petrobras - a experiência com esporte e educação - susana santos
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FUNDAO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAO DE HISTRIA
CONTEMPORNEA DO BRASIL
CURSO DE MESTRADO EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS
A EXPERINCIA COM ESPORTE E EDUCAO DO
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE: DE PROJETO A TECNOLOGIA SOCIAL
Trabalho de Concluso de curso apresentado ao Centro de Pesquisa e Documentao de
Histria Contempornea do Brasil CPDOC para a obteno do grau de Mestre em
Bens Culturais e Projetos Sociais
Susana Moreira dos Santos
Setembro de 2008
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A EXPERINCIA COM ESPORTE E EDUCAO DO
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE: DE PROJETO A TECNOLOGIA SOCIAL
Susana Moreira dos Santos
Dissertao de mestrado apresentada ao Mestrado
Profissionalizante em Histria Poltica, Bens
Culturais e Projetos Sociais do Centro de Pesquisa e
Documentao de Histria Contempornea do Brasil
da Fundao Getulio Vargas do Rio de Janeiro.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Barbosa Sarmento
Rio de Janeiro
Setembro de 2008
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Ficha Catalogrfica SANTOS, Susana Moreira. A experincia com esporte e educao do Instituto Bola Pra Frente: de projeto a tecnologia social. Rio de Janeiro: FGV / CPDOC/ Programa de Ps-Graduao em Histria, Poltica e Bens Culturais, 2008, 170 folhas. Dissertao (Mestrado Profissionalizante em Histria Poltica, Bens Culturais e Projetos Sociais) Fundao Getulio Vargas - Rio de Janeiro. Ps-Graduao em Histria Poltica, Bens Culturais e Projetos Sociais CPDOC, 2008. 1. Tecnologia Social 2. Esporte Educacional 3. Educao 4. Futebol 5. Gesto Social 6. Terceiro Setor CDD 927
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A EXPERINCIA COM ESPORTE E EDUCAO DO
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE: DE PROJETO A TECNOLOGIA SOCIAL
Susana Moreira dos Santos
Dissertao submetida ao corpo docente do Programa de Ps-Graduao em Histria,
Poltica e Bens Culturais do Centro de Pesquisa e Documentao de Histria
Contempornea do Brasil da Fundao Getulio Vargas - Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessrios obteno do grau de mestre.
Aprovada por:
_________________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Barbosa Sarmento (orientador)
_________________________________________
Prof. Dr. Mrio Grynszpan
_________________________________________
Prof. Dr. Maria Cecilia Prates Rodrigues
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Rio de Janeiro
Setembro de 2008
AGRADECIMENTOS
Uma das grandes lies do esporte que ningum vence sozinho. Mesmo nas
modalidades individuais, preciso um treinador para nos orientar, uma equipe tcnica
para nos auxiliar e a torcida para nos motivar. Para concluir este trabalho eu contei com
uma equipe maravilhosa, sem a qual eu no teria chegado a este momento de vitria.
Agradeo, em primeiro lugar, a Deus, que a minha fortaleza, a minha luz e o meu Pai
amado.
Agradeo, de forma muito especial, ao meu orientador Carlos Eduardo Sarmento. Sem a
sua motivao, sabedoria e pacincia eu, certamente, no teria conseguido. Sua
gentileza foi fundamental para eu superar as dificuldades de conciliar o mestrado com
as minhas funes profissionais.
Um agradecimento especial ao professor Mrio Grynzpan e Maria Cecilia Prates, que
participaram da minha banca de qualificao. Seus comentrios e crticas contriburam
para que eu pudesse, na hora certa, rever alguns caminhos. Agradeo tambm ao
professor Fernando Tenrio e a todos os professores do mestrado.
Ao meu presidente, amigo e irmo mais velho Jorginho eu agradeo por me inspirar
todos os dias e por me apoiar em todos os momentos. Obrigada pela confiana de me
colocar frente do maior projeto da sua vida. Mais que uma oportunidade profissional,
o Bola uma oportunidade de vida. maravilhoso fazer parte de um sonho to bem
sonhado!
Agradeo ao Bebeto, meu querido vice-presidente, e a toda a equipe do Bola Pra
Frente. MUITO obrigada por manterem o ritmo do jogo enquanto eu me desdobrava
entre o mestrado e as atividades do Instituto. Agradeo a todos e ouso um
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agradecimento mais direto a alguns, temerosa por cometer alguma injustia, mas sem
poder deixar de faz-lo. s queridas meninas do Ncleo, Dani e Patrcia; minha
querida gerente e amiga Renata; minha querida secretria Priscilla; Anita Julia,
amiga, mulher de Deus e brao direito; Priscen, amiga queridssima; Amandita,
um dos orgulhos do Bola; ao Edu, amigo to especial e exemplo de dinamizador; e ao
querido Junior Prosinha.
Agradeo amiga Andra Maurcio, scia-fundadora do Instituto, responsvel pela
mudana de rumo na minha carreira, e tambm ao Carlos Henrique Moreira e ao Jorge
Cunha, por terem acreditado e investido na minha ida para o Instituto. Obrigada ao
Carlinhos (o Carily), ao Lo e a todos que entrevistei para este trabalho.
Agradeo a todos os parceiros do Bola, pois vocs so fundamentais para a nossa
histria. Agradeo, mais uma vez me arriscando a ser injusta, queles que contriburam
mais diretamente com este trabalho. Ao amigo, mestre e consultor Sergio Tavares, que
ampliou os meus horizontes; amiga querida Carla Tavares, to presente mesmo
estando em Petrpolis; ao querido e gentil Mauricio Murad, um forte exemplo de que
erudio e simplicidade podem caminhar juntas; ao amigo Eduardo Pedreira, o Badu,
um cristo muito especial; Luciana, Clvis, lvaro, Candy, Ju, Tarso e todos da
Agncia3, e ao Bola Man, Lbero, profissionais competentes e pessoas especiais, que,
com sua arte e amor, so uma fonte de inspirao; aos gentis amigos e parceiros lvaro,
da TOTVS; Fabi, da Martinelli; Michael, da Jotun; e Hans, Carlota e Luiz, da Norskan,
que nos motivam com tanta dedicao e amor ao Bola.
minha famlia um agradecimento mais que especial. Obrigada minha me e ao meu
pai, que sempre me motivaram a estudar, e aos meus irmos e amigos Alessandro,
Claudia e Junior. Lu e Patti, que fazem parte da minha famlia.
Aos meus prncipes, Gabriel e Enrique, eu agradeo de todo o meu corao. Obrigada
por me apoiarem, por colaborarem de diversas formas e pela pacincia infinita.
Agradeo ainda, com todo carinho, queles que so a razo de ser do Instituto Bola Pra
Frente: as crianas, adolescentes e seus familiares do Complexo do Muquio. Conviver
com vocs uma ddiva e uma grande escola. Obrigada por me ensinarem tantas coisas.
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RESUMO
Tecnologia social um conceito recente, mas sua fundamentao terica foi inspirada
nas idias do lder indiano Mahatma Gandhi, que popularizou a fiao manual da
charkha, uma roca de fiar giratria, como uma soluo para diminuir a misria. O
objetivo de uma tecnologia social produzir um novo patamar de desenvolvimento, que
permita o acesso e a produo do conhecimento por toda a populao, unindo os saberes
acadmico e popular na busca de solues sociais inovadoras.
O esporte considerado o maior fenmeno social e cultural da sociedade
contempornea, conectando-se a questes como tempo livre e lazer, mercantilizao,
espetacularizao e incluso social. Partindo da Grcia Antiga at chegar sua
institucionalizao, na Inglaterra do sculo XIX, o esporte sempre esteve ligado ao
contexto educacional. Atualmente, a legislao brasileira reconhece trs dimenses do
esporte: esporte de rendimento, esporte de participao e esporte educacional.
O foco deste estudo a experincia do Instituto Bola Pra Frente, trabalho social dos
tetracampees mundiais de futebol Jorginho e Bebeto, com esses dois temas: esporte
educacional e tecnologia social. Buscamos contribuir para um melhor entendimento
desses conceitos e avaliar sua contribuio para a promoo social. Este estudo levanta
o histrico e aprofunda os conceitos atuais de tecnologia social: o que caracteriza e
quais as implicaes de uma tecnologia social, alm de experincias de implementao.
Como referencial de esporte educacional, esta pesquisa faz um breve histrico do
esporte e do futebol, analisando a sua relao com a sociedade, a educao e o terceiro
setor.
Como referencial prtico, este estudo levanta a histria do Instituto Bola Pra Frente,
aprofundando sua evoluo desde 2000, quando foi fundado, no Complexo do Muquio,
no Rio de Janeiro, at os dias atuais, enfatizando quais so os seus conceitos
norteadores, sistematizando as informaes acerca de sua organizao metodolgica,
metodologia pedaggica e avaliao de impacto social, alm da aplicao dos quesitos
bsicos de uma tecnologia social ao caso do Instituto.
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ABSTRACT
Social technology is a new concept, but its theoretical foundation is inspired by the
ideas of the Indian leader Mahatma Gandhi, who popularized the spinning hand-
Charkhi, a turntable spinning rock, as a solution to reduce poverty. The objective of
social technology is producing a new level of development, enabling access and
production of knowledge throughout the population, uniting academic and popular
knowledge in the search for innovative social solutions.
Sport is considered the greatest social and cultural phenomenon of contemporary
society, connecting to issues such as leisure and recreation, merchandising,
spectacularization and social inclusion. Starting from ancient Greece until its
institutionalization in England in the nineteenth century, sport has always been
connected to the educational context. Currently, Brazilian law recognizes three
dimensions of sport: sport of income, sport participation and educational sport.
The focus of this study is the experience of Bola Pra Frente Institute, the social
organization founded by the world cup champion soccer players Jorginho and Bebeto,
with these two central issues: educational sport and social technology. We seek to
contribute to a better understanding of these concepts and evaluating their contribution
to social promotion. This study overview the history and deepens the current concepts
of social technology, including its characterization and the implications of a social
technology, as well as experiences of implementation.
As a theoretical reference of educational sports, this research makes a brief history of
sport and soccer, considering its relationship with society, education, and the third
sector.
As a practical reference, this study raises the history of Bola Pra Frente Institute,
emphasizing its trajectory since 2000, when it was founded in the Complexo do
Muquio in Rio de Janeiro, until the present day, marking its guiding concepts,
systemathising the information about its methodological organization, teaching
methodology and evaluation of social impact as well as the application of the basic
questions of social technology in the case of the Institute.
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SUMRIO
Introduo ------------------------------------------------------------------------------------- 11
Captulo 1: O que tecnologia social?
1.1 Consideraes iniciais -------------------------------------------------------------------- 16
1.2 Histrico ----------------------------------------------------------------------------------- 20
1.3 Conceitos de tecnologia social ------------------------------------------------------------ 23
1.3.1 O que caracteriza uma tecnologia social ---------------------------------------- 24
1.3.2 Implicaes do conceito de tecnologia social --------------------------------- 27
1.4 Experincia de implementao de tecnologia social de outras instituies no Brasil -------------------------------------------------------- 32
Captulo 2 Conceito de esporte educacional ------------------------------------------- 40
2.1 Breve histrico do esporte ---------------------------------------------------------------- 40
2.2 Breve histrico do futebol ----------------------------------------------------------------- 44
2.3 Esporte e sociedade ------------------------------------------------------------------------- 48
2.4 Futebol e sociedade brasileira ------------------------------------------------------------- 52
2.5 Esporte e educao -------------------------------------------------------------------------- 55
2.6 Esporte e terceiro setor --------------------------------------------------------------------- 61
Captulo 3 Histria do Instituto Bola Pra Frente -------------------------------------- 65
3.1 Trajetria do Jorginho ---------------------------------------------------------------------- 66
3.2 Breve histrico do Instituto Bola Pra Frente -------------------------------------------- 69
3.3 Organizao atual do Instituto------------------------------------------------------------- 74
Captulo 4 A formatao da tecnologia social do Instituto Bola Pra Frente ----- 81
4.1 Definio do problema -------------------------------------------------------------------- 82
4.2 Conceitos norteadores --------------------------------------------------------------------- 87
4.3 A experincia do Instituto Bola Pra Frente: breve histrico da evoluo do trabalho-------------------------------------------------------------------- 93
4.4 Organizao metodolgica --------------------------------------------------------------- 101
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4.5 Metodologia pedaggica ------------------------------------------------------------------ 119
4.6 Resultados e impacto social -------------------------------------------------------------- 135
4.7 Aplicao dos quesitos de uma tecnologia social no caso do Instituto Bola Pra Frente --------------------------------------------------------- 140
Consideraes Finais ------------------------------------------------------------------------- 147
Referncias Bibliogrficas ------------------------------------------------------------------ 154
Anexo I
Questionrio de amostra domiciliar do Censo Muquio 2008
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Introduo
O conceito de desenvolvimento sustentvel est cada vez mais presente na vida
contempornea. Apesar da imediata associao com a proteo ao meio ambiente, o
desenvolvimento sustentvel um conceito que abrange, principalmente, o
desenvolvimento social.
O documento Nosso Futuro Comum, mais conhecido como Relatrio
Brundtland, publicado em 1987 pela Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, das Organizaes das Naes Unidas (ONU), definiu
desenvolvimento sustentvel como aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem
comprometer a capacidade das geraes futuras de suprir suas prprias necessidades1.
Para tanto, o Relatrio Brundtland enfatiza trs dimenses fundamentais (proteo
ambiental, crescimento econmico e equidade social) e recomenda medidas como:
atendimento das necessidades bsicas da populao (educao, alimentao, sade,
lazer etc.), controle da urbanizao desordenada, diminuio do consumo de energia e
desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes energticas renovveis.
neste contexto que une desenvolvimento scio-econmico e ambiental que
surgem as tecnologias sociais. Trata-se de um conceito recente, mas que tem sua
fundamentao inspirada no lder indiano Mahatma Gandhi. Tecnologias sociais so
iniciativas inovadoras, que aliam saber popular com conhecimento cientfico e tcnico,
e que tem como pressuposto a organizao social e a participao da comunidade. O
objetivo de uma tecnologia social proporcionar processos de desenvolvimento e
transformao social, em larga escala ou em escala local. Seu diferencial a capacidade
de transformar uma idia eficiente em processo sistematizado, possibilitando a
apropriao dessas iniciativas inovadoras por uma determinada comunidade
(VIVARTA e CANELA, 2006). Com isso, os recursos so melhor direcionados,
evitando-se o desperdcio de reinventar a roda, e o impacto social desejado fica mais
prximo.
1 http://www.economiabr.net/economia/3_desenvolvimento_sustentavel_conceito.html, acessado em 20/05/08.
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A tecnologia social objeto deste estudo. Ou melhor especificando: o objeto
deste estudo a sistematizao da tecnologia social aplicada ao esporte educacional, a
partir da experincia do Instituto Bola Pra Frente.
Esporte educacional uma das dimenses do esporte, reconhecida a partir da
Carta Internacional da Educao Fsica e do Esporte, publicada pela United Nations
Educational, Scientific and Cultural Organization (Unesco), em 1978. Segundo Tubino
(2007), o esporte passa a ser reconhecido como um direito social, ampliando seu
alcance e abandonando a perspectiva vigente do esporte de rendimento. Assim, o direito
de todos ao esporte engloba o esporte-educao, o esporte-participao e o esporte-
rendimento. A legislao brasileira atual - Lei n 9.615, de 24 de maro de 1998 -
tambm reconhece, em seu artigo 3, essas trs dimenses do esporte.
Considerado um fenmeno social, cultural e econmico, de abrangncia
universal, o esporte tornou-se objeto de estudo das cincias sociais, agregando, mais
recentemente, o vis da educao. O debate da relao entre esporte e educao insere-
se, em especial, na discusso do papel da Educao Fsica:
As relaes entre Educao Fsica e sociedade passaram a ser discutidas sob a influncia das teorias crticas da educao: questionou-se seu papel e sua dimenso poltica. Ocorreu ento uma mudana de enfoque, tanto no que dizia respeito natureza da rea quanto no que se referia aos seus objetivos, contedos e pressupostos pedaggicos de ensino e aprendizagem. No primeiro aspecto, se ampliou a viso de uma rea biolgica, reavaliaram-se e enfatizaram-se as dimenses psicolgicas, sociais, cognitivas e afetivas, concebendo o aluno como ser humano integral. No segundo, se abarcaram objetivos educacionais mais amplos (no apenas voltados para a formao de um fsico que pudesse sustentar a atividade intelectual), contedos diversificados (no s exerccios e esportes) e pressupostos pedaggicos mais humanos (e no apenas adestramento). (Parmetros Curriculares Nacionais, 1997:21)
A histria mostra que a educao sempre esteve muito prxima ao esporte, seja
nos gimnasios da Grcia Antiga ou nos ptios das public schools da Inglaterra, onde o
esporte foi institucionalizado, no sculo XIX. No caso do Instituto Bola Pra Frente,
organizao da sociedade civil, idealizada pelo tetracampeo mundial de futebol
Jorginho, e presidida por ele e pelo tambm tetracampeo Bebeto, o futebol o esporte-
chave. Esporte mais admirado que todos os outros juntos, capaz de seduzir pessoas de
todas as faixas etrias, de diferentes classes sociais, etnias e gnero, o futebol consegue
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proezas como fazer da Fdration Internationale de Football Association (Fifa), rgo
mximo deste esporte, ter mais pases membros do que a Organizao das Naes
Unidas (ONU) e o Comit Olmpico Internacional (COI), que agrega todos os esportes.
Segundo Mauricio Murad:
Como paixo popular e esporte-rei, o futebol encena um ritual coletivo de intensa densidade dramtica e cultural, pleno de conexes mltiplas e reveladoras com as realidades circundantes. (...) a sntese dos arqutipos de nosso inconsciente coletivo, de nosso habitus (Bourdieu, 1989:59), de nossas identidades culturais. Como rito, o futebol compreende cenrios, personagens, enredos, smbolos e significados que, em conjunto, formam uma metalinguagem, isto , uma realidade que no fala s de si, que vai alm. o caso do futebol brasileiro, que ajuda na compreenso de muitas caractersticas sociais e culturais de nossa formao (MURAD, 2007:20).
Ser que o futebol tambm pode alcanar proezas no desenvolvimento e na
promoo social? Murad acredita que sim, uma vez que este esporte pode ser, e tem
sido muitas vezes um processo ldico que ajuda a reeducar, uma vez que sua lgica est
fundamentada, em tese, na igualdade de oportunidade, no respeito s diferenas e na
assimilao de regras e normas de convivncia com o outro (MURAD, 2007:12).
Analisando a histria do Instituto Bola Pra Frente, percebe-se que ele no apenas
acredita no potencial educativo do futebol, como tambm criou e consolidou uma
metodologia pedaggica que utiliza este esporte como uma linguagem ldica, voltada
para a construo de valores, com vistas promoo social. Esta metodologia, nascida
da interao de uma equipe interdisciplinar com os moradores do Complexo do
Muquio, na zona norte do Rio de Janeiro, onde o Instituto est localizado e atende
crianas e adolescentes de seis a 17 anos, vem sendo sistematizada desde 2006. Esta
sistematizao do conhecimento do Instituto tem como objetivo transformar os seus
projetos sociais em tecnologia social, permitindo a sua reaplicao em outras
comunidades.
Como diretora do Instituto Bola Pra Frente, desde agosto de 2002, e tendo
acompanhado sua trajetria desde a fundao em 29 de junho de 2000, como prestadora
de servio na rea de comunicao social, pretendo, com este estudo, aprofundar os
conceitos de tecnologia social e esporte educacional, identificar o processo de gnese do
Instituto e de sua metodologia, e reunir, de forma sistematizada, as informaes que
compem a organizao metodolgica e a metodologia pedaggica do Instituto.
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A idia de sistematizar as aes do Bola Pra Frente surgiu a partir da demanda
de outras Organizaes No-Governamentais e universidades que visitam o Instituto e
da percepo da carncia de informaes sobre gesto do terceiro setor, tecnologia
social e esporte educacional. Em pesquisa com dirigentes de ONGs do Rio de Janeiro,
Tenrio (2005:13) verificou que:
nem sempre as ONGs tm uma idia clara de sua misso, de forma a delimitar
suas aes, fixar objetivos e metas e avaliar seus resultados;
os membros das ONGs possuem alto grau de compartilhamento das
atividades a serem desenvolvidas, porm nenhuma sistematizao dos dados para efeito
de avaliao do desempenho gerencial;
sua organizao prima pela informalidade, praticamente sem normas e
procedimentos escritos, o que as torna geis, mas dificulta sua gesto, porque as funes
e as responsabilidades de seu pessoal no so claramente definidas.
Falconer compartilha dessa viso. Segundo ele,
H um virtual consenso entre estudiosos e pessoas envolvidas no cotidiano de organizaes sem fins lucrativos de que, no Brasil, a deficincia no gerenciamento destas organizaes um dos maiores problemas do setor, e que o aperfeioamento da gesto atravs da aprendizagem e da aplicao de tcnicas oriundas do campo de Administrao um caminho necessrio para o atingir de melhores resultados. (FALCONER, 1999:110)
Contudo, h um outro virtual consenso de que a lgica do mercado sufoque as
particularidades das organizaes do terceiro setor e seu papel cada vez mais destacado
na sociedade. Surge ento uma demanda pelo desenvolvimento de sistemas de gesto
prprios. HUDSON (apud HECKERT e SILVA)2 defende que o terceiro setor necessita
de teorias prprias e adaptadas s suas necessidades: a administrao no pode ser
importada sem alteraes e imposta s organizaes orientadas por valores. Diferenas
importantes e sutis, enraizadas nas diferentes naturezas que permeiam essas
organizaes, precisam ser compreendidas.
Discorrendo sobre este assunto, o jornalista Ricardo Voltolini acredita que:
2 http://integracao.fgvsp.br/administrando.htm, acessado em 29/04/2008.
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O grande desafio que se coloca queles que atuam na rea social criar um campo de conhecimento novo e multidisciplinar para gesto das organizaes de Terceiro Setor. Um campo que, embora no seja o da administrao de empresas, pode sim tomar emprestados alguns de seus fundamentos como ponto de partida, visando a organizar um novo referencial terico, no simplesmente baseado em adaptaes conceituais, mas na construo de novas premissas. (VOLTOLINI)3
Acredito que o presente estudo contribuir para o amadurecimento deste tema,
podendo enriquec-lo luz da experincia concreta do Instituto Bola Pra Frente. O seu
contedo foi assim organizado:
Captulo 1: O que tecnologia social?;
Captulo 2: Conceito de esporte educacional;
Captulo 3: A histria do Instituto Bola Pra Frente;
Captulo 4: A formatao da tecnologia social do Instituto Bola Pra Frente; e
Consideraes Finais.
3 http://www.oficioplus.com.br/xartigo.php?id_pagina=4, acessado em 20/08/07.
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Captulo 1: O que tecnologia social?
O acmulo de tcnicas no eliminou a fome nem a
ignorncia. Em muitos pases, o final do sculo apresenta um
quadro social mais trgico que de cem anos antes.
Cristovam Buarque
No basta ensinar ao homem uma especialidade porque ele se
tornar assim, uma mquina utilizvel, mas no uma
personalidade. necessrio que adquira um sentimento, um
senso prtico daquilo que vale a pena ser empreendido,
daquilo que belo, do que moralmente correto. A no ser
assim, ele se assemelhar, com seus conhecimentos
profissionais, mais a um co ensinado do que a uma criatura
harmoniosamente desenvolvida.
Albert Einstein
1.1 Consideraes iniciais
A capacidade de gerar tecnologia considerada um importante fator de
desenvolvimento econmico de qualquer pas. Alm da sofisticao tcnica e do
potencial mercadolgico, as inovaes tecnolgicas da atualidade esto sendo, cada vez
mais, avaliadas pelo seu impacto socioambiental. No artigo A Era da Eco-Economia,
Eduardo Athade, diretor da Wordwatch Institute (WWI), escreve:
O Produto Interno Bruto (PIB) global que em 1960 era de 6 trilhes de dlares, pulou para 60 trilhes de dlares em 2006, dez vezes mais em 4 dcadas. H algo de inacreditvel sobre um mundo que gasta bilhes de dlares anuais para subsidiar sua prpria destruio, afirmaram os cientistas autores do estudo intitulado Subsidiando o Desenvolvimento Insustentvel promovido pelo Earth Council, que tabulou cerca de 700 bilhes de dlares anuais de subsdios governamentais ambientalmente destrutivos. A economia est destruindo lentamente nossos sistemas de apoio, consumindo a poupana de capital natural4.
4 http://www.insightnet.com.br/brasilsempre/numero25/mat02.htm, acessado em 20/06/08.
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Segundo Hlio Mattar, do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, no ano
2000 foram gastos mais US$ 20 trilhes em compras de produtos e servios quatro
vezes mais que em 1960. Ele destaca as conseqncias desastrosas que isso acarreta:
O impacto de tamanho consumo provoca uma utilizao de recursos naturais 20% acima do que a Terra capaz de renovar, uma situao que ameaa a sustentabilidade do planeta e da humanidade (...) se a populao de todos os pases passasse a consumir como os norte-americanos fazem hoje, seriam necessrios mais trs planetas iguais ao nosso para garantir produtos e servios bsicos como gua, energia e alimentos para cada habitante. (MATTAR apud VIVARTA e CANELA, 2006:23)
neste contexto que emerge o conceito de tecnologia social. O socilogo Silvio
Caccia Bava, diretor do Instituto Plis, explica:
O perodo da histria em que vivemos comandado pelo capital financeiro e pelas grandes corporaes transnacionais. (...) As tcnicas e metodologias utilizadas por esse modelo de desenvolvimento submetem as sociedades e seus cidados e cidads a uma combinao perversa da acelerao do processo de acumulao de capital com o aumento do desemprego, da pobreza, da desigualdade, da excluso social, com a explorao e a degradao sem limites dos recursos ambientais. Mesmo sendo um poder hegemnico, isto , que penetra os campos da economia, da vida em sociedade, da poltica e da cultura, e impe seus valores sobre o conjunto das sociedades, esse poder dos agentes do mercado no absoluto. Ele tambm engendra seu contrrio: as prticas de resistncia, os movimentos sociais e polticos que, tendo por referncia uma outra vontade de evoluo dos homens, buscam reverter o quadro, pr a economia a servio da sociedade e construir alternativas de desenvolvimento e de organizao social fundadas na solidariedade, na incluso social, na busca da eqidade, no respeito aos direitos humanos, na preservao ecolgica, na justia social. (BAVA, 2004:103)
Jailson de Souza e Silva considera que no se trata apenas de usar a tecnologia
para fins sociais, at porque todo conhecimento cientfico deveria basear-se nesse
pressuposto tico fundamental. Para ele,
O maior avano da Tecnologia Social a possibilidade de a metodologia cientfica definio do problema, formulao de hipteses, produo de conceitos norteadores e da prpria experincia, alm de avaliao e possibilidade de reaplicao ser
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elaborada por todas as pessoas, de forma sistemtica e ordenada. A comunidade elabora e desenvolve no cotidiano solues para seus problemas fundamentais, com base no conhecimento popular. (SILVA, 2006:30)
Segundo Renato Dagnino, a tecnologia social uma resposta tecnologia
convencional:
(...) por que necessrio conceber tecnologia social (TS)? Essa pergunta pode ser preliminarmente respondida pela meno a duas razes. Primeiro, porque se considera que a tecnologia convencional (TC), a tecnologia que hoje existe, que a empresa privada utiliza, no adequada para a IS [Incluso Social]. Ou seja, existem aspectos na TC, crescentemente eficiente para os propsitos de maximizao do lucro privado para os quais desenvolvida nas empresas, que limitam sua eficcia para a IS. Segundo, porque se percebe que as instituies pblicas envolvidas com a gerao de conhecimento cientfico e tecnolgico (universidades, centros de pesquisa etc.) no parecem estar ainda plenamente capacitadas para desenvolver uma tecnologia capaz de viabilizar a IS e tornar auto-sustentveis os empreendimentos autogestionrios que ela dever alavancar. Isso torna necessrio um processo de sensibilizao dessas organizaes e de outras, situadas em diferentes partes do aparelho de Estado e da sociedade em geral, a respeito do tema. (DAGNINO, 2004:187)
No Brasil, recentemente, alguns atores da sociedade, especialmente do terceiro
setor, vm se organizando para conferir cincia e tecnologia um importante vetor de
incluso social. Este esforo ainda encontra-se em um estgio inicial de articulao, mas
j contabiliza a criao, em 2003, da Secretaria de Cincia e Tecnologia para a Incluso
Social SECIS, no mbito do Ministrio de Cincia e Tecnologia. A SECIS tem por
finalidade propor polticas, programas, projetos e aes que viabilizem o
desenvolvimento econmico, social e regional, e difuso de conhecimentos e
tecnologias apropriadas em comunidades carentes no meio rural e urbano5.
A tecnologia social surge a partir do dilogo entre entidades da sociedade civil
organizada, universidades e governo, e est baseada na convico de que "a Cincia e a
Tecnologia devem ser conhecidas e amplamente requeridas pela sociedade brasileira, a
fim de se produzir um novo patamar de desenvolvimento, visando a incluso de todos
os brasileiros no acesso e na produo do conhecimento (PASSONI, 2004:18). Para
Joo Furtado6, presidente do Instituto de Tecnologia Social, as demandas so infinitas
5 http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/1367.html, acessado em 06/03/08. 6 Trecho extrado dos anais do seminrio O papel e insero do 3 setor no processo de construo e desenvolvimento da CT&I, realizado em Braslia, nos dias 14 e 15 de abril de 2002.
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e o povo tem pressa. A tecnologia e a tecnologia social so o motor que permite atender
a essas demandas numa velocidade mais consistente com aquilo que queremos para o
Brasil.
As entidades da sociedade civil organizada tm um papel central na produo e
na aplicao das tecnologias sociais, que so criadas, no em laboratrios, mas na
interao com comunidades em vulnerabilidade social. No entanto, questiona-se se estas
entidades esto realmente preparadas para contribuir de forma efetiva no atendimento a
estas demandas infinitas. A tecnologia social insere-se ento no debate sobre os
problemas de gesto do terceiro setor.
A dificuldade de concentrar interesses, a disputa por financiamento, a pouca
tradio associativa e o amadorismo na gesto fazem com que se reinvente a roda o
tempo todo, dispersando recursos e comprometendo o impacto social desejado. Segundo
Ayres7, as organizaes, sejam empresariais ou no, esto constantemente em busca de
estruturas capazes de enfrentarem ambientes de maior complexidade. Com o terceiro
setor, lembra Falconer, no diferente:
As organizaes do Terceiro Setor no podero mais atuar de forma isolada se pretenderem abordar de forma sria os complexos problemas sociais para os quais so geralmente criadas. O passado onde cada organizao era auto-suficiente e soberana em uma determinada jurisdio no retrata a realidade do presente nem o que se espera do futuro. (FALCONER, 1999:135)
A questo que se coloca para as organizaes da sociedade civil : como
fortalecer sua capacidade institucional e contribuir mais significativamente para a
soluo de problemas maiores, promovendo uma verdadeira revoluo associativa
(SALOMON apud FALCONER, 1999:8)? A grande motivao da tecnologia social
multiplicar o impacto de solues eficazes, compartilhando conhecimento e ampliando
os resultados, de forma a exceder os limites de uma comunidade e, com o apoio de
governos, se transformar em polticas pblicas. Ou seja, promover a incluso social em
grande escala.
7 Bruno Ricardo Costa Ayres, no artigo Redes Organizacionais no Terceiro Setor - um olhar sobre suas articulaes, publicado no site http://www.rits.org.br/acervo-d/bruno.doc, acessado em 02/07/08.
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Matria da Gazeta Mercantil8 mostra que, cada vez mais, as empresas
socialmente responsveis se associam a organizaes do terceiro setor e substituem
projetos comunitrios por investimentos nas tecnologias sociais. Nesta mesma matria,
o jornalista, professor e diretor da revista IdiaSocial, Ricardo Voltolini, assim sintetiza
essa tendncia: uma boa prtica atinge poucos; uma Tecnologia Social melhora a vida
de muitos.
1.2 Histrico
O que hoje chamado de tecnologia social teve sua origem na ndia. Com a
Revoluo Industrial, as tecelagens britnicas passaram a exportar tecidos para a ndia,
que eram feitos principalmente com algodo da prpria ndia. Como as tecelagens
indianas utilizavam um processo artesanal de produo, a maior parte delas foi
falncia, provocando uma grande misria e grave crise de fome no pas.
No final do sculo XIX, durante o domnio colonial do Imprio Britnico, um
grupo de reformadores hindus pregava a reabilitao e o desenvolvimento de
tecnologias tradicionais nas aldeias como forma de resistncia. Reformadores como o
Maraj de Baroda, Rabindranath Tagore e, posteriormente, Mahatma Gandhi acabaram
por organizar o pensamento e as prticas da tecnologia apropriada, definida por
Dagnino (apud BRANDO, 2001:37) como o conjunto de tcnicas de produo que
utiliza de maneira tima os recursos disponveis de certa sociedade maximizando,
assim, seu bem-estar. Segundo Amlcar Herrera, um dos poucos pesquisadores latino-
americanos que se dedicaram ao estudo da tecnologia apropriada, o conceito de
desenvolvimento de Gandhi
inclua uma poltica cientfica e tecnolgica explcita, que era essencial para sua implementao. A insistncia de Gandhi na proteo dos artesanatos das aldeias no significava uma conservao esttica das tecnologias tradicionais. Ao contrrio, implicava o melhoramento das tcnicas locais, a adaptao da tecnologia moderna ao meio ambiente e s condies da ndia, e o fomento da pesquisa cientfica e tecnolgica, para identificar e resolver os problemas importantes imediatos. Seu objetivo final era a transformao da sociedade hindu, atravs de um processo de crescimento orgnico, feito a partir de dentro, e no atravs de uma
8 Matria intitulada Uma maneira de fazer diferena em grande escala e publicada na Gazeta Mercantil, no dia 16/01/07, pgina 12.
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imposio externa. Na doutrina social de Gandhi o conceito de tecnologia apropriada est claramente definido, apesar de ele nunca ter usado esse termo. (HERRERA apud BRANDO, 2001: 31)
A partir de 1914, Ghandi organizou um movimento pacfico de resistncia
dominao da Gr-Bretanha. Este movimento cresceu e se organizou politicamente,
dando origem ao swaraj (autodeterminao ou autodomnio), que resultou em um
completo boicote aos produtos ingleses e na renovao da indstria nativa hindu. A
frase Produo pelas massas, no produo em massa expressa de forma significativa
os objetivos de Ghandi.
No perodo de 1924 a 1927, ele dedicou-se a construir programas sociais que
popularizassem a fiao manual pela charkha, uma roca de fiar giratria, reconhecida
como o primeiro equipamento tecnologicamente apropriado. Ghandi visitou vilas de
todo o pas apresentando a charkha, que chegou a ser incorporada bandeira do Partido
Nacional do Congresso da ndia, como uma soluo para diminuir a misria e erradicar
a injustia social.
A revoluo no-violenta de Ghandi teve uma influncia decisiva no movimento
da tecnologia apropriada, que passou a ser aplicada na Repblica Popular da China e
em outros pases. No Ocidente, as idias de Ghandi foram retomadas e reconstrudas
pelo economista alemo Ernst Friedrich Schumacher, que criou o Grupo de
Desenvolvimento da Tecnologia Apropriada e publicou, em 1973, o livro Small is
beautiful: economics as if people mattered9. O economista cunhou a expresso
tecnologia intermediria, sobre cuja gnese ele discorre a seguir:
Quando me perguntei quais seriam as tecnologias apropriadas para a ndia ou para as reas rurais latinoamericanas, ou mesmo para as favelas, cheguei a uma resposta simples e provisria. Essa tecnologia seria, sem dvida, muito mais inteligente, mais eficiente, e mesmo cientfica que a tecnologia de baixo nvel empregada naqueles locais, e que perpetuam a pobreza. Mas deveria ser muito mais simples, muito mais barata, muito mais fcil de se manter que a tecnologia sofisticada moderna do Ocidente. Noutras palavras, seria uma tecnologia intermediria. Ento perguntei porque no se usa essa tecnologia intermediria? Porque no se usam sapatos que sejam confortveis? Entendi ento que essa tecnologia no era encontrvel. Entendi que em termos de tecnologias disponveis, ou existiam as de
9 Em portugus, o livro de Schumacher foi intitulado O negcio ser pequeno. Um estudo de economia que leva em conta as pessoas, publicado pela editora Zahar, em 1979.
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baixo teor, ou as de alto teor, o meio termo havia desaparecido. (apud BRANDO, 2001: 32)
Ao longo do tempo, o termo tecnologia apropriada foi incorporando diferentes
concepes e dando origem a novas nomenclaturas, como tecnologia intermediria,
tecnologia alternativa, tecnologia socialmente apropriada, tecnologia humana,
tecnologia limpa, dentre outras. Em 1999, o pesquisador e professor titular do
Departamento de Poltica Cientfica e Tecnolgica da Universidade de Campinas
(Unicamp), Renato Dagnino, utilizou o termo tecnologia para incluso social em seus
textos e, a partir de 2000, outros pesquisadores abreviaram a expresso, surgindo o
termo tecnologia social.
Em 2001, foi fundado, em So Paulo, o Instituto de Tecnologia Social (ITS) com a misso de promover a gerao, o desenvolvimento e o aproveitamento de tecnologias voltadas para o interesse social e reunir as condies de mobilizao do conhecimento, a fim de que se atendam as demandas da populao10. Tambm em 2001, a Fundao Banco do Brasil criou o programa Banco de Tecnologias Sociais e passou a promover o Prmio Fundao Banco do Brasil de Tecnologia Social, que acontece a cada dois anos e j recebeu mais de duas mil inscries em suas quatro edies (2001, 2003, 2005 e 2007). Em 2005, surgiu a Rede de Tecnologia Social (RTS), uma iniciativa do Ministrio da Cincia e Tecnologia, Petrobras, Fundao Banco do Brasil, Financiadora de Projetos (Finep) e Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), dentre outras instituies. A RTS rene, organiza, articula e integra um conjunto de instituies com o propsito de contribuir para a promoo do desenvolvimento sustentvel mediante a difuso e a reaplicao em escala de Tecnologias Sociais11.
Em junho de 2007, foi criada na Cmara dos Deputados, por iniciativa da Comisso de Cincia e Tecnologia, uma subcomisso de tecnologia social com o objetivo de elaborar um marco regulatrio para o tema.
10 http://www.itsbrasil.org.br/modules.php?name=Conteudo&file=index&pa=showpage&pid=6, acessado em 21/01/08. 11 http://www.rts.org.br/a-rts/proposito, acessado em 21/01/08.
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1.3 Conceitos de tecnologia social:
Em 2001 teve incio um processo de formulao do conceito de tecnologia social
por vrias organizaes no-governamentais. Dentre os diversos conceitos j
propagados sobre a tecnologia social, destacam-se os do Instituto de Tecnologia Social
(ITS), da Rede de Tecnologia Social (RTS), da Fundao Banco do Brasil, do Instituto
Ayrton Senna e da Fundao Projeto Pescar 12.
Para o ITS, tecnologia social um conjunto de tcnicas e metodologias
transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interao com a populao e
apropriadas por ela, que representam solues para incluso social e melhoria das
condies de vida.
Segundo a RTS, a tecnologia social compreende produtos, tcnicas ou
metodologias, reaplicveis, desenvolvidas na interao com a comunidade e que devem
representar efetivas solues de transformao social.
A Fundao Banco do Brasil caracteriza tecnologia social como todo produto,
mtodo, processo ou tcnica criado para solucionar algum tipo de problema social e que
seja simples, de baixo custo, fcil aplicabilidade e impacto comprovado.
J o Instituto Ayrton Senna define como tecnologia social um conjunto de
princpios, conceitos, mtodos e prticas pedaggicas e gerenciais com resultados
avaliados e prontos para serem aplicados em larga escala em diferentes contextos,
considerando toda a diversidade brasileira.
A Fundao Projeto Pescar identifica tecnologia social como o produto de uma
ao social que demonstra sucesso pelos resultados e que padroniza os seus processos e
controles a ponto de poder ser reaplicada em diferentes comunidades.
Os conceitos acima enunciados so complementares. Neste trabalho, para efeito
de avaliao do Instituto Bola Pra Frente, optou-se por priorizar o conceito do ITS, por
12 Os conceitos aqui mencionados foram retirados dos sites das instituies, no caso do ITS (http://www.itsbrasil.org.br/modules.php?name=Conteudo&file=index&pa=showpage&pid=31) e RTS (http://www.rts.org.br/tecnologia-social), acessados em 21/01/08. J os conceitos da Fundao Banco do Brasil, Instituto Ayrton Senna e Fundao Projeto Pescar foram retirados de matria publicada no site do Gife (http://www.gife.org.br/redegifeonline_noticias.php?codigo=6526&tamanhodetela=4&tipo=ie), intitulada Organizaes buscam consenso sobre o termo tecnologia social e sua difuso, acessado em 15/12/2007.
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tratar-se da instituio especializada no tema com mais tempo de funcionamento e por
estar melhor estruturada, tendo produzido o mais vasto material sobre tecnologia social.
1.3.1 O que caracteriza uma tecnologia social
Com o objetivo de identificar, conhecer, sistematizar e disseminar prticas de
tecnologia social, o ITS publicou o Caderno de Debate Tecnologia Social no Brasil
direito cincia e cincia para a cidadania (2004) e uma srie intitulada
Conhecimento e Cidadania13, a partir de uma metodologia que combina pesquisa,
anlise de experincias e promoo de encontros para o aprofundamento e a
sistematizao de conhecimentos sobre o tema. Este material fornece relevantes
informaes para o entendimento mais profundo do que caracteriza uma tecnologia
social. Outro material igualmente significativo para o entendimento das caractersticas
de uma tecnologia social a publicao da RTS Registro do 1 Frum Nacional da
RTS (2006). A partir destas publicaes possvel identificar os princpios e os
valores, os parmetros e as implicaes da tecnologia social.
Os princpios e os valores da tecnologia social
Os conceitos de tecnologia social criados tanto pelo ITS quanto pela RTS
representam um recorte de um amplo debate em torno do tema; debate este que passa,
indispensavelmente, pela questo dos princpios e valores. Se a tecnologia social
representa um novo modo de pensar e agir, que faz frente tecnologia convencional e
busca, no apenas minimizar os efeitos negativos, mas criar impactos positivos,
preciso enfatizar que princpios e valores a norteiam:
Compreenda-se que, ao fazer aderir a palavra social tecnologia, pretende-se trazer a dimenso socioambiental, a construo do processo democrtico e o objetivo de solucionar as principais necessidades da populao para o centro do processo de desenvolvimento tecnolgico. Assim, a TS busca recompor o cdigo de valores que orienta a pesquisa e o desenvolvimento de inovao,
13 A srie Conhecimento e Cidadania uma publicao do ITS, composta de quatro cadernos: Tecnologia Social, publicado em fevereiro de 2007, Tecnologia Social e Desenvolvimento Local Participativo, Tecnologia Social e Educao, e Tecnologia Social e Agricultura Familiar, publicados em outubro do mesmo ano.
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agindo em funo dos interesses da sociedade num sentido amplo e inclusivo. (ITS, 2007:25)
A viso da RTS, registrada na publicao dos resultados das discusses travadas
no 1 Frum Nacional da RTS, ocorrido na Bahia, em 2006, corrobora a necessidade de
diferenciar os valores pertinentes tecnologia social:
O primeiro passo para entender a TS abandonar a viso instrumental e neutra da tecnologia. No existe tecnologia neutra; a tecnologia construda incorporando valores e interesses. Cada tecnologia definida localmente e de acordo com o contexto particular da tecnologia com a sociedade. Assim, todo projeto tecnolgico eminentemente poltico (...). O segundo passo entender que se essa tecnologia socialmente construda, a Tecnologia Convencional no a nica possvel de existir. (RTS, 2006:19)
A tecnologia social, para a RTS, resultado de um processo que se caracteriza
pela introduo de valores como construo compartilhada do conhecimento,
distribuio de renda e sustentabilidade (RTS, 2006:20). Um dos princpios fundadores
da tecnologia social que a incluso social se d pelo conhecimento. Ou seja, todo
indivduo capaz de gerar conhecimento e tambm de aprender a partir da interao
com outros atores sociais. Em especial, o dilogo entre os saberes acadmico e popular
fundamental para desenvolvimento da tecnologia social e, portanto, para o
enfrentamento do deficit social.
Para os preceitos da tecnologia social, aprendizagem e participao so
processos que caminham juntos: aprender implica participao e envolvimento; e
participar implica aprender (ITS, 2004:26).
Dentro do modelo participativo, indispensvel para a construo de tecnologias
sociais, preciso haver respeito s identidades locais. A transformao social s
possvel a partir das especificidades da realidade existente. Este princpio no exclui,
entretanto, a necessidade de organizao e sistematizao do conhecimento, que permite
a multiplicao das solues sociais. A transformao social implica compreender a
realidade de maneira sistmica: diversos elementos se combinam a partir de mltiplas
relaes para construir a realidade (ITS, 2004:26).
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Na medida em que as instituies da sociedade civil organizada precisam ser
orientadas por valores, o ITS evidenciou dez valores intrnsecos a uma tecnologia
social, discriminados abaixo:
1. Incluso cidad;
2. Participao;
3. Relevncia social;
4. Eficcia e eficincia;
5. Acessibilidade;
6. Sustentabilidade econmica e ambiental;
7. Organizao e sistematizao;
8. Dimenso pedaggica;
9. Promoo do bem-estar; e
10. Inovao.
Os parmetros da tecnologia social
Os parmetros permitem estabelecer critrios para a anlise das aes sociais e
atribuir-lhes o carter de tecnologia social. Segundo o estudo feito pelo ITS, os
parmetros que regem uma tecnologia social podem ser definidos de acordo com os
seguintes critrios:
- quanto a sua razo de ser: a tecnologia social visa soluo de demandas
sociais concretas, vividas e identificadas pela populao;
- em relao aos processos de tomada de deciso: formas democrticas de
tomada de deciso, a partir de estratgias especialmente dirigidas mobilizao e
participao da populao;
- quanto ao papel da populao: h participao, apropriao e aprendizagem por
parte da populao e de outros atores envolvidos;
- em relao sistemtica: h planejamento e aplicao de conhecimento de
forma organizada;
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- em relao construo de conhecimentos: h produo de novos
conhecimentos a partir da prtica;
- quanto sustentabilidade: busca a sustentabilidade econmica, social e
ambiental; e
- em relao ampliao de escala: gera aprendizagens que servem de referncia
para novas experincias e tambm gera, permanentemente, as condies favorveis que
tornaram possvel a elaborao das solues, de forma a aperfeio-las e multiplic-las.
Na prtica, um dos desafios da tecnologia social conciliar as idias, que
parecem contrrias, de sistematizao do conhecimento para reaplicao e adaptao
realidade local. Como atender a estes dois parmetros conjuntamente?
H um plano conceitual, em que a idia de Tecnologia Social expressa uma concepo de interveno social que inclusiva em todos os seus momentos, e h um plano material, no qual a Tecnologia Social desenvolvida e difundida de acordo com as possibilidades e limitaes de cada comunidade ou local. No plano conceitual, a Tecnologia Social prope uma forma participativa de construir o conhecimento, de fazer cincia e tecnologia. Prope uma alternativa de interveno na sociedade, que indique o desenvolvimento no sentido amplo dessa palavra, de realizao das possibilidades do ser humano. No plano material, as experincias esto aplicando a idia de TS na construo de solues para questes sociais variadas. a experincia levada a cabo no plano material que demonstra a viabilidade e a eficcia da TS como conceito e cria a base de uma nova interveno social. Finalmente, na interao constante e indispensvel entre os planos material e conceitual que a TS se desenvolve. (RTS, 2007:14)
justamente esta constante interao que gera um processo pedaggico, no qual
todos os envolvidos aprendem e geram conhecimento.
1.3.2 Implicaes do conceito de tecnologia social
Os conceitos funcionam como instrumentos analticos, realando aspectos da
realidade em detrimento de outros, e permitindo entender a realidade a partir de uma
determinada tica. O conceito de tecnologia social, como tratado pelo ITS, destaca
alguns aspectos da realidade e traz implicaes que precisam ser sublinhadas. Estas
implicaes, sistematizadas pelo ITS, so detalhadas a seguir.
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Tecnologia social implica compromisso com a transformao social
Desenvolver tecnologia social desenvolver solues que visem incluso
social. Para tanto, necessrio, logo nos estgios iniciais de construo de uma
tecnologia social, promover a conscientizao e a mobilizao dos atores sociais. Nesse
sentido, segundo o ITS, o objetivo
despertar a democracia ativa e canalizar energias no sentido da busca de solues e da garantia de direitos. Inicia-se assim um processo pedaggico, criando condies para que os grupos envolvidos se apropriem dos seus direitos e partam ativamente em busca de satisfao a suas necessidades. (ITS, 2007:30)
Tecnologia social implica a criao de um espao de descoberta de demandas e
necessidades sociais
Uma tecnologia social deve ser concebida a partir das necessidades reais da
populao. Estas necessidades precisam ser explicitadas da melhor forma, o que s
possvel se todas as partes interessadas forem ouvidas durante o processo. preciso
criar mecanismos ou instncias que promovam o dilogo e permitam que as diferentes
vozes sociais possam ser ouvidas nos processos decisrios (ITS, 2007:31).
Tecnologia social implica relevncia e eficcia social
Para que uma tecnologia seja considerada social, ela deve ser capaz de resolver
os problemas ou necessidades sociais para os quais foi desenvolvida, promovendo
melhorias nas condies de vida do pblico beneficirio. Esta melhoria, no entanto, no
pode ser assistencialista, mas sim visar ao protagonismo e ao fortalecimento da
autonomia.
A TS est estreitamente ancorada no direito ao acesso e produo de conhecimento, educao e autodeterminao. Por sua finalidade, vincula-se tambm aos direitos vida, alimentao e sade. assim que se tem, no horizonte do pensamento e das aes com TS, a realizao do ser humano como um todo, aumentando sua auto-estima e sua felicidade. Tendo isto em vista, compreende-se por que as necessidades e demandas sociais devem ser fontes prioritrias de questes para as investigaes cientficas. Uma vez que a produo de conhecimento e de inovaes esteja comprometida com a transformao da sociedade no sentido da promoo da justia social, aumentam-se as chances de se obter um desenvolvimento sustentvel. (ITS, 2007:32)
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Tecnologia Social implica sustentabilidade socioambiental e econmica
A sociedade necessita do meio ambiente para o seu desenvolvimento e deve
utiliz-lo de maneira no-predatria. A preservao ambiental uma das preocupaes
centrais da tecnologia social. Nessa perspectiva, o ITS considera que o planeta Terra
deve deixar
(...) de ser visto como um simples fornecedor de insumos para ser considerado como a nossa morada, com a qual devemos estar integrados. Da a importncia de se buscarem fontes de matria-prima e de energia renovveis, de se estabelecerem novos padres de consumo e de se ter um cuidado especial com os resduos desde a produo at o consumo ou utilizao das tecnologias. Para se garantir que isso acontea, inclusive com monitoramento, as avaliaes de riscos e impactos ambientais, sociais, econmicos e culturais passam a ser elementos necessrios integrados na produo e aplicao de tecnologias e dos conhecimentos cientficos. E assim, trabalhar para que as chamadas externalidades sejam cada vez mais internalizadas. (ITS, 2007:32)
J a sustentabilidade econmica implica na busca pelos recursos necessrios
para a manuteno, crescimento e reaplicao da tecnologia social. Para alcanar seus
objetivos, a tecnologia social precisa produzir suas condies de sustentabilidade, o
que pode ser conseguido, por exemplo, por sua insero no mercado. Tecnologias de
interesse pblico podem ainda ser integradas em polticas pblicas, obtendo, assim,
financiamento estatal (ITS, 2007).
Tecnologia Social implica inovao
As Disposies preliminares da Lei Federal 10.973/04 define a inovao
como: introduo de novidade ou aperfeioamento no ambiente produtivo ou social
que resulte em novos produtos, processos ou servios. A inovao essencial para as
tecnologias sociais, no devendo ser entendida como tecnologia de ponta ou apenas
como um avano das fronteiras do conhecimento, mas como uma soluo
transformadora que oferea resultados concretos ao pblico beneficirio.
Tecnologia social implica organizao e sistematizao
A ao organizada e consciente um dos pressupostos das tecnologias sociais.
necessrio sistematizar os saberes dos atores sociais para que sejam incorporados ao
processo de desenvolvimento e aplicao de tecnologias sociais.
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A sistematizao de toda a experincia vivenciada permite criar protocolos de
monitoramento e avaliao das aes e tambm servem como importante referncia
para novas experincias. Ao descrever os mtodos, tcnicas, produtos e processos de
uma TS, tornamos esta tecnologia acessvel a um maior nmero de pessoas,
aumentando sua capacidade de solucionar problemas sociais (ITS, 2007:35).
Tecnologia social implica acessibilidade e apropriao das tecnologias
A acessibilidade deve ser uma das implicaes da tecnologia social, tanto no
sentido de ser acessvel para pessoas de fora do processo quanto para aqueles que esto
participando. Para tanto, preciso considerar tambm os custos envolvidos, pois custos
altos podem inviabilizar o acesso tecnologia social. Alm de baixos custos, preciso
tambm incentivar a apropriao do conhecimento pelo pblico beneficiado.
Tecnologia social implica um processo pedaggico para todos os envolvidos
Por processo pedaggico no deve ser entendido no apenas a oportunidade de
treinamento e capacitao, mas tambm uma participao legtima, na qual as
informaes so compartilhadas, permitindo, por meio da interao entre os atores, que
novos conhecimentos surjam.
Uma vez que essa dimenso pedaggica seja tomada como um elemento chave do processo e se cuide para que ela seja efetiva, gera-se permanentemente as condies favorveis que tornaram possvel a elaborao das solues, de forma a aperfeio-las e multiplic-las. O objetivo final que as populaes conquistem autonomia, o que s se consegue num processo pedaggico e de reduo das desigualdades sociais que representam verdadeiras barreiras ao desenvolvimento socioambiental e econmico. Trata-se de distribuir melhor o acesso ao capital intelectual. A falta de acesso educao formal uma das graves excluses que se busca combater, dando quele que no pde freqentar cursos qualificados e participar de pesquisas elaboradas a oportunidade de se aproximar desta realidade, qualificando-se tambm. H assim transferncia de tecnologias para os membros das comunidades envolvidas. (ITS, 2007:37)
Tecnologia social implica o dilogo entre diferentes saberes
Uma viso multidisciplinar essencial para o enfrentamento dos problemas
sociais to profundos que fazem parte da nossa realidade. A unio de pontos de vista
diferentes pode gerar uma viso mais completa dos problemas existentes e das solues
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que precisam ser viabilizadas. Uma importante caracterstica de uma tecnologia social
a integrao do saber acadmico com o saber popular.
(...) um morador de uma favela, por exemplo, tem um conhecimento de sua realidade que no pode ser substitudo por nenhum estudo acadmico ou viso de fora. Mas tambm quer dizer que um engenheiro pode ajud-lo na reestruturao sanitria do bairro. E tambm que um ambientalista provavelmente estar melhor preparado que o engenheiro para avaliar o impacto ambiental dessas transformaes. Ou ainda que um administrador pode vislumbrar e estruturar mais claramente as oportunidades de negcios que surjam ali. Ao contemplar os diferentes pontos de vista, pode-se chegar a projetos melhor embasados para a reduo das incertezas e riscos inerentes a qualquer projeto por um planejamento mais completo e integrado. Potencializam-se os recursos investidos, seja por uma gesto melhor dos riscos e oportunidades, seja porque todos se engajam no processo, se apropriam dele e se sentem contemplados. (ITS, 2007:38)
Tecnologia social implica difuso e ao educativa
A difuso do conhecimento, a partir de campanhas educativas, primordial para
a consolidao da tecnologia social. Com isso, possvel alcanar um ambiente
propcio para a divulgao de solues sociais e um maior envolvimento de todos.
Tecnologia social implica processos participativos de planejamento,
acompanhamento e avaliao
A participao do pblico beneficirio em todo o processo de planejamento,
monitoramento e avaliao de extrema importncia para os resultados de uma
tecnologia social. Assim, todos se vem como responsveis pelas aes, percebendo-se
contemplados e implicados com todas as etapas do processo.
Tecnologia social implica a construo cidad do processo democrtico
Para o ITS, autonomia o contrrio de desigualdade. O objetivo maior de
qualquer tecnologia social deve ser a busca da autonomia do sujeito, com a adoo de
formas democrticas de deciso e de estratgias que promovam a mobilizao e o
crescimento de todos os envolvidos.
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1.4 Experincia de implementao de tecnologia social de outras instituies no
Brasil
Analisando-se a tecnologia social, a partir dos marcos conceituais construdos
pelo ITS e pela RTS, podemos ficar muito otimistas com relao ao futuro. A matriz
ideolgica da tecnologia social , sem dvida, extremante rica, mas trata-se ainda de um
movimento recente, pelo menos com estas caractersticas apresentadas pelas duas
instituies.
Na prtica, os desafios ainda so imensos. O conhecimento sobre o tema ainda
muito restrito a alguns setores do governo, das organizaes sociais e das universidades.
A tecnologia social vista com reserva por muitos, que criticam principalmente a idia
de reaplicao de solues e talvez de problemas em ampla escala.
Apesar disso, crescem as iniciativas de fomento tecnologia social, como o
caso do prmio da Fundao Banco do Brasil, mencionado acima. Tambm j existem
casos de sucesso bastante expressivos que apontam um futuro promissor para a
tecnologia social, como o soro caseiro e a multimistura, disseminados pela Pastoral da
Criana; a coleta seletiva de resduos slidos, adotada pela Rede Nacional de
Reciclagem; o Mova Brasil, tecnologia de alfabetizao do Instituto Paulo Freire; o
Banco Palmas, que oferece crdito populao de baixa renda, inspirado no Grameen
Bank do bangals Muhammad Yunus, dentre outros.
Destacamos a seguir trs experincias bem-sucedidas de implementao de
tecnologia social: as cisternas pr-moldadas, o Acelera Brasil e o Programa Formare.
a) As cisternas pr-moldadas
Foi em uma pequena cidade do interior da Bahia que surgiu a idia que se tornou
uma tecnologia social e que est sendo adotada como poltica pblica pelo Ministrio de
Desenvolvimento Social e Combate Fome. Um pedreiro sergipano, conhecido apenas
como Nel, utilizou a experincia na construo de piscinas, adquirida quando trabalhava
em So Paulo, para construir um tipo diferenciado de cisterna - de forma cilndrica, feita
com chapas pr-moldadas. Seu objetivo era criar reservatrios capazes de acumular
gua da chuva, atendendo a uma necessidade de abastecimento do serto.
Isso aconteceu h mais de 30 anos em Pintadas-BA, cidade com 10.500
habitantes, na regio do Semi-rido nordestino. A iniciativa, patrocinada pelo Centro
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33
Comunitrio e Social de Pintadas, mostrou-se uma soluo eficaz e barata para o
armazenamento de gua da chuva14.
O problema
Estudos da Organizao Mundial da Sade (OMS), divulgados no site BBC
Brasil.Com15, mostram que a falta de acesso gua limpa atinge 2,6 bilhes de pessoas
em todo o mundo. Estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa)
do conta de que cerca de 20% dos brasileiros no tm acesso gua potvel e 40% da
gua encanada disponvel no pas no confivel para o consumo humano16.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e da
Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) mostram que trs milhes
de moradores do Semi-rido brasileiro no tm acesso gua potvel (VIVARTA e
CANELA, 2006:74). Segundo pesquisadores da Embrapa, a escassez de gua potvel
aumenta a incidncia de doenas nas regies ridas e semi-ridas, medida que as
famlias acabam utilizando fontes de gua (...) no habituais, geralmente partilhadas
com animais, agravando a situao devido pssima qualidade da gua, que contribui
para uma maior incidncia de doenas no meio rural. 17
O pesquisador da Embrapa, Everaldo Rocha Porto, afirma que "apesar das
adversidades, o semi-rido brasileiro um dos mais midos do planeta18. Enquanto
em outros pases, a precipitao anual das zonas ridas oscila entre 80 e 250 milmetros,
no Semi-rido brasileiro a mdia de 750 mm. Segundo o pesquisador, as guas de
chuva formam um grande potencial hdrico para o Semi-rido. "O que falta regio
uma proposta estruturadora, que saiba aproveitar os recursos naturais em favor da
populao", diz Porto, informando ainda que as perdas das guas das chuvas somam,
por ano, 36 bilhes de m, o que poderia ser evitado com tcnicas de coleta da gua de
chuva, como o caso das cisternas pr-moldadas19.
14 http://www.cpatsa.embrapa.br/catalogo/doc/posters/12_2_Edny_Marcos_Mendes.doc., acessado em 06/03/08. 15 http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/03/070322_diadaagua_ir.shtml, acessado em 06/03/08. 16 www.embrapa.br/imprensa/noticias/2003/julho/bn.2004-11-25.2563490863, acessado em 10/07/08. 17 www.cpatsa.embrapa.br/catalogo/doc/agriculture/8_4_Everaldo_Rocha_Porto.doc, acessado em 06/03/08. 18 http://www.semarh.rn.gov.br/detalhe.asp?IdPublicacao=1468, acessado em 10/07/08. 19 www.cpatsa.embrapa.br/noticias/noticia52.htm, acessado em 06/03/08.
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34
A soluo
A partir da idia das cisternas pr-moldadas, nascida da sabedoria popular no
interior da Bahia, foi desencadeada uma intensa mobilizao por inmeras
Organizaes No-Governamentais. Atualmente, a Articulao no Semi-rido (ASA),
criada em 1999, o maior articulador desta tecnologia, envolvendo mais 700 entidades
na divulgao e capacitao de famlias, como a Critas Brasileira e o Movimento de
Organizao Comunitria (MOC).
Desde julho de 2003, a ASA promove o Programa de Formao e Mobilizao
Social para a Convivncia com o Semi-rido: um Milho de Cisternas Rurais. O
programa tem uma unidade gestora central e unidades gestoras microrregionais, que
englobam cerca de 20 municpios.
Alm do Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate Fome, a Federao
Brasileira de Bancos (Febraban) tambm investe na construo das cisternas pr-
moldadas. Entre 2003 e 2005, a Febraban investiu 27 milhes de reais na construo de
cisternas e no aparelhamento da ASA, beneficiando mais de 100 mil pessoas
(VIVARTA e CANELA, 2006:136).
Perfil da tecnologia social das cisternas pr-moldadas
Cada cisterna armazena at 16 mil litros de gua, provendo abastecimento de
gua limpa e de fcil tratamento durante aproximadamente oito meses. O custo de uma
cisterna pode variar de R$ 460,50 (quatrocentos e sessenta reais e cinqenta centavos) a
R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais). Os critrios da ASA para construo das
cisternas levam em conta a vulnerabilidade dos beneficirios, priorizando mulheres
chefes de famlia, presena de crianas at seis anos, crianas e adolescentes na escola,
idosos e portadores de deficincia.
As unidades gestoras microrregionais formam comisses municipais que
apresentam as cisternas para os lderes comunitrios e depois promovem a capacitao
para a construo das cisternas. Alm de atender necessidade de abastecimento de
gua limpa, esta tecnologia tem como objetivo a autonomia e o empoderamento da
populao.
Segundo a pesquisadora Sonia Kruppa (apud VIVARTA e CANELA, 2006:82),
as cisternas poderiam ser construdas pelo poder pblico e prover o abastecimento de
gua, mas o que faz delas uma tecnologia social que o conhecimento que est sendo
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aplicado deve servir para a transformao social dos grupos oprimidos. O socilogo
Caio Magri (apud VIVARTA e CANELA, 2006:82) ilustra como isso est acontecendo
com as cisternas pr-moldadas, a partir do depoimento de um morador do Semi-rido da
Bahia: Ao ser perguntado sobre o significado das cisternas, ele respondeu: Agora, sou
livre. E completou: Antes, no tinha liberdade de escolher em quem votar. S podia
votar no dono do carro-pipa, que me trazia gua todo dia. Agora, tenho gua que vem
do cu, que minha e que ajudei a conseguir.
Resultados alcanados
Um dos principais resultados das cisternas pr-moldadas a transformao
social das famlias do Semi-rido. A partir desta tecnologia social, tem havido uma
mobilizao que envolve o poder pblico, as ONGs e a populao do Semi-rido, que
tem sido beneficiada no apenas pelo abastecimento da gua, mas na conquista da
autonomia, no empoderamento e na melhoria das condies de sade.
O Programa de Formao e Mobilizao Social para a Convivncia com o Semi-
rido: um Milho de Cisternas Rurais, da ASA, est presente em 11 estados (os nove
estados da Regio Nordeste, alm de Minas Gerais e Esprito Santo). A ASA j havia
construdo, at novembro de 2007, 221.514 cisternas, alm de ter atendido 1.031
municpios, mobilizado 228.541 famlias e capacitado 5.674 pedreiros
executores20.
b) Acelera Brasil, do Instituto Ayrton Senna
Fundado em 1994, o Instituto Ayrton Senna (IAS) tem como misso contribuir
para a criao de condies e oportunidades para que todas as crianas e todos os
adolescentes brasileiros possam desenvolver plenamente o seu potencial como pessoas,
cidados e futuros profissionais21. Um dos programas desenvolvidos pelo IAS o
Acelera Brasil, que tem como objetivo diminuir a defasagem escolar. O programa
tornou-se uma tecnologia social, sendo reaplicado em mais de 300 municpios
brasileiros, sendo adotado, atualmente, como poltica pblica em seis estados: Gois,
Pernambuco, Tocantins, Paraba, Sergipe e Mato Grosso.
20 http://www.asabrasil.org.br, acessado em 06/03/08. 21 http://senna.globo.com, acessado em 21/01/08.
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O problema
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio
Teixeira (INEP)22, a taxa de distoro srie-idade, no ltimo ano do ensino fundamental,
era de 48,6% em 2000 e desceu para 40,6% em 2003. Apesar dos nmeros em queda, a
defasagem escolar atinge atualmente 12 milhes de crianas e adolescentes, segundo o
IAS. Margareth Goldenberg, diretora-executiva do IAS, em artigo publicado na revista
Parcerias Estratgicas, assim analisa a questo:
A distoro (...) tem causas sociais e carter estrutural e sistmico, o que engloba, mas ultrapassa a questo educacional. Por isso, a sua soluo exige uma resposta tambm estrutural e sistmica, que engloba, mas ultrapassa as propostas simplesmente pedaggicas. Experincias recentes tm reafirmado a idia de que, para promover mudanas qualitativas no sistema de ensino brasileiro, os programas educacionais devem ser planejados como uma verdadeira estratgia poltica de interveno social, para que alcancem um impacto profundo e permanente. (GOLDENBERG, 2005:281)
Citando dados do Fundef-Brasil de 2004, Goldenberg afirma que a distoro
escolar encarece e emperra a educao pblica e o desenvolvimento do pas, resultando
em perdas de grande impacto social e econmico, e provocando um desperdcio de
cerca de R$ 6,3 bilhes por ano no pas (GOLDENBERG, 2005:281).
A soluo
A metodologia do programa Acelera Brasil foi criada pelo educador Joo Batista
Oliveira e implementada pelo IAS a partir de 1997. O IAS identifica, em parceria com a
Secretaria de Educao do municpio onde o programa desenvolvido, os alunos em
situao de defasagem escolar de 1 4 srie do ensino fundamental, com faixa etria
de nove a 14 anos, que apresentem distoro escolar de, pelo menos, dois anos. Aps
um diagnstico de cada aluno, o IAS elabora um plano para regularizar o fluxo escolar
no prazo mximo de quatro anos.
Perfil da tecnologia social Acelera Brasil
O programa Acelera Brasil atua em trs eixos complementares: o pedaggico, o
gerencial e o poltico.
22 http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/outras/news04_51.htm , acessado em 10/07/08.
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Dentro da sua ao pedaggica, o programa tem como objetivo a formao do
professor, oferecendo capacitao constante e todo o material necessrio para a
implementao do Acelera: manual do professor, mapas, dicionrios, livros de
literatura, alm de sete volumes prprios para alunos defasados.
Na ao gerencial, o IAS oferece financiamento adequado, estrutura gerencial
local, manual de operacionalizao, sistema automatizado de acompanhamento com
software prprio, sistemtica de acompanhamento, planejamento e controle do processo.
Alm de toda a assistncia gerencial, o Acelera Brasil prev ainda a avaliao externa
anual, realizada pela Fundao Carlos Chagas (FCC), o acompanhamento dos alunos
egressos e a sustentabilidade do prprio programa23.
Como o Acelera foi construdo para ser implementado em qualquer parte do
Brasil, necessria tambm uma ao no eixo poltico. Assim, a estratgia de
implementao do programa inclui o compromisso poltico das autoridades com a
regularizao do fluxo escolar.
Resultados alcanados
Em mais de dez anos de existncia, o Acelera Brasil j atendeu 298.216
crianas, em 319 municpios. A mdia de aprovao dos alunos beneficiados pelo
programa de 93% nos estados que adotaram a tecnologia social como poltica pblica,
enquanto a mdia nacional de 78,70%.24
As cidades que implementaram o Acelera tiveram uma mdia de distoro
escolar 23,4% menores que a mdia das cidades brasileiras, no mesmo perodo. Estes
resultados representam uma economia de 60% dos gastos municipais com a distoro
escolar (GOLDENBERG, 2005:284).
c) Programa Formare25:
O programa Formare uma iniciativa da Siderrgica Iochpe, que, desde 1988,
mantm duas escolas tcnicas nas cidades de Canoas, no Rio Grande do Sul, e So
Bernardo do Campo, em So Paulo, oferecendo capacitao profissional para jovens de 23 JOO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA, em artigo publicado em Cadernos de Pesquisa, n 116, PP 177-215, julho/ 2002. 24 http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna/br/default.asp, acessado em 10/07/08. 25 As informaes sobre o Programa Formare foram retiradas do site http://www.formare.org.br, acessado em 21/01/08, e de entrevista feita, no mbito desta pesquisa, com Beth Callia, coordenadora do programa Formare, em abril de 2007.
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baixa renda, de 15 a 17 anos. O programa comeou a despertar o interesse de outras
empresas e, em 1994, foi criada a Fundao Iochpe, que sistematizou a sua metodologia
de trabalho com o apoio da Cherto Consultores, nos moldes de uma franquia comercial.
Atualmente, o programa acontece no interior das mais de 40 empresas parceiras da
Fundao.
O problema
O desemprego entre jovens de 15 a 24 anos maior do que em outras faixas
etrias. Estudo do economista Marcio Pochmann, da Unicamp, a partir da anlise de
dados do IBGE, mostra que, de 1995 a 2005, de cada 100 jovens que ingressaram no
mundo do trabalho, 55 ficaram desempregados26.
A taxa de desocupao dos jovens quase duas vezes maior do que a da
populao em geral, segundo o estudo "Juventude: Diversidades e desafios no mercado
de trabalho metropolitano", do Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos
Socioeconmicos (Dieese), divulgado na Folha Online27. De acordo com este estudo,
dos 3,5 milhes de desempregados em 2004 nas cidades de Belo Horizonte, Porto
Alegre, Recife, Salvador, So Paulo e Distrito Federal, 1,6 milho so de jovens, o que
representa 46,4% do total.
A soluo
O foco do Programa Formare oferecer cursos de formao inicial para o
mundo do trabalho, nas sedes das empresas parceiras, possibilitando a obteno do
primeiro emprego para jovens de 15 a 17 anos. As empresas disponibilizam espao
fsico (sala de 60m), equipamentos e funcionrios para atuarem como educadores
voluntrios.
Os jovens atendidos so de famlias com renda per capita de meio salrio
mnimo e moram em comunidades vizinhas s empresas.
Perfil da tecnologia social do Programa Formare
Os jovens atendidos pelo Formare devem apresentar as seguintes caractersticas:
potencial de desenvolvimento, estar cursando o ensino mdio na escola pblica formal,
no ter acesso a cursos profissionalizantes e no ser filho de funcionrio da empresa
26 Dados retirados da matria Desemprego entre jovens brasileiros dobrou entre 1995 e 2005, mostra estudo, publicada no site da Agncia Brasil: http://www.agenciabrasil.gov.br, acessado em 15/01/08. 27 Matria Desemprego entre jovens quase duas vezes maior, diz pesquisa Dieese, publicada no site http://www1.folha.uol.com.br, acessado em 15/01/08.
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onde tem lugar o curso de formao. As aulas so ministradas por educadores-
voluntrios, funcionrios das empresas, que passam por uma capacitao inicial de 16
horas.
As empresas que adotam o Programa devem oferecer aos alunos: bolsa auxlio
mensal de R$ 400,00 (quatrocentos reais), alimentao, transporte, assistncia mdica e
psicolgica, seguro de vida, uniforme e material escolar. Para utilizar a metodologia do
Formare e receber consultoria, capacitao e material do programa, cada empresa paga,
anualmente, cerca de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) para a Fundao Iochpe.
Cada empresa deve formar, pelo menos, 20 alunos por ano, em cursos que tm
durao mnima de 800 horas-aula, com 25 horas de aula por semana, incluindo prticas
profissionais. O Formare j formatou mais de 47 cursos diferentes assistente de gesto
de sistemas, assistente de operaes logsticas e servio, assistente de produo
farmacoqumica e cosmtica, entre outros , que so certificados pela Universidade
Tecnolgica Federal do Paran (UTFPR). O programa tambm oferece s empresas
parceiras acesso a uma extranet e vdeos prprios para sensibilizao e capacitao.
Resultados alcanados
Presente em dez estados brasileiros, alm de manter uma escola na Argentina, o
Formare j beneficiou mais de 5.000 jovens. Uma avaliao externa realizada pelo
Instituto Fonte, em 2002, revela que 85% dos jovens egressos esto empregados e 77%
aumentaram suas responsabilidades profissionais. A renda desses jovens profissionais
dobrou nos dois primeiros anos de insero no mundo do trabalho.
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Captulo 2: conceito de esporte educacional
O desporto arma-se de tanta expresso, que seu esprito deixa
de ser inerente ao desportista para transcender sociedade.
Lyra Filho
Quando estudamos o esporte comum nos depararmos com expresses como
maior fenmeno social da atualidade ou indstria que mais cresce no mundo.
Lucena (apud BRACHT, 2000/1:14) se pergunta: como lidar com um fenmeno to
poderoso como o esporte sem sucumbir a ele?.
Ao longo da sua histria, o esporte tem servido a vrios propsitos, a ponto de,
atualmente, ser necessrio identificar de que tipo de esporte estamos falando. No
Dicionrio Enciclopdico Tubino do Esporte (2007) possvel encontrar uma infinidade
de termos para definir os vrios esportes: esporte-espetculo, esporte social, esportes
adaptados, esportes radicais, dentre muitos outros.
Pela legislao vigente no Brasil, so reconhecidas trs dimenses do esporte:
esporte de rendimento, esporte de participao e esporte educacional. A viso
educacional, objeto deste estudo, vem acompanhando o esporte notadamente desde a
Antiguidade, quando, em especial na Grcia, buscava-se uma educao integral;
passando pelo pedagogo ingls Thomas Arnold e pelas idias do olimpismo; at
chegarmos aos dias atuais, quando o esporte imps-se como fora catalisadora para a
promoo social.
2.1 Breve histrico do esporte
A gnese do esporte moderno deu-se na Inglaterra do sculo XIX. J a origem da
prtica esportiva em si no identificada de forma precisa. A Universidade do Esporte
(UE) assinala a crena de que, aps a alimentao, a mais antiga forma de atividade
humana a que hoje se conhece por esporte28. No Egito, ainda segundo a UE, as
prticas esportivas remontam a 2.700 a.C., com objetivos militares ou carter religioso.
O pioneirismo na sistematizao destas prticas dos persas e sobretudo dos gregos.
28 http://www.ueonline.com.br/universidadedoesporte/index.htm, acessado em 20/06/08.
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Na Grcia Antiga, a prtica atltica se inseria num extenso e complexo sistema
de educao (paidia) que, na maioria absoluta das polis, visava preparao militar
(CODEO, 2007:80). Na cidade-estado de Atenas, os esportes passaram gradualmente
esfera cvica e herica (BARROS apud CODEO, 2007:80), sendo o ensino esportivo
inserido no sistema de instruo cidad, que contemplava um determinado perfil de
jovem homem, filho de atenienses, livre, participante da poltica pblica e da vida
militar (THEML apud CODEO, 2007:80).
Alm do aspecto fsico, o sistema de instruo grego tambm inclua estudos
tericos, como letras e matemtica, e prticas polticas, como participao nas
assemblias e debates na praa pblica. O modelo almejado de cidadania inclua valores
como coragem, fora e agilidade.
Os ginsios eram os espaos pblicos onde aconteciam a prtica esportiva e
tambm as atividades culturais, como a filosofia. Segundo Codeo, estava presente na
Grcia a idia de doutrinar o indivduo numa vida saudvel. Os gregos valorizavam
tudo que pudesse ser benfico euxia, a sade, e os esportes, desde que bem
administrados, eram uma fonte inesgotvel de bons frutos para o corpo e para a mente
(2007:82).
A competio tambm figurava entre os objetivos do sistema de ensino
ateniense. Os jogos, entre jovens da mesma cidade ou de outras pleis, aconteciam em
momentos festivos, sendo os Jogos Olmpicos os principais e mais antigos do circuito
pan-helnico, tendo acontecido, comprovadamente, desde 777 a.C. (FERREIRA,
2007:104) at 393 d.C. Discorrendo sobre o carter competitivo dos jogos, Ferreira
afirma:
A importncia outorgada s vitrias olmpicas servia muitas vezes como discurso de superioridade perante as plis rivais, j que o atleta competia em nome de sua plis, e representava toda a sua comunidade. Na presena de todo o mundo grego, a vitria olmpica permitia ao vencedor e sua plis um local de destaque perante as demais. (FERREIRA, 2007:106)
O enaltecimento da vitria acabou por gerar uma profissionalizao das
prticas esportivas, levando as cidades-estado a oferecerem prmios aos vencedores.
Com o destaque dado competio, em detrimento da formao pedaggica, perdia-se a
conexo com a vida e a dimenso da existncia, conforme assinalou Plato na Repblica
(apud FERREIRA, 2007:106).
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Na Idade Mdia, a prtica esportiva entrou em uma fase de estagnao, com o
fim do paganismo e o crescimento do cristianismo, s sendo retomada nos sculos XVI
e XVII durante o Renascimento, com o advento do humanismo, segundo a Universidade
do Esporte. Na Inglaterra, no apogeu da Revoluo Industrial, no final do sculo XIX, o
esporte moderno encontrou as condies ideais para a sua institucionalizao.
Segundo Betti (apud SCAGLIA, 2003:24), com a popularizao dos jogos na
Inglaterra, os pedagogos ingleses perceberam que o esporte poderia ser utilizado nas
escolas, com o objetivo de disciplinar e diminuir o tempo livre dos filhos da burguesia.
As tradicionais Escolas Pblicas (...), as Universidades e a classe mdia emergente da Revoluo Industrial tiveram participao fundamental nesse processo. Os estudantes das Public Schools promoviam os jogos futebol, caa e tiro desafiando s vezes a proibio das autoridades educacionais que os consideravam perigosos e violentos. (...) A Inglaterra foi tambm pioneira em aceitar e utilizar o esporte como meio de educao. O exemplo da Escola de Rugby, onde seu diretor Thomas Arnold (1795-1842) suprimiu a ilegalidade de alguns jogos esportivos (...). A capacidade de governar outros e controlar a si prprio, a atitude de combinar liberdade com ordem (Comisso Real das Escolas Pblicas, citado por McIntosh, 1973, p.119) era o modelo aceito da Educao Fsica nas Escolas Pblicas. (BETTI apud SCAGLIA, 2003:25)
A utilizao do esporte nas escolas, pelas elites inglesas, gerou a necessidade de
universalizar as regras dos jogos, em especial do futebol. Em 1846, as dez primeiras
regras foram impressas em folhetos e, em 26 de outubro de 1863, na Taberna dos
Maons Livres, na Great Queen Street, em Londres, aconteceu a famosa reunio que
consolidou as regras do futebol (SCAGLIA, 2003:25), possibilitando o crescimento do
football association.
O esporte experimentou diversas fases aps a sua utilizao pedaggica, iniciada
por Thomas Arnold, e o processo de consolidao das regras vivenciado na Inglaterra.
Segundo a Universidade do Esporte, no final do sculo XIX havia trs linhas
doutrinrias das atividades fsicas:
a ginstica nacionalista (alem), que valoriza aspectos ligados ao patriotismo e ordem; a ginstica mdica (sueca), voltada para fins teraputicos e preventivos; e o movimento do esporte (ingls), que introduz a concepo moderna de esporte e impulsiona a restaurao do movimento olmpico, com o baro Pierre de Coubertin. Esta
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ltima linha prevalece e leva realizao da primeira Olimpada da Era Moderna em 1896, em Atenas29.
A primeira metade do sculo XX marca um perodo conturbado tambm para o
esporte, por conta das guerras mundiais que provocaram o cancelamento dos Jogos
Olmpicos de 1940 e 1944. De 1950 a 1990, o esporte:
sacudido por uma nova realidade. A co