poemas inéditos de - academia.org.br 57-poesia estrangeira.pdf · poemas inéditos de rodolfo...
TRANSCRIPT
Poemas inéditos deRodolfo Alonso
Tradução deAnderson Braga Horta
Rodolfo Alonso, poeta, tradutor e ensaísta argentino, nasceuem Buenos Aires em fins de 1934. É uma das vozes mais re-
conhecidas da poesia latino-americana contemporânea. Foi o mem-bro mais jovem do grupo formado em torno da lendária revista ar-gentina de vanguardia Poesía Buenos Aires. Publicou mais de 20 livros,incluindo também ensaio e narrativa. Primeiro tradutor de Fernan-do Pessoa na América Latina (1961). É o mais ativo tradutor de po-etas brasileiros ao castelhano, tais como: Carlos Drummond deAndrade, Murilo Mendes, Manuel Bandeira, Olavo Bilac, CecíliaMeireles, Dante Milano, Augusto Frederico Schmidt, Vinicius deMoraes, João Cabral de Melo Neto e Lêdo Ivo, além de Clarice Lis-pector. Traduziu também autores de outros idiomas: GiuseppeUngaretti, Cesare Pavese, Marguerite Duras, Paul Éluard, EugenioMontale, Jacques Prévert, Umberto Saba, Guillaume Apollinaire,Pier Paolo Pasolini, Rosalía de Castro, Charles Baudelaire, Paul Va-léry, Stéphane Mallarmé.
289
Poeta, contista ecrítico literário.Publicou osseguintes livrosde poesia: Altiplanoe Outros Poemas,Antologia Pessoal,e ainda A AventuraEspiritual de Álvaresde Azevedo: Estudo eAntologia, entreoutros.
Poes ia Estrange ira
Auschwitz, ainda
não se deve dizerdeve-se
não se pode dizerdeve-se
o que não se pode dizerdeve-se
ora euuivo
au au auaus ausch auszaux aux aux
ainda nãonãonãonãonãonão quenãoquenãonocauteou
austchwitzainda
ainda(que) auschwitz
290
Tradução de Anderson Braga Horta
291
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
Auschwitz, aún
no se debe decirse debe
no se puede decirse debe
lo que no se puede decirse debe
aun yoaúllo
au au auaus ausch auszaux aux aux
aún nononononóno quenoquenónoqueó
austchwitzaún
aun(que) auschwitz
Carne do sol
Não vi bem a Bahiavi chuva na Bahia
É muito mais difícil
Vi a beleza negrana sua beleza erguida
Vi a cor da misériaa miséria do mar
Vi o reino do mare da melancolia
Mais a terna bravezade não ser mais que um
e todos os que em um
Vi o sagüi o cocoigrejas sem Igreja
Vi deuses que falavamnos escuros silêncios
Foi/não foi a BahiaFui/não fui à Bahia
292
Tradução de Anderson Braga Horta
293
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
Carne do sol
Eu non vin ben BahíaVin choiva na Bahía
É moito mais difícil
Vin a beleza negrana sua beleza erguida
Vin a cor da miseriaa miseria do mar
Vin o reino do mare da melancolía
Mais a tenra bravezade non ser mais que un
e todos cuantos un
Vin o sagüí o cocoigrejas sen Igreja
Vin deuses que falabannos escuros silencios
Foi e non foi Bahíafui e non fui Bahía
Foi a escura esperançafoi a esperança escura
E chovia e choviammelodias na névoa
E o sol estava ausenteem todo o esplendor seu
E o mar era um impérioque nos lavava livres
Uróboro
Para lá vamos todos:gases e pó. Contudoas estrelas não surgemcomo o homem culmina?
294
Tradução de Anderson Braga Horta
295
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
Foi a escura esperanzaFoi a esperanza escura
E chovía e chovíanmelodías na néboa
E o sol estaba ausenteen todo esplendor seu
E o mar era un imperioque nos lavaba libres
Ouroboros
Hacia allí vamos todos:gases y polvo. ¿Perolas estrellas no empiezancomo el hombre culmina?
À luz do Limai
Quando nada nos restaquando tanto nos falha
Relumbra na memóriapura o Rio Limai
Aparece de prontoa serpente turquesa
E na luz do Limailavam-se então os olhos
No sol da Patagôniaque acaso não podemos
Nem tudo está perdidoluz um lume o Limai
Em meio às pardas costasverte seu esplendor
Sereno indiferentese nos torna o Limai
Com sua arisca belezapodem contar com ele
Distante na aparêncianão se esquece o Limai
296
Tradução de Anderson Braga Horta
297
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
A la luz del Limay
Cuando nada nos quedacuando tanto nos falla
En la pura memoriarelumbra el Río Limay
Se aparece de prontola serpiente turquesa
Y los ojos se lavanen la luz del Limay
Sol de la Patagoniaque acaso no podemos
No todo está perdidoluce lumbre el Limay
Entre las pardas cuestasderrama su esplendor
Sereno indiferentese nos vuelve el Limay
Con su belleza ariscapueden contar con él
Distante en apariencianadie olvida al Limay
Lima lento e aliviaos vislumbres que alumbra
Tudo toma a seu cargolivre e longo o Limai
Como a áspera terrae o céu ilimitado
Entrega-se o Limaisem pensar duas vezes
Não que não nos pertençafaz-se amigo se quer
Livre a luz do Limailima os nossos limites
Ele guapeia e crescesolto em nossa memória
Não é pra dissolver-nosque nos chama o Limai
Que a nada se reduzobriga a ser nobreza
Lambe lombas sem contoa lua no Limai
298
Tradução de Anderson Braga Horta
299
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
Lima lento y alivialos vislumbres que alumbra
De todo se hace cargolibre y largo el Limay
Como la áspera tierray el cielo ilimitado
El Limay se regalasin pensarlo dos veces
No es que nos pertenezcase hace amigo si quiere
Libre luz del Limaylimando nuestros límites
Él guapea creciendosuelto en nuestro recuerdo
No es para deshacernosque nos llama el Limay
Porque a nada se achicaobliga a ser nobleza
Lame lomas sin límitela luna en el Limay
Não é prenda comércioou vil quinquilharia
Amizade de orgulhooferece o Limai
Uma coisa de homensuma coisa de deuses
Quando tudo se esqueçaque não cesse o Limai
Monumento a Maria Bethânia
“Música é perfume”.M.B.
Nos ares ou nos mares,na nitidez do diaou na precisa noite,sem crepúsculo nunca,no Brasil que é um mundo,no mundo, neste mundocrepitante e velozhá lugar para um mundo:a voz que usa teu corpo.
Há tom, há densidade,há gravidade, há timbre,há palavra que cantae há música que expressaa pulsação que sentes.
300
Tradução de Anderson Braga Horta
301
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
No es prenda ni es comercioni vil chafalonía
Es amistad de orgullola que ofrece el Limay
Una cosa de hombresuna cosa de dioses
Cuando todo se olvideque no cese el Limay
Monumento a Maria Bethânia
“Música é perfume”.M. B.
En el aire, en el mar,en lo neto del díao la precisa noche,sin crepúsculo nunca,en Brasil que es un mundo,en el mundo, en el mundocrepitante y velozhay lugar para un mundo:la voz que usa tu cuerpo.
Hay tono, hay densidad,hay gravedad, hay timbre,hay palabra que cantay hay música que expresael latido que sientes.
Rege, Bethânia, ordenaa poesia do mundo,torna o caos em sentido,a altura em canto fundo,e faz do intenso, alento.Ruge, Bethânia, ruge,feroz delicadeza,não há poesia nos livros,a leitura não basta,ouvir é insuficiente,e nada é suficiente,nada, nem mesmo a música.Porque do povo emana,vem do húmus do humano,da língua feita cantoa luz que te escurece,o resplendor orgânico:a luz que usa teu corpo.
Ode à resiliência
Nas asas do salmãoa vida volta
O amor do salmãoele o leva? ou se leva?
Nas asas do salmãoa vida voa
As fontes se conquistam
302
Tradução de Anderson Braga Horta
303
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
Rige, Bethânia, ordenael caos en sentido,la altura en cante hondo,la intensidá en aliento.Ruge, Bethânia, ruge,feroz delicadeza,no hay poesía en los libros,no alcanza la lectura,oír no es suficiente,y nada es suficienteni siquiera la música.Porque del pueblo viene,del humus de lo humano,de la lengua hecha cantola luz que te oscurece,el resplandor orgánico:la luz que usa tu cuerpo.
Oda a la resiliencia
En alas del salmónvuelve la vida
El amor del salmón¿él lo lleva? ¿o se lleva?
En alas del salmónla vida vuela
Las fuentes se conquistan
Por assim dizer
Arar o marpor não amaro arado
Dente por dente
mortinhamortemorreráscomigo
Mor-tinha mor-
te, mor-rerás co-
migo.
Perto do Mar do Norte
Dans mon pays, on remercie.René Char
Como um sol cotidianoos sorrisos amáveisamornam a luz grisda melhor Antuérpia
*
304
Tradução de Anderson Braga Horta
305
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
Es un decir
Arar el marpor no amarel arado
Diente por diente
muertitamuértemórirásconmigo
Muer-tita muer-
te, mo-rirás con-
migo.
Cerca del Mar del Norte
“Dans mon pays, on remercie.”Rene Char
Como un sol cotidianolas sonrisas amablesentibian la luz grisde la mejor Amberes
*
Anversveredes
*
Embora o abrace Antuérpianão terá frio SimoneMartini no museu?
*
Por uma vez o solacabou triunfando
E as folhas titilamna luz assombrada
*
Sem ter idode Mechelen se voltaantes de ir
*
Gante adora o Cordeirochova ou troveje
Gante adora o Cordeiroque a adora
*
Bruges a todo o soldrogada de calor
306
Tradução de Anderson Braga Horta
307
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
Amberesveredes
*
Aunque Amberes lo abrace¿no tendrá frío SimoneMartini en el museo?
*
Por una vez el solha acabado triunfando
Y las hojas titilanen la luz asombrada
*
Sin haber idode Mechelen se vuelveantes de ir
*
Gante adora al Corderollueva o truene
Gante adora al Corderoque la adora
*
Brujas a todo soldrogada de calor
Memling quase sorriabrindo bem os olhos
*
Voltar a ver
Voltar a Amsterdã
Que mais pedir?
*
Bruxelas verde-escuraem parques garoados
Pedra de luz que cantanos ombros de Magritte
Limpas as ruas brilhaBruxelas como um bairro
A tumba de Lumumbadeságua na Grã Praça
*
Da Bretanha à Galizahá tantos finisterras
Nada nada terminaentre as célticas brumas
*
Choveu choveu choveuna fria nua luz
308
Tradução de Anderson Braga Horta
309
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
Memling casi sonríeabriendo bien los ojos
*
Volver a ver
Volver a Amsterdam
¿Qué más pedir?
*
Bruselas verde oscuraen parques garuados
Piedra de luz que cantaa hombros de Magritte
Limpias las calles brillaBruselas como un barrio
La tumba de Lumumbadesagua en la Gran Plaza
*
De Bretaña a Galiciahay tantos finisterres
Nada nada terminaentre las brumas celtas
*
Choveu choveu choveuna fría lus na núa lus
O sol olha por cima
*
Por que não? Também cá,junto do Mar do Norte,todas as folhas cantamquando faz sol, no vento.
*
James Ensor: tu, sim,tens razão, James Ensor.
*
Sob esse inusitadosol sem nuvens Antuérpiaquase parece Itália
E é Antuérpia com sol
*
Uma abelha em Antuérpia:agulha no palheiro?
*
O museu está em frentesombria sabedoria
E eu boa felizfaz uma hora ao sol
Bem que previsto a ruanenhum dos dois a cruza
310
Tradução de Anderson Braga Horta
311
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
O sol olla por cima
*
¿Por qué no? Aquí también,cerca del Mar del Norte,todas las hojas cantancuando hay sol, en el viento.
*
James Ensor: tú sí quetienes razón, James Ensor.
*
Bajo ese inusitadosol sin nubes Amberescasi parece Italia.
Y es Amberes con sol.
*
Una abeja en Amberes:¿aguja en el pajar?
*
El museo está enfrentesombría sabiduría
Y yo boa felizhace una hora al sol
Aunque estaba previstoninguno de ambos cruza
*
Se uma nuvem o cobreo frio anula o sol
Ele insiste por sortee volta a acobertar-nos
Com a luz de estar vivo
*
Decido-me por fime entro no museu
Cranach depois de tudotambém é sol e esfria
*
As nuvens retrocedemde negro sobre grisna baforada atrozque provoca o inferno
Breendonk céu de luto
Breendonk de mudos corvos
Breendonk Breendonk Breendonk
*
Rik Wouters: sol de noite.
312
Tradução de Anderson Braga Horta
313
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
*
Si una nube lo tapael frío anula al sol
Él insiste por suertey vuelve a cobijarnos
En la luz de estar vivo
*
Me decido por finy entro en el museo
Cranach después de todotambién es sol y entibia
*
Las nubes retrocedende negro sobre grisen la atroz bocanadaque provoca el infierno
Breendonk cielo de duelo
Breendonk de mudos cuervos
Breendonk Breendonk Breendonk
*
Rik Wouters: sol de noche.
Mais que tudo
Quisera ter escritomais do que nada a cartaque uma mulher azulde Vermeer lê e lê
Salgueiro em cena
Atrás de Notre Damesem ser de Serodinoo salgueiro de Saersabe sumir no Sena
Sem fazê-lo em consciênciacomo quem não se fixanão chora antes caisobre águas que fascinam
Fascinado tambémeu o imagino vendo-oSanta Fé no Quartiergrandes águas morenas
314
Tradução de Anderson Braga Horta
315
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
Más que todo
Quisiera haber escritomás que nada la cartaque una mujer azulde Vermeer lee lee
Sauce en escena
Detrás de Notre Damesin ser de Serodinoel sauce de Saer sabesumirse sobre el Sena
Sin hacerlo a sabiendascomo quien no se fijano llora sino caesobre aguas que fascinan
Fascinado tambiénme lo imagino viéndoloSanta Fe en el Quartiergrandes aguas morenas
Juan Grela
Salvo Ángel Costas,por exemplo(e não é casual que seja meu tio carpinteiro),ou sua mulher, Rosa García(a única irmã de minha mãe aqui),ambos de índolenatural, inocente,quase animalmente generosa,quem senão Juan Grelaconhecicapaz de se mostrarà alturado que se viu dizendoGuilllaume Apollinaire:“Nous voulons explorer la bontécontrée énorme où tout se tait”?
Este é então o gloriosofracasso de um poema,poiscomo encararum poema sobre alguémque já era um poema, comotentar um poemacom sua ausência?
316
Tradução de Anderson Braga Horta
317
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
Juan Grela
Salvo Ángel Costas,por ejemplo(y no es casual que sea mi tío carpintero),o su mujer Rosa García(la única hermana de mi madre aquí),ambos de índolenatural, inocente,casi animalmente generosa,¿quién otro que Juan Grelaconocícapaz de demostrarsea la alturade lo que vio diciéndoseGuillaume Apollinaire:“Nous voulons explorer la bontécontrée énorme où tout se tait”?
Este es entonces el gloriosofracaso de un poema,puesto que¿cómo encararun poema sobre alguienque ya era un poema, cómointentar un poemacon su ausencia?
So much dependsUma manhã, ainda.E o meio-dialuminoso e disposto.A vida é um convite:deixa-se a contragosto.
Vallejo, CésarNinguém andou mais fundonem mais perto.Ninguém chegou tão longemais depressa.Ninguém foi mais nenhumnem foi menos Ninguém.
Índice cronológico“Auschwitz, ainda” (Santa Clara del Mar, 16-2-2000)“Carne do sol” (Salvador da Bahia, 16-10-2001)“Uróboros” (Mar de las Pampas, 5-1-2003)“À luz do Limay” (Neuquén, 27-3-2007)“Monumento a Maria Bethânia” (26-5-2007)“Ode à resiliência” (18-6-2007)“Por assim dizer” (17-8-2007)“Dente por dente” (28-8-2007)“Perto do Mar do Norte” (Antuérpia, 19-9-2007)“Mais que tudo” (Amsterdã, 23-9-2007)“Salgueiro em cena” (Paris, 1-10-2007)“Juan Grela” (24-12-2007)“So much depends” (20-3-2008)“Vallejo, César” (2-4-2008)
318
Tradução de Anderson Braga Horta
319
Poemas inéditos de Rodolfo Alonso
So much dependsUna mañana, aún.Y el mediodíaluminoso y dispuesto.La vida es un conviteque se deja a disgusto.
Vallejo, CésarNadie estuvo más hondoni más cerca.Nadie llegó tan lejosmás temprano.Nadie fue más ningunoy menos Nadie.