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Fabrico de pão No fabrico do pão entra como principal matéria-prima a farinha; esta é um produto obtido da moagem de determinados cereais como o trigo, o centeio ou o milho. Para a obtenção deste cereais nas melhores qualidades e quantidades deveriam ser semeados nos seguintes locais do Peso: o milho, nos lodeiros junto ao rio; o centeio nos alqueves dos cabeços como a Pedra Alta, a Cilha, a Giestosa, etc.; o trigo nos terrenos intermédios entre as sementeiras do milho e do centeio; todos estes terrenos, embora secos, devem ser de boa qualidade. Ceifado o trigo e o centeio eram colocados nas eiras sob o tórrido calor solar; nos primeiros dias de Julho os cereais eram arrumados no chão, em porções sobrepostas de modo que uma camada ficasse invertida em relação à camada anterior; as espigas de um estrato ficavam viradas para o lado oposto na camada seguinte e assim sucessivamente. Com antecedência conveniente combinavam-se os homens para o dia, hora e local da malha. Não havendo máquinas malhadeiras, a malha era feita com um utensílio próprio chamado malho, mas que no Peso era mais conhecido por mangual. O mangual era um pau redondo, grosso, de madeira, na ponta do qual havia uma junção feita em tiras de cabedal, que o ligava a um cabo grosso, mas mais comprido. A malha era uma tarefa feita com prazer e alegria. Aliás, assim era todo o trabalho do campo. No final da malha chegava a recompensa do esforço despendido, com a refeição; esta era de “fazer peito”, isto é, uma boa refeição em quantidade, mas também em qualidade; raramente faltava um prato de grão cozido, abundantemente acompanhado com conduto do melhor que havia na salgadeira, ou no pote dos enchidos, para além da deliciosa pinga de vinho caseiro. Os grãos de cereais eram triturados nos moinhos. No Peso havia, no início do século XX, dois moinhos para fabricarem a farinha; estavam ambos situados relativamente perto um do outro, no sítio da Barroca, junto ao Braçal, por ser uma zona com uma certa elevação, e aonde corre bastante vento propício a fazer mover as velas. Um dos moinhos pertencia ao Sr. Vicente de Almeida e o outro ao Sr. João Gonçalves. Deste último já não há vestígios, do outro ainda é possível observarem-se resquícios. Os moinhos também tinham as suas particularidades quanto à melhor maneira de produzirem a farinha. Assim, o centeio e o milho deveriam ser moídos na pedra centeeira, ao passo que para se obter uma boa qualidade de farinha de trigo, este deveria ser moído numa pedra alveira; caso contrário a qualidade da farinha de trigo diminuía dando origem a que o pão fabricado com ela fosse conhecido por pão borneiro. Por esta razão a padaria dos Belarminos do Peso mandavam moer o trigo num moinho do Paul, cujas pedras eram alveiras; o centeio e o milho já eram encaminhados para um dos dois moinhos do Peso. Devido à qualidade do pão fabricado no Peso houve necessidade de estipular dias certos para a distribuição, que nessa época era feita em carroças puxadas por machos. Assim, às 3ª e 6ªs feiras havia distribuição na Coutada, Barco e Paúl; às 5ªs feiras deslocavam-se às Cortes do Meio e Bouça; às 4ªs feiras e sábados iam aos Vales do Rio, Dominguiso e Tortosendo. À 2ª feira, como é dia de mercado no Fundão, não havia distribuição de pão, pois havia necessidade de comprar trigo, ou até farinha de trigo no armazém do Capitão Videira do Fundão.

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Peso 5

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  • Fabrico de po

    No fabrico do po entra como principal matria-prima a farinha; esta um produto

    obtido da moagem de determinados cereais como o trigo, o centeio ou o milho.

    Para a obteno deste cereais nas melhores qualidades e quantidades deveriam ser

    semeados nos seguintes locais do Peso: o milho, nos lodeiros junto ao rio; o centeio nos

    alqueves dos cabeos como a Pedra Alta, a Cilha, a Giestosa, etc.; o trigo nos terrenos

    intermdios entre as sementeiras do milho e do centeio; todos estes terrenos, embora secos,

    devem ser de boa qualidade.

    Ceifado o trigo e o centeio eram colocados nas eiras sob o trrido calor solar; nos

    primeiros dias de Julho os cereais eram arrumados no cho, em pores sobrepostas de modo

    que uma camada ficasse invertida em relao camada anterior; as espigas de um estrato

    ficavam viradas para o lado oposto na camada seguinte e assim sucessivamente.

    Com antecedncia conveniente combinavam-se os homens para o dia, hora e local da

    malha. No havendo mquinas malhadeiras, a malha era feita com um utenslio prprio

    chamado malho, mas que no Peso era mais conhecido por mangual.

    O mangual era um pau redondo, grosso, de madeira, na ponta do qual havia uma

    juno feita em tiras de cabedal, que o ligava a um cabo grosso, mas mais comprido.

    A malha era uma tarefa feita com prazer e alegria. Alis, assim era todo o trabalho do

    campo. No final da malha chegava a recompensa do esforo despendido, com a refeio; esta

    era de fazer peito, isto , uma boa refeio em quantidade, mas tambm em qualidade;

    raramente faltava um prato de gro cozido, abundantemente acompanhado com conduto do

    melhor que havia na salgadeira, ou no pote dos enchidos, para alm da deliciosa pinga de

    vinho caseiro.

    Os gros de cereais eram triturados nos moinhos. No Peso havia, no incio do sculo

    XX, dois moinhos para fabricarem a farinha; estavam ambos situados relativamente perto um

    do outro, no stio da Barroca, junto ao Braal, por ser uma zona com uma certa elevao, e

    aonde corre bastante vento propcio a fazer mover as velas.

    Um dos moinhos pertencia ao Sr. Vicente de Almeida e o outro ao Sr. Joo

    Gonalves. Deste ltimo j no h vestgios, do outro ainda possvel observarem-se

    resqucios.

    Os moinhos tambm tinham as suas particularidades quanto melhor maneira de

    produzirem a farinha. Assim, o centeio e o milho deveriam ser modos na pedra centeeira, ao

    passo que para se obter uma boa qualidade de farinha de trigo, este deveria ser modo numa

    pedra alveira; caso contrrio a qualidade da farinha de trigo diminua dando origem a que o

    po fabricado com ela fosse conhecido por po borneiro. Por esta razo a padaria dos

    Belarminos do Peso mandavam moer o trigo num moinho do Paul, cujas pedras eram alveiras;

    o centeio e o milho j eram encaminhados para um dos dois moinhos do Peso.

    Devido qualidade do po fabricado no Peso houve necessidade de estipular dias

    certos para a distribuio, que nessa poca era feita em carroas puxadas por machos. Assim,

    s 3 e 6s feiras havia distribuio na Coutada, Barco e Pal; s 5s feiras deslocavam-se s

    Cortes do Meio e Boua; s 4s feiras e sbados iam aos Vales do Rio, Dominguiso e

    Tortosendo. 2 feira, como dia de mercado no Fundo, no havia distribuio de po, pois

    havia necessidade de comprar trigo, ou at farinha de trigo no armazm do Capito Videira do

    Fundo.

  • O Social na Comunidade do Peso

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    Depois de triturado o cereal, o produto obtido era peneirado, ou seja, joeirado por um

    crivo, de preferncia de pano ou de arame muito fino; obtinham-se dois produtos idnticos,

    mas distintos; por um lado, a farinha, que se destinava ao fabrico de po, de bolos e outras

    receitas de culinria; por outro lado, o farelo, que era o produto mais grosso proveniente da

    moedura, que se destinava alimentao de animais domsticos, tais como porcos, galinhas,

    etc.

    Recorda-se que no tempo das grandes guerras, de 1914 a 1918, e a de 1939 a 1945,

    devido escassez de cereais, at o farelo era aproveitado para o fabrico de po! Ouvia dizer

    muitas vezes ao meu av Pires, que j referenciei algumas vezes anteriormente, que o po, por

    dentro, at praganas1 trazia; e mesmo deste po, pouco havia, e era racionado.

    Antes de existirem as padarias, o po era cozido em fornos comunitrios ou

    coletivos. Havia no Peso, em meados do sculo passado, nove fornos, sendo dois deles tipo

    comercial ou industrial, e os restantes sete eram tipo comunitrio ou coletivo.

    Os dois fornos de cariz comercial estavam ambos situados na rua principal do Peso, a

    atual rua Sargento Jos Paulo dos Santos; um deles, o forno dos Belarminos, pertencente ao

    Sr. Belarmino Baptista que foi casado com a D. Teresa Ferreira; o outro, o forno dos

    Cachopos Basis2, pertencia ao Sr. Baslio Pires que foi casado com a D. Maria Pereira Pires,

    mas vulgarmente chamada por Carlota.

    Os fornos comunitrios situavam-se nos seguintes locais:

    - Rua do Bardinho, na casa pertencente aos herdeiros do Sr. Armnio da Silva e esposa D.

    Gracinda Rebelo Machado; era da Sr. Maria Ins, me das Sr.as Maria Ins e Maria Augusta,

    e av do Dr. Antnio Pires Moro, Maria Leonor Pires Moro, e restantes irmos. Este forno

    j no existe.

    - Avenida Furriel Miliciano Anbal Jos Pereira Casteleiro, na casa pertencente aos herdeiros

    do Sr. Gabriel Versos de Oliveira Lobo e esposa D. Maria do Patrocnio Sousa Ribeiro. Este

    forno ainda existe.

    - Largo 25 de Abril de 1974, na casa de D. Maria de Lurdes Moro, viva do Sr. Manuel

    Pereira Pires Moro. Era do Sr. Antnio Abrantes, pai do Sr. Lus Abrantes. J no existe este

    forno.

    - Rua da Ladeira, num quintal pertencente D. Maria de Lurdes Morais Duarte Paulo, viva

    do Sr. Raul Proena Paulo; era da Sr. Maria do Carmo. J no existe este forno.

    - Rua Jogo da Bola, nos redutos da casa do Sr. Jos Pereira dos Santos, casado com a D.

    Albertina Maria Marques de Oliveira dos Santos. Este forno ainda existe, foi remodelado, mas

    mantm a parte essencial da traa primitiva.

    - Rua de Santa Maria Madalena, nas traseiras da sacristia da Igreja Matriz do Peso, numa casa

    pertencente D. Esperana dos Santos Aleixo Agostinho, viva de Joo Pereira Agostinho.

    Este forno foi demolido em 2014, mas mantm a chamin original.

    - Travessa do Sargento Jos Paulo dos Santos, na casa que dos herdeiros dos pais do

    Sargento Jos Paulo dos Santos. O forno pertencia ao Sr. Antnio Paulo e esposa que eram os

    avs do Sargento Jos Paulo dos Santos e irmos. Este forno j no existe.

    1 Restos das espigas de cereais. 2 Forma popular no Peso do plural da palavra Baslio.

  • O Social na Comunidade do Peso

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    Para se fazer a massa do po necessrio farinha, gua quente e fermento. O amassar

    do po era feito num masseiro.3 Para se retirar os restos da massa do masseiro utilizava-se

    uma raspadeira.

    O forno era aquecido a lenha; o trabalho de aquecer o forno, ir lenha, meter a massa

    do po no forno, retir-lo j cozido, entregar o po na casa do cliente, tudo isto era trabalho

    que tinha de ser pago. O pagamento destas tarefas no era feito a dinheiro, por ser escasso,

    mas com a poia.4 Por cada tabuleiro de po cozido, a forneira retirava uma poia.

    O trabalho da forneira ia muito mais alm do que isto, para alm da gesto do tempo,

    ela tinha de racionalizar o gasto da lenha; se tivermos em conta que mais fcil, e menos

    dispendioso, em termos de gastos de lenha, manter um forno quente durante dias seguidos do

    que deixar apag-lo; depois arrefece, ter de voltar a acender de novo, e aquecer at atingir a

    temperatura ideal, vai gastar muito mais lenha.

    Nesta ordem de ideias tornava-se indispensvel para a forneira, que as suas clientes

    se preparassem convenientemente para que, em determinado dia e hora indicado, estivessem

    com os tabuleiros da massa nos balces de pedra do forno, espera da vez de meterem o seu

    po. Esta racionalizao de trabalho pressupunha tambm um contato quase permanente entre

    forneira e cliente; este contato era feito por crianas, pois no havia telefones, e muito menos

    se imaginava um telemvel.

    Todo este trabalho, desde o amassar, at retirar o po do forno, seguia a mesma regra

    geral de todos os restantes trabalhos duros do campo, ou seja, era tambm um trabalho

    executado com alegria e com cantares.

    Deixo apenas aqui o refro da cantiga de quem fazia po saboroso:

    Assim se amassa,

    Assim se peneira,

    Assim se d volta,

    Ao po na masseira.

    Tambm a parte religiosa estava presente nestes atos, e por isso se rezava ao colocar

    o po dentro do forno:

    O Senhor te acrescente na masseira e no forno, como Deus aumentou o Mundo.

    - S. Vicente te acrescente, S. Joo te faa bom po, e ns a comer e tu a crescer;

    - Em nome de S. Mamede, Deus te levede;

    - Em nome de S. Vicente, Deus te acrescente.

    3 Recipiente retangular, em madeira. 4 Po grande que servia de forma de pagamento forneira pelos servios prestados.