela desigualdade.
Tal atitude visa a fazer de cada um desses espaços uma trincheira das
classes subalternas na luta contra-hegemônica, com o objetivo de alterar a
correlação de forças e, assim, estrategicamente, ir construindo outra ordem
sócio-econômica e ético-política. Gramsci nos alerta sobre a necessidade de
análise na história da política, de acontecimentos marcantes como o ocorrido
em 1917, que demarcaram “uma reviravolta decisiva na história da arte e da
ciência da política”, e lança como desafio “estudar com profundidade quais são
os elementos da sociedade civil que correspondem aos sistemas de defesa na
guerra de posição” (CC vol.3, p. 73). Neste sentido, a inquietação, a grande
questão colocada é saber qual é o nível de resistência da sociedade civil antes
ou depois do assalto ao poder, onde este tem lugar, etc.(CC vol. 3, p.74).
Para Gramsci, é necessário empreender iniciativas que contestem e
superem as estruturas e superestruturas que consolidam o status quo próprio
das sociedades - de classe - capitalistas. Somente dessa forma é que se
consegue promover uma verdadeira “reforma moral e intelectual”, já que o
poder não se encontra mais centralizado em uma instituição como, por
exemplo, o Estado e seus aparelhos coercitivos, mas disperso em vários
ambientes e processos sociais. Justamente por isso, nos chama atenção para
o seu caráter econômico, uma vez que
[...] uma reforma intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a um programa de reforma econômica; mais precisamente, o programa
83
de reforma econômica é exatamente o modo concreto através do qual se apresenta toda reforma intelectual e moral. (CC, v. 3, p.19)
Esta “reforma moral e intelectual”, se apresenta, na sua concreticidade,
como um reforma econômica, o que supõe a transformação da estrutura de
classes capitalista para a construção de uma contra-hegemonia, que requer
para além do convencimento e da construção de alianças, o estabelecimento
de conflitos próprios dos embates coercitivos que, mesmo não sendo os únicos
determinantes nas relações de poder, ainda desempenham papel relevante na
determinação dos rumos da história.
A construção da hegemonia decorre da capacidade que uma classe
(seja dominante ou subalterna) tenha de elaborar e dar materialidade a sua
visão de mundo, no contexto de antagonismo das classes. Por isso, a tarefa
política e concreta da hegemonia, consiste em organizar e unificar as classes
sociais em luta para a conquista e o exercício do poder político. Para a
construção e conquista de uma nova hegemonia sob a direção “moral e
intelectual” das classes subalternas, Gramsci nos lança como desafio a
articulação e o desenvolvimento das estratégias da “guerra de movimento” e da
“guerra de posição”.
Com a experiência histórica e a análise crítica de seu tempo, Gramsci
mostrou que estas estratégias correspondem a diferentes momentos da luta
pela conquista e afirmação de uma nova ordem política e social e ao
necessário conhecimento das diferentes realidades nacionais e dos distintos
momentos da luta de classes, implicando na análise das situações concretas e
das relações de força. Neste sentido, para Gramsci a predominância da guerra
de posição não anula a guerra de movimento, nem no campo militar, nem no
campo político. Mas na complexidade das sociedades ocidentais, onde se
desenvolveu uma sociedade civil forte, diversificada e permeada pela intensa
disputa e luta política entre classes antagônicas, o desenvolvimento da “guerra
de posição” torna-se elemento central para que ocorra o enfraquecimento do
poder de organizar, dirigir e educar e, conseqüentemente de formar consensos,
da classe que está no poder.
Podemos então afirmar, que a guerra de posição se dá pela busca de
hegemonia política, pela conquista das associações e organizações da
84
sociedade civil, que serão as indispensáveis “fortalezas” e “casamatas” que
possibilitarão a conquista do poder político a partir de uma direção estratégica.
[...] a chave da “guerra de posição”, da estratégia adequada aos países “ocidentais” ou que se “ocidentalizam”, reside precisamente na luta pela conquista da hegemonia, da direção política ou do consenso. (COUTINHO, 2007, p.150)
A indicação desta chave, na complexidade das sociedades ocidentais, é
para Coutinho (2007) uma questão central na estratégia de transição ao
socialismo pensada por Gramsci: o grupo social que quer conquistar o poder
deve ser dirigente antes de se tornar classe dominante. E chegando ao poder,
para mantê-lo, deve continuar a ser dirigente.
A centralidade da estratégia da guerra de posição não significa,
portanto, que a guerra de movimentos, expressa por momentos de ruptura
mais efetivos, deixe de existir, mas que a mesma deve ser resguardada para
um momento em que esteja concluída, com bons frutos, a “luta de trincheiras”.
Neste sentido, cabe ressaltar que se a “guerra de movimento”, ou a tomada do
poder centralizado no Estado, foi a estratégia principal, defendida no período
de Marx, a “guerra de posição” passa a se constituir numa estratégia de ação,
não exclusiva, mas determinante, para a superação do capitalismo a partir do
século XX.
Com seu “pessimismo da inteligência”, Coutinho (2007) pondera, que as
experiências históricas fundadas no conceito gramsciano de disputa da
hegemonia, ou “guerra de posição”, notadamente as do chamado
eurocomunismo, resultaram na acomodação das forças revolucionárias à
hegemonia do capital. Também problematiza que o avanço da pequena sobre
a grande política é um fenômeno mundial. Entretanto, sinaliza que mesmo que
a predominância da pequena política seja uma tendência mundial, começam a
surgir na América Latina, formas que tentam romper com este modelo da
pequena política, recolocando na ordem do dia e na agenda política, questões
estruturais. E, ainda adverte: na guerra de posição, o êxito das ações
desenvolvidas por sujeitos políticos coletivos depende de sua capacidade de
fazer política.
85
A construção da revolução, a partir de uma contra-hegemonia das
classes subalternas, sempre orientou o horizonte político de Gramsci, mesmo
tendo consciência das dificuldades objetivas. Sua elaboração sobre o que é a
política, como ela se desenvolve na relação entre Estado e sociedade civil, vem
contribuindo para a superação de vários determinismos e para redimensionar o
papel e significado dos sujeitos. Compreender o Estado, as estratégias que são
utilizadas (cooptação, desmobilização, criminalização), como se constroem
lutas no interior do próprio Estado e que sociedade civil se apresenta hoje,
principalmente, tendo em vista a dita supremacia do mercado, são lições vitais
para analisar quais são os processos que precisam ser construídos, para se
pensar na organização e na intencionalidade da luta que está sendo travada.
Gramsci desafia as classes subalternas a conhecer não apenas as suas
necessidades, seus processos, mas também as estratégias, espaços de
organização de seus antagonistas (classes dominantes), para definir o tipo de
enfrentamento a ser feito na sociedade civil. Portanto, é fundamental que as
classes subalternas desenvolvam sua capacidade de fazer política, pois é
precisamente nesta dimensão da sociedade civil que atuam os movimentos
sociais, numa perspectiva de ampliação da dimensão clássica de Gramsci.
Sendo o desenvolvimento da guerra de posição, um processo de luta
de laboriosa construção, os sujeitos devem ter consciência, antes de decidir a
forma, que a escolha das estratégias se pauta pela definição de uma
intencionalidade. Por isso, Gramsci lega às classes subalternas a necessidade
de investimento na batalha de idéias, desenvolvendo para além da propaganda
e da agitação, o processo de formação política, de formação da consciência, da
cultura, não como uma etapa a ser feita antes ou depois da revolução, mas
como parte constitutiva deste processo revolucionário.
Coutinho (2000) ao falar sobre a atualidade do pensamento de Gramsci
nos mostra que
[...] ao nos ensinar a compreender melhor o capitalismo do século XX, ele nos indicou também a necessidade de lutar contra essa formação econômico-social e nos sugeriu importantes meios para fazê-lo. O que significa, portanto, que é bastante clara a tarefa que o autor dos Cadernos nos legou: a de reinventar um socialismo adequado ao século XXI (p.175-176).
86
Para Liguori (2007, p.72), Gramsci “redefiniu o sentido da política,
enriquecendo-a precisamente com o fato de que ela se confunde com a ação
na sociedade, na fábrica, na cultura, em toda parte em que se jogue a partida
do poder”.
As reflexões realizadas neste tópico se constituem como essenciais para
analisarmos as relações de poder, que se apresentam no campo ambiental,
através da disputa entre sujeitos antagônicos, em torno de concepções e
práticas, e particularmente na construção/imposição de determinados
consensos, que reforçam perspectivas políticas e projetos não só diferentes,
mas inconciliáveis.
1.2.2 Politizando a Questão Ambiental
O processo histórico de desenvolvimento do capitalismo internacional e,
conseqüentemente, das sociedades humanas vem se constituindo num campo
de contradições. No mundo globalizado, emergem e se consolidam sujeitos
políticos que denunciam e constroem estratégias de resistência à voracidade
do capital e do mercado, que atuam no sentido da depreciação das sociedades
nacionais, da vida humana e do conjunto de recursos naturais. Sendo assim, a
humanidade e, particularmente, o conhecimento científico se depara com
sérios desafios para os quais as respostas encontradas podem se constituir em
importantes perspectivas para a construção de alternativas. Essa exigência
histórica aponta para a necessidade de construção de um projeto societário,
capaz de desenvolver um intenso processo de humanização da vida.
Santos (1994), ao analisar o momento histórico contemporâneo, nos fala
de uma “redescoberta” da natureza, problematizando todo um processo de
discussão em torno da questão ambiental e da previsão de catástrofes, que
torna a conscientização ambiental uma espécie de idéia-chave no mundo
globalizado. E mostra que, em razão de uma determinada organização do
espaço, da sociedade e dos recursos naturais, se impõe uma visão de natureza
abstrata e artificializada através de um modelo técnico único. Para ele, a
aceleração contemporânea comporta momentos culminantes da história, e
mostra-se como resultado da banalização das invenções, programadas
prematuramente para serem superadas e substituídas indefinidamente.
87
A chamada obsolescência programada, ancorada na TDU das
mercadorias de que nos fala Mészaros (2006), se aplica à natureza
mercadorizada e, inclusive, à mercadoria força de trabalho. Todo este processo
eleva a idéia de produtividade e competitividade inerente ao sistema do capital,
impondo uma aceleração no consumo de recursos naturais, que é
absolutamente incompatível com a preservação ambiental, revelando acirradas
disputas em relação ao acesso e domínio dos recursos naturais e das novas
tecnologias, correspondendo à busca pela hegemonia de determinadas visões
de mundo e, particularmente, de meio ambiente.
A predominância da visão da questão ambiental na dimensão técnico-
natural é, para Santos (1994), a prevalência da descrição em detrimento da
análise de seu significado e este mesmo autor destaca, por exemplo, a atuação
da mídia hegemônica, através do manuseio das técnicas mais sofisticadas, que
através do sensacionalismo e do medo, conseguem mutilar a percepção.
Quando o meio ambiente, como Natureza-espetáculo, substitui a Natureza Histórica, lugar de trabalho de todos os homens, e quando a natureza “cibernética” ou “sintética” substitui a natureza analítica do passado, o processo de ocultação do significado da História atinge o seu auge. É também desse modo que se estabelece uma dolorosa confusão entre sistemas técnicos, natureza, sociedade, cultura e moral (SANTOS, 1994, p. 24).
Ao discutir a ordem imperial, Porto-Gonçalves (2004b) destaca que a
revolução tecnológica em curso revela os principais setores que afirmam as
novas tecnologias. O militar, o financeiro e os dos meios de comunicação de
massas, apontam seus protagonistas e nos colocam diante de territorialidades
em tensão. Ressalta que a hegemonia política é dos gestores financeiros e que
o campo ambiental revela a forte tendência para a conformação de uma ordem
imperial, que traz um conjunto de contradições presentes entre territorialidades
distintas.
Santos (1994) mostra que a mídia hegemônica se constitui como um
agente privilegiado na disseminação de ideologias dominantes, que impõe dois
elementos decisivos no processo de despolitização da questão ambiental: o
medo e o imobilismo. Sua atuação vem se consolidando, no sentido de
esvaziar e controlar a insatisfação pública, desmobilizando possíveis reações
88
de grandes parcelas da sociedade prejudicadas pelos efeitos da degradação
ambiental.
Brugger (2002), ao abordar os novos meios de comunicação, conclui
que eles constituem uma antítese da educação ambiental, ao destacar a
natureza da mídia que influencia a construção de determinadas concepções de
meio ambiente que incidem nas relações dos homens entre si, na formação de
novos valores e na alteração de nossas relações com o entorno, no sentido
amplo, provocando rupturas ao priorizar as questões globais, omitindo
problemas locais de grande gravidade, ocasionando perda da visão de
totalidade. Neste sentido, a televisão se apresenta como um elemento chave
para a manipulação de informações e para a formação de determinados
consensos em relação à questão ambiental.
Por meio de conteúdos latentes, diversos valores hegemônicos em nossa sociedade são produzidos e reproduzidos: ênfase na ciência e na tecnologia como maneira de superar quaisquer problemas; glorificação da produtividade; estímulo ao consumo de mercadorias supérfluas, etc.[...]. Para analisar a influência da mídia, deve-se levar em conta, portanto, não apenas os conteúdos ideológicos manifestos, mas também o conteúdo oculto ou latente dos mesmos e suas implicações na já mencionada perspectiva de um meio ambiente construído historicamente (BRUGGER, 2002, p.162).
Ponderamos que estas exposições em torno de valores éticos
considerados ecologicamente corretos apontam para algo mais profundo, pois
toda intervenção na ética comporta uma intencionalidade política. Em outras
palavras, afirmamos que toda intervenção que se apresenta restrita à ética,
tenta encobrir a sua utilização pela da política. Somos concordantes com
Brugger (2002) ao nos alertar que esta crítica aos meios de comunicação, que
é pouco conhecida pela maioria das pessoas, não deve reforçar o imobilismo
presente em nossa sociedade, e sim apontar na direção oposta, fortalecendo
algumas batalhas contra-hegemônicas que já estão em curso.
Porto-Gonçalves (2004a, p. 30), ao falar dos limites da sociedade com a
natureza, nos indica o desafio de "lutar contra os resultados (efeitos) da
intervenção que o próprio sistema técnico provoca". E resgata o pensamento
de Milton Santos (1996) que nos adverte para o fato de que não há sistema
técnico dissociado de um sistema de ações, de normas, de um sistema de
valores. Com esta ponderação, nos chama atenção para a não reificação das
89
técnicas, sustentando a ideia de que é uma contradição pensar a técnica como
algo descolado da intencionalidade da sociedade que a inventa e que todo
conhecimento é construído contraditoriamente, sempre com amplo sentido
político.
A partir dessas reflexões, Porto-Gonçalves (2004a) nos incita a pensar
sobre o papel das técnicas na superação do desafio ambiental contemporâneo,
retomando o pensamento de Santos (1996) de que há uma intencionalidade
impregnada nas técnicas, mas numa outra direção: “é que estando a sociedade
constituída por relações contraditórias, a intencionalidade traduz-se em
técnicas que comportam não só as suas contradições, mas diferentes
potencialidades contraditoriamente possíveis" (PORTO-GOLÇALVES, 2004a,
p. 38).
Ao discutir a “des-ordem” ambiental planetária, Porto-Gonçalves (2006)
problematiza a dominação da natureza e sua estreita relação com a técnica
como relação social e de poder, balizando sua análise, com a seguinte
advertência:
[...] não confundir uma análise crítica da ideologia científico-tecnológica com a recusa à ciência e à técnica. Não existe sociedade sem conhecimento racional, sociedade que não ajuste os meios aos fins mediante a técnica. (p. 105).
Este autor também nos mostra que a técnica pode ter usos diferentes
daquele para o qual foi inventado, o que impõe a necessidade de investigar o
uso a que ela está sendo emprestado, uma vez que “não há técnica boa ou má,
mas sim técnica realizando determinados fins que não são eles mesmos
definidos por ela” (idem, ibidem, p.106). Ao considerar as revoluções
tecnológicas como parte das relações sociais e de poder, ressalta seu caráter
histórico e, por isso, defende a necessária desnaturalização da técnica, no
sentido de libertá-la de uma visão neutra. Neste sentido, levanta a necessidade
de se questionar quem a põe em curso, uma vez que nenhuma técnica
caminha por si mesma.
As respostas tecnicistas oferecidas por um padrão de ciência, através da
linguagem científica e técnica de diversos profissionais que atuam na área
ambiental, expressam uma imagem de neutralidade destes saberes,
90
representando um importante recurso de despolitização da questão ambiental.
As soluções aparentemente ingênuas e reducionistas defendidas por setores
do ambientalismo são incompatíveis com a gravidade dos riscos ambientais,
reforçando e legitimando os interesses e as necessidades das classes
dominantes. Estes riscos nos colocam a necessidade de analisar a
incorporação da questão ambiental como um eixo estratégico de luta e
resistência que aproxime e possibilite convergências e alianças entre
ambientalistas, indígenas, camponeses etc, enfim, que permita a participação e
o envolvimento na busca de limites da relação humana com o planeta, numa
perspectiva ética e política (PORTO-GONÇALVES, 2004a).
Consideramos estas contribuições como decisivas à análise crítica à
questão da tecnologia, sob o comando do capital. Retomando a lição marxiana,
que discutimos anteriormente, vemos que esta, em síntese, se refere ao fato
de, no modo de produção capitalista, a técnica envolver tanto a dominação da
natureza, quanto a dominação do próprio ser humano através do processo de
trabalho. Portanto, neste processo, a natureza e a força de trabalho (e seus
instrumentos ou técnicas) estão submetidas a determinadas relações sociais,
construídas sob o imperativo do capital. Mészaros (2006) ao analisar o modo
de reprodução metabólica do capital na natureza, nos chama à reflexão sobre a
ameaça de um desastre ecológico que vivemos em nossa sociedade, que
potencializa as desigualdades herdadas, que se tornam cada vez mais
explosivas na atualidade.
Desde os anos 1970 apresentam-se duas formas de se conceber a
questão ambiental. A primeira concepção defende a prevalência da
problemática das quantidades de matéria e energia, ressaltando a necessidade
de economizar os recursos naturais diante da sua incontestável finitude. A
segunda, ultrapassando a questão das quantidades, coloca em evidência não
apenas a escassez futura de meios, mas a natureza dos fins que norteia a
própria vida social (ACSELRAD, 2004).
Numa perspectiva crítica, a sociedade e o meio ambiente são
compreendidos, de maneira indissociável, como fruto do modelo de
organização econômica, social e política capitalista. Os objetos que constituem
o “ambiente” são culturais e históricos. "Todos os objetos do ambiente, todas
as práticas sociais desenvolvidas nos territórios e todos os usos e sentidos
91
atribuídos ao meio, interagem e conectam-se materialmente e socialmente seja
através das águas, do solo ou da atmosfera" (ACSELRAD, 2004, p.7).
As sociedades se reproduzem por processos sócio-ecológicos e este
processo de reprodução comporta o confronto de diferentes projetos de uso e
significação dos recursos naturais, caracterizando a questão ambiental como
intrinsecamente conflitiva.
Estudar esses conflitos é, por sua vez, para os envolvidos na busca dos processos mais democráticos de ordenamento do território, a ocasião de dar visibilidade [...] aos distintos atores sociais que resistem aos processos de monopolização dos recursos ambientes nas mãos dos grandes interesses econômicos (ACSELRAD, 2004, p. 10).
Este conflito tem sua origem e sua constituição nas contradições de
classes que são visualizadas primordialmente nas relações de trabalho,
entendendo que o que media a relação entre sociedade e natureza é o próprio
trabalho. A análise crítica da relação sociedade e natureza, prevalecente no
modo de produção capitalista implica na perspectiva de construção das
condições de sua superação.
É no âmbito da sociedade civil, na década de 1960, que a questão
ambiental torna-se visível e reconhecida como tal, através de um processo de
discussão e crítica da degradação ambiental, operada pelo desenvolvimento de
modelos de crescimento econômico, em escala mundial. Nesta década, se
diferenciando do ecologismo tradicional, organizado em torno da defesa da
proteção da natureza, surgirá segundo Diegues (1996),o novo ecologismo, a
partir da articulação do movimento de ativistas, críticos da destruição ambiental
promovida pela sociedade tecnológico-industrial.
Se até o início dos anos 1960 a questão ambiental se apresentava a
partir de perspectivas conservacionistas relacionadas à preocupação com a
gestão de recursos naturais imprescindíveis à economia, no final da década, o
que se destaca é a mobilização da sociedade civil, que se apresenta nos
países das democracias industrializadas, demonstrando a necessidade de
proteção da humanidade, tendo em conta o desenvolvimento de suas próprias
atividades.
92
A publicação de “Primavera Silenciosa” de Rachel Carson, nos EUA, em
1962, exerce grande repercussão e influência mundial, ao chamar a atenção da
opinião pública para a vulnerabilidade da natureza em relação à intervenção
humana no planeta, demonstrando como o uso do pesticida DDT entranhava-
se no organismo de animais e dos seres humanos, podendo causar câncer e
problemas genéticos. O título desta obra se refere ao fato constatado neste
estudo, de que várias espécies de pássaros expostos ao pesticida morriam ou
tinham seu processo reprodutivo prejudicado, e sua extinção, traria a terrível
primavera silenciosa, ou seja, uma estação sem pássaros. Vários estudos
realizados a partir da década de 1970 já demonstravam claramente os graves
problemas a serem enfrentados em decorrência da forma de apropriação e
utilização dos recursos naturais pelo capitalismo. Estas questões serão
retomadas no próximo capítulo, através da análise do agronegócio e da falha
metabólica na produção da agricultura hegemônica no Brasil.
Dentre as conferências e documentos elaborados, que se relacionam à
problemática ambiental, destacamos: o relatório apresentado pelo Clube de
Roma, em 1968, intitulado “Limites do Crescimento”, documento base para a
conferência de Tbilisi em Estolcomo, em 1972, e o relatório “Nosso Futuro
Comum”, também conhecido como “Relatório Brundtland”, de 1987, referência
para os debates realizados na Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), no Rio em 1992.
O Clube de Roma se constituiu num grupo de cientistas, industriais e
políticos, cuja preocupação central se pautou nos limites do crescimento
econômico e sua relação com o uso dos recursos naturais. Apresentando-se
como um grupo apolítico, este encomenda a técnicos ligados ao MIT –
Massachusetts Instituto of Tecnology, um estudo científico que se materializa
no relatório “Limites do crescimento”, também conhecido como relatório
Meadows. Este estudo, coordenado por Dennis Meadows, teve como ponto de
partida a consideração de que é impossível a continuidade de um crescimento
infinito num sistema econômico dependente de recursos naturais finitos. Este
grupo defende o estabelecimento de um freio no crescimento da economia
mundial para evitar um futuro catastrófico em relação ao ambiente e à própria
economia, propondo que o equilíbrio do sistema mundial deve ocorrer através
93
do controle de cinco variáveis: a população, a produção de alimentos, a
produção industrial, a poluição e os recursos naturais não-renováveis.
As principais proposições derivadas deste raciocínio apontam para a
necessidade de controle, e mesmo estagnação, do crescimento populacional
global e do capital industrial, se materializando na chamada tese do
crescimento zero de inspiração malthusiana.
É interessante observar a relação entre a postura apolítica deste grupo,
que demanda de técnicos altamente qualificados um estudo científico objetivo e
neutro e a explicitação de suas ligações com poderosos grupos da indústria
mundial, constando, segundo Porto-Gonçalves (2006), no próprio documento, o
financiamento recebido de indústrias como a Fiat, a Olivetti e a Volkswagen.
A 1ª Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, em Estocolmo, em
1972, demarca a preocupação internacional com a relação entre
desenvolvimento e esgotamento-escassez de recursos naturais. A grande
questão que se levanta é como reduzir a poluição industrial e conciliar
crescimento com qualidade de vida e preservação ambiental, recolocando no
debate entre sujeitos, a relação entre desenvolvimento e ambientalismo. Sob a
influência deste relatório, uma das grandes questões pautadas pela ONU,
apresentada nesta conferência, se refere à defesa de que sendo os recursos
naturais essenciais ao desenvolvimento econômico, a extensão deste tipo de
desenvolvimento aos países menos desenvolvidos, tenderia a colocar em risco
a existência dos recursos naturais. Esta defesa se expressa na já referida
proposta de “crescimento zero”, sustentando a idéia de que a preservação dos
recursos naturais só poderia ser obtida com o uso de alta tecnologia, sob a
proteção dos países desenvolvidos. No entanto, é preciso demarcar que esta
proposta deixa intocado o padrão de consumo dos países ricos, pois não
questiona suas responsabilidades, no processo crescente de poluição e
degradação ambiental, e ainda culpabiliza as populações pobres, por
exercerem pressão sobre os recursos naturais. Nesta lógica, se chega à
conclusão de que seria impossível garantir a extensão do estilo de vida das
populações dos países centrais para toda a população mundial, tendo em
conta a finitude dos recursos naturais, o que comprometeria as próprias
condições de todo globo terrestre.
94
Segundo Lima (1997), várias reações ocorreram a esta tese, onde se
destacam as posições de Solow, ganhador do Premio Nobel de Economia, em
1973, e Mahbubul Haq, do prêmio de 1976, que, em geral, criticam a proposta
de desaceleração do crescimento em razão da necessidade de preservação
ambiental, que atingiria fortemente os países menos desenvolvidos. Meszaros
(2006) avalia que esta proposta, se colocada em prática, representaria a
condenação dos países pobres à perpetuação da mais brutal desigualdade
substantiva.
Consideramos que o discurso malthusiano sobre o empobrecimento e a
fome relacionado ao destino da classe trabalhadora se esta continuasse a
crescer velozmente, que comparece na tese do crescimento zero, não
questiona a origem e causa da pauperização e sua funcionalidade ao
desenvolvimento do capitalismo. Nesta tese, o crescimento populacional e a
pobreza passam a ser causa e não produto da desigualdade social, derivada
da forma como o capitalismo vem se desenvolvendo, em nível mundial.
Em discordância com as teses neomalthusianas, apresentam-se nesta
conferência, as proposições dos desenvolvimentistas que argumentam em
favor do crescimento econômico, como base para a ampliação das condições
de vida das populações, legitimando a noção de progresso viabilizada pelo
desenvolvimento industrial e ainda defendem que os países-membros devem
ter autonomia para definir como vão se desenvolver. Este embate resulta na
hegemonia dos desenvolvimentistas, afirmando a necessária continuidade do
crescimento econômico e do progresso industrial, que através do
desenvolvimento da ciência e da tecnologia poderiam resolver os problemas
ambientais. Neste sentido, esta proposta considerava que o desenvolvimento
era condição indispensável para alcançar a igualdade social e diminuir a
pobreza em todo o mundo, sendo condenável qualquer proposta de limite ao
crescimento. Sobre este posicionamento, Porto-Gonçalves (2006) nos dirá que
a receita encontrada para combater o desenvolvimento era mais
desenvolvimento.
Destacamos também, que nesta conferência foi criado o Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que se responsabilizaria pela
continuidade das discussões internacionais, através do incremento de um
processo de mobilização e sensibilização dos países-membros, em torno da
95
definição de prioridades em relação ao meio ambiente, chamando a atenção da
comunidade internacional sobre a relação de interdependência entre as
questões sociais e ambientais que se dá em todo o globo terrestre.
A polarização que se estabelece entre o Norte e Sul, a materialização
das ameaças da produção nuclear com o desastre de Chernobyl em 1986 e as
mudanças climáticas constituem a realidade, que mobiliza várias tendências do
movimento ambientalista. A preocupação com a questão do desenvolvimento e
sua relação estreita com os recursos naturais, se torna central no Relatório
“Nosso Futuro Comum”, elaborado, em 1987, pela ONU, afirmando a
necessidade de sustentabilidade, traduzida no termo (ou na proposta de)
desenvolvimento sustentável. Neste contexto, a ONU convoca, em 1989, a
Conferência das Nações Unidas para o meio ambiente e o desenvolvimento
(CNUMAD), a ser realizada em 1992, no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.
Também conhecida como Eco-92 ou Rio-92, esta conferência
contemplou discussões feitas na Conferência de Estocolmo e, a partir dos
resultados do Relatório “Nosso Futuro Comum”, de 1987, também conhecido
como “Relatório Brundtland”, pauta como central a questão do desenvolvimento
e sua relação com o meio ambiente. Seu objetivo principal se direcionava ao
alcance do “desenvolvimento sustentável” com a proposição de estratégias
ambientais de longo prazo, que deveriam ser efetivadas através da cooperação
entre países do Norte e do Sul. A idéia de preservação dos recursos naturais
para as gerações presentes e futuras, que traduz o conceito de
desenvolvimento sustentável, e os esforços para superar a degradação
ambiental, são postos como responsabilidade de toda a humanidade. Neste
relatório, há uma retomada dos argumentos em torno da finitude do planeta, já
presentes em Estolcomo, em 1972, e a pobreza, a degradação ambiental e o
crescimento populacional são considerados como indissociáveis, e seu
enfrentamento, deveria ser feito por todos indistintamente.
Segundo Silva (2010), a relação entre pobreza e meio ambiente se
manteve como visão hegemônica até meados dos anos de 1990, através da
tese do “círculo vicioso”, que considera os pobres como sujeitos e vítimas do
processo de degradação ambiental. E a ruptura deste círculo vicioso só poderia
ocorrer com o desenvolvimento econômico. A contraposição a esta tese foi
96
feita por setores radicais do ambientalismo, que afirmaram serem os ricos os
responsáveis pelo maior consumo e degradação ambiental.
Estamos convencidos de que a indistinção de classe, que responsabiliza
a todos pelas soluções para o grave quadro ambiental, que se apresentava já
naquele momento, tem um efeito ideológico de encobrir as questões de poder
que envolvem a relação sociedade e natureza retirando, justamente das
classes dominantes, a responsabilidade pela sustentação da sociedade
capitalista.
A influência de perspectivas teóricas e os diversos posicionamentos
contidos nestes documentos expressam um processo de disputas, que se
estende desde a década de 1960 até 1990, em torno da relação entre
crescimento econômico e preservação ambiental. Discutir as disputas
presentes entre os sujeitos coletivos da sociedade civil e seu caráter classista,
tanto no que se refere às determinações sobre a crise ambiental, quanto às
soluções apontadas, se constitui num dos elementos centrais para a politização
da questão ambiental no âmbito da relação Estado e sociedade civil. A
identificação e analise das concepções de questão ambiental, expressa nos
documentos oficiais, revela uma estratégia política, pois expressam uma
perspectiva das classes dominantes, ao mesmo tempo em que tentam encobrir
este caráter conflitivo e classista, numa visão universal, comum a todos.
De acordo com o estudo de Silva (2010), dentre as alternativas adotadas
pelo Estado e pelas classes sociais, para o enfrentamento da questão
ambiental, se destaca a gestão ambiental, baseada no discurso da
sustentabilidade, como ferramenta privilegiada do capital e do próprio Estado,
no sentido de promover à consolidação de uma cultura ambientalista, cujo
cerne é a defesa da preservação da natureza, desde que se mantenham
intocados os pressupostos de acumulação de capitais.
Ao analisar a concepção de desenvolvimento sustentável como
mecanismo de enfrentamento da questão ambiental, Silva (2010) nos brinda
com um “exame crítico desde a sua colocação pelas agencias internacionais, a
sua conversão em programa de ação e, por fim, a sua instituição como prática
de classe.” (p. 41).
Segundo Silva (2010, p.41),
97
O desenvolvimento sustentável comparece na agenda pública como expressão das iniciativas voltadas à instituição de mecanismos de controle da relação entre sociedade e natureza, e encontra-se amplamente disseminado na plataforma política das organizações governamentais e não-governamentais, entidades de classe, partidos políticos, fundações empresariais, entre outros.
Gramsci nos ensina que estes espaços de organização presentes na
sociedade civil, que são os aparelhos privados de hegemonia, reproduzem a
ideologia das classes dominantes, mas, no entanto, outros sujeitos coletivos se
contrapõem a esta posição e constroem estratégias de organização e
preparação para este enfrentamento. Consideramos que a apreensão das
lições históricas de luta, para alimentar o embate em torno da questão
ambiental, como uma questão vital e estratégica para as classes subalternas,
amplia as possibilidades de disputa destes espaços.
Estas considerações sobre os debates oficiais internacionais e os
diversos posicionamentos dos sujeitos coletivos da sociedade civil nos
mostram que o ideário da sustentabilidade, tão fortemente presente nesta
esfera, se constrói num processo de ocultação das reais causas e
conseqüências da questão ambiental no capitalismo, onde a questão de classe
e o acesso aos bens ambientais são subsumidos. A busca de legitimação do
desenvolvimento sustentável a partir de uma abrangência ampla contemplando
a sustentabilidade nos âmbitos social, econômico, político e ecológico, torna-se
impraticável na sociedade capitalista, pois expressa contradições entre si, na
medida em que a sustentabilidade social se contrapõe à sustentabilidade
econômica, para citar apenas dois destes âmbitos.
Segundo Silva (2010, p. 34) sustentabilidade ambiental é incompatível
com a sustentabilidade social, uma vez que este “ideário” do desenvolvimento
sustentável não encontra respaldo na história para se expressar como meio de
sustentabilidade social. E isso é reafirmado pela estreita relação entre ambas,
ou seja, “a sustentabilidade ambiental se faz a partir de uma insustentabilidade
social à medida que afeta de forma diferenciada as classes sociais”. (p.41).
Podemos concluir com Silva (2010) que o desenvolvimento sustentável
se configura como uma alternativa à “questão ambiental”, compatível com a
necessidade de manutenção do capitalismo, sendo incapaz de superá-la. A
autora reforça esta conclusão demonstrando que, para o pensamento
98
ambiental hegemônico, a afirmação do desenvolvimento sustentável, a partir de
soluções técnicas, se relaciona à instituição de dispositivos de controle e uso
racional dos recursos naturais, como os processos de certificação (ISOS), que
se materializam através do uso de novas tecnologias e, sobretudo, permitem a
continuidade de reprodução ampliada do capital, conferindo-lhes legitimidade
para a concorrência com outras empresas.
As estratégias de enfrentamento da questão ambiental por parte do eco-
capitalismo demonstram a capacidade e a habilidade deste sistema de se
beneficiar inclusive dos resultados de sua produção destrutiva, que se
expressam no mercado da reciclagem e da reparação, e na incorporação ao
sistema, de vários setores do movimento ambientalistas que, ao serem ao
menos parcialmente atendidos, tendem a se transformar em relevantes canais
de legitimação social.
A visibilidade internacional que o movimento ambientalista adquire nos
anos 1960 se soma à afirmação das ONGs relacionadas ao campo ambiental,
nos anos 1980,demonstrando a atuação dos sujeitos coletivos que, mesmo
compartilhando de idéias em comum, passam a atuar de maneira distinta e às
vezes complementar, no que se refere a sua forma de manifestação,
participação e representatividade de posições na sociedade civil. Desta forma,
a presença destes sujeitos coletivos expressa diferenças que se fazem mais
marcantes pela particularidade de posicionamento das ONGs, que adquirem
maior visibilidade pela sua própria atuação mais prática e centralizada.
Porto-Gonçalves (2006, p.126) discute a diferenciação entre o
posicionamento das ONGs na Eco-92 e em Johannesburgo, na Rio +10,
realizada em 2002. Enquanto em 1992 havia uma clara diferença entre as
ONGs que exprimiram sua diversidade no Aterro do Flamengo, e os
organismos oficiais e governos, que se concentraram no Riocentro, em 2002, o
que se destacou foi o posicionamento das ONGs, que se distanciaram dos
movimentos sociais e fortaleceram sua aproximação a governos e empresas,
dos quais dependiam captar recursos financeiros para o desenvolvimento de
suas ações. O resultado desta postura já deixa claro que, cada vez mais, o
poder de quem financia determina o âmbito de ação destes sujeitos.
Esta postura destes sujeitos coletivos que atuam na sociedade civil em
“defesa” do meio ambiente, segundo Porto-Gonçalves (2006), revela as
99
ligações perigosas que se estabelecem na construção do neoliberalismo
ambiental, principalmente no que se refere ao controle dos recursos genéticos,
da energia e da água, que se mostram claramente na adoção de estratégias
de estabelecimento de patentes, revelando o contraditório papel das ONGs
nestas ligações.
Novas expressões e práticas políticas vêm sendo recentemente introduzidas no léxico político, como as parcerias onde se estabelecem alianças produtivas que constituem negociação de interesses sob relações de poder absolutamente desiguais. (...) desde a segunda metade da década de 1990 há um deslocamento da atuação de algumas grandes ONGs não só com relação ao mercado, como também em relação à ação das corporações multinacionais e do próprio Banco Mundial, quando muitas passam a pôr em prática uma visão acerca destas instituições muito diferente daquela que a maior parte das organizações populares vinha mantendo até então. (2006, p.390-391)
Ao discutir a “des-ordem” política mundial e os novos espaços de poder,
Porto-Gonçalves (2006) critica a postura de determinadas ONGs
argumentando que elas fragilizam a sociedade civil. E, problematizando a
questão da ação em escalas, evidencia que a escala nacional está sendo
esvaziada e, por conseqüência, a sociedade civil. Estas reflexões nos levam a
questionar: a idéia de desenvolvimento sustentável, sob a responsabilidade de
todos, é um falso consenso?
O modelo de desenvolvimento sustentável, apontando a associação
entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente, comportou
o envolvimento pouco crítico de diversos sujeitos coletivos, contribuindo para
reforçar o padrão vigente de sociedade, ecológica e socialmente insustentável.
Neste sentido, cabe observar que a apropriação de um discurso genérico e
impreciso sobre sustentabilidade, por sujeitos coletivos na sociedade civil,
como se fosse produto de um consenso, trouxe sérias implicações políticas
relacionadas á reflexão e posicionamento crítico, em torno desta categoria
construída dentro do sistema capitalista. Este suposto consenso em relação à
crise ambiental vai revelar a existência de perspectivas e, conseqüentemente,
propostas divergentes em relação à superação desta crise, que já demonstram
por si, perspectivas antagônicas de sociedade.
Uma análise crítica sobre a questão ambiental vem sendo obstaculizada
por um pensamento conservador, hegemônico e reformista, que expressa uma
100
visão reducionista tanto em nível de discurso como na pratica, e que é
respaldado por organismos governamentais e não governamentais e
instituições privadas, nacionais e internacionais.
Esta abordagem do pensamento conservador e hegemônico presente no
campo ambiental têm suas bases na prevalência de concepções
historicamente construídas. As características fundamentais desta visão do
meio ambiente, segundo Lima (2002), se expressam através da compreensão
naturalista e conservacionista da crise ambiental, sustentada numa concepção
reducionista, fragmentada e unilateral da questão ambiental; da tendência a
sobrevalorizar as respostas tecnológicas; da ênfase individualista e
comportamental diante dos problemas ambientais; de uma abordagem
despolitizada da questão ambiental, através da separação entre as dimensões
sociais e ambientais e da responsabilização dos impactos ambientais a um
homem genérico, reforçando uma visão "etérea" descolada dos processos
sócio-políticos e culturais
Este autor ainda problematiza que, a consideração da questão ambiental
como um problema natural, em seu sentido restrito, a ser resolvida por
soluções técnicas, se apresenta descolada das próprias características
conflitivas da sociedade capitalista, e tem sido utilizada como recurso
ideológico estratégico das classes dominantes para reduzir ou eliminar suas
dimensões social, cultural e ética, e principalmente, sua dimensão política. Este
pensamento conservador e hegemônico tem se constituído num poderoso
recurso para impedir o desvelamento tanto das causas quanto dos agentes
responsáveis pela degradação e injustiça ambiental, obstaculizando a
participação da sociedade civil na luta pelos direitos ambientais, ou no limite,
ao próprio acesso aos bens ambientais. A materialização desta postura na
sociedade capitalista se expressa através da superexploração dos recursos
naturais e de conflitos entre interesses privados e públicos pelo acesso e
apropriação dos recursos naturais. Consideramos que esta postura se
fortalece, através da banalização da participação, onde a atuação é reduzida
ao âmbito da pequena política.
Somos então concordantes com Guimarães (2004, p. 20) ao afirmar que:
"há uma abordagem que homogeneíza e superficializa o discurso ambiental -
101
com a perda do caráter crítico - e esta postura serve e está a serviço de - uma
sociedade e do seu projeto que busca ser hegemônico".
Numa perspectiva crítica, a politização da questão ambiental se
relaciona necessariamente à compreensão e tratamento do caráter coletivo dos
bens ambientais, como indispensáveis a vida e á sua reprodução, onde a
questão do acesso a estes bens se constitui num direito público e universal.
Neste sentido, cabe problematizar que a questão ambiental demonstra uma
disputa entre modelos de organização social e de exploração dos recursos
naturais, onde a perspectiva atualmente hegemônica se apresenta, através de
um recurso ideológico, como a melhor compreensão e ação sobre a realidade.
O processo de politização da questão ambiental requer uma constante
luta dos sujeitos coletivos das classes subalternas, através da participação
organizada e consciente, no âmbito da sociedade civil, em torno da
democratização do acesso aos bens ambientais, considerados como bens
públicos e direito de cidadania. Esta postura torna-se hoje decisiva, na defesa
dos direitos conquistados e, no processo de ampliação e aprofundamento da
conquista de novos direitos.
Porto-Gonçalves (2004a) defende que o caráter crítico demarca a
opressão do homem e da natureza, desnudando as relações de poder nas
sociedades em um processo de politização das ações humanas. Sendo assim,
o debate político e politizado sobre a relação sociedade e natureza nos traz a
necessidade de pensar quais seriam os limites que a própria humanidade vem
construindo neste processo de resistência ao capitalismo. E, ainda, as
potencialidades para a sua superação e construção de uma nova organização
societária, que contemple neste processo, uma crítica ampla e radical do ponto
de vista filosófico e cultural, ressignificando o conceito de natureza e de
participação da sociedade.
Nossa perspectiva pretende ultrapassar a mera crítica aos males do
capitalismo, pois consideramos que a análise das contradições intrínsecas do
capital, marcantes na contemporaneidade, abre, paradoxalmente,
possibilidades às lutas políticas para sua superação. Estamos convencidos de
que o capitalismo é resultado de uma construção sócio-histórica e, portanto,
pode ser superado. E a mediação da política torna-se elemento indispensável,
102
para a constituição de condições necessárias à conquista de uma nova ordem
societária, tendo a sociedade civil como espaço privilegiado de luta.
Assim, entendemos que para politizar a questão ambiental é
fundamental trazer para o debate e embate, os sujeitos que vivem esta
questão, tendo em conta o sentido de política de Gramsci, ou seja, como
educação, organização e de construção de um projeto de classe. Por isso, o
trabalho de educação e formação, desenvolvido pelos sujeitos coletivos das
classes subalternas, é de extrema relevância. ( abordaremos esta questão no
capítulo seguinte)
Nossa reflexão se direciona à critica das diversas tendências do
pensamento ambientalista, inclusive ao eco capitalismo, que tem como uma de
suas expressões hegemônicas, a economia verde. A tradição marxista, para a
compreensão da questão ambiental, coloca-se, neste sentido, como uma
perspectiva privilegiada de análise crítica, para a construção de alternativas.
As reflexões feitas por Layargues(2004) reafirmam a necessidade de
defesa da questão ambiental como uma questão política, que comporta
diversas e antagônicas visões e soluções propostas. Somos concordantes com
o autor ao considerar que a questão ambiental, muito mais do que uma
questão técnica e/ ou ética é, antes, uma questão política, envolvendo disputas
entre sujeitos coletivos em torno do acesso, uso e domínio dos recursos
naturais e da responsabilização dos danos e riscos ambientais, caracterizada
pela disputa pelo direito de poluir e pelo dever de restaurar o dano.
Para Porto-Gonçalves (2006, p.48)
Dizer que a problemática ambiental é, sobretudo, uma questão de ordem ética, filosófica e política é se desviar de um caminho fácil que nos tem sido oferecido: o de que devemos nos debruçar sobre soluções práticas, técnicas, para resolver os graves problemas de poluição, desmatamento, erosão. Este caminho nos torna prisioneiros de um caminho herdado que é ele mesmo, parte do problema a ser analisado.
Estas considerações nos incitam à reflexão sobre a urgência de análises
direcionadas à compreensão e construção das condições necessárias ao seu
enfrentamento e superação. Layargues (2004) partindo da relação sociedade e
natureza, sob a hegemonia do capital, argumenta que se a sociedade é o lugar
do conflito, e não da harmonia, nela estão presentes os verdadeiros
103
“desequilíbrios”, e não na natureza, como o senso comum, disseminado pelas
classes dominantes, nos leva a crer. Cabe ponderar que a tentativa de
despolitização da questão ambiental, se apresenta como estratégia da
pequena política, como a parte visível, mas não declarada da grande política. E
se as classes subalternas vêm limitando seu combate ao âmbito da pequena
política, as classes dominantes desempenham a grande política, como nos
mostra Gramsci,
[...] é grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo a pequena política. (...) Ao contrário, é coisa de diletantes pôr as questões de modo tal que cada elemento de pequena política deva necessariamente tornar-se questão da grande política, de reorganização radical do Estado. (CC, p.22, vol. 3)
A partir de Gramsci, consideramos que o capital, através de seus
portadores, vem incitando (e/ou realizando) o exercício da pequena política, ao
baixar o nível das lutas, trazendo por consenso e/ ou por coerção (medo das
catástrofes, de não ser ecologicamente correto, etc.), amplos setores,
organizações, etc., para o seu campo e nível de luta. Assim, estes portadores
do capital, reforçando o jogo da pequena política, estão na realidade, fazendo a
grande política, de despolitização em primeiro lugar.
Como nos ensina Gramsci, para estabelecer a hegemonia, as classes
tentam construir, no interior da sociedade civil, o consenso. E, neste sentido, se
as classes dominantes têm logrado mais êxito, isto impõe às classes
subalternas a organização e o direcionamento de sua luta, para alguns
desafios, dentre os quais: que consensos devem ser destruídos/ desvelados?
Como construir consensos a partir das classes subalternas e que grandes
questões são impulsionadoras e articuladoras de consensos, pelas quais se
torna politicamente importante lutar?
O consenso atualmente prevalente sobre a questão ambiental se
assenta no fato de que a mesma afeta a todos, indistintamente, que a
responsabilidade pela sua manutenção, é de um homem genérico, a-histórico e
a-político, e do progresso. E ainda, que a busca de soluções cabe à sociedade
como um todo. Estas idéias são reforçadas e agravadas por dados e previsões
catastróficos veiculados, aliados a propostas paliativas, individuais,
comportamentais e indistintas em relação às classes sociais, exercendo, em
104
algumas situações, uma coerção sobre as pessoas, que se traduz em pânico e
despolitização. Isto é exemplar através do engajamento individual ou coletivo,
em lutas ambientais pontuais e da “adesão” a comportamentos ecologicamente
corretos que se expressam na participação prioritária no âmbito da pequena
política. O poder desta questão, a partir desta perspectiva, é colocar todos num
mesmo patamar, ou como é considerado pelo senso comum, todos “estamos
no mesmo barco”. Isso é funcional ao capital, pois ao não distinguir, equaliza
todos em função dos graves riscos da crise ambiental, operando um processo
de despolitização da questão ambiental, dissolvendo a questão de classe.
Assim, cabe reafirmar que múltiplas identidades são funcionais ao capital, mas
a única identidade que ameaça a estrutura capitalista é a de classe.
Diante da afirmação de um discurso genérico sobre sustentabilidade,
que se coloca como consensual Loureiro (in Silva, 2010, p.6) nos adverte:
Para romper com esse discurso que aparece como consensual (sem sê-lo de fato), mas que se coloca como recurso de dominação ideológica das classes sob a hegemonia do capital, é preciso ter claro que soluções genéricas, que buscam aglutinar toda sociedade em torno da salvação do planeta, vêm encobrir estratégias de manutenção de sua lógica destrutiva e de seu projeto político.
Porto-Gonçalves (2004, 2006) propõe, como um dos grandes desafios
ambientais contemporâneos, romper este consenso que esconde a gravidade
da questão com soluções paliativas.
[...] escapar das armadilhas destas noções fáceis que nos são oferecidas pelos meios de comunicação de massa, tais como ‘qualidade de vida’ ou ‘desenvolvimento sustentável’ que, pela sua superficialidade, preparam hoje, com toda a certeza, a frustração de amanhã.
Para Silva (2010, p.43),
[...] na esteira de um discurso que apregoa a adoção de práticas “ecologicamente corretas”, ocultam-se os reais determinantes da questão ambiental: o sociometabolismo do capital e a impossibilidade de superação da produção destrutiva pelas vias do progresso técnico.
Consideramos que a disseminação desta postura “ecologicamente
correta” expressa uma defesa ideológica (não comportando ingenuidade ou
105
incompetência), que vem sendo feita pelo capital, contribuindo para reafirmar
um quadro que perpetua a exploração da força de trabalho e da natureza. A
partir das contradições que constituem a produção destrutiva do capital, a
construção de uma unidade das lutas sociais e ambientais torna-se elemento
indispensável, para uma conseqüente ação política anticapitalista, que, tendo
como ponto central a superação da sociedade de classes, nortearão as
necessárias transformações societárias.
Como visto, uma série de recursos vêm sendo utilizados para a
construção de consensos: cooptação, engodo, desinformação, sutileza,
utilização de termos que expressam idéias ao mesmo tempo universais e
vagas, reforçando um sentimento de pânico, em relação às catástrofes
ambientais e à adesão a ações paliativas, etc. Consideramos que a utilização
destes recursos pode demonstrar que, na verdade, o consenso em torno do
desenvolvimento sustentável se apresenta, segundo Layargues, como uma
“cortina de fumaça”.
A construção de consensos é fundamental, mas insuficiente para que as
classes subalternas cheguem ao poder. É preciso enfrentar o desafio de, para
além da constituição de consensos, construir um projeto de sociedade contra-
hegemônico. A teoria de Estado ampliado de Gramsci nos fornece a base para
que possamos analisar a questão ambiental e suas diversas e/ ou antagônicas
concepções presentes nos aparelhos privados de hegemonia na sociedade
civil, que expressam disputas pela prevalência de um determinado projeto
societário. A disputa de projetos que se dá na sociedade civil em torno da
direção da sociedade política tem sua concretude (materialidade) nestes
aparelhos privados de hegemonia. Sendo a visão burguesa a hegemônica,
expressa pela naturalização da questão ambiental, a tendência é que a mesma
seja reproduzida pelos aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil.
Por isso, se observa a sua reprodução através de ONGs, movimentos sociais,
etc., que fortalecem este projeto. Esta hegemonia do projeto burguês não se
coloca como unanimidade, nem como homogeneidade, o que denota, portanto,
a existência simultânea (coexistência) de projetos diferentes, divergentes e,
principalmente, antagônicos que se direcionam para a construção de outra
relação sociedade e natureza, que se apresentam como contra-hegemônicos.
106
Através do processo de construção desta contra-hegemonia, torna-se
relevante considerar a necessidade de fortalecimento dos sujeitos coletivos que
lutam e constroem estratégias, para a superação dos desafios ambientais e da
visão naturalizada da questão ambiental, defendida pelo eco-capitalismo, a fim
de disputar posições na sociedade civil.
Para Semeraro (2007), a atual configuração da sociedade civil se
apresenta como
[...] uma esfera cada vez mais complexa e contraditória de lutas ideológicas, de guerra de posição e de intensa disputa pela hegemonia entre diferentes grupos sociopolíticos. Hoje, de fato, a velocidade vertiginosa da globalização vem demonstrando que, nessa esfera, não apenas se multiplicam as iniciativas, são traçados os rumos da economia, da política e da cultura, mas que, com uma facilidade nunca vista antes, amalgamam-se discursos, embaralham-se signos, ocultam-se desigualdades e despolitizam-se as relações socioeconômicas. (p. 262, Grifos nossos)
Duriguetto (2007) nos leva a refletir sobre as diferentes perspectivas de
democracia e de sociedade civil, que se explicitam e se escondem por trás de
estratégias compatíveis com as “regras do jogo”, que se destacam na defesa
de um consenso de direitos, do direito à diferença e da chamada esfera
pública. Consideramos que, em relação à área ambiental, isto se torna
exemplar, pois diferentes perspectivas sobre a questão ambiental aparecem e
se ocultam através de termos como desenvolvimento sustentável, uso racional
dos recursos naturais, solidariedade com as futuras gerações, bem comum.
A autora citada nos instiga a refletir sobre a relação entre as
transformações pelo alto e a conformação da sociedade civil e da democracia,
onde as classes dominantes sempre se posicionam em busca da restauração
do poder que está sendo ameaçado, incidindo sobre ideologias e práticas que
se posicionam contrariamente. Estes enfrentamentos ídeo-políticos ocorrem a
partir de uma história de golpes, de repressão, criminalização e cooptação,
onde a figura do Estado ganha destaque central. A perspectiva que se torna
hegemônica, ao final do século XX, é problematizada pela autora, através da
análise de sua materialização em experiências de sociedade civil como
apêndice e extensão do Estado, disposta a assumir, dentro da ordem
capitalista, aquilo que não é do interesse do Estado nem do mercado.
107
Consideramos que esta perspectiva hegemônica de sociedade civil se
manifesta claramente no campo ambiental, impondo o desafio de intensificação
das lutas políticas na grande e na pequena política. As diferentes perspectivas
que se apresentam na sociedade civil, expressam que a neutralidade e o
distanciamento da política, defendidos pelo neoliberalismo, devem ser
contrapostos, apontando para a defesa da sociedade civil como campo de
diferenças, divergências e disputas.
Com base nestas reflexões, afirmamos que a compreensão da
pluralidade de sujeitos e de posições presentes na sociedade civil, em relação
à questão ambiental, torna-se essencial para o seu processo de politização,
onde os conceitos gramscianos de “pequena e grande política” são centrais
para (des) construção de determinadas concepções.
Neste sentido, Semeraro (2007, p.10) nos mostra que
Gramsci ajuda muito a “desconstruir” esta concepção de pós-modernidade de marca neoliberal que está levando à despolitização, ao relativismo, à apatia, à evasão, à indiferença, à valorização do fragmento, do imediato, ao autismo e ao intimismo, com grave perda da visão do todo, das relações sociais, da grande política, da possibilidade da revolução, da entrega à militância e aos ideais da solidariedade humana. Dentro desse horizonte, a vida humana e social se amesquinha, dando lugar ao predomínio da pequena política.
Neste sentido, Gramsci fala da necessidade de organização e superação
do senso comum, que é o conjunto de reflexões que se acumula de forma
fragmentada, empírica, e que, por isso, é insuficiente. Neste sentido, nos
mostra que superar o senso comum e chegar ao bom senso é tarefa política
revolucionária da classe trabalhadora, que só será possível através do
conhecimento da realidade e da luta política.
Semeraro (2007, p. 12) nos alerta que
A educação é um elemento necessário, mas não suficiente, na disputa pelo poder. O processo de superação das relações de poder dominantes e a construção de outras relações societárias também exigem uma educação que eleve a consciência das classes subalternas para que elas possam se reconhecer como classe e,
depois, lutar pelos seus próprios interesses.
108
Nesta direção, a presença de intelectuais orgânicos torna-se
imprescindível, pois são eles que vão ajudar nesta superação educando,
organizando, dando clareza, coerência e unidade. Para Gramsci, o intelectual
pode ser individual ou coletivo e afirma que o intelectual coletivo privilegiado é
o partido político, que representa uma passagem do momento egoísta,
individual, ao momento ético-politico. Por isso, o partido não é uma
institucionalidade, mas uma função. É a construção de uma vontade coletiva,
que se traduz em consciência, que deve agregar o conjunto da classe
trabalhadora em torno da necessidade de se fazer a revolução.
Para Semeraro (2007, p. 18), esse processo de luta em favor da
transformação social, que cobra ações contra-hegemônicas, é também
educativo, pois exige o aprendizado de uma nova forma de ver, de entender a
realidade e de agir nela.
Gramsci não entende a educação senão como um espaço da disputa política definidora dos rumos históricos: se ela é elemento de cimentação da ideologia dominante, deve ser também utilizada pelos subalternos como um instrumento estratégico que pode auxiliar na
tarefa de superação do capitalismo.
Assim, o processo de politização da questão ambiental deve ter em
conta o caráter educativo da luta política, empreendida pelas classes
subalternas, considerando que, segundo Semeraro (2007), Gramsci nos traz a
reflexão de que a educação é sempre política e que o princípio educativo é o
trabalho.
A preparação cultural, educacional que fortaleça as classes subalternas
para a disputa de posições hegemônicas torna-se elemento essencial para a
legitimação popular, pois corresponde à necessária construção coletiva que
ocorre neste processo de formação da consciência desenvolvido na luta
política. Aprofundaremos no terceiro capítulo deste trabalho a análise da
agroecologia como estratégia política, destacando o processo de educação e
formação em agroecologia no MST.
Loureiro (2003) traz contribuições vitais à construção da práxis
ambiental, quando põe em relevo a relação entre questão ambiental e lutas
sociais, chamando atenção para a necessidade de ambientalização das lutas
sociais, que se traduz na incorporação da questão ambiental como uma
109
questão política estratégica, nas lutas sociais empreendidas pelas classes
subalternas e, ao mesmo tempo, propõe a aproximação entre os movimentos
ambientalistas e outros movimentos populares, no sentido de potencializar e
efetivar aprendizados políticos, no desenvolvimento das lutas. Estes aspectos
correspondem aos estudos que realizamos, relacionado às reflexões de
Gramsci, sobre o caráter educativo das lutas sociais.
A luta contra-hegemônica, entendida pelo pensamento gramsciano, não
se limita ao espaço físico e estrutural, mas também a todo tipo de organização
cultural para a formação de intelectuais orgânicos. Essa nova cultura não é
apenas composta por descobertas originais, mas, sobretudo, discute
criticamente verdades já descobertas, transformando-as em meio para a ação.
Esse desafio contra-hegemônico, quando assumido pela sociedade civil com o
protagonismo dos movimentos sociais, deve buscar realizar uma ampliação na
esfera pública em todos os setores que integram a sociedade.
Em síntese, buscamos fortalecer a posição que afirma a questão
ambiental no capitalismo, como uma questão política, que envolve o Estado e
os sujeitos coletivos da sociedade civil em torno do acesso, uso e domínio dos
bens ambientais. É uma questão conflitiva baseada na questão de classe e que
tem, como elemento fundamental, a questão do trabalho envolvendo a disputa
dos sujeitos em torno da sua conceituação (dimensão técnico-natural,
dimensão histórico-social), do seu acesso, controle e uso.
Reafirmamos que há uma tentativa de despolitização desta questão por
parte do Estado e das classes dominantes, através de um discurso neutro,
comum a todos, que propõe soluções técnicas, comportamentais e paliativas,
diante da gravidade deste quadro que se mostra altamente explosivo e
ameaçador da vida humana e da própria biosfera. Entendemos que este
discurso se mostra como estratégia da grande política, utilizada pelas classes
dominantes, onde se destaca o papel da mídia hegemônica na sua
reafirmação.
Diante do exposto, defendemos que os embates e as lutas levadas a
cabo pelas classes subalternas se mostram como estratégicos para o
necessário processo de politização da questão ambiental na sociedade. Porto-
Gonçalves (2004) nos alerta que a construção de um projeto contra-
hegemônico pensado no contexto desta sociedade, deve necessariamente
110
contemplar a questão ambiental, até pelos riscos que o capitalismo nas últimas
décadas trouxe para a humanidade e para o planeta.
O campo ambiental se faz presente, na luta da sociedade civil, através
dos sujeitos coletivos, numa perspectiva de embate político permeado por
tensões e disputas entre projetos societários diferentes, ou seja, o que visa à
manutenção da hegemonia do capital e o que tem como perspectiva a defesa
do protagonismo das classes trabalhadoras na construção de uma nova
relação entre sociedade e natureza. Neste sentido, Rauber (2007) nos alerta
para a necessária constituição de um sujeito popular, fruto da articulação das
lutas de diferentes sujeitos coletivos.
Os estudos realizados a partir da tradição marxista nos levam a
considerar que a gênese da questão ambiental se relaciona à instituição da
ordem burguesa e a disputa em torno de outro modelo agrário e agrícola tem
sido um elemento central nas lutas dos sujeitos coletivos, expressando o
movimento produzido pelas classes sociais e pelo Estado relacionado ao
acesso e controle dos bens ambientais, dos quais a terra e toda sua fertilidade
ganha centralidade nesta fase atual do capitalismo.
A partir destas considerações, discutiremos no capítulo seguinte, a
manifestação da questão ambiental no espaço agrário brasileiro, tendo em
conta a relação entre questão agrária e questão ambiental, expressa pela
tensão entre modelos antagônicos de agricultura. Esta tensão se revela através
da existência de sujeitos coletivos da sociedade civil, que disputam o acesso e
o controle da terra. É neste movimento de enfrentamentos que
compreendemos o MST, como um sujeito coletivo que se forja neste processo
de luta e resistência contra o modelo agrário e agrícola, constitutivo e
determinante das questões agrária e ambiental. E é neste enfrentamento que
este sujeito vem construindo a agroecologia, assumida como matriz produtiva e
política.
111
CAPÍTULO 2 – A QUESTÃO AMBIENTAL NO ESPAÇO AGRÁRIO
BRASILEIRO: FALHA METABÓLICA, O EMBATE ENTRE SUJEITOS E A
LUTA PELA AGROECOLOGIA
2.1 O Desenvolvimento do Capitalismo no Espaço Agrário Brasileiro e
as Transformações na Agricultura: afirmação e ampliação da falha
metabólica
2.1.1 Questão Ambiental no Desenvolvimento da Agricultura Brasileira:
da apropriação e uso da terra pelo capital ao processo inicial de
industrialização.
Pretendemos discutir, inicialmente, como a forma de apropriação da terra,
como um dos elementos fundamentais da natureza, impactou o território
brasileiro, destacando que, através da concentração da terra como propriedade
privada e do desenvolvimento da agricultura capitalista, constitui-se,
juntamente com a formação de uma questão agrária, elementos fundantes,
posteriormente, de uma questão ambiental no Brasil. Considera-se, portanto,
que a ocupação e o uso da terra são a base (ou o ponto de partida) para nosso
entendimento sobre as manifestações da questão ambiental no espaço agrário,
enfatizando a produção dos modelos de agricultura.
Reforçamos a defesa de Nascimento (2008) de que a questão ambiental
está na origem da formação do espaço agrário brasileiro, de modo que não há
como falar da questão agrária sem considerar os danos ambientais produzidos
pelo modelo de agricultura de exportação, definido em razão de um caráter
progressista (ou moderno) que via a natureza como possibilidade de aumento
de ganhos, como mero objeto de negócio. O desmatamento, a degradação e a
exaustão dos solos, bem como o afastamento dos produtores de seus meios
de vida, são provenientes da forma como a natureza foi considerada desde o
112
início de nosso processo de colonização, como um vazio ecológico e social,
como algo inculto.
A partir das considerações acima, ressaltamos que, para fundamentar o
conceito de falha metabólica, é preciso considerar a violenta separação dos
povos originários de seus meios de vida e a tentativa frustrada de sua
escravização. E ainda cabe destacar a relação entre a produção de uma
agricultura, monocultora, itinerante e de fronteira aberta, feita pela mão-de-obra
escrava, sob o comando dos latifundiários capitalistas que recebiam as
sesmarias. Com a abolição da escravatura, moveu-se também um processo
violento de expulsão de uma massa de escravos libertos que vão se amontoar
nas cidades em busca de sua sobrevivência.
Consideramos que o elemento básico para analisarmos a falha
metabólica, operada no processo de formação da sociedade brasileira,
particularmente do espaço agrário, e de seu projeto de desenvolvimento desde
o período colonial se relaciona com a apropriação e o uso da terra, considerada
o primeiro elemento fundamental da natureza para a vida humana.
A opção inicial pelo modelo agroexportador, a partir da produção da
agricultura monocultora de fronteira aberta e itinerante, sustentada pelo
trabalho (escravo e, posteriormente, pelo trabalhador livre imigrante,
trabalhador rural) em larga escala para exportação já demonstra a afirmação
da falha metabólica na relação da sociedade brasileira com o ambiente. Além
dos danos ambientais causados por este tipo de agricultura extensiva e
itinerante, que empobrece e exaure o solo, o fato de a produção ser
direcionada para exportação traz um elemento fundante na constituição da
falha metabólica, como discutimos no primeiro capítulo, ou seja, toda a
produção é destinada para longas distâncias, levando junto com os produtos,
parte da fertilidade da terra que a ela não retorna, e que se transformará em
lixo no seu local de consumo, provavelmente (ou invariavelmente) nas cidades,
gerando poluição e doenças.
Stédile (2011) afirma que, numa perspectiva ampla,
[...] a questão agrária é uma área do conhecimento científico que procura entender de forma genérica, como cada sociedade organiza o uso, a posse e a propriedade da terra ao longo da história. Também estuda como as sociedades se organizaram ao longo do tempo e de que forma produzem os bens originários da natureza em especial os
113
alimentos e a produção agrícola, para atender as suas necessidades (STÉDILE, 2011, p. 12).
Assim, este autor destaca a relevância de demarcar, na evolução da
questão agrária no Brasil, o momento e as condições que proporcionaram a
afirmação da propriedade privada da terra, seu desenvolvimento como um
problema agrário e a reação da sociedade brasileira, por meio de suas
diferentes classes e forças sociais.
Também contemplaremos, nesta análise, a manifestação da questão
ambiental na agricultura brasileira, tendo como ponto de partida que o processo
de apropriação privada da terra, que demarca as condições de acesso, uso e
domínio dos recursos naturais, afirma a falha metabólica que se estabelece na
relação entre a sociedade e a natureza. E destacamos que a ampliação desta
falha se manifesta nas implicações ecológicas e sociais, trazidas pelo
desenvolvimento da agricultura, especialmente a partir das alterações
proporcionadas pela terceira revolução agrícola que, como vimos no capítulo
anterior, se expressam através da chamada revolução verde.
Nascimento (2008) nos traz algumas reflexões com as quais
concordamos, quando afirma que, mesmo que o meio ambiente e a agricultura
só tenham se tornado uma questão a partir das transformações trazidas com a
revolução verde, através do processo de modernização conservadora, a raiz ou
a origem dos problemas ambientais na agricultura brasileira se localiza na
forma de uso e apropriação privada da terra através da agricultura
desenvolvida desde o período colonial. Este autor analisa que há pelo menos
duas interpretações tradicionais no debate agrário brasileiro, sobre os seus
impactos ambientais sobre o território.
A primeira considera que a estrutura agrária brasileira foi resultado da
sua condição de colônia e que a prática da destruição dos recursos e espaços
naturais permanece quase a mesma. A segunda considera que a adoção da
revolução verde, denominação dada ao modelo euro-americano de
modernização agrícola, foi o fator exemplar responsável por desencadear os
problemas ambientais no espaço agrário brasileiro, tais como a erosão dos
solos, a desertificação, o desmatamento, entre outros. E afirma sua perspectiva
a partir da defesa de uma interpretação alternativa. Para Nascimento (2008b,
p.11)
114
[...] não se tratou simplesmente da permanência do oligarca rural tosco do período colonial, nem tampouco se tratou apenas do impacto da difusão, anos mais tarde, do “pacote” tecnológico da chamada Revolução Verde, fato que veio dar sentido à modernização conservadora. Na verdade, o ethos progressista estava dado pelas relações de propriedade e absorveria rapidamente cada pacote tecnológico que surgisse, reproduzindo reiteradamente a regra da degradação-itinerância[...].Para o caso brasileiro, a regra citada acima se materializa na ausência de limites ambientais nas diferentes frentes de expansão da fronteira e ocupação do território via o processo de apropriação privada. Ocupam-se terras devolutas como “vazios” territoriais ou vazios ecológicos e sociais, instituindo o espaço rural enquanto regulação predatória do acesso a terra e condição de manutenção das relações de propriedade tais como são.
Este autor sustenta que, mesmo que a Lei de Terras tenha sido o ponto
de origem, a continuidade das formas predatórias de exploração dos espaços e
recursos naturais no Brasil estabeleceu um pacto essencial na exploração
agrícola/agrária do país, a monocultura em fronteira aberta. Esta condição de
fronteira aberta (ou móvel) permitia uma adaptação maior a esse sistema e
invalidava as conseqüências da ampliação dos custos da degradação
ambiental sobre a exploração agrícola. Desta forma, as tecnologias e os
pacotes tecnológicos se ajustariam bem à realidade rural do Brasil.
Nascimento (2008b) propõe uma nova interpretação da questão agrária,
a fim de retomá-la como uma formulação que não prescinda da problemática
ambiental. Nesse sentido, defende que assinalar o papel que desempenhou o
fator ambiental na instituição do espaço rural brasileiro justifica-se, primeiro,
pelo caminho escolhido, o da concentração fundiária, que incentivou a
modernização agronômica à custa da degradação socioambiental. E, segundo,
pela intensificação do padrão de modernização agrícola, com o agravamento
da degradação dos solos e poluição dos rios, com o advento da Revolução
Verde no Brasil, a partir da segunda metade dos anos de 1960.
Este autor analisa como a ausência de limites ambientais foi se tornando
a regra principal da aliança entre a concentração fundiária e o progresso
técnico aplicado à agricultura no Brasil. A perspectiva histórica da análise
abrange o período de 1850 a 1930, quando foi definida a natureza
socioeconômica específica do capitalismo agrário brasileiro e, pós-1930,
quando se criaram as bases de desenvolvimento do mercado interno.
115
Moraes (2002, p.13) analisa a formação do Brasil a partir de nossa
herança colonial, afirmando que a idéia de conquista territorial se constituiu
num forte traço de nossa identidade.
A apropriação de novos lugares, com suas populações, riquezas e recursos naturais, era o móvel básico da colonização. [...] uma ótica dilapidadora comanda o processo de instalação do colonizador, a qual se expressa num padrão extensivo (do ponto de vista do espaço) e intensivo (do ponto de vista dos recursos naturais) de uso do solo.
Para Caio Prado Junior (1988, p. 14), o caráter mais profundo de nossa
colonização se relaciona com a forma como se distribuiu as terras, uma vez
que a superfície dos solos e seus recursos naturais constituíram a única
riqueza da colônia. “[...] aqui uma só riqueza: os recursos naturais; daí uma só
forma de exploração: agricultura ou pecuária, subordinadas ambas à posse
fundiária”.
Para Stédile (2005), entender o processo de ocupação do território
brasileiro e o uso da terra requer considerar a história pregressa à sua invasão,
em que a sociabilidade das populações nativas, sob o chamado modo de
produção comunista primitivo, se pautava na vida nômade, onde a idéia de
propriedade privada não era conhecida, pois o solo era de posse coletiva e
temporária, utilizado para o provimento das necessidades de subsistência dos
grupos.
Sobre este período, o autor relata:
Desde os primórdios da nossa sociedade e o ano de 1500 d. C., a História registra que as populações que habitavam nosso território viviam em agrupamentos sociais, famílias, tribos, clãs, a maioria nômade, dedicando-se basicamente à caça, à pesca e à extração de frutas, dominando parcialmente a agricultura. [...] organizavam-se em agrupamentos sociais de 100 a 500 famílias, unidos por algum laço de parentesco, de unidade idiomática, étnica e cultural. Não havia entre eles qualquer sentido ou conceito de propriedade dos bens da natureza [...] todos os bens da natureza eram de posse e de uso coletivo e eram utilizados com a única finalidade de atender às necessidades de sobrevivência social do grupo (STÉDILE, 2005, p. 21, grifos nossos).
A citação e o trecho grifado destacam uma questão que se coloca como
essencial para nossas reflexões sobre a manifestação da questão ambiental no
116
espaço agrário. Para que possamos compreender as mudanças operadas na
agricultura brasileira, torna-se relevante apreender os mecanismos de
apropriação do território brasileiro, que de posse e uso coletivo para o
provimento de necessidades básicas, torna-se propriedade privada, orientado
para a obtenção de lucros, destacando as implicações sociais e ambientais
relacionadas a este processo.
É importante demarcarmos também que a gênese das cidades
brasileiras tem relação direta com o brutal processo de expropriação das terras
e culturas indígenas.
Trata-se de vilas e cidades esquadrinhadas, à época, pelo colonizador europeu sobre o terreno da tribo indígena, agora – e para sempre – desmantelada. Esta é a gênese da cidade brasileira, o seu princípio, o marco zero. Beneficiando-se da base riquíssima de conhecimentos sobre o território acumulado pelos índios ao longo de alguns milhares de anos, o colonizador estampou a cidade e estruturou o seu modelo civilizatório (MENEGAT, 2003, p. 151).
Para Menegat (2003, p.51), a criação das cidades brasileiras no período
colonial demonstra que a constituição do espaço rural através da apropriação
privada da terra com as capitanias hereditárias, foi comandada pelo “sujeito
político concreto (o conjunto de famílias, de fidalgos e de congregações
religiosas)” através do estabelecimento do projeto de produção com o uso da
força de trabalho escravizada, que deveria produzir excedentes econômicos
para atender às demandas de acumulação do centro.
O nascente capitalismo comercial, que se afirma na Europa, encontra na
expansão marítima do século XV, a possibilidade de elevar a acumulação de
capital, pois a descoberta de novos territórios tinha como objetivo a sua
exploração para o fortalecimento das metrópoles. A invasão do território
brasileiro pelos europeus, a forma de organização da produção e a apropriação
dos bens da natureza foram orientadas pelas leis do capitalismo comercial, já
dominante na Europa. Assim, a mercadorização de tudo que fosse possível,
visando ao lucro, foi a prática orientadora das atividades de produção e
extração (Stédile 2005, 2011)9.
9Sobre este processo mais amplo de mercadorização dos bens naturais em nosso continente,
se direciona a análise de Galeano em “As veias abertas da América Latina”, referenciada no capítulo anterior.
117
Retomando o processo inicial de exploração do Brasil, fica claro que os
portugueses buscavam encontrar ouro e outros recursos naturais que lhes
garantissem o acúmulo de riquezas e, conseqüentemente de poder, mas,
segundo Stédile (2011, p. 11), “logo perceberam que a grande vantagem
comparativa de nosso território era a fertilidade das terras e o seu potencial
para cultivos tropicais de produtos que até então os comerciantes buscavam na
distante Ásia ou na África”. A necessidade do uso produtivo e lucrativo da terra,
somada às suas condições naturais favoráveis, se materializa no cultivo de
gêneros raros na Europa, atendendo à dinâmica de produção da colônia e
visando ao atendimento dos interesses da metrópole.
A ocupação de terras no Brasil, no período colonial, ocorre com uma
dupla finalidade: defender o território de possíveis invasões por outros povos e
utilizar as terras visando proporcionar lucro à metrópole. A forma adotada, a
distribuição de terras através das capitanias hereditárias aos nobres
donatários, corresponde aos interesses da coroa portuguesa que, em troca de
favores e de tributos, concede a alguns, a posse da terra para exploração, com
o direito de legá-la a seus herdeiros (Stédile, 2011).
Ressaltamos, a partir da análise de Stédile (2011), a mudança
fundamental ocorrida com a posse e utilização da terra, que de uso coletivo
passa a ser propriedade de Portugal, que delega sua posse a quem se
dispusesse a explorá-la, instituindo, na colônia brasileira, o monopólio da terra
e o latifúndio.
Stédile (2011) analisa que, de 1530 a 1888, a formação social brasileira
foi dominada pelo regime escravista colonial, baseado no modelo
agroexportador, que perdura até os anos 1930, quando a crise do mesmo
possibilita a mecanização nos campos. Para este mesmo autor, o modelo
agroexportador baseado no cultivo de produtos agrícolas e na extração de
minerais, destinado ao abastecimento do mercado europeu, no Brasil, se
expressa através do modelo adotado para a organização da produção agrícola,
que ficou conhecido como “plantation” ou como “plantagem”. De acordo com
Gorender (2005), o desenvolvimento da agricultura no período colonial se dava
a partir do que ele chamou de escravismo colonial, baseado na forma
plantagem de organização da produção escravista, que possuía como traços
118
característicos: especialização na produção de gêneros comerciais destinados
ao mercado mundial; trabalho por equipes sob o comando unificado;
conjugação estreita e indispensável, no mesmo estabelecimento, do cultivo
agrícola e de um beneficiamento complexo do produto; divisão do trabalho
quantitativa e qualitativa.
No entanto, Porto-Gonçalves (2008-b, p.1) nos chama a atenção para a
concentração da propriedade da terra como um dos pilares da concentração de
poder, não só no Brasil como em toda a América Latina. Argumenta que, desde
o início da invasão dos territórios dos povos originários pelos europeus, o
domínio e controle da terra e de suas riquezas minerais se configuraram como
o principal objetivo dos invasores. E assim, se conformou no Brasil e em toda
América Latina o que o autor chamou de duas geografias antagônicas.
(1) uma geografia marcada por assimétricas relações sociais e de poder étnico-racializadas, (1.1) seja por meio do cativeiro dos homens (escravidão) e (1.2) à violência contra as mulheres (haja vista o fato de a maioria dos colonos que vieram para o Brasil não ter vindo para cá com suas esposas e, assim, violar as mulheres indígenas e as negras eram práticas comuns), (1.3) seja por meio do cativeiro da terra (latifúndio) que destina os nossos melhores recursos, tanto técnicos (dos engenhos dos séculos XVI e XVII, aliás, as mais modernas manufaturas que então o mundo conhecia, aos atuais tratores-computadores com seus plantios diretos de monoculturas transgênicas), (1.4) como naturais (os melhores solos, nossas energias e águas, nossas matas queimadas para fazer ferro-gusa limpo para o primeiro mundo e a contaminação e a devastação a isso associado que fica para nós) para a exportação e;
(2) uma geografia da liberdade que se conformou por meio de quilombos, nos refúgios dos indígenas e no apossamento de terras pelos camponeses (“homens livres”), onde a diversidade dos cultivos e o aproveitamento do potencial que a natureza com sua produtividade primária (fotossíntese) oferecem, conformou modos de vida e de produção marcados por uma riquíssima culinária e uma medicina criativa e eficaz cujos conhecimentos são, hoje, objeto de intensa luta por apropriação (etnobiopirataria) e que é responsável por grande parte do nosso alimento de cada dia.
Nesta direção, podemos afirmar que, no Brasil, desde o período colonial,
ao mesmo tempo em que se fortalece uma agricultura monocultora para
exportação, também se forma uma agricultura camponesa, feita com a mão de
obra familiar, para o provimento das necessidades de alimentação que não
eram possíveis de serem atendidas com a produção de monoculturas. E foi
esta agricultura familiar a responsável pelo abastecimento do mercado interno
de alimentos, desde este período.
119
Tanto as grandes propriedades, quanto as cidades que começam a
surgir demandavam alimentos, para além do que era produzido pelas
monoculturas. Desta forma,
[...] começa ao redor das grandes fazendas de monoculturas, a produção camponesa, a produção dos pequenos agricultores, a agricultura feita com a mão-de-obra da própria família, a agricultura camponesa. [...] Era feita em terra alheia, pagando renda, pois os grandes proprietários não permitiam que estes pequenos agricultores se tornassem proprietários das terras que cultivavam. Os famosos carros de boi levavam os produtos da roça até as cidades e às sedes das fazendas (GORGEN, 2004, p.18)
Este autor destaca as questões que diferenciam a agricultura familiar da
agricultura latifundiária: a prática de vários cultivos (policultura) e a criação de
animais; a utilização de tecnologias simples, que eram favoráveis e
respeitavam a natureza, tais como a rotação de culturas e o descanso da terra
por algum tempo para recuperar a sua fertilidade e o uso de ervas, chás e
xaropes caseiros para tratar problemas de saúde.
A utilização prioritária da terra para a agricultura de grande escala
através das capitanias hereditárias e, posteriormente através das sesmarias, é
analisada por Caio Prado Junior (1988), tendo em conta, inclusive, as grandes
dificuldades impostas ao desenvolvimento da agricultura familiar. Este autor
destaca que o insucesso produtivo e econômico de muitas capitanias
hereditárias fez com que a coroa, a partir da instituição do governo geral, em
1549, começasse a resgatar a maioria que havia sido doada. A coroa e os
donatários passam a instituir o sistema de sesmarias, cujos beneficiários
possuíam a obrigação de aproveitá-la por um determinado tempo, investindo
recursos próprios. Assim, se define o caráter da propriedade fundiária na
colônia, uma vez que a terra passa às mãos daqueles que possuíam recursos
para aumentar a produtividade da colônia através das lavouras, condição
requerida para o aumento de seus rendimentos.
Outra consideração relevante trazida por este autor se refere ao modo
de estruturação da economia agrária colonial, a qual se constituiu com base na
grande exploração rural, onde a pequena propriedade não encontrou condições
favoráveis para se desenvolver.
120
[...] No Brasil – colônia salta logo aos olhos a impossibilidade de se adaptarem os nossos produtos ao regime de pequenos lavradores sem recurso de monta. A instalação, por exemplo, de um engenho de açúcar – a principal riqueza da colônia - mesmo dos mais modestos exigia mais de trezentos mil cruzeiros em moeda atual. Para o seu funcionamento requeriam-se ainda de cento e cinqüenta a duzentos trabalhadores. (PRADO JUNIOR, 1988, p.18)
Outro obstáculo apontado era o escoamento da produção, pois o
mercado de exportação se destinava a mercadorias que a pequena produção
não poderia produzir como o açúcar, e o mercado interno era muito limitado
tanto pelas condições da população colonial (negros escravos e semi-escravos,
índios, mestiços) quanto pela dificuldade das comunicações, que causavam o
isolamento das populações umas das outras. Mas cabe destacar aquele que se
tornou o maior obstáculo para os pequenos proprietários de terras: “a
vizinhança dos grandes e poderosos latifundiários, que lhes move uma guerra
sem tréguas” (PRADO JUNIOR, 1988, p.20). As lutas destas classes enchem a
história colonial com violentos conflitos e terminam quase sempre pela
espoliação dos pequenos pelos grandes. Como a economia urbana durante
todo o primeiro século e meio era praticamente inexistente, o autor afirma que
[...] é no campo que se concentra a vida da colônia, e é a economia agrícola a sua base material. Assim, é esta base material, que constitui a sociedade agrária que detém o poder na sociedade colonial [...]. Assim como a grande exploração absorve a terra, o senhor rural monopoliza a riqueza, e com ela seus atributos naturais: o prestígio e o domínio (IDEM, IBDEM, p.23)
Gorender (1994, p.22) defende que a formação do capitalismo no Brasil,
e especificamente no campo brasileiro, se deu a partir do modo de produção
escravista-colonial, dominado pelo setor mercantil. E contesta a idéia de que o
capitalismo teria se constituído com a abolição, e os ex-escravos teriam se
transformado em trabalhadores livres típicos do capitalismo. Para o autor
citado, o Brasil teve um modo de produção plantacionista latifundiário, baseado
em formas camponesas dependentes, com um desenvolvimento capitalista
incipiente.
[...] já no fim do escravismo brasileiro, apoiado na acumulação originária de capital, processada no próprio modo de produção escravista colonial, porque nele houve acumulação de capital, surgiu
121
um setor industrial fabril, tipicamente capitalista. Mas no campo, após a abolição, continuou a dominar a plantagem exportadora [...].
Como discutimos no capítulo anterior, na criação e no desenvolvimento
histórico do capitalismo a partir do processo de acumulação de capital, é
importante resgatarmos o seu caráter autopropulsor, uma vez que o excedente
acumulado em determinada fase transforma-se numa base de investimento
para a seguinte. Gorender (1994) caracteriza o período colonial como essencial
para a acumulação de capital que mais tarde se aplica a agricultura,
proporcionando condições para o processo de constituição do capitalismo no
Brasil.
Para Pádua (2002, p. 190), a incorporação do território brasileiro, no
século XVI, na “economia-mundo moderna”, se dá através do desenvolvimento
da agricultura, tendo em conta que a exploração da biomassa vegetal se
fundamenta pela própria abundância ecológica do Brasil, que se apresenta aos
olhos do explorador europeu, como horizontes praticamente sem limites.
[...] O choque entre estes contextos de abundância ecológica e a motivação de ganho imediato, típica de uma colônia de exploração, deu origem a um modelo predatório de agricultura que dominou todo o período colonial, permaneceu dominante nas décadas da monarquia independente e ainda hoje, apesar das mudanças tecnológicas e da diversificação produtiva ocorridas no século XX, continua exercendo forte influência sobre as mentalidades e as práticas no campo brasileiro.
Pádua (2002) demonstra que este modelo de agricultura fundado na
grande propriedade, na monocultura de exportação e no trabalho escravo
fundamenta-se, do ponto de vista ambiental, em três princípios básicos: 1- a
idéia de que os recursos naturais seriam inesgotáveis; 2- o uso de tecnologias
descuidadas e extensivas, como fruto de uma postura destrutiva e parasitária
em relação a estes recursos e 3- pouca atenção à biodiversidade e
especificidade do ambiente tropical. Deste modo, destaca que a idéia de
fronteira aberta ao avanço contínuo da produção traz uma série de problemas
ambientais, pois os solos, já esgotados, poderiam ser substituídos com o
avanço sobre florestas e campos intactos. Para o autor, esta forte característica
de um nomadismo predatório marca profundamente a agricultura brasileira e se
apresenta na forma de uma agricultura itinerante.
122
Nascimento (2008, p103) defende que
[...] a itinerância foi fator motor da institucionalização do espaço rural enquanto criação de vazio social e ecológico e corolário de sua ocupação econômica. [...] A itinerância, enquanto uma das forças indutoras da degradação ambiental estava alicerçada no padrão de ocupação do território, que se fazia sentir na contínua incorporação de novas terras ao cultivo e à posse.
Nascimento (2008) nos mostra que o traço marcante de uma agricultura
itinerante, avançando sobre as fronteiras, consideradas como algo infinito,
impõe um processo de degradação ambiental, assim como o processo de
expropriação de terras indígenas e camponesas estabelece profundas
alterações na relação sociedade e natureza. Somos concordantes com a
análise deste autor sobre o processo de desenvolvimento do capitalismo no
espaço agrário brasileiro, destacando o modo de ocupação e uso da terra
através desta agricultura itinerante, que passa a se constituir numa
característica específica deste processo. Contudo, veremos que a instituição da
propriedade privada da terra no Brasil, com a Lei de Terras de 1850, se
constitui num dos elementos determinantes deste processo.
Pádua (2002) analisa este processo de ocupação do território brasileiro,
através da relação entre itinerância e degradação ambiental, destacando que
esta dinâmica era estimulada pela própria facilidade de obtenção de novas
terras, pela elite, através da simples ocupação ou pelo recebimento de
sesmarias. Também problematiza, do ponto de vista ambiental, a relação entre
a introdução de cultivos exóticos, como a cana de açúcar e o café, na produção
comercial da agricultura brasileira deste período, e a manutenção da fertilidade
do solo. Soma-se a isto, o investimento na criação de animais não existentes
nos ecossistemas nativos como bois, cavalos e porcos. A separação da
produção da lavoura e a criação de animais não contemplavam a possibilidade
de consórcio e manejo, essenciais ao processo de restituição da fertilidade dos
solos.
Outra questão destacada pelo autor refere-se ao fato de que a prática da
coivara (roça e queimada) utilizada pelos índios, em pequena escala, foi
ampliada para espaços muito extensos e com reduzido intervalo de tempo. Isto
evidencia a incompatibilidade, entre as necessidades ambientais, regidas por
123
processos naturais e ciclos de prazo mais alargados, e a busca de ampliação
de lucros, regida por critérios estabelecidos socialmente, e baseada no curto
prazo, que constituem os fundamentos (ou expressões) da falha metabólica no
espaço agrário brasileiro, conforme discutimos no capítulo anterior.
Porto-Gonçalves (2008-a, p. 3) analisa a adoção da agricultura
monocultora no Brasil, como uma das principais inovações do mundo moderno,
que embora seja apresentada como uma escolha técnica, não se desvincula de
seu caráter político. O significado político da opção pelo latifúndio de
monocultura, em detrimento da agricultura de pequena e média escala
baseada em cultivos diversificados, se mostra revelador dos interesses das
classes dominantes a serem defendidos, implicando em prejuízos sociais e
ambientais que marcam profundamente a história de nossa agricultura.
Até o século XVI, as práticas agrícolas sempre se caracterizaram pela diversidade de cultivos e pela associação da agricultura com a criação de animais e com o extrativismo (de madeira, de lenha, de frutos selvagens).As primeiras grandes monoculturas foram implantadas no arquipélago dos Açores, na África, e depois na América. Até então não se conhecia em qualquer lugar do mundo um grupo social, uma comunidade ou um povo que se caracterizasse por tais práticas. Assim, desde o início, a prática dos monocultivos esteve associada a produzir não para si mesmo, mas para um mercado mundial que começa a se constituir por meio dessas práticas. A introdução dos monocultivos é, assim, uma das principais heranças do colonialismo. Há uma violência intrínseca a essas práticas haja vista que ninguém livremente se disporia a produzir para terceiros. Por isso, a monocultura, a escravidão e o racismo são fenômenos que, juntos, vão conformar uma estrutura de poder marcada pela violência contra os povos e contra a natureza.
Este modelo de produção baseado na monocultura articulava, ao mesmo
tempo, o arcaico sistema escravocrata e o que havia de mais moderno em
termos das técnicas de transformação de matérias-primas, como por exemplo,
o sistema dos engenhos de açúcar.
A promulgação da Lei nº 601, de 1850 representa grande modificação na
questão agrária brasileira. A “Lei de Terras”, como ficou conhecida, implantou,
pela primeira vez, a propriedade privada no país, permitindo a todo aquele que
possuísse recurso financeiro, o acesso à recém-criada mercadoria da terra.
Consolidou-se o acesso a terra àqueles que por ela pudessem pagar e não
àqueles que necessitavam da mesma para provir sua subsistência. Com a Lei
de Terras, houve a conversão de terras públicas em empreendimentos rurais
124
privados, facilitando também a “grilagem” de terras públicas, uma vez que a
organização do registro das terras possuídas ficou a cargo dos vigários de
cada freguesia do Império, que não tinham condições de contestar as
declarações de posse.
Gorgen (2004, p.17) resume como funcionou esta lei na prática e suas
conseqüências para os negros:
Quem já tinha terra doada pela coroa podia legalizar e ficar dono e quem não tinha, daí para diante, só poderia ter se comprasse. O acesso legal a terra só foi garantido a quem já a tinha: o latifundiário. Os negros recém-libertos não tiveram como comprar terra para trabalhar. Sem acesso a terra, os negros viram a escravidão mudar de forma, mas a sina da miséria e da exclusão perpetua-se no tempo. Mudou a forma de submeter o trabalho, mas firmou-se a forma de agricultura – a do latifúndio – e bloqueou-se a expansão da agricultura camponesa.
Para Nascimento (2008b, p.105), a Lei de Terras, enquanto instrumento
jurídico de apropriação privada se constitui como o ponto de origem dos
problemas agrário-ecológicos em nosso país, problematizando que
Se, por um lado, a Lei serviu de parâmetro para a regularização da propriedade da terra, de outro, não dificultou o apossamento irregular; se ela orientou as ações de diferentes esferas de governo na questão fundiária, de outro, não amainou os conflitos; se ela ampliou o acesso a terra, de outro, não o democratizou; se ela consolidou a moderna propriedade territorial, de outro, não resolveu os contrastes sociais nem preveniu os impactos ambientais; e, finalmente, se ela contribuiu para instituir o espaço rural brasileiro, de outro, não estabeleceu os limites ecológicos à expansão da sua fronteira interna.
Assim, para este autor, ficou implícito que a concretização da nova regra
de apropriação territorial condicionou as mudanças econômicas das áreas
rurais à falta de limites ecológicos e humanos na sua exploração. Como
discutimos no capítulo anterior, a ausência de limites para a exploração, seja
da natureza ou do trabalho, é algo constitutivo da própria lógica do capital que
se aplica à agricultura, assim como a outros ramos de atividades, subordinados
à sua produção destrutiva.
A instituição da Lei de Terras (1850) se dá no contexto de avanço do
movimento abolicionista, que conta com o apoio de intelectuais, e pelo
movimento de resistência dos escravos marcado pelas fugas e pela criação de
espaços livres, como os quilombos. Mas é importante destacar também, a
125
pressão pela abolição que vinha da Inglaterra industrial. Stédile destaca, “o
próprio desenvolvimento do capitalismo industrial na Europa, que priorizava o
trabalho assalariado fabril, como principal fonte de acumulação de riquezas.
Com o fim legal da escravidão em 1888, o modelo atingiu sua crise terminal.
Esta foi, segundo Stédile (2011), uma lei preventiva, pois, diante da pressão
internacional e de sujeitos pela abolição da escravatura, restava então
resguardar a posse da terra que se torna mercadoria e passa a ter preço,
podendo ser adquirida mediante pagamento. Assim, há uma verdadeira
interdição na possibilidade de acesso a terra pelos ex-escravos.”
Segundo Nascimento (2008, p.107),
O que em países europeus foi substituição de direito de propriedade regulado comunitariamente para ser regulado individualmente – especialmente no caso inglês, com o parlamento comandando o processo de cercamentos–, no Brasil, foi concretização dos interesses particulares no acesso a terra via apossamento, que prevaleceu no que concerne ao acesso irrestrito às terras públicas contíguas (devolutas). Foi claramente um processo de coerção do Estado favoravelmente ao grande latifúndio e às políticas dirigidas de colonização. A instituição do espaço rural no Brasil se deu regularizando o acesso à propriedade plena (exclusiva e excludentemente). Mais que um ato formal, a Lei de Terras foi uma condição sine qua non para intensificar a ocupação do território. Reitere-se, não se trata apenas de desconsiderar os limites ambientais, mas de justificar a expansão econômica pela consciência da ausência desses limites: de que, só assim, seria possível progredir economicamente.
Como discutimos no capítulo anterior, Marx (1983) analisa as
conseqüências ecológicas resultantes da instituição da propriedade privada da
terra e deste processo de desenvolvimento da agricultura sob o comando do
capital, concluindo que a terra é tornada objeto de negócio. A Lei de Terras
vem chancelar a defesa da propriedade privada da terra no Brasil, dando a
seus proprietários o livre direito de cultivá-la da forma que considerassem mais
adequadas a seus objetivos (leia-se: busca de ampliação da produtividade e de
ganhos), mesmo que isto custasse a degradação tanto da natureza como dos
trabalhadores, impondo a ambos, a exploração até a exaustão. Mas a defesa
da propriedade privada também se faz no sentido de que o proprietário, da
mesma forma que pode decidir como produzir, também pode decidir por não
produzir, transformando a terra em objeto de reserva de valor.
126
Romeiro (1994, p.122) reafirma a questão de que a defesa da
propriedade privada da terra, como um direito absoluto, sempre esteve
presente na constituição do campo brasileiro.
[...] tal qual um objeto pessoal, a terra pode ser utilizada ou não, conservada ou destruída; como uma jóia, pode ser entesourada ou utilizada como garantia para o acesso a novas fontes de ampliação do capital. A utilização da terra como reserva de valor sempre foi historicamente uma das características mais marcantes do campo brasileiro. O capital investido na compra da terra será valorizado independentemente da utilização produtiva desta. Acrescente-se a isto, o fato de que toda política de crédito sempre foi baseada na área de terra nua.
A lei de terras de 1850 consagra legalmente a propriedade privada da
terra, fator que proporcionou maior liberdade para sua utilização de acordo com
a lógica de exploração privada dos recursos naturais para a ampliação da
produtividade da terra e, portanto, de lucro. O desenvolvimento da agricultura
monocultora, extensiva e itinerante, agora sob o comando de seus proprietários
privados, que buscavam retorno dos investimentos feitos, amplia a ganância
por lucros, e conseqüentemente, amplia a degradação ambiental que já estava
presente nas capitanias hereditárias, levando à depredação e ao esgotamento
do solo.
Até então existia no campo brasileiro, como relata Stédile (2011), apenas
trabalhadores escravizados, africanos ou de comunidades nativas, indígenas.
As populações de imigrantes no Sul e a porção de escravos libertos que
adentram no interior do país são os primeiros constituintes do tardio
campesinato brasileiro. Outra saída encontrada pelos ex-escravos foi a
migração para o interior do Brasil, através da ocupação individual ou coletiva,
de terras públicas. Este processo de interiorização dá origem aos chamados
sertanejos, os quais vão contribuir para a formação do campesinato no
Brasil.(Stédile, 2005).
Também é importante considerar, neste momento em que a terra se
transforma em propriedade privada no Brasil, a relação campo e cidade,
destacando sua estreita vinculação com a expulsão do campo de uma massa
de sem-propriedade que, com a Lei de terras, a Abolição da Escravatura e a
Proclamação da República, sem opção de escolha, iniciam sua saga nas
cidades em busca de garantir sua sobrevivência.
127
A abolição impulsiona a vinda de imigrantes para o Brasil, aos quais se
acenava com a possibilidade de garantia de terras férteis e baratas, atraindo
para o Brasil, segundo Stédile (2005) um contingente de mais de 1.600.000
camponeses pobres da Europa para substituir os cerca de 2.000.000
trabalhadores que haviam sido escravizados.
Stédile (2011) destaca a questão do acesso a terra, através de um
processo de colonização no caso do Sul do Brasil, e do não acesso, como em
São Paulo, sob a criação do regime de colonato10 ou de assalariamento,
arrendamento, e também a forma e o tipo de cultivo (monocultura para
exportação, agricultura de subsistência).
O destino de parte destes imigrantes foi a colonização do Sul do Brasil,
onde cada família adquiria uma colônia (que corresponde a 25 hectares) para o
cultivo, que deveria ser paga, geralmente em longas parcelas. Este
compromisso de pagamento obrigava os camponeses a trabalharem por muito
tempo até se tornarem donos de seu pedaço de terra, mas, por outro lado,
permitiu o acesso de grande contingente de famílias a terra. A instituição deste
sistema foi decisiva para a fixação dos imigrantes no Sul do Brasil,
constituindo-se numa das vertentes de formação do campesinato brasileiro,
conforme nos mostra também Maestri (in STÉDILE, 2005-a). Nos estados de
São Paulo e Rio de Janeiro, com destaque para a região do Vale do Paraíba,
os imigrantes vão se vincular ao sistema de colonato, nas plantações de café.
É importante destacar que as questões acima abordadas nos dão
elementos importantes para entendermos o processo de formação do
campesinato. O lugar ocupado, o tipo e a forma de cultivo, a partir de que
condições naturais (como a fertilidade do solo), e as condições de vida e
trabalho, são questões interessantes para pensar a partir de sua condição
social subalternizada, como se estabelecem as relações destes trabalhadores
com a terra e com a natureza de modo geral. Suas culturas anteriores (no caso
dos imigrantes) e no caso dos sertanejos, num bioma bem específico,
10
Segundo Stédile (2005 Questão Agrária n.2), o colonato é um sistema típico do Brasil, não se tendo notícia deste, em nenhuma parte do mundo. Caracteriza-se por relações sociais estabelecidas entre fazendeiros e trabalhadores, denominados colonos, na produção do café, em que estes últimos recebiam a lavoura de café pronta, formada anteriormente pelo trabalho escravo, assumindo o compromisso por seu cultivo e colheita. Em troca, recebiam casa para morar, uma pequena área para cultivar produtos para subsistência e criar animais, e ao final da colheita, o pagamento era feito com o próprio produto, o café, que poderia ser comercializado individualmente ou junto com o dono da lavoura.
128
contribuíram para ampliar as habilidades no cultivo, adquiridas sob constante
trabalho de manejo e observação, expressando as agriculturas que foram se
formando na agricultura familiar camponesa, de modo individual ou organizado
coletivamente.
A busca de trabalho nas cidades também se torna uma saída, para
aqueles trabalhadores não mais necessários ao trabalho agrícola, e a nascente
indústria vai absorver um grande contingente de pessoas, que passam a morar
em áreas ainda não incorporadas ao mercado urbano de terras, muitas
ambientalmente sensíveis, como encostas e topos de morro, dando origem,
posteriormente, à constituição das favelas urbanas (Stédile, 2011).
A ruptura com a monarquia e a Proclamação da República, em 1889, se
relaciona diretamente com o processo de crise do modelo agroexportador, que,
por sua vez, gera uma crise política e institucional no Brasil. Mesmo
considerando-se a existência de vários movimentos e lutas como a
Cabanagem, no Pará (1835-1840), a Sabinada, na Bahia (1837-1838), a
Balaiada, no Maranhão (1838-1841) e a Revolução Praieira, em Pernambuco
(1848), que certamente influenciaram e se posicionaram contra o poder de
Portugal e este modelo agroexportador, a instituição da República, foi
claramente um processo político de revolução passiva, onde as classes
dominantes protagonizaram mudanças compatíveis com seus interesses, mas
conservando o seu poder, deixando ao largo as necessidades do povo, que
não participou e nem teve suas condições de vida alteradas significativamente.
Com a constituição da República, realizaram-se importantes lutas no
campo, consideradas messiânicas, mas com ampla participação popular
envolvendo milhares de camponeses, como Canudos (1893-1897) e
Contestado (1912-1916) (MORISSAWA, 2001). No meio urbano, além do
movimento operário, que começa a se formar, destacam-se o movimento
Tenentista, que protagoniza a Revolta do Forte de Copacabana, em 1922, e
constitui a Coluna Prestes (1924 a 1926), e o movimento cultural expresso pela
Semana de Arte Moderna, em 1922. Este conjunto de intervenções e
posicionamentos, somado ao quadro político que envolvia a “política do café
com leite”, e à superprodução do café, tornam-se decisivos para a instituição
da chamada “Revolução de 1930”.
129
A Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, impulsionou o
processo de industrialização dependente, adotando a política de substituição
de importações e priorizando o mercado interno. O crescimento econômico
amplia o consumo e a produção de alimentos. E a ampliação da quantidade e
variedade de produtos agrícolas para abastecer toda sociedade brasileira,
passa a ser uma necessidade da produção agrícola, que é assumida pelos
pequenos agricultores. Gorgen (2004, p.22) destaca que a agricultura familiar
camponesa passou a desempenhar três papeis fundamentais, neste novo
modelo de desenvolvimento:
Produzir os alimentos básicos para o mercado interno, para alimentar a crescente população urbana; liberar mão-de-obra para a indústria através de geração de um excedente populacional no campo; ocupar mais e mais os vazios geográficos incorporando terras públicas à produção agrícola nacional.
A modernização da agricultura a partir de 1930, ainda é incipiente,
considerando que, neste período, não se forma uma junção mais unitária com a
indústria, a qual só ocorre no após o golpe de 1964. Também é importante
destacar que este processo de modernização da agricultura (ainda lento a
partir de 1930 até o início da década de 1960), representa a escolha ou
imposição deste processo pela chamada via prussiana, conforme Mendonça e
Mota (2005, p.306, 307). Esta via se expressa no desenvolvimento do
capitalismo “[...] a partir de forte atuação do Estado, sem a ruptura
revolucionária representada pela presença de um forte movimento popular”. O
desenvolvimento inicial do regime republicano foi marcado por um rearranjo
entre segmentos dominantes agrários, oponentes a qualquer mudança política
que alterasse a estrutura fundiária vigente.
Se, num primeiro momento, havia a proposta de uma via farmer para o país (cujo exemplo sempre lembrado eram os Estados Unidos) - defendida pelos liberais que acreditavam que o desenvolvimento deveria partir da generalização da agricultura familiar -, num segundo momento, os setores dominantes fariam abortar qualquer iniciativa de reformulação da estrutura fundiária, consolidando, justamente em nome da ruptura realizada, uma continuidade com o passado, apesar de toda a gama de mudanças presentes no bojo da alteração do regime político (2005, p. 307).
A classe agrária dominante, apartada do governo Vargas, não perde sua
influência e seus privilégios, pois a estrutura agrária brasileira não é alterada,
130
mantendo-se o latifúndio monocultor e afastando-se a possibilidade de
realização da reforma agrária. A influência da classe dos grandes proprietários,
na política agrícola brasileira se dá em detrimento da produção da agricultura
familiar, principalmente no que se refere ao acesso aos recursos
governamentais.
O modelo de industrialização dependente implantado no Brasil, a partir de
1930, expressou a prioridade do investimento nas fábricas, sustentado por uma
nova aliança de classes entre a nascente burguesia industrial, a antiga
oligarquia agrária e os capitalistas industriais de capital internacional,
proveniente dos Estados Unidos e da Europa. A implantação de suas fábricas
no Brasil se baseou em dois elementos fundamentais, que se expressam na
possibilidade de exploração de uma mão de obra farta e barata, e de recursos
naturais abundantes. A vinda de empresas transnacionais para o Brasil se
pauta na busca de novos mercados, uma vez que a aquisição de mão de obra
barata disponível aumenta a possibilidade de ganhos com a extração de mais-
valia e com a re-exportação de suas mercadorias para a metrópole.
Para Stédile (2013, p.23), o desenvolvimento da indústria no Brasil foi
resultado de investimentos de três formas básicas de capital, a saber:
[...] a transformação do capital da oligarquia rural, originário das exportações agrícolas, que foram investidos agora em fábricas; [...] o Estado brasileiro utilizou grande parte dos recursos públicos para realizar investimentos na indústria de base, como siderúrgicas, transportes, e também para se associar a outros capitalistas privados na indústria de bens de consumo; os capitalistas estrangeiros que trouxeram suas indústrias, e investiram sozinhos ou associados com os outros capitalistas acima descritos.
Toda a expansão industrial no Brasil é direcionada por processos de
adequação e subordinação aos interesses do capitalismo internacional, tendo
como uma de suas manifestações a aquisição de máquinas e tecnologias já
obsoletas nos países centrais. Nesse novo modelo de produção capitalista
dominado pela indústria, a agricultura passou a se subordinar a esse pólo
hegemônico de acumulação do capital, produzindo os insumos para a
agricultura, gerando um mercado interno de alimentos sustentado pela classe
operária fabril que se formava e pelo desenvolvimento da urbanização
acelerada em curso no Brasil. Tem-se então, um processo de beneficiamento
feito pela indústria a partir das matérias-primas produzidas pelos camponeses,
131
que resulta nas agroindústrias, dando sentido à idéia dominante no pós-1930
de industrialização como sinônimo de progresso.
Visando à conquista do mercado interno, se afirmou uma burguesia
agrária que modernizou sua produção, fazendo com que os demais
proprietários de terra, incluindo os pequenos camponeses, buscassem se
incorporar à lógica do mercado e se integrar à indústria. Dado o nível de
competitividade instaurado pelos grandes latifundiários, tem-se como resultante
deste processo, a expropriação dos camponeses de suas propriedades
(STÈDILE, 2011).
Retomamos com Brandenburg (2005), a idéia que norteia este tópico,
reafirmando que, embora várias mudanças tenham ocorrido no processo de
produção da agricultura brasileira desde o período colonial, e principalmente a
partir de 1930, com o processo de subordinação da agricultura à indústria, sob
forte dependência do capitalismo central, a estrutura fundiária e a ocupação
das terras no Brasil mantiveram-se com base na persistência de grandes
propriedades e de minifúndios. Da mesma forma, as condições sociais no
campo não se alteraram, inclusive com as grandes mudanças operadas com a
Revolução de 1930, especialmente na legislação trabalhista, que se restringiu
aos trabalhadores urbanos. Este autor destaca também que a constituição de
1934, em relação ao uso da terra, passou a garantir o seu usufruto por parte do
proprietário, ficando as riquezas do subsolo sob propriedade do Estado.
O padrão de agricultura em larga escala e com base nas monoculturas,
para o atendimento dos interesses do capital externo, encontra limites na
década de 1950, com a grave crise de superprodução na cafeicultura. Na
década de 1950, ganham visibilidade no espaço público, questões que não
eram novas, mas que se atualizaram a partir de diferentes tipos de tensão.
Destacam-se as lutas pela permanência na terra, que passam a ser tratadas
com base na noção de direito sobre a posse da terra trabalhada que se elevam
à demanda por reforma agrária. Neste sentido, também se coloca a clara
condenação à concentração da propriedade da terra e à improdutividade,
dando lugar para uma crítica mais ampla do latifúndio que, para além da sua
caracterização relacionada à grande extensão de terra, foi visto como símbolo
da exploração, opressão e violência (MEDEIROS In CARTER, 2010).
132
A manutenção da estrutura fundiária concentrada, a subordinação social
e a impossibilidade concreta de acesso à terra de enormes parcelas de
trabalhadores, mobilizam diversos sujeitos coletivos do campo, como a
ULTAB11, Ligas Camponesas12 e MASTER13, que se organizam para lutar pela
distribuição de terras.
Motta e Mendonça (2005) destacam também que, nos anos 1950,
algumas entidades da classe dominante agroindustrial, mais dinâmicas do país,
especialmente de São Paulo, responsável pela maior parte de divisas geradas
pelas exportações, já demandavam a mecanização intensiva da agricultura e a
utilização de insumos agrícolas industrializados, o que demonstra o
estabelecimento de interesses comuns entre grandes proprietários e
empresários da agroindústria. No entanto, a modernização da agricultura
brasileira só se concretizaria após a implantação do regime militar em 1964,
que vai resgatar tais demandas transformando-as em políticas públicas,
conforme trabalharemos posteriormente neste capítulo.
O caminho escolhido e imposto à força pela ditadura militar foi a
modernização sem reformas, onde a burguesia industrial se uniu à oligarquia
rural para desenvolver o capitalismo no Brasil, dependente dos países centrais.
Assim, conservando o poder do latifúndio, combinado com o impulso
11
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) coloca-se como um importante mediador, envolvendo-se com a organização dos trabalhadores rurais através da criação de associações e de uma entidade nacional, a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), em 1954. A luta central desta entidade era a constituição da aliança política entre operários e trabalhadores rurais, através da coordenação das associações camponesas. 12
As Ligas Camponesas tiveram origem no início dos anos de 1950, em Pernambuco, a partir dos conflitos estabelecidos entre donos de engenho e foreiros. O conflito mais conhecido foi no engenho da Galiléia, em Vitória de Santo Antão, onde os donos impuseram o aumento do foro e tentaram expulsar os foreiros da terra, gerando a organização e luta, a qual foi apoiada por Francisco Julião, do Partido Socialista Brasileiro (PCB) que passa a representar os interesses dos foreiros, dando origem à Liga Camponesa da Galiléia. Nos anos seguintes, várias Ligas Camponesas foram criadas em município de Pernambuco e em outros estados do Nordeste. Vários congressos foram realizados pelas Ligas, onde criaram o histórico lema: “Reforma agrária na lei ou na marra”. Sua luta é elevada em torno de uma reforma agrária radical, tendo nas ocupações e resistência na terra suas principais estratégias. Esta posição das ligas se diferenciava da proposta de reforma agrária do PCB e da Igreja Católica, que defendiam que sua realização deveria ser em etapas, com indenização em dinheiro e títulos para seus proprietários. (MORISAWA, 2001) 13
“O MASTER (Movimento dos Agricultores Sem Terra) surgiu no final da década de 1950, no Rio Grande do Sul, a partir da resistência de 300 famílias de posseiros no município de Encruzilhada o Sul. Nos anos seguintes, disseminou-se por todo o estado gaúcho. Para o movimento, eram considerados agricultores sem terra o assalariado rural, o parceiro, o peão e também os pequenos proprietários e seus filhos. Em 1962, o MASTER iniciou os acampamentos, uma forma particular de organizar suas ações [...] Diferentemente dos foreiros de Pernambuco, que resistiam para não serem expulsos da terra, a luta dos integrantes do MASTER era para entrar na terra.” (MORISAWA, 2001, P. 94)
133
modernizante dado à indústria tem-se a clara associação entre o arcaico e o
moderno, que se materializa na modernização conservadora da agricultura,
como mais um exemplo de revolução passiva na história da sociedade
brasileira. Os amplos desdobramentos desta definição serão discutidos a
seguir.
2.1.2 A Revolução Verde e a Modernização Conservadora da Agricultura
Brasileira: a ampliação da falha metabólica
No período histórico do início do século XX, principalmente no contexto
das duas grandes guerras mundiais, temos a ascensão da terceira revolução
agrícola, cujas características principais foram a introdução da mecanização na
agricultura de grande escala, substituindo a tração animal, a criação de animais
de maneira concentrada em grandes estábulos e a introdução da química
através da alteração genética de plantas e o uso intensivo de fertilizantes e
pesticidas sintéticos.
A realização das duas guerras mundiais foi determinante para a difusão
deste padrão capitalista de agricultura, tendo seu sustentáculo na chamada
“revolução verde” que passa a ser adotada em vários países do mundo,
especialmente, nos de clima tropical. A estruturação da revolução verde tem
relação direta com o pós-guerra, onde o problema da fome era exponencial e
sua solução foi buscada do revolucionamento técnico da agricultura, uma vez
que se considerava que o problema da fome, para ser solucionado, deveria
ultrapassar as restrições técnicas da agricultura. Assim,o discurso dominante
sustentava que somente uma agricultura moderna de alta produtividade
poderia viabilizar a ampliação da produção de alimentos para acabar com a
fome no mundo.
Como referenciamos no primeiro capítulo, a revolução verde como
estratégia capitalista para a agricultura foi estruturada como forma de
aproveitamento dos restos de guerra, pois as indústrias bélicas, símbolo da
produção destrutiva, e as indústrias químicas, haveriam de se utilizar de sua
destruição criativa, em relação às sobras de produtos que poderiam ser
empregados em outro ramo de atividade lucrativo, como de fato ocorreu na
agricultura. Assim, houve o aproveitamento de produtos, como tanques de
134
guerra e gases mortais, que se transformaram em máquinas e venenos
(agrotóxicos) a serem utilizados na sustentação da agricultura capitalista
monocultora de grande escala, através do pacote tecnológico da revolução
verde, que fariam uma verdadeira operação de guerra no campo para cumprir o
objetivo nobre e declarado de acabar com a fome. E obviamente, trariam
ganhos extraordinários aos seus investidores capitalistas, tanto do ramo
industrial como do ramo agrícola14.
O capitalismo, ao reunir e subordinar a produção agrícola à produção
industrial com a tecnologia da revolução verde impõe sobre a natureza sua
lógica destrutiva, através da dupla degradação, do solo e do trabalhador,
ampliando seus efeitos para toda a sociedade. Este progresso técnico da
revolução verde reforçou a submissão do campo à cidade, elevou as
desigualdades sociais, afetando diretamente os pequenos produtores,
degradando os meios de vida e sua cultura, e operou um processo sem
precedentes de destruição ambiental, ampliando, portanto, a falha metabólica
na relação sociedade e natureza.
A implantação da revolução verde no Brasil se dá no contexto do
processo de desenvolvimento da modernização conservadora da agricultura,
com o golpe de 1964, que institui a ditadura militar. Com o golpe, a proposta de
desenvolvimento assumida para o Brasil em relação à agricultura com a
14
O químico Fritz Haber, financiado pela BASF, a partir de 1909, foi autor da descoberta da síntese da amônia e ganhador do prêmio Nobel de 1920, sendo, também responsável pelo uso de gases tóxicos na primeira guerra mundial. O primeiro ataque com arma química foi utilizado na primeira guerra mundial inicialmente pela Alemanha, e em seguida, pelos países aliados. A descoberta deste químico da BASF é responsável ainda hoje pela produção de 130 milhões de toneladas de amônia, usada pela indústria de fertilizantes. Os inseticidas orgânicos só começaram a ser utilizados em larga escala na década de 1940, durante a segunda guerra mundial, impulsionando as pesquisas de novos inseticidas, o que resultou no desenvolvimento de vários agrotóxicos, que são usados ainda hoje. O marco na química foi a descoberta da atividade inseticida DDT (famoso na revolução verde), usado pela primeira vez em 1943 na segunda guerra mundial, para combater piolhos que infestavam as tropas estadunidenses na Europa, e que transmitiam a doença do tifo exantemático. Os organofosforados foram desenvolvidos nas décadas de 1930/ 40, como armas químicas. O herbicida glifosato e os inseticidas malation, paration e dissulfoton são exemplos de organofosforados. As seis maiores empresas do ramo – Bayer, Syngenta, Basf, Monsanto, Dow e Dupont – controlam quase 90% do mercado mundial. A produção de organossintéticos no Brasil começou em 1946, com a empresa Eletroquímica Fluminense, que fabricava o BHC, também conhecido como gamexane ou pó de gafanhoto. Teve seu uso proibido em 1983. Em 1948, a Rhodia passou a produzir o inseticida parathion, e em 1950, uma fábrica de armas químicas do exército brasileiro começou a fabricar no Rio de Janeiro o DDT (TUBINO, 2014).
135
adoção da revolução verde15, implicou na instituição de várias mudanças,
através de mecanismos e instrumentos, dentre os quais destacamos:
Atração de indústrias, principalmente norte-americanas e européias,
para o país através de fortes incentivos, para dar suporte ao
desenvolvimento da revolução verde, tais como: FORD, Bayer, Basf,
Monsanto e Cargil;
Criação de diversos mecanismos públicos e privados para dar
sustentação a este modelo tecnológico, científico e educacional, para
formar os agentes técnico-científicos que dariam suporte para o modelo
de agricultura adotado;
Implantação pelo Estado de grandes cooperativas de produção e
comercialização para viabilizar as monoculturas;
Estabelecimento de crédito rural atrelado à adoção do pacote
tecnológico.
O acesso ao crédito rural, condicionado ao cultivo de produtos da
monocultura, à compra de máquinas e adubos químicos e venenos, foi
estratégico por parte do Estado, fazendo com que os agricultores não tivessem
outra opção para financiar a sua produção. Mas também é importante destacar
que esta concessão teve como critério básico a capacidade de pagamento
destes financiamentos, o que colocou em vantagem aqueles produtores que
possuíam melhores condições, contribuindo para comprometer a capacidade
de reprodução social dos pequenos agricultores e estabelecendo, em muitos
casos, a necessidade de venda de suas propriedades, ou mesmo de abandono
da condição de lavradores, se transformando em proletários rurais. Esta
política de crédito foi maciçamente voltada para financiar indústrias e grandes
produtores, em detrimento dos médios e pequenos produtores. Com a
obtenção de créditos, grandes e médios produtores compram terras dos
pequenos que são empurrados para as cidades, mas também alguns médios e
15
A explosão dos agrotóxicos no Brasil só ocorreu a partir da década de 1970, quando os militares lançaram o Programa Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA), que funcionou até 1979. A produção e a instalação de fábricas recebiam incentivos fiscais, financiamentos, benefícios tarifários para a importação de maquinário e equipamentos. O resultado deste processo atualmente se revela a partir da constatação de que o Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com mais de um bilhão de litros, e um faturamento que no ano de 2013 alcançou cerca de US$9bilhões para a indústria (TUBINO, 2014).
136
grandes produtores vão à falência e são absorvidos por produtores de maior
porte, ampliando o nível da concentração fundiária.
Ponderamos que esta ação coercitiva do Estado sobre os produtores,
especialmente os pequenos, foi associada a estratégias de convencimento
para a adesão ao pacote tecnológico, com a possibilidade de aumento da
produtividade e de ganhos que seriam proporcionados por estas modernas
técnicas de agricultura, superiores às técnicas tradicionais, consideradas
atrasadas e obsoletas. Esta crença no progresso que seria alcançado aliado ao
acesso ao crédito foi determinante neste processo.
Outro aspecto ligado às razões da modernização se refere à imposição
de uma ideologia modernizadora, direcionando a ação das pessoas que
trabalham na agricultura, pois a mesma tende a desprezar aquilo que não é
considerado como moderno, substituindo as técnicas consideradas obsoletas
ou tradicionais. Assim,
[...] no Brasil, o burro da roça é sinônimo de atraso e ignorância. Muitos pequenos agricultores brasileiros [...] compraram tratores que permanecem ociosos em boa parte do tempo e com os quais vão às cidades fazer compras ou levar a família a passeio! (GRAZIANO NETO, 1882, p.43)
Ao discutir a modernização técnica da agricultura e sua relação direta
com a indústria, com a subvenção do Estado, Delgado (2010, p.87-88) nos
apresenta dados quantitativos expressivos sobre a concessão de crédito rural e
sobre o uso de implementos industriais, como adubos químicos e tratores
agrícolas, que demonstram como este processo aprofundou a heterogeneidade
existente na agricultura brasileira, tanto no padrão tecnológico quanto nas
relações de trabalho predominantes, que se diferenciam fortemente nas
regiões do Brasil.
Outro ponto destacado por Alentejano (2005, p.480) se refere ao papel
do Estado brasileiro como indutor deste padrão de modernização, financiando
a compra de máquinas e insumos pelos agricultores, através da criação do
Sistema Nacional de Crédito Rural – SNCR – em 1965, e da concessão de
fundos para indústrias de insumos químicos para a agricultura de meados ao
final da década de 1950. Outra grande demonstração da força de sua
intervenção foi a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –
137
EMBRAPA - em 1972 e da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural - EMBRATER -, em 1974, responsáveis pelo desenvolvimento
da pesquisa e disseminação deste padrão técnico-científico e político. A
assistência técnica foi utilizada como instrumento de convencimento da
superioridade da revolução verde em relação à agricultura camponesa e como
meio privilegiado de difusão do pacote tecnológico.
No processo de modernização conservadora da agricultura brasileira, a
característica mais marcante é que as mudanças operadas no padrão do
desenvolvimento tecnológico produtivo da agricultura não alteraram o padrão
da estrutura agrária vigente, conservando e agravando o nível de desigualdade
na distribuição da posse e uso da terra. Ao analisar o processo de
desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro, com a modernização
dolorosa de nossa agricultura, e o papel do Estado, Graziano Silva (1982, p.40)
destaca a manutenção do padrão de concentração das terras, que se
materializa na persistência do latifúndio.
[...] o resultado das políticas que visam ao desenvolvimento do capitalismo no campo tem servido na maioria das vezes para a manutenção de um sistema latifundiário no qual a terra assume o principal papel como geradora de renda, deixando ao capital um papel secundário. O que se pode ver no campo brasileiro é uma “modernização conservadora” que privilegia apenas algumas culturas e regiões, assim como alguns tipos específicos de unidades produtivas (médias e grandes propriedades). Nunca uma transformação dinâmica, auto-sustentada; pelo contrário, uma modernização induzida através de pesados custos sociais e que só vinga pelo amparo do Estado.
Um elemento fundamental deste processo de modernização da
agricultura brasileira, destacado por Delgado (2010, p. 88), se refere à
realização de um
[...] pacto agrário tecnicamente modernizante e socialmente conservador, que, em simultâneo à integração técnica da indústria com a agricultura, trouxe ainda para o seu abrigo as oligarquias rurais ligadas à grande propriedade territorial. Essas são regionalmente identificadas com seguimentos produtivos organizados a partir de 1930(era do governo de Getúlio Vargas) nos institutos federais de fomento e defesa setoriais. No período da “modernização conservadora” serão reassimiladas em programas e projetos especiais, os quais garantem ao latifúndio a obtenção de numerosas linhas de apoio e proteção na nova estrutura de defesa fiscal e financeira do setor rural. A valorização extraordinária dos patrimônios
138
territoriais, muito além do crescimento real da economia, é um sinal conservador deste processo de modernização.
A partir deste pacto, as oligarquias agrárias e os militares definem e
executam estrategicamente dois vetores de política demográficos, que
comportam a expulsão em massa dos trabalhadores rurais para as cidades e a
colonização de regiões do centro-oeste e da amazônica. Sob a justificativa de
que era preciso levar “gente sem terra para terras sem gente”, a ocupação de
regiões da distante região amazônica teve o objetivo concreto de neutralizar
resistências, em relação às definições afetas à política agrária e agrícola. Esta
dupla função de contenção da demanda por terra e de alteração dos
movimentos migratórios foram conjugadas com a adoção de novas tecnologias,
altamente poupadoras de mão de obra.
Delgado (2010) destaca, na modernização conservadora do regime
militar (1964-1982), o papel da agricultura na economia brasileira, que passa a
incorporar um elemento novo em relação ao período anterior, que se refere ao
aprofundamento das relações técnicas da agricultura com a indústria e de
ambos com o setor externo, com a subvenção da política agrícola e comercial
do período. Segundo este autor, o processo de modernização técnica e de
junção com a indústria
[...] é caracterizado, por um lado, pela mudança na base técnica de meios de produção utilizados pela indústria, materializadas na presença crescente de insumos industriais (fertilizantes, defensivos, corretivos do solo, sementes melhoradas e combustíveis líquidos); e máquinas industriais (tratores, colhedeiras, equipamentos de irrigação e outros implementos). Por outro, ocorre uma integração de grau variável entre a produção primária de alimentos e matérias-primas e vários ramos industriais, como oleaginosos, moinhos, indústrias de cana e papelão, fumo, têxtil e bebidas. Estes blocos irão constituir mais adiante a chamada estratégia do agronegócio, que vem crescentemente dominando a política agrícola no Estado. (p.86)
Este período histórico (1965-1982) é considerado a “idade de ouro” do
desenvolvimento de uma agricultura capitalista em integração com a economia
industrial e urbana e com o setor externo, através da intervenção financeira
marcante do setor público. No entanto, Delgado (2010) é incisivo na análise
sobre a importância de não perdermos de vista a sua matriz agrária, pois a
139
“modernização conservadora” do campo se constitui com a derrota, naquele
momento histórico, do movimento pela reforma agrária.
Os processos de mecanização e de introdução de elementos químicos
na produção agropecuária, assim como a especialização da produção
agroindustrial, em grande escala, para o mercado global passam a se constituir
as formas principais de ocupação e uso do solo nesta matriz modernizante. E
este processo de expansão da agricultura de larga escala se subordina ao
desenvolvimento industrial de insumos, equipamentos e processamento da
produção através de um amplo processo de apropriação das bases rurais da
agricultura pelo ramo industrial. Como nos mostrou Marx, o movimento do
capital em sua busca incessante de valorização se confronta com barreiras da
natureza, vistas como obstáculos a serem superados. Desta forma, o capital
industrial elabora mecanismos voltados para o controle dos processos naturais
para prosseguir seu processo de valorização e reprodução de suas relações
sociais. A complexa alteração industrial da agricultura é analisada por
GOODMAN; SORJ; WILKINSON, (1990), através dos conceitos de
apropriacionismo e substitucionismo.
A transformação industrial da agricultura ocorreu historicamente através de uma série de apropriações parciais, descontínuas do trabalho rural e dos processos biológicos de produção (máquinas, fertilizantes, sementes híbridas, produtos químicos, biotecnologia), e do desenvolvimento paralelo de substitutos industriais para os produtos rurais (GOODMAN; SORJ; WILKINSON, 1990, p. 2)
Com o conceito de apropriacionismo, os autores destacam os
mecanismos utilizados pela indústria para minimizar a relevância da natureza
na produção, ultrapassando os elementos restritivos e simplificar os sistemas
agrícolas visando elevar ao máximo a produção. Ou seja, o objetivo era sujeitar
a natureza ao controle industrial. A substituição do trabalho manual de preparo
do solo pela mecanização foi uma característica marcante. O mecanismo de
substitucionismo mostra como os produtos agrícolas vão sendo substituídos
por produtos sintéticos da indústria, tais como: laticínios, com destaque para a
produção da margarina considerada o primeiro produto genuinamente
industrial, enlatados, adoçantes artificiais, corantes e vitaminas. E também
proporciona avanços na refrigeração e congelamento, no processamento de
carnes, dentre outros.
140
Assim, a agricultura passa a se subordinar a dois setores industriais, um
que atua no início do processo produtivo e outro que se concentra na
transformação dos produtos.
[...] os capitais apropriacionistas estão associados principalmente com o processo de produção rural e com a transformação primária das safras, enquanto os capitais substitucionistas estão envolvidos nas etapas posteriores da fabricação de alimentos (GOODMAN; SORJ; WILKINSON, 1990, p.5).
As contribuições dos autores citados nos ajudam a compreender como
ocorreram grandes alterações na agricultura do Brasil. Visando eliminar tanto
as limitações da natureza quanto do trabalho humano, foi aplicado o pacote
tecnológico da revolução verde, que se caracteriza de modo geral pelas
seguintes mudanças: uso de mecanização, com conseqüente redução da mão
de obra utilizada tanto na preparação do solo, quanto no plantio e colheita;
utilização de sementes híbridas com vistas à ampliação da produção e da
produtividade, principalmente das monoculturas para exportação; utilização de
adubos, fertilizantes químicos e agrotóxicos. Estas medidas mostram
claramente como se deu este processo substitucionista, no que se refere à
força de trabalho e a natureza, onde se evidencia o crescente domínio
industrial e a brutal subordinação dos trabalhadores da terra, que tinham
formas completamente diferentes de lidar com a produção agrícola, e que têm
seus braços substituídos por máquinas. Desta forma, é importante destacar
que esta nova forma de produção da agricultura industrial era algo novo que
fugia completamente ao controle dos agricultores.
Graziano Neto (1982, p.26), ao relacionar a questão agrária e ambiental
através da crítica da moderna agricultura, nos mostra que, além das
modificações ocorridas na sua base técnica de produção,
[...] vai-se modificando também a organização da produção, que diz respeito às relações sociais (e não técnicas) de produção. A composição e a utilização do trabalho modificam-se, intensificando-se o uso do “bóia-fria” ou trabalhador volante; a forma de pagamento da mão-de-obra é cada vez mais assalariada; os pequenos produtores sejam proprietários, parceiros ou posseiros, vão sendo expropriados dando lugar em certas regiões à organização da produção em moldes empresariais.
141
Também ocorre a redução da utilização de mão-de-obra nas lavouras
mecanizadas, provocando desemprego e êxodo rural. Assim, os trabalhadores
desempregados e os pequenos agricultores expulsos de suas terras, se
dirigem para as periferias das médias e grandes cidades onde vão ampliar o
contingente de mão-de-obra barata para as indústrias. Este autor também nos
chama a atenção para o fato de que, sendo a agricultura um setor da
economia, composto por diferentes classes sociais, abarca certamente
interesses não só diversos como conflitantes.
Graziano Neto (1982) problematiza, ainda, que o núcleo da questão
relacionada ao uso dos recursos naturais se situa nas relações sociais
estabelecidas pelo modo de produção capitalista, e na agricultura é,
justamente, a tentativa do capital de dominar a natureza, instalando um
“sistema de fábrica”, que tem ocasionado os problemas ecológicos da moderna
agricultura, tendo como resultante final, a própria destruição da natureza.
O processo de substituição de elementos naturais por insumos
industriais provocou um distanciamento entre este novo modelo de agricultura
e os ecossistemas naturais, alterando ciclos ecológicos, interferindo, portanto,
na relação de co-produção entre agricultura e natureza, onde a produção passa
a depender fortemente de produtos industriais e de energia não renovável dos
combustíveis fósseis. Com a introdução da mecanização na agricultura
industrial, alterou-se a matriz energética de produção, pois se constituiu uma
grande dependência de combustíveis fosseis necessários para movimentar os
tratores e outras máquinas pesadas utilizadas no processo produtivo.
A crença no progresso tecnológico e na contínua inovação para a
superação dos limites naturais, que se estabeleceram como barreiras foram a
base fundante do desenvolvimento da agricultura industrial. No entanto, em
que pese todo investimento industrial para controlar estes fatores naturais, a
produção da agricultura não pode se desligar dos ciclos e reações da natureza.
E desde então, e até hoje, são estes limites que desmentem esta crença no
progresso infindável da tecnologia, uma vez que a agricultura capitalista
passou a se constituir não só como grande causadora dos problemas
ambientais, mas também como o setor mais afetado negativamente por esta
perspectiva de desenvolvimento.
142
A criação de condições artificiais visando ao aumento da produtividade
para atingir o objetivo de acabar com a fome revela a falácia da revolução
verde, adotada pelo Brasil a partir de 1964, como elemento central de seu
processo de modernização conservadora. A revolução verde assumida pela
ditadura militar encontrou forte apoio de setores agrários conservadores e de
empresas, com interesses amplamente voltados para investimentos nos ramos
agroquímico e de motomecanização. Como resultado deste processo, a
concentração de terras agravou-se, juntamente com os problemas ecológicos,
sociais e econômicos.
Altieri (2012)16 analisa que a revolução verde gera uma primeira onda de
problemas ambientais, que se apresentam na forma de doenças ambientais, e
destaca que o uso de agrotóxicos trouxe custos diretos para os produtores e
indiretos para o meio ambiente e para a saúde pública. Em síntese, o autor nos
mostra que
[...] a primeira fase dos problemas ambientais está profundamente enraizada no sistema socioeconômico hegemônico, que promove a monocultura, o uso de tecnologias dependentes de elevados aportes de insumos e a adoção de práticas agrícolas que provocam a degradação dos recursos naturais. Esta degradação não é apenas de problemas ecológicos, mas também social política e econômica. É por isto que o problema da produção agrícola não pode ser considerado apenas uma questão técnica. Embora a questão da produtividade seja uma parte do problema, é fundamental dar atenção também às questões sociais, culturais e econômicas que explicam tal crise. (p.35)
Desta primeira fase, podemos extrair duas conseqüências prejudiciais à
natureza e aos trabalhadores, como claras expressões da ampliação da falha
metabólica. O uso dado aos recursos naturais gerou devastação de extensas
áreas de floresta, desgaste, empobrecimento e erosão do solo, contaminação
de recursos hídricos e assoreamento de rios. Como resultado deste uso, tem-
se a diminuição da produção e a ampliação dos custos dos cultivos,
contrariando a alardeada propaganda de ampliação da produção de alimentos
para a eliminação da fome, que continuou a persistir no Brasil. Em relação aos 16
Miguel Altieri é agrônomo, professor de agroecologia da Universidade da Califórnia, Berkeley,
EUA, e também um dos mais expressivos elaboradores das bases científicas da agroecologia, com reconhecida influencia mundial. Suas publicações são conhecidas no Brasil desde o final da década de 1980 e se tornaram referência para profissionais, instituições de ensino,pesquisa e extensão rural, ONGs e Movimentos Sociais. Suas elaborações sobre a agroecologia serão abordadas no tópico seguinte deste capítulo.
143
trabalhadores rurais, aumentou o desemprego gerado pela mecanização e
também não houve melhoria para a vida dos pequenos produtores, que
aumentaram sua dependência dos bancos para continuarem produzindo ou
foram inviabilizados tendo que vender ou entregar suas terras como forma de
pagamento de dívidas.
Segundo Graziano Neto (1982), os problemas ecológicos da moderna
agricultura brasileira, já identificados a partir da década de 1970, estão
relacionados à: destruição do solo, com a mecanização intensiva, degeneração
do solo, erosão, desertificação, esterilização, uso de adubos químicos e
agrotóxicos, provocando a contaminação e esterilização do solo. Também
destaca as conseqüências deste modelo que se manifestam através de várias
questões como: descontrole de pragas e doenças; perda da qualidade
biológica dos alimentos; contaminação dos alimentos e do homem; aumento da
dependência energética; poluição em geral e a morte da natureza.
Como síntese destas questões, tanto do ponto de vista técnico quanto
ecológico, a análise deste autor afirma que
[...] a moderna agricultura é um fracasso agronômico, pois destrói os solos, causa desequilíbrios e instabilidades ameaçadoras, arrasa a natureza, polui o ambiente, utiliza enormes quantidades de energia, para continuar quase com as mesmas produtividades por área e, ainda, para produzir alimentos cada vez mais contaminados e de baixa qualidade biológica, pondo em risco a saúde humana. (p.135)
Motta e Mendonça (in MOTTA, 2005) ao analisarem a penetração do
capitalismo no campo brasileiro, sobretudo a partir da década de 1970, quando
se fortalece a fusão entre agricultura e indústria, dando origem aos Complexos
Agroindustriais – CAIs – representantes do moderno padrão de agricultura,
destacam a afirmação de dois padrões de produção rural, o capitalista e o da
agricultura familiar. E por esta visão hegemônica do capitalismo, a realização
da reforma agrária é considerada totalmente desnecessária para o tipo de
desenvolvimento imposto e “naturalizado” pela modernização da agricultura.
Estas autoras problematizam que
[...] o vetor que separa os autores que defendem abertamente a desnecessariedade e o “anacronismo” da reforma agrária no Brasil como instrumento de desenvolvimento capitalista – sendo ela alçada apenas à categoria de “política compensatória” – e aqueles que
144
continuam a defendê-la como uma exigência imperativa, senão da economia, ao menos – e, sobretudo – da democracia e da justiça social no país. (p. 309).
Mendonça (2006), ao analisar a relação entre questão agrária e reforma
agrária, enfatizando a reflexão política, traz elementos fundamentais às nossas
preocupações sobre a politização da questão ambiental no espaço agrário,
através de sua análise sobre a formação e conformação das classes
dominantes agrárias, como um dos mais importantes frutos da modernização
da agricultura brasileira. As redes que se constituem entre as frações do capital
– agrário, industrial e financeiro, se complexificam e impõem aos trabalhadores
rurais, sob a hegemonia do agronegócio no Brasil, a expulsão, o êxodo rural, a
miséria e, por certo, grandes conflitos. E esta situação de conflito no campo
demonstra, assim, o questionamento à legitimidade da dominação sobre os
trabalhadores. Consideramos como indispensável, a análise desta autora sobre
as estratégias discursivas e práticas mobilizadas pelas classes dominantes no
campo, para a dominação ideológica, que se direcionam para a desqualificação
tanto da questão agrária quanto da reforma agrária, que contraditoriamente,
também encontram ressonância no meio acadêmico de esquerda e no próprio
Estado.
O resultado de todo este processo, no final dos anos de 1970, se
apresenta através de elementos contraditórios, uma vez que a modernização
intensa da agricultura, alcançada com o estímulo e apoio do Estado brasileiro,
representaram, ao mesmo tempo, um extraordinário avanço tecnológico e do
processo de urbanização, e uma elevação exponencial da desigualdade e da
queda nas condições de vida no campo.
É justamente este contexto que cria as condições para o surgimento do
agronegócio, que desenvolve a atividade agrícola, absolutamente articulada e
dependente da produção industrial, e também passa a dominar a pesquisa
científica, financiando estudos ligados aos interesses das empresas
transnacionais. Outra questão que merece ser destacada refere-se à ampliação
do volume de terras utilizadas pelo agronegócio, que passa a ter um padrão de
uso muito mais elevado tanto em extensão quanto em intensidade, ampliando a
questão da desigualdade da estrutura fundiária no Brasil.
145
De acordo com Alentejano (2011, p.1-2) o último Censo Agropecuário
(2006) comprovou que
[...] o índice de Gini permaneceu praticamente estagnado nas últimas duas décadas, saindo de 0,857 em 1985 para 0,856 em 1995/1996 e 0,854 em 2006. Em alguns estados da federação, entretanto, verificou-se significativos aumentos, como em Tocantins (9,1%), Mato Grosso do Sul (4,1%) e São Paulo (6,1%). O movimento de concentração foi puxado pelas grandes culturas de exportação, pela expansão do agronegócio e pelo avanço da fronteira agropecuária em direção à Amazônia - impulsionada pela criação de bovinos e pela soja. No caso de São Paulo, o crescimento deveu-se à cultura de cana-de-açúcar (estimulada pelo maior uso de álcool com o carro flex e pelos bons preços do açúcar).
Com relação à persistência da desigualdade da estrutura fundiária do
Brasil, Alentejano (2011, p.2) nos mostra que
[...] os pequenos estabelecimentos – com menos de 10 ha – são 47% do total, mas a área ocupada pelos mesmos é de apenas 2,7% do total, ao passo que no pólo oposto, os estabelecimentos com mais de 1000 ha são apenas 0,9% do total, mas ocupam 43% da área. O contraste se torna ainda mais nítido quando observamos que os estabelecimentos com menos de 100 ha são cerca de 90% do total, ocupando uma área de cerca de 20%, ao passo que os com mais de 100 ha são menos de 10% do total e ocupam cerca de 80% da área. E este quadro permanece praticamente inalterado nos últimos 50 anos.
A questão agrária está pautada hoje, com um nível de concentração de
terras muito superior aos anos de 1960, de modo que não se fala mais em
latifúndio improdutivo, mas em imensas extensões de terra cultivadas ou
paradas, na espera. Ao mesmo tempo, os pequenos agricultores ficam com as
piores áreas, onde o solo apresenta degradação, desmatamento, poluição,
contaminação, ou se localiza em áreas de difícil acesso e/ou que não valem a
pena investir em mecanização. Pelo exposto, fica claro que a questão agrária
também se coloca como uma questão ambiental, pois para além da
degradação da terra, se coloca a questão do acesso aos recursos naturais,
principalmente a terra e a água.
Sobre a modernização da agricultura brasileira, Alentejano (In: MOTTA,
2005) destaca que a relação entre o agrário e o ambiental deste modelo
agrícola produz uma profunda inversão do princípio tradicional que regia a
agricultura referente à sua adaptação à diversidade ambiental e sua vinculação
146
a regimes alimentares diversificados. Este modelo ganha sua máxima
expressão na atualidade com a dominação feita pelo agronegócio, que
sustenta um processo de padronização da agricultura, o qual
[...] se impõe à diversidade ambiental, artificializando os ambientes e adequando-os ao padrão mecânico-químico da agricultura moderna, ao mesmo tempo em que impõe a todos os povos um padrão alimentar que atende aos interesses das grandes corporações agroindustriais. (ALENTEJANO, 2005, p. 478)
Como discutimos anteriormente, consideramos que este padrão
moderno coroa um processo em curso desde os tempos coloniais, ao privilegiar
o cultivo de monoculturas em grandes extensões de terra para exportação. No
entanto, é com este padrão moderno da revolução verde imposto pelo
agronegócio, que alterações mais profundas são operadas por meio da união e
subordinação da agricultura à indústria, com a introdução de insumos químicos,
maquinas e sementes geneticamente modificadas, o que reforça inclusive a
manutenção da monocultura para exportação.
As questões que foram destacadas sobre o processo de modernização
da agricultura brasileira, expressam também, e fortemente, o processo de
dominação ideológica que se impõe sobre o produtor, o qual é convencido a
aderir a este padrão de agricultura considerado superior às formas tradicionais,
contribuindo para um processo de expropriação, tanto econômica quanto do
saber, tornando os camponeses dependentes de técnicas e processos
produtivos que não dominam. E este caráter de dominação reforça a análise
feita por diversos autores, que consideram que este processo de modernização
que conservou o poder das classes dominantes, sendo, portanto uma
modernização conservadora, mostrou-se como “perversa e dolorosa”, nas
palavras de Graziano Silva (1982), para as classes subalternas.
Alentejano (In: MOTTA, 2005, p.479) conclui que, para além das
polêmicas e divergências sobre esta modernização,
[...] é inegável que a modernização produziu a ampliação da concentração da propriedade, da exploração da terra e da distribuição regressiva da renda, ou seja, ampliou a desigualdade no campo brasileiro ao permitir que os grandes proprietários se apropriassem de mais terras e mais riqueza em detrimento dos trabalhadores rurais, dentre os quais avançou a proletarização e pauperização.
.
147
A partir dos anos 1990, a revolução verde entra numa outra fase. Do
ponto de vista ambiental, realizou-se uma série de modificações na produção
agrícola, visando superar os problemas gerados pela fase inicial, dentre eles:
plantio direto com uso intensivo de novos herbicidas; rotação de culturas;
construção de micro-bacias hidrográficas para contenção de erosão e
conservação de solos, passagem da monocultura para bicultura (combinação
de dois tipos de cultivos). E, na base técnica, foram introduzidas mudanças que
proporcionassem o aumento da produtividade, não só para superar as
dificuldades iniciais, mas, principalmente, para dar resposta econômica aos
produtores, através do uso de máquinas e equipamentos mais avançados,
agregando a informatização (GORGEN, 2004).
A contradição mais explicita deste processo é que a necessidade de
ampliação de investimentos para a modernização, comandada pelas indústrias
de insumos e máquinas gerou o aumento dos ganhos destas empresas e da
dependência e endividamento dos agricultores. Outra conseqüência é que, com
a integração da produção com agroindústrias e com as empresas de
exportação, os custos de produção passam a ser regidos por um mercado
internacional e colocam a agricultura na concorrência mundial de alimentos.
A necessidade de ampliação do uso de herbicidas, para o combate às
chamadas ervas daninhas e doenças nos cultivos que se tornam cada vez mais
resistentes, se transforma num fator de crise desta fase da revolução verde,
pois estes problemas não encontram soluções dentro da tecnologia até então
desenvolvida (GORGEN, 2004).
Desta forma, se estrutura uma nova fase (chamada de terceira fase) da
revolução verde com recursos das ciências biológicas, mecânica, do
geoprocessamento e da informática, que aprofundam as tendências destrutivas
deste processo, onde a criação das plantas transgênicas se torna sua máxima
expressão. Esta é a chamada fase da agricultura científica, de precisão ou
biotecnológica, que amplia o domínio das indústrias multinacionais, onde os
agricultores são excluídos, conformando-se uma agricultura sem agricultores.
O desenvolvimento da agricultura brasileira sofre grandes
transformações a partir da década de 1990, onde grandes corporações
internacionais, associadas ao capital financeiro, dominam todo processo de
produção e industrialização de alimentos e avançam sobre a apropriação de
148
terras, água e sementes. Mas o pacote tecnológico de produção da agricultura
dominante inclui ainda a produção e comercialização de agrotóxicos e
máquinas, que foram vitais para o desenvolvimento do modelo de produção do
agronegócio. O domínio de grandes propriedades monocultoras, com uso
intensivo de maquinas e consumo de agrotóxicos em larga escala são
responsáveis pela expulsão de trabalhadores rurais e pela devastação
ambiental.
No que diz respeito à devastação ambiental,
[...] dois aspectos podem ser considerados centrais: o desmatamento promovido pela expansão da fronteira agrícola e o uso cada vez mais intenso de agrotóxicos na agricultura brasileira. Em relação ao desmatamento resultante da expansão da fronteira agrícola, dados do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás, indicam que o ritmo atual de desmatamento do Cerrado poderá elevar de 39% para 47% o percentual devastado do bioma até 2050. A pesquisa demonstra ainda que a destruição do Cerrado coloca em risco a disponibilidade de recursos hídricos para o Pantanal e a Amazônia, pois estes biomas estão interligados (ALENTEJANO, 2011, p. 17).
Neste conjunto de forças que se articulam em torno do agronegócio, os
latifundiários se associam aos bancos nacionais e estrangeiros, para a
especulação em busca de ampliação de seus lucros com a elevação dos
preços da terra. Com esta junção, o setor agrícola dominante é favorecido pela
liberalização financeira promovida pelo neoliberalismo, que tanto proporcionou
o processo de especulação como o aporte de créditos para este setor.
Também se une a este bloco, o setor industrial, com ênfase na produção de
insumos (maquinas, fertilizantes, sementes, etc.) e de subprodutos da
agropecuária, os grandes grupos ligados à construção civil e a mídia, a qual se
coloca como estratégica para a dominação ideológica. Neste contexto, é
importante destacar o papel do Estado, que ao contrário do que apregoa o
neoliberalismo, não se coloca como Estado mínimo, pois se apresenta
concretamente como um Estado interventor forte, na sustentação do modelo de
agricultura desenvolvido pelo agronegócio.
Por fim, vale dizer que estas transformações têm sido impulsionadas com base em recursos públicos: dos estabelecimentos que receberam financiamento, 85% tiveram como uma das fontes algum programa governamental – com 57,6% dos recursos. Além disso,
149
este financiamento é profundamente desigual: em 2006, os estabelecimentos com 1.000 ou mais hectares (0,9% do total) captaram 43,6% dos recursos e os com até 100 hectares (88,5% dos que obtiveram financiamento) captaram 30,42% dos recursos. Segundo Sauer (2010) o agronegócio recebeu R$ 65 bilhões para custeio e investimentos para a safra 2008/2009, o que é 500% superior aos R$ 13 bilhões concedidos à agricultura familiar. Ainda segundo o autor, entre 2007 e 2009 o Tesouro Nacional gastou R$ 2,3 bilhões de reais com a securitização da dívida agrícola e a Receita Federal estima em R$ 8,85 bilhões a renúncia fiscal relacionada à isenção de impostos concedidos ao setor agropecuário. Isto significa dizer que o dinheiro extraído pelo governo do povo brasileiro através dos impostos está financiando nossa insegurança alimentar. (ALENTEJANO, 2011, p. 15)
Analisar a atuação do agronegócio na agricultura requer entender como
este desenvolvimento vem se processando, ancorado ao mesmo tempo nas
modernas técnicas da biotecnologia e no histórico e arcaico modelo monocultor
voltado à exportação, ampliando a situação de insegurança alimentar. As
mudanças tecnológicas já em curso enfatizam a biotecnologia e a
nanotecnologia, trazendo impactos destas inovações tecnológicas na
agricultura capitalista que expressam a ampliação da falha metabólica, ao
degradar, simultaneamente, a natureza e o trabalho.
Na linha dos estudos que realizamos no capítulo I, acerca da dupla
exploração feita pelo capital sobre o trabalho e a natureza, encontramos em
Silva e Martins (2006) a especificidade de sua manifestação na atualidade,
através da produção da agricultura brasileira do agronegócio. Tomando como
ponto de referencia a reprodução do agronegócio sucroalcooleiro no interior de
São Paulo, os autores realizam uma análise concreta das repercussões sociais
e ambientais deste modelo, cujo objetivo se direciona para a superação
[...] de uma interpretação abstrata do fenômeno do agronegócio resgatando as relações significativas que dão sentido concreto (como unidade do diverso) às dimensões de exploração do trabalho social e dos recursos naturais no âmbito do processo de produção de valor. [...] estas dimensões – a social e a ambiental – são indissociáveis do ponto de vista das análises dos processos de acumulação (p.92).
Sobre a internacionalização da agricultura no setor sucroalcooleiro,
Alentejano nos informa outros dados importantes:
No setor sucroalcooleiro, em especial, este controle das grandes empresas transnacionais tem se expandido velozmente. Segundo Mendonça (2010), a participação de empresas estrangeiras na
150
indústria da cana no Brasil cresceu de 1% em 2000 para 20% em 2010. Este processo acontece junto com um forte processo de concentração no setor. Estimativas de mercado mostram que, na safra 2009/10, os sete maiores grupos de comercialização do mercado já representaram 61,4% das vendas. No ciclo atual (2010/11), a fatia nas mãos dos sete grandes será de 67% (2011, p. 20).
De acordo com o autor acima citado, a área destinada à produção de
três alimentos básicos na dieta da população brasileira (arroz, feijão e
mandioca) reduziu-se em mais de 2,5 milhões de há entre 1990 e 2006. Em
contrapartida, a área destinada ao cultivo de produtos voltados prioritariamente
para exportação ou transformação industrial, aumentou. Considerando-se
apenas três destes produtos – cana-de-açúcar, soja e milho – a área plantada
foi ampliada de 27.930.804 ha para 44.021.847 ha, um crescimento de 57,6%.
Vale destacar que entre 1990 e 2008, a soja ultrapassou o milho em termos de
área plantada, assumindo a condição de maior lavoura do país.
Um dos grandes pontos de apoio para a disseminação e legitimação da
ideologia do agronegócio na atualidade, segundo os autores citados, se deve à
aplicabilidade da ciência na agricultura, através de tecnologias sofisticadas,
como a biotecnologia e a nanotecnologia pelas grandes empresas nacionais e
internacionais, dinamizando o setor industrial, responsável pela produção de
equipamentos, máquinas e insumos utilizados pelas empresas agrícolas17.
Também é destacado que o desenvolvimento de pesquisas em várias áreas do
conhecimento vem sendo realizado por universidades públicas brasileiras e por
empresas do Estado, como a EMBRAPA.
Atendo-nos ao objetivo de nosso estudo, é importante considerarmos
que esta ampliação do nível de modernização da agricultura revela, em sua
contra-face, o aumento do desemprego e sérios impactos ambientais no campo
e na cidade, como expressões da ampliação da falha metabólica.
Do ponto de vista político, Silva e Martins (2006) analisam o destaque
dado ao agronegócio em relação ao desenvolvimento econômico do Brasil,
tendo em conta a geração de saldo positivo do comércio exterior como fruto da
ampliação das exportações de produtos agrícolas nos últimos anos, que tem
possibilitado o pagamento de juros da dívida externa e elevado as taxas do
17
A relação entre a questão ambiental na agricultura brasileira, a adoção de novas tecnologias
e os desafios colocados aos trabalhadores da terra, e particularmente ao MST, serão discutidos no próximo capítulo.
151
superávit primário. Por outro lado, as grandes alterações na base técnica de
produção da agricultura capitalista brasileira e nas formas de utilização do
trabalho social são resultantes do avanço do capital industrial sobre este setor,
sendo que a questão das barreiras impostas pela natureza continua a ser
objeto de preocupação e intervenção do capital.
Silva e Martins (2006) destacam que a produção da agricultura
capitalista, na atual fase da revolução verde no Brasil vem assumindo os riscos
ecológicos, próprios deste modelo tecnológico, aliados ao descontrole do
receituário agronômico na maioria das propriedades agrícolas, provocando, em
escala crescente, danos ecossistêmicos que podem ser irreversíveis em muitos
casos. E exemplificam que o uso intensivo de fertilizantes químicos tem sido
relacionado a processos de eutrofização18 de lagos e rios, de acidificação19 dos
solos e de contaminação de aqüíferos.
Com relação à degradação da força de trabalho, Silva e Martins (2006) a
relacionam com três questões fundamentais, que são a segmentação do
trabalho, a imobilização da força de trabalho migrante, que se sujeitam a
condições extremamente precárias de trabalho, principalmente, em relação a
alojamento e alimentação, e a superexploração da força de trabalho, que leva à
morte durante o trabalho do corte da cana.
Os efeitos desse metabolismo social do capital sobre o espaço agrário, e
particularmente, sobre a agricultura, que é a atividade humana de maior
impacto sobre a natureza, nos mostram a sua negatividade, tanto para a
natureza, quanto para o trabalho humano, e ainda para a sociedade como um
todo, que se expressa no conceito de falha metabólica. As consequências
18
Em ecologia, chama-se eutrofização ou eutroficação ao fenômeno causado pelo excesso de nutrientes (compostos químicos ricos em fósforo ou nitrogênio) numa massa de água, provocando um aumento excessivo de algas. Estas, por sua vez, fomentam o desenvolvimento dos consumidores primários e eventualmente de outros elementos da teia alimentar nesse ecossistema. Este aumento da biomassa pode levar a uma diminuição do oxigênio dissolvido, provocando a morte e conseqüente decomposição de muitos organismos, diminuindo a qualidade da água e eventualmente a alteração profunda do ecossistema.
19A acidificação do solo é um processo químico em que o solo tem um aumento do processo
hidrogênico (pH).Este processo pode formar impactos maiores ou menores na natureza dependendo da concentração, da pressão e da temperatura, da repartição do solo, no sentido de formação dos produtos e reagentes do solo da região. Para a acidificação ocorrer no solo, ela pode ser causada a partir da emissão de águas residuais, com a chuva ácida, a emissão de gases ácidos, da água contaminada, entre outros.
152
advindas do atual modo de produção da agricultura capitalista são expressões
da ampliação desta falha metabólica na relação sociedade-natureza, que
ameaçam as bases materiais de sustentação da vida em todas as suas formas.
Todos estes elementos nos levam a confirmar a ampliação desta falha
metabólica (MARX, 1983), operada pelo metabolismo social do Capital
(MÉSZÁROS, 2006, 2007), onde a produção da agricultura capitalista só se
sustenta através da exploração, degradação e contaminação das duas fontes
de produção de riquezas que são a natureza e o trabalho.
A partir desta mesma perspectiva, Silva e Martins (2006), tendo em
conta a análise da atuação do agronegócio na agricultura canavieira paulista,
concluem:
A reinvenção moderna de exploração do trabalho no agronegócio e a pilhagem ambiental por este promovida compõem um quadro mais amplo de degradação dos modos de vida. Ou seja, levando ao limite crítico as experiências sociais a partir do trabalho e gerando níveis progressivos de exaustão dos recursos naturais, este modelo de agricultura revela a degradação de suas próprias condições de existência. Revela seus próprios limites através da destruição dos trabalhadores e da Natureza (p.106).
Shiva (1992) ao discutir a revolução verde, analisa as alterações na
agricultura capitalista e as conseqüências sociais e ambientais advindas destas
mudanças, especialmente para os produtores, trazendo reflexões
indispensáveis para a análise das implicações ambientais resultantes deste
processo. Tendo como ponto de partida ou fundamento, a relação entre o
desenvolvimento de tecnologia e a conservação da biodiversidade, sua crítica à
revolução verde se centra na idéia de oposição entre diversidade e
produtividade, que cria as condições para o convencimento dos benefícios do
paradigma dominante de produção, baseado na uniformidade e em
monoculturas. Destaca que nos planos das classes dominantes, principalmente
dos países centrais do capitalismo, a conservação da biodiversidade vem
sendo defendida como prerrogativa dos países do Norte, destinando aos
países subdesenvolvidos a definição de que são responsáveis pela destruição
de seu patrimônio ambiental.
Construiu-se, assim, um interessante arcabouço de valores que determina análises e opiniões, pois se os países do terceiro mundo, que obtêm seus meios de vida diretamente da natureza, nada fazem além de consumir, e se os grupos sociais são os únicos “produtores”,
153
deduz-se, naturalmente, que o Terceiro Mundo é responsável pela destruição de sua própria riqueza biológica e apenas o Norte tem capacidade de conservá-la. Essa divisão ideologicamente elaborada entre consumo, produção e conservação dissimula a economia política dos processos que levam à destruição da diversidade biológica. (SHIVA, 1992, p.3).
Uma das questões centrais levantadas pela autora, nesta relação entre
biodiversidade e produtividade se refere à introdução de alterações,
relacionadas às sementes, trazidas pela Revolução Verde. Defende-se que,
para ampliar a produtividade, seria necessária a produção industrial de
sementes especiais que realizariam um verdadeiro milagre, denominadas como
variedades de alta produtividade – VAP. Destaca que, de maneira geral, os
sistemas de cultivo requerem uma interação entre solo, água e recursos
genéticos vegetais, mas ao comparar os sistemas tradicionais e os da
Revolução Verde nos explica que, os primeiros resguardam uma relação
simbiótica entre solo, água, animais domésticos e plantas, e aqueles, sob
domínio deste novo paradigma, substituem essa interação, em nível de
estabelecimento agrícola, pela integração de insumos tais como sementes
melhoradas e produtos químicos.
Shiva (1992) nos chama a atenção para o fato de que nos cultivos
tradicionais, as culturas têm sido desenvolvidas não só para produzir alimento
para pessoas, mas também forragem para os animais e adubo orgânico para o
solo. E uma das grandes alterações feitas pela Revolução Verde foi justamente
a separação da produção agrícola da produção animal, trazendo como
conseqüência, o contraste entre a elevada produção de grãos e a redução na
produção de palha, o que representou a diminuição da biomassa disponível
para alimentação de animais domésticos e para a fertilização dos solos, e a
redução da produtividade dos ecossistemas em razão da sobreutilização dos
recursos.
Altieri (2012), nesta mesma direção, nos traz uma análise precisa sobre
a relação entre a agricultura industrial da revolução verde e a questão da
biodiversidade, através da consideração de que este modelo dominante de
agricultura produziu uma “colheita fatal”. Assim, ele sustenta que existem
velhas e novas dimensões da tragédia ecológica da agricultura moderna.
A crítica inicial do autor se direciona para a “velha” prática da
monocultura, também adotada como “carro-chefe” desde o início da revolução
154
verde e que ainda permanece, em que pese todo o custo social, ambiental e
mesmo para o capital, uma vez que sua manutenção tem exigido muito
investimento em novas tecnologias, para conter ou neutralizar seus efeitos
indesejados e imprevistos, para a continuidade do processo de acumulação do
capital na agricultura.
A agricultura é uma atividade humana que implica a simplificação da natureza, sendo a monocultura a expressão máxima deste processo. O resultado final é a produção de um ecossistema artificial que exige constante intervenção humana. Na maioria dos casos, esta intervenção se dá na forma de insumos agroquímicos que, embora elevem a produtividade, acarretam vários custos ambientais e sociais indesejáveis (ALTIERI, 2012, p.23)
O processo de simplificação dos ambientes promovido pela agricultura
industrial é exemplificado por Altieri (2012, p.24), com base em Jackson (2002)
a partir de dados que demonstram a baixíssima utilização da grande
diversidade de culturas disponíveis: das 7000 espécies já utilizadas na
agricultura, na atualidade, somente 120 são importantes para a alimentação
humana. E estimativas mostram que 90% do consumo de calorias no mundo
são provenientes de apenas 30 culturas. O resultado deste processo é a
homogeneização genética que gera extrema vulnerabilidade ecológica, fator
que vem sendo alertado historicamente por pesquisadores no mundo inteiro em
estudos sobre monoculturas como a de uva, na França, de banana, na Costa
Rica, e de milho, nos EUA.
A instabilidade dos agroecossistemas gerada por este modelo baseado
na monocultura se expressa na forma de surto de pragas e doenças, que
demandam grande quantidade de agrotóxicos que se mostram cada vez menos
eficazes e seletivos, os quais são lançados na biosfera ocasionando custos
ambientais e humanos. Os dados trazidos por Altieri (2012, p.26) são
eloqüentes, em relação a esta homogeneização dos sistemas agrícolas: “Em
todo o mundo, 91% dos 1,5 bilhão de hectares de terras cultiváveis estão
principalmente sob monoculturas de trigo, arroz, milho, algodão e soja”.
È importante destacar que um dos impactos negativos desta
homogeneização de culturas, através desta simplificação dos
agroecossistemas, que se processou na primeira fase da revolução verde,
interferiu diretamente na diversidade da dieta alimentar, e conseqüentemente
155
trouxe problemas nutricionais, que expressam uma situação de insegurança
alimentar.
Em relação às novas dimensões da tragédia ecológica da revolução
verde, Altieri (2014) chama atenção para a segunda onda de problemas
ambientais que com o emprego da biotecnologia cria os chamados OGMs –
Organismos Geneticamente Modificados, destacando que são os mesmos
grupos que promoveram a primeira onda da agricultura de base agroquímica
(Monsanto, Dupont, Syngenta, etc.,) que agora propõem a biorevolução,
prometendo que, com alterações genéticas, é possível criar agrotóxicos mais
eficazes e a redução da utilização de produtos químicos, tornando a agricultura
mais sustentável. No entanto, vários riscos ambientais são constatados com a
liberação dos transgênicos, como a ampliação da vulnerabilidade ambiental e a
contaminação de cultivos.
Altieri (2014) problematiza que, na maioria dos países, as normas de
biossegurança para monitorar as liberações das OGMs são inexistentes ou
inadequadas para prever seus riscos ecológicos. No Brasil, os lucros gerados
pela soja transgênica justificaram a ampliação ou a construção de infra-
estrutura como rodovias, ferrovias e hidrovias para trazer insumos e escoar a
produção, atraindo investimentos privados nos setores de exploração
madeireira, mineração, pecuária e outras práticas com conseqüências
ambientais ainda não avaliadas por estudos de impacto ambiental. (p. 45)20.
No Brasil, a área cultivada por soja atinge mais de 20% do total de terras
cultivadas. Desde 1995, a área plantada com soja ampliou 2,3 milhões de
hectares, com aumento médio de 320 mil hectares por ano (Altieri, 2014, p.46).
As duas maiores conseqüências do cultivo da soja transgênica são o
desmatamento e a degradação do solo.
Na Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, vários países
assinaram o tratado de biossegurança que obriga a adoção do princípio da
precaução no contexto do comercio de OGMs. Este princípio é a base do
Protocolo de Cartagena sobre biossegurança e implica na inversão do ônus da
20
Para maior aprofundamento sobre este debate, vale citar o estudo de Cristófoli (2009) acerca do uso da soja Roudoup no Rio Grande do Sul.
156
prova,ou seja, não cabe aos críticos da tecnologia comprovar seus riscos, mas
aos proponentes da mesma de comprovar sua segurança.
Ao defender a necessária relação entre ciência, precaução e bom senso,
o Grupo de Ciência Independente (ISP) formado por cientistas de diversas
disciplinas subscrevem o princípio da precaução em sua declaração de 2003,
afirmando que, “[...] quando há uma suspeita razoável de prejuízo grave ou
irreversível, não se deve utilizar da falta de consenso científico para postergar
ações preventivas” (ISP, s/p). A conclusão a que chega este grupo é
inequívoca:
[...] os cultivos transgênicos não são necessários nem desejados, não cumprem as promessas feitas e, ao contrário, estão trazendo problemas crescentes ao campo. [...] são inaceitáveis porque não são seguros. Têm sido introduzidos sem as necessárias salvaguardas e avaliações de segurança, através de um sistema de regulamentação profundamente defeituoso, baseado no princípio da “equivalência substancial”, cujo propósito é dar rápida aprovação aos produtos, em vez de realizar uma avaliação séria de sua segurança. (ISP, 2004, p. 105)
Estes elementos fundamentam a critica à agricultura capitalista, sob o
domínio do agronegócio, responsável pela desigual e insustentável condição
social e ambiental do espaço agrário, que se expressa: no controle e acesso a
terra com a manutenção do latifúndio, através da mecanização e quimificação
das lavouras; no trabalho precário e escravo; na violência e expulsão de
famílias do campo; associando à monocultura, o aumento do uso de
agrotóxicos e a introdução de cultivos transgênicos. O modelo de agricultura
capitalista do agronegócio se afirma, então, como o principal responsável pela
crise alimentar mundial, pois, ao tratar a terra, as sementes e os alimentos
produzidos como mercadorias vem comprometendo a segurança alimentar,
que além de não ter sido alcançada com a revolução verde, foi ainda agravada.
Podemos dizer, que uma das maiores contradições da revolução verde foi a
criação de uma anti-comida, produzida pelo agronegócio que operou a
transformação da agricultura num ramo de negócios, onde a produção de
alimentos se torna uma mera mercadoria a ser negociada para obtenção de
lucros.
Sobre o trabalho escravo no contexto do agronegócio, podemos
observar os seguintes dados
157
Em 2007, dos 5.974 trabalhadores resgatados da escravidão no
campo brasileiro, 3.060, ou 51%, foram encontrados no monocultivo
da cana de açúcar. Em 2008, dos 5.266 resgatados, 2.553, ou 48%
dos trabalhadores mantidos escravos no país estavam em plantações
de cana. (MENDONÇA, 2010 apud ALENTEJANO, 2011, p. 16).
A mercadorização dos alimentos é analisada pelo sociólogo Jean Ziegler
(apud ZONTA, 2013) como um negócio altamente lucrativo. Para ele, o
problema da fome está relacionado à questão da especulação financeira, ao
dumping (concorrência desleal de mercado) agrícola e à destinação das terras
à produção de bicombustíveis. E afirma que é a primeira vez na história da
humanidade, que o problema da fome está relacionado não à escassez de
alimentos, mas ao excesso. O aumento da fome não se relaciona a problemas
de ordem natural, de baixa produtividade e nem mesmo em razão de guerras,
pois está diretamente vinculado à forma de sociedade erguida sob o imperativo
do capital, que nega a alimentação a um imenso número de pessoas. Este
quadro de dominação mundial exercido por grandes grupos econômicos é
apresentado:
Hoje temos dez transnacionais que potencializam a fome no mundo. Esse grupo econômico controla 85% de todos os alimentos negociados no planeta. Fixam preços, controlam a distribuição e assim decidem todos os dias quem poderá comer quem vai passar fome e quem vai morrer sem alimentação (ZIEGLER apud ZONTA, 2013, p. 13).
Os números fornecidos, baseados no relatório da FAO de 2012, são
estarrecedores e reveladores: a cada 5 segundos, uma criança com menos de
10 anos morre de fome; 57 mil pessoas morrem diariamente em razão da fome;
mais de 1 bilhão de pessoas no mundo são subalimentadas ; a agricultura atual
poderia alimentar diariamente 12 bilhões de pessoas; a especulação financeira
fez o preço mundial do milho subir 63% e do trigo dobrar em 2 anos; o dumping
fez com que produtos europeus entrem na África por um terço do valor destes
produtos produzidos no país; as famílias camponesas africanas trabalham em
média 10 horas por dia e não conseguem prover a alimentação para a
subsistência, muito menos competir no mercado.
A dívida externa dos povos do Sul é elencada como um dos
mecanismos mortíferos da fome, uma vez que impedem que os países pobres
possam investir em sua agricultura de subsistência e no abastecimento do
158
mercado interno. O exemplo da África é considerado uma catástrofe, por
Ziegler. O resultado da falta de condições para produzir por parte dos
camponeses africanos tem sido a expulsão de suas terras, pelas forças
armadas nacionais, porque o governo vende a terra para grupos estrangeiros
que produzem para o mercado internacional, não para o abastecimento do
mercado interno.
E a produção de biocombustíveis é também considerada como um
mecanismo nefasto para o agravamento da fome e para o meio ambiente, onde
a situação do Brasil, que é um dos dois maiores produtores mundiais, é
exemplar, pois tem destinado extensas áreas para o plantio de matéria prima
de combustível em detrimento da redução de áreas para produzir alimento.
Como resultado deste processo, está havendo a expansão da fronteira agrícola
para a Amazônia, e no interior do estado de São Paulo, ocorre o avanço da
cana e o gado passa a destruir áreas de floresta.
A importância e atualidade da obra de Josué de Castro, “Geografia da
Fome”, escrita na década de 1940, também é ressaltada por Ziegler, uma vez
que este médico nordestino foi pioneiro na análise crítica do problema da fome,
como um problema relativo à ação política das classes dominantes,
desnudando qualquer argumento ancorado na dita neutralidade técnica.
Mas as questões discutidas acima, nos levam a indagar: que tipo de
alimentos vem sendo produzidos em excesso? A anti-comida ou ração humana
do agronegócio, altamente envenenada? É preciso refletir não só sobre a
capacidade quantitativa, mas essencialmente sobre a potencialidade qualitativa
que a agricultura diversificada familiar agroecológica pode produzir.
Sevilla Gusmán (2006) aponta os impactos do modo industrial de uso
dos recursos naturais sobre a produção camponesa: perda da auto-suficiência
alimentar; submetimento do procedimento, manejo campesino dos recursos
naturais à lógica do mercado com ruptura de sua matriz sócio-cultural que
mantém ainda em muitas partes do mundo, lógicas de trocas, que tem provado
empiricamente, formas de sustentabilidade ecológica; erosão sócio-cultural dos
sistemas ambientais com a perda do conhecimento local, campesino e
indígena; ruptura das tecnologias sistêmicas sobre o controle de pragas;
expulsão dos camponeses de numerosos ecossistemas frágeis, mantidos
historicamente; apropriação transnacional de múltiplos territórios indígenas,
159
cujos direitos históricos, precisam ser defendidos; ruptura da estratégia
campesina de multiuso do território que tem desenvolvido historicamente.
Para Shiva (1992, p. 16), o imperativo do crescimento gerou o imperativo
das monoculturas, mas só a diversidade, como padrão de produção, e não
meramente de conservação, pode romper com a separação dos sistemas
biológicos em “primitivos” e “avançados”. E conclui:
Assim como Gandhi desafiou os falsos conceitos de obsolescência e produtividade na produção de têxteis através da busca da roca de fiar, há grupos em todo o Terceiro Mundo que estão desafiando os falsos conceitos de obsolescência na produção agrícola, conceitos que levam, necessariamente, à insustentabilidade. Esses grupos estão procurando a diversidade das sementes usadas há séculos pelos agricultores, visando transformá-la na base de uma agricultura futurista, independente, com ampla capacidade de regeneração e sustentável (Shiva, 1992, p. 16).
As mudanças operadas no padrão do desenvolvimento tecnológico produtivo
da agricultura, não alteraram o padrão da estrutura agrária vigente,
conservando e agravando o nível de desigualdade na distribuição da posse e
uso da terra. As conseqüências sociais e ambientais deste modelo perverso de
agricultura, reconhecidas em nível mundial, sustentam e justificam a idéia de
construir uma agricultura alternativa a este modelo através da agroecologia.
2.2 Questão Ambiental e a Construção da Agroecologia: trajetória histórica no Brasil e questões teórico-conceituais.
Retomando nossas reflexões realizadas no primeiro capítulo,
consideramos o mesmo ponto de partida de Guhur e Toná (2012), para a
análise das condições que deram origem ao surgimento da agrocoecologia,
relacionadas à questão ambiental, que envolve a fragilidade das condições de
reprodução de determinadas classes, povos, onde se destacam os
camponeses dos países periféricos do capitalismo (CHESNAIS E SERFATI,
2003). A ameaça sobre a existência dos camponeses na terra e suas
condições de reprodução social que, na atualidade, estão relacionadas com o
modelo dominante de agricultura capitalista, segue sendo uma marca histórica.
A expropriação camponesa ocorrida no processo de acumulação
primitiva do capital tem sido reatualizada por processos e mecanismos da atual
160
fase de acumulação do capital, denominada por Harvey (2004) como
acumulação por desapossamento.
As reflexões de Harvey (2004) sobre o regime de acumulação flexível,
materializado na espoliação da força de trabalho e da natureza, nos fazem
reafirmar a importância das lutas políticas que desafiam, particularmente, os
produtores, tendo em conta os novos mecanismos de acumulação criados
nesta fase do capital:
Os direitos de propriedade intelectual e a biopirataria operada pelas grandes
corporações em negociação com a Organização Mundial do Comércio- OMC;
A mercantilização das formas culturais e históricas construídas pela
humanidade, especialmente, pelas comunidades locais;
O processo de destruição ambiental e a mercadorização dos recursos naturais
como a água, o ar e todas riquezas e fertilidade do subsolo;
A privatização dos bens públicos.
Este autor nos mostra que estas práticas denominadas como predatórias e
fraudulentas são utilizadas pelo capitalismo para tentar resolver seu problema
de sobreacumulação, ressaltando que o termo central é excedente de capital. E
este regime de acumulação por espoliação consegue liberar um conjunto de
ativos, como a força de trabalho, a baixo custo, logrando alcançar um uso
lucrativo. As implicações na divisão internacional do trabalho se expressam no
seu reordenamento operado a partir de 1970, se intensificando através de
mudanças tecnológicas e da liberdade do capital de se deslocar por todo
espaço geográfico, gerando um clima de instabilidade para o centro e a
periferia do capital. Neste sentido, nos chama a atenção para o agravamento
da situação de subalternidade econômica dos países da periferia, que sofrem
os efeitos deste processo de forma mais desumana no desenvolvimento
geográfico desigual.
O resultado deste movimento se materializa no que Foster e Clark
(2006) consideram como imperialismo ecológico, envolvendo e acirrando a
exploração da periferia pelo centro. Chama-nos atenção que os efeitos mais
destrutivos e perversos recaem sobre as duas fontes originais de riqueza
expressas pelas forças do trabalho e da natureza. Os produtores e as
populações tradicionais são destituídos de seus direitos históricos e de toda
sua construção cultural e de conhecimentos gestados numa intrínseca relação
161
com a natureza. Estes direitos são usurpados pelos grandes grupos financeiros
e de pesquisa cientifica, como os grupos da indústria farmacêutica. Por outro
lado, a destruição e mercadorização da natureza apontam para obstáculos à
continuidade do processo de acumulação do capital.
Chesnais e Serfati (2003) destacam que o processo de expropriação do
campesinato que foi central no regime de acumulação primitiva, avança na
contemporaneidade, e que a situação atual dos maiores exportadores de
matérias primas não minerais, dentre os quais se destaca o Brasil, representa
[...] um processo em que as destruições ambientais e ecológicas cada vez mais irreversíveis estão acompanhadas por agressões constantes desferidas contra as condições de vida dos produtores e de suas famílias, de forma que é impossível dissociar a questão social da questão ecológica, (p. 52)
Os autores observam ainda que a agressão do capital contra a produção
direta vem alimentando a luta de classes no campo, que se inicia nos países
capitalistas mais antigos e tem sua continuidade nos países do sul no século
XX.
Esse processo de expropriação é histórico e contínuo na situação atual
do capitalismo, e ele segue por mecanismos muito mais extensos de
mercadorização de patenteamento de vários elementos da vida, que vem
sustentado o atual agronegócio. Portanto, é importante reafirmar que é o
capitalismo que comanda todas essas relações sociais, onde a tecnologia da
revolução verde se constituiu numa forma capitalista de transformação da
agricultura num ramo da indústria, a partir do controle e expropriação dos
trabalhadores e de degradação da natureza, explicitando a falha metabólica
que vem sendo ampliada nesta relação entre a sociedade e a natureza.
Consideramos que todas as revoluções tecnológicas se instituem como
parte das relações sociais, possuindo caráter histórico e, por isso, é necessário
a desnaturalização da técnica, libertando-a de uma visão neutra. E, não sendo
neutra, a intenção do capital, através da tecnologia da revolução verde foi
implantar o capitalismo no campo, exercendo o seu processo de dominação
sobre a natureza e o trabalho, gerando conseqüências para a luta de classes,
principalmente, para os produtores diretos.
162
Todo esse processo gerou criticas e lutas direcionadas à busca de
soluções em torno da construção de outro modelo de agricultura, contraposto
ao modelo da revolução verde, como as dos movimentos ambientalistas, de
intelectuais, do movimento de agricultura alternativa e das organizações da
categoria dos agrônomos.
Moreira (2000) traz as contribuições dos ambientalistas em suas criticas
a revolução verde, que são de caráter técnico, sociopolítico e econômico, e
aponta as disputas no espaço rural em torno da produção da agricultura,
problematizando a questão da agricultura familiar no Brasil.
As críticas ambientalistas centralizam-se na crítica à produção industrial.
No espaço rural, esta produção industrial adquiriu a forma dos pacotes
tecnológicos da Revolução Verde e, no Brasil, assumiu, marcadamente nos
anos 60 e 70, a prioridade do subsídio de créditos agrícolas para estimular a
grande produção agrícola, as esferas agroindustriais e as empresas de
maquinários e de insumos industriais para uso agrícola.
A crítica ambientalista no Brasil feita ao modelo da Revolução Verde e à
modernização tecnológica socialmente conservadora possui três vetores:
técnico, social e econômico. O primeiro se situa na crítica ao modelo
tecnológico da moderna agricultura capitalista, causadora de imensos
problemas ambientais como a poluição e envenenamento dos recursos
naturais e dos alimentos, a perda da biodiversidade, a destruição dos solos e o
assoreamento de nossos rios, trazendo para o debate questionamentos
relacionados ao princípio de prudência ambiental. Este princípio se torna um
norte para a emersão de diversos movimentos de agricultura alternativos ao
modelo hegemônico, onde se incluem o movimento de agricultura orgânica e
agroecológica, centrados na crítica aos impactos ambientais provocados pela
utilização de técnicas modernas de engenharia genética e de matrizes
transgênicas em atividades agropecuárias e alimentares.
A crítica social da Revolução Verde se relaciona à própria natureza do
capitalismo e sua influência na realidade brasileira e na tradição das políticas
públicas e governamentais que orientaram nossas elites dominantes, tanto na
área econômica, quanto no próprio campo político de definição de prioridades.
Estas são direcionadas ao processo de expropriação dos produtores gerando,
esvaziamento do campo e o êxodo rural urbano e seus resultantes processos
163
de pauperização, desemprego, favelização dos trabalhadores rurais,
sobreexploração da força de trabalho rural, incluindo o trabalho feminino,
infantil e de idosos.
Esta crítica abrange o caráter concentrador, excludente e socialmente
injusto da modernização da agricultura da revolução verde no Brasil, que se
expressam na crescente concentração fundiária, na distribuição da propriedade
dos recursos produtivos de origem industrial, na exclusão de massas tanto do
padrão de consumo e da qualidade de vida que se restringem às classes
dominantes, como das condições de acesso a terra, trabalho, moradia,
educação, alimentação e saúde. São questões que se relacionam, portanto,
aos elementos sociais e políticos que dizem respeito às noções de equidade e
justiça social.
O terceiro vetor de crítica se refere ao aspecto econômico, uma vez que
se amplia o custo do pacote tecnológico da revolução verde e se reduz a
capacidade dos subsídios de crédito, em razão dos impactos da crise do
petróleo da década de 1970. A elevação dos custos deste modelo, dependente
da matriz energética do petróleo, aliado a fatores de degradação do solo e das
águas e questões climáticas gera uma crise financeira.
Em síntese, estas críticas se direcionaram a Revolução Verde, quanto
aos problemas trazidos por suas praticas produtivas altamente nocivas à
natureza e particularmente aos ecossistemas, aos elevados custos deste
modelo, dependente da matriz energética do petróleo, e para questionamentos
referentes ao caráter concentrador de riquezas e de benefícios sociais
advindos deste processo. Como resultante destas reflexões, propõem-se a
construção de um modelo produtivo alternativo a este padrão tecnológico, e
também de formas sociais produtivas de organização contrapostas a este
caráter concentrador de riquezas.
Estes modelos produtivos alternativos seriam baseados no trabalho
familiar, no conhecimento acumulado por estes agricultores na diversificação
de cultivos, na baixa demanda de recursos financeiros garantindo uma
vantagem comparativa em relação à agricultura empresarial, exigente e
dependente do oneroso pacote tecnológico da revolução verde. Desta forma, a
revalorização destas práticas, consideradas pelo modelo dominante como
atrasadas, contribuiriam para o rompimento com a monocultura, a redução de
164
custos e a ampliação de trabalho no campo. Neste processo se afirma um
movimento de construção de uma agricultura concebida como "alternativa" ao
modelo de agricultura capitalista dominante, resgatando práticas produtivas
tradicionais, censuradas e desqualificadas pelo modelo da revolução verde.
Luzzi (2007) analisa a construção do debate agroecológico no Brasil, a
partir da inserção da agroecologia na agenda de diversos sujeitos coletivos
como a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa – ASPTA;
movimentos sociais rurais e instituições do Estado, concluindo que este debate
cresceu, consideravelmente, nas duas ultimas décadas. Sua incorporação
inicial, no fim da década de 1970, restrita a alguns intelectuais e profissionais
das ciências agrárias, foi ampliada e incorporada a partir da década de 1990,
por diversos sujeitos coletivos, como organizações de base, movimentos
sociais rurais, instituições de assessoria e instituições de ensino, pesquisa e
extensão rural.
Como sinalizamos no primeiro capítulo, a publicação de “Primavera
Silenciosa” de Rachel Carson, nos EUA, em 1962, repercutiu mundialmente, se
afirmando como uma das primeiras produções a contestar o padrão capitalista
de agricultura dominante através de pesquisas que demonstraram
consistentemente seus malefícios ambientais e sociais, principalmente, os
perigos para a saúde humana e animal, causados pelo uso de agrotóxicos.
No Brasil, a influência desta obra de Carson se expressa na produção de
Lutzsenberg, um dos mais reconhecidos ativistas ambientais do Brasil, que
realiza forte denúncia sobre o uso de agrotóxicos em nosso país. E também na
obra de Adilson Paschoal, que se qualifica como PhD nos Estados Unidos, e
traz a discussão sobre o resultado de suas pesquisas sobre as conseqüências
dos agrotóxicos nos ecossistemas,para a Escola Superior de Agronomia Luiz
de Queirós – ESALQ, em São Paulo(LUZZI, 2007).
Conforme Luzzi (2007) e Guhur e Toná (2012), além de Lutzemberg e
Paschoal, os outros pioneiros na critica a revolução verde no Brasil foram, Ana
Primavesi, pesquisadora especializada em estudos do solo; Luis Carlos
Pinheiro Machado, que desenvolveu e difundiu o método ecológico de
produção animal à base de pasto, e Sebastião Pinheiro, também estudioso dos
efeitos dos agrotóxicos e do desenvolvimento de tecnologias ecológicas para a
agricultura. Conforme tivemos oportunidade de observar através de nossa
165
participação em diversas atividades do MST, estes autores ainda são muito
referenciados em eventos e nos atuais processos de educação e formação em
agroecologia, desenvolvidos pela Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF)
em parceria com universidades públicas brasileiras. Em síntese podemos dizer
que, estes autores trouxeram suas contribuições tendo como ponto central, a
crítica aos agrotóxicos e a partir de proposições para a construção de um
modelo de agricultura contraposto ao modelo da revolução verde.
Outra contribuição importante no questionamento do modelo da
revolução verde e para a construção da outro modelo de agricultura veio da
classe agronômica, que realiza um amplo debate nos anos de 1980 através
dos Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa, os EBAAs, trazendo para
dentro desses eventos, os sujeitos principais deste processo, que são
agricultores ligados a movimentos de pequenos produtores, indígenas e os
movimentos camponeses de luta pela terra e por reforma agrária. É importante
resgatar esse contexto porque, é justamente, a entrada dos camponeses
organizados através de movimentos sociais, que faz com que a construção da
agroecologia se torne uma questão eminentemente política, ampliando a
discussão sobre questões sociais e de classe no processo de produção. Este
debate, pautado no EBAA de 1987 traz a contraposição entre a produção do
latifúndio (à época já representada pelo seu braço político – a União
Democrática Ruralista) e do pequeno agricultor.
A partir da década de 2000, começam a ser realizados os Encontros
Nacionais de Agroecologia - ENAs, sendo o primeiro organizado pelas ONGs
da rede PTA, e na sua plenária final foi criada a Articulação Nacional de
Agroecologia (ANA), que passa a promover os ENAs. Os Congressos
Brasileiros de Agroecologia - CBAs são organizados por instituições de ensino
pesquisa e extensão rural (públicas e privadas) e visam à apresentação e
debate de trabalhos científicos sobre agroecologia. No 2º CBA foi criada a
Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), responsável pela organização
dos CBAs, e que passa a editar a partir de 2006, a Revista Brasileira de
Agroecologia, de periodicidade semestral e em versão eletrônica21.
21
Sobre a constituição da ANA e ABA, ver LUZZI (2007).
166
É importante pontuarmos que foi somente entre o fim dos anos de 1990
e início dos anos 2000 que a agroecologia passa a ser incorporada ao debate
dos movimentos sociais rurais, principalmente pela influencia da Via
Campesina, tendo como um dos marcos a campanha de 2003, “Sementes:
patrimônio dos povos a serviço da humanidade”, que retomaremos no próximo
capítulo.
A Via Campesina defende que a proteção dos meios de vida, o
emprego, a segurança alimentar, o meio ambiente e a saúde das pessoas
depende da produção de alimentos saudáveis que deve permanecer nas mãos
dos pequenos produtores ao invés de estar sobre o controle das empresas
transnacionais do grande negocio e das redes de supermercado. Mudar o
modelo agrícola industrial, baseado nas grandes propriedades, no livre
comércio voltado para a exportação torna-se vital para alterar a pobreza, os
baixos salários a migração rural urbana a fome e a degradação ambiental. A
adoção do conceito de soberania alimentar torna-se estratégico para os
movimentos sociais do campo, pois enfatiza o acesso dos agricultores não só a
terra, mas também as sementes e a água, visando à construção da autonomia,
dos mercados locais e circuitos locais de produção-consumo, a soberania
energética e tecnológica e as redes de agricultor a agricultor. Consideramos
estas informações relevantes para compreendermos as influências destes
questionamentos, estudos e eventos, para a construção da agroecologia nos
movimentos sociais rurais e, particularmente, no MST, que abordaremos no
capítulo seguinte.
Em toda esta trajetória de busca de afirmação de uma agricultura
alternativa àquela da revolução verde, o termo agroecologia começa a ser
utilizado no Brasil a partir da publicação, em 1989, do livro de Miguel Altieri,
intitulado: “Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa”, que
exerce grande influência em organizações não governamentais, principalmente
a AS- PTA (Luzzi, 2007). Na segunda edição, de 2002, ocorre uma ampliação
nesta obra, que altera seu subtítulo para: as bases científicas da agricultura
sustentável, trazendo de acordo com Petersen (in: ALTIERI, 2012, p.7-8), a
idéia presente na sociedade, que afirmava a agroecologia a partir de três
acepções:
167
1 - como uma teoria crítica que elabora um questionamento radical à agricultura industrial, fornecendo simultaneamente as bases conceituais e metodológicas para o desenvolvimento de agrossistemas sustentáveis; 2- como uma prática social adotada explícita ou implicitamente em coerência com a teoria agroecológica; 3-como um movimento social que mobiliza atores envolvidos prática e teoricamente no desenvolvimento da agroecologia, assim como crescentes contingentes da sociedade engajados em defesa da justiça social, da saúde ambiental, da soberania e segurança alimentar e nutricional, da economia solidária e ecológica, da equidade de gêneros e de relações mais equilibradas entre o mundo rural e as cidades.
Para Petersen (apud ALTIERI, 2012) a agroecologia abarca estas três
formas de compreensão, constituindo seu enfoque analítico, a sua capacidade
operativa e sua incidência política, um todo indivisível.
Assim, o momento da terceira edição, em 2012, se localiza num contexto
distinto daquele do final da década de 1980, em que se procurava afirmar a
agroecologia como uma alternativa científica ao modelo vigente, e do contexto
de 2002 em que o movimento agroecológico começa a ter maior visibilidade e
consistência no Brasil.
Na atualidade, várias organizações da sociedade civil (ONGs,
movimentos sindicais, de luta pela terra e por reforma agrária, etc.) articulam-
se através da ANA para promover a agroecologia e afirmá-la como modelo
alternativo ao agronegócio. Também atuam neste sentido, um grande número
de profissionais de diversas áreas, em atividades de ensino, pesquisa e
extensão rural, reunidos em torno da ABA – Agroecologia, que vêm
contribuindo para o avanço da agroecologia nas instituições científico-
acadêmicas.
No âmbito do Estado brasileiro, a agroecologia vem sendo referência em
projetos e programas de diferenciados órgãos em nível municipal, estadual e
federal. Na área da educação formal são realizados vários cursos de
agroecologia, de nível médio, graduação e pós-graduação. Nas universidades
públicas brasileiras, foram formados vários núcleos de pesquisa e extensão em
agroecologia, apoiados por editais do ministério do desenvolvimento agrário.
Também é importante destacar, no campo da pesquisa agrícola, a iniciativa da
Empresa Brasileira de Pesquisa agropecuária (EMBRAPA), que lança, em
2005, o “Marco Referencial em Agroecologia”, e na extensão rural, foi criada
em 2003, através da pressão das organizações ligadas a ANA, a Política
168
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – PNATER. Recentemente,
em 2012, foi constituída a Política Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica – PNAPO.
A partir de todo este quadro traçado, que demonstra certamente um
avanço no campo agroecológico no Brasil, é importante ponderarmos com um
olhar crítico, de que estas são conquistas, principalmente no campo das
instituições e políticas públicas, obtidas com base em muita pressão e luta de
diversos sujeitos individuais e coletivos e que seus resultados ainda são
incipientes, principalmente, tendo em conta a indiscutível hegemonia do
agronegócio em nosso país. É este último que vem obtendo os maiores
investimentos e mesmo o reconhecimento do Estado e da sociedade,
resultando numa hegemonia não só econômica como também política e
ideológica.
Por outro lado, também é importante dizer que o agronegócio, mesmo
com toda a sustentação (principalmente financeira) oferecida pelo Estado e
todo apoio da mídia, partidos políticos, etc., não consegue esconder seus
efeitos perversos sobre a natureza, o trabalhador e a saúde humana, pois
enfrenta a oposição de diversos setores e sujeitos coletivos, destacadamente,
os movimentos sociais da Via Campesina, e particularmente, o MST.
Na contracorrente do agronegócio, vem sendo debatido e fortalecido
pelos movimentos sociais do campo, o conceito de agricultura familiar
camponesa, que se caracteriza pela defesa da pequena propriedade, como
uma alternativa de reorganização da produção agrícola, priorizando a produção
de alimentos diversificados e saudáveis para o mercado interno, praticada com
técnicas adequadas ao meio ambiente, expressando a responsabilidade com
as futuras gerações.
No processo de construção de outra relação metabólica entre a
sociedade e a natureza, a contribuição da agricultura familiar camponesa é de
grande importância, pois além de contemplar um modo de produzir, também
expressa um modo de viver que se dá em estreita relação com a natureza, a
partir da relação central com a terra, marcada pelo respeito aos ciclos do
tempo. Conseqüentemente, a cultura camponesa possui uma mística especial,
retratada fortemente através da música e da poesia. Também destacamos que
a família ocupa um lugar central na agricultura familiar camponesa,
169
organizando seu modo de vida e de produção, de acordo com os objetivos que
ela própria se coloca, direcionando não só as decisões na organização da
produção, mas também suas relações com o mercado.
Porto-Gonçalves (2006) evidencia que os agricultores familiares
camponeses e os povos tradicionais são detentores de conhecimentos com os
quais organizam suas “agri-culturas”, o que os torna mantenedores e criadores
da agrobiodiversidade como um verdadeiro patrimônio da humanidade. Isto nos
faz reafirmar que estes sujeitos são indispensáveis e estratégicos para a
reconstrução ecológica da agricultura através da agroecologia.
Várias organizações e movimentos sociais do campo nacionais e
internacionais defendem a Soberania Alimentar como solução para a crise
alimentar e ambiental, como Via Campesina, MST, Marcha Mundial das
Mulheres, Associação Nacional de Agroecologia (ANA), movimentos
quilombolas e indígenas, dentre outros.
A Soberania Alimentar consiste no direito dos povos de produzirem
alimentos diversificados, saudáveis, de acordo com as diferentes culturas, a
partir de sementes varietais ou crioulas. Isto implica na luta contra os
agrotóxicos e as sementes modificadas e transgênicas. Os dados do ultimo
senso do IBGE (2006) demonstram que, em todos os produtos agrícolas, a
pequena propriedade tem índices de produção superiores aos das grandes
propriedades, onde destacamos:
As pequenas propriedades empregam 13 milhões de trabalhadores
familiares e mais de 1 milhão de assalariados;
Na produção de leite, os pequenos respondem com 71,5% do total e as
grandes propriedades com 1,9%;
Na de suínos, os trabalhadores rurais respondem por 87,1% e os
latifúndios com apenas 1,7%;
Na produção de café, a pequena propriedade corresponde a 70% da
produção.
Sendo a adoção da soberania alimentar, uma das condições para a
produção de alimentos para o mundo todo, a reforma agrária torna-se o
principal mecanismo de acesso dos pequenos produtores a terra, como
170
teremos a oportunidade de desenvolver no capítulo seguinte deste trabalho.
Também é necessário garantir aos camponeses o acesso à água, às sementes
locais e ao crédito rural. A agroecologia tem um papel fundamental na
soberania alimentar. No entanto, o maior desafio do modelo agroecológico não
é do ponto de vista técnico, mas político, pois é um modelo que se confronta
com as grandes agroindústrias.
Discutiremos a seguir, algumas questões conceituais que consideramos
importantes, para a compreensão da agroecologia e de sua influencia no MST.
De acordo com Guhur e Toná (2012) as principais correntes da agroecologia
são a norte-americana, sendo Miguel Altierie Stephen Gliessman, os nomes
mais expressivos, e a chamada escola européia, tendo como principais
expoentes Eduardo Sevilla Gusmán e Manuel Gonzáles de Molina, integrantes
do Instituto de Sociología y Estudios Campesinos – ISEC, da Universidade de
Córdoba, na Espanha.
Na linha da corrente norte-americana, consideramos importante trazer
algumas reflexões desenvolvidas por Rosset (1998), relacionando a questão
agrária e ambiental com a crise da agricultura capitalista. Este autor parte da
seguinte indagação: a agricultura sustentável será capaz de tirar a agricultura
industrializada moderna do estado de crise em que se encontra? Para
responder a esta questão, ele destaca a necessária análise das dimensões
econômicas, sociais e ecológicas desta crise, ressaltando a abordagem de um
modelo alternativo. A opção oferecida por este modelo se diferencia em dois
campos: a substituição de insumos, considerada como um fim em si mesmo, e
a transformação agroecológica dos sistemas de produção. Sua argumentação
central em relação a este primeiro campo, diz respeito à diminuição do
potencial da agricultura sustentável, restrito à simples substituição de insumos
direcionados, principalmente para o aspecto ecológico, oferecendo poucas
possibilidades de resolução de problemas como a redução de receitas e o
endividamento dos agricultores. A predominância deste primeiro campo é
restritiva do potencial da agricultura sustentável, pois essa estratégia, de
enfoque predominantemente técnica não questiona nem a estrutura dos
monocultivos, nem a dependência de insumos externos característicos dos
sistemas agrícolas dominantes.
171
A análise das conseqüências das dimensões econômicas e sociais, da
crise da agricultura convencional moderna engloba a questão da considerável
redução do número de agricultores. Os custos, cada vez mais altos, da
tecnologia moderna vêm gerando o endividamento destes, e mesmo,
inviabilizando a sua existência.
Qualquer modelo alternativo que ofereça possibilidades de tirar a agricultura da crise em que se encontra, deve considerar as questões ecológicas, sociais e econômicas. Sendo assim, qualquer exercício que se concentre em apenas reduzir os impactos ambientais, por exemplo, sem envolver a difícil realidade social dos agricultores ou as forças econômicas que perpetuam a crise, está condenado ao fracasso. Está é, precisamente, nossa preocupação quando defendemos a agricultura sustentável (ROSSET, 1998, p. 6).
Rosset (1998) defende a adoção da agroecologia, por considerá-la
capaz de ultrapassar os aspectos ecológicos, enfocados na crise da agricultura
moderna, e atingir também os aspectos econômicos, sociais e culturais. O
objetivo desta estratégia é se posicionar contra a estrutura de monocultivo,
bem como a dependência de insumos externos a partir da criação de
agroecossistemas integrais.
Segundo Rosset (1998) esta é a única aproximação com possibilidades
de abranger os aspectos sócio-econômicos da crise, a partir da redução da
dependência de insumos caros e externos, e a devastação ecológica causada
pela agricultura convencional moderna que pode ser contida, e em alguns
casos, revertidas a partir da agroecologia. Esta abre grandes possibilidades
para uma agricultura mais produtiva, diversificada, equilibrada com o meio
ambiente e capaz de preservar os laços comunitários das populações rurais.
Para Altieri (2012), a definição de agroecologia surge através das bases
científicas necessárias para o desenvolvimento de uma agricultura ecológica,
emergindo como uma disciplina que
[...] disponibiliza os princípios ecológicos básicos sobre como estudar, projetar e manejar agroecossistemas que sejam produtivos e ao mesmo tempo conservem os recursos naturais, assim como sejam culturalmente adaptados e social e economicamente viáveis. [...] extrapola a visão unidimensional dos agroecossistemas para abarcar um entendimento dos níveis ecológicos e sociais de coevolução, estrutura e funcionamento. Os agroecossistemas são comunidades de plantas e animais interagindo com seu ambiente físico e químico que foi modificado para produzir alimentos, fibras combustíveis e
172
outros produtos para consumo e utilização humana, abrangendo todos os elementos ambientais e humanos. Os agroecossistemas são ecossistemas artificiais. (ALTIERI, 2012, p.105).
A agroecologia abrange a necessidade de se pensar os
agroecossistemas também através da sustentabilidade ambiental e social, uma
vez que a atividade agrária, em seu sentido amplo (funcionamento dos ciclos
minerais, transformações de energia, processos biológicos e relações sócio-
econômicas), deve ser enfocada por diversas disciplinas para a geração de
conhecimentos agroecológicos (ALTIERI, 2012).
Para o autor citado, o objetivo final da agroecologia é ampliar a
sustentabilidade econômica e ecológica dos agroecossistemas a partir de um
sistema de manejo que se baseie em recursos locais e numa estrutura
operacional adequada às condições ambientais e socioeconômicas existentes.
Os componentes de manejo são utilizados para garantir a conservação e o
aprimoramento dos recursos locais (germoplasma, solo, fauna, diversidade
vegetal, etc.), centrando-se no desenvolvimento de metodologias que valorizem
a participação dos agricultores, o conhecimento tradicional e adequação da
atividade agrícola às necessidades locais e às condições socioeconômicas e
biofísicas.
Outro elemento que sobressai no pensamento de Altieri (2012) se refere
a sua consideração sobre o pequeno agricultor familiar camponês como sendo
a base social da agroecologia, uma vez que seus conhecimentos e práticas
concretas são considerados como um verdadeiro patrimônio ecológico
planetário. Seu argumento em torno da produção de pequena escala se
embasa em cinco questões: 1- Sua centralidade para a segurança alimentar
mundial; 2- A policultura praticada é mais produtiva e conserva melhor os
recursos naturais; 3- São mais diversificadas; 4- Representam um santuário de
agrobiodiversidade livre de transgênicos; 5- Resfriam o clima. Embora ele
apresente dados importantes sobre estas cinco questões, consideramos que
esta defesa da pequena produção não pode ser feita (ou tomada) como um
valor em si, pois o direcionamento deste tipo de agricultura precisa ter uma
intencionalidade política construída de maneira organizada e coletiva, como
salvaguarda de sua captura pelo capitalismo, através, por exemplo, da
agricultura orgânica como nicho de mercado.
173
Na perspectiva de agroecologia elaborada por Altieri (2012),
consideramos que a produção desse autor trouxe grande contribuição para o
acervo de fundamentos teóricos e de conhecimentos técnicos especializados
no campo da agronomia a partir de sua relação com a ecologia. No entanto,
seu esforço se direciona para (ou não ultrapassa) a transformação no âmbito
dos agroecossistemas, mesmo considerando a necessária contribuição de
diferentes disciplinas tanto das ciências naturais como das ciências sociais.
Encontramos, nas elaborações de Sevilla Gusmán (2001, 2005, 2006)22 ,
uma ampliação desta perspectiva, a partir do direcionamento destes
conhecimentos para fundamentar possibilidades de desenvolvimento rural,
potencializando os processos sociais que envolvem a necessária participação
organizada dos agricultores, com seus conhecimentos e práticas. Abrigando
os estudos agronômicos relacionados a parte técnica da produção, a
agroecologia para este autor, também tem uma dimensão política, uma vez
que questiona a destruição das culturas camponesas operada pela ideologia da
revolução verde, desmistificando também a superioridade do mundo urbano
sobre o rural. Isto remete à compreensão dos camponeses sobre os processos
de exploração aos quais estão submetidos para que eles possam desenvolver,
junto com os técnicos, processos de transição da agricultura convencional para
a agroecologia.
Ponderamos que a dimensão política da agroecologia ultrapassa a
crítica à agricultura convencional abarcando a necessária análise das relações
sociais, presentes no sistema capitalista, que reproduz essa agricultura,
rompendo com a lógica desta atividade, para além da produção de mercadorias
padronizadas que se baseia no aumento da produtividade e do lucro, a partir
da aplicação de conhecimentos científicos fragmentados. Neste sentido, a
discussão conceitual da agroecologia não pode desconsiderar que os
problemas apresentados na agricultura são expressões da sociedade
22
Eduardo Sevilla Guzmán é graduado em agronomia, com Doutorado em Sociologia. Além de
ser uma referência acadêmica ele também desenvolve trabalhos de campo e assessoria junto a movimentos sociais de luta pela terra e ao movimento sindical rural na Região de Andaluzia na Espanha. Coordena o curso de pós-graduação (mestrado e doutorado) em “Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável” na Universidade de Córdoba, na Espanha, que tem realizado uma parceria com a via campesina, recebendo quadros encaminhados pelos movimentos sociais, especialmente pelo MST. Ele também tem participado de eventos no Brasil na ENFF.
174
capitalista e de seu padrão dominante de desenvolvimento, e que suas
diferenciadas leituras são afetadas pela crise contemporânea dos paradigmas
da ciência.
A integralidade do enfoque da agroecologia, necessariamente, deve
contemplar a articulação de suas dimensões técnica e social, apontando para a
compreensão da matriz comunitária em que se insere o agricultor - “a matriz
sociocultural que proporciona uma práxis intelectual e política à sua identidade
local e à sua rede de relações sociais” (Sevilla Gusmán, 2005, p.2).
A restrição da agroecologia, à sua dimensão técnica tem se
direcionado para a compreensão do funcionamento e da dinâmica dos
sistemas agrários, visando a resolução de vários problemas não equacionados
pelas ciências agrárias convencionais. Esta perspectiva de agroecologia,
amplamente difundida e trabalhada no mundo da pesquisa e do ensino como
um saber essencialmente acadêmico, é ainda mais restrita em relação à
necessidade de manutenção de compromissos socioambientais.
A agroecologia, no seu sentido amplo, possui uma dimensão integral,
na qual as variáveis sociais têm papel relevante, pois apontam para a
necessidade de análise das conseqüências do funcionamento da política e da
economia para os agricultores, para além do nível da produção, abrangendo os
processos de circulação, alterando os mecanismos de exploração social.
A agroecologia tem como objetivo, para além da identificação e difusão
de técnicas alternativas para a agricultura, pautar a questão da
sustentabilidade da agricultura e do meio rural e suas implicações para a
sociedade. Assim, este debate coloca em questão a relação sociedade-
natureza, no sentido de criar uma nova conscientização social, estando aí
implicada a criação de novas formas políticas e ideológicas. A agroecologia ao
ultrapassar o enfoque das necessárias mudanças no padrão técnico amplia-se
para as indispensáveis transformações políticas na sociedade. Desta forma, as
experiências realizadas vêm se constituindo em importantes demonstrações de
proposições práticas e políticas no sentido do alcance de transformações mais
amplas na agricultura e na sociedade.
Sevilla Gusmán (2006) nos ensina que a agroecologia tem como eixo
estruturante as seguintes premissas: o homem é parte constitutiva e se
relaciona histórica e socialmente com a natureza, junto com outras espécies
175
animais, vegetais e os recursos naturais; o contexto sócio-cultural e humano
tem presença marcante na agroecologia; a dimensão técnica e ambiental se
consolida a partir do diálogo, da experimentação, da confrontação-
complementação entre o saber/ cultura campesina e o saber técnico-científico;
a dimensão política implica na defesa da biodiversidade, do ponto de vista
critico que se confronte com o capitalismo, força hegemônica no modelo de
agricultura convencional.
Assinala, ainda, que a agroecologia pretenda o manejo dos recursos
naturais, e tenha, na agricultura, seu objeto fundamental. Ela o faz explicando
as formas de degradação dos recursos naturais e gerando sistemas de
contenção, reposição e regeneração. Supõe o diálogo, com diversas áreas do
conhecimento que possibilitem o entendimento e a análise dos fenômenos
sociais, econômicos, culturais e políticos que geram as diversas formas de
degradação. Sendo assim, a agroecologia se coloca como um campo fértil de
estudos, pois o seu enfoque requer combinar as descobertas e contribuições
de diferentes disciplinas e o saber acumulado historicamente na práxis
camponesa. Sua implementação, como um campo de conhecimentos,
necessariamente interdisciplinar, enfrenta o duplo desafio de se firmar como
alternativa ao modelo de agricultura convencional, e de se contrapor ao
conhecimento científico, também convencional.
A agroecologia requer que os processos de transição, na propriedade agrária, da agricultura convencional para a agricultura ecológica, se desenvolvam neste contexto sociocultural e político e suponham propostas coletivas que transformem as relações de dependência dos agricultores em relação ao funcionamento atual da política e da economia. Ela se propõe, para além do nível da produção, introduzir-se nos processos de circulação, transformando os mecanismos de exploração social. Sendo assim, a agroecologia é concebida como desenvolvimento sustentável. A utilização de experiências produtivas em agricultura ecológica, na elaboração de propostas para ações sociais coletivas que demonstrem a lógica predatória do modelo produtivo agroindustrial hegemônico, permitindo sua substituição por outro que aponte para uma agricultura socialmente mais justa, economicamente viável e ecologicamente apropriada”. (Sevilla Gusmán, 2005, p.3).
A transição agroecológica se relaciona com a produção, circulação e
consumo dos alimentos, se direcionando para a busca da segurança e
soberania alimentar. Assim, os sujeitos coletivos que vão operar esta transição
176
têm importância fundamental. Schimit (2009) analisa a contribuição dos
camponeses e populações tradicionais que construíram um saber em estreita
relação com a natureza, uma vez que a mesma é condição para sua
reprodução econômica e social, considerando-os como capazes de gerir e
preservar os recursos naturais. E por isto, devem ser considerados
interlocutores, a partir de seu saber popular, com o saber construído pela
ciência, de modo que seja possível se chegar a construção de novos
conhecimentos, a partir de formas participativas, sobre o manejo e gestão dos
recursos naturais. Neste sentido, o aperfeiçoamento de metodologias
participativas tem grande relevância na estratégia agroecológica.
A agroecologia para os agricultores é um modo de vida. Qualquer
processo de apropriação, ou adoção de tecnologias, perpassa pelo vínculo
entre agricultores e a terra trabalhada. O agricultor representa o núcleo central
no traçado e na tomada de decisões, expressando um forte compromisso ético
com a resolução dos problemas sócio-ambientais.
A natureza volta a adquirir centralidade no debate do devir histórico e, com isso, traz para o centro da cena uma série de sujeitos sociais que acreditávamos estarem fadados à extinção e que emergem dos campos, dos cerrados, das florestas, dos mangues e dos povos que teceram suas matrizes de racionalidade com esses ambientes. Aliás, essas populações são hoje detentoras de um acervo de conhecimento diversificado, um dos mais ricos patrimônios da humanidade, e habitam os maiores acervos de biodiversidade, posto que são áreas que ficaram a salvo das monoculturas e sua pobre diversidade genética típicas da agricultura capitalista. Assim, a questão agrária se urbaniza e faz sentido uma internacional camponesa, como a Via Campesina, da qual o MST é um dos principais protagonistas. Há assim, uma linha que aproxima a Monsanto ao MacDonald como, contraditoriamente, os agricultores franceses ao MST, aos camponeses e indígenas hondurenhos, aos zapatistas, aos cocaleros, aos mapuche, aos indigenatos equatorianos, mexicanos, aos piqueteros, aos sem teto [...] (Porto-Gonçalves, 2002b, p. 58).
Estas questões apontam a necessidade de discutirmos os desafios
políticos que se abrem aos movimentos sociais do campo, particularmente ao
MST, e as possibilidades de convergências com outros sujeitos coletivos, como
os movimentos ambientalistas, e especialmente com aqueles que se articulam
em torno da defesa da produção de uma agricultura que se contraponha ao
modelo capitalista do agronegócio.
177
CAPÍTULO 3-POLITIZAÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL NO MST:
AGROECOLOGIA COMO ESTRATÉGIA PRODUTIVA E POLÍTICA.
Ao iniciarmos este terceiro capítulo, consideramos importante discutir o
significado da questão ambiental no contexto atual de crise do capital e os
desafios políticos que se impõem ao MST no processo de politização da
questão agrária e ambiental, através da construção da agroecologia, para a
construção de outra relação metabólica entre sociedade e natureza.
Pretendemos trazer algumas reflexões sobre a relação entre a questão
ambiental e as lutas sociais travadas pelo MST, neste contexto atual de crise
do capital, que impõe a necessidade de construção de outro metabolismo
social, onde a análise das contribuições e desafios a este sujeito se coloca não
só como relevante, mas como indispensável neste momento histórico.
Destacamos a importância de resgatarmos neste debate a tradição
marxista, como uma importante chave teórica e metodológica, para
compreendermos a afirmação do capitalismo e a relação entre sociedade-
natureza construída sob este imperativo, para a necessária e urgente
construção de alternativas a este modo de produção e dominação da
sociedade atual. Partimos de Marx (1983) e da necessária atualização de sua
análise para a contemporaneidade do capitalismo, imerso numa crise não mais
cíclica, mas estrutural e terminal, conforme nos mostram Mészáros (2006,
2007, 2008) e Foster (2005, 2013), dentre outros. Ver se está repetido na
introdução
Teceremos algumas reflexões buscando destacar: a dimensão
internacionalista das lutas sociais e da luta do MST, sua forma de
compreensão e construção da política e do exercício do poder; suas
concepções e práticas relacionadas à natureza, que expressam o legado do
MST para a construção de alternativas que se direcionem para outro
metabolismo social.
Consideramos indispensável atentarmos para a existência, resistência e
posicionamento político de sujeitos coletivos das classes subalternas, que
historicamente vêm expressando outra relação com a natureza, tendo,
178
portanto, várias lições a nos legar para a construção de uma nova
sociabilidade.
3.1- Questão ambiental, crise do capital e crise civilizatória: desafios
políticos ao MST na construção de outro metabolismo social
Dentre os fenômenos característicos do momento histórico
contemporâneo, um aspecto que se coloca como relevante se refere à
chamada crise civilizatória, cujo reflexo sobre o meio ambiente se mostra
claramente com o processo de degradação ambiental, o esgotamento dos
recursos naturais e seus efeitos para a humanidade em geral, e
particularmente, para as classes subalternas. Essa crise nos indica a
necessidade de questionar, criticamente, a racionalidade e os paradigmas
teóricos que deram impulso e legitimidade ao crescimento econômico, num
processo de negação da natureza e da vida humana, nesta etapa atual em
que, segundo Mészaros (2006, 2007), o capital perdeu seu caráter civilizatório.
Discutiremos a crise atual do capital, dentro de uma visão mais ampla
sobre a crise civilizatória vivida pela humanidade e, particularmente, pelas
classes subalternas.
Ao analisar o contexto atual, Dias (2009) se reporta à idéia de crise,
caracterizada por Gramsci como uma crise de autoridade, para afirmar que
este autor nos mostra que se trata de um processo mais global que envolve a
questão da hegemonia e da luta entre conservação e revolução. Na leitura de
Dias (2009), a crise atual vem confirmar mais uma vez, a assertiva de Marx de
que o capitalismo é a contradição em processo e que a sociabilidade capitalista
será menos ou mais afetada em função da maior ou menor presença dos seus
antagonistas históricos expressos pelas forças do trabalho, o que equivale ao
conjunto das classes subalternas. Ressalta assim, seu caráter histórico em
franca oposição á sua naturalização.
Segundo este autor, a idéia de que política e economia são esferas
separadas e autônomas do processo social como um todo, onde a economia
seria a manifestação a-histórica e universal das forças naturais, e a política, o
reino das contingências, do movimento de indivíduos que se entrechocam sem,
necessariamente possuir um significado concreto, trata-se, de um mecanismo
179
decisivo para impedir que os subalternos, tenham a clara percepção de que o
que está em jogo é, na realidade, uma luta declarada entre as classes
sociais.Harvey (2011, p. 187) também reforça esta idéia, afirmando que
[...] a desigualdade de classe é central para a reprodução do capitalismo. Portanto, a resposta do poder político existente é ou negar que classes existem ou dizer que a categoria é tão confusa e complicada que se torna analiticamente inútil.
Sobre a crise mais recente do capital, Harvey (2011, p.13) traz dados que são
elucidativos.
No fim de 2008, todos os segmentos da economia dos EUA estavam com problemas profundos. A confiança do consumidor despencou, a construção de habitação cessou, a demanda efetiva implodiu, as vendas no varejo caíram, o desemprego aumentou e lojas e fábricas fecharam. No início de 2009, o modelo de industrialização baseado em exportações, que gerou um crescimento tão espetacular no Leste e Sudeste da Ásia, contraía-se a uma taxa alarmante (muitos países como Taiwan, China, Coréia do Sul e Japão viram suas exportações caírem em 20% ou mais em apenas dois meses). O desemprego começou a aumentar a uma taxa alarmante. Cerca de 20 milhões de pessoas perderam subitamente seus empregos na China, e relatos perturbadores de agitação social vieram à tona. Nos Estados Unidos, o número de desempregados aumentou em mais de 5 milhões em poucos meses (de novo, fortemente concentrado em comunidades afro-americanas e hispânicas). Na Espanha, a taxa de desemprego saltou para mais de 17%%. [...] a crise atua foi, sem dúvida, a mãe de todas as crises.
Na avaliação de Harvey (2011) esta crise também deve ser considerada
como o auge de um padrão de crises financeiras, que se tornaram mais
freqüentes e mais profundas ao longo dos anos, desde a última grande crise do
capitalismo nos anos 1970 e início dos anos 1980. A partir destes elementos,
reafirma a centralidade da luta de classes enquanto caminho e possibilidade
para a saída da crise. Este autor afirma que: “goste-se ou não, a luta de
classes torna-se central para a política de igualitarismo radical”. (p.189).
A crise do capital e seus efeitos sobre as classes subalternas são
discutidos também por Hobsbawm (2009), tendo em conta os fatores e os
mecanismos que vem se desenvolvendo nos últimos quarenta anos. A
globalização, proporcionada pela revolução nos transportes e nas
180
comunicações e associada com a hegemonia de políticas de Estado
neoliberais, se tornaram condições viabilizadoras da afirmação do mercado
global irrestrito para o capital em busca de lucros. Destaca que, no setor
financeiro, isto se manifestou de forma exemplar correspondendo ao colapso
ocorrido em todo sistema. O autor nos alerta que apesar de o capitalismo, por
sua própria natureza, operar por meio de uma sucessão de expansões
geradoras de crises, a crise atual é a expressão de uma crise maior e
potencialmente ameaçadora para o sistema.
Ao ser questionado sobre o quadro atual de sucessivos abalos sociais e
ambientais, tais como a falta global de alimentos, as mudanças climáticas, a
crise energética e as crises humanitárias produzidas pelas guerras, Hobsbawm
(2009) analisa como estas questões se relacionam à perspectiva do paradigma
civilizatório e de desenvolvimento do capitalismo moderno.
Vivemos meio século de crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença – imposta não apenas pelos capitalistas – em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto significa que a formula da organização econômica mundial não pode ser determinada pelo capitalismo de mercado que, repito, é um sistema impulsionado pelo crescimento ilimitado. Como esta transição ocorrerá ainda não está claro, mas se não ocorrer, haverá uma catástrofe.
Nesta mesma direção, Chesnais (2009) defende que há uma origem
comum entre a crise econômica e a crise ecológica que se expressa através de
impactos sociais em todo mundo, relacionada à própria natureza do capital e,
ao seu modo de produção, que só se reproduz através da destruição ambiental
do planeta. Mas o autor chama atenção para a sua visibilidade com a
liberalização e a desregulamentação do capital e, conseqüentemente, sua
completa mundialização e exacerbada financeirização, que se constituem nos
processos que explicam, por um lado, os riscos originais da crise e, por outro
lado, a aceleração da emissão mundial de CO2.
Este mesmo autor destaca ainda uma questão política que se refere à
queda do crescimento, onde retoma que o processo de valorização do capital,
implica em dois procedimentos: 1- uma relação intrinsecamente antagônica
181
com o trabalho, geradora de um processo de polarização social, pobreza, etc. e
2 - as implicações ecológicas advindas da venda infinita de mercadorias até
sua saturação. Neste sentido, destaca que a liberalização e a mundialização,
ampliaram os mecanismos de contenção do primeiro procedimento e, tem
contribuído enormemente para o agravamento do segundo. Sua critica se
direciona a posição conservadora dos teóricos do decrescimento, que se
colocam politicamente num terreno de súplica ao capital, no sentido de que
seja mais razoável e, mesmo sendo sensíveis à pobreza, não a coloca no
centro da luta de classes.
Para Chesnais (2009), a proteção da natureza contra a mercantilização
capitalista é inseparável do homem enquanto parte da natureza. Desta forma,
defende que a questão ecológica assumida como pauta política deverá
combater não só a sua alienação mercantil, mas também a alienação no
trabalho, numa perspectiva que se coloque para além de campanhas de defesa
do emprego. Para o autor, esta materialização só será possível a partir do
momento em que o indivíduo criado pelo capitalismo, possa se transformar
num produtor associado que tenha condições de administrar seu intercambio
com a natureza de acordo com uma racionalidade coletiva.
Menegat (2006) destaca que desde meados dos anos 1970, o
capitalismo entrou numa nova fase, tendo como elemento impulsionador deste
processo de mudanças a chamada terceira revolução técnico-científica,
iniciada após a II guerra mundial e, que se consolida, começando a se
generalizar nas décadas de 1970-1980. As transformações no processo de
produção, como fruto da intensa concorrência dos produtores privados e as
inovações tecnológicas processadas, principalmente, com base na
microeletrônica, o uso de matérias-primas sintéticas e a agregação da energia
nuclear à produção comercial, realizam profundas mudanças, incidindo
fortemente sobre o mundo do trabalho. A ultrapassagem da organização
produtiva fordista alcançada com estas novas tecnologias e, as novas formas
organizacionais tornam a produção flexível, com rápidos ciclos de maturação e
obsolescência abrangendo produtos, meios de produção e linhas produtivas,
que podem ser substituídos com maior rapidez. Outra implicação apontada se
refere a um rearranjo sócio-político, que se expressa no desmonte do Estado
182
de bem-estar social, ainda em andamento, que potencializa a destrutividade
inerente ao capitalismo.
Mészáros (2007) considera que o capital entrou numa crise estrutural
desde os anos de 1970, quando passou a aplicar a TDU à força de trabalho
destacando que o uso ou não uso da força de trabalho, se coloca como a
contradição mais explosiva do capital, pois esta força de trabalho disponível,
além de ser fator de produção, se apresenta como o elemento vital para a
reprodução do capital e a extração de mais-valia, e também como consumidor
de massa. Desta forma, este uso da TDU se expressa como desemprego
estrutural aprofundando a pobreza e a miséria. A extensão da aplicação da
TDU na atualidade, abrangendo também bens e serviços, maquinarias e
instalações de fábricas vêm agravando diversos problemas sociais e
ambientais, fazendo recair seus efeitos na saúde humana e na economia.
Consideramos que a análise do capital, realizada por Mészáros (2006,
2007), representa uma importante contribuição, para o redimensionamento da
questão ambiental contemporânea. A relação que este autor estabelece entre a
crise sistêmica do capital, que considera estrutural a partir dos anos de 1970 e,
a chamada crise ambiental, aponta para a questão dos “limites absolutos do
sistema do capital”. A utilização da taxa de uso decrescente, na produção
destrutiva do capital, e sua relação com os problemas sociais e ambientais, são
apresentadas como reflexões indispensáveis para a compreensão da crise
estrutural do capital e da questão ambiental, numa perspectiva marxista.
Este mesmo autor (2008, p. 133) problematiza que “[...] a viabilidade
histórica do capital está seriamente afetada, no sentido negativo do termo, não
somente pelos limites absolutos do sistema, mas também pela sua completa
incapacidade em admitir a existência de qualquer limite”. Para este autor, o
dimensionamento e a evidência destes limites absolutos se devem às
seguintes questões: a) o horizonte de tempo do capital é de curto prazo sempre
direcionado pelo objetivo de lucro imediato; b) este horizonte de tempo se
relaciona com a postura do capital que só age depois de causar dano,
adotando de maneira limitada, métodos corretivos; c) como resultado destas
duas determinações apresentadas, qualquer tipo de planejamento que amplie
estes horizontes temporais se apresenta como inconciliável com o capital; d) no
sistema do capital, a relação entre causa e efeito está estruturalmente viciada;
183
e) a eternização de uma ordem historicamente específica e única, como se
estivesse acima da história.
Com estas questões, Mészàros afirma que o capitalismo não suporta as
limitações de seu modo de reprodução sócio-metabólica. A ação destrutiva da
humanidade encontrou-se com limites estruturais absolutos do próprio sistema
a ponto de “obstruir o futuro da humanidade”. Portanto, não há saída senão
“erradicar o sistema do capital de seu controle há muito resguardado do
processo sociometabólico” (MÉSZÀROS, 2007, p.26). O substrato objetivo da
existência humana é a lei absolutamente fundamental da relação da
humanidade com a natureza. “Esse tem de ser o fundamento último de todo o
sistema de leis humanas”. E para ele, esta é a relação que o capital trata de
violar, ignorando as conseqüências cruéis e devastadoras da “base natural da
existência humana”.
A humanidade jamais precisou tanto e tão fielmente ouvir e observar as leis do que nessa conjuntura crucial da história. Mas as leis em questão devem ser radicalmente refeitas; trazendo a uma harmonia plenamente sustentável as determinações absolutas e relativas das nossas condições de existência de acordo com o inevitável desafio e fardo de nosso tempo histórico (MÉSZÀROS, 2007, p. 29).
A partir destas questões, o autor defende que este quadro destrutivo nos
impõe o desafio de uma reavaliação radical da questão do crescimento, que se
coadune com a busca de superação da desigualdade substantiva.
As transformações tecnológicas operadas até o século XX,
principalmente os avanços nos campos da informática e da biotecnologia,
proporcionaram o que Harvey (2004) denomina de “compressão tempo-
espaço”, resultando num reordenamento do processo de trabalho em amplos
setores. O autor analisa a atual divisão territorial do trabalho, que chama de
novo imperialismo, a qual expressa o poder político e econômico da
financeirização, da tecnologia e das corporações multinacionais. As riquezas
naturais, neste novo imperialismo, são tomadas como recursos que podem ser
patenteados, não importando a sua localização. Assim, esta técnica de registro
de patente, proporciona a propriedade intelectual de porções da natureza, que
se afirma como direito de propriedade individual, encobrindo contradições e
antagonismos de classe na sociedade.
184
Mészáros (2007, p. 372) nos mostra que a relação sociedade-natureza
construída pelo capital, abrange contradições ambientais relacionadas tanto
com a aceleração do consumo e a escassez de recursos naturais/ energia,
quanto com os resultados de poluição e sua relação com as mudanças
climáticas, os quais estão profundamente articulados, uma vez que se
relacionam com a produção e com o consumo capitalista. E criticando a
posição dos capitalistas, que manifestam suas “preocupações” com os
“problemas ambientais”, colocando em primeiro plano a questão do
aquecimento global, nos impõe a reflexão sobre a complexidade dos problemas
relacionados à questão ambiental.
[...] tais questões abrangem todos os aspectos vitais das condições de reprodução metabólica – desde a alocação perdulária de recursos (renováveis e não-renováveis) ao veneno que se acumula em todos os campos em detrimento das muitas gerações futuras; e isso não apenas sob a forma do irresponsável legado atômico para o futuro (tanto armamentos como usinas de energia), mas também no que diz respeito à poluição química de todo o tipo, inclusive a da agricultura. Além do mais, com referência à produção agrícola, a condenação literal à fome de incontáveis milhões de pessoas pelo mundo afora é acompanhada das absurdas “políticas agrícolas comuns” protecionistas, criadas para assegurar o lucrativo desperdício institucionalizado, sem levar em conta as conseqüências imediatas e futuras.
Chesnais e Serfati (2003) analisam o meio ambiente a partir das
condições físicas da reprodução social ressaltando a necessidade “[...] de uma
crítica renovada do capitalismo que vincularia de forma indissociável, a
exploração dos dominados pelos possuidores de riqueza e a destruição da
natureza e da biosfera.” (p.40). Para estes autores, a crise ecológica planetária
é analisada como uma crise para a humanidade, ou seja, uma crise
civilizatória. No entanto, os autores argumentam que esta crise ecológica, e a
divisão desigual de seus efeitos, não se constituem num fator central de crise
para o capitalismo. Ela se constitui como uma crise criada pelo capitalismo e,
ao mesmo tempo, demonstra o intento e a capacidade do capital em
externalizar as conseqüências destas contradições que são intrínsecas ao seu
próprio desenvolvimento, pois são resultantes das relações de produção e de
propriedade que o fundam. Neste sentido, os autores destacam que é no
centro dos mecanismos de criação e apropriação da mais-valia que se
185
encontram as contradições que reafirmam a assertiva de Marx de que “a
verdadeira barreira da produção capitalista seja o próprio capital” (p42). Desta
forma, defendem que a crise ecológica contemporânea se constitui numa
ameaça permanente para a humanidade, mas no imediato, atinge de modo
específico certas classes, povos e países subordinados ao capital. A posição
do Altvater (2010) é diferente, pois considera que um choque virulento vindo de
fora pode afetar o capitalismo, como o conhecemos, e isto vem se
concretizando pela crise do petróleo do qual a organização social é totalmente
dependente.
Conforme discutimos anteriormente, o capital, no plano econômico, vem
transformando a gestão dos recursos naturais “raros” e a reparação das
degradações em campos de acumulação, ou seja, em mercados, argumento
também defendido por Chesnais e Serfati (2003), que ressaltam ainda o plano
político. É através deste plano que o capital tem sido capaz de transferir as
conseqüências desta crise para países e classes a ele subordinadas.
Consideramos que este é um recurso econômico que tende a se esgotar, tendo
em vista o ritmo e a velocidade de utilização e de mercadorização da natureza.
E no plano político, o jogo pode mudar através das lutas, conforme sinalizam
Altvater (2010) e Harvey (2011). Chesnais e Serfati (2003), por sua vez,
defendem que há uma incompatibilidade entre a possibilidade de um
desenvolvimento humano com sustentabilidade diante das indústrias
dominantes e de uma parte das tecnologias, tendo em vista o fato de que a
acumulação “[...] encarnou-se em indústrias, em ramos e em trajetórias
tecnológicas determinadas” (p. 58).
É a partir deste ponto de vista que nos dispomos a discutir os desafios
políticos que se impõem sobre as classes subalternas, e particularmente sobre
o MST, nesta fase atual do capitalismo em que se explicitam uma série de
contradições que se estabelecem sob o comando do metabolismo social do
capital. A situação atual dos agricultores indica claramente os resultados da
expropriação histórica dos camponeses, que alcança uma fase inédita e
superior de expropriação, cujo objetivo é a criação de condições tecnológicas e
institucionais que permitam eliminar algo que parecia imutável, qual seja, o
controle dos agricultores sobre suas reservas de sementes. E neste aspecto,
se afirma o poder do capital sobre um recurso natural fundante, expresso na lei
186
internacional de proteção de patentes sobre o vivente, feita pela Organização
Mundial do Comércio (OMC) e da técnica de criação dos organismos
geneticamente modificados, os já conhecidos transgênicos. Estes últimos
ganham sua forma mais grave com a criação pela Monsanto da semente
“terminator”, a qual corresponde fielmente ao seu nome de batismo, uma vez
que este grão é produzido para germinar uma única vez. Esta, sendo estéril,
encerra o seu ciclo em si mesmo, não possibilitando que os grãos gerados a
partir de sua germinação possam ser plantados e se reproduzir. As
consequências de extensão deste processo, sob a hegemonia do capital
financeiro, atingem diretamente e de modo infinitamente mais grave os países
pobres e os camponeses.
A questão da produção de sementes se torna emblemática, pois este
confronto que se ergue com o agronegócio, em torno das sementes
transgênicas, onde a tecnologia Terminator é sua máxima expressão, torna-se
urgente e necessário de ser ampliado. Para Carvalho (2003, p.11), as
sementes “varietais” representam algo que escapa ao controle das grandes
corporações multinacionais que mantêm o oligopólio da biotecnologia das
sementes. Assim, estes poderosos grupos tentam de modo ideológico, político
e econômico destruir ou manter sob seu controle restrito e direto o estoque de
“germoplasma” dos povos indígenas, dos camponeses e dos agricultores
familiares. Também destaca a campanha internacional da Via Campesina
“Sementes patrimônio do povo a serviço da humanidade”, nos mostrando que
[...] ao defender os direitos dos agricultores familiares, dos camponeses e dos povos indígenas de produzirem, guardarem e trocarem as sementes “varietais”, e ao criticar todas as formas e meios de patenteamento da vida, ergue, ao mesmo tempo, uma barreira política e ideológica pluralista para deter essa ofensiva neoliberal, que tenta monopolizar e transformar todas as formas de vida em negócio (CARVALHO, 2003, p. 11).
A defesa do direito dos agricultores de guardarem e trocarem sementes
se torna vital para a sobrevivência dos camponeses, se apresentando como
uma saída coletiva e como a única forma de garantir o controle sobre este
recurso natural, para a produção de alimentos saudáveis e diversificados. A
padronização com conseqüente redução das variedades de sementes, sob o
poder dos grupos transnacionais se torna o centro deste combate, pois
187
representam o patenteamento de um ser vivo, por empresas privadas, com
poder de controle e alteração radical da alimentação humana.
Shiva (1992) aborda a necessidade de conjugar a conservação dos
meios de vida com os recursos existentes, como um grande desafio à
desmistificação das noções de progresso e obsolescência, que sustentam o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia hegemônicas.
Desperdício e obsolescência são construções sociais e têm componentes tanto políticos quanto ecológicos. Politicamente, a noção de obsolescência serve para destruir o controle das pessoas sobre suas vidas e sobre seus meios de vida [...] também destrói a capacidade regenerativa da natureza ao colocar a uniformidade manufaturada em lugar da diversidade natural. A obsolescência tecnológica acaba se transformando na obsolescência da biodiversidade [...] A erosão ecológica e a destruição das vidas estão ligadas. (SHIVA, 1992, p.11-12).
É importante frisar que o pacote tecnológico utilizado na agricultura
capitalista é sustentado pelo setor industrial, estando fora do controle dos
agricultores. Assim, o objetivo deste pacote de controlar os fatores naturais e
eliminar os fatores restritivos, tanto da natureza como do trabalho humano, foi
adotado em larga escala e em diversos e diferenciados ecossistemas. As
práticas agrícolas dos agricultores, consideradas atrasadas e de baixa
produtividade, foram substituídas pelas modernas técnicas de alto rendimento,
fornecidas pela indústria e apoiadas fortemente com recursos pelo Estado. A
dependência de recursos externos e a ruptura com práticas agrícolas milenares
utilizadas não só para reduzir os riscos a terra, como para restituir sua
fertilidade, são apontados por Shiva (1992) como responsáveis pela
desestabilização dos sistemas produtivos.
As conseqüências deste pacote, no que se refere à homogeneização de
culturas e à simplificação dos sistemas produtivos naturais também são
destacadas por Shiva (1992). Assim, em comparação com as sementes
híbridas da Revolução Verde, as sementes tradicionais dos agricultores são
consideradas obsoletas. Mas a autora também nos mostra que as sementes
transformadas em mercadorias, são tecnologicamente incompletas e
dissociadas em dois níveis: 1 - Não se reproduzem, rompendo com o princípio
de que são recursos generativos, transformando-se em recursos não
188
renováveis; 2 - Não produzem por si mesmas, demandando o auxílio de
insumos. Sobre este segundo nível, vale destacar que
À medida que as empresas químicas e de sementes realizam fusões, a dependência de insumos deve aumentar ao invés de diminuir. E, ecologicamente falando, um produto químico é sempre um insumo externo no ciclo ecológico da reprodução da semente, tenha ele sido adicionado externa ou internamente. (IDEM, IBIDEM, p.13)
Cabe destacarmos que as tendências acima apontadas pela autora no
início da década de 1990 foram confirmadas, e se mostram, na atualidade da
crise do capitalismo, como exemplares no processo de aprofundamento da
falha metabólica.
Chesnais e Serfati (2003) destacam que a agressão do capital contra a
produção direta vem alimentando a luta de classes no campo, que se inicia nos
países capitalistas mais antigos e tem sua continuidade nos países do sul no
século XX.Este quadro impõe a necessidade e a urgência da luta política, uma
vez que
[...] a menos que haja uma resistência social e política de grande força, o capitalismo terá conseguido avançar o término de seu processo de expropriação dos produtores e de dominação do vivente. Terá passado da expropriação dos camponeses à expropriação do direito geral dos seres humanos de reproduzir e em breve de se reproduzir, sem empregar técnicas patenteadas, sem pagar um pesado tributo ao industrial e, por detrás desse, a seus acionistas e às bolsas de valores. (CHESNAIS; SERFATI, 2003, p. 54)
Neste sentido, a Via Campesina, enquanto instância de organização
mundial e de luta dos camponeses vem afirmar, em documento de conclusão
de sua V Conferência Internacional, realizada no período de 19 a 22 de outubro
de 2008, em Maputo, na África, a defesa intransigente da soberania alimentar,
da reforma agrária, da agricultura camponesa sustentável, com produção
agroecológica, do direito à semente e à água, dentre outros. Além disso,
destaca como inimigo principal não só dos camponeses, mas de toda a
humanidade, as empresas transnacionais, consideradas “[...] o motor e as
principais beneficiárias do sistema de opressão das maiorias, as responsáveis
pela crise alimentar e climática e paradoxalmente as que mais lucram com
elas” (n.p.). Afirma também que
189
[...] continuarão a lutar contra culturas e árvores transgênicas, contra a tecnologia Terminator e estão alertas frente a outras novas tecnologias de grande impacto social e ambiental, como a nanotecnologia e a construção de vida artificial ou biologia sintética. (RIBEIRO, 2008, n. p.)
O momento atual expressa o protagonismo dos movimentos sociais
camponeses, que, a exemplo do MST no Brasil, vem se levantando contra as
destruições ecológicas, que se colocam também como agressões às suas
condições de existência como produtores.
Leher (2007) destaca a importância dos movimentos camponeses e
indígenas para a identificação da estreita correspondência entre as áreas
territoriais com recursos naturais estratégicos e a distribuição de bases ou
zonas militares estadudinenses na América Latina como uma das evidências
de que o controle dos recursos naturais é indispensável para assegurar o atual
padrão de acumulação do capital. Entretanto, essa dimensão geopolítica
passou praticamente despercebida dos analistas e ativistas ambientais e, não
menos grave, do pensamento crítico acadêmico e militante.
A reprimarização da economia nos países capitalistas dependentes da
América Latina é retomada por Leher (2007) para analisar a situação do atual
padrão de acumulação capitalista, onde esta questão volta a ter centralidade
na luta política, e impõe sérios desafios aos movimentos camponeses e
indígenas, que seguem sendo alvo de um combate vital com o capital. Para o
autor, a questão ambiental adquire novos ângulos a partir da análise dos
protagonistas das lutas sociais que vem atordoando a ordem neoliberal latino-
americana, e que, por isto, estão no olho do furacão do padrão de acumulação
capitalista em curso. Estas reflexões reafirmam, para nós, que o agro teve e
volta a ter um papel fundamental no desenvolvimento do capitalismo, e
destacam à cena política, sujeitos coletivos como o MST e a Via Campesina,
que vem protagonizando o embate com o agronegócio.
Harvey (2004) analisa os processos atuais de expropriação no novo
imperialismo, que vem atuando em dois sentidos: como forma de
desapossamento não só dos meios de vida e de produção, mas também da
cultura e saberes para a realização de valor e como forma de resgate da terra
e, portanto, da natureza, que antes estava na mão dos camponeses. Para este
autor, a expropriação de terras camponesas ocorrida na Inglaterra no período
190
da acumulação primitiva, através da violência em si, não se restringiu apenas a
este período, mas prossegue na atualidade, muitas vezes revestida de outros
mecanismos de dominação. Neste período do capitalismo neoliberal, esta
relação denominada pelo autor citado, como “acumulação por despossessão”
recai principalmente sobre os camponeses, os indígenas e os bens ambientais
que continuam a sofrer com as ofensivas cada vez mais ampliadas do capital.
Altvater (2010) também fala deste processo, traduzindo como “acumulação por
desapropriação”.
Consideramos importante ainda pontuar a discussão trazida por Diegues
(2001) sobre “o mito moderno da natureza intocada” e por Porto-Gonçalves
(2002) sobre “latifúndios genéticos”, para problematizarmos que uma das
estratégias do capital tem sido a criação de “espaços reservados” para a
“preservação” de suas condições de reprodução.
De acordo com Diegues (2011), o preservacionismo se materializa
através da constituição de espaços naturais reservados, como unidades de
conservação e reservas biológicas, que estão sendo utilizados não só para o
turismo ecológico, para aqueles que possam pagar por isso, mas
principalmente para servir como laboratórios de pesquisa científica e reserva
de recursos naturais, muito valiosos para as indústrias química e farmacêutica.
São riquíssimas fontes de biodiversidade que, segundo Porto-Gonçalves
(2002), se constituem como verdadeiros “latifúndios genéticos”, que expulsam
as populações moradoras e detentoras de um saber específico sobre a
biodiversidade, construído com e não contra a natureza. Para Porto-Gonçalves,
(2002. p.11)
Tentar criar unidades de conservação ambiental a pretexto de proteger a biodiversidade, expulsando povos e suas culturas que co-evoluíram com os ecossistemas é desconhecer [...] sua contribuição para toda humanidade e o planeta. Assim, insistimos, dá-se sobrevida a um paradigma que já demonstrou seus limites, criando unidades de conservação onde natureza e culturas se excluem. Na verdade, introduzem na vida dessas populações [...] uma dicotomia homem e natureza que jamais fez parte de suas vidas [...]. não existe expressão mais apropriada do que essa – latifúndio genético- pois se trata de constituir grandes áreas demarcadas a pretexto de pesquisa científica ignorando todo saber construídos por essas populações que habitam esses ecossistemas.
191
Reforçamos a posição defendida por Porto-Gonçalves (2002, 2005)
sobre a magnitude do desafio ambiental contemporâneo e do protagonismo de
sujeitos coletivos, considerados por muitos como fadados ao desaparecimento,
como os camponeses e indígenas, que emergem dos mais improváveis
lugares, afirmando que a natureza volta a ter centralidade na luta política e
impõe sérios desafios a estes sujeitos na construção de lutas conjuntas contra
estes processos de expropriação e mercadorização da natureza e do
conhecimento. Estas questões nos instigam a discutir os desafios ao MST, seu
processo de desenvolvimento, de resistência, sua forma de conceber e
construir a política e o poder, destacando seus desafios e contribuições à
constituição de outro metabolismo social. Neste contexto de crise do capital,
destacamos a indispensável retomada da perspectiva internacionalista das
classes trabalhadoras, expressa na articulação concreta de diversos sujeitos
coletivos, em torno da solidariedade e das lutas conjuntas contra o capital, que
afirma seu domínio em nível internacional. A solidariedade internacional
através de apoio material sempre foi uma inequívoca demonstração da
capacidade dos trabalhadores e povos de exercerem seu papel de classe.
No entanto, vários desafios se impõem aos trabalhadores organizados
através de sujeitos coletivos como o MST, que se referem à necessidade de
construção da consciência, identidade e prática de classe, no sentido do
diálogo e da articulação das lutas locais com as lutas globais, que acumulem
experiências e resultados concretos de construção conjunta de instrumentos de
alcance internacional. Neste sentido, a criação de organizações, como a Via
Campesina, é parte deste movimento internacionalista da classe trabalhadora
que vem sendo fortalecido neste novo milênio, como fruto de um processo de
amadurecimento, aproximação, solidariedade, e particularmente de
aprendizados coletivos através de lutas conjuntas.
Esta construção coletiva implica, necessariamente, na defesa de valores
muito caros à organização do MST, tais como a necessidade de ampliar o nível
de educação e formação, tanto da base como dos quadros da militância, o
intercâmbio de experiências e a realização de ações solidárias, que têm sido
fundamentais para o fortalecimento das lutas em conjunto diante dos
enfrentamentos que se colocam em nível internacional.
192
Neste combate, a defesa dos bens ambientais se torna estratégica para
o fortalecimento das lutas em torno da soberania alimentar através da
agroecologia, onde a luta pelo controle das sementes vem se constituindo num
campo de articulação, especialmente para os sujeitos coletivos como o MST,
que possui o desafio concreto de construção de outro modelo produtivo, que
impõe um confronto aberto com o agronegócio, responsável pela violência,
exploração e expulsão de camponeses em todo o mundo.
Chamamos atenção para a relação entre a luta do MST com a histórica
questão agrária que, em nosso entendimento, não pode se desvincular da
questão ambiental, em razão da indissolúvel relação com o acesso, domínio e
uso da terra, que é um bem ambiental essencial à vida humana, que se torna
propriedade privada e mercadoria sob o domínio do capital. Neste sentido, os
desafios enfrentados pelo MST no desenvolvimento de seus assentamentos,
evidenciam sua forma de ocupação e produção na terra que se relaciona com a
defesa da reforma agrária a partir de outra concepção e forma de convívio com
a natureza, que se expressa pela agroecologia. A correlação que fazemos
entre questão ambiental e o MST se referem aos desafios concretos assumidos
desde o início, de desenvolver a produção material de sua existencia humana
se contrapondo à lógica de acumulação capitalista dominante.
A propriedade privada da terra para a produção agrícola foi abolida de
seus assentamentos, que se ampliaram com o resgate de terras para a
produção coletiva. Altvater (2010) reafirma o conceito de Fernandes sobre os
movimentos sócio-territoriais, como o MST, que com os assentamentos vem
resgatar as terras perdidas para a agricultura capitalista. A conquista e defesa
destes territórios implicaram na necessidade de organização da produção
coletiva da agricultura através de cooperativas de produção e comercialização
de produtos, mas também de construção de moradias e escolas a partir de sua
própria pedagogia.A autonomia é afirmada como um dos princípios
fundamentais do MST. A organização social, produtiva e política dos
assentamentos com base na participação coletiva, nos mostra o desafio
assumido na construção de outra forma de exercício do poder voltado para a
gestão mais democrática dos territórios dos assentamentos.
Consideramos que a salvaguarda do meio ambiente que garanta vida
digna para todos os seres humanos, passa, em primeiro lugar, pela
193
compreensão de que há uma unidade e ao mesmo tempo uma dependência
entre o homem e a natureza. Nesta direção, o uso equitativo (coletivo) dos
recursos naturais, considerando a conservação da diversidade ecológica, a
partir da compreensão da natureza da qual os seres humanos fazem parte, são
elementos essenciais para a sobrevivência do planeta e da humanidade. A
busca pela soberania sobre os recursos naturais com a autogestão das
comunidades sobre o uso destes bens coletivos, com base nos seus
conhecimentos tradicionais sobre a capacidade dos ecossistemas, mesmo que
restrita à dimensão local se contrapõe ao domínio atual feito pelas empresas
transnacionais, expresso pelos processos de privatização e mercadorização da
natureza que mencionamos anteriormente. Consideramos que esta concepção
ampla de natureza que não se dissocia da cultura é algo muito caro ao
pensamento marxiano, que nos mostra que o homem é parte da natureza e
que o trabalho materializa a manifestação das forças naturais do homem.
Outra questão que destacamos na organização sócio-política deste
sujeito é o significado que é dado aos processos de educação e formação
política de seus quadros, onde a ENFF se sobressai com a formação de
quadros, especialmente os jovens, em agricultura, cooperativismo, análise
social e política, e na organização de reuniões, articulações e eventos
internacionais.
Cabe problematizar que a questão ambiental demonstra uma disputa
entre modelos de organização social e de exploração dos recursos naturais,
onde a perspectivado capitalismo verde atualmente hegemônica se apresenta,
através de um recurso ideológico, como a melhor compreensão e ação sobre a
realidade. Neste sentido, o preparo para a disputa no campo cultural, como nos
ensina Gramsci (2001) se impõe como grande desafio para as classes
dominadas, e particularmente ao MST. A formação de quadros do MST se
coloca como um exemplo histórico de luta que precisa ser compreendido e
dimensionado, como um dos elementos da construção do internacionalismo
das lutas sociais, onde a disputa de posições na sociedade civil se faz
necessária. Esta dimensão internacionalista das lutas sociais se encontra na
ação do MST, que afirma seu caráter anti-sistêmico em oposição e resistência
ao neoliberalismo, a partir da clareza de que o capitalismo é uma realidade
mundial que precisa ser combatida e superada.
194
Houtart (2011, 2012, 2013) vem trazendo contribuições à necessária
construção de lutas unitárias dos setores dominados que reúnam elementos
em torno da luta anticapitalista, contemplando a edificação de outra sociedade,
através de questões relacionadas ao bem comum da humanidade. Para este
autor, a vida coletiva é constituída de quatro elementos de base, que são parte
de toda vida em sociedade, desde as mais antigas até as mais
contemporâneas: a relação com a natureza; a produção da base material da
vida; a organização social e política coletiva; e a leitura do real como auto-
envolvimento dos sujeitos na sua construção da cultura. Estas reflexões
encontram correspondência com a construção do socialismo do século XXI,
onde as alternativas passam:
Pelo reconhecimento do esgotamento da dimensão civilizatória do
capitalismo tendo em conta, principalmente o custo de sua manutenção
sobre o planeta que vem eliminando suas próprias condições de
reprodução, ameaçando de morte a sobrevivência humana;
Pela necessária (re) construção das bases materiais da vida física,
cultural e espiritual de todas as pessoas no planeta, implicando numa
revolução na concepção de economia;
Pela luta em torno da democracia para além da sua dimensão
participativa que ainda se funda numa relação desigual entre homens e
mulheres;
Pela retomada dos vínculos com a terra e a natureza, onde seja
resgatado o sentido de pertença à natureza e o sentido de coletividade.
Consideramos que estas referências se aproximam e se somam a
outras contribuições da tradição marxista, onde se destacam as produções de
Marx (1983) e Mészáros (2006), conforme nos mostram Foster e Clark (2010),
que encontram nestes autores uma síntese na afirmação de uma teoria de
transição para um sistema sustentável de reprodução sociometabólica, onde a
luta pela igualdade substantiva está intimamente relacionada com a luta pela
sustentabilidade ecológica. Nesta construção, a igualdade substantiva se
coloca como essencial para a ruptura do isolamento social e da alienação
195
constitutivos das relações sociais capitalistas, e a sustentabilidade ecológica
requer a ultrapassagem da alienação em relação à natureza.
Para Foster e Clark (2010), nesta visão dialética e universal
proporcionada por Meszaros (2006), a luta por um sistema de metabolismo
social e ecologicamente viável, é indissociável de um processo revolucionário
de amplo alcance, requerendo ainda para sua constituição, o controle social,
considerado como elemento essencial para consolidar as transformações
necessárias à constituição de uma ordem metabólica socialista.
Estes autores, ao discutirem a luta pelo socialismo neste século XXI, a
partir de Marx e Mészaros(2006), destacam que o “triangulo elementar do
socialismo” se constitui de: 1- propriedade social; 2- produção social
organizada pelos trabalhadores e 3- satisfação das necessidades comunais, e
está diretamente relacionado com o que pode ser denominado “triangulo
elementar da ecologia” que abrangeria: “1-uso social da natureza e não
propriedade privada sobre a natureza; 2-regulação racional do metabolismo
entre seres humanos e natureza pelos produtores associados; e 3- a satisfação
das necessidades comunais – não apenas da presente, mas também das
futuras gerações. Assim, para os autores estes triângulos se encontram e se
fundem num só.
É importante ressaltarmos o destaque que os autores dão à reflexão
sobre os elementos necessários para a construção do socialismo, onde a
contribuição de Meszaros (2006) é incisiva na defesa de que o alcance de uma
relação mais ecológica é parte indispensável e até mesmo definidora, mesmo
que seja apenas uma parte, da construção de uma nova ordem social
qualitativamente nova voltada ao atendimento das genuínas necessidades
humanas. Assim, a falha no metabolismo ecológico exige que a falha no
sociomentabolismo seja superada.
Neste mesmo direcionamento, Altvater (2010) argumenta que o limite
das energias fósseis que movimenta a máquina do capital é um bloqueio real e
objetivo à continuidade do capitalismo, da forma como ele se estrutura hoje.
Portanto, o limite da natureza se ergue como uma barreira para o capital, pois
mesmo com todo investimento na busca incessante de novas tecnologias, a
partir de outras fontes energéticas, ainda não conseguiu deixar de necessitar
visceralmente do petróleo.
196
Com estes questionamentos, chegamos a um entendimento (que ainda
é preliminar) de que o término das energias fósseis não é apenas um limite
exterior, mas é parte constitutiva do modo de funcionamento do capitalismo
atual, e para este limite, o capital ainda não encontrou solução de substitutivos
energéticos alternativos. O que estamos querendo argumentar é que este limite
externo do término do petróleo (que é um elemento da natureza) ativa, como
fala Mészaros (2006, 2007), os limites à continuidade da própria lógica
produtivista do capitalismo. Sendo assim, o esgotamento energético faz parte
de uma questão mais ampla, que é o esgotamento da própria forma civilizatória
capitalista.
Vivemos um momento sem precedentes na história da humanidade, com a emergência conjugada de três crises: a crise energética, a crise alimentar e a crise climática. Estamos no limiar de esgotar a era dos combustíveis fósseis (baseados no carvão mineral e no petróleo) que representou o sustentáculo energético do modelo de sociedade capitalista-consumista existente nos últimos 200 anos. [...] O modelo produtivo agroecológico, diversificado e poupador de insumos, se coloca claramente em oposição a esse modelo dominante, controlado pelo agronegócio e que se utiliza fortemente de energias fósseis. A agroecologia se baseia no aprendizado com a natureza, de forma a debater as relações presentes na tecnologia utilizada, a fim de potencializar os efeitos naturais de fertilidade, complexidade e produtividade ecossistêmica. (MST 2009-2010, p.12-13)
Pensamos que a maior contribuição da discussão trazida por Altvater
(2010) é a objetivação, a materialização da inviabilidade do capitalismo (a partir
desta real congruência trinitária) de se manter como modo civilizatório. E em
razão disto, fica patente a urgência de construção de outro modo de sociedade
que se liberte desta incongruência, de por um lado, se mover para a busca da
produção ilimitada e do lucro, e por outro, não conseguir manter este ritmo sem
comprometer a condição humana de sobrevivência. Como viveremos sem o
petróleo que move todo o deslocamento de pessoas e mercadorias e que faz
andar os veículos de transporte e as máquinas utilizadas na produção, é uma
questão para a qual não se tem respostas claras. Dentre as possibilidades
almejadas estão a descobertas de novas tecnologias que permitam acessar
privadamente novas formas de energia, ou converter a energia nuclear já
existente, por exemplo, eliminando ou mesmo minimizando custos e riscos.
Dentro do sonho delirante do capital, tudo pode ser convertido em meio de
197
lucro. Mas quaisquer que sejam as possibilidades, elas ainda não estão
construídas.
Mas pensando em algo muito mais elementar para a espécie humana,
do que o próprio petróleo, que é a necessidade de alimentação, podemos
ponderar que a agricultura foi construída com os dois elementos essenciais
para produzir qualquer coisa que a humanidade necessita, em qualquer tempo
histórico, que é natureza e trabalho. E esta atividade pode e deve (até por uma
questão de sobrevivência humana) se desvencilhar desta dependência do
petróleo, desta racionalidade européia do industrialismo, e da forma social
construída pelo capital.
Altvater (2010) nos traz reflexões importantes também sobre a crise do
capitalismo chamando atenção para o fato de que a economia de mercado
atravessa uma crise financeira, mas também expressa outras crises
constitutivas da própria natureza do capital, a partir do uso que faz dos
recursos naturais, e principalmente da utilização das energias fósseis que
geram graves problemas de abastecimento, mudanças climáticas e ampliam a
situação estrutural de fome e miséria. Para ele, estas diversas crises que não
ganham a mesma notoriedade e preocupação que a crise financeira pode
custar muito mais que o socorro aos bancos, uma vez que a insustentabilidade
do capitalismo aponta para o seu fim, tal como o conhecemos. Ao analisar o
capitalismo contemporâneo, este autor ressalta, assim, as contradições
advindas do metabolismo social com a natureza.
O que nos inquietou, a partir da análise de Altvater (2010) sobre a lógica
de acumulação do capital, de seus elementos constitutivos como a extração de
mais-valia absoluta e relativa, desenvolvimento tecnológico contínuo, e outros,
e suas inerentes contradições, como a superprodução e a geração de crises
sucessivas, é a afirmação de que o capitalismo não encontra limite interno,
mas o limite externo está posto concretamente na fase atual. A sustentação
desta conclusão vem da própria compreensão do funcionamento do capitalismo
a partir das categorias valor, mercadoria e dinheiro, e sua base anti-social e
destrutiva, seguindo a tradição marxiana. Mas o destaque de sua análise é que
a trindade de formas capitalistas (baseadas no lucro e na concorrência),
racionalidade européia (que assume feições materiais na indústria moderna) e
fontes fósseis de energia (o petróleo, que é o combustível da indústria) atingem
198
seu limite, pois a aceleração dos processos econômicos e sociais gera “becos
sem saída na destruição da natureza” e também tem como conseqüência “o
imenso aumento da desigualdade no mundo” (ALTVATER, 2010, p.123).
Ao discutir o crescimento lubrificado com petróleo também levanta um
aspecto ideológico essencial do capitalismo, uma vez o crescimento ilimitado
se transforma em fetiche, pois o crescimento econômico traz consigo crises
financeiras e destruição da natureza, mas é utilizado como base para um
“discurso de dominação, que, no entanto, também convence os dominados”
(ALTVATER, 2010, p.157).
Mesmo que a natureza seja uma fronteira externa, Altvater (2010, p.
335-336) também reconhece a relação essencial que esta estabelece com o
funcionamento do capitalismo.
Contudo, essas fronteiras estão, conforme já ressaltamos várias vezes, interiorizadas na relação capitalista com a natureza e, por conseguinte, tão inerentes ao capitalismo como as contradições sociais resultantes do vínculo de trabalho assalariado. As reservas de petróleo, em vias de desaparecimento, poderão desestabilizar o mecanismo de reprodução do capitalismo.
Seguindo o pensamento de Marx (1983), concordamos que, para o
capital, a natureza é um limite externo e, por isso, considerado um obstáculo a
ser superado ou uma barreira a ser franqueada. No entanto, nossos
questionamentos (que não representam uma posição fechada, ao contrário,
colocam nossas dúvidas) vêm das reflexões de Mészaros (2007) que nos
alerta, com Marx, que a natureza é a base material que sustenta toda a vida e
que possui suas próprias leis, suas particularidades, não se constituindo uma
extensão da sociedade e nem o contrário. Por isso nos mostra, que o capital
tenta relativizar algo absoluto, que é a própria natureza com suas leis
características, não totalmente conhecidas e dominadas pela natureza humana
e, absolutiza algo que é relativo, ou seja, o sistema de produção e dominação
capitalista, que como qualquer construção histórica humana, é transitória. E
esta relação, construída e sustentada pelo capital, segundo Mészáros,
[...] é muito pior do que jogar roleta russa. Pois carregam consigo a certeza absoluta da autodestruição humana no caso de o corrente processo de reprodução sociometabólica do capital não ser levado a um fim definitivo no futuro próximo, enquanto ainda houver tempo para tal (2007, p. 28).
199
Diante deste contexto de crise estrutural do capital e de suas
manifestações contemporâneas, entendemos que várias frentes de luta e
enfrentamento se constroem por parte dos movimentos sociais. Na direção dos
objetivos deste trabalho, entendemos que a construção de uma alternativa
agroecológica é uma destas frentes e, como teremos a oportunidade de
analisar nos itens seguintes deste capítulo, vem sendo potencializada e
fortalecida pelas ações do MST.
3.2. Questão ambiental no MST: potencialidades e desafios para sua
politização na construção da agroecologia
3.2.1A constituição do MST e sua aproximação com a questão ambiental:
da gênese aos anos 2000.
Para fundamentarmos a contribuição do MST no campo ambiental,
mesmo considerando que este não é um sujeito que se vincula classicamente
ao ambientalismo, encontramos em Martinez Alier (2014) um suporte para esta
análise a partir da corrente23 que ele denomina “ecologismo popular”,
“ecologismo dos pobres” ou “justiça ambiental”24.
O eixo principal desta terceira corrente não é uma reverência sagrada à natureza, mas, antes, um interesse material pelo meio ambiente como fonte de condição para sua subsistência; não em razão de uma preocupação relacionada com os direitos das demais espécies e das
23
MARTÍNEZ ALIER (2014) identifica também outras duas correntes, sendo que a primeira
seria de um “culto ao silvestre” ou “à vida selvagem”, preocupada “com a preservação da natureza silvestre sem se pronunciar sobre a indústria ou a urbanização, mantendo-se indiferente ou em oposição ao crescimento econômico, muito preocupado com o crescimento populacional e respaldado cientificamente pela biologia conservacionista.” A segunda seria o “credo da ecoeficiência, preocupado com o manejo sustentável ou ‘uso pudente’ dos recursos naturais e com controle da contaminação, não se restringindo aos contextos industriais, mas também incluindo em suas preocupações a agricultura, a pesca e a silvicultura. Esta corrente se apóia na crença de que as novas tecnologias e a internalização das externalidades constituem instrumentos decisivos da modernização ecológica. Esta vertente está respaldada pela ecologia industrial e pela economia ambiental” (p. 38-39) 24
Somos concordantes com as observações de LOUREIRO; BARBOSA &ZBOROWSKI (2009), sobre a existência de diferenças na origem dos termos “ecologismo dos pobres” e “justiça ambiental”. “Enquanto o primeiro surge no ambiente rural terceiro-mundista e é considerado atualmente mais difuso e estendido em nível mundial, o segundo está relacionado principalmente à realidade urbana estadunidense, estando ligado inicialmente a casos locais de
racismo ambiental.” (p. 83)
200
futuras gerações de humanos, mas, sim, pelos humanos pobres de hoje. Essa corrente não compartilha os mesmos fundamentos éticos (nem estéticos) do culto ao silvestre. Sua ética nasce de uma demanda por justiça social contemporânea entre humanos. [...] Esta terceira corrente assinala que muitas vezes os grupos indígenas e camponeses têm co-evolucionado sustentavelmente com a natureza e têm assegurado a conservação da biodiversidade. (p. 34)
Problematizando a entrada da questão ambiental no processo de
constituição e territorialização do MST, é fundamental resgatar historicamente
os desafios ambientais que este sujeito enfrenta para concretizar seu objetivo
principal que é a luta pelo acesso e controle de um recurso natural fundante
para a vida humana, que é a terra. Na leitura do movimento, construída
historicamente, a terra é um bem ambiental, apropriado e explorado de modo
injusto e violento, pelas transnacionais do monocultivo, que vem realizando
uma verdadeira destruição ambiental, envenenando e esterilizando o solo.
Martinez Alier(2014) nos ajuda a analisar a aproximação do MST com a
questão ambiental, pois suas elaborações explicam que os movimentos
camponeses também são movimentos relacionados ao meio ambiente, uma
vez que considera os questionamentos em torno da distribuição dos bens
ambientais que, no caso do MST, é, em primeiro lugar, a crítica à distribuição
desigual da terra, que faz com que a luta pela reforma agrária seja ao mesmo
tempo uma luta social e ambiental. Consideramos que a maior contribuição de
Martinez Alier (2014) para analisarmos um movimento tão original como o
MST, se refere à crítica que faz à caracterização dos movimentos sociais, que
se dividem em clássicos e novos movimentos sociais.
Este autor nos mostra a ascensão de um movimento político chamado
neonarodnismo ecológico ou ecoagrarismo, onde situa a Via Campesina, que
se relaciona fortemente com a agroecologia e com a economia ecológica, “que
insistem em afirmar que o aumento da produtividade agrícola, tal como
geralmente é contabilizado, não levam em consideração os impactos
ambientais. A luta política explica mais que a adaptação funcionalista”
(MARTINEZ ALIER, 2014, p.112).
Antes de realizarmos esta análise específica sobre o MST, é preciso
considerar alguns elementos mais gerais sobre o estudo dos movimentos
sociais, a partir da contribuição da geografia crítica, destacando a relevância
dos conflitos. Tal estudo, acreditamos, abre possibilidades teóricas e políticas
201
fundamentais, pois as relações sociais são também relações de poder. Os
movimentos sociais lutam, no interior de sua dinâmica política, pela conquista
de mais espaços. Assim, o lugar e o espaço, nas suas diversas escalas,
manifestos nas suas lutas sociais, resguardam relações de conflito e embate
entre seus protagonistas. A incorporação do conflito, como dimensão instituinte
da vida social, favorece a possibilidade de surgimento e reafirmação de novos
protagonistas na vida política. A aproximação entre o estudo de conflitos e
movimentos sociais é um campo aberto e fecundo, principalmente para a busca
de alternativas criativas para que a América Latina possa superar seu quadro
tão histórico quanto atual, de desigualdades sociais (PORTO-GONÇALVES,
2004).
Os movimentos sociais têm a potencialidade de colocar em questão,
através da sua própria existência, tanto as contradições presentes no espaço-
tempo, quanto àqueles conflitos envolvidos nessa realidade. O contexto da
segunda metade dos anos 1980 nos mostra que, o próprio cenário político,
incerto e inquietador, abre muitas possibilidades de mudanças, que os
movimentos sociais vêm buscando construir através da própria conflitividade
social (PORTO-GONÇALVES, 2006).
Porto-Gonçalves (2006-b) ao abordar a reinvenção do território, a partir
de perspectivas emancipatórias para a América Latina e Caribe, ressalta os
seus protagonistas na constituição desse sistema-mundo moderno-colonial,
tanto porque permitiram que a Europa se afirmasse como centro do mundo,
quanto pela sua capacidade de rebeldia e resistência. A estratégia do
pensamento conservador de desqualificação, cooptação e/ou criminalização
dos movimentos sociais que contestam a ordem estabelecida, tomada como a
única possível, é reveladora do potencial crítico desses movimentos sociais
que contestam e reivindicam uma nova ordem, a qual pressupõe novas
relações socialmente instituídas, entre lugares.
Nesta direção, podemos afirmar que o MST tem como um dos seus
objetivos principais a conquista da terra para quem nela trabalha. E este
objetivo é buscado, primeiramente, através da ocupação da terra, que parte de
um movimento de resistência e defesa dos interesses dos trabalhadores, que é
a desapropriação do latifúndio, o assentamento das famílias, a produção e
reprodução do trabalho familiar, a cooperação, a criação de políticas agrícolas
202
voltadas para o desenvolvimento da agricultura camponesa, a conquista de
políticas públicas destinadas aos direitos básicos da cidadania. Os trabalhos de
base acontecem por meio da construção do espaço de socialização da política.
Sendo assim, a ocupação é uma forma de luta popular de resistência do
campesinato para sua recriação e criação. A ocupação desenvolve-se,
portanto, nos processos de espacialização e territorialização, quando são
criadas e recriadas as experiências de resistência dos sem-terra
(FERNANDES, 2001).
Porto Gonçalves (2006-b, p. 171-172) destaca duas dimensões
territoriais da ação política do MST: "a mobilização e recrutamento de
populações sub-urbanizadas que constituem um universo sócio geográfico de
enorme importância não só no Brasil, como no mundo todo. O MST é o
primeiro movimento social que tenta inverter o fluxo migratório que vinha se
fazendo em direção às grandes aglomerações". E a segunda dimensão, junto
com a Via Campesina "diz respeito à urbanização da questão agrária por meio
da politização do debate técnico". Neste sentido, o debate sobre os
desequilíbrios ecológicos causados pela monocultura (especialmente de
eucaliptos) e a luta pelo controle das sementes, resguarda um lugar ainda mais
destacado, que vem ensejando inclusive o estabelecimento de conflitos, com
imenso potencial de politização da questão ambiental no Brasil e na América
Latina. Martinez Alier (2014, p.320) também destaca esta primeira dimensão
territorial analisando que “o MST tem auspiciado migrações de retorno da
população dos bairros urbanos periféricos rumo aos novos assentamentos
rurais”.
Foi a luta incessante pela autonomia política que muito contribuiu para a
espacialização e a territorialização do MST pelo Brasil. As lutas por frações do
território - os assentamentos – representam, portanto, um processo de
territorialização na conquista da terra, de trabalho contra a terra de negócios e
de exploração.A perspectiva de territorialização está relacionada com sua
forma de organização sócio-política. Quando contemplam objetivos mais
amplos, inserem-se no processo de luta, promovem espaços de socialização
da política para a formação de novas lideranças e experiências, contribuem
para o desenvolvimento da forma de organização, espacialização e
territorialização (FERNANDES, 2000; 2001).
203
O acampamento é lugar de mobilização constante. Além do espaço de
luta e resistência, se constitui também como espaço interativo e comunicativo.
Entre o tempo de acampamento e a conquista do assentamento (que configura
a territorialização), desenvolve-se a espacialização. Os movimentos sócio-
territoriais realizam a ocupação por meio do desenvolvimento dos processos de
espacialização e territorialização da luta pela terra. Ao espacializarem o
movimento, territorializam a luta e o movimento. Esses processos são
interativos, de modo que a espacialização cria territorialização e é reproduzida
por esta. A ocupação é, portanto, um processo sócio espacial, é uma ação
coletiva, é um investimento sócio-político dos trabalhadores na constituição da
consciência da resistência no processo de exclusão (FERNANDES, 2000;
2001).
A partir destas observações gerais, podemos iniciar nossas análises
mais específicas com uma retomada de sua formação histórica e dos desafios
que, desde sua origem, vem colocando o MST em debate direto com a questão
ambiental e com a agroecologia. Criado em 1984, o movimento tem sua
trajetória marcada por três objetivos centrais: o acesso a terra, a reforma
agrária e a transformação da sociedade, que foram buscados inicialmente
através da estratégia das ocupações de terras por famílias inteiras,
caracterizando um movimento de resistência e defesa dos interesses dos
trabalhadores, em torno das seguintes questões
[...] a desapropriação do latifúndio, o assentamento das famílias, a produção e reprodução do trabalho familiar, a cooperação, a criação de políticas agrícolas voltadas para o desenvolvimento da agricultura camponesa, a conquista de políticas públicas destinadas aos direitos básicos de cidadania (FERNANDES, 2001, p. 53)
Uma importante condição para o avanço da luta pela terra é a
organicidade dos movimentos sociais. Esta é representada pela interação entre
as distintas atividades do MST e pela expressão do acúmulo de forças, na
espacialização e territorialização. No MST, esta organicidade é representada
na manifestação do poder político e de pressão que os sem terra possuem no
desenvolvimento da luta, tanto para conquistar a terra, quanto para as lutas
que se desdobram neste processo.
204
A expansão do Movimento, em seus primeiros anos de existência, foi
demandando sua organização interna e se deu de forma histórica, a fim de
tornar sólida a base em que se desenvolveria. Assim, foi construindo a sua
própria forma de se organizar, a partir de sua luta cotidiana e de experiências
vividas pelos sem terra. Devido à dinâmica do MST, foram sendo criados
setores, frentes, comissões, coletivos, dentre outros, a fim de suprir demandas
postas. A organização do Movimento vai desde princípios organizativos, que
compreendem valores, trabalho, informação, até a organização estrutural em
setores, direção e coordenações. O MST tem como princípios fundamentais:
direção coletiva, divisão de tarefas, planejamento, crítica e autocrítica, estudo e
vinculação permanente com as massas, que visam nortear toda e qualquer
ação do Movimento (MST, 2005). Além destes princípios, foram estabelecidas
também formas prioritárias de organização, através de um método de trabalho
que prioriza o trabalho de base, as lutas de massa, a prática de valores, a
educação, a formação política e ideológica, a democracia participativa e a
autonomia financeira.
As instâncias organizativas do Movimento se materializam nos
Congressos Nacionais, instância máxima do Movimento, que reúne
massivamente seus militantes para fixar as linhas políticas de atuação,
mobilizar-se em prol da reforma agrária e também para propiciar espaços de
organicidade, alianças e confraternização da classe trabalhadora. Além disso,
se constroem também nos Encontros Nacionais, onde são definidas as
plataformas das lutas de acordo com a conjuntura e necessidade do
movimento. À Coordenação Nacional, cabe encaminhar as resoluções
aprovadas no Congresso e no Encontro Nacional; tomar decisões políticas de
caráter nacional, que afetam o Movimento e também implementar questões
orgânicas nos estados e regionais. A Direção Nacional, por sua vez, tem como
função garantir as linhas políticas, a unidade do Movimento e as definições
tiradas nos Congressos e Encontros; além de planejar e propor estratégias e
táticas à Coordenação Nacional; desenvolver estudos e soluções às suas
necessidades políticas e práticas; garantir a atuação dos setores e coletivos
nacionais, elaborar métodos de trabalho, organizações e lutas e promover a
formação política.
205
As Coordenações Regionais promovem reuniões em todas as regiões do
país, com pauta definida pela Direção Nacional, tendo em vista a unidade
nacional das discussões e encaminhamentos. Nas instâncias estaduais, sua
estrutura organizativa é similar a nacional, isto é, tem as instâncias do Encontro
Nacional, Coordenação Estadual, Direção Estadual, Setores e Coletivos.
É importante ainda destacar que o Movimento se organiza nos Núcleos,
enquanto instâncias de base, onde todos os membros participam. Cada Núcleo
tem um coordenador e uma coordenadora e realizam estudos mensais. O
Núcleo é um espaço de discussão sobre as preocupações que afetam as
famílias, as instâncias e atividades estaduais e nacionais, a fim de fazer os
encaminhamentos (MST, 2005).
Em razão dos limites e das opções teórico-metodológicas para o
desenvolvimento deste trabalho, nosso foco neste momento de análise será
nos setores de Produção, Cooperação e Meio Ambiente; Formação e
Educação, os quais têm objetivos delimitados e ações fundamentais no que se
refere à politização da questão ambiental.
Sobre o primeiro, é importante demarcar que o mesmo foi resultado,
como teremos a oportunidade de desenvolver melhor na continuidade deste
capítulo, dos processos de maior e melhor compreensão dos limites do modelo
de produção imposto pelo capital e da necessidade de organização de uma
proposta alternativa, onde o tema central deste trabalho, a agroecologia,
passou a ter um papel decisivo. Podemos dizer que a organização da produção
agrícola, para o MST, se fundamenta em princípios que ultrapassam a questão
produtiva e demarcam um posicionamento político:
Não separar nas lutas pela terra e pela reforma agrária a dimensão econômica da dimensão política; a luta não termina com a conquista da terra, ela continua na organização simultânea da cooperação agrícola e das ocupações; investir sempre na formação dos sem terra e dos assentados para a sua qualificação profissional, tendo em vista as transformações da estrutura produtiva (MORISSAWA, 2001, p. 206).
Nesta perspectiva, tornou-se necessário pensar o meio ambiente, de
forma articulada ao processo de produção e de cooperação agrícola:
206
‘O assentamento é o renascimento da vida humana e da natureza' e por esta razão o MST tem estimulado a prática agroecológica, desenvolvendo uma nova forma de produzir que não prejudique o ser humano nem a natureza. Desde o ano de 1998 que a CONCRAB tem implementado diversas atividades relacionadas com o meio ambiente, com a promoção de uma ampla discussão nos assentamentos sobre como preservar os recursos naturais, o estímulo a campanhas de plantio de árvores e reflorestamento, a realização de estudos para sistematizar experiências de preservação do meio ambiente para servir de intercâmbio entre os assentados e difusão na sociedade, seminários de integração com outras entidades a fim de aproximar as teses ambientalistas com as da reforma agrária. [...] O MST inovou na produção das primeiras sementes orgânicas de hortaliças no país [...] produzidas pela primeira vez sem a utilização de nenhum tipo de agrotóxico ou insumo químico [...] O MST tem atuado na defesa da natureza não apenas implementando a agroecologia, mas também realizando mobilizações nos âmbitos nacional e internacional, contra o uso de métodos agrícolas que coloquem em risco a vida do planeta (MST, 2003, p. 10).
No que se refere ao setor de Formação, podemos perceber que, desde
sua origem, o MST tem se defrontado com a necessidade de garantir um amplo
processo de formação política para o seu quadro de militantes, desde a base
acampada e assentada até seus dirigentes nacionais. No início, as parcerias
para este processo de formação ocorriam com o movimento sindical e
entidades de educação popular e, posteriormente, o movimento visualiza
outros sujeitos, como as universidades públicas, como também importantes e
estratégicas para garantir a formação política e ideológica de seus membros.
Quanto a este setor, é importante demarcarmos que a concepção formativa é
visualizada, pelo MST, como processo permanente e sistemático, que visa
capacitar os militantes para o desenvolvimento de atividades concretas de
acordo com os objetivos do movimento, para que possam intervir na realidade
em que vivem, tendo como fim a transformação da mesma. Tem como
direcionamento fortalecer a unidade política e ideológica do Movimento, na
formação da consciência político-organizativa e na superação de desafios
postos pela realidade, tendo como referência a prática social do sem terra.
Com isto, no projeto de formação política e ideológica do movimento,
preconiza-se como necessário o acesso ao conhecimento científico, para que
seja efetivada a compreensão, orientação, crítica e reorientação da prática. A
sua abrangência inclui diferenciados momentos e formas distintas,
extrapolando os cursos de formação.
207
[...] a formação também se coloca como um desafio, mesmo sendo um elemento importante, esbarra na dificuldade econômica para a mobilização dos participantes. Por isso, faz-se necessário pensar a educação como um processo permanente, com vinculação com as lutas e mobilizações (ZANOTTO, 2005, p. 53).
O Setor de Educação trabalha a educação na perspectiva da
transformação da sociedade, assumindo, para tanto, várias bandeiras dentre as
quais destacamos: direito à educação básica e construção de uma escola que
contemple uma pedagogia, uma metodologia e práticas educativas adequadas
à realidade do meio rural e dos assentamentos; as escolas dos assentamentos
devem ser públicas e de qualidade, visando também o desenvolvimento
cultural, não se restringindo à atuação em sala de aula. Além disto, direciona
seus esforços para a capacitação dos professores; o respeito à prática dos
educandos; a combinação metodológica entre os processos de ensino, de
capacitação e de trabalho; a gestão democrática e auto organização dos
estudantes. Além das escolas nos assentamentos, o MST inova com as
escolas itinerantes, que são aquelas localizadas nos acampamentos,
vinculadas à luta pela terra, com a característica de se deslocarem conforme a
necessidade do movimento.
Acreditamos que, no decorrer deste capítulo, poderemos explicitar
melhor a importância destes três setores para a politização da questão
ambiental e a construção da agroecologia como estratégia do movimento.
Diferentes periodizações sobre o MST foram elaboradas ao longo dos
seus trinta anos de existência. Adotaremos aqui os referenciais de Fernandes
(2000, 2001), por entendermos que estes nos ajudam a compreender com mais
elementos as possibilidades e os desafios para a incorporação da temática da
questão ambiental e da agroecologia de forma mais particular.
Foi no decorrer do período compreendido entre 1984 e 1989 que o MST
iniciou seu processo de territorialização pelo Brasil, intensificando o processo
de formação do campesinato. Desta forma, o impacto político causado pelas
ocupações de terra transformou os sem-terra nos principais interlocutores no
enfrentamento com o Estado, na luta pela terra, na construção de uma
proposta inovadora de reforma agrária e, posteriormente, na crítica ao modelo
agrícola convencional e na defesa da segurança alimentar (FERNANDES,
2001).
208
Neste período, o Governo Sarney elaborou o Plano Nacional de Reforma
Agrária, o qual cumpriu apenas 6% de suas metas. Com a formação da
Assembléia Nacional Constituinte, constitui-se a bancada ruralista, a qual
passa a atuar em 3 frentes: bancada ruralista no Parlamento, braço armado e a
mídia. A Constituição de 1988, por sua vez, expressa uma conquista dos
movimentos sociais, no que se refere à inclusão do artigo 184, que define que
toda propriedade deve cumprir a “função social da terra”. Este é um período de
fortalecimento da estrutura interna do MST e de sua autonomia, onde se dá a
escolha e defesa de seus símbolos, como a bandeira e o hino do movimento.
Através da análise dos congressos nacionais do MST, destacamos suas
linhas políticas, procurando identificar como a proposta de reforma agrária veio
sendo construída e modificada, e sua relação com o fortalecimento da defesa
do meio ambiente no interior do movimento. Observa-se, através dos
documentos consultados e dos lemas adotados, algumas mudanças nas linhas
políticas de atuação e a adoção de estratégias que demonstram o seu
processo de amadurecimento, fortalecimento, resistência e ofensiva.
O período que cobre os dois primeiros congressos do MST, 1985, sob o
lema: ”Ocupar é a única solução” e 1990, ”Ocupar, resistir, produzir”,
corresponde ao desafio assumido pelo movimento de se organizar
internamente e continuar seu processo de territorialização, através da defesa
da estratégia de ocupação, como ferramenta legítima dos trabalhadores na luta
pela reforma agrária. Herdada de práticas anteriores de luta pela terra, esta
estratégia traz um elemento político novo, que se refere ao fato de serem feitas
por toda a família camponesa, que se transforma num campo de força.
Cabe destacar que, já no I Congresso Nacional do MST (1985),
"percebe-se uma inclinação favorável aos temas de preservação ambiental",
sendo deliberado que “o governo federal deveria garantir que a produção a ser
realizada nos assentamentos respeitasse esta preservação. Além disto, outro
evento importante foi o I Encontro Nacional de Agricultores Assentados,
também em 1985, quando foi solicitado pelos assentados que o "governo
fornecesse sementes para a adubação verde; que os técnicos fossem
escolhidos pelos assentados; que a assistência técnica estimulasse formas
alternativas de produção, menos dependentes do capital" (COSTA NETO e
CANAVESI, 2003, p. 208).
209
O governo Collor, iniciado em 1990, caracteriza-se por sua clara postura
anti-reforma agrária, uma vez que se coloca como aliado dos ruralistas. Como
resultado desta ofensiva contra a reforma agrária, percebemos o aumento da
repressão, de despejos violentos, de assassinatos e de prisões de sem-terra. O
início da década de 1990 é marcado também pelo desaparecimento de
unidades de produção familiar camponesa. Isto implica na busca de trabalho
assalariado fora da propriedade, resultando em migrações de trabalhadores
rurais para pequenas cidades e para a periferia das metrópoles. Este é um
período de descenso para as lutas populares e sindicais, tendo como exceção
a ação dos estudantes no processo de impeachment do presidente Collor.
Destaca-se, neste período, a realização do II Congresso Nacional, em
1990, cujo lema “Ocupar, Resistir, Produzir” refletia os debates sobre os
desafios políticos enfrentados pelo Movimento, que fizeram com que o mesmo
voltasse seus cuidados para sua organização interna, o fortalecimento dos
setores e a organização interna dos assentamentos e acampamentos.
Além disto, era preciso buscar autonomia política e financeira e elaborar
uma proposta política e organizativa para o setor de produção, investindo na
produção coletiva dos assentamentos, que possuíam enormes problemas e
desafios ambientais, tendo como principais a degradação/ contaminação do
solo e a insuficiência, esgotamento ou mesmo ausência de recursos hídricos.
Também nas suas iniciativas de territorialização, através dos assentamentos,
vários problemas ambientais foram geradores de embates com o pensamento
ambientalista preservacionista, como o de correlacionar o assentamento à
degradação ambiental.
Nos anos 1990, a ênfase do MST foi na cooperação através do
surgimento de cooperativas regionais. Esse é um momento de consolidação,
territorialização dos primeiros assentamentos e do surgimento das
Cooperativas de Produção Agrícola - CPAs. É importante dizer que mesmo
com o esforço envidado pelo MST para a organização da produção da
agricultura através da cooperação, não foi possível deixar de reproduzir o
modelo de agricultura capitalista, considerando inclusive o atrelamento do
repasse de crédito individual à adoção do pacote tecnológico hegemônico.
No entanto, permanece a reprodução do modelo de agricultura
convencional com o repasse de crédito individual através do Programa
210
Especial de Crédito para a Reforma Agrária - PROCERA, que começa a se
esgotar. A criação da Confederação de Cooperativas de Reforma Agrária do
Brasil - CONCRAB, expressa a preocupação com o desenvolvimento
econômico e social nos assentamentos e com o modelo de cooperação,
criticado tanto interna como externamente por seu produtivismo. Sua atenção
central se deteve na construção de outras estratégias produtivas nos
assentamentos, através da adoção das primeiras experiências de produção
alternativa.
A importância dada pelo MST à organização em cooperativas se
relaciona à forma como pauta a questão do trabalho coletivo. Pela sua
capacidade de desenvolver e fortalecer os sentimentos de solidariedade e
cooperação possibilita pautar a necessidade de novas relações sociais, não
mais baseadas no individualismo e na competição, mas fundadas na
colaboração e na clara compreensão do que distingue o bem comum do bem
individual, o espaço público do privado. Estes elementos podem ser facilmente
relacionados com temáticas que se referem à questão ecológica, como, por
exemplo, a necessidade de se preservar os alimentos naturais e a importância
na inovação de leis que regulam as patentes sobre o material vivo e os
organismos. Nessa convergência, se conjugam biodiversidade, segurança
alimentar e equilíbrio natural.
O movimento se preocupa também em investir na produção coletiva dos
assentamentos. É um período de grandes transformações na agricultura,
principalmente a partir da década de 1990, com o desenvolvimento do
neoliberalismo que traz como conseqüência, o atrelamento desta ao capital
internacional, representado pelas empresas transnacionais, que conseguem
impor as sementes transgênicas. É um período de alta complexificação da
agricultura que entra definitivamente em uma nova fase.
A eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, vem fortalecer o
desenvolvimento deste projeto neoliberal, que estabelece um processo de
sucateamento da estrutura do Estado, ocorrendo a privatização de várias
empresas estatais e a desnacionalização da economia. A política agrícola se
volta, com muito mais intensidade, para o mercado internacional, constituindo,
também, o período de imposição dos transgênicos e a ênfase na monocultura
de soja para exportação.
211
Na segunda metade da década de 1990, segundo Fernandes (2001), em
alguns estados, o MST começou uma experiência que denominou de
acampamento permanente ou acampamento aberto. Entre o tempo de
acampamento e a conquista do assentamento, ampliava-se o processo de
territorialização e desenvolvia-se a espacialização, contando com o
protagonismo da formação e da educação como setores fundamentais para
estas ações.
Neste segundo momento de sua história, podemos identificar uma
perspectiva, dentro do MST, de buscar novas articulações e novos processos
de alianças com o conjunto da classe trabalhadora. Neste sentido, também
participou de grandes debates, discutindo o modelo de desenvolvimento
econômico, buscando alianças internacionais para apoiar suas causas,
estimulando a articulação entre movimentos sociais que lutam por terra em
diversos países. Dessa forma, tornou-se uma das principais forças
impulsionadoras da Via Campesina, criada em 1992 (MEDEIROS In MOTTA,
2005).A perspectiva internacionalista passa a marcar mais fortemente a
identidade do Movimento, através do estabelecimento de relações baseadas
em necessidades, como a de conhecer outras realidades e organizações
camponesas, a criação de laços em comum com os trabalhadores e o
estabelecimento de relações de parceria política com agências de cooperação.
Por essa trajetória, o MST passa a ser uma importante referência na região,
defendendo a necessidade de comunicação, solidariedade, formação e o
fortalecimento da articulação com a Coordenadoria Latino americana de
Organizações Camponesas (CLOC), criada em 1994, e mundialmente, com a
Via Campesina.
Ao adotar o lema "Reforma Agrária: uma Luta de Todos", no III
Congresso (1995) o MST buscou desenvolver a estratégia de aproximação
campo e cidade trazendo para toda a sociedade o debate em torno da
importância e necessidade da reforma agrária. O MST "propôs um novo tipo de
reforma agrária, com o desenvolvimento de tecnologias adequadas ao Brasil,
preservando e recuperando os recursos naturais com base na produção
familiar" (COSTA NETO e CANAVESI, 2003, p. 208). Neste contexto, a
estratégia de ocupações teve que ser afirmada e defendida, como instrumento
legítimo para a conquista dos objetivos postos pelo movimento.
212
Os massacres de trabalhadores rurais sem-terra em Corumbiara,
Rondônia, em 1995, e em Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996, onde
foram assassinados 21 sem-terra, são demonstrativos da resposta dada pelo
Estado à luta pela terra que se materializava através de algo intolerável para as
classes dominantes e, particularmente, para os grandes proprietários de terra,
as ocupações. É também importante atentar para o fato de que o MST passa a
ser reconhecido ou a se colocar como um sujeito coletivo político legítimo na
luta pela terra. Neste sentido, é inegável o impacto político causado pelas
ocupações de terra e pela conquista de assentamentos em todo Brasil.
Além disso, dentro da perspectiva de avançar na luta articulada com
outros espaços de organização das classes trabalhadoras e de receber apoio
na sociedade diante do contexto adverso para as lutas sociais no campo, o
MST realiza o chamamento à articulação campo-cidade, buscando, no espaço
urbano, a referência para o apoio à reforma agrária. Tal decisão representou
um esforço no processo de urbanização do tema da reforma agrária e da luta
pela terra, através da disputa também na cidade.
Neste sentido, ocorre a retomada de um recurso estratégico para o MST,
que são as marchas, as quais atraem a atenção de todo o país. A marcha de
1997, cujo lema foi “Marcha Nacional por Emprego, Justiça e Reforma Agrária”,
programou sua chegada para o dia 17 de abril, quando completava um ano, do
massacre de Eldorado de Carajás e a de 1999 foi construída com outros
movimentos sociais brasileiros e, com a denominação de Marcha Popular pelo
Brasil, colocava em pauta a construção de outro projeto, mais amplo, para a
sociedade brasileira. A estratégia política consistia, desde então, em fortalecer
as organizações a que pertencem e capacitá-los para organizar o povo,
especialmente, em momentos de reascenso do movimento de massas. O MST,
com isso, passa a estreitar laços com os movimentos sociais urbanos na
perspectiva de construção de um projeto popular para o Brasil, onde a reforma
agrária – apesar de ser sua bandeira principal – passa a servir como base para
massificar a luta com vistas ao socialismo. Em várias publicações do
Movimento, é possível identificar a necessidade de superar a dicotomia entre
campo/ cidade.
Assim, a partir da segunda metade dos anos 1990, o MST, já numa fase
mais complexa de sua constituição, se auto-define como “[...] um movimento de
213
massas de caráter sindical, popular e político” e apresenta seus objetivos e um
programa de reforma agrária diferenciado ao incluir a questão ambiental,
através do “desenvolvimento de um modelo agrícola baseado em tecnologias
adequadas à realidade, preservando e recuperando os recursos naturais”, com
base na produção familiar e cooperativada, voltada para a segurança alimentar.
(MORISSAWA, 2001, p. 153).
A resolução de que o meio ambiente deveria ser um tema transversal na
organização deste Movimento, vem fortalecer a busca de novas referências
para os assentamentos. Começam a buscar soluções de como desenvolver os
assentamentos, numa perspectiva ampla, com preocupação com as questões
sociais, econômicas e ambientais tendo como centralidade a necessidade de
acumular forças. Nesta direção, houve o fortalecimento da organicidade do
setor de produção, cooperação e meio ambiente.
Em 1999, a Via Campesina elabora um documento sobre a
biodiversidade como patrimônio dos povos e em relação à questão da
segurança alimentar, contando com a forte participação do MST. Neste
período, são lançados os princípios e valores relacionados ao meio ambiente.
Este momento, que representou forte embate do governo contra a reforma
agrária, contribuiu para que o MST aperfeiçoasse o debate sobre a assistência
técnica com a construção e desenvolvimento de alguns projetos de produção
nos assentamentos, através da adoção das primeiras experiências de
produção alternativa. Estas se direcionavam para a materialização de
experiências produtivas opostas ao modelo do agronegócio, onde podemos
citar que um caso exemplar foi a criação da BioNatur, em 1998, que trataremos
posteriormente.
Com o crescimento, o fortalecimento e o redirecionamento das ações do
Movimento, foi se tornando evidente a urgência de investimento em espaços
próprios de formação, que tivessem como objetivo garantir a organicidade e a
articulação do MST com outros parceiros nos âmbitos nacional, latino
americano e internacional, e que tivessem, como ponto de partida, a prática
social dos Sem Terra, com suas contradições, desafios e possibilidades.
Primeiramente, este espaço foi articulado no Centro de Capacitação e
Pesquisa na cidade de Caçador, em Santa Catarina e, a partir de 1999, na
214
Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF, que, como fruto de uma
campanha internacional de solidariedade foi inaugurada em 2005.
Diante desta ampliação da noção e das estratégias de formação política
para seus militantes, o MST percebe, nesta segunda metade da década de
1990, a necessidade de se articular, política e institucionalmente, com outros
parceiros da sociedade brasileira, dentre os quais ganham destaque as
universidades públicas. Estas parcerias não se fazem, entretanto, numa
perspectiva meramente conjuntural, mas partem da certeza de que é
necessário, também, “ocupar o latifúndio do saber”, ou seja, os espaços de
produção e de socialização de conhecimentos, dos quais as universidades são
os exemplos mais evidentes. Esta articulação com as universidades se faz,
portanto, a partir de uma necessidade de acesso à teoria, ao conhecimento
científico, que pode, segundo análise do MST, garantir um movimento dinâmico
entre prática – teoria – prática, sedimentado nos princípios e nas iniciativas da
organização, devendo resultar, portanto, em “firmeza ideológica” (MST, 2001).
As lutas localizadas formam a consciência com limitações, com tendências ao corporativismo, permanecendo na esfera das disputas econômicas. A relação das lutas sociais com as lutas mais amplas, com mudanças de reivindicações de econômicas para políticas elevam a consciência social para consciência política. Neste sentido é que os militantes e dirigentes vão se formando e constituindo-se em verdadeiros lutadores do povo. Deve-se combinar o processo de lutas com o estudo teórico, para que haja um desenvolvimento da consciência verdadeira. (MST, 2001, p. 116-117).
Assim, a partir de experiências de parcerias firmadas com universidades
pelo setor de educação, o MST, através do Setor de Formação e da ENFF dá
início, em 1999, através de uma parceria pioneira com a UNICAMP, a uma
série de articulações com estas instituições de ensino superior para a oferta de
cursos de formação voltados, especificamente, para os militantes de
movimentos sociais rurais. Tal iniciativa era condizente com um momento de
abertura do Movimento à sociedade e de reafirmação da questão agrária na
agenda política nacional. Como teremos a oportunidade de discutir,
posteriormente, no que se refere à formação para as ações em agroecologia,
estas parcerias serão fundamentais.
Em 1999, o MST se declarou contra os cultivos transgênicos e, marcou
esta posição no Primeiro Fórum Social Mundial, em 2001, em Porto Alegre
215
quando, juntamente com lideranças da Via Campesina e com José Bové da
Confederátion Paysanneda da França, destruíram simbolicamente alguns
campos experimentais da Monsanto. Na visão de Martinez Alier (2014, p. 320)
mesmo que a medida de proibição aos cultivos transgênicos tenha fracassado
em nível federal, este enfrentamento “serviu para direcionar o MST rumo a uma
orientação ecologista”.
3.2.2 A construção da agroecologia como estratégia produtiva e política
Até o final do segundo mandato do governo Fernando Henrique
Cardoso, ocorreu o acirramento da ofensiva neoliberal, constituindo, no campo,
o período de maior avanço do agronegócio e uma forte imposição dos
transgênicos no Brasil e na América Latina.
Neste contexto, a resistência camponesa não é algo abstrato, é uma luta
contra-hegemônica, uma reação às conseqüências historicamente construídas
pela dominação do capital que, na conjuntura atual, se expressa pelo
neoliberalismo. Consideramos que os movimentos provenientes dessa
resistência realizam essa luta numa concepção gramsciana, que inclui a cultura
como processo social global, transformando-a em ferramenta para o processo
de transformação social. Essa luta se dá a partir da via teórica e prática. O
caráter retórico-crítico dos postulados neoliberais apresenta uma grande
dicotomia entre teoria e prática, o caráter prático encontra sua força a partir da
emergência da classe trabalhadora. Desta, emergem movimentos sociais
urbanos e rurais redefinindo a relação entre Estado e sociedade civil. Neste
momento, tendo como referência esta temática, a direção nacional e a base do
MST fortalecem suas preocupações com a questão ambiental.
O MST vem desenvolvendo, desde então, um trabalho de fortalecimento
de assentamentos rurais, tendo em vista garantir a sobrevivência econômica
dos assentados e também legitimá-los socialmente. Estimula, assim, formas de
produção cooperada, estabelece regras de conduta para os assentados, dando
grande ênfase à educação política e à formação tecnológica. Esse investimento
educacional vem propiciando a política de liberalização de quadros, pois
assentados que aderiam à proposta do Movimento passaram a contribuir para
que algumas lideranças se deslocassem para outras localidades, buscando
216
organizar novas ocupações, divulgando seus ideais e expandindo o Movimento
(MEDEIROS, in MOTTA, 2005).
O desenvolvimento da educação e da formação no MST demonstra uma
forte resistência ao modelo hegemônico baseado no capitalismo, pautando a
luta pelo acesso à educação pública, gratuita e de qualidade em todos os
níveis para a população do campo, além das ocupações de terra e marchas
para pressionar a reforma agrária no país. Consideramos que este
investimento na educação e na formação dos sem terra vem trazendo
resultados significativos no direcionamento estratégico do MST, tanto em
termos do seu discurso como na sua opção política.
Entre as lutas mais amplas ou mais restritas levadas adiante pelo MST,
interessa-nos, particularmente, conhecer o processo de politização do que
anteriormente definimos como “questão ambiental”, o qual acontece a partir de
ações coletivas e mudanças políticas e institucionais, tendo como norte uma
perspectiva que vise transformações societárias. Esse enfrentamento deve
desvelar, entre outras dimensões, as desigualdades de poder sobre os
recursos naturais e os conflitos, as tensões e os embates entre as classes
sociais que se constituem pela participação desigual na estrutura produtiva e
na desigualdade na distribuição e apropriação dos bens socialmente
produzidos a partir das relações entre sociedade e natureza. Pretendemos
analisar as potencialidades e desafios do MST, na busca de articulação em
torno da questão ambiental como um eixo estratégico da luta contra o capital.
A partir dos anos 2000, tendo como referência todo o acúmulo dos seus
quinze primeiros anos de existência, o MST defende que, a realização da
reforma agrária se constitui num dos elementos fundamentais para a
superação da insustentável realidade ambiental, pois proporciona condições
para a mudança do modelo produtivo da agricultura, articulando a melhoria das
condições de vida com a preservação ambiental. Por isso, a reforma agrária,
para além da distribuição da terra, deve se centrar no seu uso, o que
necessariamente incorpora a dimensão ambiental, que deve ser vista não
como um entrave, mas como condição e possibilidade para o desenvolvimento
dos assentamentos.
Nesta direção, várias ações foram construídas. O IV Congresso,
realizado em 2000, tinha como lema "Reforma Agrária: por um Brasil sem
217
Latifúndio" e reafirmou a necessidade de eliminação do latifúndio e da violência
no campo, uma vez que o período anterior é marcado pelos dois grandes
massacres de trabalhadores rurais que mencionamos anteriormente. Dentre as
decisões políticas deste congresso, destacamos a explicitação do combate ao
“modelo das elites, que representa os produtos transgênicos, as importações
de alimentos, os monopólios e as multinacionais” e se propôs a “desenvolver
linhas políticas e ações concretas para a construção de um novo modelo
tecnológico, sustentável do ponto de vista ambiental, com garantia de
produtividade, viabilidade econômica e bem estar social” (MORISSAWA, 2001,
p. 166). E, ainda, destacamos a importância de resgatar o debate em torno de
questões como meio ambiente, biodiversidade, água doce, defesa da bacia de
São Francisco e da Amazônia, como pertinentes a toda sociedade e como
parte da reforma agrária. A construção da unidade no campo, o
desenvolvimento de novas formas de luta e o fortalecimento da aliança campo-
cidade são adotados como estratégicos, para a construção de um projeto
político popular.
Consideramos relevante destacar que, a partir do IV Congresso (2000),
a agroecologia passa a ser assumida como um processo de construção de
outro modelo produtivo e político, em clara oposição ao modelo das classes
dominantes que impõem os transgênicos, sob o comando das empresas
transnacionais do agronegócio.
Tendo como referencia a questão de classe no capitalismo e a clareza
das determinações presentes no processo de luta, um dos maiores desafios
políticos ao MST, como poderemos analisar, é a materialização de
possibilidades concretas para o embate com o agronegócio. A partir da
demanda especifica de conquista da reforma agrária e a estruturação produtiva
e social de seus assentamentos, através da agroecologia, o MST, como um
movimento de massas vem direcionando sua luta para a conquista de
transformações societárias, que contemplem formas de desenvolvimento
ambientalmente sustentáveis e socialmente justas. Por seu posicionamento, o
MST se coloca o desafio de trabalhar na disputa de concepções políticas no
pensamento crítico, que se direcionem para a formação de consensos e para a
construção de uma nova cultura política.
218
Para o movimento, a resolução de que o meio ambiente deveria ser um
tema transversal na sua organização vem fortalecer a busca de novas
referências para os assentamentos, no sentido de como desenvolvê-los, numa
perspectiva ampla, com preocupação com as questões sociais, econômicas e
ambientais tendo como centralidade o acúmulo de forças.
Em outubro de 2001, o MST, aliado a 86 organizações camponesas que
pertencem a Via Campesina, na Índia, resolveram manifestar sua oposição à
propriedade intelectual sobre qualquer forma de vida, ou seja, a propriedade
privada sobre a vida; reforçar que a biodiversidade deveria ser base para
garantir a soberania alimentar, considerando-a como um direito dos povos de
definir sua própria política agrícola e alimentar; declarar a necessidade de uma
moratória indefinida para todos os cultivos comerciais de plantas transgênicas,
até que a ciência tenha segurança sobre os efeitos de cada planta para o meio
ambiente, a saúde do agricultor e do consumidor. Reiteravam também que as
decisões relacionadas com o uso, manejo, pesquisa e liberação de organismos
geneticamente modificados devem estar sobre controle e consulta permanente
da sociedade de cada país; bem como as empresas públicas e a sociedade
deveriam manter um permanente controle e avaliação dos riscos para a
biodiversidade e os aspectos sócio-econômicos da disseminação desses
organismos; e ainda que, em qualquer situação, se coloque em primeiro lugar,
a vida humana e a proteção das comunidades rurais e dos agricultores (MST,
2001).
Em 2001, foi criada a Jornada de Agroecologia que, a partir de 2002,
passou a se realizar todos os anos através de encontros estaduais, como
resultado de uma articulação latino americana, congregando vários
movimentos sociais do campo, movimentos ambientalistas, ONGs, estudantes
de agronomia, etc., atuantes no Paraná, que iniciaram, nos anos 1980, a luta
conjunta pela terra, pela reforma agrária e pelo desenvolvimento da
agroecologia. Os objetivos centrais desta união se relacionam à luta contra os
transgênicos e o uso de agrotóxicos e em defesa das sementes crioulas, o que
se expressa no lema adotado: Jornada de Agroecologia – Terra Livre de
Transgênicos e Sem Agrotóxicos. A metodologia desta jornada inclui a
realização de conferências, oficinas para troca de experiências, atividades
culturais e feiras em praças públicas para exposição e venda de produtos
219
agroecológicos e atos políticos, onde divulga e encaminha a Carta da Jornada
de Agroecologia contendo suas posições e reivindicações norteadoras das
ações a serem desenvolvidas. Explicita-se como sendo uma articulação que
parte desde as ações concretas e efetivas das famílias camponesas e suas
múltiplas formas de associação e cooperação no interior dos seus
agroecossistemas, comunidades e assentamentos e se projeta em sistemas
em redes de alcance estadual, pluriestadual, nacional e internacional (TARDIN,
2009 b).
A Jornada de Agroecologia se apresenta, assim, com caráter popular,
massiva em seu alcance social, portanto, como dinâmica social do
campesinato, ao mesmo tempo em que busca atrair ao diálogo e ação
conjunta, outros segmentos da sociedade, notadamente aos estudantes,
técnicos, pesquisadores e docentes, partidos políticos progressistas e seus
membros detentores de mandatos populares, e o movimento ambientalista.
Para um dos coordenadores do MST na jornada, José Maria Tardin
(2009b, p. 10)
[...] essa coalizão de organizações projeta a agroecologia muito além da problemática exclusivamente técnica de produção, colocando-a no patamar da luta política apontando para a sociedade brasileira e para as autoridades que há necessidade de uma mudança de rumo no sistema de produção da agricultura do país.
Os Encontros de Agroecologia expressam a articulação de segmentos
da sociedade como movimentos sociais, ONGs visando ao enfrentamento com
o agronegócio dos transgênicos. O I Encontro, também realizado em 2002,
contou com a participação de 4000 pessoas e construiu um potencial
fundamental de publicização e politização para a conquista de ações concretas,
dentre as quais podemos destacar a lei contra os transgênicos no estado do
Paraná. Também ocorreu a ocupação, por 80 famílias, de um laboratório de
pesquisa sobre transgênicos da Monsanto, em Ponta Grossa. O objetivo era
criar ali, um centro de estudos de agroecologia.
O Encontro de Agroecologia realizado em 2006 teve como ato político
principal, a ocupação de um laboratório da multinacional Syngenta, que
ocupava uma área de 100 hectares localizada a 30 km do Parque Nacional do
Iguaçu, o que era proibido por lei, uma vez que é determinado que nenhuma
220
atividade ou ocupação pode ser realizada num raio de 10km do entorno de
parques ecológicos.
Podemos dizer que este coletivo demarca a questão de classe e a luta
de classes presente na sociedade brasileira, ao se colocar em contraposição
ao capitalismo, representado pelo agronegócio. Com clareza política deste
embate, a articulação de diversos sujeitos coletivos não visa ao esverdeamento
do capitalismo25, mas se propõe a desenvolver a agroecologia para a
reconstrução ecológica da agricultura como uma das frentes de luta contra o
capital, visando transformações societárias qualitativas.
Em mais de uma década de existência da jornada de agroecologia,
destacam-se como as maiores conquistas da agricultura familiar camponesa,
fruto deste embate com o agronegócio, o fechamento da unidade de produção
de transgênicos da empresa transnacional Monsanto em Ponta Grossa- PR, a
absolvição judicial de militantes coordenadores da jornada, que haviam sido
criminalizados e a transferência do centro de produção de transgênicos da
transnacional Syngenta, em Santa Tereza do Oeste para o governo do Estado
do Paraná, que criou o Centro de Pesquisa em Agroecologia, com o nome de
Valmir Mota de Oliveira, militante do MST conhecido como Keno, assassinado
por milícia contratada pela empresa.
Somos concordantes com a avaliação de Tardin (2009b), pois mesmo
considerando as conquistas políticas alcançadas pelas jornadas de
agroecologia, é preciso ter em conta que há uma série de arranjos, expressos
por medidas provisórias do governo federal favoráveis ao agronegócio e por
decisões judiciais, que as inviabilizam ou mesmo as anulam. A prioridade de
recursos do Estado, destinados ao financiamento da agricultura do agronegócio
se impõe sobre os incentivos dados às famílias camponesas organizadas que
trabalham com a agroecologia, se constituindo num entrave ao seu
desenvolvimento.
A partir de 2003, a questão ambiental ganha um novo impulso no interior
das linhas de ação do MST, tendo como referência central a campanha da Via
25O capitalismo verde, economia verde ou ecocapitalismo trata-se de um discurso em defesa do capitalismo sustentável em termos ambientais. O capitalismo se apropriou da causa ambiental e do conceito de sustentabilidade, para ampliar lucros através da exploração e mercantilização dos recursos naturais, e camuflar os efeitos sociais e ambientais nefastos de seu sistema.
221
Campesina intitulada: "Sementes - patrimônio dos povos a serviço da
humanidade", que desempenhou forte influência na mística da Via Campesina
e do MST. Neste ano é criada também a rede BioNatur, inicialmente como uma
rede nacional de sementes, depois ampliada para rede de agroecologia26.
Essa discussão sobre as sementes vem se somar aos princípios do
documento “Nossos compromissos com a terra e com a vida”, datado de 2000
e aprovado no IV Congresso Nacional, que afirma, em seu início, que “os seres
humanos são preciosos, pois sua inteligência, trabalho e organização podem
proteger e preservar todas as formas de vida”. Nesta mesma direção, seus dez
pontos destacam a necessidade de preservação da terra e da natureza em
geral, da produção de alimentos para a eliminação da fome a partir do
policultivo e contra a monocultura, do embelezamento dos assentamentos e
comunidades com o plantio de flores, ervas medicinais, hortaliças e árvores, o
tratamento adequado do lixo e o combate a agressão ao ambiente natural, a
pratica da solidariedade e indignação contra injustiças, a necessidade de
preservação da terra para as futuras gerações e a negação de sua
possibilidade de venda após a conquista.
Assim, defendemos que este resgate da questão das sementes e seu
significado para os camponeses e para a sociedade em geral trouxeram
elementos vitais para o fortalecimento da identidade camponesa, que possui
nas sementes tanto aspectos objetivos quanto subjetivos, pois sua seleção e
armazenamento e as trocas entre os produtores significam sua sobrevivência
(que, no interior do modelo do agronegócio, passa a ser ameaçada pelas
sementes hibridas e transgênicas até a Terminator), mas significam também a
capacidade geradora da vida, da continuidade dos cultivos tradicionais, e
também o prazer de cultivar.
A criação do Coletivo Nacional de Frente de Meio Ambiente, em 2005,
foi outro elemento importante do processo de desenvolvimento do MST,
coordenado pelo setor de produção, cooperação e meio ambiente em tentativa
de articulação com os setores de educação e formação, tendo como norte uma
crítica ambiental mais elaborada, estabelecendo princípios e temáticas
estratégicas. Este coletivo vem implementando, entre outras iniciativas: o
26
Abordaremos a BioNatur posteriormente, junto com algumas considerações sobre outras
experiências agroecológicas no MST.
222
Projeto de Manejo da Agrobiodiversidade com Enfoque Agroecológico; o
Diagnóstico Rápido Participativo da Biodiversidade (DRPBio); a Rede de
Pesquisa Tecnológica da Reforma Agrária; a instalação dos Centros
Irradiadores de Manejo da Agrobiodiversidade (CIMAs); e a construção do
Programa Ambiental do MST.
Destacamos que um grande esforço do MST vem sendo feito a partir da
criação dos Centros Irradiadores de Manejo Agroecológico (CIMAs), norteados
por quatro questões fundamentais: adoção de uma proposta estruturante para
os assentamentos a partir da agrobiodiversidade; construção e utilização de
metodologias participativas, estabelecimento de relações institucionais com a
EMBRAPA e ONGs nacionais e internacionais; sistematização das
experiências de agroecologia, avaliando os avanços e limites. O MST começa
a dialogar com atores externos para a elaboração desta metodologia
participativa, que apóie e ajude na construção da abordagem e experiência de
agroecologia.
A fim de acompanhar e avaliar as experiências agroecológicas, foi
criado, em 2006, uma rede de pesquisa que vem sendo construída
conjuntamente pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e os centros de
formação vinculados à CONCRAB e à Associação Nacional de Cooperação
Agrícola - ANCA. Os aspectos centrais da metodologia desta rede de pesquisa
são os seguintes: envolvimento das organizações e associações
cooperativistas; identificação das principais culturas cultivadas e seus
problemas; adoção de soluções ecológicas relacionadas à produção, custos,
penosidade do trabalho e impactos à saúde e ao ambiente; descentralização e
participação, onde o agricultor é considerado o principal pesquisador/sujeito do
processo; controle social pelos agricultores; validação social e validação
científica do conhecimento; relação interinstitucional (Universidades, ONGs,
etc.). As linhas de pesquisa se relacionam à cultura de diversos cultivos, a
produção de biofertilizantes e sistemas específicos de cultivo, como o sistema
de aléias.
Em junho de 2006, o MST elaborou um documento sobre a plataforma
política para uma agricultura sustentável, que expressa uma síntese de
diversas contribuições, com destaque para elaborações da Via Campesina e o
manifesto das Américas em defesa da natureza e da diversidade biológica e
223
cultural. Esta plataforma se fundamenta na crítica ao sistema econômico
dominante, com destaque aos custos relativos à exploração da natureza e das
pessoas. Chama a atenção para a ameaça à integridade e a diversidade de
formas de vida que dão sustentação à biodiversidade. Aponta para mudanças
societárias, orientadas por padrões de desenvolvimento, socialmente justos e
ecologicamente sustentáveis (MARTINS, 2006).
Esta plataforma política é constituída de seis pontos fundamentais:
soberania alimentar; biodiversidade, através do reconhecimento da diversidade
humana; recursos genéticos, como direitos dos camponeses e comunidades
rurais, destacando que as sementes são consideradas o quarto recurso que
gera a riqueza da natureza, depois da terra, da água e do ar; reforma agrária e
mudanças sociais no campo através da democratização da terra, dos meios de
produção e o uso da terra, elementos fundamentais para o cumprimento de sua
função social defendendo o padrão produtivo baseado na agroecologia;
gênero, ressaltando a tradição das mulheres no recolhimento, escolha e
propagação de variedades de sementes para uso alimentício e medicinal,
considerando-as como protetoras primárias dos recursos genéticos e da
biodiversidade do mundo; direitos humanos, como direitos universais, que têm
que ser mantidos, respeitados e implementados pelo Estado Brasileiro.
O V Congresso Nacional, ocorrido em 2007, inovou, mais uma vez, o
debate e as linhas políticas do movimento ao apresentar o lema "Reforma
Agrária: por Justiça Social e Soberania Popular", representando um momento
particular na tomada de deliberações em torno da defesa de uma proposta de
reforma agrária de novo tipo, onde o discurso ambiental passa a se destacar
como parte da reforma agrária e como luta para toda a sociedade, tendo em
vista a relação predadora que o capital estabelece com o planeta, constituindo-
se como uma questão de sobrevivência para a humanidade, exigindo e
desafiando a participação de toda sociedade.
Este Congresso Nacional expressou fortemente a defesa de que a
proposta de reforma agrária deve alterar e democratizar a propriedade da terra
como primeiro passo. Além disso, apontava para a importância de se priorizar a
organização da produção de alimentos saudáveis que garantissem a soberania
alimentar e que mudasse a matriz energética. Então,
224
[...] a Reforma Agrária agora, é mais do que reestruturar a propriedade da terra, é necessário reestruturar toda produção e vida social no campo. [...] é a disputa entre dois modelos de sociedade: de um lado, o modelo do agronegócio e, de outro, a reforma agrária popular (MST, 2007, p. 91).
Neste momento, o MST reafirmou como linha política estratégica, a
construção e o fortalecimento de alianças, onde a questão ambiental torna-se
decisiva para o estabelecimento de diálogo com as diversas formas de
organização popular, e referência para o trabalho de base, a formação política
e a consolidação de um projeto popular para o Brasil. Na proposta de reforma
agrária apresentada neste Congresso, a questão ambiental ganha contornos
mais definidos, tendo em vista a explicitação da adoção da agroecologia como
nova matriz tecnológica. Em nossa visão, para além da necessária mudança do
modelo produtivo, a agroecologia também passa a se constituir como uma
estratégia política. Assim, podemos dizer que o IV e o V congressos
representam uma fase decisiva em relação à construção de um modelo de
agricultura contra-hegemônico, expresso pela proposta de reforma agrária que
denota um claro processo de disputa em torno de outro modo produtivo.
Para este sujeito coletivo, a efetividade de sua proposta requer a
superação de uma diversidade de desafios, entre os quais destacamos: elevar
o nível de consciência social, política e cultural de sua base social, e dos
camponeses em geral; transformar os assentamentos desenvolvendo a
agroecologia como estratégia de produção agrícola garantindo a soberania
alimentar, respeitando o meio ambiente e a produção de alimentos sadios,
combinada com áreas reflorestadas, com defesa da água e da biodiversidade
(MST, 2007).
As críticas ao modelo de agricultura capitalista a partir de seu caráter
destrutivo no campo socioambiental e a defesa de outro modelo produtivo vêm
se constituindo num ponto de encontro e convergência de lutas. Nesta direção,
há a intencionalidade de problematizar o papel estratégico do MST na
politização da agroecologia na sociedade em confronto com o modelo de
agricultura capitalista, de forma a contribuir para a construção de um projeto
contra-hegemônico. Sobre estas ações construídas em torno da agroecologia,
voltaremos a tratar posteriormente.
225
A necessidade de politização da agroecologia na sociedade, a partir de
sua afirmação como novo enfoque para a ocupação e o uso da terra pela
agricultura familiar camponesa, como forma de garantia de segurança e
soberania alimentar, deve estar no centro das estratégias dos movimentos
sociais do campo. Neste duro combate estabelecido no espaço agrário, é vital
não apenas denunciar os efeitos sociais e ambientais perversos da agricultura
produzida pelo agronegócio, mas também dar visibilidade às experiências em
agroecologia e seus benefícios para o conjunto da sociedade.
A necessidade de superação de desafios em torno da questão
ambiental, como um eixo de luta do MST, pode ser confirmada na fala de um
de seus dirigentes:
A humanidade corre perigo de existência, e é isso que queremos discutir com a nossa base. Enquanto estamos olhando para a nossa terrinha, para a conquista do assentamento, estão sendo destruídos recursos naturais em todo mundo. Para o MST, isto é uma questão de fundo, estratégica, não uma questão tática. É a defesa do planeta e de outra forma de produção para a preservação da espécie humana. Vincular esta questão de fundo com a construção de assentamentos que possibilitem esta preservação é uma tarefa que temos que construir inclusive com o nosso povo. (MAURO citado por GLASS, 2007).
Neste sentido, afirmamos que a luta histórica do campesinato é decisiva
para o desvelamento da ocultação ideológica das potencialidades da
agricultura camponesa com base agroecológica, operada pelas classes
dominantes através do agronegócio e dos grandes proprietários dos meios de
comunicação, opositores poderosos, tanto da reforma agrária, quanto da
alteração do atual padrão agrário-agrícola. Aí se colocam as interfaces entre a
questão agrária e a questão ambiental, pois a luta pela mudança no modelo
agrário e agrícola hegemônico, relacionada ao direito à terra a partir de sua
função social, está aliada à construção de uma perspectiva de sua utilização
também do ponto de vista da sua função ambiental, ambas amparadas em
dispositivos constitucionais.
São iniciativas do Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente,
coordenado pela Frente Nacional de Formação Técnica Formal, os cursos de
Agroecologia de nível médio, superior e pós-graduação. Estes têm sido
realizados em parceria com Universidades de várias regiões do Brasil,
226
objetivando a formação de técnicos para a implementação da Agroecologia nos
assentamentos e acampamentos. Dentre diversas iniciativas, destaca-se a
Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA),em 2005,em parceria com a
Via Campesina, que apresentaremos mais a frente.
Tendo como referencia a questão de classe no capitalismo e a clareza
das determinações presentes no processo de luta, o desafio que se coloca aos
movimentos sociais é a materialização de possibilidades concretas para o
embate com o agronegócio. Neste sentido, defendemos que a construção da
agroecologia como estratégia produtiva e política, assumida pelo MST, se
constitui como meio de fortalecimento de seu processo de luta. Portanto, a
agroecologia demanda um preparo técnico-produtivo e político, onde a
educação e formação de quadros, e a articulação de alianças entre
organizações da classe trabalhadora, jogam um papel decisivo no
enfrentamento ao agronegócio, na disputa de posições na sociedade civil.
Analisaremos a seguir o protagonismo da luta do MST pela reforma agrária e
pela construção de outra sociedade, seu legado expresso na luta por outro
modelo agrário e agrícola, através da proposta de reforma agrária popular,
onde destacaremos o significado da agroecologia. Buscamos destacar também
como a luta pela construção e fortalecimento da agroecologia, como uma
estratégia produtiva e política, assumida pelo MST, pode qualificar sua
proposta de reforma agrária popular, contribuindo para politizar a questão
ambiental na sociedade brasileira.
3.3 A reforma agrária popular e a afirmação da agroecologia como
estratégia produtiva e política nos assentamentos e na formação de
quadros
A proposta de reforma agrária popular elaborada pelo MST (2013),
debatida e aprovada em seu VI Congresso Nacional, realizado em 2014, se
direciona para a construção de uma nova sociedade baseada em relações
igualitárias e solidárias, que seja ecologicamente sustentável. O lema adotado
pelo VI Congresso do MST (2014), “Lutar, Construir Reforma Agrária Popular!”,
expressa o momento político que o movimento está vivendo e apresenta os
principais desafios para o próximo período. Esta escolha é justificada a partir
227
da necessidade de um lema que possa representar, para a militância e para
toda sociedade brasileira, “uma resposta contundente às dificuldades políticas
e organizativas imposta pela conjuntura (Estado, governo e agronegócio)do
último período.” Ao mesmo tempo, o movimento sinaliza a estratégia escolhida
para superar as dificuldades atuais e apontar caminhos na perspectiva de
acúmulo de forças para a construção de sua proposta de Reforma Agrária
Popular e para o projeto popular para o Brasil. Assim, o MST reafirma a defesa
dos objetivos políticos de lutar pela terra, pela reforma agrária e pela
transformação social, que o acompanham desde a sua criação.
O termo “lutar” é adotado como expressão histórica do movimento e da
herança recebida das lutas da classe trabalhadora brasileira e de todo o
mundo, de sua organização política e da luta econômica, considerando que as
conquistas são resultado de lutas coletivas e da resistência, a partir da tática de
lutar e negociar, garantindo conquistas econômicas e políticas para os que
realizaram as lutas. Nesta mesma direção, o termo “construir” representa o
processo de organizar, formar e mobilizar a classe trabalhadora vinculando a
luta política contra o capitalismo e por um projeto popular. Os elementos-chave
e as tarefas táticas para construir esta possibilidade estratégica se referem
primeiramente ao combate ao latifúndio, à monocultura agroexportadora, ao
modelo do agronegócio e ao Estado burguês. Mas também destaca a
necessidade vital de concretização das experiências agroecológicas para a
produção de alimentos saudáveis e diversificados, a recuperação do meio
ambiente; a elevação do nível de escolarização de crianças, jovens e adultos; a
ampliação da formação de quadros e militância e a construção de acúmulo de
forças para o fortalecimento de seu projeto estratégico.
Nas análises do movimento e tendo como norte a crítica da realidade
agrária atual, dominada pelo projeto do capital, representado pelo agronegócio,
cabe dar continuidade à luta pela terra e contra o latifúndio, mesmo
considerando que a conquista de assentamentos é insuficiente para alterar a
correlação de forças predominante no atual modelo de agricultura. A
construção e projeção da “reforma agrária popular” do movimento reafirma a
ultrapassagem de uma reforma agrária distributivista, nos limites do poder
burguês. Os elementos fortalecedores do caráter popular da reforma agrária de
novo tipo do MST só serão concretizados a partir da construção coletiva do
228
conjunto da classe trabalhadora do campo e da cidade, a partir do
fortalecimento e ampliação deste arco de alianças, indispensável para a luta
anticapitalista, neste momento histórico de crise civilizatória onde, sob o
domínio do capital, todos os bens da natureza e da cultura popular são
transformados em mercadoria.
O movimento reconhece a necessidade de uma série de mudanças na
sociedade atual, principalmente no que se refere à estrutura de organização da
produção, apontando para a superação da exploração do trabalho e da
natureza. Dentre os objetivos estabelecidos, destacamos: eliminar a pobreza
no campo; combater a desigualdade social, a exploração dos camponeses e a
degradação da natureza; garantir a soberania alimentar de toda população
brasileira; preservar a biodiversidade vegetal, animal e cultural de cada região
do Brasil, responsável por nossos diferentes biomas e garantir melhores
condições de vida através de trabalho, renda, educação, moradia e lazer.
Também fica explícita, nos objetivos, a defesa da participação igualitária das
mulheres e de melhores oportunidades e condições para a permanência no
campo, principalmente da juventude.
As mudanças necessárias são apresentadas através de medidas
consideradas fundamentais e complementares reunidas em torno de
compromissos, sendo alguns mais diretamente relacionados à questão
ambiental, onde destacamos a defesa não apenas da terra que precisa ser
democratizada, mas também da água como bens dos povos e que deve estar a
serviço de toda a humanidade; a organização da produção agrícola voltada
para o cultivo de alimentos saudáveis e diversificada, como garantia do
princípio da soberania alimentar através da agroecologia, gerando uma nova
base alimentar. O novo modelo tecnológico assumido claramente afirma, como
uma das medidas necessárias, a massificação da agroecologia através da
formação, da prática e da troca de experiências, da produção, distribuição e
controle das sementes e da criação de um organismo público de certificação
dos alimentos agroecológicos. Também se coloca a necessidade de ruptura
com a propriedade intelectual de patentes de variedades, sementes, recursos
naturais ou sistemas de produção; a criação de máquinas e equipamentos
agrícolas adaptados à produção camponesa e a realização de um programa
229
nacional de reflorestamento tanto nos assentamentos quanto em áreas
degradadas pelo agronegócio.
A reforma agrária popular do MST afirma ainda a necessidade de uma
nova ação do Estado e agrega demandas que ultrapassam a luta pelo acesso a
terra e pela eliminação do latifúndio, como o acesso à saúde e à educação. O
MST defende que a reforma agrária proposta tem como base a democratização
da terra, mas a produção agroecológica busca produzir alimentos saudáveis
para toda a população brasileira, o que, de certo, não é possível para o modelo
do agronegócio. Consideramos que a adoção da agroecologia fortalece e
ressignifica a proposta de reforma agrária do MST, aproximando sujeitos
coletivos do campo e da cidade, ao defender a produção de alimentos
saudáveis combatendo o uso de agrotóxicos.
As dificuldades de operacionalização desta proposta de reforma agrária
se relacionam com as mudanças no campo brasileiro, o que implica na disputa
por políticas públicas amplas e democráticas, a começar pela política agrária e
agrícola, reafirmando a necessidade de fortalecimento de uma perspectiva
revolucionária. A crítica ao modelo agrário e agrícola dominante requer a
sustentação da agroecologia como uma estratégia que vem qualificar a
proposta de reforma agrária, em contraposição ao modelo do agronegócio que
vem minando as duas fontes de produção de riquezas que são a natureza e o
trabalho, gerando violência, superexploração do trabalho e devastação
ambiental.
A preocupação do movimento com a efetivação da luta pela reforma
agrária popular agroecológica se direciona para o necessário preparo não só,
mas fortemente técnico, para levar adiante as experiências concretas de
agroecologia, mas também ao preparo político (em torno de concepções mais
amplas que a agroecologia requer) para este enfrentamento, que deve se
inscrever num patamar superior e para além da produção agrícola, na
perspectiva de inserir a agroecologia como dos elementos fundamentais para a
construção de uma nova relação da sociedade com a natureza, fator
imprescindível para se construir outro modelo de desenvolvimento para o
Brasil.
Consideramos que o VI Congresso não deu o devido peso aos debates
sobre a agroecologia, como uma nova concepção produtiva e política. E uma
230
atividade paralela, sobre a Política Nacional de Agroecologia, realizada por
representantes do governo federal no VI Congresso, no momento em que se
discutia na mesa programada “os desafios da classe trabalhadora”, e que
inclusive gerou concorrência e esvaziamento nesta discussão, evidencia a
necessária análise crítica das relações entre o movimento e o governo, que
obtém adesão, mesmo que crítica, do setor de produção, arregimentado e
seduzido pela agroecologia institucionalizada nos marcos deste governo. A
questão é como será a inserção e participação do MST no Programa Terra
Forte, do Plano Nacional de Agroecologia, que é uma conquista do MST que
arranca esta política do governo, e sua postura crítica, sua autonomia para
avançar numa concepção mais ampla de agroecologia para além da produção
de alimentos saudáveis, conquista indispensável, urgente, porém insuficiente.
A fala da dirigente do MST do Ceará, Antônia Ivoneide Melo e Silva
(Neném) no VI Congresso, destacou esta linha crítica de que falamos a partir
de sua consideração de que: “os assentamentos são conquistas coletivas
contra os interesses dos latifundiários, feitas na marra”. Acrescentamos: e do
moderno agronegócio, que também quer estas terras. “A questão da soberania
alimentar ultrapassa a produção de alimentos saudáveis. É o poder de decidir
sobre a produção e seus resultados”.
A conquista dos assentamentos é o primeiro passo, mas é preciso controlar a água e as sementes. Ele impõe o desafio de usar a força de trabalho dos assentados, com tecnologias construídas e apropriadas pelos camponeses. A agroecologia deve ser um elemento de defesa dos assentamentos, que são territórios muito disputados pelo agronegócio, empresas e pelo próprio Estado. É importante ponderarmos que a agroecologia é mais que experiência. As experiências se somam. Mas ela é uma decisão política por outro estilo de vida, outras relações e outras sociabilidades.
Esta dirigente do MST também destacou que a mudança neste estilo de
vida, que se expressa na produção agroecológica, é a chave para a conquista
da soberania alimentar. O assentamento é um lugar de produzir e viver, e deve
contribuir efetivamente para a construção da Reforma Agrária Popular, o que
leva à reflexão sobre qual é o papel social do MST neste processo. Nesta
direção, fez a critica à idéia de fim do MST e enfatizou alguns elementos que
podem, de fato, enfraquecê-lo ou enfraquecer a luta por terra e pela reforma
231
agrária: a estratégia do governo de não fazer assentamentos, o que desanima
os acampamentos; as políticas sociais meramente compensatórias e a idéia de
privatização dos assentamentos, que seria a concretização da propriedade
privada individual da terra e não o direito de uso e herança, como defende o
MST. Esta defesa de uso e não da propriedade privada da terra feita pelo MST
é fator fortalecedor da coesão e contribui para construção de outro tipo de
relação com a terra e os bens da natureza, na linha de sua defesa de reforma
agrária. Outra questão debatida sobre os assentamentos é que eles
representam aprendizados coletivos das possibilidades de vida e fortalece a
cultura da coletividade, que são elementos que sustentam a constituição de
uma nova sociabilidade, fundamental para a construção de outra sociedade.
De acordo com a avaliação do MST (2013, p. 6), a implantação da
reforma agrária popular está condicionada ao avanço das seguintes questões:
capacidade de pressão sobre os governos obtendo conquistas (fator importante
na luta de classes e na formação da consciência política da militância, porém
insuficiente); correlação de forças no enfrentamento ao agronegócio;
fortalecimento interno da organização do movimento; construção nos
assentamentos e em outros espaços conquistados, do novo modelo de
agricultura; construção e fortalecimento de alianças com a classe trabalhadora
do campo e da cidade; construção de consensos em torno da compreensão e
defesa de outro modelo de agricultura e democratização do Estado.
Ao abordar os desafios do desenvolvimento da agroecologia nos
assentamentos do MST, Martins (2013) afirma que as experiências
agroecológicas são produtoras de conhecimentos e de relações sociais que
ampliam a visão de mundo para o estabelecimento de uma nova relação com a
natureza, no sentido de desvelar as relações sociais de dominação expressas
pelo agronegócio. Por isto, a agroecologia ganha sentido mais amplo através
de sua relação com um projeto estratégico de classe, que faça a crítica ao
modelo do capital apresentando um projeto alternativo de produção para o
Brasil.
Stédile (2014) esclarece que a nova concepção de reforma agrária
defendida pelo MST ultrapassa a perspectiva de distribuição de terras,
definindo os novos rumos do movimento e da luta pela terra, onde a questão
ambiental, a partir da adoção de outro modelo produtivo baseado na
232
agroecologia, passa a ser uma bandeira fundamental do movimento. Neste
novo contexto, a economia mundial é comandada pelo capital financeiro
internacionalizado, e no campo, esse modelo forjou o agronegócio, que exclui e
expulsa os camponeses e a mão de obra do campo. Nesta concepção do
movimento, não basta apenas distribuir terra, até porque o processo em curso
é de concentração da propriedade da terra e desnacionalização.
Os parâmetros das mudanças propostas pela reforma agrária popular significam reorganizar os bens da natureza e a produção agrícola para, em primeiro lugar, produzir alimentos sadios para todo o povo. Produzir com base na matriz da agroecologia, em equilíbrio com a natureza e sem o uso de venenos agrícolas. Implementar agroindústrias na forma de cooperativas, para beneficiar os alimentos e aumentar a renda dos trabalhadores do campo. E incluir a democratização da educação como uma necessidade do desenvolvimento social. Não se pode admitir que ainda tenhamos 18 milhões de trabalhadores adultos analfabetos, e a maioria está no campo. (STEDILE, 2014, p.2)
As mudanças necessárias ao processo de organização do MST, para o
enfrentamento com o agronegócio, passam necessariamente pela questão do
fortalecimento e da ampliação das alianças entre sujeitos coletivos do campo e
da cidade para a construção de um novo modelo agrícola e para a efetivação
da reforma agrária popular.
O agronegócio é um modelo de produção agrícola do capital, que exclui a população. Constitui uma nova classe dominante, mais forte e mais complexa. Daqui em diante, as mudanças no campo, para a construção de um novo modelo agrícola que produza alimentos sadios, que não agrida a natureza, que distribua renda e represente desenvolvimento para nosso povo, depende de uma aliança de toda classe trabalhadora. Por isso, nossas táticas devem incluir a aliança com a classe trabalhadora na cidade, com os jovens e todos os movimentos sociais urbanos. (STEDILE, 2014, p.4)
Nesta mesma linha, outro dirigente do MST, também afirma a urgência
do movimento de estabelecer novas pautas diante da sociedade, atualizando
os conceitos sobre a necessidade da reforma agrária, no atual contexto
político da agricultura brasileira. Para tanto, destaca a necessária autocrítica e
reflexão do movimento para enfrentar os dilemas deste atual período, marcado
pelo abandono da reforma agrária, reforçado pelo atual governo (MAURO,
2014).
233
Ao fazer um balanço destes 30 anos do MST, Mauro (2014) levanta
algumas questões e aprendizados obtidos: clareza na continuidade do rumo a
ser seguido da luta pela terra e pela transformação social, que só pode ser
alcançado através da luta social como condição histórica da classe
trabalhadora para a elevação do nível de consciência e formação; construção
de uma organização interna para além das demandas da reforma agrária, que
enfatiza a educação, tanto na alfabetização de jovens e adultos, como também
através das parcerias com as universidades públicas, para a ampliação do
acesso ao ensino superior; o fortalecimento da política de formação e de
comunicação através da Escola Nacional Florestan Fernandes; e
principalmente a concretização produção nos assentamentos e a criação de
agroindústrias, conquistas alcançadas através da organicidade do MST.
Outros pontos levantados foram a unidade interna do movimento, que
mesmo com contradições, foi construída em torno de um projeto e de ações,
que propiciaram a realização de suas lutas; a necessária articulação
internacional a partir da compreensão de que as mudanças no Brasil são parte
de mudanças estruturais necessárias em todo mundo, o que vem
demandando a ampliação da atuação do movimento em escala planetária.
E, por fim, destaca um ponto que consideramos essencial para nossas
reflexões em torno da capacidade de politização do MST, que diz respeito ao
longo processo de construção deste movimento que alia as questões
imediatas da luta econômica com as amplas questões da luta política.
Para Mauro (2014) a nova leitura do movimento para a reforma agrária
no contexto atual, tendo em conta a hegemonia do agronegócio e de um
modelo agrícola fortemente dominado por grandes oligopólios, precisa
contemplar um amplo debate na sociedade brasileira em torno das seguintes
questões: “que uso a humanidade, particularmente os brasileiros, quer dar à
terra, à água, à biodiversidade, aos recursos naturais em geral?. Que tipo de
comida queremos consumir? E que paradigmas tecnológicos de produção
usaremos no próximo período?”
Estas questões correspondem a nossa preocupação mais ampla
direcionada à necessidade de construção de outra relação entre sociedade e
natureza, onde o acesso, uso e controle dos bens ambientais, que se
234
materializam na produção de alimentos, encontram relação direta com a
defesa da reforma agrária baseada na matriz agroecológica. Neste sentido, a
disputa de consensos em torno da opinião pública sobre estas questões se
coloca como central, uma vez que o uso atual destes recursos e a produção
da agricultura, sob a hegemonia do capital, reforçam a idéia de que a reforma
agrária se tornou desnecessária.
A defesa do MST em torno desta discussão passa pela construção de
consensos em torno da idéia de que outro uso aos recursos naturais, com
outro tipo de alimentação, produzindo de forma mais sustentável, com menos
impacto ao meio ambiente, e, principalmente, colocando os trabalhadores no
centro, diminuindo a penosidade do trabalho agrícola e, ao mesmo tempo,
garantindo produtividade, reforça a necessidade e atualidade da reforma
agrária.
No nosso modo de ver, esse é um debate necessário, pois não se trata de fazer uma reforma agrária que apenas distribua a terra, para disputar mercado com o agronegócio na base do produtivismo burro. Trata-se de mudar o modelo agrícola, os paradigmas tecnológicos de produção e, claro, de um reordenamento fundiário. Não é só distribuição de terra, mas é também assentar um novo modelo agrícola (MAURO, 2014).
Leblon (2014) analisa também a relevância do MST, ressaltando como
sua atuação se faz necessária na intervenção da relação entre reforma agrária
e questão ambiental. Concluímos, com o autor, que a chave do novo horizonte
agrário certamente passa pelo tema ambiental, e que este é um grande desafio
produtivo e político do MST.
As imbricações entre a questão agrária e a urgência climática padecem, ademais, de uma quase uniforme negligência no debate programático da frente progressista que apóia o governo. [...] são agendas gêmeas indecifráveis de fato, enquanto mantidas dissociadas ou apenas vinculadas de forma ornamental nas prioridades de Estado. Uma, remanescente do século 19; a outra, contemporânea da exacerbação capitalista em nossos dias. Juntas, ao lado de outras, aguardam o desassombro de um protagonista político, capaz de arrastar tempos históricos distintos, dando-lhes a coerência impensável fora de uma agenda transformadora. Não é pouco, como se vê, o que desafia o MST a se reinventar. Mas é isso que o faz necessário. E, indispensável, se for capaz de sacudir e romper as trancas que isolam o mundo rural - e a natureza - do debate sobre o novo ciclo de desenvolvimento do país (LEBLON, 2014).
235
Consideramos importante ponderar que uma das grandes questões que se
coloca em relação ao tipo de desenvolvimento é que o mesmo atualmente
caminha para a dupla degradação, da natureza e da força de trabalho, haja vista
que, além de todo processo de destruição ambiental em curso, o próprio tipo de
desenvolvimento tecnológico se torna cada vez mais poupador de mão de obra.
Por isto, reafirmamos que a politização da questão ambiental está na ordem
do dia e a adoção da agroecologia é um grande acerto do MST que precisa
disputar a opinião pública e construir consensos em torno destas questões
produtivas e políticas para disputar o apoio da sociedade civil, e modificar (na
luta) a postura do Estado e do governo brasileiro.
Na visão do movimento, a reforma agrária ganha uma perspectiva mais
ampla ao contemplar as relações entre o ser humano e a natureza,
envolvendo diferentes processos que representam a reapropriação social da
natureza, em contraposição a apropriação privada da natureza realizada
pelos capitalistas.
Implica em um novo modelo de produção e desenvolvimento tecnológico que se fundamente numa relação de co-produção homem e natureza, na diversificação produtiva capaz de revigorar e promover a biodiversidade e em uma nova compreensão política do convívio e do aproveitamento social da natureza. Os camponeses, trabalhadores/as do campo e povos tradicionais (indígenas, extrativistas, quilombolas) têm sido protagonistas de práticas de um modo de fazer agricultura que representa um contraponto à agricultura capitalista e se constituem na resistência e nas lutas de enfrentamento direto ao capital. (MST, 2013, p.46-47)
3.3.1 A agroecologia como estratégia produtiva: as experiências em
assentamentos do MST.
O desenvolvimento de experiências de agroecologia nos assentamentos
do MST demonstra a definição do movimento de mudança do padrão produtivo
de agricultura. De acordo com Martins, do setor de produção, cooperação e
meio ambiente do movimento, (In MST, 2009-2010, p. 36-37) os motivos para a
ruptura com o modelo produtivista que prevalecia nos assentamentos se deve
a diversos fatores: contaminação por agrotóxicos, alto custo de produção do
modelo convencional que gerou endividamento de inúmeras famílias;
236
degradação de recursos naturais a começar pelo solo, e também da água,
fauna e flora e pela compreensão da cadeia de submissão imposta aos
assentados pelo modelo capitalista de agricultura.
Para Tardin et al (2009a,p.5-6), desde a criação do MST até os anos
2000, a adoção da tecnologia para a produção agropecuária convencional foi
priorizada porque havia um julgamento de que esta era a forma mais
“moderna” para desenvolver os assentamentos.Acreditava-se que a
“modernização tecnológica” levaria ao alcance de elevados níveis de
produtividade e capitalização das famílias assentadas. Nas palavras do autor,
essa primeira intencionalidade se mostrou equivocada.
[...] instaurou-se um padrão insustentável de produção que provocou a contaminação das pessoas e degradação das bases ecológicas da natureza. Também gerou o fracasso econômico de muitas famílias assentadas, reproduzindo num ciclo sem fim seu endividamento nos bancos e nas empresas de agroquímicos e maquinaria e no comércio. A tentativa de reproduzir em menor escala o modelo do agronegócio inviabilizou a conquista de melhorias na qualidade de vida, objetivo imediato que se pretendia alcançar para todas as famílias assentadas. A agricultura do agronegócio como padrão de produção nos assentamentos levou à reprodução da exploração e acumulação do capital sobre a natureza e as pessoas – homens, mulheres, jovens e crianças assentadas, fazendo-os prisioneiros do ciclo vicioso da subordinação ao capital financeiro, industrial e comercial: “Sem Terra Ontem, Assentado Hoje, Sem Terra Amanhã”, realizou-se assim como a triste sina de muitas famílias.
Esta visão é reforçada pela fala de uma militante do MST:
Hoje em dia os assentamentos estão com graves problemas de entrada do sistema de agronegócio. Desde plantação de monoculturas, intenso uso de agrotóxico, insumos, empresas de integração para produção de frango, de suínos, de fumo, estão tomando conta de nossos assentamentos. A gente conquista terra e dá terra de graça para eles de novo (apud Tardin et al, 2009a, p.6).
No entanto, Tardin et al (2009a) também argumentam que a
intencionalidade voltada para produção agroecológica já existia no movimento
desde os anos 1980, uma vez que as famílias que formavam a base do
movimento vinham de uma experiência de agricultura tradicional, onde se
insistia em práticas naturais e com baixo uso de insumos químicos. Estas
primeiras experiências são hoje fundamentais para que o movimento recoloque
237
a agroecologia como estratégia política e produtiva de resistência e de
enfrentamento ao agronegócio.
Na visão da coordenação nacional do MST, o principal veículo utilizado
pelo Estado no estímulo à adoção do pacote tecnológico da revolução verde
entre os agricultores foi a extensão rural pública, onde se destacou o papel dos
técnicos no convencimento de que as tecnologias modernas eram superiores
às tradicionais e o recurso material estratégico foi o crédito agrícola subsidiado
(MST,2009-2010).
No entanto, o MST considera que estas famílias trazem um importante
legado para a construção e fortalecimento da agricultura camponesa.
Ao conquistarem a terra assim persistiram e resistiram no interior dos assentamentos com suas práticas e conhecimentos agriculturais de mínimo impacto negativo na natureza e na saúde humana. São hoje importantes e destacadas referências para apoiarem a mudança radical e revolucionária que a realidade impõe ao conjunto das famílias assentadas e acampadas e ao fortalecimento da resistência e da organicidade do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST, 2009-2010, p. 35).
Ao longo dos anos 1990 e 2000, as formas de adoção da agroecologia
nos assentamentos foram variadas: eliminação do uso de agrotóxicos em
algumas culturas ou em todas ao mesmo tempo e, de modo mais efetivo,
houve também a ruptura com todos os procedimentos da agricultura
convencional. Neste sentido, os resultados mais gerais obtidos com a
agroecologia se referem, em primeiro plano, a produção de alimentos
saudáveis para o consumo das próprias famílias, mas também foi possível
organizar o escoamento da produção em feiras locais, redes de
comercialização de produtos agroecológicos, e houve a possibilidade de
inserção em canais institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) e em compras da agricultura familiar para merenda escolar.
Na avaliação do MST, a implantação da agroecologia nos
assentamentos de reforma agrária significa a possibilidade de cumprimento da
função social e ambiental da terra. “Onde antes, com o latifúndio, reproduzia-se
a exploração do ser humano e a degradação da natureza, agora produzimos
alimentos e recuperamos a natureza” (MST, 2009-2010, p.37).
238
As distintas motivações e os diferentes métodos utilizados nas
experiências, que vem se ampliando, são indicativos de possibilidades de
estabelecimento de uma nova relação com a natureza e com os próprios seres
humanos. A produção de alimentos e meios de trabalho passa a ter forte
referência na capacidade dos agroecossistemas e recursos locais, no sentido
de utilização das forças da natureza como aliadas da produção e não como
forças a serem controladas e combatidas como na produção convencional.
O desenvolvimento das forças realmente produtivas, na produção
agroecológica, contribui para a formação da consciência social e ambiental,
onde as forças da natureza e do trabalho são utilizadas na direção da ruptura
da alienação e exploração que constitui o processo de produção do
agronegócio. Assim, estas experiências de agroecologia contribuem
concretamente para a construção de um projeto de sociedade anticapitalista,
pois, para além da crítica ao modelo produtivista do capital, elas já demonstram
possibilidades concretas e força humanizadora.
Para o MST, assegurar um modelo agrícola baseado na produção de
alimentos saudáveis e na preservação ambiental está diretamente relacionado
com o fortalecimento da agricultura familiar e com a realização da reforma
agrária, como forma de reafirmar o conceito de soberania alimentar e de se
confrontar com o modelo do agronegócio. Este modelo hegemônico de
agricultura, que “transforma os alimentos em mercadorias para a obtenção da
ampliação da taxa de lucros, enquanto relega a um bilhão de pessoas a passar
fome no mundo”, torna-se a expressão máxima da destrutividade do capital em
relação aos seres humanos e a natureza. A coordenação nacional do MST
afirma a agroecologia como “estratégica para mudar o modelo tecnológico e
produtivo da agricultura brasileira”, se tornando também numa “ferramenta
principal para derrotar o modelo de agronegócio” (MST, 2009-2010, p.10).
Também se torna explícita a preocupação com fatores necessários para
a implantação e sustentação da agroecologia como a adoção de tecnologias
que aumentem a produtividade e diminuam a penosidade e o tempo do
trabalho aliado à conquista de outras atividades produtivas, por meio de formas
cooperadas de trabalho; o aumento da eficiência na captação e uso da energia
solar e outras energias alternativas ao modelo fóssil que sustenta a atual
239
agricultura e maior apoio ao meio rural para a manutenção do equilíbrio
ambiental.
É importante pontuar, como discutimos no capítulo anterior, que o
desenvolvimento da agroecologia envolve ações coletivas tanto na produção
como na circulação e consumo de alimentos. Neste sentido, as experiências
realizadas pelo MST destacam processos de cooperação para a transição
agroecológica como a da Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória
(COPAVI) e da Cooperativa de Produção e serviços de Pitanga Ltda.
(COOPROSERP), ambas no Paraná, analisadas em monografias de alunos da
ELAA (ELAA, 2009). Também foi destacada pelo movimento, a experiência de
Cooperação Agrícola e Agroecologia no assentamento Santa Maria no Paraná.
No âmbito da circulação e consumo da produção agroecológica vêm sendo
desenvolvidas iniciativas de comercialização através de feiras agroecológicas
(conforme relatado nas experiências do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,
Espírito Santo) e de participação em programas institucionais, como PAA e
compra da agricultura familiar para merenda escolar (MST, 2007).
As iniciativas produtivas agroecológicas vêm buscando priorizar os
circuitos curtos e médios para a circulação (escoamento da produção) e
comercialização dos produtos, com a organização de feiras locais e regionais e
outras formas de distribuição local. Com a distribuição em circuitos curtos e
médios, a agroecologia tem também outros objetivos, como garantir a
qualidade dos alimentos, já que viagens longas danificam os produtos, e ainda
proporcionar um retorno de renda mais rápida para os trabalhadores (MST,
2009-2010; MST, 2007).
As experiências também mostram o desenvolvimento de várias
iniciativas agroecológicas em diferentes biomas brasileiros, como o sistema de
agrofloresta em Minas Gerais e na Amazônia, de mandala no semiárido
nordestino, de rizipsicultura (combinação de cultivo de arroz e criação de peixe)
no Rio Grande do Sul, e de técnicas inovadoras de produção de colméias; de
tratamento de esgoto residencial em assentamentos; de produção de alimentos
e bioenergia e biocombustíveis, experiência fitoterápica, resgatando o uso da
erva medicinal NIM, em Pernambuco, uso da homeopatia em
agroecossistemas em Minas Gerais (MST, 2007; ELAA, 2009; MST, 2009-
2010).
240
O MST possui a clareza dos desafios da agroecologia em seus
assentamentos, localizados em quase todos os estados e em todos os biomas
no Brasil. Por isto, as referências das diversas experiências já implantadas em
todos os biomas brasileiros possuem grande relevância. Consideramos que a
grandiosidade do desafio assumido pelo MST nestas experiências também
vem se constituindo em potencialidades para o processo de ampliação da
agroecologia em seus assentamentos.
A reforma agrária e a pequena agricultura brasileira distribuem-se por todo o território nacional, implicando, numa dispersão geográfica pelos diversos biomas, com características de enorme diversidade de flora e fauna, e inserção em microambientes endafo-climáticos extremamente distintos, o que implica uma extraordinária variabilidade quanto ao processo produtivo aí desenvolvido, e, portanto, a necessidade de desenvolvimento de tecnologias adequadas às variadas situações encontradas (CRISTÓFFOLI e FILHO, 2006: 6).
O momento atual expressa o esforço de transição de muitos
assentamentos para a agroecologia, demandando clareza nas análises e ações
a serem desenvolvidas. Neste sentido, consideramos relevantes as
contribuições de Cristóffoli e Filho (2006) em termos do planejamento de
pesquisa em agroecologia. Esta, deve priorizar questões como:
descentralização (onde cada unidade local pertencente a cada tipo de bioma
específico esteja relacionada com as comunidades locais); participação
horizontal entre pesquisador-agricultor a partir de amplo processo pedagógico;
exercício de controle social pelos movimentos populares e comunidades a
partir da formação de lideranças que incorporem esses processos de pesquisa
nos espaços comunitários); preservação e equilíbrio ambiental como norte para
a criação de tecnologias apropriadas; validação social e científica de
tecnologias tradicionais e articulação entre pesquisa, assistência técnica e
organizações associativas de acordo com as diferentes realidades de vida e
produção dos sujeitos envolvidos (povos tradicionais, camponeses, etc.).
Com base na sistematização de experiências feita pelo MST, buscamos
refletir sobre as dificuldades e contribuições que estas vêm trazendo para a
construção do modelo produtivo da agroecologia e para a politização deste
processo, destacando seus principais resultados, desafios e potencialidades.
241
Consideramos importante, inicialmente, ressaltar a concepção que norteia a
sistematização de experiências agroecológicas do MST.
[...] é aquela interpretação crítica de uma ou várias experiências que, a partir de seu ordenamento e reconstrução, descobre ou explicita a lógica do processo vivido, os fatores que intervieram no dito processo, como se relacionaram entre si e porque o fizeram desse modo. Assim aprendermos e tiramos lições de nossa própria prática (MST, 2007, p. 20).
A sistematização publicada pelo MST em 2007 congrega seis
experiências consideradas significativas:
1 - Cooperação agrícola e Agroecologia: a experiência coletiva do
Assentamento Santa Maria Paranacity - PR, 2006;
2 - MST: Construindo o Núcleo de Agroecologia do Estado do Espírito Santo,
São Mateus - ES, dezembro de 2005;
3 - Territorização do MST na regional de Ribeirão Preto – SP, 2006;
4 - Experiência Agroecológica do MST no Estado do Rio de Janeiro: a
experiência da Comunidade Terra Livre. Resende RJ, janeiro de 2006;
5 - BioNatur e a produção de sementes agroecológicas: uma realidade a partir
de um processo de construção popular. Candiota - RS, 2006 e
6 - Vivência e implantação de agrofloresta no Acampamento Santo Dias.
Guapé – MG, 2006.
Conforme sinalizamos anteriormente, uma das experiências mais
significativas, considerada como precursora para a construção da agroecologia
no MST foi a produção de sementes de hortaliças no Rio Grande do Sul, na
região que hoje pertence aos municípios de Hulha Negra e Candiota, que
começa a partir do pacote tecnológico da revolução verde, em 1991 e
consegue realizar um processo de transição para a agroecologia, com a
criação da BioNatur em 1997, constituindo-se atualmente como uma Rede de
Agroecologia de abrangência nacional.
A produção inicial de sementes nos assentamentos era viabilizada pela
Cooperativa Regional dos Assentados (COPERAL), criada em 1991, que
intermediava os contratos de cooperação entre os agricultores assentados com
as empresas convencionais já atuantes na região. A produção seguia a
orientação da assistência técnica baseada na agricultura convencional através
242
dos pacotes tecnológicos agroquímicos e, em 1994, 70% das sementes de
hortaliças produzidas e comercializadas pelas empresas privadas vinham dos
assentamentos desta região do Rio Grande do Sul. Os contratos dos
assentamentos com as empresas vigoraram de 1993 a 1996, sendo que, em
1995, a COPERAL construiu uma Unidade de Beneficiamento de Sementes –
UBS, e assumiu a terceirização da produção de sementes através de um
contrato direto com uma empresa o que a levou a registrar-se no Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), constituindo-se legalmente
como uma nova empresa de sementes. A partir de vários questionamentos e
debates sobre a produção convencional de sementes e de capacitação e
assistência técnica em agroecologia, foi construída a possibilidade de criação
da BioNatur como uma empresa de sementes agroecológicas.
A experiência, que inicialmente era local e microrregional, ampliou sua
abrangência e significação com a criação da Rede BioNatur de sementes
agroecológicas, em 2003, construída como um dos instrumentos do MST para
o enfrentamento com o agronegócio, que demonstra, na prática, outra forma de
produção. Correia (2007) destaca que a BioNatur se transformou na maior
empresa de sementes agroecológicas da América Latina, comercializando 117
variedades de hortaliças, com uma safra média anual de 20 toneladas,
produzidas por 300 famílias de vários municípios do país. O objetivo desta rede
é mostrar a sustentabilidade da reforma agrária com a adoção da agroecologia
através da produção de sementes, como forma de conquista da auto-
suficiência das famílias, da promoção da soberania alimentar e do mercado
solidário.
Consideramos importante destacar esta experiência não só por seu
pioneirismo, mas pelo significado atualmente alcançado de ser uma rede de
multiplicação da experiência de produção de sementes, que é elemento de
base para o desenvolvimento da autonomia dos produtores e para a
massificação da agroecologia nos assentamentos de reforma agrária.
Além desta referência à BioNatur, é importante ampliarmos nossas
reflexões acerca das outras cinco experiências sistematizadas e publicada pelo
MST, destacando algumas observações mais gerais sobre as mesmas.
Ressaltamos que estas experiências avaliadas como bem sucedidas no MST,
não representam modelos a serem seguidos, pois temos clareza que ainda são
243
exceções no conjunto de assentamentos, que estão presentes nos 23 estados
em que o movimento está organizado. No entanto, estamos convencidos de
que são demonstrações concretas de que é possível construir a agroecologia
nas áreas de reforma agrária (acampamentos e assentamentos).
As principais dificuldades relacionadas ao desenvolvimento destas
experiências se relacionam a questões políticas, produtivas e econômicas. Do
ponto de vista político, uma primeira dificuldade é destacada numa experiência
que vem sendo realizada em área de acampamento, que lida com a freqüente
insegurança de permanência na área cultivada. Outras dificuldades políticas
mais amplas se relacionam diretamente ao enfrentamento do modelo
dominante de agricultura do agronegócio, onde predomina a monocultura, o
extrativismo não sustentável, cultivos transgênicos, em regiões do entorno dos
assentamentos. Além disto, são ressaltadas questões relacionadas à legislação
de sementes no Brasil que privilegia as grandes corporações; a existência de
políticas públicas majoritariamente voltadas para o agronegócio e uso intensivo
de agroquímicos; formação técnica das escolas e universidades ainda é
conduzida, majoritariamente, para aplicação de pacotes tecnológicos da
revolução verde.
As maiores dificuldades produtivas estão associadas ao trabalho da
agroecologia, como um todo, pois a exploração irracional da agropecuária
extensiva e de monoculturas do agronegócio é responsável pela degradação
da vegetação, dos solos e dos recursos hídricos, destruindo as riquezas
naturais, que precisam ser reconstruídas nas áreas de reforma agrária.
Também existe insuficiência de capacitação e compreensão tanto de
assentados como de técnicos, dirigentes e órgãos públicos sobre as
estratégias produtivas e tipo de cultivos mais pertinentes às diferentes regiões
e biomas.
As dificuldades econômicas se relacionam primeiramente à falta de
recursos financeiros e de crédito para iniciar e expandir cultivos; e também a
escassez de recursos para custeio de viagens para capacitação, participação
de eventos e intercâmbios para conhecer outras experiências produtivas em
agroecologia.
Na sistematização destas experiências, podemos perceber o esforço do
MST de realização prática da agroecologia buscando referências e parcerias
244
com outros sujeitos coletivos como ONGs e movimentos sociais (CPT, MPA,
PTA, Certificadora Chão Vivo) e com instituições públicas como a EMBRAPA,
EMATER, Ministério do Meio Ambiente e universidades públicas, através de
cursos, assessoria, projetos de extensão e pesquisa para a capacitação e
qualificação dos trabalhos. Observamos que, entre os elementos comuns
destas experiências, estão a forte presença do MST nestes locais, permitindo
que as famílias participem de forma bastante ativa do Movimento,
principalmente através de encontros, mobilizações e outros espaços, que são
fortes componentes formativos deste processo. Em várias experiências a
articulação de algum projeto inicial de capacitação, de extensão, pesquisa, etc.
foi importante ponto de partida para o fortalecimento das experiências, para o
desenvolvimento de habilidades e para o estabelecimento de parcerias para os
projetos ligados à agroecologia que vem apoiando os processos de transição.
Também identificamos como resultado destas experiências a presença
de centros de formação do MST em assentamentos, como em São Mateus
(ES) e na região de Ribeirão Preto (SP),onde foram criados cursos de
capacitação formais e informais com ênfase na agroecologia e atividades
conjuntas de formação, produção agroecológica e fortalecimento da cultura
camponesa. Estes centros de formação recebem e oferecem cursos,
seminários e oficinas voltados para o aprendizado prático de manejo
agroecológico e aproveitamento do espaço, trabalham na criação de hortas
para subsistência, doação, troca solidária e comercialização de produtos
agroecológicos.
Chamou-nos atenção, nestas experiências, a existência de
assentamentos coletivos, como as “Comunas da Terra”, com a organização da
produção e do trabalho coletivo e cooperado, sem divisão de lotes individuais;
moradia em agrovilas, proporcionando facilidades no provimento de infra-
estrutura coletiva (rede elétrica, rede de água, estradas), implantação de
agroindústrias, recuperação de áreas degradadas com reflorestamento, plantio
em áreas de nascentes para recuperação, melhor aproveitamento e uso do
solo e da água, redução e substituição de agrotóxicos e insumos químicos,
adoção do sistema de produção de leite em Pastoreio Racional Voisin -
PRV(integrando a produção animal e vegetal). E ainda a produção de
245
sementes crioulas, a criação de banco de sementes, a realização de mutirões e
trocas de dia de trabalho entre as famílias e a criação de viveiros de mudas.
O resultado do mapeamento da biodiversidade nestas experiências
demonstra que, em áreas degradadas e onde havia apenas pastagem,
atualmente possuem diferentes variedades de legumes, verduras e frutas;
criação de pequenos animais e o restabelecimento da biodiversidade, com
retorno de pássaros e animais silvestres. A preservação das bases dos
recursos naturais está interligada à manutenção da capacidade produtiva e,
conseqüentemente, à preservação dos solos, por meio de práticas adequadas,
que cuidam das fontes de água, assim como das matas ciliares das regiões.
Os resultados obtidos podem ser avaliados como avanços dentro deste
longo processo de modificação da matriz tecnológica de produção nas áreas de
assentamento e acampamento, com o aumento da confiança das famílias em
testar, avaliar, interiorizar e mudar as formas de produzir. Em nossa análise,
estas experiências revelam o esforço realizado na (re) criação de laços de vida
coletiva e de novas sociabilidades, que vão muito além de experiências
produtivas, pois agregam elementos educativos, formativos e políticos neste
processo de construção concreta da agroecologia.
A partir das experiências que se realizam em diferentes realidades,
podemos perceber que a luta pela Reforma Agrária vem sendo qualificada com
a agroecologia através da ampliação da consciência ambiental, social, política,
econômica e cultural, gerando processos que contribuem para transformações
sociais nos assentamentos e em seu entorno. O dinamismo do MST e da Via
Campesina, através de parcerias, principalmente com as universidades
públicas, vem proporcionando também a ampliação da formação de quadros
dirigentes a partir da perspectiva da agroecologia não só como técnica, mas
também como um processo político decisivo na transformação da realidade do
campo.
As principais potencialidades destas experiências se referem à
capacidade do MST promover a visibilidade da reforma agrária e da
agroecologia nos estados; a possibilidade de organizar a cadeia produtiva e a
comercialização de produtos regionais; ampliação da comercialização direta
pelos agricultores, principalmente em assentamentos que tem proximidade com
centros urbanos e com o mercado local; qualificação de processos coletivos de
246
organização e cooperação para a produção e comercialização dos produtos;
produção de alimentos, mudas e animais sadios e maior utilização de insumos
locais para a produção agrícola. A ampliação da organicidade como um
instrumento de motivação e desenvolvimento da consciência dos assentados,
com ênfase na cooperação pode proporcionar a construção de uma nova visão
de agricultura, como um sistema integrado em várias atividades interligadas,
mantendo um equilíbrio ambiental fundamental para a preservação do meio
ambiente e para a produção de alimentos saudáveis nos assentamentos.
3.3.2 A agroecologia como estratégia política: a dimensão
educativa e formativa no MST
É importante, neste processo de compreensão da agroecologia como
estratégia de luta e resistência do MST, problematizarmos, especificamente, as
práticas formativas e educativas desenvolvidas pelo movimento. O trabalho de
Guhur et al. (2012) analisa as práticas educativas de formação profissional em
Agroecologia desenvolvidas pela Via Campesina e o MST do estado do Paraná
(MST/PR), destacando os fundamentos e os elementos constitutivos do método
pedagógico para a educação em agroecologia relacionados: a dimensão
educativa trabalho, a organização e gestão da coletividade, a capacitação, as
estratégias para a formação do técnico pesquisador e o Diálogo de Saberes.
Partindo do pressuposto de que estes elementos são comuns à articulação das
escolas do Paraná, destaca algumas particularidades das práticas de formação
em agroecologia da Escola Milton Santos e da Escola Latino Americana de
Agroecologia, apontando aprendizados e desafios desse processo. É
importante ressaltar que este trabalho se constitui num exercício de síntese
coletiva que agrega diversas fontes, incluindo pesquisas dos próprios autores,
que também são dirigentes do MST e educadores destas escolas e centros de
formação em agroecologia (TONÁ, 2007; GUHUR, 2010; LIMA, 2011, TARDIN,
2006), documentos produzidos pelas escolas e centros (Projetos Político-
Pedagógicos, relatos de reuniões, etc.) e pelo MST (Projeto político-
pedagógico da ENFF, cartilhas, cadernos, relatórios).
Desta forma, consideramos que a originalidade e a legitimidade das
questões levantadas por estes autores (que, de fato, expressam o pensamento
247
de sujeitos coletivos como a Via Campesina e o MST) são de grande
importância para a nossa compreensão dos processos de formação em
agroecologia no MST, como um dos principais elementos fortalecedores da
agroecologia, tanto como estratégia produtiva como política. Tivemos acesso
aos trabalhos individuais destes autores, monografias de alunos de diversos
cursos de educação e formação em agroecologia, que também se constituíram
para nós em importantes referências.
As iniciativas de práticas educativas em Agroecologia no Paraná tiveram
início em 2002, sendo criados, em 2003, Cursos Técnicos em Agroecologia, a
partir de lutas travadas por sujeitos sociais e coletivos, no contexto de um
movimento nacional “Por uma Educação do Campo” e do processo de
construção de um “Projeto Popular para o Campo”, compreendidos como
processos articulados e mediados por determinações produzidas no interior
das relações sociais na sociedade capitalista contemporânea, tendo em conta
o caráter singular do desenvolvimento capitalista no campo e os embates na
esfera das políticas educacionais brasileiras. Na visão dos autores,
É parte do esforço do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, por criar as condições materiais de implementação da agroecologia nos assentamentos e acampamentos, e também no esforço de conquistar espaços para a luta da Reforma Agrária e por uma transformação social mais ampla (GUHUR et al, 2012,p2).
A criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária -
PRONERA, em 1998,é considerada uma grande conquista dos movimentos
sociais, com o protagonismo do MST, fortalecida pelas parcerias, com as
universidades públicas brasileiras, que se iniciam nos anos de 1990.
De acordo com os autores citados, são quatro as Escolas/Centros de
formação da Via Campesina e do MST/PR, que se constituem como escolas de
educação popular, não estando diretamente integradas à rede pública de
ensino: O Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em
Agroecologia (CEAGRO)27;A Escola José Gomes da Silva (EJGS)28; A Escola
27
O Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia – CEAGRO foi
criado em 1998como primeiro Centro de formação constituído pelos assentados de Reforma Agrária no Paraná, localizando-se no assentamento Jarau, no município de Cantagalo, região centro-sul do Estado. Em Rio Bonito do Iguaçu, no assentamento Ireno Alves, foi criada uma segunda unidade (denominada de unidade Vila Velha), que oferece cursos Técnicos em Agroecologia desde 2003. A partir de 2009, passa a oferecer também o Curso Tecnologia em Gestão de Cooperativas (graduação), em parceria com a Universidade de Mondragón,
248
Milton Santos (EMS)29 e a Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA)30.
Nesses lugares, as modalidades dos Cursos em Agroecologia oferecidos são:
Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia (modalidade das
primeiras turmas, quando ainda não existia o reconhecimento formal e
institucional, da formação em agroecologia), Técnico em Agroecologia/ Ensino
Médio Integrado, Técnico em Agroecologia/Educação de Jovens e Adultos,
Técnico em Agroecologia (ênfase em Sistemas Agroflorestais), Técnico em
Agroecologia (Habilitação para a Produção de Leite) e Tecnólogo em
Agroecologia (nível de graduação). Estes cursos contabilizavam, até 2012, a
formação de mais de 380 educandos, com a previsão de mais três turmas até
2014.
As parcerias para a realização destes cursos no Paraná se deram com o
Instituto Federal do Paraná (IFPR), responsável pela emissão da certificação, e
Espanha; e em 2012, foi criado o Curso Técnico em Meio Ambiente, com ênfase em Saúde Ambiental, através uma parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fundação Osvaldo Cruz. 28
A Escola José Gomes da Silva– EJGS foi fundada em 2000, localizando-se na sede do ITEPA - Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA), no assentamento Antônio Companheiro Tavares, município de São Miguel do Iguaçu, região oeste do Paraná. Neste lugar foi criado o primeiro curso de Agroecologia do Paraná, promovido pela Via Campesina numa experiência que não foi institucionalizada, sendo, portanto, considerada pelos movimentos sociais, como de caráter popular, e que se caracterizou como um laboratório metodológico dos atuais cursos formais, que foram desenvolvidos em todo Estado. Além desta iniciativa, também foi criado um Curso Técnico em Saúde Comunitária de ensino médio. 29
A Escola Milton Santos – EMS foi criada em 2002, na cidade de Maringá-PR. Caracteriza-se com um centro de educação em agroecologia e desenvolvimento sustentável dos movimentos sociais populares do campo, passando a oferecer desde 2003, o Curso Técnico em Agroecologia, em diferentes modalidades, de acordo com a demanda existente. O ensino se dá em cursos pós-médio, integrado ao ensino médio; e integrado ao ensino médio/Educação de Jovens e Adultos (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA). A partir de 2013, a escola também proporciona o Curso de Pedagogia para Educadores do Campo em parceria com a Universidade Estadual de Maringá-UEM para atender, prioritariamente, às regiões Norte, Norte Pioneiro, Noroeste e Centro-oeste do Estado do Paraná, contemplando também educandos de outras regiões. 30
A Escola Latino Americana de Agroecologia – ELAA foi criada em 2005, e formalizada durante o V Fórum Social Mundial, pela Via Campesina, com apoio dos governos do Estado do Paraná, Bolivariano da Venezuela, Federal do Brasil e Universidade Federal do Paraná. A ELAA está sediada no Assentamento Contestado, no município da Lapa, desenvolvendo curso de Tecnologia em Agroecologia, em parceria com o Instituto Federal do Paraná, sendo a primeira escola de Agroecologia de nível superior do país. Vem recebendo educandos de vários Estados do Brasil e de outros países (Haiti, Republica Dominicana, Colômbia, Paraguai, Equador). Atualmente a Via Campesina Brasil, em parceria com o Instituto Federal do Paraná - IFPR institucionalizou a ELAA como Unidade de Educação Profissional, assegurando recursos orçamentários para efetivação das obras físicas, contratação de pessoal, manutenção geral e desenvolvimento das ações relacionadas ao curso de Tecnologia em Agroecologia e aqueles que passarão a ser ofertados oportunamente (Técnico de nível médio em Agroecologia e Licenciaturas).
249
com recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA), vinculado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA).
Estes espaços formativos em agroecologia estão articulados às
estratégias e aos princípios comuns defendidos pelo MST e pela Via
Campesina, não se constituindo em redes, mas em articulações, baseadas em
trocas de experiências, encaminhamentos conjuntos e em constante debate,
que resguardando as particularidades, dinâmica e autonomia de cada
experiência, se direcionam para a construção de uma perspectiva mais unitária.
Em contraposição ao modelo de produção da agricultura produtivista
capitalista, que se expressa fortemente no combate aos agrotóxicos e aos
organismos geneticamente modificados, a adoção da agroecologia vem
orientando os processos de educação e formação do MST, uma vez que a
concepção assumida pelos movimentos da Via campesina abrange,
conjuntamente, o cuidado e a defesa da vida, a produção de alimentos e a
ampliação da consciência política e organizacional, considerado como
[...] inseparável da luta pela soberania alimentar e energética, defesa e recuperação de territórios, reformas agrária e urbana, aliança entre os povos do campo e da cidade e cooperação[...] consciente e livre, tomada como o meio fundamental para a superação da divisão social do trabalho e conseqüentemente da alienação dos sujeitos trabalhadores ( GUHUR et al, 2012,p. 8).
A fundamentação teórico-metodológica dos centros/escolas de formação
se baseia nos princípios filosóficos e pedagógicos da educação e da pedagogia
construídos pelo MST a partir de três principais fontes: a Pedagogia Socialista,
a Educação Popular e o materialismo histórico dialético. O MST vem
construindo, a partir de sua luta, processos pedagógicos orientados pelo
projeto de Educação do Campo, que se manifesta “na ação prática da relação
entre ciência, cultura e trabalho como principio educativo, dimensões básicas
da educação omnilateral” 31 (FRIGOTTO, 2012, p.271).
31
Omnilateral é um termo que vem do latim e cuja tradução literal significa “todos os lados ou
dimensões”. Educação omnilateral significa, assim, a concepção de educação ou de formação humana que busca levar em conta todas as dimensões que constituem a especificidade do ser humano e as condições objetivas e subjetivas reais para seu pleno desenvolvimento históricos. Essas dimensões envolvem a sua vida corpórea material e seu desenvolvimento intelectual, cultural, afetivo, estético e lúdico. Em síntese, educação omnilateral abrange a educação e a emancipação de todos os sentidos humanos (FRIGOTTO, 2012, p. 265).
250
O conceito de Educação do Campo que sustenta o projeto pedagógico
do MST vem sendo construído pelos trabalhadores do campo e pelo próprio
movimento, com o objetivo de influenciar a política de educação a partir dos
interesses sociais das pessoas do campo. Para Caldart (2012, p.257),
Objetivo e sujeitos a remetem à questão do trabalho, da cultura, do conhecimento e das lutas sociais dos camponeses e ao embate (de classe) entre projetos de campo e entre lógicas de agricultura que tem implicações no projeto do país e de sociedade e nas concepções de política pública, de educação e de formação humana.
A partir de uma perspectiva ampliada de educação e de formação
humana, o método pedagógico de formação em agroecologia não se restringe
à dimensão técnica, uma vez que o perfil do educando que se pretende formar
é concebido
[...] como militante-técnico-educador em agroecologia, que envolve: capacidade crítica de compreender e intervir ativamente na realidade concreta das comunidades camponesas, utilizando tecnologias adequadas aos seus interesses e necessidades; de contribuir para fortalecer os processos de transformação da sociedade, orientando e promovendo a reconstrução ecológica da agricultura e o desenvolvimento de formas sociais de cooperação; comprometimento e qualificação para estabelecer mudanças na relação com as famílias camponesas, superando a “insistência técnica” em direção à convivência dialógica (ELAA, 2005). (GUHUR, 2012, p.6).
A base da proposta pedagógica dos Centros/Escolas de Formação da
Via Campesina e do MST/PR se referencia no Projeto Político Pedagógico da
ENFF e nas práticas educativas consolidadas na primeira experiência de
educação profissional do MST, o Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC),
que foi criado em 1995, em Veranópolis (RS), ligado ao Instituto Técnico de
Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária - ITERRA. Contemplando a
especificidade da formação em agroecologia, destacamos inicialmente, três
eixos metodológicos, que de antemão, diferenciam qualitativamente a
estruturação desta proposta pedagógica: Regime de alternância; Organização
dos tempos educativos e Organização de coletivos.
O regime de alternância contempla o Tempo-Escola (período que varia
de 40 a 75 dias consecutivo), com atividades de formação programadas e
desenvolvidas de modo intensivo na escola/centro e o Tempo-Comunidade
(período que pode variar de 60 a 90 dias) em que os estudantes voltam para
251
suas comunidades de origem, onde já desenvolvem a militância relacionada ao
movimento social de que fazem parte. Nestes locais, os educandos/militantes
desenvolvem atividades requeridas pelo curso (como estudo dirigido,
pesquisas, oficinas, estágios, sistematização de experiências agroecológicas,
etc.), articuladas a trabalhos relacionados ao curso, delegados pelas suas
organizações ou movimentos sociais. Desta forma, estes dois tempos
pedagógicos, que se alternam, possuem especificidades, mas estão
diretamente relacionados.
Os tempos educativos desenvolvidos durante o Tempo-Escola
organizam as atividades dos educandos e educadores, contemplando vários
tempos(Tempo Aula, Tempo Autogestão, Tempo Leitura, Tempo Oficina,
Tempo Trabalho, Tempo Cultura,etc.), pois além das aulas, abrangem outras
atividades, que constituem as várias dimensões da formação humana,
proporcionando aos educandos aprendizados relacionados ao processo de
organização e auto-organização, conciliando a organização do tempo pessoal e
do tempo coletivo em relação às tarefas necessárias (como estudos individuais
e em grupos, trabalhos de produção agroecológica na área do assentamento,
onde se localizam as escolas/centros,trabalho de limpeza e organização do
refeitório, alojamento,dentre outros). Desta forma, as diversas dimensões
pedagógicas assumidas envolvem o estudo, o trabalho, a organicidade (que
seria a organização da gestão, envolvendo a auto-gestão e a co-gestão) e a
convivência coletiva. A organização dos educandos em coletivos e espaços
também é parte da estratégia pedagógica que é essencial para a realização de
tarefas e espaços coletivos e para o alcance destes aprendizados também
coletivos.
Neste processo educativo, outros eixos metodológicos dão especial
significado à formação em agroecologia: o trabalho como elemento
pedagógico; a formação integrada ao processo de produção; a relação escola e
comunidade como elemento estratégico; e a qualificação aliada à escolarização
e à formação política. Guhur et al (2012) nos ajudam a compreender a
articulação destes eixos metodológicos através de cinco questões
fundamentais: a dimensão educativa do trabalho; organização e gestão da
coletividade; capacitação;estratégias para a formação do Técnico Pesquisador;
o diálogo de saberes.
252
Em relação à dimensão educativa do trabalho, a concepção do MST é
de que
[...] a educação dos sujeitos se concretiza ao ser mediada pelo trabalho e em seu Projeto Educativo estabelece uma relação entre trabalho, cooperação e educação. [...] Pelo trabalho, produzimo-nos como sujeitos sociais e culturais, as formas como produzimos a vida material nos produzem, o como trabalhamos, nos forma ou deforma. O trabalho, para ser educativo, exige reflexão sobre o que se faz, como se faz, por que se faz assim ou por que se organiza o trabalho deste e não de outro modo (ITERRA, 2004) (GUHUR et al., 2012,p.8-9).
Como exemplo prático, tem-se a organização em diversos espaços e
coletivos: em equipes (esporte e lazer, saúde, memória, etc.); nos núcleos de
base32 que realizam o trabalho socialmente útil e necessário à coletividade,
como já mencionamos (preparo de refeições, lavagem de louças, limpeza dos
espaços coletivos, etc.); e nos setores de trabalho nos âmbitos administrativo,
serviços gerais, pedagógico, político organizativo e produtivo (que integra a
produção agropecuária e agroflorestal agroecológicas).
A organização e gestão da coletividade na formação relacionam
processos, que envolvem os educandos dos cursos e o coletivo de
trabalhadores voluntários, interligando a autogestão e a co-gestão no conjunto
de atividades da escola. O trabalho coletivo torna-se indispensável para
atender desde as necessidades mais simples e imediatas às mais complexas.
E especificamente, em relação à agroecologia, as ações sociais coletivas
articuladas à luta política requerem o exercício e o aperfeiçoamento destas
relações. O processo de capacitação envolve o desenvolvimento de
experiências práticas (de caráter produtivo ou organizacional), tanto no Tempo-
Escola como no Tempo-Comunidade.
Para delimitar o campo de conhecimentos da agroecologia, os cursos
definem linhas de pesquisa e intervenção unindo a formação à materialidade
dos assentamentos. A experiência de formação da Escola Milton Santos
instituiu a produção de auto-sustento; bovinocultura de leite; culturas regionais
32
Os núcleos de base (NB), que se constituem [...] “são os coletivos de base na estrutura organizativa do MST e outros movimentos da Via Campesina, e os cursos mantém essa mesma forma de organização. Cada NB é composto por 7 a 10 pessoas, que devem escolher dois coordenadores (preferencialmente, um homem e uma mulher), um relator e um responsável pela disciplina” (p.9)
253
(cana-de-açúcar e café) como focos para o Curso Técnico em Agroecologia.
Estes focos foram adequados para os territórios em que se inserem as
Escola/Centros, o que também pudemos observar que vem acorrendo como
diretriz de outras experiências em assentamentos do MST, que desenvolvem
processos de formação. Devido à abrangência do processo formativo nestes
centros/escolas, a capacitação em agroecologia ocorre em diversos espaços
(organizativos, pedagógicos, etc.), mas é o Setor de Produção, Cooperação e
Meio Ambiente que dá materialidade a este aprendizado prático, a partir da
vinculação com o seu plano de manejo, suas estratégias e demandas de
produção e comercialização, ponderando suas condições materiais e seus
desafios. As práticas instituídas nestes espaços visam a se constituir em
referências (e não em modelos a serem copiados) para outras experiências nos
assentamentos. Consideramos importante pontuar que uma das dificuldades
encontradas nestes centros/escolas é a formação de um coletivo de
educadores permanente para os cursos técnicos pela rotatividade dos
mesmos, que são voluntários, agravado ainda pelo desconhecimento de muitos
professores da realidade dos assentamentos.
Dentre as estratégias utilizadas para a formação do técnico
pesquisador, a partir da indissociável relação entre o ensino e a pratica
agroecológica, os Centros e Escolas do Paraná agregam a inserção nas
Unidades de Produção Agroecológicas (UPAs) ou nas Unidades Camponesas
Agroecológica (UCAs), como são chamadas na ELAA, o Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) e o Diálogo de Saberes.
Os educandos são inseridos nestes espaços produtivos e grupos com
a responsabilidade de desenvolver atividades práticas e/ou econômicas que
podem envolver a experimentação e a pesquisa, durante o tempo-escola. As
dificuldades encontradas para a viabilização deste processo se relacionam à
falta de condições materiais ou ao conflito entre pesquisa e produção, que
podem ocorrer entre as UPAs (sob responsabilidade dos educandos) e os
Setores de Trabalho (sob a responsabilidade de trabalhadores permanentes)
(TONÁ, 2007; GUHUR et al,2012).
Concordando com as conclusões de Guhur et al (2012) reforçamos que
a capacitação em agroecologia oferecida/construída nestes espaços
formativos, efetivamente, se direcionam para a ruptura com o ensino
254
fragmentado instituído pelo capital, pois o desafio que vem sendo enfrentado
coletivamente é unir o pensar e o fazer, ou tornar a concepção/direção e
execução, como unidades indivisíveis. Neste sentido, consideramos que, por
certo, a construção e a sustentação da agroecologia como nova matriz
tecnológica, envolve a produção e a luta política e demanda o aperfeiçoamento
dos conhecimentos científicos e humanos, que ultrapassam a capacitação
técnica requerendo rigor na análise e na ação sobre a natureza e a sociedade.
A realização do TCC é exigida em todas as escolas de agroecologia do
Paraná, mesmo em cursos de nível médio e técnico e a escolha do tema
concilia questões de interesses dos educandos e necessidades apontadas por
suas organizações, constituindo-se num importante exercício de síntese.
Considerando que a agroecologia requer a interlocução de diferentes
sujeitos, com saberes também diferenciados (saber técnico-científico de várias
áreas do conhecimento e o saber tradicional), uma das estratégias que está
sendo construída pelo MST é o diálogo de saberes.
O Diálogo de Saberes (DS), no encontro de culturas, é um método de
trabalho de base em agroecologia, que se propõe mediar relações dialógicas e
horizontais entre técnicos e camponeses, e destes entre si. O DS pode ser
definido tanto como um método de trabalho de base quanto como uma
modalidade de pesquisa-ação que envolve a comunicação rural e a educação
popular, no âmbito de movimentos sociais autônomos (o MST e a Via
Campesina), centrada num processo de mudanças e inovações ao nível da
produção e reprodução da existência e resistência camponesa, vinculada a um
projeto de campo (e de sociedade) mais amplo (GUHUR, 2010). O objetivo do
DS é “[...] a busca de um sistema de compreensão e planejamento dos
agroecossistemas familiares ou coletivos” (TARDIN, 2006, p. 1), de modo a
alcançar o desencadeamento da experimentação em agroecologia, bem como
avanços na ação político-militante. São exemplos destas ações, a
experimentação local e a constituição de redes camponesas de agroecologia, e
a busca por avanços na participação política no seu movimento social de
origem. O DS inspira-se, de um lado, na experiência histórica das comunidades
camponesas e nos métodos de trabalho de base desenvolvidos pelos
Movimentos Sociais Populares na América Latina – em especial o Programa
Campesino a Campesino, em diversos países da América Central – e, de outro
255
lado, fundamenta-se na produção científica em três campos: a Pedagogia
Freiriana, a Agroecologia e o Materialismo Histórico-Dialético. A necessidade
de um diálogo de saberes se inscreve numa concepção de Agroecologia que
reconhece os povos do campo e da floresta como seus sujeitos privilegiados,
portadores de um saber legítimo, construído por meio de processos de
tentativa e erro, seleção e aprendizagem cultural, e que lhes permitiu captar o
potencial dos agroecossistemas onde convivem há gerações (GUHUR, TONÁ,
2011); (GUHUR et al, 2012,p.12).
Podemos identificar nesta definição e neste processo de construção a
participação de autores/militantes/educadores do MST como Guhur, Tardin e
Toná, todos atuantes nos processos de formação em agroecologia no Paraná,
que são também referência para o MST e outros movimentos sociais. Nas
experiências formativas, o DS articula atividades de campo no Tempo Escola e
no Tempo Comunidade, considerando os agroecossistemas camponeses a
partir de várias dimensões – produção, consumo, relações sociais, participação
política, recursos naturais –, e como parte de totalidades maiores como a
economia local/regional, o modo de produção capitalista na agricultura, o bioma
regional, o movimento social a que pertencem as famílias.
Tardin (2006, p.5) esclarece que o DS
[...] é uma experiência inovadora que vem sendo desenvolvida nos espaços formativos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, e da Via Campesina, em especial, nos cursos formais/escolares de Agroecologia, no estado do Paraná: Trata-se de um método de atuação técnico-política na organização da população base dos Movimentos Sociais Populares do Campo (em especial o MST), na perspectiva de promoção da agroecologia e de formação política.
O diálogo de saberes demonstra coerência com uma requisição
fundamental da agroecologia, como apontamos no capítulo anterior, que é a
necessidade de interlocução entre pesquisadores, técnicos e os camponeses,
entre o saber técnico científico e o saber tradicional acumulado pelos
camponeses no manejo dos agroecossistemas. É importante destacar que os
camponeses, neste diálogo, se constituem como sujeitos, que para além de
terem conhecimentos sobre os agroecossistemas a serem considerados,
também são capazes de criar suas condições de existência, a partir não só de
256
conhecimentos empíricos como também de valores, que de fato contribuem
para construções necessárias à criação de uma sociedade mais elevada.
A avaliação de Tardin (2006) pontua a importância de se colocar frente a
frente o conhecimento científico e o conhecimento popular/tradicional, que
camponeses e camponesas constroem, e que o processo de validação, que se
refere à correspondência com o real, vem demonstrando resultados positivos,
principalmente em relação ao fato de que mesmo que os camponeses tenham
dificuldade para explicarem suas percepções, o senso comum, neste caso,
demonstra ter um “núcleo” de bom senso”. Este movimento de diálogo e
confrontação de saberes resgata uma capacidade fundamental dos
camponeses, anteriormente desvalorizada, de produção de interpretações
sobre a relação da agricultura com a natureza.
Consideramos que a pedagogia adotada, os trabalhos no tempo
comunidade, o diálogo de saberes e a síntese final elaborada nos TCC são
elementos que contribuem para a politização da questão ambiental, através da
agroecologia, para a base dos movimentos sociais envolvidos nos processos
de educação. Os experimentos de agroecologia desafiam educadores,
educandos e os camponeses da base na realização efetiva da agroecologia
como ação coletiva.
Assim como nos cursos do Paraná, estas práticas educativas também
ocorrem nos programas de residência agrária, que desenvolvem seus projetos
político-pedagógicos com base nos princípios educativos do MST. Assim, os
espaços das universidades, onde se realizam estes cursos também são
politizados. Os professores das universidades envolvidos não só nas aulas,
mas principalmente nos TCC (orientação e bancas) são verdadeiramente
desafiados neste processo educativo, que certamente politiza a educação
como um todo, mas também evidenciam a manifestação da questão ambiental
no espaço agrário, na medida em que passam a conhecer realidades concretas
dos assentamentos, que enfrentam sérias dificuldades para fazer processos de
transição do modelo da revolução verde para o modelo produtivo e político da
agroecologia.
Muitos TCCs, projetos e experiências vêm sendo divulgados em
encontros, seminários e em algumas publicações, que são importantes meios
257
para socializar os esforços, as dificuldades e as potencialidades presentes na
formação e nos assentamentos no processo de desenvolvimento da
agroecologia.
O discurso do MST materializado em ações coletivas, que se constituem
tanto em ações mais amplas de enfrentamento às empresas transnacionais,
como os atos políticos realizados nas jornadas de agroecologia, e também as
campanhas contra os agrotóxicos e em defesa das sementes, quanto as ações
de formação e as práticas produtivas realizadas nos assentamentos são
elementos concretos do processo de politização da questão ambiental e da
agroecologia no MST.
A análise que realizamos em torno das concepções e os
direcionamentos políticos do MST, através das experiências nos
assentamentos e da formação de quadros em agroecologia, nos permitem
afirmar que há, no MST, não só um discurso, mas também iniciativas
produtivas e formativas concretas que constituem uma prática contra-
hegemônica ao agronegócio. A multiplicidade de práticas de agroecologia
desenvolvidas pelo MST e por outros movimentos sociais do Brasil e de outros
países da América Latina, que vem participando de seus processos de
educação e formação, expressam a construção de uma tecnologia produtiva e
de uma estratégia política que se confronta com o modelo de agricultura
capitalista do agronegócio, unindo conhecimentos técnico-científicos contra-
hegemônicos e tecnologias sociais historicamente radicadas e fundamentadas
nas tradições dos camponeses, indígenas e quilombolas.
O desafio enfrentado na qualificação dos educandos, afirmando a
dimensão educativa do trabalho, a partir da perspectiva de Marx e de outros
autores da tradição marxista é de grande proporção, assim como também é a
necessidade de superar as desigualdades presentes na realidade social a partir
de processos educativos, que conduzam práticas voltadas para transformações
qualitativas indispensáveis, para superar as falhas metabólicas causadas pela
agricultura capitalista e construir outro metabolismo social, oposto ao do
capital.
Reafirmamos que o desenvolvimento da agroecologia torna-se essencial
para a construção e defesa de uma reforma agrária de novo tipo (popular), feita
pelo MST em articulação com outros setores das classes trabalhadoras do
258
campo e da cidade, que contemple a afirmação de outra matriz produtiva e
política, em contraposição ao agronegócio e sua agricultura capitalista
hegemônica. No entanto, persiste o desafio de fortalecer sua organização
produtiva, educativa, formativa e política não só para o combate aos
transgênicos e agrotóxicos, mas também para a materialização da
agroecologia. Podemos afirmar que a superação do atual modelo produtivo
capitalista na agricultura está articulada, visceralmente, com a luta
anticapitalista.
259
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões que realizamos, a partir da tradição marxista, reafirmam a
necessidade de luta para a construção de uma sociabilidade alternativa à do
capitalismo, a qual só será possível através do estabelecimento de outra
relação sociedade-natureza, onde esta última não poderá ser apropriada como
propriedade privada, pois se constituirá como bem coletivo e como um valor
fundante para a humanidade. Em concordância com Foster (2013),
consideramos que a defesa de outra ordem social metabólica contra a
destrutividade fatal do capital, constitui-se num imenso desafio ao conjunto das
classes subalternas, onde a luta pela igualdade substantiva e pela
sustentabilidade ecológica ocupa lugar central para a perspectiva de revolução
a ser construida. O que Mészáros denomina como sociometabolismo do capital
não se reduz apenas às suas dimensões econômicas, pois que se constitui
num modo de dominação social e numa forma de organização da produção
material. Assim, não há como separar o econômico e o político, ambos centrais
para o exercício da dominação capitalista.
Os estudos que realizamos confirmam que a atual “crise ambiental”
encontra suas causas relacionadas à própria estrutura e modo de
funcionamento do capital, que vem se processando através do esgotamento
duplo, da força de trabalho e da natureza. E o processo de expropriação
camponesa segue sendo um recurso tão antigo e “primitivo”, como atualíssimo,
nesta fase do capitalismo. Soma-se a isto todo o processo de apropriação
privada e de mercadorização da natureza, responsável pela degradação e
destruição ambiental (HARVEY, 2004, 2012).
A produção da agricultura capitalista brasileira, absolutamente
subordinada aos interesses do grande capital internacional, reproduz e
aprofunda a exploração sobre a terra e o trabalhador. Cabe ressaltar a
importância de demarcar o papel do Estado nesta relação, uma vez que o
mesmo foi o grande difusor e financiador do atual padrão agrícola, fruto da
revolução verde, que se impôs como modelo capitalista hegemônico no Brasil a
partir do final dos anos de 1960, assim como é, nos dias de hoje, o grande
aliado do avanço do agronegócio. O Estado Brasileiro ao favorecer o
260
agronegócio vem inviabilizando as possibilidades concretas para a afirmação
da agricultura camponesa de base agroecológica para a estrutura brasileira.
No Brasil, desde os anos 1930, o desenvolvimento do capitalismo vem
criando bases para a relação de subordinação da agricultura aos interesses da
indústria que estava sendo impulsionada. Era preciso produzir alimentos
baratos para alimentar a crescente mão de obra das indústrias, e neste sentido,
a agricultura familiar teve papel decisivo. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento
industrial capitalista preparou condições necessárias ao processo de
desenvolvimento das forças produtivas na agricultura com a utilização de
produtos de diversos tipos de indústrias como de máquinas e de insumos
químicos. O resultado foi a implantação da revolução verde na agricultura, que
tem no agronegócio a sua atual face destrutiva. Neste novo contexto, o centro
de acumulação do capital se fortalece na dinâmica da esfera financeira e das
corporações transnacionais, trazendo graves conseqüências a partir do modelo
do agronegócio.
A resolução da fome assumida pela revolução verde além de não ter
sido cumprida, se agravou, com a ampliação da degradação ambiental e do
desemprego, e ainda com a criação de novas técnicas altamente destrutivas
para a natureza e para os trabalhadores rurais, como as sementes
transgênicas, controladas através de patentes pelas empresas transnacionais
do agronegócio, que expressam a inviabilização completa da produção
camponesa gerando insegurança alimentar para toda sociedade.
A ausência do debate, principalmente, por parte dos mais variados
movimentos ambientalistas, assim como na comunidade científica, sobre a
propriedade privada da natureza, considerada como recurso natural para o
capital, e bem ambiental coletivo, para as classes subalternas, demonstra a
marca da questão de classe presente na sociedade capitalista, a qual é
encoberta e despolitizada pela ideologia dominante, através de um discurso
genérico e ao mesmo tempo individualizado e comportamental.
Neste sentido, problematizar a questão ambiental se transforma em uma
questão transversal aos movimentos sociais, não só ambientalistas, mas
também aos sindicatos, partidos políticos e outros, apontando para a
necessidade de convergências de lutas que tenham também como
interlocução, a politização das questões relacionadas ao meio ambiente,
261
viabilizando a construção coletiva de uma perspectiva classista para o seu
enfrentamento no capitalismo, através de ações conjuntas.
Com relação a este ponto, as reflexões feitas nos mostram a atualidade
do pensamento gramsciano em relação à necessidade histórica, posta às
classes subalternas, de fortalecimento de seu processo de auto-organização e
educação, no espaço de luta de classes da sociedade civil, para a conquista da
hegemonia. Nesta direção, a politização da questão ambiental no interior do
MST e de outros vários movimentos sociais ligados, por exemplo, à Via
Campesina, coloca questões amplas e diversificadas, que abordam elementos
que ultrapassam a constituição restrita da esfera produtiva. Neste sentido,
fazem parte da perspectiva de politização desta questão tanto à necessidade
de se construir possibilidades concretas de superação das soluções técnicas e
comportamentais (proposições) funcionais ao capital, tais como a apropriação
privada das sementes, quanto a demanda pela criação e aprofundamento de
políticas públicas, numa perspectiva de garantia de direitos sociais para a
construção da cidadania.
A análise das contradições intrínsecas do capital, marcantes na
contemporaneidade, abre, paradoxalmente, possibilidades às lutas para sua
superação pela mediação da política, através da constituição de condições
necessárias à conquista de uma nova ordem societária, tendo a sociedade civil
como espaço privilegiado de luta. O protagonismo das lutas sociais, tendo
como um de seus eixos estratégicos a reapropriação coletiva dos recursos
naturais vem sendo assumido, justamente, por suas maiores vítimas, as
classes subalternas, que serão as únicas capazes de lutar pela superação do
capitalismo e pela conseqüente construção histórica de outra sociedade.
Sendo assim, os estudos realizados nos conduzem para a
compreensão da questão ambiental como uma questão política e do MST
como um sujeito coletivo capacitado e qualificado para este enfrentamento,
tendo a agroecologia como estratégia produtiva e política. A importância da luta
do MST se dá a partir da construção concreta de outra forma de sociabilidade,
baseada na visão da natureza como um bem coletivo, em valores de
solidariedade e no convívio a partir do compartilhamento de responsabilidades.
A natureza como mercadoria e campo de acumulação do capital impõe o
desafio de construir novos parâmetros de existência coletiva dos seres
262
humanos no planeta. Os fundamentos desta nova sociabilidade não podem
prescindir das necessárias mudanças na relação da sociedade com a natureza,
destacando a terra como elemento central de suporte material e simbólico da
vida social. Neste sentido, se ergue um duro combate à privatização e
mercadorização dos bens ambientais que são indispensáveis à vida humana
na terra, onde as experiências de lutas, como as do MST, têm muito a
contribuir.
A superação do atual modelo agrário e agrícola, altamente predador dos
recursos naturais, implica, para além da sua crítica, a possibilidade de
construção de alternativas que contribuam para transformações societárias.
Sendo assim, a sociedade civil tem um papel fundamental na politização da
questão ambiental no espaço agrário, tendo a reforma agrária com base na
agroecologia, como um dos elementos centrais para a construção de propostas
coletivas que se confrontem com o modelo de agricultura hegemônico.
As comprovações científicas sobre a relação agronegócio, agrotóxico,
agrocâncer são elementos que dão legitimidade e, portanto, fortalece a reação
de sujeitos coletivos como o MST que, para além da realização da necessária
crítica, elaboram estratégias políticas (como as Jornadas de Agroecologia e
campanhas, como a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida)
para este enfrentamento.
Como tivemos a oportunidade de analisar ao longo deste trabalho, a
politização da questão ambiental vem sendo ampliada pelo MST com a
agroecologia, demonstrando a preocupação e a materialidade de práticas
coletivas direcionadas para a recuperação e preservação da natureza como
extensão da própria vida humana e, para isso, a luta pelo acesso a terra e
demais recursos naturais são elementos vitais para as classes subalternas. A
consideração da questão agrária como uma importante manifestação da
questão social expressa a expropriação tanto da riqueza natural quanto da
riqueza socialmente produzida e, por isto, sua defesa visa alterar as relações
de desigualdade que garantem a reprodução do capitalismo. Desta forma, a
luta do MST em torno da defesa coletiva dos bens ambientais através da
agroecologia se coloca na contra-corrente e desafia diferentes sujeitos
coletivos a criarem processos de politização e de formação de consciência de
classe para fortalecer a emancipação política e humana em relação à
263
manifestação do metabolismo social do capital na agricultura trazendo
elementos ao debate da maioria contra o reino da minoria.Parece-nos que as
experiências analisadas no terceiro capítulo, sobretudo, no que se refere ao
processo de formação política e ideológica realizado pelo MST em conjunto
com outros movimentos sociais que compõem a Via Campesina, constitui este
momento de fortalecimento e de materialização dos princípios da emancipação
política e humana proposta pelo movimento em sua dinâmica de construção.
Neste sentido, a agroecologia pode se constituir numa estratégia
altamente relevante por aliar a crítica (fundamentada em evidências empíricas
e comprovações científicas) ao atual modelo capitalista de agricultura
hegemonizado pelo agronegócio, com a demonstração de experiências
concretas em seus acampamentos e assentamentos, fundamentadas num
processo de educação e formação de quadros, que implica no desafio da
construção de possibilidades de diálogo entre o saber popular dos
trabalhadores rurais com o saber científico da academia.
A alteração da estrutura agrária e agrícola, através da reforma agrária
popular do MST se apresenta como defesa de uma agricultura que produza
alimentos saudáveis e acessíveis à toda sociedade. A disputa de consensos e
posições em torno da agroecologia como estratégia produtiva e política, no
âmbito da sociedade civil brasileira, torna-se um desafio que vem mobilizando
e aproximando diversos sujeitos coletivos. São muitos os conflitos que
envolvem o processo de mercadorização da natureza, tendo como caso
exemplar a questão das sementes, expressando embates entre sujeitos
coletivos. Destacamos que estes embates representam a ampliação do
processo de politização da questão ambiental no espaço agrário,
potencializando a relação entre as questões agrária, ambiental e urbana e
desafiando, na mesma medida, os sujeitos coletivos do campo e da cidade.
264
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