placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · seja...

12
Entre em contato: [email protected] Entrevista exclusiva Dr. J.J. Camargo As cinco fases do intercâmbio, página 05 Placa motora Uma nota sobre raciocínio clínico, página 11 Exportando conhecimento, página 04

Upload: others

Post on 08-Nov-2020

10 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

Entre em contato: [email protected]

Entrevista exclusivaDr. J.J. Camargo

As cinco fases do intercâmbio,página 05

Pl

ac

a

mo

to

ra

Uma nota sobre raciocínio clínico,

página 11

Exportando conhecimento,

página 04

Page 2: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

Diagramação Rosane Mendes CardosoTiragem: 1500 exemplares Distribuição Gratuita

Editorial - Anna Cardoso

Caro leitor,

Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse!

Esta é uma edição muito especial por diversos motivos. O primei-ro deles é o entrevistado de honra, o médico J.J.Camargo, referência na área de transplantes pulmonares e também um excelente escritor, que nos encanta com suas crônicas. O Dr. Camargo transparece um novo modelo de médico com seu jeito meio técnico meio artista e reaviva um dos objetivos da Sinapse: o es-tímulo ao lado meio escritor dos que convivem na LEIGA e o aprendizado de que o conhecimento, além de ser assimilado, deve ser compartilhado. Incentivar outras habilidades além da des-coberta e apreço por sinais, sinto-mas e raciocínio clínico é necessário para termos nossa formação por com-pleto.

O corpo humano é uma obra prima da seleção natural. Seu funcio-namento beira a perfeição com todos os seus mecanismos para se adaptar e seguir em frente. E, apesar de cada especialidade médica ter sua pre-dileção por um determinado órgão ou sistema, a sinfonia corporal precisa de uma sintonia para a orquestra da vida entoar sua melodia... E quando há um desnivelamento das funções, o corpo se encarrega de se reestruturar. Assim como um corpo saudável, os projetos se estruturam desta forma, cada pessoa atuando em sua área a fim de contribuir para um fluxo ordenado de energia e ações.

Agradeço, e aqui vai na 1ª pessoa mesmo, aos companheiros que acreditaram no sonho sináptico quando ele nada mais era do que um lampejo de transmissão neuronal antes de se concretizar em uma placa motora propriamente dita (não é, professor Umberto?). Todos os textos, entrevistas, ilustrações, revisões, diagramações... Tudo isto só foi possível graças a um funcionamento saudável. Para cada um de vocês, muito obrigada! E aqui vale citar nomes, nomes com sobrenome, pois esta história foi escrita com muitas mãos... Mãos que escrevem, que tocam, que enxergam além... Daniel Modolo, que além de ter um dom para a escrita, foi o 1º que acreditou no ideal do Sinapse e trouxe

02

EntrE Em contato:[email protected]

RENOVAÇÃO SINÁPTICAExistem mais coisas entre o coração e as sinapses do que a vã filosofia pode supor.

consigo o autor da cruzadinha (desafiadora) Luiz Gentil... Depois, o parceiro Daniel Pacheco, que não só entrou no time sináptico, mas assumiu o legado do comitê local da IFMSA-Brazil na UFPel. E as-sim como as próprias células tem seus mecanismos de renovação, o S não fugiria à regra neste sentido. Depois de 13 edições, o legado sináptico ficará com a Renata Gonçalves e o Guilherme Valim. A eles, desejamos um excelente trabalho.

Um corpo saudável precisa de alimento para ter energia. Agrade-cemos imensamente também todos os professores que contribuíram para que o Sinapse se mantivesse, intelectual e financeiramente. Sem a ajuda de vocês não seria possível este material estar impresso em suas mãos. Aos demais patrocinadores, nosso sincero agradecimento, pois sabemos que as empresas não pa-gam por um espaço no jornal, e sim, financiam sonhos.

Desde sua fundação, a Leiga vem há 50 anos formando médicos para atuar na sociedade. Mas esta edição não é sobre a história da LEIGA, é sobre cada um de nós, cada peça deste quebra-cabeça da vida que so-madas escrevem esta história. Cada um que dá, direta ou indiretamente, sua contribuição para a concreti-zação dos sonhos de centenas de

jovens médicos que se formam todos os anos. E é a estas pessoas a quem dedicamos a 13ª edição.

Nossa missão é fazer o que podemos, onde estamos e com os recursos que temos. Nosso legado será o de nos vestir com a respon-sabilidade pessoal no agora e transformar a LEIGA em uma faculdade de Medicina melhor...

Junte-se ao time de otimistas. Sozinhos até podemos ir mais rápido, mas juntos iremos muito mais longe.

A todos muita saúde, sinapses e placas motoras. Fiat lux, Fiat sciencia, Fiat Sinapse!

Luiz GentiL e Fernanda Ocanha

Page 3: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

A partir da Lei do Mais Médicos (lei n° 12.871, de 22 de outubro de 2013), que implementou novas medidas tanto para a graduação quanto para a residência médica, houve reformu-lação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de me-dicina.

Afinal, o que é o currículo e qual sua finalidade? Como são feitas as reformas curriculares e quais suas possibilidades e limitações? Qual o pa-pel dos Centros e Diretórios Acadêmi-cos com estas possíveis mudanças em suas escolas? O que a DENEM fará frente a volta da Educação Mé-dica enquanto pauta vigente em nosso país?

Diante de uma série de question-amentos pertinentes e a necessidade de trazer a pauta para os estudantes, a direção e professores do curso de medicina, o Diretorio Acadêmico de Medicina Moacir Jardim - UCPel, o Diretório Acadêmico Naum Keiserman - UFPel, a International Federation of Medical Students Associations of Brazil - IFMSA Brazil, a Associção Brasileira de Educação Médica - ABEM e a Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina - DENEM em conjunto realizaram a mesa “Formação Médica: as novas diretrizes curriculares do curso de medicina” no dia 16 de junho de 2014 no auditório da UFPel.

Contando com a participação de representantes das enti-dades e aberto a toda comunidade o debate se iniciou com a exposição do Diretório Acadêmico de Medicina de ambas esco-las colocando as preocupações quanto à reformulação desse currículo e o cenário de prática atual. Após, os demais compo-nentes da mesa expuseram seus posicionamentos, apontando

“Viver é a única coisa que faz sentido.”J.J. Camargo 03

Aconteceu - Monique Franca (Coordenadora Geral - DENEM 2014)

tanto falhas e entraves quanto avanços nas novas DCNs. Por fim, foram abertas perguntas e comentários ao público, o que contribuiu significativamente por trazer a visão não só dos professores como também de acadêmicos que já enfrentam as dificuldades dentro da

formação médica.

O processo de reforma curricular se inicia na UFPel e o interesse e a participação ativa e igualitária da comunidade acadêmica do curso são princípios básicos para que aban-donemos velhas formas e busquemos uma formação médica como desejamos. Nós, estudantes, precisamos ocupar o espaço e protagonizar sem receio, questionar, propor, intervir, pois como estudantes no presente e médicos no futuro, sofremos diretamente os reflexos dos interesses daqueles que acabam decidindo por nós.

No dia 05 de junho de 2014, o ministro da Educação, José Henrique Paim, homologou o parecer da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE),

pela aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Medicina. A partir dessa data, entrou em vigor, por-tanto, o novo texto que poderá servir como base para a reformulação da matriz curricular dos cursos de medicina de todo o país.

Para os cursos iniciados antes de 2014, as adequações cur-riculares deverão ser implantadas, progressivamente, até o fim de 2018. Já os estudantes matriculados antes do último dia 05 podem optar ou não pela conclusão do curso com base na nova redação. E por fim, os ingressos de graduação que forem matriculados um ano após a homologação deverão encontrar os novos currículos já vigen-tes.

Saudações Estudantis!

As Novas Diretrizes Curriculares Do Curso De Medicina

Aconteceu nos dias 05 e 06 de junho no salão da Fenadoce o I Congresso de Cuidados Paliativos sob o tem “Interdisciplinaridade: da teoria à prática”, o evento foi promovido pelo Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel), em parceria com a A-cademia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP).

A programação contemplou inúmeras áreas do conhecimento, refletindo o caráter multidisciplinar do encontro. Durante dois dias, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, far-macêuticos, odontólogos e teólogos se debruçaram sobre uma grade heterogênea e cuidadosamente organizada.

A Organização Mundial de Saúde define Cuidados Paliativos como uma “abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento de doenças que ameaçam a continuidade da vida”.

O evento presidido pela Dra. Julieta Fripp, também diretora do HE e vice-presidente da ANCP, foi uma oportunidade ímpar para estudantes e trabalhadores da área da saúde de ampliarem seus co-nhecimentos e sua visão acerca do tema de cuidados paliativos, tema esse que nos dá a notoriedade da importância de entendermos o nos-so paciente como resultado de vários fatores e a partir disso dedicar a eles cuidados oriundos das mais diversas áreas, compreendendo-o de forma holística.

Aconteceu - Daniel Pagnosi PachecoCongresso de Cuidados Paliativos do Mercosul

Page 4: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

04

Ao início do semestre um episódio me pôs a refletir so-bre alguns anos atrás e a me projetar a alguns anos à frente; cheguei atrasado para minha aula à tarde – a fila do RU está cada vez maior - e qual foi a minha surpresa quando me depa-rei com uma fila para usar o elevador, visto que em decorrên-cia das obras ambulatório de pediatria as escadas estavam inacessíveis, vi então aquela fila cheia de calouros e por um segundo confesso ter pensado em usufruir do grau de hierar-quia para burlar a fila e conseguir chegar a tempo pra minha aula, pensamento esse que logo fora abandonado e me pus a esperar como qualquer outra pessoa normal faria, tal fato me remeteu há alguns anos, 3 para ser mais exato, em que esta-va a esperar o elevador e um grupo de veteranos que chegou posteriormente a mim me disse que era pra eu esperar justifi-cando que havia uma hierarquia na faculdade. Há que se concordar que a medicina é um dos cursos mais hierarquizados, além dos 12 semestres que nos ordenam temporalmente ao ingresso na faculdade, há os residentes, que por sua vez também são hierarquizados e ainda os preceptores, num “round” por exemplo, esse escalonamento é notório. Nunca tive problema em obedecer a autoridade em uma hierarquia,

aceito-me e me entendo como um aprendiz na medicina, e busco me manter solícito a ensinar o (pouco) que sei, mas há os que não

consigam lidar com isso: seja pela culpabilização ao receber um “puxão de orelha” respeitoso de seu preceptor ou ainda daque-

les que não sabem lidar com a situação quando alguma autoridade lhes é dada. Não raramente ouvimos casos na medicina de abuso de autoridade ou de algum ve-

terano ter se sobressaído a um bixo; como se o fato de diminuir uma pessoa fizesse elevar outra.

Na medicina seremos eternos educados e edu-cadores; há de se ter a humildade de ensinar alguém

da semiologia a aferir pressão, assim como um professor tem a humildade de lhe ensinar sobre o controle da uricemia em

um paciente com insuficiência renal crônica. Lembro-me de uma frase proferida em uma de nossas aulas de Psico, algo sobre “O que faremos daquilo que fizeram com a gente”, portanto a você veterano lembre-se das boas e más experiências que teve com vet-eranos quando ainda era bixo, e conduza sua postura no intuito de se equivaler àquilo que outrora gostaria que agissem com você, e a você bixo esteja atento a tudo o que acontece e faça a opção cor-reta independente daquilo que fizeram pra você.

Experiencia - Daniel Pagnosi PachecoA hierarquia na Medicina

Intercambio - Hellen Meiry Grosskopf Werka

University of Sydney exportando conhecimentoUm relato sóbrio sobre uma universidade de 164 anos

Conhecida como Sydney University, apelidada de USYD, a primeira universidade da Austrália é famosa por sua beleza, ocupando a décima posição no ranking de universidades mais belas pelo British Daily Tele-graph. À primeira vista, a estrutura física impressiona os novos estudantes, que usufruem de mais de 5 bibliotecas equipadas com mesas para grupos, quadros brancos – usados majoritariamente pelos matemáticos e físicos –, áreas de estudo individuais, abundância de computadores, impressoras, acesso à rede de energia e, sem contar, a internet de livre acesso na maior parte do campus – inclusive nas áreas externas. No entanto, o que deixa qualquer aluno perplexo é sua estrutura educacional: o funcionamento pe-dagógico/administrativo. Vislumbra-se o futuro do aprendizado para a atual geração com as plataformas online de aprendizado e diferentes métodos avaliativos - modelo que ainda sofre para ser implantado nas universidades brasileiras. A atração de estudantes e pesquisadores para USYD e outras universidades faz parte de um setor financeiro em ascensão, por isso a inovação nos métodos de aprendizado e o estabelecimento de uma boa relação com o aluno tornaram-se prioridades. Na Austrália, o lucro vem de países como China, Singapura, Japão, Índia, Coréia do Sul, Arábia Saudi-ta, cujos alunos realizam toda a formação, enquanto países como Estados Unidos e Europa ocidental enviam intercambistas para, geralmente, um semestre de novas experiências e, recentemente com o programa Ciên-cia Sem Fronteiras, o Brasil ocupa uma posição privilegiada entre esses últimos. Os alunos de formação completa enfrentam 3 a 4 anos de curso “undergraduate”, em que se estuda matérias básicas relacionadas com diferentes áreas, seguido pelo mesmo período de curso “postgraduate” com atividades práticas direcionadas para a atuação profissional. O contato entre estes e os alunos de intercâmbio ocorre nas salas de aula e corrobora com o objetivo da universidade: integrar os estudantes, proporcionando no-vas experiências. Assim, a primeira semana para alunos de intercâmbio é preenchida por orientações e comemorações. O primeiro dia é uma recepção composta por palestra, espetáculo de dança e almoço, na qual o aluno é encorajado a “viver” além dos estudos: viajar, ter um hobbie, fazer amizades e se enga-jar com clubes e sociedades existentes – até mesmo criar algo novo. Nas duas primeiras semanas, a programação continua com almoços gratuitos e oportunidades de conhecer o campus e a cidade. Mas o principal ponto de integração são sociedades e clubes, por reunirem pessoas com interesses similares a fim de criar amizades e desenvolver novas habilidades. A faculdade dispõe de uma casa de festas e um bar com desconto em cerveja para que os alunos realizem reuniões após as aulas e eventos

noturnos, sendo que alguns professores encorajam os alunos a realiza-rem “happy hour”, grupos nas redes sociais para discutir a matéria e churrascos (que aqui são com pão, hambúrguer e salsicha). Enfim, revela-se a mágica das plataformas de aprendizado. Todo o conteúdo é disponível online, inclusive as aulas – que são gravadas. O aluno recebe também os slides, exercícios de memorização e instruções escritas pelo professor para facilitar a compreensão do conteúdo e sobre o que há de novo na área – alguns dos professores disponibilizam tam-bém contatos para que o aluno consiga se inserir em projetos de pesqui-sa relacionados. Atividades em grupo são frequentes e a execução de relatórios e projetos de pesquisa figuram entre os métodos de avaliação, sendo que a presença só é contabilizada em atividades práticas e pode ou não fazer parte da avaliação. Além disso, o calendário acadêmico conta com 13 semanas de aula, um recesso de uma semana e mais uma semana de férias, antes da semana de testes finais. Caso o aluno não tenha atingido a média 5, após os testes finais, há uma prova de recuperação. Permanecem algumas dúvidas... O que aconteceria se as univer-sidades no Brasil proporcionassem a mesma liberdade aos alunos? Há vontade de atingir esse modelo? Será o Cobalto um respingo de plata-forma online que poderá crescer na UFPel e disponibilizar futuramente o conteúdo programático, slides e avaliações, trazendo praticidade e pa-dronização?

Foto tirada pela redatora no primeiro dia de orientação

Page 5: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

“Percebi muito moço que ela, a coragem, é a mais importante de todas as virtudes [...]”J.J. Camargo 05

Nós, alunos de Medicina, especialmente os alunos da Leiga, ouvimos extensivas vezes as 5 fases do luto da Elisabeth Kubler Ross. Negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. De tanto ouvir isto, o inconsciente dos alunos assimila, os meca-nismos psíquicos fazem sinapses e até se extrapolam estas fases para outros assuntos, por exemplo, intercâmbio. Quando dissertam sobre este tema, aborda-se geralmente a aceitação e os 50 tons de felicidade que obteve no mesmo – no máximo falam da depressão pós-volta. Mas quem passa por esta experiência sabe que não é bem assim. Surgiu então a ideia de escrever sobre as vivências no Ciências Sem Fronteiras (CSF) ao longo do processo, para os inte-ressados em participar do programa terem uma noção mais fidedig-na. Acontece com (quase) todo mundo, mas as pessoas não ficam divulgando.

O ponto de partida desta jornada é a mudança. Mudar é difícil. Quanto mais nós fazemos um caminho pelo circuito neuronal, maior a tendência de repetir o mesmo caminho. Graças à neuro-plasticidade, é possível realizar novos trajetos. Mudar é difícil, mas é necessário. E como diria o filósofo da Grécia antiga, Heráclito, ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou... E isto é assustador, afinal, o desconhecido nos dá (muito) medo.

O CSF é um projeto novo, lançado em 2011 e descoberto com o tempo. Intercâmbio de 1 ano custeado integralmente pelo governo? No início isso gerou bastante desconfiança, mas uma vez que as primeiras pessoas começaram a ir (e voltar!!!), e ainda compartilhar as experiências vividas, o programa cresceu e ganhou popularidade. Depois do interesse despertado, é hora de ficar at-ento aos editais e se inscrever... O processo é demorado... Envia-mos as primeiras papeladas assinadas segundo os editais (do gov-erno e interno próprio de cada faculdade)... E a partir daí tem coisas que a gente simplesmente não pode fazer nada a respeito. Temos que esperar... Reticências, reticências e mais reticências... Ao com-partilhar o interesse com colegas e familiares, todos começam a fazer milhões de perguntas que você não faz a mínima idéia, pois o máximo que você sabe é o país para o qual que você se inscreveu. O restante será uma caixinha de surpresas. Para conseguir seguir em frente com a sua vida no presente – sim, o mundo não para porque você irá fazer intercâmbio em algum momento – você nega a existência do intercâmbio para quando tiver a resposta concreta: papel assinado do governo que está tudo okay e depósito feito no banco. No meu caso, comecei a mentalizar o intercâmbio como uma possibilidade real em outubro de 2012, iniciei processo em abril de 2013 e viajarei em setembro de 2014... Muita coisa se passou... Foram muitos meses de negação do intercâmbio para conseguir estudar e conseguir focar no curso... Pois bem. Depois de meses de aflição, quando você já está homologado – o que significa que você é apto a fazer o intercâmbio – vem novos prazos para enviar uma série de documentos explicando quem você é aí cada país tem suas particularidades. No caso dos Estados Unidos, enviei 2 redações, 2 cartas de recomendação, 3 opções de universidades de meu interesse e o porquê da escolha, 8 disciplinas que eu gos-taria de fazer. Então, nesse momento, você precisa de um tem-po para olhar para o seu eu interior, refletir e entender que raios você tanto procura com esta experiência. Então envia tudo e tenta seguir em negação...

Mas os prazos vão passando... Alguns colegas começam a receber o tão aguardado ToA (“term of appoiment”), o documento mágico que diz qual universidade quis você... E nada para você... Daí vem a raiva: o céus, por que comigo? Por que todos os meus colegas receberam e eu não? O que eu fiz de errado? E a barganha se mistura neste mix de sentimentos... Enviei e-mail para as 3 uni-versidades da minha “wish list” para me certificar se eles tinham recebido minha documentação... As três responderam que não. De-sespero “mode on”. Aí o bicho pega. E as promessas começam a ser feitas... Cuidado para não prometer o que não pode cumprir!!!

Você acha que está tudo perdido, seus amigos não aguen-tam mais você com uma cara de desamparo, de cachorro sem dono... Aí, de repente, não mais que de repente, chega o seu ToA: você acorda, olha o e-mail e o lindo está ali, leve e solto na sua caixa de entrada! Uma das reações mais comuns neste caso é chorar loucamente, sair pulando pela casa, gritar na rua ficar muito feliz. Sim, as lágrimas varrem toda a angústia de negação, raiva e barganha acumuladas por meses...

Daí vem um estágio extra... A mania!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Tudo o que você sempre viu nos filmes de colegial existe: os dor-mitórios, as oportunidades, as pesquisas, o hospital, o incentivo ao esporte, as artes, as festas de fraternidades... Tudo em um só lugar, numa universidade que só o site e os vídeos no YouTube fazem

Ciencia Sem Fronteiras - Anna Cardoso

As 5 fases do intercâmbio

Guilherme H. Michels Universität Magdeburg

Alemanha

Gustavo G.TerraUniversity of Western

Autrália

Jõao Vitor C. FernandesUniversity of

Unided KingdomInglaterra

Karen Muller Al AlamUniversity of Toronto

Canadá

Vitoria Sneider MullerNUII, Maynooth

Irlanda

Anna Maria G. CardosoUniversity of California

Estados Unidos

Aroni Marceu S. RochaUniversity of Pennsylvania

Estados Unidos

Carolina P. MoojenSouthern Illinois University/EUA

Eduardo B. SzareskiUniversity of Debrecen

Hungria

Camila D.MacchiVrije Universiteit

Holanda

Ana Laura M. LuzardiUniversity of Warwick

Inglaterra

Laura Salles NimeroskyUniversitat de Válència

Espannha

Ugo R. ComparottoUniversity of Bergen

Noruega

Nathalya F. B. MirandaVrije Universiteit

Holanda

Luis Akio I. MatuokaBeijing University

of Chinese MedicineChina

Lais Marques MotaVrije Universiteit

Holanda

Hellen Meiry G. WerkaSydney University

Austrália

Augusto Valles BentoUniversité Nice Sophia

Antipolis/França

João Henrique C. CalegariSouthern Illinois University

Estados Unidos

Luiz Paulo LealAllegheny College

Estados Unidos

Wescley Peralta CocaNew York Institute of Technology

Estados Unidos

Ana Maria S. V. GarciaLeeds Metropolitan

University/Inglaterra

Bruno Andrade de SousaUniversity of Glasgow

Escócia

Douglas K.ReinhardtUniversity of Dundee

Escócia

você chorar de emoção se sentir nas nuvens... Logicamente que o seu rendimento acadêmico na vida real é prejudicado, afinal, como conciliar estudos, obrigações, lavar a louça, cozinhar, quando no mo-mento parece fazer muito mais sentido dançar sozinho (em casa, indo pra faculdade, fazendo compras) e sorrir pro nada... Pois, afinal, a vida não é bela?

Bem, voltamos para os estágios da Kubbler e aí vem a de-pressão... Sim!!! (Mas você pensa, ah, esse pessoal do intercâmbio, fica choramingando de barriga cheia! Além de serem sustentados pelo dinheiro público (e aqui você tem que ouvir um discurso chatérrimo de como o Ciência Sem Fronteiras é o Turismo Sem Fronteiras – mas você tem que ficar com uma cara de paisagem pois simplesmente não aguenta mais explicar que você concorda que os critérios do gover-nos poderiam ser um pouco mais acirrados, mas que você descobriu um monte de ex-bolsista top e que só fica apenas no turismo quem quer...) ficam reclamando da vida... É uma deprê necessária. Você se dá conta de que irá embora, abrindo mão de muitas coisas para ir atrás do seu sonho, seja lá qual... Da família, perde-se o convívio (que já tinha diminuído quando foi pra faculdade), o crescimento dos pequeninos, o não estar junto na doença dos mais velhos. Frio na bar-riga só de pensar em passar pela primeira vez Natal, Ano Novo, sem todo mundo junto... E os amigos? Muitos de nós já nos separamos de amigos de infância também ao entrar na faculdade, e agora que eles estão se formando, casando, você não estará com eles... Sem falar de relacionamentos amorosos. Tem aqueles que terminam porque o intercâmbio vai acontecer, outros tentam com todas as forças man-ter (alguns com sucesso, outros nem tanto) e tem aqueles que ficam no limbo, na esperança de na volta... Né... Temos também a própria faculdade... Você simplesmente se acostuma a ir para a sala de aula, se sentar sempre no mesmo lugar, com as mesmas pessoas à sua volta, fazer as piadas, brincadeiras, estudar junto... Mas quando você voltar, eles não estarão mais lá. Será uma turma nova, vai ter que recomeçar... E quando você for tirar as fotos de formatura, que na Leiga são tiradas no 8º semestre, não serão aqueles amigos do 1º dia de aula, das provas de anato, do BBB, dos inúmeros trabalhos em grupo, das jantas, da zoeira... Não... Serão pessoas com as quais você não está conectado... Sua frase do X não estará no cartaz com eles... A festa do X vai ser com uma turma que você ainda nem sabe qual é o nome... Sua “pretty face” não estará no mural da sua turma original, você não vai fazer o juramento na formatura com eles...

E a zoeira não acaba, falta ainda decidir o que você vai fazer com os seus pertences! Para os que tem apartamento próprio é mais fácil, é só fechar as portas isso se os amigos não pegarem a chave e rezar para que em um ano os fungos de Pelotas não possuam suas coisas... Mas e quem não tem isso? É hora de empacotar tudo, dis-tribuir caixas entre os amigos, voltar algumas coisas para “casa”... As caixas têm um símbolo, tudo que finalmente está no seu devido lugar vai ser vasculhado, desenterrado... Para empacotar é preciso antes tirar tudo do lugar, olhar objeto por objeto, ver o que pode ser doado, o que vai para o colega X, Y ou Z, o que vai voltar para a casa da cidade natal, o que vai para o lixo... E quando você tira do lugar, você se depara com coisas esquecidas, memórias guardadas... E mexer nisso dói, dói pelo passado, dói porque depois que finalmente você se adapta à sua nova casa, que cada cantinho tem a sua cara, daí você tem que ir. Se desapegar. Sim. A arte do desapego dói. Principalmente quando você está passando por ela (a base deste texto foi escrita em um dos meus piores dias, naquele que chorei olhando para a pilha de caixas vazias)... Encaixotar como um rito de passagem fúnebre. Precisei ligar para três pessoas para conversar, desabafar e ouvir: vai ficar tudo bem, isso vai passar! (E chorar mais um pouco).

Por fim, depois que o choro passa (o de alegria e o de tris-teza), vem aquele momento do LIDE com isso... E aceitar... Você finalmente se dá conta de que é uma oportunidade maravilhosa de crescimento pessoal, acadêmico e quem sabe até mesmo espiritual! Vai valer a pena? Bom, pro escritor Milan Kundera em ‘A insusten-tável leveza do ser’: “O homem, porque não tem senão uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de ex-perimentos, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter en-saiado. Pelo fato da vida ser, relativamente, tão curta e não comportar “reprises”, para emendarmos nossos erros, somos forçados a agir, na maior parte das vezes, por impulsos, em especial nos atos que ten-dem a determinar nosso futuro. Somos como atores convocados a representar uma tragédia (ou comédia), sem ter feito um único ensaio, apenas com uma ligeira e apressada leitura do script. Nunca sabere-mos, de fato, se a intuição que nos determinou seguir certo sentimento foi correta ou não. Não há tempo para essa verificação. Por isso, pre-cisamos cuidar das nossas emoções com carinho muito especial.” Na volta a gente conta e resolve as pendências. Por enquanto, vivamos o presente!!!!!!!!!!! E que presente!!!!!!!!!!!!!!!

Page 6: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

06

1)SINAPSE: Na introdução de seu livro, o senhor escreve que “No século no qual decidi o que seria, as escolhas pareciam menos com-plexas, tinham o encanto do improviso, e a inquietude do não sei no que isso vai dar. Planejava-se menos e curtia-se mais o sobressalto do inesperado. Talvez não fosse melhor, mas tenho certeza de que era mais divertido.” Quando e por que o senhor decidiu ser médico?

JJ CAMARGO: A minha escolha profissional foi, como temo que seja para a maioria dos jovens, baseada em imagens fantasiosas. Sem nenhum an-cestral médico, me encantei com a figura elegante do Dr Cassio Vieira da Costa, o médico da família. O dr. Cássio, na sua fidalguia e disponibili-dade, era um generoso exemplo para ser secretamente copiado, nem que fosse só para impressionar as pessoas e, se descobriu depois, podia servir como desculpa, ainda que meio esfarrapada,para justificar as desastradas operações nas bonecas da minha irmã. Mas toda a fantasia que se preze deve ser dinâmica, e depende de glamorização constante para que sobreviva ao descaso dos que se diver-tem em ridicularizar. Foi assim que um dia, de tanto ouvir falar de um tal dr. Antunes (“fulano está mal, mandaram chamar até o dr. Antunes”, ou, “o beltrano morreu, nem o dr. Antunes conseguiu salvá-lo”), o modelo mudou de nome, e comuniquei com gravidade ao meu avô: “Estou decidido, eu quero ser o dr. Antunes”. Meu avô ainda comentou alguma coisa sobre a importância da fi-delidade aos amigos, mas a conversa não se alongou, afinal eu era ape-nas um pirralho de seis anos, traindo um modelo fantasioso e clandestino. Vinte e cinco anos depois, conheci o dr. Antunes, já velhinho, com dois nódulos pulmonares secundários a um tumor de rim, que operara anos antes. Durante os dez dias em que convivemos, me deliciei com as mara-vilhosas histórias de uma vida dedicada à medicina no interior, onde ele fora médico de todos os males, corajoso, competente, destemido e respei-tado pela sua comunidade. Descobri encantado que por pura intuição eu acertara em cheio na escolha da minha silenciosa idolatria. Hoje, vendo retrospectivamente, preciso admitir que gostar do que se faço com a paixão que eu gosto, partindo de uma escolha tão fanta-siosa, foi um lance de sorte inacreditável.

2)SINAPSE: E quando o senhor decidiu ser cirurgião torácico? Já tin-ha pensado em alguma outra opção anteriormente?

JJ CAMARGO: A opção pela cirurgia precedeu a entrada na Faculdade. Iniciado o curso procurei me aproximar dos serviços que facilitavam o acesso dos estudantes. A ideia inicial era fazer cirurgia plástica e a pro-ximidade com um serviço de oncologia dermatológica aumentou meu in-teresse, que no entanto, foi se esvaindo com o manejo de grandes quei-mados, o que me provocava um certo desconforto . Sem nunca desviar o foco da cirurgia comecei a trabalhar com um cirurgião geral que naquela época, anterior à videocirurgia, fazia muitas colecistectomias abertas, em geral em mulheres obesas. Eu, como segundo auxiliar, além de não ver o campo cirúrgico porque só me cabia afastar o fígado, era convocado a-penas pra fechar o abdome. Com isso desenvolvi uma antipatia definitiva ao epíplon, aquela gordura que protege as alças do intestino, e que parece ser a estrutura mais inconformada do corpo humano, visto que está sem-pre querendo sair de onde está. E então, numa madrugada, de plantão no Pronto Socorro, auxiliei uma toracotomia num paciente esfaqueado. Ao ver o tórax aberto, com todo aquele espaço gerado pelo colapso pulmonar, me encantei com a elegância anatômica do tórax e soube, naquele momento, que aquela era a minha especialidade cirúrgica. Lembro da ansiedade com que, insone, esperei clarear o dia para sair em busca de um serviço onde se fizesse cirurgia torácica na cidade. Foi assim que cheguei no Pavilhão Pereira Filho e tive o privilégio inestimável de conviver com o preciosismo técnico do Mestre Ivan Faria Correa.

3)SINAPSE: O senhor completou a sua formação acadêmica na Clíni-ca Mayo, nos Estados Unidos. Quais são os benefícios que o senhor julga mais importantes quando se trata do estudo no exterior, consi-derando que esta prática é cada vez mais frequente entre os univer-sitários?

JJ CAMARGO: Minha formação inicial foi na Santa Casa de Porto Alegre. Já com a determinação de investir em transplante de pulmão, fiz um tra-balho experimental no Instituto de Cardiologia - RS, e com nove anos de formado, depois da apresentação desse trabalho num congresso pan-americano no Rio, fui convidado a completar o projeto na Mayo Clinic, um grande centro americano e referencia internacional em cirurgia torácica. Lá, além de treinar num espetacular laboratório de transplantes, tive a gra-ta oportunidade de trabalhar com o Prof. Spencer Payne, um dos maiores cirurgiões de tórax do mundo nos anos 70-80.A oportunidade de estagiar fora do País, sempre deve ser festejada. Não somente porque se agrega conhecimentos múltiplos e em diferentes áre-as, mas também porque se exercita o senso crítico, na medida em que se percebe que nem tudo o que se faz em grandes centros é ótimo e que temos aqui muitas coisas boas, às vezes não reconhecidas e negligen-ciadas. Costumo dizer a um jovem que sai para estagiar no exterior: se o lugar for bom, será uma maravilha. Se o lugar for ruim, será muito bom! A razão é simples: nós melhoramos ao ampliar nossos horizontes e adquirimos uma visão mais holística do mundo, e voltamos aptos a va-lorizar e desenvolver os potenciais da nossa terra. Nunca tive muita paciên-cia com os tipos que só se queixam do lugar onde vivem e não fazem nada para melhorar.

4)SINAPSE: Quem foi a pessoa que mais inspirou o senhor durante a sua formação?

JJ CAMARGO: Tive mestres maravilhosos em cirurgia, como os profes-sores Ivan Faria Correa e Spencer Payne, cirurgiões reconhecidos e feste-jados, mas se tivesse que citar uma só, diria que a pessoa que mais tentei copiar (sem conseguir, é claro!) , foi o Mestre Nelson da Silva Porto, um radiologista /diagnosticista, que sempre me encantou não apenas pela ina-creditável bagagem científica e memória prodigiosa, mas também por sua obsessão em estabelecer e respeitar os critérios que tornam o dia-gnósti-co não só um deleite intelectual, mas a base segura de uma medicina de qualidade.

5)SINAPSE: No seu livro “A tristeza pode esperar”, o senhor traz di-versos relatos sobre a sua vida profissional. Como surgiu a ideia do livro? E qual foi o seu objetivo inicial?

JJ CAMARGO: Quando fui convidado pelo editor de Zero Hora para ocu-par o espaço que tinha sido território do nosso imortal Moacyr Scliar, fiquei muito assustado, porque estava habituado a escrever por impulso, o que é completamente diferente de ter uma agenda, com uma crônica por sema-na. Descobri então uma oportunidade de contribuir para, mesmo modes-tamente, resgatar um pouco do humanismo que foi sendo negligenciado pela medicina moderna, encantado com o desenvolvimento tecnológico.

Entrevista por Anna Cardoso e Renata Goncalves

O Dr. J. J. Camargo é um cirurgião torácico conhe-cido por ser pioneiro em transplante de pulmão na América Latina (1989) e destacou-se internacionalmente nesta área, sendo o primeiro a realizar o procedimento com doadores vivos (1999). É formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também cursou o doutorado em pneumologia, e realizou parte de sua formação acadêmica na Clínica Mayo, nos Estados Unidos. Atualmente, é diretor do Centro de Transplantes da Santa Casa de Porto Alegre, presidente da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM), membro titular da Academia Nacional de Medicina, professor de cirurgia torácica na Universi-dade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e

colunista do jornal Zero Hora.

Foto

:Ric

ardo

Dua

rte

Agê

ncia

RBS

Page 7: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

“Um sinal seguro de sabedoria é não erguer muros com as pedras do caminho.”J.J. Camargo 07

no assunto, passou de líder nacional por mais de 20 anos, para uma cons-trangedora oitava posição. Com isso o número de transplantes reduziu nos últimos anos e o tempo de espera, como era de se esperar, aumentou. Triste quando a melhor solução parece ser esperar que o governo termine.

9)SINAPSE: Qual foi a notícia mais difícil que o senhor teve que dar para um paciente e/ou para a família dele?

JJ CAMARGO: Quem trabalha com alta complexidade sabe o quanto o céu e o inferno são vizinhos. As vitórias espetaculares e as perdas devastadoras se sucedem, de modo que não há espaço para comemorações exagera-das porque elas sempre estarão ameaçadas por uma perda sofrida, muitas vezes justamente quando tudo parecia andar bem. Esta inconstância aliada ao fato de que por mais que nos preparemos, ainda erramos muito, faz da atividade médica o território da humildade. Por isso escrevi que nunca en-contrei um posudo que fosse bom médico. Uma experiência particularmente difícil foi explicar a uma mãe que não poderíamos fazer um transplante intervivos na sua filhinha porque o pai era incompatível do ponto de vista sanguíneo, e ouvir dela o pedido desesperado de que então queria doar um pedaço de cada um dos seus pulmões para trocar os dois pulmões da filha. Quando lhe disse que isso

era impossível porque comprometeria a quali-dade e a expectativa de vida dela, doadora, ela retrucou: “E se a minha filha morrer, o que vou fazer da minha vida com esse excesso de pulmões que Deus me deu?” Diante do impossível choramos juntos, abraçados, por um longo tempo.

10)SINAPSE: O senhor é um profissional que lida com a morte cotidianamente, e isto é uma das coisas que mais assusta quem está começando a carreira. Como o senhor conseguiu driblar as dificuldades e conseguir conviver bem com a situação? E quais dicas o senhor deixa para quem ain-da tem dificuldades neste quesito?

JJ CAMARGO: Esta é uma questão particu-larmente difícil e não existe uma receita para esta situação em que o médico deve conviver com a morte. Na chamada morte natural, a partici-pação do médico envolve o manejo do sofri-mento físico e aqui todas as queixas devem ser interpretadas como urgência e não se admite por exemplo, um paciente se lamen-tando de dor num hospital. Depois o cuidado com o sofrimento emocional que engloba as questões familiares e espirituais. Se con-seguirmos ajudar para que o nosso paciente terminal transponha esse umbral doloroso mas inevitável, sem dor, falta de ar, culpa ou remorso, vamos descobrir que isso é elevar o

cuidado médico a uma outra dimensão, na qual certamente a família deve ser incluída. Mais desconfortável é aquela morte que deixa a sensação de que talvez pudéssemos ter sido mais eficientes. Da discussão desses casos é que surge o aprendizado que poderá nos tornar tecnicamente melhores. De qualquer maneira duvidem quando o médico parece não sofrer com a perda de um paciente. Essa rigidez é geralmente uma máscara insuficiente para disfarçar o quanto sofremos com estas mortes que só servem para afirmar nossa frágil condição de humanos.

11)SINAPSE: Qual foi a recuperação apresentada por um paciente que mais surpreendeu o senhor em todos esses anos de profissão?

JJ CAMARGO: Um dos encantos de se trabalhar com transplantes é exata-mente expandir os limites e descobrir, sem soberba, que está cada vez mais difícil morrer e que a maioria das pessoas não consegue mais na primeira tentativa. Um caso recente, que mexeu com o grupo, foi do Wendel, um moleque de 12 anos, transplantado dos dois pulmões por uma bronquio-lite que o manteve em uso de oxigênio desde a infância. No primeiro ano pós-transplante apresentou várias rejeições que resultaram em perda dos órgãos. Evoluiu então, outra vez, para a insuficiência respiratória, venti-lação mecânica e traqueostomia. Nesta condição desfavorável foi retrans-plantado. Depois de 6 dias de evolução favorável apresentou uma septice-mia e na tarde que ia morrer foi colocado num oxigenador de membrana, um aparelho que substitui temporariamente a função pulmonar. Foi uma batalha insana. Depois de 24 dias, eu fazia um lanche na cafeteria do hospital, quando fui abraçado pelas costas e com aquelas duas mãozinhas fofas sobre os meus olhos, ouvi a pergunta:” Advinha quem é!?” Impossível disfarçar a emoção.

Sabemos muito mais do que há 30 anos, mas ainda assim os pacientes mais idosos falam com nostalgia dos médicos de antigamente, o que sig-nifica que em algum momento perdemos o compasso e deixamos de ser vistos com profissionais cujo principal objetivo deve ser aliviar o sofrimento dos seus pacientes. O relato frequente no jornal, de histórias que envolvem desespero, medo da morte, esperança e gratidão, tem esta perspectiva.

6)SINAPSE: O senhor foi pioneiro em transplante de pulmão, na Amé-rica Latina. Como está escrito em seu livro, o primeiro foi um sucesso e teve grande repercussão. Já o segundo ocorreu com um paciente mais debilitado, resultando em morte depois de 13 dias, mas isto não fez os próximos pacientes da fila perderem a esperança. Além disso, ainda impulsionaram o senhor a continuar. Como foi esta experiên-cia?

JJ CAMARGO: Esta foi uma experiência inesquecível, porque mesmo tendo entendido o porquê do fracasso, atribuível ao comprometimento do fígado pela mesma substância que destruíra os pulmões de um paciente usuário de drogas na juventude, me surpreendi ao encontrar na saída da UTI os três pacientes que formavam naquele momento a nossa mo-desta lista de espera. Cheguei a pensar que eles estavam ali para pedir o desligamento do programa. Foi quando eles me abraçaram e pediram que eu fosse forte e não desistisse. Depois percebi que aquilo era a única coisa que eles poderiam pedir, pois éramos então o único centro transplantador de pulmões no continente, ou seja, a única esperança deles. Porque não desistimos, chegamos atualmente a 460 transplantes, que quer dizer 60% da ex-periência brasileira em transplante de pulmão. Certamente aprendi muito trabalhando com pacientes candidatos ao transplante porque são invariavelmente pessoas determinadas a viver, lutando desesperadamente contra o tempo, a espera de um doador que pode de-morar, ou não vir.

7)SINAPSE: Quais foram as maiores dificul-dades que o senhor teve de enfrentar du-rante a sua carreira profissional?

JJ CAMARGO: Todo o trabalho que envolva alta complexidade em país pobre implica em imensos desafios. Há que se enfrentar dificul-dades de toda ordem, desde as materiais até as pobrezas espirituais, quando se descobre que existem pessoas que não fazendo, não to-leram que outras façam. A implantação e ma-nutenção de um programa de transplante ainda tem a dificuldade adicional de ser multidiscipli-nar, ou seja, não é possível fazer transplante sem uma equipe qualificada para cuidar dos vários setores envolvidos no cuidado desses pacientes. Reunir um grupo assim e mantê-lo motivado ao longo de anos é o maior desafio. No transplante de órgãos, um dos maiores obstáculos, sem dúvida, é a burocracia, especialmente num processo em que a atividade médica tem uma indispensável interface com órgãos públicos, muitas vezes con-taminados com a deformação de quem não percebe que quem faz é mais importante do que quem fiscaliza.

8)SINAPSE: No decorrer dos anos, muitas campanhas foram realiza-das com a finalidade de aumentar o número de doadores de órgãos. O senhor acredita que elas foram efetivas? O que ainda falta para que o tempo de espera para transplantes seja mais curto?

JJ CAMARGO: As campanhas de doação são importantes porque estimu-lam as pessoas a tomarem a decisão de serem doadores e se isso foi pre-viamente anunciado numa família, se ocorrer a morte encefálica daquele individuo, a sua família se encarregará de fazer cumprir a sua última von-tade. É pouco provável que no clima de comoção e revolta pela perda, alguém tenha cabeça para decidir pela doação, se o assunto nunca foi discutido antes. Mas o processo da doação tem um segundo braço que é responsa-bilidade do governo, que deve garantir a presença de um médico em cada unidade de terapia intensiva e que seja responsável pela comunicação de morte encefálica e a partir daí de uma logística rápida que permita que a família seja contatada, a autorização obtida e as equipes transplantadoras comunicadas em tempo hábil, para que o maior numero possível de órgãos sejam aproveitados. No Brasil temos alguns estados (Ceará, Santa Cata-rina, Distrito Federal, São Paulo) que competem em número de doadores por milhão de habitantes, com os países mais desenvolvidos do mundo. O RGS, por conta de dois governos consecutivos sem nenhum interesse

Page 8: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

08se preparou para o atendimento que o decepcionou, e o médico que terá que conviver com a consciência de que é um profissional incompetente. A incompetência, como se sabe, é uma carga que muitas pessoas carregam pela vida afora a massacrá-los mais até do que o dano que eles empres-tam aos que têm o infortuno de conviver com eles. Muito triste também é ver o médico vocacionado, trabalhando por salários aviltantes e em condições miseráveis, que determinam um risco para o pobre paciente. Certamente uma das maiores torturas para o mé-dico é a percepção de que a pobreza do sistema lhe impõe conviver com mortes evitáveis. Esta, mais do que todas as razões anunciadas, é a causa da fuga dos médicos do atendimento em comunidades muito pobres.

17)SINAPSE: Qual é a característica que o senhor considera essen-cial em um acadêmico de Medicina para que ele seja um bom profis-sional no futuro?

JJ CAMARGO: O sucesso do médico sempre dependerá do binômio: qua-lificação técnica apurada e disponibilidade de afeto. A população em geral está tão carente de atenção que muitas vezes, neste espaço deixado vazio pela médico rígido, se infiltra o charlatão. Felizmente este tipo não se esta-belece porque ele tem um inimigo feroz: a doença. Ele pode ser festejado quando o problema é alguma banilidade ou simplesmente carência afetiva do doente, mas quando surgir uma doença de verdade, ele debandará. O que tenho procurado transmitir aos mais jovens é que os pa-cientes que tiverem a chance de escolher o médico, selecionarão aqueles que aliem conhecimento técnico e afetividade. E entre dois médicos igual-mente treinados, prevalecerá aquele que for mais carinhoso. Isso não quer dizer que o estúpido não vai trabalhar. Ele vai sim, porque o sistema (infelizmente) lhe ofertará os pacientes, mas ele nunca descobrirá a maravilha de ser escolhido pelo paciente.

18)SINAPSE: O senhor aconselharia a leitura de algum livro ou assis-tir a um filme/vídeo para complementar a formação curricular?

JJ CAMARGO: Cada vez mais as escolas médicas mais qualificadas do mundo estão incorporando as disciplinas de Humanidades aos seus cur-rículos na medida em que ficou clara a urgência de se corrigir a impes-soalidade do atendimento médico dito moderno, em que os médicos mais jovens deslumbrados pela moderna (e indispensável) tecnologia, foram perdendo a noção de parceria solidária que deve caracterizar a figura do verdadeiro médico. Com esta intenção a participação da literatura é fundamental e al-guns livros são indispensáveis. Um citaria três como obrigatórios: A Morte de Ivan Ilitch um romance do russo Liev Tostói, que trata da solidão do paciente terminal, A Montanha mágica de Thomas Mann que descreve a experiencia riquíssima de um homem que vai a um sanatório para visitar um amigo, e se demora e acaba ficando um longo tempo num processo absolutamente sedutor em que ele se desliga do tempo, da carreira e da família e é atraído pela doença, pela introspecção e pela morte. E final-mente, O Pavilhão dos Cancerosos, escrito por Aleksander Solzhenitsyn. O livro foi escrito entre 1966 e 1968, e a história deste romance desenrola-se num hospital do Usbequistão, onde o autor esteve internado para tratar um câncer nos anos 50. A descrição do dia a dia desses pacientes é co-movente.

12)SINAPSE: Em alguns textos o senhor discorre a respeito da feli-cidade. Quais foram seus momentos felizes mais marcantes na Me-dicina?

JJ CAMARGO: O ser humano existe para ser feliz, e neste quesito a vida tem sido generosa comigo.O convite para seguir trabalhando no Pavilhão Pereira Filho, um lugar que amei desde o primeiro momento, o convite para completar a pesquisa sobre transplante na fantástica Clínica Mayo, a realização do primeiro transplante de pulmão da América Latina em 89, o primeiro transplante de pulmão com doadores vivos feito fora dos EUA em 99, as quatro vezes em que fui paraninfo e seis vezes homenageado de turmas na UFCSPA, a eleição para membro titular da Academia Nacional de Medicina, a inauguração do Centro de Transplantes da Santa Casa e o entusiasmo da minha filha Camilla com os seus bebês na pediatria da faculdade, foram alguns momentos inesquecíveis que obtive dessa mara-vilhosa profissão.

13)SINAPSE: Em “O que somos e o que aparentamos”, o senhor re-lata que “No roteiro didático dos residentes da Clínica Mayo, a sessão aguardada com mais ansiedade por todos, e com sofrimento visceral dos envolvidos, era a chamada Morte Revisitada. Quinzenalmente quatro mortes recentes eram analisadas em busca de aprendizado e de erros que pudessem ser convertidos em lições para que – pudera Deus – não se repetissem.” Qual é a importância deste feedback?

JJ CAMARGO: É certo que nós aprendemos mais com os erros do que com os acertos. Um grupo realmente amadurece quando se despe de or-gulho e vaidade e assume que erramos e temos sempre, e muito a apren-der. Por que tão poucos serviços exercitam esta prática? Porque quase sempre que se revisa um caso complicado, se percebe que houve um ou mais momentos em que alguma coisa não foi percebida ou valorizada e que o tivesse sido talvez o desfecho tivesse sido diferente. A maioria dos médicos não consegue conviver com esta falibilidade e prefere manter-se na zona de conforto e atribuir à natureza toda a evolução desfavorável. É uma simplificação pouco inteligente que impede a melhora do desempenho médico, o crescimento do tanto individual do médico, quando do grupo a que ele pertence.

14)SINAPSE: Em um de seus textos, o senhor expõe a ideia de que as pessoas passaram a ser cada vez mais solitárias à medida que a população mundial foi aumentando. Como o senhor acredita que esta ação possa influenciar na relação médico/paciente?

JJ CAMARGO: Quanto menor for uma comunidade, mais as pessoas se mantém próximas e se amparam mutuamente. Nas grandes metrópoles vivemos uma situação paradoxal, porque podemos estar solitários entre milhares de pessoas. O isolacionismo observado nos grandes centros, se reflete em todas as áreas de atividade humana, inclusive na medicina. Na pequena comunidade o médico é uma figura identificada com carinho e tratada com respeito e quase veneração. Nos grandes centros ele ge-ralmente não passa de um anônimo operário da saúde que trata pessoas identificadas por senhas e alinhadas em grandes filas. Claro que esta des-personalização bilateral elimina qualquer chance de relação médico/pa-ciente carinhosa e amiga.

15) SINAPSE: Também no seu livro, o senhor conta a história de um acadêmico que fez estágio em seu serviço, o Ivan, que se demonstra extremamente agradecido pelo fato de relembrar a importância de tra-tar o paciente pelo nome. O senhor sempre teve esta prática? E por que o senhor acredita que este hábito está cada vez mais infrequente entre os profissionais?

JJ CAMARGO: Este é um dos pontos que eu mais enfatizo nas minhas aulas e conversas com os residentes: toda a relação humana que se preze exige solenidade e, esta começará sempre pela adequada identificação do paciente. Todos percebemos o quanto os pacientes festejam ser reconheci-dos e tratados pelo nome. Condeno veementemente o uso de diminuitivos (vôzinho, tiazinha, etc...) e outras expressões que pretendem dar ideia de uma intimidade, mas que é falsa e desrespeita o paciente. Recomendo: pensem como gostariam de ser tratados e procedam igual com os pacientes.

16)SINAPSE: Em “O que a vida espera da gente”, o senhor disserta: “O sistema de saúde pública, depredado pela burocracia asfixiante, vai lentamente minando o ânimo dos médicos, que se sentem impo-tentes diante de um gigante que exerce sua soberba com impávida diferença”. O que o senhor acredita que é o principal aspecto que impede que a saúde pública no Brasil seja de qualidade?

JJ CAMARGO: O mau atendimento médico em qualquer lugar do mun-do se baseia num tripé fatídico: má remuneração pelo trabalho médico, precárias condições de atendimento e falta de vocação profissional para conviver com o sofrimento alheio. Na falta de qualquer um desses elemen-tos teremos um arremedo de atendimento e dois infelizes: o paciente que Carregando um pulmão para o transplante

Page 9: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

“A verdadeira compreensão é filha do silêncio.”J.J. Camargo 09

Exemplos - Renata Garcia Goncalves

O educador das primeiras batalhas

Historia da Medicina - Guilherme Valim Alves

O começo da fila

Durante toda a nossa formação acadêmica - e também depois de formados -, baseamos as nossas atitudes e escolhas em mestres que nos inspiram e nos motivam. Este mestre pode ser um professor, com quem temos contato toda semana, ou até mesmo alguém que nem sabemos ao certo como é, como um escritor, um médico famoso, mas que mesmo distante acaba fazendo parte da nossa vida de al-guma forma.

Eles são capazes de auxiliar inclusive em etapas cruciais da nossa vida, como, por exemplo, a decisão sobre qual rumo seguir na nossa carreira profissional, que pode ser extremamente confusa para a maioria das pessoas. Para facilitar esta escolha, acabamos nos ancorando em algumas pessoas que admiramos e formamos a nossa personalidade a partir de uma união entre elas feita inconsci-entemente. Pensando dessa forma, vemos que estes mestres tem grande responsabilidade no futuro dos acadêmicos para os quais estão servindo de exemplo. Um palestrante de uma simples jornada acadêmica é capaz de mexer com os nossos pensamentos e desper-tar a nossa vontade para uma área antes completamente descartada da nossa mente. Mas no que muitas vezes não pensamos é que, pos-sivelmente, seremos estes mestres para alguém no futuro, seremos este alguém que um aluno desejará ser quando se formar. E o que podemos fazer para cumprir este papel com excelência? Será que nossas ações serão suficientes?

O papel do médico não é apenas cuidar das pessoas e tratar suas doenças. É preciso dar o seu melhor diariamente a fim de deixar um legado suficientemente bom para que a próxima geração possa usufruir das suas ações. A ciência só se desenvolve assim. Muitas vezes, não somos capazes de projetar algo e ter o resultado à nossa frente de forma rápida. Precisamos pensar e agir para o futuro, imagi-nando que a nossa ideia provavelmente não mudará nada agora, mas poderá algum dia ter grande valor para a sociedade. Geralmente, é difícil encarar desta forma porque provavelmente já estaremos mortos quando a nossa ideia vingar e for reconhecida, mas nunca podemos deixar de acreditar. Temos que ter em mente que de nada adianta um bom projeto se este não for passado para as próximas gerações.

Para ser este mestre para alguém, não basta apenas o conhe-cimento. Este, com certeza, é fundamental, mas é preciso saber como usá-lo para chegar a quem mais necessita, a quem está começando, a quem está à procura de motivação. É preciso provar para eles que todo o esforço vale a pena. Não obrigatoriamente com essas pala-vras, mas usando todos os métodos possíveis para que eles sejam capazes de compreender que vale a pena. Se este objetivo for atin-gido: sim, você será um mestre!

“Não poderás ser mestre na escrita e leitura sem ter sido antes aluno. Quanto menos na vida!” Marco Aurélio

Já imaginou uma fila com 28.000 pessoas? Já é possível imaginar que ela demoraria uma eternidade para mover alguns metros. Pois essa fila existe, e é para salvar a vida de quem espera chegar sua vez. Em março de 2014, segundo dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, 28.109 pessoas estavam na fila esperando por uma doação de orgão, entre eles, coração, pulmão e rim. É perceptível que esse número é espantoso. Mas onde essa fila começa? Quem foi o primeiro a ser chamado?

Os primeiros registros que se pode encontrar sobre o quesito dos transplantes é na Bíblia, quando Adão doou uma de suas costelas para a criação de Eva. Na história antiga há outros relatos acerca do assunto; um deles, de dois médicos chineses gêmeos, Itoua To e Pien To, que trans-plantaram uma perna de um soldado negro que acabara de morrer em outra pessoa, um velho branco que também acabara de perder a perna. Os dois irmãos não cobravam por suas consultas e procedimentos, o que levou o imperador Deocleciano a iniciar uma perseguição e, então, prender, julgar e executar os dois que viriam a ser os padroeiros dos médicos cirurgiões.

A transfusão sanguínea, que não pode ser esquecida no âmbito dos transplantes, só obteve sucesso após a descoberta dos diferentes mecanismos de compatibi-lidade sanguínea. A enorme demanda de sangue du-rante a Primeira Guerra Mundial forçou as nações a criar os primeiros bancos de sangue, o que foi um dos mais importantes passos na história dos transplantes.

No ano de 1905 se iniciaram os primeiros transplantes de córnea, que só se consolidaram como prática cotidiana no ano de 1944, quando o primeiro banco de olhos mundial foi inaugurado, o Hospital Manhattan de Olhos, Ouvidos e Garganta. Os enxertos de pele foram iniciados no fim dos anos 20 como medida paliativa para os casos de queimadura.

A era moderna dos transplantes só se iniciou na década de 50, com o desenvolvimento da técnica de sutura de vasos sanguíneos pelos cirur-giões Aléxis Carrel (1873-1944), que ganhou o Prêmio Nobel de Medicina em 1912, e Charles C. Guthrie (1880-1963).

Emmerich Ullmann (1861-1937) removeu um rim de um cão e o transplantou em outro, mas só conseguiu manter o órgão estável por alguns minutos. O fracasso desse experimento e o de outros antes fizeram surgir claramente a hipótese de rejeição no transplante de órgãos, e estudos pos-

teriores revelaram a necessidade de compatibilidade genética entre doador e receptor.

O problema da rejeição moveu os estudiosos durante as décadas seguintes e, nos anos 60 e 70, foram desenvolvidos inúmeros fármacos, com melhores ações imunossupressoras e menores efeitos colaterais. Somente em 1983 o Santo Graal dos transplantes foi desenvolvido: a ciclosporina, com característica mais seletiva e menores efeitos colaterais que outras drogas, permitiu que o transplante de órgãos passase de mera curiosidade cirúrgica para um procedimento terapêutico efetivo para as mais diversas patologias.

Também na década de 80, o desenvolvimento do Viaspan (ou Univer-sity of Wisconsin coldstorage solution por Folkert Belzer e James Southard), inicialmente para a preservação do pâncreas, permitiu a conservação dos

órgãos durante o deslocamento para o transplante, que agora poderia ser realizado entre pessoas dis-

tantes geograficamente. Esses avanços no final do século XX aumentaram a sobrevida dos pacientes transplantados em 80%. Claro que a cirurgia não é uma cura para as moléstias da vida e ainda havia inúmeras rejeições entre os transplan-tados, mas a esperança proporcionada por esses procedi-mentos sobrepujava as condições adversas que poderiam

vir a acometer os pacientes.

Os avanços da Medicina e o advento de novas técni-cas e fármacos permitiram o desenvolvimento dos transplantes

para que atualmente esses procedimentos se tornassem rotina. Mas ainda há inúmeros problemas éticos, logísticos e outros, mas principalmente a espera pelo procedimento. É necessário a abertura de novas discussões acerca dos transplantes no Brasil e no mundo, sobretudo para o aumento da eficiência dos procedimentos e da disponibilidade de órgãos para os pa-cientes. No futuro, espera-se que não seja preciso mais esperar por uma chance de mais alguns anos de vida, e que não seja necessário entrar no começo da fila, que hoje só aumenta.

Fontes:http://www.pucgoias.edu.br/ucg/institutos/nepss/monografia/monografia_02.pdfhttp://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2014/rbt2014parc-jan-mar.pdfhttp://www.donatelifeny.org/all-about-transplantation/organ-transplant-history/http://www.einstein.br/hospital/transplantes/transplanteorgaos/Paginas/transplante-de-orga-os.aspx

Page 10: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

10

A morte é um dia que vale a pena viver É bem provável que o título do texto lhe soe familiar. É bem prová-vel, também, que se você ainda não assistiu ao vídeo que leva esse mes-mo nome, ao menos já tenha ouvido falar dele. A partir disso, então, aqui constarão não só fatos importantes do vídeo, mas também algumas pon-derações. A médica Ana Claudia Quintana Arantes consegue em dezoito minutos explorar diversos pontos de vista sobre cuidados paliativos (sua área de atuação), morte e sobre a maneira de como tratar cada paciente – algo que se vê um pouco em Psicologia Médica I. Contudo, o mais im-portante que se pode extrair do vídeo é algo que está intrínseco nele: a mudança de paradigma. Essa mudança se dá, principalmente, na forma com que encara-mos os acontecimentos que nos cercam. Para o poeta Manoel de Barros, era enxergar não uma garça na beira de um rio, mas sim o rio na beira de uma garça. Já para o compositor Humberto Gessinger, era como viver em outra frequência, seja dançando no silêncio ou chorando no Carnaval. Uma das mudanças propostas por Ana Claudia ocorre no seu campo de atuação: cuidados paliativos. Ela mostra que aquela visão geral de que eles entravam em cena quando nada mais poderia ser feito é errônea, pois, na verdade, esses cuidados auxiliam na busca pela con-tenção do sofrimento, este que sempre acompanha os pacientes termi-nais, quer na forma emocional, física, social ou espiritual. Segundo a Or-ganização Mundial da Saúde, OMS, esses cuidados visam à melhora da qualidade de vida, não somente de quem é acometido por alguma doença ameaçadora, como também de seus familiares, que sofrem junto com toda a situação vivida. Os paliativos não pretendem, portanto, acelerar ou retardar a morte, “buscando”, apenas, que ela chegue por um processo natural. Outro aspecto bastante importante abordado pela autora do dis-curso é algo que às vezes se perde pelo caminho: o tratamento destinado

Abraçar tudo ou não fazer nada? Uma sensação de alívio e de motivação extrema. De que um novo mundo se abre e nos possibilita muitas novas e-xperiências. Uma sobrecarga de emoções e impulsos, na tentativa de saber o certo a se fazer e o que procurar. Essas característi-cas, que advém com a aprovação na faculdade, começam a fazer

parte do nosso cotidiano. E, nesse período, assim que se passam alguns dias depois do início das aulas, começamos a nos ques-tionar sobre o que fazer para aproveitar ao máximo o tempo da graduação; uns mais cedo que outros, começamos a pensar sobre o que é ideal para nos formarmos bons médicos. Na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, principalmente, di-versas novas oportunidades extra-classe nos são apresentadas e, junto com os diversos sentimentos e ideias já comentadas, a dúvi-da de “para qual lado correr” começa até mesmo a bloquear aquela nossa motivação inicial: “será que não é melhor eu esperar alguns semestres para começar a fazer algo fora de sala de aula?”. Diante de tais dúvidas que estão contíguas aos que iniciam a caminhada na universidade, uma discussão de como nos organizar e de o que realmente importa a nós, como estudantes de medicina, é muito importante e, de certa forma, imprescindível. O Dr. J. J. Camargo, o qual nos concedeu uma entrevista exclusiva nessa edição, esclarece em seu texto “A Dança dos Mo-delos” algo muito importante para começarmos a ter um foco nesse início da faculdade; explicando a seus alunos - os quais ele mesmo descreve “... com cara limpa, o peito ainda estufado pela conquista recente do vestibular, e aquela ânsia do ingresso na mão...” – que os melhores médicos são em parte técnicos, mas em parte artis-tas. “O técnico é capaz de introduzir uma agulha nas profundezas do pulmão e de lá obter células diagnósticas, mas é o artista que,

tendo recebido o resultado numa sexta-feira, comunica que o laudo definitivo só sairá na segunda, preocupado em não estragar a alegria daquela avó no casamento da neta, no sábado”. Dessa forma, é im-portante, além de aprender a ciência da medicina, nos preocuparmos em ter as características necessárias para sermos, também, “mé-dicos artistas”; ter isso em mente, desde o início, ajuda muito na hora de escolher quais atividades participar no começo e durante a faculdade. Um bom filme que demonstra a importância desse outro lado da medicina, com louvor, é o conhecido “Patch Adams, O Amor é Contagioso”.

Sendo assim, visto que no início certa falta de conhecimento científico torna difícil ou, até mesmo, impossibilita nossa participação em projetos mais técnicos, uma boa opção nos primeiros semestres da faculdade é participar de trabalho voluntário. Trabalhar esse nosso lado mais “artístico” lidando com pessoas de diferentes faixas etárias e diferentes condições sociais é a resposta, muitas vezes, para o que procuramos em termos de atuação como estudantes de uma área da saúde, além de que, fazendo isso, traremos benefícios para essas pessoas também! Claro, isso não exclui se quisermos partici-par em algum estágio cirúrgico, clínico ou de pesquisa nos primeiros semestres. Visto isso, porque não trabalhar em atividades como as da IFMSA, por exemplo, desde o início das atividades acadêmicas? Ademais, é importante quando buscarmos fazer essas atividades, procurar por algo para realmente aprender em vez de apenas algo para colocar no currículo. Nesse sentido, tendo em mente a importância de buscar uma atividade prática fora do horário comum de aula em que possamos nos tornar cada vez melhores técnicos e artistas da área médica, não ter medo de assumir responsabilidades desde sempre é funda-mental. Afinal, confiar na nossa capacidade e no nosso desempenho pessoal também é algo que precisamos treinar. Dessa maneira, ter em mente a frase de Abel Salazar “o médico que só medicina sabe, em verdade, nem medicina sabe” é valioso.

Opiniao - Sergio Renato da Rosa Decker

ao paciente. Seja em pacientes terminais, em que cada minuto faz muita diferença; seja num caso mais simples e corriqueiro, é necessário que o médico entre no universo de quem assiste, ouvindo-o com paciência e não relegando qualquer informação passada, pois tudo ali exposto denota in-cômodos sentidos. É preciso, também, ser sincero com o paciente, pois, embora as palavras, se usadas da maneira “certa”, possam enganar, um olhar jamais conseguirá fazer o mesmo. É perceber que alguém enfermo não quer desperdiçar tempo (e em alguns casos, como os que necessitam dos cuidados paliativos, nem se pode) com um médico que não lhe dá a importância devida ou com um profissional que não lhe passa a confiança de que tudo que estiver ao seu alcance será feito. Essas propostas diferentes de encarar a nossa futura profissão farão com que tanto a nossa vida quanto a do paciente sejam mudadas. Vão permitir que, se nos depararmos com algum paciente em estado ter-minal, por exemplo, nós encontremos ainda mais certeza das escolhas que tomarmos e, dessa forma, permitir que ele consiga se desprender de tudo que ainda o amarra em vida para que possa, então, descansar em paz. Ou seja, ambos ficarão com a consciência tranquila de que tudo que foi feito não foi em vão. Sendo as-sim, pelo grande aprendi-zado que pode trazer, não há como negar que a morte é, sim, um dia que vale a pena viver.

Fontes:YouTube: A morte é um dia que vale a pena viver: Ana Claudia Quintana Arantes at TEDxFMUSP”

Associação Brasileira de Cuidados Paliativos.

Ponderacoes - Roberto Stroher Junior

Page 11: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

“Felicidade é urgente. A tristeza pode esperar.”J.J.Camargo 11

[FÁCIL] Uma mulher de 32 anos vai ao seu consultório para um exame anual. Ela é tabagista de 12 anos•maço e atualmente fuma 20 cigarros por dia. Ela expressa o desejo de parar e você a orienta. Qual das alternativas abaixo é verdadeira a respeito de cessação do tabagismo em mulheres?a) 90% das que param de fumar têm recaída em três meses.b) Adesivos de nicotina e gomas de mascar não se mos-traram eficientes na cessação de tabagismoc) Alertar as pacientes repetidas vezes sobre os malefí-cios do tabaco não tem impacto na cessação do tabag-ismod) Parar de fumar abruptamente é a única maneira de conseguir total abstinênciae) Independentemente da carga tabágica prévia, parar de fumar melhora a condição de saúde dos pulmões

[MÉDIO]Um casal de pacientes seus está consideran-do adotar uma criança com necessidades especiais. A família ainda tem poucos detalhes sobre o menino, mas as informações recebidas até agora sugerem que a cri-ança de 4 anos fez cirurgia de reparo de defeito do septo atrioventricular, tem baixa estatura, e história de algo que parece ser um reparo de atresia duodenal no mo-mento do nascimento. Qual das síndromes abaixo é sua principal suspeita?a) Klinefelterb) Waardenbergc) Marfand) Turnere) Down.

[DIFÍCIL] Um homem de 25 anos tem tiques motores desde os 13 anos. Eles parecem estar piorando e re-centemente ele desenvolveu vocalizações obscenas in-voluntárias (sd. de Tourette). O tratamento com qual das drogas abaixo provavelmente devolverá vida normal ao paciente?a) L-dopab) Triexifenidilc) Carbamazepinad) Fenitoínae) Haloperidol

Casos Clínicos Traduzidos do USMLE Quizzes por Daniel Modolo

RESPOSTA : E. Tabagismo está implicado como fa-tor de risco de várias doenças, incluindo doença arte-rial coronariana, DPOC e câncer de pulmão. Há estudos que indicam que a cessação do tabagismo é benéfica aos pulmões independentemente da quantidade usada previamente. É dever do médico aconselhar o paciente repetidamente e fazer consultas de retorno para reincen-tivar o novo estilo de vida. O uso de reposição de nicoti-na na forma de adesivos ou gomas de mascar aumenta a eficiência de programas de cessação de tabagismo. 65% das pessoas que param de fumar têm recaída nos três meses seguintes.

RESPOSTA: E. A síndrome de Down tem várias cara-cterísticas clínicas, como baixa estatura, microcefalia, espiral capilar centralizada, orelhas pequenas, fissuras palpebrais, dobras epicânticas, manchas de Brushfield, língua protrusa, mãos pequenas e largas, prega simiesca, largo espaçamento entre primeiro e segundo pododácti-los e hipotonia. Lesões cardíacas estão presentes em 30 a 50% dos sindrômicos, incluindo defeito do septo AV (30%), defeito do septo ventricular (30%) e tetralogia de Fallot (30%). Ao nascimento, atresia duodenal é co-mum. A atresia causa vômito biliar.

RESPOSTA E. A síndrome de Tourette geralmente ini-cia antes dos 21 anos e é caracterizada pela incapacidade de controlar vocalizações obscenas e/ou escatológicas. Aparentemente, a síndrome tem um padrão hereditário autossômico dominante com penetrância variável. A maioria dos afetados é masculina. Várias drogas podem ser utilizadas para suprimir os tiques, como haloperidol, pimozida, trifluoperazina e flufenazina.Antiepilépticos como a carbamazepina e a fenitoína têm pouco uso. Triexifenidil e benzaprina são úteis para suprimir o parkisonismo que pode surgir com o uso de haloperidol, mas são inúteis no tratamento da síndrome de Tourette.

Raciocínio clínico pode ser definido como o con-junto de processos cognitivos inferenciais e resgates de memória utilizados pelo médico na formulação de uma hipótese diagnóstica. Tendo como ponto de partida a base biológica dos processos corporais e aliando isso ao quadro que o paciente apresenta, o médico é capaz de es-tabelecer uma lista de doenças que podem explicar seu atual estado. Jerome Kassirer¹, um teórico do assunto, argumenta que ele ocorre como em um continuum: em uma ponta, temos a casuística e a comparação entre situações obtidas através da experiência e “regras rápidas” (heurística); do outro, a investi-gação protocolar exaustiva e algoritmizada, que esgota proba-bilisticamente as possibilidades diagnósticas. Diante de qualquer paciente, o médico experiente aplica uma mistura dos dois extre-mos, estabelecendo o espectro proposto por Kassirer.

Por ser muitas vezes considerado algo “naturalmente aprendido”, o raciocínio clínico é deixado de lado como conteúdo acadêmico. Es-pera-se que o aluno seja capaz de, entre tomos de Clínica, leitos de enfermaria e exemplo docente, apreender a essência de ferramentas complexas como a navalha de Occam e o teorema de Bayes - algo que nem sempre acontece. Como resultado, temos muitos quase-profissio-nais que se apoiam em um rol limitado de peças na tentativa de entender a imagem de um quebra-cabeças muito maior, mas incapazes de vis-lumbrar todo o conteúdo por não unirem as partes de forma sensata. Em uma análise mais profunda, essa deficiência se traduz em testes com-plementares desnecessários e que pouco refinam as hipóteses iniciais, onerando todo o sistema de saúde.

Há quem alegue que aulas expositivas nas quais os professores nos introduzem um caso para reflexão ajudam na internalização desse tipo de conhecimento. Contudo, como esperar um raciocínio logicamente válido dos alunos quando, ao ver um professor especialista à frente da sala, estes já cospem hipóteses específicas daquela restrita especiali-

dade, que vagamente se relacionam com o quadro, sem a menor preocupação com a constelação de diferenciais mais prováveis que existem? O quanto dessa demonstração é realmente raciocínio e não

apenas uma espécie mais refinada de desonestidade intelectual, com o objetivo de acariciar o próprio ego e

acertar a resposta? Dentro do contexto de um ensino mé-dico de qualidade, como garantir que sejam dadas as ferra-

mentas ao objetivo diagnóstico e não simplesmente um grupo de fórmulas prontas?

Depositar as esperanças na ideia mágica de que o tempo trará o traquejo necessário para organizar o fluxo de pensamento investigativo também é um erro. A habilidade clínica não cresce

como uma função previsível da experiência; pelo contrário, é mais improvável que um médico atarefado adquira novas ha-

bilidades do que um estudante durante a graduação². Atuar junto a este grupo mais propenso à absorção desse tipo de conhecimento prova-velmente traria benefícios para a qualidade da atenção à população em geral.

Tanto quanto as bases fisiopatológicas que compõem o cerne da prática médica, a sistematização dos artifícios lógicos que levam à preferência de uma hipótese sobre as outras deveria ser estudada para garantir a elaboração de estratégias ótimas no ataque a um pro-blema. Poder se utilizar de heurística em casos que requerem pronto-atendimento e saber como estruturar a abordagem insistente para um problema novo, sobre o qual se tem pouca ou nenhuma base teórica prévia, é essencial para o exercício de clínica de qualidade. Mesmo que elas sejam fornecidas de forma desorganizada no ensino médico, buscar essas informações é prerrogativa do aluno que deseja galgar os degraus em direção a uma Medicina superior.

1: KASSIRER, Jerome. Learning Clinical Reasoning.2: Harrison’s Principles of Internal Medicine, 18th edition.

Uma nota sobre raciocínio clínicoSerá que realmente o temos?

Verdades - Daniel Modolo

Page 12: Placa motora - ccs2.ufpel.edu.brccs2.ufpel.edu.br/wp/wp-content/uploads/2014/09/... · Seja bem-vindo à 13ª edição do Jornal Acadêmico Sinapse! Esta é uma edição muito especial

12

Cruzadinha Luiz Fernando Held Gentil Horizontal

1. Como se chama a hérnia, quando uma parte da parede anti-mesentérica do intes-tino torna-se estrangulada dentro do saco herniário?4. O sinal de Kehr é importante na avaliação de abdome agudo para o diagnóstico de ...8. Osmúsculosincisados,numaepisiotomiamédio-lateralsão:otransversosuperfi-cial do períneo e o ...9. Estímulos dolorosos abdominais em que haja irritação do músculo diafragma, po-dem causar dor referida no ombro. Esta dor irradiada é transmitida pelo nervo ...12. A causa mais comum da hemorragia maciça no trato gastro-intesinal baixo é ...13. Umhomemde30anos,anteriormentesaudável,sequeixadedificuldadedeen-golir líquidos e regurgitação ocasional. Pesquisas manométricas mostram um aumento na pressão no corpo esofágico. O diagnóstico mais provável é ...14. O sinal de Curvoisier-Terrier é característico de qual neoplasia abdominal?15. Na abordagem cirúrgica da Doença de Chron, a técnica que ganhou notoriedade comomeioseguroeeficazdetratamentocirúrgicoé...

Vertical

2. Na paciente pós menopausa sem terapia de reposição hormonal, o limite máximo daecografiaendometrialéde...(emmm)3. A sindrome de Mallory-Weis geralmente é associada a ...4. O fator predisponente mais importante para o descolamento prematuro de pla-centa(DPP)é...5. Qual a neoplasia maligna mais comum da tireoide?6. Carcinomaespinocelularpodeocorreremáreadecicatrizdequeimaduraantiga,chamada de úlcera de ...7. As derivações D___2, D3 e aVF no ECG corresponde a qual parede do ventrícu-lo esquerdo?10. No Brasil, a infecção puerperal é a 3ª causa de morte materna. Dentre os fatores de risco para infecção puerperal, o mais importante é ...11. A causa mais comum de obstrução intestinal mecânica é ...

Horizontal1.RICHTER4.HEMOPERITÔNIO8.BULBOCAVERNOSO9.FRENICO

12.DIVERTICULOSE13.ACALASIA14.PANCREAS15.ESTENOSOPLASTIA

Vertical

2.CINCO3.ALCOOLISMO4.HIPERTENSAO

5.PAPILAR6.MARJOLIN7.INFERIOR10.CESARIANA11. BRIDA

Quer enviar uma foto ou uma Matér ia para o

SINAPSE?Entre:

www.facebook.com/jornalsinapse

Curta a página e confira as regras!

Rea l ização :

Pat

rocí

nio: