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    Antropologia e CinemaMarc-Henri Piault

    o in teresse cada vez. m aior das cim cias hum anas e sociais, especialm enie da aniropo log i, naexp erim en ta 9tio a ud io visu al n tio e. n a u erd ad e, o ca sio na l. E , p rin cip al m en te , um a OP 9tiOp otins t rumentos e sp ec iftc os d e exploraci io q ue n iio o sa nierio rm en ie to m ad os d a Iiie ra iu ra e dosm eio do s de registro e m ensura riio usad os pela s o uiras disciplines.A era do aud iovisua l e tao reoolucionaria quanta a de G utem berg: novas linguagens se

    desenuo ioem e suas logicas m uitas vezes a inda hoje nos escapam . 0audiovisual consiitu i um novocampo de exploraciio, m ais que um insirumenio scfisticado interoindo 11 0 simples dominic dacom unicaciio , por m ais am ple que seja; ele define um sistem a diferen te de upreensao, de elaboracnoe de com un ica~ ii.o ; a bre an gulo s ineditos de ob serva~ tio de um a rea lid ad e m ultipla: pa r o uiro la do ,as interpreiaiiies qu e proporciona se aiustam , jreq uentem en te, as necessidades da s sociedades qu eas experim eniam . N este cam po, 0 c inema fo i precursor e a antropo log ia, nascida de um .qu estio nam en to so bre as socied ades d ijeren tes, la nco u m iio de sua utilizaciu: rn ais dep ressa qu e a so utra s d iscip lin es. F alia oam a d escricd o os conceitos e a [am iliaridade com a "vida exotica" e, poriS50 , reconneceu-se a periinencia ilusiratioa e a oaiidade explom toria da im agem anim ada e,posieriorm enie, da im agem e do som sincronizados. D em orou m uiio para que 0 discursopredom inante da an iropo logia cedesse luga: a este ouiro, condenado, a te en tao, a n iio ter voz.P ouco a p ouco , 0 objeto torna-se sujeito e se exprim e encuanio ta l: neste seniido , com 0 su cesso d ai e leo i si io - que acompanha, s imu l ianeamen te , 0 gesto e a jala, 0 mouimento d o co rp o e dodiscurso -, tornava-se cada vez mais diftcil im pedir a expressiio do ouiro p or esse m eio , en qu an toqu,e ainda se coni inuaua a an unciar a verdade do D utro em seu lugar. 0ob je to -s uje ito d ainierrogadio i inha questtes a [ormular e 0 obseroador , ele i ambem urn elem ento do cam po . deo bsero aca o, se en co ntra va a ssim sin gu la rm en ie rela tio iza do .

    o cinema no trabalhc de campo da antropologia

    A an ir op o lo gia e , p or excel en cia , u ma d isciplin a d a ob serva~ iio , e po de-se co nstatar que ela sedesenvo lveu no fina l do secu lo XIX , ao mesmo tempo em que se eiaboraoa 0 insirumentocinem aiogrd fico. M esm o que as cam inhos ntio ienham sido idinticos. n oia -se q ue, d esd e a inicio,esiabeleceu-se um a co laborad io: nos uitim os anos do secu lo XIX , a m edico Felix-Lou is R egnauli,com a cum plicidad e d o antig o a ssisiente de [u les-E tienne M arey, in vento r da cro no fotog ra fia ,film ou um a m ulher ouo lcf enquanto fabricava po tes de certim ica durante um a exposiriio sobre aA frica O cidenia l, em Paris. D esde essa epoca, Regnau li, que podem os considerar 0 inven tor docin em a eino grafico , propo s, sem sucesso, a cria cso d e u m a rq uioo d e film es a ntropo log icos.ln felizm en te, se 0 cin em a desen volveu rapid am en te sua s iecn icas, a mpliou 0 cam po de suain vestig at;iio e de sua s o plicaco es. su a u tiliza fiio e reco nhecim en to p eios an trop6 log os ndo segu iu am esma e vo /u 9iio : e ste s 0 consideraram; duran te m ulto tem po, um tipo de reg istro secunddrio , eeniiop er ig bs o e , fr eq iie nte me nte , fr in olo .

    cinem a, ao contrtirio , se apropriou m uiio m ais rapidam ente dos dom inies reservados

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    o cinem a, ao contrtirio , se apropriou m uiio m ais rapidam ente dos dom inies reservados a I ANTROPOLOGIA C t N E M A 63

    exigencias e as con dicoes de j ilm agem ca racteristica s da a titude an trop ol6g ica . P ara a a ntrop olog ia,o cinem a e os d iversos m etodos audioo isuais sao tanto instrum enios de obseroacao , instrum enios detra nsc sic iio e in te rp re ta ciio d e r ea lid ad es so cia is d ife re nte s q ua nta instrumenios p ara ilustra cd o edifusao das pesqu isas. Injelizm ente, estes usos oariados sao, em gera l, con fusos, e atribuem aoc in em a a ntro po l6 gico u rn . e sia iu to re la tio am en ie somb rio , 0 que torna sua u iilizaciio , de certo m odo,ambigua. Oaf surgem , de um lado, as dificuldades encon iradas na difusao dos jilm es que sao , emgrande parte , quase confidencia is, resiriios a um pequeno grupo , sem obter 0 e sia tu io d e p ro du to scientificoe, nem a audiincia do grande publico.

    Os antrop6 logos m ais rigorosos acreditam que se iraia apenas de um a [ormuladio b asta rd a em uiio distanciada das exigencies im postas ao texto escrito , em raziio do lugar que a m ise-en-sceneocupa, m uiias uezes, no espetacu lo. O s cineasias, por seu lado , uiam nos film es dos an trop610gosdioerstio de am adores ou m esm o experiencias de "especia listas", bastanie enfadonhas e cu jasperform an ces iecnicas niio aiendia m as exigincias m in im as pa ra sa tisfazer u ma la rga au diencia.P ara a s p essoas da im ag em . as realida des sociais 56 s ao a ce ssiu eis a ira oe s d a me dia dio in dis pe nsd ue ida qualidade instrum ental, cuio m odelo seria dado pela m edia en tre 0 c in ema come rc ia l, 0 cinem a def ic r; ao ou 0 de cria~ao . Sem duoida as duas partes tern suas raziies, m as e p re ciso re la tio iz ar su asre sp ec tiv as a iitu de s: p od em 05 a niro po lo go e, re alm en ie, p re ten de r q ue os textos seiam m aisobjetivos, f a que suas [orm ulacoes estdo subm etidas a um a lag ica propria a escriia, siiuada noc on te xte d a c ultu ra lite ra ria d om in an ie ? 0 leito r, m esm o aoisado , tern m elh ores m eios paracon trolar a auienticidade dos fa tos relaiados, e a periinencia d as e sc olh as o pe ra da s e as and li ee spropostas quando se sujeita a um a longa e lenia leitura ou quando se subm ete ao uisionam entoco ntinu o d e u rn film e p rojetad o? N a realidad e, aniro polo goe celeb res viram suas o bseroa co es seremquesiionadas pelos pesquisadores que os sucederam nos m esm os cam pos de pesqu isa. N iio podem osig no ra r q ue e dific il aoa liar a indu ciio o perada p elo antro polo go sob re os inform antes qu einterrroga ; os d ado s pod em esta r ca mu jlado s d esde 0 in ic io a tra ues d e partis pris que ndon ec es sa riamenie is en tam 0 obseroador, subm eiido que esta as norm as de sua pr6pria sociedade.Q uem pode contro lar a preseno exercida, m ais ou m enos conscien iem enie, sobre os fatosc on ftrma do s, p osie rio rm e nie , p ela s te oria s a oa nc ad as? 0 rigo r de um a d em on straciio escrita n iiosera, enquanio ta l, a garantia dejin itiva da validade ou da exausttio da s obs er oa~oe s c ole ia d as .Q uem podera afirm ar que os a niro polo gos d a escrita sao m ais in dependenies de um a represenia ciiodom inanie e do peso da "curiosidade" pub lica do que os an tropo togo s-cineasias n o q ue ta nge aoespeiacular? A escolha dos objetos de represen tacao antropol6gica, num caso m ais que nouiro, niio eindepend en te das p riorid ades im posias pela p esquisa cogn itiva pr6pria a o m undo do s antrop6 1og osem questt io. 0cinem a e a antropolog ia partilham , na oerdade, os d efe ito s q ue se imputamreciprocamente. Em ambos os casoe, m as em m em entos diferen tes e em lugares d isiinios, 0 quadrode referencia ideol6gica e a in iendio cu ltural dos observadores in iroduzem estes uliim os no cam pom esm o de sua obsenm cno .t verd ade q ue u m aprend izad o e in disp en sa oe l a "leiiura" d os dad os au diou isuais e, sem d iioida ,

    este e 0 in co nu en ien te p rin cip al: a ig no rtm cia d a lin gu ag em c in em ato gra fic a e ainda um a seria

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    ANTROPOLOGIA CINEMA

    ii um i na ca o p re ctir ia . 1\;1(15 1 11 11nng ula o casion al, descob re-se qu e a ntig as in terd icses d e m on tag empodem ser transgredidas; a sombra da cam era au do m icrofone enira no campo visual e, noenianto, 0 discurso n iio se perde; ele confere. ao contra rio , um a dim ensiio m aier a r ea lid ad e; u rnsam confuse iraz um a [orca de inquietude, uma tensiio a imagem , uma respinuiio de vida quenenhum outro ariificio tinha, a te entiio , perm itido . E G odard sorve de Roucb avan~os antesim p oss io eis d e r ea liz ar ; 0 cinem a de fic~iio descobre a entrevista e a linguagem sincopada das ruas,a saturaciio das bandas de som sincronizado, a im prouisadio dos film es de enireoista , os didlogosincom pleios, os tropecos criticos dos operadores quando em purrados, e tudo questionado peiotem po real. 0 cin em a leue, 0 video , transgride iam bem as condiroes econom icas de film agem ,en treub rind o a s p oria s d e circu iio s "in dep en den ies" a s unidades de produr;iio que, pouco a pouco,adquirem auionom ia frente aos grupos que dom inam os merca do s d o cin em a i radicional , F ic ciio erealidade se m isturam e a liberdade inocenie dos antrop610gos-cineastas lhes perm iie airaoessar osespelhos dianie dos quais 05 cinea sias pro fission ais p aram , cb sem an ao p etrifica do s.

    Dos primeiros registros do trabalho de campo ao filme documentario

    Na Franca, no final do seculo XIX , Regnauit e A zulay, realizaram as prim eiros [onogram asantropoiogicos com rolos de cera Edison; na Ingla ierra e A lem anhu, expedicoes se equiparam comm aieria is de registro visual. E m 1898, A lfred C ort H addon realiza , no estreito de Torres; corn um acam era Lum iere, um registro sistem atico de todos a s aspectos da vida m ateria l, social e religiosa dolug ar. E stes foram as p rim eiro s film es rea liza dos d uran te 0 ira ba lh o d e cam po .

    Em 1901 e 1912, B aldw in Spencer utilizou pdrio milhares de m etros de film e junto aosAranda da Austra lia centra l. A lguns desies film es sao ainda poesioeis de serem vistos e se 0 acessofosse facil perm itiriam preciosas obseroacses. D epois deste em preendim enio, R udolf P bch.embarcou de V iena para a Nova Cuine e A frica do Sui, ieoando aparelhos de registrocinematografico efotoestereosc6pico. No momenta das filmagens surgiram graves dificuldades como equ ipamen io , 0 que leoou Poch a buscar soludie no proprio cam po. Parece que foi a prim eiraexperiencia do genero. F laherty, an05 m ais tarde, fara 0 m esm o para assegurar a qualidade dastom adas. P rocedim enios de controle [oram , posteriorm enie, basianie utilizados e m elhorados pelocinem a com ercial sem que 0 cinem a antropologico pudesse, eniretanio , m uito se beneficiar, porraziies econbm icas eoidenies, dos aoancos tecnol6gicos que na uerdade prom oveu na origem docinem a. Foi, sem duvida , este aspecto econom ico da aventura que contr ibuiu p ar a b io qu ea r 0im pulse da iecnica ctnem aiogrdfica na aniropoiogia, depois de um inicio prom issor. 0peso e custodos eouipam entos deviam entraoar 0financiam ento dos projetos, enouanio que as condipJesm aieria is de iransporte, a m aleabilidade relativa dos aparelhos, 0 perigo m esm o que represeniaoa aqueim a das bobinas em nitrate, inflam aveis, rejorcaoam a desconfiant;a, por m uiio tem popersistente, do s a ntrop 61o gos aca dem icos lig ado s i t escrita.

    Desta e p o c a que viu nascer 0 cinem a restou urn conjunto de realizadies que, per nao terem sido

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    ANl'ROPQlGG:A CINEMA

    dancas d e S am oa , ind ianas e [udias. Anos mais ta rd e, em 1 90 5, o s irm iio s Pa th e in ve ntam 0noticu irio , "les aciualites" , M as, rapidam enie , um a segunda correnie nasee e logo vaf dom inar, porm uito tem po , seniio definiiioamente, a atioidade cinematograf ica, aquela dos "ilusionistas", comodiria Lue de H eusch; estes u ltim o s la nc am mao de um instrum en to que, em lugar de reduz irfebrilmense 0 real, serve ao desenvo lvim en to do son ho: M elies descobre a trucagem e Le voyagedans la lune en vo [vera m ais ex:p lo radores do im agindri que as im agen s dridas e am ed roruad orasde L'Execution d'un bandit a P e kin .

    E ntre eeia s duas correnies nascem os film es de fic~ iio que se situam , deliberadam en te, numqua dro de realidade que eles con tr ib uem p ara reoelar e descobrir. 0 irm iio d e G eo rg es lvW ie s,G aston , p arte, em 1912, para 0Pac ific o e reioma um ano mais tarde com uma serie de cincodocum eniario s rom anceados, que pareeem ter side d istribuidos, prim eiram enie, em N ova Ioroue.R etornando a F ranca, ele descoore que quase todos os Seu:5 film es tinham sido destru idos pelaum idade. P oueo tem po depois, em 1.914, !1m fot6gra fo am ericana, E dw ard C urtis , que realizou um ag ig an te sc a d esc rir;tio fo to gra fic a d oe in dio s a meric an os, d ecid e film ar u ma d ra ma tic h isio ria d eam or, concebida com a co laboraciio dos K wakiu tl da B ritish C olum bia . A lem de encenar numq uadro rea l que forta lece a a~ fio , C urtis p reced e a um a op era ~li.oino oado ra rea iiza ndo um ao erd adeira reco nstitu ia io do passado pelos K w akiu tl: de J ato , vem os r10 f i lme Inthe Land of theHead Hunters, os ind ios navegando em suas grandes canoas de guerra que hIi o ario a na s n iioeram uiiiizad as. E sia reco netitu icao valia iam bem pela d em rm stra~ i1 o de in sirum enio s basia niecom plexes que perderiam rapidam enie a m em oria se niio tivessem a ocasiao de serem apreseniades.A ssim , ao longo deste periodo explorat6 rio que term inou com 0 in ie io d a P rim eira G uerra

    M und ia l, os pcucos film es etn ograficos realizad os resistiram as provaro es deste m om en ta . 0debates ob re a r ela ri1 0 e n tr e 0 r ea liz ad or -c in ea sia e a r ea liz ad or -a ntr op 6lo go d elin eia -s e; film e s d an do c on tad e re alid ad es m uitip la stio re aliza do s p ar a ntro p6 1o go s e , p rin cip alm en te , p elo e in ve nto re s cu rio so s:exisi indo 0 film e docum ento para ana lise e a film e insirum ento de analise , as re lacoes entre a f icri10e a realidad e passam a ser discutida s; as po ssib ilidades e as lim iies da recon stiiu icd o eom e(_:amaaparecer; os p roblem as de instrum en ia tizacdo tecn ol6giea ap arecem , b em com o a queies d a adap tarfiodas cond iccee m ateria ls as condicoes do irubalho de cam po; enfim , com er;a a se delinear aesp ecijicida de d e um a an tropolog ia visu al enqu anto disc ip line aut8 nom a r a b or da g em me to d ol6 gic aapropriada a certos setores da disc ip lina e lugar de experim en iadio a iraoes da linguagem im agem -sa m sin cro niza do s. V dria s co rren ies, q ue eo nstitu iriio a riq ue za d as rea liza cse s p oste rio re s, e sttiopresen ies, pelo m enos a titu lo de esbofos, nas im agens balbuciantes que em ergem , pouco a pouco,dos arq uivo s q ue ilu siraram . esta p oca .

    A rupiura operada pela guerra de 1914-1918 tira a cinem a de seu esia iu to de divertim ento paragran des personalidades ou de insirum enio isando recolher as curiosidades do m undo e danatureza . D e um lade, viio Sf d es en vo lv er a s d ua s g ra nd es e xp er ie nc ia s c in em a so gr afic as fo rn ec id aspelos pais fundadores da antropologia visua l, D ziga Vertov e F laherty ~ nenhum deles sendoa ntro p6 10 go ; d e o utro o ai-s e in sc re oe r, n a p an 6p lia p ed ag 6g ic a d a d iscip lin a, 0 film e c on ce bid osegun do a perspectiva d o ensino . Os m useus financiam a realizacao de docum en tos tem dticos ou de

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    ANTROPOLOGIA CINEMA

    via ja ntes e explo tadores trazem de SUllS aoeniuras im agens m ais ou m enos rom anceadas: aexotism o m arca todos as seto res da criacdo; arie, a rqu eo lo gia, literatura e cinem a em presta m aucontribuem para a antropologia. Foram rodados film es em Burneu , na Noua-C uine, A frica,F ilipino s, M elanesia . E m 1925, M erian C ooper e Ernest Schoedsack film am as criadores nom adesn o irii: slio des que rea lizariio em 1933 a film e d e fic9 ao King Kong, que fez um enorm e sucesso. Jaen ta o, a s via gen s in stig avam 0 im aginario ociden ia l e a prim eira oersiio de Croisiere noire (1926),realizada na A frica por Leon Poirier e financiada pela C itroen, obteve um tal sucesso que um ac6pia sonora foi divulgada em 1933. Poi precise, no en ianio, esperar a lguns an05 para que 0 c inemaantropol6gico viesse a ter um a dim ensdo tna is consistente no processo global da pesquisa e,sob reiudo, p ara que as an trop6 logos de ca mpo tom assern p ara si esie em preen dim enio. E ntretanto,por vias aparentem ente distin ias do academ icism o profissional, foram realizados film es quelancaram as bases da verdadeira a ntrop ologia visua l: 0 cinema de improviso de D ziga Vertov e a"camera p ariicip an te" d e R ob ert F la herty.

    Cinema docurnentario e cinema etnogriifico

    N o enire-guerras, m arcado por im porianies m ooim entos sociais e p olitico s lig ad oe a od esenvolvim ento ind ustrial, cresee urn cinem a d ocum en ia rio vo ltad o sobretu do para a prooccacao ,denuncia ou com protxuiio . N a Europa central e oriental, a cin em a e basta nte etn ografico , m esm o 0fo lclorista: coloca em cena seqiiim cias da vid a ru ral, freoiientem en te reconsiiiu idas, e ainda buscaa s fo ntes d e id en iid ad es d io ersa s. 0cinem a social ca mera n a Inglaterra co m D rifters, docum entofilm ado por John G rierson em 1929, descrevendo a pesca no mar do Norte. A industria eo governofinanciam urn num ero razodoel de f ilm es destinados a mobilizar e a form ar os c id a diio s d o imp er iobrium ico. D uas iendencias se manifestam : de urn [ado, uma especie de im pressionism o desiinadc asensibilizar, jogando com a harmonia da ilum inacao e as sutilezas da montagem ; de outro lado,um a a bo rd ag em d elib era da rn en te r ea lisia u iiliz an do 0 sam sincronizado em abunditncia queperm ite fazer corn que os personagens falem diretam ente. V em os, assim , reaparecer os herois dosprim eiros film es de Lum iere que haoiam rap idarnen te desaparecido das telas; a rua e seushab itan tes m ais hum ildes ndo sao m ais recreaiiies m iserab ilisias com o nos film es de C haplin: elesaparecem , a partir de agora , na crua luz do dia, na dura rea lidade das casas sordidas com o, parexem plo, em Housing Problems, film e de E. Anstey e A . E lton, rea lizado em 1935 p ara a B ritishC om mercial G as A ssocia tion . Ern 1939, J oh n G rie rso n fo ! nom eado diretor do National F ilm Boardof Canada, criado ao mesmo tempo que a Colonial Film U nit: estas institu icces pretendiamapresentar 0 m odo de vida ang lo -saxdo para m osirar seus valores ~ principalmen ie as popu laciiesc olo n iz ad a s; tr aia -s e, p od e-s e dizer, de urn exotism o as avessas! M as sao iam bem estas insiitu iciieque darao nascim ento, no ap6s-guerra, a grande escola de cinem a docum entario e antrapol6gicocanadense e q ue, na A frica, tra balharito pa ra as p rim eiras teletnsoes de ling ua in glesa.

    Os aniropo logos profissiona is reiom am novam ente as cam eras m as e p re cis o e sp er ar 0final dosanos 30 para que a cin em a deixe d e ser u ma ilu stra ca o, de certa m aneira , secund li.ria das pesquisa sde campo . Na Franca, M arcel G riaule traz de suas m issoe no pais D ogan docum entos

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    i ra ic oe s q ue os docum entos m onuuios para 0fiune de Pere 0' Reilly, Popoko, ile sauvage, f i lmadoem 1934 na M elanesia . E sta concepciio ilustra tioa do film e da prioridade a lim a certa qualidadee ste tic a d a im a gem; e la a co be rta , c on se ou en tem en te , 0 cuidado da pesquisa em prol do im peraiiooda tecnica cinem atogrdfica agravada pelo terrivel peso do euuipnm enio: coniinua-se, de fa to , afilm ar em 35mm quando 0 form ato 16m m jri conquistaoa urn largo publico de am adores. 0antrop6logo am ericana F ranz B oas f ilm aoa com sua pr6pria cam era 16m m na B ritish C olum bia;e ntn iv am os, a ssim , nwn p erio do d e lib era ciio p ro gre ssiv a fa ce a o p eso d os in sir um en to siecnologicos. Ao m esm o tem po, esia possib ilidade de se m anusear instrum entos m ais leves leva va aum a profunda reflexao sobre a utilizfJr;tio do cinem a e seu valor instrum enta l especifico para aantropologia. lamas prudentem enie . e n iio sem idas e vin da s, em d ire ciio a auionom ia da. .a ntro po lo gia v isu al. E m 1936-38 G regory B ateson e M argaret M ead in tegram t i erdnde iramenie 0cinem a no procef?so da pesquisa . E m B ali e Nooa -Cu in e, e le sr eg is tr am 6 m il m etros de f ilm e16m m e realizam 25 m il fo tos. Seu objetivo era dar conta daidentidade dos grupos observados. Ag ue rra io rn ou im po ss iv el 0 prosseguim ento dos irabalhos de cam po m as os do is an trop6logosm oniaram , em 1952, um a eerie de f ilm es que consiiiu i 0 conjunto T he C haracter F orm ation inD ifferent C ultures. T alvez fosse preciso rever 0 in icio d a e la bo ra r;C iod o p ro jeto q ue R eg na ult eA zulay [orm ularam em 1900 e que uisaoa a tornar a etnografia um a ciencia precisa , dando-lheenfim 0 tnsirumenio e sp ec ific o d e s ua o bs er vm ;: ao ,0 cinema.

    o renascimento de uma antropologia audiovisual

    Em 1946, 0 antrop6logo frances A ndre L eroi-C ourhan organiza a m issda O gooue~ Congo queco nsiitu i, d ep ois d as m isso es d e G ria ule a nterio re s a guerra , a grande retom ada da pesquisa decam po, na A frica; ela reiom a iam bem a concepiiio das grandee expedicoes colonia is, que aindafaziam p arte d o e sp irito d e e xp lora ca o c ara cte ristico d o in ic io d a a ntro polo gia . Os cineastasexploradores, F rancis M aziere , E dm ond Sechan, P ierre G aisseau, m unidos de um im portantem ateria l em 35m m, acom panham os alunos de Leroi-G ourhan, G uy de B eauchene, R aoul H artw eg,G ilbert R ouget. A m issiio O gooue-C ongo retorna com odrios docum entos de qualidade,principalm enie de sons registrados dire tam ente no cam po. A pesar da excelencia dos regisiros, e lespossuem um a perspectioa de cinem a de itustracno, m aniendo-se a d istim cia d aq uilo q ue re oe lam.

    Exaiam ente no mesm o m om enio , e sem m uiios m eios, um jovem engenheiro civil, que haoiafeito um curso com G riaule no Musee de IH omme e que a guerra enuiou ii A fr ic a, d ec id ia r et or na rjunto aqueles que conhecera nos cante iros da construaio de esiradas colonia is. C om dois de seusc ompan he ir os , d es ce 0 rio N iger em canoa e registra im agens sem ideias preccncebidas, sem sepreocupar muiio com as regras do cinem a, e ndo dispondo, apareniemenie, de todos oseq uip am en io s p ro fissio na isi A ssim , a o re io rn ar, seu film e Au pays de masques noirs fo icom prado pela A ctualitee F rancaises: e le extra i dez m inuios dos 30 orig inais. copia em 35m m ea cre sc en ia um comenuirio, fa lado pelo locutor da [am osa corrida de bicideia, Le to ur d e F ra nc e! 0auior do film e e Jean R ouch. E sta prim eira experiencia e , a seus olhos, ca tastr6 fica . E le nao suporiao tom do cornentdrio nem a m usica que acom panha as im agens. A ssim , se bate num a luta acirrada

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    tem po. E m 1948-49, Jean R ouch reiorna a A frica e realiza aquilo que considera seus prim eirosfilm es emog ra fi co : Les magiciens de Wanzerbe, Circoncision e Iniciation ala danse depossession. Sao ainda film es m udos. Em 1951, enfim Rouch parte com um gravador poria iil parafi[m ar um a segunda vez a car;a ao hipopotam o: sera Bataille sur Ie grand fleuve. Nes ta o ca sid o,R ouch [az duas experiencias decisioas. E m prim eiro lugar, retorna a A frica para m ostrar aospescadores 0film e que havia realizado com eles e consta ta que estes, que ate enuio jam ais haviam sedefroniado com suas proprias im agens, com preendem de im ediaio 0 cinema, 0 que perm iie aos" ob se ro ad os " a compan ha r 0 em pree nd im en to d o a ntro p6 lo go : em seg uid a, 0 c he fe d os p es cu do re s,explica Jean Rouch, "iinha a im agem de si m esm o, com preendia com o eu 0 via . E 0 maism araoilhoso dia logo que tive nesie m om ento fo i quando os pescadores com er;aram a m e criticar".A ssim , co me ca a se g-u nd a exp erie nc ia : 0 a ntr op 6lo go e sc uia 0 com enidrio daqueles que filmou e queo reprouam por tel' in ircduzido um a m usica nas im agens da pescaria: "0 hipop6tam o que esta sob aagua", d iziam eles, "iem boas orelhas e , se toeam os um a m usica , eles: Oepo is d is so , 0 einemaemogrtf ico busca a via que [he perm itira dar conta , 0 mais fielm en te p ossivel, d esta exp erien ciaunica e delieada que e 0 encontro de duas culiuras buscando se escuiar reciprocam enie , seniio secompreender .

    o uparecim ento , no in ic io dos anos 50, dos prim eiros gravadores ponateis fo i logo percebido ,por certo num ero de antrop61ogos, com o a possib ilidade de criacao de um a nova linguagem atravesda qual poderia se expressar um a proxim idade do outro . 0C om ite In ternational du F ilmE th no gra ph iq ue, cria do e m 1952, /ixa com o objetivo a consiiiuiiiio de a rqu ivo s, 0 aperfeicoamentoda produr;ao eo desenvolvim ento da distribuicao. E ste program a estava ainda longe de serco mp lete, m as OS enconiros se m ultip licaram por todo 0 mundo e POliCO a p ou co 0 in te re ss e p elofilm e antropol6gico am pliou-se, coniribuindo para um a am pla prospecciio dos m eios de producao.

    S imultaneamente , 0 aperfe icoam enio de m ateria is de registro cada vez m ais leves acelera 0desenvolvim ento daquilo que se cham ou durante um tem po, segundo Vertov, 0 c in ema -v er da d e,o u a in da 0 c in ema -d ir eio , o u sim p le sm e nie 0 cinem a-tete . Sem duinda, a lguns operadores, com oJea n Rouc h, fa circulavam com a camera na m ao, m as era mais pela fa lta de m eios e porque naod is pu nh am d e c am e ra s e le tr ic as p ro fis sio na is . Os novos m ateria is perm iiiram aos cineastascircular, cam inhar e correr com a cilm era . Chronique d'un e t e , esp ecie d e en sa io p sico -antropol6gico urbane, realizado por E dgar M orin e Jean R ouch, em 1960, perm iiiu dem onstrar am aleabilidade deste novo instrum ento do cinem a. N os EU A, R ichard Leacock, antigo assisien te deF laherty, realiza um dos prim eiros docum entos do cinem a-direto , Primary. 0 film e apresenta comuma a gilid ad e a te en in o in ig ua ld uel 0 cotid iano da cam panha ele itoral de J . F . Ken ne dy . T ra ta -s ede um a revolur;;aoque atinge todo 0 cinem a, pois realizadores com o C aualcanti, K ram er, G odard ouLelouch leoam em . conia , no dom inic da criadio, da f iccao, esta nova dem arche (no sentido im ediaiodo term o, pois a operador deoe film ar com todo seu corpo, a cuja cam era ele esta , a partir de agora ,integrado!).

    C erto , estas novas possib ilidades da abordagem antropol6gica niio sao aceitas unanim em enie e

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    co mp reen dendo , o u niio profissiona is d a im agem a/em dos p rofissiona is da a ntrop olo gia;consiiiuidio au r ec on siiiu ic iio d a r ea lid ad e o bs er oa da au bem um e ouiro.

    E evid en te q ue 0 aperfeicoam ento e a m aleabilidade dos reg istros - e chegam os com as tecnicasuideognificas a atingir outras etapas - obrigam a uma reflexiio cada vez m ais apurada sabre 0m odo de utilizar;ao das iecn icas e a intencionalidade do projeto audiovisua l; as U50S d ife re nc ia do s d esons em relaciio a im agem ; a natureza da interoencdo dos com enuirios; as in ierpretacoes induzidaspelo im gulo esco lh ido, a du raciio des pian os, 0 rigor dos m ovim entos dos operadores em reladio aom ovim ento obseroado; a escuta direta da expressiio au toctone ou 0 ja to de the instigar atraoes daentreoista ; a m udanca do ponto de vista , sim ulitm eo e diferenciado (in terpretacao fora da siiuaaio,

    .. na m on tagem ), do rea lizad or-antrop6 1og o; en fim , 0 d eb ate e ve ntu al e ntre 0 cineasta e seuantro polo go, qua ndo a equip e e ass im const it ui da .

    R esposias m uito diferentes daouelas que daria 0 cinem a dire to ou participanie joram dadas aestas questiies. Na A lem anha de ap6s-guerra, a reorganizacdo do Institut [ur denw issenschajtlichen Film , em G oiiingen , perm iiiu a realizar;ao de urn num ero considerdoel dedocum entos com Urn grande rig.or cientifico, descariando a subietioidade das tom adas que niiotivessem com o objetivo un ieo a transparencia do jen8m eno obseroado. U ma jorm acao in te ns iv a edada aos antrop61ogos no que tange as iecnicas de cinem a; sao elaborados program as de rea lizacao , euma E nc yc lo po ed ia C in ema to gra ph ic a fo i e la bo ra da , reu nin do o s p rim eiro s a rq uiv os sistem dtic osd o filme an tr opo l6 g ic o. Os m eiodos adoiados, tan to no plano da realizaciio quan ta no dearqu ioam ento, sao direta mente to ma dos d as cien cia s na iura is, o pon do-se, evidentem ente, a prdiicada antropolog ia partilhada. M as, entre esses dois pon tos extrem os desenooioeram-se inumerasexperiencias que deram origem a um a jertil reflexdo sobre 0 c inema an tr opo l6g ico .

    Marc-Henri Piault e professor de antropologia politica: e antropologia visual naEcole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Paris. Comecon sua trajet6ria em antropologia estudandoa sociedade africana, mas recentemente investiga a cultura cevennoise, no sul da Franca. Criou, junto comdois outros anrropologos, a Cellule d' Anthropologie Visuelle na EHESS.

    Anthropology is in itself a discipline of observation and, as it can be easily ascertained, it developedtowards the end of the nineteenth-century together with the first achievements of cinema. Even though theirways were not identical, it is not difficult to notice that since the beginning some sort of co-operation wasestablished between them. The use of images has constituted rather a new field of exploration than asophisticated instrument of communication, wide as it may be; it defines a different system ofunderstanding, elaboration and communication, opening new perspectives of observation of differentrealities. Besides, the new interpretations it provides often fit the needs of those societies that experiment it.In this interchange, cinema was the precursor and anthropology, which originated from questions aboutdifferent societies, availed itself of it faster than other disciplines.

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    , MARC- HENRI PIAULTFilmografia1965 Yan Kasa, les enfan ts de la terre 44min1967 Mahuata, les bouchers du Mawri 12min1971 Shan Kubewa 12min1972 Les Pecheurs du Kabi 25min1977 Bawra, nous ne faisons pas la guerre,c'est notre bouche seulement., 85min1984 La soie de Crefeuilhes 20min1985 Akazama 70min1987 Les Chemins de la Soie 54min1991 Un [eune homme a la campagne 24min

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