política e população no império português: moçambique no último

13
399 Política e população no Império Português: Moçambique no último quartel do século XVIII Ana Paula Wagner Universidade Federal do Paraná CEDOPE No último quartel do século XVIII, Manuel Joaquim Rebelo escrevia: “os homens são os que constituem essencialmente o Estado político; e neles consiste a sua principal riqueza, porque a maior parte do valor dos seus físicos, procede do trabalho dos homens. Sem um acertado governo econômico, não podem os mais deles, nas circunstâncias presentes, alcançar o seu sustento. Quanto mais o conseguem tantos mais casam, e se estabelecem; aumentam-se as famílias, e progressivamente se multiplicam. Pelo contrário, quanto é mais geral a miséria, tanto é maior a despovoação do Estado. O aumento do número dos vassalos é feito da felicidade pública, e juntamente causa do vigor, e das forças do Estado”. 1 O pensamento expresso nas palavras desse negociante da praça de Lisboa era comparti- lhado por boa parte dos governantes do Antigo Regime, a saber, a importância da população para a boa administração do Estado. Nos interessa, particularmente, discutir o posiciona- mento da Coroa Portuguesa nessa questão, a partir de um Aviso 2 encaminhado para Moçam- bique, no último quartel do século XVIII. Em 14 de setembro de 1796, Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e dos Domínios Ultramarino, dirigiu ao governador de Moçambique, Dom Diogo de Sousa, um Aviso, “afim de que haja nesta Secretaria de Estado melhor infor- mação do Estado Físico e Político dos Domínios Ultramarinos”. A Coroa Portuguesa desejava obter uma série de informações para que “as providências necessárias a promover o bem dos seus vassalos fossem dadas com todo o conhecimento de causa”. 3 Nesse sentido, cabia ao executor da ordem reunir os dados e enviá-los em relações circunstanciadas ou em mapas individuais para aquela Secretaria de Estado. * Este texto decorre de persquisa de doutorado, com bolsa de estudos da Caps.

Upload: trannguyet

Post on 08-Jan-2017

218 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Política e população no Império Português: Moçambique no último

399

Política e população no ImpérioPortuguês: Moçambique no último

quartel do século XVIII

Ana Paula WagnerUniversidade Federal do Paraná

CEDOPE

No último quartel do século XVIII, Manuel Joaquim Rebelo escrevia:

“os homens são os que constituem essencialmente o Estado político; e neles consiste a sua principal riqueza, porque a maior parte do valor dos seus físicos, procede do trabalho dos homens. Sem um acertado governo econômico, não podem os mais deles, nas circunstâncias presentes, alcançar o seu sustento. Quanto mais o conseguem tantos mais casam, e se estabelecem; aumentam-se as famílias, e progressivamente se multiplicam. Pelo contrário, quanto é mais geral a miséria, tanto é maior a despovoação do Estado. O aumento do número dos vassalos é feito da felicidade pública, e juntamente causa do vigor, e das forças do Estado”.1

O pensamento expresso nas palavras desse negociante da praça de Lisboa era comparti-lhado por boa parte dos governantes do Antigo Regime, a saber, a importância da população para a boa administração do Estado. Nos interessa, particularmente, discutir o posiciona-mento da Coroa Portuguesa nessa questão, a partir de um Aviso2 encaminhado para Moçam-bique, no último quartel do século XVIII.

Em 14 de setembro de 1796, Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e dos Domínios Ultramarino, dirigiu ao governador de Moçambique, Dom Diogo de Sousa, um Aviso, “afim de que haja nesta Secretaria de Estado melhor infor-mação do Estado Físico e Político dos Domínios Ultramarinos”. A Coroa Portuguesa desejava obter uma série de informações para que “as providências necessárias a promover o bem dos seus vassalos fossem dadas com todo o conhecimento de causa”.3 Nesse sentido, cabia ao executor da ordem reunir os dados e enviá-los em relações circunstanciadas ou em mapas individuais para aquela Secretaria de Estado.

* Este texto decorre de persquisa de doutorado, com bolsa de estudos da Caps.

Page 2: Política e população no Império Português: Moçambique no último

400

Ana Paula Wagner

Os objetos tratados nesse Aviso eram variados, abrangendo oito temas. O primeiro deles referia-se à descrição geográfica e topográfica daquele governo, “com individuação dos limites e confins com as outras Capitanias vizinhas, assim como das estradas de comu-nicação atualmente estabelecidas para as outras colônias”. O segundo, sobre o “estado da sua povoação em brancos, negros e pardos em cada uma das terras, cidades ou lugares do mesmo governo, unindo-lhes a nota dos nascidos, mortos e casados”. Em terceiro lugar, o governador deveria redigir relações dos produtos naturais da capitania, bem como daque-les que eram exportados (fosse para o reino ou para outros domínios ultramarinos), além de anotar os gêneros importados por Moçambique. O quarto ponto tratava do pagamento de tributos, “seja ao Soberano, seja para a Igreja, e culto público da mesma, seja para as despesas administrativas de cada lugar”. Fazer mapas e relações “muito circunstanciadas” da despesa geral da capitania com exército, marinha, administração da justiça e admi-nistração da fazenda contemplava o quinto ponto a ser informado pelo governador de Moçambique. O sexto objeto tratado no Aviso dizia respeito ao estado da tropa regular e auxiliar, da qualidade e quantidade dos oficiais e soldados, do estado das fortificações e praças, além dos petrechos, munições e tudo o mais que a capitania necessitava para a sua defesa. Ainda no campo militar, o sétimo tema abordava a renovação das propostas para promoções militares. O oitavo e último objeto incidia, especificamente, sobre o possível crescimento da economia de Moçambique: cabia ao governador redigir observações sobre novas culturas que pudessem ser introduzidas, sobre melhoramentos da Fazenda Real e sobre “dar ao comércio uma maior extensão”.4

Note-se que alguns assuntos requeriam que os dados sobre eles fossem remetidos anualmente. Entre eles estavam as informações sobre a população, a renovação das pro-postas para promoções militares e aquelas referentes ao crescimento da economia de Mo-çambique. Importante destacar a relação existente entre esses três pontos para o que se acreditava constituir uma eficiente execução de ações político-administrativas da Coroa Portuguesa no último quartel do século XVIII. No caso da África Oriental sob domínio por-tuguês, boa parte das preocupações da Coroa estiveram muito mais voltadas para o adian-tamento do comércio do que para o desenvolvimento de políticas de expansão geográfica. Entretanto, mesmo não fomentando ações que buscassem o alargamento da conquista, a Coroa necessitava de um mínimo de presença efetiva para exercer a sua soberania.5 Nesse sentido, o cuidado com a defesa militar mostrou-se fundamental para o controle do terri-tório, na medida em que possibilitava uma eficaz exploração e domínio das riquezas nele existentes e garantia o comércio.

A população, por sua vez, era um elemento chave para assegurar a defesa e promover a riqueza. Porque, como bem lembrou o negociante Manuel Joaquim Rebelo, “os homens são os que constituem essencialmente o Estado político; e neles consiste a sua principal riqueza”.6 Os habitantes de um dado território, ao mesmo tempo em que poderiam atuar na sua defesa, também estariam aptos ao desenvolvimento de atividades econômicas. Muito embora esse fosse o desejo de um governante, nem sempre esses anseios se efetivavam, dependendo de uma série de fatores que poderiam desencadear situações contrárias à tão esperada riqueza do Estado.

Page 3: Política e população no Império Português: Moçambique no último

Temas Setecentistas

401

‘Estado da sua povoação’O anseio de conhecer os números e alguns detalhes da população de Moçambique não

era inédito. Duas décadas antes do Aviso de 1796, foi enviado ao governo da África Oriental Portuguesa uma outra ordem, exigindo que fosse feito o recenseamento anual dos habitan-tes. Contudo, neste hiato de tempo, é importante indicar que se desenvolveram mudanças significativas nos critérios adotados na recolha das informações sobre a população.

No Aviso de 1776, os dados reunidos pelos párocos deveriam ser distribuídos em 10 classes, seguindo uma divisão por sexo e idade. Primeiro, seriam contabilizados os homens, agrupados nas seguintes faixas etárias: até 7 anos, de 7 a 15 anos, de 15 até 60 anos e “velhos desde idade de 60 anos para cima, com especificação particular de todos que passarem de 90 anos”. Depois, eram contadas as mulheres, sofrendo algumas alterações no tocante às idades: até 7 anos, de 7 a 14 anos, de 14 até 40, e “todas as adultas e as velhas, desde idade de 40 anos para cima, com especificação particular de todas as que passaram de 90 anos”. Os párocos também deveriam registrar o número de nascimentos e de óbitos ocorridos entre “janeiro antecedente até a entrega da dita relação”.7

Segundo as diretrizes estabelecidas pelo governador e capitão general de Moçambique, Baltazar Manoel Pereira do Lago, as pessoas a serem contabilizadas estavam circunscritas a um grupo delimitado.8 Em carta circular expedida aos governadores subalternos e aos párocos das freguesias, era informado que, na conta dos “habitantes” daquele domínio, “não se entendem os cafres, nem filhos de cafres, nem cativos, nem mouros, e somente habitantes livres, assim como pardos, brancos; bem entendido, aqueles que são sujeitos a Igreja, pois se pedem as relações pelos assentamentos dos livros da mesma Igreja, pois ainda que hajam cafres cristãos, estes não só não são habitantes, mas nem tem uso certo, nem catecismo”.9

Feitas as devidas recomendações, os sucessivos párocos da capitania de Moçambique colocaram em prática a execução de tais levantamentos. Pelo menos até final do século XVIII, com algumas lacunas, foram produzidos recenseamentos de várias freguesias, como indi-cam os mapas de Amiza, Querimba, Cabaceiras, Mossuril, Sé Matriz de Moçambique, Sofala, Inhambane, Quelimane, Macambura, Luabo, Senna, Tete, Manica e Zumb, remetidos para a Secretaria de Estado dos Domínios Ultramarinos. 10

O Aviso de 1796, por sua vez, informava que a Coroa queria saber “o estado da sua povo-ação”, distribuídos em “brancos, pardos e negros”. Supostamente, esses dados proporciona-riam uma noção mais próxima do número total de indivíduos que viviam em Moçambique. Ao contrário do Aviso de 1776, no qual a recolha de informações em assentos de batismos, casamentos e óbitos, e nos róis de confessados, possibilitava apenas conhecer uma parte da população da África Oriental Portuguesa, a saber, não africana e cristã.

Nesse sentido, a mudança do termo ‘habitante’ para ‘povoação’ não foi mero acaso. Ha-bitar expressa “morar em alguma casa, algum lugar”11 e, de maneira implícita, sugere a idéia de pessoas ligadas a um determinado espaço geográfico. Povoar significa “fazer com que se estabeleçam povoadores em alguma terra herma. Fazer assento”. A diferença que se nota é que o primeiro vocábulo foi atribuído a um grupo particular, que detinha qualidades es-pecíficas e, no entendimento do governador de Moçambique, era não africana e cristã. Já povoação, “gente que habita em algum lugar, vila, ou cidade”,12 confere uma idéia mais geral

Page 4: Política e população no Império Português: Moçambique no último

402

Ana Paula Wagner

de pessoas ligadas a qualquer espaço geográfico. Deste modo, é contundente a observação no Aviso de 1796 do “estado da sua povoação [...] em cada uma das terras, cidades ou lugares do mesmo governo”.13

A diferenciação do “estado da povoação” em “brancos, pardos e negros”, era muito mais do que uma simples graduação das cores de pele de homens, mulheres e crianças. Ela estava associada aos diferentes grupos étnicos14 que formavam as sociedades constituidoras do Império Português. Essas categorias sofreram variações e assumiam particularidades de-pendo do domínio enfocado. De um modo geral, na capitania de Moçambique, os ‘brancos’ estavam identificados com portugueses, designação “indistintamente aplicada a oriundos do reino, da Índia ou dos próprios Rios de Senna”. Provavelmente entrava no cômputo dos ‘pardos’ as populações mestiças: “luso-asiáticos, luso-africanos e, ainda, pessoas com uma ascendência européia, indiana e africana”.15 E, por fim, a designação ‘preto’ referia-se aos africanos, fossem eles livres ou escravos. Adverte-se que a complexidade que abarcava cada um dos termos pode ter nos levado a cometer generalizações involuntárias. Assim como uma falta de especificação de que eram exatamente os “brancos, pardos e pretos” da Capi-tania de Moçambique possibilitou a construção de interpretações subjetivas por parte dos autores das relações.

Outra alteração importante do Aviso de 1796 foi a inclusão do número de pessoas ca-sadas. No século XVIII, o sacramento do matrimônio, sendo uma “atribuição exclusiva da Igreja Católica”, estava associado à procriação, com o “cuidado da reprodução da espécie”.16 Entretanto, o matrimônio significava mais do que “relações sexuais legitimadas institucio-nalmente”, conotando também um importante “organizador social”.17 De fato, para que um casamento fosse realizado, era necessário que os nubentes fossem batizados e estivessem livres de impedimentos18; nesse sentido, pode-se perceber a perpetuação de valores da dou-trina geral da Igreja, distinguindo o matrimônio como um importante agregador de pessoas junto aos seus dogmas, além de garantir a reprodução da cristandade. O casamento segundo os trâmites da Igreja Católica também significava uma “condição fundamental para a estabi-lidade econômica, busca de status, ascensão social e obtenção, em muitos casos, de posições administrativas”.19

A situação de ‘casado’ assumiu particularidades em algumas conquistas portuguesas. Segundo Sanjay Subrahmanyam, o termo casado, na Ásia portuguesa, expressava um “sig-nificado bem mais específico do que o seu sentido literal. Primeiro, só os residentes sob a autoridade do Estado da Índia é que podiam ser chamados de casados, tendo para mais que estar associados a um local de residência”.20 O atributo de ‘casado’ abrangia tanto por-tugueses quanto mestiços (pessoas com ascendências européia, indiana ou africana). Para Eugénia Rodrigues, esta categoria também podia ser encontrada na África Oriental Portu-guesa, “conquanto não coincidam rigorosamente com as definidas por aquele historiador [Sanjay Subrahmanyam]”. Segundo a autora, “os casados ou moradores estavam ligados às povoações portuguesas do vale do Cuama (Quelimane, Sena e Tete), mas também às feiras do planalto onde existiam capitães portugueses. Neste grupo incluíam-se Portugueses, Asi-áticos e mestiços”.21

Nesse sentido, incluir a anotação do número dos casados, juntamente com os nascidos e

Page 5: Política e população no Império Português: Moçambique no último

Temas Setecentistas

403

mortos de Moçambique, ultrapassava a simples avaliação da dinâmica demográfica daquela capitania. Conhecer as taxas de nupcialidade era também estabelecer aproximações com pessoas que efetivamente viviam na África Oriental, e que construíram interações econômi-cas, sociais e políticas entre si e, principalmente, com a Coroa Portuguesa.

A execução do que era solicitado no Aviso de 1796 só passou a ser cumprida anos mais tarde da expedição da ordem, tendo sido Francisco Guedes de Carvalho Meneses da Costa o governador a enviar os primeiros dados. A constatação inicial é que, ao contrário do Aviso de 1776, não ocorreu uma remessa sistemática das informações solicitadas. De modo aleatório, eram enviados dados sobre a população, sobre o comércio e agricultura, sobre fortalezas e militares, sobre pagamentos de taxas para a Igreja; enfim, peças de um grande quebra-cabeça que ficava sob a responsabilidade das autoridades metropolitanas montar.

A administração ‘com todo conhecimento de causa’No ato de passagem do cargo de governador geral de Moçambique, Francisco Guedes

de Carvalho Meneses da Costa, informou seu sucessor, Isidro de Almeida Sousa e Sá, sobre o estado da capitania, enfocando a administração, economia e religião, entre outros pontos. Vários dos assuntos diziam respeito aos oito objetos do Aviso de 1796. O primeiro capítulo do documento tratava da abertura de ruas e estradas, as quais “servem não só a comunica-ção dos lugares, fazendas dos moradores”, mas também auxiliaram no tráfico e comércio, assim como na defesa dos territórios. No sexto capítulo, eram apresentados o estado dos rendimentos e despesas da Fazenda Real e a situação econômica da capitania. O capítulo nove tratava de questões relativas à agricultura do café e à pesca da baleia. O décimo capítulo tecia considerações sobre a tentativa de atravessar o território africano e fazer comunicáveis as costas oriental e ocidental.22 No capítulo doze, eram dadas informações sobre a melhoria da saúde da população que vivia em Moçambique.23

Entretanto, era no capítulo quatorze que o governador fazia a junção dos vários objetos do Aviso de 1796, particularmente daqueles que diziam respeito à relação entre população e economia. Francisco Guedes da Costa declarava que o “estado físico e público do país se acha muito melhorado assim no que pode dizer respeito ao seu clima, como aumento do seu co-mércio e agricultura, artes e população, nobres edifícios, ruas e estradas relativamente aos anos anteriores”. Contudo, chamava a atenção que “o número de pardos e pretos destinados a Agricultura e Comércio se faz impossível que eu possa informar”. O governador justificava sua dificuldade: “porquanto depende esta clareza daquela notícia que deve ser exigida dos estabelecimentos de toda a Capitania, que é preciso seja dado pelos governadores dos es-tabelecimentos subalternos, e que nem cabe no tempo para eu a conseguir, nem tão pouco estou munido de autoridade para as mandar cumprir, estas ordens depois de ter entregado a Vossa Excelência o governo”.24

O futuro governador de Moçambique era textualmente informado sobre o Aviso de 1796 e, ao mesmo tempo, alertado para os problemas que iria enfrentar, ou seja, era advertido de que a execução da tarefa “dependia de pessoas de tais conhecimentos que por eles se fizes-sem dignos de darem cumprimento da indagação, e exposição dos diferentes e vastos obje-tos de que ele (o Aviso) se compõe”. Francisco Guedes havia recorrido aos “estabelecimentos

Page 6: Política e população no Império Português: Moçambique no último

404

Ana Paula Wagner

da sua dependência”, escrevendo “aos governadores deles para informarem do que dizia respeito aos seus territórios, dos quais não tenho obtido competentes respostas”. Parte da ineficiência era atribuída à “demora de embarcações que indo só a alguns dos portos de ano em ano” prejudicava a comunicação e o trânsito de informações. Enfim, o novo governador era informado de que a “dificuldade de obter em pouco tempo as informações dos governos subalternos” era uma realidade com a qual iria se deparar.25

Em outro trecho do documento de Francisco Guedes da Costa, teceu considerações so-bre o estado da religião na capitania de Moçambique. No capítulo dois, ao observar que exis-tia “um pequeno número de vassalos cristãos de Sua Alteza Real relativamente ao grande nú-mero de vassalos Mouros, Gentios do Norte chamados Banianes, e Gentios Cafres”, o antigo governador deixa evidente que, se fossem mantidos os critérios estabelecidos por Baltazar Manoel Pereira do Lago, os quais desejavam identificar apenas o número de não africanos e cristãos, seguramente construiria uma visão limitada sobre a população da capitania de Moçambique. Conforme já mencionado, desde o início da segunda metade do século XVIII, a população de um território era considerada como “a sua principal riqueza, porque a maior parte do valor dos seus físicos, procede do trabalho dos homens”.26 Nesse sentido, embora existisse uma relação de proximidade entre a administração civil e a religiosa, era necessário que a Coroa ampliasse o conhecimento das populações dos seus territórios, independente-mente de religião adotada.

Se, em 1776, de acordo com os critérios estabelecidos pelo governador de Moçambique, apenas a população não africana e cristã era focada, em 1796, observou-se uma ampliação no que se considerava a população daquele território. O conhecimento do “estado da sua po-voação em brancos, negros e pardos em cada uma das terras, cidades ou lugares do mesmo governo” permitiria à Coroa dimensionar o real tamanho da população da África Oriental sob seu domínio. Esse conjunto de informações tornaria possível saber quantos braços esta-vam disponíveis para o trabalho, para atuar no comércio ou na agricultura, quantas pessoas estavam aptas para pagar impostos, quantas pessoas seriam capazes de pegar em armas em caso de guerra, etc.27

No mesmo mês em que recebeu o cargo de governador, Isidro de Almeida Sousa e Sá remeteu para o Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e dos Domínios Ultramarino informações a respeito da vida econômica da capitania de Moçambique. Num conjunto de sete mapas, apresentava as despesas gerais da capitania, as rendas obtidas, os rendimentos e despesas da Fazenda Real, fazia um balanço geral da Administração da Junta da Fazenda, apresentava dados sobre o Real Hospital de Moçambique, informava sobre a exportação do marfim e mais gêneros para a Índia e fazia uma relação dos petrechos de guerra existentes nos Reais Armazéns.28 Estes mapas atendiam aos terceiro, quarto, quinto e sexto objetos do Aviso de 1796. Apesar da demora, o Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e dos Do-mínios Ultramarinos29 teria, enfim, condições de avaliar o estado da economia da capitania de Moçambique e tomar as providências necessárias.

Não obstante Isidro de Almeida Sousa e Sá ter enviado para o reino um extenso e de-talhado relatório, tratando do “sistema político” da capitania de Moçambique30, foi o gover-nador de Rios de Senna quem conseguiu reunir o maior número de informações relativas à

Page 7: Política e população no Império Português: Moçambique no último

Temas Setecentistas

405

população do território a ele submetido. Num total de nove documentos, entre mapas e rela-ções, Jerônimo Pereira informava à Coroa sobre os párocos das igrejas das freguesias, listava nomes dos moradores e os empregos destes nas vilas do distrito, nomes dos negociantes que atuavam nas vilas e feiras, fornecia dados sobre as tropas que guarneciam as vilas e pre-sídios, informava sobre o pagamento de foros e dízimos dos possuidores de terras, além do esperado “Mapa circunstanciado do estado das povoações dos brancos, pardos e negros”.31 Na mesma época, os párocos das freguesias de Tete e Senna redigiram relações contendo informações sobre os batismos, casamentos e óbitos ocorridos naquelas localidades.32

Esses documentos, tomados em conjunto, permitem observar que, não obstante uma sé-rie de dificuldades, houve uma evidente tentativa de atender ao Aviso de 1796. Até chegar à confecção de um “mapa circunstanciado do estado das povoações”, foi preciso ultrapassar al-guns obstáculos, embora muitos deles não tenham sido superados. O uso de recursos, como a distribuição da ordem por agentes subordinados33 e foreiros dos Prazos da Coroa,34 tornou viável a execução de parte do que foi solicitado. Parte, porque um conjunto de circunstâncias fez com que a tarefa de recolher as informações fosse dificultada ou, em muitos casos, invia-bilizada. Entre essas situações, podemos citar a instabilidade de moradia dos africanos que viviam nos Prazos,35 a resistência destes em fornecer o número de pessoas que habitavam as aldeias,36 a ausência de anotação das cores nos assentos eclesiásticos37 e o fato da maior par-te da população viver fora dos padrões da Igreja Católica, com práticas culturais distintas.38

As relações produzidas pelas autoridades coloniais também revelam que o aspecto hu-mano perpassava todas as considerações contidas nesses documentos. A partir deles, a Coroa tinha condições de saber quem eram os párocos que atuavam naquele domínio, os moradores e as atividades que desenvolviam, os negociantes e os militares. De maneira explícita, estava colocada a relação entre população, atividades econômicas e defesa militar. Afinal, era preciso ter homens para a realização de atividades comerciais e agrícolas, garantir a conservação do território, pagar impostos, enfim, aspectos constituintes de uma boa administração.

Presumimos que tão logo os agentes da Coroa tivessem a posse das “relações circuns-tanciadas” ou “mapas individuados”, poderiam tomar “as providências necessárias a pro-mover o bem dos seus vassalos”. Assim, por exemplo, em 1803, quando o Príncipe Regente consultou o Conselho Ultramarino, observou as “incertezas e flutuações” que ocorriam no provimento dos postos militares da capitania da África Oriental e “das que lhe são subordi-nadas”. Diante de tal situação, e “por falta de especiais verídicas informações sobre os prin-cípios de que depende a acertada decisão deste negócio”, D. João ordenou que fossem produ-zidas novas informações sobre a capitania de Moçambique.39

O que se nota é que a prática administrativa portuguesa estava pautada nessa dinâmica: conhecer os problemas e buscar as respectivas soluções. Na segunda metade do século XVIII, ganharam força “os projetos de inventariação e reordenamento dos recursos, de ganhos de eficiência e de produtividade, de melhoramentos agrícolas, de aperfeiçoamento tecnológico, de extensão do mercado interno, de melhoria dos sistemas de capitalização e de crédito, de reforma do sistema fiscal”. Neste período, instituições como a Academia Real das Ciências de Lisboa, estavam interessadas em “promover o desenvolvimento do conhecimento científico e a sua útil aplicação”.40

Page 8: Política e população no Império Português: Moçambique no último

406

Ana Paula Wagner

Em 1789, um dos colaboradores da Academia, Domingos Vandelli, escrevia que “sendo certo, que todos os ramos da economia civil, para que esta seja útil ao reino, devem ser re-gulados por princípio deduzidos de uma boa aritmética política; assim não se devem seguir sistemas, sem antes examiná-los e confrontá-los com as atuais circunstâncias da nação”. Ain-da notava que “sem um exame do atual estado da nação não se pode dar um passo seguro, nem seguir sistema algum vantajoso: assim além das notícias, que se vão adquirindo acerca da agricultura, e das fábricas, deve-se ter sempre em vista o estado actual da povoação, in-dústria, das produções, comércio, e das rendas, e despesas públicas”.41 Ao considerarmos o discurso de Vandelli, observamos que as preocupações levantadas pelos membros da Acade-mia eram igualmente compartilhadas pelos agentes da Coroa Portuguesa.

Segundo Antonio Cesar de Almeida Santos, as mudanças na organização administrativa do Estado português “ganharam feições mais definidas no reinado de D. José”, cujo principal mentor das práticas políticas adotadas foi Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal.42 Foi a partir da atuação desse ministro que uma série de reformas político-administrativas foi colocada em prática, particularmente aquelas que buscaram secularizar e aprimorar os quadros administrativos, visando a racionalização dos procedimentos admi-nistrativos e a modernização dos quadros burocráticos.43

Nessa conjuntura, algumas instruções remetidas aos governadores de Moçambique mostram que a Coroa estava atenta à necessidade de conhecer bem o território e a popu-lação que administrava. Antonio Cesar de Almeida Santos, ao analisar a instrução dada em 1777 ao governador de Goiás, na América Portuguesa, argumenta que “seguindo-se conside-rações de ordem geral, e particulares de Goiás, a instrução estabelecia que cada governador deveria ter ‘um exato conhecimento’ da capitania posta sob sua jurisdição, proporcionando os meios necessários para o sustento da população e o desenvolvimento do comércio e, para tanto, deveriam proceder à povoação das regiões inabitadas”. Ainda conforme o autor, “esta ação em particular era merecedora de toda a atenção, sendo considerada como ‘objeto muito mais importante, pelas suas conseqüências, que todas as riquezas’, pois, segundo os ‘mais sólidos princípios da boa Aritmética Política’, os homens são a mais importante riqueza de um Estado”.44

Da mesma maneira que este instrumento administrativo permitiu observar as nítidas preocupações da Coroa em obter informações dos territórios sob seu comando, ele possi-bilitou, igualmente, a aproximação com um dos princípios norteadores da prática política portuguesa, a saber, “uma abordagem quantitativa e contábil dos fenômenos socioeconô-micos em geral, e dos demográficos em particular”.45 Nesse sentido, os dados recolhidos a partir do Aviso de 1796, incluindo os populacionais, poderiam ser empregados de diferentes maneiras, servindo para organizar, melhorar ou uniformizar a administração dos territórios sob domínio português.46

Em resumo, o Aviso de 1796, remetido para a capitania de Moçambique, deixa manifesta a relação existente entre o conhecimento da população e a administração portuguesa, na medida em que a “melhor informação do Estado Físico e Político dos Domínios Ultramari-nos” serviria “para que as providências necessárias a promover o bem dos seus vassalos se-jam dadas com todo o conhecimento de causa”. Além disso, no último quartel do século XVIII,

Page 9: Política e população no Império Português: Moçambique no último

Temas Setecentistas

407

as povoações de “brancos, pardos e negros em cada uma das terras, cidades ou lugares” da África Oriental Portuguesa foram o elemento constituidor da conexão entre população, ati-vidades econômicas e defesa militar, na medida em que “os homens são os que constituem essencialmente o Estado político; e neles consiste a sua principal riqueza”.47

NotasEconomia Política feita em 1795 por M. J. R. (Introdução e Direção de Edição de Armando Castro). Lisboa: Banco de Portugal, 1992, p. 36. Conforme a nota introdutória, o texto é atribuído a Manoel Joaquim Rebelo, negociante da praça de Lisboa.2 Segundo José Sintra Martinheira, os Avisos eram “ordens expedidas em nome do Soberano pelos Secretá-rios de Estado diretamente ao Presidente do Tribunal ou aos conselheiros do Tribunal, ou ainda a qualquer magistrado, corporação ou particular, pela qual se ordenava a execução das reais ordens”. MARTINHEIRA, José Sintra. Catálogo dos Códices do Fundo do Conselho Ultramarino relativos ao Brasil existentes no Arquivo Histórico Ultramarino. Rio de Janeiro: 2000, p. 37.3 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Códice 1319, fl. 103. É importante destacar que Avisos de seme-lhante teor foram remetidos para outros domínios do Império Português, como Angola e capitania de São Paulo. Ver: Carta circular do governador Dom Miguel António de Melo com o fim de se inteirar sobre as possibili-dades de Angola (1797). Arquivo das Colônias, Lisboa: Imprensa Nacional, 1929, v. 5. n. 26, pp. 61-63; Relatório de Dom Miguel António de Melo acerca do Governo de Angola (1802). Arquivo das Colônias, Lisboa: Imprensa Nacional, 1930, v. 5, n. 29, pp. 130-147; MARCÍLIO, Maria Luiza. Crescimento demográfico e evolução agrária paulista (1700-1836). São Paulo: Editora Hucitec/Edusp, 2000.4 AHU, Códice 1319, fl. 103. Desse contexto, data a nomeação de Francisco José de Lacerda e Almeida para ocupar o cargo de governador dos Rios de Senna. Entre as inúmeras tarefas que ele deveria cumprir, estava uma expedição cujo objetivo era verificar a possibilidade de comunicação entre a África Oriental e Ocidental. Do mesmo modo, além do conhecimento do território, era de interesse da Coroa obter mais informações sobre cartas geográficas da capitania, ter noções exatas da divisão dos governos de Rios de Senna e Moçambi-que, o restabelecimento da Fazenda Real, conseguir mais dados sobre o ouro e a formação de uma Companhia Portuguesa para o comércio da Ásia. Sobre as tarefas atribuídas a Francisco José de Lacerda e Almeida, ver: “Carta de D. Rodrigo de Souza Coutinho para o Príncipe Regente Dom João VI, de 6 de março de 1797”. AHU, Moçambique, Caixa 77, Doc. 41.5 Em 1761, numa Instrução dada ao governador de Moçambique, a Coroa Portuguesa ordenava que este só devia procurar desenvolver o comércio, “e tão somente este”, na medida que não era de interesse do rei a “idéia de conquista [do interior], porque naquelas partes não quero alguma extensão nas terras, ou nos domínios delas”. Por sua vez, para garantir o exercício da autoridade portuguesa naquela capitania, ordenou a criação de algumas vilas e a instalação de um aparato burocrático para “reduzirem-se os habitantes das mesmas Vilas, e seus termos, à Sociedade Civil”. “Instrução dada a Calisto Rangel Pereira de Sá, que vai por Governador e Capitão General da Praça de Moçambique, Rios de Senna e Sofala, de 7 de maio de 1761”. AHU, Moçambique, Caixa 19, Doc. 63-A.6 Economia Política, op. cit., p. 36.7 AHU, Códice 1333, fls. 297-301. É importante destacar que Aviso de semelhante teor foi encaminhado para algumas capitanias da América Portuguesa.8 É relevante indicar que é o governador de Moçambique quem delimita as pessoas a serem contabilizadas. Em certa medida, essa ação contraria o entendimento da Coroa, para a qual “a boa administração da justiça” deveria fazer-se “sem distinção de pessoas [...], posto que sejam mouros, gentios, cafres e outros semelhantes”.

Page 10: Política e população no Império Português: Moçambique no último

408

Ana Paula Wagner

“Cópia da Instrução dada a Calisto Rangel Pereira de Sá, que vai por Governador e Capitão General da Praça de Moçambique, Rios de Senna e Sofala, de 7 de maio de 1761”. AHU, Moçambique, Caixa 19, Doc. 63-A. Situação análoga à de Moçambique é encontrada na Capitania de São Paulo, quando seu governador informava que “na palavra habitante compreende todos os indivíduos vassalos de S. Majestade que vivem nesta capitania, pelo que se devem meter todos nas Relações atuais, e de cada ano, com a declaração, porém, que os Índios se deve declarar nelas [como] o são; como também os Sacerdotes de toda a qualidade, para tudo ser presente ao dito Senhor, em virtude de Sua Real Ordem”. Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo, v.77, p. 34. Apud: SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. “Vadios e política de povoamento na América portuguesa, na segunda metade do século XVIII”. In: Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, V. XXVII, n. 2, pp. 7-30, dez. 2001, p. 29.9 “Cópia da carta circular que no ano de 1777 foi expedida aos párocos das Igrejas dos Rios de Senna, de 15 de abril de 1777”. AHU, Códice 1339, fl. 126; Moçambique, Caixa 40, Doc. 61. Cafre era a designação gené-rica que os portugueses davam para os africanos que viviam na região da Costa Oriental da África. Segundo dicionário do século XVIII, cafre era o nome que os “árabes dão a todos os que negam a unidade de um Deus”, também poderia ser entendido como povo “sem lei, e a esses povos se deu esse nome [cafre], como gente bár-bara, quem não tem lei, nem religião”. “Cafre”. In: BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Coimbra, 1712. p. 36. Cd-rom. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro.10 Os recenseamentos em questão podem ser pesquisados no AHU, Moçambique, Caixas 32 até 84.11 “Habitar”. In: SILVA, Antônio de Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa: Typographia Lacerdia-na, 1813, 2ª. Edição. T. 2, p. 110.12 “Povoar”, “povoação”. In: SILVA, op. cit., p. 481.13 AHU, Códice 1319, fl. 103. Grifo nosso.14 Utilizamos o termo étnico da mesma maneira que Russell-Wood: “ampliado para abarcar grupos ou co-munidades que se identificavam e eram identificadas por outros, pela origem nacional, religião, raça, ocupa-ção e cultura”. RUSSELL-WOOD, A. J. R. “Comunidades étnicas”. In: BETHENCOURT, Francisco; CHAUDHURI, Kirti (coords.). História da Expansão Portuguesa. O Brasil na Balança do Império. Vol. III. Navarra: Círculo de Leitores, 1998, p. 210.15 RODRIGUES, Maria Eugénia Alves. Portugueses e africanos nos Rios de Sena. Os Prazos da Coroa nos séculos XVII e XVIII. Tese (Doutorado em História). Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2002, pp. 125-128. É importante res-saltar que, na época tratada nesse texto, o termo pardo era utilizado, indistintamente, para caracterizar pessoas de “cor entre branco e preto”. Porém o vocábulo assumia particularidades dependendo da região. No caso da América Portuguesa, “o termo pardo, de simples designação de cor, ampliou sua significação quando se teve de dar conta de uma crescente população para a qual não eram mais cabíveis as classificações de ‘preto’ (escravo ou ex-escravo de origem africana) ou ‘crioulo’ (escravo ou ex-escravo nascido no Brasil), na medida em que estas tendiam a congelar socialmente o status de escravo ou de liberto”. MATTOS, Hebe Maria. “A escravidão moderna nos quadros do Impé-rio português: o Antigo Regime em perspectiva atlântica”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O antigo regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 154-155.16 GOLDSCHMIDT, Eliana Rea. Casamentos Mistos. Liberdade e Escravidão em São Paulo Colonial. São Paulo: AnnaBlume/Fapesp, 2004, pp. 21-22.17 CAMPOS, Alzira L. de Arruda. Casamento e Família em São Paulo colonial. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 90.18 Entre os impedimentos existentes, podemos citar “a existência de parentesco até o quarto grau de con-sangüinidade; a existência de prévia promessa de casamento a outra pessoa, por parte de um dos noivos; a ocorrência de ‘cópula ilícita’ com parente do outro até o segundo grau de consangüinidade; as relações de apadrinhamento, consideradas como ‘parentesco espiritual’ impeditivo. Apesar disso, em alguns casos, a Igreja autorizava o casamento através de dispensas, bastando que os envolvidos pagassem penitências espiri-

Page 11: Política e população no Império Português: Moçambique no último

Temas Setecentistas

409

tuais, além de custos pecuniários em moeda, bens ou serviços”. “Casamento”. In: VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000, pp. 107-108. Mais detalhes sobre os impedimentos, ver: VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, 2ª. ed. p. 93 e seguintes.19 “Casamento”. In: VAINFAS, Dicionário do Brasil Colonial, op. cit., p. 109.20 SUBRAHMANYAM, Sanjay, O Império Asiático Português (1500-1700). Uma história política e económica. Lisboa: Difel, 1995, pp. 310-311.21 RODRIGUES, op. cit., pp. 127-128.22 Sobre a empreitada de Francisco José de Lacerda e Almeida, na comunicação entre as duas costas da África, ver: ALMEIDA, Francisco José de Lacerda e. Diários de viagem de Francisco José de Lacerda e Almeida. Rio de Janeiro: Instituto do Livro, 1944. (Prefácio de Sérgio Buarque de Holanda).23 “Cópia do ofício que em 11 de janeiro de 1802 o governador Capitão General de Moçambique Francisco Guedes de Carvalho Meneses da Costa dirigiu ao seu Sucessor Isidro de Almeida Sousa e Sá depois de lhe fazer entrega do Governo, de 11 de janeiro de 1802”. AHU, Moçambique, Caixa 92, Doc. 20. 24 “Cópia do ofício que em 11 de janeiro de 1802...”, doc. cit.25 “Cópia do ofício que em 11 de janeiro de 1802...”, doc. cit.26 Economia Política, op. cit., p. 36.27 As informações extraídas dos recenseamentos foram úteis aos soberanos de várias maneiras. Ana Maria de Oliveira Burmester, ao realizar um estudo sobre Estado Português no século XVIII, aponta que o aprovei-tamento dos dados extraídos destes documentos era variado: eles poderiam ser utilizados no recrutamento para o serviço das armas ou trabalhos públicos, preocupações fiscais e sanitaristas, ou ainda, para o trabalho na agricultura e a ocupação do território. BURMESTER. Ana Maria de Oliveira. “O Estado e População: o século XVIII em questão”. In: Revista Portuguesa de História. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coim-bra, t.33, 1999, pp. 113-151. (Separata)28 “Mapa da importância da Despesa Geral da Capitania de Moçambique de dez anos (1791 até o fim de 1800), de 22 de dezembro de 1801; Mapa das Rendas Reais da Capitania de Moçambique dos últimos três anos desde 1798 até 1800, de 22 de dezembro de 1801; Rendimento e Despesa da Fazenda Real de 2 anos principiado em 1799, em que foram aumentados os Direitos de Alfândega até o ano passado de 1800, de 22 de dezembro de 1801; Balanço Geral do Estado da Administração da Junta da Fazenda Real de Moçambique do tempo de 6 meses, desde o primeiro da janeiro até fim de junho de 1801; Mapa anual do Real Hospital de Moçambique; Mapa do marfim e mais gêneros que se despacharam para a Índia nesta monção de agosto de 1802, e seu valor pelo preço da pauta desta Alfândega, de 12 de setembro de 1802; Relação dos petrechos de Guerra e Efeitos existentes nos Reais Armazéns à cargo do Almoxarife da Real Fazenda”. AHU, Moçambique, Caixa 92, Doc. 11.29 Em 8 de janeiro de 1802, data de entrega destes mapas na Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, D. Rodrigo de Sousa Coutinho não estava mais à frente deste gabinete. Já ocupava esta Secretaria o seu sucessor Visconde de Anadia, nomeado em 6 de janeiro de 1801. SUBTIL, José. “No crepúsculo do corporativismo. Do reinado de D. José às invasões francesas (1750-1807”. In: HESPANHA, António Manuel (coord.). História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 423.30 “Relatório do governador geral Isidro de Almeida Sousa e Sá para o Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e dos Domínios Ultramarino Visconde de Anadia, de 25 de julho de 1802”. AHU, Moçambique, Caixa 93, Doc. 94. 31 “Relação circunstanciada dos Párocos que ocupam as Igrejas das Freguesias e Capital das Vilas do Distri-to do Governo destes Rios de Senna, de 4 de março de 1802; Relação circunstanciada dos moradores de cada uma das Vilas e os empregos que nelas ocupam do Distrito do Governo destes Rios de Senna, de 4 de março de 1802; Relação circunstanciada dos negociantes, que comerciam em cada uma das vilas e feiras do Distrito do Governo dos Rios de Senna, de 4 de março de 1802; Mapa Geral dos feitos honoríficos, milícias, ordenanças,

Page 12: Política e população no Império Português: Moçambique no último

410

Ana Paula Wagner

e empregos das fazendas da Política e civis do Distrito do Governo dos Rios de Senna, de 4 de março de 1802; Mapa geral das tropas que guarnecem as Vilas e Presídios do Distrito do Governo dos Rios de Senna, de 4 de março de 1802, Mapa Geral das Tropas que guarnecem as Vilas do Distrito dos Rios de Senna, de 4 de março de 1802; Mapa circunstanciado do estado das povoações dos brancos, pardos e negros colonos existentes nas terras da jurisdição de cada uma das vilas do Distrito do Governo dos Rios de Senna, de 4 de março de 1802; Mapa Circunstanciado das únicas Rendas Reais da arrecadação anual de Foros e Dízimos, que pagam os possuidores dos Prazos da Real Coroa, Fisco Real e Terras Fatiotas nas três feitorias das Vilas do Distrito do Governo de Rios de Senna; Mapa Geral dos Párocos que ocupam as Igrejas das Vilas do Distrito do Governo destes Rios de Senna”. AHU, Moçambique, Caixa 95, Doc. 51.32 “Relação dos batismos, casamentos e óbitos que tem havido nesta Paroquial Igreja de São Tiago Maior de Tete, de 20 de janeiro de 1802” AHU, Moçambique, Caixa 92, Doc. 37; “Relação circunstanciada de nasci-mentos, casamentos e falecimentos havidos nesta Freguesia de Santa Catarina, Matriz da Vila de Senna, de 5 de fevereiro de 1802”. Caixa 92, Doc. 45.33 São exemplos da distribuição do Aviso para autoridades subordinadas, as correspondências remetidas para Quelimane e ilhas de Cabo Delgado, assim como as enviadas de Zumbo e Senna. “Carta do governador dos Rios de Senna, Jerônimo Pereira para Felix Lamberto da Silva Bandeira, de 15 de janeiro de 1801”. AHU, Moçambique, Caixa 87, Doc. 14; “Carta Francisco Guedes de Carvalho Meneses da Costa para o governador das ilhas de Cabo Delgado Constantino Antonio Álvares da Silva, de 7 de julho de 1798”. Caixa 81, Doc. 53; “Carta de José Pedro Diniz para o governador dos Rios de Senna, Jerônimo Pereira, de 10 de abril de 1801”. Caixa 87, Doc. 66; “Carta de José Felipe de Carvalho, Capitão Mor das Ordenanças e Comandante da vila de Senna, para o Governador dos Rios de Senna, de 2 de junho de 1801”. Caixa 88, Doc. 13.34 “Ofício do comandante da vila de Tete para os foreiros dos Prazos da Coroa, de 21 de março de 1801” AHU, Moçambique, Caixa 87, Doc. 46; “Ofício do comandante da vila de Senna para os foreiros dos Prazos da Coroa, de 4 de novembro de 1801”. Caixa 90, Doc. 10. Para discussão sobre a sociedade dos prazos, ver: RODRIGUES, Eugénia. “Senhores, escravos e colonos nos prazos dos Rios de Sena no século XVIII: conflito e resistência em Tambara”. Portuguese Studies Review. vol. 9, n. 1 e 2, 2001, pp. 289-320.35 “Informações sobre o Prazo Sone, dadas por Joaquim de Moraes Rego Lisboa, de 5 de novembro de 1801”. AHU, Moçambique, Caixa 92, Doc. 88; “Informações sobre o Prazo Ionpiria, dadas por Illena Xavier Vas, de 10 de janeiro de 1802”. Caixa 92, Doc. 88; “Informações sobre o Prazo Mulambo, dadas por João Caetano de Sou-za, de 10 de janeiro de 1802”. Caixa 92, Doc. 88; “Informações sobre o Prazo Inhamaze, dadas por Luiza Maria Xavier Vas, de 11 de janeiro de 1802”. Caixa 92, Doc. 88.36 “Informações sobre os Prazos administrados por João Filipe de Carvalho, de 18 de novembro de 1801”. AHU, Moçambique, Caixa 90, Doc. 42. Observações sobre situações de embates e resistências nos prazos, ver: RODRIGUES, op. cit., pp. 289-320.37 “Carta do Frei Vicente de São José Banino e Silva para o governador dos Rios de Senna, de 20 de janeiro de 1802”. AHU, Moçambique, Caixa 92, Doc. 36.; “Carta do Frei Vicente de São José Banino e Silva para o gover-nador dos Rios de Senna, de 21 de janeiro de 1802”. Caixa 92, Doc. 37.38 “Informações sobre o Prazo Inhacaranga, de 5 de novembro de 1801”. AHU, Moçambique, Caixa 90, Doc. 13. Para um exemplo do olhar dos portugueses sobre o modo de viver dos africanos da Costa Oriental, ver: “Resposta das questoens sobre os cafres” ou notícias etnográficas sobre Sofala do fim do século XVIII. (Introdu-ção e notas de Gerhard Liesegang). Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar/Centro de Estudos de Antro-pologia Cultural, 1966.39 “Carta do Príncipe Regente Dom João para o Governador de Moçambique, de 20 de junho de 1803”. AHU, Moçambique, Caixa 100, Doc. 31.40 CARDOSO, José Luís (org.). Portugal como problema. A economia como solução (1625-1820). Do Mercantilismo à Ilustração. (volume V). Lisboa: Fundação Luso-Americana/Público, 2006, pp. 209-210.

Page 13: Política e população no Império Português: Moçambique no último

Temas Setecentistas

411

41 VANDELLI, Domingos. Memória sobre a preferência que em Portugal se deve dar à agricultura sobre as fábricas, 1789, apud CARDOSO, op. cit., pp. 219-220.42 SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. “Algumas observações sobre a ação política pombalina. Instruções de governo para garantirem a ‘multiplicação de povoações civis e decorosas’ na América portuguesa”. In: VI Jornada Setecentista: Conferências e Comunicações. Curitiba: Aos Quatro Ventos/CEDOPE, 2006, p. 153.43 Ver FALCON, Francisco Calazans. “Pombal e o Brasil”. In: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. São Paulo: Editora Unesp/Edusc/Instituto Camões, 2000, pp. 158-160.44 SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Para viverem juntos em povoações bem estabelecidas: um estudo sobre a política urbanística pombalina. Tese de Doutorado. CPGHIS-UFPR, Curitiba, 1999, p 131.45 SZMRECSÁNYI, Tamás. “Da aritmética política à demografia como ciência”. In: Revista Brasileira de Estudos Populacionais. Brasília. 16 n. 1/2 jan./dez. 1999, p. 5. Para Franklin Baumer, “por meio da análise quantitativa, de estatísticas da população, propriedade das terras, negócios, clima, e quejandos, os governantes poderiam obter as informações necessárias para a tomada de decisões políticas”. BAUMER, Franklinm L. O pensamento europeu moderno. Século XVII e XVIII. (volume I). Lisboa: Edições 70, 1990, p. 134. 46 Sobre a presença de um saber estatístico-matemático no estabelecimento de medidas para o desenvolvimen-to das atividades econômicas e dos negócios políticos do Império Português, ver SANTOS, Para viverem juntos em povoações..., op. cit.47 Economia Política, op. cit., p. 36.